20.04.2015 Views

Cap´ıtulo 25 O Teorema do Ponto Fixo de Banach e Algumas de ...

Cap´ıtulo 25 O Teorema do Ponto Fixo de Banach e Algumas de ...

Cap´ıtulo 25 O Teorema do Ponto Fixo de Banach e Algumas de ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Capítulo <strong>25</strong><br />

Espaços Métricos<br />

Conteú<strong>do</strong><br />

<strong>25</strong>.1 Métricas e Espaços Métricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1204<br />

<strong>25</strong>.1.1 Completeza e o Completamento Canônico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1211<br />

<strong>25</strong>.2 A Noção <strong>de</strong> Topologia <strong>de</strong> Espaços Métricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1219<br />

<strong>25</strong>.3 Pseu<strong>do</strong>-Métricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1222<br />

<strong>25</strong>.4 Espaços <strong>de</strong> Funções Limitadas e Completeza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1224<br />

<strong>25</strong>.5 Espaços <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> e <strong>de</strong> Hilbert . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1227<br />

<strong>25</strong>.5.1 Espaços <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> em Espaços <strong>de</strong> Sequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1229<br />

<strong>25</strong>.6 <strong>Teorema</strong> <strong>do</strong> Melhor Aproximante em Espaços Norma<strong>do</strong>s Uniformemente Convexos . . 1240<br />

<strong>25</strong>.7 Exercícios Adicionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1245<br />

APÊNDICES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1248<br />

<strong>25</strong>.A Números Reais e p-ádicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1248<br />

<strong>25</strong>.A.1 A Construção <strong>de</strong> Cantor <strong>do</strong>s Números Reais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1248<br />

<strong>25</strong>.A.2 Outros Completamentos <strong>do</strong>s Racionais. Números p-ádicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1<strong>25</strong>1<br />

<strong>25</strong>.B Aproximações para π . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1<strong>25</strong>4<br />

To<strong>do</strong>s estamos familiariza<strong>do</strong>s com a noção usual e intuitiva <strong>de</strong> distância entre pontos da reta real R, <strong>do</strong> plano<br />

bidimensional R 2 ou <strong>do</strong> espaço tridimensional R 3 . O estudante há <strong>de</strong> reconhecer que boa parte <strong>do</strong> material<br />

trata<strong>do</strong> em cursos <strong>de</strong> cálculo <strong>de</strong> funções <strong>de</strong> uma ou várias variáveis, reais ou complexas, como as noções<br />

<strong>de</strong> <strong>de</strong>rivação e integração, assenta-se sobre noções como as <strong>de</strong> convergência e limite, as quais, por sua vez,<br />

assentam-se sobre a noção intuitiva <strong>de</strong> distância entre pontos. Assim, por exemplo, dizemos que uma sequência x n <strong>de</strong><br />

pontos na reta real converge a um ponto x se a distância |x n −x| entre x n e x torna-se menor e menor à medida que n<br />

cresce. Mais adiante faremos essas idéias mais precisas e gerais.<br />

Ao longo <strong>do</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento, especialmente após o século XIX, a Matemática reconheceu a importância <strong>de</strong><br />

abstrair e generalizar a noção intuitiva <strong>de</strong> distância <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> a aplicá-la a outros tipos <strong>de</strong> conjuntos que não os familiares<br />

espaços <strong>de</strong> dimensão finita R, R 2 ou R 3 . Esse <strong>de</strong>senvolvimento conduziu às noções <strong>de</strong> métrica, <strong>de</strong> espaços métricos<br />

e <strong>de</strong> espaços métricos completos, as quais <strong>de</strong>finiremos mais adiante, e permitiu aplicar muitas das noções geométricas<br />

e instrumentos analíticos, originalmente <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>s em espaços mais familiares, para conjuntos menos acessíveis à<br />

intuição, como por exemplo espaços vetoriais <strong>de</strong> dimensão infinita, tais como espaços <strong>de</strong> funções ou <strong>de</strong> sequências.<br />

Uma importante aplicação <strong>de</strong>ssas idéias à teoria das equações diferenciais e integrais será vista no Capítulo 26, quan<strong>do</strong><br />

trataremos <strong>do</strong> <strong>Teorema</strong> <strong>do</strong> <strong>Ponto</strong> <strong>Fixo</strong> <strong>de</strong> <strong>Banach</strong>.<br />

Lembramos ao estudante que o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> dimensão infinita não é uma mera abstração <strong>de</strong>sprovida <strong>de</strong> uso<br />

ou interesse prático. Ao se <strong>de</strong>compor uma função f, contínua, diferenciável e periódica <strong>de</strong> perío<strong>do</strong> 2π, em sua série <strong>de</strong><br />

Fourier 1 ,<br />

∞∑ e int<br />

f(t) = a n √<br />

2π<br />

n=−∞<br />

tal como ocorre, por exemplo, no problema da corda vibrante, o que estamos fazen<strong>do</strong> é precisamente expressar uma<br />

tal função em termos <strong>de</strong> componentes em uma base <strong>de</strong> um espaço <strong>de</strong> dimensão infinita, no caso a base formada pelas<br />

infinitas funções √ eint<br />

2π<br />

com n ∈ Z.<br />

Para o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> dimensão infinita, como o <strong>de</strong>sse exemplo, seria muito importante se pudéssemos reter<br />

algumas das noções geométricas familiares em espaços <strong>de</strong> dimensão finita. O emprego <strong>de</strong> idéias geométricas análogas<br />

àquelas encontradas nos espaços R, R 2 ou R 3 é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância na tarefa <strong>de</strong> explorar espaços <strong>de</strong> dimensão infinita,<br />

como o espaço das funções contínuas periódicas <strong>de</strong> perío<strong>do</strong> 2π, justamente por trazerem tais espaços para mais perto da<br />

1 Jean Baptiste Joseph Fourier (1768–1830). A teoria das séries <strong>de</strong> Fourier é <strong>de</strong>senvolvida no Capítulo 35, página 1669.<br />

1203


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1204/2117<br />

nossa intuição. Por razões evolutivas, o cérebro humano só é capaz <strong>de</strong> produzir e <strong>de</strong>senvolver imagens em uma, duas<br />

ou três dimensões e, portanto, para o estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> espaços com mais dimensões faz-se necessário dispor <strong>de</strong> instrumentos<br />

abstratos que permitam <strong>de</strong>senvolver raciocínios o mais próximo possível daqueles emprega<strong>do</strong>s em espaços <strong>de</strong> dimensão<br />

1, 2 ou 3.<br />

Devi<strong>do</strong> às bem-conhecidas “relações <strong>de</strong> ortogonalida<strong>de</strong>”<br />

1<br />

2π<br />

∫ 2π<br />

0<br />

e i(n−m)t dt = δ n,m<br />

sabemos que, as constantes a n da <strong>de</strong>composição <strong>de</strong> Fourier acima são dadas por<br />

a n =<br />

∫ 2π<br />

0<br />

e −int<br />

√<br />

2π<br />

f(t)dt ,<br />

e po<strong>de</strong>m ser interpretadas geometricamente como as projeções, ou componentes, da função f na “direção” das funções<br />

e −int<br />

√<br />

2π<br />

. (A noção <strong>de</strong> projeção, ou componente, <strong>de</strong> um vetor é familiar em R 2 ou em R 3 ). Como é bem sabi<strong>do</strong> (para a<br />

teoria das séries <strong>de</strong> Fourier, vi<strong>de</strong> [73]), vale também a relação, conhecida como I<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Parseval 2 ,<br />

√ ∫ 2π<br />

0<br />

√ √√√ ∣<br />

∣ f(t) 2<br />

∑<br />

∞<br />

dt =<br />

n=−∞<br />

|a n | 2 .<br />

Sen<strong>do</strong> o la<strong>do</strong> direito a raiz quadrada da soma <strong>do</strong> quadra<strong>do</strong> das componentes ortogonais <strong>de</strong> f, po<strong>de</strong>mos interpretar o la<strong>do</strong><br />

esquer<strong>do</strong> como o “módulo” ou “comprimento” da função f (entendida como vetor no espaço <strong>de</strong> dimensão infinita das<br />

funções periódicas <strong>de</strong> perío<strong>do</strong> 2π), tal como no <strong>Teorema</strong> <strong>de</strong> Pitágoras 3 em R 2 ou R 3 .<br />

Se levada adiante, essa analogia geométrica nos permite <strong>de</strong>finir uma possível noção <strong>de</strong> distância entre duas funções<br />

contínuas periódicas f e g, que <strong>de</strong>notaremos por 4 d 2 (f, g), como o módulo (ou “comprimento”) da diferença entre duas<br />

funções, tal como se faz em espaços <strong>de</strong> dimensão finita:<br />

d 2 (f, g) :=<br />

√ ∫ 2π<br />

0<br />

∣ f(t)−g(t)<br />

∣ ∣<br />

2<br />

dt .<br />

Com esse instrumento em mãos po<strong>de</strong>mos agora empregar conceitos como o <strong>de</strong> convergência e limite <strong>de</strong> sequências no<br />

espaço <strong>de</strong> dimensão infinita das funções contínuas periódicas e, eventualmente, prosseguir <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> em tais espaços<br />

outros ingredientes <strong>do</strong> Cálculo e da Análise.<br />

Para implementar tais <strong>de</strong>senvolvimentos, vamos no presente capítulo introduzir algumas importantes noções gerais,<br />

como as <strong>de</strong> métrica, <strong>de</strong> espaço métrico, <strong>de</strong> sequências <strong>de</strong> Cauchy em espaços métricos, <strong>de</strong> completamento <strong>de</strong> espaços<br />

métricos e <strong>de</strong> topologia <strong>de</strong> espaços métricos, noções essas que provaram ser <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> importância na tarefa <strong>de</strong> levar os<br />

instrumentos familiares <strong>de</strong> abordagem matemática <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> dimensão finita a espaços <strong>de</strong> dimensão infinita e outros.<br />

<strong>25</strong>.1 Métricas e Espaços Métricos<br />

As noções <strong>de</strong> Métrica e <strong>de</strong> Espaço Métrico foram introduzidas por Fréchet 5 em sua tese <strong>de</strong> <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> “Sur quelques<br />

points du calcul fonctionnel”, apresentada, sob supervisão <strong>de</strong> Hadamard 6 , à École Normale Supérieure <strong>de</strong> Paris em 1906.<br />

A expressão “espaço métrico”, no entanto, não foi sua invenção, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> cunhada por Haus<strong>do</strong>rff 7 em 1914. Vamos a<br />

essas importantes <strong>de</strong>finições.<br />

• Métricas<br />

Uma questão importante que se coloca é a <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntificar quais proprieda<strong>de</strong>s básicas a noção intuitiva <strong>de</strong> distância<br />

possui para permitir seu emprego em várias instâncias. O <strong>de</strong>senvolvimento da Matemática conduziu a uma i<strong>de</strong>ntificação<br />

2 Marc-Antoine Parseval <strong>de</strong>s Chênes (1755–1836).<br />

3 Pitágoras <strong>de</strong> Samos (ci. 569 A.C. – ci. 475 A.C.).<br />

4 A razão <strong>de</strong> empregarmos o sub-índice “2” na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> d 2 (f, g) será esclarecida mais adiante.<br />

5 Maurice René Fréchet (1878–1973). Fréchet também introduziu a noção <strong>de</strong> compacida<strong>de</strong>.<br />

6 Jacques Salomon Hadamard (1865–1963).<br />

7 Felix Haus<strong>do</strong>rff (1868–1942).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1205/2117<br />

<strong>de</strong>sses ingredientes em um conjunto <strong>de</strong> quatro proprieda<strong>de</strong>s, as quais resumem tu<strong>do</strong> o que é essencialmente necessário na<br />

<strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> resulta<strong>do</strong>s nos quais a noção <strong>de</strong> distância é empregada. Surgiu da i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong>ssas proprieda<strong>de</strong>s a<br />

noção matemática <strong>de</strong> métrica, a qual abstrai e generaliza a noção intuitiva <strong>de</strong> distância. Vamos a essa <strong>de</strong>finição.<br />

Seja X um conjunto (entendi<strong>do</strong> <strong>do</strong>ravante como não-vazio). Uma função d : X ×X → R é dita ser uma métrica em<br />

X se possuir as seguintes proprieda<strong>de</strong>s:<br />

1. Positivida<strong>de</strong>: d(a, b) ≥ 0 para to<strong>do</strong>s a, b ∈ X.<br />

2. Condição <strong>de</strong> distância nula: d(a, b) = 0 se e somente se a = b.<br />

3. Simetria: para to<strong>do</strong>s a e b ∈ X vale d(a, b) = d(b, a).<br />

4. Desigualda<strong>de</strong> triangular: para to<strong>do</strong>s a, b e c ∈ X vale d(a, b) ≤ d(a, c)+d(b, c).<br />

A quarta proprieda<strong>de</strong> acima é particularmente importante e é <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a seu<br />

significa<strong>do</strong> geométrico nos espaços R 2 e R 3 com a métrica usual. (Justifique!) As quatro proprieda<strong>de</strong>s listadas acima<br />

são aquelas i<strong>de</strong>ntificadas como essenciais à noção intuitiva <strong>de</strong> distância e qualquer função d que as satisfaça, ou seja,<br />

qualquermétrica, po<strong>de</strong> potencialmenteser empregada como equivalente àquelanoção. Um ponto importanteda <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> métrica é a condição que afirma que d(x, y) = 0 se e somente se x e y forem iguais. Compare com a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />

pseu<strong>do</strong>-métrica à página 1222.<br />

Comentários. Mencionamos en passantque as condições<strong>de</strong> simetria e <strong>de</strong> positivida<strong>de</strong>, acima, são, em verda<strong>de</strong>, consequênciada <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

triangular e da suposição que d(a, b) = 0 se e somente se a = b.<br />

Se supomos que d(a, b) ≤ d(a, c)+d(b, c). para to<strong>do</strong>s a, b e c ∈ X, então, toman<strong>do</strong> c = a isso diz-nos que d(a, b) ≤ d(b, a). Trocan<strong>do</strong>-se<br />

as letras a ↔ b, isso diz-nos que d(b, a) ≤ d(a, b) e, portanto, vale d(b, a) = d(a, b) para to<strong>do</strong>s a e b ∈ X, estabelecen<strong>do</strong> a condição <strong>de</strong><br />

simetria.<br />

Agora, usan<strong>do</strong>-se a condição <strong>de</strong> simetria e a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular, po<strong>de</strong>mos também estabeceler a condição <strong>de</strong> positivida<strong>de</strong>. De fato,<br />

usan<strong>do</strong> essas duas condições, po<strong>de</strong>-se provar o seguinte fato mais forte: para to<strong>do</strong>s x, y, z ∈ X vale<br />

d(x, y) ≥ ∣ ∣ d(x, z)−d(z, y)<br />

∣ ∣ , (<strong>25</strong>.1)<br />

o que, em particular, garante que d(x, y) ≥ 0. Para provar isso, note-se que pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular e pela condição <strong>de</strong> simetria, temos<br />

d(x, z) ≤ d(x, y)+d(y, z). Logo,<br />

d(x, y) ≥ d(x, z)−d(y, z) . (<strong>25</strong>.2)<br />

Trocan<strong>do</strong>-se x por y e usan<strong>do</strong>-se a condição <strong>de</strong> simetria, obtemos também<br />

d(x, y) = d(y, x) ≥ d(y, z)−d(x, z) . (<strong>25</strong>.3)<br />

Ambas as relações (<strong>25</strong>.2) e (<strong>25</strong>.3) dizem que d(x, y) ≥ |d(x, z)−d(y, z)|, como queríamos mostrar.<br />

Dessa forma, a <strong>de</strong>finião <strong>de</strong> métrica po<strong>de</strong> ser reduzida às seguintes condições:<br />

1. Condição <strong>de</strong> distância nula: d(a, b) = 0 se e somente se a = b.<br />

2. Desigualda<strong>de</strong> triangular: para to<strong>do</strong>s a, b e c ∈ X vale d(a, b) ≤ d(a, c)+d(b, c).<br />

A inclusão das condições <strong>de</strong> positivida<strong>de</strong> e simetria é supérflua e a fazemos apenas para enfatizar essas importantes proprieda<strong>de</strong>s.<br />

♣<br />

O exemplo mais básico <strong>de</strong> uma métrica é ofereci<strong>do</strong>, no caso X = R, pela função d(x, y) = |y −x|, x, y ∈ R. Outro<br />

exemplo essencialmente idêntico em X = C, é ofereci<strong>do</strong> pela função d(z, w) = |z−w|, z, w ∈ C. Essas são as chamadas<br />

métricas usuais em R e C, respectivamente. Deixamos ao leitor a tarefa simples <strong>de</strong> verificar que essas funções satisfazem<br />

as condições da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> métrica.<br />

• Espaços métricos e outros exemplos básicos<br />

Se X é um conjunto não-vazio e d é uma métrica em X, dizemos que o par (X, d) é um espaço métrico. Ou seja, um<br />

espaço métrico vem a ser um conjunto muni<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica.<br />

Como mencionamos, as proprieda<strong>de</strong>s requeridas na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> métrica, acima, foram enunciadas sob inspiração <strong>do</strong><br />

exemplo familiar <strong>do</strong> próximo exercício.<br />

E. <strong>25</strong>.1 Exercício. Verifique que a função d 2 (x, y) := √ (y 1 −x 1 ) 2 +···+(y n −x n ) 2 , on<strong>de</strong> x = (x 1 ,...,x n ) e<br />

y = (y 1 ,...,y n ), é uma métrica em R n (chamada <strong>de</strong> métrica Euclidiana). 6<br />

É importante que o estudante familiarize-se <strong>de</strong>s<strong>de</strong> ce<strong>do</strong> com o fato que um conjunto X po<strong>de</strong> ter várias métricas. O<br />

exemplo anterior e os <strong>do</strong>is abaixo ilustram isso.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1206/2117<br />

E. <strong>25</strong>.2 Exercício. Verifique que a função d ∞ (x, y) := max{|y 1 − x 1 |,...,|y n − x n |}, on<strong>de</strong> x = (x 1 ,...,x n ) e<br />

y = (y 1 ,...,y n ), é uma métrica em R n . 6<br />

E. <strong>25</strong>.3 Exercício. Verifique que a função d 1 (x, y) := |y 1 −x 1 |+···+|y n −x n |, on<strong>de</strong> x = (x 1 ,...,x n ) e y = (y 1 ,...,y n ),<br />

é uma métrica em R n . 6<br />

Mais adiante mostraremos que todas as funções<br />

d p (x, y) :=<br />

[ ∣∣y1<br />

−x 1<br />

∣ ∣<br />

p<br />

+···+<br />

∣ ∣yn −x n<br />

∣ ∣<br />

p ] 1/p<br />

,<br />

com p ≥ 1 são métricas em R n . A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular segue facilmente da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski (5.45), página<br />

<strong>25</strong>5, provada na Seção 5.2.3.1, página <strong>25</strong>5.<br />

Uma característica importante da noção abstrata <strong>de</strong> métrica é que a mesma aplica-se também a espaços outros que<br />

não os familiares espaços R n . Os exercícios abaixo ilustram isso no caso <strong>do</strong> conjunto X = C([0, 1]), que vem a ser o<br />

conjunto das funções contínuas reais <strong>de</strong>finidas no intervalo [0, 1].<br />

O leitor <strong>de</strong>ve se recordar que, como o intervalo [0, 1] é compacto, toda função f contínua nele <strong>de</strong>finida é limitada,<br />

pois |f| é contínua e possui um máximo e um mínimo (esse bem-conhecida afirmação encontra-se provada no <strong>Teorema</strong><br />

32.16, página 1484, vi<strong>de</strong> também os bons livros <strong>de</strong> Cálculo e Análise).<br />

E. <strong>25</strong>.4 Exercício. Seja X = C([0, 1]) o conjunto <strong>de</strong> todas as funções reais contínuas <strong>de</strong>finidas em [0, 1]. Consi<strong>de</strong>re a<br />

seguinte função d ∞ : X ×X → R:<br />

∣<br />

d ∞ (f, g) = sup ∣ f(x)−g(x) .<br />

x∈[0,1]<br />

Mostre que d ∞ uma métrica em X. 6<br />

E. <strong>25</strong>.5 Exercício. Seja X = C([0, 1]) o conjunto <strong>de</strong> todas as funções reais contínuas <strong>de</strong>finidas em [0, 1]. Consi<strong>de</strong>re a<br />

seguinte função d 1 : X ×X → R:<br />

∫ 1 ∣<br />

d 1 (f, g) = ∣f(x)−g(x) ∣ ∣dx .<br />

0<br />

Mostre que d 1 uma métrica em X. 6<br />

E. <strong>25</strong>.6 Exercício. Seja X = C([0, 1]) o conjunto <strong>de</strong> todas as funções reais contínuas <strong>de</strong>finidas em [0, 1]. Consi<strong>de</strong>re a<br />

seguinte função d 2 : X ×X → R: √ ∫ 1<br />

∣<br />

d 2 (f, g) = ∣ f(x)−g(x) 2<br />

dx .<br />

0<br />

Mostre que d 2 uma métrica em X. 6<br />

Mais adiante mostraremos que em C([0, 1]) todas as funções<br />

com p ≥ 1 são igualmente métricas.<br />

d p (f, g) =<br />

[∫ 1 ∣<br />

∣f(x)−g(x) ∣ 1/p dx] p .<br />

O exemplo a seguir mostra que uma métrica po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finida em qualquer conjunto não-vazio.<br />

0<br />

E. <strong>25</strong>.7 Exercício. Seja X um conjunto não-vazio e consi<strong>de</strong>re a seguinte função d t : X ×X → R:<br />

⎧<br />

⎪⎨ 0 , se x = y ,<br />

d t (x, y) :=<br />

⎪⎩ 1 , se x ≠ y .<br />

(<strong>25</strong>.4)<br />

Mostre que d t uma métrica em X, <strong>de</strong>nominada métrica trivial. 6


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1207/2117<br />

• Métricas não-Arquimedianas e espaços ultramétricos<br />

Seja (M, d) um espaço métrico. A métrica d é dita ser uma métrica não-Arquimediana 8 se valer<br />

d(x, y) ≤ max { d(x, z), d(z, y) } (<strong>25</strong>.5)<br />

para to<strong>do</strong>s x, y, z ∈ M. É elementar constatar (faça-o!) que (<strong>25</strong>.5) implica a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular. Na literatura,<br />

uma métrica não-Arquimediana é também dita ser uma ultramétrica (ou ainda uma supermétrica) e um espaço métrico<br />

<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma ultramétrica é dito ser um espaço ultramétrico (ou um espaço supermétrico).<br />

Amétricatrivial(<strong>25</strong>.4)éumexemploelementar<strong>de</strong>métricanão-Arquimediana(verifique!). Umexemplomaisrelevante<br />

<strong>de</strong> métrica não-Arquimediana será encontra<strong>do</strong> na discussão sobre números p-ádicos da Seção <strong>25</strong>.A, página 1248.<br />

Para exemplos <strong>de</strong> aplicações <strong>de</strong> métricas não-Arquimedianas em Física, notadamente na Mecânica Estatística, vi<strong>de</strong><br />

“Ultrametricity for Physicists”, <strong>de</strong> R. Rammal, G. Toulouse e M. Virasoro, Reviews of Mo<strong>de</strong>rn Physics 58, 765–778<br />

(1986).<br />

• Métricas e normas em espaços vetoriais<br />

Se E é um espaço vetorial <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma norma ‖ · ‖ E (a noção <strong>de</strong> norma em espaços vetoriais foi introduzida na<br />

Seção 3.2, página 199), po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir uma métrica em E através da seguinte expressão: para u, v ∈ E,<br />

d E (u, v) = ‖u−v‖ E .<br />

Essa métrica é dita ser a métrica induzida pela norma ‖·‖ E .<br />

E. <strong>25</strong>.8 Exercício. Prove que essa expressão <strong>de</strong> fato satisfaz as proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>ras <strong>de</strong> métrica. Sugestão: para<br />

<strong>de</strong>monstrar a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular, use a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> norma ‖a + b‖ ≤ ‖a‖ + ‖b‖ para provar que ‖u − v‖ E =<br />

‖u−w +w−v‖ E ≤ ‖u−w‖ E +‖w−v‖ E para to<strong>do</strong>s u, v, w ∈ E. 6<br />

E. <strong>25</strong>.9 Exercício. Diversas métricas apresentadas acima são induzidas por normas. I<strong>de</strong>ntifique-as! 6<br />

Como vimos, se E é um espaço vetorial norma<strong>do</strong>, então é também um espaço métrico com a métrica induzida pela<br />

norma, <strong>de</strong>finida acima. O próximo exercício trata da questão <strong>de</strong> saber que condições são necessárias e suficientes para<br />

que uma métrica <strong>de</strong>finida em um espaço vetorial seja induzida por uma norma, ou seja, da questão <strong>de</strong> saber quan<strong>do</strong> é<br />

possível <strong>de</strong>finir uma norma a partir <strong>de</strong> uma métrica.<br />

E. <strong>25</strong>.10 Exercício. Seja E um espaço vetorial complexo <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica d. Mostre que para que a métrica d seja<br />

uma métrica induzida por uma norma é necessário e suficiente supor que d satisfaz as seguintes condições:<br />

1. Invariância translacional: d(u+t, v +t) = d(u, v) para to<strong>do</strong>s u, v e t ∈ E.<br />

2. Transformação <strong>de</strong> escala: d(αu, αv) = |α|d(u, v) para to<strong>do</strong>s u, v ∈ E e to<strong>do</strong> α ∈ C.<br />

Sugestão. Prove que sob as hipóteses 1 e 2, a expressão ‖u‖ := d(u, 0) com u ∈ E, <strong>de</strong>fine uma norma em E e mostre que<br />

essa é a norma que induz a métrica d. 6<br />

• Sequências<br />

Antes <strong>de</strong> prosseguirmos, recor<strong>de</strong>mos uma <strong>de</strong>finição básica.<br />

Se X é um conjunto não-vazio, uma função a : N → X é dita ser uma sequência em X. Como é familiar ao estudante,<br />

o valor <strong>de</strong> a em n ∈ N é frequentemente <strong>de</strong>nota<strong>do</strong> por a n ao invés <strong>de</strong> a(n). Analogamente, uma sequência a : N → X é<br />

frequentemente <strong>de</strong>notada por {a n } n∈N , por {a n , n ∈ N}, ou ainda, com um certo abuso <strong>de</strong> linguagem, simplesmente por<br />

a n . Essa última notação é, talvez, a mais frequente, mas po<strong>de</strong>, em certas ocasiões, causar alguma confusão pois, como<br />

mencionamos, a n <strong>de</strong>signa, estritamente falan<strong>do</strong>, o valor <strong>de</strong> a em n, não a sequência toda.<br />

Vamos agora introduzir várias noções fundamentais, as quais provêm <strong>de</strong> <strong>de</strong>finições bem conhecidas no contexto da<br />

reta real.<br />

8 Arquime<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Siracusa (ci. 287 A.C. – ci. 212 A.C.).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1208/2117<br />

• Subsequências<br />

Seja X um conjunto e seja a : N → X uma sequência em X. Seja também κ : N → N uma função estritamente<br />

crescente (ou seja, k(m) < k(n) se m < n). Então, a◦κ : N → X é dita ser uma subsequência <strong>de</strong> a.<br />

• Convergência em espaços métricos<br />

Seja (X, d) um espaço métrico. Dizemos que uma sequência a em X converge para um elemento x ∈ X em relação<br />

à métrica d se para to<strong>do</strong> ǫ > 0 existir um número natural N(ǫ) (eventualmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ǫ) tal que d(x, a n ) < ǫ<br />

para to<strong>do</strong> n > N(ǫ).<br />

A seguinte proposição é fundamental, pois nos diz que, em um espaço métrico, uma sequência, se for convergente, só<br />

po<strong>de</strong> convergir a um ponto:<br />

Proposição <strong>25</strong>.1 Seja (X, d) um espaço métrico e seja b uma sequência em X. Suponha que b converge a um elemento<br />

x ∈ X e a um elemento y ∈ X. Então, x = y. 2<br />

Prova. Pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular, temos que d(x, y) ≤ d(x, b n )+d(b n , y) para qualquer n. Agora, como b converge<br />

a x sabemos que, para qualquer ǫ > 0 teremos d(x, b n ) < ǫ para to<strong>do</strong> n gran<strong>de</strong> o suficiente, ou seja, para to<strong>do</strong> n maior<br />

que um certo inteiro N x (ǫ). Analogamente, como b n converge a y sabemos que, para qualquer ǫ > 0 teremos d(y, b n ) < ǫ<br />

para to<strong>do</strong> n gran<strong>de</strong> o suficiente, ou seja, para to<strong>do</strong> n maior que um certo inteiro N y (ǫ). Assim, para to<strong>do</strong> n maior que<br />

max{N x (ǫ), N y (ǫ)} teremos d(x, y) < 2ǫ. Ora, como ǫ é um número positivo arbitrário, uma tal <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> só po<strong>de</strong><br />

ser válida se d(x, y) = 0. Como d é uma métrica, isso implica x = y.<br />

O estudante po<strong>de</strong> constatar que a <strong>de</strong>monstração acima faz uso <strong>de</strong> todas as proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>ras da noção <strong>de</strong><br />

métrica, o que ilustra a importância <strong>de</strong> noções abstratas como aquela.<br />

Um pouco <strong>de</strong> notação. Se uma sequência a em X converge a x ∈ X em relação à métrica d entãox é dito ser o d-limite<br />

<strong>de</strong> a, ou simplesmente o limite <strong>de</strong> a, se a métrica d estiver subentendida. Denotamos esse fato escreven<strong>do</strong> x = d−lim a n→∞<br />

n,<br />

ou simplesmente x = lim a n (se a métrica d estiver subentendida). Outra notação frequentemente empregada para<br />

n→∞<br />

d<br />

dizer que x é o d-limite <strong>de</strong> a é a n −→ x.<br />

• Sequências <strong>de</strong> Cauchy<br />

Seja um espaço métrico X com uma métrica d. Uma sequência a <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> X é dita ser uma sequência <strong>de</strong><br />

Cauchy 9 em relação à métrica d se para to<strong>do</strong> ǫ > 0 existir um número natural N(ǫ) (eventualmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ǫ) tal<br />

que d(a i , a j ) < ǫ para to<strong>do</strong> i e j tais que i > N(ǫ) e j > N(ǫ).<br />

A seguinte proposição é fundamental:<br />

Proposição <strong>25</strong>.2 Seja um espaço métrico X com uma métrica d e seja b uma sequência convergente em relação à<br />

métrica d a um elemento x ∈ X. Então, b é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em relação à métrica d.<br />

Prova. Sejam m e n arbitrários. Pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular, vale d(b n , b m ) ≤ d(b n , x) + d(x, b m ). Agora, como b<br />

converge a x sabemos que para to<strong>do</strong> ǫ > 0 teremos d(b n , x) < ǫ/2 e d(b m , x) < ǫ/2 <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que ambos m e n sejam<br />

maiores que algum N(ǫ/2). Nesse caso, então, d(b n , b m ) ≤ ǫ/2+ǫ/2 = ǫ. Isso completa a prova.<br />

Uma questão <strong>de</strong> fundamental importância que agora se coloca é a seguinte: será válida a recíproca da proposição<br />

acima, ou seja, será que toda sequência <strong>de</strong> Cauchy em um espaço métrico é convergente? A importância <strong>de</strong>ssa questão<br />

é a seguinte. Dada uma sequência concreta x n em um espaço métrico X, não sabemos a priori se x n convergirá ou<br />

não a menos que encontremos um elemento x em X com a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejada (para to<strong>do</strong> ǫ > 0, existe N(ǫ) tal que<br />

d(x n , x) < ǫ sempre que n > N(ǫ)). Nem sempre po<strong>de</strong> ser fácil ou possível encontrar explicitamente tal x, e gostaríamos<br />

<strong>de</strong> possuir um critério basea<strong>do</strong> apenas em proprieda<strong>de</strong>s verificáveis da sequência x n que nos permita dizer se ela converge<br />

ou não. A proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma sequência ser <strong>de</strong> Cauchy é uma proprieda<strong>de</strong> cuja valida<strong>de</strong> ou não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> apenas da<br />

sequência e, portanto, em face à Proposição <strong>25</strong>.2, é um ótimo candidato a ser um tal critério <strong>de</strong> convergência.<br />

9 Augustin Louis Cauchy (1789–1857).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1209/2117<br />

Suce<strong>de</strong>, porém, que, em geral, a resposta à pergunta acima é negativa: existem espaços métricos nos quais há<br />

sequências <strong>de</strong> Cauchy que não convergem. Isso é ilustra<strong>do</strong> pelos seguintes exemplos. Consi<strong>de</strong>re-se o conjunto X = Q<br />

<strong>do</strong>s números racionais e a<strong>do</strong>temos em Q a métrica usual: d(r, s) = |r−s|, com r, s ∈ Q. Há, sabidamente, exemplos <strong>de</strong><br />

sequências <strong>de</strong> Q que são <strong>de</strong> Cauchy em relação à métrica d que convergem em Q. Um exemplo é encontra<strong>do</strong> no exercício<br />

seguinte.<br />

n∑ 1<br />

E. <strong>25</strong>.11 Exercício. Seja r um número racional com r > 1. Prove que a sequência <strong>de</strong> números racionais s n =<br />

r a,<br />

a=0<br />

r<br />

n ∈ N, é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy e que a mesma converge ao número racional<br />

r −1 . 6<br />

O ponto, porém, é que há também exemplos <strong>de</strong> sequências <strong>de</strong> Q que são <strong>de</strong> Cauchy em relação à métrica d mas que<br />

não convergem em Q. Um exemplo famoso, e que po<strong>de</strong> ser trata<strong>do</strong> com <strong>de</strong>talhe, é o da sequência<br />

s n = 1+ 1 1! + 1 2! +···+ 1 n! ,<br />

que é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> racionais, mas que não converge a um número racional 10 . Tratamos esse exemplo com<br />

<strong>de</strong>talhe no próximo tópico. A leitura <strong>do</strong> mesmo po<strong>de</strong> ser dispensada pelo estudante já familiariza<strong>do</strong> com esses fatos, mas<br />

po<strong>de</strong> ser instrutiva para os <strong>de</strong>mais. Por um teorema <strong>de</strong> Lambert 11 (vi<strong>de</strong> [102]), sabe-se que se r é um número racional<br />

não-nulo então e r não é racional. Assim, as sequências <strong>de</strong> racionais s n = 1+ r 1! + r2 rn<br />

2!<br />

+···+<br />

n!<br />

convergem a irracionais.<br />

Analogamente, esse teorema <strong>de</strong> Lambert implica que ln(r) não po<strong>de</strong> ser racional se r o for, Assim, para −1 < r < 1, a<br />

série ∑ ∞<br />

n=0<br />

(−1) n r n+1<br />

n+1<br />

converge ao irracional ln(1+r).<br />

(−1) k<br />

Outro exemplo é a sequência p n = 4 ∑ n<br />

k=0 2k+1<br />

, que converge ao irracional π. Uma prova que π é irracional po<strong>de</strong> ser<br />

encontrada em [238] ou em [102]. Vi<strong>de</strong> página 54 para mais comentários. Para uma breve discussão sobre aproximações<br />

para π recheada <strong>de</strong> digressões históricas, vi<strong>de</strong> Seção <strong>25</strong>.B, página 1<strong>25</strong>4.<br />

