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o mestre amílcar martins que conheci - Faculdade de Medicina da ...

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O MESTRE AMÍLCAR MARTINS QUE<br />

CONHECI<br />

João Amílcar Salgado<br />

Professor Aposentado <strong>da</strong> <strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>da</strong> UFMG<br />

Eu era aluno dos maristas em Varginha, no curso científico <strong>da</strong> época, quando ouvi<br />

meu tio, o sanitarista Aprígio <strong>de</strong> Abreu Salgado, então responsável pelo combate<br />

à malária na região do Sul <strong>de</strong> Minas, dizer <strong>de</strong> sua admiração a notável cientista<br />

seu amigo, também <strong>de</strong> nome Amílcar, o professor Amílcar Viana Martins - e <strong>que</strong><br />

era tão antifascista <strong>que</strong> quis ir para a Itália na guerra mundial. No ano seguinte,<br />

no mesmo colégio, fi<strong>que</strong>i amigo <strong>de</strong> um aluno <strong>que</strong> era poeta, Maurício Martins, e<br />

<strong>que</strong> me disse ter um parente Amílcar. Disse-lhe: se você é Martins, ele <strong>de</strong>ve ser o<br />

famoso professor <strong>da</strong> <strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> <strong>de</strong> <strong>Medicina</strong> - o <strong>que</strong> ele confirmou, com alegre<br />

surpresa.<br />

Em Belo Horizonte, preparava-me para o vestibular e fui apresentado por meu tio<br />

ao tal professor, na aveni<strong>da</strong> Augusto <strong>de</strong> Lima, em frente ao Instituto <strong>de</strong> En<strong>de</strong>mias<br />

Rurais. Pensei: como um célebre catedrático po<strong>de</strong> ser assim tão simples, tão<br />

amigo e tão bondoso Perguntou-me, brincando, se já me sentia preparado em<br />

biologia e aconselhou meu tio a emprestar-me o tratado <strong>de</strong> parasitologia do<br />

Samuel Pessoa. - Não será pesado para ele - Na<strong>da</strong> disso, é só ele usar o livro<br />

apenas para consulta. Por trás <strong>de</strong>sta confiante orientação, percebi a estatura do<br />

<strong>mestre</strong>.<br />

No vestibular <strong>de</strong> 1955 havia prova oral e na <strong>de</strong> biologia <strong>que</strong>m estava lá na banca<br />

Mar<strong>que</strong>s Lisboa, Amílcar Martins e Luigi Bogliolo. Temi: estou perdido, o xará<br />

vai-me perguntar coisas do Samuel Pessoa. Ao contrário, fez um repasse sobre


vários itens gerais e tratou-me como aos <strong>de</strong>mais. Lisboa, atrás <strong>de</strong> um monte <strong>de</strong><br />

plantas, me pediu para i<strong>de</strong>ntificar partes <strong>da</strong><strong>que</strong>les seres. Já o Bogliolo me olhou<br />

paternal e perguntou se <strong>de</strong> fato tinha a i<strong>da</strong><strong>de</strong> exigi<strong>da</strong> para entrar na universi<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong>sferiu: quais os perigos <strong>da</strong> consangüini<strong>da</strong><strong>de</strong> Dei a resposta correta.<br />

Então pediu mais: conhece casos <strong>de</strong> filhos entre irmãos E eu: pela lógica, os<br />

filhos <strong>de</strong> Adão; pela história, os do faraó. O professor Amílcar estava ouvindo e<br />

riu, em seu modo característico <strong>de</strong> rir, abaixando a cabeça. O Bogliolo, muito<br />

católico, ficou sem graça. Dias <strong>de</strong>pois o reencontrei em frente ao Instituto e ele<br />

me parabenizou pelo primeiro lugar no vestibular e comentou: <strong>que</strong>r dizer <strong>que</strong> a<br />

resposta ao Bogliolo não influiu em sua classificação...!<br />

O Juscelino impediu <strong>que</strong> eu tivesse as tão espera<strong>da</strong>s aulas <strong>de</strong> parasitologia com<br />

Amílcar Martins. Nomeou-o para cargo em seu governo e tivemos o curso com<br />

substituto <strong>de</strong> igual nível, o professor René Rachou, providência do próprio<br />

