Tabela 1 Agravos de <strong>saúde</strong> e seus vínculos com o trabalho atendi<strong>do</strong>s <strong>nas</strong> Unidades Básicas de Saúde deCampi<strong>nas</strong>, SP, 2006Trabalho formalProblema <strong>saúde</strong> Sim Não Ignora<strong>do</strong> Total %Acidente 1.328 3 32 1.363 96Doença 57 0 0 57 4Total 1.385 3 32 1.420 100Fonte: Livro de registros epidemiológicos (SVE-2) das UBSTabela 2 Intervenções e influência de ações feitas por Unidades Básicas de Saúde que notificaram acidentes<strong>do</strong> trabalho em Campi<strong>nas</strong>, SP, 2006Ações n %Realizou intervençãosim 10 20,4não 39 79,6Mu<strong>do</strong>u processo de trabalhosim 4 8,2não 40 81,6ignora<strong>do</strong> 5 10,2Mu<strong>do</strong>u ambiente externosim 4 8,2não 41 83,7ignora<strong>do</strong> 4 8,2Total 49 100,0Fonte: entrevistas <strong>nas</strong> UBSDiscussãoEm razão da natureza e da complexidade <strong>do</strong> objetoa ser estuda<strong>do</strong>, pareceu-nos adequada a utilizaçãoda triangulação de méto<strong>do</strong>s proposta por Minayo,que possibilita uma abordagem múltipla e abrangentepela combinação de diferentes elementos: “a presença<strong>do</strong> avalia<strong>do</strong>r externo”, compon<strong>do</strong> com indivíduosque trabalham no programa uma equipe mistade avaliação, “as abordagens quantitativas e qualitativase, de forma relevante, a análise <strong>do</strong> contexto,da história, das relações, das representações e aparticipação”, permitin<strong>do</strong> melhor compreensão dasdiversas faces da realidade (MINAYO, 2006, p. 28).Assim, utilizamos a triangulação de várias abordagenspara apreensão da realidade: a combinação deelementos quantitativos para a construção de indica<strong>do</strong>res,qualitativos e, ainda, o envolvimento de diferentesgrupos de implica<strong>do</strong>s, como gestores e trabalha<strong>do</strong>resda Covisa, <strong>do</strong> Cerest, das equipes distritaisde Visa e das <strong>unidades</strong> de <strong>saúde</strong>, permitin<strong>do</strong> captardiversas visões e aspectos da descentralização da Visatpara as UBS no município. Como é tarefa <strong>do</strong> processoavaliativo, os presentes resulta<strong>do</strong>s iluminam aquestão estudada e oferecem ao gestor material relevantepara o aprofundamento de ações e a correção derumos que seja necessária.Neste senti<strong>do</strong>, verificamos na pesquisa avaliativaempreendida que o atendimento a trabalha<strong>do</strong>res quesofreram acidente de trabalho vem sen<strong>do</strong> realiza<strong>do</strong>por meio de cuida<strong>do</strong>s médicos e de enfermagem <strong>nas</strong>UBS, incluin<strong>do</strong> o preenchimento da CAT e seu encaminhamento<strong>à</strong> Visa, ao Cerest e ao INSS, em consonânciacom as orientações da Secretaria Municipalde Saúde (CAMPINAS, 2006a).Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 36 (124): 216-226, 2011 221
A partir da visita <strong>à</strong>s UBS e <strong>do</strong> contato com os responsáveispela <strong>atenção</strong> aos trabalha<strong>do</strong>res, pudemosnotar que os funcionários das <strong>unidades</strong> referiram ocuida<strong>do</strong> em cumprir a burocracia no preenchimentodesse <strong>do</strong>cumento, uma vez que ele representa implicaçõeslegais e previdenciárias para o trabalha<strong>do</strong>r<strong>do</strong> merca<strong>do</strong> formal, conforme apontavam <strong>do</strong>cumentosda Secretaria Municipal de Saúde (CAMPINAS,2006a; b; c) e os autores Cordeiro et al. (2005) eWünsch-Filho (1999).Constatamos, em resumo, que as <strong>unidades</strong> nãofaziam o registro <strong>do</strong> acidente ou da <strong>do</strong>ença apresenta<strong>do</strong>spelo trabalha<strong>do</strong>r de maneira a registrar da<strong>do</strong>sde interesse epidemiológico. A constatação da baixaqualidade da informação epidemiológica acerca <strong>do</strong>sacidentes de trabalho <strong>nas</strong> UBS é coerente com a afirmaçãode Medeiros (2001) de que houve uma piorana qualidade da informação a respeito <strong>do</strong>s acidentesde trabalho após a descentralização para as UBS.A baixa média de atendimentos ao longo <strong>do</strong> anode 2006, ou seja, menos de um atendimento por semana,sugere que não há uma sobrecarga de atendimentosdessa natureza <strong>nas</strong> UBS.Podemos dizer que, de acor<strong>do</strong> com esses da<strong>do</strong>sobti<strong>do</strong>s na pesquisa, os acidentes de trabalho (96%das notificações) têm si<strong>do</strong> mais identifica<strong>do</strong>s porparte das <strong>unidades</strong> <strong>do</strong> que as <strong>do</strong>enças <strong>do</strong> trabalho(ape<strong>nas</strong> 4% <strong>do</strong> total das notificações). As pessoascom <strong>do</strong>enças poderiam ser atendidas, sem, contu<strong>do</strong>,terem seu diagnóstico relaciona<strong>do</strong> ao trabalho,o que levaria <strong>à</strong> subnotificação dessas <strong>do</strong>enças. Damesma forma, em um estu<strong>do</strong> sobre os acidentes detrabalho no Brasil, utilizan<strong>do</strong> os da<strong>do</strong>s <strong>do</strong> INSS apartir das CATs – da<strong>do</strong>s, portanto, referentes a trabalha<strong>do</strong>res<strong>do</strong> merca<strong>do</strong> formal – no perío<strong>do</strong> de 1970 a1995, Wünsch-Filho (1999) verificou que as <strong>do</strong>ençasprofissionais respondiam por menos de 1% a cadaano da série histórica e que os acidentes de trabalhosignificam praticamente a totalidade <strong>do</strong>s registros.Observamos que ape<strong>nas</strong> o trabalha<strong>do</strong>r <strong>do</strong> merca<strong>do</strong>formal teve o registro <strong>do</strong> seu acidente ou <strong>do</strong>ença <strong>do</strong>trabalho feito sistematicamente na UBS. O trabalha<strong>do</strong>r<strong>do</strong> merca<strong>do</strong> informal, como grupo social, estava<strong>à</strong> margem desses serviços de <strong>saúde</strong> no que se refere <strong>à</strong>identificação e ao registro <strong>do</strong> agravo <strong>à</strong> sua <strong>saúde</strong> comorelaciona<strong>do</strong> ao trabalho enquanto forma de indicarnecessidades e possibilidades de intervenção sobreos riscos a que esses trabalha<strong>do</strong>res estão expostosnos ambientes de trabalho. Esses trabalha<strong>do</strong>res foramatendi<strong>do</strong>s com queixas agudas, mas não tiveram o seuproblema registra<strong>do</strong> e conduzi<strong>do</strong> como algo relaciona<strong>do</strong>ao trabalho e que necessitasse de uma intervenção<strong>do</strong> setor <strong>saúde</strong>. Conforme aponta Cecílio (2001),a superação da não integralidade a grupos específicossó poderá acontecer se ela for captada na sua singularidade,ou seja, no espaço individual da prestação <strong>do</strong>cuida<strong>do</strong>, no encontro <strong>do</strong> usuário – esse trabalha<strong>do</strong>r<strong>do</strong> merca<strong>do</strong> informal – com o profissional da unidadede <strong>saúde</strong> e para que este possa, então, reconhecê-locomo porta<strong>do</strong>r de necessidades de <strong>saúde</strong>, tambémsingulares. No merca<strong>do</strong> informal, devem estar presentesriscos e incidências ainda maiores <strong>do</strong> que nomerca<strong>do</strong> formal, portanto, a Visat deve voltar seu focopara esse segmento <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res (WÜNSCH--FILHO, 1999). Acreditamos que a “preferência” <strong>do</strong>registro <strong>do</strong>s eventos ocorri<strong>do</strong>s com o trabalha<strong>do</strong>r<strong>do</strong> merca<strong>do</strong> formal se deva <strong>à</strong> exigência burocrática daabertura da CAT para eles e também <strong>à</strong> desvalorização<strong>do</strong> registro epidemiológico <strong>do</strong> acidente de trabalho.As intervenções nos ambientes de trabalho ocorridasa partir da identificação da ocorrência de acidentesde trabalho disseram respeito a orientaçõespara mudanças de funções no trabalho e realizaçãode ginástica postural, realização de exames periódicos,organização e limpeza <strong>do</strong> ambiente de trabalhoe interdição de equipamento.Podemos perceber que houve dificuldade paraque a equipe da <strong>atenção</strong> primária desencadeasseações de vigilância da <strong>saúde</strong> <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r a partirda clínica que realizam. Ou seja, os trabalha<strong>do</strong>ressão atendi<strong>do</strong>s e a abordagem clínica não se transformaem ações de vigilância, limitan<strong>do</strong> a compreensão<strong>do</strong> problema e as possibilidades de oferta de ações de<strong>saúde</strong> mais resolutivas.Medeiros (2001) relata que, com a descentralização<strong>do</strong> atendimento de acidentes de trabalho para asUBS, houve piora na qualidade das intervenções coletivas.Os da<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s por essa pesquisa não permitemanalisar essa afirmação, especialmente pelafalta de possibilidade de comparação com o perío<strong>do</strong>anterior. Não é possível afirmar que todas as intervençõesdeveriam necessariamente provocar mudançasno ambiente externo, pois não há informaçãosuficiente para essa análise. Podemos estar diantede uma limitação na abordagem <strong>do</strong>s ambientes detrabalho, pois, de acor<strong>do</strong> com os apontamentos deMinayo-Gomez e Lacaz (2005), o modelo tradicionalmentedesenvolvi<strong>do</strong> de <strong>atenção</strong> <strong>à</strong> <strong>saúde</strong> <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>resnão incorpora componentes da questãoambiental, altamente relevantes na atualidade para asociedade e que ainda carece de protagonismos <strong>do</strong>strabalha<strong>do</strong>res tanto nos locais de trabalho, quantonos espaços de exercício de cidadania.Esse quadro nos permitiu dizer que os Centros deSaúde não realizavam e também não desencadeavamou solicitavam a intervenção de outros níveis – Visa ouCerest – basea<strong>do</strong>s em da<strong>do</strong>s epidemiológicos, seja porquenão os registravam, não os buscavam ou não ostinham disponíveis. Quan<strong>do</strong> ocorreu alguma intervenção,ela foi baseada na percepção <strong>do</strong>s problemas pelos222Rev. bras. Saúde ocup., São Paulo, 36 (124): 216-226, 2011