12.07.2015 Views

da Tulipa CANTORA E COMPOSITORA LANÇA TUDO TANTO E ...

da Tulipa CANTORA E COMPOSITORA LANÇA TUDO TANTO E ...

da Tulipa CANTORA E COMPOSITORA LANÇA TUDO TANTO E ...

SHOW MORE
SHOW LESS
  • No tags were found...

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

38TRINTA ANOS ESTA NOITEO primeiro filme pornô brasileirocompleta três déca<strong>da</strong>s decoragem e ousadiaDELIRIUM AMBULATORIUM(SURTO)As experimentações terapêuticase a relação de afeto e cui<strong>da</strong>do queuniam Jards Macalé e Lygia Clarkago/set 2012FECHADO PARA BALANÇOFerréz lança dois livros e decreta:“Não quero ser cronista do infernoa vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong>”O reflorescer<strong>da</strong> <strong>Tulipa</strong><strong>CANTORA</strong>E <strong>COMPOSITORA</strong> LANÇA <strong>TUDO</strong> <strong>TANTO</strong>E PROVA QUE DE EFÊMERA SÓ SOBROU O NOMEDO DISCO ANTERIOR


BASE-VDa série de desenhos <strong>da</strong> exposição de dez anosdo grupo BASE-V, que ocorrerá em outubro nagaleria Choque Cultural [base-v.org].


TRINTA ANOS ESTA NOITEO primeiro filme pornô brasileirocompleta três déca<strong>da</strong>s decoragem e ousadiaDELIRIUM AMBULATORIUM(SURTO)As experimentações terapêuticase a relação de afeto e cui<strong>da</strong>do queuniam Jards Macalé e Lygia ClarkFECHADO PARA BALANÇOFerréz lança dois livros e decreta:“Não quero ser cronista do infernoa vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong>”E <strong>COMPOSITORA</strong> LANÇA <strong>TUDO</strong> <strong>TANTO</strong>E PROVA QUE DE EFÊMERA SÓ SOBROU O NOMEDO DISCO ANTERIORago/set 2012COORDENAÇÃO EDITORIALAna de Fátima SousaEDIÇÃO EXECUTIVAMarco Aurélio FiochiPROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO DE ARTEMarina ChevrandEDIÇÃO DE FOTOGRAFIAAndré SeitiDESIGNLu Orvat DesignEDIÇÃORoberta DezanASSISTÊNCIA À EDIÇÃO DE CONTEÚDOGabriela RassyCOORDENAÇÃO DE REVISÃOPolyana LimaREVISÃOCiça CorrêaPAUTAAna de Fátima SousaAndré SeitiEduardo SaronGabriela RassyJader RosaJessica RosenMarco Aurélio FiochiMarina ChevrandRoberta DezanCOLABORARAM NESTA EDIÇÃOAlexia SantiBase-VBeto FigueiroaKarina HambraCarlos CostaCarol Almei<strong>da</strong>Deborah Rocha MoraesDu<strong>da</strong> Porto de SouzaFernan<strong>da</strong> de Almei<strong>da</strong>Humberto PimentelIe<strong>da</strong> Estergil<strong>da</strong> de AbreuJards MacaléJessica RosenJuliana FaddulLeonardo CalvanoLeonardo FolettoMalu RangelMariana Lacer<strong>da</strong>Matthieu RougéMicheliny VerunschkNelson ViscontiPatrícia ColomboRicardo DarosRoberto Almei<strong>da</strong>Sabrina DuranThais CaramicoValentina FraizISSN 1981-8084 Matrícula 55.082(dezembro de 2007)Tiragem 10 mil – distribuição gratuita.Sugestões e críticas devem serencaminha<strong>da</strong>s ao Núcleo deComunicação e Relacionamentocontinuum@itaucultural.org.brJornalista responsávelAna de Fátima Sousa MTb 13.554CARTA DO EDITORHá algum tempo, as edições <strong>da</strong> CONTINUUM pendem para um tema ou outro, mesmo isso não sendoplanejado no momento <strong>da</strong> escolha <strong>da</strong>s pautas. Naturalmente acabamos abor<strong>da</strong>ndo mais questõesreferentes às transformações que a arte é capaz de promover nos espaços urbanos ou mergulhamos decabeça nos universos <strong>da</strong> literatura, <strong>da</strong> música e <strong>da</strong>s artes visuais.No entanto, a edição que você tem em mãos, ou que está aberta na tela à sua frente, passeia por diversasexpressões artísticas e traz um apanhado do que tem acontecido de relevante e curioso – ou até doque estava esquecido – neste movimentado mundo <strong>da</strong>s artes e <strong>da</strong> cultura. Para começar, você confereas conversas de bastidores com André Abujamra e Cauby Peixoto, dois homens <strong>da</strong> música vindos degerações e vertentes distintas, mas igualmente admirados pelos caminhos que trilharam no decorrer desuas carreiras.Na seção Certidão de Nascimento celebramos os 30 anos de Coisas Eróticas, que entrou para a históriado cinema nacional, ain<strong>da</strong> em tempos de ditadura, como o primeiro filme pornô brasileiro e responsávelpor uma intensa chacoalha<strong>da</strong> na nossa indústria cinematográfica, não pelo apuro técnico, mas pelopioneirismo e pela coragem inquestionáveis. No mesmo embalo vanguardista está a reportagem sobre amais nova experiência em artes cênicas: o teatro digital. Depois de invadir praticamente to<strong>da</strong>s as formasde arte, o virtual, enfim, encontra os grupos cênicos e possibilita vivências inéditas para atores e público.Duas personali<strong>da</strong>des marcantes – uma <strong>da</strong> música e outra <strong>da</strong> literatura – nos brin<strong>da</strong>m com suas históriasde vi<strong>da</strong> e com seus últimos trabalhos. <strong>Tulipa</strong> Ruiz estampa em flor, graça e poesia a capa <strong>da</strong> edição e falasobre o novo disco, as parcerias e o trajeto que a fez chegar ao patamar onde está. Já o escritor Ferrézconta por que preferiu deixar um pouco de lado a temática <strong>da</strong> periferia em seus dois últimos livros ecomo conseguiu imprimir mais leveza ao discurso e ao mesmo tempo manter-se fiel à indignação. Oincrível Jards Macalé nos presenteia com um texto no qual conta como a artista plástica Lygia Clarko ajudou a sair de um surto de bata branca de Jorge Amado e espa<strong>da</strong> em punho. Assim como nasexperiências terapêuticas de Lygia, nós também acreditamos que a arte e a natureza são as melhoresferramentas para a cura <strong>da</strong> alma.Se você é ilustrador, artista ou fotógrafo, envie o link de seu portfólio virtual para. Queremos conhecer o seu trabalho!Envie seu comentário sobre a CONTINUUM para o e-mail continuum@itaucultural.org.brou utilize os canais do Itaú Cultural no Twitter e no Facebook.Em caso de publicação na seção Carta do Leitor, a mensagem pode ser edita<strong>da</strong> a critério <strong>da</strong> re<strong>da</strong>ção.38O reflorescer<strong>CANTORA</strong><strong>da</strong> <strong>Tulipa</strong>capa: tulipa ruizfoto: andré seitiCOMPARTILHESUA CONTINUUMBaixe o aplicativo <strong>da</strong>CONTINUUM em seuiPad e veja to<strong>da</strong>s asmatérias desta ediçãoe <strong>da</strong>s anteriores, alémde vídeos exclusivos.


0608 12 10ACESSO RESTRITO | homens <strong>da</strong> músicaConversamos com André Abujamra e Cauby Peixoto nos bastidores dos shows que fizeram noAuditório IbirapueraMUSEUS DO MUNDO | a casa <strong>da</strong> fotografiaLocalizado em Amsterdã, numa <strong>da</strong>s ruelas volta<strong>da</strong>s para os canais, o museu Foam dedica-seinteiramente à arte de desenhar com a luzR E P ORT AGEM | quando o efêmero encontra o digitalComo a internet digitalizou corpos e lugares e chegou até o universo <strong>da</strong>s artes cênicasCERTIDÃO DE NASCI MENTO | 30 anos esta noiteHá 30 anos o Brasil experimentava sua primeira ereção coletiva e pública com o filme pornô CoisasEróticas, pioneiro do gênero no paísRESEN H A | o paraíso não é aquiUm autor iraniano, um artista gráfico árabe-americano e um editor judeu se juntam para criar OParaíso de Zahra, uma graphic novel que conta as atroci<strong>da</strong>des cometi<strong>da</strong>s contra o povo iraniano póseleiçõespresidenciais1415DEP O I MENTO | delirium ambulatorium (surto)Jards Macalé conta como seu corpo serviu de suporte para as experimentações terapêuticas deLygia Clark27CAPA | o reflorescer <strong>da</strong> <strong>Tulipa</strong>Cantora e compositora lança segundo disco e afirma que o palco é o seu lugar262822 16P ERFIL | de peão a pioneiroAos 63 anos, o escritor Roniwalter Jatobá não tem intenção de buscar outros assuntos ou se render amodismos e aprofun<strong>da</strong> ca<strong>da</strong> vez mais a temática do migrante nordestino24R E P ORT AGEM | o abre-alas do audiovisual brasileiroNova lei obriga canais de TV por assinatura a exibir programação nacional em horário nobre, sendometade desse tempo ocupado por produções independentesR E P ORT AGEM | bailando em escala maiorFestivais de <strong>da</strong>nça realizados em espaços urbanos viram febre mundialR E P ORT AGEM | universo sonoroO projeto Memórias Capitais retoma sensações vivi<strong>da</strong>s por artistas em suas ci<strong>da</strong>des de origem pormeio <strong>da</strong> contação de históriasR E P ORT AGEM | o tesouro de CapibaO acervo do músico e compositor pernambucano é mantido por sua viúva numa casa cerca<strong>da</strong> deterraços e habita<strong>da</strong> por mais de 40 gatosR E P ORT AGEM | o samba paulista: de Plínio Marcos a Kiko DinucciO samba paulista ganha show com releitura de disco raro de Plínio MarcosR E P ORT AGEM | a arte prestes a transbor<strong>da</strong>r30 a Bienal de São Paulo investiga as varia<strong>da</strong>s poéticas que possibilitam os expressivos atos artísticosE N T R E V I STA | fechado para balançoEscritor Ferréz lança dois livros em que prioriza conflitos internos a questões políticas e sociaisR E P ORT AGEM | a vira<strong>da</strong> <strong>da</strong> vezPrimeira edição <strong>da</strong> Design Weekend discute as relações do design com a arquitetura, o urbanismo, adecoração, a inclusão social, os negócios e a tecnologiaB A LAIO | para ver, ouvir e clicarImagem, som e sites para adicionar aos favoritos na seleção cultural do bimestre30313637 3232 28 08 15


ACESSO RESTRITO | bastidores de showsHOMENS DA MÚSICADe gerações e estilos diferentes, Cauby Peixoto e André Abujamra apresentaram suascanções em shows no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, nos meses de maio e junhoTEXTO patrícia colomboFOTOS andré seitiANDRÉ ABUJAMRAO clima era de festa nos bastidores <strong>da</strong> apresentaçãode André Abujamra no Auditório Ibirapuera,em 18 de maio. Não só o músico completava 47anos de vi<strong>da</strong>, como celebrava os dois outonos doálbum Mafaro, show-filme cujas imagens em telõesestão sincroniza<strong>da</strong>s com as canções. O trabalhotraz influências de alguns locais do mundovisitados pelo artista multitarefa [que, além <strong>da</strong>satuações no cinema, vai musicalmente dos discosàs trilhas sonoras] uni<strong>da</strong>s em um casamento felize sem preconceito com relação às diferenças.Mafaro nasceu em 2010. Como foi a elaboraçãodesse trabalho?Fui ao Zimbábue e conheci a cultura local. “Mafaro”quer dizer “alegria”, em xona, a língua deles.Um ano antes, eu tinha ido para Praga e, logodepois do Zimbábue, fui para o Maranhão. E oMafaro é bem essa mistura. Aí, resolvi fazer umshow-filme. Essa junção foi natural, porque soumúsico erudito. Tenho vergonha de mulher, tenhovergonha <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, mas <strong>da</strong> música não. Paramim, é supernatural misturar. Acho válido paraescutar coisas legais vin<strong>da</strong>s do que você aparentementenão gosta. Inventei um verbo [risos]:“distribificar”, que é sair <strong>da</strong>s tribos, abrir a cabeça.Vá ouvir Sepultura, depois Sandy & Junior edepois os dois ao mesmo tempo [risos].O músico André Abujamra, que fezaniversário no dia <strong>da</strong> apresentaçãono Auditório IbirapueraAusência total de preconceito musical [risos].O preconceito é uma coisa que o ser humanotem mesmo. Tem contra anão, contra puta, contragordo. É um exercício que eu faço, de tentarmu<strong>da</strong>r um pouco a cabeça <strong>da</strong>s pessoas. Não façomúsica só para alegrar. Quero que alegre, masquero aju<strong>da</strong>r a mu<strong>da</strong>r a visão. Não existe na<strong>da</strong>em música de que eu não goste, nem <strong>da</strong>s coisasruins. Até a partir delas consigo fazer música eacabo encontrando coisas maravilhosas.Você já trabalhou em mais de 40 trilhas sonoraspara o cinema. Como é esse ofício?Fazendo trilhas, eu aprendi a ser dirigido. Semprefui muito cacique e um trabalho no qualvocê não é o chefe é muito complicado paraquem é metido como eu [risos]. É um processode você entender o que o cara quer. E, apesarde ser feito para muita gente, é um trabalhobastante solitário.


CAUBY PEIXOTOA maior parte dos leitores <strong>da</strong> CONTINUUM nem eranasci<strong>da</strong> quando Cauby Peixoto surgiu no cenáriomusical brasileiro, arrancando suspiros de muitasmenininhas na déca<strong>da</strong> de 1950, que gru<strong>da</strong>vam osouvidos no rádio para acompanhar a bela voz dointérprete romântico. Somando 60 anos de carreira,Cauby continua sendo um dos maiores artistasnacionais. Recebeu recentemente [com a amigade longa <strong>da</strong>ta Ângela Maria] a Me<strong>da</strong>lha do MéritoLegislativo <strong>da</strong> Câmara dos Deputados e seguesua duradoura união com a música ostentandocanto conservadíssimo – e quem esteve presenteno Auditório Ibirapuera no início de junho, nadescontraí<strong>da</strong> apresentação de voz e violão docantor, viu e ouviu bem.Está feliz com a homenagem <strong>da</strong> Câmarados Deputados?Isso é um reconhecimento. Nunca imaginei quecompletaria seis déca<strong>da</strong>s de carreira. É uma coisamuito impressionante. Quando comecei, estavadeslumbrado [risos]. Só queria ficar junto às fãs,cantar, receber aquele carinho. Era muito bom,sempre uma surpresa, uma notícia engraça<strong>da</strong>que saía na mídia. Eu não chegava a sonhar, ossonhos estavam ali. O que eu pensava e queriaestava acontecendo. Musicalmente, acho que fizquase tudo. Acredito que não há mais na<strong>da</strong> queeu gostaria de fazer. Só queria mais uma músicanova do Chico Buarque. Ele é maravilhoso.O senhor acompanhou as transformaçõesna indústria <strong>da</strong> música. Sente falta dealgo hoje?Eu sinto falta <strong>da</strong> música brasileira. A música novaestá poluindo um pouco as antigas. Falta músicaboa hoje em dia. Do que está na mo<strong>da</strong> não gostode quase na<strong>da</strong>. Gosto do Luan Santana. Ele parecemuito comigo na época em que comecei acantar. As meninas gritando, o tipo físico. Gostodele. Eu gravaria com ele. Se você o encontrar,mande um abraço meu.Cauby: admiração pelocantor Luan SantanaAcha que cantar sobre o amor facilita umaidentificação com o público, por ser umtema comum na vi<strong>da</strong> de todos?Torna mais fácil. E sempre tive vontade de cantarcanções assim. É a minha maneira de ser; gostomuito de amar, de viver através do amor. To<strong>da</strong>s ascanções que gravei gravei porque gostei e quis...CONTINUUM06 07


