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Compartilhando a Arte de Brincar A experiência ... - Fundação Abrinq

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<strong>Compartilhando</strong>a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong>A <strong>experiência</strong> do Espaço Compartilharte nofortalecimento da convivência comunitária


<strong>Compartilhando</strong>a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong>A <strong>experiência</strong> do Espaço Compartilharte nofortalecimento da convivência comunitária


Sistematização e texto: Patrícia Monteiro LacerdaEdição: Fernanda FavaroProjeto gráfico: Fernando ViannaRevisão <strong>de</strong> Texto: Renato PotenzaLeitura crítica: Adriana FriedmannApoio técnico: Priscila <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Fernan<strong>de</strong>sFotos: Divulgação Espaço CompartilharteFicha Catalográfica elaborada peloCentro <strong>de</strong> Documentação da <strong>Fundação</strong> <strong>Abrinq</strong>_____________________________________________________L14cLacerda, Patricia Monteiro<strong>Compartilhando</strong> a arte <strong>de</strong> brincar: a <strong>experiência</strong> do EspaçoCompartilharte no fortalecimento da convivência comunitária/ Patricia Monteiro Lacerda. – São Paulo: <strong>Fundação</strong> <strong>Abrinq</strong>, 2007.ISBN 978-85-88060-27-21. Direitos da Criança e do Adolescente. 2. Educação Infantil.I. Título.CDD: 370.2809.04.07 000001_____________________________________________________Bibliotecária – Elisangela Alves Silva – CRB8/7126Todos os direitos <strong>de</strong>sta obra reservados à<strong>Fundação</strong> <strong>Abrinq</strong>Avenida Santo Amaro, 1.386Vila Nova Conceição – CEP 04506-001São Paulo – SPwww.fundabrinq.org.br


COMPARTILHANDO A ARTE DE BRINCARA <strong>experiência</strong> do Espaço Compartilharte nofortalecimento da convivência comunitáriaConselho <strong>de</strong> AdministraçãoPresi<strong>de</strong>nte: Carlos Antonio TilkianSecretária: Maria Ignês BierrenbachMembros: Albertina Duarte Takiuti, Antonio Carlos Ronca,Boris Tabacof, Carlos Eduardo Moreira Ferreira, DanielTrevisan, Eduardo José Bernini, Eduardo Resen<strong>de</strong> Melo,Heloisa Sampaio Machado, João Nagano Júnior, JoséCarlos Grubisich, José Eduardo P. Pañella, José RobertoNicolau, Lourival Kiçula, Luiz Henrique Proença Soares,Paulo Afonso Garrido <strong>de</strong> Paula, Paulo Saab, Regina HelenaScripilliti Velloso, Renata Camargo Nascimento, RobertoTeixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, TherezinhaFram e Vitor Gonçalo SeravalliConselho FiscalAssessoria <strong>de</strong> Captação <strong>de</strong> RecursosAssessor: Victor Alcântara da GraçaEquipe: Cristiane D. Rodrigues, Fernanda PereiraBochembuzo, Marina Biagioli Manoel, Milene <strong>de</strong> OliveiraSousa Silva, Silvia Troncon Rosa e Tatiana Cristina Antunesda SilvaAssessorias <strong>de</strong> Relações Institucionaise Técnico-JurídicaAssessora: Daniela <strong>de</strong> Aquino CoelhoAssistentes: Ester Gammar<strong>de</strong>lla Rizzi, Fernanda ReisGuarita, Hel<strong>de</strong>r Delena e Tatiana <strong>de</strong> Jesus PardoDireito à Proteção IntegralCoor<strong>de</strong>nadores: Abigail Silvestre Torres (programa PrefeitoAmigo da Criança e projetos De Olho no Orçamento Criançae Presi<strong>de</strong>nte Amigo da Criança) e José Carlos Bimbatte Jr(programas Empresa Amiga da Criança; Adotei um Sorrisoe Prêmio Criança)Equipe: A<strong>de</strong>lai<strong>de</strong> Jóia, Ana Aparecida Frabetti Valim Alberti,Andrea Santoro Silveira, Daniela Queiroz Lino, ElaineCristina Rodrigues Barros, Eliana Maria Ribeiro Garrafa,Ivone Aparecida da Silva, Márcia Cristina Pereira da SilvaThomazinho, Maria Francisca Palma Pinto, Mônica Takeda,Priscila <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Fernan<strong>de</strong>s e Roberta Soares RossiMembros: Audir Queixa Giovanni, Francisco da SilvaCoelho, José Francisco Gresenberg Neto e Márcio PonziniConselho ConsultivoPresi<strong>de</strong>nte: Jorge Broi<strong>de</strong>Vice-presi<strong>de</strong>nte: Miriam Debieux RosaMembros: Antônio Carlos Gomes da Costa, Araceli MartinsElman, Dalmo <strong>de</strong> Abreu Dallari, Edda Bomtempo, Geraldo DiGiovanni, Isa Guará, João Benedicto <strong>de</strong> Azevedo Marques,Lélio Bentes Corrêa, Leoberto Narciso Brancher, LídiaIzecson <strong>de</strong> Carvalho, Magnólia Gripp Bastos, Mara Car<strong>de</strong>al,Maria Cecília C. Aranha Lima, Maria Cecília Ziliotto, Maria<strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Trassi Teixeira, Maria Machado Malta Campos,Marlova Jovchelovitch Noleto, Melanie Farkas, Munir Cury,Norma Jorge Kyriakos, Oris <strong>de</strong> Oliveira, Percival Caropreso,Rachel Gevertz, Rosa Moyses, Rubens Naves, Silvia GomaraDaffre, Tatiana Belinky e Vital DidonetComitê GestorCoor<strong>de</strong>nador Geral e Presi<strong>de</strong>nte do Conselho <strong>de</strong>Administração: Carlos Antonio TilkianCoor<strong>de</strong>nador Financeiro e Presi<strong>de</strong>nte da Instituidora:Synésio Batista da CostaSecretária do Conselho <strong>de</strong> Administração:Maria Ignês BierrenbachPresi<strong>de</strong>nte do Conselho Consultivo: Jorge Broi<strong>de</strong>Superintendência ExecutivaSuperinten<strong>de</strong>nte: Sandra Amaral <strong>de</strong> Oliveira FariaSuperinten<strong>de</strong>nte Adjunto: Fernando Teixeira Men<strong>de</strong>s FilhoSecretaria: Rita Bassani Martins e Sandra SilvaEspaço CompartilharteDiretoriaDiretora-presi<strong>de</strong>nte:Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Castro OliveiraDiretor Vice-Presi<strong>de</strong>nte:Roberto Sabato Cláudio Moreira JuniorConselho Fiscal:Aécio Salviano <strong>de</strong> SouzaJaíra ReisNúbia CorreaSecretaria ExecutivaMariana <strong>de</strong> Castro MoreiraComitê GestorAdilciléa da Conceição, Cristiane do Couto, Cristina LídiaBertoche, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Castro Oliveira, Mariana <strong>de</strong>Castro Moreira, Lucia Helena Münch.Equipe do ProgramaAdilciléa da Conceição, Adriana <strong>de</strong> Oliveira Couto, Aline <strong>de</strong>Barros Pereira, Antonia Claudia <strong>de</strong> Melo, Cristiane do Couto,Cristina Lídia Bertoche, Daniele da Conceição Paiva, Ellidon


da Fonseca Ferreira, Eliesio dos Santos Medas, JoelmaMedas da Silva, Lorena Junia <strong>de</strong> Barros Martins, Lucia HelenaMünch, Margarete <strong>de</strong> Barros Pereira, Maria <strong>de</strong> Fátima <strong>de</strong>Melo Marreiro, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Castro Oliveira, Mariana <strong>de</strong>Castro Moreira, Verônica Fabrício Dias.Entrevistados e participantes das oficinas <strong>de</strong>sistematização: crianças, adolescentes, jovens,familiares e comunitários <strong>de</strong> Canoas, Varginha, Pratados Are<strong>de</strong>s e Socavão.Adilciléa da Conceição, Adriana Cabral, Adriana <strong>de</strong> OliveiraCouto, Aécio Salviano <strong>de</strong> Souza, Aline <strong>de</strong> Barros Pereira,Ana Claudia França dos Santos, Antonia Claudia <strong>de</strong> Melo,Aparecia Maria Carvalho Araújo, Artur Pinheiro <strong>de</strong> Oliveira,Cristiane do Couto, Cristina Lídia Bertoche, ConselhoTutelar <strong>de</strong> Teresópolis, Daniele da Conceição Paiva, DarleteFernan<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Oliveira, Dra. Inês Joaquina Sant´Ana SantosCoutinho, Ellidon da Fonseca Ferreira, Eliesio dos SantosMedas, Fabiana da Silva Valadares, Flavio Etyene Françados Santos, Grassiela da Silva, Iracema Toledo TorresMotta Braga, Irene Marques Alves, Jaira Rosa da Silva,Joelma Medas da Silva, Maria Luiza Branco Nogueira,Lídia Gomes Cortes, Lorena Junia <strong>de</strong> Barros Martins, LuciaHelena Münch, Luciana <strong>de</strong> Oliveira, Luciana <strong>de</strong> Oliveira Turl,Luciene da Costa Silva, Marcele Muniz, Marcelo <strong>de</strong> AbreuMaciel, Margarete <strong>de</strong> Barros Pereira, Maria <strong>de</strong> Fátima <strong>de</strong>Melo Marreiro, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Castro Oliveira, Maria doCarmo <strong>de</strong> Oliveira Theodoro, Maria Regina Gallo <strong>de</strong> Oliveira,Mariana <strong>de</strong> Castro Moreira, Marizete Gonçalves Beherendt,Nilse Karas, Neusa Karas, Odivan Silveira Huck, Paulo César<strong>de</strong> Souza Pereira, Rafael Rodrigues da Silva, Renilda Cabral,Roberto Sabato Cláudio Moreira Junior, Rondinele PeçanhaCardoso, Rosangela Aparecida Batista Fernan<strong>de</strong>s, Sandrada Silva Oliveira, Suzidarli Pimentel Xavier, Verônica FabrícioDias, Yuri Gomes Cortes.Espaço CompartilharteEstrada Isaías Vidal, 9100 - Canoas - Teresópolis-RJPara correspondência:Caixa Postal 92.799CEP.: 25.953-970 - Teresópolis / RJTel./Fax: 21-2644-6001 ou 6177E-mail: presi<strong>de</strong>ncia@espacocompartilharte.org.brou rel.institucionais@espacocompartilharte.org.brSite: www.espacocompartilharte.org.brSão Paulo, junho <strong>de</strong> 2007.


SumárioIntrodução 09Contexto da iniciativaHistória do Espaço CompartilharteFilosofia, estratégia, e estrutura doEspaço CompartilharteDesenho do programa595Descrição da prática 59Metodologia 69Marcos conceituais 73Linha do tempo 76Reflexões 81Resultados 87Perspectivas 93Bibliografia 97


IntroduçãoImagine um lugar coberto <strong>de</strong> mata atlântica, com riachos limpos, montanhasimponentes, borboletas, ipês, orquí<strong>de</strong>as e bromélias brotando na beirado caminho. Agora, imagine ali um espaço on<strong>de</strong> as crianças diariamenteapren<strong>de</strong>m brincando, têm uma alimentação saudável, planejam visitas àscasas umas das outras, assistem e apresentam espetáculos <strong>de</strong> teatro e, <strong>de</strong> vezem quando, celebram com suas famílias e vizinhos as gran<strong>de</strong>s e pequenasconquistas do dia-a-dia.Esse lugar, conhecido como Espaço Compartilharte (EC), fica na localida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Canoas, zona rural <strong>de</strong> Teresópolis (RJ). Pelo Programa <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong><strong>Brincar</strong>, a organização mereceu o Prêmio Criança 2004, concedido pela <strong>Fundação</strong><strong>Abrinq</strong>, na categoria Convivência Comunitária.Po<strong>de</strong>mos pensar que, num cenário <strong>de</strong>sses, a harmonia das relações humanassurge tão naturalmente quanto a mata nativa da região. Mas a verda<strong>de</strong> é que essecenário se concretiza a partir <strong>de</strong> muito trabalho. É, <strong>de</strong> fato, uma conquista quandoconfrontado com os dados da realida<strong>de</strong> local, como mostra o quadro abaixo:Dificulda<strong>de</strong>s enfrentadas em Teresópolis....5.6.7.8.Óbitos infantis por falta <strong>de</strong> UTI e atendimento médico.Falta <strong>de</strong> creches que atendam às necessida<strong>de</strong>s das crianças e <strong>de</strong> suas mães.Aumento do tráfico <strong>de</strong> drogas <strong>de</strong>vido ao <strong>de</strong>semprego e à discriminaçãosofrida pelos jovens, carentes <strong>de</strong> um programa oficial para tratamento <strong>de</strong><strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes químicos.Colégios em crise disciplinar, muitos <strong>de</strong>les prejudicados por instalaçõesina<strong>de</strong>quadas. Professores vítimas <strong>de</strong> alunos que não recebem apoio familiar ealunos vítimas <strong>de</strong> professores <strong>de</strong>sestimulados em seus i<strong>de</strong>ais.Jovens sem acolhimento e educação a<strong>de</strong>quada são impulsionados para agravi<strong>de</strong>z precoce.Estradas em estado precário criam obstáculos à condução <strong>de</strong> estudantes. Eestudantes sem condução por falha do serviço público.Uma única psiquiatra para atendimento <strong>de</strong> todas as crianças e adolescentesdo município. Agendas superlotadas no setor administrativo da saú<strong>de</strong> mental,sem atendimento psicológico conseqüente.Ausência <strong>de</strong> abrigos para adolescentes.Fonte: Baseado na Conferência CMDCA <strong>de</strong> Teresópolis proferida por Inês Joaquina Sant’Ana Santos Coutinho,Juíza Titular da Vara da Infância, da Juventu<strong>de</strong> e do Idoso da Comarca, em 22 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2005.Óbitos infantispor falta <strong>de</strong> UTI e atendimento médico.Para enfrentar e transformar a situação que produz esses sinais <strong>de</strong> alerta épreciso, muitas vezes, contrariar interesses estabelecidos e confrontar a culturada indiferença e do individualismo. Assumir a ética da inter<strong>de</strong>pendência comoprincípio <strong>de</strong> ação é uma empreitada arriscada, afinal, distribuir po<strong>de</strong>r é tãoimportante quanto distribuir renda.


O presente trabalho tem como objetivo sistematizar os fazeres e saberes que vêmsendo construídos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a chegada dos fundadores do Espaço Compartilharteà região <strong>de</strong> Teresópolis. Sua missão é “promover o <strong>de</strong>senvolvimento humanoatravés da atenção integral a crianças, adolescentes e familiares, com ações nasáreas <strong>de</strong> educação e cultura, saú<strong>de</strong> e meio ambiente, capacitação e geração <strong>de</strong>renda, on<strong>de</strong> a conquista da cidadania se concretiza na vivência cotidiana <strong>de</strong>valores e direitos humanos” .Os profissionais do Espaço assumiram o risco <strong>de</strong> transformar a dinâmica e arealida<strong>de</strong> das crianças e famílias <strong>de</strong> Teresópolis com um trabalho curioso àprimeira vista. Eles vieram brincar com todo mundo. Para eles, a arte do brincartraz à tona talentos e potenciais <strong>de</strong> crianças, famílias e comunida<strong>de</strong>s, mostrando ariqueza que existe mesmo na situação <strong>de</strong> pobreza material.A conquista do direito <strong>de</strong> brincar é fruto do reconhecimento da importância<strong>de</strong>ssa ativida<strong>de</strong> no <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> habilida<strong>de</strong>s, competências epotencialida<strong>de</strong>s humanas. Para garanti-lo, o po<strong>de</strong>r público e as iniciativasprivadas voltadas para a infância <strong>de</strong>vem promover as condições a<strong>de</strong>quadas<strong>de</strong> tempo, locais, acessibilida<strong>de</strong>, materiais e acompanhamento para que abrinca<strong>de</strong>ira cumpra suas possibilida<strong>de</strong>s. Portanto, proporcionar, <strong>de</strong>senvolver epreservar o direito da criança e do adolescente <strong>de</strong> brincar é um ato político <strong>de</strong>conquista da cidadania.Dentre as muitas questões relativas à infância, o brincar tem sido vistoconsensualmente como instrumento privilegiado <strong>de</strong> acesso ao mundo da criançae <strong>de</strong> acesso da criança ao mundo (Winnicot, 1971; Friedmann, 1992; Kishimoto,1998). Brincando, a criança interage com as outras pessoas e consigo mesma.Por essa razão, brincar passou a ser um direito da infância protegido por<strong>de</strong>clarações e leis:Declaração dos Direitos da CriançaONU, 1959“Toda criança terá direito a brincar e a divertir-se, cabendo à socieda<strong>de</strong>e às autorida<strong>de</strong>s públicas garantir a ela o exercício pleno <strong>de</strong>sse direito.”Constituição Fe<strong>de</strong>ralBrasil, 1988Capítulo II – Do direito à liberda<strong>de</strong>, ao respeito e à dignida<strong>de</strong>“o brincar legaliza-se juridicamente como garantia,acompanhado do direito <strong>de</strong> opinião e <strong>de</strong> expressão.”Estatuto da Criança e do AdolescenteBrasil, 1988Art. 16. O direito à liberda<strong>de</strong> compreen<strong>de</strong> os seguintes aspectos:IV - brincar, praticar esportes e divertir-seMissão Institucional do Espaço Compartilharte. Em 1989, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção dos Direitos das Crianças, cujo artigo31 afirma “O direito ao <strong>de</strong>scanso e ao lazer, a participar <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras e ativida<strong>de</strong>s recreativas apropriadaspara a ida<strong>de</strong> da criança e a participar livremente da vida cultural e das artes”.(http://www.ipausa.org/history.htm)10


O Programa <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong> enten<strong>de</strong>u esse recado e foi maislonge. Para além <strong>de</strong> sua garantia como direito básico da criança, a iniciativatransformou essa ativida<strong>de</strong> em um po<strong>de</strong>roso veículo <strong>de</strong> convivência comunitária,<strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma articulação em que ganham as crianças e a própria comunida<strong>de</strong>.DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA“As palavras têm significado: algumas <strong>de</strong>las, porém, guardam sensações. A palavracomunida<strong>de</strong> é uma <strong>de</strong>ssas. Ela sugere uma coisa boa: o que quer que comunida<strong>de</strong>signifique, é bom ter uma comunida<strong>de</strong>, estar numa comunida<strong>de</strong>. “Zygmunt Bauman, 2001, p. 7A doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente introduzida peloart. 227 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 relaciona o direito à convivência familiare comunitária como um dos direitos fundamentais a ser resguardado às criançase aos adolescentes, pela família, socieda<strong>de</strong> e Estado. Esse direito é reiterado peloEstatuto da Criança e do Adolescente (ECA).Art. 4º – “É <strong>de</strong>ver da família, da comunida<strong>de</strong>, da socieda<strong>de</strong>em geral e do po<strong>de</strong>r público assegurar, com absoluta priorida<strong>de</strong>,a efetivação dos direitos referentes à vida, à saú<strong>de</strong>,à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,à profissionalização, à cultura, à dignida<strong>de</strong>, ao respeito,à liberda<strong>de</strong> e à convivência familiar e comunitária.”Art. 19 – “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado eeducado no seio <strong>de</strong> sua família e, excepcionalmente, em famíliasubstituta, assegurada a convivência familiar e comunitária (...).”Também chamado Programa <strong>Brincar</strong> ou simplesmente <strong>Brincar</strong>.11


Isso significa o reconhecimento <strong>de</strong> que a família é o primeiro círculo <strong>de</strong> proteçãoe que <strong>de</strong>ve assegurar integrida<strong>de</strong> física, psicológica e moral à sua <strong>de</strong>scendência.Nem as estruturas familiares menos tradicionais, nem a condição econômica dafamília são motivos suficientes para privar as crianças <strong>de</strong>ste convívio.Assim como a palavra comunida<strong>de</strong> evoca sentimentos, a palavra família tambémo faz. Tanto a família quanto a comunida<strong>de</strong> são espaços <strong>de</strong> afetos, acolhimentose diferenças. I<strong>de</strong>almente, os conflitos que acontecem na família e na comunida<strong>de</strong><strong>de</strong>veriam ter como pressuposto a boa vonta<strong>de</strong> dos outros: se caímos, esperamosque alguém venha nos dar a mão; se erramos, po<strong>de</strong>remos receber o perdão, afinal,estamos ali para amparar e sermos amparados.É na convivência familiar e comunitária que as crianças têm a chance <strong>de</strong>experimentar e <strong>de</strong>sempenhar papéis sociais.No entanto, quando lugares <strong>de</strong> proteção e cuidado – a família, a escola, asinstituições policiais –, se tornam fontes <strong>de</strong> agressão e violência, um sentimento<strong>de</strong> insegurança e fragilida<strong>de</strong> se apo<strong>de</strong>ra das pessoas. Para pensar a busca porsegurança num mundo on<strong>de</strong> a sensação inversa é crescente, Zygmunt Baumanreflete sobre como a cultura da individualida<strong>de</strong> nos leva a sonhar com o coloseguro <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong> ao mesmo tempo em que esse sonho parece cadavez mais distante.Depois <strong>de</strong> examinar a complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver em um mundo que respeite adiversida<strong>de</strong> e a liberda<strong>de</strong> individual, o sociólogo polonês conclui: “se vier a existiruma comunida<strong>de</strong> no mundo dos indivíduos, só po<strong>de</strong>rá ser (e precisa sê-lo) umacomunida<strong>de</strong> tecida em conjunto a partir do compartilhamento e do cuidadomútuo; uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interesse e responsabilida<strong>de</strong> em relação aos direitosiguais <strong>de</strong> sermos humanos e igual capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agirmos em <strong>de</strong>fesa <strong>de</strong>ssesdireitos” Bauman, 2001:134.O Prêmio Criança e oEspaço CompartilharteO Prêmio Criança 2004 adotou como critérios, na categoria ConvivênciaComunitária, a valorização <strong>de</strong> iniciativas que:....5.6.Desenvolvessem nas crianças o conhecimento e a valorização <strong>de</strong>sua comunida<strong>de</strong>.Integrassem espaços e equipamentos sociais existentes nacomunida<strong>de</strong>.Promovessem a interação com a comunida<strong>de</strong> e não apenas açõesentre muros sem relação com o contexto ao seu redor.Promovessem o fortalecimento dos vínculos comunitários através<strong>de</strong> uma proposta pedagógico-cultural constituída.Promovessem a integração <strong>de</strong> pais e outros responsáveis adultoscom suas crianças e entre famílias <strong>de</strong> uma mesma comunida<strong>de</strong>.Estimulassem o brincar coletivo <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma comunida<strong>de</strong>.12


Nessa lógica, os programas premiados <strong>de</strong>veriam funcionar como mediadores napromoção da relação criança–família–comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> forma que, tanto a criançase reconhecesse como um membro do grupo social no qual se inseria, quantoa comunida<strong>de</strong> se responsabilizasse pela formação e proteção <strong>de</strong> suas crianças.Essa visão enfatiza a importância do capital social, ou seja, que além do capitaleconômico, os fatores <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m social, institucional e cultural têm impacto diretona produção <strong>de</strong> melhores formas <strong>de</strong> interação social. Milani, 2005.O trabalho do Espaço Compartilharte, e em especial do Programa <strong>Compartilhando</strong>a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong>, ajuda a construir a comunida<strong>de</strong> possível, pensada não como umconceito geográfico, mas como uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações <strong>de</strong> cuidado mútuo.Nessa linha, compreen<strong>de</strong>-se que a melhor política para cuidar das crianças,principalmente as que se encontram em situação <strong>de</strong> risco, é promover orientaçãoe apoio sociofamiliar, <strong>de</strong> modo que elas tenham as condições mínimasindispensáveis ao exercício do pátrio po<strong>de</strong>r. Por sua vez, as famílias estãoinseridas num contexto maior que precisa ser levado em consi<strong>de</strong>ração. O direitoà convivência familiar está intimamente vinculado ao direito da convivênciacomunitária, logo as políticas <strong>de</strong> família <strong>de</strong>vem estar inseridas, também, no bojo<strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento comunitário.O direito das crianças à convivência comunitária é pensado como a conexão <strong>de</strong>vários núcleos familiares numa re<strong>de</strong> comunitária <strong>de</strong> proteção integral, ou seja, aconstrução <strong>de</strong> uma mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> que somos co-responsáveis pelos direitos dosoutros, sobretudo, dos mais vulneráveis. Só assim os membros das famílias queatravessam dificulda<strong>de</strong>s po<strong>de</strong>m sentir-se amparados não apenas pela lei, mas poruma trama <strong>de</strong> vínculos afetivos.13


