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<strong>TOM</strong> <strong>JOBIM</strong><br />
Por Pedro Paulo Malta<br />
1927 – Em 25 de janeiro, às 23h15, nasce Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim,<br />
primeiro dos dois filhos de Nilza Brasileiro de Almeida e Jorge de Oliveira Jobim. O<br />
local de nascimento foi a casa em que moravam com os pais de Nilza, Azor e Emília<br />
(Mimi), na Rua Conde de Bonfim, 634, na Tijuca. Foi lá o parto realizado pelo Dr. José<br />
Rodrigues da Graça Mello, o mesmo que trabalhara como assistente no nascimento de<br />
Noel Rosa, em 11 de dezembro de 1910. Por coincidência, Antonio Carlos nasce com<br />
um afundamento no maxilar (além de uma parte mais alta no crânio), o que deixa a<br />
mãe em prantos, mas o médico tranquiliza: “Ele deve ter ficado com o maxilar esquerdo<br />
apoiado no osso da bacia da mãe. Mas isso conserta com o tempo”. Dito e feito:<br />
em dois meses, tudo no lugar.<br />
Nilza era carioca, nascida<br />
em 1910, e se tornaria<br />
professora. Jorge, nascido<br />
em 1889, era gaúcho da<br />
cidadezinha de São Gabriel<br />
e vivia como escritor,<br />
poeta, crítico, jornalista e<br />
diplomata – tendo servido<br />
de 1916 a 24, com passagens<br />
por Equador, Argentina,<br />
Peru e Chile. Formado<br />
em Direito (1910),<br />
recebeu em 1920 a Ordem<br />
do Rei Leopoldo, conferida<br />
pelo rei da Bélgica,<br />
Alberto I, em sua visita<br />
ao Brasil. Como escritor,<br />
publicou três coletâneas<br />
em parceira com Alberto<br />
de Oliveira e, sozinho, fez<br />
os livros Poesias, Colmeia<br />
Cristã e a coletânea de<br />
contos Ó Minha Infância<br />
(1927), esta última<br />
dedicada ao filho recém-nascido: “Para o meu Antonio Carlos ler quando tiver oito<br />
anos”. Aventurou-se pela música numa experiência única, mas expressiva: em 1925,<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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foi parceiro do maestro Radamés Gnattali, também gaúcho, numa marcha dedicada ao<br />
Grêmio de Futebol Porto Alegrense.<br />
1928 – No dia do primeiro aniversário, o menino Antonio Jobim é batizado na Igreja<br />
de São Francisco Xavier (Tijuca), tendo como padrinhos os tios maternos Marcello e<br />
Yolanda. As condições financeiras dos Brasileiro de Almeida se apertam, e todos – inclusive<br />
Jorge, Nilza e o filho – trocam a Tijuca por Ipanema, que, àquela época, ainda<br />
era um areal longe das benesses da cidade. Vão morar numa casa alugada na Rua<br />
Barão da Torre, perto do Jardim de Alah. Como em Ipanema ainda não havia postos<br />
de salvamento, caminhavam até Copacabana para tomar banho de mar.<br />
Jorge desaprovava o programa, pois não gostava que a esposa saísse sem ele. Permanentemente<br />
incomodado com a beleza de Nilza, era do tipo que não deixava a mulher<br />
usar traje de banho, nem pintura no rosto. Os 21 anos que separavam suas idades<br />
agravavam seus ataques de ciúme, que sempre resultavam em brigas intermináveis. Até<br />
que Jorge anunciou que precisava descansar uns dias em Petrópolis e ficou morando<br />
por lá.<br />
1930 – Jorge volta para casa e é aceito por Nilza. Reencontra o pequeno Antonio<br />
Carlos muito apegado à mãe e aos avós, especialmente à vó Mimi. Não consegue<br />
estabelecer um canal de comunicação com o filho. Vão morar numa casa na Travessa<br />
Trianon, transversal à Rua Siqueira Campos, em Copacabana. Entre as gracinhas do<br />
menino estavam os versinhos ensinados pelos familiares. Dormia quase sempre no<br />
colo de alguém, no vaivém da cadeira de balanço, ouvindo música – Nilza ou vó Mimi<br />
cantando (eram ótimas cantoras, além de pianistas) e tio Marcello no violão. No repertório,<br />
cantigas tradicionais, como Casinha Pequenina, Boi Surubi, Pobre Peregrino,<br />
Minha Terra e A Cabocla.<br />
1931 – Em 23 de fevereiro, nasce a única irmã de Antonio Carlos, Helena Isaura. Em<br />
vez de ciúme, reação esperada de qualquer ex-filho único, o menino assume a postura<br />
de protetor da petiz. Em troca, ganharia dela o apelido Tom-Tom, que, reduzido à<br />
metade, acabaria virando o nome artístico que o acompanhou pela vida inteira.<br />
1932 – Com a morte de vó Mimi (em agosto) e a melancolia que se abate sobre Azor,<br />
a família decide deixar a casa da Travessa Trianon. Mudam-se todos para um sobrado<br />
na Rua Constante Ramos, também em Copacabana. Nesta fase, o passatempo preferido<br />
do menino era desenhar. Mas ficava indignado quando não reconheciam o que<br />
tinha desenhado. Um pouco mais adiante, outro passatempo predileto seriam as idas<br />
ao Cinema Americano, para assistir aos filmes do herói Tom Mix.<br />
1934 – Jorge Jobim sai de casa pela segunda vez. Ele e a esposa já não dormiam no<br />
mesmo quarto, de tão doente dos nervos que ele andava. Em seu último ano de vida,<br />
viu os filhos uma só vez, numa ocasião em que os levou para pescar. Em setembro, é<br />
internado pelo psiquiatra Januário Bittencourt (seu primo) na Casa de Saúde Dr. Eiras,<br />
em Botafogo. Diagnosticado com neurose incoercível, sífilis e dilatação da aorta, tinha<br />
surtos frequentes.<br />
1935 – Em 19 de julho, Jorge Jobim morre na Casa de Saúde Dr. Eiras, aos 46 anos,<br />
de súbita e fulminante parada cardíaca. Com o pintor Oswaldo Teixeira deixou um<br />
poema, para “quando eu me for deste mundo”. Chamava-se Felicidade e retratava os<br />
filhos. A causa mortis informada no boletim da casa de saúde – “colapso cardíaco” –<br />
afastou os boatos que por muito tempo assombrariam a família, de que Jorge havia<br />
cometido suicídio.<br />
Com 8 anos, Tom recebeu a notícia da morte por Azor. “Não me importo, não”, disse<br />
o menino, tentando aliviar o desconforto do avô. Apesar da pouca convivência com<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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Jorge Jobim, Tom repetiria no futuro algumas manias do pai, como o hábito de ler<br />
dicionários e a maleta de remédios que carregava para todos os lados. Sua maior<br />
referência masculina na infância foi mesmo o avô Azor, paulista de Capivari e criador<br />
do sobrenome Brasileiro de Almeida, no início do século XX, quando já era oficial do<br />
Exército (do qual chegaria a coronel). Foi sob a influência da doutrina positivista – que<br />
recomendava a seus adeptos uma postura nacionalista em relação ao próprio nome –<br />
que Azor Almeida Leme virou Azor Brasileiro de Almeida. No mesmo contexto “nasceram”<br />
outros sobrenomes patrióticos, como Brasílio Itiberê, Índio do Brasil e Suassuna.<br />
Segundo o escritor e pesquisador Sérgio Cabral (em Antonio Carlos Jobim, uma Biografia),<br />
é bem possível que a paixão de Tom pela natureza tenha começado na convivência<br />
com Azor, que costumava levar o neto às expedições que fazia pelo Morro do<br />
Cantagalo, entre Ipanema e Copacabana. “Eu estou metido nesse negócio de ecologia<br />
desde que me entendo por gente”, diria Tom num especial da Rede Globo. “Eu só não<br />
sabia que tinha esse nome.”<br />
O ano de 1935 é marcado também pelo ingresso de Tom no Colégio Mallet Soares<br />
(Copacabana), onde é alfabetizado pela professora Fabíola Araújo Bittencourt, com<br />
quem “aprendeu a ler e a escrever em apenas três meses” – aspas da própria professora,<br />
retiradas de uma matéria de jornal citada por Sérgio Cabral. Na mesma matéria,<br />
D. Fabíola relembra que Tom era ambidestro (originalmente canhoto, mas adestrado a<br />
escrever com a mão direita).<br />
1936 – Nosso personagem lê seu primeiro livro: Juca e Chico, de Wilhelm Busch, traduzido<br />
por Olavo Bilac. A paixão pela leitura – especialmente pela poesia de Bilac e a<br />
literatura infanto-juvenil de Monteiro Lobato – foi mais um presente que Tom recebeu<br />
do vô Azor.<br />
1937 – Nilza se casa pela segunda vez, com o matemático Celso da Frota Pessoa, e<br />
com ele vive um casamento feliz. Socialista e agnóstico, Celso era amigo de Marcello<br />
Brasileiro de Almeida, irmão de Nilza. Vão morar na Rua Almirante Saddock de Sá,<br />
276, em Ipanema, na casa em que já morava Yolanda (irmã de Nilza) e o marido, o<br />
professor, engenheiro e estudioso de astronomia João Lyra Madeira. Na casa de dois<br />
andares, Celso, Nilza, Tom e Helena moram no térreo, com Azor. Já o segundo andar é<br />
habitado por Yolanda e João e os primos Marcello e Lúcia. “Me ensinou muita coisa”,<br />
dizia Tom sobre o tio João, que tocava violão e gostava do repertório erudito, de<br />
Brahms, Bach e Chopin, além dos compositores espanhóis. O menino gostava de ir à<br />
