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Subcapítulo 7.4: Prisão arbitrária, tortura e maus-tratos - CAVR

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Subcapítulo <strong>7.4</strong>: Prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong><strong>7.4</strong>.1 IntroduçãoA prisão arbitrária, também conhecida como privação arbitrária da liberdade, foi a violação maissofrida pelo povo timorense de entre aquelas que foram registadas pela Comissão, tendoocorrido ao longo de todo o período de conflito em Timor-Leste, quer durante o conflito internoarmado, quer durante o conflito com a Indonésia, e em todos os distritos. Embora todas aspartes do conflito tenham detido pessoas de forma arbitrária, os membros das forças desegurança indonésias foram responsáveis pela grande maioria dos casos documentados pelaComissão.A prisão arbitrária é um factor importante a ter em conta, não só por constituir uma violação emsi, como por ter exposto as vítimas a muitas outras violações. Os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e a <strong>tortura</strong>(respectivamente, a terceira e quarta violações mais frequentes) ocorreram maioritariamenteenquanto as vítimas estavam presas. Outros capítulos deste relatório também concluem que aviolência sexual, as execuções e desaparecimentos, o recrutamento forçado, o trabalho forçado,o saque de bens, a privação de alimentos e a deslocação forçada ocorreram com frequênciaenquanto as vítimas se encontravam sob regime de prisão e, consequentemente, sob a tutelados perpetradores.A extensão das detenções e dos abusos físicos praticados contra o povo de Timor-Leste reflecteum período de 24 anos de brutalidade e de uso contínuo de violência para aniquilar a oposiçãopolítica, que culminou na violência e destruição de 1999. O Relator Especial das Nações Unidassobre Tortura concluiu, no seu relatório de Janeiro de 1992, que a <strong>tortura</strong> era prática comum emTimor Leste. * Como se demonstra neste subcapítulo, estas violações foram frequentementeaceites, ignoradas ou até perpetradas por aqueles que se encontravam no poder em cada fasedo conflito. A impunidade em relação à perpetração de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> eracomum.O presente capítulo examina a natureza e a extensão da prisão arbitrária, da <strong>tortura</strong> e dos <strong>maus</strong><strong>tratos</strong>ao longo do período entre 1975 e 1999. † Em 1974, o início do período do mandato, foramrelatados muito poucos casos. Espera-se que, ao examinar estes padrões e as estruturas eestratégias subjacentes, o povo de Timor-Leste possa compreender como estas violaçõespuderam ocorrer e o que pode ser feito para impedir que se repitam.Definições e princípios jurídicosPrisão arbitráriaO direito internacional dos direitos humanos garante a todas as pessoas o direito à liberdade e anão serem presas ou detidas de forma arbitrária pelo Estado. 1*O Relator Especial da ONU apresentou 11 recomendações para serem implementadas pelas autoridades indonésias epôr fim à <strong>tortura</strong>. Só duas destas recomendações foram implementadas, nomeadamente a criação de uma ComissãoNacional de Direitos Humanos e a adesão à Convenção Contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis,Desumanos ou Degradantes. Esta última só ocorreu em 1998.†Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados, relatos sobre mortes e desaparecimentos sob regime deprisão.- 1 -


Detenção:No presente Relatório, a Comissão utilizou a palavra “detenção” para descrever de maneira geralo processo pelo qual uma pessoa é detida, independentemente de esse processo ser levado aefeito por autoridades competentes, agindo dentro da lei ou fora dela.Prisão:A palavra “prisão” foi utilizada para fazer referência a qualquer forma forçada de privação daliberdade, fosse num ambiente prisional formal ou noutro local. Por conseguinte, prisão équalquer situação em que uma pessoa é mantida numa área confinada contra a sua vontade.De acordo com o direito internacional, a prisão é arbitrária quando se verifica uma das seguintescircunstâncias:• Não há base jurídica que a justifique• A prisão surge na sequência do exercício legítimo de direitos fundamentais (porexemplo, a liberdade de expressão ou de opinião)• A situação implica violações dos direitos humanos de tal gravidade que a prisão podeser considerada arbitrária (por exemplo, na ausência de instrução correcta do processoou de um julgamento justo). 2Num conflito armado, é permitido capturar combatentes inimigos e prendê-los como prisioneirosde guerra. No entanto, de acordo com o direito penal nacional, os civis não devem ser presossem uma razão legítima.Quando um civil ou combatente ilegal é preso e acusado de um crime, deve ser rapidamenteapresentado (no prazo de poucos dias) 3 a um juiz, e ser julgado num prazo razoável ou serlibertado. 4 Se isso não acontecer, a prisão pode ser considerada arbitrária.A Comissão faz notar que estas normas só foram utilizadas como directrizes para a suainvestigação, não representando uma conclusão sobre a natureza arbitrária ou não da prisão emcada caso.Segundo o direito indonésio, era proibido raptar ou privar uma pessoa da sua liberdade. * Estasinfracções também eram aplicáveis a funcionários do Estado, incluindo membros das ForçasArmadas indonésias, e as sentenças eram mais graves caso o funcionário tivesse utilizado o seupoder para cometer uma infracção. † O direito penal português proibia prender, deter ou restringirilegalmente uma pessoa. ‡TorturaA <strong>tortura</strong> é considerada uma violação grave dos direitos humanos e é absolutamente proibida emtodas as circunstâncias. 5Segundo o direito internacional, “<strong>tortura</strong>” implica infligir intencionalmente dor ou sofrimentointenso, geralmente com o objectivo de punir, intimidar, coagir, obter informações ou umaconfissão, ou por qualquer razão relacionada com algum tipo de discriminação. 6 Embora estadefinição também implique a participação do Estado na prática do acto de <strong>tortura</strong>, a Comissão*Artigos nºs 328º e 333º do KUHP (Kitab undang-undang Hukum Pidana, Código Penal indonésio).†Artigos nºs 421º, 52º do KUHP.‡Artigo 330º do Código Penal português.- 2 -


entende que, à luz das definições de outros órgãos internacionais e ao abrigo do direitoconsuetudinário, os actos praticados por intervenientes não estatais e sem a concordância doEstado também podem constituir <strong>tortura</strong>. 7Tratamento cruel, desumano ou degradante (<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>)Quando um acto não chega a ser de <strong>tortura</strong>, por não ser suficientemente grave, ou por não serclaramente praticado por uma das razões referidas, pode ainda assim ser um tratamento cruel,desumano ou degradante (geralmente referido como <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>). Esta categoria abrange, porexemplo, prisão solitária, 8 privação de sono,9 imobilização de uma pessoa em posiçõesdolorosas, 10 manter uma pessoa com a cabeça encapuçada 11 e sujeitar uma pessoa a ameaçasde morte. 12 Os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> também são proibidos, sob quaisquer circunstâncias, pelo direitointernacional. 13Quando as condições em que uma pessoa se encontra presa não satisfazem os requisitosmínimos estabelecidos pelo direito internacional, pode considerar-se que existe uma situação detratamento cruel, desumano ou degradante, ou de punição. 14 O direito internacional requer quetodos os presos sejam tratados de maneira humana. 15 Não devem ser sujeitos a privações nema restrições além daquelas resultantes da privação da liberdade e devem usufruir de todos osdireitos humanos possíveis, com as restrições inevitáveis que resultam de estarem numambiente fechado. 16 Os períodos prolongados de prisão solitária ou de prisão sem possibilidadede comunicação, em particular, podem violar estas normas. 17Existem normas mais específicas em instrumentos internacionais como o Conjunto de Princípiospara a Protecção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão;Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos e Regras Mínimas para o Tratamentodos Reclusos. Estas normas afirmam que os prisioneiros devem receber:• Alojamento que cumpra todos os requisitos de saúde, levando em conta condiçõesclimatéricas, quantidade cúbica de ar, espaço mínimo de solo, iluminação e ventilação• Janelas e luz artificial para permitirem uma ventilação e iluminação suficientes• Instalações sanitárias que possam ser utilizadas de uma maneira higiénica e decente• Instalações para tomar banho adequadas• Uma cama individual e limpa para cada prisioneiro• Alimentação de qualidade suficiente e em quantidade adequada para garantir a saúde eo vigor• Água potável sempre que for necessária• Oportunidades frequentes de praticar exercício• Acesso a cuidados de saúde• Oportunidades para comunicar com amigos e familiares por correspondência e recebervisitas• Acesso a livros, jornais e outras fontes de informação• Possibilidade de satisfazer, tanto quanto possível, as exigências da sua fé religiosa.Nem todos estes requisitos são obrigatórios, mas fornecem normas que ajudam a determinar oincumprimento da obrigação geral de tratar os prisioneiros com humanidade e respeito peladignidade inerente à pessoa humana.- 3 -


Distinção entre <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e <strong>tortura</strong>A Comissão faz notar que a distinção entre <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> costuma ser difícil, pois implicaquestões de facto e de grau. Atendendo sobretudo a factores de ordem linguística — o termoindonésio para “<strong>tortura</strong>” é frequentemente utilizado para abranger várias formas de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>,desde <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> ligeiros a <strong>tortura</strong> grave — nem sempre foi fácil para a Comissão determinarqual a violação ocorrida num determinado caso de abuso físico ou emocional. Além disso, comoas vítimas não estavam muitas vezes cientes destas subtis distinções jurídicas, nem sempredescrevem aquilo que sofreram com pormenores suficientes para que a sua experiência possaser classificada ao abrigo do direito internacional.Como a Comissão não é um tribunal, não era fundamental que tirasse conclusões sobre anatureza legal da experiência da vítima. A menos que o tratamento se enquadrasse claramentenuma ou noutra categoria, a Comissão não o classificou por categorias, preferindo explicar osactos específicos de abuso físico ou emocional sofridos pela vítima. Nos casos em que a vítimanão mencionou as formas específicas de abuso, limitando-se a descrever a sua experiênciacomo “<strong>tortura</strong>”, essa descrição foi aceite para efeitos estatísticos.Proibições ao abrigo do direito nacional sobre agressões e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>Além das normas internacionais relativas a <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>, também eram aplicáveis leisnacionais proibindo várias formas de agressões e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e criminalizando esse tipo deconduta. Segundo o direito penal indonésio, infligir “<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>” a uma pessoa constituía actocriminal, sendo aplicada uma pena mais severa nos casos em que os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> tivessemprovocado ferimentos físicos graves ou morte, ou tivesse havido premeditação. * Também eraconsiderado crime provocar deliberadamente ferimentos físicos graves a outra pessoa.† Estasinfracções também eram aplicáveis a funcionários do Estado, incluindo membros das ForçasArmadas indonésias, e as sentenças eram maiores caso um oficial utilizasse o seu poder paracometer uma infracção. ‡ Além disso, certas condutas estavam especificamente vedadas aosoficiais, como o uso indevido do poder para forçar alguém a fazer, não fazer, ou tolerar algumacoisa, § e o uso de coerção para induzir uma confissão ou declaração num caso penal.** O direitopenal português também proibia as agressões, sobretudo em casos que originassem doença,ferimentos e danos psicológicos, ou que levassem à morte. ††Padrões de prisão, <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e <strong>tortura</strong> durante o período do mandatoTal como foi acima mencionado, a prisão, a <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> encontram-se entre asviolações relatadas com mais frequência durante todo o período do mandato. De todas asviolações não fatais relatadas à Comissão, 42,3% (25.347/59.972) foram prisões, 18,5%(11.123/59.972) foram actos de <strong>tortura</strong> e 14,1% (8.436/59.972) foram actos de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. ‡‡Quase 67%, ou dois terços, das vítimas de violações não fatais relataram ter sido presas a dadaaltura. A maioria dos actos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> ocorreram sob regime de prisão.*Artigos 351º-353º do KUHP.†Artigos 354º-355º do KUHP;‡Artigos 421º, 52º do KUHP.§Artigo 421º do KUHP.**Artigo 422º do KUHP.††Artigos 359º, 360º e 361º do Código Penal português.‡‡Estes valores não representam, de modo algum, o total dos casos de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> ocorridosem Timor-Leste durante este período. São o resultado dos testemunhos de cerca de apenas 1% da população e, comonão foram “comparados” estatisticamente, dois testemunhos diferentes podem referir-se ao mesmo incidente de prisão,<strong>tortura</strong> ou <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> [ver Capítulo 6: Perfil das Violações de Direitos Humanos].- 4 -


Padrões ao longo do tempoA incidência de prisão arbitrária durante o período não foi uniforme. O gráfico abaixo apresenta opadrão dos casos de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> reportados ao longo do tempo.[INSERIR Número por aqui]O gráfico revela que as três violações seguiram padrões semelhantes e que se verificaram doispicos nos níveis de tais violações: em 1975, durante o conflito interno armado e a invasãoindonésia do território, e em 1999, quando a população de Timor-Leste votou a favor daindependência e os militares indonésios se retiraram. No entanto, durante todo o período entre1976 e 1984, quando tiveram lugar operações militares indonésias em larga escala paraconquistar Timor-Leste e destruir a Resistência, verificaram-se níveis elevados de prisão, <strong>tortura</strong>e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Durante o período de 14 anos decorrido entre 1985 e 1998, quando Timor-Lesteera, supostamente, mais uma província da Indonésia, continuaram a ser relatados casos deprisão arbitrária e de <strong>tortura</strong> todos os anos, sob a forma de violência esporádica de baixaintensidade.Este padrão é consistente com o padrão de violações fatais: nas alturas em que mais pessoaseram presas de forma arbitrária e sofriam abusos físicos, o número de assassinatos também erasuperior [ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados].Padrões no espaçoOs padrões espaciais não são consistentes ao longo dos períodos de conflito. Nos primeirosanos do período do mandato, os números mais elevados de casos de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong><strong>tratos</strong>verificaram-se nos distritos ocidentais. Por volta de 1980, a situação transferira-seclaramente para os distritos orientais, onde estava baseada a Resistência e ocorria a maioractividade de resistência, assim permanecendo até 1984. Entre 1985 e 1998, houve violênciaesporádica a níveis semelhantes em todas as regiões do território, mas não em todos osdistritos, nem em todos os anos. Em 1999, os distritos mais próximos da fronteira — Bobonaro,Covalima e Liquiça — foram palco da maior parte da violência.No geral, o número mais elevado de prisões durante o período do mandato (18% do total derelatos) ocorreu em Díli, seguido de Lautém, Viqueque e Baucau (a região oriental). O menornúmero de casos documentados veio de Oecusse (0,8%), * seguido pelos distritos de Covalima ede Liquiça. Quanto aos casos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>, embora tenham apresentado os valoresmais elevados em Díli (respectivamente 12% e 13% do total de casos relatados), ocorreram commais frequência nos distritos de Ermera e de Manufahi.[Inserir gráfico gVtypeDisthrvd4006001000]As vítimasO processo de recolha de testemunhos da Comissão identificou 17.169 vítimas de prisãoarbitrária, 8.508 vítimas de <strong>tortura</strong> e 6.872 vítimas de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Estes casos permitiramverificar que a maioria das violações foram sofridas por homens jovens em idade militar ligados àFretilin/Falintil ou a outros grupos que resistiam à ocupação indonésia.Inserir gráfico g11210400*Até 1999, quase não houve casos de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> no enclave de Oecusse, exceptuando os ocorridosem 1975. Esta situação alterou-se em 1999, quando a violência das milícias alvejou esta área.- 5 -


Inserir gráfico g11210600GéneroNo geral, as mulheres representaram 13,9% das vítimas nos casos de prisão arbitrária, 12,3%nos casos de <strong>tortura</strong> e 7,7% nos casos de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Este enviesamento dos dados no que serefere ao género reflecte o facto dos homens estavam na linha da frente do conflito, lutando noconflito interno armado e integrando a Resistência armada ou as redes clandestinas durante aocupação, e que o número de mulheres que deu testemunhos foi inferior ao de homens. Só 21%dos testemunhos recolhidos no processo de recolha de testemunhos da Comissão foram dadospor mulheres.FiliaçãoAs vítimas de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> foram sobretudo membros da Resistência e das redesclandestinas, mas também estudantes e outros apoiantes da independência, ou pessoassuspeitas de o serem. Também foram presas e <strong>tortura</strong>das muitas pessoas apenasindirectamente envolvidas na luta. Foram presos amigos e familiares de alegados insurgentes emembros de redes clandestinos, frequentemente com o objectivo de isolar os alegados membrosda Resistência armada ou clandestina das suas redes de apoio e assim obrigá-los a render-se.Familiares e companheiros também foram presos, <strong>tortura</strong>dos e maltratados, com o intuito de lhesser extraída informação sobre o paradeiro e as actividades de familiares ou companheirossuspeitos. Exemplo disto são as centenas de famílias enviadas pelas autoridades indonésiaspara Ataúro no início da década de 1980, por terem familiares na Resistência ou seremprovenientes de áreas onde a resistência era forte. Isto significa que pouquíssimas prisões, oucasos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> relatados à Comissão, foram ataques aleatórios contra civis semqualquer motivação política. Os timorenses que colaboravam com a Indonésia representam umnúmero muito pequeno das vítimas.Dimensão dos gruposA maioria das vítimas era presa individualmente, o que sugere que eram alvos específicos doperpetrador. Contudo, este número é seguido de perto pelo de vítimas que relataram ter sidopresas em grupos de 98 ou mais pessoas. A prisão de indivíduos e de grupos está estreitamenterelacionada: quando eram presas mais pessoas individualmente, também eram presas maispessoas em grupo. Os padrões foram mudando ao longo do tempo: em todos os anos entre1975 e 1984, excepto 1983, o número de pessoas presas em grupos grandes excedeu o deprisões individuais; entre 1985 e 1998, o número de prisões individuais excedeu o de pessoaspresas em grupos grandes. Isto indica que, nos anos finais da ocupação, as detençõesefectuadas pelas forças de segurança indonésias tornaram-se mais específicas e estratégicasrelativamente a pessoas individuais.Inserir Número Inserir Número Como é óbvio, a <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> atingiram mais as vítimas individuais do que as queintegravam um grupo. No entanto, a categoria “grupos de 98 ou mais pessoas” foi a segundamais elevada nos relatos de pessoas que sofreram <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e, em dois anos —1975 e 1982 — o número de relatos de pessoas <strong>tortura</strong>das em grupo foi superior ao de pessoas<strong>tortura</strong>das individualmente. Exemplos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> de grupos incluem a prisão degrande grupos de pessoas, posteriormente espancadas pelos seus captores e mantidas emcondições terríveis — resultando em tratamento desumano.- 6 -


Perpetradores institucionaisOs perpetradores mais frequentes de prisão arbitrária, <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e <strong>tortura</strong> foram, de longe, osmilitares e polícia indonésios, juntamente com os seus grupos coadjuvantes. Em conjunto, foramreferidos como tendo participado directamente em 82,2% (20.867/25.383) dos casos de prisãoarbitrária e em 82,4% (16.135/19.578) dos casos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>.Se este número for desagregado, torna-se evidente que os membros dos militares e políciaindonésios agindo por conta própria representam o maior número de perpetradores. As vítimasatribuíram 48,1% (12.212/25.383) dos incidentes de prisão arbitrária e 45,5% (8.890/19.578) doscasos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> a membros das Forças Armadas indonésias agindo sozinhos.Diferentes organizações das Forças Armadas indonésias foram responsabilizadas pelos actosem diferentes ocasiões. Relativamente aos primeiros anos, os batalhões e seus respectivoscomandantes foram referidos como responsáveis na maioria dos casos de prisão, <strong>tortura</strong> e<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> porque estes se verificaram durante operações militares. Relativamente ao final dadécada de 1970, as referências mais frequentes apontam para as unidades que integravam aestrutura territorial, como os comandos militares distritais e subdistritais (Kodim e Koramil). APolícia tornou-se mais activa na fase final da ocupação, quando os procedimentos de prisão naprovíncia foram normalizados. O facto de várias organizações de serviços de informação e asForças Especiais (Kopassandha/Kopassus) terem praticado com frequência actos de prisão,detenção, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> reflecte a circunstância dos principais alvos do aparelho desegurança durante a ocupação serem os membros da Resistência armada e clandestina. Estasviolações foram perpetradas de forma directa e indirecta — por exemplo, ordenando ouincentivando os grupos coadjuvantes timorenses, como a Hansip ou grupos de milícias, aperpetrar violações.Inserir Número Os timorenses que trabalhavam com as forças de segurança indonésias (como os elementos dadefesa civil, administradores locais, oficiais de “orientação de aldeia” e grupos paramilitares e demilícias) actuando por conta própria foram referidos em apenas 12,3% (3.126/25.383) dos casosde prisão e em 22,4% (4.380/19.578) dos casos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. No quadro seguinteapresenta-se a participação dos militares relativamente à participação de timorenses quedesempenhavam papéis auxiliares, apenas para os casos de prisão. Torna-se evidente que osmilitares indonésios foram o principal perpetrador institucional em todos os anos, excepto em1999.Inserir Número O movimento da Resistência foi identificado como perpetrador institucional em 13% dos casosde prisão, 11% dos casos de <strong>tortura</strong> e 13% dos casos de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. A maioria destes casosocorreram em 1975, durante o período do conflito interno armado, e entre 1976 e 1979, quandoas divisões no interior da Fretilin atingiram o auge.Quadro 1 Violações por grupo institucional perpetrador *Tipo deviolaçãoPraticada sópelasABRI/TNIPraticadaapenas porcoadjuvantestimorensesPraticadapelas PraticadaABRI/TNI e pelacoadjuvantes Fretilin/Retimorenses sistênciaPraticada pelaUDTPraticadapelaPopulaçãoCivilPraticadaporgrupos Casos nãopróautonomiareportados†ContagemdeViolações*Observe-se que a contagem de violações não representa um total dos números do quadro, pois, em muitos casos, foiidentificado mais do que um perpetrador institucional pela pessoa que deu o testemunho [ver Capítulo 6: Perfil dasViolações de Direitos Humanos].†Casos em que a pessoa que deu o testemunho não identificou a filiação institucional do perpetrador no seu testemunho.- 7 -


Prisão12.212(48,1%)5.5573.126 (12,3%) (21,9%)Tortura e 8.8902.880<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> (45,4%) 4.380 (22,4%) (14,7%)3.309(13%)2.250(11,5%)984(3,9%) 772 (3%)222(0,9%) 14 (0,1%) 25.383747157(3,8%) 509 (2,6%) (0,8%) 27 (0,1%) 19.578Onde foram detidas as pessoasO processo de análise de dados da Comissão não analisou o tipo de locais onde foram detidasas vítimas. No entanto, a análise qualitativa dos testemunhos das vítimas e da informação obtidaatravés de entrevistas e de Perfis Comunitários revelou alguns padrões.Em primeiro lugar, os prisioneiros eram detidos numa grande variedade de locais. Durante oconflito interno armado e o período da administração da Fretilin, tanto a UDT como a Fretilinutilizaram quaisquer locais a que tivessem acesso. Em alguns casos, eram grandes edifícios,como armazéns, casernas militares ou pavilhões escolares; noutros eram locais que seassemelhavam a galinheiros, cabanas de bambu ou buracos no chão. Os militares indonésiosderam continuidade a este padrão depois de invadirem Timor-Leste em 1975 e antes deconstruírem estruturas militares próprias. Em meados de 1976, as os militares indonésios tinhamcriado comandos militares e esquadras de polícia e começado a utilizar estes e outros edifíciosmilitares, como casernas e salas de messe, para prender e <strong>tortura</strong>r vítimas. Muitas vítimas foramvárias vezes deslocadas entre centros de detenção e milhares foram enviadas para longe dassuas famílias e amigos, para outras zonas de Timor-Leste, incluindo a Ilha de Ataúro ou locais naIndonésia. Os Anexos do presente relatório incluem uma lista de todos os centros de detençãoem todos os distritos, mencionados em testemunhos. Não é exaustivo, mas dá uma ideia daquantidade e variedade de locais utilizados.Em segundo lugar, as condições de prisão serem frequentemente inferiores às definidas pelasnormas mínimas internacionalmente aceites ao longo de todo o período do mandato, massobretudo nos primeiros anos e em 1999. Vítimas detidas por ambos os partidos políticos (UDT eFretilin) e por forças de segurança indonésias e suas organizações dependentes relataram comfrequência terem sido sujeitas a privação de víveres, condições sanitárias e de ventilaçãoinadequadas, sobrelotação e períodos longos de prisão solitária. Os espancamentos e outrasformas de abuso físico eram frequentes. Muitas pessoas morreram sob regime de prisão, ouforam feridas com tal gravidade que nunca mais puderam viver de maneira normal. No entanto,as autoridades indonésias são manifestamente as mais culpadas, como é visível pelo número depessoas que sofreram, a natureza sistemática dos abusos e o período de tempo ao longo doqual estes abusos se verificaram.Estrutura do capítulo e conclusões principaisO presente capítulo encontra-se organizado segundo períodos de tempo e perpetradores. Dadoo elevado número de casos de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> relatados, era impossívelapresentar todos os depoimentos neste capítulo. Isto não significa que um certo depoimentofosse mais ou menos valioso que outro, apenas que, devido às restrições de espaço, era precisocitar casos que exemplificassem padrões gerais.A Comissão examinou padrões relacionados com quem sofreu estas violações, quem as praticoue quais as estratégias ou políticas (ou ausência delas) levaram à sua ocorrência. Este processonem sempre foi simples. Os deponentes descreviam o que lhes tinha acontecido segundo a suaperspectiva. Muitas vítimas nem sequer sabiam quem estava a cometer a violação, quanto maisquem a tinha ordenado ou a política por trás dela. Mesmo assim, ao analisar muitos milhares dedepoimentos, podem ser detectados certos padrões claros e serem atribuídas responsabilidades.- 8 -


As experiências das vítimas foram recolhidas não só através de testemunhos, mas também denumerosas entrevistas realizadas pela equipa de investigação da Comissão entre 2002 e 2004.As experiências das comunidades como um todo, tal como são apresentadas nos PerfisComunitários, também foram uma ferramenta de investigação valiosa.<strong>7.4</strong>.2: Prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> por parte da UDT, em 1975A primeira secção examina a natureza e a dimensão dos casos de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> perpetrados pela UDT no seu movimento armado de Agosto de 1975, levado aefeito entre 11 e 20 de Agosto de 1975, examinando as razões para as prisões e,posteriormente, os padrões de prisão, <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e <strong>tortura</strong> distrito a distrito. A Comissãoconcluiu que a prisão de líderes e membros comuns do principal partido da oposição, a Fretilin,era uma estratégia fundamental do movimento armado da UDT. A Comissão recebeudepoimentos sobre prisão arbitrária de pessoas em todos os distritos de Timor-Leste, excepto noenclave de Oecusse, mas as maiores concentrações de prisioneiros verificaram-se nos distritosde Díli, Ermera e Manufahi. A maioria das pessoas presas pela UDT foi mantida em condiçõestão más, frequentemente sem qualquer alimentação ou água, que algumas morreram sob oregime de prisão. Espancamentos e outras formas de abuso físico ocorreram de formageneralizada, mas os incidentes de <strong>tortura</strong> foram isolados e a <strong>tortura</strong> não era perpetrada deforma sistemática. Como o movimento armado da UDT teve curta duração, o mesmo aconteceucom a maioria das prisões.<strong>7.4</strong>.3: Prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> por parte da Fretilin, em 1975As forças da Fretilin declararam uma insurreição geral armada, ou “acção armada”, a 15 deAgosto de 1975, reagindo com ferocidade às violações perpetradas pela UDT, prendendo muitascentenas de líderes e apoiantes da UDT. À medida que a ameaça de invasão indonésia setornava mais real, os líderes e membros da Apodeti também foram considerados alvos de prisão.Muitos antigos prisioneiros da Fretilin relatam ter sido gravemente espancados e, em algunscasos, <strong>tortura</strong>dos. A Fretilin também se diferenciou da UDT ao fazer a população civil participaractivamente na punição de membros da UDT. Muitos presos morreram ou foram mortos sobregime de prisão. Depois da invasão indonésia, a Fretilin manteve vários milhares de pessoaspresas, privando-as de alimentação e água e obrigando-as a trabalhos forçados, como carregarobjectos pesados. Alguns prisioneiros morreram nestas condições e outros foram executados.<strong>7.4</strong>.4: Prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> por parte da Fretilin/Falintil, em 1977 e 1979A Indonésia só alcançou o controlo completo sobre o território no início de 1979. Até lá, a Fretilincontrolava grande parte da população civil. A Fretilin montou um processo de justiça rudimentarnas zonas por si controladas. Esta secção descreve, em linhas gerais, o processo de justiça, asrazões pelas quais que as pessoas eram presas ao abrigo deste processo e o tratamento dosprisioneiros e vários distritos. A Comissão conclui que a prisão arbitrária era generalizada e nãoera mitigada pelas práticas de justiça da Fretilin. Os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e a <strong>tortura</strong> também eramgeneralizados, ou sistemáticos em algumas áreas, ocorrendo durante o interrogatório e parapunir o prisioneiro. Este tratamento pode ser parcialmente explicado pela escassez crónica devíveres em zonas controladas pela Fretilin — devido à necessidade constante de fugir das forçasindonésias e ao facto de as culturas serem queimadas pelos militares indonésios.<strong>7.4</strong>.5: Prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> por parte das forças de segurança indonésias e seusauxiliares timorenses, entre 1975 e 1979Os dados da Comissão revelam que os anos de maior incidência de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> foram os primeiros anos após a invasão indonésia de Timor-Leste. Esta secção- 9 -


examina estas violações: na altura das incursões indonésias ao longo da fronteira; durante eimediatamente depois da invasão de Díli e outros grandes centros populacionais; quando aspessoas se renderam; ou quando foram capturadas em grande número durante operaçõesmilitares destinadas a destruir a Resistência e colocar toda a população sob controlo indonésio.A Comissão conclui que a prisão específica de timorenses identificados pelas forças desegurança indonésias como membros da Fretilin ocorreu desde o dia da invasão de Díli. Aolongo deste período, além de prisões específicas também ocorreram com frequência prisões emmassa de comunidades, que se rendiam ou eram capturadas.<strong>7.4</strong>.6: Prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> por parte das forças de segurança indonésias e seusauxiliares timorenses, entre 1980 e 1984Entre 1980 e 1984, foram novamente realizadas grandes operações militares para destruir o querestava da Resistência e a sua nova base de apoio nas cidades e aldeias. Esta secção écronológica e examina a reacção táctica militar à Resistência reformada. Começa pelo primeirogrande ataque da Resistência depois da sua aparente derrota à estação emissora de Marabia,seguido pela Operação Segurança e a transferência de milhares de pessoas para a Ilha deAtaúro, a repressão que se seguiu aos levantamentos do monte Kablaki, o cessar-fogo e as suasconsequências trágicas em 1983 — o ano em que as prisões e a <strong>tortura</strong> atingiram o augedurante este período — e, por último, o declínio das prisões em 1984. Embora os militares aindarepresentassem um papel principal neste período, os grupos coadjuvantes timorenses, como adefesa civil (Hansip), participaram consideravelmente na prisão e <strong>tortura</strong> de suspeitos. Esteperíodo também é tristemente célebre pelo número de prisões em massa que se seguiram aosacontecimentos que demonstraram que a Resistência ainda estava activa. Famílias inteirasforam presas durante vários anos em Ataúro ou em aldeias de reinstalação. O número depessoas <strong>tortura</strong>das aumentou relativamente ao número de presos após 1983 e esta tendênciacontinuou a verificar-se ao longo do restante período de ocupação.<strong>7.4</strong>.7: Prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> por parte das forças de segurança indonésias e osgrupos coadjuvantes timorenses, entre 1985 e 1998Esta secção examina a natureza e a dimensão dos casos de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>durante o longo período de “normalização” em Timor-Leste. A decisão da Indonésia de “abrir”Timor-Leste a partir do final de 1988, juntamente com o maior escrutínio internacional que seseguiu ao Massacre de Santa Cruz e à crescente importância da actividade clandestina ediplomática na luta da Resistência, resultou em novos padrões de prisão e detenção em finais dadécada de 1980 e na de 1990. Durante este período, houve menos prisões e detenções, masmais específicas. Também se fizeram detenções preventivas, nomeadamente antes de visitas dedelegações internacionais. A crescente mobilização da juventude de ambos os lados conduziu avários choques espontâneos e a explosões violentas relativamente a questões religiosas,económicas e políticas. O número de incidentes de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> começou aaumentar substancialmente a partir de 1997.<strong>7.4</strong>.8: Prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> por parte das forças de segurança indonésias e gruposcoadjuvantes timorenses, em 1999O ano de 1999 é considerado em separado devido às suas características singulares. O anúnciode uma Consulta Popular e a sua preparação levaram os militares a tomarem medidas drásticaspara influenciar o resultado. Este capítulo examina os principais perpetradores e as principaisvítimas de violência não fatal, as razões que motivaram a prisão, a <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> erespectivos padrões ao longo do espaço e do tempo e as formas de prisão e <strong>tortura</strong> quesurgiram em 1999 e foram exclusivas deste período.- 10 -


<strong>7.4</strong>.2 Prisão e <strong>tortura</strong> por parte da UDT, em 1975IntroduçãoA primeira grande vaga de prisões, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> foi levada a efeito pelo partido políticoUnião Democrática Timorense (UDT), aquando do início do movimento armado, em Agosto de1975. Este acto é comummente conhecido como “movimento armado” ou movimentoanticomunista [ver Capítulo 3: História do Conflito].Nos primeiros dias do movimento armado, apoiantes da UDT atacaram e queimaram sucos ondehouvesse um forte apoio à Fretilin e detiveram membros da Fretilin e membros do ComitéCentral da Fretilin (CCF). Na manhã de 11 de Agosto, emissoras de rádio de Díli incitaram osapoiantes da UDT nos distritos a pegar em armas contra os “comunistas” da Fretilin,incentivando a violência e o conflito interpartidário em todas as áreas, excepto no distrito deOecusse. * A acção armada da UDT durou até 20 de Agosto de 1975, quando a Fretilin lançou asua insurreição geral armada.Os presos foram libertados depois de a Fretilin ganhar controlo sobre o território, em Setembrode 1975. Por conseguinte, os períodos de prisão não foram superiores a um mês; na maioria doscasos, duraram menos de duas semanas. 18 Embora o movimento armado da UDT fosse lideradoa partir de Díli, era coordenado por líderes a nível distrital em cada distrito. Os padrõesestatísticos globais, bem como as razões que motivaram as prisões perpetradas pela UDT, e otratamento dado aos prisioneiros em sete distritos de Timor-Leste são examinados abaixo.Padrões estatísticosA Comissão concluiu que o nível de violência relacionado com o movimento variou entredistritos. O gráfico abaixo revela o número de relatos de prisão arbitrária perpetrada pela UDTem cada distrito. † É evidente que a violência estava concentrada no distrito de Ermera, seguidode Díli—onde se situava o quartel-general da UDT—, Bobonaro e Manufahi. Não foram relatadasprisões em Oecusse e os números foram baixos nos distritos de Lautém, Viqueque e Covalima.[Inserir gráfico g2025004001 por aqui]Existe em Timor-Leste a ideia de que o movimento da UDT não foi particularmente violento e deque os prisioneiros foram bem tratados, sobretudo em comparação com o tratamento que aFretilin deu aos seus prisioneiros. Exemplo disso é o que José Ramos-Horta escreveu emtempos:*Segundo o Relatório da Comissão de Análise e Esclarecimento do Processo de Descolonização de Timor, não severificaram alterações na situação em Oecusse a 11 de Agosto. Oecusse permaneceu sossegado a 12 e 13 de Agosto.Na noite de 13 para 14 de Agosto, altura em que o governador informou os representantes das unidades de Díli sobre oestado da situação e lhes pediu para encontrarem uma solução, a Companhia de Cavalaria de Oecusse disse que sesubmeteria a quaisquer decisões tomadas pelos representantes das unidades de Díli. A vila de Aileu estava sob controlodo que restava da unidade Metropolitano (Polícia metropolitana portuguesa) e a maioria dos membros do Comité Centralda Fretilin ficaram sedeados em Aisirimou (Aileu) até 15 de Agosto. Por conseguinte, segundo as informações, a UDTnão entrou na área. No entanto, foram relatadas prisões noutras partes de Aileu — como a detenção conjunta da UDT eda Apodeti de dois membros da Fretilin, a 11 de Agosto, em Seloi Malere. [HRVD, Testemunho nº 3256].†Embora o período temporal do gráfico seja 1975/1979, a primeira fase dos conflitos, deve notar-se que a grande maioriadestes casos ocorreu em 1975.- 11 -


Os líderes da UDT agiram com mais sensibilidade ehumanidade do que os líderes da Fretilin…nenhum líderda Fretilin preso pela UDT declarou ter sido <strong>tortura</strong>do pelaUDT. O mesmo não se pode dizer sobre a conduta dealguns líderes da Fretilin. 19No entanto, a investigação da Comissão concluiu que muitos presos relataram ter sofrido <strong>tortura</strong>e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>.Uma análise qualitativa dos testemunhos revela que, na maioria dos casos, as violaçõesrelatadas pelos presos eram mais próximas de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> do que de <strong>tortura</strong>. As violações maiscomuns eram espancamento, pontapés e bofetadas. Os presos eram detidos durante longosperíodos de tempo, sem alimentação ou água e em más condições sanitárias e também eramutilizados como mão-de-obra forçada. Em muitos casos, estas acções resultaram em tratamentocruel e desumano. Muitas destas violações foram perpetradas pelos próprios líderes da UDT. Nosubcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados é feita uma análise das mortesocorridas entre pessoas mantidas prisioneiras pela UDT.VítimasQuase todas as vítimas de prisão arbitrária perpetrada pela UDT de que a Comissão tomouconhecimento eram líderes, membros e simpatizantes da Fretilin, reais ou suspeitos de o serem.De facto, 81,1% (673/830) das prisões atribuídas à UDT e relatadas à Comissão foram devítimas filiadas na Fretilin; segundo as informações, 7,7% (64/830) das vítimas eram civis e 3,7%(31/830) eram “outras”. Os próprios membros da UDT representavam 7,6% (64/830) das vítimas.Estes valores confirmam a investigação qualitativa da Comissão, segundo a qual a UDT teve poralvo os membros da Fretilin quando realizou o seu movimento de 11 de Agosto.A Apodeti manteve uma posição neutra durante o movimento da UDT e os seus membros nãoforam perseguidos pela UDT. 20 Só 0,2% (2/830) das vítimas dos casos de prisão atribuídos àUDT eram membros da Apodeti. Alguns membros da Fretilin esconderam-se alegadamente nascasas de apoiantes da Apodeti durante o movimento armado. 21 Outros membros da Fretilinfugiram da luta e muitos procuraram refúgio em Díli, nomeadamente no Gabinete doDepartamento de Serviços Sociais (Assistência). *Paulo Freitas, presidente do partido Trabalhista na altura, disse que o partido tinha “colaboradoverbalmente com o movimento anticomunista da UDT”, mas não se juntou à UDT quando estainiciou o seu movimento armado. No entanto, ele foi colocado sob prisão domiciliária pela UDTem Ossu (Viqueque) durante o movimento:A UDT fez o golpe e aprisionou-me…o que tinha eu feitode mal para ser aprisionado? Eles levaram-me e o nossoliurai Gaspar…segurou numa pistola e ameaçou-nos aosdois: “Vocês os dois, daqui em diante mantenham-selonge. Não se aproximem do povo. Agora sou eu quecontrolo o povo…Vão para vossas casas e fiquem lá e[fiquem em] silêncio. Terão de o suportar como se fosseuma prisão.” Nós ficámos pasmados e permanecemos nasnossas casas. 22*O Gabinete do Departamento de Serviços Sociais era em Caicoli (Díli). Este edifício é actualmente utilizado pelaUniversidade Nacional de Timor-Leste (UNTL).- 12 -


Prisão arbitráriaA Comissão ouviu depoimentos segundo os quais as ordens para a prisão de membros daFretilin nos distritos vieram da liderança da UDT, em Díli. Francisco Xavier do Amaral, o primeiropresidente da Fretilin, descreveu a maneira como ouviu a UDT dar ordens através da rádio:A Rádio Díli mandou a UDT atacar Bucoli. Disseram:“Prendam os Fretilin! Vão e prendam-nos em Cairui, vão eprendam os comunistas.” Eu pensei, “Que comunistas?Não me digam que os membros da Fretilin são todoscomunistas”. Eles estavam a dizer que toda a Fretilin eracomunista…Eu ouvi o rádio o tempo inteiro; não odesliguei nem durante uma hora. Ouvi que tinham atacadoem Aileu, em Ermera, em Letefoho e que os de Atsabe[Ermera] tinham atacado o Comité Central, em Aileu. Elesvieram de Turiscai [Manufahi], Funar, Fatumakerek,Laclubar [Viqueque], Soibada [Manatuto], Barique eformaram uma cruzada. Disseram: “Esta guerra é umacruzada, uma cruzada contra o comunismo”. Isto teve abênção dos padres. Os padres rezaram com eles numagrande missa e abençoaram-nos. 23João Carrascalão, o líder militar do partido UDT na altura do movimento armado, negou que aliderança da UDT em Díli tivesse ordenado as detenções. Carrascalão disse à Comissão:Não havia ordens para deter membros da Fretilin e leválospara a prisão. De repente, ficámos surpreendidos porver a prisão cheia. Não havia ordens do Comité Central. Aacção empreendida foi espontânea…e muitas pessoasagiram por razões pessoais, de anos anteriores, eagarraram a oportunidade de prender as pessoas deforma arbitrária…Eu ia todos os dias às prisões da UDT elibertava 50 a 60 pessoas. 24Os dados sugerem que líderes locais a nível distrital e subdistrital identificaram membros eapoiantes da Fretilin na área e os detiveram pessoalmente, ou mandaram outros membros daUDT fazer as detenções. As vítimas eram levadas independentemente de onde fossemencontradas — em alguns casos, estavam em casa, na rua ou no local de trabalho. Doisenfermeiros foram detidos enquanto estavam de serviço e continuavam com os uniformesvestidos no centro de detenção. *Outras pessoas foram capturadas por apoiantes armados da UDT enquanto tentavam fugir dosseus sucos. As suas habitações foram queimadas e os seus pertences foram saqueados pelosseus captores. Por exemplo, a UDT capturou o líder da Fretilin Vicente Reis (Sa’he), o seu irmãoMarito Reis e 11 outros apoiantes da Fretilin em Laleia (Manatuto) depois de eles escaparem doataque da UDT ao suco de Bucoli (Baucau). Marito Reis descreveu a maneira como os apoiantesda UDT lhes gritaram insultos quando pararam em Manatuto:*O enfermeiro José Espírito Santo foi detido no hospital de Lahane, em Díli. Agustinho Freitas disse que Guido Valadarese José Espírito Santo ainda tinham os uniformes do hospital vestidos quando foram detidos e presos em Palapaço.[Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Maria José Fátima Ximenes, ex-mulher do enfermeiro José Espírito Santo, cidade de Baucau,Baucau, 2003; Agustinho Freitas, suco de Carabau, Bobonaro, 12 de Junho 2003].- 13 -


Eles rodearam o nosso carro e gritaram coisas como:“Matem os simpatizantes comunistas!…Como tu, VicenteReis! Podes governar Timor?” 25 Nós ficámos caladosporque, naquela situação, éramos incapazes de falar.”Outras pessoas foram presas quando se descobriu que tinham cartão de membro da Fretilin.João Lopes, do suco de Memo (Maliana, Bobonaro), disse à Comissão que foi preso por um líderda UDT no suco de Asumali por ter cartão de membro da Fretilin, tendo sido amarrado,espancado e preso. 26 Num outro caso, ocorrido no subdistrito de Maliana, António da CostaGuterres, disse à Comissão que foi preso a 2 de Setembro de 1975, na aldeia de Odomau(Maliana) com um homem chamado Carlos, porque tinham cartões de membro da Fretilin. Osseus captores eram o líder da UDT de Bobonaro, T1, e os seus homens T2, T3 e T4. Ambos osprisioneiros foram amarrados, espancados e ameaçados de morte. 27A Comissão também tomou conhecimento de casos em que vítimas foram presas quandoapanhadas no caos e violência geral da altura, sem ser por razões especificamente relacionadascom sua filiação partidária. Lúcio Dinis Marques, por exemplo, descreveu a sua detenção comoito dos seus amigos, em Díli:A 11 de Agosto, vivíamos em Rosa Lay [uma loja no Bairrodos Grilos, em Díli Oriental]. Eu tinha 19 anos e trabalhavana diocese de Díli. Os meus irmãos e irmãs maisnovos…e eu estávamos a ver os homens da UDT amarcharem com as suas armas. Depois, os homenscomeçaram a disparar esporadicamente na nossadirecção. Corremos para dentro de casa e ninguém seatreveu a sair porque o tiroteio se ouvia em toda a cidadede Díli. Por volta das 3 da tarde, os mesmos homens daUDT voltaram de carro, armados com Mausers e G3s.Eles arrombaram a nossa casa e disseram-nos para irmospara a rua. Levaram-nos, aos nove, para Palapaço [localdo quartel-general da Polícia Militar portuguesa] numacarrinha pick-up. Já lá estavam muitas pessoas detidas.Não tínhamos a certeza de sermos prisioneiros. Eles sónos disseram para nos juntarmos aos outros presos nas[casernas]…Não fomos espancados enquanto estivemospresos. 28Centros de detenção e casos de violações de direitos humanosCentros de detençãoA UDT criou centros de detenção em vários distritos de Timor-Leste. Regra geral, estasinstalações eram temporárias, para satisfazer a necessidade imediata de prender grandesgrupos de pessoas. A Comissão tomou conhecimento de que escolas, complexos militares,armazéns e outros edifícios grandes foram utilizados como centros de detenção da UDT.Na maioria dos distritos, foram eram criados um ou dois centros de detenção principais e outroslocais mais pequenos foram utilizados consoante as necessidades noutras partes do distrito. Oscentros principais de cada distrito eram os seguintes:DistritoDíliErmeraManufahiCentros de Detenção PrincipaisPalapaço, casernas da Polícia Militar portuguesaPrisão de ErmeraAifu, um armazém de caféAntiga prisão portuguesa em Same- 14 -


“Galinheiro” em Wedauberek, AlasLiquiçaEscola primária de LiquiçaEscola primária de MaubaraMaliana, BobonaroCorluli, um armazém de arrozLautém Casernas militares da Companhia dos Caçadores 14BaucauPousada Baucau, um antigoDescascadeira, uma fábrica de arroz em Bahú,BaucauMuitos prisioneiros disseram à Comissão ter sofrido violações de direitos humanos, incluindo<strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> enquanto estiveram detidos pela UDT. Muitos também falaram sobre seremdetidos em más condições, com pouca alimentação ou água.DíliNa manhã de 11 de Agosto, a UDT apoderou-se de pontos-chave em redor de Díli, incluindo ascasernas da Polícia Militar portuguesa — a Caserna Palapaço (Palapaço). Além de fornecer umaconsiderável provisão de armas às forças da UDT, tornou-se o quartel-general da UDT e o seuprincipal centro de detenção em Díli. 29 Além dos presos de Díli, a Comissão também tomouconhecimento de pessoas detidas nos distritos de Manatuto e Baucau serem levadas e presasem Palapaço. * Líderes da Fretilin, como Vicente Reis, Guido Valadares e José Siqueira, forampresos em Palapaço. Entre os restantes presos, encontravam-se membros e simpatizantes daFretilin e civis suspeitos de a apoiarem.Mário Carrascalão descreveu a sua visita a Palapaço por volta do dia 14 de Agosto de 1975,depois de estar nos distritos de Timor-Leste:Em Palapaço, encontrei velhos, jovens e rapazes…miúdoscom 12 anos armados. Vi o filho de um amigo meu, com12 ou 13 anos, armado com uma G3. 30Através dos depoimentos e das entrevistas das vítimas, a Comissão tomou conhecimento de quea estimativa do número de membros e apoiantes da Fretilin detidos pela UDT em Palapaçoronda 100 a 200 pessoas. † A sala onde as pessoas foram presas estava tão cheia que osguardas tinham de ficar do lado de fora. 31 Guardas do sexo feminino traziam a comida ealimentavam os presos com colheres de plástico. Cada preso tinha direito a uma colher cheia depapa de aveia duas vezes por dia. 32 O guarda utilizava a mesma colher para todos os presos. 33Testemunhas disseram à Comissão que os prisioneiros de Palapaço sofreram <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> àsmãos de membros da UDT e de guardas. À porta da prisão, os guardas batiam nos presos quetinham de ir à casa de banho, fazendo com que muitos optassem por urinar nas celas. Segundoas informações, vários presos foram mortos a tiro por guardas prisionais, um deles por acidente. ‡Alguns presos também sofreram <strong>tortura</strong>, tal como se pode verificar no seguinte testemunho deLuís de Jesus Guterres à Comissão:*Vicente Reis e vários outros membros da Fretilin de Bucoli (Baucau) foram presos e levados para Palapaço, em Díli,para serem presos. Domingos Gusmão, um membro da Fretilin, foi detido por soldados da UDT em Gariuai (Baucau) etambém foi levado para Díli para ser preso em Palapaço. [Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Agustinho Boavida Ximenes (SeraMalik), Soe, Timor Ocidental (Indonésia), 28 de Agosto de 2004].†Segundo Vicente Araújo, havia cerca de 200 membros da Fretilin presos em Palapaço. †‡Marito Reis disse à Comissão que um guarda matou acidentalmente José Espírito Santo em Palapaço, quando a suaarma disparou involuntariamente, e que José Sequeira foi morto por um guarda quando estava doente e gritou. [verentrevista da <strong>CAVR</strong> a Marito Reis, Díli, 27 de Julho de 2003].- 15 -


A 11 de Agosto de 1975, em Ailok Laran, Díli, eu e osmeus filhos, a minha mulher e alguns dos nossos vizinhos(éramos 12, no total) fomos levados à força por dezpessoas do partido UDT que não reconheci. Elesobrigaram-nos andar até à prisão de Palapaço. Quandochegámos, fomos separados das nossas mulheres efilhos. Eles foram levados para Liquiça e os homens forammantidos juntos em Palapaço. Nós [os homens] fomosinterrogados por dois membros da UDT, T5 e T6. Depois,bateram-nos com um cinto de cabedal até termos o corpotodo a sangrar e a <strong>tortura</strong> durou dois dias…Fomosobrigados a cozinhar para os outros presos durante oitodias. Depois disso, fomos libertados pelos líderes da UDTque estavam em Palapaço, João Carrascalão e ManuelCarrascalão e fomos para Liquiça, para nos encontrarmoscom as nossas famílias. 34Os membros do CCF não escaparam aos <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> enquanto estiveram presos. Vicente Reis(Sa’he) sofreu espancamentos e abusos verbais depois de ser levado para Palapaço einterrogado por um membro da UDT, T7. * O irmão de Vicente Reis, Marito Nicolau dos Reis,forneceu o seguinte relato sobre a detenção de ambos em Palapaço.Primeiro, entrámos…depois [T7] chamou Sa’he:“Trouxeste o comunismo de Portugal. Vem cá!” Eleesbofeteou-o, pontapeou-o e bateu-lhe na cara. [Sa’he]caiu e ajoelhou-se, com as mãos no chão. T7 foi buscar abaioneta da Mauser e apontou-a a Sa’he, mas um agenteda polícia, T8, que colaborava com a UDT, tirou-lherapidamente a baioneta e disse-lhe em português: “Nãofaz isso”. Quando o espancamento terminou, mandaramSa’he sentar-se. Lembro-me de quando eles nos baterame nos deram pontapés, talvez só a nós dois. Depois,mandaram-nos sentar junto à porta e disseram: “Vocêssão da Unetim, † vocês são os comunistas de Baucau.” 35Xanana Gusmão, detido e preso pela UDT em Palapaço, também se lembrava da detenção e<strong>tortura</strong> de Vicente Reis:“Comunista”, era o próprio eco dos já incontroladosmurros e pontapés que faziam rodar o corpo deSa’he...sob o silêncio de todos! Foi um ‘UDT’ explicar-nosque estávamos ali porque éramos comunistas. Sa’heperguntou-lhe o que era o comunismo. “Comunismoé...bem, eu próprio não sei...” e saiu. 36A Comissão também recebeu depoimentos que indicam que alguns presos sofreram abusosfísicos antes de chegarem a Palapaço.*T7 era membro da UDT. Foi morto por T9 e T69 da Fretilin, em Holarua (Same, Manufahi) a 28 de Janeiro de 1976, umdia depois de fugir do massacre do grupo de José Osório, em Hat Nipah, suco de Holarua (Same, Manufahi) [versubcapítulo7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados].†A União dos Estudantes de Timor (Unetim) era uma organização de estudantes filiada na Fretilin.- 16 -


Manuel Agustinho Freitas, preso em PalapaçoManuel Freitas era um delegado da Fretilin do suco de Lepo, em Zumalai, no distrito deCovalima. A UDT deteve-o em Mota Maloa, Díli, a 11 de Agosto de 1975. Ele descreveu a suadetenção e prisão em Palapaço:Na manhã de segunda-feira, 11 de Agosto de 1975, a UDT deteve-me em Mota Maloa, Díli.Fomos os quatro detidos e levados para Aitarak Laran (Díli) num jipe. Na ponte, apoiantes daUDT bateram-nos com madeira. Depois disseram: “Levem-nos para o porto e atirem-nos aomar.”Por qualquer razão, decidiram não nos levar para o porto. Em vez disso, levaram-nos paraMandarin. * Lá, vi pessoas a marchar na rua. Elas pararam o nosso carro e começaram a baternos…Depois,levaram-nos para Palapaço. Quando saímos do carro, apoiantes da UDT bateramnose atiraram-nos pedras. Fomos colocados num complexo militar às 6 da manhã. Lá, vienfermeiros, como Guido [Valadares] e José Espírito Santo, de Baucau, que ainda tinham osuniformes do hospital vestidos.A 14 de Agosto, tentei falar com T10, um líder da UDT, e disse-lhe: “Por que não capturamapenas os líderes, por que [nos capturam] a nós, arraia-miúda?” Perguntámos se ele podiaconseguir a nossa libertação. Ele recusou-se e disse que não conseguiria dormir até a UDTcapturar Francisco do Amaral e Nicolau Lobato. Por isso, nós tínhamos de morrer. Elesarrastaram-nos de volta para a cela. Na noite de 15 de Agosto, fomos visitados pelo senhorArtur. Eu não o conhecia, só ouvi pessoas a chamarem-lhe senhor Artur. Ele entrou na nossacela e quis libertar-nos nessa noite…mas o enfermeiro José Espírito Santo levantou as mãos eaconselhou-o a não nos soltar naquela noite. Ele tinha medo que outros membros da UDTpensassem que estávamos a fugir. Ele sugeriu que fossemos libertados de manhã. Na manhãseguinte, às 7, o chefe da polícia, T11, entrou na prisão e gritou, zangado: “Vocês esperam atémorrer. Vocês, comunistas, não podem sair.” Fomos amarrados e atirados e pisados contra ochão.A 17 de Agosto fomos visitados por um malae † , T12, e um agente policial, T13, o sogro de LúcioMarques, que estava preso connosco na nossa cela. Empunhando uma Mauser, ele ficou à portada prisão e disse, “Levantem as mãos se forem parentes de Albano.” Belisquei Lúcio paratambém me incluir. Levantámos as nossas mãos e fizemos o sinal “V” ‡ e fomos libertados. 37Os relatórios obtidos pela Comissão revelam que embora a violência política fosse generalizadano início do movimento armado da UDT, a UDT continuou a deter pessoas até a Fretilin iniciaruma reacção armada em Díli, a 20 de Agosto de 1975. Os seguintes relatórios obtidos pelaComissão descrevem a detenção e prisão de apoiantes da Fretilin em Díli:Depoente Data e local dadetençãoMatias de 11 de Agosto de 1975,Jesusdetido por dezSoares 38 membros da UDT.VicenteAraújo 39DomingosCarvalho 4011 de Agosto, emCamea (Díli)11 de Agosto, detidopor membros da UDTem Becora (Díli).PrisãoPreso emPalapaço duranteseis diasLevado paraPalapaço.Colocado dentrode um carro comoito outraspessoas e levadopara PalapaçoTorturaNão mencionada pelo depoente. A 16 deAgosto, Matias e Félix Fátima, umcondutor da UDT, fugiram de Palapaço decarro. T7, um membro da UDT, disparoucontra eles, mas falhou.Quando chegou à porta da prisão, foiagredido nas costas com uma espingarda,espancado e pontapeado.Foi esbofeteado duas vezes no momentoda detenção. Foi espancado durante trêsdias enquanto esteve preso e vigiado deperto por membros da UDT de Ermera,armados com espadas, facas e setas.* Mandarin é uma área em Díli, perto de Farol e Palapaço.†Uma expressão utilizada em Timor-Leste para descrever um estrangeiro ou forasteiro, neste caso um português.‡Os dedos deles fizeram um sinal em forma de V, um sinal da UDT.- 17 -


Alexandrinoda Silva 41Moisés SoaresPereira 42Manuel doRêgo 43em Becora (Díli).11 de Agosto, osmembros da UDT T14e T15 atacaram a casado depoente, nocampo aéreo de BairroPite, no oeste de Díli,e detiveram-no.18 de Agosto, detidopor tropas da UDT, emAudian, Díli.18 de Agosto; odepoente foi mandadoparar por um membroda UDT armado quelhe pediu para mostraro cartão da UDT, masManuel do Rêgo nãotinha um.oito outraspessoas e levadopara PalapaçoO depoente foiamarrado a outrasvítimas, Suriano eJosé. Foramlevados de jipepara Palapaço.Amarrado elevado de carropara Palapaço.Pouco depois,chegou um jipeque levou odepoente paraPalapaço.dias enquanto esteve preso e vigiado deperto por membros da UDT de Ermera,armados com espadas, facas e setas.João Carrascalão estava de pé junto àporta; eles foram desamarrados e presosjuntamente com Guido Valadares, JoséAlexandre Gusmão (Xanana Gusmão),Cornélio, Pontelião, José Siqueira, JoséEspírito Santo, Domingos Conceição,Alberto da Costa e Manuel Freitas. Davamlhesvíveres sujos, uma vez por dia; osrestantes presos de Ermera e de Maubisse(Ainaro) que iam à casa de banho eramespancados.Foi colocado numa cela onde já estavamcerca de 250 pessoas. Enquanto estevepreso, foi obrigado a limpar a cela.À chegada, os membros da UDT T7 e T16bateram no depoente, em Mário Sousa,Acácio Carvalho e Moisés, commetralhadoras G3 até as armas separtirem. O depoente recebeu ordens parareparar os canos da água e as outrasvítimas foram mandadas limpar a casa debanho.ErmeraErmera também era um bastião da UDT e o maior número de relatórios de prisão arbitráriaperpetrada pela UDT recebidos pela Comissão refere-se ao distrito de Ermera, num total de626. * Ermera era uma zona de cultivo de café e um dos donos das plantações em Aifu, Ermera,T17, era o chefe do Comité Regional da UDT em Ermera. 44 Ele foi referido à Comissão comoparticipante directo em vários casos de detenção e prisão no distrito de Ermera. †A UDT criou dois centros de detenção principais no distrito de Ermera, em Aifu e na Prisão deErmera. Outros centros de detenção mais pequenos foram criados por todo o distrito. Quando aFretilin iniciou a sua reacção armada, a UDT transferiu todos os prisioneiros de Aifu para aPrisão de Ermera. A UDT obrigou cerca de 70 a 75 prisioneiros da Fretilin a entrar numa celapequena, com má ventilação, dificultando-lhes a respiração. As condições desta prisão erammás. Os prisioneiros eram privados de alimentação e não havia casa de banho na cela — osguardas davam tambores aos prisioneiros, para que fizessem neles as necessidades fisiológicas.A 1 de Setembro de 1975, guardas da UDT começaram a levar os prisioneiros para fora daprisão. Alguns foram executados e outros libertados. 45 [ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas eDesaparecimentos Forçados].Duas mulheres de Ermera descreveram actos de prisão e <strong>tortura</strong> ocorridos em Aifu e na prisãode Ermera. Eufrásia de Jesus Soares, de Poetete (Ermera, Ermera) era casada com DanielCarvalho, o secretário regional da Apodeti no distrito de Ermera. Eufrásia Soares disse àComissão:*Este valor não representa 626 prisões separadas; alguns depoentes podem ter descrito o mesmo incidente.†HRVD, Testemunhos nºs 1061; 4540; 6156; 8341; 6203; 8304 e 6421.- 18 -


Depois do golpe de Estado, a UDT começou a tornar-seviolenta em várias áreas, de Ermera a Railaco…Euacompanhei todos os desenvolvimentos em Ermera…Noinício, eles não matavam, só espancavam e prendiam epraticavam outras actividades desumanas, o que fez comque muitos procurassem a nossa protecção. Naquelaaltura, nós vivíamos em Railaco. Mas os actos de violênciaocorreram em muitos lugares. Pessoas foram capturadas,espancadas e mortas em Aifu. 46Maria Cecília de Jesus disse à Comissão que tropas da UDT detiveram o seu marido, VirgílioAgustinho Exposto Monteiro, com o seu amigo Luís da Costa, no cruzamento de Humboe(subdistrito de Ermera, Ermera) a 11 de Agosto. A prisão foi ordenada pelos líderes da UDT T18e T19. Ambas as vítimas foram presas na Prisão de Ermera durante dois dias e, a 13 de Agosto,António Casimiro libertou-os. Porém, a 20 de Agosto, Virgílio Monteiro foi novamente detido emHumboe pela UDT, juntamente com o pai de Cecília Jesus e foram presos na Prisão de Ermera.Como Cecília Jesus ainda não estava legalmente casada com Virgílio Monteiro, foi à prisão deErmera com o padre José Maria Barbosa e casou com ele. O padre Barbosa foi ameaçado eexpulso da prisão de Ermera por T18. Cecília Jesus disse que viu 72 pessoas presas na prisãode Ermera. 47Adelino Soares descreveu a sua detenção em Sakoko (Ermera) e a sua prisão em Aifu:A 11 de Agosto, apoiantes armados da UDT chegaram aSakoko, Ermera. Eles vieram primeiro a Sakoko porquepensavam que era um bastião da Fretilin. Vieram com ummajor e armas como Mausers e G3. Os aldeões entraramem pânico quando os apoiantes armados abriram fogo,disparando de forma aleatória. As pessoas correram emtodas as direcções. Os apoiantes detiveram dez de nós,que não conseguiram fugir, e levaram-nos para Aifu. T20,um comandante da UDT, e T17 estavam à nossa espera. *[T20] perguntou: “És o delegado [da Fretilin] em Sakoko?”Eu respondi: “Sim, sou”, embora fosse apenas ummembro comum. Então [T130] disse: “Podes ir para casaagora, mas amanhã tens de cá voltar com as tuas lanças,setas, catanas e quaisquer outras armas afiadas queconsigas encontrar.” Às 6 da manhã fomos levados devolta para Aifu [e] eles levaram as nossas armas.Disseram-nos: “Agora vão à procura dos vossos amigosda Fretilin!” Nós obedecemos e fomos à procura dosnossos amigos, mas quando voltámos, às 10 da manhã,eles amarraram as nossas mãos e os nossos pés.Ficámos amarradas durante uma semana. Elesespancaram outros prisioneiros, mas não bateram empessoas de Sakoko…Fizeram-nos passar fome durante uma semana. Asnossas mãos e os nossos pés estavam amarrados demanhã até à noite. Muitos amigos nossos gritavam devidoao sofrimento insuportável. Alguns morreram de fome. 48*T17 era um líder da UDT, dono de uma plantação de café em Aifu e de uma casa em Aifu. A 1 de Setembro, guardas daUDT levaram prisioneiros de Ermera para casa dele e executaram-nos [ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas eDesaparecimentos Forçados].- 19 -


O irmão mais velho de Adriano Ximenes encontrava-se entre os que foram presos em Aifu.Adriano Ximenes relatou que um comandante da UDT, T21, foi para Lekesi, no suco de Poetete(Ermera, Ermera) e ameaçou matar o seu irmão mais velho, Alexandrino Mau Soko. ComoAlexandrino se ajoelhou aos pés de T21, não foi morto, mas aprisionado em Aifu. Quando eleschegaram, Alexandrino Mau Soko tinha sido cortado nas costas com um catana e obrigado afazer limpezas e a cozinhar para os membros da UDT. 49Manuel Duarte — aprisionado em AifuManuel Duarte conseguiu escapar de um grupo cujos membros acabaram por ser mortos pelaUDT no início de Setembro. Ele descreveu o seu aprisionamento pela UDT em Ermera e em Aifuna Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Interno entre Partidos de 1974/76,realizada em Díli, de 15 a 18 de Dezembro de 2003:A 9 de Agosto, cheguei a Díli, vindo da minha casa, em Ermera. A 11 de Agosto, eu estava nacasa de Zeca Brás quando T22, da UDT, me capturou e me levou para Uma Kleuk. Em UmaKleuk, eles trocaram o meu cartão da Fretilin por um cartão da UDT e depois libertaram-me.No dia seguinte, 12 de Agosto, T22 e quatro outros homens voltaram a capturar-me e levarammepara Aifu, onde havia muito prisioneiros. Eles amarraram-nos e obrigaram-nos a ficardeitados no chão como porcos. Ficámos lá detidos durante mais de duas semanas. A 20 deAgosto, como reacção ao contragolpe em Díli, a UDT fugiu para Ermera. T18 deslocou-nos daprisão de Aifu para a prisão de Ermera. Ficámos lá durante cinco dias. A casa de banho era umsimples tambor no meio da cela.A 1 de Setembro, T69 mandou os apoiantes armados da UDT levarem Lourenço dos Santos,Armando Barros, Miguel Salsina, Vicente e a mim para Aifu, para serem mortos. Antes dechegarmos a Aifu, encontrámos forças da UDT e um comandante que vinha da direcção de Aifue mandaram-nos ir para Claetreman [um local no suco de Duhoho, suco de Katrai-Leten(Letefoho Ermera)]. Lá, tiraram-nos os relógios e o dinheiro e nós pensámos que íamos sermortos. Encontrámos um segundo grupo de prisioneiros, mas não falámos uns com os outros, sórezámos. 50Os prisioneiros da Fretilin também eram mantidos em centros de detenção mais pequenosespalhados por Ermera. A Comissão ouviu depoimentos sobre prisioneiros da UDT detidos nosubdistrito de Hatulia, em Nunsloet, em Lemia Sorin Balu, em Boatu e em Koliate (todos nosubdistrito de Hatulia, Ermera) Leotela; 51 no subdistrito de Letefoho, 52 na escola primária de Lihue noutros locais no subdistrito de Railaco; 53 numa casa particular no suco de Poetete e numaprisão improvisada no suco de Maudiu, no subdistrito de Ermera. 54 Os presos destes centros dedetenção mais pequenos também sofreram <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Os seguintes casos ocorreramno dia no movimento armado, 11 de Agosto de 1975:- 20 -


• Dinis da Costa Pereira, de Gomhei, no distrito de Riheu (Ermera, Ermera) disse àComissão que, a 11 de Agosto de 1975, foi detido na sua casa por 12 apoiantesarmados da UDT, liderados por T25 e agindo sob as ordens de T18 e T19. Dinis Pereirafoi levado para uma prisão provisória no suco de Maudiu, Riheu (Ermera, Ermera) ondeviu cinco outras pessoas que tinham sido presas naquele dia, nomeadamente Nicolau,Mau-Hatu, Viegas, Mau-Usi e Francisco. Os prisioneiros foram despidos, violentamenteespancados, pontapeados e esmurrados. Não receberam alimentação nem águaenquanto estiveram presos. Fugiram no dia 20 de Agosto, quando a Fretilin iniciou a suareacção armada. 55• Igualmente a 11 de Agosto, um representante local da UDT, T26, pediu ao chefe do sucode Dukurai (Letefoho, Ermera), T27, e a T28 para deterem cinco membros da Fretilin. Asvítimas foram detidas no suco de Haufu (Letefoho, Ermera) e levadas para a Companhia(o quartel-general dos militares portugueses) em Dinhati (Letefoho). Enquanto estiverampresos, foram <strong>tortura</strong>dos e sujeitos a tratamento desumano 56• Luciano Salsinha Ximenes descreveu como as forças da UDT, incluindo os membros daUDT T29 e T30, o detiveram no suco de Railaco Kraik (Railaco) a 11 de Agosto:amarraram-lhe as mãos, espancaram-no com uma barra de ferro e madeira até osangue correr sobre todo o seu corpo e levaram-no para a cidade de Railaco, para ochefe da UDT daquela área, T31. Em Railaco, Luciano Ximenes foi colocado numa celacom quatro outras pessoas, incluindo o liurai Napoleão, de Taraso (Railaco, Ermera),Mau Tero e Mau Lere, de Lihu, e José Tilman, de Aileu. 57 A 13 de Agosto, foramnovamente espancados e levados para Aifu (Ermera).• Abel de Oliveira Pinto disse à Comissão que foi detido pelo líder da UDT T17, a 11 deAgosto, em Eratoi (Letefoho, Ermera), por ser apoiante da Fretilin. T17 amarrou as mãosde Abel Pinto e espancou-o, antes de o levar para Letefoho, onde foi detido juntamentecom outros 25 prisioneiros da Fretilin. A sua casa foi queimada por apoiantes da UDT.Abel Pinto descreveu como, a 20 de Agosto, líderes da UDT, incluindo T18, T19, T32 eT33 foram a Letefoho ver os prisioneiros — os líderes da UDT ameaçaram Abel Pinto demorte, mas em vez de o matarem, cortaram-no com uma faca. 58As prisões continuaram a 12 de Agosto: Paulino de Deus Araújo descreveu como, a 12 deAgosto de 1975, em Lauana (Letefoho, Ermera), foi obrigado a juntar-se à UDT por membros dopartido. No mesmo dia, foi preso e levado para Letefoho. No dia seguinte, Paulino Araújo e outropreso, chamado Victor, foram amarrados e espancados por três apoiantes da UDT, chamadosT34, T19 e T32. 59Serafim de Jesus Martins testemunhou sobre a sua prisão e do seu pai durante o movimentoarmado da UDT. No seu testemunho, relatou que, tinha 16 anos e era apoiante da Fretilinquando os membros da UDT T35, T36 e T37 foram a sua casa, em Manusae (Hatulia, Ermera),para o capturar, no dia 12 de Agosto. Como não encontraram Serafim, levaram o seu pai, BesiLeto, e prenderam-no no quartel-general da UDT de Hatulia, em Nunsloet, no suco de Ailelo(Hatulia, Ermera) durante dois dias.A 13 de Agosto, os três membros da UDT regressaram e, como continuavam a não encontrarSerafim, insultaram a sua mãe e a sua irmã. A 15 de Agosto, Serafim e o seu irmão, CiprianoGuterres, foram a Nunsloet, Ailelo (Hatulia, Ermera) para falar com líderes da UDT sobre aprisão do seu pai:- 21 -


Quando chegámos, os membros da UDT detiveram-meimediatamente. Bateram-me em todo o corpo com umabarra de ferro e um pedaço de madeira. Alguns delesbateram-me com uma pedra até a minha cabeça estarferida, a minha mão direita partida e o meu joelho sangrar.Alguém usou um catana e golpeou as minhas pernas, aesquerda e a direita. Depois, queimaram-me com fogo ederam-me socos e pontapés. Havia muitas pessoas [abater-me] mas eu só conhecia T38, T39, T40, T41 e T42. 60Serafim partilhou uma cela com quatro outros prisioneiros da Fretilin, nomeadamente RuiFernandes, Manuel da Silva, Damião de Oliveira e Gaspar de Oliveira, todos detidos em Urahou(Hatulia, Ermera). Passados alguns dias, os quatro foram retirados da cela e executados.Serafim ficou preso durante oito dias, no total, depois foi transferido para a Prisão de Hatulia e foilibertado por um membro da Polícia de Segurança Pública.A 25 de Agosto, membros da UDT detiveram novamente Serafim e levaram-no para Nunsloet.Desta vez, ele não foi colocado numa cela, mas obrigado a dormir em cima de gravilha durantequarto dias. Um capitão de Segunda Linha * , T43, planeava florestar Serafim quando a bandeirada UDT fosse baixada. Dois outros apoiantes da UDT, Augusto Marçal Lemos e Hilário Soares,descobriram o plano e alertaram Serafim. Serafim fugiu e permaneceu escondido até ossoldados da Fretilin entrarem em Raimerhei (Ermera, Ermera). 61BobonaroAs detenções da UDT no distrito de Bobonaro também começaram a 11 de Agosto de 1975,sobretudo em Maliana, e foram lideradas pelos comandantes da UDT T1 e T44. O principalcentro de detenção da UDT para pessoas capturadas no subdistrito de Maliana era um celeiro dearroz em Corluli, suco de Ritabou (Maliana, Bobonaro). 62 A Comissão tomou conhecimento que70 membros da Fretilin foram aqui presos, embora vários tenham sido deslocados para outroslocais de detenção no subdistrito de Maliana.63 T45 era o director da prisão, tinha umaespingarda Mauser e tratava os prisioneiros de uma forma extremamente dura. Martinho Lopes eJoão Godinho contaram à Comissão que os prisioneiros não receberam alimentação nem água eque um ou dois morreram de fome. 64João Godinho foi um dos 70 membros da Fretilin presos em Corluli. Disse à Comissão que, a 11de Agosto, militantes da UDT detiveram vários apoiantes da Fretilin em Maliana. Ele foi detido acaminho do trabalho e levado para o secretariado da UDT. De tarde, a UDT transferiu aspessoas que tinha capturado para os Acampamentos de Obras Públicas, em Maliana. Nesselocal, guardas da UDT deram um rádio aos prisioneiros, para que ouvissem as emissões daUDT, dizendo aos prisioneiros: “Ouçam isto! A Fretilin rendeu-se!” Mas passados alguns dias, osguardas levaram o rádio. Sempre que havia oportunidade, os guardas ameaçavam “dar banho”aos prisioneiros, que não percebiam o que isso significava. † Os prisioneiros foram entãotransferidos para Corluli. João Godinho disse à Comissão:*Segunda Linha era a segunda linha ou reserva de forças militares portuguesas. Geralmente, eram forças tradicionaisque tinham sido aliadas de determinados reis locais (liurai) e que foram agregadas à estrutura militar portuguesa ereceberam postos militares portugueses.†“Dar banho” era um eufemismo para “matar”. Foi utilizada a mesma expressão durante a ocupação indonésia, ou seja,“dar um banho no mar” (mandi laut) significava “matar”.- 22 -


Certa tarde, disseram-nos para nos pormos em linha e nãotrazermos roupas nem cobertores. Disseram: “Entrem nocarro!” Alguns foram atirados para o camião. Nãosabíamos para onde estavam a levar-nos [até] chegarmosa Corluli…[forças da UDT] formaram duas filas e estavamarmadas com lanças, catanas e setas. Empurraram-nosentre eles para entrarmos na prisão. Desde então, nuncamais comemos…Só lá ficámos até 2 de Setembro de1975.Quando o tiroteio começou, pensámos que a UDT estavaa disparar. Mas, pouco depois, a filha de Felisberto, umdos presos, levantou-se junto à janela e disse: “Pai, pai,vamos fugir. Bobonaro está a atacar!”…Um dos presos,António Valente, já estava fraco e João tinha morrido naoutra cela. Pouco depois, seis mulheres — ErnestinaMoniz, Florência Maia, Flora de Jesus Moniz, AnitaAmaral, Luísa da Gama e Leonita — vieram à nossaprocura…abriram a porta da prisão…Também levámosAntónio Valente para fora, mas ele já estava demasiadofraco para se aguentar em pé e ficou lá deitado, por issopusemo-lo novamente na sala, fechámos a porta e viemosembora. Mais tarde, ouvimos que as tropas de Bobonaro oencontraram quando chegaram e o enterraram. 65José Guterres também foi um dos presos de Corluli e falou à Comissão sobre a sua experiência.Guterres foi capturado com outros apoiantes da Fretilin a 11 de Agosto de 1975, por ordem doslíderes da UDT de Maliana, incluindo T3, T47, T48, T49 e T50, de Odomau (Maliana, Bobonaro).Guterres e os outros foram levados para Corluli:No camião, a caminho de Corluli, eles deram-nospontapés e bofetadas. Eles espancaram-nos na prisão enão nos deram comida. As nossas mulheres traziam-noscomida à prisão, mas eles sujavam-na antes de no-ladarem. Não comemos ou bebemos durante nove dias naprisão de Corluli. Se pedíssemos água, traziam-nos águasuja e entornavam-na no chão para que tivéssemos de alamber. Alguns amigos nossos já não suportavam a sedee [bebiam] o seu próprio suor e urina. Éramos 70 presosem Corluli. 66Testemunhos dados à Comissão confirmam o tratamento desumano dos prisioneiros em Corluli.Vários testemunhos descrevem como os guardas sujeitaram os prisioneiros a uma carênciaextrema de alimentação e água, levando à morte de dois ou três deles. Mais ainda, declaramque os guardas batiam nos prisioneiros que se atrevessem a pedir autorização para ir à casa debanho. 67 José Pinto Guterres descreveu como a orelha do seu sobrinho, Anus Alesu, foi cortadaem Corluli por um membro da UDT. 68 António da Costa Guterres, detido em Corluli por ter cartãode Fretilin (ver caso acima), disse à Comissão que ele e alguns prisioneiros foram, obrigados afugir para Turiscai (um suco de Timor Ocidental, fronteiro dos subdistritos de Suai e Maliana)com a UDT a 12 de Setembro. Daí, foi levado com a UDT para um campo de refúgio emAtambua, Timor Ocidental, Indonésia. 69Continuaram a fazer-se detenções em Bobonaro durante diversas semanas. Foram criadosoutros centros de detenção mais pequenos no subdistrito de Maliana, incluindo em Santa Cruz,na cidade de Maliana, no quartel-general da UDT no suco de Ritabou, no centro de detenção deMaliana, chamado “Secção” ou quartel Maliana, em Maumali e na casa do liurai local, Guilherme- 23 -


dos Santos, em Memo Leten. Em outros subdistritos, os presos foram levados para a capital dosubdistrito e presos. A Comissão tomou conhecimento de prisioneiros do subdistrito de Cailacoserem detidos na cidade de Cailaco e de prisioneiros do subdistrito de Lolotoe serem presos nacidade de Lolotoe. 70 Seguem-se depoimentos da <strong>tortura</strong> e tratamento desumano que osprisioneiros sofreram em vários centros de detenção no distrito de Bobonaro.• Hermenegildo Fernandes descreveu como, a 11 de Agosto, o líder da UDT T1 e os seushomens T51 e T52 detiveram líderes da Fretilin, delegados e membros da OPMT emMaliana. As vítimas foram presas no gabinete da UDT em Maliana e transferidas paraMaumali, no suco de Ritabou (Maliana, Bobonaro). Um dos presos morreu de fome. 71• Florindo Gonçalves, membro da Fretilin na altura, contou como, em Agosto de 1975 (dianão especificado) ele e dez amigos, chamados José Gouveia, António Valente, AntónioNascimento, Daniel Caldas, Avelino Moniz, João Gonçalves, Filomeno da Costa,Rosário, Moisés Nunes e Guilherme Moniz, foram detidos na aldeia de Oeceli, nosubdistrito de Lolotoe, por um grupo de soldados da UDT liderado por T53 e T54. Asvítimas foram colocadas numa sala, onde permaneceram durante três dias, durante osquais não receberam alimentação nem água. Os presos foram depois transferidos decamião para uma casa em Lolotoe, onde ficaram detidos durante cerca de umasemana. 72• Adriano João disse à Comissão que era o representante da Fretilin no subdistrito deCailaco em 1975. Por volta das 4H30 da tarde de quarta-feira, 13 de Agosto de 1975,membros da UDT liderados por T55 detiveram-no, amarraram-no e espancaram-noviolentamente. Adriano João foi preso em Cailaco durante uma semana com outrosmembros da Fretilin, incluindo José Martins, José Barros e Marcelino Borges. 73 Duranteo período do movimento armado da UDT, Adriano João também sofreu abusos por partede um membro da Apodeti, T56. * T56 atacou-o depois de ele chegar a casa com amulher, vindos de uma consulta médica na cidade de Cailaco. Adriano João foiviolentamente espancado, pisado e as suas orelhas foram cortadas com uma catana.Além, dos abusos físicos, Adriano João disse à Comissão também ter sofrido traumasdepois de o seu gado — cabras, porcos e vacas — ter sido confiscado pela UDT.No suco de Guda, em Lolotoe, a Comissão tomou conhecimento de duas detenções em grupo.Sebastião Amaral disse à Comissão que três jovens membros da Fretilin (ele próprio, AmaroMoniz e Cândido Daniel da Silva) foram presos por membros da UDT a 14 de Agosto. SebastiãoAmaral disse que foram levados para a casa do líder da UDT T1, onde foram violentamenteespancados. Os membros da UDT ameaçaram matá-los com setas. Passadas cinco horas, ospresos foram levados para o “quartel” Maliana (a estação emissora de rádio de Maliana), ondeficaram detidos por uma semana. As vítimas não receberam alimentação enquanto estiverampresas. 74A comunidade de Guda descreveu como, quase duas semanas depois, a 28 de Agosto de 1975,quatro militantes da UDT com o posto de tenente (alferes na Segunda Linha) detiveram osdelegados da Fretilin e 14 rapazes no suco. Os prisioneiros foram levados para Lolotoe eentregues a T54, sob a acusação de serem comunistas. T54 tentou obrigá-los a aceitar cartõesda UDT, mas eles recusaram-se. T54 manteve-os numa casa de banho durante a noite e, no dia,seguinte, ordenou que fossem amarrados e levados para Maliana. Os soldados da UDTpontapearam e pisaram os jovens, até as caras deles ficaram praticamente irreconhecíveis. 75*T56 era membro da Apodeti. Era filho do liurai de Atsabe, um dos líderes da Apodeti. Era o irmão mais novo de umantigo partidário da Apodeti. Os motivos que terão levado T56 a perpetrar esta <strong>tortura</strong> não são claros [ver entrevista da<strong>CAVR</strong> a Ermínio da Costa da Silva, Jacarta, Indonésia, 9 de Agosto de 2004].- 24 -


ManufahiO terceiro maior número de prisões perpetradas pela UDT relatado à Comissão ocorreu nodistrito de Manufahi. O centro de detenção principal de Manufahi era uma prisão no subdistritode Same, construída pela administração portuguesa. Testemunhos dados à Comissão fornecemuma estimativa de entre 100 e 300 presos da Fretilin terem sido ali detidos durante o movimentoarmado da UDT. 76 Também revelam que os prisioneiros da Fretilin em centros de detenção daUDT no distrito de Manufahi sofreram <strong>tortura</strong> e outras formas de tratamento desumano.Leonardo Paicheco, um antigo delegado da Fretilin, foi um dos detidos na prisão de Same. Eledisse à Comissão que, a 11 de Agosto, foi detido pelo major da Segunda Linha, T57, e T58, oslíderes da UDT em Same, acompanhados por vários solados da UDT. Ele foi inicialmente levadopara a região de Orema, em Holarua (Same, Manufahi), onde o major T57 lhe bateu e oesbofeteou, agredindo-o de seguida com a coronha da sua espingarda. Depois, o major T57ordenou aos seus homens que amarrassem Leonardo e o levassem para a prisão de Same. Lá,o major T57 e T59 agrediram repetidamente Leonardo e outros com a coronha de umaespingarda. Os prisioneiros não puderam sair das celas durante 14 dias, tendo de fazer asnecessidades fisiológicas na cela e de viver entre a sua própria urina e fezes. 77Mateus Alves descreveu em testemunho a sua detenção pelo líder da UDT T58 e os homensdeste, T68, T69 e T70 na aldeia de Deunai, no suco de Holarua (subdistrito de Same). Na alturada detenção, T72 e outro membro da UDT pontapearam e esmurraram Mateus Alves. Depois,T73 amarrou-o e levou-o ao encontro dos líderes da UDT, o major T57 e T74. O major T57açoitou Mateus com um chicote até ele desmaiar. Depois, atiraram-no para um camiãojuntamente com outros presos e levaram o grupo para a casa de T75, outro líder da UDT dosuco de Faraiudo, Same. Mateus Alves foi posteriormente levado para a prisão do posto deSame, onde ficou preso durante uma semana, sem alimentação, juntamente com outrospresos. 78Relatos indicam que a UDT também prendeu prisioneiros da Fretilin em centros de detençãomais pequenos no distrito Manufahi, onde também sofreram tratamento desumano. Por exemplo,dois homens de um suco no subdistrito de Alas foram detidos pela UDT e levados para o sucode Wedauberek, em Alas, onde foram sujeitos a trabalhos forçados e a condições de vidadesumanas pelo comandante da UDT em Alas, T60. 79BaucauEm Baucau, a UDT tinha dois centros de detenção em funcionamento: a Pousada Baucau * e aDescascadeira † , em Bairo Central Bahú, Baucau. Na maioria dos casos, os prisioneiros erammantidos no Hotel Pousada durante os primeiros dias, onde eram interrogados pelo líder da UDTem Baucau e pelo vice-presidente do partido, T62, antes de serem transferidos para aDescascadeira. A Comissão tomou conhecimento de que cerca de 30 membros da Fretilin,provenientes de Baucau, Lautém e Viqueque, foram detidos na Descascadeira. Antigosprisioneiros relataram ter sofrido <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e <strong>tortura</strong> — nomeadamente serem açoitados comum chicote, pontapeados e esmurrados. 80Libório Maria disse à Comissão que, a 11 de Agosto de 1975, ele e Faustino dos Santos, ambosjovens membros da Fretilin, foram detidos por T61 da UDT no suco de Bahú (Baucau, Baucau).As vítimas foram levadas para a Pousada Baucau, onde foram interrogadas por T62, o chefe daUDT em Baucau. Outro membro da UDT, T63, levou Libório, Faustino e 30 outros presos para aDescascadeira. 81*O Hotel Pousada Baucau tornou-se conhecido como Hotel Flamboyan durante a ocupação indonésia.†A Descascadeira era um edifício utilizado para moer arroz, descascar cocos e processos semelhantes.- 25 -


Domingos de Sousa Freitas disse à Comissão que foi detido por dois membros da UDT na casado chefe da aldeia, T64, em Bacaiwa, aldeia de Adagoa, no suco de Uailili (Baucau, Baucau).Domingos Freitas não mencionou a data da sua detenção. Outro membro da UDT amarrou-o eespancou-o, depois levou-o para a lavandaria em Gariuai (Baucau, Baucau), onde ele ficoudetido durante cinco dias. O chefe do suco de Uailili, T47, juntamente com 20 outros membrosda UDT, levou Domingos de Sousa Freitas para a Pousada Baucau. Domingos de Sousa Freitasfoi espancado por T62 enquanto esteve na Pousada e fugiu depois de a Fretilin iniciar a suareacção armada. 82Segundo o testemunho de Diamantino da Costa, às 9 da manhã de 11 de Agosto, ele e quatrooutros membros da Fretilin que tinham sido acusados de organizar a comunidade do suco deOstico (Vemasse, Baucau) foram detidos em Ostico pelo líder da UDT T46, os seus homens T48e T79, e dez outros membros da UDT. Os prisioneiros foram levados para a Pousada Baucau.Às 10 da manhã, T62 interrogou-os. Durante o interrogatório, T62 acusou-os de seremescravizados por Vicente Reis (Sa’he). Eles ficaram detidos da Pousada durante quatro dias e, a16 de Agosto de 1975, foram transferidos para a Descascadeira. Foram libertados a 29 deAgosto, depois de a Fretilin iniciar a sua reacção armada na área. 83LiquiçaO distrito de Liquiça era o lar da terceira base da UDT, no subdistrito de Maubara. A UDT tinhadois centros de detenção em funcionamento no distrito de Liquiça, um na escola primária deLiquiça e outro na escola primária de Maubara. A Comissão tomou conhecimento de que cercade 75 membros da Fretilin foram detidos na escola primária de Liquiça. Estes presos foramtransferidos para a escola primária de Maubara por volta de 1 de Setembro 84 e ficaram detidosem Maubara durante quase um mês. Não existe qualquer estimativa do número de presos emMaubara. A Comissão tomou conhecimento de que quando a Fretilin iniciou a sua insurreiçãoarmada, a primeira cidade a ser capturada no distrito de Liquiça foi a cidade de Liquiça. Esteacontecimento provocou tensões em Maubara e os presos aproveitaram a oportunidade paraderrubar a porta da prisão e fugir.Não há relatos que indiquem <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> de presos noutros centros, nem de mortes ocorridasnos centros de detenção. No entanto, a Comissão encontrou provas de presos sofrerem <strong>maus</strong><strong>tratos</strong>no exterior, antes de chegarem a um centro de detenção. Albino da Costa Mouzinho, umantigo vice-delegado da Fretilin no suco de Leotela (Liquiça, Liquiça), prestou o seguintedepoimento:A 12 de Agosto de 1975, o delegado da UDT T65 e osseus homens detiveram-me nos campos de arroz de Pabona aldeia de Kaimegoluli, no suco de Leotela. Fuiimediatamente espancado; depois eles esmurraram-meseis vezes com os punhos nas orelhas até os meusouvidos sangrarem e eu não conseguir ouvir. Depoisdisso, outro delegado da UDT, T66, mandou-me ir àprocura de Maubroke e de Asuloe (membros da Fretilin)na aldeia de Paulara [suco de Leotela]…por isso, eu fui,juntamente com T66 e os homens dele, deter Maubroke eAsuloe, que foram levados para Nunloi, suco de Fatumasi,para a casa do chefe do suco, T65. Lá, vi [um membro dachamado Fretilin] Maudasi deitado no chão, gravementeferido e a gritar. Fui mandado para casa. 85Marcelino Soares descreveu como foi detido por apoiantes da UDT a 13 de Agosto, em Vatuvou(Maubara, Liquiça), juntamente com cinco familiares seus, e foram espancados violentamente.- 26 -


As cabeças das vítimas foram rapadas e elas foram amarradas e levadas para Maubara, ondeficaram detidas durante 27 dias, até a Fretilin atacar Maubara e conseguirem fugir. 86Daniel Pereira Martins disse no seu testemunho que foi detido por um membro da UDT na aldeiade Kota Lara, no suco de Loidahar (Liquiça, Liquiça), a 14 de Agosto de 1975, e levado para oedifício do Conselho de Liquiça. Quando chegaram, outro membro da UDT ameaçou matarDaniel Martins. Em vez disso, Daniel Martins foi levado para a escola primária de Liquiça, ondeficou detido durante mais de duas semanas. A 1 de Setembro de 1975, Daniel e 67 outrospresos foram transferidos para a escola primária de Maubara, onde ficaram quase um mêsdetidos. Daniel disse à Comissão que, em Maubara, um membro da UDT chamado T66esbofeteava os presos sempre que lhes dava de comer. 87LautémQuando o movimento armado da UDT deflagrou no distrito de Lautém, o capitão Lino da Silva,oficial português e comandante da Companhia de Caçadores 14, deslocou-se ao subdistrito deMoro e colocou o comandante da Segunda Linha, Edmundo da Conceição Silva sob prisãodomiciliária, confiscando 150 armas de fogo pertencentes à Segunda Linha, que levou para Díli eentregou à UDT. 88Além disso, apoiantes da UDT detiveram vários membros da Fretilin e prenderam-nos nascasernas militares da Companhia de Caçadores 14. * Os prisioneiros aí detidos não sofreram<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e foram alimentados. A Comissão tomou conhecimento de pessoas presas noquartel-general da Companhia durante duas semanas ou menos. Outros apoiantes da Fretilinforam chamados ao quartel-general para serem interrogados pela UDT e posteriormentemandados para casa.Segundo José Conceição, alguns líderes da Fretilin no distrito de Lautém, como Afonso Sávio,Felipe Dias Quintas e outros, foram levados para Baucau e presos na Pousada. 89Trabalhos forçadosA Comissão tomou conhecimento de que, além de os prisioneiros sofrerem abusos físicos e<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> às mãos da UDT, muitos eram obrigados a trabalhar para o partido. A Comissãorecebeu testemunhos que descrevem como os prisioneiros eram obrigados a construir estradas,erguer pedras, escavar gravilha e cozinhar para as forças da UDT e para os presos, sem direitoa qualquer tipo de remuneração. A Comissão tomou conhecimento, por exemplo, que, a 15 deAgosto de 1975, cerca de 500 pessoas foram presas em Same e obrigadas a trabalhar,construindo estradas durante todo o dia, sem sequer serem alimentadas. 90 Adriano Joãodeclarou que os prisioneiros de Cailaco (Bobonaro) foram obrigados a construir uma estradadurante uma semana, ligando a cidade de Cailaco ao suco de Bilimau, na fronteira com Hatulia,Ermera. A UDT libertou os prisioneiros a 4 de Setembro de 1975, quando a estrada ficoupronta. 91 O mesmo se verificou em Maubara (Liquiça), onde Marcelino Soares e a sua família(ver acima) foram obrigados a transportar pedras e areia para reparar a estrada entre Maubara eMauboke. 92As mulheres também eram utilizadas como mão-de-obra forçada. Por exemplo, a Comissãotomou conhecimento de que, aquando do início do movimento armado da UDT, os apoiantes daFretilin do sexo masculino de Mauchiga (Hatu Builico, Ainaro) deixaram as suas famílias paratrás e fugiram, escondendo-se na floresta. Apoiantes da UDT capturaram Antoneta Cortereal eoutras mulheres e lavaram-nas para Lesuata (Ainaro), onde as obrigaram a cozinhar para os*As forças de ocupação indonésia utilizaram a C-Casa 14 como base militar ( TNI). Apelidaram-na de “Quartel-general doBatalhão de Infantaria 745, Companhia A”.- 27 -


soldados da UDT durante uma semana. Antoneta Cortereal e as restantes mulheres fugiramquando a Fretilin atacou a base da UDT em Lesuata. 93No suco de Ossu de Cima (Ossu, Viqueque), Seferina Freitas, o seu irmão mais velho, Adelinoda Silva, e o delegado da Fretilin em Ossu, João da Rocha, foram detidos pela UDT. T71 e osseus homens detiveram os três prisioneiros durante uma semana. Durante esse período, osprisioneiros foram obrigados a transportar rochas e madeira para construir uma estrada e foramespancados, esbofeteados e pontapeados.- 28 -


<strong>7.4</strong>.3 Prisão e <strong>tortura</strong> por parte da Fretilin, Agosto de 1975 aFevereiro de 1976IntroduçãoA 15 de Agosto de 1975, quatro dias após o início do movimento armado da UDT de 11 deAgosto, o Comité Central da Fretilin (CCF) declarou uma Insurreição Geral Armada a partir dabase da Fretilin em Aisirimou (Aileu). A declaração incitou as pessoas a resistir ao movimentoarmado. O conflito interno entre a UDT e a Fretilin * rebentou poucos dias depois.Durante o conflito interno armado, a Fretilin imitou a prática da UDT de prender adversáriospolíticos de forma arbitrária. Alguns dos presos eram combatentes da UDT, mas muitos outroseram membros comuns ou apoiantes da UDT, membros de outros partidos políticos, oufamiliares — civis que deveriam estar protegidos pelo direito humanitário internacional. AComissão não diferenciou combatentes de civis no presente relatório porque todos os presostêm o direito a ser tratados com humanidade e a não ser sujeitos a <strong>tortura</strong>, ou a outros tipos detratamento cruel ou degradante. Além disso, em muitos dos testemunhos recebidos pelaComissão, pessoas que se identificaram como combatentes foram frequentemente presas nassuas habitações ou aldeias, sem ser em situações de combate.A Comissão concluiu que a Fretilin praticou prisões generalizadas, incluindo a prisão arbitrária decivis. O Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) calculou que tenha havido cerca de 2.000prisioneiros nos centros de detenção da Fretilin após a sua reacção ao movimento armado daUDT. 94 Através do seu processo narrativo de recolha de testemunhos, a Comissão documentou1.369 casos de prisão arbitrária perpetrados pela Fretilin em 1975. Dos 64,3% (880/1369) decasos que indicavam o mês exacto em que a violação ocorreu, 95,2% (838/880) referiam-se aoperíodo entre Agosto e Dezembro, como pode ser verificado na Figura .Além disso, 58,8% (517/880) das vítimas foram identificadas como sendo filiadas na UDT. Asprisões arbitrárias de membros da UDT atribuídas à Fretilin encontram-se esmagadoramenteconcentradas em Agosto e Setembro de 1975, como se pode verificar na Figura.[Inserir figura ]Provas qualitativas recebidas pela Comissão indicam que as pessoas detidas pela Fretilincostumavam receber alimentação adequada, mas encontravam-se detidos em más condiçõessanitárias e em locais sobrelotados. Foram relatados bastantes abusos físicos e, por vezes,<strong>tortura</strong>.A investigação estatística da Comissão revela que, em 1975, a esmagadora maioria das prisõespraticadas pela Fretilin ocorreram nos distritos centrais, sobretudo em Díli, Aileu, Manufahi eErmera, como mostra a Figura . † A investigação qualitativa da Comissão,realizada através de entrevistas e Perfis Comunitários, indica que Díli também foi um dosprincipais locais de detenção durante o conflito interno armado. Esta informação é compatívelcom a opinião da Comissão, segundo a qual a prisão arbitrária foi utilizada como ferramenta doconflito e verificou-se de forma concentrada nas áreas em que o conflito foi mais intenso.*Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Lucas da Costa, Díli, 21 de Junho de 2004. A declaração da Fretilin em Aileu foi tornada públicapela primeira vez no seu testemunho a 13 de Setembro de 1975, segundo o qual “às 3h45 da tarde do dia 15 de Agosto,o Comité Central da Fretilin ficou ciente de que não iria haver uma solução pacífica, incitando à resistência armada emtodo o país.” [ver Helen Hill, Stirrings of Nationalism in East Timor: Fretilin 1974-1978, Otford Press, Sydney, 2002, p.142].†58,9% (806/1.369) das prisões relatadas ocorreram nos distritos centrais; 23,5% (321/1.369) nos distritos ocidentais e16,4% (2.25/1369) nos distritos orientais.- 29 -


[Inserir Figura por aqui]A Fretilin continuou a prender pessoas após a invasão indonésia, nos primeiros meses de 1976,mas a uma escala muito inferior — foram relatados 150 casos ocorridos em Janeiro e Fevereirode 1976. Contrastando com meses anteriores, estes casos ocorreram sobretudo nos distritosorientais: 64,7% (97/150), como mostra a Figura .[Inserir Figura por aqui]A reacção armada da FretilinA Insurreição Geral ArmadaRogério Lobato recebeu uma mensagem codificada da Fretilin de Aileu em Díli na noite de 15 deAgosto, * assinalando o início da Insurreição. 95 Rogério Lobato disse à Comissão:Na noite de 15 de Agosto, a unidade de transmissão ligoume[e eu ouvi a mensagem codificada]. Eu sabia quetinham iniciado o “contragolpe” em Aileu. Depois, prepareio “contragolpe” em Díli. Liguei ao comandante JoãoBranco, a Adão Cristovão e aos outros e fizemos um planona sala da messe dos soldados. †A 17 de Agosto, a Fretilin tomou posse das casernas militares portuguesas em Aileu e prendeuoficiais e soldados portugueses. Na noite de 17 de Agosto, 44 membros da Fretilin deslocaramsepara cercar as tropas portuguesas em Aileu. Lucas da Costa disse à Comissão:[Todas] as tropas estavam a juntar-se para uma reunião.Começámos a rodeá-las e escondemo-nos nos esgotosNicolau Lobato, Abel Larisina e Alarico Fernandes foramos primeiros a aproximar-se do portão. Quando a reuniãoterminou, o comandante saiu pelo portão e Nicolau saltoupara fora do esgoto. Apontou a pistola ao comandante epediu-lhe para ficar calado. Nicolau disse ao capitão paraentregar as tropas de Aileu ao sargento José da Silva. ‡Havia 11 soldados portugueses, cinco oficiais e algunssargentos e cabos. Esses soldados tornaram-seprisioneiros. 96O início da reacção amada da Fretilin em Díli também começou com a prisão de militaresportugueses. À 1 da manhã de 20 de Agosto, Rogério Lobato, o sargento Hermenegildo Alves esoldados timorenses que já se tinham juntado à Fretilin, detiveram o vice-chefe do Estado-Maiorportuguês, igualmente comandante do quartel-general, no qual residia. Nessa mesma manhã,soldados timorenses desarmaram 50 a 60 soldados portugueses. 97*Rogério Lobato e outros membros do CCF de Aileu concordaram em utilizar o código quando Rogério Lobato foi aAisirimou, em nome de Lemos Pires, para negociar com membros do CCF de Aileu, a 15 de Agosto de 1975. Amensagem dizia “A minha mulher já está em Aileu, chegou bem”. Rogério Lobato inventou esta mensagem quandoestava prestes a partir para Díli de helicóptero. Ele criou a mensagem codificada quando pensou na sua mulher, que seencontrava em Díli e revelou-a ao comandante Gil, a António Gonçalves e a José da Silva [Entrevista da <strong>CAVR</strong> aRogério Lobato, Díli, 26 de Agosto de 2003].†Segundo Rogério Lobato, a sala dos soldados era uma espécie de bar criado para os soldados portugueses, ondepodiam pedir comida e bebida. Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Rogério Lobato, 26 de Agosto de 2003.‡O nome do capitão era Horta. ”O meu irmão [Nicolau Lobato] desarmou Horta” [Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Rogério Lobato,Díli, 26 de Agosto de 2003].- 30 -


Razões para a prisão arbitráriaAlguns líderes do movimento da UDT de 11 de Agosto foram detidos e presos pela Fretilin,nomeadamente o seu vice-presidente, César Mouzinho, de Baucau, Francisco Oliveira e MárioJaorez, de Díli, e alguns líderes distritais da UDT. O chefe da Polícia portuguesa, o tenentecoronelMaggiolo Gouveia, também foi preso. * A Comissão foi informada de que alguns membrosda Fretilin que prenderam membros da UDT foram motivados pela vingança em reacção àviolência cometida por membros da UDT aquando o movimento armado. †À medida que as incursões indonésias nos distritos ocidentais se intensificavam, a Fretilin virou asua atenção para o partido pró-integração Apodeti. Filomeno Cabral explicou que membros daApodeti foram presos devido à intensificação dos ataques na região de fronteira pelos militaresindonésios e por exilados timorenses, que tinham formado uma força designada os“Partidários.” 98 Lucas da Costa declarou:Era uma lógica simples; nesta guerra (em Timor-Leste),algumas pessoas conspiravam com o inimigo paraempreender a guerra. Os conspiradores eram,evidentemente, pessoas da UDT e da Apodeti…A Fretilintinha de resistir a incursões na fronteira. Os nossossoldados começaram a morrer [e] os jornalistasaustralianos [também foram mortos]…Assim, as figuras deliderança da UDT e da Apodeti foram todas presas. 99No seu depoimento à Comissão, Mari Alkatiri declarou ter dado ordens para deter líderes daApodeti a 4 e 5 de Outubro de 1975, depois de receber informações secretas, segundo as quaiseles estariam a planear uma tentativa de golpe contra a Fretilin. Quando foi informado de quemembros da Apodeti estavam a planear iniciar o movimento armado atirando uma granada parauma reunião do Comité Central da Fretilin, Alkatiri disse ter feito o seguinte:Chamei o sargento Carmo e disse: “Trata desta operação.Vai apanhá-los todos.” Apanhámos muitas pessoas daApodeti, quase todas. O sargento colocou a Polícianaquilo que é agora a Until [edifício da Universidade deDíli]. ‡Os líderes do partido KOTA e do partido Trabalhista também foram presos, mas não osmembros normais. 100A nível individual, vítimas relataram ter sido presas por serem líderes ou apoiantes conhecidosda UDT ou da Apodeti, por serem originárias de sucos filiados na UDT ou na Apodeti, por teremcartões de membro da UDT, ou por serem suspeitos de espiar para a UDT ou para a Apodeti. 101*Mário Carrascalão disse à Comissão que Maggiolo Gouveia foi libertado da custódia da UDT pouco depois domovimento armado de 11 de Agosto de 1975 “porque declarou politicamente a sua adesão ao movimento da UDT.” MárioCarrascalão disse que Maggiolo Gouveia foi falar com membros da Fretilin após a sua libertação, mas foi detido pelaFretilin e desapareceu posteriormente [Depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito PolíticoInterno 1974/76, 15 a 18 de Dezembro de 2003. Ver também: Mário Lemos Pires, Descolonização de Timor. “O Golpe daUDT”].†Xanana Gusmão, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Interno 1974/76, 15 a18 de Dezembro de 2003.‡Mari Alkatiri, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Interno 1974/76, 15 a 18 deDezembro de 2003.- 31 -


Locais de prisãoDíliO QG, o quartel-general do Exército português em Taibessi, Díli, foi o primeiro edifício a serocupado pela Fretilin, a 20 de Agosto. A maioria dos líderes e membros da UDT capturadosdurante a acção armada foram presos neste local, incluindo César Mouzinho, Francisco Oliveirae o antigo chefe da Polícia portuguesa, o tenente-coronel Maggiolo Gouveia. João Oliveira era osuperintendente da Fretilin no QG. 102 Rogério Lobato, comandante das Forças Armadas daFretilin na altura, disse à Comissão que cerca de 1.000 apoiantes da Fretilin, muitos delesempunhando armas, se reuniram no QG para ver os líderes da UDT detidos e espancaram olíder da UDT, César Mouzinho. Ao perderem o controlo, um outro prisioneiro que estava a serconduzido às celas, Mateus Ferreira, de Same, morreu esmagado pela multidão. 103Depoimentos e testemunhos prestados à Comissão indicam que os prisioneiros no QG sofreramvários tipos de abuso, <strong>tortura</strong> e outras formas de tratamento cruel ou desumano. A Fretilinreconheceu ter havido casos de violência física desenfreada contra os prisioneiros. RogérioLobato disse que membros da Fretilin começaram a abusar do seu poder e a cometer violaçõescontra os prisioneiros, acrescentando que, enquanto organização, a Fretilin “nunca deu umainstrução directa para fazer maldades às pessoas. Contudo, membros da Fretilin agindo a títuloindividual abusaram do seu poder e cometeram violações dos direitos humanos”. Ele afirmou àComissão:Por vezes, eles entravam na prisão, chamavam osprisioneiros e espancavam-nos. Por vezes, não era porterem um problema com eles devido à situação [política],mas por problemas antigos. Sei que houve ocasiões emque foi por alguém lhes ter roubado a namorada e razõesdo género, por isso agora eles aproveitavam aoportunidade para espancarem essa pessoa. Sei isto. Aspessoas tiravam partido da guerra para espancaremoutras e para fazerem justiça pelas próprias mãos. Masalgumas espancavam-nas por estarem zangadas porcausa da guerra.Eles espancaram Maggiolo e outros…Quero dizer umacoisa sobre Maggiolo Gouveia. Muitos colegas da Fretilin edas Falintil entraram na cela dele e espancaram-no. Osuperintendente da prisão, o sargento João Oliveira, veioter comigo e falou-me sobre o comportamentodesenfreado desses colegas. Eles iam lá só paraespancarem Maggiolo Gouveia. [Eu disse]: “Por que nãotrazem Maggiolo até cá?”. Encontrei-me com ele no meuescritório, que tinha sido o dele, e disse-lhe: “Meu carotenente-coronel, sei o que lhe aconteceu nesta prisão. Voulibertá-lo desta prisão e levá-lo para o hospital.” Então,levei-o para o hospital e entreguei-o à Cruz VermelhaInternacional. 104José Ramos-Horta era um membro da Fretilin impressionado com o tratamento dado aosmembros da UDT no QG. Também lhe desagradava o tratamento que os prisioneiros recebiamno Hospital Militar de Lahane, em Díli. Alguns prisioneiros foram transferidos para o Hospital deLahane depois de serem gravemente <strong>tortura</strong>dos no QG.- 32 -


Visitei o hospital militar de Lahane. O vice-presidente daUDT, Mouzinho, e outros membros da UDT já tinham sidotransferidos para lá, incluindo Agapito Mariz, Fernando Luze Chico Oliveira. Mouzinho quase morreu do graveespancamento [que sofreu] quando se rendeu aossoldados da Fretilin em Baucau…Chico Oliveira…perdeu amaioria da sua capacidade de visão devido aespancamentos graves. *A Comissão recebeu alguns relatórios de vítimas que sofreram esse tipo de tratamento.Francisco Gonçalves disse à Comissão que um membro da Fretilin, T80, ordenou aos seushomens que o <strong>tortura</strong>ssem enquanto esteve preso no QG. Francisco Gonçalves tinha 17 anos naaltura e frequentava o décimo ano de escolaridade no liceu Dr. Francisco Machado, em Díli. Eleestudara em Moçambique e, ao regressar a Timor-Leste, em 1974, tornou-se membro do grupode juventude da UDT, o Lesval. Francisco Gonçalves não participou no movimento armado daUDT, mas a Fretilin deteve-o na Igreja de Motael a 27 de Agosto e levou-o para o quartelgeneral.A 28 ou 29 de Agosto, T80 foi à prisão e encontrou o nome de Francisco Gonçalves nalista de presos. Quando Francisco Gonçalves foi chamado para sair da cela, ouviu T80 dizer aum guarda: “Este é um playboy…de Moçambique…dêem-lhe 150 chicotadas.” FranciscoGonçalves desmaiou após 17 ou 18 chicotadas e foi levado para a sua cela. 105Félix Fátima Ximenes relatou que, a 12 de Setembro de 1975, dois membros da Fretilin, T81 eT82, detiveram-no, juntamente com António Soares, em Maubara (Liquiça) devido aos seuscartões de membro da UDT. Ambos foram levados para Díli e presos no QG durante dois meses.Ao longo do período de prisão, foram espancados pelo membro da Fretilin e antigo sargento doExército português, T83, que agia sob as ordens de T84 — a pessoa responsável por espancaros prisioneiros. A 19 de Novembro, a Fretilin transferiu-os para a prisão de Balide. 106Um membro da UDT relatou que, em Setembro de 1975, foi detido pelo comandante T85 daFretilin, em Díli, e levado para o QG, onde ele e dois outros, incluindo um chefe da polícia, foramaçoitados pelo guarda da Fretilin, T84. Depois, foi-lhes ordenado que se deitassem ao sol e seespancassem uns aos outros. 107A investigação da Comissão indica que, ao contrário da UDT, a Fretilin não privou os presos dealimentação (ver secção sobre Prisão e Tortura por parte da UDT em 1975, supra). Mari Alkatiridisse à Comissão que os membros da Fretilin e os prisioneiros comiam o mesmo:Quanto a comida, lembro-me de comer o que osprisioneiros comessem. Comíamos a mesma comida.Afinal, a comida vinha da mesma cozinha. 108No seu depoimento à Comissão, Mari Alkatiri disse que a Fretilin também deteve membros dopróprio partido no QG, a partir de cerca de Outubro, tendo estes sido detidos pelos excessoscometidos no conflito interno e no seu rescaldo. 109Comarca de BalideA partir de meados de Setembro, a Fretilin começou a utilizar a prisão portuguesa principal, emBalide (Díli), conhecida como a Comarca. 110 A Fretilin prendeu ali cerca de 390 prisioneiros,incluindo membros da UDT e da Apodeti.*José Ramos-Horta, Timor Leste Amanhã Em Díli, pp. 107-113. No mesmo livro e nas mesmas páginas, Ramos-Hortaescreveu que, quando foi almoçar a casa de Nicolau Lobato, lhe disse o que acontecia nas prisões. Disse-lhe que aquelaprática tinha de acabar, senão convidaria delegados do CICV e jornalistas estrangeiros para a denunciar. Antes disso,Ramos-Horta soube que o segundo-sargento e o vice-comandante da Fretilin haviam espancado Maggiolo Gouveia eVictor Santa.- 33 -


Testemunhos recebidos pela Comissão indicam que os prisioneiros presos na Comarca eramtrazidos de vários distritos, incluindo Díli, Liquiça, Aileu e Ermera. * Lamberto Ximenes disse àComissão que ele e outros civis foram presos por forças da Fretilin em Leimea Leten (Atsabe,Ermera). Foram obrigados a trabalhar, construindo uma estrada durante três dias, eposteriormente enviados para a Comarca, em Díli, onde permaneceram até à invasão indonésiade Díli, a 7 de Dezembro. 111Um depoimento recebido pela Comissão refere que dois prisioneiros estiveram detidos durantedois meses no QG, antes de serem transferidos para a Comarca, a 19 de Novembro. Lá,juntaram-se a membros responsáveis da Apodeti que tinham previamente estado detidos emAileu, incluindo Arnaldo dos Reis Araújo, António da Silva, Mahrus Alkatiri, José António dosReis, José Gastão Melo Araújo, Hermínio da Costa Silva, Ernesto e Frederico Almeida dosSantos. 112 Frederico Almeida dos Santos disse à Comissão que esteve preso no Museu, junto aoPalácio do Governo, em frente ao mar, antes de ser transferido para Aileu com 12 outros, e foifinalmente enviado para a Comarca, em Balide, a 20 de Outubro de 1975, sob as ordens deT86. 113A Comissão não encontrou prova de abusos, <strong>tortura</strong> ou outros tipos de tratamento cruelperpetrados contra prisioneiros da Comarca pertencentes à UDT ou à Apodeti. Anselmo dosSantos, um antigo prisioneiro da Comarca, descreveu as condições:AileuNa prisão de Balide estávamos guardados por quatroguardas da Fretilin e um comandante chamado [Filomeno]Gomes, de Atsabe. Ele era um bom homem. Ficámospresos na prisão de Balide entre Setembro e Dezembro[de 1975]. Trabalhávamos todas as manhãs, depois dopequeno-almoço. Varríamos ou fazíamos outros trabalhos,como cavar a terra ou cortar erva em Caicoli [uma área deDíli situada atrás da prisão].No início, tínhamos batatas doces, pão e café ao pequenoalmoço.Também almoçávamos e jantávamos. Mas àmedida que o mês de Novembro avançava, a situaçãotornou-se desesperante. Os abastecimentos de víverestrazidos de leste secaram e as batatas doces de Ermeraacabaram. Ficámos à espera de morrer. De manhã,podíamos beber o café que quiséssemos, mas semcomida. Ao almoço, comíamos apenas legumes e omesmo ao jantar. Os víveres tinham acabado e estasituação manteve-se até ao final de Novembro. 114Aileu era a principal base da Fretilin. Tinha dois centros de detenção principais: a Companhia,em Aisirimou (as casernas militares de que a Fretilin tomou posse), e um grande armazém decafé. A Fretilin prendeu os líderes de partidos da oposição na Companhia e enviou os membroscomuns do partido para o armazém. 115 Os dois centros de detenção continham prisioneirosprovenientes do distrito de Aileu e de outras regiões. A Comissão recebeu relatórios de abusos e<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> dos presos nestes centros.Amélia Mesquita disse à Comissão que ela e oito membros da sua família estiveram entre osprimeiros a ser presos do armazém de café de Aileu. Amélia Mesquita e a sua família eram*Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Anselmo dos Santos, no suco de Vaviquina, Maubara, Liquiça, 9 de Março 2004. Anselmo dosSantos foi detido em Maubara e preso inicialmente no QG, sendo depois transferido para Balide. Anselmo dos Santoscalcula que 64 dos 390 presos de Balide fossem de Maubara. Todos sobreviveram e regressaram a Liquiça depois de osmilitares indonésios derrotarem a Fretilin nesse local.- 34 -


agricultores do suco de Seloi-Malere, em Aileu. Em Agosto de 1975, um grupo de homens daFretilin armados com setas e lanças chegaram à sua aldeia e detiveram-na, à sua mãe Lourençada Costa, e ao seu pai, Carlos de Araújo, enquanto estavam na plantação de café da família;também detiveram seis outros parentes de Amélia, dois dos quais mulheres. A Fretilin deteve-ossob a suspeita de esconderem armas, o que o pai de Amélia negou. Foram arrastados pela rua,amarrados e espancados. O tio de Amélia foi amarrado ao poste de uma bandeira e espancadoaté sangrar. *Rafael Nascimento disse à Comissão que a Fretilin o deteve no seu suco, em Aileu, tendo sidoamarrado a outro preso, Martinho, e com ele preso no armazém de Aileu. Afirmou que T87 oagrediu na cabeça com um capacete, provocando-lhe ferimentos graves † e que não recebeutratamento médico, apesar de ter a cabeça gravemente ferida. 116Outros locais foram utilizados como centros de detenção ad hoc mais pequenos em Aileu. Nosubdistrito de Laulara, a Comissão tomou conhecimento de várias pessoas terem sido presas nosuco de Unmenlau. Domingos da Silva Soares contou como o seu amigo Afonso Mesquita (ummembro da Fretilin) foi detido no suco de Boklelo, a 19 de Agosto por um comandante da Fretilin,T88, juntamente com os seus homens, e levado para o suco de Unmenlau. Ele conseguiu fugir,mas o seu pai, que tinha ido à procura dele, foi preso e morto. Segundo Domingos Soares, todosos membros da comunidade de Boklelo foram então amarrados e caminharam até Unmenlauporque eram suspeitos de esconderem um foragido chamado Marçal. Os membros dacomunidade foram libertados depois de serem interrogados. 117ManufahiManufahi foi outro distrito que assistiu a choques intensos durante o movimento armado da UDTe novamente durante a reacção armada da Fretilin. A 27 de Agosto de 1975, tropas da Fretilinatacaram e tomaram Same (Manufahi), obrigando tropas da UDT a retirar para a regiãooriental. 118 A Fretilin capturou e prendeu vários membros da UDT e da Apodeti que nãoconseguiram fugir. Deteve-os temporariamente na escola primária de Same, antes de ostransferir para a prisão de Same. 119 Mais pessoas foram detidas em Same durante Setembro de1975.A Comissão obteve depoimentos das vítimas afirmando que a Fretilin abusou fisicamente,torturou e tratou os prisioneiros de forma cruel na prisão do subdistrito, em Same.Moniz da Maia foi um dos presos desta prisão e disse à Comissão que a Fretilin o deteve eprendeu temporariamente na escola primária quando tomou Same. Moniz da Maia disse tersofrido abusos às mãos de soldados da Fretilin na altura da detenção e posteriormente, naprisão do subdistrito, tendo perdido a consciência duas vezes. Disse, em depoimento àComissão:Quando fomos para a cidade assistir à chegada das tropasda Fretilin, eles [as tropas] disseram: “Olhem para ele.”Depois, vieram todos para junto de mim e espancaram-meaté eu desmaiar. Eu conheci um dos soldados, T34,quando estivemos em Díli. Ele levantou-me e levou-mepara a escola. Depois, começaram a chegar outrospresos, incluindo Celestino Soares. ‡*Amélia Mesquita disse que os seis parentes eram: Domingas Mendonça, Sara de Araújo, Aleixo, Serkoli, Romaldo eAntónio.†Outros antigos presos, nomeadamente João da Costa e Assis dos Santos, confirmaram que T87 espancava e <strong>tortura</strong>vafrequentemente outros presos em Aileu.‡Celestino Soares era secretário regional da Apodeti em Same. Um soldado da Fretilin matou-o a tiro [ver Homicídio deCelestino da Silva pela Fretilin, no subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados].- 35 -


Certo dia, T90, um ministro da Fretilin, visitou a prisão,mandou os prisioneiros saírem e espancou-os, um a um,com um ramo. Ficámos todos feridos e eu desmaiei. Nodia seguinte, T91, um membro da CCF, entrou com umaG3 nas mãos e disse aos presos para saírem para seremespancados. Eu recusei-me a sair porque ainda sentiadores do espancamento anterior. Disse a T91: “Por quenão me matas? Eu não saio.” Os outros prisioneiros foramlevados lá para fora, espancados e depois mandadosregressar às suas celas. Então, T92, um amigo de T91,veio à minha cela, agrediu-me com um pilão de arroz e eudesmaiei. T92 pensou que eu estava morto, por issomandou os guardas largarem o meu corpo numaplantação de café. Depois foi-se embora. Sobrevivi, com aajuda de Deus.Numa cerimónia de hastear a bandeira, os guardaslevaram 11 de nós e disseram-nos que marchássemosrumo à morte. Mas depois Mau Hunu mudou de ideias edisse: “Se os matarmos, quem vamos governar quandoformos independentes? Vamos governar árvores epedras?” Assim, não nos mataram. Em vez disso,puseram-nos novamente na nossa cela…A Fretilin pediu a toda a gente da comunidade local para irà prisão do subdistrito para uma audiência de JustiçaPopular. Depois, ordenaram aos prisioneiros que saíssemdas celas um a um. A Fretilin levou os prisioneirosacusados de crimes graves para Aileu. António Cepedaera o líder da Fretilin nessa altura. Era a minha vez deenfrentar a justiça popular. Eu estava inocente, por isso aspessoas ficaram em silêncio. Mas um outro homemprovocou-as, dizendo: “Diz-nos que ele te bateu!” Mas aspessoas recusaram-se a fazê-lo, excepto uma que disse:“Ele praguejou contra o meu avô.” Eu levantei as mãos,mas mantive-me em silêncio. Então, levaram-me paraAileu só porque eu tinha praguejado contra o avô dele. 120A Comissão recebeu depoimentos a descrever detenções praticadas pela Fretilin de membrosda UDT que haviam fugido da região oriental de Same. Os prisioneiros foram levados de voltapara Same e presos na prisão do subdistrito e, aquando da detenção, sofreram abusos físicos e<strong>tortura</strong>. Uma vítima, João da Costa, disse à Comissão que tropas da Fretilin abusaram dele e otrataram de maneira cruel, bem como a outros membros da UDT, no caminho entre Venilale(Baucau), onde tinha sido capturado, e Same. João da Costa falou à Comissão sobre otratamento que a Fretilin dava aos prisioneiros na prisão do subdistrito: 121- 36 -


Na prisão do subdistrito, eles [Fretilin] levam-nos lá parafora de tarde e diziam-nos para nos espancarmos uns nosoutros. Os prisioneiros batiam noutros prisioneiros.Primeiro, levaram os meus dois irmãos mais velhos,cortaram ramos de um cafeeiro e disseram-lhes para seespancarem um ao outro. Era como uma luta de galos etodos estavam em redor a assistir. Os ramos partiram-seem pedaços e os guardas espancaram-nos antes de noslevarem de volta para as celas. Eu tive de lutar contra omeu próprio primo, José Tilman. Bati-lhe até ele cair nochão. Depois, os guardas espancaram-nos novamente.Eles espancavam-nos todos os dias. Passámos um mêsem Same antes de sermos levados para Aileu.Os que ficaram presos na prisão do subdistrito foram levados para Aisirimou, em Aileu, no iníciode Outubro de 1975.ErmeraO número mais elevado de prisões praticadas pela UDT em 1975 ocorreu no distrito de Ermera.Quando as forças da UDT entraram em Ermera, a Fretilin reagiu da mesma maneira e aComissão recebeu muitos relatos de prisões levadas a efeito no período entre Agosto eSetembro de 1975, sobretudo nos subdistritos de Railaco e de Ermera. A Fretilin prendeumembros da UDT e da Apodeti em edifícios anteriormente utilizados pela UDT para deterprisioneiros pertencentes à Fretilin, nomeadamente o armazém de Aifu (ver secção “Prisão e<strong>tortura</strong> por parte da UDT em 1975”, sobre os centros de detenção do distrito de Ermera). Muitosprisioneiros foram directamente transferidos para o distrito vizinho de Aileu. 122 Várias fontesrelataram à Comissão que os prisioneiros de Ermera associados à UDT e à Apodeti sofreram<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> às mãos dos soldados da Fretilin que os detiveram e prenderam. Os seguintesrelatos apresentados à Comissão são exemplos de abusos físicos e outros tipos de tratamentocruel e desumano de presos:- 37 -


• Pedro Madeira, um membro da UDT de Matata (Railaco, Ermera), disse que foi preso a20 de Agosto pelo membro da Fretilin T94 e levado para Railaco, onde ficou presodurante cerca de três meses. Disse que, enquanto esteve preso, foi pontapeado eespancado com a coronha de uma espingarda. Depois, foi transferido para Aileu, ondeficou durante três dias, antes de ser libertado. 123• A Comissão tomou conhecimento de que o subdistrito de Adão Ex foi tomado pelosmembros da Fretilin T95, T96 e T97, que o espancaram brutalmente e o levaram paraAileu, onde foi interrogado pelo presidente da Fretilin, antes de ser levado de volta paraRailaco e preso. 124• Lamberto Ximenes disse à Comissão que participou no movimento armado da UDT emDíli e depois fugiu para o seu suco, Leimea Leten (Atsabe, Ermera). Disse que, a 20 deAgosto, a Fretilin deteve-o juntamente com muitos civis, que eram membros da UDT, eos obrigou a construir uma estrada durante três dias. Lamberto foi posteriormentetransferido para a Comarca, em Díli. 125• Domingos da Silva, um membro da UDT, falou sobre a prisão de três membros da UDTem Loro Hou, no suco de Lisipat (Letefoho, Ermera) pela Fretilin. Eles foram levadospara Tali Koto, onde um foi morto e outros dois, Lino e Maubere Kohe, foram presos. 126• José Dofan disse no seu testemunho que, em Setembro de 1975, T99, um simpatizanteda Fretilin, deteve o seu cunhado Feliciano (não foi mencionado o apelido) e a mãedeste, Soe Leki, em Bernukera, (Railaco, Ermera). Ambos ficaram presos durante umanoite no quartel-general da Fretilin, onde Feliciano foi espancado e depois amarrado earrastado pelo chão até sangrar. As costas da sua mãe ficaram magoadas. No diaseguinte, foram levados para Maumeta, no suco de Seloi (Aileu), onde foram mortos atiro. 127• Um soldado da UDT foi detido e preso por forças da Fretilin sob ordens do ComitéRegional de Ermera. Enquanto esteve aprisionado em Ermera, foi espancado por T100 eT101. 128• Felisberta de Jesus disse à Comissão que, no início de Setembro de 1975, o seu marido,António Ximenes, que era membro da UDT, rendeu-se ao secretário do Comité Regionalde Ermera, Florentino de Jesus Martins. António Ximenes rendeu-se em Erusa, no sucode Talimoro (Ermera, Ermera), e a Fretilin levou-o posteriormente para o suco deHumboe (Ermera, Ermera), onde o deteve durante seis dias. Segundo Felisberta deJesus, durante este tempo, o seu marido foi espancado, pontapeado, atirado para ochão e arrastado até sangrar por três membros da Fretilin, T102, T103 e T104. A 17 deSetembro, António Ximenes foi novamente detido pela Fretilin no suco, juntamente comquatro outros membros da UDT, e desapareceu. 129António da Silva Barreto, membro da UDT na altura, falou à Comissão sobre a sua detenção, noinício de Setembro de 1975:- 38 -


