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Contribuições da perspectiva histórico-cultural de Luria para ... - Educ

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Contribuições <strong>da</strong> <strong>perspectiva</strong> histórico-<strong>cultural</strong> <strong>de</strong><strong>Luria</strong> <strong>para</strong> a pesquisa contemporâneaMarta Kohl <strong>de</strong> OliveiraTeresa Cristina RegoUniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São PauloResumoEste ensaio procura explorar a fecundi<strong>da</strong><strong>de</strong> dos postulados <strong>de</strong>Alexan<strong>de</strong>r Romanovich <strong>Luria</strong> <strong>para</strong> a pesquisa contemporânea. Especificamente,busca explicitar o vigor <strong>da</strong>s premissas, <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>ias edos procedimentos investigativos adotados em seus estudos sobreos processos mentais em sua relação com a cultura ao longo <strong>de</strong>quase seis déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>. As contribuições <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gemluriana são ilustra<strong>da</strong>s por meio <strong>da</strong> apresentação <strong>de</strong> algumas <strong>de</strong>suas pesquisas realiza<strong>da</strong>s ao longo do século passado. Foi salientadoo caráter promissor <strong>de</strong>ssa abor<strong>da</strong>gem <strong>para</strong> a investigação do<strong>de</strong>senvolvimento humano, pois ela permite compreen<strong>de</strong>r os fenômenosem sua complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> instrumentose procedimentos <strong>de</strong> pesquisa capazes <strong>de</strong> assegurar essacompreensão, assim como o papel ativo do pesquisador na formulação<strong>de</strong> perguntas e na condução <strong>da</strong>s pesquisas empíricas. A apresentaçãoe análise <strong>de</strong> traços representativos dos diversos temasexplorados pelo autor revelam um pesquisador obstinado em compreen<strong>de</strong>ro complexo processo <strong>de</strong> constituição humana por meio<strong>da</strong> fecun<strong>da</strong> combinação <strong>de</strong> investigações sobre o enraizamentobiológico do funcionamento psicológico e sobre a constituiçãohistórica do psiquismo humano.Palavras-chaveCorrespondência:Teresa Cristina Rego eMarta Khol <strong>de</strong> OliveiraFacul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Educ</strong>ação - USPAv. <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>, 30805508-040 – São Paulo – SPe-mails: teresare@usp.brmkdolive@usp.br<strong>Luria</strong> — Pesquisa qualitativa — Psicologia histórico-<strong>cultural</strong> —Neuropsicologia — Cultura e pensamento.*Parte <strong>da</strong>s reflexões aqui apresenta<strong>da</strong>sestão relaciona<strong>da</strong>s às pesquisas<strong>de</strong>senvolvi<strong>da</strong>s com apoio doCNPq (Bolsa <strong>de</strong> Produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong> - Processon. 308242/2008-4)


Contributions to contemporary research of <strong>Luria</strong>’s<strong>cultural</strong>-historical approachMarta Kohl <strong>de</strong> OliveiraTeresa Cristina RegoUniversi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São PauloAbstractThis essay aims to explore the fecundity of the postulates ofAlexan<strong>de</strong>r Romanovich <strong>Luria</strong> to contemporary research. Morespecifically, it will seek to eluci<strong>da</strong>te the vigor of the premises,i<strong>de</strong>as, and investigation procedures adopted in his studies onmental processes in their relation to culture throughout a careerthat spanned almost six <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>s. The contributions of the <strong>Luria</strong>napproach are illustrated by the <strong>de</strong>scription of some of thestudies he carried out last century. The text places emphasis onthe promising nature of this approach for the investigation ofhuman <strong>de</strong>velopment, since it makes it possible to un<strong>de</strong>rstandthe phenomena in their complexity, the need to create researchinstruments and procedures capable of ensuring thisun<strong>de</strong>rstanding, and also the active role played by the researcherin the formulation of questions and in the conduction ofempirical research. The presentation and analysis of featuresrepresentative of the various themes explored by the authorreveal a researcher <strong>de</strong>termined to un<strong>de</strong>rstand the complexprocess of the human constitution through the fertilecombination of investigations on the biological roots ofpsychological functioning and the historical making of thehuman psyche.KeywordsContact:Teresa Cristina Rego eMarta Khol <strong>de</strong> OliveiraFacul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>Educ</strong>ação - USPAv. <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>, 30805508-040 – São Paulo – SPe-mails: teresare@usp.brmkdolive@usp.br<strong>Luria</strong> — Qualitative research — Cultural-historical psychology —Neuropsychology — Culture and thinking.* Some of the i<strong>de</strong>as presented hereare related to research carried outwith support of CNPq (BolsaProductivity - Process n.308242/2008-4)


humana:Suspeito, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, que a invenção do novogênero também reflete uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong>mentali<strong>da</strong><strong>de</strong> em filosofia, um outro capítulona luta <strong>para</strong> libertar as ciências humanas doenfadonho cativeiro do positivismo do séculoXIX. A explicação <strong>de</strong> qualquer condição humanaestá tão liga<strong>da</strong> ao contexto, é tão complexamenteinterpretativa em tantos níveis,que não po<strong>de</strong> ser alcança<strong>da</strong> consi<strong>de</strong>rando-seapenas segmentos isolados <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> in vitro, enunca chegará, mesmo no melhor dos casos,a uma conclusão final <strong>para</strong> além <strong>da</strong> sombra<strong>da</strong> dúvi<strong>da</strong> humana. Pois o ser humano <strong>de</strong> fatonão é ‘uma ilha’. Ele vive numa trama <strong>de</strong>transações, e suas possibili<strong>da</strong><strong>de</strong>s e tragédiasoriginam-se em sua vi<strong>da</strong> transacional. (p. xixii)Enten<strong>de</strong>mos que seu esforço e interessepersistente em compreen<strong>de</strong>r o sujeito humanoem sua plenitu<strong>de</strong> e complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, assimcomo sua atitu<strong>de</strong> como pesquisador — extremamenteousa<strong>da</strong> <strong>para</strong> os padrões <strong>de</strong> sua época—, continuam atuais e parecem oferecer umcaminho alternativo profícuo <strong>para</strong> oenfrentamento <strong>de</strong> dilemas e problemas que aciência contemporânea ain<strong>da</strong> não conseguiuequacionar. Com o objetivo <strong>de</strong> contribuir <strong>para</strong>o conhecimento e a divulgação <strong>da</strong> fecun<strong>da</strong>abor<strong>da</strong>gem luriana, neste ensaio, procuramosanalisar alguns traços <strong>de</strong> sua trajetória e doprograma científico que <strong>de</strong>senvolveu ao longo<strong>de</strong> aproxima<strong>da</strong>mente seis déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> trabalhoininterrupto e intenso. Para explorar algunstópicos por nós selecionados como centrais naobra <strong>de</strong> <strong>Luria</strong>, optamos pela remissão a seustextos publicados no Brasil com o objetivo <strong>de</strong>propiciar ao leitor um mapeamento dos trabalhosdisponíveis em português, ao mesmo tempoem que neles localizamos as questõestemáticas, teóricas e metodológicas que caracterizama obra do autor como um todo.Neste pequeno texto, não preten<strong>de</strong>mosesgotar a apresentação <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a extensa obra <strong>de</strong><strong>Luria</strong>, composta <strong>de</strong> mais <strong>de</strong> uma dúzia <strong>de</strong> livrose centenas <strong>de</strong> artigos publicados em diversas línguas.Nossa intenção, bem mais mo<strong>de</strong>sta, é analisaralguns traços representativos dos diversostemas explorados pelo autor ao longo <strong>de</strong> seupercurso <strong>de</strong> pesquisa com o objetivo <strong>de</strong> examinaros referenciais nos quais suas formulaçõesteóricas estão firmados e, principalmente, apontaraspectos que a leitura direta <strong>de</strong> textosdispersos do autor nem sempre revela. Tomandocomo ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong> o contexto mais amploem que suas inquietações e produções se inseriram,procuramos explicitar aspectos que estãoimplícitos ou pressupostos em suas proposições.