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A responsabilidade limitada e o empresário ... - Milton Campos

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CRISTIANO CARDOSO DIAS<br />

A RESPONSABILIDADE LIMITADA E O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL<br />

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-<br />

Graduação Stricto Sensu da Faculdade de<br />

Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>, como requisito parcial<br />

para a obtenção do título de Mestre em Direito.<br />

Área de concentração: Direito Empresarial<br />

Orientador: Prof. Dr. Alexandre Bueno Cateb<br />

Nova Lima/MG<br />

2012


2 <br />

Faculdade de Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong><br />

Mestrado em Direito Empresarial<br />

Dissertação intitulada “A <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> e o empresário<br />

individual”, de autoria do mestrando Cristiano Cardoso Dias, para exame<br />

da banca constituída pelos seguintes professores:<br />

____________________________________________<br />

Prof. Dr. Alexandre Bueno Cateb - Orientador<br />

____________________________________________<br />

Prof. Dr.<br />

____________________________________________<br />

Prof. Dr.<br />

____________________________________________<br />

Prof. Dr.


3 <br />

AGRADECIMENTOS<br />

Ao orientador, Professor Doutor Alexandre Bueno Cateb, pela<br />

disponibilidade e, principalmente, pelos inestimáveis comentários, sem os<br />

quais a presente dissertação não seria concluída.<br />

Aos meus pais, que jamais negaram esforços para encurtar a<br />

distância que me separava da consecução desse trabalho.<br />

mais velho.<br />

Ao Paulo, pelo cuidado no desempenho do precioso papel de irmão<br />

À Júlia, por sempre me mostrar que os desafios não são obstáculos<br />

intransponíveis.<br />

Ao Desembargador Pedro Carlos Bitencourt Marcondes, pelos<br />

constantes incentivos ao enriquecimento da minha formação acadêmica.


4 <br />

RESUMO<br />

A presente dissertação tem por objetivo analisar e correlacionar os<br />

institutos da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> e do empresário individual,<br />

demonstrando a compatibilidade jurídica e econômica havida entre eles.<br />

Para tal desiderato, utiliza-se do ferramental fornecido pelo campo do<br />

Direito e Economia, empreendendo-se também a uma revisão da doutrina<br />

já escrita sobre os temas aqui tratados. Assim, inicialmente, aborda-se o<br />

instituto da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, procedendo-se a um exame de sua<br />

história, bem como das qualidades e dos defeitos que lhe tem sido<br />

atribuídos. Posteriormente, estuda-se o empresário individual, partindo-se<br />

de sua caracterização no âmbito do Direito brasileiro, para, a seguir,<br />

demonstrar-se a adequação e a necessidade de se possibilitar a atribuição<br />

de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao empreendedor individual. Finalmente,<br />

examina-se, a partir das premissas estabelecidas anteriormente, a Lei nº<br />

12.441, de 11 de julho de 2011, que inseriu, no ordenamento jurídico<br />

pátrio, a “Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”. Conclui-se<br />

que deve ser possibilitada a atribuição de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao<br />

empresário individual. Mais do que isso, constata-se que os legisladores<br />

brasileiros tardaram em perceber tal fato e que, quando o fizeram,<br />

produziram uma norma falha, que pode não cumprir seu objetivo de<br />

incentivar o empreendedorismo e a livre iniciativa, bem como de tornar os<br />

empresários individuais plenamente competitivos.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Empresário individual. Responsabilidade <strong>limitada</strong>.<br />

EIRELI. Efeito Peltzman. Competitividade.


5 <br />

ABSTRACT<br />

This study aims to analyze and correlate the institutions of limited liability<br />

and the individual entrepreneur, demonstrating the economic and legal<br />

compatibility held between them. For that purpose, we make use of the<br />

tools provided by the field of law and economics, while also undertaking a<br />

review of previous studies on such topics. Therefore, initially, we focus on<br />

the institution of limited liability, proceeding to an examination of its<br />

history as well as the positive and negative qualities usually assigned to it.<br />

Subsequently, we study the individual entrepreneur, in the context of the<br />

Brazilian law, in order to demonstrate both the adequacy and the<br />

necessity of providing him with limited liability. Finally, we examine, from<br />

the premises previously established, the bill that granted limited liability<br />

to the individual entrepreneur in Brazil, by means of the “EIRELI”. We<br />

conclude that it is correct to provide limited liability to the individual<br />

entrepreneur. Moreover, we state that Brazilian legislators were slow to<br />

realize this fact; not only that, the resulting statute is flawed, not meeting<br />

its goal of encouraging entrepreneurship and free enterprise, to the<br />

detriment of the individual entrepreneur’s competitiveness.<br />

KEYWORDS: Individual entrepreneur. Limited liability. EIRELI. Peltzman<br />

effect. Competitiveness.


6 <br />

SUMÁRIO<br />

INTRODUÇÃO..................................................................................9<br />

1 A RESPONSABILIDADE LIMITADA...................................................13<br />

1.1 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DA LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE......... 13<br />

1.2 A EFICIÊNCIA ECONÔMICA DA RESPONSABILIDADE LIMITADA..................25<br />

1.2.1 Redução dos custos de monitoramento na relação entre<br />

administrador e acionista e incentivo à<br />

diversificação........................................................................28<br />

1.2.2 Redução dos custos de monitoramento dos demais<br />

acionistas..............................................................................31<br />

1.2.3 Transferência livre de ações.............................................32<br />

1.2.4 Redução dos custos de informação...................................34<br />

1.2.5 Melhora nas decisões de investimento...............................35<br />

1.2.6 Entrada de novos atores no mercado................................37<br />

1.3 CRÍTICAS À RESPONSABILIDADE LIMITADA........................................38<br />

1.3.1 A externalização de custos...............................................39<br />

1.3.2 O risco moral.................................................................46<br />

1.3.3 Exposição aos riscos é elemento normal da vida.................50<br />

1.4 EFICIÊNCIA E EQUIDADE..............................................................53<br />

2 O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL..........................................................57<br />

2.1 OS ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL............57<br />

2.1.1 O profissionalismo..........................................................61


7 <br />

2.1.2 O exercício de atividade econômica...................................63<br />

2.1.3 A atividade organizada....................................................64<br />

2.1.4 A produção ou circulação de bens ou de serviços................67<br />

2.1.5 A atividade intelectual de natureza científica, literária ou<br />

artística.................................................................................68<br />

2.2 A RESPONSABILIDADE ILIMITADA DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL E O EFEITO<br />

PELTZMAN....................................................................................75<br />

2.2.1 O efeito Peltzman...........................................................76<br />

2.2.2 O efeito Peltzman causado pela restrição legislativa............79<br />

2.3 A RACIONALIDADE ECONÔMICA DA APLICAÇÃO DA LIMITAÇÃO DE<br />

RESPONSABILIDADE AO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL.......................................85<br />

2.3.1 Diversificação e empreendedorismo..................................89<br />

2.3.2 Alocação eficiente de riscos..............................................91<br />

3 A EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA: ANÁLISE<br />

DA LEI Nº 12.441/2011...................................................................96<br />

3.1 ANTECEDENTES........................................................................96<br />

3.2 ASPECTOS GERAIS DA NORMA E DAS ALTERAÇÕES EMPREENDIDAS..........100<br />

3.2.1 A opção terminológica...................................................102<br />

3.2.2 A constituição da EIRELI por pessoa jurídica.....................105<br />

3.3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, A EXIGÊNCIA DE CAPITAL<br />

MÍNIMO E A SUBCAPITALIZAÇÃO........................................................109<br />

3.3.1 A desconsideração da personalidade jurídica....................109


8 <br />

3.3.2 A exigência de capital mínimo e a subcapitalização............114<br />

3.3.3 A subcapitalização e a desconsideração da personalidade<br />

jurídica................................................................................125<br />

CONCLUSÃO ................................................................................132<br />

REFERÊNCIAS...............................................................................136


9 <br />

INTRODUÇÃO<br />

A atividade empresarial no Brasil vem se desenvolvendo de<br />

maneira acentuada nos últimos anos. O descompasso entre a regulação<br />

existente no país e as necessidades e dificuldades vividas pelos<br />

empresários clama por atenção.<br />

Um dos aspectos que demandavam alterações urgentes se referia à<br />

<strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong> do empresário individual. Fruto de legislações<br />

ultrapassadas, a vedação à atuação do empresário individual amparado<br />

pela limitação de <strong>responsabilidade</strong> resultou, ao longo do tempo, em óbice<br />

ao empreendedorismo – na medida em que desencorajava as pessoas a<br />

empreenderem individualmente –, quando não em claro incentivo à<br />

constituição de sociedades empresárias de fachada.<br />

O tema, que já vinha recebendo alguma atenção da doutrina, foi<br />

finalmente enfrentado pelo Congresso Nacional, resultando na edição, já<br />

em 2011, da Lei nº 12.441, por meio da qual foi criada a Empresa<br />

Individual de Responsabilidade Limitada, ou EIRELI.<br />

O objeto da presente dissertação não é, primordialmente, a análise<br />

de referida norma, malgrado seu exame componha o presente trabalho.<br />

Antes, e muito mais, pretende-se analisar a adequação entre os institutos,<br />

isto é, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> e o empresário individual.<br />

São esses, verdadeiramente, os dois eixos dessa dissertação.<br />

Pretende-se, assim, por um lado, compreender as raízes da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, bem como seu significado econômico e seu<br />

papel no mundo atual; por outro lado, tenciona-se aquilatar o status do<br />

empresário individual no ordenamento jurídico pátrio, bem como sua<br />

importância para o desenvolvimento econômico.


10 <br />

Como resultado dessa análise, intenta-se demonstrar a importância<br />

da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> para o empresário individual, bem como a<br />

ausência de incompatibilidades (e, mais que isso, a perfeita adequação)<br />

entre os dois institutos.<br />

O momento não poderia ser mais oportuno: como referido acima, a<br />

recente edição da Lei nº 12.441 reavivou os debates a respeito dos temas<br />

aqui tratados. Desse modo, é de extrema importância compreendermos<br />

profundamente o impacto da extensão da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao<br />

empreendedor individual. Impacto esse, frise-se, no ambiente empresarial<br />

do país, isto é, no fomento da economia capitalista como um todo, em<br />

muito superando a questão meramente individual, ou seja, os benefícios<br />

propiciados a cada empresário.<br />

Vale dizer, não se trata aqui de avaliar apenas os interesses dos<br />

empresários, individualmente considerados; a preocupação é outra,<br />

dizendo respeito, repita-se, ao desenvolvimento econômico do país. Daí a<br />

necessidade de se recorrer ao ferramental fornecido pela Economia:<br />

descola-se, assim, da análise mais tradicional, puramente jurídica, mas<br />

sem abandoná-la; ao contrário, se a qualifica, por meio da inserção de<br />

conceitos e visões econômicas.<br />

Passa-se, destarte, ao plano de trabalho, de modo a esmiuçar as<br />

linhas gerais acima expostas.<br />

Primeiramente, busca-se compreender, em profundidade, o<br />

instituto da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>. Dessa forma, no Capítulo 1,<br />

empreende-se, inicialmente, um estudo histórico da limitação de<br />

<strong>responsabilidade</strong>, desde seus antecedentes até o contexto atual. Feito<br />

isso, adentra-se na questão da eficiência econômica do instituto em<br />

comento, explorando, um a um, os diversos benefícios que lhe são<br />

comumente atribuídos. A seguir, abordam-se as várias críticas feitas à<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, refutando-as, quando descabidas, mas também<br />

reconhecendo e expondo, para melhor compreensão, as limitações do


11 <br />

instituto. Fecha-se o Capítulo com uma instigante reflexão acerca dos<br />

conceitos de eficiência e equidade, aplicados, obviamente, ao estudo da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>.<br />

O foco do Capítulo subsequente está, por sua vez, no empresário<br />

individual. Inicia-se, assim, pelo estudo dos elementos que o<br />

caracterizam, com base na legislação atinente à matéria. Nesse tópico,<br />

são apontadas as incongruências da referida legislação, abordando-se os<br />

problemas daí advindos, que resultam em insegurança jurídica quanto a<br />

quem pode, de fato, ser chamado de empresário individual. Na sequência,<br />

e já adentrando no cotejo entre a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> e o<br />

empresário individual, aborda-se, com o auxílio da Economia, a situação<br />

vivida pelo empreendedor antes da alteração legislativa suprarreferida. O<br />

recorte escolhido é o do efeito Peltzman 1 . Procura-se, destarte, explicar,<br />

sob o ponto de vista econômico, o incentivo à criação de sociedades<br />

<strong>limitada</strong>s de fachada, por meio da utilização, pelos empreendedores, de<br />

testas-de-ferro a quem se destinava 1 ou 2% do capital social, obtendose,<br />

assim, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> até então negada ao empresário<br />

individual. Finalmente, busca-se, a partir das premissas expostas no<br />

Capítulo anterior, evidenciar a racionalidade econômica da aplicação da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao empresário individual.<br />

O Capítulo derradeiro tem por foco uma análise da Lei nº 12.441.<br />

Vale dizer, após demonstrada a adequação entre os dois institutos<br />

centrais da dissertação, é chegado o momento de se examinar a lei que<br />

inseriu, no ordenamento jurídico pátrio, a possibilidade de o empresário<br />

individual atuar amparado pela <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, analisando suas<br />

disposições e apontando algumas de suas falhas. Não apenas isso, o que<br />

se pretende é indicar as possibilidades que se abrem a partir da edição<br />

dessa norma. Voltam-se os olhos para o futuro, ante a constatação de que<br />

a Lei em comento é apenas o primeiro passo na consolidação da<br />

1 O conceito será devidamente explorado no Capítulo 2, daí porque nos abstemos de<br />

tecer maiores considerações a seu respeito no presente momento.


12 <br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> do empresário individual. Analisam-se, assim,<br />

as questões atinentes à subcapitalização, ao capital social mínimo e à<br />

desconsideração da personalidade jurídica, aspectos que, acredita-se,<br />

devem receber especial atenção por parte da doutrina e dos Poderes<br />

Legislativo e Judiciário, na tentativa constante de aprimoramento do<br />

ambiente institucional a que se submetem os agentes econômicos.<br />

O presente estudo conclui-se, como já se pode antever,<br />

reafirmando a importância dos institutos que lhe são centrais, isto é, a<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> e o empresário individual. Tais institutos,<br />

individualmente considerados, são essenciais ao desenvolvimento<br />

econômico de qualquer nação. Mais do que isso, para a consecução plena<br />

do potencial econômico do Brasil, conclui-se ser imprescindível a<br />

atribuição de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao empreendedor individual, nos<br />

moldes da atribuída às sociedades empresárias que assim o desejam, e a<br />

exemplo do que já ocorria há muitos anos nos países mais desenvolvidos,<br />

em cujos modelos legislativos o Brasil tradicionalmente se inspira.


13 <br />

1 A RESPONSABILIDADE LIMITADA<br />

A <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> no direito empresarial, malgrado<br />

largamente aceita hodiernamente, é instituto de recente consolidação,<br />

resultado de uma notável evolução jurídica, reflexo de como as relações<br />

humanas foram se tornando mais complexas, e de como o Direito<br />

acompanhou tal processo.<br />

Com efeito, a limitação de <strong>responsabilidade</strong> ganha força na esteira<br />

do desenvolvimento da economia de mercado, e das demandas advindas<br />

da sociedade de riscos dali surgida. Vale dizer, e conforme se<br />

demonstrará a seguir, o instituto é decorrência natural do adensamento<br />

das relações comerciais, viabilizando aportes mais vultosos de capital,<br />

essenciais para o progresso da sociedade.<br />

Destarte, é de extrema importância a compreensão das origens da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, de modo a permitir uma reflexão mais<br />

completa sobre o papel de tal instituto nas relações comerciais<br />

contemporâneas, abrindo caminho para sua inserção no contexto do<br />

empresário individual, objeto último da presente dissertação.<br />

1.1 BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DA LIMITAÇÃO DE RESPONSABILIDADE<br />

A primeira noção de limitação de <strong>responsabilidade</strong> é encontrada no<br />

Direito Romano, ainda que de maneira de todo desconectada das<br />

sociedades empresárias. De acordo com William J. Carney, “conquanto


14 <br />

Roma possuísse noções bem-desenvolvidas de personalidade corporativa<br />

e de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, tais conceitos não estavam relacionados” 2 .<br />

Na Europa medieval, todavia, a ideia de limitação de<br />

<strong>responsabilidade</strong> ganha força, de duas maneiras diferentes, ainda que a<br />

segunda tenha derivado da primeira.<br />

Inicialmente, nos Séculos XII e XIII, surgem na Itália as<br />

commendas, instituto usado para o financiamento do tráfico marítimo. Por<br />

meio das commendas, investidores forneciam recursos para comerciantes<br />

de longa distância (recebendo juros ou participação nos lucros) 3 , sendo a<br />

<strong>responsabilidade</strong> daqueles <strong>limitada</strong> ao capital investido. Nesse arranjo,<br />

cujas características eram encontradiças em outras localidades, e até<br />

mesmo em períodos anteriores 4 , uma parte contribuía com seu labor, ao<br />

passo que a outra o fazia com o fornecimento de capital. Em linhas gerais,<br />

conforme descrição de John H. Pryor 5 , assim funcionava o contrato de<br />

commenda:<br />

1) Um investidor, conhecido como commendator, entregava<br />

o capital a um parceiro viajante, conhecido como<br />

tractator.<br />

2) O tractator poderia ou não adicionar capital próprio. Em<br />

caso negativo, tratava-se de commenda unilateral; em<br />

caso positivo, commenda bilateral, na qual usualmente o<br />

2 “While Rome had well-developed notions of both corporate personality and limited<br />

liability, they were not related to each other.” CARNEY, William J. Limited liability.<br />

Encyclopedia of Law and Economics, 1998, p. 660, tradução nossa. Disponível em<br />

. Acesso em 5 jan. 2012.<br />

3 Ibid., p. 660.<br />

4 De acordo com John H. Pryor, o Qirad muçulmano, o chreokoinônia bizantino, o ‘isqa<br />

judeu, o societas e o nauticum fenus romanos, todos compartilham estruturas<br />

semelhantes (PRYOR, John H. The origins of the commenda contract. Speculum,<br />

Cambridge, v. 52, n. 1, Jan. 1977, p. 5-37).<br />

5 Ibid., p. 6.


15 <br />

tractator adicionava do próprio bolso o equivalente à<br />

metade do valor entregue pelo commendator.<br />

3) O commendator poderia optar por dar instruções acerca<br />

da gestão da empreitada a ser assumida pelo tractator.<br />

4) O tractator levava consigo o capital, usualmente para<br />

além-mar, utilizando-o de alguma maneira.<br />

5) Quando expirado o prazo ou findas as viagens<br />

especificadas no acordo entabulado entre as partes, o<br />

tractator retornava e dividia os proventos com o<br />

commendator. Excepcionalmente, poderia o tractator<br />

enviar tais ganhos sem retornar pessoalmente ao porto.<br />

6) Após deduzidos os custos e o capital originalmente<br />

investido, os lucros (ou perdas) eram divididos numa<br />

proporção previamente acordada. Arquetipicamente,<br />

numa commenda unilateral, havendo ganhos, ¾ destes<br />

cabiam ao commendator, e o quarto restante ao<br />

tractator. Eventuais perdas eram assumidas pelo<br />

commendator, somente até o limite do capital investido.<br />

Eventuais novas dívidas assumidas pelo tractator seriam<br />

de <strong>responsabilidade</strong> exclusiva deste. Apenas a título<br />

ilustrativo, na commenda bilateral a divisão de lucros<br />

seria um pouco mais vantajosa para o tractator, pois,<br />

além de seu trabalho, participara também com fração do<br />

capital utilizado na empreitada.<br />

Semelhante arranjo, cuja natureza é menos societária que de<br />

mútuo 6 , seria mais tarde adaptado em vários outros países, resultando<br />

nas atuais sociedades em comandita e em conta de participação.<br />

6 Não por outro motivo, John H. Pryor (1977, p. 13) relata que as primeiras anotações<br />

sobre o tema se referiam às partes como credor e devedor.


16 <br />

Posteriormente, com o incremento do comércio terrestre, e com a<br />

subsequente fixação territorial dos comerciantes, os contratos de<br />

commenda evoluiriam para uma feição mais societária, ainda que apenas<br />

aos investidores fosse assegurada a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao capital<br />

empregado.<br />

Vale dizer, nesse período o comerciante ainda era i<strong>limitada</strong>mente<br />

responsável pelas obrigações sociais contraídas perante terceiros; nada<br />

obstante, já se reconhecia a possibilidade jurídica de que determinada<br />

classe de sócio tivesse <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao capital investido,<br />

ainda que outra classe ficasse sempre i<strong>limitada</strong>mente responsável 7 .<br />

Paralelamente, o adensamento do comércio marítimo vê surgir as<br />

companhias de navegação, nos Séculos XVI e XVII, notadamente em<br />

Inglaterra, Holanda e França, e o Estado rapidamente se apropria do<br />

modelo comercial existente, amplificando-o. Nascem aí as primeiras<br />

sociedades anônimas, com características bastante específicas: a pessoa<br />

jurídica dependia de concessão do soberano para existir; a Coroa<br />

assegurava o monopólio de exploração à companhia (usualmente, ainda<br />

que nem sempre fosse assim); o soberano subscritava grandes blocos de<br />

ações (algumas vezes deixando, até mesmo, de pagar por eles) 8 .<br />

Tratava-se, a toda evidência, de verdadeira parceria públicoprivada,<br />

mas certamente teve grande influência na configuração das<br />

companhias exclusivamente privadas que viriam a se consolidar séculos<br />

7 Como coloca Eduardo Bastos de Barros, “a partir desta configuração, evolui-se para o<br />

desenvolvimento de categorias distintas de sócios, considerando-se a <strong>responsabilidade</strong><br />

de cada uma delas pelas obrigações sociais. Cria-se a possibilidade jurídica de<br />

determinada categoria de sócio limitar o montante de sua <strong>responsabilidade</strong> (risco do<br />

investimento) pelas obrigações da sociedade. Contudo, sempre um ou alguns dos sócios,<br />

de outra categoria, continuavam com <strong>responsabilidade</strong> pessoal e i<strong>limitada</strong> pelas<br />

obrigações contraídas pela sociedade com terceiros (e, em virtude disto, com a gestão<br />

dos negócios sociais, tendo em vista o maior risco assumido em relação ao<br />

empreendimento)” (BARROS, Eduardo Bastos de. Limitação de <strong>responsabilidade</strong> no<br />

direito societário brasileiro: origem, função e estrutura normativa. Dissertação de<br />

Mestrado. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2009, p. 17).<br />

8 CF. MOLODOVSKY, Nicholas. The Business Corporation. Financial Analysts Journal,<br />

Charlottesville, v. 24, n. 3, May/June 1968, p. 29-39. p. 30.


17 <br />

mais tarde, sendo considerada por muitos a primeira modalidade de<br />

sociedades por ações. É este, inclusive, o escólio de Waldemar Ferreira,<br />

ao tratar do exemplo holandês:<br />

Por quanto se possa divisar nos mais afastados precedentes<br />

históricos, especialmente na época medieval, as origens mais<br />

precisas da sociedade anônima repousam tão-sòmente nas<br />

companhias coloniais nascidas nos primeiros anos do Século XVII,<br />

primeira das quais a Companhia das Índias Orientais organizada<br />

na Holanda em 1602, a partir da qual é possível seguir, sem<br />

interrupção, a linha de desenvolvimento do instituto.<br />

Em primeiro plano, destaca-se a fixidez do capital da companhia, o<br />

que era substancial para seu êxito, com a divisão dêsse capital em<br />

parcelas de iguais valores, representadas por títulos chamados –<br />

de ações. Firmado o princípio da limitação da <strong>responsabilidade</strong> dos<br />

subscritores dêsses títulos ao montante de seu valor nominal,<br />

abriu-se vaza à sua livre negociação, desde que o número das<br />

ações, em consequência da fixidez do capital social, era também<br />

limitado. (...)<br />

Criou-se, para a negociação delas, a Bôlsa de Amsterdãõ, ao<br />

mesmo tempo em que surgiu o Banco de Amsterdãõ, como<br />

engrenagens complementares ao funcionamento da Companhia<br />

das Índias Orientais, cujos lucros atingiram a dividendos<br />

fabulosos.<br />

A essa companhia sucedeu-se outra, em 1621, a Companhia das<br />

Índias Ocidentais, mais aperfeiçoada que aquela no seu<br />

organismo, trazendo dispositivos atinentes à prestação de contas<br />

dos diretores, para o que se criou, de entre os principais<br />

acionistas, o conselho fiscal.<br />

Em segundo plano, acrescente-se a administração colegiada das<br />

duas companhias, a de 1602 pelo Conselho dos XVII e a de 1621<br />

pelo Conselho dos XIX, mais as reuniões dos acionistas em<br />

assembléias gerais; e se tem a engrenagem de moderna<br />

sociedade anônima ou por ações, com seus defeitos, mas também<br />

com suas virtudes, que são insignes.<br />

(...) Em face de tudo isso, é de concluir, como ANTONIO<br />

BRUNETTI, que a sociedade anônima é criação do Direito Público;<br />

e, é de acrescentar, as duas companhias holandesas, mais a<br />

segunda do que a primeira, porque naquela se deu a<br />

comparticipação capitalística do Estado, foram as matrizes, não<br />

apenas da moderna sociedade anônima, como ainda da chamada<br />

sociedade de economia mista. 9<br />

9 FERREIRA, Waldemar. Tratado de Direito Comercial. v. 4. São Paulo: Saraiva, 1961,<br />

p. 12-17.


18 <br />

O marco definitivo para o surgimento das corporações nas formas<br />

como as conhecemos hoje, bem como de sociedades cuja totalidade dos<br />

sócios responderia de maneira <strong>limitada</strong>, viria com a Revolução Industrial.<br />

Não sem razão, pois tal delineamento é mero resultado da evolução do<br />

comércio. Vale dizer, e tal constatação ressai clara dessa análise histórica,<br />

a legislação específica é resultado da própria dinâmica do mercado, isto é,<br />

via de regra, as formas societárias são criadas a partir das demandas dos<br />

atores do mercado, e ao Direito, vindo a reboque, resta institucionalizálas.<br />

Diz-se isso pois, a partir da Revolução Industrial, a complexidade<br />

das relações comerciais salta, rapidamente, a níveis até então<br />

desconhecidos. Onde antes havia empreendedores individuais e estruturas<br />

eminentemente familiares, eclodem indústrias, com todas as<br />

transformações daí advindas.<br />

O surgimento de máquinas, o crescimento das cidades e a<br />

demanda por mão-de-obra assalariada foram alguns dos fatores que<br />

alteraram radicalmente o panorama social, levando ao aparecimento de<br />

empreendimentos complexos, expandindo as fronteiras do Direito<br />

societário.<br />

Nesse contexto, em que os empreendimentos (e os riscos deles<br />

advindos) se tornaram mais vultosos, ao mesmo tempo em que, dado o<br />

número de participantes, o controle sobre a empreitada fugira das mãos<br />

de cada um dos investidores, era de se esperar que estes buscassem<br />

maneiras de se resguardar, e a experiência advinda das commendas e das<br />

companhias de navegação certamente inspirou o desenvolvimento das<br />

corporações, em geral, e do instituto da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, mais<br />

especificamente.<br />

Como pontuou Eduardo Bastos de Barros, in verbis:


19 <br />

Esse novo sistema trouxe consigo novas necessidades de natureza<br />

financeira (exigência de reunião de grande volume de capital e<br />

ativos patrimoniais), organizacional (gestão profissionalizada e<br />

emprego de força de trabalho contratada) e, no que interessa à<br />

presente investigação, jurídica (limitação de <strong>responsabilidade</strong> dos<br />

investidores, de forma a viabilizar a reunião do capital necessário<br />

para por em marcha todos os empreendimentos industriais). 10<br />

Vale dizer, devido ao crescente dinamismo do mercado, os<br />

empreendedores começaram a buscar arranjos societários que<br />

possibilitassem uma transferência de direitos de propriedade mais célere e<br />

eficiente 11 . Isso porque, com o surgimento das indústrias, a demanda por<br />

capital tornou-se muito maior, tendo em vista o aumento na escala do<br />

empreendimento.<br />

Desse modo, o sucesso das novas corporações passa a depender,<br />

em larga medida, de sua capacidade em reunir grandes quantias de<br />

capital, de modo a viabilizar os investimentos necessários para as<br />

empreitadas e desafios trazidos pela economia industrial (notadamente, a<br />

construção de ferrovias, a “ossatura da rede de ligação nacional”,<br />

conforme John Micklethwait e Adrian Wooldridge 12 , ao tratar do exemplo<br />

norte-americano). Nesse contexto, os empreendedores individuais perdem<br />

força, dando vez às sociedades comerciais, mais bem adaptadas à nova<br />

dinâmica comercial. E a limitação de <strong>responsabilidade</strong> viria a assegurar a<br />

viabilidade dos novos empreendimentos, tornando-os atrativos aos<br />

investidores, ao reduzir o risco de sua participação. De outro modo, como<br />

convencê-los a investir em empreendimentos nos quais teriam pouco ou<br />

nenhum controle<br />

10 BARROS, 2009, p. 18-19.<br />

11 CF. EKELUND Jr, Robert B.; TOLLISON, Robert D. Mercantilist origins of the<br />

corporation. The Bell Journal of Economics, Cambridge, v. 11, n. 2, Autumn 1980, p.<br />

715-720.<br />

12 MICKLETHWAIT, John; WOOLDRIDGE, Adrian. The company: a short story of a<br />

revolutionary idea. Nova York: Random House Digital, Inc., 2005. p. 47, tradução nossa.


20 <br />

Pode-se dizer, portanto, que a consagração da forma societária,<br />

bem como da limitação de <strong>responsabilidade</strong>, advém essencialmente de<br />

dois fatores: aumento da demanda de capital e necessidade de facilitação<br />

de transferência de direitos de propriedade.<br />

Como resultado dessa nova dinâmica, o Século XIX é marcado por<br />

intensas discussões acerca da pertinência do instituto da <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>. Os Estados Unidos e a Europa, notadamente Inglaterra e França,<br />

viveriam então períodos de incerteza jurídica, advindos de disputas em<br />

torno da institucionalização do modelo em comento, o qual já vinha, na<br />

prática, sendo largamente utilizado por empreendedores quando da<br />

formalização de suas novas companhias, por meio de subterfúgios<br />

contratuais.<br />

A resistência ao novel instituto pode ser percebida a partir da<br />

leitura do seguinte trecho de editorial do diário londrino The Times,<br />

publicado em 25/05/1824:<br />

Nada pode ser tão injusto quanto a possibilidade de que umas<br />

poucas pessoas abundando em riqueza ofereçam uma porção<br />

desse excesso para a formação de uma companhia, joguem com<br />

tal excesso – emprestando a importância de seu nome e crédito<br />

para a sociedade – e, caso os fundos se mostrem insuficientes<br />

para responder a todas as demandas, retirem-se para a segurança<br />

de suas fortunas não ameaçadas, deixando a isca para ser<br />

devorada pelos pobres peixes ludibriados. 13<br />

Em essência, os opositores afirmavam que a limitação de<br />

<strong>responsabilidade</strong> implicaria transferência dos riscos de fracasso comercial<br />

13 “Nothing can be so unjust as for a few persons abounding in wealth to offer a portion<br />

of their excess for the information of a company, to play with that excess - to lend the<br />

importance of their whole name and credit to the society -, and then should the funds<br />

prove insufficient to answer all demands, to retire into the security of their unhazarded<br />

fortune, and leave the bait to be devoured by the poor deceived fish.” apud HALPERN,<br />

Paul; TREBILCOCK, Michael; TURNBULL, Stuart. An economic analysis of limited liability<br />

in corporation law. The University of Toronto Law Journal, Toronto, v. 30, n. 2,<br />

Spring 1980, p. 117-150. p. 117, tradução nossa.


21 <br />

dos sócios para os credores das companhias 14 ; além disso, conforme se<br />

pode depreender do trecho supracitado, havia uma resistência social, de<br />

natureza moral, pois a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> poderia significar um<br />

aumento da desigualdade social, ao deixar as finanças dos mais ricos a<br />

salvo, colocando em risco apenas os mais pobres. Nada obstante, os<br />

defensores do instituto reafirmavam suas qualidades, ao lembrar que este<br />

possibilitaria até mesmo à classe média investir em referidas companhias,<br />

tendo em vista a redução dos riscos pessoais envolvidos em tal ato,<br />

fomentando a atividade econômica 15 .<br />

Os Estados Unidos seriam, nesse contexto, o primeiro país a<br />

reconhecer a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> para empreendedores privados 16 ,<br />

ainda que, tendo em vista o federalismo que marca aquela nação, tal se<br />

tenha dado, em princípio, apenas em nível estadual, no estado de Nova<br />

Iorque, em 1811 17 . Na Inglaterra, apenas em 1855 seria assinado o<br />

Limited Liability Act, consagrando o instituto da limitação de<br />

<strong>responsabilidade</strong> dos sócios para as corporações que assim o desejassem.<br />

E aqui cabe uma curiosa história, que reflete a evolução da visão<br />

da sociedade no tocante ao tema. Quando da aprovação, na Inglaterra, da<br />

limitação de <strong>responsabilidade</strong>, a revista The Economist repudiou o ato,<br />

afirmando que, se fosse mesmo desejável a limitação de <strong>responsabilidade</strong>,<br />

as forças do mercado providenciariam uma forma de se obtê-la, daí<br />

porque irrelevante o reconhecimento legislativo. Já em 1926, o semanário<br />

viria a se retratar, reconhecendo a importância do instituto, ao sugerir<br />

que ao desconhecido inventor do conceito fosse assegurado um lugar de<br />

honra entre os pioneiros da Revolução Industrial. Finalmente, em sua<br />

14 Aquilo que hoje se convencionou chamar externalização de custos, tópico a ser<br />

aprofundado mais adiante.<br />

15 HALPERN; TREBILCOCK; TURNBULL, 1980, p. 118.<br />

16 O Código Comercial francês, de 1807, previa, em seu artigo 33, a <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> para as companhias, que continuavam a depender, no entanto, de autorização<br />

estatal para existir, seguindo o modelo das companhias de navegação.<br />

17 Mas rapidamente seguido por diversos estados, até que a Suprema Corte, em 1819,<br />

reconheceu inúmeros direitos às companhias privadas, impedindo as unidades da<br />

federação de restringi-los.


