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JA 229 - Ordem dos Arquitectos

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ISSN-0870-15049 7 7 0 8 7 0 1 5 0 0 0 60 0 2 2 9<strong>JA</strong><strong>229</strong>Jornal <strong>Arquitectos</strong> /// Publicação Trimestral da <strong>Ordem</strong> <strong>dos</strong> <strong>Arquitectos</strong> /// Portugal /// <strong>229</strong> /// Outubro – Dezembro 2007 /// € 10,00


JORNAL ARQUITECTOS – PUBLICAÇÃO TRIMESTRAL DA ORDEM DOS ARQUITECTOS. PORTUGALPresidente da <strong>Ordem</strong> <strong>dos</strong> <strong>Arquitectos</strong>: João Belo Rodeia Director: José Adrião Sub-Director: Ricardo CarvalhoEditor Principal: Pedro Cortesão Monteiro Editora de Projecto: Joana Vilhena Projecto gráfico: Pedro FalcãoEdição de fotografia: Daniel Malhão Conselho Editorial: Inês Lobo, Francisco Aires Mateus, Jorge Carvalho,Manuel Aires Mateus, Nuno Grande, Ricardo Bak Gordon Secretário de Redacção: Tiago Lança Colaboraram nestenúmero: Antón García-Abril, Antonio Jiménez Torrecillas, Atelier do Corvo, Caruso St John, Cláudia Taborda,Cristina Veríssimo, Duarte Belo, Edouard François, Ensamble Studio. Francisco Sanchez Salvador/Margarida GrácioNunes, Graça Correia, João Mendes Ribeiro, José Capela, Pedro Pacheco/Marie Clement, Peter Zumthor, RobertaAlbiero/Francesco Coppolecchia/ Federico Gera /Luca Guido/Alvise Marzollo, Rosário Salema, Sofia Aleixo/Victor MestreTraduções: Language at Work, Lda Marketing e Publicidade: Maria Miguel e Sofia Marques Revisões: José SousaTipo de letra: FTF Flama Impressão: Gráfica Maiadouro, SA. Rua Padre Luís Campos, 686, Vermoim, Apartado 1006,4471-909 Maia Distribuição Comercial: Calei<strong>dos</strong>cópio – Edição e Artes Gráficas, SA. Rua de Estrasburgo, 26, R/c Dto,2605-756 Casal de Cambra Tiragem: 13400 Redacção e administração: Edifício <strong>dos</strong> Banhos de São Paulo, Travessa doCarvalho, 21/23, 1249-003 Lisboa Tel.+351213241110 Fax+351213241101 // jornalarquitectos@ordem<strong>dos</strong>arquitectos.pt// www.ordem<strong>dos</strong>arquitectos.pt Depósito legal: 27.626/89 ISSN: 0870-1504 Registo ICS: 108.271 (Jornal <strong>Arquitectos</strong>)Propriedade: <strong>Ordem</strong> <strong>dos</strong> <strong>Arquitectos</strong> – Centro Editor Livreiro da OA NIPC: 500802025Fotografia da capa e do editorial: Daniel Malhão<strong>JA</strong><strong>229</strong>O Jornal <strong>Arquitectos</strong> foi distinguido com o Merit Award na categoria de Magazine Layoutnos European Design Awards de 2007. www.ed-awards.comRectificação: Devido a um erro de paginação, as páginas pares do caderno Vírus constante do número anterior(<strong>JA</strong> 228 – Público), intitulado "O direito à cidade", foram rodadas 180º. Sendo impossível corrigir o erro, apresentandoo Vírus na versão originalmente pensada pela sua autora, fica esta rectificaçãoTEMPOEDITORIALCRÍTICA002018 Quanto (de) tempo tem uma paisagem?Rosário Salema022 O Tempo no Estúdio Fotográfico de Carlos Relvas, GolegãSofia Aleixo e Victor Mestre028 Permanência do Moderno – Ruy AthouguiaGraça Correia Ragazzi036 O Tempo e os materiais da ArquitecturaCristina Veríssimo038 Arquitectura sem ArquitecturaJosé CapelaPERSONADOSSIERPROJECTOBIOSABSTRACTSVÍRUS042 Peter Zumthorconversa com José Adrião e Ricardo Carvalho058 Duarte Belo066 Escola de Altos Estu<strong>dos</strong> Musicais, Santiago de CompostelaAntón García-Abril070 Remodelação do Laboratório Chimico, CoimbraJoão Mendes Ribeiro e Atelier do Corvo074 Praça Stortorget, Kalmar, SuéciaCaruso St John078 Reserva Etnográfica do Museu da Luz, MourãoPedro Pacheco e Marie Clement082 Atelier na Lapa, LisboaFernando Sanchez Salvador e Margarida Grácio Nunes086 Hotel Fouquet's Barrière, ParisEdouard François090 Muralha Nazarí, GranadaAntonio Jiménez Torrecillas094096097 Roberta Albiero, Francesco Coppolecchia,Federico Gera, Luca Guido e Alvise Marzolloeditores


EditorialA permanência da arquitectura não é apenas uma consequência da sua materialidade. A possibilidadede permanência reflecte principalmente o olhar consciente de sucessivas gerações, sobre opapel do tempo numa comunidade, sobre a relevância da memória e singularidade de determina<strong>dos</strong>espaços públicos, edifícios e cidades. A densidade daquilo que resistiu, bem como a sua naturalidadedesafiadora, sempre gerou fascínio nos arquitectos no momento do projecto – como se osvários mo<strong>dos</strong> de permanência habitassem o horizonte de expectativa <strong>dos</strong> arquitectos. E este fascíniomantém-se, por existir a possibilidade – que dificilmente se cumpre – de que o tempo se incorporena arquitectura.A densidade e a permanência no tempo aparentavam ser inconciliáveis com a tradição do novoinaugurada pelo pensamento moderno. As vanguardas históricas introduziram o domínio do conceptualsobre a produção da arte e da arquitectura, relativizando a permanência física do objecto –por vezes mesmo dispensando-a. Este processo conduziu a arquitectura à condição limite de aspirartrabalhar sobre pressupostos de imaterialidade, ausência de gravidade e mobilidade.Mas simultaneamente o mundo contemporâneo encontrou, através da crítica ao moderno no finaldo século XX, que hoje convencionalmente chamamos condição pós-moderna, mo<strong>dos</strong> inespera<strong>dos</strong>de relação com a tradição de imutabilidade <strong>dos</strong> princípios arquitectónicos, mas não necessariamentecom a História. Se o cânone está longe de ser uma linguagem operativa, e se amaterialidade da arquitectura clássica poderá hoje parecer estranha ao nosso enquadramento civilizacional,qual é a relação possível da arquitectura com o tempo longo?Num artigo intitulado “Junkspace”, Rem Koolhaas afirma que os edifícios podem perder partes,abdicar ou prescindir de troços, continuando a existir até ao infinito alhea<strong>dos</strong> da mutilação, graçasao desempenho da infra-estrutura. Mesmo num mundo de predomínio da infra-estrutura sobre amatéria, o desejo de permanência encerra-se nas mais inesperadas estratégias arquitectónicas.O artifício conceptual da arquitectura afrontou a sua nova condição existencial na contemporaneidadee “monumentalizou” o efémero, construindo-o como perene. Das lojas que são desenhadascom materiais que duram para sempre, até aos museus cuja importância urbana e programáticalhes garante uma permanência de longa duração e no entanto se mantêm permeáveis à transformaçãomaterial, passando pela restauro conservador da frágil arquitectura moderna produzida hámenos de um século. José Adrião + Ricardo Carvalho2 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


TEMPO


ROSÁRIO SALEMACríticaQUANTO (DE) TEMPOTEM UMA PAISAGEM?Paisagem Europeia (o tempo biofísico)A Europa possui o território mais humanizado de toda a superfícieda Terra, e deve à conquista do solo arável e àspráticas agrícolas a «construção» da quase totalidade dassuas paisagens. As regiões rurais ocupam, actualmente,92 por cento do território da Comunidade Europeia 1 e aagricultura, com uma enorme capacidade para manipulare alterar as características biofísicas do território produz,hoje, 45 por cento do Valor Acrescentado da ComunidadeEuropeia e 53 por cento do emprego comunitário. Esta actividadeconstitui uma das bases da identidade europeia.Na sua «Ideia de Europa» 2 Steiner propõe-se identificaros «axiomas» que caracterizam a cultura europeia. Nãochegando a articular a ligação entre a agricultura e a construçãoda paisagem na Europa, identifica a possibilidade deligação pedestre entre as cidades como reflexo da «escalahumana da paisagem» europeia, em contraste com a intransponibilidade<strong>dos</strong> desertos da Austrália, da África doSul e da América e (eu acrescentaria) das extensas superfíciesmontanhosas da Ásia.Uma Europa extensamente humanizada como se confirmanum olhar sobre a «noite» no Google Earth: uma Europa«cintilante», cujo povoamento se procedeu sobre aextrema fertilidade do solo. Esta humanização-ruralizaçãoda paisagem consolida uma cultura com um forte vínculoaos ciclos de produção agrícola, com especial relevânciapara a dinâmica <strong>dos</strong> processos naturais – água, solo e vegetação:a época seca, as chuvas, as cheias torrenciais, asfases da lua, a aurora, o solstício, as colheitas, as sementeiras,as mondas, o pousio da terra, (...). Um tempo estruturadopelos ciclos físicos e biológicos da Natureza. Umtempo biofísico.A paisagem (rural) europeia, produto de uma inequívocaaliança entre processos naturais e culturais, resulta dainteracção <strong>dos</strong> vários tempos sobre o território, construindo-oe adaptando-o ao tempo. Um sistema complexo queintegra o tempo geológico, o tempo geomorfológico, otempo histórico, o tempo físico e o tempo biológico. Umtempo biofísico.Recuemos cinco séculos. No séc. XVI quando a vinhachega à região do Douro, ocupando os matagais que cobriamas vertentes das encostas sobre o rio, «erguendo asescadarias <strong>dos</strong> geios, uma das mais extraordinárias paisagensrurais que se conhecem no mundo» 3 , tinham passado60 milhões de anos desde que uma intensa fracturaçãodas rochas, na Península Ibérica, permitiu o encaixe do RioDouro e <strong>dos</strong> seus afluentes. O tempo geológico.Posteriormente o trabalho de erosão, sob o efeito dovento e da chuva, facilitou o arredondamento e aplanamentodas encostas de xistos. O tempo geofísico.Para conquistar as encostas mais quentes, durantemais de 300 anos, foram ergui<strong>dos</strong> muros de pedra soltaonde os homens colocaram, e ainda hoje colocam, o soloobtido a partir do xisto moído. O tempo humano.18 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>Este processo decorre paralelo a uma sucessão de cicloscontínuos: plantação, monda, enxertia, poda e vindima;plantação, monda, enxertia... O tempo biológico.Natureza (um lugar fora do tempo)A forte dependência <strong>dos</strong> processos naturais produziu,na Europa, um imaginário em estreita relação com os ciclosde fertilidade da Natureza.De Homero a Proust, passando por Ovídeo e as Cantigasde Amigo, encontramos uma estreita relação entre umapaisagem (fértil) e a estrutura do tempo na narrativa. Na«Odisseia», o jardim de Alcinos, pai de Ulisses, simboliza afertilidade plena, pois nele a Primavera é eterna: «pêraapós pêra, maçã após maçã, cacho de uvas após cacho deuvas e figo após figo alcançam a perfeição». Um lugar ondenão existe tempo, abençoado pelos Deuses e distante damorte.No Antigo Testamento o tempo constitui a estrutura detoda a narrativa. A Primavera, igualmente eterna, é interrompidacom a «expulsão» de Adão e Eva do Paraíso. Adãoé condenado a trabalhar para toda a vida, na conquista desolo arável aos terrenos «espinhosos e amaldiçoa<strong>dos</strong>».A «expulsão» do domínio do sagrado para o domínio do humano,traz consigo o tempo e a sua condição de irreversibilidade.Fora do Paraíso inicia-se o ciclo da vida com a alternânciadas estações e a passagem <strong>dos</strong> anos.O tempo não existe na Natureza primordial que, à imagemdo Paraíso e do jardim de Alcino, constitui um territóriosob o domínio do sagrado.A passagem da Natureza (primordial) à produção dePaisagem é um processo de humanização que incorporaum movimento da intemporalidade à temporalidade, do sagradoao humano, do natural ao cultural.As Paisagens são cultura mais do que Natureza (Schama,1995).Entropia (a irreversibilidade do tempo)A «expulsão» de Adão e Eva do Paraíso constitui umaimpressionante metáfora da lei da entropia. O eterno equilíbrioé subitamente invadido pelo tempo, submetendo a vidaà ameaça permanente do caos e da desordem.Expulsos, Adão e Eva, são sujeitos à condição do humano:a irreversibilidade do tempo, a finitude e a morte.A 1ª lei da Termodinâmica diz-nos que a quantidade deenergia, num sistema fechado, não aumenta nem diminui.A 2ª lei da Termodinâmica – a lei da entropia – vem provarque a qualidade da energia, ou seja, a energia utilizável, diminuide forma irreversível após a sua transformação. Assim,num sistema fechado, como a Terra, a matéria e aenergia total são constantes, contudo, só podem ser alteradasnuma única direcção, ou seja, passam de utilizáveisa inutilizáveis ou de ordenadas a desordenadas. A entropiaé unidireccional e irreversível.© CML – Lisboa Interactiva


Benfica, Lisboa


Estamos continuamente a transformar energia: «aenergia total do universo é constante mas, a entropia (a desordem)total, está em continuo aumento. Tudo no universocomeçou com uma estrutura e valor e está irrevogavelmentea mover-se no sentido do caos e do desperdício» 4 .Na dinâmica <strong>dos</strong> sistemas, nomeadamente os naturais,a entropia gera processos auto-reguladores que alternamsucessivamente ordem e desordem, equilíbrio e desequilíbrio,sempre numa única direcção. Ou seja, os sistemasnaturais evoluem naturalmente para estádios de equilíbriocada vez mais complexos e, necessariamente, atingemuma situação limite que os faz entrar em colapso e procurarnovas formas de equilíbrio. São sempre novas formasde equilíbrio e nunca o retorno ao equilíbrio e à ordem anterior.A «flecha» do tempo é unidireccional, não há regressoao passado, não se recupera o equilíbrio anterior.Tal como nos territórios exteriores ao Paraíso, o tempo éirreversível.Contudo também os mecanismos auto-reguladores daentropia têm o seu tempo. Regressamos ao tempo biofísico.Veja-se o caso do «pousio» na agricultura, que consisteno repouso do solo arável para a regeneração das suascondições de fertilidade (equilíbrio). Regra geral são necessáriosdois ou mais anos para que o solo recupere. Porémno contexto contemporâneo, o tempo de auto-regulação<strong>dos</strong> sistemas naturais pode tornar-se obsoleto e improdutivoface à velocidade e voracidade hegemónica dotempo da economia de Mercado onde, um outro tempo,se orienta em prol das regras de maximização da produtividadee de uma falsa ideologia de felicidade, entenda-sefacilidade.Alimentando a ilusão de múltiplas opções e de um tempoe recursos ilimita<strong>dos</strong>, a pós-modernidade desencadeouuma cómoda alienação do mundo e <strong>dos</strong> mo<strong>dos</strong> de vida.Trata-se de um desejo de controlo total da entropia, cujatendência para o caos se opõem à ideia de felicidade. Estedesejo, que se desenha já no modernismo, tem como estratégiaocultar to<strong>dos</strong> os sinais de desequilíbrio e desordeme gera um mundo asséptico, regulamentado e ordenadoonde tudo é previsto e previsível. O objectivo é ocultara morte num mundo ideal e feliz, de recursos inesgotáveis.É assustadora a forma como a vida contemporânea ignoraa 2ª lei da termodinâmica, como se este fosse apenas(mais) um capricho <strong>dos</strong> meios académicos.E, assim, numa tentativa de congelamento do tempo,observamos a emergência de paisagens sobre-humanas:a bioengenharia, subvertendo o tempo biológico; a calibração<strong>dos</strong> produtos alimentares, transformando a naturezanuma fábrica modulada; os condomínios fecha<strong>dos</strong>, coloca<strong>dos</strong>fora da realidade espacio-temporal da paisagem urbanae rural; a separação crescente entre o espaço urbano eo «vazio do campo», baseada em classificações estereotipadasque se alimentam de um falso desfasamento temporal:a cidade moderna, contemporânea e livre e o «campo»tradicional, folclórico e claustrofóbico, abrindo, assim,todo o tipo de fracturas e rupturas sócio-económicas. Estaconcepção do tempo tem consequências profundas paratodas as paisagens, inclusive as humanas.É o oposto a um mundo livre, que se deseja em constanteorganização e reorganização, um mundo de biodiversidadee complexidade crescente, que não nega a possibilidadede mutação, de contaminação e do imprevisível. Um mundodisponível à ocorrência do novo, sujeito ao tempo, à degenerescênciae à morte. Um mundo (do tempo) humano.20 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>Que futuro (para o tempo)?Na entrada do séc. XXI coloca-se uma questão fundamental.Como manter a estabilidade do tempo biofísico,que regula a dinâmica das paisagens rurais, face ao tempodo Mercado e do Capital?À luz da lei da entropia, Stahel 5 denuncia uma total incompatibilidadeentre os dois ritmos: o tempo biofísico e alei do Mercado e, é nesse desencontro, que o autor identificaa crise ambiental e a insustentabilidade do modelo dedesenvolvimento contemporâneo.Que futuro para a Europa sem as suas paisagens agrícolas?Que futuro para a agricultura?Imaginemos uma situação de crise em que tudo colapsa:o fornecimento de energia, os sistemas de transportee informação, a distribuição de bens essenciais...Como sobrevive uma comunidade com to<strong>dos</strong> os sistemasde organização em ruptura? Não se trata de um colapsode horas, tipo «apagão». Mas algo mais longo e complexo.Podemos imaginar variadissímas situações. A respostaé bastante simples. Resiste e sobrevive se possuiruma área rural própria. E esta premissa coloca as cidadesno centro da questão.Desde 1996 o Programa de Desenvolvimento das NaçõesUnidas para as Cidades sustenta que a agricultura urbanaconstitui o suporte futuro para a alimentação e empregodas cidades sustentáveis, alertando para a necessidade<strong>dos</strong> governos estimularem eficazmente estaactividade económica.«Num mundo urbanizado com uma progressiva perdade recursos, a possibilidade das cidades dependerem doengenho <strong>dos</strong> seus habitantes para gerarem segurança alimentar,para eles próprios, é crucial» 6 .A agricultura promove o esbatimento das fronteiras entreos espaços urbanos e rurais, entre periferias e centros eorigina uma população mais móvel e adaptada às duas culturas.A agricultura como actividade económica regulada ereguladora do tempo biofísico constitui uma possibilidadede união entre todas as paisagens, inclusive a humana.O futuro tem como promessa recuperar o tempo. ^01 Relatório de actividades da União Europeia “Orientações estratégicas da Comunidadepara o desenvolvimento rural”02 Steiner, Georges, A ideia dde Europa, Gradiva, 200403 Ribeiro, Orlando, Portugal o Mediterrâneo e o Atlântico, Livraria Sá da Costa, 194504 Rifkin, Jeremy, Entropia – uma nova visão do mundo, Universidade do Algarve, Faro, 199205 STAHEL, Andri W. Capitalismo e entropia: os aspectos ideológicos de uma contradiçãoe busca de alternativas sustentáveis. 199506 Habitat II – Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas para as Cidades, UNDP, 1996© CML – Lisboa Interactiva