Interiores do museu Foamcuradora Kim Knoppers. Equilibrar os estilos eo nível dos artistas é um dos segredos do Foam.Você pode ir ao museu para ver uma mostra pequena,como a <strong>da</strong> alemã Nina Poppe, que costuraseu olhar por terras japonesas, e de repenteencontrar na sala ao lado um recorte <strong>da</strong> obrade Ron Galella, o paparazzo – ou celebri<strong>da</strong>de?– mais famoso do mundo. “É possível ver aquifotógrafos de to<strong>da</strong>s as nacionali<strong>da</strong>des, como obrasileiro Breno Rotatori, que a gente apresentouna sala de novos talentos”, lembra ao falar dopaulistano de 23 anos.Jovens talentos, inclusive, são vistos ali com atenção.Além de investir em pesquisa, o Foam recebecentenas de portfólios, que são analisados cui<strong>da</strong>dosamentepela equipe de curadores do museu.“Gostamos de apostar nas pessoas e <strong>da</strong>r o espaçoque talvez elas não conseguissem ter em outro lugar.Muitos artistas novos são convi<strong>da</strong>dos a exporou participar de alguma edição <strong>da</strong> revista”, contaa curadora. O museu também organiza o PrêmioPaul Huf, para fotógrafos de até 35 anos. O vencedorganha 20 mil euros, uma mostra e a publicaçãodo portfólio numa edição especial <strong>da</strong> revistaFoam Talent – a próxima sai em setembro com anorte-americana Alex Prager.Em todo o casarão, podem ocorrer mostras de atéseis fotógrafos simultaneamente, numa conta querevela a dinâmica do espaço. São, em média, de20 a 25 exposições por ano e uma preocupaçãoque vai além <strong>da</strong> programação muito antecipa<strong>da</strong>.“Gostamos de trabalhar com todos os estilos. Aomesmo tempo que exibimos fotos de mo<strong>da</strong>, podemosmostrar, na sala ao lado, fotos de guerra. Temospaisagem e documentário e, ao mesmo tempo,natureza-morta e arte conceitual. Fazemos umplanejamento, mas também contamos com aquiloque está acontecendo no momento, em termos denomes e técnicas”, diz a curadora Merel.inseri<strong>da</strong> na produção artística contemporânea<strong>da</strong> Holan<strong>da</strong>. Mais do que ir para a rua e registrar,há hoje um movimento grande dos jovensfotógrafos que estão investindo horas numa produçãobastante conceitual e buscando respostasdesacelera<strong>da</strong>s”, completa Merel.Em 2011, a mostra que celebrou os dez anosdo Foam tratava exatamente disso. Sob o temaNatureza-Morta, tradicional na pintura holandesado século XVII, 24 fotógrafos holandesesapresentaram alimentos e flores com um olhargráfico e inovador. O que valia era o trabalhosolitário do artista, uma criação totalmente volta<strong>da</strong>para a obra produzi<strong>da</strong> dentro do estúdio;analisavam-se formas de, por exemplo, uma porçãode batatas. O resultado foi uma composiçãode luz e sombra, cores e estética – não só emfotos, mas em esculturas e vídeos.Desde que abriu as portas, cerca de 1,2 milhão depessoas já visitou o museu. O site, que também éum banco de <strong>da</strong>dos e um canal de compras paraas impressões e as edições limita<strong>da</strong>s, recebe emmédia 60 mil visitantes por mês. Mesmo com nomescomo Anton Corbijn, Inez van Lamsweerde& Vinoodh Matadin e Richard Avedon em seu catálogo,o Foam vive a se reinventar.Pensando em movimentar e atrair ca<strong>da</strong> vez mais“fãs”, o museu tenta sempre <strong>da</strong>r um passo novo.Recentemente, abriu uma loja pop-up em um antigobunker onde expõe trabalhos, além de venderlivros de fotografia. Mo<strong>da</strong>, música, cinema edesign são as diretrizes escolhi<strong>da</strong>s. A ca<strong>da</strong> tempora<strong>da</strong>,a galeria troca o tema e os livros de ca<strong>da</strong>assunto ganham destaque nas prateleiras. Há ain<strong>da</strong>palestras e oficinas com profissionais e outroseventos para o público. “Acaba sendo uma vitrinee também um ponto temático voltados à fotografiae aos artistas do Foam”, conta Merel.O QUE VEM POR AÍUma seleção de 200 fotografias de DianeArbus será apresenta<strong>da</strong> ao público a partirde 26 de outubro. A mostra terá to<strong>da</strong>s asimagens icônicas e uma série de trabalhosque nunca foram vistos em um museu holandês.Além dos retratos célebres, bibliografia,anotações pessoais, correspondênciase relatos <strong>da</strong> fotógrafa serão expostospara quem quiser conhecê-la melhor.E o que mudou nesses 11 anos? O mercado <strong>da</strong>fotografia evoluiu e há ain<strong>da</strong> mais fotógrafos naci<strong>da</strong>de e no país do que antes. Hoje, o intercâmbioentre os artistas é muito maior, assim como odiálogo com outras plataformas, mídias e suportes– reflexo que se espalha por todos os lugares.“Percebemos que a fotografia está ca<strong>da</strong> vez maisSERVIÇOFoamKeizersgracht 609, 1017 DS Amsterdãfone 31 0 20 5516500Aberto todos os dias <strong>da</strong>s 10h às 18h; às quintas esextas, o museu funciona <strong>da</strong>s 10h às 21h.Saiba mais em .09CONTINUUM08


REPORTAGEM | teatro digitalQUANDO O EFÊMEROENCONTRA O DIGITALExperiências inovadoras têm expandido as artes cênicas para além dos limites do aqui e agora presencialTEXTO leonardo folettoILUSTRAÇÃO valentina fraizSeja como espectadores, seja como atores, aprendemosdesde sempre que o teatro é olho no olho,é a presença física de uma plateia assistindo aovivo ao jogo entre atores de carne e osso. Essanatureza efêmera do teatro, que dura quanto ca<strong>da</strong>espetáculo deixar, sempre foi ti<strong>da</strong> como impossívelde reproduzir – e é o que vinha poupandoa cena teatral dos ventos digitais que há temposvarreram discos, fotografias e filmes e os tornaramdisponíveis a cliques de mouse diante de uma telade computador. De alguns anos para cá, porém,os ventos se tornaram furacão e finalmente atingiramo teatro. Com a internet, estar em algum lugardeixou de ser uma condição real, física. Os corposse digitalizaram e, com eles, as artes cênicas.Ain<strong>da</strong> não são muitos pelo Brasil, nem pelo mundo,mas já existem grupos cênicos que pesquisamas possibili<strong>da</strong>des binárias <strong>da</strong> relação <strong>da</strong> culturadigital com o teatro. Hoje, as principais experiênciasusam transmissões ao vivo pela web como intuito de ligar palcos e plateias em diferenteslugares. Mas junte projeção de vídeos, performances,iluminação e as artes visuais com streamingde vídeo, tecnologia 3D, holografias, videomapping,celulares e presenças on e off-line e teremospossibili<strong>da</strong>des ca<strong>da</strong> vez maiores de experimentaçõescriativas para um futuro próximo.Uma <strong>da</strong>s experiências brasileiras na área é <strong>da</strong>companhia Phila7, de São Paulo. Em 2006, comseu segundo espetáculo, Play on Earth, o grupotornou-se pioneiro no uso <strong>da</strong> internet para criaçãoe apresentação de uma peça teatral que uniutrês elencos em três continentes ao mesmo tempo:Phila7 em São Paulo, Station House Operaem Newcastle, Inglaterra, e Cia Theatreworks emCingapura. Em 2008 surgiu a continuação de Playon Earth, a peça What’s Wrong with the World?,espetáculo ao vivo entre Rio de Janeiro e Londresque contava com quatro telões e cinco possibili<strong>da</strong>desde imagens. As mesmas cenas eramapresenta<strong>da</strong>s nas duas ci<strong>da</strong>des, com transmissãosimultânea via streaming em inglês e português,com três atores em ca<strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de interagindo entresi e também via internet, por telas digitais.


DE FATO, NÃO É “SÓ TEATRO”, E NENHUM DOSENVOLVIDOS NESSAS EXPERIÊNCIAS SUSTENTAO CONTRÁRIO – EMBORA SE MANTENHA A TRÍADEATORES, PÚBLICO E MENSAGEM QUE DEFINETEORICAMENTE ESSA ARTE.TEATRO PELA INTERNETOutro grupo brasileiro que se destaca na misturade teatro e tecnologia digital é o Teatropara Alguém. Criado em dezembro de 2008pelo casal Renata Jesion – atriz forma<strong>da</strong> peloCentro de Pesquisa Teatral (CPT-Sesc) – eNelson Kao – cenógrafo, iluminador e diretorde fotografia –, o grupo consolidou um formatoespecífico. Encena<strong>da</strong>s numa sala a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>para teatro na casa dos criadores, as peças sãocurtas – inicialmente de até 10 minutos, masque depois se estenderam para 30 minutos – egrava<strong>da</strong>s por uma câmera que “joga” com osatores e transmite ao vivo, de graça, via streamingpelo site teatroparaalguem.com.br.Nesse formato, o grupo realizou mais de 50 espetáculos,entre parcerias e produções próprias.Em 2009, seu ano mais profícuo, montou 13 peças.Além disso, fez apresentações em outrosformatos, como a antinovela Corpo Estranho, doescritor e quadrinista Lourenço Mutarelli, um seriadoem episódios curtos que teve duas tempora<strong>da</strong>sgrava<strong>da</strong>s (2009 e 2010) para a exibição nosite, sem transmissão ao vivo. A produção constantee inovadora valeu ao Teatro para Alguémdestaque na mídia nacional e uma indicação aoPrêmio Shell de 2010 na categoria Especial pelainiciativa de criação cênica via internet.De 2011 para cá, o grupo diminuiu o ritmo deprodução e passou a diversificar suas ativi<strong>da</strong>des.Começou, por exemplo, a gravar e transmitirtambém os ensaios de algumas de suaswebpeças. E, em 30 de junho deste ano, partiupara outros campos e inaugurou um novo projeto:a TPA, rede social de artistas em que ca<strong>da</strong>profissional pode criar sua página, montar seuportfólio e se relacionar com outros “trabalhadores”<strong>da</strong>s artes.O projeto Vila Digital, ligado ao teatro Vila Velha,de Salvador, é um dos que mais recentementetentaram buscar uma ligação entre o efêmerodo teatro e os bits do digital. Encabeçado porMárcio Meirelles, ex-secretário de Cultura <strong>da</strong>Bahia e atual diretor do Vila, o projeto buscaconstruir um núcleo de tecnologia que viabilizea criação de cenários e instalações digitais/interativas. A primeira experiência se deu comO Olho de Deus – o Avesso dos Retalhos, que encerroutempora<strong>da</strong> no final de junho deste ano.O espetáculo se passava em dois lugares do teatroVila Velha ao mesmo tempo, no Palco Principale no do Cabaré dos Novos, interligadosatravés de projeções audiovisuais, transmissõessimultâneas de voz, imagens e trilha sonora. Ain<strong>da</strong>em junho, houve a transmissão ao vivo pelainternet diretamente do blog <strong>da</strong> peça [oavessodosretalhos.blogspot.com.br].O espectador, tantoao vivo quanto pela rede, podia escolher deonde queria assistir à ação <strong>da</strong> peça, uma crônica<strong>da</strong> decadente aristocracia baiana conduzi<strong>da</strong> porduas senhoras muito religiosas que vivem numadimensão “fantástica” do mundo.MÚLTIPLOS TEATROSDuas <strong>da</strong>s principais conversas que ouvi durantea produção de Efêmero Revisitado: Conversassobre Teatro e Cultura Digital (selo BaixaCultura)– livro que produzi em 2011 sobre o assuntopor meio <strong>da</strong> bolsa Funarte para Reflexão Críticaem Mídias Digitais – foram especulações sobrea “morte” <strong>da</strong>s peças tradicionais e a ironia típicados puristas: “Isso não é teatro”. De fato, não é “sóteatro”, e nenhum dos envolvidos nessas experiênciassustenta o contrário – embora se mantenhaa tríade atores, público e mensagem quedefine teoricamente essa arte.Renata Jesion, do Teatro para Alguém, fala de“outro teatro, uma bifurcação que está acontecendoagora, no século XXI, que te dá outra possibili<strong>da</strong>de”.Rodolfo Araújo, jornalista, pesquisador eautor <strong>da</strong> dissertação de mestrado pela PUC/SPPanorama <strong>da</strong> Teatrali<strong>da</strong>de Remidia<strong>da</strong>, diz que“estamos falando de algo que não é mais teatro,mas que tem na essência uma teatrali<strong>da</strong>de expandi<strong>da</strong>”.Rubens Velloso, diretor <strong>da</strong> companhiaPhila7, endossa o coro de Araújo: “Eu não queronomear de teatro nem de digital, porque, quandovocê fala em teatro digital, nomeia duas coisasque já têm carimbo na socie<strong>da</strong>de. Mas certamenteo teatro está no que a Phila7 faz”, diz.Quanto à questão sobre a “morte” <strong>da</strong>s peças tradicionais,parece não haver mais crise. As invençõesde hoje não acabam com as tecnologias epráticas já existentes, mas convivem com elas.Declarou-se o fim do concerto musical ao vivocom a criação do fonógrafo, na segun<strong>da</strong> metadedo século XIX, assim como <strong>da</strong> pintura com a fotografia,do teatro com a criação do cinema, docinema com o alvorecer <strong>da</strong> televisão, e assim pordiante. Ante a sobrevivência de to<strong>da</strong>s as artes declara<strong>da</strong>smortas tempos atrás, não é difícil preverque também o teatro tradicional não acabará. Émais provável que estejamos vendo o nascimentode múltiplos teatros – midiáticos, digitais, virtuais,computacionais, abertos, flexíveis, remixáveis.Melhor para o público.11CONTINUUM10


de sexo passou a ser tanta nos filmes a partir demeados dos anos 1980 até início dos 90 – comca<strong>da</strong> vez mais cópulas “a seco” e nenhuma história– que a quali<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s produções só piorava.O público logo se cansou <strong>da</strong>quilo, e aos poucosdeixou de pagar para ir ao cinema ver o que nãogostava. Acrescente a esse bolo a cereja <strong>da</strong>s videolocadoras,que proliferavam no país trazendouma abundância de pornôs, especialmente estrangeiros,e deixando-os à disposição para queo espectador pudesse consumi-los mais baratose na privaci<strong>da</strong>de de casa.A Boca do Lixo e a pornochancha<strong>da</strong> não resistiramao poder do sexo explícito e minguaram.Minguou, até mesmo, a própria indústria pornôcinematográfica inaugura<strong>da</strong> por Rossi. A lógicaera simples: o excesso de sexo (sem quali<strong>da</strong>de)repeliu a vontade de sexo. O cachorro, começandopelo próprio rabo, terminou por engolir-se. Aoser lançado há três déca<strong>da</strong>s, parecia improvávelque Coisas Eróticas, desbravador de um novonicho, blockbuster-porn-oitentista e sucesso debilheteria, trouxesse em si, numa mesma receita,os ingredientes que fariam nascer e morrer umnovo tipo de cinema.A atriz Jussara Calmon, umas <strong>da</strong>s estrelas <strong>da</strong>Boca do Lixo. Ao lado: Eduardo Rossi e seu pai,Rafaelle Rossi, diretor de Coisas Eróticasfoto: arquivo pessoalOLÉ NA CENSURAA história do nascimento de Coisas Eróticas foibem pesquisa<strong>da</strong> e registra<strong>da</strong> durante três anospelos jornalistas Denise Godinho e Hugo Moura,que lançaram neste ano o livro Coisas Eróticas(Editora Pan<strong>da</strong> Books) e o documentário APrimeira Vez do Cinema Brasileiro – este feitocom recursos próprios e em parceria com o diretorBruno Graziano, <strong>da</strong> Controle Remoto Filmes.O projeto de pesquisa começou em 2009,como trabalho de conclusão de curso de Denisee Moura na facul<strong>da</strong>de de jornalismo, mas a históriarendeu e, termina<strong>da</strong> a graduação, resolveramlevá-la adiante. Curiosamente, não havia na<strong>da</strong>publicado a respeito do filme de Rossi. “Achoque ficou uma vergonha enraiza<strong>da</strong> do CoisasEróticas. Quando ele saiu, a imprensa meteu opau. Não encontramos nenhum jornal <strong>da</strong> épocaque falasse bem”, explica Denise. Moura completa:“Aquele filme foi um rolo compressor quePersona non grata na Boca, Rossi era mau pagadore colecionava desafetos. “Ele era sacana, mastinha coragem. E, para fazer um filme como aquele,tinha de ser uma pessoa assim, com peito”, dizMoura. Não por acaso, Rossi morreu em 2007 longede quase todos os amigos, na casa que comproucom o dinheiro de seu pornô-sucesso – oNO FIM DAQUELA SESSÃO DE ESTREIA DE COISAS ERÓTICAS, O CARPETE,AS POLTRONAS E AS MOÇAS DA LIMPEZA DO CINE WINDSOR FORAMTESTEMUNHAS DE QUÃO EXPLÍCITO E ABUNDANTE ERA O SEXO NO LONGA.foto: divulgaçãoCartaz de Coisas Eróticas, oprimeiro filme pornô nacional..13foto: divulgaçãodestruiu muitas coisas, as pessoas queriam esquecer”,diz, referindo-se ao fim <strong>da</strong> Boca do Lixo.A censura era um dos maiores entraves parao cinema naquele período, mas foi nela que oitaliano Rossi deu um olé malandro. Após esperarcerca de 200 dias pela avaliação de seulonga pelos censores, o diretor finalmente recebeuo parecer: o filme havia sido liberado paramaiores de 18 anos, mas com o corte total <strong>da</strong>segun<strong>da</strong> história, que continha cenas de lesbianismo,masoquismo e sexo grupal. A eliminação<strong>da</strong>quele trecho reduziria pela metade aobra, fazendo com que nenhuma sala de cinemase interessasse em exibi-la. Mas Rossi decidiuinterpretar ao pé <strong>da</strong> letra o documento docensor, que pedia o corte do segundo “quadro”,e não <strong>da</strong> “cena”. Em sentido estrito, o segundoquadro seria o segundo frame do filme. E foi oque o cineasta eliminou, além de trocar o título<strong>da</strong> segun<strong>da</strong> história, <strong>da</strong>ndo a impressão de quehavia substituído a anterior censura<strong>da</strong>.imóvel foi um dos poucos bens materiais que lhesobraram após ele torrar tudo.No último dia 7 de julho, Denise, Moura e Grazianofizeram o lançamento oficial do documentárioe a exibição de Coisas Eróticas no próprioCine Windsor. O cinema ain<strong>da</strong> é proprie<strong>da</strong>de domesmo Francisco Luccas que, no dia 6 de julhode 1982, chamou Rossi em seu escritório e lhedisse: “Vamos lançar Coisas Eróticas amanhã.Vamos aproveitar que estão todos tristes coma Copa. Aí o pessoal se anima com seu filme”.Denise conta que ela e Moura foram falar com odono do Windsor e ele mesmo sugeriu à duplalançar o documentário lá. “Ele foi visionário aoexibir o Coisas”, arremata Moura sobre Luccas.Segundo os autores, o documentário ficará apenasno circuito de festivais. O motivo principal,dizem, é o receio do mercado em falar sobre pornografia,considera<strong>da</strong> um “tema delicado”. ParaMoura, Coisas Eróticas não é um tema delicado,mas, sim, um assunto histórico.CONTINUUM12