Esses exemplos, que estão longe <strong>de</strong> ser únicos, ilustram um fato muito importante: existem espaços métricos nos<br />

quais não vale a recíproca da Proposição <strong>25</strong>.2, ou seja, existem espaços métricos nos quais sequências <strong>de</strong> Cauchy não são<br />

necessariamente convergentes.<br />

De gran<strong>de</strong> importância são os espaços métricos on<strong>de</strong> vale a recíproca da Proposição <strong>25</strong>.2. Tais espaços métricos são<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s completos e <strong>de</strong>les falaremos na Seção <strong>25</strong>.1.1, página 1211, logo adiante.<br />

• O número e é um número irracional<br />

Seja a sequência <strong>de</strong> números racionais<br />

s n = 1+ 1 1! + 1 2! +···+ 1 n! ,<br />

Vamos provar que essa sequência é <strong>de</strong> Cauchy em relação à métrica usual em Q, mas que a mesma não converge a um<br />

número racional.<br />

Primeiro provemos que esta sequência é <strong>de</strong> Cauchy. Vamos supor j > i. Como a sequência s n é crescente, segue que<br />

10 O estudante bem sabe que essa sequência converge no conjunto <strong>do</strong>s reais ao número e. Abaixo provaremos que esse número não é racional.<br />

11 Johann Heinrich Lambert (1728–1777).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1210/2117<br />

d(s i , s j ) = |s i −s j | = s j −s i . Temos, então,<br />

d(s i , s j ) = s j −s i =<br />

=<br />

≤<br />

1<br />

(i+1)! +···+ 1 j!<br />

(<br />

1<br />

1+ 1<br />

)<br />

(i+1)! i+2 + 1 (i+1)!<br />

+···+<br />

(i+2)(i+3) j!<br />

(<br />

1<br />

1+ 1<br />

)<br />

(i+1)! (i+2) + 1<br />

(i+2) 2 +···+ 1<br />

(i+2) j−i−1<br />

<<br />

=<br />

1<br />

(i+1)!<br />

1<br />

(i+1)!<br />

∞∑<br />

a=0<br />

1<br />

(i+2) a<br />

i+2<br />

i+1 < 2<br />

(i+1)!<br />

para i > 0 . (<strong>25</strong>.6)<br />

Como o número<br />

<strong>de</strong> Cauchy.<br />

2<br />

(i+1)! po<strong>de</strong> ser feito arbitrariamente pequeno toman<strong>do</strong>-se i gran<strong>de</strong>, fica prova<strong>do</strong> que a sequência s n é<br />

E. <strong>25</strong>.12 Exercício. Justifique cada passagem acima. 6<br />

Vamos agora provar que essa sequência não converge a um número racional. Para isso vamos supor o contrário e<br />

constatar que isso leva a um absur<strong>do</strong>. Vamos então supor que a sequência converge a um racional e. Como e é suposto<br />

ser racional, e seria da forma e = p/q on<strong>de</strong> p e q são números inteiros primos entre si. Da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular segue<br />

que<br />

2<br />

d(e, s i ) ≤ d(s i , s j )+d(e, s j ) <<br />

(i+1)! +ǫ ,<br />

para qualquer ǫ > 0, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que j seja escolhi<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> o suficiente (pois s j converge a e). Assim, como a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

vale para qualquer ǫ > 0, concluí-se que<br />

2<br />

d(e, s i ) ≤<br />

(i+1)! .<br />

Como s i é uma sequência crescente e s i ≠ s j para i ≠ j, segue que d(e, s i ) = e−s i . Logo,<br />

0 < e−s i = p q −s i ≤<br />

2<br />

(i+1)!<br />

e, portanto,<br />

s i < p q ≤ s i +<br />

para to<strong>do</strong> i ∈ N. Para i = 2 a relação (<strong>25</strong>.7) fica (verifique!)<br />

2<br />

(i+1)!<br />

(<strong>25</strong>.7)<br />

5<br />

2 < p q ≤ 17<br />

6 . (<strong>25</strong>.8)<br />

Como 17/6 < 3, concluímos que 5/2 < p/q < 3. Esse fato mostra que p/q não é inteiro. Disso, segue que q ≥ 2, fato que<br />

usaremos logo abaixo 12 .<br />

Como (<strong>25</strong>.7) vale para to<strong>do</strong> i, tomemos em particular i = q. A relação (<strong>25</strong>.7) diz, então, que<br />

1+ 1 1! +···+ 1 q!<br />

< p q ≤ 1+ 1 1! +···+ 1 q! + 2<br />

(q +1)! .<br />

12 É possível extrair um pouco mais <strong>de</strong> (<strong>25</strong>.8). A primeira <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> em (<strong>25</strong>.8) diz-nos que p > 5q/2. Como q ≥ 2, segue que p > 5. A<br />

segunda <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> em (<strong>25</strong>.8) diz-nos que q ≥ 6p/17. Como p ≥ 6, segue que q ≥ 36/17 > 2. Assim, concluí-se que q ≥ 3.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1211/2117<br />

Multiplican<strong>do</strong>-se ambos os la<strong>do</strong>s por q! concluímos que<br />

A < p(q −1)! ≤ A+ 2<br />

q +1<br />

< A+1, pois q ≥ 2 ,<br />

on<strong>de</strong><br />

(<br />

A := q! 1+ 1 1! +···+ 1 )<br />

q!<br />

= q!+q!+ q!<br />

2! + q! q!<br />

+···+<br />

3! q!<br />

é um número inteiro positivo, pois é, claramente, uma soma <strong>de</strong> inteiros positivos. Assim, o que provamos é que A <<br />

p(q − 1)! < A + 1. Agora, como A é um inteiro, essas últimas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s dizem que o número inteiro p(q − 1)!<br />

está conti<strong>do</strong> no intervalo aberto entre <strong>do</strong>is inteiros sucessivos (A e A + 1) e, portanto, não po<strong>de</strong> ser um inteiro: uma<br />

contradição. Isso prova, então, que e não po<strong>de</strong> ser da forma p/q e, portanto, não po<strong>de</strong> ser racional.<br />

E. <strong>25</strong>.13 Exercício. A chamada constante <strong>de</strong> Euler 13 -Mascheroni 14 é o número <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> 15 por<br />

γ := lim<br />

(1+ 1<br />

n→∞ 2 +···+ 1 )<br />

n −ln(n) ≃ 0,5772156649... .<br />

A constante γ surge em várias situações, por exemplo na <strong>de</strong>finição das funções <strong>de</strong> Bessel <strong>de</strong> segun<strong>do</strong> tipo (vi<strong>de</strong> Seção 14.2.3,<br />

página 630) e em proprieda<strong>de</strong>s da função Gama <strong>de</strong> Euler (vi<strong>de</strong> Capítulo 7, página 272). A prova que o limite acima existe<br />

po<strong>de</strong> ser encontrada em qualquer bom livro <strong>de</strong> Cálculo, por exemplo em [238]. Até hoje não é conheci<strong>do</strong> se γ é um número<br />

racional ou irracional. Resolva essa questão. 6<br />

<strong>25</strong>.1.1 Completeza e o Completamento Canônico<br />

• Completeza<br />

Dizemos que o espaço métrico X é completo em relação à métrica d se toda sequência <strong>de</strong> Cauchy em X convergir a<br />

um elemento <strong>de</strong> X.<br />

Assim, em um espaço métrico completo, para garantirmos que uma sequência converge basta verificarmos que a<br />

mesma é <strong>de</strong> Cauchy. Como comentamos à página 1208, a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma sequência ser <strong>de</strong> Cauchy po<strong>de</strong> ser<br />

verificada analisan<strong>do</strong> apenas proprieda<strong>de</strong>s da mesma, daí sua vantagem. Dessa forma, dada uma sequência concreta<br />

{x n } em um espaço métrico completo X, para sabermos se {x n } converge não é necessário adivinhar o elemento ao<br />

qual converge, mas bastar constatar a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cauchy, o que po<strong>de</strong> ser feito apenas estudan<strong>do</strong> a distância entre<br />

elementos <strong>de</strong> {x n }.<br />

Nota. O estudante mais adianta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ve ser adverti<strong>do</strong> que a noção <strong>de</strong> completeza <strong>de</strong> um espaço métrico não é uma noção topológica. Vi<strong>de</strong><br />

discussão à página 1221.<br />

♣<br />

Pelo que vimos nas últimas páginas, o espaço métrico forma<strong>do</strong> pelos números racionais com a métrica usual não é<br />

um espaço métrico completo. Vale, porém a seguinte afirmação:<br />

Proposição <strong>25</strong>.3 O conjunto <strong>do</strong>s números reais R é um espaço métrico completo em relação à métrica usual: d(x, y) =<br />

|x−y|, x, y ∈ R. 2<br />

A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ssa proposição po<strong>de</strong> ser encontrada em to<strong>do</strong>s os bons livros <strong>de</strong> Cálculo ou Análise Real. Discutiremos<br />

com <strong>de</strong>talhe esse fato ao apresentarmos uma “construção” <strong>do</strong>s números reais, <strong>de</strong>vida a Cantor 16 (seguin<strong>do</strong> idéias<br />

<strong>de</strong> Weierstrass 17 ), na Seção <strong>25</strong>.A, da qual a proposição acima é um corolário imediato.<br />

O mesmo vale para o conjunto <strong>do</strong>s números complexos:<br />

13 Leonhard Euler (1707–1783).<br />

14 Lorenzo Mascheroni (1750–1800).<br />

15 Essa constante foi introduzida por Euler em 1735, o qual calculou seus 16 primeiros dígitos <strong>de</strong>cimais. Em 1790, Mascheroni calculou seus<br />

32 primeiros dígitos <strong>de</strong>cimais, <strong>do</strong>s quais apenas os primeiros 19 estavam corretos.<br />

16 Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845–1918).<br />

17 Karl Theo<strong>do</strong>r Wilhelm Weierstraß (1815–1897).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1212/2117<br />

Proposição <strong>25</strong>.4 O conjunto <strong>do</strong>s números complexos C é um espaço métrico completo em relação à métrica d(z, w) =<br />

|z −w|, z, w ∈ C. 2<br />

Vale também a seguinte afirmação, cuja <strong>de</strong>monstração será apresentada como caso particular <strong>de</strong> uma outra afirmação<br />

mais geral na Seção <strong>25</strong>.5.1, página 1229:<br />

Proposição <strong>25</strong>.5 Para to<strong>do</strong> n ≥ 1, o conjunto R n é um espaço métrico completo em relação às métricas d ∞ , d 1 , d 2 e<br />

d p com p ≥ 1, <strong>de</strong>finidas à página 1205. 2<br />

Vamos a outros exemplos.<br />

E. <strong>25</strong>.14 Exercício. Vamos mostrar que C ( [0, 1] ) , o conjunto das funções contínuas (reais ou complexas) <strong>de</strong>finidas no<br />

intervalo [0, 1], não é completo em relação à métrica d 1 :<br />

d 1 (f, g) =<br />

∫ 1<br />

0<br />

∣<br />

∣ f(x)−g(x) ∣dx .<br />

Consi<strong>de</strong>re a seguinte sequência <strong>de</strong> funções contínuas em [0, 1]:<br />

⎧<br />

0, se x ∈ [ 1<br />

0,<br />

2<br />

⎪⎨<br />

− n] 1 ,<br />

f n (x) = n ( x− 1 2 + (<br />

n) 1 , se x ∈ 1<br />

2 − 1 n , 1<br />

2)<br />

,<br />

⎪⎩ 1, se x ∈ [ 1<br />

2 , 1] ,<br />

(<strong>25</strong>.9)<br />

on<strong>de</strong> n ∈ N, n > 2. Vi<strong>de</strong> Figura <strong>25</strong>.1.<br />

1<br />

0<br />

1/2 − 1/n 1/2 1<br />

Figura <strong>25</strong>.1: Gráfico das funções f n .<br />

a) Convença-se essas funções são todas contínuas e, portanto, elementos <strong>de</strong> C ( [0, 1] ) .<br />

b) Calcule d 1 (f n , f m ) e mostre que a sequência f n é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em relação à métrica d 1 .<br />

c) Asfunçõesf n valem1nointervalo[1/2, 1]. Foraisso, paracadax ∈ [0, 1/2)valef n (x) = 0parato<strong>do</strong>nsuficientemente<br />

∫ 1<br />

gran<strong>de</strong>. Convença-se que esses fatos implicam que se existir uma função f tal que lim ∣ fn (x)−f(x) ∣ dx = 0 então<br />

n→∞<br />

0


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1213/2117<br />

f <strong>de</strong>ve ser da forma<br />

⎧<br />

⎪⎨<br />

f(x) =<br />

⎪⎩<br />

0, se x ∈ [ 0,<br />

1<br />

2]<br />

,<br />

1, se x ∈ ( 1<br />

2 , 1] ,<br />

(<strong>25</strong>.10)<br />

(a menos, eventualmente, <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> medida nula, como o ponto x = 1/2, on<strong>de</strong> po<strong>de</strong> estar in<strong>de</strong>finida) pois <strong>de</strong><br />

∫ 1<br />

outro mo<strong>do</strong> ter-se-ia lim ∣ fn (x)−f(x) ∣ ∫ 1<br />

dx ≠ 0. Calcule ∣ fn (x)−f(x) ∣ dx e mostre explicitamente que o limite<br />

n→∞<br />

0<br />

0<br />

<strong>de</strong>ssa integral é zero quan<strong>do</strong> n → ∞. Como f não é contínua, isso mostra que a sequência <strong>de</strong> Cauchy {f n } n∈N não<br />

converge a uma função contínua e, portanto, C ( [0, 1] ) não é um espaço métrico completo em relação à métrica d 1 .<br />

6<br />

Vamos agora <strong>de</strong>monstrar o seguinte fato importante:<br />

Proposição <strong>25</strong>.6 Seja [a, b] com −∞ < a ≤ b < ∞ um intervalo compacto e seja C ( [a, b] ) o conjunto das funções<br />

contínuas (reais ou complexas) <strong>de</strong>finidas em [a, b]. Então, C ( [a, b] ) ∣ ( ) é completo em relação à métrica d ∞ (f, g) :=<br />

∣ f(x)−g(x) ∣, f, g ∈ C [a, b] .<br />

sup<br />

x∈[a, b]<br />

Um outro mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> formular a afirmação <strong>de</strong> acima é dizer que o limite uniforme <strong>de</strong> uma sequência <strong>de</strong> funções contínuas<br />

em um intervalo compacto [a, b] é também uma função contínua. 2<br />

A Seção <strong>25</strong>.4, página 1224, é <strong>de</strong>dicada a teoremas <strong>de</strong> completeza para certos conjuntos <strong>de</strong> funções assumin<strong>do</strong> valores<br />

em espaços métricos completos. Uma importante generalização da Proposição <strong>25</strong>.6 é apresentada no Corolário <strong>25</strong>.1,<br />

página 1227.<br />

Prova da Proposição <strong>25</strong>.6. O leitor <strong>de</strong>ve se recordar que, como o intervalo [a, b] é compacto, toda função f contínua<br />

nele <strong>de</strong>finida é limitada, pois |f| ∣ é contínua e possui um máximo ( e um ) mínimo (<strong>Teorema</strong> 32.16, página 1484). Assim,<br />

d ∞ (f, g) := sup ∣ f(x)−g(x) está <strong>de</strong>finida para todas f, g ∈ C [a, b] .<br />

x∈[a, b]<br />

Seja f n uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em C ( [a, b] ) ∣<br />

. Então, para to<strong>do</strong> ǫ > 0 existe um inteiro positivo N(ǫ) tal que<br />

sup ∣fn x∈[a, b] (x)−f m (x) ∣ < ǫ, sempre que m e n sejam maiores que N(ǫ). Isso significa que para cada x ∈ [a, b] tem-se<br />

∣ fn (x)−f m (x) ∣ < ǫ sempre que m e n sejam maiores que N(ǫ). Assim, para cada x ∈ [a, b] fixo, a sequência numérica<br />

f n (x) é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy. Como R (ou C, conforme o caso) é completo, segue que cada sequência f n (x) é<br />

convergente. Vamos <strong>de</strong>nominar por f(x) seu limite.<br />

Claramente [a, b] ∋ x ↦→ f(x) é uma função (certo?). Essa função f é um forte candidato a ser o limite da sequência<br />

{f n } n∈N na métrica d ∞ . Colocamo-nos, então, as seguintes questões: 1. Será a função f também um elemento <strong>de</strong><br />

C ( [a, b] ) , ou seja, contínua? 2. Se a resposta à pergunta anterior for positiva, será que a sequência f m converge à função<br />

f na métrica d ∞ ? Se a resposta a essas perguntas for positiva, estará prova<strong>do</strong> que C ( [a, b] ) é completo na métrica d ∞ .<br />

Precisamos agora mostrar que a sequência {f m } m∈N aproxima essa função f na métrica d ∞ .<br />

Seja ǫ > 0 arbitrário. Vamos <strong>de</strong>finir uma sequência crescente <strong>de</strong> números inteiros e positivos N k (ǫ), k = 1, 2, 3, ...<br />

com N k+1 (ǫ) > N k (ǫ), da seguinte forma: N k (ǫ) é tal que d ∞ (f m , f n ) < ǫ/2 k para to<strong>do</strong>s m, n > N k (ǫ). Note que uma<br />

tal sequência N k (ǫ) sempre po<strong>de</strong> ser encontrada pois, por hipótese, f m é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em d ∞ . Vamos agora<br />

escolher uma sequência crescente <strong>de</strong> índices n 1 < n 2 < ··· < n k−1 < n k < ··· tais que n k > N k (ǫ). A essa sequência<br />

está associada a sub-sequência {f nk } k∈N . Note que, pela <strong>de</strong>finição, tem-se<br />

pois n l e n l+1 são maiores que N l (ǫ).<br />

Com essas <strong>de</strong>finições, teremos que, para to<strong>do</strong> k > 1,<br />

d ∞ (f nl+1 , f nl ) < ǫ 2 l ,<br />

f nk (x)−f n1 (x) =<br />

k−1<br />

∑[ fnl+1 (x)−f nl (x) ] .<br />

l=1


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1214/2117<br />

(Justifique!). Logo,<br />

∣<br />

∣f nk (x)−f n1 (x) ∣ ∣ ≤<br />

≤<br />

k−1<br />

∑∣<br />

∣f nl+1 (x)−f nl (x) ∣ l=1<br />

k−1<br />

∑<br />

sup<br />

l=1<br />

x∈[a, b]<br />

∣ fnl+1 (x)−f nl (x) ∣ k−1<br />

∑<br />

= d ∞ (f nl+1 , f nl )<br />

l=1<br />

k−1<br />

∑<br />

(<br />

1<br />

< ǫ<br />

2 l = ǫ 1− 1 )<br />

2 k−1 .<br />

l=1<br />

Daqui, concluímos que para cada x ∈ [a, b],<br />

∣ f(x)−fn1 (x) ∣ ∣ =<br />

∣<br />

∣f(x)−f nk (x)+f nk (x)−f n1 (x) ∣<br />

ou seja,<br />

≤ ∣ ∣ f(x)−fnk (x) ∣ ∣ +<br />

∣ ∣fnk (x)−f n1 (x) ∣ ∣<br />

< ∣ ∣ f(x)−fnk (x) ∣ ∣ +ǫ<br />

(<br />

1− 1<br />

2 k−1 )<br />

,<br />

|f(x)−f n1 (x)| < ∣ ∣ f(x)−fnk (x) ∣ ∣ +ǫ<br />

(<br />

1− 1<br />

2 k−1 )<br />

.<br />

O la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta expressão in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> k. Toman<strong>do</strong>-se o limite k → ∞ e lembran<strong>do</strong> que a sequência numérica<br />

f nk (x) converge a f(x), concluímos que |f(x) − f n1 (x)| ≤ ǫ e, para to<strong>do</strong> n > N 1 (ǫ) valerá |f(x) − f n (x)| = |f(x) −<br />

f n1 (x)|+|f n1 (x)−f n (x)| ≤ ǫ+ǫ/2 = (3/2)ǫ. Como isso vale para to<strong>do</strong> x, segue que<br />

d ∞ (f, f n ) = sup ∣ f(x)−fn (x) ∣ ≤ (3/2)ǫ (<strong>25</strong>.11)<br />

x∈[a, b]<br />

para to<strong>do</strong> n > N 1 (ǫ). Isso <strong>de</strong>monstra que a sequência f n converge a f em relação à métrica d ∞ .<br />

Vamos agora provar que a função f é contínua. Para tal, notemos que para quaisquer x, y ∈ [a, b],<br />

∣<br />

|f(x)−f(y)| = ∣f(x)−f n1 (x)+f n1 (x)−f n1 (y)+f n1 (y)−f(y) ∣<br />

≤ ∣ ∣ f(x)−fn1 (x) ∣ ∣ +<br />

∣ ∣fn1 (x)−f n1 (y) ∣ ∣ +<br />

∣ ∣fn1 (y)−f(y) ∣ ∣<br />

≤<br />

∣<br />

sup ∣f(x)−f n1 (x) ∣ ∣+ ∣ ∣f n1 (x)−f n1 (y) ∣ ∣<br />

∣+ sup ∣f n1 (y)−f(y) ∣ x∈[a, b]<br />

y∈[a, b]<br />

= 2d ∞ (f, f n1 )+ ∣ ∣ fn1 (x)−f n1 (y) ∣ ∣<br />

≤ 3ǫ+ ∣ ∣f n1 (x)−f n1 (y) ∣ ∣ .<br />

Notemos agora que f n1 ∈ C([a, b]) e é, portanto, uma função contínua. Logo, pela <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> funções,<br />

para x fixo, existe um número positivo δ tal que |f n1 (x)−f n1 (y)| < ǫ para to<strong>do</strong> y tal que |y −x| < δ.<br />

Assim, concluímos que para to<strong>do</strong> ǫ > 0 existe δ > 0 tal que para to<strong>do</strong> y tal que |y−x| < δ tem-se |f(x)−f(y)| < 4ǫ.<br />

Isso nos diz precisamente que f é contínua, como queríamos provar.<br />

E. <strong>25</strong>.15 Exercício. Mostre que a sequência <strong>de</strong> funções f n <strong>de</strong>finida em (<strong>25</strong>.9) não é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em relação à<br />

métrica d ∞ . Observe que isso é coerente com a Proposição <strong>25</strong>.6, pois a função f dada em (<strong>25</strong>.10), obtida pelo limite pontual<br />

f(x) = lim n→∞ f n (x) para cada x ∈ [a, b], não é contínua. 6


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1215/2117<br />

• Conjuntos <strong>de</strong>nsos em espaços métricos<br />

Se M é um conjunto <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica d, dizemos que um conjunto S é d-<strong>de</strong>nso em M (ou simplesmente <strong>de</strong>nso<br />

em M) se to<strong>do</strong> x ∈ M pu<strong>de</strong>r ser aproxima<strong>do</strong> por elementos <strong>de</strong> S no senti<strong>do</strong> da métrica d, ou seja, se para to<strong>do</strong> x ∈ M e<br />

to<strong>do</strong> ǫ > 0 existir sempre pelo menos um elemento s ∈ S (<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> x e <strong>de</strong> ǫ) tal que d(x, s) < ǫ.<br />

Por exemplo, o conjunto <strong>do</strong>s racionais Q é <strong>de</strong>nso em R para a métrica usual d(x, y) = |y − x|. Para cada p, Q é<br />

também <strong>de</strong>nso na métrica p-ádica d p no conjunto Q p <strong>de</strong> números p-ádicos (para as <strong>de</strong>finições, vi<strong>de</strong> Seção <strong>25</strong>.A, página<br />

1248). Muito importante também é o <strong>Teorema</strong> <strong>de</strong> Weierstrass, <strong>Teorema</strong> 35.3, página 1682, que afirma que em cada<br />

intervalo fecha<strong>do</strong> e limita<strong>do</strong> [a, b] os polinômios são <strong>de</strong>nsos no conjunto C([a, b]) das funções contínuas <strong>de</strong>finidas em<br />

[a, b].<br />

• Isometrias<br />

Sejam (M 1 , d 1 ) e (M 2 , d 2 ) <strong>do</strong>is espaços métricos. Uma função h : M 1 → M 2 é dita ser uma isometria se preservar<br />

distâncias, ou seja, se para to<strong>do</strong>s x, y ∈ M 1 valer<br />

d 2<br />

(<br />

h(x), h(y)<br />

)<br />

= d1 (x, y) .<br />

E. <strong>25</strong>.16 Exercício. Mostre que se h : M 1 → M 2 for uma isometria ela é necessariamente injetora. 6<br />

E. <strong>25</strong>.17 Exercício. Mostre que se h : M 1 → M 2 for uma isometria ela é necessariamente contínua. 6<br />

Se uma isometria h : M 1 → M 2 for sobrejetora, ela é automaticamente bijetora e, portanto, existe uma inversa<br />

h −1 : M 2 → M 1 . É trivial verificar (faça-o!) que essa inversa é também uma isometria.<br />

Se existir uma isometria bijetora h : M 1 → M 2 entre <strong>do</strong>is espaços métricos (M 1 , d 1 ) e (M 2 , d 2 ), dizemos que esses<br />

espaços são espaços métricos isométricos pela isometria h.<br />

Na literatura matemática isometrias bijetoras são também <strong>de</strong>nominadas em certos contextos isometrias globais, isomorfismos<br />

isométricos ou ainda aplicações congruentes.<br />

E. <strong>25</strong>.18 Exercício. Mostre que se <strong>do</strong>is espaços métricos (M 1 , d 1 ) e (M 2 , d 2 ) são isométricos por uma isometria bijetora<br />

h : M 1 → M 2 e (M 1 , d 1 ) for um espaço métrico completo, então (M 2 , d 2 ) é também um espaço métrico completo. Sugestão:<br />

mostre que se {b n , n ∈ N} for uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em M 2 em relação a d 2 , então { h −1 (b n ), n ∈ N } é uma sequência<br />

<strong>de</strong> Cauchy em M 1 em relação a d 1 . Esse fato, então, implica que a sequência { h −1 (b n ), n ∈ N } converge a algum elemento<br />

a ∈ M 1 (pois (M 1 , d 1 ) é completo). Mostre que h(a) ∈ M 2 é o limite na métrica d 2 da sequência original {b n , n ∈ N}. Isso<br />

estabeleceu que toda sequência <strong>de</strong> Cauchy em (M 2 , d 2 ) converge e, portanto, que (M 2 , d 2 ) é completo. 6<br />

E. <strong>25</strong>.19 Exercício. Sejam (M 1 , d 1 ), (M 2 , d 2 ) e (M 3 , d 3 ) três espaços métricos e sejam h 12 : M 1 → M 2 e h 23 : M 2 →<br />

M 3 duas isometrias entre os espaços métricos (M 1 , d 1 ) e (M 2 , d 2 ) e, respectivamente, (M 2 , d 2 ) e (M 3 , d 3 ). Mostre que a<br />

composição h 23 ◦h 12 : M 1 → M 3 é uma isometria entre os espaços métricos (M 1 , d 1 ) e (M 3 , d 3 ). 6<br />

E. <strong>25</strong>.20 Exercício. Seja (M, d) um espaço métrico e seja Iso(M, d) o conjunto <strong>de</strong> todas as isometrias bijetoras <strong>de</strong> M<br />

em si mesmo, ou seja, o conjunto <strong>de</strong> todas as aplicações bijetores h : M → M tais que d ( h(x), h(y) ) = d(x, y) para to<strong>do</strong>s<br />

x, y ∈ M. Mostre que Iso(M, d) é um grupo pela operação <strong>de</strong> composição <strong>de</strong> funções. 6<br />

• Espaços Métricos. O Completamento Canônico<br />

Da<strong>do</strong> um conjuntoX <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica d e que não seja completo em relaçãoaesta métrica, émuito importante,<br />

por vezes, i<strong>de</strong>ntificar um conjunto X ′ , <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica d ′ que possua as seguintes proprieda<strong>de</strong>s:<br />

a. X ′ contém X como subconjunto.<br />

b. X é <strong>de</strong>nso em X ′ em relação à métrica d ′ .<br />

c. d ′ quan<strong>do</strong> restrita a X é idêntica a d.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1216/2117<br />

d. X ′ é completo em relação a d ′ .<br />

Em um tal caso, dizemos que o espaço métrico (X ′ , d ′ ) é um completamento <strong>do</strong> espaço métrico (X, d).<br />

Como exemplo, mencionamos que o conjunto <strong>do</strong>s números reais R é um completamento <strong>do</strong> conjunto <strong>do</strong>s números<br />

racionais, caso a<strong>do</strong>temos neste a métrica d(r, s) = |r−s|, r, s ∈ Q. A métrica d ′ em R seria também d ′ (x, y) = |x−y|,<br />

x, y ∈ R.<br />

Da<strong>do</strong> um espaço métrico (X, d), que eventualmente não é completo em relação a uma métrica d dada, po<strong>de</strong>mos<br />

completá-lo usan<strong>do</strong> um procedimento padrão <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a Cantor 18 , conheci<strong>do</strong> como completamento canônico <strong>de</strong> espaços<br />

métricos. Isso é o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> seguinte teorema:<br />

<strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.1 (Completamento Canônico) Da<strong>do</strong> um conjunto X, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica d, existe um outro conjunto<br />

˜X, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica ˜d, e uma aplicação injetora E : X → ˜X tais que:<br />

1. ˜d( E(x), E(y)<br />

)<br />

= d(x, y) para to<strong>do</strong> x, y ∈ X.<br />

2. O conjunto E(X), a imagem <strong>de</strong> X por E, é um conjunto ˜d-<strong>de</strong>nso em ˜X.<br />

3. ˜X é completo em relação à métrica ˜d. 2<br />

Nota. Comentemos que E é uma bijeção entre X e E(X) (por ser injetora). Nesse senti<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>mos também dizer, com um pequeno abuso<br />

<strong>de</strong> linguagem, que ˜X é um completamento <strong>de</strong> X. Comentamos também que o fato <strong>de</strong> ter-se ˜d ( E(x), E(y) ) = d(x, y) para to<strong>do</strong> x, y ∈ X por<br />

si já implica que E é injetora.<br />

♣<br />

Na Seção <strong>25</strong>.A ilustramos uma aplicação importante <strong>do</strong> <strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.1 (mais precisamente, da <strong>de</strong>monstração <strong>do</strong><br />

<strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.1) ao <strong>de</strong>linearmos como po<strong>de</strong>mos “construir” os números reais a partir <strong>do</strong>s racionais. Em seguida, a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong><br />

métricas especiais no conjunto Q, mostraremos como construir um conjunto especial <strong>de</strong> números, os chama<strong>do</strong>s números<br />

p-ádicos.<br />

Prova <strong>do</strong> <strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.1. Consi<strong>de</strong>remos o conjunto C d (X) forma<strong>do</strong> por todas as sequências em X que sejam <strong>de</strong> Cauchy<br />

em relação à métrica d. Vamos introduzir em C d (X) a seguinte relação <strong>de</strong> equivalência: para duas sequências <strong>de</strong> Cauchy<br />

a = {a n } n∈N e b = {b n } n∈N dizemos que a é equivalente a b, a ∼ b, se e somente se lim<br />

n→∞ d(a n, b n ) = 0.<br />

E. <strong>25</strong>.21 Exercício. Prove que esta é, <strong>de</strong> fato, uma relação <strong>de</strong> equivalência. Sugestão: use a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular. 6<br />

O conjunto C d (X) é, então, a união disjunta <strong>de</strong> suas classes <strong>de</strong> equivalência pela relação acima 19 . Vamos <strong>de</strong>notar por<br />

˜X o conjunto<strong>de</strong> todas essas classes <strong>de</strong> equivalência. Como usualmente se faz, <strong>de</strong>notaremos por [x] a classe <strong>de</strong> equivalência<br />

<strong>de</strong> um elemento x ∈ C d (X), ou seja, [x] é o conjunto <strong>de</strong> todas as sequências <strong>de</strong> Cauchy em X que são equivalentes à<br />

sequência <strong>de</strong> Cauchy x.<br />

Po<strong>de</strong>mos fazer <strong>de</strong> ˜X um espaço métrico <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> uma métrica ˜d : ˜X × ˜X → R da seguinte forma:<br />

para duas sequências <strong>de</strong> Cauchy x = {x i } i∈N e y = {y i } i∈N ∈ ˜X.<br />

˜d ( [x], [y] ) = lim<br />

n→∞ d(x n, y n ) , (<strong>25</strong>.12)<br />

A respeito da <strong>de</strong>finição (<strong>25</strong>.12) há alguns pontos a comentar, o que faremos com os três exercícios que seguem. O<br />

primeiro exercício mostra que o limite no la<strong>do</strong> direito <strong>de</strong> (<strong>25</strong>.12) <strong>de</strong> fato existe e esclarece por que é importante o uso<br />

<strong>de</strong> sequências <strong>de</strong> Cauchy na construção, e não sequências quaisquer. O segun<strong>do</strong> exercício esclarece que ˜d é <strong>de</strong> fato uma<br />

função <strong>de</strong> classes <strong>de</strong> equivalência (in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>do</strong>s representantes x e y toma<strong>do</strong>s em [x] e [y], respectivamente). O<br />

terceiro exercício estabelece que ˜d é, <strong>de</strong> fato, uma métrica.<br />

E. <strong>25</strong>.22 Exercício. Mostre que o limite em (<strong>25</strong>.12) existe. Para tal, note que, pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular,<br />

d(x i , y i ) ≤ d(x i , x j )+d(x j , y j )+d(y j , y i )<br />

18 Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845–1918).<br />

19 Para as noções <strong>de</strong> relação <strong>de</strong> equivalência e classes <strong>de</strong> equivalência, vi<strong>de</strong> Seção 1.1.1.3, página 39.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1217/2117<br />

e, portanto, ∣ ∣d(xi , y i )−d(x j , y j ) ∣ ∣ ≤ d(xi , x j )+d(y j , y i ) .<br />

Como x e y são sequências <strong>de</strong> Cauchy o la<strong>do</strong> direito po<strong>de</strong> ser feito ≤ ǫ para qualquer ǫ > 0, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que i e j sejam feitos<br />

gran<strong>de</strong>s o suficiente. Complete os <strong>de</strong>talhes faltantes. 6<br />

E. <strong>25</strong>.23 Exercício. Mostre que se x ′ ∈ C d (X) e x ′ ∈ [x] (ou seja x ′ é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy equivalente a x ∈ C d (X))<br />

então<br />

lim<br />

n→∞ d(x′ n , y n) = lim d(x n, y n ) (<strong>25</strong>.13)<br />

n→∞<br />

para toda y ∈ C d (X). Sugestão: Usan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular, tem-se que<br />

d(x n , y n ) ≤ d(x n , x ′ n )+d(x′ n , y n) .<br />

Prove daí que |d(x n , y n )−d(x ′ n, y n )| ≤ d(x n , x ′ n) e conclua (<strong>25</strong>.13) disso. 6<br />

Esse exercício estabelece que a <strong>de</strong>finição (<strong>25</strong>.12) in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong> particular elemento x <strong>de</strong> [x] a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>. Analogamente,<br />

(<strong>25</strong>.12) in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong> particular elemento y <strong>de</strong> [y] a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> e, portanto, ˜d é legitimamente uma função <strong>de</strong> classes <strong>de</strong><br />

equivalência. No próximo exercício é prova<strong>do</strong> que ˜d é, <strong>de</strong> fato, uma métrica.<br />

E. <strong>25</strong>.24 Exercício. Mostre que ˜d é uma métrica em ˜X. Sugestão: positivida<strong>de</strong> e simetria são evi<strong>de</strong>ntes. É também<br />

fácil ver que ˜d([x], [y]) = 0 se e somente se x ∼ y, o que implica [x] = [y]. Por fim, a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular para ˜d segue<br />

facilmente da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular para d. Complete os <strong>de</strong>talhes faltantes. 6<br />

