sexta-feira2007.04.13 08ANÁLISES & OPINIÃOEDITORIAL • COMENTÁRIOS • DEBATES • BLOGS • RECORTES DA IMPRENSADuas dúvidasponto car<strong>de</strong>altécnico <strong>de</strong> segurança social *RODEIA MACHADO*A legitimida<strong>de</strong>do ParlamentoOministro da Agriculturafoi o primeiro a tornarpúblico o número <strong>de</strong>trabalhadores exce<strong>de</strong>ntáriosnaquele ministério. Com estareforma, o Estado quer emagrecere aligeirar o e<strong>no</strong>rme peso quetem <strong>no</strong>s quadros <strong>de</strong> pessoal. Nestecontexto, o Ministério da Agriculturatem uma particularida<strong>de</strong> interessantíssima:uma esmagadoramaioria dos funcionários estão emgabinetes <strong>de</strong> Lisboa, on<strong>de</strong> não háagricultura nenhuma.Como é fácil perceber, o quadro<strong>de</strong> trabalhadores está sobredimensionado,neste e <strong>no</strong>utros ministérios.In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente daboa competência <strong>de</strong>ssas pessoas,a verda<strong>de</strong> é que estão a mais. E apergunta que todos colocamos éesta: Po<strong>de</strong>rá o país suportar custose<strong>no</strong>rmes com trabalhadores cujafunção é redundante? Claro quenão po<strong>de</strong>. E a reforma que agoraavança é apenas tardia.Po<strong>de</strong>m alguns alegar os problemasque esta situação vai criar, masé impossível que estas mudançasnão sejam acompanhadas <strong>de</strong> dor.As pessoas são confrontadas comuma <strong>no</strong>va realida<strong>de</strong> e, em muitoscasos, <strong>de</strong>ixam para trás muitosEDITORIALANTÓNIO JOSÉ BRITOA administração pública,infelizmente,tor<strong>no</strong>u-se para muitostrabalhadores uma espécie<strong>de</strong> refúgio, on<strong>de</strong>prevalecem muitosdireitos e uma imensatranquilida<strong>de</strong>.a<strong>no</strong>s <strong>de</strong> trabalho e <strong>de</strong>dicação. Contudo, convém lembrar que nãoficam <strong>de</strong>sprotegidas, porque continuarão a ser compensadas até àida<strong>de</strong> da reforma, recebendo dois terços do respectivo salário, semimpedimento <strong>de</strong> procurar um <strong>no</strong>vo posto <strong>de</strong> trabalho.A concretização <strong>de</strong>stas alterações é inadiável. O país precisa <strong>de</strong>ajustar-se e emagrecer o peso brutal do Estado. A administraçãotem <strong>de</strong> ganhar agilida<strong>de</strong> e mais competência. O que está a ser feitoagora, digamo-lo sem medo das palavras, precisava <strong>de</strong> ter avançadohá 10 ou 15 a<strong>no</strong>s.A administração pública, infelizmente, tor<strong>no</strong>u-se para muitostrabalhadores uma espécie <strong>de</strong> refúgio, on<strong>de</strong> prevalecem muitosdireitos e uma imensa tranquilida<strong>de</strong>. Ali o clima é muito diferentedo sector privado, on<strong>de</strong> é preciso inventar soluções, ter competitivida<strong>de</strong>,buscar oportunida<strong>de</strong>s e nunca <strong>de</strong>scurar a competência.Será possível termos uma administração pública com a mesmacapacida<strong>de</strong> e espírito das empresas? Ou será que a lista <strong>de</strong> providênciascautelares que os sindicatos se preparam para apresentar <strong>no</strong>stribunais vai ajudar a manter o país como sempre foi?Odia em que escrevo esta crónica é justamenteo mesmo em que o Presi<strong>de</strong>nte daRepública, Prof. Cavaco Silva promulgouo diploma da Interrupção Voluntária daGravi<strong>de</strong>z, elaborado pelos senhores <strong>de</strong>putados da Assembleiada República, na sequência do referendo <strong>de</strong>11 <strong>de</strong> Fevereiro e cuja matéria toda a gente conhece.Muito se escreveu e disse sobre estas matérias, ouseja, quase tudo ficou dito ou pelo me<strong>no</strong>s era isso quese supunha. Mas não, pois são agora inventadas <strong>no</strong>vasteses sobre o que a Assembleia da República <strong>de</strong>veriater feito e cuja componente ou matérias a <strong>no</strong>valei <strong>de</strong>veria absorver na sua redacção final, <strong>no</strong> sentido<strong>de</strong> ser conseguido um amplo consenso.