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Entrevista com Terezinha Nunes, professora do ... - Leia Brasil

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“Não podemos pensar só nos primeiros anos da criança na escola. Precisamos pensartambém <strong>com</strong>o vamos mostrar o valor da permanência na escola a partir <strong>do</strong> momentoque a criança já aprendeu a ler.”<strong>Terezinha</strong> <strong>Nunes</strong> é <strong>professora</strong> titular <strong>do</strong> Departamento de Educação da Universidade deOxford e membro <strong>do</strong> Harris Manchester College, na Inglaterra. Psicóloga, cursou mestra<strong>do</strong>e <strong>do</strong>utora<strong>do</strong> na City University of New York.<strong>Terezinha</strong> dedica suas pesquisas no processo de aprendizagem da escrita, da matemática eda leitura. É autora de 12 livros, entre eles “Na vida dez, na escola zero” e “Criançasfazen<strong>do</strong> matemática”.Na Conferência <strong>Leia</strong> <strong>Brasil</strong>, o ciclo de debates teve <strong>com</strong>o tema “Os custo <strong>do</strong> AnalfabetismoFuncional”. <strong>Terezinha</strong> <strong>Nunes</strong> foi a convidada <strong>do</strong> segun<strong>do</strong> dia (24/04/2007), falan<strong>do</strong> sobre“Leitura e escrita: processos e desenvolvimento”.Em entrevista para o <strong>Leia</strong> <strong>Brasil</strong>, <strong>Terezinha</strong> destaca a importância da prática da leitura nosprimeiros anos na escola para o desenvolvimento de outras capacidades de <strong>com</strong>preensão.<strong>Leia</strong> <strong>Brasil</strong>: Existe uma idade, um momento ideal para a criança ser alfabetizada?Que momento seria esse?<strong>Terezinha</strong> <strong>Nunes</strong>: No início da escolaridade, qualquer que seja a idade em que essaescolaridade <strong>com</strong>ece no país, porque muitas das disciplinas, matérias e conteú<strong>do</strong>s que elaaprenderá vão depender da habilidade de leitura.Essa idade é muito flexível. Na Inglaterra, por exemplo, as crianças <strong>com</strong>eçam a freqüentara escola <strong>com</strong> quatro anos e meio. Então, no primeiro ano, de quatro anos e meio a cincoanos e meio, é um ano especial, onde eles preparam a criança para a alfabetização.Muitas crianças aprendem a ler nesse perío<strong>do</strong>. É claro que a aprendizagem de leitura não se<strong>com</strong>pleta tão facilmente em um ano só.No <strong>Brasil</strong>, onde a escolaridade <strong>com</strong>eça um pouco mais tarde, a situação da aprendizagem ébastante tranqüila. As crianças têm, em geral, um amadurecimento cognitivo que facilita aaprendizagem da leitura naquele momento.LB: E ao mesmo tempo nós temos um índice de analfabetismo funcional muitogrande, ou seja, nós temos alfabetiza<strong>do</strong>s, mas que não têm a <strong>com</strong>preensão da leitura.Você acha que isso está liga<strong>do</strong> à maneira <strong>com</strong>o é feita essa primeira alfabetização,quan<strong>do</strong> a criança é alfabetizada sem estar contextualizada em uma cultura, uma idéiaou ao porque ela está sen<strong>do</strong> escolarizada?<strong>Terezinha</strong> <strong>Nunes</strong>: Não existem pesquisas que mostrem que um mestre de alfabetizaçãoleve par o aluno a capacidade de codificar sem <strong>com</strong>preender. Na realidade, a <strong>com</strong>preensãoda leitura está relacionada à sua prática e por isso o programa <strong>Leia</strong> <strong>Brasil</strong> é tão importante,porque a aprendizagem inicial da leitura pode ser muito motivada por livros, mas o que ascrianças vão ler vai mudan<strong>do</strong> ao longo <strong>do</strong>s anos.Embora nas fases iniciais, na primeira ou segunda série talvez, as crianças sejam maismotivadas por histórias, por coisas mais lúdicas, à medida que elas vão crescen<strong>do</strong>, naescola, elas vão precisar ler outras coisas.Ler Geografia, Ciências ou qualquer outro conteú<strong>do</strong> escolar vai exigir delas outrascapacidades de <strong>com</strong>preensão que não terão si<strong>do</strong> desenvolvidas a partir da leitura de história.