Vamos agora mostrar que ˜X é completo em relação a ˜d. Seja {[x a ], a ∈ N}, uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em ˜X. Cada<br />

elemento x a é, ele mesmo, uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em X: {x a 1 , xa 2 , xa 3 ,...}. Como [xa ], a ∈ N, é uma sequência <strong>de</strong><br />

Cauchy em ˜X vale que, para to<strong>do</strong> ǫ > 0, existe A(ǫ) ∈ N suficientemente gran<strong>de</strong> tal que ˜d([x a ], [x b ]) < ǫ <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a e<br />

b ≥ A(ǫ). Daí segue que, pela <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> limite, existe I(ǫ) ∈ N tal que<br />

d(x a i , xb i ) < ǫ ,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a e b ≥ A(ǫ) e que i ≥ I(ǫ). Fora isso, como {x a i } i∈N é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy para cada a, existe para<br />

to<strong>do</strong> ǫ > 0 um J a (ǫ) tal que<br />

d(x a i, x a j) < ǫ ,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que i, j ≥ J a (ǫ)<br />

Defina-se então para n ∈ N<br />

α(n) := max { A(1/p), 1 ≤ p ≤ n } e<br />

{<br />

β(n) := max max { I(1/q), 1 ≤ q ≤ n } , max { J α(r) (1/r), 1 ≤ r ≤ n }} .<br />

É evi<strong>de</strong>nte por essas <strong>de</strong>finições que para n > m teremos<br />

e<br />

α(n) ≥ α(m) ≥ A(1/m) (<strong>25</strong>.14)<br />

β(n) ≥ β(m) ≥ max { I(1/m), J α(m) (1/m) } . (<strong>25</strong>.15)<br />

Defina-se agora a sequência x em X dada por x n<br />

:= x α(n)<br />

β(n)<br />

, n ∈ N. Desejamos provar que essa é uma sequência <strong>de</strong><br />

Cauchy em X e, para tal, observemos que<br />

d(x n , x m ) = d<br />

( )<br />

x α(n)<br />

β(n) , xα(m) β(m)<br />

( ) ( )<br />

≤ d x α(n)<br />

β(n) , xα(m) β(n)<br />

+d x α(m)<br />

β(n) , xα(m) β(m)<br />

.<br />

Agora, para m < n valerá<br />

( )<br />

d x α(n)<br />

β(n) , xα(m) β(n)<br />

< 1 m , (<strong>25</strong>.16)


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1218/2117<br />

pois β(n) > I(1/m) (por (<strong>25</strong>.15)) e α(n) ≥ α(m) ≥ A(1/m) (por (<strong>25</strong>.14)). Paralelamente, temos também<br />

( )<br />

d x α(m)<br />

β(n) , xα(m) β(m)<br />

< 1 m ,<br />

pois β(n) ≥ β(m) ≥ J α(m) (1/m) (por (<strong>25</strong>.15)). Estabelecemos que para to<strong>do</strong>s n > m tem-se d(x n , x m ) < 2 m e isso<br />

diz-nos claramente que x é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy.<br />

A classe <strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong> x, ou seja, [x], é um candidato a ser o limite em ˜X (na métrica ˜d) da sequência [x a ].<br />

Provemos que isso é <strong>de</strong> fato verda<strong>de</strong>.<br />

Consi<strong>de</strong>remos a sub-sequência [x α(m) ], m ∈ N. Temos que<br />

Porém,<br />

(<br />

d<br />

x α(m)<br />

n<br />

˜d ( [x α(m) ], [x] ) (<br />

= lim d<br />

n→∞<br />

)<br />

, x α(n)<br />

β(n)<br />

(<br />

Agora, para to<strong>do</strong> n ≥ J α(m) (1/m) vale, d<br />

Paralelamente, temos por (<strong>25</strong>.16) d<br />

(<br />

d<br />

x α(m)<br />

n<br />

)<br />

, x α(n)<br />

β(n)<br />

x α(m)<br />

n<br />

(<br />

x α(m)<br />

β(n) , xα(n) β(n)<br />

(<br />

≤ d<br />

x α(m)<br />

n<br />

x α(m)<br />

n<br />

)<br />

, x α(n)<br />

β(n)<br />

.<br />

) ( )<br />

, x α(m)<br />

β(n)<br />

+d x α(m)<br />

β(n) , xα(n) β(n)<br />

.<br />

)<br />

, x α(m)<br />

β(n)<br />

< 1 m pois, por (<strong>25</strong>.15), tem-se também β(n) ≥ J α(m)(1/m).<br />

)<br />

< 1 m . Assim, provamos que para to<strong>do</strong> n ≥ J α(m)(1/m) vale<br />

≤ 2 m , o que estabelece que ˜d( [x α(m) ], [x] ) ≤ 2 m<br />

para to<strong>do</strong> m ∈ N. Isso provou que sub-sequência [x α(m) ], m ∈ N, converge a [x] na métrica ˜d. Como [x a ] é uma<br />

sequência <strong>de</strong> Cauchy, isso provou que a própria sequência [x a ] converge a [x] na métrica ˜d e, portanto, estabelecemos que<br />

˜X é completo.<br />

Para cada x ∈ X, po<strong>de</strong>mos associar uma sequência <strong>de</strong> Cauchy constante ˜x i = x, ∀i ∈ N. Seja E : X → ˜X <strong>de</strong>finida<br />

por<br />

X ∋ x ↦→ E(x) := [˜x] ∈ ˜X .<br />

É fácil provar que E é injetora. De fato, se x, y ∈ X são tais que E(x) = E(y), então [˜x] = [ỹ] e isso implica ˜x ∼ ỹ. Isso,<br />

por sua vez, significa que d(˜x i , ỹ i ) = 0, Porém, ˜x i = x e ỹ i = y e, portanto, provou-se que d(x, y) = 0, o que implica<br />

x = y, como queríamos.<br />

Há então uma bijeção E <strong>de</strong> X sobre o subconjunto E(X) := {E(x) ∈ ˜X, x ∈ X} ⊂ ˜X. Temos também que<br />

˜d ( E(x), E(y) ) = ˜d ( [˜x], [ỹ] ) = lim d(˜x n, ỹ n ) = lim d(x, y) = d(x, y) .<br />

n→∞ n→∞<br />

Assim, apren<strong>de</strong>mos que a bijeção E preserva distâncias (é, portanto, o que se chama <strong>de</strong> uma isometria <strong>de</strong> X em E(X)).<br />

Resta-nos mostrar que o conjunto E(X) é <strong>de</strong>nso em ˜X, ou seja, qualquer elemento <strong>de</strong> ˜X po<strong>de</strong> ser aproxima<strong>do</strong> (no<br />

senti<strong>do</strong> da distância ˜d) por elementos <strong>de</strong> E(X). Seja então [x] um elemento <strong>de</strong> ˜X. Como x é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy,<br />

vale que para cada ǫ > 0 tem-se<br />

d(x i , x j ) < ǫ (<strong>25</strong>.17)<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que i e j sejam maiores que um certo N(ǫ). Seja a sequência <strong>de</strong> Cauchy constante igual ao elemento x N(ǫ)+1 , ou<br />

seja, x˜<br />

N(ǫ)+1 . Teremos<br />

Agora, por (<strong>25</strong>.17),<br />

˜d ( [x], [ ])<br />

x˜<br />

N(ǫ)+1 = ˜d( [x], E(xN(ǫ)+1 )) = lim d( x n , ( ) )<br />

x˜<br />

N(ǫ)+1<br />

n→∞ n = lim d(x n, x N(ǫ)+1 )<br />

n→∞<br />

lim d(x n, x N(ǫ)+1 ) < ǫ .<br />

n→∞<br />

Logo, ˜d ( [x], E(x N(ǫ)+1 ) ) < ǫ para to<strong>do</strong> ǫ > 0, o que precisamente afirma que qualquer [x] ∈ ˜X po<strong>de</strong> ser arbitrariamente<br />

aproxima<strong>do</strong> no senti<strong>do</strong> da métrica ˜d por elementos <strong>de</strong> E(X). Isso completa a <strong>de</strong>monstração <strong>do</strong> <strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.1.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1219/2117<br />

<strong>25</strong>.2 A Noção <strong>de</strong> Topologia <strong>de</strong> Espaços Métricos<br />

Vamos agora discutir alguns fatos relevantes sobre topologias <strong>de</strong> espaços métricos. Essa discussão será estendida e<br />

complementada na Seção 27.3.1, página 1310, quan<strong>do</strong> mais instrumentos estarão à nossa disposição.<br />

• Conjuntos Abertos em Espaços Métricos<br />

Um espaço métrico possui, naturalmente, muitos subconjuntos. Há, porém, uma classe <strong>de</strong> subconjuntos que têm uma<br />

importância <strong>de</strong>stacada, os chama<strong>do</strong>s conjuntos abertos. Seja X um espaço métrico com uma métrica d. Um subconjunto<br />

A <strong>de</strong> X é dito ser um conjunto d-aberto, ou simplesmente um conjunto aberto (em relação à métrica d) se possuir a<br />

seguinte proprieda<strong>de</strong>: Para cada x ∈ A existe um número real δ(x) > 0 (eventualmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> x) tal que to<strong>do</strong><br />

x ′ ∈ X satisfazen<strong>do</strong> d(x, x ′ ) < δ(x) é também um elemento <strong>de</strong> A.<br />

Por essa <strong>de</strong>finição o conjunto X é, ele mesmo, um conjunto aberto em relação à métrica d. O conjunto vazio ∅ é<br />

honorificamente <strong>de</strong>clara<strong>do</strong> um conjunto aberto em relação à métrica d.<br />

A coleção <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os conjuntos abertos em X em relação à métrica d é dito ser uma topologia métrica em X, ou<br />

simplesmente uma topologia em X.<br />

E. <strong>25</strong>.<strong>25</strong> Exercício. Mostre explicitamente que, para a, b ∈ R com a < b, o conjunto (a, b) = {x ∈ R| a < x < b} é um<br />

conjunto aberto em relação à métrica d(x, y) = |x−y|. 6<br />

E. <strong>25</strong>.26 Exercício. Mostre explicitamente que, para a, b ∈ R com a < b, o conjunto [a, b) = {x ∈ R| a ≤ x < b} não é<br />

um conjunto aberto em relação à métrica d(x, y) = |x−y|. 6<br />

E. <strong>25</strong>.27 Exercício. Mostre explicitamente que, para r > 0 a bola <strong>de</strong> raio r em R 3 centrada na origem em relação à<br />

métrica Euclidiana, B r = {x ∈ R 3 | d E (x,0) < r}, é um conjunto aberto na topologia <strong>de</strong>finida por essa métrica. 6<br />

Seja I um conjunto arbitrário <strong>de</strong> índices e {A λ , λ ∈ I} uma coleção <strong>de</strong> subconjuntos abertos <strong>de</strong> um espaço métrico<br />

X. Os <strong>do</strong>is exercícios seguintes são muito importantes.<br />

E. <strong>25</strong>.28 Exercício. Mostre que ⋃ λ∈I<br />

A λ é também um conjunto aberto em X. 6<br />

E. <strong>25</strong>.29 Exercício. Mostre que se A e B são abertos em X então A∩B também o é. 6<br />

As afirmativas contidas nesses <strong>do</strong>is últimos exercícios são importantes pois inspiram a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> um outro conceito<br />

muito importante: o <strong>de</strong> espaço topológico. Espaços topológicos serão estuda<strong>do</strong>s com mais <strong>de</strong>talhe e generalida<strong>de</strong> no<br />

Capítulo 27, página 1290.<br />

E. <strong>25</strong>.30 Exercício. Seja X é um conjunto não-vazio. Mostre que to<strong>do</strong> subconjunto não-vazio <strong>de</strong> X é aberto em relação<br />

à métrica trivial, <strong>de</strong>finida em (<strong>25</strong>.4), página 1206. 6<br />

• Bolas Abertas em Espaços Métricos<br />

Seja X um espaço métrico com uma métrica d e seja x ∈ X. Define-se a bola aberta <strong>de</strong> raio r > 0 centrada em x<br />

como sen<strong>do</strong> o conjunto<br />

B(x, r) = { y ∈ X, tal que d(x, y) < r } .<br />

Bolas abertas <strong>de</strong>sempenham um papel importante no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> espaços métricos.<br />

E. <strong>25</strong>.31 Exercício. Prove que toda bola aberta em um espaço métrico é um conjunto aberto na topologia métrica <strong>de</strong>sse<br />

espaço. 6<br />

Aocontrário<strong>do</strong>queonomesugere, bolasabertasemespaçosmétricosnãotêmnecessariamenteumformato“re<strong>do</strong>n<strong>do</strong>”.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1220/2117<br />

Para ver isso, faça os exercícios abaixo.<br />

E. <strong>25</strong>.32 Exercício. Seja o conjunto R 2 com a métrica d ∞ <strong>de</strong>finida acima:<br />

d ∞ (x, y) = max { |x 1 −y 1 |, |x 2 −y 2 | } ,<br />

on<strong>de</strong> x = (x 1 , x 2 ) e y = (y 1 , y 2 ). Desenhe a bola <strong>de</strong> raio 1 centrada em torno <strong>do</strong> ponto (0, 0). 6<br />

E. <strong>25</strong>.33 Exercício. Seja o conjunto R 2 com a métrica d 1 <strong>de</strong>finida acima:<br />

d 1 (x, y) = |x 1 −y 1 |+|x 2 −y 2 | ,<br />

on<strong>de</strong> x = (x 1 , x 2 ) e y = (y 1 , y 2 ). Desenhe a bola <strong>de</strong> raio 1 centrada em torno <strong>do</strong> ponto (0, 0). 6<br />

E. <strong>25</strong>.34 Exercício. Seja o conjunto R 2 com a métrica d p <strong>de</strong>finida acima com p > 1:<br />

d p (x, y) = ( |x 1 −y 1 | p +|x 2 −y 2 | p) 1/p<br />

,<br />

on<strong>de</strong> x = (x 1 , x 2 ) e y = (y 1 , y 2 ). Desenhe a bola <strong>de</strong> raio 1 centrada em torno <strong>do</strong> ponto (0, 0). Consi<strong>de</strong>re os casos 1 < p < 2<br />

e p > 2. 6<br />

• Métricas equivalentes. Métricas que geram a mesma topologia<br />

Seja M um conjunto e sejam d 1 e d 2 duas métricas em M. As métricas d 1 e d 2 são ditas equivalentes, em símbolos<br />

d 1 ∼ d 2 , se existirem <strong>do</strong>is números c 1 e c 2 com 0 < c 1 ≤ c 2 tais que para to<strong>do</strong>s x, y ∈ M valha<br />

c 1 d 1 (x, y) ≤ d 2 (x, y) ≤ c 2 d 1 (x, y) .<br />

E. <strong>25</strong>.35 Exercício. Mostre que a relação d 1 ∼ d 2 <strong>de</strong>fine uma relação <strong>de</strong> equivalência no conjunto <strong>de</strong> todas as métricas<br />

em M. 6<br />

E. <strong>25</strong>.36 Exercício. Sejam d 1 e d 2 duas métricas equivalentes em M. Mostre, que to<strong>do</strong> conjunto d 1 -aberto <strong>de</strong> M é<br />

d 2 -aberto e vice-versa. Isso significa que se d 1 e d 2 são equivalentes, ambas geram a mesma topologia. 6<br />

Os exercícios que seguem mostram que a recíproca não é geralmente verda<strong>de</strong>ira: métricas que geram a mesma<br />

topologia não são necessariamente equivalentes (no senti<strong>do</strong> da <strong>de</strong>finição acima).<br />

E. <strong>25</strong>.37 Exercício. Seja M um espaço métrico com uma métrica d(x, y), x, y ∈ M. Prove que<br />

d 0 (x, y) :=<br />

d(x, y)<br />

1+d(x, y)<br />

também <strong>de</strong>fine uma métrica em M. Sugestão: para <strong>de</strong>monstrar a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular será útil provar antes que a função<br />

l(x) =<br />

x<br />

1+x<br />

é crescente na região x ≥ 0. Outra sugestão: dê uma olhada na página 1222. 6<br />

E. <strong>25</strong>.38 Exercício. Mostre que as métricas d e d 0 <strong>do</strong> exercício E. <strong>25</strong>.37 só são equivalentes (no senti<strong>do</strong> da <strong>de</strong>finição<br />

acima) se d for limitada, ou seja, se existir D > 0 tal que d(x, y) ≤ D para to<strong>do</strong>s x, y ∈ M. Sugestão: tem-se que l(x) ≤ x<br />

para to<strong>do</strong> x ≥ 0, mas mostre que não existe nenhuma constante c > 0 tal que cx ≤ l(x) para to<strong>do</strong> x ≥ 0. Todavia, uma tal<br />

constante po<strong>de</strong> ser achada se nos limitarmos a x ∈ [0, D]. 6


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1221/2117<br />

E. <strong>25</strong>.39 Exercício. Mostre que, mesmo não sen<strong>do</strong> equivalentes, as métricas d e d 0 <strong>do</strong> exercício E. <strong>25</strong>.37 <strong>de</strong>finem a mesma<br />

topologia, ou seja, que to<strong>do</strong> conjunto d-aberto <strong>de</strong> M é d 0 -aberto e vice-versa. 6<br />

• Conjuntos fecha<strong>do</strong>s<br />

Paralelamente à noção <strong>de</strong> conjunto aberto em um espaço métrico existe a noção <strong>de</strong> conjunto fecha<strong>do</strong> em um espaço<br />

métrico: se M é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica d, um conjunto F ⊂ M é dito ser fecha<strong>do</strong> em relação à métrica d se seu conjunto<br />

complementar F c = M \F for aberto em relação à métrica d.<br />

A noção <strong>de</strong> conjunto fecha<strong>do</strong> é tão relevante quanto a <strong>de</strong> conjunto aberto e muitas proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> espaços métricos<br />

po<strong>de</strong>m ser expressas em termos <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> conjuntos fecha<strong>do</strong>s. A proposição que segue apresenta uma caracterização<br />

importante da noção <strong>de</strong> conjuntos fecha<strong>do</strong>s em espaços métricos.<br />

Proposição <strong>25</strong>.7 Seja M um conjunto não-vazio <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica d. Então, F ⊂ M é fecha<strong>do</strong> se e somente se<br />

toda sequência <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> F que for convergente em M convergir a um elemento <strong>de</strong> F. 2<br />

A <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ssa proposição será apresentada na Seção 27.3.1, página 1310 (na forma <strong>do</strong> Corolário 27.2, página<br />

1310). Para o caso <strong>de</strong> espaços métricos completos vale o seguinte afirmação importante:<br />

Proposição <strong>25</strong>.8 Se M é um espaço métrico completo em relação a uma métrica d, então F ⊂ M é fecha<strong>do</strong> na topologia<br />

induzida por essa métrica se e somente se F for igualmente completo em relação à métrica d. 2<br />

Essa proposição será <strong>de</strong>monstrada à página 1311 (vi<strong>de</strong> Proposição 27.11, página 1311) e será usada, por exemplo, na<br />

discussão <strong>do</strong> Capítulo 26, página 1260.<br />

Topologias, e não apenas topologias relacionadas a espaços métricos, serão estudadas com mais profundida<strong>de</strong> no<br />

Capítulo 27, página 1290.<br />

• Completeza <strong>de</strong> espaços métricos e sua topologia. Uma advertência<br />

Vamos neste ponto retornar à nossa discussão sobre a topologia <strong>de</strong> espaços métricos e discutir sua relação com a noção<br />

<strong>de</strong> completeza. A verda<strong>de</strong> é que os <strong>do</strong>is conceitos não são totalmente relaciona<strong>do</strong>s. O fato <strong>de</strong> um espaço métrico ser<br />

completo não é diretamente relaciona<strong>do</strong> à topologia a<strong>do</strong>tada mas sim à métrica usada. Em outras palavras, completeza<br />

não é uma proprieda<strong>de</strong> topológica!<br />

Para ver isso trataremos <strong>de</strong> exibir um exemplo <strong>de</strong> um espaço M <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> duas métricas que geram as mesmas<br />

topologias, sen<strong>do</strong> M completo em relação à primeira métrica mas não em relação à segunda métrica. No exemplo<br />

(extraí<strong>do</strong> <strong>de</strong> [43]) em questão M = {x ∈ R, x ≥ 1}. Em M a<strong>do</strong>taremos duas métricas: d 1 (x, y) = |y − x| e<br />

d 2 (x, y) =<br />

1<br />

∣y − 1 x∣ .<br />

E. <strong>25</strong>.40 Exercício. Mostre que d 2 é <strong>de</strong> fato uma métrica em M. 6<br />

O fato é que d 1 e d 2 geram a mesma topologia em M. Para ver isso notemos que d 2 (x, y) = d 1 (x, y)/(xy) ≤ d 1 (x, y)<br />

e, portanto, para to<strong>do</strong> x ∈ M e to<strong>do</strong> r > 0 vale B d1 (x, r) ⊂ B d2 (x, r). Se A é aberto em τ d2 (a topologia associada<br />

à métrica d 2 ), então para to<strong>do</strong> x ∈ A há uma bola B d2<br />

(<br />

x, r(x, A)<br />

)<br />

inteiramente contida em A e, pelo que acabamos<br />

<strong>de</strong> ver, há também uma bola B d1<br />

(<br />

x, r(x, A)<br />

)<br />

inteiramente contida em A. Daqui se conclui que to<strong>do</strong> aberto <strong>de</strong> τd2 é<br />

também aberto <strong>de</strong> τ d1 . Logo τ d2 ⊂ τ d1 . Igualmente é claro que para to<strong>do</strong> y da bola aberta B d1 (x, r) <strong>de</strong> τ d1 po<strong>de</strong>mos<br />

achar um r ′ suficientemente pequeno tal que B d2 (y, r ′ ) ⊂ B d1 (x, r) (como?). Como as bolas abertas B d1 geram τ d1 isso<br />

implica τ d1 ⊂ τ d2 , provan<strong>do</strong> a igualda<strong>de</strong> das duas topologias.<br />

O fato que queremos ressaltar é que M é completo em relação a d 1 mas não em relação a d 2 . Que M é completo em<br />

relação a d 1 po<strong>de</strong> ser prova<strong>do</strong> diretamente ou pelo seguinte argumento topológico: M é completo em relação a d 1 pois M<br />

é um subconjunto fecha<strong>do</strong> <strong>de</strong> R na topologia usual τ R , induzida por d 1 e R é completo em relação a d 1 (vi<strong>de</strong> Proposição<br />

<strong>25</strong>.8, página 1221, e a discussão à página 1310, em particular a Proposição 27.11).<br />

Para ver que M não é completo em relação a d 2 observe que a sequência a n = n, n ∈ N, é <strong>de</strong> Cauchy em relação a<br />

d 2 mas não há nenhum elemento em M ao qual ela converge. Assim, M é completo em relação a d 1 mas não em relação


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1222/2117<br />

a d 2 , embora ambas as métricas gerem a mesma topologia!<br />

As consi<strong>de</strong>rações acima dizem-nos que completeza não é uma noção <strong>de</strong> natureza topológica. Uma vez posta<br />

essa advertência, cabe notar, porém, que espaços métricos compactos são sempre completos em quaisquer que sejam as<br />

métricas que geram a topologia. Vi<strong>de</strong> <strong>Teorema</strong> 32.11, item I, página 1478.<br />

Nota. Não se po<strong>de</strong> argumentar, como fizemos com a métrica d 1 , que M é completo em d 2 por ser um subconjunto fecha<strong>do</strong> <strong>de</strong> R na topologia<br />

induzida em R por d 2 , pois tal topologia não existe! d 2 é uma métrica em M, mas não em R, ao contrário <strong>do</strong> que ocorre com d 1 . Po<strong>de</strong>r-se-ia,<br />

então, argumentar que d 2 é uma métrica em X = (0,∞) (<strong>de</strong> fato é, verifique!) e que M é um subconjunto fecha<strong>do</strong> <strong>de</strong> X = (0,∞) nessa<br />

topologia (<strong>de</strong> fato é, verifique!). Suce<strong>de</strong>, porém, que X = (0,∞) não é completo em relação a d 2 , pelo mesmo exemplo <strong>de</strong> acima, e isso viola<br />

uma das condições da Proposição <strong>25</strong>.8 da página 1221 (ou equivalentemente, da Proposição 27.11, página 1311).<br />

♣<br />

E. <strong>25</strong>.41 Exercício. Um outro exemplo (<strong>de</strong> [246]) <strong>de</strong> métricas que geram uma mesma topologia, mas que diferem no<br />

x<br />

que concerne à completeza é o seguinte. Consi<strong>de</strong>re M = R. Mostre que d s (x, y) := ∣1+|x| − y<br />

1+|y|<br />

∣ é uma métrica em R.<br />

Mostre que essa métrica gera a mesma topologia que a métrica usual <strong>de</strong> R. Mostre que a n = n é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy<br />

na métrica d s mas que não converge em R nessa métrica. 6<br />

E. <strong>25</strong>.42 Exercício. O conjunto R é fecha<strong>do</strong> na tolopogia induzida pela métrica d s , acima. Porque então os fatos <strong>de</strong>scritos<br />

no Exercício E. <strong>25</strong>.41 não estão em contradição com a Proposição <strong>25</strong>.8, página 1221? 6<br />

<strong>25</strong>.3 Pseu<strong>do</strong>-Métricas<br />

Seja M um conjunto não-vazio. Uma função d : M ×M → R que satisfaz<br />

1. Positivida<strong>de</strong>: para to<strong>do</strong>s x, y ∈ M vale d(x, y) ≥ 0.<br />

2. Simetria: para to<strong>do</strong>s x, y ∈ M vale d(x, y) = d(y, x).<br />

3. Desigualda<strong>de</strong> triangular: para to<strong>do</strong>s x, y, z ∈ M vale d(x, y) ≤ d(x, z)+d(y, z).<br />

4. Para to<strong>do</strong> x ∈ M vale d(x, x) = 0.<br />

é dita ser uma pseu<strong>do</strong>-métrica em M.<br />

Como já provamos no Comentário da página 1205, as condições <strong>de</strong> positivida<strong>de</strong> e simetria seguem da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

triangular e da condição que d(x, x) = 0 para to<strong>do</strong> x ∈ M. Assim, para <strong>de</strong>finir-se a noção <strong>de</strong> pseu<strong>do</strong>-métrica basta listar<br />

1. Desigualda<strong>de</strong> triangular: para to<strong>do</strong>s x, y, z ∈ M vale d(x, y) ≤ d(x, z)+d(y, z).<br />

2. Para to<strong>do</strong> x ∈ M vale d(x, x) = 0.<br />

Os outros items são lista<strong>do</strong>s apenas por ênfase.<br />

O seguinte fato é evi<strong>de</strong>nte: toda métrica é uma pseu<strong>do</strong>-métrica e uma pseu<strong>do</strong>-métrica d é uma métrica somente se<br />

d(x, y) = 0 implicar x = y. Assim, em uma pseu<strong>do</strong>-métrica po<strong>de</strong> haver pontos distintos x e y tais que d(x, y) = 0.<br />

Passemosagoraadiscutirumaoutraproprieda<strong>de</strong><strong>de</strong>pseu<strong>do</strong>-métricas<strong>de</strong>particularimportâncianateoria<strong>do</strong>schama<strong>do</strong>s<br />

espaços localmente convexos. Seja d : M ×M → R uma pseu<strong>do</strong>-métrica. Então, f : M ×M → R <strong>de</strong>finida por<br />

f(a, b) =<br />

d(a, b)<br />

1+d(a, b)<br />

é também uma pseu<strong>do</strong>-métrica.<br />

Em primeiro lugar, é claro que f(a, a) = 0 para to<strong>do</strong> a ∈ M. Como a simetria <strong>de</strong> f é também óbvia, precisamos<br />

apenas mostrar que f satisfaz a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular. Para <strong>de</strong>monstrar isso, notemos em primeiro lugar que a função<br />

l(x) =<br />

x<br />

1+x


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1223/2117<br />

é crescente para x ≥ 0. De fato, se y > x ≥ 0, então<br />

l(y)−l(x) =<br />

y −x<br />

(1+y)(1+x) > 0 .<br />

Assim, como pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular para d vale que d(a, b) ≤ d(a, c)+d(c, b), teremos<br />

f(a, b) =<br />

≤<br />

=<br />

≤<br />

d(a, b)<br />

1+d(a, b)<br />

d(a, c)+d(c, b)<br />

1+d(a, c)+d(c, b)<br />

d(a, c)<br />

1+d(a, c)+d(c, b) + d(c, b)<br />

1+d(a, c)+d(c, b)<br />

d(a, c) d(c, b)<br />

+<br />

1+d(a, c) 1+d(c, b)<br />

= f(a, c)+f(c, b) , (<strong>25</strong>.18)<br />

provan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular para f. Acima, na passagem da terceira para a quarta linha usamos os fatos óbvios<br />

que<br />

1+d(a, c)+d(c, b) ≥ 1+d(a, c) e 1+d(a, c)+d(c, b) ≥ 1+d(c, b) ,<br />

pois d é positiva.<br />

Uma consequência disso é que se d é uma métrica então f também o é.<br />

E. <strong>25</strong>.43 Exercício. Por quê? 6<br />

• Famílias <strong>de</strong> Pseu<strong>do</strong>-Métricas<br />

Em muitas situações são <strong>de</strong>finidas em um conjunto M não uma mas toda uma família <strong>de</strong> pseu<strong>do</strong>-métricas: D =<br />

{d α , α ∈ Λ}, Λ sen<strong>do</strong> um conjunto arbitrário não-vazio <strong>de</strong> índices, on<strong>de</strong> todas as d α são pseu<strong>do</strong>-métricas.<br />

Diz-se que uma família <strong>de</strong> pseu<strong>do</strong>-métricas: D = {d α , α ∈ Λ} separa pontos se para quaisquer <strong>do</strong>is pontos distintos<br />

x, y ∈ M existir um α 0 ∈ Λ tal que d α0 (x, y) ≠ 0.<br />

Tem-se a seguinte proposição, que mostra que a toda família contável <strong>de</strong> pseu<strong>do</strong>-métricas que separa pontos vem<br />

naturalmente associada uma métrica:<br />

Proposição <strong>25</strong>.9 Seja M um conjunto e seja D = {d n , n ∈ N} uma família contável <strong>de</strong> pseu<strong>do</strong>-métricas em M que<br />

separa pontos. Então, D : M ×M → R <strong>de</strong>finida por<br />

D(x, y) =<br />

∞∑<br />

n=1<br />

1<br />

2 n d n (x, y)<br />

1+d n (x, y)<br />

é uma métrica em M. 2<br />

Prova. Em primeiro lugar notemos que a soma infinita <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito é bem <strong>de</strong>finida pois<br />

0 ≤ d n(x, y)<br />

1+d n (x, y) ≤ 1<br />

e o fator 2 −n garante a convergência. Que D é uma pseu<strong>do</strong>-métrica é evi<strong>de</strong>nte pelo fato que cada termo d n (x, y)/(1+<br />

d n (x, y)) o é, como vimos acima. Resta mostrar que D(x, y) = 0 implica x = y. Como a soma contém apenas termos<br />

positivos, D(x, y) = 0 só é possível se d n (x, y) = 0 para to<strong>do</strong> n ∈ N. Como D separa pontos, se tivéssemos x ≠ y<br />

haveria pelo menos um m para o qual d m (x, y) ≠ 0. Como tal não é o caso, tem-se forçosamente x = y.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1224/2117<br />

<strong>25</strong>.4 Espaços <strong>de</strong> Funções Limitadas e Completeza<br />

Nesta seção apresentaremos alguns resulta<strong>do</strong>s importantes sobre a completeza <strong>de</strong> certos espaços <strong>de</strong> funções. O Corolário<br />

<strong>25</strong>.1, adiante, generaliza a Proposição <strong>25</strong>.6, da página 1213. Os resulta<strong>do</strong>s apresenta<strong>do</strong>s abaixo serão utiliza<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong><br />

discutirmos certos exemplos espaços <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> e em outros lugares <strong>de</strong>ste texto.<br />

• Funções limitadas sobre um espaço métrico<br />

Seja X um conjunto não-vazio e M um conjunto, também não-vazio, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica d. Dizemos que uma<br />

função f : X → M é uma função d-limitada (ou simplesmente uma função limitada quan<strong>do</strong> a métrica d estiver implícita)<br />

se existir um ponto <strong>de</strong> referência y ∈ M e uma constante K ≥ 0 tais que d ( f(x), y ) ≤ K para to<strong>do</strong> x ∈ X.<br />

Note que se f é d-limitada segun<strong>do</strong> essa <strong>de</strong>finição, então para qualquer z ∈ M valerá, pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular,<br />

d ( f(x), z ) ≤ d ( f(x), y ) +d(y, z) ≤ K+d(y, z). Assim, a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> função limitada dada acima in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong> ponto<br />

<strong>de</strong> referência y ∈ M toma<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> este ser substituí<strong>do</strong> por qualquer outro, mudan<strong>do</strong>-se eventualmente a constante<br />

K a<strong>do</strong>tada.<br />

Po<strong>de</strong>mos, portanto, alternativamente <strong>de</strong>finir a noção <strong>de</strong> função d-limitada da seguinte forma: dizemos que uma<br />

função f : X → M é uma função limitada, ou uma função d-limitada, se para cada y ∈ M existir uma constante K y ≥ 0<br />

(eventualmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> y) tal que d ( f(x), y ) ≤ K y para to<strong>do</strong> x ∈ X.<br />

{<br />

Vale, equivalentemente, dizer que f : X → M é d-limitada se para algum y ∈ M valer sup d ( f(x), y ) }<br />

, x ∈ X < ∞.<br />

A seguinte proposição oferece uma proprieda<strong>de</strong> que po<strong>de</strong> ser tomada como uma <strong>de</strong>finição alternativa da noção <strong>de</strong><br />

função limitada:<br />

Proposição <strong>25</strong>.10 Seja X um conjunto não-vazio e M um conjunto, também não-vazio, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica d. Uma<br />

função f : X → M é uma função d-limitada no senti<strong>do</strong> da <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> acima se e somente se existir uma constante<br />

L ≥ 0 tal que d ( f(x), f(x ′ ) ) ≤ L para to<strong>do</strong>s x e x ′ ∈ X. 2<br />

Prova. Suponhamos que f seja d-limitada segun<strong>do</strong> a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> acima. Sejam x e x ′ ∈ X, arbitrários. Teremos, pela<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular d ( f(x), f(x ′ ) ) ≤ d ( f(x), y ) +d ( y, f(x ′ ) ) ≤ 2K y e po<strong>de</strong>mos tomar L = 2K y .<br />

Suponhamos agora que exista uma constante L > 0 tal que d ( f(x), f(x ′ ) ) < L para to<strong>do</strong>s x e x ′ ∈ X. Fixemos<br />

x ′ e tomemos y = f(x ′ ) como ponto <strong>de</strong> referência. Teremos que d ( f(x), y ) ≤ L para to<strong>do</strong> x ∈ X, provan<strong>do</strong> que f é<br />

d-limitada segun<strong>do</strong> a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> acima.<br />

O conjunto <strong>de</strong> todas as funções limitadas <strong>de</strong> X em M é <strong>de</strong>nota<strong>do</strong> por B(X, M) (ou por B(X, M, d) quan<strong>do</strong> for<br />

necessário especificar a métrica em M em relação à qual a noção <strong>de</strong> limitação é consi<strong>de</strong>rada). O conjunto B(X, M, d)<br />

é ele mesmo um espaço métrico em relação à métrica d ∞ <strong>de</strong>finida por<br />