Vale de Chelas, Lisboa


SOFIA ALEIXO e VICTOR MESTRECríticaO TEMPO NO ESTÚDIOFOTOGRÁFICO DE CARLOS RELVAS«O conjunto de aspectos essenciais do monumento poderesumir-se em três facetas essenciais: a documental, a arquitectónicae a significativa. Três facetas cuja presençaconjunta no objecto construído constitui um requisito incontornávelpara poder aceitar a sua condição monumentale que, ao mesmo tempo, qualquer intervenção sobreo monumento deve contemplar, assumir e respeitar. […]O monumento é, antes de mais, memória da história e dacultura do passado, seja este longínquo ou recente […] anatureza documental do monumento (tem) a capacidadede fornecer – através da análise da sua materialidade – da<strong>dos</strong>sobre a arte, a arquitectura, a construção e a técnicado passado, e também sobre a sua própria história e a dascolectividades com ele relacionadas» 1Ao Tempo de Carlos Relvas [1838 - 1894]Carlos Augusto de Mascarenhas Relvas e Campos nasceuna Golegã, em 13 de Dezembro de 1838. Segundo apublicação «Archivo Pitoresco» 2 Carlos Relvas «terá iniciadoa sua actividade fotográfica por volta de 1862», provavelmenteno seguimento de ter conhecido no Porto, em1861, a fotografia de Joaquim Possidónio Narciso da Silva(arquitecto e fotógrafo, fundador da Real Associação <strong>dos</strong><strong>Arquitectos</strong> e Arqueólogos Portugueses). A sua primeiramedalha, em 1870, ainda como fotógrafo amador, terá levadoa que nesse ano iniciasse viajem pelos melhores ateliersde fotografia da Europa, tendo adquirido diversosaparelhos, e onde divulga o seu. Estabeleceria contactoscom a comunidade internacional da vanguarda fotográfica,que originarão várias referências ao seu trabalho divulgadasem prestigiadas publicações nacionais e internacionaisda especialidade. Aos 19 anos retrata-se com D. Margaridae os seus já três filhos. Em 1887 morre D. Margarida,tendo casado de novo em 1888 com Mariana do CarmoPinto Correia. Morre em 23 de Janeiro de 1894, num acidentede cavalo.Registos do Tempo do Estúdio Fotográfico e doTempo da Casa-EstúdioEntre 1871/2 e 1875/6, constrói o atelier. Do programaconstavam câmaras-escuras e laboratórios, com sala deestar e de recepção, que foram implantadas no piso térreo,de construção em alvenaria de pedra. No andar superior, oandar nobre, instalou-se apenas o Estúdio, com toda a paisagemcircundante disponibilizada pela elegante estruturaem ferro e vidro, e um pequeno Escritório em compartimentode paredes de alvenaria de tijolo, reforçando a simetriada planta. Nos topos, por observação de fotografiada época, encontravam-se os toucadores onde se comporiamao espelho as personagens por si fotografadas. A suaconcretização num sistema construtivo então recente einovador, o ferro fundido, que na época não seria práticacorrente aplicar em pequenos edifícios, permite-lhe incutirum estilo «revivalista neo-gótico», exuberante para a épocae para a pacatez da pequena Vila da Golegã, revelandouma vontade de destaque, uma vontade de inovar quesempre o caracterizou na sua fotografia. Da construção,de acordo com António Pedro Vicente 3 , sabemos que todaa parte de ferro foi executada por Luís Ferreira de SousaCruz & Filhos, em Lordelo do Douro, e transportada para aGolegã. Segundo este autor «um <strong>dos</strong> sócios da casa construtoraestudou em Glasgow», o que justificaria o conhecimentoda tecnologia, referindo a utilização de 33.636 kgde ferro. Também se refere a origem francesa <strong>dos</strong> mosaicosno chão e algumas ferragens de portas, e ainda a escadaem madeira vinda de Itália.Esta curiosidade criada na Vila da Golegã, este edifíciotransparente, que to<strong>dos</strong> podem ver e donde podem ser vistos,transformando-a em objecto de desejo e marcando simultaneamenteuma posição superior e cativando os seusmodelos entre a população mais pobre, que fotografa comuma dignidade espantosa.Posteriormente, cerca de 10 anos depois, Carlos Relvasintroduziu alterações ao edifício a fim de o poder habitarparcialmente com a sua família. Assim, encerrou com alvenariade pedra e tijolo maciço os paramentos anteriormenteem ferro e vidro, cobriu todo o primeiro piso com telhamarselha (importada da cidade homónima), colocounovas paredes divisórias em tabique, que forrou posteriormentecom papel de parede francês, e colocou grandestectos em estafe, com florões ao gosto da época. Esta novacompartimentação, efectuada apenas ao nível do 1º pisoonde dispunha da amplitude total para o seu estúdio,manteve apenas uma sala na fachada Norte-Nascentecom a caixilharia em ferro e vidro. Aí dispunha ainda de umpequeno espaço onde o grande pé-direito permitia estenderos seus cenários ilumina<strong>dos</strong> pela luz indirecta e constanteque lhe permitia manter a sua actividade de fotógrafode estúdio. No piso térreo, manteria a sua actividade laboratorial,supondo-se que a ligação entre as duaspequenas salas, quer a Nascente quer a Poente, tenha sidoefectuada nesta altura. Pouco depois desta intervenção (ainformação documental e fotográfica disponibilizada não éconclusiva) poderá ter sido construído o lago e pavilhãoanexo, onde ainda recentemente se encontrava a bibliotecade Carlos Relvas e que, numa ligação à superfície, introduziuum corpo estranho ao conjunto que perturbava a leituradeste notável Estúdio.Antes <strong>dos</strong> novos Tempos (ou antecedentes da intervenção)A 19 de Agosto de 1989, é classificado como IIP, sendoque esperou ainda pelo Decreto de Classificação de Imóveis,para ser publicada apenas em 1996. Nesse mesmomês, o Ministério da Cultura, através do IPPAR, envolve-sena sua recuperação e valorização, criando um grupo detrabalho para «reflectir sobre o Programa de Intervenção»4 . Desse grupo fizeram parte um conjunto de persona-22 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


© FG+SG – Fotografia de Arquitectura © FG+SG – Fotografia de ArquitecturaO estúdio fotográfico Carlos Relvas23


© Atelier fotográfico Carlos Relvaslidades conceituadas do âmbito da fotografia que concluida necessidade de reposição da versão inicial deste notávele singular edifício, da sua ulterior musealização e daconsideração da possibilidade de construir edifício(s) anexo(s),para centro de documentação e, eventualmente, deespaços de trabalho, arquivo e auditório.São inicia<strong>dos</strong> trabalhos preparatórios, em 1998, «comvista à tomada de decisão quanto à opção definitiva relativaaos critérios a utilizar», que dão origem ao lançamentopelo IPPAR, em Julho desse ano, de um programa de consultaa equipas projectistas para a elaboração de um relatóriodiagnóstico acerca do estado de conservação do edifícioe das implicações de uma futura intervenção de restauroe restituição.«Uma vez defini<strong>dos</strong> os objectivos da restauração monumental,é possível, em função deles, estabelecer os meios,ou seja, os mecanismos próprios da disciplina, necessáriose imprescindíveis para os poder alcançar eficazmente. Estesmeios respondem a quatro etapas ou acções essenciais.Em primeiro lugar. o conhecimento, […] a reflexão, […]a intervenção, […] a conservação preventiva.» 5O Tempo do ConhecimentoDa consulta, em 1997, a três equipas projectistas para aelaboração do «Relatório – Diagnóstico acerca do Estadode Conservação do Edifício e das implicações de uma futuraIntervenção de Restauro e Restituição: Golegã», foi seleccionadaa equipa coordenada pelo Eng.º João Appleton,constituída por: Arquitectura – Arq. Victor Mestre comArqtª Sofia Aleixo [Victor Mestre|Sofia Aleixo, <strong>Arquitectos</strong>];Engenharia de Estruturas e Fundações - Eng.º JoãoAppleton com os Engs. Vasco Appleton e Nuno Appleton[A2P Consult]; Engenharia de Instalações e EquipamentosEléctricos e Mecânicos Eng. Serafin Graña [Termifrio]. Nodocumento da Proposta se justifica que para a realizaçãodo trabalho proposto se constituiu uma equipa pequenamas contendo todas as valências necessárias, revelan<strong>dos</strong>eo conhecimento que os seus elementos têm de trabalhosde intervenção em edifícios ou conjuntos patrimoniais,salientando-se a colaboração que tem havido em diversostrabalhos entre o coordenador proposto e o Arquitecto. Salientaa necessidade de sensibilizar desde já para que a instalaçãode infra-estruturas venha a implicar a definição dealgumas zonas de sacrifício do edifício, nomeadamente zonasde atravessamento de tubagens e condutas, definindo-24 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


© Atelier fotográfico Carlos Relvas© Atelier fotográfico Carlos Relvasse para cada caso, as condições em que se terá mesmo desacrificar o nível de conforto e de satisfação funcional queo edifício poderá garantir após a intervenção.Apenas em 1 de Abril de 1998, é assinado o contratopara a elaboração do Relatório-Diagnóstico acerca dascondições de conservação da Casa-Estúdio Carlos Relvas,que será entregue em Agosto, e resultou de uma demoradavisita e respectivos registos decorrentes da observaçãodirecta no local pela equipa constituída para este trabalho,e de reuniões de «discussão em termos de ética de intervençãode modo a sustentar uma opção definitiva face àtransformação parcial do estúdio em casa pelo próprioCarlos Relvas. E se, de facto, o programa de concurso doIPPAR já levantava esta questão, registe-se que foi no decorrerdesta fase que, definitivamente, se optou pelo seudesmonte, em função da proposta apresentada pela equipaprojectista, de onde se destaca ainda o apoio <strong>dos</strong> consultoresda Divisão de Fotografia do IPM, o fotógrafo JoséPessoa e a Drª. Victória Mesquita. Este enquadramentocultural foi determinante como base para a investigaçãoque a equipa projectista levou por diante, faseando os trabalhos.Pelo que se seguiu a prospecção, inventariação,identificação e caracterização das patologias, seguindo-seas propostas de conservação e restauro.Da fase de Levantamento de Patologias; descrição ediagnóstico, salienta-se a adaptação do edifício a uma novafunção. Embora a diferença temporal não tenha sido grande(presume-se de cerca de 12 anos), a certamente necessáriarapidez de execução das novas paredes (quiçá assumidade início como provisória?!) e fechamento de paramentosexteriores e cobertura, necessárias a uma recatezprópria do habitar, proporcionando condições adequadasde luminosidade e ambientais, terá determinado opçõesconstrutivas diferentes das que seriam definidas em casode uma construção de raiz.Para além desta questão, que se coloca no final do séculoXIX, só depois da sua morte o edifício foi utilizado comoespaço visitável enquanto potencial espaço museológico,que ainda continha todo o mobiliário da época, portanto,impondo ao edifício um tipo de desgaste diferente emais intenso. Mais recentemente, nos anos 90 do séculoXX, e devido às condições em que se encontrava, foi fechadoao público. Das patologias detectadas, referem-se algunsexemplos de patologias superficiais, como pequenafendilhação, manchas de fungos, de patologias construtivas,como fissuração causada por incompatibilidade deO estúdio fotográfico Carlos Relvas / Sofia Aleixo e Vitor Mestre25


