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O FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO A FALTA DE SENTIDO ... - UVA

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Cristiane Corrêa Borges ElaelO FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO A <strong>FALTA</strong><strong>DE</strong> <strong>SENTIDO</strong> QUE FERE O CORPO2008


UNIVERSIDA<strong>DE</strong> VEIGA <strong>DE</strong> ALMEIDACristiane Corrêa Borges ElaelO FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO: A <strong>FALTA</strong> <strong>DE</strong> <strong>SENTIDO</strong> QUEFERE O CORPORIO <strong>DE</strong> JANEIRO2008


CRISTIANE CORRÊA BORGES ELAELO FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO: A <strong>FALTA</strong> <strong>DE</strong> <strong>SENTIDO</strong>QUE FERE O CORPODissertação apresentada ao curso de pósgraduaçãoem Psicanálise, Saúde e Sociedade daUniversidade Veiga de Almeida, como requisitoparcial para obtenção do Grau de Mestre. Área deconcentração: Psicanálise e Saúde.Orientadora: Prof. Dra. Maria Anita Carneiro RibeiroRIO <strong>DE</strong> JANEIRO2008


E37f Elael, Cristiane Corrêa Borges, 1969- .O fenômeno psicossomático : a falta de sentido que fere o corpo/ Cristiane Corrêa Borges Elael. — 2008.78 f. : il. ; 30 cm.Digitado (original)Dissertação (Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade) —Universidade Veiga de Almeida, Rio de Janeiro, 2008.“Orientação: Prof. Dra. Maria Anita Carneiro Ribeiro, curso dePsicanálise e Saúde”1. Fenômeno Psicossomático. 2. Psicanálise. 3. Corpo. 4. ;Holófrase. I. Ribeiro, Maria Anita Carneiro (orientadora). II.Universidade Veiga de Almeida. III. Título.CDD 616.08


CRISTIANE CORRÊA BORGES ELAELO FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO: A <strong>FALTA</strong> <strong>DE</strong> <strong>SENTIDO</strong> QUEFERE O CORPODissertação apresentada ao curso de pós-graduaçãoem Psicanálise, Saúde e Sociedade da UniversidadeVeiga de Almeida, como requisito parcial paraobtenção do Grau de Mestre. Área de concentração:Psicanálise e Saúde.Aprovada em 16 de Outubro de 2008BANCA EXAMINADORAProf. Maria Anita Carneiro Ribeiro - DoutoraUniversidade Veiga de Almeida – <strong>UVA</strong>-RJProf. Luciano Elia – DoutorUniversidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJProf. Betty Bernardo FuksUniversidade Veiga de Almeida – <strong>UVA</strong>-RJ


Ao meu grande amor LuizEduardo, minhas lindas filhas:Luana e Larissa, familiares eamigos.


Ao departamento de mestrado em psicanálise da Universidade Veiga deAlmeida que, possibilitaram que meu projeto de pesquisa tornasse uma dissertaçãode mestrado.Maria Anita Carneiro Ribeiro, pelas orientações e pelas observações quanto àelaboração final do texto.Professores Antônio Quinet, Vera Pollo, Sônia Borges, Luiz Veríssimo comquem tive o prazer de conviver no período discente.Beth Fuks e Luciano Elia pelas observções quanto a execução dodesenvolvimento do trabalho.Glória Sadala, analista, mestre, por nunca me fazer “arredar pé” do meudesejo, minha afetuosa gratidão.Colegas de turma e grupo de orientação – momentos prazerosos deaprendizagem e descontração.A todos os pacientes, que foram e sempre serão meus verdadeirosprofessores.RESUMODiferentemente do sintoma psicanalítico, o Fenômeno Psicossomático não possuicaráter de representação. O objetivo de pensar psicanaliticamente tal fenômenoimplica em levarmos em consideração a existência de um sujeito do inconsciente.No Fenômeno Psicossomático o corpo se deixa escrever algo que não consegue serdialetizável, algo imprime uma marca. Esta falta de sentido do FenômenoPsicossomático será abordada neste trabalho através da teoria da holófrase. Aholófrase da primeira dupla significante, S1-S2=S1, faz com que no Fenômenopsicossomático o sujeito esteja colado a o S1 enigmático, colado em uma erupçãode gozo que, consequentemente, fere o corpo.


Palavras-chave: Fenômeno Psicossomático; Psicanálise ; Corpo; Holófrase.


RÉSUMÉLe phénomène psychosomatique, à la différence du symptôme psychanalytique, neprésente pas un caractère de la représentation. Penser ce phénomènepsychoanalitiquement, a pour objectif de nous conduire à penser qu'il existe un sujetde l'inconscient. Dans le phénomène psychosomatique, le corps est laissé à écrirequelque chose qui ne réussit pas capturé dans la chaine significant, quelque choselequel imprime une marque dans corps. Cette absence de sens du phénomènepsychosomatique sera abordé dans cette recherche par la théorie de l'holophrase.L`holophrase de première paire significant, S1-S2=S1, fait avec que le dans lePhénomène psychosomatique le sujet soit collé au S1 énigmatique, fixé dans uneéruption de jouissance qui, en conséquence, blesse le corps.Mots-clés: phénomène psychosomatique; psychanalyse; corps; holophrase.


SUMÁRIO1 INTRODUÇÃO .................................................................................... 092 DOENÇA E SAÚ<strong>DE</strong>: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA..................... 132.1 O NASCIMENTO DA CLÍNICA............................................................. 132.2 O NASCIMENTO DA MEDICINA SOCIAL........................................... 142.3 O NASCIMENTO DO HOSPITAL: PASSAGEM DA CONCEPÇÃOABSTRATA À CONCEPÇÃO ENCARNADA DA DOENÇA................. 162.4 CLÍNICA DA ESCUTA X CLÍNICA DO OLHAR.................................... 192.4.1 Psicanálise e Medicina: uma introdução ao Fenômenopsicossomático................................................................................... 203 OS REGISTROS IMAGINÁRIO, SIMBÓLICO E REAL E SUASRELAÇÕES COM O EU E O CORPO................................................. 293.1 O IMAGINÁRIO E O CORPO............................................................... 293.2 O SIMBÓLICO E O CORPO................................................................. 313.3 O REAL E O CORPO........................................................................... 364 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO FENÔMENOPSICOSSOMÁTICO............................................................................. 384.1 HOLÓFRASE........................................................................................ 384.1.1 O Seminário 1 e a Holófrase ............................................................. 384.1.2 O seminário 6 e a Holófrase ............................................................. 404.1.3 O seminário 11 e a Holófrase ........................................................... 424.1.3.1 alienação.............................................................................................. 424.1.3.2 separação............................................................................................. 444.1.3.3 Corpo e Organismo.............................................................................. 474.1.3.4 Lalangue.............................................................................................. 485 O FPS, <strong>DE</strong>BILIDA<strong>DE</strong> MENTAL, PSICOSE (PARANÓIA) E A 51


HOLÓFRASE.......................................................................................5.1 HOLÓFRASE E <strong>DE</strong>BILIDA<strong>DE</strong> MENTAL ............................................. 515.2 HOLÓFRASE E PARANÓIA ................................................................ 545.3 HOLÓFRASE E FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO............................. 586 CONCLUSÃO ...................................................................................... 63REFERÊNCIAS ................................................................................... 68APÊNDICE A – Curso sobre o Fenômeno Psicossomáticodirecionados aos Hospitais Gerais................................................... 74


91 INTRODUÇÃOCertas afecções somáticas respondem mal aos critérios exigidos pelo sabermédico. Quando o caso é rebelde à etiologia, quando a lesão é inexplicável, quandodesconcerta tal saber, elas são consideradas pela medicina como psicossomáticas.Sua causa é desconhecida, seus sintomas, de graduação variável, suaevolução, imprevisível, entretanto todas têm a característica de serem lesõesorgânicas. Há sempre um dano histológico objetivável. As lesões podem se agravarcom complicações que colocam em perigo a vida do paciente, como podem,também, simplesmente desaparecer, sem nenhuma razão plausível. O desenrolardesta doença se caracteriza, mais freqüentemente, pela existência de crisessucessivas, fazendo da vida uma alternância entre o aparecimento e odesaparecimento da lesão.Pretendemos com este trabalho responder a uma pergunta que é essencialpara a fundamentação de nossa pesquisa. Esta é antiga, porém muito atual feita em1905, por Freud a respeito da conversão histérica, no texto “Tratamento Psíquico ouMental”: Quais são as causas pela qual o psíquico é afetado causando uma açãoperturbadora sobre o físico? Utilizamos desta pergunta de Freud para pensarmossobre quais seriam as causas pela qual o psíquico seria afetado causando oFenômeno psicossomático.Sabemos que o campo humano vem sendo significado de maneira diferenteao longo da história da humanidade. E estas várias interpretações que o homem fazde sua relação com o corpo introduzem um aspecto ainda mais delicado aabordagem dos Fenômenos Psicossomáticos.Assim sendo este trabalho pretende analisar o Fenômeno Psicossomáticopela égide histórica e científica com objetivo de fornecer um maior entendimento doprofissional de saúde a respeito do posicionamento subjetivo destes pacientesperante a doença. Todavia para atingirmos este objetivo analisaremoshistoricamente o nascimento da clínica, o nascimento da medicina social, onascimento do hospital no ocidente com objetivo de percebemos a relação entrecorpo-mente e a doença e pontuaremos a diferença entre a medicina como clínicado olhar e a psicanálise com clínica da escuta; abordaremos as implicações dosregistros Imaginário, Simbólico e Real com o corpo; focalizaremos o tema Fenômeno


10Psicossomático em Lacan pela vertente da Holófrase com objetivo de percebemos oposicionamento subjetivo do paciente em relação a este e Pensaremos em direçõesclínicas para o tratamento do Fenômeno psicossomático.O interesse por este assunto foi mobilizado desde a passagem pela disciplina:“Psicossomática”, no curso de Especialização em Psicologia Clínica da PUC-RJ em1996, onde o enfoque teórico era baseado na teoria Lacaniana. O caráter enigmáticodessas afecções somáticas, referidas acima, incentivaram pesquisas. Assim sendo,fizemos uma monografia de final do curso de Pós-graduação sobre “O FenômenoPsicossomático” onde contextualizamos teoricamente a formação do FPS em Lacan.Através de um estudo de caso, recortado do livro Marte, que narra a história de umpaciente com câncer, tentamos abordar tal doença como um FPS, correlacionandopontos chaves da teoria Psicossomática com o posicionamento subjetivo do sujeitodiante do câncer.Posteriormente à especialização começamos a freqüentar o Núcleo dePesquisa em Psicanálise e Medicina da Escola Brasileira de Psicanálise - RJ. Comobjetivo de nos aprofundar, cada vez mais, nos enigmas da teoria psicossomática.Acreditando que a prática clínica contextualiza o conhecimento teórico,sentimos necessidade de ampliar nosso conhecimento sobre como o sujeito lidacom as implicações das doenças somáticas dentro do ambiente hospitalar comobjetivo de relacionar as diferenças do posicionamento do sujeito, frente à doençaorgânica, que procura o consultório particular e àqueles que estão internados nohospital geral. Trabalhando no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Setorde Psicologia Médica, percorremos várias enfermarias de especialidades diversas,dentre elas as de doenças auto-imunes e oncologia.Foi na experiência clínica em consultório e em hospital geral que o caráterenigmático destas afecções corporais, que parecem não serem intermediadas pelaestrutura da linguagem, não permitindo ao sujeito que as signifique confrontando-secom o Real do sofrimento, se tornaram evidentes. No consultório, quando o pacienteprocura Psicoterapia, ele tem uma demanda direcionada a conflitos emocionais, pormais que traga queixa orgânica, porém não consegue significar psiquicamente(discorrer a cadeia significante) tal queixa. No hospital, porém, existe uma demandaessencialmente orgânica que esbarra no psíquico, a meu ver, na medida em que odesespero pelo sofrimento da dor “toma” o sujeito, e este, também, não conseguesignificar psiquicamente sua dor.


11É exatamente por causa deste ponto limite, onde a falta de significação dosujeito perante a doença parece tomar o sujeito sem oferecer-lhe questão,resultando numa marca, lesão somática, que pretendemos desenvolver nossapesquisa de mestrado percorrendo novos caminhos que nos leve a uma melhorcompreensão do enigma inerente a este Fenômeno.Salientamos que este trabalho não segue uma ordem cronológica em relaçãoaos respaldos teóricos, principalmente, aos Lacanianos, priorizamos a inteligibilidadedo tema. Com isso, por vezes, nos adiantamos trazendo conceitos do final da obrade Lacan.Nosso trabalho será divido nos seguintes capítulos:• DOENÇA E SAÚ<strong>DE</strong>: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA;• OS REGISTROS IMAGINÁRIO, SIMBÓLICO E REAL E SUASRELAÇOES COM O EU E O CORPO;• FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO FENÔMENO PSICOSSOMÁTICO;• O FPS; <strong>DE</strong>BILIDA<strong>DE</strong> MENTAL E PSICOSE (PARANÓIA) E AHOLÓFRASE;• CONCLUSÃO.No capítulo DOENÇA E SAÚ<strong>DE</strong>: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA,pretendemos utilizar Foucault com sua análise arqueológica sobre a clínica, amedicina e o hospital com objetivo de percorrermos uma evolução histórica arespeito desses temas. Exploraremos sua visão a respeito da emergência da clínicaatravés das articulações entre o ver e o dizer; o seu estudo histórico a respeito damedicina social em resposta a questão de que a medicina seria individualista ousocializada e o seu desenvolvimento de que com o nascimento do hospital, amedicina passa de uma concepção abstrata da doença para uma concepção maisencarnada da doença. O objeto de estudo da medicina passa da doença para oconjunto de sintomas que se referem à doença. Enfatizaremos sobre a diferença deuma clínica do olhar, medicina, onde os fatores fenomenológicos são prioritáriosexcluindo o sujeito e valorizando o avanço científico e a clínica da escuta,psicanálise, que considera o inconsciente do sujeito. Ainda Neste capítulo faremosuma pequena introdução ao Fenômeno Psicossomático. Falaremos de Freud, pormais que não tenha contribuído de maneira tão consistente em relação a este tema,


12lançou uma poderosa semente através das neuroses atuais e de re-leitores deFreud, que nos foram de grande valia para o desenvolvimento deste assunto.O capítulo, “OS REGISTROS IMAGINÁRIO, SIMBÓLICO E REAL E SUASRELAÇOES COM O EU E O CORPO”, objetiva a reflexão sobre o corpo e apsicanálise. Faremos um percurso na teoria de Lacan sobre a relação que o Eu e oCorpo estabelece em cada registro.No capítulo “FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO FENÔMENOPSICOSSOMÁTICO” desenvolveremos dentro da vertente simbólica afundamentação para o Fenômeno Psicossomático. Deste modo abordaremos aholófrase e suas implicações. É a partir da holófrase que tentaremos responder aquestão a respeito do que faz o psíquico ser afetado causando uma açãoperturbadora sobre o físico?O capítulo “O FPS; <strong>DE</strong>BILIDA<strong>DE</strong> MENTAL E PSICOSE (PARANÓIA) E AHOLÓFRASE” é baseado na afirmativa de Lacan, 1964, no Seminário, livro 11 deque “quando a primeira dupla de significantes se solidifica, se holofraseia, temos omodelo de uma série de casos – ainda que, em cada um , o sujeito não ocupe omesmo lugar” (LACAN, 1964, p. 225). Pretenderá traçar a diferença entre oposicionamento do sujeito frente a holófrase em cada item designado a cima,utilizando-se para isso de análises de casos clínicos, com objetivo de percebermos oque atinge o corpo no FPS.Por fim, no último capítulo, encaminharemos as possibilidades de direçãoclínica que si delineiam a partir das conclusões obtidas ao longo deste percurso.


132 DOENÇA E SAÚ<strong>DE</strong>: UMA ABORDAGEM HISTÓRICA2.1 O NASCIMENTO DA CLÍNICASegundo Foucault (1963) no texto “O nascimento da clínica”, o discursomédico possui três fases: a medicina classificatória, onde as doenças sãoorganizadas em gênero, família e espécie; a medicina clínica, proveniente de umaexperiência pedagógica, a clínica propicia a regulamentação da profissão e seuensino e a medicina anátomo patológica, que abre espaço para localização dadoença no corpo.Dessas fases do discurso médico, será abordado neste trabalho as condiçõesde emergência da medicina clínica.A Clínica surge através das articulações entre ver e dizer (percepção eenunciação) com as seguintes características: uma nova distribuição dos elementosdiscretos do espaço corporal; reorganização dos elementos que constituem ofenômeno patológico; definição das séries lineares de acontecimentos mórbidos emoposição ao emaranhado das espécies nosológicas e articulação da doença com oorganismo.A referência às práticas sociais, ou, como é denominada por Foucault (1963),“estruturas terciárias” da medicina, remetem à solução de compromisso entre asforças presentes no período da revolução francesa: entre o corporativismo dosmédicos, buscando codificar o ensino profissional para controle dos charlatães; oliberalismo empírico, associado ao fim dos privilégios, associando qualquerconhecimento ao olhar livre; e o assistencialismo, presente na instituição hospitalar,enquanto depósito de doentes pobres, com fim de isolá-los do convívio com outrasclasses. A clínica costura estas demandas enquanto ensino empírico-prático quedistingue os médicos dos oficiais de saúde em sua formação, os primeiros sobre ospobres depositados nos hospitais, que pagariam a sua assistência com a exposiçãopara uma pedagogia clínica a ser revertida mais tarde em tratamento seguro para asclasses mais altas. Ainda que marcada por esta associação com o estruturalismo,mantém-se a mesma lógica de gênese pelo avesso das práticas inaugurada peloprimeiro Foucault e perseguida na História da Loucura, conforme atesta FredericGros (1997, p. 75-82). Da mesma maneira que se devem buscar as origens da