Contexto da iniciativa“Antes <strong>de</strong> começar a obra eu estava havia 15 dias parado. (...) Tenho uma filha queveio para cá com dois anos e agora ela vai entrar para a escola. As crianças saemdaqui bem adiantadas. O Espaço Compartilharte também ajuda muito aos pais,para que eles possam trabalhar. Fazer essa obra aqui é diferente <strong>de</strong> trabalhar emoutros lugares, porque esse é um espaço que ajuda todo mundo da comunida<strong>de</strong>.”Reginaldo Oliveira Costa, 24 anos, morador <strong>de</strong> Prata dos Are<strong>de</strong>sA REGIÃOA cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Teresópolis pertence à região serrana do estado do Rio <strong>de</strong> Janeiroe está situada no topo da serra dos Órgãos, a 98 quilômetros da capital. Suapopulação é <strong>de</strong> 138.067 habitantes (IBGE, 2001) distribuídos em três distritos.O 1º Distrito, on<strong>de</strong> está localizada a se<strong>de</strong> do município, concentra cerca <strong>de</strong> 83%da população. No 2º Distrito resi<strong>de</strong>m aproximadamente 10 mil habitantes e o 3ºDistrito, que compreen<strong>de</strong> as localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Canoas, Varginha, Socavão e Prata dosAre<strong>de</strong>s abriga em torno <strong>de</strong> 13 mil moradores. O Espaço Compartilharte fica emCanoas, que tem uma população estimada em 1.800 habitantes .Viver numa zona rural tão próxima da segunda maior cida<strong>de</strong> do país tem suaespecificida<strong>de</strong>. Não chega a ser uma periferia, mas há forte influência do modo<strong>de</strong> vida urbano, transformando a região num híbrido <strong>de</strong> campo e cida<strong>de</strong>. Aproximida<strong>de</strong> geográfica faz com que a convivência entre crianças e adolescentesrurais e urbanos seja constante. No entanto, a distância material e simbólica égran<strong>de</strong> entre ambos.A sedução <strong>de</strong> uma vida <strong>de</strong> consumo abundante acen<strong>de</strong> os sonhos <strong>de</strong> mudançapara a capital, e a histórica ausência <strong>de</strong> serviços básicos <strong>de</strong> educação, saú<strong>de</strong> etransporte nas zonas rurais conspira ainda mais para a crueza das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s.Esse olhar <strong>de</strong>sencantado dos adultos para o futuro, seus e <strong>de</strong> seus filhos, é umforte traço cultural regional que o Espaço Compartilharte diagnosticou e vemajudando a <strong>de</strong>snaturalizar. Construir opções baseadas numa cultura <strong>de</strong> direitosajuda a abalar a idéia <strong>de</strong> que as pessoas são aquilo que possuem, recapacitando osmais pobres a sonhar com um futuro mais igualitário e promissor.CANOAS, MOSTRA A SUA CARAEm 2000, o Censo Populacional do Instituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística(IBGE) não passou por todas as localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Teresópolis. Diante <strong>de</strong>ssa situação,os membros da comunida<strong>de</strong> e os gestores do Espaço Compartilharte <strong>de</strong>cidiram Essa última localida<strong>de</strong> pertence ao 1º Distrito, mas que, em razão <strong>de</strong> estar ligada por estrada a Canoas, foiagregada a essa última comunida<strong>de</strong>. Fonte: Pesquisa realizada por moradores para a criação da AMACAPAV (Associação <strong>de</strong> Moradores <strong>de</strong>Canoas, Prata dos Are<strong>de</strong>s e Varginha), em 1998. Consi<strong>de</strong>rando os dados do Censo 2000 (IBGE), os cerca <strong>de</strong> 32 milhões <strong>de</strong> pessoas que resi<strong>de</strong>m na árearural encontram-se em franca <strong>de</strong>svantagem, tanto em termos <strong>de</strong> capital físico (recursos financeiros), quanto<strong>de</strong> capital sociocultural (escolarida<strong>de</strong> e freqüência à escola) em comparação aos que resi<strong>de</strong>m na área urbana(INEP, 2003).15


fazer o recenseamento da população <strong>de</strong> Canoas, colhendo informações quecontribuíssem para a caracterização da sua gente e <strong>de</strong> sua história. Esse esforçoficou conhecido como Censo Comunitário Compartilharte (CCC, 2001).O CCC 2001 revelou que a renda média mensal dos adultos não chegava a doissalários mínimos, sendo que as mulheres recebiam cerca <strong>de</strong> 40% menos que oshomens pelo mesmo tipo <strong>de</strong> trabalho. As ocupações remuneradas predominanteseram: caseiro, para ambos os sexos; pedreiro e serviços gerais, para os homens;e doméstica, para as mulheres. Entre as mulheres, 35% se <strong>de</strong>clararam “do lar”,portanto, sem nenhum tipo <strong>de</strong> renda própria. A categoria “outras ocupações” Essa síntese <strong>de</strong> dados do Censo Comunitário Compartilharte refere-se a uma amostra aleatória <strong>de</strong>quarenta casas. Na época, não foi possível formar um banco <strong>de</strong> dados do Censo. As mais <strong>de</strong> trezentas fichas preenchidasforam lidas, alguns dados foram compilados manualmente e um mapa foi produzido, i<strong>de</strong>ntificando 102 casasnas quais viviam noventa crianças.16


teve índice <strong>de</strong> 43% tanto para homens quanto para mulheres, sugerindo umgran<strong>de</strong> contingente <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempregados e/ou subempregados. Com relação aesses trabalhos <strong>de</strong>clarados, o CCC 2001 mostrou também que boa parte não tinhacobertura dos direitos trabalhistas elementares, como o registro em carteira.O fato <strong>de</strong> mais pessoas (36%) morarem nas casas dos patrões, como caseiros, doque nas suas próprias casas (34%) aumenta a <strong>de</strong>pendência da relação <strong>de</strong> trabalho,uma vez que per<strong>de</strong>r o emprego significa também ficar <strong>de</strong>sabrigado. Outrasituação comum aos caseiros é o trabalho concentrado nos fins <strong>de</strong> semana,quando não há escola ou creche para <strong>de</strong>ixar os filhos. Isso faz com que ascrianças fiquem sozinhas ou sob os cuidados <strong>de</strong> irmãos mais velhos, situaçõesque contribuem para o aumento do risco <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes domésticos, entreoutros problemas.Já entre aqueles que não encontram emprego, mesmo como caseiros, umaalternativa comum é ocupar terras improdutivas, abandonadas ou em fase <strong>de</strong>inventários presentes na região, <strong>de</strong>rrubando a mata nativa para plantar culturas<strong>de</strong> subsistência. No entanto, esse tipo <strong>de</strong> solução, além <strong>de</strong> ilegal e ecologicamentedanosa, torna a vida das famílias ainda mais vulnerável, uma vez que elas correm orisco <strong>de</strong> serem retiradas das proprieda<strong>de</strong>s a qualquer momento.17


Os dados do CCC 2001 apontaram para uma forte correlação entre a falta <strong>de</strong>alternativas <strong>de</strong> trabalho e/ou a informalida<strong>de</strong> dos vínculos trabalhistas e arotativida<strong>de</strong> das famílias na região. Menos da meta<strong>de</strong> dos entrevistados (48%)nasceu em Canoas/Teresópolis e o tempo médio <strong>de</strong> residência na região era <strong>de</strong>8,8 anos, numa população adulta com média etária <strong>de</strong> 32,5 anos. Isso mostra queboa parte dos habitantes tinha se instalado recentemente na área, a partir <strong>de</strong>movimentos migratórios ligados à busca <strong>de</strong> trabalho e sobrevivência.Talvez por esse traço migratório marcante, o CCC 2001 <strong>de</strong>tectou que 17% dosentrevistados <strong>de</strong>clararam não ter amigos na vizinhança e 22% disseram “teralguma dificulda<strong>de</strong> com os vizinhos”, caracterizando uma comunida<strong>de</strong> ainda comfragilida<strong>de</strong>s ou cisões nas relações internas.INFÂNCIA NA REGIÃO“Como era minha vida antes do Espaço?Minha vida era muito triste.Beijos, beijinhos, beijões, da aluna Joana.”Depoimento <strong>de</strong> Joana aos 8 anos, atendida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 4 anosCom relação às crianças <strong>de</strong> 0 a 6 anos , o Censo Comunitário Compartilharte2001 apurou que 56% <strong>de</strong>las não freqüentavam nenhuma instituição educacionale, entre as que freqüentavam, praticamente todas eram atendidas no EspaçoCompartilharte através do Programa <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong>.O CCC 2001 trouxe informações que ajudaram a caracterizar traços da infância edas condições <strong>de</strong> brincar em Canoas. Contrariando a representação <strong>de</strong> que a zonarural é um lugar espaçoso e seguro para as crianças brincarem, constatou-se queé raro encontrar espaços públicos (praças, parques, largos, casas <strong>de</strong> cultura etc.)<strong>de</strong>stinados ao esporte, lazer e recreação. A condição da maioria das moradias era<strong>de</strong> poucos cômodos e muitos moradores, o que dificultava o brincar coletivo.Além disso, a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> brincar era vista pela população como algo que nãoservia para nada , num universo on<strong>de</strong>, até pouco tempo atrás, o trabalho infantiltinha um peso inegável na estrutura <strong>de</strong> tarefas e renda das famílias e, mais grave,era visto como um valor moral. Para piorar, havia uma gran<strong>de</strong> rejeição, também,aos momentos em que as crianças brincavam juntas, pois elas faziam “muitobarulho, bagunça e sujeira”, incomodando os adultos que tinham uma rotinaextenuante. Assim, era entre o manuseio <strong>de</strong> foices, enxadas, produtos agrotóxicose outras ativida<strong>de</strong>s que as expunham a riscos <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes que as criançasprecisavam achar brechas para suas brinca<strong>de</strong>iras. Segundo dados do Censo Escolar 2005 – MEC/INEP – em Teresópolis existem seis instituições pré-escolaresna zona urbana e nenhuma na zona rural. Os indivíduos que trabalharam quando crianças ten<strong>de</strong>m a permitir ou exigir que seus filhos pequenostambém trabalhem, o que dá origem a um círculo intergeracional <strong>de</strong> valorização do trabalho infantil(Souza, 2003). Em termos proporcionais, a incidência do trabalho infantil é maior nas áreas rurais do que nas áreasurbanas, tanto para meninos quanto para meninas (Souza, 2004).18


Os pais não tinham tempo livre para a convivência com os filhos e não achavamque isso fosse um problema. Mesmo nas escolas, as brinca<strong>de</strong>iras não eramvalorizadas e o ensino era feito, segundo os alunos, <strong>de</strong> um “jeito chato”.Outro aspecto i<strong>de</strong>ntificado pelo Censo Comunitário Compartilharte 2001 foi a<strong>de</strong>snutrição <strong>de</strong> crianças e jovens que, apesar <strong>de</strong> viverem numa área produtora <strong>de</strong>hortaliças, não tinham o hábito <strong>de</strong> comer verduras e frutas.Além do retrato do trabalho, das relações comunitárias e do brincarna comunida<strong>de</strong>, o CCC 2001 trouxe à tona alguns indícios <strong>de</strong> violênciadoméstica contra mulheres e crianças, e relatos <strong>de</strong> abuso sexual. O trabalhomostrou, também, que gravi<strong>de</strong>z na adolescência po<strong>de</strong>ria ser consi<strong>de</strong>radaa regra na localida<strong>de</strong>, e não a exceção. Estas e outras informações serviram<strong>de</strong> base para o <strong>de</strong>senho do Programa <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong>,conforme veremos adiante.19


História do Espaço CompartilharteNão há como explicarMas eu tentarei dizerComo foi que ele nasceuPra você não se esquecerUm alguém iluminadoQue aqui veio morarE que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que chegouTudo começou a mudarComeçou em sua casaTodo mundo a convidarPra uma pequena festinhaPara amigos conquistarE comprou um terreninhoE começou a construirReuniu a garotadaPara todos seduzirE agora o EspaçoCresceu com um i<strong>de</strong>alDe salvar o mundo inteiroE tudo o que há <strong>de</strong> malJá te disse muita coisaMas se queres <strong>de</strong>scobrirO restante da históriaTens que aparecer aquiAgora eu vou terminandoQue meu tempo já acabouE nós aqui do EspaçoTe esperamos com amor!Odivan Silveira Huck21


MITO DE ORIGEMO rap do Odivan, adolescente atendido pelo Espaço Compartilharte, narra aorigem e o <strong>de</strong>senvolvimento do Espaço Compartilharte. Logo na segunda estrofeaparece “um alguém iluminado” que ali foi morar. Essa personagem é uma mulherchamada Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Castro Oliveira. Lurdinha, como muitos a chamam, foicriada numa daquelas casas aberta aos amigos, cheia <strong>de</strong> crianças pelas salas, quetem sempre espaço para brinca<strong>de</strong>iras. Seu pai, uma referência em sua vida, faleceuquando ela tinha apenas 14 anos, mas sua presença permaneceu inspirando ospassos da filha que, em sua memória, firmou o compromisso pessoal, no princípiodifuso, <strong>de</strong> cuidar <strong>de</strong> “meninos e meninas”.O tempo passou, a moça se engajou em movimentos sociais e virou profissional emBelo Horizonte, Brasília e Rio <strong>de</strong> Janeiro, sempre inventando muita moda: fazendomobilização comunitária para cuidar do Patrimônio Histórico; levando os excluídospara os museus; colocando Joãozinho Trinta no Teatro Municipal do Rio <strong>de</strong> Janeiropela primeira vez, só para citar alguns exemplos. Pois <strong>de</strong> tanto imaginar, acreditar erealizar, acabou confiando bastante nos próprios sonhos.O marco zero <strong>de</strong>ssa empreitada, como nos adverte Odivan, “não há como explicar,mas eu tentarei dizer”.“A verda<strong>de</strong>ira história não é crível pelos incrédulos, para os que cultuam oracionalismo. E, por absurdo que possa parecer, num certo momento, antes <strong>de</strong>chegar on<strong>de</strong> o Espaço Compartilharte se localiza, chegou a não ser crível pormim mesma. (...) Mas, o curioso é que, para os incrédulos ou exageradamenteracionalistas, com poucas horas <strong>de</strong> convívio na instituição, a história passa a fazersentido. E perguntam mais, querem <strong>de</strong>talhes, aguçam a curiosida<strong>de</strong> e semprevoltam, querendo compartilhar mais da <strong>experiência</strong>.”Lurdinha Castro, 2004 - História do Espaço CompartilharteMariana Castro Moreira, co-fundadora do Espaço Compartilharte, enfatiza queaquele é um “espaço <strong>de</strong> abrir espaço para o sonho e o <strong>de</strong>sejo das pessoas”. Nãoé à toa que um lugar cuja vocação é <strong>de</strong>spertar sonhos e <strong>de</strong>sejos tenha tidoinício, portanto, em um sonho. Acredite quem quiser, foi dormindo que Lurdinhacomeçou a ser transportada para o projeto que viria a se realizar.Havia uma paisagem recorrente nos seus sonhos, um terreno em forma <strong>de</strong>triângulo, uma montanha <strong>de</strong> pedra tendo no topo uma mata <strong>de</strong>smoronada <strong>de</strong>um lado apenas. A imagem era tão nítida que Lurdinha tomou-a como umainformação científica. Com uma amiga, saiu em busca da pedra reveladora atéque, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> muito caminhar, ela a encontrou.22


“Ainda 1991. Setembro. Encontro a montanha <strong>de</strong> pedra, o topo caído <strong>de</strong>terra e, no que <strong>de</strong>la sobrou, uma pequena mata. Caminho por entre asareias, pedras pequenas e outras não tão pequenas, <strong>de</strong>ntro do rio, subouma encosta, chego ao talu<strong>de</strong> aberto, coberto por vegetação rasteira, maisalguns passos, encontro a mina que jorra da terra formando um riachoquase em paralelo ao rio. Meu coração bate forte parecendo que vai fazero peito explodir. Seguro na mão <strong>de</strong> minha amiga Sheila Riera e não precisodizer nada. Eu reconheço esse lugar que havia <strong>de</strong>scrito inúmeras vezes,tantas, que ela também tem a certeza <strong>de</strong> que, enfim, o encontrei. Volto atéo carro, on<strong>de</strong> ficaram dois corretores e digo “Este terreno é meu. Quero vera documentação”. Um <strong>de</strong>les abre uma pasta e tira alguns papéis e a plantada terra. Vejo, entre crédula e incrédula, a última confirmação do sonho. Aterra à venda é um triângulo. Deixo-os na se<strong>de</strong> do município, distante unscinqüenta minutos <strong>de</strong> carro, e dirijo-me ao Soberbo, região <strong>de</strong> entrada nacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Teresópolis, no topo <strong>de</strong> uma montanha <strong>de</strong> mesmo nome. Sentome.Ao meu lado, Sheila. Entro em oração, agra<strong>de</strong>cendo pelo encontro comaquela terra e pedindo orientação para os próximos passos. Sinto, naquelemomento, que a persistência na busca forjou em mim uma coragempara começar uma nova caminhada. Dinheiro para a compra da terraeu não tinha. Essa idéia me angustia por momentos. Recobro o espíritomeditativo. Recebo uma orientação. Procure o Paulo César, que ele seráseu companheiro nessa nova jornada. Volta à racionalida<strong>de</strong>: “Mas o PauloCésar, amigo da Sheila? Não sei o que ele tem a ver com isso”. Porém, semdiscutir comigo mesma, entro no carro, <strong>de</strong>scemos a serra, chego ao Rio,ligo para ele, encontramo-nos. No dia seguinte, um domingo às sete horas,estávamos novamente nessa terra. Durante algumas semanas, subi naquelemorro com meus filhos, outros amigos, para pisar na terra do sonho ereafirmar a <strong>experiência</strong> mística e o encontro com a espiritualida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntroda pujança da Mata Atlântica. E, então, a compramos juntos para iniciar oque hoje é o Espaço Compartilharte.”Lurdinha Castro, 2004 - História do Espaço Compartilharte23


OLHAR A REALIDADEO primeiro passo foi caminhar pelas redon<strong>de</strong>zas e conversar com as pessoas:“– Falamos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejos.– Desejos?– De futuro.– Futuro?– De direitos.– Direitos? O que é isso, dona? “Lurdinha Castro, 2004 - História do Espaço CompartilharteDepois da aproximação com algumas famílias, o grupo foi em busca <strong>de</strong> serviçospúblicos que servissem à população . De um lado, encontraram uma escolamultisseriada, com alta taxa <strong>de</strong> evasão escolar. De outro, a ausência <strong>de</strong> educaçãoinfantil, <strong>de</strong> transporte público, <strong>de</strong> Conselho Tutelar, <strong>de</strong> notificação <strong>de</strong> infreqüênciaescolar e <strong>de</strong> trabalho infantil e, o pior, da <strong>de</strong>scrença em qualquer possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>superação <strong>de</strong>ssas dificulda<strong>de</strong>s.Quando todas as portas pareciam fechadas, começaram a aparecer criançasatraídas pela curiosida<strong>de</strong>. Elas vinham ver as obras no terreno, faziam algumasperguntas, riam e, da mesma forma que chegavam, saíam correndo. A cadasemana, o número <strong>de</strong> crianças aumentava, aos poucos começavam a conversarmais, contar das suas vidas e suas famílias. Foi então que o grupo dos sete resolveuplanejar um encontro para passar o dia com aquelas crianças e adolescentes. Maspara fazer o quê? Para fazer o que faziam com os próprios filhos, com os sobrinhose consigo mesmos – BRINCAR! Assim eles fizeram várias vezes, e o trabalho com as“meninas e meninos” começou a ganhar forma.“No Rio, o grupo <strong>de</strong> amigos já mobilizado reuniu-se para planejar tudo, dascomidas às brinca<strong>de</strong>iras e rodas <strong>de</strong> conversa. No final da tar<strong>de</strong>, <strong>de</strong>pois do horário<strong>de</strong> serviço, encontraram-se e subiram a serra carregados <strong>de</strong> bolos, salsichase molho, pães cortados, balas, pirulitos, biscoitos, papéis, lápis <strong>de</strong> cor, giz <strong>de</strong>cera, tintas, revistas para recortar, papel <strong>de</strong> dobradura, livros <strong>de</strong> estórias e muitaalegria. No porta-malas dos carros vinham também colchonetes, roupas <strong>de</strong>cama e banho e objetos <strong>de</strong> higiene pessoal. Chegamos por volta <strong>de</strong> 21 horas.Chovia torrencialmente. Entramos na casa sem portas, janelas, banheiros ou luz.Acen<strong>de</strong>mos velas, estiramos os colchonetes, sentamo-nos e passamos a noiterindo <strong>de</strong> nós mesmos. A tempesta<strong>de</strong> não passava. A vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir ao banheiroaumentava. Que banheiro? Como não pensamos em nada disso? E mais risos,porque já diziam os antigos, rir é o melhor remédio. O dia foi clareando. Tínhamosa certeza <strong>de</strong> que, pela intensida<strong>de</strong> da chuva e do frio, não apareceria criançaalguma. Como estávamos equivocados! Antes das 6 e meia elas já eram várias. Às8 horas, já eram 28, todas capitaneadas por Ronaldo, Clei<strong>de</strong>rson e Lucimara.”Lurdinha Castro, 2004 - História do Espaço Compartilharte Nota-se que <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o primeiro momento existia no grupo a consciência da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma “avaliaçãodiagnóstica” das <strong>de</strong>mandas sociais e dos serviços prestados àquela população.25


Para superar o abismo que se interpunha entre o mundo dos que chegavam<strong>de</strong> fora e o dos moradores da região, o grupo dos sete amigos lançou mão dalinguagem universal do riso, do divertimento, da brinca<strong>de</strong>ira, da música e do afeto.As crianças adoraram, mas logo ficou claro que o trabalho só seria efetivo se afamília estivesse incluída. Cada criança foi um guia até seus pais, irmãos e vizinhos.A comunida<strong>de</strong> abstrata foi ganhando rostos, nomes, histórias. Diferente do quetinha sido imaginado, a estratégia não partiu <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> coletivo, mas <strong>de</strong>alguns poucos indivíduos. Eles perceberam, enfim, que o i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> “salvar o mundointeiro” começava por conhecer quem eram Ronaldo, Clei<strong>de</strong>rson e Lucimara, seuspais, amigos e até seus inimigos.DA EXPERIMENTAÇÃO À INSTITUCIONALIZAÇÃO“Foi permitido que nós entrássemos nas Canoas.Nossa proposta é navegarmos juntos...”Mariana Castro Moreira, 1999Os encontros informais foram ficando mais constantes. Entre 1992 e 1993, ascrianças e os adolescentes eram convidados a passar um domingo por mês naChácara Nova Era, com ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> arte e brinca<strong>de</strong>iras dirigidas. A partir <strong>de</strong>1994, as famílias passaram a ser convidadas para encontros quinzenais a fim <strong>de</strong>conversar, se conhecer e brincar, e as mulheres formaram um grupo para falarsobre si, seus medos e <strong>de</strong>sejos, além <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r ativida<strong>de</strong>s que pu<strong>de</strong>ssem geraralguma renda.O grupo dos sete amigos foi sendo cada vez mais acolhido e os moradorescomeçaram a <strong>de</strong>mandar mais ativida<strong>de</strong>s com as crianças. Assim, em 1995, asportas da Chácara passaram a se abrir quatro dias na semana para trabalhar comum grupo <strong>de</strong> 78 crianças e 32 adolescentes. Os recursos para o atendimentovinham <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> amigos, familiares e dos próprios fundadores.As ativida<strong>de</strong>s foram se estruturando e, em 1996, nasceu o Espaço Compartilhartecomo Organização da Socieda<strong>de</strong> Civil <strong>de</strong> Fins Não Econômicos. Em seu estatuto,ela <strong>de</strong>clara: “Enten<strong>de</strong>-se por políticas públicas toda sorte <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> ouplanejamento que seja <strong>de</strong> caráter público e que se reverta em benefícios diretosou indiretos à população como um todo, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do fato <strong>de</strong> contarou não com a presença do po<strong>de</strong>r público constituído”.A formalização do EC propiciou a estruturação <strong>de</strong> propostas mais permanentes<strong>de</strong> trabalho e a busca <strong>de</strong> parceiros para viabilizar tais projetos. Uma das parceriasfundamentais nesse início foi com o BNDES, que possibilitou a construção <strong>de</strong> umase<strong>de</strong> para as ativida<strong>de</strong>s. Essas ativida<strong>de</strong>s, por sua vez, passaram a ter uma intençãoestratégica mais clara.26