É este o sentido da mensagem do senhor Presi<strong>de</strong>nteda República ao Parlamento em geral e aos <strong>de</strong>putadosem particular.Não se contesta a legitimida<strong>de</strong> do sr. Presi<strong>de</strong>nteda República em promulgar a lei, com mensagemà Assembleia da República, já que esse é um direitoconstitucional que lhe assiste. O que se contesta, issosim, é o conteúdo <strong>de</strong>ssa mesma mensagem. Ou <strong>no</strong>mínimo, algumas das questões que essa mensagemcontém, como é o caso da obrigatorieda<strong>de</strong> que <strong>de</strong>veriaser colocada em “letra <strong>de</strong> lei” quanto à auscultaçãodo porquê da Interrupção Voluntária da Gravi<strong>de</strong>z porparte da grávida.Então a pergunta do referendo não era suficientementeclara?Que a Interrupção Voluntária da Gravi<strong>de</strong>z, até às10 semanas, feita a pedido da mulher, em estabelecimento<strong>de</strong> saú<strong>de</strong> autorizado, <strong>de</strong>ixaria <strong>de</strong> ser crime.Não foi a esta pergunta que o povo respon<strong>de</strong>u afirmativamenteem 11 <strong>de</strong> Fevereiro <strong>de</strong> 2007? Claro quefoi.E foi também esse o espírito que foi transmitido àAssembleia da República e aos seus <strong>de</strong>putados.Não é só o senhor Presi<strong>de</strong>nte da República que“Não é só o senhor Presi<strong>de</strong>nteda República que tem direitose <strong>de</strong>veres, também os <strong>de</strong>putadostêm o direito <strong>de</strong> elaborar as leis <strong>de</strong>acordo com o seu livre pensamento.tem direitos e <strong>de</strong>veres, também os <strong>de</strong>putados têm odireito <strong>de</strong> elaborar as leis <strong>de</strong> acordo com o seu livrepensamento, como têm também o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> respeitaras opções do eleitorado.Ambos são eleitos livremente pelo povo e <strong>de</strong>vemrespeitar os <strong>de</strong>veres constitucionais a que estão obrigados.Esta Lei da Interrupção Voluntária da Gravi<strong>de</strong>zobteve os votos dos grupos parlamentares do PCP,do Bloco <strong>de</strong> Esquerda, do PS (com excepção <strong>de</strong> alguns<strong>de</strong>putados) e <strong>de</strong> 21 <strong>de</strong>putados do PSD, o querepresenta uma maioria bastante alargada, <strong>no</strong> arcopolítico/parlamentar, e que <strong>no</strong> essencial respeitou oespírito da matéria do referendo.Compete à mulher tomar a sua opção livre e informada.E compete ao gover<strong>no</strong> criar as condições paraque o aborto seja realizado em estabelecimento <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> público com carácter prioritário, já que o ServiçoNacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> tem condições para o fazer.Por último, quero dar público testemunho da minhasatisfação em ver promulgada uma Lei da Repúblicaque po<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve servir os interesses da saú<strong>de</strong>pública, em geral, e dignificar o papel e a saú<strong>de</strong> damulher, em particular.Jornal regional semanário editado em <strong>Beja</strong>Director: António José BritoEditor: Carlos PintoRedacção: Luís Lourenço, Paulo Nobre, José Tomé Máximo (fotografia)Paginação: Pedro MoreiraInfografia: I+G - www.imaisg.comSecretariado: Ruben Figueira RamosColaboradores Permanentes: Cláudia Gonçalves e Napoleão MiraColunistas: António Revez, Carlos Montever<strong>de</strong>, João Espinho, Jorge Serafim, Miguel Rêgo,Paulo Barriga, Ro<strong>de</strong>ia Machado, Rui Sousa Santos, Sandra Serra e Vítor EncarnaçãoProjecto Gráfico: Sérgio Braga – Atelier I+GDepartamento Comercial: Fernando Cotovio [967 818 953]Redacção, administração e publicida<strong>de</strong>Rua Dr. Diogo Castro e Brito, 6 – 7800-498 <strong>Beja</strong>Tel. 284 329 400 | 284 329 401 Fax 284 329 402 | e-mail: geral@correioalentejo.comProprieda<strong>de</strong>: JOTA CBS – Comunicação e Imagem Lda. - NIF 503 039 640Depósito Legal nº 240930/06Registo ICS: 124.893Tiragem semanal: 3.000 exemplaresImpressão: Gráfica Funchalense