{<br />

d ∞ (f, g) := sup d ( f(x), g(x) ) }<br />

, x ∈ X<br />

(<strong>25</strong>.19)<br />

para todas f, g ∈ B(X, M, d). Que tal realmente <strong>de</strong>fine uma métrica po<strong>de</strong> ser facilmente <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong>. Em primeiro<br />

lugar, é claro que d ∞ (f, g) ≥ 0 e que d ∞ (f, g) = d ∞ (g, f) para to<strong>do</strong>s f, g ∈ B(X, M, d). Em segun<strong>do</strong> lugar, se<br />

d ∞ (f, g) = 0 para algum par f, g ∈ B(X, M, d) então, segun<strong>do</strong> a <strong>de</strong>finição, d(f(x), g(x)) = 0 para to<strong>do</strong> x ∈ X, o<br />

que implica f(x) = g(x) para to<strong>do</strong> x ∈ X, ou seja, f = g. Em terceiro lugar, para f, g, h ∈ B(X, M, d) vale (pela<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular para d) d(f(x), g(x)) ≤ d(f(x), h(x))+d(h(x), g(x)) para to<strong>do</strong> x ∈ X. Logo,<br />

sup<br />

x∈X<br />

{<br />

d ( f(x), g(x) )} ≤ sup<br />

x∈X<br />

{<br />

d ( f(x), h(x) )} + sup<br />

x∈X<br />

{<br />

d ( h(x), g(x) )} ,<br />

provan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular d ∞ (f, g) ≤ d ∞ (f, h)+d ∞ (h, g) para to<strong>do</strong>s f, g, h ∈ B(X, M, d).<br />

A métrica d ∞ é frequentemente <strong>de</strong>nominada métrica uniforme.<br />

• Completeza das funções limitadas sobre um espaço métrico completo<br />

O seguinte teorema sobre o conjunto <strong>de</strong> funções limitadas B(X, M, d), váli<strong>do</strong> quan<strong>do</strong> M é completo, é fundamental.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 12<strong>25</strong>/2117<br />

<strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.2 Sejam X e M conjuntos não-vazios, sen<strong>do</strong> M <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica{<br />

d e completo nessa métrica.<br />

Então, B(X, M, d) é completo na métrica uniforme d ∞ <strong>de</strong>finida por d ∞ (f, g) := sup d ( f(x), g(x) ) }<br />

, x ∈ X para<br />

todas f, g ∈ B(X, M, d). 2<br />

Prova. Seja f n uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em B(X, M, d) em relação à métrica d ∞ . Então, para to<strong>do</strong> { ǫ > 0 existe um inteiropositivo<br />

N(ǫ) tal que d ∞ (f n , f m ) < ǫ sempre que m e n sejam maiores que N(ǫ), ou seja, sup d(f n (x), f m (x)), x ∈<br />

}<br />

X < ǫ, sempre que m e n sejam maiores que N(ǫ). Isso significa que para cada x ∈ X tem-se d ( f n (x), f m (x) ) < ǫ<br />

sempre que m e n sejam maiores que N(ǫ). Assim, para cada x ∈ X fixo, a sequência f n (x) <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> M é uma<br />

sequência <strong>de</strong> Cauchy na métrica d. Como M é completo, segue que cada sequência f n (x) é convergente em M. Vamos<br />

<strong>de</strong>nominar por f(x) seu limite.<br />

Seja f a função X ∋ x ↦→ f(x). Essa função f é um forte candidato a ser o limite da sequência {f n } n∈N na métrica<br />

d ∞ . Colocamo-nos, então, as seguintes questões: 1. Será a função f também um elemento <strong>de</strong> B(X, M, d), ou seja, uma<br />

função d-limitada? 2. Se a resposta à pergunta anterior for positiva, será que a sequência f m converge à função f na<br />

métrica d ∞ ? Se a resposta a essas perguntas for positiva (e veremos que é), estará prova<strong>do</strong> que B(X, M, d) é completo<br />

na métrica d ∞ , como queremos provar.<br />

Precisamos agora mostrar que a sequência {f m } m∈N aproxima essa função f na métrica d ∞ .<br />

Seja ǫ > 0 arbitrário. Vamos <strong>de</strong>finir uma sequência crescente <strong>de</strong> números inteiros e positivos N k (ǫ), k = 1, 2, 3, ...<br />

com N k+1 (ǫ) > N k (ǫ), da seguinte forma: N k (ǫ) é tal que d ∞ (f m , f n ) < ǫ/2 k para to<strong>do</strong>s m, n > N k (ǫ). Note que uma<br />

tal sequência N k (ǫ) sempre po<strong>de</strong> ser encontrada pois, por hipótese, f m é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em d ∞ . Vamos agora<br />

escolher uma sequência crescente <strong>de</strong> índices n 1 < n 2 < ··· < n k−1 < n k < ··· tais que n k > N k (ǫ). A essa sequência<br />

está associada a sub-sequência {f nk } k∈N . Note que, pela <strong>de</strong>finição, tem-se<br />

d ∞ (f nl+1 , f nl ) < ǫ 2 l , (<strong>25</strong>.20)<br />

pois n l e n l+1 são maiores que N l (ǫ). Com essas <strong>de</strong>finições, teremos que para to<strong>do</strong> k > 1 vale, por uso repeti<strong>do</strong> da<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular<br />

para cada x ∈ X (justifique!).<br />

d ( f nk (x), f n1 (x) ) ≤<br />

k−1<br />

∑<br />

d ( f nl+1 (x), f nl (x) ) (<strong>25</strong>.20)<br />

<<br />

l=1<br />

De (<strong>25</strong>.21), concluímos que para cada x ∈ X,<br />

ou seja,<br />

k−1<br />

∑<br />

d ( f(x), f n1 (x) ) ≤ d ( f(x), f nk (x) ) +d ( f nk (x), f n1 (x) )<br />

l=1<br />

< d ( f(x), f nk (x) ) (<br />

+ǫ 1− 1 )<br />

2 k−1 ,<br />

d ( f(x), f n1 (x) ) < d ( f(x), f nk (x) ) (<br />

+ǫ 1− 1 )<br />

2 k−1 .<br />

(<br />

ǫ<br />

2 l = ǫ 1− 1 )<br />

2 k−1 . (<strong>25</strong>.21)<br />

O la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta expressão in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> k. Toman<strong>do</strong>-se o limite k → ∞ e lembran<strong>do</strong> que a sequência f nk (x)<br />

converge a f(x) em M, concluímos que<br />

d ( f(x), f n1 (x) ) ≤ ǫ , (<strong>25</strong>.22)<br />

para to<strong>do</strong> x ∈ M.<br />

Se y ∈ M, vale<br />

d ( f(x), y ) ≤ d ( f(x), f n1 (x) ) +d ( f n1 (x), y ) (<strong>25</strong>.22)<br />

≤ ǫ+d ( f n1 (x), y ) .<br />

Como f n1 é d-limita<strong>do</strong>, existe K ≥ 0 tal que d ( f n1 (x), y ) ≤ K para to<strong>do</strong> x ∈ X. Logo, d ( f(x), y ) ≤ K +ǫ para to<strong>do</strong><br />

x ∈ X, provan<strong>do</strong> que f ∈ B(X, M, d).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1226/2117<br />

Além disso, como (<strong>25</strong>.22) vale para to<strong>do</strong> x, segue que<br />

d ∞ (f, f n1 ) = sup { d ( f(x), f n1 (x) ) , x ∈ X } ≤ ǫ . (<strong>25</strong>.23)<br />

Isso <strong>de</strong>monstra que a sequência f n converge a f em relação à métrica d, completan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>monstração.<br />

• Funções contínuas e limitadas sobre espaços métricos<br />

A partir <strong>de</strong>ste ponto utilizaremos noções sobre continuida<strong>de</strong> <strong>de</strong> funções em espaços topológicos gerais (vi<strong>de</strong> Seção<br />

30.5, página 1375) e sobre conjuntos compactos (vi<strong>de</strong> Seção 32.3, página 1466).<br />

Se X e M são <strong>do</strong>is conjuntos não-vazios <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s topologias τ X e τ M , respectivamente, <strong>de</strong>notamos por C(X, M)<br />

o conjunto <strong>de</strong> todas as funções contínuas <strong>de</strong> X em M em relação àquelas topologias (vi<strong>de</strong> Seção 30.5, página 1375).<br />

Estamos interessa<strong>do</strong>s no caso em que M, é <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica d e τ M é igual a τ d , a topologia gerada em M pela<br />

métrica d.<br />

Denotamos C(X, M) ∩ B(X, M, d), o conjunto <strong>de</strong> todas as funções contínuas e d-limitadas <strong>de</strong> X em M, por<br />

C b (X, M). Como vimos acima, B(X, M, d) é um espaço métrico com a métrica uniforme d ∞ e, como tal, é um espaço<br />

topológico. Denotamos por τ d∞ a topologia métrica induzida por d ∞ em B(X, M, d).<br />

<strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.3 Sejam X e M conjuntos não-vazios com X <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma topologia τ X e M <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica d.<br />

Suponhamos que M seja completo na métrica d. Então, C b (X, M), o conjunto <strong>de</strong> todas as funções contínuas e limitadas<br />

<strong>de</strong> X em M, é um subconjunto τ d∞ -fecha<strong>do</strong> <strong>de</strong> B(X, M, d) e completo na métrica d ∞ . 2<br />

Prova. Sob as hipóteses, sabemos que B(X, M, d) é completo (<strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.2, página 12<strong>25</strong>). Pelo Corolário 27.2, página<br />

1310, é suficiente provarmos que sequências <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> C b (X, M) convergentes em B(X, M, d) na métrica d ∞<br />

convergem a uma função <strong>de</strong> C b (X, M). Portanto, uma sequência convergente <strong>de</strong> C b (X, M) convergirá a uma função <strong>de</strong><br />

B(X, M, d), restan<strong>do</strong> apenas provar que o limite é uma função contínua.<br />

Supomos então que f n seja uma sequência <strong>de</strong> C b (X, M) convergente em B(X, M, d) na métrica d ∞ e que f ∈<br />

B(X, M, d) seja seu limite. Desejamos provar que f é também contínua.<br />

Seja B ⊂ M um conjunto d-aberto e seja A ≡ f −1 (B) ⊂ X sua pré-imagem em X. Desejamos provar que A é um<br />

conjunto τ X -aberto (vi<strong>de</strong> Seção 30.5, página 1375). A estratégia da <strong>de</strong>monstração é provarmos que para cada x ∈ A<br />

existe um conjunto τ X -aberto A x inteiramente conti<strong>do</strong> em A e que contém x. Isso implica que A = ∪ x∈X A x . Como o<br />

la<strong>do</strong> direito é uma união <strong>de</strong> τ X -abertos, provou-se que A é um τ X -aberto.<br />

Os conjuntos A x serão da forma A x = f −1<br />

n x<br />

(B x ), on<strong>de</strong> n x é algum inteiro (eventualmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> x) e B x ⊂ M,<br />

satisfazen<strong>do</strong>:<br />

i. B x é um d-aberto em M (o que garante que A x = f −1<br />

n x<br />

(B x ) é um τ X -aberto, pois as funções f n são contínuas),<br />

ii. f nx (x) ∈ B x (o que garante que x ∈ f −1<br />

n x<br />

(B x ) = A x ) e<br />

iii. f −1<br />

n x<br />

(B x ) ⊂ A (o que garante A x = f −1<br />

n x<br />

(B x ) ⊂ A).<br />

Toda a <strong>de</strong>monstração resume-se agora em encontrar um conjunto B x com as proprieda<strong>de</strong>s acima para cada x ∈ A =<br />

f −1 (B). Seja então x um elemento genérico <strong>de</strong> A. Como B é aberto, existe uma bola aberta centrada em f(x) <strong>de</strong> um<br />

certo raio r x > 0 que está inteiramente contida em B (vi<strong>de</strong> <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> conjuntos abertos em espaços métricos à página<br />

1219), B ( f(x), r x<br />

)<br />

⊂ B.<br />

Afirmamos que B x := B ( f(x), r x /2 ) tem as proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sejadas. Naturalmente B x ⊂ B ( f(x), r x<br />

)<br />

⊂ B, sen<strong>do</strong><br />

que B x é d-aberto e contém f(x). Agora, se escolhermos n x gran<strong>de</strong> o suficiente teremos<br />

d ∞ (f, f nx ) < r x<br />

4<br />

pois f n converge a f na métrica d ∞ , por hipótese, e, portanto,<br />

(<strong>25</strong>.24)<br />

d ( f(x), f nx (x) ) ≤ d ∞ (f, f nx ) < r x<br />

4 , (<strong>25</strong>.<strong>25</strong>)


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1227/2117<br />

<strong>do</strong> que concluímos que f nx (x) ∈ B ( f(x), r x /4 ) ⊂ B ( f(x), r x /2 ) = B x . Resta provar que fn −1<br />

x<br />

(B x ) ⊂ A, o que será feito<br />

por contradição. Suponha que exista z ∈ fn −1<br />

x<br />

(B x ) tal que z ∉ A. Então, f(z) ∉ B. Porém,<br />

d ( f(x), f(z) ) ≤ d ( f(x), f nx (z) ) +d ( f nx (z), f(z) ) f n x (z)∈Bx<br />

≤<br />

r x<br />

2 +d( f nx (z), f(z) ) ≤ r x<br />

2 +d (<br />

∞ fnx , f )<br />

provan<strong>do</strong> que f(z) ∈ B ( f(x), 3r x /4 ) ⊂ B ( f(x), r x<br />

)<br />

⊂ B, uma contradição.<br />

(<strong>25</strong>.24)<br />

≤<br />

r x<br />

2 + r x<br />

4 = 3r x<br />

4 ,<br />

Com as consi<strong>de</strong>rações prece<strong>de</strong>ntes isso prova que f é contínua, estabelecen<strong>do</strong> que C b (X, M) é um subconjunto τ d∞ -<br />

fecha<strong>do</strong> <strong>de</strong> B(X, M, d). Pela Proposição 27.11, página 1311, isso implica que C b (X, M) é completo na métrica d ∞ ,<br />

completan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>monstração.<br />

O <strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.3 tem o seguinte corolário imediato:<br />

Corolário <strong>25</strong>.1 Sejam X e M conjuntos não-vazios com X <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma topologia τ X e M <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma métrica<br />

d. Suponhamos que X seja τ X -compacto e que M seja completo na métrica d. Então, C(X, M), o conjunto <strong>de</strong> todas<br />

as funções contínuas X em M, é um subconjunto τ d∞ -fecha<strong>do</strong> <strong>de</strong> B(X, M, d) e completo na métrica d ∞ . Note-se que<br />

isso, em particular, afirma que, sob as hipóteses, to<strong>do</strong> elemento <strong>de</strong> C(X, M) é uma função d-limitada. 2<br />

Prova. Seja f ∈ C(X, M). Para y ∈ M, fixo, a aplicação F : X → R + <strong>de</strong>finida por F(x) := d ( f(x), y ) é contínua, por<br />

ser a composição <strong>de</strong> duas funções contínuas, f e d (·, y ) . Logo, pelo <strong>Teorema</strong> 32.16, página 1484, F tem um máximo,<br />

o que significa dizer que f é d-limitada. Assim, provamos que <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à compacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> X toda função <strong>de</strong> C(X, M) é<br />

d-limitada, ou seja, C(X, M) = C b (X, M). Portanto, as afirmativas <strong>do</strong> enuncia<strong>do</strong> seguem <strong>do</strong> <strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.3.<br />

É bastante claro que o Corolário <strong>25</strong>.1 generaliza a Proposição <strong>25</strong>.6, da página 1213.<br />

<strong>25</strong>.5 Espaços <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> e <strong>de</strong> Hilbert<br />

Nesta seção suporemos que o leitor esteja familiariza<strong>do</strong> com os conceitos <strong>de</strong> produto escalar e norma em espaços vetoriais,<br />

conceitos esses introduzi<strong>do</strong>s na Seção 3.1.3, página 196, e, respectivamente, na Seção 3.2, página 199 (vi<strong>de</strong>, em particular,<br />

página 196). Por simplicida<strong>de</strong>, trataremos também apenas <strong>de</strong> espaços vetoriais sob o corpo <strong>do</strong>s complexos.<br />

• Espaços <strong>de</strong> <strong>Banach</strong><br />

Se E é um espaço vetorial <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma norma ‖·‖ E , po<strong>de</strong>mos, como já comentamos, <strong>de</strong>finir uma métrica em E,<br />

a chamada métrica induzida pela norma ‖·‖ E , através da expressão d E (u, v) = ‖u−v‖ E <strong>de</strong>finida para to<strong>do</strong>s u, v ∈ E.<br />

Assim, se E é um espaço vetorial norma<strong>do</strong>, então é também um espaço métrico com a métrica induzida pela norma. Com<br />

isso em mente, introduzimos então a seguinte importante <strong>de</strong>finição:<br />

Definição Espaços <strong>de</strong> <strong>Banach</strong>. Um espaço vetorial B é dito ser um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> 20 em relação a uma norma nele<br />

<strong>de</strong>finida se for um espaço métrico completo em relação à métrica induzida por essa norma.<br />

• Espaços <strong>de</strong> Hilbert<br />

Seja E um espaço vetorial <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um produto escalar 〈·, ·〉 E<br />

. Como discutimos à página 202 e seguintes, po<strong>de</strong>mos<br />

com o uso <strong>de</strong>sse produto escalar <strong>de</strong>finir uma norma em E por ‖u‖ E := √ 〈u, u〉 E<br />

. Essa norma é dita ser a norma induzida<br />

pelo produto escalar 〈·, ·〉 E<br />

. Caímos, assim, no caso <strong>de</strong> acima, pois, sen<strong>do</strong> E um espaço vetorial norma<strong>do</strong>, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir<br />

uma métrica em E através da seguinte expressão: para u, v ∈ E,<br />

√ 〈<br />

d E (u, v) = ‖u−v‖ E = (u−v), (u−v)〉<br />

.<br />

20 Stefan <strong>Banach</strong> (1892–1945).<br />

E


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1228/2117<br />

Essa métrica é dita ser a métrica induzida pelo produto escalar 〈·, ·〉 E<br />

.<br />

Assim, se E é um espaço vetorial <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um produto escalar, então é também um espaço métrico com a métrica<br />

induzida pelo produto escalar <strong>de</strong>finida acima. Com isso em mente, introduzimos então a seguinte importante <strong>de</strong>finição:<br />

Definição Espaços <strong>de</strong> Hilbert. Um espaço vetorial H é dito ser um espaço <strong>de</strong> Hilbert 21 em relação a um produto<br />

escalar nele <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> se for um espaço métrico completo em relação à métrica induzida por esse produto escalar.<br />

Nota histórica. A noção abstrata <strong>de</strong> Espaço <strong>de</strong> Hilbert foi introduzida por Schmidt 22 , por volta <strong>de</strong> 1905, inspira<strong>do</strong> em idéias <strong>de</strong> Hilbert<br />

sobre equações integrais, notadamente sobre a equação <strong>de</strong> Fredholm 23 , discutida na Seção 17.3.2, página 8<strong>25</strong> e no Capítulo 17, página 803. A<br />

noção abstrata <strong>de</strong> Espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> é posterior, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> introduzida por <strong>Banach</strong> em 1920. O termo “espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong>” foi cunha<strong>do</strong> por<br />

Fréchet 24 , enquanto que o termo “espaço <strong>de</strong> Hilbert” foi cunha<strong>do</strong> por von Neumann <strong>25</strong> .<br />

♣<br />

O estudante <strong>de</strong>ve notar que to<strong>do</strong> espaço <strong>de</strong> Hilbert é naturalmente um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong>. A recíproca não é<br />

necessariamente verda<strong>de</strong>ira, pois um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> não é necessariamente <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um produto escalar associada a<br />

sua norma. Para que tal ocorra é necessário (e suficiente) que a norma satisfaça a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> paralelogramo, relação<br />

(3.31), página 203. Esse é o conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>Teorema</strong> <strong>de</strong> Fréchet, von Neumann e Jordan, <strong>Teorema</strong> 3.3, página 205.<br />

Também ressaltamos ao estudante que não apenas a existência <strong>de</strong> um produto escalar é importante na <strong>de</strong>finição <strong>de</strong><br />

um espaço <strong>de</strong> Hilbert, mas também a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> completeza, a qual é fundamental para a <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> várias<br />

proprieda<strong>de</strong>s importantes daqueles espaços. Vi<strong>de</strong> Capítulo 37, página 1842.<br />

Exemplos <strong>25</strong>.1 Os espaços vetoriais <strong>de</strong> dimensão finita C n são espaços <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> em relação à norma ‖x‖ p := [ |x 1 | p +<br />

···+|x n | p] 1/p<br />

para to<strong>do</strong> p ≥ 1. O caso p = 2 é importante: Cn é um espaço <strong>de</strong> Hilbert em relação ao produto escalar<br />

〈x, y〉 C<br />

:= x 1 y 1 + ···x n y n . O mesmo vale para os espaços vetoriais reais R n . Esses fatos serão prova<strong>do</strong>s logo adiante<br />

quan<strong>do</strong>consi<strong>de</strong>rarmososespaços<strong>de</strong>sequênciastipol p , p ≥ 1, osquais, comoveremos,sãoexemplos<strong>de</strong> espaços<strong>de</strong><strong>Banach</strong><br />

(<strong>de</strong> dimensão infinita). O espaço l 2 é um espaço <strong>de</strong> Hilbert. Outro exemplo importante <strong>de</strong> espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> é o espaço<br />

vetorial C([0, 1]). Provamos na Proposição <strong>25</strong>.6, página 1213, que C([0, 1]) é completo na norma ‖f‖ ∞ := sup |f(x)|.<br />

x∈[0,1]<br />

Portanto, C([0, 1]) é um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> em relação a essa norma. 5<br />

Espaços <strong>de</strong> Hilbert têm uma importância fundamental na Mecânica Quântica e na Teoria Quântica <strong>de</strong> Campos. Na<br />

Matemática, espaços <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> e <strong>de</strong> Hilbert são também fundamentais em áreas como a teorias das equações diferenciais<br />

parciais (e outras). O estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> Hilbert e <strong>de</strong> <strong>Banach</strong>, e <strong>de</strong> opera<strong>do</strong>res lineares agin<strong>do</strong> nos mesmos, compõe<br />

uma área da Matemática <strong>de</strong>nominada Análise Funcional.<br />

NestasNotas, estudaremos commais <strong>de</strong>talheas proprieda<strong>de</strong>sgerais <strong>de</strong>espaços<strong>de</strong>Hilbert noCapítulo37, página1842.<br />

No restante <strong>de</strong>sta seção apresentaremos exemplos <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> Hilbert e <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> estudan<strong>do</strong> espaços <strong>de</strong> sequências.<br />

• Espaços <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> em Espaços <strong>de</strong> Funções<br />

Os resulta<strong>do</strong>s da Seção <strong>25</strong>.4, página 1224, permitem encontrar exemplos importantes <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> entre<br />

certos espaços <strong>de</strong> funções:<br />

Exemplo <strong>25</strong>.2 Seja X um conjunto não-vazio qualquer e seja B um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> (em relação ao corpo <strong>do</strong>s reais<br />

ou <strong>do</strong>s complexos) com norma ‖·‖ B . Seja B(X, B) o conjunto <strong>de</strong> todas as funções limitadas <strong>de</strong> X em B:<br />

{<br />

}<br />

B(X, B) = f : X → B, sup ‖f(x)‖ B < ∞ .<br />

x∈X<br />

É elementar constatar que B(X, B) é um espaço vetorial (em relação ao corpo <strong>do</strong>s reais ou <strong>do</strong>s complexos) e que<br />

B(X, B) ∋ f ↦→ ‖f‖ := sup x∈X ‖f(x)‖ B é uma norma em B(X, B), a chamada norma uniforme. Pelo <strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.2,<br />

página 12<strong>25</strong>, B(X, B) é um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> em relação à norma uniforme. 5<br />

21 David Hilbert (1862–1943).<br />

22 Erhard Schmidt (1876–1959). Schmidt é conheci<strong>do</strong> por várias contribuições, como o <strong>Teorema</strong> <strong>de</strong> Hilbert-Schmidt sobre opera<strong>do</strong>res<br />

compactos e, mais popularmente, pelo méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> ortogonalização <strong>de</strong> Gram-Schmidt, <strong>de</strong>scrito na Seção 3.3, página 206.<br />

23 Erik Ivar Fredholm (1866–1927).<br />

24 Maurice René Fréchet (1878–1973).<br />

<strong>25</strong> John von Neumann (1903–1957).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1229/2117<br />

Exemplo <strong>25</strong>.3 Seja X um espaço topológico e seja B um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> (em relação ao corpo <strong>do</strong>s reais ou <strong>do</strong>s<br />

complexos) com norma ‖·‖ B . Seja C b (X, B) o conjunto <strong>de</strong> todas as funções contínuas e limitadas <strong>de</strong> X em B:<br />

{<br />

}<br />

C b (X, B) = f : X → B, f ∈ B(X, B) e f é contínua .<br />

É claro que C b (X, B) ⊂ B(X, B), que C b (X, B) é um subespaço vetorial e que a norma uniforme ‖·‖ está <strong>de</strong>finida em<br />

C b (X, B). Pelo <strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.3, página 1226, C b (X, B) é um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> em relação à norma uniforme. 5<br />

Exemplo <strong>25</strong>.4 Seja X um espaço topológico compacto e B um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> (em relação ao corpo <strong>do</strong>s reais ou <strong>do</strong>s<br />

complexos) com norma ‖·‖ B . Seja C(X, B) o conjunto <strong>de</strong> todas as as funções contínuas X em B. Pelo Corolário <strong>25</strong>.1,<br />

página 1227, C(X, B) é um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> em relação à norma uniforme. 5<br />

Alguns exemplos ilustrativos <strong>do</strong>s casos acima são encontra<strong>do</strong>s entre espaços <strong>de</strong> sequências, aos quais <strong>de</strong>dicaremos a<br />

Seção <strong>25</strong>.5.1, página 1229.<br />

<strong>25</strong>.5.1 Espaços <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> em Espaços <strong>de</strong> Sequências<br />

Vamos <strong>de</strong>notar por S(C) (por S(R)) a coleção <strong>de</strong> todas as sequências <strong>de</strong> números complexos (reais). Um fato simples,<br />

mas importante <strong>de</strong> se comentar, é que S(C) é um espaço vetorial complexo (e, respectivamente, S(R) é um espaço<br />

vetorial real). De fato, se a e b são duas sequências <strong>de</strong> números complexos po<strong>de</strong>mos, para quaisquer α, β ∈ C <strong>de</strong>finir<br />

αa+βb como sen<strong>do</strong> a sequência (αa+βb) n := αa n +βb n , n ∈ N. (Para S(R), o caso é análogo).<br />

Por simplicida<strong>de</strong>, iremos daqui para frente discutir apenas o espaço S(C), das sequências complexas, mas tu<strong>do</strong> o que<br />

falaremos tem seu análogo para o espaço S(R).<br />

O espaço vetorial S(C) possui vários subespaços, alguns <strong>de</strong> interesse especial, como os espaços l p , com p ≥ 1, e o<br />

espaço l ∞ , os quais serão <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s mais adiante. O seguinte exercício exibe um <strong>do</strong>s subespaços <strong>de</strong> S(C).<br />

E. <strong>25</strong>.44 Exercício. Denotemos por c(C), ou simplesmente c, a coleção <strong>de</strong> todas as sequências <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> números<br />

complexos com relação à métrica usual d(z, w) = |w −z|, ∀z, w ∈ C. Mostre que c(C) é um subespaço <strong>de</strong> S(C), ou seja,<br />

mostre que se {a n } n∈N e {b n } n∈N são duas sequências <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> números complexos, então para quaisquer α, β ∈ C a<br />

sequência {αa n +βb n } n∈N é também uma sequência <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> números complexos. 6


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1230/2117<br />

Outros exemplos <strong>de</strong> conjuntos <strong>de</strong> sequências são os seguintes 26 :<br />

{<br />

}<br />

l ∞ := {a n } n∈N ∈ S(C)<br />

∣ sup|a n | < ∞ . (<strong>25</strong>.26)<br />

n∈N<br />

c :=<br />

{<br />

{a n } n∈N ∈ S(C)<br />

∣<br />

lim a n existe na métrica usual<br />

n→∞<br />

}<br />

. (<strong>25</strong>.27)<br />

c 0 :=<br />

{<br />

{a n } n∈N ∈ S(C)<br />

∣<br />

lim a n = 0<br />

n→∞<br />

}<br />

. (<strong>25</strong>.28)<br />

l p :=<br />

s :=<br />

{<br />

{a n } n∈N ∈ S(C)<br />

∣<br />

{<br />

{a n } n∈N ∈ S(C)<br />

∣<br />

}<br />

∞∑<br />

|a n | p < ∞ . (<strong>25</strong>.29)<br />

n=1<br />

lim<br />

n→∞ nk |a n | = 0 para to<strong>do</strong> k > 0<br />

}<br />

. (<strong>25</strong>.30)<br />

j :=<br />

{<br />

{a n } n∈N ∈ S(C)<br />

∣<br />

lim exp(rn)|a n| = 0 para to<strong>do</strong> r > 0<br />

n→∞<br />

}<br />

. (<strong>25</strong>.31)<br />

d :=<br />

{<br />

{a n } n∈N ∈ S(C)<br />

∣<br />

a n = 0, exceto para um conjunto finito <strong>de</strong> n’s<br />

}<br />

. (<strong>25</strong>.32)<br />

Acima, c coinci<strong>de</strong> com a coleção <strong>de</strong> todas as sequências <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> complexos com relação à métrica usual d(z, w) =<br />

|w − z|, ∀z, w ∈ C pois C é completo nessa métrica. Note que c 0 ⊂ c (justifique!). Em um exercício à página 1231,<br />

discutiremos as relações <strong>de</strong> continência entre os conjuntos <strong>de</strong> sequências acima e provaremos que d ⊂ j ⊂ s ⊂ l p ⊂ c 0 ⊂<br />

c ⊂ l ∞ .<br />

E. <strong>25</strong>.45 Exercício. Prove que os conjuntos d, j, s, c 0 , c e l ∞ são espaços vetoriais. 6<br />

Maisadiante(Proposição<strong>25</strong>.11, página1231)provaremosqueosconjuntosl p comp > 0tambémsãoespaçosvetoriais.<br />

As provas para 0 < p < 1 e p ≥ 1 são diferentes.<br />

E. <strong>25</strong>.46 Exercício. Mostre que as sequências a n = exp(−n) e a n = exp(−n 2 ), n ∈ N, pertencem a s. Mostre que<br />

nenhuma sequência a n = 1 nr, n = 1, 2,..., com r > 0, pertence a s. 6<br />

• Sequências l ∞ e l p<br />

Na expressão (<strong>25</strong>.26) <strong>de</strong>finimos o conjunto l ∞ , subconjunto <strong>de</strong> S(C), forma<strong>do</strong> por todas as sequências limitadas, ou<br />

seja, uma sequência {a n } n∈N é <strong>do</strong> tipo l ∞ se existir algum M ≥ 0 tal que, para to<strong>do</strong> n, tem-se |a n | < M. Note que as<br />

sequências limitadas não são <strong>de</strong> Cauchy, mas toda a sequência <strong>de</strong> Cauchy é limitada (por que?). Assim, c(C) ⊂ l ∞ .<br />

Exemplo <strong>25</strong>.5 As sequências a n = α, a n = α/n 2 , a n = β+α/n a n = β+αe −n , a n = α(−1) n , a n = αsen(nβ), ∀n ∈ N,<br />

são, para to<strong>do</strong> α, β ∈ C, elementos <strong>de</strong> l ∞ . As sequências a n = α(−1) n e a n = αsen(nβ) não são <strong>de</strong> Cauchy. 5<br />

E. <strong>25</strong>.47 Exercício importante. Mostre que se {a n } n∈N e {b n } n∈N são duas sequências <strong>do</strong> tipo l ∞ então, para quaisquer<br />

α, β ∈ C a sequência {αa n +βb n } n∈N é também <strong>do</strong> tipo l ∞ . 6<br />

Esse exercício diz-nos que l ∞ não é apenas um subconjunto, mas também um subespaço vetorial <strong>de</strong> S(C). Mais<br />

26 A or<strong>de</strong>nação <strong>de</strong>ssa lista <strong>de</strong> exemplos é inspirada em [205].


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1231/2117<br />

adiante, mostraremos que l ∞ é um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> em relação a uma norma conveniente, a saber, a norma <strong>de</strong>finida<br />

no próximo exercício.<br />

E. <strong>25</strong>.48 Exercício importante. Seja a ≡ {a n } n∈N ∈ l ∞ . Mostre que<br />

‖a‖ ∞ := sup|a n |<br />

n∈N<br />

<strong>de</strong>fine uma norma em l ∞ . 6<br />

Outra família importante <strong>de</strong> subconjuntos <strong>de</strong> S(C) é formada pelas chamadas sequências l p , com p ∈ R, p > 0:<br />

{<br />

}<br />

∞∑<br />

l p := {a n } n∈N ∈ S(C)<br />

|a<br />

∣ n | p < ∞ .<br />

n=1<br />

E. <strong>25</strong>.49 Exercício. Seja p > 0. Mostre que para δ > 0 a sequência a n = 1<br />

n 1+δ, n = 1, 2, 3, ..., é <strong>do</strong> tipo l p. O que<br />

p<br />

acontece se δ = 0? Mostre que a n = 1 n , n = 1, 2, 3, ..., é <strong>do</strong> tipo l p para to<strong>do</strong> p > 1 mas não é <strong>do</strong> tipo l 1 . Mostre que a<br />

sequência a n = exp(−n), n = 1, 2, 3, ..., pertence a to<strong>do</strong>s os espaços l p com p > 0. 6<br />

Pela <strong>de</strong>finição, se {a n } n∈N é uma sequência <strong>de</strong> tipo l p , então a série ∑ ∞<br />

n=1 |a n| p é convergente. Isso só é possível se<br />

lim n→∞ |a n | = 0. Isso, por sua vez, significa que para to<strong>do</strong> n gran<strong>de</strong> o suficiente, digamos, maior que um certo N 0 ∈ N,<br />

tem-se |a n | ≤ 1. Se p ′ ≥ p segue então que |a n | p′ ≤ |a n | p para to<strong>do</strong> n > N 0 .<br />

E. <strong>25</strong>.50 Exercício. Use esses fatos para concluir que<br />

l p ⊂ l p ′<br />

para to<strong>do</strong>s p, p ′ com 0 < p ≤ p ′ . 6<br />

E. <strong>25</strong>.51 Exercício. Conclua também que<br />

d ⊂ j ⊂ s ⊂ l p ⊂ l p ′ ⊂ c 0 ⊂ c ⊂ l ∞ ,<br />

para to<strong>do</strong>s p, p ′ com 0 < p ≤ p ′ . 6<br />

E. <strong>25</strong>.52 Exercício. Dê exemplos <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> l ∞ que não pertencem a nenhum <strong>do</strong>s <strong>de</strong>mais conjuntos acima. 6<br />

E. <strong>25</strong>.53 Exercício. Dê exemplos <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> c 0 que não pertencem a nenhum l p com p > 0. Sugestão: consi<strong>de</strong>re<br />

a sequência a n = 1<br />

∞ ln(n) com n = 2, 3, 4, .... Mostre que ∑ 1<br />

= ∞ para to<strong>do</strong> p > 0. Para isso, use o fato (e<br />

(ln(n))<br />

p<br />

∫ n=2<br />

∞ ∫<br />

1 ∞<br />

prove-o!) que<br />

(ln(x)) pdx = e u<br />

updu = ∞ para to<strong>do</strong> b > 1 e p ∈ R. 6<br />

b<br />

ln(b)<br />

Vamos agora estabelecer um fato importante sobre os conjuntos <strong>de</strong> sequências: combinações lineares <strong>de</strong> sequências<br />

l p são também sequências l p .<br />

• A estrutura linear <strong>do</strong>s conjuntos l p<br />

Proposição <strong>25</strong>.11 Os conjuntos l p , com p > 0, são espaços vetoriais complexos. 2<br />