Filosofia, estratégia e estruturado Espaço CompartilharteA base da filosofia do Espaço Compartilharte está calcada na crença <strong>de</strong> queum mundo mais fraterno, justo e igualitário é um direito e compete a cadaum <strong>de</strong> nós construí-lo.As idéias <strong>de</strong> Jesus Cristo, São Francisco <strong>de</strong> Assis, Gandhi, Betinho, Frei Betto,Che Guevara, Paulo Freire, entre outros lí<strong>de</strong>res espirituais e políticos, alémdos princípios contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, naConstituição Brasileira (1988) e no Estatuto da Criança e do Adolescente,constituem a base da proposta <strong>de</strong> Educação em valores e direitos humanos do EC.A proposta trabalha com três gran<strong>de</strong>s linhas <strong>de</strong> ação, a saber:. Didática amorosa: tem como referência a Didática da Amorosida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>Paulo Freire, na qual educadores e educandos são sujeitos da construçãodo conhecimento e vão apren<strong>de</strong>ndo a dinamizar, através <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>safetuosas, a própria aprendizagem.. Transmutação: concebe a educação como instrumento <strong>de</strong> transformaçãopessoal e social, produzindo mudanças sucessivas na realida<strong>de</strong>trabalhada e transformando impotência em potência, ignorância em luz.. Simplicida<strong>de</strong> e praticida<strong>de</strong>: é a aprendizagem através da prática, <strong>de</strong>forma simples, criativa e <strong>de</strong> acordo com a realida<strong>de</strong> socioeconômica ecultural da comunida<strong>de</strong>.Essas linhas <strong>de</strong> ação põem em jogo a Pedagogia do Amor. A atitu<strong>de</strong> amorosaacontece, por exemplo, quando alguém <strong>de</strong>sperta, em uma outra pessoa,sua consciência sobre seus méritos, suas riquezas e seus direitos, <strong>de</strong> umamaneira <strong>de</strong>licada e afetuosa. Esse olhar amoroso abre caminho para conversas,brinca<strong>de</strong>iras e ativida<strong>de</strong>s que reacen<strong>de</strong>m sonhos os quais não vingariam nosolo arenoso da baixa auto-estima. São sopros simples como estes, na horacerta, que acolhem e alimentam a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> viver e lutar. Por mais i<strong>de</strong>alistaque isso possa parecer, essas práticas são concretas e costumam ter muitaforça <strong>de</strong> transformação.A Pedagogia do Amor se <strong>de</strong>sdobra, entre outras coisas, numa PropostaPolítico-Pedagógica Institucional (PPPI) que está sendo construída <strong>de</strong>s<strong>de</strong> osprimeiros anos <strong>de</strong> existência do Espaço Compartilharte, e hoje contempla osseguintes pontos:. Utilizar a música, o teatro, a literatura, as artes plásticas, a capoeira, asbrinca<strong>de</strong>iras, os jogos e os conhecimentos específicos para o <strong>de</strong>senvolvimento<strong>de</strong> uma Educação em Valores e Direitos Humanos.. Perceber a comunida<strong>de</strong> não só como <strong>de</strong>tentora <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong>s, mas,fundamentalmente, como campo <strong>de</strong> possibilida<strong>de</strong>s e potencialida<strong>de</strong>s que acolocam como o principal ator na construção <strong>de</strong> sua transformação. A apostano protagonismo juvenil é uma importante expressão <strong>de</strong>ssa visão.. Partir do conhecimento da realida<strong>de</strong> e das <strong>de</strong>mandas daquelas pessoas paraconstrução <strong>de</strong> um projeto coletivo <strong>de</strong> transformação pessoal e social.. Buscar a auto-sustentabilida<strong>de</strong> do projeto com vistas à autonomia dacomunida<strong>de</strong> na gestão das iniciativas que lhes dizem respeito.29


5.Criar uma cultura <strong>de</strong> monitoramento, avaliação e sistematização paraa apropriação dos conhecimentos construídos <strong>de</strong>ntro da Educação emValores e Direitos Humanos, com ênfase nos Direitos da Criança e doAdolescente e Responsabilida<strong>de</strong> Social e sua possível difusão para outrascida<strong>de</strong>s e estados brasileiros.Para operacionalizar a missão, os princípios, os objetivos e a proposta políticopedagógica, o Espaço Compartilharte atua em quatro áreas, chamadas Veredas:1) Educação e Cultura; 2) Geração <strong>de</strong> Trabalho e Renda; 3) Saú<strong>de</strong> e Meio Ambiente;e 4) Desenvolvimento Institucional.Há uma lógica <strong>de</strong> inter<strong>de</strong>pendência entre as ações das Veredas, como veremosadiante, na <strong>de</strong>scrição do Programa <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong> ou,simplesmente, o <strong>Brincar</strong>. A unida<strong>de</strong> básica <strong>de</strong> atendimento dos programas é afamília, com ativida<strong>de</strong>s específicas para as crianças (ex. educação infantil), paraos adolescentes e jovens (ex. ativida<strong>de</strong>s complementares à escola formal e <strong>de</strong>protagonismo juvenil), para os pais ou responsáveis (ex. geração <strong>de</strong> renda) e paraseus vizinhos e amigos (ex. mobilização comunitária). Porém, o Programa <strong>Brincar</strong>atua <strong>de</strong> forma transversal articulando esses diversos públicos.As veredas abrigam os seguintes programas e projetos:1 – VEREDA DA EDUCAÇAO E CULTURA:Programa <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong>Programa <strong>de</strong> Educação Complementar em Valores e Direitos Humanos- Projeto Espaço nas Escolas- Projeto Protagonismo Juvenil- Projeto <strong>Arte</strong>s Integradas- Projeto Trilheiros- Projeto Festival Internacional <strong>de</strong> Cinema Infantil- Projeto Mobilização Comunitária- Projeto Veredas da Convivência Familiar e Comunitária- Projeto Espaço Promotor <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>- Projeto Protagonismo Juvenil e Inclusão Digital na Vara da Infância e Juventu<strong>de</strong>.2 – VEREDA DA GERAÇAO DE TRABALHO E RENDA- Projeto Oficina Social- Projeto Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Arte</strong>sãos3 – VEREDA DO DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONALPrograma Integrado <strong>de</strong> Gestão do ConhecimentoPrograma Integrado <strong>de</strong> Capacitação e Consultoria em Responsabilida<strong>de</strong> Social eVoluntariadoPrograma Integrado <strong>de</strong> Capacitação e Consultoria em Direitos da Criança e doAdolescente4 – VEREDA DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTEProjeto Vereda do Desenvolvimento Sustentável da Comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Canoas: UmProjeto Demonstrativo <strong>de</strong> Conservação da Mata Atlântica30


FLUXO DECISÓRIO DO ESPAÇO COMPARTILHARTEA figura acima ilustra o funcionamento do Espaço Compartilharte. Os círculoscoloridos e numerados <strong>de</strong> um a quatro representam as Veredas, que são geridaspor um Comitê Gestor (CG), órgão colegiado que se <strong>de</strong>dica a planejar, acompanhare avaliar todos os processos <strong>de</strong> gestão, programas e projetos institucionais. O CGé <strong>de</strong>signado pela Assembléia Geral e composto pelo Presi<strong>de</strong>nte, pela SecretariaExecutiva (SE) e por mais quatro pessoas físicas, sendo três <strong>de</strong>las do quadrotécnico e administrativo mais uma representante dos beneficiários. A SecretariaExecutiva ocupa um lugar <strong>de</strong> mediação, integração e acompanhamento dosprogramas, projetos, equipes, relacionamento com parceiros e Assembléia Geral.Juntos, o Comitê Gestor e a Secretaria Executiva <strong>de</strong>liberam sobre o planejamentoinstitucional <strong>de</strong>finindo e acompanhando diretrizes e estratégias que possibilitema operacionalização da missão, visão, valores e objetivos institucionais econsolidação da sustentabilida<strong>de</strong>.31


ESTRATÉGIAS DE SUSTENTABILIDADEComo a gran<strong>de</strong> maioria das organizações sem fins lucrativos, o EspaçoCompartilharte vive a necessida<strong>de</strong> permanente <strong>de</strong> busca <strong>de</strong> recursos para seufuncionamento. As estratégias utilizadas para viabilizar os programas, <strong>de</strong>ntre eleso <strong>Brincar</strong>, são as seguintes:1. Parcerias institucionais: apoio financeiro <strong>de</strong> organizações governamentais,não-governamentais ou privadas. Exemplos: Banco Nacional <strong>de</strong> DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES), Intelig, Instituto Desi<strong>de</strong>rata, Ancar – Gestão Integrada<strong>de</strong> Shopping Centers e Concessionária Rio-Teresópolis.2. Parcerias e alianças estratégicas: apoio por meio <strong>de</strong> recursos técnicos, humanos,produtos ou serviços <strong>de</strong> organizações governamentais, não-governamentais ouprivadas. Exemplos: Projeto “Xepa” – Mobilização <strong>de</strong> hortifrutigranjeiros locais que doam,semanalmente, frutas e hortaliças para o cardápio alimentar das crianças e doseducadores. A mesma estratégia se dá junto a açougues e comerciantes locais<strong>de</strong> produtos naturais. Apoio da agência <strong>de</strong> comunicação Casa do Cliente na produção e atualização <strong>de</strong>folhetaria, site, material didático etc. Mutirão para construção do prédio se<strong>de</strong> do Programa <strong>Brincar</strong>. Um promotorpúblico direcionou seu primeiro salário para a obra, empresários locaiscontribuíram com materiais <strong>de</strong> construção e pais contribuíram com serviços<strong>de</strong> acabamento. O Espaço Compartilharte recebeu, na categoria Comunicação Integrada, o Prêmio ABERJE 2005(Associação Brasileira <strong>de</strong> Comunicação Empresarial). A premiação valoriza a excelência da comunicaçãoempresarial no Brasil.32


Doação <strong>de</strong> veículos para transportar educadores e crianças no trajeto casa–Espaço–casa, pelos funcionários <strong>de</strong> uma empresa com a qual o EC <strong>de</strong>senvolviatrabalhos na área <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> social e voluntariado.3. Clube <strong>de</strong> sócios: Po<strong>de</strong>-se contribuir como sócio-contribuinte ou sócio-padrinho.Na primeira opção, a pessoa física ou jurídica repassa ao EC a quantia mínima<strong>de</strong> R$ 30,00 mensais. Na segunda, doa R$ 180,00 por mês para uma criança ouadolescente assistido pelos programas.4. Mobilização comunitária: comunitários e familiares das crianças atendidastambém contribuem com a sustentabilida<strong>de</strong> do Programa <strong>Brincar</strong>, doandoprodutos ou serviços. Eles prestam serviços voluntários, como ampliação e/oumanutenção das instalações (parque, cerca, jardins etc.), seleção dos legumes everduras doados pelos hortifrutigranjeiros e cultivo da horta.5. Geração <strong>de</strong> recursos próprios: Organização <strong>de</strong> bazar comunitário. Organização <strong>de</strong> eventos <strong>de</strong> divulgação institucional e captação <strong>de</strong> recursos(jantares beneficentes, rifas, leilões etc.). Comercialização <strong>de</strong> produtos artesanais provenientes <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> geração<strong>de</strong> trabalho e renda. Venda <strong>de</strong> serviços <strong>de</strong> capacitação e consultoria em áreas como:responsabilida<strong>de</strong> social e voluntariado; Estatuto da Criança e do Adolescente; obrincar como ferramenta social e educativa e <strong>de</strong> gestão social.Além <strong>de</strong> gerar recursos, as estratégias <strong>de</strong> sustentação financeira têm umcaráter socioeducativo, contribuindo para que empresas, cidadãos, famílias ecomunitários participem ativamente das ativida<strong>de</strong>s voltadas para a garantia <strong>de</strong>direitos <strong>de</strong> crianças e famílias da zona rural <strong>de</strong> Teresópolis. Valores referentes a <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2005.33


Desenho do programaPORQUE PRIVILEGIAR O BRINCAR?“Depois do Espaço comecei a ficar mais interessada na minha vida.”Depoimento <strong>de</strong> Renata, 9 anos,atendida pelo EC <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 6 anosA forma encontrada pelo Espaço Compartilharte para <strong>de</strong>senvolver as relaçõesfamiliares e comunitárias e garantir os direitos das crianças foi o brincar. Mas porque o brincar? A resposta está na ponta da língua dos participantes do programa:I - Porque brincar vem do latim e significa laço, vínculo, união. As formas <strong>de</strong>vinculação representam uma possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ruptura com situações <strong>de</strong>vulnerabilida<strong>de</strong>, proporcionando a criação <strong>de</strong> outras maneiras <strong>de</strong> agir:Entre pais e filhosEntre famíliasEntre a comunida<strong>de</strong> e a cultura da região.II – Porque brincar é a uma das linguagens constitutivas da infância: O brincarnão é uma técnica para lidar com crianças. <strong>Brincar</strong> é valorizar o “mundo dainfância”, sua inventivida<strong>de</strong>, sua criativida<strong>de</strong>, sua liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> experimentação. É alegitimação <strong>de</strong> uma linguagem e <strong>de</strong> um território on<strong>de</strong> se dão aprendizagens e aexpressão do potencial criativo <strong>de</strong> cada um.III – Porque brincar é também um ato <strong>de</strong> cidadania:O brincar é uma forma <strong>de</strong> subjetivação – instrumento primeiro da construçãoativa da cidadania – on<strong>de</strong> a criança, o adolescente, o educador ou familiar quebrinca torna-se sujeito da própria história. O “brincante” nunca é passivo, nuncaé “brincado” por outra pessoa. Quem brinca faz escolhas, negocia, reinventa omundo à sua volta, reinventando-se.IV – Porque brincar é um instrumento <strong>de</strong> educação integral:Longe <strong>de</strong> simples ocupação do tempo livre, o brincar insere-se <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> uma proposta educativa estruturada, realizando uma ruptura comações ou abordagens assistencialistas. Isso requer duas atitu<strong>de</strong>s: primeiro,a <strong>de</strong>sconstrução da idéia que brincar é “perda <strong>de</strong> tempo” e, segundo,a incorporação do brincar como fundamental para a promoção do<strong>de</strong>senvolvimento infanto-juvenil corporal, criativo, cognitivo e emocional. Isso sedá, sobretudo, a partir da criação <strong>de</strong> espaços e momentos coletivos <strong>de</strong> brincar,reunindo crianças e seus familiares, e comunitários.Baseado em texto <strong>de</strong> Mariana <strong>de</strong> Castro Moreira, junho <strong>de</strong> 200435


OBJETIVOS DO PROGRAMA COMPARTILHANDO AARTE DE BRINCAR E FORMAS DE AÇÃOObjetivo geral: contribuir para a promoção e <strong>de</strong>fesa dos direitos da criança e doadolescente, em especial, além dos direitos à convivência familiar, comunitária eao brincar, por meio <strong>de</strong> projetos e ações que visam à proteção integral.Para aten<strong>de</strong>r esse objetivo, o Programa <strong>Brincar</strong> está estruturado em três eixos:Eixo 1Promover os direitos básicos das crianças, em especial os <strong>de</strong> convivência familiar ecomunitária e <strong>de</strong> brincar. Como?Prestando atendimento direto às crianças, adolescentes e familiares através <strong>de</strong>projetos estruturados segundo diagnósticos específicos.Informando as famílias acerca <strong>de</strong> seus direitos e dos direitos das crianças.Desenvolvendo formas <strong>de</strong> mobilização comunitária que criem um senso <strong>de</strong>inter<strong>de</strong>pendência e co-responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uns pelos outros.Eixo 2Oferecer formação continuada em cuidado e educação aos profissionais do EC eda comunida<strong>de</strong> do entorno; bem como às famílias das crianças participantes doprograma. Como?Oferecendo cursos e formação em serviço para toda a equipe dos programas <strong>de</strong>atendimento direto às crianças e seus familiares.Orientando e capacitando os grupos familiares a compreen<strong>de</strong>r melhor suasituação e buscar saídas <strong>de</strong> forma organizada e cidadã.Criando espaços <strong>de</strong> participação para que a comunida<strong>de</strong> exercite as habilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> diagnosticar, negociar e acompanhar suas necessida<strong>de</strong>s.Organizando seminários e cursos nas escolas locais e junto à Vara da Infância eda Juventu<strong>de</strong> e aos fóruns locais e regionais.Eixo 3Avaliar e registrar as aprendizagens relevantes, com vistas a disseminá-las,contribuindo na formulação <strong>de</strong> políticas e projetos <strong>de</strong> proteção integral. Como?Desenvolvendo processos sistemáticos <strong>de</strong> registro e monitoramento <strong>de</strong>ações diretas.Elaborando materiais didáticos, publicações e espetáculos que possam inspiraroutras iniciativas.Registrando informações sobre a comunida<strong>de</strong> e seus direitos <strong>de</strong> cidadãosImplantando um banco <strong>de</strong> dados.37


QUADRO SÍNTESETIPO DE ATIVIDADE SEGUNDO EIXO X PÚBLICO-ALVOEixo/Público EIXO 1EIXO 2EIXO 3CRIANÇAS DE 2A 6 ANOSPROMOÇÃODOS DIREITOSÀ CONVIVÊNCIAFAMILIAR ECOMUNITÁRIA E DEBRINCARAtendimento diárioem ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> educaçãoinfantil (incluindotransporte ealimentação)Oficinas e eventossociais e educativosFORMAÇÃOCONTINUADAReuniõespedagógicassemanaisCursos, oficinas eseminários afinsAVALIAÇÃO EREGISTRO DASAPRENDIZAGENSAcompanhamentoe registro<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s e<strong>de</strong>senvolvimentodas criançasSistematização dasaprendi-zagensFAMILIARES(IRMÃOSADOLESCENTESE JOVENS E PAIS/RESPONSÁVEIS)Visitas domiciliaresEncontro <strong>de</strong>familiaresReuniões <strong>de</strong>orientação e apoiosociofamiliarOficinas, cursose palestras <strong>de</strong>orientaçãosociofamiliarFormação<strong>de</strong> jovensprotagonistasImplementação dobanco <strong>de</strong> dadosCOMUNIDADE(VIZINHOS,PROFESSORES,PARENTESDISTANTES ETC.)Grupo <strong>de</strong> mulheresOficinas e eventossociais e educativosOrganização<strong>de</strong> alternativas<strong>de</strong> geração <strong>de</strong>trabalho e rendaRe<strong>de</strong> <strong>de</strong> proteçãointegral (RPI) 2Formaçãocontinuada <strong>de</strong>educadores nasescolas da regiãoFormação <strong>de</strong>conselheiros <strong>de</strong>direitos e tutelaresFormação para aRPIRecenseamentoManual <strong>de</strong> serviçose políticas públicasSistematização<strong>de</strong> processos quepossam inspirarpolíticas públicasPassaremos a <strong>de</strong>screver as ações empreendidas <strong>de</strong> acordo com os públicos-alvo,i<strong>de</strong>ntificando o diagnóstico dos obstáculos encontrados, os objetivos traçadose as estratégias para alcance dos objetivos. Como o volume <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s égran<strong>de</strong>, muitas <strong>de</strong>las serão citadas sem muito <strong>de</strong>talhamento. Em seguida,exemplificaremos com mais informações como as ativida<strong>de</strong>s mais importantesalcançam os vários públicos e se integram. Baseada na idéia da Proteção Integral expressa pelo Artigo 227 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral, a Re<strong>de</strong> <strong>de</strong>Proteção Integral do EC é uma proposta para garantir os direitos, a autonomia e o empo<strong>de</strong>ramentocomunitário através da articulação <strong>de</strong> ações locais em re<strong>de</strong> (Moreira et alli, 2006:70).38


1–AÇÕES COM FOCO NAS CRIANÇAS DE 2 A 6 ANOS:OBSTÁCULOSDesconhecimento e <strong>de</strong>srespeito aosdireitos básicos das crianças.Falta <strong>de</strong> políticas e serviços <strong>de</strong>educação infantil na região.Falta <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> convivênciaa<strong>de</strong>quados para as crianças(criançasbrincando sozinhas ou expostas ariscos <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes).Ausência <strong>de</strong> transporte público regular(longa distância entre os domicílios).Naturalização do trabalho infantil.Falta <strong>de</strong> pessoal formado e capacitadopara cuidar-educar crianças, na região.Desnutrição e hábitos alimentarespouco saudáveis (comprovação <strong>de</strong> altataxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>snutrição, fome, pediculose,escabiose e doenças respiratórias).OBJETIVODisseminar o entendimento doconceito <strong>de</strong> educação e proteçãointegrais.Possibilitar o acesso <strong>de</strong> crianças aodireito à educação e cultura <strong>de</strong>s<strong>de</strong> aprimeira infância.Fazer do EC um ambiente educativo<strong>de</strong> acordo com uma visão <strong>de</strong> educaçãointegral.Viabilizar a freqüência das criançasàs ativida<strong>de</strong>s através da oferta <strong>de</strong>transporte casa–EC–casa.Erradicar o trabalho infantil.Proporcionar ações <strong>de</strong> formaçãocontinuada à equipe 3 e às famílias,repensando e renovando as formaslocais <strong>de</strong> pensar-fazer educação.Estimular a prática <strong>de</strong> planejamento,registro, monitoramento, avaliação,sistematização.Contribuir para a mudança <strong>de</strong> hábitos<strong>de</strong> higiene, alimentação e <strong>de</strong> cuidadoscom a saú<strong>de</strong>.PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS DE AÇÃO COM FOCO EM CRIANÇASDE 2 A 6 ANOS1.1 – Ações <strong>de</strong> educação infantilNa ausência <strong>de</strong> creches e pré-escolas na região, mas sem preten<strong>de</strong>r substituir opo<strong>de</strong>r público, a gestão do Espaço Compartilharte <strong>de</strong>cidiu oferecer transporte eatendimento diário a um grupo <strong>de</strong> quarenta crianças por ano, com ida<strong>de</strong>s entre2 e 6 anos. A idéia é proporcionar condições para o <strong>de</strong>senvolvimento sóciocognitivo-motor<strong>de</strong>ssas crianças, através <strong>de</strong> <strong>experiência</strong>s institucionais e <strong>de</strong> convivência comunitária, que tenham valor educativo e consigam sensibilizarpais e membros da comunida<strong>de</strong> para a importância <strong>de</strong> lutar pelos direitoseducacionais <strong>de</strong> seus filhos.Contribuir para a mudança <strong>de</strong> hábitos <strong>de</strong> higiene, alimentação e <strong>de</strong> cuidados com a saú<strong>de</strong>. Essa visão se alinha ao conceito <strong>de</strong> educação integral que vem sendo retomado no bojo da discussãosobre qualida<strong>de</strong> na educação. É bom não confundir educação integral com educação em tempo integral, poisembora o tempo <strong>de</strong> permanência na instituição escolar seja importante, uma educação que se diz integral<strong>de</strong>ve ampliar seus espaços <strong>de</strong> experimentação e consi<strong>de</strong>rar que as crianças <strong>de</strong>vem ser vistas e estimuladas emtodo o seu potencial (biológico-cognitivo-social-subjetivo-cultural), e não <strong>de</strong> maneira fragmentada e parcial(Ca<strong>de</strong>rno Cenpec 2 – 2006).39


1.1.2 – Rotina e ativida<strong>de</strong>s da educação infantilAs crianças <strong>de</strong> 2 a 6 anos são atendidas <strong>de</strong> segunda a sexta em horário integrale recebem três refeições diárias. Como a maioria dos pais trabalha como caseiro,ocupação em que o maior volume <strong>de</strong> trabalho ocorre nos fins <strong>de</strong> semana, o ECoferece ativida<strong>de</strong>s durante um sábado ou domingo a cada mês.MATRIZ DE HORÁRIOS E ATIVIDADES NA EDUCAÇÃO INFANTILSEGUNDA A SEXTASÁBADOSALTERNADOSDOMINGO7h00Início transporte8h30Suco ver<strong>de</strong>/roda9h0012h0013h3016h30Formação <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong>trabalhoAlmoçoFormação <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong>trabalhoEncerramento das ativida<strong>de</strong>s/Harmonização do ambienteReunião <strong>de</strong>formação eplanejamento daequipe interna doprogramaEventos sociaise educativos(mensais)17h00Jantar/Roda19h00Encerramento transporte Em sábados alternados, a equipe <strong>de</strong> educação infantil se <strong>de</strong>dica ao estudo e às ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>planejamento supervisionado.42