A leitura expositiva exige outras capacidades de <strong>com</strong>preensão e, apesar das crianças seremcapazes de ler, <strong>com</strong>o você diz no caso de existirem analfabetos funcionais, é porqueexistem muitos contextos diferentes para a aprendizagem da leitura. Eu, por exemplo, se forouvir a uma aula de Química, não preciso nem tentar ler seus textos. Eu serei umaanalfabeta porque eu não conheço o conteú<strong>do</strong> e não tenho condições realmente dea<strong>com</strong>panhar uma leitura ou explicação oral. Então, não é tanto a questão <strong>do</strong> analfabetismofuncional, mas de uma variedade muito grande de usos da linguagem oral ou escrita, quevão exigir conhecimentos e habilidades diferentes.LB: O professor Jean Hebrard, Vice-Ministro da Educação da França, esteve conoscono ciclo de debates <strong>Leia</strong> <strong>Brasil</strong>, e falou que a cultura da escola no <strong>Brasil</strong> é uma culturade classe média.Só que a escola pública não é mais freqüentada por essa classe média. Ela éfreqüentada por uma classe mais desfavorecida, em que as crianças não têm acesso aessa cultura. Isso faz <strong>com</strong> que elas frequentem uma escola que não fala diretamente<strong>com</strong> elas. O que a senhora acha disso?<strong>Terezinha</strong> <strong>Nunes</strong>: De fato, pode haver uma assincronia entre a cultura da criança dacamada popular e a cultura da escola.Acho que essa é uma das explicações, talvez, para justificar o desinteresse de algumascrianças pela leitura. Mas creio que não basta focalizar na escola.No Dia <strong>do</strong> Livro, vi uma reportagem onde várias crianças numa escola foram entrevistadas,e nenhuma delas tinha um livro em sua casa.Todas as oportunidades de leitura eram criadas pela escola. Portanto, seria superficial dizerque a escola tem uma cultura que não <strong>com</strong>bina <strong>com</strong> a cultura da criança em casa. Se acriança não tem livros em casa, o que a escola precisa saber fazer é oferecer o máximo delivros para ela e, de qualquer forma, a secretaria de educação ou o governo – ou seja, oórgão institucional que for – precisa ter responsabilidade <strong>com</strong> isso; deve criaroportunidades de leitura fora da sala de aula.LB: A sua formação primeira é psicologia. Que importância a senhora atribui a essesprimeiros anos na escola? O que esse perío<strong>do</strong> significa para o desenvolvimento <strong>do</strong>adulto?<strong>Terezinha</strong> <strong>Nunes</strong>: Eles são muito importantes porque vão fazer parte <strong>do</strong> relacionamentoque a criança estabelece <strong>com</strong> a instituição escolar.Uma criança que se desencanta <strong>com</strong> a escola desde os primeiros anos, tem poucapossibilidade de voltar a gostar dela. Ou de passar a gostar. Mas não podemos pensar nosprimeiros anos <strong>com</strong>o uma espécie de vacina, e que, se a criança for bem vacinada, ela vaigostar da escola pelo resto da vida.Uma das lições mais importantes que aprendi em relação a isso, foi em um projeto que fizna Universidade Federal de Pernambuco. Eu conversava <strong>com</strong> os pais das crianças paraentender o porquê da evasão escolar naquele momento.Ela não se dava tanto pelo fracasso da criança em aprender a ler e a escrever, mas pelo fatode que a criança já tinha aprendi<strong>do</strong> o suficiente <strong>do</strong> ponto de vista <strong>do</strong>s pais. Os pais achavammuito importante a criança aprender a ler e escrever e, quan<strong>do</strong> ela aprendia, era retirada daescola, não pelo fracasso, mas porque a continuidade <strong>do</strong> estu<strong>do</strong> não era valorizada.