<strong>Luria</strong> e suas circunstâncias: umhomem complexo, vivendo numtempo complexoComecei minha carreira nos primeiros anos <strong>da</strong>gran<strong>de</strong> Revolução Russa. Este acontecimentoúnico e importantíssimo influenciou <strong>de</strong>cisivamentea minha vi<strong>da</strong> e a <strong>de</strong> todos que eu conhecia.Com<strong>para</strong>ndo minhas experiências com as <strong>de</strong>psicólogos americanos e oci<strong>de</strong>ntais, vejo umaimportante diferença. [...] A diferença repousanos fatores sociais e históricos que nos influenciaram.[...] To<strong>da</strong> minha geração foi inspira<strong>da</strong>pela energia <strong>da</strong> mu<strong>da</strong>nça revolucionária —aquela energia libertadora que as pessoas sentemquando fazem parte <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> quepo<strong>de</strong> realizar um progresso tremendo num intervalo<strong>de</strong> tempo muito pequeno. (<strong>Luria</strong>, 1992,p. 23)Alexan<strong>de</strong>r Romanovich adorava a ironia amarga<strong>de</strong> uma pia<strong>da</strong> popular durante aqueles tempos:‘O que é felici<strong>da</strong><strong>de</strong>? É viver na União Soviética.E o que é falta <strong>de</strong> sorte? É ter tal felici<strong>da</strong><strong>de</strong>’.Ele enten<strong>de</strong>u perfeitamente que sua própriavi<strong>da</strong> estava cheia <strong>de</strong> tais <strong>para</strong>doxos. (Cole;Levitin; <strong>Luria</strong>, 2005, p. 256)Entre muitas produções instigantes,Hannah Arendt (1987) elaborou textos biográficos<strong>de</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> seu tempo e dopassado. Em tais escritos, a autora contava


histórias <strong>de</strong> pessoas que partici<strong>para</strong>m <strong>de</strong> modointenso <strong>da</strong>s tensões, dos dilemas e <strong>da</strong>s realizações<strong>de</strong> seu tempo. Seu interesse era o <strong>de</strong> refletirsobre como tais indivíduos se moveramno mundo e como esse mundo influenciousuas existências. Era, portanto, o entrelaçamento<strong>da</strong> vi<strong>da</strong> com o contexto em que ela foivivi<strong>da</strong> que lhe interessava. Por meio <strong>de</strong>ssasnarrativas <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>, Arendt buscava não somentesalvá-las do esquecimento (<strong>para</strong> ela, biografarera conferir imortali<strong>da</strong><strong>de</strong> àquilo que, porsua própria natureza, é fugaz e perecível: avi<strong>da</strong> humana), mas também propiciar um instante<strong>de</strong> luci<strong>de</strong>z em meio a um mundo quevivia “um tempo sombrio”, marcado porgenocídios, práticas totalitárias e outrasbarbáries. Ela acreditava que as biografias representavamuma boa oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> compreensãonão somente do pensamento e <strong>da</strong>sobras do biografado, como também dos modosimprevisíveis pelos quais suas realizaçõesforam engendra<strong>da</strong>s no embate com o contextoem que viveram.É com esse olhar que comentaremos aspectospresentes na vi<strong>da</strong> e obra <strong>de</strong> <strong>Luria</strong>, emborareconhecendo, juntamente a outros autores(Dosse, 2009; Bourdieu, 1996, por exemplo), quea vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> qualquer indivíduo está sempre em excessocom relação às palavras que falam sobre ela.Como gênero <strong>de</strong> discurso, to<strong>da</strong> a escrita(auto)biográfica objetiva estabelecer lineari<strong>da</strong><strong>de</strong>,coerência e continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>para</strong> experiências evivências que são sempre dispersas, multifaceta<strong>da</strong>s,fragmentárias e <strong>de</strong>scontínuas. Nenhuma narrativa(auto)biográfica — por melhor que seja — serácapaz <strong>de</strong> traduzir, em to<strong>da</strong> a sua riqueza, complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>e multi-plici<strong>da</strong><strong>de</strong>, a vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> uma pessoa.Um homem complexo, vivendo numtempo complexo. É assim que Michael Cole eKarl Levitin (2005) <strong>de</strong>finem Alexan<strong>de</strong>r <strong>Luria</strong>. Po<strong>de</strong>mosampliar essa <strong>de</strong>finição: um homem complexo,vivendo um tempo complexo, cujo interesseprincipal era o <strong>de</strong> <strong>de</strong>sven<strong>da</strong>r a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>da</strong> constituição dos processos psicológicostipicamente humanos 1 . O exame <strong>de</strong> alguns traçospresentes em sua trajetória acadêmica eprofissional, bem como dos pressupostos filosóficose epistemológicos subjacentes às suasteses, confirmam essa <strong>de</strong>finição.<strong>Luria</strong> nasceu em 1902, em Kazan, umapequena ci<strong>da</strong><strong>de</strong> universitária próxima a Moscou,e faleceu em 1977, em Moscou, <strong>de</strong> insuficiênciacardíaca. Filho <strong>de</strong> um médico <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque e tambémprofessor <strong>da</strong> escola <strong>de</strong> medicina <strong>de</strong> Kazan,especializado em doenças do estômago e interessadoem medicina psicossomática, <strong>Luria</strong> teveacesso, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> cedo, às produções mais importantesna psicologia <strong>de</strong> sua época (como trabalhosno campo <strong>da</strong> psicologia experimental, as teses <strong>de</strong>Freud e <strong>de</strong> Jung). O fato <strong>de</strong> dominar o idiomaalemão e frequentar, com sua família, círculos intelectuaiscujos membros estu<strong>da</strong>vam fora <strong>da</strong>Rússia, <strong>de</strong>u a ele a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> não se restringiràs traduções russas (Cole, 1992).<strong>Luria</strong> passou sua infância em Kazan, convivendocom as opressivas restrições do czarismo.Estava com 15 anos quando irrompeu a Revolução<strong>de</strong> 1917. Nessa época, a atmosfera era <strong>de</strong>entusiasmo com as profun<strong>da</strong>s e promissorastransformações que ocorriam na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> soviética.Num texto autobiográfico escrito na déca<strong>da</strong><strong>de</strong> 1970, <strong>Luria</strong> (1992) afirma:Nosso conteúdo e estilo <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> mu<strong>da</strong>ramimediatamente. [...] Os limites <strong>de</strong> nosso restritomundo particular foram estilhaçadospela Revolução, e novas paisagens abriramperante nossos olhos. Fomos arrebatados porum grandioso movimento histórico. Nossosinteresses pessoais foram consumidos em favor<strong>de</strong> metas mais amplas <strong>de</strong> uma nova socie<strong>da</strong><strong>de</strong>coletiva. (p. 25)As novas condições sociais alteraramtambém o rumo <strong>de</strong> sua formação. Em 1917,havia completado seis anos <strong>de</strong> um curso ginasial<strong>de</strong> oito. Em vez <strong>de</strong> completar o cursoregular, conseguiu seu diploma no ano se-1. Informações mais completas sobre a carreira científica <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> e<strong>da</strong>s relações entre sua vi<strong>da</strong>, seu trabalho e as condições do contextohistórico e social do país em que viveu po<strong>de</strong>m ser encontra<strong>da</strong>s emCole; Levitin; <strong>Luria</strong> (2005) e Homskaya (2001).