Amílcar. Mesmo assim, ao organizarmos o primeiro <strong>de</strong>bate médico-social <strong>da</strong><br />

Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>, no Diretório Acadêmico (numa época em <strong>que</strong> as doenças tinham<br />

causas apenas biológicas e nunca sociais), recorremos a ele para calar a direção<br />

<strong>da</strong> <strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong>. Queríamos aqui na<strong>da</strong> menos <strong>que</strong> o Ministro <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> e outras altas<br />

autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s, e o diretor zombou: nem a congregação e a reitoria soma<strong>da</strong>s<br />

conseguiriam <strong>de</strong>slocá-los, ain<strong>da</strong> mais conjuntamente.. Pois Martins nos ajudou a<br />

conseguir tudo e veio ele também para o histórico encontro, realizado não no<br />

salão nobre mas no apinhado recinto do diretório.<br />

Só viria reencontrar o professor Amílcar logo após minha formatura. Ao dizer-lhe<br />

<strong>que</strong> gostaria <strong>de</strong> ser pesquisador, ele sugeriu <strong>que</strong> me <strong>de</strong>dicasse à pesquisa clínica<br />

<strong>de</strong> campo. Alegou <strong>que</strong> a proliferação <strong>de</strong> sub-especialistas vinha impedindo, por<br />

exemplo, o relato <strong>da</strong> forma agu<strong>da</strong> <strong>da</strong> doença <strong>de</strong> Chagas. Com a ausência <strong>de</strong><br />

clínicos em condições <strong>de</strong> diagnosticá-la, ficava a impressão falsa <strong>de</strong> <strong>que</strong> a doença<br />

vinha <strong>de</strong>saparecendo, sendo <strong>que</strong> o diagnóstico a<strong>de</strong>quado é <strong>que</strong> estava <strong>de</strong>ixando <strong>de</strong><br />

existir. Apresentei-lhe então projeto para a verificação sistemática <strong>da</strong> forma agu<strong>da</strong><br />

<strong>da</strong> doença em to<strong>da</strong> a área endêmica mineira, cuja execução foi inviabiliza<strong>da</strong> pela


crise <strong>da</strong> renúncia <strong>de</strong> Jânio. Foi então <strong>que</strong> chega ao Instituto <strong>de</strong> En<strong>de</strong>mias o pedido<br />

feito por Paulo Nogueira Garcez para o estudo clínico e parasitológico <strong>da</strong><br />

paciente Berenice, recém-localiza<strong>da</strong>. Martins participou <strong>da</strong> <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> indicar a<br />

mim e a Celso Affonso <strong>de</strong> Oliveira para o estudo mais completo possível <strong>da</strong><strong>que</strong>le<br />

caso, pois fazíamos a integração entre o hospital universitário e o Instituto, por<br />

meio <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ira do professor João Gallizi.<br />

Os estudos revelaram <strong>que</strong> a paciente continuava infecta<strong>da</strong>, mas com sintomas<br />

surpreen<strong>de</strong>ntemente escassos. Isto causou satisfação ao parasitologista por<strong>que</strong> ele<br />

próprio se infectara e <strong>de</strong> tempos em tempos se julgava com sintomas <strong>da</strong> doença.<br />

Daí em diante nos encontrávamos com freqüência, em reuniões científicas e<br />

principalmente <strong>de</strong>fronte ao Café Nice, on<strong>de</strong> as discussões políticas ferviam <strong>de</strong> 61<br />

a 64, mas a mim ele gostava <strong>de</strong> perguntar as novi<strong>da</strong><strong>de</strong>s médicas fora <strong>da</strong><br />

parasitologia. Neste ponto é <strong>que</strong> verifi<strong>que</strong>i sua enorme cultura científica, para<br />

além <strong>de</strong> sua entranha<strong>da</strong> capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> pesquisador e do domínio bioparasitológico.<br />

Com o golpe <strong>de</strong> 64, a universi<strong>da</strong><strong>de</strong> passou a viver sob ameaça, e<br />

as sombras se a<strong>de</strong>nsaram em 68. No episódio <strong>da</strong> invasão <strong>da</strong> <strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> no dia<br />

03/05/68 , o mesmo <strong>da</strong> invasão <strong>da</strong> Sorbonne, lá estava ele, juntamente com<br />