22 <br />

edição do milênio, datada de dezembro de 1999, The Economist<br />

reafirmaria a essencialidade do instituto, ao considerá-lo “a chave do<br />

capitalismo industrial” 18 .<br />

A segunda metade do Século XIX veria, portanto, a consolidação<br />

das corporações, na forma de sociedades por ações, como o modelo<br />

societário arquetípico, tendo a legislação institucionalizado as práticas que<br />

vinham ganhando força no capitalismo industrial. Nesse particular, é<br />

David McBride quem afirma, com precisão, in verbis:<br />

Ao final do Século XIX, a legislação atinente à incorporação<br />

evoluíra no sentido de atender às necessidades da economia e aos<br />

objetivos dos mundos financeiros e de negócios. Não mais um<br />

privilégio, a incorporação se tornou um direito disponível aos<br />

exuberantes homens de negócio e financiadores da época. 19<br />

E, nunca é demais ressaltar, a alavanca proporcionada pela<br />

limitação de <strong>responsabilidade</strong> constituiu conditio sine qua non para o<br />

sucesso do capitalismo industrial. É o que esclarece Nicholas Molodovsky,<br />

ao analisar o exemplo norte-americano:<br />

Os enormes passos dados pela economia corporativa americana ao<br />

longo do Século XIX retiraram sua energia de duas forças, acima<br />

de quaisquer outras. Uma era tecnológica, e consistia no<br />

surgimento de ferramentas que expandiram os horizontes da<br />

produção manufatureira. A outra força era de natureza intangível.<br />

Ela possuía aspectos legais, sociais e econômicos, e se<br />

manifestava na aplicação em larga escala da antiga descoberta da<br />

18 A história é contada parcialmente por Halpern, Trebilcock e Turnbull (1980), e também<br />

pode ser conferida no artigo “The key to industrial capitalism: limited liability”, na edição<br />

do milênio da revista The Economist, disponível em<br />

.<br />

19 “By the end of the nineteenth century, the laws governing incorporation had evolved to<br />

respond to the needs of the economy and the objectives of the business and financial<br />

worlds. No longer a privilege, incorporation became a right available to the exuberant<br />

businesspersons and financiers of the era.” MCBRIDE, David. General corporation laws:<br />

history and economics. Law and Contemporary Problems: revista da Duke University<br />

School of Law, Durham, v. 74, n. 1, Winter 2011, p. 1-18. p. 4, tradução nossa.


23 <br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> de modo a obter acesso a i<strong>limitada</strong><br />

fontes de capital. Essa força invisível se misturou bem com o<br />

sistema capitalista de organização industrial. Sem ela, poupanças<br />

individuais e investimentos agregados não teriam sido unidos para<br />

energizar uma turbina econômica poderosa. (...) Financeiramente,<br />

ela é o núcleo da economia do sistema corporativo. 20<br />

Mais especificamente, as sociedades <strong>limitada</strong>s surgiriam entre o<br />

final do Século XIX e o início do Século XX, para preencher um vazio<br />

específico, tendo em vista a excessiva burocracia envolvida na criação de<br />

uma sociedade por ações, conforme elucida Eduardo Bastos de Barros:<br />

As dificuldades de constituição das Sociedades Anônimas<br />

(necessidade, na origem, de outorga ou autorização estatal para<br />

funcionamento, custos razoavelmente altos com as formalidades<br />

requeridas para sua incorporação e manutenção, exigência de<br />

número inicial mínimo de sócios elevado) fizeram com que<br />

surgisse o ambiente propício ao desenvolvimento da figura da<br />

Sociedade Limitada, que representou, em apertada síntese, a<br />

junção entre a limitação da <strong>responsabilidade</strong> (risco) do sócio pelas<br />

obrigações sociais, principal atrativo oferecido pelas Sociedades<br />

Anônimas, com as facilidades de constituição característica das<br />

sociedades de pessoas. 21<br />

A existência de um ambiente receptivo à criação das sociedades<br />

<strong>limitada</strong>s é bastante reveladora de quão eficiente se mostrara o instituto<br />

da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> experimentado nas sociedades anônimas.<br />

Vale dizer, os temores iniciais de externalização dos custos e do moral<br />

20 “The gigantic strides made by the American corporate economy throughout the<br />

nineteenth century drew their energy from two forces above others. One was technological.<br />

It consisted in the appearance of power tools which expanded the horizons of<br />

manufacturing production. The other force was of an intangible nature. It had legal,<br />

social and economic aspects. It manifested itself by applying on a vast scale the ancient<br />

discovery of limited liability thereby gaining access to unlimited resources of capital. This<br />

invisible force blended well with the capitalistic system of industrial organization. Without<br />

it, individual savings and aggregate investment could not have been brought<br />

together to energize a powerful economic turbine. (…) Financially, it is the core of the<br />

economics of the corporate system.” MOLODOVSKY, 1968, p. 32, tradução nossa.<br />

21 BARROS, 2009, p. 47.


24 <br />

hazard 22 advindos do instituto perdem força, de tal maneira que se<br />

percebe um novo clamor, desta feita para uma redução nas exigências<br />

burocráticas para sua concessão. Divisa-se, portanto, uma nítida evolução<br />

nos arranjos societários, de modo a se estender a limitação de<br />

<strong>responsabilidade</strong> a outras espécies de empreendimentos.<br />

Nesse contexto, a legislação alemã viria a instituir, em 1892, as<br />

sociedades de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, sendo seguida pelos demais<br />

países já no alvorecer do Século XX.<br />

A evolução, por óbvio, não terminaria aqui, sendo certo que as<br />

formas societárias ainda hoje se adaptam às demandas do mercado, mas,<br />

do ponto de vista histórico, as bases para os arranjos societários que hoje<br />

conhecemos estavam, ao final do Século XIX, assentadas.<br />

Deve-se ressaltar, por fim, que, também no Brasil, a evolução da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, estampada na evolução da sociedade anônima,<br />

seguiu os mesmos passos daquela ocorrida na Europa e nos Estados<br />

Unidos, ainda que com algum atraso (o que era, afinal, de se esperar,<br />

tendo em vista o diferente estágio de evolução do mercado). Assim,<br />

outrora inexistentes no país, as sociedades anônimas passaram a ser<br />

admitidas, em 1849 (pelo Decreto 575), dependendo, todavia, de<br />

autorização estatal. As leis surgidas a posteriori (Código Comercial de<br />

1850, Lei 1.083/1860, Decreto 2.711/1860) reafirmavam essa vinculação<br />

estatal. Finalmente, em 1882, e ante intensas pressões emanadas do<br />

mercado, a existência das sociedades anônimas passou a prescindir de<br />

autorização estatal, nos moldes da Lei 3.150 e do Decreto 8.821, que a<br />

regulamentou. Noutro giro, a sociedade por quotas de <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> seria consagrada, no país, em 1919, por meio do Decreto<br />

3.708 23 .<br />

22 Aspectos que, repita-se, serão contemplados mais adiante.<br />

23 Uma análise pormenorizada da evolução das sociedades anônimas no Brasil pode ser<br />

encontrada em Ferreira, 1961, p. 21-26.


25 <br />

1.2 A EFICIÊNCIA ECONÔMICA DA RESPONSABILIDADE LIMITADA<br />

Muito se tem debatido, notadamente na doutrina estrangeira,<br />

acerca da racionalidade econômica da limitação de <strong>responsabilidade</strong>. A<br />

discussão se desenvolve, em verdade, há algum tempo, e muitas são as<br />

contribuições já existentes. O presente tópico, bem como o seguinte, têm<br />

por objetivo apresentar, ainda que de maneira sucinta, o que se tem<br />

entendido por benefícios e malefícios advindos da utilização do instituto,<br />

recorrendo, em larga medida, ao ferramental fornecido pela Economia.<br />

Lado outro, se é certo que a presente dissertação tem por intuito<br />

analisar a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> aplicada ao empresário individual, é<br />

importante observar que aquela nasceu, inicialmente, nas sociedades<br />

anônimas, conforme exposto alhures, daí porque muito do que se verá<br />

adiante diz respeito às companhias 24 . O próximo capítulo, contudo,<br />

contemplará um cotejo mais específico entre o instituto e o empreendedor<br />

individual.<br />

Em essência, pode-se dizer que a limitação de <strong>responsabilidade</strong><br />

implica sensível redução dos custos do capital, o que se manifesta nas<br />

mais variadas formas, que serão objeto de análise pormenorizada a<br />

seguir. Antes, todavia, e para que se possa entender os benefícios<br />

trazidos pelo instituto, faz-se necessário abordar o problema da agência.<br />

Conforme exposto acima, as corporações de <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> ganharam força na esteira da Revolução Industrial, atreladas a<br />

empreendimentos que dependiam de união de capital advindo de um pool<br />

de investidores. Consagra-se, aí, um distanciamento entre propriedade e<br />

direção, pois quem participa com o dinheiro não irá de fato administrar o<br />

empreendimento.<br />

24 E é certo que os estudos existentes focam, em sua imensa maioria, na racionalidade<br />

econômica da limitação de <strong>responsabilidade</strong> no contexto societário.


26 <br />

Essa separação traz inúmeras repercussões, que evidenciam a<br />

importância da limitação de <strong>responsabilidade</strong>, bem como ajudam a<br />

explicar parte de suas vulnerabilidades.<br />

Com efeito, tradicionalmente (isto é, antes da Revolução<br />

Industrial), o direito a um determinado bem implicava propriedade e<br />

controle sobre ele. Mais especificamente, no caso de empreendimentos, o<br />

direito de propriedade se manifestava claramente, na medida em que o<br />

empreendedor possuía e controlava os meios e produtos envolvidos em<br />

seu comércio. Tal fato é alterado já nas commendas, pois o investidor (o<br />

commendator) deixava de ter controle sobre seu capital, que era entregue<br />

para outro (o tractator) gerenciar.<br />

Com a eclosão das sociedades anônimas, a separação entre<br />

propriedade e controle se acentua, pois o acionista deixa de ter ingerência<br />

sobre aquilo que possui, na medida em que as decisões envolvendo a<br />

companhia passam a ser tomadas por um corpo gerencial,<br />

especificamente designado para isso.<br />

Nesse contexto, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> surge como um<br />

consectário lógico da nova forma de se conduzir a atividade econômica, a<br />

qual requer, dos proprietários, o distanciamento das atividades de<br />

gerenciamento, a serem implementadas por pessoas com conhecimentos<br />

técnicos específicos. Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel abordam a<br />

questão com precisão, ao afirmar que as companhias são a forma<br />

predominante de organização da atividade empresarial “quando a<br />

tecnologia de produção demanda que as firmas combinem habilidades<br />

específicas de múltiplos agentes e grandes quantidades de capital” 25 .<br />

Ocorre que tal separação carrega consigo certos custos, pois o<br />

acionista, ao abrir mão do gerenciamento de seu capital investido na<br />

25 “(...) when the technology of production requires firms to combine both the specialized<br />

skills of multiple agents and large amounts of capital”. EASTERBROOK, Frank H.;<br />

FISCHEL, Daniel R. Limited liability and the corporation. The University of Chicago<br />

Law Review, Chicago, v. 52, n. 1, Winter 1985, p. 89-117. p. 93-94, tradução nossa.


27 <br />

companhia, se preocupará em monitorar a gestão. Aí está, em essência, o<br />

chamado custo de agência, que envolve não apenas os custos associados<br />

com a utilização de um agente (o administrador), bem como os custos<br />

para o monitoramento do desempenho deste.<br />

Fischel:<br />

O dilema é assim delineada por Frank H. Easterbrook e Daniel R.<br />

É claro que essa separação de funções não ocorre sem custos. A<br />

separação de investimento e gerenciamento requer das firmas a<br />

criação de dispositivos por meio dos quais os participantes<br />

monitorem uns aos outros e garantam suas próprias<br />

performances. (...) Ademais, gerentes que não obtêm a totalidade<br />

dos benefícios por suas próprias performances não possuem os<br />

melhores incentivos para trabalhar eficientemente. Os custos da<br />

separação entre investimento e gerenciamento (custos de agência)<br />

podem ser substanciais. Nada obstante, sabemos, pela<br />

sobrevivência de grandes corporações, que os custos gerados<br />

pelas relações de agência são compensados pelos ganhos advindos<br />

da separação e especialização de funções. A <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> reduz os custos dessa separação e especialização. 26<br />

A questão dos custos de agência levou, inclusive, ao<br />

desenvolvimento de estudos acerca do chamado problema do agenteprincipal<br />

27 , isto é, dos dilemas advindos da relação entre o principal<br />

(investidor ou acionista) e o agente (administrador), em um ambiente<br />

caracterizado por assimetria de informações.<br />

26 “Of course this separation of functions is not costless. The separation of investment<br />

and management requires firms to create devices by which these participants monitor<br />

each other and guarantee their own performance. (…) Moreover, managers who do not<br />

obtain the full benefits of their own performance do not have the best incentives to work<br />

efficiently. The costs of the separation of investment and management (agency costs)<br />

may be substantial. Nonetheless, we know from the survival of large corporations that<br />

the costs generated by agency relations are outweighed by the gains from separation<br />

and specialization of function. Limited liability reduces the costs of this separation and<br />

specialization.” EASTERBROOK; FISCHEL, 1985, p. 93-94, tradução nossa.<br />

27 Tradução literal do inglês, bastante problemática, pois principal deveria ser traduzido,<br />

em verdade, por algo como mandante, ou outorgante, ao passo que agent seria melhor<br />

traduzido como representante ou mandatário. De todo modo, como sói acontecer, a<br />

tradução literal acabou se consagrando, sendo, portanto, adotada no presente estudo.<br />

Utilizamos, todavia, sempre que possível, as expressões acionista e administrador ao<br />

tratar da relação em comento, em substituição a principal e agente, respectivamente.


28 <br />

A relação agente-principal, bem como os dilemas dela advindos, é<br />

assim resumida por Armando Castellar e Jairo Saddi:<br />

Esse exemplos ilustram os quatro aspectos característicos da<br />

relação entre principal e agente. Primeiro, sempre há algum valor<br />

econômico criado pelo agente, ou porque ele detém algum tipo de<br />

conhecimento técnico especial, ou porque possui mais informação,<br />

ou ainda porque conta com mais tempo. Todos esses fatores<br />

permitem a ele realizar a tarefa a um custo menor que o do<br />

principal. Segundo, os interesses do principal e os do agente são<br />

distintos — cada um visa maximizar os próprios interesses e<br />

recompensas, buscando o maior retorno possível mediante seus<br />

atos. Terceiro, o agente pode tomar algumas medidas que<br />

favorecem seus interesses particulares a expensas do principal.<br />

Finalmente, é difícil (e dispendioso), para o principal, monitorar ou<br />

verificar o comportamento do agente. Mesmo que ele possa<br />

controlar, intermitentemente, o que o agente está fazendo, a<br />

avaliação do que deveria ter sido feito para atender aos anseios do<br />

principal é complexa. 28<br />

Ocorre que o instituto da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> lida de maneira<br />

eficiente com tais problemas, conforme se demonstrará a seguir, ainda<br />

tendo como base o estudo desenvolvido por Frank H. Easterbrook e Daniel<br />

R. Fischel.<br />

1.2.1 Redução dos custos de monitoramento na relação entre<br />

administrador e acionista e incentivo à diversificação<br />

O mais evidente impacto da limitação de <strong>responsabilidade</strong> reside<br />

na redução dos custos de monitoramento. Grosso modo, pode-se dizer<br />

que essa espécie de custo, que compõe os custos de agência, diz respeito<br />

aos gastos advindos do monitoramento, pelo acionista (principal), do<br />

trabalho realizado pelo administrador (agente).<br />

28 PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de<br />

Janeiro: Elsevier, 2005, p. 140.


29 <br />

A redução nos custos de monitoramento proporcionada pela adoção<br />

da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> é evidente, podendo ser facilmente<br />

explicada. Ao investir parte de seu patrimônio em um empreendimento no<br />

qual não terá ingerência, o acionista lida com o risco de perder um<br />

quinhão de sua riqueza em razão dos atos do administrador. Para evitar<br />

que esse risco se concretize, cabe àquele monitorar este.<br />

Há aqui uma clara correlação entre o tamanho do risco e a<br />

extensão – e por consequência, o custo – do monitoramento: quanto<br />

maior o risco suportado pelo acionista, mais intenso o monitoramento.<br />

Assim, se, apesar de investir apenas uma pequena parcela de seu<br />

patrimônio naquela companhia, o acionista tiver <strong>responsabilidade</strong><br />

i<strong>limitada</strong>, correndo o risco de perder a totalidade de seu patrimônio, a<br />

tendência é que o monitoramento seja excessivo, com custos igualmente<br />

expressivos, tornando, na prática, inviável a participação do investidor.<br />

Nesse contexto, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> viabiliza a captação de<br />

recursos em larga escala, pois torna economicamente racional a adesão<br />

dos investidores, tendo em vista a redução do risco, com a consequente<br />

redução dos custos de monitoramento.<br />

Dessa constatação decorre outra: se é dado ao investidor<br />

comprometer apenas parte de seu patrimônio em cada companhia, a<br />

tendência é de diversificação de seu portfólio de investimentos. Isso<br />

porque a pulverização de suas posições também implica a redução de<br />

riscos, pois o eventual malogro de um empreendimento pode ser<br />

facilmente compensado pelo sucesso de outros 29 .<br />

Esses aspectos ganham especial relevo quando se lembra que, nas<br />

grandes companhias, o que há é a união do patrimônio de uns<br />

(investidores) com a expertise de outros (gerentes). Assim, via de regra,<br />

o acionista não possui os conhecimentos técnicos do administrador, o que<br />

29 Nesse ponto, a sabedoria popular já anuncia que não se deve colocar todos os ovos<br />

numa mesma cesta.


30 <br />

também reduz a eficiência de seu monitoramento (caso esse se tornasse<br />

necessário – numa situação de <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>), bem como o<br />

incentiva a pulverizar em diferentes áreas o seu patrimônio, reduzindo o<br />

nível total de risco.<br />

Indubitável, portanto, que a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> torna a<br />

diversificação e a passividade (abstenção de monitoramento) estratégias<br />

mais racionais, reduzindo, via de consequência, os custos de operação da<br />

companhia 30 .<br />

A situação inversa – um mundo em que não existisse a limitação<br />

de <strong>responsabilidade</strong> – é assim descrita por Frank H. Easterbrook e Daniel<br />

R. Fischel, a partir dos estudos desenvolvidos por Henry Manne:<br />

Se aos investidores pudesse ser requisitado fornecer quantias<br />

i<strong>limitada</strong>s de capital adicional, pessoas com melhor saúde<br />

financeira relutariam em fazer pequenos investimentos. Cada ação<br />

colocaria todo o seu patrimônio pessoal em risco. Para se<br />

resguardar desse risco, o investidor reduziria o número de<br />

diferentes firmas em que possui posições e monitoraria cada uma<br />

mais de perto. 31<br />

Cabe acrescentar, ainda, que, nesse contexto, o preço das ações<br />

reflete os resultados econômicos advindos da qualidade da gestão da<br />

companhia. Se tais resultados são negativos, o preço das ações tende a<br />

ser mais baixo; se positivos, o preço tende a se elevar. Assim, é apenas<br />

natural que os administradores busquem oferecer demonstrações acerca<br />

da boa condução da companhia, sem que os investidores tenham de<br />

exercer monitoramento, pois isso implicará valorização das ações. De todo<br />

modo, como o risco advindo do insucesso está limitado à quantidade de<br />

30 EASTERBROOK; FISCHELL, 1985, p. 94.<br />

31 “If investors could be required to supply unlimited amounts of additional capital,<br />

wealthy people would be reluctant to make small investments. Every share of stock<br />

would place all of their personal assets at risk. To guard against this risk, the investor<br />

would reduce the number of different firms he holds and monitor each more closely.”<br />

Ibid., p. 90, tradução nossa.


31 <br />

capital investido, o investidor tende a gastar menos para manter e<br />

proteger sua posição.<br />

1.2.2 Redução dos custos de monitoramento dos demais acionistas<br />

A <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> proporciona, ainda, a redução de outro<br />

tipo de custo de monitoramento, na relação havida entre os investidores.<br />

Explica-se.<br />

Na hipótese de existência somente da <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>, o<br />

nível de riqueza de um acionista estaria intimamente relacionado com a<br />

chance de os demais serem chamados a arcar, com seu patrimônio<br />

próprio, pelo eventual fracasso da companhia. Isso porque, quanto mais<br />

rico um determinado acionista, mais interessante se torna para o credor<br />

requerer o pagamento apenas deste, deixando os demais a salvo 32 .<br />

Assim, cria-se um claro incentivo para que os acionistas passem a<br />

monitorar uns aos outros, de modo a evitar a transferência de ações de<br />

investidores mais ricos para outros menos afortunados.<br />

O mesmo não acontece no universo da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>,<br />

pois os credores só terão acesso às parcelas do patrimônio efetivamente<br />

investidas na companhia por cada acionista, pouco importando o tamanho<br />

da fortuna pessoal não investida de cada um deles. Nesse contexto, os<br />

acionistas não precisam se preocupar em monitorar quem são os demais<br />

sócios, muito menos como está a saúde financeira de cada um deles,<br />

deixando de incorrer em mais custos de transação.<br />

32 Lembrar, aqui, os custos envolvidos na busca por esse ressarcimento: quanto menos<br />

devedores cobrados, menos custosa é a cobrança para o credor, o que justificará<br />

racionalmente a concentração sobre apenas um ou poucos investidores (os mais ricos).


32 <br />

Destarte, como ressaltam Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fishel,<br />

“a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> torna a identidade dos demais acionistas<br />

irrelevante, evitando assim a incidência desses custos” 33 de<br />

monitoramento.<br />

1.2.3 Transferência livre de ações<br />

Outro importante benefício advindo da limitação de<br />

<strong>responsabilidade</strong> reside na viabilização da livre transferência de ações.<br />

Como visto acima, com o advento da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, o<br />

valor das ações é determinado apenas pelas qualidades da companhia,<br />

nada tendo a ver com a medida de riqueza de cada acionista,<br />

individualmente considerada. Vale dizer, o preço da ação está relacionado<br />

ao valor dos ganhos proporcionados pela companhia, sendo de todo<br />

irrelevante a identidade e a riqueza dos demais investidores 34 . Assim, as<br />

ações se tornam fungíveis, porquanto sua precificação não resultará de<br />

operação tão complexa, sendo, ademais, igual para todas,<br />

independentemente da identidade daqueles envolvidos na transferência.<br />

Num universo de <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>, as ações não seriam<br />

fungíveis, pois seu preço resultaria de uma função que contemplaria não<br />

apenas os ganhos advindos da companhia, como também a riqueza dos<br />

acionistas. Isso porque, conforme exposto no tópico imediatamente<br />

anterior, no contexto da <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>, a riqueza pessoal dos<br />

acionistas é fator relevante, tendo em vista a possibilidade de esta ser<br />

alcançada num eventual insucesso da companhia.<br />

33 “Limited liability makes the identity of other shareholders irrelevant and thus avoids<br />

these costs.” EASTERBROOK; FISCHEL, 1985, p. 90, tradução nossa.<br />

34 Ibid., p. 95-96.


33 <br />

Destarte, havendo <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>, desapareceria o<br />

caráter fungível das ações, pois a cada uma seria dado um preço<br />

diferente, a partir não apenas de características intrínsecas da sociedade,<br />

mas também da riqueza de seus sócios. Como resume com precisão<br />

Robert J. Rhee:<br />

Com a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, o preço das ações reflete apenas<br />

as informações sobre o potencial retorno dos ativos corporativos, e<br />

não informações inacessíveis, inusuais, tais como a riqueza do<br />

acionista. A regra cria ações fungíveis, como commodities,<br />

promovendo a possibilidade de sua livre transferência. 35<br />

Essa livre fungibilidade de ações atrai uma benfazeja consequência,<br />

consistente no incentivo para que os administradores atuem de maneira<br />

eficiente. A afirmação demanda uma explicação.<br />

Conforme exposto alhures, os acionistas, via de regra, não<br />

possuem o conhecimento técnico e, sob a regra da <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>, os incentivos para monitorar a conduta dos administradores da<br />

companhia. Se os custos de agência se tornarem excessivos, a tendência<br />

é de desinvestimento, isto é, de que os acionistas se retirem, vendendo<br />

suas ações. Assim, se as medidas adotadas pelos administradores passam<br />

a colidir sistematicamente com os interesses dos investidores, estes,<br />

individualmente considerados, buscarão se retirar, o que gerará,<br />

presumivelmente, redução no preço das ações, ante o excesso na oferta.<br />

Em outras palavras, conforme explanado anteriormente, o preço das<br />

ações é influenciado pelo trabalho desenvolvido pelos gestores.<br />

35 “With limited liability, share prices reflect only information about the potential returns<br />

of corporate assets, rather than inaccessible, nonstandard information such as<br />

shareholder wealth. The rule creates a fungible, commoditized share, which promotes<br />

free transferability.” RHEE, Robert J. Bonding limited liability. William and Mary Law<br />

Review, College Park, v. 51, Mar. 2010, p. 1417-1488. p. 1428, tradução nossa.


34 <br />

Por outro lado, a possibilidade proporcionada aos investidores<br />

individuais de vender suas ações (o que é extremamente facilitado com a<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, como visto acima) cria novas oportunidades<br />

para investidores em grupo, que, comprando ações com valores<br />

depreciados, podem, ao assumir o controle acionário da companhia, optar<br />

por substituir os administradores. Para evitar tal tomada de controle, que<br />

poderia acarretar a substituição do corpo executivo, os gestores acabam<br />

incentivados a assumir as melhores e mais eficientes condutas possíveis.<br />

Ou, como bem explanado por Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel:<br />

Enquanto as ações estiverem atreladas a votos, firmas mal<br />

administradas atrairão novos investidores que podem reunir<br />

grandes blocos de ação a preço reduzido e empossar novas<br />

equipes executivas. Esse potencial de substituição dá aos atuais<br />

gerentes incentivos para operar eficientemente, de modo a manter<br />

elevados os preços das ações. 36<br />

Destarte, a possibilidade de transferência livre de ações, com todos<br />

os seus consectários, é mais um importante benefício proporcionado pela<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>.<br />

1.2.4 Redução dos custos de informação<br />

Conforme se poderia antever no tópico anterior, a limitação de<br />

<strong>responsabilidade</strong> proporciona, também, a redução dos custos de<br />

informação, na medida em que restringe os dados necessários para se<br />

chegar ao valor das companhias e, consequentemente, ao de suas ações.<br />

36 “So long as shares are tied to votes, poorly run firms will attract new investors who<br />

can assemble large blocs at a discount and install new managerial teams. This potential<br />

for displacement gives existing managers incentives to operate efficiently in order to<br />

keep share prices high.” EASTERBROOK; FISCHEL, 1985, p. 95.


35 <br />

Vale dizer, a aquisição de dados acerca da saúde financeira da<br />

companhia torna-se mais simples, sendo necessário, aos eventuais<br />

investidores, e até mesmo aos credores, coletar informações somente<br />

acerca do potencial e dos riscos da companhia em si mesma, sendo<br />

despicienda a incursão em gastos mais elevados para se obter um<br />

panorama também da saúde financeira de seus acionistas. Destarte, a<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> proporciona um mercado mais transparente e<br />

fluído, e, portanto, menos oneroso (ao não ser sobrecarregado por custos<br />

excessivos de informação), em que o valor das ações das companhias é<br />

calculado a partir de seu potencial, desconectando-se das pessoas de seus<br />

acionistas.<br />

A título comparativo, sob a regra da <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>,<br />

como visto anteriormente, as ações perderiam seu caráter fungível, não<br />

mais possuindo um único preço de mercado. Assim, investidores teriam<br />

que despender mais recursos investigando não apenas a companhia, mas<br />

também os seus acionistas, para avaliar a justeza do preço das ações.<br />

Lado outro, com a fungibilidade assegurada, atrelando-se o valor das<br />

ações exclusivamente aos méritos da companhia, os investidores deixam<br />

de incorrer em tais gastos, considerando que o preço dado pelo mercado é<br />

o correto para aquele momento.<br />

1.2.5 Melhora nas decisões de investimento<br />

O instituto em estudo também contribui para a melhora das<br />

decisões relacionadas a investimentos a serem feitos pela companhia.<br />

Isso porque, com a redução do risco individual atribuído a cada acionista,<br />

os administradores têm mais liberdade para apostar em projetos que,


36 <br />

ainda que apresentem algum grau de risco, demonstrem possuir potencial<br />

de resultados positivos 37 .<br />

Conjugam-se, aqui, dois fatores: a) os investidores sabem que sua<br />

fortuna pessoal está resguardada pela <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao capital<br />

colocado naquela companhia; b) a diversificação de investimentos,<br />

viabilizada, como vimos, pela limitação de <strong>responsabilidade</strong>, cria uma rede<br />

de segurança para os acionistas, pois o impacto do eventual fracasso de<br />

uma determinada decisão é mitigado pelos demais investimentos.<br />

O alcance social deste fator não pode ser negligenciado. Em última<br />

análise, pode-se dizer que a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> contribui para o<br />

desenvolvimento de novos produtos e tecnologias, pois permite aos<br />

administradores investir em projetos que envolvam mais risco – o que,<br />

sob a regra da <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>, seria repudiado pelos<br />

acionistas, deixando, portanto, de acontecer –, mas cujos resultados, não<br />

apenas para a companhia como também para a sociedade como um todo,<br />

podem ser expressivamente positivos.<br />

Fischel:<br />

A questão é assim abordada por Frank H. Easterbrook e Daniel R.<br />

Quando investidores possuem portfólios diversificados,<br />

administradores maximizam a prosperidade daqueles, ao investir<br />

em qualquer projeto com valor presente líquido positivo. Os<br />

gerentes podem aceitar empreendimentos de alta variância (tais<br />

como o desenvolvimento de novos produtos) sem expor os<br />

investidores à ruína. Cada investidor pode se proteger contra o<br />

fracasso de um projeto mantendo ações em outras firmas. Em um<br />

universo de <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>, todavia, gerentes se<br />

comportariam de maneira diferente. Eles rejeitariam como “muito<br />

arriscados” certos projetos com valor presente líquido positivo.<br />

Investidores desejariam que eles agissem assim porque este seria<br />

o melhor modo de reduzir riscos. Por definição isso representaria<br />

uma perda social, porque projetos com valor presente líquido<br />

positivo constituem uso benéfico do capital. 38<br />

37 O outro lado da moeda está no moral hazard, a ser explorado no tópico 1.3.<br />

38 “When investors hold diversified portfolios, managers maximize investors' welfare by<br />

investing in any project with a positive net present value. They can accept high-variance


37 <br />

Desse tópico pode-se extrair, com segurança, o forte incentivo ao<br />

empreendedorismo advindo da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, por criar um<br />

ambiente em que é viável a assunção de posições de risco calculado, com<br />

potencial proveito para toda a sociedade, a qual será beneficiada, repitase,<br />

com o surgimento de novos produtos e o desenvolvimento de novas<br />

tecnologias.<br />

1.2.6 Entrada de novos atores no mercado<br />

O último fator a ser apontado aqui como um benefício advindo da<br />

adoção da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> está no incentivo à entrada de novos<br />

atores no mercado. Trata-se de aspecto menos estudado na doutrina, em<br />

comparação com os anteriormente trabalhados.<br />

Conforme demonstrado por Kevin F. Forbes 39 , novas companhias<br />

tendem a ter mais dificuldades para captar recursos, em comparação com<br />

aquelas já estabelecidas. Isso porque seus proprietários, por não<br />

possuírem um histórico no mercado, provavelmente enfrentarão maiores<br />

desafios para arregimentar investidores e levantar o capital necessário à<br />

existência da firma. A <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, no entanto, age em favor<br />

da nova companhia, ao proporcionar um teto claro para cada investidor,<br />

acerca do risco proporcionado por um eventual fracasso. Basta lembrar,<br />

ventures (such as the development of new products) without exposing the investors to<br />

ruin. Each investor can hedge against the failure of one project by holding stock in other<br />

firms. In a world of unlimited liability, though, managers would behave differently. They<br />

would reject as ‘too risky’ some projects with positive net present values. Investors<br />

would want them to do this because it would be the best way to reduce risks. By<br />

definition this would be a social loss, because projects with a positive net present value<br />

are beneficial uses of capital.” EASTERBROOK; FISCHEL, 1985, p. 97, tradução nossa.<br />

39 FORBES, Kevin F. Limited liability and the development of the business corporation.<br />

Journal of Law, Economics & Organization, Oxford, v. 2, n. 1, Spring 1986, p. 163-<br />

177.