casa da família Lyra Madeira (um casarão na Rua Marquês de São Vicente) para ouvi-lo<br />
tocar violão clássico.<br />
A veia musical de Tom pode ter herdado alguma coisa também do boêmio tio Marcello,<br />
agrônomo de profissão e profundo conhecedor de literatura. Cantor, violonista e<br />
compositor (de músicas que se perderam), Marcello conheceu Noel Rosa pessoalmente<br />
e era amigo de Luís Barbosa, um dos precursores do samba de breque, que chegou a<br />
frequentar as reuniões musicais na casa da família Brasileiro de Almeida. A mãe, Nilza,<br />
também tocava violão e cantava muito bem.<br />
Entre as memórias da Ipanema dos anos 30, Tom se lembrava especialmente da praia,<br />
com sua areia fina, “que cantava no pé” e “fazia cuim, cuim, cuim”, e o mar límpido,<br />
azul, transparente, cheio de peixes. “Havia dias que não caíamos n’água com medo<br />
dos peixes. A gente jogava pedra pro peixe sair e poder tomar banho”, conta Tom em<br />
depoimento transcrito no livro de Sérgio Cabral. A fauna que frequentava as areias de<br />
Ipanema – calangos, socós, marrecos irerê, cobras verdes – também podia ser encontrada<br />
na lagoa Rodrigo de Freitas. “A lagoa era a coisa mais piscosa do mundo, cheia<br />
de pássaros aquáticos, garças, marrecos. Os peixes adoravam a lagoa.” Com os amigos<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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Mosca e Rubinho Boneco, Tom gostava de pegar jacaré nas ondas, jogar bola de gude<br />
na areia e travar batalhas usando como munição os frutos que caíam das amendoeiras<br />
e pitangueiras que havia na beira do mar e da lagoa.<br />
1938 – Com o primário completo no Colégio Mallet Soares, Tom passa a frequentar o<br />
Externato Melo e Souza, na Rua Teixeira de Melo, em Copacabana. As péssimas notas<br />
e a reprovação no primeiro ano ginasial fazem com que o menino seja matriculado<br />
pelo padrasto no Colégio Andrews, onde cursará o ginásio a partir do ano seguinte<br />
(1939). O desempenho nos boletins não irá melhorar tanto e Tom mudará de colégio<br />
outras vezes durante sua vida escolar, frequentando os colégios Paula Freitas, Rio de<br />
Janeiro e Juruena (segundo grau).<br />
Também em 1938, Nilza funda em casa um jardim de infância, para cuidar dos filhos<br />
de mães ipanemenses que saíam para trabalhar: a Escola Brasileira, que em 1946 –<br />
com a inclusão do curso ginasial – mudaria de nome para Colégio Brasileiro de Almeida.<br />
Para acomodar as crianças, fez obras na casa, criando um segundo andar em cima<br />
da garagem. Como parte do equipamento adquirido para a escolinha, Nilza alugou um<br />
piano Beckstein, de segunda mão, colocado na garagem, para servir às aulas de música<br />
e ginástica. Além disso, Nilza esperava que o instrumento inspirasse Helena a se tornar<br />
pianista, já que Tom preferia o futebol e o vôlei na praia – e, além do mais, “tocar<br />
piano não era coisa de homem”, como diria ele, cheio de ironia. Mesmo assim, adorava<br />
os sábados com sarau, quando a família se juntava para cantar Pixinguinha, Bororó,<br />
Custódio Mesquita, Noel Rosa, Lupicínio Rodrigues, Ary Barroso, Dorival Caymmi,<br />
Ataulfo Alves.<br />
Nas férias, a família sempre tomava o trem e rumava para uma cidadezinha próxima<br />
chamada Javari, onde o tio-avô das crianças – Paulo Emílio, irmão de vó Mimi – tinha<br />
um hotel. Nesse “lugar paradisíaco”, Tom estreitava sua relação com a natureza.<br />
1940 – Começou a se familiarizar com as teclas do piano e a arriscar os primeiros<br />
acordes. Não tardou a ter as primeiras aulas com o professor contratado por Nilza para<br />
ensinar as crianças da Escola Brasileira: o alemão Hans Joachim Koellreutter, então<br />
com 24 anos. Começou aprendendo com as outras crianças e depois passou a ter aulas<br />
particulares.<br />
As aulas duraram pouco mais de um ano, tempo em que nosso personagem aprendeu<br />
harmonia e contraponto clássicos, além de “rudimentos de execução pianística”, nas<br />
palavras do próprio Koellreutter, que era de fato flautista e usava o piano como um<br />
instrumento auxiliar. As convicções do mestre a respeito do atonalismo (característica<br />
predominante do dodecafonismo, sistema introduzido no Brasil por Koellreutter) não<br />
foram transmitidas a Tom, que no futuro destacaria que aquelas aulas o despertaram<br />
para “os grandes problemas filosóficos da música”. O aluno do professor Koellreutter<br />
nunca mais deixou o piano. A própria mãe se encarregaria de garantir que os estudos<br />
de piano do menino não fossem abandonados antes das 10h da manhã.<br />
1942 – Tom está com 15 anos quando inicia a amizade com o futuro parceiro Newton<br />
Mendonça, a quem é apresentado por Carlos Madeira. Entrosaram-se na praia, entre<br />
pescarias, jacarés nas ondas e partidas de futebol, vôlei e peteca. E na música, já que<br />
Newton também tocava piano, além de violino e gaita – instrumento que logo contagiou<br />
nosso personagem, que passou a andar pelas ruas de Ipanema soprando sua<br />
gaitinha. Assim como outros integrantes da “turma da Nascimento”, os amigos batiam<br />
ponto no Bar Americano e no Rhenania, onde se reuniam para ver as meninas passarem.<br />
Na mesma praça ficava o Cinema Ipanema, onde Tom e Newton conheciam as<br />
trilhas sonoras e os musicais do cinema americano.<br />
Segundo o livro Caminhos Cruzados, de Jorge Mello, Marcelo Câmara e Rogério<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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Guimarães, os amigos costumavam se encontrar na casa de Newton (Rua Nascimento<br />
Silva) para esboçar rascunhos musicais. “Newton exibia muitos temas que criava e<br />
tocava no piano, as músicas da época – boleros, sambas, guarânias, canções, temas<br />
de filmes. Cole Porter, Glenn Miller, George Gershwin. Tom fazia o mesmo.” O mesmo<br />
livro conta que os dois aspirantes a músico chegaram a fazer parte de uma orquestra<br />
de gaitas, que era dirigida por um dos personagens mais excêntricos daquela Ipanema<br />
dos anos 40: um certo Baudur, sujeito de origem árabe que caminhava pelas ruas com<br />
uma jaguatirica na coleira.<br />
É deste mesmo ano o início de seu primeiro namoro sério: a namorada é a paulistana<br />
Thereza Otero Hermanny, uma morena de olhos verdes que ele conhecia da Praia<br />
de Ipanema, onde a moça se bronzeava, em frente à Rua Montenegro. Estudante do<br />
Externato Mello e Souza e moradora da Rua Barão da Torre, a menina tinha 12 anos<br />
e era descendente de alemães. Tom declamava poesias de Drummond, Bandeira, Jorge<br />
de Lima, Rimbaud e outros poetas para a moça e passava as festas “de par constante”,<br />
cantando no ouvido de Thereza as letras das músicas que dançavam.<br />
1945 – O namoro de Tom e Thereza teve algumas idas e vindas. Nosso personagem<br />
quase perdeu o prumo de vez quando descobriu que a moça não ficou muito tempo<br />
solteira e já andava de namorado novo. Passou a frequentar o psiquiatra, enfurnou-se<br />
na natureza e foi caçar em Leme (SP), de onde voltou decidido a reatar com Thereza,<br />
que não pensou duas vezes. Numa outra separação, Tom teve brucelose, doença que<br />
contraiu ao beber leite contaminado. “Foi a primeira vez que vi a morte de perto”,<br />
disse Tom, segundo Sérgio Cabral. Thereza, que nesta época morava em Petrópolis e<br />
namorava um certo Luís Bisão (apelido de Luís Carlos Vital, filho do futuro prefeito do<br />
Rio, João Carlos Vital), desceu para visitá-lo. Talvez para compensar o péssimo estado<br />
físico (magro além da conta, branco feito vela), Tom vestiu a melhor roupa. Reataram<br />
o namoro.<br />
1946 – Decidido a ganhar seu próprio dinheiro para se casar com Thereza, Tom resolve<br />
ser arquiteto. Reúne-se com os amigos Eduardo Sued, Marcos Konder Neto e Marcelo<br />
Bhering na garagem de sua casa, onde estudam horas a fio com o professor Righetto.<br />
Passa em sexto lugar na prova para a Escola Nacional de Belas Artes e começa a faculdade<br />
cheio de entusiasmo, louco para criar projetos. Chega até a fazer um estágio no escritório<br />
do arquiteto Jorge Moreira, mas o ânimo não foi longe. Segundo Sérgio Cabral,<br />
o sonho da arquitetura naufragou junto com o namoro, desmanchado no segundo mês<br />
de faculdade. A rigor, foram só três meses como estudante de Arquitetura – período que<br />
seria lembrado por Tom Jobim por memórias nada relacionadas a esquadros, pranchetas<br />
e compassos: foi nessa época que viu pela primeira vez o maestro Heitor Villa-Lobos<br />