Carlos Diniz e Noronha Peres, ao lado dos estu<strong>da</strong>ntes, apoiando-os e protegendoos.<br />

Constou <strong>que</strong> gente <strong>da</strong> própria congregação a <strong>que</strong> pertencia, ofusca<strong>da</strong> por tanta<br />

bravura, fez <strong>de</strong>la evidência acusatória contra ele, o <strong>que</strong> culminou com a<br />

<strong>de</strong>stituição e o exílio. Recusou a anistia, pois, <strong>de</strong> acordo com sua ética em carne<br />

viva, aceitá-la significava reconhecer <strong>que</strong> transgredira - mas transgredira o <strong>que</strong>,<br />

perguntava indignado.<br />

Ao criarmos o Centro <strong>da</strong> Memória <strong>da</strong> <strong>Medicina</strong> <strong>de</strong> Minas Gerais, ele nos aplaudiu<br />

e ajudou. Não foi por acaso, portanto, <strong>que</strong> a primeira sala do Centro foi a<br />

<strong>de</strong>dica<strong>da</strong> a seu sogro Borges <strong>da</strong> Costa e lá na concorri<strong>da</strong> festa estavam presentes<br />

Tancredo Neves e a cúpula <strong>da</strong> inteligência política e cultural <strong>de</strong> Minas. O<br />

discurso do lí<strong>de</strong>r estu<strong>da</strong>ntil Jésus Fernan<strong>de</strong>s, em <strong>que</strong> citou Amílcar Martins várias<br />

vezes, foi talvez o mais violento ata<strong>que</strong> à ditadura sem <strong>que</strong> esta usasse <strong>da</strong>


costumeira repressão, e isto se <strong>de</strong>u um ano antes <strong>da</strong> bomba do Riocentro. Neste<br />

sentido, tal fato político teve continui<strong>da</strong><strong>de</strong> com a eleição estadual <strong>de</strong> Tancredo,<br />

com a greve <strong>de</strong> repercussão nacional pela eleição direta do diretor <strong>da</strong> <strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong> e<br />

finalmente com a campanha <strong>da</strong>s diretas, tendo por coroamento o ocaso dos vinte<br />

anos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r militar.<br />

Numa <strong>de</strong> suas visitas ao Centro <strong>de</strong> Memória, disse-lhe <strong>que</strong>, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> organizar a<br />

sala Baeta Viana, passei a estu<strong>da</strong>r os Vianas na <strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong>, em Minas e no Brasil,<br />

com base em <strong>da</strong>dos fornecidos por Ivan Martins Viana. E <strong>que</strong> me admirava <strong>de</strong><br />

ninguém ter escrito algo <strong>que</strong> traçasse a saga <strong>de</strong>ssa gente, sobretudo para celebrar<br />

a vocação pe<strong>da</strong>gógica, sempre referi<strong>da</strong> à ciência, <strong>que</strong> sobressai no Marquês <strong>de</strong><br />

Sapucaí, em Baeta Viana e em Amílcar Viana. E ele encabulado: não me<br />

comprometa com os monarquistas nem com os americanófilos! Veio, então, à<br />

tona a Fun<strong>da</strong>ção Rockefeller, quando afinal me assustou com o seguinte <strong>de</strong>safio:<br />

se vocês não documentarem o escân<strong>da</strong>lo <strong>da</strong> ancilostomose perpetrado pela<br />

Rockefeller, <strong>de</strong> na<strong>da</strong> adiantou criar este Centro <strong>de</strong> Memória. Des<strong>de</strong> então passei a<br />

recolher acervo crescente sobre o tema, e vejo <strong>que</strong> <strong>de</strong> fato ele tinha razão, pois<br />

po<strong>de</strong>ria ter sido tudo es<strong>que</strong>cido <strong>de</strong>finitivamente.<br />

Tal vigilância está <strong>de</strong> acordo com a tradição mineira, <strong>que</strong> remonta aos estu<strong>da</strong>ntes<br />

<strong>de</strong> medicina inconfi<strong>de</strong>ntes, <strong>de</strong> arrebatado engajamento cívico (inclusive entre<br />

cientistas) e está documenta<strong>da</strong> na entrevista <strong>da</strong> Semana Ilustra<strong>da</strong>, recolhi<strong>da</strong> ao<br />

