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responsabilidade tributária dos administradores da ... - Milton Campos

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1<br />

VALÉRIA DUARTE COSTA PAIVA<br />

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS<br />

ADMINISTRADORES DA SOCIEDADE LIMITADA<br />

Nova Lima<br />

Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />

2007


2<br />

VALÉRIA DUARTE COSTA PAIVA<br />

RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS<br />

ADMINISTRADORES DA SOCIEDADE LIMITADA<br />

Dissertação apresenta<strong>da</strong> ao curso de Pós-<br />

Graduação Mestrado Stricto Sensu <strong>da</strong><br />

Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> como<br />

requisito parcial à obtenção do título de<br />

Mestre em Direito Empresarial.<br />

Área de concentração: Direito Empresarial<br />

Orientador: Prof. Dr. Alexandre Bueno<br />

Cateb.<br />

Nova Lima<br />

Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />

2007


3<br />

P149r<br />

Paiva, Valéria Duarte Costa<br />

Responsabili<strong>da</strong>de tributária <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> / Valéria Duarte<br />

Costa Paiva – Nova Lima: Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> / FDMC, 2007<br />

169 f. enc.<br />

Orientador: Dr. Alexandre Bueno Cateb<br />

Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de<br />

concentração Direito empresarial junto a Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />

Bibliografia: f. 162-168<br />

1. Responsabili<strong>da</strong>de tributária 2. Socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> 3. Socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> -<br />

<strong>administradores</strong> I. Cateb, Alexandre Bueno II. Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> III. Título<br />

CDU 347. 724<br />

__________________________________________________________________<br />

Ficha catalográfica elabora<strong>da</strong> por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206


4<br />

Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />

Curso de Pós-Graduação Mestrado Stricto Sensu<br />

Dissertação intitula<strong>da</strong> RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS<br />

ADMINISTRADORES DA SOCIEDADE LIMITADA, de autoria de VALÉRIA<br />

DUARTE COSTA PAIVA, analisa<strong>da</strong> pela banca examinadora constituí<strong>da</strong> pelos<br />

seguintes professores:<br />

___________________________________________________________________<br />

Prof. Dr. Alexandre Bueno Cateb – Orientador<br />

___________________________________________________________________<br />

___________________________________________________________________<br />

Nova Lima,


5<br />

AGRADECIMENTOS<br />

Aos meus pais, pelo apoio e pela dedicação durante minha formação profissional e<br />

pessoal, por acreditarem nos meus sonhos e em minha capaci<strong>da</strong>de de realizá-los.<br />

Ao Rodrigo, por todo amor e apoio.<br />

Ao Professor Alexandre Bueno Cateb, pela disponibili<strong>da</strong>de, pela atenção dedica<strong>da</strong> e<br />

pela transmissão <strong>dos</strong> conhecimentos indispensáveis ao desenvolvimento deste<br />

trabalho.


6<br />

RESUMO<br />

PAIVA, Valéria Duarte Costa. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>. Belo Horizonte, 2007. 169 f. Dissertação (Mestrado em Direito<br />

Empresarial) – Facul<strong>da</strong>de de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>, Belo Horizonte, 2007.<br />

Os <strong>administradores</strong> de uma socie<strong>da</strong>de são aqueles incumbi<strong>dos</strong> de conduzir os<br />

negócios sociais, manifestando a vontade <strong>da</strong> pessoa jurídica na realização de seus<br />

fins sociais. Nesse contexto, os <strong>administradores</strong>, desde que no regular cumprimento<br />

de suas funções, não respondem pelas obrigações contraí<strong>da</strong>s pela pessoa jurídica.<br />

A socie<strong>da</strong>de, marca<strong>da</strong> pela autonomia patrimonial, não se confunde com a pessoa<br />

<strong>dos</strong> sócios ou <strong>administradores</strong>. O Direito Tributário reconhece a autonomia <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de em relação à pessoa <strong>dos</strong> seus <strong>administradores</strong>. No entanto, em<br />

determina<strong>da</strong>s circunstâncias, diante <strong>da</strong> prática de atos ilícitos, o administrador<br />

responderá pelas obrigações tributárias de forma pessoal e exclusiva. Com foco nas<br />

socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, <strong>da</strong><strong>da</strong> a grande aceitabili<strong>da</strong>de de tal tipo societário em nossa<br />

socie<strong>da</strong>de, neste trabalho o objetivo é analisar o conteúdo do art. 135, III, do Código<br />

Tributário Nacional, estabelecendo, dessa forma, os contornos principais <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> de tal tipo societário no direito<br />

brasileiro e delinear os pressupostos de atuação <strong>da</strong> norma no caso concreto. No<br />

estudo, analisa-se, ain<strong>da</strong>, se o inadimplemento <strong>da</strong> obrigação tributária poderá ser<br />

caracterizado como infração à lei capaz de acarretar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal do<br />

administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Responsabili<strong>da</strong>de, tributária, <strong>administradores</strong>, socie<strong>da</strong>des<br />

limita<strong>da</strong>s.


7<br />

ABSTRACT<br />

PAIVA, Valéria Duarte Costa. Tax liability of administrators of limited liability<br />

companies. Belo Horizonte, 2007. 169 f. Dissertation (Master’s Degree in Business<br />

Law) – <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong> Law School, Belo Horizonte, 2007.<br />

The administrators of a company are responsible for carrying out company business,<br />

manifesting the company’s will to achieve its objectives. Therefore, administrators,<br />

provided that they are performing their functions in compliance with the law, are not<br />

personally liable for the obligations of the company. The company, characterized by<br />

autonomous asset ownership, is not to be confused with the shareholders or<br />

administrators. Tax Law recognizes the autonomy of the company in relation to the<br />

individual administrators. However, under certain circumstances, in light of illicit acts,<br />

administrators are personally and exclusively liable for tax obligations. Focusing on<br />

limited liability companies, given the wide acceptance of this type of company in our<br />

society, the purpose of this study is to analyze article 135, III, of the National Tax<br />

Code, in order to establish the principal aspects of tax liability of administrators of this<br />

type of company in Brazilian law, and to lay out the requirements for applying the law<br />

in actual cases. This study also analyzes whether default of tax obligations can be<br />

characterized as an infraction of the law, capable of leading to personal liability of the<br />

administrator of a limited liability company.<br />

KEY-WORDS: Liability, tax, administrators, limited liability companies.


8<br />

SUMÁRIO<br />

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................<br />

8<br />

2 RESPONSABILIDADE CIVIL .........................................................................<br />

2.1 Conceito.......................................................................................................<br />

2.2 Breve histórico sobre a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil .......................................<br />

2.3 Culpa.............................................................................................................<br />

2.4 Dano..............................................................................................................<br />

2.5 Nexo de causali<strong>da</strong>de...................................................................................<br />

2.6 Responsabili<strong>da</strong>de contratual e <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> extracontratual.........<br />

2.7 Responsabili<strong>da</strong>de subjetiva e <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva ......................<br />

11<br />

11<br />

13<br />

18<br />

23<br />

28<br />

31<br />

34<br />

3 SOCIEDADES LIMITADAS.............................................................................<br />

3.1 Histórico ......................................................................................................<br />

3.2 Características ............................................................................................<br />

3.2.1 Limitação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>...............................................................<br />

3.2.2 Constituição .............................................................................................<br />

3.2.3 Divisão do capital social em quotas.......................................................<br />

3.3 Regulamentação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>....................................................<br />

41<br />

41<br />

46<br />

47<br />

50<br />

53<br />

53<br />

4 ADMINISTRADORES DA SOCIEDADE LIMITADA........................................<br />

4.1 Natureza jurídica e conceito.......................................................................<br />

4.2 A administração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> no Código Civil de 2002...........<br />

60<br />

60<br />

62<br />

5 RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES.......................................<br />

5.1 Teoria ultra vires ........................................................................................<br />

5.2 Poderes implícitos do administrador e abuso <strong>da</strong> razão social...............<br />

70<br />

73<br />

82<br />

6 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA..............................................................<br />

6.1 Relação jurídica tributária...........................................................................<br />

86<br />

86


9<br />

6.2 Obrigação tributária....................................................................................<br />

6.2.1 Conceito e elementos...............................................................................<br />

6.2.2 Obrigação tributária principal e acessória.............................................<br />

6.2.3 Sujeito passivo <strong>da</strong> obrigação tributária.................................................<br />

6.2.3.1 Sujeição passiva direta e indireta............................................................<br />

6.3 Responsabili<strong>da</strong>de tributária no Código Tributário Nacional...................<br />

6.3.1 Responsabili<strong>da</strong>de de terceiros................................................................<br />

6.3.1.1 Responsabili<strong>da</strong>de em razão de intervenção ou omissão: art. 134 do<br />

Código Tributário Nacional.......................................................................<br />

6.3.1.2 Responsabili<strong>da</strong>de por excesso de poderes ou infração de lei, contrato<br />

social ou estatutos: art. 135 do Código Tributário Nacional.....................<br />

88<br />

88<br />

94<br />

102<br />

106<br />

110<br />

117<br />

117<br />

121<br />

7 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS ADMINISTRADORES DA<br />

SOCIEDADE LIMITADA..................................................................................<br />

7.1 Interpretando o art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional.........<br />

7.2 Espécie de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>.....................................................................<br />

7.3 Elementos característicos..........................................................................<br />

7.4 Inadimplemento <strong>da</strong> obrigação tributária ..................................................<br />

125<br />

125<br />

125<br />

134<br />

140<br />

8 CONCLUSÃO...................................................................................................<br />

160<br />

REFERÊNCIAS...................................................................................................<br />

163


8<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> corresponde ao tipo societário mais adotado pelos<br />

empresários tanto no Brasil quanto no resto do mundo. 1 Dessa forma, vislumbra-se a<br />

importância desse modelo societário na vi<strong>da</strong> econômica do País. Por outro lado, as<br />

socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s são responsáveis por acentua<strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção tributária, o que<br />

aumenta os debates e controvérsias doutrinárias e jurisprudências sobre a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária liga<strong>da</strong> a essa espécie societária.<br />

No que se refere especificamente aos <strong>administradores</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

limita<strong>da</strong>, em um primeiro momento, a legislação estabelece, como regra geral, que<br />

os mesmos não respondem pelas obrigações regularmente assumi<strong>da</strong>s pela<br />

socie<strong>da</strong>de. Tal postulado decorre do princípio geral de que a socie<strong>da</strong>de, como<br />

pessoa jurídica, não pode ser confundi<strong>da</strong> com os seus <strong>administradores</strong>. O direito<br />

distingue a socie<strong>da</strong>de, ente que possui direitos e obrigações próprias, <strong>da</strong>s pessoas<br />

que a administram. Assim, o administrador, ao exercer suas funções de direção <strong>dos</strong><br />

negócios sociais, manifesta a vontade <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, e não a sua própria.<br />

O Direito Tributário reconhece a separação <strong>da</strong>s pessoas jurídicas <strong>da</strong>s<br />

pessoas que a administram. Nesse contexto, torna-se fun<strong>da</strong>mental separar a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária do ente societário <strong>da</strong>quela atribuí<strong>da</strong> aos seus diretores.<br />

Como já ressaltado, regra geral, a socie<strong>da</strong>de responde pelas obrigações assumi<strong>da</strong>s<br />

em seu nome e no seu interesse, no entanto pode acontecer que os <strong>administradores</strong><br />

pratiquem atos estranhos aos objetivos e finali<strong>da</strong>des <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, ou até mesmo<br />

atos ilegais, ao conduzirem as ativi<strong>da</strong>des sociais. Nesse caso, a socie<strong>da</strong>de poderia<br />

ser responsabiliza<strong>da</strong> pela gestão de seus <strong>administradores</strong> ou estes seriam<br />

responsabiliza<strong>dos</strong> pessoalmente Esse é um <strong>dos</strong> questionamentos a ser respondido<br />

por meio do presente estudo.<br />

O Código Tributário Nacional elenca as hipóteses nas quais o<br />

administrador será responsabilizado pessoalmente pelas obrigações tributárias<br />

decorrentes <strong>dos</strong> atos ilícitos por ele pratica<strong>dos</strong>. Trata-se, portanto, de exceção à<br />

1 Pesquisa às estatísticas apresenta<strong>da</strong>s pela Junta Comercial do Estado de Minas Gerais. Disponível<br />

em: http://www. jucemg.mg.gov.br e pelo Ministério do Desenvolvimento Indústria e Comércio.<br />

Disponível em: http://www.dnrc.gov.br. Acesso em: 10 abr. 2007.


9<br />

regra geral que atribui à socie<strong>da</strong>de a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária pelos atos<br />

pratica<strong>dos</strong> em seu nome. Neste trabalho busca-se justamente analisar as<br />

características, os limites, bem como as principais hipóteses averigua<strong>da</strong>s na prática<br />

empresarial acerca <strong>da</strong> atribuição de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal ao administrador <strong>da</strong><br />

limita<strong>da</strong> pelas dívi<strong>da</strong>s tributárias contraí<strong>da</strong>s em nome do ente social.<br />

O trabalho compõe-se de seis capítulos. No primeiro será analisa<strong>da</strong> a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, instituto que traça as diretrizes básicas, os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> nos demais ramos jurídicos, até mesmo o tributário.<br />

O segundo trata <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, abrangendo o histórico, as<br />

principais características, bem como a regulamentação aplicável a tal tipo societário.<br />

O enfoque no estudo <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> justifica-se pela enorme aceitação dessa espécie societária na<br />

vi<strong>da</strong> empresarial do país.<br />

Já o terceiro capítulo retrata, tendo em vista as disposições apresenta<strong>da</strong>s<br />

pelo novo Código Civil, o administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>. É preciso apresentar<br />

e explicitar a forma como tal diploma legal regulamentou a administração <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>. Posteriormente, no quarto capítulo, analisa-se a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do administrador no novo Código Civil, abor<strong>da</strong>ndo, ain<strong>da</strong>, as<br />

restrições contratuais aos poderes do administrador, bem como a teoria <strong>dos</strong> atos<br />

ultra vires, já que esta representa uma <strong>da</strong>s inovações introduzi<strong>da</strong>s por esse diploma<br />

legal.<br />

No quinto capítulo inicia-se o estudo específico <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

tributária. Nesse ponto, serão abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s as principais características <strong>da</strong> obrigação<br />

tributária, com destaque para o estudo do seu sujeito passivo, já que o tema<br />

abor<strong>da</strong>do trata, especificamente, do enfoque do administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong><br />

quando no pólo passivo dessa espécie de obrigação. Nesse contexto, em que o<br />

administrador passa a ser o responsável pelo débito tributário, e não o contribuinte<br />

do tributo, faz-se necessário analisar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária de terceiros, ou<br />

seja, <strong>da</strong>queles que, sem apresentar relação pessoal e direta com o fato gerador <strong>da</strong><br />

obrigação tributária, arcarão com o cumprimento dela.<br />

Finalmente, no sexto e no último capítulo retrata-se especificamente uma<br />

<strong>da</strong>s hipóteses de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária de terceiros, qual seja, aquela imposta


10<br />

aos <strong>administradores</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelas obrigações tributárias resultantes<br />

de atos pratica<strong>dos</strong> como excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou<br />

estatutos. Hipótese sobre a aplicação do instituto em análise, encontra<strong>da</strong> com muita<br />

freqüência na prática empresarial e leva<strong>da</strong> ao debate nos tribunais, será analisa<strong>da</strong><br />

de forma detalha<strong>da</strong>, qual seja, o inadimplemento tributário. Neste trabalho buscou-se<br />

responder se tal acontecimento pode configurar espécie de ato ilícito apto a ensejar<br />

a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária do administrador <strong>da</strong> limita<strong>da</strong>, com base no disposto<br />

pelo art. 135, III, do Código Tributário Nacional.<br />

Para a consecução deste trabalho, foi realiza<strong>da</strong> minuciosa pesquisa<br />

doutrinária quanto à teoria geral <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, bem como no que se refere à<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> de socie<strong>da</strong>de. Para a consoli<strong>da</strong>ção<br />

<strong>da</strong>s opiniões expostas, utilizou-se não só a doutrina clássica do direito tributário,<br />

como textos recentes e jurisprudência correlata, principalmente do Superior Tribunal<br />

de Justiça, corte de justiça responsável pela uniformização <strong>dos</strong> entendimentos<br />

jurisprudenciais sobre a matéria ora analisa<strong>da</strong>.<br />

Importa ressaltar a necessi<strong>da</strong>de do estudo em comento, tendo em vista o<br />

sem-número de questões semelhantes que chegam diariamente aos tribunais<br />

pátrios, donde se infere a importância desta pesquisa.


11<br />

2 RESPONSABILIDADE CIVIL<br />

2.1 Conceito<br />

De Plácido e Silva 2<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>:<br />

apresenta a seguinte definição para o termo<br />

RESPONSABILIDADE. Forma-se o vocábulo de responsável, de<br />

responder, do latim respondere, tomado na significação de<br />

responsabilizar-se, vir garantindo, assegurar, assumir o pagamento<br />

do que se obrigou ou do ato que praticou.<br />

Em uma acepção ampla, o termo “<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>” exprime a obrigação<br />

de responder por alguma coisa, assumir as conseqüências do que se obrigou ou do<br />

ato praticado, seja em virtude de um acordo previamente estabelecido, seja por<br />

determinação legal. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, portanto, revela o dever jurídico atribuído a<br />

determina<strong>da</strong> pessoa, seja em virtude de um contrato, seja em razão de uma<br />

imputação legal. Responsabili<strong>da</strong>de é a obrigação de <strong>da</strong>r, fazer ou não fazer alguma<br />

coisa, de ressarcir ou reparar <strong>da</strong>nos, de suportar sanções penais, exprimindo<br />

sempre a obrigação de responder por alguma coisa.<br />

Uma <strong>da</strong>s divisões conheci<strong>da</strong>s <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> é aquela que a<br />

classifica em <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil e <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> penal, decorrendo a primeira<br />

<strong>da</strong> violação de normas civis, destina<strong>da</strong>s a tutelar interesses priva<strong>dos</strong> e tendo por<br />

finali<strong>da</strong>de a recomposição do equilíbrio rompido em virtude do <strong>da</strong>no causado,<br />

mediante a respectiva reparação. Já a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> penal decorre <strong>da</strong><br />

transgressão de normas penais, de direito público, destina<strong>da</strong>s a resguar<strong>da</strong>r o<br />

interesse de to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de. Responsabili<strong>da</strong>de penal ou criminal é aquela<br />

resultante de um fato criminoso, seja praticado na forma comissiva, seja na<br />

omissiva. Traz uma sanção ou um castigo como conseqüência para o agente do fato<br />

criminoso ou <strong>da</strong> omissão criminosa.<br />

2 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico, p. 713.


12<br />

Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira 3 adverte que não chegam os autores a um<br />

consenso quando tentam enunciar um conceito de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil. Alguns<br />

conceitos apresenta<strong>dos</strong>, segundo o autor, 4 incidem no defeito condenado pela lógica<br />

de defini-la usando o mesmo vocábulo a ser definido, e dizem que a<br />

“<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>” consiste em “responder”. Outras definições estabelecem na<br />

conceituação de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> a alusão a uma <strong>da</strong>s causas do dever de<br />

reparação, atribuindo-a à conduta culposa do agente; outros autores preferem não<br />

conceituá-la. Tendo em vista tal advertência, o citado doutrinador 5 estabelece um<br />

conceito de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, qual seja:<br />

A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil consiste na efetivação <strong>da</strong> reparabili<strong>da</strong>de<br />

abstrata do <strong>da</strong>no em relação a um sujeito passivo <strong>da</strong> relação jurídica<br />

que se forma. Reparação e sujeito compõem o binômio <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, que então se enuncia como o princípio que<br />

subordina a reparação à sua incidência na pessoa do causador do<br />

<strong>da</strong>no.<br />

Não importa se o fun<strong>da</strong>mento é a culpa, ou se é independente desta.<br />

Em qualquer circunstância, onde houver a subordinação de um<br />

sujeito passivo à determinação de um dever de ressarcimento, aí<br />

estará a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil.<br />

prejuízo.<br />

Serpa Lopes 6 define a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil como o dever de reparar o<br />

Sérgio Cavalieri Filho assim conceitua a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil:<br />

Em seu sentido etimológico, <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> exprime a idéia de<br />

obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocábulo<br />

não foge dessa idéia. Designa o dever que alguém tem de reparar o<br />

prejuízo decorrente <strong>da</strong> violação de um outro dever jurídico. Em<br />

3 PEREIRA, Caio Mário <strong>da</strong> Silva. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 7.<br />

4 PEREIRA, Caio Mário <strong>da</strong> Silva. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 7. Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira analisa os<br />

conceitos de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> apresenta<strong>dos</strong>, dentre outros, por Washington de Barros Monteiro<br />

(Curso de direito civil, v. 5, p. 385), Serpa Lopes (Curso de direito civil, v. 5, n. 7), Mazeaud (Traité<br />

théorique et pratique de la responsabilité civile, v. 1, n. 1), Savatier (Traité de la responsabilité civile,<br />

v. I, n. 1), Malaurie e Ayunès (Cours de droit civil: les obligations, n. 10), Pontes de Miran<strong>da</strong><br />

(Tratado de direito privado, v. 53, § 5.498, p. 1 et seq.), Planiol, Ripert e Boulanger (Traité<br />

élémentaire de droit civil, v. 2, n. 892), Geneviève Viney (Traité de droit civil, sous la diréction de<br />

Jacques Guestin, volume sobre Responsabilité civile, Introduction, n. 1), Sour<strong>da</strong>t (Traité général de<br />

la responsabilité, v. 1, p. 1), Lalou (Traité pratique de la responsabilité civile, n. 1), Giorgio Giorgi<br />

(Teoria delle obbligazioni, v. V, n° 143, p. 224), Alterini (Responsabili<strong>da</strong>d civil, n. 7, p. 20).<br />

5 PEREIRA, Caio Mário <strong>da</strong> Silva. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 11.<br />

6 SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil, v. 5, p. 188.


13<br />

aperta<strong>da</strong> síntese, <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil é um dever jurídico<br />

sucessivo que surge para recompor o <strong>da</strong>no decorrente <strong>da</strong> violação<br />

de um dever jurídico originário. 7<br />

O supracitado doutrinador 8 ain<strong>da</strong> esclarece que só se deve cogitar <strong>da</strong><br />

ocorrência <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil se houver violação de um dever jurídico e <strong>da</strong>no.<br />

Assim, responsável é aquele que deve ressarcir o prejuízo decorrente <strong>da</strong> violação de<br />

um precedente dever jurídico. E assim é porque a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pressupõe um<br />

dever jurídico preexistente, uma obrigação descumpri<strong>da</strong>. Diante desse raciocínio, o<br />

mencionado autor conclui que é possível dizer que to<strong>da</strong> conduta humana que,<br />

violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem é fonte geradora <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil.<br />

Por fim, deve-se lembrar o conceito de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil apresentado<br />

por José de Aguiar Dias, 9 ao adotar a noção de Marton, 10 quando este define a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> como a situação de quem, tendo violado uma norma qualquer, se<br />

vê exposto às conseqüências dessa violação, traduzi<strong>da</strong>s em medi<strong>da</strong>s que a<br />

autori<strong>da</strong>de incumbi<strong>da</strong> de velar pela observação do preceito lhe imponha.<br />

2.2 Breve histórico sobre a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil<br />

Nos primórdios <strong>da</strong> humani<strong>da</strong>de, vigorava a vingança generaliza<strong>da</strong> como<br />

forma de reparação do <strong>da</strong>no sofrido. Assim, não se buscava a restauração do statu<br />

quo ante, mas tão-somente impingir ao ofensor <strong>da</strong>no de igual intensi<strong>da</strong>de ao que foi<br />

causado. Dominava, então, a vingança priva<strong>da</strong>. O <strong>da</strong>no provocava a reação<br />

imediata, instintiva e brutal do ofendido. 11 Tal fase era caracteriza<strong>da</strong> pela vingança<br />

pessoal, tendo em vista que a vítima poderia, em defesa <strong>da</strong> sua honra ou de seus<br />

direitos, fazer o que julgasse adequado com o devedor <strong>da</strong> obrigação inadimpli<strong>da</strong> ou,<br />

ain<strong>da</strong>, com o causador do ato <strong>da</strong>noso.<br />

7 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, p. 20.<br />

8 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, 20.<br />

9 DIAS, José de Aguiar. Da <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, v. 1, p. 3.<br />

10 MARTON, G. Les fondements de la responsabilité civile. Paris, 1938, p. 251, apud DIAS, José de<br />

Aguiar. Da <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, p. 3.<br />

11 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabili<strong>da</strong>de civil: doutrina, jurisprudência, p. 4.


14<br />

Após esse período, há o <strong>da</strong> composição, em que se observa ser mais<br />

conveniente entrar em acordo com o autor <strong>da</strong> ofensa para que ele compense o <strong>da</strong>no<br />

mediante reparação econômica do que cobrar a retaliação, porque esta não<br />

reparava <strong>da</strong>no algum, ocasionando, na ver<strong>da</strong>de, duplo <strong>da</strong>no: o <strong>da</strong> vítima e o de seu<br />

ofensor, depois de punido. 12 Nesse caso, se o delito fosse público (perpetrado contra<br />

direitos relativos à coisa pública), caberia à autori<strong>da</strong>de pública fixar o valor <strong>da</strong><br />

compensação; caso se tratasse de delito privado (efetivado contra interesses de<br />

particulares), caberia ao lesado determinar o valor <strong>da</strong> reparação. 13 Assim, a<br />

vingança é substituí<strong>da</strong> pela composição a critério <strong>da</strong> vítima, mas aquela subsiste<br />

como fun<strong>da</strong>mento ou forma de reintegração do <strong>da</strong>no sofrido. 14 Ain<strong>da</strong> não se cogitava<br />

<strong>da</strong> culpa.<br />

Em um estágio mais avançado, ensina Carlos Roberto Gonçalves, 15<br />

quando já existe a soberana autori<strong>da</strong>de estatal, o legislador ve<strong>da</strong> à vítima fazer<br />

justiça com as próprias mãos. A composição econômica passa a ser obrigatória e,<br />

além disso, tarifa<strong>da</strong>. Eis a lição do citado autor:<br />

É quando, então, o ofensor paga um tanto ou quanto por membro<br />

roto, por morte de um homem livre ou de um escravo, surgindo, em<br />

conseqüência, as mais esdrúxulas tarifações, antecedentes<br />

históricos <strong>da</strong>s nossas tábuas de indenizações preestabeleci<strong>da</strong>s por<br />

acidentes do trabalho. 16 É a época do Código de Ur-Nammu, do<br />

Código de Manu e <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong>s XII Tábuas. 17<br />

No entanto, por intermédio <strong>da</strong> Lei Aquília, concretizou-se a idéia de<br />

reparação pecuniária do <strong>da</strong>no, impondo que o patrimônio do lesante suporte o ônus<br />

<strong>da</strong> reparação do <strong>da</strong>no, esboçando-se a idéia de culpa como fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>. Segundo Maria Helena Diniz:<br />

a Lex Aquilia de <strong>da</strong>mno estabeleceu as bases <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

extracontratual, criando uma forma pecuniária de indenização do<br />

prejuízo, com base no estabelecimento de seu valor. Esta lei<br />

introduziu o <strong>da</strong>mnun iniuria <strong>da</strong>tum, ou melhor, prejuízo causado a<br />

12 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 10.<br />

13 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 10.<br />

14 LIMA, Alvino. Culpa e risco, p. 21.<br />

15 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabili<strong>da</strong>de civil: doutrina, jurisprudência, p. 5.<br />

16 SILVA, Wilson Melo <strong>da</strong>. Responsabili<strong>da</strong>de sem culpa e socialização do risco, p. 40.<br />

17 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabili<strong>da</strong>de civil: doutrina, jurisprudência, p. 5.


15<br />

bem alheio, empobrecendo o lesado, sem enriquecer o lesante.<br />

To<strong>da</strong>via, mais tarde, as sanções dessa lei foram aplica<strong>da</strong>s aos <strong>da</strong>nos<br />

causa<strong>dos</strong> por omissão ou verifica<strong>dos</strong> sem o estrago físico e material<br />

<strong>da</strong> coisa. O Estado passou, então, a intervir nos conflitos priva<strong>dos</strong>,<br />

fixando o valor <strong>dos</strong> prejuízos, obrigando a vítima a aceitar a<br />

composição, renunciando à vingança. Essa composição permaneceu<br />

no direito romano com o caráter de pena priva<strong>da</strong> e como reparação,<br />

visto que não havia níti<strong>da</strong> distinção entre a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil e a<br />

penal. 18<br />

Aquília:<br />

José de Aguiar Dias assim preleciona em relação ao conteúdo <strong>da</strong> Lei<br />

O conteúdo <strong>da</strong> Lei Aquília se distribuía por três capítulos. O primeiro<br />

tratava <strong>da</strong> morte a escravos ou animais, <strong>da</strong>s espécies <strong>dos</strong> que<br />

pastam em rebanhos. O segundo regulava a quitação por parte do<br />

adstipulator com prejuízo do credor estipulante. Regia casos de<br />

<strong>da</strong>nos muito peculiares, que não interessa pormenorizar, salvo para,<br />

atentos à advertência de Chironi, assinalar que a pena irroga<strong>da</strong><br />

contra a ilícita disposição pratica<strong>da</strong> pelo adstipulador, em relação ao<br />

crédito alheio, traduz o fato de que então se considerar o direito de<br />

crédito como coisa. O terceiro e último capítulo <strong>da</strong> Lei Aquília ocupase<br />

do <strong>da</strong>mnum injuria <strong>da</strong>tum, que tinha alcance mais amplo,<br />

compreendendo as lesões a escravos ou animais e destruição ou<br />

deterioração de coisas corpóreas. 19<br />

Para que se configurasse o <strong>da</strong>mnum iniurua <strong>da</strong>tum, ação atribuí<strong>da</strong> ao<br />

proprietário <strong>da</strong> coisa deteriora<strong>da</strong> ou <strong>da</strong>nifica<strong>da</strong>, segundo a Lei Aquília, era<br />

necessário determinar três elementos: a) <strong>da</strong>mnum, ou lesão na coisa; b) iniuria, ou<br />

ato contrário ao direito; c) culpa, quando o <strong>da</strong>no resultava de ato positivo do agente,<br />

praticado com dolo ou culpa. Segundo Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira, 20 tão grande<br />

revolução é atribuí<strong>da</strong> a Lex Aquilia pelo fato de ela se prender à denominação de<br />

aquiliana para designar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> extracontratual em oposição à contratual.<br />

A cita<strong>da</strong> lei foi um marco tão grande que a ela se atribui a origem do elemento<br />

“culpa” como necessário à reparação do <strong>da</strong>no.<br />

Foi trabalho <strong>da</strong> jurisprudência dilatar o campo de aplicação do <strong>da</strong>mnum<br />

injuria <strong>da</strong>tum. A ação que assistia, em um primeiro momento, somente ao<br />

proprietário <strong>da</strong> coisa destruí<strong>da</strong> ou deteriora<strong>da</strong>, quando ci<strong>da</strong>dão romano, foi,<br />

18 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 10.<br />

19 DIAS, José de Aguiar. Da <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, v. 1, p. 18.<br />

20 PEREIRA, Caio Mário. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 3-4.


16<br />

sucessivamente, amplia<strong>da</strong> aos titulares de outros direitos reais e aos peregrinos. Os<br />

casos de aplicação logo ultrapassaram os textos legais, ampliando as possibili<strong>da</strong>des<br />

de reparação. Evoluindo o conceito de <strong>da</strong>no, por intervenção do pretor e <strong>da</strong><br />

jurisprudência, mitigou-se, no sentido de favorecer o prejudicado, o primitivo rigor do<br />

texto aquiliano.<br />

José de Aguiar Dias 21 resume a história <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil no<br />

direito romano no seguinte sentido:<br />

Traça<strong>da</strong> em síntese, é esta, pois, a evolução <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

civil no direito romano: <strong>da</strong> vingança priva<strong>da</strong> ao princípio de que a<br />

ninguém é lícito fazer justiça pelas próprias mãos, à medi<strong>da</strong> que se<br />

afirma a autori<strong>da</strong>de do Estado; <strong>da</strong> primitiva assimilação <strong>da</strong> pena com<br />

a reparação, para a distinção entre a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil e<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> penal, por insinuação do elemento subjetivo <strong>da</strong><br />

culpa, quando se entremostra o princípio nulla poena sine lege. Sem<br />

dúvi<strong>da</strong>, fora <strong>dos</strong> casos expressos, subsistia na indenização do<br />

caráter de pena.<br />

To<strong>da</strong>via, pode-se afirmar que foi no direito francês que o instituto <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil experimentou maior evolução, pois o Código de Napoleão, em<br />

seus arts. 1.382 e seguintes, estabeleceu um princípio geral de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

civil, abandonando o critério de enumerar os casos de composição obrigatória. Esse<br />

princípio geral instituído pelo Código de Napoleão obriga a reparar to<strong>dos</strong> os <strong>da</strong>nos<br />

que uma pessoa possa causar a outra por sua culpa.<br />

Adverte Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira 22 que o Código de Napoleão, a par de<br />

apresentar uma regra geral de reparação pelo <strong>da</strong>no causado em virtude <strong>da</strong> culpa do<br />

agente, enumera, nos arts. 1.384 a 1.386, casos particulares de que a doutrina veio<br />

a desenvolver a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil fora do princípio <strong>da</strong> culpa. Acrescenta ain<strong>da</strong> o<br />

citado doutrinador que tal Código influenciou a teoria <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil nos<br />

códigos modernos. Segundo Carlos Roberto Gonçalves:<br />

A noção de culpa in abstracto e a distinção entre culpa delitual e<br />

culpa contratual foram inseri<strong>da</strong>s no Código de Napoleão, inspirando<br />

a re<strong>da</strong>ção <strong>dos</strong> arts. 1.382 e 1.383. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil se fun<strong>da</strong><br />

na culpa – foi a definição que partiu <strong>da</strong>í para inserir-se na legislação<br />

de todo o mundo. Daí por diante observou-se a extraordinária tarefa<br />

21 DIAS, José de Aguiar. Da <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, v. 1, p. 19-20.<br />

22 PEREIRA, Caio Mário <strong>da</strong> Silva. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 6.


17<br />

<strong>dos</strong> tribunais franceses, atualizando os textos e estabelecendo uma<br />

jurisprudência digna <strong>dos</strong> maiores encômios. 23<br />

Como se pode perceber, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, até a fase atual de sua<br />

evolução, fun<strong>da</strong>va-se no elemento “culpa”. Assim, esse elemento era pressuposto<br />

para que houvesse a obrigação de reparar o prejuízo experimentado.<br />

No entanto, como acontecia em diversos casos, a demonstração de culpa<br />

não é de simples constatação, vale dizer, em muitas hipóteses, fazer tal exigência à<br />

vítima seria o equivalente a negar o direito à reparação. Nesse contexto, preleciona<br />

Maria Helena Diniz:<br />

A insuficiência <strong>da</strong> culpa para cobrir to<strong>dos</strong> os prejuízos, por obrigar a<br />

perquirição do elemento subjetivo na ação, e a crescente tecnização<br />

<strong>dos</strong> tempos modernos, caracterizado pela introdução <strong>da</strong>s máquinas,<br />

pela produção <strong>dos</strong> bens em larga escala e pela circulação de<br />

pessoas por meio de veículos automotores, aumentando assim os<br />

perigos à vi<strong>da</strong> e à saúde humana, levaram a uma reformulação <strong>da</strong><br />

teoria <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil dentro de um processo de<br />

humanização. Este representa uma objetivação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>,<br />

sob a idéia de que todo risco deve ser garantido, visando à proteção<br />

jurídica à pessoa humana, em particular aos trabalhadores e às<br />

vítimas de acidentes, conta a insegurança material, e todo <strong>da</strong>no deve<br />

ter um responsável. 24<br />

Diante desse panorama, foi necessária a construção de uma teoria, com<br />

origem no direito francês (Saleilles e Josserand), 25 de novas formas de atender aos<br />

anseios de justiça <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, de modo a ampliar as possibili<strong>da</strong>des de<br />

indenização e fornecer a entrega de tutela jurisdicional de forma mais eficaz,<br />

proporcionando, assim, a paz social. Tal teoria denominou-se objetiva, já que não se<br />

fun<strong>da</strong>mentava no elemento subjetivo (culpa) para determinar a indenização de<br />

determinado <strong>da</strong>no.<br />

Assim, nessa fase evolutiva <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, observa-se a<br />

convivência de duas teorias que apresentam fun<strong>da</strong>mentos distintos para determinar<br />

a reparação do <strong>da</strong>no: a subjetiva e a objetiva. A primeira baseia-se no elemento<br />

23 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabili<strong>da</strong>de civil: doutrina, jurisprudência, p. 6.<br />

24 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 11.<br />

25 PEREIRA, Caio Mário <strong>da</strong> Silva. Responsabili<strong>da</strong>de civil. p. 16.


18<br />

subjetivo, enquanto a segun<strong>da</strong> determina a obrigação de indenizar em razão do<br />

risco, ampliando-se a reparação de <strong>da</strong>nos sem existência de culpa.<br />

No entanto, Maria Helena Diniz 26 adverte que a teoria <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

objetiva não anulou a culpa como fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil,<br />

constituindo-se o risco ao lado <strong>da</strong> culpa também um fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil.<br />

Sérgio Cavalieri Filho 27 acrescenta que, nas últimas déca<strong>da</strong>s, vem-se<br />

acentuando um movimento no sentido <strong>da</strong> socialização <strong>dos</strong> riscos. Nesse caso, são<br />

utiliza<strong>da</strong>s técnicas de socialização do <strong>da</strong>no para garantir pelo menos, uma<br />

indenização básica para qualquer tipo de acidente pessoal. É o que em doutrina se<br />

denomina de reparação coletiva, indenização autônoma ou social. A vítima do <strong>da</strong>no,<br />

e não mais o autor do ilícito, passa a ser o enfoque primordial <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

civil.<br />

O <strong>da</strong>no, nessa nova perspectiva, deixa de ser apenas contra a vítima para<br />

ser contra a própria coletivi<strong>da</strong>de, passando a ser um problema de to<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de.<br />

Uma <strong>da</strong>s técnicas utiliza<strong>da</strong>s por tal teoria para alcançar a socialização do <strong>da</strong>no é a<br />

do seguro, no qual os riscos são distribuí<strong>dos</strong> entre to<strong>dos</strong> os segura<strong>dos</strong>. É o que já<br />

ocorre entre nós com o seguro obrigatório <strong>dos</strong> veículos automotores e com o seguro<br />

de acidentes do trabalho.<br />

2.3 Culpa<br />

O ordenamento jurídico brasileiro adota a regra geral de que o dever de<br />

indenização pela prática de atos ilícitos decorre <strong>da</strong> culpa, ou seja, <strong>da</strong> conduta<br />

culposa do causador do <strong>da</strong>no. Assim, a culpa é elemento caracterizador <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, juntamente com a ação ou omissão, o nexo de causali<strong>da</strong>de e<br />

o <strong>da</strong>no experimentado.<br />

Nos termos do caput do art. 927 do Código Civil de 2002, aquele que, por<br />

ato ilícito, causar <strong>da</strong>no a outrem fica obrigado a repará-lo. Já o art. 186 estabelece<br />

26 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 12.<br />

27 FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, p. 153-155.


causá-lo”. 29 Aguiar Dias define a culpa <strong>da</strong> seguinte maneira:<br />

19<br />

que aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar<br />

direito e causar <strong>da</strong>no a outrem, ain<strong>da</strong> que exclusivamente moral, comete ato ilícito.<br />

Tendo em vista os artigos menciona<strong>dos</strong>, pode-se concluir que o Código Civil em<br />

vigor adota, regra geral, a culpa como um <strong>dos</strong> requisitos para caracterização <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil. Assim, fica manti<strong>da</strong>, na maioria <strong>dos</strong> casos, a necessi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

comprovação de culpa para que o lesado possa assegurar a condenação em juízo<br />

do causador do <strong>da</strong>no.<br />

Maria Helena Diniz 28 afirma que o ato ilícito possui duplo fun<strong>da</strong>mento: a<br />

infração a um dever preexistente e a imputação do resultado à consciência do<br />

agente. Assim, para conceituação do ato ilícito faz-se necessário que haja uma ação<br />

ou omissão voluntária, que viole norma jurídica protetora de interesses de outrem ou<br />

um direito subjetivo individual e que o infrator tenha conhecimento <strong>da</strong> ilicitude do seu<br />

ato. A conduta do agente será dolosa, segundo essa autora, se ele intencionalmente<br />

procura lesar outrem, ou seja, se o agente apresenta uma vontade livre e consciente<br />

de causar <strong>da</strong>no a outra pessoa.<br />

Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira conceitua a culpa como “erro de conduta,<br />

cometido pelo agente que, procedendo contra direito, causa <strong>da</strong>no a outrem, sem a<br />

intenção de prejudicar, e sem a consciência de que seu comportamento poderia<br />

A culpa é a falta de diligência na observância <strong>da</strong> norma de conduta,<br />

isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para<br />

obervá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que<br />

o agente se detivesse na consideração <strong>da</strong>s conseqüências eventuais<br />

<strong>da</strong> sua atitude. 30<br />

Rui Stoco 31 afirma que quando existe intenção delibera<strong>da</strong> de ofender o<br />

direito, ou de ocasionar prejuízo a outrem, ocorre o dolo, isto é, pleno conhecimento<br />

28 DINIZ, Maria Helena. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de<br />

civil, p. 39.<br />

29 PEREIRA, Caio Mário. Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 69.<br />

30 DIAS, Aguiar. Da <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, v. 1, p. 120.<br />

31 STOCO, Rui. Tratado de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil: <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil e sua interpretação<br />

doutrinária e jurisprudencial, p. 97.


20<br />

do mal e o direto propósito de praticá-lo. Se não há esse intuito deliberado, mas o<br />

prejuízo vem a ocorrer, por imprudência ou negligência do agente, existe a culpa.<br />

Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira 32 ensina que na culpa a consciência do<br />

agente existe em relação à conduta. Assim, na culpa, o infrator deseja praticar o ato,<br />

mas não há deliberação de causar prejuízo. A voluntarie<strong>da</strong>de pressuposta na culpa<br />

é a <strong>da</strong> ação em si mesma. É a consciência do procedimento, que se alia à<br />

previsibili<strong>da</strong>de. Já na conduta dolosa, o agente apresenta consciência e vontade em<br />

relação ao resultado <strong>da</strong>noso, ou seja, o infrator deseja lesionar direito alheio.<br />

Dolo é a ação ou omissão voluntária, consciente, e culpa é a ação ou<br />

omissão negligente, imprudente ou imperita. Negligência é a falta de atenção.<br />

Imprudência é a falta de cautela, consistindo na assunção de risco desnecessário.<br />

Imperícia corresponde a falta de técnica, a falha técnica <strong>da</strong> pessoa que, em tese,<br />

deveria apresentar os conhecimentos técnicos necessários para a prática do ato.<br />

Uma vez apresentado o conceito de culpa, cabe analisar suas classificações mais<br />

cita<strong>da</strong>s pelos doutrinadores. 33<br />

A primeira classificação <strong>da</strong> culpa ocorre em virtude <strong>da</strong> natureza do dever<br />

violado: se o dever violado se fun<strong>da</strong>r em um contrato, a culpa é contratual; no<br />

entanto, se há violação de norma geral de conduta, a culpa será extracontratual ou<br />

aquiliana. Segundo Maria Helena Diniz, 34 aquele que pedir indenização pela culpa<br />

contratual não precisará prová-la, basta constituir o devedor em mora. Demonstrado<br />

o inadimplemento contratual, competirá ao devedor provar a inexistência <strong>da</strong> culpa,<br />

ocorrência de caso fortuito, força maior ou de outra causa excludente de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>. Se, contudo, a vítima pretender indenização pela culpa<br />

extracontratual, será necessário prová-la sem a necessi<strong>da</strong>de de constituir o devedor<br />

em mora, já que o autor do ilícito está em mora de pleno direito. Portanto, na culpa<br />

aquiliana, o ônus <strong>da</strong> prova caberá à vítima, por inexistir presunção de culpa como<br />

ocorre na relação contratual.<br />

A culpa, quanto a sua graduação, é classifica<strong>da</strong> como grave, leve ou<br />

levíssima. A culpa será grave quando houver negligência extrema do agente, não<br />

32 PEREIRA,Caio Mário <strong>da</strong> Silva. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 70.<br />

33 Classificações basea<strong>da</strong>s nos seguintes autores: Maria Helena Diniz, Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira,<br />

Carlos Roberto Gonçalves e Rui Stoco, nas obras cita<strong>da</strong>s.<br />

34 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 41.


21<br />

prevendo aquilo que é previsível ao comum <strong>dos</strong> homens. A culpa leve se caracteriza<br />

pela falta de diligência média que um homem normal observa em sua conduta.<br />

Assim, a lesão, na culpa leve, pode ser evita<strong>da</strong> com atenção ordinária. A culpa será<br />

levíssima se a lesão for evitável por uma atenção extraordinária ou especial<br />

conhecimento.<br />

Regra geral, o grau <strong>da</strong> culpa não exerce influência na obrigação de<br />

reparar o <strong>da</strong>no, já que caracteriza<strong>da</strong> a conduta culposa, juntamente com o <strong>da</strong>no e o<br />

nexo de causali<strong>da</strong>de surge o dever de indenizar. No entanto, o Código Civil de 2002,<br />

em seu art. 944, parágrafo único, autoriza o magistrado a decidir, com base na<br />

eqüi<strong>da</strong>de, os casos de culpa leve e levíssima, como pode ser inferido <strong>da</strong> análise do<br />

citado dispositivo legal:<br />

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do <strong>da</strong>no.<br />

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a<br />

gravi<strong>da</strong>de <strong>da</strong> culpa e o <strong>da</strong>no, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente,<br />

a indenização.<br />

O citado permissivo, subvertendo o princípio de que a indenização se<br />

mede pela extensão do <strong>da</strong>no, permite que o juiz investigue culpa para o efeito de<br />

reduzir o quantum debeatur. É o caso, por exemplo, de o magistrado constatar que o<br />

infrator não teve intenção de causar <strong>da</strong>no, embora haja causado considerável<br />

prejuízo.<br />

Na maioria <strong>dos</strong> casos, segundo nosso ordenamento jurídico civil, a<br />

atribuição <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> independe do grau de culpa, já que a indenização é<br />

medi<strong>da</strong> pela extensão do <strong>da</strong>no. No entanto, em algumas situações específicas,<br />

mostra-se relevante a gra<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> culpa, como na fixação do quantum indenizatório<br />

ou no caso <strong>da</strong> culpa concorrente, na qual se adota o princípio <strong>da</strong> compensação de<br />

culpas, sendo que os <strong>da</strong>nos serão distribuí<strong>dos</strong> proporcionalmente ao grau <strong>da</strong><br />

conduta culpável.<br />

Além do dispositivo legal citado, podem ser menciona<strong>dos</strong> seguintes<br />

exemplos de legislação que adota a diferenciação <strong>dos</strong> graus de culpa como<br />

relevantes na apuração <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil: a Lei de Imprensa (Lei n. 5.520, de<br />

9/2/67), bem como o Decreto n. 2.681, de 7/12/12, que regulamenta a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil <strong>da</strong>s estra<strong>da</strong>s de ferro.


22<br />

Rui Stoco 35 entende que a graduação <strong>da</strong> culpa apresenta relevância em<br />

nosso ordenamento jurídico. Eis a lição do consagrado doutrinador:<br />

Ao contrário dessas afirmações, o Direito brasileiro não se mostrou<br />

alheio ou insensível à in<strong>da</strong>gação do elemento subjetivo <strong>da</strong> conduta<br />

do agente – a intensi<strong>da</strong>de do dolo ou os graus <strong>da</strong> culpa – na<br />

perquirição <strong>da</strong> obrigação de reparar.<br />

Aliás, a quanti<strong>da</strong>de <strong>da</strong> conduta do agente ou a intensi<strong>da</strong>de do querer<br />

e a maior ou menor possibili<strong>da</strong>de de prever exsurgem como<br />

relevantes não só para determinação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, como no<br />

estabelecimento do quantum indenizatório.<br />

Tanto a nossa lei civil codifica<strong>da</strong> contém inúmera passagens em que<br />

a graduação <strong>da</strong> culpa (lato sensu) mostra-se relevante na apuração<br />

<strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil como, também, outras leis esparças adotam<br />

esse critério, seja para estabelecer as hipóteses em que o agente é,<br />

ou não, responsável, segundo a intensi<strong>da</strong>de do elemento volitivo<br />

interno ou a graduação <strong>da</strong> culpa stricto sensu, seja para fixar o valor<br />

<strong>da</strong> indenização, ou ain<strong>da</strong>, para fixar a participação de ca<strong>da</strong> qual no<br />

prejuízo, na hipótese de concorrência de culpas.<br />

A culpa será classifica<strong>da</strong> ain<strong>da</strong> como culpa in committendo ou in faciendo,<br />

se o agente praticar um ato positivo; se cometer uma abstenção, a culpa será in<br />

omittendo.<br />

A culpa in eligendo advém <strong>da</strong> má escolha <strong>da</strong>quele a quem se confia a<br />

prática de uma tarefa. Resultando <strong>da</strong>nos, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> é <strong>da</strong>quele que efetuou<br />

a escolha incorreta.<br />

A culpa in custodiendo decorre <strong>da</strong> falta de cui<strong>da</strong>do ou atenção em relação<br />

a coisa ou animal que esteja sob a guar<strong>da</strong> do agente. Essa culpa é do detentor de<br />

animal pelos <strong>da</strong>nos que este venha praticar. É <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pelo fato de coisa.<br />

Finalmente, a culpa in vigilando ocorre quando uma pessoa falta ao dever<br />

de velar ou comete uma desatenção quando tinha a obrigação de observar. O dever,<br />

nesse caso, se refere à obrigação de vigiar pessoas.<br />

35 STOCO, Rui. Tratado de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil: <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil e sua interpretação<br />

doutrinária e jurisprudencial, p. 101.


23<br />

2.4 Dano<br />

O <strong>da</strong>no, segundo Maria Helena Diniz, 36 é a lesão (diminuição ou<br />

destruição) que, em decorrência de um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua<br />

vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial e moral.<br />

Agostinho Alvim 37 considera o <strong>da</strong>no, em sentido amplo, como a lesão de<br />

qualquer bem jurídico, aí incluído o <strong>da</strong>no moral. Em sentido estrito, o <strong>da</strong>no será a<br />

lesão do patrimônio, entendido este como o conjunto de relações jurídicas de uma<br />

pessoa, apreciáveis em dinheiro.<br />

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, 38 o conceito clássico de <strong>da</strong>no é<br />

aquele que representa uma diminuição do patrimônio. No entanto, alguns autores o<br />

conceituam como diminuição ou subtração de um “bem jurídico”, para abranger não<br />

só o patrimônio, mas a honra, a saúde, a vi<strong>da</strong>, suscetíveis de proteção.<br />

O <strong>da</strong>no pode ser caracterizado como a lesão a um bem, sendo que este<br />

não abrange somente valores econômicos ou passíveis de avaliação “em dinheiro”,<br />

mas também direitos sem cunho patrimonial, como a honra, a digni<strong>da</strong>de, a vi<strong>da</strong>,<br />

dentre outros.<br />

Não há obrigação de indenizar se não houver <strong>da</strong>no. Não há<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> sem prejuízo. O credor para responsabilizar o devedor deve provar<br />

o <strong>da</strong>no sofrido.<br />

É importante frisar que, há casos, principalmente na seara <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> contratual, em que a existência do <strong>da</strong>no é presumi<strong>da</strong> pela lei,<br />

exonerando o lesado do ônus de provar a sua ocorrência. Hipóteses, dentre outras,<br />

de <strong>da</strong>no presumido ocorrem nos juros moratórios e na cláusula penal, bem como na<br />

hipótese <strong>da</strong>quele que deman<strong>da</strong> por dívi<strong>da</strong> já paga, no todo ou em parte, sem<br />

ressalvar as quantias recebi<strong>da</strong>s.<br />

Maria Helena Diniz 39 afirma que para existir o <strong>da</strong>no indenizável são<br />

necessários os seguintes requisitos:<br />

36 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 58.<br />

37 ALVIM, Agostinho. Da inexecução <strong>da</strong>s obrigações e suas conseqüências, p. 171.<br />

38 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabili<strong>da</strong>de civil: doutrina, jurisprudência, p. 545.<br />

39 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 61.