(que era vizinho da Escola e praticante de bilhar francês na Associação Brasileira de<br />
Imprensa, ali perto) e que conheceu o Bar Vermelhinho – principal ponto de encontro<br />
dos intelectuais. Para deixar a Faculdade de Arquitetura, Tom contou com o apoio do<br />
padrasto, para quem o enteado deveria seguir sua vocação (musical), para se livrar do<br />
estado depressivo em que vivia.<br />
Para se dedicar de vez à música, Tom foi estudar com Lúcia Branco, que, em seu apartamento<br />
no Leblon, ensinava futuros grandes pianistas brasileiros, como os eruditos<br />
Arthur Moreira Lima, Nelson Freire, Jacques Klein e o fronteiriço Luiz Eça. Neste período,<br />
nosso personagem se aproximou das obras de compositores clássicos. “Você tem o<br />
polegar preso”, dizia a professora a Tom, demovendo-o da ideia fixa de ser concertista.<br />
Disse que, pelas músicas que ele havia mostrado a ela, deveria tentar a carreira de<br />
compositor, pois tinha talento. Provavelmente, D. Lúcia se referia ao estudo que seria<br />
considerado a primeira composição de Tom: a valsa Imagina, que dali a algumas décadas<br />
receberia letra de Chico Buarque e seria gravada na trilha sonora do filme Para<br />
Viver um Grande Amor, por Djavan e Olívia Byington.<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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Outros professores vieram em seguida. Com Paulo Silva, docente da Escola Nacional<br />
de Música, Tom estudou harmonia, mas o professor não topava as harmonizações<br />
diferentes que o aluno já propunha. “Ele tinha aquelas regras: não pode fazer quarta,<br />
não pode fazer quinta. Eu me sentia muito preso. Quando eu escrevia alguma coisa da<br />
minha cabeça, ele reclamava”, conta Tom em depoimento a Sérgio Cabral. Depois, veio<br />
o espanhol Tomás Terán, com quem Tom estudou por três anos e de quem se tornou<br />
amigo – coube a ele, grande admirador de Villa-Lobos, apresentar ao aluno a obra<br />
erudita de Radamés Gnattali, que também teria um papel fundamental na trajetória<br />
de nosso personagem. Já com o maestro Alceo Bocchino estudou composição. Outro<br />
regente com quem Tom estudou foi o paulistano Leo Peracchi.<br />
1948 – Tom se muda com a família para outra casa em Ipanema (agora na Rua<br />
Redentor) e o piano vai para a sala. Ele e Thereza decidem se casar, para a ira do pai<br />
dela, Arthur Hermanny, indignado com a pretensão do rapaz, que nem diploma tinha e<br />
ainda por cima era músico. Foi preciso Celso da Frota Pessoa chamá-lo para uma conversa:<br />
explicou ao “alemãozão” – como Tom chamava o futuro sogro – que tinha total<br />
confiança no rapaz e que já estava fazendo obras em casa para receber o casal. Como<br />
Sérgio Cabral destaca em Antonio Carlos Jobim, uma Biografia, Celso estava longe<br />
de ser rico (vivia como funcionário da Prefeitura do Distrito Federal), mas também não<br />
pouparia esforços para ajudar a qualquer um dos dois enteados.<br />
1949 – Em 15 de outubro, Tom se casa com Thereza, numa cerimônia civil em Petrópolis.<br />
Vão morar com a família dele, na Rua Redentor. Pouco depois, o casal ganharia<br />
mais privacidade ao se mudar para um apartamento no Bairro Peixoto, em Copacabana:<br />
era um imóvel miúdo, em cuja sala só cabiam um piano quarto de cauda e um<br />
sofazinho. O pagamento do aluguel era feito por Celso da Frota Pessoa. Nesses primeiros<br />
tempos, o sustento da família Hermanny-Jobim é garantido pelo padrasto de Tom<br />
e também por Thereza, que vai à luta – trabalhando primeiro na Fundação Getúlio<br />
Vargas e depois como professora e secretária do Colégio Brasileiro de Almeida. Engravidou<br />
com dois meses de casada, descumprindo o acordo que tinha feito com os pais:<br />
de que não engravidaria antes do quinto ano de casamento. Outro acordo firmado antes<br />
do casório foi o contrato pré-nupcial assinado por Tom, abrindo mão de qualquer<br />
participação nos bens da família Otero Hermanny.<br />
1950 – Em 4 de agosto, nasce o primeiro filho de Tom e Thereza, Paulo Hermanny<br />
Jobim. Diante daquele “bebê grandão de olhos azuis” (na descrição de Helena Jobim),<br />
o pai sente o peso da responsabilidade e tem uma crise nervosa, durante a qual<br />
desanda a vomitar. Depois de algum tempo fora de si, é resgatado por Tico Soledade,<br />
que (apoiado por Thereza) leva o amigo para passar alguns dias caçando na mata em<br />
Mambucaba, perto de Angra dos Reis (RJ). Volta refeito. É por essa época que começa<br />
a trabalhar como pianista na noite carioca. Forma um conjunto (com Bill no contrabaixo,<br />
Mario Salivas no violão e Juquinha na bateria) para se apresentar na boate Vogue,<br />
em Copacabana, mas o grupo fracassa: são avisados na hora do show que teriam<br />
que tocar músicas francesas, que nada tinham a ver com o repertório do conjunto:<br />
choros e canções americanas.<br />
Continuou tentando a sorte na noite, mas no piano solo. Não se sabe precisamente de<br />
quando a quando Tom atuou como pianista de boate, nem a ordem das casas noturnas<br />
em que trabalhou, mas é sabido que a atividade foi desempenhada por ele na<br />
primeira metade dos anos 50. Sérgio Cabral, no entanto, informa que a primeira boate<br />
em que trabalhou como atração fixa foi o Michel, em Copacabana, onde “dava expediente”<br />
de 18h às 22h. Foi lá que conheceu o pianista Bené Nunes, que virou promoter<br />
espontâneo de nosso personagem, passando a convidar os amigos para assistir ao<br />
jovem talento no Michel ou onde quer que estivesse tocando. “Você precisa conhecer<br />
um pianista novo, muito bom, o Tom.”<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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Foi também no Michel que Tom Jobim se arriscou pela primeira vez como cantor:<br />
“Para desafinar, desafino eu”, dizia, em referencia às cantoras de talento duvidoso que,<br />
volta e meia, tinha que acompanhar. Quando fez temporada no Vogue (desta vez com<br />
repertório mais vasto), volta e meia dividia a cerveja do intervalo com o compositor<br />
Nelson Cavaquinho. Também trabalhou no Tudo Azul, onde foi apresentado pelo amigo<br />
Vinicius a João Gilberto, e no piano de cauda da boate French Can-Can. “Toquei<br />
no Clube do Cinema, no Drink, no Bambu Bar, no Arpège, no antigo Sacha’s, no Monte<br />
Carlo, que era da cadeia do Carlos Machado, com o Night and Day”, conta nosso<br />
personagem em A Vida de Tom Jobim: Depoimento (título lançado dentro da coleção<br />
Gente de Sucesso). Com o amigo Newton Mendonça e outros pianistas da noite, Tom<br />
fazia parte de uma espécie de cooperativa, na qual os músicos se substituíam nas<br />
diversas boates de Copacabana. Uma delas era o Posto Cinco, primeira casa fixa de<br />
Newton – foi onde Tom convidou o iniciante Sérgio Ricardo para ficar no seu lugar.<br />
No troca-troca das casas noturnas, muitas vezes era possível que houvesse confusão.<br />
Certa vez, na boate Monte Carlo (Gávea), João Donato não pôde participar do coro do<br />
espetáculo Qu’Est-Ce Que Tu Penses (de Cesar Ladeira e Haroldo Barbosa) e chamou<br />
para substituí-lo o amigo Tom Jobim, que não estava em época de dispensar trabalhos<br />
musicais. “Jobim só não sabia que teria de vestir a roupa do show, uma fantasia<br />
de rumbeiro cubano com mangas bufantes e todos aqueles bordados característicos”,<br />
conta Sérgio Cabral. No livro Chega de Saudade, o escritor Ruy Castro acrescenta<br />
outras casas que fizeram parte do circuito de Tom Jobim na noite carioca: Mocambo,<br />
Acapulco, Farolito, Mandarim, La Bohème, Dominó, Carrousel, Vogue e Ma Griffe –<br />
esta última, uma das quatro boates-cubículos do Beco das Garrafas.<br />
1952 – Além do trabalho como pianista na noite, foi neste ano que Tom decidiu<br />
ter um emprego diurno: foi trabalhar na Continental Discos, contratado por Sávio<br />
Carvalho de Oliveira, após indicação de Paulo Soledade. “Levava a minha pastinha<br />
com algumas partituras. Alguém cantava uma música batendo na caixa de fósforos<br />
e eu punha a melodia no papel”, lemos no livro A Vida de Tom Jobim: Depoimento.<br />
“Naquela época não havia gravador nem nada. Era tudo de ouvido. Os que existiam<br />
eram grandes móveis, verdadeiros mastodontes. Minha pasta era dessas de attaché,<br />
com pentagrama, lápis, borracha e gilete lá dentro. Lembro do Monsueto chegando lá<br />
com aquele samba Mora na Filosofia. E eu escrevendo a música para ele, riscando o<br />
pentagrama com todo o cuidado. O samba foi o maior sucesso.”<br />
A atividade de escrever música em partitura já tinha sido desempenhada por Tom<br />