RESENHA | o paraíso de zahraO PARAÍSONÃO É AQUIHistória em quadrinhos reveladramas do povo iranianoTEXTO micheliny verunschkTiras de O Paraíso de Zahra, que retrataacontecimentos ocorridos após as eleiçõespresidenciais de 2009O Paraíso de Zahra é o nome do mais importante cemitério iraniano, ao sulde Teerã, que leva o nome <strong>da</strong> filha do profeta Maomé, Fátima Zahra. Acredita-seque os mortos enterrados nesse local ressuscitarão no paraíso. OParaíso de Zahra (Leya, 2011) é também o nome de uma graphic novel queconta as atroci<strong>da</strong>des cometi<strong>da</strong>s contra o povo iraniano no período posteriorà conturba<strong>da</strong> eleição do atual presidente, Ahmadinejad, em 2009. Logoapós o pleito, on<strong>da</strong>s de protesto tomaram conta do país, com manifestantesacusando o partido vencedor de fraude. Sob as ordens de Ali Khamenei,líder supremo iraniano, a milícia Basij atacou os grupos causando váriasmortes, prisões e desaparecimentos. Uma dessas mortes, <strong>da</strong> jovem Ne<strong>da</strong>Agha-Soltan, tornou-se emblemática <strong>da</strong> luta do povo iraniano por seus direitos,entre eles a democracia. A imagem <strong>da</strong> moça coberta de sangue, agonizandono meio <strong>da</strong> rua, ganhou o mundo através <strong>da</strong>s redes sociais e expôsum fato que a grande mídia ocidental sempre deixou de lado: os anseios dopovo árabe não são tão diferentes <strong>da</strong>queles dos povos ocidentais.A história de O Paraíso de Zahra foi motiva<strong>da</strong> por esses acontecimentospolíticos e reuniu sob o mesmo projeto um autor iraniano, Amir, um artistagráfico árabe-americano, Khalil, e um editor judeu, Marc Siegel. Publica<strong>da</strong>de forma seria<strong>da</strong> na internet, a história se tornou uma resposta à censura eperseguição empreendi<strong>da</strong> pelaRepública Islâmica do Irã ao seupróprio povo. “Ficamos muitoemocionados em 2009 quandovimos o que estava acontecendonas ruas de Teerã. Vimos na internet uma mãe que havia perdido o filhode 19 anos, pessoas muito corajosas perguntando ‘onde está o meu voto?’,outras que saíam para as ruas e documentavam o que estava acontecendo,como se assumissem o papel <strong>da</strong> imprensa. Precisávamos <strong>da</strong>r uma respostarápi<strong>da</strong> e fizemos a publicação simultânea à produção. O livro foi produzidoem um ano e meio porque nosso propósito era sermos solidários para comaquelas pessoas.” Quem conta é Khalil, que em junho esteve no evento delançamento do livro no Itaú Cultural.A obra conta a história de Zahra, cujo filho Mehdi, de 19 anos, desaparecenos protestos subsequentes à eleição. Narra<strong>da</strong> em primeira pessoa pelo irmãode Mehdi, um blogueiro ativista, é ao mesmo tempo pungente e combativa.Por meio desse roteiro, o cotidiano do povo iraniano se mostra muitopróximo ao de qualquer outro e talvez seja essa uma <strong>da</strong>s maiores virtudesdo livro: a identificação imediata, seja pelo apelo jovem por liber<strong>da</strong>de, sejapor detalhes como o trânsito caótico, a conversa do taxista ou o tráfico depoder tão conhecido de nações que enfrentam problemas com a corrupção.Não há como pensar nas mães iranianas sem lembrar <strong>da</strong>s mães <strong>da</strong> Praça deMaio ou <strong>da</strong>s mães <strong>da</strong> Candelária. Para além de enxergar o iraniano como ooutro, o diferente extremo, é possível afirmar que eles somos todos nós. Oilustrador Khalil é contundente: “O Irã quer direitos humanos, comunicaçãoentre as pessoas. O rosto de Ahmadinejad é somente um rosto feio que olhoupara o mundo, não é a história do Irã, nem quem representa o país”.GUINDASTESEntretanto, não há como não se chocar com a visão, ain<strong>da</strong> que ilustra<strong>da</strong>, decorpos de dissidentes enforcados, martirizados em guin<strong>da</strong>stes e expostosem praça pública. Na história, o narrador é cru ao afirmar: “No Irã nós tambémtemos a nossa própria KKK. No lugar dos robes brancos e capuzes, elesusam turbantes e uniformes. Os cristãos têm a cruz; nós temos o guin<strong>da</strong>ste”.Oferecendo um panoramamuito atual do país, O Paraísode Zahra é o documento de umtempo, uma denúncia vigorosa.Zahra, a personagem principal,homenageia também a fotógrafa iraniana-canadense Zahra Kazemi, mortaem julho de 2003 depois de ficar duas semanas sob a custódia <strong>da</strong> RepúblicaIraniana por fotografar uma manifestação em frente à penitenciária de Evin.“NO IRÃ NÓS TAMBÉM TEMOS A NOSSA PRÓPRIA KKK.NO LUGAR DOS ROBES BRANCOS E CAPUZES, ELES USAMTURBANTES E UNIFORMES.”Zahra, a mãe sem seu filho, é uma metáfora do Irã. Como Zuzu Angel é umametáfora do Brasil. E ela, Zahra, pergunta: “Olhem pra este caixão, pra estetúmulo. Neste momento agora, onde está o Mehdi? Este túmulo é o seu futuro?Este caixão é o seu passado? E se ele não estiver no túmulo e nem nocaixão? Olho para este túmulo e não vejo Mehdi. E se eu abrisse este caixão,não encontraria Mehdi. Encontraria a assinatura de um povo sem nome esem rosto, sem história nem futuro”.


delirium ambulatoriumDEPOIM ENTO | lygia clark(SURTO)Jards Macalé relembra como a sensibili<strong>da</strong>de eas experimentações terapêuticas de Lygia Clarko aju<strong>da</strong>ram a espantar uma crise <strong>da</strong>s bravasLygia e Macao se beijamTEXTO jards macaléConheci Lygia Clark através de Hélio Oiticica, é claro, e logo nos tornamosamigos. Era o ano de 1967 e comecei a frequentar sua casa na Rua PradoJúnior, em Copacabana, quase Leme. Também através de Lygia e Hélio fuiconhecendo (pessoalmente) Rubens Guerchman e Roberto Magalhães. Rubensme convidou a fazer a trilha sonora do filme sobre seu pai – um artistagráfico barra-pesa<strong>da</strong> – e Roberto fez o cartaz <strong>da</strong> primeira comemoração dodia 7 de setembro em Brasília pós-ditadura. Era uma bandeira brasileirasofisticadíssima, sem a frase “ordem e progresso”. Anos depois pergunteia ele se podia transformar aquela bandeira em cenário para um show meu.Ele aquiesceu e até ajudou a fazê-la maior. Ain<strong>da</strong> hoje, volta e meia, eu a uso.Em 1982, Lygia estava imersa em experiências terapêuticas corporais. Játinha pulado <strong>da</strong> moldura há muito e sua experimentação encontrava o corpohumano como suporte. Convidou-me a participar usando objetos querepresentavam os quatro elementos <strong>da</strong> natureza: água, terra, fogo e ar. Comeles, fazia o que chamava de “preencher os buracos do corpo”: sensibilizavaas “zonas mortas”, tornando-as vivas e fazendo com que o corpo, estimuladopelos objetos, se tornasse inteiro.Passei dois anos entregando meu corpo ao colchonete cheio de areia (terra),onde ela passeava com os elementos-objetos (água, fogo e ar), preenchendoos “buracos”, sensibilizando-os. Saía <strong>da</strong>s sessões leve e pleno. Inteiro.Diante <strong>da</strong>s pressões políticas e <strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des de trabalho, entre outrasquestões, surtei em 1981. Um dia vesti a bata branca que Jorge Amadohavia me <strong>da</strong>do para fazer o personagem de seu livro Ten<strong>da</strong> dos Milagres(Pedro Arcanjo, os olhos de Xangô), que Nelson Pereira dos Santos estavafilmando. Coloquei os colares do santo e, com a espa<strong>da</strong> de meu pai (oficial<strong>da</strong> Marinha de Guerra do Brasil), fiz discursos libertários pelas ruas do Rio.Vendo que eu não estava lá muito bem, Maninha, minha mulher na época,e meu amigo Xico Chaves (artista plástico e performer) me levaram atéLygia. Pediu que me deixassem com ela, dizendo que telefonaria para elesassim que eu retornasse à “normali<strong>da</strong>de”. Deitou-me no colchonete de areiae sumiu do quarto. Lá pelas tantas voltou com uma xícara de chá de camomilae disse: “Tome este chazinho, este calmante (Lexotan) e procurerelaxar”. Como Lygia tem o mesmo nome de minha mãe, transferi para elao sentimento de proteção materna.Já sonolento, eu a vi trepa<strong>da</strong> numa cadeira colocando um pano na janelapara quebrar a luz. Não tinha cortina e a luz <strong>da</strong> tarde era forte. Desceu <strong>da</strong>cadeira e sumiu de novo. Apareceu com um livro e disse: “Vá lendo estelivro que você vai melhorar”. Era o Poema Sujo (escrito em 1976), de FerreiraGullar. Saiu deixando a porta entreaberta: “Qualquer coisa, chame”. Comeceia ler. O poema era barra-pesadíssima. Adormeci.Passei dois dias dormindo. Quando acordei ela estava senta<strong>da</strong> na cadeira ao pé<strong>da</strong> janela lendo o livro que me dera. Sorriu para mim: “Como está se sentindo?”.“Bem”, respondi. “Vamos à cozinha que vou fazer um cafezinho.” Enquanto faziao café ela me falou sobre o grave problema dentário pelo qual estava passando,reclamando do preço do dentista e dizendo que tinha de vender algumas obraspara pagar o tratamento. “Vou telefonar para sua casa e pedir que venhambuscá-lo; sente-se em condições?” Respondi que sim e acrescentei: “Peça quetragam roupas, porque não vou sair de bata e colares por aí”. Ela riu.Jards Macalé é compositor, músico, produtor e diretor musical,orquestrador e ator. Há quase 35 anos no cenário artístico, atuaem diversas áreas de expressão, com trabalhos realizados comGal Costa, Glauber Rocha, Caetano Veloso, Jorge Amado, NanáVasconcelos, Maria Bethânia, Mário de Andrade, Hermeto Paschoal,entre tantos outros. Lançou recentemente o CD Jards (BiscoitoFino, 2011) e está produzindo um documentário sobre o disco, comdireção de Érik Rocha, filho de Glauber.CONTINUUM14 15


CAPA | tulipa ruizOreflorescer<strong>da</strong>TEXTO leonardo calvanoFOTOS andré seiti<strong>Tulipa</strong>Cantora e compositora lança segundo disco e se consoli<strong>da</strong>como uma <strong>da</strong>s mais representativas artistas <strong>da</strong> sua geração


16 17


“<strong>TUDO</strong> <strong>TANTO</strong> SURGIUNATURALMENTE E FOI PRODUZIDOLEVEMENTE, COMO NUMABRINCADEIRA ENTRE AMIGOS.”O grande desafio <strong>da</strong> carreira de um músico nãoé gravar o primeiro disco, e sim <strong>da</strong>r continui<strong>da</strong>deao trabalho com a mesma quali<strong>da</strong>de demonstra<strong>da</strong>anteriormente, além de superar as expectativase não cair na mesmice. Depois de lançar oálbum Efêmera (YP Music, 2010), sucesso de críticae público, <strong>Tulipa</strong> Ruiz opta novamente pelaousadia e mostra quanto é capaz de amadurecere transcender em tão pouco tempo. O trânsitolivre por diversas linguagens e estilos nas composiçõesde Tudo Tanto, seu mais novo trabalho,lançado em julho deste ano, projeta luz a esse saltorumo a algo consistente. A nova fase é umaespécie de afirmação de <strong>Tulipa</strong> como artista e jáa coloca como uma <strong>da</strong>s maiores de sua geração,apesar de não existir nenhum tipo de peso nessacaminha<strong>da</strong>. “Tudo Tanto surgiu naturalmente efoi produzido levemente, como numa brincadeiraentre amigos”, diz a cantora.<strong>Tulipa</strong> recebeu a reportagem <strong>da</strong> CONTINUUM horasdepois de voltar de uma série de shows noReino Unido. Mesmo sob efeito do jet lag, esbanjavabom humor e nos brin<strong>da</strong>va com muitas históriasdeliciosas. “Toquei até numa igreja milenare, quando soube que passaria perto <strong>da</strong> casa doSting, resolvi parar e colocar um disco meu nacaixa de correio”, conta.EFÊMERAApesar de ter nascido em Santos, <strong>Tulipa</strong> Ruiz seconsidera mineira de coração. Foi cria<strong>da</strong> em SãoLourenço, sul de Minas Gerais, para onde se mudoucom a mãe aos 2 anos de i<strong>da</strong>de, logo após aseparação dos pais. A primeira aproximação coma arte aconteceu quando ela fez um programa derádio ao vivo na escola e, graças ao sucesso <strong>da</strong>empreita<strong>da</strong>, foi convi<strong>da</strong><strong>da</strong> a fazer um programadiário numa emissora comunitária. Para produziras vinhetas, contava com a aju<strong>da</strong> do irmão e sempreparceiro Gustavo Ruiz. Ain<strong>da</strong> na adolescência,a cantora entregou panfletos, fez curso paratrabalhar em cassino, foi secretária numa escolade inglês e trabalhou numa loja de discos. A primeiraexperiência, de fato, com a música aconteceuaos 14 anos, num coral, no qual permaneceuaté os 17. Ela fazia parte também de um grupo deimproviso que promovia esquetes e performancespela ci<strong>da</strong>de.Passou a estu<strong>da</strong>r canto lírico e por algum tempoacreditou que esse poderia ser um bom caminhoa seguir. “São Lourenço é uma ci<strong>da</strong>de muito pequena,tem, no máximo, 60 mil habitantes. Quandoeu morava lá, só existia a facul<strong>da</strong>de de administração,então comecei a fazer aulas de canto líricoe também de italiano, para entender o que eucantava”, relembra. “Uma hora pensei: ‘Nossa, issoque estou fazendo é surreal; preciso de algo maisprático, como uma facul<strong>da</strong>de’. Foi aí que me mudeipara São Paulo e comecei a estu<strong>da</strong>r multimeios naPUC, em 2000.” Na universi<strong>da</strong>de, <strong>Tulipa</strong> conheceuos músicos Tatá Aeroplano e Dudu Tsu<strong>da</strong>, que setornariam grandes amigos seus. Com Tsu<strong>da</strong> crioua ban<strong>da</strong> Tugudugune, que se apresentava emfestinhas e bares. Durante esse tempo, trabalhoutambém como arte-educadora e ilustradora. “Nessaépoca eu costumava fazer a arte dos flyers dosshows e <strong>da</strong>s festas dos meus amigos”, conta.TAL PAI, TAL FILHAGrande parte <strong>da</strong> bagagem e do conhecimentomusical de <strong>Tulipa</strong> vem de seu pai, Luiz Chagas,guitarrista, compositor e jornalista que tocou, entretantos outros, com Itamar Assumpção na ban<strong>da</strong>Isca de Polícia. “Tinha essa coisa de ele tocarcom o Itamar e ser crítico de música em São Paulo”,fala <strong>Tulipa</strong>. “Meu pai sempre man<strong>da</strong>va discospara nós e cobria as ban<strong>da</strong>s que eu mais gostavaquando adolescente. Uma vez ele me ligou dizendoque ia entrevistar o Slash [guitarrista dosGuns N’ Roses]. Eu fiquei enlouqueci<strong>da</strong>!”Chagas atualizava <strong>Tulipa</strong>, que cresceu ouvindodiscos frescos, além, é claro, de ter acesso ao ricoacervo que ele mantinha – recheado de clássicosdo tropicalismo, do Clube <strong>da</strong> Esquina, entre tantosoutros – e que acabou indo para São Lourençocom a cantora. “Hoje em dia ele toca com agente. É engraçado quando me perguntam <strong>da</strong>nova geração, porque tem gente de to<strong>da</strong>s as i<strong>da</strong>destocando comigo. A ban<strong>da</strong> tem essa característicaatemporal. Mas eu diria que meu pai é ocara mais jovem de todos. Sempre atento às novi<strong>da</strong>des,antenado. É uma influência para mim epara todos os meus amigos. Um cara que transitano recorte <strong>da</strong> cena musical paulistana.”OK, SOU <strong>CANTORA</strong><strong>Tulipa</strong> sempre deu canjas em apresentações deamigos e frequentou os palcos de artistas comoJunio Barreto e Ortinho em casas de shows quesurgiam junto à cena musical que se formava nacapital paulista. Participou ain<strong>da</strong> <strong>da</strong> ban<strong>da</strong> NaRo<strong>da</strong>, com músicos do Teatro Oficina, de discosdo Cérebro Eletrônico, Dona Zica e Nhocuné Soule de shows de seu pai, como backing vocal. Desdeentão, foram vários projetos até se consoli<strong>da</strong>rcomo cantora e compositora. Com outros amigostambém criou a ban<strong>da</strong> Doutor Arnaldo paraquatro apresentações na Vila Ma<strong>da</strong>lena, em SãoPaulo, cuja proposta era bem performática. “Combineicom a Fernan<strong>da</strong> [Couto – atual assessora decomunicação <strong>da</strong> artista] que quem não estivessecantando teria de fazer tricô com guizos”, relembrarindo. “Nessa época eu ain<strong>da</strong> não me via comocantora”, enfatiza.Por influência do cantor e amigo Thiago Pethit,finalmente <strong>Tulipa</strong> criou um perfil no MySpace[myspace.com/tuliparuiz], site utilizado por artistas,sobretudo músicos, para divulgar seus trabalhos.“Foi quando falei: ‘Ok, sou cantora’.” Surgiuentão um convite para tocar no Teatro Oficina,uma oportuni<strong>da</strong>de de testar suas músicas, assimcomo no projeto Prata <strong>da</strong> Casa, do Sesc, e na casanoturna Grazie a Dio. “Quando chegou janeiro de2010 eu tinha de gravar. O Gustavo [Ruiz] haviafechado uma <strong>da</strong>ta no Auditório Ibirapuera parao lançamento do disco, mas ele nem sequer existia.Nós só tínhamos o repertório, mas chegamosà YB Music e fechamos a gravação”, conta. Resultado:gravado a toque de caixa, o disco ficoupronto a tempo, e, no dia <strong>da</strong> estreia, 150 pessoasficaram para fora do show.


