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Gazeta - Brasil Imperial

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Artigo14O PASSADO ÉIMPREVISÍVELGastão Reis Rodrigues PereiraEmpresário e economistagastaoreis@smart30.com.brwww.smart30.com.brDevo o título, caro leitor, àverve de Millôr Fernandes, semprepronto a nos surpreender.Embora associemos o imprevisívelao futuro, o passadopor vezes nos prega algumaspeças. A exumação dos remanescentesmortais de Dom PedroI e suas mulheres, DonaLeopoldina e Dona Amélia, seenquadra na categoria do passadoque nos deixa fora do prumoconvencional. Muitos foramos achados dignos de nota nosexames a que foram submetidosos nossos imperador e imperatrizespela historiadora earqueóloga Valdirene do CarmoAmbiel e sua equipe multidisciplinar.Na minha avaliação, omais importante foi aquele quejoga por terra a versão do pontapédado em Dona Leopoldinapor Dom Pedro I seguido de empurrãoescada abaixo que terialhe quebrado uma das pernas.O seu último aborto seguido desua morte só se deu mais deuma semana depois da partidade seu marido para a guerra nosul do país e seu esqueleto nãorevelava nenhum sinal de fraturanas pernas.Confesso, entretanto, que oepisódio me fez pensar num outrotipo de exumação a ser feitaem busca daquilo que nós, brasileiros,enterramos no fundodo quintal de nossa História. Eume refiro ao nosso arcabouçopolítico-institucional, vigenteao longo do século XIX, ao qualnunca faltou alma e instrumentospara lidar com as crises dopaís. Bem diferente do atual emque FHC teve que admitir que, adespeito dos avanços, lhe faltaa referida alma. Este artigo éuma busca dessa alma perdidaque nos faz tanta falta.Moldar instituições capazesde funcionar a contento não étarefa fácil. A prova cabal é quepaíses bem resolvidos em termospolítico-institucionais sãoexceções no mundo. Na verdade,é tão difícil que muitospaíses se contentam em copiálasde outros, que teriam sidobem sucedidos na empreitada.O trágico é que esse processode transplante institucionalcostuma ter um alto grau de rejeição.E a química disponívelpara superar a rejeição estálonge de ser bem sucedida,mesmo em nossos dias.O caso brasileiro é emblemático.Ignoramos o alerta de Cícero,o grande orador romano,que nos falava sobre “as liçõesdo tempo e da experiência”. Odesenvolvimento bem sucedidoda república nos EUA induziuRui Barbosa, amargamente arrependidodepois, a copiar malas linhas mestras da constituiçãoamericana, apostando noseu sucesso em terras tropicais,coisa que jamais ocorreu.Ao acusar o congresso darepública, em 1915(!), de ter setornado um balcão de negócios(atualíssimo, não é mesmo,caro leitor) e reconhecer que oParlamento do Império era umaescola de estadistas, Rui davaa mão à palmatória em relaçãoao equívoco fatal que cometera.Chegou mesmo a se desculparcom Dom Pedro II, em Paris, em1891: “Majestade, me perdoe,eu não sabia que a repúblicaera isso”.Abandonamos uma tradição decunho parlamentarista paraadotar um regime presidencialistaestranho à nossa culturae tradição. A confiança, comobase do edifício institucional,deixou de ser a pedra angular.Ao longo do Segundo Reinado,a mais leve nódoa na reputaçãode um político fechavalheas portas da vida públicapara sempre, como o próprioRui reconheceu depois. Eleconstatou, como testemunhaocular de duas épocas, a quedabrutal da qualidade do homempúblico brasileiro na passagemda monarquia para a república.Pergunta: como nasceu o nossoFrankenstein institucional?O leitor há de convir que termosfeito seis constituições após ade 1891 não é um histórico decoisa que deu certo. Como jásabemos, nosso presidencialismotem características de cópiamal feita naquilo em que deveriater respeitado o figurinooriginal. Não soube nem mesmopreservar as boas práticasde nossa tradição parlamentarista.Quatro pontos resumemessa ópera bufa. O primeiro dizrespeito à perda, no dia a dia,dos instrumentos de controle eprestação de contas dos atosde governo ao reunir na mesmapessoa as chefias de governo ede Estado. O presidente passoua ser, na nossa prática republicanacanhestra, o fiscal delemesmo. O segundo foi a tendênciaa rupturas institucionais, eefetiva eclosão, por inexistênciade instrumentos ágeis degerenciamento de crises com ofim do poder moderador. O terceiro,vale repetir e enfatizar, éque a confiança deixa de ser apedra de sustentação dos governose dos políticos. Caímos naesparrela, muito utilizada pelospolíticos, de ter que comprovarna justiça acusações contraquem já perdeu fé pública.(Casos de Renan Calheiros napresidência do senado; e dosdeputados condenados no mensalãoJosé Genoíno e João PauloCunha e Maluf como membrosda Comissão de Constituição eJustiça do Congresso Nacional.)Jogamos na lata do lixo o princípiode que a mulher de Césartem que ser e parecer honesta.O quarto é a mistura espúriadas funções legislativa e executivana pessoa do presidente darepública, que a tradição presidencialistaamericana soube,corretamente, manter separadas.Criamos o que poderíamosrotular de legislativo presidencialista,denominação talvezmais apropriada a quem seajoelha diante do executivo doque a de presidencialismo decoalizão do cientista políticoSérgio Abranches.A essa altura, ficou muito claraa necessidade imperiosa de exumaras boas práticas de governoque a constituição imperialde 1824 soube moldar tão bempara preservar o respeito à respublica, ou seja, ao interessepúblico. A moldura político-institucionalbrasileira resultounessa coisa estranha que é oprofundo divórcio entre representantese representados.Nossos políticos, com as rarase honrosas exceções de praxe,se curvam apenas para contemplaro próprio umbigo, mas nãodiante do interesse público. Atéquando essa república sem respublica, como diria Cícero, vaiabusar de nossa paciência?

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