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Fazer download PDF - Fundação Cultural do Estado da Bahia

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frente às <strong>do</strong> norte, pode-se notar que, conceitualmente,<br />

estão nas antípo<strong>da</strong>s. O modelo esta<strong>do</strong>unidense de ci<strong>da</strong>deforte,<br />

instaura<strong>do</strong> com os primeiros colonos, supunha o<br />

entrincheiramento <strong>do</strong>s habitantes em espaços protegi<strong>do</strong>s, com<br />

certo nível de autossuficiência. Fora estavam as populações<br />

indígenas, potencialmente agressivas, às quais a religião<br />

protestante não outorgava o mesmo status que à raça branca.<br />

“A ci<strong>da</strong>de puritana não é uma ci<strong>da</strong>de destina<strong>da</strong> a exercer uma<br />

ação ideológica sobre o índio, senão um ‘forte’ rodea<strong>do</strong> de<br />

defesas encarrega<strong>da</strong>s de impedir que o aborígene possa entrar<br />

nelas e misturar-se com os ‘eleitos’. E só se abrirá quan<strong>do</strong><br />

possa encerrar o índio em reservas e as minorias em guetos” 4 .<br />

Por outro la<strong>do</strong>, no modelo de ci<strong>da</strong>de colonial implanta<strong>do</strong> por<br />

Espanha e Portugal no México e América <strong>do</strong> Sul, reproduzem-se<br />

os valores <strong>do</strong> coloniza<strong>do</strong>r e se impõe uma hierarquia política,<br />

social e racial. Este modelo anula ou destrói o código<br />

cultural <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong>des submeti<strong>da</strong>s. Desenha urbes abertas,<br />

organiza<strong>da</strong>s em quadras em torno <strong>da</strong> praça, onde se centraliza<br />

o poder administrativo. Um centro de convergência em que<br />

se promovem, além <strong>do</strong> pagamento de tributos, as relações<br />

comerciais. Desse mo<strong>do</strong>, obrigam-se as populações a aban<strong>do</strong>nar<br />

seus povoa<strong>do</strong>s e trasla<strong>da</strong>rem-se às novas ci<strong>da</strong>des, facilitan<strong>do</strong><br />

assim seu controle policial e <strong>do</strong>utrinamento religioso. Um<br />

sistema que os impede de to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong>des procedentes de<br />

suas tradições. O índio não pode criar se não for na linguagem<br />

<strong>do</strong> conquista<strong>do</strong>r. Para<strong>do</strong>xalmente, nas últimas déca<strong>da</strong>s, graças<br />

aos conflitos sociais e ao auge <strong>da</strong> violência nas grandes<br />

capitais latino-americanas, está sen<strong>do</strong> a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> o modelo<br />

anglo-saxão, ao criarem-se subúrbios residenciais <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s<br />

de sofistica<strong>do</strong>s sistemas de segurança, frequentemente<br />

fecha<strong>do</strong>s atrás de cercas eletrifica<strong>da</strong>s. O acesso ao consumo<br />

realiza-se em grandes centros comerciais instala<strong>do</strong>s na<br />

Cartografias Contemporâneas<br />

Na atuali<strong>da</strong>de, não apenas tem triunfa<strong>do</strong> o modelo urbano<br />

europeu-protestante, também tem se instaura<strong>do</strong> um<br />

paradigma de representação – especialmente na fotografia<br />

contemporânea – que aspira à objetivi<strong>da</strong>de e, por<br />

consequência, a sustentar a bandeira <strong>do</strong> desaparecimento<br />

<strong>da</strong> presença subjetiva <strong>do</strong> autor, eliminan<strong>do</strong>, nas palavras<br />

<strong>do</strong> casal Becher, “to<strong>do</strong> o superficial, narrativo, emocional,<br />

vegetativo e efêmero”. A arte contemporânea, em geral, e a<br />

fotografia, em particular, têm se concentra<strong>do</strong> ultimamente no<br />

debate <strong>da</strong> representação, tanto em sua acepção política, como<br />

identitária, social e cultural, deixan<strong>do</strong>, em segun<strong>do</strong> plano,<br />

a experiência sensível. A vontade de representar, à maneira<br />

<strong>da</strong> escola alemã, estas paisagens periféricas em que o limite<br />

entre uma percepção <strong>do</strong> lugar como tal e a <strong>do</strong> lugar percebi<strong>do</strong><br />

pelo filtro <strong>da</strong> história é quase imperceptível, desarticula a<br />

continui<strong>da</strong>de <strong>da</strong> experiência e <strong>da</strong> percepção subjetiva, mas<br />

facilita a incrustação de diferentes discursos, o que torna<br />

mais apetecível para os cura<strong>do</strong>res esse tipo de representação.<br />

