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Fazer download PDF - Fundação Cultural do Estado da Bahia

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Terra Vermelha:<br />

A viagem de um cartOgrafo dissidente.<br />

... Naquele Império, a Arte <strong>da</strong> Cartografia alcançou tal<br />

Perfeição que o Mapa de uma única Província ocupava to<strong>da</strong><br />

uma Ci<strong>da</strong>de, e o Mapa <strong>do</strong> Império, to<strong>da</strong> uma Província. Com o<br />

tempo, esses Mapas Desmesura<strong>do</strong>s não foram satisfatórios e<br />

os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa <strong>do</strong> Império que<br />

tinha o Tamanho <strong>do</strong> Império e coincidia pontualmente com ele.<br />

Menos Afeitas ao Estu<strong>do</strong> <strong>da</strong> Cartografia, as Gerações Seguintes<br />

entenderam que esse dilata<strong>do</strong> Mapa era Inútil e não sem<br />

Impie<strong>da</strong>de o entregaram às Inclemências <strong>do</strong> Sol e <strong>do</strong>s Invernos.<br />

Nos Desertos <strong>do</strong> Oeste perduram despe<strong>da</strong>ça<strong>da</strong>s Ruínas <strong>do</strong> Mapa,<br />

habita<strong>da</strong>s por Animais e por Mendigos; em to<strong>do</strong> o País não há<br />

outra relíquia <strong>da</strong>s Disciplinas Geográficas.<br />

(Suárez Miran<strong>da</strong>: Viajes de varones prudentes, livro quarto, cap. XIV, 1658.)<br />

Do Rigor na Ciência. Jorge Luis Borges em O Faze<strong>do</strong>r (1960).<br />

O Jardim é um projeto leva<strong>do</strong> a cabo em <strong>do</strong>is bairros <strong>da</strong> região<br />

metropolitana de Belo Horizonte – Jardim Canadá e Vale <strong>do</strong><br />

Sol – situa<strong>do</strong>s às margens <strong>da</strong> ro<strong>do</strong>via BR-040. A periferia<br />

<strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des – um território mestiço onde a paisagem urbana<br />

se dilui na paisagem natural – é um <strong>do</strong>s temas estrelas <strong>da</strong><br />

fotografia contemporânea na última déca<strong>da</strong>; milhares de<br />

fotógrafos em to<strong>do</strong> o mun<strong>do</strong> têm se aproxima<strong>do</strong> destes nãolugares<br />

que abun<strong>da</strong>m em to<strong>do</strong> o tipo de civilizações. Sem<br />

dúvi<strong>da</strong>s, Pedro David esquiva-se <strong>da</strong>s representações já<br />

estereotipa<strong>da</strong>s e empreende uma viagem, minúscula em suas<br />

dimensões geográficas, na qual transparece sua própria<br />

experiência e se reconhecem, entre outros, os ecos <strong>da</strong><br />

literatura, <strong>da</strong> pintura, <strong>da</strong> escultura e <strong>da</strong> land art.<br />

Para entender o caráter poliédrico desta série, é<br />

recomendável observar retrospectivamente seus trabalhos<br />

anteriores, utilizan<strong>do</strong> também algumas projeções ideológicas<br />

inscritas historicamente na representação <strong>da</strong> natureza e<br />

<strong>da</strong> paisagem. “Natureza e paisagem”, como sugere Santiago<br />

Olmo, “não são coincidentes; uma vez que a paisagem é a<br />

porção <strong>da</strong> natureza contempla<strong>da</strong> e observa<strong>da</strong> como lugar<br />

específico ou geográfico em um tempo e estação <strong>do</strong> ano<br />

determina<strong>do</strong>s e constitui um fenômeno cultural; a natureza<br />

implica quali<strong>da</strong>des e notas de caráter ontológico, exige<br />

uma perspectiva global. A construção de seu conceito pode<br />

incluir o homem como um elemento a mais, mas exige um marco<br />

epistemológico científico” 1 .<br />

Desde o Renascimento, o olhar europeu sobre a paisagem se<br />

des<strong>do</strong>bra em duas visões: por um la<strong>do</strong>, a protocientífica,<br />

que considera a Natureza um corpo harmônico (macrocosmos)<br />

que se corresponde com o homem (microcosmos). Uma relação<br />

cujos mecanismos de compreensão são simbólicos. E por outro<br />

la<strong>do</strong>, a que considera a natureza uma ordem inerte regi<strong>da</strong> pela<br />