14psicologia na loucura, a da clínica deve ser buscada na morte: “isto que estabelece arigidez de um cadáver é o frio rigor que comanda a vida” (GROS, 1997, p. 80). Detoda maneira esta é a lógica que permite que, pela primeira vez, se estabeleça noocidente uma ciência do indivíduo, tomando o homem como objeto: “a velha leiaristotélica que interditava sobre o indivíduo o discurso científico foi levantadaquando, na linguagem, a morte encontrou o lugar de seu conceito” (FOUCAULT,1963-A, p. 195-196). Na década seguinte, genealógica, caberá à prática do exame enão mais à morte ou à loucura a gênese do indivíduo. Ainda que o entorno de seupensamento se modifique, as palavras do jovem Foucault ecoam:O homem ocidental não pôde se constituir aos seus próprios olhos à luz daciência, ele não se toma no interior de sua linguagem, nem si dá a si senãona abertura de sua própria supressão: da experiência da Desrazão, nascemtodas as psicologias e a possibilidade mesma da psicologia; da integraçãoda morte no pensamento médico nasce uma medicina que se constituicomo ciência do indivíduo (FOUCAULT, 1963-A, p. 227).Outra passagem relevante se dá quando Foucault relaciona o surgimento dasCiências Humanas à passagem de uma medicina regulada pela noção de saúdepara uma mais recente redigida pelo conceito de normalidade:Se as ciências do homem apareceram no prolongamento das ciências davida, é talvez porque estavam biologicamente fundadas, mas é tambémporque o estavam medicamente; sem dúvida por transferência, importaçãoe, muitas vezes, por metáfora, as ciências do homem utilizaram conceitosformados pelos biólogos; mas o objeto que eles se davam (o homem suascondutas, suas realizações individuais e sociais) constituía, portanto, umcampo dividido segundo o princípio do normal e do patológico. Daí o carátersingular das ciências do homem, impossíveis de separar da negatividadeem que apareceram, mas ligadas à positividade que situam implicitamentecomo norma (FOUCAULT, 1963-A , p. 40)2.2 O NASCIMENTO DA MEDICINA SOCIALFoucault (1974) no texto “O nascimento da medicina social”, nos apresentaum estudo histórico do surgimento da medicina social em resposta a pergunta deque a medicina seria individualista ou socializada. Segundo Foucault, a Idade Médiateve uma prática médica totalmente individualizada enquanto que a prática da IdadeModerna caminha para uma socialização. Isso se dá como um importanteinstrumento de controle social e vai ter como o objeto o corpo, sendo este de valorfundamental para o sistema econômico que acaba de surgir – O Capitalismo, quesurge através do Mercantilismo. A medicalização autoritária atuará como forma decontrole dos corpos produtivos. Dessa forma, “o corpo é considerado uma realidade


15bio-política e a medicina uma estratégia bio-política” (FOUCAULT, 1974, p. 117).Para fundamentar esta sua conclusão, Foucault nos remete à realidade sóciopolítica-econômicada Europa nos séculos XVIII e XIX, onde nos mostra a relaçãodesta com o surgimento da medicina social. Faz uma reconstituição das três etapasde sua formação: a medicina do estado, a medicina urbana e a medicina da força detrabalho. A preocupação com a saúde e com o corpo só se dará efetivamente nestaúltima fase. Foucault aponta que, no que concerne ao desenvolvimento da medicinasocial, há um interesse gradual pelo meio, pela influência do meio sobre oorganismo e pelo organismo em si.A medicina do estado é interpretada consensualmente como sendo produtoda política econômica mercantilista e cujo conceito de polícia médica é central, éuma prática característica do emergente estado alemão a partir do século XVII.Postulava medidas que vinham efetivar um ideal de prosperidade, bem estar,disciplina, integridade e boa moral, no caso de sua acepção mais vaga e primitiva.Medidas que se referiam desde propostas de estabelecimento de estatísticas queenvolvam o número de cidades, vilas, nascimentos e mortes e suas causas até,mais especificamente, a cristalização de medidas efetivas que zelem para ausênciade doenças contagiosas, limpeza, qualidade da comida, pureza do ar e etc. No casode uma acepção mais precisa, a noção de política médica vem ser proposta porWolfgang Thomas Rau, que apresenta prerrogativas de interesse pela saúdepública, bem delimitadas através das atribuições do médico que, além de prestarcuidados aos doentes, também é responsável por medidas que visam a saúde dapopulação de uma maneira geral.Todos estes esforços e discussões em torno das questões da saúde públicativeram como subproduto a normalização da medicina enquanto disciplina. Comoextensão das preocupações com a saúde e com o bem estar coletivo, teremos aproposta de regulamentação estatal da medicina como algo indispensável com afinalidade de evitar o charlatanismo e os abusos. Outro importante subproduto arespeito da saúde pública foi o indício de sistematização das doenças quanto assuas causas (causas naturais X produzidas pelo homem).Medicina urbana: a França, no século XVIII, vê-se envolvida com as questõesda urbanização. Com a urbanização do território em cidades, começaram a surgir osproblemas sanitários. Começou-se a perceber a relação com os locais insalubres(cemitérios, matadouros) e focos epidêmicos. Dessa forma, montou-se um programa


16de urbanização que delimitasse as regiões das cidades, fazendo com que os locaispropagadores de doenças ficassem instalados na periferia. Desse programa, fazparte um programa controlador de águas e esgotos. Dá-se, também, a importânciada circulação do ar.Essa medicina urbana implicava uma série de medidas vigilantes rígidasherdadas da prática político-médica da quarentena da Idade Média.Nessa época, entretanto, somente as propriedades estatais e não aspropriedades privadas eram visadas pelas políticas de saúde. A plebe não eraconsiderada elemento de perigo à saúde da população. Entretanto em meados doséculo XIX esta situação é modificada em consonância à Saúde Pública.A medicina da força de trabalho: em meados do século XIX, constata-se umgrande aumento do número de proletariados. Esses passam a ser vistos comoperigo à medida que participam de rebeliões sociais e marcam, durante a RevoluçãoFrancesa, seu poder revolucionário. O surgimento da cólera, em 1932, cristalizou-seem torno da população proletária, criando uma série de temores políticos esanitários. Foi necessário, portanto, a implantação de uma prática clínica referente àpopulação de baixa renda, na Inglaterra, onde em sua ambigüidade, o pobre tinhadireito à saúde, mas, por outro lado, o dever de submeter-se ao controle médico. Amedicina, neste momento, se apossa do indivíduo e exerce um controle sobre ele. Osistema de health service, health officers tinha como objetivo o controle das doençastransmissíveis e obrigatoriedade de comunicação de casos de contração da doençae localização dos locais insalubres.2.3 O NASCIMENTO DO HOSPITAL: PASSAGEM DA CONCEPÇÃOABSTRATA À CONCEPÇÃO ENCARNADA DA DOENÇA.Foucault (1974) no texto “O nascimento do hospital”, aborda que antes doséculo XVIII, o hospital era essencialmente uma instituição de assistência aospobres e protetor das pessoas sadias contra os doentes, ou seja, era uma instituiçãonão só de assistência, como também de separação e exclusão.O objeto de interesse até o século XVIII, no hospital, não é o doente queprecisa de cura, mas o pobre que está morrendo e precisa ser assistido material eespiritualmente. Nesta época, era o pessoal caritativo-religioso ou leigo que cuidava


17dos doentes, com o objetivo de assegurar sua salvação eterna. A medicina dosséculos XVII e XVIII era profundamente individualista. A experiência hospitalarestava excluída da formação ritual do médico. O que o qualificava como médico eraa transmissão de receitas e não o campo das experiências que ele teriaatravessado, assimilado e integrado. Quanto à intervenção do médico na doença,ela era organizada em torno da noção de crise.A crise era o momento que se afrontavam, no doente, a natureza sadia doindivíduo e o mal que o atacava. O médico, naquele momento, desempenhava umpapel de prognosticador, árbitro e aliado da natureza contra a doença.Vê-se, assim, que nada, na prática médica daquela época, permitia aorganização de um saber hospitalar, como também nada, na organização hospitalar,permitia a intervenção da medicina. As instituições “hospital” e “medicina”permaneceram independentes até meados do século XVIII.Dessa época em diante, observa-se o início da transformação do hospital quepassa a ser medicalizado, tratado para atingir seu objetivo de cuidar efetivamente odoente e a medicina pôde se tornar hospitalar.A partir do momento que o hospital é concebido como um instrumento de curae, a distribuição do espaço torna-se um instrumento terapêutico, o médico passa aser o principal responsável pela organização hospitalar. O controle do regime dosdoentes pelo médico faz com que este assuma, até certo ponto, o funcionamentoeconômico do hospital que, até então, era privilégio das ordens religiosas. Aomesmo tempo, a presença do médico se afirma e se multiplica no interior dohospital. Até o século XVIII, o grande médico era o de consulta privada e o médicoque as comunidades religiosas chamavam para fazer visitas aos hospitais era,geralmente, o pior dos médicos.Já no final do século XVIII, o hospital era referência de excelentes médicos.Nessa época, não era somente um lugar de cura, mas de registro, acúmulo eformação de saber, ou seja, a clínica aparece como dimensão essencial do hospital.É, então, através dela, que o saber médico começa a ter seu lugar, não mais no livro(tratados clássicos da medicina onde confiam as grades taxonômicas da doença),mas no hospital, onde a práxis médica revela a doença como um operadorimportante, onde, a partir do atendimento dos pobres, pode-se produzir saber sobrea doença e transmitir saber.


18A formação de uma medicina hospitalar deve-se, por um lado, àdisciplinarização do espaço hospitalar e médico que objetivavam chegar a umamedicina individualizante e, por outro, à transformação, nessa época, do saber e daspráticas médicas que viabilizaram que o indivíduo emergisse como objeto do saber eda prática dos médicos.A medicina que se forma no século XVIII é tanto uma medicina do indivíduoquanto da população e é ela que articulará a reforma urbana. A redistribuiçãodessas duas medicinas será um fenômeno próprio do século XIX.Ou seja, a reorganização hospitalar será feita a partir do poder disciplinar. Talpoder produz um saber que está ligado ao poder disciplinar de organização doscorpos no tempo e no espaço que são submetidos a registros contínuos, exames. Éa partir dessa concepção de controle da doença que a clínica se instaura, trazendocom ela o saber sobre a doença, o saber sobre o sintoma que o indivíduo expressaem relação à doença.O hospital, no final do século XVIII, não era só um lugar de cura, mas deformação de saber, de aprendizagem. É a clínica que faz a articulação entre espaçode cura e saber. O hospital será um dos vetores, até o século XIX, que fará surgir oindivíduo e a população como objetos de conhecimento. Estas duas instâncias ditasacima não existiam como objeto de saber. Nos séculos XVI e XVII o indivíduo eraconsiderado como o sujeito na base do poder do estado. Já no século XVIII, o podergerado no hospital vem individualizar este sujeito.Com o nascimento do hospital, a medicina passa de uma concepção abstratada doença para uma concepção mais encarnada da doença. O objeto de estudo damedicina passa da doença para o conjunto de sintomas que se referem à doença.Todos estes textos de Foucault abordam a crença de que o conhecimentocientífico porta um supremo poder de resolução dos males do mundo. Apesar destestextos referenciarem os séculos XVIII, XIX, XX, servem, também, ao século XXI,considerado por muitos autores como século das ciências biológicas que alia ciênciae tecnologia. A partir da intercessão de ciências como biologia, química, física,tecnologia da informação, nanotecnologia, biotecnologia e genética, abre-se apossibilidade de não só destrinchar a herança genética de um indivíduo, comotambém de usá-la a favor da saúde humana, aliada à esperança de cura de doençase disfunções até então causadoras de grandes males à humanidade.


19O avanço científico que traz a possibilidade de inovações na área da saúdetraz também preocupações sobre a sua utilização porque considera o corpo comouma máquina, onde a tecnologia pode interferir à vontade, negligenciando asubjetividade do indivíduo que porta aquele corpo em questão.2.4 CLÍNICA DA ESCUTA X CLÍNICA DO OLHARSe para medicina o corpo é uma máquina, um organismo que pode serabordado, manipulado, dissecado pelo olhar da ciência, para psicanálise ele é umorganismo erogenizado, marcado pela pulsão e pela linguagem, ambasinseparáveis. Lacan (1964) no capítulo XV do seminário XI, subverte a noçãocorriqueira de exterioridade do corpo que comporta o organismo alegando que noser falante, ser inserido na linguagem, o organismo vai além dos limites do corpo,inclui a libido e os objetos-a que são extra-corpo. Mesmo antes do nascimento, o servivente já está inserido no simbólico, ou seja, na linguagem. Ele já existe noimaginário dos pais, que lhe atribuem significantes e significados, que interferirão nasua constituição futura. Nos primeiros anos, esse corpo é marcado libidinalmentepelos cuidados maternos e pelo desejo parental; só aos poucos o indivíduo vai delese apropriando. Dessa forma, o adoecer aos olhos da psicanálise é diferente queaos olhos da medicina por manifestar-se não apenas no órgão de um corpo, masnum corpo marcado pela pulsão e pela linguagem.Carneiro Ribeiro (2005) no texto “Psicanálise e Ciência” comenta aobservação de Benedikt sobre uma das grandes questões da psicanálise: a de que aclínica da escuta rompe com a clínica do olhar. A invenção da escuta doinconsciente, proposta pela psicanálise, insere, na área clínica, uma mudançaradical na concepção de como lidar com os pacientes. Há um rompimento com amedicina fenomenológica da época, séc. XIX, “que propunha uma correspondênciaexata do corpo da doença com o corpo do homem doente” (RIBEIRO, 2005, p. 61).Freud trata de seus pacientes não pela investigação fenomenológica de seussintomas, mas através da livre associação que os pacientes faziam a respeito deseus sintomas. Portanto, quando Freud propôs a associação livre a seus pacientes,ele introduziu um novo método de investigação. Freud apresenta uma ciênciasingular que considera o sujeito individualmente e não genericamente como faz a


20ciência cartesiana. Desta maneira, reportando-nos aos fenômenos corporais, tanto oda histeria quanto ao do FPS, o que para medicina pode ser considerado como umpiti ou algo sem sentido e por ela desconsiderado, para psicanálise é escutado comomurmúrio de desejo e gozo advindos de uma instância desconhecida do eu - oinconsciente.2.4.1 Psicanálise e Medicina: uma introdução ao FenômenoPsicossomático (FPS)Lacan (1966) já nos advertia, em um colóquio “O lugar da psicanálise namedicina”, organizado por Jenny Aubry, realizado no colégio de medicina, naSalpêtrière, que o progresso da ciência sobre a relação da medicina com o corpoparece levar a uma falha epistemo-somática. O corpo, em relação à medicina, éconsiderado um sistema homeostático, em sua pura presença animal, dela excluídoo desejo e o gozo que é reconhecido através de suas manifestações, sob a forma dedor e sofrimento. (VALAS, 1986, p. 88)A medicina, pelo avanço científico, acaba deixando de considerar que existeum sujeito do inconsciente que, com certeza, sabe melhor do que ninguém sobresua história. Parece que a desconsideração disto corrobora com a presença defenômenos, como o FPS, onde o ser humano é atingido por aquilo que é impossívelde dizer pela linguagem significante. Sendo assim, poderíamos pensar que asdoenças psicossomáticas acabam, cada vez mais, se tornando enigmas quaseintransponíveis pela medicina?Nessa falha entre o corpo máquina e o corpo desejante e gozoso, precipita-setoda uma série de teorias psicossomáticas.Trillat, 1939, comenta que a medicina psicossomática é uma especialidadeanglo-americana que germinou nos campos de batalha da guerra de 1914 – 1918.Os anglo-americanos dão particular importância tanto à emoção de choque comotambém aos fatores psicológicos e afetivos do sujeito.A nomenclatura das neuroses de guerra adotada pelos anglo-saxões ébastante diferente da dos franceses e dos alemães: ao lado dos estados ansiosos,há a histeria de conversão e as desordens psicossomáticas. Estas são constituídaspor perturbações pertencentes, tradicionalmente, ao campo da medicina, mas,


21também, atribui-se-lhe uma origem psico-emocional. O tipo mais estudado é umconjunto de perturbações (aceleração do pulso e da respiração, dores precordiais,hipersudação, fatigabilidade) descritas em 1918 por T. Lewis sob o nome de“síndrome do esforço”. Dentro do mesmo espírito, são igualmente descritos os casosde hipertensão arterial, perturbações digestivas, úlceras gástricas, etc., devidas afatores psicológicos.A partir dessa época, o termo “psicossomática” entrou para o vocabulário,mas a medicina psicossomática nasceu nos EUA, por volta do ano de 1925, emtorno de Franz Alexander, em Chicago, e de H.F. Dunbar, em New York. Ela nasceuda integração das teorias emocionais das neuroses, ilustradas na França porDéjerine, com a teoria psicanalítica (LEWIS, 1918).Autores como Groddeck, Dunbar, Alexander e Garma defendem que o FPStem um sentido (WARTEL, 1990, p. 70). A doença pode se referir a uma causalidadepsíquica original. Grodeck introduz a expressão: linguagem de órgão. Para ele, porexemplo, um câncer no colo do útero pode ser expressão de um desejo de ter umfilho (GROD<strong>DE</strong>CK, 1988). Dunbar, por sua vez, fala da neurose de órgão (DUNBAR,1944). Alexander introduz a noção de neurose vegetativa. Segundo Alexander, adoença é conseqüência de emoções, impulsos não satisfeitos, desviados ereprimidos que podem agir sobre o sistema endócrino e vegetativo acarretandolesões corporais. Deste modo uma pessoa sofrendo, por exemplo, com sede deamor, pode, diz ele, remontar à primeira infância, fazendo mais facilmente umaúlcera de estômago (ALEXAN<strong>DE</strong>R, 1952).Por esse caminho indireto, da influência do psiquismo sobre o organismo, apartir da conversão histérica, passando pela complacência somática e por confusasargumentações neuropsico-fisiológicas, acaba-se falando de somatizaçõesvinculadas a afetos não satisfeitos que viessem a ferir o corpo. Como se o afetofosse recalcado e a energia assim liberada acarretasse lesões no corpo – o que éabsolutamente anti-freudiano, já que sabemos que o que pode ser recalcado são asrepresentações – Propõe-se então o termo, que se presume ser uma invenção deconversão simbólica - que na realidade é a própria definição da conversão histérica.Por outro lado, toda uma corrente utiliza como seus os argumentos deMelaine Klein: a conversão somática que diz respeito a conflitos anteriores aoperíodo edipiano e mergulha suas raízes nas fases mais arcaicas do psiquismoGarma é o primeiro da fila desta corrente, defende que cada sintoma psicossomático


22corresponde a uma estrutura particular da personalidade e cada doença a umdeterminismo puramente psíquico. A conversão somática, como ele nos diz, édevida a mecanismos de regressão e fixação, em que tem função o recalcamento.Propõe que precisa haver uma significação psicoafetiva nas lesões para que sejamdesignadas como lesões psicossomáticas. Tal assertiva é compartilhada pelamaioria daqueles que se designam como psicossomatólogos. (GARMA, 1963). Amorte, para essa corrente, é evocada somente ao nível do imaginário, onde o corpopróprio não é solicitado. Aborda as lesões psicossomáticas pela via da neurose.Quando não encontram a significação psicoafetiva das lesões orgânicas, consideraque estão implicados o biológico, o corpo e a morte real, terrenos que tal correntenão avança em seu estudo (WARTEL, 1990, p. 73).Glover (1939) cruza o fosso entre perturbações psicossomáticas eperturbações neuróticas (histeria, fobia e obsessões). Defende que os sintomasneuróticos têm uma significação e um conteúdo psíquico. “O sintoma de conversão,além de uma representação somática, tem um conteúdo psíquico; ele tem umasignificação específica” (GLOVER, 1939, p. 147). Diz, ainda, que o processo deformação de cada neurose responde a um modelo (pattern) standard, isto é, a umtipo específico de mecanismo de defesa; enquanto que, nas perturbaçõespsicossomáticas, não há conteúdo psíquico, e, conseqüentemente, não respondema modelos estereotipados de conflitos. Glover, percebendo a dificuldade de traçarum diagnóstico diferencial entre histeria e psicossomática, limita-se ao estudo dosfatores etiológicos que presidem à formação do sintoma histérico e a suasignificação simbólica. Escreve ainda:O meio mais confiável para estabelecer um diagnóstico diferencial (dossintomas de conversão) repousa sobre um exame psicológico profundo.Infelizmente esse preâmbulo é raramente satisfeito quando o médico éconfrontado com uma perturbação que lhe parece evidentemente orgânica.(GLOVER, 1939, p. 148).Retomando a questão diagnóstica, não mais a partir da histeria de conversão,mas a partir da medicina psicossomática, reencontram-se as mesmas dificuldadespara se separar uma da outra. Tudo depende da investigação psicológica. Se estafaz aparecer uma significação psicossexual ou uma erogenização do órgão. Aperturbação vista como psicossomática bem que poderia ser entendida comosintoma de conversão, porém ela somente é considerada como psicossomáticaquando a investigação é desesperadamente estéril e muda.