© FG+SG – Fotografia de Arquitecturamateriais, e algumas patologias estruturais, como a fissuraçãocausada pela ligação posterior <strong>dos</strong> paramentos interioresàs paredes exteriores.Quanto à Intervenção Arquitectónica, refere-se a importânciadeste imóvel, enquanto estúdio fotográfico, paraa história desta arte, a nível nacional e internacional, poisparece não existir outro igual, com a particularidade de resistirpraticamente intacto enquanto estúdio/atelier de fotografiabem como pela possibilidade de se reunir o espólioe o mobiliário original. Logo será possível repor o espíritodo imóvel sem recurso a pastiches. Antes se apostaráno reconhecimento integral da pré-existência, evidenciandoas partes originais e retirando as (poucas) alteraçõesque representarão um momento de fragilidade familiar,que terão obrigado Carlos Relvas a recorrer ao improviso,registando as remoções propostas através <strong>dos</strong> meios deque dispomos actualmente, garantindo que se poderá «refazer»a história do edifício sempre que necessário. O entendimentodesta conservação e restauro está subjacentea to<strong>dos</strong> os materiais e tecnologias em presença. A introduçãode equipamentos ou o implemento de regulamentosprocura um compromisso claro de entendimento do valorcultural em presença. O projecto de arquitectura para oedifício adjacente pretende confirmar a opção pouco intervencionistaem todo o conjunto arquitectónico. Quanto àsnecessárias infra-estruturas pesadas, como sanitários emultimédia, localizar-se-ão no pavilhão anexo, onde sepropõe um centro de estudo e ensino que promova a divulgaçãoda fotografia, através da sua história e processosutiliza<strong>dos</strong> no século XIX. Desta forma, este Centro deveriaconter as valências necessárias à elaboração de iniciativaspedagógicas – oficinas, ateliers, workshop’s – junto da populaçãoescolar, incentivando ao conhecimento desta arte.O projecto será adjudicado em Março de 2000.O Tempo do Projecto«Na área do património construído as questões que senos colocam são sempre complexas, exigindo estu<strong>dos</strong> euma profunda reflexão para a sua resolução. Sem pressas,porque não há receitas pré-concebidas» 6Definem-se quais as especialidades necessárias, atribuindocompetências e coordenando os projectos. Nãocompete ao arquitecto definir todas as especialidades,mas sim efectuar um bom trabalho de coordenação e «visualização»das diversas componentes de uma intervenção,procurando desta forma a noção de conjunto, de unidade,e, principalmente, de coerência.O projecto segue assim a orientação delineada, com serenidadee despoja<strong>dos</strong> do «tempo histórico», contemplando oregisto do estado actual de modo a assegurar que a memóriadas diversas fases por que passou este imóvel possa vir aser apreciada e ser inclusivamente objecto de estudo(s)»,direccionando o Projecto para a pesquisa e reposição do espaço,estruturas, tecnologias e materiais originais.É nosso entender que uma rigorosa metodologia deabordagem servirá de base a uma rigorosa metodologia deintervenção, esperando desta forma alcançar, através deuma hierarquização de todas as intervenções, uma eficazresolução <strong>dos</strong> problemas, acima de tudo, na conciliaçãodas interdependências e das interpenetrações de todas asintervenções.Como princípios gerais, nesta fase do projecto de execução,a coordenação das especialidades foi fundamental, esucederam-se as reuniões onde eram aborda<strong>dos</strong> os materiais,escutadas opiniões e esclarecidas dúvidas. Entrandoagora no «ponto em que os problemas de comunicação paraobra» se levantam, estruturou-se o projecto de forma aresponder às duas premissas específicas: o facto de seirem produzir os elementos para transmissão à obra e o dese tratar de uma intervenção numa realidade física existente,que contém um edifício de elevado valor patrimonial.Desta forma, to<strong>dos</strong> os da<strong>dos</strong> devem ser «pondera<strong>dos</strong>, segundocritério de lógica ou de experiência anterior; a articulaçãode prioridade pode ser reconsiderada e assim estimularo surgir de novas soluções» 7 . É a fase de fixar conceitose méto<strong>dos</strong> de intervenção em rigorosos desenhos de execuçãocuja parte escrita complemente a sua especificação.Destaca-se o cuidado colocado nas especificações referentesaos trabalhos de Desmonte, transporte, restauro eacondicionamento <strong>dos</strong> elementos estruturais e decorativos26 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


da «Casa» Carlos Relvas com uma descrição cuida<strong>dos</strong>a domodo de execução desta tarefa e o critério que lhe estásubjacente: «serão desmontadas com o propósito de repora leitura inicial em toda a plenitude do espaço original destinadoa Estúdio (...) A intervenção tal como a propomos ea procuramos suportar eticamente, leva-nos a esta opção,uma vez que considerámos que se tratam de valores culturaisrelevantes. (...) Quanto às partes a desmontar ficarãosalvaguardadas na sua essência, podendo sempre serenquadradas pela opção em termos de ética de intervençãoque se considerou neste nosso tempo a apropriada.Em Património nada será definitivo, muito menos uma certeza,pelo que procuramos que esta como outras intervençõespor nós propostas e/ou realizadas tenham sobre si ossinais deste tempo e que possam vir a perdurar no futuro,permitindo inclusivamente corrigir opções incorrectas queeventualmente tenham ocorrido.» 8O Tempo da Obra«A garantia de eficácia na execução <strong>dos</strong> trabalhos nãotem só o requisito prévio de um bom projecto. Existem outrosnão menos fundamentais: a idoneidade da direcçãotécnica da obra e o correcto acompanhamento <strong>dos</strong> trabalhospela restante equipa pluridisciplinar, a escolha adequadado construtor e salvaguarda do próprio monumento.» 9Deste tempo tão desejado, registam-se momentosaprendizagem, experimentação, troca de conhecimento.E também se registam momentos de uma tristeza tremenda,de alegrias inesperadas, de emoções que se demonstramquando o empenhamento é verdadeiro e procura quea implementação de toda uma ética de intervenção definidano tempo do projecto, que se materializa em peças escritase desenhadas, não seja posta em causa por questõesburocráticas, económicas, de «incultura» <strong>dos</strong> intervenientes,ou de tempos que não são os do Restauro.Destes, relembramos o recuar do IPPAR ao decidir abdicardo desmonte modular para arquivo e posterior reposiçãoda Casa, a demolição de inscrição colocada a descobertodurante a remoção do papel de parede (em 18 de Junhode 2002, ao retirar o papel de parede (Buisson, Paris),encontra-se escrito a grafite sobre a parede, a inscrição:«Forrou Domingos da Silva em 9 de Janeiro 1886. Officinade Mar.qs, Porto, Porto»), a colocação a descoberto deum troço em escamado em zinco moldado na cobertura,a definição da paleta cromática (relembramos que asfotografias da época de Carlos Relvas eram a preto ebranco ou a sépia), a intervenção no Pavilhão com a construçãodas novas escadas e novos túneis de acesso avisitantes e a infraestruturas, as opções tomadas emobra sobre os vidros a aplicar, a aferição da metodologiaempregue na limpeza de elementos em ferro fundido e,por último, a definição <strong>dos</strong> veda-luzes a aplicar no EstúdioCarlos Relvas.Entre 3 de Abril de 2002 e 5 de Setembro de 2003 (datada recepção provisória da obra), foram efectuadas 56 actasde reunião pela Fiscalização. Oficialmente, o nossoAtelier esteve presente em 42 Reuniões de Obra num totalde 118 horas, efectuou 11.780 km entre Lisboa, Golegã,Torres Novas [fornecedor de cantarias], Leça do Bailio[sede da empresa Ludgero de Castro], etc. Mas muitasreuniões foram feitas informalmente, acompanhando emfins-de-semana o evoluir <strong>dos</strong> trabalhos. Os registos fotográficosefectua<strong>dos</strong> durante a obra têm o seu início em suportedigital em 14 de Maio de 2002, primeira reunião deobra em que a nossa presença foi solicitada. Foram efectua<strong>dos</strong>30 desenhos de obra, inúmeros esquiços, faxes, ememoran<strong>dos</strong> internos. Após a recepção provisória, e nãoestando ainda os veda-luzes aplica<strong>dos</strong>, foram efectuadasmais deslocações e mais horas de trabalho até 22 de Janeirode 2004, data de visita do Presidente do IPPAR Dr.Rafael Calado ao edifício, momento que consideramos ofechar deste ciclo.Após todo este tempo, a equipa projectista sente agorao momento da satisfação pela dedicação ao projecto e àobra que, no decorrer das suas diversas fases, passou pormomentos onde se procurou responder de forma a optarpelas soluções mais eficazes e não comprometedoras dasmetodologias pré-estabelecidas, e na observância <strong>dos</strong>Conceitos e Cartas do Património internacionais. A nossaintervenção, contemporânea, remete-se para o seu papelde assegurar a nova funcionalidade do edifício, procurandoa sua salvaguarda ao desgaste que um equipamento destanatureza, e com esta característica de «único», seguramenteterá com as visitas que potenciará.A obra terminou tendo ficado o edificado infraestruturadoe disponível para receber um projecto de musealizaçãoque permitisse a reposição do espírito do lugar atravésdo restauro do mobiliário e do diverso equipamento deixadopor Carlos Relvas, permitindo assim a sua fruição porto<strong>dos</strong> aqueles para quem a fotografia é uma arte maior, facultandoainda a promoção do conhecimento científiconeste local através do novo Laboratório Fotográfico e <strong>dos</strong>recursos informáticos instala<strong>dos</strong>.O Estúdio Fotográfico Carlos Relvas abriu ao público a20 de Abril de 2007.Não regressámos ao edifício. ^01 MORENO-NAVARRO, Antoni González, La restauración objetiva, 1999, p. 1702 BARBOSA, Inácio Vilhena, Archivo Pitoresco, vol. 10 - 1867, pp. 137-16103 VICENTE, António Pedro Vicente, Carlos Relvas Fotógrafo, contribuição paraa história da fotografia em Portugal no séc. XIX, 198404 Património [2000-2006]. Balanço e Perspectivas, 2000.05 MORENO-NAVARRO, Antoni González, op. cit., p. 3806 CALADO, Luís, Intervenções no Património - Nova política 1995-2000, 1997, p. 7.07 MOREIRA, Cristiano, Reflexões sobre o Método, 1979, p. 61.)08 in Caderno de Encargos09 MORENO-NAVARRO, Antoni González, op. cit., p. 92© FG+SG – Fotografia de ArquitecturaO estúdio fotográfico Carlos Relvas / Sofia Aleixo e Vitor Mestre27


GRAÇA CORREIA RAGAZZICríticaPERMANÊNCIA DO MODERNO –RUY ATHOUGUIAAthouguia em frente à sua casa de Cascais, 1953A modernidade é, hoje, objecto de um <strong>dos</strong> mais vivos e interessantesdebates culturais e filosóficos do último quartode século, portanto cruza-se de modo revelador com adiscussão <strong>dos</strong> projectos em curso e das vias de transformaçãoda disciplina. Fracassado o equívoco do pós-modernismo,alguma crítica carente de «ismos» apressou-se ainventar uma vaga de neo-modernismo…Neste contexto,falar de «permanência» ou «vigência do moderno» implicaum esforço de compreensão profunda do complexo âmbitocultural onde surgem e se devem destilar os critérios quede facto deram consistência à construção da forma modernapara entender até que ponto é possível, trabalhandona sua essência, perseguir este projecto em aberto.Ruy AthouguiaRuy Athouguia pertence a uma das melhores geraçõesde arquitectos modernos, aquela que integram os que nascerampor volta de 1920.Estou a falar de Denys Lasdun, J. Utzon, Antonio Coderch,para citar apenas alguns. Estes arquitectos receberama informação da vanguarda moderna nos anos da suaformação, mas amadureceram na posterior transformaçãoda situação pós-guerra. Construíram de forma lúcida,com base no contributo <strong>dos</strong> mestres; enquanto desenvolviamcertos aspectos, rejeitavam outros, criticando assimo absolutismo de uma primeira abordagem, sob os filtrosda sua visão, das suas culturas e contextos locais. Athouguiaprocurou, todavia, evitar que também o próprio contextualismose tornasse um modelo acrítico ou uma muletapara suavizar esta arquitectura e torná-la mais aceitávelao público em geral mas, acima de tudo, a Salazar e àssuas comissões de censura.Quando terminou a II Guerra Mundial, Athouguia tinha29 anos. Em mea<strong>dos</strong> <strong>dos</strong> anos 1950 (os grandes anos daarquitectura moderna), tinha 40: ou seja, tinha atingido aplena maturidade projectual.A fragilidade que advertimos na imagem do arquitecto,na gentileza do visconde de Athouguia, esconde uma sólidapreserverança de quem sabe o caminho que quer percorrer.Na realidade, Ruy Athouguia incorporou a modernidadena fase mais interessante do seu desenvolvimento.A sua condição familiar permitir-lhe-á o convívio e aamizade com personalidades que, por razões económicase/ou culturais, se virão a tornar excelentes clientes.Sem se tornar em algum momento dependente da vontadepolítica, contorna-a silenciosamente, de forma criativa,trabalhando livremente com clientes priva<strong>dos</strong> sendo,no entanto, com as encomendas públicas que se torna visívela síntese da sua proposta de modernidade.A sua aparente impermeabilização ideológica estendeseaos movimentos locais da arquitectura, afirmando que arealização do I Congresso Nacional em 1948 e o decorrenteInquérito à Arquitectura Portuguesa aconteceram nomeio de uma linha em que já ia completamente lançado:«Nem fui lá! Não influenciou directamente o que eu estavaa fazer porque eu já o estava a fazer.» 1De facto, a Casa Maria Amélia Burnay estava a ser feitaem 1949 e em 1954 é já atribuído ao Projecto do Bloco deHabitações de S. João de Deus (o Bairro das Estacas, realizadoem co-autoria com o Arq. Sebastião Formozinho Sanches),um importante Prémio no âmbito da Exposição Internacionalde Arquitectura da Bienal de S. Paulo, no Brasil.Este será talvez o prémio internacional mais relevanteatribuido a uma obra portuguesa até ao reconhecimento,na geração seguinte, de Álvaro Siza Vieira. 2Como poderia Ruy Athouguia interessar-se pelos resulta<strong>dos</strong>do Inquérito? As obras que tinha em curso eram, noseu conjunto, de uma escala e urbanidade invulgares emPortugal – escolas, liceus, bairros, torres de habitação colectivae, ainda, a possibilidade de realizar moradias individuaispara clientes singulares, artistas, embaixadores e investigadorescomprometi<strong>dos</strong> com a cultura moderna. Estasproporcionavam uma oportunidade única deexperimentar os critérios estéticos que mais tarde sedimentavaem notáveis edifícios de maior dimensão e queainda hoje manifestam os atributos essênciais e genuínosda modernidade.Mas é precisamente a partir da divulgação destes resulta<strong>dos</strong>que Athouguia desaparece das publicações portuguesasdeixando no panorama, filtrado pela crítica, umapresença tão fugaz, quanto a mesma entendia ter sido aarquitectura moderna. O clima cultural que rodeou a suaobra, a frenética vontade de inovação, por um lado, e decontextualização, por outro, era pouco propício para queum pensamento como o seu pudesse converter-se numponto de referência do debate arquitectónico.Importa clarificar entretanto que se observava internacionalmenteuma precipitada leitura desta modernidadetão recente, criando uma série de mal-entendi<strong>dos</strong> queviriam a dificultar o seu entendimento, senão mesmo abranquear algumas das mais importantes obras realizadasna época.28 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Perspectiva em desenho livre de Ruy Athouguia. Arquivo Graça CorreiaOs Erros de InterpretaçãoO debate filosófico sobre a modernidade e pós-modernidadetem sido balizado fundamentalmente pelas ideiasde dois autores, J. F. Lyotard e J. Habermas.O primeiro defende que a modernidade é, enquanto projectode uma crescente emancipação cultural e social cujasbases se encontram no iluminismo (a verdade, o progressoe a liberdade), um projecto que, mais do que concluído,aparece hoje como esgotado. Abriu-se, segundoLyotard, uma era de experimentação, na filosofia, nas artese em vários sectores da cultura, que se produz sem outroscritérios que não sejam os da auto-avaliação do interessedas suas próprias realizações e virtualidades, ideiaque nos remete para as questões de gosto.Jürgen Habermas afirma, pelo contrário, que o diagnósticoe as teses de Lyotard são o culminar de um longo errode interpretação, cujas raízes se devem encontrar no eixoKant-Hegel e que a modernidade continua a ser um projectoinacabado que é preciso continuar, por um lado, procurandodetectar as vias erradas que se tomaram, por outro,repensando-o nas condições da cultura e sociedade de hoje.Ao projecto inacabado da modernidade, Jurgen Habermasrefere-se desta forma:«É inevitável que se tome consciência que a racionalidademoderna não explica tudo. O fundamentalismo técnicocientífico pode ser de tal forma esvaziador que deixeque o sentido passe a ser propriedade das novas igrejasfundamentalistas. (...) As fronteiras entre o secular e o sagra<strong>dos</strong>ão móveis. E a partilha nunca é definitiva. Pensarque a separação foi feita de uma vez para sempre, e que asfronteiras ficaram completamente estanques, é dar origema novas formas de fundamentalismos exacerba<strong>dos</strong>». 4Casa Maria Amélia Burnay, Foto Graça CorreiaDe forma análoga, a noção de modernidade, através daqual se procurou explicar a arquitectura portuguesa nosanos 1960, acompanhou o discurso internacional e associou-sea uma crítica que impôs (ignorando os critérios estéticosque estavam na sua base) «a transparência da funçãoe da técnica como atributos essenciais de uma arquitecturaque, para além do mais ainda teria que reflectir,sociologicamente, o espírito da sua época». 5Acreditando no alerta de Habermas, e procurando naorigem do debate moderno as causas do equívoco que reduziua modernidade a uma apologia da racionalidade daarte e expressão técnica de uma época, é necessário esclarecera necessidade de reagir à dissolução <strong>dos</strong> seusprincípios e reclamar o desenho de um «esqueleto» quepelo seu carácter de critério ordenador possa informaruma estrutura autêntica para o pensamento.A tentativa de explicação racional da subjectividadefuncionou como um obstáculo ao pensamento, impedindoo ultrapassar da racionalidade senão pela anulação do sujeito;no entanto, a abstracção e o entendimento são precisamentecaracterísticas do sujeito, não são é passíveis deredução a meros actos de vontade pessoal.É precisamente pela sua acção criativa que o sujeitoorienta a prática até à universalidade – que actua comohorizonte – e esta é uma declaração de modernidade quetem vigência hoje como tinha no momento de vanguardaartística e que fundamenta a sua contemporaneidade.Trata-se de uma ideia artística de arte que, segundoOrtega y Gasset, promove um papel activo por parte do espectador:«a sua experiência da forma culmina o fenómenoartístico da modernidade. A opinião estética do sujeitoconclui o processo de realização de um artefacto cujo senti<strong>dos</strong>ó é acessível a partir da consciência visual.» 6E foi a incompreensão desta relação específica entre aarte e a realidade, entre a consciência visual e a experiênciada forma, a exploração negativa de manifestos propagandistas(em que se destacou a ideia de «machine à habiter»,omitindo a inseparável «machine à emouver»), a atribuiçãoda negação da história como subjacente ao espíritomoderno, a redução tecnológica e funcional <strong>dos</strong> seus propósitos,que levou ao vazio, ao recurso às operações conceptuaise que introduziu o paradoxo verificado no séc. XX,em que estas qualidades essenciais, tão inequivocamenteenunciadas, são apresentadas como a patologia fundamentalda arquitectura moderna.Sem se perceber que a nova formalidade era o própriofundamento da arquitectura moderna, tentou corrigir-se osseus problemas através de parâmetros como tradição, sociedadee técnica – a ideia de modernidade associou-se entãoà transparência da obra em relação a tais requisitos, comose esta e o arquitecto (sujeito) não fossem indissociáveis.Ao actuar assim e retirando a dimensão essencialmentemediadora e formalizadora do criador, nega-se o quetem de específico a prática da arte. Neste ponto encon-Permanência do Moderno – Ruy Athouguia29