guinte, fazendo, assim como muitos <strong>de</strong> seuscolegas, um curso reduzido. Logo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> seformar, portanto com aproxima<strong>da</strong>mente 17anos, ingressou na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Kazan, naFacul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Ciências Sociais. Nessa época, asuniversi<strong>da</strong><strong>de</strong>s viviam uma situação caótica,pois passaram a receber, sem nenhum tipo <strong>de</strong>preparo, milhares <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ntes originários <strong>de</strong>diferentes escolas secundárias, com níveis <strong>de</strong>pre<strong>para</strong>ção muito distintos. Como relata <strong>Luria</strong>(1992), “havia escassez <strong>de</strong> todos os gêneros.Talvez a mais importante fosse a escassez <strong>de</strong>professores pre<strong>para</strong>dos <strong>para</strong> ensinar sob asnovas condições” (p. 25). As discussões sobreas necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> reformulação e atualizaçãodo currículo e <strong>da</strong>s dinâmicas adota<strong>da</strong>s nasaulas se mesclavam a outros temas como políticae rumos <strong>da</strong> “nova socie<strong>da</strong><strong>de</strong>” em construçãoe envolviam não somente os professores,mas também os alunos.<strong>Luria</strong> começa, então, a participar ativamente<strong>de</strong>ssas discussões e também <strong>de</strong> encontros<strong>de</strong> associações científicas. De acordo comsua própria avaliação, é nesse período quecomeça a se interessar pelo socialismo utópico,com a intenção <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r as vicissitu<strong>de</strong>s<strong>de</strong> seu tempo e particularmente as questõesrelativas ao papel do homem na conformação<strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>. Começa aí, também, a se<strong>de</strong>linear seu interesse pelo campo <strong>da</strong> psicologiae a se <strong>de</strong>finir, ain<strong>da</strong> que <strong>de</strong> modo embrionário,seu projeto <strong>de</strong> “<strong>de</strong>senvolver uma abor<strong>da</strong>gempsicológica concreta dos eventos <strong>da</strong>vi<strong>da</strong> social” (<strong>Luria</strong>, 1992, p. 26). Esse interesseaumentava na medi<strong>da</strong> em que ele entravaem contato com as formulações <strong>da</strong> psicologiaacadêmica pré-revolucionária que então prevalecianas universi<strong>da</strong><strong>de</strong>s (fortemente influencia<strong>da</strong>spela filosofia e pela psicologia alemãs):Deprimia-me constatar quão áridos, abstratose afastados <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> eram aqueles argumentos.Eu queria uma psicologia que se aplicasseàs pessoas <strong>de</strong> fato, na sua vi<strong>da</strong> real, enão uma abstração intelectual num laboratório.A psicologia acadêmica era <strong>para</strong> mimterrivelmente <strong>de</strong>sinteressante, porque não viaqualquer ligação entre a pesquisa e o lado <strong>de</strong>fora do laboratório. Queria uma psicologiarelevante, que conferisse alguma substância àsnossas discussões sobre a construção <strong>de</strong> umanova vi<strong>da</strong>. (p. 27-28)<strong>Luria</strong> obteve seu diploma em 1921, emCiências Sociais, aos 19 anos. Embora já estivessebastante atraído pelos temas relacionados à psicologia,no mesmo ano em que se formou, começoua cursar Medicina, incentivado por seu pai, ea fazer uma formação num instituto pe<strong>da</strong>gógico:Naquela época, era possível estu<strong>da</strong>r simultaneamenteem mais <strong>de</strong> uma escola. Comeceientão a ter aulas <strong>de</strong> medicina, e cheguei acompletar dois anos <strong>de</strong> escola médica antes<strong>de</strong> interromper meus estudos, que só seriamretomados muitos anos <strong>de</strong>pois. Ao mesmotempo, frequentava o Instituto Pe<strong>da</strong>gógico eo Hospital Psiquiátrico <strong>de</strong> Kazan. (p. 30)Os estudos <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> no campo <strong>da</strong> Medicinaforam retomados somente em 1936, tendoele se graduado em 1937. Ao mesmo tempo,fez um doutorado no Instituto <strong>de</strong> Psicologia<strong>de</strong> Tbilisi, sendo sua tese uma reescrita dotexto The nature of human conflicts, anteriormentepublicado (em 1932).Iniciou suas ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisas nofinal <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1920, trabalhando no Instituto<strong>de</strong> Psicologia <strong>de</strong> Moscou. Nessa época,a Rússia estava passando por mu<strong>da</strong>nças profun<strong>da</strong>s.Essa circunstância histórica impulsionoue marcou profun<strong>da</strong>mente to<strong>da</strong>s as suasinvesti<strong>da</strong>s científicas. Mais tar<strong>de</strong>, a partir <strong>de</strong>1924, simultaneamente parceiro e discípulo <strong>de</strong>Lev Seminovich Vygotsky (1896-1934), integrou,com Alexei Nikolaievich Leontiev (1904-1979), um grupo <strong>de</strong> intelectuais envolvido coma criação <strong>de</strong> “uma nova psicologia”, uma teoriado funcionamento intelectual humano fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong>no materialismo dialético. O programa<strong>de</strong> pesquisa do grupo, que anos <strong>de</strong>pois<strong>de</strong>u origem à chama<strong>da</strong> psicologia histórico-


<strong>cultural</strong>, traduzia, como avaliou <strong>Luria</strong>, as aspirações,o i<strong>de</strong>alismo e a efervescência <strong>cultural</strong><strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong> pós-revolucionaria:Com Vygotsky como lí<strong>de</strong>r reconhecido, empreen<strong>de</strong>mosuma revisão crítica <strong>da</strong> história e<strong>da</strong> situação <strong>da</strong> psicologia na Rússia e no restodo mundo. Nosso propósito,superambicioso como tudo na época, era criarum novo modo, mais abrangente, <strong>de</strong> estu<strong>da</strong>ros processos psicológicos humanos.(<strong>Luria</strong>, 1988b, p. 22)Seus primeiros trabalhos foram, assim,elaborados nos primeiros anos <strong>da</strong> RevoluçãoRussa. Depois, já mais maduro, coerentementecom o clima <strong>de</strong> entusiasmo <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong>pós-revolucionária, <strong>de</strong>dicou-se mais intensamenteao projeto <strong>de</strong> construir uma nova psicologiaque, incorporando os princípios do materialismohistórico dialético, fosse capaz <strong>de</strong> integrar,numa mesma <strong>perspectiva</strong>, o ser humanocomo corpo e mente, como ser biológico e <strong>cultural</strong>,como membro <strong>de</strong> uma espécie animal eparticipante <strong>de</strong> um processo histórico. Entre osanos 1930 e 1950, durante três déca<strong>da</strong>s, portanto,teve que conviver com o obscurantismo,a censura e a perseguição política <strong>de</strong>correntesdo acirramento do regime ditatorial stalinista.Nas últimas déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong>, produziuintensamente já num clima <strong>de</strong> abertura políticagraças à dissolução do regime stalinista, e teveseu trabalho difundido no oci<strong>de</strong>nte especialmentepelas mãos <strong>de</strong> pesquisadores norteamericanosque haviam tido a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>tê-lo como professor em situações <strong>de</strong> formaçãoprofissional realiza<strong>da</strong>s na União Soviética.