Centro <strong>de</strong> Memória por Ronaldo Simões, on<strong>de</strong> o jovem Amílcar Martins,<br />

candi<strong>da</strong>to ao Centro Acadêmico <strong>da</strong> época, já exibe os traços <strong>de</strong> combativi<strong>da</strong><strong>de</strong> e<br />

li<strong>de</strong>rança <strong>que</strong> por to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> seriam indissociáveis <strong>de</strong> sua vocação fun<strong>da</strong>mental<br />

<strong>de</strong> homem <strong>de</strong> ciência (cópia com foto anexa). Diante <strong>de</strong>ste documento,<br />

enten<strong>de</strong>mos melhor ain<strong>da</strong> seu gesto no referido <strong>de</strong>bate médico-social.<br />

Na mesma linha, outra indignação nele recorrente referia-se ao litígio entre<br />

Benedito Vala<strong>da</strong>res e os cientistas do Instituto Ezequiel Dias. Sempre me<br />

prometia colocá-la no papel e enfim lá está ela <strong>de</strong> algum modo no número


especial <strong>da</strong>s Memórias <strong>de</strong>ste Instituto, inclusive a cena do bibliófobo rachador<br />

<strong>de</strong> lenha, episódio <strong>que</strong> tinha tanto prazer em repetir e eu maior prazer em ouvir.<br />

Quando era eu a contar, ele dizia, você está floreando, mas foi isso mesmo.<br />

Quando escrevi sobre a evolução pe<strong>da</strong>gógica <strong>da</strong> <strong>Facul<strong>da</strong><strong>de</strong></strong>, mostrei <strong>que</strong> entre<br />

1927 e 1931 houve aí fato singular, pois foram contemporâneos na<strong>da</strong> menos <strong>que</strong><br />

o maior governante <strong>que</strong> o país já teve (Kubitschek), o maior memorialista <strong>da</strong><br />

língua (Nava), o gran<strong>de</strong> historiador sistemático <strong>da</strong> medicina nacional (Sales), o<br />

mais original prosador <strong>da</strong> língua (Rosa), o maior <strong>de</strong>rmatologista <strong>da</strong>s Américas <strong>de</strong><br />

seu tempo (Costa) e o maior parasitologista brasileiro, ao suce<strong>de</strong>r a Samuel<br />

Pessoa (Martins). A eles <strong>de</strong>ve somar-se o maior poeta mo<strong>de</strong>rno <strong>de</strong> nossas letras<br />

(Drummond), pois os cursos <strong>de</strong> farmácia e medicina conviviam <strong>de</strong>ntro e fora <strong>da</strong>s<br />

aulas. Demais, não se <strong>de</strong>ve es<strong>que</strong>cer <strong>que</strong> essa plêia<strong>de</strong> fulgurante estava sob a<br />

influência pe<strong>da</strong>gógica, científica e i<strong>de</strong>ológica <strong>de</strong> dois docentes excepcionais: José<br />

Baeta Viana, o schollar <strong>da</strong> bioquímica latinamericana e Carlos Pinheiro Chagas, o<br />

imortal orador no funeral <strong>de</strong> João Pessoa. Curiosamente, a Juca Viana e Carleto<br />

Chagas estava reservado o papel <strong>de</strong> tenentistas no âmbito <strong>da</strong> ciência e, como tais,<br />

veículos <strong>da</strong> neo-influência norte-americana. Assim, no ímpeto revolucionário<br />

po<strong>de</strong>riam agir <strong>de</strong>strutivamente contra o <strong>que</strong> <strong>de</strong> mais sério em ciência havia no<br />

Brasil: o fenômeno pastoriano <strong>de</strong> Manguinhos. Mas Carleto era parente <strong>de</strong><br />

Carlos, o diretor <strong>de</strong> Manguinhos, e Juca <strong>de</strong> Amílcar, a mais promissora estrela <strong>da</strong><br />

respectiva filial mineira. Infelizmente o conflito constitucionalista e as mortes <strong>de</strong><br />