Quer dizer, a escola precisa fazer um trabalho em que os pais vejam a importância daeducação para além da aprendizagem básica da leitura e da aritmética, porque, na realidade,era o desencanto que a escola fazia a partir <strong>do</strong> terceiro ou quarto ano, o que levava os pais anão verem que a criança estaria aprenden<strong>do</strong> algo útil.Um exemplo que achei muito interessante foi quan<strong>do</strong> um <strong>do</strong>s pais me disse que a filhachegou em casa e lhe perguntou “O que é oxítona?” e ele falou “Nunca ouvi falar nisso naminha vida, então porque que ela precisa saber disso?”.É um conhecimento interessante,importante talvez mais tarde num contexto lingüístico, mas os pais não entendiam o valor<strong>do</strong> que era ensina<strong>do</strong> na escola depois da primeira, segunda séries. Eles viam a função daescola <strong>com</strong>o alfabetizar e ensinar aritmética básica. Então, a gente não pode pensar só nosprimeiros anos; a gente precisa pensar também <strong>com</strong>o vai mostrar o valor da permanência naescola a partir <strong>do</strong> momento que a criança já aprendeu a ler.LB: Uma vez em uma palestra, um escritor brasileiro chama<strong>do</strong> Bráulio Tavaresestava <strong>com</strong>entan<strong>do</strong> sobre os afluentes <strong>do</strong> rio Amazonas. Ele sempre se perguntava porque tinha que decorar os afluentes se isso nunca iria lhe interessa, a não ser que elecaísse de avião perdi<strong>do</strong> no Amazonas. E ele falou que só mais tarde percebeu que, naverdade, saber os afluentes <strong>do</strong> la<strong>do</strong> direito ou esquer<strong>do</strong> não era em si importante, massim <strong>com</strong>o li<strong>do</strong>u <strong>com</strong> esses problemas e <strong>com</strong>o desenvolveu seus méto<strong>do</strong>s para aprendera solucionar o que só ele poderia, porque ninguém faria aquela prova por ele. Ou elecolava e desenvolvia o méto<strong>do</strong> de colar ou conseguia desenvolver o méto<strong>do</strong> de guardaresses nomes. O que acha desse depoimento?<strong>Terezinha</strong> <strong>Nunes</strong>: A escola de fato ensina muita coisa que a criança aprendememorizan<strong>do</strong>, mas teria a oportunidade de ensinar muitas coisas que a criança aprenderiapensan<strong>do</strong>. Então, eu não tenho nada nem a favor nem contra os afluentes <strong>do</strong> rio Amazonas(risos), mas acho que existem muitas coisas no contexto geográfico - histórico brasileiro,que as crianças poderiam aprender pensan<strong>do</strong>. No caso de crianças que moram na regiãoamazônica, essa informação vai ser muito importante. Eu me lembro que quan<strong>do</strong> fiz aprova <strong>do</strong> admissão que tinha naquela época, tive que decorar as capitais <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> e lidar<strong>com</strong> isso também. Mas não creio que tenha me beneficia<strong>do</strong> grandes coisas saber isso e, atéhoje, algumas capitais ainda fico naquela dúvida, porque foram aprendizagens apenasmemorizadas. Existe muita coisa na geografia que pode ser estudada pensan<strong>do</strong>, refletin<strong>do</strong>, eeu seria muito mais favorável ao ensino que procurasse escolher informações que vão fazer<strong>com</strong> que a criança pense e, então, ajudá-la a construir uma <strong>com</strong>preensão <strong>do</strong> Mun<strong>do</strong> a partirdaquele ensinamento na escola.LB: As pesquisas <strong>do</strong> Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) <strong>com</strong>estudantes da quarta série em disciplinas <strong>com</strong>o português e matemática, concluíramque, em matemática basicamente, as perguntas são problemas. Muitas pessoas dizemque o mau desempenho <strong>do</strong>s alunos em matemática deve-se ao fato deles não<strong>com</strong>preenderem o enuncia<strong>do</strong> <strong>do</strong> problema. Em sua opinião isso acontece?<strong>Terezinha</strong> <strong>Nunes</strong>: O enuncia<strong>do</strong> <strong>do</strong> problema em matemática é uma questão <strong>com</strong>plexaporque, quan<strong>do</strong> se apresenta o <strong>com</strong>entário sobre essa forma, parece que é uma questão de<strong>com</strong>preender a linguagem. Em geral, quan<strong>do</strong> analisamos a habilidade das crianças aointerpretar problemas, se for bem escrito, a dificuldade de <strong>com</strong>preensão <strong>do</strong> problema não sedeve à linguagem, mas à <strong>com</strong>plexidade <strong>do</strong> pensamento exigi<strong>do</strong> para resolvê-lo. Por


exemplo, se você der <strong>com</strong>o problema para uma criança “Maria tinha cinco bolinhas eganhou mais três. Com quantas ela ficou?”, é um problema de somar e está diretamenteliga<strong>do</strong> a uma interpretação de juntar duas coisas. Então as crianças entendem <strong>com</strong>facilidade e em geral, resolvem esse problema antes de <strong>com</strong>eçar a freqüentar uma escola.No <strong>Brasil</strong> nós já fizemos alguns estu<strong>do</strong>s <strong>com</strong> muitas crianças na grande São Paulo e as<strong>professora</strong>s ficavam surpreendidas porque, se as crianças chegassem à escola saben<strong>do</strong>contar, já eram capazes de resolver esse tipo de problema. Mas se você disser para umacriança “Maria tem cinco bolinhas e tem três a mais que seu irmão. Quantas bolinhas oirmão dela tem?”, <strong>do</strong> ponto de vista da linguagem não é <strong>com</strong>plica<strong>do</strong>, mas a criança tem querealizar uma operação de pensamento que é inverter o que foi dito. Para saber quantasbolinhas o irmão de Maria tem, a criança terá que pensar em três a menos, usan<strong>do</strong> asubtração. Esses problemas que exigem uma inversão mental são mais difíceis. O queacontece muito nas escolas brasileiras, e mesmo fora <strong>do</strong> <strong>Brasil</strong>, é que os livros didáticostêm uma alta proporção de problemas fáceis e uma proporção muito pequena <strong>do</strong>s difíceis.Então, a criança pratica somente a aritmética quan<strong>do</strong> ela resolve problemas. O bom ensinodeve ser planeja<strong>do</strong> de mo<strong>do</strong> a incluir as situações que desafiam o pensamento da criança. Eé dessa forma que a criança vai se tornar mais capaz de resolver problemas. ■

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