23A escola francesa se funda exatamente sobre a falta de representação dapsicossomática. R. Held; M. Fain; P. Marty; G. de M’Uzan; C. David, fundadoresdesta escola, defendiam que “o estado psicossomático cria-se bem cedo na vida,antes da aparição da linguagem que, entretanto, é condicionada pelo seu meioafetivo” (MARTY; DAVID; M’UZAN, 1963, p. 96). Para eles, os fenômenospsicossomáticos não têm sentido, ligam-se a uma verdadeira carência dasatividades de representação. Explicam a lesão corporal através da elaboraçãoconceitual de que a ausência de representação faz a libido e a agressividade seconfundirem e se transfomarem em energia pulsional indiferenciada que passadiretamente ao órgão, lesando-o. Pois a pulsão de morte, destacada da pulsão devida, não deixaria de continuar um trabalho de sapa sobre o corpo. Emconseqüência, a questão não é encontrar um sentido nesses fenômemos, mas darlheum, construindo para o doente um fantasma e colocando-o à sua disposição.Sem dúvida, estes pacientes apresentam carência nas atividades derepresentação, porém a idéia de um investimento auto-erótico, sob a forma de umcurto circuito pulsional, foi criticada por Lacan em 1975, “Conferência de Genebra”.Diz ele sobre o auto-erotismo: “é o que há de mais hetero” (LACAN, 1988, p. 128).Em relação ao direcionamento clínico desses fenômenos, concordamos que énecessário que o paciente dê a estes um sentido, porém quem tem que fazer isto éo paciente. Como poderíamos construir para o paciente um fantasma? Defender istoé a mesma coisa que expor que o paciente aparece separado de seu inconsciente.Freud faz referência à psicossomática uma única vez em uma carta dirigidaao Dr Victor von Weizsaker, neurologista da Universidade de Heidelberg, em 1923.Chama a atenção para o fato de esbarrar num terreno desconhecido, não explorado,mas que suscita dúvidas a partir de fatores psicológicos nas doenças orgânicas evice-versa.Freud não desenvolveu, em sua teoria, nada a respeito do FenômenoPsicossomático, mas deu subsídios, através das neuroses atuais, para que outrosautores desenvolvessem sobre o tema. Freud, ao iniciar seus estudos sobre asneuroses, fazia uma distinção entre as neuroses atuais (neurastenia, neurose deangústia e hipocondria) e psiconeuroses (histeria e neurose obsessiva).Obsevando os sintomas clínicos para chegar a um diagnóstico, Freuddistinguiu a neurastenia da neurose de angústia, já em 1894. Destacou a angústiadando a ela uma conotação especial: é um estado latente, não tem objeto e é


24somatizada. A histeria e a neurose obsessiva estão no campo das psiconeuroses;seu fator etiológico está no campo da visa sexual, trata-se da história de vida dosujeito, da sexualidade infantil. A neurastenia se diferencia por se referir à vidasexual atual do sujeito ou ao período posterior à sua maturidade sexual.Conceituou a neurastenia como um estado nervoso que surge pelo excessode excitação sexual. Nela não são encontradas mecanismos de recalque,condensação, deslocamento. O sintoma é somático e não simbólico, não hárepresentação psíquica da doença e esta fica latente à consciência. A excitaçãopsíquica transformada em angústia é diretamente expressa no corpo sob a forma desintoma físico.A angústia está relacionada às funções corporais. Os sintomas que surgem apartir de um ataque de angústia, acompanhados, por exemplo, por distúrbios daatividade cardíaca, podem gerar um enfraquecimento sério do coração. Freud, nacarta de 6 de outubro 1893, endereçada à Fliess, afirma que não conseguecompreender a etiologia da angústia de um homem que sofreu um ataque cardíacoao saber da morte do pai, por mais que saiba que se trate de um caso de neurosede angústia pura, acompanhada por sintomas cardíacos subseqüentes a umaperturbação emocional. Freud relaciona as manifestações de angústia, neste caso, afatores de origem não sexual, acúmulo de excitação, e à eclosão da doença(FREUD apud MASSON, 1986, p. 57).Na neurose de angústia à excitação somática é contínua, mas impedida deser exercida psiquicamente, descarregada sexualmente. Acumula-se, é desviada docaminho para descarga psíquica e descarrega-se em outros canais. O psiquismonão consegue manter o controle desta sobrecarga somática. Freud (1976) no texto“A sexualidade na etiologia das neuroses” nos fala que na neurose de angústia háuma justificativa orgânica dos sintomas. O órgão adoece, pois há descargainadequada da excitação somática, que se mostra incapaz de transformaçãopsíquica e termina tal artigo mostrando claramente a distinção entre histeria e aneurose de angústia.Franz Kaltenbeck (1994) no texto “A propósito da complacência somática”,afirma que Freud entendeu por complacência somática, no período de 1905 até1910, como sendo o papel que o corpo toma no nascimento do sintoma histérico.Esse termo, na obra de Freud, aparece somente em dois textos: “Caso Dora”, 1901e “Conceito Psicanalítico das Perturbações Psicogênicas da Visão”, 1910. O termo


25“complacência somática” é considerado como pedra angular da etiologia freudianada histeria que faz menção a um real do corpo, aquilo que é impossível de dizer, queestá perdido para sempre e que, portanto evidencia um problema em relação aosignificante. Freud, porém, não desenvolve, em sua teoria, sobre o que o tema dacomplacência somática denota. Mas, no entanto, o considera como a base daconversão histérica. Freud, no texto “O Homem dos ratos”, de 1909, um caso sobreneurose obsessiva, nos fala que, na conversão histérica, há um salto do psíquico nainervação somática que jamais nos pode ser totalmente compreensível. Deste modo,o desenvolvimento do termo complacência somática é uma tentativa de Freudesclarecer algo a mais sobre o sintoma, ou melhor, sobre o enodamento entreconteúdos inconscientes transpostos nas expressões somáticas. A complacênciasomática reenvia a um real do corpo (aquilo que é impossível de dizer, está perdidopara sempre) que deflagra um sério problema de representação. Definindo a histeriade defesa, Freud nos diz que a conversão histérica ocorre pela repressão, pordefesa do eu, de uma representação incompatível com o eu e o afeto ligado a ela étransposto para uma inervação somática.Freud (1893-5) nos “Estudos sobre a histeria”, aborda que todos os casos depacientes histéricos envolvidos em seus estudos sobre a histeria se defendematravés de conversões mais ou menos intensas contra os sentimentos de desprazerligados a uma idéia incompatível com o eu. Observa que, nestes casos, o sintomasomático se apóia sobre os sofrimentos orgânicos anteriores à neurose.Fundamentando a questão da complacência somática, discorre dizendo queFreud, em 1895, afirma que a repressão é a causa da conversão histérica. Aponta,ainda, que Freud, dez anos mais tarde, estipula, a propósito da afonia de suapaciente Dora,1905, a complacência somática. A causa da afonia de Dora oferece aFreud a oportunidade de pronunciar-se, novamente, a respeito da origem da histeria,alegando que todo sintoma, na histeria, não pode produzir-se sem certacomplacência somática que se efetua sobre um órgão do corpo. Desta maneira, osintoma na histeria precisa da contribuição do psíquico e do somático. Freud buscana complacência somática o enigma da histeria e argumenta dizendo que a histeriacompartilha com as outras neuroses certo número de propriedades psíquicas, mas acomplacência somática é um traço específico da neurose pelo qual os processospsíquicos procuram uma saída através do corpo.


26Comenta o desenvolvimento de Freud a respeito da perturbação psicogênicada visão (1910) dizendo que a estrutura formulada por Freud a respeito destaperturbação permite reconhecer o objeto a como encobridor da falta (-φ). A cegueira,então, seria o representante no corpo desta falta que o sujeito não consegueassimilar. Falta que, pelo viés da complacência somática, se refere a castração.Complementa dizendo que é uma voz superegóica que anuncia o sentido punitivo dosintoma. Desenvolve dizendo que a função do objeto a se denota no aumento daerogenidade do órgão que pode desencadear uma alteração tóxica levando acegueira. É o conflito pulsional que ocasiona esta intensificação da erogenidade.Por fim, aponta que Freud, dirigindo este texto aos médicos, escreve que apsicanálise não se esquece jamais que o psíquico repousa sobre o orgânico. E, aofinal do texto, aborda que são necessárias circunstâncias particulares que incitem osórgãos a exagerarem seu papel erógeno provocando, desde modo, a repressão daspulsões. Freud conclui dizendo que a parte constitucional da disposição dasperturbações psicogênicas e neuróticas é designada provisoriamente comocomplacência somática dos órgãos.Lacan (1969-70) no Seminário, livro XVII: “O Avesso da Psicanálise”,abordando sobre a complacência somática, diz que a histérica é tudo, menoscomplacente. Interpreta que a complacência somática não é uma posição subjetivada histérica, não é uma posição imaginária do eu da histérica, nem é uma posiçãosimbólica. Ou seja, na complacência somática a histérica não é complacente. Há umreal complacente do qual ela se vale para fazer a metáfora da conversão. Ela nãoestá como sujeito na complacência somática. A complacência somática não temsujeito.afirmar que:Retornando às neuroses atuais, Carneiro Ribeiro e Santana, chegam aO legado deixado por Freud, para estudo dos fenômenos psicossomáticospor meio das neuroses atuais, foi teorizar o sintoma somático como produtoda angústia – sem mediação da repressão -, o caráter atual da etiologia esintoma como conseqüência da não satisfação da libido. (RIBEIRO;SANTANA, 2003, p. 140).Os sintomas somáticos gerados pela angústia não passam pelorecalcamento, não se processando a simbolização psíquica. Freud (1925-6) em“Inibições, sintomas e angustia”, associa o trauma à angústia, desenvolvendo que aangústia faz com que o ego tenha uma experiência de desamparo pela


27impossibilidade da formação do sintoma. Contudo, é no texto de 1934 que é possívelencontrar uma descrição pormenorizada do trabalho do trauma. Os traumas sãodefinidos como impressões primitivas da infância, da época em que a criança estácomeçando a falar e não domina o significado das palavras, e também a danosprecoces do ego (FREUD, 1934, p. 93). Eles são “ou experiências sobre o própriocorpo do indivíduo, ou percepções sensórias, principalmente de algo visto e ouvido”(FREUD, 1934, p. 93), que provoquem “alterações no ego, comparáveis a cicatrizes”(FREUD, 1934, p. 96). Freud articula o trauma com a época em que a criança estácomeçando a falar, ou seja, a linguagem ainda não fez sua entrada totalmente. Em1940, no esboço da psicanálise, conclui a respeito da universalidade do trauma esobre as repressões que tais experiências originam.Na conferência XXXII, “Angustia e vida pulsional”, 1933, Freud descreve aangústia como um estado de atenção difusa, flutuante, estando pronta a vincular-sea qualquer possibilidade que surja. Ele estabelece a angústia na histeria, mas deixauma dúvida quando cita outras formas de neurose grave. Ele não específica quaisseriam, mas deixa em aberto os ataques somáticos. Considera, ainda, que aprimeira ansiedade é tóxica (FREUD, 1933, p. 104). Neste texto, a teoria ligada àgeração da angústia pelo excesso de excitação é abandonada; entretanto elemantém, dentre outras, a afirmação que a angústia é uma conseqüência direta deum momento traumático. Parte para a discussão dos impulsos sexuais e agressivos,afirmando a tendência do homem à auto-destruição. Essa carga agressiva sedireciona para o sexual, masoquismo, ou se manifesta como agressividade. Se estaagressividade não consegue ser expressa no mundo externo, ela retorna sobre o eu.Para Freud a agressividade que é tolhida implica em vários danos, inclusiveorgânicos.Freud, em sua obra, mantém a certeza sobre a histeria, a preocupação emdiagnosticar as neuroses entre si, diagnosticando-as com precisão e deixando claroque a histeria tem um caráter que faz do corpo um órgão complacente na construçãodo sintoma. Na complacência somática há um real complacente que a histéricautiliza para fazer a metáfora da conversão. No Fenômeno Psicossomático existetambém um real, mas fora da regulação fálica, que incide sobre o corpo marcando-o.Freud na conferência XXXII, “Angústia e vida pulsional”, 1933, nos fala de casosonde “o sofrimento neurótico pode ser substituído por sofrimento de outra espécie”(FREUD, 1933, p. 135).


28Dando um salto de Freud para Lacan, mas sem abrir mão, algumas vezes, doo respaldo teórico de Freud, caminhamos para o capítulo seguinte fazendo oseguinte questionamento: O que significa ter um corpo, obedecer a uma ordemsignificante? Mas, às vezes, parece que nem toda carne incorpora o significante, setorna corpo, por quê?Acreditamos que estas questões são relevantes para pensarmos o FenômenoPsicossomático. Assim sendo, é imprescindível pesquisarmos sobre as relações docorpo com os registros do Imaginário, Simbólico e Real.


293 OS REGISTROS IMAGINÁRIO, SIMBÓLICO E REAL ESUAS RELAÇÕES COM O EU E O CORPO.3.1 IMAGINÁRIO E O CORPOFreud (1914) no texto “Introdução ao Narcisismo”, inicia a constituição de umaprimeira noção de ego - das Ich - uma noção de um eu, self, noção mais corporal doeu.Freud (1923) em o Ego e o Id, já nos dizia: “[...] o termo distingue o eu (self)de uma pessoa como todo (incluindo, talvez, o seu corpo) das outras pessoas”(FREUD, 1923, p. 8).Em Freud (1914) o narcisismo primário designa um estado precoce em que acriança investe toda sua libido em si mesma. Ou seja, a criança toma a si mesmacomo objeto de amor antes de escolher objetos exteriores. Corresponde aomomento de unificação do eu, que Freud denomina de eu ideal (ideal Ich).Tomando por base a teoria de Lacan, o eu referente ao narcisismo primáriocorresponde ao que ele denomina de estádio do espelho que se insere no registrodo imaginário. Lacan (1953), no texto “Algumas reflexões sobre o ego”, nos diz que,em 1936, no Congresso de Marienbad, ele introduziu o conceito do estádio doespelho como um dos estádios do desenvolvimento da criança que trata de umfenômeno que tem duplo valor. Em primeiro lugar, tem valor histórico porque marcaa etapa decisiva no desenvolvimento mental da criança. Em segundo lugar, elerepresenta uma relação libidinal essencial com a imagem do corpo. Por estas duasrazões fica evidente a passagem do indivíduo por um estádio onde a mais precoceformação do ego poderá ser observada.Para Lacan (1949) o “Estádio do espelho” não é só um estádio, mas ummomento de constituição do eu, a partir da identificação com a imagem do Outro e,também, um momento lógico da estruturação do sujeito, a partir do Outro. Esseprimeiro momento de estruturação do sujeito situa-se entre 6 meses e 18 meses deidade, quando a criança, com suas fantasias de corpo fragmentado, antecipa-senuma unidade, a partir da imagem do Outro. A criança, na sua prematuração, ao seolhar de corpo inteiro no espelho, aliena-se na imagem do corpo. O eu é a imagemdo corpo próprio, formado a partir do reconhecimento no outro. A criança, através do


30olhar do Outro, completa a sua falta (fantasias de corpo fragmentado, despedaçado)dando a ilusão ao sujeito de ter encontrado o seu eu-ideal.A manifestação de júbilo provocada pela ilusão da unidade do corpo queocorre nesse momento de entre-olhares é porque há, no olhar, uma captação doobjeto perdido que, neste caso, refere-se ao estado de incompletude da criança. OOutro é aquele que confirma a imagem da criança refletida no espelho, dando ailusão do sujeito ter encontrado o seu eu-ideal, levando-nos a concluir que o sujeitoconstitui seu eu-ideal a partir do especular e o faz, primeiramente, devotado aoimaginário do corpo.Lacan (1954-5) no Seminário, livro 2: “O eu na teoria de Freud e na técnica dapsicanálise” , aproxima o fenômeno psicossomático ao imaginário que diz respeito àforma, à imagem, à gestalt do corpo. O corpo, no fenômeno psicossomático, éconcebido como uma forma cativante e alienante que captura a identificaçãoimaginária do sujeito pela promessa de completude que acena. O eu aqui éidentificado à imagem especular, é isolado como instância narcísica, auto-erótica,sede da alienação do sujeito que o investe de libido e a ele se identifica. SegundoCarneiro Ribeiro, “o fenômeno psicossomático se inscreveria como um acidente doinvestimento libidinal, um curto circuito da pulsão que, investida, no próprio corpo, ofere, o marca” (RIBEIRO, 1995, p. 275).A partir do estudo do campo escópico, Lacan, em 1964, no Seminário, livro11: “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”, resignifica o estádio doespelho de 1949, ao falar da falta constitutiva no espelho, ou seja, a falta do própriocorpo, porque dentro do próprio corpo o que se vai encontrar é o vazio, vazio que éa própria falta. Situa o escópico, antes do especular. Pode-se dizer com Lacan que aimagem em si mesma, como visível, comporta um vazio que é invisível e que, agora,podemos nomear o falo, como o terceiro na relação com o Outro e “o que dá corpoao imaginário” (ÉCRITS, 1966, p. 804). A holófrase, da primeira dupla significante(S1-S2=S1), abordada, 1964, no seminário, livro 11: “Os quatro conceitosfundamentais da psicanálise”, faz com que o significante perca seu valor simbólico,tornando-se um φ, em outras palavras, se imaginariza.Lacan (1975) na “Conferência de Genebra sobre o sintoma”, abordatangencialmente a questão da psicossomática no debate que se segue àconferência, afirma que o FPS está profundamente enraizado no imaginário.(LACAN, 1975, p. 140). Sobre esta conferência, Soler (1994) comenta que o