AMADURECIMENTODois anos após Efêmera, <strong>Tulipa</strong> Ruiz lança TudoTanto, no qual assina, sozinha ou com parceiros, to<strong>da</strong>sas 11 faixas. A produção é de Gustavo Ruiz e osarranjos de cor<strong>da</strong>s e sopros são de Jacques Mathias.O trabalho foi selecionado no edital Natura Musicale tem apresentações confirma<strong>da</strong>s em Salvador, noTeatro Castro Alves; em São Paulo, no Auditório Ibirapuera;no Rio de Janeiro, no Circo Voador; e emCuritiba, no Sesc <strong>da</strong> Esquina.O PALCO É O MEU LUGAR. QUALQUER MICROFONIA,RESPIRAÇÃO ERRADA, QUALQUER DESAFINADA PODESER LINGUAGEM, PODE TRABALHAR A MEU FAVOR.”Nesse novo disco, a cantora está ain<strong>da</strong> mais vigorosae à vontade. <strong>Tulipa</strong> explora novos caminhosde sua extensão vocal, experimentados eaperfeiçoados no palco durante o intervalo entreos dois trabalhos. “Desta vez fizemos o caminhocontrário. Antes de gravar Efêmera, havíamosfeito uma série de shows. Com o Tudo Tanto,primeiro gravamos para depois pensar no palco.Estou mais à vontade, pois aconteceu justamenteo que me disseram: fazer o segundo disco émuito mais divertido que o primeiro, já que nãohá mais aquela tensão do lançamento. Eu guardeiesse conselho e isso me apaziguou”, explica.<strong>Tulipa</strong> conta que, mesmo tendo amadurecido asmúsicas em shows, o período de gravação de Efêmerafoi muito curto. “A gente se apresentou comformações diferentes e ca<strong>da</strong> músico contribuiu deum jeito. Saiu até uma crítica dizendo que eu fiz umdisco diferente do show. Fiquei com isso na cabeçae foi aí que percebi que gravar um disco é como fazeruma fotografia <strong>da</strong> música. Depois que você fotografa,coisas acontecem, outros músicos chegam,é algo que está constantemente em processo.”O amadurecimento <strong>da</strong> cantora é facilmente perceptívelno novo trabalho. Sua voz navega comsegurança tanto em tons mais graves quanto emagudos extremos, desenhando melodias sinuosas.No entanto, em termos de texto e temática,as composições não abandonaram o humor ea irreverência <strong>da</strong> produção anterior. “No TudoTanto eu cheguei despreocupa<strong>da</strong>. Fui fazendoas músicas, sem saber ain<strong>da</strong> o nome do disco, fuisentindo tudo aos poucos; tive muito tempo paragravar voz e isso foi muito gostoso. O anterior foimuito rápido. Palco é uma coisa, estúdio é outra,e antes, para mim, era muito difícil gravar voz”,confessa. “Não sei se vou dizer isso <strong>da</strong>qui a 20anos, mas o palco é o meu lugar. Qualquer microfonia,respiração erra<strong>da</strong>, qualquer desafina<strong>da</strong>pode ser linguagem, pode trabalhar a meu favor.No estúdio não; é como se fosse um zoom nasua voz. Então qualquer respiração é diferente. Écomo se enxergássemos os nossos poros. Eu demoreia começar a curtir isso. Nesse disco fiqueimais relaxa<strong>da</strong>, desfrutei mais do processo.”O trabalho atual, segundo a cantora, é consequênciado que aconteceu com o anterior. “Acredito queas pessoas esperam escutar coisas novas, diferentes.Se eu fizesse o Efêmera 2 ia ser mais do mesmo.Nós não vemos a hora de começar a tocar asmúsicas novas e ver o que acontece.” O disco incluitambém uma parceria com Criolo e participaçãode Lulu Santos, São Paulo Underground, DanielGanjaman, Kassin, Rafael Castro, entre outros.LULU NO MEU NOVO DISCO?<strong>Tulipa</strong> e Gustavo Ruiz tinham como missão criaruma música para o novo trabalho, durante umcafé, antes de chegar ao ensaio. “Levamos umgravador, ficamos assoviando um tema, chegamose perguntamos para a ban<strong>da</strong> o que achavam”,conta. “A música rolou legal, ensaiamosa tarde inteira só com a melodia. A ban<strong>da</strong> fezum intervalo para tomar um café e prometi que,quando eles voltassem, eu teria uma letra.”Quando começaram a ensaiar a música completa,perceberam que ela se parecia muito com asbala<strong>da</strong>s de Lulu Santos e decidiram fazer o convite.“Eu o conheci durante um show que fiz emSalvador. Rolava uma empatia. Depois fui vê-loem São Paulo e trocamos uma ideia. É impressionantecomo to<strong>da</strong>s as músicas que ouvi ali faziamparte <strong>da</strong> minha linha do tempo afetiva”, diz.“É uma ideia que existe na cabeça e não tem amenor pretensão de acontecer”, cantarola. “Isso élindo! Esse show mexeu muito comigo.”Após o encontro com Lulu, <strong>Tulipa</strong> arrumou oe-mail do cantor e escreveu para ele com o assunto:Lulu no meu novo disco?. “Passou um diae ele respondeu: boa pergunta! E se prontificou agravar, amarradão. O processo foi muito legal, amelodia chegou nele.” No final, a música foi batiza<strong>da</strong>de “Dois Cafés”, justamente por ter sidocomposta no intervalo entre um café e outro.Quanto à carreira internacional, <strong>Tulipa</strong> considerauma grande responsabili<strong>da</strong>de levar nossa músicapara fora do país, já que existe uma pressão por parte<strong>da</strong>s pessoas e <strong>da</strong> imprensa em saber tudo sobre oBrasil. A cantora, que já se apresentou nos EstadosUnidos, na Europa, na Argentina e na Colômbia,para citar alguns, conta que os artistas brasileirosviraram uma espécie de pequenos embaixadores.“Temos de explicar o que é samba, o que é bossanova, quem é Tom Jobim, até finalmente perguntaremsobre o que estamos fazendo no momento.Mas, ao mesmo tempo, é interessante a formacomo a música transcende o idioma”, conclui.CONTINUUM18 19


CONTINUUM22 23


PERFIL | roniwalter jatobáDe peão a pioneiroO escritor Roniwalter Jatobá não se rende a modernismos literários e acredita que há poucos textos bons direcionados aos jovensTEXTO ie<strong>da</strong> estergil<strong>da</strong> de abreuFOTO jessica rosenA fábrica Nitro Química, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> em 1935 nazona leste de São Paulo, tinha fama de empregarnordestinos para trabalhar em áreas perigosase insalubres, expondo-os a vários tipos de gástóxico. Nos últimos anos, a empresa adotou olivro Crônicas <strong>da</strong> Vi<strong>da</strong> Operária (Boitempo,2004), de Roniwalter Jatobá, para mostrar aostrabalhadores que, dos anos 1940 e 1950 paracá, as coisas haviam mu<strong>da</strong>do. Finalista em 1978do Prêmio Casa <strong>da</strong>s Américas, em Cuba, e já nasétima edição, Crônicas resgata, com lirismo edenúncia, o dia a dia dos operários <strong>da</strong>s fábricasdo ABC paulista. Para o escritor Luiz Ruffato,nesse livro, assim como em outros como Saborde Química (Oficina de Livros, 1976), Paragens(Boitempo, 2004) e Tiziu (Scritta, 1994), o autorpraticamente instaura a literatura proletáriabrasileira. “Jatobá é pioneiro ao alicerçar suaobra no operário”, disse Ruffato.São mais de 15 livros publicados, prêmios importantesconquistados e contos incluídos emdiversas antologias brasileiras e estrangeiras,além de versões traduzi<strong>da</strong>s para o alemão, o inglês,o sueco, o holandês e o italiano. O autor,que acaba de completar 63 anos, diz ser um dospoucos que escrevem sobre o migrante nordestino.“Não tenho intenção de mu<strong>da</strong>r de assuntoou buscar modismos, o que acontece com grandeparte dos escritores brasileiros. Tento, aocontrário, me aprofun<strong>da</strong>r na temática e elaborarca<strong>da</strong> vez mais a linguagem, fugindo, claro, doranço naturalista”, conclui Jatobá.CAMINHOSPara esse filho de baianos, nascido à beira <strong>da</strong> rodoviaem 22 de julho de 1949, em Campanário, MinasGerais, era como se desde cedo enxergasse outrasrotas. Aos 10 anos foi morar na casa de um tio emCampo Formoso, Bahia. Fez o ginásio em um colégioprotestante e lá descobriu a literatura. “Conheciquase todos os títulos <strong>da</strong> pequena biblioteca <strong>da</strong>ci<strong>da</strong>de: textos de Dostoiévski, Gogol, Kafka. Os jovens,na grande maioria, brigavam para ver quemia ler primeiro as novi<strong>da</strong>des literárias que chegavamde Salvador”, conta. Durante quatro anos, oescritor se esbaldou de ler Graciliano Ramos, JoséLins do Rego e muita prosa americana.Nesse meio-tempo, foi para o Rio de Janeiro,onde trabalhou como office boy. Circulou pelosertão baiano dirigindo um caminhão que serviapara o pai comercializar produtos industrializados,e, nas muitas horas vagas, lia. Incentivadopelos pais analfabetos, mudou para São Paulo.“Minha mãe juntou os últimos trocados que tinhaguar<strong>da</strong>do <strong>da</strong> ven<strong>da</strong> de umas laranjas e umasgalinhas, comprei a passagem e vim”, relembra.Nos primeiros anos em São Paulo, antes de ser jornalistae escritor, o mineiro radicado em São Pauloprocurou, sem sucesso, trabalho na tal Nitro Química.Conseguiu, em vez disso, uma vaga de aju<strong>da</strong>ntegeral na fábrica de automóveis Karmann-Ghia. Eleconta que ficou três anos empurrando carrinhoscheios de peças para a produção. “Levava tudo atéa montagem e distribuía para as diversas fases. Nãoera exatamente a minha área, mas não tinha maisna<strong>da</strong> para fazer além <strong>da</strong>quilo. Precisava sair.”Depois <strong>da</strong> fábrica, foi trabalhar na gráfica <strong>da</strong> EditoraAbril, já no final de 1973. Cinco anos depois,com auxílio financeiro <strong>da</strong> empresa, formou-sejornalista e conheceu professores que o introduziramna literatura. “Lembro como se fosse hojede Ana Teresa, professora e minha primeira leitora.Tinha olhar atento, incentivador. Em sala deaula, ela me passou a ideia de que eu poderia serescritor e, se possível, um bom escritor.”DA POESIA AO ROMANCERoniwalter escrevia poesia no ginásio, mas dizque era só por vontade poética. “Gosto do gêneroe leio bastante, sempre acompanhando os grandespoetas. Pena que não saiba fazer, mas usomuito o ritmo <strong>da</strong> poesia no meu texto.” Naqueletempo, o maldito Augusto dos Anjos era lido erecitado nos bares de Campo Formoso. “Fiqueifascinado e escrevi uns versos, que foram elogiadospela minha professora de português. Até meempolguei, mas continuei só lendo.”Ele, que já foi cronista do Diário Popular, hoje segueescrevendo em blogs como o <strong>da</strong> Boitempo eo Tu<strong>da</strong>-Papel Eletrônico. “Não gosto <strong>da</strong> crônicaque você é obrigado a fazer todos os dias, mas<strong>da</strong>quela que tem quase a mesma estrutura doconto, aquela que não envelhece.”Na apresentação do primeiro romance de Jatobá,Filhos do Medo (1979), o escritor e pesquisadorValdomiro Santana diz que o autor sentiu medode não ter fôlego para encarar a mu<strong>da</strong>nça de estilo.“Embora o conto também seja complexo, a estruturaé mais curta. Achava realmente que no romanceeu fosse me atrapalhar”, explica. “A novelaTiziu, quase um romance, foi reescrita oito vezesna máquina de escrever. Ca<strong>da</strong> vez que lia achava


um problema e voltava ao começo, por isso nuncame arrisquei num romance de 400, 500 páginas.”Roniwalter acredita que sua obra se deve à experiênciacomo re<strong>da</strong>tor dos fascículos Nosso Séculoe Retrato do Brasil. “Não escrevíamos ficção, mas,sim, história conta<strong>da</strong> com uma liber<strong>da</strong>de poéticaque, de certa forma, ilustrava as belas fotos.” Parao público jovem, editou Juazeiro: a Guerra noSertão (1996), sobre o padre Cícero, e A Crise doRegime Militar (1997). O romance que está escrevendoagora se passa nos anos 1920, na Chapa<strong>da</strong>Diamantina, em um colégio presbiteriano. Há umentrelaçamento entre a visão protestante em conflitocom o catolicismo na região, experiência vivi<strong>da</strong>pelo autor, e a passagem <strong>da</strong> Coluna Prestes.“O leitor jovem não tem vícios. Você entrega umtexto agradável, que flui, e ele vai embora”, enfatiza.“Há escassez de bons textos para esse público.Eles sentem falta de uma literatura que aponterumos num momento de formação <strong>da</strong> sua personali<strong>da</strong>de”,acredita. Mais recentemente, publicoupara a Coleção Jovens sem Fronteiras O JovemChe Guevara (2004), O Jovem JK (2005), O JovemFidel Castro (2008), O Jovem Luiz Gonzaga (2009)e O Jovem Monteiro Lobato, este lançado em julhode 2012 com o novo livro de contos, Cheiro de Chocolatee Outras Histórias. Ao apresentá-lo, Ruy EspinheiraFilho diz que “a arte de Roniwalter Jatobáse mostra por inteiro neste volume aparentementedespretensioso e que é, na ver<strong>da</strong>de, tecido comas fontes profun<strong>da</strong>s que trazem à superfície fria docotidiano o que nos faz mais dignos na vi<strong>da</strong> e quese chama calor humano”.Embora surjam convites para atuar no jornalismo,Roniwalter agora só quer fazer literatura,com tranquili<strong>da</strong>de, mesmo sabendo que não dápara viver dos seus livros. “O que ganho com direitosautorais complementa alguma coisa, masain<strong>da</strong> bem que tenho a aposentadoria.” E não faltamtrabalhos, como a seleção e apresentação dosegundo livro de crônicas de Lourenço Diafériae um do poeta Álvaro Alves de Faria, sobre Domitila,a marquesa de Santos. “Este reproduz ascartas de dom Pedro e, como as cartas-resposta<strong>da</strong> Domitila foram extravia<strong>da</strong>s, o Álvaro as respondecom poesia. Ficou muito legal.”23CONTINUUM22