38 <br />

aqui, do incentivo à diversificação, o que implicará, para o investidor, a<br />

constante busca de novos e promissores investimentos 40 .<br />

Sob o regime da <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>, as dificuldades para o<br />

levantamento do capital em comento seriam excessivas, inviabilizando,<br />

muitas vezes, o surgimento de novas companhias, engessando, via de<br />

consequência, o mercado.<br />

O benefício social advindo da limitação de <strong>responsabilidade</strong>, nesse<br />

caso, salta aos olhos, pois, conforme cediço, a entrada de novos atores no<br />

mercado constitui ganho para todos, ao concretizar a livre concorrência.<br />

Desse ponto também pode-se extrair a conclusão de que a<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> favorece o empreendedorismo, ao incentivar a<br />

busca pelo novo, dando aos investidores a segurança necessária para<br />

tanto.<br />

1.3 CRÍTICAS À RESPONSABILIDADE LIMITADA<br />

Malgrado a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> tenha, na esteira do que já<br />

foi visto, se consolidado como um elemento essencial do direito<br />

empresarial, as críticas ao instituto são constantes e, deve-se reconhecer,<br />

consistentes. Passa-se, então, à análise de cada um dos argumentos<br />

40 E, sob esse aspecto, como evidencia Kevin F. Forbes (op. cit., p. 174-175, tradução<br />

nossa), “a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> talvez não seja tão essencial para firmas mais<br />

estabelecidas. Primeiro, essas firmas podem ser capazes de financiar internamente muito<br />

de seu investimento e, como resultado, o oferecimento de garantias formais para<br />

investidores externos se torna menos crítico. Segundo, na ausência de <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>, firmas com reputação estabelecida deverão ter pequenas dificuldades em<br />

levantar grandes quantias de capital. Elas deverão constatar que sua reputação por<br />

honestidade e perspicácia gerencial é suficiente para a superação das incertezas<br />

encaradas por potenciais investidores”. “LL may not be as essential to more established<br />

firms. First, these firms may be able to internally finance much of their investment, and<br />

as a result formal assurances to outside equity owners become less critical. Second, in<br />

the absence of LL, firms with established reputations may have little difficulty in raising<br />

large amounts of capital. They may find that their reputation for honesty and managerial<br />

acumen is sufficient in overcoming the uncertainty faced by potential investors.”


39 <br />

apresentados em diversos estudos sobre o tema – oferecendo-se,<br />

também, contrapontos –, iniciando-se por aquele que mais debates<br />

fomenta, a saber, a visão da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> como forma<br />

perniciosa de externalização de custos.<br />

1.3.1 A externalização de custos<br />

A externalização dos custos, conforme cediço, consiste na técnica<br />

utilizada por companhias para transferir custos a terceiros, deixando,<br />

portanto, de assumir a <strong>responsabilidade</strong> e arcar efetivamente com eles.<br />

Externalidades são, em essência, os custos não incorporados por aqueles<br />

que neles incorrem. E, por óbvio, alguém terá de assumir tais custos.<br />

Um exemplo clássico, e de fácil compreensão, é o da companhia<br />

que causa poluição nas áreas ao redor de suas indústrias, e não assume<br />

os custos incorridos na limpeza e manutenção de tais áreas e acervos<br />

naturais, transferindo à coletividade os ônus advindos de sua atividade.<br />

A <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, defendem alguns, seria uma forma de<br />

externalizar custos, pois eventuais valores devidos pela companhia, acima<br />

do que foi a ela comprometido pelos acionistas, não poderão ser destes<br />

recobrados. Assim, em um cenário de inadimplência da companhia, o<br />

custo terá sido externalizado para o credor.<br />

Aqui, para melhor delineamento do problema, é essencial<br />

proceder-se a uma divisão entre dois tipos de credores: os voluntários e<br />

os involuntários. Aqueles são credores da companhia em razão dos mais<br />

variados negócios e contratos (empréstimos, venda de insumos, relação<br />

de trabalho, etc..), sendo, portanto, credores por vontade própria, ao<br />

passo que estes são, grosso modo, as vítimas de sinistros, ou seja, suas<br />

relações com a companhia não decorrem de vontade das partes.


40 <br />

Essa distinção é essencial para o aprofundamento do estudo, pois a<br />

visão acerca das externalidades para os diferentes tipos de credores é de<br />

todo diversa.<br />

Analisa-se, primeiramente, a questão dos credores voluntários.<br />

Segundo Jonathan M. Landers 41 , a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong><br />

implica transferência dos riscos do fracasso empresarial dos acionistas<br />

para os credores, sem qualquer compensação.<br />

Assim, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> constituiria, muito mais que um<br />

direito, um benefício injustificado às companhias e a seus acionistas, a<br />

quem seria dado externalizar custos sem o oferecimento de qualquer<br />

contrapartida.<br />

A questão pode, todavia, ser analisada sob outro prisma, segundo<br />

o qual haveria não uma externalização dos custos, mas sim uma alocação<br />

mais eficiente de riscos.<br />

Isso porque os credores voluntários, como o próprio nome indica, o<br />

são por vontade própria, e o fazem racionalmente. Vale dizer, a<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> compartilha os riscos, pois aqueles que se<br />

relacionam com a companhia o fazem conscientes da existência de tal<br />

instituto, e os valores envolvidos nas transações contemplam esse<br />

aspecto.<br />

Para facilitar a compreensão do argumento, imagine-se que a<br />

companhia necessite de um empréstimo. No curso da negociação, o futuro<br />

credor calcula seu risco levando em conta diversos fatores, dentre os<br />

quais, evidentemente, o fato de estar emprestando dinheiro para uma<br />

sociedade de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>. E, a toda evidência, os juros<br />

cobrados refletirão esse aumento do risco, porquanto, como esclarece<br />

41 LANDERS, Jonathan M. A unified approach to parent, subsidiary, and affiliate questions<br />

in bankruptcy. The University of Chicago Law Review, Chicago, v. 42, n. 4, Summer<br />

1975, p. 589-652.


41 <br />

Richard Posner, “a taxa de juros em um empréstimo é um pagamento não<br />

apenas pelo aluguel do capital mas também pelo risco de que o devedor<br />

não cumpra sua obrigação de devolver a quantia” 42-43 .<br />

Vale dizer, sob a regra da <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>, os juros<br />

seriam fixados em valor inferior, pois o risco do fracasso estaria<br />

concentrado nos acionistas 44 - 45 ; assim, o que há é, no âmbito da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, um equilíbrio do risco entre as partes<br />

contratantes.<br />

Destarte, em verdade, ao contrário do que afirma Jonathan M.<br />

Landers, a transferência dos riscos de insucesso, dos acionistas para os<br />

credores, não ocorre sem compensação. Ela será compensada no valor da<br />

taxa de juros, no caso do exemplo acima citado.<br />

Mas o mesmo raciocínio pode ser empregado, mutatis mutandis, às<br />

relações com os demais credores voluntários, pois o aumento do risco<br />

advindo da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> refletirá nos valores pagos pelas<br />

mercadorias adquiridas, ou a título de salários, por exemplo.<br />

Assim, o que há, na relação entre sociedades de <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> e seus credores voluntários, é tão-somente uma divisão racional<br />

de riscos, e não uma externalização não compensada de custos. Como<br />

afirmam, nesse particular, Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel:<br />

42 “(...) the interest rate on a loan is payment not only for renting capital but also for the<br />

risk that the borrower will fail to return it.” POSNER, Richard A. The rights of creditors of<br />

affiliated corporations. The University of Chicago Law Review, Chicago, v. 43, n. 3,<br />

Spring 1976, p. 499-526. p. 501, tradução nossa.<br />

43 O exemplo dado por Richard Posner no artigo citado é bastante ilustrativo acerca de<br />

como será calculada a taxa de juros, valendo a consulta.<br />

44 E esse argumento serviu, durante algum tempo, para se afirmar que os eventuais<br />

benefícios advindos da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> seriam contrabalançados pelo aumento<br />

no custo do capital para essas companhias (cf. Ekelund and Tollison, 1980). Mas a<br />

relação não é tão direta e absoluta assim, como mostram os diversos estudos citados por<br />

Kevin F. Forbes (1986), segundo os quais o aumento do custo do capital não é suficiente<br />

para afastar os ganhos advindos da limitação de <strong>responsabilidade</strong>, havendo, sob a égide<br />

desta, efetiva redução nos custos de transação.<br />

45 Há que se pensar, lado outro, que a <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong> poderia implicar risco<br />

moral por parte do credor, que seria menos cuidadoso ao emprestar tais quantias. A<br />

ideia, frise-se, será desenvolvida no próximo tópico.


42 <br />

A <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> é um arranjo de compartilhamento de<br />

riscos. Sob a égide da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, acionistas e<br />

credores correm risco de perda de seus investimentos; sob a égide<br />

da <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>, os acionistas suportarão quase todo<br />

o risco. O compartilhamento de riscos, portanto, pode ser uma boa<br />

explicação para a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>.<br />

(...)<br />

Empregados, consumidores, credores comerciais e de empréstimos<br />

são credores voluntários. A compensação por eles demandada será<br />

uma função dos riscos assumidos. (...)<br />

Contanto que tais riscos sejam conhecidos, a firma paga pela<br />

liberdade de engajar em atividades arriscadas. Qualquer credor<br />

pode buscar taxas de juros sem risco adquirindo títulos do Tesouro<br />

ou similares de baixo risco. A firma tem de oferecer uma melhor<br />

relação de risco-retorno para atrair investimento. Se ela não<br />

conseguir oferecer promessas críveis de que não incorrerá em<br />

riscos excessivos, pagará taxas de juros mais elevadas (ou,<br />

quando os credores são empregados e credores comerciais, preços<br />

mais altos pelo trabalho e pelas mercadorias entregues a crédito).<br />

Não há “externalidade”. Credores voluntários recebem<br />

compensações antecipadas pelo risco de que a firma poderá não<br />

cumprir suas obrigações. 46<br />

Pode-se afirmar, portanto, que, no tocante aos credores<br />

voluntários, não há verdadeiramente uma externalização dos custos, mas<br />

sim um compartilhamento de riscos, o que é de todo condizente com as<br />

relações contratuais e o princípio da maximização racional. Vale dizer, o<br />

credor voluntário conhece seus riscos, e atua de acordo com eles, na<br />

tentativa de maximizar seus ganhos.<br />

46 “Limited liability is such a risk-sharing arrangement. Under limited liability, both<br />

shareholders and creditors risk the loss of their investments; under unlimited liability,<br />

shareholders would bear almost all risk. Risk sharing therefore might be a good<br />

explanation of limited liability. (...) Employees, consumers, trade creditors, and lenders<br />

are voluntary creditors. The compensation they demand will be a function of the risk they<br />

face. (...) So long as these risks are known, the firm pays for the freedom to engage in<br />

risky activities. Any creditor can get the risk-free rate by investing in T-bills or some lowrisk<br />

substitute. The firm must offer a better risk-return combination to attract<br />

investment. If it cannot make credible promises to refrain from taking excessive risks, it<br />

must pay higher interest rates (or, when the creditors are employees and trade creditors,<br />

higher prices for the work or goods delivered on credit). There is no ‘externality’.<br />

Voluntary creditors receive compensation in advance for the risk that the firm will be<br />

unable to meet its obligations.” EASTERBROOK; FISCHEL, 1985, p. 101-105, tradução<br />

nossa.


43 <br />

A questão é diversa, contudo, no âmbito dos credores<br />

involuntários, pois aqui não há falar-se em mera distribuição de riscos ex<br />

ante, podendo haver, de fato, externalização de custos. Nesses casos,<br />

como afirmam Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel, “as firmas<br />

capturam os benefícios das atividades enquanto suportam apenas parte<br />

dos custos; outros custos são transferidos a credores involuntários” 47 .<br />

Vislumbra-se, em casos tais, uma externalidade advinda da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, e diversas têm sido as propostas para<br />

mitigação de seus efeitos, mesmo porque tal constatação não seria<br />

suficiente para, por si só, obnubilar todos os já citados benefícios trazidos<br />

pelo instituto e torná-lo indesejável econômica e juridicamente.<br />

Uma das propostas apresentadas é a aquisição de seguro pelas<br />

companhias, prática, de fato, encontradiça no ambiente empresarial. É<br />

certo que sociedades de <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong> possuem um incentivo<br />

natural maior para a aquisição de seguros, na medida em que os riscos<br />

suportados por seus sócios são superiores, mas também as sociedades de<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> buscam contratar seguros, pois, para além dos<br />

interesses patrimoniais de seus investidores, o seguro garante a própria<br />

sobrevivência da companhia. Como lembram Frank H. Easterbrook e<br />

Daniel R. Fischel, “uma firma com seguro contra demandas indenizatórias<br />

está menos sujeita à falência” 48 . E, não se pode olvidar, a continuidade da<br />

companhia é de interesse de seus acionistas, pois, via de regra, implica<br />

um retorno positivo para seus investimentos.<br />

Outra possibilidade é o afastamento da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong><br />

em benefício dos credores involuntários, seja por expressa previsão legal,<br />

seja por meio da desconsideração da personalidade jurídica. Não se<br />

aprofundará no estudo dessas hipóteses, mas é importante observar que<br />

47 “Firms capture the benefits from such activities while bearing only some of the costs;<br />

other costs are shifted to involuntary creditors.” EASTERBROOK; FISCHEL, 1985, p. 107,<br />

tradução nossa.<br />

48 “A firm with insurance against tort claims is less likely to become bankrupt.”<br />

EASTERBROOK; FISCHEL, 1985, p. 108, tradução nossa.


44 <br />

a supressão da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, por meio de alteração<br />

legislativa, atrairia evidente impacto econômico, em face de tudo o que foi<br />

afirmado anteriormente, sendo necessária uma investigação mais<br />

aprofundada acerca da pertinência da medida 49 . Noutro giro, o abuso na<br />

utilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica vem<br />

sendo largamente reportado pela doutrina, tanto pátria quanto<br />

estrangeira, sendo desnecessário repisar os argumentos já<br />

exaustivamente apresentados em tais obras.<br />

Oportunas se fazem, por fim, duas ressalvas, no tocante à<br />

externalização de custos às vítimas de dano. Alan Schwartz 50 desenvolveu<br />

estudo que aponta para a ineficiência da <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong> na<br />

dissuasão de danos catastróficos. Isso porque tais eventos são<br />

imprevisíveis, não havendo ganhos na adoção da <strong>responsabilidade</strong><br />

i<strong>limitada</strong>, ao menos sob o ponto de vista da criação de óbices aos danos.<br />

Noutro giro, tem-se defendido que, do ponto de vista da racionalidade<br />

econômica, as vítimas do dano podem ser consideradas uma classe<br />

melhor para suportar os riscos do que os próprios investidores, tendo em<br />

vista a possibilidade de contratação de seguros individuais. Ou seja, do<br />

ponto de vista estritamente econômico, pode-se defender, em<br />

determinadas situações, que a transferência do risco para as vítimas é<br />

justificável. William J. Carney assim resume a situação, a partir de<br />

diversos estudos anteriores:<br />

49 David W. Leebron (1991, p. 1612) sugere, no tocante a credores involuntários, a<br />

adoção de <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong> pro rata, ou proporcional, isto é, calculada sobre o<br />

número de ações de cada investidor. Mas o próprio autor reconhece que, levando-se em<br />

conta os custos de transação, não é possível, por ora, saber se tal arranjo legal seria de<br />

fato mais sustentável do que a manutenção da regra da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> em<br />

casos tais.<br />

50 SCHWARTZ, Alan. Products liability, corporate structure, and bankruptcy: toxic<br />

substances and the remote risk relationship. The Journal of Legal Studies, Chicago, v.<br />

14, n. 3, Dec. 1985, p. 689-736.


45 <br />

Conquanto vítimas involuntárias de danos 51 não possam<br />

diversificar seus risco do mesmo modo que os causadores podem,<br />

porque a futura riqueza e poder aquisitivo daquelas talvez estejam<br />

em jogo, elas podem contratar seguros em face das perdas<br />

(Leebron, 1991; Meiners, Mofsky e Tollison, 1979). Tendo em vista<br />

que vítimas em potencial podem decidir o quanto de seguro<br />

desejam, forçar as corporações ou os acionistas a também<br />

contratar seguros pode causar excesso de cobertura 52 , exceto pelo<br />

fato de que a maioria dos indivíduos não contrata seguro contra<br />

danos morais (Hansmann e Kraakman, 1991), talvez porque se<br />

trate de um risco que estão dispostos a suportar (Leebron, 1991).<br />

(...) Quando os causadores do dano estão no ramo de atividades<br />

de risco ou indústrias cíclicas, [as vítimas] devem suportar o risco<br />

de maneira mais eficiente do que os causadores ou seus<br />

acionistas, em face de sua habilidade superior em adquirir seguros<br />

com cobertura total (Ribstein, 1992). 53<br />

Cabe, portanto, reconhecer que a externalização de custos,<br />

malgrado não seja uma realidade no tocante a credores voluntários, o é<br />

quanto aos involuntários, constituindo um problema que merece ser<br />

devidamente abordado, ainda que, talvez, venha sendo<br />

superdimensionado. Finalmente, conforme observa Robert J. Rhee, “o<br />

ganho de eficiência advindo da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> suplanta o<br />

problema da subvenção ao dano” 54 , daí porque o reconhecimento da<br />

externalização não é, por si só, suficiente para se repudiar a limitação de<br />

<strong>responsabilidade</strong>.<br />

51 Adota-se aqui “dano” como tradução de tort, palavra que pode ser entendida como o<br />

delito em si, bem como o dano dela resultante. Opta-se pela tradução “dano”, pois esta<br />

alcança de maneira mais completa a concepção de tort, uma vez que dano é tanto o mal,<br />

a ofensa que se faz a alguém, quanto a diminuição patrimonial resultante.<br />

52 O que, a toda evidência, não é economicamente recomendável.<br />

53 “While involuntary tort claimants cannot diversify their risk in the same way<br />

tortfeasors can because their entire future wealth and earning power may be at stake,<br />

they can insure against their loss (Leebron, 1991; Meiners, Mofsky and Tollison, 1979).<br />

Because potential victims can decide how much insurance they desire, forcing either<br />

corporations or shareholders to carry additional insurance may cause overinsurance,<br />

except for the fact that most individuals do not insure against pain and suffering<br />

(Hansmann and Kraakman, 1991), perhaps because this is a risk they are willing to bear<br />

(Leebron, 1991). (…) Where tortfeasors are in risky industries or in cyclical industries,<br />

they may be more efficient risk-bearers than the tortfeasors or their shareholders<br />

because of their superior ability to purchase all-risk insurance (Ribstein, 1992).” CARNEY,<br />

1998, p. 685, tradução nossa.<br />

54 “(...) the efficiency gains of limited liability outweigh the problem of tort subsidization.”<br />

RHEE, 2010, p. 1446, tradução nossa.


46 <br />

1.3.2 O risco moral<br />

O risco moral 55 consiste, em síntese, na possibilidade de que uma<br />

pessoa assuma riscos indevidos, ou excessivos, ante a constatação de que<br />

não terá que arcar com as consequências de sua eventual concretização.<br />

No âmbito da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, o risco moral está<br />

diretamente relacionado com o que foi estudado no tópico anterior<br />

(externalização dos custos), e pode ser resumido da seguinte forma:<br />

cientes de que os acionistas não terão seu patrimônio pessoal afetado<br />

num eventual insucesso da companhia, os administradores desta se veem<br />

incentivados a adotar condutas mais arriscadas, temerárias até, às<br />

expensas de terceiros.<br />

risco moral.<br />

Vale dizer, a possibilidade de externalização dos custos incentiva o<br />

Esse é o contraponto a um dos grandes benefícios trazidos pela<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, e já estudado no tópico 1.2.5, a saber, o<br />

incentivo à busca de novas tecnologias e produtos, busca esta que<br />

normalmente envolve riscos mais substanciais.<br />

Nesse ponto, é importante lembrar que o processo decisório<br />

envolve, sempre, uma avaliação do risco advindo das condutas levadas<br />

em consideração. Sob a regra da <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>, na qual a<br />

concretização do risco pode implicar a ruína dos acionistas, a aversão a<br />

ele é mais forte 56 , ao passo que, havendo limitação de <strong>responsabilidade</strong>, a<br />

aversão ao risco é mitigada, pois os administradores se sentirão mais à<br />

vontade para ousar.<br />

55 Tradução literal, e talvez não tão feliz, do inglês moral hazard, mas cuja utilização vem<br />

se consagrando no país.<br />

56 O que atrairá, como já vimos, a adoção de condutas mais conservadoras, restringindo<br />

o desenvolvimento de novas tecnologias.


47 <br />

Não se pode olvidar, lado outro, que o sucesso dos<br />

empreendimentos depende, em certa medida, da assunção de riscos 57 .<br />

Condutas não arriscadas implicam, via de regra, retornos modestos.<br />

Retoma-se, aqui, citação feita anteriormente: investidores avessos ao<br />

risco podem sempre buscar títulos do Tesouro 58 . Nesse panorama, é da<br />

própria essência da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> possibilitar condutas mais<br />

arriscadas.<br />

O problema do risco moral se acentua, em relação aos credores,<br />

quando os administradores da companhia se decidem por condutas mais<br />

arriscadas após a tomada de crédito no mercado. Isso porque, quando da<br />

formalização do contrato, os credores talvez não tenham antevisto a<br />

possibilidade de os administradores da companhia se decidirem por aquela<br />

conduta excessivamente arriscada. Em casos tais, diz-se que há um<br />

aumento de risco não compensado para os credores.<br />

O dilema pode ser visto sob o prisma da assimetria de<br />

informação 59 , a qual ressai clara aqui, pois a parte cujo risco está a<br />

descoberto – o credor – possui menos informações acerca dos possíveis<br />

investimentos da companhia do que ela própria; assim, o crédito é<br />

oferecido a uma taxa de juros inferior, não contemplando o risco<br />

efetivamente incorrido na operação.<br />

Acontece que o risco moral subsiste mesmo na ausência de<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, malgrado seja mais elevado na sua presença.<br />

57 Pode-se dizer, inclusive, que o processo decisório dos investidores é balizado por essas<br />

duas premissas: risco e retorno. E, para se aceitar um risco mais elevado, a única<br />

justificativa plausível é uma perspectiva de retorno igualmente elevada.<br />

58 E aqui se evidencia, uma vez mais, o benfazejo incentivo à diversificação advindo da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>: a possibilidade de balanceamento de riscos para o investidor,<br />

que poderá dispersar seu dinheiro em posições mais e menos arriscadas.<br />

59 Sucintamente, a assimetria de informação ocorre quando, numa transação, uma parte<br />

possui mais e melhores informações do que a outra, levando a um desequilíbrio de poder<br />

e a uma possível decisão ruinosa por parte daquela que se encontra em desvantagem. E<br />

deve-se observar que o risco moral é, de fato, visto com uma espécie de assimetria de<br />

informação. Para um estudo mais aprofundado sobre o impacto da assimetria de<br />

informação no mercado, recomenda-se enfaticamente a leitura de “The market for<br />

‘lemons’: quality uncertainty and the market mechanism”, de George A. Akerlof, em The<br />

Quarterly Journal of Economics, Cambridge, v. 84, n. 3, Aug. 1970, p. 488-500.


48 <br />

Fischel:<br />

Vale aqui citar, mais uma vez, Frank H. Easterbrook e Daniel R.<br />

A externalização de riscos impõe custos sociais e desse modo é<br />

indesejável. As implicações desse ponto, contudo, não são claras,<br />

porque modificar a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> tem seus custos e<br />

porque o risco moral existiria sem ela. A perda social advinda da<br />

redução de investimentos em certos tipos de projetos –<br />

consequência de uma modificação severa da <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> – pode suplantar em muito os ganhos proporcionados<br />

pela redução do risco moral. Ademais, até mesmo a abolição da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> não eliminaria o problema do risco<br />

moral. O incentivo ao engajamento em atividades excessivamente<br />

arriscadas é um fenômeno geral que ocorre sempre que uma<br />

pessoa ou firma possui ativos insuficientes para cobrir o passivo<br />

esperado. Malgrado o problema do risco moral possa ser mais<br />

severo sob a égide da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, ele existirá sob<br />

qualquer regra. 60<br />

Pode-se imaginar, inclusive, que a abolição da <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> poderia implicar o incremento do risco moral inverso, delineado<br />

da seguinte maneira: cientes de que os acionistas teriam que arcar com<br />

as dívidas da companhia, os eventuais credores poderiam se tornar menos<br />

cautelosos na disponibilização de valores para aquela.<br />

Noutro giro, cabe observar que o risco moral pode ser mitigado<br />

contratualmente, cabendo aos credores impor, na avença, limitações às<br />

condutas da companhia. Igualmente, previsões legais, tais como a<br />

imposição de capital mínimo e a atribuição de <strong>responsabilidade</strong> aos<br />

60 “Externalization of risk imposes social costs and thus is undesirable. The implications<br />

of this point, however, are unclear, both because modifying limited liability has its costs<br />

and because moral hazard would exist without limited liability. The social loss from<br />

reducing investment in certain types of projects - a consequence of seriously modifying<br />

limited liability - might far exceed the gains from reducing moral hazard. Too, even the<br />

abolition of limited liability would not eliminate the moral-hazard problem. The incentive<br />

to engage in overly risky activities is a general phenomenon that exists whenever a<br />

person or firm has insufficient assets to cover its expected liabilities. Although the<br />

problem of moral hazard may be more severe under limited liability, it will exist under<br />

any rule.” EASTERBROOK; FISCHEL, 1985, p. 104, tradução nossa.


49 <br />

administradores 61 , podem levar à redução do risco moral. De mais a mais,<br />

a adoção sistemática de riscos excessivos não é saudável nem mesmo<br />

para a companhia, pois coloca em risco sua viabilidade. Vale dizer, o risco<br />

moral é reduzido pelos próprios interesses da companhia 62 . É, nesse<br />

particular, a contribuição de Paul Halpern, Michael Trebilcock e Stuart<br />

Turnbull:<br />

Para se proteger de decisões de investimento que aumentem os<br />

riscos, os credores podem exigir disposições no contrato de<br />

empréstimo limitando os tipos de decisões que podem ser<br />

tomadas e demandando concordância dos credores no caso de<br />

decisões importantes feitas pelos proprietários. Além disso, se<br />

estes estão preocupados com a viabilidade a longo prazo da<br />

companhia, o problema do risco moral é reduzido. 63<br />

Acresça-se a isso o fato de que os administradores da companhia<br />

são, via de regra, avessos ao risco, porquanto seu capital humano está<br />

61 A imposição de capital mínimo será estudada de maneira mais aprofundada em tópico<br />

do Capítulo 3, porquanto presente na legislação pátria atinente ao empresário individual<br />

de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>. Lado outro, a atribuição de <strong>responsabilidade</strong> aos<br />

administradores levaria à redução do risco moral, na medida em que desincentivaria a<br />

adoção de condutas perigosas por parte deles. O problema aqui é que a remuneração<br />

dos administradores acabaria por ser mais elevada, para contemplar devidamente o novo<br />

risco por eles suportado, ou seja, haveria impacto econômico considerável para a firma.<br />

Tem-se considerado, portanto, que os gestores não suportam riscos de maneira<br />

eficiente, pois acabam se tornando excessivamente caros para a companhia (CF.<br />

EASTERBROOK; FISCHEL, 1985, p. 115).<br />

62 Como bem pontua David W. Leebron (1991, p. 1602, tradução nossa), citando Mark J.<br />

Roe, “‘a psicologia do profissionalismo [gerencial] não leva somente a um esforço cego<br />

de maximização dos interesses dos acionistas. Antes, é provável que incorpore um<br />

desejo de operar bem o empreendimento’. Desse modo, a possibilidade de fazer mal às<br />

vítimas de dano deve estar contemplada na tomada de decisões da companhia, apesar<br />

de sua habilidade em externalizar o risco no regime da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>”. (“’The<br />

psychology of [managerial] professionalism does not lead solely to a blind effort to<br />

maximize shareholders' interests. Rather, it is likely to embody a desire to operate the<br />

enterprise well. In this manner, the possibility of harm to tort victims may be reflected in<br />

enterprise decisionmaking despite the ability of the enterprise to externalize this risk<br />

under a limited liability regime.”<br />

63 “In order to protect themselves from risk-increasing investment decisions, the<br />

creditors may require provisions in the lending agreements which limit the types of<br />

investment decisions that can be made and agreement by the creditors to any major<br />

investment decisions made by the owners. Moreover, if the owners are interested in the<br />

long-run viability of the company, the moral hazard problem is reduced.” HALPERN;<br />

TREBILCOCK; TURNBULL, 1980, p. 144-145, tradução nossa.


50 <br />

integralmente investido nela 64 . Assim, os efeitos de uma decisão<br />

excessivamente arriscada, com consequências ruinosas para a companhia,<br />

teriam imenso impacto na vida dos próprios administradores 65 .<br />

Pode-se concluir o presente tópico com a seguinte afirmação: no<br />

tocante às companhias, o risco moral, inegavelmente, manifesta-se de<br />

maneira mais clara sob a regra da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, havendo,<br />

todavia, maneiras de limitar sua ocorrência, não se justificando a<br />

supressão da referida regra. Ademais, ainda que sob a égide da<br />

<strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>, o risco moral se faz presente, sendo<br />

decorrência das imperfeições de mercado. Não por outro motivo,<br />

conforme evidenciado acima, a <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong> poderia levar à<br />

inobservância das devidas cautelas (incremento do risco moral) por parte<br />

dos credores voluntários.<br />

1.3.3 Exposição aos riscos é elemento normal da vida<br />

O presente argumento se assenta na ideia de que a exposição ao<br />

risco – mesmo ao risco catastrófico – é um dado normal da vida humana.<br />

Assim, não haveria justificativa plausível para se beneficiar os investidores<br />

de determinadas companhias com o privilégio da <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>. A tese é bem ilustrada por Robert J. Rhee:<br />

64 Capital humano, segundo N. Gregory Mankiw, pode ser definido como “o conhecimento<br />

e as habilidades que os trabalhadores adquirem por meio de educação, treinamento e<br />

experiência” (Introdução à economia. São Paulo: Cengage Learning, 2009, p. 813).<br />

Aqui, diz-se que o capital humano do administrador está investido na companhia, em<br />

razão de seu envolvimento intelectual e profissional na gestão desta, o que leva às<br />

consequências apontadas.<br />

65 Pode-se pensar aqui em perda de reputação, ou demissão, ou a própria perda<br />

financeira pessoal em razão do insucesso da companhia por eles gerida.


51 <br />

Acidentes automobilísticos podem resultar em perdas catastróficas<br />

mesmo na presença do seguro obrigatório. Problemas de saúde<br />

podem levar à devastação econômica, mas muitas pessoas,<br />

voluntária ou involuntariamente, seguem sem seguro de saúde.<br />

Pessoas vivem em zonas de alto risco de terremotos e furacões.<br />

Estamos igualmente expostos a outros riscos financeiros<br />

catastróficos. O valor da residência de uma pessoa não é passível<br />

de seguro, e uma quebra no mercado imobiliário pode levar a uma<br />

perda de riqueza devastadora. O valor econômico da profissão<br />

escolhida por alguém e o risco de obsolescência da carreira<br />

também não são seguráveis. Muitas catástrofes pessoais e<br />

financeiras estão sujeitas aos ventos da sorte. A humanidade<br />

sempre conviveu com a incerteza e o perigo. (...) O que torna o<br />

investimento de capital tão diferente (...)<br />

Como observou o economista Robert Shiller, alguns dos mais<br />

importantes riscos catastróficos não são seguráveis. Mesmo assim,<br />

conquanto as pessoas se preocupem com sua exposição a esses<br />

riscos, as atividades da vida não cessam. (...) Resta uma pergunta<br />

incômoda de por que o investimento de capital e um segmento<br />

específico da sociedade (acionistas) são tão especiais que a<br />

atividade de investimento em ações tenha de ser acompanhada<br />

pela proteção legal especial da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>. 66<br />

O argumento, parece-nos, é menos de ordem econômica do que<br />

moral. Sob esse prisma, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> constitui-se em um<br />

privilégio, que claramente visa atender à parcela mais rica da sociedade<br />

(aqueles que possuem folga suficiente para investir seu capital em ações),<br />

em detrimento de uma série de outros riscos ordinários da vida humana.<br />

Nada obstante, conforme exaustivamente demonstrado, a<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> não se constitui em um privilégio; ao contrário,<br />

66 “Automobile accidents can result in catastrophic loss even with mandated insurance.<br />

Health problems can lead to economic devastation, but many people, voluntarily or<br />

involuntarily, go without health insurance. People live in high risk earthquake or<br />

hurricane zones. We are exposed to other catastrophic financial risks as well. The value<br />

of one’s home is not insurable, and a housing market crash can lead to devastating loss<br />

of wealth. The economic value of one’s chosen profession and the risk of career<br />

obsolescence are also uninsurable. Many personal and financial catastrophes are subject<br />

to fortune’s wind. Humankind has always lived with uncertainty and danger. (…) What<br />

makes an equity investment so much different (...) As the economist Robert Shiller<br />

observed, some of the most important catastrophic risks are not insurable. Yet, while<br />

people worry about their exposure to these risks, the activities of life do not stop. (…)<br />

There remains a nagging question of why equity investment and a specific segment of<br />

society (shareholders) are so special that the activity of stock investment must come<br />

with the special legal protection of limited liability.” RHEE, 2010, p. 1430-1433, tradução<br />

nossa.


52 <br />

é uma necessidade econômica, por tudo o que foi dito, ao viabilizar a<br />

existência de um mercado de ações sólido, permitindo o desenvolvimento<br />

econômico de uma nação.<br />

Ademais, o senso comum aqui é enganoso. Como bem advertem<br />

Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel, “são poucas as instâncias de<br />

<strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>” 67 . A existência de um mercado de seguros em<br />

constante expansão é prova disso. A aquisição de seguros nada mais é do<br />

que uma forma de limitação de <strong>responsabilidade</strong> 68 . Não apenas isso; as<br />

relações contratuais são, implicitamente, cercadas pela <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>. O exemplo oferecido por Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel<br />

é bastante ilustrativo:<br />

A <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> não é exclusividade das corporações.<br />

Ao contrário, ela é a regra. Suponhamos que um banco empreste<br />

$100 a uma sociedade, e o passivo desta venha, mais tarde, a<br />

exceder em muito o seu ativo. (Talvez a sociedade tenha<br />

enterrado lixo tóxico e incorra em custos estupendos para limpar a<br />

bagunça.) O banco perderá os $100, mas não será chamado a<br />

contribuir com capital adicional. Sua <strong>responsabilidade</strong> é <strong>limitada</strong> ao<br />

seu investimento, exatamente como a <strong>responsabilidade</strong> do<br />

acionista é <strong>limitada</strong> na corporação. 69<br />

Assim, em que pese o aparente encanto proporcionado pelo<br />

argumento, ele não se sustenta, quer economicamente, quer<br />

juridicamente.<br />

67 “The instances of ‘unlimited’ liability are few.” EASTERBROOK; FISCHEL, 1985, p. 90,<br />

tradução nossa.<br />

68 Kenneth Joseph Arrow, inclusive, desenvolve a tese de que a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong><br />

é decorrência de uma falha no mercado de seguros (apud HALPERN; TREBILCOCK;<br />

TURNBULL, 1980, p. 125).<br />

69 “Limited liability is not unique to corporations. Indeed it is the rule. Suppose a bank<br />

lends $100 to a partnership, and the partnership's liabilities later greatly exceed its<br />

assets. (Perhaps the partnership buries toxic waste and incurs stupendous costs of<br />

cleaning up the mess.) The bank may lose the $100, but it will not be required to<br />

contribute any additional capital. Its liability is limited to its investment, exactly as the<br />

shareholder's liability is limited in a corporation.” EASTERBROOK; FISCHEL, 1985, p. 90,<br />

tradução nossa.