24<br />

1. Diminuição ou destruição de um bem jurídico, patrimonial ou moral,<br />

pertencente a uma pessoa, já que a noção do <strong>da</strong>no pressupõe a do lesado.<br />

2. Efetivi<strong>da</strong>de ou certeza do <strong>da</strong>no, pois a lesão não poderá ser hipotética<br />

ou conjetural.<br />

3. Causali<strong>da</strong>de, pois deve existir uma relação entre a falta e o prejuízo<br />

causado, ou seja, o <strong>da</strong>no deve ser uma conseqüência <strong>da</strong> causa produzi<strong>da</strong> pelo<br />

lesante.<br />

4. Subsistência do <strong>da</strong>no no momento <strong>da</strong> reclamação do ofendido. Assim<br />

se o <strong>da</strong>no já foi reparado pelo responsável, o prejuízo é insubsistente, mas, se o foi<br />

pela vítima, a lesão subsiste pelo valor <strong>da</strong> reparação. O mesmo pode-se afirmar em<br />

relação ao terceiro que reparou o <strong>da</strong>no, caso em que ele ficará sub-rogado no direito<br />

do prejudicado.<br />

5. Legitimi<strong>da</strong>de, já que a vítima, para que possa pleitear a reparação,<br />

precisará ser titular do direito atingido. Os titulares poderão ser os lesa<strong>dos</strong>, ou seus<br />

beneficiários, pessoas que dele depen<strong>da</strong>m ou possam reclamar alimentos.<br />

6. Ausência de causas excludentes de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, pois podem<br />

existir <strong>da</strong>nos que não resultem em dever de ressarcir, v.g., como os causa<strong>dos</strong> por<br />

caso fortuito, força maior, entre outros.<br />

Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira 40 ensina que o <strong>da</strong>no indenizável deve ser<br />

certo e atual. Normalmente, a apuração <strong>da</strong> certeza vem liga<strong>da</strong> à atuali<strong>da</strong>de. No<br />

momento em que se tenha um prejuízo conhecido, ele fun<strong>da</strong>menta a ação de per<strong>da</strong>s<br />

e <strong>da</strong>nos, ain<strong>da</strong> que seja de conseqüências futuras. Dessa forma, o que se exclui <strong>da</strong><br />

reparação é o <strong>da</strong>no meramente hipotético, eventual ou conjuntural, isto é, aquele<br />

que não pode se concretizar.<br />

O requisito <strong>da</strong> certeza do <strong>da</strong>no afasta a possibili<strong>da</strong>de de reparação do<br />

<strong>da</strong>no meramente hipotético ou eventual, que poderá não se concretizar. Na<br />

apuração <strong>dos</strong> lucros cessantes, não basta a simples possibili<strong>da</strong>de de realização do<br />

lucro, devendo existir uma probabili<strong>da</strong>de objetiva que resulte do curso normal <strong>dos</strong><br />

acontecimentos. Assim, a indenização <strong>dos</strong> lucros cessantes requer a comprovação,<br />

por meio de <strong>da</strong><strong>dos</strong> objetivos, de que decorreria naturalmente do exercício de certa<br />

40 PEREIRA, Caio Mário. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 40-42.


25<br />

ativi<strong>da</strong>de ou do desenrolar de determina<strong>dos</strong> acontecimentos, caso não sobreviesse<br />

a violação <strong>da</strong> norma legal ou contratual.<br />

Carlos Roberto Gonçalves 41 preleciona que indenizar significa reparar o<br />

<strong>da</strong>no causado à vítima de forma integral. Assim, o <strong>da</strong>no deve ser reparado<br />

completamente pelo agente que o causou a fim de que o prejudicado possa retornar<br />

ao statu quo ante, ou seja, antes do evento <strong>da</strong>noso.<br />

Não é desnecessário voltar a afirmar que não há motivo para se falar de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> sem que haja prejuízo, e não há motivo ou razão para recorrer ao<br />

Estado-Juiz se o <strong>da</strong>no e conseqüente prejuízo forem ressarci<strong>dos</strong> antes do ingresso<br />

em juízo.<br />

O ideal, em uma reparação de <strong>da</strong>nosa, é reconstituir o estado <strong>da</strong> vítima<br />

tal qual se encontrava antes <strong>da</strong> ocorrência do ato ilícito. To<strong>da</strong>via, como na maioria<br />

<strong>dos</strong> casos se torna impossível tal desiderato, busca-se uma compensação em forma<br />

de pagamento de uma indenização monetária. Desse modo, por exemplo, sendo<br />

impossível devolver a vi<strong>da</strong> à vítima de um crime de homicídio, a lei procura remediar<br />

a situação impondo ao homici<strong>da</strong> a obrigação de pagar uma pensão mensal às<br />

pessoas a quem o falecido sustentava, além <strong>da</strong>s despesas de tratamento <strong>da</strong> vítima,<br />

seu funeral e luto <strong>da</strong> família. Nesses termos é que o <strong>da</strong>no, em to<strong>da</strong> a sua extensão,<br />

deve abranger aquilo que efetivamente se perdeu e aquilo que deixou de lucrar: o<br />

<strong>da</strong>no emergente e o lucro cessante.<br />

Uma vez apresenta<strong>dos</strong> o conceito e as características de um <strong>dos</strong><br />

elementos que compõem a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, qual seja, o <strong>da</strong>no, faz-se<br />

necessária uma pequena explanação sobre as principais mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de <strong>da</strong>no:<br />

material, moral, individual e coletivo.<br />

O <strong>da</strong>no patrimonial é a lesão que afeta um interesse relativo ao patrimônio<br />

<strong>da</strong> vítima, consistente na per<strong>da</strong> ou deterioração, total ou parcial, <strong>dos</strong> bens materiais<br />

que lhe pertencem. O <strong>da</strong>no patrimonial mede-se pela diferença entre o valor atual do<br />

patrimônio do lesado e aquele que teria, no mesmo momento, se não existisse a<br />

lesão.<br />

O <strong>da</strong>no moral é a lesão a interesses não patrimoniais de pessoas física ou<br />

jurídica, provoca<strong>da</strong> pelo fato lesivo. Assim, a indenização pelo <strong>da</strong>no moral busca<br />

41 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 545.


26<br />

tutelar bens jurídicos sem valor financeiramente estimáveis em si mesmos, mas que<br />

integram o patrimônio imaterial (honra, imagem, integri<strong>da</strong>de física) de um indivíduo.<br />

O fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> reparação do <strong>da</strong>no moral está em que, a par do<br />

patrimônio, em sentido estrito, o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua<br />

personali<strong>da</strong>de, e uma vez atingi<strong>dos</strong> tais direitos caberá a reparação <strong>da</strong> conduta<br />

lesiva. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5°, inciso X, reconhece o <strong>da</strong>no<br />

moral puro, ou seja, o <strong>da</strong>no moral autônomo, desvinculado do <strong>da</strong>no patrimonial. Da<br />

mesma forma, o Código Civil de 2002, em seu art. 186, 42 ao conceituar o ato ilícito,<br />

reconhece a indenização pelo <strong>da</strong>no moral, independentemente <strong>da</strong> existência de<br />

<strong>da</strong>no material.<br />

Os <strong>da</strong>nos coletivos podem revestir formas ou expressões varia<strong>da</strong>s: <strong>da</strong>nos<br />

a to<strong>da</strong> a coletivi<strong>da</strong>de ou aos indivíduos integrantes de uma comuni<strong>da</strong>de, ou <strong>da</strong>nos<br />

causa<strong>dos</strong> a uma pessoa jurídica com reflexo nos seus membros componentes. 43<br />

Assim, <strong>da</strong>nos coletivos são os que afetam interesses de determina<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de,<br />

por exemplo, <strong>da</strong>no ecológico, <strong>da</strong>no atômico, dentre outros.<br />

Danos individuais são os que atingem interesses, morais e/ou<br />

patrimoniais, de determina<strong>da</strong> pessoa.<br />

Dentre as várias espécies de <strong>da</strong>no, Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira 44 ressalta<br />

a figura do “<strong>da</strong>no em ricochete”, que se configura quando uma pessoa sofre o<br />

reflexo de um <strong>da</strong>no causado a outrem. Como exemplo, pode-se mencionar a morte<br />

<strong>da</strong> vítima que era responsável pelo sustento <strong>dos</strong> filhos. Nesse caso, embora os<br />

descendentes não sofram diretamente a conduta lesiva, poderão pleitear a<br />

indenização contra o causador do <strong>da</strong>no, embora não tenham sido diretamente<br />

atingi<strong>dos</strong>. O <strong>da</strong>no reflexo é aquele que repercute sobre a esfera jurídica de terceira<br />

pessoa, distinta <strong>da</strong> vítima direta.<br />

Dessa forma, pode-se concluir que o <strong>da</strong>no reflexo ou “em ricochete” é<br />

reparável, desde que seja certa a repercussão do <strong>da</strong>no principal, gerando prejuízo<br />

para pessoa distinta <strong>da</strong> vítima direta.<br />

42 “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e<br />

causar <strong>da</strong>no a outrem, ain<strong>da</strong> que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (Lei n. 10.406, de 10 de<br />

janeiro de 2002).<br />

43 PEREIRA, Caio Mário <strong>da</strong> Silva. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 44.<br />

44 PEREIRA, Caio Mário. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 42-44.


27<br />

Cabe acrescentar que o <strong>da</strong>no reflexo não se confunde com a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> indireta, que compreende a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pelo fato de terceiro.<br />

No <strong>da</strong>no “em ricochete” uma pessoa sofre o reflexo de um <strong>da</strong>no causado a outra<br />

pessoa; já na <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> indireta, uma pessoa responderá pelo <strong>da</strong>no causado<br />

por outrem.<br />

Responsável pela reparação do <strong>da</strong>no é todo aquele que, por ação ou<br />

omissão voluntária, negligência ou imprudência, tenha causado prejuízo a outrem.<br />

Há casos, no entanto, em que a pessoa passa a responder não pelo ato próprio,<br />

mas pelo ato de terceiro ou pelo fato <strong>da</strong>s coisas ou de animais, como se pode inferir<br />

<strong>da</strong> análise <strong>dos</strong> arts. 932, 936 e 937 do novo Código Civil. 45<br />

Pode ocorrer, ain<strong>da</strong>, o concurso de agentes na prática de um ato ilícito.<br />

Nessa hipótese, os indivíduos causadores do <strong>da</strong>no responderão pela indenização do<br />

mesmo de forma solidária, nos termos do art. 942 46 do Código Civil de 2002.<br />

Carlos Roberto Gonçalves 47 preleciona que ocorre a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de não só<br />

no caso de concorrer uma plurali<strong>da</strong>de de agentes para a prática do ato ou omissão<br />

causador do <strong>da</strong>no, como também entre as pessoas designa<strong>da</strong>s no art. 932 do novo<br />

Código Civil, isto é, os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autori<strong>da</strong>de<br />

e em sua companhia; o tutor e o curador, pelos pupilos e curatela<strong>dos</strong> que se<br />

acharem nas mesmas condições; o empregador ou comitente, por seus<br />

emprega<strong>dos</strong>, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou<br />

45 “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:<br />

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autori<strong>da</strong>de e em sua companhia;<br />

II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatela<strong>dos</strong>, que se acharem nas mesmas condições;<br />

III – o empregador ou comitente, por seus emprega<strong>dos</strong>, serviçais e prepostos, no exercício do<br />

trabalho que lhes competir, ou em razão dele;<br />

IV – os donos de hotéis, hospe<strong>da</strong>rias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro,<br />

mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educan<strong>dos</strong>;<br />

V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.”<br />

(Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002.”<br />

[...].<br />

“Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o <strong>da</strong>no por este causado, se não provar culpa<br />

<strong>da</strong> vítima ou força maior.” (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002).<br />

“Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos <strong>da</strong>nos que resultarem de sua ruína, se<br />

esta provier de falta de reparos, cuja necessi<strong>da</strong>de fosse manifesta.” (Lei n. 10.402, de 10 de janeiro<br />

de 2002)<br />

46 “Art. 942. Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à<br />

reparação do <strong>da</strong>no causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, to<strong>dos</strong> responderão<br />

soli<strong>da</strong>riamente pela reparação.<br />

Parágrafo único. São soli<strong>da</strong>riamente responsáveis com os autores os co-autores e as pessoas<br />

designa<strong>da</strong>s no art. 932.” (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002.)<br />

47 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabili<strong>da</strong>de civil: doutrina, jurisprudência, p. 549.


28<br />

em razão dele; os donos de hotéis, hospe<strong>da</strong>rias, casas ou estabelecimentos, em<br />

que se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes,<br />

moradores e educan<strong>dos</strong>; os que gratuitamente houverem participado nos produtos<br />

do crime, até a concorrente quantia.<br />

Ressalte-se, ain<strong>da</strong>, que a obrigação de indenizar o <strong>da</strong>no estende-se aos<br />

sucessores do autor, nos termos do art. 943 48 do Código Civil de 2002. No entanto, a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do sucessor a título universal não pode ultrapassar as forças <strong>da</strong><br />

herança. O sucessor, quer a título particular, quer a título gratuito, quer a título<br />

oneroso, não responde pelos atos ilícitos do sucedido, salvo se o ato houver sido<br />

praticado em fraude a credores. 49<br />

Finalmente, no que diz respeito à legitimi<strong>da</strong>de sobre a ação de reparação,<br />

caberá à vítima <strong>da</strong> lesão pessoal ou patrimonial pleitear a reparação cabível, sendo<br />

que a cita<strong>da</strong> ação se transmite aos sucessores <strong>da</strong> vítima, nos termos do art. 943 do<br />

Código Civil de 2002.<br />

2.5 Nexo de causali<strong>da</strong>de<br />

Na configuração <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, devem concorrer,<br />

obrigatoriamente, os seguintes elementos: a ofensa a uma norma preexistente ou<br />

erro de conduta, um <strong>da</strong>no e o nexo de causali<strong>da</strong>de entre uma e outro. Presentes tais<br />

pressupostos, a reparação do <strong>da</strong>no é medi<strong>da</strong> que se impõe.<br />

O nexo de causali<strong>da</strong>de é a relação entre a conduta do agente e o <strong>da</strong>no<br />

sofrido pela vítima. Para que exista a obrigação de reparar é necessário que o <strong>da</strong>no<br />

tenha nascido <strong>da</strong> conduta. Não seria moral e nem jurídico que um indivíduo fosse<br />

responsabilizado por <strong>da</strong>no a que não deu causa, que adveio de conduta de terceiro<br />

ou <strong>da</strong> própria vítima ou ain<strong>da</strong> que é culpa de um fenômeno irresistível e imprevisível<br />

<strong>da</strong> natureza.<br />

48 “Art. 943. O direito de exigir reparação e a obrigação de prestá-la transmitem-se com a herança.”<br />

(Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002).<br />

49 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabili<strong>da</strong>de civil: doutrina, jurisprudência, p. 550.


29<br />

Com relação ao nexo causal, Silvio Rodrigues, com acerto, aponta que "é<br />

a própria lei que expressamente o exige." 50 Com base na análise do art. 186 do<br />

Código Civil em vigor confirma-se a observação supracita<strong>da</strong>, vejamos:<br />

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou<br />

imprudência, violar direito e causar <strong>da</strong>no a outrem, ain<strong>da</strong> que<br />

exclusivamente moral, comete ato ilícito. (Grifo nosso)<br />

Pode-se afirmar que, se não existe o liame de causali<strong>da</strong>de entre a<br />

conduta do agente e o <strong>da</strong>no, não merece provimento o pedido indenizatório. Para<br />

que se concretize a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> é imprescindível que se estabeleça uma<br />

interligação entre a ofensa à norma e o prejuízo sofrido.<br />

Problema enfrentado pela doutrina surge quando várias circunstâncias<br />

incidem sobre a ocorrência de determinado <strong>da</strong>no. Como determinar qual a causa <strong>da</strong><br />

lesão a um direito nessa hipótese Qual o nexo causal determinador <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil Carlos Roberto Gonçalves 51 observa que há três principais<br />

teorias a respeito <strong>da</strong> determinação do nexo de causali<strong>da</strong>de na <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil:<br />

a <strong>da</strong> equivalência <strong>da</strong>s condições, a <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de adequa<strong>da</strong> e a que exige que o<br />

<strong>da</strong>no seja conseqüência imediata do fato que o produziu.<br />

A teoria <strong>da</strong> equivalência <strong>da</strong>s condições estabelece que to<strong>da</strong> e qualquer<br />

circunstância que haja concorrido para produzir o <strong>da</strong>no é considera<strong>da</strong> como sua<br />

causa. Tal teoria pode levar a resulta<strong>dos</strong> desarrazoa<strong>dos</strong> no direito. Assim, por<br />

exemplo, o fabricante de uma arma pode ser considerado culpado por homicídio,<br />

tendo em vista que produziu o instrumento do crime. 52<br />

A segun<strong>da</strong> teoria, a <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de adequa<strong>da</strong>, considera como causadora<br />

do <strong>da</strong>no as condições por si sós aptas a produzi-lo. Assim, a causa deve ser<br />

adequa<strong>da</strong> para produzir o evento <strong>da</strong>noso. Se o <strong>da</strong>no existiu, no caso analisado,<br />

somente por força de circunstância acidental, diz-se que a causa não era adequa<strong>da</strong>.<br />

Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira 53 ensina que, na teoria <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de<br />

adequa<strong>da</strong>, o juiz tem de eliminar fatos menos relevantes que possam figurar entre os<br />

50 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, v. 4, p. 163.<br />

51 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 537.<br />

52<br />

Exemplo estabelecido por Nelson Hungria e citado por Carlos Roberto Gonçalves<br />

(Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 538).<br />

53 PEREIRA, Caio Mário <strong>da</strong> Silva. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 79.


30<br />

antecedentes do <strong>da</strong>no. Tais fatos seriam aqueles indiferentes à efetivação do<br />

prejuízo. O critério eliminatório consiste em estabelecer que, mesmo na ausência de<br />

determina<strong>da</strong> circunstância, o prejuízo ocorreria. Dessa forma, após esse processo<br />

de expurgo, restaria a circunstância ou fato capaz de produzir o <strong>da</strong>no, sendo esta o<br />

centro do nexo de causali<strong>da</strong>de.<br />

Pela teoria <strong>da</strong> causali<strong>da</strong>de adequa<strong>da</strong> deve-se buscar o antecedente<br />

imprescindível à existência do <strong>da</strong>no que guar<strong>da</strong> a mais estreita relação com este. É<br />

o que a doutrina chama de antecedente adequado ou, em outras palavras, o<br />

antecedente que guar<strong>da</strong> maior relação entre o <strong>da</strong>no e o ato/fato.<br />

A teoria <strong>dos</strong> <strong>da</strong>nos diretos e imediatos requer que entre o <strong>da</strong>no e a ação<br />

ou omissão ilícitas exista uma relação de causa e efeito direta e imediata. O <strong>da</strong>no,<br />

assim, seria o efeito direto e imediato de determina<strong>da</strong> conduta ilícita. Dessa forma, o<br />

agente, segundo tal teoria, responderia tão-somente pelos <strong>da</strong>nos que se<br />

prendessem a seu ato por um vínculo de necessarie<strong>da</strong>de.<br />

Segundo Carlos Roberto Gonçalves, 54 de to<strong>da</strong>s as teorias sobre o nexo<br />

de causali<strong>da</strong>de, o nosso Código Civil adotou a teoria do <strong>da</strong>no direto e imediato,<br />

como está expresso no art. 403, que assim dispõe:<br />

Art. 403. Ain<strong>da</strong> que a inexecução resulte de dolo do devedor, as<br />

per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros<br />

cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto<br />

na lei processual.<br />

O doutrinador citado 55 ain<strong>da</strong> esclarece que o legislador, ao adotar a teoria<br />

do <strong>da</strong>no direto e imediato, procurou evitar a sujeição do autor do <strong>da</strong>no a to<strong>da</strong>s as<br />

nefastas conseqüências do seu ato, quando já não estivessem liga<strong>da</strong>s a ele de<br />

modo direto.<br />

Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira 56 afirma que o importante, depois de analisar<br />

várias teorias sobre o nexo causal, é estabelecer, em face do direito positivo, que<br />

houve uma violação de direito alheio e um <strong>da</strong>no, e que existe um nexo causal, ain<strong>da</strong><br />

que presumido, entre uma e outra.<br />

54 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabili<strong>da</strong>de civil: doutrina, jurisprudência, p. 542.<br />

55 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabili<strong>da</strong>de civil: doutrina, jurisprudência, p. 542.<br />

56 PEREIRA, Caio Mário. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 82.


31<br />

Para Maria Helena Diniz, 57 o nexo de causali<strong>da</strong>de representa uma relação<br />

necessária entre o evento <strong>da</strong>noso e a ação que o produziu, de tal maneira que esta<br />

é considera<strong>da</strong> como sua causa. No entanto, a cita<strong>da</strong> doutrinadora preleciona que<br />

não será necessário que o <strong>da</strong>no resulte apenas imediatamente do fato que o gerou,<br />

bastando que se verifique se o <strong>da</strong>no não ocorreria se o fato não tivesse acontecido.<br />

Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição necessária para a<br />

produção do <strong>da</strong>no, o agente responderá pela conseqüência.<br />

A configuração do nexo de causali<strong>da</strong>de não requer que a conduta ou<br />

omissão culposa do agente seja a única causa do <strong>da</strong>no, já que este pode decorrer<br />

de várias causas e condições que se relacionam. O autor deve ser responsável por<br />

uma causa sempre que desta provier o <strong>da</strong>no, estabeleci<strong>da</strong> sua relação com as<br />

demais. Deve existir uma ligação necessária entre o ato ou omissão culposa do<br />

agente e o <strong>da</strong>no indenizável. O <strong>da</strong>no deve ser resultado <strong>da</strong> conduta reprovável do<br />

agente. Não existindo essa relação, não há que se falar em ato ilícito.<br />

Ressalte-se que determina<strong>dos</strong> fatos interferem nos acontecimentos ilícitos<br />

e excluem o nexo de causali<strong>da</strong>de. Entre as circunstâncias que excluem a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do agente, que impedem que se concretize o nexo causal,<br />

podemos mencionar a culpa exclusiva <strong>da</strong> vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e<br />

a força maior. É o caso, por exemplo, <strong>da</strong> pessoa que se lança sobre um automóvel<br />

(culpa exclusiva <strong>da</strong> vítima) com a finali<strong>da</strong>de de eliminar sua vi<strong>da</strong>. Não existindo nexo<br />

causal, não há que se pensar em indenização.<br />

2.6 Responsabili<strong>da</strong>de contratual e <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> extracontratual<br />

A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil é conceitua<strong>da</strong> como contratual ou extracontratual<br />

tendo em vista a natureza do fato gerador <strong>da</strong> obrigação de indenizar. Assim, se o<br />

dever de indenizar surge <strong>da</strong> violação de negócio jurídico bilateral ou unilateral, a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> é contratual. Por outro lado, se a obrigação de reparar o <strong>da</strong>no tem<br />

57 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 96.


32<br />

por fato gerador o descumprimento de um dever de não causar prejuízo a outrem, de<br />

não lesar, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> é extracontratual ou aquiliana.<br />

Sérgio Cavalieri Filho fornece preciosa lição sobre a diferenciação entre<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> contratual e extracontratual:<br />

Se preexiste um vínculo obrigacional, e o dever de indenizar é<br />

conseqüência do inadimplemento, temos a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

contratual, também chama<strong>da</strong> de ilícito contratual ou relativo; se esse<br />

dever surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o<br />

ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica que o<br />

possibilite, temos a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> extracontratual, também<br />

chama<strong>da</strong> de ilícito aquiliano ou absoluto. 58<br />

A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> contratual resulta <strong>da</strong> violação de uma obrigação<br />

anterior. Assim, para que ocorra, é indispensável a preexistência de um vínculo<br />

anterior, qual seja, o contrato, o negócio jurídico previamente celebrado entre<br />

ofendido e ofensor. Na <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> extracontratual não existe vínculo anterior<br />

entre as partes, pois estas não estão liga<strong>da</strong>s por uma relação obrigacional ou<br />

contratual. A fonte dessa obrigação é a prática de um ato ilícito, a lesão a um direito,<br />

sem que exista relação preexistente entre o causador do <strong>da</strong>no e a vítima.<br />

Na <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> extracontratual, o lesante terá o dever de reparar o<br />

<strong>da</strong>no que causou à vítima com o descumprimento de preceito legal ou mediante<br />

violação de dever geral de abstenção pertinente aos direitos reais ou de<br />

personali<strong>da</strong>de, ou seja, com infração à obrigação negativa de não prejudicar<br />

ninguém. Na hipótese de tal <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, o ônus probatório caberá à vítima, já<br />

que deverá provar a culpa do agente. Além <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> delitual basea<strong>da</strong> na<br />

culpa, abrangerá ain<strong>da</strong> a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> sem culpa fun<strong>da</strong><strong>da</strong> no risco, ante a<br />

insuficiência <strong>da</strong> teoria basea<strong>da</strong> na culpa para cobrir, recompor to<strong>dos</strong> os <strong>da</strong>nos. 59<br />

A primeira diferença aponta<strong>da</strong> entre tais espécies de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> diz<br />

respeito ao ônus <strong>da</strong> prova. Se a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> é contratual, o credor só está<br />

obrigado a provar que a prestação foi descumpri<strong>da</strong>. O devedor só não será<br />

condenado a reparar o <strong>da</strong>no se comprovar a ocorrência de alguma <strong>da</strong>s excludentes<br />

58 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, p. 26.<br />

59 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 116.


33<br />

estabeleci<strong>da</strong>s em lei: culpa exclusiva <strong>da</strong> vítima, caso fortuito 60 ou força maior. Basta<br />

provar que o contrato foi descumprido e, em conseqüência, houve <strong>da</strong>no. No entanto,<br />

se a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> é aquiliana ou extracontratual, o autor <strong>da</strong> ação é quem fica<br />

com o ônus de provar que o fato se deu por culpa do agente.<br />

Diante do exposto, conclui-se que, na <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> contratual, ao<br />

autor <strong>da</strong> ação, lesado pelo descumprimento, basta provar a existência de um<br />

contrato, o inadimplemento <strong>da</strong> obrigação assumi<strong>da</strong> pela parte contrária, o <strong>da</strong>no e o<br />

nexo de causali<strong>da</strong>de entre a conduta do inadimplente e prejuízo gerado; já na<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> extracontratual ou delitual, o autor <strong>da</strong> ação deve provar, ain<strong>da</strong>, a<br />

conduta culposa do causador do <strong>da</strong>no, isentando-se o réu de responder pela<br />

indenização caso o autor não cumpra tal ônus.<br />

Outra diferenciação que justamente serve de fun<strong>da</strong>mento para denominar<br />

tais espécies de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> diz respeito às fontes <strong>da</strong>s quais promanam.<br />

Enquanto a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> contratual tem origem no descumprimento de um<br />

negócio jurídico, de um contrato estabelecido livremente entre as partes, até mesmo<br />

de forma tácita, a extracontratual surge com a inobservância de um dever genérico<br />

de não lesar, de não causar <strong>da</strong>no a outrem.<br />

Carlos Roberto Gonçalves 61 oferece outro elemento distintivo entre a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> contratual e a extracontratual, qual seja, a gra<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> culpa.<br />

Segundo o autor, em regra, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, seja extracontratual (art. 186), seja<br />

contratual (arts. 389 a 392), fun<strong>da</strong>-se na culpa. Ocorre que, na <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

extracontratual, a falta se apuraria de maneira mais rigorosa, enquanto na<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> contratual ela variaria de intensi<strong>da</strong>de de acordo com os diferentes<br />

casos sem, contudo, alcançar aqueles extremos a que se pudesse chegar na<br />

hipótese <strong>da</strong> culpa aquiliana, em que vige o princípio do in lege Aquilia et levíssima<br />

culpa venit.<br />

No setor <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> contratual, a culpa obedece a certo<br />

escalonamento, de conformi<strong>da</strong>de com os diferentes casos em que ela se configure,<br />

ao passo que, na delitual, ela iria mais longe, alcançando até mesmo a falta<br />

60 Segundo Carlos Roberto Gonçalves o caso fortuito decorre de fato ou ato alheio à vontade <strong>da</strong>s<br />

partes: greve, motim, guerra. Força Maior é a deriva<strong>da</strong> de acontecimentos naturais: raio, inun<strong>da</strong>ção,<br />

terremoto (Responsabili<strong>da</strong>de civil: doutrina, jurisprudência, p. 522).<br />

61 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabili<strong>da</strong>de civil: doutrina, jurisprudência, p. 29.


34<br />

ligeiríssima. 62 Na <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> contratual, a culpa levíssima pode não suscitar<br />

indenização. 63<br />

Apesar <strong>da</strong>s regras legais que disciplinam tais espécies de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> e que lhes atribuem diferentes conseqüências, a distinção está<br />

sendo abandona<strong>da</strong> pela moderna doutrina, que não vislumbra qualquer utili<strong>da</strong>de em<br />

tal diferenciação. 64 O fun<strong>da</strong>mento para a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil estaria no contrato<br />

social. No entanto, enquanto não houver a<strong>da</strong>ptação legal dessa nova concepção,<br />

torna-se necessária a adoção de sistemas diferencia<strong>dos</strong> para a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

contratual e extracontratual.<br />

2.7 Responsabili<strong>da</strong>de subjetiva e <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva<br />

Maria Helena Diniz 65 afirma que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> será subjetiva ou<br />

objetiva de acordo com o seu fun<strong>da</strong>mento. Assim, se a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> encontrar<br />

sua justificativa na culpa ou no dolo por ação ou omissão, lesiva a determina<strong>da</strong><br />

pessoa, será classifica<strong>da</strong> como subjetiva; por outro lado, será objetiva se tiver por<br />

fun<strong>da</strong>mento o risco. Na segun<strong>da</strong> hipótese, mostra-se irrelevante a conduta culposa<br />

ou dolosa do causador do <strong>da</strong>no, uma vez que bastará a existência do nexo causal<br />

entre o prejuízo sofrido pela vítima e a conduta do agente para que surja a obrigação<br />

de indenizar. 66<br />

Na <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> subjetiva, o dever de reparar o <strong>da</strong>no se fun<strong>da</strong>menta<br />

na culpa, ao passo que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva prescinde do elemento subjetivo<br />

para sua caracterização. Nessa mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, basta a prova <strong>da</strong><br />

existência de uma conduta causadora de um <strong>da</strong>no para que surja o dever de<br />

indenizar.<br />

Conforme relatado em capítulo anterior, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> basea<strong>da</strong> na<br />

culpa não era adota<strong>da</strong> no direito primitivo, já que vigorava a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

62 SILVA, Wilson Melo <strong>da</strong>. Da <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil automobilística, p. 37, n. 9.<br />

63 FIÚZA, César. Direito civil: curso completo, p. 608.<br />

64 LORENS, Júlio César. Responsabili<strong>da</strong>de do sócio não-administrador pelos <strong>da</strong>nos causa<strong>dos</strong> pela<br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, p. 44.<br />

65 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 116.<br />

66 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 116.


35<br />

objetiva basea<strong>da</strong> na idéia de vingança. Com a evolução do próprio direito, passou-se<br />

a adotar a culpa como um <strong>dos</strong> fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> obrigação de reparar o <strong>da</strong>no sofrido<br />

pela vítima. Posteriormente, e assim permanece nos dias atuais, o elemento<br />

subjetivo se tornou o principal fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, sendo que a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva aplica-se a casos excepcionais. Assim, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

subjetiva vigora como regra geral, ao passo que a objetiva permanece como<br />

exceção.<br />

Em face <strong>da</strong> teoria clássica a culpa era o fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>.<br />

Tal teoria, também denomina<strong>da</strong> de teoria <strong>da</strong> culpa ou subjetiva, considera a culpa<br />

como fun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil. Não existindo culpa, não haverá<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>. A prova <strong>da</strong> culpa do agente passa a ser pressuposto para<br />

reparação do <strong>da</strong>no. Assim, segundo a concepção subjetivista, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do<br />

causador do <strong>da</strong>no só estará configura<strong>da</strong> se este agir com dolo ou culpa.<br />

A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> subjetiva começou a ser questiona<strong>da</strong>, uma vez que<br />

em muitos casos era impossível à vítima fazer prova <strong>da</strong> conduta faltosa do autor do<br />

<strong>da</strong>no, como ocorria, por exemplo, nos casos de acidente de trabalho, em que ao<br />

empregado era praticamente impossível demonstrar a negligência do patrão, seja<br />

pela dificul<strong>da</strong>de na colheita de provas documentais, seja, ain<strong>da</strong>, pela ausência de<br />

testemunhas, to<strong>da</strong>s cui<strong>da</strong><strong>dos</strong>as em manter seus empregos.<br />

Em termos de direito comparado, os primeiros questionamentos<br />

começaram a surgir após a revolução industrial, em virtude do maior emprego de<br />

máquinas e novas tecnologias, em que o aumento de acidentes de trabalho, com a<br />

subseqüente impossibili<strong>da</strong>de de demonstração de culpa por parte do patrão, apenas<br />

para citar exemplo mais comum, acabava por relegar o direito de obter a competente<br />

indenização a um plano meramente hipotético, senão utópico, <strong>da</strong><strong>da</strong> a dificul<strong>da</strong>de na<br />

produção <strong>da</strong> prova.<br />

A revolução industrial do século passado, o progresso científico do nosso<br />

século e a explosão demográfica que nele ocorreu são os principais fatores que<br />

ensejaram a concepção objetiva <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, segundo Sérgio Cavalieri<br />

Filho. 67 Diante de tais fatores, percebeu-se que a teoria subjetiva não era mais<br />

suficiente para atender a essa transformação social ocorri<strong>da</strong> em nosso século,<br />

67 CAVALIERI FILHO, Sérgio. .Programa de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil, p. 142.


36<br />

constatando que, se a vítima tivesse que provar a culpa do causador do <strong>da</strong>no, em<br />

muitos casos, ficaria sem indenização.<br />

Maria Helena Diniz 68 afirma que, em certos casos, a teoria <strong>da</strong> culpa ou<br />

subjetiva não oferece solução satisfatória em decorrência, por exemplo, <strong>dos</strong><br />

progressos técnicos, que trouxeram um grande aumento de acidentes. Diante de tais<br />

fatores, a teoria objetiva desvinculou o dever de reparação do <strong>da</strong>no <strong>da</strong> idéia de<br />

culpa, baseando-o no risco, com o intuito de permitir ao lesado, ante a dificul<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

prova <strong>da</strong> culpa, a obtenção de meios para reparar os <strong>da</strong>nos experimenta<strong>dos</strong>.<br />

Tendo em vista os postula<strong>dos</strong> <strong>da</strong> teoria objetiva, o agente será obrigado a<br />

reparar o <strong>da</strong>no causado, mesmo que isento de culpa, já que sua <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> é<br />

imposta por lei, independentemente de culpa e mesmo sem necessi<strong>da</strong>de de apelo<br />

ao recurso <strong>da</strong> presunção. No entanto, como não há que se falar em imputabili<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> conduta, tal <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> só terá cabimento nos casos expressamente<br />

previstos em lei.<br />

Segundo Caio Mário <strong>da</strong> Silva Pereira, 69 a teoria <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

objetiva, em vez de exigir que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil seja a resultante <strong>dos</strong><br />

elementos tradicionais (culpa, <strong>da</strong>no, nexo de causali<strong>da</strong>de entre uma e outro) fun<strong>da</strong>se<br />

na equação binária cujos pólos são o <strong>da</strong>no e a autoria do evento <strong>da</strong>noso. Sem<br />

cogitar de qualquer elemento subjetivo, o que importa para assegurar o<br />

ressarcimento é a verificação do evento e se dele emanou o prejuízo. Tal ocorrendo,<br />

o autor do fato causador do <strong>da</strong>no é o responsável.<br />

A teoria <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva, ao contrário <strong>da</strong> subjetiva, não exige<br />

prova de culpa do agente para que este seja obrigado a reparar o <strong>da</strong>no, já que o<br />

dever de reparar não tem como fun<strong>da</strong>mento a culpa, mas o <strong>da</strong>no causado a terceiro.<br />

Carlos Roberto Gonçalves 70 ensina que uma <strong>da</strong>s teorias que procuram<br />

justificar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva é a teoria do risco. Para tal teoria, to<strong>da</strong> pessoa<br />

que exerce alguma ativi<strong>da</strong>de que cria risco de <strong>da</strong>no para terceiros deve ser obriga<strong>da</strong><br />

a repará-lo, ain<strong>da</strong> que sua conduta seja isenta de culpa. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil<br />

desloca-se <strong>da</strong> noção de culpa para a idéia de risco, ora encara<strong>da</strong> como “riscoproveito”,<br />

que se fun<strong>da</strong> no princípio segundo o qual é reparável o <strong>da</strong>no causado a<br />

68 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 47-48.<br />

69 PEREIRA, Caio Mário <strong>da</strong> Silva. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 269.<br />

70 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabili<strong>da</strong>de civil: doutrina, jurisprudência, p. 22.


37<br />

outrem em conseqüência de uma ativi<strong>da</strong>de realiza<strong>da</strong> em benefício do responsável,<br />

ou, ain<strong>da</strong> mais genericamente, como “risco-criado”, a que se subordina todo aquele<br />

que, sem in<strong>da</strong>gação de culpa, expuser alguém a uma situação de perigo.<br />

O Direito Civil brasileiro adotou, tanto no que se refere à <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

contratual quanto à extracontratual, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> subjetiva como regra geral,<br />

sem prejuízo <strong>da</strong> adoção <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva em dispositivos específicos.<br />

Somente como exceção, o Código Civil brasileiro aceita a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

independentemente de culpa.<br />

Assim, segundo o art. 927 do citado diploma legal, aquele que por ato<br />

ilícito causar <strong>da</strong>no a outrem fica obrigado a repará-lo. Já o art. 186, ao definir o ato<br />

ilícito, considera a culpa como elemento essencial para sua caracterização, o que<br />

demonstra a adoção <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> subjetiva como regra geral pelo Código<br />

Civil de 2002.<br />

Apesar de adotar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> subjetiva como regra necessária, o<br />

Código Civil de 2002, no parágrafo único do art. 927, reconhece a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

objetiva, embora restrita a situações específicas, conforme se pode inferir <strong>da</strong> leitura<br />

de tal dispositivo legal:<br />

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o <strong>da</strong>no,<br />

independentemente de culpa, nos casos especifica<strong>dos</strong> em lei, ou<br />

quando a ativi<strong>da</strong>de normalmente desenvolvi<strong>da</strong> pelo autor do <strong>da</strong>no<br />

implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.<br />

Além desse citado, o Código Civil de 2002 adota a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

objetiva em outros artigos. Faz-se relevante citar os principais dispositivos do novo<br />

Código que consagram a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva. O primeiro deles é o art. 933, 71<br />

que estabelece que os pais, o tutor, o curador, o empregador ou o comitente, o dono<br />

de hotel ou educandário responderão pelos atos <strong>dos</strong> filhos, tutela<strong>dos</strong>, curatela<strong>dos</strong>,<br />

emprega<strong>dos</strong>, serviçais, prepostos, hóspedes e alunos, ain<strong>da</strong> que não haja culpa de<br />

sua parte.<br />

71 “Art. 933. As pessoas indica<strong>da</strong>s nos incisos I a V do artigo antecedente, ain<strong>da</strong> que não haja culpa<br />

de sua parte, responderão pelos atos pratica<strong>dos</strong> pelos terceiros ali referi<strong>dos</strong>. (Lei n. 10.406, de 10<br />

de janeiro de 2002).


38<br />

Maria Helena Diniz, 72 ao comentar o art. 933 do novo Código Civil, afirma<br />

que este determina que os pais, o tutor, o curador, o empregador, ou o comitente, o<br />

dono de hotel ou educandário respondem pelos atos <strong>dos</strong> filhos tutela<strong>dos</strong> e<br />

curatela<strong>dos</strong>, emprega<strong>dos</strong>, serviçais, prepostos, hóspedes e alunos, ain<strong>da</strong> que não<br />

haja culpa de sua parte, afastando tanto a presunção juris tantum como a juris et de<br />

jure <strong>da</strong> culpa, criando, então, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva. Isso porque a idéia de<br />

risco atende mais aos reclamos do mundo atual, fazendo com que o <strong>da</strong>no seja<br />

reparado pelo pai ou empregador não porque tiveram culpa in vigilando ou in<br />

eligendo, mas porque correram o risco de que aquele fato lesivo adviesse.<br />

Entre os dispositivos do novo Código Civil que aderem à culpa presumi<strong>da</strong><br />

como modo de ampliar à proteção ao lesado, pode-se mencionar o art. 936, 73 que<br />

estabelece que aquele que tem animal sob sua guar<strong>da</strong> responderá pelos <strong>da</strong>nos que<br />

vierem a ser causa<strong>dos</strong> a terceiros, a não ser que o detentor do animal prove a culpa<br />

<strong>da</strong> vítima ou força maior. Tal <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tem por base a presunção de culpa,<br />

estabeleci<strong>da</strong> no fato de que ao detentor ou proprietário do animal incumbe sua<br />

guar<strong>da</strong> e fiscalização. 74<br />

Em relação aos proprietários de edifícios ou construção, estes<br />

responderão pelos <strong>da</strong>nos provenientes <strong>da</strong> ruína e <strong>dos</strong> objetos que dele forem<br />

atira<strong>dos</strong>, ora com base na teoria subjetiva, ora com fulcro na doutrina objetiva,<br />

consoante disposto nos arts. 937 75 e 938 76 do Código Civil.<br />

Segundo Maria Helena Diniz, 77 duas são as situações em que se<br />

configura a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> acima cita<strong>da</strong>: a primeira diz respeito à que<strong>da</strong> de coisas<br />

coloca<strong>da</strong>s em lugar indevido, hipótese em que a indenização independe de culpa do<br />

proprietário ou morador, sendo, portanto, objetiva a sua <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>; a segun<strong>da</strong><br />

se refere à ruína de edifício ou construção e que gera <strong>da</strong>nos para terceiros, caso em<br />

72 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 450.<br />

73 “Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o <strong>da</strong>no por este causado, se não provar culpa<br />

<strong>da</strong> vítima ou força maior (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002).<br />

74 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 468.<br />

75 Art. 937. O dono de edifício ou construção responde pelos <strong>da</strong>nos que resultarem de sua ruína, se<br />

esta provier de falta de reparos, cuja necessi<strong>da</strong>de fosse manifesta. (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro<br />

de 2002).<br />

76 “Art. 938. Aquele que habitar prédio, ou parte dele, responde pelo <strong>da</strong>no proveniente <strong>da</strong>s coisas que<br />

dele caírem ou forem lança<strong>da</strong>s em lugar indevido” (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002).<br />

77 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 7: Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 473.


39<br />

que a obrigação de indenizar condiciona-se à prova de que a ruína é resultado <strong>da</strong><br />

falta de reparos necessários, sendo, então, subjetiva a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>.<br />

Da mesma forma, o credor que deman<strong>da</strong>r por dívi<strong>da</strong> já paga assume a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva de indenizar o dobro do valor cobrado, e, se ain<strong>da</strong> não for<br />

venci<strong>da</strong>, de aguar<strong>da</strong>r o tempo restante, descontando os juros correspondentes, sem<br />

necessi<strong>da</strong>de de demonstração de culpa de sua parte, conforme se infere <strong>da</strong> leitura<br />

<strong>dos</strong> arts. 939 78 e 940 79 <strong>da</strong> Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002.<br />

Aqui, faz-se importante uma análise do nexo causal em face <strong>da</strong> teoria<br />

objetiva, principalmente no que se refere ao caso fortuito e à força maior. César<br />

Fiuza 80 afirma, ao analisar a teoria objetiva, que o caso fortuito e a força maior não<br />

são causas de exclusão <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva. O <strong>da</strong>no, segundo o autor,<br />

deve resultar <strong>da</strong> simples ativi<strong>da</strong>de ou do simples fato objetivo do responsável:<br />

exercer o transporte, ser tutor ou curador, ter emprega<strong>dos</strong>, exercer ativi<strong>da</strong>de<br />

perigosa, etc. Se o caso fortuito ou a força maior excluíssem a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>,<br />

seria caso de culpa presumi<strong>da</strong>, e não de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva. Assim, só se<br />

pode admitir a exclusão <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> se o caso fortuito ou a força maior<br />

excluírem a própria autoria, provando-se que o <strong>da</strong>no ocorreria de qualquer maneira.<br />

Dessa forma, o caso fortuito e a força maior, na teoria objetiva, só<br />

excluem a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do agente se comprovado que o <strong>da</strong>no ocorreria<br />

independentemente <strong>da</strong> conduta do agente. Na <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva deve existir<br />

um vínculo entre a autoria do fato e o <strong>da</strong>no, sendo que os elementos cita<strong>dos</strong> só<br />

excluem a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> caso interfiram em tal relação, sem qualquer<br />

consideração sobre a culpa do agente.<br />

Apresenta<strong>dos</strong> os principais artigos do novo Código Civil que retratam a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva de forma específica, é importante ressaltar, conforme já<br />

explicitado neste capítulo, que o parágrafo único do art. 927 do citado diploma legal,<br />

em uma inovação sem correspondência como o Código de 1916, admite a aplicação<br />

78 “Art. 939. O credor que deman<strong>da</strong>r o devedor antes de venci<strong>da</strong> a dívi<strong>da</strong>, fora <strong>dos</strong> casos em que a lei<br />

o permita, ficará obrigado a esperar o tempo que faltava para o vencimento, a descontar os juros<br />

correspondentes, embora estipula<strong>dos</strong>, e a pagar as custas em dobro” (Lei n. 10.406, de 10 de<br />

janeiro de 2002).<br />

79 “Art. 940. Aquele que deman<strong>da</strong>r por dívi<strong>da</strong> já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias<br />

recebi<strong>da</strong>s ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o<br />

dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver<br />

prescrição” (Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002).<br />

80 FIÚZA, César. Direito civil: curso completo, p. 617.


40<br />

<strong>da</strong> teoria objetiva quando a ativi<strong>da</strong>de normalmente desenvolvi<strong>da</strong> pelo agente<br />

causador do <strong>da</strong>no implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outra pessoa.<br />

Trata-se, pois, de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de natureza objetiva, em que se dispensa a<br />

demonstração <strong>da</strong> culpa, bastando a existência do <strong>da</strong>no e do nexo causal entre o fato<br />

e o <strong>da</strong>no.<br />

Diante do exposto, com base na teoria do risco, consagra<strong>da</strong> pelo<br />

parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002, os julgadores podem ampliar as<br />

hipóteses de incidência <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva, além <strong>da</strong>s hipóteses<br />

previstas para situações específicas. A análise do dispositivo em comento denota a<br />

inequívoca intenção do legislador em ampliar os casos de indenização sem culpa<br />

como forma de providenciar o acesso à justa reparação, possibilitando, assim, maior<br />

pacificação social.<br />

Tendo em vista os postula<strong>dos</strong> <strong>da</strong> teoria objetiva, não mais se necessita<br />

adentrar na esfera íntima do indivíduo para a caracterização <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>,<br />

uma vez que as relações sociais impõem, ca<strong>da</strong> vez mais, a existência <strong>da</strong> simples<br />

causa do <strong>da</strong>no para o ressarcimento, desvinculando a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> noção de<br />

culpa.<br />

Finalmente, é importante ressaltar o ensinamento de Caio Mário <strong>da</strong> Silva<br />

Pereira, 81 quando afirma que a verificação <strong>da</strong> culpa é regra geral no Código Civil de<br />

2002 e a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> sem culpa, anuncia<strong>da</strong> em caráter de exceção, vigorará<br />

nos casos legalmente previstos e enuncia<strong>dos</strong>, ou nas hipóteses em que o <strong>da</strong>no<br />

advém de uma situação de risco, a qual foi exposta a vítima em razão <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />

ou profissão do agente. No entanto, o citado doutrinador alega que a fórmula<br />

prevista no parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil permitirá a ampliação<br />

<strong>da</strong> obrigação de reparar o <strong>da</strong>no com base na teoria objetiva.<br />

81 PEREIRA, Caio Mário <strong>da</strong> Silva. Responsabili<strong>da</strong>de civil, p. 275.


41<br />

3 SOCIEDADES LIMITADAS<br />

3.1 Histórico<br />

A socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> destaca-se <strong>dos</strong> demais tipos societários existentes<br />

no Direito Comercial, no que diz respeito à sua origem, pelo fato de ter sido<br />

estrutura<strong>da</strong> pelo legislador e posteriormente introduzi<strong>da</strong> nas relações sociais. 82<br />

Assim, ao contrário <strong>dos</strong> demais formas de socie<strong>da</strong>de que tiveram, primeiramente,<br />

existência real e só em um segundo momento foram regula<strong>da</strong>s por lei, a socie<strong>da</strong>de<br />

limita<strong>da</strong> é fruto de uma criação legislativa.<br />

Vera Helena de Melo Franco 83 afirma que a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> surgiu no<br />

mundo jurídico como um modelo pronto, racionalmente orientado, visando atender a<br />

necessi<strong>da</strong>des específicas. Dentre tais necessi<strong>da</strong>des, a autora destaca o objetivo de<br />

conjugar, harmonicamente, em um mesmo tipo societário, a flexibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des denomina<strong>da</strong>s de pessoas com a limitação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> existente<br />

na socie<strong>da</strong>de anônima.<br />

A criação, por meio de lei, <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> ocorreu na Alemanha por<br />

intermédio <strong>da</strong> Gesellschaft mit beschrankter Haftung (GmbH) – socie<strong>da</strong>de de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong> –, em 20 de abril de 1892.<br />

Carlos Fulgêncio <strong>da</strong> Cunha Peixoto 84 assim descreve os motivos de<br />

criação, na Alemanha, <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, no final do século XIX:<br />

A questão de insuficiência <strong>dos</strong> tipos <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des comerciais<br />

constituía preocupação antiga <strong>dos</strong> alemães, agrava<strong>da</strong>s depois <strong>da</strong><br />

promulgação, em 1884, <strong>da</strong> lei sobre socie<strong>da</strong>de anônima<br />

(Aktiennovelle), uma <strong>da</strong>s mais rigorosas <strong>da</strong> Europa e cuja rigidez<br />

contrastava com a flexibili<strong>da</strong>de do sistema então vigorante na<br />

Inglaterra.<br />

82 MARTINS, Fran. Socie<strong>da</strong>de por quotas no direito estrangeiro e brasileiro, v. 1, p. 14.<br />

83 FRANCO, Vera Helena de Mello. Manual de direito comercial. O comerciante e seus auxiliares. O<br />

estabelecimento comercial. As socie<strong>da</strong>des comerciais, v. 1, p. 180-181.<br />

84 PEIXOTO, Carlos Fulgêncio <strong>da</strong> Cunha. A socie<strong>da</strong>de por quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, v. 1,<br />

p. 13.


42<br />

A legislação vigente era impeditiva <strong>da</strong> adoção <strong>da</strong> forma limita<strong>da</strong> por<br />

médias e pequenas empresas, na medi<strong>da</strong> em que a constituição <strong>da</strong><br />

companhia era extremamente burocrática e cara. Restava-lhes, com<br />

to<strong>dos</strong> os inconvenientes, a socie<strong>da</strong>de em nome coletivo.<br />

Esse panorama histórico fornece os motivos que levaram à criação <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de por quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong> pelo legislador alemão: os<br />

pequenos e médios comerciantes necessitavam de um tipo societário no qual a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios fosse limita<strong>da</strong>, como ocorria na socie<strong>da</strong>de anônima,<br />

porém, essa nova socie<strong>da</strong>de deveria ter uma estruturação mais simples do que a <strong>da</strong><br />

companhia.<br />

Alguns autores afirmam que as socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s descenderiam <strong>da</strong>s<br />

privates companies do direito inglês, sendo que a lei alemã apenas a<strong>da</strong>ptou sua<br />

estrutura, <strong>da</strong>ndo-lhe existência formal, o que não altera sua origem, qual seja, o<br />

direito britânico. 85<br />

Nelson Abrão 86 sustenta que o máximo que se poderia admitir seria uma<br />

certa analogia entre a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> do direito alemão e a private company do<br />

direito inglês. Na Grã-Bretanha essa forma societária, segundo o autor, é conheci<strong>da</strong><br />

como company e representa um instituto suscetível de diversas utilizações, sendo<br />

conheci<strong>da</strong> a divisão entre public e private company. A segun<strong>da</strong> desempenha função<br />

de outro modo assumi<strong>da</strong> pela socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, porém, não é considera<strong>da</strong> como<br />

ver<strong>da</strong>deiro tipo societário, mas por algumas particulares previsões nos articles of<br />

association, pela presença de cláusulas estatutárias que limitam a transferência <strong>da</strong>s<br />

ações, o número de sócios e excluem a possibili<strong>da</strong>de de subscrição pública de<br />

ações.<br />

Nelson Abrão também contesta que a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> tenha surgido<br />

no direito inglês por intermédio <strong>da</strong> private partnerships. Para o renomado<br />

doutrinador, a partnership e a limited partnership do direito anglo-saxão<br />

correspondem, respectivamente, à socie<strong>da</strong>de em nome coletivo e à socie<strong>da</strong>de em<br />

comandita.<br />

Fran Martins fornece lição esclarecedora sobre a <strong>da</strong> origem <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s. Senão, vejamos:<br />

85 LUCENA, José Waldecy. Das socie<strong>da</strong>des por quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 6- 7.<br />

86 ABRÃO, Nelson. Socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, p. 2.


43<br />

Um fato isolado, contudo, de certo modo se contrapõe a êsse<br />

aspecto histórico <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des por quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

limita<strong>da</strong>, ou seja o de, na Inglaterra, ter o costume se antecipado ao<br />

legislador, criando-se essas socie<strong>da</strong>des antes que a lei as regulasse.<br />

Deve-se considerar, entretanto, que as private companies inglesas<br />

não são exatamente, o mesmo tipo <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong> existentes no Direito Continental,<br />

possuindo quase to<strong>da</strong>s as características <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas,<br />

com restrições impostas pelo costume apenas quanto ao modo de<br />

formação, ao número de sócios e cessão <strong>da</strong>s quotas sociais, por<br />

sinal chama<strong>da</strong>s de ações (shares). Com efeito, o que sucedeu na<br />

Inglaterra foi o fato de pequenos comerciantes, encontrando<br />

dificul<strong>da</strong>des em organizar socie<strong>da</strong>des anônimas e não querendo<br />

arcar com as <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>s <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des que no Direito inglês<br />

se assemelham às socie<strong>da</strong>des em nome coletivo no Direito<br />

continental resolverem, com as facul<strong>da</strong>des que lhes permite o Direito<br />

inglês, em que a tradição faz lei (common law), organizar-se<br />

societáriamente, modificando o modo de formação <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des<br />

anônimas. [...]<br />

Esse precedente inglês não serve, assim, de argumento para tirar a<br />

característica histórica de obra medita<strong>da</strong> do legislador, que é<br />

específica <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, no Brasil<br />

denomina<strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des por quotas. Ademais, deve-se considerar<br />

que o exemplo inglês foi isolado, não se propagando a outros povos.<br />

Com um sistema legal bem diferente do sistema continental, o<br />

costume inglês não chegou a influenciar profun<strong>da</strong>mente outras<br />

legislações, restringindo-se apenas aos países <strong>da</strong> Comuni<strong>da</strong>de<br />

Britânica, afora princípios isola<strong>dos</strong> que foram adota<strong>dos</strong> por algumas<br />

leis.<br />

Serve, entretanto, o exemplo inglês para demonstrar que o problema<br />

econômico <strong>dos</strong> comerciantes de tipo médio existia nesse país, como<br />

existia em vários outros. E o costume de se organizarem as private<br />

companies com alguns princípios <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas<br />

(limitação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios, capital dividido em ações)<br />

e outros <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des de pessoas (número limitado de sócios e<br />

dificul<strong>da</strong>des na cessão <strong>da</strong>s partes sociais) de fato representam o<br />

primeiro passo <strong>da</strong>do, na prática, para a solução do problema<br />

econômico. O reconhecimento posterior <strong>da</strong>s private companhies e<br />

finalmente a sua regulamentação legal mostram que o legislador<br />

inglês, do mesmo modo que o legislador continental, soube atender<br />

aos reclamos do comércio, necessitado de um tipo societário que<br />

amparasse o comerciante médio e ao mesmo tempo facilitasse o<br />

exercício de sua profissão. Mas isso não quer dizer que foi a<br />

Inglaterra a introdutora, no Direito legislado, desse tipo de<br />

socie<strong>da</strong>des, pois antes de ser pela Grã-Bretanha o mesmo regulado<br />

em lei, três outros países o fizeram, ou, sejam, a Alemanha, Portugal<br />

e a Áustria. 87<br />

87 MARTINS, Fran. Socie<strong>da</strong>de por quotas no direito estrangeiro e brasileiro, v. 1, p. 16-18.


44<br />

Dessa forma, o exemplo inglês serve para demonstrar que o problema<br />

econômico <strong>dos</strong> comerciantes de tipo médio existia nesse país, assim como em<br />

outros Esta<strong>dos</strong>, sendo que o costume de organizar as private companies com alguns<br />

<strong>dos</strong> princípios <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas (limitação de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios,<br />

capital dividido em ações) e outros princípios <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des de pessoas (número<br />

limitado de sócios e maiores entraves na cessão <strong>da</strong>s partes sociais), de fato,<br />

representa o primeiro passo <strong>da</strong>do, na prática, para solução de tais problemas<br />

econômicos. No entanto, como bem observa Fran Martins, 88 a private company<br />

surge como um ramo <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de anônima, enquanto a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong><br />

representa tipo autônomo de socie<strong>da</strong>de, com características próprias.<br />

Cabe trazer à baila lição de José Otávio de Vianna Vaz sobre a origem<br />

histórica <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, na qual o autor afirma que tal espécie societária<br />

surge a partir <strong>da</strong> lei alemã de 1892:<br />

A maioria <strong>da</strong> doutrina nacional entende que as socie<strong>da</strong>des por<br />

quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong> tiveram sua origem na<br />

Alemanha, em 1892. Elas surgiram <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de se conceber<br />

um tipo de socie<strong>da</strong>de que limitasse a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios a<br />

um determinado valor, previamente estipulado – a exemplo <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des anônimas – mas sem as formali<strong>da</strong>des exigi<strong>da</strong>s para a<br />

criação dessas últimas.<br />

De fato, antes do surgimento <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des por quotas de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, o único tipo de socie<strong>da</strong>de em que a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> era limita<strong>da</strong> para to<strong>dos</strong> os seus membros era a<br />

socie<strong>da</strong>de anônima. Entretanto, essa trazia uma série de<br />

inconvenientes, <strong>dos</strong> quais se procurava fugir, por exemplo:<br />

formali<strong>da</strong>de de criação, alto controle estatal, altos custos de<br />

manutenção, necessi<strong>da</strong>de de atrair capital <strong>dos</strong> investidores,<br />

distanciamento destes <strong>da</strong>s decisões <strong>da</strong> empresa, etc. Por outro lado,<br />

os demais tipos de socie<strong>da</strong>de, que não apresentavam esses<br />

inconvenientes, acarretavam <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> solidária e ilimita<strong>da</strong> a<br />

uma classe de sócios (ou a to<strong>dos</strong> eles).<br />

Surgiu, assim, por elaboração legislativa, a socie<strong>da</strong>de por quotas de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, que veio solucionar o problema de uma<br />

economia emergente, carente de empresas com capital e agili<strong>da</strong>de<br />

necessários para suprir as deficiências aponta<strong>da</strong>s em relação às<br />

socie<strong>da</strong>des anônimas e aos demais tipos societários. 89<br />

88 MARTINS, Fran. Socie<strong>da</strong>de por quotas no direito estrangeiro e brasileiro, v. I. p. 28<br />

89 VAZ, José Otávio de Vianna. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> de socie<strong>da</strong>de no<br />

código tributário nacional, p. 48.