A importância que se outorga a esse modelo de representação<br />

na arte contemporânea tem um efeito perverso sobre aquelas<br />

aproximações às mesmas temáticas em que prevalecem<br />

os aspectos subjetivos de nossa percepção. O mito <strong>da</strong><br />

racionali<strong>da</strong>de como paradigma <strong>da</strong> objetivi<strong>da</strong>de está, sem<br />

dúvi<strong>da</strong>, em questão: nossa cognição, por sua necessi<strong>da</strong>de<br />

biológica de comprimir algoritmicamente os fenômenos, é<br />

estruturalmente diferente <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. E a fotografia, como<br />

instrumento de registro, é apenas uma tautologia incompleta,<br />

incapaz de situar-se na ver<strong>da</strong>deira escala <strong>do</strong> real, que não se<br />

baseia exclusivamente em parâmetros científicos e racionais.<br />

Pedro David alinha-se com uma posição situa<strong>da</strong> nas antípo<strong>da</strong>s<br />

admirativa que torna-se introspectiva uma vez que completase<br />

a visão <strong>do</strong> cenário. Nunca vemos apenas uma coisa, sempre<br />

vemos a relação entre as coisas e nós mesmos”.<br />

A moderni<strong>da</strong>de tem se caracteriza<strong>do</strong> pela construção de uma<br />

lógica de racionali<strong>da</strong>de basea<strong>da</strong> na hegemonia <strong>da</strong> visão. Visão<br />

e saber aparecem como sinônimos. A fotografia, como afirma<br />

Juan Antônio Molina em seu ensaio “A Fotografia com Objeto<br />

Débil”, vem a oferecer esse espaço mítico onde encontraria<br />

sustentação uma visão sóli<strong>da</strong> <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Mas a hegemonia <strong>da</strong><br />

visão já não é praticável desde o atual status de debili<strong>da</strong>de<br />

e ambigui<strong>da</strong>de que a fotografia ostenta. A paisagem, a<br />

partir dessa ótica, é um ato fali<strong>do</strong>, uma constatação de<br />

sua impotência, já que as imagens falseiam as dimensões,<br />

modificam a cor – reduzem-na a uma escala cromática de cinzas<br />

–, ocultam as emoções, ou, simplesmente, as banalizam. Não<br />

é estranho que alguns autores – e Pedro David é um deles –<br />

ten<strong>da</strong>m a concentrar-se em pequenos fragmentos, suscetíveis<br />

a atuar como metonímias <strong>do</strong> to<strong>do</strong>. As tentativas de acometer<br />

uma representação grandiosa <strong>da</strong> natureza, ver o caso desse<br />

honesto artesão <strong>da</strong> fotografia que foi Ansel A<strong>da</strong>ms, terminam<br />

converti<strong>da</strong>s, com o passar <strong>do</strong> tempo, em meros postais com<br />

um sutil aroma novecentista. De pouco serve to<strong>da</strong> a energia<br />

despendi<strong>da</strong> pelos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s para buscar-lhe um lugar<br />

no olimpo <strong>do</strong>s grandes mestres <strong>da</strong> fotografia. Em to<strong>do</strong> caso,<br />

teríamos de dirigir nosso olhar para outro norte-americano,<br />

Mark Klett, para obter uma aproximação contemporânea,<br />

crítica e inteligente aos grandiosos parques naturais de<br />

seu país durante o século XIX; busca os rastros humanos na<br />

paisagem atual e os inclui em suas fotografias com dimensões<br />

proporcionais à escassíssima enti<strong>da</strong>de que o ser humano tem<br />

ti<strong>do</strong> na configuração de suas formas.<br />

Céu, Planta, Aluga-se ou Última Mora<strong>da</strong> são boa mostra disso;<br />