31imaginário abordado por Lacan em 1975, partindo do imaginário do corpo, refere-seao UNO da consistência do corpo, retoma o que a referência anterior do estádio doespelho abordava em termos de forma (SOLER, 1994, p. 56).3.2 O SIMBÓLICO E O CORPOEm frente ao espelho, a criança se olha e, em busca de uma confirmação,volta seu olhar para o adulto que a sustenta. Do adulto, vem a palavra ou o gesto, oconsentimento. Com a marca da palavra dada é possível o reconhecimento.Essa identificação narcísica que faz o sujeito assumir a imagem do Outrocomo imagem de si mesmo, culmina numa alienação do eu articulada pelo olhar, oque faz, desde a origem, o eu estar no Outro, dando ao sujeito o sentimento deonipotência do Outro. O Estádio do espelho é a matriz simbólica do sujeito, já que osujeito entra no simbólico por uma simbolização da imagem do corpo próprio e, porisso mesmo, fica definitivamente marcado pela linguagem. A imagem do corpopróprio será sempre, para o sujeito, o símbolo da sua presença no mundo, o quevem estabelecer a relação do corpo biológico com a realidade do sujeito. Realidadeesta que, segundo Lacan, é sempre fantasmática para o sujeito, já que é construídaa partir do reencontro com a imagem no espelho, afirmação que fez Colette Solerdefinir “o corpo como uma realidade” (SOLER, 1995, p. 94). Ela desenvolve que ocorpo não é primário, não se nasce com um corpo, ele é da realidade. Collete Solerressalta que devemos entender este conceito de realidade dentro da óptica pósFreudiana de que haveria uma subordinação a algo. Ou seja, algo se constrói, algo ésecundário. O corpo só tem sentido porque a realidade lhe confere um sentido.Na relação com o Simbólico, o eu é o que tenta substituir o lugar do sujeito, oque parece ser o sujeito, o que faz semblante, entretanto, o eu não é sujeito. O eu éo sintoma que vem velar o furo do simbólico, que é o próprio sujeito do ics. O eu,portanto, é o que vem tentar recobrir a falta simbólica, vem tentar dar substância aosujeito, ocupando o lugar onde o sujeito é falta-a-ser. É nesse sentido que o eu éuma significação, um efeito de linguagem.Quinet (2004) no seu artigo “Incorporação, Extrusão e Somação”, aborda,brilhantemente, a concepção do corpo com base no comentário de dois trechos de“Radiofonia”, onde o corpo será articulado por Lacan para além do imaginário, com o


32significante e com o gozo. Ele aborda que o corpo simbólico passa a ter existênciana medida em que ele é significado pelo Outro. O grande Outro é prévio e, ao seincorporar no corpo, torna-o significante.O corpo nos é atribuído pela linguagem, é um corpo de desejo, e o Outro vaimapeando o corpo pelo significante. A linguagem nos atribui um corpo que é umcorpo de libido.Dessa relação de incorporação significante, algo precisa não ser incorporadopara que seja tomado como causa de desejo do sujeito. O Objeto a é o incorpóreopara psicanálise, é o indicador da ligação do corpo com o simbólico. O efeito daincorporação simbólica é o esvaziamento de gozo da carne. O resto dessa operaçãorefere-se a uma concentração de gozo fora do corpo, que não deixa de ter efeitossobre o corpo por intermédio da pulsão e do objeto a, condensador de gozo. O afeto,que é correlativo ao objeto a, também é outro efeito da incorporação da linguagem.Lacan (1962-3) no Seminário, livro 10; “A angústia”, desenvolve que a angústia,como paradigma do afeto, é corporal.Lacan (1970) em Outros escritos, no texto “Radiofonia”, confirma que o afetoé efeito da entrada do corpo no simbólico, efeito da historização do corpo. O corpoentra na linguagem sofrendo os efeitos dos ditos, daqueles que representam o Outropara o sujeito. Eis o que historiza e histeriza o corpo. Assim, o afeto surge comoefeito dos ditos do Outro no corpo. Em outras palavras, a afetação do sujeito em seucorpo é determinada pelos ditos daqueles que ocuparam o lugar do Outro para ele.(QUINET, 2004, p. 61-62)A linguagem mortifica a carne para dar corpo ao corpo. Quinet (2004)comenta que Lacan, desde o início de seu ensino, afirmou, utilizando a expressãode Hegel, que “a palavra é o assassinato da coisa”. Refere-se à mesma idéia: O quediferencia um corpo humano morto da carniça, animal morto, é o túmulo, a lápidecom as inscrições significantes em sua sepultura. “A possessão do corpo pelo Outrodo simbólico mortifica o corpo humano” (QUINET, 2004, p. 62), mas ao mesmotempo lhe confere sentido (nome, data de nascimento,...). Lacan (1972-3) noSeminário livro 20: “Mais Ainda”, nos fala que o corpo tem a característica de “corpofalante” na medida em que ele é marcado pelo significante. E, desta maneira, ele épropriamente o corpo humano deixado de ser carne.Um corpo, afinal, o que é? É o que do homem pode ser incorporado aosimbólico para ser suporte de significantes. O que exemplifica isso muito bem é o


33sintoma histérico, o qual situa esse corpo em uma cadeia significante. O sintoma éuma formação do inconsciente que tem estrutura de linguagem. O sintoma põe emquestão o desejo do Outro e exatamente por isso que há a metáfora, o sujeitodesloca sobre o corpo aquilo que não pode circular livremente na consciência.desenvolve:Quinet (2004) ainda comentando sobre o texto “Radiofonia” de Lacan,O Outro é definido neste texto, por sua incompletude como Menos-Um, ouseja, pela falta de um significante no Outro, o que corresponde ao matemade S(A). O efeito da intrusão S(A) no corpo é o falo como significante (φ)evocado no imaginário como negativado (-φ). (QUINET, 2004, p. 64).Essa intrusão significante corresponde à extrusão de gozo. O gozo, ao serexpulso do corpo, se condensa fora dele no objeto a, correlato ao falo (a/-φ). Apossessão significante, simbólica, marca o corpo com a castração e o gozo extraditoé conectado ao falo, sendo gozo sexual propriamente dito (intrusão do -1 levando aextrusão do gozo). Lacan, em vez de se referir as operações de alienaçãoseparação empregadas em seu ensino nos anos de 1960, resume nos anos de1970, de forma simples, a entrada do sujeito e seu corpo na linguagem com aoperação de incorporação, onde a intrusão significante corresponde à extrusão degozo, tendo como resultado o fato de que o corpo é o deserto de gozo e constitui o“leito do Outro” [fait le lit de l’Autre] (LACAN apud QUINET, 2004, p. 65).O significante, na verdade, advém na vida do sujeito comemorando o gozo.Há uma solidariedade entre significante e gozo. Isso vai contra aos ditos comuns deque o significante esvazia o gozo. O significante esvazia o gozo dando umasignificação para ele. Esta relação íntima entre S1/a propicia a domesticação dogozo. O significante entra para domesticar o gozo, mas não domestica o gozo todo.Quinet (2004) aborda que o corpo é negativação da carne porque não équalquer carne que incorpora um significante e torna-se corpo. Característicaconferida, somente, aos seres falantes, aos que estão submetidos à linguagem. Ocorpo se torna conceito da Psicanálise. Ao se negativizar a carne, sai dela o gozo.Lacan (1970) em “Radiofonia” transforma a sepultura em conjunto. Asepultura equivale ao corpo significante, Outro da linguagem. Nesse corpo Outro,temos um conjunto vazio de gozo representado pelo conjunto vazio das ossadas.Esse vazio, outro incorpóreo segundo os estóicos, não pode ser reduzido, muitomenos eliminado, porque é estrutural. E é com base nele que se ordenam, fora docorpo, os objetos materiais, significantes, que são, para o sujeito, seus instrumentos


34de gozo. Tais elementos são objetos significantes do mundo empírico que servemao sujeito como substitutos de objetos a que durante a vida enumeraram seu gozo.Esses objetos proporcionam certo gozo, mas não fazem o gozo, extraído pelaoperação de incorporação, voltar ao corpo. O olhar e a voz como objetos nãosignificantes causam o desejo do sujeito e provocam, no corpo, a satisfaçãopulsional. O circuito da pulsão pode apreender um desses elementos e utilizá-lo paracifrar o gozo.Colette Soler (2001-2) no Seminário “L´en corps, no Collège Clinique deParis”, menciona o sintoma histérico como instrumento que faria o gozo entrar devolta no corpo. O sintoma, com suas vertentes significante e real, faz o gozo voltarao corpo por intermédio da pulsão. O recalque, como destino pulsional presente nosintoma, é uma forma de satisfação libidinal que marca o corpo, situando-o numaseqüência de significantes. No sintoma, a pulsão efetua seu circuito de vai e vem emtorno do objeto a, trazendo o gozo do sintoma com seu sentido sexual (fálico).No fenômeno psicossomático, por sua vez, há um acidente no processo deincorporação significante. No momento lógico em que o simbólico toma posse docorpo, ocorre um acidente e nem tudo desse corpo se significantiza. Há pedaçosdesse corpo que permaneceram da ordem da carne, não houve incorporaçãosignificante na carne para se tornar corpo. O fenômeno psicossomático é uma carneque funciona fora da seqüência significante do corpo. Deste modo, não se trata doretorno do gozo marcado pelo significante, como no sintoma histérico. Mas, antes detudo, de um outro tipo de gozo, não fálico. Ou seja, o fenômeno psicossomático, aocontrário do sintoma, está fora da estrutura da linguagem. O sintoma histérico não éacidente e sim sintoma da incorporação significante, funcionando, diz Freud, comozona erógena. Esse deslizamento do gozo fálico é possível porque o corpo, como osonho, é tecido significante, leito de inscrição do Outro.Lacan (1970) ainda em “Radiofonia”, na reposta à pergunta número quatro,que se refere ao inconsciente, desenvolve que, da mesma maneira que o saberinconsciente é, univocamente e independentemente de qualquer contexto,estruturado como uma linguagem, o corpo também o é, na medida em que ele éincorporado pelo significante do Outro. Deste modo, inconsciente e corpo não têmnada de natural porque ambos são estruturados pelo significante.Lacan (1974) no texto “A Terceira”, aborda como a linguagem natural, é umequívoco, é um semblante. Refere-se à onomatopéia estudada por Roland Jacobson


35referente à diversidade dos miados dos gatos de diferentes nacionalidades,alegando que, nem quando tentamos imitar os ruídos da natureza, a linguagem seránatural. Ou seja, a natureza está submetida à linguagem. A lógica da linguagem aqual habitamos nos leva a uma escrita diferenciada.O ponto de falta do inconsciente, S(A), corresponde ao recalque originário.Assim, o saber inconsciente é definido em função da falta de significante do umbigodo sonho, segundo Freud, 1900: o ponto em que o sonho “mergulha nodesconhecido”. Este ponto de falta que é impossível de ser articuladosignificantemente, que não obedece a uma estrutura de linguagem, é, portanto, daordem do real. Poderíamos, também, articular tal ponto de falta do inconsciente aotermo lalangue, em francês, ou alíngua, em português? Este termo foi descrito porLacan (1972-3) no Seminário 20 como sendo significantes iniciais na vida do sujeito,anterior a estrutura da linguagem. Está colado ao significado: S1-S2=S1.Significantes que não são significantes, são símbolos ou signos porque sãoabsolutos, não deslizam na cadeia significante, não fazem equívocos e, destamaneira, não são permeáveis pela linguagem. Subjazem à obscuridade, ao semsentido, ou seja, também são da ordem do real. Este assunto será discorridoposteriormente.Lacan propõe como resposta à pergunta quatro uma metáfora de corpo -mesa: mesa de jogo. Quinet, explica:O corpo é uma mesa na qual há uma seqüência de retorções significantes,ordenadas como jogo de cartas. A análise mostra que os significantes, paracada um, se encadeiam em determinada ordem, com metáforas emetonímias que constituem sua história, sua frase fantasmática, formandosua história libidinal com suas marcas no corpo. E os adversários nessamesa de jogo do corpo são o consciente que sabe e o não saber doinconsciente. (QUINET, 2004, p. 70).O corpo, ao longo do ensino de Lacan, desloca-se do imaginário até oestatuto do simbólico, como um lugar habitado pela linguagem, que por sua vez,mortifica o corpo, esvazia o corpo de gozo, resultando daí a construção do real docorpo do simbólico, como lugar de inscrição de uma letra – “o sintoma fixa o gozofálico em uma letra” (SOLER, 1994, p. 56), lugar onde se inscreve a pulsão, lugar degozar.3.3 O REAL E O CORPO


36Lacan (1974) no texto “A terceira”, nos relata, em um primeiro tempo, que “oreal é o que não deixa nunca de repetir-se. O real é o que volta sempre ao mesmolugar” (LACAN, 1974, p. 81). Em um segundo momento, Lacan nos fala do realcomo aquilo que é impossível alcançar a partir de uma modalidade lógica. “Não há amenor esperança de se alcançar o real pela representação” (LACAN, 1974, p. 82).O corpo, enquanto real, é carne. É um pedaço de carne que não teve ainscrição simbólica. Lacan, neste mesmo texto, se referindo ao real do corpo, lançaa pergunta: De que temos medo? Responde em seguida: do nosso corpo. Passouum ano fazendo um seminário que denominou de “A angústia”, 1963-64, ondeelaborou que a angústia refere-se ao fato de nos vermos reduzidos ao nosso corpo.Corpo como máquina que vai falhar e vai nos matar. (LACAN, 1974, p. 102).Luciano Elia (2004) no texto “Je Panse donc J`essuie: o que retorna doexílio?”, aborda que o sujeito da psicanálise comporta algo diferente que o sujeito daciência. O sujeito da ciência supõe um sujeito, mas não opera com ele. É a operaçãofreudiana que recoloca o sujeito em cena através do inconsciente. O sujeito dapsicanálise é o sujeito do inconsciente e Lacan afirmara que a condição depossibilidade para que haja sujeito do inconsciente é o objeto a (ELIA, 2004, p. 30).A partir disso, Elia inicia uma discussão em relação a como o corpo é afetadopelo retorno feito pelo sujeito da foraclusão discursiva que a ciência lhe impôs equestiona: “Qual a relação entre sujeito e corpo e entre corpo e objeto a? O quêretorna do exílio?” (ELIA, 2004, p. 32).No Seminário 15, “O ato analítico”, 1967-68, Lacan cita o cogito – Je pensedonc je suis - de Descartes que exclui o corpo do campo da consideração científica,de tal forma que o corpo só pode retornar como máquina, como se observa nodiscurso da medicina desenvolvido após a fundação da ciência moderna. A medicinaatual é o melhor exemplo de que o corpo retorna do exílio do pensamento comomáquina. Nesta, encontramos aparatos sofisticados e elaborados para diagnósticos,tratamentos intensivos e outros cuidados que cifram o corpo de signos-índices(letras e números) para que sejam avaliadas pelos médicos. No Seminário 23, “Osinthoma”, 1975, Lacan nos diz:[...] o corpo é consistente, é isso que lhe é, à mentalidade, antipático.Unicamente porque ela crê nisso, por ter um corpo para adorar. É a raiz doimaginário. Eu o trato eu lhe faço curativos, logo eu o enxugo (Je le pense,c’est à dire je le fait pense donc je l’essuie). E a isso que isso se resume. Éo sexual que mente sobre isso, por falar demasiadamente disso. (LACANapud ELIA, 2004, p. 33).


37Articulando as duas citações de Lacan, Elia discerne que o que retorna doexílio discursivo, imposto pelo cogito de Descartes “Je pense donc je suis”, é umcorpo máquina que não possui a incorporação significante e que, segundo asegunda citação de Lacan “Je le pense, c’est à dire je le fait pense donc je l’essuie”,retorna do exílio como um corpo a ser tratado, enxugado, desfazendo o efeitoforaclusivo do cogito. O corpo retorna do exílio circunscrevendo-se no imaginário,que se refere ao modo de tratar do corpo e, com isso, o corpo sexualiza-se oincluindo em um campo de gozo onde a psicanálise pode atuar (ELIA, 2004, p. 35).Como seres que habitam o universo da linguagem, só podemos ter corpo sefor pela via da intrusão significante que, conseqüentemente, corresponderá a umaextrusão de gozo. Mas, como já abordamos, nem toda carne incorpora o significantese tornando corpo, ou seja, ela é simplesmente um pedaço de carne. Fazendo umaconexão com que foi explanado por Luciano Elia (2004) o corpo, fora da linguagem,não se refere à outra coisa, a não ser um pedaço de carne que tem que ser cuidado,no sentido de se colocar gaze no corpo, com objetivo de drená-lo.Diante de tudo isso, podemos, então, pensar que o corpo afetado do FPS éum corpo fora da linguagem, um corpo – carne? Em 1974, na teoria do nóborromeano, no Seminário, livro 22: R. S. I., Lacan formula que, na intersecção doregistro do imaginário com o registro do real, temos o gozo Outro, gozo específicoque é o que está implicado no FPS. Ou seja, o FPS está fora do simbólico, mas nãofora do corpo. Parece que estar fora do simbólico e dentro do imaginário faz comque o corpo ganhe status de corpo-carne, porém existe uma questão primordial quefundamenta este assunto: o que faz com que, no FPS, o corpo não passe pelainscrição significante? Não entre na linguagem? Não se corporifique?No lugar da cadeia significante mordendo o corpo e fazendo letra,encontramos, no FPS, um S1 que não se articula à cadeia, significante e ao qualMiller, denomina de “S1 absoluto” (MILLER, 1986, p. 116). Discorreremos sobre estetema de maneira mais profunda, no capítulo que se segue.