45<br />

Foi em Portugal, segundo país do mundo a legislar sobre a socie<strong>da</strong>de<br />

limita<strong>da</strong>, que esta passou a ser chama<strong>da</strong> de socie<strong>da</strong>de por quotas de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>. A lei portuguesa, vota<strong>da</strong> em 11 de abril de 1901, foi muito<br />

influencia<strong>da</strong> pela lei alemã de 1892. 90<br />

Posteriormente, outros países incorporaram a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> entre<br />

seus tipos societários, como a Áustria, em 1906, e também a Inglaterra, em 1907,<br />

por meio do Companies Act of 1907.<br />

O Brasil foi o quinto país a introduzir em seu ordenamento jurídico a<br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, sendo o primeiro <strong>da</strong> América Latina, por intermédio do Decreto<br />

n. 3.708, de 10 de janeiro de 1919. Anteriormente a tal decreto, em 1865, o então<br />

Ministro <strong>da</strong> Justiça, Conselheiro Nabuco de Araújo, já havia apresentado projeto de<br />

lei propondo a criação de um tipo societário denominado socie<strong>da</strong>de de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>. O citado projeto não recebeu parecer favorável do<br />

Conselho de Estado, o que levou o Imperador, por meio <strong>da</strong> Resolução de 24 de abril<br />

de 1867, a rejeitá-lo. 91<br />

José Waldecy Lucena, 92 ao contrário do que afirmaram Inglez de Souza,<br />

Waldemar Ferreira e Carvalho de Mendonça, sustenta que a socie<strong>da</strong>de preconiza<strong>da</strong><br />

pelo citado projeto correspondia a uma socie<strong>da</strong>de anônima não dependente de<br />

autorização governamental e que não poderia ser considerado antecedente histórico<br />

de nosso Decreto n. 3.708/1919.<br />

A socie<strong>da</strong>de por quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, inspira<strong>da</strong> pelas leis<br />

alemã e portuguesa, remonta, no direito brasileiro, ao projeto de Código Comercial<br />

de autoria de Inglez de Souza, apresentado em 1912, no bojo do qual havia um<br />

capítulo destinado a regulamentar tal tipo societário. No entanto, <strong>da</strong><strong>da</strong> a morosi<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> tramitação desse projeto do Código, o Deputado Joaquim Luis Osório, em 1918,<br />

isolou a matéria em um projeto de lei específico. O projeto de lei apresentado pelo<br />

Deputado Joaquim Osório foi aprovado pela Câmara <strong>dos</strong> Deputa<strong>dos</strong>, sem emen<strong>da</strong>s<br />

ou debates e encaminhado ao Senado Federal, onde, em 30 de dezembro, após<br />

receber parecer favorável <strong>da</strong> Comissão de Justiça e Legislação, foi aprovado,<br />

90 MURTA, Antônio Carlos Diniz. Responsabili<strong>da</strong>de tributária <strong>dos</strong> sócios: socie<strong>da</strong>de por quotas de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 14.<br />

91 LUCENA, José Waldecy. Das socie<strong>da</strong>des por quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 14.<br />

92 LUCENA, José Waldecy. Das socie<strong>da</strong>des por quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 20.


46<br />

igualmente, sem discussão nem emen<strong>da</strong>s, subindo, então, à sanção presidencial,<br />

que se efetivou em 10 de janeiro de 1919 pelo Vice-Presidente em exercício,<br />

Delphim Moreira <strong>da</strong> Costa Ribeiro, com o Decreto n. 3.708. 93<br />

A tramitação do projeto de Código Comercial idealizado por Inglez de<br />

Souza foi interrompi<strong>da</strong> com a Revolução de 1930 e retomado em 1950, durante o<br />

governo Dutra, para ser definitivamente abandonado anos mais tarde, sucedido pelo<br />

projeto do Código <strong>da</strong>s Obrigações e pelo anteprojeto do Código Civil, sancionado na<br />

forma <strong>da</strong> Lei n. 10.406/2002.<br />

O Código Civil em vigor, após anos em discussão, revogou a primeira<br />

parte do Código Comercial, disciplinando, integralmente, as socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s,<br />

revogando, assim, o Decreto n. 3.708/1919. O novo Código Civil disciplina a<br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> em 35 artigos, tendo início no art. 1.052 e terminando no art.<br />

1.087.<br />

Finalmente, sobre a revogação do Decreto n. 3.708/1919 pelo Código<br />

Civil de 2004, é importante frisar que foi aprovado enunciado durante a III Jorna<strong>da</strong><br />

de Estu<strong>dos</strong> do Código Civil, promovi<strong>da</strong> pelo Superior Tribunal de Justiça de 1° a 3<br />

de dezembro de 2004, que assim dispõe:<br />

Apesar <strong>da</strong> falta de menção expressa, como exigido pelas LCs 95/95<br />

e 107/2001, estão revoga<strong>da</strong>s as disposições de leis especiais que<br />

contiverem matéria regula<strong>da</strong> inteiramente no novo Código Civil,<br />

como, v.g., as disposições <strong>da</strong> Lei n. 6.404/76, referente à socie<strong>da</strong>de<br />

comandita por ações, e do Decreto n. 3.708/1919, sobre socie<strong>da</strong>de<br />

de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>.<br />

3.2 Características<br />

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa 94 afirma que três são as<br />

características fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>: a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de ca<strong>da</strong><br />

sócios é limita<strong>da</strong> ao valor de suas quotas, os sócios são soli<strong>da</strong>riamente<br />

93 MURTA, Antônio Carlos Diniz. Responsabili<strong>da</strong>de tributária <strong>dos</strong> sócios: socie<strong>da</strong>de por quotas de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 18.<br />

94 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial, v. 2, p. 389.


47<br />

responsáveis pela integralização do capital social e a divisão do capital social em<br />

quotas, iguais ou desiguais.<br />

Neste item, será feita uma breve análise <strong>da</strong>s principais características <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, quais sejam, a limitação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios, a<br />

constituição <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e a divisão do capital social em quotas, para que se<br />

delimite o perfil de tal tipo societário.<br />

3.2.1 Limitação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

No que diz respeito à configuração <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, pode-se<br />

afirmar que a sua principal característica, embora não seja a única nem seja<br />

suficiente para distingui-la <strong>dos</strong> demais tipos societários, é a limitação <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios. Posiciona-se entre as socie<strong>da</strong>des de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

limita<strong>da</strong> porque seus sócios só participam na medi<strong>da</strong> do valor de suas parcelas de<br />

contribuição.<br />

Cabe transcrever lição de Fran Martins sobre a analisa<strong>da</strong> característica <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>:<br />

Dos princípios caracterizadores, em nosso Direito, <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des<br />

de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong> – a limitação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

sócios e a adição <strong>da</strong> palavra limita<strong>da</strong> à firma ou denominação – o<br />

primeiro é, sem dúvi<strong>da</strong>, de caráter universal, constando, explícita ou<br />

implicitamente, em tô<strong>da</strong>s as leis que se referem ao assunto.<br />

Estu<strong>da</strong>ndo-se o instituto do ponto de vista histórico, verifica-se que o<br />

seu nascimento se deve justamente à necessi<strong>da</strong>de, que existia no<br />

comércio, de um tipo de socie<strong>da</strong>de em que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

sócios fôsse limita<strong>da</strong> e, no entanto, não apresentasse sua<br />

organização as dificul<strong>da</strong>des <strong>da</strong>s anônimas. Está, assim, a limitação<br />

<strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> à base do instituto, sendo, justamente, com<br />

outras normas (reduzido número de sócios, dificul<strong>da</strong>de de<br />

transferência <strong>da</strong>s quotas, proibição <strong>da</strong> subscrição pública para<br />

formação do capital etc.), uma <strong>da</strong>s suas características universais. 95<br />

95 MARTINS, Fran. Socie<strong>da</strong>de por quotas no direito estrangeiro e brasileiro, v. I. p. 287.


48<br />

O novo Código Civil define a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios <strong>da</strong> limita<strong>da</strong> em<br />

seu art. 1.052, segundo o qual ela é restrita ao valor de suas quotas, ocorrendo a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> solidária de to<strong>dos</strong> pela integralização do capital social.<br />

Dessa forma, a configuração <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios pelas<br />

obrigações sociais, em uma socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, passa por dois momentos distintos.<br />

Em um primeiro momento, to<strong>dos</strong> os sócios são responsáveis não apenas<br />

pelo pagamento <strong>da</strong>s quotas subscritas, mas pela integralização do capital <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de. Por essa integralização do capital social respondem os sócios de forma<br />

solidária, nos termos do art. 1.052 do Código Civil.<br />

Em um segundo momento, já integralizado o capital social, de forma<br />

geral, deixa de existir a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> solidária entre os sócios e estes passam a<br />

desfrutar <strong>dos</strong> lucros e compartilhar as per<strong>da</strong>s sociais, na medi<strong>da</strong> de sua participação<br />

societária.<br />

Vera Helena de Mello Franco 96 ensina que a limitação <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, representa<strong>da</strong> pela separação do patrimônio <strong>dos</strong> sócios em relação<br />

ao <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, já que esta surge como titular de direitos e obrigações, com<br />

patrimônio próprio que não se confunde com aquele <strong>dos</strong> sócios, revela a influência<br />

do perfil <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas no modelo criado para as socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s.<br />

No entanto, sendo a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> um tipo de socie<strong>da</strong>de intermediária entre a<br />

companhia e as socie<strong>da</strong>des de pessoas ou contratuais, permanece a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de<br />

entre os sócios no núcleo <strong>da</strong> relação. Tal soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, porém, não é ilimita<strong>da</strong>, já<br />

que os sócios somente respondem até o montante do capital a ser integralizado.<br />

Mais uma vez deve-se ressaltar que a limitação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

sócios não é princípio por si só capaz de definir a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>. Conforme<br />

demonstrado por Fran Martins, 97 deve-se procurar o elemento caracterizador desse<br />

tipo de socie<strong>da</strong>des não apenas na limitação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios, que<br />

esse princípio não lhe é exclusivo, mas nessa limitação associa<strong>da</strong> a outros fatores,<br />

tais como o uso de firma ou denominação, a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, o reduzido número de<br />

sócios, dentre outros.<br />

96 FRANCO, Vera Helena de Mello. Manual de direito comercial. O comerciante e seus auxiliares. O<br />

estabelecimento comercial. As socie<strong>da</strong>des comerciais, v. 1, p. 195.<br />

97 MARTINS, Fran. Socie<strong>da</strong>de por quotas no direito estrangeiro e brasileiro, v. I. p. 288.


49<br />

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa descreve, de forma esquematiza<strong>da</strong>,<br />

as hipóteses de responsabilização do sócio <strong>da</strong> limita<strong>da</strong> segundo o Código Civil de<br />

2002:<br />

Desta maneira, em resumo, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios não<br />

<strong>administradores</strong> <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s assim se expressa no<br />

NCC: (i) <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> restrita ao valor <strong>da</strong>s quotas se o capital<br />

estiver integralizado; (ii) <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> solidária e limita<strong>da</strong> pelo<br />

que faltar pela integralização do capital social (art. 1.052, parte final);<br />

(iii) <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> por per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos (equivalente ao montante<br />

do prejuízo causado, independentemente do capital <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e<br />

<strong>da</strong> participação do sócio nele) do sócio cujo voto aprovar alguma<br />

operação de interesse contrário ao <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de (art. 1.010, §3°); (iv)<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> ilimita<strong>da</strong> (referencia<strong>da</strong> ao montante do prejuízo<br />

efetivo) por participação em deliberação infringente do contrato social<br />

ou <strong>da</strong> lei, quanto aos sócios que assim expressamente a aprovaram;<br />

(v) <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> ilimita<strong>da</strong> nos casos de desconsideração <strong>da</strong><br />

personali<strong>da</strong>de jurídica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de; e (vi) <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> ilimita<strong>da</strong><br />

por prejuízos causa<strong>dos</strong> à socie<strong>da</strong>de e a terceiros caso o sócio haja<br />

usurpado a função de administrador. 98<br />

Uma vez integralizado o capital social, regra geral, não há que se falar em<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> solidária entre os sócios <strong>da</strong> limita<strong>da</strong>. Cabe ressaltar que a limitação<br />

<strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios alia<strong>da</strong> a uma estrutura organizacional menos<br />

complexa constitui o principal motivo que impulsionou o legislador a criar o analisado<br />

tipo societário. Assim, a limitação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios à integralização<br />

<strong>da</strong>s quotas subscritas representa característica de suma relevância na<br />

caracterização de tal tipo societário. No entanto, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios deixa<br />

de ser limita<strong>da</strong> em determina<strong>da</strong>s hipóteses, já que configura<strong>da</strong> a conduta culposa ou<br />

dolosa de tais pessoas em relação ao ente societário, elas passam a responder de<br />

forma ilimita<strong>da</strong> pelas obrigações contraí<strong>da</strong>s ou pelos prejuízos causa<strong>dos</strong> à<br />

socie<strong>da</strong>de, bem como aos terceiros de boa-fé.<br />

98 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclrec. Curso de direito comercial, v. 2, p. 395.


50<br />

3.2.2 Constituição<br />

Outra característica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> está no fato de que ela é<br />

constituí<strong>da</strong> mediante um contrato particular ou público, com cláusulas dispositivas e<br />

obrigatórias, nos termos do art. 997 e seguintes do atual Código Civil.<br />

Fábio Ulhoa Coelho 99 ensina que a inaplicabili<strong>da</strong>de de alguns preceitos do<br />

direito <strong>dos</strong> contratos ao ato de formação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de despertou a preocupação<br />

sobre sua natureza contratual. Como exemplo o autor menciona os requisitos para a<br />

alteração <strong>da</strong>s cláusulas estabeleci<strong>da</strong>s de comum acordo, que na hipótese <strong>dos</strong><br />

contratos em geral exige a anuência de to<strong>dos</strong> os contratantes; já no contrato social,<br />

a alteração pode ocorrer por vontade de alguns <strong>dos</strong> contratantes (os representantes<br />

<strong>da</strong> maioria do capital social). Assim, surgiram teses anticontratualistas que viam na<br />

constituição <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de um ato diferente <strong>dos</strong> contratos.<br />

Entre tais teorias anticontratualistas, a doutrina 100 menciona, com maior<br />

freqüência, a teoria do ato complexo e a teoria eclética. Segundo a primeira teoria, o<br />

ato de constituição <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de é ato complexo, pois não existem vontades<br />

contrapostas. Já a segun<strong>da</strong> teoria (eclética) vê na constituição <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de um<br />

contrato, tendo em vista as relações entre os sócios (internas) e ao mesmo tempo<br />

um ato unilateral, tendo em vista as relações com terceiros.<br />

Ascarelli 101 critica a teoria do ato complexo ao afirmar que na constituição<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de existem também interesses contrapostos, por exemplo, na avaliação<br />

<strong>da</strong>s respectivas contribuições e no que diz respeito à distribuição <strong>dos</strong> lucros e <strong>da</strong>s<br />

per<strong>da</strong>s. Ca<strong>da</strong> sócio visa tirar <strong>da</strong> própria contribuição o maior lucro possível, bem<br />

como obter a melhor avaliação de suas contribuições, pondo-se em situação de<br />

conflito perante os demais sócios. Assim, para o renomado doutrinador, há<br />

“oposição de interesses na constituição <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de; conicidência, porém, no que<br />

concerne à realização <strong>da</strong>quela comum finali<strong>da</strong>de social, que redun<strong>da</strong> em proveito de<br />

to<strong>dos</strong> os sócios”. 102<br />

99 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 378-379.<br />

100 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 378; ASCARELLI, Tullio. Problemas<br />

<strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas e direito comparado, p. 376-385.<br />

101 ASCARELLI, Tullio. Problemas <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas e direito comparado, p. 376-385.<br />

102 ASCARELLI, Tullio. Problemas <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas e direito comparado, p. p. 377.


51<br />

O autor 103 também não concor<strong>da</strong> com a teoria eclética, já que ela atribui a<br />

um mesmo ato duas naturezas distintas e contraditórias (como a de ato unilateral e a<br />

de contrato).<br />

Apesar de mencionarmos a existência de teorias que negam a natureza<br />

contratual do ato constitutivo <strong>da</strong> limita<strong>da</strong>, é importante frisar que, hodiernamente,<br />

predomina o entendimento em sentido contrário, qual seja, o de que a socie<strong>da</strong>de<br />

surge por meio de um contrato, sendo que este possui algumas peculiari<strong>da</strong>des que o<br />

diferenciam <strong>dos</strong> contratos em geral. 104<br />

É importante ressaltar que a atribuição de natureza contratual ao ato<br />

constitutivo <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des consolidou-se a partir <strong>da</strong>s idéias de Tullio Ascarelli. Para<br />

esse autor, o ato constitutivo <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de é um contrato, mas uma espécie<br />

diferencia<strong>da</strong> de contrato, dota<strong>da</strong> de características próprias que explicam suas<br />

peculiari<strong>da</strong>des.<br />

Na concepção apresenta<strong>da</strong> por Ascarelli, 105 os contratos se dividem em<br />

duas distintas categorias básicas: os de permuta e os plurilaterais. Os contratos de<br />

permuta apresentam duas partes, uma com direitos e obrigações perante a outra. Já<br />

os plurilaterais podem abranger mais de dois particípes, e to<strong>dos</strong> possuem direitos e<br />

obrigações ante ca<strong>da</strong> um <strong>dos</strong> demais. No contrato plurilateral, ca<strong>da</strong> parte tem<br />

obrigações para com as demais e adquire direitos para com to<strong>da</strong>s as outras, sendo<br />

que o contrato social exemplifica espécie deste. No contrato social, espécie de<br />

contrato plurilateral, dois ou mais sócios assumem, ca<strong>da</strong> um perante os demais,<br />

obrigações relativas à exploração do objeto social.<br />

Nelson Abrão assim preleciona sobre a natureza do ato de constituição <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>:<br />

Constitui-se por avença <strong>dos</strong> interessa<strong>dos</strong>, por meio de um contrato<br />

que Ascarelli divulgou como ‘plurilateral’, 106 o qual se caracteriza: a)<br />

pela possibili<strong>da</strong>de de participação de mais de duas partes; b) pelo<br />

fato de que, quanto a to<strong>da</strong>s essas partes, decorrem do contrato quer<br />

obrigações de um lado, quer direitos de outro. O contrato plurilateral<br />

se distingue substancialmente <strong>dos</strong> outros porque, enquanto nestes<br />

103 ASCARELLI, Tullio. Problemas <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas e direito comparado, p. p. 377.<br />

104 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 378; LUCENA, José Waldecy. Das<br />

socie<strong>da</strong>des por quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 60.<br />

105 ASCARELLI, Tullio. Problemas <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas e direito comparado, p. 372-452.<br />

106 ABRÃO, Nelson. Socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, p. 50.


52<br />

uma <strong>da</strong>s partes está defronte à outra como quem exige prestação em<br />

troca de contraprestação, naquele as partes estão como que uma ao<br />

lado <strong>da</strong> outra, não trocando, mas carregando paralelamente<br />

prestações para um fim comum. Ademais, no pacto societário, a<br />

anulabili<strong>da</strong>de ou anulação <strong>da</strong> manifestação <strong>da</strong> vontade de um sócio<br />

inquina apenas esta, não atingindo a vali<strong>da</strong>de do contrato.<br />

Diante do exposto, pode-se concluir que o contrato que institui a<br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> caracteriza-se, primordialmente, pela presença de duas ou mais<br />

partes que compartilham direitos e obrigações recíprocas em prol de um objetivo<br />

comum. Como bem ilustra Fábio Ulhoa Coelho, no contrato social as partes<br />

“passam, reflexivamente, a titularizar os direitos correspondentes a tais obrigações,<br />

também ca<strong>da</strong> um perante os demais partícipes do ato”. 107<br />

Vera Helena de Mello Franco 108 afirma que nas socie<strong>da</strong>des fun<strong>da</strong><strong>da</strong>s por<br />

meio de contrato, a autonomia <strong>da</strong> vontade é maior, já que o contrato destina-se a<br />

regulamentar interesses individuais. Assim, as partes podem dispor o que bem lhes<br />

aprouver, desde que não desnaturem o tipo societário escolhido. Já nas socie<strong>da</strong>des<br />

institucionais ou estatutárias, os estatutos regulam interesses gerais abstratos,<br />

correspondentes àqueles <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de pessoa jurídica, e não os interesses<br />

particulares <strong>dos</strong> sócios.<br />

Segundo essa autora, 109 nas socie<strong>da</strong>des estatutárias a autonomia <strong>da</strong><br />

vontade não é tão ampla, pois a socie<strong>da</strong>de existe não só para satisfazer os<br />

interesses <strong>dos</strong> sócios, expressos na obtenção do lucro por meio <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />

descrita no contrato social, com sua conseqüente distribuição, mas também para<br />

alcançar os interesses extra-societários e que são típicos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de como<br />

instituição.<br />

107 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 379.<br />

108 FRANCO, Vera Helena de Mello. Manual de direito comercial. O comerciante e seus auxiliares. O<br />

estabelecimento comercial. As socie<strong>da</strong>des comerciais, v. 1, p. 165.<br />

109 FRANCO, Vera Helena de Mello. Manual de direito comercial. O comerciante e seus auxiliares. O<br />

estabelecimento comercial. As socie<strong>da</strong>des comerciais, v. 1, p. 165.


53<br />

3.2.3 Divisão do capital social em quotas<br />

Outra característica <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s consiste na divisão de seu<br />

capital social em quotas. O art. 1.055 do Código Civil de 2002 inova ao admitir a<br />

plurali<strong>da</strong>de de quotas ao estabelecer que “o capital social se divide em quotas,<br />

iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a ca<strong>da</strong> sócio”. O Decreto n. 3.708/19<br />

adotava o regime <strong>da</strong> quota inicial única, segundo o qual não se acresceriam à quota<br />

inicial aquelas posteriormente adquiri<strong>da</strong>s, conforme disposto pelo art. 5º do citado<br />

diploma legal. 110<br />

Além disso, o novo Código Civil, conforme já demonstrado, admite a<br />

existência de quotas iguais ou desiguais, sendo, de resto, pouco usual a existência<br />

de quotas de valores desiguais. A adoção do sistema de quotas de mesmo valor<br />

facilita a transmissão delas, bem como as operações de aumento ou diminuição do<br />

capital social.<br />

Conforme lição de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, 111 desde muito<br />

tempo, ain<strong>da</strong> no regime do Decreto n. 3.708/1919, ocorreu a uniformização de uma<br />

prática para a adoção de quotas iguais de valor relativamente baixo, o que facilitava<br />

as transferências e afastava a maioria <strong>dos</strong> problemas relativos à adoção do princípio<br />

<strong>da</strong> indivisibili<strong>da</strong>de delas.<br />

3.3 Regulamentação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong><br />

A regulamentação <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s é tema que apresenta muitas<br />

divergências desde a edição do Decreto n. 3.708/19. Isso porque, apesar de o art. 2º<br />

do citado Decreto ter estabelecido que a constituição <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des por quotas de<br />

110 Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa ensina que, ao analisar o Direito comparado, verifica-se que a<br />

história <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s mostra que existiam dois regimes iniciais de quotas: o <strong>da</strong> quota<br />

única permanente e o <strong>da</strong> quota única inicial. Em qualquer hipótese as quotas seriam indivisíveis.<br />

(Curso de direito comercial, v. 2, p. 405).<br />

111 VERÇOSA, Haroldo Malheiros. Curso de direito comercial: v. 2: Teoria geral <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des: as<br />

socie<strong>da</strong>des em espécie do código civil, p. 82.


54<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong> se regeria pelas disposições <strong>dos</strong> arts. 300 a 302 do<br />

Código Comercial, previa o art. 18 de tal norma que seriam observa<strong>da</strong>s, no que não<br />

fosse regulado no contrato social e na parte aplicável, as disposições <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong>s<br />

Socie<strong>da</strong>des Anônimas.<br />

Segundo lição de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, 112 a par de<br />

questões menores, formaram-se duas correntes a respeito <strong>da</strong> interpretação do<br />

dispositivo acima: uma delas dizia que a Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas era supletiva<br />

do Decreto n. 3.708/19, e outra que ela o era em relação ao contrato social. Neste<br />

último caso, quando o Decreto n. 3.708/19 fosse omisso em relação a alguma<br />

questão, ele seria suprido pela aplicação <strong>da</strong>s regras sobre as socie<strong>da</strong>des regula<strong>da</strong>s<br />

pelo Código Comercial, já que a Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas seria supletiva do<br />

contrato <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, e não do Decreto n. 3.708/19.<br />

É importante frisar a existência de uma terceira corrente, representa<strong>da</strong>,<br />

dentre outros, por Egberto Lacer<strong>da</strong> Teixeira, 113 que adotava posição intermediária,<br />

qual seja, a de que a Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas deveria funcionar como fonte<br />

supletiva do contrato social para preencher-lhe, de um lado, a omissão ver<strong>da</strong>deira e<br />

total, e, de outro, complementar, desde que compatível, a lacuna do próprio decreto<br />

regulamentador <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des por quotas.<br />

Após vários anos de debates e discussões doutrinárias, prevaleceu o<br />

entendimento, defendido inicialmente por Waldemar Ferreira e posteriormente<br />

adotado pelo Supremo Tribunal Federal, de que a lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas<br />

seria supletiva <strong>da</strong>s omissões do contrato social, e não do mencionado Decreto. 114<br />

Este seria suplementado pelo Código Comercial, uma vez que, se assim não fosse,<br />

estar-se-ia descaracterizando a natureza <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de por quotas de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, igualando-a à socie<strong>da</strong>de anônima.<br />

A questão ora analisa<strong>da</strong> volta à tona tendo em vista que o Código Civil de<br />

2002, em seu art. 1.053, voltou a referir-se à Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas como<br />

norma supletiva, ain<strong>da</strong> que mediante opção <strong>dos</strong> sócios, de questões referentes à<br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, vejamos:<br />

112 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial: v. 2: Teoria geral <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des: as socie<strong>da</strong>des em espécie do código civil, p. 366.<br />

113 LUCENA, José Waldecy. Das socie<strong>da</strong>des por quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 76-77.<br />

114 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial: v. 2: Teoria geral <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des: as socie<strong>da</strong>des em espécie do código civil, p. 366.


55<br />

Art. 1.053 A socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> rege-se, nas omissões deste<br />

Capítulo, pelas normas <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des simples.<br />

Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelas normas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de anônima.<br />

A respeito do artigo supracitado, Modesto Carvalhosa 115 entende que,<br />

havendo disposição no contrato social elegendo a Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas<br />

como norma supletiva, a ela deve recorrer-se primeiramente, diante <strong>da</strong>s omissões<br />

do Capítulo IV do Código Civil de 2002. No entanto, o autor adverte que não se deve<br />

cometer o engano de imaginar que a Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas se aplica<br />

integralmente às omissões <strong>da</strong>s regras específicas sobre as limita<strong>da</strong>s (Capítulo IV).<br />

Tendo em vista o perfil contratual, particular e híbrido <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, que<br />

contrasta com o caráter institucional e puramente comercial <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des<br />

anônimas, não é possível uma simples transposição <strong>da</strong>s regras <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des<br />

anônimas às omissões do Capítulo IV, que regulamenta as socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s.<br />

Dessa forma, não seriam aplicáveis às limita<strong>da</strong>s, as disposições <strong>da</strong> Lei<br />

<strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas que tratam, por exemplo, <strong>da</strong> limitação <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios; <strong>da</strong> emissão de títulos estranhos ao capital social, tais<br />

como debêntures, partes beneficiárias e bônus de subscrição; <strong>da</strong> abertura do capital<br />

com apelo à poupança pública; dentre outras.<br />

Fábio Ulhoa Coelho 116 ensina que a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, quando a matéria<br />

não estiver regula<strong>da</strong> no capítulo específico a esse tipo societário no Código Civil de<br />

2002, fica sujeita à disciplina <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de simples ou, caso previsto de forma<br />

expressa no contrato social, à Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas. O autor impõe uma<br />

condição para a eficácia <strong>da</strong> regência supletiva <strong>da</strong>s limita<strong>da</strong>s pela Lei <strong>da</strong>s<br />

Socie<strong>da</strong>des Anônimas, mediante opção expressa no contrato social, qual seja, a<br />

matéria deve ser passível de negociação entre os sócios. Assim, em um primeiro<br />

momento, as normas <strong>da</strong> Lei n. 6.404/7 só serão aplica<strong>da</strong>s de forma supletiva se a<br />

matéria a ser regulamenta<strong>da</strong> for passível de acordo entre os sócios. No entanto,<br />

caso os sócios não possam dispor sobre o assunto a ser regulamentado, a lei<br />

acionária poderá, ain<strong>da</strong>, ser aplica<strong>da</strong> por meio <strong>da</strong> analogia.<br />

115 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao código civil: parte especial: do direito de empresa<br />

Coord. Antônio Junqueira de Azevedo, v. 13, p. 44-45.<br />

116 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 365-368.


56<br />

Finalmente, o mencionado doutrinador ressalta que o Código Civil será<br />

sempre a norma aplicável na constituição e dissolução <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, ain<strong>da</strong><br />

que seu contrato social eleja a Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas como fonte supletiva,<br />

tendo em vista sua natureza contratual.<br />

Jorge Lobo 117 manifesta entendimento no sentido de que o disposto no<br />

art. 1.053, caput, do Código Civil de 2002 só admite a aplicação supletiva <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong>s<br />

Socie<strong>da</strong>des Anônimas às limita<strong>da</strong>s, nas omissões, primeiramente, <strong>dos</strong> artigos que<br />

regulamentam especificamente a limita<strong>da</strong> no novo Código Civil e, depois, diante <strong>da</strong><br />

omissão <strong>da</strong>s normas que disciplinam as socie<strong>da</strong>des simples no referido diploma<br />

legal. Tal entendimento se fun<strong>da</strong>menta na premissa de que o Código Civil de 2002,<br />

ao regulamentar as socie<strong>da</strong>des personifica<strong>da</strong>s, estabelece, de forma expressa, a<br />

integração subsidiária <strong>da</strong>s normas <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des simples. Dessa forma, ao prever<br />

a possibili<strong>da</strong>de de regência supletiva pela Lei <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Anônima, no parágrafo<br />

único do art. 1.053, o novo Código não excepcionou a regra conti<strong>da</strong> no caput do<br />

artigo.<br />

André Lemos Papini 118 também defende que a aplicação subsidiária <strong>da</strong>s<br />

regras <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de simples ocorrerá independentemente <strong>da</strong> manifestação <strong>dos</strong><br />

sócios. Assim, a aplicação <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas só ocorrerá diante de<br />

hipóteses não previstas nas normas que disciplinam, especificamente, a socie<strong>da</strong>de<br />

limita<strong>da</strong> e a socie<strong>da</strong>de simples, e desde que previsto no contrato social. Segundo o<br />

autor, seria impossível a existência plena <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s sem o amparo de<br />

certas normas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de simples que dispõem de matérias fun<strong>da</strong>mentais para as<br />

limita<strong>da</strong>s que não estão previstas no capítulo do Código Civil dedicado à sua<br />

regulamentação, tampouco na Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas.<br />

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa 119 sustenta que o legislador do Código<br />

Civil de 2002 teria entendido ser aconselhável oferecer duas opções para o<br />

tratamento supletivo <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s: o <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des simples, mais<br />

simplificado, a ser preferencialmente utilizado pelas microempresas, bem como<br />

pelas pequenas e médias empresas, e outro, o <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas, mais<br />

117 LOBO, Jorge. Socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, v. 1, p. 57.<br />

118 PAPINI, André Lemos. A socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> e o novo código civil. In: RODRIGUES, Frederico<br />

Viana (Coord.). Direito de empresa no novo código civil, p. 209.<br />

119 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial, v. 2: Teoria geral <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des: as socie<strong>da</strong>des em espécie do código civil, p. 369.


57<br />

complexo e adequado às socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s com maior estrutura e número de<br />

sócios.<br />

Vinícius José Marques Gontijo 120 adota o entendimento segundo o qual a<br />

intenção do legislador nacional foi efetivamente a de criar duas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des claras<br />

de socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s: aquelas que serão regi<strong>da</strong>s pelo Código Civil e aquelas que<br />

serão regi<strong>da</strong>s pela Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas, mediante opção no contrato<br />

social. Assim, o legislador possibilitou a constituição de socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s com<br />

características de socie<strong>da</strong>des de pessoas ou de capital, mantendo, assim, o instituto,<br />

que originariamente era híbrido, como tal. Compete, segundo o autor, ao instrumento<br />

de constituição <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de delinear seu caráter pessoal ou capitalista. Com isto, o<br />

legislador teria logrado<br />

inserir no nosso ordenamento jurídico um tipo de socie<strong>da</strong>de que<br />

aprimora aqueles elementos que foram determinantes para a<br />

instituição e o desenvolvimento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, por quotas, de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong> no Direito: a junção <strong>dos</strong> benefícios <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de anônima, com a simplici<strong>da</strong>de e conveniência <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des de pessoas. 121<br />

Lucila de Oliveira Carvalho 122 também manifesta-se favorável à existência<br />

de dois tipos de socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, quais sejam, as regula<strong>da</strong>s supletivamente<br />

pelas regras que disciplinam as socie<strong>da</strong>des simples e as regula<strong>da</strong>s supletivamente<br />

pela lei <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas, conforme for estipulado pelos contratantes.<br />

Acreditamos que, tendo em vista as disposições do novo Código Civil<br />

sobre o assunto em análise, se possa cogitar <strong>da</strong> existência de dois subtipos de<br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>: as que se regem supletivamente pelas regras <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des<br />

simples (art. 1.053, caput) e as que são regi<strong>da</strong>s supletivamente pela Lei <strong>da</strong>s<br />

Socie<strong>da</strong>des Anônimas (art. 1.053, parágrafo único).<br />

120 GONTIJO, Vinícius José Marques. A regulamentação <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s. In: RODRIGUES,<br />

Frederico Viana (Coord.). Direito de empresa no novo código civil, p. 198-205.<br />

121 GONTIJO, Vinícius José Marques. A regulamentação <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s. In: RODRIGUES,<br />

Frederico Viana (Coord.). Direito de empresa no novo código civil, p. 203.<br />

122 CARVALHO, Lucila de Oliveira. A administração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> e o novo código civil. In:<br />

RODRIGUES, Frederico Viana (Coord.). Direito de empresa no novo código civil, p. 225.


58<br />

Ain<strong>da</strong> que os sócios <strong>da</strong> limita<strong>da</strong> optem pela regência supletiva pela Lei<br />

<strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas, é correta a posição <strong>dos</strong> autores 123 que sustentam a<br />

incidência <strong>da</strong>s normas relativas à socie<strong>da</strong>de anônima que sejam compatíveis com a<br />

natureza <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, ou seja, a aplicação supletiva <strong>da</strong>s normas referentes<br />

à socie<strong>da</strong>de anônima não pode descaracterizar o tipo societário <strong>da</strong> limita<strong>da</strong>. Dessa<br />

forma, não há que se falar em regência supletiva exclusivamente por este ou por<br />

aquele conjunto de normas, já que o emprego <strong>da</strong> lei do anonimato não pode violar<br />

as características fun<strong>da</strong>mentais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>.<br />

Não se pode esquecer, conforme já mencionado, que as normas <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de simples ou <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de anônima podem ser aplica<strong>da</strong>s à socie<strong>da</strong>de<br />

limita<strong>da</strong>, nas omissões do contrato social e <strong>da</strong> legislação específica <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,<br />

por meio <strong>da</strong> analogia que constituiu meio de integração do direito, nos casos de<br />

lacuna <strong>da</strong> lei, conforme previsto pelo art. 4º <strong>da</strong> Lei de Introdução ao Código Civil.<br />

Dessa forma, ain<strong>da</strong> que os sócios <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> não optem, no contrato<br />

social, pela regência supletiva nos termos <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas, admitese<br />

a aplicação de tal diploma legal para a solução de questões relaciona<strong>da</strong>s à<br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, mediante o recurso à analogia, como forma de integração do<br />

direito.<br />

Modesto Carvalhosa 124 explica que o contrário também pode acontecer,<br />

ou seja, os sócios fazem opção pelo regime supletivo nos termos <strong>da</strong> Lei n. 6.404/76,<br />

mas tal dispositivo legal não é suficiente para suprir determina<strong>da</strong>s lacunas <strong>da</strong>s<br />

regras específicas <strong>da</strong> limita<strong>da</strong>. Nesse caso, deve-se admitir a aplicação, por meio <strong>da</strong><br />

analogia, <strong>da</strong>s regras <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de simples, tanto no caso de omissão, quanto na<br />

hipótese de inadequação <strong>da</strong>s normas <strong>da</strong> Socie<strong>da</strong>de Anônimas para regular<br />

determina<strong>da</strong> matéria.<br />

Finalmente, é importante frisar que, conforme Modesto Carvalhosa, 125 no<br />

Capítulo I (Disposições Gerais) do Título II (Das Pessoas Jurídicas) do Livro I (Das<br />

Pessoas) <strong>da</strong> Parte Geral do Código Civil de 2002 está inserido o art. 44, que em seu<br />

123 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao código civil: parte especial: do direito de empresa,v. 13,<br />

p. 44-45. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 365-368.<br />

124 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao código civil: parte especial: do direito de empresa<br />

Coord. Antônio Junqueira de Azevedo, v. 13, p. 44-46.<br />

125 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao código civil: parte especial: do direito de empresa<br />

Coord. Antônio Junqueira de Azevedo, v. 13, p. 46.


59<br />

parágrafo único determina a aplicação subsidiária <strong>da</strong>s regras referentes às<br />

associações a to<strong>dos</strong> os tipos societários que são objeto do Livro II <strong>da</strong> Parte Especial<br />

do Código de 2002.<br />

No que diz respeito às socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, essa aplicação subsidiária<br />

<strong>da</strong>s normas relativas às associações não pode suplantar a aplicação supletiva <strong>da</strong>s<br />

regras defini<strong>da</strong>s como tais pela norma do art. 1.054 do Código Civil de 2002,<br />

conforme leciona Modesto Carvalhosa. 126 Dessa forma, em um primeiro momento,<br />

aplicar-se-ão supletivamente às socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s as normas referentes às<br />

socie<strong>da</strong>des simples ou às socie<strong>da</strong>des anônimas, conforme previsto no contrato<br />

social. Ain<strong>da</strong> permanecendo a omissão, deve-se buscar nas regras relativas às<br />

associações aquela a ser aplica<strong>da</strong>.<br />

126 CARVALHOSA, Modesto. . Comentários ao código civil: parte especial: do direito de empresa<br />

Coord. Antônio Junqueira de Azevedo, v. 13, p. 46.


60<br />

4 ADMINISTRADORES DA SOCIEDADE LIMITADA<br />

4.1 Natureza jurídica e conceito<br />

Nelson Abrão 127 preleciona que administrar significa “dirigir a socie<strong>da</strong>de à<br />

consecução do objeto a que ela se propôs, pondo em prática as medi<strong>da</strong>s de caráter<br />

econômico-financeiro, de comando e de representação.” No que diz respeito à natureza<br />

jurídica <strong>da</strong> administração <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, o consagrado doutrinador assim<br />

se manifesta:<br />

Diversas teorias cercam a natureza jurídica <strong>da</strong> administração <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s: a latina, <strong>da</strong>ndo-lhe o caráter de man<strong>da</strong>to; a<br />

germânica, considerando-a um órgão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de; e a inglesa,<br />

fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> nas noções de agency, trust e ultra vires. Prevalece<br />

hoje a doutrina <strong>da</strong> organici<strong>da</strong>de, segundo a qual os <strong>administradores</strong><br />

não são apenas meros man<strong>da</strong>tários <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, ou <strong>dos</strong> sócios,<br />

porém manifestantes <strong>da</strong> própria vontade <strong>da</strong>quela, fazendo-a<br />

presente. Mas, qualquer que seja a concepção prevalecente acerca<br />

<strong>da</strong> natureza jurídica <strong>da</strong> administração, é ele um órgão ‘a quem<br />

incumbe a gestão e a representação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de com facul<strong>da</strong>des<br />

legais e estatutárias e com <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>s ante a socie<strong>da</strong>de e<br />

perante terceiros’. 128<br />

Waldo Fazzio Júnior 129 considera a administração social como o órgão<br />

monocrático ou colegiado, conforme o caso, exercido por sócios e/ou não sócios,<br />

cuja meta é a concretização do objeto social previsto no contrato do ente societário.<br />

Na administração, concentram-se a representação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e a densificação <strong>da</strong><br />

vontade societária. O citado doutrinador ain<strong>da</strong> acrescenta que os <strong>administradores</strong> e<br />

os diretores, estando credencia<strong>dos</strong> para agir em nome <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, podem<br />

praticar to<strong>dos</strong> os atos pertinentes à gestão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. O uso <strong>da</strong> firma ou<br />

denominação social é privativo deles.<br />

127 ABRÃO, Nelson. Socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, p. 132.<br />

128 CAÑIZARES, Felipe de Sola; AZTIRIA, Enrique. Tratado de socie<strong>da</strong>des de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

limita<strong>da</strong> em derecho argentino y comparado, apud ABRÃO, Nelson. Socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, p. 132.<br />

129 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s: de acordo com o código civil de 2002, p. 189.


61<br />

José Ademir Crivelari 130 considera a administração como órgão <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de, portanto, o vínculo que liga o administrador à socie<strong>da</strong>de não é contratual,<br />

derivado do instituto do man<strong>da</strong>to, mas, sim, orgânico.<br />

Manoel de Queiroz Pereira Calças 131 ensina que a natureza jurídica <strong>da</strong><br />

representação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de por seus <strong>administradores</strong> já foi objeto de grandes<br />

divergências na doutrina. No passado, segundo o autor, prevalecia a concepção<br />

privatística de que os <strong>administradores</strong> eram man<strong>da</strong>tários <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de ou <strong>dos</strong><br />

sócios. Posteriormente, com o avanço <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> empresa e o reconhecimento de<br />

que as socie<strong>da</strong>des, principalmente as anônimas, têm natureza institucional, afastase<br />

a teoria contratualista (<strong>administradores</strong> são man<strong>da</strong>tários <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de),<br />

admitindo-se que os <strong>administradores</strong> são órgãos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Dessa forma, os<br />

<strong>administradores</strong> não representam os interesses <strong>dos</strong> sócios, mas <strong>da</strong> própria<br />

socie<strong>da</strong>de.<br />

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa 132 afirma que o administrador não é<br />

man<strong>da</strong>tário <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, mas órgão desta. Não existe, segundo seu entendimento,<br />

compatibili<strong>da</strong>de adequa<strong>da</strong> entre o exercício do man<strong>da</strong>to, a ser efetuado conforme<br />

determinações do man<strong>da</strong>nte, e a função do administrador que presenta 133 a<br />

socie<strong>da</strong>de, devendo levá-la a realizar o seu objeto social, nos termos do contrato<br />

social e/ ou <strong>da</strong> lei.<br />

A administração é órgão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, integrado por uma ou<br />

mais pessoas cuja atribuição é, no plano interno, conduzir as ativi<strong>da</strong>des sociais e,<br />

externamente, manifestar a vontade <strong>da</strong> pessoa jurídica.<br />

É importante ressaltar que a administração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, como<br />

em qualquer outra socie<strong>da</strong>de, implica a prática <strong>dos</strong> atos necessários à realização do<br />

objeto social. Assim, ela se caracteriza como um poder-dever cujo descumprimento<br />

ou desvio no exercício acarreta <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>s para quem dessa forma procedeu.<br />

130 CRIVELARI, José Ademir. A administração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> no código civil de 2002, p. 116.<br />

131 CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. Socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> no novo código civil, p. 145.<br />

132 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial, v. 2: Teoria geral <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des: as socie<strong>da</strong>des em espécie do código civil, p. 187.<br />

133 Termo utilizado para marcar a diferença entre o poder concedido aos <strong>administradores</strong> de<br />

manifestar vali<strong>da</strong>mente em relação a terceiros a vontade <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de (presentação) e o instituto<br />

do man<strong>da</strong>to (representação).


62<br />

4.2 A administração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> no Código Civil de 2002<br />

A par de prever a aplicação supletiva <strong>dos</strong> preceitos próprios <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des simples ou <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas, conforme ressaltado, o Código<br />

Civil de 2002 regulamenta especificamente a administração <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des<br />

limita<strong>da</strong>s em cinco artigos (1.060 a 1.065).<br />

No que diz respeito à administração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, o Código Civil<br />

de 2002 inova em vários aspectos, sendo o primeiro deles em relação à própria<br />

nomenclatura utiliza<strong>da</strong>, já que o referido diploma legal adota os termos<br />

“administração” e “administrador”, em vez de “gerência” e “sócio-gerente” utiliza<strong>dos</strong><br />

pelo Decreto n. 3.708/19.<br />

O novo Código Civil determina, em seu art. 1.060, que a socie<strong>da</strong>de<br />

limita<strong>da</strong> é administra<strong>da</strong> por uma ou mais pessoas designa<strong>da</strong>s no contrato social ou<br />

em ato separado. Assim, a menciona<strong>da</strong> lei adotou o modelo unitário de<br />

administração no qual esta é constituí<strong>da</strong> por um único órgão composto por uma ou<br />

mais pessoas. No modelo unitário de administração, a diretoria ou gerência a<br />

exercem em sua inteireza, subordinando-se, diretamente, à reunião de sócios ou à<br />

assembléia destes.<br />

No entanto, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa 134 ressalta que se o<br />

contrato social <strong>da</strong> limita<strong>da</strong> adotar a Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des por Ações como norma<br />

supletiva, seria perfeitamente compatível com tal escolha organizar a administração<br />

<strong>da</strong>quela socie<strong>da</strong>de segundo o modelo dual de administração – quais sejam, diretoria<br />

e conselho de administração.<br />

Novi<strong>da</strong>de trazi<strong>da</strong> pelo novo Código diz respeito à possibili<strong>da</strong>de de<br />

designação de administrador não-sócio, desde que o contrato social contenha<br />

previsão nesse sentido.<br />

Segundo Nelson Abrão 135 a profissionalização <strong>da</strong> empresa tem sido, ao<br />

longo <strong>dos</strong> anos, na etapa de globalização <strong>da</strong> economia, forte fator de<br />

aperfeiçoamento, redução <strong>dos</strong> custos internos e <strong>dos</strong> conflitos na própria socie<strong>da</strong>de,<br />

134 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial, v. 2: Teoria geral <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des: as socie<strong>da</strong>des em espécie do código civil, p. 438-439.<br />

135 ABRÃO, Nelson. Socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, p. 134.


63<br />

de tal maneira que a atribuição <strong>da</strong> administração a pessoa não sócia se converte em<br />

poderoso instrumento que conserva os ingredientes de uma performance livre de<br />

eventuais obstáculos. Assim, a possibili<strong>da</strong>de de designação de administrador nãosócio<br />

para a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> contribuiria para a profissionalização <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de <strong>da</strong><br />

mesma.<br />

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa assim se manifesta em relação à<br />

possibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> designar administrador que não seja sócio <strong>da</strong><br />

mesma:<br />

Rompendo com o regime anterior, o NCC permite que a<br />

administração <strong>da</strong>s limita<strong>da</strong>s possa ser exerci<strong>da</strong> tanto por sócios<br />

quanto por não-sócios. Como se sabe, o Decreto 3.708/1919<br />

autorizava a não-sócios o exercício de funções de administração tãosomente<br />

como gerentes-delega<strong>dos</strong> (art. 13). Assim sendo, como a<br />

mostrar suas contradições internas, aqui o NCC trouxe significativo<br />

avanço para as socie<strong>da</strong>des desta espécie. 136<br />

Waldo Fazzio Júnior 137 ressalta que a aptidão técnica de profissionais<br />

especializa<strong>dos</strong> traz, normalmente, quali<strong>da</strong>de e palpáveis benefícios à socie<strong>da</strong>de<br />

limita<strong>da</strong>, cujos integrantes, na maioria <strong>da</strong>s vezes, não detêm os conhecimentos<br />

necessários, jurídicos ou não, inerentes à administração. Importante, segundo seu<br />

entendimento, é que o corpo societário não perca o controle sobre a ativi<strong>da</strong>de<br />

empresarial <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, desempenhando a contento seu direito-dever de<br />

custódia.<br />

Ao possibilitar que a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> seja administra<strong>da</strong> por não-sócios,<br />

o novo Código Civil apresenta importante contribuição para a profissionalização<br />

dessa espécie societária, já que as limita<strong>da</strong>s poderão contratar <strong>administradores</strong> com<br />

conhecimentos técnicos necessários à plena condução de seus negócios em um<br />

mercado ca<strong>da</strong> vez mais competitivo.<br />

Apesar de admitir que a limita<strong>da</strong> seja administra<strong>da</strong> por terceiro, o Código<br />

Civil de 2002 adota o princípio <strong>da</strong> indelegabili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> administração, ao dispor, no<br />

art. 1.018, que “ao administrador é ve<strong>da</strong>do fazer-se substituir no exercício de suas funções,<br />

sendo-lhe facultado, nos limites de seus poderes, constituir man<strong>da</strong>tários <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,<br />

136 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial, v. 2: Teoria geral <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des: as socie<strong>da</strong>des em espécie do código civil, p. 439.<br />

137 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s: de acordo com o código civil de 2002, p. 193.


64<br />

especifica<strong>dos</strong> no instrumento os atos e operações que poderão praticar.” Assim, o<br />

administrador não pode delegar suas atribuições gerenciais para terceiros, sendo-lhe<br />

permitido apenas constituir procurador para a prática de determina<strong>dos</strong> atos, sem<br />

possibili<strong>da</strong>de de outorga genérica <strong>dos</strong> poderes inerentes à função na qual foi<br />

investido.<br />

Caso a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> adote a Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des Anônimas como<br />

norma supletiva, a situação não será diferente, já que o art. 1.039 <strong>da</strong> Lei n. 6.404/76<br />

também dispõe que as atribuições e poderes conferi<strong>dos</strong> por lei aos órgãos <strong>da</strong><br />

administração são indelegáveis a outros órgãos cria<strong>dos</strong> por lei ou pelo estatuto.<br />

A administração atribuí<strong>da</strong> no contrato a to<strong>dos</strong> os sócios não se estende,<br />

de pleno direito, aos novos sócios que posteriormente ingressarem na socie<strong>da</strong>de,<br />

segundo o art. 1.060 do novo Código Civil. Sendo assim, a socie<strong>da</strong>de não se<br />

obrigará por atos pratica<strong>dos</strong> pelos novos sócios, a não ser que, mediante reforma do<br />

contrato social, estes, por sua vez, sejam especificamente designa<strong>dos</strong><br />

<strong>administradores</strong> naquele mesmo instrumento ou venham a se tornar <strong>administradores</strong><br />

em virtude de nomeação em ato separado.<br />

Quanto à possibili<strong>da</strong>de de pessoa jurídica ser administradora de<br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, Nelson Abrão 138 afirma que, embora o art. 1.060 do Código Civil<br />

determine a administração <strong>da</strong> limita<strong>da</strong> por uma ou mais pessoas sem diferenciar<br />

entre pessoa natural ou jurídica, os arts. 997, VI, e 1.062, § 2° indicam que a<br />

administração <strong>da</strong> referi<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de deverá ser exerci<strong>da</strong> exclusivamente por<br />

pessoas naturais, haja vista a indicação do estado civil, cabendo, assim, à pessoa<br />

física o exercício <strong>da</strong> administração.<br />

Cabe ressaltar que, se a limita<strong>da</strong> adotar o regime supletivo <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des anônimas, não poderá designar administrador pessoa jurídica, em<br />

virtude de ve<strong>da</strong>ção expressa conti<strong>da</strong> no art. 146 <strong>da</strong> Lei n. 6.404, de 1976.<br />

José Ademir Crivelari 139 também rechaça a possibili<strong>da</strong>de de pessoa<br />

jurídica figurar como administrador de socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>. Da mesma forma,<br />

Modesto Carvalhosa 140 entende que o art. 1.054 do Código Civil de 2002, ao invocar<br />

138 ABRÃO, Nelson. Socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, p. 138.<br />

139 CRIVELARI, José Ademir. A administração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> no código civil de 2002, p. 135.<br />

140 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao código civil, p. 110.