Perspectiva entregue juntamente com o projecto de licenciamento. Arquivo Ruy Athouguia (desenho desaparecido)30 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Foto do Bairro das Estacas. Arquivo Horácio NovaisTorre de Infante em Cascais, 1960-65. Foto Graça Correiatrou-se então um contra-senso: opôs-se formalismo abstractoa uma arquitectura que se definiu como racionalistae incorreu-se numa contradição que só se resolvia esvaziandode sentido os dois conceitos, racionalismo e forma.Decidiu-se então chamar «racionalista» a esta arquitecturadeterminada por decisões de carácter visual, demaneira que o racionalismo deixou de ser um modo de entenderpara se converter num estilo e o formal deixou dereferir-se ao conjunto de relações que determinam a estruturade um universo visual e passou a ser entendido comoa aparência sensível de um artefacto.Ao esvaziar de sentido um e outro conceitos, pervertiasea própria noção de modernidade e criaram-se as condiçõesque impediram ou condicionaram o seu conhecimentoe evolução.Na opinião de Hélio Pinón, o desaparecimento da ideiade forma como entidade vertebradora da obra, que acompanhoua irrupção <strong>dos</strong> realismos durante os anos 1960,propiciou uma atenção aos pormenores do edifício comoautêntico indicador do seu valor estético e, portanto, dasua qualidade arquitectónica; assim, o elemento adquireautonomia em detrimento do sistema de relações - quando,ao contrário, é ao incorporá-lo a uma estrutura específicaque se dá lugar a um artefacto específico e genuíno.Se substituirmos a análise das condições de produção,pela análise <strong>dos</strong> discursos originais, verificamos que o determinantenão era o reconhecimento <strong>dos</strong> feitos da nova épocacom o seu inventário da técnica e economia, mas as particularesrelações que o arquitecto podia estabelecer com eles.Ainda em 1910, numa conferência largamente publicadae que fazia, naturalmente, parte das leituras de Mies,Behrens contestava implicitamente a «mentira construtiva»como base estética, responsabilizando por este errouma espécie de «orientação académica da nossa estéticamoderna» que pretendia fazer «derivar a forma artísticado fim utilitário e da técnica... Da construção ou <strong>dos</strong> materiaisnão surge nenhum estilo. Não existe nenhum estilomaterialista e não existiu nunca. A unidade que tudo abarca,de uma época, parte de um complexo de condiçõesmuito mais amplo do que possam representar esses doisfactores por si sós. A técnica não pode ser entendida durantemuito tempo como finalidade por si mesma, ganhandomais valor e significado quando reconhecida como meiomais importante de uma cultura.» 7 .E é sob estas influências que Mies evolui, levando a arquitecturaa um mundo de significa<strong>dos</strong> e valores espirituaiscuja ordem depende do «como» em detrimento do«quê», precisamente segundo o modelo clássico apontadopor Vitrúvio. Mas não era só Mies quem amadurecia assim,também Le Corbusier escreveu:«Perdão! Fazer ressaltar a construção está bem paraum aluno de Artes e Ofícios que procura demonstrar osseus méritos... Quando uma coisa responde a uma necessidadenem por isso é bela: satisfaz toda uma parte do nossoespírito, a primeira parte, aquela sem a qual não há satisfaçõesulteriores possíveis... A arquitectura tem outrosfins e outros princípios para além de fazer ressaltar asconstruções e responder a necessidades (...). A arquitecturaé arte por excelência, que chega ao estado de grandezaplatónica, ordem matemática, especulação, percepção daharmonia mediante relações comevedoras. Este é o verdadeirofim da arquitectura.» 8De facto, se a arte não evoluísse com uma certa autonomiaem relação às vicissitudes sociais como afirma HeinrichWölfflin, o classicismo não teria abarcado um períodode mais de três séculos e para entender a origem das sensaçõesLe Corbusier e A. Ozenfant investigaram profundamenteas sensações directamente perceptíveis pelo olho.Esta ideia tem precisamente a sua origem conscienteno início do séc. XX, mas foi já nos finais do séc. XIX quepensadores e historiadores da arte, ao tomarem consciênciadas sensações que revelam as propriedades visuais darealidade, a apresentam como forma de conhecimento enão de representação.Recorte de Jornal encontrado no escritório de Ruy AthouguiaPermanência do Moderno – Ruy Athouguia / Graça Correia Ragazzi31


Cruzamento da Av. De Roma com a Av. Da Igreja, 1960-66. Foto Graça CorreiaMaqueta do edifício de habitação colectiva na Av. Miguel Frei Contreiras, realizadoem co-autoria com Sebastão Formosinho Sanchez, 1957-59. Arquivo Ruy Athouguia32 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Maqueta da Pousada da Nazaré / Faculdade de Geociências em Aveiro, Eduardo Souto MouraDe facto, foram autores como Heinrich Wölfflin 9 e KonradFiedler 10 que discutiram a noção de estilo como se ele pudesseser definido em termos de padrões espaciais ou formaisdominantes e foram longe ao sugerir que as estruturasvisuais subjacentes eram a chave para o caminho pelo qualas Zeitgeist 11 do passado se exprimiam. Mais tarde, em 1907Worringer publica a «Abstraktion und Einfühlung» 12 , ondeapresenta a empatia com base na ideia de que as qualidadesda realidade que interpretamos são expressão da nossa subjectividade,já que os mo<strong>dos</strong> como as representamos expressamesta<strong>dos</strong> anímicos e, por contraste, a ideia de abstracção,que define a condição estética, situa a beleza noinorgânico, na sujeição a leis universais.«Ao longo da segunda metade do séc. XX desenvolve-seuma linha de pensamento estético que parte das categoriasda visualidade pura e se distancia a noção hegelianada arte como manifestação sensível da ideia. Pondo oacento na beleza livre de qualquer finalidade em oposiçãoà beleza orientada segundo um objectivo concreto.» 13Hélio Pinón destaca ainda a importância de Herbart queconstruiu a sua ideia de estética em oposição à estéticaidealista. Fiel a Kant na sua concepção da arte como objectosem finalidade, reduziu o conhecimento a «forma» e reconheceua beleza na forma livre de significação, definindocom toda a clareza a «forma pura» como fruto de relações,negando a qualidade estética <strong>dos</strong> elementos toma<strong>dos</strong>isoladamente – «não há beleza nas cores em si mesmas»,mas nas suas relações. 14Deste modo opõe o formalismo abstracto à significação,próprio da estética Hegeliana, cuja leitura podemosver nas obras ditas «pós-modernas», onde os elementossão toma<strong>dos</strong> precisamente de forma isolada e não pelasrelações que estabelecem entre si. 15 Herbart, seguindo aideia de Wölfflin, opõe-se a qualquer entendimento da arteque relativize a importância da obra como entidade e a remetaa universos que a transcendem, e com base nos princípiosgerais da «Crítica da Razão» de Kant, reduz a importânciada arte às categorias da visão do objecto. Por outrolado, ao categorizar a visão aponta a noção de estruturaimanente do objecto em causa, inexistente sem a actuaçãodo sujeito.Resulta deste pensamento estrutural a concepção doacto de projectar como o estabelecimento de um sistemade relações entre elementos – que vale tanto para as relaçõesinternas entre as partes de um edifício quanto paraas relações de um edifício com os componentes de um lugardo qual faz parte.Ao contrário da arquitectura pré-moderna e das tendênciaspós-modernas, a forma não deriva de nenhum sistemaprévio exterior a ela (historicista, existencialista ouideológico) e nem tão-pouco é o objectivo da actividadecriadora. Nesta arquitectura, moderna ou herdeira directado modernismo, o projecto é a actividade totalizadora quesintetiza na forma os requisitos do programa, as sugestõesdo lugar e a disciplina da construção, ou seja as questõesbásicas da arquitectura, sem se deter (como diriaPermanência do Moderno – Ruy Athouguia / Graça Correia Ragazzi33


Perspectiva da Pousada da Nazaré. 2ª versão 1956. Arquivo Graça CorreiaPlantas da Pousada da Nazaré. 2ª versão 1956. Arquivo Ruy AthouguiaWölfflin) em aspectos não artísticos. Por meio da abstracção,o saber disciplinar acumulado historicamente torna--se parte da produção cultural contemporânea, que apontaoutra das questões fundamentais – o modernismo em continuidadecom a história.Permanência do ModernoEm Portugal interessou dizer que não houve arquitecturamoderna, mesmo ignorando uma figura como Athouguia,já que colocaria em causa a perspectiva vigente; averdade é que naquela época não houve revolução sócio--política, cultural ou tecnológica e todas as obras eramconstruídas com meios quase rudimentares. Os preconceitos<strong>dos</strong> prematuros historiadores da modernidade usa<strong>dos</strong>para exigir que se veja na arquitectura moderna a expressãode ideologias liberais, da técnica e da construção, ficamassim abaladas pela arquitectura deste homem que,apesar de ter na administração fascista o seu maior cliente,produziu uma arquitectura inquestionavelmente modernae extremamente culta. Não se envolveu com o problemado regionalismo perseguindo o rigor técnico, a clarezaespacial e a precisão formal e visual.Uma vez acabado este ciclo e seguindo este raciocínio,já que os critérios de modernidade suscitam de novo interesse,é importante, por um lado, recuperar o verdadeirosentido racional da arquitectura moderna e, por outro, anoção estrutural e não figurativa que tem de facto a forma.Esta orientação poderá contribuir para que a apreensãoda modernidade não se limite a um neo-modernismoqualquer, mas seja operativo para o seu desenvolvimento.O racionalismo não consiste, portanto, no uso exclusivoda razão pela anulação <strong>dos</strong> senti<strong>dos</strong>, mas tem a ver comum modo de actividade intelectual que confia às ideias oconhecimento da realidade e aos senti<strong>dos</strong> o reconhecimentoda forma. Esta noção pode ser uma das pistas significativaspara encontrar o princípio comunicante a que serefere Habermas, fundamental para a sobrevivência doprojecto da modernidade, e em arquitectura não há melhorforma de comunicar do que fazê-lo com base num instrumentouniversal como é a visão.É nesta perspectiva que interessa a obra de Ruy Athouguia,no sentido de destilar da mesma os critérios que, defacto, se mantêm presentes e comunicantes, justificandoa sua permanência, procurando salientar as relações entreos elementos de intelecção visual em detrimento da identificaçãode operações conceptuais.A reformulação deste projecto em aberto exige a análisedas obras numa abordagem à prática arquitectónica,acreditando que é a prática e não a teoria o que precede oseu uso posterior no decurso da evolução e é a prática quese dirige ao futuro e produz algo de novo. Por outro lado,importa saber que a visão não só é básica para o processode construção da forma, mas também para a sua análise elonge de ser um registo mecânico <strong>dos</strong> senti<strong>dos</strong> constituiuma forma de apreensão criativa da realidade.Assim se pode entender que esta interacção entre umaobra do passado com a presente realidade não é automática,existe porque uma semelhança estrutural as une e asua percepção é-nos dada pelo esqueleto de forças visuais– é deste modo que a memória visual, captando o que é essencial,condiciona a forma futura.Athouguia associava a uma evidente sensibilidade formale visual uma grande cultura arquitectónica, apesar denão ter qualquer aptidão para a verbalizar, quer em discursoteórico, quer escrito. No entanto, a sua magnífica bibliotecaassim o atestava; vários eram os livros onde as passagensassinaladas manifestavam as suas preocupações –«Vers une Architecture» (1923), as obras completas de LeCorbusier ou de Mies, são apenas alguns exemplos processa<strong>dos</strong>na procura <strong>dos</strong> seus próprios princípios. E enquantoherdeiro do interesse de Auguste Perret no uso das formasdecorrentes do betão não caiu na armadilha de fazer equivalera arquitectura à estrutura – muito cedo lê em «TheArchitecture of Humanism» de Geoffry Scott (que já tinhainfluenciado a memória descritiva da sua Prova de CODA)a significativa passagem: «A arte da arquitectura estudanão a estrutura em si mesma, mas o efeito da estrutura noespírito humano».Ruy Jervis d’Athouguia encarna de modo exemplar adistância entre a qualidade e o mero reconhecimento que34 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