pouco depois do nascimento de seu filho, quando o compositor Alcides Fernandes<br />
(que era casado com Silva, empregada da família), lhe arrumou esse bico na Editora<br />
Euterpe. Não chegou a ser, contudo, um emprego como na Continental, onde tinha<br />
como chefe o compositor João de Barro, diretor artístico da companhia. Mas a grande<br />
lembrança de Tom dos tempos de Continental foi seu encontro com o músico que<br />
se tornaria um ídolo e mestre: o maestro Radamés Gnattali. Outro trabalho de Tom<br />
Jobim antes da Continental foi como músico da orquestra da Rádio Clube, uma das<br />
pioneiras da radiodifusão no Brasil, que logo mudaria de nome para Rádio Mundial.<br />
Colaboraram para este emprego o tio Marcello Brasileiro de Almeida, que era bem<br />
relacionado no meio musical e indicou o sobrinho a Victor Costa (diretor da Rádio Nacional),<br />
e Alceo Bocchino, maestro da emissora e ex-professor de Tom. Na Rádio Clube<br />
ele ficou poucos meses, transferindo-se para a Continental.<br />
“Com o salário da Continental, Tom Jobim sentiu-se à vontade para dispensar a ajuda<br />
de Celso da Frota Pessoa e mudou-se com a família para um apartamento de dois<br />
quartos no Edifício Einstein, na Rua Francisco Otaviano, no Posto Seis”, conta Sérgio<br />
Cabral, destacando que o pagamento do aluguel passou a ser uma ideia fixa de nosso<br />
personagem. “Eu estava sempre competindo com o aluguel, pra ver quem chegava<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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antes no fim do mês”, diria Tom Jobim, já famoso e com a vida financeira acertada,<br />
em diversas entrevistas.<br />
1953 – Embora algumas fontes de pesquisa – entre elas, Helena Jobim e Ruy Castro<br />
– informem que Tom só trabalhou na noite até 1952, foi em 1953, como pianista<br />
do Clube da Chave, no final da Av. Atlântica, que ele conheceu o parceiro Vinicius<br />
de Moraes. Tocava o samba-canção Tão Só (Dorival Caymmi e Carlos Guinle) quando<br />
captou a atenção do poeta, que entrava no bar com Antônio Maria. “Percebi logo<br />
que se tratava de um pianista diferente. Tocava um som engraçado, novo”, diria mais<br />
tarde Vinicius de Moraes, segundo Sérgio Cabral. Para Tom, Vinicius “era um rapaz<br />
que quando chegava atraía todo mundo. Simpático, espirituoso, muito inteligente e<br />
culto, era espantosamente simples para um diplomata”. Após a noitada, foram comer<br />
ovos com presunto e conversar até o sol raiar no Bar dos Pescadores, ali do lado. Nos<br />
três anos que se passaram até a “apresentação oficial” promovida por Lúcio Rangel, na<br />
Casa Villarino, os dois se encontraram pelo menos uma vez, quando Vinicius aproveitou<br />
uma passagem pelo Brasil e foi – acompanhado de João Gilberto – ouvir o pianista<br />
na boate Tudo Azul.<br />
Outro marco importante de 1953 é a primeira gravação, em abril, de uma música de<br />
Tom Jobim: o samba-canção Incerteza (parceria com o amigo Newton Mendonça),<br />
gravado pelo cantor santista Maurici Moura e lançado num disco de 78 rotações da<br />
Sinter. Maurici soube da composição de Tom no Clube da Chave, que era frequentado<br />
também por Ernani Filho (cantor predileto de Ary Barroso), que seria o segundo a<br />
gravar Tom Jobim: num disco de 78 rotações, com músicas de nosso personagem nos<br />
lados A (Pensando em Você) e B (Faz uma Semana, parceria com Juca Stockler).<br />
1954 – Sai, pela gravadora Continental, o disco de dez polegadas Rio de Janeiro –<br />
Sinfonia em Tempo de Samba, todo com composições de Tom Jobim e Billy Blanco. A<br />
obra, mais conhecida como Sinfonia do Rio de Janeiro, teve orquestração de Radamés<br />
Gnattali e regência de Tom. Apesar de a capa do disco estampar o nome artístico<br />
“Tom Jobim”, nosso personagem ainda relutaria, nesse início de carreira, em ser<br />
reconhecido pelo apelido, sendo convencido a desistir do “Antonio Carlos Jobim” por<br />
Ary Barroso: “Ninguém vai dizer Antonio Carlos podendo dizer Tom”. Apesar da beleza<br />
das composições e dos arranjos e do cast de cantores escalados (Elizeth Cardoso, Dick<br />
Farney, Lucio Alves, Nora Ney, Jorge Goulart, Dóris Monteiro, Os Cariocas e Gilberto<br />
Milfont), a Sinfonia foi um tremendo fracasso comercial.<br />
A mesma Continental lança outras composições de Tom neste ano de 1954. Uma<br />
é o belo samba-canção Solidão (parceria com Alcides Fernandes), gravado por<br />
Nora Ney. Também teve Outra Vez, samba gravado por Dick Farney em andamento<br />
de samba-canção. E o primeiro sucesso de nosso personagem: o samba Teresa da<br />
Praia, feito em parceria com Billy Blanco, por encomenda de Dick Farney, que queria<br />
uma música sob medida para ser gravada em dueto com o suposto inimigo Lúcio<br />
Alves. A gravação dos dois supercantores, acompanhados por Tom Jobim e conjunto,<br />
mereceu elogios da crítica e caiu no gosto popular.<br />
1955 – Em 25 de janeiro, data em que comemorava seus 28 anos, Tom é convidado<br />
por Radamés Gnattali a participar do programa Quando os Maestros se Encontram,<br />
da Rádio Nacional. Na apresentação da peça sinfônica Lenda, composta por Tom em<br />
homenagem a Jorge Jobim, a orquestra da emissora é regida por nosso personagem,<br />
que, com auxílio de Radamés (sentado ao piano), supera o nervosismo e o suadouro,<br />
e a apresentação é um sucesso. A experiência à frente da orquestra da Nacional foi<br />
uma das oportunidades que Tom teve de pôr em prática o título de “maestro”, com<br />
que passou a ser chamado nos anos 50/60, tantos foram os arranjos e orquestrações<br />
que fez. Além do título, a qualidade de seus trabalhos lhe valeu propostas de emprego,<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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como a que recebeu em agosto: a convite do diretor-presidente da Odeon, o inglês<br />
Harold Morris, foi contratado como diretor artístico da gravadora, num sinal do prestígio<br />
de que já gozava no meio musical. Como arranjador e pianista, atua com Orlando<br />
Silva, Dalva de Oliveira e outros grandes cantores brasileiros.<br />
Outra mudança importante deste ano foi de residência: Tom, Thereza e Paulo voltam<br />
a morar em Ipanema, precisamente na Rua Nascimento Silva, 107, apartamento 201.<br />
Domicílio que viraria letra de música em 1974, numa parceria de Vinicius de Moraes e<br />
Toquinho: “Rua Nascimento Silva cento e sete / Você ensinando pra Elizeth / As canções<br />
de Canção do Amor Demais...”. Antes do disco emblemático de Elizeth Cardoso<br />
(1958), o famoso endereço foi o local em que Tom e Vinicius criaram suas primeiras<br />
parcerias, em 1956, para a peça Orfeu da Conceição, de Vinicius. Movida a uísque, a<br />
dupla de compositores mais famosa da música brasileira foi inaugurada com Se Todos<br />
Fossem Iguais a Você.<br />
1956 – É deste ano o início da parceria entre Tom e Vinicius – encontro que desencadearia<br />
uma série de transformações na música popular brasileira a partir dos anos seguintes.<br />
O nascimento da parceria é formalizado por Lúcio Rangel, num encontro na Casa<br />
Villarino, no Centro, onde nosso personagem recebeu o convite de Vinicius para musicar<br />
uma peça que ele havia escrito em Paris, lugar em que servia como funcionário do serviço<br />
diplomático brasileiro. Era um texto que adaptava o mito de Orfeu para uma favela<br />
carioca. “Tem um dinheirinho nisso”, perguntou Tom, que já conhecia o poeta (Clube<br />
da Chave, 1953), mas não tinha intimidade para tanto. Lúcio Rangel se assustou com<br />
a falta de meias-palavras de nosso personagem, mas Vinicius não. Já tinha perdido seu<br />
plano A (Vadico, que se recuperava de um enfarte) e levava fé no ex-pianista de boate e<br />
jovem compositor/arranjador. Fecharam parceria naquela tarde de abril de 1956. Segundo<br />
Sérgio Cabral, foi o encantamento de Lúcio pela Sinfonia do Rio de Janeiro que o<br />
fez indicar Tom para compor com Vinicius.<br />
Há um relato de Vinicius, transcrito na biografia de Sérgio Cabral, que merece ser<br />
lido: “Dias depois, dei-lhe uma cópia da peça onde já havia marcado os lugares onde<br />
deveria entrar música. Dias depois, Tom me telefonou. Tinha algumas ideias. E, assim,<br />
ingressei pela primeira vez, aí por abril de 1956, no saudoso apartamento 201 da Rua<br />
Nascimento Silva, 107. Uma sala quase nua de móveis, como gosta Tom, com o piano<br />
à direita. Tom mostrou-me alguns temas apenas esboçados. Até os pelinhos do braço<br />
se arrepiam quando me lembro. Era exatamente o que sonhava, aquela música poética<br />