A prova faz uso da Proposição 5.12, página <strong>25</strong>3, da Seção 5.2.3, página <strong>25</strong>2.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1232/2117<br />

Prova. Há <strong>do</strong>is casos a consi<strong>de</strong>rar em separa<strong>do</strong>: 0 < p < 1 e p ≥ 1.<br />

Caso 0 < p < 1. Sejam a, b ∈ C. Como |a+b| ≤ |a|+|b|, a segunda <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> em (5.36), página <strong>25</strong>4, implica<br />

|a+b| p ≤ (|a|+|b|) p ≤ |a| p +|b| p .<br />

Assim, se a n e b n são duas sequências <strong>do</strong> tipo l p com 0 < p < 1, teremos<br />

∞∑ ∑<br />

∞ ∑<br />

∞<br />

|αa n +βb n | p ≤ |α| p |a n | p +|β| p |b n | p < ∞ (<strong>25</strong>.33)<br />

n=1<br />

n=1<br />

para quaisquer α, β ∈ C. Isso provou que a sequência αa n +βb n também é uma sequência <strong>do</strong> tipo l p com 0 < p < 1.<br />

Assim, l p com 0 < p < 1 é um espaço vetorial complexo.<br />

Caso p ≥ 1. Sejam a, b ∈ C. Como |a+b| ≤ |a|+|b|, a segunda <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> em (5.37), página <strong>25</strong>4, implica<br />

n=1<br />

|a+b| p ≤ (|a|+|b|) p ≤ 2 p−1 (|a| p +|b| p ) .<br />

Assim, se a n e b n são duas sequências <strong>do</strong> tipo l p com p ≥ 1, teremos<br />

∞∑<br />

∑<br />

∞ ∑<br />

∞<br />

|αa n +βb n | p ≤ 2 p−1 |α| p |a n | p +2 p−1 |β| p |b n | p < ∞<br />

n=1<br />

n=1<br />

para quaisquer α, β ∈ C. Isso provou que a sequência αa n +βb n também é uma sequência <strong>do</strong> tipo l p com p ≥ 1. Isso é<br />

o que queríamos provar.<br />

Mais adiante <strong>de</strong>monstraremos o seguinte fato muito importante: para to<strong>do</strong> p ≥ 1 os conjuntos l p não são meramente<br />

espaços vetoriais, mas também espaços vetoriais norma<strong>do</strong>s, com a norma<br />

n=1<br />

‖a‖ p :=<br />

[ ∞<br />

∑<br />

n=1<br />

|a n | p ] 1<br />

p<br />

, (<strong>25</strong>.34)<br />

para a ≡ {a n } n∈N ∈ l p , p ≥ 1. Que essa expressão <strong>de</strong> fato <strong>de</strong>fine uma norma em l p , p ≥ 1, não é nada óbvio e será<br />

prova<strong>do</strong> mais adiante. Mais que isso, cada espaço l p , p ≥ 1, é um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> em relação à norma acima.<br />

Veremos também que l 2 é um espaço <strong>de</strong> Hilbert com produto escalar<br />

〈a, b〉 :=<br />

∞∑<br />

a n b n ,<br />

n=1<br />

on<strong>de</strong> a ≡ {a n } n∈N , b ≡ {b n } n∈N ∈ l 2 .<br />

Para 0 < p < 1 a situação é diferente. Nesse caso, os conjuntos l p ainda são espaços vetoriais, mas para 0 < p < 1<br />

a expressão (<strong>25</strong>.34) não representa uma norma. Esse fato reduz um tanto o interesse nesses espaços. Vale, porém a<br />

seguinte afirmação:<br />

Proposição <strong>25</strong>.12 Para cada 0 < p < 1 os espaços l p são espaços métricos com a métrica<br />

D p (a, b) =<br />

∞∑<br />

|a n −b n | p , (<strong>25</strong>.35)<br />

n=1<br />

a, b ∈ l p . 2<br />

Prova. A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular para D p segue facilmente <strong>de</strong> (<strong>25</strong>.33).<br />

Note-seque (<strong>25</strong>.35) <strong>de</strong>fine uma métrica, não uma norma. É possível provartambém, por uma modificação<strong>do</strong> <strong>Teorema</strong><br />

<strong>de</strong> Riesz-Fischer, que veremos adiante, que para cada 0 < p < 1 os espaços l p são completos na métrica D p <strong>de</strong>finida<br />

acima.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1233/2117<br />

• As <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r e Minkowski para sequências<br />

Vamos aqui enunciare <strong>de</strong>monstrar em um caso particular duas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s importantes que tornaremos a encontrar<br />

quan<strong>do</strong>tratarmosdateoriadaintegraçãoe<strong>de</strong> espaços<strong>de</strong><strong>Banach</strong>, asquaissãoconhecidascomo<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<strong>de</strong>Höl<strong>de</strong>r 27<br />

e <strong>de</strong> Minkowski 28 . Uma <strong>de</strong>monstração alternativa da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski para sequências (finitas ou não) usan<strong>do</strong><br />

convexida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser encontrada na Seção 5.2.3.1, página <strong>25</strong>5. Uma generalização para espaços <strong>de</strong> funções p-integráveis<br />

em espaços <strong>de</strong> medida encontra-se na Seção 31.4.1, página 1419.<br />

<strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.4 Desigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r e <strong>de</strong> Minkowski para sequências<br />

I. Desigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r.<br />

Sejam x = {x i } i∈N ∈ l p e y = {y i } i∈N ∈ l q com p > 0 e q > 0 e seja r > 0 <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> por 1 r = 1 p + 1 . Então, vale<br />

q<br />

(<br />

∑ ∞<br />

) 1/r ( ∞<br />

) 1/p (<br />

∑ ∞<br />

) 1/q<br />

∑<br />

|x i | r |y i | r ≤ |x i | p |y i | q . (<strong>25</strong>.36)<br />

i=1<br />

Para to<strong>do</strong> p > 0 e para to<strong>do</strong>s x = {x i } i∈N ∈ l p e y = {y i } i∈N ∈ l ∞ vale<br />

II. Desigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski.<br />

i=1<br />

i=1<br />

[<br />

∑ ∞<br />

] 1/p (<br />

∑ ∞<br />

|x i | p |y i | p ≤<br />

Sejam x = {x i } i∈N e y = {y i } i∈N , ambas <strong>do</strong> tipo l p com p ≥ 1. Então, vale<br />

i=1<br />

i=1<br />

) 1/p( )<br />

|x i | p sup|y i | . (<strong>25</strong>.37)<br />

i∈N<br />

(<br />

∑ ∞<br />

) 1/p ( ∞<br />

) 1/p (<br />

∑ ∞<br />

) 1/p<br />

∑<br />

|x i +y i | p ≤ |x i | p + |y i | p . (<strong>25</strong>.38)<br />

i=1<br />

i=1<br />

i=1<br />

2<br />

As<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<strong>de</strong>Höl<strong>de</strong>reMinkowskiserão<strong>de</strong>monstradasnaspáginasseguintes. Vamosantesaalgunscomentários.<br />

Para duas sequências x e y <strong>de</strong>notamos por x·y a sequência produto (x·y) i := x i y i , i ∈ N. A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r<br />

(<strong>25</strong>.36) afirma, portanto, que se x ∈ l p com p > 0, y ∈ l q com q > 0, então x·y ∈ l r com 1 r = 1 p + 1 q . Analogamente,<br />

concluímos da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> (<strong>25</strong>.37) que se x ∈ l p com p > 0 e y ∈ l ∞ , então x·y ∈ l p .<br />

O caso particular mais relevante da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r acima se dá para p > 1 e q > 1 com 1 p + 1 q<br />

caso, a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r (<strong>25</strong>.36) afirma que<br />

= 1. Nesse<br />

∞∑<br />

|x i ||y i | ≤<br />

i=1<br />

(<br />

∑ ∞<br />

) 1/p ( ∞<br />

) 1/q<br />

∑<br />

|x i | p |y i | q . (<strong>25</strong>.39)<br />

i=1 i=1<br />

A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski também po<strong>de</strong> ser usada para mostrar que os conjuntos l p com p ≥ 1 são espaços<br />

vetoriais (faça-o!), fato que já estabelecemos com mais generalida<strong>de</strong> na Proposição <strong>25</strong>.11, página 1231. O fato mais<br />

importante, porém, é que a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski afirma que<br />

é uma norma nos espaços l p , p ≥ 1, pois afirma que<br />

‖x‖ p :=<br />

(<br />

∑ ∞<br />

) 1/p<br />

|x i | p<br />

i=1<br />

‖x+y‖ p ≤ ‖x‖ p +‖y‖ p , ∀x, y ∈ l p ,<br />

27 Otto Ludwig Höl<strong>de</strong>r (1859–1937).<br />

28 Hermann Minkowski (1864–1909). O nome <strong>de</strong> Minkowski surge também na Teoria da Relativida<strong>de</strong>.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1234/2117<br />

as <strong>de</strong>mais condições que <strong>de</strong>finem norma sen<strong>do</strong> elementares <strong>de</strong> se provar. Mostraremos logo adiante (página 1238) que os<br />

espaços l p , p ≥ 1, são exemplos <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> em relação às normas acima e que o espaço l 2 é, em particular,<br />

um espaço <strong>de</strong> Hilbert.<br />

Com essa <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> norma, po<strong>de</strong>mos reescrever a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r (<strong>25</strong>.36) nos casos em que p > 1, q > 1 e<br />

r ≥ 1 com 1 p + 1 q = 1 r na forma ‖x·y‖ r ≤ ‖x‖ p ‖y‖ q , (<strong>25</strong>.40)<br />

on<strong>de</strong> x·y é a sequência produto (x·y) i := x i y i , i ∈ N. Para p ≥ 1, a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> (<strong>25</strong>.37) fica<br />

para to<strong>do</strong>s x ∈ l p e y ∈ l ∞ .<br />

• A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r. Demonstração<br />

‖x·y‖ p ≤ ‖x‖ p ‖y‖ ∞<br />

Vamos agora então provar a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r (<strong>25</strong>.36). Para começar, notemos que a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r<br />

(<strong>25</strong>.36) para r > 0 é consequência <strong>do</strong> caso particular r = 1. De fato, sejam {x i } i∈N ∈ l p e {y i } i∈N ∈ l q com<br />

1<br />

p + 1 q = 1 r ,<br />

sen<strong>do</strong> 0 < p < ∞ e 0 < q < ∞. Definin<strong>do</strong> novas sequências {a i } i∈N e {b i } i∈N tais que |a i | = |x i | r e |b i | = |y i | r e <strong>de</strong>finin<strong>do</strong><br />

p ′ = p/r e q ′ = q/r, teremos<br />

∞∑<br />

|a i | p′ =<br />

i=1<br />

∞∑<br />

|x i | p < ∞ e<br />

i=1<br />

o que prova que {a i } i∈N ∈ l p ′ e {b i } i∈N ∈ l q ′. Como<br />

1<br />

p ′ + 1 q ′ = 1 ,<br />

∞∑<br />

|b i | q′ =<br />

então, supon<strong>do</strong> válida a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r (<strong>25</strong>.36) no caso r = 1, teremos<br />

i=1<br />

∞∑<br />

|y i | q < ∞<br />

i=1<br />

(<br />

∑ ∞<br />

) 1/r<br />

|x i | r |y i | r =<br />

i=1<br />

(<strong>25</strong>.36) com r=1<br />

≤<br />

=<br />

[<br />

∑ ∞<br />

|a i ||b i |<br />

i=1<br />

i=1<br />

] 1/r<br />

⎡( ∞<br />

) 1/p<br />

′ (<br />

∑ ∞<br />

) 1/q<br />

′⎤1/r<br />

∑<br />

⎣ |a i | p′ |b i | q′ ⎦<br />

i=1<br />

i=1<br />

⎡( ∞<br />

) r/p (<br />

∑ ∞<br />

) ⎤ r/q<br />

1/r<br />

∑<br />

⎣ |x i | p |y i | q ⎦<br />

i=1<br />

=<br />

(<br />

∑ ∞<br />

) 1/p ( ∞<br />

) 1/q<br />

∑<br />

|x i | p |y i | q ,<br />

que é a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r (<strong>25</strong>.36) no caso geral r > 0. Por causa disso, basta <strong>de</strong>monstrarmos (<strong>25</strong>.36) para o caso<br />

r = 1, que é o que faremos.<br />

Nossa estratégia será provar primeiro a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r (<strong>25</strong>.36), com r = 1, para sequências finitas e <strong>de</strong>pois<br />

generalizar para sequências infinitas. Sejam x 1 , ..., x n e y 1 , ..., y n duas sequências finitas arbitrárias <strong>de</strong> números<br />

complexos (n ∈ N). A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r afirma que<br />

i=1<br />

i=1<br />

n∑<br />

|x i ||y i | ≤<br />

i=1<br />

(<br />

∑ n<br />

) 1/p ( n<br />

) 1/q<br />

∑<br />

|x i | p |y i | q ,<br />

i=1 i=1


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1235/2117<br />

para quaisquer p, q com 1 < p < ∞ e 1 < q < ∞ e tais que 1 p + 1 = 1. Vamos a isso. Em primeiro lugar, note que a<br />

q<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é trivialmente verda<strong>de</strong>ira caso to<strong>do</strong>s os x i ou to<strong>do</strong>s os y i sejam nulos, pois nesse caso tanto o la<strong>do</strong> direito<br />

quanto o la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> são iguais a zero.<br />

Vamos então consi<strong>de</strong>rar o caso em que os x i e os y i não são to<strong>do</strong>s i<strong>de</strong>nticamente nulos. Sejam, para um j fixo<br />

a = |x j| p<br />

e b = n∑<br />

|y j| q<br />

. n∑<br />

|x i | p |y i | q<br />

Da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Young (5.35), tratada na Seção 5.2.3, página <strong>25</strong>2, segue que<br />

i=1<br />

i=1<br />

|x j ||y j |<br />

(<br />

∑ n<br />

) 1/p ( n<br />

) 1/q<br />

≤<br />

∑<br />

|x i | p |y i | q<br />

i=1 i=1<br />

1<br />

p<br />

|x j | p<br />

+ n∑<br />

1 q<br />

|x i | p<br />

i=1<br />

|y j | q<br />

. n∑<br />

|y i | q<br />

i=1<br />

Soman<strong>do</strong> ambos os la<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> para to<strong>do</strong> j entre 1 e n, teremos<br />

n∑<br />

|x j ||y j |<br />

j=1<br />

(<br />

∑ n<br />

) 1/p ( n<br />

) 1/q<br />

≤ 1<br />

∑ p<br />

|x i | p |y i | q<br />

i=1 i=1<br />

n∑<br />

|x j | p<br />

j=1<br />

+ n∑<br />

1 q<br />

|x i | p<br />

i=1<br />

n∑<br />

|y j | q<br />

j=1<br />

= n∑<br />

1 p + 1 q<br />

|y i | q<br />

i=1<br />

= 1 , (<strong>25</strong>.41)<br />

que é o que queríamos provar.<br />

Vamos agora generalizar a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r para sequências infinitas. Seja {x i } i∈N uma sequência <strong>do</strong> tipo l p<br />

e seja {y i } i∈N uma sequência <strong>do</strong> tipo l q com 1 < p < ∞, 1 < q < ∞ e 1/p+1/q = 1. Como vimos, temos para qualquer<br />

n ∈ N a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

(<br />

n∑ n<br />

) 1/p (<br />

∑ n<br />

) 1/q<br />

∑<br />

|x i ||y i | ≤ |x i | p |y i | q .<br />

Assim, segue que<br />

i=1<br />

i=1<br />

i=1<br />

i=1<br />

(<br />

n∑ ∞<br />

) 1/p (<br />

∑ ∞<br />

) 1/q<br />

∑<br />

|x i ||y i | ≤ |x i | p |y i | q < ∞ .<br />

Essa <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> vale para to<strong>do</strong> n e diz, em particular, que a sequência s n =<br />

e limitada. Assim, existe lim<br />

n→∞ s n e vale<br />

i=1<br />

i=1<br />

n∑<br />

|x i ||y i |, n ∈ N, é monótona crescente<br />

i=1<br />

∞∑<br />

|x i ||y i | ≤<br />

i=1<br />

(<br />

∑ ∞<br />

) 1/p ( ∞<br />

) 1/q<br />

∑<br />

|x i | p |y i | q < ∞ .<br />

i=1 i=1<br />

Essa última relação é a <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r (<strong>25</strong>.36), com r = 1. Isso provou (<strong>25</strong>.36) para to<strong>do</strong> r > 0.<br />

A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r (<strong>25</strong>.39) envolve sequências <strong>do</strong>s tipos l p e l q com 1/p +1/q = 1, sen<strong>do</strong> que 1 < p < ∞ e<br />

1 < q < ∞. É <strong>de</strong> se notar que os casos p = 1 ou q = 1 foram excluí<strong>do</strong>s. Há também uma <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> como a <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r<br />

envolven<strong>do</strong> a sequências <strong>do</strong> tipo l p e l ∞ , incluin<strong>do</strong> o caso p = 1. Sejam {x i } i∈N uma sequência <strong>do</strong> tipo l p com p > 0 e<br />

{y i } i∈N uma sequência <strong>do</strong> tipo l ∞ . Então, é bem fácil <strong>de</strong> se verificar que<br />

[ ∞<br />

∑<br />

i=1<br />

|x i | p |y i | p ] 1/p<br />

≤<br />

( ∞<br />

∑<br />

i=1<br />

) 1/p( )<br />

|x i | p sup|y i | .<br />

i∈N<br />

Essa é a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r (<strong>25</strong>.37).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1236/2117<br />

A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r po<strong>de</strong> ser generalizada ainda mais, como veremos quan<strong>do</strong> tratarmos da teoria da integração.<br />

Vamos agora provar uma das consequências da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r, conhecida como <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski.<br />

• A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski. Demonstração<br />

Novamente, nossa estratégia será consi<strong>de</strong>rar primeiro sequências finitas e <strong>de</strong>pois esten<strong>de</strong>r o obti<strong>do</strong> para sequências<br />

infinitas.<br />

Sejam x 1 , ..., x n e y 1 , ..., y n duas sequências finitas arbitrárias <strong>de</strong> números complexos (n ∈ N). A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> Minkowski afirma que<br />

(<br />

∑ n<br />

) 1/p ( n<br />

) 1/p (<br />

∑ n<br />

) 1/p<br />

∑<br />

|x i +y i | p ≤ |x i | p + |y i | p<br />

i=1<br />

i=1<br />

para qualquer p ≥ 1. Vamos <strong>de</strong>monstrá-la. O caso p = 1 é trivial (por que?). Consi<strong>de</strong>remos então p > 1. Teremos que<br />

n∑<br />

|x i +y i | p =<br />

i=1<br />

n∑<br />

|x i +y i ||x i +y i | p−1 ≤<br />

Usan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r (caso r = 1) po<strong>de</strong>mos dizer que<br />

i=1<br />

i=1<br />

i=1<br />

n∑<br />

|x i ||x i +y i | p−1 +<br />

(<br />

n∑<br />

n<br />

) 1/p (<br />

∑ n<br />

) 1/q<br />

∑<br />

|x i ||x i +y i | p−1 ≤ |x i | p |x i +y i | q(p−1) ,<br />

on<strong>de</strong> 1/p+1/q = 1, ou seja, p = q(p−1). A última <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> diz então que<br />

i=1<br />

i=1<br />

i=1<br />

n∑<br />

|y i ||x i +y i | p−1 . (<strong>25</strong>.42)<br />

i=1<br />

e, analogamente,<br />

(<br />

n∑<br />

n<br />

) 1/p (<br />

∑ n<br />

) 1/q<br />

∑<br />

|x i ||x i +y i | p−1 ≤ |x i | p |x i +y i | p<br />

i=1<br />

i=1 i=1<br />

(<br />

n∑<br />

n<br />

) 1/p (<br />

∑ n<br />

) 1/q<br />

∑<br />

|y i ||x i +y i | p−1 ≤ |y i | p |x i +y i | p .<br />

i=1<br />

i=1 i=1<br />

Substituin<strong>do</strong> estas duas últimas relações em (<strong>25</strong>.42), teremos<br />

⎛( n∑<br />

n<br />

) 1/p (<br />

∑ n<br />

) ⎞ 1/p (<br />

∑ n<br />

) 1/q<br />

∑<br />

|x i +y i | p ≤ ⎝ |x i | p + |y i | p ⎠ |x i +y i | p ,<br />

<strong>do</strong>n<strong>de</strong> tiramos que<br />

i=1<br />

que é o que queríamos provar.<br />

i=1<br />

i=1<br />

i=1<br />

(<br />

∑ n<br />

) 1/p ( n<br />

) 1/p (<br />

∑ n<br />

) 1/p<br />

∑<br />

|x i +y i | p ≤ |x i | p + |y i | p , (<strong>25</strong>.43)<br />

i=1<br />

Assim como a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r, a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski po<strong>de</strong> ser generalizada para sequências infinitas.<br />

Sejam {x i } i∈N e {y i } i∈N sequências infinitas <strong>de</strong> números complexos, ambas <strong>do</strong> tipo l p . Temos que, para qualquer n ∈ N,<br />

i=1<br />

i=1<br />

(<br />

∑ n<br />

) 1/p<br />

|x i +y i | p ≤<br />

i=1<br />

(<br />

∑ n<br />

) 1/p ( n<br />

) 1/p (<br />

∑ ∞<br />

) 1/p (<br />

∑ ∞<br />

) 1/p<br />

∑<br />

|x i | p + |y i | p ≤ |x i | p + |y i | p < ∞ .<br />

i=1 i=1 i=1 i=1<br />

Como a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> vale para qualquer n, segue que a sequência s n =<br />

e limitada e, portanto, converge. Fora isso, vale<br />

(<br />

∑ n<br />

) 1/p<br />

|x i +y i | p , n ∈ N, é monótona crescente<br />

i=1<br />

(<br />

∑ ∞<br />

) 1/p<br />

|x i +y i | p ≤<br />

i=1<br />

(<br />

∑ ∞<br />

) 1/p ( ∞<br />

) 1/p<br />

∑<br />

|x i | p + |y i | p < ∞ .<br />

i=1 i=1


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1237/2117<br />

Essa é a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski para sequências infinitas <strong>de</strong> números complexos {x i } i∈N e {y i } i∈N , ambas <strong>do</strong><br />

tipo l p com p ≥ 1. Isso completa a prova <strong>do</strong> <strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.4.<br />

Em [214] e leitor po<strong>de</strong>rá encontrar uma interessante <strong>de</strong>monstração da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski que não faz uso da<br />

<strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r.<br />

• Dualida<strong>de</strong> em espaços l p<br />

Na Proposição 38.6, página 1879, <strong>de</strong>monstraremos com o uso da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r que l q po<strong>de</strong> ser i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong><br />

como o dual topológico <strong>de</strong> l p (e vice-versa) para to<strong>do</strong>s 1 < p < ∞ e 1 < q < ∞ relaciona<strong>do</strong>s por 1 p + 1 q<br />

= 1, ou seja, to<strong>do</strong><br />

funcional linear contínuo em l p é da forma l b (a) = ∑ ∞<br />

k=1 b ka k , para to<strong>do</strong> a ∈ l p , on<strong>de</strong> a sequência b k , k ∈ N, pertence a<br />

l q .<br />

• A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cauchy para sequências. Um produto escalar para l 2<br />

A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r tem um caso particular bastante especial. Sejam {x i } i∈N e {y i } i∈N duas sequências <strong>de</strong><br />

números complexos complexos <strong>do</strong> tipo l 2 . Então, a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Höl<strong>de</strong>r nos diz que<br />

∞∑<br />

|x i ||y i | ≤<br />

i=1<br />

(<br />

∑ ∞<br />

) 1/2 ( ∞<br />

) 1/2<br />

∑<br />

|x i | 2 |y i | 2 . (<strong>25</strong>.44)<br />

i=1 i=1<br />

Essa <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> é conhecida como <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cauchy (para sequências) e é, sem exagero, uma das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s<br />

mais importantes. Muitos resulta<strong>do</strong>s importantes são extraí<strong>do</strong>s <strong>de</strong>la, alguns <strong>do</strong>s quais iremos tratar adiante.<br />

Aexpressão(<strong>25</strong>.44)mostra-nosqueparaquaisquer{x i } i∈N , {y i } i∈N ∈ l 2 asériecomplexa ∑ ∞<br />

i=1 x i y i éabsolutamente<br />

convergente e, portanto, convergente. Com isso, ela <strong>de</strong>fine um produto escalar em l 2 , que <strong>de</strong>notamos por 〈x, y〉 l2<br />

:<br />

〈x, y〉 l2<br />

:=<br />

∞∑<br />

x i y i . (<strong>25</strong>.45)<br />

i=1<br />

E. <strong>25</strong>.54 Exercício. Prove essas últimas afirmações, ou seja, prove que 〈x, y〉 l2<br />

<strong>de</strong>finida em (<strong>25</strong>.45) é um produto escalar<br />

em l 2 . 6<br />

Como veremos adiante, l 2 é completo na norma relacionada a esse produto escalar, que é a norma ‖·‖ 2 . Isso prova<br />

que l 2 é um espaço <strong>de</strong> Hilbert.<br />

Veremos agora uma aplicação da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski.<br />

• As Métricas d p em C n<br />

Seja X = C n (ou R n ) para algum n ∈ N e seja a seguinte função em X ×X:<br />

d p (x, y) =<br />

(<br />

|x 1 −y 1 | p +···+|x n −y n | p) 1 p<br />

,<br />

on<strong>de</strong> p ∈ R, p ≥ 1, x = (x 1 , ..., x n ) ∈ C n e y = (y 1 , ..., y n ) ∈ C n .<br />

Mostrar que, para p ≥ 1, d p <strong>de</strong>fine uma métrica em X é bem simples. A única dificulda<strong>de</strong> está em <strong>de</strong>monstrar a<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular, o que po<strong>de</strong> ser feito facilmente com o uso da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski mostrada acima. Para<br />

outra <strong>de</strong>monstração da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski, vi<strong>de</strong> Seção 5.2.3.1, página <strong>25</strong>5.<br />

E. <strong>25</strong>.55 Exercício. Usan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski, mostre que d p satisfaz a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular, ou seja, que<br />

d p (x, y) ≤ d p (x, z)+d p (z, y) para p ≥ 1 e quaisquer x = (x 1 , ..., x n ), y = (y 1 , ..., y n ) e z = (z 1 , ..., z n ) ∈ C n . 6<br />

Para o caso particular p = 2 a métrica d 2 é idêntica à métrica Euclidiana d E introduzida anteriormente. Nesse senti<strong>do</strong><br />

as métricas d p são um tipo <strong>de</strong> generalização da métrica Euclidiana usual.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1238/2117<br />

• Semi-normas em l p , p ≥ 1<br />

Para cada n ∈ N po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir em l p , p ≥ 1, a semi-norma (o conceito <strong>de</strong> semi-norma encontra-se à página 199)<br />

‖x‖ p, n =<br />

⎡<br />

⎣<br />

n∑<br />

j=1<br />

⎤1/p<br />

|x j | p ⎦<br />

. (<strong>25</strong>.46)<br />

Note que ‖x‖ p, n é <strong>de</strong> fato uma semi-norma em l p , p ≥ 1, pois satisfaz ‖λx‖ p, n = |λ|‖x‖ p, n para to<strong>do</strong> λ ∈ C e<br />

‖x+y‖ p, n ≤ ‖x‖ p, n +‖y‖ p, n (<strong>25</strong>.47)<br />

para to<strong>do</strong>s x, y ∈ l p , p ≥ 1, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Minkowski para sequências finitas (<strong>25</strong>.43).<br />

Note também que<br />

para to<strong>do</strong> x ∈ l p , p ≥ 1 e to<strong>do</strong> n ∈ N. Por fim, para qualquer x ∈ l p , vale<br />

‖x‖ p, n ≤ ‖x‖ p < ∞ (<strong>25</strong>.48)<br />

‖x‖ p = lim<br />

n→∞ ‖x‖ p, n .<br />

• Generalizan<strong>do</strong> a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> paralelogramo<br />

Sabemos <strong>do</strong> Corolário 5.5, página <strong>25</strong>5, que para z, w ∈ C, valem as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s |z+w| p +|z−w| p ≤ 2 ( |z| p +|w| p)<br />

para 0 < p < 2 e |z +w| p +|z −w| p ≤ 2 p−1( |z| p +|w| p) , para p ≥ 2. É imediato <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s que para to<strong>do</strong>s<br />

u, v ∈ l p valem<br />

∥<br />

∥ u+v p<br />

p +∥ ∥ (<br />

∥ u−v p ∥∥u<br />

p ≤ 2 ∥ p<br />

p +∥ ∥ )<br />

∥ v p<br />

, caso 1 ≤ p < 2 , (<strong>25</strong>.49)<br />

p<br />

e<br />

∥ ∥ ∥u+v p<br />

p +∥ ∥<br />

∥ u−v p<br />

p ≤ 2p−1( ∥ ∥ ∥u p<br />

p +∥ ∥ )<br />

∥ v p<br />

, caso p ≥ 2 . (<strong>25</strong>.50)<br />

p<br />

Note-se que no caso p = 2 (e somente nesse caso), (<strong>25</strong>.50) não é apenas uma <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>, mas sim uma igualda<strong>de</strong>, a<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> paralelogramo.<br />

E. <strong>25</strong>.56 Exercício. Mostre isso! 6<br />

As <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s (<strong>25</strong>.49) e (<strong>25</strong>.50) substituem em certos casos a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> paralelogramo. Veremos sua utilida<strong>de</strong><br />

quan<strong>do</strong> discutirmos a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> convexida<strong>de</strong> uniforme na Seção <strong>25</strong>.6, página 1240.<br />

• O <strong>Teorema</strong> <strong>de</strong> Riesz-Fischer para sequências. Completeza <strong>do</strong>s espaços l ∞ e l p , p ≥ 1<br />

Vamos agora mostrar que os espaços l p , p ≥ 1, e l ∞ são completos em relação às suas respectivas normas. Essa<br />

afirmação, especialmente na sua forma mais geral, em espaços <strong>de</strong> funções mensuráveis (tratada na Seção 31.4.2, página<br />

1422), é conhecida como <strong>Teorema</strong> <strong>de</strong> Riesz 29 -Fischer 30 e data <strong>de</strong> 1907.<br />

Seja p ≥ 1, fixo, e seja {a m } m∈N , uma sequência <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> l p . Como cada a m é uma sequência <strong>de</strong> números<br />

complexos, indicaremos seus elementos por a m i , i ∈ N. Assim, convencionamos que o índice superior in<strong>de</strong>xa a sequência<br />

e o inferior é o índice <strong>de</strong> cada elemento da sequência.<br />

Suponhamos que {a m } m∈N seja uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em l p na métrica induzida pela norma ‖·‖ p . Isso significa<br />

que para to<strong>do</strong> ǫ > 0 existe um inteiro N(ǫ) > 0 tal que ‖a n −a m ‖ p < ǫ sempre que m, n > N(ǫ). Assim, se m, n > N(ǫ),<br />

é fácil ver que, para os elementos a m i e a n i isso significa que<br />

|a m i −a n i | ≤<br />

⎡ ⎤<br />

∞∑<br />

⎣ |a m j −a n j| p ⎦<br />

j=1<br />

1/p<br />

= ‖a n −a m ‖ p < ǫ .<br />

Isso diz-nos que, para cada i fixo, a sequência <strong>de</strong> números {a n i } n∈N<br />

converge (pois C é completo). Seja α i ∈ C o limite <strong>de</strong>ssa sequência.<br />

é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em C e, portanto,<br />

29 Frigyes Riesz (1880–1956).<br />

30 Ernst Sigismund Fischer (1875–1954).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1239/2117<br />

A sequência α = {α i } i∈N é um forte candidato a ser o limite da sequência {a n } n∈N na métrica <strong>de</strong>finida pela norma<br />

‖·‖ p . Colocamo-nos, então, as seguintes questões: 1. Será a sequência α também um elemento <strong>de</strong> l p ? 2. Se a resposta à<br />

pergunta anterior for positiva, será que a sequência a m converge à sequência α = {α i } i∈N na norma <strong>de</strong> l p ? Se a resposta<br />

a essas perguntas for positiva, estará prova<strong>do</strong> que l p é completo.<br />

Seja ǫ > 0 arbitrário. Vamos <strong>de</strong>finir uma sequência crescente <strong>de</strong> números inteiros e positivos N k (ǫ), k = 1, 2, 3, ...<br />

com N k+1 (ǫ) > N k (ǫ), da seguinte forma: N k (ǫ) é tal que ‖a m − a n ‖ p < ǫ/2 k para to<strong>do</strong>s m, n > N k (ǫ). Note que<br />

uma tal sequência N k (ǫ) sempre po<strong>de</strong> ser encontrada pois, por hipótese, {a m } m∈N é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em ‖·‖ p .<br />

Vamos agora escolher uma sequência crescente <strong>de</strong> índices n 1 < n 2 < ··· < n k−1 < n k < ··· tais que n k > N k (ǫ). A essa<br />

sequência está associada a sub-sequência {a nk } k∈N . Para simplificar a notação, <strong>de</strong>notaremos b k ≡ a nk , k = 1, 2, 3, ....<br />

Tem-se<br />

‖b l+1 −b l ‖ p < ǫ 2 l . (<strong>25</strong>.51)<br />

pois n l e n l+1 são maiores que N l (ǫ). Note que para cada i, b k i converge a α i quan<strong>do</strong> k → ∞.<br />