REPORTAGEM | mu<strong>da</strong>nças na TV pagaO ator Marcos Palmeira interpretao advogado Mandrake,<strong>da</strong> série homônima <strong>da</strong> HBOfoto: divulgaçãoo abre-alas doaudiovisual brasileiroNova lei faz com que os canais por assinatura passem a exibir programação nacional e independente no horário nobre,<strong>da</strong>ndo uma guina<strong>da</strong> nas produções de conteúdo para TV no BrasilTEXTO carol almei<strong>da</strong>“A ci<strong>da</strong>de não é aquilo que se vê do Pão de Açúcar.”A frase, de 2005 e que dá título ao episódio-pilotode Mandrake, primeira série brasileiracoproduzi<strong>da</strong> e exibi<strong>da</strong> pela HBO na América Latina,soa profética para o que então se anunciavano mercado audiovisual brasileiro. Tal comoa ci<strong>da</strong>de cujo pulsar já não mais cabia em umafoto de cartão-postal, estava mais do que claroque, naquele momento, a TV por assinatura noBrasil não mais podia se adequar ao olhar gringo,à mira<strong>da</strong> panorâmica de uma programação queera turista em seu próprio país.No virar do calendário de agosto para setembrodeste ano, entra em vigor a lei cujo número qualquerprofissional <strong>da</strong> área já memorizou há tempos:12.485. É com ela que o mercado de audiovisualpretende finalmente amanhecer (e brilharensolarado) para desabrochar, quem sabe, comouma indústria consoli<strong>da</strong><strong>da</strong>, conceitua<strong>da</strong> e internacional.Pode parecer discurso de hino ufanista,mas é fato que uma brisa de otimismo soprahoje por entre os corredores <strong>da</strong>s produtoras deconteúdo do país. E não é para menos. A tal lei,publica<strong>da</strong> no último mês de junho pela Ancine(Agência Nacional do Cinema), prevê uma sériede incentivos à produção nacional para TV paga.A começar por aquele que obrigará todos os canaisde TV por assinatura a exibir um mínimo de3 horas e 30 minutos de programação nacionalem horário nobre, sendo 50% desse tempo ocupadopor produção independente.Com isso, a Ancine não apenas abre a primeiraporta para a criação de uma indústria de audiovisualnacional, como fun<strong>da</strong>mentalmente descortinao Brasil para uma parte dos brasileirosque, zapeando hoje pelos canais de pacotes pagos,conseguem muito mais facilmente entenderas nuances <strong>da</strong>s ruas de Manhattan do quede Copacabana. “Não faz mais sentido simplesmentelegen<strong>da</strong>r programas de fora. Estamos falandode uma questão que é se comunicar coma população”, acredita Gustavo Moura, que, aolado <strong>da</strong> mulher, a apresentadora Marina Person,abriu em 2011 uma produtora de vídeos, a MiraFilmes, hoje com 12 projetos de programas sendodesenvolvidos para canais de televisão. “Aideia é que este trabalho de pensar em novosprogramas não pare nunca. Digamos que desses12 projetos consigamos emplacar 3 ou 4. Jáestá legal”, diz Moura.Nas palavras de Marina Person, tudo se explicamais ou menos assim: “É necessário perguntar seo Brasil quer ser fornecedor de minério e laranjaou se queremos ganhar um Oscar”. Sua provocaçãosintetiza todo o debate. Visto hoje internacionalmentecomo um país emergente e à beira desediar uma Copa do Mundo e as próximas Olimpía<strong>da</strong>s,o Brasil ain<strong>da</strong> carimba sua identi<strong>da</strong>de láfora com ecos <strong>da</strong> maneira Zé Carioca de ser. Aexemplo do que acontece há déca<strong>da</strong>s nos EstadosUnidos, onde há mecanismos de estímulo à produçãodo audiovisual, nosso cartão de visita podemu<strong>da</strong>r bastante quando começarmos não apenas


25foto: divulgaçãofoto: Humberto PimentelJece Valadão (no centro à frente),um dos protagonistas <strong>da</strong> sérieFilhos do CarnavalJoana Mariani e Matias Mariani(no centro à frente) posam com aequipe <strong>da</strong> Primo Filmesa nos ver no espelho, como estrategicamente exportaressa imagem para além <strong>da</strong>s fronteiras.“A questão é: estamos falando de uma conta quetem de fechar. O negócio precisa ser bom tantopara as produtoras quanto para os canais. Quandovocê fala nesses canais grandes, eles precisam deum produto brasileiro que consiga circular tambémpor outros países <strong>da</strong> América Latina. E aí oque você faz? Cria um enredo latino-americano. Eexistem milhares de assuntos que envolvem to<strong>da</strong>a América Latina”, explica Joana Mariani, sócia <strong>da</strong>Primo Filmes com o primo Matias Mariani.A produtora, aliás, já deu início às filmagens deum de seus projetos mais au<strong>da</strong>ciosos. Em parceriacom o Canal Futura, a ficção Família Imperial éuma série infantojuvenil, dirigi<strong>da</strong> por Cao Hamburger,que coloca em paralelo dois casais de irmãos<strong>da</strong> mesma família que vivem em temposdistintos: dois deles moram no Rio de Janeiro de2012 e os outros dois estão na ci<strong>da</strong>de em 1812, poucodepois <strong>da</strong> vin<strong>da</strong> <strong>da</strong> corte portuguesa ao Brasil.Graças a um feitiço, esses dois pares de irmãostrocam de tempo, <strong>da</strong>ndo abertura para que o nossopresente conheça nosso passado e vice-versa.Não deixa de ser uma parábola para uma possíveljorna<strong>da</strong> de autoconhecimento com o impulsoque a Lei 12.485 <strong>da</strong>rá ao audiovisual nacional.Porque, se até hoje as produtoras independentes(com o perdão do trocadilho) dependiam doscanais sob o guar<strong>da</strong>-chuva Globosat (GNT, Multishow,Canal Brasil, Canal Futura, entre outros)para fazer vingar suas ideias, <strong>da</strong>qui para a frenteas possibili<strong>da</strong>des se agigantam com to<strong>da</strong>s as outrascombinações do controle remoto.“Acho que esse é o momento de novas cabeças,ideias e, principalmente, de mostrar a cara brasileiranesses canais”, afirma Tiago Mello, que atépouco tempo era diretor executivo de uma <strong>da</strong>smaiores produtoras do país, a Mixer, e decidiuinvestir sua experiência de mais de dez anos naárea em sua própria produtora, que começa comestrutura de pós-produção. “Estamos em umamaratona para fechar projetos para canais. Omercado de produtoras nasceu no Brasil pensandoe mirando sempre o cinema, e agora temosde pensar em produtos que gerem audiência eestejam focados naquilo que os canais precisam.”Provado está que, no momento em que se encontra,a produção audiovisual independente, aquelafeita fora <strong>da</strong>s emissoras abertas do país, consegue,sim, criar conteúdo de quali<strong>da</strong>de internacional,capaz de desfazer nossa necrosa<strong>da</strong>, introjeta<strong>da</strong> eexporta<strong>da</strong> imagem de samba-futebol-e-carnaval.Além <strong>da</strong>s séries já coproduzi<strong>da</strong>s pela HBO − comoMandrake, Filhos do Carnaval e Alice −, temosuma carta de ofertas originais e de diversos formatose representações, como os bem-sucedidosSuperBonita, programa de varie<strong>da</strong>des do GNT, eAdorável Psicose, série de ficção do Multishow.E, se há quem diga que nosso grande gargalo criativo,na TV ou no cinema, ain<strong>da</strong> está na elaboraçãode bons roteiros, há também quem acredite que oproblema maior seja justamente essa falta de exercíciode um mercado, até então, desprotegido pelogoverno. “Você só aprende a pintar pintando e ajogar futebol jogando. Se falta mão de obra qualifica<strong>da</strong>no Brasil, essa é a nossa oportuni<strong>da</strong>de paraexperimentar novos caminhos. A questão agoraé aprender a trabalhar, em orçamento e prazo, eentender o público. O que falta é botar esse povopara trabalhar e aí, uma hora, os acertos vão falarmais alto que os erros”, pontua Gustavo Moura.Otimistas ou realistas, os produtores são consensuaisem um ponto: com a Lei 12.485, a Ancinequer aju<strong>da</strong>r a criar uma indústria que, sem mecanismosde proteção do governo, não iria muitolonge. Essas regulamentações já deram certo empaíses próximos, como a Argentina, e, claro, mantêmo maior mercado de audiovisual do mundo,o dos Estados Unidos. E, se a produção audiovisualnacional nasceu pensando na tela grande docinema, agora ela pode <strong>da</strong>r seu maior passo commonitores bem menores.CONTINUUM24


REPORTAGEM | ci<strong>da</strong>des que <strong>da</strong>nçamBailando em escalaRede Ci<strong>da</strong>des que Dançam reúne festivais site specificem 35 ci<strong>da</strong>des e 18 países ao redor do mundoMAIORTEXTO deborah rocha moraesJá se deparou com um espetáculo de <strong>da</strong>nça contemporânea enquanto caminhavapela rua? Pois saiba que os festivais realizados em espaços não convencionais<strong>da</strong> paisagem urbana são uma prática ca<strong>da</strong> vez mais comum. É oque tem compartilhado a CQD – Ci<strong>da</strong>des que Dançam – rede internacionalem 35 ci<strong>da</strong>des e 18 países, entre Europa, América Latina, Ásia e África.A ideia de uma aldeia global para a <strong>da</strong>nça surgiu em Barcelona, em 1992,na esteira <strong>da</strong>s comemorações dos Jogos Olímpicos, então sediados naquelaci<strong>da</strong>de. Em meio à atmosfera de intercâmbio e cooperação cultural, foi criadoo festival Dies de Dansa. E o cenário não poderia ser mais inspirador: o ParcGuell, do arquiteto Antoni Gaudí. “Naquela época, não existiam performancesde <strong>da</strong>nça contemporânea em espaços urbanos. A <strong>da</strong>nça ain<strong>da</strong> era umaarte bastante elitista e pouco acessível”, conta Mar Cordobés, diretor <strong>da</strong> CQD.Rapi<strong>da</strong>mente, o Dies de Dansa ganhou reconhecimento e o respeito do público,e hoje comemora a 20ª edição. Com o interesse crescente de profissionaise organizações internacionais, a CQD abarcou gradualmente novos festivaise consolidou-se especialmente em ci<strong>da</strong>des <strong>da</strong> Europa e <strong>da</strong> América Latina.Ao mesmo tempo, encorajou outras a desenvolver produções pareci<strong>da</strong>s, casode Lugar à Dança, em Lisboa (Portugal), Ciu<strong>da</strong>d en Movimiento, em Havana(Cuba), An<strong>da</strong>nza, em La Paz e Sucre (Bolívia), Danzalborde, em Valparaíso(Chile), e, mais recentemente, Dans Pie, nas IlhasReunião (França).Do Brasil, participam as ci<strong>da</strong>des de São Paulo,com o Festival Visões Urbanas; Brasília, comMarco Zero; Belo Horizonte, com Horizontes Urbanos;Porto Alegre, com Dança Alegrete; e Riode Janeiro, com Dança em Trânsito. “São Pauloé uma ci<strong>da</strong>de tão importante no cenário latino--americano que não poderíamos estar de fora”,fala Mirtes Calheiros, diretora artística do VisõesUrbanas, que ocorreu em março deste ano e trouxe21 apresentações nacionais e internacionaispara parques e praças do centro antigo paulistano,além <strong>da</strong> vizinha São Bernardo. “A <strong>da</strong>nça contemporâneafala direto ao coração e àquela parte do nosso ser que entendeas mensagens simbólicas que não permitem tradução verbal. E, para os bailarinos,as percepções colhi<strong>da</strong>s em espaços abertos podem ser utiliza<strong>da</strong>s tantoem espetáculos de palco quanto nas ruas. Um não é mais importante do queo outro, embora a <strong>da</strong>nça em espaços públicos seja uma arte com requisitosbastante específicos”, acredita.Sempre interessa<strong>da</strong> em <strong>da</strong>nçar livremente, Mirtes criou o Levante – Centrode Artes para a Rua, tendo como inspiração as propostas do livro TAZ – ZonaAutônoma Temporária (Conrad do Brasil, 2001), do autor Hakim Bey. A primeiraturma mostrou o resultado do seu processo no festival do ano passado.Neste ano, o grupo fez uma performance itinerante, que teve início no LargoSanta Cecília e terminou no Parque Buenos Aires. Em setembro, começam asaulas do Levante de Primavera, que incluirá outras ações, como o Cine Levantee encontros com pesquisadores. “O grupo é estimulado com propostas quevisam criar na rua, com a rua, para a rua e apesar <strong>da</strong> rua. Ca<strong>da</strong> encontro é umdesafio, pois requer a suspensão <strong>da</strong>s nossas ideias preconcebi<strong>da</strong>s e tambémque entremos em acordo com esse espaço pleno de vi<strong>da</strong>”, fala Mirtes.Também diretora <strong>da</strong> Cia. Artesãos do Corpo, fun<strong>da</strong><strong>da</strong> por ela em 1999 e quereúne cinco intérpretes, Mirtes deseja ampliar o alcance do festival. A oitavaedição do Visões Urbanas, que acontece em marçode 2013, pretende manter a proposta de extensão paraoutras ci<strong>da</strong>des. “Estamos estu<strong>da</strong>ndo a possibili<strong>da</strong>de deincluir Peruíbe ou São Sebastião e Ilhabela, Embu Guaçuou São Luiz do Paraitinga”, adianta.Com 38 festivais ao redor do mundo, a rede comemora20 anos no Congresso Anual Internacional Ci<strong>da</strong>des queDançam, que ocorre em novembro, na Ci<strong>da</strong>de do México.Além <strong>da</strong> estreia do festival mexicano Subterrâneo narede, o objetivo é promover o intercâmbio entre artistase companhias de <strong>da</strong>nça mexicanas e europeias, com turnêsde ambas nos países parceiros.foto: Marzio MirabellaSaiba mais em .Ubi<strong>da</strong>nza, de Aline Narie Davide Frangioni


U N I V E R S O S O N O R OO projeto Memórias Capitais reúne entrevistas sensoriais comdiversos artistas sobre a ci<strong>da</strong>de onde nasceramREPORTAGEM | memórias capitaisManaus, uma <strong>da</strong>sci<strong>da</strong>des do projetoMemórias CapitaisTEXTO gabriela rassyFOTO matthieu rougéFotos, vídeos, textos. Temos uma infini<strong>da</strong>de de meios para guar<strong>da</strong>r, de algumaforma, um tempo que passou. O registro dos momentos, porém, nãosupre o sabor, o perfume e as experiências pessoais conta<strong>da</strong>s. Retomar essassensações, através <strong>da</strong> contação de histórias, sempre relacionando-as àci<strong>da</strong>de de nascimento é a ideia principal de Memórias Capitais. Idealizadopor Cacá Machado, com direção e fotografia de Matthieu Rougé, o projeto éuma compilação de entrevistas que pretende resgatar as nuances <strong>da</strong> infânciapara retratar ca<strong>da</strong> capital brasileira por meio <strong>da</strong>s lembranças de nativosque sejam, hoje, criadores de arte.Nesse sentido, a ideia é seguir um personagem, partindo sempre do bairro,<strong>da</strong> casa ou <strong>da</strong> rua onde cresceu, para, por meio de depoimentos, traduzirsuas lembranças. “É uma experiência sensorial, por isso, é apenas sonora,para que o ouvinte possa recriar a imagem <strong>da</strong> época”, explica MatthieuRougé, que, depois do primeiro programa gravado, insistiu em acrescentarimagens ao site [itaucultural.org.br/memoriascapitais] onde o projeto éexibido. As fotos, porém, não seguem ordem cronológica nem podem servistas enquanto se escuta o áudio, exatamente para preservar o imagináriodo ouvinte. Em Salvador, por exemplo, Carlinhos Brown caminha comproprie<strong>da</strong>de pelas ruas onde vive até hoje. Canta, ri e cumprimenta ca<strong>da</strong>pessoa que passa enquanto mostra com orgulho o bairro onde passou ainfância. “Abre o gueto aqui, Helena, por favor?”, diz ao entrar em uma desuas histórias.A Salvador de Brown, aliás, tem mais intervenções de criação sonora doque a ci<strong>da</strong>de de Fafá de Belém, por exemplo, em que o som é direto. “É umprojeto muito flexível, que se a<strong>da</strong>pta a ca<strong>da</strong> personagem. Saem depoimentosmuito diferentes, o que torna o conjunto muito mais interessante do queum só programa. Além disso, de ca<strong>da</strong> um sobressaem subtemas”, explicaRougé. Um dos assuntos recorrentes é a ditadura militar, até mesmo pelai<strong>da</strong>de dos artistas escolhidos pelo diretor, todos com mais de 45 anos. “Éum recorte geracional. Acho que são personagens mais interessantes emtermos de lembranças”, diz Rougé.Alguns dos depoimentos mais atraentes considerados pelo diretor do projetosão o de Paulo Lins [Rio de Janeiro] e o de Paulo Mendes <strong>da</strong> Rocha[Vitória]. “O do Paulo Lins me toca muito porque ele tem uma voz incrível,que traduz vários sentimentos do Rio com doçura. O do Mendes <strong>da</strong> Rochase destaca pela visão, gentileza articula<strong>da</strong> e pelo recuo <strong>da</strong> i<strong>da</strong>de”, conta.“Minha infância era o meu paraíso.” Essa foi a definição que o escritor Milton Hatoumencontrou para seu lugar de origem, durante uma <strong>da</strong>s entrevistas. Em Manaus,Hatoum nos leva à rua onde morou, à escola do bairro e ao porto. Depoisde tantos anos vivendo longe <strong>da</strong>li, ele avalia sua relação com a ci<strong>da</strong>de, de ondesaiu aos 15 anos. “Acho que esse foi um dos maiores traumas <strong>da</strong> minha vi<strong>da</strong>. [...]Eu queria e não queria sair <strong>da</strong>qui. Queria porque a província é sufocante e nãoqueria para não abandonar meu paraíso”, conta o escritor. Em outro momento,ele lembra <strong>da</strong> cultura <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de naquele tempo. “Na<strong>da</strong> era perto, tudo era distante,mas as coisas chegavam. Até mesmo as rádios do Caribe, bolero, rumba. OCaribe era mais próximo <strong>da</strong> gente do que o Brasil”, diz quase em tom de poesia.A narrativa oral foi a base de to<strong>da</strong>s as culturas antes <strong>da</strong> escrita. Segundo oprofessor de pesquisa em sociologia Paul Thompson, que estu<strong>da</strong> a importância<strong>da</strong> orali<strong>da</strong>de dos fatos, a história oral é “a interpretação <strong>da</strong> história,<strong>da</strong>s socie<strong>da</strong>des e <strong>da</strong>s culturas por meio <strong>da</strong> escuta e do registro <strong>da</strong> históriade vi<strong>da</strong> <strong>da</strong>s pessoas. E a habili<strong>da</strong>de fun<strong>da</strong>mental na história oral é aprendera escutar”, como escreveu em História Fala<strong>da</strong> – Memória, Rede e Mu<strong>da</strong>nçaSocial (Sesc SP, Museu <strong>da</strong> Pessoa e Imprensa Oficial, 2006).Para Rougé, é um privilégio circular pelas ci<strong>da</strong>des conta<strong>da</strong>s e aprender comos personagens novas leituras sobre ca<strong>da</strong> lugar. “Acho que o fato de eu serfrancês aju<strong>da</strong> o programa. O João Donato, por exemplo, fazia questão decontextualizar coisas, explicar melhor, como se eu não soubesse o que aconteceulá. Acho que essa é uma vantagem de eu ser estrangeiro”, disse aosrisos. Ain<strong>da</strong> faltam nove ci<strong>da</strong>des para completar o projeto, que será concluídono final de 2012. Os próximos a entrar no ar são os depoimentos de JoãoDonato, sobre Rio Branco, e Antonio Carlos Viana, sobre Aracaju.CONTINUUM26 27