ANÁLISES & OPINIÃO09 sexta-feira2007.04.13opiniãoengenheiro civil*JOÃO PAULO RAMÔA *Após a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>ste gover<strong>no</strong> <strong>de</strong> levaravante o projecto <strong>de</strong> um <strong>no</strong>vo<strong>aeroporto</strong> internacional na margem<strong>no</strong>rte do rio Tejo( OTA ), váriasvozes credíveis têm vindo a publico reclamaroutra localização, argumentando com várioscritérios, especialmente técnicos, e <strong>de</strong> boagestão dos dinheiros públicos.Na verda<strong>de</strong> ambas as hipóteses têm próse contras, mas é <strong>de</strong> bom senso não <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong>estudar uma alternativa que surge com bonsargumentos à partida (Poceirão e Faia), ambosna margem sul do Tejo, quando se prevêque nestas soluções, os impactos ambientais(que existem sempre numa infra-estrutura<strong>de</strong>ste tipo) são semelhantes e po<strong>de</strong>mos gastarcerca <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> das verbas da opção Ota.E essa meta<strong>de</strong> é muito muito muito dinheiro.Que po<strong>de</strong> ser aplicado <strong>de</strong> uma outra forma,ao longo <strong>de</strong>ste ainda tão necessitado país.Pessoalmente estou convicto que o primeiro-ministro,mesmo sacrificando politicamenteo ministro das <strong>Obras</strong> Públicas (queerradamente fez <strong>de</strong>ste dossier uma questãopessoal), irá <strong>no</strong> último momento <strong>de</strong>ixar “cair”a OTA e optar pela solução na Margem Sul.Oxalá todos os estudos <strong>de</strong> impacto ambientalsejam puramente técnicos.E nós, baixo-alenteja<strong>no</strong>s. Qual <strong>de</strong>verá sera <strong>no</strong>ssa estratégia? Como portugueses é óbvio.Queremos a solução que sirva bem o paíse envolva me<strong>no</strong>s custos, e a infra-estruturana margem sul parece bem po<strong>de</strong>r vir a preencherestes requisitos. Mas para o futurodo <strong>aeroporto</strong> <strong>de</strong> <strong>Beja</strong>, essa po<strong>de</strong>rá não ser amelhor solução. Ou po<strong>de</strong>rá ser. Mais uma vezacredito que <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> nós em boa parte.A diferença entre o custo das duas opçõesé <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 1,5 mil milhões <strong>de</strong> euros, o correspon<strong>de</strong>ntea 150 vezes o custo <strong>de</strong>sta faseconcursada das obras do <strong>no</strong>sso <strong>aeroporto</strong>.Cerca <strong>de</strong> 300 milhões <strong>de</strong> contos. Uma quantia<strong>de</strong> tal modo avultada, que em caso <strong>de</strong>opção futura entre a margem <strong>no</strong>rte ou sul, aexistência ou não <strong>de</strong> <strong>Beja</strong> não vai pesar absolutamentenada para a <strong>de</strong>cisão. Embora gostássemosque assim não fosse.Mas vão existir consequências diferentespara nós. A valência dos passageiros queiriam aterrar em <strong>Beja</strong> para efeitos turísticosda região <strong>de</strong> Tróia, fica irremediavelmenteposta em causa. E para Alqueva, seriamentecomprometida. E a ligação para mercadoriasopiniãoprofessor do ensi<strong>no</strong> superior*HUGO LANÇA *Por estas semanas fui confrontado comuma situação em que alguém tinhacelebrado um contrato e a contraparte,por situações conjunturais, <strong>de</strong>cidiunão o honrar. Para alcançar esse <strong>de</strong>si<strong>de</strong>rato,procurou apoio jurídico e foi montada umaestratégia que permitiria a resolução do contrato.Tudo isto seria curial, mesmo lógico nãofosse um peque<strong>no</strong> porme<strong>no</strong>r: o contrato estavainquinado foi um vício formal (palavreadojurídico que significa que aquele contratonão tinha nenhum valor legal). O inusitadonesta história é o facto <strong>de</strong> três advogados terem“trabalhado” <strong>no</strong> processo e nenhum terpercebido o óbvio. E quando uso a expressãoóbvio, refiro-me a algo que qualquer alu<strong>no</strong>cábula do segundo a<strong>no</strong> <strong>de</strong> Direito tem obrigação<strong>de</strong> perceber!Ota, Margem Sul, <strong>Beja</strong>;a discussão regional que se impõe“Se fosse responsável pela EDAB, <strong>de</strong>senvolveria muitorapidamente uma análise sobre os impactos [do <strong>no</strong>vo <strong>aeroporto</strong><strong>de</strong> Lisboa] positivos e negativos para o <strong>aeroporto</strong> <strong>de</strong> <strong>Beja</strong>.Sines/<strong>aeroporto</strong> <strong>de</strong>ixa para já e <strong>no</strong> mínimo,muitas interrogações.Então a solução inequívoca será apoiar asolução na Ota? Não creio e tenho muitas dúvidas.Mas o que não me resta qualquer dúvidaé que este tema não <strong>no</strong>s <strong>de</strong>via passar aolado e <strong>de</strong>via ser palco <strong>de</strong> um consenso regional,<strong>no</strong> interesse da região e também do país.O <strong>no</strong>sso alheamento po<strong>de</strong> confrontar-<strong>no</strong>sposteriormente, com uma <strong>de</strong>cisão que não<strong>no</strong>s serve em nenhum aspecto, e assistirmos<strong>de</strong>pois impotentes ao avançar do processosem qualquer tipo <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenção.Nas <strong>de</strong>cisões politicas existem quasePôr a justiça a funcionarServe a introdução para trazer à colaçãoum problema: crescem <strong>de</strong>smesuradamenteos licenciados em Direito com inscrição naOr<strong>de</strong>m dos Advogados com habilitação paraexercer a profissão e começam a escassear osadvogados! O que são coisas muito diferentes!Não procurem nestas linhas qualqueralusão ou preconceito a escândalos recentesque têm <strong>de</strong>ixado marcas na imprensaregional e nacional; <strong>no</strong> meu trajecto, cruzeimecom muitos incompetentes licenciadospor universida<strong>de</strong>s públicas e alguns ilustresjuristas oriundos <strong>de</strong> universida<strong>de</strong>s privadas.A questão é bem mais complexa que aformação inicial! Existe hoje uma profundacarência <strong>de</strong> formação ao longo da vida, <strong>de</strong>especialização, <strong>de</strong> consciência que uma áreasempre negociações, mesmo naquelas comoesta, em que a componente técnica é muitoimportante. Era bom que estivéssemos àmesa <strong>de</strong>ssas negociações. Mas para isso temos<strong>de</strong> mostrar que estamos unidos, convictos,temos bom senso e somos razoáveis.Este artigo não preten<strong>de</strong> ser algo mais doque uma básica reflexão pois não tenho qualquerfunção política ou administrativa naregião. Mas se fosse responsável pela EDAB,<strong>de</strong>senvolveria muito rapidamente uma análisesobre os impactos [do <strong>no</strong>vo <strong>aeroporto</strong> <strong>de</strong>Lisboa] positivos e negativos para o <strong>aeroporto</strong><strong>de</strong> <strong>Beja</strong>, <strong>de</strong> cada uma das opções.tão <strong>de</strong>licada como o Direito exige uma actualizaçãoconstante e ininterrupta! As universida<strong>de</strong>s,a Or<strong>de</strong>m dos Advogados e o Centro<strong>de</strong> Estudos Judiciários têm <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>ra necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> não apenas caminhar paraa excelência <strong>no</strong> momento da formação comopermitir a optimização dos juristas durante oseu percurso profissional.A Justiça é hoje uma e<strong>no</strong>rme manta <strong>de</strong>problemas que urge resolver; mas aquiloque chamamos Justiça é a soma <strong>de</strong> homense mulheres, juízes, advogados, procuradores,professores <strong>de</strong> Direito, funcionários judiciais,solicitadores; sem qualida<strong>de</strong> <strong>no</strong>s recursoshuma<strong>no</strong>s, não há leis, reformas, melhoriasdas condições <strong>de</strong> trabalhos