<strong>Luria</strong> no Brasil: teoria e pesquisaEmbora no Brasil, especialmente nas áreas<strong>de</strong> Psicologia e <strong>de</strong> <strong>Educ</strong>ação, <strong>Luria</strong> seja mais conhecidocomo colaborador e discípulo <strong>de</strong> Vygotsky,seus trabalhos foram difundidos antes <strong>da</strong>s obras<strong>de</strong>sse pensador (cujo primeiro livro foi aqui publicadoem 1984) e percorreram um caminho inicialmentein<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte. Curso <strong>de</strong> Psicologia Gerale Fun<strong>da</strong>mentos <strong>de</strong> Neuropsicologia, os dois primeirostextos <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> publicados no Brasil, em1979 e 1981 respectivamente, ambos esgotados,informam-nos sobre uma dimensão muito centralem seu trabalho e sobre a forma <strong>de</strong> penetração<strong>de</strong> suas i<strong>de</strong>ias no Brasil. Tal dimensão dizrespeito à sua produção como neuropsicólogo,pesquisador <strong>de</strong>dicado à compreensão <strong>da</strong>s basesbiológicas do funcionamento psicológico, e explicao fato <strong>de</strong> ele ter sido inicialmente conhecidopor estudiosos brasileiros <strong>da</strong> área <strong>de</strong> ciênciasbiológicas, medicina e fonoaudiologia.A obra Curso <strong>de</strong> Psicologia Geral foitraduzi<strong>da</strong> diretamente do russo por Paulo Bezerrae consiste numa espécie <strong>de</strong> manualintrodutório, em quatro pequenos volumes,originalmente <strong>de</strong>stinado a alunos <strong>de</strong> psicologia.Está organizado <strong>de</strong> modo a percorrer di<strong>da</strong>ticamenteos temas: o cérebro, a evoluçãodo psiquismo e a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> consciente; as sensaçõese a percepção; a atenção e a memória;a linguagem e o pensamento. É uma introduçãogeral ao estudo <strong>da</strong> psicologia como disciplinacom clara referência às bases materialistas<strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem histórico-<strong>cultural</strong>. Fun<strong>da</strong>mentadoem seus estudos sobre a questão <strong>da</strong>organização <strong>da</strong>s funções psicológicas feitoscom sujeitos intactos e lesionados, <strong>Luria</strong> explorao cérebro como um sistema biológico aberto,em constante interação com o meio físicoe social em que o sujeito está inserido. Destaca-seaí o conceito <strong>de</strong> plastici<strong>da</strong><strong>de</strong> cerebral,isto é, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que as funções mentais superiores,tipicamente humanas, são construí<strong>da</strong>sao longo <strong>da</strong> evolução <strong>da</strong> espécie, <strong>da</strong> históriasocial do homem e do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong>ca<strong>da</strong> sujeito.O livro Fun<strong>da</strong>mentos <strong>de</strong> Neuropsicologiafoi traduzido <strong>da</strong> publicação norte-americana <strong>de</strong>1973, The working brain, e é talvez a mais importantereferência <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> no Brasil <strong>para</strong> osestudiosos <strong>de</strong> neurologia e áreas correlatas.Além <strong>da</strong> importância do conceito <strong>de</strong>plastici<strong>da</strong><strong>de</strong> cerebral, nesse livro, <strong>de</strong>staca-se aimportância <strong>da</strong> noção <strong>de</strong> sistema funcional. Talnoção refere-se ao fato <strong>de</strong> que as funções ce-


ebrais são organiza<strong>da</strong>s a partir <strong>da</strong> ação <strong>de</strong> diversoselementos que atuam <strong>de</strong> forma articula<strong>da</strong>e que po<strong>de</strong>m estar localizados em áreas diferentesdo cérebro, isto é, não se encontramnecessariamente juntos em pontos específicosdo cérebro ou em grupo isolados <strong>de</strong> células. Apartir dos conceitos <strong>de</strong> sistema funcional e <strong>de</strong>plastici<strong>da</strong><strong>de</strong> cerebral, <strong>Luria</strong> distingue três uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s<strong>de</strong> funcionamento cerebral cuja participaçãoé necessária em qualquer ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> psicológica.A primeira uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong>stina<strong>da</strong> àregulação <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> cerebral e do estado <strong>de</strong>vigília, garante a manutenção do nível <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>apropriado e alerta <strong>para</strong> a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>mu<strong>da</strong>nças <strong>de</strong> comportamento e <strong>de</strong>direcionamento <strong>de</strong>ste <strong>para</strong> as <strong>de</strong>man<strong>da</strong>s <strong>da</strong> situaçãoespecífica em que o organismo se encontra.A segun<strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>para</strong> recebimento,análise e armazenamento <strong>de</strong> informações, éresponsável, inicialmente, pela recepção <strong>de</strong>informações por meio dos órgãos dos sentidos.Os <strong>da</strong>dos específicos assim obtidos são analisadose integrados em sensações mais complexas,que posteriormente serão sintetiza<strong>da</strong>s empercepções ain<strong>da</strong> mais complexas. Tais percepçõesenvolvem informações advin<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s váriasmo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s sensoriais, e possibilitam a construção<strong>de</strong> concepções sobre cenas, eventos esituações que se <strong>de</strong>senvolvem no tempo e noespaço. To<strong>da</strong>s essas informações, <strong>da</strong>s mais simplesàs mais complexas, são armazena<strong>da</strong>s namemória e po<strong>de</strong>m ser utiliza<strong>da</strong>s pelo sujeitoem situações posteriores.A terceira uni<strong>da</strong><strong>de</strong> funcional postula<strong>da</strong>por <strong>Luria</strong> é dirigi<strong>da</strong> à programação, à regulaçãoe ao controle <strong>da</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> do sujeito. O organismoalerta – que recebe, organiza e armazenainformações – termina formando intenções,construindo programas <strong>de</strong> ação e realizandoesses programas por meio <strong>de</strong> atos exteriores,motores ou interiores, mentais. A terceira uni<strong>da</strong><strong>de</strong>é responsável por essas complexas tarefase também acompanha as ações em curso,com<strong>para</strong>ndo os efeitos <strong>da</strong> ação exerci<strong>da</strong> com asintenções iniciais.Importante enfatizar que qualquer forma<strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> psicológica é um sistema queenvolve a operação simultânea <strong>da</strong>s três uni<strong>da</strong><strong>de</strong>sfuncionais. A percepção visual, por exemplo,envolve o nível a<strong>de</strong>quado <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> doorganismo (primeira uni<strong>da</strong><strong>de</strong>), a análise e asíntese <strong>da</strong> informação recebi<strong>da</strong> pelo sistemavisual (segun<strong>da</strong> uni<strong>da</strong><strong>de</strong>) e a intenção do sujeitoem olhar <strong>para</strong> <strong>de</strong>terminado objeto, comcerta finali<strong>da</strong><strong>de</strong> e a correspon<strong>de</strong>ntemobilização do corpo (posição <strong>da</strong> cabeça,movimento dos olhos) <strong>para</strong> que a percepçãoplena aconteça (terceira uni<strong>da</strong><strong>de</strong>). Fun<strong>da</strong>mentaltambém nas postulações <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> é o fato<strong>de</strong> que as três uni<strong>da</strong><strong>de</strong>s funcionais operam emconjunto ao longo <strong>de</strong> to<strong>da</strong> a vi<strong>da</strong> individual,e as relações entre elas se transformam noprocesso <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, sempre eminteração com o contexto histórico-<strong>cultural</strong> emque o sujeito se encontra. Por ser um sistemaaberto, o cérebro está pre<strong>para</strong>do <strong>para</strong> realizarfunções diversas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo dos diferentesmodos <strong>de</strong> inserção do homem no mundo. Aexploração dos vários sistemas em funcionamentono cérebro e sua relação com processospsicológicos, fun<strong>da</strong>menta<strong>da</strong> na experiência clínicae <strong>de</strong> pesquisa <strong>de</strong> <strong>Luria</strong>, representam umadimensão fun<strong>da</strong>mental <strong>de</strong> seu trabalho e édigno <strong>de</strong> nota que sobre ela se tenham <strong>de</strong>bruçadoseus primeiros leitores brasileiros.Os leitores do campo <strong>da</strong> Psicologia e <strong>da</strong><strong>Educ</strong>ação, por outro lado, têm lido <strong>Luria</strong> principalmentecomo representante <strong>da</strong> psicologiahistórico-<strong>cultural</strong> e, especialmente, como colaborador<strong>de</strong> Vygotsky. Se os primeiros textos <strong>de</strong><strong>Luria</strong> publicados no Brasil evi<strong>de</strong>nciam sua contribuição<strong>para</strong> a construção <strong>da</strong> disciplina <strong>da</strong>Neuropsicologia, outras obras são fun<strong>da</strong>mentais<strong>para</strong> a compreensão <strong>de</strong> sua abor<strong>da</strong>gem noque diz respeito ao papel <strong>da</strong> cultura no <strong>de</strong>senvolvimentopsicológico.Dois livros são particularmente relevantesno cumprimento <strong>de</strong>ssa função. O primeiro<strong>de</strong>les, Desenvolvimento cognitivo: seus fun<strong>da</strong>mentosculturais e sociais, publicado no Bra-