REPORTAGEM | capibaTEXTO mariana lacer<strong>da</strong>FOTOS beto figueiroaNa estante, 23 pastas de plástico, lomba<strong>da</strong>s vermelhase amarelas, tamanho grande. Em ca<strong>da</strong>uma delas, to<strong>da</strong>s abarrota<strong>da</strong>s de papel, uma etiquetaindica o conteúdo. Os temas variam de“poemas e letras de músicas (muitas)/frevos variadose orquestrados”, “frevos variados Capiba”,“choro”, “maracatu” até “valsa” e “música paraconcerto: flauta – piano e celo”. Há também letrase poemas – uns manuscritos, outros <strong>da</strong>tilografados– e partituras musicais. Ao todo, quantas páginas?“Não faço ideia; muitas”, diz Maria JoséBarbosa, conheci<strong>da</strong> como Zezita, 81 anos, viúvade Capiba e guardiã do acervo deixado por ele.Nascido Lourenço <strong>da</strong> Fonseca Barbosa, em 1904,na ci<strong>da</strong>de de Surubim, agreste pernambucano,Capiba foi músico e compositor. Seu trabalhocontribuiu de forma determinante para que oInstituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional(Iphan) tornasse o frevo um patrimônioimaterial brasileiro. Ritmo [e <strong>da</strong>nça] único, associadoa um lugar: o Recife.Quando Capiba morreu, Zezita dedicou-se a <strong>da</strong>rordem às muitas folhas avulsas com músicas,anotações, poemas e partituras deixa<strong>da</strong>s por ele.“Capiba escrevia, escrevia, fazia aquelas garatujasmusicais, batia no piano, depois jogava tudonuma caixa ou deixava pelo chão”, conta ela, quemexia pouco nas coisas do marido e quase nãose atrevia a <strong>da</strong>r ordem no que resultava de seuofício. “Ele dizia que eu não entendia na<strong>da</strong> demúsica”, relembra.Há pouco mais de um ano, Zezita deixou sua casano Recife para residir em Surubim. “Além de gostarde ci<strong>da</strong>de pequena, Capiba nasceu aqui”, dizela. Construiu uma mora<strong>da</strong> grande, ladea<strong>da</strong> porZEZITA CONTA QUE AS PAIXÕES DO MARIDOERAM, NESTA ORDEM: PRIMEIRO A MÚSICA,SEGUNDO O SANTA CRUZ, TERCEIRO O SANTACRUZ E QUARTO O SANTA CRUZ.terraços generosos, onde há cadeiras e poltronasencosta<strong>da</strong>s nas paredes. Nelas gatos dormem.“São mais de 40, mas na ver<strong>da</strong>de nunca contei.”Metade <strong>da</strong> casa é dedica<strong>da</strong> a guar<strong>da</strong>r as coisasde Capiba – e é a única parte por onde os animaisnão circulam.Lá, além <strong>da</strong>s pastas enfileira<strong>da</strong>s, há um armáriode fotografias. Algumas pinturas que retratampaisagens e figuras humanas, to<strong>da</strong>s feitas pelomúsico, decoram o ambiente. Também apoiadona parede está um armário com algumas desuas roupas. Em outra sala logo ao lado, na partemais alta de uma <strong>da</strong>s prateleiras, enfileira-se umapequena série do que Zezita chama de “fitas derolo”, que contêm áudios. São registros que Capibaconsiderava importantes: poemas gravadospor Carlos Pena Filho e músicas nas vozes de EllaFitzgerald, Frank Sinatra e Nat King Cole, alémde narrações de alguns jogos do Santa Cruz. Namesma estante, ao lado, está a velha máquinade escrever e o rádio em que, em teoria, Capibaouvia jogos e resenhas esportivas. “Ouvia na<strong>da</strong>.Ligava e desligava o tempo todo. Não aguentavaescutar um jogo do Santa inteiro”, conta Zezita.Na mesma sala está o piano de Capiba, fechado,com uma pequena bandeira de seu time queridodo lado direito. É um símbolo, uma homenagemàs coisas de que ele mais gostava. Zezita contaque suas paixões eram, nesta ordem: primeiro amúsica, segundo o Santa Cruz, terceiro o SantaCruz e quarto o Santa Cruz. “Talvez eu viesse emquinto ou sexto lugar.”RITMO DO RECIFEO frevo é uma invenção do Recife. “Se criou nomeio do povo, quase espontaneamente, e se cristalizoucomo traço marcante de sua fisionomiaurbana”, explica o pesquisador e escritor Valdemarde Oliveira, no livro Antologia Pernambucanade Folclore (Editora Massangana, 1988). Aospequenos e grandes blocos e clubes de frevo doRecife e de Olin<strong>da</strong> juntam-se amigos, namora-O TESOURO DE CAPIBAA viúva do eternizado músico e compositor pernambucano torna-se guardiã de seu acervoA máquina de escreverdo músico e compositorCapiba, morto em 1997


CAPIBA FEZ TAMBÉM MARACATUS E CHOROS,NEM SEMPRE FREVOS.TEVE MÚSICAS GRAVADASPOR CHICO BUARQUE, MARIA BETHÂNIA, NELSONGONÇALVES E JOÃO GILBERTO, ALÉM DE JUNIOBARRETO E MARIA RITA.Aceleração e desaceleraçãomusical éa proposta do showAs “fitas de rolo” com gravações de poemase músicas e narrações de jogos de futebolO piano decorado com a bandeira do timede coração de Capiba, o Santa Cruzdos, famílias, catadores de latas, pescadores demangues e crianças de to<strong>da</strong>s as i<strong>da</strong>des.Essa história começa ain<strong>da</strong> no período colonial,num momento em que assalariados e escravos nãoeram exatamente bem-vindos às festas carnavalescas,reserva<strong>da</strong>s apenas à burguesia. A partir de1870, no entanto, começaram a chegar na Zona <strong>da</strong>Mata de Pernambuco – região de solo fértil ondecrescia (e ain<strong>da</strong> cresce) a cana-de-açúcar, entãoprincipal produto <strong>da</strong> economia do estado – novastecnologias agrícolas que substituíram a mão deobra. Por outro lado, o Recife, que via crescer umaindústria têxtil e de produção de bens de consumo,atraía trabalhadores, em sua maioria negrosou mulatos. Eles eram operários <strong>da</strong> cana, habituadosao trabalho manual e artesanal, que migravampara a ci<strong>da</strong>de e começavam a se organizar em categoriasca<strong>da</strong> vez mais atentas a seus direitos.As festas populares, como o Carnaval, celebra<strong>da</strong>sem momentos de pausa <strong>da</strong>s obrigações e ocupaçõesdiárias, não eram antítese do trabalho ou anegação do cotidiano. “Emergiam <strong>da</strong>s práticas e<strong>da</strong>s relações que os indivíduos estabeleciam emseu próprio li<strong>da</strong>r durante o dia”, escreveu Rita deCássia Barbosa de Araújo em seu livro Festas:Máscaras do Tempo: Entrudo, Mascara<strong>da</strong> e Frevono Carnaval do Recife (Fun<strong>da</strong>ção de Cultura<strong>da</strong> Ci<strong>da</strong>de do Recife, 1996).Juntou-se a esse momento o fato de existiremgrupos chamados de capoeiras – o nome derivavado jogo capoeira, que eles gostavam de brincarquando saiam às ruas. Durante o Carnaval,com movimentos firmes, os capoeiras abriamalas e faziam a defesa <strong>da</strong>s ban<strong>da</strong>s, que por suavez eram acompanha<strong>da</strong>s pelo povo <strong>da</strong> rua ou domangue, que se sentia contagiado quando umclube ou bloco passava – muito embora não fossemconvi<strong>da</strong>dos a participar <strong>da</strong> festa.Eram essas pessoas, como escreveu Rita de Cássia,que ao longo dos anos incorporavam o ritmo vibrante<strong>da</strong>s músicas, ao mesmo tempo que faziamsurgir os passos de um novo estilo musical, atéentão em construção. Os movimentos eram feitosindividualmente, com traços de agressivi<strong>da</strong>de,uma forma de domínio de espaço – e também dedefesa. “Os movimentos ágeis e definidos dos corpos,por sua vez, retornavam aos músicos e inspiravamnovos acordes, num processo incessante detroca, improvisação e criação coletivas.” E assim foinascendo o frevo. “Quando menos se viu, a músicatinha ganhado, ano a ano, características próprias,inconfundíveis e, do mesmo modo, a <strong>da</strong>nça, que jánão se parecia com nenhuma outra”, sentenciouValdemar de Oliveira.Filho de músico, Capiba escreveu as notas dessahistória. Seu pai, Severino Anastásio de SouzaBarbosa, era orquestrador, arranjador, professor,clarinetista, violinista e maestro de ban<strong>da</strong>, comoconsta na coletânea Compositores Pernambucanos,100 Anos de História, organiza<strong>da</strong> por RenatoPhaelante (Cepe Editora, 2010). Refinou cançõesde frevo de bloco e de rua, sutis derivações doritmo, e trouxe poesia. Hoje, não há um carnavalescoque, estando nas ruas do Recife, não entoeMadeira que Cupim Não Rói nos dias de Momo[festa de Carnaval].Capiba fez também maracatus e choros, nemsempre frevos. Reuniu, portanto, um vasto repertório.Teve músicas grava<strong>da</strong>s por ChicoBuarque, Maria Bethânia, Nelson Gonçalves eJoão Gilberto, além de Junio Barreto e MariaRita. Os manuscritos, as partituras, as fotografiase todos os objetos que contam essa históriarevelam quem foi esse artista. Alguém quecompôs músicas que representam um lugar eseguem sob a guar<strong>da</strong> de Zezita. À frente <strong>da</strong> AssociaçãoCultural Capiba, ela se articula paraque o acervo seja inventariado e ganhe um destinoonde seja possível a consulta pública. Porora, Zezita espanta os gatos e mantém limpos eiluminados os dois cômodos de sua nova casa.Lá, onde as coisas do marido se misturam àssuas, se entrelaçam e cruzam o tempo para chegaraté nós.29CONTINUUM28


REPORTAGEM | plínio marcosO samba paulista: dePlínio Marcos a Kiko DinucciTEXTO carlos costaArtistas de gerações diferentes, que nunca se conheceram, seencontram no palco do Itaú Cultural unidos pelo samba paulistaNa<strong>da</strong> de túmulo. Ao contrário do que disse Vinicius de Moraes, o samba paulistatem vi<strong>da</strong> e história. E ganha uma ação em prol de sua memória e permanência,no dia 29 de setembro, no Itaú Cultural. É o espetáculo Plínio Marcosem Prosa e Samba – nas Quebra<strong>da</strong>s do Mun<strong>da</strong>réu, com Geraldo Filme, Zeca <strong>da</strong>Casa Verde e Toniquinho Batuqueiro, que, dirigido pelo músico Kiko Dinucci,relê o disco raro de Plínio Marcos com sambistas paulistas, lançado em 1974 ereeditado em CD, neste ano, pela Warner.Entre os diversos projetos que toca, Dinucci pesquisa há tempos os sambistasparticipantes do álbum, que chama carinhosamente de maloqueiros e consideraresponsáveis por uma importante obra, reveladora <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de do sambaproduzido em São Paulo, mas pouco conheci<strong>da</strong> e carente de registros.O músico também mostra vasto conhecimento e admiração por Plínio Marcos(1935-1999), escritor que renovou os padrões dramatúrgicos com uma obracortante, de enfoque quase naturalista, e carrega<strong>da</strong> de gírias e personagens decama<strong>da</strong>s sociais periféricas. Escritos e encenados a partir dos anos 1960, os textospercorreram uma atribula<strong>da</strong> trajetória, marca<strong>da</strong> por proibições <strong>da</strong> censura<strong>da</strong> ditadura militar e por conflitos diversos, além <strong>da</strong>s vicissitudes de um artistagenuinamente inconformado com o sistema, suas leis e seus vícios.O SAMBA DE PLÍNIOO samba surgiu na juventude de Plínio como lazer, em Santos, ci<strong>da</strong>de onde nasceue cresceu. Conforme relata Oswaldo Mendes, na biografia Bendito Maldito:uma Biografia de Plínio Marcos (Leya, 1999), quando o dramaturgo morava emSão Paulo – e pelejava contra a censura para poder encenar suas peças –, ele montouo show Plínio Marcos e os Pagodeiros <strong>da</strong> Pauliceia.O espetáculo estreou em 1970, em Belo Horizonte, com a ren<strong>da</strong> reverti<strong>da</strong> paraa defesa de presos e perseguidos políticos e acabou <strong>da</strong>ndo certo. Tanto assimque dois anos depois estava em São Paulo. Primeiro, no Teatro de Arena e, em1973, reformulado e com o nome Humor Grosso e Maldito <strong>da</strong>s Quebra<strong>da</strong>s doMun<strong>da</strong>réu, seguiu para o Teatro de Arte, no porão do Teatro Brasileiro de Comédia(TBC), onde foi gravado.A reedição do álbum ocorreu mediante a persistência dos filhos de Plínio,Aninha Barros, Kiko Barros e Léo Lama, que seguem com outros projetos relacionados.“Começou com uma coisa afetiva e ganhou corpo. Queria mostrarque isso de marginal já era, que há outras coisas na obra do meu pai. O discoé muito diferente. A narrativa, as músicas. As pessoas gostam muito”, contaAninha Barros.BATUQUE CAIPIRAO disco – que será relançado em vinil no show do Itaú Cultural – tem 13 faixas:5 sambas de Geraldo Filme, 4 de Zeca <strong>da</strong> Casa Verde, 2 de Toniquinho, 1 dofolclore paulista e 1 instrumental, interpreta<strong>da</strong> pelos Batuqueiros de Vila Isabel,que encerra a gravação. Antes de to<strong>da</strong>s as músicas, uma introdução de Plíniorevela histórias, contando casos e construindo um roteiro.Como adianta Dinucci, no espetáculo esses textos serão usados como samplers eparticiparão dele Juçara Marçal, Thiago França, Rodrigo Campos, Marcelo Cabrale Dona Anecide, anônima para a maioria do público. Dinucci explica que ela representaa velha guar<strong>da</strong> do samba paulista. “Dona Anecide é dona do batuque deumbiga<strong>da</strong> de Capivari, interior de São Paulo. O batuque tem sonori<strong>da</strong>de africana epolifônica, é acompanhado por uma <strong>da</strong>nça de umbiga<strong>da</strong> e mostra em estado brutode onde veio o samba de São Paulo. Plínio Marcos vivia defendendo que o sambapaulista existe”, conta.Plínio Marcos deixou a prova do que defendia registra<strong>da</strong> nessa obra e nas músicasdos três negros (Geraldo, Zeca e Toniquinho), vindos do interior do estadoe que, infelizmente, ain<strong>da</strong> não alcançaram o reconhecimento que merecem.Consulte .foto: acervo de famíliaPLÍNIO MARCOS DEIXOU A PROVADO QUE DEFENDIA REGISTRADANESSA OBRA E NAS MÚSICAS DOSTRÊS NEGROS (GERALDO, ZECA ETONIQUINHO), VINDOS DO INTERIORDO ESTADO E QUE, INFELIZMENTE,AINDA NÃO ALCANÇARAM ORECONHECIMENTO QUE MERECEM.Plínio Marcos e osmaloqueiros do samba