Com essas <strong>de</strong>finições, teremos para to<strong>do</strong> k > 1 que (verifique!)<br />

b k −b 1 =<br />

k−1<br />

∑[ b l+1 −b l] .<br />

l=1<br />

Utilizan<strong>do</strong> as semi-normas ‖·‖ p,n , <strong>de</strong>finidas em (<strong>25</strong>.46), e usan<strong>do</strong> (<strong>25</strong>.47) e (<strong>25</strong>.48) e (<strong>25</strong>.51), teremos<br />

k−1<br />

‖b k ∑[ ‖ p,n =<br />

∥ b1 + b l+1 −b l]∥ ∥<br />

∥∥∥p,n<br />

l=1<br />

k−1<br />

∑<br />

≤ ‖b 1 ‖ p,n + ∥ b l+1 −b l∥ ∥<br />

p,n<br />

(<strong>25</strong>.47)<br />

l=1<br />

k−1<br />

∑<br />

≤ ‖b 1 ‖ p + ∥ b l+1 −b l∥ ∥<br />

p<br />

(<strong>25</strong>.48)<br />

l=1<br />

Assim,<br />

k−1<br />

∑<br />

< ‖b 1 ǫ<br />

‖ p +<br />

2 l ≤ ‖b 1 ‖ p +<br />

(<strong>25</strong>.51)<br />

l=1<br />

∞∑<br />

l=1<br />

ǫ<br />

2 l = ‖b 1 ‖ p +ǫ .<br />

‖b k ‖ p,n < ‖b 1 ‖ p +ǫ . (<strong>25</strong>.52)<br />

Note que o la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> é [∑ n<br />

i=1 |bk i |p] 1/p<br />

e envolve uma soma finita <strong>de</strong> |b<br />

k<br />

i | ′ s. Assim, como cada b k i converge a α i<br />

quan<strong>do</strong> k → ∞ temos, toman<strong>do</strong> o limite k → ∞,<br />

lim<br />

k→∞<br />

[<br />

∑ n<br />

] 1/p<br />

|b k i| p =<br />

i=1<br />

[<br />

∑ n<br />

] 1/p<br />

|α i | p = ‖α‖ p,n .<br />

i=1<br />

Como o la<strong>do</strong> direito <strong>de</strong> (<strong>25</strong>.52) não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> k, concluímos que ‖α‖ p,n ≤ ‖b 1 ‖ p +ǫ para to<strong>do</strong> n ∈ N. Agora, isso diz<br />

que<br />

n∑<br />

|α i | p ≤ ( ‖b 1 ‖ p +ǫ ) p<br />

i=1<br />

para to<strong>do</strong> n ∈ N. O la<strong>do</strong> direito não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> n. Como o la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> é uma sequência crescente e limitada (pelo<br />

la<strong>do</strong> direito), segue que o la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> converge quan<strong>do</strong> n → ∞. Isso prova então que ∑ ∞<br />

i=1 |α i| p < ∞, ou seja, α ∈ l p .<br />

Resta-nos agora respon<strong>de</strong>r à segunda pergunta colocada à página 1239 e mostrar que a sequência a m converge a α<br />

em relação à norma ‖·‖ p .<br />

Repetin<strong>do</strong> o mesmo raciocínio que conduziu a (<strong>25</strong>.52), apenas manten<strong>do</strong> b 1 <strong>do</strong> la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong>, concluímos que ‖b k −<br />

b 1 ‖ p,n < ǫ. Novamente, usan<strong>do</strong> o mesmo argumento <strong>de</strong> acima, po<strong>de</strong>mos tomar o limite k → ∞ e obter ‖α−b 1 ‖ p,n ≤ ǫ


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1240/2117<br />

Como o la<strong>do</strong> direito in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> n, segue novamente pelo mesmo raciocínio <strong>de</strong> acima que ‖α−b 1 ‖ p ≤ ǫ Isso significa 31<br />

que para to<strong>do</strong> ǫ > 0 existe b 1 ∈ l p tal que ‖α − b 1 ‖ p ≤ ǫ. Como b 1 é escolhi<strong>do</strong> na sequência a m , isso prova que<br />

α = lim m→∞ a m na topologia <strong>de</strong>finida por ‖·‖ p .<br />

Com isso, provamos que to<strong>do</strong> l p com p ≥ 1 é completo na norma <strong>de</strong>finida por ‖ · ‖ p e é, portanto, um espaço <strong>de</strong><br />

<strong>Banach</strong> nessa norma. Como comentamos, isso também implica que l 2 é um espaço <strong>de</strong> Hilbert com relação ao produto<br />

escalar <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> em (<strong>25</strong>.45).<br />

A <strong>de</strong>monstração que l ∞ é um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> em relação à norma ‖ · ‖ ∞ é idêntica, a<strong>do</strong>tan<strong>do</strong>-se nesse caso as<br />

semi-normas ‖x‖ ∞,n := sup |x i |.<br />

1≤i≤n<br />

E. <strong>25</strong>.57 Exercício. Complete os <strong>de</strong>talhes da prova que l ∞ é um espaço <strong>de</strong> <strong>Banach</strong> em relação à norma ‖·‖ ∞ . 6<br />

<strong>25</strong>.6 <strong>Teorema</strong> <strong>do</strong> Melhor Aproximante em Espaços Norma<strong>do</strong>s<br />

Uniformemente Convexos<br />

Seja V um espaço vetorial norma<strong>do</strong>, seja C ⊂ V um subconjunto não-vazio <strong>de</strong> V e seja x ∈ V. Defina-se D ≡ D x,C :=<br />

inf { ‖y −x‖, y ∈ C } , quantida<strong>de</strong> essa que po<strong>de</strong> ser interpretada como a menor distância possível entre x e o conjunto<br />

C.<br />

Há diversos problemas que reduzem-se à seguinte questão: da<strong>do</strong>s x ∈ V e C ⊂ V, como acima, <strong>de</strong>seja-se saber se<br />

existe y ∈ C tal que ‖y−x‖ = D x,C e se um tal y, se existir, é único. Em um tal problema <strong>de</strong>seja-se, portanto, saber se<br />

existe um elemento y em C que assuma a menor distância possível a um da<strong>do</strong> x ∈ V <strong>de</strong>ntre to<strong>do</strong>s os elementos <strong>de</strong> C e<br />

se um tal elemento y é o único com tal proprieda<strong>de</strong>.<br />

Um problema <strong>de</strong>ssa natureza é por vezes dito ser um problema <strong>de</strong> minimalização, ou um problema <strong>de</strong> minimização.<br />

Se C for um subespaço <strong>de</strong> dimensão finita <strong>de</strong> V, um tal problema é por vezes <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> um problema <strong>de</strong> Tchebychev 32 .<br />

Condições que garantam existência e unicida<strong>de</strong> <strong>de</strong> soluções <strong>de</strong> problemas <strong>de</strong> minimalização, como o que expusemos<br />

acima, são muito importantes tanto em aplicações como por razões teóricas. A motivação <strong>de</strong> Tchebychev, por exemplo,<br />

um <strong>do</strong>s pioneiros da área, envolvia um problema mecânico prático <strong>de</strong> transformação <strong>de</strong> movimentos lineares em circulares<br />

(e vice-versa) em máquinas <strong>do</strong>tadas <strong>de</strong> pistões (vi<strong>de</strong> [146]). Já na teoria <strong>do</strong>s espaços <strong>de</strong> Hilbert, por exemplo, há um<br />

teorema <strong>de</strong>ssa natureza, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> <strong>Teorema</strong> <strong>do</strong> Melhor Aproximante (<strong>Teorema</strong> 37.2, página 1847), que <strong>de</strong>sempenha<br />

um papel fundamental naquele contexto.<br />

Napresenteseçãotencionamos apresentarum teorema quedispõe<strong>de</strong> condiçõessuficientesbastantegerais para que um<br />

problema<strong>de</strong> minimalizaçãopossua solução única. Nosso ponto<strong>de</strong> partida éa<strong>de</strong>finiçãoda noção<strong>de</strong> espaçouniformemente<br />

convexo. O resulta<strong>do</strong> principal <strong>de</strong>sta seção é o <strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.5, da página 1242. Após o mesmo faremos alguns comentários<br />

gerais sobre problemas <strong>de</strong> minimalização como o que expusemos acima. O leitor interessa<strong>do</strong> po<strong>de</strong>rá encontrar na Seção<br />

9.9, página 423, uma discussão <strong>de</strong>talhada sobre um outro problema <strong>de</strong> minimalização correlato, cuja solução envolve a<br />

chamada pseu<strong>do</strong>-inversa <strong>de</strong> Moore-Penrose.<br />

• Espaços uniformemente convexos<br />

Seja W um espaço vetorial (sobre os reais ou complexos). Recor<strong>de</strong>mos que um conjunto não-vazio C ⊂ W é dito ser<br />

convexo se valer λx+(1−λ)y ∈ C para to<strong>do</strong>s x, y ∈ C e λ ∈ [0, 1].<br />

Seja W um espaço vetorial norma<strong>do</strong> e seja B 1 := { z ∈ W, ‖z‖ ≤ 1 } a bola fechada <strong>de</strong> raio 1 centrada em 0 (a noção<br />

<strong>de</strong> bola em um espaço norma<strong>do</strong> foi introduzida à página 206). Sabemos (vi<strong>de</strong> página 206) que B 1 é um subconjunto<br />

convexo <strong>de</strong> W.<br />

Um espaço vetorial norma<strong>do</strong> W é dito ser um espaço uniformemente convexo se for válida a seguinte proprieda<strong>de</strong>: se<br />

x n , y n ∈ B 1 , n ∈ N, são sequências em B 1 tais que valha lim<br />

x n +y n<br />

n→∞∥<br />

2 ∥ = 1, então tem-se lim ‖x n −y n ‖ = 0.<br />

n→∞<br />

O significa<strong>do</strong> geométrico da <strong>de</strong>finição é o seguinte. Se os pontos das sequências x n e y n encontram-se em B 1 , então<br />

31 O estudante aqui talvez tenha que recordar a maneira como b 1 = a n 1 foi <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> no parágrafo que antece<strong>de</strong> (<strong>25</strong>.51).<br />

32 Pafnuty Lvovich Tchebychev (1821–1894).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1241/2117<br />

os pontos (x n +y n )/2 encontra-se também em B 1 . Cada ponto (x n +y n )/2 é o ponto intermediário entre x n e y n . Se<br />

tivermos lim<br />

x n +y n<br />

n→∞∥<br />

2 ∥ = 1, então esses pontos intermediários estão se aproximan<strong>do</strong> da superfície externa <strong>de</strong> B 1, o<br />

bor<strong>do</strong> <strong>de</strong> B 1 . A condição <strong>de</strong> W ser uniformemente convexo diz que se isso ocorre, então os pontos x n e y n aproximam-se<br />

quan<strong>do</strong> n → ∞.<br />

Em um senti<strong>do</strong> simples a condição <strong>de</strong> um espaço ser uniformemente convexo garante que a bola B 1 é “suficientemente<br />

re<strong>do</strong>nda” para que se possa garantir que se o ponto intermediário entre <strong>do</strong>is pontos se aproxima <strong>de</strong> sua superfície, então<br />

esses <strong>do</strong>is pontos aproximam-se um <strong>do</strong> outro. O estudante <strong>de</strong>ve nesse ponto notar que tal proprieda<strong>de</strong> não é válida, por<br />

exemplo, para um cilindro infinito no espaço tridimensional R 3 . Se o ponto intermediário entre <strong>do</strong>is pontos se aproxima<br />

da superfície <strong>do</strong> cilindro, não se tem necessariamente que esses pontos se aproximam um <strong>do</strong> outro, pois eles po<strong>de</strong>m ten<strong>de</strong>r<br />

a alinhar-se paralelamente ao eixo <strong>do</strong> cilindro, manten<strong>do</strong> uma distância não-nula entre si.<br />

{<br />

Exemplo <strong>25</strong>.6 Para ilustração, consi<strong>de</strong>re-se em R 3 (com a norma Euclidiana usual) o cilindro C := (x, y, z) ∈<br />

}<br />

R 3 , x 2 +y 2 = 1 e consi<strong>de</strong>re-se as sequências em C dadas por x n = (1−1/n, 0, 0) e y n = (1−1/n, 0, 2), n ∈ N. Claro<br />

está que (x n +y n )/2 = (1−1/n, 0, 1) e que esse ponto intermediário (x n +y n )/2 aproxima-se da superfície <strong>do</strong> cilindro<br />

C (assim como os pontos x n e y n ) quan<strong>do</strong> n → ∞, mas ‖x n −y n ‖ = 2 para to<strong>do</strong> n. 5<br />

Dois outros casos análogos serão vistos no Exemplo <strong>25</strong>.8, logo abaixo. Contemplan<strong>do</strong> a Figura 3.1, página 207, a<br />

qual ilustra como são as bolas B 1 para as normas ‖·‖ p com 1 ≤ p ≤ ∞, o leitor po<strong>de</strong>rá convercer-se visualmente que o<br />

espaço R 2 não é uniformemente convexo para das normas ‖·‖ 1 e ‖·‖ ∞ mas o é nos outros casos. Essas afirmações vão<br />

ser tornadas rigorosas no que segue.<br />

• Exemplos <strong>de</strong> espaços norma<strong>do</strong>s uniformemente convexos<br />

Vamos agora a exemplos <strong>de</strong> espaços norma<strong>do</strong>s uniformemente convexos.<br />

Vamos supor que a norma em V satisfaça a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> paralelogramo (3.31), página 203. Como sabemos <strong>do</strong><br />

<strong>Teorema</strong> <strong>de</strong> Fréchet, von Neumann e Jordan, <strong>Teorema</strong> 3.3, página 205, isso ocorre se e somente se a norma provier <strong>de</strong><br />

um produto escalar em V. Em to<strong>do</strong> caso, se valer a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> paralelogramo, é elementar constatar que teremos<br />

x n +y n<br />

∥ 2 ∥<br />

2<br />

+<br />

x n −y n<br />

∥ 2<br />

∥<br />

2<br />

= 1 2<br />

(‖x n ‖ 2 +‖y n ‖ 2)<br />

para quaisquer sequências x n e y n ∈ V. Se ‖x n ‖ ≤ 1 e ‖y n ‖ ≤ 1, segue disso que<br />

x n −y n<br />

2<br />

∥ 2 ∥ ≤ 1−<br />

x n +y n<br />

2<br />

∥ 2 ∥ .<br />

∥<br />

Assim, a condição lim n→∞ x n+y n<br />

∥<br />

2 = 1 implica limn→∞ ‖x n −y n ‖ = 0, estabelecen<strong>do</strong> que V é uniformemente convexo.<br />

Constatamos, assim, que to<strong>do</strong> espaço <strong>de</strong> Hilbert é uniformemente convexo, por ser sua norma <strong>de</strong>rivada <strong>de</strong> um produto<br />

escalar, satisfazen<strong>do</strong>, portanto, a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>do</strong> paralelogramo.<br />

Os espaços l p com p ≥ 2 são também uniformemente convexos. Para ver isso, fazemos isso da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> (<strong>25</strong>.50).<br />

A<strong>do</strong>tan<strong>do</strong> na mesma u = x n /2 e v = y n /2, n ∈ N, temos<br />

x n +y n<br />

∥ 2 ∥<br />

p<br />

p<br />

+<br />

x n −y n<br />

∥ 2<br />

Verifique! Assim, para ∥ ∥ xn<br />

∥<br />

∥p ≤ 1 e ∥ ∥ yn<br />

∥<br />

∥p ≤ 1, temos<br />

x n −y n<br />

∥ 2 ∥<br />

p<br />

p<br />

∥<br />

p<br />

p<br />

≤ 1 2<br />

≤ 1−<br />

x n +y n<br />

∥ 2 ∥<br />

( ∥∥xn ∥ p<br />

p +∥ ∥ )<br />

∥ yn p<br />

.<br />

p<br />

Logo, se ∥ ∥ xn+yn<br />

2<br />

∥<br />

p<br />

→ 1 para n → ∞, teremos lim n→∞<br />

∥ ∥xn −y n<br />

∥<br />

∥p = 0, estabelecen<strong>do</strong> que os espaços l p com p ≥ 2 são<br />

uniformemente convexos nas respectivas normas ‖·‖ p .<br />

p<br />

p<br />

.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1242/2117<br />

Os espaços l p com 1 < p < 2 também são uniformemente convexos nas respectivas normas ‖·‖ p , mas a <strong>de</strong>monstração<br />

não será apresentada aqui (vi<strong>de</strong>, e.g., [165]). Como veremos logo abaixo, os espaços <strong>de</strong> sequências l 1 e l ∞ não são<br />

uniformemente convexos para as respectivas normas ‖·‖ 1 e ‖·‖ ∞ .<br />

As mesmas afirmações <strong>de</strong> acima se aplicam (com as mesmas <strong>de</strong>monstrações, essencialmente) aos espaços <strong>de</strong> integração<br />

L p (µ). Para um tratamento que também inclui o caso 1 < p < 2, vi<strong>de</strong> também [165].<br />

• Exemplos <strong>de</strong> espaços norma<strong>do</strong>s que não são uniformemente convexos<br />

Nem to<strong>do</strong> espaço norma<strong>do</strong> é uniformemente convexo. Vejamos alguns exemplos relevantes.<br />

Exemplo <strong>25</strong>.7 Seja V = C ( [0, 1] ) o espaço vetorial das funções contínuas no intervalo [0, 1] <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> da norma <strong>do</strong><br />

supremo: ‖f‖ ∞ := sup { |f(x)|, x ∈ [0, 1] } , f ∈ C ( [0, 1] ) . Sejam as sequências <strong>de</strong> funções f n (x) = 1, g n (x) = 4x(1−x)<br />

(no caso, f n e g n são sequências constantes: in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> n). É fácil ver que ‖f n ‖ ∞ = ‖g n ‖ ∞ = 1 para to<strong>do</strong><br />

n e é elementar constatar que ‖(f n + g n )/2‖ ∞ = 1 para to<strong>do</strong> n ∈ N. Porém, é igualmente elementar verificar que<br />

‖f n − g n ‖ ∞ = 1, também para to<strong>do</strong> n ∈ N. Assim, constatamos que C ( [0, 1] ) com a norma <strong>do</strong> supremo não é<br />

uniformemente convexo. 5<br />

Exemplo <strong>25</strong>.8 Consi<strong>de</strong>re-se em R 2 as normas ‖·‖ 1 e ‖·‖ ∞ <strong>de</strong>finidas para x ≡ (x 1 , x 2 ) ∈ R 2 por ‖x‖ 1 := |x 1 |+|x 2 | e<br />

‖x‖ ∞ := max { |x 1 |, |x 2 | } , respectivamente. As bolas B 1 relativas a essas métricas estão ilustradas na Figura 3.1, página<br />

207. Ambas são quadra<strong>do</strong>s e, portanto, têm bor<strong>do</strong>s não “arre<strong>do</strong>nda<strong>do</strong>s”. É <strong>de</strong> se esperar que R2 não seja uniformemente<br />

convexo em relação a essas duas normas e, <strong>de</strong> fato, assim o é.<br />

No caso da norma ‖·‖ ∞ , tome-se em R 2 as sequências x n = (1−1/n, 1/2) e y n = (1−1/n, −1/2), n ∈ N, n ≥ 2.<br />

Temos que ‖x n ‖ ∞ = ‖y n ‖ ∞ = 1 − 1/n < 1 e, portanto, x n e y n são sequências na bola <strong>de</strong> raio 1 centrada em 0 para<br />

a norma ‖ · ‖ ∞ . É claro que (x n + y 2 )/2 = (1 − 1/n, 0) e que ∥ ∥(x n + y n )/2 ∥ ∥<br />

∞<br />

= 1 − 1/n → 1 para n → ∞. Porém,<br />

x n −y n = (0, 1) e ∥ ∥x n −y 2<br />

∥<br />

∥∞ = 1 para to<strong>do</strong> n ∈ N. Logo, R 2 não é uniformemente convexo para a norma ‖·‖ ∞ .<br />

No caso da norma ‖·‖ 1 , tome-se em R 2 as sequências x n = ( 5/8−1/n, 3/8−1/n ) e y n = ( 3/8−1/n, 5/8−1/n ) ,<br />

n ∈ N, n ≥ 3. Temos que ‖x n ‖ 1 = ‖y n ‖ 1 = 1−2/n < 1 e, portanto, x n e y n são sequências na bola <strong>de</strong> raio 1 centrada<br />

em 0 para a norma ‖·‖ 1 . Teremos (x n +y n )/2 = ( 1/2−1/n, 1/2−1/n ) e ∥ ∥ (xn +y n )/2 ∥ ∥<br />

1<br />

= 2 ( 1/2−1/n ) → 1 para<br />

n → ∞. Porém, x n −y n = ( 1/4, −1/4 ) e, portanto, ‖x n −y n ‖ 1 = 1/2 para to<strong>do</strong> n ∈ N. Logo, R 2 não é uniformemente<br />

convexo para a norma ‖·‖ 1 . 5<br />

Como vimos acima, porém, R 2 é uniformemente convexo para as normas ‖·‖ p com 1 < p < ∞.<br />

De forma análoga à <strong>do</strong> Exemplo <strong>25</strong>.8, é fácil ver que os espaços <strong>de</strong> sequências l 1 e l ∞ não são uniformemente convexos<br />

para as respectivas normas ‖·‖ 1 e ‖·‖ ∞ .<br />

• Um <strong>Teorema</strong> <strong>do</strong> Melhor Aproximante em espaços uniformemente convexos<br />

O resulta<strong>do</strong> principal da corrente seção é o seguinte teorema:<br />

<strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.5 (<strong>Teorema</strong> <strong>do</strong> Melhor Aproximante em Espaços Uniformemente Convexos) Seja V um espaço<br />

norma<strong>do</strong> e unifomemente convexo. Seja C um subconjunto não-vazio <strong>de</strong> V e que seja convexo e completo (em relação<br />

à norma <strong>de</strong> V). Então, para cada x ∈ V existe um e somente um elemento y ∈ C tal que ‖x − y‖ = D x,C :=<br />

inf { ‖y−x‖, y ∈ C } . 2<br />

Prova da Existência. Denotemos D x,C simplesmente por D. Para cada n ∈ N seja y n ∈ C um vetor com a proprieda<strong>de</strong><br />

que<br />

‖x−y n ‖ 2 < D 2 + 1 n . (<strong>25</strong>.53)<br />

Notemos que tais vetores sempre existem. Se tal não fosse o caso, ou seja, se para algum n, digamos n 0 , não existisse<br />

vetor nenhum y ′ em C tal que ∥ ∥x−y ′∥ ∥ 2 < D 2 + 1<br />

n 0<br />

, isso significaria que para to<strong>do</strong> y ′ ∈ C valeria que ∥ ∥x−y ′∥ ∥ 2 ≥ D 2 + 1<br />

n 0<br />

.<br />

Mas isso contraria a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> D como o ínfimo <strong>de</strong> ∥ ∥ x−y<br />

′ , y ′ ∈ C.<br />

Caso tenhamos D = 0, então a sequência y n converge a x (sen<strong>do</strong>, portanto, uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em C) e como<br />

C é completo, concluímos que x ∈ C. Po<strong>de</strong>mos, portanto, tomar y = x e a afirmação <strong>de</strong> existência <strong>de</strong> um y ∈ C tal que


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1243/2117<br />

‖x−y‖ = D x,C está completa, nesse caso. Mais adiante trataremos da unicida<strong>de</strong>.<br />

Vamos agora consi<strong>de</strong>rar o caso D > 0 e vamos provar que toda sequência y n satisfazen<strong>do</strong><br />

√<br />

(<strong>25</strong>.53) também é uma<br />

sequência <strong>de</strong> Cauchy em C. Defina-se z n := x−y n e s n := ‖z n ‖−D = ‖x−y n ‖−D = D 2 + 1 n<br />

−D. É evi<strong>de</strong>nte que<br />

s n ≥ 0 e que lim n→∞ s n = 0.<br />

Como C é convexo, tem-se que (y m +y n )/2 ∈ C para to<strong>do</strong>s m, n ∈ N. Logo, tem-se pela <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> D que<br />

D ≤<br />

∥ x− y ∥ m +y n<br />

∥∥∥ 2 ∥ = z m +z n<br />

2 ∥ ≤ 1 2 ‖z m‖+ 1 2 ‖z n‖ = 1 2 (s m +s n )+D .<br />

Como lim n→∞ s n = 0, concluí-se <strong>de</strong>ssas <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s que para to<strong>do</strong> ǫ > 0 existe N(ǫ) ∈ N tais que<br />

∣ z m +z n<br />

∣∣∣ ∣∥<br />

2 ∥ −D ≤ ǫ (<strong>25</strong>.54)<br />

para to<strong>do</strong>s m, n ≥ N(ǫ).<br />

Como lim n→∞ ‖z n ‖ = D, po<strong>de</strong>mos assumir ‖z n ‖ ≠ 0 para to<strong>do</strong> n suficientemente gran<strong>de</strong>. Defina-se para tais n’s<br />

w n := ‖z n ‖ −1 z n . É claro que ‖w n‖ = 1 e temos que<br />

D( ) D<br />

wm +w n =<br />

2 2‖z m ‖ z m + D<br />

2‖z n ‖ z n = 1 2 (z m +z n )+ 1 [( ) ( ) ]<br />

D D<br />

2 ‖z m ‖ −1 z m +<br />

‖z n ‖ −1 z n .<br />

Logo,<br />

∥ D<br />

w m +w n<br />

∥∥∥ ∥ 2 ∥ ≤ 1<br />

2 (z m +z n )<br />

∥ + 1 (‖zm<br />

‖−D<br />

2[ ) + ( ‖z n ‖−D )] =<br />

1<br />

∥2 (z m +z n )<br />

∥ + s m +s n<br />

.<br />

2<br />

Com isso, temos que<br />

(∥ ) (∥ )<br />

∥∥∥ w m +w n<br />

∥∥∥<br />

D<br />

2 ∥ −1 1<br />

≤<br />

2 (z m +z n )<br />

∥ −D<br />

+ s m +s n<br />

2<br />

Por (<strong>25</strong>.54) e <strong>do</strong> fato já estabeleci<strong>do</strong> que lim n→∞ s n = 0, concluímos que para to<strong>do</strong> ǫ > 0 existe N ′ (ǫ) ∈ N tal que<br />

∣ w m +w n<br />

∣∣∣ ∣ ∥ 2 ∥ −1 ≤ ǫ .<br />

Defina-se a n = w n e b n = w n+k . Pelo que acabamos <strong>de</strong> ver, temos que ‖a n ‖ = ‖b n ‖ = 1 e que ∥ ∥a n +b n ∥<br />

2<br />

→ 1 para<br />

n → ∞. Assim, pela hipótese <strong>de</strong> que V é uniformemente convexo temos que ‖a n −b n ‖ → 0 para n → ∞, ou seja, temos<br />

que para to<strong>do</strong> k ∈ N vale ‖w n −w n+k ‖ → 0 para n → ∞. Isso significa que para to<strong>do</strong> ǫ > 0 existe N ′′ (ǫ) ∈ N tal que<br />

‖w n −w n+k ‖ ≤ ǫ para to<strong>do</strong> n ≥ N ′′ (ǫ). Como k é arbitrário, isso está dizen<strong>do</strong> que<br />

Note-se agora que<br />

‖y n −y m ‖ = ‖z n −z m ‖ =<br />

‖w n −w m ‖ ≤ ǫ para to<strong>do</strong>s m, n ≥ N ′′ (ǫ) . (<strong>25</strong>.55)<br />

∥<br />

∥‖z n ‖w n −‖z m ‖w m<br />

∥ ∥∥ =<br />

∥ ∥∥(D+sn<br />

)w n −(D +s m )w m<br />

∥ ∥∥<br />

.<br />

≤ D‖w n −w m ‖+s n ‖w n ‖+s m ‖w m ‖ = D‖w n −w m ‖+s n +s m ,<br />

pois ‖w n ‖ = 1 para to<strong>do</strong> n. Como lim n→∞ s n = 0, concluímos disso e que (<strong>25</strong>.55) que para to<strong>do</strong> ǫ > 0 existe N ′′′ (ǫ) ∈ N<br />

tal que ‖y n −y m ‖ ≤ ǫ sempre que m, n ≥ N ′′′ (ǫ). Logo {y n , n ∈ N} é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em C e como este é<br />

completo, concluímos que existe y ∈ C ao qual essa sequência converge.<br />

Vamos agora estabelecer que ‖y − x‖ = D. Temos que ‖y − x‖ = ∥ ∥ (y − yn ) − (y n − x) ∥ ∥ ≤ ‖y − yn ‖ + ‖z n ‖ =<br />

‖y−y n ‖+s n +D. Mas ‖y−y n ‖ → 0 e s n → 0 quan<strong>do</strong> n → ∞. Logo, ‖y−x‖ ≤ D. Por outro la<strong>do</strong>, tem-se pela <strong>de</strong>finição<br />

<strong>de</strong> D que D ≤ ‖y −x‖, já que y ∈ C. Logo, concluímos que ‖y −x‖ = D, como <strong>de</strong>sejávamos provar.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1244/2117<br />

Prova da Unicida<strong>de</strong>. Resta-nos <strong>de</strong>monstrar que esse y é o único elemento <strong>de</strong> C com essa proprieda<strong>de</strong>. Para tal, vamos<br />

supor que haja outro y ′ ∈ C com ∥ ∥ x−y<br />

′ ∥ ∥ = D e <strong>de</strong>finamos em C uma sequência ỹn da seguinte forma: ỹ n = y caso n<br />

seja par e ỹ n = y ′ caso n seja ímpar. É claro que ‖x−ỹ n‖ = D para to<strong>do</strong> n ∈ N e portanto, tem-se trivialmente<br />

∥<br />

∥x−ỹ n<br />

∥ ∥<br />

2<br />

< D 2 + 1 n .<br />

para to<strong>do</strong> n ∈ N, tal como em (<strong>25</strong>.53). Ora, vimos acima que toda sequência com essa proprieda<strong>de</strong> é uma sequência <strong>de</strong><br />

Cauchy. Mas nesse caso, isso só é possível se y = y ′ , completan<strong>do</strong> a <strong>de</strong>monstração <strong>do</strong> <strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.5.<br />

• Exemplos e comentários gerais sobre problemas <strong>de</strong> minimalização<br />

A Figura <strong>25</strong>.2, página 1245, ilustra quatro situações <strong>de</strong> problemas <strong>de</strong> minimalização. No caso, o espaço vetorial é<br />

o plano R 2 e há quatro conjuntos C indica<strong>do</strong>s. Para x = (x 1 , x 2 ) ∈ R 2 consi<strong>de</strong>remos as normas ‖x‖ 2 := √ x 2 1 +x2 2 e<br />

‖x‖ ∞ := max { |x 1 |, |x 2 | } . Como comentamos acima, R 2 é uniformemente convexo em relação à norma ‖·‖ 2 , mas não<br />

à norma ‖·‖ ∞ . Temos o seguinte:<br />

ˆ No caso 1, C é um conjunto fecha<strong>do</strong> (e, portanto, completo) mas não é convexo. Para o ponto x indica<strong>do</strong> há<br />

<strong>do</strong>is pontos em C que minimizam a distância a x <strong>de</strong>finida pela norma ‖·‖ 2 , a saber, os pontos a e b. Solução <strong>do</strong><br />

problema <strong>de</strong> minimalização portanto, existe, mas não é única.<br />

ˆ No caso 2, C é um disco aberto (e, portanto, não é completo) e é convexo. Para o ponto x indica<strong>do</strong> não há nenhum<br />

elemento em C que minimize a distância a x <strong>de</strong>finida pela norma ‖ · ‖ 2 . Solução <strong>do</strong> problema <strong>de</strong> minimalização<br />

portanto, não existe.<br />

ˆ No caso 3, C é um disco fecha<strong>do</strong> (e, portanto, completo) e é convexo. Para o ponto x indica<strong>do</strong> há um único<br />

elemento em C que minimize a distância a x <strong>de</strong>finida pela norma ‖·‖ 2 , a saber, o ponto a indica<strong>do</strong>. Uma solução<br />

<strong>do</strong> problema <strong>de</strong> minimalização portanto, existe e é única.<br />

ˆ No caso 4, C é um retângulo fecha<strong>do</strong> (e, portanto, completo) e é convexo. Para o ponto x indica<strong>do</strong> há um único<br />

ponto em C que minimiza a distância a x <strong>de</strong>finida pela norma ‖·‖ 2 , a saber, o ponto a indica<strong>do</strong>. Se, no entanto,<br />

consi<strong>de</strong>rarmos a norma ‖·‖ ∞ , to<strong>do</strong>s os pontos <strong>do</strong> segmento A–B são solução <strong>do</strong> problema <strong>de</strong> minimalização. Isso<br />

ilustra como a unicida<strong>de</strong> da solução <strong>de</strong> um problema <strong>de</strong> minimalização po<strong>de</strong> <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da norma a<strong>do</strong>tada.<br />

Sob a luz <strong>do</strong> <strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.5, esses exemplos ilustram a idéia <strong>de</strong> que a completeza <strong>do</strong> conjunto C garante a existência <strong>de</strong><br />

solução <strong>do</strong> problema <strong>de</strong> minimalização, enquanto que a convexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> C garante a unicida<strong>de</strong> da solução, ao menos no<br />

caso <strong>de</strong> espaços norma<strong>do</strong>s qua sejam uniformemente convexos.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1245/2117<br />

A<br />

a<br />

1)<br />

x<br />

4)<br />

a<br />

x<br />

C<br />

b<br />

C<br />

B<br />

2)<br />

x<br />

3)<br />

a<br />

x<br />

C<br />

C<br />

Figura <strong>25</strong>.2: Quatro problemas <strong>de</strong> minimalização ilustrativos em R 2 .<br />

<strong>25</strong>.7 Exercícios Adicionais<br />

E. <strong>25</strong>.58 Exercício. Os itens abaixo ilustram situações úteis <strong>de</strong> se ter em mente concernentes à proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> completeza.<br />

1. Mostre que M 1 := (0, 1) não é completo na métrica <strong>de</strong>finida por d(x, y) := |x−y|. Para tal, mostre que a n := 1/n,<br />

n ∈ N, n ≥ 2, é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em M 1 = (0, 1) em relação à essa métrica, mas mostre que essa sequência<br />

não converge nesse conjunto, ou seja, mostre que não existe x ∈ M 1 tal que lim n→∞ d(x, a n ) = 0.<br />

2. Mostre que M 2 := [0, 1] é completo na mesma métrica d(x, y) := |x−y|.<br />

3. Mostre que d I (x, y) := ∣ 1 x − 1 y∣ <strong>de</strong>fine uma métrica em M 3 := [1, ∞).<br />

4. Mostre que M 3 = [1, ∞) é completo na métrica d(x, y) := |x − y| mas não na métrica d I (x, y). Para esse último<br />

caso, mostre que a n := n, n ∈ N, é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em M 3 em relação à métrica d I , mas que essa sequência<br />

não converge nesse conjunto, ou seja, mostre que não existe x ∈ M 3 tal que lim n→∞ d I (x, a n ) = 0.<br />

O Exercício E. <strong>25</strong>.60 explora algumas das idéias <strong>de</strong> acima para mostrar que R po<strong>de</strong> não ser um espaço métrico completo para<br />

certas métricas nele <strong>de</strong>finidas. 6<br />

E. <strong>25</strong>.59 Exercício. No Exercício E. <strong>25</strong>.58 vimos que [1, ∞) não é completo na métrica d I . Po<strong>de</strong>mos nos perguntar: como<br />

seria um possível completamento <strong>de</strong> [1, ∞) nessa métrica d I ?<br />

Para respon<strong>de</strong>r à questão acima e construir um completamento <strong>de</strong> [1, ∞) na métrica d I po<strong>de</strong>mos nos guiar pela seguinte<br />

intuição. Como vimos no Exercício E. <strong>25</strong>.60, a sequência a n = n, n ∈ N, é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em [1, ∞) na métrica<br />

d I . Para que ela fosse convergente, <strong>de</strong>veríamos ter em [1, ∞) um elemento que fizesse o papel <strong>de</strong> “infinito”, já que a n é<br />

ilimitadamente crescente. Isso po<strong>de</strong> ser feito acrescentan<strong>do</strong>-se ao conjunto [1, ∞) um objeto que, em algum senti<strong>do</strong>, faça o<br />

papel <strong>de</strong> infinito. Como veremos, esse objeto po<strong>de</strong> ser escolhi<strong>do</strong> arbitráriamente (mas fora <strong>do</strong> conjunto [1, ∞)) <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que <strong>de</strong><br />

forma a <strong>de</strong>sempenhar o papel <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>. Vejamos <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> mais preciso como isso po<strong>de</strong> ser feito.<br />

Para construirmos um completamento <strong>de</strong> [1, ∞) na métrica d I , consi<strong>de</strong>remos os <strong>do</strong>is seguintes espaços métricos:<br />

(<br />

[1, ∞), dI<br />

)<br />

e<br />

(<br />

(0, 1], d<br />

)<br />

. Constate que o segun<strong>do</strong> espaço métrico também não é completo. Constate que a função


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1246/2117<br />

bijetora h : [1, ∞) → (0, 1] <strong>de</strong>finida por h(x) := 1/x é uma isometria bijetora entre esses espaços, ou seja, que é bijetora e<br />

satisfaz d ( h(x), h(y) ) = d I (x, y) para to<strong>do</strong>s x, y ∈ [1, ∞). Constate que o intervalo fecha<strong>do</strong> [0, 1] é um completamento<br />