sil em 1990, foi traduzido <strong>para</strong> o português apartir <strong>da</strong> edição norte-americana <strong>de</strong> 1976. Naentão União Soviética, havia sido publicadopela primeira vez em 1974, mais <strong>de</strong> quarentaanos <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> concluído o estudo empírico noqual se fun<strong>da</strong>menta. Conforme explicitaMichael Cole em seu prefácio a essa obra, aquestão <strong>da</strong>s minorias nacionais na União Soviéticaera assunto <strong>de</strong>licado na época <strong>da</strong> realizaçãodo estudo, já que se buscava aintegração <strong>de</strong> todos os povos no regime socialistae industrializado. Não havia, portanto,um clima favorável à investigação <strong>de</strong> diferentesmo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> funcionamento intelectualpresentes em diferentes grupos sociais, e apesquisa <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> sobre fun<strong>da</strong>mentos culturaisdo <strong>de</strong>senvolvimento cognitivo se dirige exatamentea essa questão.O livro reúne <strong>da</strong>dos coletados nos anos <strong>de</strong>1931 e 1932 por <strong>Luria</strong> e uma equipe <strong>de</strong> pesquisadoresna Ásia Central com o objetivo <strong>de</strong> investigarcomo os processos psicológicos superioressão construídos em diferentes contextos culturais.A região on<strong>de</strong> o estudo se <strong>de</strong>senvolveu(Uzbequistão e Quirguistão) havia estado tradicionalmenteisola<strong>da</strong> e estagna<strong>da</strong> economicamente,apresentando alto grau <strong>de</strong> analfabetismo, predominância<strong>da</strong> religião muçulmana e do trabalhorural em proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s individuais. No momentoem que o estudo se realizou, entretanto,passava por um processo <strong>de</strong> rápi<strong>da</strong>s transformaçõessociais, especificamente a implantação <strong>de</strong>fazen<strong>da</strong>s coletivas, a mecanização <strong>da</strong> agriculturae a escolarização <strong>da</strong> população. Esse período<strong>de</strong> transformações radicais consistiu numa oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>privilegia<strong>da</strong> <strong>para</strong> a busca <strong>de</strong> sustentaçãoempírica <strong>para</strong> a tese <strong>de</strong> que os processosmentais são histórico-culturais em sua origem.<strong>Luria</strong> e sua equipe realizaram longas entrevistascom os moradores <strong>da</strong>s locali<strong>da</strong><strong>de</strong>sseleciona<strong>da</strong>s <strong>para</strong> o estudo, durante as quaisapresentavam vários tipos <strong>de</strong> tarefas a serem<strong>de</strong>sempenha<strong>da</strong>s pelos sujeitos: ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> percepção,abstração, generalização, <strong>de</strong>dução einferência, solução <strong>de</strong> problemas matemáticos,imaginação e autoanálise. Os resultados obtidosforam bastante consistentes, <strong>de</strong>monstrando haveralterações fun<strong>da</strong>mentais no modo <strong>de</strong> funcionamentopsicológico dos sujeitos conformeocorria o processo <strong>de</strong> alfabetização eescolarização e <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>nças nas formas <strong>de</strong> trabalho.Os sujeitos mais escolarizados e envolvidosem situações <strong>de</strong> trabalho coletivizado emo<strong>de</strong>rnizado ten<strong>de</strong>ram a li<strong>da</strong>r melhor com osatributos genéricos e abstratos dos objetos, enquantoque aqueles analfabetos ou poucoescolarizados e vinculados aos modos <strong>de</strong> trabalhotradicional reportavam-se a contextos concretose a experiências particulares <strong>para</strong> balizar seuprocesso <strong>de</strong> raciocínio.Esse trabalho pioneiro é consi<strong>de</strong>rado umclássico no campo dos estudos interculturais,consistindo referência obrigatória <strong>para</strong> aquelesque se ocupam do estudo <strong>da</strong>s relações entrecontextos culturais e funcionamento psicológico.Para além <strong>da</strong> inegável, embora controversa 2 ,contribuição ofereci<strong>da</strong> pelos resultados <strong>da</strong> pesquisa,entretanto, o estudo inter<strong>cultural</strong> <strong>de</strong>senvolvidopor <strong>Luria</strong> traz importantes subsídios<strong>para</strong> a metodologia <strong>de</strong> pesquisa sobre <strong>de</strong>senvolvimentohumano. Em primeiro lugar, pelopioneirismo na abor<strong>da</strong>gem etnográfica utiliza<strong>da</strong>:já na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1930, <strong>Luria</strong> e seus colaboradoresbuscaram conviver algum tempo com osmembros <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> estu<strong>da</strong><strong>da</strong> antes <strong>de</strong>iniciar a coleta <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos propriamente dita, <strong>para</strong>só <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> estabeleci<strong>da</strong> certa relação com ossujeitos submetê-los às entrevistas em situaçõesconfortáveis com materiais <strong>cultural</strong>mente significativos.Além disso, utilizavam um instrumentoque <strong>de</strong>nominaram “oponente hipotético”, queconsistia na apresentação <strong>da</strong> opinião <strong>de</strong> umpersonagem fictício ao sujeito como forma <strong>de</strong>2. Uma <strong>da</strong>s questões mais discuti<strong>da</strong>s no campo <strong>da</strong>s relações entrecultura e pensamento é se há ou não modos mais e menos sofisticados<strong>de</strong> funcionamento intelectual. De certa forma, o estudo <strong>de</strong> <strong>Luria</strong>alimenta a noção <strong>de</strong> que certos grupos culturais pensam <strong>de</strong> formamais “avança<strong>da</strong>”. Em seu prefácio, Michael Cole (1990) afirma que“aquilo que <strong>Luria</strong> interpreta como aquisição <strong>de</strong> novos modos <strong>de</strong> pensamento,tenho tendência a interpretar como mu<strong>da</strong>nças na aplicação<strong>de</strong> modos previamente disponíveis aos problemas particulares e contextosdo discurso representados pela situação experimental” (p.16).


provocar sua reflexão. Assim, por exemplo,quando um sujeito <strong>de</strong>clarava não ter condições<strong>de</strong> afirmar na<strong>da</strong> sobre a cor dos ursos numa<strong>de</strong>termina<strong>da</strong> região a partir <strong>de</strong> informação <strong>da</strong><strong>da</strong>num silogismo, uma intervenção como “umapessoa que entrevistei ontem me disse que lá nonorte os ursos são brancos” po<strong>de</strong>ria levá-lo a seposicionar, contra ou a favor <strong>de</strong> tal pessoa. Ouso do oponente hipotético, juntamente comoutros questionamentos feitos ao sujeito, consistianuma forma <strong>de</strong> intervenção explícita dopesquisador, normalmente ausente dos procedimentos<strong>de</strong> investigação científica. Essa intervençãomuitas vezes resultava em transformaçõesno <strong>de</strong>sempenho do sujeito, observáveis no próprioato <strong>da</strong> coleta <strong>de</strong> <strong>da</strong>dos, enriquecendo acompreensão do pesquisador sobre o fenômenoem estudo. A promoção <strong>de</strong> processos <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentoa partir <strong>de</strong> situações <strong>de</strong> interaçãosocial é uma i<strong>de</strong>ia muito cara aos teóricos <strong>da</strong>abor<strong>da</strong>gem histórico-<strong>cultural</strong> e po<strong>de</strong> ser claramenterelaciona<strong>da</strong> ao conceito <strong>de</strong> zona <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentoproximal utilizado por Vygotsky.O segundo livro <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> especialmenteimportante <strong>para</strong> a compreensão do papel <strong>da</strong>cultura no <strong>de</strong>senvolvimento psicológico, Estudossobre a história do comportamento: símios, homemprimitivo e criança, foi escrito em colaboraçãocom Vygotsky, publicado na União Soviéticaem 1930 e traduzido <strong>para</strong> o português em1996, a partir <strong>da</strong> edição norte-americana <strong>de</strong>1993. O livro reúne três ensaios que tratam doscaminhos que constituem a história do comportamentohumano: a filogênese, a históriasocio<strong>cultural</strong> e a ontogênese. Os dois primeirosforam escritos por Vygotsky, e o terceiro, por<strong>Luria</strong>. A estrutura do livro e seu conteúdoexplicitam a noção <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento em termos<strong>de</strong> diferentes “planos genéticos” queinteragem na constituição do sujeito humano, ea consequente postulação <strong>de</strong> um método genético<strong>para</strong> o estudo do <strong>de</strong>senvolvimento, central<strong>para</strong> a