A seguir, <strong>de</strong>screveremos as ativida<strong>de</strong>s indicadas no quadro da página anterior.A roda. Uma marca do Espaço Compartilharte que percorre todos os programasé o ritual da roda. Ao iniciar e fechar as ativida<strong>de</strong>s do dia, todos os presentes dãoas mãos e formam um círculo. Primeiro, eles dão seus testemunhos públicos <strong>de</strong>gratidão, completando a frase: “quero agra<strong>de</strong>cer...”. Depois, verbalizam os <strong>de</strong>sejospor meio da frase: “quero pedir...”. Ao final, todos cantam a Oração <strong>de</strong> São Francisco,que ajuda a reforçar os valores humanos da prática educativa. A roda é como umamesa redonda, on<strong>de</strong> não há cabeceira. É um momento em que todos se igualam.Qualquer um po<strong>de</strong> iniciar a fala, vale tanto “falar o que quiser” quanto “não ternada a dizer”. A roda ainda funciona como o “jornal diário falado”, pois nela são“ouvidos” os pedidos “para que meu pai não bata mais na minha mãe”, “para queminha mãe arrume outro emprego, pois senão ficaremos sem casa para morar” ou,ainda, os agra<strong>de</strong>cimentos “pelo meu pai não ter bebido ontem”, “pela minha avó queestá cuidando da gente, pois minha mãe foi embora com outro homem”. Escutaratentamente o que é dito na roda ajuda a pautar o trabalho da equipe do EC.Formação <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> trabalho. O planejamento diário prevê espaços eestratégias diversificadas junto às crianças, equilibrando a inserção <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>sdirecionadas e ativida<strong>de</strong>s livres. Os educadores se vêem como os construtores <strong>de</strong>um ambiente on<strong>de</strong> o brincar tem espaço para acontecer. Eles são orientados aacompanhar as crianças, observando suas escolhas, histórias e formas <strong>de</strong> brincar,tomando notas sobre questões como:A criança brinca sozinha ou com outras crianças?Como se relaciona com as <strong>de</strong>mais crianças?Brinca sempre com as mesmas crianças/grupos?Brinca <strong>de</strong> quê?Quais histórias aparecem na brinca<strong>de</strong>ira?Quem aparece?Como a criança lida com seus sentimentos nas brinca<strong>de</strong>iras?E com as atitu<strong>de</strong>s <strong>de</strong> outras crianças?Como lida com situações <strong>de</strong> conflito?Qual o tempo <strong>de</strong> cada brinca<strong>de</strong>ira?43


Combinando ativida<strong>de</strong>s previamente planejadas com o interesse manifestadopelas crianças, são <strong>de</strong>senvolvidas ativida<strong>de</strong>s como: Letramento e mediação <strong>de</strong> leitura. Os recursos utilizados são vários, jogos,massa <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lar, argila, rótulos, livros e também o computador. Construção <strong>de</strong> brinquedos a partir <strong>de</strong> sucata, com material reciclável coletadopelas crianças e pelas famílias. Desenvolvimento psicomotor por meio <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s com lixa, massa <strong>de</strong>mo<strong>de</strong>lar, <strong>de</strong>senho, argila, barbante, sementes, brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> equilíbrio etc. <strong>Arte</strong>s integradas (teatro, música, dança, capoeira, artesanato, esportes etc.). Observação da natureza na produção <strong>de</strong> mudas a partir das sementesrecolhidas, na feitura da compostagem (adubo), na mo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong> pegadas<strong>de</strong> animais.Nesse acompanhamento, quando é preciso intervir, o papel dos educadoresé <strong>de</strong> mediar, ou seja, facilitar o encontro com outras crianças, ajudar a pôr empalavras os sentimentos, e apresentar outros espaços, materiais e possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> brincar e agir.EXEMPLOS DE ATIVIDADES COM AS CRIANÇAS:Coleção <strong>de</strong> pegadas <strong>de</strong> animais. Um dos encantos da educação no campoé a convivência com diferentes tipos <strong>de</strong> animais, tanto domésticos quantoselvagens. Uma forma <strong>de</strong> incorporar esse saber à educação é a prática <strong>de</strong>i<strong>de</strong>ntificar e conservar as pegadas que as crianças vêm marcadas na terra.Quando alguém vê uma pegada <strong>de</strong> animal, chama um adulto e, juntos, coletama amostra do solo para que sirva <strong>de</strong> mol<strong>de</strong> para a reprodução da marca emparafina. O animal que <strong>de</strong>ixou seu rastro é pesquisado e as pegadas passam acompor um pequeno acervo <strong>de</strong> história natural junto com as histórias narradas eimaginadas pelas crianças.Árvore <strong>de</strong> livros. Com cordas e barbantes coloridos, são pendurados nasárvores vários livros <strong>de</strong> literatura infanto-juvenil. Junto, <strong>de</strong>penduram-se cartazes,brinquedos <strong>de</strong> sucata, jogos educativos. A comunida<strong>de</strong> do entorno é convidadaa sentar-se embaixo da árvore para “brincar”: <strong>de</strong> ler, contar e recontar histórias,fabricar brinquedos <strong>de</strong> sucata, mo<strong>de</strong>lar massa ou argila no formato <strong>de</strong> letras quecomponham o nome dos livros lidos, montar um quebra-cabeça ou pular corda.Harmonização do ambiente. É a participação <strong>de</strong> todos na arrumação do espaçoe dos materiais utilizados ao final <strong>de</strong> cada ativida<strong>de</strong>. É a prática da teoria docuidado com o que é coletivo ou comunitário.44


1.1.3 – Ações <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e nutriçãoTodas as crianças atendidas têm seu peso e tamanho mensurados a cadadois meses. Quando se <strong>de</strong>tecta estado <strong>de</strong> <strong>de</strong>snutrição, a criança entra em umprograma nutricional elaborado especialmente para ela, em conjunto comsua família. Diariamente é fornecida uma alimentação balanceada, baseadano cardápio mínimo das cinco cores , exceto a carne, enriquecida com grãosgerminados e multimistura. Um suco ver<strong>de</strong> é oferecido no café-da-manhã e nolanche. Como os problemas respiratórios são comuns na região, uma dose diária<strong>de</strong> xarope com mel e ervas medicinais foi introduzida no cardápio das crianças edos adolescentes.No momento da alimentação, questões como a experimentação <strong>de</strong> gostos etexturas, a composição estética dos pratos, o cuidado com o <strong>de</strong>sperdício e oshábitos <strong>de</strong> mastigação e boas maneiras são objeto <strong>de</strong> atenção. Durante a refeiçãoouve-se música clássica. Nas mesas, cada criança tem um prato e um paninho àsua disposição para que, ao terminar a sua refeição, recolha o que <strong>de</strong>ixou cair oulimpe o que sujou, ajudando na higiene do ambiente. O processo <strong>de</strong> produçãodos alimentos também é observado e a criança tem uma participação ativa tantono plantio <strong>de</strong> hortaliças e legumes quanto na germinação <strong>de</strong> grãos e produção <strong>de</strong>pelo menos uma refeição semanal.1.2 – Ações <strong>de</strong> formação para cuidar-educar as criançasTrabalho interno. Em sábados alternados, a equipe do Programa <strong>Brincar</strong><strong>de</strong>dica-se ao planejamento e avaliação do trabalho com as crianças. Essasreuniões, coor<strong>de</strong>nadas por um profissional <strong>de</strong> nível superior, são momentos pararelatar casos mais <strong>de</strong>safiadores, pesquisar temas para <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> novasativida<strong>de</strong>s, pensar a interface do <strong>Brincar</strong> com os outros programas, discutirnovas parcerias etc. A coor<strong>de</strong>nadora do programa também <strong>de</strong>dica três horasdiárias <strong>de</strong> sua jornada, <strong>de</strong> segunda a sexta-feira, ao trabalho <strong>de</strong> capacitações emserviço dos educadores. A alimentação do EC é baseada na medicina chinesa e composta, todos os dias, por cinco cores diversas: oarroz, o feijão, a proteína animal (opcional) e mais três verduras e legumes <strong>de</strong> cores diferentes. Essa varieda<strong>de</strong>garante uma alimentação balanceada e rica com todos os nutrientes necessários ao pleno <strong>de</strong>senvolvimento. Mais <strong>de</strong>talhes sobre os grãos germinados po<strong>de</strong>m ser encontrados na sessão “Brincando <strong>de</strong> Biu Poran”,– página 64. Composto por couve, limão e ervas medicinais aromatizantes, o “suco ver<strong>de</strong>” contribui para o aumento daimunida<strong>de</strong> e para a <strong>de</strong>fesa contra doenças respiratórias.45


Capacitação. Além da rotina das reuniões <strong>de</strong> sábado, durante o ano sãooferecidas capacitações com a equipe, <strong>de</strong>ntro e fora do EC (média <strong>de</strong> 170 h/ano).Um marco no Programa <strong>Brincar</strong> foram as Oficinas Lúdicas, ministradas pelos“criançólogos” 10 Rodrigo Libânio Christo e Michela Van Doornik Christo, em 1999 e2000. Os encontros objetivaram repensar a relação existente entre a ludicida<strong>de</strong> e aaquisição do conhecimento, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> um processo pedagógico libertador.PRINCIPAIS EIXOS TEMÁTICOS DAS CAPACITAÇÕESPolíticas públicas.Pedagogia <strong>de</strong> projetos.Pedagogia do Amor: metodologia <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong>senvolvida pelo EspaçoCompartilharte, com base em valores e direitos humanos.Os direitos da criança e do adolescente.Fundamentos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento infantil.A inserção do brincar como instrumento social e educativo.Ferramentas <strong>de</strong> gestão social (elaboração, monitoramento, avaliação esistematização <strong>de</strong> projetos).Promoção da saú<strong>de</strong>.Alimentação alternativa e produção <strong>de</strong> alimentos.10 O termo “criançólogo” é uma auto<strong>de</strong>nominação usada por esses profissionais para <strong>de</strong>screver seu trabalho<strong>de</strong> experimentação coletiva <strong>de</strong> jogos e ativida<strong>de</strong>s lúdicas.46


Todos são educadores. Todos os funcionários do Espaço Compartilharte sãonomeados educadores das suas respectivas funções e capacitados para realizarsuas tarefas tendo em vista respeitar os valores e princípios institucionais. Assim,eles assumem sua parte na formação daqueles com os quais interagem.As pessoas encarregadas da limpeza são educadores da limpeza e ensinam ascrianças a manter as coisas em or<strong>de</strong>m, a colaborar na coleta seletiva <strong>de</strong> lixo etc. Osresponsáveis pela preparação dos alimentos são os educadores da alimentaçãoe ensinam a não <strong>de</strong>sperdiçar comida, a preparar lanches e sucos e dão dicas <strong>de</strong>nutrição e higiene.As pessoas encarregadas das tarefas administrativas – os educadores dasecretaria - ensinam o valor da organização, ajudam na relação crianças -padrinhos, <strong>de</strong>ntre outras funções. A ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ir e voltar da casa para o EspaçoCompartilharte é vista como integrante do trabalho educativo. Os motoristassão capacitados para serem educadores do transporte, aproveitando seucontato diário com as crianças e seus familiares para trazer e levar informações,notificar o EC quando percebem algum sinal <strong>de</strong> violência doméstica e darexemplo <strong>de</strong> direção <strong>de</strong>fensiva e <strong>de</strong> comportamento.1.3 – Ações <strong>de</strong> avaliação e registroTodas as crianças têm seu <strong>de</strong>senvolvimento acompanhado e registrado pelaseducadoras infantis. A avaliação <strong>de</strong> cada criança é compartilhada em reuniõesbimestrais com familiares on<strong>de</strong> a brinca<strong>de</strong>ira também tem lugar. Tanto as<strong>de</strong>scobertas quanto as dificulda<strong>de</strong>s são narradas em forma <strong>de</strong> casos, ao mododa tradição oral rural, que ajudam a criar proximida<strong>de</strong> e valorizam os traços dacultura local.Além <strong>de</strong> trabalhar os aspectos motores e cognitivos do <strong>de</strong>senvolvimento, asatitu<strong>de</strong>s e habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> convivência são valorizadas, acompanhadas e avaliadasno Programa <strong>Brincar</strong>. Conforme po<strong>de</strong>mos observar no Roteiro <strong>de</strong> AvaliaçãoIndividual (próxima página), a atenção dos profissionais não está posta apenas nocrescimento pessoal, mas também na co-responsabilida<strong>de</strong> com o coletivo.47


Espaço CompartilhartePrograma <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong>Roteiro <strong>de</strong> Avaliação IndividualNome:Grupo:Período:Que grupo é esse?Que ida<strong>de</strong>s têm, quantos meninos, meninas, quais são suas características,habilida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong>mandas?O que têm vivido?Em que projetos e ativida<strong>de</strong>s estão inseridos, em que ativida<strong>de</strong>s e ações têmse envolvido?Apresentação da criança:Que características ela tem?Como está sua participação nos projetos?Como se relaciona com: O grupo Os educadoresComo se comporta em relação aos combinados?Como vivencia situações <strong>de</strong> conflito?Como reage diante da inserção <strong>de</strong> limites?Quais são suas habilida<strong>de</strong>s, suas preferências?O que não gosta <strong>de</strong> fazer?Como está sua assiduida<strong>de</strong>?Como está sua saú<strong>de</strong>/alimentação?Qual a sua inserção na comunida<strong>de</strong>/família? Como se relaciona com oconhecimento: Com a expressão musical; com a expressão cênica; com a expressão plástica; com a expressão corporal; com a expressão escrita, e com a escolarida<strong>de</strong> formal.O que temos encaminhado em relação ao <strong>de</strong>senvolvimento individual <strong>de</strong>competências necessárias à formação integral?Que resultados percebemos na formação em valores?O que preten<strong>de</strong>mos continuar trabalhando com essa criança?48


Avaliação profissional integrada à avaliação institucional. A equipe <strong>de</strong>educadores participa anualmente da avaliação institucional, ocasião em quetambém é feita uma avaliação <strong>de</strong> cada programa/projeto. Para acompanhar osresultados <strong>de</strong>sejados está sendo implantado um banco <strong>de</strong> dados 11 , que forneceráinformações sobre todos os programas e seus respectivos beneficiários. Hátambém uma auto-avaliação individual que é discutida coletivamente para que apessoa receba um feedback dos colegas e possa, a partir <strong>de</strong>le, compor seu planopessoal <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento.Com a preocupação <strong>de</strong> criar uma memória das invenções cotidianas, <strong>de</strong>senvolvertecnologias sociais e disseminá-las, as ativida<strong>de</strong>s que são experimentadas come pelas crianças são sistematizadas e transformadas em ca<strong>de</strong>rnos e materiaispedagógicos que po<strong>de</strong>m ser usados com as novas turmas <strong>de</strong> crianças e tambémeditados e distribuídos para outros centros <strong>de</strong> educação.Livro: <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong>MATERIAIS JÁ DESENVOLVIDOS 12 :Coletânea <strong>de</strong> jogos, brinquedos e brinca<strong>de</strong>iras reunidas ao longo do Programa<strong>Brincar</strong> e ilustradas por crianças, adolescentes e educadores.Ca<strong>de</strong>rno Pedagógico: disponibiliza sugestões <strong>de</strong> oficinas e ativida<strong>de</strong>s sobrecomo trabalhar os direitos da criança e do adolescente através da arte e da cultura.Caixa: Com três livretos, um CD, um documentário e o texto da peça <strong>de</strong>teatro Messias – o Mensageiro da Esperança – construída coletivamente pelascrianças, adolescentes e equipe do EC –, bem como os textos das oficinassociais e educativas que levaram à construção da peça e do projeto pedagógicoque a inspirou, com bibliografia, referências teóricas etc. No CD, há músicasespecialmente compostas para o espetáculo e, no documentário, mostra-se aproposta <strong>de</strong> montagem do espetáculo. A idéia <strong>de</strong>sses materiais é discutir e tornaracessível os conhecimentos sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente.Ví<strong>de</strong>os e vinhetas: Inventei <strong>de</strong>u nissoProduzidas por meio <strong>de</strong> parceria com o canal Futura, as vinhetas mostramalgumas das brinca<strong>de</strong>iras e brinquedos construídos no Programa <strong>Brincar</strong>.11 Influenciado pelo sistema <strong>de</strong> trabalho utilizado pelo Instituto Desi<strong>de</strong>rata, que é parceiro do <strong>Brincar</strong>.12 Esses materiais estão finalizados, mas não publicados. O EC busca parceiros que aju<strong>de</strong>m a viabilizar suaprodução e distribuição. Enquanto não vêm a público, os materiais estão sendo testados na capacitação <strong>de</strong>professores, educadores e profissionais <strong>de</strong> artes plásticas com excelentes resultados.49


2 – AÇÕES FOCADAS NAS FAMÍLIASAs ações dirigidas às famílias foram <strong>de</strong>senvolvidas com base no contextoapresentado no quadro abaixo:OBSTÁCULOSOBJETIVODesnutrição e hábitos familiares<strong>de</strong> higiene e alimentares poucosaudáveis.Contribuir para a erradicação da fome e da<strong>de</strong>snutrição e para a mudança <strong>de</strong> hábitosalimentares e <strong>de</strong> higiene pessoal e familiar.Situações <strong>de</strong> violência doméstica,violência sexual, adultosalcoolizados ou drogados etc.Contribuir para a redução da violênciadoméstica e para a proteção das vítimas.Evasão, repetência e baixo<strong>de</strong>sempenho das crianças eadolescentes encaminhados àescola formal.Contribuir para a melhoria do <strong>de</strong>sempenhoescolar e do tempo <strong>de</strong> permanência naescola formal. Garantir, no mínimo, oito anos<strong>de</strong> escolarida<strong>de</strong> para os beneficiários abaixo<strong>de</strong> 18 anos.Poucas oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>trabalho e renda.Capacitar adolescentes, jovens e adultospara o mercado <strong>de</strong> trabalho e para ageração <strong>de</strong> renda.Oferecer possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> trabalho noEspaço Compartilharte (cooperativa, troca <strong>de</strong>serviços e postos <strong>de</strong> trabalho).PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS DE AÇÃO2.1 – Junto aos jovens e adolescentesProjeto Espaço nas Escolas. Para ampliar a cultura do brincar, o EspaçoCompartilharte oferece, no contra-turno da escola, ativida<strong>de</strong>s como oficinas <strong>de</strong>brinca<strong>de</strong>iras, arte e cultura para maiores <strong>de</strong> 7 anos que estejam freqüentandoa sala <strong>de</strong> aula. Para ampliar suas referências culturais e ambientais, criançase adolescentes <strong>de</strong> 2 a 18 anos e seus familiares participam <strong>de</strong> viagens paraconhecer a praia, o mar, parques ambientais, museus, teatros e cinemas. Os alunos,professores e funcionários das escolas públicas da região também são convidadospara essas viagens. E para que os jovens possam <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong>s junto aseus irmãos ou vizinhos menores é feita a costura dos programas que envolvemesses dois públicos, como é mostrado no quadro a seguir.50


Interface dos Programas Jovens Protagonistas e<strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong>Principais ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>senvolvidas: Encontros <strong>de</strong> promoção <strong>de</strong> direitos e construção <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong>stinados aobrincar, utilizando linguagens recreativas, artísticas e culturais (música, artesplásticas, teatro, capoeira, entre outros). Encontros <strong>de</strong> mediação <strong>de</strong> leitura a partir da capacitação propiciada peloProjeto Mudando a História, em parceria com a <strong>Fundação</strong> <strong>Abrinq</strong> e A Corda Letra. Encontros <strong>de</strong> sensibilização/disseminação das estratégias sociais e educativasutilizadas, junto a outros jovens, educadores e voluntários. Recreação das crianças em eventos e festas infantis. Inserção em processos <strong>de</strong> pesquisa e enquetes comunitárias. Inserção em encontros semanais <strong>de</strong> planejamento, avaliação e capacitação.2.2 – Junto aos adultos“Mãe, você não vai mandar eu lavar a mão antes <strong>de</strong> comer? No Espaço a gente temque lavar a mão! “Depoimentos <strong>de</strong> Lucas Moreira, 3 anos, em 2003 e David, 4 anos, em 2005Histórico e acompanhamento da família. Cada família atendida pelo EspaçoCompartilharte tem a história <strong>de</strong> vida <strong>de</strong> cada um <strong>de</strong> seus membros registrada.As famílias são acompanhadas por meio <strong>de</strong> visitas domiciliares regulares, on<strong>de</strong>são observados os cartões <strong>de</strong> vacinação das crianças, o <strong>de</strong>sempenho escolardos filhos, as potencialida<strong>de</strong>s daquela família, em especial das suas relaçõesinternas e comunitárias.Encontros <strong>de</strong> familiares, mediação <strong>de</strong> conflitos e formação ampla. OEC promove encontros para conversar sobre situações comuns <strong>de</strong> conflitosnos relacionamentos em família. São discutidos também aspectos do<strong>de</strong>senvolvimento infantil, a importância do brincar na construção daindividualida<strong>de</strong>, nutrição saudável, direitos da criança e do adolescente, direitosdo cidadão, políticas públicas, entre outros temas. Os assuntos são abordados pormeio <strong>de</strong> dinâmicas e vivências que usam o brincar como estratégia.Grupo <strong>de</strong> mulheres. Realizado <strong>de</strong>ntro e fora do EC, o grupo reúne mulheres<strong>de</strong> várias gerações para conversar sobre si mesmas e sobre temas como beleza,sexualida<strong>de</strong>, conflitos, trabalho etc. Esse espaço <strong>de</strong> diálogo tem fortalecido cadaparticipante e contribuído na criação <strong>de</strong> vínculos com a vizinha, com a instituição,com as filhas. Mais uma vez, é por meio da brinca<strong>de</strong>ira que o “gelo é quebrado” eo clima <strong>de</strong> confiança se cria. Além <strong>de</strong> jogos <strong>de</strong> cooperação, as mulheres brincamcom seu corpo, fazendo e aplicando máscaras <strong>de</strong> frutas no rosto, tomandobanhos <strong>de</strong> argila, fazendo novos penteados e assim vão reconquistando o direito<strong>de</strong> se cuidar, se reinventar e se gostar. Vale ressaltar que o grupo <strong>de</strong> mulheresreivindicou oficinas <strong>de</strong> reciclagem <strong>de</strong> objetos e cursos <strong>de</strong> alimentação naturalporque seus filhos <strong>de</strong> 2 a 6 anos passaram a requisitar, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa, umanutrição mais saudável e brinquedos feitos <strong>de</strong> sucata.51


Mãe, você não vai mandar eu lavar a mão antes <strong>de</strong> comer? No Espaço a gente temque lavar a mão!Depoimentos <strong>de</strong> Lucas Moreira, 3 anos, em 2003 e David, 4 anos, em 200552


3 – AÇÕES FOCADAS NA COMUNIDADEAs ações dirigidas à comunida<strong>de</strong> foram <strong>de</strong>senvolvidas com base no contextoapresentado no quadro abaixo:OBSTÁCULOSMembros da comunida<strong>de</strong> isolados,sem organização coletiva.OBJETIVOAmpliar os espaços <strong>de</strong> participação efortalecer os vínculos comunitários.I<strong>de</strong>ntificar li<strong>de</strong>ranças e propiciar ofortalecimento <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong>s cidadãs.22% dos membros da comunida<strong>de</strong>diziam ter algum problema comseus vizinhos (CCC, 2001).Fortalecer vínculos entre vizinhos eentre a comunida<strong>de</strong> e o EC.O brincar visto como perda <strong>de</strong> tempo.Levar a comunida<strong>de</strong> a reconhecero brincar como instrumento <strong>de</strong>construção <strong>de</strong> vínculos da criançacom ela mesma e com o mundo que aro<strong>de</strong>ia.Desvalorização da cultura do campo,homem rural retratado como ignorantee ingênuo (caipira).Fortalecer a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e a autoestimado homem rural, por meio davalorização dos saberes e fazeres dacomunida<strong>de</strong> e do meio ambiente.Falta <strong>de</strong> conhecimento e cobrançados direitos civis e sensação <strong>de</strong>incapacida<strong>de</strong> diante do po<strong>de</strong>r público.Estimular uma cultura <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> contribuição e pressãodo po<strong>de</strong>r público <strong>de</strong> acordo com adoutrina <strong>de</strong> proteção integral.PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS DE AÇÃO3.1 – Formação e fortalecimento <strong>de</strong> vínculosResgate da memória local. Realizado por meio da investigação sobre comobrincavam os avós e os pais das crianças. A partir <strong>de</strong>sse levantamento sãoorganizadas oficinas <strong>de</strong> construção <strong>de</strong> brinquedos e brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong> ontem e <strong>de</strong>hoje, com participação dos pais e <strong>de</strong> comunitários.Ação afirmativa. O EC adota como política institucional empregar,preferencialmente, pessoas da comunida<strong>de</strong>. Por meio <strong>de</strong> uma parceria, oEspaço Compartilharte conseguiu uma bolsa para uma educadora da instituiçãoe comunitária <strong>de</strong> baixa renda estudar e se formar em pedagogia na <strong>Fundação</strong>Educacional Serra dos Órgãos (FESO). Foi a primeira moradora <strong>de</strong> baixa renda dacomunida<strong>de</strong> a conseguir cursar e concluir um curso superior. A parceria com aFESO também se esten<strong>de</strong> para o campo <strong>de</strong> estágio e pesquisa, além <strong>de</strong> projetos53