65<br />

a aplicação do art. 997 do mesmo diploma legal e por força de seu inciso VI, impõe<br />

que sejam pessoas físicas ou naturais os <strong>administradores</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>.<br />

No entendimento de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, 141 o Novo<br />

Código Civil faz exigência expressa no sentido de que os <strong>administradores</strong> sejam<br />

pessoas naturais, nos termos <strong>dos</strong> arts. 997, VI, e 1.062, § 2º. Assim, as socie<strong>da</strong>des<br />

controladoras de limita<strong>da</strong>s deverão, obrigatoriamente, eleger pessoa natural nãosócia<br />

para administrar estas últimas, mesmo que o contrato social não possibilite a<br />

administração por pessoa que não seja sócia, nos termos do art. 1.061, pois, de<br />

forma contrária, surgiria impasse jurídico insolúvel.<br />

Os <strong>administradores</strong> podem ser designa<strong>dos</strong> de duas formas: no próprio<br />

contrato social ou por meio de documento em separado. Sendo feita a nomeação de<br />

administrador sócio no contrato social, tal ato poderá ocorrer no momento <strong>da</strong><br />

constituição <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de ou mediante alteração contratual. No primeiro caso, a<br />

designação dependerá do consentimento unânime <strong>dos</strong> sócios, coerente com a<br />

vontade conjunta destes em criar o ente societário. 142 Na segun<strong>da</strong> hipótese,<br />

tratando-se de uma alteração contratual, bastará o consentimento de três quartos do<br />

capital social, nos termos do art. 1.076, I c/c o art. 1.071, V, do Código Civil de 2002.<br />

Na hipótese de nomeação de administrador sócio em ato separado, sua<br />

eleição depende de deliberação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de por votos correspondentes a mais <strong>da</strong><br />

metade do capital social, na forma do art. 1.076, I, c/c o art. 1.071, II e III do Código<br />

Civil de 2002.<br />

O art. 1.062 prescreve que o administrador designado em ato separado<br />

será investido no cargo mediante termo de posse no livro de atas <strong>da</strong> administração,<br />

que deverá ser assinado nos trinta dias seguintes à sua designação, sob pena de<br />

esta se tornar sem efeito. Posteriormente, nos dez dias seguintes à investidura, o<br />

administrador deve requerer sua averbação no registro competente, mencionando o<br />

seu nome, nacionali<strong>da</strong>de, estado civil, residência, com exibição de documento de<br />

identi<strong>da</strong>de, o ato e a <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> nomeação e o prazo de gestão.<br />

141 VERÇOSA, Haroldo Malheiros. Curso de direito comercial, v. 2: Teoria geral <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des: as<br />

socie<strong>da</strong>des em espécie do código civil, p. 440.<br />

142 VERÇOSA, Haroldo Malheiros. Curso de direito comercial, v. 2: Teoria geral <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des: as<br />

socie<strong>da</strong>des em espécie do código civil, p. 443.


66<br />

É importante ressaltar que a nomeação do administrador começa a<br />

produzir efeitos entre este e a socie<strong>da</strong>de desde a sua investidura. No entanto, até<br />

que ocorra a averbação <strong>da</strong> investidura no registro competente, essa nomeação não<br />

pode ser oposta a terceiros. Além disso, segundo lição de Modesto Carvalhosa, 143<br />

se realiza<strong>da</strong> a averbação no prazo estabelecido pelo art. 1.062, os efeitos <strong>da</strong><br />

investidura retroagirão à <strong>da</strong>ta <strong>da</strong> assinatura do termo de posse. Por outro lado, se o<br />

termo de posse for levado a averbação fora do prazo de dez dias, os efeitos <strong>da</strong><br />

investidura perante terceiros somente se produzirão a partir <strong>da</strong> <strong>da</strong>ta do despacho<br />

que deferir a averbação.<br />

No que se refere ao administrador não-sócio, sua eleição será feita<br />

segundo diferentes critérios. Estando o capital social integralizado, será necessária<br />

aprovação de dois terços <strong>dos</strong> sócios para nomeação do administrador. No entanto,<br />

se o capital não estiver integralizado, será necessária a aprovação unânime <strong>dos</strong><br />

sócios, nos termos do art. 1.061 do novo Código Civil. Haroldo Malheiros Verçosa<br />

assim se manifesta sobre o tema em análise:<br />

A exigência <strong>da</strong> aprovação <strong>da</strong> unanimi<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> sócios para eleição<br />

de <strong>administradores</strong> não-sócios é motiva<strong>da</strong> pela existência de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> solidária <strong>dos</strong> sócios pelo que faltar para a<br />

integralização, na forma do art. 1.052 do NCC. Desta maneira, os<br />

atos pratica<strong>dos</strong> pelo administrador não-sócio poderão gerar tal<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> mesmo em relação ao sócio que já cumpriu<br />

individualmente a obrigação de integralizar sua parte no capital <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de, mas outros não o fizeram.<br />

Por sua vez, a fixação do quórum qualificado de dois terços para a<br />

designação de <strong>administradores</strong> não-sócios, estando o capital<br />

integralizado, está basea<strong>da</strong> no fato de que a atuação do<br />

administrador acarretará riscos diretos tão-somente para a socie<strong>da</strong>de<br />

pelos atos de excesso de poder pratica<strong>dos</strong> por tais <strong>administradores</strong>,<br />

caso não possam ser opostos vali<strong>da</strong>mente a terceiros segundo as<br />

hipóteses previstas no art. 1.015, parágrafo único, do NCC. 144<br />

A nomeação de administrador não-sócio por meio de ato separado segue<br />

as mesmas regras relativas a administrador sócio indicado em ato separado, acima<br />

analisa<strong>da</strong>s.<br />

143 CARVALHOSA, Modesto. Comentários ao código civil: parte especial: do direito de empresa<br />

Coord. Antônio Junqueira de Azevedo, v. 13, p. 120-121.<br />

144 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial, v. 2: Teoria geral <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des: as socie<strong>da</strong>des em espécie do código civil, p. 444.


67<br />

No que diz respeito à cessação do man<strong>da</strong>to do administrador, o Código<br />

Civil de 2002 oferece diferentes opções conforme se trate de administrador nomeado<br />

no contrato social ou em ato separado. Da mesma forma, o tratamento quanto à<br />

destituição será diferente caso se trate de administrador sócio ou não-sócio. Em<br />

qualquer caso, adverte Fábio Ulhoa Coelho, 145 os <strong>administradores</strong> exercem função<br />

de confiança <strong>dos</strong> sócios e podem, por isso, ser destituí<strong>dos</strong>, a qualquer tempo,<br />

mesmo que designa<strong>dos</strong> por prazo determinado.<br />

O sócio designado administrador no contrato social será destituído pela<br />

aprovação de titulares representantes de quotas correspondentes, no mínimo, a dois<br />

terços do capital social, salvo estipulação contratual em sentido diverso. Assim, o<br />

contrato social poderá aumentar ou reduzir o quorum necessário para destituição do<br />

administrador.<br />

Cabe ressaltar que, tratando-se de administrador sócio nomeado em ato<br />

constitutivo, a destituição implicará alteração do contrato social, com possibili<strong>da</strong>de<br />

de os sócios que discor<strong>da</strong>rem dela valerem-se do direito de recesso, nos termos do<br />

art. 1.077 <strong>da</strong> cita<strong>da</strong> lei.<br />

O administrador não-sócio poderá ser destituído por votos<br />

correspondentes a mais <strong>da</strong> metade do capital social, embora sua designação exija<br />

aprovação <strong>da</strong> unanimi<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> sócios, caso o capital social não esteja totalmente<br />

integralizado ou mínimo de aprovação de titulares representantes de quotas<br />

correspondentes a dois terços do capital social, no caso em que este esteja<br />

integralizado.<br />

Já o administrador sócio ou não-sócio, designado em ato separado,<br />

poderá ser destituído, a qualquer tempo, por votos equivalentes a mais <strong>da</strong> metade<br />

do capital social, nos termos do art. 1.076, II, e do art. 1.071, III, do Código Civil de<br />

2002.<br />

Nos termos do art. 1.063 do Código Civil de 2002, além <strong>da</strong>s hipóteses de<br />

destituição, que podem acontecer a qualquer tempo, o exercício do cargo de<br />

administrador cessa pelo término do prazo se fixado no contrato social ou em ato<br />

separado, desde que não haja recondução.<br />

145 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 438-439.


68<br />

Uma vez vencido o prazo estipulado pelo contrato social ou por ato em<br />

separado, o administrador poderá ser reconduzido ao cargo tantas vezes quantas<br />

assim interessar à socie<strong>da</strong>de. Havendo a recondução, aprova<strong>da</strong> pela assembléia ou<br />

reunião de sócios, caberá ao administrador cumprir novamente as formali<strong>da</strong>des de<br />

investidura e publici<strong>da</strong>de pela averbação no registro competente (art. 1.062).<br />

A cessação do exercício do cargo de administrador deve ser averba<strong>da</strong> no<br />

registro competente, mediante requerimento apresentado nos dez dias seguintes ao<br />

<strong>da</strong> ocorrência, nos termos do § 2º do art. 1.063 do Código Civil de 2002. A exigência<br />

de tal publici<strong>da</strong>de reside na necessi<strong>da</strong>de de <strong>da</strong>r ciência e tornar oponível a terceiros<br />

o término <strong>da</strong>s funções de administração do destituído. A destituição só será eficaz<br />

perante terceiros após a averbação do ato de destituição.<br />

O término <strong>da</strong> administração pode derivar, ain<strong>da</strong>, de renúncia do<br />

administrador. Nesse caso, a renúncia de administrador torna-se eficaz, em relação<br />

à socie<strong>da</strong>de, desde o momento em que esta toma conhecimento <strong>da</strong> comunicação<br />

escrita do renunciante; e, em relação a terceiros, após a averbação e a publicação.<br />

Ain<strong>da</strong> no que se refere à administração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, o art. 1.064<br />

do Código Civil de 2002 dispõe que “o uso <strong>da</strong> firma ou denominação social é privativo<br />

<strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> que tenham os necessários poderes”. Dessa forma, o novo Código<br />

Civil manteve a possibili<strong>da</strong>de de utilização de firma ou denominação social, mas o<br />

contrato social deve dispor sobre quem a utilizará.<br />

De todo o exposto, pode-se concluir que o Código Civil de 2002 define<br />

regras quanto à investidura, ao término do cargo, à destituição, a renúncia e à<br />

prestação de contas <strong>da</strong> administração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, criando uma estrutura<br />

organizacional mais completa e complexa do que aquela prevista no Decreto n.<br />

3.708/19. Esse dispositivo legal conferia maior liber<strong>da</strong>de aos sócios para estruturar a<br />

administração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>. Embora ocorra maior engessamento <strong>da</strong><br />

estrutura <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, já que os sócios perdem grande flexibili<strong>da</strong>de na<br />

delimitação <strong>da</strong> estrutura societária, acredita-se que a definição de regras mais<br />

rígi<strong>da</strong>s contribuirá para o aprimoramento profissional <strong>da</strong> administração de tais<br />

socie<strong>da</strong>des.<br />

Ressalte-se que para as socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s regula<strong>da</strong>s supletivamente<br />

pelas socie<strong>da</strong>des simples são aplicáveis ao tema <strong>da</strong> administração mais 11 artigos


69<br />

conti<strong>dos</strong> na Seção III do Capítulo I (Subtítulo II – Da Socie<strong>da</strong>de Personifica<strong>da</strong>), que<br />

tratam <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des simples, ou seja, os arts. 1.010 a 1.021.<br />

Finalmente, para as socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s regi<strong>da</strong>s supletivamente pelos<br />

preceitos <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas, serão aplicáveis à administração, no que<br />

couber, os arts. 138 a 160 <strong>da</strong> Lei n. 6.404/76. Dessa forma, poderão ser aplica<strong>da</strong>s,<br />

conforme o caso, as regras sobre o Conselho de Administração (composição, voto<br />

múltiplo, competência) e Diretoria (composição e representação), assim como as<br />

regras comuns aos <strong>administradores</strong> (requisitos e impedimentos, garantia <strong>da</strong> gestão,<br />

investidura, substituição e término <strong>da</strong> gestão, renúncia e remuneração), bem como<br />

as regras de deveres e <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>s <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> (dever de diligência,<br />

finali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s atribuições e desvio de poder, dever de leal<strong>da</strong>de, conflito de<br />

interesses, dever de informar, ação de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>).


70<br />

5 RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES<br />

Existem dois tipos de regulamentação sobre a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do<br />

administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>: para as socie<strong>da</strong>des regi<strong>da</strong>s supletivamente<br />

pelos preceitos <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des simples, a matéria está regulamenta<strong>da</strong> nos arts.<br />

1.011 a 1.020, bem como no art. 1.158 do novo Código Civil; e para as socie<strong>da</strong>des<br />

regi<strong>da</strong>s supletivamente pelas regras <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas, aplicam-se as<br />

disposições previstas na Seção IV do Capítulo XII <strong>da</strong> Lei n. 6.404/76 (arts. 153 a<br />

159).<br />

Dessa forma, para as socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s regi<strong>da</strong>s supletivamente pelas<br />

normas <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des simples, devem ser observa<strong>dos</strong> os seguintes princípios:<br />

a) o administrador tem o dever de cui<strong>da</strong>do e diligência (art. 1.011);<br />

b) a nomeação do administrador deve ser averba<strong>da</strong> no registro próprio,<br />

sob pena de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal e solidária (art. 1.012);<br />

c) <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pelas per<strong>da</strong>s e <strong>da</strong>nos causa<strong>dos</strong> à socie<strong>da</strong>de por atos<br />

em desacordo com a maioria (art. 1.013, §2°);<br />

d) <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pelos atos pratica<strong>dos</strong> com excesso de poder (art.<br />

1.015, parágrafo único);<br />

e) <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> solidária <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> perante a socie<strong>da</strong>de e<br />

terceiros por culpa no exercício de suas funções (art. 1.016);<br />

f) <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do administrador que, sem consentimento <strong>dos</strong> demais<br />

sócios, aplicar créditos ou bens sociais em proveito próprio ou de terceiros (art.<br />

1.017);<br />

g) <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> solidária e ilimita<strong>da</strong> <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> pelo<br />

emprego <strong>da</strong> firma ou denominação <strong>da</strong> qual não conste a palavra “limita<strong>da</strong>” ou sua<br />

abreviatura (art. 1.158, §3°).<br />

Regra geral, conforme estipulado pelo novo Código Civil, o administrador<br />

não pode ser responsabilizado pelos atos normais e regulares de gestão, pois age<br />

em nome <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, manifestando a vontade dela, em busca <strong>da</strong> realização do<br />

seu objeto social. No entanto, os <strong>administradores</strong> respondem soli<strong>da</strong>riamente perante


71<br />

a socie<strong>da</strong>de e perante terceiros prejudica<strong>dos</strong> por culpa no desempenho de suas<br />

funções, conforme disposto pelo art. 1.016 do citado diploma legal.<br />

Diante do exposto, o Código Civil, em matéria de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do<br />

administrador, manteve-se fiel à tradição, invocando expressamente a culpa como<br />

sua fonte primária.<br />

No que se refere à soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, prevista no art. 1.016, a mesma surge<br />

em relação aos <strong>administradores</strong> que agiram com culpa (imprudência, imperícia e<br />

negligência), cuja prova deve ficar a cargo de quem alegar. Assim, os<br />

<strong>administradores</strong> prudentes, peritos e diligentes não podem ser responsabiliza<strong>dos</strong> por<br />

atos culposos prejudiciais ao patrimônio social pratica<strong>dos</strong> por outro ou outros<br />

diretores.<br />

Rubens Requião 146 afirma que para os atos que praticar com violação <strong>da</strong><br />

lei ou <strong>dos</strong> estatutos de na<strong>da</strong> serve ao sócio-gerente o anteparo <strong>da</strong> pessoa jurídica<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Sua <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal e ilimita<strong>da</strong> emerge <strong>dos</strong> fatos quando<br />

resultarem de sua violação <strong>da</strong> lei ou do contrato, causando sua imputabili<strong>da</strong>de civil e<br />

penal.<br />

No que diz respeito às socie<strong>da</strong>des regi<strong>da</strong>s supletivamente pelas regras<br />

<strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas, serão aplicáveis os seguintes artigos <strong>da</strong> Lei n. 6.404/76:<br />

153 (dever de diligência); 154 (finali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s atribuições <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> e<br />

desvio de poder); 155 (dever de leal<strong>da</strong>de); 156 (conflito de interesses); 157 (dever<br />

de informar); 158 (<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> pelos prejuízos causa<strong>dos</strong> à<br />

socie<strong>da</strong>de); e 159 (ação de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>).<br />

No que diz respeito à legitimi<strong>da</strong>de para propositura <strong>da</strong> ação indenizatória<br />

em desfavor do administrador que, no exercício de suas funções, descumpre os<br />

seus deveres e, com isso, causa prejuízos à socie<strong>da</strong>de, Fábio Ulhoa Coelho 147<br />

afirma que tal legitimi<strong>da</strong>de é <strong>da</strong> própria socie<strong>da</strong>de. Em vista <strong>da</strong> autonomia<br />

patrimonial <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, os sócios não são partes legítimas para promover a<br />

responsabilização do administrador, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> na má gerência <strong>da</strong> empresa.<br />

Deve ser ressaltado, ain<strong>da</strong>, que, se em virtude <strong>da</strong> quebra <strong>dos</strong> deveres de<br />

diligência e leal<strong>da</strong>de pelo administrador resultarem prejuízos diretos para algum<br />

146 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, p. 358.<br />

147 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 441.


72<br />

sócio, este também terá legitimi<strong>da</strong>de e interesse para propor ação indenizatória em<br />

nome próprio contra o administrador que infringiu os deveres legais.<br />

Questão interessante sobre a responsabilização do administrador surge<br />

quando o sócio majoritário pratica infração <strong>dos</strong> deveres legais. Nessa hipótese,<br />

ensina o Fábio Ulhoa Coelho, 148 é evidente que não se logrará aprovar deliberação<br />

autorizativa do ajuizamento <strong>da</strong> ação indenizatória em face do administrador, razão<br />

pela qual surge a possibili<strong>da</strong>de para que a referi<strong>da</strong> ação possa ser ajuiza<strong>da</strong> pelo<br />

minoritário, com aplicação analógica do art. 159, § 4° <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des por<br />

Ações.<br />

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa fornece importante lição sobre a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> no plano judicial, senão vejamos:<br />

Primeiramente, sendo omisso o contrato social a respeito <strong>da</strong><br />

regência supletiva <strong>da</strong>s limita<strong>da</strong>s pelas normas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

anônima, deve aplicar-se o regime <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de simples (NCC, art.<br />

1.053, caput). Mas no regramento deste tipo societário não há<br />

qualquer norma respeitante à responsabilização judicial <strong>dos</strong><br />

<strong>administradores</strong>. Assim sendo, por analogia, deve-se recorrer ao<br />

sistema estabelecido para as socie<strong>da</strong>des anônimas.<br />

Em segundo lugar, se o contrato social fez opção expressa no<br />

sentido <strong>da</strong> regência supletiva <strong>da</strong>s limita<strong>da</strong>s pelo regime <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des anônimas, com to<strong>da</strong> razão devem os <strong>administradores</strong><br />

<strong>da</strong>quelas ser judicialmente responsabiliza<strong>dos</strong> nos termos do art. 159<br />

<strong>da</strong> Lei 6.404/1976, o que deve ser feito na seqüência <strong>dos</strong> passos<br />

determina<strong>dos</strong> pelo legislador para tal finali<strong>da</strong>de: (i) ação social uti<br />

universi; (ii) ação social uti singuli; (iii) ação social deriva<strong>da</strong> (iv) ação<br />

individual proposta por sócio; e (v) ação proposta por terceiro<br />

prejudicado. 149<br />

Dessa forma, a responsabilização do administrador <strong>da</strong> limita<strong>da</strong>, no plano<br />

judicial, seguirá as regras traça<strong>da</strong>s para as socie<strong>da</strong>des anônimas. Tal fato advém ou<br />

<strong>da</strong> adoção, no contrato social <strong>da</strong> limita<strong>da</strong>, <strong>da</strong> regência supletiva pela lei do<br />

anonimato ou <strong>da</strong> omissão do Código Civil de 2002 quanto à ação de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong>, aplicando-se, assim, por analogia, as<br />

disposições previstas no art. 159 150 <strong>da</strong> Lei n. 6.404/1976, caso a limita<strong>da</strong> adote a<br />

148 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 442.<br />

149 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial, v. 2, p. 462.<br />

150 “Art. 159 Compete à companhia, mediante prévia deliberação <strong>da</strong> assembléia-geral, a ação de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> civil contra o administrador, pelos prejuízos causa<strong>dos</strong> ao seu patrimônio.”


73<br />

regência supletiva segundo as normas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de simples. A legitimi<strong>da</strong>de ativa<br />

para a cita<strong>da</strong> deman<strong>da</strong> será <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de ou, substitutivamente, de sócios que<br />

representem pelo menos 5% do capital social. Cabe ressaltar que qualquer sócio<br />

poderá promover a ação, se não proposta no prazo de três meses <strong>da</strong> deliberação <strong>da</strong><br />

assembléia-geral. Além disso, caberá ao sócio ou terceiro diretamente prejudicado<br />

por ato do administrador apresentar ação contra este.<br />

Ressalte-se que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> ora analisa<strong>da</strong> é civil. Quanto à<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> <strong>da</strong> limita<strong>da</strong>, objeto deste<br />

trabalho,será analisa<strong>da</strong> posteriormente.<br />

5.1 Teoria ultra vires<br />

Ato ultra vires, segundo Osmar Brina Corrêa-Lima, 151 é aquele praticado<br />

pelo administrador além <strong>da</strong>s forças a ele atribuí<strong>da</strong>s pelo contrato social, ou seja, é o<br />

ato praticado com extrapolação <strong>dos</strong> limites de seus poderes contratuais.<br />

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, 152 ao analisar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong><br />

<strong>administradores</strong>, afirma que a obediência aos termos constitutivos determina a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de pelas obrigações assumi<strong>da</strong>s por seu administrador, o<br />

qual, aplica<strong>da</strong> a teoria organicista, apenas presentou aquela. No entanto, se o ato foi<br />

“§ 1º A deliberação poderá ser toma<strong>da</strong> em assembléia-geral ordinária e, se prevista na ordem do<br />

dia, ou for conseqüência direta de assunto nela incluído, em assembléia-geral extraordinária.<br />

§ 2º O administrador ou <strong>administradores</strong> contra os quais deva ser proposta a ação ficarão<br />

impedi<strong>dos</strong> e deverão ser substituí<strong>dos</strong> na mesma assembléia.<br />

§ 3º Qualquer acionista poderá promover a ação, se não for proposta no prazo de 3 (três) meses<br />

<strong>da</strong> deliberação <strong>da</strong> assembléia-geral.<br />

§ 4º Se a assembléia deliberar não promover a ação, poderá ela ser proposta por acionistas que<br />

representem 5% (cinco por cento), pelo menos, do capital social.<br />

(Vide art. 291)<br />

§ 5º Os resulta<strong>dos</strong> <strong>da</strong> ação promovi<strong>da</strong> por acionista deferem-se à companhia, mas esta deverá<br />

indenizá-lo, até o limite <strong>da</strong>queles resulta<strong>dos</strong>, de to<strong>da</strong>s as despesas em que tiver incorrido,<br />

inclusive correção monetária e juros <strong>dos</strong> dispêndios realiza<strong>dos</strong>.<br />

§ 6º O juiz poderá reconhecer a exclusão <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do administrador, se convencido de<br />

que este agiu de boa fé e visando ao interesse <strong>da</strong> companhia.<br />

§ 7º A ação prevista neste artigo não exclui a que couber ao acionista ou terceiro diretamente<br />

prejudicado por ato de administrador.”<br />

151 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, p. 66.<br />

152 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial, v. II: Teoria geral <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des: as socie<strong>da</strong>des em espécie do código civil, p. 188.


74<br />

praticado fora <strong>dos</strong> poderes ou fora do objeto <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, entende-se que nele não<br />

estava presente a socie<strong>da</strong>de, deixando, assim, de assumir as <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>s<br />

correspondentes. Esta, portanto, é a aplicação <strong>da</strong> teoria conheci<strong>da</strong> como ultra vires<br />

societatis, que significa “além <strong>dos</strong> poderes conferi<strong>dos</strong> pela socie<strong>da</strong>de”.<br />

Essa teoria surgiu na jurisprudência inglesa, no século XIX, segundo a<br />

qual, se o administrador, ao praticar atos de gestão, violar o objeto social delimitado<br />

no ato constitutivo, este ato ultra vires societatis não poderá ser imputado à<br />

socie<strong>da</strong>de. Portanto, a socie<strong>da</strong>de fica isenta de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> perante terceiros,<br />

salvo se tiver se beneficiado com a prática do ato, quando, então, passará a ter<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> na medi<strong>da</strong> do benefício auferido.<br />

Fábio Ulhoa Coelho 153 ensina que as cortes inglesas começaram a<br />

formular a teoria ultra vires em mea<strong>dos</strong> do século XIX, com o objetivo de evitar<br />

desvios de finali<strong>da</strong>de na administração <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas, preservando,<br />

assim, os interesses <strong>dos</strong> investidores. De acordo com a formulação de tal teoria,<br />

qualquer ato praticado em nome <strong>da</strong> pessoa jurídica, desde que contrário ao seu<br />

objeto social, seria nulo.<br />

O surgimento <strong>da</strong> teoria ultra vires na Inglaterra coincide com a criação do<br />

sistema de liber<strong>da</strong>de de constituição para as socie<strong>da</strong>des por ações. A partir de 1856,<br />

a atribuição de personali<strong>da</strong>de jurídica às companhias, bem como a limitação <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> acionistas passou a depender, no direito inglês, não mais de<br />

um específico ato de outorga do poder real ou parlamentar, mas apenas do registro<br />

perante o órgão público competente. 154<br />

Dessa forma, para os atos pertinentes ao objeto social <strong>da</strong> empresa<br />

vigorava a regra <strong>dos</strong> efeitos do registro, quais sejam, a personali<strong>da</strong>de jurídica própria<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e a limitação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> acionistas. No entanto, as cortes<br />

inglesas, preocupa<strong>da</strong>s com a possibili<strong>da</strong>de de extensão <strong>dos</strong> efeitos do registro aos<br />

atos contrários ao objeto social <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, passaram a adotar a teoria ora<br />

analisa<strong>da</strong>.<br />

O rigor <strong>da</strong> adoção <strong>da</strong> teoria ultra vires trouxe vários problemas para as<br />

socie<strong>da</strong>des inglesas. As pessoas, ao celebrarem negócios com a socie<strong>da</strong>de,<br />

passaram a exigir a inclusão <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de no objeto social registrado. Assim, os atos<br />

153 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 445.<br />

154 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 446.


75<br />

constitutivos <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de apresentavam, em seu objeto social, uma lista imensa e<br />

variável de ativi<strong>da</strong>des às quais a socie<strong>da</strong>de poderia dedicar-se.<br />

Ao longo do século XX o rigor <strong>da</strong> teoria ultra vires sofreu gra<strong>da</strong>tiva<br />

flexibilização, principalmente diante do reconhecimento <strong>da</strong> boa-fé do contratante,<br />

reconhecendo-lhe o direito de exigir que a socie<strong>da</strong>de cumprisse o contrato<br />

exorbitante, caso justificável o desconhecimento <strong>da</strong> cláusula delimitadora do objeto<br />

social. Com a adesão do Reino Unido à Comuni<strong>da</strong>de Econômica Européia, bem<br />

como a necessi<strong>da</strong>de de harmonização do direito fizeram com que, em 1989, a teoria<br />

ultra vires fosse definitivamente abandona<strong>da</strong>.<br />

Nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, a cita<strong>da</strong> teoria é utiliza<strong>da</strong> apenas para efeitos de<br />

responsabilização do administrador por ato de liberali<strong>da</strong>de praticado em nome <strong>da</strong><br />

companhia. 155<br />

Diante do exposto, constata-se que a teoria ultra vires antes rigi<strong>da</strong>mente<br />

aplica<strong>da</strong> pelas cortes inglesas, que nulificavam os atos pratica<strong>dos</strong> pela socie<strong>da</strong>de<br />

que excedessem o seu objeto social, deixou de ser aplica<strong>da</strong> nos países em que<br />

surgiu, tendo em vista a tutela <strong>dos</strong> interesses <strong>dos</strong> terceiros de boa-fé, bem como em<br />

razão <strong>da</strong> segurança <strong>da</strong>s relações jurídicas.<br />

A teoria ultra vires, preleciona Osmar Brina Corrêa-Lima, 156 surgiu na<br />

Inglaterra, no século passado. Em segui<strong>da</strong>, tal teoria foi adota<strong>da</strong> pelos Esta<strong>dos</strong><br />

Uni<strong>dos</strong>. Nesses países, liga<strong>dos</strong> ao sistema <strong>da</strong> common law, essa teoria na<strong>da</strong> mais é<br />

que o entendimento de cortes inglesas e norte-americanas sobre os efeitos do ato<br />

ultra vires. O citado autor ain<strong>da</strong> acrescenta que os julga<strong>dos</strong> mais antigos, tanto na<br />

Inglaterra, como nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong> e no Brasil, entendiam que a socie<strong>da</strong>de não<br />

responderia pelo ato ultra vires praticado pelo administrador. Esse entendimento<br />

corresponde à antiga teoria ultra vires, conforme classificação apresenta<strong>da</strong> na obra<br />

doutrinária em comento.<br />

No entanto, os julga<strong>dos</strong> mais recentes, até mesmo os <strong>dos</strong> países onde<br />

surgiu a teoria ultra vires, entendem que a socie<strong>da</strong>de deve responder pelos atos<br />

pratica<strong>dos</strong> pelo seu administrador ain<strong>da</strong> que exce<strong>da</strong>m o objeto social. Assim, nos<br />

termos <strong>da</strong> moderna teoria ultra vires, que busca proteger o terceiro de boa-fé que<br />

155 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 446; CALÇAS, Manoel Pereira.<br />

Socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> no novo código civil, p. 153.<br />

156 CORRÊA-LIMA, Osmar Brina. Socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, p. 66.


76<br />

contrata com a socie<strong>da</strong>de, esta responderá pelo ato praticado em seu nome, ain<strong>da</strong><br />

que extrapole os limites do contrato social. Nesse caso, caberá à socie<strong>da</strong>de voltar-se<br />

contra o administrador que agiu além <strong>dos</strong> poderes a ele atribuí<strong>dos</strong> pelo contrato<br />

social.<br />

Osmar Brina Corrêa-Lima apresenta importante lição sobre a moderna<br />

interpretação conferi<strong>da</strong> à teoria ultra vires:<br />

Em face <strong>da</strong> regra geral acima enuncia<strong>da</strong>, a moderna teoria do<br />

administrador de facto preconiza, em síntese, o seguinte: em<br />

situações excepcionais, a socie<strong>da</strong>de responde pelo ato ultra vires<br />

praticado em seu nome pelo seu administrador; e pode voltar-se<br />

regressivamente contra ele por descumprimento do dever de<br />

obediência (ao contrato ou ao estatuto).<br />

A moderna teoria ultra vires considera o dinamismo <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

empresarial. Reconhece ser impossível exigir, de quem contrata com<br />

a socie<strong>da</strong>de, principalmente com a socie<strong>da</strong>de empresária, o exame e<br />

a avaliação <strong>dos</strong> poderes contratuais ou estatutários <strong>dos</strong><br />

<strong>administradores</strong>, a ca<strong>da</strong> transação. E procura proteger a boa-fé de<br />

terceiros que contratam com a socie<strong>da</strong>de acreditando na palavra de<br />

seu representante. 157<br />

Dessa forma, até a vigência do novo Código Civil, a solução para os atos<br />

do administrador que exorbitassem os limites do objeto social era a seguinte: se o<br />

contrato parecesse regular, deveria ser tratado como tal. Dessa forma, a socie<strong>da</strong>de<br />

respondia por to<strong>dos</strong> os seus atos, honrando os contratos assumi<strong>dos</strong> com terceiros e,<br />

depois, reclamava eventuais prejuízos do administrador. Assim, ain<strong>da</strong> que<br />

desvantajoso para a socie<strong>da</strong>de, privilegiava-se a boa-fé de quem com ela<br />

contratava. Não se exigia que o terceiro, ao celebrar um contrato com a socie<strong>da</strong>de,<br />

examinasse previamente o seu contrato social para verificar os poderes conferi<strong>dos</strong><br />

ao administrador.<br />

Essa regra, conheci<strong>da</strong> como teoria <strong>da</strong> aparência, que busca proteger os<br />

terceiros de boa-fé, continua váli<strong>da</strong> para to<strong>da</strong>s as socie<strong>da</strong>des anônimas e para as<br />

socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s em que o contrato social estabelece a aplicação subsidiária <strong>da</strong><br />

Lei de Socie<strong>da</strong>des Anônimas.<br />

No que diz respeito às socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, quando eram regi<strong>da</strong>s pelo<br />

Decreto n. 3.708/19, por força do disposto no seu art. 10, ain<strong>da</strong> que os gerentes, no<br />

157 CÔRREA-LIMA, Osmar Brina. Socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, p. 68.


77<br />

exercício de suas funções, praticassem atos estranhos ao objeto social, não era<br />

aplica<strong>da</strong> a teoria ultra vires, exceto para responsabilização destes, pela via do direito<br />

de regresso por parte <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. 158 Assim, o art. 10 do revogado decreto<br />

estabelecia a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de soli<strong>da</strong>riamente com o seu gerente,<br />

para com terceiro, quando aquele violasse contrato ou lei.<br />

Nova direção sobre o tema em análise é trazi<strong>da</strong> pelo parágrafo único do<br />

art. 1.015 do novo Código Civil, que disciplina to<strong>da</strong>s as socie<strong>da</strong>des simples e as<br />

socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, estas últimas quando não há aplicação subsidiária <strong>da</strong>s regras<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de anônima. O novo Código Civil, no dispositivo legal supracitado, afirma<br />

que a socie<strong>da</strong>de não se vincula aos atos pratica<strong>dos</strong> pelos <strong>administradores</strong> se provar<br />

uma <strong>da</strong>s seguintes hipóteses: a) limitação inscrita ou averba<strong>da</strong> no registro de<br />

empresas; b) limitação conheci<strong>da</strong> por terceiro; c) ato estranho ao objeto social.<br />

A primeira hipótese refere-se a restrições contratuais aos poderes do<br />

administrador, como, a proibição <strong>da</strong> prestação de aval ou fiança pela socie<strong>da</strong>de. No<br />

segundo caso, pune-se a má-fé do terceiro que, sabendo <strong>da</strong> limitação, ain<strong>da</strong> assim<br />

concluiu o contrato. E na terceira situação o ato é completamente estranho ao objeto<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de e não acarretará a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do ente societário.<br />

A orientação adota<strong>da</strong> pelo novo Código Civil apresenta-se contrária à<br />

tendência mundial de proteção aos terceiros de boa-fé, <strong>da</strong> consagração <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong><br />

aparência. Diante <strong>da</strong> nova disciplina imposta pelo Código Civil de 2002, será sempre<br />

necessário analisar o contrato <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de para verificar a extensão <strong>dos</strong> poderes<br />

<strong>dos</strong> <strong>administradores</strong>. E mais, pode haver um grande prejuízo para a própria<br />

socie<strong>da</strong>de, uma vez que, como ocorreu no direito inglês, será extremamente<br />

discutido se o ato está ou não dentro do objeto social.<br />

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa 159 afirma que é justamente em relação<br />

a documentos registra<strong>dos</strong> que se aplica a teoria <strong>da</strong> aparência, tendo em vista<br />

negócios feitos em massa e de pequeno valor, em relação aos quais não se costuma<br />

fazer consulta prévia ao órgão competente, e nem isso seria possível, tendo em vista<br />

a veloci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> realização de negócios <strong>da</strong>quele tipo. O autor ain<strong>da</strong> ressalta a<br />

ineficácia do sistema de Registros do Comércio como forma de <strong>da</strong>r publici<strong>da</strong>de aos<br />

158 CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. Socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> no novo código civil, p. 152.<br />

159 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial, v. 2: Teoria geral <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des: as socie<strong>da</strong>des em espécie do código civil, p. 185-201.


78<br />

atos pratica<strong>dos</strong> pelos empresários e por socie<strong>da</strong>des empresárias. Dessa forma, é<br />

necessário que se dê proteção aos terceiros de boa-fé nos seus negócios com os<br />

empresários.<br />

Nelson Abrão 160 ensina que prevalece hoje na doutrina 161 o princípio <strong>da</strong><br />

inoponibili<strong>da</strong>de a terceiros <strong>da</strong> cláusula restritiva <strong>dos</strong> poderes do gerente, sem<br />

prejuízo <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> deste pela infração dessas limitações. Assim, as<br />

limitações descritas no contrato social possuem eficácia nas relações do gerente<br />

com os demais sócios, mas não podem ser opostas aos terceiros que contratam<br />

com a socie<strong>da</strong>de. Assim é que a cláusula restritiva produz efeitos na socie<strong>da</strong>de, ou<br />

seja, nas relações entre os sócios, mas que de forma alguma têm o condão de<br />

espalhar sua efetivi<strong>da</strong>de no tocante a terceiros. O autor ain<strong>da</strong> ressalta que, em<br />

matéria de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, passa a ter peso a teoria <strong>da</strong> aparência, tipificando a<br />

desnecessi<strong>da</strong>de de a pessoa que contrata com a socie<strong>da</strong>de perquirir ou examinar<br />

seu contrato social <strong>da</strong>do que não teria o menor sentido se to<strong>da</strong>s as vezes houvesse<br />

a obrigação de exibir documentos para vali<strong>da</strong>de do ato.<br />

Manoel de Queiroz Pereira Calças 162 afirma que o novo Código Civil<br />

adotou a teoria ultra vires de forma mitiga<strong>da</strong>, ao insculpir a regra do art. 1.015,<br />

parágrafo único, III, que permite à socie<strong>da</strong>de alegar em face de terceiros o excesso<br />

por parte do administrador que praticar operação evidentemente estranha aos<br />

negócios <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Dessa forma, exonera-se a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

pelo ato do administrador que for, evidentemente, estranho ao objeto social.<br />

Osmar Brina Corrêa-Lima, 163 ao analisar o artigo em epígrafe, afirma que<br />

ele estabelece uma regra que deve ser respeita<strong>da</strong> e aplica<strong>da</strong>. A teoria <strong>da</strong> aparência,<br />

a teoria do administrador de fato e a moderna teoria <strong>dos</strong> atos ultra vires não<br />

contrariam a lei. Tais teorias apenas preconizam uma interpretação que, em<br />

situações fáticas específicas, privilegia o espírito <strong>da</strong> lei e os princípios de etici<strong>da</strong>de,<br />

sociali<strong>da</strong>de, dentre outros. Assim, em determina<strong>da</strong>s situações concretas, poderá o<br />

160 ABRÃO, Nelson. Socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s, p. 162-163.<br />

161 O citado autor analisa vários ordenamentos jurídicos sobre o tema, como as legilações argentina,<br />

francesa e italiana. A lei francesa, segundo a obra consulta<strong>da</strong>, não admite a oposição de cláusulas<br />

limitativas <strong>dos</strong> poderes de gestão a terceiros; a lei italiana admite a vali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> cláusula limitativa<br />

e o direito argentino, conforme o art. 58 <strong>da</strong> Lei <strong>da</strong>s Socie<strong>da</strong>des, dispõe que os gerentes obrigam a<br />

socie<strong>da</strong>de por to<strong>dos</strong> os atos que celebrem que não sejam notoriamente estranhos ao objeto<br />

social.<br />

162 CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. Socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> no novo código civil, p. 152.<br />

163 CÔRREA-LIMA, Osmar Brina. Socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, p. 73.


79<br />

aplicador do direito empregar as referi<strong>da</strong>s teorias que buscam justamente proteger<br />

os terceiros de boa-fé que contratam com a socie<strong>da</strong>de. Eis a lição do doutrinador:<br />

Essa forma de interpretação, além de mais justa, sintoniza-se com a<br />

filosofia do Código Civil, que, segundo informa Miguel Reale, surge<br />

como ‘um ordenamento jurídico constituído por normas abertas,<br />

suscetíveis de permanente atualização’, que enfatiza valores,<br />

princípios e critérios: valores sociais e éticos; princípios de etici<strong>da</strong>de,<br />

sociali<strong>da</strong>de, concreção ou ‘concretude’, operabili<strong>da</strong>de, e outros;<br />

critérios de eqüi<strong>da</strong>de.<br />

Como se percebe, a correta aplicação dessas teorias não tem<br />

absolutamente na<strong>da</strong> a ver com o arbítrio judicial ou com a formação<br />

de uma jurisprudência contra legem. Muito ao contrário, contribuem<br />

significativamente para a formação de uma jurisprudência mais<br />

acerta<strong>da</strong>, mais realista e mais justa. 164<br />

Cláudio Calo Souza 165 manifesta-se contrário a teoria ultra vires e afirma<br />

que o Código Civil, ao adotá-la, por meio do parágrafo único do art. 1.015, operou<br />

ver<strong>da</strong>deiro retrocesso, uma vez que tal teoria tem sido afasta<strong>da</strong> por vários países<br />

que hodiernamente buscam prestigiar a proteção ao terceiro de boa-fé tendo em<br />

vista os fun<strong>da</strong>mentos <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> aparência. Cabe transcrever a posição desse<br />

autor:<br />

A aplicação desta teoria tem sido afasta<strong>da</strong> por grande parte <strong>dos</strong><br />

países, pois tem-se procurado prestigiar a proteção ao terceiro de<br />

boa-fé, adotando-se a teoria <strong>da</strong> aparência.<br />

Entretanto, quanto à incidência desta teoria no nosso ordenamento<br />

jurídico, a questão suscita controvérsias, sendo certo que filio-me à<br />

posição que defende a não aplicação desta teoria, pois deve-se<br />

admitir a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, até porque esta possui<br />

direito regressivo com relação ao sócio que praticou indevi<strong>da</strong>mente<br />

atos de gestão, sendo que este sócio, ao praticar o ato ultra vires<br />

societatis, o fez com aparência de licitude, não se podendo exigir que<br />

terceiros sempre venham consultar o ato constitutivo para saber se o<br />

ato está ou não dentro do objeto social delimitado, até porque o<br />

direito comercial e as relações comerciais são dinâmica por natureza.<br />

164 CÔRREA-LIMA, Osmar Brina. Socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, p. 73.<br />

165 SOUZA, Cláudio Calo. Algumas improprie<strong>da</strong>des do denominado "novo" código civil. Disponível<br />

em: http://www.jus.com.br. Acesso em: 4 abr. 2006.


80<br />

No entanto, o ‘Novo Código Civil’, consubstanciando idéias<br />

retrógra<strong>da</strong>s, no art. 1.015, parágrafo único, inciso III, quando trata <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de simples, acabou acolhendo a teoria. 166<br />

Não se pode afirmar, segundo Fábio Ulhoa Coelho, 167 que o direito<br />

brasileiro tenha adotado a teoria ultra vires, nem mesmo quando esta gozava de<br />

prestígio nos países em que cria<strong>da</strong> e difundi<strong>da</strong>. De modo geral, os problemas<br />

relaciona<strong>dos</strong> à extrapolação do objeto social têm sido examina<strong>dos</strong> e resolvi<strong>dos</strong> pela<br />

direito nacional com base na teoria <strong>da</strong> aparência, com vista à proteção <strong>dos</strong> terceiros<br />

de boa-fé que contratam com as socie<strong>da</strong>des. Da teoria ultra vires apenas a<br />

possibili<strong>da</strong>de de exercício do direito de regresso pela socie<strong>da</strong>de contra os<br />

<strong>administradores</strong> que extrapolam as limitações contratuais contagia, em alguns<br />

momentos, a tecnologia jurídica brasileira. 168<br />

No entanto, tendo em vista as disposições do novo Código Civil, o citado<br />

doutrinador 169 ensina que, a exemplo <strong>da</strong> legislação argentina, no Brasil, quando a<br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> for regi<strong>da</strong> supletivamente pelo capítulo do novo Código Civil que<br />

regulamenta as socie<strong>da</strong>des simples, não haverá vinculação <strong>da</strong> pessoa jurídica aos<br />

atos pratica<strong>dos</strong> em seu nome caso as operações sejam evidentemente estranhas ao<br />

objeto social, conforme preceitua o art. 1.015, III, do citado diploma legal.<br />

Dessa forma, segundo as disposições do novo Código Civil, quem<br />

contrata com a socie<strong>da</strong>de deve verificar se o contrato social contempla a hipótese do<br />

negócio em questão, para não correr o risco de a socie<strong>da</strong>de alegar que não<br />

responde pelo ato por falta de previsão no seu objeto social.<br />

José Waldecy Lucena adverte sobre a dificul<strong>da</strong>de para o terceiro de boafé<br />

em determinar com precisão quais atos dizem respeito ao objeto social, conforme<br />

pode ser extraído <strong>da</strong> leitura do seguinte texto:<br />

Veja-se o exemplo clássico: constituí<strong>da</strong> a socie<strong>da</strong>de, que não tenha<br />

por objeto social ativi<strong>da</strong>des imobiliárias, de logo praticará ela ato ultra<br />

vires, mas de seu essencial interesse, qual a aquisição de imóvel<br />

para se instalar. E assim sucessivamente: locação de imóveis, para<br />

166 SOUZA, Cláudio Calo. Algumas improprie<strong>da</strong>des do denominado "novo" código civil. Disponível<br />

em: http://www.jus.com.br. Acesso em: 4 abr. 2006.<br />

167 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 447.<br />

168 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 447.<br />

169 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial, v. 2, p. 447.


81<br />

depósitos, armazéns; aquisição de veículos, para transportes de<br />

mercadorias; contratação de empréstimos, para expansão <strong>dos</strong><br />

negócios; etc.<br />

Daí já se vê o quanto pode se tornar complexa a questão<br />

pertinentemente aos terceiros, que entram em relação com a<br />

socie<strong>da</strong>de. Que os sócios discutam entre si se obrou o gerente, ou<br />

não, ultra vires, admite-se, porquanto eles, além de terem escolhido<br />

o gerente e de fiscalizarem os atos gerenciais, saberão mais do que<br />

ninguém se o ato consulta ou não aos interesses sociais. Mas, opor a<br />

questão a terceiros de boa-fé, por ato do gerente mal escolhido e que<br />

agora qualificam de infiel, parece-nos contra as características mais<br />

marcantes do Direito Comercial. 170<br />

O autor 171 entende que o correto é a vinculação <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de a terceiros<br />

de boa-fé, pelo ato de seu gerente, independentemente <strong>da</strong> in<strong>da</strong>gação de ter agido<br />

ele no interesse <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, de ter agido de forma razoável, de ter praticado ato<br />

notoriamente estranho ao objeto social, questões estas repletas de sutilezas. No<br />

entanto, a socie<strong>da</strong>de e os sócios podem responsabilizar o administrador, que<br />

excede os limites impostos pelo próprio objeto social, por meio <strong>da</strong> via regressiva.<br />

Além disso, tendo em vista a agili<strong>da</strong>de e a dinamici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s operações<br />

mercantis e em face <strong>da</strong>s formas vigorantes em Direito Comercial, torna-se inviável<br />

exigir que o terceiro de boa-fé venha previamente inteirar-se se o ato do<br />

administrador está de acordo com o objeto social. Somente a má-fé do terceiro ou o<br />

seu conluio com o administrador será capaz de excluir a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de.<br />

Diante de tais argumentos é que Waldecy Lucena 172 acaba por criticar a<br />

adoção pelo então Projeto do Código Civil brasileiro <strong>da</strong> teoria ultra vires quando tal<br />

teoria perde sua força, até mesmo nos países onde se originou e obteve maior<br />

desenvolvimento.<br />

A Lei n. 10.406, de 10/1/2002, operou ver<strong>da</strong>deiro retrocesso ao adotar a<br />

teoria ultra vires, ain<strong>da</strong> que de forma mitiga<strong>da</strong>, pois ignorou a dinâmica <strong>da</strong> vi<strong>da</strong><br />

empresarial ao exigir <strong>da</strong>queles que contratam com determina<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de o exame<br />

e a avaliação <strong>dos</strong> poderes contratuais <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> a ca<strong>da</strong> negócio<br />

celebrado. Além disso, deve-se ressaltar a dificul<strong>da</strong>de encontra<strong>da</strong>, até mesmo pelos<br />

170 LUCENA, José Waldecy. Das socie<strong>da</strong>des por quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 380.<br />

171 LUCENA, José Waldecy. Das socie<strong>da</strong>des por quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 381.<br />

172 LUCENA, José Waldecy. Das socie<strong>da</strong>des por quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 381.


82<br />

próprios operadores do direito, em determinar com precisão quais atos podem ser<br />

considera<strong>dos</strong> “evidentemente” estranhos ao objeto de determina<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, já<br />

que esse é o requisito imposto pelo inciso terceiro do art. 1.015 do Código Civil de<br />

2002 para que seja aplica<strong>da</strong> a teoria ultra vires ao caso concreto.<br />

5.2 Poderes implícitos do administrador e abuso <strong>da</strong> razão social<br />

Eduardo de Souza Carmo 173 ensina que os <strong>administradores</strong> têm poderes<br />

para realizar tudo aquilo que, não proibido por lei, estiver compreendido nas<br />

necessi<strong>da</strong>des operacionais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de com a finali<strong>da</strong>de de realizar o seu objeto.<br />

Nesse sentido, os <strong>administradores</strong> têm poderes implícitos que escapam àqueles que<br />

lhes são conferi<strong>dos</strong> pela lei, pelo estatuto, pelo conselho de administração e, quando<br />

for o caso, pela assembléia geral. Tais poderes intrínsecos compreendem os<br />

poderes gerais de gestão, que não podem ser enumera<strong>dos</strong>, tampouco esgota<strong>dos</strong><br />

em enfoques exaustivos. São facul<strong>da</strong>des intra vires, que podem extravasar a<br />

competência ou as indicações legais e estatutárias.<br />

O sistema inglês, berço <strong>da</strong> teoria ultra vires, fixou-se no princípio de que o<br />

objeto social determina a capaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, sendo, como conseqüência,<br />

nulos os atos do administrador pratica<strong>dos</strong> à margem <strong>da</strong>quele objeto, não admitin<strong>dos</strong>e,<br />

sequer, sua ratificação pela socie<strong>da</strong>de. Nos Esta<strong>dos</strong> Uni<strong>dos</strong>, amenizando o<br />

radicalismo inglês, a teoria <strong>dos</strong> atos ultra vires cedeu espaço à teoria <strong>dos</strong> poderes<br />

implícitos, permitindo a vali<strong>da</strong>ção de atos acessórios ao objeto social principal, de<br />

forma a se admitir a inclusão de atos que tenham relação com o objeto social.<br />

Segundo a teoria <strong>dos</strong> poderes implícitos do administrador, se o ato é<br />

praticado intra vires, isto é, nos limites do objeto social, de boa-fé e no interesse <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de, é ele ato regular de gestão e não poderia acarretar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

pessoal do administrador pelas obrigações assim contraí<strong>da</strong>s pela socie<strong>da</strong>de. A<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do administrador decorre do ato ilícito, ou seja, não há que se<br />

173 CARMO, Eduardo de Souza. Relações jurídicas <strong>da</strong> administração <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas, p.<br />

143-146.


83<br />

atribuir <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> se o administrador pratica ato decorrente de seus poderes<br />

implícitos, no interesse <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, e de acordo com o seu objeto social.<br />

Osmar Brina Corrêa-Lima 174 argumenta que a delimitação precisa e<br />

completa do objeto social possibilita apenas a definição <strong>da</strong>s mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des de abuso<br />

de poder e desvio de ativi<strong>da</strong>de. Tal definição, no entanto, não oferece um critério<br />

preciso de delimitação <strong>dos</strong> poderes do administrador. Uma coisa é definir o objeto<br />

social; outra coisa é definir os poderes conferi<strong>dos</strong> ao administrador. Nesse sentido, o<br />

autor conclui que a definição do objeto social não impede o exercício <strong>dos</strong> poderes<br />

implícitos do administrador.<br />

Nos termos do caput do art. 1.015 do Código Civil de 2002, no silêncio do<br />

contrato social, o administrador pode praticar quaisquer atos de gestão – exceto a<br />

oneração ou ven<strong>da</strong> de bens imóveis que, ausentes do objeto social, dependem <strong>da</strong><br />

decisão <strong>da</strong> maioria <strong>dos</strong> sócios. No entanto, o mesmo artigo, em seu parágrafo único,<br />

estabelece que a socie<strong>da</strong>de não responderá pelo excesso do administrador se a<br />

limitação de poderes estiver inscrita ou averba<strong>da</strong> no registro próprio <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,<br />

ou provando-se que era conheci<strong>da</strong> do terceiro, ou tratando-se de operação<br />

evidentemente estranha aos negócios <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />

Assim, o novo Código Civil reconhece a ineficácia, perante a socie<strong>da</strong>de,<br />

de determina<strong>dos</strong> atos pratica<strong>dos</strong> pelo seu administrador. Cabe analisar se até<br />

mesmo os atos decorrentes <strong>dos</strong> poderes implícitos do administrador estariam<br />

incluí<strong>dos</strong> nessa regra, uma vez que, embora tais atos estejam relaciona<strong>dos</strong> ao<br />

objeto social, não decorreriam de uma competência disposta de forma expressa no<br />

contrato social.<br />

Até a vigência do novo Código Civil, a solução era a seguinte: se o<br />

contrato parecesse regular, deveria ser tratado como tal. Dessa forma, a socie<strong>da</strong>de<br />

respondia por to<strong>dos</strong> os seus atos, honrando os contratos assumi<strong>dos</strong> com terceiros e,<br />

depois, reclamava eventuais prejuízos do administrador. Assim, ain<strong>da</strong> que prejudicial<br />

à socie<strong>da</strong>de, privilegiava-se a boa-fé de quem com ela contratava.<br />

174 CÔRREA-LIMA, Osmar Brina. Responsabili<strong>da</strong>de civil <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de anônima,<br />

p. 59 a 60.