que permitam alcançaro que <strong>de</strong>ve ser um imperativo nacional:ter uma Justiça que funcione!sul suave*professorVÍTOR ENCARNAÇÃO *Além corpoCom os olhos agarrados como duasventosas ao vidro húmido do copo <strong>de</strong>vodka, disse que tinha <strong>de</strong>scoberto a belezainterior dos homens. Havia limão eálcool <strong>no</strong> som das palavras e ela sugavaa música alta por uma palhinha <strong>de</strong> plástico.Não sei se terá sido uma revelaçãorepentina ou uma constatação amadurecida.Ela não o disse, mas ainda assimacredito mais na segunda hipótese. Estascoisas <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro vêm <strong>de</strong> longe comoperegri<strong>no</strong>s cansados, viajam às costasda ida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>moram a crescer como árvores,não entram por um café <strong>de</strong>ntro,sentam-se à mesa da puberda<strong>de</strong> e dizem:o gajo é bonito por <strong>de</strong>ntro. Não. Épreciso tempo para que também umamulher veja para lá da carne.No princípio, as mulheres gostam édo litoral dos homens. Da brisa do hálito.Dos perfumes da maresia do peito.Dos olhos castanhos <strong>de</strong> areia quente.Das dunas perto do umbigo. Gostam <strong>de</strong>passear o olhar pela marginal dos lábioscarnudos, gostam das costas largas, <strong>de</strong>se sentar num banco <strong>de</strong> frente para elese mor<strong>de</strong>r a maçã <strong>de</strong> Adão, <strong>de</strong> ver correro sal do suor. Adoram as sementeiras <strong>de</strong>barba <strong>de</strong> três dias on<strong>de</strong> as suas línguasvão fazer a monda e adoram os braçosfortes como tor<strong>no</strong>s on<strong>de</strong> elas põem ospeitos.No início, discretas e silenciosas, semo verbalizarem, sem que <strong>de</strong>las escorrampalavras carnais, as mulheres poisamnas pernas dos homens como mariposas<strong>de</strong> ferro. São colibris <strong>de</strong> metal extraindoo mel das suas bocas másculas, aranhastecendo teias com patas <strong>de</strong> diamante.Colam o olhar à ganga, melhor, colam<strong>no</strong>aos contor<strong>no</strong>s e tentam adivinhar oque está por <strong>de</strong>baixo <strong>de</strong>la. Escalam ummetro e oitenta <strong>de</strong> corpo, para baixoe para cima, comparando a harmoniaque existe entre o relógio e os sapatos,entre a camisola e a cor dos olhos, entrea marca dos óculos <strong>de</strong> sol e o cheiro queo homem <strong>de</strong>ita, entre o sorriso e a púbis.Pensam fantasias, sentem ar<strong>de</strong>ntemente,inebriam-se <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo, mas calam-semais do que os homens quando estesvêem mulheres estonteantes. Será mesmoassim?, pergunta este homem.Mas agora ela já não está <strong>no</strong> início.Já não é o princípio <strong>de</strong> quando se vestiae se penteava e punha perfume e semostrava num <strong>de</strong>cote profundo paraser conquistada e conquistar. Passarama<strong>no</strong>s sobre a instantânea vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ter.Sobraram <strong>de</strong>silusões e prazeres mortospela manhã na cama ao seu lado. Otempo trouxe-a até esta mesa como trazao ninho um pássaro belo mas farto <strong>de</strong>voar e <strong>de</strong> ser adorado apenas pelas curvasda penugem que tem. Terá então havidoalguém que lhe <strong>de</strong>u a provar paraalém da casca, da capa, da superfície,da pele, terá ela trincado um fruto maissumarento por <strong>de</strong>ntro, escutado umaspalavras que lhe massajaram a existênciadorida, terá visto o mecanismo docoração, terá <strong>de</strong>gustado a doce resinado silêncio? Que homem esteve à altura<strong>de</strong> estar para além do corpo e lhe mostrouas cavernas on<strong>de</strong> a beleza interiorse forma como estalactites <strong>de</strong> chocolatequente? Que homem conseguiu dar-lhepaz sem lhe tocar?Mas parece-me que a <strong>de</strong>scoberta nãofoi pacífica, pois quando o disse agarrou-sea um cigarro para não cair.