<strong>de</strong> protagonismo juvenil e inclusão digital e participação no “trote solidário”.Festas e celebrações especiais. As festas representam uma marca registrada doEspaço Compartilharte e são bastante eficazes em reunir membros da família,membros da comunida<strong>de</strong> e visitantes para brincarem juntos. Além das datastradicionais <strong>de</strong> comemoração (festas juninas, páscoa, fim <strong>de</strong> ano), acontecemmutirões <strong>de</strong> limpeza e caminhadas ecológicas.3.2 – Controle socialAproximação com as Varas da Infância e da Família. Uma preocupaçãoconstante é mobilizar a comunida<strong>de</strong> para que esta pressione o po<strong>de</strong>r público nagarantia dos direitos das crianças. Tendo isso em mente, a presi<strong>de</strong>nte do EspaçoCompartilharte, Maria <strong>de</strong> Lour<strong>de</strong>s Castro, passou a atuar como voluntária na Varada Infância, da Juventu<strong>de</strong> e do Idoso, cuja juíza até bem pouco tempo atuavatambém na Vara <strong>de</strong> Família.Com essa aproximação, o EC tornou-se um canal <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa dos direitos dascrianças e mulheres da comunida<strong>de</strong>, em casos <strong>de</strong> maus-tratos, falta <strong>de</strong> pagamento<strong>de</strong> pensão alimentícia, entre outros assuntos. Aos poucos os membros dacomunida<strong>de</strong> foram se envolvendo, passando a notificar casos <strong>de</strong> infreqüênciaescolar, violência doméstica e trabalho infantil.Conselho Tutelar (CT). Quando o Programa <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong>foi iniciado, o município ainda não possuía um CT. A institucionalização <strong>de</strong>sseconselho foi uma ban<strong>de</strong>ira que o Espaço Compartilharte empunhou para que asocieda<strong>de</strong> teresopolitana e, em especial a população da área rural, ampliasse adiscussão sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em 2001, o CT foifinalmente implementado, tendo o EC participado ativamente das discussões paraa montagem do curso <strong>de</strong> capacitação aos candidatos a conselheiros tutelares,da elaboração da lei <strong>de</strong> criação do órgão e da indicação <strong>de</strong> um candidatoposteriormente eleito.No entanto, até bem pouco tempo atrás, o Conselho Tutelar não tinha ascondições mínimas necessárias para seu funcionamento, tais como se<strong>de</strong>,equipamentos e veículos, e as eleições dos conselheiros vinham sendo <strong>de</strong>finidas54


por interesses contrários às prerrogativas do ECA. Em função disso, em menos <strong>de</strong>um ano o representante ligado ao EC pediu <strong>de</strong>missão, marcando uma posição <strong>de</strong>não conivência com a precarização e o uso político do CT.Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Proteção Integral (RPI). A RPI apresenta-se como uma estratégia paraviabilizar a efetiva participação comunitária, buscando fortalecê-la para que estapossa cuidar, educar e proteger suas crianças. A proposta <strong>de</strong> participar <strong>de</strong> umare<strong>de</strong> baseada no princípio da proteção integral amedrontou parte da comunida<strong>de</strong>que não queria ser vista, entre seus vizinhos, como aqueles que <strong>de</strong>nunciam assituações <strong>de</strong> violência, uso <strong>de</strong> drogas ou condutas irresponsáveis dos adultos emrelação às crianças.Em vez <strong>de</strong> ignorar esse incômodo, os gestores do Espaço Compartilharte<strong>de</strong>cidiram inverter o foco, acreditando que os “cidadãos <strong>de</strong> bem”, como todosos seres humanos, também precisam <strong>de</strong> proteção integral. Lançaram então aidéia <strong>de</strong> lutar por <strong>de</strong>mandas específicas, como mais horários <strong>de</strong> ônibus (direito<strong>de</strong> ir e vir), a extinção da taxa <strong>de</strong> iluminação pública das residências em ruas nãoiluminadas (direitos do consumidor), entre outras. Assim, angariaram os primeirosparticipantes da re<strong>de</strong>.ESPAÇO COMPARTILHARTE E AS POLÍTICAS PÚBLICASDE CANOAS/TERESÓPOLISA política <strong>de</strong> atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através<strong>de</strong> um conjunto articulado <strong>de</strong> ações governamentais e não-governamentais, daunião, dos Estados, do Distrito Fe<strong>de</strong>ral e do Município.ECA, artigo 86O Espaço Compartilharte atuou na organização e fomento da participação doshabitantes da área rural nos conselhos e <strong>de</strong>mais instâncias <strong>de</strong> controle social.Seus representantes atuam nos principais conselhos e fóruns no município,<strong>de</strong>ntre eles o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, oConselho Municipal <strong>de</strong> Assistência Social, Conselho Municipal <strong>de</strong> Controle Socialdo Programa Bolsa Família <strong>de</strong> Teresópolis, Conselho da Mulher, Conselho daSaú<strong>de</strong>, além do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, Fórum Pensar Teresópolis(organização da socieda<strong>de</strong> civil que vem participando da construção doPlano Diretor Municipal), Fórum da Região Serrana <strong>de</strong> Direitos da Criança edo Adolescente e Fórum Estadual <strong>de</strong> Direitos da Criança e do Adolescente.Atualmente, parece haver avanços nos fóruns da socieda<strong>de</strong> civil e conselhosmunicipais, e pouco avanço nos conselhos paritários.Uma outra ação <strong>de</strong> controle social foi junto ao Programa Fe<strong>de</strong>ral Bolsa Família(BF). Uma vez constatadas distorções na distribuição do benefício, duas pessoasligadas à Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Proteção Integral se apresentaram como voluntários para fazero recadastramento exigido pelo Governo Fe<strong>de</strong>ral. Esse processo revelou que nosúltimos meses <strong>de</strong> 2005 o órgão gestor do Bolsa Família <strong>de</strong>sconhecia o para<strong>de</strong>iro emesmo a procedência <strong>de</strong> quase dois mil beneficiários 13 .Cabe ressaltar que o Prêmio Criança 2004 ajudou a legitimar a atuação –institucional, <strong>de</strong> modo mais amplo, e do Programa <strong>Brincar</strong> mais especificamentejunto ao Po<strong>de</strong>r Público e suas instâncias.13 Outro problema constatado foi no Programa <strong>de</strong> Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) que estavabeneficiando adolescentes e jovens com renda bem acima da média das famílias da área rural.55


3.3 – Ações <strong>de</strong> formação comunitáriaAções <strong>de</strong> capacitação comunitária. Em articulação com o canal Futura, foiaberto um espaço <strong>de</strong> capacitação da comunida<strong>de</strong> pautado na sua realida<strong>de</strong>.São ministradas palestras interativas sobre direitos do cidadão, trabalhandotemas como a importância das certidões <strong>de</strong> nascimento e <strong>de</strong> óbito, as condições<strong>de</strong> acomodação <strong>de</strong> mães acompanhando filhos internados em hospitais, amarcação <strong>de</strong> exames e consultas na re<strong>de</strong> pública ou nos locais a ela conveniados.Acontecem também cursos sistemáticos e abertos sobre fitoterapia e nutrição.Apresentações no Teatro Raízes da Roça. O teatro foi construído com afinalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> propiciar à comunida<strong>de</strong> o acesso à produção e à difusão cultural.Entram em cartaz espetáculos e pequenas apresentações dramáticas e musicais,feitas pelas crianças, famílias e comunida<strong>de</strong>, em que todos po<strong>de</strong>m se reconhecercomo hábeis e capazes <strong>de</strong> transformar a realida<strong>de</strong> local e seus <strong>de</strong>stinos. Naprodução dos espetáculos, as mães <strong>de</strong>senham com os filhos os figurinos e <strong>de</strong>poisos executam, ou encontram-se para ensaiar uma música ou um jogral que serámostrado no palco. Ali também se apresentam os “tocadores” <strong>de</strong> sanfona ou <strong>de</strong>violão da comunida<strong>de</strong> e outros artistas da cida<strong>de</strong> e da capital que oportunizam aampliação do universo sociocultural.Sessão pipoca. No Teatro também acontecem sessões <strong>de</strong> cinema abertasà comunida<strong>de</strong>. São exibidos filmes nacionais aos quais os habitantes locaisnormalmente não têm acesso.56


Descrição da práticaAté aqui, <strong>de</strong>screvemos as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> maneira muito sintética e or<strong>de</strong>nadapor público-alvo. Vistas assim, po<strong>de</strong> prevalecer a impressão <strong>de</strong> que o Programa<strong>Brincar</strong> funciona <strong>de</strong> forma fragmentada. No entanto, uma preocupaçãoconstante da equipe do EC é com a integração das práticas. Essa integração sedá pelos objetivos comuns, pela pedagogia <strong>de</strong> projetos e pelo monitoramentodas ações por meio da unida<strong>de</strong> “família”, on<strong>de</strong> todos os públicos específicosestão localizados. Para visualizar como isso ocorre, vamos relatar dois dos váriosprojetos realizados:..<strong>Compartilhando</strong> o Direito <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong> em CanoasBrincando <strong>de</strong> Biu Poran.1 – COMPARTILHANDO O DIREITO DE BRINCAREM CANOAS – A COMUNIDADE COMO PROJETODE TRABALHO1.1 – Censo Comunitário CompartilharteO primeiro gran<strong>de</strong> esforço <strong>de</strong> configurar aquela localida<strong>de</strong> como umacomunida<strong>de</strong> foi o Censo Compartilharte , mencionado anteriormente . Dianteda inexistência ou imprecisão <strong>de</strong> dados sobre a região, <strong>de</strong>cidiu-se fazer umrecenseamento comunitário, adaptando o formulário utilizado pelo IBGE. Asquestões norteadoras foram: Quem somos? Quantos somos? Como vivemos?Quais serviços públicos utilizamos? Qual a nossa história? Como o po<strong>de</strong>r públiconos olha e trabalha conosco? Como nos colocamos diante <strong>de</strong>sse panorama?O exercício <strong>de</strong> coleta das informações foi um importante processo <strong>de</strong> mobilização.Iniciou-se com encontros <strong>de</strong> reflexão para a construção do questionário e aseleção <strong>de</strong> jovens ali resi<strong>de</strong>ntes, que passaram por uma capacitação junto aoseducadores do EC, para compor a equipe <strong>de</strong> recenseadores. Então, a abrangênciageográfica da pesquisa foi <strong>de</strong>limitada, ficando <strong>de</strong>cidido que os questionáriosseriam aplicados nas casas on<strong>de</strong> houvesse crianças, adolescentes e jovens até18 anos. Depois da coleta <strong>de</strong> dados, o grupo empreen<strong>de</strong>u a tabulação manual, ainterpretação e divulgação das informações. Por fim, encontros <strong>de</strong> reflexão sobre oprocesso vivido foram promovidos.1.1.1 – A comunida<strong>de</strong> como tema do projeto pedagógicoO processo do Censo Comunitário ampliou a reflexão da comunida<strong>de</strong> sobresi mesma, evocando histórias, costumes, valores e <strong>de</strong>mandas, as quais foramintegradas ao projeto pedagógico. O resultado natural <strong>de</strong>sse processofoi a incorporação do tema “Comunida<strong>de</strong>” como eixo <strong>de</strong> ação do EspaçoCompartilharte naquele ano. Como fruto <strong>de</strong>ssa escolha, crianças, educadores efamiliares construíram o “Mapa da Comunida<strong>de</strong>”. Ver página 1559


1.1.2 – Tecendo o mapaAlém <strong>de</strong> preencher os formulários, cada dupla <strong>de</strong> recenseadores <strong>de</strong>senhava umesboço da região visitada. Ao final das visitas, esses <strong>de</strong>senhos foram justapostosaté formarem o “Mapa da Comunida<strong>de</strong>”. Para ajudar a compor esses quadros, osrecenseadores se reuniam a fim <strong>de</strong> registrar o que tinha sido visto nas matas e rios,os trechos preservados, as partes poluídas, bem como as tradições familiares e oscostumes comunitários que estavam se per<strong>de</strong>ndo.Assim, os moradores mais velhos foram convidados a contar suas histórias,verificar dados, dirimir dúvidas e a enriquecer com novas informações o quejá se sabia. Uma avó veio ensinar a fazer um doce <strong>de</strong> pêra dura – uma antigareceita típica da região. Um senhor contou a origem do nome Canoas: índios quehabitavam a região <strong>de</strong>sciam as corre<strong>de</strong>iras em pequenas canoas, indo encontrarsena confluência dos rios para trocar o exce<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> suas produções. Outrasenhora, parteira experiente, falou sobre as pessoas que tinha ajudado a trazerao mundo. A primeira professora da região falou sobre como começou a ensinar,quem eram seus alunos e como era a escola na época. Resgatou-se também aorigem do nome das escolas. Inúmeras histórias voltaram a ter vida. O exercíciopossibilitou a i<strong>de</strong>ntificação <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças, a valorização dos saberes e fazeres locaise o compartilhamento, com as crianças, da força <strong>de</strong> pertencer àquela comunida<strong>de</strong>.60


ALGUMAS DICAS PARA A REALIZAÇÃO DE UM CENSO COMUNITÁRIO....5.6.Visitar a região a ser mapeada, observando e registrando a existência <strong>de</strong> casas,praças, comércio, matas e rios, e produzindo a partir disso pequenos mapasBuscar outras fontes <strong>de</strong> registro sobre a região <strong>de</strong> modo a contrapor e/oucomplementar as informações.Juntar os registros, ampliando os <strong>de</strong>senhos em jornal ou papel pardo .Fazer os ajustes finais, verificando dados e informações, para enfim pintar omapa final em tecido.Promover uma exposição itinerante do mapa, visitando pontos dacomunida<strong>de</strong> e mantendo-o exposto, ao final do processo, na se<strong>de</strong> dainstituição.Durante todo o processo, valorizar, incentivar e registrar a troca, conversas ereflexões sobre o que se pensa a respeito da comunida<strong>de</strong>, como o lugar on<strong>de</strong>se mora é visto e como as pessoas se relacionam com o lugar.Como incluir as crianças na brinca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> construção do “mapa”?A partir da escolha do tema <strong>de</strong> trabalho, po<strong>de</strong>-se convidar as crianças para umavisita à biblioteca e à própria comunida<strong>de</strong> a fim <strong>de</strong> pesquisar o assunto. O educadorpo<strong>de</strong> mediar a pesquisa selecionando um livro ou uma história a ser contada, ouvidae recontada, ou uma casa ou comunitário que possam ser visitados.Da biblioteca ou visita, po<strong>de</strong>-se partir para a oficina <strong>de</strong> reciclagem e construir/reconstruir personagens e cenários com papel machê ou sucata.O terceiro passo é o convite para a oficina <strong>de</strong> teatro, expressão corporal ou música,on<strong>de</strong> a história po<strong>de</strong> ser interpretada-reinventada, materializando e comunicandoaprendizagens a cada oficina.Como brincar <strong>de</strong> construir-reconstruir sua comunida<strong>de</strong>?Trabalhando sobre o tema “a comunida<strong>de</strong>”, distribui-se três ou quatronúcleos <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s em um mesmo espaço.Ex: numa mesa, disponibilizar guache e papéis; em outra, sucatas;numa terceira mesa, massa <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lar e/ou argila.Então começamos a perguntar:De que brincamos em casa? Com quem brincamos? Como brincamos?Vamos brincar <strong>de</strong> construir nossas brinca<strong>de</strong>iras?Cada criança po<strong>de</strong>, no seu ritmo, escolher um “cantinho” <strong>de</strong> trabalho e“construir” o seu brincar em casa com os materiais disponíveis.Combina-se entre todos quando e como será o rodízio <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s,<strong>de</strong>finindo momentos <strong>de</strong> trocar <strong>de</strong> materiais, espaços e estratégias.Consolida-se a ativida<strong>de</strong> convidando a todospara uma visita à “construção brincante” uns dos outros.A mesma ativida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser realizada coletivamente,reunindo crianças, familiares e comunitários, a partir das perguntas:Vamos construir uma maquete dos “brincares” da comunida<strong>de</strong>?Vamos construir uma maquete da comunida<strong>de</strong> – tendo o mapa como base– i<strong>de</strong>ntificando os serviços disponíveis?Elaborado pela equipe do Programa <strong>Brincar</strong> Recursos como escâner, câmeras fotográficas digitais e máquinas fotocopiadoras, que permitem aampliação <strong>de</strong> imagens, po<strong>de</strong>m ser bastante úteis.61


1.2 – Percorrendo a comunida<strong>de</strong> com as crianças: o Projeto PasseioO relato do Projeto Passeio dá uma amostra <strong>de</strong> como aproveitar a curiosida<strong>de</strong>das crianças para planejar novas ativida<strong>de</strong>s com elas. Em uma situação em queas crianças comparam sua casa com a do colega, avaliando suas diferenças, aeducadora intervém no sentido <strong>de</strong> ajudá-los a pensar quais coisas são iguais equais são diferentes. As crianças passaram a narrar como vivem em suas casas ecomo estas são arrumadas, enquanto a educadora enfatiza o uso dos espaços eas relações que se <strong>de</strong>senvolvem no lar. Da <strong>de</strong>scrição oral surge a idéia <strong>de</strong> visitar ascasas uns dos outros para conhecer como cada um vive e brinca. Essa etapa exigiuo envolvimento <strong>de</strong> famílias que se dispuseram a receber a turma, o que fortaleceua relação família–EC–comunida<strong>de</strong>.“O passeio, como ativida<strong>de</strong> do <strong>Brincar</strong>, surgiu a partir da proposta <strong>de</strong> integrarmosmais as famílias nas ativida<strong>de</strong>s do programa. Além disso, nas conversas entre ascrianças, elas perguntavam como era a casa dos outros, se eram parecidas, se eramgran<strong>de</strong>s ou pequenas... Até que um dia, Brenda, <strong>de</strong> 4 anos, falou que a casa <strong>de</strong>Duda era feia, que tinha fumaça, e a amiga ficou triste. Foi então que Rafa, 5 anos,disse a Brenda: “todos nós somos iguais e algumas pessoas são mais pobres que asoutras, mas é só trabalhar que também po<strong>de</strong> ter as mesmas coisas”.Conversamos sobre em quais pontos nós somos diferentes e em quais somosiguais, que as casas po<strong>de</strong>m ser diferentes mas elas são nosso abrigo, o lugar on<strong>de</strong>a gente dorme, on<strong>de</strong> a gente brinca, come e vive com a família. Cada um queriacontar como era sua casa, daí surgiu a idéia <strong>de</strong> visitar as casas uns dos outros.Primeiro, nós <strong>de</strong>cidimos aon<strong>de</strong> iríamos e combinamos <strong>de</strong> visitar uma residência<strong>de</strong> cada comunida<strong>de</strong> – Prata, Canoas, Varginha e Socavão –, e que as criançasescolheriam as casas que visitaríamos. Fomos primeiro à casa <strong>de</strong> Luan, 3 anos,e dos irmãos Flavinha, 3 anos, e Marcos, 2 anos (que moram ao lado do Luan), efomos muito bem recebidos. A alegria <strong>de</strong>les ao receber os colegas nos emocionou!As duas famílias visitadas nesse dia moram <strong>de</strong> aluguel e as casas são muitosimples, mas todas as crianças ficaram muito à vonta<strong>de</strong>, como se já conhecessemaquele ambiente havia muito tempo. Os anfitriões apresentaram os cômodos, olugar on<strong>de</strong> eles costumavam brincar quando não estavam no EC, compartilharamseus brinquedos com os colegas e conversaram muito. Permanecemos por cerca<strong>de</strong> duas horas em cada local. Esse tempo nos <strong>de</strong>u a chance <strong>de</strong> nos aproximarmosdas mães que, por motivos diversos, pouco podiam estar presentes nas ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong>senvolvidas no Espaço Compartilharte, além <strong>de</strong> integrá-las nas brinca<strong>de</strong>iras <strong>de</strong>seus filhos. Terminamos o dia compartilhando um <strong>de</strong>licioso lanche.Várias outras casas foram visitadas <strong>de</strong>pois. Não conseguimos passar por todasnaquele período, pois as crianças entraram em férias, mas, em todas a quefomos, a <strong>experiência</strong> foi muito positiva. No ano seguinte, <strong>de</strong>mos continuida<strong>de</strong>ao projeto e sempre disponibilizamos às famílias e às crianças espaços paratroca <strong>de</strong> <strong>experiência</strong>s, para brinca<strong>de</strong>iras coletivas e para trabalhar as diferenças,semelhanças e as diversas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> convivência.Outro ganho foi oestreitamento <strong>de</strong> relações entre as crianças e familiares das localida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> Prata dos Are<strong>de</strong>s, Canoas, Varginha e Socavão, que nutrem uma espécie <strong>de</strong>“rivalida<strong>de</strong>” histórica. “Baseado nos registros da educadora Cristiane do Couto Cardoso62


1.3 – Levando o <strong>Brincar</strong> para outros espaços da comunida<strong>de</strong>Uma estratégia para <strong>de</strong>scentralizar as ações do <strong>Brincar</strong>, ampliando seu alcance, sãoos Espaços Volantes, ou seja, a “ocupação” <strong>de</strong> espaços como clareiras, sítios, pátios<strong>de</strong> igreja etc. com ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> educação em valores e direitos humanos, usandoo brincar como estratégia. Para anunciar a hora e o local do Espaço Volante, oseducadores do Espaço Compartilharte passeiam pela comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> van ou àpé, usando nariz <strong>de</strong> palhaço, roupas engraçadas e megafone. Cartazes tambémsão afixados nas “biroscas” e postes. No local anunciado, uma tenda é montada etodo mundo que aparece é convidado a cantar, dançar, assistir as apresentaçõesdas crianças e tudo o mais que se inventar. Ao final das ativida<strong>de</strong>s, propõe-se apreparação conjunta <strong>de</strong> um lanche coletivo, criando um clima <strong>de</strong> “comunhão”.Outro exemplo <strong>de</strong> envolvimento da comunida<strong>de</strong> por meio do <strong>Brincar</strong> são asCaminhadas Ecológicas, que conseguem congregar beneficiários diretos doprograma, parentes, vizinhos, veranistas, turistas das pousadas locais, gruposambientalistas do município, professores, alunos e técnicos das escolas públicas,amigos e parceiros <strong>de</strong> outros municípios, e autorida<strong>de</strong>s municipais, estaduais efe<strong>de</strong>rais que, passeando pela região com a ajuda <strong>de</strong> um especialista, recebeminformações sobre a flora e a fauna locais, sobre os rios e córregos, as montanhasetc. Durante a caminhada, todos ajudam a limpar as veredas trilhadas. Quando sechega a um local especial (uma cachoeira, topo da montanha), faz-se uma gran<strong>de</strong>roda, canta-se a oração <strong>de</strong> São Francisco (que é um santo símbolo da proteção ànatureza), faz-se um lanche coletivo e uma “roda <strong>de</strong> conversa”. Nesse momento,as pessoas discutem os sentimentos <strong>de</strong> pertencimento àquela comunida<strong>de</strong>, suarelação com a natureza, com os fatos do noticiário, com o trabalho, e o cuidadoconsigo e com o próximo. Merece <strong>de</strong>staque o fato <strong>de</strong> essa estratégia ser a únicaque consegue congregar tanto os “donos da terra” quanto seus empregados ou,como dizem por lá: “naquela hora se juntam os ricos e os pobres”. Todas essasações ajudam a Compartilhar o Direito <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong> em Canoas, on<strong>de</strong> as novas eantigas brinca<strong>de</strong>iras fortalecem os modos <strong>de</strong> conviver na diferença.63