84<br />

Essa regra continua váli<strong>da</strong> para to<strong>da</strong>s as socie<strong>da</strong>des anônimas e para as<br />

socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s em que o contrato social estabelece a aplicação subsidiária <strong>da</strong><br />

Lei de Socie<strong>da</strong>des Anônimas. 175<br />

No entanto, o art. 1.015 do Código Civil de 2002, ao adotar a teoria ultra<br />

vires, não eliminou a possibili<strong>da</strong>de de aplicação <strong>da</strong> teoria <strong>dos</strong> poderes implícitos do<br />

administrador. Isso porque o artigo em comento exclui a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de nos casos em que o ato praticado for evidentemente estranho ao objeto<br />

social, ou quando a limitação de poderes esteja devi<strong>da</strong>mente registra<strong>da</strong>, ou ain<strong>da</strong><br />

caso o terceiro conheça a limitação de poderes do administrador. Logicamente, a<br />

teoria <strong>dos</strong> poderes implícitos não abrangeria atos notoriamente estranhos ao objeto<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, tampouco atos cuja prática estivesse expressamente ve<strong>da</strong><strong>da</strong> pelo<br />

contrato social, e sim atos vincula<strong>dos</strong>, relaciona<strong>dos</strong> ao objeto social, sendo, portanto,<br />

decorrentes do poder de gestão do administrador.<br />

Além disso, ain<strong>da</strong> que o contrato social delimite as competências<br />

atribuí<strong>da</strong>s ao administrador, não seria possível a previsão de to<strong>dos</strong> os atos de<br />

administração necessários ao desenvolvimento <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong>des sociais; portanto,<br />

ain<strong>da</strong> que o novo Código Civil adote a teoria ultra vires, não haverá eliminação <strong>da</strong><br />

teoria <strong>dos</strong> poderes implícitos do administrador. No entanto, caso o contrato social,<br />

devi<strong>da</strong>mente averbado na junta comercial, exclua, de forma expressa, determina<strong>da</strong><br />

ativi<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> poderes conferi<strong>dos</strong> ao administrador, não seria possível a<br />

responsabilização <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de pela sua prática com fulcro na teoria <strong>dos</strong> poderes<br />

implícitos. Assim é que se conclui que o ato do administrador, na teoria <strong>dos</strong> poderes<br />

intra vires, é aquele relacionado ao objeto social que não esteja descrito entre as<br />

competências ve<strong>da</strong><strong>da</strong>s pelo contrato social.<br />

Nesse sentido, Modesto Carvalhosa 176 ensina que deve ser verifica<strong>da</strong>, em<br />

ca<strong>da</strong> caso, a gravi<strong>da</strong>de do desrespeito ao objetivo estatuído pela socie<strong>da</strong>de. Assim,<br />

caso ocorra certa conexão entre o objeto social e os atos pratica<strong>dos</strong> pelo<br />

administrador, presume-se a boa-fé do terceiro. No entanto, caso o desvirtuamento<br />

seja evidente e, portanto, contrário ao objeto social, não será possível a presunção<br />

175 PELLICIARI, Flavia Maria. O excesso de poderes do administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Art. 1.015 do<br />

novo Código Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 65, maio 2003. Disponível em:<br />

. Acesso em: 21 abr. 2007.<br />

176 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de socie<strong>da</strong>des anônimas, v. 3, p. 366.


85<br />

<strong>da</strong> boa-fé do terceiro, sendo que este deverá provar o desconhecimento do abuso<br />

perpetrado pelo administrador.<br />

No que se refere ao abuso <strong>da</strong> razão social pelo administrador <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, é preciso ressaltar, iniciamente, que, no pleno exercício de suas<br />

funções, o administrador utiliza regularmente a razão social <strong>da</strong> empresa. No entanto,<br />

o mesmo não se pode dizer do uso <strong>da</strong> razão social <strong>da</strong> empresa para atender<br />

interesses eminentemente pessoais do administrador ou de terceiros, o que seria<br />

indevido. Ocorrendo tal irregulari<strong>da</strong>de – abuso <strong>da</strong> razão social <strong>da</strong> empresa –, o<br />

administrador responde civilmente pelos prejuízos que causar à socie<strong>da</strong>de e aos<br />

terceiros de boa-fé, sem prejuízo <strong>da</strong>s penali<strong>da</strong>des criminais nas quais for<br />

enquadrado.<br />

Na hipótese de utilização abusiva <strong>da</strong> razão social pelo administrador <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de, terceiros de boa-fé podem exigir que a empresa se responsabilize pelos<br />

desvios que o administrador praticar, tendo em vista que ela incidiu em culpa in<br />

elegendo. Trata-se, mais uma vez, <strong>da</strong> aplicação <strong>da</strong> teoria <strong>da</strong> aparência, para<br />

proteger os terceiros de boa-fé que celebram negócios jurídicos com a socie<strong>da</strong>de.


86<br />

6 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA<br />

6.1 Relação jurídica tributária<br />

Segundo Bernardo Ribeiro de Moraes, 177 relação jurídica é o vínculo<br />

estabelecido entre pessoas, seres capazes de direitos e obrigações. Trata-se de<br />

vínculo, assegurado pelo direito, que se forma entre pessoas em razão de uma<br />

causa jurídica.<br />

Para Paulo de Barros Carvalho, 178 a relação jurídica é “o vínculo abstrato,<br />

segundo o qual, por força <strong>da</strong> imputação normativa, uma pessoa, chama<strong>da</strong> de sujeito<br />

ativo, tem o direito subjetivo de exigir de outra, determinado sujeito passivo, o<br />

cumprimento de certa prestação”.<br />

Na relação jurídica obrigacional, há um vínculo entre o sujeito ativo<br />

(pessoa que tem a facul<strong>da</strong>de de exigir e agir) e o sujeito passivo (pessoa a quem<br />

cabe o cumprimento <strong>dos</strong> deveres jurídicos), tendo em vista um objeto. Pela relação<br />

jurídica, submete-se esse objeto ao poder do sujeito ativo, afirmando o dever do<br />

sujeito passivo.<br />

Com base nesses ensinamentos é que se pode afirmar que a relação<br />

jurídica tributária, espécie de relação jurídica, é o vínculo travado entre o Estado<br />

(sujeito ativo) e o contribuinte ou responsável (sujeito passivo), cujos objetos são a<br />

imposição, a cobrança, a fiscalização e a arreca<strong>da</strong>ção de tributos.<br />

Cabe transcrever lição de Bernardo Ribeiro de Moraes acerca <strong>da</strong> relação<br />

jurídica tributária:<br />

No ordenamento jurídico-tributário, parte de um todo que se<br />

denomina direito, também existe a relação jurídica, denomina<strong>da</strong> de<br />

relação jurídica tributária (rapporto giuridico d´imposta). Embora<br />

apenas a obrigação tributária (relação jurídica tributária principal)<br />

tenha recebido o nome de ‘relação jurídico-tributária’, por assumir o<br />

papel essencial do direito tributário, o certo é que ao redor dela<br />

encontramos outras relações jurídico-tributárias. As relações de<br />

177 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 236.<br />

178 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 194.


87<br />

direito tributário formal e material, formam um conjunto de relações,<br />

que se acha dentro do gênero relação jurídica tributária. Existem<br />

relações liga<strong>da</strong>s ao tributo e relações deste emergentes, to<strong>da</strong>s<br />

abrangi<strong>da</strong>s pela expressão gênero relação jurídico-tributária. 179<br />

O autor 180 ain<strong>da</strong> esclarece que a relação jurídica tributária é aquela que<br />

se estabelece entre o Estado e os contribuintes ou responsáveis, sendo tal relação<br />

gênero indicativo <strong>da</strong> plurali<strong>da</strong>de de direitos e obrigações existentes.<br />

Dessa forma, a relação jurídica tributária é gênero que abrange diversas<br />

obrigações (principais e acessórias) e que são conseqüência do exercício do poder<br />

fiscal.<br />

Segundo Bernardo Ribeiro de Moraes, 181 boa parte <strong>da</strong> doutrina encontra<br />

na relação jurídica tributária várias obrigações ao mesmo tempo, to<strong>da</strong>s<br />

independentes. A expressão “relação jurídica tributária”, como conceito genérico,<br />

acha-se consagra<strong>da</strong> como compreensiva de relações origina<strong>da</strong>s pela ativi<strong>da</strong>de<br />

estatal decorrente do poder fiscal. O autor 182 ain<strong>da</strong> preleciona que relação tributária<br />

é uma relação de direito, e não de poder, de supremacia ou de força, uma vez que o<br />

particular está vinculado ao Estado em razão do direito, e não do poder de império<br />

do Estado. Eis a lição do renomado professor:<br />

O contribuinte, por sua vez, paga o tributo de acordo com o que está<br />

estabelecido em lei. Ambas as partes estão em pé de absoluta<br />

igual<strong>da</strong>de diante <strong>dos</strong> termos <strong>da</strong> lei, devendo ambas respeitarem e<br />

agirem exclusivamente nos termos e na forma <strong>da</strong> lei. O Poder<br />

Público não pode exigir imposto não previsto em lei ou diferente <strong>da</strong><br />

forma nela prevista. O contribuinte, por sua vez, não pode deixar de<br />

pagar o imposto. Ambos – poder público e contribuinte – estão diante<br />

de uma relação de direito e não de força. 183<br />

Rubens Gomes de Souza 184 ensina que a argumentação de que a relação<br />

tributária é relação de poder, e não relação jurídica já está respondi<strong>da</strong> pelo jurista<br />

alemão Naviasky desde 1926. O Estado utiliza sua soberania somente para elaborar<br />

179 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 238.<br />

180 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 238.<br />

181 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 242.<br />

182 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 245.<br />

183 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 246-247.<br />

184 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária, p. 85.


88<br />

a lei. Até esse ponto, trata-se de relação de soberania, porque somente o Estado<br />

tem o poder de fazer leis. No entanto, uma vez promulga<strong>da</strong> a lei, cessam os efeitos<br />

<strong>da</strong> soberania, porque o Estado democrático, justamente por não ser autoritário, fica<br />

ele próprio submetido às leis que promulga.<br />

Dessa forma, se a lei é aplica<strong>da</strong> <strong>da</strong> mesma forma tanto ao Estado como<br />

ao particular, as relações dela decorrentes são jurídicas. O particular fica obrigado a<br />

pagar o tributo na forma <strong>da</strong> lei, e, por outro lado, o Estado só pode exigir o tributo<br />

nos termos <strong>da</strong> lei. Assim, tanto o Estado quanto o particular, na relação tributária,<br />

estão submeti<strong>dos</strong> aos coman<strong>dos</strong> <strong>da</strong> lei, o que evidencia a natureza jurídica dessa<br />

relação.<br />

A relação jurídica tributária, tendo em vista os conceitos apresenta<strong>dos</strong>, é<br />

de natureza obrigacional, uma vez que vincula pessoas, tendo em vista um débito e<br />

um crédito. A relação jurídica tributária é, assim, uma relação de caráter pessoal e<br />

obrigacional.<br />

6.2 Obrigação tributária<br />

6.2.1 Conceito e elementos<br />

Bernardo Ribeiro de Moraes 185 ensina que a palavra “obrigação” possui<br />

dois senti<strong>dos</strong> fun<strong>da</strong>mentais: um genérico ou comum, outro especial ou técnico.<br />

Tendo em vista o sentido amplo, a obrigação se identifica com o dever jurídico de<br />

realizar ou deixar de realizar determinado ato, sendo que o descumprimento de tal<br />

dever acarreta, como conseqüência, a aplicação de uma sanção. Já a obrigação em<br />

sentido estrito não contempla apenas a sujeição passiva do devedor, mas abrange a<br />

relação jurídica entre o credor e o devedor, tendo por objeto determina<strong>da</strong> prestação.<br />

185 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 260.


89<br />

Assim, para esse autor, a obrigação pode ser conceitua<strong>da</strong> como “uma<br />

relação jurídica entre duas ou mais pessoas, obrigando uma delas (a devedora) a<br />

realizar uma prestação no interesse de outra (<strong>da</strong> credora).“ 186<br />

Segundo Orlando Gomes, a obrigação é o “vínculo jurídico em virtude do<br />

qual uma pessoa fica adstrita a satisfazer uma prestação em proveito de outra.” 187<br />

Rubens Gomes de Souza define obrigação como “o poder jurídico por<br />

força do qual uma pessoa (sujeito ativo) pode exigir de outra (sujeito passivo) uma<br />

prestação positiva ou negativa (objeto <strong>da</strong> obrigação) em virtude de uma<br />

circunstância reconheci<strong>da</strong> pelo direito como produzindo aquele efeito (causa <strong>da</strong><br />

obrigação).” 188<br />

Paulo de Barros Carvalho define a obrigação como sinônimo de relação<br />

jurídica de cunho patrimonial, econômico:<br />

Assim, recolhendo o vocábulo obrigação como sinônimo de relação<br />

jurídica economicamente apreciável, podemos defini-lo como o<br />

vínculo abstrato, que surge pela imputação normativa, e consoante o<br />

qual uma pessoa, chama<strong>da</strong> de sujeito ativo, credor ou pretensor tem<br />

o direito subjetivo de exigir de outra, denomina<strong>da</strong> sujeito passivo ou<br />

devedor, o cumprimento de prestação de cunho patrimonial.<br />

Advertimos que o termo obrigação costuma ser empregado com<br />

outras significações, representando o dever jurídico cometido ao<br />

sujeito passivo, no seio <strong>da</strong>s relações de cunho econômico<br />

(obrigacionais) e, até, o próprio dever jurídico, nos liames nãoobrigacionais.<br />

Vê-se que a palavra é multisignificativa, problema<br />

semântico que persegue e atormenta constantemente o cientista do<br />

Direito. 189<br />

Diante do exposto, pode-se definir a obrigação como o vínculo jurídico em<br />

virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra determina<strong>da</strong> prestação. É<br />

importante ressaltar que alguns autores definem a obrigação como o vínculo relativo<br />

à prestação de cunho estritamente patrimonial não abrangendo outras espécies de<br />

prestação (por exemplo, prestação de fazer ou não fazer). A partir <strong>da</strong> análise do<br />

conceito de obrigação, resta analisar se a obrigação tributária pode ser conceitua<strong>da</strong><br />

nos mesmos moldes <strong>da</strong>quela defini<strong>da</strong> pelo Direito Obrigacional.<br />

186 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de Direito Tributário. Vol. II. 3. ed. Rio de Janeiro:<br />

Forense, 1999. p. 261<br />

187 GOMES, Orlando. Obrigações, p. 18.<br />

188 SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária, p. 83.<br />

189 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 197.


90<br />

Antônio Carlos Diniz Murta 190 afirma que a obrigação no Direito Tributário<br />

não possui conceituação diferente <strong>da</strong>quela que lhe é <strong>da</strong><strong>da</strong> pelo Direito Obrigacional<br />

comum. A obrigação tributária se particulariza por seu objeto, que será sempre uma<br />

prestação de natureza tributária; portanto, um <strong>da</strong>r, fazer, ou não fazer, de conteú<strong>dos</strong><br />

relaciona<strong>dos</strong> aos tributos.<br />

A opinião de Aliomar Baleeiro é a mesma, quando afirma que “a<br />

obrigação tributária não contém elemento singularmente característico ou específico,<br />

que a distingue, em substância <strong>da</strong>s obrigações jurídicas de outra natureza.” 191<br />

A obrigação tributária possui a mesma estrutura essencial <strong>da</strong> obrigação<br />

defini<strong>da</strong> pelo Direito Civil (vínculo jurídico entre o sujeito passivo e ativo e que tem<br />

por objeto determina<strong>da</strong> prestação). O objeto <strong>da</strong> obrigação tributária é o elemento<br />

que fornece certa especifici<strong>da</strong>de a tal vínculo jurídico, mas não a transforma em uma<br />

espécie diferencia<strong>da</strong> <strong>da</strong>quela defini<strong>da</strong> pelo Direito Obrigacional.<br />

Bernardo Ribeiro de Moraes assim define a obrigação tributária:<br />

Obrigação tributária é a relação jurídica que tem como fonte a norma<br />

legal tributária. É representa<strong>da</strong> pelo vínculo jurídico estabelecido<br />

entre uma pessoa jurídica de direito público titular <strong>da</strong> competência<br />

para exigir a prestação, denomina<strong>da</strong> credora, e outra, ou outras,<br />

denomina<strong>da</strong> devedora, em razão <strong>da</strong> qual aquela pode exigir desta<br />

uma prestação patrimonial ou conversível em valor patrimonial,<br />

relativa a tributos, nas condições defini<strong>da</strong>s na lei. 192<br />

Segundo Rubens Gomes de Sousa, a obrigação tributária é “o poder<br />

jurídico por força do qual o Estado (sujeito ativo) pode exigir de um particular (sujeito<br />

passivo) uma prestação positiva ou negativa (objeto <strong>da</strong> obrigação), nas condições<br />

defini<strong>da</strong>s pela lei tributária (causa <strong>da</strong> obrigação).” 193<br />

Hugo de Brito Machado apresenta o seguinte conceito de obrigação<br />

tributária:<br />

Diríamos que ela é a relação jurídica em virtude <strong>da</strong> qual o particular<br />

(sujeito passivo) tem o dever de prestar dinheiro ao Estado (sujeito<br />

190 MURTA, Antônio Carlos Diniz. Responsabili<strong>da</strong>de tributária <strong>dos</strong> sócios: socie<strong>da</strong>des por quotas de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 67.<br />

191 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 697.<br />

192 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 268.<br />

193 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária, p. 83-84.


91<br />

ativo), ou de fazer, não fazer ou tolerar algo no interesse <strong>da</strong><br />

arreca<strong>da</strong>ção ou <strong>da</strong> fiscalização <strong>dos</strong> tributos, e o Estado tem o direito<br />

de constituir contra o particular um crédito. 194<br />

A obrigação tributária é uma relação de Direito Público, prevista na lei<br />

descritiva do fato em virtude do qual o Fisco (sujeito ativo) pode exigir do contribuinte<br />

(sujeito passivo) uma prestação (objeto). A obrigação tributária é estabeleci<strong>da</strong> por<br />

uma norma jurídica que prevê um dever para o sujeito passivo e um direito para o<br />

seu sujeito ativo. Assim, para que haja, de fato, a ocorrência <strong>da</strong> relação jurídica<br />

tributária, faz-se necessária a presença de lei instituidora de um tributo, apontando a<br />

hipótese tributária e seus critérios.<br />

A existência <strong>da</strong> obrigação tributária está condiciona<strong>da</strong> à ocorrência de um<br />

fato previsto na norma como capaz de produzir esse efeito. Assim, diz-se que a<br />

obrigação tributária é ex lege, já que sua existência está condiciona<strong>da</strong> à previsão em<br />

lei e não à manifestação de vontade do sujeito ativo, ou do sujeito passivo, dirigi<strong>da</strong> à<br />

sua criação. A configuração <strong>da</strong> obrigação tributária independe <strong>da</strong> vontade do<br />

devedor em querer obrigar-se, já que ela surge a partir <strong>da</strong> incidência do fato previsto<br />

na lei.<br />

Luciano Amaro assim se manifesta em relação à natureza ex lege <strong>da</strong><br />

obrigação tributária:<br />

O nascimento <strong>da</strong> obrigação tributária independe de uma<br />

manifestação de vontade do sujeito passivo dirigi<strong>da</strong> à sua criação.<br />

Vale dizer, não se requer que o sujeito passivo queira obrigar-se; o<br />

vínculo obrigacional tributário abstrai a vontade e até o conhecimento<br />

do obrigado: ain<strong>da</strong> que o devedor ignore ter nascido a obrigação<br />

tributária, esta o vincula e o submete ao cumprimento <strong>da</strong> prestação<br />

que correspon<strong>da</strong> ao seu objeto. 195<br />

E acrescenta:<br />

Contudo, ao afirmar-se que certas obrigações (entre as quais a<br />

tributária) são ex lege, não se quer dizer que somente elas sejam<br />

obrigações jurídicas ou obrigações legais. A fonte <strong>da</strong>s obrigações<br />

(civis, comerciais, trabalhistas etc.) é a lei, pois, obviamente, não se<br />

194 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 103.<br />

195 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 232-233.


92<br />

cui<strong>da</strong>, no campo do direito, de obrigações simplesmente morais ou<br />

religiosas. To<strong>da</strong>s as obrigações jurídicas são, nesse sentido, legais.<br />

[...].<br />

A diferença está em que o nascimento de certas obrigações (entre as<br />

quais, a tributária) prescinde de manifestação de vontade <strong>da</strong> parte<br />

que se obriga (ou do credor) no sentido de <strong>da</strong>r-lhe nascimento. A<br />

vontade manifesta<strong>da</strong> na prática de certos atos (eleitos como fatos<br />

geradores <strong>da</strong> obrigação tributária) é abstraí<strong>da</strong>. O indivíduo pode<br />

querer auferir ren<strong>da</strong> e não querer pagar imposto (ou até mesmo<br />

ignorar a existência do tributo); ain<strong>da</strong> assim, surge a obrigação, cujo<br />

nascimento não depende nem <strong>da</strong> vontade nem do conhecimento do<br />

indivíduo. Aliás, independe, também, de estar o sujeito ativo ciente<br />

do fato que deu origem à obrigação. É óbvio que o efetivo<br />

cumprimento <strong>da</strong> obrigação tributária vai depender de as partes<br />

tomarem conhecimento <strong>da</strong> existência do vínculo. O que se quer<br />

sublinhar é que o nascimento <strong>da</strong> obrigação não depende de<br />

nenhuma manifestação de vontade <strong>da</strong>s partes que passam a ocupar<br />

os pólos ativo e passivo do vínculo jurídico. Basta a ocorrência do<br />

fato previamente descrito na lei para que surja a obrigação. 196<br />

O nascimento <strong>da</strong> obrigação tributária independe de uma manifestação de<br />

vontade do sujeito passivo, dirigi<strong>da</strong> à sua criação, já que esta decorre <strong>da</strong> lei. Assim,<br />

não se requer que o sujeito passivo queira obrigar-se; o vínculo obrigacional<br />

tributário abstrai a vontade do obrigado.<br />

Antônio Carlos Diniz Murta 197 afirma que, sendo o Direito Tributário<br />

pertencente ao Direito Público, a obrigação tributária é de direito público, do que<br />

decorrem importantes conseqüências. Assim é que na obrigação tributária o<br />

administrador fiscal não é titular (credor) <strong>da</strong> obrigação, sendo que o credor dessa<br />

obrigação é o Estado. Dessa forma, o crédito tributário é indisponível pela<br />

autori<strong>da</strong>de administrativa.<br />

Além disso, segundo lição desse autor, 198 no Direito Privado, o credor <strong>da</strong><br />

obrigação pode dispor do crédito. Já no que se refere à obrigação tributária, a<br />

autori<strong>da</strong>de fiscal não pode dispor do direito que não é dela, mas, sim, do Estado, do<br />

qual ela é mera administradora, vincula<strong>da</strong> ao estrito cumprimento <strong>da</strong> lei.<br />

196 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 232-233.<br />

197 MURTA, Antônio Carlos Diniz. Responsabili<strong>da</strong>de tributária <strong>dos</strong> sócios: socie<strong>da</strong>des por quotas de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 67-68.<br />

198 MURTA, Antônio Carlos Diniz. Responsabili<strong>da</strong>de tributária <strong>dos</strong> sócios: socie<strong>da</strong>des por quotas de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 67-68.


93<br />

A obrigação tributária, como as demais obrigações jurídicas, é composta<br />

por quatro elementos: sujeito ativo, sujeito passivo, objeto e causa. 199<br />

O sujeito ativo é a pessoa jurídica de direito público titular <strong>da</strong> competência<br />

para exigir o seu cumprimento; já o sujeito passivo é pessoa natural ou jurídica que<br />

figura no pólo negativo <strong>da</strong> relação jurídica tributária (trata-se do devedor <strong>da</strong><br />

prestação junto ao Fisco).<br />

O objeto <strong>da</strong> relação jurídica tributária é a prestação a que o sujeito<br />

passivo está obrigado em proveito do sujeito ativo. Essa prestação pode consistir<br />

num <strong>da</strong>r, fazer ou não fazer. O objeto <strong>da</strong> obrigação é o pagamento (principal) ou a<br />

prestação de fazer ou não fazer alguma coisa prescrita em lei (acessórias).<br />

Rubens Gomes de Souza 200 define a causa <strong>da</strong> obrigação tributária como<br />

a “razão jurídica por força <strong>da</strong> qual o sujeito ativo tem o direito de exigir do sujeito<br />

passivo a prestação que constitui o objeto <strong>da</strong> obrigação, inversamente, é também a<br />

razão jurídica por força <strong>da</strong> qual o sujeito passivo está obrigado a cumprir a favor do<br />

sujeito ativo a prestação que constitui o objeto <strong>da</strong> obrigação.” 201 Nesses termos é<br />

que o autor define a lei como a principal causa <strong>da</strong> obrigação tributária, já que<br />

somente esta é capaz de definir certos fatos, atos ou negócios como fatos geradores<br />

de tributo.<br />

Aliomar Baleeiro 202 também se manifesta afirmando que a causa <strong>da</strong><br />

obrigação tributária é a lei, já que “principal ou acessória a obrigação tributária é<br />

sempre uma obligatio ex lege. Nasce <strong>da</strong> lei e só dela. A lei é causa <strong>da</strong> obrigação<br />

fiscal (CF, arts. 19, I, e 153, § 29). Dela nasce a relação jurídica tributária”.<br />

Uma vez abor<strong>da</strong><strong>da</strong>s, em linhas gerais, o conceito e as principais<br />

características <strong>da</strong> obrigação tributária, o trabalho analisará a natureza jurídica de tal<br />

obrigação, bem como as espécies de obrigação tributária defini<strong>da</strong>s pelo Código<br />

Tributário Nacional.<br />

199 SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de direito tributário, p. 84; FANUCCHI, Fábio. Curso de<br />

direito tributário brasileiro, p. 214.<br />

200 SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de direito tributário, p. 98.<br />

201 SOUZA, Rubens Gomes de. Compêndio de direito tributário, p. 98.<br />

202 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 698.


94<br />

6.2.2 Obrigação tributária principal e acessória<br />

A obrigação tributária, segundo o Código Tributário Nacional, é principal<br />

ou acessória, nos termos do seu art. 113:<br />

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.<br />

§ 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador,<br />

tem por objeto o pagamento de tributo ou penali<strong>da</strong>de pecuniária e<br />

extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.<br />

§ 2º A obrigação acessória decorrente <strong>da</strong> legislação tributária e tem<br />

por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no<br />

interesse <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção ou <strong>da</strong> fiscalização <strong>dos</strong> tributos.<br />

A obrigação tributária principal tem por objeto conteúdo pecuniário, ou<br />

seja, a obrigação na qual o objeto seja uma prestação de <strong>da</strong>r dinheiro (seja por meio<br />

do pagamento de um tributo ou de uma penali<strong>da</strong>de pecuniária).<br />

Alguns doutrinadores 203 criticam o fato de que o Código Tributário<br />

Nacional, em seu art. 113, § 1º, tenha determinado que objeto <strong>da</strong> obrigação tributária<br />

principal possa ser o pagamento de tributo ou de penali<strong>da</strong>de pecuniária. Para esses<br />

autores, o citado artigo realizou uma equiparação indevi<strong>da</strong> de conceitos ao incluir o<br />

tributo e a penali<strong>da</strong>de pecuniária como objetos <strong>da</strong> obrigação tributária principal.<br />

Entre tais doutrinadores, ressalta-se a opinião de Sacha Calmon Navarro<br />

Coêlho, 204 que nos adverte do equívoco cometido pelo Código Tributário Nacional ao<br />

<strong>da</strong>r o mesmo tratamento ao tributo e à multa, classificando-os como obrigações<br />

principais, nos termos do § 1° do art. 113. Eis a lição do renomado professor:<br />

No §1° do artigo o legislador do CTN quis <strong>da</strong>r às multas fiscais, ou<br />

seja, ao crédito delas decorrente, o mesmo regime processual do<br />

tributo (inscrição em dívi<strong>da</strong> ativa, garantias e privilégios típicos do<br />

crédito tributário). Para tanto cunhou o § 1° do art. 113. Mas o fez<br />

com desastra<strong>da</strong> infelici<strong>da</strong>de, passando a idéia de que o tributo e a<br />

multa se confundem, o que não é permitido pelo art. 3° do CTN,<br />

nuclear e fun<strong>da</strong>nte do conceito de tributo, eis que este último,<br />

conquanto implique, juntamente com a multa, uma prestação<br />

pecuniária compulsória, prevista em lei, em prol do Estado, dela se<br />

diferencia, precisamente, porque não é sanção de ato ilícito.<br />

203 Cf. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 202.<br />

204 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 581.


95<br />

Rigorosamente, a obrigação principal tem por objeto o pagamento do<br />

tributo. O não-pagamento do tributo é que origina uma multa à guisa<br />

de sanção. To<strong>da</strong>via, não quita<strong>da</strong> a multa, pode esta ser exigi<strong>da</strong>,<br />

como se fora o crédito tributário, juntamente com o tributo. A re<strong>da</strong>ção<br />

do § 1° está a exigir reforma urgente. 205<br />

No mesmo sentido é a opinião de Paulo de Barros Carvalho, 206 ao<br />

ressaltar que o Código Tributário Nacional traçou os limites que separam o tributo e<br />

a penali<strong>da</strong>de pecuniária, associando-os a fatos distintos: fato lícito para a obrigação<br />

tributária e fato ilícito para a penali<strong>da</strong>de pecuniária. Dessa forma, o Código Tributário<br />

Nacional cometeu um equívoco ao incluir o tributo e a multa como objetos <strong>da</strong><br />

obrigação tributária principal. Cabe transcrever ensinamento do professor:<br />

É na segun<strong>da</strong> parte <strong>da</strong> cláusula que topamos com o manifesto<br />

equívoco do legislativo <strong>da</strong> inclusão <strong>da</strong> penali<strong>da</strong>de, como objeto<br />

possível <strong>da</strong> obrigação tributária. Incoerência vitan<strong>da</strong> e deplorável,<br />

que macula a pureza do conceito legal, sobre ferir os cânones <strong>da</strong><br />

lógica. Para notá-la, não é preciso ter partes de bom jurista, muito<br />

menos promover estu<strong>dos</strong> aprofun<strong>da</strong><strong>dos</strong> de Direito Tributário. Basta<br />

acudir à mente com a definição de tributo, fixa<strong>da</strong> no art. 3°. Desse<br />

Estatuto, em que uma <strong>da</strong>s premissas é, precisamente, não constituir<br />

a prestação pecuniária sanção de ato ilícito. Ora, a prosperar a idéia<br />

de que a obrigação tributária possa ter por objeto o pagamento de<br />

penali<strong>da</strong>de pecuniária, ou multa, estar-se-á negando aquele caráter e<br />

desnaturando a instituição do tributo. O dislate é inconcebível, e<br />

to<strong>da</strong>s as interpretações que se proponham respeitar a harmonia do<br />

sistema haverão de expungi-la <strong>da</strong> ver<strong>da</strong>deira substância do<br />

preceito. 207<br />

Para Aliomar Baleeiro, 208 é irrelevante o pressuposto fático (ato lícito ou<br />

ilícito) que dá origem ao tributo e à sanção pecuniária, uma vez que o Código<br />

Tributário Nacional agrupou-os sob o título de obrigação principal. O que o art. 113<br />

<strong>da</strong> cita<strong>da</strong> lei levou em consideração foi o caráter pecuniário <strong>da</strong> prestação, sendo<br />

esse o critério decisivo que diferencia a obrigação principal <strong>da</strong> obrigação acessória.<br />

Assim, nos termos do mencionado artigo, “o conceito de obrigação principal é,<br />

205 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 581.<br />

206 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 202.<br />

207 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 202.<br />

208 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 699.


96<br />

portanto, mais amplo que o de tributo propriamente dito, pois tributo não se confunde<br />

com sanção de ato ilícito.” 209<br />

O § 1° do art. 113 do Código Tributário Nacional equipara tributo e sanção<br />

por ato ilícito, mas tão só afirma que um e outra estão compreendi<strong>dos</strong> no objeto <strong>da</strong><br />

obrigação tributária principal. O que houve foi um agrupamento de prestações de<br />

caráter pecuniário (tributo e multa) como objeto <strong>da</strong> obrigação tributária principal.<br />

O § 2° do art. 113 do Código Tributário Nacional define a obrigação<br />

tributária acessória como aquela decorrente <strong>da</strong> legislação tributária e que tenha por<br />

objeto prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse <strong>da</strong><br />

arreca<strong>da</strong>ção ou <strong>da</strong> fiscalização <strong>dos</strong> tributos. Tal obrigação, como pode ser inferido<br />

do texto legal, é traduzi<strong>da</strong> em prestações positivas ou negativas (obrigação de fazer<br />

ou não fazer), no interesse <strong>da</strong> fiscalização ou arreca<strong>da</strong>ção de tributos.<br />

Segundo Luciano Amaro, 210 tais obrigações objetivam <strong>da</strong>r meios à<br />

fiscalização tributária para que esta possa investigar e controlar o recolhimento <strong>dos</strong><br />

tributos (obrigação principal) a que o próprio sujeito passivo <strong>da</strong> obrigação acessória,<br />

ou outra pessoa, esteja ou possa estar submetido. O autor fornece exemplos de<br />

obrigações acessórias: emissão de documentos fiscais, escrituração de livros,<br />

entrega de declarações, entre outros.<br />

Lucian Amaro 211 ain<strong>da</strong> adverte que não é necessário que uma obrigação<br />

acessória pressuponha a existência de uma principal, bastando a probabili<strong>da</strong>de de<br />

existência <strong>da</strong> última:<br />

Mas não se dispensa essa probali<strong>da</strong>de: é que as obrigações ditas<br />

‘acessórias’ são instrumentais e só há obrigações instrumentais na<br />

medi<strong>da</strong> <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de existência <strong>da</strong>s obrigações para cuja<br />

fiscalização aquelas sirvam de instrumento.<br />

É nesse sentido que as obrigações tributárias formais são apeli<strong>da</strong><strong>da</strong>s<br />

de ‘acessórias’; embora não depen<strong>da</strong>m <strong>da</strong> efetiva existência de uma<br />

obrigação principal, elas se atrelam à possibili<strong>da</strong>de ou probabili<strong>da</strong>de<br />

de existência de obrigações principais (não obstante, em grande<br />

número de situações, se alinhem com uma obrigação principal<br />

efetiva). 212<br />

209 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 699.<br />

210 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 235.<br />

211 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 235-236.<br />

212 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 235-236.


97<br />

Ao analisar a natureza acessória <strong>da</strong> obrigação defini<strong>da</strong> pelo § 2° do art.<br />

113, Hugo de Brito Machado preleciona que ela “tem o objetivo de viabilizar o<br />

controle de fatos relevantes para o surgimento de obrigações principais. Justifica-se,<br />

assim, sejam qualifica<strong>da</strong>s como acessórias, posto que somente existem em razão de<br />

outras obrigações, ditas principais.” 213<br />

A obrigação acessória, no Direito Tributário, tem existência própria, sendo<br />

independente em relação à obrigação principal, nasce de hipótese própria e<br />

somente se extingue nos casos disciplina<strong>dos</strong> em lei. Assim, a palavra “acessória”,<br />

emprega<strong>da</strong> para qualificar a obrigação pelo Direito Tributário, não se equipara ao<br />

sentido empregado ao mesmo pelo Direito Civil, qual seja, o de dependência em<br />

relação à obrigação principal. Nesse sentido, basta a simples probabili<strong>da</strong>de de<br />

existência de uma obrigação principal para que se justifique a exigência pelo Fisco<br />

de prestações positivas ou negativas no interesse <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção ou fiscalização de<br />

tributos.<br />

No Direito Tributário, as obrigações acessórias não precisariam existir se<br />

não existissem as obrigações principais. São acessórias, portanto, nesse sentido. No<br />

entanto, não existe necessariamente um liame, um vínculo entre determina<strong>da</strong><br />

obrigação principal e determina<strong>da</strong> obrigação acessória. As obrigações acessórias<br />

existem para viabilizar o cumprimento <strong>da</strong>s obrigações principais e nesse sentido<br />

qualificam-se como “acessórias”.<br />

Nesse contexto é que Hugo de Brito Machado 214 ressalta que o<br />

comerciante, ao vender determina<strong>da</strong> mercadoria isenta de ICMS, é obrigado a emitir<br />

nota fiscal. Inexiste a obrigação tributária principal à qual diretamente esteja liga<strong>da</strong> a<br />

obrigação tributária acessória de emitir nota fiscal. Apesar disso, a obrigação<br />

acessória existe porque se presta a controlar a receita do vendedor, elemento<br />

formador <strong>da</strong> base de cálculo de imposto de ren<strong>da</strong>. A obrigação acessória serve,<br />

ain<strong>da</strong>, para o controle <strong>dos</strong> custos ou despesas do adquirente ou, ao menos, para o<br />

controle <strong>da</strong> circulação <strong>da</strong>s mercadorias. Dessa forma, a obrigação acessória tem o<br />

objetivo de viabilizar o controle <strong>dos</strong> fatos relevantes para o surgimento de obrigações<br />

principais.<br />

213 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 105.<br />

214 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 104-105.


98<br />

Uma crítica apresenta<strong>da</strong> ao mencionado art. 113 refere-se ao fato de que<br />

o legislador tributário não poderia denominar de obrigação acessória dever sem<br />

cunho patrimonial, já que a obrigação necessariamente refere-se a uma prestação<br />

com conteúdo econômico. Assim, o termo “obrigação” só poderia ser empregado<br />

para vínculos que tenham por objeto prestações de cunho patrimonial. Caso adotado<br />

tal entendimento, a obrigação acessória, tal qual prevista no Código de Tributário<br />

Nacional, poderia ser classifica<strong>da</strong> como uma relação jurídica, mas não de natureza<br />

obrigacional.<br />

Assim, os doutrinadores 215 defensores <strong>da</strong> idéia de que os deveres sem<br />

conteúdo patrimonial não possuem natureza obrigacional criticam o conceito de<br />

obrigação tributária acessória adota<strong>da</strong> pelo Código Tributário Nacional. Nesses<br />

termos é que Paulo de Barros Carvalho considera as obrigações acessórias como<br />

meros “deveres formais”:<br />

Nossa preferência recai, por isso, na expressão deveres<br />

instrumentais ou formais. Deveres, com o intuito de mostrar, de<br />

pronto, que não têm essência obrigacional, isto é, seu objeto carece<br />

de patrimoniali<strong>da</strong>de. E instrumentais ou formais porque, toma<strong>dos</strong> em<br />

conjunto, é o instrumento de que dispõe o Estado-Administração<br />

para o acompanhamento e consecução <strong>dos</strong> seus desígnios<br />

tributários. Ele (Estado) pretende ver atos devi<strong>da</strong>mente formaliza<strong>dos</strong>,<br />

para que possa saber <strong>da</strong> existência do liame obrigacional que brota<br />

com o acontecimento fáctico, previsto na hipótese <strong>da</strong> norma.<br />

Encara<strong>dos</strong> como providências instrumentais ou como a imposição de<br />

formali<strong>da</strong>des, tais deveres representam o meio de o Poder Público<br />

controlar o fiel cumprimento <strong>da</strong> prestação tributária, finali<strong>da</strong>de<br />

essencial na plataforma <strong>da</strong> instituição do tributo. 216<br />

Luciano Amaro 217 afirma que o Código Tributário Nacional não restringiu o<br />

conceito de obrigação tributária aos deveres de natureza patrimonial, pois tanto são<br />

defini<strong>dos</strong> como obrigação tributária os deveres que tenham por objeto uma<br />

prestação de natureza patrimonial quanto os deveres de fazer e não fazer<br />

(obrigações acessórias).<br />

215 Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1996;<br />

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar,<br />

2000.<br />

216 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 200.<br />

217 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 237.


99<br />

Bernardo Ribeiro de Moraes assim preleciona em relação à natureza<br />

patrimonial <strong>da</strong>s obrigações:<br />

To<strong>da</strong>via, devemos ver que esse conteúdo econômico ou patrimonial<br />

não significa que a prestação do sujeito passivo deva ter sempre um<br />

valor de troca ou um significado econômico intrínseco (o interesse<br />

protegido pode ou não ser patrimonial). Às vezes falta tal elemento<br />

na prestação originária e nem por isso a obrigação perde seu caráter<br />

de obrigação. O conteúdo econômico pode estar na norma jurídica,<br />

como admitido implicitamente, ao converter em equivalente<br />

pecuniário a prestação a que o devedor deixa de cumprir. O<br />

essencial, portanto, é a conversibili<strong>da</strong>de <strong>da</strong> prestação num valor<br />

econômico, fato que oferece ao credor a garantia <strong>da</strong> prestação a<br />

quem tem direito. O objeto <strong>da</strong> prestação acessória deve ser sempre<br />

passível <strong>da</strong> avaliação pecuniária. 218<br />

Tendo em vista o ensinamento transcrito é que o autor 219 afirma que o<br />

Código Tributário Nacional admite que a obrigação acessória seja converti<strong>da</strong> num<br />

valor econômico, para que o sujeito ativo possa fazer a exigência ao sujeito passivo.<br />

Assim, embora a obrigação acessória não se apresente originariamente com<br />

conteúdo patrimonial ou econômico, ela recebe esse conteúdo diante <strong>da</strong><br />

possibili<strong>da</strong>de de se converter, por disposição expressa de lei, em penali<strong>da</strong>de<br />

pecuniária.<br />

Hugo de Brito Machado 220 critica a visão de alguns autores que<br />

consideram as obrigações tributárias acessórias como deveres administrativos, pelo<br />

fato de não possuírem conteúdo patrimonial. Para o doutrinador, tal visão é fruto de<br />

um posicionamento privatista, inteiramente inadmissível em face do Código<br />

Tributário Nacional, em cujo contexto a palavra “acessória”, que qualifica tais<br />

obrigações, tem significado totalmente distinto <strong>da</strong>quele empregado pelo Direito<br />

Privado.<br />

Aliomar Baleeiro, 221 baseando-se em lições de Souto Maior Borges,<br />

afirma que não há atributos essenciais <strong>da</strong> obrigação. Atributos <strong>da</strong> obrigação são<br />

aqueles contempla<strong>dos</strong> em norma construí<strong>da</strong> como obrigacional. Assim, a<br />

218 MORAES, Bernardo Ribeiro. Compêndio de direito tributário, v. II, p. 257.<br />

219 MORAES, Bernardo Ribeiro. Compêndio de direito tributário, v. II, p. 257.<br />

220 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 104-105.<br />

221 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 699.


100<br />

patrimoniali<strong>da</strong>de será ou não um requisito <strong>da</strong> obrigação conforme esteja prevista ou<br />

não em norma de Direito Obrigacional.<br />

Outro aspecto a ser abor<strong>da</strong>do diz respeito à aplicação do princípio <strong>da</strong><br />

legali<strong>da</strong>de às obrigações acessórias. Segundo o Código Tributário Nacional (art.<br />

113, § 2°), as obrigações acessórias podem ser cria<strong>da</strong>s por meio de legislação<br />

tributária.<br />

O art. 96 do Código Tributário Nacional oferece o seguinte conceito de<br />

legislação tributária: “A expressão ‘legislação tributária’ compreende as leis, os<br />

trata<strong>dos</strong> e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares<br />

que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles<br />

pertinentes.”<br />

Assim, tendo em vista o conceito de legislação tributária apresentado pelo<br />

Código Tributário Nacional, surge a controvérsia sobre a possibili<strong>da</strong>de de as<br />

obrigações acessórias serem instituí<strong>da</strong>s por decretos ou até mesmo por<br />

regulamentos administrativos.<br />

Luciano Amaro 222 comenta que ao dizer serem as obrigações acessórias<br />

decorrentes <strong>da</strong> legislação tributária, o Código Tributário Nacional quis explicitar que<br />

a previsão dessas obrigações pode estar não em “lei”, mas em ato de autori<strong>da</strong>de<br />

que se enquadre no conceito de “legislação tributária” <strong>da</strong>do pelo art. 96 do citado<br />

diploma legal. No entanto, o doutrinador adverte que o melhor seria dizer que a<br />

obrigação acessória decorre <strong>da</strong> lei, pois é nesta que estará o fun<strong>da</strong>mento com base<br />

no qual determina<strong>da</strong> autori<strong>da</strong>de poderá exigir uma prestação no interesse <strong>da</strong><br />

arreca<strong>da</strong>ção ou fiscalização <strong>dos</strong> tributos. E, também nessas situações, o nascimento<br />

do dever de alguém cumprir tal obrigação formal surgirá, concretamente, quando<br />

ocorrer o respectivo fato gerador.<br />

Aliomar Baleeiro 223 adverte que as obrigações acessórias devem decorrer<br />

<strong>da</strong>s hipóteses previstas na lei tributária, “o fato gerador <strong>da</strong> obrigação acessória<br />

também decorre de lei. A lei cria os deveres acessórios, em seus contornos básicos,<br />

e remete ao regulamento a pormenorização de tais deveres. Mas eles são e devem<br />

estar plasman<strong>dos</strong>, modela<strong>dos</strong> e enforma<strong>dos</strong> na própria lei.” 224<br />

222 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 236.<br />

223 BALEEIRO. Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 709.<br />

224 BALEEIRO. Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 709.


101<br />

Sacha Calmon Navarro Coêlho também ressalta a necessi<strong>da</strong>de de que as<br />

obrigações tributárias acessórias decorram de lei em sentido estrito, ou seja, lei em<br />

sentido formal e material, pois “ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer a<br />

não ser em virtude de lei, a teor <strong>da</strong> Constituição <strong>da</strong> República.” 225 O autor, assim,<br />

afirma que a obrigação acessória deve ser estipula<strong>da</strong> por lei em sentido estrito.<br />

De todo o exposto, conclui-se que a obrigação acessória deve buscar seu<br />

fun<strong>da</strong>mento de vali<strong>da</strong>de na lei. Assim, ain<strong>da</strong> que a lei seja sua fonte mediata, ou<br />

seja, ain<strong>da</strong> que ato de autori<strong>da</strong>de exija prestação de fazer ou não fazer no interesse<br />

<strong>da</strong> fiscalização ou arreca<strong>da</strong>ção de tributo, tal ato deve buscar sua vali<strong>da</strong>de em uma<br />

lei em sentido formal e material.<br />

Outra questão que desperta divergências diz respeito à interpretação a<br />

ser conferi<strong>da</strong> ao § 3° do art. 113 do Código Tributário Nacional, que assim dispõe: “§<br />

3º A obrigação acessória, pelo simples fato <strong>da</strong> sua inobservância, converte-se em<br />

obrigação principal relativamente à penali<strong>da</strong>de pecuniária.” Haveria, assim, uma<br />

conversão de multa em tributo<br />

Sacha Calmon Navarro Coêlho, ao analisar o citado parágrafo, afirma que<br />

não há conversão de multa em tributo, pois são seres de naturezas distintas. 226 Para<br />

o citado autor, não sendo paga a multa (sanção pecuniária), o dinheiro dela<br />

decorrente “se integra” ao dinheiro decorrente do tributo.<br />

Paulo de Barros Carvalho assim interpreta o citado dispositivo legal:<br />

Para que não se percam as palavras <strong>da</strong> lei, de tudo o que está<br />

escrito havemos de extrair que, descumprido o dever formal,<br />

desaparece a relação que o instituíra, surgindo, em seu lugar, um<br />

vínculo sancionatório, portador de uma penali<strong>da</strong>de pecuniária que<br />

onerará o patrimônio do infrator. A multa, por uma série de razões,<br />

que consultam os interesses <strong>da</strong> Administração, é cobra<strong>da</strong> por<br />

intermédio <strong>dos</strong> mesmos recursos administrativos e com o emprego<br />

de idênticos instrumentos processuais aos utiliza<strong>dos</strong> na cobrança<br />

<strong>dos</strong> tributos. Há indiscutíveis motivos de ordem prática que<br />

aproximam a exigência <strong>da</strong>s duas pretensões. Daí, entretanto, para<br />

que se force a identificação estrutural do liame jurídico do dever com<br />

o <strong>da</strong> penali<strong>da</strong>de, entremeia um obstáculo de lógica jurídica que não<br />

pode ser transposto. 227<br />

225 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 582.<br />

226 COÊLHO, Sacha Calmon. Curso de direito tributário brasileiro, p. 582.<br />

227 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 205


102<br />

Hugo de Brito Machado, ao comentar tal parágrafo, afirma que o<br />

descumprimento de uma obrigação acessória não a converte em obrigação principal,<br />

acrescentando que tal omissão do sujeito passivo “faz nascer para o fisco o direito<br />

de constituir um crédito tributário contra o inadimplente, cujo conteúdo é<br />

precisamente a penali<strong>da</strong>de pecuniária, vale dizer, a multa correspondente.” 228<br />

Assim, a partir <strong>da</strong> análise do dispositivo legal e <strong>dos</strong> menciona<strong>dos</strong><br />

posicionamentos doutrinários, conclui-se que, descumprido o dever formal<br />

consubstanciado em uma obrigação acessória, há o cometimento de um ato ilícito, o<br />

que gera a aplicação de uma sanção pecuniária, qual seja, uma multa. A multa, por<br />

razões que interessam à Administração, é cobra<strong>da</strong> por inermédio <strong>dos</strong> mesmos<br />

instrumentos processuais utiliza<strong>dos</strong> na cobrança <strong>dos</strong> tributos. No entanto, o<br />

descumprimento de uma obrigação tributária acessória não a converte em obrigação<br />

principal; o que ocorre é apenas uma equiparação no que se refere aos instrumentos<br />

processuais utiliza<strong>dos</strong> para cobrança <strong>da</strong> multa e do tributo.<br />

6.2.3 Sujeito passivo <strong>da</strong> obrigação tributária<br />

Sujeito passivo <strong>da</strong> relação jurídica tributária é a pessoa física ou jurídica,<br />

priva<strong>da</strong> ou pública, obriga<strong>da</strong> ao cumprimento <strong>da</strong> prestação tributária.<br />

Geraldo Ataliba assim define o sujeito passivo <strong>da</strong> obrigação tributária:<br />

[...] é o devedor, convencionalmente chamado contribuinte. É a<br />

pessoa que fica na contingência legal de ter o comportamento objeto<br />

<strong>da</strong> obrigação, em detrimento do próprio patrimônio e em favor do<br />

sujeito ativo. É a pessoa que terá diminuição patrimonial, com a<br />

arreca<strong>da</strong>ção do tributo. 229<br />

Paulo de Barros Carvalho afirma que o sujeito passivo <strong>da</strong> relação jurídica<br />

tributária “é a pessoa – sujeito de direitos – física ou jurídica, priva<strong>da</strong> ou pública, de<br />

quem se exige o cumprimento <strong>da</strong> prestação: pecuniária, nos nexos obrigacionais; e<br />

228 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 104.<br />

229 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 86.


103<br />

insuscetível de avaliação patrimonial, nas relações que veiculam meros deveres<br />

instrumentais ou formais.” 230<br />

Bernardo Ribeiro de Moraes apresenta a seguinte definição para sujeito<br />

passivo <strong>da</strong> relação tributária:<br />

Sujeito passivo <strong>da</strong> obrigação tributária, portanto, é o devedor <strong>da</strong><br />

prestação. É a pessoa, física ou jurídica, que se acha adstrita a<br />

realizar a prestação tributária, satisfazendo, dessa foram, o interesse<br />

do titular do crédito (sujeito ativo). Podemos conceituar o sujeito<br />

passivo tributário como a pessoa, física ou jurídica, de direito público<br />

ou de direito privado, que tem o dever jurídico de efetuar a prestação<br />

tributária, isto é, no caso <strong>da</strong> obrigação tributária principal ‘é a pessoa<br />

obriga<strong>da</strong> ao pagamento de tributo ou penali<strong>da</strong>de pecuniária’ (CTN,<br />

art. 121) 231<br />

O doutrinador Luiz Emygdio <strong>da</strong> Rosa Júnior, com base no art. 121 do<br />

Código Tributário Nacional, define o sujeito passivo <strong>da</strong> obrigação como "a pessoa<br />

física ou jurídica, obriga<strong>da</strong>, por lei, ao cumprimento <strong>da</strong> prestação tributária, principal<br />

ou acessória, esteja ou não em relação direta e pessoal com a situação que<br />

constitua o respectivo fato gerador." 232<br />

Dispõe o art. 121 do Código Tributário Nacional que o sujeito passivo <strong>da</strong><br />

obrigação tributária compreende as figuras do contribuinte e do responsável. Cabe a<br />

transcrição do citado dispositivo legal:<br />

Art. 121. Sujeito passivo <strong>da</strong> obrigação principal é a pessoa obriga<strong>da</strong><br />

ao pagamento de tributo ou penali<strong>da</strong>de pecuniária.<br />

Parágrafo único. O sujeito passivo <strong>da</strong> obrigação principal diz-se:<br />

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a<br />

situação que constitua o respectivo fato gerador;<br />

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte,<br />

sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.<br />

Assim, nos termos do parágrafo único do art. 121, o sujeito passivo <strong>da</strong><br />

obrigação principal será conceituado como contribuinte ou responsável de acordo<br />

com a natureza de sua relação com o fato gerador <strong>da</strong> respectiva obrigação. O<br />

contribuinte apresenta relação pessoal e direta com o fato gerador. O responsável é<br />

230 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 208.<br />

231 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 277.<br />

232 ROSA JUNIOR, Luiz Emygdio F. <strong>da</strong>. Manual de direito financeiro & direito tributário, p. 494.


104<br />

aquele que responde pelo pagamento do tributo ou penali<strong>da</strong>de pecuniária em virtude<br />

de disposição expressa de lei, já que não apresenta relação pessoal e direta com o<br />

fato gerador.<br />

O sujeito passivo <strong>da</strong> obrigação principal é sempre alguém “relacionado”<br />

com o fato gerador dessa obrigação. Se essa relação for de certa natureza (“pessoal<br />

e direta”), o sujeito passivo diz-se contribuinte. Se tal relação for de diversa natureza<br />

(“não pessoal e direta”), mas, de todo modo, estabeleci<strong>da</strong> pela lei, o sujeito passivo<br />

qualifica-se como responsável.<br />

Pode-se inferir que o Código Tributário Nacional classifica o sujeito<br />

passivo <strong>da</strong> obrigação tributária principal como contribuinte quando realiza, ele<br />

próprio, o fato gerador <strong>da</strong> obrigação, e de responsável quando, não realizando o<br />

respectivo fato gerador, seu dever de satisfazer o crédito tributário decorra de<br />

disposição legal. Dessa forma, o sujeito passivo <strong>da</strong> obrigação tributária tanto poderá<br />

ser aquele que possui uma relação pessoal e direta com o fato gerador, realizandoo,<br />

quanto um terceiro ao qual a lei atribui o dever de satisfazer o crédito tributário em<br />

favor do contribuinte.<br />

Tendo em vista a nomenclatura utiliza<strong>da</strong> pelo próprio Código Tributário<br />

Nacional e os posicionamentos doutrinários expostos, neste estudo adotou-se a<br />

terminologia "contribuinte" para designar o sujeito passivo que tem relação pessoal e<br />

direta com o fato gerador, ou seja, aquele relacionado de forma direta com o fato<br />

gerador, e "responsável tributário" para indicar aquele que recebe atribuição legal<br />

expressa para adimplemento <strong>da</strong> obrigação tributária, ain<strong>da</strong> que não esteja vinculado<br />

diretamente ao seu fato gerador.<br />

Luciano Amaro 233 explica que o Código Tributário Nacional, ao referir-e a<br />

relação pessoal, pretendeu ressaltar a presença do contribuinte na situação que<br />

constitui o fato gerador. Assim, o contribuinte deve participar pessoalmente do<br />

acontecimento fático que realiza o fato gerador. É claro que essa presença é jurídica<br />

e não necessariamente física (ou seja, o contribuinte pode relacionar-se com o fato<br />

gerador por meio de representante legal; o representante o faz presente). Além<br />

disso, segundo o citado autor, quer o Código que essa relação seja direta.<br />

233 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 286.