uma ideia mecânica e escolástica de modernidade gerou.Tratou-se sobretudo de uma figura ímpar no seu país jáque, sendo contemporâneo de Fernando Távora e de ÁlvaroSiza, segue um caminho singular, inflexível na sua convicção;curiosamente um caminho retomado na geração seguintepor Eduardo Souto Moura, que apesar de não o conhecerexplora as mesmas bases neoplásticas da arte modernaque Athouguia sedimentou de forma consistente emPortugal.Descobre-se no seu legado, descuidado pelas entidadesinstitucionais públicas, a coerência de um conjunto deobras realizadas e assimiladas há anos pelo seu contextocultural e urbano, no qual tiveram papel determinante - oBairro das Estacas, por exemplo, actuou como uma alavancaque permitiu melhorar, apenas pela sua presença,as futuras obras da envolvente - e que por sua vez o esqueceutotalmente. A cada vez mais frequente (re)descobertae, sobretudo, valorização de arquitectos que, comoele, recorrem a uma estrutura de carácter neoplástico paraordenar a realidade física, revela claramente a necessidadeda reavaliação lúcida da modernidade arquitectónicaque dê suporte à tendência resultante em recuperar osseus valores e o seu modo de conceber.Sugiro apenas a atenção para o projecto da Pousada daNazaré - nenhuma explicação estilística leva à relaçãoexemplar que esta supõe com a extraordinária paisagem.A forma como o volume puro pousa no local funciona comouma espécie de abstracção geológica, com uma parteem ponte, recuando e criando sombra para reforçar aemergência do corpo principal que parece levitar. Decorrede um esquema quase elementar configurado em levíssimaslajes e delica<strong>dos</strong> pilares que se referem à estruturaDom-ino e de uma grande preocupação de delicadeza quese refere directamente a Mies van der Rohe. O detalhe estáimplícito no sistema construtivo e este fica claro desdeo princípio.A planta livre sugere mais uma vez o encontro com apaisagem criando particulares articulações espaciais e éuma espécie de demonstração clara do seu vocabulário,<strong>dos</strong> seus mais pertinentes princípios estruturais e visuais.Assim, os elementos base, os quartos, são modula<strong>dos</strong> ecombina<strong>dos</strong> de forma inteligente com os espaços singularesde maneira a não competir com a própria excepcionalidadeda envolvente, mas utilizando-a como elemento devalorização da espacialidade interior.Como síntese do que faz em todas as suas obras, aPousada mostra que a forma nada tem a ver com o programae trascende claramente o seu objectivo estricto, constituindouma manifestação sensível de um modelo de assunçãodo sítio de onde emerge partindo de uma abordagemformal – ou seja visual - que nada tem a ver com oscontextualismos mais ou menos cenográficos tão habituaisnesses anos.A quantidade de relações subtis que advertimos no conjuntoda sua obra não se pode decidir sem o recurso ao olhar,assinalando que esta arquitectura, que se insiste em chamarracionalista é, na realidade, essencialmente visualista.De facto, a construção neoplástica reúne num mesmosistema formal critérios construtivos de natureza visual efísica - a forma resulta de um sistema de relações queapenas o sujeito pode estabelecer com o objectivo de conferirconsistência ao objecto arquitectónico. Trata-se deum modo de conceber específico, de forte tectonicidadeimplícita, alternativo ao da composição classicista, quesubstitui a igualdade pela equivalência, a hierarquia pelaclassificação, a simetria pelo equilíbrio, a unidade peladualidade.Por isso, no seu conjunto, a obra de Athouguia foi exemplar,no sentido em que, exibindo a sua genealogia não renuncioununca à origem <strong>dos</strong> seus princípios, critérios e soluçõese é precisamente no encontro de tal sistematicidadeque a sua herança revela pertinência e abre caminhospara o futuro, já que a experiência estética não se contentacom interpretações renovadas, mas intervém nos passoscognitivos e nas nossas expectativas, modificando o modocomo estes se influenciam.Esta geração de arquitectos teve, como vimos, que resistiraos embates das rectificações que puseram em causa,ao longo <strong>dos</strong> anos 1960 e seguintes, os critérios formaisda modernidade, abrindo as portas ao pós-modernismo,cujos efeitos to<strong>dos</strong> conhecemos. A sua reconsideraçãoé, portanto, não só um acto de justiça histórica, mas umainiciativa fundamental, já que eles nos vinculam à modernidadegenuína, ou seja, a um modo de assumir o projectode arquitectura (ainda não superado), que supôs uma revoluçãoem relação ao do academicismo classicista. ^01 Ruy Jervis d’Athouguia, Depoimento do Autor em entrevista gravada no seu escritório,em Abril de 199902 «Diário de Lisboa» de 13/01/1954, «O espírito de trabalho de dois arquitectos portuguesespremia<strong>dos</strong> na Bienal de S. Paulo». «(...)Que se tenha em atenção que o Brasil é presentemente,um <strong>dos</strong> países onde a arquitectura moderna aparece mais evoluída, contando hoje com algunsnomes que figuram entre os primeiros da Arquitectura Internacional. Tenhamos ainda emconta que, para o júri estavam convida<strong>dos</strong> nomes como os de Le Corbusier, Alvar Aalto,José Luiz Sert, Rogers e outros, pelo que poderá calcular-se a medida da sua exigencia.»(...)03 Jürgen Habermas, O Discurso filosófico da modernidade, SuhrKamp Verlag1985,Frankfurt am Main 1990, Publicações D.Quixote , p.30904 Jürgen Habermas, Micromega 5/2001, Almanacco di Filosofia, artigo como título«Fede e Sapere», p.7 a 16, Revista bimestral n.5/2001 Dez-Jan, Gruppo EditorialeL’Espresso, Roma 200105 Hélio Piñón, Raúl Síchero – Materiales de Arquitectura Moderna/Documentos 1,Edicions UPC, ETSAB 200206 Ortega y Gasset, «La deshumanización del Arte y Otros Ensaios de Estética»,1925 Col. Austral. 3ªed., Madrid. Espasa Calpe, 1993.07 Peter Behrens, Kunst und Technik, 1910 citado por Fritz Neumeyer em op. Cit. pág.14608 Le Corbusier, Vers une architecture, Paris 1923, pág. 909 Heinrich Wolfflin Conceitos Fundamentais da História da arte: O Problema da evolução<strong>dos</strong> estilos na arte mais recente, Editora Martins Fontes 4ª Ed., S. Paulo 200010 Konrad Fiedler, Escritos sobre el arte[1876-1887], La baisa de la medusa, Visor, Madrid 1991.11 Zeitgeist – tradução portuguesa: espírito da época12 W. Wrringer, Abstraktion und Einfühlung [1908], Trad. Castelhana: Abstracción y naturaleza,Fondo de Cultura Económica, México 195313 Hélio Pinón, El sentido de la arquitectura moderna – Materiales de ArquitecturaModerna/Ideas, Ediciones UPC, ETSAB 1997, p. 814 Hélio Pinón, op. Cit. p. 1415 ver desenvolvimento desta ideia em William J. R. Curtis, Modern Architecture since 1900,Editorial Phaidon, third edition 1996Perspectiva da entrada na Pousada da Nazaré. 1ª versão 1954. Arquivo Graça CorreiaPermanência do Moderno – Ruy Athouguia / Graça Correia Ragazzi35


CRISTINA VERÍSSIMOCríticaO TEMPO E OS MATERIAISDA ARQUITECTURAA ideia que um edifício dura para sempre tem sido questionadaao longo <strong>dos</strong> tempos. Apesar da vontade de eternidade<strong>dos</strong> construtores egípcios, a verdade é que os edifícioscontêm em si a ideia de um “ciclo de vida” (“do berço ao túmulo”),que em muitos casos pode ser longa.A qualidade da sua matriz conceptual permite, muitasvezes, que um edifício se vá adaptando a diferentes utilizações/funçõesao longo da sua vida. No entanto temo-nosdeparado com múltiplos problemas de conservação quetorna muitas vezes difícil a sua preservação. Em muitoscasos certos valores arquitectónicos, simbólicos, culturaissobrepõem-se à deterioração da matéria de que são construí<strong>dos</strong>e verifica-se um esforço de manutenção de edifíciosdo património arquitectónico de uma dada sociedadee cultura. Mas será essa preservação possível para um númeroextensivo de edifícios e por um período extensivo detempo? Até que ponto esta ideia de que a “Arquitectura épara sempre” pode ficar comprometida se o seu resultadofinal, a construção, afinal não tiver essa capacidade de durarpara sempre? De que modo os materiais de que os edifíciossão construí<strong>dos</strong> hoje, são os responsáveis pelo “nothinglasts forever” associado à Arquitectura? Será que aconsciência da sustentabilidade do planeta terá tambémum papel fundamental no futuro da nossa Arquitectura eno modo como encaramos a materialidade e os ciclos devida <strong>dos</strong> nossos edifícios?A importância <strong>dos</strong> materiais na ArquitecturaA história da humanidade é também a história <strong>dos</strong> materiais.A descoberta de um material e a técnica associadaà sua transformação e uso determinou de muitas maneirasa história e o desenvolvimento de uma sociedade. A relevânciadesta percepção tem significado já que diferentesperío<strong>dos</strong> da história estão agrupa<strong>dos</strong> de acordo com a descobertae utilização/produção de um novo material: idadeda Pedra, Idade do ferro, industrialização, etc.A história da arquitectura está também ligada aos materiais.A invenção de um novo material ou méto<strong>dos</strong> deprodução teve na maior parte <strong>dos</strong> casos uma consequênciaem arquitectura: experimentação, inovação, novos conceitos,novos tipos de tecnologias de construção advêmtambém da invenção de materiais e consequente inovaçãotecnológica. Materiais tais como o betão e o aço revolucionarama arquitectura mais recente e revolucionaram omodo de viver hoje na cidade.Consciência <strong>dos</strong> limites <strong>dos</strong> recursos naturais doPlanetaO Planeta Terra sempre providenciou com os elementos/ingredientesbásicos para a produção de um númeroilimitado e variado de materiais. De acordo com Ivan Amato1 os humanos extraem cerca de 15 biliões de toneladasde substâncias naturais por ano, <strong>dos</strong> quais fazem todoo tipo de substâncias que podemos encontrar.Percebemos hoje que as reservas naturais do planetatais como produtos alimentares, água, combustíveis fosseis,espaço e qualidade do ar não são inesgotáveis. Hoje,para além da consciência da limitação destes recursos, começatambém a existir a consciência <strong>dos</strong> custos ambientaisque o desenvolvimento industrial tem provocado no planeta,associado à consciência que a construção é uma dasmaiores fontes de poluição do planeta, de que “os edifíciossão <strong>dos</strong> maiores contribuidores de lixo tóxico indecomponíveldo mundo. A indústria da construção usa três biliões detoneladas de materiais naturais do planeta por ano. 2Começamos já a perceber que assuntos relaciona<strong>dos</strong>com a qualidade ambiental, ganham gradualmente importância,devido a resulta<strong>dos</strong> de investigação, acções governamentaise campanhas para reduzir lixo e produtostóxicos, e a uma sensibilização geral que as melhorias ambientaistêm que ser implementadas. É crucial a necessidadede mudança colectiva com base numa consciênciasustentável.Deverão ser devidamente exploradas as possibilidadese direcções no modo de pensar este problema, no sentidoda mudança. Sabemos que essa mudança implica, em parte,uma alteração no modo como utilizamos os nossos recursosnaturais em arquitectura e portanto uma novaconsciência em como os arquitectos projectam, constroeme com o que constroem. 3Nova geração de materiais 4Estamos a fazer um esforço de rentabilização das nossasmatérias-primas. Hoje em dia, avanços tecnológicospermitem a transformação de materiais naturais em materiaisalternativos mais sofistica<strong>dos</strong> e complexos. “Osmateriais não têm a aparência que tinham no passado.A engenharia concedeu a esses materiais a possibilidadesde alteração, permitindo o seu renascimento em “mutações”das anteriores 5 . Hoje temos a possibilidades de ver,manipular e utilizar materiais de uma forma nova, de acordocom o tipo e características desses novos materiais.Estão a ser desenvolvi<strong>dos</strong> estu<strong>dos</strong> em materiais contemporâneospara poder desenvolver a sua mecanicidadecom vista a poupar energia. Por exemplo, o chamado vidromacio derrete a temperaturas mais baixas que os outrosvidros, o metal leve pode ser formado a mais baixas temperaturasque outros metais.Estu<strong>dos</strong> recentes sobre materiais estão a ser realiza<strong>dos</strong>no sentido da simplificação da sua mecanização, demodo a poupar energia na sua produção e aplicação. Destesmateriais espera-se que durem mais, reduzam o desperdícioproduzido, sejam mais eficientes e resistentes àcorrosão, erosão e desgaste.Pesquisa-se ainda na procura da melhor “performance”de cada material para uma determinada aplicação. A crescentepresença do computador através de programas comoo CAD (“computer aided design”) e CAM (“computer36 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


aided manufacturing”), estão a orientar a manufacturaçãoe uso <strong>dos</strong> materiais, expondo possibilidades de produção eminimização de desperdícios”. 6Eco-eficiência <strong>dos</strong> edifíciosEm arquitectura a selecção de materiais começa a ser,mais do que nunca, um assunto fulcral. As propriedades eselecção <strong>dos</strong> materiais e tecnologias ambientais começama ser elementos cruciais em termos conceptuais e assuntosambientais.Mais do que nunca há uma série de aspectos que devemser considera<strong>dos</strong> durante a concepção de um edifício: escolhade materiais, consumo de energia, transporte, transmissãode produção tóxica, e reciclagem e ainda o uso demateriais recicla<strong>dos</strong> em novos produtos, assim como a suareciclagem no final do seu período de utilização. A maiorviragem deu-se com a consciência que os produtos nãosão meros objectos saí<strong>dos</strong> das linhas de produção, masque têm um ciclo de vida tal como os seres humanos.Os produtos devem ser considera<strong>dos</strong> em to<strong>dos</strong> os seusestágios de vida, desde a produção até a sua destruição.Terá esta nova visão sobre os materiais como consequênciauma nova forma de ver a Arquitectura?Começa a ser mais consciente este novo entendimentoque os edifícios têm um determinado tempo de vida e queessa vida depende da matéria com que é construído. Sãofactores entrópicos que definem o processo de envelhecimento<strong>dos</strong> materiais. Verificamos que há diferenças nomodo como os edifícios envelhecem e isso tem uma relaçãomuito directa com o tipo de materiais empregues.A estrutura, por exemplo, tem uma duração de vida queem muitos casos pode ser superior a 100 anos, as infraestruturas/serviçostêm uma média de vida de cerca de 25anos, mas os revestimentos podem durar apenas cincoanos, dependendo do desgaste <strong>dos</strong> materiais de acabamento,de condições externas extremas ou de uma necessidadede alteração de imagem do edifício. Considerandoque o ciclo de vida de um edifício tem uma relação directacom a duração da sua estrutura, então significa que paraum mesmo edifício necessitamos alterar 20 vezes os seusacabamentos. Significa, então, que um edifício vai sofrendoalterações ao longo da sua vida, que por vezes o modificamsubstancialmente, o que nos leva a questionar o quesignifica “eterno” em arquitectura.Edifícios para o FuturoHá que procurar usar materiais mais resistentes e duráveisna sua estrutura no futuro porque essa irá durarmais e conceber essa estrutura de modo a tornar possívela sua adaptação a outras utilizações. Para os acabamentos,incluindo em muitos casos as fachadas com menoresciclos de vida, poderão ser utiliza<strong>dos</strong>, por exemplo, materiaiscom os seguintes critérios:– Escolhas de materiais com baixos consumos de energia,isto é que necessitem de pouca energia para seremproduzi<strong>dos</strong> ou recicla<strong>dos</strong>: por exemplo alumínio, vidro.– Incorporação de materiais recicla<strong>dos</strong>, logo no momentoem que concebemos um projecto.– Aproveitamento de materiais reutilizáveis. Muitosmateriais podem ser aproveita<strong>dos</strong> se para além da suamontagem, pensarmos como podem ser desmonta<strong>dos</strong>.Por exemplo divisórias de escritórios podem ser relocalizadas,sem necessidade a novos materiais.Um maior equilíbrio entre arquitectura, cultura e ambientepoderá ser alcançado quando estes grupos de materiaissão combina<strong>dos</strong> e quando são pensa<strong>dos</strong> como parteintegrante do da fase inicial do processo de concepção arquitectónica.Desde sempre a Arquitectura soube aproveitar e reutilizarrecursos e matérias-primas que após catástrofes oudemolições foram incorporadas, em muitos casos directamentesem qualquer tipo de transformação, em novos edifícios.Actualmente existem mais preconceitos relaciona<strong>dos</strong>com o valor estético <strong>dos</strong> materiais com vista à reutilizaçãoe reinvenção na arquitectura. Até que ponto o poucovalor estético de um material pode levar a que este sejadestruído ou transformado?A arte tem utilizado uma gama alargada de materiais,em muitos casos considera<strong>dos</strong> desperdícios/”lixo” e temcom eles construído peças cujo valor estético é singular.Na Arquitectura temos feito pouca utilização deste tipode materiais com vista à incorporação de uma nova estética,da materialidade na Arquitectura. No entanto, aparecemalguns exemplos recentes da inclusão de alguns materiaisque, não sendo materiais de construção de arquitecturapor excelência, são utiliza<strong>dos</strong> pelo seu valorestético. 7Esta consciência sobre a eco-eficiência <strong>dos</strong> edifícios levaráa um novo entendimento, sobre o modo como projectamos,construímos, mantemos/alteramos e destruímosos nossos edifícios, a nossa Arquitectura. Estamos gradualmentea afastar-nos do modo como o século XX utilizouas matérias-primas do planeta e em especial como aArquitectura as transformou. A humanidade tem sempreconseguido produzir em cada dado momento com determinadascondicionante, um conjunto de obras e paisagenscom um valor patrimonial e arquitectónico incomensurável.Há, cada vez mais, que entender que a Arquitecturaactualmente tem que lidar com outros factores, outras estratégiasde construção que nos levem a ter uma vida maissaudável, mais atentos ao meio ambiente.O Tempo ajudar-nos-á a perceber que “nothing lastsforever” e que a a Arquitectura não é para sempre. Temosque mudar. ^1 Amato, Ivan, Stuff: the materials the world is made of, 1st ed. New York, NY:BasicBooks, c19972 em Sam Martin, The right stuff,in Mother Earth News, June/July 20003 Jong-Jin Kim, Introduction to Sustainable Design, “Architectural professionals have toaccept the fact that as a society’s economic status improves, its demand for architecturalresources — land, buildings or building products, energy, and other resources — will increase.This in turn increases the combined impact of architecture on the global ecosystem, whichis made up of inorganic elements, living organisms, and humans. The goal of sustainabledesign is to find architectural solutions that guarantee the well-being and coexistenceof these three constituent groups”, National Pollution Prevention Center for HigherEducation, c 1998, p 7.4 “Nova Geração ” de materiais, ou Engineered Materials (materiais modifica<strong>dos</strong>).5 em Antonelli, Paola, Mutant materials in contemporary design, New York: Museumof Modern Art ; Distributed by Abrams, c1995, p 9.6 em Antonelli, Paola, Mutant materials in contemporary design, New York: Museumof Modern Art ; Distributed by Abrams, c1995, p15.7 A reinvenção de uma utilização diferente para a qual foram inventa<strong>dos</strong> um material ou umsistema, é chamado de “misuse”. Este foi o tema da minha tese de Mestrado, intituladaDisposable Beauty – materiality in Architecture realizada na Universidade de Harvardem 2002.O Tempo e os materiais da Arquitectura37