a arte prestes aREPORTAGEM | bienalRANSBORDARSob o título A Iminência <strong>da</strong>s Poéticas, a 30 a Bienal de São Paulo começa no dia 7 de setembroTEXTO malu rangelQuem acompanha arte contemporânea deve ficar atento: está chegandoo momento do principal evento do gênero no Brasil, a Bienal de Arte.Desde o seu início, em 1951, as edições contaram com a participaçãode 159 países, mais de 13 mil artistas, cerca de 60 mil obras e quase 7milhões de visitantes.Com um histórico assim, a expectativa não poderia ser maior. E, desta vez, otítulo <strong>da</strong> 30 a Bienal de São Paulo já atiça, por si só, a curiosi<strong>da</strong>de: A Iminência<strong>da</strong>s Poéticas. A partir dele, é possível pensar não apenas na proximi<strong>da</strong>dee até na ameaça provoca<strong>da</strong>s pela arte, como também investigar o plural,as varia<strong>da</strong>s poéticas que trazem multiplici<strong>da</strong>de e possibilitam expressivosatos de caráter artístico.A mostra, que acontece de 7 de setembro a 9 de dezembro no Pavilhão CiccilloMatarazzo, no Parque Ibirapuera, em São Paulo, sob curadoria do venezuelanoLuis Pérez-Oramas, trata a iminência, conforme traduz o curador, como “o queestá a ponto de acontecer, a palavra na ponta <strong>da</strong> língua, o silêncio imprevistoque antecede a decisão de falar ou não falar, a arte como estratégia discursivae a poética em sua plurali<strong>da</strong>de e multiplici<strong>da</strong>de”. A urgência <strong>da</strong> arte, portanto,também traz a diversi<strong>da</strong>de, que, em um mesmo evento, é capaz de produzirconstelações de obras e de artistas que conversam entre si. “Constelação”, inclusive,é um termo importante no conceito desta bienal: muito mais do queuma exposição de artistas e obras singulares, pretende-se que tudo dentrodela converse e produza novos sentidos e significações.E, se as poéticas são capazes de se sobrepor, se desagregar e se assimilar,as obras de Nydia Negromonte, Bernard Frinze, Lucia Laguna e EduardoBerliner também são capazes de se articular para compor o quadro geral <strong>da</strong>mostra. Esses artistas estão entre os 110 selecionados, presentes nas quatrozonas curatoriais distintas desta bienal: Sobrevivências, Alterformas, Derivas,Vozes e, ain<strong>da</strong>, uma zona transversal, Reverso.Trabalhos como Hídrica: Episódios, de Nydia Negromonte, instalaçãocria<strong>da</strong> a partir do sistema hidráulico do edifício <strong>da</strong> bienal; as criativaspinturas do francês Bernard Frinze − que, conforme o curador, “levantama questão <strong>da</strong> autoria coletiva, na qual a imagem é sempre arqueológica”; ea instalação de Lucia Laguna – que reproduz o espaço de seu ateliê e expõea pintura como um ato – falam, entre outros aspectos, sobre como aspoéticas se espalham pelo cotidiano e condensam memória, descobertase ressignificações de sentido.A 30 a Bienal de São Paulo se apresenta como uma mostra na<strong>da</strong> dogmática,pois pretende incentivar diálogos e reflexões sobre a arte contemporâneaem suas mais diversas manifestações. A criação de sua identi<strong>da</strong>de visual éprova disso: a bienal será celebra<strong>da</strong> com 30 cartazes elaborados ca<strong>da</strong> umpor um autor, numa iniciativa inédita em um workshop aberto à participaçãodo público. Luis Pérez-Oramas acredita “que um único conceito ter30 versões diferentes é um princípio constitutivo <strong>da</strong> 30 a Bienal, no qual sematerializam as ideias de multiplici<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s poéticas, de alterformação, desobrevivência e de deriva <strong>da</strong>s formas”.Diversi<strong>da</strong>de, diálogo, plurali<strong>da</strong>de de poéticas espalha<strong>da</strong>s pelo dia a dia: a30 a Bienal de São Paulo parece vir lembrar que, na iminência <strong>da</strong> arte, não hádistinção entre o viver e o criar.Jasmin do Cabo (2010),de Nydia NegromonteSaiba mais em .Persiana (2011), deEduardo BerlinerPaisagem N. 51 (2011),de Lucia Laguna15CONTINUUM


ENTREVISTA | ferrézFECHADOPARA BALANÇOAos poucos, o escritor Ferréz se desvincula <strong>da</strong> função de agente social do bairro paulistano Capão Redondoe tenta aparecer mais calmo – mas não menos triste – em seu novo livro Deus Foi Almoçar


TEXTO juliana faddulFOTOS alexia santi“O que aconteceria se Deus fosse almoçar?” Foi esse pensamento que motivou Ferréz a escreverDeus Foi Almoçar (Editora Planeta, 2012), após ver uma bati<strong>da</strong> de carro envolvendo umacriança e um cachorro em seu bairro, o Capão Redondo, na zona sul de São Paulo. Morador <strong>da</strong>periferia desde a infância, Reginaldo Ferreira <strong>da</strong> Silva, como consta em seus documentos, acabouse consagrando, aos 36 anos, um dos grandes nomes <strong>da</strong> literatura marginal <strong>da</strong> atuali<strong>da</strong>de.To<strong>da</strong>via, seu papel como agente social está com os dias contados. Mais calmo, mas não menosindignado, Ferréz tenta mostrar um lado mais literário numa obra que prioriza os conflitos internosaos externos e sociais. O personagem <strong>da</strong> trama é Calixto, um homem aparentemente comume passivo, bem diferente dos heróis protagonistas de grandes romances. O intuito é mostrar adensi<strong>da</strong>de psicológica do personagem e como a vi<strong>da</strong> age por nós, sem ao menos percebermos.Você passou oito anos escrevendo Deus Foi Almoçar.Como foi esse processo?FERRÉZ: Quando terminei o Manual [Prático do Ódio](Editora Objetiva, 2003) me veio à cabeça o nome DeusFoi Almoçar. Eu queria escrever sobre um personagemapenas, diferentemente dos meus outros livros. Entãoveio o Calixto. Queria fazer uma história que não fosseconstruí<strong>da</strong>, mas, sim, desconstruí<strong>da</strong>. Todo mito é construído.A ideia era mu<strong>da</strong>r isso. A forma de narrar de umjeito, de pôr um personagem falando de outro. Foi tudopensado para resultar num livro diferente.Diferentemente dos seus outros livros, esse não sepassa no Capão. É um lugar indeterminado. Por quê?FERRÉZ: Eu sofri muito por causa de alguns livros. Vocêacaba virando porta-voz de certa cultura, de certa literatura.Tinha época em que eu estava num aniversário euma pessoa falava: “Eu tenho uma história para te contar.Morreram três caras na minha rua”. Eu não queriaser cronista do inferno a vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong>. Eu já moro no tema.Ter de remoer isso é doloroso. Não é que não vou maisabor<strong>da</strong>r o assunto, mas nesse romance eu quis mostraroutro tipo de treta, o conflito interno. Eu tenho ONG naminha quebra<strong>da</strong> e vários projetos sociais. Tenho essecompromisso forte, mas também quero ser livre parapoder exercer o meu lado criativo. Eu sou escritor, né?Esse livro é a sua libertação? Ou você acreditaque ain<strong>da</strong> há muita coisa a ser debati<strong>da</strong>?FERRÉZ: Eu acho que é apenas uma <strong>da</strong>s correntes,um pulso que já se soltou. O outro vai se soltar, talvez,no próximo livro. Na ver<strong>da</strong>de, acho que mesmo noNinguém É Inocente em São Paulo (Editora Objetiva,2006) eu já estava trazendo uma mu<strong>da</strong>nça. Claro queo protesto e o tema social estão ali, mas também querofazer o que minha cabeça pedir.“EU NÃO QUERIA SER CRONISTA DOINFERNO A VIDA TODA. EU JÁ MORO NOTEMA. TER DE REMOER ISSO É DOLOROSO.”Você acha que a cobrança <strong>da</strong>s pessoas tem melhorado?FERRÉZ: Tem melhorado, mas porque eu também comeceia impor isso. Você representa o bairro também.Se fala alguma coisa, alguma besteira, é como se o bairrotodo falasse isso. Tem um monte de gente aqui quequer ouvir o que você vai falar. Já tenho brigas demais,já colecionei muito inimigo. Chegou uma hora que ficoufo<strong>da</strong>. Decidi que vou fazer meu trampo e prestaratenção na minha família e nos meus amigos. Eu sóquero ser escritor. Só.Essa responsabili<strong>da</strong>de lhe foi imposta, então?FERRÉZ: Sim. Veio com o pacote de entrevista no Jô Soares,na TV Cultura. Você não fala do tema? Ah, entãovamos pôr o tema em ação. É como se fosse um castigo.É como se Zezé Di Camargo & Luciano tivessem de transarcom todo mundo porque falam de amor. Rola umacobrança. Tenho responsabili<strong>da</strong>de social, mas tambémpreciso desenvolver a literatura.Você está mais calmo nesse livro. Você acha que oCapão melhorou?FERRÉZ: Acho, mas hoje eu vejo um monte de gente comcarro gigantesco em torno de si e na<strong>da</strong> dentro. Incrívelcomo o cara ocupou to<strong>da</strong> a carência dele com coisas queele pode comprar, mas não trabalhou melhor a família.Eu queria colocar no livro um pouco desse conflito, queagora é interno. A gente, <strong>da</strong> periferia, também tem conflitosinternos. To<strong>da</strong>s as classes passam por isso. Queriaretratar esse cara, que não quer mu<strong>da</strong>r, mas as coisas estãomu<strong>da</strong>ndo em volta dele. É mais ou menos o que avi<strong>da</strong> faz com a gente, né? Você pode ter uma carreira eaté achar que ela está defini<strong>da</strong>, mas o sistema está mu<strong>da</strong>ndoe articulando por você. Enquanto você não pensa,ele está agindo. Daqui a cinco anos você pensa: “Nossa,o que estou fazendo aqui?”. É meio o que o Calixto pensa.As coisas não têm mais sentido para ele.33CONTINUUM32


ENTREVISTA | ferrézE você está lançando também O Pote Mágico(Editora Planeta, 2012)?FERRÉZ: Sim, é um livro infantil. Esse trata de uma temáticamuito forte <strong>da</strong> quebra<strong>da</strong>. É sobre dois meninos que dialogampara poder ver um pote que faz bolinhas de gude.Eu tenho o maior orgulho desse livro. Eu queria <strong>da</strong>r de presentepara a quebra<strong>da</strong>, sabe? Nós vamos lançar na ONGInterferência e <strong>da</strong>r para as crianças. Não teria sentido fazerum livro e minha quebra<strong>da</strong> não poder comprar. Fala deuma infância que hoje não existe mais. De ser criado narua, de pegar papelão para poder trocar por pão doce. Hojeos moleques são todos trancados em casa para ver televisãoe jogar video game. É outro tipo de criação. Eu experimentavacom o corpo, eu levava pedra<strong>da</strong> na rua. Fui muitofeliz na minha infância, porque fui livre. Morava num lugarviolento? Morava. Às vezes passava por um cadáver? Passava.Mas ao mesmo tempo corria no campinho, soltavapipa, jogava bola, brincava de bandido e polícia, pique-esconde.Tive uma infância muito solta, por mais que meupai quisesse que eu estivesse às 19 horas em casa. Mas eupassava o dia na rua. Aprendi muito com os moleques.Brincava com pe<strong>da</strong>ço de pedra, lata velha. A ideia era deque qualquer coisa poderia virar brinquedo na nossa mão.Agora tem de ter um puta brinquedo tecnológico.No meio do processo nasceu a sua primeira filha,a Dana. Ela vai brincar na rua? Ou você, comopai, vai mu<strong>da</strong>r o discurso?FERRÉZ: Como pai, eu quero que a minha filha ande narua. Ela corre na rua, brinca na praça. Os caras não levamna praça. Eu levo, deixo correr solta. Hoje é seu tempode ficar na rua. Ela fica com a amiguinha dela. Ela volta efala: “Pai, eu caí, machuquei o joelho. Da hora”. Claro queela nunca vai ter a mesma infância que eu tive, solta dever<strong>da</strong>de. Hoje precisa de vigília, mas quero criá-la com liber<strong>da</strong>de.Não quero criar criança assistindo televisão 24horas por dia. A meta não é essa. Ela pinta, desenha, tocateclado. A gente quer passar cultura para ela e quer queela vá para a rua também. Crescer um pouco livre, sabe?Você virou queridinho <strong>da</strong> crítica e um escritorcool para a classe média e alta. Como vê isso?FERRÉZ: Vamos falar a ver<strong>da</strong>de: isso não é culpa minha.O cenário <strong>da</strong> geração anos 1990 estava chato, com aquelediscursinho: “Somos autores contemporâneos. Não tocoem tema social porque a minha literatura é livre”. To<strong>da</strong>essa porcaria só afasta o leitor. Todo mundo sempre faloude literatura em outro nível. Eles [os escritores] nemfalam olhando no olho. Estão numa torre de marfim. Eusempre achei que a literatura é como um pão francês: “Medá um livro de 10 centavos?”. Os caras tratam literaturacomo um vinho raro, fazem apenas cem exemplares. Numpaís onde a desinformação faz um monte de gente morrer,contrair doença, você vai negar a informação de umlivro? Quando vou para a escola, os professores ficam doidoscomigo. Quando termina a palestra, os alunos falam:“Pô, que livro era aquele que você falou naquela hora?”.Eu falo de literatura como um amigo explicando. Tentoestimular o desejo de ler. Eu sempre tive vontade de prostituira coisa. É barato, mano. Vai ali que tem livro que é10 reais, tem a ver com você, você vai entender. Literaturaé contestação. Quem tem voz não se abala. Essa é a fita.E a religião nessa história to<strong>da</strong>?FERRÉZ: Religião dentro <strong>da</strong> periferia é outra coisa. ODeus do gueto é outra fita. É diferente lá de fora, quevocê não tem a precisão de crer. Aqui é a religião que dávi<strong>da</strong> a ela. É Deus que vai mu<strong>da</strong>r a vi<strong>da</strong> dela. Aqui temtanta gente que passa por dificul<strong>da</strong>des que, se não tiver“TRATAM LITERATURA COMO UMVINHO RARO. NUM PAÍS ONDE ADESINFORMAÇÃO FAZ UM MONTEDE GENTE MORRER, CONTRAIRDOENÇA, VOCÊ VAI NEGAR AINFORMAÇÃO DE UM LIVRO?”