384 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA DO FENÔMENOPSICOSSOMÁTICO4.1 HOLÓFRASEA Holófrase é um termo usado pela lingüística para designar a estrutura dealgumas línguas, denominadas holofrásicas, cujos componentes básicos da frase –sujeito, verbo, predicado – são aglutinados em uma só palavra.4.1.1 Holófrase no Seminário 1No Seminário 1, a holófrase está vinculada à linguagem pelo viés da relaçãoespecular ao Outro. Refere-se ao registro do imaginário.Quando Lacan (1953-4), no Livro 1 de seu Seminário, “Os escritos técnicosde Freud”, assinala que o termo da holófrase tem cor muito viva ele está se referindoa multiplicação das teorias sobre a origem da linguagem. Entretanto, nota-se quesão poucos os lingüistas que se utilizam do termo. Muitos dicionários importantesignoram o termo, enquanto outros, como o Trésor de lalangue française, tomamemprestado de Lacan a definição da holófrase como uma expressão que não podese decompor e se refere a uma situação tomada no seu conjunto.Segundo Lacan toda a discussão sobre a origem da linguagem é ferida porcerto cretinismo de que o pensamento seria anterior à linguagem e que estepensamento isolaria progressivamente os instrumentos para comunicação. Talassunto preside discussões, dos dois últimos séculos (XVIII e XIX), sobre a origemda linguagem. Somos banhados pela linguagem. A palavra reside à invenção(linguagem). Nós sabemos que Saussure isolou o detalhe, a particularidade, oelemento combinatório fazendo com que este não se oponha dentro do lote dassignificações que, de fato, são dos significantes. O valor de um significante éauferido através do significante posterior a ele. O corte que opera o significantedentro das significações e, ao mesmo tempo, dentro do fluxo sonoro, constitui aimagem mental que é o significado. O pensamento não pode ser evocadoanteriormente a esse corte significante porque ele está submetido ao significante.Para os lingüistas cuja origem da língua é objeto de estudo, “o pensamento


39franquearia, por si só, o estado de desvio, que marca a inteligência animal, parapassar ao do símbolo” (LACAN, 1953-4, p. 256). Lacan exemplifica isso dizendoque pensar seria substituir ao sol um círculo, porém entre “essa coisa que éfenomenologicamente o sol – centro do que ocorre no mundo das aparências,unidade da luz – e um círculo, há um abismo” (LACAN, 1953-4, p. 256). O solenquanto é designado como círculo não vale absolutamente nada. O sol só passa ater valor quando este círculo é colocado em relação com outras formalizações quevão constituir com ele um todo simbólico no qual tem seu lugar no centro do mundo,por exemplo, e, também, como uma unidade da luz. Ou seja, “o símbolo só vale sese organiza no mundo de símbolos” (LACAN, 1953-4, p. 257).Reportando-nos, novamente, à holófrase, Lacan nos fala:Os que especulam sobre a origem da linguagem, e procuram estabelecertransições entre a apreciação da situação total e a fragmentação simbólica,sempre ficaram chocados pelo que chamamos às holófrases. No uso decertos povos [...] há frases e expressões que não são decomponíveis, e quese reportam a uma situação tomada no seu conjunto – são as holófrases.Acredita-se apreender ali um ponto de junção entre o animal que passa semestruturar as situações, e o homem, que habita um mundo simbólico.(LACAN, 1953-4, p. 257).Lacan (1953-4) então, faz duas conclusões acerca da holófrase. A primeira éque a holófrase não é intermediária entre uma assunção primitiva da situação comototal, que seria do registro da ação animal, e a simbolização. Na holófrase não hátransição possível entre os dois registros, aquele do desejo animal, onde a relação écom o objeto – registro do imaginário – e um outro que se refere ao reconhecimentodo desejo – registro do simbólico. A segunda é que a holófrase situa-se no limite, naperiferia do registro da composição simbólica. Referindo-se a isso Lacan comentaque estudando sobre a origem da linguagem o etnógrafo da obra: “História do NovoMundo a que se chama América” escreve com toda inocência que a holófrase seriacomo uma situação em que duas pessoas se olham esperando cada uma da outraque ela se vá oferecer a fazer alguma coisa que as duas partes desejam, mas nãoestão dispostas a fazer. Diante disso Lacan formula: “que toda holófrase se liga asituações limites, em que o sujeito está suspenso numa relação especular ao outro”(LACAN, 1953-4, p. 258). Neste momento, segundo Carneiro Ribeiro (1995, p. 276),Lacan assinala para “o acento imaginário da holófrase”.


404.1.2 A holófrase no seminário 6Lacan, no livro 6, “O desejo e sua Interpretação”, 1958–9, aproxima aholófrase da interjeição com objetivo de ilustrar, ao nível da demanda, a função queocorre na cadeia inferior do grafo do desejo (LACAN, 1958-9 / 2002 , p. 37).Lacan, neste seminário, articula o sonho de Ana Freud a dois contextos:anotações de necessidades e a holófrase. O objetivo da exposição desse sonho émostrar que o conteúdo do mesmo refere-se, no grafo do desejo, à cadeia inferior dografo. Anna Freud tinha dezenove meses, quando numa certa manhã teve vômitos efoi posta de dieta. Na noite seguinte a este dia de privação alimentar Freud a ouviufalar durante seu sonho: Anna Freud, Er(d)beer (que é a maneira infantil depronunciar morangos), Hochbeer (que quer dizer igualmente morangos), Eier(s)peis(que corresponde mais ou menos à palavra flãn) e por fim papp (mingau)! (Lacan,1958-9 / 2002, p. 75). Freud comenta que Anna Freud servia-se de seu nome paraexprimir sua tomada de posse em relação a estes pratos prestigiosos e paradesignar um alimento digno de desejo: Morango. O qual, segundo sua ama, foiresponsável pela indisposição alimentar da véspera, já que Anna Freud haviacometido um pequeno abuso na ingestão de morangos. O sonho parece ter vindocomo vingança ao conselho importuno e ao incômodo da dieta alimentar.Analisando este sonho a partir do grafo do desejo, uma pergunta se formula:Onde se situa a cadeia das nomeações que constitui o sonho de Anna Freud? Nacadeia Superior ou na Inferior do grafo?


41No nível em que colocamos a questão, o que quer dizer a cadeia inferior? Emrelação à demanda ela refere-se a unidade da frase. Àquilo que em outrora chamoutanta atenção em relação à função da holófrase, da frase enquanto todo. Lacan(1958-9) segue dizendo que não tem dúvidas que a holófrase exista e que ela temum nome: a interjeição. Ilustra, ao nível da demanda, com duas interjeições: é pão!ou socorro! Neste momento refere-se ao discurso universal e não ao discurso dacriança (LACAN, 2002, p. 84).A frase apresenta um valor absolutamente insistente e exigente. O que estáse tratando aqui é da articulação da frase. A necessidade precisa passar pelodesfiladeiro da associação significante, senão ela é expressa de maneira deformada,mais ou menos monolítica, a frase aglutina, em seu todo, uma mensagem, ao pontoque o monólito de que se trata é o próprio sujeito. No contexto da demanda, acadeia inferior do grafo refere-se a um sujeito enquanto não se tornou sujeito falante,sujeito de quem sempre se fala, sujeito do enunciado.O sujeito do conhecimento para dizer tudo, sujeito correlativo do objeto,sujeito em torno do qual gira a eterna questão do idealismo, e que é elemesmo um sujeito ideal, tem sempre algo de problemático, ou seja, queafinal como foi notado, e como seu nome indica, ele não é senão suposto.(LACAN, 2002, p. 38).O que se passa na outra linha do grafo é completamente outra coisa. Nacadeia superior o mesmo não acontece, há um sujeito que fala e que si impõe comuma completa necessidade. “Este sujeito não é outra coisa que o sujeito danecessidade porque é o que ele exprime na demanda” (LACAN, 2002, p. 38). Todaesta demanda do sujeito é, de fato, modificada porque a necessidade deve passarpelos desfiladeiros da articulação significante. É o sujeito que assume o ato de falar:é o sujeito enquanto Eu. O sujeito da enunciação.Voltando ao sonho de Ana Freud percebemos pela estruturação significantede sua seqüência: Anna Freud, Er(d)beer, Hochbeer, Eier(s)peis e papp que elerevela uma mensagem. Como se ela estivesse anunciando por um rádio decomunicação, semelhante aos das cabines de comando de uma aeronave, umanúncio. Neste caso, Ana Freud, aos dezenove meses, durante seu sonho -anúncio, diz: Anna Freud, e faz aquela seqüência. A partir disso, Lacan (1958-9)comenta:Então o que tento lhes mostrar aqui é a estrutura do próprio significante,desde que o sujeito se engaja nele, quero dizer com as hipóteses mínimasque exige o fato que um sujeito entre no seu jogo – digo desde que osignificante estando dado e o sujeito sendo definido como o que vai entrar


42no significante, e nada de outro, as coisas necessariamente se ordenam. Ea partir desta necessidade, todas as espécies de conseqüências vãoresultar disso, que há uma topografia com a qual é preciso e suficiente quenós a concebamos como constituída por duas cadeias superpostas.(LACAN, 2002, p. 83-84).Cadeias estas que se referem uma ao processo do enunciado e outra aoprocesso da enunciação. Possuem duplicidade, a cada vez que tratemos dasfunções da linguagem deveremos reencontrá-las. Digamos que o que importa não éque elas sejam duas, mas que elas terão sempre estruturações opostas, porexemplo, descontínua para uma quando a outra é contínua, e inversamente.4.1.3 A holófrase no seminário 114.1.3.1 AlienaçãoLacan nos fala que a operação da alienação “só se suporta pela forma lógicada reunião” (1964, p. 200). E que esta operação é a primeira que funda o sujeito erefere-se ao vel:O vel da alienação se define por uma escolha cujas propriedadesdependem do seguinte: que há na reunião, um elemento que comportaque, qualquer que seja a escolha que se opere, há por conseqüência umnem um, nem outro. (LACAN, 1964, p. 200)Ilustremos isto pelo que nos interessa, o ser do sujeito, aquele que esta alisob o sentido. Escolhemos o ser, o sujeito desaparece, ele nos escapa caino não-senso. Escolhemos o sentido, e o sentido só subsiste decepadodessa parte de não senso que é, falando propriamente, o que constitui narealização do sujeito, o inconsciente. Em outros termos, é da naturezadesse sentido, tal como ele vem emergir no campo do Outro, ser, numagrande parte do seu campo, eclipisado pelo desaparecimento do serinduzido pela função mesma do significante. (LACAN, 1964, p. 200).


43“A alienação consiste nesse vel que [...] condena o sujeito a só aparecernessa divisão [...] de um lado como sentido, produzido pelo significante, do outro eleaparece como afânise” (LACAN, 1964, p. 199).Foi em Hegel que Lacan encontrou a justificação dessa apelação de velalienante. Trata-se de conceber a primeira alienação como aquela pela qual ohomem entra na via da escravidão. “A liberdade ou a vida! Se ele escolhe aliberdade, pronto, ele perde as duas imediatamente – se ele escolhe a vida, ele tem,tem a vida amputada da liberdade” (Lacan, 1964, p. 201).Escolher sujeito é escolher o Outro, a cadeia significante, é eleger sentido e,em escolhendo significante e sentido, necessariamente se perde o ser.Dentro da operação de alienação ocorre a afânise do sujeito. Este termo foiinventado por Jones, porém com um sentido bem diferente do qual foi utilizado porLacan. Jones explora o termo pelo viés da castração, se refere à “extinção total epermanente da atitude para o prazer sexual e ainda à ausência de todapossibilidade de experimentar tal prazer” (JONES, 1985, p. 27). Desenvolve que oque esta por de trás da afânise são “as idéias de castração e de morte (temorconsciente da morte e desejos de morte inconsciente)” (JONES, 1985, p. 28). Jonessegue dizendo:No homem o desejo de obter uma gratificação levando a cabo um atoparticular é inibido pelo receio do castigo da afânise, da castração quesignificaria a extinção permanente do prazer sexual. Na mulher o desejo deser gratificada por uma experiência particular é sentido como um desejoculposo e temido pelo receio da afânise (JONES, 1985, p. 28).Para Jones o mecanismo da afânise é diferente em ambos os sexos. Nohomem é concebido como temor da castração e, na mulher refere-se ao temorprimário: a separação.Em 1964, Lacan postula a afânise pela vertente significante. “O significanteproduzindo-se no campo do Outro faz surgir o sujeito de sua significação” (LACAN,1964, p. 197).A afânise é um movimento de desaparecimento (fading). O sujeito ficareduzido ao significante que o Outro o atribui. Existe sempre um S2 que representao sujeito e que faz o S1, traço unário, desaparecer.Lacan, narrando a aparição do sujeito, diz que escolher sujeito é, portanto,forçosamente, escolher não mais ser, no que o sujeito é essa função que “[…] só seconstitui se subtraindo, se descompletando essencialmente para, ao mesmo tempo,


44dever contar-se aí e apenas fazer função de falta” (LACAN, 1964, p. 197). Escolhersujeito é eleger ser rígido por uma dialética que o condena a desaparecer parasurgir. Desaparecer enquanto ser para devir, surgir no campo do sentido, sentidoacompanhado necessariamente do não sentido, que é o índice do ponto de falta doOutro, significante da falta do Outro.“O Outro é o lugar em que se situa a cadeia do significante que comandatudo que vai poder presentificar-se do sujeito, é o campo desse vivo onde o sujeitotem que aparecer” (LACAN, 1964, p. 193-194).Temos aí o dado essencial primário da alienação significante: o de ser umaescolha forçada onde qualquer que seja o termo escolhido ocorrerá perda e perdasempre de um mesmo termo, o ser. “A bolsa ou a vida! Se escolho a bolsa, perco asduas. Se escolho a vida, tenho a vida sem a bolsa, isto é, uma vida decepada”(LACAN, 1964, p. 201). Lacan (1964) se utiliza desse exemplo para que possamoscompreender que toda questão se reduz a conservar ou não o outro termo, osignificante. Escolhendo o significante se perde o ser, escolhendo o ser se perde oser e o significante.Da operação de alienação ninguém escapa, é obrigatório escolher a vida, osignificante. Na escolha entre o ser e o sentido, somos obrigados a escolher osentido. A linguagem nos captura obrigatoriamente.O sujeito em sua divisão está, portanto, constituído. Mas não totalmente.Para que o sujeito se realize, uma segunda operação se impõe, uma nova operaçãode divisão causada agora não mais pelo significante e sim pelo objeto. Essesegundo nível de divisão, essencial para que avance o processo de aparição dosujeito, origina-se de um resíduo, resto impossível de ser apreendido pelalinguagem, objeto heterogêneo e errático que escapa sempre das malhas dosignificante - objeto a. Essa segunda operação de divisão causada pelo objeto a,Lacan nomeou-a separação e deu-lhe estatuto de condição de possibilidade daconstituição do desejo.4.1.3.2 Separação“Enquanto que o primeiro tempo da constituição do sujeito, operação dealienação, está fundado na subestrutura da reunião, o segundo, operação de


45separação, está fundado na subestrutura que chamamos de interseção ouproduto[...]” (LACAN, 1964, p. 202).A operação de separação é articulada por Lacan em relação ao intervaloentre os significantes. Em suas palavras:Nesse intervalo cortando os significantes está a morada do que chamei demetonímia. É de lá que se inclina, é lá que desliza, é de lá que foge comoum furão, o que chamamos de desejo O desejo do Outro é apreendido pelosujeito naquilo que não cola, nas faltas do discurso do Outro [...] (LACAN,1964, p. 203).Este intervalo movimenta a cadeia significante. Sem ele, a via do desejo estácortada. O desejo que aparece aqui é o do Outro, ele se movimenta entre os doissignificantes primordiais, faz questão, implica uma falta e, assim sendo, é ele que vaifazer um significante secundário representar um outro significante.Na interseção dessa operação, o que está presente é o desejo como falta, afalta do Outro, e o ser perdido do sujeito. Nos Escritos, no texto: “Posição doInconsciente”, de 1960, Lacan resume o completo desenvolvimento da separação:“O sujeito encontra novamente no desejo do Outro sua equivalência ao que ele écomo sujeito do inconsciente” (LACAN, 1966, p. 857). Collete Soler (1997)reescreve esta citação de Lacan, interpretando-a da seguinte maneira: que o Outroe o sujeito possuam um furo, uma falta. Dessa maneira a frase fica, então, “o sujeitoencontra na falta do Outro (o desejo do Outro é uma falta) o equivalente ao que eleé como sujeito inconsciente ou sujeito do significante” (SOLER, 1997, p. 64).Assim sendo, o essencial da operação de separação consiste em fazer comque o sujeito encontre uma falta significante no Outro e em fazer equivaler esta faltaà sua própria perda, constituída no tempo anterior da alienação.


46Encontrar uma falta no Outro é fazer a experiência da castração. É descobrirque o Outro é inconsistente, que seu discurso é atravessado por furos queesburacam o sentido, é fazer a prova de que, em seu discurso, o Outro é habitadopor outra coisa obscura e misteriosa, para além dos efeitos de sentido. Encontraruma falta no Outro é descobrir desejo, é, desse Outro, isolar, extrair, fazer apareceresse nebuloso objeto feito de falta - objeto a, objeto causa de desejo.O FPS corresponde à falta de afânise do sujeito. No FPS não há intervaloentre S1 e S2, mas, sim, um S1 congelado, congelamento do significanteresponsável pela holófrase (S1-S2=S1) que viria, não para representar o sujeito,mas que seria responsável pela presença do Fenômeno psicossomático. A questãoda afânise interroga sobre a possibilidade do desaparecimento do sujeito sobre osignificante e levanta uma questão quanto a possibilidade de emergência do desejo.Já que sabemos com Lacan que é no intervalo entre os dois significantes que jaz odesejo.Lacan, No Seminário 11 (1964) ao colocar o FPS em série com a debilidademental e a psicose (paranóia), aponta com precisão para localização limítrofe doFPS com relação ao simbólico.Lacan formula que “quando a primeira dupla de significantes se solidifica, seholofroseia, temos o modelo de uma série de casos – ainda que, em cada um , osujeito não ocupe o mesmo lugar” (LACAN, 1964, p. 225).Há uma questão nebulosa perante esta formulação de Lacan, pois seestamos nos referindo à holófrase dos significantes, ao fracasso da metáforapaterna, a ausência de afânise do sujeito como, então, podemos diferenciar um FPSda psicose e principalmente concebê-lo associado à neurose, que é marcada pelainscrição do Nome do Pai, recalque.Então, diante disto, a quê será que Lacan está se referindo quando diz que osujeito não ocupa o mesmo lugar nos três casos? Iremos, a partir desse momento,analisar o efeito da holófrase na debilidade mental, na paranóia e no FPS, comobjetivo de observarmos o lugar que o significante holofrosiado ou gelificado - S1ocupa frente ao sujeito. Mas faremos isso num capítulo posterior, quando conceitosimportantes da teoria sobre o FPS forem abordados.