<strong>de</strong> (0, 1] na métrica d. Seja Ω um objeto qualquer, mas com Ω ∉ [1, ∞) (por exemplo, tome Ω como sen<strong>do</strong> uma letra <strong>do</strong><br />

alfabeto grego ,), e <strong>de</strong>fina M 4 := [1, ∞)∪{Ω}. Faça <strong>de</strong> M 4 um espaço métrico <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> nele uma métrica ˜d I da seguinte<br />

forma:<br />

˜d I (x, y) = d I (x, y) , se x e y são elementos <strong>de</strong> [1, ∞) ,<br />

˜d I (x, Ω) = ˜d I (Ω, x) = 1/x , se x ∈ [1, ∞) ,<br />

˜d I (Ω, Ω) = 0 .<br />

Mostre que ˜d I <strong>de</strong>fine, <strong>de</strong> fato, uma métrica em M 4 .<br />

A esta altura o estudante po<strong>de</strong> ter intui<strong>do</strong> (corretamente) que Ω faz o papel <strong>de</strong> um número “infinito” que é adiciona<strong>do</strong><br />

ao conjunto [1, ∞) e que agora uma sequência como a n = n, n ∈ N (que é também uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em M 4 em<br />

relação à métrica ˜d<br />

(<br />

I ) converge a Ω. Mostre que, <strong>de</strong> fato, lim n→∞ ˜dI an , Ω ) = 0. Mostre que a aplicação ˜h : M 4 → [0, 1]<br />

dada por<br />

⎧<br />

⎪⎨ h(x) = 1/x , se x ∈ [1, ∞) ,<br />

˜h(x) :=<br />

⎪⎩ 0 , se x = Ω ,<br />

é bijetora e que é uma isometria entre os espaços métricos (M 4 , ˜dI ) e ( [0, 1], d ) , ou seja, que d (˜h(x), ) ˜h(y) = ˜dI (x, y)<br />

para to<strong>do</strong>s x, y ∈ M 4 . Note também que ˜h é uma extensão <strong>de</strong> h ao conjunto M 4 .<br />

Prove que (M 4 , ˜dI ) é um espaço métrico completo. Sugestão: use o fato que ( [0, 1], d ) é completo e que ˜h é uma<br />

isometria.<br />

Conclua que (M 4 , ˜dI ) é um completamento <strong>do</strong> espaço métrico ( )<br />

[1, ∞), d I . 6<br />

E. <strong>25</strong>.60 Exercício. Seja f : R → (1, ∞) uma função bijetora (um exemplo concreto é f(x) = e x +1). Mostre que<br />

d f (x, y) :=<br />

1<br />

∣f(x) − 1<br />

f(y) ∣ ,<br />

com x, y ∈ R, <strong>de</strong>fine uma métrica em R. Mostre que a n := f −1 (n), n ∈ N, n ≥ 2, é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em R com<br />

relação à métrica d f . Mostre que essa sequência não converge em R na métrica d f , ou seja, mostre que não existe x ∈ R tal<br />

que lim n→∞ d f (x, a n ) = 0. Conclua que R não é completo na métrica d f . Seguin<strong>do</strong> os passos <strong>de</strong>linea<strong>do</strong>s no Exercício E.<br />

<strong>25</strong>.59, construa um possível completamento <strong>de</strong> R para as métricas d f (você precisará <strong>de</strong> um elemento para o papel <strong>de</strong> +∞ e<br />

outro para o papel <strong>de</strong> −∞). 6<br />

E. <strong>25</strong>.61 Exercício-dirigi<strong>do</strong>. Este exercício trata <strong>de</strong> um exemplo <strong>de</strong> um espaço vetorial <strong>de</strong> funções <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong> duas normas<br />

no qual po<strong>de</strong>mos exibir uma sequência <strong>de</strong> funções com a proprieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> convergir a uma função em relação a uma das normas<br />

e a uma outra função distinta em relação à outra norma.<br />

Seja V o espaço das funções assumin<strong>do</strong> valores complexos, contínuas e 2π-periódicas em R. Vamos <strong>de</strong>finir nesse espaço<br />

duas normas, que <strong>de</strong>notaremos por ‖·‖ a e ‖·‖ b .<br />

1. Definição da norma ‖·‖ a . Para u ∈ V, <strong>de</strong>notemos por u k seu k-ésimo coeficiente <strong>de</strong> Fourier: u k := ∫ π e√ −ikx<br />

−π 2π<br />

u(x)dx<br />

com k ∈ Z (a teoria das séries <strong>de</strong> Fourier é <strong>de</strong>senvolvida na Seção 35.4, página 1696).<br />

Para u ∈ V, <strong>de</strong>fina-se<br />

‖u‖ a :=<br />

∞∑<br />

k=−∞<br />

1<br />

1+k 2|u k| . (<strong>25</strong>.56)<br />

Afirmamos que ‖ · ‖ a é uma norma em V. Notemos em primeiro lugar que ‖u‖ a está bem <strong>de</strong>finida em V, pois se<br />

‖u‖ ∞ := sup x∈[−π, π] |u(x)|, então é evi<strong>de</strong>nte que |u k | ≤ √ 2π‖u‖ ∞ para to<strong>do</strong> k e, portanto, a série <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito <strong>de</strong>


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1247/2117<br />

(<strong>25</strong>.56) converge. É também evi<strong>de</strong>nte que ‖u‖ a ≥ 0 e que ‖λu‖ a = |λ|‖u‖ a para to<strong>do</strong>s λ ∈ C e u ∈ V. A prova da<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular ‖u + v‖ a ≤ ‖u‖ a + ‖v‖ a , para u, v ∈ V é elementar e <strong>de</strong>ixada ao leitor. Por fim, observe-se<br />

que ‖u‖ a = 0 se e somente se u k = 0 para to<strong>do</strong> k ∈ Z o que, pelo Corolário 35.3, página 1704, ocorre se e somente se<br />

u for i<strong>de</strong>nticamente nula. Isso estabelece que (<strong>25</strong>.56) <strong>de</strong>fine uma norma em V.<br />

2. Definição da norma ‖ · ‖ b . Seja Q := Q ∩ [−1/2, 1/2) a coleção <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os racionais <strong>do</strong> intervalo [−1/2, 1/2). O<br />

conjunto Q é contável, e po<strong>de</strong>mos representá-lo na forma Q = {r j , j ∈ N}. Seja {b j } j∈N uma sequência positiva e<br />

somável, ou seja, satisfazen<strong>do</strong> b j > 0 para to<strong>do</strong> j e ∑ ∞<br />

j=1 b j < ∞.<br />

Para u ∈ V, <strong>de</strong>fina-se<br />

∞∑ ∣<br />

‖u‖ b := b ∣u(2πrj j ) ∣ . (<strong>25</strong>.57)<br />

j=1<br />

Afirmamos que ‖ ·‖ b <strong>de</strong>fine uma norma em V. Notemos em primeiro lugar que ‖u‖ b está bem <strong>de</strong>finida em V, pois é<br />

claro que ∣ ∣u(2πr j ) ∣ ∣ ≤ ‖u‖ ∞ para to<strong>do</strong> j e, portanto, a série em (<strong>25</strong>.57) converge. É também evi<strong>de</strong>nte que ‖u‖ b ≥ 0<br />

e que ‖λu‖ b = |λ|‖u‖ b para to<strong>do</strong>s λ ∈ C e u ∈ V. A prova da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular ‖u+v‖ b ≤ ‖u‖ b +‖v‖ b , para<br />

u, v ∈ V é elementar e <strong>de</strong>ixada ao leitor. Observe-se agora que ‖u‖ b = 0 se e somente se u(2πr j ) = 0 para to<strong>do</strong> j.<br />

Porém, o conjunto {2πr j , r j ∈ Q} é <strong>de</strong>nso no intervalo [−π, π). Logo, ‖u‖ b = 0 se e somente u anular-se em um<br />

conjunto <strong>de</strong>nso em [−π, π). Como u é contínua e 2π-periódica, isso implica que u é i<strong>de</strong>nticamente nula. Isso estabelece<br />

que (<strong>25</strong>.57) <strong>de</strong>fine uma norma em V.<br />

Seja agora u n (x) := cos(n!x), n ∈ N, uma sequência <strong>de</strong> elementos <strong>de</strong> V. É elementar constatar (faça-o!) que os<br />

coeficientes <strong>de</strong> Fourier <strong>de</strong> u n são da<strong>do</strong>s por<br />

Logo, segue <strong>de</strong> (<strong>25</strong>.56) que<br />

√ π<br />

)<br />

u n k<br />

(δ = k,−n! +δ k,n! , k ∈ Z .<br />

2<br />

‖u n ‖ a =<br />

√<br />

2π<br />

1+(n!) 2 ,<br />

mostran<strong>do</strong> que a sequência u n converge na norma ‖·‖ a à função i<strong>de</strong>nticamente nula quan<strong>do</strong> n → ∞.<br />

Vamos agora consi<strong>de</strong>rar o que ocorre em relação à norma ‖·‖ b quan<strong>do</strong> esse limite é toma<strong>do</strong> nessa sequência. Observe-se<br />

primeiramente que para r j ∈ Q tem-se u n (2πr j ) = cos(2πn!r j ). Agora, como número racional, r j é da forma r j = ±p j /q j ,<br />

com p j ≥ 0 e q j > 0, ambos inteiros e primos entre si. Assim, para to<strong>do</strong> n > q j teremos que n!r j é um inteiro e, portanto,<br />

cos(2πn!r j ) = 1. Com isso, vemos que<br />

∥ u n −1 ∥ ∥<br />

b<br />

=<br />

∞∑ ∣<br />

b ∣cos(2πn!rj j )−1 ∣ j=1<br />

converge a 0 quan<strong>do</strong> n → ∞ pois, na medida que n cresce, mais e mais termos na somatória são nulos. Prove essa afirmação<br />

rigorosamente notan<strong>do</strong> que, como ∑ ∞<br />

j=1 b j < ∞, então para cada ǫ > 0 existe N(ǫ) ∈ N tal que ∑ j>N(ǫ) b j < ǫ.<br />

Com isso, vemos que u n converge na norma ‖·‖ b à função i<strong>de</strong>nticamente igual a 1 quan<strong>do</strong> n → ∞. Assim, estabelecemos<br />

que u n (x)<br />

‖·‖<br />

−→<br />

a<br />

n→∞<br />

0, mas u n (x)<br />

‖·‖<br />

−→<br />

b<br />

1.<br />

n→∞<br />

Comentemos en passant que V não é completo nem na norma ‖ · ‖ a nem na norma ‖ · ‖ b . Comentemos também que<br />

a sequência a k = 1<br />

1+k<br />

que ocorre na <strong>de</strong>finição (<strong>25</strong>.56) po<strong>de</strong> ser substituida por qualquer sequência somável <strong>de</strong> números<br />

2<br />

positivos, sem alterar a argumentação <strong>de</strong> acima. 6


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1248/2117<br />

Apêndices<br />

<strong>25</strong>.A Números Reais e p-ádicos<br />

Neste apêndice ilustraremos a construção <strong>do</strong> completamento canônico <strong>de</strong> espaços métricos, <strong>de</strong>senvolvida a partir da<br />

página 1215, apresentan<strong>do</strong> brevemente uma construção <strong>do</strong> conjunto <strong>do</strong>s números reais a partir <strong>do</strong>s racionais que é<br />

também <strong>de</strong>vida a Cantor. O mérito <strong>de</strong>ssa construção não é apenas ilustrativo, pois o mesmo conjunto <strong>de</strong> idéias permite a<br />

construção <strong>de</strong> outros conjuntos “exóticos” <strong>de</strong> números, os chama<strong>do</strong>s números p-ádicos (p, aqui, sen<strong>do</strong> um número primo),<br />

introduzi<strong>do</strong>s por Hensel 33 entre 1897 e 1899 34 .<br />

A estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta seção não é essencial ao que segue e po<strong>de</strong> ser dispensa<strong>do</strong> em uma primeira leitura. A <strong>de</strong>monstração<br />

<strong>de</strong> completeza <strong>de</strong> R, em particular, é um tanto <strong>de</strong>licada e complexa.<br />

<strong>25</strong>.A.1 A Construção <strong>de</strong> Cantor <strong>do</strong>s Números Reais<br />

• Uma Métrica no Conjunto <strong>do</strong>s Racionais<br />

Consi<strong>de</strong>re o conjunto Q <strong>do</strong>s números racionais. e consi<strong>de</strong>re a função d : Q × Q → Q + dada por d(r, s) = |r − s|.<br />

Esta função tem as seguintes proprieda<strong>de</strong>s<br />

1. d(r, s) ∈ Q + para to<strong>do</strong> r, s ∈ Q.<br />

2. d(r, s) = 0 se e somente se r = s.<br />

3. Para to<strong>do</strong> a e b ∈ Q vale d(a, b) = d(b, a).<br />

4. Para to<strong>do</strong> a, b e c ∈ Q vale d(a, b) ≤ d(a, c)+d(c, b).<br />

A função d <strong>de</strong>fine o que se chama <strong>de</strong> uma métrica em Q. A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> d(a, b) ≤ d(a, c) + d(c, b) é chamada<br />

<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular.<br />

Nota. Como a princípio <strong>de</strong>sejamos “construir” o conjunto <strong>do</strong>s números reais R, <strong>de</strong>vemos tomar o cuida<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir a métrica d assumin<strong>do</strong><br />

valores em Q + , o conjunto <strong>do</strong>s racionais ≥ 0, não em R + , como fizemos até agora. Por essa razão, algumas adaptações ao que fizemos até<br />

agora serão necessárias.<br />

♣<br />

Uma sequência <strong>de</strong> números racionais é uma função N → Q. Para uma sequência a <strong>de</strong>nota-se frequentemente seu<br />

valor a(i) por a i para i ∈ N.<br />

• Sequências <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> Números Racionais<br />

Uma sequência a <strong>de</strong> números racionais é dita ser uma sequência <strong>de</strong> Cauchy 35 em relação à métrica d se para to<strong>do</strong><br />

ǫ ∈ Q + existir um número natural N(ǫ) (eventualmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ǫ) tal que d(a i , a j ) = |a i −a j | < ǫ para to<strong>do</strong> i e<br />

j tais que i > N(ǫ) e j > N(ǫ).<br />

Uma sequência <strong>de</strong> números racionais a converge para um número racional r no senti<strong>do</strong> da métrica d se para to<strong>do</strong><br />

ǫ ∈ Q + existir um número natural N(ǫ) (eventualmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ǫ) tal que d(r, a i ) < ǫ para to<strong>do</strong> i > N(ǫ).<br />

E. <strong>25</strong>.62 Exercício. Prove que se uma sequência a converge a um número racional r então a é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy.<br />

Sugestão: use a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular. 6<br />

• Números Reais. A Construção <strong>de</strong> Cantor. Completamento<br />

Como já discutimos em páginas anteriores, há sequências <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> números racionais que não convergem a<br />

números racionais. Esse fato é a motivação <strong>de</strong> uma construção muito importante: a <strong>do</strong>s números reais.<br />

33 Kurt Wilhelm Sebastian Hensel (1861–1941).<br />

34 K. Hensel, “Uber eine neue Begrundung <strong>de</strong>r Theorie <strong>de</strong>r algebraischen Zahlen”, Jahresber. Deutsch. Math.-Verein, 6 : 1, pp. 83–88,<br />

(1899).<br />

35 Augustin Louis Cauchy (1789–1857).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1249/2117<br />

Para mostrar como essa construção é feita (o que faremos aqui com o objetivo <strong>de</strong> ilustrar outras construções análogas<br />

futuras) vamos primeiramente consi<strong>de</strong>rar o conjunto C ≡ C(Q) <strong>de</strong> todas as sequências <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> números racionais<br />

e construir em C uma relação <strong>de</strong> equivalência da seguinte forma. Dizemos que duas sequências <strong>de</strong> Cauchy a e b são<br />

equivalentes se a sequência c i = a i −b i , i ∈ N converge a zero. Ou seja, a ∼ b se para to<strong>do</strong> racional ǫ > 0 existir inteiro<br />

N > 0 tal que d(a i , b i ) = |a i −b i | < ǫ para to<strong>do</strong> i > N.<br />

E. <strong>25</strong>.63 Exercício. Mostre que se a e b são sequências <strong>de</strong> Cauchy então a sequência c i = a i −b i , i ∈ N também o é.<br />

Sugestão: use a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular. 6<br />

E. <strong>25</strong>.64 Exercício. Prove que a relação acima é <strong>de</strong> fato uma relação <strong>de</strong> equivalência. 6<br />

Isto posto, sabemos que o conjunto C po<strong>de</strong> ser escrito como uma união disjunta <strong>de</strong> suas classes <strong>de</strong> equivalência pela<br />

relação acima. O conjunto <strong>do</strong>s números reais R é então <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> como sen<strong>do</strong> o conjunto forma<strong>do</strong> por essas classes <strong>de</strong><br />

equivalência ou, se quiserem, como o conjunto forma<strong>do</strong> escolhen<strong>do</strong>-se um elemento <strong>de</strong> cada classe <strong>de</strong> equivalência, ou<br />

seja, por uma sequência <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> números racionais em relação à métrica d.<br />

Assim, uma sequência <strong>de</strong> Cauchy como a sequência a i = 1+1/1!+1/2!+···+1/i! acima <strong>de</strong>fine um número real (no<br />

caso o número e).<br />

Se x é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> racionais em relação à métrica d <strong>de</strong>notaremos sua classe <strong>de</strong> equivalência por [x].<br />

Pela <strong>de</strong>finição, [x] é um número real.<br />

• Relação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m e operações aritméticas nos reais<br />

É possível <strong>de</strong>finir em R uma relação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m total da seguinte forma: dizemos que [x] < [y] se existirem sequências<br />

<strong>de</strong> racionais x 0 ∈ [x] e y 0 ∈ [y] e um inteiro I tais que x 0 i < y0 j para to<strong>do</strong> i, j > I e se [x0 −y 0 ] ≠ [0], on<strong>de</strong> [0] é a classe<br />

que contém a sequência i<strong>de</strong>nticamente nula. (Essa última condição é para evitar sequências com x 0 i < y0 i mas que se<br />

aproximem no limite i → ∞).<br />

E. <strong>25</strong>.65 Exercício. Mostre que isso <strong>de</strong>fine uma relação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m total em R. O ponto não-trivial, da<strong>do</strong>s [x] ≠ [y], é<br />

mostrar a existência <strong>de</strong> sequências <strong>de</strong> racionais x 0 ∈ [x] e y 0 ∈ [y] e um inteiro I tais que x 0 i < y0 j ou que x0 i < y0 j para to<strong>do</strong><br />

i, j > I. 6<br />

As operações elementares <strong>de</strong> soma, subtração e multiplicação po<strong>de</strong>m ser <strong>de</strong>finidas em R da seguinte forma: <strong>de</strong>finimos<br />

[x]+[y] := [x+y], [x]−[y] := [x−y]e[x][y] := [xy], on<strong>de</strong>x±y exy sãosequências<strong>de</strong>finidaspor(x±y) n := x n ±y n , n ∈ Ne<br />

(xy) n := x n y n , n ∈ N, respectivamente. Analogamenteaoperação<strong>de</strong> divisãoé<strong>de</strong>finidapara[y] ≠ [0]por[x]/[y] := [x/y],<br />

on<strong>de</strong> x/y é a sequência <strong>de</strong>finida por (x/y) n := x n /y n , n ∈ N, pressupon<strong>do</strong>-se, naturalmente, que nenhum elemento da<br />

sequência y seja nulo.<br />

E. <strong>25</strong>.66 Exercício. Mostre que as <strong>de</strong>finições <strong>de</strong> acima são bem-postas, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rem <strong>do</strong>s representantes<br />

toma<strong>do</strong>s nas classes. Prove que a operação <strong>de</strong> adição é associativa, comutativa e tem a sequência nula [0] como elemento<br />

neutro. Prove que a operação <strong>de</strong> subtração é a inversa da <strong>de</strong> adição. Prove que operação <strong>de</strong> multiplicação é associativa,<br />

comutativa e tem a sequência [1] como elemento neutro. Prove que a operação <strong>de</strong> divisão é a inversa da <strong>de</strong> multiplicação.<br />

Prove que a operação <strong>de</strong> multiplicação é distributiva em relação à <strong>de</strong> adição. Acima, [0] e [1] representam as classes das<br />

sequências constantes 0 ≡ (0, 0, 0, ...) e 1 ≡ (1, 1, 1, ...), respectivamente 6<br />

O Exercício E. <strong>25</strong>.66, acima, afirma que o conjunto R, <strong>do</strong>ta<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas operações <strong>de</strong> soma e multiplicação, é um corpo<br />

(para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> corpo, vi<strong>de</strong> Seção 2.1.4 página 2.1.4).<br />

• Uma métrica para os reais<br />

Po<strong>de</strong>ríamos tentar fazer <strong>de</strong> R um espaço métrico, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong>, por analogia com o que fizemos anteriormente na<br />

construção <strong>do</strong> completamento canônico, uma métrica em R por<br />

˜d ( [x], [y] ) = lim<br />

n→∞ d(x n, y n ) .<br />

Isso não po<strong>de</strong> ser feito <strong>de</strong>ssa forma, porém, sem incidirmos em uma tautologia, pois a sequência <strong>de</strong> racionais d(x n , y n ) =<br />

|x n − y n | po<strong>de</strong> não ter limite nos racionais, mas sim nos reais (que estamos ainda tentan<strong>do</strong> <strong>de</strong>finir). É fácil provar,


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1<strong>25</strong>0/2117<br />

porém, que a sequência <strong>de</strong> racionais d(x n , y n ), n ∈ N, é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy na métrica d. Para tal, note que,<br />

pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular,<br />

d(x i , y i ) ≤ d(x i , x j )+d(x j , y j )+d(y j , y i )<br />

e, portanto, ∣ ∣d(xi , y i )−d(x j , y j ) ∣ ∣ ≤ d(xi , x j )+d(y j , y i ) .<br />

Como o x e y são sequências <strong>de</strong> Cauchy o la<strong>do</strong> direito po<strong>de</strong> ser feito ≤ ǫ ∈ Q + para qualquer ǫ > 0, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que i e j sejam<br />

feitos gran<strong>de</strong>s o suficiente.<br />

Com isso, sabemos que a sequência d(x n , y n ), n ∈ N, pertence a alguma classe <strong>de</strong> equivalência que <strong>de</strong>notaremos por<br />

[d(x, y)]. Com isso, po<strong>de</strong>mos agora <strong>de</strong>finir uma métrica em R por<br />

˜d ( [x], [y] ) := [ d(x, y) ] .<br />

E. <strong>25</strong>.67 Exercício. Mostre que essa <strong>de</strong>finição não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>do</strong>s particulares representantes x e y que tomarmos nas classes<br />

[x] e [y]. 6<br />

E. <strong>25</strong>.68 Exercício. Mostre que ˜d <strong>de</strong>fine uma métrica em R. A <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular usa a relação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m em R<br />

<strong>de</strong>finida acima, o mesmo valen<strong>do</strong> para operação <strong>de</strong> soma etc. 6<br />

• Convergência <strong>de</strong> sequências e completeza nos reais<br />

Com os ingredientes <strong>de</strong> acima (a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> R, <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m em R e da métrica ˜d em R), po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir as noções <strong>de</strong><br />

convergência em R e <strong>de</strong> sequência <strong>de</strong> Cauchy em R <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> análogo ao que fizemos anteriormente: Uma sequência <strong>de</strong><br />

reais [x] n ≡ [x n ], n ∈ N, converge ao real [x] se para to<strong>do</strong> [ǫ] > 0 existir um inteiro N tal que ˜d([x] n , [x]) < [ǫ] sempre<br />

que n > N. Uma sequência <strong>de</strong> reais [x] n é dita ser uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em relação à métrica ˜d se para to<strong>do</strong> [ǫ] > 0<br />

existir um inteiro N tal que ˜d([x] m , [x] n ) < [ǫ] sempre que m > N e n > N.<br />

Coloca-se então a gran<strong>de</strong> questão, será R completo? Ou seja, será toda a sequência <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> reais convergente<br />

a um número real?<br />

Provemos que sim. Seja [x] n ≡ [x n ], n ∈ N, uma sequência <strong>de</strong> Cauchy em relação à métrica ˜d. Então, para qualquer<br />

[ǫ] ∈ R existirá inteiro N(ǫ)<br />

˜d ( [x] m , [x] n) = [ |x m −x n | ] < [ǫ]<br />

(<strong>25</strong>.A.1)<br />

sempre que m > N(ǫ) e n > N(ǫ). Vamos tomar [ǫ] um racional ou seja, suporemos que exista em [ǫ] uma sequência<br />

constante ǫ i = ǫ ∈ Q + .<br />

A condição (<strong>25</strong>.A.1) significa que existem sequências <strong>de</strong> racionais ∣ ∣x m i −x n ∣<br />

i e um inteiro I(ǫ) tais que ∣ ∣x m i −x n ∣<br />

i < ǫ<br />

para to<strong>do</strong>s m > N(ǫ) e n > N(ǫ) e i > I(ǫ).<br />

Comocadax m éumasequência<strong>de</strong>Cauchy<strong>de</strong>racionais, existeparato<strong>do</strong>ǫ ∈ Q + uminteiroJ m (ǫ)talque ∣ ∣x m i −xm ∣<br />

j < ǫ<br />

sempre que i, j > J m (ǫ).<br />

Vamos então tomar ǫ = 1/k, k ∈ N, e <strong>de</strong>finir, em analogia ao que foi feito na <strong>de</strong>monstração <strong>do</strong> <strong>Teorema</strong> <strong>25</strong>.1, página<br />

1216,<br />

a(k) := max { N(1/l), 1 ≤ l ≤ k } {<br />

+1 , e b(k) := max max { I(1/l), J a(l) (1/l) } }<br />

, 1 ≤ l ≤ k +1<br />

e x k = x a(k)<br />

b(k) . Teremos,<br />

|x k −x k ′| =<br />

∣<br />

∣x a(k)<br />

)<br />

b(k) −xa(k′ b(k ′ )<br />

∣ ≤<br />

∣<br />

∣x a(k)<br />

b(k) −xa(k) b(k ′ )<br />

∣ ∣<br />

∣+<br />

∣x a(k) )<br />

b(k ′ ) −xa(k′ b(k ′ )<br />

∣ ≤ 2max{1/k, 1/k ′ } .<br />

Isso prova que {x k } k∈N é uma sequência <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> racionais. Portanto a ela está associa<strong>do</strong> o número real [x].<br />

Resta-nos provar que [x m ] converge a [x] em ˜d quan<strong>do</strong> m → ∞.<br />

De fato ˜d ( [x], [x m ] ) = [ d(x, x m ) ] e<br />

d ( x k , x m ) ∣ ∣<br />

k = ∣xk −x m ∣<br />

k = ∣x a(k)<br />

∣<br />

b(k) −xm ∣<br />

k ≤ ∣x a(k)<br />

b(k) −xa(k) k<br />

∣<br />

∣ + ∣x a(k)<br />

k<br />

−x m k<br />

∣ < 2/l


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1<strong>25</strong>1/2117<br />

para qualquer l ∈ N, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que m > a(l) e k > b(l). Isso prova que para m > a(l) tem-se [ {d(x, x m )} m∈N<br />

]<br />

= [0],<br />

<strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> que [x m ] converge a [x] em ˜d. Isso <strong>de</strong>monstrou que R é completo.<br />

*<br />

Como vemos po<strong>de</strong>mos operar com esse novo conjunto <strong>de</strong> números da mesma forma como operamos com os racionais,<br />

ou seja, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir sua soma, seu produto etc. Fora isso o conjunto <strong>do</strong>s reais assim <strong>de</strong>fini<strong>do</strong> é provi<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma<br />

relação <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m total x ≤ y. Gostaríamos recordar como a construção <strong>do</strong>s reais foi feita: partimos <strong>do</strong> conjunto <strong>do</strong>s<br />

racionais, <strong>de</strong>finimos uma métrica sobre os mesmos e <strong>de</strong>finimos os conceitos <strong>de</strong> sequências e <strong>de</strong> sequências <strong>de</strong> Cauchy<br />

(em relação à métrica dada). Definimos também o conceito <strong>de</strong> convergência e constatamos que sequências <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong><br />

racionais não convergem sempre a racionais. Definimos então no espaço <strong>de</strong> todas as sequências <strong>de</strong> Cauchy (em relação<br />

à métrica dada) uma relação <strong>de</strong> equivalência e assim o conjunto <strong>de</strong> classes <strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong>fine uma nova classe <strong>de</strong><br />

objetos com os quais, como afirmamos, po<strong>de</strong>mos operar como números. Esses são os números reais.<br />

O procedimento <strong>de</strong> completar os racionais através da criação das classes <strong>de</strong> equivalência <strong>de</strong> suas sequências <strong>de</strong> Cauchy<br />

é chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> completamento canônico <strong>do</strong>s racionais e foi inventa<strong>do</strong> por Cantor 36 (seguin<strong>do</strong> idéias <strong>de</strong> Weierstrass 37 ). A<br />

construção <strong>de</strong> números reais acima é <strong>de</strong>vida a Cantor (há uma outra construção “equivalente” <strong>de</strong>vida a De<strong>de</strong>kind 38 , a<br />

<strong>do</strong>s chama<strong>do</strong>s “cortes <strong>de</strong> De<strong>de</strong>kind”). O completamento <strong>de</strong> Cantor é importante, pois seu méto<strong>do</strong> po<strong>de</strong> ser estendi<strong>do</strong> a<br />

qualquer espaço métrico não completo para a obtenção <strong>de</strong> uma classe <strong>de</strong> objetos ainda maior.<br />

<strong>25</strong>.A.2 Outros Completamentos <strong>do</strong>s Racionais. Números p-ádicos<br />

A construção acima indicou um procedimento <strong>de</strong> completamento <strong>do</strong>s racionais a partir <strong>de</strong> suas sequências <strong>de</strong> Cauchy.<br />

É importante frisar, porém, que o conceito <strong>de</strong> sequência <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma função métrica específica dada<br />

previamente. Assim, toda a construção <strong>do</strong> completamento <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da métrica usada. O que acontece se trocarmos a<br />

métrica usada nos racionais? Po<strong>de</strong>mos, ao proce<strong>de</strong>r o completamento <strong>de</strong> Cantor, obter uma classe <strong>de</strong> objetos diferente<br />

da <strong>do</strong>s reais? A resposta é positiva.<br />

Vamos mostrar que há outros completamentos possíveis <strong>do</strong>s números racionais se mudarmos a métrica usada, mais<br />

especificamente trataremos <strong>de</strong> <strong>de</strong>finir uma nova classe <strong>de</strong> completamentos <strong>do</strong>s racionais, os chama<strong>do</strong>s números p-ádicos<br />

(p, aqui, sen<strong>do</strong> um número primo). Seguiremos parcialmente [76], on<strong>de</strong> uma outra construção po<strong>de</strong>rá ser encontrada.<br />

Para uma referência introdutória aos números p-ádicos, mas que segue uma abordagem diferente da que aqui<br />

esboçamos, recomendamos a referência [87], <strong>de</strong> autoria <strong>do</strong> matemático brasileiro Fernan<strong>do</strong> Quadros Gouvêa. Vi<strong>de</strong><br />

também as outras referências lá citadas.<br />

Sabemos <strong>do</strong> <strong>Teorema</strong> Fundamental da Aritmética, <strong>Teorema</strong> 8.1, página 313 39 ,que to<strong>do</strong> número natural não-nulo po<strong>de</strong><br />

ser escrito <strong>de</strong> forma única como um produto <strong>de</strong> números primos. Para to<strong>do</strong> número racional r ≠ 0 temos consequentemente<br />

a <strong>de</strong>composição única em fatores primos<br />

r = (±1) ∏ i<br />

p w p i (r)<br />

i ,<br />

on<strong>de</strong> os p i são números primos e w p (r) ∈ Z é o expoente <strong>do</strong> primo p na <strong>de</strong>composição <strong>do</strong> racional r. O produto acima<br />

envolve to<strong>do</strong>s os primos, porém, apenas para um número finito <strong>de</strong>les tem-se w pi (r) ≠ 0 (por que?).<br />

Para um número racional r ≠ 0 e para um primo p (que fixamos daqui por diante), seja a função w p (r) que dá o<br />

expoente <strong>de</strong> p na <strong>de</strong>composição (única) <strong>de</strong> r em fatores primos dada acima. Vamos com o uso <strong>de</strong> w p <strong>de</strong>finir a seguinte<br />

função φ p : Q → Q + :<br />

⎧<br />

⎪⎨ p −wp(s) , se s ≠ 0, s ∈ Q ,<br />

φ p (s) :=<br />

⎪⎩ 0, se s = 0 .<br />

A função φ p tem as seguintes proprieda<strong>de</strong>s:<br />

36 Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845–1918).<br />

37 Karl Theo<strong>do</strong>r Wilhelm Weierstrass (1815–1897).<br />

38 Julius Wilhelm Richard De<strong>de</strong>kind (1831–1916).<br />

39 Para uma <strong>de</strong>monstração vi<strong>de</strong> e.g. [102] ou o Apêndice 8.A, página 339.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1<strong>25</strong>2/2117<br />

1. φ p (s) ≥ 0 para to<strong>do</strong> s ∈ Q.<br />

2. φ p (s) = 0 se e somente se s = 0.<br />

3. φ p (rs) = φ p (r)φ p (s) para <strong>do</strong>is racionais quaisquer r e s.<br />

4. Para <strong>do</strong>is racionais quaisquer r e s tem-se φ p (r +s) ≤ max{φ p (r), φ p (s)} e, portanto,<br />

φ p (r +s) ≤ φ p (r)+φ p (s) .<br />

(<strong>25</strong>.A.2)<br />

Demonstraremos apenas o item 4, <strong>de</strong>ixan<strong>do</strong> os <strong>de</strong>mais como exercício (fácil). O item 4 é uma consequência imediata<br />

da seguinte proprieda<strong>de</strong>, que provaremos abaixo: para qualquer primo p e quaisquer racionais r e s vale<br />

w p (r +s) ≥ min{w p (r), w p (s)}.<br />

Para provar essa <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> escrevemos r e s em sua <strong>de</strong>composição em fatores primos:<br />

r = (±1) ∏ i<br />

p w p i (r)<br />

i , s = (±1) ∏ i<br />

p w p i (s)<br />

i .<br />

Assim,<br />

r +s = (±1) ∏ i<br />

p w p i (r)<br />

i<br />

+(±1) ∏ i<br />

p w p i (s)<br />

i<br />

(<strong>25</strong>.A.3)<br />

Multiplican<strong>do</strong> e dividin<strong>do</strong> por ∏ i<br />

p min{wp i (r), wp i (s)}<br />

i<br />

ficamos com<br />

r+s = ∏ i<br />

p min{wp i (r), wp i (s)}<br />

i<br />

[<br />

(±1) ∏ i<br />

p wp i (r)−min{wp i (r), wp i (s)}<br />

i<br />

+(±1) ∏ i<br />

p wp i (s)−min{wp i (r), wp i (s)}<br />

i<br />

]<br />

.<br />

Como obviamente (por que?) w pi (r)−min{w pi (r), w pi (s)} ≥ 0 e w pi (s)−min{w pi (r), w pi (s)} ≥ 0, segue que o número<br />

entre colchetes é um inteiro, ten<strong>do</strong> uma <strong>de</strong>composição em fatores primos da forma (±) ∏ p γj<br />

j , on<strong>de</strong> os γ i são positivos<br />

j<br />

ou nulos (pois o número é inteiro). Assim,<br />

r +s = ± ∏ i<br />

p min{w p i (r), w pi (s)}+γ i<br />

i ,<br />

provan<strong>do</strong> que<br />

w pi (r +s) = min{w pi (r), w pi (s)}+γ i ≥ min{w pi (r), w pi (s)} ,<br />

para to<strong>do</strong> primo p i , o que completa a prova que queríamos.<br />