Em 1975, eu era militante do partido UDT. Quando ocontragolpe ocorreu, a 20 de Agosto, a UDT nãoconseguiu opor-se e os líderes fugiram todos paraAtambua…juntamente com a maioria da população dePoerema, que era da UDT. Eu não fugi. Em Setembro, olíder da Fretilin em Ermera, Pedro Gonçalves Lemos,mandou-me ir a Fatubolu [Hatulia, Ermera] para ir buscaruma arma a Napoleão. Quando cheguei aos degraus daIgreja de Ermera, fui capturado por T105 e por forças daFretilin de Aileu e Maubisse. Eles amarraram-me as mãosatrás das costas e usaram uma baioneta, mas eu não caí.Depois, deram-me murros e pontapés e espancaram-me,mas eu não caí. Então, eles agarraram num catana eatingiram-me no crânio e eu sangrei muito. Eles iam levarmepara longe para me matarem, mas os líderes daFretilin de Ermera, Manuel Barreto e o comandante Teky,chegaram e salvaram-me. Eles levaram-me para ohospital para tratar a minha cabeça. Quando recuperei,levei a população de Fatubolu até Ermera, para serender. 130No entanto, este gesto não protegeu António Barreto de mais suspeitas e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. EmSetembro de 1975, quando as forças indonésias se infiltraram em Aifu (Ermera, Ermera), AntónioBarreto e os seus amigos Mau Talo, Alberto da Silva e Mau Sama foram detidos pela Fretilin sobsuspeita de ajudarem os indonésios. Os quatro foram levados para Fatubesi, onde foraminterrogados pelos líderes da Fretilin T106, T107 e T108. Durante o interrogatório, forambrutalmente açoitados com um chicote e depois ficaram presos em Fatubesi durante seismeses. 131 A Comissão tomou conhecimento de vários outros locais utilizados para prenderpessoas no distrito de Ermera, incluindo prisões em Raimerhei, em Talimoro e em Raimea(Ermera, Ermera). Pessoas anteriormente presas nesses locais também relataram ter sofridotratamento cruel às mãos dos seus captores da Fretilin. 132AinaroMembros da UDT e da Apodeti presos no distrito de Ainaro ficaram detidos em vários locais erelataram ter sofrido <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> no momento da detenção e enquanto estiveram presos. Oscentros de detenção eram, nomeadamente, no suco de Aituto, em Hatu-Builico, nos quartéisgeneraisda Fretilin em Maubisse e em Aimegudo (Hatu-Builico). 133 Vários antigos presos dodistrito de Ainaro relataram ter sofrido <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>.Um antigo membro da UDT disse à Comissão ter sido capturado na vila de Ainaro em 1975 (mêsdesconhecido), por um membro da Fretilin, T109, e os seus homens, sob as ordens de umdelegado da Fretilin chamado T110. Disse que foi detido e <strong>tortura</strong>do porque suspeita de termorto um membro da Fretilin. 134BaucauEm Baucau, a Fretilin também utilizou os edifícios anteriormente utilizados pela UDT paraprender pessoas. A prisão principal era a Descascadeira (um edifício utilizado para descascarcoco, café, arroz e outras culturas com grão) em Bahú, na área central da cidade de Baucau. 135A Comissão também tomou conhecimento de prisioneiros feitos pela Fretilin serem mantidos noquartel-general do partido no subdistrito de Vemasse. 136A Comissão tomou conhecimento de que membros da Fretilin em Baucau reagiram aomovimento armado da UDT de forma vingativa. A Fretilin atacou a Pousada, que havia sido- 39 -


utilizada pela UDT para prender e <strong>tortura</strong>r membros da Fretilin. Depois, prendeu líderes da UDTe da Apodeti na Descascadeira, incluindo os membros da UDT Manuel Belo, Laurentino Gusmãoe José Viana Freitas, o líder da Apodeti Maurício de Andrade Freitas, Clementino dos ReisAmaral e o chefe do suco, José Piter. Os presos foram brutalmente esbofeteados epontapeados. 137Clementino dos Reis Amaral disse que, depois de assumir o controlo, a Fretilin aprisionou quasetodos os chefes de suco e de subdistrito que, na área de Baucau, eram na sua maioria apoiantesda UDT. Clementino Amaral disse à Comissão que a Fretilin o aprisionou juntamente com cercade 170 pessoas:Fiquei aprisionado durante mais de 100 dias. Na prisão deBaucau existiam mais de 170 pessoas, todas aprisionadasjuntas. Havia pessoas importantes de Baucau: o liurai, oschefes dos sucos. As pessoas importantes foram todaspresas lá porque, naquela altura, os chefes dos sucos deBaucau eram todos da UDT. Por causa disso, fomos todosaprisionados. Pode-se dizer que algumas pessoaspraguejavam, outras espancavam pessoas, tudo issoacontecia. 138José Viana Freitas falou sobre os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> que sofreu enquanto esteve preso pela Fretilin noseu depoimento à Comissão:A 20 de Agosto de 1975, em Naulale, no suco de Uatu-Lari[Vemasse, Baucau] eu estava com o meu pai, Pedro VianaFreitas, a minha mãe Ana Maria da Costa, a minhamulher, Helena, e os meus irmãos mais novos, DomingosViana e Abel Viana [todos membros da Apodeti]. A Fretilinveio e deteve-nos às 6 horas da tarde. Havia sete pessoasda Fretilin…[com espingardas] mas eu só conhecia umadelas, T113. Eles vieram a nossa casa com as suasarmas, chamaram-nos e levaram-nos para o quartelgeneralda Fretilin em Baucau. Eles não fizeram nada naviagem. Limitámo-nos a andar até ao Hotel Flamboyan [aPousada] Baucau, onde chegámos às 11 horas da noite.Lá, um líder mandou-nos dormir. Na manhã seguinte,fomos levados para a Descascadeira. Havia muitaspessoas presas lá, 160, todos homens. Eu só conheciaClementino dos Reis Amaral. Os líderes não nosespancaram, mas quando se foram embora, outrosmembros da Fretilin bateram-nos nas costas com bastõesde madeira e com armas. Eles espancaram-nos a todos,quer fossemos da Apodeti ou da UDT.Ficamos lá presos durante [quatro] meses e, durante essetempo, fomos sempre espancados. Mas tínhamos bebidasuficiente e comíamos três vezes por dia, incluindo carnede búfalo e feijões encarnados. 139A Comissão também tomou conhecimento de prisioneiros do distrito de Viqueque serem levadospara Baucau e colocados numa “pequena casa de banho” (ver secção sobre Viqueque,adiante). 140- 40 -


LautémHouve relativamente poucas prisões no distrito de Lautém. As comunidades do distrito relataramvários níveis de violência. Por exemplo, no suco de Mehara (Tutuala, Lautém), que era um sucoafiliado na Fretilin, a situação voltou ao normal quando a Fretilin assumiu o controlo. * Outrossucos relataram que os seus habitantes que apoiavam a UDT foram detidos, mas em Díli, paraonde tinham ido para participar na luta. 141A Fretilin tomou o quartel-general da Companhia dos Caçadores 14, que a UDT tinha utilizadopara prender os prisioneiros pertencentes à Fretilin, e prendeu lá membros da UDT e da Apodeti.Edmundo da Conceição Silva, o líder da Apodeti no subdistrito Moro, Lautém, disse à Comissãoque alguns prisioneiros passaram seis meses no quartel-general da Companhia. 142 Outrosprisioneiros foram levados para Díli pela Fretilin, incluindo o sargento Cárceres, Sinanis e Marão,entre outros. 143Segundo relatos, alguns presos em Lautém foram maltratados. A comunidade de Bauro relatouque os seus membros associados à UDT, incluindo Pedro Amaral e Serafim dos Santos Pinto,foram detidos pela Fretilin. Eles foram brutalmente espancados e obrigados a trabalhar noscampos de arroz. 144Os presos em Lospalos fugiram depois da ofensiva militar indonésia no início de 1976.LiquiçaOs centros de detenção da Fretilin no distrito de Liquiça incluíam os do suco de Leotela, do sucode Leorema, do quartel-general principal da Fretilin em Fatumetafu (Maubara), e em Belavista, edo suco de Gugleur (Maubara). 145 Vários antigos presos destes locais disseram ter sofridotratamento cruel, incluindo espancamentos brutais, serem despidos e obrigados a dormir naareia durante cinco noites, até estarem cortados e com contusões.Entre os exemplos de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>, encontra-se o de Cosme da Silva Afonso, do suco deGugleur (Maubara), que disse no seu depoimento ter sido detido em Agosto de 1975 por umcomandante da Fretilin e os seus homens por ser comandante da UDT. Cosme Afonso disse quelhe confiscaram 30 das suas vacas, bem como sacas de arroz, e o levaram para Nunupuroubu,no suco de Gugleur, onde foi interrogado e depois libertado. Pouco depois, dois comandantes daFretilin e os seus homens detiveram-no novamente, levaram-no para a Base 2, em Kakaegoa, nosuco de Leotela, onde o mantiveram durante sete dias. Cosme da Silva ficou preso num buracocom quatro metros de profundidade e todos os dias recebia apenas um pedaço de mandiocapara comer. Durante o dia, era obrigado a trabalhar, carregando madeira e recolhendo água.Passada uma semana, foi transferido para um centro de detenção em Cailaco (Bobonaro), ondeficou por mais três meses. Por último, foi levado para Nunulisa, no suco de Gugleur, ondepassou a noite num buraco. Não relatou ter sofrido abusos físicos enquanto esteve preso. 146Marcos Borges, que era membro da UDT e tinha lutado contra a Fretilin em Díli, falou àComissão sobre a sua prisão em Setembro de 1975. Ele havia fugido de Díli para o distrito deErmera com um grupo de membros da UDT, incluindo os líderes João Carrascalão e JoãoBosco. Marcos Borges disse que, depois de ser capturado pela Fretilin, foi brutalmenteespancado e que, depois, os seus captores tentaram matá-lo com um catana e uma lança. Eleficou preso em Leorema durante duas noites. 147*Perfil Comunitário da <strong>CAVR</strong> do suco de Mehara, subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém, 27 de Novembro de 2002. Acomunidade de Barikafa também relatou que o suco era pacífico em 1975, <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco deBarikafa, subdistrito de Luro, distrito de Lautém, 9 de Setembro de 2003.- 41 -


166. Cecílio dos Santos disse à Comissão que tomava conta do rádio na base da Fretilin, masos comandantes suspeitavam que ele fosse espião. Levaram-no para o quartel-general daFretilin em Fatumetafu, onde foi brutalmente espancado com um chicote de pele de búfalo. 148ViquequeAgusto Ximenes descreveu como o comandante da Fretilin Nicolau Lobato liderou a reacçãoarmada da Fretilin no distrito de Viqueque. Agusto Ximenes disse que um comandante daFretilin, T115, deteve líderes da UDT em Carau-Balu (Viqueque, Viqueque), nomeadamenteMateus Soares, António Pinto, Domingos Sousa e Domingos Lekiloik, entre outros, bem comocerca de 20 outros membros da UDT. 149Alguns prisioneiros de Viqueque podem ter sido levados para Manatuto e muitos foram levadospara a prisão em Baucau. * Entre estes, encontravam-se líderes do partido Apodeti e do partidoTrabalhista. Paulo Freitas, o presidente do partido Trabalhista, foi detido na sua casa em Ossu.Paulo Freitas disse à Comissão:De repente, soubemos que tinha havido umcontragolpe…As forças da Fretilin chegaram, agarraramnose levaram-nos para a prisão…Chiquito Osório eJaime, que já morreu e era o administrador de Viqueque.As tropas (Apodeti) deles eram de Laclubar…Os doisfugiram para Ossu e esconderam-se em minhacasa…depois, a Fretilin chegou e deteve-nos. Eleslevaram-nos aos três. Levaram-nos de noite para a prisão.Paulo Freitas explicou como os três foram levados para Baucau por tropas da Fretilin, queprenderam cinco ou seis prisioneiros numa pequena casa de banho. Paulo Freitas disse que osprisioneiros que ali estiveram foram trazidos de Ossu (Viqueque), Baucau, Quelicai e Laga(todos subdistritos de Baucau). 150ManatutoA Comissão recebeu prova de a Fretilin ter prendido membros da UDT e da Apodeti no distritode Manatuto, durante a reacção ao movimento armado da UDT, incluindo no quartel-general daFretilin em Manatuto, no suco de Leikala (Lacló, Manatuto), e em Welihumetan (Lacló,Manatuto), no quartel-general da Fretilin em Soibada e em Konte Tatoli (Manatuto, Manatuto). 151Testemunhos provenientes de Manatuto indicam que a maioria dos presos do distrito nãosofreram abusos físicos, mas eram frequentemente utilizados como mão de obra forçada. Oquartel-general da Fretilin situava-se na cidade de Manatuto. Sebastião Almeida disse àComissão que foi preso lá em 1975 por suspeita de ser membro da UDT e que viu muitospresos, mas apenas reconheceu João Batista Braz, Luís Pereira e Domingos Sousa. Elesficaram presos até os militares indonésios invadirem Manatuto, no início de 1976, e SebastiãoAlmeida fugiu com as Falintil. Disse que não foi maltratado, mas teve de trabalhar todos os dias,cultivando a terra. 152O subdistrito de Lacló foi palco de violentos confrontos entre a Fretilin e a UDT no início deSetembro de 1975, levando a mais mortes do que prisões. Manuel Nunes Soares, membro daUDT em Lacló, disse à Comissão que, no final de Agosto, tomou conhecimento de forças daFretilin em Remexio (Aileu) estarem a caminho para o capturar e a Pascoal Bernardo, outromembro da UDT. Ambos fugiram e, enquanto estiveram ausentes, todos os seus bens, incluindo*O testemunho nº 6502 da HRVD menciona Domingos Soares em Manatuto.- 42 -


o seu gado, foram roubados por membros da Fretilin. Manuel Nunes Soares disse que, a 5 deSetembro, depois de várias mortes na área, Pascoal Bernardo apresentou-se no posto decomando da Fretilin em Fatu Butik e foi preso. Dois dias depois, foi morto. Manuel Nunes Soaresfoi capturado com um comandante da Fretilin a 12 de Outubro. O comandante da Fretilin T117manteve-o preso na lavandaria (Lacló) até 28 de Outubro. Durante esse período, foi espancadoe pontapeado. 153BobonaroEm algumas áreas de Bobonaro, como o suco de Lourba (Bobonaro, Bobonaro), as comunidaderelataram não ter havido conflito partidário. Em Setembro, a Fretilin estava preocupada emdefender os sucos de ataques militares indonésios. 154Contudo, a Comissão tomou conhecimento de um centro de detenção na cidade de Bobonaro,onde várias pessoas foram presas depois de serem capturadas em vários locais em redor dodistrito. Um membro da UDT forneceu um relato da ocasião em que foi preso por um membro daFretilin, T121, em Ritabou (Maliana, Bobonaro), dizendo que T121 o espancou com umaespingarda Mauser, o amarrou com corda e o levou para o subdistrito de Bobonaro, onde ficoupreso durante dois meses, tendo sido libertado depois da invasão militar indonésia. 155Um capitão da Segunda Linha, que também era soldado da UDT, foi capturado pela Fretilin nosubdistrito de Cailaco (Bobonaro) enquanto tentava fugir de Ermera para Timor Ocidental,durante o mês de Setembro. Foi levado para Bobonaro e preso durante duas noites, antes de serlevado novamente para o distrito de Ermera. 156Também se verificaram algumas prisões no subdistrito de Lolotoe. Joana Afonso relatou acaptura do seu marido, João Pereira, quando a Fretilin atacou a cidade de Lolotoe. SegundoJoana Afonso, ele foi levado para a sede do suco, em Lontas (Lolotoe), por membros da Fretiline nunca mais voltou. 157 No seu depoimento, Mariano Leite disse que, em 1975 (mêsdesconhecido) o seu tio, Rafael Maria, e dois dos seus amigos, Geraldo Pereira e Mariano, deLolotoe, foram detidos pela Fretilin sob suspeita de serem espiões da UDT, tendo sido levadospelos soldados para Mapeo, no suco de Sibuni (Lolotoe), onde foram amarrados e espancados;dois soldados da Fretilin cortaram a orelha direita de Rafael Maria. Acrescentou ainda que aFretilin manteve os três presos no posto de comando de Manil Molop e obrigou-os a cozinhar e aservir comida aos soldados da Fretilin durante quase um ano. 158Armania Borges disse à Comissão como o seu irmão, Santano Berlelo, e o seu filho, AngelinoBotu-Mail, foram detidos em sua casa e levados para o suco de Genulai. Só Angelino regressou,depois de fugir da prisão. 159Entre os centros de detenção da Fretilin no distrito de Bobonaro encontrava-se a prisão deMaliana, a sede do suco de Lontas (Lolotoe), Tapp-Dirihun (Atabae) e o posto de comando deManil Molop. 160Período da administração FretilinA partir de finais de Setembro de 1975, a Fretilin assumiu o controlo sobre o território de Timor-Leste e começou a criar uma administração, ao mesmo tempo que procurava conseguir que aadministração colonial portuguesa regressasse da Ilha de Ataúro. Muitos líderes e apoiantes daUDT fugiram para a Indonésia. A Fretilin prendeu os membros da UDT que tinha capturado naluta e continuou a deter adversários. No início de Outubro, a Apodeti também se tornou alvo dasdetenções da Fretilin em Díli. As violações dos direitos humanos, incluindo <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>,continuaram. Membros da Fretilin que haviam sido detidos sob suspeita de espiarem, ou decometerem outras infracções, também foram presos.- 43 -


Contudo, Mari Alkatiri disse à Comissão que a Fretilin se preocupava com o bem-estar dos seusprisioneiros e que o Comité Central formou uma comissão especial para reflectir sobre a situaçãodos que se encontravam presos nas prisões da Fretilin, enfatizando que a Fretilin autorizou oacesso total do Comité Internacional da Cruz Vermelha às suas prisões e que começou a libertarpresos no início de Outubro. 161Detenção contínua de apoiantes da UDTAssim que começou a controlar o território, a Fretilin continuou a deter e a prender adversáriospolíticos. Alguns exemplos desde período incluem:• Anacleto do Nascimento falou sobre a sua captura no suco de Matai (Maukatar,Covalima), a 14 de Outubro de 1975, pelos membros da Fretilin T801, T802, T803, T804e T805, por ser membro da UDT. Foi amarrado a um pedaço de maneira durante umanoite e, na manhã seguinte, foi levado para o escritório da Fretilin em Matai, onde foisocado no peito com a coronha de uma espingarda e esfaqueado. Ficou com ossospartidos e vomitou sangue. Ficou preso durante três meses. 162• Alguns antigos prisioneiros da Fretilin no distrito de Manatuto relataram ter sofrido <strong>maus</strong><strong>tratos</strong>.Saturnino Sarmento, por exemplo, que se descreveu como civil (não filiado),contou como ele e os seus filhos, Cristiano, Óscar e Armindo, foram presos em Leikala(Lacló, Manatuto) em 1975 (mês desconhecido) por um membro da Fretilin chamadoT806, sob ordens do comandante da Fretilin T807. Foram levados para Leikalaimediatamente após a sua detenção e interrogados. As suas mãos foram amarradas eeles foram espancados com o ramo de uma árvore de tamarindo. A Fretilin manteve afamília presa durante dois meses e amarrava-lhes as mãos todas as noites. Durante odia, eles eram obrigados a cortar palmeiras de sagu e transportá-las para Leikala. 163• A Comissão ouviu Rubi Metan e tomou conhecimento de que, em Outubro de 1975, elee a sua mulher Biliba, o filho de ambos, António, e os seus irmãos mais novos, Masanake Mahare (que se descreviam como civis não filiados) foram capturados e levados paraKonte Tatoli, em Iliheu (Manatuto, Manatuto). Durante o período da sua prisão, RubiMetan foi espancado com madeira por T808, T809, T810, T811 e T812, por turnos,durante uma hora. Biliba, António e Masanak acabaram por ser enviados para Remexio,em Aileu, e nunca regressaram. Mahare foi esfaqueado no plexo solar por T812 emorreu. Rubi Metan ficou preso por mais dois anos com outros presos que erammembros da Fretilin, incluindo Sico Loi e João Manrui, e eram obrigados a trabalhartodos os dias, nomeadamente em campos de arroz ou a cortar palmeiras de sagu. 164A Comissão ouviu um membro da UDT que foi detido depois de voltar de Timor Ocidental, paraonde tinha fugido durante o conflito interno. No seu depoimento, Rafael de Araújo disse queregressou para sua casa, no suco de Ritabou (Maliana, Bobonaro) no final de 1975. Foi detidopor soldados da Fretilin, incluindo T121, e espancado com uma espingarda, tendo sidoposteriormente amarrado e levado para a cidade de Bobonaro (Bobonaro, Bobonaro), onde ficoupreso durante dois meses. Foi libertado quando as forças indonésias entraram em Bobonaro. 165A prisão de apoiantes e membros da ApodetiDurante o período do conflito interno armado, líderes da Fretilin de algumas áreas perseguirammembros e simpatizantes do partido Apodeti, bem como da UDT. Por exemplo, grupos demembros da Apodeti foram detidos em Baucau a 20 de Agosto, 166 em Manufahi a 27 deAgosto 167 e em Lautém em Setembro de 1975. 168A 4 de Outubro, as operações indonésias na região ocidental aumentaram. A Fretilin levou a feitodetenções em massa de membros e simpatizantes da Apodeti no território. 169 Os presosincluíram o presidente do partido, Arnaldo de Araújo e o secretário-geral, José Osório Soares. 170- 44 -


No seu depoimento à Comissão, Mari Alkatiri disse ter ordenado estas detenções depois detomar conhecimento de um “golpe” da Apodeti para derrubar a Fretilin. 171O distrito de Oecusse havia permanecido relativamente calmo durante o movimento armado daUDT, embora testemunhas descrevam o aparecimento de tensões entre partidos políticos noinício de 1975. 172 Após a reacção armada da Fretilin e com o aumento das incursões daIndonésia nas regiões ocidentais, começaram a ocorrer choques entre a Fretilin e a Apodeti. Porexemplo, em Tumin, no suco de Bobometo (Oesilo), em 1975 (mês desconhecido), FranciscoEnas Tebbes, um apoiante da Apodeti, foi detido por uma força da Fretilin liderada por T118,tendo sido amarrado e espancado brutalmente e posteriormente levado para Oesilo, onde ficoutemporariamente detido até ser transferido para a cidade de Oecusse e foi preso por mais trêsdias. No seu depoimento, Francisco Enas Tebbes disse que, enquanto esteve preso, foiameaçado por T119, um soldado da Fretilin, esteve sempre amarrado, não recebeu qualqueralimentação e sofreu abusos físicos contínuos às mãos de dois membros da Fretilin. FranciscoTebbes conseguiu fugir durante pouco tempo, mas foi apanhado e preso durante muitos maisdias antes de ser libertado. *Arnaldo Sombiko descreveu tensões semelhantes no subdistrito de Pante Makassar, emOecusse, em 1975 (mês desconhecido), dizendo que quatro membros da Apodeti chamadosAntónio Lalus Sila, Oki Neno, Lelan Coi e Cobo Coi foram capturados no suco da Costa pelaFretilin e levados para o suco de Naimeko, onde ficaram presos durante um mês e foramobrigados a cortar erva todos os dias. 173Outros relatos de prisões de apoiantes da Apodeti apresentados à Comissão incluem:• Carolino Bere, de Samara (Hatulia, Ermera), contou como se juntou à Apodeti emAgosto de 1975 e acabou por ser preso pela Fretilin em Novembro de 1975, tendo ficadopreso durante sete meses com cerca de 70 outras pessoas na prisão de Hatulia. Foilibertado depois de a sua família prometer trazer porcos, ovos e cabras. 174• No seu depoimento, José Soares disse que, em Dezembro de 1975, quando eramembro da Apodeti, encontrava-se em Maubisse (Hatu-Builico, Ainaro) quando forçasda Fretilin lideradas por T120 atacaram e prenderam 150 pessoas, que foram colocadasnum armazém de café vazio no suco de Aitule, onde foram espancadas com madeira earmas e obrigadas a construir uma estrada. José Soares disse que não lhes foi dadaalimentação nem água. 175Em Díli, um pequeno número de presos pertencentes à Apodeti foram mantidos no QG, emTaibessi. † Muitos outros ficaram presos na Comarca e a Fretilin também tomou posse do Museua 4 de Outubro de 1975, com o objectivo específico de lá manter prisioneiros pertencentes àApodeti. Segundo Luís António de Aquino Caldas, os prisioneiros do Museu incluíam FernandoJosé Osório Soares, o secretário-geral da Apodeti, que foi capturado com sete dos seus homensjunto à praia de Areia Branca quando regressava de um piquenique. 176 Frederico AlmeidaSantos, outro membro da Apodeti preso pela Fretilin, recordou:Primeiro, levaram-nos para o Museu. A porta ainda estavafechada e T83 abriu-a. Ele mandou-nos entrar e depois aFretilin deteve outras pessoas. 177*HRVD, Testemunho nº 9058. Bobometo foi o local de um massacre de apoiantes da Apodeti pela Fretilin em 1975 [versubcapítulo sobre Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados].†Por exemplo, Abílio Amaral disse que era membro da Apodeti e foi detido em Díli a 6 de Outubro de 1975 por umacarrinha da Polícia Militar (Unimog) na Alfândega (Díli). Ele foi levado para o QG e, no caminho, um dos soldadospontapeou-o e bateu-lhe no estômago com uma carabina até ele estar coberto de sangue. Quando chegaram à prisão,Rogério Lobato mandou os soldados pararem de lhe bater. HRVD, Testemunho nº 03361-01.- 45 -


A Comissão recebeu depoimentos a indicar os nomes de quatro outras pessoas que forampresas no Museu pela Fretilin: Armando Suriano, António dos Santos, José dos Santos e Assisdos Santos. Os quatro ficaram presos até à invasão indonésia, excepto José dos Santos, queficou doente e foi libertado. *Deslocação dos presos entre centros de detençãoDurante este período, os presos eram deslocados entre centros de detenção ou libertados. Estasdeslocações ocorriam quando a Fretilin levava líderes principais da UDT para grandes centrosde detenção em Díli ou em Aileu, ou posteriormente, aquando da retirada da Fretilin face àsforças indonésias invasoras. A Fretilin deslocou presos de Ermera, Viqueque e Maubisse paraAileu. †A Comissão tomou conhecimento de que os presos da prisão do subdistrito de Same foramtransferidos para Aileu no início de Outubro, embora a razão para esta transferência sejaincerta. 178 Bento Reis era prisioneiro em Same e foi transferido para Aileu. Bento Reis disse àComissão:Fomos transferidos de Same para Aileu e, quandochegámos a Aileu, éramos aguardados por tropas daFretilin e civis. Saíamos da carrinha um a um. À esquerdae à direita, havia pessoas com pedaços de madeira eoutras armas. Elas espancaram-nos quando saímos dacarrinha. Alguns de nós caíram no chão com a cabeçapartida, feridas ou outras lesões. Elas espancaram-nosdurante todo o caminho entre a carrinha e aprisão…Fomos levados directamente para o armazém.Havia muitas pessoas. Elas bateram em todos nós, mas omajor Lourenço [Tilman] e o senhor Moniz da Maiasofreram os ferimentos mais graves. Eu vi com os meuspróprios olhos. Na manhã seguinte, eles levaram osferidos para o hospital para serem tratados. 179A Comissão recebeu depoimentos segundo os quais presos de Same (Manufahi) pertencentes àUDT e à Apodeti sofreram abusos físicos enquanto eram transferidos para os centros dedetenção de Aileu. Os abusos continuaram em Aileu. Moniz da Maia, um apoiante da UDT deSame, disse em depoimento à Comissão:A 9 de Outubro, partimos para Aileu. Quando chegámos aMaubisse [Ainaro], fomos alinhados num campo eespancados, um a um, com um pau de madeira. Depoisde todos serem espancados, fomos para Aileu. Quandochegámos a Aileu, fomos espancados pelos cidadãoslocais. 180João da Costa também foi transferido de Same para Aileu e disse à Comissão que sofreu umtratamento semelhante durante a viagem:*Segundo o testemunho nº 5073 da HRVD, depois de José dos Santos ser libertado pela Fretilin para ir para casa, a 8 deDezembro, um dia depois da invasão militar indonésia em Díli, José dos Santos e dois outros, Manuel Febu e Duarte dosSantos, foram mortos pelas ABRI no Matadouro (Díli). Liberato dos Reis testemunhou o homicídio.†HRVD, Testemunho nº 2222-01, no qual Eduardo Mau Leto descreveu a maneira como forças da Fretilin de Maubissedetiveram civis dos sucos de Tokoluli, Labudo e Raegoa em Ermera. Os prisioneiros foram amarrados aos pares, masdepois foram libertados, excepto sete indivíduos, membros da UDT e da Apodeti, que foram presos em Aileu. Os seteacabaram por ser levados para Same com a Fretilin e quatro deles nunca mais voltaram.- 46 -


[Passado] um mês [na prisão] em Same, [a Fretilin]mandou-nos ir para Aileu. Quando saímos de Same, acarrinha parou em todos os postos da Fretilin para que osguardas pudessem espancar-nos. Ao chegar a Maubisse,eles conduziram-nos para as casernas militares…Elessubiram para a carrinha e espancaram-nos. Algunsprisioneiros foram espancados até ficarem inconscientes.Depois, alguém disse: “Não lhes batam na carrinha. Tiremnospara fora e batam-lhes.” Eles ordenaram aos presosque formassem três filas. Um a um, entrámos na prisão.Os guardas bateram em todos os presos com um pedaçode madeira.Depois, chegou o comandante Soares. Ele era simpático.Disse-nos: “Somos todos pecadores neste mundo. Deus,que é inocente, irá perdoar-nos. Por que é que nós, sereshumanos, não nos perdoamos uns aos outros?” Osespancamentos pararam. Mas depois prosseguimos atéAileu. Pelo caminho, mandaram-nos deitar e não levantaras cabeças, pois as crianças que se encontravam aolongo do caminho apontavam setas na nossa direcção. Osguardas continuavam a parar a carrinha em todos ospostos e a espancar-nos. Em Aileu, o carro parou emfrente ao armazém, ao lado do hospital. Eles espancaramnosum a um, quando saímos do carro. Não me lembro dequantas vezes nos espancaram, quer com um pedaço demadeira quer com uma barra de ferro. O [método deespancamento] mais doloroso era quando nosespancavam com cabos de travão de automóvel. Eu jánão sentia a dor quando nos espancavam com uma barrade ferro ou com pregos. Mas era muito doloroso quandonos espancavam com cabos de travão de automóvel.Não era só uma ou duas pessoas que nos espancavam.Eu desmaiei e, depois de outro espancamento, caí nochão. Então, Carlos Ferreira caiu em cima de mim edesmaiou. O meu irmão mais velho levantou-nos a ambos,mas nós respirávamos com dificuldade. Duas pessoascorreram na minha direcção e espancaram-me. Eu fiqueisentado sem me mexer porque quase tinha perdido ofôlego. Havia mais de 30 prisioneiros [de Same]. Nessanoite, ficámos na nossa prisão, mas em todas as noitesque se seguiram, eles levavam-nos lá para fora. Contudo,nenhum dos que tinha vindo de Same morreu em Aileu. 181- 47 -


A vida em AisirimouAisirimou, no distrito montanhoso de Aileu, no centro de Timor-Leste, foi o local onde a Fretilinestabeleceu o seu quartel-general, após o movimento de 11 de Agosto da UDT, e a partir deonde pôs em movimento a sua insurreição armada a 19 de Agosto de 1975. Também era ondelocalizavam os maiores centros de detenção da Fretilin. No início, os edifícios eram utilizados sópara prender os prisioneiros vindos da área de Aileu, mas em breve, outros presos, de Manufahie de Ainaro, foram levados para Aisirimou. Os líderes eram presos nas antigas casernasmilitares portuguesas e os outros prisioneiros eram presos num armazém de café. No início deDezembro, quando a Indonésia invadiu Díli, os prisioneiros feitos pela Fretilin e mantidos no QG,em Taibessi, também foram levados para Aisirimou.Condições em AisirimouQuando os prisioneiros de áreas exteriores foram levados para Aileu, os centros de detençãocomeçaram a ficar cheios. É difícil determinar o número de pessoas presas em Aisirimou.Clementino Araújo, antigo guarda no quartel-general da Fretilin, disse que havia 200 prisioneirosem Agosto de 1975. 182 Um antigo prisioneiro disse à Comissão que, em Dezembro, havia cercade 3.000 pessoas presas em Aileu. 183 Eufrázia de Jesus Soares visitou o seu marido, DanielCarvalho, secretário regional da Apodeti em Ermera, na prisão do armazém. Eufrázia Soaresdisse à Comissão:O centro de detenção era um armazém. O local estava tão sobrelotado que os prisioneiros nãoconseguiam sentar-se. Eram como sardinhas numa lata e todos tinham de estar em pé. Eucheguei lá e não me deixaram entrar. O guarda tentou arranjar maneira de eu falar com o meumarido e eu consegui falar com ele através de uma janela. 184O armazém não fora construído para alojar grandes quantidades de pessoas. A ausência deinstalações sanitárias obrigava os guardas a fornecer recipientes grandes para serem utilizadoscomo casa de banho. Um antigo preso, José Maukabae, falou sobre o centro de detenção.Havia vários recipientes no meio de nós. Os prisioneiros defecavam ou urinavam num deles. Demanhã, os prisioneiros competiam entre si para levar os recipientes para lá fora, para poderemsair e sentir o sol quente e lavar as mãos ou a cara com água. 185Alguns antigos presos disseram que os guardas lhes davam pequeno-almoço e almoço, mas nãojantar. Ao pequeno-almoço, os prisioneiros comiam arroz e ao almoço comiam milho. 186 Outrosdisseram em depoimento que os guardas espancavam os prisioneiros sempre que estes iambuscar a sua alimentação. Um antigo preso, João da Costa, disse à Comissão:Eles espancavam-nos todos os dias, sempre que queríamos a nossa comida. Muitos não sedavam ao trabalho de comer porque tinham demasiado medo. Tínhamos de ter cuidado para quea comida não se entornasse enquanto eles nos espancavam. Muitos passaram fome por teremdemasiado medo de comer. *“Trabalho forçado”*Entrevista da <strong>CAVR</strong> a João da Costa, Letefoho, Same, Manufahi, 24 de Junho de 2003. João da Costa era umprisioneiro da prisão do subdistrito de Same. Em Outubro de 1975, ele e outros prisioneiros foram transferidos para Aileu.A 27 de Dezembro de 1975, quando as ABRI se aproximaram de Aileu, a Fretilin transferiu João da Costa e os outrosprisioneiros para Maubisse e depois para Same. A 27 de Janeiro de 1976, quando as ABRI entraram em Betano, aFretilin transferiu João da Costa e os outros prisioneiros para Hola Rua. A Fretilin executou alguns prisioneiros emHolarua e depois transferiu João da Costa e cerca de 40 outros prisioneiros para Same, prendendo-os na escolaprimária, onde muitos foram massacrados. João da Costa e três outros prisioneiros sobreviveram ao massacre [versubcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados].- 48 -


presos continuou a aumentar e que os membros individuais da Fretilin nos distritos começaram atomar decisões e a empreender acções contra os presos por iniciativa própria.Um exemplo de tal medida foi o aparecimento de “julgamentos” de presos em algumas áreas.Estes julgamentos eram uma forma de justiça popular. O prisioneiro era apresentado perante acomunidade reunida, que decidia, por veredicto popular, se ele devia ser punido.A justiça popular não seguia normas de procedimento nem respeitava os direitos humanos doacusado. As decisões eram arbitrárias e frequentemente baseadas em sentimentos e raiva.Neste processo, o perigo de os direitos do acusado serem violados aumentava devido ao climade tensão crescente e de raiva generalizada entre as vítimas da guerra civil. Pessoas inocentesde qualquer tipo de participação no movimento armado foram punidas e condenadas aespancamentos e prisão.Depois de uma audiência de justiça popular, Luís Godinho, membro da UDT de Lospalos(Lautém), foi condenado a ser vergastado em público até à morte com um chicote reforçado compicos afiados. 193 Um companheiro de prisão de Luís Godinho, Edmundo da Conceição, falou àComissão sobre o “julgamento” que levou à morte de Luís Godinho:A (cerimónia) de justiça popular decorreu em dois locais.Primeiro, no quartel-general da Companhia Caçadores 14e, depois do espancamento [dos prisioneiros], levaram-nospara a sede administrativa de Lospalos. Levaram-nos paralá. Após uma cerimónia de hastear a bandeira,espancaram-nos com tanta brutalidade que Luís Godinhomorreu junto ao mastro da bandeira. Espancaram-no até àmorte. A audiência de justiça popular e o espancamentoforam realizados em frente ao escritório do secretariado.Espancaram-no com um chicote farpado (rusan pahano * )até ele cair, morto, perante os nossos olhos.Foram tantas as pessoas que espancaram Luís Godinhoque foi difícil identificá-lo. O membro da Fretilin T122começou, seguido do membro da Fretilin T123 e, depois,seguiram-se os restantes. Por isso, eu não conseguidistinguir os envolvidos. Todos o espancaram.Satisfeitos com a morte de Luís, colocaram o seu corponum tractor, partiram e enterraram-no. Tudo aconteceumesmo em frente aos nossos olhos. 194Dois depoimentos prestados à Comissão descreveram um “julgamento” de justiça popular emPoetete (Ermera), a 25 de Setembro de 1975. Segundo Filomena dos Santos, dois soldados daFretilin foram à prisão de Ermera e chamaram o seu pai, o capitão Miguel Martins da SegundaLinha e soldado da UDT, que estava preso há uma semana. Miguel Martins foi levado paraenfrentar o público e ser julgado. T124 disse ao povo da vila que ali se encontrava reunido: “Sedisserem vai para Aileu, significa que ele vive. Se disserem fica em Ermera, significa que elemorre.” A maioria das pessoas gritou: “Fica em Ermera!”. Filomena salientou que, entre amultidão, encontravam-se mulheres cujos maridos tinham sido mortos seis semanas antes pelaUDT. Miguel Martins foi morto a tiro. 195A Comissão tomou conhecimento de um outro caso de justiça popular passado em Ermera.Angelina Barros disse à Comissão como, em Fatubesi (Hatulia, Ermera), em Setembro de 1975,um comandante da Fretilin de Aileu, José Soares, e os seus homens perseguiram um grupo de*Rusan pahano é uma palavra do idioma Fataluko da região em redor do distrito de Lautém. É difícil encontrar umapalavra equivalente, quer em tétum, quer em indonésio, mas o instrumento tem picos.- 50 -


membros da UDT até Bobonaro, onde capturaram o comandante da UDT Serafim dos Santos e11 dos seus homens e os levaram para Fatubesi. Os 12 membros da UDT foram apresentadosperante um tribunal popular e foi perguntado às pessoas se deviam viver ou morrer. A respostadas pessoas foi que deviam morrer. Os 12 homens foram então levados para o comando daFretilin em Fatubesi e presos. Angelina Barros não disse à Comissão qual foi o destino dos 12homens. 196Depois da invasão indonésia em larga escalaA Comissão tomou conhecimento de que, na maioria dos distritos de Timor-Leste, incluindoBobonaro, Covalima, Baucau, Lautém e Manatuto, os prisioneiros feitos pela Fretilin foramlibertados depois de os militares indonésios entrarem nessas áreas. João Viena Freitas disse àComissão que os 160 prisioneiros da Descascadeira, situada na cidade de Baucau, foramevacuados para Venilale aquando da invasão indonésia. Os prisioneiros passaram uma noite naescola de Venilale (Baucau) e depois foi-lhes dito que tratassem de si próprios. Muitos renderamseaos fuzileiros indonésios em Baucau. 197Alguns dos prisioneiros de Baucau já tinham sido levados para os seus subdistritos natais pelaFretilin antes de as forças indonésias atacarem Baucau e foram também libertados. PauloFreitas, presidente do partido Trabalhista na altura e prisioneiro da Fretilin, tinha sido levado deBaucau para Uatu-Lari (Viqueque):Quando a Indonésia invadiu, eu pensei que eles [Fretilin]iam mesmo matar-me, que agora estávamos mesmo comproblemas e que a situação ia piorar. A invasão foi emitidapela rádio e as crianças que nos traziam comida diziamnosque a Indonésia estava prestes a atacar. Tudoaconteceu muito depressa. Então, eles [Fretilin] disseramnos:“Agora podem ir, porque nós estamos a fugir para afloresta.” Disseram que as pessoas que estivessem nacidade iam ser mortas [pelas ABRI], mas as pessoas queestivessem na floresta ficariam em segurança. Por isso,era melhor para mim fugir para a floresta. 198Prisioneiros mantidos em Díli e em Aileu, os principais centros de detenção, foram transferidosjuntamente com a liderança da Fretilin, na sua fuga para sul.Em meados de Outubro, as ABRI e os seus auxiliares timorenses de leste ocuparam Maliana eas linhas de frente avançaram mais para leste. A 3 ou 4 de Dezembro, a Fretilin transferiumembros da Apodeti presos no Museu, em Díli, para o QG, em Taibessi, para os juntar aosprisioneiros pertencentes à UDT. * Quando os militares indonésios invadiram Díli, a 7 deDezembro, a Fretilin levou os seus prisioneiros detidos no QG de Díli para Aileu. 199 XananaGusmão explicou esta medida no seu depoimento:Os prisioneiros da UDT e da Apodeti foram levados paraas montanhas, não com a intenção de seremmortos…mas os pára-quedistas já estavam a aterrar…Astropas indonésias estavam a ocupar Díli, [Eles estavam ] asubir, a subir. 200*Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Luís António de Aquino Caldas, Palapaço, Díli, 21 de Maio de 2004. [Filomeno Pedro CabralFernandes testemunhou que, a 4 ou 5 de Dezembro, a Fretilin transferiu prisioneiros do Museu para o QG, Taibessi, e osmanteve presos até 7 de Dezembro].- 51 -


A Fretilin obrigou os prisioneiros a transportar caixas de munições durante a marcha. Umprisioneiro da UDT, José Maukabae, disse à Comissão:A 7 de Dezembro, não comemos nada. Só os que tinhamcomida é que podiam comer. Ao meio-dia, Nicolau Lobatoveio ao QG. Ele ficou em frente [da sala onde estávamospresos] e disse-nos em português: “Camaradas, queremviver ou morrer? E nós dissemos: “Nós, comandante,queremos viver.”[Ele respondeu] “[Se] realmente querem viver, têm trêsminutos para se alinharem e ajudarem a transportar esteequipamento para as montanhas e depois devem voltarpara cá. Não levem objectos pessoais. Os vossospertences ficam aqui. Só podem ir ao depósito dasmunições e ajudar a levar o equipamento para asmontanhas e depois voltar. Se não ajudarem, todosmorrerão. É a lei da guerra que o diz. Enquanto as forçasenfrentam dificuldades, os prisioneiros devem ajudar asforças. Se não ajudarem as forças, morremos todos.”E nós dissemos: “Comandante, nós queremos ajudar…atémorrer.” Depois, num espaço de três minutos, todossaímos para ajudar a transportar o equipamento para asmontanhas. 201Outros recordam que, quando os militares indonésios atacaram Díli, os líderes da Fretilin tiveramuma discussão acesa sobre o destino dos prisioneiros que se encontravam no QG. AntónioXimenes disse à Comissão:A 7 de Dezembro, pássaros [pára-quedistas] desceram docéu. A situação era grave. Houve uma grande discussãoentre os líderes sobre se os prisioneiros deveriam sermortos, deixados vivos, ou libertados e entregues a sipróprios. Tiveram uma discussão séria. Depois, NicolauLobato disse: “Se quiserem matá-los, terão de ser vocês alevar as caixas de munições para o arsenal.” As suaspalavras venceram as emoções dos outros. Elesdeixaram-nos sair, à 1 da tarde, para irmos buscar ascaixas de munições e irmos para Aileu. 202Os prisioneiros da Comarca conseguiram fugir e dirigir-se ao Consulado indonésio em Lecidere,Díli.- 52 -


Fuga da Comarca de Balide, 7 de Dezembro de 1975: Anselmo dos Santose Frederico Almeida Santos 203Anselmo dos Santos Certo dia, aproximámo-nos de Arnaldo [Araújo, o presidente da Apodeti],e ele disse-nos, em voz baixa: “Camaradas, não desesperem. Não falta muito para quepossamos sair daqui.” Na manhã de Domingo, por volta das 4 da manhã de 7 Dezembro,ouvimos o som de aviões e vimos que a Indonésia estava a largar soldados de pára-quedas.Eles ainda não tinham chegado ao sol quando as armas começaram a disparar, de baixo paracima. As portas da prisão foram todas fechadas e ninguém saiu.Frederico Almeida Santos Vimos pára-quedas. Estávamos com muita atenção ao que poderiaacontecer. Não sabíamos se devíamos fugir ou permanecer no interior. Chamei Filomeno Gomes[o superintendente da prisão] e disse-lhe: “Camarada, geralmente quando a guerra rebenta e ashabitações são queimadas, as que estão nas celas não conseguem sair. Tens de nos libertarpara que possamos encontrar maneira de sair.”Anselmo dos Santos Ao princípio, [os guardas] estavam no telhado a disparar as armas, mas opresidente Arnaldo aconselhou-os: “Camaradas, é melhor tirarem os vossos uniformes militarese esconderem as vossas armas. Se alguém vier perguntar-nos qualquer coisa, diremos quesomos todos prisioneiros.” Então, os cinco homens da Fretilin seguiram este concelho,esconderam as armas e despiram os uniformes.Frederico Almeida Santos As pessoas estavam a disparar umas contra as outras e nósempilhámos os colchões para podermos chegar à janela e espreitar lá para fora. João Branco[um comandante das Falintil] e três outros passaram à nossa frente no meio de uma troca detiros com as ABRI. A meio do dia, voltaram a passar e viram-nos à janela. João Branco disse:“De que estão à espera? Agora é uma guerra grande. Já não queremos saber de vocês.” Depois,saiu.Anselmo dos Santos Depois de as tropas da Fretilin [junto à prisão de Balide] começarem aretirar para o QG, começámos a preparar-nos para partir. Quando estávamos prestes a sair daprisão, Arnaldo agarrou numa almofada branca, amarrou-a a uma vara de ferro e colocou-a emfrente à prisão. Nenhum de nós foi atingido por uma bala. Todos saímos.Quando estávamos prestes a sair, um soldado das ABRI e o seu pára-quedas caíram mesmo emfrente à cozinha da prisão. Ele já estava morto. Arnaldo disse-nos para levantarmos o corpo dosoldado e o pormos numa mesa. Arnaldo examinou o corpo e tirou um cartão de identidade e umrosário do bolso do soldado — talvez ele fosse católico. O cartão de identidade e o rosário foramentão colocados ao lado do corpo. A arma e o morteiro do soldado foram encostados à parede,junto à cabeça dele. Depois disso, saímos. O presidente Arnaldo, o malae Albano e um árabe —os três lideraram o caminho acenando um tecido branco…Seguimos atrás deles e fomos para oconsulado indonésio em Lecidere.Transferência dos prisioneiros de Díli para Aileu e depois para SameQuando os militares indonésios avançaram sobre Aileu e os aviões atacaram a cidade, a 27 deDezembro de 1975, 204 a Fretilin voltou a evacuar prisioneiros, primeiro para Maubisse (Maubisse,Ainaro) e depois para Same (Manufahi). A Comissão concluiu que os massacres de prisioneirosocorreram em Aileu, antes do início da marcha forçada, e em Maubisse, durante a marcha (versubcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Os restantes prisioneiroschegaram a Same a 31 de Dezembro. O antigo presidente da Fretilin, Francisco Xavier doAmaral, descreveu a razão para a transferência:- 53 -


Estávamos no meio da guerra, nesta guerra, quandofugimos dos nossos inimigos…Levámos os que tínhamosaprisionado, os nossos inimigos que tínhamosaprisionado, connosco. Antes de termos oportunidade derecuperar o fôlego, dissemos: O que sabemos agora?Temos de continuar a fugir. Não temos muitas escolhas.Não há transportes, não há comida, há poucosmedicamentos, não há nada disto.” Alguns dos quetínhamos aprisionado estavam gravemente doentes,muitos estavam bastante fracos.Por isso, tivemos de examinar a situação. Deixamo-losaqui vivos? Fugimos sozinhos e abandonamo-los? Oumatamo-los e depois fugimos? Eu via perigo em todasestas hipóteses…Se os abandonássemos, por exemplo,um membro da UDT ou da Apodeti, [eles poderiam] cairnas mãos do inimigo indonésio. Os militares indonésiospodiam capturá-lo. Podiam pressioná-lo e encontrar-nos.Podiam enganá-lo, ou ele podia confessar. 205José Maukabe recordou a transferência de Aileu:Os aviões começaram a largar bombas sobre Aileu demanhã, muito cedo. As ABRI podem ter descoberto ondeos prisioneiros se encontravam, por isso largaram bombasem redor deles. Ouvimos tiros do lado de fora da prisão.Não sabíamos o que fazer porque as portas da prisãoestavam fechadas e não podíamos fugir. Então, um dosaviões largou uma bomba mesmo em cima da casa queficava do outro lado da rua. Houve salpicos de água. Eleslevaram-nos lá para fora e evacuaram-nos. *António Serpa, outro prisioneiro de Aisirimou, descreveu a difícil viagem para Same, passandopor Maubisse:Estava a chover quando partimos de Aileu rumo aMaubisse. Não comíamos há três ou quatro dias. Osnossos braços estavam cansados. Faltava firmeza àsnossas pernas. Caminhámos lentamente para Daisoli,onde passámos a noite. Aqueles que planeavam fugir nãopuderam fazê-lo porque não tinham energia suficiente.Depois, na manhã de 28 de Dezembro, continuámos anossa viagem até Maubisse. Na noite de 28 de Dezembro,dormimos em Maubisse. Na manhã de 29 de Dezembro,deixámos Maubisse para ir buscar mais munições e leválaspara Same. Houve uma pessoa que não conseguiucarregá-las e atirou-as para o chão. Então, o falecidoNicolau Lobato disse: “Agora estou a perder a paciência.Quem atirou as munições para o chão? Têm todos de ficaraqui.”*Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004. José Maukabae mencionou dois gruposde prisioneiros em Same, o primeiro grupo e o segundo grupo. Ele fazia parte do segundo grupo, conhecido como grupode Maubere. Outros relatos referem-se a três grupos em Same: Grupo de Maubere, Grupo de Semi Perigoso e Grupo dePerigosíssimo [Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004; Assis dos Santos,Díli, 17 de Julho de 2003; Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003; Bento Reis, Same, 2004].- 54 -


Sentimo-nos envergonhados. Aqueles que tinham maisforça pegaram nas munições e carregaram-nas. Quandosaímos de Maubisse também estava a chover. Antes dechegarmos a Fleixa, o meu amigo João Damas, queestava exausto, desfaleceu. Até hoje, não sei se morreuou não. Caminhámos lentamente, transportando asmunições até Fleixa. Parámos todos lá. Estava a chovermuito.E assim continuámos. Tínhamos fome. Sentamo-nosdebaixo de uma casa erguida sobre estacas. Eu pergunteiaos camaradas “Quem está pronto para morrer?” Sentique já não conseguia continuar. Sugeri que esperássemospelo primeiro-ministro [Nicolau Lobato] para lhe perguntarse podíamos parar e ficar aqui. Eles podiam matar-nosaqui. Eu não suportava mais. Por isso, esperámostodos…O primeiro-ministro chegou com os seus guardacostas.Eu disse-lhe que tínhamos vindo de Aileu, que nãotínhamos comido nada durante todo este tempo e nãotínhamos mais força para carregar as munições. Disse-lheque não podíamos fazê-lo e que, se não acreditasse,podia florestar-nos.E assim, todas as munições foram armazenadas emFleixa. Três carros vieram buscar as munições para aslevarem para Maubisse e esses três carros voltaram combatatas doces. Dormimos num local chamado Fahi Teen.Na manhã de 30 de Dezembro, deixámos esse local efomos para Same. 206Os prisioneiros chegaram a Same por volta de 31 de Dezembro de 1975 e passaram lá aPassagem do Ano. Segundo António Serpa, a 10 de Janeiro, foram vistas luzes no mar e aFretilin suspeitou que os prisioneiros estivessem a fazer sinais aos militares indonésios. A Fretilinordenou aos prisioneiros que se reunissem em três salas grandes, na escola primária de Same.José Maukabae descreveu o sucedido:A escola primária tinha três salas. José Osório e eu fomospara a sala do meio. Ele sentou-se no meio e disse: “Jánão posso falar porque estou numa posição impossível.Arnaldo está em Díli. Eu não sei o que ele está a fazer. Omeu partido não quer a guerra. Eu quero a integração naIndonésia, mas sem guerra. Agora, a Indonésia veio parafazer guerra. Deixem-nos encontrar o inimigo, esteja ondeestiver, mas os meus homens não irão colaborar com eles.Eu já não posso falar. Não sei o que Arnaldo diz aosindonésios. 207A 12 de Janeiro de 1976, a Fretilin dividiu os prisioneiros em três grupos: Grupo Maubere, GrupoSemi Perigoso e Grupo Perigosíssimo. 208 O Grupo Maubere incluía simpatizantes de partidos daoposição sem influência política. A Fretilin prendeu-os na casa de Mateus Ferreira. * O GrupoSemi Perigoso era formado por membros e apoiantes de partidos da oposição com uma ligeirainfluência política. A Fretilin colocou-os na Escola Primária de Same. O Grupo Perigosíssimoincluía líderes e administradores de partidos da oposição que a Fretilin considerava perigosos. AFretilin prendeu-os na prisão do subdistrito. 209*Mateus Ferreira era líder da UDT em Same.- 55 -


Holarua (Same, Manufahi)Quando as ABRI entraram no suco de Betano (subdistrito de Same, na costa sul de Manufahi) aFretilin estava a esforçar-se por manter o controlo. Era difícil para a liderança do partido gerir osprisioneiros. A 27 de Janeiro de 1976, a Fretilin evacuou os prisioneiros da cidade de Same parao suco de Holarua (Same, Manufahi) 210 e colocou a maioria dos prisioneiros noutra escolaprimária. Porém, alguns, como José Fernando Osório Soares, o secretário-geral da Apodeti,foram presos na casa do major Lourenço, da Segunda Linha. 211 Os prisioneiros de Holaruaincluíam os do Grupo Perigosíssimo e do Grupo Semi Perigoso. A Comissão ouviu depoimentossobre dois grupos de prisioneiros que foram executados pela Fretilin. Moniz da Maia falou àComissão sobre o primeiro grupo, do qual faia parte o secretário-geral da Apodeti, José OsórioSoares, que foi executado em Hat Nipah, perto de Hola Rua, a 27 de Janeiro de 1976. 212A Comissão tomou conhecimento de uma segunda — e maior — execução de prisioneiros emgrupo na escola primária de Same, onde a Fretilin executou 44 prisioneiros pertencentes à UDT,a 29 de Janeiro de 1976 (ver subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados).A maioria dos prisioneiros do Grupo Maubere, excepto os membros da Apodeti, foram libertadosa 31 de Janeiro de 1976. José Maukabae descreveu o que aconteceu aos prisioneiros:A Fretilin libertou a maioria dos prisioneiros, exceptoalguns, que executou. Cerca de 20 prisioneirospertencentes à Apodeti e à UDT foram libertados peloscomandantes da Fretilin Paulino Gama e Guido Soares emHola Rua, no final de Janeiro de 1976. 213 Igualmente nofinal de Janeiro de 1976, César Maulaka libertou osegundo grupo de prisioneiros, que incluía prisioneirospertencentes à UDT, à Fretilin e não políticos, em HolaRua, mas manteve os prisioneiros pertencentes à Apodeti.Os membros da Apodeti foram separados e colocadosnuma escola primária em Hola Rua. Depois, à noite, foramlevados para Mota Karau Ulun, Hola Rua, e executadoscom lanças. 214Filomeno Pedro Cabral Fernandes e Assis dos Santos confirmaram a primeira libertaçãorealizada pela Fretilin, de 20 prisioneiros pertencentes à UDT e à Apodeti. 215 Filomeno Cabraldeclarou que os comandantes da Fretilin Guido Soares, Paulino Gama (Mauk Moruk), AntónioPinto (Kalohan) e Moisés Quina pediram que os prisioneiros fossem retirados de Hola Rua. Osprisioneiros assinaram um acordo, foram levados para leste por tropas das Falintil e libertados.Assis dos Santos falou sobre o acordo assinado com os 20 prisioneiros de Kiras (Same,Manufahi) antes da sua libertação:Assinámos um acordo com a Fretilin. Muitossobreviveram. O acordo insista em que tínhamos dederramar sangue e prometer juntarmo-nos e fortalecer asforças da Fretilin. O não cumprimento do acordo,significava a morte. 216José Maukabae descreveu, em pormenor, o que ocorreu quando César Maulaka decidiu odestino do Segundo grupo de presos em Hola Rua:- 56 -


[César Maulaka] disse: “Vocês são aqui prisioneiros.Muitos pertencem à UDT. Os que pertencem à Fretilintambém estão presos por rixas e roubos. Estão presaspessoas da Apodeti e até civis que não participam empolítica. Vou contar num minuto quem pertence à UDT, àApodeti ou à Fretilin e quem não pertencia a qualquerpartido. Formem linhas aqui, segundo o vosso grupo.”Nós, os prisioneiros, olhámos uns para os outros. Poucodepois, havia quatro grupos…Juntei-me ao grupo da UDT.Quatro outros amigos [colegas de Maubara] foram paraoutros grupos. Depois, o comandante, César Maulaka,disse: “Milicianos, levem estes camaradas da Apodeti parao edifício da escola, lá em baixo, e amanhã, depois dojulgamento, podem deixá-los ir para casa”. Enquanto eleslevavam os prisioneiros pertencentes à Apodeti, CésarMaulaka disse: “Vocês, pessoas da UDT e da Fretilin etodos os que não pertencem a nenhum partido, quem tiverum amigo em Same pode ficar com ele e, quando estepaís estiver seguro, podem ir para casa. Aqueles que nãotiverem amigos aqui, podem ir para casa.” Todos ficaramfelizes e gritaram. Isso aconteceu às 6 ou 7 da tarde. 217- 57 -


<strong>7.4</strong>.4 Prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> por parte da Fretilin, 1976/1979Depois da invasão indonésia e antes da destruição das bases da Resistência em finais de 1978,a Fretilin/Falintil continuou a manter pessoas presas nas áreas que controlava (zonas libertadas),com base na sua própria forma de justiça. No entanto, ao contrário do sucedido em 1975, asvítimas de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> eram os próprios membros do partido ou civis que viviamnessas áreas.Quando se tratava de infracções graves ou de infractores reincidentes, os prisioneiros eramcolocados em centros de detenção normais ou em Campos de Reabilitação Nacional, ou Renal).A diferença entre uma Renal e um centro de detenção normal da Fretilin era, teoricamente, muitoclara. As Renal tinham por objectivo disciplinar membros da Fretilin ou civis que “precisavam deser trazidos de volta ao bom caminho”, através do ensinamento dos princípios da ideologia daFretilin. Além de envolverem as pessoas no processo de produção através do trabalho agrícolaem quintas cooperativas, também ofereciam formação política e, por vezes, alfabetização. Naprática, a diferença nem sempre era assim tão clara. As Renal tornaram-se sinónimos de prisãona mente dos civis e, com efeito, muitas Renal foram transformadas em prisões. Além disso, aComissão tomou conhecimento da ocorrência generalizada de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> em Renal.Durante a Conferência de Soibada, realizada entre 15 de Maio e 2 de Junho de 1976, osorganizadores da Fretilin decidiram que os territórios controlados pela Fretilin seriam divididosem seis sectores controlados pelo comando militar, bem como em territórios de administraçãopolítica sob controlo de administradores da Fretilin. Os territórios eram: Ponta Leste, que incluíao distrito de Lautém; Centro Leste, que incluía os distritos de Baucau e Viqueque; Centro Norte,que incluía os distritos de Manatuto, Aileu e Díli; Centro Sul, que incluía os distritos de Manufahie Ainaro; Fronteira Norte, que incluía os distritos de Liquiça e Ermera e partes de Bobonaro; eFronteira Sul, que incluía o distrito de Covalima e partes de Bobonaro. A Comissão tomouconhecimento de que foram abertos centros de detenção, incluindo Renal, em todos os sectoresFretilin do território. No entanto, segundo o registo de dados estatísticos da Comissão, as prisõesforam realizadas com muito mais frequência no distrito de Ermera, de onde são provenientes amaioria dos relatos, por uma margem significativa, seguido dos distritos de Manufahi, Aileu eViqueque. Os distritos de Bobonaro, Oecusse e Ainaro não relataram quaisquer prisões e, nosdistritos de Díli, Lautém e Covalima, o número de relatos foi baixo. Estes resultados nãoreflectem as conclusões da investigação qualitativa da Comissão em todos os aspectos — estaindica, por exemplo, que o número de prisões realizadas em Lautém foi dos mais elevados.[Inserir gráfico g2021104001 por aqui]É significativo registar a correlação extremamente elevada entre <strong>tortura</strong> e prisão. Por exemplo,existem 49 relatos de casos de prisão de membros da Fretilin/Falintil pela Fretilin/Falintilocorridos no distrito de Ermera e também 49 relatos de <strong>tortura</strong> — indicando que a <strong>tortura</strong> podeter sido um aspecto rotineiro da prisão de membros pela Fretilin/Falintil durante este período.Esta secção examina as práticas adoptadas pela Fretilin para alcançar um certo nível de justiça,as razões para a prisão de civis e membros da Fretilin/Falintil entre 1976 e 1978 e o tratamentodado aos prisioneiros em geral. Todos os tipos de centro de detenção são descritos nostestemunhos e depoimentos abaixo apresentados, mas é dada especial atenção às Renal, porserem únicas deste período e terem sido parte fundamental da estratégia de revolução social epolítica da Fretilin. A Comissão faz notar que o tratamento de prisioneiros diferia de local paralocal.- 58 -


Justiça sob a administração da Fretilin:As práticas de justiça adoptadas pela Fretilin são apresentadas em pormenor na Parte 5:Resistência: Estrutura e Estratégia. Em síntese, essas práticas criaram uma distinção entre oque era considerado infracção menos grave — como o erro de um comandante que causou amorte dos seus homens, 218 o assédio de mulheres ( book feto ) ou o roubo de galinhas — einfracções graves — como trair a “orientação política”, o país ou a revolução. 219No caso de infracções menos graves, o acusado era chamado pelo comissário político * para sesubmeter a críticas e a autocrítica numa reunião pública, na qual participava um líder da Fretilin,que apontava os erros da pessoa (crítica), e a pessoa, que exprimia discernimento e remorsos eprometia não reincidir (autocrítica). Por vezes, também era pedido à pessoa que se submetessea um justo correctivo, como recolher água ou lenha durante um determinado período de tempo.220Este correctivo era considerado uma forma de reabilitação do infractor.No caso de infracções mais graves, o acusado enfrentava um processo de justiça popular, noqual as pessoas decidiam o seu destino. Nas audiências de justiça popular, não havia juízesnem acusadores. O comandante que fazia a acusação apresentava o acusado perante o público,juntamente com as acusações e as razões que a elas tinham levado. O comissário político,sozinho, ou acompanhado pelo comandante de sector, decidiam a sentença. 221 João Vienasexplicou o procedimento:A secção de justiça era como um juiz que decidia casos,com base nas regras da Fretilin. Ao longo do processo, oacusado respondia a perguntas sobre por que razão tinhasido detido e quem o tinha denunciado. Líderes, como ocomissário [político], também eram chamados à audiência.Perguntaram-me: “Sabes qual foi o mal que cometeste?”Respondi: “Não faço ideia”. Eles disseram: “Estamos adizer-te que o que fizeste mal foi o teu irmão mais novo,José dos Santos, ser traidor. E quem nos deu estainformação é teu amigo.” 222Nem todos os casos graves eram investigados e não havia presunção de inocência, nem sequer,em muitos casos, direito de resposta. Havia casos em que pessoas suspeitas de terem planeadorender-se eram simplesmente acusadas pelo comandante local e era tomada uma decisão.Embora as pessoas tivessem o direito de decidir, costumavam seguir a orientação docomandante. Por estas razões, a Comissão conclui que, mesmo quando as práticas eramcorrectamente aplicadas, a prisão daí resultante era arbitrária. Um antigo assistente político docomissariado da Fretilin disse à Comissão:*O comissário político era o responsável máximo do sector para todos os assuntos militares ou de administração política[ver Capítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia].- 59 -


A justiça popular era formal. A forma que assumia era:suponhamos que eu era acusado e apresentado perante opúblico. Quando surgia perante o público, muitas pessoasdiziam que eu era culpado. Ninguém contestaria essadecisão, mesmo que eu tivesse feito uma coisa acertada.Não havia juiz para nos defender e não era um juiz nemum acusador que apresentava o acusado perante opúblico. Eu testemunhei cerca de três casos, de pessoassuspeitas capturadas na zona da [guerra] guerrilha epresas pelo comandante sob a acusação de espionagem.[Na audiência de justiça popular] o comandante disse:Este homem capturado na zona da guerrilha é um espião.”Então, as pessoas disseram, “Se é um espião, tem demorrer.” Estes casos costumavam ser tratados por umcomandante das Falintil e as pessoas concordavam com oque ele dizia. 223Se uma pessoa já tivesse passado pelo processo de crítica e autocrítica e tivesse completado ojusto correctivo, mas reincidido, ele ou ela era preso numa Renal ou noutra prisão. Emalternativa, o adjunto * podia decidir enviar o infractor para uma Renal através de uma audiênciade justiça popular. Noutros casos, como indica a citação acima, os infractores eram mortos.Tal como a culpa do acusado, a duração da sentença do aprisionamento era decidida pelocomissário político ou outra pessoa com autoridade. Eram utilizados vários critérios para decidirse uma pessoa devia ser libertada, incluindo a conduta do prisioneiro enquanto estivesse preso.Em alguns casos, era empregue um processo quase judicial, dirigido pela secção de justiça daFretilin.Razões para a prisãoAs Renal foram criadas para prender membros da Fretilin e das Falintil e civis que tivessemviolado (ou fosse acusados de violar) os princípios e ideologia da Fretilin e traído a luta. Algumasdas razões mais comuns para a prisão eram as seguintes:• Traição por rendição planeada às ABRI ou estabelecer contacto com pessoas em áreascontroladas pelas ABRI, comprovada por ir para além das fronteiras delineadas pelaFretilin 224• Resultado de divisões políticas internas• Impor a disciplina.Traição por rendição planeada às ABRI ou por contacto com pessoas em áreas das ABRIA traição era a razão que mais frequentemente levava à prisão numa Renal, ou centro dedetenção da Fretilin: traição por manter contactos ou colaborar com o inimigo — os militaresindonésios (ou pessoas “das cidades”) — ou por planear render-se ao inimigo. Tanto civis comomembros da Fretilin/Falintil eram detidos por cometerem ou serem suspeitos de cometer, estasinfracções. Quando apanhados, eram levados para uma base Fretilin, onde eram interrogados,presos e julgados.Descobrir que alguém se tinha aventurado para além das fronteiras da Zona ou atravessado alinha de fogo (a linha exterior da base da Resistência da Fretilin), onde estavam estacionadas*O Comissário Politico era dirigente politico ao nível de sector dentro da estrutura da Fretilin. O adjunto representava oComissário Político ao nível da zona [ver Capítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia].- 60 -


tropas armadas, era razão suficiente para suportar uma acusação de contacto com o inimigo. 225Um comandante também podia ser acusado de cooperar com o inimigo se soldados inimigosconseguissem entrar numa área controlada pela Fretilin e matar pessoas. Nestas circunstâncias,considerava-se que o comandante cometera um erro grave 226 e, quando se descobria que umcomandante cometera um erro, os seus homens também eram detidos pela mesma infracção. 227Pedro Faria, comandante da milícia Fretilin em 1975 e secretário da Zona Sakalu, disse àComissão que foi preso numa Renal chamada Belta Três, em Irara (Fuiloro, Lospalos, Lautém):Fui preso na Renal porque planeava render-me e ocomissário político descobriu o meu plano. Fui detido einterrogado e confessei o plano. Fiquei preso durante ummês e meio. Não estive preso sozinho, havia muitaspessoas presas comigo. 228Por vezes, manter contacto com alguém suspeito de ser traidor era razão suficiente para se serpreso pela Fretilin. Isto aconteceu a João Vienas, em Novembro de 1977, que foi detido,amarrado e preso por uma semana. Durante esse período, sofreu abusos, foi-lhe negadaalimentação e urinaram-lhe em cima, mas nunca lhe disseram porque tinha sido detido. Passadauma semana, foi chamado ao encontro do chefe do Secretariado da Zona.Depois foi a minha vez de ser chamado e interrogado.Perguntaram-me: “Qual é a tua relação com José dosSantos?” José dos Santos era o meu irmão mais novo e ocomandante da Fretilin na região e tinha sido morto pelaFretilin. Eu não tinha feito nada de mal, mas fui detidodevido à morte do meu irmão mais novo, José dos Santos.Eles suspeitavam que eu pudesse reagir fugindo para acidade e apresentando-me às ABRI. Eu tinha a certezaque não tinha feito nada de mal. 229Tal como o depoimento de João Vienas demonstra, se um ou mais membros de uma famíliafossem detidos por suspeita de colaborarem com a Indonésia, ou por tentarem render-se, outrosmembros da família estariam também sujeitos a serem detidos. Isto verificava-se especialmenteno caso de um ou mais membros da família serem líderes da Fretilin.Domingos Soares Martins disse à Comissão que, apesar de ser membro activo das Falintil, foiacusado de ser espião em 1978, pelo comandante T131 da Fretilin, em Leubasa (Ermera),porque a sua mãe se rendera recentemente às ABRI. 230Modesto de Jesus Almeida Sanches disse à Comissão:Em Novembro de 1977, o meu pai, Salvador Almeida,Adelino Freitas e eu fomos detidos por um pelotão desoldados das Falintil na aldeia de Haksolok, em Iliomar[Lautém], por sermos parentes de Pedro Sanches, GilSanches, Bendito Sávio e Adão Amaral, que tinham sidorecentemente detidos e aprisionados no sector central daPonta Leste.- 61 -


Depois de sermos detidos, fomos enfiados numa pocilgadurante três dias e três noites. * Os meus braços estavamamarrados atrás das costas e fui obrigado a andar desdeIliomar até à prisão de Besi Manas [Ferro Quente], emLuro. Em Luro, o adjunto [Fretilin] T125 disse aos 49presos, incluindo eu, que éramos traidores do país. Então,com os braços ainda amarrados trás das costas, pelosdedos e pelos cotovelos, [e as nossas pernas amarradaspelos] joelhos e dedos dos pés, fomos colocados numacasa, cujo chão era feito de pequenas pedras afiadas.Ficámos amarrados dia e noite…Só fui interrogado passados três meses, por T126, osecretário da Zona de Luro. Ele acusou-me de planearrender-me, mas eu respondi que só tinha sido detidoporque ele tinha detido todos os meus irmãos. Eu nãoachava que tivesse feito alguma coisa errada. 231Quando os militares indonésios atacavam uma área e os líderes dessa área decidiam retirar, ospresos não eram libertados porque se pensava que eles se rendessem e permitissem ao inimigocontrolar a área. Orlando Silva Correia Belo (Fernando So), o antigo secretário de suco da ZonaSacalu e, posteriormente, o encarregado da Renal de Marabia, em Iliomar (Lautém), descreveu asua prisão numa pocilga em 1976:Em Outubro de 1976, Pedro Nunes (Sabalae), JúlioAlegria, Victor Gandara, Caetano Vilanova, ManuelGandara e eu, juntamente com civis, fomos a uma grandereunião em Paichau, na qual líderes da Fretilin, incluindoT127, T128 e T129, explicaram a infiltração indonésia emSacalu, Tutuala. Foi-nos dito que éramos irresponsáveis efoi-nos ordenado que largássemos todas as nossas coisase empunhássemos as nossas armas. Então, fomosamarrados uns aos outros com cordas, pela cintura, elevados para uma pocilga…Só depois de estarmos há nove meses presos na pocilgaé que fomos interrogados pelo adjunto T125 sobre ainfiltração das ABRI e a captura da área Tutuala. Eurespondi que não sabia nada sobre estas coisas. Depoisdisso, 27 de nós foram libertados e eu fui nomeadoresponsável pela Renal de Marabia, Iliomar, emsubstituição de Tito Cristovão da Costa (Lere AnanTimor). 232As relações com as pessoas das cidades, fossem quais fossem, eram encaradas comdesconfiança pela Fretilin. Miguel da Silva disse à Comissão que, em 1976, foi detido por seracusado de levar comida à sua família, no suco de Laritame (Ossu, Viqueque). 233Luís da Costa era pároco quando a Fretilin o deteve em Maio de 1976 e novamente emNovembro de 1976. Foi acusado de contactar pessoas nas cidades e também de não apoiar aideologia da Fretilin, devido ao seu papel como padre católico.*As prisões “pocilga” não eram estruturas anteriormente utilizadas para guardar porcos. Eram estruturas de detençãoimprovisadas, por vezes com um formato e tamanho semelhante ao de uma pocilga, onde se colocavam os prisioneiros.O designação “pocilga” foi adoptada para fazer referência ao facto de os presos comerem, dormirem e fazerem asnecessidades fisiológicas na cela, como um porco numa pocilga.- 62 -


Prisão do padre Luís da CostaLuís da Costa tornou-se padre em Abril de 1974 e foi colocado em Ossu (Viqueque). Sendopadre, não era membro de nenhum partido político. Em 1976, quando as ABRI entraram naregião de Ossu, o padre Luís fugiu para a floresta, mas manteve o seu trabalho pastoral.Realizava missa todos os Domingos, dava os sacramentos do baptismo e ensinava o catolicismoàs pessoas. O padre Locatelli, de Quelicai, era o seu contacto para obtenção do materialnecessário para a missa. Contudo, o seu trabalho religioso foi criticado por algumas pessoas daFretilin e ele foi detido pela primeira vez em Abril de 1976:Por altura da Páscoa, em Abril de 1976…levaram-me para o comando Sagadate, num suco emLaga. O comandante era Paulino Gama (Mauk Moruk)…Abel Ximenes Larisina conduziu ointerrogatório…ele perguntou por que razão não cantávamos canções revolucionárias? Eu disse:“Quando devemos cantar canções revolucionárias e quando devemos cantar canções religiosas,uma vez que não devemos misturá-las?”…Então, cinco dias depois, eles deixaram-me em paz.O padre Luís da Costa continuou o seu trabalho pastoral em Uatu-Lari (Viqueque) e depois emOssu (Viqueque). Em Maio de 1976, depois da missa da Páscoa, foi abordado pelo secretário daZona Laga (Baucau), João Maubere, que o acusou de contactar católicos na cidade e de apenasensinar religião, não ideologia política. Contudo, o padre Luís só foi detido pela segunda vez emDezembro de 1976, devido ao conflito interno entre o Comité Central da Fretilin e AquilesFreitas * :A 1 de Novembro de 1976, abandonámos o nosso trabalho porque as ABRI haviam entrado naárea, vindas de Quelicai [Baucau]. Fugimos com a comunidade para o monte Kaebukaekami.Vivemos lá e eu realizava a missa como habitualmente…Então, disseram que ia haver umareunião entre [Nicolau] Lobato e Aquiles Freitas a 2 de Dezembro, o que nunca aconteceu. Emvez disso, detiveram toda a gente que estava em Uabitae no pico do monte Matebian, incluindoeu [e Aquiles Freitas, devido ao conflito interno na região oriental]. Fomos detidos por ordem doCCF [Comité Central da Fretilin]. Levaram-nos primeiro para Baguia, onde fomos obrigados atrabalhar, cortando relva à mão durante uma semana. Depois, levaram-nos para Nahareka, ondenos dividiram em dois grupos. Alguns foram para o monte Girai, mas o meu grupo, formado por14 pessoas, foi para Cascol. †Lá, assisti a violações relacionadas com política, com a guerra que se passava em nosso redor.Vi que a maioria das pessoas não era líderes, como Nicolau Lobato e Vicente Reis, mas arraiamiúda.Eles, a maioria dos quais não percebia de política, exigiam que as pessoas fizessemcoisas que não estavam estabelecidas pela formação política. As pessoas também tinhamdemasiado medo de falar porque os soldados, com as suas armas, eram quem detinha opoder…Não nos deram comida porque, naquela altura, não havia comida. De uma perspectivapolítica, as acções deles eram apelidadas de reabilitação política, para pessoas que nãoseguiam a ideologia da Fretilin…Assisti com frequência a violações dos direitos humanos. Eu fuiinterrogado, mas não me espancaram, apenas me fizeram perguntas. Acusaram-me de ensinaràs pessoas que a Fretilin era comunista.*Aquiles Freitas foi detido com Ponciano em Dezembro de 1976 e, segundo as informações recebidas, foi executado emJaneiro de 1977 (ver caixa de Luís da Costa, supra). Segundo Xanana Gusmão, Aquiles Freitas era um antigo soldadoportuguês e comandante da Fretilin que tinha a sua fiel companhia estacionada na região fronteiriça de Timor-Leste.Embora apoiasse a independência, não apoiava toda a ideologia da Fretilin. O CCF considerava-o uma ameaça emandou detê-lo e matá-lo por ser reaccionário [ver Xanana Gusmão, Timor Leste: Um Povo, Uma Pátria, Edições Colibri,Lisboa, 1994, p. 30-31].†Segundo Gusmão, Cascol (Comissariado do Sector Centro Leste) Naroman era o comando criado por Vicente dos Reis(Sa’he), o comissário político do Sector Centro Leste, a oeste de Venilale (Baucau) [Xanana Gusmão, Timor Leste: UmPovo, Uma Pátria, Edições Colibri, Lisboa, 1994, pp. 29-30].- 63 -


A 23 de Dezembro de 1976, T132 leu as sentenças dos presos. O padre Luís não era acusadode violações graves e foi libertado, embora em “liberdade condicional”. Outros foram acusadosde traírem a nação e foram condenados à morte. Aquiles Freitas foi condenado à morte por sertraidor e o padre Luís soube que ele foi executado em Janeiro de 1977. Depois de ser libertado,o padre Luís continuou a cumprir os seus deveres como pároco, até se render às ABRI, emNovembro de 1977. 234Os líderes da Fretilin consideravam que colaborar com os militares indonésios era uma violaçãomais grave do que contactar os militares ou planear a rendição. Por conseguinte, tinha umcastigo menos severo. Eram comum uma pessoa ser <strong>tortura</strong>da durante o interrogatório e ficarpresa durante longos períodos de tempo quando era acusada desta infracção.António da Silva falou à Comissão sobre a sua detenção, no início do período de administraçãoda Fretilin. Ele não foi <strong>tortura</strong>do, mas ficou preso em más condições e durante muito tempo:Em Abril de 1976, eu e os meus colegas fomos capturadosem Ailemi Lohono, no subdistrito de Uatu-Lari [Viqueque].Os nomes dos meus colegas eram Jeca Mausela, MárioNascimento, Ernesto da Cruz, Alfredo da Cruz, João daSilva, Teotónio Sarmento da Silva, José de Araújo eRaguiel da Silva. Fomos detidos porque…éramossuspeitos de colaborar com o Governo e os militaresindonésios. O CCF mandou as Forças Armadas (Falintil) aminha casa para me deter e ao meu filho, TeotónioSarmento da Silva. O meu filho tinha cerca de 14 ou 15anos na altura.Eu, o meu filho e os nossos amigos fomos detidos eamarrados individualmente e depois aos pares. Depois,disseram-nos para caminharmos até à cidade da Zona[subdistrito], vigiada de perto até à nossa chegada. Nãoreconheci os soldados das Falintil…A detenção foi ordenada pelo comissário políticoT133…Quando chegámos à Zona, fomos interrogados, uma um. Nem todos fomos interrogados da mesma maneira:uns foram <strong>tortura</strong>dos durante o interrogatório; outros foraminterrogados, mas não <strong>tortura</strong>dos; e outros foraminterrogados e depois mortos, nomeadamente FranciscoXavier, de Uatu-Lari [Viqueque], e um outro de Mindelo, nosuco de Uaibobo [Ossu, Viqueque]. Ambos eram civis. 235A conduta no campo de batalha também poderia ser um teste de lealdade à Fretilin. Gaspar Luísfoi ferido no peito durante um tiroteio com as ABRI, em Agosto de 1976, tendo por isso deixado ocampo de batalha e voltado ao quartel-general. Foi denunciado como traidor e colocado numburaco, na Renal de Nundamar, durante dois meses, sob ordens dos membros principais doCCF T135 e T136. O comissário político, Mau Lear, ordenou a sua libertação. 236Conflitos internos armadosSob a pressão crescente dos militares indonésios invasores, verificaram-se várias cisões naliderança da Fretilin — o que levou à detenção e <strong>tortura</strong> de muitas pessoas por criticarem um ououtro líder. A Comissão também tomou conhecimento de pessoas serem rotuladas comoreaccionárias ou traidoras por criticarem a liderança ou por apoiarem um líder que eraconsiderado reaccionário ou traidor. Em vários casos, essas pessoas foram executadas (verSubcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados).- 64 -


Conflito entre Hélio Pina e José da Silva, Outubro de 1976Em 1976, em Fatubesi (Ermera), verificou-se um conflito interno na liderança da Fretilin, entre ocomissário político do Sector da Frente Norte, Hélio Pina, e o chefe dos funcionários das Falintil,José da Silva. Celestino de Carvalho Alves foi detido devido a este diferendo e disse à Comissãoque o conflito surgiu porque Hélio Pina e o comandante Sebastião Sarmento queriamdespromover José da Silva para o cargo de vice-chefe dos funcionários. Segundo CelestinoAlves, a 6 de Outubro de 1976, o comandante da companhia, José Soares, sob ordens de Joséda Silva, levou Hélio Pina para Fatubesi à força, para resolverem o diferendo. Contudo, nessanoite um grupo de homens liderado pelo comandante Pedro Lemos, de Leorema, que apoiavaHélio Pina, atacou Fatubesi. Os homens conseguiram resgatar Hélio Pina, mas várias pessoasmorreram no ataque. 237 Celestino Alves, que era oficial de segurança da Fretilin em Fatubesi,fugiu com José Soares e 60 dos seus homens, escondendo-se em Leorema. Antes de chegaremao esconderijo, foram capturados por T137, um comandante das Falintil. Foram detidos porpouco tempo em Leorema e, posteriormente, levados para Poerema (Ermera, Ermera)eaprisionados numa casa vazia:Em Poerema, sofremos uma <strong>tortura</strong> invulgar. Fomosespancados, queimados, amarrados com tanta força quesentíamos o nosso sangue parar de correr. Alguns foramlevados e mortos. Outros foram <strong>tortura</strong>dos como JesusCristo, numa cruz de madeira. Mandavam-nos dormir numlocal cheio de lama, ou salpicavam a nossa cama comágua para ficar molhada. Espancavam-nos com madeira,chicotes, bambu e…eles espancavam os nossos corposcom canos e ferro. Até acabarmos por chegar ao ponto denão sabermos o que nos estava a acontecer na prisão…Osadismo era extraordinário…Não recebemos alimentaçãodurante este tempo. 238Ao longo do ano seguinte, os prisioneiros foram deslocados entre vários centros de detenção,incluindo Cailaco (Bobonaro) e Saugata (Maubara, Liquiça). Eram deslocados à medida que asforças indonésias avançavam. Alguns eram mortos, outros morriam devido às terríveis condiçõesem que se encontravam presos — incluindo falta de alimentação e de medicamentos. Passadoum ano, só estavam vivas três das 62 que haviam sido capturadas. Estas pessoas eramCelestino Alves, José da Silva e um outro homem, chamado Jerónimo Albino da Silva. Depois,num dia de Novembro de 1977, foram chamados a Fatubesi para serem interrogados pelocomissário do Sector da Frente Norte, T139. Celestino Alves disse à Comissão que, durante ointerrogatório, T139 o ameaçou com uma pistola, uma outra arma e uma corda (para o enforcar).Os prisioneiros ficaram presos na Estufa (ver abaixo: centros de detenção da Fretilin, Ermera).Celestino Alves acabou por ser libertado de lá por T139. 239Jerónimo Albino da Silva também falou à Comissão sobre a sua detenção — igualmenterelacionada com o conflito entre José da Silva e Hélio Pina no Sector da Frente Norte. Disse quemuitos outros foram presos com ele, incluindo: Celestino Alves (Sei Moris), José Soares, José daSilva, José Carvalho, Cornélio Soares, Alberto Babo, Afonso Araújo, Manuel Alves, Aparício,Belarmino Alves, Bosco Araújo e Domingas Madeira. Descreveu como foi detido em Asulau/Sare(Hatulia, Ermera) pela sua relação com José da Silva. Jerónimo da Silva confirmou que ospresos foram brutalmente espancados, pontapeados e esmurrados, tanto na altura da detençãocomo em Poerema. 240 Ele acabou por ser enviado para a Renal de Saugata, onde permaneceuaté ao ataque das ABRI, em Fevereiro de 1979.Eduardo de Jesus Barreto disse à Comissão que foram executados cerca de 40 presos devidoao conflito interno entre José da Silva e Hélio Pina, em Outubro de 1976. 241- 65 -


Diferendos em Iliomar, Lautém, Novembro de 1976A Comissão também recebeu informações sobre o conflito entre Francisco Hornay, que eracomandante das Falintil e companheiro de Aquiles Freitas, e os líderes da Fretilin no subdistritode Iliomar. Segundo o filho adoptivo de Francisco Hornay, Constantino, Hornay formou um grupoconsiderado “reaccionário” em Iliomar porque não concordava com a ideologia política daFretilin. A comunidade do suco de Tirilolo (Iliomar, Lautém) contou a história destesacontecimentos (ver caixa abaixo).- 66 -


Conflito interno da Fretilin em Iliomar, Novembro de 1976Em 1976, em Iliomar, verificou-se um conflito interno na Fretilin. O secretário da Zona de Iliomar,Tomás Pinto (Lesamau), e o líder das Falintil, Afonso Henrique, ordenaram a detenção deFrancisco Ruas Hornay por um dos seus homens, Mateus Oliveira, ter tido um comportamentoindisciplinado e dado um tiro num coco, em Cacaven (Lospalos, Lautém), enquanto voltava deLospalos. Francisco Hornay submeteu-se a um processo de autocrítica perante o comissáriopolítico, Juvenal Inácio (Sera Key), em Akara (Iliomar, Lautém). Depois, seguiu Sera Key atéBelta Três para se submeter ao justo correctivo durante 14 dias e limpar a mente de ideiascontrárias à ideologia da Fretilin.Quando voltou de Belta Três, Francisco Hornay deu formação militar às antigas forças daSegunda Linha e jovens de Larisoru-mumu, mas membros do CCF decidiram que a formaçãotinha efeitos negativos e encerraram-na. Depois, membros do CCF anunciaram que todos oscivis deviam reunir-se num local para receber formação política e Hornay discordou dessamedida. Hornay foi convidado pelo CCF a participar numa reunião em Istasi, Fuat. Nãocompareceu porque ouviu boatos de que seria preso na reunião. Ele também impediu pessoasde dois sucos, Iliomar II e Tiriloro, de irem. Enviou 45 pessoas em sua representação, lideradaspor Celestino Barreto e Bernardo Soares. Sentindo-se inseguro, Hornay foi para Uaibitae(Quelicai, Baucau) para pedir ajuda a Aquiles Freitas. Quando voltou, tinha metralhadoras G3,granadas e munições, mas como precisava de mais munições, mandou 12 dos seus homensirem buscar algumas a Uaritin, um depósito de munições em Iliomar.Depois, Hornay mandou dois dos seus homens, Celestino Barreto e Afonso Barreto, ao encontrode líderes de Iliomar, nomeadamente Jeremias dos Reis e Gregório Pinto, para tentaremresolver o conflito. Os líderes não estavam lá e Celestino Barreto e Afonso Barreto foram detidos— Celestino foi levado para Borutau (Iliomar). Então, Hornay enviou os seus irmãos mais novos,Afonso Pinto e Silvino Ximenes, para tentarem resolver o conflito. Ambos regressaram porque asituação se tinha tornado mais tensa e não tinham conseguido encontrar-se com os líderes emIliomar. Por último, Hornay foi ele próprio, mais os seus homens, ao encontro dos líderes deIliomar para discutir o mal-entendido que se havia criado. Quando o grupo chegou a Larisorumumu(Lospalos, Lautém), Serafim Jerónimo disparou contra Hornay e este ripostou. Hornaycapturou dois dos homens de Serafim.Uma semana mais tarde, Hornay liderou um ataque ao grupo de Sera Key e a Fernando Txay,ferindo um soldado das Falintil e um civil. Sera Key e Fernando Txay mobilizaram soldados dasFalintil e civis para formar uma barreira e perseguiram Hornay e os seus homens até ao montePaitah (Iliomar). Hornay e 49 homens haviam fugido para Uatu-Carbau com uma metralhadoraG3. Alguns dos civis do monte Paitah renderam-se aos grupos de Sera Key e Fernando Txay.Nove pessoas foram presas e <strong>tortura</strong>das pelos homens de Sera Key. Um civil, Orlando da Costa,ficou angustiado pelo tratamento dado aos prisioneiros e foi ao encontro de Fernando Txay paradizer ao comandante que devia dirigir-se para lá o mais rapidamente possível, ou todos osprisioneiros seriam mortos.Passada cerca de uma semana do encontro com Orlando da Costa, Fernando Txay lideroupessoas de quatro sucos até Uatu-Carbau para capturar Hornay e os seus homens. Antes dechegarem ao grupo de Hornay, ouviram que Paulo Hornay tinha sido capturado e morto porT155, comandante da Fade (Força da Defesa, também conhecida como Armas Brancas [verCapítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia]. Então, os comandantes, incluindo FernandoTxay, Tito Cristovão da Costa (Lere Anan Timor) e Tomás Pinto (Lesamau), entre outros,entraram em Kulaldera (Uatu-Carbau) e capturaram 75 pessoas do grupo de Hornay. Todasforam amarradas e levadas para Tailoi-Caentau (Iliomar).- 67 -


Em Iliomar, os presos foram <strong>tortura</strong>dos e pendurados nos postes das casas. Gritaram de dor atéos líderes da Fretilin T813, T143 e T814, e os seus equivalentes nas Falintil, T815, T144, T816 eT817, decidirem que se os presos não iam ser interrogados, mais valia serem mortos. Noentanto, se fossem ser submetidos a algum tipo de processo de interrogatório, não deviam ser<strong>tortura</strong>dos.A 17 de Novembro de 1976, foi decidido que oito pessoas seriam executadas em Kakinatar, Lore(Lautém): entre elas encontravam-se António Oliveira, Óscar Ferreira, Ângelo Pinto, AntónioSoares, Silvino Ximenes, Júlio Ximenes, Libertino Bastos e Bernardo Soares. Os que haviamsido acusados de violações menos graves teriam de submeter-se ao justo correctivo durantedois meses em Cacaven, onde tinham de fabricar sal, cortar árvores de sagu e fazer farinha desagu. As crianças que não tinham feito nada de mal foram mandadas para casa, mas a sualiberdade ficou restrita.Então, Francisco Hornay, juntamente com Duarte Ximenes Pinto, José Nunes, Dinis de Castro,Manuel Sarmento e Marcos Pinto, foi capturado em Quelicai e levado para Iliomar. Os seisprisioneiros não foram interrogados, tendo sido imediatamente executados em Muapepeh(Iliomar, Lautém). 242Constantino, filho de Francisco Hornay, tinha cerca de 11 anos quando foi detido, juntamentecom membros da sua família e outras pessoas, pelo comandante da Fretilin T142 e o membro daFretilin T143, em Uatu-Carbau, em Novembro de 1976. Constantino disse à Comissão:Fomos capturados de madrugada. Fomos levados paraIliomar e amarrados num local chamado Sailari e depoisfomos colocados numa pocilga…depois disso, fomosinvestigados. Primeiro, os líderes e depois a arraia-miúda.Interrogaram-me no fim, passados cerca de quatro oucinco dias. Mantiveram-nos amarrados e davam-nos umarefeição por dia. Amarraram-nos com corda preta e cordanormal, em três camadas, e prenderam-nos a troncos debambu. Depois, fomos interrogados, um de cada vez, porum membro das Falintil chamado T144, o comandanteoperacional. Ele interrogou-me naquela manhã. Os altoscomandantes das Falintil T145 e T146 também meinterrogaram. Depois disso, fui libertado, sob a condiçãode trabalhar na cozinha, ir buscar água…procurar lenha etomar conta dos búfalos. 243Diferendo entre Francisco Xavier do Amaral e o CCF, Setembro de 1977O diferendo mais grave e mais conhecido entre a liderança da Fretilin ocorreu quando opresidente fundador da Fretilin, Francisco Xavier do Amaral, foi acusado de trair a luta daResistência e deposto. O conflito ocorreu no contexto de uma crescente crise de alimentação,saúde e segurança — que estava a provocar cada vez mais mortes de civis nas bases daResistência — e da aproximação dos militares indonésios. Francisco Xavier do Amaral pensavaque as pessoas deviam ser autorizadas a render-se e continuar a lutar nas cidades e nos sucos,mas a maioria dos membros do CCF opunham-se a essa medida. 244 O conflito criou umaatmosfera de desconfiança mútua entre a liderança da Fretilin e resultou na prisão arbitrária,<strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> de muitos companheiros e apoiantes de Amaral.- 68 -


Prisão e <strong>tortura</strong> de Francisco Xavier do AmaralFrancisco Xavier do Amaral falou à Comissão sobre a sua detenção e prisão devido aos seuspontos de vista sobre o futuro da luta:Começou a haver divergências dentro da Fretilin. Tínhamos começado a dividir-nos. Algunsdiziam que a doutrina [da Fretilin] não estava certa. Alguns diziam que a doutrina estava certa,mas que as pessoas não a seguiam correctamente. Alguns diziam que era boa. Começámos aperder a confiança uns nos outros…Por isso, eles detiveram-me, puseram-me na prisão eacusaram-me…de que eu tinha mandado pessoas renderem-se para que, no futuro, quando eume rendesse à Indonésia, me dessem um cargo de general ou de ministro. Este era o argumentodos que estavam contra mim. 245Xavier do Amaral descreveu à Comissão a sua detenção, em Setembro de 1977, e a suasubsequente prisão:Todos os membros do CCF decidiram a favor da detenção. Eu estava a dormir, em Mindelo,perto de Orsanako [Turiscai, Manufahi]. Acordei com Alarico [Fernandes] a gritar e a apontaruma pistola ao meu ouvido. Ele dizia: “Traidor, estás preso!” A ideia tinha sido de Alarico, fora elequem dissera em que eu tinha ideias anti-revolucionárias. Este problema existia desde que euregressara de Moçambique [em 1975]…eu tinha-me oferecido para entregar o cargo aAlarico…[mas] eles [os membros do CCF] sabiam que se eu renunciasse, perderiam a confiançadas massas das bases. Talvez esse problema tenha durado até eu ser detido…Além de me ser apontada uma pistola, não sofri qualquer outro abuso físico. Eles levaram-mepara Aikurus [Remexio, Aileu], mas primeiro, passámos por Soibada [Manatuto], pela aldeia deFatu Makerek, no suco de Laclubar [Manatuto], e depois voltámos a Turiscai [Manufahi]…Não fui<strong>tortura</strong>do durante a viagem, só ofendido com palavras como “Fala, seu traidor do país,reaccionário!” A viagem durou cerca de um mês.Quando cheguei a Aikurus, fui julgado pelo CCF. Acusaram-me de trair o país e de entregar opovo. Fora Alarico quem me acusara…[Mas] estavam todos lá, nomeadamente Nicolau [Lobato],Vicente Reis [Sa’he], Juvenal Inácio [Sera Key]. Todos me acusaram, mas através de Alaricoporque ele era o ministro do interior e da segurança. A decisão deles foi enviar-me para o SectorCentral Leste. Fui enviado para lá com 20 outros, incluindo Diego Moniz.Quanto à <strong>tortura</strong> que sofri enquanto estive preso, fui queimado com metal quente por T90. Todosos membros do CCF…estavam lá a assistir.Ninguém prestava atenção a [coisas como alimentação, água e vestuário]. Se íamos morrer, setínhamos fome, o problema era nosso. Eu recebia alimentação dos guardas, mas só porque elestinham pena de mim, não porque o CCF o ordenara. Muitos prisioneiros morreram, talvez 75%.Quando fui preso, cerca de 50 pessoas foram presas comigo, mas todos os dias morriam quatroou cinco pessoas. Se não conseguissem andar, eram mortos. No final, só sobreviveram cerca decinco pessoas.Amaral foi continuamente deslocado para fugir aos militares indonésios:Fiquei preso num buraco em Uaimori [Viqueque]. Quando chegávamos a um local, osprisioneiros eram mandados escavar os seus próprios buracos…Por vezes, ficávamos lá umasemana, outras vezes duas semanas no mesmo local, porque estávamos sempre a serperseguidos pelas ABRI.- 69 -


Em Outubro de 1978, quando o grupo estava na costa sul de Viqueque, o campo foi cercadopelas ABRI e, embora tivesse tentado fugir, Amaral foi capturado pelo Batalhão de Infantaria744. 246Além da <strong>tortura</strong> sofrida por Xavier do Amaral, muitos dos seus amigos e apoiantes foram detidose <strong>tortura</strong>dos por lhe estarem associados. Na sua autobiografia, Xanana Gusmão descreve as<strong>tortura</strong>s sofridas por Adão Amaral, José dos Santos, Pedro Sanches, Gil Fernandes, Raul dosSantos, Victor Gandara, José da Conceição, Dinis Carvalho e Andrade Sarmento, bem como asua intervenção para lhes pôr cobro. Xanana Gusmão descreve o efeito da <strong>tortura</strong> sobre PedroSanches: “Tinha o corpo queimado e lançava hálitos nauseabundos. Temíamos pela suavida.” 247A Comissão recebeu vários depoimentos de testemunhas sobre a detenção de pessoassuspeitas de apoiarem Xavier do Amaral. Domingos Maria de Andrade deu um testemunho àComissão descrevendo a sua prisão e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> que sofreu: foi espancado, pontapeado eameaçado com uma baioneta pelos soldados da Fretilin, T151 e T152, em 1978, em Mindelo(Turiscai, Manufahi). Domingos de Andrade disse que foi humilhado à frente de muitas pessoase acusado de ser um traidor. Foi preso durante um mês, tendo recebido apenas cascas debatata doce e restos para comer. 248Domingas Araújo Sarmento falou à Comissão sobre a detenção e <strong>tortura</strong> do seu marido, AlbertoViteho, no suco de Fatisi (Laulara, Aileu):Encontrei o meu marido, que era mensageiro de Xavier[do Amaral]. Pouco depois, apareceram forças da Fretilin,detiveram-no imediatamente e despiram-no. Depois,ordenaram-lhe que vestisse um sarong e levaram-nospara Trassu, onde o penduraram num coqueiro e oespancaram e <strong>tortura</strong>ram até ele sangrar. Eles [Falintil]ameaçaram-me de morte caso eu falasse com alguémsobre isto. 249Tomás Araújo, alto comandante da Zona Turiscai entre 1975 e 1977, foi detido numa reunião doCCF em Tutuluro (Same, Manufahi), em Setembro 1977, por motivos ligados ao caso deFrancisco Xavier do Amaral. Tomás Araújo foi detido com várias outras pessoas e ficou presodurante 27 dias em Aikurus, (Remexio, Aileu) e durante três meses em Fatubesi (Hatulia,Ermera), juntamente com oito dos seus amigos. Das nove pessoas presas em Fatubesi, duasforam executadas: Domingos e Mário Bonifácio. 250Feliciano Soares, um antigo membro da Fretilin, disse à Comissão que foi detido em Dezembrode 1977 por suspeita de se encontrar com o comandante da Frente Norte, Martinho Soares, queera fiel a Xavier do Amaral, e de dizer ao povo que se rendesse. * Foi levado para Abat (Fatubesi,Ermera) por ordem do Comissariado da Frente Norte, onde foi interrogado por T153 e pelo251assistente T154, mas não foi <strong>tortura</strong>do. Ficou preso durante dois meses.Januário Faria disse à Comissão que foi detido pela Fretilin em Caicasa (Fatuberliu, Manufahi) einterrogado sobre ter contactado Xavier do Amaral, com vista à rendição. Não foi <strong>tortura</strong>do, masfoi preso em Caicasa (Fataberliu, Manufahi) com outros prisioneiros, incluindo o padre Mariano(ver abaixo). 252Grasindo Mariano foi detido pelo comandante da Fretilin T155 e pelo membro da Fretilin T157,em Tutuluro (Same, Manufahi) a 11 de Setembro de 1976, e acusado de apoiar Xavier do*O comandante da Fretilin Martinho Soares foi preso na mesma altura que Feliciano Soares e também ficou aprisionadoem Abat. Martinho Soares desapareceu [ver <strong>CAVR</strong>, Resumo de Caso 902: Martinho Soares, 2003].- 70 -


Amaral. Foi preso na Igreja de Bubulau, Tutuluro (Same, Manufahi) durante dois meses e depoistransferido para Fahinehan (Fatuberliu, Manufahi), onde trabalhou nas hortas durante oitomeses. 253Impor a disciplinaA Fretilin prendeu pessoas com o objectivo de discipliná-las ou de punir infracções das suasregras dentro das bases da Resistência. A Comissão também tomou conhecimento de casos de<strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> entre os presos, sobretudo numa fase mais adiantada.Ijaias da Costa disse à Comissão que foi recrutado à força para as Falintil. Numa noite de 1976,em Remexio (Aileu), foi-lhe atribuída a vigilância nocturna, mas como não estava habituado amanusear uma arma, disparou-a acidentalmente. Foi punido pela Companhia Samarusa, tendoficado dois dias preso sem comer. 254Em 1977, Natalino de Andrade, um soldado da Fretilin, não se apresentou ao trabalho, emRemexio (Aileu), durante dois dias. O comandante do pelotão ordenou ao secretário da Zona,T147, e a dois outros membros da Fretilin, T148 e outro, que o detivessem. Natalino de Andradefoi amarrado e pontapeado durante cerca de uma hora e ficou preso durante quatro meses. 255Outras pessoas foram presas por procurarem comida fora das zonas delimitadas pela Fretilin.Henrique Pinto afirmou que em Dilor (Viqueque), a Fretilin permitia aos civis que vivessem etrabalhassem a terra em determinadas zonas, ao passo que outras eram marcadas com linhasvermelhas — significando que eram zonas de guerra. Os civis que quisessem entrar nessaszonas tinham de ter autorização. No entanto, muitos civis eram apanhados nas zonas proibidas,quando estavam à procura de víveres. As tropas da Fretilin toleravam essas violações uma ouduas vezes, mas se os civis fossem apanhados repetidamente, podiam ser detidos e presos.Devido à condição crítica dos abastecimentos de víveres e à prevalência de doenças na altura,muitos presos morreram em Dilor. Pinto afirmou que não existia uma secção de logística paratratar das necessidades básicas dos presos. 256Mariano Meneses foi detido três vezes porque não queria ser membro das Falintil. Disse àComissão que foi interrogado e obrigado a trabalhar nas hortas, mas não foi <strong>tortura</strong>do. 257 HorácioMendonça disse à Comissão que foi detido por um membro destacado do CCF, T40, em 1977, eesteve preso dez dias num estábulo por ter criticado tropas das Falintil que estavam a roubarmandioca que pertencia aos civis, mas não foi <strong>tortura</strong>do enquanto esteve preso. 258A 19 de Junho de 1977, um comandante regional, T149, nomeou Jaime da Costa, umcomandante de secção, para guardar os presos de Lacló (Manatuto). Certa noite, Jaime daCosta adormeceu e um prisioneiro fugiu. O comandante regional ordenou que ele fosse levadopara Aikurus (Remexio, Aileu). De noite, era colocado num buraco e, de manhã, era retirado ealimentado. Esteve preso durante uma noite e quatro meses. Jaime da Costa disse à Comissãoque não foi <strong>tortura</strong>do enquanto esteve preso, mas era obrigado a trabalhar a terra, plantandomandioca e legumes; os produtos eram entregues ao comando da Fretilin. 259Não seguir a ordem de um comandante também era motivo para castigo. Por exemplo, SilvérioTrindade disse à Comissão que, em Abril de 1978, ele e o seu amigo Alarico Trindade, ambosmembros da Fretilin no suco de Matata (Railaco, Ermera), foram chamados ao esconderijo doscomandantes das Falintil, Mau Brani e Mau Buti. Como não compareceram à reunião, umpelotão de soldados das Falintil foi enviado atrás deles. T141, um dos soldados do pelotão,amarrou as vítimas com cordas de bambu, mergulhou-as debaixo de água e depois prendeu-asnum galinheiro. Enquanto estiveram presas, T155 espancou-as com um cepo. 260- 71 -


Renal e outros centros de detenção da FretilinTestemunhos dados à Comissão descrevem a prisão em centros de detenção normais e emRenal, embora, em muitos casos, seja difícil distinguir entre ambos. Havia vários tipos de locaisde detenção em Renal. A Comissão identificou pelo menos dois tipos. O primeiro era um buracono chão coberto por barras de madeira, por uma tábua de madeira com uma rocha em cima, oucoberto por terra. Estes buracos tinham tamanhos diversos: alguns tinham apenas 80centímetros de altura, obrigando os prisioneiros a sentarem-se no chão; outros tinham quatrometros de profundidade, como os buracos da Renal de Nundamar, em Remexio. 261 O segundoera um centro de detenção acima do solo, rodeado por uma parede de pedras empilhadas, comdois ou três metros de altura. 262Marito Reis disse à Comissão que, durante 1976/1977, Vicente Reis (Sa’he) viajou pelossubdistritos do sector Centro Leste para explicar aos comandantes das Falintil que osprisioneiros não deviam ser mortos, mas reabilitados. Nessa altura, os presos encontravam-seem péssimas condições. Por exemplo, Marito Reis disse ter visto pessoas presas num buraco nochão coberto de bambu e terra, com apenas uma minúscula cana de bambu para respirarem, emLaleia (Manatuto). Disse que as Renal foram criadas por volta de Julho e Agosto de 1977 * e queao primeira Renal foi construída no Sector Centro Leste, num local chamado Ai-Manas Rai, pertode Lacluta (Viqueque). Aí a terra era fértil e onde, pela primeira vez, a Fretilin não tinha de fugirdas forças indonésias. 263 A Comissão tomou conhecimento de que as Renal foram criadas nasbases da Resistência da Fretilin existentes em cada sector, enquanto parte da estratégiarevolucionária:Os princípios por trás da criação das Renal eram que aformação devia continuar mesmo em tempo de revoluçãoe que as pessoas que não seguiam a orientação dopartido ou infringiam regras disciplinares deveriam ser“reabilitadas”. 264Os princípios enunciados por subjacentes às Renal eram “Lutar, Aprender e Produzir”. Os presoseram agrupados em cooperativas agrícolas, que, supostamente, funcionavam segundo umsistema de valores baseado em igualdade, apoio social e cooperação. Além de ser fornecidaeducação alfabética e formação em ideologia política, pensava-se que os presos cujas ideias ouopiniões não coincidissem com os conceitos e a estratégia da Fretilin, com a sua ideologia oucom a ideologia da luta, seriam “reabilitados” e passariam a apoiar a revolução.Durante o dia, os presos trabalhavam nos campos e, de noite, ouviam palestras sobre política. Oproduto das Renal era dividido entre as Falintil e os civis. O horário típico de uma Renal era:trabalho das 8 da manhã às 4 da tarde, com uma hora de intervalo para almoço; às 4 da tarde,os presos tomavam banho e recebiam formação política, em palestras dadas pelo assistente oupelo comissário político. 265Por conseguinte, teoricamente, as Renal eram bastante diferentes das prisões normais.Contudo, na prática, a diferença não era tão grande. As pessoas eram privadas da sualiberdade, com frequência por um período de tempo indefinido, até serem consideradas“reabilitadas” e apoiantes da Fretilin e da revolução. 266 A Comissão também tomouconhecimento de vários relatos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> dos presos das Renal, bem como deexecuções. Além disso, os víveres eram escassos e a aproximação das forças indonésias faziacom que a população não pudesse cultivar colheitas. Muitas pessoas morreram enquanto*Comparar com António Amado de Jesus Ramos Guterres, que disse que os Renal foram criados em 1976, depois daConferência de Soibada, em Maio desse ano. Segundo António Guterres, o primeiro Renal foi o Renal de Nundamar, emRemexio, Aileu (ver caixa abaixo) [Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Amado de Jesus Ramos Guterres, Lacló, Manatuto, 11de Dezembro de 2003].- 72 -


estiveram presas pela Fretilin, quer em Renal quer em prisões normais, de fome e de doença.António Amado de Jesus Ramos Guterres, que esteve presente na Conferência de Soibada, em1976, explicou:Quando uma pessoa era suspeita, tinha de ir para umaRenal e submeter-se à reabilitação. Recebia formaçãopolítica sobre política revolucionária. Muitas pessoas nãogostavam de política revolucionária, devido à ideologiacomunista [mas] a Fretilin…implementava-a à força. Oslíderes da Fretilin diziam com frequência que osreaccionários eram levados para uma Renal para seremeducados. Mas muitas pessoas eram <strong>tortura</strong>das ou mortasnas Renal. Algumas das que eram detidas em Renal eramlibertadas. Outras morriam de fome. 267Como as Renal eram supervisionadas pelo comissário político encarregue desse determinadosector e a situação militar era diferente em diferentes sectores, as condições variavam entreRenal. 268 Em alguns, as condições eram bastante boas, ao passo que noutros, a Comissãotomou conhecimento de se verificarem, com regularidade, casos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> dosprisioneiros e de haver muitas mortes devido a fome e doença.A Comissão identificou várias razões para a libertação de presos das Renal ou de noutroscentros de detenção da Fretilin/Falintil. Os presos podiam fugir, ou serem libertados após aintervenção de um líder. Também se podia dar o caso de os militares indonésios atacarem umbastião da Fretilin/Falintil — que também alojava presos — e estes conseguirem libertar-sedepois de os seus carcereiros fugirem. Por vezes, os presos eram capturados pelas ABRIdurante um ataque e depois libertados.Os testemunhos abaixo foram dados à Comissão e referem-se a casos de prisão, quer emcentros de detenção quer em Renal, nos distritos de Lautém, Viqueque, Manufahi, Aileu eErmera.ErmeraA Comissão recebeu 49 relatos de membros da Fretilin/Falintil presos pela Fretilin no distrito deErmera — o maior número de relatos do território. Também tomou conhecimento de civis presospela Fretilin/Falintil. Nem todas estas prisões foram em centros de detenção ou em Renal —algumas pessoas eram simplesmente privadas da sua liberdade e presas em qualquer lugar quefosse conveniente. António Malibere, por exemplo, disse à Comissão que foi preso numacaverna em Lauana (Letefoho, Ermera), durante quatro dias, por um comandante das Falintil,T121. 269Em 1977, havia uma Renal em Fatubesi. Adriano João, antigo assistente político da Fretilin emCailaco (Bobonaro), falou à Comissão sobre o tratamento dos presos:Alguns eram espancados, com ambas as mãosamarradas, e depois colocados na prisão subterrânea.Davam-lhes de comer uma vez por dia. Por vezes, nãolhes davam comida durante um dia. Alguns morreram dedoença e de fome. 270Uma das prisões de Ermera era singular — tratava-se da Estufa, em Abat (Fatubesi, Ermera).Segundo Celestino Alves, a Estufa foi construída pelos portugueses para queimar látex daárvore-da-borracha. Era muito escura, estreita e não tinha buracos por onde o ar fresco entrasse.Só lá podiam ser presas três pessoas de cada vez e, mesmo assim, tinham de sentar-se com as- 73 -


pernas “entrelaçadas como cruzes”. Os presos não podiam esticar as pernas, levantar-se oumexer-se. Celestino foi preso na Estufa com o comandante José Soares e Jerónimo Albino, pelocomissário político T139, em Novembro de 1977 (ver secção sobre o conflito entre Hélio Pina eJosé da Silva, Outubro de 1976, supra).Os três homens ficaram presos na Estufa dia e noite e só podiam sair uma vez por dia, namelhor das hipóteses. Recebiam alimentação apenas uma vez por dia e em quantidades muitopequenas — como um pequeno pedaço de mandioca para cada um, ou um prato de milhocozido para dividir pelos três. Celestino Alves disse à Comissão que não sabiam se iam viver oumorrer. Ficaram presos na Estufa durante cerca de um mês e foram libertados por Hélio Pina. 271ViquequeO quartel-general do Sector Centro Leste era em Viqueque. O Comissariado Político da Fretilin,o Cascol, era o comissariado sectorial mais inovador de todos em termos ideológicos. AComissão tomou conhecimento da existência de várias prisões e Renal no distrito.Clementino da Silva disse à Comissão que foi detido, amarrado e levado para Nahareka (Ossu,Viqueque) porque foi acusado de contactar a sua família na cidade. Ficou preso durante seissemanas em Nahareka e outras seis semanas em Uailaba. Enquanto esteve preso, foi-lhe dadaformação sobre a ideologia política da Fretilin no Centro de Formação Política (Ceforpol). 272António da Silva disse à Comissão que foi acusado de colaborar com os militares indonésios,com o intuito de se render. Foi detido em Abril de 1976, levado para a Zona 15 de Agosto, emAilemimi (Lohono, Uatu-Lari, Viqueque) e colocado numa pocilga. Disse que a estrutura era feitade pedras empilhadas até dois ou três metros de altura e que havia dez pessoas em cada uma.Também disse que os prisioneiros só recebiam uma refeição por dia e que foi obrigado acozinhar e a levar alimentação às Falintil no campo de batalha. António da Silva também falou decomo foi obrigado a frequentar aulas de formação política no Centro de Formação Politica.António da Silva ficou preso até Novembro de 1978 e rendeu-se quando a base da Resistênciafoi destruída. 273Paulo da Costa disse à Comissão que havia uma grande prisão da Fretilin em Uaimori,(Viqueque) que funcionou entre 1976 e meados de 1979, antes de as ABRI atacarem eocuparem a área. Eram escavados buracos grandes no solo e o espaço era dividido em celas.As celas de “três meses” eram para pessoas acusadas de terem “duas caras” (fingirem ser leaisà Fretilin, mas colaborarem com os indonésios). Nestas celas, os presos só recebiam umarefeição por dia, mas eram libertados passados três meses. Paulo da Costa falou à Comissãosobre a existência de um terceiro grupo, cujas violações eram “demasiado graves”, cujosmembros eram mortos: a tiro ou por ingerirem água salgada. A Comissão não pôde confirmar aexistência de um sistema de celas dividido em classes. 274 Segundo outras fontes, Uaimori erauma Renal conhecida por ser bem-sucedida na reabilitação das pessoas. Foi por essa razão queFrancisco Xavier do Amaral foi preso lá. 275A comunidade de Baulale, no suco de Irabin de Baixo (Uatu-Carbau, Viqueque) disse queFretilin/Falintil detia pessoas com frequência, sob suspeita de serem espiões indonésios, e asprendia em pocilgas. Os presos eram então interrogados, estando amarrados com cordas decavalaria. Informantes disseram à Comissão que um preso, chamado Paulo Fernandes, morreupor as cordas que o amarravam estarem demasiado apertadas, que três outros foramexecutados, mas que Xanana Gusmão libertou os restantes presos quando visitou Bautate. 276Xanana Gusmão disse à Comissão que a Renal de Ulusu (Uatu-Lari, Viqueque) funcionavasegundo o princípio de dar formação alfabética e política e permitir aos presos que cultivassemcolheitas de subsistência. Xanana Gusmão disse que a Renal sob sua responsabilidade atéproduzia colheitas abundantes, mas o inimigo destruiu-as todas quando atacou a área. As- 74 -


pessoas acusadas de serem reaccionárias ou traidoras eram detidas e enviadas para a Renal deUlusu. Os presos gozavam de uma liberdade relativa e podiam ser autorizados a visitar as suascasas, ou a serem visitados pelas famílias na Renal. 277Cipriano da Cruz descreveu como foi detido e amarrado pela Fretilin, juntamente com setefamiliares seus, em 1977, e levado para uma Renal em Uatu-Lari (Viqueque), provavelmente aRenal de Ulusu. Os presos foram mantidos num buraco durante seis meses, até XananaGusmão ordenar a libertação das 280 pessoas presas na Renal. 278LautémA Fretilin também manteve vários centros de detenção no distrito de Lautém, utilizados paraprender pessoas suspeitas de traição, de serem reaccionárias, de associação a líderes queestivessem sob suspeita, ou outras infracções. Estes centros incluíam: Belta Três, Fuiloro, nosubdistrito Lospalos; uma prisão pocilga no subdistrito de Lore; a prisão Besi Manas (FerroQuente) no subdistrito de Luro; e outra prisão pocilga que veio a ser a Renal Marabia, nosubdistrito de Iliomar. Testemunhos de antigos presos dessas prisões e Renal fornecem umadescrição pormenorizada de como era a vida dos prisioneiros da Fretilin neste período.Orlando Silva Correia Belo (Fernando So), falou à Comissão sobre as condições em três prisõespocilga no distrito de Lautém em 1976, antes da criação das Renal:Não éramos espancados, mas tínhamos de…manter osbraços levantados porque a corda continuava em redordas nossas cinturas e pescoços. Passado um mês deaprisionamento na pocilga de Belta Três, Irara, fomostransferidos para uma pocilga em Lore. Enquantoestivemos presos, fomos alimentados uma vez pordia…Por vezes, lavávamo-nos de duas em duas semanas.Passados dois meses, fomos transferidos para Iliomar.Em Iliomar, os presos foram divididos em três grupos.Cada pocilga tinha nove pessoas. A comida era parecidacom a de Belta Três e Lore. Comíamos sagu, pontas defolhas de palmeira, milho e mandioca. 279Gaspar Seixas, o antigo vice-secretário da zona de Iliomar, entre 1975 e 1977, disse à Comissãoque viu muitas pessoas presas em Renal. Disse:As actividades na Renal costumavam incluir trabalho emcampos de arroz, ou hortas, durante o dia e o regresso àprisão de noite, sob a guarda pesada dos soldados dasFalintil. Os produtos eram dados às Falintil…e também àspessoas que não tinham comida suficiente. Além detrabalharem, os presos recebiam formação política sobre aideologia da Fretilin e os princípios da luta. O adjunto LereAnan Timor deu estas lições no campo de Iliomar. 280Modesto de Jesus Sanches falou à Comissão sobre a sua prisão em Besi Manas, em 1978:- 75 -


Se tivéssemos sorte, recebíamos entre nove e doze grãosde milho, por dia, por pessoa, e só bebíamos água. Como[recebíamos tão pouco], ficávamos muito felizes quandoera a nossa vez de ir buscar lenha porque podíamoscomer as folhas que encontrássemos pelo caminho.Geralmente, eram enviadas cinco pessoas para buscarlenha de cada vez, atadas umas às outras pelacintura…com dois metros de intervalo, e o soldado dasFalintil que nos guardava segurava a ponta da corda.Se…um de nós visse uma noz no rio, corria para [a]apanhar, arrastando todos os que lhe estavam amarrados,que caíam uns em cima dos outros. Secretamente,queríamos rir, mas como tínhamos fome, fazíamos tudo oque podíamos para comer.Certo dia, o local onde estávamos foi bombardeado pelosaviões do inimigo. O adjunto T125 veio ter connosco edisse-nos que éramos todos traidores. Mandou um dosseus homens ir buscar um grande pau, aproximou-se deCristovão Lopes e bateu-lhe várias vezes na cabeça,matando-o ali mesmo. Eu vi com os meus próprios olhoscomo o guarda o espancou [até ele estar] morto e oarrastou lá para fora, para ser enterrado. Outra vítima foiJulião, que morreu de fome mesmo ao meu lado. Ele nãoera alimentado porque suspeitavam que fosse um espião.Em Junho de 1978, quando o adjunto Xanana visitou Lur,ordenou aos seus membros que desfizessem os nós queprendiam as nossas mãos e pernas. Mandaram-nos sentarlá fora, ao sol. Depois, mandaram-nos tomar lavarmo-nose cortar o cabelo. Os nosso corpos estavam infestados depulgas e piolhos porque, durante seis semanas, nãotínhamos podido lavarmo-nos. Foi o próprio Xanana quenos levou e nos entregou às nossas famílias, em Iliomar.Enquanto estive aprisionado em Besi Manas, a minhamulher, os meus quatro filhos, o meu sobrinho e a minhamãe estiveram presos na Renal de Marabia, em Iliomar,para trabalharem. 281Horácio de Conceição Sávio integrou o mesmo grupo de presos que Modesto Sanches e contouuma história semelhante à Comissão:Em 1978, fui detido com João Vienas, Alcino Sávio,Cristovão Lopes, Julião Cacavei, Mário Amaral, Félix daConceição e Bernardino…O comandante T156 e os seushomens detiveram-nos em Iliomar e levaram-nos para aprisão de Besi Manas, em Luro. Lá…fomos agredidos nacara e espancados na cabeça com armas até os nossoscorpos estarem inchados, cortados e a sangrar.- 76 -


AileuAs tropas Fade continuaram a espancar-nos e a dar-nospontapés e fomos pendurados num poste, expostos aocalor, durante nove dias, das 8 da manhã às 4 da tarde,hora em que nos retiravam de lá e nos devolviam às celas,mas com as mãos atadas atrás das costas. Enquantoestávamos pendurados, eles espancavam-nos. Entre aspessoas que nos espancavam, encontrava-se ocomandante T156, o adjunto T156, T125 e T159. Éramosalimentados, mas muito pouco, e apenas uma vez por dia.Se quiséssemos ir à casa de banho, tínhamos de terautorização e continuávamos a ser guardados pelastropas Fade. Fomos mandados trabalhar nos campos dearroz. Quando o adjunto Xanana visitou a prisão de BesiManas, passado um mês de estarmos presos, fomoslibertados. 282Nundamar era a principal Renal de Timor-Leste e situava-se no subdistrito de Remexio, emAileu. Nundamar era o campo de reabilitação modelo da Fretilin para implementação da suaideologia, mas também a Renal mais conhecida por violações graves dos direitos humanos.Xanana Gusmão disse à Comissão que houve casos de tratamento desumano de presos,incluindo espancamentos e queimaduras com madeira em brasa, que foram testemunhados pelocomissário político Sera Key. 283- 77 -


A Renal de Nundamar, em Remexio, AileuO Campo de Reabilitação de Nundamar foi o primeira Renal criada pelo CCF. Situada emRemexio (Aileu), 284 era a mais importante das Renal . O CCF construiu Nundamar como localmodelo para pôr em prática a ideologia política do CCF. Tinha programas de alfabetização,palestras sobre consciência política e programas de desenvolvimento económico para os seuspresos, entre os quais se encontravam civis, membros da Fretilin e das forças das Falintil. 285Xanana Gusmão disse à Comissão que o comissário político Sera Key visitou Nundamar paraestudar os métodos aplicados na Renal antes de criar Renal no Sector Centro Leste.O CCF nomeou o adjunto Sebastião Montalvão (Lais) para principal responsável pela Renal deNundamar. “Lais” é a abreviatura de “Localização da Administração e Informação Serviços deinformação ”. 286 José Manuel dos Santos disse à Comissão que estiveram aprisionadas cerca de300 pessoas na Renal de Nundamar entre 1977 e 1978. Nundamar foi fechada a 28 de Maio de1978, quando foi atacado pelos militares indonésios. José Manuel dos Santos esteve preso emNundamar e disse à Comissão:Fui detido por um pelotão das Falintil, sob comando do comandante do sector, T160, porque merecusei a ser comandante da companhia no Sector Centro Norte. Originalmente, o meu cargoera colaborador do comandante da Companhia do Sector Centro Leste. Depois de ser detido, fuilevado ao encontro do comandante de sector T160, que disse que era reaccionário porque metinha recusado a aceitar a decisão deles. Fui preso na Renal de Nundamar. Em Nundamar, fuiespancado à mão…e açoitado com um chicote…não contei quantas vezes me chicotearam, masdurou muito tempo.Depois, os que estávamos detidos, incluindo Zacarias, Mário Mesquita, Marcelino, Gaspar,Alexio, António e Maurubi, de Laclubar, fomos presos e obrigados a cortar grandes pedaços demadeira e a levá-los para a Renal de Nundamar. Mandaram-me fazer sal na praia de Metinaro[Díli] durante duas semanas. Depois de a mulher do comissário político Mau Lear me ver, fuimandado ser enfermeiro e tratar dos civis e dos soldados das Falintil. Tratei presos na Renal deNundamar, mas por minha própria iniciativa…fui mantido prisioneiro até a Renal de Nundamarser atacada pelos militares indonésios. 287Morte e <strong>tortura</strong> dos presosAlguns presos eram espancados até à morte. José Manuel dos Santos falou à Comissão sobre amorte de vários prisioneiros, incluindo: Martinho Mesquita, que foi espancado, primeiro à mão edepois com um pilão de arroz, por T162 a 5 de Dezembro de 1977; Afonso Araújo e Leki Mau,ambos de Metinaro (Díli); Mauloco, de Ailok (Díli Oriental); Beremau, de Daralau (Díli Oriental); eum homem jovem (não identificado) de Hera (Díli). 288 Ele também deu prova que DomingosDulas, de Maubisse (Hatu Builico, Ainaro), foi morto a tiro, a 17 de Fevereiro de 1977, emNundamar. 289Alguns presos de Nundamar eram levados para o exterior e executados: segundo asinformações recebidas, Zacarias e Maria Fátima foram ambos executados na Aldeia 8, no sucode Liurai, a 8 de Março de 1977. José Manuel dos Santos disse à Comissão que foi escavadoum buraco no chão, os dois prisioneiros foram amarrados um ao outro, com cordas em redor dopescoço e da cintura, e os seus corpos foram atirados para o buraco. 290- 78 -