53 <br />

1.4 EFICIÊNCIA E EQUIDADE<br />

O presente capítulo se aproxima de seu termo, concluindo que, por<br />

tudo o que foi exposto, os benefícios advindos da limitação de<br />

<strong>responsabilidade</strong> superam os eventuais problemas por ela causados; de<br />

fato, como se observa das conclusões dos diversos estudos citados, ao fim<br />

e ao cabo, há plena racionalidade econômica na utilização do instituto.<br />

Como bem resume Robert J. Rhee, “a inferência, a partir do<br />

comportamento do mercado e dos processos políticos, sugere que uma<br />

análise de custo-benefício provavelmente favorece a <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>” 70 , isto é, esta proporciona mais benefícios do que custos sociais,<br />

ainda que inexista um estudo definitivo sobre o tema.<br />

Oportuna, nesse ponto, uma breve incursão em torno dos conceitos<br />

de eficiência e equidade. Recorre-se, para tanto, aos critérios de eficiência<br />

de Pareto e de Kaldor-Hicks, que bem ilustram a disputa.<br />

De acordo com o critério de Pareto, há máxima eficiência quando é<br />

impossível melhorar a situação de um ator sem causar piora na do outro.<br />

Assim, só há mudança eficiente se a situação de A puder ser melhorada<br />

sem que a de B seja piorada. O critério Kaldor-Hicks, por sua vez,<br />

estabelece que uma mudança é eficiente sempre que os ganhos obtidos<br />

por um ator superem as perdas do outro. Assim, se a melhora na situação<br />

de A for superior à piora na de B, haverá eficiência na mudança,<br />

porquanto o ganho obtido será suficiente para compensar a perda<br />

(havendo, ainda, um saldo positivo). Ocorre que, de acordo com esse<br />

critério, pouco importa se haverá ou não compensação; vale dizer, não há<br />

70 “(...) the inference from market behavior and the political process suggests that the<br />

cost-benefit analysis probably favors limited liability.” RHEE, 2010, p. 1438, tradução<br />

nossa.


54 <br />

preocupação sobre se A efetivamente compensará a perda sofrida por B,<br />

bastando que seu ganho seja mais que suficiente para tanto.<br />

A toda evidência, o critério de Pareto possui mais identidade com a<br />

equidade, ao passo que o de Kaldor-Hicks tem mais ligação com a<br />

eficiência pura e simples. E, como bem pontua Robert J. Rhee, citando A.<br />

Mitchell Polinsky, “a eficiência corresponde ao ‘tamanho da torta’,<br />

enquanto a equidade tem a ver com o modo como ela é cortada” 71 .<br />

Claramente, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> atende à eficiência de<br />

Kaldor-Hicks, pois os ganhos sociais dela advindos, conforme já dito,<br />

superam em muito os custos. Ou seja, pode-se afirmar tranquilamente<br />

que a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> propicia a maximização da riqueza social.<br />

Todavia, e notadamente quando se pensa na situação dos credores<br />

involuntários, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> não atende ao critério de<br />

eficiência de Pareto, pois o ganho proporcionado aos acionistas advém,<br />

em alguma medida, da perda sofrida pelas vítimas dos danos.<br />

Assim, malgrado eficiente sob o ponto de vista da maximização de<br />

riqueza, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> não atende plenamente à equidade,<br />

em determinadas situações.<br />

As implicações dessa afirmação, todavia, não são evidentes.<br />

O debate acerca da eficiência e da equidade pode ser iluminado<br />

pela visão de Richard Posner. O doutrinador norte-americano defendeu,<br />

por longo tempo, a tese de que o critério ético de avaliação das normas<br />

jurídicas deveria ser a eficiência. Conforme explicita Bruno Meyerhof<br />

Salama, in verbis:<br />

71 “(...) efficiency corresponds to ‘the size of the pie,’ while equity has to do with how it is<br />

sliced.” RHEE, 2010, p. 1448, tradução nossa.


55 <br />

[Em seu livro The Economics of Justice], Posner defendeu que a<br />

pedra de toque para a avaliação das regras jurídicas deveria ser a<br />

sua capacidade de contribuir (ou não) para a maximização da<br />

riqueza na sociedade. Isto levaria à noção de que a maximização<br />

de riqueza (ou a “eficiência”, já́ que Posner utiliza as duas<br />

expressões indistintamente) seria fundacional ao Direito, no<br />

sentido de que poderia ser o critério ético que viesse a distinguir<br />

regras justas de injustas. 72<br />

Posteriormente, e após sofrer duras críticas 73 , Posner viria a<br />

reavaliar seu posicionamento, deixando de enxergar na eficiência o<br />

critério fundador do Direito, ombreando-a com diversos outros valores.<br />

De fato, a eficiência (aqui enxergada como maximização de riqueza<br />

social) não pode ser o norte do Direito, cujas bases axiológicas estão mais<br />

próximas da justiça (e, portanto, da equidade), do que propriamente da<br />

maximização da riqueza social 74 .<br />

Isso posto, e voltando à análise da limitação de <strong>responsabilidade</strong>,<br />

sua indiscutível eficiência, ao assegurar a maximização de riqueza social,<br />

não pode obliterar por completo as instâncias de iniquidade por ela<br />

criadas. Deve-se, destarte, procurar o aprimoramento do instituto, de<br />

modo a compatibilizar sua eficiência com o princípio da equidade,<br />

viabilizando a efetiva compensação das vítimas de dano.<br />

O que se deve buscar, portanto, não é o fim da <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>, mas sim formas eficientes de se transferir parte dos ganhos<br />

obtidos a partir dela aos credores involuntários, restabelecendo-se a<br />

equidade. Vale dizer, só haverá reforma eficiente (ou mitigação dos<br />

72 SALAMA, Bruno Meyerhof. Direito, justiça e eficiência: a perspectiva de Richard<br />

Posner, 2008. Disponível em<br />

. Acesso em 2 de fevereiro de 2012.<br />

73 Dentre as quais se destaca, sem sombra de dúvida, a ponderação de Richard Dworkin,<br />

ao afirmar que “a maximização da riqueza não poderia ser um guia para a justiça,<br />

simplesmente porque a eficiência não é um valor; e a justiça requer valores” (CF.<br />

SALAMA, 2008).<br />

74 Do contrário, o Direito passa a ter função meramente instrumental, perdendo sua<br />

autonomia – essa, alias, é a visão de Posner, conforme bem evidenciado por Salama<br />

(2008).


56 <br />

efeitos deletérios) da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> quando o ganho social<br />

advindo da internalização dos custos superar os custos administrativos da<br />

transferência do excedente, das mãos dos acionistas para as mãos das<br />

vítimas.<br />

Não se está, portanto, a advogar o fracasso da <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>, cuja eficiência não pode ser contestada. Está-se, isso sim, a<br />

oferecer um norte para um eventual aprimoramento do instituto, a partir<br />

de duas balizas essenciais, e não necessariamente conflitantes: eficiência<br />

e equidade.<br />

Fecha-se, destarte, com a pragmática lição de Joseph A. Grundfest,<br />

ao afirmar que “a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> dos acionistas possui suas<br />

falhas teóricas. Não se trata de algo de beleza perfeita, mas ao menos<br />

funciona” 75-76 .<br />

75 “Limited shareholder liability certainly has its theoretical flaws. It is not a thing of<br />

perfect beauty, but at least it works.” GRUNDFEST, Joseph A. The limited future of<br />

unlimited liability: a capital markets perspective. The Yale Law Journal, New Haven, v.<br />

102, n. 2, Nov. 1992, p. 387-425. p. 420<br />

76 O artigo, frise-se, traz importante análise acerca da superioridade da <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>, em cotejo com a <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong> pro rata, ou proporcional, já citada<br />

em nota de rodapé anterior.


57 <br />

2 O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL<br />

O empresário individual é a pessoa física que exerce, em nome<br />

próprio e de maneira individual e habitual, atividade econômica voltada à<br />

produção ou circulação de bens ou serviços.<br />

Do ponto de vista legal, o empresário individual é hoje definido<br />

pelo artigo 966, e seu parágrafo único, do Código Civil, fazendo-se<br />

necessário, todavia, esmiuçar a previsão legal, de modo a se melhor<br />

aquilatar quem poderá ser enquadrado na categoria.<br />

2.1 OS ELEMENTOS CARACTERIZADORES DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL<br />

O novo Código Civil promoveu alterações substanciais à disciplina<br />

da atividade empresarial, subsistindo, contudo, consistente dúvida quanto<br />

ao que deverá ser considerado atividade empresária, tendo em vista a<br />

conceituação presente no artigo 966, bem como a exceção prevista em<br />

seu parágrafo único.<br />

A discussão acerca da matéria vem ganhando corpo na doutrina<br />

pátria, cabendo perquirir acerca da definição legal de empresário, das<br />

exceções previstas, e, malgrado não seja esse o tema principal da<br />

presente dissertação, da possibilidade de sua alteração.<br />

O artigo 966, do Código Civil, na esteira da previsão contida no<br />

artigo 2.082, do Código Civil italiano 77 , assim define o empresário, in<br />

verbis:<br />

77 “È imprenditore chi esercita professionalmente una attività economica organizzata al<br />

fine della produzione o dello scambio di beni o di servizi.” In ITÁLIA. Codice Civile<br />

(1942). Disponível em


58 <br />

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente<br />

atividade econômica organizada para a produção ou a circulação<br />

de bens ou de serviços. 78<br />

Nada obstante, o parágrafo único do artigo supramencionado<br />

delimita a atividade empresarial, criando uma exceção legal que vem<br />

sendo objeto de muita celeuma. Para melhor compreensão, transcreve-se<br />

o dispositivo, in verbis:<br />

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce<br />

profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística,<br />

ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o<br />

exercício da profissão constituir elemento de empresa. 79<br />

A primeira crítica ao dispositivo em comento é de natureza<br />

essencialmente gramatical, pois a norma, iniciada com um advérbio de<br />

negação (não), contém ainda duas conjunções subordinativas, a primeira<br />

concessiva (ainda [que]), a segunda condicional (salvo se).<br />

Essa construção gramatical resulta em uma norma truncada, que,<br />

ao estabelecer uma exceção (exercício de profissão intelectual, de<br />

natureza científica, literária ou artística) à regra geral da atividade<br />

empresária, exclui de referida exceção, volvendo à regra geral, a situação<br />

em que o exercício da profissão intelectual constituir elemento de<br />

empresa.<br />

Em essência, o que se infere da norma em comento é que não se<br />

considera empresário aquele que exerce profissão intelectual, de natureza<br />

. Acesso em 10 mar.<br />

2012.<br />

78 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Disponível em:<br />

. Acesso em 9 mar.<br />

2012.<br />

79 Ibid.


59 <br />

científica, literária ou artística. A exceção permanece, mesmo quando o<br />

profissional recebe o auxílio de outras pessoas. Cessa, contudo, a<br />

exceção, e passa a ser empresário, aquele que desenvolve tais atividades<br />

como elemento de empresa.<br />

Cabe, então, perquirir o que se considera elemento de empresa.<br />

Carvalho de Mendonça, ao tratar do tema, assim definiu empresa:<br />

Empresa é a organização técnico-econômica que se propõe a<br />

produzir, mediante a combinação dos diversos elementos,<br />

natureza, trabalho e capital, bens e serviços destinados à troca<br />

(venda), com esperança de realizar lucros, correndo os riscos por<br />

conta do empresário, isto é, daquele que reúne, coordena e dirige<br />

esses elementos sob a sua <strong>responsabilidade</strong>. 80<br />

Assim, dir-se-ia que os elementos de empresa são natureza, capital<br />

e trabalho. Nada obstante, referida interpretação encontra-se superada,<br />

não se podendo olvidar que a doutrina em análise, ao falar em elementos,<br />

está, na verdade, a referir-se aos fatores de produção.<br />

Com efeito, natureza (ou insumos), capital, trabalho (ou mão-deobra),<br />

e, mais recentemente, tecnologia são considerados fatores de<br />

produção (por dizer respeito aos elementos essenciais à produção), não se<br />

confundindo com os elementos de empresa a que se refere o dispositivo<br />

legal em análise.<br />

empresa.<br />

Persiste, portanto, a dúvida sobre o que constituiria elemento de<br />

Deve-se voltar, então, ao caput do artigo 966, pois ali está<br />

estabelecido o que caracteriza o empresário, podendo-se destacar os<br />

seguintes elementos:<br />

80 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. v. I.<br />

Campinas: Bookseller, 2000, p. 156.


60 <br />

i) profissionalismo;<br />

ii) exercício de atividade econômica;<br />

iii) organização da atividade;<br />

iv) produção ou circulação de bens ou de serviços.<br />

Referidos elementos, frise-se, consagram a teoria da empresa, em<br />

substituição à teoria dos atos de comércio, conforme analisara Miguel<br />

Reale, ainda antes do advento do novo Código Civil, in verbis:<br />

(...) na empresa, no sentido jurídico deste termo, reúnem-se e<br />

compõem-se três fatores, em unidade indecomponível: a<br />

habitualidade no exercício de negócios, que visem à produção ou à<br />

circulação de bens ou de serviços; o escopo de lucro ou resultado<br />

econômico; a organização ou estrutura estável dessa atividade.<br />

Não será demais advertir, para dissipar dúvidas e ter-se melhor<br />

entendimento da matéria, que, na sistemática do Anteprojeto,<br />

empresa e estabelecimento são dois conceitos diversos, embora<br />

essencialmente vinculados, distinguindo-se ambos do empresário<br />

ou sociedade empresária que são ‘os titulares da empresa’.<br />

Em linhas gerais, pode-se dizer que a empresa é, consoante<br />

acepção dominante na doutrina, “a unidade econômica de<br />

produção”, ou “atividade econômica unitariamente estruturada<br />

para a produção ou a circulação de ‘bens ou serviços’”. A empresa,<br />

desse modo conceituada, abrange, para a consecução de seus fins,<br />

um ou mais “estabelecimentos”, os quais são complexos de bens<br />

ou “bens coletivos”, que se caracterizam por sua unidade de<br />

destinação, podendo, per se, ser objeto unitário de direitos e de<br />

negócios jurídicos.<br />

Dessarte, o tormentoso e jamais claramente determinado conceito<br />

de “ato de comércio” é substituído pelo de “empresa”, assim como<br />

a categoria de “fundo de comércio” cede lugar à de<br />

“estabelecimento”. Consoante justa ponderação de RENÉ<br />

SAVATIER, a noção de “fundo de comércio” é uma concepção<br />

jurídica envelhecida e superada, substituída com vantagem pelo<br />

conceito de estabelecimento, “que é o corpo de um organismo<br />

vivo”, todo o conjunto patrimonial organicamente agrupado para a<br />

produção. 81<br />

81 REALE, Miguel. O projeto do novo código civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p.<br />

98-99.


61 <br />

elementos.<br />

Isso posto, passa-se a uma análise detida de cada um desses<br />

2.1.1 O PROFISSIONALISMO<br />

Analisando a norma contida no artigo 966, evidencia-se que<br />

somente é empresário quem exerce a atividade de maneira profissional.<br />

O exercício profissional manifesta-se nas seguintes características:<br />

habitualidade, atuação em nome próprio e assunção de riscos.<br />

Vale dizer, o profissionalismo implica que o empresário assuma<br />

“em nome próprio a <strong>responsabilidade</strong> pelas obrigações pactuadas com<br />

terceiros e, consequentemente, os riscos do empreendimento” 82 ,<br />

conforme escólio de Ângela Barbosa Franco. Ademais, a atividade não<br />

pode ser episódica, devendo ser habitual.<br />

Assim, se o exercício não é habitual (o que não significa diário, mas<br />

sim regular), não há falar-se em atividade empresária.<br />

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa afirma, nesse particular, que<br />

“importa que a atividade corresponda a um constante repetir-se, não<br />

podendo tratar-se da realização de um negócio ocasional de compra e<br />

venda ou de mediação” 83 .<br />

Por sua vez, Priscila M. P. Corrêa da Fonseca assim analisa o<br />

profissionalismo:<br />

82 FRANCO, Ângela Barbosa. O empresário individual de <strong>responsabilidade</strong><br />

i<strong>limitada</strong>: uma análise jurídica e econômica. Dissertação de Mestrado. Faculdade de<br />

Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>, Nova Lima, 2009, p. 30<br />

83 VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc. Curso de direito comercial. v. I. São Paulo:<br />

Malheiros, 2004, p. 120.


62 <br />

(...) o exercício da atividade econômica organizada deve se dar<br />

profissionalmente, ou seja, deve ser desempenhada<br />

repetidamente, com habitualidade, isto é, de modo não ocasional.<br />

Em outras palavras, como realça Giampaolo de Ferra, “non é<br />

imprenditore chi non esercita l’attività economica prescelta con<br />

una continuità di gestione”. Por essa razão, empresário não será o<br />

especulador ocasional, mas será assim qualificado aquele que<br />

exerce tal atividade de modo sazonal ou mesmo periódico,<br />

porquanto, neste caso, a regularidade dos intervalos temporais<br />

permite que se entreveja configurada a habitualidade. Verifica-se,<br />

assim, que a profissionalidade não exclui a descontinuidade.<br />

(...) De todo modo, a caracterização do empresário não reclama<br />

que a atividade seja indefinida no tempo, pois que poderá ser<br />

exercida com vistas a uma única e determinada finalidade. Por isso<br />

aliás, um único negócio pode representar o desenvolvimento de<br />

uma atividade e, por conseguinte, de uma empresa. É o caso do<br />

canal de Suez – lembrado por Galgano – construído por uma<br />

sociedade constituída especificamente com esse escopo, em<br />

1858. 84<br />

Vê-se, portanto, que o elemento profissionalismo será, muitas<br />

vezes, de difícil delineamento prático, sendo várias as situações limítrofes,<br />

nas quais se poderá (ou não) enxergar habitualidade.<br />

Com efeito, diversas são as possibilidades de configuração de<br />

atividade sazonal, mas cuja habitualidade é visível. Arnoldo Wald 85 cita,<br />

como exemplo, o empresário que exerce sua atividade em um balneário,<br />

apenas no período de alta estação. Situações há, todavia, em que não se<br />

vislumbra tal habitualidade, como no caso do produtor de concertos<br />

musicais que, malgrado pretendesse realizar diversas apresentações,<br />

acaba por levar a efeito apenas uma. Assim, restaria afastado o<br />

profissionalismo, não configurando atividade empresarial.<br />

84 FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da; SZTAJN, Rachel. Código civil comentado volume<br />

XI: direito de empresa. São Paulo: Atlas, 2008, p. 84.<br />

85 WALD, Arnoldo. Comentários ao novo código civil. v. XIV. Rio de Janeiro: Forense,<br />

2005, p. 44.


63 <br />

2.1.2 O exercício de atividade econômica<br />

Ainda partindo-se de uma leitura do artigo 966, do Código Civil, só<br />

é empresário quem exerce atividade econômica.<br />

Por essa expressão entende-se a atividade voltada para a criação<br />

ou a circulação de riquezas, bens ou serviços. Insere-se, aqui, a ideia de<br />

economicidade, assim entendida como “o desenvolvimento de uma<br />

atividade capaz de cobrir os próprios custos, ainda que não existam<br />

finalidades lucrativas” 86 .<br />

Vale dizer, é essencial, para a configuração da atividade<br />

empresária, que referida atividade produza ou faça circular utilidade,<br />

tendo como contrapartida a produção de alguma riqueza em favor do<br />

profissional, ainda que não implique lucro, mas ao menos cubra seus<br />

custos.<br />

Nesse particular, é a lição de Vera Helena Mello Franco, in verbis:<br />

Entenda-se a idéia de lucro aqui como utilidade. É lucrativa a<br />

atividade que produz uma utilidade, e não somente aquela que se<br />

traduz em dinheiro. De qualquer forma, o critério de<br />

economicidade é essencial. A atividade deve produzir o suficiente<br />

para, pelo menos, remunerar os fatores de produção e, dentre<br />

eles, o capital investido, de modo a assegurar, por si mesma, a<br />

sua sobrevivência. 87<br />

Evidente, portanto, a relação entre este elemento e o<br />

profissionalismo, notadamente no aspecto de assunção de riscos pelo<br />

empresário, pois a economicidade, e mesmo a ideia de lucro, estão<br />

ligadas ao risco do empreendimento, bem como à utilidade criada.<br />

86 WALD, 2005, p. 42.<br />

87 FRANCO, Vera Helena Mello. Manual de direito comercial. v. I. 2. ed. São Paulo:<br />

Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 47.


64 <br />

Alberto Asquini assim resume a questão:<br />

O risco da empresa – risco técnico inerente a cada procedimento<br />

produtivo, e risco econômico, inerente à possibilidade de cobrir os<br />

custos do trabalho (salário) e dos capitais (juros) empregados,<br />

com os resultados dos bens ou serviços produzidos para a troca –<br />

faz com que o empresário reserve um trabalho de organização e<br />

de criação para determinar de acordo com adequadas previsões o<br />

modo de atuação da produção e da distribuição de bens. É esta a<br />

contribuição típica do empresário; daí aquela especial<br />

remuneração do empresário chamada lucro (margem diferencial<br />

entre os resultados e os custos) e que constitui o motivo normal<br />

da atividade empreendedora no plano econômico. 88<br />

2.1.3 A atividade organizada<br />

Prosseguindo na análise do artigo 966, do Código Civil, depreendese<br />

que a atividade econômica realizada pelo profissional deve conter o<br />

elemento organização, sob pena de não se configurar como empresária.<br />

Está-se a referir, aqui, à atividade que articula os fatores de<br />

produção mencionados alhures (capital, trabalho, insumos e tecnologia).<br />

A organização, para muitos doutrinadores, não deveria ser<br />

considerada elemento de empresa, porquanto, hoje em dia, muitas são as<br />

atividades empresariais, notadamente aquelas de pouca monta, em que<br />

não há articulação entre capital e trabalho.<br />

Fábio Ulhoa Coelho, todavia, considera essencial a presença do<br />

elemento organização para a configuração da atividade empresarial,<br />

senão, vejamos:<br />

88 ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Revista de Direito Mercantil, Industrial,<br />

Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 35, n. 104, 1996, p. 109-126. p. 110-111.


65 <br />

A empresa é atividade organizada no sentido de que nela se<br />

encontram articulados, pelo empresário, os quatro fatores de<br />

produção: capital, mão-de-obra, insumos e tecnologia. Não é<br />

empresário quem explora atividade de produção ou circulação de<br />

bens ou serviços sem alguns desses fatores. O comerciante de<br />

perfumes que leva ele mesmo, à sacola, os produtos até os locais<br />

de trabalho ou residência dos potenciais consumidores explora<br />

atividade de circulação de bens, fá-lo com intuito de lucro,<br />

habitualidade e em nome próprio, mas não é empresário, porque<br />

em seu mister não contrata empregado, não organiza mão-deobra.<br />

A tecnologia, ressalte-se, não precisa ser necessariamente<br />

de ponta, para que se caracterize a empresarialidade. Exige-se<br />

apenas que o empresário se valha dos conhecimentos próprios aos<br />

bens ou serviços que pretende oferecer ao mercado – sejam estes<br />

sofisticados ou de amplo conhecimento – ao estruturar a<br />

organização econômica. 89<br />

A posição de Fábio Ulhoa Coelho vem perdendo força na doutrina<br />

pátria, na esteira do que vem acontecendo em outros países, tendo em<br />

vista o surgimento e a consolidação de microempresas, bem como dos<br />

serviços via internet, com estruturas simplificadas, em que o elemento<br />

organização é incipiente, se e quando existente.<br />

A tendência, portanto, é que a organização dos fatores de<br />

produção deixe de constituir elemento essencial para a configuração da<br />

atividade empresária, notadamente no tocante a pequenos<br />

empreendimentos.<br />

Nesse sentido, é valiosa a doutrina de Arnoldo Wald, in verbis:<br />

Esta característica da organização de elementos relacionados com<br />

a produção ou circulação de riquezas tem aplicação inequívoca na<br />

grande empresa, mas se aplica com menor rigor à pequena e, em<br />

especial, a certas empresas de tecnologia. De fato, esta assertiva<br />

fica demonstrada com o exemplo de uma pequena empresa de<br />

reparos de máquinas desenvolvidas por um técnico, que sozinho<br />

vai às residências para a prestação de serviços ou, ainda, em uma<br />

empresa de internet, na qual há apenas o técnico em computação<br />

e a máquina atendendo ao público. Nestas hipóteses, é<br />

rudimentar, reduzida, ou até inexistente a organização entre<br />

capital e serviços.<br />

89 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 18. ed. São Paulo: Saraiva,<br />

2007, p. 13-14.


66 <br />

Na doutrina italiana, JAEGER e DENOZZA afirmam que está<br />

perdendo terreno a exigência da organização como elemento<br />

essencial para a configuração da empresa, pois o conteúdo<br />

extremamente amplo implica a existência de efetividade para<br />

selecionar o que se caracteriza como tal. Para demonstrar o<br />

raciocínio, os autores mencionam que a organização de trabalho<br />

não pode ser tida como essencial, pois muitas vezes há<br />

substituição de trabalhadores por máquinas, e esta troca não<br />

descaracteriza a empresa. Por outro lado, a organização de meios<br />

de produção pode faltar sem retirar a qualidade de empresa, como<br />

é o caso de um intermediário que trabalha apenas com seu<br />

computador e telefone. 90<br />

André Luiz Santa Cruz Ramos não discrepa:<br />

Hodiernamente, essa idéia fechada de que a organização dos<br />

fatores de produção é absolutamente imprescindível para a<br />

caracterização do empresário vem perdendo força no atual<br />

contexto da economia capitalista. Com efeito, basta citar o caso<br />

dos microempresários, os quais, não raro, exercem atividade<br />

empresarial única ou preponderantemente com trabalho próprio.<br />

Pode-se citar também o caso dos empresários virtuais, que muitas<br />

vezes atuam completamente sozinhos, resumindo-se sua atividade<br />

à intermediação de produtos ou serviços por meio da internet. 91<br />

Finalmente, precisa é a análise empreendida por Priscila M. P.<br />

Corrêa da Fonseca, dialogando com a doutrina italiana, in verbis:<br />

A organização nem sempre é considerada elemento da empresa.<br />

(...) Massimo Montanari considera o requisito da organização como<br />

“fonte di dubbi ed equivoci” ou como um “pseudo-requisito”. É que<br />

o emprego da mão-de-obra ou do capital não seria elemento<br />

obrigatório da empresa, até porque, da mesma forma como pode<br />

haver empresa sem mão-de-obra estranha, pode haver empresa<br />

sem capital. Imagine-se, à guisa de exemplo, uma empresa<br />

totalmente mecanizada cujas máquinas sejam operadas pelo<br />

próprio empresário, ou mesmo aquela sem investimento de<br />

capital, como é o caso da atividade exercida pelo mediador ou<br />

agente que se vale simplesmente de um fax e de um computador.<br />

Nessa hipótese não há que se cogitar de coordenação de fatores<br />

90 WALD, 2005, p. 43-44.<br />

91 RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de direito empresarial: o novo regime<br />

jurídico-empresarial brasileiro. 4. ed. Bahia: Editora JusPodium, 2010, p. 60.


67 <br />

de produção por parte do empresário e, por via de efeito, de<br />

organização. 92<br />

Vê-se, portanto, que a tendência aponta para a supressão da<br />

organização como elemento essencial para caracterização da atividade<br />

empresária, ainda que não se negue sua presença na maior parte dos<br />

empreendimentos que tais.<br />

2.1.4 A produção ou circulação de bens ou de serviços<br />

Finalmente, da leitura do multicitado artigo 966, extrai-se que,<br />

para ser considerada empresarial, a atividade econômica organizada,<br />

exercida pelo profissional, deve estar voltada para a produção ou a<br />

circulação de bens ou de serviços.<br />

Esse elemento se apresenta como um dos grandes diferenciais da<br />

teoria da empresa, em cotejo com a teoria dos atos de comércio, ao<br />

incluir no escopo da atividade empresária uma gama considerável de<br />

atividades.<br />

Com efeito, qualquer atividade que vise à produção ou circulação<br />

de bens ou de serviços pode, a priori, configurar atividade empresarial.<br />

Arnoldo Wald destaca exatamente esse diferencial entre a teoria da<br />

empresa e a teoria dos atos de comércio. Confira-se:<br />

Aqui está, em especial, a característica do empresário que o<br />

diferencia do comerciante. A idéia de empresário abrange a<br />

intermediação e circulação do bem, mas abrange também todos<br />

aqueles que estão envolvidos com o processo de produção de bens<br />

e de riquezas. Assim, engloba-se em uma única figura e se dá<br />

92 FONSECA; SZTAJN, 2008, p. 85-86.


68 <br />

igual tratamento àqueles que participam do processo de criação e<br />

produção e os que exercem o papel de intermediário. 93<br />

Noutro giro, cabe ressaltar ser imprescindível que a produção ou<br />

circulação do bem ou serviço seja destinada ao mercado, e não para<br />

consumo próprio. Isso porque é da essência da atividade empresária a<br />

participação no mercado, isto é, a disponibilização do produto ou do<br />

serviço para o mercado consumidor.<br />

Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa assim delineia a questão:<br />

O objetivo da atividade deverá ser, para a qualificação do<br />

empresário, a produção ou a circulação de bens ou de serviços,<br />

nos termos do art. 966, caput, do NCC. Considerando tratar-se de<br />

redação idêntica à do art. 2.082 do CCIt, pode-se dizer –<br />

acompanhando Ascarelli – que tal atividade deve dirigir-se<br />

diretamente para tais finalidades, excluída a produção para uso<br />

próprio, pois esta não está destinada ao mercado. A destinação<br />

dos produtos da empresa para o mercado é, justamente, um dos<br />

elementos diferenciadores entre a atividade empresária e a de<br />

outros sujeitos que também exercem uma atividade econômica. 94<br />

Assim, conclui-se que o requisito em estudo engloba o conjunto de<br />

atividades voltadas à produção ou circulação de bens ou de serviços, com<br />

o desiderato de disponibilização ao mercado consumidor.<br />

2.1.5 A atividade intelectual de natureza científica, literária ou<br />

artística<br />

Delineados, portanto, os elementos definidores da atividade<br />

empresarial, volvemos ao parágrafo único, do artigo 966, do Código Civil,<br />

para melhor compreendermos a exceção ali prevista:<br />

93 WALD, 2005, p. 44.<br />

94 VERÇOSA, 2004, p. 124-125.


69 <br />

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce<br />

profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística,<br />

ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o<br />

exercício da profissão constituir elemento de empresa.<br />

Referido dispositivo exclui, portanto, da caracterização de<br />

empresário, aquele que exerce profissão intelectual, de natureza<br />

científica, literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou<br />

colaboradores.<br />

Se a redação da norma se esgotasse nesse ponto, celeuma alguma<br />

teria causado. Nada obstante, a parte final do dispositivo enuncia que, se<br />

o exercício da profissão constituir elemento de empresa, o profissional<br />

será considerado empresário.<br />

de empresa.<br />

Nos termos do que foi delineado acima, são quatro os elementos<br />

O profissionalismo, a toda evidência, não será o elemento<br />

definidor, diferencial, aqui, pois a primeira parte do parágrafo único, ao<br />

tratar da exceção, já fala em profissão; assim, aquele que exerce<br />

atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, de<br />

maneira profissional não será, por si só, considerado empresário.<br />

À guisa de exemplo, pode-se imaginar um médico, que atende<br />

habitualmente em seu consultório. Indubitavelmente, não se trata de<br />

empresário, estando sua atividade acobertada pela exceção em comento,<br />

daí porque não é o profissionalismo o elemento definidor, para fins da<br />

configuração da atividade empresária.<br />

Semelhante raciocínio vale para a natureza econômica da<br />

atividade, porquanto o parágrafo único, ao falar em atividade profissional,<br />

está a implicar a ideia de economicidade.