Divin<strong>da</strong>de to<strong>do</strong> poderosa, suscetível de ser quantifica<strong>da</strong>,<br />

medi<strong>da</strong>, comercializa<strong>da</strong>, manipula<strong>da</strong>, utiliza<strong>da</strong> e espolia<strong>da</strong><br />

com violência, como um presente <strong>da</strong><strong>do</strong> por Deus aos homens<br />

para sua subsistência, mas também para seu proveito. Essa<br />

é a concepção <strong>do</strong> nascente capitalismo protestante, que, no<br />

século XVI, converterá o mun<strong>do</strong> e a natureza em uma merca<strong>do</strong>ria.<br />

A paisagem é, desse ponto de vista, um lugar suscetível de ser<br />

utiliza<strong>do</strong> para a indústria ou o comércio, de ser transforma<strong>do</strong><br />

para gerar riquezas para a nação por meio <strong>da</strong> conquista e <strong>da</strong><br />

colonização de impérios 2 .<br />

Uma ilustração de como essa filosofia se trasla<strong>da</strong> à pintura<br />

colonial pode ser encontra<strong>da</strong> na obra <strong>do</strong> pintor holandês<br />

Frans Post, que acompanhou o séquito <strong>do</strong> príncipe Johan<br />

Maurits de Nassau na expedição <strong>da</strong> Companhia Holandesa <strong>da</strong>s<br />

Índias Ocidentais (1636-1644) para tomar posse <strong>da</strong> Colônia de<br />

Permanbuco – no nordeste <strong>do</strong> Brasil –, recém-conquista<strong>da</strong> <strong>do</strong>s<br />

portugueses. Nos óleos deste que é considera<strong>do</strong> o primeiro<br />

artista a pintar as paisagens <strong>do</strong> Novo Mun<strong>do</strong>, aprecia-se seu<br />

interesse em glorificar o território conquista<strong>do</strong>. Detémse,<br />

com rigor, na reprodução <strong>do</strong>s elementos exóticos, um<br />

tipo de enumeração precisa <strong>do</strong>s detalhes – de fato, intervém<br />

na realização de mapas –, cujo pano de fun<strong>do</strong> enuncia sem<br />

enfatizar o poder <strong>da</strong> Holan<strong>da</strong> 3 . Os pintores, como mais<br />

tarde fizeram os fotógrafos <strong>do</strong> século XIX, acompanhavam as<br />

expedições coloniais para glosar, em imagens, a importância<br />

<strong>do</strong> conquista<strong>do</strong>. Contu<strong>do</strong>, no que concerne à arte, poderíamos<br />

resumir sumariamente que a pintura calvinista apostava no<br />

retrato, isto é, na preeminência <strong>do</strong> indivíduo, enquanto,<br />

na católica, pre<strong>do</strong>minam as temáticas religiosas como<br />

instrumento de catequização.<br />

O caráter de superiori<strong>da</strong>de que o calvinismo outorgou à<br />

raça de seus fiéis, e a hierarquia na qual situou o homem a<br />

respeito <strong>da</strong> natureza aju<strong>da</strong>m a entender o comportamento <strong>do</strong>s<br />

impérios protestantes europeus no tocante às suas colônias;<br />

o que não exime os católicos de atitudes similares, apenas<br />

torna visíveis as diferenças. Para ilustrá-las, o norte e<br />

o sul <strong>do</strong> continente americano são exemplos ilustres. No<br />

caso <strong>da</strong> configuração urbana <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des latino-americanas<br />

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