José Manuel dos Santos também disse à Comissão que os presos eram frequentemente<strong>tortura</strong>dos e maltratados em Nundamar. Disse que os presos eram espancados com paus,barras de ferro, pedaços de bambu, ou com um chicote conhecido como Chicote da Liberdade.Estes chicotes eram feitos de pele de búfalo entrançada — parecidos com os chicotescomummente utilizados em cavalos e búfalos — e tinham cerca de 80 centímetros decomprimento. 291 José Manuel dos Santos disse à Comissão que várias pessoas utilizavamregularmente os chicotes para espancar os prisioneiros, nomeadamente: o comandante T163,T162, o comandante da companhia T165, T166, T167, T168, T169, T170, T171, T172, T174,T175, T176, e o secretário T177. Estas pessoas eram (membros destacados do CCF) osprincipais agentes de T136.Outras formas de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> eram queimar os corpos dos prisioneiros com pontas decigarro ou varas de ferro aquecidas no fogo, ou colocá-los num buraco no chão. Na Renal deNundamar, havia dois buracos desses, um em forma de “E” e outro em forma de “U”, e tinhamcerca de três metros de profundidade. Os buracos eram cobertos em camadas — primeiro, comtroncos grandes dispostos em cruz, depois com bambu partido e, por último, com terra. Haviauma porta para cada buraco e os prisioneiros entravam e saíam por uma escada.Condições na RenalDurante o dia, os líderes da prisão ocupavam-se dando formação política às pessoas, ouparticipando em reuniões. As noites eram ocupadas com entretenimento, como bailes. José dosSantos disse à Comissão que T136 e os seus homens se embriagavam com vinho de palma nosbailes e depois decidiam, de forma arbitrária, deter e espancar pessoas com o Chicote daLiberdade e atirá-las para o buraco. 292 José Manuel dos Santos disse que, em certa ocasião,numa festa, viu T136 e os seus homens embriagarem-se e, sem motivo algum, espancarem LuísBarros com tanta força que a cabeça deste ficou gravemente ferida.Os movimentos dos prisioneiros estavam bastante restringidos. José Manuel Monteiro, o homemencarregue da Renal de Nundamar, reconheceu à Comissão que os presos não podiam deitarsenos buracos, só podiam sentar-se ou ficar em pé e, mesmo então, tinham de cruzar aspernas, devido ao confinamento do espaço. Os presos que iam ser executados não podiam sairdos buracos subterrâneos. 293Razões para a prisão em NundamarAs pessoas presas pela Fretilin na Renal de Nundamar eram consideradas traidoras. No entanto,José Manuel dos Santos disse à Comissão que não existia qualquer processo de investigaçãoobjectivo para provar essas alegações. Devido à gravidade das alegações, também não haviaqualquer processo de autocrítica ou justo correctivo em Nundamar. As condições para osprisioneiros que eram considerados traidores eram particularmente duras. A Comissão recebeutestemunhos que indicam que o tratamento médico podia ser recusado devido ao estatutopolítico dos doentes e que estes eram obrigados a continuar a trabalhar nas quintascomunitárias. Como os presos eram considerados traidores, não havia espaço para expressãocomo “doença”, ou outras desculpas. Todos tinham de trabalhar nos campos de arroz ou nashortas, mesmo quando estivessem doentes.Quando trabalhavam nos campos, os presos considerados infractores graves eram amarradosuns aos outros pela cintura, com dois ou três metros de intervalo, e guardados pelos soldados daFretilin/Falintil. José Manuel dos Santos disse que, nos primeiros meses da sua prisão, osguardas davam água aos trabalhadores quando estes tinham sede. 294 Contudo, depois de Xavierdo Amaral ser preso, os prisioneiros só recebiam água quando o membro das Falintil encarreguede os guardar era compassivo. José Manuel dos Santos e José Monteiro disseram ambos àComissão que esta privação fez com que muitos presos adoecessem e morressem. 295- 79 -


Os guardas de Nundamar não faziam distinções no tratamento dado a homens e a mulheres,sobretudo em questões de trabalho. Lúcia Osório Soares, mulher de Xavier do Amaral, porexemplo, foi obrigada a rapar o cabelo e a trabalhar na Renal.Alimentação e bebidaA alimentação consistia de pele de búfalo, cavalo ou cabra, cortada em pequenos pedaços emisturada com mandioca ou jaca e vegetais, como folhas de inhame selvagem. Esta mistura eracozinhada e cada preso recebia duas colheres cheias. Se a refeição fosse mandioca cozida,cada um recebia um pedaço. A carne dos animais abatidos era dada ao homem responsávelpela Renal e aos seus homens, ou enviada para os outros membros do CCF, residentes noSector Centro Norte. 296 José Manuel dos Santos disse que os víveres não eram suficientes e quemuitas pessoas morreram de fome e doença. Quase todos os membros de um grupo de civistrazido de Ilimanu (Lacló, Manatuto) — composto por homens, mulheres e crianças — morreramde fome ou doença, ou foram mortos. 297Deslocação dos presos entre RenalSegundo José Manuel dos Santos, os prisioneiros eram frequentemente deslocados entre Renal.Os presos eram levados para Nundama, vindos das prisões de Lacló e de Laclubar (Manatuto),de Laulara (Aileu) e de outros sectores. A maioria dos civis levados à força de Ilimanu (Lacló),incluindo mulheres e crianças, morreram de fome e doença, mas alguns foram executados. JoséManuel dos Santos também informou a Comissão de que os pertences dos presos, como jóias,vestuário e outros artigos, foram apreendidos por T136 e dados aos homens que lhe erampróximos e que T136 disse: “Fogo aos Traidores, Abaixo os traidores!” 298Maria Fátima Pinto também disse à Comissão:Naquela altura, estávamos numa festa. Por volta das 3 damanhã, eles [membros da Fretilin da Base B do SectorCentro Norte, zona de Laulara, Aileu] disseram que a festatinha de acabar porque “há traidores entre nós”. Nessamanhã, eles…detiveram-me e a vários outros.Fomos levados para a Renal de Nundamar, em Remexio.Fui interrogada sobre coisas que Maria Goreti enviara,como óleo, medicamentos e roupas. Eu recebera essascoisas e entregara-as a João da Silva Godinho, que asentregara a Nicolau Lobato. Como as informações nãoeram claras, fui presa no buraco da Renal durante doisdias com uma amiga, Maria Antónia, de Lacló. Fuilibertada por Nicolau Lobato, porque não havia provas deque eu tivesse agido mal.Continuei a ser punida na Renal durante três meses.Enquanto estive presa, mandaram-nos trabalhar nashortas e nos campos de arroz. Em 1978, membros daFretilin mataram vários presos atirando granadas para osburacos. 299Na Renal de Nundamar, em 1978, a Fretilin criou um local para prender crianças, conhecidocomo a creche. As crianças presas na creche eram filhos de prisioneiros da Fretilin, com idadesentre os dois e os cinco anos e, por vezes, eram mais de 50. 300 Segundo Maria Antónia, uma dasprisioneiras encarregues de tomar conta das crianças da creche, todas as crianças morreram,incluindo os dois filhos de Francisco Xavier do Amaral. Maria Antónia disse que as crianças- 80 -


padeceram de má nutrição, devido à alimentação de má qualidade que lhes era dada, e que sóeram lavadas com água, sem sabão. 301Raul da Costa testemunhou os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e o homicídio de presos da Renal de Nundamar e deErluli e outros homicídios cometidos pela Fretilin por ser vice-comandante da Zona Remexio naaltura. Ele deu prova da <strong>tortura</strong> infligida pela Fretilin aos presos na Renal, incluindo a <strong>tortura</strong>sofrida por Francisco Xavier do Amaral, sobre cujo peito foram colocadas brasasincandescentes. 302A prisão de AmbulanDomingos Maria Alves (Ambulan) era secretário de zona da Fretilin e foi detido em Lequidoe e(Aileu) e levado para Erluli (Remexio, Aileu) porque foi acusado de pertencer ao grupo de Xavierdo Amaral. Ambulan foi apelidado de traidor e depois <strong>tortura</strong>do pelo adjunto da Fretilin, T187, epor um membro do CCF, T90, tendo sido pendurado e espancado, entre outras coisas. Quasetodas as partes do seu corpo foram espancadas, à mão ou com madeira, e ele também foipontapeado. Ambulan disse à Comissão que T90 o interrogou à frente de vários ministros daadministração da Fretilin, incluindo Mau Lear, Hata, Mau Kruma, Sa’he, Nicolau Lobato e AfonsoRendentor. T90 perguntou-lhe se era guarda-costas de Xavier do Amaral. Ambulan respondeuque sim. Ambulan foi novamente <strong>tortura</strong>do por T187 e por T90. T187 espancou Ambulan com umpedaço de madeira até a madeira se partir na mão dele. T187 agarrou noutro pedaço de madeirae espancou Ambulan até partir três pedaços de madeira. Depois, agarrou num último pedaço demadeira, que tinha a ponta em brasa, e queimou a pele de Ambulan. Ambulan disse que muitaspessoas foram executadas em público e T90 disse que isso foi feito para servir de aviso aopúblico e aos outros presos, para que não fizessem o mesmo.Ambulan disse que, certo dia de 1977, T90 lhe mostrou uma carta que, segundo T90, tinha sidoenviada pelo povo de Lequidoe. O conteúdo da carta dizia que Ambulan não estava autorizado avoltar para Lequidoe. Pensou-se que a carta tivesse sido escrita por T90 e T132. No entanto,havia nomes na carta, como Gaspar, Mateus, Lequidoe, António, Mau João, Berleke e Bernardo.Devido a essa carta, Ambulan foi colocado num buraco subterrâneo. Ambulan ficou preso nesseburaco, com o seu amigo João Bosco, durante um mês e meio. Depois, Ambulan foi preso comXavier do Amaral durante uma semana, antes de ser transferido para Fatubesi (Ermera), paraonde foi levado juntamente com nove outros presos: Luís Koto, de Uatu-Lari (Viqueque); MárioBonifácio, de Lacló (Manatuto); Hermenegildo, de Maubisse (Hatu-Builico, Ainaro); José Saberee Diego, de Fahinehan (Fatuberliu, Manufahi); e Tomás, Domingos, Unkoli e Nuno, de Turiscai(Manufahi).Ambulan disse que, dos dez homens, cinco foram colocados numa cela especial e depoismortos, aquando de um grande ataque dos militares indonésios. Os cinco presos mortos eramLuís Koto, Mário Bonifácio, Domingos, Martinho e uma mulher de Suai (Covalima). Ambulan e osseus quatro amigos foram libertados. 303A Comissão também tomou conhecimento de vários incidentes de <strong>tortura</strong> em Lequidoe (Aileu).Guilherme Brito foi detido em Fatukaimauk, em Faturilau (Lequidoe, Aileu), em 1977, e foiamarrado e obrigado (por T196) a ficar no rio, a uma profundidade de um metro e meio, durantetrês dias e três noites. 304 Daniel de Andrade disse à Comissão que o seu pai (também chamadoDaniel de Andrade) foi detido em 1977 pelos comandantes das Falintil T197 e T187, emLequidoe, espancado com um bloco de madeira e amarrado a uma cruz durante uma semana.Depois, desceram-no da cruz e colocaram-no num buraco no chão, durante mais uma semana,até o retirarem e espancarem até à morte com um pedaço de madeira. 305- 81 -


ManufahiA Comissão tomou conhecimento da existência de, pelo menos, uma Renal em Manufahi,situada em Dotik (Alas, Manufahi), cujas condições eram semelhantes às da prisão vizinha deUitame, em Viqueque, supra descrita. 306 Tomé da Costa Magalhães falou à Comissão sobreprisões em Rameliak e em Lakeruhun, ambos no suco de Caicasa (Fatuberliu, Manufahi).- 82 -


A prisão de Tomé da Costa Magalhães:A 9 de Fevereiro de 1976, quando as ABRI começaram a atacar a área Fahinehan (Manufahi),um comandante da Fretilin chamado Matias mandou todas as pessoas, incluindo ToméMagalhães, correrem para a floresta. Na floresta, Tomé Magalhães escondeu-se na sua horta,em Ailora, Fahinehan. Francisco Xavier do Amaral e o padre Mariano também estavam láescondidos e juntaram-se a ele, formando um só grupo, mas depois Xavier do Amaral foi paraoutro local e o padre Mariano ficou com Tomé Magalhães em Ailora.A 9 de Setembro de 1976, sob ordens do comissário político, T199, o comandante T200, comquatro dos seus homens equipados com duas G3 e duas Mausers, foram a Ailora para deterTomé Magalhães e o padre Mariano. Tomé Magalhães e o padre Mariano puderam ir a casabuscar os seus pertences e depois foram, montados a cavalo, para Rameliak (Fatuberliu,Manufahi).Quando chegaram a Rameliak, membros da Fretilin aproximaram-se do padre Mariano epuxaram-no, fazendo-o cair do cavalo. Tomé Magalhães e o padre Mariano foram interrogados edepois colocados em celas separadas, com apenas uma parede de bambu entre eles. ToméMagalhães descreveu a cela como um espaço muito estreito, que não permitia qualquerliberdade de movimentos. Ambos eram vigiados de perto, dia e noite e, se precisassem de ir àcasa de banho, eram escoltados por dois membros armados das Falintil. De manhã, T199chamou o padre Mariano para interrogá-lo e, quando ele chegou, T199 mandou dois dos seushomens tirarem-lhe a roupa. Depois, T199 chicoteou o padre Mariano até ele perder aconsciência e colocou-o novamente na cela. O padre Mariano foi repetidamente interrogadosobre a sua ligação a Xavier do Amaral e <strong>tortura</strong>do durante os interrogatórios.Tomé Magalhães disse que, nem ele, nem o padre receberam alimentação da Fretilin enquantoestiveram presos. A sua família levava-lhe alimentação, que era sempre inspeccionada pelaFretilin e, por vezes, confiscada. Tomé Magalhães disse que nunca foi interrogado e <strong>tortura</strong>do,mas que T199 e os seus homens espancaram o padre, por turnos, durante três dias. Depois,T199 tentou obrigar Tomé Magalhães a lutar contra o padre Mariano, mas o corpo do padreestava tão ferido e inchado e as suas pernas tão duras que ele não se aguentava em pé. ToméMagalhães e o padre Mariano ficaram aprisionados durante três meses na prisão de Rameliak eforam transferidos para a prisão de Caicasa, em Fatuberliu.Em Caicasa, foram colocados numa casa construída sobre estacas com dezenas de varas debambu afiadas por baixo, onde ficaram presos, em condições terríveis, durante um mês. Aspernas de ambos foram colocadas num buraco de madeira e atadas com força, para que nãopudessem fugir, e as mãos amarradas atrás das costas. Quando era altura de comer, o guardatinha de levantar-lhes as cabeças e pôr-lhes a comida na boca. Eram alimentados apenas umavez por dia, com um pedaço de mandioca e água. Os prisioneiros não podiam ir à casa debanho, por isso tinham de fazer as necessidades fisiológicas no sítio onde se encontravam e asala fedia excrementos e urina. Fazia muito frio naquela área, mas não lhes foi dado um cobertorpara se taparem.Tomé Magalhães disse que, a 19 de Setembro de 1977, as ABRI entraram em Fahinehan. Osguardas da Fretilin retiraram-nos — a ele e ao padre Mariano — da casa de bambu e obrigaramtodos os prisioneiros a caminhar, amarrados uns aos outros, de Caicasa até Lakeru-Hun(Fatuberliu, Manufahi), onde foram juntados a presos de Fatuberliu, sob tutela do comandanteT206. Muitos presos foram <strong>tortura</strong>dos e maltratados — tendo os corpos picados por baionetas ouqueimados com cigarros acesos. Depois, os prisioneiros foram novamente transferidos paraRameliak, excepto o padre, que foi levado para Lequidoe.- 83 -


Mais tarde, Tomé Magalhães perguntou a T199 por que razão tinha ficado preso durante tantotempo, sem lhe ser explicado o que havia feito de mal. T199 respondeu: “Porque trabalhastecom Francisco Xavier do Amaral e o padre Mariano. Foi por isso que te castiguei. Mas, acreditaem mim, em breve serás livre.” Então, Tomé Magalhães foi colocado na Renal de Rameliak, paratrabalhar nas hortas e plantar legumes. A 8 de Agosto de 1978, passados quase dois anos deprisão, Tomé Magalhães foi libertado e regressou para junto da sua família. 307Valentino da Costa Noronha também falou à Comissão sobre a <strong>tortura</strong> e a execução dosmembros da sua família:LiquiçaComo não havia comida, a minha família, composta por 51pessoas, e eu decidimos ir para Aileu para apanharmandioca e batatas-doces na horta de alguém. Nocaminho de volta para Laututo, Tutuluro [Same, Manufahi]tínhamos fome e decidimos assar as batatas-doces e amandioca, para comermos. De repente, fomos cercadospor um grupo de pessoas das Falintil, que nos detiveram.As mãos de todos os meus familiares foram atadas atrásdas costas e fomos amarrados uns aos outros, com umacorda pela cintura. Disseram-nos para andarmos, desdeLaututo até Ailora [Fahinehan, Fatuberliu, Manufahi]. Pelocaminho, os soldados das Falintil <strong>tortura</strong>ram a minhafamília, espancando-nos com as mãos, ramos de limeiracom picos, ramos de bambu e ramos de madeira nasnossas costas e barrigas, e queimando-nos com cigarrosacesos. Quando chegámos a Ailora, todos os meusfamiliares foram amarrados e pendurados em postes decasas. De noite, as Falintil executaram 45 membros daminha família. Sete de nós salvaram-se porque um dosmeus tios era assistente político. 308Segundo a investigação da Comissão, a principal Renal do distrito de Liquiça era Saugata, nosubdistrito de Maubara. Houve, pelo menos, 120 presos nessa Renal durante o seu período defuncionamento. Celestino Alves, que fora detido a 15 de Outubro de 1976 com José da Silva e60 dos apoiantes de José da Silva, em Leorema (Bazartete, Liquiça) acabou por ser levado paraa Renal de Saugata (ver caixa sobre o conflito entre Hélio Pina e José da Silva, Outubro de1976, supra).Alexandrino de Jesus disse à Comissão que esteve preso, juntamente com 48 outros activistasda Fretilin na Renal de Saugata, entre Outubro de 1977 e o início de Janeiro de 1978.Alexandrino de Jesus fora acusado de planear render-se aos militares indonésios e de mantercontacto com o comandante Martinho Soares. A Fretilin prendeu o grupo durante três meses. Ospresos tinham de fazer trabalhos como arrancar ervas à mão numa área com cerca de 1,5hectares, para que pudesse plantar-se milho. Não lhes era dada qualquer alimentação, por issoAlexandrino de Jesus e os seus amigos tinham de encontrar os seus próprios víveres. 309A Comissão também recebeu testemunhos que indicam a existência de uma Renal emMaukurustema, em Berdois, Maubara, e um centro de detenção e <strong>tortura</strong> no Campo Sedoze, emKailima, no suco de Laculai (Liquiça). Por exemplo, Agapito dos Santos e quatro outros foramdetidos pelas Falintil em Bardois (Maubara, Liquiça), em 1977, tendo sido amarrados com cordasde bambu, espancados com um tronco e pontapeados com botas militares e presos durante setemeses e meio na Renal de Maukuruslema (Maubara), até o comandante José Soares, dasFalintil, os libertar. 310- 84 -


Algumas pessoas não eram presas num edifício ou noutro espaço, mas <strong>tortura</strong>das no local ondeeram detidas. Jorge Pereira Pinto disse à Comissão que foi acusado de traição em Março de1976, em Pukemanaru (suco de Manati, Liquiça) por, alegadamente, induzir a rendição de civisàs ABRI. Foi detido por dois membros da Fretilin, chamados T209 e T210, que o espancaram e opontapearam até ele cair e depois o espancaram com uma espingarda Mauser, deixando a suacara ensanguentada e o seu corpo ferido e inchado. A seguir ao espancamento, Jorge Pinto foiamarrado a uma árvore durante um dia e depois libertado. 311Violência nas zonas FretilinA <strong>tortura</strong>, bem como outras formas de tratamento cruel, desumano e degradante, foi perpetradaem muitas das zonas controladas pela Fretilin, não se limitando aos casos passados nas Renal enas prisões acima analisados. A violência era frequentemente utilizada como maneira decastigar qualquer mau comportamento, real ou suspeito, e de estabelecer o poder de umapessoa sobre outra. Seguem-se alguns exemplos:Valente de Sousa Guterres contou à Comissão como, a 3 de Janeiro de 1976, em Baguia,Baucau, foi espancado com um cinto por membros da Fretilin, que feriram o seu olho direito.Depois, foi pontapeado até perder a consciência. 312 O comandante da Fretilin T211 e o membroT212 interrogaram-no e estavam prestes a matá-lo quando Aurélia, a mãe do comandante MauHodu, interveio. Valente Guterres foi libertado pouco depois. 313Geraldo Pereira disse à Comissão que, em Molop (Bobonaro), em 1976, ele e dois outros foramdetidos e sofreram abusos, tendo sido espancados, à mão e com armas, pelas Falintil. Um dosoutros foi três vezes agredido na cabeça com uma catana, tendo sangrado bastante até perder aconsciência, e ao outro foram cortadas as orelhas. Ficaram presos durante três semanas edepois foram libertados pelo comandante Agosto Espírito Santo. 314António Soares disse à Comissão que foi detido na Zona de Modok, em Iliheu (Lacló, Manatuto,em Março de 1977, pelos membros da Fretilin T213, T214 e T215. António Soares foi levadopara a Zona de Modok, onde encontrou cinco outros membros da Fretilin presos (AntónioDemétrio, João Cárceres, Caetano Gusmão, João Harek e António Amado), cujos corposestavam inchados porque tinham sido queimados com varas de ferro quente. 315- 85 -


<strong>7.4</strong>.5 Prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> efectuados pelaIndonésia como potência ocupante, 1975/1979IntroduçãoDe todos os anos abrangidos pelo mandato da Comissão, o período de 1975 a 1979 é o queregista números mais elevados de timorenses arbitrariamente presos, <strong>tortura</strong>dos ou vítimas detratamento cruel, desumano e degradante. Estas violações ocorreram num contexto de caos eviolência, à medida que os militares indonésios invadiam e ocupavam gradualmente o território ea população civil fugia para as montanhas, para só depois ser capturada ou se render. Desdecedo que a prisão arbitrária foi uma estratégia militar para assumir o controlo da população eobter informações sobre a força e a liderança da Fretilin/Falintil. Os serviços de informação eramfrequentemente utilizados para localizar determinadas pessoas. As divisões locais eramexploradas para identificar e prender possíveis membros ou apoiantes da Resistência.Esta secção examina a natureza e a dimensão da prisão arbitrária, dos <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e da <strong>tortura</strong>sob os seguintes títulos:• Perfil estatístico das violações• Invasão de Díli• Conquista de outras áreas• Controlo do território, 1976 a 1979• Rendições, no início do período e as rendições e capturas em massa de 1978 a 1979.Perfil das violações: 1975 a 1979A Comissão registou 6.494 casos de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> neste período, perpetradospelos militares indonésios e pelos seus auxiliares, 43,45% (6.494/14.491) do total referente aosanos de 1975/1979. * As mulheres representam 11,32% de todas as vítimas deste período, umvalor relativamente elevado, uma vez que as mulheres raramente tiveram um papel activo nashostilidades.Tal como o gráfico abaixo demonstra, houve um grande pico de prisões, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> noinício do período, em 1975 e 1976, e um pico mais elevado no final do período, em 1979. Entreestes pontos, os valores mantêm-se elevados relativamente a outros períodos da ocupaçãoindonésia.Table 1 - Gráfico de prisões, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> no período de 1975/1979g1221hrvd600.pdf, g1221hrvd400.pdf, g1221hrvd1000.pdfOs picos de 1975/1976 e 1979 coincidem com grandes operações militares: sendo a primeira ainvasão do território (o início da Operação Seroja), que foi mais intensiva em finais de 1975 e noinício de 1976, sendo seguida pelos bombardeamentos e ataques de fuzileiros na região orientalem finais de 1978 e de operações de limpeza na região central em 1979, que resultaram emrendições e prisões em massa de civis nestes anos.*Destaque-se que, em 11,19 % (1622/14.491) dos casos o perpetrador era desconhecido.- 86 -


Mesmo nos intervalos entre estas grandes operações, o número de pessoas presas foi elevadoem relação ao dos outros anos da ocupação (ver gráfico na Introdução deste Subcapítulo). Estasprisões ocorreram enquanto os militares indonésios enfrentavam a Fretilin/Falintil, para assumir ocontrolo do território e expulsavam membros da Resistência de áreas já controladas pelosmilitares, para depois os eliminar.Os padrões das violações relacionadas com prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>, bem como de outrasviolações fatais e não fatais ocorridas durante esta primeira fase do conflito, variavam de regiãopara região. Embora a violência inicial aquando da invasão indonésia de 1975 fosse mais intensanas regiões ocidental e central, o foco das violações não fatais transferiu-se para a regiãooriental a partir de 1976. Foi neste ano que a Resistência começou a concentrar-se nas regiõesorientais de Timor-Leste, levando a que estas áreas se tornassem alvos das forças de segurançaindonésias.PerpetradoresA análise da Comissão referente aos perpetradores aos quais foi imputada responsabilidadepelas prisões ocorridas neste período é indicada no gráfico abaixo:[Inserir gp1pfvln400.pdf por aqui]O gráfico indica que os militares indonésios perpetraram a maioria das prisões. Embora a guerracivil de 1975 tenha provocado um grande número de mortes na sociedade timorense, o númerode pessoas que sofreram violações não fatais às mãos dos militares indonésios é mais elevadodo que o número de pessoas que sofreram violações não fatais às mãos de qualquer um dospartidos em 1975. Os militares indonésios foram referidos em 49,17% (4.393/8.934) de todos oscasos de prisão documentados no período da invasão, em 42,55% (1.328/3.079) dos casos de<strong>tortura</strong> e em 31,19% (773/2.478) dos casos de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Na maioria dos casos, a vítimaidentificou apenas as ABRI/TNI, não especificando a unidade ou secção responsável. Nesta faseinicial da ocupação, a maioria dos timorenses ainda não conhecia os vários elementos dosmilitares, incluindo os nomes e os números de batalhões. Muitas destas prisões iniciaisocorreram num clima de revolta e caos, quando os militares atacavam sucos ou grupos de civis,ao contrário do que se verificou em períodos posteriores, em que os batalhões residiam numadeterminada área e eram identificáveis pela comunidade.No entanto, é evidente que as unidades territoriais, incluindo unidades orgânicas e nãoorgânicas, participaram na prisão de suspeitos * As Forças Especiais ( Kopassandha/Kopassus)também prenderam pessoas. Além dos militares propriamente ditos, os timorenses quetrabalhavam para as organizações de defesa civil criadas pelos militares indonésios tambémparticiparam num número significativo de prisões neste período; provas qualitativas indicam quemuitas destas violações foram realizadas em conjunto com os militares. Estes padrões sãopraticamente idênticos aos dos incidentes de <strong>tortura</strong> relatados neste mesmo período.[Inserir gp1pfvln600.pdf por aqui]*As unidades territoriais eram unidades não combatentes responsáveis por uma determinada área geográfica eenquadravam-se na estrutura territorial dos níveis de comando — desde o nível dos subdistritos ao nível nacional. Asunidades territoriais orgânicas eram compostas na sua maioria por soldados recrutados localmente, ao passo que asunidades não-orgânicas incluíam batalhões territoriais das províncias indonésias. As unidades de combate não eramgeograficamente definidas e não se enquadravam na estrutura de comando territorial. Para mais informações, verCapítulo 4: Regime de Ocupação.- 87 -


Prisões durante a invasãoOs militares indonésios começaram a sua incursão nas cidades perto da fronteira com TimorOcidental em Setembro de 1975 e depois iniciaram a invasão de Díli a 7 de Dezembro de 1975.A invasão de Díli assinalou o início da Operação Seroja (Lótus) (ver Capítulo 3: História doConflito). Depois de assumirem o controlo da capital e de Baucau dois dias depois, as forçasdeslocaram-se, com o objectivo de capturar áreas estratégicas.Os padrões gerais de prisão eram os mesmos sempre que os militares chegavam a uma novaárea. As forças militares detinham civis e combatentes, que se haviam rendido ou sidocapturados. Em alguns locais, ocorreram prisões em massa, pois os militares pretendiamassumir o controlo sobre a população local e identificar membros ou apoiantes da Fretilin/Falintilligados à Resistência. Noutros locais, prendeu grupos familiares ou indivíduos que nãoconseguiram fugir na altura ou que foram capturados quando regressaram para procurar víveres.A prisão tinha vários objectivos:• Separava membros da Resistência da população geral• Era uma maneira de obter informação estratégica sobre a Resistência• Servia de punição para os membros ou apoiantes da ResistênciaAgosto a Novembro de 1975Entre Agosto e Novembro de 1975, as unidades das Forças Especiais indonésias, em conjuntocom Partidários timorenses, fizeram incursões à região ocidental, começando por Atsabe(Ermera), Bobonaro (Bobonaro) e Suai (Covalima), a 14 de Setembro, Batugade (Bobonaro) a 8de Outubro, Balibó (Bobonaro) a 15 de Outubro e Atabae (Bobonaro) a 20 de Novembro. Algunscombatentes da Fretilin foram capturados e presos em batalhas contra as forças indonésias.Alberto Tavares recordou:Em 1975, um Comandante da Segunda Linha, T216,obrigou-nos a fazer um ataque contra soldados indonésiosem Balibó. Eu e outros companheiros participámos numtiroteio com as forças indonésias em Balibó, desde manhãaté à noite. Como não éramos tão fortes como as ABRI,retirámo-nos para a nossa base em Damalaran [Balibó].Quando lá chegámos, as forças indonésias atacaram-noscom tanques e o meu irmão mais novo, Talo-Bere, foimorto. Depois da sua morte, o Comandante T216 rendeuseàs ABRI e depois ele e as forças indonésias vieramprender-nos em Atabae. Fomos detidos e presos emRairobo [Atabae]. Não recebemos qualquer alimentação,nem medicamentos, por isso só comemos folhas. O meufilho, Januário Tavares, morreu de fome. 316Há poucos casos de prisão de civis neste período, indicando que a prisão não fazia parte daestratégia da incursão. Num caso ocorrido no subdistrito de Atsabe, Marciana da Graçadescreveu como quatro civis, Mau Butar, Berleki, Beremau e Mausiso, foram capturados peloBatalhão 403 em Coileki, no suco de Babo Leten (Atsabe), e levados para a cidade de Atsabe.Os soldados, juntamente com um comandante Partidário, T217, levaram as vítimas para o sucode Malabe (Atsabe) e mataram-nas. 317Guilhermina Gusmão falou à Comissão sobre um caso semelhante, ocorrido em Atabae(Bobonaro):- 88 -


DíliEm 1975 [esqueço-me do mês] a Indonésia atacou o sucode Kolibau [Atabae] com tanques e atacou-nosindiscriminadamente. Não sei que unidade era porque euera apenas uma pessoa comum. Como tivemos medo demorrer, fugi com a minha mãe e o meu pai…Depois,começámos a ser atacados por aviões vindos deAidabaleten [Atabae], por isso escondemo-nos numacaverna e fugimos para Lou-Mate [Atabae]. Depois,escondemo-nos perto do rio Aidabaleten. Quando láestávamos, eles vieram ao nosso esconderijo e detiveramo meu irmão mais velho, Mateus Maubere. As pessoasque detiveram o meu irmão eram soldados das ABRI ePartidários, pessoas timorenses. Elas levaram-no paraAipusrah [Atabae], onde o amarraram a uma laranjeira e omataram a tiro. Nós assistimos, de longe. 318A invasãoNo dia da invasão de Díli, os militares capturaram e prenderam combatentes e civis que nãofugiram da cidade. Alguns foram levados para o cais do porto de Díli e executados (verSubcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Alguns membros da Resistênciarenderam-se às forças invasoras ao perceberem que já não podiam resistir. Marcelo da CostaPereira, o comandante de Operações da Fretilin do Sector A, disse à Comissão que ele e quatrooutros, Luís da Costa Cardoso Pereira, Sebastião Rodrigues, Celestino Ricardo e Simão Soares,se renderam quando as suas munições acabaram. O grupo foi então detido e levado para oporto, e outros centros de detenção, onde foi <strong>tortura</strong>do pelos seus captores:Fomos levados para o quartel-general do comando edepois para o porto, num tanque das ABRI. Quandochegámos, fomos despidos e ficámos apenas com a roupainterior durante 15 dias. Depois, fomos levados para o[centro de detenção] Tropical e [depois] para a Prisão deBalide [a Comarca]. Quando chegámos à prisão, fomosinterrogados, espancados na cabeça com ferro,queimados com cigarros e os nossos pés foram presosdebaixo de pernas de cadeiras. 319Alguns combatentes da Fretilin/Falintil foram capturados depois de fugirem do combate. LuísSarmento e 30 outros, que Rogério Lobato armara para defenderem a área de Palapaço emMotael (Díli), perceberam que eram demasiado poucos para enfrentar as Forças Armadasindonésias, por isso fugiram para se esconderem no aeroporto. Uma semana depois, foramdetidos por tropas das Kopassandha, depois de um informador, T218, dizer aos militares ondeeles estavam escondidos. O tratamento recebido por Luís Sarmento e pelos seus colegas foiparecido ao sofrido por Marcelo da Costa Pereira:- 89 -


As nossas mãos foram amarradas atrás das costas e[fomos amarrados] uns aos outros. Depois, fomos levadospara o porto. Quando chegámos, fomos atirados para ochão e depois atropelaram-nos com motos por duasvezes. Depois, levaram-nos para o [centro de detenção]Tropical, onde nos espancaram, nos despejaram águaquente em cima, nos queimaram com cigarros e nosderam milho cozido podre para comermos. Fiquei um anopreso no Tropical. Em 1977, fui transferido para a Prisãode Balide. 320Embora a maioria dos residentes de Díli tivessem fugido da cidade aquando do início da invasão,os que ficaram eram vulneráveis a ser arbitrariamente presos pelos militares. Marcus Valadares,de Beto, uma área de Díli atrás do aeroporto de Comoro, disse à Comissão como a sua famíliafoi presa dentro da sua própria casa:Quando os militares indonésios chegaram de avião, vimuitas pessoas caírem dos aviões. De madrugada…noaeroporto de Comoro, eu e a minha família não tivemosoportunidade de fugir porque fomos cercados por militares.Às 6 da manhã fomos detidos, não sei por que unidade.Durante três meses, fomos impedidos de sair de casa,excepto para ir à casa de banho. Se deixássemos a casa,seríamos mortos a tiro. 321Aqueles que fugiram para as montanhas foram perseguidos pelos militares e muitos foramcapturados em redor de Dare, nas colinas perto de Díli. Alguns dos capturados foram presos esofreram <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e <strong>tortura</strong>. Elda Guterres descreveu a captura do seu filho, um antigosoldado do Exército português em Timor-Leste:A 7 de Dezembro de 1975, muitas pessoas fugiram paraas montanhas e para a floresta devido à invasão dasABRI. O meu filho, Armindo, escondeu-se em Dare. AsABRI atacaram, vindas de muitas direcções ao mesmotempo, e capturaram muitas pessoas…incluindo o meufilho Armindo. Eles foram levados para Díli e colocadosnuma cela na prisão de Balide. Enquanto esteve preso,Armindo foi espancado, electrocutado e <strong>tortura</strong>do devárias maneiras. Depois disso, um soldado [Partidário]chamado Marcelino Ximenes, meu sobrinho, pediu àsABRI que mandassem Armindo para o hospital. [As ABRI]concordaram e enviaram-no para o hospital de WiraHusada [Díli], mas ele morreu a 24 de Julho de 1976. 322Os dias após a invasãoA investigação da Comissão indica que, depois da ocupação efectiva de Díli, os militaresindonésios começaram a identificar membros da Fretilin e depois a prendê-los, interrogá-los e/oupuni-los. Ao longo deste processo, as ABRI prenderam civis ou restringiram a sua liberdade demovimentos. Os civis eram mandados reunir-se em vários locais — entre os quais sedestacavam o edifício da Intendência e o edifício da Sota (Sociedade Oriental dos Transportes eArmazéns, uma empresa comercial portuguesa).- 90 -


A 7 de Dezembro, os militares indonésios ordenaram a centenas de civis que dormissem nochão do edifício da Intendência (anteriormente o Kodim de Díli, e actualmente o centro culturalUma Fukun) localizado a leste do edifício do governador (conhecido como Palácio do Governo).Na manhã de 8 de Dezembro, estes civis foram mandados andar ao longo da linha costeira até àzona do porto, onde os mandaram esperar em frente ao Hotel Timor. Nessa tarde, estes e outroscivis foram levados para a área de Pantai Kelapa/Kampung Alor. Passadas algumas horas, 127pessoas de etnia chinesa foram autorizadas a regressar às suas casas, mas um grande númerode timorenses foi mandado permanecer na área. 323A 8 de Dezembro, os militares indonésios iniciaram o processo de registo da população de Díli ecomeçaram a emitir cartões de registo. Disseram às pessoas que se apresentassem num edifícioque pertencia anteriormente à empresa de comércio grossista e retalhista portuguesa Sota, nosubúrbio de Bidau Lecidere (no momento da elaboração deste relatório, o edifício da Sota é ocentro cultural de Uma Fukun). No edifício da Sota, todas as pessoas tinham de preencher umformulário com os seus dados pessoais, incluindo a sua filiação política, para poderem receberum cartão. As pessoas que se identificaram como sendo da Fretilin foram imediatamentedetidas. António Caleres Júnior explicou o processo:A 12 de Dezembro, tivemos de ir para a Sota paraobtermos um cartão de segurança [registo]. [Eles]disseram pelo microfone [em cima de um carro quepercorreu Díli], que todos tinham e ir, ou enfrentar asconsequências. Todos foram buscar o cartão e depoislevaram-no para casa porque o cartão era verificado pelocaminho. Tivemos de preencher um formulário antes deobtermos o cartão e, nesse formulário, havia coisas quetínhamos de revelar, como o partido a que pertencíamos.Também havia várias verificações. Se eles não ficassemconvencidos, detinham-nos [e levavam-nos] para qualquerlado, mas nós não sabíamos para onde. 324Francisco Calçona foi detido no edifício da Sota devido ao seu cartão de membro da Fretilin. Elefoi inicialmente preso na Sota (actualmente, Díli Trade Centre) e depois transferido para o dentrode detenção Tropical, a 19 de Dezembro, de onde foi levado para o edifício da Sang Tai Hoo(uma loja em Colmera, Díli) para ser interrogado. Durante o interrogatório, foi obrigado aacocorar-se com um pau de madeira atrás das pernas e enfiaram-lhe cigarros acesos nasnarinas. Os seus interrogadores disseram-lhe para puxar as suas orelhas para fora eescreveram-lhe “hau Fretilin” (Sou Fretilin) na testa com tinta. Francisco Calçonha foi mandadopôr um capacete e agredido na cabeça com uma barra de ferro. 325Para se salvar, António Caleres, escreveu que pertencia ao partido Apodeti:- 91 -


Vimos que as pessoas da Apodeti se mantinham à parte eestavam a organizar coisas com os militares. Elas tambémdetinham pessoas. Mas também havia pessoas boas daApodeti, que nos explicaram a situação e nos disseramque devíamos escrever Apodeti no formulário. Por isso,todos o fizemos. Não era muito mau escrever KOTA ouTrabalhista, mas se escrevêssemos Fretilin, elesdetinham-nos e levavam-nos para qualquer lado. Euescrevi Apodeti para obter um cartão. O processo devistoria no edifício da Sota foi supervisionado por líderesdo partido Apodeti * que se tinham apresentado na Sota nodia anterior. 326Filomeno Gomes descreveu como ele e outros líderes da Apodeti, incluindo o líder partidárioArnaldo dos Reis Araújo, fugiram da prisão da Fretilin no dia da invasão e foram para o edifícioda Sota. No dia seguinte, 8 de Dezembro de 1975, “(o coronel) Kalbuadi e o major-general L.B.Murdani vieram ao edifício da Sota e encontraram-se connosco”. Vários membros do grupo daApodeti foram nomeados para supervisionar o processo de vistoria da população, porque osmilitares os consideravam mais capazes de identificar apoiantes da Fretilin do que os soldadosindonésios.Um padrão que se evidenciou nos depoimentos que as vítimas prestaram à Comissão foi o papeldesempenhado pelos membros dos partidos Apodeti e UDT no fornecimento de informaçõessobre os antecedentes de outros timorenses durante o período inicial da ocupação.Por vezes, isto podia resultar a favor de uma pessoa. Maria Olandina Isabel Caeiro Alves disse àComissão:Fui detida pelas tropas do barrete vermelho a 13 deDezembro de 1975 e levada para a Sota, que era utilizadapelas pessoas do partido Apodeti. Lá, encontrei-me com o[futuro] governador Arnaldo e com o sargento VicenteTilman…[e] ambos disseram às ABRI: “Ela não é mápessoa, não é comunista. Vigiem-na, interroguem-na, masnão lhe façam mal.” 327Em muitos outros casos, membros da Apodeti ou da UDT apontaram membros da Fretilin aosmilitares indonésios, acompanharam soldados durante as detenções de membros da Fretilin, oudetiveram-nos eles próprios. 328Por exemplo, Lino Soares disse à Comissão como, a 10 de Dezembro de 1975, quatro membrosdas Forças Especiais (Kopassandha) juntamente com T219 (um membro da Apodeti e o chefedo suco de Bidau Santana) detiveram o seu pai, Jeferino Soares, e o seu amigo Francisco daSilva em Bidau Santana (Díli Oriental, Díli). Eles tinham ouvido que Jeferino estava a esconderuma bandeira de Timor-Leste. Os militares espancaram as vítimas quando lhes amarraram asmãos e depois levaram-nas para o posto de comando, onde Jeferino foi espancado com maisviolência. Ficaram presos durante a noite e foram libertados no dia seguinte. 329Francisco Soares Henrique, um membro da Fretilin que resistira às forças invasoras no dia dainvasão, também foi detido na sua casa em Bidau Santana, a 10 de Dezembro de 1975. Talcomo no caso anterior, T219 foi a casa da vítima com os militares. Eles interrogaram Francisco,o seu irmão mais novo e o seu pai sobre as armas que foram encontradas na casa e acusaramnosde serem comunistas. Francisco Henrique e a sua família foram detidos e levados primeiro*Labut Melo, outro membro destacado da Apodeti, disse ter-se apresentado no Hotel Timor a 8 de Dezembro, em vez deno edifício da Sota, onde recebeu as armas que tinham sido entregues pelos combatentes da Fretilin que se renderam.- 92 -


para uma loja em Colmera e depois para o comando militar em Díli, onde permaneceram até aoinício de 1976, altura em que foram transferidos para a Comarca. 330Acácio Tau Pelo era um membro da Fretilin que também vivia no subúrbio de Bidau Santana naaltura da invasão. Ele disse à Comissão:A 12 de Janeiro de 1976, três membros da Apodeti, T220,T221 e T222, detiveram-me em minha casa e levaram-mepara o Comando Militar do Distrito de Díli [Kodim]. NoKodim, fui interrogado desde as 9 da manhã até ao meiodia.A pessoa que me interrogou foi T223. Eu fui detido porser membro da Fretilin. Depois do interrogatório, fuitransferido do Kodim to para o Tropical, onde fuiinterrogado novamente pelos serviços de informação e<strong>tortura</strong>do, tendo sido espancado com um cinto. A 15 deAbril de 1976, fui libertado e fui ao encontro da minhafamília. Depois, juntei-me ao Comité Central da Fretilin daZona Norte, sob o comando de Alarico Fernandes. 331- 93 -


Centros de detenção em DíliNum espaço de poucos dias após a invasão indonésia de Díli, as forças controlavam os edifíciosdo porto de Díli 332 e o edifício da Sota, tendo também tomado a antiga prisão portuguesa deBalide (Díli), conhecida como a Comarca, * os edifícios particulares da Sang Tai Hoo† e doTropical ‡ e várias casas particulares no subúrbio do Farol (Motael, Díli). Foram relatados muitoscasos de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e <strong>tortura</strong> por pessoas que estiveram presas em todos estes locais, mas ostestemunhos indicam que diferentes locais tinham diferentes finalidades. A prisão da Comarca,em Balide, e o edifício da Sang Tai Hoo, em Colmera, eram dois dos principais centros dedetenção nos primeiros anos da ocupação. A Comarca foi utilizada até ao final da ocupação, em1999.A ComarcaUm dos centros de detenção de prisioneiros políticos mais conhecidos durante a ocupaçãoindonésia era a Comarca, a prisão de Balide. A Comarca foi construída como prisão oficial pelaadministração colonial portuguesa em 1963 § e foi utilizada pela Fretilin durante o conflito internopara prender presos da UDT e da Apodeti. ** Em Janeiro de 1976, os militares indonésiosutilizavam a prisão como centro de detenção a longo prazo e prisão oficial de Timor-Leste, ondeeram presos criminosos normais e prisioneiros políticos †† — muitos dos quais ficaram presosdurante vários anos sem serem acusados, ou julgados, no final da década de 1970. ‡‡A Comarca tinha seis blocos de celas e oito celas de aço individuais, conhecidas entre osprisioneiros como “celas escuras”. §§ As celas escuras tinham apenas 2,02 metros decomprimento por 2,72 metros de largura por 3,1 metros de altura e péssima ventilação. Aspessoas eram presas de roupa interior, sem luz ou ar fresco, frequentemente em celas cheiasonde os prisioneiros só tinham espaço para ficar em pé. Outra cela, conhecida como “cela deMaubutar”, era utilizada para prisão solitária. Saturnino Belo, um preso da década de 1990descreveu a sua experiência na cela escura:Aquela cela não era como as celas normais…Quando se estava naquela cela, ficava-se muitonervoso porque não se podia vestir roupas, não se tinha calças. Só se tinha a roupa interior. Mastranspirava-se constantemente. Apesar de só dormirmos no chão, transpirávamos à mesma…Echeirava mal. A casa de banho estava avariada e, naquela cela, desde que se entrava, ficava-secom dor de cabeça e febre…*Também referida pelos depoentes como Prisão de Balide porque se situava no subúrbio de Balide, Díli.†Segundo as informações recebidas, o edifício da Sang Tai Hoo foi utilizado desde o dia da invasão até 1980, emboraseja possível que ainda fosse utilizado em 1981.‡Centro de detenção Tropical [Ver Testemunhos nº: 5092; 4881; 5730; 7011; 5725; 3742; 3734; 3607; 5683 da HRVD].Testemunhos fornecidos à <strong>CAVR</strong> indicam que o Tropical só foi utilizado em 1975/1976; foi reocupado pela milícia Aitarakem 1999 e utilizado para prender apoiantes pró-independência.§Plano de Fomento , um documento oficial da administração portuguesa, de 1963, que se refere à fase de construção daprisão da Comarca de Díli, uma instalação de serviços públicos.**Comité Internacional da Cruz Vermelha, East Timor Relief Operation, 16 September 1975. Correio electrónico ( E-mail)de Noel Barrow, arquivista da Cruz Vermelha Australiana, Sede Nacional, Melbourne, para a <strong>CAVR</strong>, 8 de Outubro de2004. Devido à natureza confidencial dos registos do CICV referentes às visitas da organização às prisões, não estãodisponíveis pormenores específicos.††Entrevista a Justino Mota, Lisboa, 3 e 4 de Julho de 1984. Segundo os relatos fornecidos à Comissão, VenâncioGomes foi uma das primeiras pessoas a serem presas na prisão. Ele foi detido imediatamente depois da invasão, tendosido inicialmente preso no centro de detenção Tropical, até ser transferido para a Comarca, em 1976, onde permaneceuaté 1979. Amnistia Internacional, Statement of Amnesty International’s Concerns in East Timor, ASA 21/09/83, Londres,p. 7.‡‡Amnistia Internacional, Statement of Amnesty International’s Concerns in East Timor , ASA 21/09/83, London, p. 61. Emmeados da década de 1980, a maioria dos prisioneiros eram acusados e julgados a determinada altura, mesmo quetivessem estado presos sem terem sido acusados numa fase inicial [ver Subcapítulo 7.6: Julgamentos Políticos].§§“ sel gelap” , “cela escura ” ou “ sel nakunun” , que significam cela escura em indonésio, português e tétum,respectivamente.- 94 -


Eu dormia de noite, mas nem se sabia quando a noite acabava. Só se sabia que era manhãporque o galo cantava e porque eles traziam arroz. Traziam arroz de manhã, traziam arroz aomeio-dia e traziam arroz de tarde…Mas quando fechavam a porta, não sabíamos se era noite oudia. Estava sempre escuro. De noite, rezávamos. Quando se tinha sono, dormia-se. Mas não seconseguia acompanhar a luz. 333Nos primeiros anos da ocupação, até meados da década de 1980, as condições de prisão eramextremamente más. * A prisão encontrava-se sempre sobrelotada devido ao número de pessoasdetidas em operações militares durante esses anos. † Por sua vez, isso levou a uma escassez dealimentos crónica e a más condições sanitárias. Quando o CICV começou a pesar osprisioneiros, por volta de 1983/1984, registou pesos corporais de presos tão baixos como 30kg. 334 Manuel Fernando Oliveira Neves, enviado com 16 outras pessoas para a Comarca a 12 deJunho de 1980, depois do ataque de Marabia, descreveu as condições:Fomos os 17 colocados numa cela confinada, que cheirava mal e estava cheia de dejectoshumanos. A casa de banho também cheirava mal. Dormíamos no meio dos dejectos, que játinham secado, e também no meio dos nossos próprios dejectos, pois não tínhamos colchõesonde dormir. 335Nos seus testemunhos à Comissão, as vítimas relataram repetidamente ter sofrido <strong>tortura</strong> e<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> enquanto estiveram presas na Comarca, sobretudo nos primeiros anos daocupação. Os interrogatórios também eram realizados na Comarca, mas era mais frequente ospresos serem levados para centros de interrogatório (e de <strong>tortura</strong>) especiais, como o edifício daSang Tai Hoo. Os prisioneiros da Comarca também desapareciam com frequência,principalmente de noite.Sang Tai HooSang Tai Hoo era uma loja chinesa que existia em Colmera (o principal distrito de negócios deDíli) durante a época portuguesa. O edifício tinha dois pisos; o piso térreo tinha duas salas e umagaragem; o primeiro piso tinha apenas duas salas muito pequenas e com péssima ventilação. Assalas do piso térreo alojavam cerca de 20 prisioneiros cada 336 e, quando ficavam cheias, ospresos eram levados para o piso superior — sendo colocados três em cada sala. SegundoAntónio Caleres Júnior, por vezes havia até 200 pessoas presas na Sang Tai Hoo. 337 Ascondições não eram minimamente higiénicas e os presos tinham de fazer as necessidadesfisiológicas dentro da sala. 338 Eram os presos quem limpava a casa de banho. Maria FátimaMaia, uma antiga prisioneira de Sang Tai Hoo, recordou:Eles levaram-me para outra cela com péssimas condições — a água estava obstruída comfleuma e fezes humanas…Eu não conseguia ver o sol, só via através da conduta de ventilação,mas eles também a taparam. 339*Em 1983, o Comité Internacional da Cruz Vermelha começou a visitar presos na Comarca e a defender publicamente amelhoria das condições da prisão. Foi construída outra prisão oficial em Becora (Díli), por volta de 1986, e depois emBaucau (Baucau), Gleno (Ermera) e Maliana (Bobonaro), em finais da década de 1980 e no início da década de 1990. AComissão não conseguiu determinar os anos precisos em que estas prisões ficaram prontas devido à destruição dosregistos do Governo indonésio em 1999.†A capacidade oficial da prisão era de 200 prisioneiros. [Testemunho de um funcionário civil indonésio ao AltoComissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Subcomissão para a Prevenção da Descriminação eProtecção das Minorias, citado em Amnistia Internacional, p.62.] Em meados de 1977, o número estimado de presos naComarca era 500 [Entrevista a Justino Mota, Lisboa, 3 e 4 de Julho de 1984] e, segundo a Amnistia Internacional, estenúmero atingiu os 700 em 1979. [Amnistia Internacional, Statement of Amnesty International’s Concerns in East Timor,ASA 21/09/83, London, p.61] O director da prisão entre 1980 e 1986 fala de “haver mais de 500 pessoas na prisão norescaldo das campanhas militares” [Peter Carey, entrevista a Ian Dion, Java Ocidental, 3 de Janeiro de 2004].- 95 -


Contudo, o edifício da Sang Tai Hoo era principalmente um centro de interrogatório e <strong>tortura</strong> enão um local de prisão. Os prisioneiros vindos de outros centros de detenção, como a Comarca,eram levados para a Sang Tai Hoo para serem interrogados. Por exemplo, Moisés Mesquita deAlmeida, um membro das Falintil, e o seu irmão mais velho, Manuel Soares, foram detidos emNovembro de 1976 e presos na prisão da Comarca, mas foram levados para a Sang Tai Hoopara serem interrogados. Moisés Almeida disse à Comissão que, a 12 de Novembro de 1976,durante os três dias em que foi interrogado pelo coronel indonésio T224, foi submetido a <strong>tortura</strong>e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>, incluindo “ter sido espancado, ter ficando com os dedos do pé presos debaixo deuma cadeira na qual se sentaram dois membros das ABRI, ser pontapeado na cara — e quaseme caírem os dentes — baterem-me nas orelhas até elas sangrarem e ficar surdo, entre outrasformas de <strong>tortura</strong>.” 340Francisco Soares Henrique disse à Comissão:Passado um mês no Tropical, fomos levados para a prisão de Balide. Todas as segundas-feiraséramos levados para a Sang Tai Hoo para seremos interrogados. Na Sang Tai Hoo, éramostratados com muita crueldade. Éramos obrigados a beber a urina dos soldados da ABRI eespancados até sangrarmos. Depois, éramos obrigados a dançar com as prisioneiras (MariaGoreti, Maria Soares, Maria Pereira, Elda Saldanha e Merita Alves), que só estavam vestidascom as cuecas e o soutien. Fiquei preso durante três anos e fui libertado em 1978. 341As práticas de <strong>tortura</strong> na Sang Tai Hoo eram particularmente cruéis e humilhantes. A maioria dosinterrogatórios eram realizados no canto de um corredor, por isso os presos não tinham comofugir. No mesmo piso havia um escritório administrativo que, por vezes, também era utilizadopara os interrogatórios. 342 Os guardas não fechavam as portas das celas propositadamente paraser mais fácil levarem os prisioneiros. Maria Fátima Maia (1981) disse à Comissão:Eu era sempre chamada de repente e de noite para ser interrogada e o interrogatório durava das7 da tarde até à meia-noite. Depois de ser interrogada, era levada para outra cela que tinha umacasa de banho. De manhã, tiravam-me da cela e punham-me numa arrecadação que só tinhaum buraco na porta. Davam-me de comer todas as manhãs através daquele buraco da porta. 343A Sang Tai Hoo não é mencionada em testemunhos sobre situações posteriores a 1981, o queindica que o centro poderia já não ser utilizado para interrogatórios e/ou <strong>tortura</strong> depois dessaaltura.Padrões iniciais de prisãoMesmo neste período inicial, começaram a surgir padrões claros das práticas de detenção. Doispadrões, referidos na caixa acima, era o uso de locais de detenção oficiais e não oficiais e o usode diferentes locais para diferentes finalidades — como a Comarca ser utilizada como centro dedetenção a longo prazo e a Sang Tai Hoo ou o Tropical serem utilizados para interrogatórios e<strong>tortura</strong>. Os comandos e bases militares também eram frequentemente utilizados para prenderpessoas, por vezes durante vários anos. Este padrão continuou a verificar-se ao longo daocupação.Outro padrão, igualmente verificado em períodos posteriores, era a frequente deslocação dospresos entre locais de detenção diferentes. Por vezes, os presos eram deslocados entre várioslocais numa noite. Este padrão, que começou logo no início do período de ocupação, foi repetidoem testemunhos recebidos pela Comissão até ao fim do período do mandato.A utilização de vários locais para diferentes finalidades pode explicar o facto de os presos seremassim tratados. 344 Além disso, diferentes interrogadores procuravam obter diferentesinformações de diferentes maneiras. Um antigo preso explicou que, se um interrogador nãoobtivesse as informações desejadas, o preso seria enviado para outro interrogador que utilizasse- 96 -


técnicas ainda mais duras. * Um padrão comum era levar os presos primeiro para centros dedetenção informal, como o Tropical 345 e a Sang Tai Hoo — cuja função principal era a de centrosde interrogatório e <strong>tortura</strong> — antes de os enviar para a Comarca. † O facto de a contínuadeslocação de um preso, sobretudo durante a noite, ser uma maneira de intimidar e desorientara vítima e de instilar o medo é outra explicação provável para este tipo de tratamento.A experiência de Francisco Soares Henrique serve de exemplo deste padrão. Francisco Soaresdisse à Comissão que, depois de ser detido pelas ABRI a 10 de Dezembro de 1975, foi levadopara as instalações de uma antiga loja, Toko Lay, onde permaneceu até 12 de Dezembro. Foientão levado para o quartel-general dos militares indonésios em Díli, onde ficou até 17 deDezembro, tendo sido depois transferido para o Tropical, onde passou cerca de um mês. Sóentão foi transferido para a Comarca, onde ficou preso durante três anos (ver caixa acima:Centros de detenção em Díli). 346Maria Olandina Isabel Caeiro Alves era locutora da Rádio Maubere e mulher de um membro dasFalintil aquando da invasão. Maria Olandina disse à Comissão ter sido detida por soldados nacasa do bispo D. José Joaquim Ribeiro, a 13 de Dezembro de 1975, e posteriormente levadapara o edifício da Sota. Nessa mesma noite, foi levada para vários locais em Farol, onde foipresa com outros, onde foi interrogada e <strong>tortura</strong>da: 347Então, eles levaram-me para Farol [Senopati 1], de noite.Puseram uma bandeira da Fretilin e uma bandeiraportuguesa no chão e obrigaram-me a pôr-me em cimadelas e a pisá-las…Fiquei lá cerca de 2 ou 3 horas.Depois, fui levada para outra casa em Farol. Na casa,prenderam-me na cozinha e sentaram-me, para serinterrogada. Já eram 2 da manhã. Como eu nãocompreendia indonésio, eles arranjaram-me um intérprete.Nessa noite, voltaram a mudar-me, para outra casa emFarol [RT Pan]. Prenderam-me na casa debanho…Deslocaram-me novamente para o porto de Dílipor volta das 4 da madrugada. Lá, conheci RN e SN. Elesprenderam-nos aos três juntos. Fomos insultados pormembros das ABRI, que nos disseram coisas vis.*Chiquito Guterres foi preso em 1996 e deslocado entre vários locais de detenção. Ele explicou: “As razões pelas quaisme deslocavam…primeiro, porque não conseguiram reunir provas suficientemente claras para me levarem a tribunal eme julgarem; em segundo lugar, porque pensavam que no SGI Colmera, por serem mais duros, podiam <strong>tortura</strong>r-me eobter provas concretas; em terceiro lugar, para que pudessem <strong>tortura</strong>r-me mais violentamente e fazer com que eudissesse os nomes de outros membros do movimento clandestino e de combatentes escondidos na floresta.” Estasrazões — obter provas de envolvimento mais concretas e os nomes de outras pessoas relacionadas com a Resistência— também se aplicaram durante a década de 1970. [<strong>CAVR</strong>, Entrevista a Chiquito da Costa Guterres, Díli, 14 de Junhode 2004].†Ver, por exemplo, Testemunhos da HRVD nº 0175; nº 0113; nº 3752; nº 4881; nº 3780; nº 5050. As Forças Armadasindonésias utilizaram presos para renovar o edifício da Comarca, no início de 1976.- 97 -


Fui <strong>tortura</strong>da o dia inteiro. Apesar de estar grávida, fui<strong>tortura</strong>da o dia inteiro. Obrigaram-me a ficar nua, depoisagarraram-me e queimaram-me. Enquanto estávamosnus, obrigaram-nos a ficar de pé em frente uns aos outrose olhámos uns para os outros e chorámos. Depois, elestocaram na minha barriga e disseram que o meu filho erauma criança comunista. E, usando uma régua, derampontadas nos órgãos genitais de RN e de SN. Depois, fuitransferida para o Tropical e interrogada durante algumashoras. 348Maria Olandina Isabel Caeiro Alves foi levada para Kupang (Timor Ocidental, Indonésia) a 19 deDezembro de 1975, onde ficou presa até 3 de Março de 1979 numa casa que pertence aosmilitares, sob o controlo de um coronel indonésio, T225. Embora não estivesse restringida a umacela, não podia sair da área em redor da casa.Martinho da Costa Jesus também foi preso em vários centros de detenção, antes de chegar àComarca. Ele decidira permanecer em casa, em Aitarak Laran (Kampung Alor, Díli) durante ainvasão, em vez de fugir com os seus vizinhos. Uma semana depois da invasão, um soldado dasABRI deteve Martinho da Costa Jesus e três companheiros seus — Sico Brito, Sung Hai eFrancisco dos Santos, todos civis — e levou-os para um posto militar em Marconi (KampungAlor, Díli). Martinho da Costa Jesus afirmou à Comissão:Quando lá chegámos, amarraram-nos os polegares emandaram-nos ficar em pé, contra a parede. Assustaramnos,disparando tiros de aviso [para o ar]. Eles levaramnospara Farol, onde fomos presos separadamente. Umcomandante, não sei o nome dele, pontapeou-meenquanto dizia que eu era comunista. A 16 de Dezembrode 1975, fomos levados para o porto de Díli, onde fomosdespidos até ficarmos nus e nos ordenaram que nosdeitássemos no chão. Depois, fomos atropelados váriasvezes por motos; ainda consigo sentir a dor. No porto, viT226, um membro destacado da Apodeti. Ficámos um diae uma noite presos no porto e depois fomos levados parao Tropical. No dia seguinte, 17 de Dezembro de 1975, fuiagredido por um coronel indonésio das ABRI, T227. Elebateu-me na testa com um pedaço de madeira, fazendomesangrar. Ficámos quatro meses presos no Tropical edepois fomos levados para a prisão de Balide. Fiqueipreso durante três anos e fui libertado em Agosto de1978. 349Vítimas marcadas como alvos para prisãoA investigação da Comissão indica que, nestes primeiros anos, os militares tinham umaestratégia clara de identificação e captura apenas de partidários da Fretilin e de membros daResistência armada, as Falintil. Também prendeu quaisquer pessoas que suspeitava poderemfornecer informação sobre a Resistência, incluindo:- 98 -


• Pessoas suspeitas de serem membros ou apoiantes da Fretilin ou de organizaçõesrelacionadas com o partido• Familiares de membros da Fretilin• Pessoas relacionadas com a antiga administração portuguesa• Membros da UDT que haviam sido presos pela Fretilin e eram tratados como suspeitosdevido a esse contacto.Até as crianças pequenas eram interrogadas. Numa audiência pública da Comissão, Maria JoséConceição Franco Pereira afirmou ter sido detida juntamente com a sua mãe por dois membrosdas ABRI, quando tinha quatro anos. Ambas ficaram presas entre 1976 e 1979. Maria JoséPereira contou à Comissão como foi tratada em Sang Tai Hoo:A minha mãe foi detida com várias outras mulheres e osseus filhos em Becora [Díli] porque o meu irmão maisvelho era membro da Fretilin e toda a minha família fugirapara a floresta, excepto a minha mãe, que era enfermeira.A minha mãe e eu fomos levadas para Sang TaiHoo…Nessa mesma noite, a minha mãe foi interrogada.Ela foi esbofeteada, chicoteada, cuspiram-lhe em cima,deram-lhe choques eléctricos e ameaçaram-na com umapistola. Tudo o que eu podia fazer era assistir…No dia seguinte, as ABRI detiveram um homem que eramuito velho e o filho dele, que devia ter mais dois ou trêsanos do que eu. As ABRI começaram a interrogá-los, maso velho ficava calado. Então, o filho dele respondeu,porque sabia que a Fretilin usara armas em Marabia[Lahane, Díli]…Depois disso, as ABRI disseram que ascrianças não mentiam e começaram a <strong>tortura</strong>r-me. Aminha mãe gritava sempre que me <strong>tortura</strong>vam e pediapara a <strong>tortura</strong>rem a ela…Uma vez, um soldado levantoumepela ponta das orelhas e pôs-me do lado de fora dajanela [do primeiro andar], segurando-me por cima da ruaque passava lá em baixo. 350Em alguns casos, a razão para a detenção não era clara, nem para a vítima. Daniel da CostaOliveira disse à Comissão ter sido detido por um intérprete indonésio, T228 e por dois membrosdo Koramil a 26 de Fevereiro de 1976. Detiveram-no em sua casa, mas não lhe disseramporquê. Os soldados levaram-no para a praia de Kampung Alor, depois para o porto, depois parao edifício da Sota e, por último, para o Tropical, onde foi interrogado e espancado. 351- 99 -


Fidelidade à IndonésiaMuitos antigos presos afirmaram ter sido obrigados a fazer actos simbólicos, demonstrandofidelidade à Indonésia — o invasor que se estabeleceria pouco depois como potência ocupantedo território — e rejeitando Portugal e a Fretilin. A Comissão recebeu depoimentoscomprovativos referentes a todo o período de ocupação.Um método comum de exigir fidelidade era através de rituais com a bandeira nacional indonésia.Maria de Fátima descreveu como teve de beber água na qual fora mergulhada uma bandeiraindonésia. 352 Outras pessoas eram amarradas a postes de bandeiras à frente de escritóriosgovernamentais ou de instalações militares. 353 Filomeno Soares, que se atrasou a apresentar-seao serviço como Ratih (rakyat terlatih, civil treinado) em Lequidoe, Aileu, foi obrigado a ficar emsentido perante a bandeira durante uma hora, mantendo-se durante esse tempo sobre apenasuma perna. 354Ter uma bandeira da Fretilin era causa suficiente para se ser duramente punido. 355 António Alvesfoi detido com uma bandeira da Fretilin a 20 de Novembro de 1990, na sua casa em Luculai(Liquiça, Liquiça) e foi violentamente esmurrado, pontapeado e espancado até ficar inconscienteno Koramil de Liquiça. 356 Valente Martins foi espancado com um bastão de madeira embrulhadonuma bandeira da Fretilin por ser membro do partido, em 1991 em Manetu (Maubisse, Ainaro). 357Outros presos foram obrigados a desrespeitar as bandeiras de Portugal e/ou de Timor-Leste. Talcomo já foi mencionado neste subcapítulo, Maria Olandina Isabel Caeiro Alves foi obrigada asentar-se em cima da bandeira portuguesa e a pôr os pés em cima da bandeira da Fretilindurante várias horas em Dezembro de 1975. 358 Num outro caso, Almeida Seguera contou àComissão como o seu irmão Dasbere, um membro da Fretilin, foi capturado em Maio de 976pelo Batalhão 403 das ABRI no distrito de Ermera, tendo sido fotografado com uma bandeiraportuguesa antes de ser levado e morto, segundo dois TBO. 359Além da bandeira, o Hino da Fretilin Foho Ramelau (monte Ramelau) também era utilizadodurante o interrogatório. Os presos relataram ter sido obrigados a cantar o hino aos seuscaptores. 360 Outros presos disseram terem sido forçados a ler o texto do Pancasila (um códigoindonésio de cinco princípios nacionalistas). Francisco da Conceição disse à Comissão que,caso se recusasse a ler o texto, seria mergulhado num tanque de água durante 30 minutos. Estecaso aconteceu em Maubisse (Ainaro), em 1991. 361Interrogatório, <strong>tortura</strong> e outras formas de tratamento cruel e desumanoOs interrogatórios, que com frequência recorriam à <strong>tortura</strong>, eram realizados com o objectivo deapurar quais os pontos fortes e fracos da Resistência. Júlio Alfaro, um antigo sargento timorensedo Exército português, foi interrogado sobre a Fretilin depois de ser detido pela Polícia Militar epelos serviços de informação a 12 de Dezembro de 1975. Júlio Alfaro disse à Comissão que,depois de passar dois meses num edifício atrás do Tropical, foi transferido para uma cela deprisão solitária na Comarca, de onde era retirado apenas para ser interrogado. Disse ter sidoquestionado não só sobre a sua relação com a Fretilin e se era ou não um comandante militar,mas também sobre as capacidades militares da Fretilin:Outro objectivo deles era saber a dimensão da capacidademilitar de Timor-Leste, em termos de armas, pessoal eapoio logístico. Até me perguntaram durante quanto tempoa Fretilin poderia sobreviver na floresta. Eu respondi que aFretilin poderia durar pelo menos dez anos. Não fui<strong>tortura</strong>do durante o interrogatório, mas voltavam sempre apôr-me na cela especial, a “Cela Maubutar”. Não medavam de comer depois de me interrogarem e eu dormiasobre o chão de cimento. 362- 100 -


Os presos da Fretilin sofreram <strong>tortura</strong> e outras formas de tratamento cruel desde o início daocupação. Contudo, tal como afirmou Júlio Alfaro, as manifestações de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> nãoeram uniformes. As formas de <strong>tortura</strong> registadas nos depoimentos das vítimas deste períodoinicial repetiram-se ao longo da ocupação. Os métodos incluíam:• espancamentos com os punhos, armas, pedaços de madeira, barras de metal ou outrosobjectos pesados• pontapés, frequentemente com botas militares pesadas• choques eléctricos• queimar a carne da vítima com um cigarro aceso• colocar os dedos dos pés da vítima sob as pernas de uma mesa ou cadeira e depoisfazer com que uma ou mais pessoas se sentassem na mesa ou cadeira para esmagaros dedos• ameaçar a vítima com uma faca ou com uma arma• utilizar água de várias maneiras — entornando água muito fria ou muito quente sobre avítima, ou mergulhando a vítima num tanque de água durante um determinado períodode tempo.Os prisioneiros também eram mantidos em condições desumanas: muitos relataram terem sidodespidos e ficado nus durante semanas; outros disseram ter-lhes sido negada alimentação ebebida.- 101 -


Interrogatórios em DíliFN era membro do grupo estudantil da Fretilin, a Unetim (União Nacional dos Estudantes deTimor), que realizava actividades em Baucau e em Aileu, e posteriormente, membro do grupo demulheres da Fretilin, a OPMT (Organização Popular das Mulheres de Timor) em Díli. Em Janeirode 1976 — tinha FN cerca de 16 anos — a sua amiga Filomena Aniceto foi a sua casa e disselheque os militares indonésios tinham chamado ambas a Sang Tai Hoo para sereminterrogadas. FN disse à Comissão:Filomena e eu sentamo-nos juntas e ouvimos as perguntas que a intérprete, T229, uma mulhertimorense, nos fazia. O soldado perguntou: “Vocês são estudantes da Unetim? Digam-nos quaisas actividades ou a missão realizadas pela Unetim até agora porque nós descobrimos que vocêsas duas estiveram em Aileu (Aisirimou) [onde se situava a base da Fretilin durante o conflitointerno]. Vocês viveram lá como animais – é verdade, ou não?” Ambas respondemos que nãoera verdade, mas eles continuaram a interrogar-nos e a distorcer as nossas palavras…até ànoite.Depois [do interrogatório] eles obrigaram a minha amiga Filomena Aniceto a ficar em Sang TaiHoo, mas mandaram-me ir para casa. No dia seguinte, fui novamente chamada para serinterrogada…Disseram-me que os meus companheiros, que tinham sido interrogados antes demim, [os estudantes da Unetim de Aileu] tinham todos feito as mesmas coisas em Aileu. Quevivíamos lá como animais. Eles aproximaram-se de mim e começaram a apalpar-me, dos pés àcabeça. O meu corpo estava frio, como um cadáver, mas, no meu coração, eu rezava para que aMãe Maria me protegesse de tudo o que eles fizessem. Eu gritava e chorava, mas isso só fezcom que eles ficassem zangados e me chamassem cadela. Eles puxaram-me o cabelo edisseram: “Agora tenta convencer os líderes da Unetim e da Fretilin a virem salvar-te.” Elesinterrogaram-me, distorcendo as minhas palavras, até à noite.No quinto [dia de] interrogatório, numa segunda-feira, os soldados foram a minha casa numcamião grande…Todos viram o camião militar parado em frente de minha casa. Eu não fiqueisurpreendida…mas os meus pais ficaram preocupados por eu ser repetidamente levada para serinterrogada. Desta vez, a minha mãe veio comigo. Eles levaram-me para o Tropical, mas quandolá chegámos, não deixaram a minha mãe entrar…Enquanto eu subia as escadas, reuniram-sesoldados em meu redor e empurraram-me, encostando uma espingarda às minhas costas. Elesgritaram para que eu me mexesse depressa. Havia muitos outros prisioneiros lá. O meuinterrogatório foi realizado por um soldado indonésio, T230, e por um intérprete indonésio, T231.Ele perguntou-me: “Quando é que as forças internacionais chegam a Timor-Leste para enfrentaras tropas indonésias?” Eles usavam estas palavras e acusações para tentar provocar discussõescom as pessoas que estavam a interrogar. Por isso, acusaram-me de ter sido obrigada a juntarmeà Unetim e à Fretilin. Depois, lavaram a bandeira vermelha e branca [indonésia] emandaram-me beber a água. Taparam a minha cara com um pano preto, puseram-me umcapacete na cabeça e bateram-me com um pedaço de madeira, do género que os políciascostumam utilizar. Bateram-me até desmaiar…Tiraram-me o capacete e o pano preto e depoisbateram-me na cabeça com a ponta da madeira até eu estar ferida e a sangrar.Depois de os interrogatórios terminarem, FN e Filomena foram mandadas trabalhar na casa docomandante-em-chefe todos os dias, para tratarem das flores. Um camião militar ia buscá-lastodas as manhãs, até que, segundo FN, acabaram por se esquecer delas. FN descreveu oimpacto que o seu contacto com militares teve na sua vida:- 102 -


Começaram a circular boatos sobre nós. Alguns companheiros nossos suspeitavam quetivéssemos tido relações sexuais com os soldados das ABRI e disseram-nos que as nossasvidas eram como batatas podres [fehuk ropa dodok]. Esse boato surgiu porque nós éramossempre deslocadas para locais diferentes para sermos interrogadas. Isso aconteceu porque nosmandaram ir a casa do comandante-em-chefe [a casa do brigadeiro Dading Kalbuadi] em Farolpara plantarmos flores em vasos. Todos os dias um carro militar ia buscar-nos para nos levar acasa dele para tratarmos das flores. 363Ocupação de outras áreasDepois da captura das cidades de Díli, a 7 de Dezembro, e de Baucau, dois dias depois, asforças indonésias deslocaram-se, quase em simultâneo, através das regiões central, ocidental eoriental. Em Junho de 1976, a Indonésia controlava a maioria das cidades e estradas (verCapítulo 3: História do Conflito, secção sobre a Operação Seroja, 1976/1979).Tal como na invasão a Díli, os combatentes eram presos quando eram apanhados ou quando serendiam às forças invasoras. Salvador Martins disse à Comissão:Em 1975, fui capturado, juntamente com doiscompanheiros [José Guterres e Francisco, ambosmembros da Fretilin/Falintil] pelas ABRI em Fatubesi[Hatulia, Ermera]. Fomos punidos, sendo obrigados aescavar o solo e a cortar e transportar madeira paraconstruir o posto das ABRI. Quando fomos capturados,tínhamos armas como G3, metralhadoras e Mauser. AsABRI levaram-nas e entregaram-nas no quartel-generalmilitar em Ermera. Ficámos um mês presos em Fatubesi edepois fomos levados para o quartel-general de Ermera,onde permanecemos um mês…depois, fomos para casa,ao encontro das nossas famílias. 364Tal como sucedera em Díli, a maioria da população fugiu quando soube que as forçasindonésias estavam a aproximar-se. Segundo as informações recebidas pela Comissão, foramfeitas detenções em massa nos poucos locais de onde a população não conseguiu fugir a tempo.João Freitas da Silva descreveu aquilo que viu quando as ABRI entraram no bairro de Kaibuti-Maimi (Ossorua, Ossu, Viqueque):Em Janeiro de 1976, as ABRI atacaram e entraram nacidade de Ossu. Eu vivia em Kaibuti-Maimi, em Ossurua.Como tive medo, fugi com a minha família para Ahabu, nosuco de Uaibubo [Ossu, Viqueque]. Em Fevereiro, asABRI atacaram-nos (e a outros civis) e eu, Gilberto, e umcompanheiro fugimos, escondemo-nos e vimos o que sepassou.[Nós vimos] muitas pessoas serem detidas, incluindoFrancisco da Silva, que os soldados levaram, para que eletransportasse as coisas deles…As ABRI tambémqueimaram as casas das pessoas e roubaram-lhes osanimais. 365Por exemplo, José Freitas disse à Comissão que ele e 166 outras pessoas foram presas emMaubisse (Hatu-Builico, Ainaro) durante dois dias pelo Batalhão 405, depois de os militaresentrarem na cidade em Dezembro de 1975. 366 Do mesmo modo, um homem timorense afirmou à- 103 -


Comissão que era oficial de segurança da aldeia e dava víveres às Falintil quando as ABRIatacaram Lequidoe (Aileu). Cerca de 190 pessoas, incluindo a sua família, foram capturadas elevadas para uma casa particular na vila de Aileu, onde foram <strong>tortura</strong>das por timorensesdesconhecidos. 367Os civis também eram presos. Os casos relatados à Comissão indicam que muitas pessoaseram presas de maneira aleatória enquanto os militares tentavam separar membros da Fretilinda população em geral. Os padrões de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> dos presos eramsemelhantes aos verificados em Díli: as pessoas eram presas em vários edifícios ocupadospelos militares, * onde eram interrogadas e frequentemente <strong>tortura</strong>das. Seguem-se dois exemplosde prisão de pessoas:Um homem timorense foi detido com a sua família quando os militares, incluindo Partidários,entraram no seu suco, em Viqueque em 1976. Eles foram postos numa cela na cidade einterrogados. Ele disse à Comissão não ter sido espancado, mas que outros presos da sua celaforam espancados violentamente. 368GN descreveu como os militares entraram de rompante no quartel-general da OPMT em Aileu, abase da Fretilin durante o conflito interno armado, quando invadiram a cidade em 1975 edetiveram as mulheres que lá trabalhavam. As mulheres foram pontapeadas e espancadas comarmas quando foram detidas e depois presas na Caserna (casernas militares portuguesas) deAileu, onde permaneceram três meses. Ela e outras mulheres foram violadas sexualmente sobameaça de morte. 369Divisões comunitáriasOs membros do partido UDT e do partido Apodeti desempenharam um papel fundamental naidentificação de membros da Fretilin aos militares. No distrito de Ainaro, por exemplo, José daCosta disse à Comissão que membros das ABRI e quatro membros da UDT detiveram o seu tio,Mau-Kei, em 1976, juntamente com Abak, Manuel Araújo, Bento e José Mau-Kiak, em Akadiroto,no suco de Suro-Kraik (Ainaro, Ainaro), por terem sido todos identificados como membros daFretilin. 370 Albino do Carmo Pereira disse que, em Julho de 1976, ele, Alfredo Bianco eDomingos Maumera foram obrigados a trabalharem como assistentes de cozinha do Batalhão327, no posto de Mau Mali Lau, no suco de Soru Lau (Ainaro, Ainaro), por T232, que era liuraiem Cassa (Ainaro) e comandante da Apodeti, e pelo seu filho T233. Para se salvarem, elesfizeram esse trabalho durante seis meses. 371Bemvinda Belo disse à Comissão:*Domingos dos Reis disse à Comissão que ele e a sua família foram presos num edifício junto à estrada principal do seusuco, Caicasa Hoo (Bucoli, Baucau), durante quatro dias depois de terem sido detidos pelos pára-quedistas indonésiosque aterraram no seu suco a 10 de Dezembro de 1975. Abrão da Costa Freitas disse ter sido detido a 18 de Dezembrode 1975, depois de os fuzileiros invadirem a cidade de Baucau, e preso no posto dos fuzileiros em Uma Lima (cidade deBaucau, Baucau) durante oito horas, onde foi interrogado, espancado e pontapeado. [Testemunhos nº 8040 e nº 7680 daHRVD].- 104 -


Em Janeiro de 1976, depois de nos rendermos, o meumarido, Cipriano Magno Ximenes foi detido por três[pessoas] da Apodeti, sob ordens de T234. Depois dadetenção, ele foi entregue aos fuzileiros indonésios epreso durante vários dias. Passados dois dias, a minhafilha Ana e eu juntámo-nos a ele na prisão, juntamentecom uma pessoa chinesa. Na prisão, fomos espancadascom um pedaço de madeira por T235 e T236, as mulheresdos líderes do partido UDT. Cinco dias depois, Cipriano [omeu marido] foi <strong>tortura</strong>do até à morte. 372Luís Pereira, do subdistrito de Laclubar (Manatuto), disse que era membro da UDT em 1976.Luís Pereira deixou Laclubar para ir ao encontro das forças indonésias que estavam a entrar emManatuto vindas de Baucau e rendeu-se a elas em Setembro de 1976. Luís Pereira perguntou àsABRI se iriam a Laclubar para proteger membros da UDT da Fretilin, porque tinha a certeza deque a Fretilin ia sair da sua base em Aileu para matar apoiantes da UDT e da Apodeti. LuísPereira disse que os militares só detiveram as pessoas armadas quando entraram em Laclubar eque os soldados foram amigáveis para a comunidade. 373 Porém, em breve começaram a marcarcivis como alvos.Prisões fora de DíliAlgumas das pessoas que foram presas noutras áreas foram enviadas para Díli para seremsubmetidas a mais interrogatórios porque, nessa altura, o dispositivo dos serviços de informaçãoestava sediado na capital. 374 Marcus Ais, por exemplo, foi levado de Oecusse para a Comarcade Díli. Marcus Ais e outros apoiantes da Fretilin, incluindo o líder da Fretilin Alfredo Ramos,foram detidos pelas tropas das Kopassandha * , quando estas chegaram a Oecusse. Osprisioneiros ficaram primeiro na Companhia Oecusse (que viria a ser o Kodim de Oecusse) antesde serem transferidos para Díli. Marcus Ais disse ter sido <strong>tortura</strong>do em ambos os locais, emOecusse pelas Boinas Vermelhas e em Balide por quatro Partidários. 375Outras pessoas foram presas nos vários centros de detenção informais criados quando osmilitares chegavam a uma área, ou em postos de comando militares. A caixa abaixo refere umestudo de caso de centros de detenção criados no subdistrito de Baucau (Baucau), o centro daregião oriental.*As Kopassandha (acrónimo de Komando Pasukan Sandi Yudha ) eram as Forças Especiais indonésias. Tinham ramosde serviços de informação e de combate. Também eram conhecidas pela alcunha “Boinas Vermelhas”, devido às boinasvermelhas dos soldados.- 105 -


Estudo de caso: centros de detenção na cidade de Baucau 376Desde que entraram em Baucau, a 9 de Dezembro de 1975, os militares indonésiosapropriaram-se de vários edifícios que se tornaram infames como centros de detenção e <strong>tortura</strong>.Os presos eram frequentemente deslocados de um centro para outro. Por exemplo, quando osinterrogadores de um centro ficavam frustrados com as respostas dos presos, enviavam-nosfrequentemente para outros centros. A Comissão concluiu, com base em entrevistas por sirealizadas, que o período de interrogatório e <strong>tortura</strong> mais brutal em Baucau ocorreu entre 1975 e1980. Os centros de detenção e <strong>tortura</strong> utilizados neste período e, por vezes, em anosposteriores, incluíam:Hotel FlamboyanO hotel de Bahu, Cidade Velha de Baucau é um complexo com três edifícios. Construído sobresolo sagrado durante a ocupação portuguesa, foi comprado em 1959 ao dono do terreno,Venâncio Boavida, por um empresário português, José Ricardo, por cerca de US$100.000. Em1960, José Ricardo construiu uma fábrica de sabão e o Hotel Baucau no terreno. O hotel mudouvárias vezes de proprietário antes da ocupação indonésia. No dia que em as ABRI invadiramBaucau, apropriaram-se do hotel e passaram a utilizá-lo como casernas militares, mudando-lhe onome para Hotel Flamboyan, em homenagem à recém-terminada Campanha Militar Flamboyan.As ABRI transformaram a fábrica de sabão num depósito de munições e numa prisão quealojava cerca de 80 prisioneiros, incluindo mulheres grávidas e crianças, desde 1975 a 1979.Muitos prisioneiros desapareceram do Flamboyan, sobretudo em 1975/1976. As ABRI utilizavama piscina situada junto à fábrica de sabão para mergulhar os prisioneiros. Eram utilizadasdiferentes formas de <strong>tortura</strong> com água. A prisão foi transferida para Rumah Merah (CasaVermelha) em 1989, mas as ABRI continuaram a utilizar o hotel como casernas até 1999, paraalojar familiares de membros das forças militares e convidados que visitavam Baucau, e comolocal para acontecimentos oficiais. 377Comando Militar Distrital (Kodim) 1628/ Comando Militar Subdistrital (Koramil) 1628-01As ABRI ocuparam o quartel-general português depois da invasão para servir de instalações aoComando Militar Distrital 1628 (Kodim) e ao Comando Militar Subdistrital 1628-01 (Koramil) eutilizaram os edifícios até a Indonésia deixar o território. Ao longo do período de ocupação, asduas estruturas de comando tinham câmaras de interrogatório e de <strong>tortura</strong> separadas eutilizavam edifícios separados para prender as pessoas.Uma Lima (tétum: Cinco Casas)Em 1976, as ABRI aumentaram o número de centros de detenção, que passaram a incluir UmaLima: as ABRI utilizaram estas cinco casas como dormitórios dos soldados e como locais deprisão, interrogatório e <strong>tortura</strong> (incluindo violação sexual) de prisioneiros. Em 1989, o ConselhoNacional de Planeamento Familiar Indonésio ocupou temporariamente a casa do meio. As ABRImantiveram as restantes quatro casas como dormitórios e câmaras de interrogatório atéabandonarem Uma Lima, em 1999.Rumah Merah (indonésio: Casa Vermelha)- 106 -


Rumah Merah deve ter recebido esse nome devido às boinas vermelhas dos membros daUnidade de Forças Especiais (Kopassandha), que construíram a casa num terreno desocupadoem 1977, sem autorização do seu dono, Joaquim Belo, e sem lhe darem qualquer tipo deretribuição. O Batalhão 330, Bukit Barisan, de Sumatra ocupou Rumah Merah como dormitório ecentro de detenção entre 1979 e 1999. De todos os centros de detenção, Rumah Merah era omais temido no que dizia respeito a violação sexual, <strong>tortura</strong> e desaparecimentos, sendo apenassuplantado pelas casernas da RTP (ver abaixo). Ser-se enviado para Rumah Merah significavaficar sujeito à Unidade de Forças Especiais, famosa pela sua crueldade, durante o período deprisão.Clube Municipal (português)A administração colonial portuguesa construiu o Clube Municipal para servir de local paraencontros desportivos e eventos importantes como as comemorações de Ano Novo. As forçasmilitares indonésias utilizaram o Clube Municipal como centro de detenção para prender ostimorenses que se rendiam. As ABRI, que ocuparam este edifício desde que entraram emBaucau até à década de 1980, atribuíram-no não só a membros da Unidade de ForçasEspeciais, como também aos comandos militares distritais e subdistritais e à Defesa Civil.RTP-12, -15 e –18 (Resimen Tim Pertempuran, Regimentos de Equipas de Combate)As RTP-12, RTP-15, e RTP-18 eram casernas portuguesas que os soldados das ABRI ocuparamquando chegaram a Baucau para lá instalarem as suas unidades de combate. A RTP-12 ficavaem Buruma, a RTP-15 em Teulale e a RTP-18 na Cidade Nova de Baucau. As ABRI utilizaramos edifícios como casernas e como locais de detenção, de interrogatório e de <strong>tortura</strong>. Estes trêscentros de detenção tiveram a fama de serem os piores centros de detenção e de interrogatóriode Baucau até a Indonésia deixar o território em 1999 — apesar da rotatividade dos funcionáriosdas ABRI. Estes locais eram temidos devido à brutalidade com os presos eram tratados,sobretudo entre 1975 e 1979. Os presos acreditavam que, ao serem transferidos para um localdas RTP, se encontravam na fase final do interrogatório e estavam prestes a morrer. O Batalhãode Infantaria 745 (Lospalos, Lautém) e a Artilharia de Campo 13 estavam ambos imputados àRTP-12. A RTP-15 e a RTP-18 eram vigiadas unicamente por membros da Artilharia de Campo13. A Armada 13 era de Sukabumi, Java Ocidental, e servia na área de Quelicai, sob o comandoda RTP-18. Um dos oficiais da Armada 13 era o primeiro-tenente indonésio T237, que era uminterrogador temido. Em 1979, ele enviou 16 presos da RTP-18 para a caverna de Lacudala emQuelicai (Baucau), onde se juntaram a presos de Lautém e de Viqueque, antes de ser ordenadoo seu massacre.Tal como se refere acima, muita da população fugira para o interior à medida que os militares seaproximavam, tendo assim evitado a detenção imediata. Porém, nos dias e semanas que seseguiram à invasão militar, as pessoas começaram a voltar para as suas habitações paraprocurarem víveres e eram detidas ao serem apanhadas. Por exemplo, Sahe-Dara disse àComissão:- 107 -


Em 1976, as tropas indonésias entraram em Uatu-Lari[Viqueque]. Eu e alguns companheiros, incluindo Verónica,Maria Lopes, Ereleto, Palmira, Pedro, Acácio, Ventura eBobu fomos levados para a floresta em redor de MauBoru-Babulu [Uatu-Lari, Viqueque] por tropas das Falintil.Ficámos lá três semanas…Depois, acabou-se a comida,por isso tivemos de ir procurar alimentos em redor deBoru-Lalu. Dois soldados das Falintil, o meu irmão maisvelho, Manuel, e o seu amigo, Luís, vigiaram-nos epassámos a noite lá. Mas por volta da meia-noite fomoscapturados pelas ABRI e por três membros da Hansip, [ocomandante] T238 e [os seus homens] T239 e T240.Manuel e Luís foram imediatamente amarrados e [fomostodos] levados para Uatu-Lari. 378Sahe-Dara explicou que Manuel e Luís foram levados por membros da Hansip e nunca maisregressaram. O resto do grupo ficou uma semana preso em Uatu-Lari (Viqueque). Um dia, ocomandante da Hansip, Hermenegildo, ordenou a Sahe-Dara que escrevesse uma carta aXanana Gusmão — que se encontrava na floresta — mas ele voltou para trás antes de aentregar e depois foi preso em Uatu-Lari, onde permaneceu nove meses. As pessoas que foramdetidas com ele foram levadas para Beaço: quatro morreram e as outras ficaram presas durantenove meses.Garantindo a posse do território: 1976/1979Em Julho de 1976, Timor-Leste era declarado incorporado na Indonésia (ver Capítulo 3: Históriado Conflito), o que levou a alterações nas estruturas de segurança e nos padrões de prisão einterrogatório. Essas alterações incluíram:• O posicionamento da Polícia Militar em Díli e nas principais cidades; começaram adesempenhar um papel na criação de centros de detenção *• A criação de postos de comando militares territoriais ao nível distrital (Komando DistrikMiliter, referido no presente relatório como Kodim) e subdistrital (Komando Rayon Militer,referido no presente relatório como Koramil) †• A criação de esquadras de polícia provinciais, distritais e subdistritais.A partir desta altura, os presos provenientes das áreas regionais passaram a ser deslocadospara Díli com menos frequência, sendo presos em Kodim e Koramil locais. As unidadesterritoriais dirigiram a sua atenção para a captura de combatentes da Resistência e aidentificação de membros das redes clandestinas dentro das áreas que controlavam.O movimento clandestino começou a desenvolver-se assim que a Fretilin se deslocou para ointerior, depois da invasão indonésia, a 7 de Dezembro de 1975. Organizados em pequenosgrupos, os apoiantes da Resistência ajudaram os guerrilheiros das montanhas, fornecendo-lhesvíveres, medicamentos, vestuário e informações sobre a situação em Díli. Estes grupospequenos desenvolveram-se de forma espontânea, sem uma estratégia comum, trabalhavamindependentemente e faziam os seus próprios contactos com os comandantes das Falintil nasmontanhas. 379 Estas redes fortaleceram-se após a queda das “zonas libertadas” em 1978/1979.*Por exemplo, a Polícia militar estava encarregue da Comarca de Balide (Díli).†Estes postos de comando militares eram controlados pelo Comando Militar Sub-regional de Timor-Leste ( Korem,Komando Resort Militer) 164 Wira Dharma, sediado em Díli.- 108 -


As operações de combate continuavam à medida que os militares indonésios avançavam paraáreas controladas pela Fretilin. Os combatentes e civis capturados nestas operações eramfrequentemente presos e interrogados. As redes de serviços de informação existentes em todasas comunidades — que chegavam ao nível dos bairros — ajudavam os militares indonésios. Istolevou à captura de membros da Resistência armada que não se tinham rendido e de civis que jáviviam sob o controlo indonésio e estavam de algum modo ligados à Resistência.Desenvolvimento das redes de serviços de informaçãoDas detenções relatadas à Comissão, as ocorridas desde meados de 1976, depois de o períodoinicial de caos e deslocação em massa acalmar, parecem ser mais dirigidas a alvos específicos.Isso deve-se provavelmente a uma rede complexa de informadores de serviços de informaçãoque os militares indonésios estabeleceram a vários níveis, incluindo ao nível comunitário. Assecções de serviços de informação dos Kodim e Koramil reuniam informações sobre membrosde partidos políticos que se opunham à Fretilin. Várias pessoas contribuíam para o processo derecolha de informação, nomeadamente timorenses recrutados em massa para a Hansip, para asforças militares ou como TBO, civis que se renderam e foram presos e interrogados sobre otempo que passaram na floresta com a Fretilin e redes de serviços de informação comunitárias,às quais se podia fazer queixa de vizinhos suspeitos de fazerem trabalho clandestino. Estesmétodos criaram um ambiente de suspeita e aumentaram as divisões a nível comunitário. Porexemplo, Palmira da Costa de Ornai, de Díli, disse à Comissão:Em Agosto de 1976, os meus vizinhos, chamados T241 eT242, disseram às ABRI que o meu enteado, HorácioFaria, tinha ajudado as Falintil na floresta. Então o meuenteado foi detido e levado para a prisão de Balide.Quando eles chegaram, Horácio foi <strong>tortura</strong>do, tendo sidoespancado e electrocutado. Horácio ficou apenas algunsmeses preso em Balide. Quando foi libertado, estavadoente e acabou por morrer devido aos ferimentos quesofreu enquanto esteve preso em Balide. 380Segundo o depoimento de Luís Vasconselos Babo, a 5 de Maio de 1976, o informador militartimorense T243 e o civil timorense T244 deram informações falsas sobre o seu pai ao Batalhãode Infantaria (Batalyon Infantri, Yonif) 512. Os militares detiveram Luís e a sua família a 6 deMaio de 1976 e prenderam-nos no posto do Batalhão de Infantaria 512, na cidade de Ermera:As [ABRI] capturaram a maior parte da minha família, omeu pai e vários parentes meus, José Ricardo, JoséXimenes, Mário Babo, Abel Babo, Rogério Babo, RosalinaBabo e Rosa Madeira. Fomos todos presos e interrogadossobre o partido a que nos juntáramos. Depois dointerrogatório, mandaram-nos voltar para casa, excepto aomeu pai, José Babo, e a Rosalina Babo, que foramlevados para o Kodim de Ermera. Ficaram ambos presosuma noite. [De manhã] a minha mãe foi mandada paracasa e o meu pai, José Babo, ficou no Kodim de Ermera.Ele foi despido, ficando apenas com a roupa interior e foiespancado, até ficar negro e azul. 381No dia a seguir à libertação de Luís Vasconselos Babo, um membro da Hansip T799 voltou adetê-lo e levou-o para o Kodim de Ermera para enfrentar T245, o chefe dos serviços deinformação indonésio, e o comandante indonésio do Kodim, T246. Luís Babo disse à Comissãoter sido espancado, pisado e estrangulado e depois preso durante três anos no Kodim. O seupai, José Babo, foi levado para Titlala, no suco de Poetete (Ermera) e morto por um membro- 109 -


timorense dos serviços de informação , T247, em frente aos Hansip T248, T249, T250, T251,T252, T253, T254 e T255. 382Prisão de combatentes da ResistênciaOs alvos principais dos militares eram, obviamente, os combatentes das Falintil. 383 Não erainvulgar que várias instituições diferentes trabalhassem juntas para deter essas pessoas. Danielda Silva era um membro das Falintil sob o comando de Américo Ximenes (Sabica) e de JacobReis (Daya) e disse à Comissão que ele e dois outros membros das Falintil, Alberto Naha Loi eRodolfo Riba Naha, foram detidos em 1977 graças aos esforços combinados de:• Batalhão de Infantaria 408• Membros do Kodim de Viqueque 1630 e o comandante timorense T255• T256, um comandante militar timorense de Uatu-Lari• T257, um Hansip• T258 e T259, ambos civis.Os presos foram levados para o Kodim de Viqueque 1630, com as mãos amarradas atrás dascostas, enquanto o Comandante T255, o Comandante T256 e T260 confiscavam o gado e oscavalos de Daniel da Silva. Daniel da Silva disse à Comissão como os prisioneiros eraminterrogados:Depois de uma noite no Kodim de Viqueque 1630, porvolta das 8 da manhã, fomos os três interrogados pelosmembros das ABRI T261, T255, T256. Durante ointerrogatório, T256 disse: "Vocês, enquanto tropas dasFalintil, estão a criar o comunismo em Timor-Leste." Comoestava emocionado, respondi-lhe que, enquanto membrosdas Falintil, não seguíamos o comunismo. Então, T256despiu-me e T261 electrocutou-me. Fui posto numa cela epreso com outro prisioneiro, chamado Aníbal, que era umantigo administrador subdistrital de Uatu-Lari [durante aépoca portuguesa]. 384Daniel da Silva e Aníbal ficaram cinco dias presos, findos os quais, o Batalhão de Infantaria 408levou Aníbal de helicóptero para um local desconhecido. Daniel da Silva ficou seis meses presono quartel-general do Batalhão de Infantaria 408. 385Raul, um comandante das Falintil da região de Remexio (Aileu), disse à Comissão ter sidocapturado por um indonésio e quatro membros timorenses do Koramil — T284, T262, T263,T264 e T265 — sob ordens do comandante indonésio do Koramil, o capitão T266, a 15 deJaneiro de 1979. Raul foi preso no edifício de Timor Klaran, na vila de Aileu. Quando chegou aoedifício, foi maltratado e <strong>tortura</strong>do por um membro do Batalhão 14 dos Engenheiros de Combate(Zeni Tempur, Zipur), que lhe amarrou as mãos e as pernas, empurrando uma barra de ferrogrande contra o seu peito, e depois o espancou e o electrocutou.Raul disse ter sido interrogado sobre os nomes dos comandantes das Fretilin/Falintil que seencontravam na floresta durante duas horas. Como não respondeu, o membro do Zipur misturoucinzas com fezes de pássaro e petróleo e colocou-lhe essa mistura na boca. Um membro doZipur despiu Raul e depois pontapeou-o e esmurrou-o até lhe cair um dente. Depois, o membrodo Zipur levou Raul para o exterior e colocou-o num tanque cheio de água. Pouco depois, outromembro do Zipur trouxe urina e mandou Raul bebê-la. Raul recusou-se a bebê-la inicialmente,mas fê-lo pouco depois porque já não aguentava o espancamento. Ao fim de nove dias de- 110 -


prisão, Raul estava em tão mau estado que o administrador distrital (Bupati) de Aileu, Abel dosSantos Fátima, se encontrou com o comandante do Kodim para lhe pedir que libertasse Raul.Raul disse ter sido libertado pouco depois dessa reunião. 386Prisão devido a participação num ataque das FalintilA Comissão recebeu informação sobre um pequeno número de casos de pessoas que forampresas por terem participado em ataques das Falintil a alvos militares. Em 1977, umadministrador do subdistrito de Fatululik (Covalima), T267, chamou Pedro de Jesus ao seuescritório. Quando chegou, foi imediatamente espancado e interrogado por ter, supostamente,tentado cercar o Koramil e capturar armas. Pedro de Jesus disse à Comissão:[Ele] disse que eu era um tonto e pôs-me numa sala, ondeme espancou com uma espingarda e me pisou o pé comas suas botas militares até a pele do meu pé estar todacortada. [Eles disseram] “Admite, é ou não verdade queiam atacar o Koramil?” Mas eu respondi, “Sou um dato[membro da elite tradicional], mas sou apenas uma pessoanormal. Como é que eu poderia atacar o Koramil econfiscar armas?” Eu disse-lhe que era verdade que euera um tontoDepois disso, fui mandado para casa, mas voltei namanhã seguinte, por causa de uma mensagem doadmistrador do subdistrito para o escritório subdistrital e fuitratado da mesma maneira que no primeiro dia. Fuiespancado e pontapeado até a minha cara estarinchada…Quando o administrador do subdistrito, T267,me espancou, o capitão da polícia do subdistrito e ocomandante do Koramil ficaram sentados a olhar, semdizerem uma palavra. 387Num caso semelhante, membros das ABRI detiveram SN e a sua família em Julho de 1977, sobsuspeita de terem informações sobre um ataque da Fretilin a um tanque do Exército no suco deGuruça (Quelicai, Baucau). Etelvina Ximenes descreveu o incidente:Por volta das 7 da tarde, oito membros das ABRI vieram aminha casa e capturaram o meu marido, Bale-Coo, e omeu pai, Naito. Eles foram levados para o posto 9 dosFuzileiros [Pasukan Marinir, Pasmar] em Abafala [Quelicai,Baucau]. Lá, amarraram as mãos do meu pai e do meumarido atrás das costas. Eles foram espancados,pontapeados com botas militares e agredidos com acoronha de uma espingarda até de manhã. No diaseguinte, o meu marido e o meu pai foram levados para abase das ABRI em Laga [Baucau].- 111 -


Dois dias depois, três soldados e um TBO vieram determe,à minha irmã Nacorica, aos meus dois filhos, Co`oKita e Dara Co`o, e ao meu sobrinho Evaristo. Tambémfomos levados para o posto Pasmar 9 em Abafala. Fomostodos amarrados e…despiram-nos. De tarde, depois dointerrogatório, fomos levados para o quartel-general doPasmar 9, instalado na SDN I [a escola primária], em Soba[Laga, Baucau]. Fomos interrogados assim que chegámos.Electrocutaram-me, despiram-me até ficar nua equeimaram os meus órgãos genitais com um isqueiro agás. Fui assim tratada devido a ordens do Comandante doPasmar 9, T268. Fiquei uma semana presa no quartelgeneraldo Pasmar 9. Quando fui libertada, foi-me exigidoque me apresentasse lá durante seis meses. 388- 112 -


Libertados, mas não livresMesmo quando libertavam presos políticos dos centros de detenção, os militares indonésiostinham várias estratégias para lhes vigiarem os movimentos após a libertação. Entre estasestratégias incluíam-se as seguintes:“Prisão externa”Alguns presos eram libertados da prisão formal, mas apenas para integrarem um regimeconhecido como “prisão externa” (tahanan luar). Estes presos tinham autorização para viver emcasa, mas continuavam sob o controlo dos seus captores. Alguns tinham de fazer trabalhosforçados e outros tinham de se apresentar regularmente. Seguem-se alguns exemplos:• Em 1979, um grupo de homens — Apolinário, Antero, João Brito, Filomeno, JanuárioMendonça, Januário Cortereal, Orlando, Pedro, João da Silva, Marcos Lisboa e Mário UcaBere — rendeu-se ao Batalhão de Infantaria Aerotransportada 700 na área de Bubulau(Same, Manufahi). O Batalhão de Infantaria Aerotransportada 700 entregou os dez homensa um grupo de Hansip. Os Hansip espancaram-nos violentamente e colocaram-nos sob oregime de “prisão externa”. Apolinário, José da Silva e Marcos Lisboa foram obrigados aplantar uma horta e a construir uma casa para um dos membros da Hansip, T269. 389• Segundo Alcino dos Santos Vinhos, em 1980 os militares detiveram 14 pessoas emredor de Lospalos (Lautém) e prenderam-nas no Kodim de Lospalos durante nove meses.Depois de serem libertadas, essas pessoas passaram a ser “presos externos” e tiveram dese apresentar três vezes por semana no Kodim durante três meses. 390• Em 1994, as milícias detiveram 16 pessoas em redor do suco de Babulu (Same,Manufahi). Elas foram interrogadas e <strong>tortura</strong>das pelas Kopassandha no quartel-general dasKopassandha em Same durante três dias, antes de serem libertadas como “presos externos”— estatuto esse que mantiveram durante três meses. Durante esse período, tiveram detransportar materiais de construção e de arranjar o relvado da casa tradicional.Obrigatoriedade de apresentação perante as autoridadesA obrigatoriedade de apresentação (wajib lapor) perante as autoridades não se aplicava apenasa “presos externos”. Muitos presos políticos tinham de se apresentar com regularidade no seuKoramil ou Kodim local. A Comissão não conseguiu identificar qualquer coerência ou padrãobem definido na forma como este sistema era posto em prática. Alguns antigos presos só tinhamde se apresentar uma vez por semana durante vários meses e outros todos os dias durantevários anos.Trabalho forçadoOutra maneira de vigiar um antigo preso era utilizá-lo como mão-de-obra forçada. Milhares dejovens do sexo masculino foram obrigados a trabalhar como TBO, sobretudo em finais dadécada de 1970 e no início da década de 1980; outros foram recrutados como Hansip ou Ratih;muitos outros foram utilizados para construir estradas ou edifícios nos sucos, ou para tratar dehortas. *Recrutamento forçado*Por exemplo, Bernardino dos Reis ficou um ano preso depois de se render em Manufahi, em 1979, e depois foi forçadoa ajudar a construir uma estrada que ligava Turiscai à fronteira de Turiscai, juntamente com 200 outros trabalhadoresforçados [Testemunho nº 6626 da HRVD].- 113 -


Os militares também recrutavam à força vários presos em vez de os libertarem. A Comissãorecebeu testemunhos que descrevem como os presos eram utilizados como TBO paradesempenhar tarefas para os militares indonésios, 391 eram obrigados a acompanhar os militarese membros da Hansip até às montanhas para encontrarem pessoas que não se tinhamrendido 392 ou eram transformados em informadores.Prisão de membros do movimento clandestinoSegundo vários relatos recebidos pela Comissão, além de marcarem indivíduos da Resistênciaarmada como alvos, os militares detinham e prendiam membros de redes clandestinas, oupessoas residentes em áreas já controladas pela Indonésia, que ajudavam a Resistênciaarmada, disponibilizando-lhe víveres, medicamentos ou locais de esconderijo. 393Gervásio Yosep foi detido em 1977 pela seguinte razão:Fui capturado pelo chefe da associação de bairro [rukuntetangga, RT] T271 e por seis membros do Batalhão 511,por ter escondido as Falintil na minha casa, em Foholulik(Tilomar, Covalima). Depois de ser capturado, fui levadopara o quartel-general do Batalhão 511 em Tilomar e fuiimediatamente preso. Fui interrogado, espancado eagredido com um pedaço de madeira e pontapeado atéestar ferido e a sangrar. Fui <strong>tortura</strong>do durante 12 horas,desde as 2 da manhã até às 2 da tarde. Fui obrigado acomer e a beber remédios, mas recusei e eles mandarammepara casa. 394- 114 -


O desmantelamento de uma rede clandestinaAntónio Júnior Caleres falou à Comissão sobre o seu papel numa rede clandestina sediada emDíli que ajudava a Resistência armada, com víveres, medicamentos, cartas e através de outrosmeios. António Caleres prestava esta assistência sobretudo através do seu trabalho num centrode saúde comunitário, mas também conseguia enviar medicamentos em maiores quantidadesgraças ao seu trabalho com a Cruz Vermelha. * Em Março de 1977, a Cruz Vermelha encarregouode ir ao monte Kablaki, junto a Same, para dar medicamentos a milhares de pessoas queestavam a render-se aos militares indonésios. António Caleres tratou dos que estavam a rendersee precisavam de assistência médica, mas também conseguiu enviar duas caixas demedicamentos para as Falintil. Um mês depois, durante um trabalho semelhante em Suai, eleconseguiu enviar mais cinco caixas de medicamentos à Resistência.A rede acabou por ser exposta depois de os militares capturarem um combatente da Resistênciaque transportava documentos clandestinos, incluindo listas de nomes. As pessoas cujos nomesconstavam das listas foram detidas e <strong>tortura</strong>das e referiram outras pessoas, que também foramdetidas.Segundo António Caleres, cerca de 200 foram detidas e levadas para Sang Tai Hoo e para oTropical. Contudo, nem todas essas pessoas faziam parte da rede:“Havia nomes que não constavam [da lista], mas como as pessoas foram espancadas eviolentamente <strong>tortura</strong>das, começaram a dizer nomes ao acaso. Foi por isso que muitas pessoasque não faziam parte do movimento clandestino, que eram inocentes, foram capturadas.”A 16 de Julho de 1977, António Caleres foi detido e levado para Sang Tai Hoo:Mandaram-me entrar e despir-me até ficar apenas com a roupa interior. Depois, sentei-medurante alguns minutos até entrarem seis pessoas que me espancaram até eu ficar inconsciente.Quando acordei, estava numa sala e vi um homem chinês chamado Francisco Li e doistimorenses que eu não conhecia. Vi que as caras deles estavam inchadas.Passados três dias, fui chamado para ser interrogado e leram em voz alta um documento com asinformações que já tinham conseguido apurar. Disseram que eu tinha entregado remédios.“Sim”, confessei, “Eu entreguei remédios para que os que estão na floresta estejam saudáveis epossam vir, porque vocês, soldados, deviam supostamente liderar-nos, mas são inúteis, só aquivêm pela guerra.” Então, eles viraram a minha cadeira, pondo-me de pernas para o ar, epuseram dois cigarros Gudang Garam acesos nas minhas narinas. Ameaçaram-me com umafaca e disseram: “Tens de ser honesto e agora tens de cantar Foho Ramelau.” Fui obrigado acantar Foho Ramelau, mas se inalasse o fumo dos cigarros, tossia. Quando ficaram fartos dointerrogatório, agarram num capacete e cobriram a minha cabeça, depois bateram-me no corpocom as mãos. Quando já não aguentava mais, desmaiei.António Caleres explicou que, por vezes, os militares retiravam os prisioneiros do local onde seencontravam presos para os assustar. Como os prisioneiros políticos sabiam que muitaspessoas eram retiradas da prisão de noite e nunca mais voltavam, a experiência eraparticularmente traumática:*O Comité Internacional da Cruz Vermelha não se encontrava em Timor-Leste em 1977, por isso a Comissão presumeque o informante trabalhasse com a Cruz Vermelha Indonésia.- 115 -


Certa noite, fui levado para Tacitolu. Quando chegámos, saí do carro e andei. Eu fora levadopara lá por quatro soldados, que me mandaram sentar-me porque iam descansar primeiro. Masalguns minutos mais tarde, um deles aproximou-se de mim, tapou-me os olhos com um panopreto e disse-me para rezar. Eu rezei e esperei que me dessem um tiro. Mas não deram. Espereiassim durante duas horas e depois fiquei com sono. Havia mosquitos por toda a parte. Elesvoltaram e mandaram-me andar e [disseram-me] que ainda tinham piedade. Voltámos para SangTai Hoo de carro e chegámos às 4 da manhã. Também aconteceu um episódio parecido comeste quando fui levado para a Areia Branca e me mandaram sentar na praia. Taparam-me osolhos e despiram-me e fiquei lá sentado duas horas, até que me mandaram voltar para o carro.Eles deixavam-me sozinho, talvez para me testarem. Se eu fugisse, podiam ter-me morto atiro. 395Faustino Amaral disse à Comissão ter começado a fazer trabalho clandestino em Setembro de1977, apesar de ser membro das ABRI na altura.Um dia, o comandante do Koramil de Tutuala [Lautém],Deni Rohani, encontrou documentos secretos numacaverna chamada Oi [Mehara, Tutuala, Lautém]. Atravésdeles, Deni Rohani descobriu o meu envolvimento com asorganizações clandestinas. Alguns dias mais tarde, fuichamado ao encontro do tenente-coronel FransiskusSumaryono, no Kodim de Lautém. Depois de me encontrarcom ele, mandaram-me ir para o Korem [em Díli], aoencontro de [o coronel] Sahala Rajagukguk. Fuiimediatamente apanhado por um jipe e levado para aPrisão de Balide. Dois membros do Korem despiram-me,até eu estar apenas com a roupa interior, e puseram-menuma cela escura durante uma semana. Fui interrogado e<strong>tortura</strong>do na cela escura. Puseram-me os dedos dos pésdebaixo da pena de uma cadeira e fui ameaçado por doismembros das ABRI, um indonésio, T272, e um outro(nome desconhecido), enquanto me apontavam umabaioneta. 396Certo dia, um prisioneiro chamado Alexandre fugiu da prisão da Comarca de Balide, em Díli.Devido a essa ocorrência, Faustino Amaral e 300 outros prisioneiros foram espancados por ummilitar das forças indonésias, T273 Os prisioneiros foram mandados reunir-se no campo devoleibol no interior da prisão e correr em redor deste. 397António Vieira disse à Comissão ter sido detido a 3 de Julho de 1977 por um membro timorenseda Intel, T274, à existência de informações segundo as quais ele ajudava a Fretilin na floresta.António Vieira foi levado para Sang Tai Hoo num táxi:- 116 -


A razão para a minha captura foi alguém, não sei quem,ter dado informações segundo as quais eu ajudavafrequentemente a Fretilin na floresta. Depois de chegar aSang Tai Hoo, fui interrogado por um comandante [dasKopassandha] enquanto era <strong>tortura</strong>do. A <strong>tortura</strong> incluiu: osdedos dos meus pés foram presos debaixo de umacadeira e dois membros das [Kopassandha] sentaram-seem cima dela, a minha cabeça foi pontapeada com botasmilitares, a minha orelha foi esmurrada e fui obrigado aficar de pé contra a parede enquanto me batiam com umcano de ferro. Fiquei seis dias preso em Sang Tai Hoo.Depois, fui novamente transferido para a Prisão de Balide,onde fiquei quatro meses e dois dias. Fui libertado emDezembro de 1977. Apesar de ser livre, continuava a serum “prisioneiro externo” e tive de me apresentar duranteum ano. 398Por vezes, os membros da Hansip também faziam parte de redes clandestinas e eram punidosse fossem descobertos. Eduardo da Silva disse à Comissão que foi forçado a tornar-se membroda Hansip em 1976, mas manteve o seu trabalho clandestino, distribuindo bens às Falintilatravés de uma pessoa chamada Guilherme. Quando os serviços de informação militaresapanharam e interrogaram Guilherme em 1977, ele deu-lhes informação sobre a sua rede.Eduardo da Silva disse:Por causa disso, fui preso pelo comandante do Koramil elevado para Sang Tai Hoo, onde fui espancado com umacana e o chefe adjunto dos serviços de informação mepontapeou no peito. Fiquei lá três dias e depoistransferiram-me para a Comarca. Mas, de lá, fuiimediatamente levado de volta para Sang Tai Hoo por doismembros da Unidade Conjunta dos Serviços deInformação [Satuan Gabungan Intelijen, SGI] para serinterrogado. De noite, levavam-me novamente para aComarca. Todas as semanas, durante três semanas, fuipara Sang Tai Hoo para ser interrogado. O meu caso foijulgado em tribunal e fui condenado a um ano de prisão.Enquanto cumpria a pena, tinha de cortar a relva duasvezes por semana. 399- 117 -


Interrogatório de um membro do movimento clandestinoJN fazia parte de uma rede clandestina, composta principalmente por mulheres, que utilizavaestafetas para enviar víveres e outros materiais dos sucos para a Fretilin, na floresta. O chefe dosuco de Akadiruhun (Díli), um dos sucos a partir dos quais a rede funcionava, começou asuspeitar de JN e das suas companheiras e informou os serviços de informação militares. A 29de Janeiro de 1977, os militares e um membro indonésio dos serviços de informação, T800,detiveram-na e levaram-na para o Koramil de Culuhun (Díli) e depois para Sang Tai Hoo, ondeela foi interrogada por um Comandante indonésio das ABRI, T275, e por um sargento. Durante ointerrogatório, o prisioneiro Francisco Benevides, conhecedor do idioma indonésio, actuou comointérprete. JN descreveu o interrogatório:Fui interrogada sobre uma lista de nomes, se eu os conhecia. Eu respondi que sim! Eu conhecia[os estafetas]. Eu não podia mentir porque fora eu quem lhes dera as ordens. Então, os meuscompanheiros foram libertados e eu fiquei presa. [Os estafetas] tinham-lhes dito que eu era aresponsável e eu assumi a responsabilidade…Em Sang Tai Hoo, disseram-me para fazer umdesenho com a estrutura da organização e os nomes das pessoas que ocupavam cada posição.Eu mencionei todos os nomes, como o de KN, entre outros. Fui agredida com uma fivela de cintoem ferro. Fui espancada para que lhes dissesse tudo…[Os interrogadores] revezavam-se.Depois de um terminar, vinha outro…Eles fotografaram-me durante o interrogatório, quando euestava apenas com a minha roupa interior.Depois de passar cerca de uma semana em Sang Tai Hoo, JN foi transferida para a Comarca:A 9 de Fevereiro de 1977, fui transferida para a Comarca…Fiquei na “cela Maubutar” e, de noite,dormi no chão, sem esteiras. Eles puxaram-me o cabelo e deram-me pontapés até a minha caraficar toda ferida. Eles também despejaram água sobre mim…Na manhã seguinte, fui levada devolta para Sang Tai Hoo e…interrogaram-me novamente. De tarde, levaram-me novamente paraa Comarca. Dormi três noites na “cela Maubutar.” Se uma pessoa passasse uma semana na“cela Maubutar” era porque a sua morte era certa. Depois, fui transferida para uma cela deferro…Eu era interrogada todos os dias. Eles vinham de Sang Tai Hoo para me buscar e levavam-mecom eles para me interrogarem. Na Comarca, eu era interrogada e espancada pela Polícia Militare por Boinas Vermelhas [Kopassandha]. Na cela de ferro, eu era espancada de noite. Fiquei trêsmeses presa na cela de ferro…e nunca saí durante esse período [excepto para ser interrogada].LN e KN foram presas comigo na cela de ferro…Fomos obrigadas [as três] a despirmo-nos atéficarmos nuas e a tomarmos banho como crianças, para que [os soldados] pudessem ver…T276,um homem timorense, aproximou-se e enfiou pregos na nossa roupa interior. Depois disso,fomos violadas até de manhã. Ele tinha uma relação estreita com os militares, por isso ossoldados não fizeram nada…Depois disso, fui separada de KN e de LN. Em Maio, fui transferidapara uma sala normal…[Passados] 16 meses na Comarca, fui libertada a 6 de Julho de 1978,mas continuava a ser obrigada a apresentar-me. *Prisão devido a ter familiares na florestaOs familiares de pessoas que ainda se encontravam na floresta, quer fossem membros daResistência armada, ou estivessem simplesmente a esconder-se dos militares, também eram*Entrevista da <strong>CAVR</strong> a JN, Díli, 4 de Outubro de 2004. Ver também Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Bernarda dos MártiresCarvalho Correia, Díli, 22 de Janeiro de 2003. Bernarda dos Mártires Carvalho Correia trabalhava como estafeta namesma rede e foi capturada na mesma altura que JN. Foi interrogada em Sang Tai Hoo e esteve três meses presa naComarca de Balide. Não foi <strong>tortura</strong>da: “Segundo as ABRI, eu não precisava de ser <strong>tortura</strong>da porque só dera coisas aosmeus filhos na floresta, por isso o meu castigo era mais leve comparado aos das minhas companheiras e aos de algunsjovens que foram capturados naquela altura. Eles foram <strong>tortura</strong>dos pelas ABRI de maneira mais violenta porque,segundo informações recebidas pelas ABRI, planeavam fugir para a floresta.”- 118 -


marcados como alvos para prisão. Os militares esperavam que estas pessoas pudessemfornecer informações sobre o local onde os seus familiares se encontravam escondidos e o queestavam a fazer. Além disso, os membros da Fretilin/Falintil recebiam víveres e outrasmercadorias das suas famílias e os militares pretendiam quebrar essas ligações. Por último, erauma forma de violência por substituição. Os familiares transformavam-se em substitutos quandoo alvo principal da violência não podia ser capturado.Luís de Jesus disse à Comissão ter sido capturado por dois soldados a 30 de Agosto de 1977,em Camea (Díli), que o levaram para Sang Tai Hoo por ele ser suspeito de ter dado coisas aosseus familiares que se encontravam na floresta:[Fomos] interrogados por um membro das ABRI deNanggala (Kopassandha). Além de sermos interrogados,fomos espancados e pontapeados. Depois, de manhã,fomos levados para a prisão de Balide. Depois de nostirarem todas as nossas roupas e de termos ficado nus, osguardas prisionais e a Polícia Militar espancaram-nos combarras de madeira, varas de ferro e correntes. Depoisdisso, fomos colocados numa cela escura, ainda nus. Acela era apertada e cheirava mal. Ficámos três diasnaquela cela, sem nos darem de comer. Só nos davamágua quente de manhã, de tarde e de noite. Passados trêsdias, fomos retirados da cela escura. Eles devolveram-nosas nossas roupas e mandaram-nos vesti-las. Depois,fomos colocados numa cela durante seis meses. Fomosoficialmente libertados a 15 de Março de 1978. 400HN disse à Comissão ter sido detida em 1979 — quando o seu marido ainda se encontrava nafloresta, exercendo o seu posto de comandante das Falintil — e levada para o Koramil de Uatu-Lari (Viqueque), onde foi despida por um membro da Hansip, T277, e interrogada por outro,T278. Mandaram-na sentar-se e obrigaram-na a segurar num ramo de mandioca coberto deespinhos, esbofetearam-na, espancaram e queimaram-na com cigarros acesos. O Koramillibertou-a, mas voltou a detê-la duas semanas mais tarde, com o seu filho de um ano de idade.Eles foram novamente levados para o Koramil e ela foi violada em frente ao filho que chorava. 401IN foi detido em Ossu (Viqueque) em 1979 porque alguns dos seus familiares eram membrosactivos da Resistência e ainda se encontravam na floresta. Os soldados das ABRI T279, T280,T28, o membro da Hansip T282 e os membros dos serviços de informação T283 e T255levaram-no para uma casa e interrogaram-no:No interrogatório, T255 perguntou-me os nomes dos meusfamiliares que ainda se encontravam na floresta e comoeles me contactavam. Eu respondi dizendo-lhes: “Eu nãoos conheço! Como poderíamos conhecer-nos se eu vivona cidade e eles na floresta?” Essa resposta enfureceu-ose eles exigiram que eu lhes dissesse a verdade. Depois,T285 agarrou numa barra de madeira e numa faca,apontou-as na minha direcção e disse: “Se nãoconfessares, morrerás hoje.” Pouco depois disso, seismembros da Hansip <strong>tortura</strong>ram-me, uns a seguir aosoutros. Eles utilizaram as suas espingardas para me bater,espancaram-me e pontapearam-me…Também fui atingidona testa e o meu corpo foi cortado com uma faca porT285. Depois, fui transferido para o Koramil, onde fiqueipreso durante três meses. 402- 119 -