Carlos e Carleto fizeram o país per<strong>de</strong>r mais <strong>de</strong> uma déca<strong>da</strong> nesse setor<br />

fun<strong>da</strong>mental, per<strong>da</strong> agrava<strong>da</strong> pelos quinze anos <strong>de</strong> getulismo e pela guerra<br />

mundial, e simboliza<strong>da</strong> no cho<strong>que</strong> com Vala<strong>da</strong>res.<br />

Frustração análoga veio com os vinte anos <strong>de</strong> governo militar. Daí <strong>que</strong>, quando<br />

preparávamos os nomes para o governo presi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> Tancredo, não titubeamos<br />

em convi<strong>da</strong>r Amílcar Martins para o Conselho Nacional <strong>de</strong> Pesquisas. Respon<strong>de</strong>u<br />

<strong>que</strong> não aceitaria, mas <strong>que</strong> arranjássemos alguém aberto a sugestões <strong>de</strong>le, pois<br />

tinha muitas idéias sufoca<strong>da</strong>s, à espera <strong>de</strong> um clima <strong>de</strong> renova<strong>da</strong> esperança como


o <strong>da</strong><strong>que</strong>les dias.<br />

A propósito, <strong>que</strong>ro citar dois exemplos do modo particular <strong>de</strong> Martins ser<br />

cientista, diante <strong>de</strong> certa ciência oficial.<br />

Suspeitava-se <strong>de</strong> surto <strong>de</strong> peste bubônica em Minas e ele ficou indignado com a<br />

levian<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> autori<strong>da</strong><strong>de</strong> sanitária em negar sem verificar. Chama seu gran<strong>de</strong><br />

amigo <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong>, Noronha Peres ( homem ao mesmo tempo <strong>de</strong> Manguinhos e<br />

<strong>de</strong> Harvard), chegam ao foco, conseguem autorização para exumar simples<br />

falange <strong>de</strong> vítima fatal e na medula óssea <strong>de</strong>monstram o sinistro bacilo, rastilho<br />

<strong>da</strong> morte negra medieval, talvez a maior hecatombe <strong>da</strong> humani<strong>da</strong><strong>de</strong>. Perguntei a<br />

Peres por <strong>que</strong> não relutara em acompanhá-lo, arriscando o emprego. E ele:<br />

por<strong>que</strong> o Amílcar... ... , bem, o Amílcar é o Amílcar.<br />

O segundo exemplo se <strong>de</strong>u quando oficialmente não havia calazar em Minas.<br />

Bogliolo o diagnostica em necrópsia, e há dúvi<strong>da</strong>. Liga para Martins, <strong>que</strong><br />

pergunta <strong>de</strong> on<strong>de</strong> é o morto. De Tarumirim, então vamos para lá, agora!.<br />

Bogliolo estava tão <strong>de</strong>spreparado para a<strong>que</strong>la prontidão <strong>que</strong> enviou em seu lugar<br />

Edmundo Chapa<strong>de</strong>iro. Com o foco <strong>de</strong>scrito, não cabia qual<strong>que</strong>r dúvi<strong>da</strong>, e hoje a<br />

doença, escan<strong>da</strong>losamente urbaniza<strong>da</strong>, domina cães febris enrodilhados na soleira<br />

<strong>da</strong> porta <strong>da</strong> rua Luz ou sobre o túmulo do <strong>de</strong>stemido <strong>mestre</strong>.<br />

A última vez <strong>que</strong> conversamos foi na reunião em sua casa, quando se preparava o<br />

encontro entre o diplomata Flecha <strong>de</strong> Lima e o governador Newton Cardoso, na<br />

esperança <strong>de</strong> se preservar a fun<strong>da</strong>ção estadual <strong>de</strong> amparo à pesquisa. Queixou-me<br />

<strong>que</strong> a<strong>que</strong>le falatório o estava <strong>de</strong>ixando aturdido e me fez prometer <strong>que</strong> voltaria<br />

com calma para contar-lhe coisas engraça<strong>da</strong>s.<br />

Não voltei, mas <strong>de</strong>ixo aqui minha sau<strong>da</strong><strong>de</strong> - inseparável <strong>da</strong> admiração <strong>que</strong> com o<br />

tempo cresce em múltiplos aspectos, muitos dos quais antes <strong>de</strong>sapercebidos.<br />

Belo Horizonte 21/4/99

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