105<br />

O contribuinte, nos termos <strong>da</strong> lição acima menciona<strong>da</strong>, há de ser “o<br />

personagem de relevo no acontecimento, o personagem principal, e não mero<br />

coadjuvante. Ele deve ser identificado na pessoa em torno <strong>da</strong> qual giram os<br />

fatos.” 234<br />

Gilberto Etchaluz Villela 235 define a figura do contribuinte como “aquele<br />

que efetivamente produz (ou a respeito de quem se produz) o fato econômico que<br />

determina<strong>da</strong> lei transforma em fato gerador do tributo devido. É o figurante principal<br />

do cenário que se estabelece, tendo, por atores, o Estado e o sujeito passivo”.<br />

Para Bernardo Ribeiro de Moraes, para que exista a figura do contribuinte<br />

é necessária a existência de “uma relação causal, direta, entre o pressuposto de fato<br />

que dá origem à obrigação tributária e à pessoa do sujeito passivo, que fica<br />

vincula<strong>da</strong> à situação e às respectivas conseqüências jurídicas.” 236<br />

É importante frisar que como o fato gerador <strong>da</strong> obrigação tributária<br />

exterioriza capaci<strong>da</strong>de contributiva, é evidente que a pessoa que participa do fato<br />

gerador é quem deverá ser escolhido para o encargo tributário, pois se presume que<br />

este auferiu qualquer vantagem econômica, ou seja, há presunção de sua<br />

capaci<strong>da</strong>de contributiva. O tributo é exigido em razão do fato gerador <strong>da</strong> respectiva<br />

obrigação, recaindo sobre a pessoa liga<strong>da</strong> direta e pessoalmente à aludi<strong>da</strong> situação<br />

fática.<br />

Nesse sentido, ao exigir que o contribuinte tenha relação pessoal e direta<br />

com o fato gerador, o Código Tributário Nacional indica que tal espécie de sujeito<br />

passivo deve participar do acontecimento fático que constitua o fato gerador <strong>da</strong><br />

obrigação tributária principal. Já o responsável, embora sem realizar ou participar do<br />

acontecimento definido pela lei como fato gerador <strong>da</strong> obrigação tributária, responde<br />

pela obrigação em virtude de expressa disposição de lei.<br />

No que diz respeito à obrigação tributária acessória, o art. 122 do Código<br />

Tributário Nacional define o seu sujeito passivo como a pessoa obriga<strong>da</strong> às<br />

prestações que constituam o seu objeto. Portanto o sujeito passivo <strong>da</strong> obrigação<br />

acessória, nos termos do mencionado artigo, será o destinatário <strong>dos</strong> deveres de<br />

234 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 286.<br />

235 VILLELA, Gilberto Etchaluz. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária, p. 41.<br />

236 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 283.


106<br />

fazer e não fazer instituí<strong>dos</strong> pela legislação tributária em favor <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção e<br />

fiscalização <strong>dos</strong> tributos.<br />

Finalmente, Paulo de Barros Carvalho 237 oferece ensinamento sobre a<br />

diferença entre a capaci<strong>da</strong>de para realizar o fato jurídico tributário e a capaci<strong>da</strong>de<br />

para ser sujeito passivo de obrigação tributária. Segundo o autor, a capaci<strong>da</strong>de para<br />

realizar o fato jurídico tributário ou dele participar independe <strong>da</strong> qualquer referência<br />

aos preceitos do Direito Civil, nos termos do art. 126 238 do Código Tributário<br />

Nacional. No entanto, somente alguém que tenha personali<strong>da</strong>de jurídica pode ser<br />

sujeito passivo de obrigação tributária, ou seja, pode ser responsabilizado pelo<br />

cumprimento <strong>da</strong> obrigação tributária. Cabe transcrever lição nesse sentido:<br />

Perfunctório exame que se promova nos padrões conheci<strong>dos</strong> de<br />

normas tributárias vem roborar a afirmativa de que não há exemplo<br />

de enti<strong>da</strong>de, não contempla<strong>da</strong> com personali<strong>da</strong>de jurídica de direito<br />

civil, compondo o vínculo abstrato que se agrega à ocorrência do fato<br />

típico, ain<strong>da</strong> que para realização do evento o próprio antecedente<br />

normativo haja estabelecido a efetiva participação <strong>da</strong>quela enti<strong>da</strong>de.<br />

Sempre que o legislador pretende inscrever, na hipótese normativa,<br />

sujeito sem personali<strong>da</strong>de jurídica, outorgando-lhe capaci<strong>da</strong>de para<br />

realizar o acontecimento tributário, prescreve o vínculo com a<br />

indicação <strong>da</strong> pessoa física ou jurídica, escolhi<strong>da</strong> no quadro <strong>da</strong>quelas<br />

previstas e admiti<strong>da</strong>s no segmento <strong>da</strong>s regras de direito privado,<br />

para o fim de responsabilizar o ente que promoveu o evento. 239<br />

6.2.3.1 Sujeição passiva direta e indireta<br />

A distinção entre sujeição passiva direta e indireta foi propaga<strong>da</strong> em to<strong>da</strong><br />

a doutrina pátria a partir <strong>da</strong>s idéias de Rubens Gomes de Sousa. 240 O doutrinador 241<br />

237 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 218.<br />

238 "Art. 126. A capaci<strong>da</strong>de tributária passiva independe:<br />

I – <strong>da</strong> capaci<strong>da</strong>de civil <strong>da</strong>s pessoas naturais;<br />

II – de achar-se a pessoa natural sujeita a medi<strong>da</strong>s que importem privação ou limitação do<br />

exercício de ativi<strong>da</strong>des civis, comerciais ou profissionais, ou <strong>da</strong> administração direta de seus bens<br />

ou negócios;<br />

III – de estar a pessoa jurídica regularmente constituí<strong>da</strong>, bastando que configure uma uni<strong>da</strong>de<br />

econômica ou profissional.”<br />

239 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 218.<br />

240 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 599.<br />

241 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de direito tributário, p. 91-94.


107<br />

chama de sujeição passiva direta a hipótese em que o tributo é cobrado do indivíduo<br />

que se beneficia economicamente <strong>da</strong> situação que constitui o critério material <strong>da</strong><br />

regra-matriz de incidência tributária. Entretanto, por razões de política tributária, se a<br />

imputação do dever tributário for feita à pessoa que não retira vantagem econômica<br />

do fato tributado, estaríamos diante de sujeição passiva indireta.<br />

Rubens Gomes de Sousa 242 aduz, ain<strong>da</strong>, que a sujeição passiva indireta<br />

apresenta duas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des: transferência (quando, depois de a obrigação ter<br />

nascido contra o sujeito passivo direto, por força de acontecimento posterior àquela<br />

nascimento, a obrigação é transferi<strong>da</strong> a outra pessoa) e substituição (quando o<br />

liame obrigacional surge, desde logo, contra pessoa diversa <strong>da</strong>quela que esteja em<br />

relação econômica com o fato tributado).<br />

O autor 243 esclarece, ain<strong>da</strong>, que três seriam as hipóteses de transferência:<br />

a primeira compreende a figura <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, na qual duas ou mais pessoas são<br />

simultaneamente obriga<strong>da</strong>s pela mesma obrigação; a segun<strong>da</strong> é a sucessão em que<br />

a obrigação se transfere para outro devedor em virtude do desaparecimento do<br />

devedor original; e a terceira seria a <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, sendo que nesta espécie<br />

de transferência a lei tributária responsabiliza outra pessoa pelo pagamento do<br />

tributo, quando não seja pago pelo sujeito passivo direto.<br />

Assim, a sujeição passiva direta corresponderia à figura do contribuinte,<br />

sendo este a pessoa que se beneficia economicamente <strong>da</strong> situação que constitui o<br />

critério material <strong>da</strong> regra-matriz de incidência tributária. Já a sujeição passiva indireta<br />

corresponderia à situação na qual a imputação do dever tributário é feita à pessoa<br />

que não retira vantagem econômica do fato tributado, em decorrência de razões de<br />

política tributária. Assim, em certos casos, o Estado tem interesse ou necessi<strong>da</strong>de<br />

de cobrar o tributo de pessoa distinta <strong>da</strong>quela que aufere vantagem econômica do<br />

fato tributado: trata-se <strong>da</strong> sujeição passiva indireta.<br />

A sujeição passiva indireta, tendo em vista as idéias apresenta<strong>da</strong>s,<br />

abrange as hipóteses de substituição e de transferência. A substituição se dá<br />

quando a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diversa <strong>da</strong>quela<br />

que esteja em relação econômica com o ato, fato ou negócio tributado. Já na<br />

242 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de direito tributário, p. 92.<br />

243 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de direito tributário, p. 92.


108<br />

transferência a obrigação tributária, depois de ter surgido contra uma pessoa<br />

determina<strong>da</strong>, em virtude de um fato posterior, transfere-se para outra pessoa.<br />

Luciano Amaro, 244 ao analisar as técnicas de definição do sujeito passivo<br />

responsável, ensina que a doutrina pátria, antes mesmo do advento do Código<br />

Tributário Nacional, costumava identificar duas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>des básicas de sujeição<br />

passiva indireta: a substituição e a transferência. Segundo o doutrinador, na<br />

substituição a lei desde logo põe o terceiro no lugar <strong>da</strong> pessoa que naturalmente<br />

seria definível como contribuinte, ou seja, a obrigação tributária já nasce com seu<br />

pólo passivo ocupado por um substituto legal tributário. Já na transferência, a<br />

obrigação de um devedor (que pode ser um contribuinte ou um responsável) é<br />

desloca<strong>da</strong> para outra pessoa em razão de algum evento.<br />

Sacha Calmon Navarro Coêlho 245 afirma que a substituição é hipótese de<br />

sujeição passiva direta, já que, como a obrigação nasce tendo o substituto no pólo<br />

passivo, nunca antes desse, alguém esteve na condição de obrigado. Aquilo que a<br />

doutrina chama de substituto “é na reali<strong>da</strong>de o único contribuinte do tributo”. Para o<br />

autor, o melhor seria nominar o substituto de “destinatário legal tributário” para<br />

diferenciá-lo do “contribuinte” e considerar ambos como “sujeitos passivos diretos”.<br />

Assim, nos termos <strong>da</strong> lição do renomado mestre, a sujeição passiva direta<br />

comportaria dois tipos de obriga<strong>dos</strong>:<br />

A) o ‘contribuinte’, que paga dívi<strong>da</strong> tributária própria por fato gerador<br />

próprio; e B) o ‘destinatário legal tributário’, que paga dívi<strong>da</strong> tributária<br />

própria por fato gerador alheio (de terceiro) , assegurando-se-lhe, em<br />

nome <strong>da</strong> justiça, a possibili<strong>da</strong>de de recuperar, contra quem praticou<br />

ou esteve envolvido com o fato gerador, o dispêndio fiscal que a lei<br />

lhe imputou diretamente, através do vinculum juris obrigacional. 246<br />

Ain<strong>da</strong> tendo em vista a lição de Sacha Calmon, 247 na sujeição passiva<br />

indireta, a obrigação de pagar é, originariamente, do sujeito passivo direto. Ocorre<br />

que o dever de pagar é transferido a terceiros. Assim, to<strong>dos</strong> os “responsáveis” – na<br />

sujeição passiva indireta – ficam obriga<strong>dos</strong> a um dever de pagar tributo que,<br />

originariamente, por força de lei, era do sujeito passivo direto.<br />

244 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 291.<br />

245 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 604-608.<br />

246 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 605.<br />

247 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 608.


109<br />

Finalmente, cabe trazer à baila os ensinamentos de Paulo de Barros<br />

Carvalho 248 sobre o tema em comento. Para ele, o art. 121 do Código Tributário<br />

Nacional teria sofrido a influência do magistério de Rubens Gomes de Souza, já<br />

citado, ao tentar segregar o sujeito passivo em direto e indireto. Contrário a tal<br />

atitude, a qual, a seu ver, é fruto de influências negativas de disciplinas não<br />

jurídicas, principalmente as de caráter econômico, afirma que não há, em termos<br />

propriamente jurídicos, a divisão <strong>dos</strong> sujeitos em diretos e indiretos, que repousa em<br />

considerações de ordem eminentemente econômicas, liga<strong>da</strong>s à pesquisa <strong>da</strong>s<br />

discutíveis vantagens que os participantes do evento retiram de sua realização.<br />

Interessa, do ângulo jurídico tributário, apenas quem integra o vínculo<br />

obrigacional. O grau de relacionamento econômico <strong>da</strong> pessoa escolhi<strong>da</strong> pelo<br />

legislador, é alguma coisa de que não se cogita o Direito, alojando-se no campo de<br />

in<strong>da</strong>gação <strong>da</strong> Economia ou <strong>da</strong> Ciência <strong>da</strong>s Finanças.<br />

Segundo Paulo de Barros Carvalho, 249 o teor pré-legislativo <strong>da</strong> construção<br />

de Rubens Gomes de Souza aparece niti<strong>da</strong>mente ao tratar <strong>da</strong> substituição tributária.<br />

Nessa hipótese, o legislador na<strong>da</strong> substitui, apenas institui. Em momento anterior ao<br />

<strong>da</strong> lei que institui o sujeito passivo inexistia, do ponto de vista jurídico, aquele outro<br />

sujeito que Gomes de Souza chama de direto. O sujeito denominado direto existia<br />

apenas sob o enfoque pré-legislativo, como “matéria-prima a ser trabalha<strong>da</strong> pelo<br />

político. Mas o momento <strong>da</strong> investigação jurídico-científica começa, precisamente,<br />

na ocasião em que a norma é edita<strong>da</strong>, ingressando no sistema do direito positivo.” 250<br />

De todo o exposto, deve-se ressaltar que a classificação <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária em direta e indireta teve origem na teoria preconiza<strong>da</strong> por<br />

Rubens Gomes de Souza, 251 já analisa<strong>da</strong>, sem olvi<strong>da</strong>r as principais críticas<br />

doutrinárias que lhe são feitas e que foram brevemente apresenta<strong>da</strong>s.<br />

Dessa forma, abraçando a nomenclatura utiliza<strong>da</strong> pelo próprio Código<br />

Tributário Nacional, adotou-se, neste trabalho, a terminologia "contribuinte", para<br />

designar o sujeito passivo direto, ou seja, aquele que tem relação pessoal com o fato<br />

248 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 209.<br />

249 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 209-210.<br />

250 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 210.<br />

251 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário, p. 209; COÊLHO, Sacha Calmon<br />

Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 599; FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário<br />

brasileiro, p. 246.


110<br />

gerador, e "responsável tributário", espécie de sujeição passiva indireta, para indicar<br />

aquele que recebe atribuição legal expressa para adimplemento ou cumprimento <strong>da</strong><br />

obrigação tributária.<br />

6.3 Responsabili<strong>da</strong>de tributária no Código Tributário Nacional<br />

Conforme exposto, o sujeito passivo <strong>da</strong> obrigação tributária principal pode<br />

compreender as figuras do contribuinte e do responsável. O contribuinte é aquele<br />

que apresenta relação pessoal e direta com o fato gerador, respondendo, por isso,<br />

pela obrigação tributária.<br />

O responsável é a pessoa que, sem apresentar ligação pessoal e direta<br />

com a hipótese tributária, pode ser compeli<strong>da</strong> ao pagamento do tributo em virtude de<br />

disposição expressa de lei. Dessa forma, diz-se responsável a pessoa que, sem se<br />

revestir <strong>da</strong> condição de contribuinte, tem vínculo com a obrigação tributária<br />

decorrente de dispositivo expresso na lei.<br />

A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária é trata<strong>da</strong> no Código Tributário Nacional em<br />

capítulo próprio, qual seja, Capítulo V do Título II, compreendendo os arts. 128 a<br />

138. O art. 128, a ser analisado neste item, dispõe de modo geral sobre a referi<strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>. Os arts. 129 a 133 tratam <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> por sucessão. A<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de terceiros, que é necessária ao desenvolvimento deste estudo,<br />

está prevista nos arts. 134 e 135. Finalmente, o art. 136 cui<strong>da</strong> de disciplinar a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> por infrações.<br />

Carlos Valder do Nascimento assim define a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária:<br />

Prerrogativa inerente ao Fisco (sujeito ativo <strong>da</strong> obrigação) de poder<br />

exigir do responsável (sujeito passivo) a satisfação de um crédito<br />

tributário constituído e homologado pela Administração Fiscal.<br />

Acrescente-se que essa facul<strong>da</strong>de somente pode derivar <strong>da</strong> lei, que<br />

em seu texto, estabelecerá para ca<strong>da</strong> imposto, a enumeração <strong>dos</strong><br />

responsáveis tributários. 252<br />

252 NASCIMENTO, Carlos Valder do. Responsabili<strong>da</strong>de tributária. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do<br />

(Coord.). Obrigação tributária, p. 92-93.


111<br />

Fábio Leopoldo Oliveira 253 esclarece que o Código Tributário adotou nos<br />

dispositivos concernentes à <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária a teoria dualista alemã.<br />

Segundo essa teoria o débito e a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> são elementos independentes <strong>da</strong><br />

relação jurídica tributária.<br />

Na teoria dualista, a dívi<strong>da</strong> ou relação de débito (Schuld) corresponde ao<br />

dever jurídico do devedor de realizar a prestação; e a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> ou relação<br />

de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> (Haftung) corresponde à facul<strong>da</strong>de atribuí<strong>da</strong> ao credor de<br />

compelir o devedor a realizar a prestação, com a garantia constituí<strong>da</strong> de seu<br />

patrimônio. 254 Nessa teoria, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> surge em um segundo momento e<br />

cria a obrigação do devedor de cumprir efetivamente a prestação, ao mesmo tempo<br />

que dá ao credor o poder de exigir o cumprimento desta mediante garantia<br />

constituí<strong>da</strong> pelo patrimônio do devedor.<br />

Tendo em vista os preceitos <strong>da</strong> cita<strong>da</strong> teoria, <strong>da</strong> ocorrência do fato<br />

gerador <strong>da</strong> obrigação tributária surge a pessoa do sujeito passivo originário<br />

(contribuinte). Para o nascimento <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, é necessária a ocorrência de<br />

outro pressuposto de fato, qual seja, o inadimplemento <strong>da</strong> obrigação, em virtude do<br />

qual o responsável fica obrigado. A obrigação do responsável não poderá derivar <strong>da</strong><br />

realização do mesmo pressuposto fático que obriga o sujeito passivo originário, mas,<br />

sim, de outro pressuposto. Assim, débito e <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> são elementos distintos,<br />

uma vez que derivam de situações fáticas diferencia<strong>da</strong>s.<br />

Bernardo Ribeiro de Moraes apresenta o seguinte conceito de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária:<br />

Podemos definir <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária como a relação jurídica<br />

deriva<strong>da</strong>, em virtude <strong>da</strong> qual uma pessoa (ou mais), denomina<strong>da</strong><br />

devedora, fica adstrita a satisfazer certa prestação em proveito de<br />

outra, denomina<strong>da</strong> credora, em razão do inadimplemento <strong>da</strong><br />

obrigação tributária originária. Responsável tributário é a pessoa que<br />

se encontra no pólo negativo <strong>da</strong> relação jurídica deriva<strong>da</strong>, com a<br />

obrigação de assumir as conseqüências do inadimplemento <strong>da</strong><br />

obrigação tributária.<br />

253 OLIVEIRA, Fábio Leopoldo de. Responsabili<strong>da</strong>de tributária. In: MARTINS, Ives Gandra <strong>da</strong> Silva<br />

coordenador. Curso de direito tributário, p. 231.<br />

254 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 502.


112<br />

A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária, portanto, tem por fonte imediata a lei<br />

tributária e por fonte mediata o inadimplemento <strong>da</strong> obrigação<br />

tributária. 255<br />

A presença do responsável como devedor na obrigação tributária traduz<br />

uma modificação subjetiva no pólo passivo <strong>da</strong> obrigação na posição que,<br />

originariamente, seria ocupa<strong>da</strong> pela figura do contribuinte. Contribuinte é pessoa<br />

que, naturalmente, seria o personagem a contracenar com o Fisco, se a lei não<br />

optasse, em decorrência de razões de política tributária, por colocar outro indivíduo<br />

em seu lugar, desde o momento <strong>da</strong> ocorrência do fato ou em razão de certos<br />

eventos futuros.<br />

Aliomar Baleeiro, 256 ressalva que somente a lei, de modo expresso, pode<br />

responsabilizar outra pessoa em lugar do contribuinte, desde que essa terceira<br />

pessoa esteja vincula<strong>da</strong> ao fato gerador <strong>da</strong> obrigação tributária.<br />

Fábio Fanucchi também ressalta que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária decorre<br />

de disposição específica de lei:<br />

Tenha-se em vista, porém, que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária só se<br />

transfere a terceiros por força de disposição expressa <strong>da</strong> lei<br />

específica ao tributo, não bastando, para que ocorra a transferência,<br />

a alegação de que o CTN já a consagra. O Código apenas aponta os<br />

caminhos legítimos ao legislador. Suas regras não bastam neste<br />

assunto para terem aplicação, diante do silêncio <strong>da</strong> legislação<br />

específica ao tributo. 257<br />

Em ver<strong>da</strong>de, conforme ensina Luciano Amaro, 258 a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

tributária é sempre ex lege, não só em razão do que determina o Código Tributário<br />

Nacional (art. 121, parágrafo único, inciso II), mas também em razão do princípio <strong>da</strong><br />

legali<strong>da</strong>de estrita, consagrado no art. 97, III (no caso do sujeito passivo), do citado<br />

diploma legal.<br />

Assim, tendo em vista o instituto <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária, a<br />

obrigação de sal<strong>da</strong>r o crédito tributário pode ser atribuí<strong>da</strong> não só àquele diretamente<br />

ligado à relação jurídica tributária, ou seja, o contribuinte, mas também àquele que,<br />

255 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 502.<br />

256 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 435-436<br />

257 FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro, p. 252.<br />

258 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 294.


113<br />

por qualquer motivo previsto em lei, deva responder pela obrigação tributária na<br />

posição do contribuinte ou juntamente com este.<br />

Em virtude <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária, pessoas que não participam do<br />

fato jurídico tributário, sendo, por isso, completamente estranhas à relação tributária,<br />

acabam sendo chama<strong>da</strong>s, por disposição expressa em lei, para responder pela<br />

obrigação tributária oriun<strong>da</strong> de fato jurídico tributário praticado por outrem.<br />

É importante frisar que só a lei pode atribuir a alguém a condição de<br />

sujeito passivo <strong>da</strong> obrigação tributária, seja na condição de contribuinte ou<br />

responsável. Dessa forma, o sujeito passivo responsável é o que reúne to<strong>dos</strong> os<br />

elementos elenca<strong>dos</strong> na hipótese de incidência especificamente <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

e, em conseqüência, é exigi<strong>da</strong> a imposição do pagamento <strong>da</strong> obrigação tributária a<br />

terceira pessoa que não participa do vínculo tributário originário.<br />

Nos termos do art. 128 do Código Tributário Nacional, o responsável deve<br />

apresentar uma vinculação ao fato gerador <strong>da</strong> obrigação tributária. Assim, conclui-se<br />

que o responsável deve estar vinculado ao fato gerador, mas não de forma pessoal<br />

e direta, porque, se assim fosse, seria contribuinte.<br />

Luciano Amaro 259 adverte que não é qualquer tipo de vínculo com o fato<br />

gerador que pode acarretar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de terceiro. Segundo o doutrinador, é<br />

necessário que tal vínculo “seja de tal sorte que permita a esse terceiro, elegível<br />

como responsável, fazer com que o tributo seja recolhido sem onerar seu próprio<br />

bolso.” 260<br />

O doutrinador ensina que o ônus do tributo não pode ser deslocado<br />

arbitrariamente pela lei para qualquer pessoa, ain<strong>da</strong> que vincula<strong>da</strong> ao fato gerador<br />

<strong>da</strong> obrigação, já que deve ser assegura<strong>da</strong> ao responsável tributário a possibili<strong>da</strong>de<br />

de transferência do ônus que lhe é imposto. Assim, se o terceiro não puder evitar<br />

esse ônus nem tiver como proceder para que o tributo seja recolhido à conta do<br />

indivíduo que, <strong>da</strong>do o fato gerador, seria elegível como contribuinte, ele não poderá<br />

ser indicado como responsável tributário.<br />

Segundo Bernardo Ribeiro de Moraes, 261 não é qualquer indivíduo que<br />

pode ser definido como responsável pela obrigação tributária, somente se<br />

259 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 296.<br />

260 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 296.<br />

261 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 287.


114<br />

justificando a escolha de um responsável, que adquire posição idêntica à do devedor<br />

principal, “na hipótese <strong>da</strong> pessoa ter relações com o próprio devedor ou com o fato<br />

gerador <strong>da</strong> obrigação tributária.” 262<br />

Sacha Calmon Navarro Coêlho 263 afirma que a vinculação do responsável<br />

ao fato gerador <strong>da</strong> obrigação tributária existe para garantir-lhe o ressarcimento do<br />

ônus tributário. Mediante a elaboração legal <strong>da</strong> figura do responsável, asseguram-se<br />

ao Fisco, ao Estado, condições de eficácia e funcionali<strong>da</strong>de. De outro lado, garantese<br />

ao responsável o direito de ressarcimento, de modo a evitar desfalque em seu<br />

patrimônio.<br />

Assim, conclui-se que, embora o responsável não possua relação pessoal<br />

e direta com a conduta descrita na norma tributária impositiva <strong>da</strong> obrigação principal,<br />

é necessário que ele apresente uma ligação indireta ao fato imponível. A lei não<br />

pode eleger qualquer pessoa como responsável tributário, mas somente aquele que,<br />

não tendo relação direta e pessoal com o fato imponível, possua algum tipo de<br />

vínculo com a pessoa do contribuinte ou com a situação descrita como fato gerador<br />

<strong>da</strong> obrigação, conforme prescrito pelo art. 128 do Código Tributário Nacional.<br />

Somente assim, justifica-se a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>.<br />

Cabe ressaltar que o art. 128 permite que a lei exclua o contribuinte <strong>da</strong><br />

relação jurídica tributária, ou que o mantenha como responsável subsidiário, ou seja,<br />

responderá, em caráter supletivo, em caso de inadimplemento ou pagamento<br />

insuficiente, por parte do terceiro responsabilizado.<br />

Segundo Luciano Amaro, 264 se atribuí<strong>da</strong> a “<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>” supletiva ao<br />

contribuinte, ele se mantém na relação tributária, em posição subsidiária, de modo<br />

que, na hipótese de o terceiro responsável não adimplir a obrigação ou fazê-lo com<br />

insuficiência, o contribuinte pode ser chamado para suprir ou complementar o<br />

pagamento.<br />

Dessa forma, a lei pode, ao atribuir a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária, liberar o<br />

contribuinte. Mas também pode atribuir tal <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> apenas de forma<br />

supletiva, ou seja, sem liberar o sujeito passivo originário, sendo que a atribuição de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> ao contribuinte pode ser total como apenas parcial.<br />

262 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 287.<br />

263 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 602.<br />

264 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 297.


115<br />

Uma questão que merece ser analisa<strong>da</strong> consiste em determinar se o<br />

responsável, ao cumprir a obrigação, extingue débito próprio ou do contribuinte.<br />

Para Berrnardo Ribeiro de Moraes, 265 o responsável tributário é um devedor em<br />

nome próprio, já que obrigado ao cumprimento <strong>da</strong> prestação tributária, <strong>da</strong> mesma<br />

forma que o sujeito passivo originário (contribuinte).<br />

No mesmo sentido é a opinião de Alfredo Augusto Becker ao afirmar que<br />

”o responsável sempre é devedor de débito próprio. O dever que figura como<br />

conteúdo <strong>da</strong> relação jurídica que vincula o Estado (sujeito ativo) ao responsável<br />

legal tributário (sujeito passivo) é dever jurídico do próprio responsável legal<br />

tributário e não de outra pessoa.” 266<br />

Nos casos envolvendo o responsável legal tributário, há nova situação<br />

jurídica relacional, nasci<strong>da</strong> <strong>da</strong> incidência de outra norma jurídica, cujo suporte fático<br />

é justamente a existência de uma anterior obrigação jurídica associa<strong>da</strong> a<br />

determina<strong>da</strong> circunstância. Assim, a norma jurídica, ain<strong>da</strong> que reconheça a<br />

existência do contribuinte, determina que o dever jurídico seja atribuído a terceira<br />

pessoa, qual seja, o responsável tributário. Dessa forma, do ponto de vista jurídico, o<br />

responsável é devedor em nome próprio, diante de expressa imputação legal.<br />

Quanto à classificação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária, não há<br />

uniformi<strong>da</strong>de quanto a esta entre os diversos doutrinadores, sendo recorrente na<br />

doutrina classificá-la em originária ou deriva<strong>da</strong>. 267<br />

Para Bernardo Ribeiro de Moraes, 268 ocorre a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária<br />

originária, também denomina<strong>da</strong> de “<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de primeiro grau”, quando a<br />

posição do sujeito passivo é ocupa<strong>da</strong> pela mesma pessoa antes e depois do<br />

inadimplemento <strong>da</strong> respectiva obrigação.” Já a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária deriva<strong>da</strong>,<br />

também denomina<strong>da</strong> de “<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de segundo grau”, ocorre quando a<br />

posição do sujeito passivo não é ocupa<strong>da</strong> pela mesma pessoa antes e depois do<br />

inadimplemento <strong>da</strong> respectiva obrigação.<br />

265 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 507.<br />

266 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário, p. 558.<br />

267 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 509.<br />

268 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 509.


116<br />

Fábio Leopoldo de Oliveira 269 preleciona que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> é<br />

originária quanto o sujeito passivo é o mesmo na fase subseqüente ao<br />

inadimplemento, ou seja, “quando o debitum e a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> incidem sobre a<br />

mesma pessoa.” 270 Tal espécie de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> refere-se ao contribuinte, que<br />

mantém relação pessoal e direta com o fato gerador <strong>da</strong> obrigação tributária. No que<br />

diz respeito à <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> deriva<strong>da</strong>, ensina o doutrinador, 271 ela deriva do<br />

inadimplemento <strong>da</strong> obrigação pelo contribuinte, passando o ônus do cumprimento <strong>da</strong><br />

obrigação a terceiro, em virtude de disposição expressa de lei.<br />

Outra classificação utiliza<strong>da</strong> é a que divide a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária<br />

em <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> por substituição e por transferência. Para Alfredo Augusto<br />

Becker, existe substituto legal tributário “to<strong>da</strong> vez em que o legislador escolher para<br />

sujeito passivo <strong>da</strong> relação jurídico-tributária um outro qualquer indivíduo, em<br />

substituição <strong>da</strong>quele determinado indivíduo de cuja ren<strong>da</strong> ou capital a hipótese de<br />

incidência é fato signo presuntivo”.<br />

Zelmo Denari esclarece que substituto tributário ”é aquele que, por<br />

disposição legal, é obrigado ao pagamento de imposto em lugar do contribuinte<br />

(susbtituído)”. 272<br />

A substituição se dá quando, em virtude de uma disposição expressa em<br />

lei, a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diversa <strong>da</strong>quela que<br />

esteja em relação econômica com o ato ou negócio tributado: nesse caso, é a<br />

própria lei que substitui o sujeito passivo direto por outro indireto.<br />

A transferência, conforme explicitado no item sobre a sujeição passiva<br />

direta e indireta, ocorre quando a obrigação é gera<strong>da</strong> contra determina<strong>da</strong> pessoa<br />

(que praticou o fato descrito pela norma como gerador <strong>da</strong> obrigação tributária) e,<br />

posteriormente, em razão de um fato novo, é transferi<strong>da</strong> a uma terceira pessoa, qual<br />

seja, o responsável tributário.<br />

O Código Tributário Nacional estabelece a seguinte classificação para a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária: <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> por sucessão (arts. 129 a 133),<br />

269 OLIVEIRA, Fábio Leopoldo de. Responsabili<strong>da</strong>de tributária. In: MARTINS, Ives Gandra <strong>da</strong> Silva<br />

(Coord.). Curso de direito tributário, p. 235.<br />

270 OLIVEIRA, Fábio Leopoldo de. Responsabili<strong>da</strong>de tributária. In: MARTINS, Ives Gandra <strong>da</strong> Silva<br />

(Coord.). Curso de direito tributário, p. 235.<br />

271 OLIVEIRA, Fábio Leopoldo de. Responsabili<strong>da</strong>de tributária. In: MARTINS, Ives Gandra <strong>da</strong> Silva<br />

(Coord.). Curso de direito tributário, p. 235.<br />

272 DENARI, Zelmo. Curso de direito tributário, p. 271.


117<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de terceiros (arts. 134 e 135), que é o tema central deste estudo,<br />

especificamente no que diz respeito à <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> e <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> por infrações (arts.136 a 138).<br />

6.3.1 Responsabili<strong>da</strong>de de terceiros<br />

Sacha Calmon Navarro Coêlho afirma que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de terceiros<br />

é espécie de “<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> indireta por transferência, mas, já implica, desde<br />

logo, o dever desses terceiros de vigiar os contribuintes e de selar pelos seus<br />

interesses”. 273<br />

Luciano Amaro 274 apresenta crítica à expressão “<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de<br />

terceiros”, na forma como é utilizado pelo Código Tributário Nacional, já que, para o<br />

doutrinador, “todo responsável tributário é um “terceiro”, no sentido de que não<br />

integra o binômio Fisco-Contribuinte (CTN, art. 128)”. No entanto, o Código<br />

Tributário Nacional dispõe sobre a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de terceiros, como se apenas<br />

nas hipóteses previstas pelos arts. 134 e 135 é que houvesse tais figuras.<br />

A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de terceiros surge a partir do momento em que o<br />

dever de pagar o crédito tributário passa para terceira pessoa completamente alheia<br />

ao vínculo tributário originário.<br />

6.3.1.1 Responsabili<strong>da</strong>de em razão de intervenção ou omissão: art. 134 do Código<br />

Tributário Nacional<br />

O primeiro artigo do Código Tributário Nacional que retrata<br />

especificamente a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de terceiros é o art. 134, que assim dispõe:<br />

273 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 625.<br />

274 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 309.


118<br />

Art. 134. Nos casos de impossibili<strong>da</strong>de de exigência do cumprimento<br />

<strong>da</strong> obrigação principal pelo contribuinte, respondem soli<strong>da</strong>riamente<br />

com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que<br />

forem responsáveis:<br />

I – os pais, pelos tributos devi<strong>dos</strong> por seus filhos menores;<br />

II – os tutores e curadores, pelos tributos devi<strong>dos</strong> por seus tutela<strong>dos</strong><br />

ou curatela<strong>dos</strong>;<br />

III – os <strong>administradores</strong> de bens de terceiros, pelos tributos devi<strong>dos</strong><br />

por estes;<br />

IV – o inventariante, pelos tributos devi<strong>dos</strong> pelo espólio;<br />

V – o síndico e o comissário, pelos tributos devi<strong>dos</strong> pela massa fali<strong>da</strong><br />

ou pelo concor<strong>da</strong>tário;<br />

VI – os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos<br />

tributos devi<strong>dos</strong> sobre os atos pratica<strong>dos</strong> por eles, ou perante eles,<br />

em razão do seu ofício;<br />

VII – os sócios, no caso de liqui<strong>da</strong>ção de socie<strong>da</strong>de de pessoas.<br />

Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de<br />

penali<strong>da</strong>des, às de caráter moratório.<br />

Os terceiros cita<strong>dos</strong> no artigo em epígrafe representam os incapazes<br />

(filhos, tutela<strong>dos</strong>, curatela<strong>dos</strong>), ou são man<strong>da</strong>tários (<strong>administradores</strong> de bens de<br />

terceiros, inventariantes, síndicos, comissários), ou órgãos de representação, ou<br />

delegatários de funções públicas (sócios de socie<strong>da</strong>des de pessoas, tabeliães,<br />

escrivães, serventuários), <strong>da</strong>í conseqüentemente, devem empregar o máximo de<br />

sua diligência no desempenho de suas funções de representação, administração ou<br />

fiscalização.<br />

Nesse contexto é que as pessoas cita<strong>da</strong>s são responsabiliza<strong>da</strong>s, ain<strong>da</strong><br />

que de forma subsidiária, pelo pagamento de tributos, desde que intervenham nos<br />

atos tributa<strong>dos</strong> ou cometam omissões <strong>dos</strong> deveres que lhes cabiam, nos termos <strong>da</strong><br />

lei fiscal.<br />

As disposições do art. 134 referem-se a obrigações relaciona<strong>da</strong>s a atos<br />

ou omissões de terceiros que, por tal razão, assumem a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária.<br />

Requer-se, portanto, que o terceiro tenha participado do ato tributado ou se omitido<br />

ante um dever que lhe incumbia, segundo a lei tributária.<br />

Cabe transcrever ensinamento de Fábio Fanucchi sobre o artigo em<br />

análise:<br />

Note-se que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> aqui estipula<strong>da</strong> não é total,<br />

inarredável. Não basta, por exemplo, que o filho menor deva um<br />

tributo para que o pai seja, necessária e obrigatoriamente chamado a<br />

satisfaze-lo. É preciso mais: que o pai tenha interferido no ato


119<br />

tributável ou que ele seja o responsável por omissões determinantes<br />

<strong>da</strong> cobrança tributária. Assim, também é para to<strong>dos</strong> os demais<br />

responsáveis acima enumera<strong>dos</strong>. 275<br />

A regra estipula<strong>da</strong> no artigo em epígrafe não institui uma soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de<br />

plena desde o início <strong>da</strong> obrigação, já que o Código Tributário Nacional estabelece<br />

que somente nos casos de impossibili<strong>da</strong>de de exigência do cumprimento <strong>da</strong><br />

obrigação principal pelo contribuinte é que os terceiros menciona<strong>dos</strong> no dispositivo<br />

legal se tornam soli<strong>da</strong>riamente obriga<strong>dos</strong>, juntamente com seus “representa<strong>dos</strong>”,<br />

pelos débitos fiscais destes e, ain<strong>da</strong> assim, relativamente aos atos que intervieram<br />

ou às omissões (culposas) pelas quais foram efetivamente responsáveis.<br />

No mesmo sentido é a opinião de Aliomar Baleeiro ao afirmar que “a<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de prevista nesse dispositivo pressupõe duas condições: a<br />

impossibili<strong>da</strong>de, naturalmente econômica de o contribuinte satisfazer seu débito, e a<br />

participação do terceiro, pai, tutor, etc., nos atos tributa<strong>dos</strong> ou nas omissões<br />

verifica<strong>da</strong>s. Há de existir essa relação de causa e efeito.” 276<br />

Do exposto, conclui-se que, nas hipóteses descritas pelo art. 134 do<br />

Código Tributário Nacional, quem responderá pelo crédito tributário em um primeiro<br />

momento será o contribuinte (devedor originário). No caso de o terceiro, arrolado<br />

pelo citado dispositivo, intervir em determinado ato ou se omitir no que for<br />

responsável, responderá pelo crédito tributário, desde que não seja possível a<br />

exigência do cumprimento <strong>da</strong> obrigação principal pelo contribuinte.<br />

Sacha Calmon 277 afirma que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong>s pessoas cita<strong>da</strong>s no<br />

artigo em análise deveria ser amplia<strong>da</strong>, para reforçar a função que desempenham.<br />

Eis a lição do consagrado professor:<br />

Os terceiros do art. 134 do CTN representam incapazes (filhos,<br />

tutela<strong>dos</strong>, curatela<strong>dos</strong>), ou são man<strong>da</strong>tários (<strong>administradores</strong> de<br />

bens de terceiros, inventariantes, síndicos, comissários), ou são<br />

órgãos de representação, ou delegatários de funções públicas<br />

(sócios de socie<strong>da</strong>des de pessoas, tabeliães, escrivães,<br />

serventuários). Conseqüentemente, devem estar à <strong>dos</strong> negócios e<br />

deveres <strong>dos</strong> seus, deles, dependentes e representa<strong>dos</strong>. Por outro<br />

lado, podem ser infiéis, negligentes, imperitos e insinceros em<br />

275 FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro, p. 257.<br />

276 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 753.<br />

277 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 626.


120<br />

desproveito <strong>dos</strong> que deles dependem. Deveriam ser mais<br />

responsabiliza<strong>dos</strong>. A re<strong>da</strong>ção do CTN é leniente. Deveriam, de<br />

ver<strong>da</strong>de, responder pelos seus atos, salvo justificação fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong><br />

de inadimplemento <strong>da</strong>s pessoas que representam. [...] Com isto se<br />

reforçariam sobremaneira os munus desses terceiros, que ficariam<br />

mais atentos e temerosos <strong>da</strong>s conseqüências de seus atos de<br />

gestão. 278<br />

Luciano Amaro 279 preleciona que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> prevista no art. 134 é<br />

subsidiária e não solidária, já que ela surge diante <strong>da</strong> impossibili<strong>da</strong>de de exigir o<br />

cumprimento <strong>da</strong> obrigação principal do contribuinte, ou seja, é previsto benefício de<br />

ordem, sendo este incompatível com a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, nos termos do art. 124,<br />

parágrafo único, do Código Tributário Nacional. 280 Afirma o autor:<br />

Anote-se que o próprio Código disse (art. 124, parágrafo único) que a<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de não comporta benefício de ordem (o que é óbvio); já o<br />

art. 134 claramente dispõe em contrário, o que infirma a<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de. Em suma, o dispositivo cui<strong>da</strong> de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> não<br />

solidária, e sim subsidiária, restrita às situações em que haja<br />

possibili<strong>da</strong>de de exigir-se o cumprimento <strong>da</strong> obrigação pelo próprio<br />

contribuinte. 281<br />

A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> defini<strong>da</strong> pelo art. 134 é subsidiária em relação à<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do contribuinte, já que o terceiro só responderá se não for possível<br />

o cumprimento <strong>da</strong> obrigação pelo devedor originário, e solidária em relação aos<br />

responsáveis entre si, caso exista mais de um deles no pólo passivo <strong>da</strong> obrigação.<br />

Aos terceiros cita<strong>dos</strong> no artigo em análise não é aplicável nenhuma<br />

penali<strong>da</strong>de, exceto as de caráter moratório, que sancionam o não-pagamento do<br />

tributo ou o pagamento dele a menor ou fora do prazo, conforme disposto no art. 134<br />

do Código Tributário Nacional.<br />

Aliomar Baleeiro afirma que a imposição de penali<strong>da</strong>des moratórias aos<br />

terceiros descritos no art. 134 decorre de “ato imputável ao próprio responsável<br />

278 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 626.<br />

279 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 309.<br />

280 “Art. 124. São soli<strong>da</strong>riamente obriga<strong>da</strong>s:<br />

I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador <strong>da</strong><br />

obrigação principal;<br />

II – as pessoas expressamente designa<strong>da</strong>s por lei.”<br />

Parágrafo único. A soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de referi<strong>da</strong> neste artigo não comporta benefício de ordem.”<br />

281 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 309.


121<br />

obrigado ao cumprimento tempestivo <strong>dos</strong> deveres de administração ou de<br />

fiscalização.” 282<br />

Dessa forma, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong>s pessoas arrola<strong>da</strong>s pelo art. 134 do<br />

Código Tributário Nacional, diante de disposição expressa <strong>da</strong> própria lei, 283 atinge<br />

exclusivamente o valor <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> originária, como os acréscimos exigi<strong>dos</strong> em razão<br />

<strong>da</strong> demora no pagamento do tributo, englobando, assim, o crédito tributário (dívi<strong>da</strong><br />

originária e multa moratória) e os ônus decorrentes do atraso no pagamento (juros<br />

de mora e correção monetária).<br />

6.3.1.2 Responsabili<strong>da</strong>de por excesso de poderes ou infração de lei, contrato social<br />

ou estatuto: art. 135 do Código Tributário Nacional<br />

O segundo artigo do Código Tributário Nacional, que retrata a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de terceiros, assim prescreve:<br />

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos<br />

correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos<br />

pratica<strong>dos</strong> com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social<br />

ou estatutos:<br />

I – as pessoas referi<strong>da</strong>s no artigo anterior;<br />

II – os man<strong>da</strong>tários, prepostos e emprega<strong>dos</strong>;<br />

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de<br />

direito privado.<br />

Primeiramente, cabe ressaltar que a incidência do disposto no art. 135 do<br />

Código Tributário Nacional está condiciona<strong>da</strong> à prática de um ato com excesso de<br />

poderes, infração à lei, ao contrato social ou estatuto de uma socie<strong>da</strong>de. Se não<br />

ocorrer um ato ilícito, não caberá a aplicação de tal dispositivo legal.<br />

A regra do art. 135 do Código Tributário Nacional agrava a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> terceiros, já que estes passam a responder de forma pessoal<br />

pelo débito. Além disso, a referi<strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> é estendi<strong>da</strong> a duas outras<br />

282 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 754.<br />

283 “Art. 134, parágrafo único: “O disposto neste artigo, só se aplica, em matéria de penali<strong>da</strong>des, às de<br />

caráter moratório.”


122<br />

categorias de responsáveis não menciona<strong>da</strong>s no art. 134 do citado diploma legal,<br />

quais sejam: os man<strong>da</strong>tários, prepostos ou emprega<strong>dos</strong> e os diretores, gerentes ou<br />

representantes de pessoas jurídicas de direito privado.<br />

Segundo Luciano Amaro, 284 para que ocorra a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de<br />

terceiro, defini<strong>da</strong> pelo art. 135, é preciso que o ato praticado pelo responsável<br />

“escape totalmente <strong>da</strong>s atribuições de gestão ou administração, o que<br />

freqüentemente se dá em situações nas quais o representado ou administrado é (no<br />

plano privado), assim como o Fisco (no plano público), vítima de ilicitude pratica<strong>da</strong><br />

pelo representante ou administrador”. 285<br />

Tendo em vista essa lição, tomaremos por ato praticado com excesso de<br />

poderes aquele realizado pelo terceiro (pessoas indica<strong>da</strong>s pelo art. 134 do Código<br />

Tributário Nacional, bem como os man<strong>da</strong>tários, prepostos, emprega<strong>dos</strong>, diretores,<br />

gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado), em nome <strong>da</strong><br />

pessoa representa<strong>da</strong>, que extrapole os limites <strong>dos</strong> poderes a ele atribuí<strong>dos</strong> para o<br />

exercício de suas respectivas funções.<br />

A infração à lei, por sua vez, em termos genéricos, consiste na<br />

contrarie<strong>da</strong>de a dispositivo legal. Aspecto importante a ser analisado posteriormente<br />

neste estudo diz respeito à possibili<strong>da</strong>de de o inadimplemento <strong>dos</strong> tributos ser<br />

considerado infração à lei, para fins de aplicação do disposto no art. 135 do Código<br />

Tributário Nacional.<br />

A infração ao contrato social ou estatuto diz respeito à violação ao ato<br />

constitutivo de uma socie<strong>da</strong>de. O ato constitutivo é que estabelece os poderes que<br />

devem ser concedi<strong>dos</strong> ao administrador, que irá, a partir de então, agir em nome <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de. Indica o documento, ain<strong>da</strong>, as diretrizes que devem ser segui<strong>da</strong>s na<br />

administração dessa socie<strong>da</strong>de, de modo que qualquer ato que contrarie seus<br />

dispositivos pode ser encarado como infração.<br />

Misabel Derzi, 286 ao analisar o art. 135 do CTN, ensina que o terceiro que<br />

age com dolo, contrariando a lei, o man<strong>da</strong>to, o contrato social ou estatuto, <strong>dos</strong> quais<br />

decorrem os seus deveres em relação ao contribuinte, torna-se o único responsável<br />

pelos tributos decorrentes <strong>da</strong>quela infração. É que o representante, o man<strong>da</strong>tário e o<br />

284 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 311.<br />

285 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 311.<br />

286 DERZI, Misabel. Atualização <strong>da</strong> obra de BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 755.


123<br />

administrador com poderes de decisão podem abusar <strong>dos</strong> poderes que têm, em<br />

detrimento <strong>dos</strong> interesses <strong>dos</strong> contribuintes, e, caso proce<strong>da</strong>m dessa forma, devem<br />

responder pela obrigação tributária de forma pessoal.<br />

Explicita essa doutrinadora 287 os requisitos necessários à aplicação do art.<br />

135, quais sejam: a prática de ato ilícito, dolosamente, pelas pessoas menciona<strong>da</strong>s<br />

no dispositivo; o ato ilícito como infração de lei, contrato social ou estatuto; e a<br />

atuação tanto <strong>da</strong> norma básica (que disciplina a obrigação tributária em sentido<br />

restrito) quanto <strong>da</strong> norma secundária (constante do art. 135 e que determina a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do terceiro pela prática do ilícito).<br />

Com base nos ensinamentos transcritos pode-se distinguir, então, o<br />

seguinte: na hipótese do art. 134 do Código Tributário Nacional, não se deve<br />

perquirir se o terceiro agiu dolosamente, em contrarie<strong>da</strong>de às normas de direito<br />

societário; basta que tenha contribuído para o inadimplemento, mediante ação ou<br />

omissão, e deverá responder subsidiariamente pela obrigação, na hipótese de<br />

insuficiência do patrimônio <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de contribuinte. Já no art. 135 do citado<br />

diploma legal, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária transfere-se para aquele que, dolosa e<br />

ilicitamente, deu causa à exação.<br />

Outro assunto a ser analisado diz respeito à extensão <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> descrita pelo artigo em análise às penali<strong>da</strong>des pecuniárias, ou<br />

seja, o responsável é devedor somente do tributo ou responde também pelas<br />

penali<strong>da</strong>des impostas pela lei tributária<br />

Bernardo Ribeiro de Moraes 288 esclarece que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal<br />

defini<strong>da</strong> no art. 135 do Código Tributário Nacional “será pelo crédito tributário<br />

resultante <strong>dos</strong> respectivos atos, abrangendo não apenas a dívi<strong>da</strong> decorrente do<br />

tributo, com os acréscimos decorrentes do tempo, e mais os acréscimos<br />

punitivos.” 289<br />

Antônio Carlos Diniz Murta 290 afirma que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> ora analisa<strong>da</strong><br />

é relativa aos créditos tributários, resultantes de atos pratica<strong>dos</strong> com excesso de<br />

poderes ou infração <strong>da</strong> lei, contrato social ou estatutos. Não realizando o artigo<br />

287 DERZI, Misabel. Atualização <strong>da</strong> obra de BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 757.<br />

288 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 523.<br />

289 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2, p. 523.<br />

290 MURTA, Antônio Carlos Diniz. Responsabili<strong>da</strong>de tributária <strong>dos</strong> sócios: socie<strong>da</strong>des por quotas de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 78.


124<br />

ressalva alguma à sua eficácia, tal <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> não se limita apenas ao valor<br />

do crédito, abrangendo quaisquer penali<strong>da</strong>des e obrigações acessórias.<br />

Neste trabalho adotou-se o entendimento de que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

defini<strong>da</strong> no art. 135 do Código Tributário Nacional será pelo crédito tributário<br />

decorrente do tributo, com os acréscimos decorrentes do tempo e mais os<br />

acréscimos punitivos, já que o artigo não faz ressalva de que sua eficácia se limita<br />

apenas ao valor <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> decorrente do tributo.