474.1.3.3 Corpo e organismoLacan (1964), nos Escritos, no texto “Posição do inconsciente no congressode Bonneval”, distingue os limites de um organismo, alega que os limites de umorganismo alcançam mais longe que os limites do corpo.Lacan, também em 1964, mas no Seminário livro 11, no texto “Do amor àlibido” propõe que a libido seja tomada como uma lâmina, algo que escorre, umórgão incorporal que se estende para além do corpo, no nascimento. Imaginem que,ao nascer, aconteça com o sujeito à mesma coisa que acontece com o ovo. “Decada vez que se rompe as membranas do ovo de onde vai sair o feto em passo dese tornar um neonato, imaginem por um instante que algo se volatiliza, que com umovo se pode fazer tanto um ovo quanto um omelete, ou a lâmina” (LACAN, 1964, p.186).Lacan considera como específico do ser falante – e especialmente evidentena histérica que brinca de testar a elasticidade da libido – que o organismo incluiria,além do corpo, a própria libido (LACAN, 1964, p.862). Libido esta que é extra-corpo,como são extra-corpo os objetos a (LACAN, 1964, p. 187). O organismo, incluindoa libido, inclui os objetos a fora do corpo, e vai, portanto, além dos limites do corpo.Miller, reportando-se a esta teoria, propõe um esquema comparativo entreum ser falante e o FPS e observa que, paradoxalmente, no FPS a libido não serefere mais a um órgão extra-corpo, e se pergunta se no FPS poderíamosconsiderar a lesão como esta libido corporificada. (MILLER, 1986, p. 125)O que nos chama atenção é a posição entre o ser falante e o FPS no quetange o estatuto fronteiriço do simbólico. No ser falante, a entrada do sujeito nalinguagem corresponde a intrusão significante e, consequentemente, a extrusão de


48gozo. O gozo fora do corpo se condensa como objeto a. No FPS, algo em relaçãoao organismo está dentro do corpo. Há um investimento que não é externo aocorpo, é intra-corporal. Ocorre um acidente no processo de incorporarão significantee nem tudo deste corpo se significantiza, como abordamos no sub-capítulo: “Osimbólico e o corpo“. Ou seja, não havendo intrusão significante, o corpo ficasubmetido à intrusão do gozo.Poderíamos, então, pensar que é sobre este gozo que Lacan, 1964, se referequando coloca o FPS em série com a debilidade mental e a psicose (paranóia)?4.1.3.4 LalangueO S1 absoluto (MILLER, 1986, p. 116) de lalangue ou alíngua é como Lacan(1972-3) vai reler a holófrase a partir do seminário 20. Lalangue são significantesiniciais na vida do sujeito. Referem-se a uma linguagem primitiva e espontâneaentre mãe e bebê, evoca o balbucio do bebê. São significantes que estão coladosao significado, S1-S2= S1. São significantes que não são significantes, sãosímbolos ou signos, não deslizam na cadeia significante, são absolutos, não fazemequívocos, não podem mudar, não podem se transformar. É anterior ao imagináriodo “Estádio do espelho”. A holófrase confere ao FPS a característica de nãoreflexão de uma afecção orgânica pela falta de dialetização significante.Lacan (1970) Seminário: livro XVII define o S1 absoluto como um significanteque comemora uma irrupção de gozo, S1/a.Jean Robert Rabanel (1994) sugere que possamos ler a holófrase citada porLacan em 1964 como um “termo precursor” do significante “a estrutural” lalangue,que designa o estado significante anterior a sua articulação com o Outro (RABANEL,1994, p. 153). Algo que se refere a um momento mítico, primitivo na vida do sujeito.Lacan, 1972-73, no seminário 20, nos diz:Alíngua serve para coisas inteiramente diferentes da comunicação. É o quea experiência do inconsciente mostrou, no que ele é feito de alíngua, essaalíngua que vocês sabem que eu a escrevo numa só palavra, para designaro que é a ocupação de cada um de nós, alíngua dita materna, e não pornada dita assim.[...]Se eu disse que a linguagem é aquilo como o que o inconsciente éestruturado, é mesmo porque, a linguagem, de começo, ela não existe. Alinguagem é o que se tenta saber concernentemente à função da alíngua.[...]


49Alíngua nos afeta primeiro por tudo que ela comporta como efeitos que sãoafetos. Se se pode dizer que o inconsciente é estruturado como umalinguagem, é no que os efeitos de alíngua, que já estão lá como saber, vãobem além de tudo que o ser que fala é suscetível de anunciar. (LACAN,1972-3, p. 188-190)Lalangue refere-se a uma linguagem primitiva e espontânea entre mãe ebebê, onde o significante está colado no significado, tornando-se signo. Lalanguesão S1(s) absolutos que se estabelecem na primeira infância.Há Um. O que quer dizer há um, se levanta um? Um-entre-outros, e setrata de saber se é qualquer um, se levanta um S1, S1 que soa em francêsessaim, um enxame significante, um enxame que zumbe [...] S1, esse um, oenxame, significante-mestre, é o que garante a unidade de copulação dosujeito com o saber. É na alíngua, e não alhures, no que ela é interrogadacomo linguagem, que se destaca a existência daquilo que uma linguísticaprimitiva designou com o termo elemento, e isto não é por nada. Osignificante Um não é um significante qualquer. Ele é a ordem significante,no que ela se instaura pelo envolvimento pelo qual toda cadeia subsiste.(LACAN, 1972-3, p. 196)O enxame de S1 são os primeiros significantes ensinados ao bebê e sãoabsolutos, não dialetizáveis. A criança neste momento não entrou ainda no jogosignificante.O Um encarnado na alíngua é algo que resta indeciso entre o fonema, apalavra, a frase, mesmo todo o pensamento. É o de que se trata no quechamo de significante-mestre. É o significante UM [...]. (LACAN, 1972-3, p.196)Sabemos que quando o significante se holofraseia perde seu valor simbólicode se representar metonimicamente e metaforicamente, tornando-se signo, emoutras palavras, se imaginariza.Dizer que há um sujeito, não é outra coisa senão dizer que há hipótese. Aúnica prova que temos que o sujeito se confunde com essa hipótese e deque é o indivíduo falante que o suporta, é a que o significante se tornasigno. (LACAN, 1972-3, p. 194)Rabanel (1994) nos diz que o significante sustentado pela holófrase: S1, nãorepresenta o sujeito e, sim, trata-se de um S1 como insígnia. No FPS, o S1 não sedesdobra como significante, senão como significante imaginarizado. A partir disso oautor lança a questão: “Podemos adiantar que no FPS o S1 é imaginário?”(RABANEL, 1994, p. 153).O S1 não pertence ao registro do imaginário porque utiliza o recurso dosimbólico: é palavra, é significante. Mas um significante imaginarizado, que está naordem do signo. Por esta vertente podemos entender a referência citada por Millerde que o FPS “contorna a estrutura de linguagem” (MILLER, 1986, p. 88). Domesmo modo, por esse viés, podemos retomar a experiência de Pavalov e a


50analogia desta feita por Patrick Valas de que o que faz intrusão no corpo não é odesejo do Outro, mas o gozo. Lacan (1964) no Seminário, livro 11: “Os quatroconceitos fundamentais de psicanálise”, cita a experiência de Pavlov, onde umalesão é produzida na medida em que o animal, por estar fora da linguagem, porémsubmetido a ela, não questiona o desejo do experimentador, o Outro. Oexperimentador está no lugar do significante, do Outro que submete o seu cão asalivar diante de um pedaço de carne. Lacan aborda que a experiência Pavlovianasó é “possível no que é desmontável o exercício de uma função biológica, querdizer, daquilo que podemos engatar a função unificante, totalizante, da necessidade”(LACAN, 1964, p. 216). Lacan (1972-3) no Seminário, livro 20: “Mais, ainda”, retomatal experiência abordando que é o saber do experimentador, fundado numa relaçãocom lalangue, que sustenta a montagem de toda a estrutura da experiência.“Lalangue ultrapassa de muito o de que podemos dar conta a título de linguagem”(LACAN, 1972-3, p. 190).Patrick Valas, 1978, explora a experiência de Pavlov para relação mãe e filho,e reporta o FPS, a lesão orgânica, ao momento “em que a organização orgânica deuma necessidade do sujeito é perturbada de uma maneira repetitiva pela intrusão dodesejo do Outro. Por exemplo, quando a mãe condiciona a ordem das necessidadesdo corpo de seu filho” (VALAS,1978, p. 76). Fala ainda em outro texto que:Tudo se passaria de certo modo como se o sujeito sentisse a imposiçãosobre si das significações confusas do discurso do Outro que, à força de serepetir causaria trauma sobre o grafo do desejo, no lugar do compromissosintomático S(A), se inscreveriam as lesões corporais dos FPS, que fariamcurto-circuito no Outro (VALAS, 1986, p. 107).Conforme afirma Carneiro Ribeiro, “mesmo tendo uma casualidade lingüística[o sujeito está fora da linguagem no FPS, porém é submetido a ela], o FPS nãoimplica numa escolha do sujeito, no sentido que Freud fala de escolha da neurose”(1995, p. 278-279). O que está em voga nesse momento é a questão do desejo doOutro sobre o sujeito.Os FPS, conforme elabora Valas, em 1986, são ligados a efeitos delinguagem, mas estão fora da subjetivação, devido ao fracasso das operações dealienação e separação. Fala-nos, também, que há uma espécie de gozo implicadonesses fenômenos e que Isto não exclui, contudo, que um sujeito neurótico,perverso ou psicótico apresente lesões psicossomáticas. (VALAS, 1986, p. 105)


515 <strong>DE</strong>BILIDA<strong>DE</strong> MENTAL, PSICOSE (PARANÓIA), FPS E AHOLÓFRASE5.1 HOLÓFRASE E <strong>DE</strong>BILIDA<strong>DE</strong> MENTALPara Mannoni (1964), a Debilidade Mental seria o efeito de um dizer parentalprodutor de uma fusão, ao nível corpóreo, na relação dual (mãe-criança). Por esteraciocínio, Mannoni estabelece uma relação íntima entre o fantasma materno e odesenvolvimento da debilidade mental numa criança e é clara ao defender isto:“Qualquer estudo da criança débil ficará incompleto enquanto o sentido dadebilidade não for procurado primeiro na mãe” (MANNONI, 1964, p. 58).Estas idéias de Mannoni são publicadas no ano de 1964, no livro “A CriançaRetardada e a Mãe (1999)”. No seminário que Lacan realiza no mesmo ano, ele fazsua primeira contribuição teórica sobre a debilidade, dizendo:É na medida em que, por exemplo, a criança débil toma o lugar em relaçãoa esse algo [...], que a mãe a reduz, a não ser mais do que, o suporte deseu desejo, num termo obscuro, que se introduz na educação do débil adimensão do psicótico. É precisamente o que nossa colega Maud Mannoni,num livro que acaba de sair e cuja leitura lhes recomendo, tenta designaràqueles que, de um modo qualquer, podem ser comissionados a levantarsua hipoteca.É certamente algo da mesma ordem que se trata na psicose. Essa solidez,esse apanhar a cadeia significante primitiva em massa, é o proíbe aabertura dialética que se manifesta no terreno da crença. (LACAN, 1964, p.225)No sujeito débil, trata-se do recobrimento da estrutura, tamponando seusefeitos aos quais o sujeito é assujeitado. O sujeito débil utiliza-se do recurso de ficarsubmetido ao discurso da mãe, agarrando-se apaixonadamente por um significanteque possa nomeá-lo e do qual se serve como representante para o mundo e paraele mesmo. Ele oculta sua própria divisão, fazendo Um pelo viés do imaginário docorpo, fusionado com ele mesmo, o significante (S1-S2 = S1) que representa opróprio corpo.Tanto na debilidade mental, como no FPS e na paranóia, de acordo com acitação de Lacan (LACAN, 1964, p. 225), encontramos o sujeito reduzido a ser “tãosó o suporte do desejo da mãe num termo obscuro” (MIRANDA, 2002, p. 34). Aholófrase é o ponto em comum nessas três posições que o sujeito pode vir a ocupar.Em auxílio ao entendimento do que seja desejo da mãe num termo obscuro, Rocha


52Miranda, em 2002, contribui: “Interpretamos o desejo em um termo obscuro comoaquele que podendo ter uma referencia fálica, esta se apresenta turva, de modo quenão é possível ao Outro situar o falo alhures como falta” (MIRANDA, 2002, p. 34).Mesmo com a descoberta daquilo que é da mesma ordem, sabe-se que hádiferença nos efeitos da holófrase no débil e no psicótico:Na psicose, o efeito da holófrase do par S1-S2 é a certeza psicótica. Aholófrase se dá pela não operação da metáfora paterna.Na debilidade mental, o efeito da holófrase do par S1-S2 é a “posição dosujeito radicalmente submetido à demanda do Outro, tomada no sentido literal”(MIRANDA, 2002, p. 35). A holófrase se dá por estar o sujeito determinado comoobjeto a do fantasma materno e por ser confrontado a um desejo num termoobscuro.Os fenômenos resultantes dessa posição subjetiva do débil submisso àidentificação ao objeto da falta no Outro são constatados na sua produçãodiscursiva. Com objetivo de exemplificar a atuação da holófrase na DebilidadeMental, apresentaremos o caso clínico de Andréa. Andréa Chegou ao atendimentoclínico por encaminhamento do colégio que estudava com as queixas de baixorendimento escolar e de comportamentos agressivos.Andréa, em seu período de atendimento, apresentava alguns fenômenos delinguagem que evidenciavam a holófrase. Um deles era o uso exagerado de ditadospopulares. Ela os dizia com muita freqüência, mas sua pronúncia era distorcida efeita de forma que o ditado parecesse uma só palavra, tais como “vocênumispedediispera” (você não perde por esperar); “sopassandicimadomeucadaver” (sópassando por cima do meu cadáver), etc. Ela utilizava estes ditados em contextosadequados. No primeiro caso, quando estava brava com alguém. No segundo caso,quando, por exemplo, não queria sair do seu quarto; mas, a despeito do usoadequado do ditado no contexto, Andréa desconhecia o significado daquelaspalavras que compunham o ditado. Por exemplo, quando interrogada, não sabia oque era um cadáver ou sequer sabia que eram palavras separadas. Para ela oditado era um. Como se fosse uma interjeição.De forma análoga, toda vez que Andréa me dava algum desenho seu oualgum bilhete que mandava para as amigas, sempre estava assinado como AndréaBeltrão. Sua escrita não deixava claro se ela separava bem os dois nomes, mas defato quando questionada sobre o porquê de assinar com este sobrenome junto ao


53seu nome, ela não sabia responder. Apenas sabia que Beltrão vinha do nomeAndréa, desconhecendo completamente que era o nome e sobrenome de uma outrapessoa.Além destas manifestações discursivas, que demonstram a expressão clínicado fenômeno da holófrase, outros aspectos de sua fala também chamavam aatenção, principalmente a confusão de personagens que fazia ao contar umahistória, como por exemplo: Andréa tinha uma vizinha japonesa que era sua colegade escola e a mãe desta japonesinha era colega da própria mãe de Andréa. Segueseo modelo se sua fala: “Eu fui para escola com a japonesa, ela estuda na mesmasala que eu, no final da aula o marido da japonesa foi buscar”. “Eu tenho doisamigos gêmeos, eu gosto do loiro, ele é mais bonito, minha mãe sempre gostou doloiro e eu do moreno”.Certa vez, ficou combinado, no atendimento, que eu ligaria para Andréa paraconfirmar se, na próxima semana, haveria sessão ou não, pois o consultório estavapassando por reformas. Foi Andréa quem atendeu ao telefone, eu me identifiquei,retomei a situação combinada e disse que no dia especifico não poderíamos ter oatendimento, mas que haveria a possibilidade de atendê-la no mesmo horário emoutro dia e perguntei se ela poderia vir. Escutei somente o barulho de telefonecaindo ao chão e daqui a alguns minutos vem a mãe na linha: alô? Oi, a Andréa medisse que era você, pode falar. Andréa havia apenas largado o telefone, como se aligação fosse para a mãe. O que foi requisitado à Andréa responder era impossível,ela estava radical e literalmente submetida à demanda do Outro.São dados que evidenciam a maneira particular com que o débil faz uso deseu discurso, os efeitos da holófrase e, principalmente, sua posição de submissão àdemanda do Outro.Retomando a questão da holófrase como ponto em comum entre a paranóia ea debilidade mental, ressaltamos que há uma diferença de efeito da holófrase naparanóia e na debilidade mental:Na psicose, esta holófrase se dá pela não operação da metáfora paterna.Na debilidade, a holófrase se dá por estar o sujeito determinado como objetoa do fantasma materno e por ser confrontado a um desejo num termo obscuro.Estes esclarecimentos sobre os fundamentos da holófrase na paranóia e nadebilidade são úteis apenas na sua qualidade de diferenciação, pois a questão quese coloca desde esta descoberta é: uma vez que, na paranóia, a holófrase se dá


54pela não operação da metáfora paterna e esta não operação determina umaestrutura - a estrutura psicótica - então, que tipo de fenômeno a holófrase, que se dápor estar o sujeito radicalmente submetido à demanda do outro, fundaria? Sabemos,funda a debilidade. Mas teria ela o estatuto de estrutura, tal como é fundada apsicose?De acordo com os relatos de Mannoni (1964) não. Muito pelo contrário, se porum lado, o trabalho de Lacan foi estudar os limiares da debilidade e da psicose,Mannoni evidenciou as mais diversas conexões da debilidade com a perversão, coma neurose e psicose:[...] a debilidade encobrirá traços psicóticos ou de uma neurose obsessivagrave? Essa é a pergunta que um analista é freqüentemente levado a fazer[...].[...][...] debilidade e psicose se juntam - e por isso é importante na condução dotratamento receber [...] a mensagem dos pais e dos filhos.[...]Uma análise de um sujeito débil vai ajudá-lo a assumir no tratamento a suaprópria história [...] realizando assim, na sua neurose o sentido fantasmáticoque ele pôde ao nascer, assumir para a mãe. (MANNONI, 1964, p. 47, 54,59)A autora entende, por vezes, que a debilidade encobre, de maneira muitofuncional, uma estrutura neurótica, a qual se valeria da condição débil comoqualquer neurótico se vale do seu sintoma. No entanto, por toda sua obra ela fazuma comparação estrita entre debilidade, psicose e perversão, principalmente ao sereferir às dinâmicas psíquicas e condições propícias que seriam, praticamente, asmesmas presentes tanto para o desenvolvimento de um psicótico, quanto de umperverso e de um débil.5.2 HOLÓFRASE E PARANÓIANa paranóia, há o significante do desejo da mãe, ou seja, há um significanteque corresponde a uma primeira simbolização. Trata-se do significante ao qual oparanóico está fixado, um significante mestre retido, o S1, de acordo com a definiçãoapresentada em o Seminário 17, “O avesso da psicanálise”, 1969 -70: o significanteque comemora a irrupção do gozo.Assim como o neurótico, o sujeito paranóico é representado por umsignificante para outro significante. Mas, enquanto na neurose há recalque do


55significante traumático, na paranóia trata-se de retenção, originando uma distinçãoentre elas quanto à identificação do sujeito ao S1.Na paranóia, o sujeito está fixado a essa identificação e alienado aosignificante. O paranóico tem uma identificação imediata ao significante mestre queo fixa e o representa para todos os outros significantes. Identificado a esse Um, nãose inscreve como (-1) em relação nem ao significante, nem ao gozo. Ele é Um aoqual todos se referem.Lacan (1964) nos diz que na psicose (paranóia) ocorre “o apanhar da cadeiasignificante primitiva em massa fazendo com que não haja a abertura dialética quese manifesta no terreno da crença” (LACAN, 1964, p. 225). Aborda que a questãonão é que não haja a crença, mas a ausência de um dos termos da crença, do termoem que se designa a divisão do sujeito. “Se, não há, de fato, crença que seja plena,e inteira, é que não há crença que não suponha, em seu fundo, que a dimensãoúltima que ela tem que revelar é estritamente correlativo do momento em que seusentido vai desvanecer-se” (LACAN, 1964, p. 225).Na paranóia, o sujeito não acredita na recriminação que acompanha aexperiência de gozo. Ele opera uma descrença (Unglauben) em relação aorepresentante da lei, foracluída por estrutura. A recriminação retorna no real daalucinação incidindo sobre o sujeito. É o que corresponde à foraclusão do Nome-doPai, ausência do significante da lei que, na paranóia, retorna no real.Na paranóia, o significante da lei, Nome do Pai (NP), é submetido àVerwerfung (foraclusão) e o significante do traumatismo (St), à verhaltung(retenção). O St não é submetido ao recalque, não se desloca, não desliza nacadeia significante. Ele congela, retendo o sujeito, preso então a esse significanteque traz um gozo conotado como excessivo e desprazeroso. O S1, por sua vez,obedece ao destino da foraclusão: “o que está foracluído no simbólico retorna noreal” (LACAN, 1955-6).A especificidade da paranóia é a retenção do Um - um significante, ou melhor,um significante mestre (S1) ao qual o paranóico adere firmemente.Foi na tese de doutorado de Lacan (1932) que encontramos um mecanismoque propomos como específico para a paranóia: a verhaltung (retenção). Ao aplicareste mecanismo na lógica significante às psicoses paranóicas, pensamos terencontrado o fundamento estrutural, ao lado da foraclusão do Nome-do-Pai, para osdiversos fenômenos encontrados nesse tipo clínico de psicose.