mas simultaneamente vem desenvolven<strong>do</strong> outros trabalhos<br />

que aprofun<strong>da</strong>m seu afã de compreender a relacão de sua<br />

biografia com a terra que habita. O horizonte utópico a<br />

que aspiravam os cartógrafos de Borges não apenas é<br />

inalcançável em termos algorítmicos, também é deficiente<br />

no que se refere à experiência individual. Daí a importância<br />

que adquire esse projeto polifônico intitula<strong>do</strong> Paisagem<br />

Submersa, realiza<strong>do</strong> entre 2002 e 2008 por João Castilho,<br />

Pedro Motta e o próprio Pedro David, no nordeste <strong>do</strong> esta<strong>do</strong><br />

de Minas Gerais. O trabalho é centra<strong>do</strong> nos sete municípios<br />

que foram parcialmente inun<strong>da</strong><strong>do</strong>s para formar o lago <strong>da</strong><br />

central Hidrelétrica de Irapé, construí<strong>da</strong> no leito <strong>do</strong> rio<br />

Jequitinhonha. Os territórios destas comuni<strong>da</strong>des situa<strong>da</strong>s<br />

às margens <strong>do</strong> rio foram atingi<strong>do</strong>s, e seus habitantes tiveram<br />

de mover-se para outras regiões.<br />

Durante as viagens realiza<strong>da</strong>s para Paisagem Submersa, Pedro<br />

David começou a desenvolver a série Rota: Raiz, um <strong>do</strong>cumentário<br />

imaginário sobre a vi<strong>da</strong> no sertão contemporâneo e sua relação<br />

pessoal com este universo, realiza<strong>do</strong> com a colaboração de seu<br />

“mestre, mentor e amigo”, Rui Cezar <strong>do</strong>s Santos. Durante cinco<br />

anos, viajou pelos vales <strong>do</strong> Jequitinhonha, Mucuri e São Francisco,<br />

localiza<strong>do</strong>s nas regiões menos desenvolvi<strong>da</strong>s de Minas Gerais, que<br />

ain<strong>da</strong> conservam algumas tradições culturais já desapareci<strong>da</strong>s<br />

em outros lugares. Pedro David procurou <strong>da</strong>r corpo a imagens que<br />

existiam apenas em seu pensamento. Imagens latentes, cria<strong>da</strong>s<br />

durante sua infância a partir de inúmeras e extraordinárias<br />

histórias que seus pais lhe haviam conta<strong>do</strong> sobre suas viagens<br />

por essas regiões. Rui Cezar <strong>do</strong>s Santos afirma que, nesta série,<br />

Pedro David “tece com suas imagens uma rede sem fissuras, similar<br />

à <strong>do</strong> realismo mágico de Juan Rulfo”. Para Santos, na viagem de<br />

Pedro pelo sertão mineiro afloram os ecos dessa viagem iniciática<br />

periferia, acessíveis por ro<strong>do</strong>vias que circun<strong>da</strong>m o núcleo<br />

<strong>da</strong> obsessão pela objetivi<strong>da</strong>de. A descrição <strong>da</strong> práxis<br />

Uma parte <strong>da</strong> obra de Pedro David tem uma clara tendência à<br />

a Comala, que Rulfo narra magistralmente em Pedro Páramo. O olhar<br />

urbano, evitan<strong>do</strong> assim a entra<strong>da</strong> nos centros históricos,<br />

tipológica é grata ao pensamento protestante, mas, como<br />

cartografia e à tipologia, por isso não é estranho que se<br />

sutilmente alucina<strong>do</strong> que emerge dessas fotografias é o que<br />

cuja progressiva degra<strong>da</strong>ção os têm torna<strong>do</strong> inabitáveis para<br />

sustenta John Berger, “as palavras nunca abrem por completo<br />

sirva <strong>da</strong> prática <strong>da</strong> fotografia para configurar sua maneira<br />

resulta ao confrontarem-se os sonhos com uma reali<strong>da</strong>de que ain<strong>da</strong><br />

as classes altas.<br />

a função <strong>da</strong> vista. A contemplação tem uma primeira fase<br />

de ver o mun<strong>do</strong>. Suas séries Desenhos, Coisas que Caem <strong>do</strong><br />

resiste a passar para o outro la<strong>do</strong> <strong>do</strong> espelho.<br />

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