70 <br />

Com efeito, não se cogita de atividade profissional sem caráter<br />

econômico, o que não significa, necessariamente, desiderato de lucro,<br />

mas sim a possibilidade de cobrir os próprios custos.<br />

Destarte, o fato de a atividade intelectual ter caráter econômico,<br />

por si só, não transforma o profissional em empresário, estando a<br />

atividade acobertada pela exceção contida na primeira parte do parágrafo<br />

único.<br />

Retoma-se, nesse ponto, o exemplo do médico que atende<br />

habitualmente em seu consultório. Acresça-se ao exemplo o fato de<br />

referida atividade constituir a única fonte de renda do profissional em<br />

comento. Mesmo assim, não se cogita tratar-se de empresário, estando<br />

ainda acobertado pela exceção do parágrafo único, daí porque não é a<br />

natureza econômica o elemento que configura a atividade intelectual<br />

como empresária.<br />

Não será também o simples fato de a atividade envolver produção<br />

ou circulação de bens ou de serviços que tornará empresário o profissional<br />

intelectual. Pense-se novamente no exemplo do médico que,<br />

indubitavelmente, presta serviço em seu consultório, de maneira habitual,<br />

diagnosticando doenças e prescrevendo medicamentos. Assim, não é a<br />

simples prestação (circulação) de serviço que o transmudará em<br />

empresário.<br />

Muito se tem falado, nesse contexto, que o diferencial, isto é, o<br />

elemento de empresa que transformaria a atividade intelectual em<br />

empresária, seria a organização.<br />

Isso porque, organizando-se em forma de empresa, a atividade<br />

intelectual passaria a ser apenas um dos elementos do empreendimento,<br />

configurando-se a atividade empresária.<br />

Nesse sentido, é a doutrina de Sylvio Marcondes, um dos autores<br />

do anteprojeto do novo Código Civil, in verbis:


71 <br />

Há pessoas que exercem profissionalmente uma atividade criadora<br />

de bens ou de serviços, mas não devem e não podem ser<br />

consideradas empresários – referimo-nos às pessoas que exercem<br />

profissão intelectual – pela simples razão de que o profissional<br />

intelectual pode produzir bens, como o fazem os artistas; pode<br />

produzir serviços, como o fazem os chamados profissionais<br />

liberais; mas nessa atividade profissional, exercida por essas<br />

pessoas, falta aquele elemento de organização dos fatores de<br />

produção; porque na prestação desse serviço ou na criação desse<br />

bem, os fatores de produção, ou a coordenação de fatores, é<br />

meramente acidental: o esforço criador se implanta na própria<br />

mente do autor, que cria o bem ou o serviço. Portanto, não podem<br />

– embora sejam profissionais e produzam bens ou serviços – ser<br />

considerados empresários.<br />

A não ser que, organizando-se em empresa, assumam a veste de<br />

empresários. Parece um exemplo bem claro a posição do médico,<br />

o qual, quando opera, ou faz diagnóstico, ou dá a terapêutica, está<br />

prestando um serviço resultante de sua atividade intelectual, e por<br />

isso não é empresário. Entretanto, se ele organiza fatores de<br />

produção, isto é, une capital, trabalho de outros médicos,<br />

enfermeiros, ajudantes etc., e se utiliza de imóvel e equipamentos<br />

para a instalação de um hospital, seja pessoa física, seja pessoa<br />

jurídica, será considerado empresário, porque está, realmente,<br />

organizando os fatores da produção, para produzir serviços. 95<br />

Vê-se, portanto, que no entendimento de um dos próprios autores<br />

do anteprojeto, a organização seria o elemento de empresa que definiria a<br />

atividade intelectual como empresária.<br />

A visão em comento tem assento no Código Civil italiano, fonte de<br />

inspiração do Código Civil brasileiro, mais especificamente no artigo<br />

2.238, segundo o qual, “se o exercício da profissão constituir elemento de<br />

uma atividade organizada em forma de empresa, aplicam-se também as<br />

disposições do Título II (artigo 2.082 e seguintes)” 96 .<br />

95 MARCONDES, Sylvio. Questões de direito mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977, p.<br />

11.<br />

96 “Se l'esercizio della professione costituisce elemento di un'attività organizzata in forma<br />

d'impresa, si applicano anche le disposizioni del Titolo II (2082 e seguenti).” ITÁLIA.<br />

Codice Civile (1942). Disponível em<br />

. Acesso em 10 mar.<br />

2012, tradução nossa.


72 <br />

O dispositivo do codex italiano é mais claro do que aquele contido<br />

na legislação brasileira, não deixando dúvidas de que, se a atividade<br />

intelectual for apenas um elemento de uma atividade maior, organizada<br />

em forma de empresa, o profissional será considerado empresário.<br />

Diante disso, como exposto acima, parte da doutrina adotou a tese<br />

de que, de fato, dever-se-ia analisar a organização da atividade<br />

intelectual para caracterizá-la ou não como atividade empresária 97 .<br />

A solução apresentada, contudo, não é suficiente para dirimir a<br />

tormentosa questão.<br />

Com efeito, não se pode olvidar que é a própria doutrina quem<br />

questiona a simples inclusão da organização como elemento de empresa.<br />

De fato, conforme foi exposto anteriormente, a organização não<br />

tem sido admitida como elemento de empresa, tendo em vista que,<br />

muitas vezes, a atividade empresarial dela prescinde, no sentido de que o<br />

empresário não necessariamente coordena os fatores de produção.<br />

Ora, parece-nos um contrassenso afastar-se a organização como<br />

elemento de empresa, e, ao mesmo tempo, basear-se nela para definir se<br />

a atividade intelectual passa ou não a ser empresária. É que, se a<br />

coordenação dos fatores de produção não delimita a atividade empresária,<br />

não há sentido algum em se utilizar tal parâmetro para transformar a<br />

atividade intelectual em empresária.<br />

97 A título ilustrativo, frise-se ser esse o entendimento do Conselho da Justiça Federal,<br />

conforme os enunciados 194 e 195, emanados da III Jornada de Direito Civil, realizada<br />

em 2004, in verbis:<br />

“194 – Art. 966: Os profissionais liberais não são considerados empresários, salvo se a<br />

organização dos fatores da produção for mais importante que a atividade pessoal<br />

desenvolvida.<br />

195 – Art. 966: A expressão ‘elemento de empresa’ demanda interpretação econômica,<br />

devendo ser analisada sob a égide da absorção da atividade intelectual, de natureza<br />

científica, literária ou artística, como um dos fatores da organização empresarial.”<br />

CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Enunciados aprovados – III Jornada de Direito Civil.<br />

Brasília, 2004. Disponível em:<br />

. Acesso em: 20 fev. 2012.


73 <br />

Rachel Sztajn analisa a questão de maneira percuciente:<br />

O que será esse elemento de empresa Para alguns, esse<br />

elemento é a organização da atividade, porém uma organização<br />

que tenha alguma expressão externa, o que parece solução<br />

simplista, uma vez que transfere o problema para a determinação<br />

de tamanho da organização, e de nada serve para elucidar a<br />

dificuldade, mero paliativo que não gera solução razoável. O fato é<br />

que os doutrinadores não se aplicaram como deveriam em tentar<br />

deslindar o enigma da empresa. Pender para a proposta de Coase,<br />

que vê na empresa um feixe de contratos que são celebrados para<br />

reduzir custos de transação de operar em mercados, parece<br />

perspectiva promissora que permitiria abandonar a idéia de que<br />

empresa é derivação da noção de empresário e não precisa de<br />

substrato normativo próprio. Outra possibilidade é considerar que<br />

a prestação, o resultado esperado da atividade, tem natureza<br />

personalíssima, e por isso não será classificada como atividade<br />

empresária. Terceira possibilidade seria o legislador apresentar<br />

relação das atividades de natureza intelectual que, por contarem<br />

com a colaboração de terceiros e não terem esse caráter<br />

personalíssimo, ou ainda que o tenham, sejam qualificadas<br />

empresárias. 98-99<br />

Percebe-se, destarte, que não é pacífico na doutrina o<br />

entendimento de que se deva buscar na organização – isto é, na<br />

estrutura, na articulação dos fatores de produção – o elemento de<br />

empresa a que se refere a norma contida no parágrafo único do artigo<br />

966, do Código Civil, havendo críticas severas a esse posicionamento.<br />

Desse modo, persiste a dúvida sobre o real alcance da exceção<br />

estabelecida no parágrafo em comento – “não se considera empresário<br />

quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou<br />

artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores” –, bem<br />

como da exceção da exceção contida na parte final do referido dispositivo<br />

– “salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.<br />

98 FONSECA; SZTAJN, 2008, p. 138.<br />

99 Ressalte-se que a derradeira sugestão feita por Rachel Sztajn pode, a nosso sentir,<br />

esbarrar nos mesmos problemas por ela apontados, tendo em vista a ausência de<br />

cientificidade na escolha das atividades intelectuais a serem consideradas empresárias. O<br />

rol seria essencialmente político, e não científico, o que também geraria<br />

questionamentos.


74 <br />

Conforme enunciado alhures, a questão é tormentosa, não sendo o<br />

desiderato desse estudo dirimi-la, o que não impede, todavia, a<br />

enunciação supra. Com efeito, está-se a analisar a <strong>responsabilidade</strong> do<br />

empresário individual, sendo, portanto, oportuno demonstrar que nem<br />

mesmo a caracterização da atividade empresarial se encontra pacificada<br />

na legislação e doutrina pátrias.<br />

Vale dizer, a opção legislativa para a caracterização do empresário,<br />

contida no artigo 966, do Código Civil, foi insuficiente e ineficiente,<br />

porquanto não permitiu uma delimitação precisa acerca de quais<br />

profissionais serão considerados empresários e quais não o serão.<br />

Com efeito, o excessivo subjetivismo que emana do dispositivo em<br />

comento apenas torna mais insegura a empreitada dos profissionais<br />

intelectuais, que não sabem precisar em que momento tornam-se<br />

empresários.<br />

Para melhor compreensão, basta volvermos ao exemplo do médico,<br />

citado alhures. Imagine-se que o mencionado profissional perceba um<br />

aumento de demanda em sua clínica, e, além da secretária que já o<br />

auxiliava, contrata médicos mais jovens, para trabalhar consigo.<br />

O profissional passou, nesse ponto, a ser empresário Veja-se que,<br />

aparentemente, os elementos de empresa aqui estudados estão<br />

presentes, pois se trata de profissional, no exercício de atividade<br />

econômica (retirando dela seus rendimentos), prestando serviço. Percebase,<br />

ademais, que o elemento da organização está também presente, pois<br />

o profissional está a articular os fatores de produção, possuindo, inclusive,<br />

empregados (mas que poderiam se enquadrar na categoria de auxiliares,<br />

constante da exceção prevista no parágrafo único do artigo 966).<br />

Aprofundando a indagação, imagine-se que a demanda do médico<br />

continue progredindo, sendo contratados novos funcionários, e assim por<br />

diante. Em que ponto ele se tornará empresário


75 <br />

As respostas doutrinárias são imprecisas quanto ao tema,<br />

justamente porque a legislação se mostra incapaz de delimitar a matéria,<br />

deixando de oferecer uma solução satisfatória, fomentando, assim, a<br />

insegurança jurídica.<br />

Diante disso, diversas são as soluções possíveis, envolvendo,<br />

essencialmente, a necessidade de alteração da norma em estudo, seja<br />

para se suprimir a parte final do parágrafo único – “salvo se o exercício da<br />

profissão constituir elemento de empresa” –, seja para estabelecer<br />

parâmetros nítidos para a caracterização da atividade intelectual como<br />

empresária, o que, malgrado seja tarefa árdua, parece-nos a melhor<br />

solução.<br />

Vale dizer, o que não se pode admitir é o excessivo subjetivismo da<br />

norma em análise, prejudicando o desenvolvimento das atividades dos<br />

profissionais intelectuais, e conferindo injustificável discricionariedade às<br />

juntas comerciais – responsáveis pelo registro do empresário – e, em<br />

última análise, ao Poder Judiciário – que terá de dirimir as lides surgidas<br />

em razão da imprecisão da norma –, em claro prejuízo da segurança<br />

jurídica.<br />

Fecha-se, com essas indagações e ressalvas, o tópico destinado à<br />

análise dos elementos caracterizadores do empresário individual. Começase<br />

a seguir, destarte, a entrelaçar os institutos centrais deste estudo, ou<br />

seja, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> e o empresário individual.<br />

2.2 A RESPONSABILIDADE ILIMITADA DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL E O<br />

EFEITO PELTZMAN<br />

O presente tópico visa estabelecer as relações existentes entre a<br />

vedação legal à limitação de <strong>responsabilidade</strong> do empresário individual,<br />

até recentemente havida na legislação pátria, e a criação de sociedades


76 <br />

<strong>limitada</strong>s de fachada. A correlação entre os dois fenômenos é bastante<br />

intuitiva, já tendo sido observada por diversos doutrinadores, conforme se<br />

poderá conferir a seguir. Nada obstante, o objetivo aqui é diverso, pois<br />

pretende-se demonstrar uma clara relação de causalidade entre os dois<br />

fenômenos, a partir do que se convencionou chamar de efeito Peltzman.<br />

2.2.1 O efeito Peltzman<br />

Sam Peltzman, em sua seminal palestra Regulation and the Natural<br />

Progress of Opulence 100 , desenvolve a ideia de que, via de regra, as forças<br />

do mercado e a prosperidade minam os efeitos da regulação. Segundo o<br />

economista norte-americano, isso ocorre em razão de dois fatores:<br />

primeiro, porque a regulação leva a mudanças de comportamento que<br />

anulam os efeitos a que visava; segundo, porque o progresso, livre de<br />

regulações, tende a produzir os mesmos benefícios advindos destas,<br />

apenas mais lenta e silenciosamente.<br />

Nesse contexto, seria de se imaginar que a regulação tenderia a<br />

desparecer, tendo em vista o seu completo fracasso em produzir os<br />

efeitos esperados. Ocorre que, ainda segundo Peltzman, o progresso, que<br />

persiste apesar da regulação, acaba por mascarar os efeitos negativos<br />

desta, imunizando-a politicamente.<br />

A partir dessas ideias, será possível demonstrar que a norma que<br />

negava ao empresário individual a possibilidade de atuar com<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> padecia precisamente dos vícios acima<br />

apresentados.<br />

100 PELTZMAN, Sam. Regulation and the natural progress of opulence. Nova York:<br />

The AEI Press, 2005. Disponível em:<br />

. Acesso<br />

em: 5 fev. 2011.


77 <br />

Passa-se, então, a explorar em minúcias o efeito Peltzman 101 , isto<br />

é, a teoria da conduta contrabalanceadora, tradução doravante adotada<br />

para a offsetting behavior hypothesis.<br />

A primeira ideia a ser compreendida é a de que a regulação cria<br />

incentivos para a adoção de condutas que contrabalançam alguns ou<br />

todos os efeitos visados pela norma. Esse é, por excelência, o offsetting<br />

behavior, ou conduta contrabalanceadora.<br />

Vale dizer, na tentativa de melhorar uma determinada situação, ou<br />

evitar consequências negativas de certas práticas, a regulação acaba por<br />

incentivar comportamentos não previstos, e que frustram, em parte ou no<br />

todo, seu objetivo.<br />

Peltzman 102 ilustra o argumento com o exemplo da regulação de<br />

segurança de trânsito nos EUA, demonstrando que referidas normas,<br />

criadas com o objetivo de reduzir o número de mortes no trânsito, não<br />

atingiram seu objetivo, por um singelo motivo: encorajaram os motoristas<br />

a correr mais riscos, dirigindo de maneira menos cuidadosa, pois se<br />

sentiam mais seguros em razão de mecanismos como o cinto de<br />

segurança. Destarte, malgrado o número de mortes de motoristas e<br />

passageiros tenha diminuído, a conduta descuidada daqueles causou uma<br />

elevação do número de mortes de pedestres, ciclistas e motociclistas,<br />

neutralizando por completo os efeitos pretendidos pela legislação 103 .<br />

A segunda premissa é a de que existe uma relação intrínseca entre<br />

o progresso e o incremento da riqueza de uma determinada sociedade,<br />

daí porque a situação de um país com economia em expansão tende a<br />

melhorar. Assim, em longo prazo, independentemente da existência de<br />

101 Modo como ficou consagrada a teoria em comento, em homenagem ao economista<br />

que a descreveu.<br />

102 PELTZMAN, 2005.<br />

103 De fato, o percentual anual de diminuição do número de mortes por milha percorrida<br />

(3,5) seguiu inalterado quando comparados os período anterior e posterior à entrada em<br />

vigor da norma (1966).


78 <br />

normas mais ou menos rígidas, uma determinada sociedade evoluirá<br />

naturalmente.<br />

Essa segunda noção se adensa e ganha importância, quando se<br />

entrelaça com a terceira e última ideia trazida por Peltzman 104 : a de que o<br />

progresso, porque inevitável, acaba por mascarar os efeitos nefastos da<br />

regulação, ou, pura e simplesmente, sua ineficiência.<br />

Isto é, o progresso gradual acontece, independentemente da<br />

regulação, e esta acaba por assumir os créditos proporcionados, em<br />

verdade, por aquele.<br />

Voltando ao exemplo da legislação norte-americana sobre<br />

segurança no trânsito, Peltzman 105 demonstra que, apesar de o percentual<br />

de mortes ter continuado em queda, sem alteração em razão da novidade<br />

legislativa, o fato é que se passou a creditar referida queda – que já<br />

ocorria, repita-se, antes, com idêntico percentual, em razão do progresso<br />

natural da sociedade 106 – à regulamentação, o que mascarou sua absoluta<br />

ineficiência.<br />

Esse curioso paradoxo é o que imuniza politicamente a regulação,<br />

conforme esclarece Peltzman:<br />

Há então uma simbiose entre o progresso da opulência e o<br />

excesso de regulação, mesmo aquela ineficiente ou<br />

contraproducente. Enquanto o objeto da regulação estiver,<br />

aparentemente, funcionando de maneira tolerável – e é o que<br />

costuma ocorrer em uma economia em expansão –, a regulação<br />

estará politicamente segura. 107<br />

104 PELTZMAN, 2005.<br />

105 Ibid.<br />

106 “(...) o aumento de riqueza estava produzindo o aumento de demanda por saúde e<br />

segurança pessoais, e o mercado estava encontrando caminhos para suprir essa<br />

demanda crescente.” (“Growing wealth was producing growing demand for personal<br />

health and safety, and markets were finding ways to meet the increased demands.”)<br />

Ibid., p. 5, tradução nossa.<br />

107 “There is then a symbiosis between the progress of opulence and much regulation,<br />

even ineffective or counterproductive regulation. As long as the thing being regulated is<br />

seen to be working tolerably well — and that will often be the case in a growing economy


79 <br />

Essas são, em síntese, as ideias desenvolvidas pelo economista<br />

norte-americano na palestra em comento, as quais, conforme se buscará<br />

demonstrar, tem perfeita aplicação no tocante à vedação de o empresário<br />

individual atuar sob o pálio da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, vedação esta<br />

que perdurou no Brasil até a entrada em vigor da Lei nº 12.441, já em<br />

2012.<br />

2.2.2 O efeito Peltzman causado pela restrição legislativa<br />

A teoria desenvolvida por Peltzman parece ser capaz de apontar a<br />

conduta contrabalanceadora advinda da restrição em análise, bem como<br />

explicar a subsistência desta, até recentemente, no ordenamento jurídico.<br />

Com efeito, a restrição em comento, criada com o objetivo, supõese,<br />

de proteger aqueles que estabelecem tratativas com o empresário<br />

individual, acaba por incentivar os interessados em iniciar um<br />

empreendimento a constituir sociedades <strong>limitada</strong>s de fachada, nas quais<br />

um dos sócios (verdadeiro empresário individual) detém, v.g., 98% das<br />

quotas, ficando um parente ou amigo com os restantes 2%.<br />

Não se está, aqui, a presumir a má-fé, não se pretendendo afirmar<br />

que toda sociedade com semelhante arranjo societário seria uma<br />

sociedade fraudulenta.<br />

Ocorre que a simulação de sociedades empresárias, com o único<br />

objetivo de operar sob o arcabouço da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, é fato<br />

— then the regulation is usually safe politically.” PELTZMAN, 2005, p. 13, tradução<br />

nossa.


80 <br />

sabido de todos os operadores do direito, reconhecido, inclusive, na<br />

doutrina 108 .<br />

Assim, os interessados em se inscrever como empresários<br />

individuais viam-se incentivados, pela legislação em estudo, a buscar<br />

opções outras, dentro do ordenamento jurídico, para dar início à sua<br />

atividade. Outros tantos optavam, ainda, pela informalidade 109 .<br />

Ressalte-se, por oportuno, que a opção pela sociedade <strong>limitada</strong><br />

era, aparentemente, legal, pois o tipo societário em comento é aceito pela<br />

legislação. Vale dizer, ainda que se reconhecesse, posteriormente, pela<br />

via judicial, tratar-se de sociedade fictícia, desconsiderando-se a<br />

personalidade jurídica, o fato é que o expediente escolhido pelo<br />

empresário encontrava amparo na legislação 110 .<br />

108 Nesse particular, é o comentário de José Edwaldo Tavares Borba: “Com a limitação da<br />

<strong>responsabilidade</strong> dos sócios, empresários que exerciam a sua atividade individualmente<br />

passaram a fazê-lo através de uma sociedade, a fim de desfrutar a limitação da<br />

<strong>responsabilidade</strong>. Em muitos casos, os demais sócios, além do principal, apenas fazem<br />

número, atuando como ‘testas-de-ferro’, sem capital e sem interesse na sociedade. O<br />

titular verdadeiro figura com cerca de 99% do capital, cabendo 1% ou menos aos demais<br />

sócios. Essas sociedades são substancialmente unipessoais (...).” (BORBA, José Edwaldo<br />

Tavares. Direito societário. 8. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003., p. 39). E, ainda, de<br />

Ângela Barbosa Franco: “Como essa prerrogativa não é estendida aos empresários<br />

individuais, mas apenas aos entes coletivos, despontam-se no cenário empresarial as<br />

sociedades fictícias, ou seja, o agrupamento de pessoas, utilizando, na sua formação,<br />

sócios ‘testas-de-ferro’ também chamados de ‘laranjas’ ou ‘homens de palha’. Esses<br />

sócios não têm participação expressiva nas quotas da sociedade, não investem capital e<br />

não têm interesse na sociedade, mantendo-se a titularidade e a totalidade das decisões<br />

relativas à gestão do negócio nas mãos de uma só́ pessoa, ou seja, do idealizador do<br />

negócio jurídico. Assim, surgem as empresas formalmente definidas como sociedades de<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, mas que, na realidade, são sociedades ‘maquiadas’, já́ que<br />

constituídas por um único sócio gerenciador.” (FRANCO, 2009, p. 83). E, conforme<br />

evidenciado em nota de rodapé a seguir, quando se fala das one-man corporations<br />

norte-americanas, o fenômeno não é exclusivo do Brasil.<br />

109 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calculou, em 2003, que seriam<br />

cerca de dez milhões os empreendimentos não registrados no Brasil (BRASIL tem mais<br />

de 10 milhões de Empresas na informalidade. Brasília, 19 mai. 2005. Disponível em:<br />

. Acesso em: 25 mar. 2011).<br />

110 Waldirio Bulgarelli, inclusive, entende ser perfeitamente legal a constituição desse tipo<br />

de sociedade <strong>limitada</strong> de fachada, não vendo razão para a aplicação da desconsideração<br />

da personalidade jurídica. Confira-se: “Temos para nós contudo, em tema de limitação<br />

da <strong>responsabilidade</strong> do empresário individual, que o sistema atual tem sido suficiente,<br />

através da constituição de sociedades ‘etiquetas’ de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>. Entendido<br />

esse contrato societário em relação à causa, como daqueles denominados por Tullio<br />

Ascarelli (ASCARELLI, Tullio. Negócio Jurídico Indireto. Lisboa, 1965) de negócio jurídico


81 <br />

Trata-se, portanto, da conduta contrabalanceadora de que se falou<br />

acima, sendo nítido que a regulação incentivava a adoção de<br />

comportamentos que frustravam seu objetivo.<br />

Em outras palavras, a vedação fora criada com o desiderato de<br />

proteger aqueles que negociavam com os empresários individuais,<br />

fazendo com que todo o patrimônio pessoal destes estivesse à disposição<br />

dos credores, numa eventual inadimplência. Ocorre que a norma criou,<br />

inadvertidamente, uma nova cultura, consistente na formulação de<br />

sociedades <strong>limitada</strong>s de fachada, com patrimônio autônomo pertencente à<br />

pessoa jurídica, ou, ainda, na opção pela informalidade, frustrando por<br />

completo o objetivo outrora previsto.<br />

As palavras de Peltzman se encaixam como uma luva à situação,<br />

ao afirmar que “a regulação amiúde induz mudanças de conduta que<br />

contrariam os efeitos por ela pretendidos” 111 . Assim, os interesses ou<br />

direitos que se pretendia tutelar não eram efetivamente protegidos, pois<br />

os atores econômicos reagiam à norma e adotavam condutas (permitidas<br />

ou não no ordenamento jurídico) que frustravam por completo seu<br />

intento.<br />

Nesse contexto, isto é, constatada a ineficiência da legislação<br />

restritiva, como explicar sua manutenção por tão largo período Uma vez<br />

mais, a teoria de Peltzman responde à questão posta.<br />

indireto em que não há intenção de fraudar nem mesmo simulação, não vemos razão<br />

maior para as constantes investidas contra essa situação, que não prejudica os credores,<br />

já que a sociedade, dessa maneira constituída, ostenta a sua condição de<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> dos sócios, portanto, não os enganando. E em caso de fraude<br />

intencional ou não, sempre haverá o recurso à aplicação da teoria da desconsideração da<br />

personalidade jurídica, prevista, inclusive, no Projeto, no art. 48, ou a penhora das cotas<br />

para atender aos credores particulares.” (BULGARELLI, Waldirio. Tratado de direito<br />

empresarial, 4. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 252). O entendimento é compartilhado<br />

pela jurisprudência norte-americana acerca das one-man corporations, conforme se<br />

evidencia em nota de rodapé mais adiante.<br />

111 “(...) the regulation often induces changes in behavior that counter the intended<br />

effects of the regulation.” PELTZMAN, 2005, p. 2, tradução nossa.


82 <br />

Isso porque, apesar da existência da legislação ineficiente, o<br />

progresso econômico, notável no Brasil, mascarava, em muitos<br />

momentos, as deficiências da referida legislação.<br />

Exemplo disso era a crescente inscrição de novos empresários<br />

individuais, o que também levaria à crença de que a norma em exame<br />

não levava à conduta contrabalanceadora.<br />

Assim, malgrado lamentável o atraso da legislação, nesse<br />

particular, por desincentivar uma parcela considerável dos<br />

empreendedores (notadamente aqueles que desejavam atuar<br />

individualmente, sem se associar a ninguém) a agir como empresários<br />

individuais, forçando-os, muitas vezes, a buscar vias alternativas de<br />

realizar sua atividade empresária, o fato é que o progresso econômico<br />

persistia, e mais e mais empresários individuais se inscreviam no Registro<br />

Público, fazendo parecer que a norma funcionava bem.<br />

Uma consulta ao site do Departamento Nacional de Registro e<br />

Comércio (DNRC) 112 evidencia que, de 1985 a 2005, no total, a firma<br />

individual foi o tipo jurídico mais utilizado (4.569.288), sendo seguido pela<br />

sociedade <strong>limitada</strong> (4.300.257).<br />

Argumentar-se-ia, nesse contexto, que, se a firma individual é o<br />

tipo mais utilizado, não haveria qualquer problema com a legislação, não<br />

havendo justificativa para a recente alteração procedida pela Lei nº<br />

12.441/11. Vale dizer, se, mesmo com a restrição em análise, o<br />

empresariado vinha optando pela atuação individual, não haveria<br />

necessidade de alteração da norma.<br />

O argumento parte, no entanto, de premissa equivocada, pois é<br />

incapaz de enxergar o outro lado da hipótese, isto é, um cenário até<br />

112 DEPARTAMENTO NACIONAL DE REGISTRO DE COMÉRCIO. Constituição de<br />

empresas por tipo jurídico - Brasil - 1985-2005. Disponível em:<br />

. Acesso em: 25 mar. 2011.


83 <br />

recentemente inexistente: quais seriam os números, caso se admitisse a<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> do empresário individual<br />

Aqui também, Peltzman é de grande auxílio:<br />

A análise econômica se inicia por colocar um contrafactual: como<br />

seria o mundo sem a regulação Então o analista compara o<br />

mundo real com o contrafactual. A regulação será considerada<br />

bem sucedida somente se os efeitos almejados forem atingidos em<br />

um grau maior do que aquele que se poderia, razoavelmente,<br />

esperar, de acordo com a referência contrafactual. 113<br />

A questão é abordada pelo economista norte-americano ao tratar<br />

da “prova de eficiência” exigida pela Food and Drug Administration 114 para<br />

autorizar a disponibilização de medicamentos no mercado norteamericano.<br />

Peltzman 115 comenta que a referida regulação somente sobrevive<br />

porque, de fato, salva algumas vidas, que seriam colocadas em risco caso<br />

os fármacos entrassem precocemente no mercado. Mas, mais que isso, a<br />

regulação sobrevive porque ninguém se questiona sobre quantas vidas<br />

são perdidas em razão da demora na autorização para venda. Isto é, se<br />

os processos fossem mais eficientes e céleres, muitas vidas poderiam ser<br />

preservadas com a rápida introdução do medicamento no mercado, mas o<br />

que fica visível para a sociedade é justamente o outro lado: a “prova de<br />

eficiência” evita mortes que poderiam ocorrer em razão da<br />

comercialização precipitada da medicação.<br />

113 “The economic analysis begins by posing a counterfactual: What would the world have<br />

been like without the regulation Then the analyst compares the actual world to the<br />

counterfactual. Regulation is deemed successful only if its intended effects are realized to<br />

a greater degree than could reasonably have been expected according to the<br />

counterfactual benchmark.” PELTZMAN, 2005, p. 13-14, tradução nossa.<br />

114 Agência norte-americano responsável pela proteção da saúde pública.<br />

115 PELTZMAN, op. cit.


84 <br />

Semelhante raciocínio pode ser aplicado aqui, em resposta ao<br />

questionamento acima colocado. O fato de haver um número considerável<br />

de inscrições de empresários individuais não significa que a vedação em<br />

análise não lhes afetava, ou que esta se justificasse jurídica ou<br />

economicamente.<br />

Com efeito, os empresários continuavam se inscrevendo para<br />

atuação individual, apesar da ineficiência e do desincentivo advindo da<br />

norma; mais do que isso, deve-se questionar se o número de empresários<br />

individuais não seria consideravelmente maior, caso já tivesse sido<br />

anteriormente afastada a proibição de atuação com <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>, cessando-se a constituição de sociedades <strong>limitada</strong>s de<br />

fachada 116 .<br />

O argumento aqui defendido ganha força, quando se observa que,<br />

a partir de 2000, o número de sociedades <strong>limitada</strong>s inscritas anualmente<br />

supera aquele referente ao empresário individual, o que poderia indicar<br />

um reconhecimento, por parte dos interessados em iniciar uma empresa,<br />

de que a opção pela limitação de <strong>responsabilidade</strong>, ainda que por meios<br />

oficiosos – isto é, pela simulação de sociedades quando há, em verdade,<br />

um único empresário – seria a melhor solução.<br />

Fato é que, se, juridicamente, já não se justificava a vedação em<br />

análise, também economicamente era indefensável sua manutenção no<br />

ordenamento jurídico, por incentivar a adoção de condutas<br />

contrabalanceadoras, que frustram por completo seu intento.<br />

Estabelecida a clara ineficiência da vedação outrora existente,<br />

passa–se a examinar a racionalidade econômica da aplicação da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao empresário individual.<br />

116 Nesse particular, em breve obter-se-á resposta a esse questionamento, porquanto,<br />

com a recente alteração legislativa, a tendência (a se confirmar a tese aqui esposada) é<br />

de um incremento considerável no número de empresários individuais de<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> em detrimento da sociedade <strong>limitada</strong>.


85 <br />

2.3 A RACIONALIDADE ECONÔMICA DA APLICAÇÃO DA LIMITAÇÃO DE<br />

RESPONSABILIDADE AO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL<br />

No capítulo anterior, cuidou-se de demonstrar a racionalidade<br />

econômica que sustenta a aplicação da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> às<br />

sociedades empresárias. Já no presente capítulo, evidenciou-se que a<br />

vedação à limitação de <strong>responsabilidade</strong> incentiva a adoção de condutas<br />

contrabalanceadoras por parte do empresário individual, de modo a<br />

frustrar por completo os objetivos da norma.<br />

O presente tópico, por sua vez, tem por fito demonstrar a<br />

racionalidade econômica da aplicação da limitação de <strong>responsabilidade</strong> ao<br />

empresário individual. Vale dizer, pretende-se, a partir do que já foi<br />

estudado, comprovar a adequação do instituto em comento ao<br />

empreendedor individual, sob o ponto de vista econômico.<br />

Conforme exposto alhures, a maior parte dos estudos acerca da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> tem por foco as sociedades empresárias; apenas<br />

mais recentemente os doutrinadores se debruçaram sobre a questão<br />

atinente ao empresário individual. Tal não é sem motivo, tendo em vista<br />

que, também conforme exaustivamente explorado, o instituto ganha força<br />

no âmbito da sociedade anônima, no contexto da larga captação de<br />

recursos para empreendimentos vultosos, apenas mais tarde sendo<br />

adotado para empreendimentos mais modestos.<br />

Os primeiros estudos focados no empresário individual adotaram a<br />

tese de que a limitação de <strong>responsabilidade</strong> teria pouca racionalidade<br />

econômica quando aplicada fora do âmbito das grandes companhias, seja<br />

para as pequenas sociedades, seja para o indivíduo empreendedor.


86 <br />

Não apenas isso, Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel 117<br />

apontam, a partir de uma análise da jurisprudência norte-americana, que<br />

a desconsideração da personalidade jurídica tende a ser aplicada somente<br />

para sociedades de capital fechado. Vale dizer, as sociedades de capital<br />

aberto, cuja estrutura é, via de regra, mais complexa, envolvendo maior<br />

pulverização de acionistas, não costumam ser atingidas por decisões<br />

judiciais levantando o véu corporativo 118 .<br />

De fato, a limitação de <strong>responsabilidade</strong>, quando aplicada a<br />

pequenas sociedades e ao empresário individual, teria, em princípio,<br />

menos racionalidade econômica, por diversas razões.<br />

Cabe observar, inicialmente, que, no tocante ao empresário<br />

individual e às companhias de capital fechado, os problemas advindos da<br />

relação de agência desaparecem, ou reduzem-se sensivelmente,<br />

minimizando também os custos de monitoramento. Isso porque não<br />

subsiste a divisão entre propriedade do capital e controle do<br />

empreendimento, divisão esta encontrada nas raízes da consolidação do<br />

instituto da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>.<br />

Com efeito, a concentração de propriedade e controle faria<br />

desaparecer, em princípio, diversas das razões apontadas no capítulo<br />

anterior como justificadoras da limitação em comento. Como pontuam<br />

Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel:<br />

A distinção entre sociedades de capital fechado e aberto é<br />

suportada pela lógica econômica. Em corporações fechadas, há<br />

muito menos separação entre gerenciamento e assunção de risco.<br />

Isso traz profundas implicações no papel da <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>. Porque aqueles que fornecem o capital em corporações<br />

117 EASTERBROOK, Frank H.; FISCHEL, Daniel R. Limited liability and the corporation.<br />

The University of Chicago Law Review, Chicago, v. 52, n. 1, Winter 1985, p. 89-117.<br />

p. 109.<br />

118 Frise-se que, no tocante ao Brasil, é temerário dizer, sem maiores estudos, que o<br />

padrão se repete, tendo em vista o grande número de decisões desconsiderando a<br />

personalidade jurídica, mesmo quando ausentes os pressupostos para tanto.