2 – BRINCANDO DE BIU PORAN: ALIMENTAR A BOCADA TERRA PARA QUE ELA NOS ALIMENTE“Vó, sabia que a gente come os carocinhos <strong>de</strong>ssa flor?”Luan, 4 anos, ensinando quesemente <strong>de</strong> girassol é comestívelUm dos problemas <strong>de</strong>tectados durante a implantação do Programa <strong>Brincar</strong>foi a <strong>de</strong>snutrição em crianças e os hábitos alimentares pouco saudáveis nasfamílias. O problema não se restringia à falta <strong>de</strong> recursos para a compra <strong>de</strong>alimentos, havia também a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> conscientização das pessoas sobre aimportância <strong>de</strong> variar o cardápio com alimentos mais nutritivos. Havia situaçõesextremas nas quais a criança só se alimentava <strong>de</strong> papa e mama<strong>de</strong>ira até osquatro anos ou comia farinha com feijão todos os dias, e era comum o consumoexcessivo <strong>de</strong> balas e doces. Para fazer frente a esses <strong>de</strong>safios, o <strong>Brincar</strong> começoua introduzir, na alimentação das crianças, legumes, verduras e frutas <strong>de</strong> épocaproduzidos na horta do EC ou doados por comunitários e pelo Projeto Xepa . Aequipe do Espaço Compartilharte, com o apoio da médica voluntária dra. MariaLuiza Branco Nogueira da Silva , <strong>de</strong>senvolveu com as crianças a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>cultivo e germinação <strong>de</strong> brotos e sementes. Nascia o projeto Biu Poran, quesignifica comida bonita em tupi-guarani.“O projeto Biu Poran permite uma reaproximação dos seres humanos com anatureza e promove o nosso reencontro com a saú<strong>de</strong>.”Dra. Maria LuizaO Programa <strong>Brincar</strong> viu na filosofia e nas práticas do Biu Poran umaoportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trabalhar não apenas os hábitos alimentares, mas tambémvalores, ciclos <strong>de</strong> vida (nascimento, crescimento e morte-transformação),observação da natureza, cuidado com o meio ambiente, senso estético e outrostemas. Aos poucos, o Biu Poran se incorporou à rotina da educação infantil e àvida das crianças e <strong>de</strong> suas famílias. Informações sobre o Projeto Xepa na página 32.A dra. Maria Luiza coor<strong>de</strong>na o Projeto Terrapia – Alimentação Viva na Fiocruz.64


O BIU PORAN NO DIA-A-DIASegunda-feira: Início do processo <strong>de</strong> germinação na sala <strong>de</strong> aula.1) Distribuir as sementes e o material necessário para o processo: filó; elástico epotes <strong>de</strong> material reutilizável.2) Colocar as sementes <strong>de</strong> molho na água e orientar sobre os cuidados que serãotomados durante a semana (molho e lavagens).3) As sementes ficam no molho durante oito horas. Passado esse tempo, elas sãoregadas cinco vezes com água – o chamado “banho”.Depois, os potes com assementes são inclinados com a boca para baixo para que a água escorra e o arcircule. Só assim as sementes germinam. O mesmo processo é repetido <strong>de</strong>manhã e à tar<strong>de</strong>.Terça-feira: Banhar os grãos pela manhã e à tar<strong>de</strong>.Quarta-feira: Repetir a tarefa <strong>de</strong> terça.Quinta-feira: Repetir a tarefa <strong>de</strong> terça.Sexta-feira: Auxílio à cozinheira no preparo da refeição1) Descascar as sementes.2) Escolher a receita e preparar o alimento.3) Formar a roda para entoar o cântico tupi-guarani <strong>de</strong> agra<strong>de</strong>cimentoao alimento:Tem Biu Poran.Tem Biu Poran.Aguigeveté, aguigeveté.Tem Biu Poran.Tem Biu Poran. 4) Em grupo, saborear a refeição!!! Tradução: “Tem alimento bonito. Tem alimento bonito. Obrigado, obrigado. Tem alimento bonito. Temalimento bonito”.65


A metáfora utilizada para ensinar o processo <strong>de</strong> germinação é a da “plantinhaque está dormindo”. Para acordá-la, é preciso regá-la com os “banhos”. Aos poucos,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> vários banhos, ela <strong>de</strong>sperta e começa a criar um nariz (broto), como seestivesse começando a respirar para ficar <strong>de</strong>sperta. Quando comemos os brotos,também ficamos mais dispostos e <strong>de</strong>spertos para a vida.O projeto aguçou a curiosida<strong>de</strong> das crianças pelas plantas e sementes da região.Vários pais relataram que, por on<strong>de</strong> andam, seus filhos recolhem sementes eperguntam: qual é o nome daquela semente? Dá para comer? Que planta ela vaivirar? Dessa forma, as famílias são “seduzidas” a entrar na brinca<strong>de</strong>ira.Na linha <strong>de</strong> preparo dos próprios alimentos, as crianças também apren<strong>de</strong>m acultivar hortaliças e legumes. Para isso, são instruídas a fazer a compostagemdo material orgânico, a cuidar do minhocário, da sementeira etc. A agricultura,uma ocupação tradicional na região, vai sendo ao mesmo tempo valorizada eganha outra vez significado para essa nova geração <strong>de</strong> canoenses, levando emconsi<strong>de</strong>ração o meio ambiente e a saú<strong>de</strong> humana.ALGUMAS RECEITAS PARA BRINCAR DE BIU PORANSUCO DE CLOROFILA1 punhado <strong>de</strong> grama <strong>de</strong> trigo ou <strong>de</strong> milho (cultivado na ban<strong>de</strong>ja <strong>de</strong> terra), 1 maçã,1 punhado <strong>de</strong> hortelã, 1 punhado <strong>de</strong> lentilha germinada, 1 punhado <strong>de</strong> folhasver<strong>de</strong>s comestíveis (alface, chicória, folha <strong>de</strong> chuchu, almeirão etc.)Bata no liquidificador e coe num coador <strong>de</strong> pano.CREME DE ABACATE COM AMENDOIM GERMINADOAbacate batido, limão e sal marinho. Acrescente tomate picadinho e 1 xícara <strong>de</strong>amendoim germinado.Sirva acompanhado <strong>de</strong> réguas <strong>de</strong> cenoura ou ervilhas inteiras, estimulando a“pescaria” dos amendoins <strong>de</strong>ntro do creme.SORVETE DE BANANABanana congelada batida no liquidificador servida com creme <strong>de</strong> manga batida eamendoim germinado por cima, fazendo <strong>de</strong>senhos.Mudar hábitos alimentares não é algo fácil nem rápido. O ritual <strong>de</strong> comer éatravessado por crenças, tradições, afetos, sabores e dissabores. Alimentar ascrianças no período em que freqüentassem o Espaço Compartilharte já seriaum avanço, mas sem nenhuma garantia <strong>de</strong> que os hábitos aprendidos alias acompanhariam por toda a vida. Assim, era esperado que as famílias e osmembros da comunida<strong>de</strong> também fossem, aos poucos, contagiados pela “magia”dos alimentos germinados e pela dieta chinesa. Existem materiais pedagógicos sobre o assunto, entre eles o livro Mariazinha Pensa<strong>de</strong>ira <strong>de</strong>scobriu assementes, <strong>de</strong> autoria <strong>de</strong> Inês Reis, da <strong>Fundação</strong> Oswaldo Cruz. Além disso, o próprio Espaço Compartilharteestá organizando um livro sobre o tema, e realizou o Laboratório da natureza, com o plantio das sementesrecolhidas na mata e nas estradas, e a Compostagem, chamada pelas crianças <strong>de</strong> Boca da Terra. Para ascrianças, se alimentamos a “boca da terra” com muita folha ver<strong>de</strong>, ela fica “feliz e forte”, fazendo então com queas plantinhas também sejam felizes e fortes, estas, por sua vez, serão comidas e <strong>de</strong>ixarão a todos... “felizes efortes”. O EC também realiza a campanha da i<strong>de</strong>ntificação das sementes junto aos pais, crianças e educadores,para o trabalho <strong>de</strong> sensibilização geral. O “nariz” como maneira <strong>de</strong> chamar o broto que <strong>de</strong>sponta na terra surgiu nas brinca<strong>de</strong>iras com as crianças.Para elas, quando a semente fica com “nariz”, está pronta para ser comida.66


MetodologiaO Programa <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong> está baseado em várias referênciasmetodológicas e diferentes linhas <strong>de</strong> pensamento. Neste capítulo, apresentaremosa metodologia do trabalho específico com crianças, no entanto, a filosofia e osprincípios são válidos para todos os outros públicos.PLANEJAMENTO PEDAGÓGICOO planejamento pedagógico é construído a partir do planejamento estratégicoinstitucional. Trata-se <strong>de</strong> um processo participativo, coletivo e dinâmico,realizado em estreita interface com os processos <strong>de</strong> monitoramento e avaliação,<strong>de</strong> forma a realimentar, <strong>de</strong>finir e embasar a tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões. As ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> planejamento e avaliação são permanentes e acontecem <strong>de</strong> forma maissistemática nos seguintes períodos:Anualmente: <strong>de</strong>fine-se um gran<strong>de</strong> eixo ou tema pedagógico que perpassarátodos os projetos e ativida<strong>de</strong>s a serem <strong>de</strong>senvolvidos levando em consi<strong>de</strong>ração: O que foi avaliado sobre o processo do ano que está acabando. As <strong>de</strong>mandas e potencialida<strong>de</strong>s locais em interface com acontecimentos e ocontexto global.O planejamento do tema anual se <strong>de</strong>sdobra em diferentes níveis, envolvendocrianças, familiares, membros da comunida<strong>de</strong> e educadores.Mensalmente: <strong>de</strong>finem-se os projetos e temas <strong>de</strong> trabalho, estabelecendoobjetivos e resultados esperados.A cada duas semanas: educadores se reúnem para avaliar o andamento dotrabalho e <strong>de</strong>finir as ativida<strong>de</strong>s e ações a serem <strong>de</strong>senvolvidas, e as atribuições eos recursos necessários para o período.Diariamente: educadores e crianças reúnem-se para planejar o dia <strong>de</strong> trabalho,<strong>de</strong>ntro da perspectiva e das estratégias supracitadas.Execução do Projeto PedagógicoPassos que orientam a execução do planejamento pedagógico:1 – Desenvolvimento da pesquisa do tema do Projeto Pedagógico Primeiro, consulta-se o educador. Em seguida, os educandos. Depois, buscam-se informações em outras fontes <strong>de</strong> aprofundamento e<strong>de</strong>senvolvimento do tema <strong>de</strong>finido, tais como:- Biblioteca e internet- Comunida<strong>de</strong> e famílias- Livros, músicas, poesias, entrevistas, jornais e revistas, ví<strong>de</strong>os gravados <strong>de</strong>canais <strong>de</strong> TV, pinturas, exposições e peças teatrais.69


2 – Ativida<strong>de</strong>s e estratégias diversificadasEm um mesmo espaço físico – sejam as salas ou as áreas externas – sãodisponibilizadas várias opções <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s simultâneas. Essa estratégiavisa respeitar o ritmo, interesses e <strong>de</strong>mandas individuais <strong>de</strong> aprendizagem,manifestados pelas crianças.Dentro da estratégia <strong>de</strong> diversificação <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s, o Programa <strong>Brincar</strong> buscaequilibrar aquelas realizadas individualmente, em duplas e em grupos maiores;nas salas; ao ar livre, nos espaços externos; e aquelas que trabalham diferentesformas <strong>de</strong> expressão, materiais didáticos distintos e linguagens diversas – oral,escrita, cênica, plástica.3 – Organização do espaço físico e dos materiaisO espaço físico on<strong>de</strong> são <strong>de</strong>senvolvidas as ativida<strong>de</strong>s do Programa <strong>Brincar</strong> éorganizado <strong>de</strong> forma flexível, aproveitando as características arquitetônicas, comoas “pare<strong>de</strong>s que se abrem”, e o mobiliário facilmente <strong>de</strong>slocável.A escolha dos materiais é pautada pelo princípio da “simplicida<strong>de</strong> e praticida<strong>de</strong>”,privilegiando a utilização <strong>de</strong> recicláveis e produtos mais baratos. Por exemplo,as estantes das salas <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s do <strong>Brincar</strong> foram feitas pelos educadores,com a ajuda das crianças, a partir <strong>de</strong> caixotes <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>iras. Muitos brinquedossão confeccionados com massa <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>lar <strong>de</strong> fabricação artesanal, com papelreciclado antes utilizado para <strong>de</strong>senhos e pinturas, com papel machê aplicado namo<strong>de</strong>lagem <strong>de</strong> bonecos <strong>de</strong> fantoche, entre outros recursos.Assim, o <strong>Brincar</strong> busca incluir as crianças e seus familiares no processo <strong>de</strong>apren<strong>de</strong>r-fazer seus próprios materiais pedagógicos, estimulando o potencialcriativo e o não-consumismo. A participação ativa dos alunos, familiares eeducadores nas produções é valorizada <strong>de</strong> maneira a fortalecer seu potencialpara a transformação social e relativizar o estado <strong>de</strong> “meros beneficiários <strong>de</strong>programas e políticas”.Embora trabalhe com diversida<strong>de</strong> e varieda<strong>de</strong>, o <strong>Brincar</strong> possui uma rotina diária,que contribui e propicia a organização espaço-temporal, bem como a construção<strong>de</strong> referências e regras <strong>de</strong> convivência coletiva. É <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>ssa realida<strong>de</strong> que aroda, a hora dos alimentos e os hábitos <strong>de</strong> higiene, entre tantos outros hábitos,são incorporados.70


4 – A organização <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> trabalhoO Programa <strong>Brincar</strong> combina basicamente dois critérios para a organizaçãodos grupos <strong>de</strong> trabalho: faixa etária e área <strong>de</strong> interesse. O convite e estímulo ao“rodízio <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s” visam propiciar que a criança tenha a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>experimentar várias opções e, assim, escolher aquilo que lhe dá mais satisfação,ou seja, a criança é encaminhada para aquelas ativida<strong>de</strong>s nas quais precisa<strong>de</strong>senvolver as suas habilida<strong>de</strong>s.5 – Construção dos combinadosOs “combinados” se referem ao conjunto <strong>de</strong> regras grupais que possibilitama convivência e regem a participação <strong>de</strong> educadores e educandos, nas açõescotidianas do <strong>Brincar</strong>. Eles são construídos <strong>de</strong> maneira coletiva e processual.Sempre que consolidados ou modificados, os “combinados” são registrados pormeio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senhos, pinturas ou textos. Esses registros ficam expostos em cartazesou murais. Um exemplo comum é quando uma criança tira, sem pedir licença,um brinquedo da outra. Nesse momento, o grupo lembra dos combinados,mostrando que é preciso ter cuidado com o colega, pedir licença e perguntar sepo<strong>de</strong> brincar junto. Esses conjuntos <strong>de</strong> regras servem tanto para as crianças efamílias, quanto para os educadores. Nas refeições, por exemplo, a regra “todos<strong>de</strong>vem comer <strong>de</strong> tudo” vale para todos. A importância <strong>de</strong> respeitar os combinadosvem da compreensão <strong>de</strong> que eles são a materialização, na prática diária, dosvalores – tais como a ética e a verda<strong>de</strong> – do Espaço Compartilharte.No início do <strong>Brincar</strong>, por diversas ocasiões, ouvimos relatos <strong>de</strong> alguns educadores,afirmando ou reconhecendo suas próprias dificulda<strong>de</strong>s em estabelecer e,principalmente, fazer cumprir <strong>de</strong>terminadas regras. Uma questão era recorrente:“Como colocar limites para crianças que já vivem em situações <strong>de</strong> exclusão,privação, vulnerabilida<strong>de</strong>?”.Ao longo do tempo, temos buscado estabelecer, com a equipe, a construção<strong>de</strong> regras, valores, normas, parâmetros que possibilitem à criança lidar com assituações em que ela se encontra vulnerável ou excluída.Nas primeiras versões dos “combinados”, mediadas pelos educadores, erarecorrente encontrarmos uma série <strong>de</strong> “nãos”. “Não po<strong>de</strong> isso, não po<strong>de</strong> aquilo...”Refletimos que os combinados não são um conjunto <strong>de</strong> “nãos”, mas implicam,sobretudo, em um conjunto <strong>de</strong> “sins”, um conjunto <strong>de</strong> possíveis. E, hoje, <strong>de</strong>ntretodas as versões dos combinados do <strong>Brincar</strong>, existe um que nunca sai <strong>de</strong> pauta: ascrianças dizem “aqui po<strong>de</strong>mos brincar”.Depoimento <strong>de</strong> coor<strong>de</strong>nadora pedagógicaAVALIAÇÃO E SISTEMATIZAÇÃOO Programa <strong>Brincar</strong> é monitorado <strong>de</strong>ntro do plano estratégico do EspaçoCompartilharte. A avaliação específica recai sobre dois eixos principaise integrados:O <strong>de</strong>senvolvimento integral das crianças.O processo, os resultados e o impacto gerados pelas ativida<strong>de</strong>s do <strong>Brincar</strong>.Utilizam-se diferentes instrumentos quantitativos e qualitativos, <strong>de</strong>ntre os quais oregistro audiovisual (foto/filmagem). Os resultados são registrados e comunicadospor meio <strong>de</strong> relatórios consolidados periodicamente, constituindo importantefonte <strong>de</strong> aprendizagens para beneficiários, projetos, instituições, e sustentando,ainda, a própria sistematização da <strong>experiência</strong>.71


Marcos conceituaisCom relação aos marcos referenciais, utiliza-se uma base <strong>de</strong> leis, teses e estudosacadêmicos para nortear as ações, além <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> autores nacionais eestrangeiros que ajudam a pensar a educação em valores e direitos humanos.Como Lurdinha é consultora-formadora <strong>de</strong> conselheiros tutelares em váriosestados brasileiros, o Estatuto da Criança e do Adolescente é uma referênciafundamental e bastante constante. A leitura <strong>de</strong> textos sagrados <strong>de</strong> várias tradiçõestambém influencia fortemente o trabalho do Espaço Compartilharte. No entanto,os profissionais que ali trabalham têm liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> professar suas próprias crençasou serem agnósticos, não sendo exigido <strong>de</strong>les que se filiem à <strong>de</strong>terminada religião.O que conta, para o EC, é a crença e o exercício <strong>de</strong> valores <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, amore ajuda mútua, os quais configuram a ética da organização e contaminam todasas suas Veredas. Vale consi<strong>de</strong>rar que a presença <strong>de</strong>sse forte ecletismo conceitualexige um esforço consi<strong>de</strong>rável <strong>de</strong> síntese e adaptação à realida<strong>de</strong> local, sob pena<strong>de</strong> colocar o trabalho sob o risco da superficialida<strong>de</strong> e dos conflitos <strong>de</strong> referência.A formação continuada <strong>de</strong>ntro e fora do EC cria uma comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estudos queajuda nesse esforço <strong>de</strong> compatibilização das referências e a<strong>de</strong>quação das práticas.Abaixo, estão resumidos os referenciais teóricos mais presentes noPrograma <strong>Brincar</strong> .Desenvolvimento humano, educação e proteção integral: principais idéias Formação integral: visão integral do ser humano. Quatro pilares da educação: apren<strong>de</strong>r a conhecer, apren<strong>de</strong>r a fazer, apren<strong>de</strong>r aconviver e apren<strong>de</strong>r a ser (Relatório Delors, Unesco, 1998). Atuação integrada: conhecimentos e estratégias articulados. Tempos e espaços integrados: jornada ampliada. Parceria e projeto comum: família + escola + comunida<strong>de</strong>. Educação para o <strong>de</strong>senvolvimento sustentável. Múltiplas dimensões da pobreza. Não se trata somente <strong>de</strong> “falta <strong>de</strong>oportunida<strong>de</strong>s” – construção coletiva <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s + apren<strong>de</strong>r-ensinar afazer escolhas. Mobilização comunitária como pressuposto. Foram também compilados ensinamentos <strong>de</strong> Jesus, São Francisco <strong>de</strong> Assis, Gandhi, Betinho e Frei Betto,mas, por questão <strong>de</strong> espaço, eles não serão apresentados.73


Compartilhamos com Paulo Freire:A visão <strong>de</strong> mundo e propostas reunidas na “pedagogia do oprimido” e na“educação popular”, <strong>de</strong>stacando-se:A dimensão política da educação.A educação como possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> libertação.O <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> uma visão e postura críticas em relação ao mundo.A “leitura do mundo prece<strong>de</strong>ndo a leitura das palavras”.A perspectiva da educação para a cidadania.O reconhecimento da cultura local como ponto <strong>de</strong> partida para todotrabalho educativo.A problematização do cotidiano como método.A visão dialética da relação entre educadores e educandos.A visão dialética da construção do conhecimento: teoria x prática.A perspectiva dialógica e intersubjetiva da construção do conhecimento.A preocupação com a formação dos educadores.Freinet nos inspira nos seguintes aspectos: A “escola viva”, a educação vista como continuida<strong>de</strong> da vida familiar ecomunitária buscando trazer a vida cotidiana para o centro dos processos <strong>de</strong>ensino-aprendizagem. A inclusão do potencial criativo e expressivo da criança no processo pedagógicobuscando i<strong>de</strong>ntificar e estimular focos <strong>de</strong> interesse da criança. O reconhecimento <strong>de</strong> diferentes possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> expressão – oral,plástica, escrita. O foco no trabalho cooperativo e a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> socialização doconhecimento. A idéia <strong>de</strong> disciplina, norma e autorida<strong>de</strong> vista como necessária, mas colocadanuma perspectiva cooperativa entre educadores e educandos. O reconhecimento do conhecimento da criança e <strong>de</strong> seu potencial para ensinare trocar com o educador. A inserção da “biblioteca” ou “espaço <strong>de</strong> leitura” e o trabalho com os “textoslivres”: a vida como material pedagógico. A perspectiva das técnicas do trabalho pedagógico modificando as relaçõesentre as crianças e o meio, as crianças e os educadores e as crianças entre si. A possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir os planos <strong>de</strong> trabalho/planejamentos diárioscom as crianças. A inserção das famílias no trabalho cooperativo e criativo <strong>de</strong> construção daproposta pedagógica. O informativo/jornal comunitário e as apresentações artísticas dascrianças como formas <strong>de</strong> também sensibilizar as famílias, comunicando o<strong>de</strong>senvolvimento do trabalho pedagógico.Sobre Piaget, conversamos: Desenvolvimento infantil. Quem é a criança, como ela acessa o mundo, organizaseu pensamento e suas ações. Como a criança constrói o conhecimento – o “apren<strong>de</strong>r a apren<strong>de</strong>r”. O conhecimento como possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> agir sobre/transformar o mundo ea si mesmo. A visão do conhecimento como processo. Heteronomia x autonomia: para ser autônomo é preciso primeiramenteser heterônimo. A consi<strong>de</strong>ração dos interesses da criança no processo e a aprendizagemsignificativa. A importância do brincar no <strong>de</strong>senvolvimento infantil.74


Com Vygotsky, compartilhamos: A perspectiva <strong>de</strong> que somos constituídos em <strong>de</strong>terminado contexto históricocultural,ao mesmo em tempo que construímos o ambiente on<strong>de</strong> vivemos. A visão materialista <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> como organismo em processoconstante <strong>de</strong> transformação. A visão sociointeracionista <strong>de</strong> construção do conhecimento: o conhecimentovia a interação social. A noção <strong>de</strong> aprendizagem significativa: só se apren<strong>de</strong> o que faz sentido. A importância do brincar no <strong>de</strong>senvolvimento/aprendizagem da criança.A literatura base do EC aponta para autores clássicos da educação e do<strong>de</strong>senvolvimento humano, os quais compõem uma visão humanista, amplae contextualizada da infância. O brincar <strong>de</strong>ve ser visto, portanto, comodimensão constitutiva dos processos <strong>de</strong> socialização <strong>de</strong> adultos e crianças, enão como técnica ou ativida<strong>de</strong> para “passar o tempo”. As crianças são vistascomo atores sociais que também participam da construção do conhecimento,apren<strong>de</strong>m experimentando e negociam as regras e os sentidos coletivos. Aperspectiva da educação em direitos e valores humanos acentua a dimensãoda inter<strong>de</strong>pendência, ou do caráter relacional da socieda<strong>de</strong>, o que enfatiza asnoções <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong>, responsabilida<strong>de</strong> sobre os próprios atos e escolhas<strong>de</strong>s<strong>de</strong> a mais tenra ida<strong>de</strong>.75


