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Folha de sala - Culturgest

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TatebitatisEm três anos consecutivos, Gil Vicentefaz representar quatro autos sobre omesmo tema – o julgamento das almas.É uma série que se produz reempregandoum mesmo modo <strong>de</strong> construçãocom diferenças. Dois <strong>de</strong>les [Inferno ePurgatório] celebram nativida<strong>de</strong>s [...].Ambos se representam para quem estádoente: o primeiro, a dar fé à rubricada edição <strong>de</strong> 1562, na câmara <strong>de</strong> umarainha moribunda, D. Maria, segundamulher <strong>de</strong> D. Manuel, e o segundo numhospital. Os outros dois, Alma (1518) eGlória (1519), festejam a re<strong>de</strong>nção dasalmas pela morte <strong>de</strong> Cristo e representam-se,na Páscoa, para a corte.[…]Durante a representação <strong>de</strong> Inferno,para além <strong>de</strong> o diálogo dizer quem sãoas personagens, as figuras, no momentoem que o público as via, podiam seri<strong>de</strong>ntificadas através do vestuário ou<strong>de</strong> objetos que transportavam […].[O]s objetos simbolizavam os pecadoscometidos pelas personagens.José Camões, Purgatório(ca<strong>de</strong>rnos Vicente)Nada po<strong>de</strong> ser mais característico daarte vicentina do que a composição“processional” <strong>de</strong>sta peça [Auto daBarca do Inferno]. Não há nela enredo,no sentido usual do termo, mas um<strong>de</strong>sfile <strong>de</strong> cenas simétricas.[…]Todos os escritores se repetem. Mas oprincípio da repetição é em Gil Vicenteuma propensão fatal imposta pelo estiloda época. […] A razão é que o espíritomedieval se interessava mais pelo geraldo que pelo particular e, para ele, aimensa diversida<strong>de</strong> dos seres se reduz aalguns tipos <strong>de</strong>finitivos e intangíveis.[…]Se […] tantos autos não têm enredo,não foi por incapacida<strong>de</strong> do autor masporque tanto ele como o público nãodavam a isso tanta importância comonós. Foi, em suma, porque esperavamduma peça <strong>de</strong> teatro outra coisa.[…]O que aparece em cena não é uma aventuraque se <strong>de</strong>senrola ou um <strong>de</strong>stinoque se cumpre mas uma situação quese oferece aos olhos na sua realida<strong>de</strong>imediata.Paul Teyssier, Gil Vicente — O Autore a ObraDiante da lei está um guarda-portão.Um homem do campo dirige-se a esteguarda-portão e pe<strong>de</strong> para entrar naLei. Mas o guarda-portão diz que,agora, não o po<strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar entrar. Entãoo homem reflete e pergunta se, sendoassim, lhe será permitido entrar maistar<strong>de</strong>. “É possível”, diz o guarda-portão,“mas agora não”.Franz Kafka, “Diante da lei”Como se sabe, os Ju<strong>de</strong>us estavam proibidos<strong>de</strong> investigar o futuro. […] Masisso não significa que, para os Ju<strong>de</strong>us,o tempo fosse homogéneo e vazio, poisnele cada segundo era a porta estreitapor on<strong>de</strong> podia entrar o Messias.Walter Benjamin, “Sobre o Conceito<strong>de</strong> História”Disse noutro lugar que num teatronão ocupamos o mesmo espaço que osatores no palco mas que ocupamos simo mesmo tempo. Isto é bastante superficial.Mas foi-me dito que era obviamentefalso: num teatro estamos obviamentena mesma <strong>sala</strong> que os atores,enquanto que no cinema obviamentenão estamos. Essa i<strong>de</strong>ia vem <strong>de</strong> visõeserradas <strong>de</strong> como se po<strong>de</strong> entrar nosespaços. Imagina que po<strong>de</strong>mos entrarno espaço dos atores num teatro atravessandoa ribalta. Mas claro que não seconseguiria mais do que interromper oespetáculo. E imagina que não po<strong>de</strong>mosentrar no mundo <strong>de</strong> um filme porque <strong>de</strong>nada serve rasgar o ecrã. Mas estamosa ir na direção errada. (Tal como naCaverna <strong>de</strong> Platão, a realida<strong>de</strong> está atrás<strong>de</strong> nós. Tornar-se-á visível quando nostivermos tornado visíveis perante ela,quando nos apresentarmos.) Os atoresestão lá, sim, no nosso mundo, maspara chegar a eles temos <strong>de</strong> ir on<strong>de</strong> elesestão, e na verda<strong>de</strong>, tal como as coisasestão, não po<strong>de</strong>mos ir lá agora. O seuespaço não é metafisicamente diferente;é o mesmo espaço humano que omeu. E não estamos, como num teatro,proibidos <strong>de</strong> atravessar a linha entreator e encarnação, entre ação e paixão,entre os domínios sagrado e profano.Num cinema, a barreira para as estrelasé o tempo.Stanley Cavell, The World ViewedUm sonho frequente entre as pessoas doteatro e do cinema: tenho imperativamente<strong>de</strong> representar, em palco, <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> alguns minutos, um papel <strong>de</strong> quenão sei uma só palavra. É um sonho quepo<strong>de</strong> ser muito longo, muito complicado.Inquieto-me e chego a entrarem pânico, o público impacienta-se eassobia, vou à procura <strong>de</strong> alguém, o contrarregra,o diretor do teatro, digo-lhe:mas é horrível, o que é que eu possofazer? Ele respon<strong>de</strong>-me friamente quetenho <strong>de</strong> me <strong>de</strong>senrascar, que o pano vaisubir, que já não se po<strong>de</strong> esperar mais.Estou numa angústia extrema.Luis Buñuel[A] estrutura, ou antes a estruturalida<strong>de</strong>da estrutura, conquanto sempre ativa,foi sempre neutralizada e reduzida: porum gesto que consistia em dar-lhe umcentro, em reportá-la a um ponto <strong>de</strong>presença, a uma origem fixa. Este centrotinha por função não somente orientare equilibrar, organizar a estrutura – nãose po<strong>de</strong>, com efeito, pensar uma estruturainorganizada –, mas sobretudofazer que o princípio <strong>de</strong> organização daestrutura limitasse o que nós po<strong>de</strong>ríamos<strong>de</strong>nominar o jogo da estrutura. Semdúvida que o centro <strong>de</strong> uma estrutura,dado que orienta e organiza a coerênciado sistema, permite o jogo dos elementosno interior da forma total. E aindahoje uma estrutura privada <strong>de</strong> todo ocentro representa o impensável.No entanto, o centro fecha tambémo jogo que ele abre e torna possível.Enquanto centro, é o ponto em quea substituição dos conteúdos, doselementos, dos termos já não é possível.67

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