87 <br />

fechadas estão tipicamente também envolvidos no processo<br />

decisório, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> não reduz os custos de<br />

monitoramento. Outros benefícios da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> em<br />

corporações públicas – alocação eficiente de riscos e<br />

monitoramento pelo mercado de capitais – estão também<br />

ausentes nas corporações fechadas. Porque aqueles que<br />

contribuem com o capital normalmente gerenciam, a diversificação<br />

é muito menos importante em corporações fechadas. De modo<br />

similar, estas restringem a transferência de ações para se<br />

assegurar de que aqueles que investem estarão de acordo com os<br />

atuais tomadores de decisão. Ofertas de tomada de controle são<br />

impossíveis; elas não são necessárias, ante a falta de separação<br />

entre as funções de administração e assunção de riscos.<br />

Ademais, o incentivo criado pela <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> para<br />

que administradores intentem projetos excessivamente arriscados<br />

é muito mais severo em corporações fechadas. Qualquer que seja<br />

a regra de <strong>responsabilidade</strong>, gerentes de companhias abertas não<br />

carregam todos os riscos de suas atitudes. (...) Isso não é<br />

necessariamente verdade em companhias fechadas. Sob o regime<br />

da <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>, investidores-administradores<br />

carregam todos os riscos de suas atitudes. Sob a regra da<br />

<strong>responsabilidade</strong> absolutamente <strong>limitada</strong>, em contraste,<br />

investidores-administradores podem limitar seu risco ao montante<br />

de capital na tesouraria da corporação e transferir mais risco a<br />

terceiros. 119<br />

Nesse contexto, diversos autores afirmaram que, fora do âmbito<br />

das companhias abertas, não haveria razão para a existência da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> 120 .<br />

119 “The distinction between close and public corporations is supported by economic logic.<br />

In close corporations, there is much less separation between management and risk<br />

bearing. This has profound implications for the role of limited liability. Because those who<br />

supply capital in close corporations typically are also involved in decisionmaking, limited<br />

liability does not reduce monitoring costs. Other benefits of limited liability in public<br />

corporations - facilitating efficient risk bearing and monitoring by the capital market -<br />

also are absent for close corporations. Because those who contribute capital often<br />

manage, diversification is much less important in close corporations. Similarly, close<br />

corporations restrict the transfer of their shares to ensure that those who invest will be<br />

compatible with existing decisionmakers. Takeover bids are impossible; they are not<br />

needed because of the lack of separation of the management and risk-bearing functions.<br />

Moreover, the incentive created by limited liability for managers to undertake overly<br />

risky projects is much more severe in close corporations. Whatever the liability rule,<br />

managers of publicly held corporations do not bear all of the costs of their actions. (…)<br />

This is not necessarily true in close corporations. Under a rule of unlimited liability,<br />

investor-managers bear all of the costs of their actions. Under a rule of absolutely limited<br />

liability, by contrast, investor-managers can limit their risk to the amount of capital in<br />

the corporate treasury and transfer more of the risk to third parties.” EASTERBROOK;<br />

FISCHEL, 1985, p. 109-110, tradução nossa.<br />

120 Paul Halpern, Michael Trebilcock e Stuart Turnbull, por exemplo, afirmam que o<br />

regime de <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong> seria o mais eficiente no caso de companhias


88 <br />

Não nos parece, contudo, ser essa a solução mais adequada, pois<br />

há diversos benefícios advindos da limitação de <strong>responsabilidade</strong> que<br />

justificam plenamente sua utilização em casos tais. Não por outro motivo,<br />

David W. Leebron 121 é categórico ao afirmar que a importância do<br />

instituto para as pequenas corporações (aí incluídas aquelas mantidas por<br />

empresários individuais 122 ) foi subestimada, ante a constatação de que<br />

alguns dos argumentos em seu favor ganham ainda mais força para este<br />

tipo de companhia, em cotejo com aquelas de capital aberto.<br />

pequenas, geridas pelos próprios donos das ações (HALPERN, Paul; TREBILCOCK,<br />

Michael; TURNBULL, Stuart. An economic analysis of limited liability in coporation law.<br />

The University of Toronto Law Journal, Toronto, v. 30, n. 2, Spring 1980, p. 117-<br />

150.1980, p. 148); no mesmo sentido, Easterbrook e Fischel (1985), conforme evidencia<br />

o trecho supracitado.<br />

121 LEEBRON, David W. Limited liability, tort victims, and creditors. Columbia Law<br />

Review, Nova York, v. 91, n. 7, Nov. 1991, p. 1565-1650. p. 1649-1650.<br />

122 E aqui cabe um importante adendo, a respeito da one-man corporation (objeto do<br />

estudo de Leebron), e que é bastante ilustrativo das diferenças entre a cultura da<br />

common law, mais fluída e aberta a inovações, e a cultura do direito codificado, mais<br />

resistente a mudanças. A one-man corporation nada mais é, no âmbito do direito norteamericano,<br />

do que o recurso, pelo empresário individual, ao formato corporativo, com o<br />

intuito de se obter a limitação de <strong>responsabilidade</strong>. Vale dizer, da mesma forma que, no<br />

Brasil, as sociedades <strong>limitada</strong>s foram utilizadas pelos empreendedores individuais para se<br />

obter a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, os EUA viram eclodir, na virada do Século XIX para o<br />

Século XX, as one-man corporations. Nestas, um empresário recorria ao formato<br />

corporativo, destinando umas poucas ações a parentes ou amigos, com o único fito de<br />

obter a limitação de <strong>responsabilidade</strong>. A grande diferença é que a one-man corporation<br />

foi plenamente aceita pela jurisprudência norte-americana, malgrado a inexistência de<br />

previsão nos Estatutos das Corporações. Assim, o reconhecimento, em processos<br />

judiciais, da one-man corporation não levava à desconsideração da personalidade<br />

jurídica, pois passou-se a reconhecer o direito do empresário individual de se valer da<br />

forma corporativa. Para maiores detalhes, vale a leitura do artigo de Warner Fuller,<br />

intitulado The incorporated individual: a study of the one-man company. O autor assim<br />

resume a questão: “A <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> não será negada ao único acionista<br />

simplesmente em razão de sua propriedade exclusiva sobre as ações da companhia ou<br />

porque ele se utilizou de diretores postiços para simular observância aos estatutos. E a<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> deverá ser alcançada apesar do fato de a corporação ter sido<br />

formada com o propósito expresso de obtê-la” (“Limited liability will not be denied to the<br />

sole shareholder merely because of his exclusive ownership of the shares of his company<br />

or because he has used dummy directors to simulate compliance with the controlling<br />

statutes. And limited liability may be achieved despite the fact that the corporation was<br />

formed for the express purpose of obtaining it.”) (FULLER, Warner. The incorporated<br />

individual: a study of the one-man company. Harvard Law Review, Cambridge, v. 51,<br />

n. 8, Jun. 1938, p. 1373-1406. p. 1377-1378). Assim, só se aplicava a desconsideração<br />

da personalidade jurídica quando presente o propósito de ludibriar credores, ou no caso<br />

de subcapitalização, ou quando o empresário geria de maneira indistinta sua vida pessoal<br />

e a empresarial, confundindo os patrimônios que deveriam ser distintos.


89 <br />

A linha de argumentação de David W. Leebron está assentada em<br />

duas das vantagens da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, já discutidas no capítulo<br />

anterior, a saber: a diversificação de investimentos e a alocação mais<br />

eficiente de riscos.<br />

Conforme explica o doutrinador norte-americano, a base da<br />

limitação de <strong>responsabilidade</strong> não está propriamente na separação entre<br />

propriedade e controle (apesar de ter ganhado evidência quando esta<br />

ocorreu), mas sim na proteção à propriedade. Mais do que isso, tal<br />

proteção não se baseia no montante investido na companhia, alcançando,<br />

ao contrário, todos os proprietários de ações, quaisquer que sejam os<br />

valores investidos.<br />

Assim, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> teria plena justificativa jurídica<br />

também para os acionistas de companhias de capital fechado e para os<br />

empresários individuais, resguardando-se a integridade do patrimônio<br />

pessoal.<br />

Isso posto, o impacto positivo da limitação de <strong>responsabilidade</strong> dos<br />

empresários individuais, do ponto de vista econômico, é analisado a<br />

seguir, a partir do que foi visto no Capítulo 1.<br />

2.3.1 Diversificação e empreendedorismo<br />

Conforme exposto anteriormente, a limitação de <strong>responsabilidade</strong><br />

permite a diversificação dos investimentos, assegurando a reunião do<br />

capital necessário à formação da companhia. No caso do empresário<br />

individual, a prevalência da <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong> é ainda mais<br />

danosa, impedindo por completo a diversificação, levando, em última<br />

análise, ao desinvestimento.


90 <br />

Com efeito, para o empresário individual, a possibilidade de ver<br />

todo o seu patrimônio atingido em razão do insucesso de seu<br />

empreendimento é um fator considerável de desincentivo a empreender.<br />

Para ele, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> garante a possibilidade de investir<br />

parte (ainda que significativa) de seu patrimônio no empreendimento, e<br />

de, lado outro, se resguardar, pulverizando o restante de seu patrimônio<br />

em investimentos diversificados, criando um colchão que garanta sua<br />

subsistência num eventual fracasso do empreendimento.<br />

Vale dizer, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> permite ao empresário<br />

individual empreender com alguma segurança, ante a certeza de que seu<br />

patrimônio não está completamente comprometido na empreitada. Na<br />

ausência de tal segurança, isto é, num universo de <strong>responsabilidade</strong><br />

i<strong>limitada</strong>, o elevado risco advindo da impossibilidade de efetiva<br />

diversificação levaria ao desinvestimento, pois o empresário individual<br />

evitaria comprometer todo o seu patrimônio em um único negócio.<br />

Nesse contexto, percebe-se que a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> é vital<br />

para o empreendedorismo, de maneira especialmente acentuada no caso<br />

do empresário individual, por lhe fornecer garantias e estabilidade<br />

suficiente para comprometer parte considerável (mas não a totalidade) de<br />

seu patrimônio na empreitada escolhida.<br />

Ressalte-se que, no caso do empresário individual, dificilmente<br />

haverá uma diversificação em nível ideal, porquanto, como consequência<br />

da escolha de empreender isoladamente, parte considerável de seu<br />

patrimônio será investido na empreitada 123 . Nada obstante, ou talvez por<br />

isso mesmo, a segurança advinda da possibilidade de diversificação do<br />

restante do patrimônio, proporcionada pela <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, é<br />

essencial para criar o incentivo à empreitada.<br />

123 Situação diversa, portanto, daquela vivida pelos investidores em grandes companhias,<br />

quando a diversificação pode ocorrer em nível ótimo, tendo em vista as pequenas<br />

quantias investidas em cada sociedade.


91 <br />

O argumento é assim resumido por David W. Leebron, ao comentar<br />

a hipótese de pequenas companhias fechadas, sendo idêntico o raciocínio<br />

quanto aos empresários individuais:<br />

(...) eliminar o potencial de diversificação para todos os<br />

investidores diretos iria cercear seriamente o mercado<br />

empresarial. Malgrado tais investidores raramente estejam<br />

“otimamente” diversificados, sua habilidade de diversificar<br />

parcialmente deve figurar significativamente em sua disposição de<br />

investir ativos substanciais em um único negócio. 124<br />

2.3.2 Alocação eficiente de riscos<br />

Conforme vislumbrado no Capítulo 1, a questão acerca da alocação<br />

de riscos é bastante significativa no cenário da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>,<br />

podendo ser assim sintetizada: o referido instituto permite a alocação<br />

eficiente de riscos, ao compartilhá-los entre acionistas e credores<br />

voluntários.<br />

Ora, no caso dos empresários individuais, a necessidade da<br />

limitação de <strong>responsabilidade</strong> é, sob esse ponto de vista, ainda mais<br />

gritante. Se, no caso das grandes corporações, em que vários são os<br />

acionistas, já se defende a racionalidade econômica do compartilhamento<br />

de riscos entre eles e os credores da companhia, com muito mais razão se<br />

impõe tal racionalidade quando se fala do empresário individual.<br />

Isso porque, conforme a própria nomenclatura indica, este age<br />

individualmente, não tendo um pool de acionistas com quem compartilhar<br />

os riscos do eventual fracasso da empreitada. Pode-se afirmar, portanto,<br />

124 “(...) eliminating the potential for diversification for all direct investors would seriously<br />

curtail the entrepreneurial market. While such investors will still rarely be ‘optimally’<br />

diversified, their ability to partially diversify may figure significantly in their willingness to<br />

invest substantial assets in a single business.” LEEBRON, 1991, p. 1628.


92 <br />

que o empresário individual é um portador de riscos assaz ineficiente, ou<br />

seja, a alocação da totalidade dos riscos sobre ele, como ocorre sob o<br />

regime da <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong>, é socialmente ineficiente, o que<br />

levará, uma vez mais, ao desinvestimento.<br />

Com efeito, a aversão ao risco de pessoas agindo individualmente é<br />

naturalmente maior do que quando amparadas por um grupo de pessoas.<br />

Destarte, o empresário individual, diante da possibilidade de arcar sozinho<br />

com todos os riscos do empreendimento, provavelmente optará por não<br />

concretizá-lo (ou, como se vê no Brasil, com as sociedades <strong>limitada</strong>s de<br />

fachada, e nos EUA, com as one-man corporations, utilizar-se-á de<br />

subterfúgios para obter a limitação de <strong>responsabilidade</strong>).<br />

Assim, repita-se, a racionalidade da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, no<br />

tocante à alocação de riscos, é ainda mais evidente quando se pensa no<br />

empresário individual do que no contexto das companhias de capital<br />

aberto.<br />

Isso posto, permite-se, aqui, ir além, para analisar a questão da<br />

alocação de riscos no que toca aos credores involuntários. No Capítulo 1,<br />

foi dito que, em determinadas situações, os credores involuntários<br />

(vítimas de dano) seriam melhores portadores de risco do que as<br />

companhias. A afirmação pode ser expandida no caso do empresário<br />

individual, conforme elucida, com precisão, David W. Leebron, a quem se<br />

recorre, uma vez mais:<br />

Isso leva a uma investigação mais profunda acerca das habilidades<br />

comparativas de vítimas de dano e acionistas de companhias<br />

fechadas como portadores de risco. No caso de companhias<br />

abertas, o grande número de acionistas permite que as perdas, e<br />

portanto o risco, sejam pulverizados entre vários indivíduos.<br />

Assim, acionistas são melhores portadores de risco do que as<br />

vítimas de dano quando as lesões individuais são muito sérias, e<br />

provavelmente ao menos tão bons portadores de risco, quando as<br />

lesões não são sérias.


93 <br />

Esse não será o caso em companhias fechadas ou corporações de<br />

um indivíduo. Particularmente quando os danos potencialmente<br />

ruinosos [para a firma] consistirem de pequenas mas numerosas<br />

lesões, a <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong> resultará em desinvestimento.<br />

A aversão ao risco das vítimas de tais lesões será pequena. A<br />

<strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong> concentrará essas lesões num pequeno<br />

número de acionistas. (...) Essa alocação de riscos será<br />

socialmente ineficiente, porquanto a aversão ao risco das vítimas<br />

de dano é menor.<br />

Em certa medida, isso talvez sugira que atividades muito<br />

arriscadas deveriam ser assumidas apenas por companhias<br />

abertas. Mas pequenas companhias fechadas desfrutam de<br />

diversas eficiências, e costumam ser o formato ótimo de<br />

organização para negócios inovadores. Embora a <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> de acionistas de companhias fechadas talvez encoraje um<br />

montante de risco indevido, a <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong><br />

provavelmente resultaria em aversão excessiva ao risco pelos<br />

empreendedores, particularmente dada a inabilidade de tais<br />

investidores em diversificar. 125<br />

O trecho supracitado é bastante elucidativo acerca da racionalidade<br />

da aplicação da limitação de <strong>responsabilidade</strong> ao empresário individual.<br />

Referida racionalidade pode ser resumida na seguinte afirmação: a<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> favorece o empreendedorismo, possibilitando a<br />

constante entrada de novos atores no mercado e o surgimento de novos<br />

produtos e tecnologias.<br />

125 “It leads to a further inquiry into the comparative risk bearing abilities of tort victims<br />

and shareholders of closely held corporations. In the case of publicly held corporations,<br />

the large number of shareholders allows the loss, and hence the risk, to be spread<br />

among many individuals. Thus, shareholders are probably better risk bearers than tort<br />

victims when the individual injuries are very serious, and probably at least as good risk<br />

bearers when the injuries are not.<br />

This will not be the case with closely held or one-person corporations. Particularly where<br />

the potentially bankrupting tort consists of numerous small injuries, placing unlimited<br />

liability on the close corporation shareholder is likely to result in underinvestment. The<br />

risk aversion of the tort victims to such injuries will be small. Unlimited tort liability will<br />

concentrate these injuries on a small number of shareholders. (…) This allocation of risk<br />

will be socially inefficient, since the risk aversion of the victims to the damage caused is<br />

smaller.<br />

To some extent, this may suggest that very risky activities should only be undertaken by<br />

publicly held corporations. But small closely held corporations enjoy many efficiencies,<br />

and may be the optimal form of organization for innovative businesses. While limited<br />

liability of close corporation shareholders may encourage a certain amount of undue risk,<br />

unlimited liability would probably result in excessive risk aversion by entrepreneurs,<br />

particularly given the inability of such investors to diversify.” (LEEBRON, 1991, p. 1630.)


94 <br />

Finalmente, David W. Leebron 126 refuta a tese de que a<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> incentiva a adoção de condutas temerárias por<br />

parte dos empreendedores individuais.<br />

Conforme visto no Capítulo 1, quando falou-se sobre o risco moral,<br />

uma das críticas à limitação em comento está no possível incentivo a<br />

condutas imprudentes por parte dos administradores da companhia.<br />

Leebron 127 considera esse risco moral bastante mitigado no caso do<br />

empresário individual, ao argumento de que a assunção de<br />

comportamentos descuidados atrairia a <strong>responsabilidade</strong> pessoal, por<br />

negligência, do administrador, que, no caso, é o próprio empreendedor<br />

individual. Assim, de um modo ou de outro, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong><br />

seria superada.<br />

Vale dizer, de acordo com essa tese, malgrado o proprietário esteja<br />

resguardado pela <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, o risco moral não se<br />

concretizará porque o administrador (que, aqui, é a mesma pessoa) será<br />

precavido, ante o risco de ser pessoalmente responsabilizado pelos danos<br />

advindos de negligência. Ou seja, a concessão de <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> ao empresário individual não atrairá, segundo Leebron 128 , o risco<br />

moral 129 .<br />

A argumentação carece de maiores demonstrações, não sendo de<br />

fácil adesão. Nada obstante, conforme já explanado alhures, o risco moral<br />

não é razão suficiente para afastar a aplicação da <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>, seja porque ele pode ser mitigado, seja por não estar presente<br />

somente nas sociedades de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>.<br />

Com essas ponderações, resta claro que também o empresário<br />

individual faz jus à possibilidade de se ver protegido pela <strong>responsabilidade</strong><br />

126 LEEBRON, 1991.<br />

127 Ibid.<br />

128 Ibid.<br />

129 Ademais, conforme comentado anteriormente, a <strong>responsabilidade</strong> i<strong>limitada</strong> ensejaria<br />

aumento do risco moral “inverso”, devido à conduta displicente da contraparte no<br />

contrato, já que o patrimônio pessoal do empresário também poderia ser atingido.


95 <br />

<strong>limitada</strong>, havendo plena racionalidade econômica na aplicação do instituto<br />

em seu benefício. Vale retomar a afirmação de Joseph A. Grundfest 130 , no<br />

sentido de que, malgrado imperfeita, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> é<br />

superior a qualquer uma das alternativas já propostas, não havendo<br />

ensejo para sua supressão, devendo, ao contrário, ser estendida também<br />

ao empresário individual.<br />

130 GRUNDFEST, Joseph A. The limited future of unlimited liability: a capital markets<br />

perspective. The Yale Law Journal, New Haven, v. 102, n. 2, Nov. 1992, p. 387-425.


96 <br />

3 A EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA:<br />

ANÁLISE DA LEI Nº 12.441/2011<br />

Estabelecidos, nos capítulos precedentes, os benefícios trazidos<br />

pela <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, assim como a pertinência da aplicação do<br />

instituto ao empresário individual, passa-se, neste capítulo derradeiro, à<br />

análise da atribuição de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao empreendedor<br />

individual, na forma efetuada pela legislação brasileira.<br />

Com efeito, e conforme enunciado anteriormente, a possibilidade<br />

de atribuição de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao empresário individual foi<br />

recentemente admitida pela legislação pátria, sob o formato da empresa<br />

individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> (EIRELI), com a inclusão, pela Lei<br />

nº 12.441/2011, do artigo 980-A ao Código Civil.<br />

Como se pode imaginar, o avanço é fruto de muitos anos de<br />

disputas. Assim, antes de se adentrar na análise das alterações trazidas<br />

pela lei suprarreferida, proceder-se-á a uma breve recapitulação dos fatos<br />

que levaram a ela, com especial ênfase no clamor doutrinário recente pela<br />

limitação de <strong>responsabilidade</strong> do empresário individual.<br />

3.1 ANTECEDENTES<br />

Os primeiros esforços legislativos no sentido da limitação de<br />

<strong>responsabilidade</strong> do empresário individual, no Brasil, datam da década de<br />

1940. O primeiro projeto de lei nesse sentido, de iniciativa do Deputado<br />

Freitas e Castro, chegou à Câmara dos Deputados em 1947, não tendo,


97 <br />

contudo, obtido sucesso 131 . Assim, somente com o advento do novo<br />

Código Civil, em 2002, e a partir das alterações por ele promovidas, a<br />

atribuição de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> passou a ser encarada como uma<br />

possibilidade real no país.<br />

Vale dizer, o Código Civil de 2002, malgrado tenha empreendido a<br />

uma notável inovação no campo do direito empresarial, com a<br />

consagração da teoria da empresa – superando a teoria dos atos de<br />

comércio –, adotou postura acanhada, ao não estender ao empresário<br />

individual a possibilidade de atuar sob o suporte da <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>.<br />

A distinção de tratamento, no tocante à <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>,<br />

entre o empresário individual e a sociedade empresária não poderia<br />

persistir, ante a ausência de amparo jurídico e econômico.<br />

É que não se vislumbrava, do ponto de vista jurídico, óbice a que<br />

também o empresário individual pudesse atuar com <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong>. Com efeito, o escopo da atividade empresária é o mesmo, seja<br />

exercido por uma só pessoa, individualmente, seja pela sociedade de<br />

pessoas. Não há, portanto, impedimento ontológico à atribuição de<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao empresário individual, no exercício de sua<br />

atividade. Ademais, conforme visto no Capítulo 2, também sob o ponto de<br />

vista estritamente econômico, não se justificava a distinção até então<br />

existente.<br />

Por outro lado, uma forte resistência à extensão da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao empresário individual estaria na possibilidade<br />

de confusão patrimonial. Diz-se, nesse particular, que o instituto facilitaria<br />

a fraude, pois ao empreendedor individual seria dado aproveitar-se da<br />

131 FRANCO, Ângela Barbosa. O empresário individual de <strong>responsabilidade</strong><br />

i<strong>limitada</strong>: uma análise jurídica e econômica. Dissertação de Mestrado. Faculdade de<br />

Direito <strong>Milton</strong> <strong>Campos</strong>, Nova Lima, 2009, p. 115.


98 <br />

aparente separação do patrimônio pessoal e profissional para prejudicar<br />

eventuais credores.<br />

A resistência, contudo, não se justifica, pois, como bem lembra<br />

Ângela Barbosa Franco, “o receio da confusão patrimonial, como<br />

instrumento ensejador de condutas fraudulentas, é problema que também<br />

pode ser vivenciado em qualquer instituto jurídico societário” 132 . Vale<br />

dizer, a forma societária, qualquer que seja ela, está sujeita a fraude, por<br />

meio de confusão patrimonial. Não por outro motivo, a desconsideração<br />

da personalidade jurídica socorre os credores, quando constatada a<br />

utilização da sociedade empresária para fins fraudulentos.<br />

Aliás, como afirmou Richard Posner, “a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong><br />

pode ser objeto de abuso, mas a lei deve focar nos abusos e preservar o<br />

princípio” 133 . Assim, o risco de fraude não deve nunca servir de óbice à<br />

instituição da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, cabendo à legislação e,<br />

posteriormente, ao Judiciário, coibir os eventuais abusos.<br />

Ademais, conforme exaustivamente demonstrado nos capítulos<br />

anteriores, a eficiência econômica do instituto da <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> é patente, alcançando também o empresário individual. Não<br />

apenas isso, o tratamento desigual entre empresários individuais e<br />

sociedades empresárias leva a diversas distorções no mercado, tais como<br />

a restrição à concorrência e o incentivo à adoção de sociedades <strong>limitada</strong>s<br />

de fachada, fato também já evidenciado alhures.<br />

Diante disso, vários foram os doutrinadores que começaram a<br />

defender a possibilidade de atribuição de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao<br />

empresário individual, ora sob a nomenclatura de sociedade unipessoal,<br />

ora sob a alcunha de empresário individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>.<br />

132 FRANCO, 2009, p. 113.<br />

133 “Limited liability can be abused but the law should focus on the abuses and preserve<br />

the principle.” POSNER, Richard A. The rights of creditors of affiliated corporations. The<br />

University of Chicago Law Review, Chicago, v. 43, n. 3, Spring 1976, p. 499-526. p.<br />

519, tradução nossa.


99 <br />

Romano Cristiano, antes mesmo do advento do novo Código Civil,<br />

já empreendera uma significativa defesa dessa tese. Confira-se:<br />

Hoje, no âmbito das sociedades comerciais, mesmo para<br />

empreendimentos pequenos, só não tem <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong><br />

quem não quer. O mesmo não podemos afirmar do comerciante<br />

individual, o qual ainda responde com seu patrimônio inteiro pelas<br />

obrigações comerciais assumidas, com consequências que podem<br />

ser trágicas, uma vez que o mau êxito dos negócios pode<br />

acarretar a sua ruína completa.<br />

É justo tudo isso Parece-nos que não. Afinal, não vemos<br />

substancial diferença entre alguém que exerça o comércio como<br />

comerciante individual e outro que o faça, por exemplo, como<br />

sócio controlador, e gerente único de sociedade por quotas de<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>. Aliás, são muitos os casos em que o<br />

comerciante individual tenta limitar sua <strong>responsabilidade</strong> criando<br />

situações jurídicas que, perfeitamente legais quanto à forma, não<br />

passam no fundo de estratagemas para burlar a lei (sociedades de<br />

fachada). 134<br />

Destaca-se, outrossim, a doutrina de Rachel Sztajn, evidenciando o<br />

desacerto da vedação em comento, procedendo, ainda, a uma pertinente<br />

incursão no direito comparado:<br />

A exigência de pluralidade de pessoas, duas ou mais, na formação<br />

do contrato, constante deste artigo, afasta a legislação brasileira<br />

da mais recente orientação nos ordenamentos da Europa<br />

continental, de admitir-se a organização de “sociedades<br />

unipessoais”. (...)<br />

Poder-se-á considerar que imaginar uma sociedade unipessoal<br />

implica uma contradição em termos, sobretudo quando se analisa<br />

o texto do art. 981 do Código Civil, em que é patente que<br />

unipessoalidade e sociedade não têm afinidade. E o argumento é<br />

intransponível, falta-lhe qualquer suporte de lógica formal.<br />

Seguindo a tradição dos direitos da Europa continental, o<br />

legislador brasileiro trata a sociedade como contrato. Porém, a<br />

importância do reconhecimento das “sociedades unipessoais” fez<br />

com que, na Alemanha, França, Itália, Espanha e Portugal, para<br />

citar alguns poucos países cujo sistema jurídico tem a mesma base<br />

que o brasileiro, se procedesse à alteração das respectivas normas<br />

134 CRISTIANO, Romano. Personificação da empresa. São Paulo: Ed. Revista dos<br />

Tribunais, 1982, p. 174.


100 <br />

relativas ao contrato de sociedade, para permitir a criação das<br />

unipessoais; há restrições, claro, porque naqueles sistemas apenas<br />

as <strong>limitada</strong>s e as anônimas são tipos de sociedade com<br />

personificação perfeita. Por isso a restrição, uma vez que o<br />

mecanismo da unipessoalidade produz expressa separação<br />

patrimonial e isso facilita que uma pessoa tenha mais de um<br />

centro de imputação de direitos e obrigações. Sociedades<br />

unipessoais nada mais são do que o recurso à forma societária<br />

sem o substrato contratual e, embora pareçam inovações recentes<br />

do direito continental europeu, eram conhecidas nos EUA, desde o<br />

final do século XIX, porém adotando forma anônima, única forma<br />

de sociedade que naquele país adquire personalidade jurídica. 135<br />

Diante disso, diversos novos projetos de lei chegaram ao<br />

Congresso Nacional, a partir de 2003 136 , culminando na aprovação, em<br />

2011, da Lei nº 12.441, a qual, segundo sua ementa, “altera a Lei nº<br />

10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para permitir a<br />

constituição de empresa individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>” 137 .<br />

3.2 ASPECTOS GERAIS DA NORMA E DAS ALTERAÇÕES EMPREENDIDAS<br />

Tendo em vista a brevidade do texto da Lei nº 12.441, se<br />

apresenta oportuna sua citação, na íntegra, para que, a partir daí,<br />

proceda-se à sua análise:<br />

Art. 1º Esta Lei acrescenta inciso VI ao art. 44, acrescenta art.<br />

980-A ao Livro II da Parte Especial e altera o parágrafo único do<br />

art. 1.033, todos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002<br />

(Código Civil), de modo a instituir a empresa individual de<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, nas condições que especifica.<br />

135 FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da; SZTAJN, Rachel. Código civil comentado<br />

volume XI: direito de empresa. São Paulo: Atlas, 2008, p. 131-136.<br />

136 Para uma análise pormenorizada de tais projetos, ver Franco (2009, p. 115 e ss.).<br />

137<br />

BRASIL. Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011. Disponível em:<br />

. Acesso<br />

em: 9 mar. 2012.


