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O caso Mussalém. Fonte: Douglas Tavolaro. A casa do delírio ...

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sensação de o estarem perseguin<strong>do</strong>. Uma sombra escura, malignamente oculta,parecia rondar seus caminhos. Estava convicto: eram os militares.Na época, por volta de 1976, com <strong>do</strong>is anos de mandato <strong>do</strong> generalErnesto Geisel na presidência da República, a supressão <strong>do</strong>s direitosconstitucionais era absoluta. Mussalém imaginava que tinha os passos vigia<strong>do</strong>sdia e noite. Sua vida corria perigo. Malditos milicos! Oprimiam a classe intelectualem nome da luta contra o comunismo. O professor não saia de <strong>casa</strong> desarma<strong>do</strong>.Sua rotina mu<strong>do</strong>u. Não ia aos restaurantes árabes com a freqüência de antes, eraras também se tornaram as idas a bibliotecas. Ele conta que começou a receberameaças de morte por telefone e por correspondências anônimas de várias partes<strong>do</strong> país, até mesmo <strong>do</strong> exterior.Guar<strong>do</strong> até hoje uma carta enviada <strong>do</strong>s Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s que diz que, se eupisar no hemisfério norte, serei morto – afirma, e recolhe as pernas como quem seabstém de pisar.Parece calmo, mas está convicto. Lembra que seus pensamentos erampermea<strong>do</strong>s por idéias de prisão, tortura, exílio e morte. As lembranças defuzilamento de Carlos Marighella, em São Paulo, causaram-lhe pesadelosassombrosos por várias semanas. Acordava de madrugada assusta<strong>do</strong> com obarulho da porta da cozinha baten<strong>do</strong> no fogão, quan<strong>do</strong> esquecia de trancar ajanela da área de serviço. Levantava-se, sentava-se na cama com os braçosapoia<strong>do</strong>s nas pernas e chorava. Chorava durante horas, às vezes até amanhecer.Suava gela<strong>do</strong>. E voltava a <strong>do</strong>rmir com mais me<strong>do</strong> ainda. A qualquer momento,agentes <strong>do</strong> Destacamento de Operações e Informações e <strong>do</strong> Centro deOperações de Defesa Interna (DOI-Codi) poderiam arrombar a porta e levá-loalgema<strong>do</strong> a uma das salas de tortura. Jurava não contar nada que quizessem.Não sabe bem o que ia esconder, mas seguramente nada falaria.Em junho de 1977, em meio a um longo surto paranóico, convenceu ochefe <strong>do</strong> seu departamento a conceder-lhe bolsa de estu<strong>do</strong>s para defender tesede <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> na Alemanha. Era a oportunidade de escapar <strong>do</strong>s militares.Embarcou para a Universidade Livre de Berlim no mês seguinte, com a malarepleta de livros, receitas de quibe e esfiha – e sem as armas. Estava disposto arecomeçar a vida longe da censura à produção cultural que atingia políticos,artistas, músicos, estudantes e intelectuais.A viagem foi uma pílula de ânimo. Tu<strong>do</strong> caminhava bem – sua tese, Méto<strong>do</strong>e capitalismo em Marx, foi aprovada em Berlim com a segunda maior nota dabanca, e ele estava encanta<strong>do</strong> por uma bela mexicana de cabelos louros curtos,olhos negros e pele rosada, exatamente as características físicas que admiravaem uma mulher. A<strong>do</strong>rava ver a moça mascan<strong>do</strong> chiclete e detinha-se na análiseminuciosa <strong>do</strong>s movimentos de seu maxilar. A musa <strong>do</strong> professor era <strong>casa</strong>da eapaixonada pelo mari<strong>do</strong>, Servan<strong>do</strong> Ortoll, que também estava em Berlim. O <strong>casa</strong>lficou amigo de Mussalém. Estudavam juntos e saíam nos finais de semana parabeber cerveja.Os dias de paz <strong>do</strong> professor pareciam chegar ao fim. Voltaram ospesadelos delirantes no silêncio da madrugada, acompanha<strong>do</strong>s da tenebrosasensação de ser persegui<strong>do</strong> e da desconfiança de to<strong>do</strong>s que o rodeavam. Osmilitares, enfim, tinham encontra<strong>do</strong> Mussalém. Pior: tu<strong>do</strong> ocorreu no mesmoperío<strong>do</strong> de uma viagem diplomática <strong>do</strong> presidente Geisel à Alemanha. Solda<strong>do</strong>s5

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