em modo plagal, profundamente amorosa em seu lirismo. Tom ensaiou no piano<br />
os primeiros acordes de Se Todos Fossem Iguais a Você. O samba saiu ali mesmo,<br />
na hora, procurando juntos as harmonias, o encadeamento das frases musicais como<br />
fazemos comumente, sem que com isso queira dizer que participei de sua feitura, pois<br />
é sempre Tom que encontra a melhor solução harmônica”. Já Tom contava que os<br />
primeiros sambas da dupla foram parar na lixeira.<br />
Em 25 de setembro, estreia no Theatro Municipal a peça Orfeu da Conceição, reunindo<br />
pela primeira vez no suntuoso teatro um elenco inteiramente formado por negros,<br />
encabeçado por Haroldo Costa (Orfeu), Daisy Paiva (Eurídice), Cyro Monteiro (Apolo,<br />
pai de Orfeu) e Abdias do Nascimento (Aristeu). Na ficha técnica, Orfeu tinha outro<br />
time de craques: cenário de Oscar Niemeyer, figurinos de Lila de Moraes, direção de<br />
Leo Jusi e cartazes assinados por Djanira, Carlos Scliar, Raimundo Nogueira e Luiz<br />
Ventura, além de Luiz Bonfá como violonista solo. E, naturalmente, Vinicius de Moraes<br />
(autor da peça) e Tom Jobim (autor das músicas), que se tornaram parceiros a partir de<br />
Orfeu, para a qual compuseram Lamento no Morro, Eu e o Meu Amor, Um Nome de<br />
Mulher, Sempre Mulher e Se Todos Fossem Iguais a Você. A partir da peça foi feito<br />
o filme Orfeu Negro (Marcel Camus), vencedor da Palma de Ouro em Cannes (1959) e<br />
do Oscar de melhor filme estrangeiro (1960). Em 21 de março de 2011, os dois Orfeus<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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– filme e peça – são citados pelo presidente norte-americano Barack Obama, num discurso<br />
realizado no próprio Theatro Municipal do Rio, como suas primeiras referências<br />
sobre o Brasil. “Eu não podia imaginar que esse país era ainda mais bonito do que eu<br />
tinha visto no filme”, disse Obama, que ainda não era nascido em 1956 (ele é de 1961)<br />
e viu Orfeu Negro graças a sua mãe, a antropóloga Ann Dunhann, que adorava o filme<br />
de Camus.<br />
1957 – Em 26 de agosto, é pai pela segunda vez, com o nascimento de Elizabeth<br />
Hermanny Jobim. A cantora Sylvia Telles lança o samba-canção Por Causa de Você<br />
(de Tom e Dolores Duran), num 78 rotações da gravadora Odeon.<br />
1958 – O cantor e violonista João Gilberto grava o samba-choro Chega de Saudade<br />
(parceria de Tom e Vinicius) num disco de 78 rotações que, lançado em agosto, é<br />
considerado o marco inicial da bossa nova. No mesmo ano, Elizeth Cardoso lança o<br />
disco de dez polegadas Canção do Amor Demais (pelo selo Festa), que, embora seja<br />
todo de composições feitas por Tom e Vinicius, não é bossa nova, mas um disco de<br />
transição: os arranjos orquestrais e o vozeirão da cantora destoavam dos atalhos minimalistas<br />
que vinham sendo praticados por Tom, João e outros artistas. Já o LP Silvia,<br />
da cantora Sylvia Telles (pela Odeon), traz seis lançamentos de Tom, todos gravados à<br />
nova maneira: Cala Meu Amor, É Preciso Dizer Adeus (ambas com Vinicius), Mágoa,<br />
Aula de Matemática (as duas com Marino Pinto), Caminhos Cruzados (com Newton<br />
Mendonça) e Estrada do Sol (com Dolores Duran).<br />
1959 – Em março, sai o LP Chega de Saudade (Odeon), de João Gilberto, que, embora<br />
estreante no formato long-play, é apresentado no texto da contracapa como<br />
“um baiano bossa nova, de 27 anos, que em pouquíssimo tempo influenciou toda<br />
uma geração de arranjadores, guitarristas, músicos e cantores”. O autor do texto era<br />
Tom Jobim (diretor musical do disco), que já percebia o quanto o som de João já era<br />
um divisor de águas na música popular brasileira – como depois seria no exterior. O<br />
impacto causado pela voz e pelo violão de João Gilberto, apresentando aquela música<br />
de Tom com letra de Vinicius, fez a cabeça de muita gente pelo país, inclusive os imberbes<br />
Caetano Emanuel Telles Vianna Velloso (então com 17 anos), Eduardo de Góes<br />
Lobo (com 16) e Francisco Buarque de Hollanda (com 15), entre outros futuros grandes<br />
talentos da música brasileira, que apontam o LP Chega de Saudade como ponto<br />
de partida. No repertório do disco, há outros dois sambas de Tom: Brigas Nunca Mais<br />
(também com Vinicius) e Desafinado (com Newton Mendonça), este último feito no<br />
ano anterior como um samba-galhofa baseado nos cantores sofríveis que abundavam<br />
na noite carioca – terreno bastante conhecido por Tom e Newton.<br />
Neste mesmo ano, duas cantoras lançam discos inteiros reunindo composições de<br />
Tom: Lenita Bruno (Por Toda a Minha Vida) e Sylvia Telles (Amor de Gente Moça),<br />
sendo que a segunda lançaria oito inéditas: Dindi, Demais, De Você Eu Gosto (as<br />
três com Aloysio de Oliveira), Discussão (com Newton Mendonça), Canta, Canta Mais<br />
(com Vinicius de Moraes), Só em Teus Braços, Esquecendo Você e Fotografia.<br />
1960 – A convite do presidente Juscelino Kubitschek, interna-se com Vinicius no<br />
Catetinho, em Brasília, onde compõem Brasília – Sinfonia da Alvorada, em cinco<br />
movimentos, lançada em disco pela Columbia no ano seguinte. Na capa do LP, desenhos<br />
de Oscar Niemeyer, retrato fonográfico de um momento importante para o Brasil.<br />
É por esta época que Celso da Frota Pessoa e Nilza se mudam para o campo: vão morar<br />
numa localidade entre Petrópolis e Teresópolis (RJ) chamada Poço Fundo – numa<br />
casa sem eletricidade e cercada de natureza por todos os lados (montanhas, árvores,<br />
bichos e “um grande rio piscoso”, como descreve Helena Jobim). Tom se sente em<br />
casa e nunca mais deixará de frequentar Poço Fundo. Em 22 de novembro, um infarto<br />
fulminante mata, aos 33 anos, o parceiro Newton Mendonça.<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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1962 – Tom, Thereza e filhos trocam o apartamento da Rua Nascimento Silva por uma<br />
casa na Rua Barão da Torre, também em Ipanema. Mas o principal marco de 1962 é<br />
o lançamento do samba Garota de Ipanema, no show Encontro, realizado por Tom,<br />
Vinicius, João Gilberto e Os Cariocas na boate Au Bon Gourmet, em Copacabana. Com<br />
estreia na noite de 2 de agosto, no show foram lançados outros clássicos do repertório<br />
de Tom Jobim, como Só Danço Samba, O Amor em Paz (ambos com Vinicius), Corcovado<br />
e Samba do Avião.<br />
Reza a lenda que Garota de Ipanema foi feito numa das mesas do Bar Veloso (hoje<br />
Garota de Ipanema), na esquina das ruas Prudente de Moraes e Montenegro (hoje Vinicius<br />
de Moraes). Mas é lenda mesmo. A melodia foi feita por Tom em sua residência,<br />
na Rua Barão da Torre, inicialmente para uma comédia musical que Vinicius planejava,<br />
chamada Blimp, que nunca passou de um esboço. Já Vinicius escreveu a letra em sua<br />
casa de Petrópolis, dando àquele samba o primeiro nome de Menina que Passa, com<br />
primeira parte quase toda diferente da que ficou: “Vinha cansado de tudo / De tantos<br />
caminhos / Tão sem poesia / Tão sem passarinhos / Com medo da vida / Com medo<br />
do amor / Quando na tarde vazia / Tão linda no espaço / Eu vi a menina / Que vinha<br />
num passo / Cheia de balanço / Caminho do mar...”. A menina era Heloísa Eneida Pinheiro<br />
Menezes Paes Pinto, ou Helô Pinheiro, que tinha 19 anos (olhos azuis, cabelos<br />
pretos e 1,69m) e ia diariamente ao Veloso comprar cigarros para a mãe. Num dia do<br />
inverno de 1962, a garota inspirou Tom e Vinicius a escreverem esta que seria uma de<br />
suas últimas parcerias. Passados dois anos, Garota de Ipanema já tinha sido gravada<br />
mais de 40 vezes, por intérpretes que iam do iniciante Pery Ribeiro (primeiro a gravar<br />
aquele samba, num 78 rotações da Odeon, no início de 63) ao cantor norte-americano<br />
Nat King Cole. A musa só foi revelada em setembro de 1965, numa entrevista de Vinicius<br />
à revista Manchete: “Para ela fizemos, com todo o respeito e mudo encantamento,<br />
o samba que a colocou nas manchetes do mundo inteiro e fez de nossa Ipanema uma<br />
palavra mágica”.<br />
E foi em 21 de novembro de 1962 que se deu o histórico show da bossa nova no<br />
Carnegie Hall, em Nova York. Morrendo de medo de voar, Tom não embarca na véspera,<br />
como fizeram todos os artistas escalados para a apresentação, mas no dia do show<br />
– saindo daqui de manhã e chegando aos EUA no início da noite. Só deu tempo de<br />
passar no Hotel Diplomat para vestir o smoking e seguir direto para o teatro, onde tocou<br />