JOSÉ CAPELACríticaARQUITECTURASEM ARQUITECTURA 1Aquilo que se designa como «arte conceptual» é um fenómenorelativamente recente. Teve as suas primeiras manifestaçõesem mea<strong>dos</strong> da década de 1960 e prolongou-seaté mea<strong>dos</strong> da década de 1970. Com vantagens e desvantagens,as retrospectivas sobre o movimento são aindafortemente partidárias. A própria definição de arte conceptualé matéria de múltiplas divergências entre artistas,críticos e historiadores. Na verdade, poucas são as monografiasem que se tentam discutir os atributos que garantema coesão do conjunto de obras e autores toma<strong>dos</strong> comoconceptualistas nessas mesmas monografias. Mais comunssão os debates parcelares sobre atributos apenasaplicáveis a subtipos de obras ou de artistas. Em vez de sefixar «o que a arte conceptual é,» é mais frequente tratar«o que a arte conceptual pode incluir.» 2Para tratar o tema do estatuto formal e material daobra propõe-se aqui uma perspectiva sobre a arte conceptualsumariamente baseada em dois aspectos de ordemgeral: os propósitos do movimento artístico e as propriedadesda obra concreta, respectivamente enuncia<strong>dos</strong> nasduas alíneas seguintes.O facto de a arte conceptual reflectir sobre a própriaarte deve ser <strong>dos</strong> poucos pressupostos unanimementeaceites como definidores do movimento (em contrapartida,a especificidade das matérias sobre as quais se produzreflexão constitui o principal motivo de desencontro entreas várias acepções de arte conceptual). A obra de arteconceptual é destituída de um «tema» que seja exterior àconsideração da própria arte. É arte sobre arte: sobre a definiçãode arte; sobre a contingência material e comunicativado objecto artístico; sobre os mecanismos de difusão,reconhecimento e valorização da obra. A obra de arte é resumidaà expressão da sua própria condição de obra de arte,circunstância em que ela se transforma em «tese» sobresi mesma. (Paradoxalmente, é esta mesma reduçãoque faz com que a obra seja destituída da aparência quetradicionalmente permitiria identificá-la como «obra de arte.»)A fronteira entre prática e teoria desvanece-se. É comumdizer-se que a arte conceptual deslocou as prerrogativasda crítica para o interior da prática artística.Este pressuposto tem consequências muito significativasno que respeita ao lugar que a visualidade ocupa na arte.Tradicionalmente, a análise de uma obra visa a captaçãoda sua singularidade e concentra-se na interpretaçãodo seu «conteúdo formal» e/ou da sua «expressão» – aspectosencerra<strong>dos</strong> na aparência da obra e, nessa medida,de ordem estritamente «visual». Aquilo que é visual possuiautonomia enquanto entidade significante, quer se trate dearte figurativa ou abstracta. No que respeita à arte conceptual,não é isto que se verifica. Como se disse, no contextoconceptual interessa sobretudo o que a obra é capazde implicar quanto à consideração da arte em geral ou,mais concretamente, à consideração de fenómenos subjacentesà prática artística. (Poder-se-ia dizer que se tratada diferença entre ler um livro com o intuito de conhecer oseu conteúdo, e observar um livro para pensar sobre «oslivros».) A título de exemplo podem referir-se indagaçõesem torno <strong>dos</strong> mecanismos da linguagem inerentes às capacidadese limitações comunicativas da arte (um temamais universalista), ou em torno <strong>dos</strong> exercícios de poderque determinam a acção das instituições culturais (um temamais conjuntural). Trata-se, portanto, de fenómenosinfraestruturais, de ordem «não-visual», e em relação aosquais a obra tem um papel de total dependência: ela limita-sea funcionar como dispositivo que torna visíveis estesfenómenos do domínio do não-visual, à semelhança de umelectrocardiógrafo que regista o ritmo cardíaco num gráfico,ou de um termómetro que muda de cor de acordo coma temperatura. A arte conceptual, sendo arte que reflectesobre si mesma, é caracterizada por este tipo de operatividademuito particular: a atribuição de visibilidade a fenómenosde natureza não-visual. A elucidação pode inclusiveaproximar-se da denúncia.Na arte conceptual os protocolos da prática artísticasão ignora<strong>dos</strong> ou subverti<strong>dos</strong> no que respeita quer aos factoresvalorativos da obra em si mesma, quer à sua inserçãona esfera pública. Os aspectos de ordem visual perdem autonomia,sendo subordina<strong>dos</strong> à eficácia comunicativa daobra e à imediatez da definição da sua forma e/ou da suaexecução. O «estatuto formal» e o «estatuto material» daobra de arte são, portanto, considera<strong>dos</strong> irrelevantes.Quando se recorre a imagens ou objectos, eles adquiremuma aparência banal, desafectada, uma tendencialausência de estilo («o grau-zero do estilo», como lhe chamouVictor Burgin). É comum recorrer-se ao que é genérico:objectos-tipo, fotografias de carácter documental, escritamanual ou «lettering» vulgar como o das máquinasde escrever ou o que é utilizado nos jornais, desenhos esquemáticos,tabelas e diagramas, mapas, folhas de papelde uso corrente ou simplesmente arrancadas de cadernos,fotocópias, material de escritório como «<strong>dos</strong>siers» de argolas,fita cola, papel milimétrico, etc. Quando se levantamquestões de natureza compositiva a subjectividade éevitada através da mais isenta adopção de grelhas modularesou de formas elementares como quadra<strong>dos</strong> e cubos.Por vezes, a obra consiste numa intervenção directa sobreum suporte pré-existente, arquitectónico ou paisagístico,não adquirindo autonomia física em relação ao seu contexto.Outras vezes (ou em simultâneo), o que se produznão chega sequer a adquirir qualquer tipo de estabilidadeou consistência física, abandonando-se à temporalidade.Criam-se, designadamente, sistemas auto-regula<strong>dos</strong> (porexemplo, a mostragem electrónica de uma estatística sobreo perfil <strong>dos</strong> visitantes de uma exposição, actualizadaem tempo real com base nos formulários preenchi<strong>dos</strong> pelospróprios visitantes à entrada do museu 3 ); situações(por exemplo, o anúncio de que durante o período de tem-38 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


po em que se encontra instalada uma exposição numa galeria,essa galeria se encontra encerrada 4 ); ou acções (porexemplo, seguir to<strong>dos</strong> os dias uma pessoa que circule narua até que ela entre num espaço privado e por isso inacessível5 ). O avanço de manifestações artísticas deste tipo,caracterizadas pela sua instabilidade ou inconsistênciafísica é acompanhado pela multiplicação de estratégias defixação e comunicação adequadas. Fotografias, gravaçõesáudio e filmes são comuns enquanto registos de fenómenospassa<strong>dos</strong>, mas a preponderância atribuída ao enunciado«verbal» da obra – o que ela é ou poderia ser – podeconduzir à auto-suficiência desse enunciado enquanto entidadeapresentada ao público. Quer a notícia que se dá daobra seja posterior à sua concretização, quer seja anterior,o que se verifica é que a tradicional preponderância daobra relativamente à informação que sobre ela se disponibilizaé substituída pela preponderância, ou mesmo pelatotal autonomia enquanto «obra,» da informação. E estamudança permite que as modalidades de inserção socialda obra de arte se multipliquem. A «leveza» da informaçãopermite que o museu e a galeria percam hegemonia enquantocontextos de encontro com o público e que (paraalém de subversões em torno do que são os espaços de exposição)se possa comunicar através de suportes tão diversoscomo livros, brochuras, páginas de publicaçõesexistentes especializadas ou não, painéis destina<strong>dos</strong> aanúncios, correspondência postal, etc. 6Estes dois grandes itens – os propósitos descritos emA) e as propriedades da obra concreta descritas em B) –sintetizam o «porquê» e o «o quê» da arte conceptual. Adiscussão que a seguir se propõe visa analisar a naturezada inter-relação que se estabelece entre eles, bem como otipo de «funcionalidade» que essa inter-relação confere àarte. Na medida em que se encontra implicado nesta discussão,será também abordado o papel histórico da arteconceptual. Por fim, o tema será enunciado no que respeitaà especificidade disciplinar da arquitectura.1. detracçãoEm análises retrospectivas é recorrente afirmar-se quea arte conceptual foi um projecto que fracassou. E existemmotivos para o afirmar. Num contexto político e culturalmarcado pela guerra no Vietname e pelas reacções que elaprovocou, pelas lutas estudantis e por propostas de mo<strong>dos</strong>de vida libertários, a ambição <strong>dos</strong> artistas conceptuais eraa de escapar à institucionalização da arte em museus e galerias,bem como à submissão à lógica de mercado. A arteconceptual é considerada, por excelência, a arte da contra-culturada «geração de 60.» As modalidades de produçãoe divulgação adoptadas no contexto artístico visavam,por um lado, libertar a criação das ortodoxias que a constrangiame, por outro, democratizar o acesso à arte. E, defacto, não foi isso que se verificou. O mercado e as instituiçõesdemonstraram uma grande capacidade de absorveros insólitos produtos da arte conceptual e, pouco depois,readquiriram protagonismo categorias tão ortodoxas comoa pintura e a escultura, fenómeno que teve a sua máximaexpressão na década de 1980 (com evidentes paralelismosno âmbito da arquitectura).Este balanço negativo é por vezes concluído com aconstatação de que o pretendido «anti-estilo» da arte conceptualacabou por ser fixado como um estilo: um conjuntode sinais aparentes, não só reconhecível, como dotado deestatuto. Isto equivale a dizer que os recursos que na arteconceptual permitem equacionar e formalizar a obra concretasão utiliza<strong>dos</strong> sem que tenham como efeito espoletara reflexão sobre a natureza e a contingência do que seentende por «arte.» Verifica-se portanto uma cisão entreos propósitos conceptualistas – antes descritos em A) – eas propriedades da obra concreta – descritas em B) – desvirtuando-seassim o projecto da arte conceptual.Se este problema é diagnosticado no percurso da arteconceptual, pode levantar-se um outro, semelhante masde âmbito historiográfico mais vasto, relativamente à legitimidade– ou à falta de legitimidade – do surgimento nosegundo pós-Guerra da «neo-vanguarda» no seu todo (naArquitectura sem Arquitectura39


qual se inclui a arte conceptual) resgatando alguns aspectossubversivos das vanguardas históricas e em particulardo dadaísmo e da vanguarda russa/soviética. A este respeito,pode destacar-se a posição peremptória de PeterBürger ao recusar a legitimidade da neo-vanguarda. ParaBürger, após a instituição arte ter demonstrado a sua capacidadede sobrevivência aos ataques das vanguardashistóricas, é falaciosa a «aplicação com fins artísticos <strong>dos</strong>processos que a vanguarda concebeu com intenção antiartística»e, nessa medida, «[...] a neo-vanguarda institucionalizaa vanguarda como arte e nega assim as genuínas intençõesvanguardistas.» 7 De acordo com esta perspectiva,a cisão entre «formas» e «intenções» não é um fenómenoque provenha do desenvolvimento da arte conceptual masé, em vez disso, um fenómeno inerente ao próprio surgimentoda arte conceptual. 82. apologiaDas análises sobre o papel histórico da arte conceptual,gostaria de destacar aquela que John Roberts apresentano artigo «Conceptual Art and Imageless Truth.» 9 O textoé estruturado relacionando a obra de diferentes artistasconceptuais com um denominador comum que Robertsidentifica com a noção de «verdade sem imagem» de Hegel.O principal contributo de Hegel para a estética prendese,de acordo com Roberts, com a sua descrença relativamenteà universalidade das imagens – uma universalidadeprópria da estabilidade <strong>dos</strong> valores religiosos e entretantoultrapassada pelo pensamento e pela reflexão ou pela perseguiçãodaquilo que Hegel designou como «verdade semimagem». Assim se abre o caminho para uma «arte dopensamento.» E, na medida em que o pensamento se autoreformulacontinuamente, assim se coloca, também, a arteperante o problema de conferir uma aparência ao que seencontra em devir. A este respeito Roberts afirma que«[…] a acção da consciência não pode ser expressa de formadescritiva ou através de linguagem corrente; só podeser experimentada em movimento. […] A incapacidade defixar a verdade numa imagem não deve ser encarada comouma limitação, mas antes como base intencional e activado entendimento. A verdade é temporal e não espacial.» 10No que respeita especificamente à arte conceptual, ateoria de Roberts é a de que a «verdade sem imagem» lheé subjacente. A «verdade sem imagem» é o paradigmaque, no contexto da arte conceptual, conduz à emancipaçãoda arte e, simultaneamente, à consciência das limitaçõesdessa emancipação: «[…] a arte conceptual é um <strong>dos</strong>principais momentos em que a reflexão sobre as condiçõesde produção artística é conduzida por uma consciênciadialéctica das possibilidades e das limitações da arte, daaparência sensível e da verdade, da imagem e da linguagem.A arte conceptual é a primeira vanguarda artística atrazer para o desempenho da arte moderna, na prática, aconsciência filosófica da sua própria alienação.» 11 Estaconstatação torna claras as dificuldades de estabeleceruma comparação entre as vanguardas históricas (e a heroicidadeapocalíptica que as caracteriza, cujo último suspiroterá sido o situacionismo) e a arte conceptual (instauradorade um novo nível de auto-consciência artística).Ambas promovem a desestabilização da categoria «arte»por meio de um radical alheamento <strong>dos</strong> cânones formais eprodutivos vigentes, mas os respectivos «modelos» deoperatividade crítica são muito diferentes, tal como o sãoos estádios do modernismo que as contextualizam e comos quais dialogam. Na arte conceptual, afirma Roberts, «acrítica à categoria ‘arte’ não começa [como acontecia nasvanguardas históricas] a partir da rejeição idealista daideia de prática artística como um todo – a linguagem <strong>dos</strong>postula<strong>dos</strong> abstractos, das projecções utópicas, e dasproscrições moralistas – mas emana antes da crítica àscondições de expressão, referência e significação que lhesão oferecidas à partida.» 12 Neste sentido, a obra de arteconceptual é mais reactiva do que afirmativa. Mais do queconstituir um manifesto, funciona como diagnóstico dastensões a que está sujeita ou como território de explícitanegociação entre essas tensões. Peter Bürger não valorizaesta possibilidade porque, no seu purismo materialista(compreensível no início da década de 1970), considera estequestionamento inoperante: incapaz de ter consequênciasefectivas no funcionamento do sistema social.Da<strong>dos</strong> estes pressupostos, pode concluir-se que a obrade arte conceptual deve ser adequada ao carácter provisório,temporal, da especulação nela proposta. Isto não significaque a obra deva ser precária, como símbolo da naturezado seu conteúdo (isso seria entrar num universo demetáfora estranho ao conceptualismo). É a «funcionalidade»da obra que deve ser adequada à natureza sempreprovisória do pensamento, adequada à «verdade sem imagem».A este respeito, é significativo que Roberts recorrarepetidamente a termos relaciona<strong>dos</strong> com o debate. Utilizadesignadamente os adjectivos: «discursivo», para se referirao conteúdo tendencialmente argumentativo da obrade arte conceptual; «dialogical» (em português: «com anatureza de um diálogo») para designar o tipo de relaçãoque se estabelece entre a obra e os seus receptores; e«conversative» (em português: «realizado sob a forma deconversa») para qualificar um tipo de actividade artísticapromovida pelo grupo Art & Language e que, paradigma da«verdade sem imagem», não consistia em mais do queefectivas sessões de conversa sobre arte. A obra de arteconceptual constitui um dispositivo de debate que mantéminstáveis as categorias artísticas tal como se mantém instávelo tema de uma discussão em curso. Por um lado, veiculaa especulação activada pelo artista. Por outro, propiciao exercício de consciência do receptor que prolongao(s) sentido(s) da especulação proposta. O encontro entrea obra e o receptor constitui um evento (termo utilizadopor Roberts), não só de natureza eminentemente cognitiva,como em aberto. E para que assim seja, esse encontronão pode ser desviado nem para a descodificação de da<strong>dos</strong>miméticos (como acontece quando a obra representa umqualquer «tema»), nem para o campo da sensibilidade estética(no qual o que vale são as qualidades formais daobra, em sentido abstracto). Qualquer deles, como qualquersemelhança da obra com arte precedente, encerrariao território cognitivo da obra.A «ausência de arte» que caracteriza a aparência daobra conceptual (muito diferente da eloquência da disrupçãoformal que caracteriza grande parte das obras dasvanguardas históricas 13 ) produz o território necessário aque artista e receptor se centralizem na sua relação com aarte, nos limites dessa relação e nos limites da própria arte.Apenas o abandono <strong>dos</strong> protocolos internos da disciplinapermite deslocar o foco da actividade criativa ou cognitivapara o questionamento da disciplina. É por este motivoque as propriedades da obra concreta – antes descritasem B) – são um meio necessário aos propósitos conceptualistas– descritos em A).40 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