Depois de IN ser interrogado, a sua mulher foi retirada da sua casa e presa no mesmo local queele. Enquanto ele era interrogado, a sua mulher era violada na sala ao lado por um comandantede pelotão timorense, T286. IN disse à Comissão que conseguia ouvir os gritos da sua mulher,mas não podia fazer nada para a ajudar. 403A Comissão recebeu informações sobre um homem que decidiu permanecer na floresta quandoo resto da sua família se rendeu em Agosto de 1977. Depois de o resto da sua família chegar aosuco de Mehara (Tutuala, Lautém) um membro do parlamento a nível subdistrital (DPR), T287,disse aos pais dele que se apresentassem no posto militar do centro de Mehara para sereminterrogados quanto ao seu paradeiro. O interrogatório durou toda a noite e eles só foramlibertados às 4 da manhã, sob a condição de se apresentarem durante duas semanas e defornecerem informações sobre o filho. 404Até os familiares de pessoas já presas viviam com medo de sofrerem violência às mãos dosmilitares. António Vieira disse à Comissão:Prisões após rendição ou captura *[Enquanto eu estava preso em Díli] a minha mulher,chamada Elsa Soares Gomes, que estava em casa,também foi ameaçada por membros das Kopassandha,que diziam que eu tinha sido morto e que iam levá-la ematá-la também. Devido a essa ameaça, a mulher ficouem estado de choque e adoeceu e acabou por morrer a 7de Dezembro de 1977. Quando a minha mulher morreu,Leandro Isaac pediu às ABRI que me autorizassem a ir aoseu funeral. 405O povo de Timor-Leste começou a render-se aos militares indonésios desde a altura da invasão.Aqueles que não se sentiam em condições de fugir para as montanhas, como mães lactantes ouidosos, ficaram nas suas habitações e foram dos primeiros a render-se. Muitos outros quefugiram para as montanhas regressaram e renderam-se porque não suportavam o estilo de vidadifícil da floresta. A Comissão recebeu testemunhos de pessoas que se renderam em 1976 e1977, depois de terem fugido. Contudo, a esmagadora maioria das pessoas rendeu-se em 1978e 1979, quando ocorreram rendições em massa com o apoio da liderança da Fretilin.É possível identificar um ponto máximo nas prisões em 1978 — altura em que ocorreram asrendições em massa aos militares indonésios. Os militares foram confrontados com vagas demilhares de pessoas, muitas das quais chegaram a locais que não eram a sua casa e queestavam doentes e subnutridas. † A maioria das pessoas foi colocada em grandes campos detransição, onde podiam ser submetidas a processos de verificação e registadas. As forçasmilitares também examinavam as pessoas que se rendiam para identificar quaisquer membrosda Fretilin/Falintil. Aqueles que eram conhecidos eram imediatamente detidos e presos,separados do grupo. Muitos outros eram interrogados sobre o que faziam na floresta. Depoisdisso, ficavam presos, eram mantidos no campo de transição, recrutados como TBO ou Hansip,*O termo “rendição” costuma ser utilizado para fazer referência a combatentes, não a civis. No entanto, no presenteRelatório, é utilizado para escrever um acto de um civil, porque “rendição” é a palavra que os próprios civis utilizavampara descrever o acto e porque o que acontecia era, essencialmente, um acto político, pelo qual se libertavam docontrolo da Fretilin/Falintil e se submetiam ao controlo das Forças Armadas indonésias. Em termos práticos, a rendiçãoimplicava a apresentação ao comando militar local e um registo subsequente. As pessoas eram frequentemente presasnum campo de detenção temporário para serem submetidas aos processos de verificação antes de serem libertadas epoderem ir para casa [ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome].†Por exemplo, em Uatu-Carbau, muitas pessoas de Ossu (Viqueque), Uatu-Lari (Viqueque) e Baguia (Baucau)renderam-se às Forças Armadas indonésias e foram presas em locais como o Koramil de Uatu-Carbau [Entrevista da<strong>CAVR</strong> a Xisto Fernandes (também conhecido como Hélio Espírito Santo), Uatu-Carbau, Viqueque, Novembro de 2003].- 120 -


ou libertados, com autorização para regressarem aos seus sucos (ver Subcapítulo 7.3:Deslocação Forçada e Fome).Detenções iniciaisUma mulher timorense disse que ela e a sua família se renderam em 1977, depois de passaremdois anos escondidos nas montanhas, devido à falta de alimentação e de medicamentos — quelevou à morte de cinco dos seus irmãos e irmãs mais novos. Pouco depois de se renderem, todaa família foi detida: 406 aquando da detenção, mataram o seu pai e cortaram-lhe as orelhas, queutilizaram como troféus. O resto da família foi levada para a cidade de Soibada, onde ficaramalguns dias presos. 407Em 1977, José da Conceição Carvalho, um membro das Falintil, rendeu-se a dois agentes dosserviços de informação chamados T292 e T293, em Díli. Foi imediatamente entregue a umsoldado que respondia pela alcunha de T294 para ser interrogado em Palapaço (Díli) e ficou 12dias preso. Ele afirmou à Comissão:Durante a investigação, fui obrigado a dizer-lhes ondeestavam escondidas as armas. Um membro das ABRI,T294, mandou dois dos seus homens (T292 e T293) iremprocurar as armas. Depois libertaram-me, mas não para irpara casa. Eu teria de viver com T294 até 1979. * Só entãome deixariam regressar à minha casa. 408Além das rendições voluntárias, os civis também se rendiam ou, por vezes, eram detidos quandoos militares os capturavam durante uma operação. José Rosa de Araújo, um membro da Fretilin,disse à Comissão ter lutado como guerrilheiro na região do monte Kablaki, em Ainaro, depois dainvasão indonésia. Em 1977, o Batalhão de Infantaria 125 atacou a região do monte Kablaki,levando à detenção de cerca de 80 membros da Fretilin, incluindo José Rosa de Araújo, querecordou o sucedido:No local da captura, um membro da Hansip chamadoT295 abusou de mim, espancando-me e pontapeando-mee depois agredindo-me com a coronha de umaespingarda. Então, 20 membros da Hansip juntaram-se aele, abusando de mim e de outras tropas da Fretilin.Naquela altura, a Hansip e as tropas do Batalhão deInfantaria 125 tinham construído [cinco] postos no monteKablaki. Eles prenderam-me e às restantes tropas daFretilin durante um ano. Fomos obrigados a ser TBO eéramos responsáveis por ir buscar arroz ou milho a Dare[Ainaro]. Cada duas pessoas tinham de carregar 100 kgdesde Dare até Kablaki. Enquanto estive preso e fui TBO,eu e os meus companheiros só recebíamos legumes paracomer, enquanto que os membros da Hansip e doBatalhão de Infantaria 125 comiam alimentos bons. 409Tanto civis como membros das Falintil eram detidos durante essas operações. No entanto, apósa captura, os membros das Falintil eram separados do grupo para serem presos. A 22 deFevereiro de 1977, três membros das Falintil ficaram sem munições e foram capturados,juntamente com os habitantes de Casohan, em Barique (Manatuto) por membros do Batalhão deInfantaria 631, tendo sido interrogados pelo Batalhão de Infantaria 631, que lhes confiscou as*A razão para isto não é clara, mas é provável que fizesse parte da função de um TBO.- 121 -


armas. Os civis receberam autorização para regressar a casa, mas os membros das Falintilficaram um mês presos em Casohan, tendo sido submetidos a mais interrogatórios e <strong>tortura</strong>. 410- 122 -


História de um intérprete timorense durante os interrogatóriosAntónio Peloy era membro da Hansip e prestava serviço de interpretação aos militaresindonésios durante o interrogatório de presos no distrito de Baucau. Falou à Comissão sobre osmétodos de interrogatório incluindo sobre os esforços que desenvolveu para proteger osinterrogados:Tornei-me um Hansip por volta de 1976 em Laga, Baucau. Primeiro, era um Hansip normal eajudava na vigilância nocturna dos postos. Só comecei a lidar com presos em 1978. Ocomandante dos Fuzileiros perguntou quais os Hansip que compreendiam o idioma indonésio.Não interessava que fossem fluentes desde que compreendessem as palavras. eu aprenderaindonésio antes de os indonésios chegarem a Timor…porque vivi perto da praia e conhecicomerciantes indonésios que vinham de barco.Tornei-me intérprete ao serviço do Pasmar 9 (Fuzileiros). [Durante um interrogatório] sóestávamos presentes eu e um militar. Os Fuzileiros escreviam as perguntas e eu interpretava-ase também interpretava as respostas [do preso] para os Fuzileiros. Todos os que eramcapturados pelo Exército indonésio eram-me entregues. Eu era responsável por uma sala com110 presos. Os prisioneiros eram provenientes de Ossu [Viqueque], Baucau, Venilale, Quelicai[todos no distrito de Baucau] e do suco de Maina II [Lautém]. Entre eles, encontravam-semembros da Fretilin e também pessoas normais que se tinham rendido. As pessoas rendiam-se,mas eram à mesma interrogadas e espancadas!Os Fuzileiros tratavam os homens e as mulheres de maneira diferente. Interrogavam os homensdas 8 da manhã até ao meio-dia e as mulheres das 7 da tarde até às 2 da manhã. Perguntavam[às mulheres]: “Tens marido?”, [elas respondiam] “Eu tenho marido”, “Onde está o teu maridoagora?”, “Ele ainda vive na floresta”, “O que faz ele lá?” Depois diziam que a pessoa mentira:“Tens um marido da Fretilin/GPK na floresta!” ou “Ouvimos que tinhas uma imagem da bandeirada Fretilin no peito!” Então, obrigavam-nas a despirem-se ou a levantarem as camisas para aspoderem examinar de cima a baixo. Examinavam-nas durante algum tempo e depois diziam queestava na barriga: “Baixa o teu sarong, baixa-o aqui. Se não está no peito, deve estar nabarriga.” Depois de examinarem a barriga, diziam que estava abaixo do umbigo.Aos homens perguntavam: “És da GPK? Estás armado? Desde que data? Quando foi a últimavez que empunhaste uma arma? Em que data?” Voltavam a interrogá-los sobre osacontecimentos em Matebian. Eles evacuavam e urinavam. Eles eram espancados eelectrocutados na orelha e nos dedos. Um homem chamado José Lima era professor emLospalos. Ele foi tratado de forma dura por ser suspeito de ter participado no bombardeamentodo tanque dos Fuzileiros em Quelicai. Ele foi colocado num barril com a cabeça para baixo e aspernas para cima, o que o fez evacuar enquanto as suas pernas estavam amarradas a umapedra grande e eram puxadas para cima. Mas ele não morreu.Apesar de fazer parte do Exército indonésio, salvei os meus companheiros da floresta…Duranteo interrogatório, perguntavam-lhes o que eles faziam na floresta, se empunhavam armas ou sematavam soldados indonésios. Como estavam a ser electrocutados, às vezes admitiam quetinham empunhado armas ou morto soldados na floresta, mas eu ajudava a encobrir essasinformações. Antes das 8 da manhã, eu abria ligeiramente a porta e dava-lhes instruções: “Elesvão interrogar-vos um a um, mas se vocês disserem algo de errado…eu piso-vos o pé e vocêstêm de parar de falar. Eu falo com o soldado primeiro, mas se vocês disserem alguma coisa quenão devem, eu levanto-me e bato-vos.”- 123 -


Por exemplo, se eles admitissem terem morto um soldado, eu alterava as palavras para que nãofossem mortos e dizia imediatamente à vítima, em [idiomas] tétum ou makassae: “Não digas issoou eles matam-te.” Eu batia imediatamente nos meus companheiros para que os soldados nãosuspeitassem deles e também para que não suspeitassem de mim como sendo um inimigodisfarçado. O Exército/fuzileiros perguntavam-me por que lhes batera e eu dizia que fora porqueeles não tinham admitido os homicídios. Depois de lhes bater e de voltar a prendê-los, eu pediadesculpa por lhes ter batido e dizia: “Não leves a mal, mas eu ajudei-te a não ser morto peloExército indonésio.” 411Rendições em massa: 1978/1979Depois da destruição da última zona libertada do monte Matebian, ocorreram rendições emmassa por toda a região oriental de Timor-Leste (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada eFome). Outros grupos também começaram a render-se nas regiões central e ocidental. Nestaaltura, voltou a ser efectuado um processo de selecção para separar aqueles que se sabiaserem líderes da Fretilin — que eram detidos imediatamente. Outros eram submetidos ainterrogatórios intensos para averiguar qual fora o seu papel, ou se podiam fornecer informaçõesúteis.Além de membros das estruturas militares, membros do governo civil, da defesa civil e, porvezes, cidadão comuns ajudavam a fazer as detenções e a identificar aqueles que deviam sersubmetidos a mais interrogatórios. Por exemplo, após se render na cidade de Uatu-Carbau(Viqueque) em 1978, um civil timorense, T297, denunciou Xisto Fernandes a um Hansip, T298, oque levou à sua detenção e prisão no Koramil de Uatu-Carbau. 412 Celestino Manuel Pinto disse àComissão ter sido detido por uma iniciativa conjunta entre funcionários dos governos locais, aHansip, a Polícia e dos militares a 23 de Novembro de 1978, depois de ter descido do monteMatebian, perto de Uatu-Carbau (Viqueque), e de se ter rendido no suco de Bahatata (Uatu-Carbau, Viqueque):Naquela altura, o administrador do subdistrito [de Uatu-Carbau] T299 e o seu adjunto T300 coordenaram-se como Comandante da Hansip T301 [falecido], com ofuncionário deste, T302, e a Polícia e os Comandantes doKoramil para me capturar e a dois companheiros meus,chamados Alfredo Pires e Caetano Quintão. Prenderamnosaos três porque eu era membro das Falintil quandoestava na floresta. Fui preso a 1 de Janeiro de 1979 emAfaloicai [Uatu-Carbau]. Outras 130 pessoas foram detidaspelas ABRI em seus sucos, Irabin de Baixo, Irabin deCima, Uani-Uma, Lo-Ulu, Afaloicai e Bahatata, nosubdistrito de Uatu-Carbau. Enquanto estivemos presos,fomos obrigados a fazer trabalhos como, por exemplo,levar um carro Jeep desde Uatu-Lari ao suco deAfaloicai…transportar bambu e construir uma estrada deRinggit Baru * a Afaloicai e procurar rochas e madeira paraconstruir a casa de T299. Ficámos presos até 1980.Quando fomos libertados, tivemos de nos apresentardurante um ano e meio. Depois disso, ficámoscompletamente livres. 413A Comissão realizou reuniões em sucos por todo o Timor-Leste e documentou a experiência dascomunidades. Os seguintes Perfis Comunitários contam a história de algumas das rendições e*O nome de um suco que foi fundado, ou recebeu um novo nome, durante a ocupação indonésia.- 124 -


detenções em massa ocorridas em 1978 e em 1979 e as diferentes experiências dascomunidades que se renderam:Comunidade Data Rendição Prisão Interrogatório/TorturaRemexio, 1979 Rendição daAileu 414 comunidadeUma-Kiik(Viqueque) 415 1978 Rendição dealgumas pessoasao Batalhão 202 ede outras aoBatalhão deInfantaria 745.Caisido(Baucau) 416 1978 Rendição dacomunidade deCaisido e depessoas de outrossucos na cidadede Baucau e nossucos de TriloloTriloka, Bucoli,Vemasse(Baucau).Molop(Bobonaro) 41717 deAbril de1978Rendição de 370pessoas aoBatalhão 612.Marobo,Bobonaro 418 1978 Rendição dacomunidade àstropas doBatalhão 612.Bahatata(Uatu-Carbau,Viqueque) 41922 e 23 deNovembrode 1978Rendição demuitas pessoas aoBatalhão 328,junto a Samalari(Uatu-Carbau,Viqueque). Maistarde, um pelotãodas Falintil e 19outras pessoasrenderam-se aoBatalhão 328 e àHansip junto aSamalariDetenção de todosos homens pormembros das ABRI,da Hansip e porPartidários. Mais 20pessoas (homens emulheres) foramdetidasposteriormente. Nototal, foram presascerca de 100pessoasO Batalhão 202deteve todas aspessoas, sobsuspeita depertencerem àsFalintil. O Batalhãode Infantaria 745levou todos para acidade.Oito líderes daFretilin forampresos durante seismeses no HotelFlamboyan, emBaucau.Detenção de 20pessoas, sobsuspeita depertencerem àsFalintil.Todas as pessoasforam presas,incluindo ocomandante daFretilin daCompanhia deBobonaro, João deJesus.O Batalhão 328examinou os bensdas pessoas e levouum homemsuspeito de ser olíder para oKoramil. O pelotãodas Falintil e asoutras 19 pessoasforam todas presasAs pessoas foram presas einterrogadas durante duassemanas e depois enviadaspara casa.O Batalhão 202 torturou aspessoas, utilizou as mulherescomo escravas sexuais eobrigou os homens a tornaremseTBO. O Batalhão deInfantaria 745 obrigou aspessoas cortar erva todos osdias.As pessoas foram <strong>tortura</strong>das,mas não interrogadas.As pessoas ficaram 3 mesespresas em edifícios da PolíciaMilitar, sem receberemalimentação. Foram queimadascom cigarros acesos, agredidascom um martelo e com umaarma, arrancaram-lhes asunhas com alicates, despiramnasaté ficarem nuas e foramcolocadas dentro de águadurante 24 horas.As pessoas foram imersasnuma piscina durante umperíodo de dois meses. Depoisalguns dos prisioneiros foramlibertados e cerca de 90 civisforam obrigados a tornarem-seTBO.A pessoa suspeita de ser líderfoi interrogada e depoislibertada. Os membros dasFalintil e as outras 19 pessoasforam espancadas,pontapeadas e queimadas comcigarros por um membro daHansip, T329. Todos foramobrigados a tornarem-se TBO.- 125 -


Hansip junto aSamalariVila de Dato(Liquiça) 420 1979 Rendição damaioria daspessoas de Datoao Kodim 1638 deLiquiça.Hatura,Nasolan,Isolada(Aileu) 421 1979 Rendição de 280pessoas emDamata aoBatalhão 712, àForça Aérea 100,à Força Aérea 700e à Força Aérea721.Uato-Haco(Venilale,Baucau) 422Setembrode 1979Rendição dascomunidades deUatu-Haco e deUahilalha às ABRIem Venilale.Detenção de 18comandantes depelotão.Nenhuma prisão.Os bens daspessoas foramrevistados. Aspessoas foramtodas levadas paraMalere, (Aileu)alimentadas emandadas paracasa.Detenção de líderese de pessoassuspeitas de seremlíderes que seencontravam nafloresta.As pessoas foram presas porT284 em Koni, Liquiça. Foram<strong>tortura</strong>das através deespancamentos e obrigadas aconstruir uma “casa deentretenimento”-Duas pessoas foram presas einterrogadas no HotelFlamboyan, em Baucau. Forampresas 11 pessoas nos postosmilitares de Venilale eobrigadas a construir casas.Francisco da Costa foi destacado do grupo quando se rendeu com a sua família em Uatu-Lari(Viqueque), em 1978, depois de viverem dois anos no monte Matebian. Francisco da Costacontou a sua experiência à Comissão:Descemos do monte Matebian e rendemo-nos às ABRI nacidade de Uatu-Lari, em 1978. Quando me rendi, fuiimediatamente detido por um homem timorense, T305, epor membros dos serviços de informação dasKopassandha. Fui esmurrado, pontapeado e agredido nacabeça com um pedaço de madeira até ficar inconscientee não me aguentar em pé. Eles arrastaram-me para aprisão. Fui detido porque tinha colaborado com umdelegado da Fretilin chamado Lequimau e tinha proibidoas pessoas de se renderem às ABRI.No dia seguinte, um Hansip chamado T306 chegou comtrês mulheres-soldado timorenses: T307, T308 e T309. OHansip T306 mandou-as baterem-me com um pedaço demadeira até eu sangrar. Depois, eles [T306 e as trêsmulheres-soldado] mergulharam-nos em água durante 24horas. No dia seguinte, fomos entregues ao Koramil e aochefe do suco de Afaloicai, Agustinho Ribeiro, que teve deassumir a responsabilidade e de tomar conta de nós osquatro. 423As condições em que as pessoas eram presas durante este período eram frequentementeaterradoras. Exemplo disso é o depoimento de Mário Maubuti, que disse à Comissão que ele edois dos seus cunhados, Maubuti e Beremau, desceram das montanhas e renderam-se aoExército em Leimea Kraik (Hatulia, Ermera), em 1978. Foram imediatamente levados para acidade de Atsabe (Atsabe, Ermera), onde ficaram detidos com várias outras pessoas:- 126 -


Depois de chegarmos a Atsabe, fomos todos colocadosnum buraco no chão e só éramos alimentados uma vezpor dia. Também tivemos de lutar uns com os outros porcausa da comida. Alguns não conseguiam comidasuficiente porque estávamos esfomeados e a comida nãochegava para todos os prisioneiros. O buraco estavasobrelotado e, durante a estação das chuvas, dormimosna lama e em poças de água durante oito dias. Depois,fomos libertados. 424As condições dos campos de transição também eram extremamente difíceis e muitas pessoasmorreram (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome).- 127 -


Prisão no Campo de Uma MetanAlas, ManufahiUma Metan (tétum: Casa Negra) era um campo criado pelos militares indonésios mesmo antesde Agosto de 1978 junto a Alas (Manufahi) para servir de base de operações contra aResistência nas montanhas em redor do distrito de Manufahi. Em Uma Metan estavam sediadoso Batalhão de Infantaria Aerotransportado 700, os Batalhões de Infantaria 744, 745 e 310, oNanggala (Kopassandha) e o Koramil de Alas. O campo também era utilizado como campo detransição para prender pessoas que se rendiam vindas de áreas próximas e para prenderpessoas suspeitas de serem membros da Resistência.A Comissão entrevistou vários antigos presos do Campo de Uma Metan. Tomé da CostaMagalhães, prisioneiro em 1978, descreveu Uma Metan como uma colina com cerca de 300metros de altura. Mateus da Conceição, detido a 8 de Maio de 1979 e prisioneiro em Uma Metandurante três meses, calculou que estivessem cerca de 8.000 pessoas no campo, vindas devários locais, nomeadamente Aileu, Maubisse, Same, Ainaro, Manatuto, Díli, Liquiça e Viqueque.Tomé Magalhães e Mateus da Conceição disseram ambos que a vida em Uma Metan eraextremamente difícil. Todos os dias morriam muitas pessoas de fome e de doenças comodiarreia, tuberculose e béri-béri. Eles também falaram sobre uma escola construída em UmaMetan, supostamente para as pessoas aprenderem o idioma indonésio, mas que também erautilizada de noite por membros do Nanggala, do Batalhão de Infantaria Aerotransportado 700 edo Koramil para violar mulheres. 425 O campo foi encerrado por volta de Janeiro de 1982.Ao contrário de outros campos de transição, Uma Metan também era utilizado como prisão parapessoas que se descobria trabalharem para a Resistência. Essas pessoas eram por vezesencontradas entre as que se rendiam e outras vezes eram apanhadas na floresta e levadas parao campo para serem interrogadas. 426 Vários membros da Resistência eram mortos e executados(ver Subcapítulo 7.2 sobre Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados), outros eram utilizadoscomo mão-de-obra forçada ou para encontrar outros membros da Resistência. Alguns residentesdo campo eram transferidos para outro local — como o Koramil de Same (Manufahi) — depoisde passarem vários meses em Uma Metan, para serem submetidos a mais interrogatórios. 427Outros eram obrigados a trabalhar para os militares ou a tornarem-se TBO. 428Saturnino Tilman, detido pelo Batalhão de Infantaria 745 a 28 de Fevereiro de 1979, emFatukuak, foi levado de helicóptero para Uma Metan, juntamente com o seu amigo Ijidoro. Ossoldados entregaram-no ao Batalhão de Infantaria Aerotransportado 700, que o interrogou com aajuda de um Hansip que actuou como intérprete. Os membros do Batalhão de InfantariaAerotransportado 700 interrogaram-no sobre a força das Falintil e os tipos de armas queutilizavam. Saturnino Tilman não foi espancado durante o interrogatório, mas pouco depoismandaram-no despir-se e dormir no campo, de frente para o sol, durante várias horas. Depois,foi preso numa casa durante dez dias, tendo apenas recebido uma refeição por dia durante esseperíodo. O seu amigo Ijidoro foi amarrado a uma árvore no exterior. Saturnino Tilman tambémcontou à Comissão como os militares alinharam pessoas perante ele e lhe pediram para asidentificar, mas ele disse sempre que não as conhecia. Depois de ser interrogado, foi entregueao Koramil de Alas, de Uma Metan, e depois enviado para o Koramil de Same, em Betano, ondefoi mandado construir uma estrada com 200 outros prisioneiros. 429Tomé da Costa Magalhães falou sobre 77 civis (nenhum pertencente às Falintil) que serenderam depois de uma operação militar em Fahinehan (Fatuberliu, Manufahi), e foram detidospelo Batalhão de Infantaria 745 e pelo Batalhão de Infantaria Aerotransportado 100. Os presosforam levados para Uma Metan, onde foram obrigados a construir casas, uma escola e uma salade reuniões.- 128 -


Mateus Pereira relatou à Comissão ter sido enviado para Uma Metan dois meses depois de serender em Betano (Same, Manufahi). Ele e 12 outros presos foram mandados caminhar até aocampo, vigiados por membros da Hansip a 5 de Março de 1979. Quando chegaram, umcomandante das Kopassandha disse-lhes que a sua missão no campo era ir à escola e ajudar aprocurar líderes da Fretilin/Falintil na floresta, incluindo José Maria (Mausiri) e Eduardo dos Anjos(Kakuk). Mateus Pereira e os 12 presos foram interrogados individualmente sobre o que faziamna floresta. Depois, deram-lhes um mapa e documentos de viagem e mandaram-nos procurarcombatentes em determinadas áreas. Eles encontraram Mausiri, Kakuk e Ermelita Coelho(Sirilau) em Kolokou, no suco de Dotik (Alas, Manufahi). Os combatentes disseram a Mateus eao seu grupo que estavam prontos para se renderem e entregaram duas das suas armas paraserem apresentadas como prova. Quando Mateus Pereira relatou o sucedido em Uma Metan,uma companhia de Nanggala foi buscar os combatentes da Resistência rendidos e Mateus e osseus companheiros receberam documentos de viagem para regressarem ao seu suco. 430Captura de comunidades: 1978/1979As comunidades que foram capturadas pelos militares antes de se renderem disseram àComissão terem sido tratadas de uma forma mais dura do que as que se renderam. Acomunidade de Uamoritula, Uaimori (Viqueque, Viqueque) disse à Comissão que, em 1979, oBatalhão de Infantaria 745 capturou cerca de 20 pessoas de Uamoritula e as prendeu em Laleia(Manatuto) sob suspeita de colaborarem com a Resistência. Algumas das pessoas capturadasforam mortas e outras foram violadas na viagem para Laleia. 431 Outra comunidade, a de Manetu(Maubisse, Ainaro), descreveu como, em 1979, as pessoas do suco queriam render-se, mastinham medo dos militares locais. Antes de se decidirem, foram capturadas pelos soldados emTuriscai (Manufahi), que as espancaram de imediato e violaram duas raparigas do grupo. Aspessoas foram depois levadas para Maubisse, onde foram espancadas de maneira impiedosa e432interrogadas durante três meses sobre o paradeiro das Falintil na floresta.Jacinto Alves falou à Comissão sobre a sua captura, juntamente com 40.000 civis, na região deIlimano (Lacló, Manatuto). Deste grupo, apenas cerca de 26 pessoas foram levadas para sereminterrogadas:O Movimento Torneante era um movimento circulante.Durante quase três meses, circulámos pela área deFatubutik, Aikurus, depois de Hatu-Kona [todas em Lacló,Manatuto] e depois regressámos ao local onde tínhamoscomeçado. Fomos atacados pelo ar e pelo chão commorteiros…Não havia qualquer logística, nenhum tipo deajuda…A 27 de Julho de 1978, nós — cerca de 40.000pessoas — fomos capturados na área de Ilimano. Toda apopulação foi mandada para Metinaro [Díli], mas elesdetiveram-me, tal como ao comandante da companhia,Vicente Alin, e levaram-me para o posto da Companhia B,Batalhão 315. 433Eu e mais vinte e seis outros, incluindo os meus pais, omeu tio e outros ficámos juntos mas só eu fui levado paraser interrogado. Fui espancado e pontapeado. Depoisdisso, 26 foram levados para Metinaro para um campojunto da população local, e eu fui levado para o posto decomando do Batalhão 315. Outras pessoas foramlibertadas e eu fui preso sozinho numa casa temporáriafeita de ramos de melaleuca (um tipo de eucalipto).- 129 -


Dois ou três dias depois, eles trouxeram a minha mulher eum dos seus irmãos mais velhos, juntamente com a minhasogra e a minha mãe para o local onde eu estavaaprisionado para os interrogarem. Olhámos uns para osoutros, mas não pudemos trocar palavras. 434Francisco Xavier do Amaral, o primeiro Presidente da Fretilin e da RDTL, foi detido na costa sul,no distrito de Viqueque, em Outubro de 1978. Ele fora prisioneiro da Fretilin durante os 13 mesesanteriores. À medida que a Fretilin fugia das forças indonésias, os seus prisioneiros tinham de aacompanhar, fugindo também. Quando o Batalhão de Infantaria 744 cercou o campo da Fretilin,Xavier do Amaral estava demasiado fraco para fugir e caiu na erva. Foi capturado e transportadode avião para Díli, para se encontrar com o coronel Dading Kalbuadi. 435Prisões após o regresso a casaNem todas as pessoas eram detidas imediatamente depois de se renderem. Algumas eramdetidas depois de voltarem a instalar-se nas suas habitações. Por vezes, isso acontecia porqueos militares e os seus auxiliares descobriam informações sobre a pessoa através dos sistemasde serviços de informação do controlo comunitário. Américo da Costa disse à Comissão que elee a sua família desceram do monte Matebian em 1979 e renderam-se no subdistrito de Moro(Lautém). Devido às dificuldades que teve para encontrar víveres, Américo da Costa plantouuma horta em Soru-Uaku, no suco de Maina I (Moro, Lautém). Um dia, enquanto trabalhava nahorta, encontrou um familiar que ainda não se tinha rendido:Eu estava a tratar da horta quando o meu cunhado (Sere)e o seu amigo Lourenço chegaram subitamente a Serelau[Moro, Lautém]. Eles ainda eram membros das Falintil,viviam na floresta e não se tinham rendido. Quando nosencontrámos, trocámos histórias sobre a minha vida nacidade e vice-versa.Mas o nosso encontro foi descoberto pelo administradordo subdistrito de Moro T310, que mandou alguém chamarmee à minha irmã, Jacinta Marques, para irmos a casadele. Fomos interrogados e, durante o interrogatório, fuiagredido na cabeça, esbofeteado seis vezes na cara ederam-me pontapés do estômago até eu cair. Depois, eleesbofeteou a minha irmã. Disseram-nos que, sevoltássemos a encontrar-nos com membros das Falintil,teríamos de os trazer para se renderem na cidade. Depois,fomos enviados para casa. 436Luís Maria da Silva (Maukiak) foi detido um mês depois de se render ao Pasmar 9 por se terdescoberto que trabalhou com a Fretilin enquanto esteve na floresta:Um mês [depois de me ter rendido] as ABRI iniciaram umaoperação em Quelicai [Baucau], em busca de pessoas quetivessem acabado de sair da floresta, que tivessemcolaborado com a Fretilin. O Pasmar 9 conseguiu capturarRaimundo e ele foi interrogado…sobre os nomes daspessoas que se tinham juntado à Fretilin…[e] admitiu queeu tinha participado em actividades da Resistência contraos militares indonésios.- 130 -


A 2 de Janeiro de 1979, fui detido por membros doPasmar 9. Eles levaram-me para o posto de Quelicai[Baucau] e depois ao encontro do comandante do Pasmar9, para ser interrogado sobre o que fizéramos. Fuilibertado passados dois dias. 437Conluio montado contra um antigo líder da FretilinO depoimento de José da Silva Amaral revela a atmosfera de suspeita e divisão existente dentrodas comunidades locais de Timor-Leste nesta altura. Qualquer pessoa com ressentimentospodia denunciar o seu inimigo ao posto de comando militar local, dizendo que essa pessoaapoiava a Resistência e tornando-a assim vulnerável a prisão a longo prazo, <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e<strong>tortura</strong>. A Comissão tomou conhecimento de muitos casos em que as pessoas eram punidasantes de ser realizada qualquer investigação, sendo violados os seus direitos a um julgamentojusto, incluindo a presunção de inocência.José Amaral era líder da Fretilin em Viqueque em 1975. Depois da invasão, ele tornou-secomissário político adjunto e delegado da Fretilin em Ossu (Viqueque). No final de Outubro de1978, José Amaral e várias pessoas fugiram para o monte Matebian, mas renderam-se quandoas bases de apoio foram destruídas e foram mortos vários civis.Por volta de Janeiro de 1979, José Amaral trabalhava como agricultor no seu campo de arroz nosuco de Ossurua (Ossu, Viqueque), mas a comunidade sabia que ele tinha sido delegado daFretilin. Um comandante da Hansip, Joaquim Monteiro, trabalhava num campo de arroz perto docampo de José Amaral. Certa noite, alguém roubou todas as vacas de Joaquim Monteiro e, nodia seguinte, Joaquim Monteiro acusou José Amaral de ter cometido o crime e de ter enviado asvacas para as Falintil. José Amaral afirmou a sua inocência e acreditou que o crime tinha sidocometido por um líder tradicional local, sob ordens de um membro do Koramil de Quelicai.Alguns dias mais tarde, três membros da Hansip, T311, T312 e T313, detiveram José Amaral.Levaram-no primeiro para o Koramil de Viqueque e depois para uma casa portuguesa que naaltura era utilizada como Comando Táctico (Komando Taktis, Kotis). O Batalhão 202 utilizava acasa como dormitório e como local para interrogar e <strong>tortura</strong>r presos. Um membro do Batalhão202 interrogou José Amaral sobre os homicídios de alguns soldados do batalhão, que osmilitares indonésios pensavam terem sido cometidos pela Fretilin. O membro do Batalhão 202mostrou as suas feridas a José Amaral, dizendo: “Isto, isto! Quem fez isto?”José Amaral respondeu “Não sei, bapak. * Não fui eu que te alvejei!” Então, o soldado mandou omembro da Hansip T311 esbofetear José Amaral na cara até ele cair no chão. Mas ointerrogatório continuou. Passados 15 minutos, três outros soldados começaram a agredi-lo comum cinto e a pontapeá-lo na cara. Depois disso, ele foi novamente transferido para o quartelgeneraldo Batalhão 202, onde já estavam presas cerca de 50 outras pessoas. José Amaral ficouseis meses preso, entre Janeiro e Julho de 1979. Durante este período, os interrogatórioscontinuaram e, caso ele não dissesse o que os interrogadores queriam ouvir, era violentamenteespancado pelos soldados do Batalhão 202. 438Alguns membros das Falintil que permaneceram nas montanhas e não se renderam foramenviados pelos seus comandantes para observarem a situação nas cidades. Alguns foramdetidos quando chegaram às cidades. João Amaral, membro das Falintil na altura, falou àComissão sobre a sua detenção, ocorrida quando ele e os seus companheiros foram enviadospara vigiar a situação da vila de Suai em 1979:*Bapak é uma expressão indonésia demonstrativa de respeito que se utiliza quando se fala com homens mais velhos esignifica tanto “pai” como “senhor”.- 131 -


ConclusãoQuando chegámos a Suai, fomos capturados por soldadosdo Batalhão 507, na área de Ahinarae, no suco de Debos(Suai, Covalima). Fomos capturados por cerca de 100soldados e imediatamente presos numa antiga lojachinesa chamada Cina Odamatan Tolu [Três PortasChinesas], que era utilizada como quartel-general dasABRI. Ficámos ambos presos lá durante duassemanas…[Depois] as ABRI mandaram o meucompanheiro Mali Raket regressar à floresta para tentarconvencer os nossos companheiros a descerem e serenderem às ABRI em Suai. Mas, passaram-se algunsdias e Mali Raket não regressou, por isso as ABRIlevaram-me de Suai para Díli. Fui levado para a prisão deBalide e fiquei dois anos preso lá. Durante esse período,fui agredido dos pés à cabeça com um pedaço de madeirae com uma barra de ferro, até estar todo negro. Aindasinto dores nos intestinos devido à <strong>tortura</strong>. 439Em finais de 1979, os militares indonésios tinham estabelecido sistemas de controlo sobre apopulação timorense que incluíam prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e outras formas de tratamento cruel edesumano. Os padrões que surgiram neste período inicial repetiram-se ao longo do período daocupação e incluíram:• Utilizar a prisão para suprimir a dissidência política• Interrogar todos os suspeitos de associação com a Fretilin/Falintil, incluindo através deparentesco, para descobrir informações sobre a Resistência• Utilizar a <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> como método habitual do processo de interrogatório,incluindo a adopção de determinadas formas de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> por figuras deautoridade de todo o território• Ignorar os direitos a um processo legal justo, incluindo a apresentação de um mandatode captura, explicação das razões para a detenção, autorização de acesso a umadvogado ou de comparência perante um tribunal judicial• Utilizar os militares para efectuar detenções, infringindo as leis de direitos humanos e odireito nacional da própria Indonésia• Utilizar timorenses, incluindo militares, paramilitares, membros da defesa civil efuncionários civis para perpetrar ou participar na perpetração de violações contra osseus compatriotas timorenses• Criar sistemas de controlo comunitário em que os vizinhos se denunciavam uns aosoutros.<strong>7.4</strong>.6 Prisões efectuadas pela Indonésia como Potência Ocupante,1980/1984IntroduçãoEmbora a Indonésia tenha assumido o controlo da maior parte do território e da população pelosfinais da década de 1970, as Falintil continuaram a realizar assaltos e ataques aos postos- 132 -


militares. As redes clandestinas fortaleceram-se e tornaram-se mais organizadas. Os reagiram aesta resistência com um grande número de prisões e <strong>tortura</strong>ndo e maltratando civis. * Tentaramisolar membros da Resistência da população civil e trataram os presos políticos com dureza,para que os civis percebessem que a associação à Resistência lhes traria grande sofrimento. 440Após a interrupção de um cessar-fogo de cinco meses em 1983, as ABRI realizaram umaofensiva militar em larga escala.O padrão das prisões e da <strong>tortura</strong> no início da década de 1980 reflecte consideravelmentealguns acontecimentos e fenómenos específicos, nomeadamente:• Ataque Marabia, 1980• Operação Segurança (Operasi Keamanan), Junho de 1981• Levantamentos do monte Kablaki, 1982• Prisões durante o cessar-fogo, Março a Agosto de 1983• Interrupção do cessar-fogo, Agosto de 1983• Operação Unidade (Operasi Persatuan), Agosto de 1983 a Junho de 1984• Prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> em 1984Perfil das violaçõesA Prisão, a <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> ocorreram ao longo deste período de quatro anos, emboratenha havido uma ligeira diminuição dos valores verificados durante a invasão e a ocupação doterritório. Contudo, a incidência de prisão e <strong>tortura</strong> aumentou ao longo do período e atingiu oponto máximo por volta de 1983 — como se pode ver nas Figuras , e . Existe uma correlação evidente entre os padrõesde prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> dos anos de 1980 a 1984. †[Inserir Figuras , e por aqui]O auge das violações, em 1983, está provavelmente relacionado com a interrupção do cessarfogo,que foi seguido pela Operação Unidade (Operasi Persatuan), um esforço consciente dosmilitares indonésios para identificar as pessoas alegadamente envolvidas com as forças dasFalintil. ‡ A Persatuan foi liderada pelas Forças Especiais ( Kopassandha), apoiadas pela forçaaérea, talvez devido ao papel dos Hansip no levantamento, que teria provocado uma grandedesconfiança em relação aos soldados timorenses (ver Capítulo 3: História do Conflito).As áreas onde a violência era mais concentrada também mudaram da zona ocidental — onde aviolência foi superior durante os anos da invasão — para as regiões oriental e central: 94,7%(7.173/7.574) dos casos de prisão documentados, 92,8% (2.229/2.403) dos casos de <strong>tortura</strong>documentados e 93,3% (1.455/1.560) de casos de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> documentados neste períodoocorreram nas regiões central e oriental. Estas regiões abrangiam Díli e Ataúro, onde sesituavam os principais centros de detenção, e os distritos orientais, onde a Resistência estava*Ver manual de instruções militares nº JUKNIS/05/I/1982, que identifica os ataques feitos pela GPK (Resistência) como“ameaças e distúrbios” e estabelece medidas de prevenção para lhes fazer frente [Manual de Instruções nº.JUKNIS/05/I/1982, System of Security in Towns and Resettlement Areas, tradução em Carmel Budiardjo e Liem SoeiLiong, Zed Books, Londres, 1984, p. 184].†O coeficiente de correlação entre os casos de prisões e <strong>tortura</strong> documentados é de 0,65 e o coeficiente de correlaçãoentre os casos de prisões e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> documentados é de 1,0.‡A Operasi Persatuan foi lançada pelo major-general Benny Murdani para acabar de vez com a Resistência. Numa cartaenviada ao comandante Xanana Gusmão em Junho de 1983, Murdani disse: “O nosso exército está preparado para vosdestruir se não estiverem dispostos a colaborar com a nossa república. Estamos a preparar uma operação — OperasiPersatuan—que será iniciada em Agosto.” Citado in Budiardjo e Liem, p. 139 e 47.- 133 -


sedeada na altura. Cerca de metade de todas as prisões e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> ocorreram nos distritosde Díli e Lautém, como pode ser verificado abaixo. Quadro . *Neste período é também digno de nota o facto de as mulheres terem suportado uma médiasuperior de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> comparativamente aos outros anos. Entre 1980 e 1984,21,4% (1.601/7.574) dos casos de prisão documentados, 10,8% (259/2.403) dos casos de<strong>tortura</strong>s documentados e 18,7% (292/1.560) dos casos de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> documentados foramsofridos por mulheres. † O aumento relativo na percentagem de prisões, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>sofridos por mulheres pode ser confirmado abaixo:Inserir Quadros , e .Em parte, isto pode ser explicado pela detenção e transferência em massa de famílias, incluindomulheres, para Ataúro, descrita à Comissão como prisão em vez de deslocação por muitasvítimas. Contudo, as mulheres também parecem ter sofrido uma média superior de violaçõesdeste tipo durante operações militares em larga escala do que noutras alturas. É evidente que,durante as suas principais ofensivas, os militares indonésios e os seus auxiliares não tomarammedidas adequadas para assegurar que os não combatentes (e, em particular, as mulheres)fossem protegidos da prisão, da <strong>tortura</strong> e dos <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>.A análise dos perpetradores mostra que os membros das organizações de defesa civil foramresponsáveis por muitos dos casos de prisão e <strong>tortura</strong> deste período. Durante o ano em que asprisões atingiram o ponto máximo, 1983, os Hansip foram identificados em 32,8% (644/1.966)dos casos de prisão. O Kopassandha também esteve bastante activo neste período. A suaparticipação na prisão arbitrária de civis, ao longo de todo o período da ocupação, atingiu o augeem 1983, tendo sido identificado como responsável por 20,2% (398/1.966) dos casos de prisão.Este facto deve-se à Operasi Persatuan, a reacção das organizações de defesa civil aoslevantamentos.Levantamento de Marabia, Díli, 10 de Junho de 1980A primeira vaga de detenções em larga escala e de prisão arbitrária no período 1980/1984ocorreu depois de membros das Falintil e de grupos clandestinos atacarem a estação emissoraMarabia, em Dare (nas colinas acima de Díli) e as casernas do Batalhão de Infantaria 744, emBecora (Díli oriental) a 10 de Junho de 1980.Segundo as informações recebidas, os militares foram surpreendidos pelo ataque e reagiram,prendendo, em Díli e nos distritos vizinhos, centenas de apoiantes da independência —conhecidos ou suspeitos de o serem — para descobrirem os atacantes. ‡ Foram detidas pessoasrelativamente às quais não havia qualquer razão para se suspeitar de uma participação directano ataque, 441 membros do movimento clandestino que se esperava pudessem fornecerinformações, 442 e os “suspeitos do costume,” ou seja, pessoas habitualmente detidas devido aligações anteriores às actividades da Resistência. 443A repressão resultou do esforço conjunto desenvolvido pelas várias organizações dos militaresindonésios, incluindo membros do Kodim e do Koramil, do Batalhão 744 e do Comando da Forçade Reacção Rápida (Komando Pasukan Gerak Cepat, Kopasgat). 444 O tenente T314 [indonésio],*O distrito de Lautém relatou 23,7% (1797/7.574) de prisões, 23,3% (559/2.403) de <strong>tortura</strong>s e 22,0% (343/1.560) de<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. O distrito de Díli relatou 27,3% (2.066/7.574) de prisões, 13,4% (322/2.403) de <strong>tortura</strong>s e 23.5% (366/1.560)de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>.†Ao longo do período de mandato da Comissão, 13,9% (3.512/25.383) dos casos de prisão documentados, 7,7%(857/11.135) dos casos de <strong>tortura</strong> documentados e 12,3% (1.041/8.443) dos casos de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> documentados foramsofridos por mulheres.‡Segundo estimativas da Amnistia Internacional, foram presos 400 civis após o ataque [Amnistia Internacional, RelatórioAnual de 1981].- 134 -


e o chefe de secção dos serviços de informação do Comando Militar Provincial de Timor-Leste(Komando Resort Militer, Korem) ordenaram e efectuaram pessoalmente muitas das detenções.Os membros das forças militares eram por vezes acompanhados ou auxiliados por um membrodos serviços de informação militares, dos Hansip, da Brigada Móvel da Polícia (Brimob), por umbabinsa ou por um chefe de suco. 445 Por exemplo, Maria Imaculada, membro de umaorganização que prestava apoio logístico à Resistência armada, foi chamada à casa do chefe desuco timorense T315 e identificada perante o tenente T314, que a deteve e a levou para oKorem, em Díli. 446 Membros do Kodim de Aileu também detiveram suspeitos e entregaram-nosàs autoridades em Díli. 447Prisão arbitráriaA natureza conjunta do esforço também é indicada pela variedade de locais onde os presosforam colocados. Os centros de detenção formais incluíam o Posto do Comando MilitarProvincial (Korem) em Díli, o Comando Militar 1627 (Kodim)do distrito de Díli, os Koramil e aprisão da Comarca. 448 Dando continuidade ao padrão de prisão da década de 1970, os presoseram deslocados com frequência e levados para centros de detenção informais, especificamentepara serem interrogados e <strong>tortura</strong>dos. Estes centros incluíam o complexo do comando militarsub-regional (Mes Korem), a maternidade dirigida pela Associação das Mulheres dos Militares(Persatuan Istri Tentara), chamada Kartika Candra Kirana (Kartika Sari) * em Colmera (Díli), e oquartel-general da Unidade Conjunta de Serviços de informação (Satuan Gabungan Intelijen,SGI), também em Colmera. 449 Os períodos de prisão nestes centros variavam entre um dia eduas ou três semanas, ao fim das quais os presos eram libertados ou transferidos para aComarca ou para a Ilha de Ataúro.Tortura e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>O tratamento dado aos presos era extremamente duro. David Dias Ximenes, que foi detido apósser apontado por vários presos como o autor do plano do ataque, foi levado para Mes Korem. Foisubmetido a choques eléctricos, foi mergulhado num tanque cheio de água e viu um preso seresfaqueado até à morte à sua frente. Os seus interrogadores ameaçaram-no do mesmo destinocaso não falasse. 450 José Gomes Guterres, também preso em Mes Korem , descreveu a suaexperiência:Havia cinco pessoas presentes no meu interrogatório: umapara fazer perguntas e quatro para me baterem quando asrespostas não fossem suficientemente claras. Nãointeressava se a resposta era ou não verdadeira — tinhade ser a resposta que eles queriam. Fui espancado comcoronhas de espingarda e pontapeado em todo o corpo.Ataram-me os pés e mãos e empurraram-me para umtanque de água, mantendo-me submerso durante doisminutos. Depois, voltavam a interrogar-me. Se eu nãoconfessasse, todo o processo se repetia. Eles puseramdois lagartos com dentes afiados em cima do meu corpo epuxavam-lhes as caudas para que me mordessem earranhassem. Passado um mês em Mes Korem, puserammena prisão da Comarca, na cela da solitária, e, emSetembro, enviaram-me para Ataúro. 451Maria de Fátima Pinto, que fazia parte da Base de Organização da Resistência, juntamente comDavid Dias Ximenes e Pedro Manek, fugiu para a floresta depois do ataque. Maria de FátimaPinto disse à Comissão ter sido detida depois de um antigo membro da rede clandestina revelar*Por vezes referida como Mandarin, o bairro onde se situa.- 135 -


o seu paradeiro às autoridades. Após três dias de interrogatório em Mes Korem, foi transferidapara o quartel-general do Korem durante um mês, onde foi despida, espancada, submetida achoques eléctricos, queimada, mergulhada debaixo de água e lhe esmagaram os pés com umacadeira. 452Vários testemunhos mencionam a utilização de lagartos com dentes afiados durante a <strong>tortura</strong> eem vários locais de detenção. 453 Agapito da Conceição Rocha relatou que a Polícia, os Hansip eas ABRI o detiveram em Aileu uma semana depois do ataque de Marabia. Ele foi preso noKodim de Aileu e interrogado, antes de ser enviado para Díli. Agapito Rocha disse à Comissão:Fui levado para o campo aéreo de Díli de helicóptero edepois levado imediatamente para o Comando Táctico[Komando Taktis, Kotis], em Mandarin, onde me tiraramtoda a roupa e me colocaram num tanque de água durantetrês dias e três noites. Depois, os perpetradores soltaramum lagarto de dentes afiados dentro do tangue e elemordeu as minhas orelhas, cara, lábios e órgãos genitais.Depois, tiraram-me do tanque e espancaram-me,pontapearam-me e levaram-me para uma sala para cantara canção Foho Ramelau. Eles gravaram-me a cantar.Estive mais de duas semanas preso em Mandarin. 454Amadeo da Silva Carvalho descreveu à Comissão como os soldados do Koramil de Becoraobrigaram o seu pai, Luís Fátima Carvalho, a sentar-se numa árvore, como um macaco, duranteum dia inteiro. 455As pessoas presas após o ataque de Marabia foram mantidas em condições deploráveis. NoKodim de Díli, homens e mulheres eram obrigados a despir-se. Se um preso precisasse de ir àcasa de banho, ele ou ela era mandado ir nu, à frente de todos os outros prisioneiros. 456 Agapitoda Conceição Rocha descreveu as condições do dia a dia na Comarca:Estive preso na Comarca de Balide, numa cela pequena eestreita, com 14 outros prisioneiros. Não podíamos dormirna cela, só ficar de pé. Recebíamos uma refeição por dia ebebíamos água suja. Por causa disso, sofremos dediarreia que cheirava [tão mal] que os outros prisioneirosnão conseguiam suportar o cheiro. 457Alguns presos ficaram aprisionados na Comarca durante mais de um ano, sem receberemquaisquer informações sobre durante quanto tempo ficariam presos ou quando poderiam servisitados pelas famílias. 458- 136 -


A prisão e <strong>tortura</strong> de Bernardino Ximenes VillanovaBernardino Ximenes Villanova foi detido, preso e <strong>tortura</strong>do após o ataque da Resistência àestação emissora de Marabia, perto de Díli, em 1980. A Comissão entrevistou Bernardino e eletambém depôs na Audiência Pública Nacional sobre Prisão por Motivos Políticos:A 10 de Junho de 1980, fomos para Marabia. O nosso objectivo era encontrar uma delegaçãoque [soubéramos] vinha a Timor e provar ao mundo que a Fretilin ainda existia. Tambémtínhamos decidido atacar a estação emissora de Marabia. Às 2 da manhã, iniciámos o ataque.Algumas pessoas foram mortas durante o combate, que durou até às 10 da manhã. Depois,algumas pessoas, incluindo eu, renderam-se e os militares indonésios levaram-nos.Fomos levados para o Koramil de Becora e depois transferidos e presos no Kodim. Nessamesma noite, fomos levados para a Comarca e, no dia seguinte, libertaram-nos e disseram:“Aqueles que estiverem perto do fogo, sentirão o calor. Aqueles que estiverem longe, não.” Naaltura, eu vivia com o padre Alberto [Ricardo] em Becora e trabalhava como seu motorista.Quando cheguei à casa, dois homens da Hansip, que eu não conhecia, chegaram para me deterquando eu estava prestes a levar uma freira e um médico ao Farol. Antes de eles meapanharem, eu disse-lhes que não ia fugir e que, depois da viagem até ao Farol, iria para oKoramil de Becora. Mas o padre Ricardo seguiu-me num táxi e levou-me para a residência dobispo D. Martinho, em Lecidere.Às 06 da manhã de 12 de Junho de 1980, o tenente T314, um funcionário dos serviços deinformação Korem, o condutor deste e um outro homem, vieram à casa do bispo e detiveram-me.Levaram-me para Mes Korem. Quando cheguei às escadas, um membro timorense das forçasmilitares cumprimentou-me, esmurrando-me, pontapeando-me e espancando-me. Lá dentro asABRI interrogaram-me sobre acontecimentos passados e sobre o meu trabalho com a Igreja.Eles queriam saber quem ao certo tinha participado no ataque de Marabia e qual a relação entreo meu trabalho com a Igreja e o ataque. Como me recusei a dar-lhes quaisquer informações, ossoldados cobriram as caras com panos negros, como os ninjas, para que eu não soubesse quemestava a espancar-me. Deram-me socos e pontapés e queimaram-me com cigarros acesos ecom fósforos. Depois, bateram-me com uma espingarda até eu desmaiar.Quando recuperei os sentidos, sentaram-me novamente numa cadeira e mandaram-me pôr odedo grande de cada pé debaixo das pernas da cadeira. Primeiro, só eu estava sentado nacadeira, mas, logo depois, o tenente T314 sentou-se na cadeira, esmagando os meus dedos.Então, um soldado que eu não conhecia, deu-me pontapés por trás até eu cair. Os dedos deambos os meus pés estavam partidos, mas eles continuaram a espancar-me até eu nãoaguentar mais e eu disse-lhes o nome do segundo-comandante, Luís Silva, o antigo chefe dosuco de Hera [Díli]. As ABRI foram imediatamente para lá e capturaram Luís Silva. Às 12,reuniram-nos. Sentámo-nos os dois em frente de uma mesa e fomos interrogados e espancadoscom uma vara de metal até sangrarmos. Eu tinha um crucifixo ao pescoço e eles arrancaram-moe deitaram-no fora. O interrogatório e o espancamento começaram ao meio-dia e duraram até àmeia-noite.A 13 de Junho, tentaram que lhes falasse sobre a participação da Igreja no ataque. Recusei-mea falar. Começaram a dar-me choques eléctricos e a queimar-me com cigarros e continuaram aperguntar-me sobre a participação do padre Ricardo. Eu só lhes disse que não sabia mais nada.Eles puseram-me na parte de trás da sala às 9 da noite. Às 9 da manhã seguinte, puseram-menum tanque, juntamente com um lagarto de dentes afiados. Atiçaram o lagarto até ele morder aminha cara e rasgar a minha pele. Depois, puseram-me um balde na cabeça e perguntaram “AIgreja também esteve envolvida?” Como não respondi, bateram-me na cabeça com um cano demetal. Depois disto, fui levado de volta para a sala, onde fiquei durante uma semana.- 137 -


Durante este tempo, as ABRI detiveram outro homem, José Soares, um líder comunitário deBidau (Díli). Ele foi espancado e, durante o espancamento não ficou calado. Disse-lhes que eufora um dos líderes do ataque. Fui colocado frente a frente com José Soares. O soldado disselhepara me esmurrar três vezes e eu caí no chão. Depois, os militares mandaram-me esmurrarJosé Soares três vezes. Ele não caiu. Fui novamente enviado para dentro e José Soares foilibertado. Um dia depois, fui colocado numa cela, onde fiquei até 28 de Julho.A 29 de Julho, os militares levaram-me novamente lá para fora. Despiram-me e puseram-me notanque, desta vez com outro timorense. Eu não o conhecia, nem sabia por que razão fora postono tanque comigo. Fomos amarrados e amarraram-nos um ao outro pelos órgãos genitais.Começaram a espancar o outro homem. Isto fez com que a corda que prendia os nossos órgãosgenitais fosse puxada, magoando-me. Tive de me sentar ao lado do outro homem e esperar queele acordasse porque ainda estávamos amarrados um ao outro. Depois disso, na altura quentedo dia, fomos novamente amarrados um ao outro e colocados numa rocha, na zona soalheira doKorem, onde ficámos quase uma hora, até sermos levados para dentro.A 30 de Julho, levaram-me para a Comarca de Balide e puseram-me numa das celas de açoescuras, conhecidas por todas as pessoas que morreram dentro delas. Ficámos lá durante dezdias e eu não sabia se era noite ou dia. 459Transferência de presos políticos para a Ilha de AtaúroMuitas pessoas presas depois do ataque de Marabia foram enviadas para Ataúro. Este foi oprimeiro grupo de prisioneiros políticos a ser enviado para a ilha; alguns chegaram em Julho emais se seguiram em Setembro de 1980. Foram enviados mais prisioneiros ao longo dos quatroanos seguintes. Esta forma de prisão não só punia os que haviam participado no ataque, comodesmantelava as redes clandestinas, separando os membros activos das suas redes de apoio edas suas famílias. *Depois do ataque de Marabia, a Amnistia Internacional estima que tenham sido enviadas 120pessoas para a ilha, 460 ao passo que a Comissão calcula que o número de pessoas internadasem Ataúro tenha totalizado 500 em meados da década de 1980. Alguns presos foram enviadosde helicóptero, mas a maioria foram enviados de barco, em grupos grandes. † Tanto BernardinoVillanova como Agapito da Conceição Rocha foram enviados de barco a 3 de Setembro.Bernardino Villanova relatou:Fomos retirados da Comarca a 3 de Setembro e fomospara a praia, onde esperámos por um barco pequeno. Às3 da manhã, fui transportado de barco para a Ilha deAtaúro. Quando chegámos, havia pessoas a preparar umacasa em Ataúro. Deram-nos duas latas de milho. Muito jáestava estragado, mas tivemos de come-lo. Em Ataúro,vivíamos em liberdade, mas não podíamos contactar asnossas famílias, que estavam em Díli. Suportámos isto atésermos libertados, em 1984. 461*O manual militar do Korem sobre como desmantelar redes de apoio do GPK sugere a transferência para Ataúro detodos os membros da rede de apoio do GPK, bem como de familiares que ainda não tenham sido enviados: “Destaforma, poderemos cortar os laços entre as redes de apoio da colónia e os Nurep [Núcleos da Resistência].” [ComandoMilitar Regional (Korem) 164, Secção de Serviços de informação , Manual de Instruções: Como um babinsa ou umaEquipa Pembina Desa podem revelar/desmantelar redes de apoio do GPK, 30 de Agosto de 1982, tradução emBudiardjo e Liem, p. 180.]†Por exemplo, José Carvalho descreveu como o seu sogro, Abílio de Sousa, e um outro homem, Felisberto daConceição, foram detidos e imediatamente transportados para Ataúro de avião, depois do ataque de Marabia [HRVD,Testemunho nº 2165].- 138 -


Guilherme da Costa (Bie Ki Ruby), Comandante da Fretilin, também foi enviado para Ataúroapós o ataque de Marabia. Foi preso a 2 de Dezembro de 1980, cerca de seis meses depois doataque, em Ostico (Vemasse, Baucau), porque foi identificado por um colega da Fretilin/Falintildurante um interrogatório. Guilherme da Costa esteve preso durante três semanas na RTP 12,em Baucau; duas semanas no Hotel Flamboyan, em Baucau; uma semana no Comando Táctico(Kotis), em Venilale (Baucau); duas semanas no quartel-general do SGI, em Colmera (Díli); emais de um mês na prisão de Balide. Enquanto esteve na Comarca, Guilherme da Costa foiinterrogado e <strong>tortura</strong>do. Por último, foi enviado para Ataúro. A mulher e os filhos de Guilherme daCosta foram detidos em Ostico pouco depois e foram transportados directamente de Baucaupara Ataúro, de barco. A família reuniu-se na ilha, onde permaneceu dois anos e meio.Guilherme da Costa explicou que, em 1983, alguns presos foram mandados para casa, mas asautoridades decidiram que ele e cerca de 700 outros, na sua maioria de Bucoli, Vemasse,Venilale, Uatu-Lari, Uatu-Carbau e Manatuto (na região oriental), ainda constituíam uma ameaçase fossem libertados. Estas pessoas foram reinstaladas em Cailaco, Bobonaro (na zonaocidental). Em Cailaco, a família viveu num pequeno abrigo temporário, com um telhado de zincoe paredes de lona. Todas as manhãs e noites tinham de se alinhar para serem contados. Podiamprocurar comida durante o dia, mas não podiam sair de noite. Também eram obrigados atrabalhar, desempenhando tarefas como construir uma estrada, uma escola e um campo defutebol e fazer limpezas. Eram vigiados por membros da Hansip, pelo babinsa e pela Bimpolda.Guilherme da Costa e a sua família passaram quatro anos e meio em Cailaco até poderem irpara casa. Foi realizada uma cerimónia pública, na qual os presos foram informados de queTimor-Leste se tornara um local seguro, pois só restavam 50 membros da Resistência em todo opaís. A maioria das pessoas foi para casa, mas Guilherme da Costa permaneceu ali até 1994,para continuar as actividades clandestinas em que se envolvera na zona em redor de Cailaco. 462- 139 -


AtaúroAtaúro, a ilha árida situada ao largo da costa norte de Díli, foi utilizada pela primeira vez pelosportugueses em 1937, para alojar prisioneiros políticos exilados de Portugal e das colóniasportuguesas. Segundo Vasco Lopes da Silva, antigo chefe do suco de Vila (Ataúro, Díli),estiveram lá prisioneiros conhecidos, nomeadamente o pai de Manuel Carrascalão e MárioLopes, o pai de Maria do Céu Lopes da Silva Federer, que foram exilados de S. Tomé. Em 1959,o Governo português enviou mais de 3.000 pessoas para Ataúro. Durante o conflito internoarmado de 1975, o governador do Timor português e outros membros da administraçãoportuguesa fugiram de Díli para Ataúro e dali para Darwin. Acabaram por ser apanhados por umnavio que os levou para Macau e para Lisboa (ver Capítulo 3: História do Conflito). 463A Indonésia utilizou Ataúro como local para prisão arbitrária do povo timorense entre 1980 e1986, mas os números atingiram o auge em 1982, com cerca de 4.000 prisioneiros. Este valor écompatível com as informações reunidas directamente pela Comissão através do seu processode recolha de testemunhos e de relatórios de fontes secundárias da Amnistia Internacional;ambos os dados confirmam que grandes grupos de pessoas foram presas na Ilha de Ataúro noinício da década de 1980. Estes valores são mostrados abaixo. *[Inserir Figura gai400Ataúro.pdf>por aqui][Inserir Figura por aqui]A ilha era utilizada como prisão para prisioneiros políticos, bem como para civis, incluindocrianças e idosos, que tinham parentes na Resistência. Os presos eram enviados para a ilha emgrupos grandes — o primeiro foi enviado em Julho de 1980, após o ataque de Marabia. Amaioria das pessoas enviadas para Ataúro eram transportadas de barco, embora algumasfossem de helicóptero. Poucas eram informadas sobre o seu destino até embarcarem na viagem.À chegada, os presos eram alinhados, contados e registados. 464 As autoridades nomeavamentão uma pessoa (chefes de associações de bairro), frequentemente do mesmo suco, pararepresentar um grupo de presos, que era responsável pelo comportamento das pessoas dessegrupo. 465Embora as pessoas enviadas para Ataúro fossem prisioneiros no sentido em que não podiamsair da ilha, não estavam presas num edifício. O primeiro grupo de presos foi alojado na escolaprimária na cidade principal de Vila. 466 Subsequentemente, foram construídas habitaçõesprovisórias, com capacidade para alojar 20 a 40 famílias, perto de Vila, pelas autoridades deAtaúro ou pelos próprios presos. As habitações tinham telhados de metal enrugado e pedaçosde plástico preto ou de lona como paredes. Não tinham camas, nem água corrente. 467*A Comissão recebeu prova de várias fontes sobre o número de pessoas presas em Ataúro em diferentes alturas. Váriasmencionam um número bastante superior a 4.000 e, no total, o número de pessoas transportadas para Ataúro entre 1980e 1984 pode ter excedido bastante as 6.000. Céu Lopes Federer disse à Comissão que manteve uma lista de presosenquanto foi voluntária do CICV, com mais de 6.000 nomes [Depoimento na Audiência Pública Nacional sobre Prisão eTortura, 17 e 18 de Fevereiro de 2003].- 140 -


No início, as condições de vida eram extremamente duras. Os militares distribuíam quantidadesinsuficientes de milho podre. 468 Céu Lopes Federer, antiga voluntária do Comité Internacional daCruz Vermelha (CICV) em Ataúro, disse que, quando as pessoas pediam mais comida, osmilitares enviavam um carregamento de helicóptero, mas isso nunca era suficiente. Muitassofreram de má nutrição e fome. As pessoas comiam folhas das árvores, 469 algas do mar e, porvezes, roubavam víveres das hortas da população local para se manterem vivas. 470 Havia poucaágua limpa. 471 Alguns presos, incluindo crianças e idosos, eram obrigados a trabalhar, sob avigilância da Polícia ou dos Hansip, em troca de alimentação ou por uma remuneração muitobaixa. 472 Alguns presos chegavam apenas com a roupa que tinham sobre o corpo porque tinhamsido obrigados a deixar os seus pertences para trás. 473 A população local dava-lhes alimentaçãoe vestuário, mas muitos morreram devido a fome, sobretudo crianças e idosos. 474 A ajuda dadapelo CICV, a partir de Fevereiro de 1982, melhorou consideravelmente as condições de vidaquotidiana pois, entre outras coisas, fornecia medicamentos, arroz, leite, sardinhas, feijãomungo,chá e açúcar, comida enlatada e outros víveres. 475 O CICV também enviava um médicoà ilha para tratar dos doentes.A guarda dos presos de Ataúro estava a cargo de membros do Koramil, da Polícia e dos Hansiplocais. Por vezes, os presos eram autorizados a sair de Vila para procurar víveres, mas primeirotinham de obter uma autorização de viagem no Koramil para poderem sair do acampamento etinham de apresentar-se ao Koramil quando voltassem. 476 Quem quebrasse as regras eraduramente punido. 477 Céu Lopes Federer explicou, contudo, que a regra de autorização deviagem era aplicada com maior rigor durante os três primeiros meses que um preso passava nailha e depois era aplicada de forma mais branda, para que as pessoas pudessem afastar-se maisda cidade principal sem autorização. Do mesmo modo, o recolher nocturno implementado peloKoramil esteve, numa primeira fase, estabelecido para as 6 da tarde, mas depois prolongou-seaté às 8 e até às to 10 da noite. 478 Numa fase posterior, os presos também podiam organizarsessões de entretenimento, como dançar tebe licurai e tebe dahur (tipos de dança tradicional). 479Os presos não podiam ser visitados pelos seus familiares e a maioria dos presos não tinha comoinformar os seus entes queridos acerca do seu paradeiro. A partir de 1982, * o CICV começou aregistar os nomes dos presos e os seus sucos de origem e a informar as suas famílias. 480 Porexemplo, Maria Fátima da Costa, de Same (Manufahi), disse à Comissão que, passados seismeses do desaparecimento do seu marido, foi informada pelo CICV que ele estava em Ataúro.Ela pôde escrever-lhe uma carta e enviá-la através do CICV. 481Embora a maioria dos presos de Ataúro não fossem interrogados quando chegavam à ilha, eramrealizados alguns interrogatórios. Guilherme da Costa descreveu como, geralmente nosprimeiros três meses após a chegada, algumas pessoas eram chamadas ao Koramil ou àesquadra da polícia, e interrogadas. Os interrogatórios eram realizados por, entre outros, oprimeiro-tenente T317 e T318, [ambos indonésios] um segundo-tenente da Pasmar (PasukanMaritim, Tropas de Fuzileiros), e um segundo-tenente (unidade de fuzileiros). 482A partir de 1983, as autoridades começaram a enviar pessoas para casa ou para outros locaisem Timor-Leste. As pessoas que haviam sido detidas e enviadas para Ataúro devido à sualigação com Mauchiga foram primeiro enviadas para Bonuk (Hatu-Udo, Ainaro) durante algumassemanas, antes de serem autorizadas a ir para casa. Um grande grupo de pessoas, que aindase julgava constituírem ameaça, foi enviado para Cailaco (Ermera).*Testemunhas relataram à Comissão que o CICV iniciou as suas visitas em 1981, mas os Relatórios Anuais do CICVindicam que as primeiras visitas tiveram lugar no início de 1982.- 141 -


Segundo Céu Lopes Federer, as condições de vida em Ataúro eram melhores do que as dasprisões de Díli porque os presos não eram espancados todos os dias. No entanto, viviam emterríveis condições, longe de casa e muitos morreram de fome e doença. Adelina Soares disseque era como uma prisão. Era isolada. Algumas pessoas tentaram fugir, mas não conseguiram.Adelina Soares caracterizou a vida em Ataúro como sendo marcada por falta de víveres, fome,doença, perda de contacto com a família, depressão mental e trauma. 483 (Para mais pormenoressobre as condições de vida em Ataúro ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome)Operação Segurança (Operasi Keamanan), 1981A Operação Segurança (Operasi Keamanan) foi uma reacção ao ressurgimento erestabelecimento da Fretilin/Falintil no início de 1981. * A operação foi iniciada em Junho de 1981para eliminar a Resistência das áreas rurais e desmantelar as redes clandestinas queasseguravam a sobrevivência das Falintil na floresta. † Embora a operação seja mais conhecidapor ter realizado em todo o território operações de “cerco de pernas” (Operasi Pagar Betis,também conhecida por Operasi Kikis) em larga escala, com o objectivo de capturar combatentesdas Falintil, também incluía a prisão e o transporte para Ataúro de grandes números de civisligados à Resistência. ‡ A análise quantitativa da Comissão mostra um claro aumento do númerode prisões em Ataúro a partir de Junho de 1981, com um pico em Agosto, no auge da OperaçãoSegurança.Mário (Marito) Nicolau dos Reis descreveu este aspecto da operação como se segue:Os militares estavam a começar a perceber que oscombatentes da guerrilha continuavam a conquistar oapoio do povo. Isso era evidente pelo fluxo contínuo deapoio logístico, de fornecimento de vestuário, munições eoutros…equipamentos aos combatentes da guerrilha. Eles[os militares indonésios] começaram a traçar um plano,segundo o qual os que ainda tivessem família na florestaseriam exilados para Ataúro. Este plano incluía-nos, aosque dirigíamos a organização clandestina. 484A Comissão considera que alguns casos de transferência em massa de civis para Ataúroconstituem deslocação forçada; estes são discutidos no Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada eFome. São casos em que a pessoa não tinha feito nada de “errado”, mas foi transferida para ailha por estar relacionada com uma pessoa que ainda estava na floresta (por conseguinte,presumivelmente da Fretilin/Falintil), ou por ser de uma área onde a Fretilin/Falintil estivesseactiva. Os testemunhos recebidos pela Comissão indicam que esses presos geralmente nãoeram interrogados, nem presos noutros locais antes de serem enviados para a ilha e, por isso,não relataram <strong>tortura</strong> nem <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Os civis da região oriental de Timor-Leste, onde aFretilin/Falintil era mais activa, eram particularmente vulneráveis a sofrer deslocação forçada*Na conferência nacional da Fretilin/Falintil em Março de 1981, Xanana Gusmão foi eleito chefe do recém-formadoConcelho Revolucionário da Resistência Nacional, CRRN e Comandante-em-chefe das Falintil. Sob sua liderança, aFretilin/Falintil começou a depender mais das redes clandestinas, sobretudo porque as bases de apoio já não estavamem funcionamento. As Falintil também se tornaram mais localizadas, recorrendo a unidades mais pequenas para atacaros alvos indonésios [ver Capítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia].†A Pasmar 11 actuou em Timor entre 1 de Abril e 24 de Novembro de 1981, com o objectivo de ajudar as ABRI a levar aefeito a Operação Segurança. As suas actividades antiguerilha incluíam: detecção de áreas civis suspeitas de seremsolidárias com a Resistência; destruição de redes de espionagem através do interrogatório de presos e da recuperaçãode documentos; desmantelamento das ligações entre as forças da Resistência e as suas famílias, enviando-as paraAtaúro.‡A Operação Segurança é discutida em pormenor em vários capítulos; Para uma análise geral e contextualizaçãohistórica, ver Capítulo 3: História do Conflito; ver também 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo7.3: Deslocação Forçada e Fome; 7.5: Violações do Direito de Guerra e 7.8: Violações do Direito da Criança.- 142 -


para Ataúro. * Num determinado caso, em Julho de 1981, um grupo de 300 parentes de membrosda Fretilin/Falintil do distrito de Baucau foram reunidos pelos seus chefes de suco. Depois, foramenviados para Ataúro pelos militares. †Noutros casos, contudo, a Comissão considera a transferência de presos políticos para Ataúrodurante a Operação Segurança uma forma de prisão arbitrária. As vítimas eram deslocadasporque tinham feito algum acto de resistência — desde dar comida a um familiar que aindaestivesse escondido a participarem numa das estruturas emergentes de apoio à Resistênciaarmada, conhecidas como Núcleos de Resistência Popular, Nurep). 485 A Comissão tambémrecebeu relatos sobre a detenção de homens por se recusarem a participar numa OperaçãoKikis, ou no regresso de uma dessas operações. 486 Estes casos incluem, entre outros:*Testemunhos da HRVD que indicam detenções arbitrárias nos distritos orientais de Timor-Leste: nº 7786; nº 7096; nº3959; nº 7608; nº 4367; nº 5383; nº 0206; nº 4383; nº 5346; nº 8759; nº 8795; nº 3052; nº 6081; nº 6145 e nº 8744.Segundo Ernest Chamberlain, 24 famílias de Iliomar (Lautém), todas com familiares das Falintil na floresta, foramexiladas para Ataúro em 1981. A maioria das famílias foi exilada durante 15 meses, findos os quais foram transferidaspara Maliana (Bobonaro) durante mais quatro anos, antes de regressarem a Iliomar em 1986 [Ernest Chamberlain, TheStruggle in Iliomar, Resistência in rural East Timor, Point Lonsdale, Austrália, 2003, p. 25].†Por exemplo, Ricardina Ximenes disse à Comissão que a 12 de Junho de 1981, o chefe do suco de Teki Nomata (Laga,Baucau), T319, lhe disse que ela devia reunir os seus pertences e ir para Ataúro, porque um familiar dela, Teotoni, aindaestava na floresta. Ele mandou Ricardina, os seus dois filhos, o seu marido e outro familiar reunirem-se no escritório deum babinsa, juntamente com muitos outros cidadãos de Teki Nomata e o grupo foi levado em camiões para o porto deLaga, para partir para Ataúro. Testemunho nº 7786 da HRVD.- 143 -


• Celestino Verdial falou sobre a sua detenção em Ainaro em meados de Setembro de1981, após o seu regresso de uma Operasi Kikis. A operação não tinha descobertoXanana Gusmão nem Venâncio Ferraz e o comando militar local começou a suspeitarque ele escondia os líderes das Falintil. Um membro das forças militares deteve-o elevou-o para o Koramil de Hatu-Udo (Ainaro) e depois para o Kodim de Ainaro, onde foiinterrogado, espancado e ameaçado de morte até admitir fornecer víveres a VenâncioFerraz. Celestino Verdial passou uma semana no Koramil. Depois, foi enviado para ascasernas do Exército em Taibessi (Díli). Celestino Verdial disse que foi enviado dehelicóptero para Ataúro com 11 outros presos em 1981. 487• Aquiles da Costa foi detido com os seus cinco tios (Armando Soares, Jacinto Soares,Cipriano Soares, Pedro Soares e Izidio Soares) em Vemasse (Vemasse, Baucau) a 1 deOutubro de 1981, sob suspeita de ter dado oito sacas de arroz e um búfalo às Falintil. Adetenção foi feita por dois agentes dos serviços de informação das ABRI, que levaramos presos para o posto das ABRI em Laga. Os tios de Aquiles da Costa foramespancados com bastões de metal. Depois, os seis presos foram amarrados emergulhados debaixo de água. Ficaram presos durante dois dias em Laga antes deserem enviados de barco para Díli e dali para Ataúro, onde permaneceram durante cincoanos. 488• Fernando da Costa Lopes, de Haurobo (Baucau) descreveu como o seu pai, José Lopes,foi capturado e levado para Ataúro em finais de 1981. José Lopes já havia sido detidoduas vezes por fornecer mercadorias às Falintil. Alguém chamado T320 [um funcionáriode uma cidade timorense] prendeu José Lopes durante um dia e espancou-o. 489• Domingos Madeira era suspeito de ser espião das Falintil e de ter participado no ataquedas Falintil em Hariana (Uato Haco, Baucau). A 15 de Junho de 1981, foi detido peloComandante da Hansip T321, dois membros da Hansip chamados T322 e T323 e porum soldado das ABRI. Os seus captores levaram-no para o Koramil de Venilale, onde foiinterrogado pelo membro timorense do Parlamento regional T324, pelo Comandante daHansip T325 e pelo Comandante T326. Enquanto o interrogavam, espancaram-no com acoronha de uma espingarda, pontapearam-no e esmurraram-no. Domingos Madeiradisse ter sido espancado regularmente até Agosto de 1981, altura em que foi enviadopara a prisão de Balide, onde ficou durante vários dias, antes de ser enviado paraAtaúro, onde permaneceu dois anos. 490A maioria das pessoas detidas durante a Operação Segurança era proveniente da regiãooriental. 491 Esta informação é compatível com a das fontes secundárias, que indicam que esta“operação de limpeza” se concentrou nos distritos orientais e que “o Hotel Flamboyan, emBaucau, serviu de comando militar central para a operação “cerco de pernas” [Operasi PagarBetis] em 1981”. *Também foram efectuadas algumas detenções nas regiões central e ocidental durante aOperação Segurança, mas a estratégia de prender grandes grupos de familiares e deslocá-lospara Ataúro não era tão utilizada. Nos locais onde era levada a efeito, os familiares eramfrequentemente presos e interrogados antes de serem enviados para a ilha. Por exemplo, umamulher timorense disse à Comissão que, em 1981, o chefe do suco de Rotuto (Hatu Builico,Ainaro), T327, e um timorense chamado T328, ambos agindo sob ordens das ABRI, a obrigarama participar num plano para fazer o seu marido regressar da floresta:*Cristiano da Costa in Michele Turner, Telling East Timor: Personal Testimonies 1942-1992 , Sydney, New South WalesUniversity Press, 1992, p. 185; Ver também Constâncio Pinto e Matthew Jardine, East Timor's Unfinished Struggle, Insidethe Timorese Resistência, Boston, South End Press, pp. 84-86; Um manual de instruções militar também refere que “é nosector oriental que o apoio popular é mais militante e mais difícil de descobrir. Isso deve-se à existência de laçosfamiliares muito próximos e fortes e ao facto de o GPK ter consolidado a sua liderança política durante vários anos nestaregião.” [Comando Militar Regional (Kodam) XVI, Procedimento Estabelecido (PROTAP) in Serviços de informação nº.01/IV/1982: Instruções para Actividades de Serviços de informação Territoriais em Timor-Leste, tradução em Budiardjo eLiem, pp. 193-210].- 144 -


O chefe de suco T327 trouxe-me algumas cartas aconvencer o meu marido e outros membros das Falintil arenderem-se. Naquela altura, eu tinha um filho pequeno,mas [mesmo assim] tinha de levar as cartas para a florestae pregá-las às árvores em todos os trilhos para que o meumarido…e outros membros das Falintil as vissem. Depois,as ABRI aprisionaram-me no Kodim de Manufahi 1634durante sete meses porque estavam a realizar umaoperação em Aitana. O comandante do Kodim deManufahi ordenou-me [então] que eu e o meu filho (6anos) e o meu irmão mais novo (4 anos) fossemos paraAtaúro. Ficamos aprisionados em Ataúro durante quartoanos, sete meses e sete dias. 492Marçal Lourenço Ribeiro descreveu a sua detenção em Agosto de 1981, por de fornecer víveresàs Falintil:Fui detido pelas ABRI numa quinta em Ormahei, Letefoho[Manufahi] porque era suspeito de ter a minha horta pertoda floresta para poder dar víveres às Falintil. Eu levadopara o Kodim de Manufahi 1634, onde fui espancadoquatro vezes com uma sandália pelo chefe de secção dosServiços de informação [Kepala Seksi, Serviços deinformação , Kasi I]. Depois, o chefe dos serviços deinformação disse a um Hansip para me pôr num tanque deágua durante uma hora, finda a qual fui retirado do tanquee posto numa cela secreta, onde permanecei cerca de trêsdias. Depois, fui retirado da cela e fui colocado na salanormal da prisão. Durante o tempo que estive preso, ochefe dos serviços de informação mandou-me trabalhar nocampo de arroz dele e limpar a erva em redor de Samedurante três meses. 493A incidência de <strong>tortura</strong> entre as regiões também variava nesta altura, por razões semelhantes.Na região oriental, havia uma correlação mais baixa entre prisão ou <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e <strong>tortura</strong>,comparada com as das regiões central e ocidental. Uma provável razão para esta diferença é aproporção mais elevada de detenções localizadas de membros das redes clandestinas nasregiões central e ocidental. 494 Segundo os testemunhos, os militares prendiam os membros deredes clandestinas durante algum tempo no território principal de Timor-Leste, onde osinterrogavam e frequentemente <strong>tortura</strong>vam, antes de os enviarem para Ataúro. Contudo, amaioria das famílias detidas foram enviadas directamente para Ataúro sem serem interrogadas.Como se verificou uma proporção mais elevada de familiares detidos e enviados directamentepara Ataúro nas regiões orientais, a proporção de presos que sofreram <strong>tortura</strong> ou <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>nestas áreas é inferior, quando comparada com as das regiões central e ocidental. No anomencionado, foram enviadas para Ataúro pessoas dos 12 distritos.Depois da Operação SegurançaA Operação Segurança terminou no final de 1981, sem ter capturado qualquer figura principal daResistência. * Em 1982, os militares continuaram a prender membros da Resistência armada e de*Algumas testemunhas que participaram na Operasi Keamanan disseram à Comissão que o grupo a que pertenciam nãoentrou em conflito armado com as Falintil, não fez quaisquer detenções e não matou ninguém durante toda a operação.No entanto, a Comissão recebeu informações sobre várias violações fatais durante a operação, culminando numconfronto entre as ABRI e as Falintil no monte Aitana, que, segundo as informações recebidas, resultou na morte de- 145 -


edes clandestinas e a deslocá-los para Ataúro. Os militares fizeram muitas detençõeslocalizadas, baseadas em informações sobre a população civil fornecida pelos Hansip, pelosRatih e outros grupos de defesa civil.Adelino Soares falou à Comissão sobre a sua detenção, devido a ser membro da redeclandestina em Uatu-Lari (Viqueque), baseada em informações que um Ratih dera às forçasmilitares locais. O Ratih T277 encontrou documentos pertencentes à rede clandestina no corpode um estafeta por si baleado e morto, nos quais se referia o nome de Adelino. O Ratih T277informou imediatamente o Koramil de Uatu-Lari sobre o envolvimento de Adelino na redeclandestina. O Comandante do Koramil mandou T330, T91 (um tradutor timorense) e ummembro do Koramil deter Adelino Soares, em sua casa, a 26 de Março de 1982. Adelino Soaresdescreveu como foi ameaçado com uma arma aquando da sua detenção e levado para oKoramil de Uatu-Lari, onde o Comandante do Koramil o interrogou e o espancou e o vicecomandantedo Koramil o espancou com uma arma e o pontapeou com botas militares. Depoisde passar um mês no Koramil, Adelino Soares e nove outros presos foram levados para Ataúrode helicóptero. Adelino Soares só regressou a casa a 7 de Fevereiro de 1986. 495Os militares também mantiveram o costume de manter pessoas por perto suspeitas depertencerem à rede clandestina para que pudessem vigiar as suas actividades. Este costumetambém pode ter sido uma maneira de os serviços de informação das Forças Armadasdescobrirem mais sobre as redes clandestinas. Marito Reis, um membro destacado das redesclandestinas, declarou ter sido retirado da prisão em Ataúro para se tornar motorista do chefedos serviços de informação do Korem, Willem da Costa. Marito Reis acredita que se tratava deuma táctica “para que…eu lhe desse informações sobre as organizações, ou os problemasexistentes em Timor-Leste”. Enquanto trabalhou para Willem da Costa, Marito Reis liderou arede clandestina em Díli. Foi novamente detido em 1982, depois de os militares descobriremuma revista clandestina. 496Alexandrina Amaral descreveu como foi presa em 1982 por membros do Koramil de Ainaro,depois de o chefe dos serviços de informação do Koramil a acusar de ser mulher doComandante das Falintil Venâncio Ferraz. Alexandrina Amaral foi presa numa cela especial noKoramil de Ainaro, não tendo recebido qualquer alimentação nem autorização para se lavar,podendo apenas utilizar a casa de banho, durante os dias que esteve presa. Depois, foi levadapara Díli e presa na Comarca durante nove dias, até ser transportada de barco para Ataúro.Alexandrina Amaral foi libertada em 1986, mas decidiu ficar em Ataúro porque já tinha casado econstruído uma casa. 497Finais de 1982 – Levantamento das Falintil junto ao monte KablakiOs levantamentos de Kablaki ocorreram a 20 de Agosto de 1982, junto ao monte Kablaki, nossucos de Mauchiga, Dare e Mulo (Hatu-Builico, Ainaro), Aitutu (Maubisse, Ainaro) e Rotuto(Same, Manufahi). A Comissão realizou uma investigação abrangente na região de Mauchigasobre os acontecimentos de Agosto de 1982 e muitas das conclusões que se seguem são frutodessa investigação. 498 No que diz respeito aos casos de prisão arbitrária de civis de Rotuto eAitutu, a Comissão baseou-se em testemunhos narrativos e em Perfis Comunitários.Primeiras detençõesA 6 de Julho de 1982, três membros das Falintil reuniram com 36 homens de Mauchiga emNailemali (Mauchiga) para planear um ataque ao Koramil de Hatu-Builico. Os militaresindonésios receberam informações sobre a reunião e, a 10 de Julho de 1982, os militares emembros da Hansip de Hatu-Builico iniciaram uma operação casa-a-casa nos sucos de Gulora,vários membros das Falintil e numa detenção em massa [ver Subcapítulo 7.2 sobre Mortes Ilícitas e DesaparecimentosForçados, para mais informações sobre este incidente].- 146 -


Mauchiga e Hatuquero. 499 Detiveram cerca de 30 pessoas, 16 das quais tinham participado nareunião. Todos os presos foram directamente levados para o Kodim de Ainaro. 500 Abílio dosSantos Belo, um dos presos, fez a seguinte descrição à Comissão:Quando chegámos ao Kodim, puseram-nos num local deprisão especial. O chefe dos serviços de informação doKoramil conduziu a investigação e torturou-nos, um a um.Não foi só eu que fui espancado pelos membros doKoramil e pelo chefe dos serviços de informação ; outroscompanheiros foram espancados até o sangue escorrer ealguns morreram na prisão. 501Os militares prenderam os prisioneiros em Ainaro durante mais de um mês antes de ostransferirem para a Comarca. Estes presos foram as primeiras pessoas da área do monteKablaki a serem enviadas para Ataúro. 502Depois do LevantamentoApesar destas detenções de civis de Mauchiga em Julho, os ataques das Falintil prosseguiram a20 de Agosto de 1982. * Os soldados das Falintil sob o comando de Venâncio Ferraz e de MauHunu atacaram vários postos militares e policiais, incluindo o Koramil de Dare, o Koramil e aesquadra de polícia de Hatu-Builico e os postos da Hansip em Aitutu, Raimerhei e Rotuto. 503Imediatamente depois dos ataques, as forças militares de Ainaro, Same, Aileu, Díli e Lospalosconvergiram na região, nomeadamente o Batalhão de Infantaria 744 e o Batalhão de Infantaria745. Estes batalhões foram reforçados por membros do Kodim 1633, da Polícia e da Hansip. 504As forças militares queimaram habitações em Dare, encerraram as escolas e obrigaram asmulheres e as crianças a servirem de guardas nos postos militares. 505 Depois de queimar ashabitações, o Exército montou postos em todas as aldeias da área e acrescentou cerca de oito“postos comunitários” em redor de Dare. 506 Os combatentes das Falintil e muita da populaçãofugiram da área, alguns subindo o monte Kablaki. Um grupo de cerca de 30 pessoas deMauchiga que se escondeu na caverna de Nonai foi capturado e levado para Dare. Um outrogrupo de Mauchiga escondeu-se em Tisimai, junto a Same, mas acabou por se render aoKoramil de Same. 507DetençãoAqueles que não tiveram oportunidade de fugir dos sucos de Mauchiga, Dare ou Mulo foramcapturados pelos militares. Em Mauchiga, a população de todo o suco foi arbitrariamente presa elevada para Dare. Noutros sucos, as provas indicam que os militares localizaram pessoassuspeitas de terem participado no ataque ou de terem informação útil. As provas em que osmilitares baseavam as suas detenções eram frequentemente insuficientes. Mariano de Araújo,de Mulo, por exemplo, disse à Comissão ter sido detido porque a Hansip lhe ordenou quetrabalhasse como segurança no Koramil de Hatu-Builico. Como ele não apareceu, detiveram-nopor suspeita de participação dos levantamentos. 508Em Rotuto, foram detidos alguns membros da Hansip. 509 Luís da Costa Soares disse àComissão ter sido detido, juntamente com 18 outros suspeitos de ter participado noLevantamento em Rotuto. Foram levados primeiro para o Koramil de Manufahi Kodim, depoispara o posto de Nanggala em Aisirimou (Aileu), para o Korem de Díli e, por último, para a prisão*Correram informações em Mauchiga de que, a 20 de Agosto, o aniversário da fundação das Falintil, haveria umlevantamento geral por todo o território. [Ver <strong>CAVR</strong> e Fokupers, Relatório da Equipa de Investigação sobre Mulheres,Apêndice I.0. Abuso dos Direitos Humanos das Mulheres de uma Perspectiva Comunitária: Mauchiga1982/1987,Mauchiga, Ainaro, 2003, p. 2].- 147 -


de Balide (Comarca). Ficaram presos na Comarca até Outubro de 1982, altura em que foramenviados para Ataúro.Os familiares de membros conhecidos das Falintil ou de pessoas que fugiram dos seus sucostambém eram perseguidos. Luís Nunes disse à Comissão que fugiu para a floresta depois dosataques, mas que os militares detiveram a sua família sob suspeita de pertencerem à Fretilin,incluindo a sua mulher Beatriz da Costa e cinco outros familiares: Alzira da Silva, Olandina daCosta, Talvina Freitas, Rosantina Seizas e Luísa Xavier. Foram levados para o posto militar deRotuto, onde ficaram por uma noite, e depois estiveram nove dias presos no Posto de Comandode Same, no Koramil. Depois, foram enviados para Ataúro, onde permaneceram três anos. 510A maioria das detenções na área em redor de Mauchiga foram feitas pelos Hansip,frequentemente acompanhados por um oficial das ABRI, como o chefe dos serviços deinformação do Kodim, ou por um funcionário do governo, como o secretário de subdistritotimorense T331. 511 Os membros da Hansip mencionados à Comissão com mais frequênciaforam T332, T333, T334 e T335. * Em Rotuto, foram efectuadas detenções pelo Comandante doKodim de Manufahi, pelo Comandante do Koramil de Same e pelo administrador do distrito. 512Algumas pessoas eram detidas em diferentes alturas, por diferentes organizações. Mário Amaralfoi detido pelo Koramil antes do ataque de Mauchiga e depois voltou a ser detido, passadosalguns meses, pelo Kodim. Segundo o seu familiar Domingos Amaral, as duas instituições nãopartilhavam informações entre si:Prisão e interrogatórioO Koramil ou o Kodim, a Polícia ou outras instituiçõesmilitares, [todas] tinham as suas próprias listas com nomesde civis a deter. Porque o Koramil e outras instituiçõesmilitares não tinham conhecimento de quem estavaaprisionado no Kodim e vice-versa. O Kodim e outrasinstituições militares encarregues de Ainaro na altura nãosabiam quem estava preso no Koramil. Por vezes, [asABRI] não trabalhavam juntas para prender civis. Pareciaque as pessoas se tinham tornado peças de um concursodas [das ABRI] e serviam para aumentar a classificação. 513Os civis presos imediatamente depois dos ataques foram interrogados durante várias horas. Aspessoas capturadas nas cidades de Mauchiga, Dare ou Mulo foram levadas para o Koramil deHatu-Builico, o Koramil de Ainaro ou o Koramil de Dare. As pessoas de Aituto foram levadaspara o Kodim de Ainaro e para postos militares em Same. † A maioria dos presos de Rotuto foramlevados para ao Kodim de Manufahi, onde ficaram durante períodos entre um dia e três meses.[47.] Alguns presos eram libertados depois do interrogatório, mas outros ficavam presos, paraserem alvo de uma investigação mais aprofundada. Dos presos de Mauchiga e de Mulo que nãoforam libertados foram levados para o Kodim de Ainaro. 514 A população de Mulo descrevemcomo dez pessoas foram presas no Kodim de Ainaro, numa sala tão pequena que nãoconseguiam sentar-se. 515 Outras foram levados para o posto das ABRI em Lesu Hati, ondeficaram presas durante períodos que variaram entre alguns dias e algumas semanas. 516 Passadauma semana, 12 camiões Hino chegaram a Lesu Hati para conduzir os presos para Díli, paraque dali pudessem ser enviados para Ataúro. Os camiões já estavam tão cheios de presos*Outros Hansip mencionados foram: T336, T337, T338, T339, T340, T341, T342, T343, T344, T335, T346, T347, T348,T348, T349, T350, T351, T352, T353, T354, T355, T356 e T357.†Testemunho nº 2050 da HRVD; Domingas Pacheco foi detida pelo Batalhão de Infantaria 745 em Aituto e levada para oKodim de Ainaro para ser interrogada [HRVD, Testemunho nº 4910].- 148 -


provenientes de Same e de Ainaro que só alguns couberam. O chefe do suco de Aitutu, T358,conduziu ele próprio, a pé, os presos que ficaram em Lesu Hati até ao Koramil de Dare. 517Tortura e outras formas de tratamento cruel, desumano e degradanteO tratamento dado aos presos era extremamente duro e muitos eram <strong>tortura</strong>dos. Em Ainaro, osinterrogatórios e a <strong>tortura</strong> eram levados a efeito por membros indonésios do Kodim de Ainaro,como o Comandante T359, 518 o Comandante do Koramil T360, 519 o comandante sargento doKoramil T361, 520 e o sargento T362 521 , bem como por membros do Batalhão de Infantaria 744 doposto de Manatuto 522 e por tropas do Batalhão Zipur 5 — que estiveram estacionadas em Daredesde 5 de Setembro até Dezembro. 523 O administrador do subdistrito de Hatu-Builico, T363,também foi mencionado num testemunho. 524 No Kodim de Manufahi, o chefe dos serviços deinformação indonésio T364, o Comandante do Kodim e o babinsa T365 [timorense] interrogarame espancaram pessoas. Seguem-se alguns pormenores destes casos:• Domingos Melo disse à Comissão ter desmaiado ao ser agredido na cabeça com umpedaço de madeira. Quando recuperou os sentidos, descobriu que o seu joelho foracortado com uma faca e que estava numa cela de prisão. 525• Uma mulher timorense de Mauchiga, descreveu como os soldados dispararam contra oscivis no dia do ataque dos militares. Ela tentou fugir, mas foi capturada e os soldadospontapearam-na e esfaquearam-na. João Tilman, uma das pessoas que aacompanhavam na altura do ataque, foi morto no tiroteio. Os soldados cortaram acabeça dele e obrigaram-na a transportá-la até Dare. Quando chegaram ao suco deDare, a cabeça foi enterrada e ela foi levada para o Kodim de Ainaro, onde ficou presadurante três meses. Durante este período, foi submetida a choques eléctricos na cara eforçada a tornar-se muçulmana. Quando recusou, foi espancada até perder aconsciência. Ela e um outro preso foram também obrigados a procurar as Falintil nafloresta durante um mês e meio. Quando regressaram sem ninguém, ela foi forçada a“ser casada” com um soldado durante mais de um ano. 526• Rui Soares de Araújo, um membro da Hansip, foi preso e <strong>tortura</strong>do no Koramil de Ainaropor fornecer informações vitais às Falintil antes do ataque. Ele falara ao Comandantedas Falintil Venâncio Ferraz sobre a quantidade de soldados e de armas existentes noKoramil de Dare, bem como sobre o horário de patrulha dos soldados e as horas a que oescritório do Koramil estaria vazio. Ele disse à Comissão:Depois do incidente de Mauchiga, o Comandante doKoramil de Hatu-Builico suspeitou que eu tivessecolaborado com as Falintil no ataque ao Koramil deDare…Uma semana depois, a 26 de Agosto de 1982, fuidetido no mercado pelo agente da polícia T366 e levadopara o Koramil de Ainaro, onde fui interrogado pelo chefeda secção de serviços de informação e por T366. Depois,T366 espancou-me com um cabo eléctrico, esbofeteou-mee pontapeou todo o meu corpo até eu cair no chão,inconsciente. Depois disso, fui levado para o Kodim deAinaro e, passado um mês, fui transferido…para a prisãode Balide. Depois, a 11 de Outubro de 1982, fui levadopara o porto de Díli e embarquei no ferry Seiçal, no qual fuienviado para Ataúro, juntamente com 11 outras pessoasde Ainaro. 527A violência sexual contra os prisioneiros foi perpetrada contra muitas mulheres que foram presasdepois dos levantamentos (ver Subcapítulo 7.7: Violência Sexual.) Por exemplo, seis mulheresque foram levadas para o posto das ABRI em Manatuto foram <strong>tortura</strong>das e violadas. Algumasforam violadas em Lesuhati. Uma mulher timorense disse à Comissão:- 149 -


Prisão no sucoAs ABRI e os Hansip seguiam-me todas as noites porqueeu tinha cerca de 14 anos na altura. Fui <strong>tortura</strong>da devárias maneiras antes de ser violada. Fui espancada comuma arma, queimada, despejaram água em cima de mim efui despida. Eles levaram-me para fora [para o meio dosjuncos] e aconteceu uma coisa que eu nunca imaginara.Na primeira noite, fui violada por T367 [timorense] doBatalhão de Infantaria 744, um cabo. Na segunda noite, fuiviolada por T368 [timorense], soldado do 744, tambémcom a patente de cabo. Na terceira noite, fui violada porT369 [timorense] do Batalhão de Infantaria 744, um cabo.Depois disso…o meu corpo ficou encharcado emsangue. 528Além de prenderem vítimas nos seus postos de comando, os militares também utilizaram umatáctica de “prisão no suco”, baseada em concentrar civis de toda a região dentro das fronteirasde certos sucos e prendê-los em edifícios ou áreas públicas e privadas.Por exemplo, a Comissão tomou conhecimento de que muitas pessoas de Mauchiga eramlevadas para Dare após a detenção. Primeiro, eram registadas no Koramil de Hatu-Builico edepois divididas em grupos. Alguns grupos eram levados para o mercado e outros para a escolaprimária por detrás do Koramil. Quando o mercado e a escola ficavam cheios, os presos eramlevados para habitações particulares em Dare. Este tipo de prisão continuou a ser efectuadadurante vários meses.As pessoas presas no mercado construíram habitações de madeira e juncos. Eramcuidadosamente vigiadas e só podiam procurar víveres ou lenha em grupo e com autorização doKoramil. Um membro do Koramil acompanhava o grupo, que tinha de se apresentar no Koramilquando regressasse. Se alguém andasse sozinho ou voltasse tarde, ele ou ela era colocado numde três tanques de peixes situados à frente do Koramil de Dare. As pessoas presas na escolaencontravam-se em três das quatro salas grandes da escola e os presos de cada sala nãopodiam falar com os das outras salas.Além das más condições em que estas pessoas estavam presas, a sua experiência foi pioradapela crueldade dos seus captores e da impunidade com que as Forças Armadas e os seusauxiliares actuavam. A Comissão registou várias violações graves dos direitos humanosperpetradas contra civis cuja liberdade de movimento no seu suco era restringida desta maneira— nomeadamente homicídios sádicos, por vezes cometidos em público para aterrorizar apopulação. * Também existem relatos sobre violação sexual generalizada e sobre outras formasde violência sexual perpetradas por membros das forças militares e da Hansip. †A <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> não eram cometidos apenas para punir a pessoa, mas também parainstilar medo na comunidade. As vítimas eram <strong>tortura</strong>das perante uma multidão ou eram*Apenas um exemplo: Bernardino dos Reis Tilman viu o Comandante do Zipur 5 T370 decapitar um homem chamadoTomás com o seu machado perante a população local. Depois, ordenou que a cabeça de Tomas fosse cozinhada noquartel-general do Koramil em Dare e obrigou dois membros do seu batalhão a comer a cabeça enquanto tiravafotografias. Também mordeu o pénis de um homem morto e mandou membros do seu batalhão fotografá-lo e mostrou asfotografias à população local, anunciando “todos vocês, mais tarde vou comer-vos assim. Vou cortar-vos a cabeça e voucomê-lo assim”. [Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Ana Britos, que recebeu informações sobre o destino do seu marido através deBernardino dos Reis Tilman, Mauchiga, Ainaro, 29 de Maio de 2003].†A Comissão também recebeu relatos segundo os quais os membros das Forças Armadas e da Hansip violaram cincomulheres atrás do mercado, duas das quais estavam grávidas na altura da violação. <strong>CAVR</strong> e Fokupers, Relatório daEquipa de Investigação sobre Mulheres, Apêndice I.0. Abuso dos Direitos Humanos das Mulheres de uma PerspectivaComunitária: Mauchiga 1982-1987, Mauchiga, Ainaro, 2003, pp. 8-9].- 150 -


mandadas informar outros dos <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> por si sofridos. Por exemplo, Leonel Cardoso Pereira,de Aitutu contou como o seu irmão mais velho, Fernão, foi <strong>tortura</strong>do desde casa e ao longo daestrada, até chegar à casa de Hau Teo, utilizada como posto da Hansip. Fernão ficou amarradoa um poste durante um dia e uma noite, sem receber qualquer alimentação, e sempre que ummembro da Hansip entrava ou saía do posto, espancava-o ou pontapeava-o. 529 Adelino deAraújo, que tinha 14 anos e era um auxiliar de operação na altura, foi preso juntamente com oseu pai e o seu irmão mais velho em Kablaki e sofreu uma humilhação semelhante:Deslocação forçada depois dos ataquesPassados cerca de dois dias com eles [soldados do postode Zipur] comecei a ver órgãos genitais e cabeçaspenduradas num dos pinheiros do Posto. Passada umasemana, ou mais, levaram-me novamente para o posto doKoramil. Fui amarrado ao poste da bandeira por volta das8 da manhã. As minhas roupas foram tiradas até eu estarnu e eles deram-me as cuecas deles para eu vestirenquanto estivesse amarrado. Depois disso, fui retirado doposte da bandeira e mandaram-me carregar uma caixapesada em cima dos ombros, caminhando em direcção aoposto do Zipur. Mandaram-me gritar às pessoas queencontrasse pelo caminho: “Não sigam os cretinos dasFalintil! Se seguirem as Falintil, vão ficar como eu!”Quando cheguei ao posto de Zipur, fotografaram-me. Eupedi as minhas roupas antes de me fotografarem, maseles não as deram. Só no fim da tarde é que medevolveram as roupas. 530Depois dos levantamentos, grandes grupos de pessoas provenientes das áreas afectadas foramdeslocadas das suas habitações na montanha para áreas junto à costa. Embora, tecnicamente,se tratasse de deslocação forçada de civis, para os deslocados era “aprisionamento”. Porexemplo, quando Dare já não tinha capacidade para aceitar presos de Mauchiga, o comandantedo Koramil pediu ajuda ao chefe do suco de Nunomogue (Hatu Builico, Ainaro). O chefe do sucoconcordou em aceitar alguns presos em Nunomogue e foi construído um abrigo simples para osalojar. Os presos estavam limitados à área de Nunomogue, mas não recebiam qualqueralimentação e tinham de depender da generosidade das pessoas de Nunomogue, que lhesderam terreno para cultivar uma horta. Passados dois anos a viver nestas condições, ocomandante do Koramil de Dare chamou os presos de volta a Dare. 531Outro grupo de 431 pessoas, 202 homens e 229 mulheres provenientes de Mauchiga e de Dare,foi enviado para Ataúro. * Um outro grupo com mais de 100 pessoas da área foi enviado paraDotik (Manufahi), na costa sul, a 7 de Janeiro de 1983. Lá, o grupo recebeu mais 50 pessoasque tinham estado presas no Kodim de Same, incluindo alguns membros da Fretilin. 532 LuísSarmenti Lin disse à Comissão que participou no ataque em Rotuto e integrou o grupo enviadopara Dotik depois de ser detido. Luís Sarmenti descreveu como um plantão de soldados dasABRI mandou as pessoas presas em Dotik ficar em pé e de mãos dadas e olhar para o soldesde as 7 às 12 da manhã. 533 Luís Sarmenti recebia apenas uma refeição por dia. Passadostrês dias em Dotik, Luís Sarmenti passou os dois anos seguintes a guardar o Koramil de Hatu-Builico, sob ordens do comandante do Koramil. Só então foi autorizado a regressar para sua*Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Abílio dos Santos Belo, secretário do suco de Mauchiga desde 1991, Mauchiga, Ainaro, 4 deJunho de 2003. Abílio dos Santos tomou a iniciativa de reunir dados quantitativos sobre o destino de cada pessoa dacomunidade de Mauchiga, tendo inclusivamente elaborado uma lista com os nomes de todos os presos depois dolevantamento de Mauchiga [ver também Abílio dos Santos Belo, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong>sobre Deslocação Forçada e Fome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003; ver ainda, Capítulo 6: Perfil das Violações de DireitosHumanos].- 151 -


casa, em Rotuto. 534 Outras pessoas que estiveram detidas no Kodim de Same foram forçadas arealojarem-se em Raifusa (Manufahi) ou na Ilha de Ataúro.Prisão durante o cessar-fogo: Março a Agosto de 1983A 23 de Março de 1983, foi assinado um acordo de cessar-fogo entre as ABRI e as Falintil, apósvários meses de reuniões ao nível dos sucos (conhecidas como “contactos pacíficos”) e acordosde paz a nível local com comunidades dos distritos orientais. O cessar-fogo durou até Agosto de1983. Apesar da interrupção formal das hostilidades durante este período de cinco meses, aComissão recebeu prova de que os militares indonésios continuaram a prender pessoas deforma arbitrária e a <strong>tortura</strong>r pessoas suspeitas de pertencer à rede clandestina. Durante ocessar-fogo, também continuou a verificar-se a transferência de civis para Ataúro.Os relatos de casos de prisão arbitrária e/ou <strong>tortura</strong> ocorridos durante o cessar-fogo indicam queo programa de identificação de membros da rede clandestina ou de membros das Fretilin/Falintillevado a efeito pelos militares continuou durante este período e que essas detenções foramrealizadas em conjunto, por unidades da Hansip, do Ratih e das forças militares, sobretudo deForças Especiais. Seguem-se alguns destes casos:- 152 -


• Abílio Soares disse à Comissão que, a 15 de Abril de 1983, um Ratih chamado T371 e oHansip T372 detiveram 20 homens no suco de Caicua (Vemasse, Baucau). * Os homensforam separados em grupos e o grupo de Abílio foi levado para o rio, vendado eespancado. Duas semanas depois, a 1 de Maio de 1983, o Batalhão de Infantaria 745 ea Hansip detiveram os mesmos homens e levaram-nos para Tacitolu (Dom Aleixo, Díli) edepois para a unidade Batalhão de Infantaria 745 em Díli. Segundo as informaçõesrecebidas, dois dos presos, Domingos e Nahe Dasi, foram esbofeteados e os seus pésforam pisados. A 18 de Maio de 1983, os militares libertaram 11 dos presos e enviaramnove para Ataúro. 535• Daniel “Barnabé” Pereira descreveu a sua detenção em Maio de 1983, em Laga(Baucau), pelo Comandante de Companhia do Batalhão de Infantaria 144, T373. DanielPereira era suspeito de ser membro das Falintil. Ficou preso durante três dias e trêsnoites, foi espancado e queimado com cigarros acesos. 536• Dois depoentes de Vessoru (Uatu-Lari, Viqueque) declararam ter sido presos a 4 deJunho de 1983 sob suspeita de trabalharem com as Falintil. Gilberto Pinto Fernandes foilevado para o posto do Kopassandha pelo vice-comandante do Kopassandha T374, sobordens do Comandante do Kopassandha T375, onde foi preso com Manuel Lopes,Lourenço Lopes, Valente e Baltazar Mascarenhas. T374 chamou Gilberto Fernandes àsala de interrogatório, onde ele afirma ter sido espancado, pontapeado e agredido comuma arma, perdendo dois dentes. Ficou pendurado no tecto durante 15 minutos antes deo interrogatório continuar. 537•A Comissão recebeu um testemunho de um homem timorense que afirmou ter sidodetido em Julho de 1983 em Urahou (Punilala, Ermera) por soldados das ABRI. Foipreso no Kodim de Ermera durante 15 dias, onde foi interrogado enquanto eraespancado, pontapeado e queimado com cigarros acesos. Depois, foi transferido para aComarca, em Díli, onde permaneceu até Setembro de 1983. 538Termo do cessar-fogo e Operação Unidade, Agosto de 1983O cessar-fogo terminou por completo no início de Agosto de 1983, com uma série delevantamentos nos distritos de Viqueque e Lautém, quase exactamente um ano depois doslevantamentos junto ao monte Kablaki. Mais uma vez, os militares reagiram com a prisão, <strong>tortura</strong>e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> de civis de maneira generalizada, juntamente com outras violações graves dosdireitos humanos. O cessar-fogo dera à Fretilin uma oportunidade de se aproximar dascomunidades e explicar a importância da luta. 539 Consequentemente, a rede clandestina foiampliada, sobretudo nos distritos orientais, onde a Fretilin/Falintil era mais activa e onde se tinhafortalecido. † A Comissão tomou conhecimento dos seguintes incidentes ocorridos a 8 de Agostode 1983, ou por volta desse dia:*Os nomes dos homens presos e as suas alegadas idades na altura eram: Abílio Soares (48), Biana (20), Jaime (33),Alfredo (22), Delfin (42), Arnaldo (28), Feliciano (45), Cai Dasi (41), Aquiles (30), Jeremias (40), Mário Correia (20), NahaDasi (34), Rubi Dasi (32), Domingos Guterres (50), Naha Hare (46), Bosi Hari (38), Sina Ono (37), Domingos Pinto (44),José Sina Du (28) e Julião (39).†Segundo o padre Domingos Soares (padre Maubere), a paz fora uma táctica de Xanana Gusmão para ganhar tempopara a reestruturação da Resistência. O padre Maubere chegou de Portugal em Maio de 1980 e foi enviado como novopadre para Ossu em Junho de 1980. A sua paróquia também abrangia Viqueque e Lacluta [Entrevista da <strong>CAVR</strong> ao padreMaubere (Domingos Soares), Díli, 22 de Setembro de 2003].- 153 -


• Um ataque das Falintil a uma base militar em Buikarin, na região de Kraras, resultandona morte de 14 engenheiros javaneses. 540• Um grupo de Hansip desertou para se juntar às Falintil na floresta. Segundo asinformações recebidas, na mesma altura verificaram-se vários ataques subsequentesnoutras partes de Viqueque, incluindo em Uatu-Carbau a 19 de Agosto de 1983 * , e emUatu-Lari 541 .• Centenas de membros das organizações de defesa civil Wanra e Hansip, bem comooutros homens fisicamente capazes fugiram dos sucos de Mehara (Tutuala, Lautém),Lore e Luro (Lospalos, Lautém) e Serelau (Moro, Lautém) para se juntarem às Falintil. 542• Em Mehara, um grupo de Hansip sob o comando de Raja Miguel dos Santos (Kuba)apreendeu armas da Polícia e do Koramil, incluindo uma metralhadora, 543 e juntaram-seàs Falintil. 544 Este incidente é por vezes referido como levantamento armado. 545• No subdistrito de Iliomar (Lautém), quatro Hansip timorenses, T338, T339, T440 e T394relataram ao Koramil que dois membros das Falintil lhes tinham pedido para participaremnum ataque aos militares em Iliomar na noite seguinte. A Hansip, receosa dasrepercussões de um tal ataque, matou os dois combatentes das Falintil. 546Reagindo a estes ataques, ou ataques frustrados, a Operação Unidade (Operasi Persatuan) foilançada a 17 de Agosto de 1983. A 9 de Setembro, o Governo indonésio declarou estado deemergência e, cinco dias depois, o Presidente Suharto ordenou uma “limpeza total” daResistência armada. 547Consequentemente, os militares indonésios levaram a efeito operações de repressão maciça nosdistritos de Viqueque e de Lautém, que também atingiram outras áreas do território, incluindoBaucau, Aileu e Díli. As ofensivas por bombardeamento realizaram-se entre Agosto de 1983 eJunho de 1984. A intensidade das operações reflecte-se na investigação quantitativa daComissão, que indica um aumento de violações dos direitos humanos em finais de 1983,sobretudo nos distritos orientais de Lautém, Viqueque e Baucau. As principais violações dosdireitos humanos incluíram o massacre de civis, a deslocação forçada da população civil paraoutras áreas e a violação sexual e a utilização de mulheres da região como escravas sexuais(ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados; Subcapítulo 7.3: DeslocaçãoForçada e Fome; e Subcapítulo 7.7: Violência Sexual). Além disso, a Comissão registou umaumento súbito da incidência de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>.Tal como noutras operações, pessoas suspeitas de pertencerem às redes clandestinas,sobretudo membros da Hansip e do Ratih que haviam sido significativamente representados nosataques, foram alvos de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Contudo, como tantos membrosda Resistência fugiram das suas casas para se juntarem às Falintil, o impacto do ataque dasABRI atingiu os civis, sobretudo as famílias dos que haviam fugido.KrarasA maioria da população de Kraras (Viqueque, Viqueque) fugiu e subiu o monte Bibileo depoisdos ataques. Foi lançada uma operação para encontrar os aldeões, liderada pelo Batalhão deInfantaria 745 e pelo Chandraca 7 (Kopassandha), sob o comando do major (tenente-coronel)T364, do capitão T377 e do Comandante do Kodim de Viqueque T378. † Estes militares levarama efeito um ataque intenso à montanha, bombardeando-a com aviões e cercando-a. 548 Muita dapopulação foi obrigada a render-se. 549*Foram relatados ataques em vários sucos de Uatu-Carbau, incluindo Dara Gata (19 de Agosto de 1983) [HRVD,Testemunho nº 7340].† O Chandraca 7 ( Kopassandha), composto por 120 membros das Forças Especiais, aterrou em Viqueque a 28 deAgosto de 1983.- 154 -


José Andrade dos Santos disse à Comissão que, no rescaldo das mortes de Kraras, toda aregião ficou mergulhada no medo. Explicou que muitas pessoas da área foram detidas demaneira arbitrária, presas e <strong>tortura</strong>das durante cerca de uma ou duas semanas. 550 TomásGuterres, de Uatu-Lari, descreveu como, nos meses que se seguiram ao incidente de Kraras,três ou quatro funcionários militares chegavam a uma casa a meio do dia, ou da noite, echamavam os seus residentes. Quando a porta era aberta, entravam de rajada e prendiam osuspeito. Se não encontrassem quem procuravam, detinham frequentemente os familiares dessapessoa, incluindo mulheres. 551As detenções eram generalizadas e as vítimas eram detidas na floresta e em sucos vizinhos. 552Mariano Soares, falou sobre Kraras na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão eTortura, explicando:Depois do massacre de Agosto de 1983, foram detidasmuitas pessoas suspeitas de apoiar o ataque. O Kodim1630 [Viqueque] procurava pessoas relacionadas com omovimento clandestino e…também…começou a deterpessoas normais de Viqueque para as transportar paraAtaúro. 553A Comissão tomou conhecimento de uma detenção em massa depois dos levantamentos. JoãoXimenes de Araújo disse como os Batalhões 744 e 745 trabalharam juntos para prender 100civis da área de Uma-Uain (Viqueque, Viqueque) e os prenderam no Kodim de Viqueque. Dali,foram levados para Laga (Baucau, Baucau) e depois para Ataúro. 554Contudo, em todos os outros casos de prisão arbitrária, as vítimas eram localizadas e detidasindividualmente ou em grupos inferiores a 15 pessoas. Tal como em acções semelhantes, osmilitares identificavam pessoas suspeitas de serem perpetradores do levantamento, ou de seremmembros do movimento clandestino, e civis que poderiam ter informações relevantes.Matias Miguel foi detido pelo secretário do suco T379, enviado para o Kodim de Viquequedurante três dias e depois enviado para a Comarca em Díli, onde permaneceu durante trêsanos. 555 Os testemunhos recebidos pela Comissão indicam que foram identificados membros darede clandestina no distrito de Viqueque. Mário de Jesus Sarmento, um membro da Fretilin deCarau-Balu (Viqueque, Viqueque) foi detido pelo seu tio, o membro timorense das ABRI T380. oscivis Pedro Soares, Inácio Pinto e Paul Gomes também foram detidos. O administradortimorense do subdistrito T256 e o chefe dos serviços de informação do subdistrito interrogaramos quatro membros da rede clandestina durante três noites em Carau-Balu, antes de eles seremlevados para o Kodim de Viqueque.Ernesto Freitas, também de Carau-Balu, descreveu como T256 e o chefe dos serviços deinformação T382 o abordaram nas instalações da administração pública local e o acusaram dese encontrar com o membro das Falintil, Roque. Nessa noite, quando saiu do escritório e voltoupara casa, foi-lhe ordenado que se dirigisse ao Kodim de Viqueque, onde foi interrogado. Depois,foi enviado para uma casa que pertencia ao chefe dos serviços de informação, no suco deMonument (vila de Viqueque, Viqueque). Por último, ficou preso durante três meses na casa deT383, o secretário do subdistrito, onde foi espancado por soldados do Batalhão de Infantaria745. 556Estas detenções também ocorreram fora da área. O SGI deteve António Tomás Amaral da Costa(Aitahan Matak) em Díli por ter descoberto que ele tinha dinheiro para entregar à Resistência.António da Costa foi preso no Korem, no quartel-general da Polícia Militar em Balide e depoisenviado para Kupang, com 68 outros presos. 557Carlos Alfredo da Costa Soares falou à Comissão sobre a prisão e interrogatório de uma divisãointeira, contando como ele e 159 outros membros da Hansip foram detidos depois do- 155 -


levantamento de Kraras e levados para o Kodim de Viqueque. Passadas várias semanas, foramtransferidos para o Kodim de Baucau de camião, onde o Comandante do Kodim os interrogouum a um. Um membro do Kodim agrediu Carlos Soares três vezes com a coronha de umaespingarda. Nessa mesma noite, os presos foram colocados num barco e levados para Ataúro,onde permaneceram até 1986, altura em que o Koramil lhes deu permissão para voltarem paracasa. *A repressão militar em Viqueque durou cerca de três meses, mas a detenção arbitrária e a<strong>tortura</strong> continuaram a verificar-se até 1984. 558 Os relatórios recebidos pela Comissão mencionamque, em Fevereiro de 1984, membros do Chandraca (Kopassandha) ainda chamavam pessoasao Kodim devido aos acontecimentos de Kraras. 559 Outros, como José Gomes, tinham fugidopara a floresta com as Falintil depois do levantamento e foram detidos quando regressaram.Depois do levantamento de Kraras, José Gomes foi detido pelo grupo 2 do Chandraca 7 e ficoupreso durante cerca de seis meses, tendo sido posteriormente interrogado e <strong>tortura</strong>do duranteduas semanas no Kodim de Viqueque.Os comandos territoriais militares eram o local mais utilizado para prender pessoas. Nosubdistrito de Viqueque, a maioria dos presos eram levados para o Kodim de Viqueque 1630. 560Lá, o administrador do subdistrito, Martinho Fernandes e o chefe dos serviços de informaçãoAmo Sani realizavam interrogatórios. 561 Pessoas provenientes de regiões vizinhas de Kraras,como Beaço e Ossu, também eram levadas para o Kodim de Viqueque por membros doKopassandha ou dos Koramil locais. 562 A base do Batalhão de Infantaria 745 em Olo Bai tambémera utilizada para prender pessoas. Segundo o padre Domingos Soares (padre Maubere),tornou-se infame pelas mortes extrajudiciais e a <strong>tortura</strong> infligida aos presos. Os períodos deprisão na base 745 costumavam durar entre uma semana e seis meses. 563Os edifícios públicos também foram tomados e utilizados para prender pessoas. Em Kraras, oedifício do parlamento local, também conhecido como o edifício da PIDE portuguesa † foitomado. 564 Por exemplo, Mariano Soares disse à Comissão ter sido preso numa casa de banhona “PIDE portuguesa” durante dez dias, findos os quais foi interrogado no Kodim. Os períodos deprisão no edifício da “PIDE portuguesa” costumavam durar entre uma semana e seis meses.Uatu-CarbauNo subdistrito de Uatu-Carbau (Viqueque), funcionários locais do suco e as Kopassandha foramapontados como responsáveis pela maioria das prisões arbitrárias. 565 A Comissão tomouconhecimento, através de Adérito de Carvalho, que 12 homens foram detidos a 15 de Agostosob suspeita de terem participado no levantamento de Kraras. Foram presos numa casa vazia. 566Segundo as informações recebidas, depois do ataque em Uatu-Carbau a 19 de Agosto, outrosoito homens foram presos no Koramil de Uatu-Carbau. Lindolfo de Jesus Fernandes, ummembro da rede clandestina, disse à Comissão ter sido detido sob suspeita de ajudar as Falintilquando regressava dos campos onde trabalhava. Foi-lhe ordenado que se dirigisse aoadministrador do subdistrito de Uatu-Carbau, o timorense T299, e ficou preso no Koramil comsete outras pessoas. ‡Os presos de Uatu-Carbau eram quase todos levados para o Koramil de Uatu-Carbau. Algunsficavam presos no Koramil, mas outros eram transferidos para o quartel-general do Batalhão 511em Viqueque.*Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Carlos Alfredo da Costa Soares, Ataúro, Díli, 26 de Outubro de 2003. Ver também Testemunho nº9014 da HRVD, que refere que 99 Hansip foram deslocados à força pelas ABRI, devido a suspeitas da sua participaçãono levantamento de Kraras.†Um edifício do Governo português utilizado como quartel-general distrital pela polícia secreta (PIDE).‡Foi acompanhado por Chiquito, Manuel de Conceição e o seu irmão Hermenegildo de Conceição (membros da Fretilin),Armando Guterres da Silva Freitas, Jeremias Xavier, Afonso da Silva e Gaspar de Carvalho (membro da redeclandestina). HRVD, Testemunhos nº 7344; 7340; 7522 e 7523.- 156 -


IliomarNo distrito de Lautém, o Batalhão de Infantaria 641, o Batalhão de Infantaria 520 e o Batalhão deInfantaria Aerotransportado 100 trabalharam juntamente com as unidades 2 e 4 do Kodim e doNanggala. 567 Segundo Ernest Chamberlain, em Iliomar, os Hansip que também pertenciam àrede clandestina eram o principal alvo dos militares, sendo os outros Hansip “pró-integração”utilizados para prendê-los, torturá-los ou matá-los. 568 A maioria dos presos eram levados para oKoramil de Iliomar, onde decorriam os interrogatórios e a <strong>tortura</strong>. 569 Os membros da Hansipajudavam a traduzir o que era dito para que o Danramil T385 tomasse conhecimento. 570 No seudepoimento, Marcos Fernandes disse que os membros do Ratih detidos em Outubro foram todoslevados para o Kodim de Lautém. 571A investigação da Comissão indica que o principal alvo das detenções em Iliomar eram osHansip e Ratih locais com ligações clandestinas. 572 O Comandante indonésio do Koramil T385,T386, (Chandraca Kopassandha), o administrador timorense do subdistrito de Iliomar T387 e omembro da Assembleia Distrital T255 foram referidos em relatórios de detenções. 573 Contudo, amaioria das detenções nesta área eram realizadas por membros pró-integração da Hansip,incluindo os quatro que se recusaram a participar no ataque de Koramil. O timorense T389 foireferido em 15 casos de detenção arbitrária relatados à Comissão e também ordenou aparticipação de outros membros do Hansip. 574Ermínio Pinto descreveu como o alto responsável do Kopassandha T386 e o comandante doKoramil T385 tomaram conhecimento da rede clandestina Hansip na área através de Filomenoda Gama, que foi então morto. Pouco depois, foram detidos quatro membros da Hansip: ErmínioPinto, Ernesto Madeira, Carlos da Costa e Luís Lopes. Depois, a 30 de Setembro, T386 e T387,juntamente com o Comandante da Hansip T389 e o membro T390 detiveram mais cinco homensde Iliomar: Carlos da Costa, Luís Lopes, Carlos Correia (civil), António Geronimo (civil) eBelmonte Geronimo.As detenções de Hansip em Iliomar continuaram até Outubro, pois descobriu-se a identidade demais membros da rede clandestina. Marcos Fernandes, um Ratih, disse à Comissão que ummembro Ratih/Hansip chamado Lourenço Marques, que fugira para a floresta imediatamentedepois do incidente em Iliomar, rendeu-se a 3 de Outubro. Foi detido pelo Comandante das ABRIdo Grupo 3, o major indonésio T391, e <strong>tortura</strong>do durante uma semana, até de confessar osnomes de outros membros do Ratih que ajudaram as Falintil. Entre 10 e 13 de Outubro de 1983,as ABRI detiveram 15 Ratih da área de Iliomar. * Todos os presos foram levados para o Kodim deLautém.MeharaNo suco de Mehara (Tutuala, Lautém), os militares deram ordens aos batalhões de combateUnidades Territoriais dos Batalhões 515 e 641, Batalhão de Infantaria Aerotransportado 100 eaos grupos de Comandos 1, 2 e 4, sob o comando do segundo-tenente T392, para deterem osresidentes de maneira generalizada. 575 Os Batalhões 541 e 641 detiveram civis em Mehara enas aldeias de Loikere e de Porlamano Mehara (Tutuala, Lautém).A maioria dos testemunhos recebidos foram de mulheres do suco de Mehara. As mulheres demembros da Hansip que haviam fugido eram detidas e interrogadas sobre o paradeiro dos seusmaridos, ou era-lhes ordenado que os procurassem na floresta. Domingas Alves Fernandesdisse à Comissão:*A 10 de Outubro, as ABRI detiveram nove membros do Ratih: Marcos Fernandes, Manuel Victor, Joaquim Fernandes,Joaquim Manuel, José da Costa, Domingos Cunha, Telu-Lara, Januário Monteiro e Leopoldo Fernandes. A 13 deOutubro, detiveram António de Oliveira, Pedro dos Santos, Mário Pinto, Orlando Mendes, José Eurico e António da Silva.- 157 -


Naquele dia [8 de Agosto de 1983], todas as mães cujomarido ou família tivessem fugido, incluindo o meu marido,foram mandadas para o posto das ABRI, onde fomosinterrogadas. Mandaram-nos procurar [os nossos] maridosou famílias na floresta e gritar, utilizando um megafone.Algumas de nós foram então para a floresta atrás de[monte] Paichau para encontrar os que tinhamfugido…Quando voltámos, dissemos-lhes que nãoencontráramos nada. Depois disso, tínhamos de nosapresentar no escritório do suco todos os dias, durantevárias semanas. 576As mulheres também ficavam numa posição vulnerável quando os homens do suco partiam embuscas forçadas, à procura de membros da Resistência na floresta. Um homem timorense foiobrigado pelo Comandante da Força de Intervenção (Satuan Tugas, Satgas) de Tutuala aparticipar numa busca de um mês para encontrar membros da Hansip que haviam fugido. A suamulher foi mandada para o posto do Batalhão de Infantaria 641 em Laluna Lopo, Poros, Mehera,(Tutuala, Lautém), onde foi interrogada sobre o trabalho clandestino do seu marido e sobre sealguma vez tinha conhecido membros da Fretilin. Ficou presa durante três noites. Certa noite, foibeijada e acariciada, mas não foi violada. O seu marido foi levado para o Kodim 1629 emLospalos e nunca mais foi visto. 577A comunidade de Porlamano, no suco de Mehara, disse à Comissão como alguns familiares demembros da Hansip fugitivos foram levados para o posto militar do Batalhão de Infantaria 641 e<strong>tortura</strong>dos, enquanto membros do Batalhão de Infantaria 641 e do Batalhão de InfantariaAerotransportado 100 destruíam os seus pertences. 578 As pessoas também foram presas emedifícios públicos da cidade, incluindo a escola primária e a igreja. 579 Membros do Batalhão deInfantaria Aerotransportado 100 detiveram muitas mulheres de membros da Hansip eprenderam-nas numa casa tradicional vazia (uma lulik). 580 Depois, transferiram-nas para a praçaprincipal de Porlamano, onde o administrador timorense do subdistrito de Tutuala, T393, e ocomandante T392 realizaram interrogatórios. 581As detenções intensivas em redor de Mehara continuaram até ao final de 1983. 582 a comunidadede Herana, em Mehara, por exemplo, disse à Comissão que, em Novembro, o Batalhão deInfantaria 641 deteve dez pessoas na aldeia e as entregou ao Batalhão de InfantariaAerotransportado 100 e ao Batalhão de Infantaria 745, para serem mortas. 583- 158 -