compreensão <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem <strong>de</strong>sses estudiosos.Ao discutir o <strong>de</strong>senvolvimento psicológicodo animal ao ser humano, do chamado “homemprimitivo” ao homem “<strong>cultural</strong>” e <strong>da</strong> criançaao adulto, <strong>Luria</strong> e Vygotsky enfatizam a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong>transformação e se afastam <strong>de</strong> uma concepçãonaturaliza<strong>da</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento. Destacam ainvenção e o uso <strong>de</strong> instrumentos pelos primatas,o surgimento do trabalho e do uso <strong>de</strong> signos nahistória humana e o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>cultural</strong> noâmbito <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> criança. Em seu ensaio sobreo <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> criança, <strong>Luria</strong> (Vygotsky;<strong>Luria</strong>, 1996) afirma que é[...] impossível reduzir o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>criança ao mero crescimento e maturação <strong>de</strong>quali<strong>da</strong><strong>de</strong>s inatas. [...] No processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentoa criança ‘se re-equipa’, modificasuas formas mais básicas <strong>de</strong> a<strong>da</strong>ptação aomundo exterior [...], começa a usar todo tipo<strong>de</strong> ‘instrumentos’ e signos como recursos ecumpre as tarefas com as quais se <strong>de</strong>frontacom muito mais êxito do que antes. (p. 214)Importante mencionar, ain<strong>da</strong>, que a relevância<strong>de</strong>ssa publicação se <strong>de</strong>ve também aotrabalho competente dos editores norte-americanosJane E. Knox e Victor I. Golod. Além<strong>da</strong> rigorosa tradução, os editores, apoiados emextensa pesquisa bibliográfica, empenharam-seem suprir referências ausentes no texto original,bem como situar as i<strong>de</strong>ias dos autores nocontexto <strong>da</strong> época em que foram produzi<strong>da</strong>s eno <strong>de</strong>bate contemporâneo.Na intersecção entre processos psicológicose <strong>de</strong>senvolvimento <strong>cultural</strong>, a questão <strong>da</strong>linguagem, especialmente no que diz respeitoàs suas relações com o pensamento, <strong>de</strong>stacasecomo particularmente relevante <strong>para</strong> os autores<strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gem histórico-<strong>cultural</strong>. Nosescritos <strong>de</strong> <strong>Luria</strong>, essa temática emerge sempre,mais, ou menos, explicitamente, <strong>de</strong> diferentesmaneiras. Em dois <strong>de</strong> seus livros publicados noBrasil, a linguagem ocupa lugar central, <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o título <strong>da</strong> obra até o conteúdo nela explorado.O primeiro <strong>de</strong>les, <strong>da</strong>do a público postumamente,<strong>de</strong>nomina-se Pensamento e linguagem: asúltimas conferências <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> e foi publicado noBrasil em 1985. Consiste numa coletânea <strong>de</strong> con-


ferências proferi<strong>da</strong>s por <strong>Luria</strong> em seus últimosanos <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> a estu<strong>da</strong>ntes <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>Moscou. Representa uma sistematização <strong>de</strong> questõesrelativas ao <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong> linguagem,sua base neurológica e suas relações com processospsicológicos, <strong>da</strong>s quais <strong>Luria</strong> se ocupou duranteto<strong>da</strong> sua vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> pesquisador. Explicitando inicialmenteos pressupostos <strong>da</strong> psicologia histórico<strong>cultural</strong>,com a qual dialoga ao longo <strong>de</strong> todo ovolume, ele se <strong>de</strong>bruça a seguir sobre tópicos maisespecíficos como a função reguladora <strong>da</strong> linguagem,o <strong>de</strong>senvolvimento dos conceitos, as estruturasverbais e os problemas <strong>da</strong> fala resultantes <strong>de</strong>lesões cerebrais. Cabe mencionar que o texto <strong>da</strong>sconferências, traduzido <strong>para</strong> o português a partir<strong>de</strong> uma edição em espanhol, embora representeuma boa introdução ao pensamento <strong>de</strong> <strong>Luria</strong>,apresenta alguns problemas estruturais <strong>de</strong>correntesdo fato <strong>de</strong> ter sido editado a partir <strong>de</strong> notasestenográficas não revistas pelo autor.No pequeno livro escrito em colaboraçãocom Yudovich, Linguagem e <strong>de</strong>senvolvimentointelectual na criança, publicado no Brasil em1985, a questão <strong>da</strong>s relações entre linguagem e<strong>de</strong>senvolvimento intelectual é explora<strong>da</strong> por meio<strong>de</strong> um estudo empírico realizado com um par <strong>de</strong>gêmeos univitelinos que, aos cinco anos <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>,apresentava um significativo atraso no <strong>de</strong>senvolvimento<strong>da</strong> fala. Os gêmeos foram se<strong>para</strong>dospor três meses e um <strong>de</strong>les foi submetido a umtreinamento verbal especial. A própria situação<strong>de</strong> se<strong>para</strong>ção criou a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> objetiva <strong>de</strong>comunicação com outras pessoas, melhorandoo <strong>de</strong>sempenho linguístico <strong>da</strong>s duas crianças.Além disso, o gêmeo submetido ao processo <strong>de</strong>reeducação apresentou mu<strong>da</strong>nças na estruturagramatical <strong>da</strong> fala e do <strong>de</strong>senvolvimento <strong>da</strong>compreensão verbal, progresso na ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>lúdica, na ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> construtora e em diferentesoperações intelectuais. A partir <strong>de</strong>sses <strong>da</strong>dos,os autores aprofun<strong>da</strong>m a discussão sobreo papel <strong>da</strong>s ferramentas culturais, especialmentea linguagem, na organização do pensamento.Importante dimensão do trabalho <strong>de</strong> <strong>Luria</strong>,ao lado <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>dicação à ciência canônica, sãoseus esforços <strong>para</strong> reviver a chama<strong>da</strong> “ciência romântica”.Esta busca fugir do reducionismo inerenteà análise dos fenômenos em seus componenteselementares, baseando-se na arte <strong>da</strong> observaçãoe <strong>da</strong> <strong>de</strong>scrição e preservando a riqueza ecomplexi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> em sua totali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Oconflito entre essas duas mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> construção<strong>de</strong> conhecimento foi uma <strong>da</strong>s preocupaçõesmeto-dológicas fun<strong>da</strong>mentais <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> e oaproximou <strong>de</strong> Vygotsky no enfrentamento <strong>da</strong>chama<strong>da</strong> crise <strong>da</strong> psicologia do início <strong>de</strong> séculoXX.Dois livros são consi<strong>de</strong>rados por <strong>Luria</strong>como resultado <strong>de</strong>sses esforços. O livro A mentee a memória, publicado no Brasil em 1999, apresentao estudo sistemático que ele realizou aolongo <strong>de</strong> déca<strong>da</strong>s sobre Sherashevsky, um homemque, por ter uma memória prodigiosa, acaba tornando-seum mnemonista profissional. Sua memóriaé <strong>de</strong>scrita por <strong>Luria</strong> como complexa e dotipo eidético-sinestésico: ele convertia suas impressões,inclusive palavras ouvi<strong>da</strong>s, em imagensvisuais, associa<strong>da</strong>s a outras sensações como sons,gostos e sensações tácteis. Essa profusão <strong>de</strong> informaçõessensoriais gera<strong>da</strong>s a ca<strong>da</strong> estímulo recebido,ao lado <strong>de</strong> sua dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> eliminarconteúdos armazenados na memória, são traçosque transformaram a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong> excepcional <strong>de</strong>Sherashevsky em dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>. To<strong>da</strong> sua personali<strong>da</strong><strong>de</strong>e seu comportamento foram, <strong>de</strong> certa forma,comprometidos pela peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> umsistema psicológico que não permitia esquecer,dificultava o processo <strong>de</strong> generalização <strong>de</strong> informaçõese <strong>de</strong> foco nas situações reais a <strong>de</strong>speito<strong>de</strong> um conteúdo mental idiossincrático.Em O homem com um mundo estilhaçado,recém-publicado no Brasil, <strong>Luria</strong> (2008) <strong>de</strong>screveo estudo <strong>de</strong> caso longitudinal feito comZasetsky, um sujeito que teve seu cérebrolesionado por fragmentos <strong>de</strong> um projétil durantea Segun<strong>da</strong> Guerra Mundial e enfrentou as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s<strong>de</strong>correntes <strong>da</strong> per<strong>da</strong> (ou colapso) <strong>de</strong> funçõescerebrais e mentais especificas, incluindo aper<strong>da</strong> <strong>da</strong> memória. Ele acompanhou esse sujeitocomo paciente durante mais <strong>de</strong> 30 anos e nosapresenta uma fecun<strong>da</strong> combinação <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>s-