Samba de uma Nota Só e Corcovado. A imprensa nova-iorquina detestou o show,<br />
no que concordaram os participantes (Tom, Carlos Lyra e Roberto Menescal), tamanha<br />
a desorganização do roteiro e o despreparo de certas atrações. “Estou até hoje querendo<br />
esquecer aquilo”, diria Tom Jobim ao Los Angeles Times, em 1987.<br />
Ao contrário da maioria dos músicos do show, que retornariam ao Brasil dali a alguns<br />
dias, a estada de Tom nos EUA dura até julho de 1963 – período de muito trabalho,<br />
a começar por apresentações no Teatro Universitário de Washington (uma versão mais<br />
organizada e bem-sucedida do concerto do Carnegie Hall), no Village Gate e na TV,<br />
com o saxofonista Gerry Mulligan. O período serve também para que Tom trabalhe<br />
com letristas americanos na versão de suas músicas, evitando o desastre da versão de<br />
Chega de Saudade, que tinha virado No More Blues na versão de Jon Hendricks e<br />
Jesse Cavanaugh. No trabalho com os versionistas, a história mais emblemática é a da<br />
discussão de Tom com Norman Gimbel, que não queria mencionar “Ipanema” na letra<br />
em inglês. Achava que ia complicar a compreensão dos americanos, que confundiriam<br />
o bairro carioca com “Ipana”, marca local de pasta de dente. A discussão se dá num<br />
táxi e Tom é obrigado a convencer também o taxista, que resolveu apoiar o compatriota.<br />
Na estada, Tom ainda participa das gravações do LP Getz/Gilberto (que só seria<br />
lançado em 1964) e de seu próprio LP, The Composer of Desafinado Plays. E, por sugestão<br />
de Thereza (que viajaria no Natal de 62 para acompanhar o marido), Tom abre<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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sua própria editora, a Corcovado, para administrar suas músicas nos EUA.<br />
1963 – Sai nos EUA, pela gravadora Verve, o LP The Composer of Desafinado Plays,<br />
o primeiro de Tom como solista, que seria lançado no Brasil no ano seguinte, com o<br />
nome Antonio Carlos Jobim, pela gravadora Elenco. O casal volta ao Brasil em julho,<br />
num navio cargueiro, trazendo na bagagem um piano Yamaha. Pela RGE, sai no Brasil<br />
o LP A Música de Jobim e Vinicius, da cantora Elza Laranjeira, com as primeiras gravações<br />
de Derradeira Primavera, Só Danço Samba, Samba do Avião, Valsa do Amor<br />
de Nós Dois e Canção em Modo Menor.<br />
1964 – Neste ano, sai pela Elenco o disco Caymmi Visita Tom, no qual nosso personagem<br />
divide a interpretação de composições jobinianas e caymmianas com o amigo/<br />
ídolo Dorival e seus filhos: os iniciantes Dori, Nana e Danilo. Entre as inéditas, estão<br />
a valsa Das Rosas (de Caymmi) e o samba Só Tinha de Ser com Você (de Tom). Em<br />
novembro, embarca novamente para os EUA e passa o voo inteiro agarrado a uma figa<br />
que lhe foi dada de presente por Dorival (“Se eu cair, a Bahia vai junto comigo”). Desta<br />
vez, a viagem tem como objetivo uma longa temporada na costa oeste, tendo como<br />
base a cidade de Los Angeles. Primeiro, fica hospedado no Hotel Sunset Marquis; depois,<br />
com a chegada de Thereza, aluga a casa num bairro residencial e fixa residência.<br />
Durante esta segunda estada americana, trabalha à beça: faz novas apresentações na<br />
TV (virou atração do Andy Williams Show), participa de uma temporada do mesmo<br />
Williams num cassino à beira do Lago Tahoe (em Nevada) e grava dois LPs pela<br />
Warner. Com orquestrações do maestro Nelson Riddle, The Wonderful World of Antonio<br />
Carlos Jobim é seu primeiro disco como cantor e traz duas inéditas: Bonita e Surfboard.<br />
Já o disco A Certain Mr. Jobim tem arranjos de Claus Ogerman e apenas uma inédita:<br />
a instrumental Zíngaro. Durante a estada, é visitado por muitos artistas brasileiros,<br />
entre eles o inseparável Aloysio de Oliveira, o ídolo Dorival Caymmi (também atração no<br />
programa de Andy Williams) e o parceiro Vinicius de Moraes, com quem viaja de trem até<br />
Nova York, de onde embarca de volta ao Brasil (de navio, claro), trazendo outro piano<br />
Yamaha, desta vez de cauda.<br />
É deste ano o lançamento do LP Getz/Gilberto – Featuring Antonio Carlos Jobim,<br />
lançado pela Verve (no Brasil, pela Odeon), no qual o saxofonista Stan Getz divide a<br />
interpretação das oito faixas com João Gilberto, acompanhados pelo piano de Tom.<br />
O disco conta também com a estreia da cantora Astrud Gilberto, esposa de João, em<br />
duas versões em inglês: Quiet Nights (Corcovado) e The Girl from Ipanema (Garota de<br />
Ipanema). Foi a partir desta gravação que a Garota iniciou sua trajetória internacional<br />
de sucesso, com inúmeras regravações (por artistas de jazz, rock, música lírica, country,<br />
tango, pop, dance...) que a levaram ao posto de segunda música mais executada no<br />
mundo, atrás apenas de Yesterday, dos Beatles (“E olha que eles eram quatro”, brincava<br />
Tom). Recebeu sete indicações ao Grammy Awards em 1965, conquistando três troféus:<br />
os de melhor álbum, melhor compacto e melhor solista (Getz). Uma das últimas<br />
interpretações de Garota de Ipanema está no longa-metragem de animação Rio, de<br />
Carlos Saldanha, tendo como solista o tucano Rafael.<br />
1965 – Sai nos EUA o LP Sylvia Telles Sings the Wonderful Songs of Antonio Carlos<br />
Jobim (Kapp Records), que só seria lançado no Brasil no ano seguinte – ano da morte<br />
trágica da cantora, aos 32 anos, num acidente de carro. Neste segundo disco dela<br />
dedicado a Jobim, o repertório trazia duas inéditas: Eu Preciso de Você e Samba Torto<br />
(ambas em parceria com Aloysio de Oliveira).<br />
1966 – É deste ano, segundo Sérgio Cabral, o início da amizade com Chico Buarque,<br />
a quem Tom é apresentado por Aloysio de Oliveira. Ídolo de Chico (que mais tarde<br />
confessaria em letra: “Meu maestro soberano foi Antonio Brasileiro”), Tom também era<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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fã dele, que nesta época era “apenas” o compositor de A Banda e dos sambas da fase<br />
inicial de sua obra, como Pedro Pedreiro, Olê Olá e Sonho de um Carnaval. O encontro<br />
se deu na casa de Tom e Thereza, que a essa altura moravam na Rua Codajás, 108,<br />
no Alto Leblon. Por conta das janelinhas redondas e do jeitão naval, a residência dos<br />
Hermanny-Jobim tinha o apelido de “casa-navio”. Foi lá que se deram memoráveis<br />
noitadas musicais capitaneadas por Paulo Jobim com seus amigos/contemporâneos,<br />
como Danilo Caymmi, Ronaldo Bastos, Milton Nascimento, os irmãos Paulo e Cláudio<br />
Guimarães e Joyce.<br />
Em meados de 1966, Tom dividia uma mesa de bar com os amigos Kabinha, Dico<br />
Wanderley e Roberto Quartin – como conta Helena Jobim – quando se deu um fato<br />
inusitado: “No bar Veloso, de tardinha, o telefone toca. Chamam Tom. Avisam que<br />
é um homem falando inglês. Tom vai ao telefone. É Frank Sinatra. Explica que tinha<br />
telefonado para sua casa e de lá haviam lhe dado esse número. Convida-o para gravar<br />
um disco, se tivesse agora disponibilidade de tempo”. Tom relembra o telefonema no<br />
livro Tom Jobim: Depoimento: “Não pensei em trote, porque ninguém ia fazer uma<br />
brincadeira cara dessas, ligando dos Estados Unidos. Meus ouvidos conheciam bem as<br />
vozes das ligações internacionais, como eram feitas naquele tempo. Sinatra foi falando,<br />
depois de se identificar com simplicidade: ‘Quero fazer um disco com você e quero<br />
saber se você acha isso interessante’. Acrescentou que pagaria todas as despesas e que<br />
eu ficaria hospedado com ele. Soube depois que esse tipo de convite, de interesse<br />
profissional, ele sempre faz pessoalmente. Pega o telefone e vai direto ao assunto. No<br />
meu inglês precário, lembro que respondi: ‘Perfeitamente. É uma ordem’. Sinatra perguntou:<br />
‘Você me acompanha com seu violão’. Respondi que não era violonista, mas<br />
aceitava. O fato é que me sentiria mais à vontade no piano”.<br />
O resultado é o LP Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim, gravado em Los<br />
Angeles (EUA), em janeiro de1967 – quando o Veloso já tinha novo nome, Garota de<br />
Ipanema, para desgosto dos clientes, inclusive Tom. O encontro rendeu também um<br />
especial de TV – Tom tocando violão e fazendo dueto com Sinatra – que vence o prêmio<br />
Emmy, entregue anualmente aos melhores da televisão americana.<br />
1967 – Neste ano, são três os discos de Tom lançados nos EUA: A Certain Mr. Jobim<br />
(pela Warner), Wave (CTI Records/A&M) e Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos<br />