Linha do tempo76


1999O atendimento às crianças passa a ser diário.Aprovação <strong>de</strong> projeto junto ao BNDES: ampliação das instalações, aquisição <strong>de</strong>equipamentos e do primeiro veículo para transporte das crianças.Início do sistema <strong>de</strong> transporte das crianças nos trajetos casa–EC–casa.Implantação do Programa <strong>de</strong> Formação Permanente <strong>de</strong> Educadores.Capacitação <strong>de</strong> educadores e jovens em Oficinas Lúdicas, com os “criançólogos”Rodrigo Libânio Christo e Michela Van Doornik Christo.Ampliação do trabalho junto às famílias e membros da comunida<strong>de</strong>: pesquisa<strong>de</strong> opinião, visitas domiciliares, grupo <strong>de</strong> mulheres e oficinas profissionalizantes.Participação na festa do padroeiro, a convite da paróquia local.O Espaço Compartilharte é eleito membro titular dos ConselhosMunicipais <strong>de</strong> Direitos da Criança e do Adolescente, Assistência Social eRenda Mínima <strong>de</strong> Teresópolis.2000Início do trabalho por projetos: os “Direitos da Criança e do Adolescente”como tema.Implantação do primeiro Conselho Tutelar no município.Disseminação da <strong>experiência</strong> do <strong>Brincar</strong> junto a educadores, crianças ejovens do município.Capacitação <strong>de</strong> educadores sobre “Desenvolvimento Infantil e <strong>Brincar</strong>”, com opsicólogo Marcelo <strong>de</strong> Abreu Maciel.Capacitação <strong>de</strong> educadores e jovens em Oficinas Lúdicas, com os “criançólogos”Rodrigo Libânio Christo e Michela Van Doornik Christo.2001Primeiro Censo Comunitário <strong>de</strong> Canoas.A “Comunida<strong>de</strong>” como tema do projeto pedagógico.Produção do livro <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong>, fruto da pesquisa <strong>de</strong>brinca<strong>de</strong>iras junto às comunida<strong>de</strong>s atendidas.Disseminação da <strong>experiência</strong> do <strong>Brincar</strong> junto a educadores, crianças e jovensdo município <strong>de</strong> Teresópolis.Disseminação da metodologia <strong>de</strong> trabalho sobre o Estatuto da Criança e doAdolescente (ECA) para conselheiros <strong>de</strong> direitos, tutelares, voluntários e outrosprofissionais do sistema <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> direitos do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro,por meio <strong>de</strong> parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e doAdolescente/Governo do Estado.Nova se<strong>de</strong> <strong>de</strong>dicada exclusivamente ao atendimento das crianças <strong>de</strong> 2 a 6 anos.Participação <strong>de</strong> educadores no Fórum Mundial <strong>de</strong> Educação, em Porto Alegre.2002Novas parcerias viabilizam ampliação da equipe técnica.Semifinalista do Prêmio Criança 2002, da <strong>Fundação</strong> <strong>Abrinq</strong>.Realização da “procissão folclórica”, com a apresentação do espetáculo: MineiroPau, na comunida<strong>de</strong>.78


2003Disseminação da metodologia <strong>de</strong> trabalho sobre o ECA nos estados do Rio <strong>de</strong>Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, pormeio <strong>de</strong> parceria com Furnas Centrais Elétricas e a Presidência da República.Capacitação <strong>de</strong> jovens locais para mediação <strong>de</strong> leitura a crianças <strong>de</strong> 2 a 6 anosda comunida<strong>de</strong>, <strong>de</strong>ntro do Programa Mudando a História, da <strong>Fundação</strong> <strong>Abrinq</strong>.Capacitação <strong>de</strong> educadores sobre “Avaliação e Sistematização” com apesquisadora Isa Guará.Disseminação da metodologia <strong>de</strong> confecção <strong>de</strong> brinquedos reciclados por meio<strong>de</strong> ví<strong>de</strong>os e vinhetas produzidos e veiculados pelo canal Futura.Implementação do Projeto Vereda da Convivência Familiar e Comunitária, emparceria com o Instituto Desi<strong>de</strong>rata.2004Implementação do Espaço Volante: instalação <strong>de</strong> espaços <strong>de</strong> brincar nas ruas dacomunida<strong>de</strong> e domicílios das famílias atendidas.Recebimento do Prêmio Criança 2004 pelo Programa <strong>Compartilhando</strong> a<strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong>.2005Implementação da Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Proteção Integral (RPI).Sistematização do Programa <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong>.79


ReflexõesAo longo do caminho, em seus oito anos <strong>de</strong> existência, o Espaço Compartilharterecolheu muitas aprendizagens <strong>de</strong>ntro do Programa <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong><strong>Brincar</strong>. Neste capítulo, <strong>de</strong>stacaremos algumas <strong>de</strong>las.1 – CONSTRUIR O SENSO DE COMUNIDADEA palavra “comunida<strong>de</strong>” tem sido bastante usada, muitas vezes <strong>de</strong> formaexagerada quando falamos <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento local. No entanto, otrabalho do Espaço Compartilharte mostra que um agrupamento <strong>de</strong> pessoas,um povoado ou uma localida<strong>de</strong> nem sempre são comunida<strong>de</strong>s no sentido <strong>de</strong>responsabilida<strong>de</strong> mútua entre seus habitantes.A iniciativa leva à reflexão: “O que po<strong>de</strong> levar um grupo <strong>de</strong> pessoas a tecerlaços e vínculos até que, então, se constitua numa comunida<strong>de</strong>?”. A respostaestá na construção da confiança, fruto <strong>de</strong> um processo longo e paciente queé, ao mesmo tempo, o único caminho para a solidificação do sentimento <strong>de</strong>comunida<strong>de</strong>. No caso do <strong>Brincar</strong>, foi preciso criar oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> convivênciainiciais, o que se <strong>de</strong>u por meio da realização das festas, do atendimento àscrianças e da estruturação <strong>de</strong> programas para familiares. Além das ativida<strong>de</strong>s epráticas em si, a disposição para o diálogo na diferença foi condição fundamentalmuito facilitada pelas estratégias lúdicas <strong>de</strong> brincar, cantar e fazer arte juntos.A realização do diagnóstico socioeconômico e ambiental, representado peloCenso Comunitário Compartilharte, também ajudou na consolidação da visão <strong>de</strong>conjunto e na i<strong>de</strong>ntificação conjunta <strong>de</strong> talentos, problemas e priorida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ação.O levantamento sobre os moradores da comunida<strong>de</strong>, quem eram, quais eram seushábitos, suas histórias e seus mitos, possibilitado pelo Censo, ajudou a recuperarsaberes que favoreceram um sentido <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> comunitária. Alguns casosrecolhidos foram transformados em esquetes <strong>de</strong> teatro <strong>de</strong> fantoches e encenadospara os moradores, envolvendo as crianças na manutenção da memória local.Ao mesmo tempo, as informações socio<strong>de</strong>mográficas colhidas na pesquisaajudaram tanto no aprimoramento das ações do Espaço Compartilharte quanto nai<strong>de</strong>ntificação das políticas públicas prioritárias para aquela população.Outra questão importante é que, ao longo dos 15 anos <strong>de</strong> trabalho na região,o Espaço Compartilharte tem acompanhado as crianças que já passaram peloPrograma <strong>Brincar</strong>, conseguindo, inclusive, a inserção <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>las, hojeadultas, em seu quadro <strong>de</strong> funcionários. Outra contribuição do EC nesse períodofoi a ajuda prestada no acolhimento e na estabilização das famílias migrantes, e aconstrução <strong>de</strong> vínculos importantes com pessoas e parceiros institucionais.2 – ROMPER COM A DEMANDA POR ASSISTENCIALISMOUma questão que permanece como <strong>de</strong>safio é a construção <strong>de</strong> uma cultura <strong>de</strong>direitos em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> uma cultura que naturaliza as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s socioeconômicase enten<strong>de</strong> as obras e os serviços públicos, tais como o asfaltamento<strong>de</strong> estradas e a construção <strong>de</strong> escolas, como favores <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminado político – ousinal <strong>de</strong> prestígio <strong>de</strong> algum proprietário rural. A leitura <strong>de</strong>sse jogo <strong>de</strong> forças forjana população uma <strong>de</strong>scrença no seu po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> influência e transformação, o qual,por sua vez, alimenta a <strong>de</strong>manda por mais favores, na lógica gratidão/lealda<strong>de</strong> tãocara ao clientelismo.81


Quando alguém se propõe a fazer um trabalho numa base <strong>de</strong>mocrática,ouvindo e valorizando o que <strong>de</strong>terminada comunida<strong>de</strong> sabe e faz, há umaquebra do padrão <strong>de</strong> valores e comportamentos mais conhecido, e as pessoasper<strong>de</strong>m as referências <strong>de</strong> seu antigo repertório <strong>de</strong> relações. Essa ruptura, muitasvezes, é vivida com angústia, gerando resistência às ações <strong>de</strong> transformação.No caso do Programa <strong>Brincar</strong> os profissionais do EC tiveram que firmar seusposicionamentos com energia e convicção, investindo em recursos materiais eformação profissional qualificada e não ocupando o lugar <strong>de</strong> solucionadores <strong>de</strong>problemas, mas <strong>de</strong> mediadores na construção <strong>de</strong> alternativas <strong>de</strong> transformaçãolocais. Como isso tem sido feito?Descomprimindo a imaginação. As brinca<strong>de</strong>iras com as crianças, as famíliase a comunida<strong>de</strong> estimularam o pensamento e o sonho sobre aquilo que elesgostariam <strong>de</strong> transformar em suas vidas. Esses <strong>de</strong>sejos viraram <strong>de</strong>senhos, textose também projetos <strong>de</strong> trabalho que foram viabilizados com a ajuda do EspaçoCompartilharte e <strong>de</strong> seus parceiros.Evitando a vitimização dos excluídos dos direitos. Em vez <strong>de</strong> oferecercarida<strong>de</strong>, a política do EC é <strong>de</strong> troca, na crença <strong>de</strong> que todo mundo tem algo aoferecer. Uma forma trabalhar isso na prática é inserindo a comunida<strong>de</strong> comoator importante nas ações <strong>de</strong> ampliação da sustentabilida<strong>de</strong>. Os programasestão permanentemente abertos à participação <strong>de</strong> mães e pais em mutirões<strong>de</strong> limpeza dos espaços físicos da entida<strong>de</strong>, na construção <strong>de</strong> brinquedos etc.O familiar que chega para colaborar assina um termo <strong>de</strong> voluntariado e seu dia<strong>de</strong> trabalho é convertido em “canoas”, moeda criada pela organização e queserve como “dinheiro” para aquisição <strong>de</strong> cesta básica, remédios, roupas etc.Uma “canoa” equivale a um dia <strong>de</strong> trabalho voluntário, e tem como referênciao valor <strong>de</strong> meia cesta básica. O Espaço Compartilharte utiliza essa moeda <strong>de</strong>troca também na oferta <strong>de</strong> alguns dos seus produtos e serviços que, em vez<strong>de</strong> serem pagos em dinheiro, po<strong>de</strong>m trocados por frutas, legumes e verdurasproduzidas pelas famílias.Priorizando a inserção <strong>de</strong> comunitários na equipe técnica dos programas eoferecendo a eles formação permanente. Os jovens da comunida<strong>de</strong>, muitos exbeneficiáriosdo Programa <strong>Brincar</strong>, são formados em metodologias <strong>de</strong> mobilizaçãocomunitária, educação em valores e gestão social, e ajudam a multiplicar efortalecer a iniciativa em suas diferentes vertentes.Formando uma Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Proteção Integral para dar consistência àmobilização comunitária. Essa re<strong>de</strong>, que está em formação, tem sido um fórum<strong>de</strong> troca <strong>de</strong> informações e <strong>de</strong>cisões sobre as ações do interesse coletivo queprecisam ser levadas adiante junto ao po<strong>de</strong>r público ou privado. A re<strong>de</strong> está <strong>de</strong>acordo com a Doutrina <strong>de</strong> Proteção Integral, como veremos no manifesto doEspaço Compartilharte pelos direitos das crianças <strong>de</strong> Canoas e arredores.3 – EDUCAÇÃO INFANTIL NÃO-FORMAL: UM NOVO DESAFIODiante da precarieda<strong>de</strong> das políticas <strong>de</strong> educação infantil na comunida<strong>de</strong>, oPrograma <strong>Brincar</strong> se propôs a oferecer atendimento às crianças <strong>de</strong> 2 a 6 anos<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. A proposta era <strong>de</strong>senvolver ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> educação integral queproduzissem um efeito <strong>de</strong>monstrativo do que os pais <strong>de</strong>veriam receber do Estado.Com o sucesso obtido nessa primeira etapa, a próxima fase foi propor à SecretariaMunicipal <strong>de</strong> Educação algumas das estratégias do <strong>Brincar</strong> e a realização <strong>de</strong>82


ativida<strong>de</strong>s do projeto nas escolas públicas, fora do horário <strong>de</strong> aula. O órgão foireceptivo, mas a proposta ainda não foi efetivada.Dentro das recentes mudanças na legislação que rege a educação infantil e oensino fundamental , a secretaria tem aventado a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> abrir umapré-escola na região para aten<strong>de</strong>r crianças a partir <strong>de</strong> 5 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. O EC vemacompanhando a discussão, buscando informar e mobilizar as famílias para quetambém opinem e reivindiquem seus direitos. Algumas famílias <strong>de</strong>monstramresistência à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colocar seus filhos na escola formal em <strong>de</strong>trimentodas ativida<strong>de</strong>s do Programa <strong>Brincar</strong>. Isso se <strong>de</strong>ve a múltiplos fatores, queincluem <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o fato <strong>de</strong> a escola só aten<strong>de</strong>r meio-período – o que inviabilizaa jornada <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> muitos familiares – até a idéia <strong>de</strong> que a escola formalé <strong>de</strong>svantajosa em comparação ao Espaço Compartilharte. Quando as famíliasmanifestam essas opiniões, a equipe da organização reforça a importânciada escola formal, mostrando que o trabalho do EC não a substitui, mas acomplementa, e mobiliza a comunida<strong>de</strong> para a construção e fortalecimento daqualida<strong>de</strong> do ensino público local.No entanto, o fato <strong>de</strong> não estar ligado ao sistema formal <strong>de</strong> ensino público trazpossibilida<strong>de</strong>s diferenciadas para o atendimento do EC. Uma das diferençasmarcantes é permitir um projeto pedagógico mais experimental, on<strong>de</strong> asreferências espirituais-ecumênicas e ecológicas, incluindo a alimentaçãonatural, são saberes que se encontram nas bases da prática. Outro pontodiferenciador é que a formação das educadoras incorpora preocupaçõescomo o <strong>de</strong>senvolvimento local sustentável, políticas <strong>de</strong> assistência familiar ecomunitária e terceiro setor, questões que nem sempre estão presentes na pautada educação formal.Para os gestores do Programa <strong>Brincar</strong>, esse enfoque pedagógico tem possibilitadouma convergência entre políticas <strong>de</strong> assistência social, <strong>de</strong> cultura e <strong>de</strong> educaçãoque ajudam a superar a fragmentação do conhecimento, auxiliando a lógica daeducação integral. Os problemas da formação tradicional ficavam claros quandoera preciso contratar um novo educador para o Programa <strong>Brincar</strong>. Os candidatosque se apresentavam, tanto aqueles que completavam o curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>professores quanto os pedagogos, por exemplo, não tinham conhecimento doEstatuto da Criança e do Adolescente ou formação crítica a respeito <strong>de</strong> direitos.De uma maneira geral, eles enxergavam seu papel a partir da disciplina quelecionavam: “sou professor <strong>de</strong> geografia”, “sou professor <strong>de</strong> português”, “tenho<strong>experiência</strong> em música e teatro, pois sou arte-educador”. Mas não <strong>de</strong>monstravamconhecimentos sobre integração disciplinar ou sobre como seus trabalhos searticulariam com as famílias e com a comunida<strong>de</strong>.A dificulda<strong>de</strong> do EC no tocante à escolha <strong>de</strong> seus profissionais esbarrava, também,na visão <strong>de</strong> que, mais do que um “emprego” ou uma “carreira”, quem trabalhana instituição tem à frente o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolver um “projeto <strong>de</strong> vida”. Talconcepção repercute diretamente nas estratégias <strong>de</strong> formação continuada, a qualtem como prática a retomada constante dos planos pessoais, sempre alinhadosao plano institucional, que faz com que todos se vejam como educadores,in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da função que ocupem. A escolarida<strong>de</strong> obrigatória passa a ser <strong>de</strong> nove anos e o ingresso no ensino fundamental <strong>de</strong>verá aconteceraos 6 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.83


“Todos os educadores, inclusive os que prestam serviços na parte administrativae que participam <strong>de</strong> todas as capacitações, foram treinados para ler o olhar, aexpressão facial da criança e imediatamente cuidar, escutar, abrir espaço parao <strong>de</strong>sabafo que po<strong>de</strong> ser verbal, um choro, uma atitu<strong>de</strong> mais agressiva com umcoleguinha, sentar-se no chão emburrado e não querer participar da roda...”Depoimento coletivo dos educadores do ECO fato <strong>de</strong> todos os funcionários do EC serem vistos como educadores enriqueceem sentido as funções tradicionalmente operacionais ou burocráticas, fazendocom que todos tenham uma relação mais próxima com os beneficiários. A máximaque diz que o Espaço Compartilharte “não oferece empregos, mas projetos <strong>de</strong>vida” implica em uma gran<strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong>, uma vez que os educadores (sejaqual for sua função) <strong>de</strong>vem observar os princípios institucionais e os direitos evalores humanos estando <strong>de</strong>ntro ou fora <strong>de</strong> seu turno <strong>de</strong> serviço. O EC afina essesentido <strong>de</strong> missão coletiva envolvendo sua equipe em ações <strong>de</strong> capacitaçãoespecíficas e planejamentos mensais e anuais.4 – VALORIZAR O DIREITO DE BRINCAR“Quando eu era menor, brincar era fazer o que as pessoas não queriam que agente fizesse. Eu me divertia fazendo o que os outros não gostavam. Com o passardo tempo, eu vi que o brincar não era sacanear o outro.”Depoimento <strong>de</strong> Eliésio Santos Medas, 20 anos,beneficiário do EC <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os 5 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>e, hoje, educador na organização.Os educadores do Espaço Compartilharte acreditam que a valorização dodireito <strong>de</strong> brincar na comunida<strong>de</strong> não aconteceu pela <strong>de</strong>scoberta do “prazer <strong>de</strong>brincar”, já que este não era culturalmente valorizado. Eles enxergam a causada mudança <strong>de</strong> cultura em algo muito mais pragmático: a articulação <strong>de</strong> umgrupo pessoas, vinculadas ao EC, e à Vara da Infância, da Juventu<strong>de</strong> e da Família,no sentido <strong>de</strong> <strong>de</strong>nunciar maus-tratos e trabalho infantil, principalmente naslavouras e casas <strong>de</strong> família. Essa intervenção induziu os pais a solicitarem amatrícula <strong>de</strong> seus filhos no Programa <strong>Brincar</strong>. A disposição <strong>de</strong> lutar pelos direitosdas crianças e o acolhimento a elas oferecido ajudaram a consolidar os vínculosdas famílias locais com o grupo que criou o Espaço Compartilharte. Essa base <strong>de</strong>confiança ajudou a quebrar as resistências e a garantir a credibilida<strong>de</strong> necessáriapara a construção <strong>de</strong> uma nova visão da comunida<strong>de</strong> sobre o brincar. Algumasestratégias nesse sentido merecem <strong>de</strong>staque:<strong>Brincar</strong> não é coisa só <strong>de</strong> criança. Explicar para os adultos a importância dobrincar por meio <strong>de</strong> palestras e aulas expositivas po<strong>de</strong> ser um contra-senso.Ao mesmo tempo, como convidar, para danças em roda, pintura com os <strong>de</strong>dose outros “brincares”, adultos que consi<strong>de</strong>ram isso perda <strong>de</strong> tempo? A respostaé: com paciência e perseverança. Esse processo se <strong>de</strong>u aos poucos entre osadultos. A experimentação começou <strong>de</strong>ntro do grupo <strong>de</strong> mulheres, brincando84


<strong>de</strong> arrumar os cabelos com flores, a trocar receitas <strong>de</strong> beleza ou a fazer máscaras<strong>de</strong> argila. Esses fazeres originaram conversas, nas quais cada uma contava seusdramas, compartilhava problemas e segredos, ria e chorava, e começava a<strong>de</strong>spertar o próprio prazer e a criativida<strong>de</strong>. Dia após dia, cada uma ia achandoseu jeito <strong>de</strong> brincar com os filhos, em casa ou em ativida<strong>de</strong>s coletivas, tais comooficinas e capacitações abertas a adolescentes, jovens e mães da comunida<strong>de</strong>.Homem que é homem também brinca. Se a cultura local inibia as mulheres<strong>de</strong> brincar, para os homens havia uma verda<strong>de</strong>ira interdição. O jeito <strong>de</strong> trazer oshomens ao universo da brinca<strong>de</strong>ira foi convidá-los para que viessem construirbrinquedos para e com seus filhos. Percebeu-se que os pais se orgulhavam<strong>de</strong> mostrar suas habilida<strong>de</strong>s manuais com ma<strong>de</strong>ira, lata e plástico, e ficavamsensíveis ao argumento <strong>de</strong> que era mais econômico construir do que comprarbrinquedos. Uma vez “fisgados”, pais entusiasmados recriavam brinquedos<strong>de</strong> suas infâncias e ensinavam seus filhos a se divertirem como eles. Erammomentos importantes, nos quais as histórias <strong>de</strong> infância <strong>de</strong>sses homensemergiam. Essas ativida<strong>de</strong>s abriram caminho para o brincar coletivo nas festase também para ampliar o repertório <strong>de</strong> todos, <strong>de</strong>ntro do entendimento <strong>de</strong> quetodas as ativida<strong>de</strong>s cotidianas po<strong>de</strong>m ser transformadas em brinca<strong>de</strong>ira.Brincando, brincando as crianças crescem e aparecem. Uma estratégia quetrouxe prestígio para as ativida<strong>de</strong>s do Programa <strong>Brincar</strong> foi a culminância dosprojetos com a apresentação <strong>de</strong> um espetáculo <strong>de</strong> teatro, procissão folclóricaou performance musical produzido com crianças e adolescentes. Muitas <strong>de</strong>ssasmontagens nasciam <strong>de</strong> idéias colhidas nas brinca<strong>de</strong>iras espontâneas e noscasos que apareciam no cotidiano do <strong>Brincar</strong>, as quais iam sendo trabalhadascenicamente até estarem prontas para a apresentação no Teatro Raízes da Roça,ou em outros palcos em Teresópolis e no Rio <strong>de</strong> Janeiro. Quando os pais viam seusfilhos atuando e sendo admirados por outras pessoas, passavam a ter uma relação<strong>de</strong> admiração e orgulho que muitos antes não tinham.“Agora sim estou tendo orgulho <strong>de</strong> minha filha, pois em todos os teatros que elafez ela não falava, só se apresentava com o movimento do corpo, muda... ou comos fantoches na mão. Agora eu sei que ela sabe representar com falas também.Até chorei <strong>de</strong> orgulho <strong>de</strong>la. Ela, agora, está diferente, mais solta e conversa maiscomigo, com o pai, com os irmãos e até com o patrão. “Fátima, 54, mãe <strong>de</strong> Jaqueline, 11 anos“Eu batia muito neles, espancava mesmo, pois eles chegavam da escola mepedindo pra ajudar no <strong>de</strong>ver e eu não consigo. Depois que eles vieram para oEspaço Compartilharte eu aprendi a brincar com eles e eles comigo.” Alaí<strong>de</strong>, 35 anos, mãe <strong>de</strong> três crianças <strong>de</strong> 7, 9 e 11 anosNomes fictícios.85