56O sujeito paranóico é retido por esse Um que não o larga e a partir do qual eleentra em relação com os outros. Acreditar ser o Um se manifesta com o sentimentode ser único; acreditar-se único é sempre paranóico. O paranóico é o Um dereferência.Ser um para todos e contra todos está na base da desconfiança, da suspeitados complôs, da enfatuação megalomaníaca e da presunção dos chefes de igrejas,seitas, e até partidos e associações, entre os quais encontramos muitos paranóicos.No caso do paranóico, há “uma estase do ser numa identificação ideal”, ouseja, ele se fixa a um significante ideal que Lacan inicialmente situa no registro doimaginário. O significante mestre tem esse aspecto imaginário de ser ideal, ao qual osujeito paranóico está identificado sem nenhuma imediação de um outro significante.Trata-se de uma imaginarização do simbólico, ou seja, o significante adquire aconsistência imaginária. É esse ideal que sustenta a unicidade e que o faz darconstantes provas ao outro de sua certeza, pois não há divisão quanto ao ideal,como no caso do neurótico, sempre em busca de novos ideais, de acordo com suasdecepções e a reconstituição de novas ambições. É essa paixão de ser Um, dedemonstrar a todos sua unicidade, que caracteriza o paranóico, e é a identificaçãoimediata com esse ideal que o faz presunçoso e enfatuado.O Um imaginário da paranóia corresponde à identificação imediata à imagemespecular. A imagem vela a falta e é, por definição, total, pois não pode haverimagem daquilo que falta como o demonstra o “estádio do espelho”. Se Umparanóico impede a dispersão da imagem e do corpo, impede também que o sujeitose perceba como dividido, sujeito da falta, fazendo-o sentir-se inteiro, total, Um.A paixão de ser Um é o padecimento do Um do ideal: pathos do Um. Oparanóico ama o Um como a si mesmo e, entre as paixões do ser, verificamos oamor pelo Um, ódio pelo diferente (Hetero) e a ignorância da divisão subjetiva.O visco imaginário faz o paranóico estar preso no sentido, diferentemente doesquizofrênico, que está à deriva no non sens. Ele vê sentido em tudo e abole oacaso: toda coincidência é suspeita. Assim, dá consistência imaginária aossignificantes, fixando-os em um sentido auto-referenciado.No caso Schereber, temos um modelo de processo correspondente aoremanejamento do significante e do gozo que acarreta uma redução dos fenômenose a condensação em um tema central em torno do qual gira o delírio. Essaestabilização do delírio corresponde ao que Lacan chamou de advento da metáfora


57delirante: “a mulher de Deus”. Mas, o que permitiu a fabricação dessa metáfora e porque naquele momento determinado?Retomemos o caso. Todo o delírio de Schereber é percorrido pela idéia de sertransformado em mulher: no início do surto, ele fantasia como seria bom ser umamulher submetida à cópula. Em seguida, considera delirantemente que seu médicoquer transformá-lo em mulher para que os homens abusem e gozem dele. É sóquando vincula a transformação em mulher à cópula com Deus que ele finalmenteaceita essa possibilidade e todos os fenômenos se reduzem, a ponto dele retornarao convívio com os homens, ou seja, entrar novamente nos laços sociais e sair dohospício. Esse momento de virada ocorre com advento de um significante especial,diferente de todos os outros: Luder, que significa ordinária, vagabunda, e tambémengodo, logro e chamariz. A partir desse significante, há uma concentração, umremanejamento significante em torno do S1 e a recomposição da realidade,cumprindo o delírio, aí sim, a função de reconstrução do mundo. Trata-se de umefeito da “incidência alienante do significante” (LACAN, 1958, p. 579). Antes, o queencontrávamos era a dispersão do imaginário, como se pode detectar nas imagensdo corpo despedaçado; do simbólico do significante, nas alucinações e do gozo, emambos os fenômenos. O advento do S1, o Luder, permitirá a construção do delírioparcial, que Freud diz ser a peça que se cola onde há uma falha na relação dosujeito com a realidade. Eis o “remendo” do delírio, fabricado a partir de umsignificante que fixa o sujeito, que detém o processo de dispersão dos significantes esuas conseqüentes rupturas de cadeias e presença no real.É esse S1 (Luder) que permite ao sujeito representar-se para o Outro e, comisso, tentar se inscrever no laço social. Luder o representa como mulher para Deus.Ela é a “vagabunda” divina, “chamariz” de Deus, ao qual oferece seu corpo comadereços femininos para acreditar que é uma mulher - esse aspecto de engodo desua prática transexualista. Com essa identificação simbólica, embora delirante, elese insere no laço social, primeiramente com Deus e, em seguida, com o resto dahumanidade: sua defesa, a relação conjugal, a alta, a volta para casa etc. Mas é umdelírio instável, pois mais tarde, quando sua mãe morre, ele volta a surtar, éinternado e acaba morrendo no hospício.“Na paranóia, o sujeito não é descentrado, mas está no centro [...] dosolhares” (QUINET, 2002, p. 22). A definição de Lacan evidencia a prevalência doolhar: “a paranóia é um visco imaginário. É uma voz que sonoriza o olhar que aí é


58prevalente. É um congelamento de desejo” (LACAN, 1974-5, aula de 8 de abril1975). O congelamento do desejo, por sua vez, diz respeito à fixação de umaimagem que não se dialetiza e à retenção do significante ideal, que não permite odeslizamento metonímico do desejo.Por não conter a falta, o (-φ) da castração, como na neurose (a/-φ), o objetoa na psicose não tem o lastro da função fálica, uma vez que a foraclusao doNome-do-Pai (NPo) corresponde a elisão do falo (Fo). Daí a multiplicidadedos olhares, que se pode escrever a/ (Fo = infinito). Esse olhar pode provirde pessoas determinadas, como os perseguidores, ou ser anônimo. Podese multiplicar e ser infinito, materilizar-se do nada, aparecer mesmo quandonão há ninguém por perto ou no meio de uma multidão. Em todas essasocasiões, o sujeito é o Um da mira do Outro, o único alvo, aquele paraquem todos se viram, a quem todos observam e cujos atos todoscomentam. (QUINET, 2002, p. 23)Retomando a questão lançada por Lacan, no Seminário 11, de que o FPSestaria em série com a delilidade mental e com a psicose por via da holófrase, masem posições diferentes, percebemos que: Na psicose, o efeito da holófrase do par S1-S2 é a certeza psicótica porconta da foraclusão do Nome-do-pai. Na paranóia, o sujeito cola no S1, o euparanóico está preso no espelho.Na debilidade mental, o efeito da holófrase do par S1-S2 é a “posição dosujeito radicalmente submetido à demanda do Outro, tomada no sentido literal”(MIRANDA, 2002, p. 35). O sujeito aqui está determinado como objeto a dofantasma materno e, também, está confrontado a um desejo num termo obscuro,como já foi falado anteriormente.No FPS, o sujeito se cola ao S1 enigmático; o Sujeito está sempre colado auma irrupção de gozo.5.3 HOLÓFRASE E O FENÔMENO PSICOSSOMÁTICOJean Guir (1989) alega que muitas vezes pode-se chegar à holófrase a partirde um sonho pelo qual apareça uma referência à lesão. O recorte desta holófrase éintroduzido por um equívoco alusivo e enigmático sobre o plano homofônico,introduzindo uma nota interrogativa. A palavra frase, holófrase, tem uma ligação como esboço gramatical de um fantasma inconsciente, emergência do objeto a. Oequívoco sobre o plano lógico da holófrase faz com que se assinale ao paciente orecorte do nó, do gel da holófrase, reenviando-o a algo contabilizável, a qualquer


59coisa da ordem do número que se refere ao real e que sabemos que tem afinidadecom o FPS. (GUIR, 1989, p. 15-16). Lacan (1975) “Conferência de Genebra”, fazuma comparação entre FPS, como uma linguagem de hieróglifo, referente aonúmero, e o sintoma, como uma linguagem de alfabeto, referente a letra (LACAN,1975, p. 24). Vai dizer que no FPS o corpo se deixa levar a escrever algo da ordemdo número (LACAN, 1975, p. 26) e que esta escrita refere-se a um ciframento quenão passa pela significação da letra, pela subjetivação do desejo, como acontece nosintoma, mas que está do lado do número, surgindo em surtos sucessivos. Diz,ainda, que no FPS algo nos é dado como “enigma” que muitas vezes não sabemosler. Compara, então, o FPS a signaturarerum dos místicos, hieróglifo (LACAN, 1975,p. 24-25). O corpo é tomado como cartucho, como portando o nome próprio. O nomepróprio, por não ser traduzível, tem afinidade com a marca: é o significante semsignificação que toca o registro do real.Em outro artigo, Jean Guir, cita uma comunicação na qual o equívoco sobre apalavra westminster (où est ce mystère), onde está este mistério, havia “degelado” oFPS (GUIR, 1986, p. 58). Lacan já havia nos ensinado que o equívoco é umapotente arma para o sintoma. No tocante aos Fenômenos Psicossomáticos, ele podeaté funcionar, entretanto são difíceis e, muitas vezes, perigosos de assinalar. JeanGuir defende que a dificuldade de assinalar tais fenômenos é de que a aglutinaçãode S1-S2 pode funcionar como um novo significante S2, fazendo com que haja umavolta a cadeia significante clássica. (GUIR, 1986, p. 58). Por outro lado, mexer no gelsignicante da holófrase pode ser perigoso, como relata Carneiro Ribeiro numaintervenção a uma paciente com hipertensão arterial: “uma vez interroguei apaciente [...] sobre uma frase-bordão que repetia: ‘é a vida’ sua resposta, uma crisehipertensiva que quase a matou” (RIBEIRO, 1995, p. 284). A autora comenta que afrase-bordão referia-se a holófrase, o S1 absoluto que designava seu mal, sua lesãoe seu gozo.No FPS há uma sinalização pontual da mortalidade da carne, que retornano fenômeno, o que pode fazer com que uma abordagem direta possa setornar, no mínimo, perigosa. Afinal lida com a morte realizada no imagináriodo corpo e não apenas imaginarizada no simbólico pelo pensamento(RIBEIRO, 1995, p. 285).Marie-Odile Wartel também cita um caso clínico em que a holófrase pode serbalizada e trabalhada através da análise. Este caso clínico demonstra a passagemdo gozo Outro para um gozo fálico e do gozo fálico para o gozo do sentido.


60A Paciente evoca dois episódios de psoríase. O primeiro, com sete anos:morava na região parisiana quando seus pais abandonaram o negócio que tinham. Eo último episódio, que é recente, refere-se a um período em que seu pai começa aexplorar a propriedade familiar de forma fraudulenta. A propósito disso, ela diz: “eleme usa”. Quando é convocada pela polícia para testemunhar contra o pai, apsoríase se manifesta, prolifera.Questionada sobre de quem ela haveria herdado a tal psoríase, responde: dopai. Sua avó paterna tinha artrose até que ficou paralítica. Ela, por sua vez, possuilesões dermatológicas localizadas no nível das articulações. Comenta: “não estouparalizada por isso”.Outra marca de sua enfermidade foi a leitura que fez de seu nomepatronímico. A propósito de seu nome, em suas primeiras sessões, esta jovem senomeou como Pelerine, significante que, em seguida, repetia para evocar o lugar desua residência quando desencadeara o último episódio de psoríase.Pélerine: lugar; pele; cobertura; peixe; viajante, foram efeitos de significação enão de sentido em relação à palavra Pélerine. Pélerine é uma holófrase, umsignificante não articulado ao Outro, bloqueado, congelado, de tal maneira que faltaafânise do sujeito. Não é possível o efeito de fading que especifica o sujeito doinconsciente. (LACAN, 1966, p. 500).Em sua primeira entrevista, relata que era gerente de empresa do tipo SARL.Leu tal sigla como sendo: Sociedade de Rendimento Limitado. Detemos-nos aidentificar cada letra de tal sigla com objetivo de se advertir uma divisão possível dosujeito. A paciente nos fala que SL são as iniciais do nome de seu pai; A, deanônimo, ela exclui, mas atribui o sentido de por causa e o R, de responsabilidade,chama de rendimento. Havia, por de trás dessa significação, um não querer sabersobre a responsabilidade. Assim, encontra-se encurralada no rendimento, nocomércio clandestino para encobrir seu pai.A confusão com o R tem por efeito um estalo, uma explosão do significanteS.A.R.L, ocorre uma evacuação de gozo que introduz um outro discurso.Há uma troca de posição. A autora propõe o matema do discurso da histérica,particular, em posição de agente. O significante encontrado é posto a trabalho, seudesejo, identificado ao desejo do Outro, e, de agora em diante, posto em jogo. Afissura produzida na holófrase permite que uma parte se jogue porque estesignificante sigla cedeu e se expõe ao esforço de um trabalho analítico.


61Neste novo posicionamento, um significante a representa para outrosignificante, SARL a representa depois do rendimento.Depois da abertura da holófrase, há um gozo fálico, no sentido de gozosignificante que necessariamente foi esvaziado de seu gozo. A portadora dapsioríase é identificada ao desejo fálico do homem, nos traz também uma novelaneurótica histérica que não cessa de ter que dizer, ao pai ferido, seu desejo.É a Pélerine em busca de provas que em seu ir e vir se mostra e se oculta.Protestar contra o desejo torturante do pai é fácil, na medida em que elaconserva todos os segredos: “todos tem confiança em mim, eu não confio em nada”.De que gozo se trata? Poderíamos pensar no gozo Outro (LACAN, 1975, p.26) ao qual Lacan se refere na Conferência de Genebra. A autora diz que crê queem nenhum momento, nem antes, nem depois do erro do R, trata-se do gozo Outro.O que se é evocado é a recuperação do gozo no corpo do Outro. Isto não quer dizerque o Outro do FPS goze do sujeito, entretanto que o sujeito anula na imagem doOutro sua própria divisão, sua falta ser (WARTEL, M., 1978, p. 123-129).Carneiro Ribeiro (2004) cita um caso clínico de uma paciente que eraportadora da Doença de Crohn e já havia sofrido uma operação, na qual teve algunscentímetros de seu intestino retirados. O médico havia lhe avisado que uma próximacrise poderia obrigá-la a uma colostomia. A idéia de ter que se submeter àcolostomia lhe apavorou, resolvendo procurar a análise indicada pelo seu médicodesde a primeira crise.Nas primeiras sessões, fala da “bolsinha de cocô” que teria que usar sefizesse a colostomia. Não poderia usar biquíni ou mesmo calças e saias de cinturabaixa. Aos poucos, contudo, começa a se calar. Não tem assunto. Queixa-se, àsvezes, de dor de cabeça, porém não a associa a nada.Não falta às sessões, que prosseguem sem assunto, sem sonhos, semassociação livre. Incentivada pela a analista, fala da sua relação com o namoradocomo sendo estranha, ele aparece quando quer, não é carinhoso, toma seu dinheiroemprestado e não lhe paga. Diz que tudo é muito cansativo. Se sente casada esozinha.O discurso da paciente é apático e com ausência de desejo, sendo de difícildiagnóstico. A analista até cogitou a possibilidade de se tratar de um caso demelancolia, porém a ausência de fenômenos elementares impede o diagnósticoconclusivo de psicose. Em uma das sessões, ao acaso, a analista lhe pergunta por


62que mantém um namoro que não lhe dá nada e sobre o qual não acha nada? Elaresponde lançando a questão: “O que minhas amigas iriam pensar de mim? Umamulher da minha idade sem namorado?”.De posse desse indício mínimo, a analista aposta na histeria e a incita a falardas amigas, contar fofoca, discorrer sobre intrigas, dizer mentira, o que quisesse,contanto que falasse. E, aos poucos, começa a falar. Conta sonhos de conteúdoedipiano. E começa, pouco a pouco, a abordar uma relação, segundo ela,verdadeiramente devastadora, com o Outro materno.Sobre o FPS pouco fala. Em uma sessão dessa análise, já em seu segundoano, comenta que seu médico havia lhe chamado a atenção de que o Crohn sempreaparece em uma determinada data. Começa a faltar a algumas sessões, justamenteantes da tal data de aniversário, até que liga para analista, em pânico, dizendo estarcom dores na barriga e que precisa vê-la urgentemente para que ela, a analista,possa dar um jeito no Crohn.Carneiro Ribeiro ressalta que a doença, todavia, não é subjetivada, não édela, não é ela quem a produz. É um Outro maligno que habita seu corpo, contra oqual invoca os poderes mágicos que atribui à analista, pela via da transferência. Apaciente, enquanto se apresenta como um sujeito histérico, tem uma fala articulada,inteligente e, muitas vezes, sagaz. Porém, quando se depara com o FPS, ela setorna infantil, sem lógica e desarticulada. A analista ressalta ainda que talconstatação é pertinente, na medida que se trata de uma análise lacaniana, queopera sobre a estrutura e interpreta com base na transferência, e não sobre ela,fazendo operar uma passagem do gozo do Outro ao gozo fálico da neurose e, este,ao gozo do sentido da associação livre. Após a publicação deste caso, a pacienteconta à analista as histórias de quando ela era pequena e sua mãe não a deixavafechar a porta do banheiro, tendo que fazer suas necessidades sob o olhar gozanteda mãe. O olhar que fura.