Jobim, pelo selo Reprise. Mas importante mesmo para Tom foi a inauguração – 11 de<br />
fevereiro – do bar Antonio’s, na Bartolomeu Mitre (Leblon), que se tornaria seu “escritório”<br />
depois dos bares de Ipanema e do Centro (anos 50/60) e antes da churrascaria<br />
Plataforma (anos 80). “E era lá que todos os músicos (o Tom, o Chico, o Toquinho e<br />
todos os outros) iam encontrar o Vinicius”, escreve Paulo Mendes Campos.<br />
1968 – Em 29 de setembro, a canção Sabiá, em parceria com Chico Buarque, é a vencedora<br />
do III Festival Internacional da Canção (FIC), na final realizada no Maracanãzinho.<br />
Defendida pelas cantoras Cynara e Cibele (do Quarteto em Cy), a música recebe<br />
as vaias mais estrondosas da história da música brasileira: sufocado por uma ditadura<br />
militar que durava desde 1964 e que dali a dois meses ficaria mais violenta com a promulgação<br />
do AI-5, o público não queria saber do lirismo de Chico e Tom, ainda que<br />
Sabiá, como a Canção do Exílio (Gonçalves Dias), trouxesse imagens propícias ao contexto:<br />
“Vou deitar à sombra / De uma palmeira / Que já não há / Colher a flor / Que<br />
já não dá / E algum amor / Talvez possa espantar / As noites que eu não queria...”.<br />
O Maracanãzinho absolutamente lotado preferia a mensagem direta e panfletária da<br />
marcha Para Não Dizer Que Não Falei de Flores (Geraldo Vandré) e não perdoou a<br />
decisão do júri.<br />
Já na eliminatória do festival, Sabiá havia enfrentado a ira da plateia-torcida, motivo<br />
pelo qual Tom mandou telegrama a Chico, que na época fazia uma série de shows na<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
13
Itália: “Preciso urgentemente que você volte para a final do festival. Motivo: vaia”. O<br />
parceiro voltou e viu Sabiá ser campeã. Com a vitória, Tom tem que pagar a aposta<br />
que fizera com Vinicius, no Antonio’s (bar do Leblon que passou a frequentar nos<br />
anos 60), com direito a ata datada de 17 de setembro de 1968: o poeta apostava na<br />
vitória de Sabiá e nosso personagem não levava fé. Teve que pagar ao parceiro “uma<br />
caixa de uísque de qualidade superior (Black Label, de preferência)”, conforme jurado<br />
na ata. O troféu foi o desfecho de um ano especial para Tom: 1968 marcou a estreia<br />
da parceria com Chico Buarque, inaugurada antes mesmo de Sabiá, quando o letrista<br />
transformou a instrumental Zíngaro, lançada no ano anterior (LP A Certain Mr.<br />
Jobim), em Retrato em Branco e Preto. Desta leva inicial da produção de Chico e Tom<br />
são também Pois É e Olha Maria (que se chamava Amparo antes de ser letrada por<br />
Chico e Vinicius de Moraes).<br />
1970 – Saem nos EUA mais dois LPs de Tom Jobim: Stone Flower (pela CTI) e Tide<br />
(CTI/A&M).<br />
1972 – No Disco de Bolso do Pasquim, Tom Jobim lança o samba Águas de Março,<br />
composto no início do ano, em Poço Fundo, e cuja letra começou a ser escrita num<br />
papel de pão enquanto via “uma aguinha passar pelo regato”, como contou aos amigos<br />
que recrutou para ouvir o samba em primeira mão, em sua casa no Rio. Apontado<br />
pelo crítico inglês Leonard Feather como “uma das dez músicas mais bonitas do<br />
século”, Águas de Março evidencia também o grande letrista que foi Tom Jobim. No<br />
lado B do disquinho, cujo título era O Tom de Antonio Carlos Jobim e o Tal de João<br />
Bosco, estreava o cantor, compositor e violonista João Bosco, interpretando Agnus Sei<br />
(em parceria com Aldir Blanc).<br />
1973 – Ano de lançamento do LP Matita Perê, pela Philips – dedicado a três escritores:<br />
Carlos Drummond de Andrade, Mário Palmério e Guimarães Rosa. Foi baseado na<br />
linguagem deste último que o jovem Paulo Cesar Pinheiro fez a letra de Matita Perê,<br />
a canção – por encomenda de Tom, que tinha adorado Sagarana, música de Pinheiro<br />
e João de Aquino, apresentada num festival em 1969. Em 23 de fevereiro, nasce o<br />
primeiro neto de Tom Jobim, Daniel, filho de Paulo Jobim e Elianne Canetti.<br />
1974 – Sai pela Philips o LP Elis & Tom. O ponto alto do repertório é Águas de<br />
Março, que aqui tem sua gravação definitiva. Segundo Sérgio Cabral, é desta época<br />
o primeiro diagnóstico dos problemas circulatórios que passariam a causar dores nas<br />
pernas de Tom. Durante uma das muitas viagens a Nova York, o frio dificultou-lhe as<br />
caminhadas e foi ao Hospital Mount Sinai, onde ficou sabendo que sofria de “perfusão<br />
inadequada dos membros inferiores”, consequência do tabagismo. Teria que largar o<br />
cigarro, reduzir a bebida a quase zero e, devido a uma obstrução na aorta (outra notícia<br />
que recebeu no Mount Sinai), precisaria fazer o implante de uma prótese vascular<br />
no peito. A única providência tomada foi a troca do cigarro pelo charuto – acessório<br />
que, somado ao chapéu que passou a usar (também por esta época), seria uma das<br />
marcas de seu visual até o fim da vida.<br />
1976 – Tom lança, pela gravadora WEA, o LP Urubu. O repertório apresenta as inéditas<br />
Boto (inspirada na música Do Pilar, de Jararaca), Ângela e Saudade do Brasil,<br />
além das primeiras gravações de Tom para Lígia e Correnteza (com Luiz Bonfá). Uma<br />
das joias do disco é o texto da contracapa escrito por Tom: “Jereba é urubu importante<br />
como, aliás, todo urubu...”. Neste ano, é avô pela segunda vez, com o nascimento<br />
de Dora, no dia 6 de maio.<br />
1977 – É uma das atrações de show histórico realizado no Canecão, ao lado de Vinicius<br />
de Moraes, Toquinho e Miúcha, com direção de Aloysio de Oliveira. A temporada<br />
(de 5 de outubro a 8 de abril do ano seguinte) ficaria lembrada no LP Tom, Vinicius,<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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Toquinho, Miúcha – Gravado ao Vivo no Canecão, lançado pela Som Livre. Outro<br />
lançamento fonográfico deste ano é o LP Miúcha & Antonio Carlos Jobim (pela RCA<br />
Victor), que seria bisado em 1979, quando sai o LP Miúcha & Tom Jobim, pela mesma<br />
gravadora. Após incontáveis desgastes domésticos por conta da vida boêmia, separa-se<br />
de Thereza e vai morar com Nilza e Celso da Frota Pessoa.<br />
1978 – Em maio, sai da casa da mãe para mais uma ida a Nova York (EUA), desta vez<br />
em lua de mel com a namorada Ana Beatriz Lontra, fotógrafa que conheceu no Luna<br />
Bar, em Ipanema. São desta temporada, em que ficaram hospedados no Hotel Adams, o<br />
samba Você Vai Ver e o choro-canção Falando de Amor. Na volta, o casal vai morar no<br />
Hotel Marina (Leblon) e, em dezembro, se muda para uma casa alugada na Rua Peri, no<br />
bairro do Jardim Botânico, onde viveria seis anos. A partir daí, seria para sempre vizinho<br />
do Jardim Botânico, o parque, um de seus recantos preferidos no Rio, por onde gostava<br />
de caminhar, observar pássaros e espécimes da flora. Segundo Sérgio Cabral, foi por<br />
esta época que conheceu o médium Lourival de Freitas, “o bruxo” (como era chamado<br />
por Tom), que incorporava entidades e operava seus pacientes usando a música como<br />
anestesia. Também os tratava com ervas, como fez com Tom, que tomava chás receitados<br />
por ele para manter-se afastado da bebida e do cigarro e se curar dos problemas<br />
circulatórios.<br />
1979 – Em 15 de janeiro, morre o tio João Lyra Madeira, de enfarte, aos 70 anos. Em<br />
2 de fevereiro, morre Celso da Frota Pessoa, de edema pulmonar, aos 68 anos. Em 30<br />
de outubro, nasce João Francisco Lontra Brasileiro de Almeida Jobim, filho de Tom<br />
e Ana. Já a vida boêmia de nosso personagem ganha um novo pouso: a Churrascaria<br />
Plataforma, no Leblon, inaugurada neste ano por seu grande amigo Alberico Campana,<br />
um comerciante italiano chegado ao Brasil em 1952, aos 23 anos, e que começou<br />
sua vida profissional na noite carioca como garçom no Beco das Garrafas, em Copacabana.<br />
Quem quisesse encontrar Tom bastava ir ao seu “escritório” na hora do almoço,<br />
onde ele estaria numa mesa repleta de amigos, como os atores Antonio Pedro, Hugo<br />
Carvana e José Lewgoy, o compositor Abel Silva, o cineasta Miguel Faria e os cartunistas<br />
Jaguar e Ziraldo, entre outros. Se não estivesse na Plataforma, era muito provável<br />
que a turma estivesse ali perto, do outro lado da rua, no bar Arataca, localizado<br />
dentro da Cobal. A Plataforma foi fundada inicialmente como uma casa de shows<br />
que teria um restaurante anexo, tendo virado churrascaria por causa da oportunidade<br />
– não havia muitas outras na cidade. Juntamente com o bar Universidade do Chope,<br />