A história de Maria *A história de Maria ilustra o impacto devastador que a repressão que se seguiu ao levantamentoteve nas vidas dos familiares dos envolvidos. O marido de Maria juntou-se aos Hansip e aos civisdo suco de Mehara no combate na floresta a 8 de Agosto. As ABRI detiveram Maria a 10 deAgosto de 1983 em Mehara, dois dias depois do levantamento e levaram-na directamente para oKodim de Lospalos 1629 (Lautém).No Kodim, Maria foi repetidamente interrogada pelos militares indonésios sobre o paradeiro doseu marido e presa numa cela escura. Os seus pais também foram presos e interrogadosdurante 15 dias, no Koramil de Tutuala. O seu filho mais novo, com apenas sete meses, foilevado para o Kodim de Lospalos e pendurado pelos pés durante várias horas. Esta criança foivitimizada por ser filho do homem que na altura era marido de Maria. (Os outros três eram filhosdo primeiro marido.) Durante os três anos em que esteve aprisionada no Kodim, Maria disse tersido violada repetidamente e ter provocado três abortos. Maria não queria que as criançasnascessem, por resultarem de violações sexuais perpetradas por membros das ABRI e nãosaber quem eram os pais. Em 1986, foi libertada do Kodim, mas não ficou completamente livre.Tinha de se apresentar uma vez por semana aos militares. A Comissão tomou conhecimento deque, em 1988, Maria foi obrigada a procurar o seu marido na floresta, acompanhada pormembros do Batalhão de Infantaria 745. Quando o encontrou, ele foi morto a tiro pelos soldados.Deixou então de ser obrigada a apresentar-se aos militares indonésios. Maria morreu antes dopresente relatório ser redigido. 584Tortura e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>Os presos dos distritos de Viqueque e de Lautém sofriam <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> particularmente duros. 585Muitos foram mortos ou desapareceram, como se pode verificar no subcapítulo 7.2: MortesIlícitas e Desaparecimentos Forçados. Tal como no rescaldo do ataque de Marabia e doslevantamentos de Kablaki, o aumento de relatos de <strong>tortura</strong> e de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> após o incidente deKraras tem uma estreita relação com o aumento do número de relatos de prisões, indicando queuma proporção elevada das pessoas arbitrariamente presas também era <strong>tortura</strong>da.Quase todos os presos de Viqueque e de Lautém relataram ter sido violentamenteespancados. 586 Vários também relataram ter sido queimados com cigarros acesos eelectrocutados — formas de <strong>tortura</strong> utilizadas desde o início da ocupação indonésia.Isabela da Silva, de Beaço Maluru (Viqueque, Viqueque), descreveu como o seu maridoJeremias, director da escola primária, e o seu irmão, Caetano, foram levados por um membrodas Forças Especiais (Nanggala) para o Kodim Viqueque, onde foram <strong>tortura</strong>dos antes dedesaparecerem. O administrador do subdistrito, T256, descobrira que Jeremias tinha dado livros,uma bola e uma rede a um velho amigo de escola, Rosito, que na altura era membro das Falintil.Isabela contou à Comissão:O meu marido foi interrogado e <strong>tortura</strong>do, sendo queimadocom cigarros. Os pés dele foram esmagados debaixo daperna de uma cadeira quando alguém se sentou em cimadela. O meu marido foi repetidamente acusado de ser “umespião e de ter dupla cara”. Depois, ele disse, “Preferia sermorto do que sofrer desta maneira.”*Maria é um pseudónimo utilizado para proteger a identidade da vítima.- 159 -


A 28 de Março, Jeremias foi mandado entrar num tanque,pois ia ser enviado numa operação. Eu e o meu marido,Jeremias, já sabíamos que ele ia ser morto…[Ele] foilevado por um Nanggala natural de Ambon e pelo chefedos serviços de informação de Viqueque…em direcção aKraras.Passada uma semana, regressei ao Kodim de Viquequepara perguntar onde ele estava. Eles riram e disseram,“esse prisioneiro continua numa operação”. 587Outras pessoas descreveram formas específicas de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Mário de Jesus Sarmento disseà Comissão ter sido interrogado em Carau-Balu, pelo administrador do subdistrito T256, e pelochefe dos serviços de informação , T382 [timorense]. Como não respondeu às perguntas deles,foi espancado, pontapeado e queimado com cigarros. Passados três dias, foi levado para oKodim de Viqueque por quatro membros do Kodim que, pelo caminho, lhe cortaram a orelha e oobrigaram a comê-la. 588 Isto foi testemunhado por Pedro da Costa Amaral, que fora detido a 19de Agosto por oito membros do Kodim. Pedro Amaral foi levado para o Hotel Flamboyan, emBaucau, onde foi <strong>tortura</strong>do por membros do Kopassandha. 589 Villanova Caetano, depois de serviolentamente espancado, juntamente com as vítimas Domingos Rodrigues e Alberto daIncarnação, foi obrigado por membros do Batalhão de Infantaria Aerotransportada 100 a comerum maço de cigarros inteiro e um par de meias. 590Consequências do LevantamentoTransferência de presos para fora da áreaMuitos dos que foram presos após o levantamento de Kraras foram enviados para Ataúro. 591Outros foram enviados para prisões na Indonésia, incluindo Cipinang, em Jacarta, e para o Bali. *A Comissão tomou conhecimento de que cerca de 69 pessoas foram enviadas para a prisão emKupang (Timor Ocidental, Indonésia) 592 (Para mais informações sobre a utilização de prisões naIndonésia, ver caixa adiante)Prisão do suco de Lalerek Mutin, ViquequeA prisão e a perseguição das populações locais em 1983 não terminaram com as repressõesimediatas que se seguiram aos levantamentos de Agosto. A restante população civil de Krarasfoi transferida para o suco de Lalerek Mutin (Viqueque, Viqueque) e colocada sob vigilânciaapertada, de modo a que a sua liberdade física ficasse altamente restringida. José Gomes †descreveu como os militares faziam a chamada de manhã e separavam as mulheres doshomens à noite. Foram construídos postos em redor do suco, formando três anéis, para impedir,ostensivamente, que os habitantes contactassem com os combatentes da Resistência. Foramcolocados residentes do suco como guardas nos três níveis. A Nanggala tomava conta dacamada mais interior. Por conseguinte, o suco estava rodeado por um escudo humano gigante.José Gomes disse que “Lalerek Mutin parecia umas casernas militares.” 593Prisões em massa em LautémA Comissão tomou conhecimento da detenção em massa de comunidades em Mehara (Tutuala,Lautém) e no subdistrito de Iliomar, em Dezembro de 1983, quatro meses após oslevantamentos.*Marito Reis, líder clandestino em Díli em 1983, disse à Comissão que esta política visava desmantelar a Resistência[Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Marito Reis, Baucau, 27 de Maio de 2004].†À data da redacção do presente relatório, José Gomes era o chefe do suco de Lalerek Mutin.- 160 -


Em Iliomar, quatro depoentes descreveram como, a 5 de Dezembro de 1983, os residentes deIliomar foram obrigados a participar numa cerimónia de hastear da bandeira, na qual receberamuma “prelecção”, após a qual foram detidos. 594 Gabriel da Costa fez a seguinte descrição:Na segunda-feira, 5 de Dezembro de 1983, participeinuma cerimónia de hastear a bandeira. Quando terminou,T255, o membro da Assembleia Distrital de Iliomar, e T387e T213, membros da Hansip, mandaram-me, juntamentecom seis companheiros, para uma reunião no escritório daadministração do subdistrito. Entrámos e, passada umahora, a porta foi fechada por membros da Hansip que nosdisseram: “Foi Deus quem nos criou para vivermos nestemundo e foi Deus quem desistiu de vocês. Vocês foramdetidos por terem dupla cara e por se oporem ao Governoindonésio.” Três horas depois, os membros da Hansiplevaram seis de nós para o local onde íamos ser presos,que na altura era o edifico da escola. O edifício junto aeste tinha sido transformado numa prisão. 595José da Costa disse à Comissão que, a 12 de Dezembro de 1983, uma semana depois dadetenção de civis na cerimónia de hastear da bandeira, todos os chefes de suco e de aldeia deIliomar foram convidados a dirigir-se à escola primária para participar numa reunião. Quandochegaram, as portas fecharam-se e perguntaram-lhes: “Vocês são os que querem que Timor-Leste seja independente?” José mencionou 20 pessoas que foram presas nessa altura e foramespancadas, pontapeadas e interrogadas uma a uma. Passados dez dias, o comandante T385 eT255 retiraram nove presos do edifício, que foram mortos. * Os restantes presos foramtransferidos para um edifício pequeno junto à escola, onde permanecerem durante mais trêsmeses e foram interrogados diariamente. Depois de serem libertados, foi-lhes ordenado que seapresentassem diariamente no Koramil. † Muitos outros civis, que haviam sido detidosindividualmente depois de dois membros das Falintil serem mortos em Iliomar, foram presos noedifício adjacente à escola. 596 Américo de Sousa Jerónimo descreveu como alguns presostinham de dormir na casa de banho, que estava cheia de fezes e de urina. ‡Uma outra detenção em massa teve lugar em Mehara, por volta de 16 ou 17 de Dezembro de1983. O administrador do subdistrito de Tutuala (Lautém), T393, juntamente com o Batalhão deInfantaria 641 e o Batalhão de Infantaria Aerotransportado 100, mandaram toda a população deMehara e dos sucos em redor, como Loikere, reunir-se em frente ao escritório do suco deMehara. 597 Foi lida uma lista de nomes e os que constavam da lista foram colocados inicialmentena clínica de Mehara. Depois, foram transportados de camião ou de helicóptero para o Kodim1629, em Lospalos. No Kodim, muitos foram interrogados sobre o levantamento de Mehara,presos em condições duras e <strong>tortura</strong>dos. Uma testemunha descreveu como ele e outros presosforam amarrados uns aos outros e levados para o Kodim 1629 de Lautém, onde foraminterrogados e <strong>tortura</strong>dos. Os métodos de <strong>tortura</strong> incluíam espancamentos e electrocussão. 598A 22 de Dezembro de 1983, quatro amigos de Gabriel da Costa foram retirados da escola emortos na área de Trilolo (Iliomar, Lautém), sob ordens do comandante indonésio do KoramilT385, do alto responsável do Kopassandha T386, de T255 [timorense] e do administrador dosubdistrito de Iliomar, T387. Gabriel da Costa e dois amigos ficaram lá presos durante mais umano. Foram libertados num feriado nacional indonésio, a 28 de Outubro, “Dia do Juramento daJuventude” (Hari Sumpah Pemuda) em 1984. 599*Eram António, Jerónimo, José Anunciação, Pelomonte, Joaquim, Martinho Monteiro, Carlos Coreia, Venâncio e AméricoCipriano.†O testemunho nº 9171 da HRVD refere que as pessoas foram presas no Toko Cina (uma loja).‡Américo da Sousa Jerónimo era membro da Fretilin e fora detido a 17 de Outubro de 1983 [ver HRVD, Testemunho nº3985 ].- 161 -


Segundo as informações recebidas, a maioria dos que foram presos depois da detenção emmassa em Mehara em Dezembro ficaram presos entre quatro e sete meses, findos os quaisforam devolvidos aos seus sucos. Alguns ainda tinham de se apresentar no comando militarlocal. A Comissão recebeu um testemunho que indica que o Comandante do Kodim de Lautémemitiu uma “ordem escrita” (surat perintah) para libertar os prisioneiros. 600Operação Segurança (Operasi Keamanan) noutros distritos de Timor-LesteA investigação da Comissão indica que a Operação Keamanan, que se seguiu aoslevantamentos em Viqueque e em Lautém, se concentrou nos distritos orientais de Timor-Leste,mas também atingiu outros distritos. * Seguem-se alguns desses casos:• No único testemunho do distrito de Ainaro, relatando acontecimentos de finais de 1983,Manuel Agostinho Freitas disse à Comissão ter sido detido na cidade de Ainaro a 10 deOutubro pelo Comandante do Koramil de Zumalai e pelo administrador timorense dosubdistrito, T395. Manuel Agostinho foi levado para o Kodim de Ainaro, onde foiespancado, pontapeado e submetido a choques eléctricos pelo comandante T377, ocomandante mencionado na <strong>tortura</strong> de vítimas depois do levantamento de Mauchiga.Manuel Agostinho ficou preso no Kodim durante um mês e depois foi entregue à unidade55 do Nanggala Kopassandha, que o prendeu durante três dias. Manuel Agostinho disseque a sua detenção ocorreu como reacção ao facto de as Falintil terem morto umsoldado das ABRI em Nagidal (Zumalai, Covalima). 601• A Comissão recebeu 11 testemunhos sobre casos de prisão no distrito de Baucaudurante Agosto e Setembro de 1983. 602 Quatro testemunhos descreveram a prisão deum grupo e o seu desaparecimento em Uma Ana-Iku, Ossoala (Vemasse, Baucau). Seismembros da Equipa Lorico, liderados por T397, chamaram dez homens do suco parairem à casa do chefe do suco de Ossoala, 603 onde foram os membros da Equipa Loricoos espancaram e pontapearam e lhes amarraram as mãos atrás das costas. 604 AliceAndré Gusmão, a mulher de um dos presos, Alexandre Gusmão, disse que os dezhomens foram presos por se terem encontrado com Xanana Gusmão em Diuk, um localem Ossoala. Foi-lhe dito que eles tinham sido levados para o posto de Ostico, mas elesnunca regressaram (ver Subcapítulo 7.2 sobre Mortes Ilícitas e DesaparecimentosForçados). 605• Foram relatados cinco incidentes de prisão arbitrária ocorridos em Laleia (Manatuto),mas apenas um testemunho forneceu o mês em que a violação ocorreu. Agapito Viegas,de Laleia, disse à Comissão:A 11 de Novembro de 1983, eu estava a tomar conta domeu filho enquanto a minha mulher tinha ido ao mercado,quando, de repente, apareceu um membro do Milsaschamado T398. Ele deteve-me e levou-me para o Koramilde Laleia, onde encontrei o meu amigo Pascoal, quetambém fora detido. Mandaram-nos esperar por umautocarro público para Manatuto. Ao chegarmos lá,deveríamos apresentar-nos no Kodim de Manatuto. Fomosacompanhados por dois Milsas que eu não conhecia.*A Comissão não recebeu testemunhos referentes ao período entre Agosto e Dezembro de 1983 provenientes dosdistritos de Oecusse, Ermera, Bobonaro ou Covalima. Contudo, um testemunho, sem mês, proveniente de Liquiça foiatribuído a esse período e, tal como em Aileu e em Ainaro, envolvia o Nanggala 55 [HRVD, Testemunho nº 0205]. Foramrecebidos nove testemunhos provenientes do distrito de Manufahi sobre o ano de 1983, mas os depoentes nãoespecificaram o mês em que a violação ocorrera. Dois casos descreviam a prisão arbitrária e <strong>tortura</strong> de membros da redeclandestina [HRVD, Testemunhos nº 5442 e 5467]. Dois referiam-se a famílias presas por alojarem o comandante dasFalintil Mau Hunu [HRVD, Testemunhos nºs 5483 e 5484].- 162 -


Quando lá chegámos, fomos interrogados por doismembros das ABRI. Perguntaram-me o que eu tinha feitode mal para ser detido. Eu respondi que não sabia, porisso eles agrediram-me duas vezes nas costas com umrabo de raia e depois com um pedaço de madeira desândalo, um pedaço bastante grande…Depois, outromembro das ABRI, chamado T399 veio e disse: “Éssuficientemente forte para suportar a <strong>tortura</strong>?” Eu disse:“Quer seja forte ou não, tenho de suportá-la.” Ele nãogostou da resposta e espancou-me e pontapeou-me atéeu cair. 606Agapito Viegas disse à Comissão ter sido subsequentemente enviado para o Korem, em Díli, edali para o comando do Kopassandha, onde teve tanto medo que mentiu, dizendo que tinhadado víveres às Falintil. A <strong>tortura</strong> terminou, mas ele ficou preso em Díli durante mais cincomeses e foi obrigado a tratar da relva de jardins de edifícios públicos e de escolas. 607Aileu, 1983O cessar-fogo deu à Fretilin/Falintil uma oportunidade de se aproximar das comunidades embusca de apoio, mas também expôs membros das redes clandestinas durante os “contactos depaz” (Kontak Damai) entre a Fretilin/Falintil e as ABRI. A comunidade de Fatisi (Laulara, Aileu)disse à Comissão ter havido um “contacto de paz” no suco. Quando o cessar-fogo terminou, asABRI, as Forças Especiais e vários oficiais dos sucos reprimiram os membros da redeclandestina em Fatisi. 608 Testemunhos narrativos indicam que 19 pessoas foram arbitrariamentepresas em Fatisi em Agosto e Setembro de 1983. * As vítimas eram suspeitas de trabalhoclandestino, 609 em particular de terem ajudado o comandante Sakudi das Falintil e dois outrosque haviam sido recentemente capturados pelo Batalhão de Fuzileiros 303 e pelo Nanggala55. 610A maioria das detenções foram feitas num ataque no início da manhã de 2 de Setembro de 1983,embora algumas tenham ocorrido no final de Agosto. O grupo preso foi levado inicialmente paraum posto militar de uma aldeia de Fatisi, onde Luís Mouzinho foi espancado e depois morto. Osprisioneiros foram então levados para a clínica de Besilau e entregues ao chefe do suco, que osamarrou com arame. Francisco Pinto de Deus descreveu como caminhou até lá, aindaensanguentado do espancamento sofrido durante a detenção, escoltado pelos Hansip e pelobabinsa indonésio T400. A 3 de Setembro, dois soldados do Kodim de Aileu foram buscar ospresos, que foram amarrados pelas mãos e pelos pés e levados de camião até ao Kodim, sendoatirados para o chão à chegada como se fossem sacas de arroz. O soldado timorense T401 eoutros membros do Kodim rasgaram-lhe as roupas com uma faca, deixando-os nus. A partir das10 da noite, os presos foram levados um a um para serem interrogados, tendo sido espancadoscom um bloco de madeira durante o interrogatório.A partir desta data, as experiências vividas pelos presos foram bastante variadas e reveladorasde uma falta de coordenação, supervisão e disciplina dos militares. As experiências das vítimasincluem as seguintes:*As vítimas referidas à Comissão, compiladas de vários testemunhos de vítimas, foram: Alfredo Carvalho, RomaldoPereira, Joaquim Henrique, Luís Mouzinho, Mariano de Deus, Agustinho Pereira (também conhecido como AgustinhoMartins), Caetano Soares (também conhecido como Caetano José Alves), Crispim dos Santos, Paul Soares, MoisésSarmento, Graciano Pinto, António de Deus, Bernardino Santos, Victor Araújo de Deus, Afonso, Ananias, Serafim eFrancisco Pinto de Deus.- 163 -


• Segundo o testemunho de Graciano Pinto, o seu irmão, Moisés Sarmento, foi levado a30 de Agosto de 1983 pelo babinsa T400 de Besilau (de Sumatera), pelo oficialtimorense dos serviços de informação das ABRI T402, pelo comandante do Koramil deLaulara e pelo administrador do subdistrito de Laulara. Moisés Sarmento não voltou aser visto. O próprio Graciano Pinto relatou ter estado preso durante três anos e ter sidolibertado apenas após a intervenção do CICV. 611• Alfredo Carvalho também foi levado separadamente para Besilau, onde, passados váriosdias, foi levado para um cemitério por um membro das Kopassandha para ser morto.Contudo, em vez disso foi levado de helicóptero para Díli. Nessa noite, foi novamentelevado para a rua e disseram-lhe que ia ser morto, mas, em vez disso, foi levado para aPolícia militar e prenderam-no. Alfredo Carvalho não disse à Comissão durante quantotempo esteve preso. 612• Em Besilau, um homem timorense foi violentamente espancado e depois interrogadodurante dois dias, até ser levado para o Koramil de Laulara (Laulara, Aileu)e interrogadopelo comandante. O Koramil libertou-o por não ter descoberto nada. 613• Pelo menos cinco dos prisioneiros — Crispim Maria dos Santos, João Soares Pereira,Caetano Soares, António de Deus e Afonso — foram levados do Kodim de Aileu Kodimpara Aisirimou, onde foram vigiados de perto pela Hansip e impedidos de procurarvíveres. 614 António de Deus e Afonso morreram de fome.• A Comissão recebeu um testemunho de um homem timorense segundo o qual T801, umbabinsa, o obrigou a trabalhar para uma empresa em Aileu durante dois meses e lheroubou os salários. Findo esse período, o homem foi mandado trabalhar com o Batalhãode Infantaria 412. 615Prisões na Indonésia, 1983 até finais da década de 1990A administração indonésia começou a enviar grupos de presos políticos para prisões oficiais naIndonésia a partir de finais de 1983, frequentemente depois de julgamentos e condenações.Estas prisões incluíam:Prisão de Cipinang, em Jacarta, JavaForam enviadas duas vagas de presos para Cipinang. A primeira foi em 1984, dividida em doisgrupos. O primeiro grupo incluía David Dias Ximenes, Mariano Bonaparte Soares, Aquilino,Fraga Guterres, Cosme Cabral, Albino de Lourdes, Domingos Seixas, António Mesquita, JoséSimões, Roberto Seixas, Agapito Rocha, Miguel da Costa, João da Costa, Martinho Pereira,Caetano Guterres e Marito Reis. 616 Domingas da Costa foi enviada para a prisão feminina deTangerang, em Java Ocidental. 617 Este primeiro grupo foi enviado em Março e Abril de 1984. Osegundo grupo, composto por 42 prisioneiros, foi enviado em Novembro e Dezembro de 1984.Em 1991, restavam apenas quatro prisioneiros. Em 1992, juntaram-se a estes DomingosBarreto, Virgílio Guterres, João Freitas da Câmara, Fernando Araújo (La Sama) e, depois,Xanana Gusmão. 618Prisão de Kedung Pane Semarang, em Semarang, Java CentralA 10 de Junho de 1994, as seis pessoas condenadas em Díli depois da manifestação de SantaCruz foram transferidas da Prisão de Becora para Semarang. Estas pessoas eram Filomeno daSilva Ferreira, Jacinto das Neves Raimundo Alves, Francisco Miranda Branco, Saturnino Belo daCosta, Juvêncio de Jesus Martins e Gregório da Cunha Saldanha.Prisão de Lowok Waru, em Malang, Java Oriental- 164 -


O único prisioneiro de Malang conhecido pela Comissão é José Neves, que estudava em Malangna altura em que foi preso por actividades clandestinas, em 1994. 619Prisão de Kalisosok, em Surabaya, Java OrientalA 27 de Março de 1997, 16 prisioneiros foram transferidos da prisão de Buruma, nos arredoresda cidade de Baucau (Lembaga Pemasyarakatan), para a Prisão de Kalisosok. Os prisioneiroseram: João Bosco, Mário Filipe, Marcus Ximenes Belo, Domingos Sarmento, Fortuna Ximenes,Filomeno Freitas, Justino Graciano Freitas, Virgílio Martins, Domingos de Jesus, Domingos deJesus Freitas, João Freitas, Alexandre Freitas, Muhammad Amin Dagal, Ventura Belo, MarcusXimenes e Albino Freitas.Condições na IndonésiaPrisão de Penfui, perto de Kupang, Timor OcidentalAntónio Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak) disse à Comissão que 69 presos, incluindo elepróprio, formaram o primeiro grupo de prisioneiros a ser enviado para uma prisão fora doterritório de Timor-Leste. Eles foram enviados para a prisão de Penfui, em Kupang, em Agosto1983, tendo sido transportados para lá num avião Hércules, após o levantamento de Kraras.Foram presos, sem julgamento, em Penfui onde ficaram até Agosto de 1984, altura em que oCICV visitou a prisão e se queixou sobre a situação dos presos às autoridades. As condições emque se encontravam presos eram deploráveis. António das Costa recordou-as:Durante 14 meses só comemos folhas e arroz; eles davam-nos uma colher cheia por dia. Nósapanhávamos e comíamos os grãos de arroz que caíam no chão. Havia folhas lá fora.Rasgámos as nossas calças, fizemos uma corda e atirámo-la lá para fora, dizendo-lhes, emindonésio, “Por favor, seja onde for que houver folhas como as que as cabras comem, nósprecisamos delas todas. Dêem-nos quaisquer restos que queiram deitar fora.” Eles trouxeramnosos restos num tambor e atiram-nos na nossa direcção. Utilizávamos a corda que fizéramoscom as nossas calças para puxarmos folhas de papaia para dentro. 620Segundo António Tomás Amaral da Costa, só 14 dos 69 timorenses presos em Kupangsobreviveram à provação. Ele refere apenas uma vítima, Duarte Ximenes, que morreu de fome,mas diz que os restantes 54 foram algemados e levados por um veículo militar e nunca maisvoltaram. 621 Os 14 que sobreviveram foram enviados para Timor-Leste em 1985.* Foram entãojulgados em Benfica 622 e cumpriram as suas penas na Comarca e depois em Becora, até seremlibertados em 1987. 623Prisões em JavaMais tarde, grupos de prisioneiros que haviam sido julgados e condenados foram enviados paraa Indonésia. De uma maneira geral, os antigos presos das prisões javanesas relataram que ascondições eram muito melhores do que as das prisões Timor-Leste. Um antigo preso ficousurpreendido por receber uma cama e um colchão quando foi transferido para uma prisão emJava. Foi então que percebeu que, apesar da retórica que ouvira em Timor-Leste sobre serem“um país”, os indonésios “consideravam [nos] cidadãos de segunda classe…[e] tratavam-noscomo animais”. 624 Segundo as informações recebidas, em 1994 na Prisão de Semarang nãohouve interrogatórios e as penas dos prisioneiros foram reduzidas, por vezes vários meses emcada ano.*Segundo António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), os 14 que sobreviveram foram: ele próprio, Fernando daCosta, Rogério Pinto, Paulo Amaral, Paul Buikarin, José Gularte, Francisco Ximenes, João Bosco, Ernesto Pinto,Henrique Belmiro, Mariano Soares, Alfredo da Costa, Agusto da Silva e Arthur Kaibada-Waimua [Entrevista da <strong>CAVR</strong> aAntónio Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), Díli, 28 de Abril de 2004].- 165 -


Razão para enviar prisioneiros para a IndonésiaNão se sabe por que razão os prisioneiros eram transferidos para fora de Timor-Leste, mas umantigo preso disse que era porque a Indonésia precisava de mais espaço para prender ostimorenses de leste. 625 Também é provável que fosse uma estratégia deliberada para separar oslíderes do movimento clandestino das suas redes. Se fosse este o caso, a política fracassou.Actividades da Resistência nas prisões indonésiasMuitos prisioneiros políticos timorenses presos na Indonésia puderam continuar com as suasactividades de resistência à ocupação indonésia. Em alguns casos, a prisão até pode ter ajudadoa Resistência a alargar as suas redes de comunicação. Na prisão de Cipinang, os prisioneirospuderam reconstruir as estruturas das suas redes clandestinas. 626 Xanana Gusmão explicou:Utilizei a rede de João Câmara, que já estava estabelecida. Como eu conhecia as redes dafloresta e da cidade, escrevo aos que estavam em Timor-Leste que eu ainda controlava…aluta…[Consegui] manter contacto com o exterior. Na altura, Ramos Horta e a sua ajudanteespecial, que trabalhava numa organização não governamental e é agora a minha mulher [KirstySword Gusmão], ajudaram…[H]avia Internet e correio electrónico, que nos permitiam construirrelações no exterior utilizando todas as redes existentes. 627Segundo João Freitas da Câmara, não era difícil para os timorenses presos em Cipinangcontinuarem com as suas actividades de resistência, desde que alguns guardas apoiassem asua causa. Muitos dos guardas gostavam de Xanana Gusmão e respeitavam-no. Os prisioneirostambém receberam ajuda do exterior, sob a forma de uma máquina de escrever, um computadorlaptop, um telemóvel e um videogravador de cassetes. Eles pagavam aos guardas que iambuscar os itens e lhos entregavam secretamente. Desta forma, eles puderam continuar aproduzir documentos. 628Detenções de membros do movimento clandestino urbanoDurante a Operação Limpeza Total houve muitas detenções na capital, sobretudo de líderes domovimento clandestino. A Comissão recebeu pelo menos 35 testemunhos relacionados comprisões arbitrárias ocorridas em Díli entre 9 de Agosto e finais de Dezembro de 1983. Outros 15relatos não referiam mês específico. Algumas figuras-chave do movimento clandestino corriamriscos consideráveis na altura, abordando visitantes e delegações estrangeiros e tentandoinformá-los sobre a difícil situação vivida pelo povo timorense. Alguns foram presos enquantotentavam enviar informação para o estrangeiro. Seguem-se alguns desses casos, identificadospela Comissão:- 166 -


• Câncio Gama e 17 outros membros das Falintil foram detidos e enviados para Kupangdepois de tentarem falar com uma delegação do Parlamento australiano liderada por BillMorrison. A maioria destes membros morreram de fome em Kupang. 629• Justo dos Santos foi detido em Díli a 25 de Julho de 1983, antes do final do cessar-fogo.Foi levado para a casa do comandante do Korem, no Farol (Díli), onde foi enfiado numburaco, ficando apenas com o pescoço de fora. Foi-lhe dado um pacote de velas que ele“acendeu para darem luz noite e dia”. Passados três meses no buraco, foi levado para oKorem, onde foi acusado de liderar o movimento clandestino em Baucau. Durante váriasnoites de sábado consecutivas, de Outubro a Dezembro de 1983, os militares levaramJusto dos Santos para Tacitolu, nos arredores de Díli. Durante estas visitas a Tacitolu,ele foi três vezes enterrado até ao pescoço. 630• Caetano Guterres era membro da rede clandestina e foi detido em Díli, em Setembro de1983, pelo Kopassandha depois de um outro membro da rede clandestina dar o seunome os militares. Foi preso no quartel-general do SGI em Colmera (Díli), ondepermaneceu, incomunicável, durante três meses. Caetano Guterres disse à Comissãoter sido interrogado todas as noites, em particular sobre os planos e as actividades doComité Central da Fretilin. Os interrogatórios duravam entre quatro e oito horas por dia equase dez horas, das 7 da noite às 5 da manhã, durante o primeiro mês. 631 CaetanoGuterres foi então levado para a Comarca e julgado. Condenado a oito anos de prisão,Caetano Guterres foi transferido para Cipinang, onde ficou preso até 1989. 632• Marito Reis, um líder do movimento clandestino, descreveu como, em Agosto de 1983, oKopassandha o enviou, juntamente com outros membros da rede clandestina de Díli,para o Bali, para serem interrogados. Não foram <strong>tortura</strong>dos, mas só recebiam umarefeição por dia. Quando regressaram, em Novembro de 1983, foram presos naComarca, onde foram submetidos a choques eléctricos durante o interrogatório. MaritoReis foi então preso no quartel-general do SGI durante quatro meses e depois no Kodim,durante um mês, antes de regressar à Comarca. Não foi <strong>tortura</strong>do nem no quartelgeneraldo SGI, nem no Kodim. De facto, no quartel-general do SGI, um capitão ordenouaos seus homens que parassem de agredi-lo, dizendo: “Isto é uma pessoa, não umanimal.” Em 1984, Marito Reis foi julgado e condenado, tendo integrado o grupo deprisioneiros políticos que foram enviados para a Prisão de Cipinang, em Jacarta, paracumprirem as suas penas.• Noutra ocasião, Marito e cinco outros membros do movimento clandestino foramchamados ao Korem, onde foram obrigados a assinar um documento que dizia: “Secontinuarem a fazer actividades clandestinas, todos serão mortos a tiro no local ondeestiverem.” 633• É evidente que os militares indonésios começavam a perceber a importância domovimento clandestino urbano — que se tornava cada vez mais organizado — para aluta da Resistência. A principal estratégia utilizada pelos militares em reacção a estesdesenvolvimentos foi prender líderes do movimento clandestino durante longos períodosde tempo (e, em alguns casos, matá-los). Além das pessoas presas após o ataque deMarabia em 1980, pouquíssimos membros da rede clandestina urbana foram enviadospara a Ilha de Ataúro. Em vez disso, foram julgados e condenados a longos períodos deprisão, frequentemente em zonas da Indonésia. As experiências destes presos indicamque, durante este período, os militares indonésios tinham informação secreta maispormenorizada e um sistema coordenado e graduado para lidar com os presos políticosem Timor-Leste.Caetano Guterres, nomeado responsável por fazer sair clandestinamente informação para oestrangeiro por Xanana Gusmão, falou à Comissão sobre documentos que conseguiu enviar deTimor-Leste com a ajuda de um jornalista que acompanhava a delegação parlamentaraustraliana, em Julho de 1983. 634 Entre os documentos, encontrava-se um manual contralevantamentos elaborado pelo Exército indonésio para os soldados e classificado como- 167 -


“Secreto”, que as Falintil encontraram numas casernas indonésias. A Comissão tem em suaposse um documento assinado pelo coronel A. Sahala Rajagukguk, comandante militar emTimor-Leste na altura, que diz o seguinte:Espera-se que os interrogatórios não sejamacompanhados pelo uso de violência, excepto em certascircunstâncias, em que o interrogado esteja a terdificuldades em dizer a verdade [seja evasivo]…Se fornecessário utilizar violência, certifique-se de que não hápessoas em redor [TBO, Hansip, Ratih, pessoas]…Evitetirar fotografias que mostrem a <strong>tortura</strong> a decorrer[enquanto o prisioneiro estiver a ser submetido a choqueseléctricos, ou estiver despido, etc.]. 635- 168 -


Detenção e interrogatório em Díli em finais de 1983Aquilino Fraga Guterres (Eteuco) era um membro da rede clandestina envolvido no envio deinformação sobre a situação de Timor-Leste para o estrangeiro. Em Outubro de 1983, o Kodimde Díli descobriu as suas actividades e mandou dois oficiais dos serviços de informação ,Domingos e Carlos, investigá-lo. Na altura, Aquilino Guterres trabalhava como motorista noBanco do Desenvolvimento Regional (Bank Pembangunan Daerah, BPD).Eu não sabia que os membros do SGI e o director do BPD estavam a preparar-me umaarmadilha…[Um dia] o director disse-me para levar o carro para uma estação de serviço junto àsinstalações da Segurança Social. Pouco depois de chegar à estação de serviço, apareceramvários membros não identificados do SGI e disseram-me: “O director disse-nos (SGI) para irmoscontigo ao aeroporto buscar um convidado.”…[Q]uando entrei no carro deles fui levado paraperto de Balide, [para o] Korem até chegarmos à [quartel-general da] SGI em Colmera.No quartel-general do SGI, Aquilino Guterres foi interrogado por membros da Kopassus. Aquilinoficou preso durante um ano e, durante esse período, sofreu espancamentos e foi submetido aelectrocussão:Primeiro, eles destruíram-me fisicamente. Por exemplo, na questão da alimentação, não era[uma quantidade] habitual, mas pequenas porções durante um ano. Passei por momentosdifíceis. Também fui interrogado: “Quantas vezes te encontraste com as Falintil? Que tipo deapoio deste às Falintil?” Durante o interrogatório, espancavam-me com armas, prendiam-me ospés debaixo de uma cadeira, electrocutavam-me. Senti que estava a morrer. Eles amarraram omeu corpo com cordas e vendaram-me os olhos com um pedaço de pano. Depois, fui atiradopara dentro de um carro, sem saber para onde ia. Eu só podia sentir [onde estava] e ouvir.Andámos em redor da cidade de Díli durante quatro horas. Depois, quando ficaram satisfeitos ecansados, voltámos para o SGI de Colmera.Depois disto, Aquilino Guterres foi transferido para a Comarca, onde lhe tiraram as roupas. Ficoupreso numa cela juntamente com cerca de 20 a 30 pessoas. Quando queriam interrogá-lo,levavam-no novamente para o quartel-general do SGI em Colmera e devolviam-no à Comarcadepois do interrogatório. Aquilino Guterres explicou que, durante o interrogatório, os oficiais sóqueriam uma confissão:Durante o interrogatório, eles não queriam saber o que eu tinha feito de errado. A Kopassusinventava más acções e obrigava-nos a admiti-las. Por exemplo, que tínhamos enviadomunições, supermi [massa instantânea], pilhas [aos combatentes da Resistência]. Eles diziam:“Se admitires, serás julgado e poderás ser libertado em breve.” Isso era contra a minhaconsciência, por isso não fiz o que eles queriam. Eles estavam a utilizar o sistema: quemconseguisse matar ou <strong>tortura</strong>r pessoas era promovido ou recebia um bónus. 636Prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> em 1984A investigação da Comissão indica que se verificou uma diminuição dos casos de prisãoarbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> no ano de 1984, assinalando o início do período de relativa“normalização”, ou “consolidação” (1985/1998).No entanto, o ano começou com uma operação das Forças Armadas no subdistrito de Zumalai(Covalima). Foram detidas algumas pessoas e algumas morreram na prisão. Depois de umataque mortífero das Falintil a funcionários militares indonésios em Zolo, Zumalai, em finais de- 169 -


1983, * os militares indonésios do distrito de Bobonaro detiveram pessoas no subdistrito deBobonaro e no subdistrito vizinho de Zumalai (Covalima) e, possivelmente, em regiões tãodistantes como Ainaro. Algumas pessoas foram presas no Koramil de Bobonaro, 637 outras noKoramil de Zumalai. 638 Tanto homens como mulheres foram presos de maneira arbitrária, porvezes pelo simples facto de terem nomes parecidos com os de pessoas que os militaresconsideravam suspeitas de ajudarem a Resistência. 639Um dos presos, Armando dos Santos, calcula que 100 pessoas foram presas consigo no Koramilde Bobonaro. Através do seu processo de recolha de testemunhos, a Comissão identificou pelomenos 15 pessoas presas nos subdistritos de Zumalai e Bobonaro. † Outra testemunha forneceuà Comissão uma lista de 45 pessoas presas e mortas na operação. 640 Foram detidas seis vítimasrelacionadas com o ataque no suco de Carabau (Bobonaro, Bobonaro) em Fevereiro de 1984,devido ao facto de alguns membros da comunidade terem dito os militares indonésios que elaseram membros da Fretilin ou tinham contactos com a Fretilin/Falintil. ‡ É evidente que os militaresrealizaram uma investigação após o ataque de finais de 1983 para identificar todos os membrosda Fretilin e da rede clandestina existentes na área antes de fazerem as detenções. A detençãode membros da Fretilin, ou de pessoas suspeitas de o serem, nos subdistritos de Bobonaro e deZumalai prosseguiu até Agosto de 1984. 641 Dinis de Araújo disse à Comissão:Certo dia, a minha filha estava doente e eu estava a tomarconta dela. De repente, as ABRI trouxeram quatropessoas para a frente da minha casa, todas amarradas.Eu vi que a maioria tinham sido queimadas. Tal comobatata-doce assada, estavam cobertas de [marcas] pretase escuras nos corpos e nos rostos. Fiquei com os pêlosem pé e cheio de medo. Mas eles não me fizeram nada.Só andaram em frente à minha casa. Provavelmente, játinham o meu nome. Passado um mês, um Hansip deBobonaro veio a minha casa e prendeu-me. 642Todos os presos identificados pela Comissão relataram <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Miguel dos Santosfoi detido em Hauba (Bobonaro, Bobonaro) a 7 de Fevereiro de 1984 pelo Batalhão de Infantaria407 e levado para o escritório do suco de Carabau antes de ser levado para o Koramil deBobonaro:O Batalhão de Infantaria 407 iniciou o interrogatório.Disseram-me: “Estavas com a GPK/Falintil, a dispararcontra soldados em Fatuleto/Zumalai. Um homemtimorense, T403, o antigo chefe do suco de Oeleu,juntamente com as TNI, começou a espancar-me,esmurrar-me, pontapear-me e a queimar-me com beatasde cigarro. O meu corpo ficou todo ferido e o meu rostoficou inchado. O meu nariz, boca e olhos escorriamsangue. 643*Olandino Guterres disse à Comissão que o ataque ocorreu a 7 de Dezembro de 1983 (o aniversário da invasãoindonésia de Díli) e que as Falintil mataram sete membros do Batalhão de Infantaria 407 em Pelet, Lour [Bobonaro,Bobonaro]. O Batalhão de Infantaria 407 estava a patrulhar quando foi emboscado pelas Falintil. A Comissão não pôdeconfirmar este relato, mas faz notar que os três testemunhos recebidos de vítimas de prisão arbitrária em redor de Peletfornecem datas das suas detenções, situadas entre Março e Julho de 1984. Dois desses testemunhos foram dados pelasmulheres de vítimas que foram mortas no Koramil de Zumalai. A razão apresentada para a detenção dos seus maridosfoi eles terem escondido uma bandeira da Fretilin.†São: Armindo Franquelin, Alarico Sena, Francisco Talo Mau, António Gomes, Afonso da Cruz, Manuel Freitas, Matias,Miguel dos Santos, José Noronha, Rozito dos Santos, Carlos Magno, José Cardoso, Agapito Moniz e Belarmino dosSantos.‡Por exemplo, António Gomes disse à Comissão ter sido detido pelo Batalhão de Infantaria 407, por membros doNanggala e membros do Koramil de Bobonaro, devido a “informações” recebidas de cinco pessoas do suco: T404, T405,T406, T407, T408 [HRVD, Testemunho nº 5156].- 170 -


Por vezes, os prisioneiros eram obrigados a despir-se enquanto eram interrogados sobre ohomicídio dos soldados indonésios. A Comissão recebeu relatos segundo os quais osprisioneiros eram ameaçados de serem embebidos em óleo e queimados vivos. Eram privadosde alimentação durante períodos até uma semana. Os oficiais do Kopassandha, maisprovavelmente do Chandraca 11, participaram em muitos destes espancamentos, embora porvezes a Hansip também participasse, sob ordens de oficiais do Kopassandha. A Comissãoapurou que, pelo menos três pessoas foram mortas enquanto estavam presas, embora sejaprovável que fossem muitas mais (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e DesaparecimentosForçados). Os prisioneiros que sobreviveram foram deslocados das suas habitações, nasmontanhas de Bobonaro, para uma área recém-construída chamada Halecou, no suco deRitabou (Maliana, Bobonaro) em Maio 1984. 644Noutros casos de prisão arbitrária em 1984, as vítimas foram detidas por suspeita de forneceremajuda material às Falintil, de estarem em contacto com líderes das Falintil, de teremconhecimento de preparativos para um ataque das Falintil, ou de terem familiares na floresta. 645Um depoente, Sama Leto, disse ter sido detido pelo Batalhão de Infantaria 412 e peloKopassandha 55 por terem encontrado uma fotografia do seu irmão mais novo, que ainda estavana floresta, e porque ele era o chefe do suco, mas recusava-se a fornecer mulheres aosmilitares. Sama Leto disse à Comissão:Fui detido e levado para Tokoluli para escavar um buracoe depois ser morto. Mas isso não aconteceu e fuimandado para casa. Dois dias depois, fui chamadonovamente. Fui espancado até os meus dentes separtirem. Eu estava a sangrar e o meu rosto estavainchado. Fui levado para Liquiça, onde fiquei preso com omeu amigo Domingos [durante duas semanas]. Depois fuilevado para Bazartete [Liquiça] durante um dia e libertadoporque doei uma cabra ao grupo do Batalhão de Infantaria412 e do Kopassandha 55, que estava de saída. 646Algumas pessoas tinham a pouca sorte de serem apanhadas num ataque das Falintil e oExército indonésio suspeitava de elas terem colaborado com os atacantes. Adriana Soaresdescreveu como as Falintil roubaram o quiosque do seu irmão mais velho, Manuel Gaspar, emUaitame (Uatu-Lari, Viqueque), em Abril de 1984, e disse que alguém do seu suco fez queixadela e de Manuel ao comandante do Chandraca 7 (Kopassandha), levando à detenção deambos. Adriana Soares foi interrogada e <strong>tortura</strong>da, juntamente com outra jovem mulher,Angelina. Adriana Soares disse à Comissão:Angelina e eu fomos postas numa sala. Depois, rasgaramnosas roupas até estamos nuas, mandaram-nos sentarem cadeiras e interrogaram-nos: “Digam que estiveram emcontacto com as Falintil, ok! Que se encontraram comXanana e com o comandante Rosito!” Depois, aquelemembro do Nanggala espancou-me até eu cair e…dissenovamente: “Xanana e o comandante Rosito lixaram-vosàs duas!” Ficámos caladas. Depois, queimaram-nos comum cigarro, a mim e a Angelina, no corpo e nas coxas,mas não nos violaram. Em Maio, as ABRI chegaram às 05da manhã e levaram 18 presos num camião Hino. Asfamílias deles ainda não sabem onde eles estão. 647- 171 -


<strong>7.4</strong>.7 Prisão e <strong>tortura</strong> perpetradas pelas autoridades de ocupaçãoindonésias 1985/1998IntroduçãoDurante o período de 14 anos decorrido entre 1985 e 1998, conhecido como o período de“normalização e consolidação”, pretendeu-se dar a entender que Timor-Leste era apenas maisuma província da Indonésia e o território ficou aberto ao mundo exterior. 648 A investigação daComissão indica que os casos de prisão arbitrária, <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e <strong>tortura</strong> de civis atingiram níveisinferiores aos registados no período entre 1975 e 1983, mas, apesar disso, ocorreram em todosos anos deste período.Entre 1985 e 1998 ocorreram significativas alterações políticas e mudanças tanto na natureza daocupação como na natureza da resistência. Em 1987, as Falintil separaram-se do partido Fretilinpara se transformarem num movimento de resistência armada não partidário (ver Capítulo 3:História do Conflito e Capítulo 5: Resistência: Estrutura e Estratégia). Isolada do mundo exterior,a Resistência começou a depender cada vez mais da frente clandestina para ajudar à suasobrevivência e na maioria da actividade de resistência. Embora os períodos iniciais tenham sidocaracterizados por confrontos armados a nível regional promovidos pela Resistência com o apoiodas redes clandestinas, em finais da década de 1980, a resistência ocorria sobretudo noscentros urbanos, através de manifestações e de outras formas de activismo político. Uma novageração de jovens activistas tornou-se líder dos movimentos clandestinos urbanos, emboratenham continuado a ser dirigidos por líderes das Falintil na floresta (ver Capítulo 5: Resistência:Estrutura e Estratégia).Embora continuassem a ser presas figuras da Resistência e a incidência de <strong>tortura</strong> na prisãotivesse aumentado, as Forças Armadas indonésias tornaram-se menos evidentes enquantoperpetradoras destas violações. A Polícia assumiu maiores responsabilidades no controlo doterritório. Os membros das Falintil e da rede clandestina que foram detidos acabaram por seracusados e levados a julgamento (ver Subcapítulo 7.6: Julgamentos Políticos). No início dadécada de 1990, os militares indonésios criaram paramilitares e milícias locais que eramresponsáveis por muitas violações. A politização da Resistência e da juventude pró-indonésialevou a explosões de agitação civil relacionadas com questões étnicas e religiosas. Estastensões resultaram em várias escaramuças violentas entre a juventude timorense e membros dodispositivo de segurança indonésio (ver Capítulo 3: História do Conflito).Os padrões anteriormente estabelecidos persistiram. A caça aos membros da Resistênciaarmada e do movimento clandestino continuou. Os que eram capturados eram detido e presosde forma arbitrária e sofriam <strong>tortura</strong> e outras formas de tratamento cruel e desumano. Osataques da Resistência armada a alvos civis ou militares também continuaram, embora a umaescala menor do que a verificada em inícios da década de 1980. No entanto, tal como nessaaltura, a população civil sofreu violações generalizadas no rescaldo dos ataques. A <strong>tortura</strong>continuou a ser uma experiência comum durante o interrogatório e as condições de prisão eramfrequentemente duras. O número de prisões e a incidência de casos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>permaneceu estável durante este longo e complexo período. Esta secção foi estruturada deacordo com as razões gerais para prisão, em vez de cronologicamente. Os critérios incluíram:- 172 -


• Participação ou contacto com o movimento clandestino ou com a Resistência armada• Participação em manifestações públicas contra a potência ocupante• Questões religiosas e outros conflitos• Prisões no decurso de buscas por membros das Falintil• Ataques da Resistência a alvos indonésios, militares ou civisPerfil das violaçõesO período de “normalização e consolidação” da ocupação indonésia entre 1985 e 1998caracterizou-se por padrões de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> bastante diferentesrelativamente aos de outros períodos (nomeadamente de 1974/1979, 1980/1984 e o períodoposterior — por volta da altura da Consulta Popular da ONU em 1999). Observou-se, emparticular, que o nível geral de violência foi menor entre 1985 e 1998 do que durante os outrosperíodos. Esta hipótese apoia-se nos dados quantitativos das conclusões da Comissão. Areflexão sobre a magnitude geral das violações documentadas revelou que, apesar de o períodoabranger 53,8% (14/26) dos anos que integram o mandato da Comissão, só 23,8%(6.039/25.383) dos casos de prisões, 30,5% (3.393/11.135) dos casos de <strong>tortura</strong> e 27,1%(2.292/8.443) dos casos de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> ocorreram durante o período.Podem ser encontradas mais provas desta conclusão examinando a taxa de diária de violações.As taxas diárias de violações referentes a prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> são bastante inferioresdurante este período do que nos outros, como pode ser verificado na Figura, abaixo. Por exemplo, a taxa diária de prisões documentadapela Comissão foi mais de 7,9 vezes superior em 1999 e 3,8 vezes superior nos primeiros anosda invasão do que durante a “fase de normalização e consolidação”.Figura : Taxa diária de violações para casos relatados deprisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> por fase, 1974/1999Período Prisões Torturas Maus-Tratos Total1974 0,1 0,1 0 0,21975/1984 4,5 1,5 1,1 7,11985/1998 1,2 0,7 0,5 2,31999 9,3 7,5 7 23,8Anos do Mandato 2,7 1,2 0,9 4,8Fonte: Base de dados dos testemunhos narrativos prestados à <strong>CAVR</strong> (HRVD)Violações no espaçoAlém do massacre de Santa Cruz e do seu rescaldo, em 1991 em Díli e nas regiões em redor, oscasos relatados de violência durante os “anos da consolidação”, de 1985 a 1998, assumiram aforma de violência esporádica de baixo nível nas três regiões. A Comissão documentou níveissemelhantes de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> durante a fase de “normalização e consolidação”nas regiões oriental e ocidental e um nível ligeiramente superior na região central durante esteperíodo. Estes níveis parecem compatíveis com o facto de os principais centros de detenção dosmilitares indonésios serem em Díli.- 173 -


Prisão e <strong>tortura</strong>Durante o período de 1985/1998, foram presas vítimas individuais com muito mais frequência doque grupos de vítimas, como pode ser verificado na Figura . Este dadoé compatível com a hipótese de as práticas de prisão das autoridades indonésias terem passadode uma concentração em indivíduos e grupos nos primeiros anos da ocupação (1977/1984) parauma estratégia mais direccionada para indivíduos no período de 1985 a 1999. Também reflecte ofinal das deslocações em massa de civis para campos de internamento, como o de Ataúro, noinício deste período.[Inserir Figura por aqui]A natureza mais direccionada da violência perpetrada pelos militares indonésios apoia-se naevidência estatística da Comissão: o coeficiente de correlação entre os casos documentados deprisão e os casos documentados de <strong>tortura</strong> atribuídos aos militares indonésios durante a “fase denormalização e consolidação” era de 0,97. Verifica-se em particular, como mostra a Figura, que a taxa relativa de <strong>tortura</strong>s por prisão aumentou substancialmente aolongo das três fases do conflito: de 0,29 nos anos iniciais da invasão para 0,52 nos anos de“normalização” e “consolidação” e 0,69 durante 1999.Figura : Rácio de <strong>tortura</strong>s relatadas por prisão atribuídas aos militarese à Polícia indonésios por fase, 1974/1999Prisões Tortura Rácio de Prisões paraTortura1975/1984 10.867 3.237 3,41985/1998 5.465 2.921 1,91999 1.417 972 1,5Total 17.749 7.130 2,5Vinculação institucional dos perpetradoresAs instituições identificadas pelas vítimas como responsáveis pelos casos de prisão e <strong>tortura</strong>também mudaram nesta fase. A participação da defesa civil (Hansip) diminuiu acentuadamenteem 1984, depois dos levantamentos liderados pela Hansip em 1983, e ainda mais em 1985. Onúmero de casos de prisão em que a Polícia participou também diminuiu entre 1985 e 1990,relativamente aos níveis anteriores, mas a sua participação aumentou a partir de 1991, até setornar uma das principais instituições a fazer detenções. Os militares indonésios continuaram aser o perpetrador referido com mais frequência nos casos documentados ao longo do período.Prisão de membros do movimento clandestinoEm 1985, as autoridades indonésias estavam convencidas de que a Operação Unidade (OperasiPersatuan) tinha destruído grande parte das redes clandestinas que sustentavam a Resistênciaarmada das Falintil e que o número de membros das Falintil estava a diminuir. A Resistênciaarmada também passou a abordar a luta com mais cuidado. A estratégia da Resistência mudoudurante a década de 1980, ao ponto de o conflito armado se tornar secundário em relação à lutadiplomática internacional e, de um modo geral, a Resistência deixou de procurar confrontosdirectos com os militares indonésios (ver Parte 5: Resistência: Estrutura e Estratégia). Nãoobstante, as redes clandestinas tornaram-se cada vez mais organizadas e muitas foramcolocadas sob o controlo de uma estrutura central em 1986 — a Organização Coordenadora- 174 -


Inter-regional, ou OCR). * As redes clandestinas também começaram a procurar membros nasescolas e em grupos de jovens. Este processo de organização e centralização prosseguiu nadécada de 1990. Os líderes destas redes eram um alvo principal para os militares indonésios.Característico desta fase era o facto de o movimento clandestino ser cada vez mais liderado porjovens e organizações de juventude. Eles levavam a efeito protestos políticos contra a potênciaocupante — abaixo examinados. A prisão e o interrogatório de membros ou pessoas domovimento clandestino, ou de pessoas suspeitas de o serem, não envolvidas em manifestaçõescontinuaram ao longo do período em todos os distritos de Timor-Leste, incluindo Díli. AComissão recebeu mais de 500 relatos de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> de membros domovimento clandestino neste período. Os presos pertencentes ao movimento clandestinosofreram frequentemente <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> na altura da detenção ou enquanto estiverampresos.1985 a 1988Neste período, Timor-Leste continuava fechado ao mundo exterior. As comunidades eramvigiadas de perto através de amplas redes comunitárias de serviços de informação e dapresença penetrante das forças ocupantes, que chegavam ao nível dos bairros. Vizinhosdenunciavam vizinhos. Os militares e a Polícia agiam com impunidade e tratavam como lhesapetecia as pessoas suspeitas de pertencerem ao movimento clandestino (ver Capítulo 3:História do Conflito).Num certo caso, a Comissão tomou conhecimento de que as Forças Especiais (Kopassandha)do distrito de Lautém tinham prendido menores a 23 de Maio de 1985, submetendo-os a <strong>tortura</strong> e<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Armindo Nunes (17) descreveu como ele e dois amigos, Agusto da Silva (18) eAmélio Nunes (17), todos membros do movimento clandestino, foram detidos na sua escolasecundária em Lospalos (Lautém) e levados para o quartel-general das Kopassandha, ondeforam presos, espancados, esbofeteados e pontapeados. Os três foram levados para o Kodim deLospalos, onde foram presos com um membro da Fretilin, Domingos Sávio, que tinham sidoalvejado e ferido. Depois de dois dias e duas noites no Kodim, chegaram forças do Batalhão deInfantaria Aerotransportado 700 que <strong>tortura</strong>ram os três jovens. Armindo Nunes disse àComissão:Naquela noite, eles (Batalhão de InfantariaAerotransportado 700) chegaram e espancaram-nos,dando-nos socos na cabeça e pontapés nos joelhos. Istoaconteceu todas as noites durante sete dias. Eles só nosbatiam; não diziam uma só palavra. Depois, de manhã,despejavam-nos água em cima e deixavam-nos ficarencharcados. Passados sete dias, fui chamado por ummembro das Kopassandha e ele colocou a perna de umamesa em cima dos dedos do meu pé e sentou-se namesa. Um membro da Tim Alfa entrou e disse-nos queseríamos mortos se não desistíssemos de tentar conseguira independência. Fui interrogado quatro vezes enquantoestive preso e fui espancado da mesma maneira em todasas vezes, com socos na cabeça. Eu começava a sentir acabeça pesada e não conseguia responder às perguntasdeles. 649*Segundo Vasco da Gama, António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak) e Paulo Assis Belo eram membros activosdeste organismo, que esteve operacional até 1988. [Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Vasco da Gama, Díli, 18 de Maio de 2004].- 175 -


Durante sete dias, os presos não receberam alimentação e, incapazes de suportar a fome,comeram cascas de banana que tinham sido deitadas fora. Amélio Nunes foi libertado, maschegaram novos presos ao Kodim, incluindo Victor, José, Ângelo, Martinho e Manuel Xisto.Todos eram espancados com regularidade. Em Agosto, Armindo Nunes foi transferido para oquartel-general distrital da Polícia durante um mês. A 14 de Setembro de 1985, foi levado dehelicóptero com cinco outros para a prisão de Balide (Comarca), em Díli, para ser investigado efoi mantido nu numa cela escura, onde dormia no chão, durante cerca de 15 dias. Acabou porser julgado cinco meses depois e foi condenado a um ano e dez meses de prisão. 650Outros exemplos de prisão arbitrária da parte inicial do período incluíram:Nome Distrito Detenção Razão para aDetençãoMoisés de Ainaro 25 de Janeiro Suspeita deDomingos 651 Hansip T409 e espingardas doJesus ede 1985, pelo apreenderpor T410, Koramil emembro do entregá-las àsKopassus. Falintil.PrisãoPreso noKoramil deAinaro durantedois dias.Tortura/Maus<strong>tratos</strong>Continuamenteespancado.IdelfonsoPiedadeBelo 652 Baucau 17 deSetembro de1985, peloComandantedo Batalhãode Infantaria724, T411.António deAraújoSoares 653Makadade,Díli1985, peloRukun Warga.Raimundo daCruz 654 Viqueque 1985, por umcomandanteindonésio doKopassuschamadoT414.Herculanodos Santos 655Eugénio deJesus 656Hatulia,ErmeraHera-Lebos,DíliAbril de 1986,pelo chefe desecção dedesenvolvimento do suco(Kasi PMD)T415.Por tropas doBatalhão deInfantaria 723Suspeita desaber ondeestavamarmazenadasespingardasdas Falintil.A comunidadefoi mandadaempurrar umbarco ao longoda costa. Avítima não sejuntou ao restodo grupo e, porisso, foiacusada deapoiar aFretilin.Um vizinhoperdeu umavaca e acusouo depoente dea roubar para adar às Falintil.Foi ao bancolevantardinheiro parapagar aos seusfuncionários,mas tornou-sesuspeito de dardinheiro àsFalintil.Descobriu-seque o cartão deidentificaçãoestava rasgadodurante umaverificação.- 176 -Preso no HotelFlamboyan, emBaucau, einterrogado pelocomandanteindonésio dasABRI, T412,durante doisdias e duasnoites.Levado paracasa do chefe dosuco.Preso durantetrês meses.Preso duranteum dia naesquadra dapolícia deHatulia.Preso duranteuma semana noKodim de Díli.Espancado,electrocutado,queimado compontas de cigarroe mergulhado nuvárias vezesdentro de umtanque de águapelo comandanteindonésio dasABRI T413.Nenhuma <strong>tortura</strong>relatada.Espancado,esmurrado epontapeado.Sofreu choques,foi estrangulado episado por T415 edepois pontapeadopor T416. Naestação, foialgemado emergulhado emágua durante trêshoras.Nenhuma <strong>tortura</strong>relatada.


estava rasgadodurante umaverificação.Durante este período, os presos políticos que tinham sido enviados para a Ilha de Ataúro noinício da década de 1980 começaram a regressar. 657 Embora alguns ficassem completamentelivres depois de serem libertados, outros continuavam a ser vigiados nos seus sucos, ou eramtemporariamente presos em campos de detenção ou de reinstalação, como o de Cailaco ou deBonuk (Hatu Udo, Ainaro) (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome).- 177 -


Prisões em Timor-LesteNo início da década de 1980, a Comarca de Díli, única prisão oficial de Timor-Leste, estavagravemente sobrelotada. As operações militares tinham resultado na prisão de muitas pessoas.A partir de 1983, mais prisioneiros passaram a ser julgados e condenados a longos períodos deprisão — precisando de alojamento. 658 Alguns presos políticos eram enviados para prisões naIndonésia, mas continuava a ser necessário mais espaço de prisão em Timor-Leste. De acordocom essa necessidade, foi aberta a prisão de Becora, em Díli oriental, em 1985, seguida daPrisão de Buruma, no distrito de Baucau, em 1986/1987 e das prisões de Maliana (Bobonaro) ede Gleno (Ermera). *Estas prisões eram dirigidas por funcionários civis do Departamento da Justiça e serviam paraprender tanto os prisioneiros que aguardavam julgamento, como aqueles que tinham sidocondenados e recebido sentença. Em geral, as condições das prisões estatais eram melhores doque as dos vários centros de detenção informais, postos de comando militares e de outrasinstituições policiais e militares onde as pessoas eram presas.Tortura e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>A <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> nestas instituições eram menos frequentes do que noutros centros dedetenção. Não foram recebidos quaisquer relatos de <strong>tortura</strong> dos prisioneiros de Maliana e Gleno,embora vários antigos presos da Prisão de Becora tenham afirmado que sofreram <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>graves às mãos dos guardas prisionais. † Segundos os relatos recebidos, a <strong>tortura</strong> ocorreu emBuruma. Januário Freitas Ximenes, que trabalhou como guarda na Prisão de Buruma de 1990 a1999, disse à Comissão ter visto pessoas a serem <strong>tortura</strong>das pela Polícia durante osinterrogatórios. Um homem foi <strong>tortura</strong>do “durante 40 dias numa cela, até ficar muito maltratado eimpotente devido aos espancamentos.” A Polícia obrigava os funcionários prisionais a participarno espancamento dos presos. Freitas Ximenes disse: “Fui obrigado [a esbofetear um prisioneiro]e ameaçado com uma pistola, e se não o fizesse, eles matavam-me.” 659 Mário Filipe relatou tersido constantemente <strong>tortura</strong>do por Brimob em Buruma. 660Celas escurasTodas as prisões tinham “celas escuras” (por vezes descritas como “celas especiais”) nas quaisos presos eram privados de luz e de ar fresco. Estas celas eram utilizadas para prisioneirosrecém-chegados, como meio de punição ou para fins de prisão solitária. 661 Algumas celasescuras da Prisão de Buruma tinham pia e chuveiro, bem como um colchão para os presosdormirem. As celas escuras da Prisão de Gleno tinham um lavatório e uma pia. A Comissãotomou conhecimento de que vários presos eram mantidos em celas escuras durante períodosexcessivos, o que representava um tratamento cruel e degradante. Octávio da Conceição falousobre o que sofreu em termos psicológicos por ter estado três meses preso numa cela escura naPrisão de Becora. 662 Eduardo Lopes (Lorico Lopes), detido em 1995, passou quatro anos naPrisão de Maliana sem ver a luz do dia. 663*Devido à destruição dos registos da administração indonésia em Timor-Leste, a Comissão não pôde determinar quandoforam inauguradas as prisões de Maliana e de Gleno. Contudo, os testemunhos recebidos pela Comissão quedescrevem a prisão nestas instituições indicam uma data por volta de 1990.†Por exemplo, Manuel Pereira disse à Comissão ter estado seis meses preso na Prisão de Becora em 1987 e ter sidodeixado ao sol durante longos períodos durante esse tempo. Em certa ocasião, foi também obrigado a arrastar o pneu deum carro que estava amarrado ao seu pescoço, juntamente com outros prisioneiros. [HRVD, Testemunho nº 0928. Vertambém HRVD, Testemunhos nº 00185, 3729 e 5079. Os casos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> em LP Baucau incluem oHRVD, Testemunho nº 7817].- 178 -


As condições sanitárias e de higiene nas prisões estatais encontravam-se abaixo da normadefinida pelas Convenções de Genebra para garantir o tratamento humano dos presos e nãopareciam melhorar ao longo do tempo. Mário Filipe falou sobre as condições na Prisão deBuruma em 1997: “Havia uma pia na cela, mas não havia água, por isso o cheiro a fezes e aurina era intenso e constante.” * As condições na prisão de Maliana não eram melhores. Em finaisda década de 1990, as condições de higiene nas pequenas e mal cheirosas celas eram más,sobretudo porque os prisioneiros tinham de comer, utilizar a casa de banho e dormir sem umcolchão — tudo na mesma cela. 664 Nos seus testemunhos, os antigos prisioneiros de Timor-Leste referem sistematicamente o facto de dormirem em chão de cimento — por vezes húmidoe, frequentemente, sem colchões.As condições sanitárias foram frequentemente mencionadas à Comissão, juntamente com outrosabusos dos direitos humanos. José da Costa Ximenes, preso em 1994 na Prisão de Buruma, emBaucau, foi separado das outras pessoas que foram detidas com ele. Quando protestou, odirector da prisão — um indonésio, T419 — chamou-lhe bastardo e mandou que o colocassemnuma cela escura, desnudado, durante dez dias:Só me davam papas de aveia e arroz seco para comer. A cela escura tinha uma pia no chão,perto do local onde eu dormia, por isso eu tinha de ter cuidado para não entornar água quandome lavava, ou o chão ficariam molhado. A cela era muito pequena e eu não conseguia mexerme.665Os prisioneiros condenados costumavam ser mais bem tratados do que os que se encontravamsob prisão preventiva, sendo geralmente transferidos de celas escuras para a sala comum.Deixavam de ser interrogados e podiam deslocar-se com maior liberdade pela prisão. Noentanto, os guardas prisionais costumavam tratar os presos políticos e os presos normais demaneira diferente. Felismina da Conceição disse o seguinte sobre o ambiente da Prisão deBecora em 1992:Eles tratavam os prisioneiros criminais com mais cuidado do que a nós [prisioneiros políticos].Quando os prisioneiros normais ficavam doentes, eram levados ao hospital, mas quando nósadoecíamos, éramos nas nossas celas. 666Júlio Araújo Martins, preso em Gleno, disse que os movimentos dos prisioneiros políticos dentroda prisão eram restringidos:Eu não podia [falar com] outros prisioneiros…Eles suspeitavam que eu pudesse influenciá-lospor ser prisioneiro político, por isso mantinham-me sozinho numa cela.” 667Este foi o tipo de isolamento que as seis pessoas aprisionadas viveram em Becora por teremsido condenadas por participação da manifestação de Santa Cruz em 1991, passou-se oseguinte:Aqueles de nós [a quem eles chamavam] cabeças duras eram separados. Por isso, ficámos osseis sozinhos numa cela. A porta foi fechada e não pudemos contactar nenhum dos outrospresos durante mais de dois anos. Fizemos jardinagem e jogámos pingue-pongue enquanto láestivemos. 668*Mário Filipe ficou dois meses preso na Prisão de Buruma, em Baucau, em 1997, tendo depois sido transferido para aPrisão de Kalisosok, em Surabaya, Java Oriental. Durante os três meses anteriores à Consulta Popular de 1999, ficou naPrisão de Semarang, em Java Central. [Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Mário Filipe, Baucau, 3 de Setembro de 2004].- 179 -


Por vezes, os prisioneiros podiam sair da prisão, mas essa não parece ter sido a norma aplicadaaos prisioneiros políticos. Felismina de Conceição disse que os guardas da Prisão de Becorapodiam escoltar um prisioneiro normal (criminal) até uma reunião familiar, como um funeral ouuma festa, mas não os prisioneiros políticos. 669 David da Conceição Thon, uma das pessoaspresas em Becora depois do Massacre de Santa Cruz, disse que passados dois ou três mesesde prisão, deixaram-no sair para apanhar ar fresco e ir à igreja. Ele acabou por conseguir pagara alguns guardas para o deixarem ir passar a noite a casa e regressar à prisão na manhãseguinte. 6701989/1998Mesmo depois de Timor-Leste ser “normalizado” e aberto ao mundo exterior, os membros domovimento clandestino continuaram a ser presos.Por vezes, um membro do movimento clandestino capturado fornecia informações aos militares,ou à Polícia, que conduziam a várias detenções. Por exemplo, depois da captura de líderes doCNRM, nomeadamente Amadeu Dias dos Santos e Agustinho dos Santos, * em Liquiça, emNovembro de 1990, foi exposta uma grande parte da rede clandestina. 671 Foram feitas detençõesem sucos como Loidahar, Luculai e Darulete (todos em Liquiça, Liquila). 672 Em Loidahar, o chefedo suco, T420, por vezes acompanhado por um babinsa, T421 † , deteve várias pessoas,entregando-as posteriormente à SGI ou ao Koramil de Liquiça, onde eram interrogadas e<strong>tortura</strong>das. 673 A maioria das pessoas ficavam presas entre 10 dias e duas semanas. Um homem,António Hatoli, tinha distribuído bandeiras da Fretilin e outro, António Alves, foi encontrado comuma bandeira em sua posse. 674O testemunho que se segue descreve uma detenção em Novembro de 1990 em Liquiça e éilustrativo do costume de um ramo do dispositivo de segurança entregar um prisioneiro a outropara este proceder ao interrogatório:Às dez horas da manhã de 10 de Novembro de 1990, umsoldado timorense do Kodim de Liquiça, T422, e [membrosd] o SGI detiveram-me na residência do padre da paróquiade Liquiça e levaram-me para o Kodim de Liquiça para serinterrogado. Durante o interrogatório, pontapearam-me atéeu cair no chão e depois pisaram-me e bateram-me nascostas com uma pedra até eu ficar estendido de costas eperder a consciência. Depois, o chefe da secção deserviços de informação do Kodim de Liquiça, um indonésiochamado T423, esmagou os dedos do meu pé debaixo daperna de uma mesa enquanto outro soldado se sentavaem cima [da mesa]. Enquanto o interrogatório decorria,bateram-me com uma pedra até, pela segunda, eu perdera consciência.*O chefe do suco de Darulete (Liquiça, Liquiça), que foi posteriormente despedido.†Ver Testemunho nº 2989 da HRVD. Outros chefes de suco do distrito de Liquiça que participaram na detenção depessoas, ou lhes fizeram ameaças, no final da década de 1990 foram: T426 (suco de Leorema) [HRVD, Testemunho nº2177] e T427 (vila de Bazartete) [HRVD, Testemunho nº 0956].- 180 -


Quando acordei, tinha sido algemado por um agente dapolícia e levado para o quartel-general da Polícia dosubdistrito de Liquiça. Eles trataram as minhas feridas comuma compressa, betadine e ervas. Depois, despiram-me epuseram-me numa cela. Às cinco horas da tarde, oGadapaksi675 e o SGI de Díli chegaram para me levarpara o quartel-general do SGI em Colmera, Díli. Lá, fuiesmurrado na cara por um [membro timorense da] SGI,T424, até cair no chão. Levantei-me devagar e o SGIinterrogou-me. Eles espancaram-me, pontapearam-me eesbofetearam-me até o meu corpo ficar inchado.Depois, transferiram-me para o Kolakops Farol [Gabinetede Investigação do SGI], onde fui despido, peça a peça,por um [membro indonésio da] SGI, T425, que meamarrou a uma cadeira e me electrocutou, nas pontas dosdedos dos pés e nas orelhas. 676- 181 -


Prisão de um líder do movimento clandestinoA rede clandestina de Ossu (Ossu, Viqueque) era particularmente forte em finais da década de1980 e na década de 1990. A rede era liderada por José da Silva Amaral (Asuloko) que,juntamente com os seus companheiros, fornecia alimentação, roupas, medicamentos einformações sobre as actividades militares à Resistência. José Amaral descreveu como a redealargou gradualmente a sua área de operações, desde a cidade de Ossu até abranger todo osubdistrito, acabando por contar com a participação de todos os membros da comunidade,incluindo mulheres e crianças, nas actividades clandestinas.José da Silva Amaral disse à Comissão ter sido detido por um membro indonésio do Kopassus,T428, a 17 de Julho de 1991. T428 levou José Amaral para a casa de um membro daassembleia local, T429, que era na altura utilizada para prender e <strong>tortura</strong>r pessoas, e interrogouo.Quando José Amaral se recusou a responder às perguntas, foi mandado despir-se. T428 e o seucolega timorense, T430, puseram-no num tanque cheio de água e cubos de gelo e deixaram-nolá durante três horas. Depois, T430 agarrou numa pá e despejou água gelada sobre a cabeça deJosé Amaral. José Amaral já não suportava o frio. Gritou que deviam matá-lo e disse a T428 quediria a verdade se fosse retirado do tanque. T428 continuou o interrogatório e José Amaralforneceu os nomes de companheiros que sabia já terem sido detidos, como Mário Miranda eFernando Nahabia. T428 não ficou satisfeito com esta informação, sacou de uma arma e bateunas mãos de José Amaral até sangrarem. José Amaral limpou o sangue nas calças, com aintenção de o mostrar mais tarde ao CICV, mas T428 viu o sangue e mandou alguém lavar ascalças. Depois disto, os pêlos do bigode de José Amaral foram arrancados e ele foi espancado epontapeado até perder a consciência. José Amaral ficou um mês preso na casa de T429 edepois passou dois meses preso no Kotis.Depois de ser libertado, José Amaral voltou a ser detido, em sua casa, por membros do Koramilde Viqueque Koramil. T428 reapareceu e levou-o para o acampamento da base em Manatuto.Enquanto esteve amarrado, José Amaral foi colocado numa caixa que foi transportada dehelicóptero para Manehat (Barique, Natarbora, Viqueque). Passados dois meses, José Amaralfoi novamente transferido para o Rumah Merah, em Baucau, onde ficou preso com AlbertoEspírito Santo, José Manuel, Filomeno e o enfermeiro Victor Viegas. T431 interrogou-o. JoséAmaral foi despido e T428 espancou-o com uma vara de ferro com um metro de comprimento. Ointerrogatório durou desde as nove horas da manhã às três horas da manhã. José Amaral ficouum ano preso no Rumah Merah, em Baucau, e foi posteriormente libertado, sem nunca tercomparecido a julgamento. 677Por vezes, sucos inteiros eram suspeitos de pertencerem a uma rede clandestina e detidos pelosmilitares:- 182 -


• Segundo as informações recebidas, 40 pessoas foram detidas nos sucos de Soro e deSuro-Kraik (Ainaro, Ainaro) em Outubro de 1990, depois de serem encontradosdocumentos clandestinos que os implicavam em actividades clandestinas. A maioria dospresos foram libertados depois de serem interrogados, mas alguns ficaram váriassemanas presos. 678• Em Novembro de 1992, nos sucos de Tutoloro e de Babulu (Same, Manufahi), pelomenos 40 membros do movimento clandestino foram detidos pela Polícia. 679 T432, sobordens do agente de polícia do suco (Bimpolda) T433, chamou-os ao centro de reuniõesdo suco, onde todos foram interrogados sobre o envio de mercadorias para a floresta. APolícia entregou o grupo ao chefe indonésio dos serviços de informação do Kodim deManufahi, T434, que o levou para o acampamento da base, em Same. Noacampamento, os presos foram obrigados a sentar-se encostados à parede e foramespancados e pontapeados. Depois do espancamento, foram mandados cortar relva atéà noite, altura em que todos, menos seis, foram libertados. Os seis eram Raul da Costa,Anteiro, Paul da Costa, Marito da Costa, Benigno e Hilário e mantiveram o estatuto de“presos externos” durante 18 meses. 680•A 15 de Janeiro de 1995, o Kodim de Liquiça 1638 iniciou uma operação no suco deGariana (Vatuvuo, Maubara, Liquiça) por os seus habitantes serem suspeitos deesconder membros das Falintil. 681 Os militares detiveram residentes de Gariana,incluindo o chefe do suco, José Nunes, Abel Nunes, Victor, Agusto Pinto, JoanicoSampanho, Fernando Pinto Nunes e Filomeno. 682 Os seis homens acabaram por sermortos a tiro (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Antesde morrerem, foram levados para o posto do Karbaudabas e interrogados durante anoite. Quatro dos homens foram <strong>tortura</strong>dos, sendo pendurados pelo pescoço até ficareminconscientes por um funcionário timorense, T435, e por um soldado raso do TNI, T436. *Uma outra vítima, Mário da Silva, não foi morta, mas foi interrogada pelo primeirotenenteT437. † Durante o interrogatório, outro soldado timorense, T438, cortou o dedo dopé de Mário da Silva com a perna de uma mesa, pisou-o com botas militares eespancou-o com uma espingarda. 683 Segundo a comunidade de Uatuboru (Maubara,Liquiça), depois do incidente em Gariana, as ABRI e os seus auxiliares começaram asuspeitar que jovens da zona do distrito de Liquiça trabalhassem com as Falintil. 684*Acabaram por ser mortos pelos mesmos perpetradores. [Testemunho nº 3004 da HRVD].†T436 e T437 foram condenados por um tribunal militar por desobedecerem às ordens de um superior, mandarem outrapessoa cometer um homicídio e redigirem um relatório falso aos seus superiores [Amnesty International Indonesia andEast Timor: Twenty years of violations. Testemunho perante o Comité Especial de Descolonização da ONU, 11 de Julhode 1995, Índice da Amnistia Internacional: ASA 21/33/95].- 183 -


• Em Uatu-Lari (Viqueque) em 1998, o comandante indonésio do Koramil de Uatu-Lari,T439, e os seus homens detiveram 100 residentes por pertencerem ao grupo próindependência55 (leia-se Cinco Cinco). Depois de serem detidos, foram amarrados,pontapeados, golpeados com uma espingarda e levados para o Koramil de Uatu-Lari.Depois, foram levados para o Kodim de Viqueque, onde ficaram presos durante trêsmeses. Foram interrogados enquanto estavam amarrados com cabos e foram tambémobrigados a ficar em sentido perante a bandeira indonésia todos os dias. Depois deserem libertados, tiveram de se apresentar duas vezes por semana. 685 As detenções nãose limitaram às áreas rurais e também foram detidos membros do movimentoclandestino em Díli. Num dos casos de que a Comissão tomou conhecimento, trêsjovens — Alexandre dos Santos, o seu irmão * João Xavier e Mariano da Costa — foramdetidos em Outubro de 1990 porque as autoridades acreditavam que eles planeavamqueimar a casa de Jaime Oliveira, um administrador do subdistrito. Os jovens foramseguidos desde o subúrbio de Fatuhada até Hudi Laran, Díli, por membros da Polícia,das forças militares e dos serviços de informação que dispararam contra eles. Quandoforam apanhados, foram espancados com correntes de motocicletas e com canos demetal. Foram então levados para esquadras de polícia locais e interrogados eposteriormente levados para uma clínica para lhes tratarem das feridas. Passados trêsdias no quartel-general da Polícia subdistrital, foram levados para a prisão de Becora,onde ficaram 17 dias. 686* Na sociedade timorense, alguém descrito como "irmão" pode ser um primo, um sobrinho, um membro da famíliaalargada, ou um bom amigo ou colega.- 184 -


Detenções clandestinas em DíliChiquito da Costa Guterres começou a trabalhar como estafeta em 1994, transportando para aResistência documentos importantes de Díli para Manatuto. Foi detido a 21 de Fevereiro de 1996pelos serviços de informação da Polícia na loja Juwita de fotografia em Colmera, onde seencontrava a revelar fotografias para as Falintil. Foi colocado num táxi e levado para a esquadrada Polícia de trânsito, onde foi interrogado durante algumas horas sobre quem eram os seuslíderes e quem o tinha mandado revelar as fotografias. Chiquito da Costa Guterres foi espancadoe submetido a choques eléctricos pela Polícia. Depois, foi transferido para a esquadra da políciasubdistrital no Mercado Velho, onde foi interrogado. Dessa vez, taparam-lhe os olhos com umpano e despiram-no. Ele foi espancado por agentes dos serviços de informação da Polícia eobrigado a assinar uma carta com respostas falsas ao que lhe fora perguntado durante ointerrogatório. Passados dois dias, foi transferido para a esquadra da Polícia distrital, onde foiinterrogado por membros do SGI e por agentes dos serviços de informação da Polícia. Os seusdedos foram esmagados debaixo de uma cadeira em cima da qual alguém se sentou. Ele perdeua consciência e foi posteriormente colocado numa “cela escura”.De noite, os serviços de informação da Polícia tiraram-no da cela e levaram-no para Tacitolu, naperiferia de Díli:Eles (serviços de informação da Polícia) obrigaram-me a ficar de pé na água enquanto as ondasmolhavam as minhas pernas e eles disparam as suas armas. Eu não sabia para onde elesestavam a apontar. Depois, arrastaram-me para uma árvore cheia de espinhos e eu pisei essesespinhos. Amarram-me à árvore e dispararam as armas. Foi uma ameaça psicológica para meobrigar a dizer a verdade.Passado um mês no quartel-general da Polícia regional, Chiquito Guterres foi novamentetransferido para o SGI de Colmera, onde ficou uma semana preso. Não foi magoado fisicamente,mas foi ameaçado com <strong>tortura</strong>. Quando lhe perguntaram por que razão era constantementetransferido para diferentes locais de detenção, Chiquito Guterres respondeu:Eles transferiram-me da Polícia de trânsito para o quartel-general da Polícia subdistrital porquenão era um local de detenção e não havia garantias de que os presos não fugissem. Depois,transferiram-me do quartel-general da Polícia subdistrital para o quartel-general da Políciaregional porque o quartel-general da subdistrital não podia alojar presos a longo prazo e porque,também ali, não havia garantias de que os presos não fugissem. Depois entregaram-me à SGIde Colmera porque, em primeiro lugar, não tinham provas concretas para me levar a tribunal e,em segundo lugar, porque pensavam que o SGI de Colmera seria mais dura. Eles <strong>tortura</strong>m-mepara obter provas concretas. Em terceiro lugar, eles podiam prolongar a <strong>tortura</strong> para que eurevelasse as identidades dos meus companheiros do movimento clandestino e dos meuscompanheiros da Resistência que se encontravam nas montanhas. De facto, o SGI não metorturou fisicamente. Em vez disso, fui <strong>tortura</strong>do psicologicamente. 687A detenção de membros do movimento clandestino na IndonésiaNa década de 1980, muitos timorenses começaram a viver, a trabalhar e a estudar na Indonésia.No final da década de 1980, havia grupos clandestino activos estabelecidos em cidadesindonésias. As pessoas que participavam em actividades clandestinas na Indonésia corriam orisco de serem detidas e presas pelas autoridades indonésias. A Comissão recebeu relatossobre detenção e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> de timorenses suspeitos de actividades clandestinas nas cidadesde Bandung, 688 Semarang, Solo e Surabaya, Jacarta,689 Malang e Yogyakarta 690 em Java, eDenpasar, em Bali. 691- 185 -


Num outro caso, José Neves foi detido no Posto Central dos Correios de Malang a 18 de Maiode 1994, enquanto tentava enviar documentos com pormenores sobre abusos dos direitoshumanos em Timor-Leste para o estrangeiro, para um grupo de solidariedade da Alemanha. Osfuncionários da alfândega abriram os documentos e, ao verem o nome de Xanana Gusmão,perceberam que estavam relacionados com a Resistência em Timor-Leste. Trinta minutosdepois, chegaram duas pessoas da Procuradoria e agentes dos serviços de informação àpaisana que detiveram José Neves e o levaram para a esquadra da polícia em Malang, onde elefoi interrogado:Enquanto estive preso, fui interrogado por agentes dosserviços de informação e detectives todas as tardes etambém de noite. Os agentes dos serviços de informaçãoestavam interessados nas redes clandestinas, nas suasactividades e nas pessoas que nelas participavam. Osdetectives queriam [informações que os pudessem ajudar]a preparar acusações para os julgamentos. Durante ointerrogatório, fui insultado e ameaçado de meespancarem ou alvejarem, mas isso nunca aconteceu.Eles disseram coisas como “estudantes estúpidos”,“agitadores” e “perturbadores da ordem pública”. Tambéminsultaram os timorenses, dizendo que eles eramestúpidos, ingratos e primitivos. 692Passados cinco meses de prisão, José Neves foi julgado e condenado a quatro anos de prisão.Cumpriu dois anos e meio na Prisão de Lowokwaru, em Malang, entre Fevereiro de 1995 eSetembro de 1997.ManifestaçõesAs manifestações de rua eram um contexto para prisões, <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e <strong>tortura</strong> que foi exclusivodo período de normalização. Esses actos públicos de resistência eram liderados pelas redesclandestinas sediadas na cidade, que surgiram em finais da década de 1980. Estes actostornaram-se uma estratégia importante da Resistência. Contudo, essa estratégia deu a conheceralguns membros da Resistência às autoridades e fez com que muitas centenas de pessoasfossem detidas ao longo dos anos (ver Capítulo 3: História do Conflito; Capítulo 5: Resistência:Estrutura e Estratégia).O fenómeno das manifestações de rua começou depois de o Presidente Suharto abrir oito dostreze distritos de Timor-Leste a visitantes e delegações indonésios e estrangeiros, em 1989. Asmanifestações foram uma maneira de transmitir a mensagem da resistência ao mundo exterior.A primeira grande manifestação ocorreu durante a visita do Papa João Paulo II, em Outubro de1989, depois da Missa em Tacitolu. As manifestações organizadas foram acontecimentoscomuns ao longo dos dois anos seguintes, até à repressão militar no cemitério de Santa Cruz em1991, que resultou na captura e prisão de muitas figuras de destaque da Resistência.Consequentemente, os relatos de prisão arbitrária e de <strong>tortura</strong> relacionados com asmanifestações diminuíram em 1993, embora tenham continuado a ocorrer, à medida quesurgiam novas gerações de activistas estudantis — sobretudo da Universidade de Timor (Untim).Os números referentes a prisão e a <strong>tortura</strong> relacionados com as grandes manifestaçõescoincidentes com a queda do Presidente Suharto em 1998 são baixos (ver Capítulo 3: Históriado Conflito).As vítimas de prisão e <strong>tortura</strong> relacionadas com as manifestações eram predominantementejovens dos centros populacionais de Díli e de Baucau. Muitos eram estudantes do ensinosecundário ou da universidade.- 186 -


O debate que se segue examina a natureza e a dimensão da detenção arbitrária de possíveismanifestantes antes de uma manifestação, e a detenção arbitrária e prisão durante e depois deuma manifestação e os padrões de interrogatório e de <strong>tortura</strong>.Detenções antes de uma manifestaçãoAs autoridades indonésias despendiam tempo, esforços e fundos para suprimir as manifestaçõese outras formas de expressão pública de opiniões políticas. Muitos casos de detenção e prisãoarbitrária relacionados com manifestações organizadas ocorreram antes do acontecimento.Como as manifestações costumavam ser planeadas de modo a coincidir com visitasinternacionais, ou para assinalar dias específicos, podiam ser previstas. As pessoas eramdetidas com base em informações específicas, ou devido ao conhecimento geral que se tinhadas redes clandestinas. A Polícia e os militares invadiam regularmente determinadas escolasconhecidas pelas suas actividades de resistência, em busca de literatura pró-independência oupara deter membros do movimento clandestino. *A Visita do Papa João Paulo IIPelo menos três meses antes da visita do Papa João Paulo II, a 12 de Outubro de 1989, foiiniciada uma intensa operação militar no território em todo o território com o objectivo de deterpotenciais desordeiros e de impedir os guerrilheiros de entrar nos sucos e nas cidades. † Milharesde soldados guardaram Díli, bem como as cidades de Aileu e de Ermera. 693 Gregório Saldanha,membro do movimento clandestino, foi um dos detidos durante esta operação. ‡ Seguem-sealgumas palavras suas sobre o sucedido:Os militares indonésios pensaram que a manifestaçãoplaneada para a visita do Papa não ocorreria se nosdetivessem. Eles detiveram-nos para prever quaisquerincidentes. A outra razão por que nos detiveram foi teremdescoberto a rede que tínhamos formado. Mas elesestavam enganados. Outras pessoas organizaram umamanifestação durante a visita do Papa a 12 de Outubro de1989, porque já estavam bem organizadas. 694No total, foram presas 34 pessoas, primeiro no quartel-general do Batalhão de Infantaria 744 edepois no quartel-general do SGI de Colmera. Todas passaram entre cinco e seis meses presas,sem receberem visitas de familiares ou de organizações de vigilância internacionais (ver Capítulo3: História do Conflito).*As escolas que foram alvo das autoridades incluíram: a Escola Secundária Católica de S. Paulo VI (SMP Paulus) e oExternato, ambas em Díli; a Escola Secundária de São José em Balide, Díli e a Escola Secundária de Fatumeta IV (SMP4) e a Escola Secundária Técnica (STM) de Fatumaca (também conhecida como escola de João Bosco) ambas emBaucau. Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 31 de Outubro de 2002.†Documento “ 35 Tahun Darma Bakti Kostrad, Perpus Lemhanas,seluruh sector, khususnya Kodim 1627/Díli,mengadakan Pam dalam rangka kunjungan Paus Johannes Paulus II ke Díli.” ["…todos os sectores, sobretudo oComando Militar Distrital 1627/Díli, tomaram medidas suplementares de segurança para preparar a visita do Papa JoãoPaulo II a Díli."], Documento “35 Tahun Dharma Bakti Kostrad, Perpustakaan Lemhanas, [sem data] ["35 Years ofKostrad Services, Library of Lemhanas" [sem data]: p. 97.]‡Segundo informações da Amnistia Internacional. Filomeno Paixão de Jesus e Hermenegildo de Conceição foram presosem Junho de 1990 e levados para um arsenal militar em Díli, o Municipal Gudang [Amnistia Internacional, Testemunhoda Amnistia Internacional ao Comité Especial de Descolonização da ONU, Índice AI: ASA 29/09/90, Agosto de 1990. p.2].- 187 -


Delegação parlamentar portuguesaEm 1991, houve um aumento da actividade política relacionado com a visita de uma delegaçãoparlamentar portuguesa, agendada para 4 de Novembro de 1991. * A Resistência viu essa visitacomo uma oportunidade para transmitir a sua mensagem para o mundo exterior e, a Abril de1991, organizou uma reunião com todos os grupos de juventude para fazer planos para aocasião. No final da reunião, declarou-se a criação do CRNJT (Conselho Nacional daResistência da Juventude de Timor) e José Manuel da Silva Fernandes foi eleito presidente. Oobjectivo principal do CRNJT era planear uma recepção para a delegação parlamentarportuguesa. 695 Foram feitos estandartes e vários grupos de juventude planearam manifestaçõespacíficas para todo o território de Timor-Leste, desde Díli a Baucau e Oecusse. 696Depois do que sucedera durante a missa celebrada pelo Papa em Tacitolu, os militaresindonésios estavam determinados a impedir mais acções e manifestações da Resistência. OComando Militar Regional de Bali (Kodam) e o Comando de Implementação de Operações(Komando Pelaksana Operasi, Kolakops) prepararam um documento de 150 páginas traçandoum plano de operações pormenorizado que deveria ser iniciado três meses antes da visita. 697Devido a esse plano, o número de tropas aumentou consideravelmente † e os gruposparamilitares foram mandados organizar manifestações a favor da integração. ‡ Os militaresvisitaram sucos por todo o território de Timor-Leste para avisar as comunidades de que aspessoas envolvidas em actividades clandestinas relacionadas com a visita da delegaçãoparlamentar seriam mortas. § Os militares também detiveram todas as pessoas suspeitas depoderem vir a participar numa acção ou manifestação.Em Díli, muitos dos “suspeitos do costume” foram marcados como alvos para prisão. AlfonsoMaria, que fora detido anteriormente em 1987, 1988, 1989 e 1990, disse ter voltado a ser detidoem 1991 porque os militares de Jacarta receberam informações segundo as quais ele estava afazer planos para a visita parlamentar. Alfonso Maria foi levado para Nusra Bhakti, em Díli, masdisse que muitos outros dos que foram detidos nesta altura foram levados para fora de Díli epresos em Baucau e em Viqueque — numa tentativa de os separar da rede clandestina. 698Também foram feitas detenções fora de Díli. Jorge Flores dos Santos disse à Comissão que, a14 de Novembro de 1990, ele e dois companheiros seus, Calistro e Amadeo, foram chamadosao Kodim de Liquiça pelo chefe dos serviços de informação da secção (Kasi 1), T423, e pelomembro timorense do Kodim T422, porque tinham sido recebidas informações segundo as quaisos três jovens estavam a preparar algo para a delegação portuguesa. Foram imediatamentelevados para o Koramil de Liquiça, onde o sargento indonésio do Kolakops T442, dois membrosdas ABRI e agentes da polícia se revezaram para os pontapear, esmurrar e espancar e, depois,os interrogaram. Nesse mesmo dia, os três foram entregues ao Kopassus e levados para Dílipara serem presos em Nusra Bhakti. Não houve interrogatórios nem se verificaram <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>nesse local. 699 No dia seguinte, 15 de Novembro, Jorge Flores dos Santos foi transferido para aPrisão de Balide, onde ficou cinco dias preso sem roupa numa cela escura cheia de fezes. Foilhedada alimentação “adequada para animais”. Ele foi novamente levado para o Nusra Bhakti,onde permaneceu mais três semanas e o mandaram traduzir documentos que tinham sidoobtidos por membros do SGI. 700*Inicialmente agendada para uma data anterior, mas reagendada várias vezes.†Foram empregues três unidades adicionais da Força de Intervenção (1629 soldados), [ East Timor’s UnfinishedStruggle: Inside the Timorese Struggle, Constâncio Pinto e Matthew Jardine, 1997, South End Press, Boston, MA, p.176].‡A Equipa dos Voluntários, por exemplo, foi criada pelas Forças Especiais em Ainaro, em 1991, com o objectivo de semanifestar a favor da integração.§Pinto também refere que foram escavadas sepulturas em massa em Tacitolu para intimidar as pessoas. East Timor’sUnfinished Struggle: Inside the Timorese Struggle, [Constâncio Pinto e Matthew Jardine, 1997, South End Press, Boston,MA, p.178].- 188 -


Como os activistas conhecidos eram cada vez mais marcados como alvos para detenção, umgrupo composto por mais de vinte activistas da Resistência escondeu-se na Igreja de Motael, emDíli. Às onze horas da noite de 28 de Outubro de 1991, os militares e membros da Polícia e doSGI cercaram a igreja e tomaram-na de assalto. Os activistas ripostaram. Um membro daResistência, Sebastião Gomes Rangel, foi morto a tiro e um informador militar timorensechamado Afonso, também foi morto. Boby Xavier Luís Pereira disse à Comissão que ele eoutros, incluindo João Domingos Freitas Leite, Alexio da Silva Gama (Alexio Cobra), BonifácioBarreto e Jacob, foram detidos na manhã seguinte e levados para a esquadra da polícia dodistrito de Díli, enquanto eram espancados, esmurrados e pontapeados. Boby Xavier LuísPereira afirmou à Comissão:Ficamos presos na esquadra da polícia. Todos os diaséramos <strong>tortura</strong>dos de várias maneiras e interrogados. Asformas de <strong>tortura</strong> incluíam espancarem-nos com as mãose com bastões, darem-nos pontapés até estarmoscobertos de nódoas negras e cairmos no chão e depoismolharem-nos com água suja. O processo diário deinterrogatório e <strong>tortura</strong> durou cerca de uma semana. Aspessoas que nos <strong>tortura</strong>ram, as que eu conhecia, eram osagentes da polícia timorenses T443, actualmente naIndonésia, T444 de Lospalos, que também está naIndonésia, e T445, actualmente agente da polícia da novaPNTL [Polícia Nacional de Timor-Leste]. 701David da Conceição Thon também foi detido em Motael a 29 de Outubro, mas foi directamenteenviado para a Prisão de Becora. 702 Segundo a Amnistia Internacional, vinte pessoas foramdetidas na Igreja de Motael, acusadas de provocarem distúrbios sociais e efectuarem actividadespró-independência. 703 José Manuel da Silva Fernandes disse à Comissão que o padre daparóquia de Motael e o Vigário-Geral da Diocese de Díli, o padre Alberto Ricardo, também foramlevados para serem interrogados. * Boby Xavier acabou por ser julgado e condenado a três anosde prisão em Kupang. 704 Alexio Cobra foi inicialmente preso para prestar testemunho, mas poucodepois foi acusado e julgado pela sua participação, tendo também sido condenado a três anosde prisão em Kupang. 705 A visita portuguesa acabou por ser cancelada e não houve qualquermanifestação.A transferência de pessoas suspeitas de pertencerem ao movimento clandestino para fora de Dílipara as impedir de participarem numa manifestação era uma forma de detenção preventiva.Segue-se o relato de uma dessas pessoas, Aníbal Ximenes:*Segundo informações recebidas da Amnistia Internacional, o padre Ricardo “foi submetido a interrogatórios repetidos eintensivos pelas forças de segurança desde o incidente de 12 de Novembro. Os interrogatórios parecem ter cessadodurante um curto período durante a época natalícia, mas segundo as informações recebidas, já foram retomados.Alegadamente, a 2 de Janeiro de 1992, o padre Ricardo foi submetido a interrogatórios contínuos, desde as nove horasda manhã até às cinco e meia da tarde, tendo sido ameaçado e insultado durante esse tempo. Segundo a opinião dealguns colegas, o padre Ricardo corre o sério risco de sofrer um esgotamento nervoso devido a esses interrogatórios.”Acção Urgente da Amnistia Internacional 04/92, ASA 21/01/92, 3 de Janeiro de 1992. [Ver também Entrevista da <strong>CAVR</strong> aJosé Manuel da Silva Fernandes, Díli, 20 de Dezembro de 2004].- 189 -


A 27 de Setembro de 1994, por volta das oito horas damanhã, fui ao Korem 164 Wira Dharma de Díli porquerecebi uma carta do babinsa Hary a chamar-me para láir…Quando cheguei, juntei-me a 50 outras pessoas que játinham sido presas. Fomos divididos em grupos e levadospara os distritos para sermos impedidos de organizar umamanifestação durante a visita de um congressistaamericano a Timor Lorosae. Levaram-me para o Kodim deBaucau, onde fiquei dois dias e depois [passei] duassemanas em Quelicai. Depois levaram-me novamentepara o Kodim de Díli, onde permanecei durante um dia,até ser libertado. 706Detenções durante ou depois de um eventoApesar de serem efectuadas detenções preventivas de forma intensiva antes das visitas dedelegações internacionais, o movimento clandestino conseguia com frequência fazer as suasmanifestações. As autoridades indonésias reagiam a estes actos efectuando detenções emmassa dos manifestantes e exercendo uma brutalidade exagerada para a ameaça que osmanifestantes representavam. Fotografias e filmes de vídeo captados por agentes dos serviçosde informação vestidos à paisana eram utilizados para capturar os manifestantes queconseguissem fugir à detenção durante a manifestação.A Missa do Papa João Paulo II em TacitoluCerca de 100.000 pessoas compareceram à missa realizada pelo Papa João Paulo II emTacitolu (Díli), a 12 de Outubro de 1989 (ver Capítulo 3: História do Conflito). Quando a Missaterminou, um grupo de jovens apoiantes pró-independência tiraram estandartes que tinhamescondido debaixo da roupa e começaram a gritar palavras de ordem. Os manifestantes eramsobretudo estudantes do ensino secundário do Externato, da STM de Fatumaca, de Baucau eescuteiros católicos da Igreja de Balide. Seguiu-se o caos. Agentes de segurança indonésiosatiraram cadeiras, o Papa foi retirado do palco e a Polícia e os militares indonésios capturaram edetiveram os manifestantes. * Segundo o bispo D. Carlos Ximenes Belo, citado pela Asia Watch,40 pessoas foram detidas em Tacitolu. † A Comissão recebeu um testemunho de CelestinoPorfira da Silva sobre a manifestação, no qual ele refere que muitas pessoas foram detidas,nomeadamente Donaciano Gomes e José Manuel da Silva Fernandes, e que ambos foramlevados para o quartel-general do SGI em Colmera, onde ficaram vários dias presos. 707 osmilitares mandaram os estudantes da STM de Fatumaca — que reconheceram devido aosuniformes — entrarem em camiões para serem levados de volta a Baucau. Em vez disso,levaram-nos para a base do Batalhão de Infantaria 745, em Comoro.Recorrendo a fotografias tiradas na missa, os militares detiveram outros manifestantes quetinham conseguido fugir da manifestação. A Comissão tomou conhecimento de que váriaspessoas foram detidas em pontos de verificação enquanto tentavam regressar os seus sucos,fora de Díli. 708 Outras pessoas foram apanhadas nos dias e semanas subsequentes. Porexemplo Boby Xavier Luís Pereira, do Externato, disse à Comissão ter sido capturado pormilitares do Comando de Operações de Segurança de Timor-Leste (Komando OperasiKeamanan, Koopskam) e levado para a Prisão de Becora. Boby Xavier foi libertado passado ummês, graças a uma intervenção do CICV. 709 José Manuel, um dos organizadores damanifestação, escondeu-se durante três dias e depois procurou refúgio na residência do bispo,juntamente com cerca de 26 outras pessoas, nomeadamente Donaciano Gomes, Francisco*A Comissão obteve filmagens da missa, da manifestação que se seguiu e das suas violentas consequências, quemostram agentes de segurança indonésios a atirar cadeiras aos manifestantes e fazê-los dispersar recorrendo aviolência. [Filmagens da ABC Television, Austrália. Arquivo da <strong>CAVR</strong>].†Segundo o bispo D. Ximenes Belo, foram detidas 40 pessoas [ver Asia Watch, p.76].- 190 -


Sousa, António Mesquita (Maukoer) e Guilherme. Ele contou à Comissão como, passados dezdias, os manifestantes foram visitados por um grupo de funcionários dos serviços de informaçãoe militares, incluindo o coronel Bimo, chefe dos serviços de informação, o brigadeiro-generalMulyadi, o Comandante do Kolakops e o coronel Nainggolan — um oficial do Kopassus deJacarta. Eles tentaram convencê-los a renderem-se, fazendo-se acompanhar pelo governadorMário Carrascalão, que actuou como negociador, e por dois prisioneiros, Victor da Costa(membro do Comité Central da Fretilin), e Baimetak (um guerrilheiro), para mostrar aosmanifestantes que os prisioneiros não eram maltratados e que a rendição era a melhor opção. 710Representantes militares prometeram ao bispo D. Ximenes Belo que os manifestantes nãoseriam <strong>tortura</strong>dos, mas eles recusaram-se a render-se. Passada uma semana, a 5 de Novembro,os membros das forças militares regressaram, detiveram o grupo e levaram-no para o Korem. 711Visita do Embaixador dos EUA, John MonjoA 17 de Janeiro de 1990, 100 manifestantes 712 reuniram-se em frente ao Hotel Turismo epediram ao embaixador dos EUA na Indonésia, John Monjo, para vir ao exterior e ouvir umapetição que lhe queriam apresentar. O embaixador saiu e falou com os manifestantes através deum megafone, durante cerca de uma hora. Durante a interacção, militares indonésios vestidos àpaisana filmaram, fotografaram e registaram os nomes das pessoas presentes. * Assim que oembaixador saiu do hotel, a Polícia antimotim começou a espancar e a deter os manifestantes deforma arbitrária. 713 A maioria das pessoas foram levadas para o Kodim de Díli e interrogadas 714(ver Capítulo 3: História do Conflito).Escola SMPN IV, DíliNem todas as manifestações eram planeadas. Algumas ocorriam de forma espontânea, comoreacção a iniciativas interpretadas como provocações do Estado e também eram reprimidaspelas autoridades. Por exemplo, na escola SMPN IV (Díli) a 17 de Março de 1990, umrepresentante da Procuradoria-Geral, Bambang Udiyono, que visitava a escola disse numdiscurso: "Se nem sequer conseguem fabricar um fósforo, então Timor-Leste não pode serindependente.” † Os estudantes reagiram com fúria ao discurso e começaram a manifestar-se. ABrimob chegou e envolveu-se numa escaramuça com os estudantes, detendo alguns. Um dosestudantes detidos, Francisco da Costa, disse ter sido preso inicialmente no quartel-general daPolícia do subdistrito de Díli, onde foi violentamente espancado, e depois no SGI de Colmera,onde foi acusado de pertencer à Resistência, desnudado e espancado até perder aconsciência. 715A manifestação de Santa CruzA manifestação de Santa Cruz foi a mais conhecida das manifestações públicas ocorridas emTimor-Leste. Os vídeos do massacre no Cemitério de Santa a 12 de Novembro de 1991alteraram profundamente o destino do território, pois atraíram a atenção internacional para asituação. Além dos que foram mortos na manifestação (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas eDesaparecimento Forçados), muitos foram detidos e presos. Testemunhos prestados àComissão sobre o incidente classificam como brutais os métodos de detenção arbitrária, osquais incluíram espancamentos violentos perpetrados pela Polícia e pelos militares. A maioria*Um membro do Kodim vestido com uniforme militar foi visto a filmar às claras, mas as únicas pessoas vistas a fotografareram agentes dos serviços de informação vestidos à paisana. [Declaração Estatutária de Andrew John MacMillanperante o Comissariado de Oaths, Darwin, Austrália, 23 de Janeiro de 1990. Ver também Entrevista da <strong>CAVR</strong> a SimplícioCelestino de Deus, Díli, 8 de Outubro de 2004.†Esta frase é semelhante a uma frase alegadamente utilizada por membros do partido político UDT em 1974/1975, alturaem que afirmaram que Timor-Leste não era suficientemente desenvolvido para ser imediatamente independente. Muitosdepoimentos prestados à Comissão faziam referência a esta frase. Ver, por exemplo, os depoimentos de ManuelAgustinus Freitas, Manuel Duarte e Francisco Xavier do Amaral na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre o ConflitoPolítico Interno 1974/76, 15 a 18 de Dezembro de 2003.- 191 -


dos detidos foram atirados para dentro de camiões e levadas para várias esquadras de políciaem redor de Díli o para o Korem e o Kodim de Díli. 716 Algumas das que se encontravamgravemente feridas foram levadas de camião para o Hospital Militar de Lahane. Segundo asinformações recebidas, ocorreram espancamentos durante a viagem 717 e até no própriohospital. 718 Depois de receberam cuidados médicos essenciais, a maioria dos presos foramenviados para a esquadra da polícia, onde se decidiu quem deveria permanecer sob custódia. * Obispo D. Ximenes Belo conseguiu assegurar a libertação de alguns, 719 mas outros ficaram presosdurante períodos mais prolongados. A Comissão tomou conhecimento de que alguns presos,sobretudo líderes do movimento clandestino, foram transferidos para outros distritos — para quefossem quebradas todas as suas ligações com o movimento da Resistência. 720 A AmnistiaInternacional calcula que tenha sido presas cerca de 300 presas após o incidente. 721Várias pessoas que conseguiram evitar serem detidas no cemitério foram perseguidas pormembros da Brimob, ou das forças militares e capturadas noutras zonas de Díli. Os membros daBrimob ou das forças militares seguiram outras pessoas mais tarde no próprio dia. Pedro Amaraldescreveu à Comissão a maneira como fugiu em direcção à zona do Mercado Antigo paraapanhar um miniautocarro público, mas foi capturado por dois membros da Brimob e por doismembros da polícia, que o espancaram com os punhos e com espingardas SKS. Pedro Amaralpassou duas noites no Quartel-general da Polícia do subdistrito antes de ser transferido para oQuartel-general da Polícia distrital, onde permaneceu uma semana e não sofreu <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>.Depois disso, passou três meses na Prisão de Becora, findos os quais foi libertado. PedroAmaral não foi alimentado durante a sua primeira semana em Becora. 722Simplício Celestino de Deus, membro do movimento clandestino, foi detido no cemitério depoisde o tiroteio contra os manifestantes terminar. Afirmou à Comissão:Procurei um lugar onde me esconder no cemitério deSanta Cruz. Pouco depois, soldados entraram nocemitério, pisaram as vítimas que estavam no chão ebateram-lhes com espingardas. Depois, detiveram-me. Umsoldado do Batalhão 303 de Sulawesi cortou a minhaorelha esquerda [e] sangrou. Eles começaram a <strong>tortura</strong>rmee a espancar-me. Depois, um cabo da polícia[timorense], T443 de Hatulia, aproximou-se e cortou aminha orelha direita e algemou-me. O sangue jorrou daminha orelha.*Segundo Laporan Khusus Tentang Pengungkapan Para Perusuh Yang Terlibat Dalam Peristiwa Demonstrasi 12Nopember 1991 Di Santa Cruz, Díli, Timor Timur, [Relatório especial sobre divulgação dos amotinados da manifestaçãode 12 de Novembro de 1991 em Santa Cruz, Díli, Timor-Leste] com data de Dezembro de 1991 (sem dia), assinado eselado pelo Komando Pelaksana Operasi Timor Timur (brigadeiro-general Rudolf Warouw), 253 pessoas foram libertadasnesse mesmo dia, sete foram libertadas oito dias depois, 11 pessoas foram libertadas 12 dias depois, dez pessoas foramlibertadas 15 dias depois. O documento refere que 22 foram ditahan (presos), o que significa um período mais longo.Esta informação difere da fornecida pelo relato da Asia Watch (Asia Watch, “Remembering History in East-Timor: TheTrial of Xanana Gusmão and a Follow-up to the Díli Massacre,” Abril de 1993, Vol.5, nº.8), segundo o qual 32 pessoasforam detidas, oito das quais foram julgadas em Díli em Junho de 1992 e condenadas a penas de prisão desde cincoanos a oito meses ou perpétuas (A Asia Watch recorreu ao relato do ICJ, “Tragedy in East Timor: Report on the Trials inDili and Jacarta,” Genebra, Suíça, 1992). Os restantes 24 tornaram-se tahanan pembinaan (preso para orientação), verdebate abaixo.- 192 -


Enquanto me <strong>tortura</strong>vam, ouvi um soldado gritar: “Não otorturem porque o comandante precisa dele.” Depois,arrastaram-me com violência para fora do cemitério deSanta Cruz e atiraram-me para um camião Hino cheio decadáveres, cerca de 50 a 60 cadáveres. O sangue correusobre todo o meu corpo e sobre os meus olhos. Depois,eu e os meus companheiros recebemos cuidados médicosdurante nove dias no Hospital de Wira Husada, emLahane. 723Simplício de Deus foi posteriormente preso no quartel-general da Polícia regional em Comoro.Testemunhos recebidos pela Comissão indicam que os militares detiveram pessoas, não só emDíli, mas também nos distritos de Liquiça, Bobonaro e Baucau depois da manifestação e domassacre de Santa Cruz. 724 Por exemplo, as comunidades de Venilale (Baucau) e Vemasse(Baucau) descreveram a maneira como os militares indonésios intensificaram as patrulhasnocturnas e começaram a marcar pessoas como alvos — geralmente jovens do sexo masculinosuspeitos de terem participado na manifestação. 725 A Comissão tomou conhecimento de queduas pessoas do suco de Uatu-Haco (Venilale, Baucau) foram <strong>tortura</strong>das. 726 Em Quelicai(Baucau), membros da Tim Saka, grupo paramilitar ligado à ABRI ajudaram a deter suspeitos. 727- 193 -


Prisão para orientaçãoOs militares experimentaram várias técnicas para desmantelar o movimento clandestino. Noinício da década de 1980, membros do movimento clandestino foram separados das suas redese enviados para a Ilha de Ataúro, ou para prisões na Indonésia, e mantidos incontactáveis.Outros foram retirados dos seus sucos e presos em sucos construídos de raiz, como Dotik (Alas,Manufahi) ou Bonuk (Hatu Udo, Ainaro), longe das suas famílias e amigos. Na década de 1990,membros da Resistência urbana envolvidos em manifestações também foram deslocados dassuas cidades para áreas rurais, com o objectivo de serem separados da rede clandestina. *Alguns foram enviados para serem “reeducados”, um processo que implicava trabalhos forçadospara os militares durante períodos indeterminados.Foi essa a experiência de Simplício Celestino de Deus e de cinco companheiros seus, FilomenoGomes, Fernando Tilman (Gulit), Renilde Guterres, José Bento e José Belo, que foram detidosapós a manifestação de Santa Cruz em 1991. Após serem presos na esquadra da polícia dodistrito de Díli com outras pessoas, disseram-lhes que seriam libertados depois decomparecerem a uma missa do padre Brito. No entanto, o camião que pensavam que os levariaà missa, levou-os para o distrito de Lautém. Ficaram presos no Kodim de Lautém durante um diae depois na base do Comando da Reserva Estratégica do Exército (Komando Strategis AngkatanDarat, Kostrad) em Illiapa Lore II (Lospalos, Lautém), durante dois dias. Simplício de Deus eFilomeno Gomes foram separados dos outros e presos na base do Batalhão de InfantariaAerotransportada Kostrad em Alapapulu (Lospalos, Lautém), onde foram interrogados sobre arede clandestina e lhes perguntaram os nomes dos membros. Passados cerca de quatro meses,os seis voltaram a encontrar-se no acampamento da base em Lospalos. 728No acampamento da base, os presos tinham de trabalhar noite e dia sem receberem qualquerremuneração, cultivando alimentos para os soldados durante o dia e vigiando o acampamentodurante a noite. Simplício de Deus disse que trabalhavam a terra doze horas por dia, das seishoras da manhã às seis horas da tarde, com apenas uma pequena pausa para o pequenoalmoçoe um intervalo de 15 minutos para o almoço. Os presos eram espancados se chegassematrasados. Às seis horas da tarde, tomavam banho, comiam e descansavam. A partir das novehoras da noite, revezavam-se para fazer a vigília nocturna, até às seis horas da manhã.Este tipo de prisão é por vezes mencionado como “pessoas presas para orientação” (tahananpembinaan). † A Asia Watch disse que esses prisioneiros eram colocados sob a custódia dasunidades territoriais em áreas rurais onde trabalhavam em projectos de desenvolvimento rural,sob supervisão dos soldados. 729 Alegadamente, o general Theo Syafei disse à Asia Watch queeste tipo de prisão poderia ser indefinido, embora os soldados encarregues da supervisãorecebessem “objectivos” para completar a reeducação dos presos a seu cargo. Segundo asinformações recebidas, um agente superior dos serviços de informação, ao ser interrogado sobrese esses presos seriam formalmente acusados e julgados perante um tribunal respondeu: “não énecessário”. 730Simplício Celestino de Deus descreveu as visitas que recebia dos oficiais militares de Jacarta acada três meses. Eles falavam com ele para avaliarem o seu estado psicológico. Perguntavamlhecoisas como: “Onde te imaginas daqui por cinco anos? O que achas que acontecerá nofuturo? O que achas te acontecerá?” Simplício de Deus pensa que o deixaram ir para casa em1993 porque estes visitantes enviaram um relatório favorável para Jacarta. 731*Após a sua detenção a 23 de Janeiro de 1991, José Manuel da Silva Fernandes foi transferido para locais de detençãodiferentes, como o Senopati, I (Díli), o Nusra Bhakti (Díli), o Rumah Merah (Baucau), o Kotis, a base do Batalhão deInfantaria 413 (Manuboe, Ossu, Viqueque), o Kodim de Viqueque e o acampamento da base em Viqueque, onde ficoupreso como tahanan luar (prisioneiro para ser enviado para os distritos) durante dois anos. Entrevista da <strong>CAVR</strong> a JoséManuel da Silva Fernandes, Díli, 20 de Dezembro de 2004.†Asia Watch, Abril de 1993, Vol. 5, nº. 8, p. 22. Foi dito aos familiares de Simplício de Deus que o visitaram que ele nãoera um prisioneiro, mas um tahanan pembinaan (preso para orientação).- 194 -


Visita cancelada da delegação parlamentar portuguesaTambém em Novembro de 1991, os militares e outros agentes indonésios detiveram apoiantespró-independência que estavam a fazer preparativos para a visita da delegação parlamentarportuguesa a Díli e a outros distritos. 732 Por exemplo, a 15 de Novembro de 1991 em Cailaco(Bobonaro), o comandante do Koramil, o primeiro-sargento T451 deteve dez jovens que estavama fazer preparativos para a visita portuguesa a Cailaco. Um dos detidos, Adriano João, foi levadopara o Kodim 1636 de Bobonaro. O sargento T452, dos serviços de informação, e o chefe(indonésio) dos serviços de informação, T453, interrogaram Adriano João durante três dias.Durante o interrogatório, espancaram-no violentamente e submeteram-no a choques eléctricos.Adriano João contou como, certa noite, soldados embriagados acordaram os presos e osmandaram despir-se e dormir nus no chão. A comida que os familiares dos presos lhes levavamao Kodim era confiscada. 733Júlio Araújo Martins disse à Comissão que foi detido por um membro indonésio do Kopassuschamado T454 em sua casa, em Ermera, às nove horas da manhã de 17 de Dezembro de 1991porque tinha preparado um estandarte para a visita da delegação portuguesa a Ermera etambém porque participara na manifestação de Santa Cruz no mês anterior. O comandante doKoramil de Ermera e quatro outros levaram-no para o Kodim, onde ele ficou quatro mesesdetido. Durante esse período, T454 e dois babinsa, T455 e T456, de Bobonaro, espancaram-no,esbofetearam-no e <strong>tortura</strong>ram-no com choques eléctricos. 734- 195 -


A ascensão das milícias 1985/1998Como refere a secção anterior sobre o Perfil das Violações: 1985/1998, esta fase do conflitopolítico caracterizou-se também por um reforço da colaboração — na prisão, <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e<strong>tortura</strong> de civis — entre os militares indonésios e vários novos grupos de milícias timorenses,além dos auxiliares timorenses dos militares indonésios (ver Capítulo 4: Regime da Ocupação,secção sobre a Militarização da Sociedade Timorense).A maioria dos grupos milicianos foram criados a nível distrital pelo Kopassus, que recrutavajovens timorenses do sexo masculino no distrito. Um padrão comum identificado pela Comissãofoi um aumento das detenções num determinado distrito após a formação de uma nova milícia.Estas incluíam: Tim Alfa (Lospalos) e Tim Sera (Baucau) na década de 1980, Tim Saka (Baucau)em 1983 e Tim Sukarelawan (Equipa dos Voluntários) (Ainaro) em 1991. 735Um grande número das detenções relatadas à Comissão foram atribuídas à Equipa dosVoluntários (Tim Sukarelawan), que actuava em Ainaro (desde 1991), à Tim Saka, em Baucau(desde 1991), e à Halilintar, em Bobonaro (desde1994).HalilintarSegundo testemunhos recebidos pela Comissão e o Perfil Comunitário de Atabae (Bobonaro), osmilitares de Atabae tomaram conhecimento da existência de actividades clandestinas no suco deAtabae Lama, através de um informante, em Setembro de 1994. Os militares criaram um grupode jovens que viria mais tarde a ser conhecido como a milícia Halilintar. Foi realizada umagrande operação de detenção na área, tendo por alvo jovens suspeitos de praticaremactividades clandestinas. * No final de Novembro, pelo menos 50 pessoas tinham sido detidas elevadas para o Koramil. 736 Foram espancadas e <strong>tortura</strong>das na sua cela.737 Tanto o SGI como osmembros do Koramil, nomeadamente o comandante T457 e o chefe do suco T458, participaramnas detenções. 738 T457 autorizou as detenções e participou pessoalmente na <strong>tortura</strong> dospresos. 739 O Kodim 1636 de Maliana também prendeu pessoas do suco de Fatubesi 740João da Silva, de Fatubesi (Hatulia, Ermera), disse à Comissão que em 1994, ele e 62 outraspessoas que não eram suas conhecidas foram detidas em Atabae por serem suspeitas demanterem contacto com as Falintil. Ele disse ter sido detido por T459, um membro da Halilintar,e espancado e depois levado com os outros prisioneiros para Loes (Atabae, Bobonaro), ondeficaram presos durante três meses, tendo de se apresentar todos os dias, até serem autorizadosa voltar para casa. †Segundo a comunidade de Atabae, passado um ano, T1 e membros do SGI de Atabae criaram ogrupo miliciano Halilintar, que continuou a deter jovens suspeitos de estarem ligados aomovimento clandestino. Muitas pessoas foram detidas e espancadas, por vezes com tantabrutalidade que os seus rostos ficavam irreconhecíveis. 741Tim Sukarelawan (Equipa dos Voluntários)*A Comissão tomou conhecimento de uma reactivação do grupo Halilintar, que era responsável pelo rapto edesaparecimento de apoiantes pró-independência [<strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Atabae, subdistrito de Atabae,distrito de Bobonaro, 8 de Outubro de 2002. Ver também Testemunho nº 1181 da HRVD].†Ver Testemunho nº 1200 da HRVD. Esta detenção em massa foi corroborada por Domingos Soares, que disse que elee outros membros do movimento clandestino foram obrigados a comparecer numa cerimónia (provavelmente dohasteamento da bandeira indonésia) no dia 17 de cada mês, durante um ano depois de terem sido detidos pela milíciaHalilintar [Testemunho nº 1181 da HRVD].- 196 -


A Tim Sukarelawan foi criada vários anos antes, em 1991, num pequeno suco do distrito deAinaro. * Segundo várias fontes, a equipa tinha por missão reunir jovens para levar a efeito umacontra-manifestação a favor da integração quando a delegação parlamentar portuguesa visitasseAinaro 742 : o objectivo era reprimir o movimento clandestino 743 e impedir que os jovens de Ainaroparticipassem na manifestação de Santa Cruz. †EstatísticaA Tim Sukarelawan foi responsável por um grande pico no número de detenções em Ainaro em1991 e 1992. A Comissão tinha tomado conhecimento de apenas dois casos de prisão ocorridosem 1990, mas recebeu testemunhos a descrever 390 incidentes ocorridos em 1991. Foram aindarelatados 219 incidentes de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e 201 de <strong>tortura</strong>. Em 1992, o número de prisões voltou adescer, para 19, com apenas três casos de <strong>tortura</strong> e 13 de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>.Prisão e <strong>tortura</strong>No início, a Tim Sukarelawan só prendia os que se recusavam a juntar-se à milícia 744 , mas embreve começou a marcar como alvos para prisão quaisquer civis, ou comunidades, suspeitos deterem laços com a Resistência. As comunidades relataram detenções em massa de civis nossucos e nas cidades de Ainaro, incluindo Maulau (50 pessoas), Cassa (26 pessoas), Manelebos(97 pessoas) e Manetu (55 pessoas). 745 As pessoas eram presas em vários locais, incluindoinstalações militares, como o Koramil de Maubisse, edifícios públicos, como o Edifício daIntegração em Cassa, os gabinetes dos sucos de Maneto, Aituto e Manutasi e o gabinete doadministrador do subdistrito, T461. 746 A casa particular do chefe de suco T462 também foiidentificada como local de detenção. Isto indica que os Voluntários trabalhavam em cooperaçãocom os militares indonésios e a administração civil — ou, pelo menos, com o seu conhecimento.A maioria das pessoas ficavam presas alguns dias, mas algumas ficavam presas por períodosque podiam estender-se até quatro meses, sobretudo as que ficavam presas no Koramil deMaubisse. Muitas eram submetidas a interrogatórios contínuos e a <strong>tortura</strong> às mãos da TimSukarelawan e das ABRI. Em Maulau (Maubisse), uma mistura de malaguetas e água eraesfregada nos olhos dos presos. Em Manelobas (Maubisse), a chefe do suco, Cecília Xavier, foienrolada numa bandeira dos pés à cabeça e ameaçada de ser queimada. 747 Em Manetu(Maubisse), Manutasi (Ainaro) e Cassa (Ainaro) as mulheres foram violadas ou ameaçadas deviolação sexual. 748Tim Sukarelawan e os militares*Segundo a comunidade de Manutasi (Ainaro, Ainaro), a Equipa dos Voluntários foi criada em Mau-ulo II, Fatuk Maria,suco de Manutasi, onde foi construído o primeiro “grande posto” da milícia. A organização de direitos humanos timorenseYayasan HAK relatou que os Voluntários eram recrutados entre os filhos de antigos líderes da Apodeti e que o grupo eraliderado por Câncio Lopes Carvalho. ‘Prawatiwi’ Catatan perjalanan di bumi Loro Sa’e [Travel notes from Loro Sa’e soil](10), Matebean, 8 de Outubro de 1999, in Masters of Terror Indonesia’s Military and Violence in East Timor 1999,Canberra. Strategic and Defence Studies Centre, Australian National University. 2002, ou consultar sítio na internetwww.villagechief.com/mot†<strong>CAVR</strong>, Perfis Comunitários do suco de Maulau (26 de Maio de 2003), do suco de Manelobas (23 de Maio de 2003), dosuco de Manetu (8 de Julho de 2003), subdistrito de Maubisse, Ainaro. Foi relatado um aumento nas detenções a 10 e 11de Novembro de 1991, os dias anteriores à manifestação de Santa Cruz.- 197 -