3. arquitecturaVulgarmente, a utilização do termo «conceito» no âmbitoda arquitectura é relativa à afirmação obscura de queum projecto tem uma «ideia forte» a sustentá-lo. Historiograficamente,não existe nada a que se chame «arquitecturaconceptual.» Eisenman, ao definir uma sintaxe da formaarquitectónica, reivindicou ser conceptualista, mas namedida em que visou a definição de um centro disciplinarestável e universal baseado em considerações de ordemformal, não pode em rigor ser considerado conceptualista14 . De acordo com o argumento que aqui se apresentou,será no eventual abandono <strong>dos</strong> protocolos disciplinaresque se deverá procurar uma «arquitectura conceptual», dedebate e instabilidade. Mas na arquitectura esse abandonoé mais improvável do que na arte. De que estatuto poderáa produção <strong>dos</strong> arquitectos prescindir de modo a que elase transforme em problematização sobre si mesma? Prescindirdo estatuto formal <strong>dos</strong> projectos significaria deslocara criatividade e a intencionalidade para o exterior dovalor escultórico <strong>dos</strong> volumes, da plasticidade <strong>dos</strong> materiais,do requinte do detalhe (aquilo que Vitrúvio definiu comoVenustas). Prescindir do estatuto material da construçãoseria atribuir prevalência à imediatez do desempenhoem detrimento da garantia da perenidade (aquilo que Vitrúviodefiniu como Firmitas). Em qualquer <strong>dos</strong> casos, tratar-se-iade olhar para a arquitectura sem ter à vista asqualidades estáveis próprias <strong>dos</strong> objectos.Também não se tratará de fenómenos de desmaterializaçãotecnológica, como aqueles que Ignasi de Solà-Moralesanteviu sob a designação de arquitectura líquida ouimaterial 15 . Um projecto como a Torre <strong>dos</strong> Ventos de ToyoIto, cuja aparência se transforma de acordo com a direcçãoe a intensidade do vento, é sobretudo um objecto decorativo.Mesmo o Blur Building da dupla Diller+Scofidio, quenão é mais do que a pulverização da água de um lago, estásituado algures entre a folie romântica (enquanto acontecimentoinsólito na paisagem) e o «comboio fantasma» (noque respeita à perturbação que o seu interior proporciona).São, ambos, projectos que exploram novas modalidadesde espectáculo arquitectónico.Julgo que mais próximas de cumprir um propósito conceptualistaestarão as soluções com que os franceses Lacaton& Vassal respondem às encomendas. O recurso aestufas pré-fabricadas (Casa em Coutras, 2000), a adopçãoda forma já existente de uma praça como proposta paraessa praça (Praça Léon Aucoc, 1996), ou a recuperaçãoestritamente funcional de um edifício sem concessões àcosmética (Palais de Tokyo, 2001) são propostas que, noseu pragmatismo extremo, servem de exemplo ao que podemser contributos para tornar temporal a prática arquitectónica.Neles, a aparente ausência de arquitectura permitemanter instável o que se entende ser a «qualidade doobjecto arquitectónico,» o «projecto,» a «actividade do arquitecto,»ou a «arquitectura.» ^01 Esta expressão tem como referência o título que Bernard Rudofsky deu à sua exposiçãoArchitecture without Architects (MoMA, 1964-65) e o subtítulo do respectivo catálogoA Short Introduction to Non-Pedigreed Architecture, mas optou-se aqui por retirar a tónicana questão autoral.02 Sobre arte conceptual ver: Alexander ALBERRO, Blake STIMSON (eds.), Conceptual Art:a Critical Anthology, Cambridge (Mass.), The MIT Press, 1999; Benjamin H. D. BUCHLOH,“Conceptual Art 1962-1969: From the Aesthetics of Administration to the Critic ofInstitutions,” October 55 (Winter 1990), pp. 136-143; Michael CORRIS (ed.), ConceptualArt: Theory, Myth, and Practice, Cambridge (UK), Cambridge University Press, 2004;Ann GOLDSTEIN (ed.), Reconsidering the Object of Art: 1965-1975, Los Angeles, Museumof Contemporary Art, 1995; Lucy R. LIPPARD (ed.), Six Years: The Dematerialization of theArt Object from 1966 to 1972, New York, Praeger Publishers, 1973; Ursula MEYER,Conceptual Art, New York, E. P. Dutton, 1972; Robert C. MORGAN, Art into Ideas: Essayson Conceptual Art, Cambridge (UK), Cambridge University Press, 1996; Michael NEWMAN,Jon BIRD (eds.), Rewriting Conceptual Art, London, Reaktion Books, 1999; Peter OSBORNE(ed.), Conceptual Art, London, Phaidon, 2002; Anne RORIMER, New Art in the 60’s and 70’s:Redefining Reality, London, Thames & Hudson, 2001; L’Art Conceptuel: Une Perspective,Paris, Musée d’Art Moderne de la Ville de Paris, 1989.03 Refiro-me a Visitors Profile (na versão realizada para a exposição Software, InformationTechnology: Its New Meaning for Art), uma obra de Hans Haacke, de 1970.04 Refiro-me a uma iniciativa de Robert Barry, que teve lugar na galeria Art & Project,em Amsterdão, entre 17 e 31 de Dezembro de 1969.05 Refiro-me a Following Piece, uma obra que Vito Acconci levou a cabo em Nova Iorque,durante 23 dias do mês de Outubro de 1969.06 Este conjunto de fenómenos é vulgarmente designado como “desmaterialização,” nãotanto porque essa seja uma designação particularmente rigorosa, mas devido ao papelhistoricamente relevante que o artigo “The Dematerialization of Art” de Lucy R. Lipparde John Chandler teve ao tentar sistematizar o conjunto de práticas artísticas que, na época,promoviam a desvalorização do objecto. Ver: Lucy R. LIPPARD, John CHANDLER, “TheDematerialization of Art,” Art International 12:2 (February 1968), pp. 31-36.07 Peter BÜRGER, Teoria da Vanguarda, trad. Ernesto Sampaio, Lisboa, Vega, 1993, p. 103 ep. 105 (livro primeiramente editado em alemão, em 1974).08 Hal Foster foi bastante crítico em relação à teoria de Peter Bürger, defendendo a legitimidadeda neo-vanguarda. Foster partiu do conceito freudiano de “efeito deferido” ou “reinscrição”(Nachträglichkeit) e estabeleceu um paralelismo – pós-moderno – entre o percurso afectivode um indivíduo (no qual se pode verificar o “efeito deferido) e o curso da História. Assim,contrariando a máxima de Marx segundo a qual “to<strong>dos</strong> os grandes acontecimentos da históriado mundo ocorrem duas vezes, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”, Fosterargumenta que “[…] as vanguardas históricas e as neo-vanguardas estabelecem-se do mesmomodo, como processo contínuo de memória e antecipação, uma alternância complexa defuturos antecipa<strong>dos</strong> e passa<strong>dos</strong> reconstruí<strong>dos</strong> – em suma, através de efeito deferido que seafasta de qualquer noção simples de antes e depois, causa e efeito, origem e repetição.”Ver: Hal FOSTER, The Return of the Real: The Avant-garde at the End of the Century,Cambridge (Mass.), The MIT Press, 2001, p. 29. (O capítulo aqui citado – “Who’s Afraid of theNeo-Avant-Garde?” – teve uma primeira versão publicada autonomamente em 1994 sobo título “What’s Neo about the Neo-Avant-Garde?”).09 John ROBERTS, “Conceptual Art and Imageless Truth,” in Michael CORRIS (ed.),Conceptual Art: Theory, Myth, and Practice, Cambridge (UK), Cambridge University Press,2004, pp. 305-325.10 Idem, p. 306.11 Idem, p. 307.12 Idem, p. 318.13 É de referir que os ready-made de Marcel de Duchamp e os quadra<strong>dos</strong> de cor de Malevich,nos quais não se produz disrupção formal, podem ser considera<strong>dos</strong> antecedentes maisdirectos da arte conceptual do que, por exemplo, a collage ou a assemblage.14 Já tive a oportunidade de publicar um artigo em que, tanto a primeira fase de produção dePeter Eisenman, como o Neo-Racionalismo italiano e a actividade panfletária de BernardTschumi, são analisa<strong>dos</strong> à luz de pressupostos conceptualistas. Ver: José CAPELA,“Conceptualismo na Arquitectura,” Murphy – Revista de História e Teoria da Arquitecturae do Urbanismo, nº2 (Julho 2007), Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra,pp. 146-179.15 Ignasi de SOLÀ-MORALES, “Arquitectura Liquida” e “Arquitectura Inmaterial,” in Territorios,Barcelona: Gustavo Gili, 2002, pp.123-135 e pp. 137-149.Arquitectura sem Arquitectura / José Capela41


PersonaPETER ZUMTHORCONVERSA COM JOSÉ ADRIÃO E RICARDO CARVALHOHALDENSTEIN, 22 DE OUTUBRO 2007«A arquitectura e a música têm a vocação de ser de to<strong>dos</strong> os tempos e não apenasdo nosso tempo», afirmou o filósofo Eugénio Trias. Na sua arquitectura parece nãoexistir urgência. Fica a sensação de que os edifícios que constrói, mesmo os efémeros,contêm tempo e por isso apelam à permanência.Gosto de fazer edifícios que fiquem a fazer parte do nosso tempo e das nossas vidas.Pretendo fazer edifícios onde se sinta o tempo passar e onde haja naturalidade, já queessa é uma qualidade que me parece importante na arquitectura. Gosto principalmentede edifícios onde as pessoas gostem de viver.Gosto muito da ideia de que um edifício ou uma casa possa gradualmente tornar-separte do lugar onde foi construído. Que reaja fisicamente e «mentalmente» com as suasforças e que com elas estabeleça uma interacção. Há algo de «alquímico» e de inesperadoneste processo e isso interessa-me muito. Por outro lado, a mudança ocorre e nadapermanece igual. Nada fica na mesma. Não sei como estarão os projectos construí<strong>dos</strong>por mim daqui a uma centena de anos, mas gosto de pensar que têm qualidades suficientespara merecer a permanência.O facto de os edifícios serem construí<strong>dos</strong>, desde a sua génese, para permanecer ounão depende apenas <strong>dos</strong> objectivos iniciais de projecto. Já fiz edifícios efémeros, como opavilhão de Hannover, e outros que, espero, perdurarão por muito tempo. O que realmenteme parece importante é que tenham dignidade.Quem viu a minha exposição na Áustria, no Museu de Bregenz, entende a minha abordagemà arquitectura. Há sempre um novo começo em cada projecto. Geralmente esteinicia-se com uma imagem forte representada por um simples desenho. Cada projectotoma a forma de uma nova investigação.A questão de ser um projecto de hoje, de ontem ou de amanhã não tem para mim significadoalgum. E como exemplo dou a música que costumo ouvir. Gosto muito de arquitecturae de boa música. Quem é que está interessado em saber se a música era consideradacontemporânea na altura em que foi produzida? Eu não estou interessado. Estouinteressado, principalmente, na qualidade que permanece no tempo.Quando faço um edifício, faço-o, geralmente, com a intenção de durar bastante tempo.Numa abordagem, digamos, muito clássica. No entanto, quando tive a oportunidadede fazer o projecto para a Expo de Hannover fi-lo com uma intenção totalmente oposta.Desde o início a ideia era que o edifício fosse desmontado no final da exposição. As madeirasutilizadas na sua construção seriam vendidas e reutilizadas. O edifício foi pensadode modo a que o seu sistema construtivo trabalhasse apenas com tensão e compressão,permitindo por isso que a madeira fosse utilizada noutras construções.O que me parece importante dizer é que quando se faz um edifício efémero, faz-serealmente um edifício efémero. Isto é, tem de se pensar na efemeridade do seu uso e nareutilização <strong>dos</strong> seus materiais.No século XX o pensamento produzido pela arte e pela arquitectura esteve muitasvezes ligado à ideia do novo, ideia esta que está também contida no projecto moderno.A sua abordagem não parece inscrever-se nesta ideia de modernidade; pelo contrário,estabelece-se a partir de outro paradigma. Pode comentar?Formei-me na Escola de Arte de Basileia dentro da tradição do modernismo. E um <strong>dos</strong>objectivos estruturantes do modernismo é a inovação. Mas eu já não tenho 25 anos! (risos)Como disse antes, estou interessado na boa música. Estou interessado na boa literaturatal como estou interessado em bons edifícios. Não estou interessado em coisas queinovem, estou interessado em coisas boas.Na verdade, a inovação não tem nada de negativo, mas por si só não é um objectivo paramim. Quero ter a liberdade de viver e trabalhar em relação com tudo o que já foi feitona história do mundo, e que eu possa conhecer. Quero poder trabalhar com tudo aquilo42 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Planta. Capela Bruder Klaus,Wachendorf, Eifel, Alemanha, 2007© Architekturbüro Peter ZumthorPáginas anterioresDetalhe do interior. Capela Irmão Klaus,Wachendorf, Eifel, Alemanha, 2007© Walter Mairque já foi experimentado e alcançado e que está ao meu dispor. E quero fazê-lo com paixão.A paixão produz qualidade. Temos de usar a nossa cabeça e a nossa alma para trabalhar,para fazer coisas.A paixão é uma qualidade humana, e é também uma qualidade humana reagir com intensidadeperante algo. É também uma qualidade humana a de ficar excitado perante algonovo. Pode ser uma pessoa que conhecemos ou uma ideia nova com que nos confrontamos,ou ainda uma nova forma de olhar para as coisas. O processo de criação deveconter estas qualidades. Um <strong>dos</strong> maiores elogios que me podem fazer é dizer, acerca deum projecto novo, que parece que já faz parte do sítio.Não lhe acontece chegar a soluções de projecto que o surpreendam pelo facto denunca ter pensado nelas anteriormente?Isso acontece quase sempre. Não me parece bem repetir ou copiar, não existe tensãoou frescura nesta prática. Qualquer arquitecto tem a consciência disso. Tem de haversempre qualquer elemento novo que nos indique outras possibilidades de trabalho, outrasdirecções, outros mo<strong>dos</strong> de olhar, de sentir e de experimentar.No entanto, também consigo imaginar uma sociedade em que a cópia, repetindo umaforma uma e outra vez ao longo do tempo, se pode transformar numa forma de arte. NaChina, por exemplo, a réplica faz parte de um processo cultural extremamente enraizado.Por isso podemos também imaginar que a cópia pode conter alguma coisa de positivo,tal como sucede na continuidade da representação <strong>dos</strong> ícones na Rússia.Alguns arquitectos usam como legado a obra de outros arquitectos, incorporandoasno seu processo criativo. O seu processo parece ser bastante menos referenciado,mais autónomo.Não gosto de trabalhar com referências. São uma intromissão no meu processo dedesenvolvimento de uma investigação. Parece-me mais importante olhar para dentrode mim do que para o exterior. Pelo menos é o que tento sempre fazer.No entanto não me parece importante o facto de se usarem referências ou não.Para mim é o resultado que conta. O que é importante é que bons edifícios sejam construí<strong>dos</strong>.Quando vejo um bom edifício não estou interessado no processo.44 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Capela Bruder Klaus, Wachendorf,Eifel, Alemanha, 2007© Walter MairA arquitectura para mim tem a ver com o resultado, não tem a ver com o processo.Falou numa entrevista que a primeira abordagem ao projecto deve estar baseadaem emoções e não no intelecto. Esta é uma abordagem que não está relacionadacom a tradição do pensamento moderno. Quer comentar?Essa é apenas a minha maneira de trabalhar: as emoções e o sentimento são a base e ointelecto compreende, ordena e transforma. Emoção e intelecto são uma dualidade inseparávelquando trabalho. Mas a emoção, a imagem ainda não compreendida, chega primeiro.O sentimento e a emoção são genuínos. Ensinam-nos um caminho. No que diz respeitoaos sentimentos, somos to<strong>dos</strong> especialistas. Quando trabalho com os meus colaboradoresconfio neste processo como base de validação de cada etapa do projecto. E então,passo a passo, tentamos compreender aquilo que sentimos.Como metodologia usamos muitas vezes o seguinte processo. No início pomos em cimada mesa duas imagens, ou duas ideias, totalmente diferentes uma da outra. Depoistrabalhamos com as duas ao mesmo tempo. Sigo a estratégia A e a estratégia B até aoponto onde to<strong>dos</strong> podemos visualizar as duas imagens nas nossas cabeças e podemosentão experimentá-las e compará-las. Quando to<strong>dos</strong> têm uma ideia clara e sentem algopelas duas imagens, então votamos. Quem é que vota pela A? Quem é que vota pela B?Se a votação tem um resultado de cinco para três, penso que há algo na ideia que aindanão está suficientemente clarificado e continuamos a trabalhar até que a votação alcancea unanimidade.É no contacto com o sítio de intervenção que lhe surgem normalmente as primeirasideias de projecto?Por vezes a primeira ideia aparece logo, outras vezes não. Mas no início quase sempreexiste uma ideia forte que apesar de não estar completa e acabada tem o poder de umaideia base, de uma imagem forte.Tem tudo a ver com uma faísca inicial impressionante, um fogo. No processo de desenvolvimentoda ideia é muito importante manter vivo o fogo. Penso que a maioria <strong>dos</strong>arquitectos trabalha assim. Normalmente quando olho para bons projectos sinto que aideia forte esteve lá desde o início.É esse o tipo de material que partilha nos seus livros? Quando escreve sobre arquitectura,o que é que espera partilhar?Quando escrevo um livro olho para trás, olho para a minha vida e para o meu trabalho,não tento produzir teoria. Os meus livros não são sobre produção de arte, são sobre umolhar aproximado ao meu trabalho, às minhas emoções, ao mundo à minha volta, tentandocompreender o que vejo, o que sinto e o que faço.Acha que os seus livros existem fora da sua experiência enquanto arquitecto? Quepossuem autonomia? Se não desenhasse edifícios não escreveria os livros?Os meus escritos estão fortemente liga<strong>dos</strong> à minha vida como arquitecto. Existe umafusão entre a vida e o trabalho de que gosto muito. Os livros fazem parte disso.Já alguma vez desenhou algum projecto sem ter ido ao sítio?Fi-lo em Hanover, mas foi uma excepção. Na verdade não fui previamente ao sítio antesde começar a desenvolver a ideia. Um recinto de uma exposição é mais ou menosidêntico em to<strong>dos</strong> os lugares. Plano e aborrecido. É uma grelha onde são dispostos os pavilhõesque normalmente nada têm a ver uns com os outros.Noutros casos, vejo umas fotografias do sítio de intervenção e começo a delinear algunsesquemas que depois são confronta<strong>dos</strong> na primeira visita ao lugar. Penso que épossível começar a desenhar um projecto antes de fazer uma visita ao local de intervenção.A partir do momento em que vemos umas fotografias é difícil parar o processo. Começamosa imaginar e a pensar possibilidades e caminhos para o projecto. Isso aconteceu-mequando me pediram para fazer uma igreja na periferia de Milão. Tive a ideia paraa igreja antes de ver o lugar, apesar de já conhecer Milão. Quando lá fui o projecto pareceu-meacertado.Peter Zumthor45