também no Leblon, a Plataforma e o Arataca formavam “o triângulo das bermudas”,<br />
assim apelidado por Tom.<br />
1980 – No ano da morte do parceiro Vinicius de Moraes (9 de julho), Tom lança,<br />
pela Warner, o álbum duplo Terra Brasilis, gravado em Nova York, com produção de<br />
Aloysio de Oliveira e arranjos de Claus Ogerman. No repertório, predominam temas<br />
instrumentais e versões em inglês, como os clássicos Garota de Ipanema, Desafinado,<br />
Corcovado, Estrada Branca e Dindi. Entre as inéditas estão a instrumental Marina<br />
Del Rey, a gershwiniana Two Kites e o samba Você Vai Ver, gravado em dueto com<br />
Ana Jobim. Com Chico Buarque, compõe a valsa Eu Te Amo, para o filme homônimo<br />
de Arnaldo Jabor, lindamente gravada pela cantora Telma Costa, acompanhada por<br />
Tom ao piano.<br />
1981 – Grava com o discípulo Edu Lobo o LP Tom & Edu, Edu & Tom, lançado pela<br />
Polygram. Entre as faixas cantadas em dueto está Choro Bandido, parceria de Edu e<br />
Chico Buarque composta em homenagem a Tom, originalmente para a peça O Corsário<br />
do Rei, de Augusto Boal. “Eu te abençoo em nome de VilIa-Lobos, meu pai, teu<br />
avô”, escreveria Tom no texto de apresentação do Songbook Edu Lobo, publicado em<br />
1995 pela Editora Lumiar. Nos EUA, sai o LP Ella Fitzgerald Sings Antonio Carlos<br />
Jobim, que seria lançado no Brasil no ano seguinte, com o título Ella Abraça Jobim.<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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1982 – Em 23 de abril, Tom Jobim ganha o Prêmio Shell de Música Popular, em cerimônia<br />
que contou com um concerto na Sala Cecília Meirelles, com participações de<br />
Radamés Gnattali, Raphael Rabello e Olívia Byington, além do próprio Tom. O prêmio<br />
foi um dos muitos recebidos nas décadas de 70 a 90, entre eles o Prêmio Sharp de<br />
melhor disco e melhor música (Passarim, 1988), a Ordem do Rio Branco, a entrada no<br />
Hall da Fama de Compositores da Academia Nacional de Música dos EUA (ambos em<br />
1990) e o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Nova de Lisboa.<br />
1984 – Ano de novidades imobiliárias: Tom, Ana e João Francisco se mudam para a<br />
Rua Sara Villela, no alto do Jardim Botânico, para uma casa planejada pelo próprio<br />
Tom, projetada por Paulo Jobim e Maria Elisa Costa (filha de Lúcio Costa) e construída<br />
num terreno que o próprio Tom tinha encontrado no ano anterior, onde “o ar<br />
é limpo, a água é limpa, os passarinhos existem, não é aquela mentira lá embaixo”,<br />
como diria a Sérgio Cabral. Ciente da marcação dos pontos cardeais em sua propriedade,<br />
Tom orientou os arquitetos a fazerem os banheiros a oeste (para evitar umidade),<br />
os quartos para leste (onde nasce o sol) e que a casa tivesse pé-direito alto: “Pé-direito<br />
bom é aquele em que você entra montado a cavalo e dá vivas à república tirando<br />
da cabeça o chapéu mexicano”. Com vista para a Praia de Ipanema, para a Lagoa, para<br />
o Corcovado e para o Pão de Açúcar, o novo endereço da família Jobim era frequentemente<br />
visitado pela fauna carioca: paca, tatu, mico, gavião, inhambu, urutau, capoeira,<br />
saracura, preguiça, periquitos e papagaios-maracanã. Além da inauguração da nova<br />
casa, neste ano de 1984 Tom passou a ter um endereço também em Nova York: um<br />
dois-quartos com varanda comprado no 22º andar de um edifício vizinho ao Metropolitan<br />
Museum e ao Central Park.<br />
1986 – Depois de oito anos vivendo juntos (e um filho de sete anos, João Francisco),<br />
Tom se casa oficialmente com Ana, que passa a se chamar Ana Beatriz Lontra Jobim.<br />
1987 – Em 20 de março, nasce Maria Luiza Helena, filha de Tom e Ana. No disco<br />
Passarim, lançado neste ano pela Verve/Columbia, Tom Jobim grava, pela primeira<br />
vez, com a Nova Banda, formada por Paulo Jobim (violão), Danilo Caymmi (flauta),<br />
Jaques Morelenbaum (violoncelo), Tião Neto (baixo), Paulo Braga (bateria) e coro<br />
feminino: Ana Jobim, Elizabeth Jobim, Maúcha Adnet, Paula Morelenbaum e Simone<br />
Caymmi. O disco reúne alguns destaques da produção oitentista de Tom, como as românticas<br />
Chansong e Bebel e as ecológicas Passarim e Borzeguim, além de três temas<br />
feitos por encomenda – a suíte Gabriela para o cinema (Gabriela, Cravo e Canela, de<br />
Bruno Barreto) e dois para a TV: a valsa Luiza (para a novela Brilhante, de Gilberto<br />
Braga) e o bolero Anos Dourados (para a minissérie homônima, do mesmo autor),<br />
gravado com o parceiro Chico Buarque. Passarim também foi tema de abertura da<br />
minissérie O Tempo e o Vento, de Doc Comparato, baseado na obra de Érico Verissimo.<br />
Ainda em 1987, Joyce Moreno comemora os 60 anos de nosso personagem com o LP<br />
Tom Jobim, os Anos 60, lançado pela SBK Songs/CBS. Com participação do pianista<br />
Gilson Peranzzetta, regrava 12 sucessos jobinianos e merece elogios derramados<br />
do homenageado, na contracapa do disco: “Você é a luz que banhou a velha garage<br />
escura onde um menino encontrou um velho piano desafinado...”, diz um trecho da<br />
apresentação escrita por Tom.<br />
1988 – Muda-se para o apartamento de Nova York, onde vive três anos – com Ana,<br />
João Francisco e a pequena Maria Luiza.<br />
1989 – Em 22 de março, Tom é avô pela terceira vez, com o nascimento de Isabel,<br />
filha de Paulo Jobim e Elianne Canetti. Em 17 de novembro, morre Nilza, a três meses<br />
de completar 80 anos, de pneumonia.<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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1991 – Em 25 de março, nasce em Nova York o quarto neto de Tom – André, filho de<br />
Elizabeth e Marcos André Martins.<br />
1992 – É homenageado pela Estação Primeira de Mangueira, que, neste ano, fica em<br />
sexto lugar no concurso das escolas de samba, com o enredo Se Todos Fossem Iguais<br />
a Você, do carnavalesco Ilvamar Magalhães. Em retribuição à homenagem, compõe o<br />
samba Piano na Mangueira (última parceria com o mangueirense Chico Buarque), lançado<br />
neste mesmo ano no CD Paula Morelenbaum.<br />
1994 – Lançado neste ano pela Globo/Columbia, Antonio Brasileiro é o último disco<br />
de Tom Jobim produzido por Paulo e Daniel Jobim. Nele, canta duas faixas com a<br />
filha caçula (o Samba de Maria Luiza e Forever Green) e presta homenagem a três<br />
de seus mestres, com as composições Meu Amigo Radamés e Trem de Ferro (feita<br />
a partir de um poema de Manuel Bandeira) e com as gravações de Maracangalha e<br />
Maricotinha, ambas de Dorival Caymmi, que divide a interpretação da segunda com<br />
Tom. Outro convidado do disco é o roqueiro Sting, que canta How Insensitive, versão<br />
em inglês de Insensatez. E tem ainda o foxtrote Querida, já conhecido pelos brasileiros<br />
desde 1991, ano da novela O Dono do Mundo (Gilberto Braga e Ricardo Linhares).<br />
Outro lançamento fonográfico deste ano de 1994 foi o CD Duets II, de Frank Sinatra,<br />
no qual Tom Jobim dividiu com o cantor americano a interpretação de Fly Me to the<br />
Moon (Bart Howard).<br />
O início do ano, porém, trouxe más notícias a Tom: após urinar sangue, ele vai ao<br />
médico e é diagnosticado com câncer na bexiga. Após apresentações no Carnegie Hall<br />
(abril) e em Jerusalém (seu último show, em maio), concentra-se em sua saúde. Primeiramente,<br />
tenta a cura fora da medicina tradicional (com o paranormal Thomas Green<br />
Morton e depois em duas sessões no Centro Espírita Lar de Frei Luiz, em Jacarepaguá),<br />
mas no fim das contas acaba indo se tratar em Nova York, internando-se no Hospital<br />
Mount Sinai em 2 de dezembro. Dali a três dias, o tumor na bexiga é extirpado com<br />
sucesso e o primeiro exame indica que está livre do câncer. Recuperava-se bem, mas<br />
Tom passa a sofrer com problemas respiratórios. Na manhã de 8 de dezembro, sofre<br />
duas paradas cardíacas e falece, aos 67 anos. O corpo chega ao Rio na manhã do dia<br />
9, sendo velado no Centro dos Visitantes do Jardim Botânico, de onde partiu para<br />
o sepultamento, no Cemitério São João Batista, em Botafogo. No túmulo, um verso<br />
inspirado no grego Hipócrates, que Tom fez para o fox Querida: “Longa é a arte, breve<br />
é a vida”.<br />
* Pedro Paulo Malta é músico, jornalista e pesquisador de música popular brasileira. Foi consultor da<br />
série Pequenos Notáveis, produzida pela <strong>MultiRio</strong>, que mostra a vida e a obra de grandes compositores<br />
brasileiros a fim de inspirar crianças de 9 a 14 anos a descobrir suas aptidões.<br />
Pequenos Notáveis - Tom Jobim<br />
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