125<br />

7 RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DOS ADMINISTRADORES DA<br />

SOCIEDADE LIMITADA<br />

7.1 Interpretando o art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional<br />

Este capítulo se destina ao estudo <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do administrador<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> tendo em vista a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária defini<strong>da</strong> pelo art.<br />

135, inciso III, do Código Tributário Nacional, que assim dispõe:<br />

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos<br />

correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos<br />

pratica<strong>dos</strong> com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social<br />

ou estatutos:<br />

[...];<br />

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de<br />

direito privado.<br />

Questão principal a ser analisa<strong>da</strong> diz respeito aos limites <strong>da</strong><br />

responsabilização pessoal do administrador em virtude <strong>da</strong> falta de recolhimento <strong>dos</strong><br />

tributos devi<strong>dos</strong> pela limita<strong>da</strong>, ou seja, o inadimplemento tributário é considerado<br />

infração à lei para fins do disposto no art. 135, III, do Código Tributário Nacional<br />

Assim, procurou-se identificar se tal conduta está abrangi<strong>da</strong> pelo supracitado<br />

dispositivo legal.<br />

7.2 Espécie de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

Tendo em vista a leitura do caput do art. 135 do Código Tributário<br />

Nacional (“são pessoalmente responsáveis”), é importante, em um primeiro<br />

momento, definir a espécie de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> que ele veicula.<br />

Segundo Sacha Calmon, Navarro Coelho, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> defini<strong>da</strong><br />

pelo citado art. 135 é pessoal e exclusiva <strong>da</strong>s pessoas por ele elenca<strong>da</strong>s:


126<br />

A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> passa a ser pessoal, plena e exclusiva desses<br />

terceiros. Isto ocorrerá quando eles procederem com manifesta<br />

malícia (mala fides) contra aqueles que representam, to<strong>da</strong> vez que<br />

for constata<strong>da</strong> a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes<br />

ou com infração de lei, contrato social ou estatuto. O regime<br />

agravado de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária previsto no artigo estendese,<br />

é óbvio, peremptoriamente, àquelas duas categorias de<br />

responsáveis previstas no rol <strong>dos</strong> incisos II e III (man<strong>da</strong>tários,<br />

prepostos, emprega<strong>dos</strong> e os diretores, gerentes e representantes de<br />

pessoas jurídicas de Direito Privado). O dispositivo tem razão em ser<br />

rigoroso, já que ditos responsáveis terão agido sempre de má-fé,<br />

merecendo, por isso mesmo, o peso inteiro <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

tributária decorrente de seus atos, desde que tirem proveito pessoal<br />

<strong>da</strong> infração, contra as pessoas jurídicas e em detrimento do Fisco. 291<br />

Para Aliomar Baleeiro, 292 a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> defini<strong>da</strong> pelo art. 135<br />

configura hipótese de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> por substituição, já que as pessoas<br />

elenca<strong>da</strong>s pelo citado dispositivo do Código Tributário Nacional passam a ser os<br />

responsáveis no lugar do contribuinte. Eis a lição do renomado doutrinador: “O caso,<br />

diferentemente do anterior, não é apenas de soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, mas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

por substituição. As pessoas indica<strong>da</strong>s no art. 135 passam a ser os responsáveis ao<br />

invés do contribuinte.” 293<br />

Misabel Abreu Machado Derzi 294 compartilha o entendimento de que a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> defini<strong>da</strong> pelo art. 135 do Código Tributário Nacional é pessoal e<br />

por substituição. Segundo a autora, o art. 135 transfere o débito, nascido em nome<br />

do contribuinte, exclusivamente para o responsável, que o substitui. O motivo para a<br />

liberação do contribuinte, que não integra o pólo passivo nas hipóteses elenca<strong>da</strong>s<br />

pelo art. 135, está no fato de que os créditos ali menciona<strong>dos</strong> correspondem a<br />

obrigações tributárias resultantes de atos pratica<strong>dos</strong> com excesso de poderes ou<br />

infração de lei, contrato social ou estatutos.<br />

José Otávio de Vianna Vaz 295 afirma que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> estipula<strong>da</strong><br />

pelo citado artigo é substitutiva e não por transferência, já que a transferência<br />

291 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro, p. 628.<br />

292 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 755.<br />

293 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. p. 755.<br />

294 DERZI, Misabel de Abreu Machado. Atualização <strong>da</strong> obra de BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário<br />

brasileiro, p. 756.<br />

295 VAZ, José Otávio de Vianna. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> de socie<strong>da</strong>de no<br />

código tributário nacional, p. 120.


127<br />

pressupõe um fato posterior à ocorrência do fato gerador para que esta se verifique.<br />

Para o autor, isso não ocorre no dispositivo legal em análise. Ocorrido o ilícito e<br />

determinando a lei que o agente respon<strong>da</strong> por ele, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> já surge<br />

contra o agente (obrigação tributária originária, característica <strong>da</strong> substituição), sem<br />

nunca ter surgido contra o contribuinte, fato pelo qual não existe a figura do devedor<br />

original, cuja obrigação seria transferi<strong>da</strong> ao responsável.<br />

Leonardo Nunes Marques 296 afirma que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> defini<strong>da</strong> pelo<br />

art. 135 do Código Tributário Nacional é pessoal:<br />

Já de antemão é possível registrar que o aludido dispositivo não<br />

concebe regra instituidora de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> solidária, mas sim de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal. A re<strong>da</strong>ção do texto legal não deixa<br />

dúvi<strong>da</strong>s.<br />

A mensagem que se extrai <strong>da</strong> simples leitura <strong>da</strong> lei é incontestável. O<br />

dispositivo diz que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> é pessoal. A lei não fala em<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de ou subsidiarie<strong>da</strong>de, apenas em pessoali<strong>da</strong>de. Nestes<br />

termos, e levando-se em conta que o art. 265 do CC esclarece que a<br />

soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de não se presume, resulta <strong>da</strong> lei ou <strong>da</strong> vontade <strong>da</strong>s<br />

partes, e no âmbito do Direito Tributário apenas a lei possui o condão<br />

de dispor sobre <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, visto que a vontade <strong>da</strong>s partes é<br />

irrelevante nessa matéria (art. 123 do CTN), conclui-se que, para a<br />

aplicação <strong>da</strong> soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de, seria necessário existir menção expressa<br />

do art. 135 do CTN neste sentido, o que não se verifica. 297<br />

Afirma o autor, 298 ain<strong>da</strong>, que tal <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> já nasce sendo do<br />

terceiro, ou seja, a pessoa jurídica em momento algum tem o dever de pagar. Assim,<br />

não há a exclusão <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de pelo pagamento do tributo. A<br />

pessoa jurídica em momento algum possui o dever de pagar, razão pela qual não há<br />

que se falar em transferência. O legislador, com a elaboração do art. 135, III, do<br />

Código Tributário Nacional, pretendeu responsabilizar aquele que objetiva <strong>da</strong>r à<br />

pessoa jurídica fins ilícitos ou contrários à sua finali<strong>da</strong>de social.<br />

296 MARQUES, Leonardo. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> membros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelas obrigaçãoes<br />

tributárias e o novo código civil. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 67.<br />

297 MARQUES, Leonardo Nunes. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> membros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelas<br />

obrigaçãoes tributárias e o novo código civil. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 67.<br />

298 MARQUES, Leonardo Nunes. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> membros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelas<br />

obrigaçãoes tributárias e o novo código civil. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 68.


128<br />

Na conceitua<strong>da</strong> opinião de Luciano Amaro, 299 esse dispositivo legal exclui<br />

a figura do contribuinte do pólo passivo <strong>da</strong> obrigação tributária, ao dispor que o<br />

executor do ato respon<strong>da</strong> “pessoalmente”. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal deve ter o<br />

sentido “de que ela não é compartilha<strong>da</strong> com o devedor ‘original’ ou ‘natural’”. 300 Não<br />

se trata, assim, de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> subsidiária ou solidária do terceiro. Somente o<br />

terceiro responde, de forma pessoal.<br />

Antônio Carlos Diniz Murta 301 afirma que o art. 135 do Código Tributário<br />

Nacional apresenta uma <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária substitutiva, excluindo-se,<br />

segundo a maioria <strong>dos</strong> doutrinadores, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> contribuintes.<br />

O Superior Tribunal de Justiça manifesta-se no sentido de que a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> defini<strong>da</strong> pelo art. 135, III, do Código Tributário Nacional é espécie<br />

de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> por substituição, conforme se depreende <strong>dos</strong> seguintes<br />

julga<strong>dos</strong>:<br />

[...] De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios<br />

(diretores, gerentes ou representantes <strong>da</strong> pessoa jurídica) são<br />

responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a<br />

obrigações tributárias resultantes <strong>da</strong> prática de ato ou fato eivado de<br />

excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou<br />

estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN.<br />

O dispositivo supra-referido trata, portanto, <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> por<br />

substituição. Aqueles que representam a socie<strong>da</strong>de e agem de má-fé<br />

merecem, por inteiro, o peso <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária<br />

decorrente de atos pratica<strong>dos</strong> sob essas circunstâncias [...]. (STJ –<br />

AgRg no Ag 453176/SP – Rel. Min. José Delgado – 1ª T. –<br />

Unanimi<strong>da</strong>de, j. 24/9/2002, DJ 21/10/2002, p. 320, grifos nossos.)<br />

[...] No mérito, esta Corte fixou o entendimento que o simples<br />

inadimplemento <strong>da</strong> obrigação tributária não caracteriza infração legal<br />

capaz de ensejar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> prevista no art. 135, III, do<br />

Código Tributário Nacional. Entretanto, os sócios (diretores, gerentes<br />

ou representantes <strong>da</strong> pessoa jurídica) são responsáveis, por<br />

substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias<br />

quando há dissolução irregular <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de ou se comprova a<br />

prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou de infração<br />

de lei, contrato social ou estatutos [...]. (STJ. EREsp. 260107/RS –<br />

Rel. Min. José Delgado – 1ª Seção, j. 10/3/2004, DJ 19/4/2004 p.<br />

149, grifos nossos.)<br />

299 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 310-311.<br />

300 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 311.<br />

301 MURTA, Antônio Carlos Diniz. Responsabili<strong>da</strong>de tributária <strong>dos</strong> sócios: socie<strong>da</strong>des por quotas de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, p. 76.


129<br />

[...] Outrossim, este Tribunal firmou o entendimento de que os sóciosgerentes<br />

são responsáveis, por substituição, pelos créditos<br />

referentes a obrigações tributárias decorrentes <strong>da</strong> prática de ato ou<br />

fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato<br />

social ou estatutos, ou quando tenha ocorrido a dissolução irregular<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, comprova<strong>da</strong>, porém, a culpa. Por isso, o simples<br />

inadimplemento de obrigações tributárias e a alegação de que a<br />

socie<strong>da</strong>de foi dissolvi<strong>da</strong> irregularmente, mas sem comprovação, não<br />

caracteriza infração legal. [...] (STJ – REsp. 724077/SP – Rel. Min.<br />

Francisco Peçanha Martins – 2ª Turma – Unanimi<strong>da</strong>de, j.<br />

20/10/2005, DJ 21/11/2005, grifos nossos.)<br />

[...] De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios<br />

(diretores, gerentes ou representantes <strong>da</strong> pessoa jurídica) são<br />

responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a<br />

obrigações tributárias resultantes <strong>da</strong> prática de ato ou fato eivado de<br />

excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou<br />

estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN. O referido dispositivo<br />

trata, pois, <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> por substituição. Aqueles que<br />

representam a socie<strong>da</strong>de e agem de má-fé merecem, por inteiro, o<br />

peso <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária decorrente de atos pratica<strong>dos</strong><br />

sob essas circunstâncias. (STJ – AgRg no Ag 684639/MS – Rel. Min.<br />

José Delgado – 1ª Turma – Unanimi<strong>da</strong>de, j. 6/9/2005, DJ 17/10/2005,<br />

p. 189, grifos nossos.) 302<br />

Leonardo Nunes Marques 303 adverte que, apesar de menciona<strong>da</strong>, na<br />

maioria <strong>dos</strong> julga<strong>dos</strong>, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do sócio como “substitutiva”, o Superior<br />

Tribunal de Justiça caracteriza, por vezes, tal <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> como solidária e, por<br />

outras, até como subsidiária. Nesse sentido a cita<strong>da</strong> Corte, em alguns julga<strong>dos</strong>,<br />

acresceu aos requisitos do art. 135 a exigência de prévio esgotamento do patrimônio<br />

social, o que caracteriza a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> em comento como subsidiária. Cabe<br />

trazer à baila acórdão que traduz essa forma de entendimento citado pelo<br />

mencionado autor:<br />

Tributário e processual civil. Agravo regimental. Execução fiscal.<br />

Responsabili<strong>da</strong>de. Sócio-gerente. Limites. Art. 135, III, do CTN.<br />

Necessi<strong>da</strong>de de comprovação do fisco de violação à lei.<br />

Precedentes.<br />

1. Agravo regimental contra decisão negou seguimento ao Especial<br />

<strong>da</strong> parte agravante.<br />

302 Disponível em: http://www.stj.gov.br. Acesso em: 7 out. 2006.<br />

303 MARQUES, Leonardo Nunes. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> membros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelas<br />

obrigaçãoes tributárias e o novo código civil. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 66.


130<br />

2. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não<br />

respondem, em caráter solidário, por dívi<strong>da</strong>s fiscais assumi<strong>da</strong>s pela<br />

socie<strong>da</strong>de. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária imposta por sócio-gerente,<br />

administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há<br />

dissolução irregular <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de ou se comprova infração à lei<br />

pratica<strong>da</strong> pelo dirigente.<br />

3. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal.<br />

Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou<br />

infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária do ex-sócio a esse título ou a título de<br />

infração legal. Inexistência de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária do ex-sócio.<br />

Precedentes desta Corte Superior.<br />

4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou<br />

entendimento no sentido de que o simples inadimplemento não<br />

caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido<br />

com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos,<br />

não há falar-se em <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária do ex-sócio a esse<br />

título ou a título de infração legal.<br />

5. ‘A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária substituta prevista no art. 135, III, do<br />

CTN, imposta ao sócio-gerente, ao administrador ou ao diretor de<br />

empresa comercial depende <strong>da</strong> prova, a cargo <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong> Estadual,<br />

<strong>da</strong> prática de atos de abuso de gestão ou de violação <strong>da</strong> lei ou do<br />

contrato e <strong>da</strong> incapaci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de solver o débito fiscal.’<br />

(AgReg no AG n. 246475/DF – 2ª Turma – Rel. Min. Nancy AndrighI,<br />

DJ 1/8/2000)<br />

6. Precedentes <strong>da</strong>s egrégias 1ª Seção e 1ª e 2ª Turmas desta Corte<br />

Superior.<br />

7. Precedentes cita<strong>dos</strong>, não obstante o respeito a eles reverenciado,<br />

que não transmitem a posição deste relator. A convicção sobre o<br />

assunto continua a mesma e intensa.<br />

8. Agravo regimental não provido. (STJ – AgRg no REsp. 557483/MT<br />

– Rel. Min. José Delgado. 1ª Turma – Unanimi<strong>da</strong>de, 4/11/2003, publ.<br />

DJ 19/12/2003., grifos nossos) 304<br />

Assim, o citado doutrinador conclui sua observação afirmando que o<br />

Superior Tribunal de Justiça, embora contribua para a pacificação de certas<br />

questões, “deixa outras tantas ao alvedrio de discussões doutrinárias, <strong>da</strong><strong>da</strong> a<br />

diversi<strong>da</strong>de de posturas adota<strong>da</strong>s pelos órgãos <strong>da</strong>quela mesma Corte de Justiça,<br />

bem como em razão de, muitas vezes, não se portar com a correção técnica ou a<br />

precisão necessárias.” 305<br />

Embora o entendimento dominante, tanto na doutrina quanto na<br />

jurisprudência, seja o de que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> defini<strong>da</strong> pelo art. 135, III, do Código<br />

Tributário Nacional configure hipótese de substituição, deve-se ressaltar que há<br />

304 Disponível em http://www.stj.gov.br. Acesso em: 3 nov. 2006.<br />

305 MARQUES, Leonardo Nunes. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> membros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelas<br />

obrigaçãoes tributárias e o novo código civil. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 67.


131<br />

posições contrárias. Nesse sentido, é que Hugo de Brito Machado 306 afirma que a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> defina pelo art. 135 não é forma de substituição, uma vez que a<br />

exclusão do contribuinte do pólo passivo <strong>da</strong> obrigação tributária deveria estar<br />

prevista de forma expressa pela lei. Segundo o autor, a lei diz que os terceiros<br />

indica<strong>dos</strong> são pessoalmente responsáveis, mas não diz que sejam os únicos. A<br />

exclusão <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> teria de ser expressa.<br />

Segundo Ricardo Lobo Torres, 307 nos moldes <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

defini<strong>da</strong> pelo art. 135 existe a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de ab initio, e o responsável se coloca junto<br />

do contribuinte desde a ocorrência do fato gerador. Nesses casos, não importa se o<br />

contribuinte tenha ou não patrimônio para responder pela obrigação tributária. A<br />

Fazen<strong>da</strong> credora pode dirigir a execução contra o contribuinte ou o responsável.<br />

Itamar Gaino, 308 em estudo sobre a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong><br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, entende que o art. 135 do Código Tributário Nacional<br />

configura o fenômeno <strong>da</strong> transferência <strong>da</strong> obrigação tributária. Nasci<strong>da</strong> de um fato<br />

gerador praticado pelo contribuinte, a obrigação é imputa<strong>da</strong> ao terceiro, qualificado<br />

como responsável. Tal transferência não implica a substituição do contribuinte pelo<br />

responsável, de modo a desaparecer a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> originária do contribuinte.<br />

Dessa forma, subsiste a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> entre eles, sendo a do sócio-gerente de<br />

natureza subsidiária.<br />

Para comprovar os seus argumentos, Itamar Gaino 309 afirma que a<br />

finali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> norma do art. 135, III, do CTN não é outra senão a de estabelecer<br />

comodi<strong>da</strong>de e garantia <strong>da</strong> arreca<strong>da</strong>ção <strong>dos</strong> tributos. Assim, não é plausível a<br />

exclusão <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do contribuinte, pois isso poderia significar a<br />

diminuição <strong>da</strong> garantia de solvência do crédito tributário. Além disso, a exclusão <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do contribuinte deveria ser feita de forma expressa pela norma.<br />

Fernando Osório de Almei<strong>da</strong> Júnior e Simone Franco Di Ciero, 310<br />

acrescentam que o contribuinte não deixa de responder pelo tributo, assim, a<br />

306 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 133.<br />

307 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, p. 227-228.<br />

308 GAINO, Itamar. Responsabili<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> sócios na socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, p. 33-41.<br />

309 GAINO, Itamar. Responsabili<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> sócios na socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, p. 33-41.<br />

310 ALMEIDA JÚNIOR, Fernando Osório de; CIERO, Simoni Franco di. É possível a exclusão <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária de pessoa jurídica e a inclusão de seus <strong>administradores</strong> em face <strong>da</strong><br />

mera ausência de pagamento de tributos O que diz o Superior Tribunal de Justiça. Revista<br />

Dialética de Direito Tributário, p. 76.


132<br />

socie<strong>da</strong>de-contribuinte e o administrador dessa socie<strong>da</strong>de, nas hipóteses descritas<br />

pelo citado artigo, ocupam o pólo passivo <strong>da</strong> obrigação tributária. Tal entendimento<br />

pode ser inferido a partir do seguinte texto:<br />

A socie<strong>da</strong>de-contribuinte não deixa de continuar obriga<strong>da</strong> ao<br />

pagamento do tributo, porquanto – e por outro lado – ain<strong>da</strong> que se<br />

possa dizer que tais atos realiza<strong>dos</strong> com excesso de poder pelos<br />

seus gerentes não constituem um ato desejado pela socie<strong>da</strong>de, a<br />

mesma responderá em face de terceiros pelo fato de assumir o risco<br />

pela nomeação <strong>dos</strong> seus <strong>administradores</strong>. E se nomeou mal, não<br />

pode se eximir <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de pagar tributo perante a<br />

Fazen<strong>da</strong> Pública. 311<br />

Sérgio André Rocha Gomes <strong>da</strong> Silva, 312 manifesta-se contrário ao<br />

entendimento mencionado, ao afirmar que considerações sobre a culpa in eligendo<br />

<strong>da</strong>s pessoas jurídicas de direito privado ou <strong>dos</strong> man<strong>da</strong>ntes pela escolha de seus<br />

representantes legais devem orientar o legislador no momento anterior ao <strong>da</strong><br />

elaboração <strong>da</strong>s leis. No entanto, se ele optar por atribuir <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> por<br />

substituição, como de fato ocorreu no art. 135 do Código Tributário Nacional, não há<br />

que se falar em co-responsabilização do contribuinte pelo débito tributário.<br />

Tendo em vista a doutrina e a jurisprudência apresenta<strong>da</strong>s, constata-se<br />

que o entendimento dominante é de que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> defini<strong>da</strong> pelo art. 135 do<br />

Código Tributário Nacional é atribuí<strong>da</strong> às pessoas nele arrola<strong>da</strong>s que agiram com<br />

excesso de poderes ou com infração legal, contratual ou estatutária, excluindo<br />

desses atos o sujeito passivo originário, em nome do qual tais atos foram pratica<strong>dos</strong>.<br />

Uma vez estabelecido pelo legislador que aqueles sujeitos cita<strong>dos</strong> pelo<br />

art. 135 do Código Tributário Nacional são substitutos tributários em relação aos<br />

valores que tenham deixado de ser recolhi<strong>dos</strong> aos cofres públicos em razão de ato<br />

seu, praticado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou<br />

estatutos, não há que se falar mais em co-responsabilização do contribuinte, uma<br />

311 ALMEIDA JÚNIOR, Fernando Osório de; CIERO, Simoni Franco di. É possível a exclusão <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária de pessoa jurídica e a inclusão de seus <strong>administradores</strong> em face <strong>da</strong><br />

mera ausência de pagamento de tributos O que diz o Superior Tribunal de Justiça. Revista<br />

Dialética de Direito Tributário, p. 76.<br />

312 SILVA, Sérgio André Rocha Gomes <strong>da</strong>. Responsabili<strong>da</strong>de pessoal <strong>dos</strong> sócios por dívi<strong>da</strong>s fiscais<br />

<strong>da</strong> pessoa jurídica. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 127.


133<br />

vez que o legislador optou, expressamente, por excluí-lo <strong>da</strong> relação jurídica<br />

tributária.<br />

Nesse sentido, com a devi<strong>da</strong> venia, faz-se necessário tecer uma crítica ao<br />

sistema adotado para a imposição <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> estabeleci<strong>da</strong> no art. 135 do<br />

Código Tributário Nacional. O que se pode observar em alguns <strong>dos</strong> julga<strong>dos</strong> sobre a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária, é uma atribuição de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> subsidiária, em<br />

que se aguar<strong>da</strong> a inadimplência <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, para depois, requerer a substituição<br />

do contribuinte pelo responsável. Pela compreensão do art. 135 do Código Tributário<br />

Nacional, observa-se não ser essa, a forma mais acerta<strong>da</strong> para agir, visto que,<br />

examina<strong>da</strong> a prática <strong>dos</strong> atos descritos na norma, já é possível realizar a cobrança<br />

pessoal, de forma direta, do responsável tributário.<br />

As pessoas indica<strong>da</strong>s no art. 135 respondem como se fossem os<br />

realizadores <strong>da</strong> obrigação tributária principal. A justificativa para a liberação do<br />

sujeito passivo originário, que passa a não integrar o pólo passivo <strong>da</strong> lide, nas<br />

hipóteses do art. 135, está no fato de que os créditos ali menciona<strong>dos</strong> correspondem<br />

a "obrigações resultantes de atos pratica<strong>dos</strong> com excesso de poderes ou infração de<br />

lei, contrato ou estatuto".<br />

Pode-se vislumbrar que o responsável age com dolo, contrariando a lei, o<br />

man<strong>da</strong>to, o contrato social ou estatuto, <strong>dos</strong> quais decorrem os seus deveres em<br />

relação ao contribuinte, de representação e administração, apresentando-se como o<br />

único responsável pelos tributos decorrentes <strong>da</strong>quela obrigação.<br />

Assim, de acordo com a mais abaliza<strong>da</strong> doutrina, 313 pode-se afirmar que a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de terceiros, prevista no art. 135 do Código Tributário Nacional,<br />

exclui a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> contribuintes, sendo pessoal e exclusiva <strong>da</strong>queles.<br />

Outra crítica que deve ser feita à re<strong>da</strong>ção do art. 135 do Código Tributário<br />

Nacional diz respeito à previsão de que as obrigações tributárias devam ser<br />

resultantes de atos pratica<strong>dos</strong> com excesso de poderes ou infração de lei, contrato<br />

social ou estatutos. Caso realiza<strong>da</strong> uma interpretação gramatical do citado artigo, o<br />

ato ilícito praticado pelo responsável tributário seria, obrigatoriamente, o fato gerador<br />

313 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro, p. 755; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso<br />

de direito tributário brasileiro, p. 627; AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, p. 311. DERZI,<br />

Misabel de Abreu Machado. Atualização <strong>da</strong> obra de BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário<br />

brasileiro, p. 756.


134<br />

<strong>da</strong> obrigação tributária. Caso contrário, não restaria caracteriza<strong>da</strong> tal mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong>de de<br />

responsanbili<strong>da</strong>de de terceiro. Discor<strong>da</strong>-se de tal forma de interpretação.<br />

O contribuinte é aquele que pratica ou possui relação direta com o fato<br />

gerador <strong>da</strong> obrigação tributária, no entanto a lei pode atribuir a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pelo<br />

cumprimento de tal obrigação a uma terceira pessoa, qual seja, o responsável<br />

tributário. Ora, o próprio Código Tributário Nacional dispõe que o responsável<br />

tributário não apresenta relação pessoal e direta com o fato gerador <strong>da</strong> obrigação<br />

tributária, pois tal papel cabe ao contribuinte. Assim, quem pratica o fato gerador <strong>da</strong><br />

obrigação tributária é o contribuinte; no caso em análise, a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>. No<br />

entanto, <strong>da</strong>do o cometimento de um ato ilícito pelo administrador, este se tornará<br />

responsável, pessoalmente, pelo crédito tributário. É o que ocorre, por exemplo, na<br />

dissolução irregular <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, já que em decorrência de uma conduta<br />

fraudulenta do administrador este responderá pelas obrigações tributárias. No<br />

entanto, a dissolução irregular <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de não é fato gerador de obrigação<br />

tributária.<br />

O importante é vislumbrar que não é necessário, para caracterização <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> em comento, que o ato ilícito correspon<strong>da</strong> ao fato gerador <strong>da</strong><br />

obrigação tributária, pois, caso adota<strong>da</strong> uma interpretação literal do art. 135 do CTN,<br />

reduzir-se-iam demasia<strong>da</strong>mente as hipóteses de responsabilização do administrador<br />

que age de forma ilegal ou contrária aos interesses do ente social. O administrador<br />

comete uma ilicitude no desempenho de suas atribuições funcionais e por isso a<br />

pessoa jurídica se torna inadimplente perante o Fisco, o que acarretará a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal <strong>da</strong>quele.<br />

7.3 Elementos característicos<br />

É necessário esclarecer, inicialmente, quais as pessoas que podem ser<br />

chama<strong>da</strong>s a responder pessoalmente pelo débito tributário, consoante o disposto no<br />

art. 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, uma vez que sua re<strong>da</strong>ção não<br />

parece permitir a responsabilização de todo e qualquer membro de pessoa jurídica


135<br />

de direito privado, mas somente aquele que possuir poderes de administração ou<br />

representação <strong>da</strong> mesma.<br />

Nesse sentido é a lição de Hugo de Brito Machado ao afirmar que a<br />

simples condição de sócio não acarreta a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> prevista no art. 135 do<br />

Código Tributário Nacional. Eis a lição do renomado doutrinador:<br />

Destaque-se desde logo que a simples condição de sócio não implica<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária. O que gera a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, nos<br />

termos do art. 135, III, do CTN, é a condição de administrador de<br />

bens alheios. Por isto a lei fala em diretores, gerentes ou<br />

representantes. Não em sócios. Assim, se o sócio não é diretor, nem<br />

gerente, isto é, se não pratica atos de administração <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> não tem pelos débitos tributários desta. 314<br />

O autor 315 ain<strong>da</strong> preleciona que não é suficiente que o responsável seja<br />

administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, pois é preciso “que o débito tributário em questão<br />

resulte de ato praticado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social<br />

ou estatutos.” 316<br />

O administrador é aquele que direciona os negócios <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

empresária, levando-a a praticar atos necessários à realização de seu objeto social,<br />

conforme demonstrado no Capítulo II. Dessa forma, o administrador <strong>da</strong> limita<strong>da</strong> é<br />

quem pode conduzir a socie<strong>da</strong>de à prática de atos infringentes <strong>da</strong> lei, do contrato<br />

social ou de seus estatutos.<br />

Cumpre trazer à baila lição de Leonardo Nunes Marques 317 sobre as<br />

pessoas responsabiliza<strong>da</strong>s no art. 135, III, do Código Tributário Nacional:<br />

Por fim, é importante que seja frisado que não é todo e qualquer<br />

membro <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de que pode ser responsabilizado pelo<br />

cumprimento <strong>da</strong> obrigação tributária. Apenas o sócio-gerente, e não<br />

qualquer sócio, mesmo que majoritário. A re<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> lei é clara e<br />

não comporta ampliações. Até porque apenas estes são capazes de<br />

praticar os atos que fazem surgir a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pelo pagamento<br />

do tributo, conforme se verá.<br />

314 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 131.<br />

315 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 131.<br />

316 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário, p. 131.<br />

317 MARQUES, Leonardo Nunes. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> membros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelas<br />

obrigações tributárias e o novo código civil. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 69.


136<br />

O sócio-gerente é aquele responsável por direcionar os negócios <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de, levando-a a praticar os atos necessários ao alcance de<br />

seu objetivo social. Dessa forma, é justamente o sócio-gerente quem<br />

pode conduzir a empresa à prática doa atos infringentes à lei,<br />

decorrentes de abuso de poderes ou violadores do contrato social.<br />

Cumpre ressaltar, conforme já analisado neste trabalho, que o novo<br />

Código Civil permite que a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> seja administra<strong>da</strong> por pessoa que não<br />

integre seus quadros sociais. Assim, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> defini<strong>da</strong> pelo art. 135, III, do<br />

Código Tributário Nacional pode ser atribuí<strong>da</strong> a indivíduo não sócio que exerça a<br />

função de administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>.<br />

Necessário se faz que esteja o responsável tributário na administração <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de à época <strong>da</strong> prática do ato ilícito. É necessário que o responsável esteja<br />

investido <strong>da</strong> função de administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de à época do ato ilícito, não<br />

bastando a simples condição de sócio. Não responde pelo débito fiscal <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

o administrador que dela já se tenha retirado regularmente quando <strong>da</strong> prática <strong>da</strong><br />

infração. Esse também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, conforme<br />

se pode depreender <strong>da</strong> análise <strong>dos</strong> seguintes julga<strong>dos</strong>:<br />

[...] É entendimento pacífico do STJ o de que a dissolução irregular<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de devedora constitui hipótese que caracteriza a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de terceiros, nomea<strong>da</strong>mente <strong>dos</strong> sócios-gerentes,<br />

pelos débitos tributários pendentes, nos termos do art. 135, inciso III,<br />

do CTN.<br />

Neste sentido: AGRESP 643.918/PR, 1a T, Min. Teori Albino<br />

Zavascki, DJ de 16/5/05; MC 8.273/MT, 1ª T. Min. Luiz Fux, DJ<br />

30/9/2004; AGRESP 715.815/RS, 1ª T., Min. Luiz Fux, DJ 20/6/2005;<br />

RESP 462.440/RS, 2ª T., Min. Franciulli Netto, DJ 8/10/2004, este<br />

último ementado nos seguintes termos:<br />

Recurso especial – Alínea ‘a’ – Tributário – Execução fiscal –<br />

Dissolução irregular <strong>da</strong> empresa – Redirecionamento <strong>da</strong> execução<br />

Contra os sócios – Possibili<strong>da</strong>de – Precedentes.<br />

A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do sócio-gerente, em relação às dívi<strong>da</strong>s fiscais<br />

contraí<strong>da</strong>s por esta, somente se afirma se aquele, no exercício <strong>da</strong><br />

gerência ou de outro cargo na empresa, abusou do poder ou infringiu<br />

a lei, o contrato social ou estatuto, a teor do que dispõe a lei tributária<br />

(art. 135 do Código Tributário Nacional), ou, ain<strong>da</strong>, se a socie<strong>da</strong>de foi<br />

dissolvi<strong>da</strong> irregularmente.<br />

‘Havendo indícios de que a empresa encerrou irregularmente suas<br />

ativi<strong>da</strong>des, é possível redirecionar a execução ao sócio, a quem cabe<br />

provar o contrário em sede de embargos à execução, e não pela<br />

estreita via <strong>da</strong> exceção de pré-executivi<strong>da</strong>de.’ (AGA 561854/SP,


137<br />

Teori Albino Zavascki, DJU 19/4/2004.) Vide também: REsp.<br />

474.105/SP, Relator Min. Eliana Calmon, DJU 19/12/2003.<br />

Recurso especial provido.<br />

3. Contudo, o STJ também firmou orientação no sentido de que os<br />

sócios quotistas, se não praticaram atos de gestão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,<br />

não podem ser responsabiliza<strong>dos</strong> na forma <strong>dos</strong> arts. 134, VII, e 135,<br />

III, do CTN, respondendo, apenas, pelo capital não integralizado <strong>da</strong><br />

pessoa jurídica. Nesse sentido os seguintes precedentes:<br />

‘Tributário e processual civil. Agravo regimental contra decisão que<br />

negou seguimento a embargos de divergência em recurso especial.<br />

Socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>. Dissolução. Sócio-gerente. Responsabili<strong>da</strong>de<br />

tributária. Limites. Precedentes.<br />

1. Agravo Regimental interposto contra decisão que, com base na<br />

jurisprudência remansosa desta Casa, entendeu não emprestar<br />

caminha<strong>da</strong> a EREsp., negando-lhe, assim, seguimento.<br />

2. Cui<strong>da</strong> o presente caso de se buscar definição acerca <strong>da</strong><br />

possibili<strong>da</strong>de de se cobrar integralmente de ex-sócio de uma<br />

empresa tributo por ela não recolhido, quando o mesmo já não<br />

exercia mais atos de administração <strong>da</strong> mesma, reclamando-se<br />

ofensa ao art. 135, do CTN.<br />

3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios<br />

(diretores, gerentes ou representantes <strong>da</strong> pessoa jurídica) são<br />

responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a<br />

obrigações tributárias resultantes <strong>da</strong> prática de ato ou fato eivado de<br />

excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou<br />

estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN.<br />

4. A soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de do sócio pela dívi<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de só se manifesta,<br />

to<strong>da</strong>via, quando comprovado que, no exercício de sua administração,<br />

praticou os atos elenca<strong>dos</strong> na forma do art. 135, caput, do CTN. Há<br />

impossibili<strong>da</strong>de, pois, de se cogitar na atribuição de tal<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> substitutiva quando sequer estava o sócio investido<br />

<strong>da</strong>s funções diretivas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.<br />

5. In casu, a execução abrange período anterior a época de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do embargado e as dívi<strong>da</strong>s anteriores (ou<br />

posteriores) à permanência do sócio na empresa não podem, via de<br />

regra, atingi-lo, até mesmo porque ausente qualquer prova de liame<br />

entre o embargado e os fatos geradores <strong>dos</strong> perío<strong>dos</strong> restantes.<br />

6. Não se encontra ultrapassado o posicionamento esposado no<br />

decisório guerreado, mas, sim, o julgado citado do ano de 1996 que<br />

não mais se amol<strong>da</strong> ao entendimento desta Corte Superior.<br />

Precedentes.<br />

7. Agravo regimental improvido’. (EREsp. 100739/SP – 1ª Seção –<br />

Min. José Delgado, DJ 28/2/2000)<br />

‘Processual civil e tributário – Execução fiscal – Penhora – Ex-sócio<br />

quotista de socie<strong>da</strong>de Lt<strong>da</strong>, sem poderes de administração –<br />

Violação do art. 535 do CPC não configura<strong>da</strong> – Tema não apreciado<br />

no tribunal a quo – Preclusão – Divergência jurisprudencial não


138<br />

comprova<strong>da</strong> – RISTJ, art. 255 e parágrafos e lei n. 8.038/90 –<br />

Precedentes.<br />

– A prática <strong>dos</strong> atos contrários à lei ou em excesso do man<strong>da</strong>to só<br />

induz à <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios-gerentes, na socie<strong>da</strong>de por<br />

quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, não atingindo os sócios<br />

quotistas, sem poderes de gestão. [...]<br />

– Recurso especial não conhecido’. (REsp. 238668/MG, 2ª Turma,<br />

Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 13/5/2002)<br />

‘Processual civil e tributário. Agravo regimental no agravo de<br />

instrumento. Embargos à execução fiscal. Responsabili<strong>da</strong>de solidária<br />

e por substituição. Art. 135, III, do CTN. Impossibili<strong>da</strong>de. Matéria<br />

pacífica. Súmula 83/STJ.<br />

I – A soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de do sócio pela dívi<strong>da</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de só se manifesta<br />

quando comprovado que, no exercício de sua administração, praticou<br />

os atos elenca<strong>dos</strong> na forma do art. 135, caput, do CTN. Há<br />

impossibili<strong>da</strong>de, pois, de se cogitar na atribuição de tal<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> substitutiva quando sequer estava o sócio investido<br />

<strong>da</strong>s funções diretivas <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, pois não era dela integrante.<br />

Precedentes desta Corte.<br />

II – Incide, no caso, a Súmula 83/STJ.<br />

III – Agravo regimental improvido’. (AGA 422026/SC – 1ª Turma –<br />

Min. Francisco Falcão, DJ 30/9/2002)<br />

‘Tributário. Agravo regimental. Art. 135, III, do CTN. Sócio quotista.<br />

Impossibili<strong>da</strong>de de redirecionamento <strong>da</strong> execução fiscal.<br />

1. A imputação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> prevista no art. 135, III, do CTN<br />

não está vincula<strong>da</strong> apenas ao inadimplemento <strong>da</strong> obrigação<br />

tributária, mas à comprovação <strong>da</strong>s demais condutas nele descritas:<br />

prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato<br />

social ou estatutos.<br />

2. Os sócios que não participam <strong>da</strong> gestão <strong>da</strong> empresa, no caso <strong>dos</strong><br />

autos, uma socie<strong>da</strong>de por quotas de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, não<br />

devem ter a execução fiscal redireciona<strong>da</strong> contra si.<br />

3. Agravo regimental provido para conhecer do agravo de<br />

instrumento e <strong>da</strong>r provimento ao recurso especial’. (AGRAGA<br />

506449/SP – 2ª Turma – Min. João Otávio de Noronha, DJ<br />

12/4/2004.)<br />

O acórdão consignou que o recorrido não exercia função de gerência<br />

ou administração <strong>da</strong> empresa ao tempo de sua dissolução irregular,<br />

conforme se extrai do seguinte excerto:<br />

A dívi<strong>da</strong> oriun<strong>da</strong> do não recolhimento de tributos é <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

<strong>da</strong> pessoa jurídica que tem existência diversa <strong>da</strong> pessoa do sócio,<br />

embora sob a administração deste, não sendo, ain<strong>da</strong>, a mera<br />

dissolução <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de sem atendimento <strong>da</strong>s formali<strong>da</strong>des legais,<br />

causa de responsabilização pelas dívi<strong>da</strong>s, porquanto tal fato é<br />

posterior ao surgimento <strong>da</strong> obrigação tributária, não guar<strong>da</strong>ndo


139<br />

qualquer relação, pois dela não decorre, com a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

solidária insculpi<strong>da</strong> no art. 135, III, do CTN. Ademais em casos nos<br />

quais o sócio não exercia a gerência <strong>da</strong> empresa ou dela já havia se<br />

retirado, como ocorre no presente caso. (fls. 95)<br />

Concluir em sentido oposto ao que figurou no acórdão recorrido<br />

deman<strong>da</strong>ria reexame de matéria fática, o que é ve<strong>da</strong>do em sede de<br />

recurso especial, em razão do óbice <strong>da</strong> Súmula 7 deste Tribunal.<br />

Portanto, não exercendo o recorrido posição de gerência na<br />

socie<strong>da</strong>de ao tempo de quaisquer <strong>dos</strong> atos aponta<strong>dos</strong> como<br />

ensejadores de sua <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, qual seja, a dissolução<br />

irregular <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, razão não há para responsabilizá-lo<br />

subsidiariamente pelos débitos <strong>da</strong> empresa.<br />

4. Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso especial para,<br />

nesta parte, negar-lhe provimento. É o voto. (STJ – REsp.<br />

751858/SC – Rel. Min. Teori Albino Zavascki – 1ª Turma –<br />

Unanimi<strong>da</strong>de, j. 4/8/2005. DJ 22/8/2005. p. 159, grifos nossos.) 318<br />

[...] ‘De início, no que tange à alega<strong>da</strong> violação do art. 134 do CTN,<br />

observa-se que não assiste razão à recorrente. Com efeito, em<br />

conformi<strong>da</strong>de com a jurisprudência deste So<strong>da</strong>lício, o sócio cotista<br />

não pode ser responsabilizado, com arrimo nos arts. 134, VIII, e 135,<br />

III, do CTN, se não restar comprovado que ele tenha praticado atos<br />

de gerência <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de’.[...]. (STJ – AgRg no Ag 613619/MG – Rel.<br />

Min. Franciulli Netto – 2ª Turma – Unanimi<strong>da</strong>de, j. 26/2/2002, DJ<br />

24/6/2002, p. 233. RTFP v. 46. p. 313, grifos nossos.) 319<br />

Diante do exposto, constata-se que apenas ocorrendo ato praticado pelo<br />

administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, seja ele sócio ou não, com excesso de poderes ou com<br />

infração de lei, contrato social ou estatuto, é que se aciona o patrimônio deste<br />

terceiro inicialmente alheio à relação jurídica tributária. Além disso, mister se faz que<br />

o administrador esteja na condução <strong>dos</strong> negócios sociais à época <strong>da</strong> pratica do ato<br />

causador <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, ou seja, o ato ilícito deve ser contemporâneo à<br />

gestão dele.<br />

318 Disponível em: http:// www.stj.gov.br. Acesso em: 16 out. 2006.<br />

319 Disponível em http://www.stj.gov.br. Acesso em 16 out. 2006.


140<br />

7.4 Inadimplemento <strong>da</strong> obrigação tributária<br />

Assunto polêmico, que envolve os limites <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> em análise,<br />

diz respeito à caracterização do não-recolhimento do tributo como infração à lei para<br />

fins do disposto no art. 135, III, do Código Tributário Nacional.<br />

Segundo estudo apresentado por Leonardo Nunes Marques, 320 a mora <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de não constitui situação suficiente à responsabilização do administrador,<br />

com fulcro no art. 135, III, do Código Tributário Nacional. O inadimplemento tributário<br />

constitui hipótese de descumprimento de um dever legal, qual seja, o de promover a<br />

quitação do tributo no prazo devido. To<strong>da</strong>via, “não é esta singela situação fática que<br />

o legislador pátrio pretendeu regular. Trata-se de circunstância bem mais<br />

complexa”. 321<br />

Dessa forma, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> será imputa<strong>da</strong> ao administrador <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de quando o fato jurídico tributário também constituir ato ilícito, excesso de<br />

poderes ou violação ao contrato social. Nas hipóteses descritas no art. 135 do<br />

Código Tributário Nacional, é necessário que a obrigação de pagar o tributo<br />

provenha de um ato que, apesar de genericamente constituir evento sujeito a<br />

tributação, especificamente constitua conduta contrária à lei ou ao disposto no<br />

contrato social. Tal acontecimento não ocorre, segundo o autor, 322 nas hipóteses de<br />

mera falta de pagamento do tributo, uma vez que o inadimplemento não é situação<br />

ilícita capaz de fazer nascer a obrigação tributária.<br />

Assim, na hipótese descrita pelo art. 135 do Código Tributário Nacional, a<br />

conduta do indivíduo caracteriza um ilícito civil ou penal, ou administrativo, ou<br />

excesso de poderes, ou violação do contrato social. Em virtude <strong>da</strong> prática de tais<br />

ilícitos, o administrador será responsabilizado, pessoalmente, pelo cumprimento <strong>da</strong><br />

obrigação tributária. Dessa forma, ocorre o surgimento de mais de uma relação<br />

jurídica em virtude <strong>da</strong> prática de um ato irregular. Nesse caso, o legislador pretendeu<br />

320 MARQUES, Leonardo Nunes. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> membros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelas<br />

obrigações tributárias e o novo código civil. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 70.<br />

321 MARQUES, Leonardo Nunes. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> membros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelas<br />

obrigações tributárias e o novo código civil. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 70.<br />

322 MARQUES, Leonardo Nunes. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> membros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelas<br />

obrigações tributárias e o novo código civil. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 70.


141<br />

não imputar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> ao legítimo contribuinte, optando por responsabilizar<br />

o administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, que é justamente aquele que, na condição de<br />

condutor <strong>dos</strong> negócios <strong>da</strong> empresa, é capaz de levar a efeito as condutas descritas.<br />

Nesse contexto, o simples inadimplemento tributário, sem qualquer intuito<br />

fraudulento, decorrente <strong>da</strong> simples mora <strong>da</strong> empresa, não se enquadra na situação<br />

descrita pelo citado artigo.O administrador que cumpre regularmente to<strong>da</strong>s as suas<br />

atribuições não pode ser responsabilizado pela má situação financeira do ente social<br />

que possa ocasionar o inadimplemento tributário.<br />

Leonardo Nunes Marques 323 ensina que um <strong>dos</strong> exemplos de fato que se<br />

encaixa perfeitamente na hipótese descrita pelo art. 135 do Código Tributário<br />

Nacional ocorre na prestação de serviços por uma socie<strong>da</strong>de cujo objeto social seja<br />

a circulação de mercadorias. Nesse caso específico, a prestação de serviço pela<br />

aludi<strong>da</strong> empresa, além de constituir violação ao seu contrato social, configura evento<br />

capaz de fazer surgir a obrigação de pagamento do Imposto sobre Serviço de<br />

Qualquer Natureza (ISSQN).<br />

Hugo de Brito Machado compartilha o entendimento de que o nãorecolhimento<br />

de tributo não configura infração à lei. É oportuna a transcrição de<br />

ensinamento do nobre professor:<br />

Não se pode admitir que o não pagamento do tributo configure a<br />

infração de lei, capaz de ensejar tal <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, porque isto<br />

levará a suprimir-se a regra, fazendo prevalecer, em to<strong>dos</strong> os casos,<br />

a exceção. O não cumprimento de uma obrigação qualquer, e não<br />

apenas de uma obrigação tributária, provocaria a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

do diretor, gerente ou representante <strong>da</strong> pessoa jurídica de direito<br />

privado inadimplente. Mas tal conclusão é evidentemente<br />

insustentável. O que a lei estabelece como regra, isto é, a limitação<br />

<strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> diretores ou <strong>administradores</strong> dessas<br />

pessoas jurídicas, não pode ser anulado por esse desmedido<br />

elastério <strong>da</strong>do à exceção. 324<br />

323 MARQUES, Leonardo Nunes. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> membros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelas<br />

obrigações tributárias e o novo código civil. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 71.<br />

324<br />

MACHADO, Hugo de Brito. Responsabili<strong>da</strong>de tributária e infração <strong>da</strong> lei. Repertório de<br />

Jurisprudência IOB, 15/94.


indevido”. 326 Dessa forma, a substituição tributária prevista pelo art. 135 do Código<br />

142<br />

Sérgio André Rocha Gomes <strong>da</strong> Silva 325 preleciona que o art. 135 do<br />

Código Tributário Nacional, ao instituir uma substituição tributária, determina que o<br />

dever jurídico tributário seja atribuído diretamente ao “responsável”, que assume a<br />

posição jurídica do contribuinte originário. A lei estabelece tal substituição tributária<br />

tendo em vista que um <strong>dos</strong> sujeitos menciona<strong>dos</strong> no referido dispositivo legal teria<br />

agido em contrarie<strong>da</strong>de ao contrato social ou estatuto, ou violado man<strong>da</strong>mento<br />

previsto em lei, colocando a empresa na posição de devedora do débito fiscal em<br />

razão de seu ato. Assim, não teria sentido que o administrador substituísse a pessoa<br />

jurídica no pólo passivo <strong>da</strong> relação tributária em razão do mero não-recolhimento de<br />

tributos, já que tal ato “não caracteriza uma representação ilegal, ou com excesso de<br />

poderes, exerci<strong>da</strong> pelo administrador, não fazendo a empresa incorrer em débito<br />

Tributário Nacional somente se justifica quando o dever jurídico tributário surgir em<br />

razão <strong>da</strong> atuação ilegal ou irregular de qualquer <strong>da</strong>s pessoas elenca<strong>da</strong>s no<br />

mencionado dispositivo, sendo que a prática de tal ilegali<strong>da</strong>de faz com que a pessoa<br />

jurídica de direito privado incorra em débito tributário.<br />

Sacha Calmon Navarro Coêlho 327 preleciona que o disposto no art. 135<br />

do Código Tributário Nacional não se aplica ao descumprimento de obrigações<br />

fiscais por mera culpa, sendo que o dolo é elemento essencial para configuração de<br />

tal <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>. Assim, apesar do inadimplemento de o tributo constituir uma<br />

ilicitude em sentido lato, tal fato não configura uma conduta dolosa necessária e<br />

suficiente para a caracterização <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> prevista pelo citado artigo. Eis a<br />

lição do renomado doutrinador:<br />

O simples não-recolhimento do tributo constitui, é claro, uma ilicitude,<br />

porquanto o conceito lato de ilícito é o de descumprimento de<br />

qualquer dever jurídico decorrente de lei ou de contrato. Dá-se que a<br />

infração a que se refere o art. 135 evidentemente não é objetiva, e<br />

sim subjetiva, ou seja, dolosa. Para os casos de descumprimento de<br />

obrigações fiscais por mera culpa, nos atos em que intervierem e<br />

325 SILVA, Sérgio André Rocha Gomes <strong>da</strong>. Responsabili<strong>da</strong>de pessoal <strong>dos</strong> sócios por dívi<strong>da</strong>s fiscais<br />

<strong>da</strong> pessoa jurídica. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 129-130.<br />

326 SILVA, Sérgio André Rocha Gomes <strong>da</strong>. Responsabili<strong>da</strong>de pessoal <strong>dos</strong> sócios por dívi<strong>da</strong>s fiscais<br />

<strong>da</strong> pessoa jurídica. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 129-130.<br />

327 COÊLHO, Sacha Calmon. Curso de direito tributário brasileiro, p. 628.


143<br />

pelas omissões de que forem responsáveis, basta o art. 134,<br />

anterior, atribuindo aos terceiros dever tributário por fato gerador<br />

alheio. No art. 135 o dolo é elementar. Nem se olvide que a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> aqui é pessoal (não há soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de); o dolo, a máfé<br />

hão de ser cumpri<strong>da</strong>mente prova<strong>dos</strong>. 328<br />

Zelmo Denari 329 ensina que o inadimplemento de obrigações tributárias,<br />

regularmente escrituras, não constitui infração à lei capaz de acarretar a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, conforme pode ser inferido partir<br />

do seguinte texto:<br />

A contrario sensu, tratando-se de operações regularmente<br />

escritura<strong>da</strong>s e denuncia<strong>da</strong>s pelo contribuinte, mas, de todo modo,<br />

inadimpli<strong>da</strong>s, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> deixa<br />

de subsistir, por isso que não se trata, com rigor terminológico, de<br />

uma obrigação resultante de infração <strong>da</strong> lei.<br />

A questão não pode assumir outra quadratura: o propósito do<br />

legislador foi o de responsabilizar pessoalmente os sócios-gerentes e<br />

<strong>administradores</strong> de empresas priva<strong>da</strong>s quanto às obrigações<br />

tributárias resultantes de sonegação, fraude fiscal ou irregulari<strong>da</strong>des,<br />

constata<strong>da</strong>s por iniciativa <strong>da</strong> fiscalização e apura<strong>da</strong>s através de auto<br />

de infração. 330<br />

José Otávio de Vianna Vaz 331 apresenta outros argumentos além <strong>da</strong>quele<br />

de que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> em comento somente decorreria de atos dolosos, para<br />

justificar a exclusão do inadimplemento <strong>da</strong> obrigação tributária entre os atos que<br />

poderiam se enquadrar nas hipóteses previstas pelo art. 135 do Código Tributário<br />

Nacional. Para o citado autor, traçando-se um paralelo ente a re<strong>da</strong>ção do caput do<br />

art. 134 e a do art. 135 do Código Tributário Nacional, verifica-se que o primeiro<br />

responsabiliza os agentes por “atos em que intervierem” ou “omissões de que forem<br />

responsáveis”; o segundo, por sua vez, somente se refere a “atos pratica<strong>dos</strong>”. Ora,<br />

poder-se-ia argumentar, segundo o autor, que o não-recolhimento de tributo não é<br />

“ato praticado”, mas “ato não praticado”, vale dizer, configuraria uma “omissão”.<br />

328 COÊLHO, Sacha Calmon. Curso de direito tributário brasileiro, p. 628.<br />

329 DENARI, Zelmo. Responsabili<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> de socie<strong>da</strong>des comerciais. Revista <strong>da</strong><br />

PGE, v. 13-15. p. 13-15, apud DENARI, Zelmo. Curso de direito tributário, p. 217.<br />

330 DENARI, Zelmo. Responsabili<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> de socie<strong>da</strong>des comerciais. Revista <strong>da</strong><br />

PGE, v. 13-15. p. 13-15, apud DENARI, Zelmo. Curso de direito tributário, p. 217.<br />

331 VAZ, José Otávio de Vianna. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> de socie<strong>da</strong>de no<br />

código tributário nacional, p. 136.


144<br />

Partindo do pressuposto de que o legislador empregou de forma coerente as<br />

expressões, o não-recolhimento de tributo não seria figura típica do art. 135, por<br />

configurar uma omissão, vale dizer, hipótese não abrangi<strong>da</strong> pela lei.<br />

Por outro lado, segundo o mesmo autor, 332 somente o crédito decorrente<br />

do descumprimento <strong>da</strong> obrigação advém do ato praticado com infração à lei. Nesses<br />

termos, conclui-se que, se a “lei” menciona<strong>da</strong> no art. 135 fosse a lei tributária, o<br />

agente somente responderia pela multa porventura existente. O doutrinador ressalta,<br />

ain<strong>da</strong>, que a palavra “lei” utiliza<strong>da</strong> no art. 135 está ao lado <strong>da</strong>s expressões “excesso<br />

de poderes” e “infração do contrato social ou estatutos”, expressões típicas do direito<br />

societário, regulado pelas legislações civil e comercial. Nesses termos, ele entende<br />

que a infração à lei em comento diz respeito não à lei tributária, trata<strong>da</strong> de forma<br />

ampla nos arts. 136 e 137 do Código Tributário Nacional, mas, sim, à infração <strong>da</strong><br />

legislação civil e comercial.<br />

Misabel Derzi 333 explica que, nas hipóteses descritas pelo art. 135 do<br />

Código Tributário Nacional, o ilícito é prévio ou concomitante ao surgimento <strong>da</strong><br />

obrigação tributária e não posterior, como seria o caso do não-pagamento do tributo.<br />

Para a conceitua<strong>da</strong> doutrinadora,<br />

a lei que se infringe é a lei comercial ou civil, não a lei tributária,<br />

agindo o terceiro contra os interesses do contribuinte. Daí se explica<br />

que, no pólo passivo, se mantenha apenas a figura do responsável,<br />

não mais a do contribuinte, que viu, em seu nome, surgir dívi<strong>da</strong> não<br />

autoriza<strong>da</strong> quer pela lei, quer pelo contrato social ou estatuto. 334<br />

O art. 135 do Código Tributário Nacional é claro e determina a<br />

responsabilização pessoal do sócio "pelos créditos correspondentes a obrigações<br />

tributárias resultantes de atos pratica<strong>dos</strong> com excesso de poderes ou infração de lei,<br />

contrato social ou estatutos". A lei, assim, determina a responsabilização pessoal do<br />

sócio quando a obrigação tributária decorrer de um ato ilícito (infração de lei,<br />

332 VAZ, José Otávio de Vianna. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> de socie<strong>da</strong>de no<br />

código tributário nacional, p. 136.<br />

333 DERZI, Misabel Abreu Machado. Atualização <strong>da</strong> obra de BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário<br />

brasileiro, p. 756.<br />

334 DERZI, Misabel Abreu Machado. Atualização <strong>da</strong> obra de BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário<br />

brasileiro, p. 756.