Resultados“As crianças estão apren<strong>de</strong>ndo só coisas boas. Acho que estão fazendo coisasmaravilhosas no Espaço e isso evita que estejam fazendo bobagem pela estradaafora. Marta, quando começou, há um mês, nunca tinha pegado no lápis. Hoje elajá faz <strong>de</strong>senhos lindos e Lindalva mudou o comportamento. Ela, que era muitorespondona, já fala até <strong>de</strong> amor.”Ângela, mãe <strong>de</strong> Marta e tia/responsável por Lindalva,ambas começaram a freqüentar o EC em abril <strong>de</strong> 1999 Como as ações, planos e estratégias do Programa <strong>Brincar</strong> têm transformado avida das crianças, educadores, familiares e comunida<strong>de</strong>? Tentando respon<strong>de</strong>r aessa questão, este capítulo apresenta algumas evidências das mudanças que oPrograma <strong>Compartilhando</strong> a <strong>Arte</strong> <strong>de</strong> <strong>Brincar</strong> vem ajudando a produzir.1 – MUDANÇA CULTURAL EM RELAÇÃO AO DIREITO DE BRINCAREspaços e tempos para o brincar coletivo ampliados. Além do atendimentodiário na se<strong>de</strong>, inclusive durante os feriados, outras ativida<strong>de</strong>s são levadas àcomunida<strong>de</strong> como um todo e têm atraído bastante gente. Exemplos: caminhadasecológicas; Dia do Desafio, com toda a família brincando <strong>de</strong> exercícios físicos;e o Dia da Floresta, com avós ensinando os pequenos a i<strong>de</strong>ntificar as árvores,sementes, pássaros. A comunida<strong>de</strong> vai <strong>de</strong>scobrindo que mesmo sem ter praçase parques, existem “vários espaços <strong>de</strong> brincar”. Assim, com algum tratamentoprévio, as porta <strong>de</strong> armazéns e biroscas, os sítios vazios, e os largos em frente aospontos <strong>de</strong> ônibus, que serviam antes apenas para a manobra dos mesmos, setransformam em palco para piqueniques e brinca<strong>de</strong>iras diversas.Repertório <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras ampliado e sistematizado. O Programa <strong>Brincar</strong>tem sido um ótimo laboratório <strong>de</strong> invenção e pesquisa <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras novas eantigas. Esse conhecimento tem sido utilizado em capacitações voltadas tanto aoseducadores do Espaço Compartilharte e das escolas locais quanto às famílias dascrianças atendidas. Uma vez testadas e aprovadas, as brinca<strong>de</strong>iras são registradase passam a compor um material <strong>de</strong> disseminação. Os primeiros produtos <strong>de</strong>ssetrabalho são um livro com cerca <strong>de</strong> 150 brinca<strong>de</strong>iras (com e sem músicas) ecinqüenta brinquedos construídos com sucata, que resgatam os saberes e fazeresda comunida<strong>de</strong>, e cerca <strong>de</strong> <strong>de</strong>z livretos <strong>de</strong> registro do processo pedagógico, querelatam os vários brincares trabalhados no Programa <strong>Brincar</strong>.O brincar inserido na vida familiar. A difícil “conquista” dos homens pelasbrinca<strong>de</strong>iras foi alcançada pelo Programa <strong>Brincar</strong> a partir da compreensão do tipo<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> que os <strong>de</strong>ixava mais confortáveis, como a construção/manutenção<strong>de</strong> pequenas benfeitorias – cercas, pintura, horta etc. Enquanto os pais eramchamados para esse tipo <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>, as mulheres eram chamadas para cozinhar,e as crianças para fazer saladas e ajudar nas sobremesas. No fim do trabalho, todosse juntavam para tocar e cantar.Nomes fictícios.A maioria dos indicadores <strong>de</strong> resultado é qualitativa, ou seja, verificável, mas nem sempre quantificável.87


Nas famosas festas do Espaço Compartilharte, formaram-se grupos <strong>de</strong> músicaao vivo com pais, mães, avós, tios e irmãos das crianças que, unindo gerações,tocavam sanfona, pan<strong>de</strong>iro, violão etc.De geração para geração. Alguns dos jovens protagonistas que iniciaramseu atendimento no EC antes dos seis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> são, hoje, educadores nasdiversas áreas da organização, trabalhando como cooperativados ou estagiários.É a primeira geração <strong>de</strong> “brincantes” ajudando a formar as novas gerações e afortalecer o sentimento positivo <strong>de</strong> pertencimento àquela comunida<strong>de</strong>.2 – IMPACTO NO RENDIMENTO ESCOLAR DAS CRIANÇAS QUEFREQÜENTARAM O PROGRAMA BRINCARMelhor <strong>de</strong>sempenho escolar. Todas as crianças que passaram pelo Programa<strong>Brincar</strong> tiveram <strong>de</strong>sempenho escolar, entre a primeira e quarta séries do ensinofundamental, melhor do que aquelas que não passaram. Esses dados foramobtidos no acompanhamento que a educadora do EC faz junto à coor<strong>de</strong>nadorapedagógica das duas escolas municipais da região.Longevida<strong>de</strong> escolar favorecida. Em 1991, a maioria dos alunos da regiãoestudava, em média, dois anos. Em 2005, todas as crianças e adolescentes quepassaram pelo Programa <strong>Brincar</strong> estavam matriculadas e cursando as sériescorrespon<strong>de</strong>ntes às suas ida<strong>de</strong>s. Des<strong>de</strong> o início do <strong>Brincar</strong>, e mesmo nas fasesanteriores que não estão no horizonte temporal <strong>de</strong>ssa sistematização, todas ascrianças atendidas regularmente no Espaço Compartilharte concluíram a 8ª sériedo ensino fundamental e quase todas (98%) concluíram o ensino médio.3 – IMPACTO NA EDUCAÇÃO FORMAL LOCALMelhorias físicas e <strong>de</strong> pessoal conseguidas via mobilização comunitária.Uma reivindicação antiga da comunida<strong>de</strong> junto aos Conselhos <strong>de</strong> Direitos e àPrefeitura Municipal, apoiada pelo Espaço Compartilharte, pela Vara da Infânciae da Juventu<strong>de</strong> e pelo Ministério Público, era a universalização do atendimento,na educação infantil, às crianças <strong>de</strong> 2 a 6 anos moradoras da zona rural. Em2004, a Secretaria Municipal <strong>de</strong> Educação instalou Classes <strong>de</strong> Alfabetização(CAs) nas escolas <strong>de</strong> sua responsabilida<strong>de</strong>. Como as crianças atendidas peloPrograma <strong>Brincar</strong> chegavam com nível <strong>de</strong> conhecimento superior ou equivalenteàquelas que cursavam a primeira e a segunda série, elas eram <strong>de</strong>slocadas para orefeitório <strong>de</strong> uma das escolas, on<strong>de</strong> passavam o período assistindo filmes, sem oacompanhamento <strong>de</strong> professores, apenas observadas pelas meren<strong>de</strong>iras.Diante <strong>de</strong>ssa situação, as famílias buscaram a orientação da equipe do EC e semobilizaram para exigir que a prefeitura solucionasse o problema. A iniciativa tevesucesso: mais duas salas <strong>de</strong> aula, um refeitório e um pátio, em uma das escolasrurais, foram construídos, e uma outra escola foi reformada. Em seguida, o po<strong>de</strong>rpúblico extinguiu as classes multisseriadas e contratou mais professores para asduas escolas rurais. Houve também uma adaptação nos horários das escolas paraque alguns alunos pu<strong>de</strong>ssem continuar seu atendimento nos programas do EC.Mudanças nas práticas escolares implementadas. O <strong>de</strong>sempenho diferenciadodas crianças do Programa <strong>Brincar</strong> levou a Secretaria Municipal <strong>de</strong> Educação apropor uma parceria com o EC, para a realização <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> educação em88


valores e direitos usando o brincar, a arte e a cultura em período complementar aoescolar. Os principais resultados <strong>de</strong>ssa iniciativa foram: Estabelecimento <strong>de</strong> um código <strong>de</strong> ética das turmas nos mol<strong>de</strong>s da construçãodos “combinados” do Programa <strong>Brincar</strong>, que ajudou o estabelecimento ecumprimento <strong>de</strong> rotinas. Melhoria dos níveis <strong>de</strong> concentração dos alunos com esse tipo <strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> apartir da realização <strong>de</strong> dinâmicas diárias <strong>de</strong> meditação e <strong>de</strong> jogos <strong>de</strong> atenção. Diálogo facilitado por meio das brinca<strong>de</strong>iras e dinâmicas teatrais, em que foramtrabalhados o respeito e a diversida<strong>de</strong>. Capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cuidar <strong>de</strong> si e do bem comum fortalecida por meio <strong>de</strong>jogos colaborativos, passeios pelos arredores, estratégias <strong>de</strong> construção <strong>de</strong>brinquedos, empréstimo <strong>de</strong> brinquedos e livros do EC e dos alunos entre si.Mais <strong>de</strong>senvoltura na escrita e leitura. Os alunos passaram a escrever com maisfreqüência e segurança, e algumas crianças <strong>de</strong> primeira e segunda série que nãoconseguiam ler passaram, a partir do 13º encontro, a ter melhor <strong>de</strong>sempenho,tanto na escrita como na leitura.Aumento consi<strong>de</strong>rável da freqüência na biblioteca do Espaço Compartilhartepor parte dos alunos das escolas públicas, assim como aos eventos culturaispromovidos pela entida<strong>de</strong>.4 – AMPLIAÇÃO DAS AÇÕES DE GARANTIA DOS DIREITOS DACRIANÇA E DO ADOLESCENTEMelhoria nas condições <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> e nutrição das crianças e famílias. Com aimplementação das ações <strong>de</strong> promoção da saú<strong>de</strong>, alimentação balanceada eeducação alimentar pelo Espaço Compartilharte, em conjunto com o atendimentomédico no posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> ou com o encaminhamento para outros serviços dare<strong>de</strong> pública, foi possível tirar as crianças dos quadros <strong>de</strong> doenças recorrentes emum período <strong>de</strong> oito a 12 meses.89


Além do impacto direto na saú<strong>de</strong> <strong>de</strong> todos, a mudança <strong>de</strong> hábitos <strong>de</strong> higienee alimentares das crianças e os cursos <strong>de</strong> nutrição e culinária dirigidos àcomunida<strong>de</strong> proporcionaram a valorização, pelas famílias, <strong>de</strong> alimentos commaior valor nutricional e estimularam a montagem, em suas casas, <strong>de</strong> hortascompostas <strong>de</strong> verduras, legumes e ervas medicinais.Violência familiar diminuída. A comunida<strong>de</strong> vem compreen<strong>de</strong>ndogradualmente a noção da criança como sujeito <strong>de</strong> direitos. Um dos exemplos maisimportantes <strong>de</strong>ssa conscientização foi o aumento das <strong>de</strong>núncias <strong>de</strong> violações dosdireitos da criança e do adolescente feitas pelos membros da comunida<strong>de</strong>. Outrasprovas foram as iniciativas individuais <strong>de</strong>ssas pessoas no correto encaminhamento<strong>de</strong> adolescentes em conflito com a lei.O trabalho <strong>de</strong> orientação familiar e resolução <strong>de</strong> conflitos teve também umimpacto significativo na diminuição da incidência <strong>de</strong> violência doméstica e sexualcontra crianças. Esse resultado foi fruto direto <strong>de</strong> encontros <strong>de</strong> familiares, reuniões<strong>de</strong> orientação familiar, visitas domiciliares, i<strong>de</strong>ntificação e encaminhamento<strong>de</strong> <strong>de</strong>mandas e potencialida<strong>de</strong>s das famílias para serviços e projetoscomplementares, além <strong>de</strong> oficinas <strong>de</strong> cidadania com foco no fortalecimento daconvivência familiar e comunitária.5 – AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO E FORTALECIMENTO DACONVIVÊNCIA COMUNITÁRIARe<strong>de</strong> <strong>de</strong> parcerias articuladas. A consistência da participação comunitária nosprojetos atraiu a atenção <strong>de</strong> várias instituições, que passaram a estreitar laços como Espaço Compartilharte e, particularmente, com o Programa <strong>Brincar</strong>. Esse fatopossibilitou o estabelecimento <strong>de</strong> interlocuções com os Conselhos Municipais<strong>de</strong> Assistência Social; <strong>de</strong> Direitos da Criança e do Adolescente, do Bolsa-Família,da Mulher, Tutelar e <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong>, além da formação <strong>de</strong> alianças com a Vara daInfância, Juventu<strong>de</strong> e do Idoso, a Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Mental, o Ministério Público, asSecretarias Municipais diversas e a Secretaria Estadual <strong>de</strong> Educação e <strong>de</strong> Cultura.Com o apoio do Instituto Desi<strong>de</strong>rata, um banco <strong>de</strong> dados informatizado estásendo consolidado. E, na perspectiva <strong>de</strong> propiciar o fortalecimento institucional,o Espaço Compartilharte está atuando <strong>de</strong> forma a incrementar o programa <strong>de</strong>formação continuada e a contratação <strong>de</strong> técnicos comprometidos com o Estatutoda Criança e do Adolescente.Participação comunitária crescente. Numa realida<strong>de</strong> marcada pelo clientelismo,construir espaços realmente <strong>de</strong>mocráticos para a participação comunitárianão é fácil. No entanto, a mobilização cidadã cresceu consi<strong>de</strong>ravelmente nacomunida<strong>de</strong>. Um exemplo: a participação <strong>de</strong> 242 votantes para a eleição dadiretoria da Associação <strong>de</strong> Moradores e Amigos <strong>de</strong> Canoas, Prata dos Are<strong>de</strong>s,Socavão e Varginha, num esforço pela sua recomposição.Outro exemplo é a superação da expectativa do número <strong>de</strong> famílias participantesda Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Proteção Integral, <strong>de</strong> 15, envolvidas no primeiro ano, para 43 emapenas seis meses. A articulação <strong>de</strong>ssa re<strong>de</strong> já moveu ações <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesa doconsumidor, <strong>de</strong> melhoria da qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> transporte e iluminação públicos, e<strong>de</strong> mobilização comunitária na área da saú<strong>de</strong>, esportes e lazer. A re<strong>de</strong> tambémplaneja o lançamento <strong>de</strong> seu informativo mensal.Possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> renda e emprego ampliadas. Oitenta por centodos prestadores <strong>de</strong> serviço no EC eram moradores da própria comunida<strong>de</strong>. Com90


exceção <strong>de</strong> duas jovens que cuidavam <strong>de</strong> seus filhos recém-nascidos, na época daavaliação <strong>de</strong> resultados da organização, todos os jovens que foram atendidos noEC quando criança, encontravam-se empregados.Os proprietários <strong>de</strong> sítios e comerciantes da cida<strong>de</strong> também passaram a procuraro EC como fonte <strong>de</strong> indicação <strong>de</strong> profissionais, o que aumentou a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>contratação <strong>de</strong> membros da comunida<strong>de</strong> atendidos pela instituição.Entre os motivos que explicam esse fenômeno está a realização <strong>de</strong> oficinase cursos oferecidos à população local, que aumentaram a capacitação<strong>de</strong>ssas pessoas e, conseqüentemente, as chances <strong>de</strong> geração <strong>de</strong> rendae colocação no mercado <strong>de</strong> trabalho. Entre os cursos ministrados ecertificados pelo EC, <strong>de</strong>stacam-se:a) para a comunida<strong>de</strong> em geral: corte e costura, tricô e crochê, alimentaçãoalternativa, industrialização caseira <strong>de</strong> alimentos, pães artesanais, fitoterapia,fitocosmética, alimentação viva, agricultura orgânica, brincar, artesanato embambu e ma<strong>de</strong>ira, vela, papel reciclado, papel machê e cartonagem, bijuteria,empreen<strong>de</strong>dorismo social, informática, hotelaria, entre outros.b) para a comunida<strong>de</strong> inserida na equipe <strong>de</strong> educadores do EC: brincar,educação integral, direitos da criança e do adolescente, direitos humanos,valores humanos, políticas públicas, Lei <strong>de</strong> Diretrizes e Bases da Educação, CEBAS,<strong>de</strong>senvolvimento comunitário, fortalecimento familiar, <strong>de</strong>senvolvimento infantil,limites, sexualida<strong>de</strong>, gestão social (incluindo planejamento, monitoramento,avaliação e sistematização <strong>de</strong> programas e projetos sociais), entre outros.6 – MELHORIA NA QUALIFICAÇÃO DOS EDUCADORESAs avaliações em grupo, auto-avaliações, alinhamento institucional eenvolvimento pessoal e profissional nas iniciativas e ações comunitáriasgarantiram maior comprometimento dos educadores com as crianças e acomunida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro e fora do EC. O fato <strong>de</strong> que todos os membros da equipese viam como “educadores” <strong>de</strong>spertou o interesse pela autoformação, fato quecontribuiu para a qualida<strong>de</strong> da educação integral que se pretendia oferecer.7 – NÚMERO DE BENEFICIÁRIOSO Programa <strong>Brincar</strong> beneficiou diretamente cerca <strong>de</strong> 670 crianças entre 2 e 6anos, quinhentos familiares (adultos e jovens) e mil comunitários entre os anos <strong>de</strong>1999 e 2005, além <strong>de</strong> contribuir para a formação <strong>de</strong> 120 educadores. As criançasforam beneficiadas por meio <strong>de</strong> dois caminhos: o oferecimento <strong>de</strong> quarentavagas/ano para atendimento diário daquelas que têm entre 2 a 6 anos na se<strong>de</strong>,e <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> sessenta vagas para crianças entre 0 e 6 anos em atendimentos nacomunida<strong>de</strong> e em seus domicílios. Os critérios para atendimento das criançasincorporam uma visão <strong>de</strong> vulnerabilida<strong>de</strong> ou risco pessoal que vai além dostradicionais indicadores <strong>de</strong> renda, consi<strong>de</strong>rando o relacionamento dos membrosfamiliares e os vínculos daquela família com a comunida<strong>de</strong> . Não estão sendo consi<strong>de</strong>radas aqui crianças que assistiram as apresentações itinerantes dos espetáculosmontados pelo EC, nem as participantes <strong>de</strong> eventos com ativida<strong>de</strong>s lúdicas como, por exemplo, asbrinca<strong>de</strong>iras ocorridas no SESC <strong>de</strong> Teresópolis que envolveram, por dia, cerca <strong>de</strong> mil crianças, a maioria nafaixa etária <strong>de</strong> educação infantil. Esse ponto indica uma das vantagens da participação daqueles que conhecem bem a comunida<strong>de</strong>a ser atendida na gestão <strong>de</strong> uma política pública. Esses atores estão mais bem habilitados a “sofisticar”os indicadores e adaptá-los às exigências locais, conferindo assim resultados mais perenes aos serviçosoferecidos.91


PerspectivasRefletindo sobre as perspectivas <strong>de</strong> continuida<strong>de</strong> do Programa <strong>Brincar</strong>, dianteda formulação <strong>de</strong> políticas públicas para essa faixa etária no município, surgemalgumas diretrizes:Posição firmada <strong>de</strong> não substituir o EstadoA instituição não trabalha com a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> “municipalizar” oPrograma <strong>Brincar</strong>, oficializando-o, <strong>de</strong>ssa maneira, como serviço <strong>de</strong>educação infantil. A iniciativa segue como uma proposta <strong>de</strong> educaçãointegral que preten<strong>de</strong> complementar e fortalecer os espaços e instituições<strong>de</strong> educação e apoiar as famílias e as comunida<strong>de</strong>s no usufruto <strong>de</strong> umaeducação infantil pública <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>.Ampliação dos espaços e autonomia para o brincarUm esforço <strong>de</strong> negociação foi feito para a implementação <strong>de</strong> espaçose ativida<strong>de</strong>s voltadas à garantia do direito <strong>de</strong> brincar e da convivênciafamiliar e comunitária em outros espaços da comunida<strong>de</strong>. Dessa forma,preten<strong>de</strong>-se consolidar a estratégia iniciada com o Programa EspaçoVolante, que leva algumas das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> jogos e brinca<strong>de</strong>iras para asestradas, ruelas e domicílios da região. A idéia é multiplicá-lo em novosespaços fixos <strong>de</strong> convivência e brincar na comunida<strong>de</strong>, compostos porparques, murais informativos, lixeiras e equipamentos <strong>de</strong> recreação. Assim,espera-se enraizar o hábito <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>iras e jogos coletivos, incluir novosatores sociais e diminuir a <strong>de</strong>pendência do Espaço Compartilharte.A multiplicação dos agentes do <strong>Brincar</strong>A Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Proteção Integral é operacionalizada por um conjunto integrado <strong>de</strong>ações, entre elas:O oferecimento <strong>de</strong> suporte à instalação dos novos espaços físicos por meio <strong>de</strong>:1) i<strong>de</strong>ntificação dos atores locais; 2) articulação dos parceiros (pessoas físicasou jurídicas) e 3) capacitação <strong>de</strong> li<strong>de</strong>ranças locais em noções <strong>de</strong> mobilizaçãocomunitária e <strong>de</strong> garantia <strong>de</strong> direitos, além <strong>de</strong> ferramentas sobre o brincar,técnicas <strong>de</strong> dinâmica <strong>de</strong> grupos e construção <strong>de</strong> brinquedos.Essa proposta foi encaminhada graças à mobilização <strong>de</strong> parcerias e recursosdiversos. Alguns atores foram contatados e respon<strong>de</strong>ram positivamente àiniciativa, <strong>de</strong>ntre eles, representantes da Câmara Municipal e do ConselhoMunicipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, pequenos empresáriosque doariam materiais <strong>de</strong> construção, proprietários <strong>de</strong> terras que contribuiriamce<strong>de</strong>ndo parte <strong>de</strong> terreno para a implementação dos espaços <strong>de</strong> convivência emembros da comunida<strong>de</strong> que se disponibilizaram para contribuir com mão-<strong>de</strong>obraou participar nas capacitações e <strong>de</strong>mais ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mobilização.93


Outro ponto <strong>de</strong> renovação do Programa <strong>Brincar</strong> é a formação <strong>de</strong> jovens li<strong>de</strong>rançascomunitárias que já têm atuado como multiplicadores das metodologias do<strong>Brincar</strong>, tanto nos espaços da localida<strong>de</strong>, como nas escolas públicas da região.Essa iniciativa po<strong>de</strong> contribuir para a sustentabilida<strong>de</strong> do projeto, uma vez que os“saberes” e “fazeres” construídos com a <strong>experiência</strong> vêm sendo sistematizados edisseminados na própria comunida<strong>de</strong>.O trabalho <strong>de</strong> fortalecimento das famílias também merece ser <strong>de</strong>stacado,<strong>de</strong>ntre as perspectivas em curso, uma vez que se trata do espaço primeiro <strong>de</strong>socialização/proteção/educação das crianças da comunida<strong>de</strong>. Esse esforçovem se dando a partir da promoção <strong>de</strong> uma educação para a vida, para acidadania e para o sucesso escolar, além <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> orientação e apoiosociofamiliar e da consolidação <strong>de</strong> uma metodologia <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> promoçãoe fortalecimento dos direitos da criança e do adolescente com ênfase naconvivência familiar e comunitária.Como vimos, novas sementes foram e ainda vêm sendo colhidas, banhadas egerminadas, na confiança <strong>de</strong> quem acredita que os bons ventos sempre soprama favor da vida. Os fundadores do Espaço Compartilharte querem <strong>de</strong>ixar comomarca <strong>de</strong> sua passagem por Teresópolis não um monte <strong>de</strong> edificações ou apenaspessoas com memórias <strong>de</strong> uma infância feliz. Eles almejam uma comunida<strong>de</strong>organizada, que possa continuar sonhando e realizando inúmeras possibilida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> futuro. Pelo que já foi conquistado até agora, esse <strong>de</strong>sejo tem muitas chances<strong>de</strong> se realizar.“Houvesse mais instituições como o Espaço Compartilharte em Teresópolis, nãoteríamos necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> acompanhamento <strong>de</strong> tantas adolescentes gestantesna Vara da Infância e da Juventu<strong>de</strong>! (...) Houvesse mais Lurdinhas em Teresópolis,menos jovens envolvidos em drogas, infreqüentes escolares, sem i<strong>de</strong>al e semperspectivas <strong>de</strong> vida, seriam trazidos, cambaleando, aos corredores do Fórum.Admirável a forma educativa e original <strong>de</strong> estimular, nas crianças e jovens,o hábito <strong>de</strong> brincar construindo! (...) Irradiando força e cidadania, o EspaçoCompartilharte cumpre rigorosamente a pretensão do legislador do ECA,trazendo-nos a esperança <strong>de</strong> ver reproduzido seu trabalho, com o tempo, emoutros municípios e estados.”Trecho <strong>de</strong> mensagem Inês Joaquinha Sant’Ana Santos Coutinho,juíza-titular da Vara da Infância, da Juventu<strong>de</strong> e do Idosoda Comarca <strong>de</strong> Teresópolis94


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