101 <br />

Art. 2º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil),<br />

passa a vigorar com as seguintes alterações:<br />

"Art. 44. (...)<br />

VI - as empresas individuais de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>.<br />

(...)<br />

"LIVRO II<br />

(...)<br />

TÍTULO I-A<br />

DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA<br />

Art. 980-A. A empresa individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> será<br />

constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital<br />

social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100<br />

(cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.<br />

§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da<br />

expressão "EIRELI" após a firma ou a denominação social da<br />

empresa individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>.<br />

§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> somente poderá figurar em uma única<br />

empresa dessa modalidade.<br />

§ 3º A empresa individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> também<br />

poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade<br />

societária num único sócio, independentemente das razões que<br />

motivaram tal concentração.<br />

§ 4º ( VETADO).<br />

§ 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> constituída para a prestação de serviços de qualquer<br />

natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos<br />

patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que<br />

seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade<br />

profissional.<br />

§ 6º Aplicam-se à empresa individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>,<br />

no que couber, as regras previstas para as sociedades <strong>limitada</strong>s.<br />

(...)<br />

"Art. 1.033. (...)<br />

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV caso o sócio<br />

remanescente, inclusive na hipótese de concentração de todas as<br />

cotas da sociedade sob sua titularidade, requeira, no Registro<br />

Público de Empresas Mercantis, a transformação do registro da


102 <br />

sociedade para empresário individual ou para empresa individual<br />

de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, observado, no que couber, o<br />

disposto nos arts. 1.113 a 1.115 deste Código."<br />

Art. 3º Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a<br />

data de sua publicação. 138<br />

Não serão analisados todos os aspectos da nova norma, atendo-se<br />

àqueles que nos parecem mais significativos, a partir das questões já<br />

suscitadas no presente estudo. Dedicar-se-á, por fim, especial atenção às<br />

questões relativas à exigência de capital social mínimo, à subcapitalização<br />

e à desconsideração da personalidade jurídica, em tópico à parte, tendo<br />

em vista sua estreita conexão com diversos dos pontos aqui abordados.<br />

3.2.1 A opção terminológica<br />

A primeira questão que salta aos olhos é a opção terminológica<br />

adotada pelos legisladores, consagrando a empresa individual de<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>. A atecnia é evidente, pois empresa não é<br />

pessoa.<br />

Com efeito, o primeiro dispositivo do Código Civil alterado pela Lei<br />

nº 12.441, a saber, o artigo 44, passa a enunciar, em seu inciso VI, que<br />

“são consideradas pessoas jurídicas de direito privado (...) as empresas<br />

individuais de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>”.<br />

Ocorre que, conforme cediço, a empresa não é sujeito de direito,<br />

não sendo, portanto, pessoa jurídica. Empresa é, isso sim, atividade,<br />

sendo o empresário individual ou a sociedade empresária os verdadeiros<br />

sujeitos de direito.<br />

138 BRASIL. Lei nº 12.441..., 2011.


103 <br />

A distinção, malgrado evidente, merece ser repisada. Não se pode<br />

confundir empresário, empresa e estabelecimento, sendo diversos os três<br />

institutos 139 .<br />

O artigo 966, do Código Civil, é, nesse particular, feliz, ao ressaltar<br />

que é empresário aquele que “exerce profissionalmente atividade<br />

econômica (...)” 140 , evidenciando tratar-se de pessoa. Na mesma toada, o<br />

artigo 982 considera “empresária a sociedade que tem por objeto o<br />

exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro” 141 . Aqui<br />

também fica claro que empresária é a sociedade. Assim, o termo<br />

empresário se refere à pessoa, física ou jurídica, ou seja, ao sujeito de<br />

direito.<br />

Por sua vez, empresa, conquanto carente de definição no Código<br />

Civil, é a expressão que designa a atividade, o objeto de direito. Referese,<br />

portanto, ao empreendimento a ser conduzido pelo empresário<br />

individual ou pela sociedade empresária. Não se trata, a toda evidência,<br />

de sujeito de direito, não podendo ser considerada pessoa jurídica.<br />

Finalmente, estabelecimento, conforme enunciado pelo artigo<br />

1.142, do Código Civil, é o “complexo de bens organizado, para exercício<br />

da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária” 142 . Frise-se<br />

que a redação desse dispositivo é esclarecedora, ao afirmar que o<br />

estabelecimento é o conjunto de bens, utilizado na empresa (atividade),<br />

pelo empresário individual ou sociedade empresária (sujeito de direito).<br />

Desse modo, atribuir personalidade jurídica à empresa individual é<br />

uma imprecisão evidente.<br />

139 Sem se olvidar, nesse particular, da teoria de Alberto Asquini (in Perfis da empresa.<br />

Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, v. 35,<br />

n. 104, 1996, p. 109-126). Segundo o jurista italiano, a esses três institutos<br />

correspondem diferentes perfis da empresa.<br />

140 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Disponível em:<br />

. Acesso em: 9 mar.<br />

2012.<br />

141 Ibid.<br />

142 Ibid.


104 <br />

Isso posto, o equívoco cometido pela legislação se revela do<br />

próprio cotejamento dos diversos incisos do artigo 44: são pessoas<br />

jurídicas de direito privado as associações (inciso I), as sociedades (inciso<br />

II), as fundações (inciso III), etc.. Evidentemente, a se manter a<br />

coerência lógica, a empresa individual jamais poderia ser considerada<br />

pessoa jurídica.<br />

Os erros, contudo, não param aí. O empresário individual é, como<br />

visto anteriormente, pessoa física, daí porque sua personalidade jurídica é<br />

adquirida com seu nascimento, nos termos do artigo 2º, do Código<br />

Civil 143 .<br />

Com efeito, a personalidade jurídica é atribuída àqueles que,<br />

dentro do gênero sujeitos de direito, são considerados pessoas, quer<br />

físicas, quer jurídicas. Vale dizer, pessoa é espécie do gênero sujeito de<br />

direito. Este designa todos os centros subjetivos de referência de direitos<br />

ou deveres. Assim, todo ente que a ordem jurídica reputa apto a ser<br />

titular de direito ou devedor de prestação é sujeito de direito.<br />

Nesse ponto, é necessário observar que, ao se tornar empresária, a<br />

pessoa física não adquire nova personalidade, pois atua em nome próprio.<br />

Vale ressaltar, portanto, que as obrigações arroladas nos artigos<br />

967 e 968, do Código Civil (dentre as quais se destaca a necessidade de<br />

adoção de firma, com a respectiva assinatura), não fazem surgir nova<br />

personalidade jurídica. Outrossim, a equiparação entre empresário<br />

individual e pessoa jurídica, levada a efeito pela legislação tributária, nos<br />

artigos 150 e seguintes do Decreto nº 3.000/99 144 , em nada altera o<br />

143 “Art. 2º. A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei<br />

põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” (BRASIL. Lei nº 10.406...,<br />

2002)<br />

144 “Art. 150. As empresas individuais, para os efeitos do imposto de renda, são<br />

equiparadas às pessoas jurídicas.” (BRASIL. Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999.<br />

Disponível em: . Acesso em:<br />

17 mar. 2012)


105 <br />

raciocínio aqui delineado, pois se trata de mera equiparação, com<br />

finalidade bastante específica (“para fins de imposto de renda”).<br />

Destarte, a personalidade jurídica do empresário não surge a partir<br />

de sua atuação como tal, sendo, ao contrário, bem anterior a esta,<br />

decorrendo do só fato de se tratar de uma pessoa.<br />

Referida personalidade jurídica garante à pessoa física a aptidão<br />

genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, conforme enuncia<br />

Caio Mário da Silva Pereira 145 , o que permitirá, desde que observados os<br />

demais requisitos legais 146 , sua atuação como empresário individual.<br />

Assim, a utilização da nomenclatura “empresa individual de<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>”, bem como a alteração empreendida no artigo<br />

44, para inclusão de referida empresa no rol de pessoas jurídicas de<br />

direito privado, se mostram equivocadas, ainda que, do ponto de vista<br />

prático, pouco impacto tenham.<br />

3.2.2 A constituição da EIRELI por pessoa jurídica<br />

Outra questão relevante, quando se analisa a nova lei, diz respeito<br />

à possibilidade de constituição da EIRELI por pessoa jurídica. Isso porque,<br />

o artigo 980-A dispõe que “a empresa individual de <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do<br />

capital social”. Vale dizer, o comando legal não é claro se a “única pessoa”<br />

constituidora da EIRELI é pessoa natural, ou se pode ser também pessoa<br />

jurídica.<br />

145 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. v. 1. Rio de Janeiro:<br />

Forense, 1977, p. 198.<br />

146 Artigos 972 e seguintes, do Código Civil.


106 <br />

Dir-se-ia que a ratio legis da norma é proteger o empresário<br />

individual pessoa natural, ao permitir o resguardo de seu patrimônio<br />

pessoal. Nada obstante, a redação do dispositivo em comento suscita<br />

dúvidas, tendo em vista sua imprecisão. Assim, pode-se argumentar que<br />

também às pessoas jurídicas seria dado constituir EIRELIs.<br />

Vale dizer, se a Lei nº 12.441 deixou de restringir a criação de<br />

EIRELIs às pessoas naturais, é de se defender a possibilidade de sua<br />

constituição por pessoas jurídicas.<br />

A questão torna-se ainda mais curiosa quando se analisa o § 2º do<br />

referido artigo 980-A, segundo o qual “a pessoa natural que constituir<br />

empresa individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> somente poderá figurar<br />

em uma única empresa dessa modalidade”. Assim, a norma é clara ao<br />

restringir o número de EIRELIs que podem ser constituídas por pessoas<br />

naturais (apenas uma), nada dizendo, todavia, sobre tal quantitativo<br />

quando se tratar de pessoas jurídicas.<br />

Nesse contexto, é possível avançar no argumento, para defender<br />

que as pessoas jurídicas poderiam constituir não apenas uma EIRLEI, mas<br />

múltiplas, pois a restrição atinge apenas as pessoas naturais.<br />

Ademais, na forma como aprovada a lei (e em que pese a crítica<br />

apresentada no tópico anterior), o fato é que a EIRELI é pessoa jurídica,<br />

daí porque não haveria qualquer empeço à sua constituição por outra<br />

pessoa jurídica.<br />

Analisando o processo legislativo, constata-se que, no projeto de<br />

lei original (nº 4.605, de 2009), de autoria do Deputado Marcos Montes, a<br />

redação do artigo 980-A (ou, na forma original, 985-A) era clara, ao<br />

dispor que “a empresa individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> será<br />

constituída por um único sócio, pessoa natural, que é o titular da<br />

totalidade do capital social e que somente poderá figurar numa única


107 <br />

empresa dessa modalidade” 147 (grifamos). Nada obstante, a redação da<br />

norma foi alterada, suprimindo-se o “natural” que qualificava a pessoa<br />

que poderia constituir a EIRELI, eliminando-se, via de consequência, o<br />

óbice às pessoas jurídicas.<br />

Ou seja, parece-nos deliberada a decisão dos legisladores em<br />

retirar da norma a vedação de constituição de EIRELI por pessoas<br />

jurídicas.<br />

Isso posto, é importante observar que o Departamento Nacional de<br />

Registro e Comércio (DNRC) 148 vem entendendo que somente pessoa<br />

física pode constituir EIRELI. Com efeito, o Manual de Atos de Registro de<br />

Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI –, instituído<br />

pela Instrução Normativa nº 117, de 22 de novembro de 2011, veda<br />

expressamente, em seu item 1.2.11, a constituição de EIRELIs por<br />

pessoas jurídicas 149 .<br />

Não há, em nosso sentir, justificativa para a interpretação<br />

restritiva adotada pelo DNRC, podendo-se arguir sua ilegalidade. Isso<br />

porque, conforme exposto acima, a redação do caput do artigo 980-A foi<br />

deliberadamente alterada entre o projeto original e a versão definitiva,<br />

para suprimir a expressão “natural” depois de “pessoa”, fazendo<br />

desaparecer, assim, o óbice a que também as pessoas jurídicas tenham<br />

direito a constituir EIRELIs. Do mesmo modo, o legislador utilizou-se da<br />

expressão “natural” no § 2º do referido artigo, para restringir a um o<br />

número de EIRELIs a serem criadas por pessoas físicas. Assim, é evidente<br />

que não houve mero esquecimento – ou confusão – do legislador, pois a<br />

147<br />

BRASIL. Projeto de Lei nº 4.605, de 2009. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 23 fev. 2012.<br />

148 As atribuições do DNRC estão consagradas no artigo 4º, da Lei nº 8.934/94.<br />

149 “1.2.11. IMPEDIMENTO PARA SER TITULAR. Não pode ser titular de EIRELI a pessoa<br />

jurídica, bem assim a pessoa natural impedida por norma constitucional ou por lei<br />

especial.” DEPARTAMENTO NACIONAL DE REGISTRO DE COMÉRCIO. Instrução<br />

Normativa nº 117, de 22 de novembro de 2011. Disponível em:<br />

. Acesso em: 27 mar.<br />

2012.


108 <br />

expressão “natural” foi usada quando se quis efetuar restrições, e retirada<br />

quando se pretendeu suprimir outra restrição, não havendo qualquer<br />

acaso na redação dos dispositivos em comento.<br />

As razões, todavia, não param por aí, cabendo adicionar que, nos<br />

termos do § 6º do artigo 980-A, da lei civil, também acrescentado pela Lei<br />

nº 12.441, “aplicam-se à empresa individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>,<br />

no que couber, as regras previstas para as sociedades <strong>limitada</strong>s”. E,<br />

conforme cediço, pessoas jurídicas podem constituir outras pessoas<br />

jurídicas, podendo figurar, por exemplo, como sócias de outras<br />

sociedades.<br />

Mais especificamente, a possibilidade de pessoa jurídica ser a única<br />

acionista de uma companhia está prevista no artigo 251, da Lei das<br />

Sociedades por Ações (Lei nº 6.404/76) 150 , que trata da subsidiária<br />

integral. Ressalta-se, assim, a ausência de ineditismo na novel legislação,<br />

no tocante à possibilidade de que pessoas jurídicas constituam outras<br />

pessoas jurídicas (inclusive, como o comprova a subsidiária integral,<br />

figurando a sociedade como única acionista).<br />

Destarte, ainda que a norma tenha por principal fito incentivar as<br />

pessoas físicas a empreender individualmente, por meio da EIRELI, o fato<br />

é que não há vedação a que também as pessoas jurídicas se utilizem do<br />

novel formato empresarial.<br />

Não apenas isso, o que se deve ressaltar, no presente tópico, é,<br />

uma vez mais, a inaptidão dos legisladores, daí resultando uma norma<br />

confusa, propensa a causar enormes e desnecessárias celeumas e incapaz<br />

de propiciar segurança jurídica à atividade empresária no Brasil.<br />

150 “Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como<br />

único acionista sociedade brasileira.” (BRASIL. Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976<br />

(Lei das Sociedades por Ações). Disponível em:<br />

. Acesso em: 10 mar.<br />

2012.


109 <br />

3.3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, A EXIGÊNCIA DE<br />

CAPITAL MÍNIMO E A SUBCAPITALIZAÇÃO<br />

O presente tópico explora alguns aspectos que, malgrado possam<br />

ser analisados individualmente, possuem sensíveis pontos de contato, daí<br />

decorrendo nossa decisão de abordá-los conjuntamente. Em essência,<br />

esses três aspectos (desconsideração da personalidade jurídica, exigência<br />

de capital social mínimo e subcapitalização) lidam com possíveis abusos<br />

da autonomia patrimonial assegurada pela limitação de <strong>responsabilidade</strong>,<br />

merecendo uma análise mais aprofundada, tendo como base as<br />

disposições da lei em análise.<br />

3.3.1 A desconsideração da personalidade jurídica<br />

Uma evidente preocupação dos legisladores, e mesmo de parte<br />

significativa da doutrina, quando da aprovação da nova lei, estava na<br />

possibilidade de abuso da limitação de <strong>responsabilidade</strong> pelo empresário<br />

individual, o que se refletiu, inclusive, na excessiva demora em se<br />

promover a alteração legislativa em comento. Tal preocupação já fora<br />

enunciada no início do presente capítulo, sendo também ali combatida,<br />

porquanto todas as formas societárias que contemplam a <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> estão igualmente sujeitas a eventuais abusos, havendo, todavia,<br />

maneiras de coibi-los.<br />

O instituto mais utilizado, para tanto, é a desconsideração da<br />

personalidade jurídica, por meio da qual se levanta o véu corporativo,<br />

para se atingir os bens pessoais dos participantes da sociedade, quando<br />

esta é utilizada de maneira fraudulenta.


110 <br />

A, ao menos em tese, angusta aplicação do instituto foi destacada<br />

por Rubens Requião, precursor, no Brasil, da matéria. Confira-se:<br />

(...) o que se pretende com a doutrina do disregard não é a<br />

anulação da personalidade jurídica em toda a sua extensão, mas<br />

apenas a declaração de sua ineficácia para determinado efeito, em<br />

caso concreto, em virtude de o uso legítimo da personalidade ter<br />

sido desviado de sua legítima finalidade (abuso de direito) ou para<br />

prejudicar credores ou violar a lei (fraude). 151<br />

No âmbito do Código Civil, é essa a linha adotada, conforme se<br />

extrai da redação de seu artigo 50 152 , segundo o qual a desconsideração<br />

só deve ocorrer “em caso de abuso da personalidade jurídica,<br />

caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial”.<br />

Nada obstante, o que se percebe no Brasil é a aplicação indistinta<br />

da desconsideração, ocorrendo também em casos de mera inadimplência<br />

da pessoa jurídica, sem que tenha havido qualquer fraude ou abuso,<br />

fazendo-se, em verdade, tábula rasa dos institutos da <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> e da personalidade jurídica.<br />

Ou seja, malgrado a legislação tenha consagrado a teoria maior da<br />

desconsideração 153 , na prática o que se vê, notadamente na Justiça do<br />

151 REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica<br />

(disregard doctrine). Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 410, Dez. 1969, p. 12-24. p.<br />

17.<br />

152 Eis a redação integral do dispositivo: “Art. 50. Em caso de abuso da personalidade<br />

jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o<br />

juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir<br />

no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam<br />

estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”<br />

(BRASIL. Lei nº 10.406..., 2002)<br />

153 A distinção entre teoria maior e menor da desconsideração, consagrada na doutrina<br />

pátria, foi assim resumida pela Ministra Nancy Andrighi, quando do julgamento do<br />

Recurso Especial 279.273/SP: “A teoria maior da desconsideração, regra geral no<br />

sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a<br />

pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para<br />

além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria<br />

subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria<br />

objetiva da desconsideração). A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso


111 <br />

Trabalho 154 , é a aplicação da teoria menor, levantando-se o véu<br />

corporativo ante a mera inadimplência da sociedade, sem se perquirir<br />

acerca de fraude ou abuso na utilização da personalidade jurídica.<br />

Isso posto, e volvendo à análise das alterações promovidas pela Lei<br />

nº 12.441 ao Código Civil, é importante observar que, para evitar dar azo<br />

a interpretações equivocadas, o § 4º do artigo 980-A foi objeto de veto<br />

presidencial. Eis a redação do dispositivo vetado:<br />

§ 4º. Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas<br />

dívidas da empresa individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, não se<br />

confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa<br />

natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual<br />

de bens entregue ao órgão competente.<br />

Na ocasião do veto (Mensagem nº 259, de 2011), foram essas as<br />

razões apresentadas, in verbis:<br />

Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão<br />

“em qualquer situação”, que pode gerar divergências quanto à<br />

aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da<br />

ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito<br />

Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento<br />

de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de<br />

confusão patrimonial.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial<br />

nº 279.273/SP. Relator Ministro Ari Pargendler, Relatora para o Acórdão Ministra Nancy<br />

Andrighi. Brasília, DF, 4 de dezembro de 2003. DJ 29 de março de 2004, p. 230)<br />

154 A título ilustrativo, confira-se a ementa de julgado proferido pelo Tribunal Superior do<br />

Trabalho, no julgamento do Recurso de Revista nº 2549-2000-012-05-00: “EMENTA:<br />

RECURSO DE REVISTA. PROCESSO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. PENHORA SOBRE BEM<br />

DE SÓCIO. TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Partindo da<br />

premissa de que os créditos trabalhistas, ante a natureza alimentar de que são<br />

revestidos, são privilegiados e devem ser assegurados, a moderna doutrina e a<br />

jurisprudência estão excepcionando o princípio da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> do sócio,<br />

com fulcro na teoria da desconsideração da personalidade jurídica de forma que o<br />

empregado possa, verificada a insuficiência do patrimônio societário, sujeitar à execução<br />

os bens dos sócios individualmente considerados. Inocorrida afronta a norma<br />

constitucional.” (BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. 4ª Turma. Recurso de Revista<br />

nº 2549-2000-012-05-00. Relatora Juíza convocada Helena Sobral Albuquerque e Mello.<br />

Brasília, DF. DJ 7 de março de 2003)


112 <br />

personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim,<br />

e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as<br />

regras da sociedade <strong>limitada</strong>, inclusive quanto à separação do<br />

patrimônio. 155<br />

Ressai, portanto, cristalino o temor de que o dispositivo vetado<br />

levasse a interpretações no sentido de se proibir a aplicação do instituto<br />

da desconsideração da personalidade jurídica à EIRELI.<br />

Ressalte-se, por oportuno, que, na sistemática constitucional<br />

brasileira, o veto presidencial, ainda que parcial, deve abranger o texto<br />

integral do dispositivo, nos termos do artigo 66, § 2º, da Constituição da<br />

República 156 , daí porque, ainda que a motivação do veto esteja na<br />

utilização da expressão “em qualquer situação”, não se poderia tãosomente<br />

suprimi-la, o que levou à extirpação da íntegra do referido § 4º.<br />

De fato, o temor presidencial parece justificado, tendo em vista a<br />

possibilidade de o dispositivo gerar interpretações que, malgrado pouco<br />

razoáveis, seriam capazes de germinar no fértil terreno jurisprudencial e<br />

doutrinário brasileiro. Ademais, da forma como aprovada a lei, já está<br />

saliente a autonomia patrimonial da EIRELI em relação ao patrimônio<br />

pessoal do empresário, daí porque despicienda a ênfase contida no<br />

dispositivo vetado.<br />

Isso posto, consagrada está a sujeição da EIRELI à<br />

desconsideração da personalidade jurídica, cabendo aduzir, portanto,<br />

alguns comentários sobre o tema.<br />

155<br />

BRASIL. Mensagem nº 259, de 11 de julho de 2011. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 2 mar. 2012.<br />

156 “Art. 66. (...)<br />

§ 2º. O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso<br />

ou de alínea.” BRASIL. Constituição (1988). Disponível em:<br />

. Acesso<br />

em: 9 mar. 2012.


113 <br />

Primeiramente, oportuno observar que, ainda que não se houvesse<br />

atribuído personalidade jurídica à EIRELI, isto é, ainda que se houvesse<br />

consagrado o empresário individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, a ele<br />

também se poderia aplicar, por analogia, o instituto em comento.<br />

Isso porque os efeitos da desconsideração são casuísticos<br />

(aplicam-se apenas ao caso concreto, não cancelando ou extinguindo a<br />

personalidade daquela pessoa jurídica) 157 , e sua repercussão é<br />

eminentemente patrimonial. Assim, o que se pretende é ver superada, no<br />

caso concreto, a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, de modo a se<br />

atingir o patrimônio pessoal das pessoas físicas que a compõem.<br />

Mutatis mutandis, a desconsideração teria perfeita aplicação<br />

também ao empresário individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, ainda que<br />

pessoa física, para se atingir o desiderato precípuo do instituto: superar a<br />

autonomia patrimonial que teria sido garantida pela limitação de<br />

<strong>responsabilidade</strong>.<br />

Noutro giro, preocupa-nos a extensão com que se aplicará o<br />

instituto do disregard à EIRELI. Conforme enunciado no segundo capítulo<br />

dessa dissertação, estudos empreendidos nos EUA demonstram que o<br />

instituto tem sido aplicado, pelo Judiciário, de maneira mais acentuada em<br />

pequenas corporações, nas quais é muito mais fácil perceber a união<br />

entre propriedade e controle.<br />

157 Nesse particular, precisa a lição de Fábio Ulhoa Coelho, in verbis: “Note-se, a decisão<br />

judicial que desconsidera a personalidade jurídica da sociedade não desfaz o seu ato<br />

constitutivo, não o invalida, nem importa a sua dissolução. Trata, apenas e<br />

rigorosamente, de suspensão episódica da eficácia desse ato. Quer dizer, a constituição<br />

da pessoa jurídica não produz efeitos apenas no caso em julgamento, permanecendo<br />

válida e inteiramente eficaz para todos os outros fins” (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de<br />

direito comercial. v.2. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 40). No mesmo sentido, o<br />

escólio de Maria Helena Diniz: “(...) subsiste o princípio da autonomia subjetiva da<br />

pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios, mas tal distinção é afastada,<br />

provisoriamente, para dado caso concreto, estendendo a <strong>responsabilidade</strong> negocial aos<br />

bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica” (DINIZ, Maria<br />

Helena. Código civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 100-101).


114 <br />

É certo que não deveria ser esse o fundamento para a aplicação da<br />

desconsideração, em decorrência do que foi exposto anteriormente. Com<br />

efeito, não é o fato de haver a concentração de propriedade e controle nas<br />

mãos de umas poucas pessoas (ou, no caso da EIRELI, de apenas uma)<br />

que enseja o disregard, o qual só deve ocorrer nos casos de abuso da<br />

personalidade jurídica para fraudar terceiros.<br />

Nada obstante, conforme já evidenciado, o que se percebe no<br />

Brasil é a aplicação indiscriminada da desconsideração, daí porque devese<br />

estar atento para eventuais excessos em face da EIRELI, na qual,<br />

repita-se, o liame entre propriedade e gerência é acentuado. Nesse<br />

contexto, é plausível imaginar uma aplicação desmesurada da doutrina do<br />

disregard, o que poderia levar, na prática, ao desaparecimento da EIRELI.<br />

3.3.2 A exigência de capital mínimo e a subcapitalização<br />

Outra importante questão a ser abordada diz respeito à parte final<br />

do caput do artigo 980-A, segundo o qual o capital social da EIRELI “não<br />

será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no<br />

País” 158 .<br />

O trecho motivou, inclusive, o ajuizamento, pelo Partido Popular<br />

Socialista (PPS), de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 4637)<br />

perante o Supremo Tribunal Federal. Segundo a agremiação 159 , a<br />

inconstitucionalidade da norma seria flagrante, tendo em vista o disposto<br />

158 Ressalte-se a inadequação da terminologia, pois, se não há sociedade (trata-se de<br />

empresário individual – ou empresa individual, nos termos da lei), o capital não é social.<br />

Mais uma demonstração, diga-se, da atecnia que macula a Lei nº 12.441, fato<br />

já apontado anteriormente na presente dissertação.<br />

159 PARTIDO POPULAR SOCIALISTA. Petição inicial. Ação Direta de Inconstitucionalidade<br />

nº 4637. Brasília, 11 de agosto de 2011. Disponível em:<br />

. Acesso em: 4 fev. 2012.


115 <br />

no artigo 7º, inciso IV, da Constituição da República, que veda a<br />

vinculação do salário mínimo para qualquer fim. Haveria, ainda,<br />

inconstitucionalidade, ante o malferimento ao princípio da livre iniciativa,<br />

pois a exigência impediria o pequeno empreendedor de constituir a<br />

EIRELI.<br />

A primeira alegação – impossibilidade de utilização do salário<br />

mínimo como indexador para qualquer fim – não é nova, já tendo<br />

motivado diversas discussões doutrinárias e jurisprudenciais. A própria<br />

Corte Suprema já se pronunciou sobre o tema, ainda que em situação<br />

diversa, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 565.714. Na ocasião,<br />

ao analisar hipótese concernente à vinculação do salário mínimo para fins<br />

de base de cálculo de benefícios de servidor público, o Tribunal entendeu<br />

que, malgrado inconstitucional referida vinculação, sua aplicação não<br />

poderia ser afastada pela Corte, sob pena de atuar como legislador<br />

positivo. Desse entendimento resultou a Súmula Vinculante n. 4, que<br />

preleciona, in verbis, que, “salvo os casos previstos na Constituição<br />

Federal, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de<br />

cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser<br />

substituído por decisão judicial” 160 .<br />

Repita-se, por oportuno, que as situações são diversas, sendo<br />

certo, inclusive, que, in casu, bastaria a declaração de<br />

inconstitucionalidade, com supressão da parte final do dispositivo, não<br />

havendo falar-se em necessidade de substituição pelo Judiciário, ou seja,<br />

de atuação como legislador positivo.<br />

Ademais, a vinculação ao salário mínimo mostra-se descabida<br />

quando se parte para o seguinte exercício de raciocínio: no caso de<br />

aumento do salário mínimo, o que ocorrerá O capital da EIRELI deverá<br />

160 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante nº 4. Disponível em:<br />

. Acesso em: 17 mar. 2012.


116 <br />

também ser aumentado Ou será admitida a defasagem do valor do<br />

capital da EIRELI já criada em relação ao salário mínimo<br />

Evidencia-se, assim, de plano, a falta de maiores elaborações, por<br />

parte dos legisladores, no tocante à norma em análise. Há, inclusive, face<br />

ao exposto, razões para acreditar que a Corte Suprema deve decidir pela<br />

inconstitucionalidade da vinculação em comento.<br />

Não é esse, todavia, o argumento que mais nos interessa. O foco<br />

será, portanto, na segunda tese, ou seja, no alegado malferimento ao<br />

princípio da livre iniciativa. Conforme se extrai da petição inicial da ação<br />

em comento, “a norma impugnada representa um claro cerceamento à<br />

possibilidade de abertura de empresas individuais de <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> por pequenos empreendedores” 161 (grifos no original).<br />

A questão, porquanto complexa, merece ser tratada cum grano<br />

salis. Aborda-se o tema, evidentemente, sob o prisma do Direito e<br />

Economia.<br />

O objeto da norma é, claramente, impedir a subcapitalização do<br />

empreendimento, isto é, evitar que o empresário individual fixe capital<br />

social irrisório, insuficiente para fazer frente às eventuais dívidas dali<br />

oriundas. Trata-se de preocupação em tudo legítima, objeto, inclusive, de<br />

diversas discussões doutrinárias. Resta saber se a norma tratou a questão<br />

de maneira eficiente.<br />

Com efeito, conforme enuncia Joseph A. Grundfest 162 , a exigência<br />

de capitalização mínima é uma das três alternativas mais viáveis para se<br />

reduzir os problemas advindos da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> 163 .<br />

161 PARTIDO POPULAR SOCIALISTA, 2011.<br />

162 GRUNDFEST, Joseph A. The limited future of unlimited liability: a capital markets<br />

perspective. The Yale Law Journal, New Haven, v. 102, n. 2, Nov. 1992, p. 387-425.<br />

p. 421.<br />

163 As outras alternativas são a fixação de padrões de segurança para os produtos e a<br />

previsão de <strong>responsabilidade</strong> pessoal, civil ou criminal, dos “porteiros” (no original,<br />

gatekeepers), isto é, dos tomadores de decisão das sociedades empresárias.


117 <br />

Grosso modo, pode-se dizer que a fixação de capital mínimo tem<br />

por fito estabelecer níveis de capital adequados à monta do<br />

empreendimento. Como relata Joseph A. Grundfest, “se a empresa possui<br />

a capitalização ou a cobertura de seguro necessárias, o julgamento social<br />

e político é de que ela possui riqueza suficiente em risco para garantir que<br />

se comportará responsavelmente na regulação de suas próprias<br />

atividades” 164-165 .<br />

Vale dizer, a imposição de capital mínimo mitiga o já estudado<br />

risco moral, pois, por comprometer parte maior do patrimônio do<br />

empresário com a atividade, espera-se que este seja mais cuidadoso na<br />

tomada de decisões que coloquem em risco sua saúde financeira. Nas<br />

precisas palavras de Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel, “quanto<br />

menor a capitalização de uma firma, maior a probabilidade de que ela vá<br />

se engajar em atividades excessivamente arriscadas” 166 . A contrario<br />

sensu, ao se exigir capital compatível com a empreitada, inibem-se<br />

possíveis excessos aventureiros por parte do empreendedor.<br />

Assim, dir-se-ia que a medida adotada pela norma em comento é<br />

salutar, pois reduz o risco moral. A questão, contudo, é assaz delicada,<br />

desencadeando, por sua própria natureza, outros problemas.<br />

164 “If an enterprise has the necessary capitalization or insurance coverage, the social<br />

and political judgment is that the enterprise has sufficient wealth at risk to ensure that it<br />

will behave responsibly in regulating its own activities.” GRUNDFEST, 1992, p. 421,<br />

tradução nossa.<br />

165 Ou ainda, como coloca Bernard F. Cataldo, “é eminentemente apropriado exigir que o<br />

acionista e incorporador, como preço pelo privilégio da personalidade corporativa e da<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, financie o empreendimento de tal forma que o permita arcar<br />

com os custos normais e esperados de um negócio com as proporções e características<br />

envolvidas”. (“It is eminently proper to require that the shareholder and incorporator<br />

must, as the price for the privilege of corporate personality and limited liability, finance<br />

the enterprise in such fashion as to enable it to meet the normal and expectable strains<br />

of a business of the size and character involved”.) CATALDO, Bernard F. Limited liability<br />

with one-man companies and subsidiary corporations. Law and Contemporary<br />

Problems: revista da Duke University School of Law, Durham, v. 18, n. 4, Autumn<br />

1953, p. 473-504. p. 484, tradução nossa.<br />

166 “The lower a firm's capitalization, the higher the probability that it will engage in<br />

excessively risky activities.” EASTERBROOK, Frank H.; FISCHEL, Daniel R. Limited<br />

liability and the corporation. The University of Chicago Law Review, Chicago, v. 52,<br />

n. 1, Winter 1985, p. 89-117. p. 114, tradução nossa.


118 <br />

O primeiro, e mais evidente, diz respeito ao valor a ser imposto a<br />

título de capital mínimo. E, nesse particular, a lei andou mal, ao fixar um<br />

único valor, a ser alcançado por toda e qualquer EIRELI. A norma<br />

descuidou-se, ao não reconhecer as diversas peculiaridades advindas dos<br />

mais variados empreendimentos.<br />

Trata-se de incúria grave, redundando, inapelavelmente, em<br />

obstrução à livre iniciativa 167 e ao empreendedorismo que a própria Lei nº<br />

12.441, como um todo, pretende proteger.<br />

Isso porque, ao fixar em cem salários mínimos o capital mínimo a<br />

ser integralizado pela EIRELI, a norma em comento acaba por<br />

desestimular diversos potenciais novos empreendedores a se<br />

apresentarem ao mercado. E, não se pode negar, malgrado muitos<br />

empreendimentos exijam investimento superior ao marco fixado no novel<br />

artigo 980-A, do Código Civil, outros tantos demandam envolvimento de<br />

capital substancialmente inferior. Assim, ao impor regra uniforme, sem<br />

amparo na realidade econômica, o dispositivo em comento pode impedir a<br />

entrada, no mercado, de diversos novos atores.<br />

Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel chamam a atenção para<br />

as consequências advindas de erros no tratamento legal dado ao tema, ao<br />

lembrar que, “se a exigência de capital é estabelecida em parâmetro<br />

muito elevado, isso impedirá novas entradas e permitirá às firmas<br />

existentes cobrar preços de monopólio” 168 .<br />

A questão se resume, portanto, no seguinte dilema: de um lado,<br />

permitir a entrada de novos atores no mercado, aumentando a<br />

concorrência; de outro, proporcionar segurança aos credores.<br />

167 Livre iniciativa que, frise-se, constitui-se como fundamento da República Federativa<br />

do Brasil, nos termos do artigo 1º, de sua Constituição.<br />

168 “If capital requirements are set too high, this will impede new entry and permit the<br />

existing firms to charge monopoly prices.” EASTERBROOK; FISCHEL, 1985, p. 114,<br />

tradução nossa.