A clara divisão de tarefas entre a Tim Sukarelawan e os militares fornece mais evidências darelação entre ambas. Certos membros da Tim Sukarelawan eram incumbidos de deter pessoas,geralmente em grupos de cinco ou mais. As vítimas eram então entregues a outros membros daTim Sukarelawan, ou ao chefe militar dos serviços de informação, que as interrogavam. Osinterrogatórios centravam-se na participação da vítima em actividades clandestinas e no seucontacto com as Falintil. Outros membros da Tim Sukarelawan, os babinsa, ou até mesmo ochefe do suco, <strong>tortura</strong>vam então a vítima. Estas detenções, prisões e actos de <strong>tortura</strong>costumavam ser ordenados por comandantes da Tim Sukarelawan, nomeadamente T463, T464,T465 ou o “líder superior” T466, com o consentimento dos militares. Pedro Sarmento recordou:Em 1991, às três horas da tarde, os membros da Sukarelawan T468, T469 e T470 detiveram-meem casa e levaram-me para o edifício da integração, em Cassa, onde T471 me esbofeteou, sobordens de T472…Fiquei em pé e T473 interrogou-me, deu-me pontapés nas orelhas atédeitarem sangue e prendeu-me no exterior do edifício durante três dias e três noites. Elesinterrogaram-me, espancaram-me e pontapearam-me continuamente. T474 e T475 amarrarammecom arame. Depois, disseram-me para ir para casa. 749Moisés Mendonça Doutel Sarmento disse à Comissão:Em 1991, o chefe do suco [de Manetu] T462 e o Sukarelawan T477 levaram-me e entregaramme…adois Kopassus que me interrogaram sobre a bandeira nacional [da Fretilin]. Dei-lhesinformações, mas depois fui espancado e esmurrado na cara por membros da Sukarelawan,incluindo T478, T479, T480 e T481…Às cinco horas, chegaram o babinsa T482 e dois Kopassus,que me mergulharam e a Abel Mendonça dentro de água e nos mandaram deitarmo-nos eolharmos para o sol. Depois, chegaram dois Kopassus com pedras grandes, puseram-nas emcima dos nossos peitos e interrogaram-nos e mergulharam-nos dentro de água durante umahora. Depois, mandaram-nos sair da água e interrogaram-nos. Eles mandaram Abel Mendonçapara casa, mas mantiveram-me durante um mês no Koramil. O babinsa T482 mandou-nos, amim e aos meus companheiros, construir uma pocilga para ele. Depois, mandou-nos para casa,mas tínhamos de nos apresentar uma vez por semana e de trazer lenha para as ABRI. 750Trabalho forçadoApós a libertação, as vítimas eram frequentemente obrigadas a fazer trabalhos — desdeconstruir uma casa nova para o chefe do suco de Manetu, T462, a vigiar um posto dosSukarelawan, limpar o jardim do Koramil ou construir uma nova vedação. 751 Este trabalho podiaprosseguir durante um ano após a “libertação”, levando a que muitos sectores da população deAinaro vivessem sob condições de alta vigilância desde finais de 1991 até meados de 1992.Segundo a comunidade de Manetu, a população civil só foi verdadeiramente deixada em pazapós a detenção de Xanana Gusmão, em Novembro de 1992. 752LibertaçãoDepois de a maioria dos presos serem libertados, o Koramil de Maubisse 02 recebeu ordens doKodim 1633 de Ainaro para reunir todos os libertos e escoltá-los até uma grande cerimónia dejuramento de sangue que iria decorrer no estádio de Ainaro. As comunidades de Manutasi(Maubisse, Ainaro) e de Hohoraik (Ainaro, Ainaro) descreveram o sucedido:Retirámos sangue nosso durante todo o dia e depois bebemos o sangue e jurámos nunca maisparticipar em actividades políticas, viver sob a bandeira Vermelha e Branca e sacrificar asnossas vidas pela integração na Indonésia. 753- 198 -


O nosso líder era Manuel Pereira, o chefe da Divisão de Educação e Cultura do Distrito deAinaro. Nós éramos de quatro subdistritos, Hatu-Builico, Maubisse, Hatu-Udo e Ainaro. Haviamais de 2.150 pessoas ali reunidas e o campo de futebol estava cheio. Os nossos líderesobrigaram-nos a florestar cabras, a cozinhar, a trazer vinho de palma e a festejar. Depois,mandaram-nos voltar aos nossos subdistritos e dizermos às pessoas que tínhamos duascaras. 754Interrogatório e <strong>tortura</strong> de vítimas ligadas às manifestaçõesA investigação da Comissão indica que as pessoas relacionadas com as manifestações foramfrequentemente vítimas de abusos, os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e a <strong>tortura</strong> enquanto estiveram presas. Emdocumento disponibilizado à Comissão, ex-prisioneiros políticos afirmam:Éramos submetidos a espancamentos e mergulhados emtanque cheios de excrementos. Por vezes, eles abriam asportas aos soldados que regressaram de operações decombate nas montanhas e deixavam-nos espancar-nos.Eles chegavam de madrugada, munidos de todo o seuequipamento militar, com as roupas empoeiradas, ecomeçavam a bater-nos e a esmurrar-nos. Eles gritavam:“Estamos à procura dos comunistas. Afinal, eles estãoaqui, em Díli, não nas montanhas.” *A Polícia <strong>tortura</strong>va frequentemente as vítimas durante os interrogatórios, com o objectivo deforçar uma confissão para ser utilizada num eventual julgamento. Por exemplo, José Manuel daSilva Fernandes, um dos organizadores da manifestação na Missa do Papa João Paulo II emTacitolu, que foi preso vários dias depois, disse à Comissão que o grupo de activistas que seescondera em casa do bispo foi levado para o quartel-general da Polícia Sub-regional (Polwil) edividido. José Manuel foi levado para o Korem, onde ficou preso durante três meses, durante osquais foi submetido a <strong>tortura</strong> contínua. 755 José Manuel disse à Comissão que os interrogatóriosefectuados nas duas primeiras semanas tinham por objectivo extrair uma confissão simples.Neste período, ele foi espancado, pontapeado, atacado com coronhas de espingarda, golpeadocom a ponta de uma faca, queimado com cigarros acesos, mergulhado num tanque cheio deexcrementos, pisado e ameaçado com armas carregadas. 756Depois de obterem a confissão, os seus interrogadores quiseram “confirmar” a confissãoforçada, aplicando duas formas de choques eléctricos: a primeira através de um carregador comuma manivela e a segunda através de uma cadeira de metal especialmente concebida para oefeito. O prisioneiro era preso à cadeira pelos tornozelos e pelos pulsos e eram colocadoseléctrodos sobre o seu corpo. 757 José Manuel disse que a <strong>tortura</strong> poderia ocasionalmente duraraté 15 minutos e ser administrada três vezes por dia. 758 O processo de <strong>tortura</strong> era levado a efeitosob a direcção do coronel do Kopassus T449, com a colaboração de cinco soldados doKopassus.José Manuel também disse ter sido espancado com um pau pelo brigadeiro-general T485, ocomandante do Kolakops, e agredido no rosto por T449 enquanto esteve preso. Durante uminterrogatório, disseram-lhe que não devia sentar-se numa cadeira, mas sim acocorar-se no chãoporque era um animal, e espancaram-no nos joelhos e na cabeça, com frequência mais de dezvezes. No Korem, foi interrogado e <strong>tortura</strong>do por oficiais de várias instituições. 759*A Comissão recebeu uma análise pormenorizada desta alteração no padrão de prisão da Associação dos Ex-Prisioneiros e Detidos Políticos de Timor-Leste (Assepol), em depoimento à Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobrePrisão e Tortura, juntamente com uma Apresentação escrita [Arquivo da <strong>CAVR</strong>]. A citação acima está incluída nestaApresentação, retirada de um relatório da Comissão Internacional de Juristas 1992:23 . [Ver também Constâncio Pinto eMathew Jardine, op. cit.].- 199 -


Quadro 4 - Presos relacionados com a manifestação de Santa Cruz e o tratamento quereceberam *Nome Detenção Prisão Tortura PerpetradorJosé P.Vicente 760FranciscoBranco,membro daComissãoExecutiva daFrenteClandestina 761Basílio dosSantos 762Manuel daConceição 763EstaquioPinto 764AntónioFernandes 765Na sua casa, emTaibessi (Díli),por um agentedos serviços deinformação.Convocadooficialmente peloQuartel-generalda Polícia Subregional(Polwil)No cemitério deSanta Cruz, a 12de Novembro de1991, pela Políciae pelas ABRI.No cemitério deSanta Cruz, a 12de Novembro de1991, pormilitares.No cemitério deSanta Cruz, a 12de Novembro de1991, pormilitares.16 de Novembrode 1991, pormilitares.Um dia no Korem;Kodim;hospital de WiraHusada7 a 8 meses noQuartel-general daPolícia Subregional(Polwil);depois transferidopara a Comarcaapós julgamento. †No Quartel-generalda Polícia Subregional(Polwil),mas transferido nomesmo dia para oKodim, onde ficouseis meses.15 dias no Quartelgeneralda PolíciaSub-regional(Polwil) deComoro,juntamente comvários outros,incluindo AleixoCobra e Aleon.Libertado peloQuartel-general daPolícia Subregional(Polwil)por pedido dobispo D. XimenesBelo.Dois dias e duasnoites no Korem.No Korem –violentamente espancadocom espingardas,pontapeado e esmurrado.No Kodim – recebeu umtratamento idêntico, mastambém foi golpeado nascostas.Pontapeado e espancadoa caminho do hospital einterrogado e <strong>tortura</strong>dono hospital.Não foi <strong>tortura</strong>do.Francisco Branco pensaque não foi <strong>tortura</strong>dodevido à atençãointernacional concentradana Indonésia e porque asautoridades perceberamque os presos não iriamcolaborar.Espancado com uma armae pontapeado com botasda polícia no Quartelgeneralda Polícia Subregional(Polwil). NoKodim, electrocutaramno,arrancaram-lhe asunhas com alicates ecortaram-lhe os lábioscom uma lâmina debarbear.Espancado e pontapeadono cemitério. No Quartelgeneralda Polícia Subregional(Polwil) deComoro, foi obrigado adespir-se e depois foiespancado, esmurrado epontapeado durantelongos interrogatóriosefectuados por váriospolícias, por turnos.Foi submetido a choqueseléctricos e aespancamentos eraparam-lhe o cabelo.Interrogado sobre oincidente. Espancado equeimado com pontas decigarro no rosto.Membros doKorem e doKodim.O interrogatóriofoi realizado emJacarta, por umgrupo deagentes dosserviços deinformação deBakin.Polícia emilitares.As ABRI, depoisa Polícia.As ABRI.Três soldadosdas ABRI.*Esta lista contém alguns dos nomes dos detidos após a manifestação de Santa Cruz, em conformidade com os relatosapresentados à Comissão. Estes depoentes foram seleccionados para revelar o tratamento dispensado após detenção eprisão.†Francisco Branco foi julgado e condenado pelo seu papel na manifestação. [Ver Subcapítulo 7.6: JulgamentosPolíticos].- 200 -


Dada a variação no tratamento dado aos presos, é difícil descobrir se havia uma estratégia claraem relação à <strong>tortura</strong> dos prisioneiros. Mário Carrascalão deu a entender que o tratamento dadoaos prisioneiros após a visita do Papa João Paulo II não era aceite a nível nacional. Ele disse àComissão que ele e o brigadeiro-general Mulyadi acompanharam Benny Murdani ao aeroportoapós a visita do Papa:Benny disse a Mulyadi: “Mulyadi, não faças nadaesquisito, está bem? Deter pessoas sem razão, não façasisso.” Mas assim que o avião levantou voo, enquantoainda estávamos no aeroporto, Mulyadi disse: “Benny é oresponsável a nível nacional, mas eu é que mando emTimor Leste.” Ele começou a fazer detenções a partirdesse dia. 766No entanto, havia uma coordenação evidente, pelo menos a nível provincial. Como o quadromostra, as pessoas eram frequentemente presas em diferentes locais e interrogadas por váriasunidades, num padrão semelhante ao da prisão no início da década de 1970. José Manuel daSilva Fernandes disse ter sido interrogado e <strong>tortura</strong>do por diversas instituições, que utilizavam otermo “bon” (recibo) ou “saya bon dulu” (Eu uso um recibo) — o que significava que umainstituição emprestava os seus presos a outras para serem interrogados ou <strong>tortura</strong>dos. 767Além disso, embora possam ter existido instruções sobre a maneira como os presos deviam ser<strong>tortura</strong>dos, é evidente não havia limites para o que os oficiais da Polícia ou militares podiamfazer para obter informações. A <strong>tortura</strong> e outras formas de tratamento cruel e desumano, sob queforma fossem, eram tão comuns que chegaram a ser consideradas parte sistemática doprocesso de prisão e interrogatório.- 201 -


Interrogatórios após a manifestação de Santa CruzGregório Saldanha, um dos membros do movimento clandestino encarregue de organizar amanifestação de Santa Cruz, foi detido no cemitério e levado para o hospital, onde permaneceuquatro dias. Passou nove meses na esquadra da polícia de Comoro, seguidos de nove meses naComarca e depois nas prisões de Becora (Díli), Semarang e Cipinang (Java, Indonésia).Gregório Saldanha disse à Comissão:Fui detido em frente ao cemitério de Santa Cruz na manhã de 12 de Novembro, depois de levarum tiro nas costas. Ali perto, os soldados alvejavam os protestantes e golpeavam-nos com assuas baionetas…Eu fingi estar morto. Cinco minutos depois, chegou um comandante do Kodim,que mandou os seus homens pararem de disparar, de golpear e de bater. Ele também disse: “Seestiverem vivos, levantem as mãos!”. Eu levantei-me e ergui as mãos. Havia cinco cadáveres nocamião.Quando chegámos ao hospital, eles atiraram os cadáveres para fora do camião a pontapé eaqueles de nós que estavam feridos foram banhados e tratados. Não voltei a ver as pessoas quevinham comigo no camião. Suspeitei que tivessem sido mortas ou levadas para a morgue. Tantoquanto sei, havia cerca de 90 pessoas feridas que foram registadas.Na esquadra da polícia, encontrei-me imediatamente com os principais oficiais da Polícia emilitares para lhes dizer: “Vocês já me detiveram. Eu sou o responsável pelo incidente e, porisso, estou pronto para receber a punição que me quiserem dar. Pedi que os outros fossemlibertados.”Muitos dos jovens presos ainda estavam em idade escolar e muitos também tinham empregos.[As autoridades militares] acabaram por libertar alguns, mas os restantes continuaram presos.Era hábito deles prender as pessoas que considerassem suspeitas para as interrogarem e lhesextraírem informações que pudesse ser utilizada como prova para novas detenções. Eucontinuei a exigir [a libertação dos outros manifestantes]. Eu também disse isto a um delegadodo Supremo Tribunal de Jacarta, que estava de visita. Quando fui apresentado perante os outrospresos na esquadra da polícia, as autoridades perguntaram aos outros presos se me conheciam.Eles disseram que não me conheciam, embora fossem meus amigos chegados, nomeadamenteSimplício, Márcio e outros. Eu senti imensa admiração por eles. Eles não só foram corajosos nosseus actos, como no assumir das suas responsabilidades.A <strong>tortura</strong> fazia sempre parte do processo de interrogatório. Porque eles sabiam que era difícilobter uma confissão sem exercerem pressão. Eles sabiam muito bem que não ia ser fácil fazermeconfessar e muito do que confessei não era o que eles queriam. Tivemos sorte porque oincidente de 12 de Novembro atraiu a atenção internacional e nós estávamos no centro dessaatenção. Por causa disso, estávamos sempre sob os holofotes. Houve alturas em que elesexerceram pressão sobre mim. Levavam-me de noite para ser interrogado e <strong>tortura</strong>do. Masoutras vezes tinham de ser simpáticos. A Polícia não tinha apenas processos de interrogatóriosformais. Cada grupo realizava o interrogatório como queria. Por vezes, era interrogado por umaunidade do SGI, outras vezes por outras unidades me. Isto punha-me confuso. Eles nunca medeixavam em paz.- 202 -


Uma das experiências mais humilhantes a que fui submetido foi quando o subchefe da polícia daárea me chamou para comparecer perante um delegado do Supremo Tribunal, da Polícia militare do procurador. Todos me fizeram perguntas. Faziam perguntas como se fosse umamaratona—antes de eu responder a uma, já outro estava a fazer outra, por isso eu não tinhaoportunidade de responder. E as perguntas eram na sua maioria aleatórias, o que me leva a daras respostas erradas. Como neguei as acusações que me foram feitas, o subchefe da políciaesbofeteou-me, de tão zangado que estava. Eu falei sobre este incidente durante o meujulgamento, porque um agente da polícia não pode abusar fisicamente dos prisioneiros. Algunsbateram-me e outros mostraram alguma humanidade, dizendo-me “é melhor dares asinformações correctas, para não seres novamente <strong>tortura</strong>do.”Acho que esta era outra das suastácticas para obterem as respostas certas. 768Manifestação em Jacarta, 19 de Novembro de 1991 e as detenções em BaliTambém foram detidos membros timorenses do movimento clandestino na Indonésia na décadade 1990. O tratamento dado a esses presos era geralmente melhor — tanto em termos doprocesso como em termos de tratamento físico — do que o que era dado aos presos em Timor-Leste. No entanto, essas prisões continuavam a ser uma violação dos direitos de liberdade deexpressão e de associação (ver Subcapítulo 7.6: Julgamentos Políticos).A primeira grande manifestação política de estudantes timorenses em Jacarta ocorreu umasemana depois do Massacre de Santa Cruz, a 19 de Novembro de 1991. * Cerca de 100estudantes realizaram uma manifestação pacífica no centro de Jacarta, para homenagear os quetinham morrido e protestar contras os actos dos militares indonésios. Os protestantes entoarampalavras de ordem pró-independência, mostraram estandartes e entregaram uma petição aosrepresentantes da ONU e às embaixadas australiana e japonesa. Os cartazes e a petição faziamreferência ao massacre de Santa Cruz, mas também à invasão e à integração forçada de TimorLeste na Indonésia.A Polícia deteve cerca de 70 dos manifestantes e prendeu-os inicialmente no quartel-general daPolícia nacional, em Jacarta. Os presos foram interrogados por agentes policiais do quartelgeneral,membros das forças militares estacionadas em Timor-Leste e membros do Kopassus.Passados três dias, os presos foram transferidos para o quartel-general da Polícia regional daárea de Jacarta (Kepolisian Daerah Metropolitan Jakarta Raya, Polda Metro Jaya) ondepermaneceram três meses. 769Cinco dias depois da manifestação, a 24 de Novembro de 1991, a Polícia fez mais seisdetenções de membros timorenses do movimento clandestino em Denpasar, Bali: Fernando deAraújo (La Sama), José Pompeia, Anita florestas, Aniceto Guterres Lopes (detido três diasdepois) José Paulo e Clemente Soares. Estas detenções podem ter-se devido a informaçõesobtidas nos interrogatórios aos presos de Jacarta. Os seis foram capturados na sua residência epresos no quartel-general da Polícia regional (Polda Nusra) em Denpasar, Bali, ondepermaneceram até 30 de Dezembro de 1991. Aniceto Guterres Lopes e José Paulo foram entãolibertados e Fernando de Araújo foi algemado e transportado, num avião militar, para Jacarta,onde se juntou aos seus companheiros no Polda Metro Jaya. José Pompeia, Anito Matos eClemente Soares permaneceram no quartel-general da Polícia regional.Virgílio Guterres disse à Comissão não ter sido <strong>tortura</strong>do enquanto esteve preso:*Uma acção anterior, mas fracassada, em Jacarta foi a tentativa de vários estudantes timorenses de obterem asilo em1987. Tinham sido realizadas manifestações noutras partes da Indonésia antes disso, como a manifestação daUniversidade de Udayana, em Bali a 13 de Março de 1991. Segundo a Amnistia Internacional, dezenas de estudantesforam detidos nesta manifestação, incluindo seis estudantes timorenses que ficaram presos durante a noite: AlexandreCorte-Real, Manuel Sarmento, Boaventura da Silva, José Celestino, Lourenço e Miguel Ximenes. [Índice da AI: ASA21/04/91].- 203 -


Uma das razões pode ter sido a grande pressão a que asautoridades indonésias estavam sujeitas por altura danossa detenção. As filmagens de Max Stahl do incidentede 12 de Novembro foram exibidas internacionalmente e aIndonésia estava sob grande pressão internacional. Amaneira como nos tratavam enquanto estivemos presosem Jacarta foi uma táctica planeada para mostrar aomundo que podiam tratar-nos bem, para rebater asacusações de abusos dos direitos humanos e para dar aimpressão de que não cometiam violência em Timor Leste,ao contrário do que afirmavam os seus críticos. Em Díli,praticamente não havia contacto com o mundo exterior,por isso a <strong>tortura</strong> era frequente. Enquanto estivemos emJacarta, só não tivemos acesso ao mundo exterior duranteas primeiras semanas na prisão. Mas depois dosinterrogatórios, recebemos visitas de amigos e defamiliares. Até os nossos amigos da comunicação socialvieram visitar-nos e os funcionários indonésios nãoousaram recorrer à violência durante os interrogatórios. 770Muitos dos prisioneiros foram libertados depois de passarem três meses no Polda Metro Jaya,mas os 22 que iam ser julgados continuaram presos. Domingos Barreto descreveu a libertaçãode alguns:Eles separaram-nos porque a investigação revelou que aparticipação de alguns tinha sido fortuita…[Eles]prosseguiam com a investigação de noite…Separaramnosdos outros presos [cerca de 70]. Libertaram a maioriados presos depois da investigação provar que a suaparticipação fora fortuita. 771Dos 22 prisioneiros que não foram libertados, 17 tornaram-se testemunhas nos julgamentos dosoutros cinco: João Freitas da Câmara, Fernando de Araújo, Virgílio Guterres, Agapito Cardoso eDomingos Barreto. Os cinco foram acusados de subversão. 772 Durante o julgamento, os arguidosficaram presos no Polda Metro Jaya. Todos foram condenados a penas de prisão: quatro foramenviados para a Prisão de Salemba (Jacarta) e João Freitas da Câmara foi enviado para aPrisão de Cipinang (Jacarta). Fernando de Araújo e Virgílio Guterres foram posteriormentetransferidos de Salemba para Cipinang (ver Subcapítulo 7.6: Julgamentos Políticos).Manifestações da UntimDepois das detenções e homicídios de 1991, o número de líderes clandestinos activos em Timor-Leste diminui consideravelmente. Contudo, a partir de meados da década de 1990, osestudantes da Universidade de Timor Timur (Untim) organizaram várias manifestações nocampus universitário, por vezes acompanhados por estudantes do ensino secundário. 773Algumas manifestações eram espontâneas, mas outras eram cuidadosamente planeadas, comoas comemorações anuais do Massacre de Santa Cruz. Seguem-se algumas das manifestaçõesrelatadas à Comissão:- 204 -


• Em Junho de 1994, estudantes reagiram a um incidente na igreja de um suco emRemexio (Aileu), durante o qual soldados indonésios atiraram para o chão hóstiasconsagradas e pisaram-nas. Segundo um relato da comunicação social, cerca de 300estudantes timorenses tentaram realizar um protesto na universidade, mas este foiinterrompido e muitos dos estudantes foram presos. 774• A 9 de Janeiro de 1995, uma manifestação da Untim deu lugar a cenas de violênciaquando os manifestantes, a Polícia e as TNI começaram a atirar pedras uns aosoutros. 775 Foram detidas entre 26 e 30 pessoas * no local, e levadas para o Quartelgeneralda Polícia Sub-regional em Comoro. Enquanto estiveram presos, os estudantesforam violentamente espancados por membros da Brimob, que os desnudaram e ossubmeteram a choques eléctricos. Alguns foram libertados passados 11 dias e outrosforam julgados, condenados e presos na prisão de Becora. 776• A 14 de Novembro de 1997, outra manifestação da Untim tornou-se violenta após umadiscussão entre os estudantes e dois membros das forças militares vestidos à paisana.Observadores externos independentes afirmaram que a Polícia e os membros dosBatalhões 744 e 511 fizeram um uso excessivo da força. Cinco estudantes foramhospitalizados, alguns com ferimentos de bala. 777 Foram detidas pelo menos 11pessoas, 778 seis das quais foram julgadas ao abrigo do Artigo 170 (violência contrapessoas e propriedade) do Código Criminal Indonésio (KUHP) por terem, alegadamente,atacado três membros do Batalhão 511, Unidade C.SARA e agitação civilTambém foram relatados casos de detenção, prisão arbitrária e <strong>tortura</strong> ocorridos na década de1990, relacionados com incidentes definidos pelo aparelho de segurança indonésio como casosde SARA (suku, agama, ras, antara golongan, explosões étnicas, religiosas, raciais e entregrupos). Embora estes incidentes espontâneos protagonizados por jovens timorenses nemsempre tenham estado directamente relacionados com os conflitos políticos, os testemunhosprestados à Comissão indicam que ambos os lados do conflito político utilizaram os incidentescom os seus próprios objectivos. Os apoiantes pró-independência utilizaram-nos comoplataforma para se manifestarem contra a ocupação e os militares e a Polícia indonésiosutilizaram-nos como pretexto para deter e prender pessoas suspeitas de pertencerem aomovimento clandestino e interrogá-las sobre as suas actividades clandestinas. O tratamentodado aos prisioneiros relacionados com estes incidentes era frequentemente tão duro quanto oque era dado aos que eram presos noutros contextos.Uma razão para a agitação, sobretudo nos conflitos entre grupos e jovens, era a crescentepolitização da juventude em Timor-Leste neste período. Em 1994, as forças armas reduziram onúmero de batalhão que estavam estacionados no território para sete, mas compensou essaredução com a criação da Jovem Guarda de Defensores da Integração (Garda Muda PenegakIntegrasi, ou Gadapaksi). Segundo documentos militares indonésios, 11.000 jovens foramrecrutados para a Gadapaksi em 1994. 779 Outras milícias distritais foram criadas na década de1990 (ver caixa sobre a Equipa dos Voluntários, em cima), ao mesmo tempo que os jovens afavor da independência resistiam mais abertamente ao regime. Estas lealdades vieram àsuperfície em vários incidentes de agitação civil, que começaram a desencadear-se em meadosda década de 1990.Muitos incidentes de SARA resultaram em manifestações — algumas das quais setransformaram em motins — que foram seguidas de um número crescente de casos de prisão,<strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> dos presos. Seguem-se alguns exemplos comunicados à Comissão:*Entre outros: Inácio de Jesus Santos Oliveira, José A. Beto, José Pinto, Paulo Amaral, Luís Tavares, João Manuel,Lemos, Carlos, José Henrique, Alfredo Lopes, Crispim, Apólito, Mário Pinto, Bendito Salo, Filomeno, Zito L. Barreto eAlexandrino. [HRVD, Testemunhos nº 5674 e 6982-2].- 205 -


• Um confronto religioso em Uatu-Lari (Viqueque), em Setembro de 1995, entre jovensprotestantes e muçulmanos e jovens católicos. Desconhecem-se os antecedentes destecaso, que levou jovens católicos a incendiar locais de culto protestantes e muçulmanos.A maioria dos jovens católicos fugiram, mas Marcelino Duarte Barros foi detido,juntamente com dez outros, por membros da Tim Saka. Marcelino Duarte Barros relatoua sua prisão e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> que sofreram. 780• Segundo as informações recebidas, em Maliana (Bobonaro), no início de Setembro de1995, um funcionário prisional chamado Sanusi Abubakar fez observações insultuosassobre a fé católica. 781 Os jovens católicos e outros apoiantes pró-independência deMaliana reagiram, manifestando-se, ameaçando matar Sanusi Abubakar e queimando omercado de Maliana. Os manifestantes foram detidos pela Polícia, as ABRI e pormembros do Kodim 1636. Alguns conseguiram escapar, nomeadamente José SoaresVicente, que se fugiu para Díli. 782• A Comissão tomou conhecimento dos seguintes casos de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>.Quadro 4 - Prisão e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> sofridos por Marcelino Duarte BarrosPerpetrador Local da Prisão Duraçãoda PrisãoTim Saka às Quartel-general da Tim Três diasordens doSaka em QuelicaiComandante (Baucau)T486BrimobCela na Nova Cidade de Dois diasBaucauTortura/Maus-<strong>tratos</strong>Foi agredido com uma barra de metal,pontapeado, pisado e amarrado com arame.Os seus olhos foram cobertos e foi obrigadoa deitar-se ao sol durante três diasFoi mandado formar em linha e correr edepois foi espancado. Foi obrigado a beberágua misturada com urina.Polícia Polsek de Beloi Foi espancado, pontapeado, esmurrado epulverizado com gás. Foi interrogado pelaPolícia sobre contactos com as Falintil e aentrega de alimentos na floresta.PolíciaPolsek de Uatu-Lari(Viqueque), levados paralá por 12 membros daBrimob.UmasemanaFoi espancado, esmurrado e pontapeado porum agente timorense dos serviços deinformação, T487.Quadro 5 -Prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> em Maliana (Bobonaro)Vítima Perpetrador Local da Prisão Duração daPrisãoHernâni M. de As ABRI e a Kodim 1636, Uma noite noAraújo, membro Políciadepois numa Kodim, depoisdo movimentoesquadra da seis semanasclandestino dapolícia (não numaSagrada Família. 783identificada) esquadra dapolícia.Julgado econdenado auma pena deprisão emMaliana.Eduardo Lopes, A Polícia; o cabo(Lorico Lopes) T488 liderou adetido a 18 de equipa deSetembro de detenção.1995 784Esquadra dapolíciaDois meses,Depoiscondenado aquatro anosna Prisão deMaliana.LaurentinaAmaral 785 - Kodim 1636 Três meses.Pagou 500 milrupias pelasualibertação.Tortura/Maus-<strong>tratos</strong>Os militares espancaram-no,electrocutaram-no earrancaram-lhe as unhas dasmãos e dos pés com alicates.A Polícia interrogou-o edepois voltou a espancá-lo,electrocutou-o e esmagou-lheos dedos dos pés debaixo daperna de uma cadeira.A vítima foi espancada equeimada com cigarros. Disseque a Polícia arrancou osrosários que os presostinham ao pescoço e lhesdisse que eles estavam a“opor-se ao Estado”.-- 206 -


José P. Vicente, deLebos (Lolotoe,Bobonaro) *Agente dapolícia chamadoT489.Quartel-generalda Políciasubdistrital deMaliana.sualibertação.Um dia.Espancado uma vez nacabeça com um bastão demetal.• Em Uatu-Lari (Viqueque), em Fevereiro 1997, um grupo de jovens pró-integração † atacouum grupo de activistas religiosos. ‡ A comunidade de Makadiki (Uatu-Lari, Viqueque)disse à Comissão que as pessoas invadiram as ruas e enfrentaram as autoridades. Aluta continuou durante quatro dias, bloqueando a estrada de Makadiki. 786 O número depessoas detidas durante este incidente foi avaliado em 70 — pelo coronel MahidinSimbolon, o comandante do Comando Militar Sub-regional de Timor Leste — e em 109— pelo subchefe da Polícia de Timor Leste e pelo coronel Atok Rismanto. 787 Todos ospresos foram levados para o Kodim de Viqueque e para um posto militar em Darabai(Uatu-Lari, Viqueque), onde foram interrogados e libertados passados alguns dias.Incidentes após a atribuição do Prémio Nobel da PazDíli foi palco de algumas detenções em Dezembro de 1996, quando o bispo D. Carlos XimenesBelo regressou a Timor-Leste depois de receber o Prémio Nobel da Paz — que partilhou comJosé Ramos-Horta. Foram realizadas comemorações por todo o país aquando do seu regresso, §mas também ocorreram algumas escaramuças violentas, incluindo o espancamento até à mortepor 26 jovens timorenses de um agente dos serviços de informação, o cabo Alfredo de SantoSigamau. Segundo as informações recebidas, os jovens pensavam que o cabo planeavaassassinar o bispo. **Os militares e a Polícia indonésios reagiram detendo pessoas e levando-as para o quartelgeneralda Polícia subdistrital, o quartel-general da Polícia regional e o SGI de Colmera, em Díli.Algumas foram julgadas e cumpriram penas na prisão de Becora. 788 A Polícia relatou a detençãode 13 pessoas relacionadas com os tumultos em Díli. 789Hermenegildo Martins, um dos 26 jovens envolvidos no homicídio do cabo Sigamau, foi detidoquatro meses depois do incidente e levado para o quartel-general da Polícia regional, em Díli. APolícia interrogou-o sobre o homicídio durante três dias e queimou-o com cigarros acesosdurante o interrogatório. Depois, transferiram-no para o quartel-general da Polícia subdistrital emDíli, onde foi maltratado por 12 agentes policiais, que, entre outras coisas, utilizaram umanavalha para lhe cortar a coxa. Hermenegildo Martins acabou por ser julgado pela suaparticipação no homicídio e foi enviado para a prisão de Becora. 790*José Vicente, membro da Fretilin, voltou a ser detido pelo Kodim dois anos depois, em Outubro de 1997, por sersuspeito de ter mobilizado uma manifestação que levou ao incêndio do mercado. José Vicente ficou três dias preso e,durante esse período, foi desnudado, espancado, esmurrado e pontapeado. Em 1999, foi detido pela milícia KMP emLolotoe e preso durante um dia [Testemunho nº 7157 da HRVD].†A comunidade do suco de Makadiki, em Uatu-Lari (Viqueque) descreveu os jovens como membros da Gadapaksi [PerfilComunitário do suco de Makadiki subdistrito de Uatu-Lari, distrito de Viqueque].‡A Comissão não tem provas concretas do que esteve na origem deste confronto, embora a comunidade do suco deMakadiki, em Uatu-Lari (Viqueque) tenha dito à Comissão que o confronto durou quatro dias e implicou lutas entre oshabitantes do suco e as autoridades indonésias. [<strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Makadiki, Uatu-Lari, distrito deViqueque].§<strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Bidau Santana, subdistrito de Nain Feto/Díli Oriental, distrito de Díli. Em Baucau,foi encenada uma grande manifestação a 25 de Dezembro de 1996 [<strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Bucoli,subdistrito de Baucau, distrito de Baucau].**Segundo Hermenegildo Martins, um dos envolvidos no homicídio, foi encontrada uma carta no bolso do cabo Sigamauque dizia: "Quem conseguir matar o bispo Belo receberá a soma de 1 milhão e 500 mil rupias.” [HRVD, Testemunho nº3739].- 207 -


Bandos ninja e bandos anti-ninjaEm meados da década de 1990, enquanto parte da crescente politização da juventude,começaram a formar-se bandos pró-integração e pró-independência em Díli. Os Ninjas eramjovens a favor da integração que se vestiam de negro, cobriam as cabeças com capuzes eatacavam as habitações de famílias pró-independência de noite. Embora pareçam ter sidojovens desiludidos causadores de problemas, há indícios de que trabalharam em coordenaçãocom os militares para instilar o medo na cidade. 791Como reacção a estes bandos, os activistas pró-independência criaram grupos de vigilantes parafazer frente aos ataques Ninja. Muitos desses activistas foram presos pela Polícia. Segundorelatos da Amnistia Internacional, a Polícia e as forças militares detiveram até 15 pessoas em Dílientre 18 e 22 de Fevereiro de 1995. 792 O chefe da Polícia de Timor Leste, Andreas Sugianto,disse que foram presas 14 pessoas, 12 das quais foram acusadas de terem criado grupos devigilantes para fazer frente aos ataques dos bandos Ninja. 793 A 25 de Março de 1995, um agentetimorense do SGI chamado T491, deteve dois membros da Ojetil 794 , Carlito e Octavianos emQuintal Bot, Díli. Os detidos foram levados para o quartel-general do SGI em Colmera eacusados de terem participado no corte da orelha de um Ninja. 795A Comissão recebeu um testemunho de um jovem a favor da integração que foi gravementeatacado por jovens pró-independência, embora não seja claro se este é ocaso acima referido.Um homem timorense (que preferiu não ser identificado) disse à Comissão ter sido raptado porquatro jovens pró-independência — T492, T493, T494 e T495 — a 13 de Fevereiro de 1995. Eledisse que o acusaram de ser um Ninja e de colaborar com o SGI. A sua casa foi pilhada, as suasmãos amarradas e ele foi levado para a casa de Alves Ribeiro, onde os quatro jovens lhecortaram o rosto com uma navalha, o espancaram na cabeça com um bastão de aço e lhecortaram a orelha. Depois, levaram-no para o gabinete do suco de Santa Cruz, amarraram-no aum poste de bandeira e espancaram-no até o seu corpo estar coberto de sangue. 796A caça aos líderes das Falintil na década de 1990Os líderes das Falintil controlavam a frente armada, clandestina e diplomática da Resistência e,por conseguinte, continuaram a ser os alvos principais dos militares indonésios durante operíodo de 1985/1998. A investigação da Comissão indica que a detenção arbitrária e o posteriorinterrogatório e <strong>tortura</strong> era uma estratégia-chave na caça das pessoas suspeitas de teremquaisquer ligações com estes líderes. Embora essas detenções tenham ocorrido em anosanteriores, os testemunhos prestados à Comissão pelas vítimas indicam que os esforçosindonésios para capturar líderes das Falintil aumentaram no início da década de 1990.Por vezes, essas operações ocorriam após um incidente que salientasse a contínua influênciadas Falintil em Timor-Leste. Por exemplo, quando o advogado e jornalista australiano RobertDomm, conseguiu encontrar-se com Xanana Gusmão e entrevistá-lo, a 27 de Setembro de 1990,os serviços de informação lançaram grandes operações para descobrir quem organizara oencontro. 797Outras vezes, as operações militares eram lançadas com o objectivo específico de capturarlíderes da Resistência. Em 1991/1992, por exemplo, foram realizadas operações conjuntasmilitares e paramilitares para procurar Xanana Gusmão. 798 Em 1991, as forças de segurançapensavam que Xanana Gusmão se encontrava em Ainaro, o que levou à prisão de muitaspessoas no distrito pela Tim Sukarelawan (ver caixa cima). 799 Em 1992, foram realizadas duasoperações militares em Timor-Leste, a Operação I (Abril a Setembro de 1992) e a Operação II(Outubro de 1992 a Março de 1983) (Operasi Tuntas I e II), que incluíram a preparação de listasde timorenses suspeitos de manterem contacto com Xanana Gusmão. 800- 208 -


A prisão dos suspeitos tendia a ser a curto prazo e implicava interrogatórios frequentementeacompanhados por <strong>tortura</strong> ou <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Por exemplo, uma mulher disse à Comissão ter sidopresa em Ainaro, em 1991, por ser suspeita de fornecer víveres às Falintil. Ela foi detida pelaTim Sukarelawan e depois interrogada no Edifício da Integração, em Cassa (Ainaro, Ainaro).Após o interrogatório, foi violentamente espancada, o que lhe provocou uma hemorragia nosórgãos genitais, e depois foi assediada sexualmente por 38 membros da Tim Sukarelawan. Foilibertada passada uma noite. 801Bendito da Conceição também foi detido em Ainaro, em 1991, juntamente com 40 outros civis dosuco de Suro Kraik (Ainaro, Ainaro) por ter dançado numa festa do suco com Xanana Gusmão eoutros líderes das Falintil, nomeadamente o adjunto Maufutu, Konis Santana, Riak Leman e AbiaMonaria. Cinco dias depois da festa, a 25 de Julho de 1991, a comunidade foi presa por T496,um membro indonésio do Kopassus, e por dois Milsas, T497 e T498. Os detidos foraminterrogados durante quatro horas e depois mandados escavar buracos e tratar de um relvado noposto militar durante três anos. 802Em Ossu (Viqueque), onde foram detidos vários suspeitos em finais de 1992 pelos Batalhões407 e 503, os suspeitos eram levados para o acampamento da base em Viqueque, para o postodo batalhão não orgânico (BTT) em Ossu. Alguns para outros distritos para serem submetidos amais investigações. Faustino da Silva foi detido em Ossu, juntamente com três outros. Após umviolento interrogatório no Koramil de Ossu, no qual todos os presos foram acusados de pertencerà rede de Xanana Gusmão, foram separados. Faustino da Silva foi levado para as casernas doKodim de Viqueque. O seu amigo Rui ficou três meses preso no quartel-general do Batalhão503, e os seus companheiros Alfredo e Tomás foram transportados para Díli de helicóptero paraserem submetidos a mais interrogatórios. 803 Segundo os relatos, também em Díli foram detidaspessoas suspeitas de manterem contacto com Xanana Gusmão. As detenções foram feitas pelomajor T499, pelo comandante do Kopassus do SGI de Colmera e pelo Batalhão de Infantaria745, em colaboração com o Koramil de Becora. 804Outras detenções relacionadas com a busca de líderes das Falintil incluíram:- 209 -


• No distrito de Aileu, em 1985, 11 pessoas de Lequidoe foram detidas por membros doKoramil por serem suspeitas de esconderem membros destacados da Fretilin/Falintil,incluindo Xanana Gusmão. O depoente, Celestino Amaral, não disse à Comissãodurante quanto tempo esteve preso. 805• Jacinto Moniz, de Fohorem (Fohorem, Covalima), falou à Comissão sobre a suadetenção a 16 de Julho de 1989, sob suspeita de esconder Xanana Gusmão. Quando serecusou a confessar, foi espancado, pontapeado e esmurrado pelos soldados indonésiosno Fohorem. 806• Em Ossu (Viqueque), em 1992, além de procurar Xanana Gusmão, o Batalhão deInfantaria 407 e membros da Tim Makikit e da Rajawali marcaram como alvos algumaspessoas suspeitas de colaborarem com o Comandante Falur Rate Laek da Falintil. 807• No suco de Babulu (Same, Manufahi), em 1994, foram detidas várias pessoas duranteuma operação de busca conjunta, levada a efeito pelo Kopassus e os Milsas, pelomembro destacado das Falintil, Riak Leman. Algumas das pessoas detidas tinhamsurgido numa lista de pessoas acusadas de estarem ligadas à rede clandestina lideradapor Riak Leman, lista essa provavelmente elaborada pelos serviços de informação. 808 Aspessoas foram levadas para o Kodim de Manufahi e para o Quartel-general dasNanggala e interrogadas durante três dias. Depois, foram libertadas, mantendo oestatuto de “presos externos” durante três meses. Durante esse período, foramobrigadas a transportar postes e a cortar relva para construir uma casa tradicional. 809• Nos sucos de Carau-Balu e de Luca (Viqueque, Viqueque), em 1994 e 1997, soldadosdas ABRI e da Rajawali detiveram e maltrataram pessoas suspeitas de manteremcontacto com o comandante das Falintil, Ular. 810• Os civis de Baucau — local onde David Alex, comandante das Falintil, operava antes deser capturado e morto em 1997 — eram regularmente presos para serem interrogadossobre o paradeiro do líder das Falintil. A maioria dos civis ficavam presos poucos dias,durante os quais eram submetidos a interrogatórios intensos, em locais como o HotelFlamboyan, o Rumah Merah e o posto do Kopassus de Ossu, em Viqueque. 811 Porvezes, sucos inteiros eram cercados. Em 1994, membros das ABRI e da Tim Sakadetiveram 24 pessoas no suco de Guruça (Quelicai, Baucau) após terem surgidorumores de que o povo de Guruça tinha estado em contacto com David Alex. Os detidosforam presos no Kodim de Baucau, onde foram interrogados e <strong>tortura</strong>dos durante doisdias. 812A Comissão também tomou conhecimento de que algumas pessoas foram obrigadas a repudiarpublicamente a autoridade dos líderes das Falintil. Num determinado caso, Frederico de Araújocontou à Comissão como os soldados do Batalhão de Infantaria Aerotransportada 700 o detevee quatro outros, em 1991. As suas mãos e pés foram atados e eles foram levados para o postodo Kopassus em Mau-Ulo (Ainaro), onde ficaram oito meses presos. Frederico de Araújo disseque foi pontapeado e esmurrado enquanto esteve preso e, em certa ocasião, foi deixado àchuva, amarrado, durante dois dias e duas noites. Também foi obrigado a percorrer Ainaro edizer às pessoas que os líderes das Falintil, Xanana Gusmão, Mau Hodu, Mau Hunu e VenâncioFerraz eram mentirosos. A mulher de Frederico de Araújo acabou por subornar o Comandantedo Sector B (oeste), Thamrin, com duas peças tecidas (tais), duas galinhas e uma espada parasalvar a vida do marido. 813- 210 -


A detenção de Xanana GusmãoXanana Gusmão foi detido às quatro horas da manhã de 20 de Novembro de 1992, no exteriorde uma casa em Lahane (Díli), onde estivera escondido. A detenção foi filmada pelasautoridades indonésias e recebeu cobertura de imprensa generalizada em toda a Indonésia. 814Xanana Gusmão foi mantido incontactável durante 17 dias, até o CICV ser autorizado a vê-lo.Durante esse período, foi transferido entre vários locais, até ser preso no quartel-general daPolícia nacional em Jacarta, (Mabes Kepolisian RI), onde foi interrogado e sofreu <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>.Segundo Xanana Gusmão, ele foi tratado com respeito durante a detenção, mas não lhe foiapresentado um mandado de captura. Da casa onde foi capturado, foi imediatamente levadopara a casa do general Theo Syafei, comandante do Comando de Implementação dasOperações em Timor Leste (Kolakops), onde passou uma ou duas horas e foi visitado pelo entãocomandante-em-chefe das Forças Armadas indonésias, Try Sutrisno. Xanana Gusmão disse queambos os homens o trataram com respeito. Mais tarde, nesse mesmo dia, Xanana Gusmão foitransportado de avião para Bali, onde ficou preso no Comando Militar Regional (Kodam IX)durante três dias e três noites. 815 Em Bali, Xanana Gusmão foi entregue ao Kopassus, que ointerrogou e o submeteu a uma grave privação de sono durante três dias e três noites:O primeiro método, quando estive em Bali, [foi] não me deixarem dormir. Eu tinha sono durante odia e eles gritavam. Eu tinha sono de noite e eles também gritavam. Eles falaram comigo àsduas horas da manhã. Eu lembro-me de Yunus Yosfiah porque o conheci em 1983, quando eleera major, e ele falou sobre generalidades. Ele batia na mesa e eu fazia o mesmo. Ambosbatíamos na mesa. 816Xanana Gusmão foi então enviado para Jacarta, para o Organismo de Serviços de InformaçãoEstratégicos (Badan Intelijen Strategis, Bais), onde foi visitado por Hendropriyono e prestou umtestemunho ao Organismo de Coordenação dos Serviços de Informação do Estado (BadanKordinasi Intelijen Negara, Bakin).Xanana Gusmão foi condenado a prisão perpétua em Maio de 1993 e enviado para a prisão deCipinang, em Jacarta, para cumprir a pena. Em Agosto de 1993, o Presidente Suharto reduziu apena para 20 anos. Em Agosto de 1995, Xanana Gusmão foi colocado numa cela de prisãosolitária depois de ter tentado enviar uma carta não autorizada para a Quarta ConferênciaMundial sobre Mulheres da ONU, em Pequim, para proteger os direitos das mulheres timorensesque, segundo ele, a Indonésia tinha "violado sistematicamente" durante 20 anos (ver Subcapítulo7.6: Julgamentos Políticos).Após a detenção de Xanana Gusmão, os militares e a Polícia detiveram todos os que estivessemrelacionados com ele. Em Dezembro de 1992, poucas semanas depois da detenção, oSecretário-Geral das Nações Unidas disse ao Comité sobre Direitos Humanos que, pelo menos,20 colaboradores próximos e parentes de Xanana Gusmão tinham sido detidos e presos. 817 AAmnistia Internacional alegou que as pessoas presas em Díli foram submetidas a <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>graves e a <strong>tortura</strong>. 818 Os donos da casa onde Xanana Gusmão foi preso, Aliança Araújo e o seumarido Agusto Pereira, e os seus filhos foram levados para o quartel-general do SGI, ondeficaram sete meses presos. Durante esse período, sofreram <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> — as unhasdos pés de Agusto foram arrancadas com alicates, por exemplo. Uma das mulheres disse numdepoimento posterior ter sido violada sexualmente. 819Segundo a Asia Watch, foram detidos nove familiares de Xanana Gusmão 820 , incluindo a suairmã mais nova, Armandina Gusmão, o marido desta e dois dos seus filhos. Eles foram detidospouco depois da detenção de Xanana Gusmão pela Polícia dos serviços de informação “napresença do chefe do seu suco e não foram informados por que razão, o que constitui umaviolação do Código do Processo Penal Indonésio, bem como das normas internacionais”. 821 Afamília foi levada para o Quartel-general da Polícia Sub-regional e interrogada continuamente- 211 -


durante três dias. Armandina Gusmão disse à Comissão que a Polícia lhes apresentou provas. APolícia também os fotografou e tirou-lhes as impressões digitais. Passados três dias no Quartelgeneralda Polícia Sub-regional, Armandina Gusmão e o seu marido foram vendados e levadospara o quartel-general do SGI em carros separados. Passaram cinco meses no quartel-generaldo SGI, findos os quais ela foi levada para Nusra Bhakti, onde permaneceu uma semana. 822A Comissão tomou conhecimento de, pelo menos, um caso em que uma pessoa que tinhaanteriormente sido detida por supostamente estar relacionada com Xanana Gusmão, voltou a serdetida após a captura deste. Em Ainaro, um homem timorense relacionado com Xanana Gusmãovoltou a ser chamado, depois de ter sido libertado, quando Xanana Gusmão foi detido emandaram-no apresentar-se todas as manhãs durante um mês. Pelo contrário, algumas pessoasforam libertadas assim que Xanana Gusmão foi capturado, por já não serem necessárias paraobter a sua detenção. Alfonso Maria explicou:Antes da detenção de Xanana Gusmão, eles estavamsempre a espancar-nos e a <strong>tortura</strong>r-nos. Elesperguntavam-nos sempre: “Tens uma rede com Xanana?”Se disseres que não, serás espancado e electrocutado atédizeres que sim. Depois eles paravam com a <strong>tortura</strong>.Fomos libertados após a captura de Xanana, a 20 deNovembro. 823Outros foram dispensados da sua obrigação de se apresentarem ou de períodos de trabalhoforçado, mas só depois de jurarem fidelidade à Indonésia. Vicenti Tavares tinha sido detido comsete outros membros do movimento clandestino de Carau-Balu em Outubro 1992 pelo Batalhãode Infantaria 407 por terem mantido contacto com Xanana Gusmão. Estiveram seis dias presos edepois tiveram de se apresentar no posto militar de Ossu (Ossu, Viqueque). Após a captura deXanana Gusmão, foram dispensados da obrigação de se apresentarem, mas foram obrigados afazer um juramento (presumivelmente de fidelidade à Indonésia) e a beber sangue de cãoperante os Muspida, os Tripika e o comandante do Korem de Díli. 824- 212 -


A história de Olga Corte-RealOlga Corte-Real aderiu ao movimento clandestino em 1982, quando ela e vários familiares seusse encontraram com os membros das Falintil, Birak e Kasihan, e discutiram os obstáculosenfrentados pelas Falintil. Passada uma semana Olga, Petronela e Manuel Corte-Realencontraram-se com o comandante das Falintil, Mau Hunu, na aldeia de Trilolo, Holarua (Same,Manufahi) para planearem trabalho clandestino.Em 1990, Olga Corte-Real trabalhou como enfermeira no centro de saúde comunitário do sucode Datina, Holarua (Same, Manufahi.) Em Agosto de 1990, Olga Corte-Real encontrou-se comXanana Gusmão na aldeia de Kakau Lidin, Bairro Pite (Dom Alexio, Díli). Olga fez um relato dassuas experiências à <strong>CAVR</strong>, na Audiência Pública Nacional sobre Mulheres e Conflito, a 28 e 29de Abril de 2003.Talvez os soldados das ABRI me tenham denunciado devido às minhas actividadesclandestinas. A 8 de Novembro de 1992, um agente da polícia timorense chamado T500 e váriossoldados [do Kodim] de Manufahi detiveram-me, juntamente com Graciana, Fernando Cardoso eGabriel C Trindade da Costa. Levaram-nos para o Kodim, onde o Comandante timorense doKodim T501 e o Comandante de batalhão timorense 514 estavam à nossa espera. T501perguntou-me se eu e a minha irmã Regina tínhamos dado remédios a Xanana em Hoholau. Eudisse que eu e a minha irmã não tínhamos levado remédios a Xanana, mas que os enviáramosatravés de um estafeta, António Martins. De facto, eu e a minha irmã tínhamos entregue osremédios pessoalmente, mas mentimos.Depois, T501 exigiu que eu revelasse os nomes das outras raparigas da rede [clandestina], maseu disse-lhe que as únicas mulheres da rede eram a minha prima Graciana, a minha irmã Reginae eu. Realmente, havia outras mulheres [na rede], nomeadamente Angelina da Costa, Fernandade Jesus, Eleonora Cardoso e Francisca Cardoso. T501 ameaçou-me de me cortar a gargantase viesse a descobrir os nomes das outras mulheres. Eu disse que estava preparada para mecortarem a garganta se as minhas informações viessem a revelar-se incorrectas.Enquanto que o interrogatório decorria, um membro do Nanggala [Kopassus] entrou na sala. Elelevou-me para outra casa, onde um agente da polícia dos serviços de informação , T490, meinterrogou desde as nove horas da manhã até às três e meia da tarde. Um colega de T490chamado T502 entrou na sala. Ele praguejou contra mim e disse que eu tivera relações sexuaiscom Xanana. T502 mandou Luís Cardoso e o seu irmão mais novo António Martins sentarem-senuma cadeira e esmagaram os dedos dos meus pés até as minhas unhas ficarem pretas.Às dez horas da manhã seguinte, 9 de Novembro de 1992, um comandante das ABRI chegou deDíli de helicóptero e aterrou no acampamento da base. Ele tinha uma câmara Polaroid efotografou-me. Depois, o helicóptero levou-o de volta para Díli. As ABRI escoltaram-nos de voltaa Datina às quatro horas da tarde.Obrigaram-me a comparecer na cerimónia matinal do Kodim desde 1 de Janeiro de 1993 atéAbril de 1994. Fui à cerimónia todas as manhãs, mas mantive as minhas actividadesclandestinas e os meus laços com as Falintil, que estavam nas montanhas. 825Retaliações a ataques da ResistênciaO padrão de detenções de civis em massa após os ataques das Falintil a alvos militares ougovernamentais continuou ao longo do período de normalização e consolidação, embora a umaescala mais pequena. As autoridades reagiram a esses ataques fazendo detenções, prisõesarbitrárias e maltratando e <strong>tortura</strong>ndo os suspeitos, que, geralmente, eram membros domovimento clandestino — embora alguns fossem civis.- 213 -


A Comissão tomou conhecimento de ataques isolados das Falintil, sobretudo no distrito deLautém, mas também no distrito de Manufahi, ocorridos entre 1985 e 1987, que suscitaramretaliações dos militares indonésios. 826 Na década de 1990, grupos policiais e de paramilitareslocais aumentaram a sua participação na repressão, prisão e <strong>tortura</strong> de suspeitos. Os exemplosque se seguem são os principais incidentes das Falintil decorridos na década de 1990conhecidos pela Comissão. Os depoimentos de vítimas de repressões dos militares e da Políciarecebidos pela Comissão indicam que a reacção típica era a prisão, frequentementeacompanhada por <strong>tortura</strong> e outras formas de tratamento cruel e desumano. Estes exemplos são:• Cidade de Baucau, em Outubro de 1992m, após um homicídio perpetrado pelas Falintil• Ermera, 1996, após as Falintil matarem um civil• Ataques das Brimob em Díli e Baucau, Maio de 1997• Ataques em Manufahi, 1998.Baucau, Outubro de 1992A Comissão recebeu um testemunho sobre o homicídio de um civil indonésio de Sulawesi, mortopelas Falintil a 5 de Outubro de 1992, num restaurante na Cidade Velha de Baucau. JerónimoPaulo Freitas falou à Comissão sobre o ocorrido e disse ter sido detido por membros do Batalhãode Infantaria 315 e da Tim Saka cinco dias depois, sob suspeita de participação no crime.Jerónimo Paulo Freitas era membro activo da rede clandestina de Baucau. Um membro da TimSaka, T503, agrediu-o nas costas com uma espingarda e levou-o para o Kodim de Baucau, ondeum membro timorense das forças militares identificado como T504, o interrogou sobre oincidente enquanto outro membro timorense das forças militares, T505, o <strong>tortura</strong>va, espancandoocom uma trave de madeira, esmurrando-o e pontapeando-o. Jerónimo Paulo Freitas disse àComissão ter então sido colocado num saco negro e levado para o suco de Gariuai (Baucau,Baucau), onde foi atirado para uma casa de banho, na qual permaneceu 13 dias, tendo apenascascas de banana e sal para comer. 827Ermera, Outubro de 1996A Comissão tomou conhecimento de outro homicídio de um civil indonésio, morto pelas Falintilquatro anos depois, em Ermera, em Outubro de 1996, que também resultou na detenção decivis. A Comissão foi informada de que um membro das Falintil matou um comerciante de roupaindonésio em Ermera por suspeitar que o homem trabalhasse para os serviços de informação. 828Desta vez, foi a Polícia, e não os militares, que deteve activistas pró-independência em váriossucos da área.João Alves Trinidade disse à Comissão que, a 16 de Outubro de 1996, sete jovens da aldeia deLekesi (Railaco, Ermera) — João Alves Trindade, Eduardo dos Santos, Gaspar dos Santos,Silvestre Martins, João, Luís Salsinha e Joel Assunção Neves — foram detidos por agentespoliciais timorenses armados — T506, T507, T508, T509, T520 — e pelos agentes da políciaindonésios T511, T512 e T513. A Polícia amarrou as mãos dos detidos, arrastou-os pela encostade uma montanha abaixa e espancou-os com madeira. Mais tarde, o grupo sofreu <strong>tortura</strong> e<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> na esquadra da polícia de Gleno (Ermera). João Alves Trindade disse à ComissãoNo quartel-general da Polícia do subdistrito de Gleno, aPolícia mandou-nos despir e pôs-nos numa cela. [Eles]electrocutaram-nos e apertaram e puxaram os nossosórgãos genitais. Eles bateram-nos e deram-nos pontapésaté os nossos corpos estarem inchados. Eles bateram-nosna cabeça e obrigaram-nos a fazer um testemunho,fornecendo pormenores sobre coisas que não tínhamosfeito…Eles prenderam-nos durante dois meses. 829- 214 -


João Alves Trinidade e os seus amigos ficaram presos na esquadra da polícia de Ermeradurante dois meses e depois foram julgados. Começaram a cumprir a sua pena de prisão de 10anos na prisão de Becora, mas fugiram depois do acto eleitoral de 11 de Setembro de 1999. 830Segundo as informações recebidas, o agente policial T506 também deteve Julito Babo emDarhetu Mate, Ponilala (Ermera, Ermera). T506 levou Julito Babo para a esquadra da polícia deGleno, onde lhe tirou a carteira, o crucifixo e as roupas. Depois, amarrou-o a uma cruz, fazendouma paródia a Jesus, e espancou-o até horas tardias da noite. Findo isso, agarrou um lagarto eobrigou Julito Babo a comê-lo e mandou-o lamber restos de comida do chão. 831A Comissão também recebeu um testemunho que indica que as famílias dos jovens membros darede clandestina também sofreram prisão arbitrária e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Amália Alexio Martins disse àComissão que depois dos seus filhos, Eduardo dos Santos e Gaspar dos Santos, serem detidos,o agente da polícia T512 deteve-a e ao seu marido, Pedro Martin, a 16 de Outubro de 1998, emPoetete (Ermera, Ermera) Eles foram arbitrariamente presos na esquadra da polícia de Ermera eforam maltratados — numa tentativa de os obrigar a fornecer provas contras os filhos. AmáliaMartins disse que T512 a interrogou enquanto lhe batia, puxando-lhe o cabelo, ameaçandodespi-la e atirando-a contra a porta. Eles foram libertados passados quatro dias, mas eramobrigados a apresentar-se todos os dias e o agente policial T506 extorquiu-lhes 900 mil rupias,duas cabras, seis galinhas, um cão e dinheiro diário para comprar cigarros. 832Ataques por altura das eleições nacionais indonésias de 1997Em 1997, por altura das eleições nacionais indonésias de 29 de Maio de 1997, ocorreu umavaga de ataques das Falintil. * Segundo a Amnistia Internacional, 42 pessoas, incluindo agentesda polícia e combatentes das Falintil, foram mortas nesses ataques. † Os dois maiores ataquesforam contra unidades da Brigada Móvel da Polícia (Brimob):*Segundo a HRW, ocorreu outro ataque relacionado com as eleições nacionais indonésias em Seiçal (Baucau) a 29 deMaio, quando um local de voto foi atacado por um grupo não identificado. Um funcionário eleitoral, Abinau Salay, que eramembro da Wanra, foi agredido com um catana e ferido. Dez pessoas foram detidas. Human Rights Watch, DeterioratingHuman Rights Situation in East Timor, Arquivos da <strong>CAVR</strong> in HRW East Timor\reports\1997\indtimor\index.html. SegundoJoão Bosco, ocorreu um ataque relacionado com as eleições em Daraqua (Laga, Baucau) a 27 de Maio de 1997[Entrevista da <strong>CAVR</strong> a João Bosco, Quelicai, Baucau, 2 de Setembro de 2004].†Segundo o coronel da Polícia de Timor Leste Jusuf Mucharam, 17 civis foram mortos pelas Falintil durante o mês deMaio de 1997 (incluindo 10 pessoas em Lospalos, duas em Baucau e duas em Liquiça e uma em Viqueque, uma emErmera e uma em Ainaro). [AI UA 391/97].- 215 -


• O primeiro ataque foi feito por jovens a favor da independência em Díli, a 28 Maio 1997.Por volta das dez horas da noite, 15 jovens atacaram um posto de guarda da Brimob noBairro Pite, um bairro de Díli. * Eles feriram cinco agentes da polícia e um dos jovensroubou uma espingarda, que mais tarde atirou para a sarjeta. 833 Cinco dos atacantesforam mortos a tiro no ataque.• O segundo ataque foi feito pelas Falintil a 31 de Maio no subdistrito de Quelicai(Baucau). As Falintil atacaram camiões Hino, que transportavam 26 agentes policiais daBrimob e dois soldados que estavam a entregar uma urna de voto para a contagem emBaucau, e atiraram uma granada para dentro de um camião, provocando a explosão deum bidão de gasolina. Treze das pessoas que seguiam a bordo de um dos camiõesmorreram queimadas devido à explosão. As Falintil mataram mais quatro pessoasenquanto tentavam fugir. 834 Francisco da Costa, que participou no ataque, descreveu oincidente:Naquela tarde, a Polícia tinha supostamente de devolveras urnas de voto a Baucau para a contagem. Então, aPolícia…carregou vários carros de polícia com as urnas devoto e levou-as para Baucau, com uma escolta desegurança apertada. A meio do caminho, perto do suco deAbafala e de Quelicai, soldados das [Falintil] pararam oscarros e atacaram a Polícia, provocando bastantes baixasentre os agentes policiais. 835O subchefe da Polícia de Timor Leste, o coronel da Polícia Jusuf Mucharam, relatou terem sidofeitas cerca de 120 detenções, todas de membros da Resistência, relacionadas com os ataquese emboscadas em diferentes partes do território. †Detenções após o ataque de DíliOs dez jovens que sobreviveram ao ataque em Díli conseguiram fugir do local, mas pelo menosnove deles (nove nomes foram identificado à Comissão) foram posteriormente detidos ouentregaram-se, nomeadamente Francisco da Silva, Reinaldo Marçal, Adalio Barreto, DomingosBarcos, Abeto Soares, Frederico Soares, João da Cunha, EIgidio da Cunha, Francisco daConceição, Romeo da Conceição e Mariano Soares. David Dias Ximenes, considerado o cérebroque planeou o ataque, também foi detido a 31 de Maio em sua casa. 836 A sua mulher foi presapouco depois. 837 Outros civis que não haviam participado no ataque também foram detidos, enão apenas na área de Díli. Francisco Carceia Correia e um homem chamado João foramdetidos em Manatuto. 838Todos os presos conhecidos pela Comissão (excepto João, de Manatuto, que foi preso emManatuto) foram levados para a Polícia distrital de Díli. Foram interrogados e sofreram <strong>tortura</strong> e<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. 839 Francisco Carceia Correia disse à Comissão ter sido espancado e pontapeadopor cinco agentes da polícia e depois colocado num saco e pendurado. 840 Romeo da Conceição,um dos que se entregaram na Polícia distrital a 31 de Maio de 1997, disse à Comissão:*Segundo Romeo da Conceição, (HRVD, Testemunho nº 5074) os jovens actuavam sob ordens de Kaixa Koto Morok;segundo Reinaldo Marçal, actuavam sob ordens de Xanana Gusmão e de Taur Matan Ruak; e segundo Mariano,actuavam sob ordens de Taur Matan Ruak e do Comandante da Região II, Sabica.†“Foram detidas 26 pessoas que lançaram um ataque contra a Companhia A da Brigada Móvel da Polícia, Brimob, noBairro Pite, Díli (28/5)” [Apakabar Online news service, apakabar@clark.net 9 de Junho de 1997].- 216 -


Eles praguejaram contra nós e mandaram-nos despir asroupas. Depois, bateram-me na virilha e um agente dapolícia, M283, electrocutou-me. À hora das refeições,mandavam-nos dançar antes de nos deixarem comer. Elesprenderam-nos e <strong>tortura</strong>ram-nos durante seis meses. Emde Janeiro de 1998, transferiram-nos para a Prisão deBecora e os guardas de lá também nos <strong>tortura</strong>ram. 841Os interrogatórios das nove pessoas suspeitas de terem perpetrado o ataque foram realizadospela Polícia distrital e pelos serviços de informação. Mariano da Costa Sarmento Soares, porexemplo, foi interrogado pelo agente policia indonésio T515, pelo tenente T516 e por um agentedos serviços de informação chamado T517. 842 David Ximenes, por ser suspeito de terorganizado o ataque, foi interrogado por uma equipa militar de Jacarta, que incluía o comandantemilitar de Timor Leste, o major-general T518. Pouco depois da detenção de David Ximenes, aBrimob também deteve a sua mulher e os seus filhos e levou-os para a esquadra da políciadistrital.Segundo Reinaldo Marçal, depois de serem interrogados pela Polícia, foram levados para oquartel-general do SGI para serem interrogados pelo Kopassus. Os membros do Kopassusagrediram-nos com uma espingarda e esmagaram-lhes os pés debaixo da perna de uma cadeiraenquanto lhes perguntavam quem estava por trás do ataque. Os homens responderam quetinham sido eles próprios a organizar o ataque:Eles disseram: “Não acreditamos. Alguém o deve terordenado e nós não o conhecemos”, e depois continuaramcom a <strong>tortura</strong>. Eles disseram: “Têm de dizer a verdade,senão levamo-los para Tacitolu esta noite.” 843Os membros do Kopassus levaram-nos para Tacitolu, onde os ameaçaram, antes de os levaremde volta à Polícia distrital. Eles voltaram a ser interrogados enquanto eram pontapeados,espancados com um taco de madeira e ameaçados de morte por serem traidores. Ointerrogatório, a <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> continuaram durante uma semana, até eles seremobrigados a assinar uma carta escrita pelos seus captores. Eles assinaram-na porque sesentiram ameaçados pelos guardas armados. 844Os presos foram então enviados para a Prisão de Becora, onde passaram um mês na celaescura. Foram maltratados pelos guardas de Becora e por T519, um indonésio. Foram obrigadosa despirem-se, ficando apenas com a roupa interior. Foram espancados, pontapeados esubmetidos a choques eléctricos. 845Nove dos suspeitos perpetradores foram julgados e condenados a dez anos de prisão. Forampresos em Becora. David Ximenes foi libertado sem julgamento passados alguns dias. 846Detenções após o ataque em Quelicai (Baucau)O ataque em Quelicai, em Maio de 1997, também desencadeou uma repressão militar queimplicou a prisão arbitrária e a <strong>tortura</strong> de pessoas suspeitas de terem perpetrado os ataques, depessoas suspeitas de os terem organizado, de membros conhecidos do movimento clandestino ede civis, nos subdistritos de Quelicai e de Vemasse, em Baucau. * A operação resultou na*Também ocorreram detenções relacionadas com o ataque em Díli — David Dias Ximenes e a sua mulher — e emAinaro — Francisco Magno, José Acácio e a sua mulher (Acção Urgente da Amnistia Internacional 391/97).- 217 -


detenção (e homicídio), a 25 Junho de 1997, do alto comandante das Falintil, David Alex, que osmilitares consideravam ser o cérebro por trás do ataque, e de seis outros. *Na maioria das detenções relatadas à Comissão, os militares trabalharam em conjunto com aTim Saka, por vezes acompanhadas por membros da Tim Rajawali, da Brimob ou Hansip. Se adetenção fosse de um suspeito de ter perpetrado o ataque, era feita por um grupo grande,composto por membros de várias instituições. Os presos eram levados para o Koramil deQuelicai, a Polícia distrital de Díli ou para a esquadra da polícia distrital de Baucau, † e muitoseram transferidos entre diferentes locais de detenção para serem interrogados. 847 Ointerrogatório dos presos costumava ser realizado pelo comandante do Koramil ou porcomandantes da Tim Saka, nomeadamente T520 e T521, e eram acompanhados de <strong>tortura</strong> e<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> às mãos de membros da Tim Saka ou da Polícia.Não se conhece o número exacto de detenções relacionadas com o ataque, embora se saibaque 19 pessoas acabaram por ser acusadas e que uma morreu. Também foram detidos muitoscivis de sucos do subdistrito de Quelicai, que não tinham participado no ataque e foram presosdurante um curto período, apenas para serem interrogados. 848 Constâncio Gaio, por exemplo,disse à Comissão que era agricultor e criador de gado, mas foi detido quando soldados das ABRIvieram de Baucau para recolher os cadáveres dos membros da Brimob mortos no ataque. Ele foilevado para a esquadra da polícia do distrito de Baucau, onde foi espancado, pontapeado egolpeado com uma espingarda e depois interrogado sobre o ataque. Constâncio Gaio foilibertado passados três dias. 849Os suspeitos de participação directa ou indirecta no ataque foram presos durante períodos maislongos. 850 O membro do movimento clandestino Luís Maria da Silva (Maukiak) foi detido,juntamente com vários outros, a 5 de Junho de 1997 por membros da Brimob, da Polícia, da TimSera, da Tim Rajawali e pelo comandante T521 da Tim Saka e o seu adjunto, T523. Franciscoda Costa, que participou no ataque, foi detido a 6 de Junho de 1997. 851 João Bosco foi detido naigreja, à saída da missa, a 8 de Junho de 1997 por membros do Koramil e da Tim Saka. 852Os três foram inicialmente levados para o Koramil de Quelicai, onde foram espancados e<strong>tortura</strong>dos por comandantes da Tim Saka, incluindo T521. João Bosco também foi espancado noKoramil, por soldados do Koramil e por T524, um agente timorense dos serviços de informação.Francisco da Costa descreveu a <strong>tortura</strong> que sofreu às mãos dos membros da Tim Saka durantedois dias:Eles agarraram num pedaço de madeira e amarram-noentre as minhas pernas. Depois, espancaram--me ederam-me pontapés. Os meus ossos partiram-se e eu nãoconseguia mexer o queixo porque estava inchado e fraco.Eu sangrava, mas eles continuaram a espancaram-me atétodos os meus dentes estarem partidos e espalhados nochão. Eles <strong>tortura</strong>ram-me durante dois dias. 853Os presos foram então transferidos do Koramil para a esquadra da polícia de Baucau. Luís Mariada Silva passou apenas duas horas no local, tendo sido espancado pela Polícia antes de sertransferido para o Rumah Merah, onde permaneceu seis dias e foi espancado por membros dasforças militares. Francisco da Costa e João Bosco passaram vários dias na esquadra da polícia eJoão Bosco disse ter sido <strong>tortura</strong>do pelo capitão indonésio da Polícia subdistrital, T525. A 11 deJunho de 1997, os três, juntamente com Marcus Ximenes, Mário Filipe e Januário Martins, foram*HRVD, Testemunho nº 7681; Human Rights Watch, Deteriorating Human Rights Situation in East Timor , Arquivos da<strong>CAVR</strong> in HRW East Timor\reports\1997\indtimor\index.html. Segundo a Amnistia Internacional, Manuel, José AntónioBelo, Cesário da Costa, Gil da Costa e Guilherme dos Santos também foram detidos com ele. ASA 21/54/97.†Segundo a HRW, as pessoas detidas a 5 de Junho foram levadas para o Kodim [Human Rights Watch, DeterioratingHuman Rights Situation in East Timor, <strong>CAVR</strong> Archive at HRW East Timor\reports\1997\indtimor\index.html].- 218 -


transferidos para o quartel-general da Polícia regional, em Díli, onde ficaram presos e foraminterrogados durante vários meses. * Mário Filipe descreveu a rotina de interrogatório naesquadra da polícia distrital de Díli:O método de interrogatório era uma pessoa fazer asperguntas e quatro pessoas <strong>tortura</strong>rem-me. Enquanto umapessoa me interrogava, as outras quatro davam-mepontapés à frente, nas costas e de lado, para que eu nãopudesse falar calmamente. Eles alimentavam-me uma vezpor dia. A Cruz Vermelha visitou-me. Um dia, antes de aCruz Vermelha vir, eles limparam todas as salas e derammetrês refeições por dia. Mas depois de a Cruz Vermelhase ir embora, eles voltaram aos velhos costumes. Elesdeixavam-nos dormir no chão numa sala suja e, por vezes,nem nos davam de comer. 854As condições na esquadra da polícia distrital eram particularmente desumanas, talvez por aPolícia querer vingar os seus mortos. As vítimas descreveram o tratamento recebido:Eles despejavam a comida no chão e pediam aosprisioneiros para o lamberem até ficar limpo. 855Por vezes, misturavam a comida com fragmentos de vidroe obrigavam as pessoas a comer. Também obrigavam osprisioneiros a rebolar no chão até o secarem, como sefossem esfregonas humanas. 856Após o período passado na esquadra da polícia distrital, os membros do movimento clandestinode Baucau foram novamente enviados para a esquadra da polícia de Baucau, onde ficarampresos até ao julgamento. Francisco da Costa permaneceu seis meses preso pela Polícia emBaucau. 857Dezanove pessoas acabaram por ser julgadas em Baucau e a Comissão tomou conhecimentode que uma delas, Januário Martins, morreu na prisão. † Dos sobreviventes, 16 receberam penasentre nove e 15 anos de prisão; José Maria e Francisco da Costa foram condenados à pena demorte. Dezasseis foram enviados para Kalisosok, em Surabaya (Java Oriental, Indonésia),depois de aceitarem a sentença. Francisco da Costa e Luís da Silva recusaram-se a aceitar assuas sentenças e permaneceram em Baucau até 1999. 858Uma síntese da experiência de prisão e <strong>tortura</strong> de Luís Maria da Silva realça o padrão familiar dadeslocação de presos entre vários locais, a relação próxima entre os militares, a Polícia e asmilícias locais na prisão, interrogatório, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> dos presos e a utilização quaserotineira de <strong>tortura</strong> durante os interrogatórios: 859Prisão Duração Tortura/Maus-<strong>tratos</strong> PerpetradorQuelicaiKoramil1 dia “Eles espancaram-me, bateram-me e deram-mepontapés até o meu corpo estar inchado e eu desmaiar”ComandanteT521 da TimSakaPolícia dosubdistrito deBaucau2 horas Espancamento e agressão. PolíciaRumahMerah,Baucau6 dias “Eles espancaram-me, deram-me pontapés e pisarammeaté a minha boca, nariz e orelhas sangrarem. Eufiquei inconsciente. Quando acordei, voltaram aMilitares*Francisco da Costa diz que foi mais espancar-me.”do que um mês, Luís da Silva ficou dois meses preso e João Bosco disse àComissão que todos ficaram três meses presos.†Segundo João Bosco: “Eles espancaram Januário até à morte quando chegaram ao Quartel-general Regional daPolícia [Polda] de Díli, a 11 de Junho de 1997.” [Entrevista da <strong>CAVR</strong> a João Bosco, Quelicai, Baucau, 2 de Setembro de2004].- 219 -


Merah,BaucauPolícia dodistrito deDíliPolícia dosubdistrito deBaucauPrisão deBaucaume até a minha boca, nariz e orelhas sangrarem. Eufiquei inconsciente. Quando acordei, voltaram aespancar-me.”2 meses “Antes de entrar na minha cela, eles amarram-me asmãos com uma corda e espancaram-me, arrastaram-mee atiraram-me, com mais seis pessoas que eu nãoconhecia, para a casa de banho.”1 mês “Eles agrediram-me e espancaram-me até o meu corpoficar inchado. Despejaram água quente em cima do meucorpo. Um agente da polícia deu-me arroz misturadocom pedaços de agulhas e fragmentos de vidro.”CumpriusentençaPolíciaPolíciaAlém dos que foram detidos em Baucau, a Comissão tomou conhecimento da detenção de ummembro destacado do movimento clandestino em Díli. Vasco da Gama (Mauleki), um líderclandestino, foi detido em Junho de 1997, sob suspeita de ter ordenado o ataque de Quelicai epor outras alegadas actividades clandestinas. A detenção foi feita por membros da Rajawali, doKopassus, da Polícia e do Koramil, sob ordens do capitão T527 de Kupang e do seu adjuntotimorense, T528. Eles vendaram os olhos de Vasco da Gama com um pano negro, amarraramlheas mãos e espancaram-no durante todo o caminho, desde sua casa até à esquadra dapolícia. Eles interrogaram-no sobre o ataque à Brimob e sobre quem ordenara o boicote àseleições. Vasco da Gama (Mauleki) afirmou à Comissão:Eu não confessei. Por isso, assim que cheguei à entradada esquadra da polícia, meteram-me dentro de um bidãocheio de água e fizeram-no rolar. Depois, com o meucorpo todo inchado, puseram-me numa cela para serinterrogado. Quinze minutos depois, começaram aespancar-me e a dar-me pontapés e algemaram asminhas mãos. Alguém amarrou as minhas pernas àcadeira. Não sei quem foi porque tinha os olhos cobertoscom um pano negro. 860No dia seguinte, Vasco da Gama continuou a ser interrogado pelo sargento-mor da polícia deKupang T529, e pelo tenente-coronel T530, que queriam obter informações sobre diferenteslíderes clandestinos que se encontravam no interior e em Díli. Vasco da Gama foi acusado dedar 9 milhões de rupias ao movimento clandestino para financiar uma manifestação. ComoVasco da Gama não confessou, T529 começou a espancá-lo com um cacete de ferro e com acoronha de uma espingarda e a pontapeá-lo. T529 pôs uma arma na boca de Vasco da Gama eameaçou-o de disparar caso ele não dissesse nomes. Quatro dias depois, o coronel indonésioT531 interrogou-o novamente sobre os nomes de outros membros do movimento clandestino. 861- 220 -


PolíciaTal como os estudos de caso acima demonstram, a Polícia começou a ter um papel mais activona detenção e prisão de suspeitos por motivos políticos na década de 1990, tanto a nível localnacional como a nível nacional.Uma razão para isso foi a “normalização” da província de Timor Leste, o que significava, emparte, que o território já não era uma zona de guerra e, por conseguinte, que a Polícia tinha maisresponsabilidade de assegurar a segurança. Desde tão cedo como 1983 — quando os presospolíticos começaram a ser julgados — que eles e os seus ficheiros eram entregues ao sistemade tribunais para serem processados (ver Subcapítulo 7.6: Julgamentos Políticos).Tratamento dado aos presos pela PolíciaNo entanto, ser-se detido pela Polícia não significava necessariamente que se fosse melhortratado. Raramente eram utilizados mandatos de captura, os presos eram mantidosincontactáveis durante dias ou semanas e, frequentemente, não tinham acesso a um advogadoantes do dia do início do seu julgamento. Os agentes da polícia também foram identificadoscomo perpetradores em vários casos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> relatados à Comissão, tendo sidoreferidos em casos em que os presos eram mantidos em condições aterradoras, sem víveres oubebida.A Polícia e os militaresEm muitos casos, sobretudo até ao início da década de 1990, a Polícia e os militarestrabalhavam em conjunto nas detenções e na obtenção de informações. Até 1998, a forçapolicial era formalmente considerada parte integrante das Forças Armadas dentro do sistemaindonésio e, geralmente, assumia um estatuto subserviente no sistema. A manutenção da lei eda ordem e a defesa do Estado de direito eram frequentemente tarefas secundárias em relaçãoà concretização de objectivos militares no contexto do conflito (ver Capítulo 3: História doConflito).O testemunho de Constâncio da Costa dos Santos (Akita) à Comissão ilustra a crescenteimportância do papel desempenhado pela Polícia. Ele falou à Comissão sobre a sua detençãopor ter levado uma bomba da Indonésia para Díli. A bomba iria ser utilizada para fazer explodirum posto da polícia em Setembro de 1997. As autoridades de Timor Leste foram informadas dasua chegada e, quando o barco entrou no porto de Díli, a Polícia, os comandantes do SGI, oentão comandante do Kopassus, major-general Prabowo Subianto, o chefe dos funcionários doKorem, tenente-coronel Tono Suratman, e o comandante do Korem, o coronel Sidabutar,estavam à sua espera. *862Constâncio dos Santos foi detido pela Polícia e levado para a esquadra. No entanto, ointerrogatório foi realizado pelo comandante do SGI. Ele foi interrogado desde as dez horas damanhã até às duas horas da manhã do dia seguinte, sobretudo sobre se havia colaboração entreas Falintil e grupos internacionais de terroristas. Como se recusou a responder às perguntas, foiespancado, queimado com cigarros, algemado com as mãos atrás das costas e mandadosegurar uma lista telefónica pesada. Segundo Constâncio dos Santos, os agentes da esquadrada polícia subdistrital não participaram nos <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>.*Durante a sua viagem de barco desde Semarang, outra bomba explodiu acidentalmente dentro da casa de membros domovimento clandestino em Demak, Semarang. Devido a esse incidente, a Polícia e as Forças Armadas de Timor-Lesteforam informadas de que Constâncio dos Santos se dirigia de barco para Díli e esperaram por ele no porto.- 221 -


No dia seguinte, Zacky Anwar Makarim, chefe da Agência de Serviços de Informação das ForçasArmadas (Badan Inteligensi ABRI, BIA), veio de Jacarta para ver Constâncio dos Santos.Constâncio disse à Comissão que quando os membros do SGI o levaram ao encontro de ZackyAnwar, o capitão da polícia não concordou em libertá-lo da tutela da Polícia. Ele acabou porconcordar, sob a condição de alguns membros da polícia acompanharem os membros do SGI àcasa do chefe das forças militares.Constâncio dos Santos foi levado da esquadra subdistrital para a casa do comandante, ondejantaram. Eles conversaram bastante e ele recorda:Fiquei surpreendido com o que Zacky nos disse porque ele falou sobre as actividades domovimento em Java como se fosse timorense. Ele sabia tudo. Sabia tudo sobre as actividadesdo movimento em Java e os seus laços com Díli, os grupos da Resistência, as organizaçõesestudantis e outras organizações em Java.Após o “interrogatório”, ele foi novamente levado para o quartel-general da Polícia subdistrital,onde ficou dois meses preso.Quando membros do SGI perguntaram ao capitão da polícia se podiam levar Constâncio dosSantos para ser interrogado durante a noite, ele não lhes deu autorização para o fazer. Osagentes da polícia disseram a Constâncio que ele poderia ter “desaparecido” se tivesse sido oSGI a detê-lo em vez da Polícia.Liquiça, Julho de 1997A Comissão recebeu testemunhos sobre detenções feitas após as Falintil matarem três membrosda Rajawali no suco de Darulete (Liquiça, Liquiça) em meados de Julho de 1997. Membros dacomunidade de Maumeta (Bazartete, Liquiça) descreveram como os membros do Kodim deLiquiça e do SGI detiveram civis que suspeitavam ter participado no ataque. 863 Os detidos foramlevados para a esquadra da polícia do subdistrito de Liquiça, 864 para o Koramil de Liquiça 865 epara o Kodim. 866 Jacinto da Costa, um dos presos, descreveu a sua detenção e subsequenteinterrogatório e <strong>tortura</strong>:- 222 -


Na quinta-feira 31 de Julho de 1997, às duas horas datarde, os membros do Kodim T532 e T533 lideraram cercade 20 soldados das ABRI até minha casa. T533 pediu-meo cartão de identificação e eu mostrei-lho. Depois, dissemepara entrar num camião Hino, onde vi que já estavamoito companheiros meus, incluindo Marcelino, AdelinoVidigal, Silvino dos Santos, António de Jesus, Guilherme,Armindo e António Vidigal. Eles levaram-nos para ogabinete do suco em Darulete. Quando saímos do camião,T534 rasgou a minha camisa. Ele mandou-nos voltar parao camião e levou-nos para o Kodim 1638 em Liquiça, ondefomos interrogados por 10 membros do SGI e fui separadodos meus companheiros. Eles levaram-me para o Koramile puseram-me numa sala. T534 obrigou-me a despir todaa roupa, excepto a interior. Pouco depois, chegaram entre10 e 15 membros do SGI, que me espancaram comespingardas, me esbofetearam e me esmurraram e mebateram na cabeça com bambu até eu sangrar. Elesperguntaram-me onde estavam as Falintil. Eu disse quenão sabia e eles <strong>tortura</strong>ram-me. Eles cortaram a minhacara com uma navalha e espancaram-me, derampontapés, bofetadas, murros e pontapés sem parar,durante três dias. 867Depois de serem interrogados e <strong>tortura</strong>dos, Jacinto da Costa e Silvino dos Santos foram levadospara o suco de Darulete por quatro membros do SGI e da Rajawali. Ficaram lá presos durantedois dias sem serem alimentados e depois foram deixados ir para casa. Porém, no dia seguinte,a Rajawali foi buscar os dois homens e levou-os para o Kodim de Liquiça e depois para oKoramil de Liquiça, onde os militares voltaram a mandá-los despir-se até ficarem apenas com aroupa interior e os soldados os espancaram, pontapearam, esbofetearam e esmurraram. Jacintoda Costa disse à Comissão que um membro das ABRI, T535, o pontapeou até ele perder aconsciência. Quando acordou uma hora depois, o seu rosto tinha sido cortado com uma navalhae furado com pregos. Passados alguns dias, os dois voltaram a ser deslocados para a esquadrada polícia do subdistrito de Liquiça, onde ficaram presos durante quatro meses e 18 dias. Porúltimo, foram transferidos para a prisão de Becora, onde a cabeça de Jacinto da Costa foi rapadae ele foi interrogado. Ele permaneceu sete meses na prisão de Becora. 868Dois incidentes das Falintil em Alas (Manufahi), finais de 1998Em Outubro e Novembro de 1998, dois ataques aos militares indonésios em Manufahi levaram auma dura reacção militar e a vários casos de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> de civis. Muita daviolência foi perpetrada pela milícia Ablai, com o apoio dos militares prenunciando a violênciaque viria a acontecer em 1999.O primeiro ataqueO primeiro ataque foi o homicídio espontâneo de três pessoas durante uma reunião entre acomunidade de Weberek, suco de Dotik (Alas, Manufahi) e as Falintil, sob a liderança docomandante das Falintil T536, a 28 de Outubro de 1998. Segundo Alexandre da Costa, doissoldados do Kopassus chegaram de carro e, quando insistiram em passar, as Falintil tiraram-lheas armas. Mateus da Costa Amaral disse à Comissão que quatro soldados do Kopassus foramcapturados por jovens pró-independência durante a reunião. Três dos cativos foram mortos; umconseguiu escapar e relatar o incidente a Díli. 869- 223 -


Na noite do dia do ataque, uma força combinada de militares, da Brimob, de Bimpolda e T537,um membro do Koramil, atacou Weberek. A Comissão tomou conhecimento de que 16 pessoasforam presas depois deste ataque, embora só tenha recebido os nomes de cinco: Mateus daCosta Amaral, Alexandre, João Maia, Patrício da Costa e Alexandre da Costa. * É possível queduas jovens do sexo feminino, Vicentina Fernandes e Etelvina Fernandes Dias, também tenhamsido detidas. Mateus da Costa disse que ele e outros três foram atirados para um camião Hino eespancados antes de serem levados para a esquadra da polícia subdistrital de Same. Foramatirados para um galinheiro, onde permaneceram até serem levados para interrogatório. Mateusda Costa afirmou à Comissão:Um membro da Brimob entrou e puxou uma mesa parapôr em cima dos dedos dos nossos pés. Elesinterrogavam um de nós enquanto espancavam os outrosquatro com as espingardas. Eles desnudaram-nos emandaram-nos esfregar os corpos contra as paredes.Depois, mandaram-nos ajoelhar e deram-nos pontapés.Um soldado [indonésio], T538…perguntou: “Reconhecemme,ou não?” (Fez esta pergunta três vezes). Eu disse:“Não!” Então, ele sacou da faca e cortou as minhasorelhas. Como não ficaram completamente cortadas, elepuxou-as até as arrancar completamente. Ele golpeou omeu peito, pôr a arma dele na minha boca, despiu-me,deu-me pontapés e espancou-me…até eu cair no chão.Ele descansou um pouco até agarrar na cauda de umaraia venenosa e a esfregar na minha nuca. Ele mandoumeajoelhar e obrigou-me a cheirar fezes humanas e alamber fezes na retrete. Depois, chegou um agente dapolícia de Bali com comida e água quente e disse-me:“Reza no teu coração.”Membros da Nanggala e Milsas † vendaram-me os olhos elevaram-me de jipe para a ponte de Bolmeta, em Same.Eles pararam para me matar, mas o comandante falou derepente através do rádio e disse-lhes para não mematarem. Eles levaram-me de volta para Same e trataramas minhas feridas. Às quatro horas da manhã, levaram-mepara a esquadra da polícia de Same e deram-me roupaspara vestir. 870Alexandre da Costa disse ter sido detido no dia seguinte, 29 de Outubro, quando foi entregaralguns objectos à Igreja de Dotik. Soldados das ABRI de Dotik perseguiram-no e alvejaram-no,mas não lhe acertaram. Quando o apanharam, detiveram-no e espancaram-no com a coronhade uma espingarda, pontapearam-no e esmurraram-no até ele ficar por terra e a sangrar. Depois,atiraram-no para um buraco e despejaram-lhe água quente por cima. Arrastaram pelo cabelo equeimaram-lhe a pele. Depois, os soldados levaram-no para junto dos outros presos naesquadra da polícia de Same. 871 .A 20 de Novembro de 1998, alguns dos presos foram libertados e seis outros foram levados paraa esquadra da polícia distrital de Díli, onde ficaram nove meses presos, até Julho de 1999. 872*Outras vítimas referidas também foram referidas em testemunhos sobre o ataque ao Koramil de Alas, 12 dias depois.†Milsas é uma abreviatura de “militerisasi”, que significa militarização. Os Milsas eram antigos Hansip que apóspassarem três meses em Bali e Java, se tornavam membros das Forças Armadas [ver Capítulo 4: Regime de Ocupação].- 224 -


O segundo ataqueO segundo ataque ocorreu quase duas semanas depois, a 9 de Novembro de 1998, e foirealizado pelas Falintil e por aldeões locais. * Segundo a Human Rights Watch, o ataque tinha porobjectivo a captura de Siswanto, o funcionário que conseguira escapar de Weberek. O grupoatacou o Koramil de Alas e matou três soldados indonésios, levou 36 espingardas e, pelo menos,treze soldados (sobretudo timorenses) consigo para as montanhas, onde ficaram duas noites,até serem libertados. † O ataque ao Koramil de Alas, como os ataques ocorridos 16 anos antesao Koramil de Hatu-Builico, desencadearam retaliações graves dos militares indonésios,incluindo uma vaga generalizada de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. 873Os perpetradores das Falintil foram detidos pelo Batalhão de Fuzileiros 301, pelo Batalhão deInfantaria 744 e pelo Batalhão de Infantaria 745 uma semana depois do ataque e foram levadospara o Kodim de Manufahi. 874 Os militares continuaram em busca de outros perpetradores e doparadeiro das armas roubadas. Começaram a deter civis em Alas, bem como quaisquersuspeitos de participação no ataque ou de ligações ao movimento clandestino (ver Subcapítulo7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados, sobre o homicídio de civis durante estarepressão).Muitos cidadãos de Alas fugiram com medo da iminente reacção militar, lembrando asexperiências vividas pelas comunidades no início da década de 1980. Outros foram mandadospara a igreja pelo chefe do suco e outros líderes locais. 875 No entanto, a comunidade nãoencontrou segurança na igreja. O comandante do Koramil de Alas, um oficial timorense chamadoT539, foi à igreja pouco depois do ataque e começou a interrogar pessoas sobre o paradeiro dasarmas. Os soldados das ABRI que o acompanhavam espancaram várias pessoas. 876A 14 de Novembro, o comandante da milícia Ablai de Alas, juntamente com T540, 877 T541, 878T542, 879 T543 880 e o administrador do subdistrito de Alas, T544, foram à igreja. Deixaramalgumas pessoas sair, mas levaram outras para a escola primária de Alas, onde membros dosBatalhões de Infantaria 744 e T434 e o chefe dos serviços de informação do Kodim de Manufahitentaram novamente descobrir o paradeiro das armas obrigando as pessoas a dizerem onde erao esconderijo. 881 Eles ameaçaram-nas, dizendo que as que não fornecessem informações até àsquatro horas da tarde seriam mortas a tiro ou enterradas vivas. 882 O chefe do suco, T541,(alegadamente um comandante da milícia Ablai), juntamente com os membros T550 e T551 daAblai, importunaram física e verbalmente os presos, insultando-os e puxando os seus órgãosgenitais. 883 Os civis foram arbitrariamente presos na escola primária, onde permanecerem cercade um mês sob condições duras: a alimentação era escassa e não podiam receber visitas demembros da Igreja ou de familiares. 884A Comissão tomou conhecimento de que, a 17 de Novembro, T541 deslocou um grupo depresos para uma casa vazia 885 , onde o comandante do Koramil T539 e o chefe dos serviços deinformação T434 continuaram a <strong>tortura</strong>r e a interrogar os prisioneiros. Flamínia da Costa, umajovem de 20 anos e membro do movimento clandestino que foi levada para a casa, disse àComissão que eles foram interrogados sobre o seu papel no movimento clandestino e que foiesbofeteada dez vezes com força até a sua boca sangrar:*Segundo o Testemunho nº 1531 da HRVD, as Falintil foram lideradas pelo comandante T545, T546 e T547. A HumanRights Watch também referiu que era um grupo armado com entre 50 e 80 homens, incluindo alguns membros dasFalintil, mas que a maioria eram aldeões da zona do suco de Taitudak (Alas, Manufahi)[http://hrw.org/press98/nov/etimor1123.htm].†Segundo as informações recebidas, os soldados raptados foram Luís Fasalo, Henriques Morato, José Pereira, ManuelOliveira, José Conceição, António da Costa, Felisberto, Mateus Conceição, José Fernandes, Tomás Martins e FranciscoO.P. Seak (Testemunho nº 9019 da HRVD) e João Baptista e Manuel dos Santos, que ficaram presos durante maistempo [http://hrw.org/press98/nov/etimor1123.htm; HRVD, Testemunhos nº 1566 e nº 9019].- 225 -


Eles disseram-nos: “Se algum dos soldados de Samedesaparecer, vocês serão os alvos. Mesmo que fujampara a região oriental, nós vamos caçá-los e apanhálos.886Eles foram então levados para o Koramil de Alas, onde permaneceram um mês e foraminterrogados por T539 e <strong>tortura</strong>dos por T434. 887Além dos que fugiram para a igreja, muitos outros civis foram arbitrariamente detidos,interrogados e maltratados. As vítimas destas violações relataram a participação de váriosperpetradores, incluindo:• Membros do Koramil, incluindo o comandante do Koramil T539, T552, T553 e o chefe dasecção de serviços de informação, T434. 888• Membros da milícia Ablai, incluindo T554, T555 e T556. 889• Batalhão de Infantaria 744 890• Agentes da polícia, incluindo um indonésio chamado T557 e um timorense chamadoT558. 891• Chefes de suco (também referidos como comandantes da milícia Ablai) T541 e T540 892• Milsas T559, 893 T560 894 e T561. 895Os presos foram levados para a escola primária, o Koramil de Alas, o posto Nanggala de Alas, aesquadra da polícia, o quartel-general da milícia Ablai e para casas particulares, incluindo a dochefe do suco de Taitudik, T562. 896 A maioria das pessoas ficaram presas e foram interrogadasdurante poucos dias, mas algumas ficaram várias semanas presas. Muitas foram espancadas,esmurradas e ameaçadas com espingardas e facas. O Batalhão de Infantaria 744 mandoualgumas pessoas procurar as armas desaparecidas. 897Num certo caso, um homem timorense disse à Comissão ter sido detido a 13 de Novembro de1998, juntamente com oito companheiros seus. Eles não sabiam nada sobre o incidente dasFalintil em Alas, mas foram detidos pelo chefe do suco e comandante da Ablai, T540 e pelomembro da milícia Ablai T556 em Taitudik. Foram levados para a casa de T562 no suco deTaitudik, onde foram espancados e <strong>tortura</strong>dos. Na manhã seguinte, foram levados para Beroban,Taitudak (Alas Manufahi), onde soldados do Batalhão de Infantaria 744 e do Batalhão deInfantaria 755 os espancaram, e depois foram novamente levados para Alas, onde osespancamentos continuaram. Eles foram presos na casa do membro da milícia Ablai T554, ondepermaneceram seis dias, durante os quais fizeram trabalhos forçados. 898José Tilman também falou à Comissão sobre a prisão de cinco jovens estudantes do sexofeminino da SMP (escola preparatória) de Alas, que também eram membros do movimentoclandestino. Elas ficaram duas noites presas na antiga esquadra da polícia por serem suspeitasde ajudar as Falintil. * Foram presas por membros da milícia Ablai e militares. 899*Os seus nomes eram Joana Alves, Antonina Alves, Artunisa Fernandes, Anunciação e Filomena.- 226 -


<strong>7.4</strong>.8 Prisão e <strong>tortura</strong> perpetradas pelas autoridades indonésias em1999Esta secção examina a natureza e a dimensão dos casos de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong><strong>tratos</strong>ocorridos em 1999. O ano de 1999 é estudado em separado no presente Relatório devidoao conjunto singular de circunstâncias em que as prisões ocorreram: a Consulta Popular quedividiu a comunidade; as técnicas coercivas e violentas de campanha utilizadas, incluindo atentativa de suprimir o movimento pró-independência e a criação e armamento de gruposmilicianos para implementar essas técnicas; o recrutamento em massa, frequentemente forçado,para os grupos milicianos; a presença de funcionários da ONU a partir de Junho parasupervisionar o acto eleitoral; e, por último, a extrema violência e devastação que ocorreu após oacto eleitoral. A relutância das autoridades em impedir ou punir aqueles que cometeram actos deviolência foi normal, como documentado em secções anteriores do presente subcapítulo enoutras secções do presente Relatório. O que foi invulgar em 1999 foi que essa condutaocorresse no contexto de um processo sob supervisão internacional e ao abrigo de um tratadointernacional que obrigava a Indonésia a garantir que o acto eleitoral decorresse em condiçõesde segurança.A detenção arbitrária, prisão e <strong>tortura</strong> atingiram o auge desde finais da década de 1970 em 1999.Contudo, os padrões de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> divergiram de anos anteriores emtermos de finalidade, forma, alvos e perpetradores. Estes padrões são estudados em pormenorabaixo.As sementes daquilo que acabou por resultar em violência e devastação massivas encontravamseem germinação desde finais de 1998 (ver Capítulo 3: História do Conflito). Foi nesta alturaque começaram a redigir-se planos para a criação de milícias — e os principais perpetradores daviolência de 1999 já faziam a sua presença sentir-se em finais de 1998. A prisão arbitrária, a<strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> começaram a aumentar nesta altura, sendo exemplo disso as detençõesem massa feitas em Alas (Manufahi).O subcapítulo que se segue estuda alguns padrões gerais de prisão e <strong>tortura</strong> em 1999, emtermos quantitativos e qualitativos, incluindo a maneira como as pessoas eram presas e asrazões que levavam à sua prisão. Depois, examina os padrões de prisão e <strong>tortura</strong> ao longo dotempo, nas seguintes fases:• Novembro de 1998 a Março de 1999, período durante o qual foram redigidos eanunciados os planos para um acto de votação e foram formadas novas milícias• Abril de 1999, quando as milícias começaram a recrutar jovens e a realizar operaçõespor todo o território• Maio de 1999, depois da Polícia indonésia ser responsabilizada pela segurança• Junho a Agosto de 1999, durante a presença da UNAMET e os preparativos para aConsulta Popular• Setembro e Outubro de 1999, após o anúncio do resultado da Consulta PopularPerfil estatístico de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> em 1999Os padrões de prisão e <strong>tortura</strong> ao longo do tempo e do espaço em 1999 são quase idênticos aosde outras violações ocorridas no mesmo ano, nomeadamente execuções extrajudiciais eviolações sexuais.- 227 -


Padrões de prisão e <strong>tortura</strong> ao longo do tempoO gráfico abaixo mostra os padrões de prisão e <strong>tortura</strong> em 1999, por mês.Inserir gráfico .Segundo as informações recebidas, quase todas as prisões, <strong>tortura</strong>s e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> ocorreramnos meses de Abril, Maio e Setembro de 1999, como mostra a Figura . Noentanto, o número de violações começou a aumentar em Janeiro e Fevereiro. Após a chegadada UNAMET, o número de incidentes relatados era relativamente baixo, mas começounovamente a aumentar em Agosto, à medida que se aproximava a data da votação.A incidência de prisão e <strong>tortura</strong> apresenta níveis muito próximos ao longo do ano e, em algunsmeses (Julho e Outubro), exactamente iguais. Isto indica que uma proporção bastante elevadados presos também sofreu <strong>tortura</strong>.Padrões no espaçoDurante a fase final do conflito, em 1999, 75,1% (9.494/12.634) das violações não fataisrelatadas ocorreram na região ocidental. Os dados da Comissão são compatíveis com aafirmação de que as comunidades próximas da fronteira com Timor Ocidental e de Oecusseforam sujeitas a níveis mais elevados de violência em 1999, à medida que as milícias próautonomiae os militares indonésios se retiravam para Timor Ocidental.Distrito Prisão Tortura Maus-<strong>tratos</strong>Lautém 32 23 19Viqueque 114 105 22Baucau 20 10 10Manatuto 51 33 20Manufahi 79 72 94Aileu 104 67 64Ermera 249 264 266Liquiça 257 211 182Díli 195 119 92Ainaro 90 74 53Covalima 569 377 367Oecusse 419 417 488Bobonaro 497 412 283Table 2 - Número de casos de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> ocorridos em 1999registados pela Comissão.Duração da PrisãoEm 1999, a duração da prisão de algumas pessoas era significativamente mais curta do que emperíodos anteriores. Por vezes, a prisão durava apenas algumas horas, mas durante essetempo, os presos sofriam <strong>tortura</strong>, espancamentos ou outras formas de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e tambémrecebiam ameaças, que tinham por objectivo persuadi-los a apoiar a opção da autonomia. Afinalidade da prisão era com frequência intimidar os apoiantes da independência, não prendê-lospor períodos prolongados, e os locais utilizados para prender as pessoas eram centros dedetenção improvisados que não serviam para prender muitas pessoas a longo prazo.- 228 -


Grupos alvo em 1999Tanto a investigação quantitativa como a investigação qualitativa da Comissão indicam que osperpetradores da maioria dos incidentes de prisão arbitrária tinham por alvo membrosespecíficos de grupos pró-independência, incluindo o CNRT, grupos estudantis e redesclandestinas e das Falintil. Pessoas que não pertenciam claramente ao movimento próindependência,mas que demonstravam oposição à opção da autonomia também foram sujeitasa violações dos direitos humanos — entre elas contavam-se funcionários públicos, funcionáriosda UNAMET e membros de partidos políticos locais. Os familiares das pessoas que faziamcampanha a favor da independência também foram assediados e, por vezes, presos.Uma prova da perseguição de determinadas pessoas, além da presente nos testemunhos, é queforam presas quase o dobro das pessoas individualmente do que em grupo durante 1999. Istoindica que a pessoa presa era seleccionada para esse efeito e não capturada aleatoriamentenuma operação de detenção.Membros do CNRTVictor da Cruz estava a elaborar uma lista com nomes de apoiantes da independência dosubdistrito de Balibó (Bobonaro), para enviar para o gabinete do CNRT em Díli. Quando osmembros do grupo miliciano Firmi Merah Putih descobriram as suas actividades, ele foiconvocado ao posto da Firmi, em Balibó, onde foi espancado por membros da Firmi, incluindopelo timorense T565. Victor da Cruz ficou duas semanas preso no local e só foi libertado depoisde participar numa cerimónia de sangue em que prometeu juntar-se à milícia, juntamente com 15outros. 900 Em Railaco (Ermera), Daniel Ataidi foi mandado fazer cem flexões por um babinsaindonésio, T566, por pertencer à liderança do CNRT. Findo isso, foi levado para um posto ondefoi <strong>tortura</strong>do por T566 e por dois membros timorenses do TNI, T567 e T568. 901 Outros relatos dedetenções e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> incluem casos de uma pessoa vestir uma t-shirt do CNRT, outracomparecer a uma cerimónia de abertura do CNRT, outra que era mulher de um membro doCNRT e muitas que eram membros do CNRT. 902Membros do movimento clandestinoEmbora a prioridade das autoridades indonésias fosse marcar pessoas como alvos tendo emvista o acto eleitoral que se avizinhava, as pessoas continuaram a ser detidas e presas pormanterem contacto com as Falintil. A Comissão recebeu um total de 567 testemunhos sobre aprisão de pessoas identificadas como membros do movimento clandestino em 1999. Os mesesdas detenções foram Abril e Maio e também Setembro e Outubro, embora num númeroligeiramente inferior.Activistas estudantisOs membros do Conselho de Solidariedade dos Estudantes de Timor Leste (Dewan SolitaritasMahasiswa dan Pelajar Timor Timur, DSMPTT) já faziam abertamente feito campanha a favor daindependência desde finais de 1998, indo de suco em suco explicar os benefícios daindependência. Justino Ferreira Vicente disse à Comissão ter sido detido em Fatumean(Covalima) e preso com 26 outras pessoas a 23 de Abril de 1999, durante uma investigação aoDSMPTT, que visitara recentemente Fatumean para fazer campanha a favor da independência. *Depois do anúncio do resultado da votação, membros do DSMPTT foram marcados como alvos,mesmo os que tinham fugido para Timor Ocidental. Agnes Lese disse à Comissão que o seumarido, Edmundus Bere, foi capturado por membros da milícia Laksaur a 15 de Outubro de 1999*HRVD, Testemunho nº 6277. O Testemunho nº 8489 da HRVD descreve como dois carros do Koramil da vila de Suaiforam ao posto local da DSMPTT e alvejaram e feriram dois estudantes universitários.- 229 -


em Lakmaras, Atambua (Timor Ocidental) e levado para o posto da milícia por ser membro doDSMPTT. Ele foi <strong>tortura</strong>do em Lakmaras e morto a 17 de Outubro. 903Funcionários da UNAMETA Comissão recebeu pelo menos cinco testemunhos sobre casos em que funcionários locais daUNAMET que trabalhavam para a Consulta Popular, e outras pessoas suspeitas de teremligações com a UNAMET suportaram ameaças, assédio e espancamentos. 904 Estes casosintensificaram-se à medida que se aproximava o acto eleitoral. Por exemplo, João da Costadisse ter estado preso na esquadra da polícia de Hato Udo (Ainaro, Ainaro) nos dias antes davotação, juntamente com três funcionárias da UNAMET.Depois de o resultado do acto eleitoral ser anunciado, algumas pessoas ligadas à UNAMETforam punidas. Cristina dos Reis Ataíde disse à Comissão que a sua casa em Aisirimou (vila deAileu, Aileu) foi queimada a 9 de Setembro de 1999 e que ela foi chamada ao Kodim de Aileu einsultada por ser suspeita de estar ligada à UNAMET. 905 Armando do Rego foi preso a 15 deSetembro no suco de Deudet (Lolotoe, Bobonaro) após uma operação conjunta do TNI e damilícia KMP (Kaer-Metin Merah Putih). Ele foi interrogado sobre a UNAMET. 906PerpetradoresOs testemunhos prestados à Comissão descrevem diversas alterações na responsabilidade dosperpetradores, em matéria de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> de pessoas em 1999. Dosactos de prisão arbitrária documentados pela Comissão, a maioria foram atribuídos às forças desegurança indonésias, aos seus auxiliares timorenses, ou a ambos. A maioria das prisões foiatribuída a auxiliares timorenses: dos actos de prisão arbitrária ocorridos em 1999 edocumentados pela Comissão, 75,7% (2.104/2.779) foram atribuídos a auxiliares timorenses queagiram sozinhos ou em colaboração com os militares e a Polícia indonésios, enquanto que19,2% (534/2.779) dos casos documentados de prisão ocorridos em 1999 foram atribuídosapenas aos militares indonésios. Uma proporção semelhante, 82,5% (16.135/19.559) dos casosdocumentados de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>, é atribuída às forças de ocupação indonésias e aosseus auxiliares timorenses. 75,8% (3.278/4.324) dos casos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> relatadosforam atribuídos a auxiliares timorenses (agindo sozinhos ou em colaboração com parceiros dosmilitares e da Polícia indonésios).[Inserir Figuras e por aqui]Estes padrões estatísticos indicam um planeamento prévio e uma coordenação operacionalentre ambas as forças no uso da prisão arbitrária. Como a Figura mostra, osactos relatados de prisão arbitrária atribuídos aos militares indonésios e à Polícia, a auxiliarestimorenses, ou a ambas as forças agindo em conjunto, estão correlacionados de forma positivaao longo do tempo, incluindo em 1999. No entanto, em 1999 o papel dos auxiliares torna-semuito mais visível. É assim evidente que, em vez de procurarem controlar os seus auxiliarestimorenses (sobretudo as milícias pró-autonomia), os militares indonésios ajudaram e instigaramnasa fazer um uso generalizado da prisão arbitrária no períodos imediatamente antes e depoisda Consulta Popular patrocinada pela ONU.[Inserir Figura por aqui]Na categoria “colaboradores timorenses dos militares indonésios”, estão incluídos membros deorganizações de defesa civil como a Wanra (Resistência do Povo, Perlawanan Rakyat) emembros das 25 milícias identificadas como actuantes em Timor-Leste. A categoria tambéminclui membros da administração civil, desde administradores de distritos (Bupati) a chefes desuco, muitos dos quais trabalhavam para a causa pró-autonomia em 1999 — quer por livrevontade, ou sob pressão da administração (ver Capítulo 4: Regime de Ocupação). A Comissão- 230 -


concluiu que estes colaboradores foram criados, armados e frequentemente instruídos aperpetrarem as violações pelos militares indonésios.Locais de detençãoA investigação qualitativa da Comissão indica que os Koramil, as esquadras da polícia e ospostos do TNI foram utilizados de forma generalizada em 1999, tal como acontecera noutrosperíodos, mas também houve um regresso ao padrão de prisão da década de 1970 — emcentros improvisados como postos de milícias recém-construídos, casas particulares e edifíciospúblicos, como escolas primárias. * A natureza destes centros de detenção influenciou aexperiência dos presos. Como estes edifícios eram frequentemente pequenos e não tinham sidoconstruídos para alojar pessoas, os presos eram mantidos em grupos pequenos ouindividualmente durante um período curto e depois eram libertados. As condições eram más emuitas pessoas recebiam pouca ou nenhuma alimentação. Alguns presos conseguiam escapardevido à fraca segurança. A Comissão recebeu apenas um testemunho em que um preso relatater estado em prisões oficiais (lembaga pemasyarakaten, LP) como o LP de Becora, LP daComarca, LP de Baucau ou LP de Maliana, em 1999. †Razões para prisão e <strong>tortura</strong>Evidenciam-se vários motivos para a prisão arbitrária, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> nos testemunhosprestados à Comissão e nas entrevistas realizadas pelos funcionários da Comissão — e deoutras entidades. Antes do acto eleitoral, a principal razão para prisão e <strong>tortura</strong> referida eracoagir a vítima e a população como um todo a rejeitar a opção da independência e escolher seruma província autónoma da Indonésia. Enquanto parte desta estratégia, o pessoal da segurançaindonésia e as milícias que agiam em seu nome detinham pessoas aleatoriamente, ou emreuniões de “socialização”, e interrogavam-nas sobre a sua filiação política.Ao mesmo tempo, membros da milícia afirmavam o seu novo poder sobre a população atravésde actos aleatórios de violência. Os grupos milicianos eram maioritariamente compostos porjovens do sexo masculino marginalizados ou zangados, ou que tinham relacionamentos antigoscom grupos de defesa civil ou paramilitares indonésios. Alguns desses jovens eram simplesoportunistas e, neste período de ausência de força de lei e de tensão e violência exacerbada,tiveram rédea livre para fazer o que quisessem com impunidade. De facto, as provas tornamclaro que os militares não só permitiam, como encorajavam a brutalidade por parte das milícias.Outras razões incluíam:Recrutamento forçado de milíciasPara além do recurso a prisão e <strong>tortura</strong> com o objectivo de intimidar as pessoas, uma das razõespara detenção frequente referida era encontrar novos recrutas para grupos milicianos. 907Enquanto estavam presas, as vítimas eram obrigadas a juntar-se a vários grupos milicianos —por vezes após participarem num ritual de juramento de sangue ou noutro tipo de cerimóniatradicional ‡ na qual juravam fidelidade à Indonésia e à opção da autonomia — antes de serem*O Tropical, em Díli, foi utilizado pela primeira vez na década de 1970 pelas TNI para prender pessoas e tornou-seconhecido pelas práticas de <strong>tortura</strong> perpetradas nas suas instalações. A milícia Aitarak e a PPI (Pasukan PejuangIntegrasi, Força de Combatentes pela Integração) sob comando do líder Eurico Guterres reocuparam-na como local dedetenção em 1999.†Um testemunho de uma pessoa que esteve presa na prisão de Ermera.‡A antiga tradição timorense de beber sangue de cabra, cão, bem como humano, foi utilizada pelo campo pró-autonomiacomo maneira de reforçar a sua campanha. A Comissão recebeu testemunhos sobre a utilização de cerimónia dejuramento de sangue para obrigar pessoas a jurar fidelidade à integração desde 1982 [HRVD, Testemunhos nºs 7161;5610 e 5592].- 231 -


libertadas. 908 Segundo informações recebidas pela Comissão, houve pessoas de Oecusse aquem foi oferecido dinheiro para aderirem à milícia. 909Agustino foi preso pela milícia Mahidi no quartel-general de Zumalai (Covalima) devido às suasactividades clandestinas e foi obrigado a fazer um juramento bebendo água na qual foramergulhada a bandeira indonésia. Depois, foi-lhe dado um uniforme pró-autonomia e tornou-semembro da Mahidi. 910 A comunidade do suco de Saboria (vila de Aileu, Aileu) descreveu amaneira como muitos dos seus jovens foram forçados a juntar-se à milícia AHI (Aileu HametinIntergrasi, Aileu Fortalece a Integração) durante uma reunião de socialização no suco dirigidapelas TNI, a Polícia e líderes da milícia. Os jovens eram obrigados a juntar-se às milícias emreuniões dos sucos para promover a integração e participarem em rituais de juramento desangue. 911 As TNI capturaram João Leki, um jovem de Saboria, e levaram-no para o gabinete daAHI, onde o mantiveram durante 24 horas e o espancaram até ele perder a consciência para oobrigarem a juntar-se à milícia. 912Afirmação da autoridade das forças pró-autonomia sobre as comunidadesA Comissão recebeu relatos sobre detenções, prisões e <strong>tortura</strong> com a aparente finalidade detransmitir à comunidade que os apoiantes da autonomia, mais especificamente os gruposmilicianos, tinham poder sobre as vidas dos civis. Muitas destas detenções ocorreramimediatamente após um recrutamento em massa, uma cerimónia inaugural ou outroacontecimento público, no qual os membros das milícias eram incitados a comportar-se demaneira agressiva para com a comunidade. O caso mais famoso foi uma reunião de todas asmilícias para a cerimónia de lançamento da organização de cúpula das milícias, a PPI, em Díli, a17 de Abril de 1999, após a qual as milícias queimaram e saquearam habitações em Díli,incluindo a de Manuel Carrascalão. 913Retaliação contra ataques da ResistênciaComo em anos anteriores, em 1999 foram detidas pessoas após ataques da Resistência, ououtros incidentes com forças da oposição, num esforço para encontrar os perpetradores, masfrequentemente também para punir a comunidade do suco no qual o acontecimento tinha lugar.Ocorreram vários incidentes desse tipo, por exemplo, no distrito de Ermera, em Abril de 1999 —que são debatidos mais abaixo.Punição de pessoas que declaravam abertamente o seu apoio à independênciaEra utilizada força para punir aqueles que declaravam abertamente o seu apoio pelo movimentoda independência. Muitos eram espancados, maltratados ou <strong>tortura</strong>dos antes de seremlibertados e recebiam ameaças graves, quer directas quer às suas famílias. As pessoasidentificadas em comícios públicos a favor da independência eram posteriormente detidas einterrogadas. 914 Houve vários relatos sobre apoiantes pró-independência cujas orelhas foramcortadas, aparentemente com o objectivo de os marcar. 915Outros tinham de provar que tinham mudado de opinião assinando uma declaração (suratpernyataan), ao abrigo da qual se comprometiam a apoiar a autonomia e a denunciar qualquerassociação ao movimento pró-independência. 916 A declaração assinada por Alexandre dos Reisno Kodim de Covalima a 26 de Maio afirmava o seguinte:Quando sair, não vou fugir para a floresta. Se fugir, toda aminha família em Zumalai, em Galitas e em Akar Laranserá morta. Tenho de apoiar a autonomia. 917- 232 -


Este motivo ganhou força renovada após serem anunciados os resultados do acto eleitoral, a 4de Setembro de 1999. Os apoiantes da independência conhecidos foram reunidos e <strong>tortura</strong>dos emuitos foram executados.Obtenção de informações sobre líderes e estruturas pró-independênciaEm 1999, as TNI e as milícias continuaram com o padrão existente desde que as forçasindonésias invadiram o território pela primeira vez, prendendo, interrogando e <strong>tortura</strong>ndopessoas para obter informações sobre o movimento pró-independência e os membros das redesclandestinas. Os membros da comunidade suspeitos de ajudar activistas pró-independência, oude deter informações sobre o seu paradeiro, foram arbitrariamente detidos. As autoridadestambém marcaram como alvos membros do CNRT, membros do movimento clandestino ejovens activistas e estudantes, numa tentativa de extrair informação e identificar a liderança domovimento pró-independência. O uso de <strong>tortura</strong> era frequente para obter essas informações.Transporte de civis e captura de fugitivosCentenas de milhares de pessoas fugiram dos seus sucos após o acto eleitoral. Algumas forampara Timor Ocidental de livre vontade, ou para as montanhas de Timor-Leste, e muitas outrasforam obrigadas a atravessar a fronteira. As vítimas relataram terem sido presas, tanto paraserem deslocadas à força como enquanto tentavam fugir voluntariamente.Prisões e <strong>tortura</strong>, Novembro 1998 a Março 1999Os padrões de prisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> acima descritos começaram de facto em finais de1998, à medida que se desenrolavam os acontecimentos políticos que antecederam esucederam o anúncio da Consulta Popular.Antes do anúncio do acto eleitoralComeçaram a ocorrer prisões arbitrárias, frequentemente perpetradas única e directamentepelos militares. Por exemplo, a Comissão tomou conhecimento de um caso ocorrido emPoemate no suco de Atabae (Atabae, Bobonaro) a 9 de Novembro de 1998, em que JacintoLobato e três companheiros seus, Ernesto Gaspar, Domingos e Claudino, foram ameaçados comespingardas M-16 por Luís António, um membro do Koramil de Atabae e do Batalhão deCombate Territorial (Batalyon Tempur Teritorial, BTT), sediado em Atabae. 918Também em finais de 1998, membros das Falintil que participavam numa reunião tradicional naaldeia de Holbese, no suco de Leber (Bobonaro, Bobonaro), foram subitamente cercados pormais de 20 soldados do TNI * e membros do Kodim 1636. Os soldados detiveram pessoas dacomunidade de Holbese, incluindo mulheres e jovens. No dia seguinte, toda a comunidade foipunida. Agusta afirmou à Comissão:*Entre os quais: M284, um membro do TNI oriundo de Tapo, M285, um membro do TNI oriundo de Holsa, e M286, ummembro do TNI oriundo de Oe-lau.- 233 -


No dia seguinte, às oito horas da manhã, toda acomunidade foi reunida e recebeu instruções de Januário,um membro do TNI. Ele insultou-nos, dizendo: “Querem aindependência, mas nem sequer conseguem fazer umfósforo. Para que querem a independência?” Algunscompanheiros foram detidos e <strong>tortura</strong>dos, sendoesmurrados, pontapeados e pisados com botas militares.Os rostos de cinco das vítimas, incluindo o do meu maridoJosé Vicente, ficaram inchados. Eles sangravam da boca,nariz e cabeça e também foram golpeados repetidamentecom a ponta de uma faca. 919Paulo Moreira e Vicente do Rosário falaram sobre a sua detenção em Janeiro de 1999, emTuriscai (Manufahi), por dez soldados do Kopassus e quatro membros timorenses das forçasmilitares: T570, T571, T572 e T573. Os seus captores bateram-lhes na cabeça e nas costas comcoronhas de espingarda e depois entregaram-nos ao Koramil. O comandante do Koramil voltou aesbofeteá-los. Depois, os soldados levaram-nos para a base do Batalhão de Infantaria 745, cujosmembros os espancaram com tanta violência que partiram a coluna de Paulo Moreira e lheprovocaram ferimentos graves na cabeça, que levaram à perda de audição num ouvido. 920Os militares também reorganizaram os paramilitares em Baucau (Equipa Saka, Makikit e TimSera) e em Lospalos (Tim Alfa) e criaram novas milícias: nomeadamente a Mahidi no distrito deAinaro, a Halilintar no subdistrito de Maliana (Bobonaro) e a Besi Merah Putih (BMP) no distritode Liquiça. Os primeiros membros dessas novas milícias eram membros de longa data dasforças paramilitares e outros colaboradores dos militares indonésios. Por exemplo, CâncioCarvalho Lopes, o antigo chefe da Equipa dos Voluntários, que tinha perpetrado prisõesarbitrárias e <strong>tortura</strong> de uma maneira generalizada em Ainaro no início da década de 1990, foi olíder da milícia Mahidi. Após a formação das milícias, a prisão arbitrária, a <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong><strong>tratos</strong>ocorriam com o objectivo de recrutar membros à força e de afirmar a autoridade na região.No início de Janeiro, numa das primeiras reuniões da milícia Besi Merah Putih 921 no suco deGuguleur (Maubara, Liquiça), foram apresentadas planos para as futuras operações da BMP nosubdistrito de Maubara. A comunidade de Guguleur descreveu a maneira como, no dia seguinte,os membros da BMP detiveram cinco pessoas e as espancaram. Quatro foram espancadas comtanta força que tiveram de ser hospitalizadas em Díli; a quinta ficou presa no posto da milícia. 922Grupos grandes, compostos por 30 ou mais membros da BMP, acompanhados por funcionárioscivis do Koramil, detiveram muitas outras pessoas na área, sobretudo membros do CNRT. AComissão recebeu um testemunho sobre prisões ocorridas em Gugleur em Janeiro de 1999 ecinco referentes a Fevereiro de 1999. Além destes, foram recebidos outros cinco de Vatuboro,quatro de Vatuvuo e seis de Guico (todos em Maubara, Liquiça). Os perpetradores referidosnestes testemunhos incluem os membros timorenses T574, T575, T576, T577, T578, T579 eT580. 923 Membros dos Gadapaksi e do Batalhão 143 também atacaram o povo de Gugleur compaus e armas afiadas, como lanças e catanas. 924 Muitos aldeões fugiram do subdistrito deMaubara.A Comissão também tomou conhecimento de que 40 membros da milícia Naga Merah atacarama casa do chefe do suco de Vatuvou, Manuel Almeida. Ele não estava em casa na altura doataque, mas os jovens atacantes utilizaram facas, pedras, barras de ferro e M16s para destruir acasa e ameaçar a sua família. Três familiares seus foram raptados e levados para o posto NagaMerah no Koramil de Maubara, onde foram <strong>tortura</strong>dos. 925 As detenções prosseguiram emFevereiro.Paulo dos Santos, um antigo membro do movimento clandestino, disse à Comissão ter sidodetido por quatro fuzileiros do TNI em Ainaro, a 2 de Janeiro. Eles mandaram-no sair de umminiautocarro público e levaram-no para a base dos fuzileiros, em Cassa (Ainaro, Ainaro), onde- 234 -


o espancaram e pontapearam até ele sangrar pelas orelhas; ele ficou inconsciente durante cercade uma hora. À meia-noite, levaram-no para um edifício perto da ribeira Cassa, com ospolegares e os dedos grandes dos pés atados entre si e os olhos vendados. Paulo dos Santosrecordou essa experiência:Após o anúncio de duas opçõesEles mantiveram-me preso durante dois dias, começandopor interrogar-me sobre a minha participação emactividades da independência. Como eu tinha medo,disse-lhes tudo o que tinha feito. Um membro dosfuzileiros avisou-me: “Não voltes a participar emmanifestações relacionadas com o referendo, comoaconteceu no incidente SP II, onde os jovens espancaramo comandante do SGI, quando o bispo D. Ximenes Beloinaugurou a capela em SP II.” Eu disse que nãoparticiparia nessas actividades. Passados dois dias, o meutio, Agustinho Sarmento, administrador do subdistrito deHatu Udo, apareceu e conseguiu a minha libertação elevou-me para Hatu Udo, onde fiquei um mêsescondido. 926No dia 27 de Janeiro de 1999, foi anunciada a decisão de um acto de votação referente ao futuropolítico de Timor-Leste. Foram criadas mais milícias nos distritos e subdistritos de Timor-Leste(para uma lista completa, ver Capítulo 4: Regime da Ocupação).Nas semanas seguintes, a milícia BMP fez algumas detenções em Maubara (Liquiça), actuandosozinha em alguns casos. Por exemplo, Mário da Costa, um antigo membro do CNRT, disse àComissão ter sido detido na sua casa em Vatuboro (Maubara, Liquiça) a 30 de Janeiro, por doismembros timorenses da milícia BMP, T578 e T579. Foi pontapeado no pescoço e espancadocom uma corrente de motocicleta na altura da detenção e depois foi levado para o posto damilícia, onde voltou a ser espancado e foi interrogado por T580, um comandante da milícia.A Comissão recebeu pelo menos cinco testemunhos a descrever casos em que a milícia BMPcolaborou de perto com as TNI, os Gadapaksi e a Polícia em Liquiça. * Num dos casos, ocorrido a16 de Fevereiro de 1999, João Soares foi detido na sua casa em Manukabia (Maubara, Liquiça)por quatro membros timorenses do TNI, T581, T582, T583 e T584, e dois membros timorensesda milícia BMP, T585 e T586. Eles espancaram-no com a coronha de uma espingarda,esmurraram-no e esbofetearam-no, provocando-lhe ferimentos na cabeça. João Soares foi entãolevado para a esquadra da polícia de Maubara e, pelo caminho, M287 e M288 golpearam-nocom uma seta, fazendo-o sangrar profundamente. Ele acabou por ser levado para uma esquadrada polícia em Liquiça, onde ficou preso e foi interrogado durante oito dias. 927 A 5 de Fevereiro,Ana Maria Mouzinho foi detida em Holbolu (Beco, Suai, Covalima), após membros da milíciaMahidi, nomeadamente T587 e T589 (mulher de um funcionário governamental em Raimea)receberem informações fornecidas pelo informador timorense dos serviços de informação T587.Ana Maria foi espancada, agredida com uma espingarda e levada para o quartel-general daMahidi em Zumalai, onde foi interrogada, ameaçada de morte, novamente espancada com umaespingarda e mandada moer arroz [para as milícias]. Ela ficou dois dias presa. 928Além de reforçarem a opção da autonomia, os membros recém-recrutados das milícias eramfrequentemente mandados fazer algum tipo de trabalho forçado, como limpar, cortar relva,arranjar canos, procurar lenha ou vigiar um posto das milícias. 929 A 11 de Março, Agustino foicapturado por quatro membros timorenses da milícia Mahidi, T590, T591, T592 e T593, em*HRVD, Testemunhos nº 4630; 1001; 0225; 5908 e 2867 (a vítima, Joanico Marçal, foi detida por membros do TNI eentregue à milícia BMP).- 235 -