Em função das proprieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong>monstradas no último exercício, po<strong>de</strong>mos, com o uso <strong>de</strong>ssa função φ p , construir uma<br />

métrica em Q, que <strong>de</strong>notaremos por d p , dada por<br />

para racionais a e b.<br />

d p (a, b) := φ p (a−b)<br />

E. <strong>25</strong>.69 Exercício. Demonstre, usan<strong>do</strong> as proprieda<strong>de</strong>s 1-4 <strong>de</strong> φ p mencionadas acima, que esta função é <strong>de</strong> fato uma<br />

métrica, ou seja, que satisfaz<br />

1. d p (r, s) ∈ Q + para to<strong>do</strong> r, s ∈ Q.<br />

2. d p (r, s) = 0 se e somente se r = s.<br />

3. Para to<strong>do</strong> a e b ∈ Q vale d p (a, b) = d p (b, a).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1<strong>25</strong>3/2117<br />

4. Para to<strong>do</strong> a, b e c ∈ Q vale d p (a, b) ≤ d p (a, c)+d p (c, b).<br />

Para provar o último item, use (<strong>25</strong>.A.2) para estabelecer que<br />

d p (a, b) ≤ max { d p (a, c), d p (c, b) }<br />

(<strong>25</strong>.A.4)<br />

<strong>de</strong> on<strong>de</strong> a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> triangular segue trivialmente. Uma métrica que satisfaça (<strong>25</strong>.A.4) é dita ser uma métrica não-<br />

Arquimediana 40 . Os números p-ádicos são, portanto, exemplos <strong>de</strong> espaços ultramétricos. 6<br />

Tambémaquipo<strong>de</strong>mos<strong>de</strong>finiranoção<strong>de</strong> sequência<strong>de</strong> Cauchyem relaçãoàmétricad p . Umasequênciaa<strong>de</strong>elementos<br />

<strong>de</strong> Q é dita ser uma sequência <strong>de</strong> Cauchy (em relação à métrica d p ) se para to<strong>do</strong> ǫ ∈ Q + , ǫ > 0, existir um número<br />

natural N(ǫ) (eventualmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ǫ) tal que d p (a i , a j ) < ǫ para to<strong>do</strong> i e j tais que i > N(ǫ) e j > N(ǫ).<br />

Uma sequência a em Q converge para um elemento b ∈ Q no senti<strong>do</strong> da métrica d p se para to<strong>do</strong> ǫ ∈ Q + existir um<br />

número natural N(ǫ) (eventualmente <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> ǫ) tal que d p (b, a i ) < ǫ para to<strong>do</strong> i > N(ǫ).<br />

Também neste caso po<strong>de</strong>m ser exibidas sequências <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> racionais que não convergem no senti<strong>do</strong> da métrica<br />

d p a um outro racional. O conjunto Q, assim, não é completo em relação à métrica d p . Po<strong>de</strong>mos então completá-lo<br />

usan<strong>do</strong> o procedimento <strong>de</strong> completamento <strong>de</strong> Cantor: tomamos o conjunto C p <strong>de</strong> todas as sequências <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong><br />

números racionais em relação à d p e construímos em C p uma relação <strong>de</strong> equivalência da seguinte forma. Dizemos que<br />

duas sequências <strong>de</strong> Cauchy a e b são equivalentes se a sequência d p (a i , b i ), converge a zero quan<strong>do</strong> i → ∞.<br />

Sabemos que o conjunto C p po<strong>de</strong> então ser escrito como uma união disjunta <strong>de</strong> suas classes <strong>de</strong> equivalência [·] p pela<br />

relação acima. Define-se então uma nova classe <strong>de</strong> números, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s números p-ádicos, como sen<strong>do</strong> o conjunto<br />

<strong>de</strong>ssas classes <strong>de</strong> equivalência ou, se quiserem, como sen<strong>do</strong> o conjunto forma<strong>do</strong> escolhen<strong>do</strong>-se um elemento <strong>de</strong> cada classe<br />

<strong>de</strong> equivalência, ou seja, por uma sequência <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> números racionais em relação à métrica d p .<br />

É possível provar que po<strong>de</strong>mos operar com esse novo conjunto <strong>de</strong> números da mesma forma como operamos com<br />

os racionais, ou seja, po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>finir sua soma, seu produto, sua razão etc. (os mesmos formam um corpo). Para a<br />

<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> corpo vi<strong>de</strong> Seção 2.1.4, página 86.<br />

Para cada primo p, o conjunto <strong>do</strong>s números p-ádicos, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Q p , é distinto <strong>do</strong> conjunto <strong>do</strong>s reais. Possui, porém,<br />

em comum com os reais o fato <strong>de</strong> ambos terem os racionais como subconjunto <strong>de</strong>nso.<br />

Note, por exemplo, que a sequência <strong>de</strong> números racionais a n = p n , n ∈ N, diverge na reta real mas, no conjunto Q p<br />

a mesma sequência converge a zero (no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> d p ), sen<strong>do</strong> que precisamente o oposto ocorre em relação à sequência<br />

b n = p −n , n ∈ N.<br />

E. <strong>25</strong>.70 Exercício. Constate a veracida<strong>de</strong> das afirmativas <strong>do</strong> último parágrafo. 6<br />

E. <strong>25</strong>.71 Exercício. Verifique que, em relação a d 3 , a sequência <strong>de</strong> números positivos s n =<br />

n∑<br />

2·3 a converge ao número<br />

−1 (!). Sugestão: mostre que s n = 3 n+1 − 1. Após isso mostre que d 3 (s n , −1) = φ 3 (s n + 1) = 3 −(n+1) , e conclua que<br />

s n → −1. 6<br />

a=0<br />

E. <strong>25</strong>.72 Exercício. É possível <strong>do</strong>tar cada conjunto Q p , acima <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>, <strong>de</strong> operações <strong>de</strong> soma e multiplicação que<br />

fazem <strong>do</strong> mesmo um corpo (para a <strong>de</strong>finição <strong>de</strong> corpo, vi<strong>de</strong> Seção 2.1.4 página 2.1.4). Sejam x ≡ (x 1 , x 2 , x 3 , ...) e<br />

y ≡ (y 1 , y 2 , y 3 , ...) duas sequências <strong>de</strong> Cauchy <strong>de</strong> racionais em relação à métrica d. Defina-se a sequência x + y :=<br />

(x 1 +y 1 , x 2 +y 2 , x 3 +y 3 , ...) e a sequência x·y := (x 1 y 1 , x 2 y 2 , x 3 y 3 , ...). Definimos, então as operações <strong>de</strong> soma e<br />

multiplicação em R por<br />

[x] p +[y] p := [x+y] p , [x] p ·[y] p := [x·y] p .<br />

Mostreque essas operações estão bem <strong>de</strong>finidas nas classes <strong>de</strong> equivalência, ou seja, que ambas in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>do</strong>s representantes<br />

toma<strong>do</strong>s nas classes na <strong>de</strong>finição das operações. Mostre que a sequência i<strong>de</strong>nticamente nula, ou seja, 0 ≡ (0, 0, 0, ...), e<br />

a sequência constante igual a 1, ou seja, 1 ≡ (1, 1, 1, ...), são os elementos neutros das operações <strong>de</strong> soma e <strong>de</strong> produto,<br />

respectivamente. Mostre que Q p é um corpo com relação às operações <strong>de</strong> soma e produto <strong>de</strong>finidas acima. Use o fato que Q<br />

é um corpo. 6<br />

40 Arquime<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Siracusa (ci. 287 A.C. – ci. 212 A.C.).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1<strong>25</strong>4/2117<br />

Mencionamos ainda que to<strong>do</strong> elemento x <strong>de</strong> Q p po<strong>de</strong> ser escrito na forma<br />

x = ±<br />

∞∑<br />

d n p n ,<br />

n=N<br />

(<strong>25</strong>.A.5)<br />

on<strong>de</strong> N ∈ Z e d n ∈ {0, 1, ..., p−1}, sen<strong>do</strong> que N e os d n ’s <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m <strong>de</strong> x. Essa é a chamada <strong>de</strong>composição p-ádica<br />

<strong>de</strong> x. Sabidamente, existe algo semelhante no caso <strong>do</strong>s reais. Se b ∈ N, b ≥ 2, to<strong>do</strong> real po<strong>de</strong> ser escrito em uma<br />

<strong>de</strong>composição na base b:<br />

N∑ 1<br />

x = ± d n<br />

b n ,<br />

(<strong>25</strong>.A.6)<br />

n=−∞<br />

on<strong>de</strong> N ∈ Z e d n ∈ {0, 1, ..., b−1}. Tanto (<strong>25</strong>.A.5) quan<strong>do</strong> (<strong>25</strong>.A.6) são séries convergentes nas respectivas métricas<br />

d p e d.<br />

Observe as semelhanças e diferenças entre (<strong>25</strong>.A.5) e (<strong>25</strong>.A.6). No caso <strong>de</strong> R a escolha <strong>de</strong> b ≥ 2 é arbitrária, mas no<br />

caso <strong>de</strong> Q p só po<strong>de</strong>mos usar potências <strong>de</strong> p em (<strong>25</strong>.A.5). No caso <strong>do</strong>s reais, o sistema mais popular em nossa cultura<br />

atual é o da base <strong>de</strong>cimal, com b = 10, haven<strong>do</strong> também largo uso da base binária, b = 2, na Ciência da Computação.<br />

A escolha b sofreu variações culturais, históricas e geográficas. Para uma interesantíssima dicussão sobre esse e outros<br />

temas correlatos da História da Matemática, vi<strong>de</strong> [18].<br />

*<br />

Os conjuntos Q p possuem proprieda<strong>de</strong>s extremamente curiosas, tanto <strong>do</strong> ponto <strong>de</strong> vista algébrico quan<strong>do</strong> <strong>do</strong> ponto<br />

<strong>de</strong> vista topológico, algumas das quais vimos nos exercícios acima. Números p-ádicos são emprega<strong>do</strong>s com gran<strong>de</strong><br />

relevância na Teoria <strong>do</strong>s Números e outras áreas da Matemáticas. O fato <strong>de</strong> formarem, para cada primo p, um corpo e<br />

que o mesmo seja um completamento <strong>do</strong>s racionais, permite edificar a Análise também sobre os p-ádicos, em analogia<br />

à Análise real. Assim, é possível, por exemplo, construir as noções <strong>de</strong> <strong>de</strong>rivação e integração <strong>de</strong> funções <strong>de</strong>finidas sobre<br />

os p-ádicos seguin<strong>do</strong> passos semelhantes aos da<strong>do</strong>s no caso familiar <strong>de</strong> funções <strong>de</strong>finidas em R. Muitas outras estruturas<br />

matemáticas (espaços <strong>de</strong> Hilbert, grupos <strong>de</strong> Lie) foram também edificadas nesse contexto.<br />

Aplicações significativas <strong>do</strong>s números p-ádicos em Física são, no momento, <strong>de</strong>sconhecidas. Sugestões especulativas <strong>de</strong><br />

seu uso já foram apresentadas no contexto das Teorias Quânticas <strong>de</strong> Campos, sem consequências relevantes, contu<strong>do</strong>.<br />

ParaumareferênciaintrodutóriaàAnálisep-ádicarecomendamosareferência[87],<strong>de</strong>autoria<strong>do</strong>matemáticobrasileiro<br />

Fernan<strong>do</strong> Quadros Gouvêa. Vi<strong>de</strong> também as outras referências lá citadas ou a referência [76].<br />

<strong>25</strong>.B Aproximações para π<br />

Méto<strong>do</strong>s para calcular aproximações para o valor <strong>de</strong> π são procura<strong>do</strong>s <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a Antiguida<strong>de</strong>. Comentam os historia<strong>do</strong>res<br />

da Matemática que a mais antiga referência ao assunto talvez seja encontrada em um papiro egípcio, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> papiro<br />

<strong>de</strong>Rhind, <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 1650 A.C., o qual fornecia a aproximação 4(8/9) 2 ≃ 3.1605 para π. Arquime<strong>de</strong>s 41 foi provavelmente<br />

o primeiro a propor um procedimento sistemático <strong>de</strong> aproximação, que consistia em aproximar um círculo <strong>de</strong> diâmetro 1,<br />

e perímetro π, por polígonos regulares inscritos e circunscritos. O perímetro <strong>de</strong> um polígono regular po<strong>de</strong> ser computa<strong>do</strong><br />

com o uso <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rações geométricas simples 42 . Os perímetros <strong>do</strong>s polígonos regulares inscritos fornecem limites<br />

inferiores para π, enquanto que os perímetros <strong>do</strong>s polígonos regulares circunscritos fornecem limites superiores. Usan<strong>do</strong><br />

hexágonos (vi<strong>de</strong> Figura <strong>25</strong>.B.3), por exemplo, chega-se facilmente a 3 < π < 2 √ 3, o que fornece as aproximações<br />

3 < π < 3,46, as quais são ainda um tanto grosseiras.<br />

Usan<strong>do</strong> polígonos regulares <strong>de</strong> 96 la<strong>do</strong>s, Arquime<strong>de</strong>s concluiu que 3 10<br />

71 < π < 31 7<br />

, o que fornece as aproximações<br />

3,0140845 < π < 3,1428571 em base <strong>de</strong>cimal. Como se observa, o limite superior fornece π com o valor correto das duas<br />

primeiras casas <strong>de</strong>cimais após a vírgula. Fragmentos incompletos <strong>de</strong> sua obra indicam que Arquime<strong>de</strong>s teria chega<strong>do</strong> a<br />

<strong>de</strong>terminar a aproximação 3,1416 para o valor <strong>de</strong> π, usan<strong>do</strong> polígonos regulares ainda maiores.<br />

O méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> Arquime<strong>de</strong>s foi emprega<strong>do</strong> na Europa até mea<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século XVII para aproximar o valor <strong>de</strong> π. Lu<strong>do</strong>lph<br />

van Ceulen 43 empreen<strong>de</strong>u boa parte da sua vida aperfeiçoan<strong>do</strong> o méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> Arquime<strong>de</strong>s, chegan<strong>do</strong>, pouco antes <strong>de</strong> sua<br />

41 Arquime<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Siracusa (ci. 287 A.C. – ci. 212 A.C.).<br />

42 Vi<strong>de</strong> [53], on<strong>de</strong> uma <strong>de</strong>scrição, mais <strong>de</strong>talhada <strong>do</strong> méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> Arquime<strong>de</strong>s po<strong>de</strong> ser encontrada.<br />

43 Lu<strong>do</strong>lph van Ceulen (1539–1610).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1<strong>25</strong>5/2117<br />

Figura <strong>25</strong>.B.3: Círculo, hexágono inscrito e circunscrito.<br />

morte, a estimar o valor <strong>de</strong> π com o uso <strong>de</strong> polígonos regulares <strong>de</strong> 2 62 la<strong>do</strong>s, o que fornece π com 32 casas <strong>de</strong>cimais <strong>de</strong><br />

precisão.<br />

Várias outras aproximações foram empregadas para aproximar π. Listemos algumas.<br />

1. Aproximação <strong>de</strong> Wallis 44 , ou Fórmula <strong>de</strong> Produto <strong>de</strong> Wallis, para π, <strong>de</strong> 1665:<br />

π = lim 2 ∏<br />

n 4k 2<br />

n→∞ 4k 2 −1 = lim 2 4n+1 (n!) 4 2×2<br />

n→∞ 2<br />

= 2×<br />

k=1<br />

(2n+1) [(2n)!] 1×3<br />

4×4<br />

3×5<br />

6×6<br />

5×7<br />

8×8<br />

7×9<br />

10×10<br />

9×11 ··· .<br />

Uma <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong>ssa expressão encontra-se na Seção 6.2.1, página 267. Vi<strong>de</strong> também o Exercício E. 7.4, página<br />

287.<br />

2. Aproximação <strong>de</strong> Gregory 45 -Leibniz 46 para π, <strong>de</strong> 1671:<br />

π = lim 4 ∑<br />

n (−1) k (<br />

n→∞ 2k +1 = 4 1− 1 3 + 1 5 − 1 7 + 1 ···)<br />

,<br />

9<br />

k=0<br />

Essa série provem <strong>do</strong> fato que π = 4arctan(1). O arco-tangente po<strong>de</strong> ser calcula<strong>do</strong> pela série <strong>de</strong> Taylor 47<br />

arctan(x) =<br />

fornecen<strong>do</strong>, assim, a aproximação dada acima para π.<br />

∞∑<br />

k=0<br />

(−1) n x 2k+1<br />

2k +1<br />

Um comentário histórico é que a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> π = 4 ( 1− 1 3 + 1 5 − 1 7 + 1 9 ···) é por vezes atribuída a Leibniz, que a<br />

divulgouem1674, trêsanosapósa<strong>de</strong>scobertaporGregorydasérie<strong>de</strong>Taylordafunçãoarco-tangente. Historia<strong>do</strong>res<br />

comentam que Gregory provavelmente já a conhecia. Todavia, essa i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> já seria conhecida por matemáticos<br />

hindus séculos antes.<br />

3. Aproximação <strong>de</strong> Newton 48 . Usan<strong>do</strong> uma i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> como por exemplo π = 6 arcsen(1/2), Newton empregou a<br />

série <strong>de</strong> Taylor da função arco-seno<br />

arcsen(x) = x+<br />

∞∑<br />

n=1<br />

[(2n−1)!!] 2<br />

x 2n+1<br />

(2n+1)!<br />

para <strong>de</strong>terminar aproximações para π. Disso resulta a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (prove-a!)<br />

π = 3+<br />

∞∑<br />

n=1<br />

.<br />

3 (2n−1)!<br />

2 4n−1 n(2n+1) [(n−1)!] 2 . (<strong>25</strong>.B.7)<br />

44 John Wallis (1616–1703). Wallis foi um <strong>do</strong>s pioneiros <strong>do</strong> Cálculo Diferencial e Integral e, uma curiosida<strong>de</strong>, foi o inventor <strong>do</strong> símbolo ∞.<br />

45 James Gregory (1638–1675).<br />

46 Gottfried Wilhelm von Leibniz (1646–1716).<br />

47 Brook Taylor (1685–1731). A série <strong>de</strong> Taylor da função arco-tangente foi, em verda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>scoberta por Gregory em 1671.<br />

48 Isaac Newton (1643–1727).


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1<strong>25</strong>6/2117<br />

Newton calculou as primeiras 15 casas <strong>de</strong>cimais <strong>de</strong> π (em data incerta), para o que é necessário somar cerca <strong>de</strong> 40<br />

termos da série (<strong>25</strong>.B.7). Newton o fez, segun<strong>do</strong> confessou, “por não ter muito o que fazer à época”.<br />

Como, para n gran<strong>de</strong>, (2n − 1)! ≈ 2 2n n 2n e [(n − 1)!] 2 ≈ n 2n , os termos da série (<strong>25</strong>.B.7) <strong>de</strong>caem como 2 −2n .<br />

Machin encontrou uma outra i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> que permite uma convergência mais rápida.<br />

4. Aproximação <strong>de</strong> Machin 49 para π, <strong>de</strong> 1706:<br />

π = lim<br />

n∑<br />

n→∞<br />

k=0<br />

Essa série provem <strong>do</strong> fato, <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> por Machin, que<br />

(−1) n ( ) 16<br />

2k +1 5 2k+1 − 4<br />

239 2k+1 .<br />

π = 16arctan(1/5)−4arctan(1/239) .<br />

Usan<strong>do</strong>-se a série <strong>de</strong> Taylor da função arco-tangente dada acima, obtém-se a série <strong>de</strong> Machin para π.<br />

5. Aproximação <strong>de</strong> Euler 50 para π por frações contínuas. Euler <strong>de</strong>monstrou que<br />

π =<br />

4<br />

1 2 .<br />

1+<br />

3 2<br />

2+<br />

5 2<br />

2+<br />

7 2<br />

2+<br />

9 2<br />

2+<br />

2+ 112<br />

. ..<br />

Mencionamos en passant que Euler também obteve a seguinte expressão para e em termos <strong>de</strong> frações contínuas:<br />

que é também uma aproximação para e por racionais.<br />

1<br />

e = 2+<br />

,<br />

1<br />

1+<br />

2<br />

2+<br />

3<br />

3+<br />

4<br />

4+<br />

5<br />

5+<br />

6+ 6<br />

. ..<br />

Usan<strong>do</strong> a expansão <strong>de</strong> Euler para a função cotangente dada em (6.29), página 270, é fácil obter também (tome<br />

x = 1/4)<br />

∞∑ 8<br />

π = 4−<br />

16n 2 −1 ,<br />

n=1<br />

série esta que converge lentamente. Note que as aproximações <strong>de</strong> Wallis, Gregory, Newton, Machin e Euler acima<br />

são aproximações a π por números racionais.<br />

6. Euler também obteve (no ano <strong>de</strong> 1735) uma série <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s envolven<strong>do</strong> séries infinitas <strong>do</strong> tipo<br />

m = 1, 2, 3 etc., as quais po<strong>de</strong>m ser usadas para calcular π. As primeiras i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s são<br />

π 2<br />

6 = ∞ ∑<br />

k=1<br />

49 John Machin (1680–1751).<br />

50 Leonhard Euler (1707–1783).<br />

1<br />

k 2 , π 4 ∞ 90 = ∑<br />

k=1<br />

1<br />

k 4 , π 6 ∞<br />

945 = ∑<br />

k=1<br />

1<br />

k 6 , π 8 ∞<br />

9450 = ∑<br />

k=1<br />

1<br />

k 8 , π 10 ∞<br />

93555 = ∑<br />

k=1<br />

∞∑<br />

k=1<br />

1<br />

k 10<br />

1<br />

k2m, com


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1<strong>25</strong>7/2117<br />

etc. Tais relações são bem conhecidas da teoria das séries <strong>de</strong> Fourier (vi<strong>de</strong> [73]). Como o la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> das<br />

igualda<strong>de</strong>s acima envolve potências <strong>de</strong> π, essas séries não fornecem aproximações a π por racionais. As últimas<br />

séries à direita convergem <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> relativamente rápi<strong>do</strong>. Apenas com os cinco primeiros termos da última série à<br />

direita obtém-se a aproximação 3,141592647 para π, cujos primeiros sete dígitos após a vírgula estão corretos. Para<br />

obter-se uma precisão análoga com a primeira série à esquerda, é preciso somar cerca <strong>de</strong> cem milhões <strong>de</strong> termos,<br />

como é fácil <strong>de</strong> verificar usan<strong>do</strong> um programa <strong>de</strong> computa<strong>do</strong>r (faça!).<br />

A fórmula geral para as somas acima 51 é a seguinte (para a <strong>de</strong>monstração, vi<strong>de</strong> Seção 6.1.1, página 264):<br />

∞∑<br />

k=1<br />

1<br />

k 2m = (−1)m+1 2 2m−1 B 2m<br />

(2m)!<br />

on<strong>de</strong> B n são os chama<strong>do</strong>s números <strong>de</strong> Bernoulli 52 , <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s pela série <strong>de</strong> Taylor<br />

x<br />

∞<br />

e x −1 = ∑<br />

n=0<br />

π 2m , m = 1, 2, 3, ... , (<strong>25</strong>.B.8)<br />

B n<br />

n! xn .<br />

Essa <strong>de</strong>finição é também <strong>de</strong> Euler (a <strong>de</strong>finição original <strong>de</strong> Bernoulli, publicada postumamente em 1713, era outra<br />

(vi<strong>de</strong> [238])). Os números <strong>de</strong> Bernoulli satisfazem B n = 0 para n ímpar, exceto para n = 1, sen<strong>do</strong> B 0 = 1 e<br />

B 1 = −1/2. Os números <strong>de</strong> Bernoulli po<strong>de</strong>m ser calcula<strong>do</strong>s recursivamente pela i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />

n−1<br />

∑<br />

( n<br />

B j = 0 , n > 1 .<br />

j)<br />

j=0<br />

Os primeiros são B 0 = 1, B 1 = −1/2, B 2 = 1/6, B 4 = −1/30, B 6 = 1/42, B 8 = −1/30. O leitor interessa<strong>do</strong><br />

po<strong>de</strong>rá encontrar mais <strong>de</strong>talhes sobre os fatos acima envolven<strong>do</strong> números <strong>de</strong> Bernoulli na Seção 6.1.1, página 264,<br />

ou em vários textos, por exemplo em [238] e [73]. Nesse último texto, a relação (<strong>25</strong>.B.8) é provada usan<strong>do</strong> séries<br />

<strong>de</strong> Fourier.<br />

Como os termos da série <strong>do</strong> la<strong>do</strong> esquer<strong>do</strong> <strong>de</strong> (<strong>25</strong>.B.8) <strong>de</strong>caem muito rapidamente quan<strong>do</strong> n → ∞, exceto o termo<br />

com k = 1, inferimos que<br />

[ (−1) n+1 ] 1<br />

2n<br />

(2n)!<br />

π = lim .<br />

n→∞ 2 2n−1 B 2n<br />

7. Aproximação <strong>de</strong> Ramanujan 53 para π, <strong>de</strong> 1914 54 :<br />

π = lim<br />

n→∞<br />

9.801<br />

√ n .<br />

∑ (4k)! [1.103+26.390k]<br />

8<br />

(k!) 4 396 4n<br />

Devi<strong>do</strong> à presença <strong>do</strong> fator √ 8, esta não é uma aproximação a π por racionais.<br />

8. Aproximação <strong>de</strong> Borwein e Borwein 55 1<br />

para π, <strong>de</strong> 1987: π = lim , on<strong>de</strong><br />

n→∞ p n<br />

p n := 12<br />

[<br />

n∑ (−1) k (6k)!<br />

k=0<br />

k=0<br />

212.175.710.912 √ (<br />

61 + 1.657.145.277.365 + k<br />

(k!) 3 (3k)!<br />

[<br />

5.280<br />

(<br />

236.674 + 30.303 √ 61<br />

13.773.980.892.672 √ )]<br />

61 + 107.578.229.802.750<br />

)] 3k+3/2<br />

.<br />

Aquiaplica-seomesmo comentário<strong>de</strong> acima: <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> àpresença<strong>do</strong> número √ 61 e dapotência3/2 no <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>r,<br />

a aproximação acima não é uma aproximação a π por racionais.<br />

51 Até a presente data, não são conhecidas expressões fechadas para somas como ∑ ∞<br />

k=1 1<br />

k n para o caso em que n é ímpar, n ≥ 3.<br />

52 Jacob Bernoulli (1654–1705).<br />

53 Srinivasa Aiyangar Ramanujan (1887–1920).<br />

54 A aproximação <strong>de</strong> Ramanujan surgiu em “Modular Equations and Approximations to π”. S. Ramanujan. The Quarterly Journal of Pure<br />

and Applied Mathematics. 45, 350–372 (1914).<br />

55 Jonathan M. Borwein e Peter B. Borwein são irmãos. Para mais <strong>de</strong>talhes sobre seu trabalho sobre a aproximação <strong>de</strong> π, vi<strong>de</strong> “Pi and<br />

the AGM. A Study in Analytic Number Theory and Computational Complexity”. Jonathan M. Borwein e Peter B. Borwein. Editora John<br />

Willey and Sons. inc. 1986.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1<strong>25</strong>8/2117<br />

A aproximação <strong>de</strong> Borwein e Borwein converge a π <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> impressionantemente rápi<strong>do</strong>. Já a primeira aproximação,<br />

1/p 0 , fornece corretamente os primeiros 24 dígitos <strong>de</strong> π na base <strong>de</strong>cimal! Cada termo seguinte da sequência acrescenta<br />

aproximadamente<strong>25</strong>dígitoscorretosaovalor<strong>de</strong>π nabase<strong>de</strong>cimal. Nocasodaaproximação<strong>de</strong>Ramanujanaconvergência<br />

é um pouco mais lenta: cada termo da sequência acrescenta aproximadamente 8 dígitos corretos ao valor <strong>de</strong> π na base<br />

<strong>de</strong>cimal. As aproximações <strong>de</strong> Wallis e Gregory são extremamente lentas. Usan<strong>do</strong>-as, um super-computa<strong>do</strong>r <strong>do</strong> início <strong>do</strong>s<br />

anos 1990 levaria cerca <strong>de</strong> 100 anos para computar apenas os primeiros 100 dígitos corretos <strong>de</strong> π na base <strong>de</strong>cimal. A<br />

aproximação <strong>de</strong> Borwein e Borwein baseia-se em trabalhos <strong>de</strong> Ramanujan sobre as chamadas equações modulares.<br />

A fórmula <strong>de</strong> Machin (e ligeiras variantes da mesma) converge mais rapidamente que as <strong>de</strong> Wallis e Gregory (justifique!)<br />

e foi usada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVIII até a década <strong>de</strong> 1970 para cálculos <strong>de</strong> π (manuais ou com computa<strong>do</strong>res).<br />

Em 1844, Dase 56 calculou corretamente, usan<strong>do</strong> a fórmula <strong>de</strong> Machin, as primeiras 205 casas <strong>de</strong>cimais <strong>de</strong> π. O cálculo<br />

foi feito à mão (!) e durou alguns meses. O feito <strong>de</strong> Dase foi supera<strong>do</strong> em 1873 por Shanks 57 , que calculou 707 casas<br />

<strong>de</strong>cimais <strong>de</strong> π. O cálculo também foi feito à mão e custou-lhe 20 anos <strong>de</strong> trabalho (!). Infelizmente, porém, Shanks<br />

cometeu erros que resultaram em que seus últimos 80 dígitos estavam incorretos. Isso só foi percebi<strong>do</strong> 73 anos <strong>de</strong>pois<br />

(!), em 1946, por D. F. Ferguson, que computou corretamente os primeiros 620 dígitos <strong>de</strong>cimais <strong>de</strong> π, também à mão,<br />

entre maio <strong>de</strong> 1944 e julho <strong>de</strong> 1946, usan<strong>do</strong> a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> (que ele mesmo provara)<br />

π = 12arctan<br />

( 1<br />

4)<br />

+4arctan<br />

( 1<br />

20<br />

)<br />

+4arctan<br />

( 1<br />

1985<br />

Esse foi o último “record” obti<strong>do</strong> com cálculos manuais. Ferguson prosseguiu ainda, agora com o uso <strong>de</strong> uma calcula<strong>do</strong>ra<br />

<strong>de</strong> mesa, até atingir a marca <strong>de</strong> 808 dígitos, to<strong>do</strong>s corretos.<br />

Com o advento <strong>do</strong>s computa<strong>do</strong>res eletrônicos tais cálculos <strong>de</strong>ixaram <strong>de</strong> ser feitos por meios românticos. O primeiro<br />

cálculo computacional <strong>de</strong> π foi feito em 1949 por von Neumann 58 e colabora<strong>do</strong>res usan<strong>do</strong> a fórmula<strong>de</strong> Machinno lendário<br />

computa<strong>do</strong>r ENIAC (consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> por muitos o primeiro computa<strong>do</strong>r eletrônico. Vi<strong>de</strong> [175]), com suas 18 mil válvulas<br />

elétricas. Esse cálculo forneceu 2.037 dígitos <strong>de</strong>cimais <strong>de</strong> π e consumiu 70 horas.<br />

Em 1987, usan<strong>do</strong> a aproximação <strong>de</strong> Borwein e Borwein, π foi calcula<strong>do</strong> por um super-computa<strong>do</strong>r com uma precisão<br />

<strong>de</strong> cem milhões <strong>de</strong> casas <strong>de</strong>cimais. Essa precisão foi aumentada <strong>de</strong>s<strong>de</strong> então. Em 1999, π era conheci<strong>do</strong> com 3×2 36 =<br />

206.158.430.208 (cerca <strong>de</strong> duzentos bilhões) <strong>de</strong> dígitos <strong>de</strong>cimais. O feito é <strong>de</strong> Y. Kanada e D. Takahashi e foi alcança<strong>do</strong><br />

com <strong>do</strong>is algoritmos distintos (para comparação), o <strong>do</strong>s irmãos Borwein e outro <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Gauss-Legendre. O primeiro<br />

consumiu 46 horas <strong>de</strong> computação em um super-computa<strong>do</strong>r e o segun<strong>do</strong> 37 horas. O récor<strong>de</strong> atual, obti<strong>do</strong> em 2003, é<br />

<strong>do</strong>s mesmos autores: 1,2411 trilhão <strong>de</strong> dígitos <strong>de</strong>cimais, consumin<strong>do</strong> 600 horas <strong>de</strong> um supercomputa<strong>do</strong>r.<br />

Em 1996 Bailey, Borwein e Plouffe publicaram um algoritmo que permite <strong>de</strong>terminar o n-ésimo dígito hexa<strong>de</strong>cimal<br />

<strong>de</strong> π sem o conhecimento <strong>do</strong>s dígitos prece<strong>de</strong>ntes. Em 1997 Plouffe <strong>de</strong>scobriu um algoritmo para <strong>de</strong>terminar o n-ésimo<br />

dígito <strong>de</strong> π em qualquer base, também sem o conhecimento <strong>do</strong>s dígitos prece<strong>de</strong>ntes.<br />

Outras informações históricas, especialmente sobre esses <strong>de</strong>senvolvimentos mais recentes, po<strong>de</strong>m ser encontradas em<br />

“The quest for Pi”, <strong>de</strong> D. H. Bailey, J. M. Borwein, P. B. Borwein e S. Plouffle. The Mathematical Intelligencer 19,<br />

50-57 (1997). Uma apresentação histórica mais <strong>de</strong>talhada e informações mais atuais po<strong>de</strong>m ser encontradas em “History<br />

of the formulas and algorithms for π”, <strong>de</strong> Jesús Guillera Goyanes (arXiv:0807.0872 [math.HO], julho <strong>de</strong> 2008) .<br />

Ainda que no passa<strong>do</strong> a <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> valores aproxima<strong>do</strong>s <strong>de</strong> π tivesse importância em áreas como a Física, a<br />

Astronomia e a Engenharia, dificilmente cálculos ultra-precisos <strong>de</strong> π po<strong>de</strong>m ter relevância em aplicações: com apenas 37<br />

dígitos <strong>de</strong>cimais é possível computar o perímetro <strong>de</strong> um círculo com o “raio” <strong>do</strong> universo conheci<strong>do</strong> (cerca <strong>de</strong> 1,3×10 26<br />

m) com uma precisão equivalente ao “diâmetro” <strong>de</strong> um átomo <strong>de</strong> hidrogênio (cerca <strong>de</strong> 1,0 × 10 −10 m). Há, porém,<br />

um certo interesse matemático em tais cálculos, envolven<strong>do</strong> conjecturas sobre a distribuição <strong>do</strong>s dígitos <strong>de</strong>cimais <strong>de</strong><br />

π. Valores precisos <strong>de</strong> π são também úteis em simulações numéricas. Ainda assim, hoje em dia, a prática <strong>de</strong> cálculos<br />

ultra-precisos <strong>de</strong> π tem motivação pre<strong>do</strong>minantemente esportiva.<br />

56 Zacharias Dase (1824–1861).<br />

57 Willian Shanks (1812–1882).<br />

58 John von Neumann (1903–1957).<br />

)<br />

.


JCABarata. Notas para um Curso <strong>de</strong> Física-Matemática. Versão <strong>de</strong> 9 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 2015. Capítulo <strong>25</strong> 1<strong>25</strong>9/2117

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!