119 <br />

Nesse contexto, os critérios legais deveriam ser mais minuciosos,<br />

ainda que não exaustivos, para se permitir uma fluidez que seja suficiente<br />

para, por um lado, não onerar excessivamente os empresários cujas<br />

empreitadas sejam pouco arriscadas, mas, por outro, assegurar a<br />

presença de garantias aos credores no caso de empreendimentos mais<br />

vultosos ou arriscados.<br />

Na prática, o ajuste é bastante delicado 169 , em razão da própria<br />

dinâmica do mercado, em constante evolução, com o surgimento de<br />

novas tecnologias, tornando determinados empreendimentos mais, ou<br />

menos, arriscados à medida que o tempo passa. Não apenas isso, a<br />

fixação adequada do capital mínimo a ser exigido demanda<br />

conhecimentos específicos, que no mais das vezes escapam ao saber dos<br />

legisladores.<br />

A consequência dessas constatações é importante, pois um mau<br />

juízo acerca do capital adequado pode levar à ineficiência da norma: se<br />

fixado em valor excessivo, torna a empreitada proibitiva, inviabilizando<br />

novos empreendedores de participar do mercado; se fixado em montante<br />

irrisório, não será capaz de cumprir seu propósito – redução do risco<br />

moral.<br />

A questão é assim resumida por Joseph A. Grundfest:<br />

Os processos legislativos e regulatórios são propensos a estimar<br />

mal os níveis apropriados de capitalização e ficar defasados quanto<br />

a dados acerca de novos mercados e tecnologias que poderiam<br />

sugerir ajustes na exigência de capitalização. À medida que<br />

legisladores e reguladores “suponham equivocadamente” e<br />

estabeleçam níveis de capitalização muito altos ou muito baixos,<br />

eles certamente induzirão distorções no mercado. 170<br />

169 Como afirma Cataldo (1953, p. 484, tradução nossa), “o padrão de capital adequado<br />

é escorregadio e difícil de se aplicar” (“the standard of adequate capital is slippery and<br />

difficult to apply”).<br />

170 “The legislative and regulatory processes are likely to misestimate appropriate levels<br />

of capitalization and lag behind new market and technological data that might suggest<br />

adjustments to capitalization requirements. To the extent that legislators and regulators


120 <br />

Outro problema, ao menos na forma como adotada a regra no<br />

Brasil, advém daquilo que seria, em princípio, uma qualidade do instituto<br />

em comento.<br />

Isso porque, além da redução do risco moral, outra vantagem da<br />

adoção de capital social mínimo, segundo os doutrinadores, está no seu<br />

alcance, na medida em que o instituto pode ser aplicado a toda e qualquer<br />

companhia. Assim, sua imposição irrestrita não geraria incentivos à<br />

adoção de outros tipos societários ou à fuga da jurisdição. Conforme<br />

afirma Joseph A. Grundfest, tal exigência, por poder ser “aplicada<br />

igualmente a todas as corporações – sejam grandes ou pequenas, abertas<br />

ou fechadas, nacionais ou estrangeiras –, não gera incentivos artificiais a<br />

operar o negócio em um formato ou jurisdição em detrimento de<br />

outro” 171 .<br />

Ocorre que, no Brasil, a norma atinge apenas as EIRELIs, não<br />

havendo restrição semelhante no tocante às sociedades de<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ou às sociedades por ações. Assim, uma das<br />

grandes vantagens da regra – sua generalidade – desaparece, o que<br />

poderá significar, em verdade, um incentivo a que os empresários<br />

individuais continuem constituindo sociedades <strong>limitada</strong>s de fachada, em<br />

decorrência do efeito Peltzman já estudado no capítulo anterior 172 .<br />

‘guess wrong’ and set capitalization levels too high or too low, they will no doubt induce<br />

distortions in the market.” GRUNDFEST, 1992, p. 421, tradução nossa.<br />

171 “(...) can be applied equally to all corporations - whether large or small, public or<br />

private, domestic or foreign - they do not generate artificial incentives to operate<br />

businesses in one form or jurisdiction over another.” GRUNDFEST, 1992, p. 423,<br />

tradução nossa.<br />

172 Pertinente, nesse particular, o comentário de Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa,<br />

também antevendo o risco aqui delineado: “(...) a crítica que se faz é que o capital<br />

mínimo exigido de tal sociedade deixa à margem uma parcela substancial dos<br />

microempresários pátrios, os quais continuarão dentro do regime geral de<br />

<strong>responsabilidade</strong> patrimonial pessoal (e do risco correspondente), sem acesso ao<br />

patrimônio separado que veio a ser criado para a EIRELI, a não ser por alguma fuga para<br />

mecanismo como o da constituição de uma sociedade <strong>limitada</strong> com outro sócio, este<br />

detentor de mínima expressão do capital social”. (VERÇOSA, Haroldo Malheiros Duclerc.<br />

A empresa individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>. Disponível em:


121 <br />

Cabe, nesse ponto, uma breve reflexão acerca da hipótese<br />

mencionada pelo parágrafo único do artigo 1.033, do Código Civil, com a<br />

redação dada pela multicitada Lei nº 12.441. Segundo referido dispositivo,<br />

a falta de pluralidade de sócios não mais ensejará a dissolução da<br />

sociedade empresária, “caso o sócio remanescente, inclusive na hipótese<br />

de concentração de todas as cotas da sociedade sob sua titularidade,<br />

requeira, no Registro Público de Empresas Mercantis, a transformação do<br />

registro da sociedade para empresário individual ou para empresa<br />

individual de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>”.<br />

Não é preciso muito esforço para se imaginar a situação em que a<br />

sociedade empresária tenha capital social inferior a 100 salários mínimos;<br />

assim, diante da retirada dos demais sócios, e desejando o sócio<br />

remanescente requerer a transformação do registro para EIRELI, ficaria<br />

ele obrigado a alterar o capital social, aumentando-o para atingir o piso<br />

legal atinente à EIRELI<br />

Parece-nos que sim, pois a exigência de capital social mínimo é,<br />

nos termos da lei, requisito essencial a ser observado para a constituição<br />

da EIRELI.<br />

Dir-se-ia que a exigência de complementação do capital social iria<br />

de encontro ao princípio da preservação da empresa, princípio esse que<br />

justificara a inserção do mencionado parágrafo único ao artigo 1.033 do<br />

Código Civil.<br />

Sem razão, contudo. Isso porque ao sócio remanescente é dada a<br />

opção de transformar o registro para empresário individual,<br />

desaparecendo a necessidade de capital social mínimo. É certo que, nessa<br />

hipótese, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> também cessaria, mas o fato é que<br />

a empresa restaria preservada, sem a necessidade de alteração do capital<br />

social.<br />

. Acesso em: 10 mar. 2012.)


122 <br />

Raciocínio contrário poderia levar à absurda, mas plausível,<br />

situação em que sociedades <strong>limitada</strong>s de fachada (nos moldes daquelas já<br />

comentadas no presente estudo) seriam constituídas, com capital social<br />

irrisório, para, pouco tempo depois, haver a transformação para EIRELIs,<br />

sem as amarras do capital mínimo.<br />

Dito isso, o que deve ser observado é, uma vez mais, a falta de<br />

cuidado do legislador na redação do dispositivo em comento, dando azo<br />

para novas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, quando poderia ter<br />

encerrado as discussões em seu nascedouro, deixando claro que a<br />

exigência de capital social mínimo não seria afastada em casos tais.<br />

Mais do que isso, o que o presente debate ilustra é a injustificável<br />

diferença no tratamento entre as EIRELIs e as sociedades empresárias,<br />

em claro prejuízo ao empreendedor individual.<br />

Vale dizer, na forma como adotada no ordenamento jurídico pátrio,<br />

a imposição de capital mínimo somente à EIRELI prejudica a<br />

competitividade desta, por trazer exigências não impostas aos demais<br />

competidores do mercado.<br />

Finalmente, a exigência de capital mínimo pode se tornar, com o<br />

passar do tempo, critério pouco efetivo na redução do risco moral. Isso<br />

porque, conforme preleciona David W. Leebron, “apenas a capitalização<br />

inicial é avaliada. Se a corporação subestima razoavelmente o risco de<br />

suas atividades, ou subsequentemente se engaja em atividades mais<br />

arriscadas, então parte do risco de dano será externalizada” 173 .<br />

O fato não passou desapercebido ao Conselho de Ministros de<br />

Portugal, quando se decidiu pela supressão da exigência de capital social<br />

173 “(...) only the initial capitalization of the corporation is evaluated. If the corporation<br />

reasonably underestimates the riskiness of its activities, or subsequently engages in<br />

riskier activities, then some of the tort risk will be externalized.” LEEBRON, David W.<br />

Limited liability, tort victims, and creditors. Columbia Law Review, Nova York, v. 91, n.<br />

7, Nov. 1991, p. 1565-1650. p. 1634, tradução nossa.


123 <br />

mínimo às sociedades unipessoais daquele país 174 . Na ocasião, assim se<br />

manifestou o referido Conselho, in verbis:<br />

Do ponto de vista jurídico, um capital social elevado não conduz<br />

necessariamente à conclusão de que uma sociedade goza de boa<br />

situação financeira. Na verdade, o capital social não é igual ao<br />

património social. O capital é um valor lançado no contrato social,<br />

enquanto o património é o conjunto de bens, direitos e obrigações<br />

de uma sociedade.<br />

Actualmente, o capital social não representa uma verdadeira<br />

garantia para os credores e, em geral, para quem se relaciona com<br />

a sociedade. Na maioria das situações, o capital é afecto ao<br />

pagamento dos custos de arranque da empresa. Por esse motivo,<br />

cada vez mais, os credores confiam que a liquidez de uma<br />

sociedade assenta em outros aspectos, como o volume de<br />

negócios e o seu património, fazendo com que o balanço de uma<br />

sociedade seja a ferramenta indispensável para incutir confiança<br />

nos operadores e garantir a segurança do comércio jurídico. 175<br />

Vê-se, portanto, que a exigência de capital mínimo é medida que<br />

pode ou não se mostrar salutar, pois, malgrado o instituto possua<br />

qualidades, traz consigo uma série de problemas que podem torná-lo<br />

ineficiente, quando não pernicioso.<br />

Analisando, mais especificamente, o modelo normativo adotado no<br />

Brasil, parece-nos, por tudo o que foi exposto, que o aspecto negativo<br />

supera os eventuais benefícios da medida.<br />

Isso porque, conforme demonstrado alhures, a imposição de<br />

capital mínimo somente aos empresários individuais acabará por<br />

desincentivá-los a empreender individualmente ou incentivá-los a reincidir<br />

na prática de constituir sociedades <strong>limitada</strong>s de fachada. Dever-se-ia,<br />

portanto, generalizar a exigência para todas as sociedades de<br />

174 A legislação de Portugal também fixava capital social mínimo às sociedades<br />

unipessoais por quotas. Recentemente, todavia, a exigência foi suprimida da legislação<br />

portuguesa, com a edição do Decreto-lei nº 33/2011.<br />

175<br />

PORTUGAL. Decreto-lei nº 33, de 7 de março de 2011. Disponível em:<br />

. Acesso em: 17 mar. 2012.


124 <br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, lato senso, de modo a se garantir a efetividade<br />

da norma.<br />

Vale dizer, a imposição de capital mínimo só se mostra eficiente,<br />

do ponto de vista econômico, quando possui tal generalidade, daí porque<br />

ou se estende a exigência para todas as sociedades <strong>limitada</strong>s, ou se a<br />

extirpa do ordenamento.<br />

Lado outro, a adoção de valor uniforme, fixado em cem salários<br />

mínimos, também se mostra injustificada, não apenas pela indexação,<br />

mas também por não contemplar as especificidades de cada tipo de<br />

empreendimento 176 .<br />

Destarte, malgrado louvável a iniciativa dos legisladores, no<br />

sentido de tentar lidar com os problemas advindos da limitação de<br />

<strong>responsabilidade</strong>, a forma como foi adotada a imposição de capital social<br />

mínimo à EIRELI na legislação brasileira se mostra ineficiente, sugerindose<br />

a alteração do dispositivo em comento.<br />

Não se defende aqui, portanto, a simples supressão do trecho que<br />

exige o capital mínimo – o que pode ser feito pela Corte Suprema, em<br />

razão de eventual inconstitucionalidade –, mas sim o aprimoramento da<br />

norma, devendo os legisladores se aprofundarem no tema, de modo a<br />

retirar do instituto sua máxima eficiência. Não se trata de iniciativa<br />

176 Conforme exposto em nota anterior, a legislação de Portugal também fixava piso<br />

legal, mas de apenas € 5.000,00, valor bastante inferior ao estipulado na norma<br />

nacional. De todo modo, incorria no mesmo equívoco, pois tal valor se mostrava irrisório<br />

diante de certas empreitadas, denunciando a completa ineficiência da norma. Dentre as<br />

razões apresentadas quando da supressão da exigência, destacam-se, in verbis: “Em<br />

primeiro lugar, são reconhecidas as vantagens que representa para o empreendedorismo<br />

a eliminação da obrigatoriedade de um capital mínimo elevado para a constituição de<br />

sociedades. Muitas pequenas empresas têm origem numa ideia de concretização simples,<br />

que não necessita de investimento inicial, por exemplo, numa actividade desenvolvida<br />

através da Internet, a partir de casa. O facto de ser obrigatória a disponibilização inicial<br />

de capital social impede frequentemente potenciais empresários, muitas vezes jovens,<br />

sem recursos económicos próprios, de avançarem com o seu projecto empresarial. Por<br />

isso, em muitos países, nos anos mais recentes, a atenção dada à promoção do<br />

empreendedorismo, incluindo através do microcrédito, enquanto instrumento de combate<br />

à pobreza e ao desemprego, tem conduzido à decisão de afastar a regra que impõe um<br />

montante mínimo de capital social em alguns tipos de sociedades comerciais.”<br />

(PORTUGAL. Decreto-lei nº 33..., 2011.)


125 <br />

simples, mas, a nosso sentir, merece a dedicação e atenção dos<br />

legisladores.<br />

3.3.3 A subcapitalização e a desconsideração da personalidade<br />

jurídica<br />

Necessário se faz, por fim, analisar a possibilidade de a<br />

subcapitalização da EIRELI ensejar a aplicação da desconsideração da<br />

personalidade jurídica.<br />

A resposta, parece-nos, é positiva, estando os fundamentos para<br />

tanto contidos no artigo 50, do Código Civil, havendo, na hipótese em<br />

comento, abuso da personalidade jurídica.<br />

Com efeito, conforme visto, todo empreendimento deve ser<br />

financiado de maneira adequada, a partir de um cotejo razoável entre os<br />

objetivos, as condições de mercado e o porte da empreitada. Vale dizer, a<br />

capitalização adequada deve ser mera decorrência da boa-fé dos<br />

empreendedores, revelando o comprometimento destes perante terceiros.<br />

Assim, a subcapitalização nada mais é que um subterfúgio utilizado<br />

pelo empreendedor, ao deixar de aparelhar de maneira condizente o<br />

patrimônio da pessoa jurídica autônoma que foi criada. Nesse contexto,<br />

subcapitalizar o empreendimento constitui, a nosso sentir, claro abuso da<br />

personalidade jurídica, podendo levar à sua desconsideração.<br />

Deve-se ressaltar, nesse ponto, que parte da doutrina considera<br />

que a subcapitalização não estaria incluída no artigo 50, do Código Civil,<br />

como hipótese ensejadora da desconsideração. Nesse sentido, é o<br />

entendimento de Napoleão Nunes Maia Filho, ministro do Superior<br />

Tribunal de Justiça. Confira-se:


126 <br />

No que se refere ao tão comum fenômeno da subcapitalização,<br />

cabe registrar que o Código Civil de 2002 (art. 50) não a inseriu<br />

como causa pré-justificadora da desconsideração da personalidade<br />

jurídica; ocorre esse fenômeno quando os recursos da pessoa<br />

jurídica (entidade) são insuficientes para cobrir as suas operações<br />

normais e os seus acionistas não a socorrem ou não lhe aportam<br />

recursos adicionais, levando-a ao descumprimento de suas<br />

obrigações; por conseguinte, não se mostra viável se ter a<br />

subcapitalização como fraude objetiva ou excesso objetivo de<br />

poder. 177<br />

Não nos parece, repita-se, o entendimento mais adequado. Isso<br />

porque, conforme exposto, a subcapitalização pode ser vista como uma<br />

forma de abuso da personalidade jurídica, caracterizada pelo desvio de<br />

finalidade.<br />

Com efeito, para o desenvolvimento pleno da atividade econômica<br />

a que se comprometeu o empresário, é essencial que este proveja o<br />

empreendimento com os recursos necessários e suficientes para tanto.<br />

Assim, para se alcançar a finalidade institucional da atividade empresária,<br />

é indispensável a capitalização adequada.<br />

Nesse contexto, o subterfúgio da subcapitalização constitui desvio<br />

de finalidade, ao impedir, na prática, o pleno desenvolvimento da<br />

atividade fim do empresário, caracterizando-se, via de consequência, o<br />

abuso da personalidade jurídica.<br />

A tese em comento foi albergada pela jurisprudência alemã,<br />

conforme esclarece Fábio Konder Comparato:<br />

177 MAIA FILHO, Napoleão Nunes. A desconsideração da pessoa jurídica em face da<br />

evolução do direito obrigacional e os limites de sua aplicação judicial. 2011, p.<br />

19. Disponível em:<br />

. Acesso em: 5 mar. 2012.


127 <br />

Igualmente, na Alemanha Federal, a insuficiente capitalização de<br />

uma sociedade mercantil tem fundamentado a desconsideração da<br />

personalidade jurídica, apreendendo-se, através desta, os bens<br />

particulares dos sócios ou acionistas (Durchriff). A doutrina<br />

germânica justifica esse resultado com base na teoria da<br />

“finalidade normativa”, ou seja, considerando-se a deficiente<br />

capitalização da companhia como desvio da função ou finalidade<br />

do instituto, na economia societária. 178<br />

O mesmo raciocínio pode ser tranquilamente aplicado no contexto<br />

do ordenamento jurídico brasileiro, sendo patente a ocorrência de desvio<br />

de finalidade nos casos de subcapitalização, conforme explicita Stefano<br />

Donassolo, in verbis:<br />

A sociedade empresária, analisada tanto sob o aspecto<br />

contratualista quanto institucionalista, possui a função de<br />

desenvolver uma atividade econômica. A diferença entre ambas as<br />

correntes é quanto à “titularidade do interesse social”. Não<br />

obstante, é inegável que o interesse social mínimo (coincidente<br />

para as duas teorias) é que a empresa é constituída para (i)<br />

desenvolver uma atividade econômica e (ii) gerar lucros.<br />

Irrelevante discutir “a quem se atribui a titularidade do interesse<br />

social”; o indispensável, contudo, é registrar que o interesse social<br />

propriamente dito é a manutenção da atividade econômica.<br />

Portanto, se é função do capital social possibilitar o<br />

desenvolvimento de uma atividade econômica, é evidente que seu<br />

montante deve ser adequado para consecução de tal atividade. Daí<br />

porque se pode admitir a existência um desvio de finalidade em<br />

uma sociedade subcapitalizada, visto que seu capital social não<br />

permite – por si só́ – o desenvolvimento do objeto a que a<br />

sociedade se dispusera a cumprir. 179<br />

Noutro giro, repise-se que, do ponto de vista econômico, a<br />

subcapitalização deve ser reprimida, tendo em vista o incentivo ao risco<br />

moral, claramente demonstrado alhures. Com efeito, conforme se disse na<br />

178 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 3. ed.<br />

Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 346.<br />

179<br />

DONASSOLO, Stefano. A subcapitalização como fundamento para a<br />

desconsideração da personalidade jurídica. Porto Alegre, 2011, p. 71-72. Disponível<br />

em: . Acesso em: 22 mar. 2012.


128 <br />

ocasião, citando Frank H. Easterbrook e Daniel R. Fischel, quanto menor a<br />

capitalização de uma firma, maior a probabilidade de que ela vá se<br />

engajar em atividades excessivamente arriscadas 180 .<br />

Isso posto, a cautela na fixação do que se deve considerar como<br />

capital adequado, já mencionada quando se tratou da exigência legal de<br />

capital mínimo, deve ser repetida aqui. Vale dizer, a mera inadimplência<br />

não é suficiente para configurar a subcapitalização, devendo haver a<br />

efetiva demonstração de que o capital social não guardava, desde o início,<br />

qualquer pertinência com o objeto social da pessoa jurídica.<br />

Nesse sentido, é a doutrina de Calixto Salomão Filho e de Giuseppe<br />

Portale, conforme enuncia Stefano Donassolo:<br />

Para o comercialista brasileiro, portanto, caberia a<br />

desconsideração da personalidade jurídica em caso de<br />

subcapitalização quando a incongruência entre o objeto social e o<br />

capital social fosse facilmente demonstrada – subcapitalização<br />

qualificada. Noutro sentido, quando a subcapitalização não fosse<br />

tão evidente, far-se-ia necessário comprovar a culpa ou o dolo em<br />

constituir uma sociedade que, por si, não possui condições de<br />

desenvolver sua atividade fim. (...)<br />

PORTALE compartilha a opinião de SALOMÃO FILHO, afirmando<br />

que apenas a “sottocapitalizzazione qualificata” e a<br />

“sottocapitalizzazione manifesta” permitem a sanção jurídica.<br />

Conforme o autor italiano, “il giudizio non è più di ‘congruità’ ma di<br />

‘manifesta incongruità’”. 181<br />

Essa é a abordagem mais adequada do tema, pois lida de maneira<br />

correta com a questão da difícil mensuração quanto ao que configura<br />

capitalização inadequada. Entendimento diverso poderia, de fato, conduzir<br />

180 A ideia é repisada, em termos semelhantes, por Rachel Sztajn, ao afirmar que,<br />

“quanto menor o valor do capital, maior o incentivo para exercer atividades mais<br />

arriscadas”. (SZTAJN, Rachel. Sobre a desconsideração da personalidade jurídica.<br />

Revista dos Tribunais, v. 762, abr. 1999, p. 81-97. p. 93)<br />

181 DONASSOLO, 2011, p. 75-76.


129 <br />

à excessiva discricionariedade do juízo, culminando em insegurança<br />

jurídica.<br />

Ressalte-se, por oportuno, que a aplicação da teoria do disregard<br />

em casos de evidente subcapitalização é largamente aceita na<br />

jurisprudência norte-americana 182 , exigindo-se, para tanto, que a<br />

inadequação do capital social seja patente. A questão foi assim analisada<br />

pela Suprema Corte daquele país, no caso Anderson v. Abbott, e no qual<br />

diversos precedentes são citados:<br />

Uma óbvia inadequação do capital, mensurada pela natureza e<br />

magnitude da empreitada corporativa, tem sido frequentemente<br />

um importante fator em casos nos quais se nega aos acionistas o<br />

recurso à <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>. 183<br />

Fábio Konder Comparato resume a questão:<br />

Nos precedentes judiciais norte-americanos, um outro critério tem<br />

igualmente fundamentado as decisões, que imputam ao<br />

controlador a <strong>responsabilidade</strong> pelos débitos da companhia: é a<br />

inadequada capitalização. O capital na sociedade anônima, como<br />

salientou Ascarelli, é a margem mínima de sua solvabilidade.<br />

Como os acionistas não respondem, em princípio, pelos débitos<br />

sociais, é em torno do capital social que se organiza a proteção<br />

legal dos direitos dos credores. Por isso, algumas legislações não<br />

se limitam a preservar a integridade desse capital, mas ainda<br />

fixam-lhe um valor mínimo.<br />

É importante notar que o dever de capitalização da empresa<br />

constitui um princípio geral do direito mercantil, não submetido à<br />

lei majoritária nas sociedades de comércio. (...)<br />

182 Jurisprudência essa que deve ser considerada, tendo em vista as próprias origens do<br />

instituto da desconsideração.<br />

183 “An obvious inadequacy of capital, measured by the nature and magnitude of the<br />

corporate undertaking, has frequently been an important factor in cases denying<br />

stockholders their defense of limited liability.” EUA. Suprema Corte. Anderson v. Abbott,<br />

321 U.S. 349. 6 de março de 1944. Disponível em:<br />

. Acesso em: 2<br />

abr. 2012.


130 <br />

Nos Estados Unidos, os tribunais fixaram o princípio de que,<br />

quando o capital de uma companhia é manifestamente insuficiente<br />

para o exercício de sua atividade empresarial, o controlador<br />

(active shareholder) não pode opor o princípio da separação<br />

patrimonial, para evitar a execução dos créditos sociais sobre os<br />

seus bens, no caso de insolvabilidade da companhia. A<br />

manutenção da exploração empresarial, nessas condições,<br />

representa um risco criado, deliberadamente, perante terceiros. 184<br />

Parece-nos claro, portanto, que a subcapitalização, quando<br />

manifesta, deve, no atual sistema brasileiro, dar ensejo à aplicação da<br />

teoria da desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista o<br />

abuso de tal personalidade, caracterizado pelo desvio de finalidade.<br />

Com o desiderato de concluir o presente capítulo, e repisando os<br />

argumentos nele esposados, pode-se afirmar que a Lei nº 12.441,<br />

malgrado tenha significado um relevante avanço no ambiente empresarial<br />

nacional, ao permitir ao empresário individual atuar albergado pela<br />

<strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>, apresenta diversos problemas, alguns dos quais<br />

de extrema gravidade.<br />

Assim é que, se, por um lado, a evidente atecnia na criação da<br />

pessoa jurídica consistente na empresa individual de <strong>responsabilidade</strong><br />

<strong>limitada</strong> não tem maiores repercussões práticas, por outro, a perspectiva<br />

que se avizinha é de uma longa discussão acerca da possibilidade de<br />

pessoas jurídicas constituírem EIRELI, tendo em vista a descuidada<br />

redação dos dispositivos legais em comento.<br />

Ainda mais relevante, o estabelecimento de capital mínimo em<br />

patamares elevados, sem qualquer observância às peculiaridades<br />

existentes nos diversos empreendimentos, representa um perigo<br />

considerável, que pode levar, no extremo, a um abandono do formato,<br />

porquanto ao empresário sempre restará a opção, condenável ou não, de<br />

constituir sociedades <strong>limitada</strong>s de fachada. A possibilidade do recurso a tal<br />

184 COMPARATO, 1983, p. 344/345.


131 <br />

opção é incrementada pelo fato de apenas a EIRELI estar submetida à<br />

exigência legal de capital mínimo, em claro incentivo à fuga do tipo<br />

societário, e reincidência ao recurso de se criar sociedades <strong>limitada</strong>s de<br />

fachada (decorrência do efeito Peltzman).<br />

Finalmente, observa-se que a subcapitalização, quando manifesta,<br />

pode atrair a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica,<br />

mesmo que a exigência legal de capital mínimo seja afastada. Vale dizer,<br />

a subcapitalização não se configura apenas quando desrespeitado o<br />

parâmetro legal (que poderia não existir), ocorrendo sempre que o<br />

empreendimento é provido com capital claramente insuficiente para seu<br />

pleno desenvolvimento, configurando o desvio de finalidade.


132 <br />

CONCLUSÃO<br />

Empreender no Brasil continua sendo tarefa árdua, tendo em vista<br />

os mais diversos fatores, da burocracia enfrentada durante o<br />

procedimento de constituição da sociedade empresária (ou de inscrição do<br />

empresário individual) às complexas e excruciantes legislações tributária e<br />

trabalhista. Pode-se afirmar, com tranquilidade, que o ambiente<br />

institucional não é dos mais propícios ao empreendedorismo.<br />

O relatório Doing Business 185 – elaborado pelo Banco Mundial, e<br />

que classifica a facilidade de se fazer negócios (iniciar e manter<br />

empreendimentos) nos países – evidencia tais fatos, posicionando o Brasil<br />

em 126º dentre os 183 países estudados, colocação nada honrosa quando<br />

se pensa na importância do país para a economia mundial (o Brasil é a<br />

sexta economia do mundo hoje, de acordo com diferentes institutos<br />

internacionais). Frise-se que, de 2011 para 2012, o Brasil caiu seis<br />

posições no supracitado ranking elaborado pelo Banco Mundial, o que<br />

delineia um contexto ainda mais preocupante.<br />

Não bastasse isso, via-se o empreendedor individual impedido, até<br />

recentemente, de atuar amparado pela limitação de <strong>responsabilidade</strong>,<br />

sendo-lhe vedado, portanto, separar parte de seu patrimônio para dedicar<br />

à atividade empresária.<br />

O desfaio vivido pelos empresários individuais é, portanto, parte de<br />

uma crise estrutural enfrentada pelo Brasil, reflexo de um país<br />

contraditório, que frustra sistematicamente seu próprio potencial, num<br />

processo de constante auto-sabotagem.<br />

O presente estudo evidenciou, de diferentes maneiras, como esse<br />

processo funciona, ao retratar, por exemplo, que, historicamente, são<br />

185 Disponível em: . Acesso em: 10 mai. 2012.


133 <br />

sempre tardias as reformas institucionais levadas a efeito no país. Não<br />

apenas isso, a falta de esmero dos legisladores, e dos operadores do<br />

direito em geral, resulta em legislações confusas e imprecisas, e em um<br />

ambiente de insegurança jurídica, extremamente pernicioso para o<br />

desenvolvimento de atividades econômicas.<br />

Conclui-se, portanto, que há um nítido e preocupante descompasso<br />

entre a importância do Brasil para o contexto econômico mundial e o<br />

ambiente institucional interno, daí resultando dificuldades para a<br />

sustentabilidade, a longo prazo, do país como potência econômica.<br />

A presente dissertação, repita-se, faz apenas um pequeno recorte<br />

dessa realidade contraditória encontrada no Brasil, mas, a partir do que<br />

foi aqui escrito, tais constatações saltam aos olhos.<br />

Isso posto, e focando nos objetivos originais do presente estudo,<br />

buscou-se demonstrar a importância da <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> para o<br />

desenvolvimento da atividade empresarial como um todo, mas também,<br />

mais especificamente, para o empreendedor individual.<br />

Vale dizer, não se poderia privar o empresário individual de atuar<br />

amparado pela <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>; não bastasse o evidente<br />

incentivo à formação de sociedades <strong>limitada</strong>s de fachada, a vedação<br />

contribuía para o alijamento dos pequenos empreendedores, dificultandoos<br />

de atuar de maneira competitiva no mercado.<br />

Conforme se pode extrair da presente dissertação, o empresário<br />

individual e a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> são, cada um à sua maneira,<br />

motores importantes do progresso econômico de uma nação.<br />

Com efeito, a estrutura simplificada advinda do empreendimento<br />

individual favorece sobremaneira o desenvolvimento de negócios<br />

inovadores, fazendo surgir novos produtos e serviços diferenciados,<br />

alimentando, desse modo, a economia. Destarte, não pode o empresário


134 <br />

individual ser negligenciado, devendo, ao contrário, ser criado um<br />

ambiente favorável à sua entrada no mercado.<br />

Noutro giro, a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> propiciou, e continua<br />

propiciando, o engajamento de pessoas em atividades econômicas sem<br />

que estas se tornem um fardo insuportável para aquelas. Ao se permitir<br />

que um indivíduo comprometa apenas parte de seu patrimônio em<br />

determinada empreitada, está-se incentivando a assunção de riscos<br />

consciente e planejada, elemento essencial para o desenvolvimento<br />

econômico.<br />

A conjugação dos dois institutos, malgrado tardiamente admitida<br />

no Brasil, contribui para uma melhora, ainda que pequena –<br />

considerando-se o complexo contexto acima evidenciado –, do ambiente<br />

institucional. A atribuição de <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ao empresário<br />

individual facilita a entrada de novos empreendedores no mercado, o que<br />

deve levar a um incremento salutar da competitividade, bem como ao<br />

fomento da economia, conforme exposto anteriormente.<br />

Isso posto, é importante observar que a edição da Lei nº 12.441<br />

não encerra, de forma alguma, a discussão, alimentando, ao contrário, o<br />

surgimento de novos debates, de modo a aprimorar os institutos ali<br />

previstos. Assim é que as diversas críticas feitas à novel legislação deixam<br />

claro que o primeiro passo foi dado, mas muito ainda há a ser feito, a<br />

partir das balizas já fixadas.<br />

Vale dizer, a fluidez do mercado capitalista demanda constantes<br />

revisões da legislação. Assim, o contínuo debate acerca das restrições<br />

impostas à limitação de <strong>responsabilidade</strong> do empresário individual, no<br />

tocante ao capital mínimo, à desconsideração da personalidade jurídica,<br />

ou aos demais temas já ventilados ou ainda por ventilar, levará ao<br />

aprimoramento dos institutos em comento.


135 <br />

Finalmente, vale repisar algumas das lições extraídas do presente<br />

estudo, de modo a fixar certos pontos, que consideramos vitais.<br />

A primeira diz respeito à <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong>: surgido,<br />

essencialmente, da dinâmica do mercado, o instituto apresenta qualidades<br />

tais que o tornam apropriado para diversos tipos de empreendimentos,<br />

tendo sido rapidamente absorvido pelas legislações em torno do globo<br />

terrestre. Apesar dos constantes ataques sofridos (e da sempre necessária<br />

revisão de paradigmas), a <strong>responsabilidade</strong> <strong>limitada</strong> ainda não encontrou<br />

“adversários”, devendo permanecer como o estado da arte no contexto do<br />

direito empresarial, ao menos pelo futuro que ora se delineia.<br />

A segunda se refere à atividade empresarial, em geral, e, mais<br />

especificamente, ao empresário individual: o interesse em empreender e<br />

auferir frutos de tais empreitadas sempre levou as pessoas a superar os<br />

obstáculos colocados diante de si, seja nos tempos da commenda, quando<br />

se fazia necessário singrar os mares, seja no mundo atual, com as<br />

vicissitudes que lhe são peculiares. Tal constatação não ilide a<br />

necessidade de se incentivar o constante ingresso de novos<br />

empreendedores no mercado, de modo a mantê-lo oxigenado. Para tanto,<br />

o ambiente institucional deve ser convidativo, encorajando,<br />

principalmente, os pequenos atores a participar.<br />

O que nos leva à derradeira lição, focada na Lei nº 12.441: seu<br />

real impacto ainda não pode ser medido, mas é de se imaginar que as<br />

alterações levadas a efeito no Código Civil reverberarão de maneira<br />

significativa no ambiente empresarial, com um incremento considerável<br />

no número de empresários individuais, ainda que na equivocada forma da<br />

EIRELI. Importa, nesse contexto, observar que a norma em comento não<br />

pode dar por encerrada a contenda, pois seus diversos lapsos devem ser<br />

sanados de maneira diligente, propiciando aos empreendedores<br />

individuais um ambiente institucional seguro e receptivo à atividade<br />

empresarial.


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