Mape (Zumalai, Covalima). Interrogaram-no durante toda a noite e depois mandaram-no fazerdiversas tarefas antes de ser libertado. Ele afirmou à Comissão:Fui mandado arranjar a ponte de Loumea, cortar a relva ecortar madeira para construir o posto da milícia Mahidi emKulu Oan, Zumalai. A 16 de Março, a Mahidi levou-mepara Zumalai, onde fui mandado apanhar beatas decigarro em redor do quartel-general da Mahidi e escavarburacos. Fiquei uma semana preso no quartel-general daMahidi. 930A comunidade de Rai Fun (Maliana, Bobonaro) contou à Comissão que, em Fevereiro de 1999,membros do Kodim de Maliana procuraram especificamente jovens do sexo masculino com ocabelo comprido. Manuel Laka Suri, Domingos Salvador e João Barreto, todos homens com ocabelo comprido, foram capturados e os seus cabelos foram cortados com uma faca. Algunsforam detidos e mergulhados em campos de arroz inundados. Depois, foram desnudados ecolocados numa saca escura cheia de água que os impedia de se sentarem ou de dormirem. 931Dilor, Viqueque, 20 de MarçoSegundo as informações recebidas, a milícia Tim Makikit começou a recrutar em Março de 1999.A 20 de Março, após uma reunião no posto do TNI em Dilor (Lacluta, Viqueque), os novosrecrutas começaram a atacar pessoas e as suas habitações nos sucos em redor, espancando eameaçando alegados apoiantes da independência. Cerca de 160 pessoas ficaram presasdurante um curto período de tempo no Koramil de Lacluta em Dilor e cerca de 500 outras fugiramdas suas habitações, com medo. 932Artur de Carvalho, um apoiante da independência, foi uma das vítimas deste ataque. Ele disse àComissão que a sua casa em Laline (Lacluta, Viqueque), foi atacada por membros da milícia,que destruíram o telhado, a porta e as janelas. Depois, levaram-no para o Koramil e entregaramnoao membro timorense da milícia T594 e ao comandante do Koramil, o sargento-mor T598. Eleafirmou que, pelo menos, mais 64 pessoas foram presas no Koramil nessa altura. As suashabitações e lojas também foram destruídas. Os presos ficaram 24 horas sem alimentação eforam libertados a 22 de Março de 1999. Artur de Carvalho disse à Comissão que pelo menosuma pessoa, MN, foi maltratada na prisão — arrancaram-lhe as calças e tocaram-lhe nos órgãosgenitais. 933Sete homens timorenses fugiram para a floresta. Quando regressaram duas semanas maistarde, foram detidos pelos babinsa locais T596 e T597 e levados para o Koramil. O comandantedo Koramil, T598, interrogou-os e libertou-os nessa mesma noite. Contudo, no dia seguinte,quando se apresentaram no Koramil, T598 e T600 voltaram a prendê-los. Os homens foramobrigados a trabalhar para os militares durante dois meses e meio, cavando a terra, cortandomadeira e bambu, construindo vedações e telhados e plantando legumes. 934Maliana, Bobonaro, Março de 1999A 22 de Março, soldados do TNI espancaram em público um líder eminente do CNRT, JoséAndrade da Cruz, e arrastaram-no pela cidade até ao quartel-general do TNI em Maliana(Bobonaro). O seu espancamento em público serviu de exemplo para outros apoiantes daindependência e para instilar um medo generalizado na comunidade. 935Para escaparem ao agravamento da situação de segurança, muitos membros do CNRT dosubdistrito de Maliana procuraram refúgio na esquadra da polícia de Maliana e nas igrejas locaisou fugiram para Díli 936 (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome).- 236 -


Zumalai, Covalima, Março de 1999A 23 de Março, Celestino Pereira de Araújo e nove companheiros seus foram capturados pelamilícia Mahidi no suco de Julo (Zumalai, Covalima)e levados para a casa de um membro daMahidi, Vasco da Cruz. Os dez homens foram então entregues a membros do Batalhão deInfantaria BTT 144 que os levaram para o quartel-general do BTT. Foram interrogados,espancados e pontapeados e, de noite, receberam a visita do administrador do subdistrito deZumalai. Afirmou à Comissão:De noite, o administrador do subdistrito, T601, visitou-nos eperguntou-nos os nossos nomes. Depois, atirou óleo sujopara a minha cabeça e insultou-nos, dizendo: “Vocês têmcara de macacos e querem a independência!” Depois,mandou-nos beber a nossa própria saliva, que tinha sidomisturada num copo e nós bebemos, um de cada vez. 937Prisão e Tortura em Abril de 1999O número de pessoas presas, bem como o número de vítimas de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>, atingiu oauge em Abril de 1999.A maioria das detenções e prisões que implicavam algum tipo de interrogatório ocorreram emAbril e em Maio de 1999. Tal como em anos anteriores, membros do movimento clandestino, oususpeitos de o serem, foram interrogados sobre as suas actividades, ou dos seus companheiros,na rede clandestina 938 e sobre o paradeiro de familiares seus das Falintil, ou o grau de contactoque mantinham com eles. 939 Alguns foram interrogados sobre o paradeiro de membrosespecíficos das Falintil 940 ou de esconderijos de armas. 941Foram formadas novas milícias, como a Sakunar em Oecusse, e foram inauguradas formalmentemilícias que haviam sido formadas anteriormente. Por exemplo, a milícia Laksaur foi formada emJaneiro, mas só começou a realizar operações em grande escala e a recrutar membrosintensivamente em meados de Abril, quando foi formalmente inaugurada. 942A milícia Mahidi, que actuava sobretudo no distrito de Ainaro, também tinha uma filial nosubdistrito de Zumalai (Covalima), liderada por Vasco da Cruz e Domingos Alves, ambos chefesde suco. 943 944Esta filial também deteve pessoas e levou-as para o quartel-general de Zumalai.M122 participou directamente nas prisões e em alguns espancamentos dos presos. 945 AComissão recebeu sete testemunhos sobre pessoas presas pela milícia Mahidi — todas foramameaçadas, espancadas e até mesmo <strong>tortura</strong>das e posteriormente obrigadas a juntar-se àmilícia Mahidi. 946Liquiça, Abril de 1999Na primeira semana de Abril, a milícia BMP, a Polícia e os militares realizaram uma operaçãoconjunta para encontrar as pessoas pró-independência nos subdistritos de Liquiça e deMaubara. Domingos de Jesus da Costa, por exemplo, contou como ele e nove outros de LailokLara, no suco de Dato (Liquiça, Liquiça) foram presos a 5 de Abril por uma força conjuntacomposta pelo membro timorense do Kodim T612, os soldados timorenses T613 e T614, osagentes da polícia timorenses T615, T616, T617 e T618, o membro timorense do Koramil T619 eo funcionário civil T620. Ficaram várias horas presos, durante as quais foram obrigados a deitarseno meio da estrada principal. Uma vítima, Fernando da Costa, foi espancada com a coronhade uma espingarda. 947- 237 -


Segundo Mamo Ana, no mesmo dia, ela e a sua família foram atacados por quatro membros damilícia BMP em Fukelara, no suco de Dato. A milícia matou o seu marido, Maubusa, e levou-a eà família para o Kodim 1638 de Liquiça, onde os prendeu durante um dia e uma noite. No diaseguinte, o Bupati de Liquiça, T621, e membros do Kodim de Liquiça, deslocaram a família paraMaubara, onde esta permaneceu durante um mês. 948A 6 de Abril de 1999, a população fugiu para procurar abrigo na Igreja de Liquiça. A milícia BMPreuniu-se do lado de fora da igreja e começou a florestar muitos dos que lá se encontravamrefugiados, enquanto membros do TNI e da Polícia se limitavam a assistir (ver Subcapítulo 7.2:Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Além dos que morreram, muitos sofreram <strong>maus</strong><strong>tratos</strong>e abusos. Remiro Ximenes dos Santos, com 71 anos na altura do massacre, recordou:A 6 de Abril, fugi para a Igreja de Liquiça porque a milíciaBMP estava a realizar uma operação na área de Liquiça ea fazer brutalidades para encontrar pessoas próindependência.Quando cheguei, fiquei em frente à igrejae vi membros da milícia BMP dirigirem-se à igreja, por issoentrei na cozinha da paróquia de Liquiça para ir buscaruma faca para me defender. Mas, subitamente, tinha ummembro da milícia BMP atrás de mim, que começou abater-me com um pedaço de madeira nas costas e eudesmaiei. Depois, ele cortou a minha cara com uma faca,rasgando a minha pele e fazendo-a sangrar. Ele deixoumeali, inconsciente e a sangrar na Igreja de Liquiça. Aminha mulher chegou e levou-me para o Kodim deLiquiça…onde um soldado chamado Mateus me deu unspanos para a minha ferida e me mandou para casa. 949Após o massacre, a milícia BMP continuou a capturar apoiantes da independência por todo odistrito. A comunidade de Loidahar (Liquiça, Liquiça) disse que 50 pessoas do suco foram presase <strong>tortura</strong>das por membros da BMP. As raparigas eram regularmente obrigadas a participar emdanças com a milícia. 950 Muitas das pessoas ficavam inicialmente presas em casa doadministrador do subdistrito de Liquiça, T621 951 , e depois eram transportadas para a cidade deMaubara, onde ficavam cerca de dois meses presas no quartel-general da BMP. 952Em Abril de 1999, após o massacre, alguns jovens de outras áreas juntaram-se à milícia Aitarakpara se salvarem. 953Ermera, Abril 1999Ermera foi palco de violações graves dos direitos humanos em 1999, incluindo um grandenúmero de homicídios (ver Subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Foitambém um dos distritos que relatou dos mais elevados números de prisões em 1999 — fazendoreferência a 235 incidentes nos 220 testemunhos prestados à Comissão.Havia cinco milícias actuantes em Ermera e o movimento pró-independência era muito activo nodistrito. A Comissão tomou conhecimento de que membros do CNRT prenderam toda apopulação da aldeia de Ilimanu no gabinete do suco de Manusae (Hatulia, Ermera) a 1 de Abril,mantendo-a lá durante uma semana. Eles espancaram os membros do grupo do sexo masculinopor suspeitarem que pertenciam à milícia Naga Merah. 954 Em Abril de 1999, no subdistrito deRailaco, Dinis dos Santos e 43 outros membros do CNRT escreveram uma declaração aogovernador do distrito de Ermera, na qual exprimiam a sua rejeição da autonomia.Os apoiantes da autonomia e as autoridades indonésias reagiram a estes actos. A 14 de Abril, amilícia Naga Merah deteve membros do movimento clandestino e civis no suco de Manusae. 955 A- 238 -


26 de Abril de 1999, o SGI mandou todos os residentes de Kukara, suco de Manusae, reuniremsepara serem instruídos. Dois membros do movimento clandestino, chamados Marito e António,foram então detidos e espancados. 956 Em Railaco, o comandante do Koramil, T668, deteveArmindo Soares, um dos 44 indivíduos que escreveram a carta. Ele foi violentamente espancadono Koramil. O comandante do Koramil ordenou então aos membros do Koramil queperseguissem e detivessem os restantes 43 autores da declaração. 957 O testemunho de Dinisdos Santos descreve o tratamento dado por membros do TNI:Quando chegámos, fomos mandados alinhar e depoisfomos espancados, esmurrados e pontapeados. Elesbateram na cabeça de Estêvão com uma pistola, feriramgravemente a sua perna e bateram-lhe com uma cadeiraaté a cadeira se partir. O comandante do Koramil, T668,ordenou aos membros timorenses do TNI T669, T670,T671, T672, T673 e 674 que nos espancassem. T670agarrou numa faca para esfaquear Estêvão, masfelizmente, T668 gritou [com T670], senão Estêvãopoderia ter morrido. Depois de sermos libertados [eautorizados a ir para] casa, para Tocoluli, o comandanteT668 mandou-nos, aos 44, pagar uma multa de 2 milhõese 500 mil rupias e cortar cinco metros cúbicos de madeira,compostos por blocos de 5 x 7 e lâminas. 958Eles foram então forçados a juntar-se à milícia Darah Merah e tiveram de participar nas reuniõesda milícia em Ermera. 959É evidente que os militares tinham identificado as pessoas que eram a favor da independênciapara as prenderem e <strong>tortura</strong>rem. Cudinho Manegas disse à Comissão que em Abril, ocomandante do Koramil de Railaco e um babinsa, T677, foram a casa de Hermenegildo para oacusarem de ser membro do movimento clandestino e procurarem outro membro do movimentoclandestino, chamado Martinho. Quando descobriram que Martinho tinha fugido, começaram aespancar Hermenegildo. Martinho regressou pouco depois e rendeu-se. Os babinsa libertaramHermenegildo e começaram a espancar Martinho com a coronha de uma espingarda. 960O comandante do SGI em Hatulia, T678, foi referido em vários relatos sobre detenções emHatulia. 961 Anselmo Soares fez a descrição de como foi detido, juntamente com Armando dosReis, Alcino e Abílio, por T678 e dois membros do SGI no suco de Ailelo (Hatulia, Ermera) edepois levado para Hatulia, para ser interrogado. Armando dos Reis foi violentamente espancadodurante o interrogatório. 962 José Lemos contou como ele e Bonifácio dos Reis foram detidos a 10de Abril por T678 e presos no Koramil de Hatulia, onde a sua cabeça foi rapada e o seu courocabeludo foi cortado com lâminas de barbear. Ambas as vítimas eram membros do movimentoclandestino. 963Outros incidentes de violência também aumentaram a tensão no distrito. A 10 de Abril, emGleno, a capital do subdistrito de Ermera, os militares queimaram o quartel-general do CNRT emataram um membro muito conhecido do CNRT e do parlamento local, António Lima. 964 Muitaspessoas fugiram de Ermera após o homicídio, a 19 de Abril, e refugiaram-se junto das Falintil.Num esforço para capturar outros membros do movimento clandestino, o SGI e membros doBatalhão de Combate Territorial (BTT) 144 fizeram detenções generalizadas fora da área deErmera. 965 Parece não ter havido participação das milícias nestas detenções. Por exemplo,André Madeira falou sobre seis membros do movimento clandestino de Ermera, incluindo elepróprio, que foram detidos na casa do administrador distrital de Ermera a 10 de Abril, por doismembros do SGI e um agente policial. * Eles foram levados para o Kodim de Ermera, onde foram*O administrador do subdistrito de Ermera, Constantino Soares, não apoiou de maneira activa a causa pró-integração edeixou membros do CNRT que corriam perigo esconderem-se na sua residência [ver Robinson, p. 161].- 239 -


espancados, pontapeados e esmurrados por vários perpetradores, incluindo agentes da polícia emembros do SGI e do BTT local. 966 João de Jesus Soares Valeres disse à Comissão ter sidodetido pelos membros do SGI T682 e T683 e depois ter sido mandado procurar o comandantedas Falintil Ernesto Fernandes (Dudu), sob ameaça de morte. Ele falsificou uma carta docomandante e foi libertado. 967Covalima, Abril de 1999Várias milícias actuavam no distrito de Covalima, um distrito que faz fronteira com TimorOcidental. A milícia Mahidi, sediada em Ainaro, tinha uma filial no subdistrito de Zumalai. AUnidade de Crimes Graves da Procuradoria-Geral de Timor-Leste acusou formalmente seteantigos comandantes da milícia Mahidi por crimes contra a humanidade cometidos em Zumalai,incluindo a prisão e <strong>tortura</strong> de apoiantes pró-independência em três centros de detenção nosubdistrito. A pronúncia de acusação alega que:A prisão e o encarceramento eram dos principais meiosutilizados para perseguir civis pró-independência, queeram sistematicamente seleccionados, presos eencarcerados, por motivos políticos. O principal centro dedetenção era a casa de Vasco da Cruz [no suco de Zulo],onde foram presos mais de 45 aldeões. Do outro lado daestrada, em frente à casa de Vasco da Cruz, ficava oedifício do Governo indonésio, onde residia Lino Barreto.Lino Barreto prendeu pelo menos seis pessoas em suacasa. Também existia uma casa de detenção no subsucode Beilaco [Reimea, Zumalai], na casa de Napoleon dosSantos, também conhecido como Napoleon Alves.Napoleon dos Santos, também conhecido como NapoleonAlves, prendeu pelo menos 12 pessoas em sua casa.Estes presos foram submetidos a abusos físicos epsicológicos, incluindo espancamentos e <strong>tortura</strong>, esofreram uma privação desumana de necessidadesbásicas, como alimentação adequada, água e abrigo. Oscampos de detenção estavam sobrelotados e não tinhamcondições sanitárias e os presos não recebiam assistênciamédica. 968A Comissão recebeu vários testemunhos que mencionam a prisão e a <strong>tortura</strong> de civis emZumalai, sobretudo em Abril. Segundo Leontino Moniz, a 12 de Abril, cinco membros da milíciaMahidi detiveram-no em Boro e levaram-no para o quartel-general da Mahidi em Zumalai, ondeT602, o comandante timorense da milícia, espancou-o na cabeça, enquanto outros lhe batiamcom pedaços de madeira. Ele foi interrogado, espancado e esmurrado até perder a consciência.Subsequentemente, ele e os outros acusados de apoiarem a independência foram mandadosalinhar-se para lhes ser cortado o cabelo. Eles foram libertados quando a UNAMET chegou, masnão antes de T602 e os membros timorenses da milícia T643 e T644 lhes dizerem que, caso aopção da autonomia perdesse, todos eles seriam mortos, juntamente com as suas mulheres efilhos. 969Foram recebidos seis testemunhos sobre o centro de detenção de Beilaco, no suco de Raimea(Zumalai). 970 A maioria das prisões e experiências de <strong>tortura</strong> foram atribuídas aos membrostimorenses da Mahidi T645, T646, T647 e T648. Luís Soares foi espancado com a coronha deuma espingarda e pontapeado com botas militares e as suas mãos foram amarradas antes deser levado para o posto da Mahidi em Beilaco. No posto, foi repetidamente espancado por T645e T646, o que lhe provocou uma dor nas costas de duração prolongada. 971- 240 -


A milícia Laksaur aterrorizou a população do subdistrito de Suai (Covalima), em colaboraçãocom a Polícia e os militares. Carlos Pereira descreveu a sua detenção e <strong>tortura</strong>, ocorridas a 24de Abril na vila de Suai (Suai, Covalima):Os membros timorenses da Laksaur, T654, T655 e T656Tahu, e um membro timorense do TNI, T657, detiverammeno suco de Akar Laran por eu ser pró-independência.T658 queria cortar-me, mas T659 impediu-o, por isso elesó me empurrou para o chão. Ele começou a bater-me nacara e nas orelhas até o meu nariz e as minhas orelhassangrarem. Eu caí, mas levantei-me novamente. Fuiagredido na cara, o sangue saiu pela minha boca e eu caíuma segunda vez. Depois, T658 levantou-me e atirou-mepara T657, que amarrou as minhas mãos ao meu pescoçocom arame. Fui espancado pelos três membros daLaksaur durante 20 minutos. Depois, dois membros daLaksaur e um membro do TNI mandaram-me andar desdeAkar Laran até ao cruzamento de Akar Laran. Eu vi T658,um polícia armado, à minha espera com um veículoKijang, e mandaram-me entrar num Kijang, que me levoupara ser entregue a T662, o chefe timorense do suco deSuai Loro, em casa dele.Cailaco, Bobonaro, Abril de 1999Quando chegámos a casa dele, muitos milicianossentaram-se em meu redor. Pouco depois, dois gémeosde Suai Loro cujos nomes não sei começaram-me a batermee a Agustino. Eles bateram-nos na boca com as mãos,deram-nos pontapés no peito e bateram-nos nos corposdurante 20 minutos. Depois, T662 acusou-me de ser umradical do lado pró-independência. Ele tinha descobertoatravés dos informadores timorenses T664, T665 e T666.Pouco depois disto, Agustino e eu fomos levados para aesquadra da polícia do subdistrito em Suai Loro eentregues a um polícia da Indonésia. Não sei o nome dele.Fomos colocados numa cela e deram-me um murro naboca. 972Depois do homicídio de Manuel Gama, uma figura pró-autonomia e membro do Koramil 973 ,ocorrido a 12 de Abril em circunstâncias discutíveis, os militares realizaram uma operação brutalno subdistrito de Cailaco (Bobonaro) para encontrar os homicidas. * Este caso forneceu provasconsistentes sobre a estreita colaboração entre membros da milícia e funcionários do TNI parainfligir terror à comunidade. O comandante do SGI em Marco, a principal vila de Cailaco, T623,ordenou às TNI e aos membros da milícia Halilintar que realizassem operações de revista geral.Eles detiveram cerca de 30 residentes de Marco, incluindo mulheres e crianças, e levaram-nospara o Koramil de Cailaco, em Marco. As mulheres e as crianças foram separadas dos homens elibertadas passados vários dias. Os homens foram violentamente espancados. Segundo asinformações recebidas, o Kodim de Bobonaro, em Maliana, e o comandante da milícia, JoãoTavares, autorizaram especificamente os espancamentos. A acusação formal contra Cailaco,apresentada a 3 de Fevereiro de 2001, descreve os espancamentos:*Ver também Testemunho nº 9167 da HRVD, que afirma que a operação foi levada a cabo por eles não teremparticipado numa reunião inaugural da BMP no início daquele mês.- 241 -


Os presos foram mandados deitar-se no chão e as TNI eos milicianos presentes bateram-lhes com os punhos ecom as botas. Eles também foram espancados comcoronhas de espingarda enquanto eram interrogadossobre o homicídio de Manuel Gama. 974A Comissão recebeu seis testemunhos de pessoas presas durante esta operação. Os depoentesdescreveram a maneira como os residentes e os funcionários civis foram mandados reunir-se emcasa do falecido Manuel Gama, onde lhes foi dito que os apoiantes da independência presentesseriam mortos, tal como os três que já tinham sido mortos em Purogoa (ver Subcapítulo 7.2:Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Alguns foram então presos no Koramil deCailaco 975 ou nos postos do BTT vizinhos de Purogua e de Bilimau (Cailaco, Bobonaro).976 Ostestemunhos mencionam vários perpetradores, incluindo o Koramil, a milícia Halilintar, a milíciaGuntur Merah Putih, a Polícia de Cailaco e forças do TNI, como o BTT 143. 977Num caso ocorrido a 13 de Abril, T624 e três outros membros da milícia Dadurus Merah Putih(DMP) detiveram um membro do CNRT, Adriano João, em casa da sua irmã, no subdistrito deCailaco. Eles bateram-lhe e esmurraram-no e depois levaram-no até casa do chefe da PPI, T1,onde voltaram a espancá-lo e a pontapeá-lo, partindo alguns dos seus ossos. 978Oecusse, Abril de 1999A milícia Sakunar foi formada a 14 de Abril de 1999, em Oecusse 979 , com o total apoio dogovernador de Timor-Leste, Abílio Osório Soares, do administrador do distrito de Díli, DomingosSoares, dos líderes das milícias nacionais, João Tavares e Eurico Guterres, e dos líderes locais,Laurentino Soares (Moko) e Simão Lopes. *980 Jacinto Colo, membro da milícia Sakunardescreveu a reunião inaugural:A 14 de Abril, fui abordado pelo chefe do suco de Nipani,Cândido Meko, para ir a casa do administrador do distrito,Filomeno Mesquita, a uma reunião sobre a formação damilícia Sakunar em Ambeno. As pessoas lá reunidasincluíam Cândido Meko, Elvis Lopes, Simão Lopes,Belarmino da Costa, Laurentino Soares (Moko) e CarlosPereira. Na reunião, foram decididas a liderança e aestrutura e Simão Lopes foi escolhido como comandanteem-chefeda Sakunar e Cândido Meko como comandantepara o suco de Sakato. Eu também me torneicomandante. 981Segundo os relatos, houve um aumento repentino dos casos de detenção, prisão e <strong>tortura</strong>ocorridos em todo o distrito de Oecusse no mês de Abril, 982 estendendo-se a Maio. 983Muitas das detenções foram feitas durante operações em que vários membros da milícia,acompanhados por membros do Kodim, iam de suco em suco, destruindo habitações depessoas suspeitas de pertencerem ao CNRT. Foram apresentados pelo menos nove relatos àComissão que fazem referência ao facto de a milícia Sakunar deter e obrigar pessoas suspeitasde pertencerem ao CNRT a integrar a milícia, sobretudo durante Abril de 1999. 984 A Comissãorecebeu seis relatos sobre uma operação liderada pelo comandante da milícia Sakunar, T603, a22 de Abril de 1999, em que muitos dos que foram presos foram levados para a sua casa emCunha (Pante Makassar). As vítimas relataram ter sido espancadas pelos milicianos e*Desde a altura da sua formação (1 de Maio de 1999), a Sakunar recebeu total apoio político e financeiro doadministrador do distrito, do chefe da polícia distrital e do comandante do Kodim (Dandim) [Robinson, East Timor 1999,Documento disponibilizado pelo OHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004, p.184].- 242 -


<strong>tortura</strong>das. 985 Após outra operação de detenção ocorrida em Abril e liderada por um agentepolicial timorense, T604 , muitos dos presos foram levados para o gabinete do suco de Abani(Passabe, Oecusse), 986 para a casa de T604 987 , ou para a esquadra da polícia do subdistrito. 988Foi realizada uma outra operação de detenção em massa de líderes e membros do CNRT emmeados de Abril, no suco de Abani (Passabe, Oecusse). A comunidade descreveu como cercade 42 pessoas ligadas ao CNRT foram levadas para a casa do líder da milícia e chefe do suco,T604, e para o Koramil, onde foram espancadas com tacos de madeira. Algumas foramespancadas com tanta força que perderam a consciência. 989A milícia Sakunar foi responsável pela maioria das detenções ocorridas em Oecusse em 1999relatadas à Comissão. A maioria destas detenções foram feitas sob ordens de líderes da milícia,como o chefe do suco de Cunha, T603, 990 o chefe do suco de Abani, (Passabe, Oecusse), e doagente policial T604, 991 do babinsa timorense T609 992 e do funcionário civil T610.993 Ocomandante do Koramil T611 também participou em várias detenções arbitrárias e actuou emconjunto com os comandantes da milícia. 994 As vítimas dos casos relatados à Comissão sãomembros do CNRT ou pessoas suspeitas de terem ligações com o movimento clandestino.Díli, 17 de Abril de 1999Um membro da milícia Sakunar, falou à Comissão sobre o comício das milícias em Díli, a 17 deAbril de 1999, e sobre os ataques violentos que foram perpetrados após o comício:A 17 de Abril de 1999, eu e 40 membros da milícia Sakunarda aldeia de Sakato, em Oecusse, fomos à inauguração emmassa de milícias pró-integração [as PPI] em Díli, que eramlideradas do comandante-em-chefe João Tavares, e peloseu adjunto, Eurico Guterres, que também era ocomandante da Aitarak. Após a cerimónia, todas as milíciaspró-integração, incluindo a milícia Sakunar, desfilaram pelacidade de Díli, lideradas por Eurico Guterres. No desfile,todas as milícias utilizaram veículos com duas e quatrorodas do quartel-general da Polícia regional [de TimorLeste]. Quando chegámos à casa de Manuel Carrascalão,junto ao Tropical de Díli, alguns milicianos abriram fogocontra a porta e começaram a queimar a casa. 995Francisco da Silva Seraun e Raul dos Santos estavam escondidos na casa de banho da casa deManuel Carrascalão aquando do ataque. Foram descobertos por um membro da BMP chamadoFrancisco Afonso do Rosário. Francisco da Silva Seraun afirmou à Comissão:- 243 -


Por isso, rendemo-nos imediatamente…Enquantotínhamos as mãos no ar, T268 cortou a mão esquerda deRaul…Depois, T268 chamou Raul e esfaqueou-o nascostas. Raul voltou a ser esfaqueado, no peito, com duasfacas que lhe atravessaram todo o corpo e saíram pelascostas, até ele morrer. Depois, a Brimob [Brigada Móvelda Polícia] salvou-nos, aos que tínhamos procuradorefúgio na casa. Levaram-nos para o quartel-general daPolícia subdistrital, em Mercado Lama. Quando chegámosao quartel-general da Polícia subdistrital, eu e outrosprisioneiros, Santiago Canselo e Filomeno, fomosseparados dos outros refugiados e ficámos três diaspresos no quartel-general da Polícia regional, em Comoro,sem recebermos comida ou bebida. Fomos interrogadospor um agente da polícia que eu não conhecia e que pôsuma pedra na boca do meu companheiro, AndréSeraun…Depois, o tenente-coronel Paul pediu-me paraolhar para o meu companheiro. Ele disse: “Vês, o teucompanheiro está a comer uma pedra agora; como é quepessoas como vocês querem a independência?”. 996Foi realizado outro ataque em Meti-Aut (Díli Oriental, Díli) a 17 de Abril. Agapito Ximenesdescreveu como 15 membros da milícia destruíram a casa do membro do movimento clandestinoCarlito, e insultaram os jovens da área. Quando cinco jovens fugiram, os membros da milíciadisparam contra eles, ferindo quatro deles: Carlos da Silva, João Baptista Julião da Costa Xaviere o próprio Agapito Ximenes. 997 A Amnistia Internacional também relatou que António Barbosa,um funcionário civil e activista da independência, foi detido no mesmo dia, em sua casa, porperpetradores desconhecidos. 998A milícia Aitarak era muito forte no suco de Hera (Díli Oriental, Díli) e a Comissão recebeu váriosrelatos sobre a detenção de apoiantes da independência pela milícia, as TNI e a Polícia emHera, em 1999. 999 A Comissão foi informada de que, num incidente, foram detidos 17 jovenssuspeitos de apoiarem a independência a 22 de Abril de 1999. T630, o antigo chefe do suco deHera, que se tornara comandante local da Aitarak, pediu a professores, estudantes e àcomunidade do Politécnico de Hera para irem a um diálogo de paz com a milícia Aitarak. Assimque os aldeões se reuniram, membros da milícia Aitarak, da Brimob e da milícia BMP cercaramos jovens, detiveram aqueles que pensavam ser activistas no Politécnico e levaram-nos para acasa do chefe do suco. Presume-se que o último local onde estiveram detidos foi o quartelgeneralda Polícia regional, em Díli. *Viqueque, Abril de 1999Após uma cerimónia no Kodim 1630 de Viqueque, a 20 de Abril, o comandante-em-chefe adjuntoda PPI, reuniu todos os membros da PPI dos subdistritos de Viqueque e fê-los participar numjuramento, no qual beberam sangue de cão (asu malibuti). Os membros da PPI e do TNIcomeçaram então a intimidar os residentes da comunidade, sobretudo os suspeitos de serempró-independência. Os membros da PPI e do TNI detiveram e <strong>tortura</strong>ram vários jovens no sucode Ahic (Lacluta), incluindo Domingos Amaral Bosi, Paul Sarmento, Jovelino Andreas Sarmento,Gerónimo dos Santos, Francisco Gomes, Cipriano Coreia, Francisco Sarmento, NorbertoSoares, Adriano de Jesus e Izac Martinho. 1000*HRVD, Testemunhos nº 3757, 0615 e 6952. Os nomes das vítimas raptadas eram Belai, Leopoldino, Quieros, Cesaltino,Amoe, Kobuti, Eurico Gaspar Amaral, Alberto da Silva Costa, António da Costa, Domingos da Silva, Sebastião da Silva,Egídio da Silva, Elvino Cerilo dos Santos, Fernando dos Santos, Hélio Tavares Guterres, José Cai e Laurento Sarmento.- 244 -


O seguinte acontecimento, ocorrido no subdistrito de Lacluta (Viqueque), ilustra a maneira comoos chefes do suco e outros funcionários do governo civil também eram marcados como alvos. A30 de Abril, em Lacluta, 14 funcionários civis locais do suco de Ahic foram detidos apósintervirem num evento da milícia alguns dias antes. * Entre os funcionários, encontrava-se o chefedo suco, Germano Gomes Amaral, o secretário do suco, José Martins Lopes, cinco RK (RukunKeluarga, Associação de suco), três RT (Rukun Tetangga, associação de aldeia) e o catequistada igreja, Eugénio Soares. Segundo Eugénio Soares, a milícia e as TNI reuniam a comunidadede noite para florestar vacas e fazer-lhe discursos pró-autonomia. Os 15 funcionários civisdecidiram dizer à população para ir para casa e descansar, em vez de participar. 1001 Ocomandante do Koramil, T598 juntamente com membros da milícia Tim Makikit 1002 , deteve ogrupo e levou os funcionários para o Koramil de Lacluta. † As vítimas foram interrogadas,espancadas com paus e canos, pontapeadas e pisadas. Os ferimentos foram tão graves que umdos membros do grupo, Zacarias, morreu. 1003 Os perpetradores foram o comandante do Koramil,T598, e nove membros timorenses da milícia Makikit.Molop, Bobonaro, 24 de Abril de 199Também eram realizadas operações num suco específico devido a informações, ou boatos, deque o suco estivesse envolvido em actividades clandestinas. Por vezes, quando as TNI tomavamconhecimento de um suco desses, os seus soldados, as milícias, ou ambos, aterrorizavam osuco inteiro, ou até mesmo o subdistrito. Por conseguinte, não eram apenas os suspeitos departicipar em actividades pró-independência que eram vítimas de intimidação, prisão e <strong>tortura</strong> —toda a comunidade sofria. Justino Barreto, o chefe de aldeia de Omelai no suco de Molop(Bobonaro, Bobonaro) descreveu como a sua comunidade foi intimidada por membros de duasmilícias armados com armas automáticas:A 24 de Abril de 1999, a comunidade de Omelai, no sucode Molop, distrito de Bobonaro, foi visitada por T684, ocomandante timorense da milícia de Halilintar, por ummembro da Halilintar, T685, e membros timorenses daDadurus Merah Putih (DMP), incluindo T686. Eles vieramde Bobonaro com espingardas M16 e Z3 para realizar aoperação. Eles cercaram a minha casa por eu ser suspeitode ser clandestino, de trabalhar com o comandante dasFalintil, Loro Mesak, e de distribuir uma carta de apelo àcomunidade, que mostrava uma visão política contrária àdas forças indonésias, apelando nomeadamente a lutarpela independência.*Os 15 funcionários civis detidos eram: Germano Gomes Amaral, o chefe do suco de Ahic; José Martins Lopes, osecretário do suco; Domingos Belo, Luciano Lemos, Acácio Soares Ximenes, Gilberto Paiva, Moisés Marques, MateusHorta, Teófilo Quintão, Inácio Soares, Mateus Soares, Eugénio Soares, catequista da igreja, Pedro da Costa Araújo eZacarias da Silva Belo [ver HRVD, Testemunhos nºs 0404; 0471; 0469; 9167; 0477 e 0475 e Robinson, p. 189].†Segundo o Testemunho nº 0469 da HRVD, disseram-lhes que iam levá-los para o Koramil, mas levaram-nos para oposto da BMP. Ver HRVD, Testemunho nº 0475, que afirma que foram levados para o gabinete da KUD (Koperasi UnitDesa).- 245 -


Maio de 1999Um membro do Koramil entrou na casa e puxou-me lápara fora e deixou-me ao sol durante um dia inteiro. Elestrouxeram facas para me matar, mas não o fizeram. Elesconfiscaram 1 milhão e 300 mil rupias [que tinham sidoangariadas] para o apelo e 1 milhão e 400 mil rupias domeu dinheiro pessoal e obrigaram toda a comunidade adançar com eles. Caso recusassem, todas as pessoas deMolop seriam mortas. Com medo, eu, sendo o chefe dealdeia, chamei nove jovens para dançarem com a milíciaaté ao amanhecer. A 25 de Abril de 1999, entregaram-meao Koramil 01 de Bobonaro para ser interrogado sobre apublicidade que tinha feito e depois fui libertado, para irpara casa. 1004A 5 de Maio de 1999, celebrou-se em Nova Iorque a assinatura dos Acordos do 5 de Maio, entreas Nações Unidas, Indonésia e Portugal, que atribuíam a responsabilidade pela segurança noterritório à Polícia indonésia. A prisão e <strong>tortura</strong> dos timorenses diminuiu ligeiramente após aassinatura dos acordos, mas segundo relatos recebidos pela Comissão, manteve-se inalteradaem muitos distritos.Continuaram a ser realizadas cerimónias públicas para promover a opção da independência,sobretudo no início de Maio. A 1 de Maio, foi realizada uma grande cerimónia na praça do sucode Palapan, em Palapan, Oecusse, na qual 100 membros do CNRT foram obrigados a renunciarà sua filiação na organização e a jurar apoio à opção da autonomia. O administrador do distrito(Bupati) de Oecusse, Filomeno Misquito da Costa, o chefe da Polícia do distrito de Oecusse,tenente-coronel da Polícia Wilmar Marpaung, e o comandante do Kodim, tenente-coronel KamisoMiran, bem como o homem que lhe sucedeu em Agosto, o tenente-coronel Bambang Sungesti,compareceram a esta cerimónia de 1 de Maio. 1005Também foram realizadas cerimónias com o objectivo de recrutar membros à força para asmilícias nos subdistritos de Atabae e de Lolotoe, no distrito de Bobonaro. Ambas contaram com apresença do comandante da Halilintar, T1. Basílio Sousa da Silva disse à Comissão como ele eos seus companheiros Laurentino Martins, Tomás Tavares, Maria Fernandes, Sérgio Soares eAgustino Pereira da Silva foram forçados a juntar-se à milícia Halilintar, em Atabae.Em Maio de 1999, o comandante da Halilintar, T1, e ocomandante da Armui, T689, obrigaram-nos a integrar amilícia Armui. Se não o fizéssemos, seríamos mortos.Depois de nos tornarmos milicianos da Armui, nãodanificámos a propriedade de ninguém e nunca tocámosnuma pessoa. 1006Ataque das Falintil em Lolotoe, Bobonaro, Maio de 1999Em Maio de 1999, um ataque ao Koramil de Gole, no suco de Deudet (Lolotoe, Bobonaro)resultou na morte de três soldados, que, por sua vez, desencadeou a repressão levada a efeitopelas milícias e pelas Forças Armadas indonésias presentes na área. * No dia depois do ataquede 16 de Maio, o BTT local e membros da milícia Kaer Metin Maerah Putih (KMP) deslocaram-separa a área e reuniram centenas de pessoas suspeitas de apoiarem a independência e líderes*Os soldados Caitano, Vicente e Bendito foram mortos. Outro membro do Koramil, Gabriel, fugiu, bem como doismembros da milícia KMP, Jhoni Franca e Mouzinho (José Cardoso) [HRVD, Testemunhos nºs 5612 e 7164 e <strong>CAVR</strong>,Perfis Comunitários dos sucos de Opa e de Daudet, subdistrito de Lolotoe, distrito de Bobonaro, 14 de Julho de 2003].- 246 -


do CNRT. 1007 Lolotoe, uma região na fronteira com Timor Ocidental, era um bastião conhecidopelo seu apoio à independência mesmo antes do ataque.Segundo membros das comunidades dos sucos de Opa e de Deudet, em Lolotoe, o chefe dosserviços de informação do Koramil e membros da milícia vieram de Maliana em 17 camiões, pararealizar uma operação em larga escala, tendo queimado habitações e espancado pessoas. Umresidente, chamado Armindo, foi esfaqueado nas costas pelo membro timorense da milícia T690,mas não foi morta. A maioria da população de Gole foi deslocada para a Escola PrimáriaCatólica de Deudet, onde foi continuamente intimidada até a UNAMET chegar a Timor-Leste e apopulação ser libertada. Os membros das comunidades de Ope e de Deudet descreveram como22 pessoas foram presas no quartel-general da Polícia subdistrital e na praça do suco, semreceberem alimentação — embora as suas famílias lhes fornecessem alimentaçãosecretamente. Os presos foram mandados cavar duas sepulturas grandes com cinco metrosquadrados. 1008 Os testemunhos recebidos pela Comissão indicam que muitas outras pessoasdetidas no âmbito desta operação foram presas no Koramil de Lolotoe 1009João dos Santos descreveu como foi obrigado a participar numa cerimónia tradicional emLolotoe, enquanto esteve preso no Koramil por membros da Kaer Metin Merah Putih:Em Maio de 1999, membros do BTT local, do Koramil e damilícia KMP de Lolotoe, liderados pelos comandantesmilicianos T691 e T692, detiveram-me e a 21 outrosmembros do movimento clandestino e levaram-nos para acidade de Lolotoe. Fomos obrigados a fazer um juramentotradicional…Os anciões de Lebos e de Lolotoe foramconvidados para uma cerimónia, na qual foramsacrificadas uma cabra e uma galinha. Misturou-se umagarrafa de vinho e sumo de coco com o sangue da cabra eda galinha. Depois, eles mandaram-nos, aos 21, alinharpor baixo do poste onde estava hasteada a bandeiravermelha e branca [a bandeira indonésia]. O comandanteda milícia Halilintar e o comandante da PPI, T1, e os seusseguidores começaram a realizar o juramento de sangue,dizendo que aqueles de nós que trabalhavam na redeclandestina já não pertenceríamos à organização a partirdaquele momento e que já não teríamos “duas cabeças”.Eu e os meus amigos participámos no juramento desangue porque tivemos medo que nos matassem casonão o fizéssemos. Mas continuámos a pensar que sóhavia uma via, que era “Ukun Rasik An” [Independência].As pessoas presas pelos militares noutras áreas eram obrigadas a juntar-se à operação.Saturnino Mali Eli descreveu como foi detido em na sua casa, em Maliana (Bobonaro), pelas TNI,nomeadamente o babinsa local e um membro timorense do TNI, T694, juntamente com trêsmembros dos serviços de informação militares, o tenente indonésio T695 [chefe dos Serviços deInformação em Maliana] e dois timorenses, T696 e T697, todos armados com espingardas AR-16. Eles levaram-no para o gabinete do suco Raifun 1, na cidade de Maliana, onde o obrigaram ajuntar-se a uma operação no subdistrito de Lolotoe (Bobonaro). Esta operação eraprovavelmente a discutida acima. Regressado de Lolotoe, Saturnino Mali Eli foi preso numa celano Kodim de Maliana, onde permaneceu quatro dias e foi investigado e espancado por um- 247 -


membro do TNI, T698. Saturnino Mali Eli foi levado para o exterior para ser morto, mas foi salvopor um membro do TNI chamado Domingos. *Devido à operação de Lolotoe, Mário Gonçalves, um líder do CNRT do suco de Guda (Lolotoe,Bobonaro), também foi preso e <strong>tortura</strong>do por um grande grupo de milicianos da KMMP e pelochefe do suco, a 24 de Maio. A descrição que se segue foi retirada de uma acusação formalapresentada pela Unidade de Crimes Graves em Maio de 2001, sobre o tratamento dispensadoa Mário Gonçalves por membros da KMMP.ErmeraQuando Mário Gonçalves saiu da igreja, foi espancadopelos membros da milícia KMMP enquanto era arrastadopelo campo em frente ao gabinete do CNRT. No campo,Sabino Gouveia Leite [o chefe do suco], José CardosoFerreira, também conhecido como Mouzinho [ocomandante adjunto da KMMP] e João Franca da Silva,também conhecido como Jhoni Franca [o comandante daKMMP] ordenaram a membros da milícia KMMP queespancassem Mário Gonçalves, revezando-se. Cerca de37 membros da milícia KMMP espancaram MárioGonçalves. João Franca da Silva, também conhecidocomo Jhoni Franca, também atacou Mário Gonçalves comuma catana, cortando-o no braço direito e golpeando-o noombro esquerdo.Sabino Gouveia Leite instigou José Cardoso Ferreira,também conhecido como Mouzinho, e João Franca daSilva, também conhecido como Jhoni Franca, a cortar aorelha de Mário Gonçalves…A orelha foi atirada para ochão e Sabino Gouveia Leite e João Franca da Silva,também conhecido como Jhoni Franca, obrigaram MárioGonçalves a comê-la. Temendo pela sua vida, MárioGonçalves fez o que lhe tinha sido ordenado e comeu asua orelha direita. 1010Em Maio de 1999, continuava a ocorrer violência no distrito de Ermera, enquanto os militares e amilícia realizavam operações pelo distrito. As operações relatadas à Comissão incluem:*Testemunho nº 2535 da HRVD; ver também Testemunho nº 1868 da HRVD, no qual se refere que o chefe da secção deserviços de informação, T695, interrogou a vítima no Kodim 1636 de Maliana, mantendo a perna de uma mesa em cimado pé dele e mandando duas pessoas sentarem-se em cima da mesa.- 248 -


• A 2 de Maio, os militares realizaram uma operação no suco de Lauala (Ermera, Ermera)e prenderam jovens pró-independência. José Xavier do Amaral foi detido por membrosdo Kodim e membros do SGI.• No suco de Mau Ubo (Hatulia, Ermera), de 9 a 11 de Maio, o BTT local fez umadetenção em massa, detendo apoiantes pró-independência ou familiares seus. 1011Segundo Jacinto de Jesus Soares, a operação foi instigada pelo chefe do suco de MauUbo, T700, que chamou o BTT para realizar uma operação no suco depois de as Falintilalegadamente cercarem a sua casa, a 8 de Maio. Todos os homens do suco fugirampara a floresta, deixando as suas famílias para trás. Jacinto de Jesus Soares afirmouque a sua mulher, Branca Araújo dos Santos, e uma parente, Deolinda Santos, forampresas e obrigadas a procurar os maridos. 1012 A 12 de Maio, Jacinto Soares e o seuirmão, Gregório Araújo, apresentaram-se ao BTT. Foram imediatamente espancados epontapeados durante três horas e depois obrigados a desculparem-se perante o chefedo suco. Para garantirem a segurança da sua família, tiveram de pagar 200 mil rupias aT700 e dar um búfalo, duas cabras e duas sacas de café aos membros do BTT. *• Em Haturegas, no suco de Fatubesi (Hatulia, Ermera), a 14 de Maio, a milícia DarahMerah (também conhecida como Darah Integrasi) realizou uma operação para prenderapoiantes da independência. NN contou que, pelo menos, 30 pessoas da comunidadede Haturegas foram espancadas com ramos de cafeeiro pela milícia. NN foi espancadodurante várias horas e depois foi levado, juntamente com a sua mulher, ON, e o seu filhoadulto, PN, todos pró-independência, para Fatubesi por T147, um membro da milíciaDarah Merah. Lá, ON foi violada e PN foi <strong>tortura</strong>do com tanta gravidade que morreupouco depois devido aos ferimentos. 1013• A 26 de Maio de 1999, nove apoiantes pró-independência foram detidos por um babinsa,T702, e seis membros do BTT, incluindo o timorense T699, e levados para o gabinete dosuco de Lauana (Letefoho, Ermera), onde foram espancados e golpeados com umaespingarda e ficaram uma noite presos. Os presos incluíam Saturnino de Deus Soares, olíder clandestino da área, Domingos Soares, Manuel Soares, Serafim Soares, Paulino deAraújo, Maulino, Jaime, João e Pedro. Regina dos Santos, a mulher de SaturninoSoares, foi mandada cozinhar para os membros da milícia Darah Merah pela mulher doantigo chefe do suco. 1014A busca contínua pelos membros do movimento clandestinoA detenção e o interrogatório de membros do movimento clandestino também continuaram emMaio. Mónica Amaral disse ter estado três dias presa em Zumalai (Covalima). Ela foi <strong>tortura</strong>dapor membros da milícia do sexo feminino — um novo fenómeno que surgiu em 1999: †*Testemunho nº 6421 e nº 6428 da HRVD. O Testemunho nº F9425 da HRVD também refere que as vítimas tiveram depagar uma saca de café e duas galinhas a um funcionário civil chamado T700 para obterem a libertação dos seusmaridos.†Ver, por exemplo, o caso de Ana Maria Mouzinho, em que T704 também era perpetrador. Num outro caso, T705, ummembro da milícia Aitarak, foi apontado por Manuel Soares Lemos como, aquele que lhe bateu na cabeça com uma varade ferro no posto da Aitarak, em Kampung Alor, Díli Ocidental (Díli) a 14 de Setembro de 1999. Os membros dacomunidade de Ahic (Lacluta, Viqueque) contaram à Comissão que duas mulheres de Ahic, Hermelinda da Conceição eRita Correia, foram violentamente espancadas pela T706, mulher de um membro da PPI, tendo sofrido ferimentos gravesna cabeça [HRVD, Testemunhos nºs 6260 e 7024 e <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Ahic, subdistrito de Lacluta,distrito de Viqueque, 22 de Novembro de 2002].- 249 -


A 2 de Maio de 1999, um membro timorense do sexofeminino da milícia Mahidi, T704, e um membro indonésiodo TNI, T709, com cerca de dez outros membros daMahidi atacaram a nossa SMP (escola preparatória) emBeco para me deterem…[juntamente com] Domingas dosSantos, Cecília da Costa e Lúcia da Costa. Eles levaramnospara o posto da Mahidi em Zumalai num [veículo]Kijang. Quando lá chegámos, fomos interrogadas e elesdisseram-nos que nós estávamos a esconder granadas,armas e bandeiras da Fretilin, mas nós dissemos que nãosabíamos [nada]. A 3 de Maio de 1999, eles levaram-nospara uma casa em Beco para procurar granadas, armas euma bandeira da Fretilin. Como não encontraram nada,T704, T711 e T712 bateram-nos e deram-nos pontapésnas costas. T704 deu-me murros na cara até eu sangrar,T713 queimou-me a boca com um cigarro. Eles os trêsespancaram-nos. Quando acabaram de nos espancar,levaram-nos para casa do coordenador da Mahidi, T602,em Zumalai. Puseram-nos às quatro numa cela ecomeçaram a interrogar-nos. Não nos deram de comernem de beber. 1015No subdistrito de Lequidoe (Aileu), as forças da milícia AHI e soldados Rajawali, fizeram váriasdetenções enquanto procuravam membros clandestinos do CNRT, documentos clandestinos oupessoas simples que disponibilizavam comida às Falintil. As detenções eram, por vezes, levadasa cabo em colaboração com o Koramil e com o administrador do subdistrito, T715, cujo gabineteera utilizado para prender pessoas. 1016 Sabino das Neves afirmou à Comissão:Em Maio de 1999, o chefe da RT (Rukun Tetangga,associação de bairro), T716, e membros da milícia AHIentraram e saíram das casas à procura de documentosclandestinos. Encontraram uma carta de apelo do Chefedo Estado-Maior das Falintil em casa da minha tia MariaFátima, na aldeia de Fatu Merin. Sem suspeitar de nada, aminha tia disse-lhes que o seu “filho”, Sabino das Neves,trouxera a cara para casa. Eu estava na SMP (EscolaPreparatória), em Lequidoe, na altura. Depois das aulas,eu e dois companheiros, Domingos Araújo e João Oliveira,fomos interrogados por T716 e por membros da milíciaAHI. Mais tarde, fomos levados para o quartel-general doKoramil. No quartel-general, fomos interrogados peloadministrador do subdistrito de Lequidoe, T714, e peloComandante do Koramil de Lequidoe, T710. Elesdespiram-nos e acusaram-nos de ajudar as Falintil. Ocomandante do Koramil mandou quatro membros doKoramil apontarem as armas na nossa direcção eameaçaram-nos de morte caso não fornecêssemosinformações claras. Depois de nos interrogarem durantecerca de quatro horas, libertaram-nos e mandaram-nosapresentar-nos no Koramil todos os dias, mas, nessemesmo dia, nós fugimos para Díli. 1017As organizações de serviços de informação também participavam na identificação e na prisão deapoiantes pró-independência. Lucas João foi detido a 11 de Maio por membros da DadurusMerah Putih, da Kaer Metin Merah Putih, do SGI e do Kodim, depois de os militares descobriremque ele estava a esconder seis membros das Falintil na sua casa, em Lahomea. As suas mãos e- 250 -


pés foram amarrados e ele foi metido num saco. Foi levado para o Kodim de Maliana, onde foiespancado enquanto ainda estava no saco. Depois foi colocado numa cela escura, na qualpermaneceu durante cinco dias, sem receber alimentação ou bebida. Lucas João foi ameaçadocom uma arma antes de ser libertado. 1018A 19 de Maio de 1999, Vicente Lourdes e Martinho da Costa Barreto foram capturados pelocomandante da milícia Ablai, T717, em Letefoho (Same, Manufahi), que entregou os presos aomembro do Koramil T434, a um membro do Kodim chamado T719 e a um líder da Ablai, T720,que levou as vítimas para o Kodim 1634 de Manufahi. No Kodim, T434, membros do Kopassus eum funcionário civil do Kodim interrogaram os presos. Mandaram-nos encostar-se à parede, comas mãos no ar, e depois esmurraram-nos, pontapearam-nos e espancaram-nos nas costelas equeimados com pontas de cigarro no rosto e no resto do corpo. Eles ficaram dez dias presos noKodim. 1019Thomás dos Santos disse ao tribunal como ele e outros apoiantes da independência foramdetidos e <strong>tortura</strong>dos a 30 de Maio de 1999:Às quatro horas da manhã, um membro da milíciaHalilintar, José Zoro, tirou-me de minha casa em Abatninin[Rairobo, Atabae, Bobonaro]. Ele segurou-me com força elevou-me para a rua, onde, imediatamente, [soldados das]TNI com boinas verdes me levaram para um carro. Outrosjá estavam no carro, nomeadamente: Ernesto Soares,Batista Guterres, Ermenegildo Tavares, Henriques, Joãoda Culu, Francisco Martins, Afonso Haletalo e JacintoBarros. Fomos obrigados a ficar deitados no carro com acara virada para baixo. As nossas costas foram cravadascom pedaços de madeira e o comandante do Koramil deAtabae pisava a madeira. Nós fomos levados para oKoramil e, quando chegámos, fomos desnudados,espancados com a raiz de uma figueira-de-bengala…[e]eles espancaram-me na cara. Eles mandaram-nos deitarno chão enquanto nos algemavam as mãos. De noite, oSGI veio e levou-nos lá para for a, tapando os nossosolhos com lenços e espancou-nos com armas até osnossos corpos estarem feridos. Não posso fazer trabalhospesados até hoje; as minhas costas ficaram tão afectadasque, quando trabalho, me doem sempre. 1020- 251 -


Marcas de identificaçãoO corte da orelha de Mário Gonçalves por um membro da KMMP em Lolotoe não foi o únicocaso do género relatado à Comissão. Um testemunho indica que não eram só as autoridadesindonésias que recorriam ao corte de orelhas em Lolotoe. Armando do Rego, um antigo membrodas Falintil, disse à Comissão que, a 9 de Agosto de 1999, quando se dirigia à missa com a suamulher em Lolotoe, as Falintil mandaram-no parar e levaram-no. Os seus captores, os membrosdas Falintil T722 e T723, espancaram-no com um bloco de madeira, pontapearam-no até o seunariz sangrar e ameaçaram-no com uma faca. Depois, chegou um carro com dois agentes dapolícia, chamados Constantino e Caetano. T722 e T723 puxaram-nos para fora do carro ecortaram-lhes as orelhas. 1021As Forças Armadas indonésias também cometiam actos semelhantes. A comunidade de Lacló(Atsabe, Ermera) relatou que, em Maio, membros do SGI, do TNI e da Tim Pancasila cortaram aorelha de um homem chamado Bereleki no suco de Laubano e a orelha de Agostinho no suco deObulo. No dia seguinte, membros do SGI, dos Partidários e da Tim Pancasila cortaram a orelhade Lourenço em Atara. 1022A Comissão também recebeu vários relatos sobre pessoas cujo cabelo foi cortado ou rapado.Num dos casos, raparam o cabelo de um homem, formando o desenho de uma cruz, e noutroalinharam todas as pessoas identificadas como apoiantes da independência e cortaram-lhes ocabelo. 1023Manatuto, a participação do administrador do distritoO administrador do distrito (Bupati) de Manatuto, T724, também é referido em três testemunhosprestados à Comissão por ter interrogado pessoalmente as pessoas e permitido que a sua casafosse utilizada como centro de detenção. 1024 Ligado às TNI desde que se tornou comandante doTonsus em finais de 1970 (ver Capítulo 4: Regime da Ocupação), e alegadamente nomeadofuncionário honorário do Kopassus, 1025 ele permitiu que a sua casa fosse utilizada como posto doKopassus. Joaquim Soares é uma das vítimas que disse ter estado presa em casa de T724.Joaquim Soares disse à Comissão que, em Maio de 1999, quando se dirigia para uma cerimóniade abertura da sede do CNRT com a sua família e outros civis, os membros da milícia TimMorok, T726, T727, T728 e T729, fizeram-nos parar. As pessoas foram mandadas ir para oKodim de Manatuto, para receberem armas, em vez disso foram levadas para a casa doadministrador do distrito. Foram vendadas com panos negros e interrogadas individualmentesobre a localização do gabinete do CNRT. Quando Joaquim Soares respondeu que não sabia,as suas mãos e pés foram amarrados e ele foi espancado com madeira, pontapeado eesmurrado e queimado com cigarros acesos. Findo este abuso, ele foi trancado numa dasdivisões da casa de T724, onde permaneceu sete dias, ainda amarrado. 1026John Hornai Sarmento contou como, no início de 1999, os seis chefes de suco e o administradordo subdistrito de Soibada se tornaram suspeitos de actividades clandestinas e foram, por isso,convocados pelo administrador do distrito de Manatuto, que os interrogou sobre a suaparticipação em actividades clandestinas. Depois do interrogatório, John Hornai Sarmento ecinco colegas seus receberam 25 mil rupias cada para regressarem para Soibada, mas oadministrador do subdistrito (camat) de Soibada, Zaolino, ficou preso em Manatuto. JohnSarmento tomou conhecimento de que Zaolino foi <strong>tortura</strong>do por um membro da milíciaMahadomi, T732, e acabou por ser morto. **Um professor chamado Vicente foi morto na mesma altura [HRVD, Testemunho nº 0643].- 252 -


Prisão e Tortura entre Junho e 30 de Agosto, o dia da votaçãoA Missão das Nações Unidas em Timor-Leste (UNAMET) chegou a Timor-Leste a 3 de Junho de1999. Após a sua chegada, os relatos sobre detenções e <strong>tortura</strong> diminuíram, mas as pessoascontinuaram a ser intimidadas e algumas eram ameaçadas de morte, geralmente para seremobrigadas a votar na opção da autonomia na Consulta Popular. Um depoente, de Zumalai, disseo seguinte acerca deste período:Depois de a UNAMET chegar, eles libertaram-nos parairmos para casa, mas os membros da milícia [Mahidi]T733, T602 e T644 disseram-nos: “Se a autonomia perder,nós matamo-los todos, incluindo as vossas mulheres efilhos”. 1027Neste período, os apoiantes pró-integração continuavam a pressionar as pessoas para apoiarema sua causa e, por vezes, prendiam apoiantes pró-independência. As ”visitas de socialização” àscomunidades, durante as quais as autoridades procuraram pretensamente informar ascomunidades sobre a Consulta Popular, eram frequentemente utilizadas para intimidar aspessoas, na esperança de as fazer apoiar a autonomia.Em Junho, no suco de Lebos (Lolotoe, Bobonaro), 20 jovens ficaram presos durante um dia euma noite no gabinete do suco durante uma “visita de socialização” feita pelo chefe dos serviçosde informação do Kodim 1636 e membros do BTT local e da milícia Dadurus Merah Putih. Osjovens foram ameaçados, para que não participassem em actividades clandestinas, antes deserem libertados. 1028 A comunidade de Sabarai (Maliana, Bobonaro) também disse à Comissãoque, em Junho, o comandante da milícia Dadurus Merah Putih em Saburai, T736, ameaçaram acomunidade dizendo às pessoas que cortariam as mãos de quem votasse contra a autonomia noacto eleitoral. 1029 A comunidade de Saboria (vila de Aileu, Aileu) disse que os líderes da milícia,o TNI e a Polícia participavam em eventos de socialização sobre a autonomia, nos quaisforçavam os membros da comunidade a apoiar a opção da autonomia, a participar emcerimónias de juramento de sangue e a integrar a milícia AHI. 1030As pessoas começaram a fugir das suas habitações e também estava sujeitas a serem presasse fossem apanhadas (ver Subcapítulo 7.3: Deslocação Forçada e Fome). No distrito de Liquiça,houve casos de pessoas cujo marido, filhos ou outros familiares tiveram de fugir para a floresta;noutros casos, as pessoas tentaram esconder-se na floresta e os seus familiares foramdetidos. 1031 Abílio Lobato de Fátima relatou:A 7 de Junho de 1999, uma força conjunta da milícia BMP,da Polícia e do TNI veio a Fatunesu, no suco de Fahilebo,para me deter porque tinham sido informados de que eufugira para a floresta. Eles levaram-me para o posto decomando da BMP no suco de Fatumasi (Bazartete,Liquiça) onde me prenderam durante 40 dias. A 23 deJunho de 1999, a milícia BMP voltou a minha casa edeteve as mulheres de todos os nossos irmãos que tinhamfugido, para que elas pudessem explicar onde estavam osmaridos. Eu dei 500 mil rupias a T737 para que asmulheres dos nossos irmãos fossem libertadas. Eucontinuei no posto de comando e, enquanto lá estive, tivede vigiar o posto 24 horas por dia, sem descanso. Eutentei dar 950 mil rupias a T738 e a T739 para meprotegerem das ameaças dos outros milicianos. Quandoos resultados do referendo foram anunciados, a 4 deSetembro, fugi para a floresta sem eles saberem. 1032- 253 -


As pessoas que faziam campanha pró-independência também eram presas. Por exemplo,segundo as informações recebidas, a milícia DMP deteve cinco membros do movimentoclandestino — Mateus Barreto, Agusto Marques, Josefina Marques, Joanico Soares e FernandoVicente — em Maliana, a 26 de Junho, quando eles se reuniram para distribuir estandartes doCNRT. Eles foram arrastados e levados para a esquadra da polícia distrital de Bobonaro, ondeficaram um mês presos. 1033Apesar da presença das Nações Unidas, os militares indonésios continuaram a fazer detençõesocasionais por livre iniciativa. Um homem timorense disse à Comissão ter sido detido emFatululik (Covalima), no final de Junho, por um funcionário indonésio dos serviços de informação,T740, e levado para o Koramil de Fatululik. O comandante do Koramil, T741, o interrogou sobrecertos documentos. Ele ficou três noites preso. 1034Outros foram libertados. A 8 de Julho de 1999, o comandante do Koramil de Lolotoe, tenenteBambang Indra, o chefe do suco de Guda, Sabino Gouveia Leite, e o comandante da KMMP,José Cardoso Ferreira (Mouzinho), co-assinaram um documento a confirmar a libertação de seispessoas e a sua devolução ao suco de Guda. O documento afirmava que eles tinham estadopresos para “orientação” desde 22 de Maio e que agora estavam a ser devolvidos ao seu suco“num estado saudável e em segurança”, mas que poderiam ser chamados para maisinterrogatórios em qualquer ocasião futura. 1035 Esta carta é mais uma demonstração clara dacontínua colaboração entre os militares, as milícias e a administração civil.Em Agosto, à medida que a data do acto eleitoral se aproximava, as campanhas de terror dasmilícias aumentavam. A 25 de Agosto, cinco dias antes da votação, dois membros timorenses daBMP, T742 e T743, detiveram um homem timorense e levaram-no para o Posto de Comando emFatumasi (Bazartete, Liquiça). A Comissão foi informada de que ele foi violentamente espancadoe pontapeado nas costas, tendo perdido a audição, e que depois mandado vigiar o posto daBMP em Unahei. 1036A 26 de Agosto, membros da milícia Aitarak, incluindo quatro membros timorenses, T744, T745,T746 e T747 atacaram seis homens — Calistro, Júlio, Sérgio, Fernando, António e Tomás — nacasa de Calistro (Bairro Pite, Díli Ocidental). Eles foram espancados, pontapeados e cortados nacabeça e depois foram levados para um posto da Aitarak, onde ficaram presos por pouco tempo,até serem entregues à SGI para serem interrogados 1037Prisão e <strong>tortura</strong> após a votaçãoComo foi descrito em secções anteriores do presente Relatório, o período imediatamente após aConsulta Popular foi violento. As tensões aumentaram ainda mais após o anúncio do resultado, a4 de Setembro, que foi seguido por um frenesi de destruição de habitações e de infra-estruturas.A incidência de prisão e <strong>tortura</strong> aumentou. Se antes da votação a prisão e a <strong>tortura</strong> eramperpetradas com o objectivo de intimidar e coagir os presos a apoiar a integração, depois do actoeleitoral as razões incluíam as seguintes:- 254 -


• punição e vingança• prisão de vítimas marcadas como alvos tendo em vista a sua execução• prisão de pessoas para as impedir de fugir para as montanhas, ou capturá-las quandovoltavam às suas habitações em busca de víveres• reunião de grupos de pessoas num local para as enviar para Timor Ocidental, numatentativa de demonstrar ao mundo exterior que a maioria dos cidadãos timorenses nãoconcordava com o resultado da Consulta Popular e preferiam ficar na Indonésia.Depois de votarem, a 30 de Agosto, muitos líderes do CNRT e outros apoiantes próindependência,sobretudo os líderes do movimento, sentiram-se inseguros nas suas habitaçõese fugiram para a floresta ou as montanhas. Por vezes, os familiares que ficavam para trás erammarcados como alvos para prisão e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Os membros da comunidade de Ahic (Lacluta,Viqueque) descreveram como isso ocorreu na sua região. José Andrade dos Santos e 39 outrosapoiantes da independência de Dilor (Lacluta, Viqueque), repararam em postos da milícia empontos estratégicos quando iam votar. Decidiram fugir depois de votarem e passar a noite emUe-Aiheres (do outro lado do monte Manutargele, em Bibileo, Viqueque), para organizaremesconderijos para a comunidade. As suas mulheres e famílias ficaram na cidade de Dilor. Osapoiantes pró-autonomia submeteram algumas pessoas que tinham ficado para trás, incluindo osparentes de José Andrade dos Santos, a tratamento degradante, ameaças, intimidação e<strong>tortura</strong>. 1038Outros eram capturados e presos depois de fugirem, quando regressavam às suas habitaçõesem busca de víveres. Por exemplo, Abílio Paicheco, que fugira para as montanhas após avotação, foi a Mota Ulun, Becora (Díli) com dois amigos em busca de víveres, a 17 de Setembrode 1999. Pelo caminho, encontraram seis membros da milícia Aitarak. A milícia espancou-os epontapeou-os e alvejou Abílio nas costas. Ele sobreviveu, mas disse à Comissão que aindacarrega a bala no corpo. 1039Uma semana depois da Consulta Popular, a 7 de Setembro de 1999, Evangelino da Conceição eo seu companheiro Mateus desceram das montanhas em busca de víveres e foram apanhados esofreram <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Na estrada para Dare (Díli), um funcionário timorense do TNI, T335, etropas do Batalhão 613 apanharam-nos e espancaram-nos. Pouco depois, um membro doBatalhão 613 agarrou Evangelino pela cintura e golpeou-o na orelha com a sua baioneta.Durante as duas horas seguintes, um funcionário civil espancou os dois homens e pontapeou-osno rosto e nas orelhas. As vítimas foram então levadas para o Koramil de Dare, onde voltaram aser golpeadas com uma baioneta, nas costas e nas coxas. Evangelino da Conceição foiqueimado com cigarros acesos e atirado para dentro de água pelas TNI, e um civil timorense quetrabalhava para o Koramil de, T749, atirou-lhe uma pedra à cabeça, fazendo-a sangrar. 1040Os militares, a Polícia e os seus auxiliares também procuravam membros das Falintil queestivessem a descer da floresta e das montanhas. A casa de Amélia do Carmo, em Asumaten,na vila de Suai (Suai, Covalima), foi atacada a 4 de Setembro de 1999, por membros da milíciaLaksaur, T750, T751, T752, T753 e T754, e 40 agentes da polícia do Contingente de Lorosaeporque uma pessoa da floresta tinha sido vista lá. Eles encontraram quatro jovens do sexomasculino em casa de Amélia do Carmo, mas ela só conhecia um deles. Todos foramespancados no local e foram levados para a esquadra da polícia e depois para o Kodim deCovalima. O filho de Amélia, com dois anos de idade, morreu devido ao trauma de ver a mãe serameaçada com uma catana e foi afirmado à Comissão que a mãe considera que tal se deveu aochoque provocado pelo ataque. 1041Após a votaçãoApós a votação, mas antes do anúncio dos resultados, a 4 de Setembro, continuaram a serpresos apoiantes pró-independência e membros do movimento clandestino.- 255 -


A Comissão recebeu seis testemunhos de membros do PDI-P (Partai Demokrasi Indonesia-Perjuangan), o partido político indonésio em Oecusse e Ataúro (Díli). 1042 Os depoentes acreditamterem sido marcados como alvos por serem filiados nesse partido. 1043 Segundo Gonzalo Abi, deOecusse, isso aconteceu porque muitos membros do PDI-P também eram membros domovimento clandestino ou do CNRT. 1044 Tito da Costa, membro do PDI-P e do movimentoclandestino, disse à Comissão como foi chamado, juntamente com outros, alguns dos quaistambém membros do PDI-P, para comparecer no gabinete do comandante do Koramil de Ataúroapós a Consulta Popular.Depois da Consulta Popular, a 1 de Setembro de 1999, às9 horas da manhã, o comandante do Koramil chamou-mee a alguns companheiros meus, nomeadamente José,Alfredo, Tomás Alves, Cézar Brandão, Pedro dos Santos,Daniel, José Rambo e Apoli, para irmos ao Quartelgeneraldo Koramil de Ataúro. Quando chegámos aoKoramil, o comandante do Koramil mandou-nos alinhar,tocou uma cassete e quis que todos dançássemos. Comonão dançámos, o comandante do Koramil disse aos seussubordinados timorenses, T755 e T758, para nosespancarem. Depois, mandou-nos sair e mostrarmos onosso respeito pela bandeira vermelha e branca durantecerca de duas horas. Depois, fomos mandados para casa,mas para que pudéssemos convocar os nossos outroscompanheiros de Makadede. Fomos mandadosapresentarmo-nos no Koramil durante duas semanas.Após ser anunciado o resultado da Consulta Popular, ocomandante do Koramil [deixou Ataúro] e nós ficámoslivres. 1045Depois da Consulta Popular, a violência aumentou substancialmente em Covalima. Osperpetradores eram não só os membros da milícia Laksaur e do TNI, como também a Polícialocal e o Contingente de Lorosae (Kontingen Lorosae) — um contingente policial indonésiodestacado para Timor-Leste com o objectivo específico de assegurar a segurança durante aConsulta Popular. Os presos foram levados para esquadras da polícia por todo o distrito deCovalima. Em Fohoren (Fohoren, Covalima), muitos civis fugiram para a Igreja de NossaSenhora do Rosário de Fohoren depois de votarem, prevendo a violência que se seguiria ao actode votação. A Polícia deteve 14 pessoas que ali procuravam refúgio e levou-os para a esquadrade Fohorem. 1046 Os membros da comunidade de Fohorem descreveram como foramespancados, despidos e queimados com cigarros acesos na esquadra da polícia. As mulheresforam sexualmente assediadas. Tocaram-lhes, acariciaram-lhes os seios e foram ameaçadascom comentários impudicos e avanços sexuais. O líder da milícia Laksaur, T757, veio de Salelepara interrogar alguns dos presos. 1047Depois, os agentes da polícia timorenses T758 e T759 e o comandante da polícia T760,juntamente com o comandante timorense da companhia da milícia Laksaur T761, o comandanteT762 e um comandante adjunto, T763, foram à Igreja de Fohoren e detiveram 16 dos homens. *Informadores disseram à Laksaur que os homens tinham influenciado os seus familiares a juntarseao movimento clandestino. Basílio Amaral descreveu a maneira como foram tratados:*Basílio Amaral, Fernando Sarmento, Hipólito Afonso, Daniel de Araújo, Anito Saldanha, Grasiano do Rego, Paul dosSantos, José Barreto, António Amaral, Julião Cardoso, Gabriel dos Santos, Ângelo dos Santos, Constâncio dos Santos,Roberto Gomes, Pedro do Rego e Salvador Pereira.- 256 -


Punição e vingançaFomos levados para o posto da Laksaur na esquadra dapolícia, onde fomos interrogados e espancados, um a um.Eles despiram-nos antes de nos espancarem e deram-nosmurros, pontapés e bateram-nos com armas até as nossascaras estarem cobertas de sangue. Eles puseram armasnas nossas bocas e deram-me murros até a minha caraestar ferida. Fomos <strong>tortura</strong>dos desta maneira durante doisdias. 1048Após o anúncio do resultado, os militares e as milícias responderam com mais violência.Centenas de apoiantes pró-independência foram presos e <strong>tortura</strong>dos, ou sofreram outras formasde tratamento cruel, degradante e desumano. Muitas vítimas de prisão arbitrária e <strong>tortura</strong>disseram à Comissão que o motivo para terem sido presos após o acto eleitoral foi simplesvingança por parte da milícia e dos militares pelo resultado do acto eleitoral. A Comissãorecebeu testemunhos referentes ao distrito de Díli que descrevem como as pessoas eramlevadas para o quartel-general da Aitarak, no Tropical, para postos da Aitarak, esquadras dapolícia e para o Koramil em Metinaro, e eram espancadas. 1049 Nos primeiros meses de 1999, osperíodos de prisão eram bastante curtos — geralmente de apenas alguns dias.A milícia AHI actuou sozinha quando prendeu e interrogou Domingos da Cruz. Ele disse ter sidodetido a 5 de Setembro de 1999 por T764 e T765, membros da milícia AHI, e levado para ogabinete governamental da agricultura local, onde foi espancado, pontapeado e esmurrado.Depois, foi levado para o quartel-general da AHI, onde foi interrogado pelo comandante da AHI,T766, esbofeteado e ameaçado de morte por T767, e espancado até perder a consciência porpelo membro da milícia T768. Fernando, outro miliciano, salvou-o, mais tarde. 1050Em Balibó (Bobonaro), Agapito da Purificação, líder da rede clandestina e do CNRT, que tinhadado dinheiro e arroz às Falintil no Sector 4, descreveu como foi detido, juntamente com os seuscompanheiros Alexio Gama, Sabino da Purificação, Manuel Caeiro e Paul Soares a 17 deSetembro de 1999, na vila de Balibó (Balibó, Bobonaro). O membro do TNI T769 fez a detenção,acompanhado pelo comandante da milícia Firmi, T770, e pelos membros da milícia T771 e T772.Os detidos foram levados para o quartel-general da Firmi, em Balibó, para serem interrogados.Durante o interrogatório, T772 espancou Agapito na cabeça com uma arma de fogo de fabricoartesanal (rakitan) até ele ficar inconsciente. Eles foram ameaçados de morte e mantidos presosdurante três dias, sem receberem alimentação, até serem libertados. 1051Casos de prisão antes da evacuaçãoAo mesmo tempo que começavam a retirar, a milícia e os militares transportavam centenas demilhares de pessoas para o outro lado da fronteira. Muitos dos que foram obrigados a deslocarsedesta maneira relataram um curto período de prisão, por vezes de apenas algumas horas,antes de iniciar viagem.A comunidade do suco de Ahic (Lacluta, Viqueque) descreveu a sua detenção, no dia do anúnciodo resultado, 4 de Setembro. Os cidadãos de Dilor que não tinham fugido foram reunidos pormembros da PPI no jardim do Koramil, onde foram vigiados de perto durante um curto espaço detempo, antes de serem evacuados para Timor Ocidental. 1052Em Lautém, nas semanas após a Consulta Popular, entre cenas de caos, habitações queimadase o som de disparos, algumas das pessoas que não conseguiram fugir foram capturadas eenviadas para o Kodim 1629, em Lautém. 1053 Algumas foram imediatamente enviadas paraTimor Ocidental e outras ficaram presas no Kodim durante alguns dias.- 257 -


Manuel Mendonça foi levado para o Koramil de Metinaro (Díli) a 6 de Setembro por membros damilícia Aitarak e foi obrigado a escrever o nome da sua família numa lista de pessoas a seremenviadas para Atambua, Timor Ocidental. 1054Prisão de pessoas marcadas como alvos para execuçãoA Comissão também tomou conhecimento de pessoas conhecidas como líderes que forammarcadas como alvos para detenção e prisão, a fim de serem executadas (ver Subcapítulo 7.2:Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados). Os líderes das milícias e o TNI identificaramalgumas pessoas para captura. Por vezes, eram elaboradas listas para distinguir os que iam serenviados para Timor Ocidental dos que iam ser executados. *António da Costa Guterres disse à Comissão que a milícia BMP deteve José da Costa Guterresem Odomau (Maliana, Bobonaro) a 5 de Setembro, e levou-o para a esquadra da polícia distritalde Bobonaro, em Maliana, onde a matou por ele ser membro do CNRT. 1055Aníbal do Rego e Lito da Costa Amaral apresentaram ambos testemunhos sobre a suadetenção, ocorrida enquanto tentavam fugir para Timor Ocidental a 9 de Setembro. Aníbal disseter sido detido pelo comandante do Koramil e pela milícia Laksaur quando se aproximaram doKoramil de Suai. O comandante do Koramil, tenente T774, e T775, da Laksaur mandaram-no e aquatro outras pessoas — Paul Ximenes, Câncio, Lito da Costa Amaral e Anis Tahu — entrar numcarro. Quando chegaram a Audian, em Camanasa, disseram-lhes para saírem do carro e trêsdeles, Paul Ximenes, Anis Tahu e Câncio, foram seleccionados para serem mortos. Eles foramimediatamente baleados, e os outros dois prisioneiros, Aníbal do Rego e Lito da Costa Amaral,foram levados para casa — embora tenham sido pontapeados e pisados pelo caminho. 1056Domingos Araújo, membro da milícia Mahidi, descreveu à Comissão como, a 12 de Setembro de1999, ele e oito membros da milícia participaram numa reunião convocada pelo comandantetimorense da Mahidi, T776, na casa deste em Cassa (Ainaro, Ainaro). T776 e o seu irmão T779pediram a captura de Paulino Maria Bianco por ele ser suspeito de ser membro do movimentoclandestino e de ajudar as Falintil. Imediatamente após a reunião, os membros da Mahidicapturaram Paulino Bianco e levaram-no a T776 na manhã seguinte. O rosto de Paulino estavaenvolto em plástico e as suas mãos e pés estavam amarrados. T776 ordenou então aosmembros da Mahidi T782 e T783 que levassem Paulino Bianco para Sildena Harikain Cassa(Ainaro, Ainaro) para o matarem. 1057LibertaçãoNa maioria dos casos de prisão ocorridos em 1999 relatados à Comissão, as vítimas eramautorizadas a ir para casa, por vezes poucas horas depois de serem detidas. A maioria daspessoas era libertada depois de serem avisadas, ameaçadas e maltratadas. As ameaças eramtanto implícitas como explícitas. Por exemplo, podia ser sugerido à vítima que, caso nãoprestasse atenção ao aviso, podia facilmente ser encontrada e capturada novamente. Como semenciona acima, algumas pessoas eram libertadas apenas depois de participarem numacerimónia de juramento de sangue e de prometerem tornar-se membros da milícia.*O Investigador de Crimes Graves, Dave Savage, afirmou à Comissão: “ Obtivemos provas em todos os distritos deTimor-Leste de que foram redigidas listas com nomes de líderes da Independência durante 1999. Estas eram as pessoasque eram caçadas e, em muitos casos, executadas. Isto pode ser demonstrado pelo número de líderes do CNRT e deapoiantes destacados pró-Independência que foram caçados, mesmo em Timor Ocidental (Kupang e Atambua), detidos,presos e executados. Em muitos casos, os que eram detidos em Timor Ocidental eram transportados para Timor-Lestepara a fase da execução. Isto não significa que não houvesse mais mortes além das que estavam identificadas elistadas, quer como parte de um ataque maior (Igreja de Suai, esquadra da polícia do distrito de Maliana, homicídios doclero, Massacre de Passabe) ou como parte de um desvairado homicídio em massa de todos aqueles que nãoestivessem sob o controlo do TNI/milícias (Maliana 3 a 9 de Setembro), ou devido a retaliações oportunistas, motivadaspor qualquer razão”. Correio electrónico (E-mail) de David Savage. Arquivo da <strong>CAVR</strong>.- 258 -


Exigências de apresentação obrigatóriaMuitas das vítimas presas antes do acto eleitoral tinham de se apresentar às autoridadesindonésias após a sua libertação, durante dias, semanas ou, por vezes, vários meses. 1058 Estepadrão é semelhante ao de períodos anteriores e, tal como em períodos anteriores, permitiu àsautoridades indonésias vigiar os movimentos de pessoas suspeitas de causarem distúrbios. Porvezes, as exigências de apresentação eram pesadas e implicavam várias instituições. Franciscoda Conceição Guterres disse que ao ser libertado do Kodim e da esquadra da polícia distrital, emErmera (Ermera), a 10 de Abril de 1999, foi-lhe imposto que se apresentasse nas seguintesinstituições durante nove dias:• 8 – 10 da manhã no Kodim 1637 de Ermera• 11 – 12 da manhã na esquadra da polícia distrital de Ermera• 1 – 2 da tarde na Procuradoria-Geral• 2 – 4 da tarde no tribunal.Francisco da Conceição Guterres foi julgado a 19 de Abril de 1999 e condenado a dois meses deprisão. 1059SubornosVários testemunhos mencionam que os presos eram obrigados a pagar à Polícia, às milícias ouaos militares pela sua libertação. Esta forma de extorsão já era utilizada antes de 1999 e tornousemuito mais comum nesse ano. 1060 A Comissão também tomou conhecimento de pelo menosum caso em que o depoente descreveu ter sido obrigado a fazer uma espécie de pagamento deprotecção para não ser detido. No caso abaixo apresentado, toda a comunidade de Atabae(Bobonaro) foi obrigada a contribuir com dinheiro no final de Abril. Cristovão Afonso descreveu asua detenção, juntamente com sete companheiros, pela milícia Armui a 26 de Abril por seremsuspeitos de fornecer comida às Falintil. * Ele contou à Comissão como fora coagido a entregardinheiro e bens à milícia Halilintar a 27 de Abril:O comandante da milícia Halilintar reuniu todos osresidentes de Diruaben e de Bia-Matae para ouvirem assuas ordens. Eles disseram que todos os de Diruaben ede Bia-Matae tinham de dar ou de reunir dinheiro, gado earroz para alimentar as forças da Halilintar que actuavamno suco de Hataz. Só fomos libertados depois de essascoisas serem recolhidas. 1061Os familiares dos presos eram frequentemente informados de que os seus entes queridos nãoseriam libertados, ou pior ainda, que seriam mortos na prisão, caso eles não pagassem. 1062Alguns foram obrigados a vender os seus bens para pagar. Marcus Pereira da Costa Freitas játinha sido libertado de um posto da BMP em Fatumasi (Bazartete, Liquiça), mas continuou a serassediado e acabou por pagar para poder viver numa paz relativa. Ele afirmou à Comissão:*Os sete amigos eram: Anselmus Nunes, Júlio Nunes, Agustino Soares, Marcelino Ximenes, Flabiano Lopes, Pedro dosSantos e Agusta. O depoente disse que todos os presos, excepto ele e Júlio Nunes morreram na prisão.- 259 -


Intervenção de terceirosMandaram-me ir a casa do chefe do suco timorense T784.Todas as noites havia membros da milícia BMP a vigiarme.Depois, T784 disse-me que o administrador timorensedo subdistrito de Bazartete, Jacinto Gonçalves, o viceadministradordo subdistrito, Laurindo, e um membro damilícia BMP, Manuel Rosário, precisavam de dinheiro.Então eu disse à minha mulher para me levar um colartradicional que pertencia à minha avó e vendi-o por a T784por 800 mil rupias. Isso, juntamente com o dinheiro domeu pai, 1 milhão e 300 mil rupias, totalizava 2 milhões e100 mil rupias. [Esta quantia] foi dada a T78 em troca deLaurindo, Jacinto, Manuel e os seus homens. Depoisdisso, eles começaram a tratar-me bem. 1063A Comissão recebeu vários outros testemunhos de pessoas que foram libertadas devido àintervenção de terceiros. A visita de um pastor poderia, por vezes, levar à libertação de umpreso. * Outros presos afirmaram que o Comité Internacional da Cruz Vermelha (CICV) promoveua sua libertação. † Noutros casos, era um familiar ou amigo com o poder de intervir que ajudava.Por exemplo, em Janeiro, Paulo dos Santos tinha sido levado para o Quartel-general dosFuzileiros em Cassa (Ainaro), onde foi interrogado por um membro dos fuzileiros sobre as suasactividades clandestinas. Passados dois dias, o seu tio, Agustinho Sarmento, administrador dosubdistrito de Hatudo (Ainaro) foi ao quartel-general e libertou-o e levou-o para Hatudo, onde eleficou escondido durante um mês. 1064 José Brites foi preso num posto da BMP em Abril e foimandado fugir por um dos membros da milícia, Ventura, porque ia ser morto no dia seguinte poroutros membros da milícia. 1065FugaA Comissão também recebeu vários relatos sobre presos que fugiram da prisão, por vezes peloseu próprio pé. 1066 Isso era possível porque a maioria das pessoas eram presas em edifíciosimprovisados e com más condições de segurança, como se refere acima. Vários testemunhosrevelam que os presos fugiram depois de serem ameaçados de morte pelos seus captores. 1067Tortura e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> em 1999Como em períodos anteriores, as vítimas de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> de 1999 foram espancadas,pontapeadas, esmurradas e queimadas com cigarros acesos. Por exemplo, Armindo SoaresSalsinha, líder do CNRT na vila de Ermera, foi capturado a 30 de Abril por membros do TNI, daRajawali e da milícia DMP e levado para o posto da Rajawali na Casa da Integração. Ele foiposteriormente transferido para o Koramil. Contou à Comissão como foi tratado:*Por exemplo, Agusto da Silva e outra vítima foram libertados do Kodim de Covalima em Março de 1999, depois de opadre Hilário se encontrar com o chefe dos serviços de informação, o sargento Yus Nampun [HRVD, Testemunho nº5135. Ver também os Testemunhos nº 2161; 5641; 8445 e 5176 da HRVD].†Por exemplo, o CICV foi referido como promotor das libertações do Kodim de Covalima em Maio de 1999 e daesquadra da polícia do distrito de Díli a 27 de Janeiro de 1999 [HRVD, Testemunhos nº 7399 e 5176].- 260 -


Quando chegámos ao Koramil, T785 (um soldado), T789 eT786 (da milícia DMP) interrogaram-me enquanto faziamforça numa cadeira que estava em cima do meu pé e Joséusou a arma dele para me bater na face, partindo-me doisdentes. T786 deu-me pontapés no peito e murros na testa.Um [soldado] BTT esmurrou-me e um BTT usou a armadele para me bater nas costas e eu agora tenho doreslevantar coisas pesadas. Foi continuamente espancado,desde a meia-noite até de manhã. 1068Havia algumas diferenças nos métodos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> utilizados em 1999 em relaçãoaos de períodos anteriores. Por exemplo, por um lado, a Comissão recebeu poucos relatos sobreo uso de electricidade comparativamente às décadas anteriores. 1069 Por outro lado, foramrelatadas ameaças de morte com muito mais frequência do que em anos anteriores.Outros métodos de <strong>tortura</strong> que surgiram neste período incluem os seguintes.Humilhação e degradaçãoMuitos incidentes de <strong>tortura</strong> ou <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> de vítimas incluíam um elemento de humilhação edegradação da vítima, tanto em centros de detenção como em público. A humilhação pública davítima não pretendia apenas dissuadi-la de “repetir a infracção”, mas também enviar umamensagem clara a toda a comunidade sobre as consequências de ser pró-independência.Alguns presos eram humilhados sendo desnudados em público. Carlito Fernandes descreveucomo, a 13 de Abril de 1999, o chefe do suco de Malabe (Atsabe, Ermera) chamou todos osresidentes de Malabe ao gabinete do suco e depois mandou Carlito Fernandes despir-secompletamente. Carlito foi obrigado a ficar nu em frente da multidão enquanto os perpetradoreso espancavam com madeira, o pontapeavam e o empurravam para a lama, como se fosse umbúfalo. Ele foi mandado para casa, nu e envergonhado. Isto aconteceu porque as suasactividades clandestinas foram descobertas. 1070 Domingos da Conceição disse à Comissão tersido detido por membros do TNI de Atsabe (Ermera) por ser membro do movimento clandestinoem Maliubu (Bobonaro, Bobonaro). Eles mandaram-no despir-se e obrigaram-no a ficar sobreum formigueiro enquanto o espancavam com as coronhas das espingardas. 1071O tratamento degradante de presos também ocorreu depois do acto eleitoral, como forma depunição pelo resultado. José Costude Cardoso disse ter sido desnudado em frente da sua casaem Borohun, Duyung (Metinaro, Díli) por membros da Aitarak, a 31 de Agosto de 1999. 1072Fernando de Araújo Sarmento (o secretário do movimento clandestino da zona 1 para osubdistrito de Fohorem, Covalima) foi detido, juntamente com Basílio Amaral, cujo testemunho émencionado acima. Ele disse à Comissão que, a 1 de Setembro, ele e 13 outros foramcapturados por um grupo formado por membros da milícia Laksaur, do BTT, do ContingenteLorosae e o chefe da polícia de Fohorem, T760 * , e foram levados para a esquadra da polícia deFohoren, onde tiveram de ficar de pé sobre uma perna e com as mãos na cabeça, enquantoeram espancados pelos agentes policiais timorenses T759, T790, T791 e T792. 1073Violência em públicoA violência em público também foi mais comum do que em anos anteriores, talvez para instilarmedo na comunidade e porque os membros das milícias agiam com impunidade. Por exemplo,em Manufahi, a 30 de Agosto, o dia da votação, dois homens foram decapitados e as suas*As outras vítimas que o depoente conhecia eram: Basílio Amaral, Hipólito Afonso, Anito Saldanha, Paulo de Jesus,Ângelo, António, Júlio, Daniel, Graciano do Rego e Gabriel.- 261 -


cabeças foram exibidas em público, para aterrorizar a comunidade e levá-la a partir para TimorOcidental. 1074Abusos verbaisOs comentários insultuosos sobre o movimento da independência e as ameaças de morte forammuito mais comuns do que em anos anteriores. 1075 Os juramentos de sangue, nos quais osparticipantes eram obrigados, frequentemente sob ameaça de morte, a beber uma mistura desangue humano e sangue animal e a jurar fidelidade à Indonésia, também eram uma forma deabuso.Outras formas de tratamento cruel e degradanteMuitas vítimas sofreram várias outras formas de tratamento cruel e degradante em 1999,incluindo: as suas cabeças serem envoltas em plástico, serem privadas de alimentação e debebida ou obrigadas a comer coisas não alimentares, ou urinarem sobre elas.A 30 de Abril, Alexandre dos Reis foi capturado pelos membros timorenses da milícia Laksaur,T794 e T795, e pelo agente policial timorense T796, no suco de Akar-Laran, em Suai Loro (Suai,Covalima) e levado para o Kodim de Covalima. Descreveu à Comissão o tratamento que lhedispensaram:Antes de me espancarem, puseram-me numa sala eamarraram o meu pescoço com arame, as minhas mãos ea minha cintura e algemaram as minhas mãos…[Eles]começaram a tapar a minha cabeça com um saco deplástico preto e depois espancaram-me com as mãos. Aspessoas que me <strong>tortura</strong>m eram um soldado, T797, e trêsoutros que eu não conhecia. Fui <strong>tortura</strong>do deste as 10horas da noite até ao meio-dia do dia seguinte. Depois,desamarram-me e tiraram o saco de plástico da minhacabeça, mas continuei algemado. Não recebi comida nembebida durante três dias e três noites. Como tinha muitafome e muita sede, menti e disse que precisava e ir à casade banho e depois bebi a água da retrete. 1076Enquanto estiveram presos numa cela atrás do gabinete do suco de Cassa (Ainaro, Ainaro),Filomeno Soni e Basílio foram desnudados, as suas cabeças foram envoltas em plástico durante30 minutos e as suas unhas dos pés foram arrancadas com alicates por membros do BTT local,da Gadapaksi e da Mahidi. 1077A 13 de Setembro, Raimundo Madeira foi preso pela milícia Aitarak e levado para um posto doTNI. Depois de lhe vendarem os olhos, o espancarem até ele perder os sentidos e o arrastarempela estrada principal, mandaram-no dormir no chão, urinaram sobre ele e queimaram-no compontas de cigarro. 1078Depois de votar na Consulta Popular, Justino do Rego dos Santos tentou fugir para o aeroportode Díli. Foi travado pela milícia Aitarak e levado para o posto de Comoro. Foi violentamenteespancado o que resultou numa hemorragia no ouvido e foi obrigado a comer e engolir o seucartão de identificação do CNRT. 1079Carlos Pereira sofreu uma forma estranha de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> enquanto esteve preso na esquadrada polícia do subdistrito de Suai Loro:- 262 -


A 25 de Abril de 1999, de manhã cedo, um agente dapolícia saiu e trouxe uma tigela de arroz e obrigou-me amim e a Agustinho a comer. Mas tínhamos de acabarantes de ele contar até dez. Como não comemos tudodentro do tempo, o agente da polícia usou a arma delepara me bater no peito, nas costas e na boca até o sanguejorrar. 1080ConclusãoPodem ser retiradas várias conclusões das provas sobre os padrões de prisão arbitrária, <strong>tortura</strong>e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> em 1999:• A prisão arbitrária, a <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> eram utilizados pelos militares ou pelosseus substitutos das milícias com o objectivo explícito de intimidar a população e decoagir as pessoas a apoiar a integração na Indonésia.• Os militares deram rédea livre às milícias para aterrorizar a comunidade através deabusos públicos e privados e da <strong>tortura</strong> de civis. A Comissão não encontrou quaisquerexemplos de milicianos serem punidos, ou sequer repreendidos, pelos seus abusos.Pelo contrário, as provas indicam que as forças armas participavam com frequência naprisão, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> das vítimas.• Foram utilizadas instalações militares para prender, interrogar e <strong>tortura</strong>r vítimas.• As milícias também utilizaram centros de detenção improvisados, nos quais ascondições de prisão eram más.• Os períodos de prisão eram curtos, geralmente não superiores a uma semana, emborahouvesse algumas excepções. Por vezes, uma figura de autoridade promovia alibertação de um preso. Noutros casos, eram pagos subornos aos captores da vítima.• A <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> tinham por objectivo não só punir a vítima, como degradá-la ehumilhá-la.<strong>7.4</strong>.9 ConclusõesPrisões, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> por parte da UDTPrisãoA Comissão conclui que:1. Membros e apoiantes da UDT e de forças da UDT levaram a efeito prisõesgeneralizadas durante o período do movimento armado. Estes actos tinham claramentecomo alvo os líderes, membros e apoiantes da Fretilin. A Comissão baseia estaconclusão em entrevistas e em depoimentos em primeira mão de centenas de pessoaspresas pela UDT ou que testemunharam detenções feitas por este partido, bem comoem perfis históricos elaborados por comunidades.2. Membros da UDT e de forças da UDT prenderam vítimas em todos os distritos de Timor-Leste, com excepção de Oecusse. No entanto, o maior número de prisões registou-seem Ermera, Díli, Manufahi, Bobonaro e Liquiça. A maioria das prisões ocorreram noprimeiro dia do movimento armado da UDT, em 11 de Agosto de 1975, mas forampresas mais pessoas nos dez dias seguintes.- 263 -


3. Estas prisões eram uma estratégia fundamental da acção da UDT. No entanto, a UDTnão tinha autoridade legal para deter civis. Estas prisões e detenções foram feitas pelofacto de apoiantes da Fretilin exercerem os seus legítimos direitos de liberdade deexpressão política e liberdade de associação.4. As vítimas de prisão arbitrária eram detidas em prisões improvisadas, geralmente emedifícios grandes na área onde se realizavam as detenções. Entre esses edifícioscontavam-se armazéns, escolas, casas particulares, uma antiga prisão portuguesa,antigas casernas militares e galinheiros. Também foram criados centros de detençãoprincipais, incluindo Palapaço, em Díli, e Descascadeira, em Baucau, para os quais eramlevados presos detidos noutros distritos.5. Os períodos de aprisionamento foram curtos porque o movimento da UDT iniciado a 11de Agosto durou pouco. A maioria dos presos eram libertados num espaço de duassemanas, mas alguns ficavam detidos mais do que um mês. Enquanto estavam presos,eram regularmente obrigados a desempenhar tarefas como cozinhar para outros presose limpar os centros de detenção, construir estradas ou transportar pedras e madeira. AUDT libertou alguns presos por iniciativa própria, mas a maioria foram abandonadosquando as forças da Fretilin atacaram uma zona onde os presos estavam, levando àfuga das forças da UDT.6. As vítimas de prisão arbitrária conhecidas pela comissão são predominantemente dosexo masculino, em idade militar e consideradas pelo perpetrador como estandoassociadas à Fretilin. Por vezes, familiares destas vítimas, incluindo as suas mulheres,pais e filhos, foram arbitrariamente detidos.7. Os perpetradores de prisão arbitrária eram predominantemente líderes da UDT a níveldistrital, ou pessoas sobre o seu comando. Estes líderes conheciam a população decada distrito e conseguiam identificar eficazmente os membros ou apoiantes da Fretilin.Maus-<strong>tratos</strong> e <strong>tortura</strong>8. Membros e apoiantes da UDT, bem como indivíduos mobilizados por dirigentes da UDT,trataram os presos de uma forma generalizadamente cruel, desumana, degradantedurante o movimento armado de 1975. Alguns presos foram <strong>tortura</strong>dos, mas a <strong>tortura</strong>não foi generalizada. Estes actos ocorreram entre 11 de Agosto de 1975 e o final deAgosto e em todos os distritos de Timor-Leste, excepto Oecusse, mas com maiorincidência em Ermera, Díli, Manufahi e Bobonaro.9. A Comissão baseia as suas conclusões em entrevistas e depoimentos em primeira mãode centenas de pessoas que foram maltratadas e <strong>tortura</strong>das pela UDT, ou queassistiram a detenções feitas pela UDT.10. Entre os diversos tipos de abusos físicos sofridos pelas vítimas são de referir:- 264 -


• Espancamentos graves, com as mãos ou com espingarda, por um perpetrador, ou porvezes, por um grupo de perpetradores• Chicotadas• Estar amarrado durante longos períodos de tempo, por vezes mais do que uma semana• Ameaças de morte• Cortar a vítima com catanas, ou lâminas de barbear• Bofetadas e pontapés• Uma vítima disse ter sido queimada com cigarros acesos.11. Líderes individuais da UDT detiveram prisioneiros em edifícios que não estavamequipados para alojar grandes grupos de pessoas durante longos períodos de tempo. Ascondições sanitárias e de ventilação eram gravemente inadequadas e os membros daUDT encarregues dos centros de detenção fizeram poucos ou nenhuns esforços paramelhorar as condições ali existentes. Muitos centros de detenção encontravam-secompletamente superlotados e, além disso, a UDT não tomou medidas para alimentar ascentenas de pessoas que deteve. Os presos dos principais centros de detenção da UDTdisseram ter sido privados de alimentação; alguns não receberam qualquer alimentaçãodurante nove dias. Pelo menos duas pessoas morreram de fome enquanto estiverampresas. A austeridade destas condições resultou num tratamento cruel, desumano edegradante.12. Os presos não eram maltratados com o intuito de lhes ser extraída informação ou decoagi-los. As vítimas sofreram os actos violentos acima descritos quando eram detidas etransportadas para a prisão e enquanto permaneciam presas — como castigo, ou comomanifestação da violência desenfreada que se fez sentir no período.13. As vítimas de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e <strong>tortura</strong> por parte da UDT eram principalmente presos, oupessoas sob detenção. Por conseguinte, eram predominantemente homens em idademilitar associados — ou suspeitos de pertencerem — à Fretilin. Os líderes da Fretilinforam tratados com particular brutalidade.14. Os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e a <strong>tortura</strong> não foram necessariamente ordenados pela ComissãoPolítica da UDT, mas as tensões da época, o incitamento à detenção feito através darádio e o incitamento geral de “purgar os comunistas” criou uma atmosfera na qual erabastante provável que os presos fossem vítimas de abusos. Além disso, membros daComissão Política da UDT estariam cientes de que líderes individuais e membros daUDT e das forças da UDT estariam a maltratar e, em alguns casos, a <strong>tortura</strong>rprisioneiros. As formas mais excessivas de abuso ocorreram no quartel-general da UDT,em Díli, e nos bastiões da UDT de Ermera e do distrito de Liquiça, nos quais foramavistados líderes principais da UDT.15. Quando ficou ciente do que estava a acontecer, a liderança da UDT só fez esforçosmínimos para prevenir ou travar os abusos infligidos aos prisioneiros.Prisões, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> por parte da FretilinDurante o conflito interno armadoPrisãoA Comissão conclui que:- 265 -


16. A Fretilin reagiu ao movimento armado da UDT com uma insurreição armada, que incluiua captura e prisão de líderes, membros e apoiantes da UDT de forma generalizada.Embora isto fosse em parte motivado por um desejo de travar a violência praticadacontra os membros da Fretilin, também foi motivado pelo desejo de vingar as violaçõesperpetradas pelos membros e forças da UDT. Foram feitas detenções em todos osdistritos de Timor-Leste, excepto Oecusse, mas os números foram mais elevados emErmera, seguido por Díli, Bobonaro e Manufahi. Mais de mil pessoas foram presas emtodo o território.17. A Fretilin prendeu a maioria dos membros e apoiantes da UDT na primeira semana dainsurreição geral armada, de 20 a 27 de Agosto de 1975, data após a qual os líderes emembros da UDT deixaram o território, partindo para Timor Ocidental (Indonésia).Continuou a haver casos isolados de prisão de membros da UDT que tinham ficado paratrás, até à invasão indonésia. Ao longo de Agosto e Setembro, a Fretilin tambémprendeu líderes, membros e apoiantes da Apodeti que participaram no movimento daUDT de 11 de Agosto. No dia 4 de Outubro, reagindo a boatos sobre um golpe daApodeti e infiltração das ABRI nas fronteiras de Timor-Leste, o Comité Central da Fretilinordenou a prisão generalizada de membros da Apodeti e prendeu os seus líderesprincipais, bem como outros membros e apoiantes. A Fretilin também prendeu membrosda administração portuguesa, incluindo o chefe da Polícia portuguesa, o tenente-coronelMaggiolo Gouveia.18. As vítimas de prisão arbitrária eram detidas em prisões improvisadas, geralmente emgrandes edifícios na área local. Alguns destes tinham sido utilizados pela UDT durante omovimento armado e incluíam armazéns, escolas, antigas prisões portuguesas, o museude Díli, casernas militares. Os maiores centros de detenção situavam-se no quartelgeneralda Fretilin, em Aisirimou, Aileu.19. Depois de controlar o território, a Fretilin concentrou em Aisirimou presos vindos deErmera, Manufahi e Manatuto. No dia 7 de Dezembro, quando a Indonésia lançou a suainvasão em larga escala, os presos de Díli também foram transferidos para Aisirimou. A9 de Dezembro, os prisioneiros detidos em Aisirimou totalizavam quase 1.000.20. As vítimas de prisão arbitrária por parte de membros e apoiantes da Fretilin conhecidaspela Comissão eram predominantemente do sexo masculino, em idade militar econsideradas pelo perpetrador como estando associadas à UDT ou à Apodeti. Tambémforam presos líderes dos partidos políticos KOTA e Trabalhista. Por vezes, familiarestambém eram arbitrariamente presos.21. Os perpetradores de prisão arbitrária eram predominantemente comandantes da Fretilina nível distrital, ou pessoas sob o seu comando. Estes comandantes conheciam apopulação de cada distrito e conseguiam identificar eficazmente os membros ouapoiantes da UDT e da Apodeti.22. Após o final do conflito interno armado, a Fretilin desenvolveu esforços no sentido degarantir aos detidos a instrução correcta do seu processo. Criou uma comissão deinquérito para decidir sobre a culpa ou inocência dos presos após o movimento armadoda UDT. Este processo envolvia a apresentação de testemunho. Este processo deinquérito funcionava a nível distrital, mas, dado o ambiente criado pelo recente conflito,as condições oferecidas não eram melhores que as de um linchamento. O acusado nãoera presumido inocente antes de ser considerado culpado pela população e não tinhadireito de contestação. O tipo de castigo determinado pelo povo era frequentemente duroe desproporcional em relação ao alegado crime.23. As vítimas permaneceram detidas durante um máximo de cinco meses, até o avançodas forças indonésias tornar insustentável a detenção dos prisioneiros, levando ao seuabandono, libertação ou, em alguns casos, à sua execução.- 266 -


24. Os presos eram regularmente obrigados a desempenhar tarefas, entre as quais cozinharpara outros presos, limpar os centros de detenção, construir estradas ou transportarpedras e madeira. Alguns dos presos foram recrutados para as forças da Fretilin/Falintildepois da invasão em larga escala da Indonésia. Foi criado um campo de trabalho paraalimentar os prisioneiros, que eram obrigados a trabalhar em plantações de arroz e decafé.25. Depois da invasão indonésia, a Fretilin manteve os seus prisioneiros em Díli e em Aileu,com medo que eles caíssem nas mãos dos militares indonésios. Conduziu osprisioneiros para longe das forças invasoras, levando primeiro os que estavam detidosem Díli para Aileu e, depois, transferindo todos os prisioneiros de Aileu para a cidade deSame, através de Maubisse, e, por fim, para Holarua no subdistrito de Same. A maioriados presos da UDT foi levada para Ainaro. A maioria dos presos da UDT que seencontravam em Same, foram libertados, bem como um pequeno número de prisioneirosda Apodeti, mas sob condições. O Capítulo 7.2: Mortes Ilícitas e DesaparecimentosForçados, aborda as execuções de presos.Tortura e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>26. Membros e apoiantes da Fretilin e de forças da Fretilin trataram os presos de uma formageneralizadamente cruel, desumana e degradante durante o conflito político interno de1975. A gravidade do tratamento sofrido pelos presos raiou em alguns casos a <strong>tortura</strong> ealgumas pessoas morreram devido aos abusos sofridos. Estes abusos ocorreram numaatmosfera de violência desenfreada e num espírito de vingança pelas violaçõesperpetradas pela UDT. A violência também afectou membros da Apodeti, que forammaltratados e <strong>tortura</strong>dos, principalmente à medida que as incursões indonésiasaumentavam de intensidade.27. A brutalidade com que os membros da Fretilin tratavam os presos ou com que permitiamque os presos fossem tratados é evidente na lista parcial que se segue sobre osucedido:• Espancamentos graves, com as mãos ou com utensílios — entre os quais espingarda,barra de ferro, paus de madeira, bambu, canas-da-índia, cabos de travão de automóvel,capacete, pilão, pregos e um pedaço de arame farpado; alguns presos foramespancados até à morte, ou até ficarem inconscientes, cegos ou surdos• Era ordenado aos prisioneiros que se espancassem uns aos outros, incluindoprisioneiros aparentados• Esfaqueamento• Amarrar os presos antes do espancamento, para que não pudessem defender-se• Arrastar os presos pelo chão até ficarem cortados e a sangrar• Despir os presos e obrigá-los a dormir no chão acidentado28. Estes actos começaram a ocorrer a 20 de Agosto de 1975 em todos os distritos deTimor-Leste, excepto Oecusse, mas com maior incidência em Ermera, Díli, Baucau,Manufahi e Aileu.29. O tratamento dos presos variava entre centros de detenção, mas a Comarca e o Museude Díli eram os únicos locais onde não foi relatada violência contra os presos. Noutroscentros de detenção, os guardas espancavam frequentemente os prisioneiros e, pelomenos numa prisão da Fretilin, identificou-se um guarda específico que abusava dosprisioneiros.30. Poucos presos foram interrogados pela Fretilin e, na maioria dos casos, a violênciaacontecia apenas para punir o preso, ou como manifestação da atmosfera geral deconflito e violência.- 267 -


31. Tal como a UDT fizera anteriormente, os comandantes e membros da Fretilin utilizaramedifícios ou estruturas para deter os prisioneiros que não estavam equipados para alojargrandes grupos de pessoas durante longos períodos de tempo. As condições sanitáriase de ventilação eram lamentáveis e os membros da Fretilin encarregados dos centros dedetenção fizeram poucos ou nenhuns esforços para melhorarem as condições nestesexistentes. Os centros de detenção estavam com frequência completamentesuperlotados, principalmente os de Aileu. Estas condições eram de tal maneiralamentáveis que resultavam num tratamento cruel, desumano e degradante.32. A quantidade de alimentação recebida pelos presos da Fretilin variava. Em Baucau e naComarca de Díli, presos relataram ter recebido três refeições por dia, entre Agosto eOutubro. Noutros centros de detenção, os presos disseram receber alimentaçãoinsuficiente. Em Novembro, à medida que continuavam as incursões indonésias nafronteira, houve grave escassez de víveres em todos os centros de detenção. Aliderança da Fretilin estava ciente da escassez de víveres e montou campos de trabalhoem Aileu, mas estes não conseguiam alimentar os presos devido aos ataquesindonésios. A Fretilin não libertou presos depois de perceber que não podia alimentá-los,o que resultou num tratamento cruel, desumano e degradante.33. Embora a violência ocorresse no contexto do conflito armado, era evidente que osmembros principais do Comité Central estavam cientes dos abusos praticados contra osprisioneiros. O tratamento de presos mais brutal ocorreu no quartel-general da Fretilin,em Taibesi, e em Aisirimou, Aileu. O tratamento dos presos variava consoante o distrito,bem como o nível de responsabilidade pelos <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e pela <strong>tortura</strong> dos prisioneiros.Em Baucau, prisioneiros disseram ter sido espancados regularmente, mas só pelosguardas, depois de os superiores destes saírem. No entanto, em Manufahi e em Aileu,líderes da Fretilin estiveram presentes aquando da <strong>tortura</strong> de líderes da UDT, não sópermitindo essa <strong>tortura</strong> como também incitando a comunidade a atacar membros daUDT. Vários membros do Comité Central da Fretilin falaram sobre o seu conhecimentodo abuso dos prisioneiros, mas afirmaram não conseguirem controlá-lo.34. A liderança da Fretilin fez esforços insuficientes para prevenir os abusos ou para travar oabuso dos prisioneiros, depois de tomar conhecimento do que estava a acontecer.1976/1979A Comissão conclui que:Prisão35. Depois da invasão indonésia, a Fretilin continuou a prender pessoas no território, dentrodas zonas libertadas por si controladas, até as bases da Resistência serem destruídas.O Comité Central da Fretilin recorria por rotina à prisão para manter a disciplina e ocontrolo e para resolver divergências políticas.36. Como as detenções eram um elemento reconhecido na administração das zonaslibertadas, havia membros do Comité Central da Fretilin que as levavam a efeitopessoalmente, ou que as ordenavam. Em termos processuais, a detenção e prisãoarbitrária de presos suspeitos competiam à autoridade dos comandantes das Falintil e asinvestigações realizavam-se sob supervisão dos comissários políticos. Por conseguinte,a prisão arbitrária era claramente aceite pelo Comité Central.37. A Fretilin prendeu pessoas por violarem regras estabelecidas pelo seu Comité Central,incluindo por traírem a posição política da Fretilin, a nação ou o partido, ou portransgressões disciplinares. Como não havia directrizes, estas regras eram aplicadassem coerência, o que na prática fazia com que qualquer acto ou suspeita de acto que oComité Central desaprovasse pudesse ser denunciado como traição, ou comotransgressão das regras da Fretilin.- 268 -


38. As vítimas de prisão eram todas aquelas sob o controlo da Fretilin, incluindo membrosda Fretilin e das Falintil e civis comuns. A Fretilin escolhia como alvos as pessoas queconsiderava “reaccionárias” e “traidoras”, frequentemente pessoas associadas a um líderespecífico da Fretilin/Falintil.39. A Fretilin tentou garantir a instrução correcta do processo judicial dos presos através dajustiça popular para julgar e condenar os presos, mas as sentenças de prisão resultantesdeste processo eram arbitrárias. Aos acusados não era dada oportunidade de sedefenderem nem de interporem recurso — nem da decisão, nem da sentença. Alémdisso, muitas pessoas permaneciam detidas durante vários meses antes de serem“julgadas”, não sendo informadas sobre as acusações de que eram alvo, ou nem sequerjulgadas.40. Os presos eram mantidos em estruturas primitivas, como “pocilgas” * , galinheiros,cabanas de bambu ou buracos no chão. No início, eram apenas locais onde as pessoaseram presas, mas no final de 1977, muitos foram transformados em campos dereabilitação nacionais (ou Renal). Outras Renal foram construídas de raiz e tinham estetipo de condições. As Renal eram idênticas às prisões — no que se refere às condiçõesde detenção dos presos — mas foram criadas no pressuposto de que os praticantes deactos ilícitos poderiam ser “reabilitados”. Os presos recebiam formação política, sendopor vezes alfabetizados, e trabalhavam em campos comunais, obedecendo ao que erasupostamente um sistema de valores baseado na igualdade.41. Em termos teóricos, as sentenças de prisão não tinham prazo determinado e estesperíodos de prisão duraram até as bases de apoio serem destruídas. Mesmo nessaaltura, o Comité Central libertava poucos presos por livre iniciativa, mas os presosfugiram quando as forças indonésias chegaram à zona, ou foram libertados pela Fretilinquando se tornou impraticável fazer mais prisões.Tortura e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>42. Membros e apoiantes da Fretilin e de forças da Fretilin praticaram um tratamento cruel,desumano e degradante generalizado e <strong>tortura</strong>ram presos em centros de detenção e emRenal entre 1976 e 1978. A <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> foram praticados de forma maiscruel do que no período do conflito interno, pois tornaram-se parte da prática de justiçaadministrada pela Fretilin. A <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> foram utilizados não só paracontrolar os presos, como durante os interrogatórios e para punir adversários políticos.Muitas pessoas morreram na prisão.43. Os métodos de <strong>tortura</strong> e os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> geralmente sofridos pelas vítimas incluíam:*As prisões “pocilga” não eram estruturas anteriormente utilizadas para guardar porcos. Eram, geralmente, estruturas dedetenção improvisadas, por vezes com um formato e tamanho parecidos com os de uma pocilga, onde se detinham ospresos. O nome “pocilga” foi adoptado para fazer referência ao facto de os presos comerem, dormirem e fazerem assuas necessidades fisiológicas na cela, como porcos numa pocilga.- 269 -


• Espancamentos graves, com as mãos, com espingarda, com ramos espinhosos ououtros pedaços de madeira• Chicotadas• Queimar a vítima com varas de ferro quentes, cigarros acesos ou pedaços de madeiraem chamas• Amarrar as vítimas a uma árvore ou poste e deixá-las expostas ao sol durante longosperíodos de tempo• Amarrar as vítimas de maneira restringir fortemente os seus movimentos, impedindo-asde se alimentarem ou de fazerem as suas necessidades fisiológicas• Urinar sobre as vítimas• Colocar as vítimas num buraco cheio de formigas• Ameaçar as vítimas de morte• Pontapear as vítimas com botas militares44. Membros do Comité Central estiverem frequentemente envolvidos de forma directa outestemunharam a <strong>tortura</strong> de prisioneiros e nada fizeram para o impedir.45. Os prisioneiros eram mantidos em condições de sobrelotação e de má ventilação emalguns locais e as condições sanitárias eram extremamente inadequadas em todos eles.Alguns presos tinham de urinar e defecar no local onde se encontravam. Em muitoscasos, as condições de detenção constituíram um tratamento cruel, desumano edegradante.46. A Fretilin privava frequentemente os presos de alimentação ou não conseguia dar-lhesalimentação suficiente, tendo alguns morrido de fome ou de doenças relacionados com afome. Um grupo de 50 crianças mantidas numa creche em Aileu morreu devido aalimentação insuficiente, privação que as fez adoecer. Os presos que estavam doentescontinuavam a ter de trabalhar. Isto resultou num tratamento cruel, desumano edegradante. Este tratamento pode ser parcialmente explicado pelas circunstânciasdifíceis da época, incluindo o avanço das forças indonésias que obrigou a Fretilin adeslocar-se e queimou culturas da Fretilin. Contudo, a Fretilin não libertou os presosdepois de saber que não conseguiria alimentá-los. Além disso, em muitos casos aFretilin privava intencionalmente os presos de alimentação para castigá-los, incluindo osalimentos entregues pelos familiares dos detidos.Prisões, <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> pelos militares, polícias e agentes indonésiosPrisão e detençãoA Comissão conclui que:47. Membros das forças de segurança indonésias e os seus auxiliares cometeram,incentivaram e aceitaram a prisão e detenção de forma sistemática e generalizadadurante o período da ocupação indonésia de Timor-Leste.48. A Comissão baseia a sua conclusão em cerca de 150 entrevistas e milhares detestemunhos — com depoimentos em primeira mão sobre prisões arbitrárias —, além deprovas corroborativas fornecidas por testemunhos de testemunhas e outros documentos,incluindo documentos militares indonésios em posse da Comissão.- 270 -


49. É provável que tenham sido presos dezenas de milhares de timorenses de leste durantea ocupação. A Comissão baseia esta conclusão no facto de o seu processo de recolhade testemunhos ter identificado mais de 18.518 vítimas de prisão arbitrária pelosmilitares indonésios e seus auxiliares, em mais de 20.895 incidentes de prisão. Como oprocesso de recolha de testemunhos só recolheu testemunhos de cerca de 1% dapopulação, o número real de detidos será certamente muito superior.50. As prisões aumentaram durante as operações militares e depois delas. O número depessoas detidas atingiu o ponto máximo em 1979, mas manteve-se sempre elevadoentre 1975 e 1983, o período das maiores operações militares. As prisões atingiram umnovo ponto máximo em 1999, durante os preparativos para a Consulta Popular e depoisde serem anunciados os resultados desta.51. As autoridades indonésias detiveram pessoas em todos os distritos de Timor-Leste,embora o número mais elevado de prisões tenha ocorrido em Díli, que tinha as maioresprisões estatais e os maiores centros de detenção, seguido pelos distritos orientais deTimor-Leste. Muito poucas pessoas foram detidas em Oecusse depois do período deinvasão inicial, até à violência das milícias em 1999.52. As vítimas de prisão e detenção arbitrária eram predominantemente homens em idademilitar (dos 20 aos 39 anos de idade), associados — ou suspeitos de associação — agrupos que resistiram à ocupação, incluindo a Fretilin/Falintil, redes clandestinas, ououtros grupos pró-independência. As forças de segurança indonésias e os seusauxiliares também marcaram como alvos os familiares de pessoas suspeitas depertencerem à Resistência armada, redes clandestinas ou outros grupos próindependência,incluindo as suas mulheres, pais e filhos. Estas detenções foram feitasem nome da segurança nacional e para livrar Timor-Leste de membros do Bando dePerturbadores da Segurança (Gerombolan Pengacau Keamanan, GPK).53. Setenta porcento das prisões foram feitas directamente pelas forças de segurançaindonésias, incluindo membros de batalhões de combate, membros dos comandosprovincial, distrital e subdistrital e respectivos batalhões e unidades de serviços deinformação associados, membros da Unidade Conjunta dos Serviços de Informação(Satuan Gabungan Intelijen, SGI) ou do Comando de Forças Especiais Indonésias(Kopassandha/Kopassus) e membros de esquadras de polícia a nível subdistrital,distrital e provincial. No início, os militares faziam a maioria das detenções, mas issomudou durante o período da ocupação e, em meados dos anos 1990, a Polícia era aresponsável pela maioria das detenções.54. O Kopassandha/Kopassus esteve activo desde o nível central ao nível dos sucosdurante a ocupação. O seu papel directo atingiu o ponto máximo entre 1983 e 1986,depois das insurreições nos distritos orientais e, mais tarde, começou a formar, treinar earmar milícias locais.55. A segunda maior categoria de perpetradores era a dos timorenses que colaboravam comos militares indonésios. Os colaboradores (incluindo a defesa civil — Hansip, osfuncionários públicos, os paramilitares e as milícias) foram apontados como tendoparticipado directamente em 34% das prisões, mas em muitos casos a detenção foiordenada pelos militares ou feita juntamente com os militares. As Forças Armadasindonésias criaram alguns grupos de paramilitares e de milícias com o objectivoespecífico de aterrorizar a população local em zonas onde a resistência era forte,detendo e <strong>tortura</strong>ndo pessoas suspeitas de pertencerem a movimentos clandestinos. Osauxiliares timorenses também eram fundamentais para fornecer informação aosmilitares.56. Durante a invasão e ocupação indonésia, a prisão e a detenção foram utilizadas parareprimir a resistência em Timor-Leste, das seguintes maneiras:- 271 -


• Mantendo os membros da resistência presos, impediam que eles continuassem as suasactividades ou que comunicassem com os seus colegas.• Os agentes dos serviços de informação e de outros militares utilizavam o interrogatóriode prisioneiros para obterem informação sobre as estruturas e estratégias da resistência,ou sobre o paradeiro de determinados membros da resistência.• A prisão arbitrária e outras violações que ocorreram com frequência durante um períodode prisões puniam membros efectivos dos grupos da resistência (ou suspeitos de oserem), o que servia de aviso sobre as consequências de seguir os exemplos deles.• A prisão de familiares e associados de pessoas suspeitas de pertencer à Resistênciapoderia fornecer informação sobre um suspeito às forças de segurança e também erautilizada para punir o familiar ou associado no lugar do suspeito.• Quando era detidos grupos grandes, os membros da Fretilin e das Falintil podiam serseparados dos civis comuns graças a informação dos serviços de informação , sendoposteriormente presos.57. A prática comum das forças de segurança indonésias consistia em deter arbitrariamentesuspeitos sem qualquer consideração pela instrução correcta do processo judicial,principalmente nos primeiros anos da ocupação. Os direitos não eram lidos aos detidose estes não eram informados de quais as acusações contra eles. Por rotina, era utilizadaforça excessiva na detenção dos suspeitos.58. Esta conclusão baseia-se em provas forte e vastamente comprovadas, que demonstramque a prática de detenção sem mandato de captura e o uso excessivo da força foramlevados a efeito por várias unidades militares, a Polícia e o Kopassandha/Kopassus emtodos os distritos de Timor-Leste, em todos os anos da ocupação.59. Ao longo da ocupação, mas principalmente entre 1975 e 1984, as autoridadesindonésias procederam, com regularidade, a detenções em massa de grupos de númeroigual ou superior a 98 pessoas. Estas detenções foram feitas durante operaçõesmilitares de larga escala como reacção aos ataques da resistência, ou depois de osserviços de informação identificarem um suco específico como apoiante do movimentoclandestino ou esconderijo de membros das Falintil. Por vezes, as detenções emmassas eram levadas a efeito como castigo colectivo dos actos de algumas pessoas.60. A partir de 1985, a detenção individual tornou-se mais comum do que a detenção degrupos grandes, sugerindo que as prisões eram feitas de uma maneira mais específicado que anteriormente. As forças de segurança indonésias recorreram a informaçõessecretas fornecidas pelos auxiliares timorenses para identificar membros da Fretilin, dasFalintil, das redes clandestinas, ou as suas famílias, e marcaram estas pessoas comoalvos a deter.61. Por vezes, as informações recolhidas pelos serviços de informação eram utilizadas paracriar “listas negras” com nomes de suspeitos, que serviam para deter pessoas. Aspessoas que constavam dessas listas eram detidas repetidamente e eramfrequentemente reunidas antes de algum evento da resistência, como umamanifestação.62. Na maioria dos casos, as pessoas eram detidas nas suas habitações ou locais detrabalho, convocadas a comparecer numa esquadra de polícia ou posto militar por umauxiliar timorense, sendo aí detidas, ou eram detidas durante operações militares.Poucas foram “apanhadas num acto” de resistência, como participar numademonstração.63. Os timorenses de leste que viviam na Indonésia, principalmente estudantes, tambémforam alvo de prisão e detenção, principalmente na década de 1990, quando muitosforam presos por participarem em manifestações ou em actividades clandestinas.- 272 -


Condições da prisãoA Comissão conclui que:64. Membros das forças de segurança indonésia e os seus auxiliares cometeram,incentivaram e aceitaram a prisão de timorenses de forma sistemática e generalizada emcondições que estavam abaixo dos padrões mínimos internacionalmente aceites para otratamento de presos. Centenas de pessoas morreram enquanto estiveram presas, por<strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> deliberados, ou de negligência, fome e doença. Dos 18.518 casos relatadosde detenção por militares ou polícias indonésios, 378 morreram durante a detenção.Outros 1.314 detidos morreram mas como se desconhece a data exacta das suasmortes não pode ser dado por certo que tenham morrido durante o período de detenção.65. As forças de segurança indonésias utilizaram vários centros de detenção para deter ospresos, tanto oficiais como não oficiais. Estes incluíam:- 273 -