145<br />

contrato social ou estatutos). Conforme preleciona Misabel Derzi 335 e tendo em vista<br />

o dispositivo legal em comento, o ato ilícito deve ser anterior ou concomitante ao<br />

surgimento <strong>da</strong> obrigação tributária. Dessa forma, se o ato ilícito (não recolhimento)<br />

ocorre após o nascimento <strong>da</strong> obrigação tributária, o fato não está abrangido pela<br />

disposição normativa conti<strong>da</strong> no art. 135 do Código Tributário Nacional.<br />

Fernando Osório de Almei<strong>da</strong> Júnior e Simone Di Ciero 336 fornecem<br />

explicação sobre o real sentido <strong>da</strong> expressão “infração de lei” conti<strong>da</strong> no caput do<br />

art. 135 do Código Tributário Nacional. Para os autores, a referi<strong>da</strong> expressão deve<br />

ser entendi<strong>da</strong> não como compreensiva de to<strong>da</strong> e qualquer hipótese de infração a<br />

uma norma legal, mas, sim, como infração às normas de conduta exigi<strong>da</strong>s aos<br />

<strong>administradores</strong> <strong>da</strong>s pessoas jurídicas na condução <strong>dos</strong> negócios sociais. A pensar<br />

de outra forma, ou seja, ao se adotar um entendimento amplo para o dispositivo em<br />

análise, constituiria “infração de lei” o mero não-recolhimento do tributo a tempo e<br />

modo, o que esvaziaria por inteiro maiores discussões sobre o “excesso de poder”<br />

<strong>dos</strong> <strong>administradores</strong>, elemento essencial para a tipificação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

tributária <strong>dos</strong> dirigentes <strong>da</strong> pessoa jurídica (art. 135 do CTN), criando-se, com efeito,<br />

uma ver<strong>da</strong>deira <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva em face <strong>da</strong>queles dirigentes <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de.<br />

O posicionamento de que o simples não-recolhimento de tributo não<br />

constitui infração à lei ensejadora <strong>da</strong> responsabilização pessoal do administrador <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de é o que prevalece, hodiernamente, no âmbito do Superior Tribunal de<br />

Justiça.<br />

Enquanto a Primeira Turma <strong>da</strong> cita<strong>da</strong> Corte entendia que o mero nãorecolhimento<br />

de tributo configuraria infração à lei, ensejando a responsabilização<br />

com base no art. 135, III, do Código Tributário Nacional; a 2ª Turma do STJ se<br />

manifestava em sentido contrário, ou seja, afirmava que o simples inadimplemento<br />

tributário não se prestava à caracterização <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal do<br />

administrador <strong>da</strong> pessoa jurídica.<br />

335 DERZI, Misabel Abreu Machado. Atualização <strong>da</strong> obra de BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário<br />

brasileiro, p. 756.<br />

336 ALMEIDA JÚNIOR, Fernando Osório de; CIERO, Simone Franco di. É possível a exclusão <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária de pessoa jurídica e a inclusão de seus <strong>administradores</strong> em face <strong>da</strong><br />

mera ausência de pagamento de tributos O que diz o Superior Tribunal de Justiça. Revista<br />

Dialética de Direito Tributário, p. 77.


146<br />

O citado dissídio jurisprudencial veio a ser pacificado pela 1ª Seção do<br />

citado Tribunal, como pode ser inferido <strong>da</strong> análise <strong>da</strong> ementa do julgamento<br />

proferido nos autos <strong>dos</strong> Embargos de Divergência em Recurso Especial n.<br />

174.532/PR, tendo-se consagrado o entendimento de que o não-recolhimento de<br />

tributo não configura infração à lei, para fins do disposto no dispositivo legal em<br />

comento. Cabe trazer à baila a ementa do mencionado acórdão:<br />

Tributário e processual civil. Execução fiscal. Responsabili<strong>da</strong>de de<br />

sócio-gerente. Limites. Art. 135, III, do CTN. Precedentes.<br />

1. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não<br />

respondem, em caráter solidário, por dívi<strong>da</strong>s fiscais assumi<strong>da</strong>s pela<br />

socie<strong>da</strong>de. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária imposta por sócio-gerente,<br />

administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há<br />

dissolução irregular <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de ou se comprova infração à lei<br />

pratica<strong>da</strong> pelo dirigente.<br />

2. Em qualquer espécie de socie<strong>da</strong>de comercial, é o patrimônio<br />

social que responde sempre e integralmente pelas dívi<strong>da</strong>s sociais.<br />

Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações<br />

contraí<strong>da</strong>s em nome <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, mas respondem para com esta e<br />

para com terceiros solidária e ilimita<strong>da</strong>mente pelo excesso de<br />

man<strong>da</strong>to e pelos atos pratica<strong>dos</strong> com violação do estatuto ou lei (art.<br />

158, I e II, <strong>da</strong> Lei n. 6.404/76).<br />

3. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios<br />

(diretores, gerentes ou representantes <strong>da</strong> pessoa jurídica) são<br />

responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a<br />

obrigações tributárias resultantes <strong>da</strong> prática de ato ou fato eivado de<br />

excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou<br />

estatutos, nos termos do art. 135, III, do CTN.<br />

4. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal.<br />

Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou<br />

infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária do ex-sócio a esse título ou a título de<br />

infração legal. Inexistência de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária do ex-sócio.<br />

5. Precedentes desta Corte Superior.<br />

6. Embargos de divergência rejeita<strong>dos</strong>. (STJ – EREsp. 174532/PR –<br />

Rel. Min. José Delgado. 1ª Seção – Unanimi<strong>da</strong>de, j. 18/6/2001, DJ<br />

20/8/2001, p. 342; LEXSTJ, v. 149 p. 94; RDDT, v. 74, p. 146; RDR,<br />

v. 21 p. 254; RT, v. 797, p. 216.) 337<br />

Leonardo Nunes Marques preleciona que a cita<strong>da</strong> Corte entende que “é<br />

preciso um plus, configurador <strong>da</strong> ilicitude dolosa ou culposa. É imprescindível que se<br />

337 Disponível em: http://stj.gov.br. Acesso em: 27 nov. 2006.


147<br />

consubstancie o elemento volitivo <strong>da</strong> fraude, pelo dolo ou culpa qualificadores <strong>da</strong><br />

conduta.” 338 .<br />

O entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça pode ser<br />

amplamente demonstrado e compreendido com base na análise de algumas<br />

decisões dessa Corte de Justiça:<br />

[...] A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente no<br />

sentido de que a imputação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> prevista no art. 135,<br />

inciso III, do CTN não está vincula<strong>da</strong> apenas ao inadimplemento <strong>da</strong><br />

obrigação tributária, mas à comprovação <strong>da</strong>s demais condutas nele<br />

descritas: prática de atos com excesso de poderes ou infração de lei,<br />

contrato social ou estatutos.<br />

Destarte, não há por que falar em <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva.<br />

Nesse diapasão, prevalece a diretriz jurisprudencial <strong>da</strong>s Turmas <strong>da</strong><br />

Primeira Seção deste Tribunal, segundo se extrai <strong>dos</strong> seguintes<br />

julga<strong>dos</strong>:<br />

‘Processo civil e tributário. Execução fiscal. Redirecionamento para o<br />

sócio-gerente. Impossibili<strong>da</strong>de.<br />

1. O redirecionamento <strong>da</strong> execução fiscal, e seus consectários<br />

legais, para o sócio-gerente <strong>da</strong> empresa, somente é cabível quando<br />

reste demonstrado que este agiu com excesso de poderes, infração<br />

à lei ou contra o estatuto, ou na hipótese de dissolução irregular <strong>da</strong><br />

empresa.<br />

2. Precedentes <strong>da</strong> Corte.<br />

3. O não pagamento do tributo, por si só, não se constitui causa<br />

justificativa do redirecionamento, atual ou futuro, <strong>da</strong> execução fiscal<br />

para o sócio-gerente.<br />

4. Agravo Regimental desprovido’ (AgRg no REsp. n. 586.020-MG –<br />

1ª Turma – Rel. Min. Luiz Fux, DJ 31/5/2004.)<br />

‘Processual civil e tributário – Execução fiscal – Redirecionamento –<br />

citação na pessoa do sócio-gerente – Responsabili<strong>da</strong>de pessoal pelo<br />

inadimplemento <strong>da</strong> obrigação.<br />

1. Em matéria de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios de socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>,<br />

é necessário fazer a distinção entre empresa que se dissolve<br />

irregularmente <strong>da</strong>quela que continua a funcionar.<br />

2. Em se tratando de socie<strong>da</strong>de que se extingue irregularmente, cabe<br />

a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios, os quais podem provar não terem<br />

agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder.<br />

3. Não demonstra<strong>da</strong> a dissolução irregular <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, a prova em<br />

desfavor do sócio passa a ser do exeqüente (inúmeros precedentes).<br />

338 MARQUES, Leonardo Nunes. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> membros <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelas<br />

obrigações tributárias e o novo código civil. Revista Dialética de Direito Tributário, p. 64.


148<br />

4. Nesse caso, é pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de<br />

que o sócio somente pode ser pessoalmente responsabilizado pelo<br />

inadimplemento <strong>da</strong> obrigação tributária <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de se agiu<br />

dolosamente, com fraude ou excesso de poderes.<br />

5. A comprovação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do sócio é imprescindível<br />

para que a execução fiscal seja redireciona<strong>da</strong>, mediante citação do<br />

mesmo.<br />

6. Agravo regimental improvido’. (AgRg no REsp. n. 570.096-SC –2ª<br />

Turma – Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 10/5/2004). (STJ – REsp.<br />

406792/PR – Rel. Min. João Otávio de Noronha – 2ª Turma –<br />

Unanimi<strong>da</strong>de, j. 4/5/2006, DJ 2/8/2006, p. 230, grifos nossos.) 339<br />

[...] Consoante iterativos julga<strong>dos</strong> desta colen<strong>da</strong> Corte, o diretor,<br />

gerente ou representante de socie<strong>da</strong>de só pode ser responsabilizado<br />

pelo não-pagamento de tributo, respondendo com o seu patrimônio,<br />

se comprovado, pelo Fisco, ter aquele praticado, no comando <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de, ato com excesso de poder ou infração a lei, contrato<br />

social, estatuto, ou, ain<strong>da</strong>, que redunde na dissolução irregular <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de.<br />

Destarte, o não-pagamento de tributo ou a ausência de bens <strong>da</strong><br />

empresa passíveis de penhora, de per si, não caracterizam infração<br />

à lei, suficiente a ensejar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal do sóciogerente.<br />

Conforme decidiu o v. julgado a quo, inexistiu infração legal ou prova<br />

de que o sócio agiu dolosamente, uma vez que nem se encontrava<br />

na presidência <strong>da</strong> cooperativa no momento do fato gerador, por isso<br />

inaplicável ao caso o art. 135, inciso III, do Código de Processo Civil.<br />

Com efeito, as hipóteses de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária previstas no<br />

art. 135 do CTN não se fun<strong>da</strong>m no mero inadimplemento <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de, mas na conduta dolosa ou culposa especificamente<br />

aponta<strong>da</strong> pelo legislador, que vem a ser a ocorrência de um ato<br />

praticado com excesso de poder, infração <strong>da</strong> lei ou violação do<br />

contrato social, por parte do gestor <strong>da</strong> pessoa jurídica.<br />

Sobre o tema, é oportuno trazer o ensinamento de Humberto<br />

Theodoro Júnior:<br />

‘Quanto ao art. 135 do CTN, seu preceito cui<strong>da</strong> <strong>dos</strong> terceiros que<br />

incidem na <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária pessoal em virtude de ato<br />

praticado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social<br />

ou estatutos. Entram em sua área de incidência portanto, 'as<br />

obrigações tributárias resultantes' – segundo o texto legal – 'de atos<br />

pratica<strong>dos</strong> com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social<br />

ou estatutos' (caput)... pelos 'diretores, gerentes ou representantes<br />

de pessoas jurídicas de direito privado' (inc. III).<br />

Não é a quali<strong>da</strong>de de gerente ou administrador que engendra a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal prevista no art. 135 do CTN. Nem é apenas<br />

o não recolhimento do tributo devido pela socie<strong>da</strong>de a causa<br />

339 Disponível em: http://stj.gov.br. Acesso em: 27 nov. 2006.


149<br />

suficiente para que seus gerentes se tornem to<strong>dos</strong> responsáveis pelo<br />

débito.<br />

'Aqui' – ressalta Bernardo Ribeiro Moraes –, 'há a necessi<strong>da</strong>de desse<br />

terceiro praticar atos com excesso de poderes ou com infração de lei,<br />

do contrato social ou estatutos. Caso contrário não haverá a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal ou individual desse terceiro, isto é, não<br />

haverá a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong>, sócios-gerentes <strong>da</strong>s<br />

socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s ou sócios-diretores <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des limita<strong>da</strong>s ou<br />

sócios-diretores <strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des anônimas (ambas as socie<strong>da</strong>des<br />

não são de pessoas, mas de capitais)' (op. cit., 24.7.2, p. 521-522).<br />

(Grifos no original)<br />

Em outras palavras, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária do terceiro (sóciogerente<br />

ou administrador) funciona, na hipótese do art. 135 do CTN,<br />

como uma ver<strong>da</strong>deira sanção aplica<strong>da</strong> ao ato abusivo, ou seja, ao<br />

ato praticado com ofensa aos poderes disponíveis ou à lei, ao<br />

contrato ou estatuto. Somente quem tenha sido o autor do ato<br />

abusivo é que será pessoalmente responsabilizado pela obrigação<br />

tributária dele oriun<strong>da</strong>’ (Medi<strong>da</strong> Cautelar Fiscal – Responsabili<strong>da</strong>de<br />

Tributária do Sócio-Gerente (CTN, art. 135), RT, Ano 86, v. 739, maio<br />

1997, p. 122-123).<br />

Portanto, dentre os requisitos para a caracterização <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária do sócio-gerente, inclusive na hipótese de<br />

dissolução irregular <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, está o elemento subjetivo, ou seja,<br />

a atuação dolosa ou culposa.[...]. (STJ – Agrg no REsp. 739717-MG<br />

– Rel. Min. Francisco Falcão – 1ª Turma – Unanimi<strong>da</strong>de, j. 2/8/2005,<br />

DJ 3/10/2005 p. 151, grifos nossos.) 340<br />

Os seguintes julga<strong>dos</strong> do Tribunal de Justiça de Minas Gerais<br />

acompanham a interpretação consagra<strong>da</strong> no âmbito do Superior Tribunal de Justiça:<br />

[...] Demais disso, não comungo do entendimento de que o simples<br />

inadimplemento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> tributária constitua infração à lei suficiente<br />

para responsabilizar o sócio-gerente ou o diretor, pessoalmente. O<br />

inadimplemento <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de pode decorrer do risco natural <strong>dos</strong><br />

negócios, risco este inerente à própria vi<strong>da</strong> empresarial, que não<br />

pode ser assimilado à infração. Se a socie<strong>da</strong>de comercial não paga a<br />

dívi<strong>da</strong> por estar impossibilita<strong>da</strong>, não há infração dolosa, nem<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> contingente. O CTN foi sensível à essa reali<strong>da</strong>de<br />

<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> empresarial. A re<strong>da</strong>ção de seu art. 135 exclui a possibili<strong>da</strong>de<br />

de criação de um tipo especial de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária, de<br />

natureza objetiva, como pretendem os órgãos fazendários, porque<br />

esta norma somente responsabiliza o sócio, em substituição à<br />

socie<strong>da</strong>de, quando ele age em infração a outras leis e com excesso<br />

de poderes ou fora <strong>dos</strong> limites do contrato social. Impõe-se lembrar<br />

que nem sempre o não pagamento de tributos constitui ilícito<br />

340 Disponível em: http://stj.gov.br. Acesso em: 27 nov. 2006.


150<br />

carregado de culpa com força de atrair sobre o agente<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal, como por exemplo, diante <strong>da</strong> inexistência<br />

de dinheiro em caixa por fato cuja autoria não pode ser atribuí<strong>da</strong> ao<br />

sócio gerente.<br />

Tais hipóteses não são raras de ocorrer na vi<strong>da</strong> real. Lembrem-se<br />

<strong>dos</strong> bloqueios <strong>dos</strong> ‘cruza<strong>dos</strong>’, em época mais recente. O art. 135, do<br />

CTN, não inova no campo <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> societária. Ao<br />

contrário, respeita o sistema de responsabilização <strong>dos</strong> sócios<br />

assentado na legislação comum. Isto é o que dizem os comentários<br />

introduzi<strong>dos</strong> pela Professora Misabel Abreu Machado Derzi logo<br />

após e escorço do autor, Min. Aliomar Baleeiro, na obra retro<br />

referi<strong>da</strong>. Não basta, pois, o Fisco simplesmente alegar que não<br />

houve recolhimento de tributos, para incluir-se o sócio no pólo<br />

passivo <strong>da</strong> ação. Para isso, nas socie<strong>da</strong>des que não as de pessoas,<br />

o Fisco deve provar que o sócio agiu fora do contrato e infringiu<br />

alguma outra disposição legal, que não apenas a que impõe o<br />

recolhimento de tributos.<br />

Como bem salientou a eminente Ministra Nancy Andrighi:<br />

‘O não-recolhimento de um tributo configura ato contrário à lei, uma<br />

vez que prejudica o próprio fim social a que se destina a<br />

arreca<strong>da</strong>ção.<br />

To<strong>da</strong>via, há que se delimitar o exato sentido <strong>da</strong> expressão ‘infração<br />

legal', pois, a falta de pagamento do tributo ou não configura infração<br />

legal e é irrelevante falar-se em <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> ou constitui<br />

violação <strong>da</strong> lei e, por conseguinte, nas precisas palavras do em<br />

doutrinador Sacha Calmon ‘os sócios seriam sempre os<br />

responsáveis pelas dívi<strong>da</strong>s <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, quer nas relações de<br />

Direito Público, quer nos negócios de Direito Privado, pois o<br />

inadimplemento de qualquer obrigação constitui infração à lei’.<br />

Não nos parece seja esta a melhor exegese, visto que, o mero<br />

descumprimento <strong>da</strong> obrigação principal, sem dolo ou fraude, constitui<br />

simples mora <strong>da</strong> empresa contribuinte, que contém nas normas<br />

tributárias pertinentes as respectivas sanções, mas não ato, que, por<br />

si só, viole a lei ou o estatuto social, a que deve observância os<br />

sócios-cotistas.’ (REsp. 121021 – Reg. 199700132463 – 2ª Turma, j.<br />

15/8/2000, DJ 11/9/2000) [...] [TJMG – Processo n.<br />

1.0702.00.007723-1/001(1) – 2ª Câm. Cív. – Rel. Brandão Teixeira –<br />

2/3/2004. publ. 19/3/2004, grifos nossos.] 341<br />

[...] ‘Como ressaltado pelo Superior Tribunal de Justiça, a falta de<br />

recolhimento de tributo, por si só, não enseja a atribuição de<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> subsidiária aos sócios. Logo, a manutenção <strong>dos</strong><br />

sócios na condição de executa<strong>dos</strong> depende de comprovação de<br />

prática de ato ilícito na direção <strong>da</strong> empresa, condição <strong>da</strong> qual não<br />

intentou se desincumbir a Fazen<strong>da</strong> Pública do Estado de Minas<br />

341 Disponível em: http://www.tjmg.gov.br. Acesso em: 28 nov. 2006.


151<br />

Gerais’[...]. [TJMG – Processo n. 10024.03.971533-9/001(1) – 5ª<br />

Câm. Cív. – Rel. Des. Maria Elza – 10/11/2005, publ. 7/2/2006.] 342<br />

[...] ‘É certo que a inadimplência no pagamento do tributo não<br />

acarreta, por si só, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária do sócio. Isso não<br />

impede, porém, que as pessoas referi<strong>da</strong>s nos arts. 133 e 135 do<br />

Código Tributário Nacional sejam cita<strong>da</strong>s, e tenham seus bens<br />

penhora<strong>dos</strong> para verificação quanto à ocorrência <strong>da</strong>s circunstâncias<br />

no art. 135 do Código Tributário Nacional, pois é em sede de<br />

embargos de devedor que a matéria pode ser discuti<strong>da</strong> com a<br />

amplitude necessária que o caso exige’. [...] [TJMG – Processo n.<br />

1.0016.04.036866-0/001(1) – 8ª Câm. Cív. – Rel. Des. Duarte de<br />

Paula – 24/11/2005, publ. 4/10/2006.] 343<br />

‘Seria o não recolhimento do tributo devido apto a desencadear a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> objetiva por substituição do diretor, gerente ou<br />

administrador, por ser considera<strong>da</strong> infração à Lei, mediante a prática<br />

de atos dolosos, fraudulentos e eiva<strong>dos</strong> de má-fé<br />

Evidentemente que o não-recolhimento do tributo devido configura<br />

ato contrário à expressa disposição de Lei, uma vez violado o próprio<br />

fim a que se destina a arreca<strong>da</strong>ção.<br />

To<strong>da</strong>via, o colendo STJ vem entendendo que ‘o mero<br />

descumprimento <strong>da</strong> obrigação principal, sem dolo ou fraude, constitui<br />

simples mora <strong>da</strong> empresa contribuinte, que contém nas normas<br />

tributárias pertinentes as respectivas sanções, mas não ato, que, por<br />

si só, viole a lei ou o estatuto social, a que deve observância os<br />

sócios-quotistas’ (2ª T., REsp. n. 121.021/PR, Rel. Min. Nancy<br />

Andrighi, j. 15/8/00, DJ 11/9/00). […]. [TJMG – Processo n.<br />

1.0000.00.265982-9/000(1) – 6ª Câm. Cív. – Rel. Dorival Guimarães<br />

Pereira –20/5/2002, publ 30/8/2002, grifos nossos.] 344<br />

[...] Com base em tais fun<strong>da</strong>mentos, é induvi<strong>dos</strong>o concluir o seguinte:<br />

o mero inadimplemento do tributo não configura, para os fins de<br />

incidência <strong>da</strong> norma estabeleci<strong>da</strong> no art. 135, II, do CTN, ‘infração de<br />

lei’.<br />

O eg. Superior Tribunal de Justiça, que tem como finali<strong>da</strong>de precípua<br />

decidir controvérsias sobre a legislação infraconstitucional, assim se<br />

posiciona acerca <strong>da</strong> matéria, como bem assentou a i. Min. Eliana<br />

Calmon, em voto proferido no REsp. n. 184.325/ES, verbis:<br />

‘Também é certo que a mais nova posição <strong>da</strong> Corte sobre a matéria,<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do sócio, é no sentido de que o simples<br />

inadimplemento <strong>da</strong> obrigação tributária não caracteriza infração à lei.’<br />

(STJ. 2/9/2002) [...]. [TJMG – Processo n. 1.0024.03.028469-9/001(1)<br />

342 Disponível em: http://www.tjmg.gov.br. Acesso em: 28 nov. 2006.<br />

343 Disponível em: http://www.tjmg.gov.br. Acesso em: 28 nov. 2006.<br />

344 Disponível em: http://www.tjmg.gov.br. Acesso em: 28 nov. 2006.


152<br />

– 6ª Câm. Cív. – Rel. Manuel Saramago – 26/4/2005, publ.<br />

20/5/2005.] 345<br />

[...] Jurisprudência do STJ já pacificou o entendimento de que o<br />

simples inadimplemento do tributo não gera a transferência <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária <strong>da</strong> pessoa jurídica para seu sócio-gerente<br />

ou àquelas pessoas elenca<strong>da</strong>s nos arts. 135 e 134 do CTN.<br />

[...].<br />

Para que haja <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal <strong>dos</strong> sócios ou man<strong>da</strong>tários<br />

pelos débitos tributários <strong>da</strong> empresa, faz-se necessário que estes<br />

figurem como diretores, gerentes ou representantes <strong>da</strong> pessoa<br />

jurídica executa<strong>da</strong> e que tenham agido com excesso de poderes ou<br />

infração à lei, nos termos do inciso III do art.135 do Código Tributário<br />

Nacional.<br />

A interpretação <strong>dos</strong> arts. 134 e 135 do Código Tributário Nacional<br />

deve ser feita com reserva e prudência. A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do sócio,<br />

por se tratar de exceção, só deve ser reconheci<strong>da</strong> quando ficar<br />

prova<strong>da</strong> a sua contribuição na prática de ação ou omissão que<br />

repercuta sobre o descumprimento <strong>da</strong> obrigação tributária, ou então<br />

quando pratica, por culpa ou dolo, o ilícito de evasão tributária. A<br />

apelante fun<strong>da</strong>menta a inclusão do embargante no pólo passivo <strong>da</strong><br />

execução ampara<strong>da</strong> na procuração de f. 35 na qual a empresa<br />

executa<strong>da</strong> outorga os poderes referi<strong>dos</strong> no citado documento ao<br />

apelado. A simples outorga de poderes a determina<strong>da</strong> pessoa não<br />

garante ao fisco a prerrogativa de incluí-la no pólo passivo de<br />

execução fiscal que tenha por objeto a satisfação de valores<br />

referentes a tributos não pagos pela socie<strong>da</strong>de. Certo é que o art 135<br />

do CTN prevê a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> de man<strong>da</strong>tários, no entanto,<br />

quanto às obrigações tributárias resultantes de atos pratica<strong>dos</strong> com<br />

excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, o<br />

que não restou demonstrado nos autos.<br />

A prova incumbe à Fazen<strong>da</strong> Pública. A Fazen<strong>da</strong> Pública é quem<br />

pretende redirecionar a execução para os sócios e coobriga<strong>dos</strong>, por<br />

isso, deve provar a prática de atos com excesso de poderes ou<br />

infração à lei ou a dissolução irregular <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, o que, conforme<br />

já foi dito não ficou comprovado no presente caso.<br />

O simples inadimplemento <strong>da</strong> obrigação tributária não caracteriza<br />

infração à lei, para o efeito de extensão <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

tributária. O Supremo Tribunal Federal, reitera<strong>da</strong>mente, tem feito<br />

saber que a infração à lei, prevista no Código Tributário Nacional,<br />

tem de ser a ação ou omissão, dolosa ou por culpa grave, que cause<br />

prejuízo à Fazen<strong>da</strong> Pública.<br />

A desconsideração <strong>da</strong> personali<strong>da</strong>de jurídica <strong>da</strong> empresa com fins à<br />

caracterização <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária do sócio, constitui<br />

exceção e não pode ser aplica<strong>da</strong> como uma regra geral.<br />

345 Disponível em: http://www.tjmg.gov.br. Acesso em: 28 nov. 2006.


153<br />

O Pretório Excelso já decidiu que o sócio não responde pelas<br />

obrigações fiscais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de quando não se lhe impute conduta<br />

dolosa ou culposa, com violação <strong>da</strong> lei ou do contrato social (RE n.<br />

95.023, rel. Min. Rafael Mayer, DJU 3/11/81, Lex – Jurisprudência do<br />

STF, 38/246.)<br />

O Ministro José Delgado, no julgamento do REsp. n. 86.439-ES,<br />

afirmou que, para se responsabilizar o sócio-gerente pelo débito<br />

fiscal <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, há que se provar que o débito tributário<br />

questionado não foi pago e que esse ilícito só se consumou em<br />

decorrência de práticas que configurem excesso de poder ou<br />

infração defini<strong>da</strong> em lei, contrato social ou estatuto a cargo do sóciogerente.<br />

Afirmou, ain<strong>da</strong>, que o procedimento fiscal há que identificar<br />

o elemento subjetivo, que caracteriza excesso de poder ou que<br />

enquadre o sócio como tendo sido infrator <strong>da</strong> lei, do contrato social<br />

ou do estatuto.<br />

Portanto, não se pode imputar ao embargado a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

prevista no art. 135, III, do Código Tributário Nacional.” [TJMG –<br />

Processo n. 1.0024.04.286543-6/001(1) – 4ª Câm. Cív. – Rel. Des.<br />

Audebert Delage – 10/11/2005, publ. 6/12/2005, grifos nossos.] 346<br />

Apesar do posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, alguns<br />

entendimentos jurisprudenciais ain<strong>da</strong> consideram o não-recolhimento de tributo<br />

como hipótese de infração à lei, acarretando, assim, a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do<br />

administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Nesse sentido, podem-se citar os seguintes julga<strong>dos</strong>:<br />

[...] Examinando as CDAs de fls. 04/05 anexa<strong>da</strong>s aos autos <strong>da</strong><br />

execução em apenso, observa-se que o débito fiscal executado se<br />

refere ao fato gerador ocorrido nos exercícios financeiros<br />

compreendi<strong>dos</strong> entre 1999 e 2000, consubstanciado na falta de<br />

recolhimento de ICMS declara<strong>dos</strong> em DETRI e DAPIS. Noticiam os<br />

autos, ain<strong>da</strong>, que nas <strong>da</strong>tas acima, o Apelante exercia a gerência <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de, fato não negado pela sua pessoa. Por conseguinte, tendo<br />

em vista o inadimplemento do crédito tributário, a Fazen<strong>da</strong> Pública<br />

do Estado de Minas Gerais ajuizou a execução fiscal contra a<br />

empresa autua<strong>da</strong> e, posteriormente, requereu a inclusão do ex-sócio<br />

gerente, ora Apelante, no pólo passivo <strong>da</strong> lide.<br />

Inicialmente, esclarece-se que a matéria encontra-se regi<strong>da</strong> pelo art.<br />

135, inciso III, do CTN, o qual determina que:<br />

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos<br />

correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos<br />

pratica<strong>dos</strong> com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social<br />

ou estatutos:<br />

346 Disponível em: http://www.tjmg.gov.br. Acesso em: 30 nov. 2006.


154<br />

[...];<br />

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de<br />

direito privado.<br />

Neste aspecto, faz-se necessário ressaltar que a doutrina ain<strong>da</strong><br />

diverge, quando é chama<strong>da</strong> a definir se o não recolhimento do tributo<br />

constitui, por si só, infração à lei apta a ensejar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

pessoal <strong>da</strong>queles que exerciam a gerência <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de à época em<br />

que foi constituí<strong>da</strong> a obrigação tributária.<br />

Entendo que aqueles que exercem a administração de uma<br />

socie<strong>da</strong>de são responsáveis por fazer cumprir as obrigações desta,<br />

entre elas a do pagamento de tributos, e deixando de recolhê-los a<br />

tempo e modo, infringem, a lei tributária e, nestas circunstâncias,<br />

pela interpretação do dispositivo legal acima citado, seus bens<br />

particulares podem vir a responder pelo débito fiscal <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de,<br />

uma vez que a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> é pessoal.<br />

Assim, o não recolhimento do tributo, por si só, constitui infração à lei<br />

tributária, razão pela qual o sócio-gerente deve ser responsabilizado<br />

pessoalmente pelos créditos relativos às obrigações constituí<strong>da</strong>s à<br />

época do gerenciamento, e cujo adimplemento não tenha sido por<br />

ele providenciado’. [...]. [TJMG. Processo n. 1.0016.04.036866-<br />

0/001(1) – 8ª Câm. Cív. – Rel. Des. Duarte de Paula – 24/11/2005,<br />

publ. 4/10/2006, grifos nossos.] 347<br />

‘[...] É cediço que o Código Tributário Nacional preconiza a existência<br />

<strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> solidária de terceiros, prevendo-a no art. 134, e<br />

a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> por substituição, no art. 135.<br />

Nesta esteira, a soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong>de advém <strong>da</strong> intervenção do sócio nos<br />

atos ou pelas omissões de que for responsável, ao passo que a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do sócio por substituição se dá quando a obrigação<br />

tributária é resultante de atos pratica<strong>dos</strong> com excesso de poderes ou<br />

infração de lei, contrato social ou estatutos.<br />

Assim sendo, tenho que o deslinde <strong>da</strong> presente questão não está<br />

vinculado ao fato <strong>da</strong> empresa Siderleste ter <strong>da</strong>do continui<strong>da</strong>de ou<br />

não às suas ativi<strong>da</strong>des após a retira<strong>da</strong> <strong>dos</strong> agravantes do quadro<br />

social, conforme pretenderam os recorrentes, mas, advém <strong>da</strong><br />

configuração in casu do disposto nos arts. 134 ou 135, do Código<br />

Tributário Nacional.<br />

Os agravantes eram sócios <strong>administradores</strong>, como declaram às f.13,<br />

ou seja, sócios-gerentes <strong>da</strong> empresa executa<strong>da</strong> até a <strong>da</strong>ta de<br />

1°/8/1996, quando então cederam suas quotas, nos termos do<br />

documento de f. 79/83.<br />

Destarte, no período em que ocorreu o fato gerador que deu origem<br />

ao título exeqüendo, 08/94 a 11/94, nos termos <strong>da</strong> certidão de dívi<strong>da</strong><br />

347 Disponível em: http://www.tjmg.gov.br. Acesso em: 28 nov. 2006.


155<br />

ativa de f. 32, eram os agravantes sócios-gerentes <strong>da</strong> empresa<br />

Siderleste.<br />

Assim sendo, conforme entendimento já esposado em julgamentos<br />

anteriores, tenho que os sócios em condições como a que ora se<br />

apresentam os agravantes são sujeitos passivos <strong>da</strong> obrigação<br />

tributária, na quali<strong>da</strong>de de responsáveis por substituição, nos termos<br />

do art. 135, inciso III, do CTN.<br />

Com efeito, tenho que o sócio-gerente de socie<strong>da</strong>de por quotas é<br />

objetivamente responsável pelo débito fiscal, desde que o fato<br />

gerador tenha se originado no período de seu gerenciamento,<br />

constituindo violação à lei o não recolhimento do tributo no prazo<br />

competente.<br />

Neste sentido, também a jurisprudência do STJ:<br />

‘O sócio-gerente de uma socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> é responsável, por<br />

substituição, pelas obrigações fiscais <strong>da</strong> empresa a que pertencera,<br />

desde que essas obrigações tributárias tenham fato gerador<br />

contemporâneo ao seu gerenciamento, pois que age com violação à<br />

lei o sócio-gerente que não recolhe os tributos devi<strong>dos</strong>’. (RSTJ<br />

53/262). [TJMG – Apelação n. 1.0105.96.000489-0/001(1). 3ª Câm.<br />

Cív. – Rel. Des. Lamberto Sant'anna – 23/9/2004, publ. 8/10/2004,<br />

grifos nossos]. 348<br />

[...] É que reputo como essencial obrigação <strong>dos</strong> sócios o<br />

recolhimento <strong>dos</strong> tributos no prazo legal, de modo que, assim não<br />

agindo, respondem pelo débito tributário existente, como o prevê o<br />

art. 135, III, do CTN, à vista <strong>da</strong> patente infração de lei.<br />

Com efeito, assim o preceitua o art. 135 e inciso III, do CTN, verbis:<br />

‘Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos<br />

correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos<br />

pratica<strong>dos</strong> com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social<br />

ou estatutos:<br />

[...];<br />

III – os diretores, gerentes ou representantes <strong>da</strong>s pessoas jurídicas<br />

de direito privado.’<br />

Daí que, como se observa <strong>da</strong> literali<strong>da</strong>de do aludido preceito,<br />

induvi<strong>dos</strong>a é a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong>, por substituição tributária, <strong>dos</strong><br />

diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito<br />

privado, pelo pagamento <strong>dos</strong> tributos, desde que, no exercício de<br />

suas ativi<strong>da</strong>des, tenham agido com excesso de poderes ou com<br />

infração de lei ou contrato social.<br />

Logo, como já se afirmou, infringe a lei o sócio que deixa de recolher,<br />

na forma e prazos legais, os tributos devi<strong>dos</strong> pela empresa devedora<br />

e, como responsável tributário, pode ser citado e ter seus bens<br />

348 Disponível em http://www.tjmg.gov.br. Acesso em 28 nov. 2006.


156<br />

penhora<strong>dos</strong>, mesmo que não conste <strong>da</strong> certidão de dívi<strong>da</strong> ativa seu<br />

nome.<br />

A propósito, assim já o decidiu o STF, verbis:<br />

‘As pessoas referi<strong>da</strong>s no inciso III do art. 135 do CTN são sujeitos<br />

passivos <strong>da</strong> obrigação tributária, na quali<strong>da</strong>de de responsáveis por<br />

substituição, e, assim sendo, aplica-se-lhes o disposto no art. 568, V,<br />

do Código de Processo Civil, apesar de seus nomes não constarem<br />

do título extrajudicial. Assim podem ser cita<strong>dos</strong> – e ter seus bens<br />

penhora<strong>dos</strong> – independentemente de processo judicial prévio para a<br />

verificação <strong>da</strong> ocorrência inequívoca <strong>da</strong>s circunstâncias de fato<br />

aludi<strong>da</strong>s no art. 135, caput, do CTN, matéria essa que, entretanto,<br />

poderá ser discuti<strong>da</strong>, amplamente, nos embargos à execução’. (STF,<br />

RE 99.551-0, LEX-JSTF 57/124.)<br />

Considerando-se, assim, que a falta de recolhimento de tributos<br />

configura ofensa à lei tributária, respondem os sócios, ex vi art 135,<br />

III, do CTN, como responsáveis tributários. [TJMG – Processo n.<br />

1.0525.03.039186-2/001(1) – 5ª Câm. Cív. Rel. Des. Cláudio Costa –<br />

23/3/2006, publ. 11/4/2006, grifos nossos.] 349<br />

‘[...] Conheço do recurso, pois presentes seus pressupostos de<br />

admissibili<strong>da</strong>de.<br />

In casu, tem-se como origem e natureza <strong>da</strong> cobrança em comento<br />

crédito tributário não contencioso, referente ao não recolhimento de<br />

ICMS nos meses indica<strong>dos</strong> na CDA de f. 13, TJ.<br />

O art. 16, IX, <strong>da</strong> Lei n. 6.763/75 determina que é obrigação do<br />

contribuinte ‘pagar o imposto devido na forma e prazos estipula<strong>dos</strong><br />

na legislação tributária’, constituindo infração ‘to<strong>da</strong> omissão<br />

voluntária ou involuntária que importe em observância, por parte de<br />

pessoa física ou jurídica de norma estabeleci<strong>da</strong> por lei, regulamento<br />

ou ato administrativo de caráter normativo’.<br />

No caso sub judice, tem-se o descumprimento de obrigações<br />

estabeleci<strong>da</strong>s por ordenamento legal, qual seja, a Lei n. 6.763/75,<br />

restando configura<strong>da</strong> infração à lei, aplicando-se, portanto, o art. 135,<br />

III, do CTN. [...]’. [TJMG – Processo n. 1.0024.00.098365-0/001(1) –<br />

1ª Câm. Cív. – Rel. Des. Eduardo Andrade – 31/1/2006, publ.<br />

10/3/2006.] 350<br />

Execução Fiscal – Embargos – Não-recolhimento de tributo –<br />

Responsabili<strong>da</strong>de do Sócio. O não recolhimento do tributo<br />

caracteriza infração à lei, tornando as pessoas referi<strong>da</strong>s no inciso III<br />

do art. 135 do CTN responsáveis, por substituição, pelas obrigações<br />

fiscais que tenham fato gerador contemporâneo ao seu<br />

gerenciamento. [TJMG – Processo n. 1.0000.00.158982-9/000(1) –<br />

349 Disponível em http://www.tjmg.gov.br. Acesso em 28 nov. 2006.<br />

350 Disponível em: http://www.tjmg.gov.br. Acesso em: 28 nov. 2006.


157<br />

5ª Câm. Cív. – Rel. Des. Amilar <strong>Campos</strong> Oliveira – 2/12/1999, publ.<br />

21/12/1999, grifos nossos]. 351<br />

[...] Sobre a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do administrador ou sócio o Código<br />

Tributário Nacional prescreve:<br />

‘Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos<br />

correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos<br />

pratica<strong>dos</strong> com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social<br />

ou estatutos:<br />

[...];<br />

III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de<br />

direito privado.’<br />

Assim, para que inci<strong>da</strong> o dispositivo, necessário se faz que o sócio<br />

tenha agido com excesso de poderes ou infração de lei ou de<br />

contrato social.<br />

No caso em tela, em se tratando de ICMS, tributo suportado pelo<br />

consumidor final, a sua retenção configura infração à lei e ilícito<br />

penal, gerando a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> prevista no art. 135, acima<br />

transcrito.<br />

O STJ assim decidiu:<br />

‘Tributário. Extinção <strong>da</strong> empresa. Responsabili<strong>da</strong>de tributária <strong>dos</strong><br />

sócios gerentes.<br />

No sistema jurídico-tributário vigente, o sócio gerente é responsável<br />

– por substituição – pelas obrigações tributárias resultantes de atos<br />

pratica<strong>dos</strong> com infração a lei ou cláusulas do contrato social (CTN,<br />

art. 135).<br />

Obrigação essencial a todo administrador é a observância do<br />

pagamento <strong>dos</strong> tributos, no prazo consignado na legislação<br />

pertinente.<br />

Em se cui<strong>da</strong>ndo, no caso, de débito relativo a ICMS, é de presumir<br />

que os gerentes <strong>da</strong> empresa, embora tenham recebido <strong>dos</strong><br />

consumidores finais este imposto, nas operações realiza<strong>da</strong>s,<br />

retar<strong>da</strong>ram o recolhimento aos cofres <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>, com evidente<br />

infração a lei, porquanto a sonegação de tributo constitui crime<br />

tipificado em legislação específica.<br />

É jurisprudência assente na Corte que as pessoas enumera<strong>da</strong>s no<br />

art. 135, III, do CTN, são sujeitos passivos <strong>da</strong> obrigação tributária<br />

(por substituição), podendo ser cita<strong>dos</strong> com a penhora de seus bens,<br />

ain<strong>da</strong> que os seus nomes não constem no respectivo título<br />

extrajudicial.<br />

351 Disponível em: http://www.tjmg.gov.br. Acesso em: 28/11/2006.


158<br />

Recurso provido. Decisão unânime.’ (REsp. 68.408/RS, Rel. Min.<br />

Demócrito Reinaldo, DJ 24/6/1996)<br />

Com razão a r. sentença ao afirmar que ‘o simples fato de sonegar o<br />

recolhimento do tributo, já devi<strong>da</strong>mente pago pelo consumidor final<br />

quando <strong>da</strong> operação de ven<strong>da</strong> <strong>da</strong>s mercadorias, em total infração à<br />

lei, é mais que suficiente para se concluir pela responsabilização<br />

tributária <strong>dos</strong> coobriga<strong>dos</strong> no caso em análise (fls. 189)’. [TJMG –<br />

Processo n. 1.0441.05.002164-7/001(1) – 1ª Câm. Cív. – Rel. Des.<br />

Corrêa de Marins –24/10/2006, publ. 17/11/2006, grifos nossos.] 352<br />

[...] ‘E a falta do recolhimento <strong>dos</strong> tributos devi<strong>dos</strong> pela socie<strong>da</strong>de,<br />

ato de gestão, fere a um só tempo a lei e o estatuto, <strong>da</strong>í a<br />

possibili<strong>da</strong>de <strong>dos</strong> sócios serem incluí<strong>dos</strong> no pólo passivo <strong>da</strong><br />

execução na qual pretende receber o tributo não recolhido no prazo<br />

legal.’ [...]. [TJMG – Processo n. 1.0153.03.023424-6/001(1) – 1ª<br />

Câm. Cív. – Rel. Des. Geraldo Augusto – 13/6/2006, publ. 14/7/2006,<br />

grifos nossos.] 353<br />

Apesar <strong>da</strong> determinação <strong>dos</strong> cita<strong>dos</strong> jurisprudenciais, o entendimento que<br />

prevalece, conforme doutrina e jurisprudência apresenta<strong>dos</strong> ao longo deste texto, é<br />

o de que o mero não-recolhimento de tributos não configura infração à lei capaz de<br />

acarretar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> com fulcro no<br />

art. 135, III, do Código Tributário Nacional.<br />

De todo o exposto, conclui-se que o art. 135 do Código Tributário<br />

Nacional, estabelece hipótese de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> por substituição, conforme<br />

analisado, em que o dever jurídico tributário nasce diretamente contra o responsável<br />

que assume a posição jurídica do contribuinte. Tal atribuição de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

ocorre porque o responsável agiu de forma contrária ao contrato social, ou infringiu<br />

man<strong>da</strong>mento previsto em lei, o que tornou a pessoa jurídica inadimplente perante o<br />

Fisco em razão de sua conduta.<br />

Nesse contexto, não teria sentido que o administrador substituísse a<br />

pessoa jurídica no pólo passivo <strong>da</strong> obrigação tributária em razão do simples nãorecolhimento<br />

de tributo, já que tal ato não configura uma representação ilegal ou<br />

com excesso de poderes, exerci<strong>da</strong> pelo administrador, não fazendo a empresa<br />

incorrer em débito indevido. Dessa forma, o administrador poderá responder<br />

pessoalmente pela obrigação tributária quando esta for resultante de ato doloso<br />

praticado por ele.<br />

352 Disponível em: http://www.tjmg.gov.br. Acesso em: 28 nov. 2006.<br />

353 Disponível em: http://www.tjmg.gov.br. Acesso em: 28 nov. 2006.


159<br />

O inadimplemento tributário, ain<strong>da</strong> que constitua infração à lei, em uma<br />

visão lato sensu, não pode ser considerado suficiente para gerar a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

do administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de com fulcro no art. 135, III, do Código Tributário<br />

Nacional. Para que reste configura<strong>da</strong> a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> pessoal do administrador,<br />

ao inadimplemento tributário deve ser soma<strong>da</strong> uma conduta ilícita <strong>da</strong>quele. Assim, o<br />

administrador <strong>da</strong> limita<strong>da</strong> não pode ser responsabilizado por um débito tributário <strong>da</strong><br />

socie<strong>da</strong>de, que foi regularmente escriturado, já que não é justo que respon<strong>da</strong> pela<br />

má situação financeira <strong>da</strong> pessoa jurídica decorrente <strong>dos</strong> riscos naturais <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de<br />

comercial. É necessário, portanto, que o inadimplemento tributário seja<br />

acompanhado ou decorrente de uma conduta ilícita, dolosa do administrador. Seria o<br />

caso, por exemplo, do administrador que deixa de pagar os tributos devi<strong>dos</strong> para se<br />

apropriar de tais valores.<br />

É importante frisar que o art. 153, III do Código Tributário Nacional visa<br />

transferir a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> para o administrador que operou dolosamente,<br />

caracterizando, assim, espécie de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> subjetiva.


160<br />

8 CONCLUSÃO<br />

Neste trabalho, buscou-se analisar, de forma didática e direciona<strong>da</strong>, a<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong><br />

pelas obrigações tributárias <strong>da</strong> pessoa jurídica, trazendo as discussões doutrinárias<br />

e os posicionamentos mais modernos a respeito desse tema tão controvertido. No<br />

estudo, recorreu-se, ain<strong>da</strong>, à mais recente jurisprudência do Superior Tribunal de<br />

Justiça, já que tal Corte de Justiça destina-se a uniformizar os entendimentos<br />

jurisprudenciais sobre temas como o ora analisado.<br />

O administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de é a pessoa incumbi<strong>da</strong> de dirigir a<br />

socie<strong>da</strong>de para que ela realize o objeto para o qual foi cria<strong>da</strong>, executando medi<strong>da</strong>s<br />

de comando e de representação. No exercício regular de suas atribuições, o<br />

administrador não é responsável pelas obrigações contraí<strong>da</strong>s, já que este apenas<br />

manifesta a vontade <strong>da</strong> pessoa jurídica, sendo esta a única responsável por tais<br />

obrigações.<br />

No que se refere à socie<strong>da</strong>de de <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> limita<strong>da</strong>, como o<br />

próprio nome indica, entre suas principais características encontra-se a limitação <strong>da</strong><br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios, que se opera <strong>da</strong> seguinte forma: to<strong>dos</strong> os sócios são<br />

responsáveis não apenas pelo pagamento <strong>da</strong>s quotas subscritas, mas pela<br />

integralização do capital <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. Por essa integralização do capital social<br />

respondem os sócios de forma solidária, nos termos do art. 1.052 do Código Civil de<br />

2002. No entanto, uma vez integralizado o capital social, os sócios, <strong>administradores</strong><br />

ou não, regra geral, não podem ser chama<strong>dos</strong> a responder pelas obrigações sociais.<br />

Nesse aspecto, a socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> apresenta-se como uma socie<strong>da</strong>de de capitais,<br />

já que adota o princípio <strong>da</strong> limitação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> sócios.<br />

Observou-se em muitos capítulos que a autonomia patrimonial <strong>da</strong> pessoa<br />

jurídica não é regra absoluta, insuscetível de atenuações. Diante de determina<strong>da</strong>s<br />

circunstâncias, os <strong>administradores</strong> podem ser compeli<strong>dos</strong> a responder por atos<br />

cometi<strong>dos</strong> em nome <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de. A legislação, dessa forma, estabelece hipóteses<br />

em que haverá <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> em relação às obrigações<br />

sociais.


161<br />

Entre as hipóteses de responsabilização do administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

procurou-se enfatizar aquela decorrente do vínculo jurídico tributário, ou seja, quais<br />

as circunstâncias em que o administrador responderá pelo débito tributário <strong>da</strong><br />

pessoa jurídica. A relação jurídica tributária, como apresentado no trabalho, é aquela<br />

constituí<strong>da</strong> entre o Estado (Fisco) e o sujeito passivo, contribuinte ou responsável, e<br />

que tenha por objeto a imposição, cobrança, fiscalização e arreca<strong>da</strong>ção de tributos.<br />

A <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> prevista no art. 135, III,<br />

do Código Tributário Nacional, preconiza que estes se põem em tal situação "pelos<br />

créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos pratica<strong>dos</strong> com<br />

excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos".<br />

Conforme analisado, regra geral, o Código Tributário Nacional prevê uma<br />

<strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária objetiva, ou seja, desvincula<strong>da</strong> de qualquer elemento<br />

volitivo, no entanto a <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> atribuí<strong>da</strong> ao administrador pelo art. 135, III,<br />

do referido diploma legal caracteriza-se como subjetiva, pois requer uma conduta<br />

dolosa por parte dele.<br />

Essa <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> do administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong>, com<br />

exclusão <strong>da</strong> pessoa jurídica do pólo passivo <strong>da</strong> obrigação tributária, será pessoal<br />

tendo em vista que aquele agiu de forma contrária à lei ou ao estatuto social e, por<br />

isso, recebe por inteiro o dever de arcar com o pagamento do crédito tributário.<br />

O ato ilícito, contrário à lei ou ao contrato social, significativo de um intuito<br />

fraudulento do administrador, é a causa, eleita pela lei, para atribuir <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong><br />

pessoal ao mesmo pelas obrigações tributárias. Ressalte-se, mais uma vez, que o<br />

art. 135, III, pressupõe uma conduta ilícita por parte do administrador <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />

limita<strong>da</strong>.<br />

A imputação <strong>da</strong> <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> tributária ao administrador deriva,<br />

assim, <strong>da</strong> presença de provas ou indícios quanto à sua intenção de agir<br />

maliciosamente, com vista a prejudicar a Administração Tributária ou ain<strong>da</strong> <strong>da</strong><br />

comprovação <strong>da</strong> prática de um ato irregular de gestão.<br />

Questão intensamente debati<strong>da</strong> pela doutrina e pela jurisprudência referese<br />

à possibili<strong>da</strong>de de caracterização do inadimplemento tributário como uma infração<br />

legal para fins do disposto no art. 135, III, do Código Tributário Nacional. O<br />

entendimento majoritário atual do Superior Tribunal de Justiça é de que o mero


162<br />

inadimplemento do tributo não caracteriza infração à lei, pois, se assim fosse, estarse-ia<br />

admitindo a responsabilização ilimita<strong>da</strong> <strong>dos</strong> <strong>administradores</strong> de uma socie<strong>da</strong>de<br />

limita<strong>da</strong>, ignorando to<strong>dos</strong> os princípios de direito societário.<br />

Dessa forma, caso fosse possível a responsabilização do administrador<br />

<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de limita<strong>da</strong> pelo inadimplemento <strong>da</strong>s obrigações tributárias, sem qualquer<br />

prova de sua conduta contrária à lei ou ao contrato social, tal <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> seria<br />

objetiva, uma vez que desvincula<strong>da</strong> de qualquer atitude culposa ou dolosa do<br />

administrador na condução <strong>dos</strong> negócios sociais. O descumprimento <strong>da</strong> obrigação<br />

tributária sem qualquer conduta fraudulenta, ilícita do administrador caracteriza mero<br />

inadimplemento tributário, cuja <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> deve ser atribuí<strong>da</strong> à pessoa<br />

jurídica.<br />

A infração à lei para fins do disposto no art. 135, III, do Código Tributário<br />

Nacional consiste no ato praticado pelo administrador com o dolo de lesar o Fisco,<br />

seja ou não em benefício <strong>da</strong> pessoa jurídica, de forma que o mero inadimplemento,<br />

embora caracterize violação de dever jurídico, não se enquadra nessa definição.<br />

O administrador não pode responder pelas situações relaciona<strong>da</strong>s ao<br />

risco, à própria dinâmica <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong>de comercial, como ocorre no caso do<br />

inadimplemento <strong>da</strong>s obrigações tributárias, devi<strong>da</strong>mente escritura<strong>da</strong>s, diante <strong>da</strong> má<br />

situação financeira <strong>da</strong> pessoa jurídica. Se não há comprovação de uma conduta<br />

ilícita do administrador que cause o inadimplemento <strong>da</strong> obrigação tributária, não há<br />

que se falar na <strong>responsabili<strong>da</strong>de</strong> dele pela mora <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de.


163<br />

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