crição científica rigorosa <strong>da</strong>s consequênciasneurológicas do aci<strong>de</strong>nte com a busca <strong>da</strong> compreensão<strong>de</strong> um sujeito humano em sua inteireza ecomplexi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Uma <strong>da</strong>s principais fontes <strong>de</strong> <strong>Luria</strong><strong>para</strong> esse trabalho foi um diário escrito porZasetsky, do qual ele extraiu substantiva porção dotexto publicado, <strong>da</strong>ndo voz ao próprio sujeito <strong>da</strong>pesquisa, solução metodo-lógica <strong>de</strong> extremacontemporanei<strong>da</strong><strong>de</strong>.Unindo a <strong>de</strong>scrição científica rigorosa <strong>da</strong>spatologias com a análise dos modos <strong>de</strong> reabilitaçãodos sujeitos, <strong>Luria</strong> se esforça em compreen<strong>de</strong>ros caminhos alternativos do <strong>de</strong>senvolvimento.Convencido <strong>da</strong> importância <strong>da</strong>sinterações, do peso <strong>da</strong> cultura na constituição <strong>de</strong>processos psíquicos e do papel ativo do sujeitona apropriação <strong>da</strong> experiência histórico-<strong>cultural</strong>,ele parte do pressuposto <strong>de</strong> que o processo <strong>de</strong><strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> pessoa segue uma trajetóriasingular. Um mesmo ponto <strong>de</strong> parti<strong>da</strong>nunca levará a um mesmo ponto <strong>de</strong> chega<strong>da</strong>.Portanto, é preciso ver os sujeitos portadores <strong>de</strong>algum tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência como sujeitos completos,e estu<strong>da</strong>r o modo como manejam e aplicamos recursos disponíveis, na medi<strong>da</strong> em que issopo<strong>de</strong> levá-los a compensar seus déficits específicosmediante outros tipos <strong>de</strong> recursos.A reabilitação dos feridos durante a Segun<strong>da</strong>Guerra concentrou os esforços <strong>de</strong> <strong>Luria</strong>,assim como os <strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> número <strong>de</strong> psicólogos<strong>da</strong> época. To<strong>da</strong>via, seu trabalho conseguiuultrapassar essa dimensão mais aplica<strong>da</strong>, produzindovalioso conhecimento sobre o funcionamentodo cérebro e sua relação com o psiquismo.Nesses dois casos extraordinários e extremos,<strong>Luria</strong> não se interessou apenas em examinar apatologia, mas em <strong>de</strong>screver e explicar como acondição <strong>de</strong> vi<strong>da</strong> <strong>de</strong>sses homens sofredores influenciouseus pensamentos, comportamentos ei<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Nessa <strong>perspectiva</strong>, ao invés <strong>de</strong>[...] excluir os doentes e <strong>de</strong>ficientes do âmbito<strong>da</strong> explicação humana, perguntamo-nos, aocontrário, sobre seu universo subjetivo, suaepistemologia implícita, seus pressupostos.Eles <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong> ser ‘casos’, e voltam a ser humanos.(Bruner, 2006, p. x)Do conjunto <strong>da</strong>s obras <strong>de</strong> <strong>Luria</strong>publica<strong>da</strong>s no Brasil, cabe <strong>de</strong>stacar um pequenoartigo incluído numa coletânea <strong>de</strong> textos <strong>de</strong>autores soviéticos edita<strong>da</strong> em 1988 (Vigotskii;<strong>Luria</strong>; Leontiev, 1988a), intitula<strong>da</strong> “O <strong>de</strong>senvolvimento<strong>da</strong> escrita na criança”. Num momentoem que os estudos <strong>de</strong> Emilia Ferreiro sobre apsicogênese <strong>da</strong> língua escrita estavam sendomuito explorados pelos pesquisadores brasileirose difundidos entre os professores <strong>da</strong>s re<strong>de</strong>s <strong>de</strong>ensino público e privado, especialmente no estado<strong>de</strong> São Paulo, o artigo <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> sobre ahistória <strong>da</strong> escrita na criança teve um impactobastante significativo, gerando dissertações, artigosem periódicos e <strong>de</strong>bates acalorados entrepesquisadores.Nesse trabalho, <strong>Luria</strong> relata um estudoexperimental realizado com crianças pequenas,que não sabiam ler e escrever, sobre sua produçãoa partir <strong>da</strong> sugestão <strong>de</strong> que escrevessemsentenças fala<strong>da</strong>s pelo experimentador <strong>para</strong> quepu<strong>de</strong>ssem lembrá-las <strong>de</strong>pois. A partir dos <strong>da</strong>dosobtidos, <strong>Luria</strong> propõe um percurso <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<strong>da</strong> escrita que se inicia pelos chamados“rabiscos mecânicos”, as quais apenas imitamo formato <strong>da</strong> escrita adulta, passando pormarcas topográficas (cuja posição no papel fornecepistas <strong>para</strong> a rememoração <strong>da</strong>s sentençasa serem lembra<strong>da</strong>s) e a seguir por marcas querefletem características concretas <strong>da</strong>s coisas ditas(tamanho, forma, quanti<strong>da</strong><strong>de</strong>, cor), até chegaràs representações pictográficas, <strong>de</strong>senhoscom a função <strong>de</strong> representar conteúdos <strong>de</strong>terminados.Daí em diante, a criança <strong>de</strong>senvolverárecursos <strong>de</strong> escrita simbólica, inventandoformas <strong>de</strong> representar informações difíceis <strong>de</strong>serem <strong>de</strong>senha<strong>da</strong>s (por exemplo, uma manchaescura <strong>para</strong> representar a tristeza) e, a partir <strong>da</strong><strong>de</strong>scoberta <strong>da</strong> natureza instrumental <strong>da</strong> escrita,estará pre<strong>para</strong><strong>da</strong> <strong>para</strong> apren<strong>de</strong>r a língua escritapropriamente dita.<strong>Luria</strong> <strong>de</strong>staca a função social <strong>da</strong> escrita eseus usos na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> letra<strong>da</strong>, especialmente anecessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> registro <strong>de</strong> informações <strong>para</strong> pos-


terior recuperação e a interação <strong>da</strong> criança como formato <strong>da</strong> escrita disponível no seu entorno.Seu olhar genético <strong>para</strong> a emergência <strong>da</strong> escrita,extremamente inovador quando publicadopela primeira vez em 1929, focaliza a apropriação<strong>de</strong> uma ferramenta <strong>cultural</strong> pela criançaimersa no meio letrado, principalmente a partir<strong>da</strong>s funções sociais <strong>de</strong>ssa ferramenta. Distinguese,portanto, <strong>da</strong> psicogênese <strong>da</strong> escrita <strong>de</strong> Ferreiro,cujo foco é a reconstrução, no planocognitivo individual, <strong>de</strong> um sistemarepresentacional anteriormente construído e disponívelno grupo social <strong>de</strong> que a criança fazparte.Finalizando esse mapeamento dos trabalhos<strong>de</strong> <strong>Luria</strong> disponíveis em português, cabemencionar o livro A construção <strong>da</strong> mente, traduzidoem 1992 <strong>da</strong> publicação norte-americana <strong>de</strong>1979, The making of mind, organiza<strong>da</strong> pelo casalMichael e Sheila Cole. Tendo trabalhado emconjunto com Alexan<strong>de</strong>r <strong>Luria</strong> durante os últimosanos <strong>de</strong> sua vi<strong>da</strong> sobre seus escritos autobiográficos,os Cole terminaram a edição <strong>de</strong>sses escritosapós a morte <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> e os publicaram postumamente.Organiza<strong>da</strong> em capítulos temáticos, essaobra consiste menos num relato propriamente autobiográficoe mais numa espécie <strong>de</strong> panorama <strong>da</strong>própria produção científica, constituindo importantefonte <strong>para</strong> o conhecimento <strong>da</strong> obra <strong>de</strong> <strong>Luria</strong>como um todo. A introdução e o epílogo escritospor Michael Cole na ocasião localizam a vi<strong>da</strong> e aobra <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> no contexto histórico em que eleviveu e produziu e têm sido importantes complementos<strong>para</strong> a compreensão do texto do autor.Importante mencionar, entretanto, querestrições impostas pelo regime soviético ain<strong>da</strong>dominante nos anos 1970/1980 balizaram tantoa empreita<strong>da</strong> autobiográfica <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> quantoos textos <strong>de</strong> Cole publicados em A construção <strong>da</strong>mente. Envolvidos com diversos eventos relativosà celebração do centenário <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> em 2002,Michael Cole e seu colaborador russo Karl Levitinperceberam a “agu<strong>da</strong> contradição entre o quesabemos <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> e obra <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> eas impressões empobreci<strong>da</strong>s transmiti<strong>da</strong>s pela autobiografia<strong>de</strong> <strong>Luria</strong> e biografias escritas sobreele”. (Cole; Levitin; <strong>Luria</strong>, 2005, p. xv). Buscaramsuperar essa situação republicando a obra <strong>de</strong>1979, com o acréscimo <strong>de</strong> um novo prefácio eum posfácio, uma bibliografia suplementar, umDVD com entrevistas e fotos <strong>de</strong> arquivo e um siteconstruído especialmente <strong>para</strong> acompanhar o livro(http://luria.ucsd.edu). Intitula<strong>da</strong> Theautobiography of Alexan<strong>de</strong>r <strong>Luria</strong>: a dialoguewith the making of mind, essa obra ain<strong>da</strong> nãoestá disponível em português.Consi<strong>de</strong>rações finaisO psicólogo encontra-se com frequência namesma situação do historiador e do arqueólogoe atua então como o <strong>de</strong>tetive que investigaum crime que não presenciou.(Vigotski, 1999, p. 31)O presente artigo procurou explicitar ovigor <strong>da</strong>s premissas, <strong>da</strong>s i<strong>de</strong>ias e dos procedimentosinvestigativos adotados por <strong>Luria</strong> emseus estudos sobre os processos mentais em suarelação com a cultura ao longo <strong>de</strong> quase seisdéca<strong>da</strong>s <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>. A apresentação e análise<strong>de</strong> traços representativos dos diversos temasexplorados pelo autor revelam um pesquisadorobstinado (tal como um <strong>de</strong>tetive quando investigaum crime) em compreen<strong>de</strong>r o complexoprocesso <strong>de</strong> constituição humana, que trabalhousimultaneamente como um cientista “clássico”,preocupado com o rigor metodológico e a consistênciados achados experimentais e como umcientista social “romântico”, intrigado com odrama humano e <strong>de</strong>safiado pelas muitas formas<strong>de</strong> constituição dos sujeitos.As contribuições pioneiras <strong>da</strong> abor<strong>da</strong>gemluriana, posteriormente fortaleci<strong>da</strong>s coma rica parceria com Vygotsky e Leontiev – fontesinspiradoras <strong>para</strong> a pesquisa contemporâneaem diferentes áreas do saber – foram ilustra<strong>da</strong>spor meio <strong>da</strong> apresentação <strong>de</strong> algumas<strong>de</strong> suas pesquisas realiza<strong>da</strong>s nas primeiras déca<strong>da</strong>sdo século passado. Nessa apresentação,foram priorizados os escritos já traduzidos <strong>para</strong>o português. As <strong>perspectiva</strong>s que seus trabalhos


oferecem <strong>para</strong> a investigação atual,particularmente no âmbito <strong>da</strong>sciências humanas, são no nossoenten<strong>de</strong>r significativas e profícuas.Para a investigação do<strong>de</strong>senvolvimento humano, as<strong>perspectiva</strong>s abertas pelostrabalhos precursores <strong>de</strong> <strong>Luria</strong>estão relaciona<strong>da</strong>s, entre outrosaspectos, à possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>compreen<strong>de</strong>r a origemsociohistórica dos processosmentais, <strong>de</strong> examinar os fenômenosem sua complexi<strong>da</strong><strong>de</strong>, <strong>de</strong> chamar aatenção <strong>para</strong> a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>criação <strong>de</strong> instrumentos eprocedimentos <strong>de</strong> pesquisa capazes<strong>de</strong> assegurar essa compreensão,assim como do papel ativo dopesquisador na formulação <strong>de</strong>perguntas e na condução <strong>da</strong>spesquisas empíricas. Comopon<strong>de</strong>ram Clotil<strong>de</strong> Rossetti-Ferreirae suas colaboradoras (2008), nocampo do estudo do<strong>de</strong>senvolvimento humano, o <strong>de</strong>safiocontemporâneo continua sendo o <strong>de</strong>“como encarar a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> emestudos empíricos <strong>de</strong> maneira nãosimplificadora, <strong>de</strong> forma a não trataras partes isola<strong>da</strong>s do conjunto”(p.153). Apoia<strong>da</strong>s em Newman eHolzman (2002), essas autorasapresentam o conceito <strong>de</strong>pesquisador ferramenteiro, bastanteútil <strong>para</strong> qualificar o tipo <strong>de</strong> atuação<strong>de</strong> <strong>Luria</strong>: [...] temos, na socie<strong>da</strong><strong>de</strong>industrial contemporânea, dois tipos<strong>de</strong> instrumentos: aqueles feitos emmassa <strong>para</strong> a obtenção <strong>de</strong> umresultado (um martelo <strong>para</strong> pregarpregos) e os projetados e feitos porferramenteiros, especificamente<strong>para</strong> produzir outros instrumentos.Estes últimos, embora tenham umpropósito, não são categoricamentedistintos dos resultados obtidos comseu uso, não têm qualqueri<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> social pré-fabrica<strong>da</strong>in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>ssa ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, queé quem <strong>de</strong>fine o instrumento e oproduto. Assim, diferentemente dousuário dos instrumentos <strong>da</strong> loja <strong>de</strong>ferramentas, que é orientado pelocomportamento particular <strong>de</strong>empregar instrumentos feitos <strong>para</strong>uma função particularpre<strong>de</strong>termina<strong>da</strong>, o instrumento doferramenteiro não é nem <strong>de</strong>finidonem pre<strong>de</strong>terminado; antes, estáenvolvido na ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> tipicamentehumana <strong>de</strong> agir sobre totali<strong>da</strong><strong>de</strong>shistóricas e modificá-las, noçãovigotskiana <strong>da</strong> função social <strong>da</strong>investigação científica. Mediantetais consi<strong>de</strong>rações, po<strong>de</strong>-se pensaro pesquisador como umferramenteiro. (p. 165) Para nós, ostrabalhos <strong>de</strong> <strong>Luria</strong> são exemplaresnesse sentido. Suas pesquisas são,antes <strong>de</strong> tudo, exemplos muitoinspiradores <strong>de</strong> um modo vigoroso einusitado <strong>de</strong> pesquisar o<strong>de</strong>senvolvimento e <strong>de</strong> consi<strong>de</strong>rar ocaráter histórico, dinâmico,sistêmico e inter<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte dosprocessos sob investigação.Po<strong>de</strong>mos dizer que foi umver<strong>da</strong><strong>de</strong>iro pesquisadorferramenteiro, já que, preocupadoem enten<strong>de</strong>r os homens em seuprocesso real <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentoem condições <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>s, foicapaz <strong>de</strong> elaborar instrumentosapropriados <strong>para</strong> obtenção dos<strong>da</strong>dos e a compreensão <strong>da</strong>reali<strong>da</strong><strong>de</strong> ou do fenômeno queinvestigou. <strong>Luria</strong> foi, portanto, umautêntico representante <strong>da</strong>quilo queBecker (1997) chamou <strong>de</strong> “artesãointelectual”, construtor <strong>de</strong> um“mo<strong>de</strong>lo artesanal <strong>de</strong> ciência” (p.17). O modo como conseguiuequilibrar doses <strong>de</strong> criativi<strong>da</strong><strong>de</strong>,ousadia e rigor na construção <strong>de</strong>ferramentas teórico-metodológicasconstitui importante legado <strong>para</strong> oenfrentamento <strong>da</strong> difícil tarefa <strong>de</strong>estu<strong>da</strong>r a condição humana.


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