• Grandes edifícios requisitados pelos militares, como lojas, hotéis, edifícios públicos,como armazéns no porto de Díli, e casas particulares. Foram utilizados edifícios públicose privados ocupados para deter prisioneiros quando havia muitas pessoas detidas eespaço insuficiente. Por exemplo, depois da invasão de Díli e quando os militaresentraram pela primeira vez noutras áreas, depois dos levantamentos da resistência emredor do Monte Kablaki, em 1982, nos distritos orientais, em 1983, e em Alas (Manufahi),em 1998. Os paramilitares também utilizavam esses edifícios quando prendiam vítimas,sendo exemplo disso as prisões feitas pela Tim Sukarelawan em Ainaro, em 1991, e portodas as milícias em 1999.• Edifícios militares e policiais, incluindo postos de comando militares e esquadras depolícia a nível subdistrital, distrital e provincial, o quartel-general do SGI, bases militares,o Mess Korem, casernas militares, postos militares e bases do Kopassandha/Kopassus.Na maioria dos casos, os presos eram mantidos em celas, mas por vezes eramtrancados em salas no quartel-general ou no posto militar, incluindo nas casas de banho.• Edifícios governamentais como escritórios dos sucos, salas de reuniões dos sucos ouescritórios da administração subdistrital ou distrital. Estes edifícios eram geralmenteutilizados com o conhecimento ou o anuimento do funcionário administrativo encarreguedo edifício.• Prisões estatais. A prisão da Comarca, em Díli, foi utilizada imediatamente depois dainvasão. Outras prisões estatais de centros regionais foram abertas durante a segundametade da década de 1980.• Estruturas improvisadas como buracos no chão ou edifícios feitos de ramos e bambu.Isto era comum durante o período de 1978 a 79, quando massas de pessoas serenderam, ou foram capturadas em zonas rurais.• Domicílio do preso. Os presos eram colocados em prisão domiciliária quando haviamuitas pessoas presas, como durante a invasão e durante as operações de repressãomilitar que se seguiram ao levantamento da Resistência em 1982, em Mauchiga (HatuBuilico, Ainaro).• Ilha de Ataúro. Entre 1980 e 1983, foram enviadas cerca de 3.500 membros, ou pessoassuspeitas de serem, de redes clandestinas para a ilha, onde ficaram detidas até 1983 e,em alguns casos, até 1987.• Campos de transição. Estes campos, estabelecidos por todo o território, foram utilizadosno final da década de 1970, depois da redenção em massa de pessoas que tinhamestado sob o controlo da Fretilin.• Prisões na Indonésia. Segundo relatórios recebidos pela Comissão, exceptuando umgrupo de prisioneiros enviado para Kupang, Timor Ocidental, em 1983, os prisioneiros deTimor-Leste eram enviados para prisões em Java depois de serem julgados econdenados. Estes eram geralmente membros destacados do movimento clandestino ouda Resistência.66. Era prática comum privar os prisioneiros de alimentação adequada ou água potável, oufazer um fornecimento completamente inadequado de alimentação e alojamento para osprisioneiros. Os prisioneiros morreram frequentemente de fome e doença em várioslocais de detenção até meados da década de 1980, quando o número de presosdiminuiu e foram construídas prisões estatais para alojar os presos. Mesmo depois destaaltura, havia relatos frequentes de presos que eram privados de alimentação durantevários dias ou que recebiam alimentação não comestível.- 274 -


67. Era prática comum prender os prisioneiros em centros de detenção não oficiais, longe dafamília e dos amigos. Em muitos casos, as famílias não sabiam o que tinha acontecidoaos parentes que tinham sido detidos e, se descobrissem, eram proibidos de comunicarpor carta ou de fazer visitas. A presença do CICV melhorou a situação de alguns presos,mas só quando lhe era permitido actuar em Timor-Leste e só nas prisões e centros dedetenção aos quais os seus representantes tinham acesso.68. Era prática institucional comum deslocar os presos entre centros de detenção, por vezesentre alguns lugares na mesma noite. Isto servia para desorientar as vítimas, parapermitir que diferentes unidades militares interrogassem a vítima, ou para colocar asvítimas sob custódia de diferentes unidades. Por vezes, os presos eram requisitados aum centro de detenção por uma unidade militar para serem interrogados, sendo depoisdevolvidos. Estes padrões verificaram-se durante a ocupação, desde os primeiros diasda invasão.69. Outros exemplos de condições aterradoras em que os presos costumavam ser mantidos:• Providenciar alimentação, mas fazer com que não fosse comestível, deixando-a cair nochão, misturando-a com vidros partidos ou outros objectos afiados ou fezes de gato, oudar-lhes víveres queimados ou podres.• Despir a vítima, deixando-a nua ou só com a roupa interior. Por vezes, isto era feitoantes do interrogatório, mas em alguns locais era costume todos os presos seremmantidos nesta condição.• Colocar os presos em prisão solitária, por vezes por períodos até um ano.• Colocar as vítimas em celas conhecidas como “celas escuras, onde não havia luz e ascondições de ventilação eram extremamente más. Todos os centros de detenção,incluindo prisões, esquadras de polícia e postos de comando militares, tinham celasescuras.• Condições sanitárias extremamente más, incluindo a ausência de casas de banho, paraque os presos se sentassem em cima dos próprios excrementos ou dos excrementos deoutros, ou a existência de apenas uma pequena casa de banho para um grande númerode pessoas.• Restringir o acesso dos prisioneiros a actividades enquanto estivessem presos. Pornorma, era-lhes negada autorização para praticar desporto, ler livros e jornais ouparticipar noutras actividades de lazer. No entanto, algumas actividades eram impostasaos presos, como cantar o Hino Nacional indonésio ou honrar a bandeira indonésia.• Restringir o aceso a assessoria ou representação legal até à década de 1990 e, mesmoentão, permitir apenas um acesso limitado.70. Depois de visitas do CICV, de advogados ou de uma delegação estrangeira a um centrode detenção, as condições tendiam a melhorar. Contudo, alguns presos eram punidospor falarem com os visitantes.71. As condições gerais melhoravam por vezes, quando os presos eram transferidos parauma prisão oficial. Isto verificou-se particularmente na prisão de Becora, em Díli, depoisde esta abrir em 1986. Os <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e a <strong>tortura</strong>, incluindo espancamentos e abuso porparte de guardas prisionais, a reclusão solitária e as restrições em relação às actividadesde lazer, comunicação com o mundo exterior ou visitas familiares também aconteciamnessas instituições, mas com muito menos frequência.- 275 -


72. Antes do final de 1983, as autoridades indonésias não julgavam os prisioneiros. Ospresos não dispunham de mecanismos para contestar a sua prisão ou solicitar uma datade libertação. A sua prisão não tinha termo determinado. Mesmo quando os julgamentoscomeçaram, em 1983, as autoridades indonésias detiveram muitas pessoas durantelongos períodos de tempo, antes de as julgarem. Na década de 1990, os presos queeram julgados eram acusados e levados a julgamento relativamente depressa. Nãoobstante, mesmo na década de 1990, muitos presos nunca foram julgados. Em 1999,quase nenhuns presos foram julgados.InterrogatórioA Comissão conclui que:73. Era prática institucional interrogar os presos. O interrogatório era utilizado para obterinformações sobre as actividades da vítima, para punir ou intimidar a vítima, ou paraobter informação sobre as estruturas e estratégias da resistência, a localização de armasou documentos, ou os nomes de outros membros da Resistência.74. Estes padrões mudaram ao longo do tempo. Nos primeiros anos da ocupação, osmilitares recorreram aos interrogatórios para aumentar os seus conhecimentos sobre aResistência.75. Quando a Polícia se tornou mais activa na prisão e no interrogatório de suspeitos epresos, os interrogatórios também se centraram em obter provas, como uma confissão,para serem utilizadas em julgamento. Antes de o interrogatório começar, osinterrogadores costumavam preparar uma confissão escrita que era lida ao preso, sendoeste obrigado a assiná-la, ou então a Polícia obrigava o preso a fazer uma falsaconfissão. Muitos presos assinavam a confissão só para pôr fim ao interrogatório e à<strong>tortura</strong>.76. Em 1999, antes da Consulta Popular, o interrogatório era utilizado para intimidar avítima, bem como para descobrir os movimentos dos grupos pró-independência.77. Era prática comum utilizar medidas altamente coercivas durante o interrogatório. Osmétodos incluíam a utilização generalizada de <strong>tortura</strong>, ameaças de morte contra a vítimaou a sua família, fazer várias perguntas ou perguntas confusas ao preso ou distorcer assuas palavras, dizer ao preso que um outro preso já tinha confessado um alegado crimee privar os presos de alimentação, bebida, instalações sanitárias e sono, entre assessões de interrogatório.78. Quando havia atenção internacional em relação a determinados presos, o tratamentodos presos por parte das forças de segurança indonésias eram consideravelmentemelhor.79. Os presos costumavam ser interrogados dentro de centros de detenção, na sua cela, ounuma sala de interrogatório. Um número mais pequeno de presos era interrogado emcasa antes de serem detidos. Alguns presos eram levados para centros de interrogatórioespeciais para serem interrogados, como o Sang Tai Hoo, em Díli. Alguns destes locaistornaram-se particularmente conhecidos pelo tratamento que davam aos presos. Algunspresos eram enviados para Java ou Bali, a fim de serem mais demoradamenteinterrogados.80. A duração dos interrogatórios variava. Por vezes, os presos eram sujeitos ainterrogatórios longos que duravam vários dias, numa tentativa de “quebrar” a vítima.Alguns presos tinham um horário de interrogatório, segundo o eram interrogados nomesmo dia todas as semanas, ou ao mesmo tempo em certos dias. Outras vezes, osinterrogatórios eram curtos e intensos, principalmente quando tinham por objectivointimidar o preso.- 276 -


81. Os presos eram frequentemente interrogados por diferentes agentes de diferentesinstituições, ao mesmo tempo ou consecutivamente. Geralmente os interrogatóriosestavam a cargo de agentes dos serviços de informação; em alguns casos, oficiaismilitares de alta patente voavam de Jacarta até Timor-Leste para interrogarem asvítimas.82. As tácticas utilizadas pelos membros clandestinos durante o interrogatório incluíammencionar apenas os nomes de camaradas que já tinham sido detidos, só divulgarinformação já em posse dos interrogadores e assumir a responsabilidade pelos actos deoutros.Tortura e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>A Comissão conclui que:83. Membros das forças de segurança indonésias e seus auxiliares cometeram,incentivaram e aceitaram, de forma sistemática e generalizada, actos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong><strong>tratos</strong>contra as vítimas durante o período da ocupação indonésia de Timor-Leste. Emalguns casos, a <strong>tortura</strong> levava à morte. Por vezes, esta resultava directamente da <strong>tortura</strong>aplicada, outras da falta de tratamento dos ferimentos provocados durante a <strong>tortura</strong>.84. As vítimas de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> eram esmagadoramente do sexo masculino, emidade militar e relacionados com a Fretilin/Falintil, ou outros grupos pró-independência. Osegundo maior grupo sujeito a <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> era composto por vítimasidentificadas a si próprias como civis. Estas pessoas eram geralmente suspeitas depertencerem a grupos de resistência, civis pertencentes a sucos suspeitos de apoiarmembros da Fretilin/Falintil ou dar-lhes esconderijo, ou familiares ou associados demembros da Fretilin/Falintil, ou de outros grupos da Resistência.85. As forças de segurança indonésias foram apontadas como perpetrador directo em 60%dos casos de <strong>tortura</strong> e 55% dos casos de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Diferentes instituiçõespertencentes ao aparelho de segurança desempenharam papéis proeminentes emmomentos diferentes. No início da ocupação, os batalhões e oficiais militaresparticiparam na maioria dos casos de <strong>tortura</strong>, principalmente funcionários dos serviçosde informação . Entre 1985 e 1987, o Kopassandha/Kopassus participou directamenteem muitos casos de <strong>tortura</strong>. A participação da Polícia na <strong>tortura</strong> de presos aumentou nofinal da década de 1990, atingindo o auge em 1999.86. Os auxiliares timorenses também tiveram uma participação considerável na <strong>tortura</strong> dasvítimas. Foram apontados como responsáveis por 35% dos casos de <strong>tortura</strong> e 40% doscasos de <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong>. Em muitos casos, as vítimas eram <strong>tortura</strong>das por auxiliares quecumpriam ordens dos militares ou que as praticavam juntamente com os militares. Osauxiliares desempenharam um papel significativamente menos proeminente do que osmilitares em todos os anos, excepto 1999, ano em que foram os principais perpetradoresde violência contra as vítimas.87. A maioria dos actos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> foram praticados durante ou depois dadetenção, ou na prisão. Algumas vítimas eram <strong>tortura</strong>das ou maltratadas fora do local dedetenção, sendo agredidas em público, nas suas habitações, num campo ou durante adeslocação para o local de detenção.88. A <strong>tortura</strong> tinha por objectivo obter informações da vítima, puni-la, ameaçá-la, humilhá-lae intimidá-la, ou a outras pessoas que partilhassem os seus vínculos políticos, ou entãoforçar a vítima a alterar a sua fidelidade política.89. A <strong>tortura</strong> e outras formas de tratamento cruel, desumano e degradante ocorriamgeralmente quando os presos chegavam pela primeira vez a um centro de detenção, oudurante o interrogatório. Eram perpetraram nas celas, por vezes em frente a outrospresos, outras vezes em salas de interrogatório específicas. Nos primeiros anos daocupação, os militares indonésios utilizaram alguns edifícios especificamente para<strong>tortura</strong>r prisioneiros.- 277 -


90. Actos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> em público ocorreram com frequência durante aocupação, mas principalmente em 1999. Não só causavam dor e humilhação à vítima,como tinham por intenção aterrorizar as pessoas que os testemunhassem. Emcontrapartida, muitos actos de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> foram levados a efeito em segredo,longe dos olhos dos entes queridos das vítimas, ou da comunidade internacional.91. Ao longo da ocupação, a correlação entre <strong>tortura</strong> ou <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> e detenção aumentou.Durante o período de 1985/1998, embora houvesse menos pessoas presas, as queestavam tinham muito mais probabilidades de serem <strong>tortura</strong>das do que durante operíodo de 1975/1984, quando houve detenções em massa frequentes.92. Os seguintes actos de <strong>tortura</strong> e outros tipos de tratamento cruel, desumano oudegradante foram comummente praticados pelas forças de segurança:- 278 -


• Espancamento com os punhos, ou com utensílios como um taco ou um ramo demadeira, uma barra de ferro, a coronha de uma espingarda, correntes, um martelo, umcinto, cabos eléctricos• Pontapés, geralmente com botas militares ou policiais, incluindo na cabeça e na cara• Socos e bofetadas• Chicotadas• Cortes com facas• Cortes com lâminas de barbear• Colocar os dedos dos pés de alguém debaixo da perna de uma cadeira ou mesa edepois fazer uma ou mais pessoas sentarem-se em cima desta• Queimar a carne das vítimas — incluindo os órgãos genitais — com cigarros acesos oucom um isqueiro• Dar choques eléctricos a diferentes partes do corpo da vítima, incluindo os órgãosgenitais• Amarrar com força as mãos e pés de alguém, ou amarrar a vítima e pendurá-la numaárvore ou num telhado• Utilizar água de várias maneiras, entre outras manter a cabeça de uma pessoa debaixode água; manter uma vítima num tanque de água durante um período prolongado, porvezes até três dias; ensopar e amaciar a pele de uma vítima em água antes de aespancar; colocar a vítima num barril cheio de água e fazê-lo rolar; despejar água muitoquente ou muito fria em cima da vítima; despejar água muito suja ou de esgotos porcima da vítima• Assédio sexual, formas sexuais de <strong>tortura</strong> e <strong>maus</strong>-<strong>tratos</strong> ou violação na prisão. Asmulheres eram as principais vítimas deste tipo de abuso• Cortar a orelha de uma vítima para marcá-la• Amarrar a vítima atrás de um carro e obrigá-la a correr atrás dele, ou a ser arrastadapelo chão• Colocar lagartos com dentes e garras afiadas (lafaek rai maran) sobre a vítima,incitando-os a morder diferentes partes do seu corpo• Arrancar unhas dos pés e das mãos com um alicate• Atropelar a vítima com uma motocicleta• Obrigar uma vítima a beber a urina de um soldado ou a comer itens não alimentares,como pequenos lagartos vivos ou um par de meias• Deixar a vítima ao sol durante longos períodos de tempo• Humilhar os presos em frente às suas comunidades, fazendo-as ficar nuas ou andarnuas pela cidade, por exemplo• Ameaçar a vítima ou a sua família de morte ou fazer mal a um familiar da vítima à frenteda família93. Há outros exemplos de formas de <strong>tortura</strong> e tratamento cruel e desumano que não forammuito relatadas, mas confirmam o padrão geral de abuso sistemático e generalizado dospresos, incluindo:- 279 -


• Esfregar malaguetas nos olhos da vítima• Obrigar a vítima a varrer o chão com o corpo• Obrigar a vítima a transportar uma cabeça decapitada na sua aldeia• Espancar duas vítimas do sexo masculino amarradas juntas pelos órgãos genitais• Cortar a orelha da vítima e obrigá-la a comê-la• Amarrar a vítima dentro de um saco cheio de cobras• Embeber um grupo de prisioneiros com petróleo e ameaçar queimá-los vivos94. Além dos abusos físicos, os presos também foram sujeitos a <strong>tortura</strong> mental e emocionale a um tratamento cruel, desumano e degradante, aplicando, entre outros, os seguintesmétodos:• Manter os prisioneiros presos detidos sem qualquer acesso à família e amigos• Manter os prisioneiros em prisão solitária, ou em celas sem luz e com pouca ventilação,durante longos períodos de tempo• Conduzir um preso a um local utilizado em execuções extrajudiciais, levando a vítima apensar que ia ser morta, ao ponto de disparar na sua direcção• Praticar abusos verbais e insultos• Obrigar as vítimas a baterem umas nas outras• Torturar um familiar da vítima numa sala adjacente para que esta ouvisse os gritos, ou<strong>tortura</strong>r ou ameaçar um familiar da vítima à frente dela• Vendar os olhos ou colocar um tecido preto, um capacete ou um balde sobre a cabeçada vítima, durante o interrogatório e a <strong>tortura</strong>• Recorrer ao simbolismo para humilhar e vergar o ânimo da vítima, por exemplo,obrigando-a a beber água na qual fora mergulhada uma bandeira indonésia, escrevendo“eu sou Fretilin” nas testas dos presos, fazendo os presos cantar conhecidas cançõesportuguesas ou da Fretilin, ou ao contrário, o Hino Nacional indonésio, obrigando-os asentar-se em cima da bandeira portuguesa ou da Fretilin, espancando um preso comuma bandeira portuguesa ou da Fretilin, ou amarrando vítimas ao poste de uma bandeiraindonésia• Insultar a religião de uma vítima, arrancando o seu crucifixo, ou amarrando a vítima auma cruz• Cuspir sobre a vítima• Privar a vítima de sono recorrendo a métodos como tocar música alto durante a noitenos centros de detenção• Despir os presos, homens e mulheres, e tocar nos seus órgãos genitaisLibertação95. As forças de segurança indonésias raramente libertavam os prisioneiros políticos deforma absoluta.96. Em alguns casos, os presos políticos eram obrigados a fazer algum tipo de declaraçãode fidelidade à Indonésia, incluindo:- 280 -


• Assinar uma declaração (“declaração de lealdade”) na qual juravam fidelidade àbandeira indonésia e prometiam nunca mais participar em actividades clandestinas• Beber água na qual tinha sido mergulhada uma bandeira indonésia• Participar em juramentos de sangue tradicionais, bebendo sangue de humanos eanimais, um acto fortemente simbólico na cultura timorense que foi utilizado pelosmilitares e, posteriormente, pelas milícias, para os seus próprios fins97. Aquando da libertação, era frequentemente exigido um pagamento em dinheiro ou emgéneros. A incidência de extorsão aumentou significativamente em 1999.98. As forças de segurança também criaram maneiras de vigiar os presos depois de oslibertar, utilizando-os para trabalhos forçados ou recrutando-os para as forças desegurança, organizações de defesa civil ou paramilitares, ou obrigando-as a encontrarparentes que ainda não se tivessem rendido. A outros era conferido o estatuto de“presos externos” (tahanan luar), o que significava que continuavam a ser vigiados deperto.99. A maioria dos presos tinha de se apresentar regularmente numa base militar, esquadrade polícia ou noutra agência depois de serem libertados, por vezes durante vários anos(wajib lapor).1 Artigo 3º da DUDH, artigo 9º da ICCPR e direito consuetudinário: Comissão dos Direitos Humanos,Comentário Geral nº 24, parágrafo 8.2 Ver Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Folha de Factos nº 26 sobre oGrupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária; ver também, por exemplo, Opiniões de 2003, adoptadaspelo Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária, E/CN.4/2004/3/Add.1.3Comissão dos Direitos Humanos , Comentário Geral nº 8, parágrafo 2; Ver também Jijon vs Ecuador(1992), Comentário nº 227/88 da CDH, no qual se considerou que um atraso de cinco dias na apresentaçãode um prisioneiro perante um juiz constituía violação do artigo 9º (3).4Artigo 9º, nº 3 da ICCPR.5Artigo 5º da DUDH, artigo 7º da ICCPR e direito consuetudinário: Comissão dos Direitos Humanos,Comentário Geral 24, parágrafo 8.6Ver, por exemplo, artigo 1º, nº 1 da Convenção Contra a Tortura e Tratamento Cruel, Desumano ouDegradante ou Punição.7Ver, por exemplo, CDH, Comentário Geral nº 20, parágrafo 2.8Mukong vs Cameroon (1994) Comentário Geral nº 458/91, parágrafo 9.4.9Observações finais do Comité contra a Tortura em Israel, A/52/44, 9/5/97, parágrafo 257; ver tambémIrlanda vs Reino Unido (1978) TEDH, requerimento nº 5310/71, parágrafos 96 e 167.10Observações finais do Comité contra a Tortura em Israel, A/52/44, 9/5/97, parágrafo 257.11Observações finais do Comité contra a Tortura em Israel, A/52/44, 9/5/97, parágrafo 257; ver tambémIrlanda vs Reino Unido (1978) TEDH, requerimento nº 5310/71, parágrafos 96 e 167.12Observações finais do Comité contra a Tortura em Israel, A/52/44, 9/5/97, parágrafo 257.13Artigo 5º da DUDH, artigo 7º da ICCPR e direito consuetudinário: Comissão dos Direitos Humanos,Comentário Geral nº 24, parágrafo 8.- 281 -


14Violando o artigo 5º da DUDH; artigo 7º da ICCPR, artigo 16º da CAT.15Artigo 10º, nº 1 da ICCPR e direito consuetudinário internacional: Comissão dos Direitos Humanos,Comentário Geral nº 29, CAT 13 (a). Ver também as Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos; oConjunto de Princípios para a Protecção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ouPrisão e os Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de Reclusos.16Comissão dos Direitos Humanos , Comentário Geral nº 21, parágrafo. 3.17Comissão dos Direitos Humanos , Comentário Geral nº 20, parágrafo 6; Comissão dos Direitos Humanos,Comentário Geral nº 7, parágrafo 2, El-Megreisi vs Libyan Arab Jamahiriya (1990) CDH, Comentário nº440/90, parágrafo 5.4; Mukong vs Cameroon (1994) CDH, Comentário nº 458/91, parágrafos 9.3-9.4.18 HRVD, Testemunhos nºs 7659; 2399; 1123; 5606; 8354; 6155; 4677; 5036; 3751 e 3728.19 José Ramos-Horta, Timor Leste: Amanhã em Díli, Dom Quixote, Lisboa, 1994, pp. 107-113.20 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Armindo Soares Mariano, Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 20 de Julho de2004.21 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Catarino Grigorio Magno Trindade de Mello (Labut Mello), Kupang, TimorOcidental, Indonésia, 23 de Julho de 2004.22 Paulo Freitas, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Interno de1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.23 Francisco Xavier do Amaral, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o ConflitoPolítico Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.24 João Carrascalão, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Internode 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.25 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Marito Nicolau dos Reis, Díli, 27 de Julho de 2003.26 HRVD, Testemunho nº 2447. João Lopes não mencionou as datas da sua prisão.27 HRVD, Testemunho nº 2412. Ver também HRVD, Testemunho nº 5408.28 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Lúcio Dias Marques, Maliana, Bobonaro, 13 de Junho de 2003.29 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Manuel Agustino Freitas, Bobonaro (Bobonaro), 12 de Junho de 2003.30 Mario Carrascalão, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito PolíticoInterno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.31 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Lúcio Dinis Marques, Maliana, Bobonaro, 13 de Junho de 2003.32 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Marito Nicolau dos Reis, Díli, 27 de Julho de 2003.33 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Lúcio Dinis Marques, Maliana, Bobonaro, 13 de Junho de 2003.34 HRVD, Testemunho nº 5062.35 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Mário (Marito) Nicolau dos Reis, Díli, 27 de Julho de 2003.36 Xanana Gusmão, “Autobiografia” in Xanana Gusmão, Timor Leste: Um Povo, Uma Pátria , Lisboa,Editora Colibri, 1994, p. 18.37 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Miguel Agustinho Freitas, Carabau, Bobonaro, 12 de Junho de 2003. Manuelprestou o seu depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Interno de1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.38 HRVD, Testemunho nº 5036.39 HRVD, Testemunho nº 5694.40 HRVD, Testemunho nº 5699.- 282 -


41 HRVD, Testemunho nº 3745.42 HRVD, Testemunho nº 5698.43 HRVD, Testemunho nº 3784.44 Perfil Comunitário da <strong>CAVR</strong> do suco de Fatukero, subdistrito de Railaco, distrito de Ermera, 27 deMarço de 2003.45 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Lourenço dos Santos, Ermera, 25 de Agosto de 2003; Manuel Duarte, Hatulia,Ermera, 23 de Setembro de 2003; Florentino de Jesus Martins, Ermera, 25 de Junho de 2003. Ver tambémHRVD, Testemunho nº 6442.46 HRVD, Testemunho nº 6203. Eufrásia de Jesus também disse que 32 delegados da Fretilin foram mortosenquanto presos. Ver subcapítulo 7.2: Mortes Ilícitas e Desaparecimentos Forçados.47 HRVD, Testemunho nº 8330.48 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Adelino Soares, Ermera, Ermera, 12 de Outubro de 2003.49 HRVD, Testemunho nº 8346.50 Manuel Duarte, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Internode 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.51 HRVD, Testemunhos nºs 1084; 6202; 1039 e 6155.52 HRVD, Testemunhos nºs 1080; 1730; 5102 e 1663.53 HRVD, Testemunhos nºs 3570; 3596; 3541; 3502; 3559; 2107 e 3570.54 HRVD, Testemunhos nºs 4568 e 8262.55 HRVD, Testemunho nº 8262.56 HRVD, Testemunho nº 1071.57 HRVD, Testemunho nº 1772.58 HRVD, Testemunho nº 1088.59 HRVD, Testemunho nº 1745.60 HRVD, Testemunho nº 1077.61 Ibid.62 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Lay Konen (Manisera), Mandarin, Díli, 2003.63 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Guterres, Díli, 19 de Julho de 2004 e a João Godinho, Díli, 26 de Julho de2004.64 HRVD, Testemunho nº 2455 e Entrevista da <strong>CAVR</strong> a João Godinho, Díli, 26 de Julho de 2004.65 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a João Godinho, Díli, 26 de Julho de 2004.66 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Pinto Guterres, Bairro Maravilha, Maliana, 19 de Julho de 2004.67 HRVD, Testemunhos nºs 2414; 2455 e 2412.68 HRVD, Testemunho nº 2600.69 HRVD, Testemunho nº 2412.70 HRVD, Testemunhos nºs 2412; 4355; 8992; 5606; 5639; 2600; 5622 e 2454.71 HRVD, Testemunho nº 3703.72 HRVD, Testemunho nº 5606.- 283 -


73 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Adriano João, Díli, 10 de Junho de 2004; HRVD, Testemunho nº 8992.74 HRVD, Testemunho nº 5622.75 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Guda, subdistrito de Lolotoe, Bobonaro, 26 de Agosto de 2003.76 HRVD, Testemunhos nºs 5472 e 5486.77 HRVD, Testemunho nº 5472.78 HRVD, Testemunho nº 5486.79 HRVD, Testemunho nº 1585.80 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Santina de Jesus Soares Ly, Baucau, Baucau, 10 de Outubro de 2003; HRVD,Testemunhos nºs 6119; 2399; 7634 e 7764.81 HRVD, Testemunho nº 7634.82 HRVD, Testemunho nº 6119.83 HRVD, Testemunho nº 2399.84 HRVD, Testemunho nº 1994.85 HRVD, Testemunho nº 0293.86 HHRVDRVD, Testemunho nº 5904.87 HRVD, Testemunho nº 1994.88 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Edmundo da Conceição Silva, Bali, Indonésia, 3 de Agosto de 200489 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José da Conceição, Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 24 de Agosto de 2004.90 HRVD, Testemunho nº 3447.91 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Adriano João, Díli, 10 de Junho de 2004.92 HRVD, Testemunho nº 5904.93 HRVD, Testemunho nº 5450.94 James Dunn, A People Betrayed, 1966, p. 187.95 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Rogério Tiago de Fátima Lobato (Rogério Lobato), antigo comandante das ForçasArmadas da Fretilin, 26 de Agosto de 2003.96 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Lucas da Costa, Díli, 21 de Junho de 2004.97 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Rogério Tiago de Fátima Lobato, Díli, 26 de Agosto de 2003; Entrevista da<strong>CAVR</strong> a Lucas da Costa, Díli, 21 de Junho de 2004.98 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004.99 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Lucas da Costa, Díli, 21 de Junho de 2004.100 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Paulo Freitas da Silva, antigo presidente do partido Trabalhista, Díli, 9 de Julhode 2003.101 HRVD, Testemunhos nºs 8152 e 4987.102 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Assis dos Santos, Díli, 17 de Julho de 2003.103 Rogério Lobato, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Internode 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.104 Ibid.105 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Francisco Gonçalves, Díli, 14 de Junho de 2003.- 284 -


106 HRVD, Testemunho nº 3764.107 HRVD, Testemunho nº 9081.108 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Mari Alkatiri, Díli, 25 de Junho de 2004.109 Mari Alkatiri, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Interno de1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.110 Comité Internacional da Cruz Vermelha, Operação de Assistência a Timor Leste, 16 de Setembro de1975. E-mail de Noel Barrow, arquivista da Cruz Vermelha australiana, Sede Nacional, Melbourne, para<strong>CAVR</strong>, 8 de Outubro de 2004. Devido à natureza confidencial dos registos do CICV em relação às suasvisitas às prisões, não estão disponíveis pormenores específicos.111 HRVD, Testemunho nº 6146.112 HRVD, Testemunhos nºs 3764 e 9081.113 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Frederico Almeida Santos, Díli, 2003.114 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Anselmo dos Santos, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004.115 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2004.116 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Rafael dos Nascimento, Aileu, Junho de 2003.117 HRVD, Testemunho nº 1413.118 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003.119 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a João da Costa, Same, Manufahi, 24 de Junho de 2003 e a Moniz da Maia, Díli, 5de Dezembro de 2003.120 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003; Moniz da Maia, depoimento naAudiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 deDezembro de 2003.121 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a João da Costa, Same, Manufahi, 24 de Junho de 2003122 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunho nº 3595.123 HRVD, Testemunho nº 2156.124 HRVD, Testemunho nº 3594.125 HRVD, Testemunho nº 6146.126 HRVD, Testemunho nº 6357.127 HRVD, Testemunho nº 3568.128 HRVD, Testemunho nº 9062.129 HRVD, Testemunho nº 8300.130 HRVD, Testemunho nº 6409.131 HRVD, Testemunho nº 6409.132 HRVD, Testemunhos nºs 8337; nº 2220 e 8371.133 HRVD, Testemunhos nºs 4971; nº 5975; nº 7201 e 5982.134 HRVD, Testemunho nº 2694.135 HRVD, Testemunhos nºs 2375; 7658 e 9056.136 HRVD, Testemunho nº 8040.- 285 -


137 HRVD, Testemunho nº 9056.138 Clementino dos Reis Amaral, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o ConflitoPolítico Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.139 HRVD, Testemunho nº 2375.140 Paulo Freitas, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Interno de1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.141 Perfil Comunitário da <strong>CAVR</strong> do suco de Rasa, subdistrito de Lospalos, distrito de Lautém, 1 de Marçode 2004.142 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Edmundo da Conceição Silva, Bali, Indonésia, 3 de Agosto de 2004.143 Ibid.144 Perfil Comunitário da <strong>CAVR</strong> do suco de Bauro, subdistrito de Lospalos, distrito de Lautém, 26 deJaneiro de 2004.145 HRVD, Testemunhos nºs 5919; 4541; 5853 e 5930.146 HRVD, Testemunho nº 5919.147 HRVD, Testemunho nº 4541.148 HRVD, Testemunho nº 5853.149 HRVD, Testemunho nº 6018.150 Paulo Freitas, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Interno de1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.151 HRVD, Testemunhos nºs 6502; 7995; 8025; 8025; 1918; 6501 e 8021.152 HRVD, Testemunho nº 6502.153 HRVD, Testemunho nº 7946.154 Perfil Comunitário da <strong>CAVR</strong> dos sucos de Carabau, Cotabot, Tebabui, Maliubu e Colimau, subdistritode Bobonaro, distrito de Bobonaro, 24 de Outubro de 2003, e Perfil Comunitário do suco de Lourba.155 HRVD, Testemunho nº 02540156 HRVD, Testemunho nº 1082. Ver também HRVD, Testemunho nº 8347.157 HRVD, Testemunho nº 5546.158 HRVD, Testemunho nº 8152.159 HRVD, Testemunho nº 5524.160 HRVD, Testemunhos nºs 0186; 5546; 1162 e 8152.161 Mari Alkatiri, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Interno de1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.162 HRVD, Testemunho nº 3666.163 HRVD, Testemunho nº 8025.164 HRVD, Testemunho nº 8021.165 HRVD, Testemunho nº 2510.166 HRVD, Testemunho nº 2375.167 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Moniz da Maia, Manlewana, Díli, 5 de Dezembro de 2003.- 286 -


168 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Edmundo da Conceição Silva, Bali, Indonésia, 3 de Agosto de 2004.169 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Assis dos Santos, Díli, 17 de Julho de 2003; Filomeno Pedro Cabral Fernandes,Díli, 5 de Maio de 2004; Luís António de Aquino Caldas, Díli, 21 de Maio de 2004, José Catarino GregórioMagno de Mello (Labut Mello), Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 23 de Julho de 2004; ArmindoSoares Mariano, Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 20 de Julho de 2004.170 Campanha da Apodeti na Rádio Timor, Díli. Está disponível uma cópia da cassete na <strong>CAVR</strong>.171 Mari Alkatiri, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Interno de1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.172 HRVD, Testemunho nº 0826.173 HRVD, Testemunho nº 8950.174 HRVD, Testemunho nº 6243.175 HRVD, Testemunho nº 9034.176 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Luís António de Aquino Caldas, Díli, 21 de Maio de 2004.177 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Frederico Almeida Santos, presidente da Apodeti Pró-Referendo, Díli, 2003.178 Depoimento de antigo preso na prisão do subdistrito de Same (Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Moniz da Maia,Manlewana, Díli, 5 de Dezembro de 2003, João da Costa, Letefoho, Same, 24 de Junho de 2003, BentoReis, Same, 2004)179 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Bento Reis, Same, 2004.180 Moniz da Maia, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Internode 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.181 <strong>CAVR</strong>, documentos de estudo sobre o tema do Conflito Partidário: Caso 7, Uma Colecção de Análisesde Casos, Janeiro de 2004.182 HRVD, Testemunho nº 3265.183 Moniz da Maia, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Internode 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.184 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Eufrázia de Jesus Soares, Gleno, Ermera, Outubro de 2003.185 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004.186 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Rafael do Nascimento, Aileu, Junho de 2003.187 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Moniz da Maia, 5 de Dezembro de 2003, Rafael Nascimento, Aileu, Junho de2003188 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Amélia Mesquita, Seloi-Malere, Aileu, 27 de Junho de 2003189 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Francisco Xavier do Amaral, líder da ASDT/Fretilin 1974-1977, primeiropresidente da RDTL 1975-1977, Díli, 28 de Agosto de 2003.190 António Serpa, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Internode 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.191 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a João da Costa, Letefoho, Same, Manufahi, 24 de Junho de 2003.192 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003.193 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Edmundo da Conceição Silva, Bali, Indonésia, 3 de Agosto de 2004, José deConceição, Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 24 de Agosto de 2004.194 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Edmundo da Conceição Silva, Bali, Indonésia, 3 de Agosto de 2004.195 HRVD, Testemunhos nºs 1082 e nº 8347.- 287 -


196 HRVD, Testemunho nº 6416.197 HRVD, Testemunho nº 2375.198 Paulo Freitas, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Interno de1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.199 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Assis dos Santos, Díli, 17 de Julho de 2003; Luís António de Aquino Caldas,Palapaço, Díli, 21 de Maio de 2004; José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004; e FilomenoPedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004.200 Xanana Gusmão, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito PolíticoInterno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.201 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004.202 António Ximenes Serpa, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito PolíticoInterno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.203 O testemunho desta caixa constitui um resumo da Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Anselmo dos Santos, Maubara,Liquiça, 9 de Março de 2004, bem como da Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Frederico Almeida Santos, Díli, 2003.204 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003205 Francisco Xavier do Amaral, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o ConflitoPolítico Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.206 António Serpa, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Internode 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.207 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004.208 Assis dos Santos, Relatório da Tortura na Prisão de Fretilin 1975, 1976, 1977 . Cópia disponível na<strong>CAVR</strong>.209 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004 e a Assis dos Santos,Díli, 17 de Julho de 2003, Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003; Bento Reis, Same, 2004.210 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004 e a Assis dos Santos,Díli, 17 de Julho de 2003, Moniz da Maia, Díli, 5 de Dezembro de 2003.211 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Luís António de Aquino Caldas, Díli, 21 de Maio de 2004.212 Moniz da Maia, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o Conflito Político Internode 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003.213 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004 e a Assis dos Santos,Relatório da Tortura Na Prisão de Fretilin 1975, 1976, 1977, Museu Díli, Taibessi, Aileu, Maubisse, Same,Uatu-Lari, Nahareca, Ossu. Está disponível uma cópia na <strong>CAVR</strong>.214 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004.215 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Filomeno Pedro Cabral Fernandes, Díli, 5 de Maio de 2004; Assis dos Santos,Díli, 17 de Julho de 2003.216 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Assis dos Santos, Díli, 17 de Julho de 2003.217 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Maukabae, Maubara, Liquiça, 9 de Março de 2004.218 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004.219 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004 e a Marito Reis, Díli, 21 deSetembro de 2004.220 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004.221 Ibid.- 288 -


222 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a João Veinas, o responsável pelo suco em 1975, Audiência Pública Nacional da<strong>CAVR</strong> sobre Prisão por Motivos Políticos, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003.223 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Egas da Costa, 19 de Maio de 2004.224 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Xanana Gusmão, Díli, 30 de Junho de 2004.225 Ibid.226 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004.227 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Marito Reis, Díli, 21 de Setembro de 2004 e a José Manuel Monteiro, Remexio,Aileu, 6 de Outubro de 2004.228 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Pedro Faria, Lospalos, Lautém, ND.229 João Veinas, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão por Motivos Políticos,Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003.230 HRVD, Testemunho nº 1697.231 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Modesto de Jesus Sanches, antigo responsável Secai, na zona de Iliomar,Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004.232 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Orlando Silva Correia Belo, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004.233 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Miguel da Silva, Ossu, Viqueque, 23 de Fevereiro de 2003.234 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Luís da Costa, Lisboa, Portugal, 15 de Outubro de 2003.235 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a António da Silva e Raquel da Silva, Ossu, Viqueque, 10 Junho 2003.236 HRVD, Testemunho nº 4872.237 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Celestino de Carvalho Alves, Fatubesi, Ermera, 6 de Outubro de 2003.238 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Celestino Alves, Fatubesi, Ermera, 27 de Junho de 2004, Fatubesi Ermera, 6 deOutubro de 2003.239 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Celestino de Carvalho Alves, Fatubesi, Ermera, 6 de Outubro de 2003.240 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Jerónimo Albino da Silva, Ermera, Ermera, 10 de Setembro de 2003.241 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Eduardo de Deus Barreto, Gleno, Ermera, 26 de Agosto de 2004; Entrevista da<strong>CAVR</strong> a Celestino Alves, Fatubesi, Ermera, 6 de Outubro de 2003242 Perfil Comunitário da <strong>CAVR</strong> do suco de Tirilolo, subdistrito de Iliomar, distrito de Lautém, 4 de Julhode 2003.243 Constantino Hornay, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Crianças e Conflito,Díli, 29 e 30 de Março de 2004.244 Francisco Xavier do Amaral, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o ConflitoPolítico Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. Ver também entrevista da <strong>CAVR</strong> aXanana Gusmão, Díli, 7 de Julho de 2004.245 Francisco Xavier do Amaral, depoimento na Audiência Nacional Pública da <strong>CAVR</strong> sobre o ConflitoPolítico Interno de 1974/76, Díli, 15 a 18 de Dezembro de 2003. Ver também entrevista da <strong>CAVR</strong> aXanana Gusmão, Díli, 7 de Julho de 2004.246 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Francisco Xavier do Amaral, Díli, 18 de Junho de 2004.247 Xanana Gusmão, , Timor Leste: Um Povo, Uma Pátria, Edições Colibri, Lisboa, 1994, p. 35; Entrevistasda <strong>CAVR</strong> a Horácio de Conceição Savio, Irara, Lospalos, 10 de Setembro de 2004 e a Modesto de JesusAlmeida Sanches, antigo chefe de logística da zona de Iliomar, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004.248 HRVD, Testemunho nº 5418.- 289 -


249 HRVD, Testemunho nº 1467.250 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Tomás de Araújo, Turiscai, Manufahi, 14 de Outubro de 2003.251 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Feliciano Soares, Cailaco, Bobonaro, 2003.252 HRVD, Testemunho nº 3460.253 HRVD, Testemunho nº 3448.254 HRVD, Testemunho nº 4845.255 HRVD, Testemunho nº 4818256 <strong>CAVR</strong>, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV: Viqueque, 12-15 deDezembro de 2003, p. 10.257 <strong>CAVR</strong>, “Resumo de Caso: A Prisão de Mariano Meneses”, documento de investigação interna, 2003.258 HRVD, Testemunho nº 2099.259 HRVD, Testemunho nº 6541.260 HRVD, Testemunho nº 2112.261 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Amado de Jesus Ramos Guterres, Lacló, 11 de Dezembro de 2003.262 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a António da Silva e a Raquel da Silva, Ossu, Viqueque, 10 de Junho de 2003;Bernardo Quintão, 4 de Junho de 2003.263 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Marito Reis, Díli, 21 de Setembro de 2004.264 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Filomeno Paixão, Díli, 17 de Junho de 2004.265 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Horácio Savio, Irara, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004; Orlando SilvaCorreia Belo, Lospalos, Lautém, 11 de Setembro de 2004; e a José Manuel Monteiro, Remexio, Aileu, 6 deOutubro de 2004.266 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Marito Reis, antigo assistente político, Zona 20 de Maio Centro Leste , Díli, 21de Setembro de 2004; Francisco Xavier do Amaral, primeiro presidente da Fretilin, Díli, 18 de Junho de2004; Filomeno Paixão, tenente-coronel das Falintil/FDTL, Díli, 17 de Junho de 2004; Xanana Gusmão,antigo comandante das Falintil, Díli, 30 de Junho de 2004; Egas da Costa Freitas, antigo assistente políticoZona 20 de Maio Centro Leste, Lahane, Díli, 19 de Maio de 2004; Orlando Silva Correia Belo (FernandoSo), antigo secretário de suco, antiga zona de secretaria de Sacalu, Tutuala, Lautém e antigo responsávelpelo Renal de Marabia (Iliomar, Lautém), Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004; Lucas da Costa,Díli, 21 de Junho de 2004; José da Costa, Kupang, Timor Ocidental, 24 de Agosto de 2004; e Horácio deConceição Savio, Irara, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004.267 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Amado de Jesus Ramos Guterres, Lacló, Manatuto, 11 de Dezembro de2003.268 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004; Orlando Silva Correia Belo,Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004; Marito Reis, antigo assistente político, Díli, 21 de Setembro de2004; e José Manuel Monteiro, antigo comandante de ataque e chefe do Renal de Nundamar, Remexio,Aileu, 6 de Outubro de 2004.269 HRVD, Testemunho nº 1742.270 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a João Adriano, Bairro Maravilha, Bobonaro, 6 de Outubro de 2003.271 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Celestino Carvalho Alves, Fatubesi, Ermera, 13 de Junho de 2003.272 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Clementino da Silva, Ossu, Viqueque, 2003.273 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António da Silva Ossu, Viqueque, 10 de Junho de 2003.- 290 -


274 <strong>CAVR</strong>, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV: Viqueque, 12-15 deDezembro de 2003.275 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004; Orlando Silva Correia Belo,Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004; Marito Reis, antigo assistente político, Díli, 21 de Setembro de2004; José Manuel Monteiro, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004; e José Manuel dos Santos, Remexio,Aileu, 6 de Outubro de 2004.276 Perfil Comunitário da <strong>CAVR</strong> de Bautate, no suco de Irabin de Baixo, subdistrito de Uatu-Carbau,Viqueque, 26 de Agosto de 2003.277 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Xanana Gusmão, Díli, 30 de Junho de 2004.278 HRVD, Testemunho nº 7442.279 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Orlando Silva Correia Belo, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004.280 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Gaspar Seixas, Iliomar, Lautém, 2003.281 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Modesto de Jesus Sanches, antigos responsável pela zona Iliomar, Lospalos,Lautém, 10 de Setembro de 2004.282 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Horácio de Conceição Savio, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004.283 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Xanana Gusmão, Díli, 30 de Junho de 2004.284 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Amado de Jesus Ramos Guterres, Lacló, Manatuto, 11 de Dezembro de2003.285 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Lucas da Costa, Díli, 21 de Junho de 2004; Xanana Gusmão, Díli, 30 de Junhode 2004; Marito Reis, Díli, 21 de Setembro de 2004; Francisco Xavier do Amaral, Díli, 18 de Junho de2004; Filomeno Paixão, Díli, 17 de Junho de 2004; Egas da Costa Freitas, Díli, 19 de Maio de 2004;Orlando Silva Correia Belo, Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004; e Horácio de Conceição Savio,Lospalos, Lautém, 10 de Setembro de 2004.286 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004.287 Ibid.288 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004; e Entrevista da<strong>CAVR</strong> a José Manuel Monteiro, Remexio, 6 de Outubro de 2004.289 Ibid.290 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004.291 Ibid.292 Ibid.293 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004; e a José ManuelMonteiro, Remexio, 6 de Outubro de 2004.294 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004.295 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004; e a José ManuelMonteiro, Remexio, 6 de Outubro de 2004.296 Ibid.297 Ibid.298 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004.299 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria Fátima Pinto, Díli, 31 de Maio de 2004.- 291 -


300 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Maria Antónia Santos Sousa, Lacló, Manatuto, 28 de Abril de 2003; JoséManuel dos Santos, Remexio, Aileu, 6 de Outubro de 2004; e a José Manuel Monteiro, Remexio, Aileu, 6de Outubro de 2004.301 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria Antónia, Lacló, Manatuto, 20 de Março de 2003.302 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Raul da Costa, Remexio, Aileu, 16 de Outubro de 2003.303 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Domingos Maria Alves (Ambulan), Lequidoe, Aileu, 15 de Outubro de 2003.304 HRVD, Testemunho nº 5761.305 HRVD, Testemunho nº 5763.306 <strong>CAVR</strong>, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV: Viqueque, 12-15 deDezembro de 2003.307 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Tomé da Costa Magalhães, Same, Manufahi, 12 de Agosto de 2004.308 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Valentino da Costa Noronha, Hola Rua, Manufahi, 14 de Agosto de 2004.309 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Alexandrino de Jesus, Hatulia, Ermera, 2003.310 HRVD, Testemunho nº 2195.311 HRVD, Testemunho nº 0292.312 HRVD, Testemunho nº 0570.313 HRVD, Testemunho nº 0570.314 HRVD, Testemunho nº 8159.315 HRVD, Testemunho nº 8027.316 HRVD, Testemunho nº 1132.317 HRVD, Testemunho nº 4607.318 HRVD, Testemunho nº 1794.319 HRVD, Testemunho nº 0175.320 HRVD, Testemunho nº 3752.321 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Marcus Valadares, Díli, 2 de Agosto de 2003.322 HRVD, Testemunho nº 3826.323 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a W2 (fonte confidencial), Díli, 24 de Agosto de 2004. Ver também Entrevista da<strong>CAVR</strong> a Rita Ximenes, Díli, 10 de Dezembro de 2003.324 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Caleres Junior, Díli, 2 de Outubro de 2004.325 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Francisco Calçonha, Díli, 13 de Agosto de 2004.326 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Caleres Júnior, Díli, 2 de Outubro de 2004. Ver também Entrevista da<strong>CAVR</strong> a Alberto de Oliveira Câmara, Díli, 1 de Setembro de 2004.327 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria Olandina Isabel Cairo Alves, Díli, 6 de Maio de 2004.328 Para casos de membros da UDT que colaboravam com as ABRI, ver, por exemplo, HRVD, Testemunhosnºs 1352 e 2012. Para casos de membros da Apodeti que colaboravam com as ABRI, ver, por exemplo,HRVD, Testemunhos nºs 5728; 5694; 5662 e 8086; Para casos em que um membro da Apodeti fezdetenções, ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 5725 e 5099.329 HRVD, Testemunho nº 5731.330 HRVD, Testemunho nº 5730.- 292 -


331 HRVD, Testemunho nº 5728.332 Ver, por exemplo, Testemunhos nºs 3752; 4881 e 0175; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria Olandina IsabelCaeiro Alves, Díli, 6 de Maio de 2004: Para 1975/1976 ver, por exemplo, Testemunhos nºs 3742; 5666;5107; 5050.333 Entrevista da Neil Barrett a Saturnino Belo, Neil Barrett Comarca Video Project , Apresentação à<strong>CAVR</strong>, Agosto de 2002.334 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Afonso Correia Lemos, Comarca, Balide, 5 de Setembro de 2004.335 HRVD, Testemunho nº 3793.336 Amnistia Internacional, Statement of Amnesty International’s Concern in Indonesia and East Timor ,ASA: 21/05/80, Londres, 29 de Abril de 1980, p. 10.337 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Caleres Júnior, Díli, 2 de Outubro de 2004.338 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria Fátima Maia, Díli, 16 de Fevereiro de 2003.339 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria Fátima Maia, Díli, 16 de Fevereiro de 2003.340 HRVD, Testemunho nº 5666.341 HRVD, Testemunho nº 5730.342 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Jacinto Alves, Díli, 5 de Agosto de 2004.343 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria Fátima Maia, Díli, 16 de Fevereiro de 2003.344 João Balthazar Martins, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão e Tortura,17 e 18 de Fevereiro de 2003.345 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 4881; 5730; 0175; 0113; 3752; 3780; 5050 e 0041.346 Testemunho nº 5730.347 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria Olandina Isabel Caeiro Alves, Díli, 6 de Maio de 2004.348 Ibid.349 Testemunho nº 4881.350 Maria José Franco Pereira, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão e Tortura,17 e 18 de Fevereiro de 2003.351 HRVD, Testemunho nº 3737.352 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria de Fátima Acácio Guterres Leong, Díli, 21 de Fevereiro de 2003, p. 3.353 Testemunhos nºs 5010 e 1088.354 Testemunho nº 5790.355 Testemunhos nºs 4930 e 5121.356 Testemunho nº 1985.357 Testemunho nº 3358.358 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria Olandina Isabel Caeiro Alves, Díli, 6 de Maio de 2004.359 HRVD, Testemunho nº 1659.360 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Júnior Caleres, Díli, 2 de Outubro de 2004.361 HRVD, Testemunho nº 4930.362 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Júlio Alfaro, 18 de Fevereiro de 2003.- 293 -


363 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a FN, Díli, 21 de Fevereiro de 2003.364 HRVD, Testemunho nº 1138.365 HRVD, Testemunho nº 3075.366 HRVD, Testemunho nº 4858.367 HRVD, Testemunho nº 0051.368 HRVD, Testemunho nº 0463.369 HRVD, Testemunho nº 3797.370 HRVD, Testemunho nº 2012.371 HRVD, Testemunho nº 2017.372 HRVD, Testemunho nº 0543.373 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Luís Pereira, Laclubar, Viqueque, 12 de Abril de 2003.374 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 2091; 5834; 3282; 8908; 5052; 1061; 5834; 7642; 8086;3086; 2651.375 HRVD, Testemunho nº 2651: Ver também HRVD, Testemunhos nº 3295 e 5712.376 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Caleres Júnior, Díli, 2 de Outubro de 2004.377 Equipa de Investigação da <strong>CAVR</strong> sobre Mulheres e Conflito. Ver em especial Apêndice G: “Depictionof Detention Location in Baucau”, 10-13 de Junho de 2003.378 HRVD, Testemunho nº 7528.379 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Cornélio Gama (“L-7”), antigo comandante da Região 3, Díli, 9 de Abril de2003.380 HRVD, Testemunho nº 5662.381 HRVD, Testemunho nº 8345.382 HRVD, Testemunho nº 8345.383 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 3607; 5834 e 6624.384 HRVD, Testemunho nº 3072.385 Ibid.386 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Raul da Costa da Silva Araújo, Remexio, Aileu, 17 de Outubro de 2003.387 HRVD, Testemunho nº 1298.388 HRVD, Testemunho nº 7792.389 HRVD, Testemunho nº 5417.390 HRVD, Testemunho nº 5337.391 Ver, por exemplo: HRVD, Testemunhos nºs 8392 e 3234; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Alfredo Manuel deJesus, distrito de Ermera, 8 de Outubro de 2003; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Rui Soares de Araújo, Díli, 27 deOutubro de 2003; <strong>CAVR</strong>, Perfis Comunitários dos sucos de Sibuni, de Lour e de Molop, subdistrito deBobonaro, distrito de Bobonaro; 24 de Outubro de 2003; <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco deUamoritula, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 6 de Setembro de 2003.392 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nº 8561 e 6442.393 Ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nº 5677 e 2406.- 294 -


394HRVD, Testemunho nº 6319.395 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Caleres Júnior, Díli, 2 de Outubro de 2004.396 HRVD, Testemunho nº 8735.397 Ibid.398 HRVD, Testemunho nº 5680.399 HRVD, Testemunho nº 8112.400 HRVD, Testemunho nº 5679.401 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a HN, Viqueque, 17 de Setembro de 2003. Ver também HRVD, Testemunho nº1632 da HRVD, em que a depoente descreve ter sido presa porque o seu marido estava na floresta.402 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a IN, Uatu-Lari, Viqueque, 17 de Setembro de 2003.403 Ibid.404 HRVD, Testemunho nº 0762.405 HRVD, Testemunho nº 5680.406 HRVD, Testemunho nº 0646.407 Para outras rendições, ver Testemunhos nº 1469; 9001; 0646 e 3479.408 HRVD, Testemunho nº 1469.409 HRVD, Testemunho nº 7200.410 HRVD, Testemunho nº 0682.411 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Peloy, Díli, 1 de Junho de 2004.412 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Xisto Fernandes (alias Hélio Espírito Santo), Uatu-Carbau, distrito de Viqueque,Novembro de 2003.413 HRVD, Testemunho nº 7525.414 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Hautuho, subdistrito de Remexio, distrito de Aileu, 23 de Maiode 2003.415 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Uma Ki'ik, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 11 deJulho de 2003.416 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Caisido, subdistrito de Baucau, distrito de Baucau.417 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Sibuni; do suco de Lour; do suco de Molop, subdistrito deBobonaro, distrito de Bobonaro, 24 de Outubro de 2003.418 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Sibuni; do suco de Lour; do suco de Molop, subdistrito deBobonaro, distrito de Bobonaro, 24 de Outubro de 2003.419 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Bahatata, subdistrito de Uatu-Carbau, distrito de Viqueque, 11 deSetembro de 2003.420 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Dato, subdistrito de Liquiça, distrito de Liquiça, 13 de Março de2003.421 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Hatura; do suco de Naroman, do suco de Isolado, subdistrito deVera Cruz, distrito de Díli, 9 de Junho de 2003.422 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Uatuhaco, subdistrito de Venilale, distrito de Baucau, 8 de Julhode 2003.423 HRVD, Testemunho nº 6821.- 295 -


424 HRVD, Testemunho nº 4586.425<strong>CAVR</strong>, Relatório Especial sobre Deslocação Forçada e Fome em Uma Metan, Alas.426 Para rendições ao Uma Metan , ver HRVD, Testemunhos nº 4083/2 e 4023. Para pessoas detidas elevadas para Uma Metan ver, por exemplo, HRVD, Testemunhos nº 3494, 5442, 3428, 3431/3, 5413, 3429,3430.427 HRVD, Testemunhos nºs 5442, 5413 e 4083.428 HRVD, Testemunhos nºs 3428, 3431 e 4065.429 <strong>CAVR</strong>, Projecto de Investigação sobre Massacres, “Massacres em Uma Metan ”, Manufahi, CaseSummary Collection, Março de 2003.430 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Mateus Pereira, Metan, Alas, Manufahi, [sem data].431 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Uamoritula, subdistrito de Viqueque, distrito de Viqueque, 6 deSetembro de 2003.432 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Manetu, subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro, 8 de Julhode 2003.433 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Jacinto Alves, Díli, 5 de Agosto de 2004.434 Ibid.435 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Francisco Xavier do Amaral, Díli, 18 de Junho de 2004; ver também secçãosobre centros de detenção da Fretilin neste subcapítulo.436 HRVD, Testemunho nº 5353.437 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Luís Maria da Silva (Maukiak), Díli, 16 de Dezembro de 2003.438 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José da Silva Amaral, 18 de Setembro de 2003.439 HRVD, Testemunho nº 8561.440 Manual Militar nº 01/IV/1982, escrito pelo coronel Rajagukguk. Tradução in Carmel Budiardjo & LiemSoei Leong, The War Against East Timor, Zed Books, London, 1984, p. 209.441 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a: Maria Pinto, Díli, 31 de Maio de 2004; Bernardino Ximenes Vila Nova, Ataúro,7 de Março de 2002; José Simões, Díli, 9 de Março de 2004; Beatriz Miranda Guterres, Lalerek Mutin,Viqueque, 24 de Março de 2003; Ver também entrevista a José Gomes Guterres [Lisboa, Portugal, 1988];Francisco de Carvalho; José de Sousa, antigo polícia militar; HRVD, Testemunho nº 3490, e entrevista deNeil Barrett a David Dias Ximenes, The Comarca Video Project, Apresentação à <strong>CAVR</strong>, Agosto de 2002.442 HRVD, Testemunho nº 5032.443 HRVD, Testemunhos nº 5730 e 5651.444 HRVD, Testemunhos nº 5730; 5651; 8101; 2094 e 6943.445 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Serafin do Nascimento, Aileu, 15 de Outubro de 2003; Testemunhos nº 2094; nº2069; nº 8073; nº 8101; nº 5032; nº 6941 e nº 6983.446 Entrevista de Neil Barrett a Maria Immaculada, The Comarca Video Project , Apresentação à <strong>CAVR</strong>,Agosto de 2002.447 HRVD, Testemunhos nº 6981 e 2080.448HRVD, Testemunhos nº 2069; 5032; 5042; 5092; 5655; 5651; 5679; 5696; 5730; 6941; 6983; 8031;8275; 8735 e 3490.449 HRVD, Testemunhos nºs 3793; 6981; 8101; 8073 e 1498; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Serafim doNascimento, Aileu, 15 de Outubro de 2003; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Bernardino Ximenes Vilanova, Ataúro,7 de Março de 2002; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria Fátima de Pinto, Díli, 31 de Maio de 2004; Entrevistas- 296 -


de Neil Barrett a Maria Imaculada e a David Dias Ximenes, The Comarca Video Project, Apresentação à<strong>CAVR</strong>, Agosto de 2002.450 Entrevista de Neil Barrett a David Dias Ximenes, The Comarca Video Project , Apresentação à <strong>CAVR</strong>,Agosto de 2002.451Jill Jolliffe, entrevista a José Gomes Guterres, Lisboa, Portugal, 1988, citado em Associação dos AntigosPrisioneiros Políticos (Assepol), Political Prisoners in Timor Leste 25 April 1974, September 1999,Apresentação à <strong>CAVR</strong>, Díli, 2003.452 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria de Fátima Pinto, Díli, 31 de Maio de 2004. Ver também entrevista de NeilBarrett a Maria Imaculada, The Comarca Video Project, Apresentação à <strong>CAVR</strong>, Agosto de 2002.453 Ver por exemplo, HRVD, Testemunhos nºs 8101; 6981 e 6983, Entrevista da <strong>CAVR</strong> a BernardinoXimenes Vilanova, Ataúro, Díli, 7 de Março de 2002454 HRVD, Testemunho nº 6981.455 HRVD, Testemunho nº 6983.456 HRVD, Testemunho nº 5032.457HRVD, Testemunho nº 6981.458 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria Imaculada, Testemunhos nº 5037 e nº 5042 da HRVD; (David Ximenes,Mariano Bonaparte Soares, Luís Bobonaro, Januário).459 Bernardino Villanova, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão e Tortura,Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003.460 Amnistia Internacional, Relatório Anual de 1981.461 Bernardino Villanova, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão e Tortura,Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003.462Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Guilherme da Costa, Bucoli, Baucau, 3 de Outubro de 2004.463Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Vasco Lopes da Silva, Ataúro, Díli, 7 de Março de 2002.464 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Adelino Soares, Ataúro, 27 de Outubro de 2003.465 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Guilherme da Costa, Bucoli, Baucau, 3 de Outubro de 2004; Entrevista da <strong>CAVR</strong>a Marito Nicolau dos Reis, Díli, 21 de Agosto de 2004.466 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Céu Lopes Federer, Díli, 30 de Agosto de 2003 e 7 de Abril de 2004; Entrevistada <strong>CAVR</strong> a Marito Nicolau dos Reis, Díli, 21 de Agosto de 2004.467 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Céu Lopes Federer, Díli, 30 de Agosto de 2003 e 7 de Abril de 2004; <strong>CAVR</strong>,Resumo de Caso nº 1014: Deslocação Forçada e Fome.468 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Rosalina da Costa, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003 e a Adelino Soares,Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003.469 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Faustino Gomes de Sousa, Ataúro, Díli, 1 de Novembro de 2003.470 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Guilherme da Costa, Bucoli, Baucau, 3 de Outubro de 2004; Rui Soares deAraújo, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003 e a Adelino Soares, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003.471 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Alexandrina Amaral, Ataúro, Díli, 26 de Outubro de 2003.472 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Faustino Gomes de Sousa, Ataúro, Díli, 1 de Novembro de 2003.473 Ibid.474 Abílio dos Santos, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Deslocação Forçada eFome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Alexandrina Amaral, Ataúro, Díli, 26 deOutubro de 2003. <strong>CAVR</strong>, Resumo de Caso nº 1014: Deslocação Forçada e Fome.- 297 -


475 Comité Internacional da Cruz Vermelha, Annual Report 1982 . Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Adelino Soares,Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003.476 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a: Faustino Gomes de Sousa, Ataúro, Díli, 1 de Novembro de 2003; AdelinoSoares, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003; e a Vasco Lopes da Silva, Ataúro, Díli, 7 de Março de 2002.477 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Faustino Gomes de Sousa, Ataúro, Díli, 1 de Novembro de 2003.478 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Céu Lopes Federer, Díli, 30 de Agosto de 2003 e 7 de Abril de 2004.479 Ibid.480Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Rui Soares de Araújo, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003 e a Maria Fátima daCosta, Same, Manufahi, 26 de Fevereiro de 2003. Ver também HRVD, Testemunho nº 6530.481 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Maria Fátima da Costa, Same, Manufahi, 26 de Fevereiro de 2003.482 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Guilherme da Costa, Bucoli, Baucau, 3 de Outubro de 2004.483Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Adelino Soares, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003.484 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Marito Nicolau dos Reis, Díli, 21 de Agosto de 2004.485 Entrevista de Neil Barrett a Maria Imaculada, The Comarca Video Project , Apresentação à <strong>CAVR</strong>,Agosto de 2002.486 Testemunhos nºs 6145; 8744 e 6081; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Celestino Verdial, Ataúro, Díli, 27 deOutubro de 2003.487 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Celestino Verdial, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003.488 HRVD, Testemunho nº 5220.489 HRVD, Testemunho nº 7724490 HRVD, Testemunho nº 3820.491HRVD, Testemunhos nº 5220; 6530; 2662 e 4710.492 Rosalina da Costa, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Deslocação Forçada eFome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003.493 HRVD, Testemunho nº 4710.494 HRVD, Testemunhos nºs 1967; 0953; 1968; 4885 e 3345.495 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Adelino Soares, Ataúro, Díli, 27 de Outubro de 2003.496 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Marito Nicolau dos Reis, Baucau, 27 de Maio de 2004.497 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Alexandrina Amaral, Ataúro, Díli, 26 de Outubro de 2003498Ver <strong>CAVR</strong>, Relatório da Equipa de Investigação sobre Mulheres, Field Report Mauchiga, 27 de Maio- 1de Junho de 2003.499 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Mauchiga (subdistrito de Hatu-Builico, distrito de Ainaro), 17 deSetembro de 2003.500 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Mauchiga (subdistrito de Hatu-Builico, distrito de Ainaro), 17 deSetembro de 2003; <strong>CAVR</strong>, Violações dos Direitos Humanos das Mulheres de uma PerspectivaComunitária: Sociedade de Mauchiga 1982-87, Mauchiga, Ainaro, 2003.501Abílio dos Santos Belo, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre DeslocaçãoForçada e Fome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003.502 Ibid; [Ver também Apêndice: I.0, Violação dos Direitos das Mulheres da Perspectiva da Comunidade:Comunidade de Mauchiga, 1982-1987, Mauchiga, 27 de Maio s/d, 1 de Junho de 2003.]- 298 -


503 Abílio dos Santos Belo, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre DeslocaçãoForçada e Fome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003; [Ver também Apêndice: I.0, Violação dos Direitos dasMulheres da Perspectiva da Comunidade: Comunidade de Mauchiga, 1982-1987, Mauchiga, 27 de Maios/d 1 de Junho de 2003.]504 <strong>CAVR</strong>, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo VI, Ainaro, 15 a 18 deDezembro de 2003.505 Ibid.506 <strong>CAVR</strong> e Fokupers, Relatório da Equipa de Investigação sobre Mulheres, Apêndice I.0. Abuse ofWomen's Human Rights from a Community Perspective: Mauchiga 1982-1987, Mauchiga, Ainaro, 2003, p.10.507 Ibid.508 HRVD, Testemunho nº 7149.509 HRVD, Testemunhos nºs 4720; 4109; 4708 e 7252.510HRVD, Testemunho nº 2050.511 HRVD, Testemunhos nºs 7193; 7194; 7258; 7259; 7270; 8901; 8038 e 8047.512 HRVD, Testemunho nº 4712.513 <strong>CAVR</strong>, Equipa de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo VI: Ainaro, 15 a 18 de Dezembrode 2003.514 Abílio dos Santos Belo, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre DeslocaçãoForçada e Fome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Rui Soares de Araújo, Ataúro, Díli,26 de Outubro de 2003; HRVD, Testemunhos nºs 7193; 7259; 7270; 8047 e 7382.515 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Mulo (subdistrito de Hatu, distrito de Ainaro).516 <strong>CAVR</strong> e Fokupers, da Equipa de Investigação sobre Mulheres, Apêndice I.0. Abuse of Women's HumanRights from a Community Perspective: Mauchiga 1982-1987, Mauchiga, Ainaro, 2003, p. 10.517 Abílio dos Santos Belo, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre DeslocaçãoForçada e Fome, Díli, 28 e 29 de Julho de 2003; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Rui Soares de Araújo, Ataúro, Díli,26 de Outubro de 2003; Testemunhos nºs 7193; 7259; 7270; 8047 e 7382.518HRVD, Testemunho nº 7193.519 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Hermelinda Britos, Mauchiga, Ainaro, 30 de Maio de 2003 e a Crismina deConceição, Mauchiga, Ainaro, 28 de Maio de 2003.520 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Francisca Barbosa, Mauchiga, Ainaro, 28 de Maio de 2003; Laurentina deOrleans, Mauchiga, Ainaro, 31 de Maio de 2003; Joaninha Britos, Mauchiga, Ainaro, 30 de Maio de 2003 ea Zélia da Conceição, Dare, Ainaro, 1 de Junho de 2003.521 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Manuel Martins, Dare, Ainaro, 1 de Junho de 2003 e Joaninha Britos, Mauchiga,Ainaro, 30 de Maio de 2003.522 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a RN, Mauchiga, Hatu Builico, Ainaro, 28 de Maio de 2003.523Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Bernardino dos Reis Tilman, Mauchiga, Hatu Builico, Ainaro, 15 de Janeiro de2003.524HRVD, Testemunho nº 8047.525 HRVD, Testemunho nº 4708.526 HRVD, Testemunho nº 7269.527 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Rui Soares de Araújo, Ataúro, Díli, 26 de Outubro de 2003.- 299 -


528Entrevista da <strong>CAVR</strong> a RN, Mauchiga, Hatu Builico, Ainaro, 28 de Maio de 2003.529 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Leonel Cardoso Pereira, Mauchiga, Hatu Builico, Ainaro, 30 de Maio de 2003.530 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Adelino de Araújo, Mauchiga, Hatu Builico, Ainaro, 29 de Maio de 2003.531 Anexo 1.0 de Violações dos Direitos das Mulheres da Perspectiva da Comunidade: A Comunidade deMauchiga, 1982-1987, Mauchiga, 27 de Maio a 1 de Junho de 2003.532 HRVD, Testemunho nº 7252.533 Ibid.534 Ibid.535 HRVD, Testemunho nº 2316.536 HRVD, Testemunho nº 0853-2.537 HRVD, Testemunho nºs 6788 e nº 6013.538 HRVD, Testemunho nº 1061.539 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José de Conceição, Kupang, Timor Ocidental, Indonésia, 24 de Agosto de 2004.540<strong>CAVR</strong>, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV, 12-15 de Dezembro de 2003.541 HRVD, Testemunhos nº 6008 e nº 6013.542 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Mehara (subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém), 10 deSetembro de 2002; Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Pedro Faria, antigo chefe da Fretilin no distrito de Lautém,Iliomar, Lautém, 1 de Junho de 2003; Gaspar Seixas, antigo vice-administrador do subdistrito de Iliomar1979/1985, Iliomar, Lautém, 29 de Maio de 2003; Fernando Amaral, chefe do suco de Fuad, Iliomar,Lautém, 28 de Maio de 2003.543Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Domingos Alves Fernandes, Lospalos, Lautém, 21 de Março de 2003.544 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Mehara (subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém), 10 deSetembro de 2002.545 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Mehara (subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém), 10 deSetembro de 2002; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Domingas Alves Fernandes, Lospalos, Lautém, 21 de Março de2003.546 HRVD, Testemunhos nºs 3930 e 3952; Ernest Chamberlain, The Struggle in Iliomar, Resistência inrural East Timor, não publicado, Point Lonsdale, Austrália, 2003.547 Lembaga Studi dan Advokasi Masyarakat (ELSAM), Kerangka Pencarian dan Pengumpulan DataOperasi Militer ABRI di Wilayah Timor Timur: Período 1974-1999, Jakarta, Março de 2004.548 <strong>CAVR</strong>, Síntese do Caso de Kraras, Relatório Preliminar de Investigação baseado nas Entrevistas da<strong>CAVR</strong> a José Gomes, Olinda Pinto, Martins Miguel, Viana Martina Rangel, Beatriz Miranda Guterres,Domingos Amaral, Vasco Tilman Pinto e Hermenegildo da Cruz, Díli, Janeiro 2004.549 República Democrática de Timor-Leste – Relatório da Fretilin, 1985, pp. 3-6.550 <strong>CAVR</strong>, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV: Viqueque, 12-15 deDezembro de 2003, p. 7.551 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Thomás Guterres, de Afolocai, Uatu-Lari, Viqueque, <strong>CAVR</strong>, Projecto deInvestigação sobre Massacres, Field Report II, 27 de Novembro – 1 de Dezembro 2002.552 <strong>CAVR</strong>, Equipa de Investigação sobre Massacres, Field Report IV: Viqueque, 12-15 Dezembro de 2003,p. 7.553 Mariano Soares, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e18 de Fevereiro de 2003.- 300 -


554HRVD, Testemunhos nº 8045.555 HRVD, Testemunho nº 0417-03.556 HRVD, Testemunho nº 6015-04.557 António da Costa (Aitahan Matak), depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão eTortura, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003.558 <strong>CAVR</strong>, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV: Viqueque, 12-15 deDezembro de 2002, p. 7.559 Ibid.560 Mariano Soares, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e18 de Fevereiro de 2003; HRVD, Testemunhos nºs 0007; 8045; 4203; 6015; 6016 e 6023.561 HRVD, Testemunhos nºs 6015; 6016 e 6023.562 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Thomás Guterres, de Afolocai, Uatu-Lari, Viqueque, <strong>CAVR</strong>, Projecto deInvestigação sobre Massacres, Field Report II, 27 de Novembro – 1 de Dezembro 2002.563 Entrevista da <strong>CAVR</strong> ao padre Maubere (Domingos Soares), Díli, 22 de Setembro de 2003.564 Mariano Soares, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e18 de Fevereiro de 2003; ver também Jill Joliffe, Cover Up: The Inside Story of the Balibó Five, ScribePublications, Victoria, 2002, p. 292.565HRVD, Testemunho nº 7523566 HRVD, Testemunho nº 7332.567 Fretilin, lista manuscrita de vítimas em Lautém, Viqueque, Baucau e Díli, finais de 1983-84, elaboradapara a Delegação de Serviços Externos da Fretilin (Delegação da Fretilin em Serviço No Exterior), Doc.No4/Ag/84, Timor-Leste, 20 de Agosto de 1984. Arquivo da <strong>CAVR</strong>.568Ernest Chamberlain, 2003, p. 30.569 HRVD, Testemunhos nºs 2113; 3930; 3934; 3972; 3977; 4371; 4407; 4408; 3925; 3938; 3947; 3949;3951; 3972; 3986; 3989; 4376; 4387; 4393; 4397; 4399; 4436 e 4445.570 HRVD, Testemunhos nºs 3951 e 4402.571 HRVD, Testemunho nº 7591.572 Ernest Chamberlain, 2003, p. 30.573O Comandante T385 [ Koramil] é mencionado nos HRVD, Testemunhos nºs 2113; 3930; 3938; 4399;4407; 3925; 3949; 4384; 4393; 4397; 4436 e 4445. T386 [Senior Kopassandha], o alto responsável daequipa Chandraca (Kopassandha) em Iliomar foi mencionado nos HRVD, Testemunhos nºs 4371; 3951;4436; 3947; 4376 e 3952. T387 [administrador do subdistrito, Iliomar] foi mencionado nos HRVD,Testemunhos nºs 4408; 3949; 4002; 2113; 3947 e 3927. T255 foi mencionado nos HRVD, Testemunhosnºs 2113; 3918; 3930; 3972; 4399; 4408 e 3951.574Detenções com a participação de T389 [timorense], ver HRVD, Testemunhos nºs 2113; 3918; 3930;3947; 3950; 3952; 3972; 3977; 3985; 3990; 4371; 4387; 4397; 4399 e 4408. Detenções com a participaçãode T390, ver HRVD, Testemunhos nºs 3918; 3930; 3952; 3977; 3985; 4371; 4387; 4397; 4399 e 4408.Detenções com a participação de T801 [timorense], ver HRVD, Testemunhos nºs 3930; 3952 e 4402.Detenções com a participação de T802 [timorense], ver HRVD, Testemunhos nºs 3930; 3952; 4402 e 3989.575<strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Mehara (subdistrito de Tutuala, distrito de Lautém), 10 deSetembro de 2002.576 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Domingos Alves Fernandes, Lospalos, Lautém, 21 de Março de 2003.- 301 -


577 Grasilda Quimaraes, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão e Tortura, Díli,17 e 18 de Fevereiro de 2003.578<strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário de Porlamano, no suco de Mehara (subdistrito de Tutuala, distrito deLautém), 10 de Setembro de 2002.579 HRVD, Testemunhos nºs 1609; 1611; 0741; 0784 e 0787.580 HRVD, Testemunhos nºs 0717; 0731; 0739 e 0782.581 HRVD, Testemunhos nºs 0717 e 0731.582 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário de Porlamano, no suco de Mehara (subdistrito de Tutuala, distrito deLautém), 10 de Setembro de 2002.583 Ibid.584 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Filipe José Dias de Castro, Tutuala, Lautém, 10 de Janeiro de 2003 e a Edmundoda Cruz, chefe do suco de Com (subdistrito de Lospalos, distrito de Lautém), 10 de Janeiro de 2003. Vertambém Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Justino Valentim e a Albino da Silva, Díli, 17 de Abril de 2004.585 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Abraham Tomás Martinho, <strong>CAVR</strong>, Projecto de Investigação sobre Massacres,Field Report II, 1 de Dezembro de 2002.586 Para exemplos de Viqueque, ver HRVD, Testemunhos nºs 0417; 4128; 8045; 6015; 6023; 4160; 6016;6957; 7344 e 7340. Para exemplos de Lautém, ver HRVD, Testemunhos nºs 7591; 0800 e 7607.587 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Isabel da Silva, suco de Beaço, Viqueque, Viqueque, 14 de Dezembro de 2002.588 HRVD, Testemunho nº 6023.589 HRVD, Testemunho nº 6016.590HRVD, Testemunho nº 7607.591 HRVD, Testemunhos nºs 0007 e 8045; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Carlos Alfredo da Costa Soares, Ataúro,Díli, 28 de Outubro de 2003592Mariano Soares, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e18 de Fevereiro de 2003; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak) Díli, 1de Novembro de 2002.593<strong>CAVR</strong>, Projecto de Investigação sobre Massacres, Relatório de Campo IV Viqueque, 12-15 deDezembro, 2002, p. 5.594 HRVD, Testemunhos nºs 3986 e 4387.595 HRVD, Testemunho nº 3927.596 HRVD, Testemunhos nºs 3949; 3951; 3985; 4003; 4371; 4408; 4436 e 2291.597 HRVD, Testemunhos nºs 0755; 0760; 0762; 0763; 0771; 0793; 0741 e 0758.598HRVD, Testemunho nº 0755.599 HRVD, Testemunho nº 3927.600 HRVD, Testemunho nº 0778. A carta foi identificada como: Surat Perintah [carta de ordem] doComandante do Kodim 1629 Lospalos, Nomor Sprin/028/VS/1984, datada de 27 de Maio de 1984.601 HRVD, Testemunho nº 5164.602HRVD, Testemunhos nºs 7810; 6148; 7819; 3883 e 0567.603Ver, por exemplo, Testemunhos nºs 2323 e 2370.604 HRVD, Testemunhos nº 2323, 2370; 2371; 2387.- 302 -


605 HRVD, Testemunho nº 2371.606 HRVD, Testemunho nº 5244.607 HRVD, Testemunho nº 5244.608<strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Fatisi (subdistrito de Laulara, distrito de Aileu), 9 de Outubro de2002.609 HRVD, Testemunho nº 1437.610 HRVD, Testemunho nº 1483.611 HRVD, Testemunho nº 1454.612 HRVD, Testemunho nº 5045.613 HRVD, Testemunho nº 1407.614 HRVD, Testemunho nº 1420.615 HRVD, Testemunho nº 1483.616Apresentação da Assepol, 2003, p. 7.617 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Marito Nicolau dos Reis, Baucau, 17 de Novembro de 2002.618 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Marito Nicolau dos Reis, Baucau, 17 de Novembro de 2002.619 José António de Jesus das Neves, Apresentação à <strong>CAVR</strong>, 29 de Setembro de 2004.620 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), Díli, 28 de Abril de 2004.621 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), Díli, 16 de Outubro de 2003.622Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Henrique Belmiro, Díli, 25 de Maio de 2004 e a António Tomás da Costa(Aitahan Matak), Díli, 1 de Novembro de 2002; Mariano Soares, depoimento na Audiência PúblicaNacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e 18 de Fevereiro de 2003.623 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Tomás da Costa (Aitahan Matak), Díli, 1 de Novembro de 2002624Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Francisco Miranda Branco, Díli, 30 de Julho de 2004.625 Mariano Soares, depoimento na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobre Prisão e Tortura, Díli, 17 e18 de Fevereiro de 2003.626 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Marito Nicolau dos Reis, Baucau, 17 de Novembro de 2002.627Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Xanana Gusmão, Díli, 10 de Agosto de 2004.628Entrevista da <strong>CAVR</strong> a João Freitas da Câmara, Díli, 5 de Junho de 2004.629 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), Díli, 1 de Novembro de 2002;Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), Díli, 16 de Outubro de 2003;Entrevista da <strong>CAVR</strong> a António Tomás Amaral da Costa (Aitahan Matak), Díli, 28 de Abril de 2004.630Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Justo dos Santos, Díli, 3 de Novembro de 2002.631Apresentação da Assepol à <strong>CAVR</strong>, 2003, p. 8.632 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Caetano Guterres, Díli, 22 de Maio de 2004.633Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Marito Nicolau dos Reis, Díli, 17 de Novembro de 2002.634 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Caetano Guterres, Díli, 22 de Maio de 2004.635Comando Militar Regional XVI Udayana, Comando Militar Sub-Regional 164/Wira Dharma, ProsedurTetap (Protap) nº PROTAP/01-B/VII/1982, em relação aos procedimentos do Interrogatório de Prisioneiros,datado de Julho de 1982.- 303 -


636 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Aquilino Fraga Guterres, Baguia, Baucau, 17 de Maio de 2004.637 HRVD, Testemunhos nºs 1265; 5157; 5169; 5156; 6681; 8182 e 8187.638 HRVD, Testemunho nº 5121.639 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Lúcio Dinis Marques, Maliana, 14 de Junho de 2003.640 Ver lista de 45 vítimas – “ Daftar Nama Korban Yang Dibantai Tahun 1984 di Bobonaro .” (Lista dasvítimas que foram executadas em 1984 em Bobonaro) Fornecida por Olandino Guterres, no Relatório dodistrito de Bobonaro (11 a 14 de Junho 2003).641 HRVD, Testemunhos nº 7172; 8143; 6715; 7168; 5203 e 3695.642 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Dinis de Araújo, Maliana, Bobonaro, 14 de Junho de 2003.643 HRVD, Testemunho nº 1265.644Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Armando dos Santos, Maliana, Bobonaro, 14 de Junho de 2003.645HRVD, Testemunhos nºs 5751 e 5817 (Aileu); HRVD, Testemunhos nºs 7233 e 2803 (Ainaro); HRVD,Testemunhos nºs 7028; 7060; 7662; 7764; 7092; 7735 e 2401 (Baucau); HRVD, Testemunho nºs 6681(Bobonaro); HRVD, Testemunhos nºs 1265; 5156 e 5203 (Covalima); HRVD, Testemunhos nºs 3747; 5016e 3785 (Díli); HRVD, Testemunhos nºs 2142; 5356; 4433; 5333; 5393; 5394; 8726; 8754; 2797; 4439 e4459 (Lautém); HRVD, Testemunhos nºs 0902; 0922; 0932; 0981; 0992 e 0993 (Liquiça); HRVD,Testemunhos nºs 6515; 1913; 1560 e 3452 (Manatuto); HRVD, Testemunhos nºs 3080; 6798; 7331; 7515;7465; 9180; 4123; 4163 e 6037 (Viqueque).646 HRVD, Testemunho nº 0922.647HRVD, Testemunho nº 9180.648 Ver Keputusan Presiden Republik Indonesia, Nomor 62 Tahun 1988 Tentang PenyelenggaraanPemerintahan dan Pembangunan di Propinsi Daerah Tingkat I Timor Timur (Decisão do Presidente daRepública da Indonésia, Número 62, 1988, Referente à Implementação da Administração eDesenvolvimento na Província de Timor-Leste).649 HRVD, Testemunho nº 7603.650 Ibid.651 HRVD, Testemunho nº 3338.652 HRVD, Testemunho nº 5049.653 HRVD, Testemunho nº 6987.654 HRVD, Testemunho nº 0483.655 HRVD, Testemunho nº 6235.656 HRVD, Testemunho nº 4873. Ver também HRVD, Testemunho nº 4874, no qual a vítima sofreu omesmo período de prisão arbitrária no Kodim de Díli porque os membros do Batalhão 723 não acreditavamque o seu cartão de identidade fosse dele.657 HRVD, Testemunhos nºs 7213; 7220; 1012; 3334 e 9175.658 HRVD, Testemunhos nºs 3778; 5049; 6025; 4209; 4126 e 4189.659 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Januário Freitas Ximenes, Baucau, 3 de Setembro de 2004.660 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Mário Filipe, Baucau, 3 de Setembro de 2004.661 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a David da Conceição Thon, preso na Prisão de Becora em 1991, Díli, 13 deAgosto de 2004. Entrevista a Domingos Martins Pereira, Aileu, 15 de Outubro de 2004.662 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Octávio da Conceição, Díli, 3 de Novembro de 2002- 304 -


663 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Eduardo Lopes, preso na Prisão de Maliana 1995-99, Maliana, 28 de Agosto de2004 (preso no LP Maliana entre 1995 e 1999),664 Ibid.665 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José da Costa Ximenes (preso no LP Buruma, Baucau a 10 de Julho de 1994),Baucau, 3 Setembro 2004.666 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Felismina da Conceição, Díli 4 Maio 2004 (presa na Prisão de Becora em 1992)667 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Júlio Araújo Martins, Gleno, Ermera, 26 de Agosto de 2004.668 Entrevistas da <strong>CAVR</strong> a Jacinto Alves e a Gregório Saldanha, Díli, 4 Junho 2004. (Ambos presos naPrisão de Becora em 1992).669 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Felismina da Conceição, Díli, 4 de Maio de 2004 (presa na Prisão de Becora em1992).670 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a David da Conceição Thon, Díli, 13 Agosto 2004. (presa no edifício do SGI emColmera a 1988).671 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Darulete (subdistrito de Liquiça, distrito de Liquiça) 13 deFevereiro de 2003; menciona a detenção de 15 pessoas.672 HRVD, Testemunhos nºs 0907; 2989; 1985 e 2874.673 Interrogatório do SGI: HRVD, Testemunho nº 2989. Interrogatório no Koramil de Liquiça descrito em<strong>CAVR</strong>, Perfis Comunitários de Liquiça, Loidahar, Luculai, e no Testemunho nº 1985 da HRVD.674 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Luculai (subdistrito de Liquiça, distrito de Liquiça) 19 deFevereiro de 2003; e Testemunho nº 1985 da HRVD.675 O documento disponibilizado pela Elsam à <strong>CAVR</strong> refere que o Gadapaksi foi fundado por volta deMarço de 1994, e o Relatório de Geoffrey Robinson refere a data de Julho 1995 (p.154).676 HRVD, Testemunho nº 2874.677 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José da Silva Amaral, Uatu-Carbau, Viqueque, 18 de Setembro de 2003.678 Amnistia Internacional, Depoimento ao Comité Especial de Descolonização da ONU, ASA 21/14/91,Agosto de 1991.679 HRVD, Testemunhos nºs 4779 (40 pessoas), e 4790 (46 pessoas).680 HRVD, Testemunho nº 4779.681 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Vatuvou (subdistrito de Maubara, distrito de Liquiça), 5 de Junhode 2003; e Testemunho nº 1996 da HRVD.682 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Vatuvou, (subdistrito de Maubara, distrito de Liquiça), 26 deJunho de 2003 Testemunhos nº 3004; nº 5892; nº 2994; nº 5882 e nº 1996 da HRVD. AmnistiaInternacional, Indonesia and East Timor: Twenty years of violations, statement before the United NationsSpecial Committee on Decolonization, Julho de 1995 AI Index: ASA 21/33/95.683 HRVD, Testemunho nº 1996.684 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Vatuboro, (subdistrito de Maubara, distrito de Liquiça), 5 deJunho de 2003; HRVD, Testemunhos nºs 5882 e nº 1996.685 HRVD, Testemunho nº 6739.686 HRVD, Testemunho nº 8098.687 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Chiquito da Costa Guterres (também conhecido como Michael Savio ouKaiwua), Díli, 14 de Junho de 2004- 305 -


688 Amnistia Internacional, Indonesia/East Timor: Possible "disappearance" , 4 de Julho de 1991, AI Index:ASA 21/12/91; Amnistia Internacional, Extrajudicial Execution/Arrest/Fear of Torture, 30 de Outubro de1991, AI Index: ASA 21/18/91.689 Amnistia Internacional, Legal Concern/Fear of Torture , 22 de Novembro de 1991, AI Index: ASA21/26/91.690 Amnistia Internacional, Further information on UA 408/91 (ASA 21/26/91, 22 Novembro 1991) andfollow-up ASA 21/28/91, 29 Novembro 1991 - Legal Concern/Fear of Torture, 10 Dezembro 1991,AIIndex: ASA 21/29/91.691 Amnistia Internacional, Depoimento ao Comité Especial de Descolonização da ONU, ASA 21/14/91,Agosto de 1991.692 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José António de Jesus das Neves, Díli, 3 de Maio de 2004.693 Constâncio Pinto e Matthew Jardine, East Timor’s unfinished struggle: inside the Timorese struggle,South End Press, Boston, 1997, p.108.694 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Gregório Saldanha, Díli, 10 de Novembro de 2002.695 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 31 de Outubro de 2002.696 Ibid. Ver também depoimento de Gregório Saldanha na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobrePrisão e Tortura, 17 e 18 de Fevereiro de 2003.697 Kodam IX Kolakops, “Rencana Operasi ‘Halo Kapaz”, datado de 31 de Agosto de 1991, confidencial),citado em Samuel Moore, “The Indonesian Military’s Last Years in East Timor: An Analysis of its SecretDocuments”, Indonesia 72, Outubro de 2001), p. 21.698 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Alfonso Maria, Díli, 1 de Novembro 2002699 HRVD, Testemunho nº 1970.700 HRVD, Testemunho nº 1970. O depoente não disse à Comissão qual foi o destino dos seuscompanheiros Calisto e Amadeo.701 HRVD, Testemunho nº 5070.702 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a David da Conceição, Díli, 13 de Agosto de 2004.703 Acção Urgente da Amnistia Internacional 04/92, ASA 21/01/92, 3 de Janeiro de 1992.704 HRVD, Testemunho nº 5070.705 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a, José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 31 Outubro 2002.706 HRVD, Testemunho nº 8046.707 HRVD, Testemunho nº 8088.708 <strong>CAVR</strong>, Entrevista Confidencial, dada por fonte mantida em sigilo, Díli, 15 de Novembro de 2004.709 HRVD, Testemunho nº 5070.710 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 20 de Dezembro de 2004.711 Constâncio Pinto e Matthew Jardine, East Timor’s Unfinished Struggle, Inside the Timorese Struggle ,1997, South End Press, Boston, MA, p. 112.712 Amnistia Internacional, ASA 21/01/90.713 HRVD, Testemunho nº 8084/4.714 HRVD, Testemunhos nºs 2989; 8384/4 e 8304.715 HRVD, Testemunho nº 0195.- 306 -


716 HRVD, Testemunhos nºs 2726; 6731; 7157; 7420; 5071; 9126; 6352; 0921; 4169; 4217/3; 7736; 4705;0195/4; 1996 e 0634.717 Ver depoimentos de Simplício Celestino de Deus na Audiência Pública Nacional da <strong>CAVR</strong> sobreMassacres, 28 e 29 de Novembro de 2003, e Alexandrino da Costa na Audiência Pública Nacional da<strong>CAVR</strong> sobre Crianças e Conflito 28 e 29 de Março de 2004.718 HRVD, Testemunhos nºs 6731, 7157 e 4217/3; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Simplício Celestino de Deus,Díli, 8 Outubro 2004.719 HRVD, Testemunho nº 5071.720 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 31 de Outubro de 2002.721 Amnistia Internacional, Indonesia/East Timor: A new order? Human rights in 1992.722 HRVD, Testemunho nº 2726.723 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Simplício Celestino de Deus, Díli, 5 de Dezembro de 2003.724 Detenções em Liquiça, ver por exemplo HRVD, Testemunhos nºs 0634; 0195; 1996 e 4705 (Foramdetidos pelo chefe dos serviços de informação, Durante, e por Tomé Diogo). Sobre detenções emBobonaro, ver por exemplo HRVD, Testemunhos nºs 8634 e 5615/2. Sobre detenções em Baucau, ver porexemplo, HRVD, Testemunhos nº 2363/4 e entrevista de Neil Barrett a Saturnino Belo, Díli, parteintegrante do The Comarca Video Project, disponibilizado à <strong>CAVR</strong> .725 <strong>CAVR</strong>, Perfis Comunitários do suco de Uma-Anaico e de Uma-Analu (subdistrito de Venilale, distritode Baucau, 12 de Junho de 2003; <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Bahamori (subdistrito de Venilale,distrito de Baucau), 29 de Maio de 2003; <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Tasi (subdistrito deVemasse, distrito de Baucau), 28 de Março de 2003.726 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Uatu-Haco (subdistrito de Venilale, distrito de Baucau), 8 deJunho de 2003.727 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário da cidade de Quelicai, distrito de Baucau, sem data.728 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Simplício Celestino de Deus, Díli, 5 de Dezembro de 2003.729 Asia Watch, Remembering History in East-Timor, the trial of Xanana Gusmão and a follow-up to theDíli Massacre, Abril de 1993, Vol.5, Nº.8, p. 22.730 Ibid., p.23.731 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Simplício Celestino de Deus, Díli, 5 de Dezembro de 2003.732 Sobre detenções relacionadas com a visita em Ainaro, ver secção sobre a Tim Sukarelawan , que foicriada para contrariar os preparativos para a visita.733 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Adriano João, Díli, 10 de Junho de 2004734 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Júlio Araújo Martins, Gleno, Ermera, 26 de Agosto de 2004.735 Lembaga Studi dan Advokasi Masyarakat (Elsam), Kerangka Pencarian dan Pengumpulan Data OperasiMiliter ABRI di Wilayah Timor Timur: Periode 1974-1999, Jacarta, Março de 2001. [Institute for Study andPeople Advocacy, Elsam, Framework for Finding and Collecting Military Operation Data of ABRI in EastTimor Period of 1974-199]. A Comissão tomou conhecimento de vários casos de pessoas recrutadas à forçapara estas equipas; ver por exemplo HRVD, Testemunho nº 0745.736 HRVD, Testemunhos nºs 1887; 1106; 1172 e 1108.737 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Atabae (subdistrito de Atabae, distrito de Bobonaro), 8 deOutubro de 2002.738 HRVD, Testemunho nº 1115.739 HRVD, Testemunho nº 1106.- 307 -


740 HRVD, Testemunho nº 1140.741 <strong>CAVR</strong> Perfil Comunitário do suco de Atabae (subdistrito de Atabae, distrito de Bobonaro), 8 Outubro2002.742 <strong>CAVR</strong>, Perfis Comunitários dos sucos de Manetu (8 de Julho de 2003) e de Hohoraikik (subdistrito deMaubisse, distrito de Ainaro).743 <strong>CAVR</strong>, Perfis Comunitários dos sucos de Maulau (26 de Maio de 2003), de Manelobas (23 de Maio de2003), de Manetu (8 de Julho de 2003), subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro.744 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Manutasi (subdistrito de Ainaro, distrito de Ainaro), 17 deFevereiro de 2003.745 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Maulau (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), 26 de Maiode 2003; <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Manelobas (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), 23de Maio de 2003; <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Manetu (subdistrito de Maubisse, distrito deAinaro), 8 de Julho de 2003; <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Cassa (subdistrito de Ainaro, distrito deAinaro), 18 de Fevereiro de 2003.746 HRVD, Testemunho nº 2682.747 <strong>CAVR</strong> Perfil Comunitário do suco de Manelobus (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), 23 deMaio de 2003.748 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Manetu (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), 8 de Julhode 2003; <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Cassa (subdistrito de Ainaro, distrito de Ainaro), 18 deFevereiro de 2003.749 HRVD, Testemunho nº 2683.750 HRVD, Testemunho nº 3379.751 HRVD, Testemunhos nºs 3309; 3342; 4911; 5956; 5006; 3378; 3386; 3387; 3389; 4919; 4930; 5971;3307; 4983; 5000; 5977; 3379; 3383; 4950; 4964; 5003 e 4921; <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco deManelobas (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), 23 de Maio de 2003; <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitáriodo suco de Manetu (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), 8 de Julho de 2003; <strong>CAVR</strong>, PerfilComunitário do suco de Maubisse (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro).752 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Ainaro (subdistrito de Ainaro, distrito de Ainaro); <strong>CAVR</strong>, PerfilComunitário do suco de Maubisse (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro); <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitáriodo suco de Manetu (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro), todos em Maio-Julho de 2003.753 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Ainaro (subdistrito de Ainaro, distrito de Ainaro; <strong>CAVR</strong>, PerfilComunitário do suco de Maubisse (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro); <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitáriodo suco de Manetu (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro); <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco deManutasi (subdistrito de Ainaro, distrito de Ainaro) todos em Maio-Julho de 2003.754 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Horiauic (subdistrito de Maubisse, distrito de Ainaro) Maio-Junho de 2003.755 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 31 de Outubro de 2002, Apresentação daAssepol.756 Apresentação da Assepol à <strong>CAVR</strong> (17 de Fevereiro de 2003), confirmada na Entrevista da <strong>CAVR</strong> a JoséManuel da Silva Fernandes, Díli, 20 de Dezembro de 2004.757 Ibid.758 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 20 de Dezembro de 2004.759 Ibid.760 HRVD, Testemunho nº 7157.- 308 -


761 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Francisco Miranda Branco, Díli, 24 de Novembro de 2002; Entrevista da <strong>CAVR</strong>a Jacinto Alves, 5 de Junho de 2005762 HRVD, Testemunho nº 7420.763 HRVD, Testemunho nº 9126.764 HRVD, Testemunho nº 5071.765 HRVD, Testemunho nº 7736.766 Entrevista de Ben Anderson, Douglas Kammen e Arif Djati a Mário Carrascalão, Díli, 20 de Março de2002. Arquivo da <strong>CAVR</strong>.767 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a José Manuel da Silva Fernandes, Díli, 20 de Dezembro de 2004.768 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Gregório Saldanha, Díli, 4 de Junho de 2004.769 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a João Freitas da Câmara, Díli, 5 de Junho de 2004.770 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Virgílio da Silva Guterres, Díli, 5 de Novembro de 2002.771 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Domingos Barreto, Díli, 6 de Maio de 2004.772 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Virgílio da Silva Guterres, Díli, 5 de Novembro de 2002. Entrevista da <strong>CAVR</strong> aJoão Freitas da Câmara, Díli, 5 de Junho de 2004.773 <strong>CAVR</strong>, Perfis Comunitários dos sucos de Bidau Santana & Meti Aut (subdistrito de Nain Feto/DíliOriental, distrito de Díli), 29 de Agosto de 2003; HRVD, Testemunhos nºs 3076-8; 5066; 5674; 9189 e6982-2.774 AFP, Jacarta, 12 de Julho de 1994.775 HRVD, Testemunho nº 5066.776 HRVD, Testemunhos nº 5674.777 Relatório anual da ETHRC, 17 de Fevereiro de 1998, http://www.asia-pacificaction.org/southeastasia/easttimor/resources/reports/ethrc97.htm.778 Amnistia Internacional, ASA 21/86/97, ASA 21/88/97, Relatório anual da ETHRC, 17 de Fevereiro de1998, http://www.asia-pacific-action.org/southeastasia/easttimor/resources/reports/ethrc97.htm.779 Documento Confidencial disponibilizado pela Elsam à <strong>CAVR</strong>.780 HRVD, Testemunhos nºs 7530 e 7465.781 HRVD, Testemunho nº 8177.782 HRVD, Testemunho nº 8177.783 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Hernâni Deolindo de Araújo, Maliana, 28 de Agosto de 2004.784 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Eduardo Lopes (Lorico Lopes), Maliana, 28 de Agosto de 2004.785 HRVD, Testemunho nº 2436.786 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Macadique (subdistrito de Uatu-Lari, distrito de Viqueque) semdata; Amnistia Internacional, 1997 Indonesia/East Timor: Further information on fear of torture/medicalconcern, AI Index: ASA 21/06/97.787 Amnistia Internacional, 1997 Indonesia/East Timor: Further information on fear of torture/medicalconcern, AI Index: ASA 21/06/97.788 Preso na esquadra da polícia subdistrital (Polres): Balthasar SH Belo (Amnistia Internacional,Indonesia: Fear of torture, AI Index: ASA 21/01/97, 8 de Janeiro de 1997); Presos em Polda: José MariaGeronimo, João Budiono C Moraes, Gregório Sequira, Luís Afonso, Abel Fernandes e Bobby Xavier(Amnistia Internacional, Indonesia: Fear of torture, AI Index: ASA 21/01/97, 8 de Janeiro de 1997.);- 309 -


Presos no SGI de Colmera: Armanda C Soares (Amnistia Internacional, Indonesia: Fear of torture, AIIndex: ASA 21/01/97, 8 de Janeiro de 1997); Presos na Prisão de Becora: HRVD, Testemunho nº 5075;<strong>CAVR</strong>, Perfis Comunitários dos sucos de Bidau Santana & Meti Aut (subdistrito de Nain Feto/DíliOriental, distrito de Díli), 29 de Agosto de 2003; <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Hera (subdistritode Cristo Rei/Díli Oriental, distrito de Díli), 1 de Setembro de 2003; <strong>CAVR</strong>, Perfis Comunitários dos sucosde Benamauk, Kamea e Fatu-Ahi (subdistrito de Cristo Rei, distrito de Díli), [sem data]; AmnistiaInternacional, Indonesia: Further information on fear of torture, AI Index: ASA 21/16/97, 18 de Março de1997.789 Amnistia Internacional, Indonesia: Fear of torture, AI Index: ASA 21/01/97, 8 de Janeiro de 1997).790 HRVD, Testemunho nº 3739.791 Amnistia Internacional, Intimidation/Fear for Safety: 29 Abducted by "Ninja" Gangs in Díli , 13 deFevereiro de 1995, AI index: ASA 21/14/95.792 Indonesia and East Timor: Political prisoners and the "rule of law". ASA 21/16/95.793 Reuters, 21 de Fevereiro de 1995.794 HRVD, Testemunho nº 8069.795 Ibid.796 HRVD, Testemunho nº 9082.797 Tapol Bulletin, nº. 102, Dezembro de 1990, p. 16.798 HRVD, Testemunhos nºs 2698; 3342; 9321 e 2687 (Ainaro), 5719; 0076/8; 0445/7+8; 3139/4; 7375/2 e6741.799 HRVD, Testemunhos nºs 1346; 2698; 3342; 9321 e 2687.800 Ver John G. Taylor, Indonesia’s Forgotten War: The Hidden History of East Timor, Zed Books, 1991.801 HRVD, Testemunho nº 2687.802 HRVD, Testemunho nº 2006.803 HRVD, Testemunho nº 7375/2.804 HRVD, Testemunhos nºs 5719; 0076 e 6983.805 HRVD, Testemunho nº 5768.806 HRVD, Testemunho nº 6269.807HRVD, Testemunhos nº 3139/4 e 3076/9.808 HRVD, Testemunhos nº 4736 e 4733.809 HRVD, Testemunho nº 4733.810 HRVD, Testemunhos nºs 4173/3; 4169/3 e 4137.811 HRVD, Testemunhos nºs 0154/3; 8006; 3123/6 e 7681.812 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Bualale (subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau ), 16 deDezembro de 2003.813 HRVD, Testemunho nº 9321.814 Asia Watch, “Remembering History in East Timor: The Trial of Xanana Gusmão and a Follow-up to theDíli Massacre”, Vol. 5 Nº. 8, Abril de 1993, p. 8.815 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Xanana Gusmão, Díli, 10 de Agosto de 2004, p. 1.816 Ibid., p. 5.- 310 -


817 Comissão para os Direitos Humanos, Sessão 49ª, “Situation in East Timor: Report of the Secretarygeneral”,10 de Fevereiro de 1993, p. 14.818 Ibid.819 Apresentação da Assepol à <strong>CAVR</strong>, 18 de Fevereiro de 2003.820 Asia Watch, “Remembering History in East Timor: The Trial of Xanana Gusmão and a Follow-up to theDíli Massacre”, Vol. 5 Nº. 8, Abril de 1993, p. 9.821 Ibid., p. 10822 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Armandina Gusmão, Díli, 3 de Setembro de 2004.823 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Alfonso Maria, Díli, 1 de Novembro de 2002.824 HRVD, Testemunho nº 3120. Ver também HRVD, Testemunhos nºs 3127; nº 7375; nº 0445/7+8 e nº3139/4 sobre detenções na região de Ossu em 1992.825 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Olga Corte-Real, Datina, Same, Manufahi, 3 de Junho de 2003.826 HRVD, Testemunhos nºs 4005; 4385 (1985); 4009; 7584 (1986) e 4075 Manufahi (1987).827 HRVD, Testemunho nº 7091.828 HRVD, Testemunhos nº 8375 e 8342.829 HRVD, Testemunho nº 8342.830 HRVD, Testemunho nº 8342.831 Ibid.832 HRVD, Testemunho nº 8375.833 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Reinaldo Marçal, Díli, 10 de Julho de 2004.834 Human Rights Watch, Deteriorating Human Rights Situation in East Timor , Arquivos da <strong>CAVR</strong> inHRW East Timor\reports\1997\indtimor\index.html.835 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Francisco da Costa, Díli, 7 de Maio de 2004.836 A Amnistia Internacional menciona outros detidos: José Acácio, João Ângelo, Francisco Magno. ASA21/38/97.837 Acção Urgente da ETHRC, 4 de Junho de 1997, Acção Urgente da Amnistia Internacional, 2 de Junhode 1997.838 HRVD, Testemunho nº 8005.839 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Reinaldo Marçal, Díli, 10 de Julho de 2004.840 HRVD, Testemunho nº 8005.841 HRVD, Testemunho nº 5074, Romeo da Conceição (no HRVD, Testemunho nº, a data é 31 de Julho,mas o contexto torna bastante claro que se trata do dia 31 de Maio.)842 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Mariano da Costa Sarmento Soares, Díli, 10 de Julho de 2004.843 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Reinaldo Marçal, Fatumeta, 10 de Julho de 2004.844 Ibid., e Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Mariano da Costa Sarmento Soares, Díli, 4 de Maio de 2004, 10 de Julhode 2004845 Ibid.846 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Reinaldo Marçal, Díli, 10 de Julho de 2004; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Mariano daCosta Sarmento Soares, Díli, 10 de Julho de 2004.- 311 -


847 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Vasco da Gama, Díli, 18 de Maio de 2004; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Luís Maria daSilva (Maukiak), Díli, 16 de Dezembro de 2003; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Francisco da Costa, Díli, 7 de Maiode 2004.848 Testemunhos nºs 7815 e 7783 da HRVD; <strong>CAVR</strong>, Perfis Comunitários dos sucos de Bualale, Guruca,Uaitame e Lelalai (subdistrito de Quelicai, distrito de Baucau).849 HRVD, Testemunho nº 7783.850 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Vasco da Gama, Becora, Díli, 18 de Maio de 2004; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a LuísMaria da Silva (Maukiak), Díli, 16 de Dezembro de 2003; Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Francisco da Costa, Díli,7 de Maio de 2004; Testemunhos nºs 7707; 7098 e 3702 da HRVD.851 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Francisco da Costa, Díli, 7 de Maio de 2004.852 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a João Bosco, Quelicai, 2 de Setembro de 2004.853 HRVD, Testemunho nº 8046.854 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Mário Filipe, Baucau, 2 de Setembro de 2004.855 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Vasco da Gama, Díli, 18 de Maio de 2004.856 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Mário Filipe, Baucau, 2 de Setembro de 2004.857 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Francisco da Costa, Díli, 7 de Maio de 2004.858 Ibid.859 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Luís Maria da Silva (Maukiak), Díli, 16 de Dezembro de 2003.860 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Vasco da Gama, Díli, 18 de Maio de 2004.861 Ibid.862 Entrevista da <strong>CAVR</strong> a Constâncio da Costa Santos, Balide, Díli, 7 de Julho de 2004.863 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Maumeta (subdistrito de Bazartete, distrito de Liquiça); HRVD,Testemunhos nºs 1974; 1987 e 1984.864 HRVD, Testemunho nº 1974.865 HRVD, Testemunho nº 1987.866 HRVD, Testemunho nº 1984.867 HRVD, Testemunho nº 1984.868 Ibid.869 HRVD, Testemunhos nºs 3446; 3472 e 1558.870 HRVD, Testemunho nº 3446.871 HRVD, Testemunho nº 3472.872 HRVD, Testemunhos nºs 3472; 1558 e 3446.873 HRVD, Testemunhos nº 1531; 9019; 1566.874 HRVD, Testemunho nº 9033.875 HRVD, Testemunhos nºs 1581; 1586; 1580; 1575; 1601; 1602; 1558; 1510; 1568; 1550; 1526; 1589;1530; 1549; 1557; 1521 e 1531.876 HRVD, Testemunho nº 1558.877 Segundo o Testemunho nº 1510, um Babinsa; Segundo o Testemunho nº 1568 da HRVD, umcomandante da milícia Ablai—a mesma pessoa podia deter os dois cargos.- 312 -


878 HRVD, Testemunhos nºs 1550; 1526 e 1589. Segundo o Testemunho nº 1526, T541 é o chefe do suco;Segundo o Testemunho nº 1589, T541 é um comandante da milícia Ablai. É provável que a mesma pessoadetivesse os dois cargos.879 HRVD, Testemunhos nºs 1526; 1530; 1549; 1557 e 1575.880 HRVD, Testemunho nº 1526.881 HRVD, Testemunho nº 1557.882 HRVD, Testemunho nº 1521.883 HRVD, Testemunhos nºs 1526 e 1550.884 HRVD, Testemunhos nºs 1549; 1530; 1557; 1580; 1531.885 HRVD, Testemunhos nºs 8124 e 1549.886 HRVD, Testemunho nº 1549.887 HRVD, Testemunho nº 8124.888 Para referência aos membros do Koramil, ver: HRVD, Testemunhos nºs 1505; 1518; 1520; 1540; 1559 e9022. Sobre o chefe de secção dos serviços de informação T434, ver HRVD, Testemunhos nºs 3407; 3436e 3437.889 HRVD, Testemunhos nºs 1568 e 1523.890 HRVD, Testemunhos nºs 1505; 1518; 3467 e 4029.891 HRVD, Testemunho nº 1507.892 HRVD, Testemunhos nºs 1510, 1514; 1559 e 3437.893 HRVD, Testemunhos nºs 1540 e 1514.894 HRVD, Testemunho nº 1514.895 Ibid.896 Koramil de Alas: ver Testemunhos nºs 1505; 1518; 1573; 1593 e 3480; Posto Nanggala de Alas: verHRVD, Testemunhos nºs 1564 e 3473; Esquadra da polícia: HRVD, Testemunhos nºs 1507 e 3436; casasparticulares: ver HRVD, Testemunhos nºs 9015 e 1541.897 HRVD, Testemunho nº 1559.898 HRVD, Testemunho nº 1568.899 HRVD, Testemunho nº 9022.900 HRVD, Testemunho nº 6861.901 HRVD, Testemunho nº 1079.902 HRVD, Testemunhos nºs 2645; 5298; 5922; 3515; 8405; 5934; 4633; 5789; 5794 e 4191.903 HRVD, Testemunho nº 8046.904 Testemunhos nºs 3245; 2019; 5602; 1021 e 6887.905 HRVD, Testemunho nº 3245.906 HRVD, Testemunho nº 5602.907 HRVD, Testemunhos nºs 03691; 3692; 02543; 1866; 2637; 0804; 5133; 8619; 0093; 5492; 0929; 3298;5592; 2681; 5133; 3691; 2021; 3679; 5151; 3690; 3692; 8893; 1866; <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco deSaboria (subdistrito de Aileu Vila, distrito de Aileu), 14 de Março de 2003.908 HRVD, Testemunhos nºs 5133; 8619; 0093; 5492; 0929; 3298; 5592 e 2681.- 313 -


909 HRVD, Testemunhos nºs 2637 e 0804.910HRVD, Testemunho nº 5133.911 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Saboria (subdistrito de Aileu Vila, distrito de Aileu), 14 de Marçode 2003.912 Ibid.913 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004, p.201-205.914 HRVD, Testemunhos nºs 5888 e 9158.915 Informação de Dave Savage, num correio electrónico para o redactor, 2 de Novembro de 2004. Arquivoda <strong>CAVR</strong>.916 HRVD, Testemunhos nºs 7134; 6277; 6349 e 6348.917 HRVD, Testemunho nº 6348.918 HRVD, Testemunho nº 1179.919 HRVD, Testemunho nº 8221.920 HRVD, Testemunho nº 6631.921 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004, p.169.922 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do subsuco de Rainaba, do suco de Guguleur (subdistrito de Maubara,distrito de Liquiça), 12 de Junho de 2003.923 HRVD, Testemunhos nºs 04697; 4610; 4615; 4638; 5855; 5920 (Gugleur); HRVD, Testemunhos nºs4642; 4659; 4689; 4608; 4654 (Vatuboro); 5908; 5909; 5934; 5908; 5909; 5943 (Vatuvou); 4666; 4646;4613; 4622; 4651; 4629 e SR1/99-43 (Guico)924 HRVD, Testemunho nº SR2/98 (ETHRC).925 HRVD, Testemunho nº SR1/99-63.926 HRVD, Testemunho nº 5168.927 HRVD, Testemunho nº 5908.928 HRVD, Testemunho nº 6260.929 HRVD, Testemunhos nºs 5133; 04628; 02934; 04920; 1954; 3670 e 3692.930 Testemunho nº 5133 da HRVD.931 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Rai Fun (subdistrito de Maliana, distrito de Bobonaro), 3 deFevereiro de 2003.932 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004, p.189.933 HRVD, Testemunho nº 0408.934 HRVD, Testemunho nº 0411.935 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004, p.144.936 Ibid.937 HRVD, Testemunho nº 3692.938 HRVD, Testemunhos nºs 8495; 7418; 1233; 3582; 0643 e 4986.939 HRVD, Testemunhos nºs 3858; 8162; 2036; 0225 e 1204.- 314 -


940 HRVD, Testemunhos nºs 6396 e 6912.941 HRVD, Testemunho nº 1554.942 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004, p. 149,ver também The Deputy General Prosecutor for Serious Crimes vs Sedyono et al indictment (Caso nº 14-2003) 8 de Abril de 2003.943 HRVD, Testemunhos nº 3690 e 3699.944 HRVD, Testemunhos nºs 3691; 2021; 3679; 3699; 3670; 5138; 3688; 8893; 7419; 3698; 5151 e <strong>CAVR</strong>,Perfil Comunitário do suco de Fatuleto, (subdistrito de Zumalai, distrito de Covalima) 21 de Maio de 2003945 HRVD, Testemunhos nºs 5152; 7419; 2021; 7422; 3670; 5130; 3698 e 3690.946 HRVD, Testemunhos nºs 3691; 2021; 3679; 5151; 3690; 3692 e 8893.947 HRVD, Testemunho nº 2976.948 HRVD, Testemunho nº 4644.949 HRVD, Testemunho nº 0276.950 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Loidahar, (subdistrito de Liquiça, distrito de Liquiça), 4 de Marçode 2003.951 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004.952 HRVD, Testemunhos nºs 4644; 5865; 4633; 5884 e 5903 .953 HRVD, Testemunhos nºs 3509 e 2103.954 HRVD, Testemunhos nºs 9025 e 9027.955 HRVD, Testemunho nº 6157.956 HRVD, Testemunho nº 6157.957 HRVD, Testemunhos nºs 2193 e 2224.958 HRVD, Testemunho nº 2193.959 HRVD, Testemunho nº 2193.960 HRVD, Testemunho nº 3578.961 HRVD, Testemunhos nºs 4594 e 4544.962 HRVD, Testemunho nº 6174.963 HRVD, Testemunho nº 4594. Ver também Testemunho nº 4544.964 HRVD, Testemunhos nºs 8295 e 8296.965 HRVD, Testemunho nºs 3510; 8295; 8296 e 9471.966 HRVD, Testemunho nº 6401.967 HRVD, Testemunho nº 8296.968 Vice Procurador-Geral para os Crimes Graves, acusação formal de Vasco da Cruz, Domingos Alves,Guilhermino de Araújo, Napoleon dos Santos, Simão Tasion, Lino Barreto e Câncio Lopes de Carvalho, 29de Novembro de 2004, p. 6.969 HRVD, Testemunho nº 3670.970 HRVD, Testemunhos nºs 5177; 5155; 3699; 5151 e 5148.971 HRVD, Testemunho nº 5155.- 315 -


972 HRVD, Testemunho nº 7399.973 HRVD, Testemunho nº 5535.974 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004. TheDeputy General Prosecutor for Serious Crimes vs Burhanuddin Siagian indictment (Caso nº 2-2003) 3 deFevereiro de 2003.975 HRVD, Testemunhos nºs 4321; 5532 e 5535.976 HRVD, Testemunhos nº 4281 e 4341.977 HRVD, Testemunhos nº 4321; 4281; 4341; 5532; 5535 e 4235. The Deputy General Prosecutor vsBurhanuddin Siagian et al Indictment, 3 de Fevereiro de 2003.978 HRVD, Testemunhos nº 8992 e 5626.979 HRVD, Testemunho nº 2930 , Perfil Comunitário de Abani (Passabe, Oecusse), 10-09-2003.980 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004, p.184.981 HRVD, Testemunho nº 0354.982 HRVD, Testemunhos nºs 2930; 6888; 2852; 6895; 0326; 0378; 0401; 2931; 2622; 2921; 2622; 2921;2935; 2947; 6832; 6840; 6899; 6898; 6890; 6897; 2934; 2848; 2957; 2950; 2953; 2930; 2936; 6884; 2851;6837 e 6892 .983 HRVD, Testemunhos nºs 0337, 9183, 0093; 2857 .984 HRVD, Testemunhos nºs 2852; 6888; 0336; 2614; 2957; 2637; 2852; 2950 e 2947 .985 HRVD, Testemunhos nºs 2921; 2935; 2947; 2934; 2950 e 2930 .986 HRVD, Testemunhos nºs 6890; 6897; 2848; 2936; 6884; 2851 e 6837 .987 HRVD, Testemunhos nºs 6892; 6898; 6840 e 6832 .988 HRVD, Testemunhos nºs 2851 e 6892 .989 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Abani (subdistrito de Passabe, distrito de Oecusse), 10 deSetembro de 2003.990 HRVD, Testemunhos nºs 2931; 2622; 2921; 2935; 2934; 2957 e 2950 .991 HRVD, Testemunhos nºs 6832; 6888; 6895; 6899; 6897; 6892; 6837 e 2851 .992 HRVD, Testemunhos nºs 6888; 2852 e 6899 .993 HRVD, Testemunhos nºs 2953; 2950; 2930; 6899 e 2957 .994 HRVD, Testemunhos nºs 6888; 2848; 6892; 6837 e 2930 .995 HRVD, Testemunho nº 0354 .996 HRVD, Testemunho nº 4661 .997 HRVD, Testemunhos nºs 5736 e 5726 .998 Amnistia Internacional, Indonesia (East Timor): Further information on Fear for Safety , AI Index: ASA21/35/99, 26 Abril 1999.999 HRVD, Testemunhos nºs 3757; nº 0615; e 6952 .1000 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Ahic (subdistrito de Lacluta, distrito de Viqueque), 22 deNovembro de 2002.1001 HRVD, Testemunho nº 0469 .1002 HRVD, Testemunhos nºs 0471 e 0404 .- 316 -


1003 HRVD, Testemunho nº 0471 .1004 HRVD, Testemunho nº 6697.1005 Apresentação da OHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004, p. 1841006 HRVD, Testemunho nº 1866.1007 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004, p. 145.1008 <strong>CAVR</strong>, Perfis Comunitários dos sucos de Opa e Daudet (subdistrito de Lolotoe, distrito de Bobonaro),14 de Julho de 2003.1009 HRVD, Testemunho nºs 5641; 7127; 5580 e 5639.1010 Procuradoria-Geral da UNTAET, Pronúncia de Acusação contra João Franca da Silva et al (Caso nº:4a-2001), 25 de Maio de 2001.1011 HRVD, Testemunhos nºs 6428; 6393; F9425 e 6429.1012 Ver também Testemunho nº 6371.1013 HRVD, Testemunho nºs 6405 . Ver também Testemunhos nº 6403 e 6441.1014 HRVD, Testemunhos nºs 1754; 1747; 1719 e 1755.1015 HRVD, Testemunho nº 7419.1016 HRVD, Testemunhos nºs 5824; 4850; 5790; 5753 e 5752.1017 HRVD, Testemunho nº 5824.1018 HRVD, Testemunho nº 2576.1019 HRVD, Testemunho nº 6647.1020 HRVD, Testemunho nº 1833.1021 HRVD, Testemunho nº 5602.1022 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Lacló (subdistrito de Atsabe, distrito de Ermera), 16 de Junho de2003.1023 HRVD, Testemunhos nºs 1325; 3688; 3670; 1260; 6912; 3508 e 02957.1024 HRVD, Testemunhos nºs 0643; 5298 e 7904.1025 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004, p. 176.1026 HRVD, Testemunho nº 5298.1027 HRVD, Testemunhos nºs 03670 e 3858.1028 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do subsuco de Gildapil, suco de Lebos (subdistrito de Lolotoe, distrito deBobonaro), 9 de Setembro de 2003.1029 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Sabarai (subdistrito de Maliana, distrito de Bobonaro), 13 deJaneiro de 2003.1030 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Saboria, vila de Aileu (subdistrito de Aileu, distrito de Aileu), 14de Março de 2003.1031 HRVD, Testemunhos nºs 0225; nº 2868; nº 1954; nº 4652.1032 HRVD, Testemunho nº 0225.1033 HRVD, Testemunho nº 8204.1034 HRVD, Testemunho nº 1294.- 317 -


1035 Ver “Surat Pengembalian,” 8 de Julho de 1999 (HRU Collection, Doc. BOB#9) Apresentação daOHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004, p 209.1036 HRVD, Testemunho nº 00227.1037 HRVD, Testemunho nº 3754.1038 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Ahic (subdistrito de Lacluta, distrito de Viqueque), 22 deNovembro de 2002.1039 HRVD, Testemunho nº 7023.1040 HRVD, Testemunho nº 7203.1041 HRVD, Testemunho nº 6333.1042 HRVD, Testemunhos nºs 6994; 7007; 7009 e 7010.1043 HRVD, Testemunho nºs 2953; 2957; 7007 e 7009.1044 HRVD, Testemunho nº 2957.1045 HRVD, Testemunho nº 7007.1046 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Fohoren (subdistrito de Fohoren, distrito de Covalima), 22 deJaneiro de 2004; Testemunhos nº 6272 e 8933.1047 Ibid.1048 HRVD, Testemunho nº 8933.1049 HRVD, Testemunhos nºs 3726; 4884; 4886; 5687; 0170; 3711 e 0122.1050 HRVD, Testemunho nº 4837.1051 HRVD, Testemunho nº 8626.1052 <strong>CAVR</strong>, Perfil Comunitário do suco de Ahic (subdistrito de Lacluta, distrito de Viqueque), 22 deNovembro de 2002.1053 HRVD, Testemunhos nºs 8738; 8743 e 8734.1054 HRVD, Testemunho nº 0143.1055 HRVD, Testemunho nº 2412.1056 HRVD, Testemunho nº 7398 , ver também Testemunho nº 8958.1057 HRVD, Testemunho nº 2008 ; ver também Testemunho nº 2676.1058 HRVD, Testemunhos nºs 8278, 6178, 4450, 4657, 4630, 0235, 3446, 5787, 3298, 4322, 7151, 4321,1803, 8629, 5149, 1243, 7387, 5138, 7006, 6158, 7009, 3510 e 7007.1059 HRVD, Testemunho nº 3510.1060 HRVD, Testemunhos nºs 01777; 00230; 06225; 2895; 5601; 0988; 4082; 7156; 6749; 2427; 1139;5127 e 2193.1061 HRVD, Testemunho nº 01777.1062 HRVD, Testemunhos nºs 4082; 6749; 1139 e 5127.1063 HRVD, Testemunho nº 0988.1064 HRVD, Testemunho nº 5168.1065 HRVD, Testemunho nº 4667.- 318 -


1066 HRVD, Testemunhos nºs 2950, 0411, 4192, 5790, 5835, 1119, 7024, 6752, 0414, 5756, 4986, 3229,7405, 4341, 5132, 3508, 4651, 0378, 0410 e 1817.1067HRVD, Testemunhos nºs 2950-1; 0411; 4192-2; 5835; 1119; 6752-3; 0414-6 e 7; 5756; 4986; 3229;7405-2; 4341-6; 5132; 3508; 4651; 0378-1; 0410 e 1817.1068 HRVD, Testemunho nº 8313.1069 HRVD, Testemunho nºs 6279 e 0091.1070 HRVD, Testemunho nº 8294.1071 HRVD, Testemunho nº 6751.1072 HRVD, Testemunho nº 0145.1073 HRVD, Testemunho nº 6272 . Ver também Testemunho nº 8933.1074 Robinson, East Timor 1999, documento disponibilizado pelo OHCHR à <strong>CAVR</strong>, Abril de 2004, p. 54.1075 HRVD, Testemunhos nºs 03670 e 3858.1076 HRVD, Testemunho nº 6348.1077 HRVD, Testemunho nº 7418.1078 HRVD, Testemunho nº 3743.1079 HRVD, Testemunho nº 3769.1080 HRVD, Testemunho nº 7399.- 319 -

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