636 CONCLUSÃOFoi na experiência clínica em consultório e em hospital geral que o caráterenigmático destas afecções corporais, que parecem não serem intermediadas pelaestrutura de linguagem, não permitindo ao sujeito que as signifique confrontando-secom o Real do sofrimento, se tornaram evidentes. Foi exatamente por causa desteponto limite, onde a falta de significação do sujeito perante a doença toma o sujeitosem oferecer-lhe questão, resultando numa marca, lesão somática, quedesenvolvemos este trabalho.Conduzimos nossa investigação pela égide histórica e científica com objetivode fornecer um maior entendimento do profissional de saúde a respeito doposicionamento subjetivo destes pacientes perante a doença.No segundo capítulo, encaminhamos o leitor para um contexto histórico sobrea clínica, a medicina social e o hospital, universos que foram explorados dentro devisão Foucaultiana, com objetivo de abordar o quanto tais categorias portam acrença de que o conhecimento científico leva a um supremo poder de resolução dosmales do mundo. Verificamos que as teorias de Foucault, embora de outras épocas,continuam atuais.Enquanto para a medicina o corpo é uma máquina, para psicanálise ele é umorganismo erogenizado, marcado pela pulsão e pela linguagem, ambasinseparáveis.A clínica da escuta (escuta do inconsciente) rompe com a clínica do olhar.Freud propôs a associação livre a seus pacientes introduzindo um novo método deinvestigação, indo de encontro aos métodos fenomenológicos da medicinatradicional.Lacan (1966) já nos advertia, no colóquio “O lugar da psicanálise namedicina”, que a ignorância da ciência de que o indivíduo porta uma subjetividadeleva a falha epistemo-somática. Como conseqüência, aparecem doenças que amedicina não explica; os Fenômenos Psicossomáticos.O sistema capitalista, preocupado com as indenizações pertinentes ao segurosaúde de pessoas que retornavam da guerra apresentando doenças misteriosas,mobilizou psicanalistas para estudarem sobre o FPS objetivando dar um avalcientífico a estas doenças.


64Freud, não desenvolveu, em sua teoria, nada a respeito do FenômenoPsicossomático, porem faz referência à psicossomática uma única vez em uma cartadirigida ao Dr. Victor von Weizsaker, onde chama a atenção para o fato de esbarrarnum terreno desconhecido que suscita dúvidas a partir de fatores psicológicos nasdoenças orgânicas e vice-versa.No terceiro capítulo pesquisando sobre a relação dos três registros com ocorpo pudemos observar que segundo Lacan (1949) no imaginário o sujeito constituiseu eu-ideal a partir do especular e o faz devotado ao imaginário do corpo. Em1954-55 o eu é isolado como instância narcísica, auto-erótica, sede da alienação dosujeito que o investe de libido e a ele se identifica. O Fenômeno Psicossomático seinscreveria como um acidente deste investimento libidinal. Em, 1964, resignifica oestádio do espelho de 1949, situando o escópico, antes do especular. A imagem,como visível, comporta um vazio que dá corpo ao imaginário. O FPS com aholófrase da primeira dupla significante (S1-S2=S1), faz com que o significanteperca seu valor simbólico imaginarizando-se. Em 1975, aborda o imaginário comoconsistência e afirma que o FPS está profundamente enraizado no imaginário.No simbólico, o eu vem tentar recobrir a falta simbólica, vem tentar darsubstância ao sujeito, ocupando o lugar onde o sujeito é falta-a-ser. É nesse sentidoque o eu é uma significação, um efeito de linguagem. O corpo atribuído pelalinguagem incorpora o significante que esvazia o gozo dando uma significação paraele. No fenômeno psicossomático, por sua vez, há um acidente no processo deincorporação significante e nem tudo desse corpo se significantiza.Lacan nos fala do real como aquilo que é impossível alcançar a partir darepresentação. O corpo, enquanto real, é um pedaço de carne que não teve ainscrição simbólica. O corpo afetado do FPS é um corpo fora da linguagem, umcorpo – carne. O FPS está fora do simbólico, mas não fora do corpo.A partir do quarto capítulo, esta pesquisa se fundamenta a responder por que,no FPS, o corpo não passa pela inscrição significante. Porém, escolhemosdesenvolver isto através do conceito teórico da Holófrase. Vimos que Lacandesenvolve este tema em três momentos do seu ensino – nos Seminários, livro: 1; 6e 11.No Seminário: livro 1, a holófrase está vinculada à linguagem pelo viés darelação especular ao Outro. Refere-se ao registro do imaginário.


65No Seminário livro 6, a holófrase está vinculada a cadeia inferior do grafo dodesejo, referindo-se a um sujeito, no contexto da demanda, enquanto não se tornousujeito falante, sujeito de quem sempre se fala, sujeito do enunciado. Refere-se àinterjeição que confere a mensagem um caráter monolítico.No Seminário livro 11 a holófrase é abordada pelo viés do significante. Com aholófrase da primeira dupla significante S1-S2=S1 as operações de alienação, queestá no nível do significante, e separação, que está no nível do objeto, não seprocessam. Na medida em que estas operações significantes não se realizam nãohá intervalo entre os significantes que permita a emergência do desejo fazendo comque a cadeia deslize, assim o objeto a não se exteriorizando há uma retenção degozo no corpo.Lacan (1964) propõe a inversão corriqueira do corpo-organismo pontuandoque o organismo inclui além do corpo a própria libido que é extra-corpo como sãoextra-corpo os objetos a. Porém, no FPS, constatamos que algo em relação aoorganismo está dentro do corpo, como se a libido estivesse corporificada. Ocorreum acidente no processo de incorporarão significante. Ou seja, não havendointrusão significante, que leve a um esvaziamento do gozo, o corpo fica submetido aintrusão do gozo.Lacan relê a holófrase a partir do Seminário livro 20 através do S1 delalangue. São significantes iniciais na vida do sujeito que aludem a uma linguagemprimitiva entre mãe e bebê, anterior a aquisição do registro imaginário do “estádio doespelho”. Pela égide significante não são significantes, são símbolos ou signos, nãodeslizam na cadeia significante, são absolutos, não fazem equívocos, não podemmudar, não podem se transformar. A lalangue é definida, também, em 1970, porLacan como um significante que comemora uma irrupção de gozo, S1/a. Irrupção degozo esta, que, no FPS, tem como conseqüência, por exemplo, a ausência dereflexão de uma afecção orgânica pela falta de dialetização significante.No quinto capítulo, desenvolvemos a questão lançada no capítulo anterior darelação entre o FPS, a debilidade mental e a paranóia. Lacan (1964) colocou o FPSem série com a debilidade mental e a psicose (paranóia), assinalando paralocalização limítrofe do FPS com relação ao simbólico. A investigação sobre o lugarque a holófrase ocuparia em relação a cada item da relação acima constatou que,na debilidade, o efeito da holófrase determina o sujeito a ser objeto a do fantasmamaterno e, também, confronta-o a um desejo num termo obscuro. O sujeito está


66radicalmente submetido à demanda do Outro. Na paranóia, o efeito da holófrase dopar S1-S2 é a certeza psicótica por conta da foraclusão do Nome-do-pai. O sujeitoestá colado no S1, o eu paranóico está preso no espelho. No FPS, o sujeito se colaao S1 enigmático; o Sujeito está sempre prezo a uma irrupção de gozo.Se não há sujeito psicossomático que se possa particularizar, a única coisaque fica específica ao FPS seria o gozo em ação nessas manifestações. Em outraspalavras: mesmo tendo uma causalidade lingüística, porque todo sujeito ésubmetido à linguagem (operação de alienação), o FPS não implica numa escolhado sujeito (operação de separação), no sentido que Freud fala na escolha daneurose. Não sendo, assim, característico de uma posição específica do sujeito. E,portanto, isto não exclui que qualquer estrutura possa apresentar estasmanifestações psicossomáticas.Jean Guir em seu caso clínico aborda que o equívoco sobre o plano lógico daholófrase faz com que se assinale ao paciente o recorte do nó, do gel da holófrase,reenviando-o a algo contabilizável, a qualquer coisa da ordem do número que serefere ao real e que sabemos que tem afinidade com o FPS. Porém assinalar o FPSatravés do equívoco pode até funcionar, entretanto são difíceis e, muitas vezes,perigosos porque estamos tocando em algo que está imaginarizado no real docorpo.Marie-Odile Wartel cita um caso clínico de psoríase que demonstra apassagem do gozo Outro para um gozo fálico e do gozo fálico para o gozo dosentido.Carneiro Ribeiro ressalta que a Doença de Crohn, todavia, não é subjetivada,não é da paciente, não é ela quem a produz. A doença é um Outro maligno quehabita seu corpo. O sujeito por efeito da holófrase da primeira dupla significante nãoconsegue questionar o desejo do Outro, e, assim, conforme o caso clínico: o olharfura precipitando a Doença de Crohn.Através desse trabalho, chegamos a algo imprescindível que é a presença dogozo específico que faria intrusão no corpo desencadeando o FPS. Porém, estetrabalho abordou de maneira superficial tal gozo. Deixaremos para um momentoposterior o estudo desta teoria onde pensamos que será necessário aprofundar osconhecimentos sobre o gozo fálico; gozo do sentido; Abordar, profundamente, ogozo Outro (gozo específico), e os conceitos de signaturarerum; hieroglifo, nomepróprio e número.


67Temos consciência de que este tema, Gozo, possui complexidade suficientepara ser abordado em continuidade a este trabalho, necessitando de um extensoperíodo de trabalho.Em relação ao direcionamento clínico, há alguns problemas a seremdiscutidos:- Por que será que na clínica psicossomática, com freqüência, há aapresentação de mimetismos, opacidade no discurso do sujeito, indiferença emrelação ao FPS. Poderíamos supor que tais fenômenos estariam ligados ao efeitoimaginário da holófrase?- Por que o FPS não se caracteriza somente por uma lesão ou uma doençaorgânica. Ele se diferencia destas por apresentar surgimento, mobilizações,desaparecimento e agravamento em função de acontecimentos determinados oudatas específicas, comprovando ter uma causalidade significante. Observamos que,no FPS, uma palavra pode fazê-lo desaparecer, ou agravá-lo. Existe FPS quedesaparece no decorrer de uma análise sem jamais ter sido tocado. Será quepoderíamos supor um trabalho de significantes? Será que no FPS a linguagem doinconsciente poderia possibilitar com que tal gozo que fere o corpo possa vir a serdomesticado pelo significante, tornando-se gozo fálico que fala, que faz enigma eque faz um retorno extemporâneo no sintoma permitindo, com isso, que haja umdeciframento, pois obedeceria a uma lógica significante?


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74APÊNDICE A – Curso sobre o Fenômeno Psicossomáticodirecionados aos Hospitais Gerais1 INTRODUÇÃOEste projeto tem como proposta capacitar os profissionais da área de saúde,tais como: médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas,fonoaudiólogos, fisioterapeutas e outros que trabalham em hospitais gerais de modoa ajudá-los no diagnóstico, por vezes difícil, ao qual o estudo da psicossomática éuma maneira de esclarecimento.O curso visa à importância de ressaltar aos profissionais da área de saúdequanto à possibilidade da existência de afecções somáticas que não obedecem aospadrões fenomenológicos, não tendo evoluções, reincidências e remissõespertinentes a um quadro etiológico específico. Mas, que apresentam surgimento,mobilizações, desaparecimento e agravamento em função de acontecimentosdeterminados ou datas específicas. Assim seu aparecimento e desaparecimentopode, por exemplo, ocorrer em função da proximidade ou afastamento físico oumental de um objeto preciso.Trillat (1939) relata que a psicossomática é uma especialidade angloamericanaque germinou nos campos de batalha da guerra de 1914 – 1918. Foicriada a partir uma demanda capitalista e não sobre uma questão de funcionamentohumano como, por exemplo, a histeria e a psicanálise. Com a neurose de guerrasurge a idéia que o sujeito possa utilizar seu corpo para fazer sintomas, não pelocampo do trauma original sexual, mas por um novo trauma que não se associa aotrauma sexual. O sistema capitalista preocupado com as indenizações pertinentesao seguro saúde de pessoas que apresentavam doenças misteriosas que nãotinham sido detectadas anteriormente, começaram a contratar psicanalistas para ser“vigias” do sistema capitalista, já que a disseminação de tais doenças misteriosasameaçava tal sistema.Autores como Groddeck, Dunbar, Alexander e Garma defendem que o FPStêm um sentido (WARTEL, 1990, p. 70). A doença pode se referir a uma causalidadepsíquica original.


75A escola francesa, R. Held; M. Fain; P. Marty; G. de M´Uzan, se fundamentasobre a falta de representação da psicossomática.Freud não desenvolveu, em sua teoria, nada a respeito do FenômenoPsicossomático, mas deu subsídios, através das neuroses atuais, para que outrosautores desenvolvessem sobre o tema.Lacan, no entanto, abordou o tema em três períodos de sua obra. Em 1954,Seminário: livro 2 onde aponta que o FPS se posiciona no limite da linguagem,questionando se o que determina o FPS seria da ordem do imaginário ou de umadeterminação simbólica.; 1964, Seminário: livro 11 elabora o FPS pelo viés dosignificante. Aborda o FPS pondo-o em série com a debilidade mental e a psicose(paranóia) pelo viés da holófrase dos significantes e, finalmente, em 1975 na“Conferência de Genebra sobre o Sintoma” refere-se ao FPS como sendo da ordemda escrita que não sabemos ler. Compara o FPS ao hieróglifo.Freud em 1900, com a publicação do texto: “A interpretação dos sonhos” nosapresentou o conceito de inconsciente e demarcou o nascimento da psicanáliseapresentando-nos o seu sujeito, subvertendo a lógica cartesiana do famoso cogitoergo sum,: penso, logo existo, demonstração lógica da primazia da consciência. Ocogito cartesiano representa a um só tempo “um momento do sujeito historicamentedefinido e correlato da ciência” (LACAN, 1965), cujo o paradigma é a física e o exíliodo corpo em relação ao pensamento. Ao elucidar as conseqüências da cisão, entrecorpo e o pensamento na medicina científica, Lacan (1966) propôs a expressãofalha epistemo-somática onde nos advertia que o progresso da ciência sobre arelação da medicina com o corpo faz com que a medicina considere o corpo umsistema homeostático, dele excluído o desejo e o gozo que é reconhecido através desuas manifestações, sob a forma de dor e sofrimento (VALAS, 1986, p. 88). Ou seja,a medicina, pelo avanço científico, acaba deixando de considerar que existe umsujeito, sujeito do inconsciente. Parece que a desconsideração disto corrobora coma presença de fenômenos, como o FPS, onde o ser humano é atingido por aquiloque é impossível de dizer pela linguagem significante. Sendo assim, poderíamospensar que as doenças psicossomáticas acabam, cada vez mais, se tornandoenigmas quase intransponíveis pela medicina?


762 JUSTIFICATIVAA decisão de elaborar um projeto de capacitação voltada aos profissionaisque trabalham na área de saúde de hospitais é contribuir na formação dessesprofissionais para que sejam capazes de desempenhar seus trabalhos com asdevidas competências. O curso visa que os profissionais adquiram conhecimentosobre a especificidade da linguagem somática utilizada pelos sujeitos queapresentam os Fenômenos Psicossomáticos e prioriza o encaminhamento dessespacientes para os setores competentes com objetivo de que eles possam ter suasdemandas escutadas.A experiência clínica em relação aos pacientes psicossomáticos evidencia apresença de mimetismos, opacidade no discurso do sujeito, e indiferença em relaçãoao FPS. Sintomas estes que ocasionam na equipe de saúde uma extremaestranheza e impotência que, muitos vezes, é lidada com certo rechaço que temcomo conseqüências: alta hospitalar, transferência hospitalar e encaminhamentospara outras unidades de atendimento como PAM e CAPS que, também, nãopossuem profissionais com competência nessa área.3 OBJETIVO3.1 OBJETIVO GERALQualificar e capacitar os profissionais da área de saúde, tais como: médicos,enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, fonoaudiólogos,fisioterapeutas e outros que trabalham em hospitais gerais, para diagnósticospsicossomáticos tendo como suporte teórico a psicanálise.3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS- Fornecer subsídios teóricos e práticos que permitam diferenciar o FenômenoPsicossomático do Sintoma;- Promover e incentivar o debate desses casos clínicos através de reuniõesinterdisciplinares e transdisciplinares.


77- Enfatizar a necessidade de encaminhamento desses pacientes ao setorcompetente que acate a demanda psíquica.4 ESTRUTURA DO PROGRAMAO programa está estruturado em torno de uma capacitação profissionalatravés de um conjunto de palestras que o instrumentaliza.A estrutura do curso de capacitação pode ser representada como descritaabaixo:Módulo I – Doença e saúde: uma abordagem históricaDuração: 25 horasPROJETO AÇÕES EDUCATIVAS MODALIDA<strong>DE</strong>S DURAÇÃODOENÇA ESAÚ<strong>DE</strong>: UMA O nascimento da clínica Palestra 8 horasABORDAGEMHISTÓRICA O nascimento do hospital Palestra 7 horasClínica da escuta XClínica do olhar Palestra 10 horasMódulo II – Psicanálise e Medicina: uma introdução ao FenômenoPsicossomáticoDuração: 24 horasPROJETO AÇÕES EDUCATIVAS MODALIDA<strong>DE</strong>S DURAÇÃOO sujeito da ciência X Osujeito do inconsciente Palestra 6 horasO Fenômenopsicossomático e a escolaamericana Palestra 6 horasO Fenômenopsicossomático e a escolainglesa Palestra 6 horasPSICANÁLISE EMEDICINA: UMAINTRODUÇAO AOFENÕMENOPSICOSSOMÁTICOO Fenômenopsicossomático e a escolaFrancesa Palestra 6 horas


78Módulo III – SINTOMA E FENÔMENO PSICOSSOMÁTICODuração: 47 horasPROJETO AÇÕES EDUCATIVAS MODALIDA<strong>DE</strong>S DURAÇÃOO sintoma em Freud eLacan Palestra 16 horasO FenômenoPsicossomático em Lacan Palestra 17 horasSINTOMA EFENÔMENOPSICOSSOMÁTICODireções clínicas doFenômeno Psicossomático Palestra 14 horasDuração total do curso de capacitação: 96 horas


68MESTRADO PROFISSIONAL EM PSICANÁLISE, SAÚ<strong>DE</strong> E SOCIEDA<strong>DE</strong>Rua Ibituruna 108, TijucaCep: 20271-020Rio de JaneiroBrasilTel: +55 21 2574-8871/2574-8834Fax: +55 21 3234-3024Arquivo digital de teses e dissertaçõeshttp://www.uva.br/cursos/mestrados

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