Deus do lado, lascou. O livro questiona essa dependênciatambém. O livro chama Deus Foi Almoçar por isso. Seestivesse fechado para almoço, como ia ficar? O Calixtoé um cara jogado porque aconteceu uma pá de situaçãoe ele não consegue reagir. Ele somos nós, que não somoso herói do livro. Se virmos um atropelamento, não vamosaju<strong>da</strong>r, vamos desviar. Religião é uma coisa complica<strong>da</strong>até na minha cabeça. Sou fã de vários apóstolos, bispos.Eles são brilhantes. Queria ter a capaci<strong>da</strong>de que eles têm<strong>da</strong> oratória. Conseguir ganhar dinheiro só com a palavraé algo impressionante também. Manipular 1 milhão, 2 milhões.Por que ca<strong>da</strong> templo religioso não tem uma centralde estudos lá dentro? Nós mu<strong>da</strong>ríamos o país. Eu achoque a igreja tinha de fazer o papel social dela também.Você nunca foi son<strong>da</strong>do para entrar na política?FERRÉZ: Já, várias vezes. Ain<strong>da</strong> acontece de os carasme convi<strong>da</strong>rem para ser deputado, vereador. Não sei,mas ser político é an<strong>da</strong>r armado. Sou mais útil fazendoo que eu faço: cultura. Posso estar errado, mas queria viverde literatura e só. Sendo candi<strong>da</strong>to a deputado aqui,o pessoal confunde. Durante a vi<strong>da</strong> to<strong>da</strong>, os políticosofereceram coisas às pessoas. Elas não querem que eumude o bairro onde elas vivem. Vão querer que eu dêum botijão de gás, arrume o telhado. Esse imediatismo éfo<strong>da</strong>. Como eu vou explicar que eu faço política pública?O que você se propõe a fazer tem de ser feito direito.Fazer com que as pessoas reflitam já é um grande passo.O escritor Ferréz posano Capão Redondo (SP),bairro que influenciou boaparte de sua obraO que falta na literatura?FERRÉZ: Estou muito chateado com a cena <strong>da</strong> literaturaatual. Você vê feira de literatura chamando só cantor. Na<strong>da</strong>contra, mas chamar Gabriel, o Pensador para feira literáriaé fo<strong>da</strong>. Os caras pagam um puta cachê para ele, mas nãopagam igual para escritores como Rubem Fonseca ou ZuenirVentura. Uma vez, um cara <strong>da</strong> subprefeitura falou: “Osmúsicos nos dão público e vocês nos dão prestígio”. O caraque vai ver o show do Lobão vai ver o show do Lobão, nãoa palestra to<strong>da</strong>. Porra, então deci<strong>da</strong> por um. O cartaz principalde uma feira literária é o músico, não o escritor. Literaturaé para pensar, debater. Acho isso covarde. Nós nuncativemos espaço e, agora que temos, as pessoas vêm tomar.Nós, que levamos a literatura no peito, passamos por entrevistas,tentamos cavar espaço, não recebemos na<strong>da</strong>. Atelevisão não deixa mostrar a capa do livro, não temos oapoio <strong>da</strong>s rádios nem fazemos clipe. É muito frustrante.Você está escrevendo outro livro?FERRÉZ: Estou escrevendo outro, mas ain<strong>da</strong> não posso revelaro título. Desde que terminei o Deus, estou trabalhandonele. Desta vez, é a história de uma menina. É um desafio,porque mulher tem uma cabeça muito louca [risos].Vai se passar na periferia?FERRÉZ: Não, acho que vai ser outra coisa. Sempre tivevontade de fazer um livro de terror. Até tem gente quefala: “Mas você sempre escreve livro de terror social”[risos]. Há muito tempo queria fazer algo de suspense,tipo Stephen King, Allan Poe. O livro está caminhandopara isso. Será um mix de esoterismo com histórias bacanas.Pode ser que fique legal.35CONTINUUM34


REPORTAGEM | design weekendVAVDAVVVVVVIRADAVVVVVEZDepois <strong>da</strong>s vira<strong>da</strong>s cultural, gastronômica e esportiva, São Paulo recebefestival inspirado em design, mo<strong>da</strong>, decoração, arquitetura e urbanismoTEXTO fernan<strong>da</strong> de almei<strong>da</strong>São Paulo está se tornando a ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong>s vira<strong>da</strong>s.Com uma vi<strong>da</strong> cultural de <strong>da</strong>r inveja a qualquer ci<strong>da</strong>de,a metrópole acaba de ganhar um evento inteiramentededicado ao design. A primeira edição <strong>da</strong>Design Weekend, ou DW!, trata não só dessa artevisual, mas também de suas relações com a arquitetura,o urbanismo, a decoração, a inclusão social, osnegócios e a tecnologia. O festival é composto deativi<strong>da</strong>des independentes, que acontecem simultaneamenteem to<strong>da</strong> a ci<strong>da</strong>de, com programaçãotanto para profissionais <strong>da</strong> área quanto para leigos.Lauro Andrade, idealizador <strong>da</strong> DW!, conta que háanos planejava um evento desse porte em São Paulo.“Na última déca<strong>da</strong> participamos e organizamosmais de 40 feiras internacionais. Entre os muitosformatos que experimentamos, os que mais noschamaram a atenção foram os festivais de ci<strong>da</strong>de,com temas ligados à economia criativa, especialmentedesign, arquitetura e decoração”, diz.Segundo os organizadores, o maior desafio é fazercom que agentes diferentes e com agen<strong>da</strong>sisola<strong>da</strong>s − como lojas, indústrias, museus, galerias,feiras de negócios, ONGs e órgãos públicos− consigam compartilhar uma visão integra<strong>da</strong> deganho coletivo. Lauro explica que, “como até hojepoucos tiveram acesso a outros festivais urbanosde design, centralizamos os esforços na mobilizaçãodesses formadores de opinião”. O idealizadordo evento conta ain<strong>da</strong> que “a proposta éfazer com que São Paulo se torne anualmente ogrande ponto de encontro do design <strong>da</strong> AméricaLatina. Em dez anos, queremos ser um dos trêsmaiores eventos de design do mundo”.Para Miriam Lerner, diretora do Museu <strong>da</strong> CasaBrasileira, um dos locais que recebem programação<strong>da</strong> DW!, São Paulo é bastante complexa eain<strong>da</strong> carente de boas soluções no que se refereao design urbano. No entanto, paradoxalmente,os designers brasileiros vêm apresentando umaprodução intensa e diversifica<strong>da</strong>. “Um eventocomo a DW! poderá promover a consciência sobreas possibili<strong>da</strong>des do design na solução dosproblemas enfrentados pela ci<strong>da</strong>de e nas questõesde sustentabili<strong>da</strong>de, acessibili<strong>da</strong>de, inclusãoe promoção de quali<strong>da</strong>de de vi<strong>da</strong>”, acredita.DIFERENCIAL BRASILEIROO Museu <strong>da</strong> Casa Brasileira foi escolhido comoum dos pontos <strong>da</strong> DW! por ter se consoli<strong>da</strong>docomo um centro de referência nos debates <strong>da</strong>squestões liga<strong>da</strong>s à arquitetura, ao design e correlatos,por meio <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem de sua agen<strong>da</strong> cultural.“O Prêmio Design Museu <strong>da</strong> Casa Brasileira,realizado pela instituição desde 1986, desfruta degrande prestígio no segmento, com uma históriaque reflete a trajetória <strong>da</strong> consoli<strong>da</strong>ção <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>dedo design nacional”, comemora Miriam.Outro endereço com ativi<strong>da</strong>des previstas é aAlame<strong>da</strong> Gabriel Monteiro <strong>da</strong> Silva, nos Jardins.Com mais de 70 lojas de design e arquitetura,a região se prepara para apresentar novi<strong>da</strong>des.Para Marcel Rivkind, presidente <strong>da</strong> AssociaçãoAlame<strong>da</strong> Gabriel, a DW! traz ao público a possibili<strong>da</strong>dede entender melhor o universo do design e,consequentemente, se interessar e participar mais.“A casa de ca<strong>da</strong> um funciona como um espelho domorador, pois mostra seu gosto e sua quali<strong>da</strong>dede vi<strong>da</strong>. Um evento como esse levará essa visãode uma forma mais abrangente para pessoas deto<strong>da</strong>s as classes, profissões e gostos”, acredita.Um dos diferenciais do festival é a inclusão de comuni<strong>da</strong>des<strong>da</strong> periferia, que mostrarão como osseus moradores melhoram o espaço onde vivempor meio <strong>da</strong> arte e <strong>da</strong> cultura. A iniciativa, porém,recebeu críticas <strong>da</strong> jornalista, pesquisadora e professorana área de história do design brasileiroEthel Leon: “Já está na hora de parar de falar dehabitação ‘normal’ e popular no Brasil, de soluçõespara o centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e para a periferia. A populaçãoprecisa de habitação e isso significa maisdo que uma casa. Significa acesso fácil a serviçospúblicos, áreas de lazer de quali<strong>da</strong>de, trabalho perto<strong>da</strong> moradia, boas escolas. Enquanto se mantiveressa divisão centro/periferia, creio que só reafirmaremoso design como ativi<strong>da</strong>de cosmética, semimportância no cotidiano <strong>da</strong>s pessoas”.SERVIÇODesign Weekendquinta 23 a domingo 26 de agostoSaiba mais em .


fotos: divulgaçãoBALAIOEXPOSIÇÃOEye Film MuseumSe você está na Estação Central de Amsterdã, basta direcionar o olhar para além do Rio Ij paraver o mais novo museu <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, inteiramente dedicado à sétima arte. Moderno, reluzente embranco e debruçado sobre a água, o Eye Film Museum abriu as portas em abril de 2012 e já setornou referência em imagem e som. Soma-se à facha<strong>da</strong> a ideia de ter um complexo culturaldo outro lado do rio, para onde o acesso só é possível por balsa, e de onde a ci<strong>da</strong>de é vista deoutro ângulo. O museu tem salas de exibição e livraria e organiza pequenas mostras temáticas,além de realizar um trabalho de restauro de películas. A exposição vigente, que fica em cartazaté setembro, traz o melhor do norte-americano Stanley Kubrick. Em um an<strong>da</strong>r inteiro abrigadiferentes salas para a exibição dos filmes mais emblemáticos do diretor, além de figurinos,correspondências pessoais e curiosi<strong>da</strong>des, entre as quais estão as máscaras de 2001 − umaOdisseia no Espaço, as mulheres de leite de Laranja Mecânica e as gêmeas aterrorizantes etodos os facões usados por Jack Nicholson em O Iluminado. Saiba mais em .(por thais caramico)para ver, ouvire clicarSELEÇÃO CULTURAL DO BIMESTRE TRAZ EXPOSIÇÕES,MÚSICA E DICAS DE SITE – DE PLAYLISTS DIVERTIDAS APOESIA E ARTE CONTEMPORÂNEAFOTOGRAFIALuz, Cedro e Pedra – Esculturas de Aleijadinho fotografa<strong>da</strong>s por Horacio Coppola, no InstitutoMoreira Salles, até 11 de novembroO drama elegante e desesperado <strong>da</strong>s esculturas de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, volta à cenana exposição de fotografias de Horacio Coppola. Luz, Cedro e Pedra reúne 81 imagens feitas pelo fotógrafoargentino em 1945, na ci<strong>da</strong>de mineira de Congonhas, Sabará e Ouro Preto, com curadoria de Luciano Migliaccio,professor do Departamento de História <strong>da</strong> Arquitetura e Estética do Projeto <strong>da</strong> FAU/USP. Falecidoaos 106 anos, em julho, Coppola foi figura central <strong>da</strong> fotografia latino-americana do século XX. Os registrosque fez <strong>da</strong> obra de Aleijadinho foram publicados no livro Esculturas de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho(Ediciones de La Llanura, 1955).(por carlos costa)Foto <strong>da</strong> série Essa Luz sobre o Jardim (2012), de Fabio MessiasDocumental Imaginário: Fotografia Contemporânea Brasileira,no Oi Futuro Flamengo, até 16 de setembroDefinido por alguns pesquisadores <strong>da</strong> área como uma nova vertente<strong>da</strong> fotografia contemporânea, o conceito de documental imagináriolança mão do documento real, e até mesmo jornalístico, mascom um toque subjetivo, para misturar tendências, ferramentase formatos. Com curadoria do jornalista, crítico e fotógrafo EderChiodetto, a mostra Documental Imaginário exibe obras produzi<strong>da</strong>snos últimos três anos por oito artistas que tateiam terrenos maissimbólicos <strong>da</strong> fotografia documental: João Castilho, Breno Rotatori,Guy Veloso, Gustavo Pellizzon, Fábio Messias, Pedro David, PedroMotta e Fernan<strong>da</strong> Rappa, além do coletivo Cia de Foto.CONTINUUM36 37


BALAIOIncendeia, Ba-Boom (Independente, 2012)Dançante do começo ao fim, o primeiro disco <strong>da</strong> ban<strong>da</strong> Ba-Boom traz mistura de música brasileira e africana, com elementos de jazz e hip-hop. O grupodo ABC paulista, que soma dez integrantes, reúne em sua formação teclado, guitarra, instrumentos de sopro, baixo, bateria, percussão e voz. A produçãotraz diversas participações especiais, entre elas a do cantor e compositor André Abujamra, na faixa “Mano, Sujou!”, e a do trompetista Felippe Pipeta − <strong>da</strong>sban<strong>da</strong>s Sapo Banjo e Orquestra Brasileira de Música Jamaicana (OBMJ) −, que integraram o time dos metais. Saiba mais em .DESTAQUEUMA VOLTAÀ CANÇÃOHits pop, sintetizadores, loops e milhares de fãs gritando ao somde suas músicas. Essa é uma fórmula que já não funciona para omúsico paulistano Adriano Cintra, ex-produtor <strong>da</strong> ban<strong>da</strong> Canseide Ser Sexy. Hoje, segundo ele, o sucesso comercial não é priori<strong>da</strong>de:“Estou preocupado com a realização artística”. Cintra acabade iniciar um novo projeto musical, Madrid, feito em parceria coma vocalista Marina Vello, antiga front woman do Bonde do Rolê.O nome <strong>da</strong> empreita<strong>da</strong> é a junção harmônica do nome dos dois,assim como o som <strong>da</strong> dupla, que traz uma união redon<strong>da</strong> entre avoz de Marina e o piano e o saxofone de Cintra.Que público vocês esperam atingir com esse novo trabalho?Nesse projeto, quero focar nas pessoas que gostam de música. Não querotocar para aqueles que saem na noite e acabam vendo uma ban<strong>da</strong> poracaso. Quero fazer shows em teatros, piano bars, lugares onde a ban<strong>da</strong> é aatração principal, não a bala<strong>da</strong>. Tocar em um lugar onde as pessoas estãobêba<strong>da</strong>s me deixa muito frustrado. Não temos preocupações sonoras e estéticasà toa. Ao mesmo tempo, nosso show é lo-fi [técnica de gravação debaixa fideli<strong>da</strong>de, ou low fidelity]. O som do Madrid marca um retorno à canção.Ao vivo, temos acompanhamento do guitarrista Fil Lemos e do técnicode som e baterista Rodrigo Sanches.Por falar em preocupações estéticas, quais as influências do Madrid?Nossa influência vem, principalmente, do médico canadense T. G. Hamiltone <strong>da</strong>s fotografias que ele tirou durante tentativas de se comunicar com espíritos.Depois dessa pesquisa, Marina e eu começamos a colecionar imagensque encontramos na internet de pessoas realizando ativi<strong>da</strong>des paranormais.Usamos essa referência em vários pontos do trabalho. O diretor Dácio Pinheiro,por exemplo, utilizou esse nosso fascínio na hora de filmar o clipe deSad Song, no Teatro Cleyde Yáconis e no Brechó Casa Juisi, em São Paulo.Até mesmo a capa do vinil traz referências <strong>da</strong>s pesquisas sobre paranormali<strong>da</strong>de.O fotógrafo Miro criou as imagens e usou a pós-produção para <strong>da</strong>r ailusão de que estamos levitando.Onde serão os próximos shows?Já confirmamos nossa primeira turnê na Europa. Vamos para Londres, Berlim,Roma, Zurique e Paris em outubro. Esses shows não serão acompanhados de bateriae guitarra, uma aposta ain<strong>da</strong> mais rústica e intimista. Estou superanimado!(por du<strong>da</strong> porto de souza)


wearehighsociety.tumblr.com/archiveO High Society é um tumblr criado para acompanhar seusouvintes nas mais diversas situações cotidianas. Idealizadopor Samia Alencar e Beatriz Vivanco, a página existe desdejunho deste ano e reúne playlists inspira<strong>da</strong>s em casos dodia a dia ou em situações inusita<strong>da</strong>s. O primeiro post, porexemplo, se chama “Para Quando Você Está em Perigo” etraz dez faixas, como “Bang” (do Yeah Yeah Yeahs) e “InfinityGuitar” (<strong>da</strong> dupla Sleigh Bells). Num ritmo mais tranquilo, opost “Para Ouvir de Pijama no Feriadão” é uma seleção demúsicas como “Lover” (de Devendra Banhart) e a abrasileira<strong>da</strong>“Tropicalia” (do Beck).CONTINUUMci<strong>da</strong>desparapessoas.com.brInspira<strong>da</strong> no trabalho do urbanista dinamarquês Jan Gehl, a jornalista NatáliaGarcia criou o projeto Ci<strong>da</strong>des para Pessoas. O objetivo é aprender com problemasurbanos de diferentes regiões do mundo para propor soluções que tornemos centros lugares melhores para viver. Nos primeiros sete meses de projeto, aidealizadora percorreu sete ci<strong>da</strong>des europeias – Copenhague, Amsterdã, Londres,Paris, Lyon, Estrasburgo e Freiburg – em busca de ideias. E foi aí que entrou o trabalhode Jan Gehl; já que to<strong>da</strong>s as ci<strong>da</strong>des visita<strong>da</strong>s foram planeja<strong>da</strong>s, tiveramconsultoria do urbanista ou foram considera<strong>da</strong>s por ele um bom exemplo de planejamento.Viabilizado por financiamento coletivo, o projeto explorará ao todo 12ci<strong>da</strong>des, entre elas Acra, Rishikesh, Seul, Nova York, Portland e Ci<strong>da</strong>de do México.mallarmargens.comUma multiesférica arena virtual. É assim que se define aMallarmargens, revista de poesia e arte contemporânea noar desde abril deste ano. A publicação on-line fun<strong>da</strong><strong>da</strong> porMar Becker e Wesley Peres conta com mais de 80 colaboradoresperiódicos e faz atualizações diárias. O veículo pretendereunir o melhor <strong>da</strong> poesia contemporânea nacional einternacional e criar um ambiente de troca de influências ediálogo literário entre os autores. O nome <strong>da</strong> revista é inspiradono poeta francês Stéphane Marllamé, cujo trabalho impulsionoumovimentos de vanguar<strong>da</strong> como a poesia visual.38 39 BALAIO.CO M


PREPARE-SE PARACONHECER O UNIVERSODE UMA DAS MAISIMPORTANTES ARTISTASBRASILEIRAS2 DE SETEMBRO A11 DE NOVEMBRO DE 2012ENTRADA FRANCAVOCÊ TAMBÉM PODE VER AS OBRASEM WWW.ITAUCULTURAL.ORG.BRestacionamento conveniado, com entra<strong>da</strong> pela rua leôncio de carvalho/itaucultural itaucultural.org.br/ocupacao fone 11 2168 1777 atendimento@itaucultural.org.braveni<strong>da</strong> paulista 149 são paulo sp 01311 000 [estação brigadeiro do metrô]

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!