Museu de Arte Kolumba, Arquidiocese de Colónia, Alemanha, 2007 © Hélène Binet46 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


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Museu de Arte Kolumba, Arquidiocese de Colónia, Alemanha, 2007 © Hélène Binet48 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


© Hélène BinetPeter Zumthor49


Fotomontagens. Galeria I Ching, DIA Center for the Arts, Nova Iorque, EUA, 2000 © Architekturbüro Peter ZumthorO que é importante, então, é a intensidade e a intuição?Não importa como se faz o trabalho, apenas o resultado. To<strong>dos</strong> temos um modo pessoalde inventar a forma e o espaço.Quer falar-nos da última obra que construiu na Alemanha, a capela Brother Klaus?A história deste santo é interessante. Numa determinada altura da sua vida teve umavisão que o fez abandonar a família e tornar-se eremita.O tema do projecto parte de uma ideia que lida de um modo profundo com a existênciahumana e com os elementos: pedra, água, fogo, terra e céu. Tentei fazer aquilo que hojepode ser um espaço essencial. Nada mais. Ou, mais correctamente, nada menos! Um espaçoessencial no meio do campo. Isto é o oposto a um projecto comercial que deva gerarlucro! (risos)O projecto de habitação colectiva, junto ao caminho-de-ferro, em Lucerna vaiavançar?Não. Foi um concurso lançado pelos caminhos-de-ferro suíços. Como cidadão suíçodevo dizer que esperava melhor solução para aquele lugar do que aquela que foi escolhida.Pelo menos a obrigação do promotor seria essa. A nossa proposta não foi aceite, vistoo promotor não estar disposto a correr riscos e a fazer um projecto que se baseasse naconstrução de apartamentos de qualidade. Creio que o promotor perdeu uma excelenteoportunidade, visto que se a operação tivesse avançado, os apartamentos seguramenteteriam sido vendi<strong>dos</strong> ainda durante o projecto.Muitas pessoas querem voltar agora para o centro da cidade e isso é uma questão quemuitos investidores de imobiliário ainda não perceberam. Mas talvez pensem que gerarlucro com um projecto convencional é suficiente.Acha que é possível fazer boa arquitectura com orçamentos reduzi<strong>dos</strong>?Se o cliente quiser ter um Alfa Romeo é claro que tem que pagar por ele. Não possooferecer um Alfa Romeo pelo preço de um Cinquecento !50 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Planta. Galeria I Ching, DIA Center for the Arts, Nova Iorque, EUA, 2000 © Architekturbüro Peter ZumthorWEST ENTRANCENorthNthCorte. Galeria I Ching, DIA Center for the Arts, Nova Iorque, EUA, 2000 © Architekturbüro Peter ZumthorZENITAL NORTH LIGHT ENTERING THE SPACE U NO BSTRUCTEDLYDIFFUSIO N O F D IRECT SUNLIGHT FRO M THE SO UTH IN THE RO OF BAFFLES O N THE LONGEST D AY OF THE Y EARPeter Zumthor51


Maqueta. Museu da Mina de ZincoAlmannajuvet, Sauda, Noruega, 2003© Architekturbüro Peter ZumthorMas está interessado também em Cinquecentos ou tem uma clara preferência porAlfa Romeos?Eu gosto de coisas de boa qualidade.Depois de termos visto a sua exposição no Museu de Bregenz, sentimos que temuma variedade de estratégias para resolver os projectos. Não existe um léxico formalpré-estabelecido, mas parece que a grande preocupação é sempre o tema. O temade trabalho que elege para cada projecto. E este é bastante distinto de projectopara projecto.Sim é verdade. Um aspecto muito importante é perceber como é que a liberdade deescolha aparece. Para que isso aconteça é necessário que cada um tenha confiança emsi próprio como pessoa. Com essa confiança olho para um lugar, estudo o programa eprocuro encontrar um tema específico e apropriado para o edifício.Quer falar-nos do projecto para o Museu do Zinco na Noruega? A ideia de separar omuseu em vários pavilhões foi sua ou o programa já previa isso?O projecto espalha-se ao longo de um percurso, ao longo do qual o minério era retiradoe transportado. Por isso o projecto está dividido em dois pavilhões. Durante cinco anosestivemos a discutir o projecto, fomos lá várias vezes, até chegar à solução que está expostano Museu de Bregenz. Os clientes estiveram sempre abertos às minhas reacções àquestão de fundo «o que fazer ali?».Devem os arquitectos intervir no programa, criticá-lo, mudá-lo?Como arquitecto trabalho como autor, não como aquele que implementa um programa.Daí trabalho sempre o programa. Na verdade, muitas vezes trabalhamos apenas nissodurante meses! Frequentemente temos que dizer ao promotor que não somos a figurado arquitecto que implementa o programa, somos arquitectos que desenvolvem um programano processo de projecto.Em projectos como as Termas de Vals ou o Museu de Bregenz trabalhámos muito naquestão do programa. Foi essa a base <strong>dos</strong> projectos que se realizaram.Normalmente não usa desenhos e esquiços tridimensionais durante o processo.Acha que isso conduz a uma arquitectura menos formal?Como viram na exposição de Bregenz produzimos muitos desenhos-chave durante anossa actividade projectual. Mas estes desenhos não procuram fixar a forma. Andamatrás da imagem e <strong>dos</strong> temas do trabalho e tentamos que a forma com que eles se revelamse mantenha em aberto até quase ao final.É por isso que os seus edifícios são muito diferentes uns <strong>dos</strong> outros?Sim, gosto de fazer edifícios que estejam directamente relaciona<strong>dos</strong> com a especificidadedo uso e do lugar.Acha que existe uma herança comum legada por alguma personalidade que tenhainfluenciado esta geração de arquitectos suíços?No início falávamos to<strong>dos</strong> muito, nós, arquitectos. Há 25 anos fazíamos coisas juntos,como palestras e exposições, hoje menos.Fui educado nos anos 1960, e nessa altura Joseph Beuys foi importante para to<strong>dos</strong>nós, penso. Punha em causa o legado do modernismo que foi a base da nossa educaçãoenquanto estudantes de arquitectura.Aldo Rossi também foi muito importante. Lembro-me de ele dizer aos estudantes deZurique: «Não ponham mais as minhas janelas quadradas nos vossos projectos! Essascoisas têm a ver com o meu passado! Eu quero que vocês façam as vossas coisas, queponham as vossas janelas. Vocês devem preocupar-se com a vossa história. Essas janelassão a minha história, que tem a ver com o meu lugar. Vocês têm de prestar mais atençãoàs características singulares <strong>dos</strong> lugares de onde vocês vêm e onde vão projectar.»Depois, o livro do Roberto Venturi «Complexidade e Contradição» também lançouquestões muito importantes e chamou à atenção das enormes e produtivas contradiçõesinerentes à arquitectura.52 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Maqueta e desenhos. Memorial às Bruxas Queimadas em Finnmark, Vardo, Noruega, 2007 © Architekturbüro Peter Zumthor


A Arte Povera também foi importante na minha formação, porque trabalhava comcoisas reais e tinha a energia como tema.A Suíça, nessa altura, já não tinha um panorama arquitectónico muito interessante.Não acontecia grande coisa. Havia um arquitecto que fazia coisas com interesse, ErnstGisel, que fazia muitos trabalhos e que foi o último representante da geração de arquitectosque teve o Alvar Aalto como grande mentor.A Suíça tem um sistema político singular. Acha que esse sistema faz com que a produçãoarquitectónica contemporânea suíça se manifeste também de forma singular?Sinto uma grande <strong>dos</strong>e de liberdade neste país.A sua conferência no Porto, no final <strong>dos</strong> anos 1980, promovida pelos professores daescola nos quais se incluía Eduardo Souto de Moura, foi radical. Estava vestido de negronum palco escurecido. Leu um texto sentado a uma mesa à luz de um candeeiro.Passou «slides» a preto e branco da capela de San Benedetg. Foi memorável.Talvez! Mas isso tinha relação com a situação em que vivíamos aqui na Suiça nessaaltura. Nós vivemos num lugar que ainda tem muito a ver com a tradição cultural assentena figura do artesão, do trabalho de precisão. Nós fazemos coisas precisas. É uma coisaque tem a ver com a cultura do país. Fazemos parte de um país onde há um século atráséramos to<strong>dos</strong> agricultores, e, mais importante, éramos to<strong>dos</strong> iguais.Aprendi com o meu pai e com os meus professores que se temos que fazer algo, entãoque o façamos bem. Estou orgulhoso disso. ^Planta. Casa Zumthor, Haldenstein, Graubunden, Suíça, 2005 © Architekturbüro Peter Zumthor54 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Casa Zumthor, Haldenstein, Graubunden, Suíça, 2005 © Walter Mair


Casa Zumthor, Haldenstein, Graubunden, Suíça, 2005 © Walter Mair56 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


© Walter MairPeter Zumthor57


Duarte BeloDossier


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ANTÓN GARCÍA – ABRILProjectoEscola de Altos Estu<strong>dos</strong> Musicais,Santiago de CompostelaO projecto do Centro de Altos Estu<strong>dos</strong> Musicaisem Santiago de Compostela situa-sedentro da Quinta Vista Alegre, um <strong>dos</strong> espaçosverdes mais destaca<strong>dos</strong> da envolventejunto ao centro histórico de Santiago. Definidacomo um parque universitário, a quinta albergaum conjunto de edificações cujo propósitoé acolher actividades académicas e de investigação.Entre outros, encontramos aqui oCentro de Altos Estu<strong>dos</strong> Musicais, dedicado aestu<strong>dos</strong> pós gradua<strong>dos</strong> de aperfeiçoamentomusical, para a formação de músicos da orquestrada Galiza.A proposta surgiu de um concurso abertoque solicitava a inserção de um pavilhão, cujoprograma previa salas de aula para o ensinode música com volumetria, alturas, ocupaçãoe materiais defini<strong>dos</strong>.A percepção do edifício a diferentes distânciasdefine planos de leitura sobrepostos. AMaquetapartir de longe, o edifício deixa-se cair no terreno.Adere ao tapete de relva que conforma asuperfície do lugar, recortando a sua figura deuma maneira decisiva; é uma rocha com vontadecúbica. Num plano médio de observação,apercebemo-nos que o limite, que antes seperfilava como uma forma quase perfeita, deixaagora espaço à indefinição; da deformaçãodas arestas surge uma linha quebrada e umavibração superficial de luz, matéria e sombrasob uma pauta de sete linhas. Mais um passoe rompe-se a forma; as peças expressam asua materialidade mais abrasiva e definemocos que nos dão a escala construtiva do edifício.As incisões de luz que enviesavam a fachadatransformam o todo numa sombra indicandoa subtracção de massa por luz. As duasgrandes perfurações tornam-se consequênciadirecta do grande volume interior.O conjunto da fachada compõe-se de pedrasabertas a partir do “lado contrário”, procurandoo plano de estereotomia natural que fazcom que o granito abra mais facilmente. Tratasede um sistema construtivo que utiliza a técnicade perfuração em rosca para romper otorrão da pedra, utilizando igualmente as parteslaterais, mas reconsiderando o trabalhosoprocesso de abertura e de corte da pedra. Remontando-nosao Antigo Egipto e a Roma, procurou-sea expressão construtiva da pedra talcomo nos ensinou a historia.Do ponto de vista funcional, os requisitosacústicos tornaram-se condicionantes para odesenho. Por isso, os habitáculos que requeremmaiores solicitações acústicas localizam-senum grande envasamento enterradoem betão, que conforma a fundação do edifícioe os seus acessos, e que regula as oscilaçõestopográficas. Estas são as salas maiores(auditório, electro-acústica, percussão...), eas que reúnem maior número de pessoas. Ospisos superiores ordenam-se por coroas quese percorrem pelo anel interior e que vão diminuindode tamanho e de carácter público àmedida que se desenvolvem em altura. O últimopiso é destinado a salas de estudo e a gabinetesde professores.O projecto expressa-se pela contraposiçãoe dualidade, que tanto na escala, no timbre ena materialidade constroem o espaço, e procuramatingir a complexidade. A distorção,sobreposta à harmonia evoca a pureza de ambasas condições espaciais, provocando inquietudematerial e espacial. Para lá <strong>dos</strong> cânones,o edifício quer desenvolver temas arquitectónicosdentro de uma composição egeometria simples, percorrendo as ressonânciasespaciais <strong>dos</strong> seus limites, que no exteriorsão a carballeira, o jardim, a água e a luzgalega, e no interior os planos de pedra quesão corta<strong>dos</strong> a partir de fora e que conformamo espaço. Pretendeu-se fazer uma arquitecturaplenamente enraizada na Galiza apartir das suas particularidades culturais eambientais, marcando a memória do lugar.Parece que o edificio esteve sempre ali. ^Designação do projectoEscola de Altos Estu<strong>dos</strong> MusicaisLocalizaçãoSantiago de Compostela, EspanhaData Projecto2002ArquitecturaAntón García – AbrilColaboradoresEnsamble Studio: Bernardo Angelini, EduardoMartín Asunción, Arantxa Osés, Débora Mesa,Andrés Toledo, Guillermo SevillanoArquitecto Técnico (Execução, Obra)Javier CuestaClienteConsorcio de Santiago de CompostelaConstrutorO.H.L.Empresas colaboradoras:Instalações, ObradoiroEnxeñeirosEstructuras: Antonio ReboredaÁrea de construção1 700 m2FotografiaRoland Halbe66 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Entrada principal / Vista lateral, relação com parqueAntón García – Abril67


Vista posteriorAcesso ao exterior, átrioEspera, átrio com acesso ao exteriorVista interior, entrada68 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


BACoberturaSecção APiso 3Piso 2Secção BPiso 1Piso 0Piso -1Antón García – Abril69


JOÃO MENDES RIBEIRO, CARLOS ANTUNES e DÉSIRÉE PEDROProjectoRemodelação do LaboratórioChimico, CoimbraO Laboratório Chimico foi desenhado porGuilherme Elsden, director das obras da ReformaPombalina da Universidade de Coimbra,e construído entre 1773 e 1775 no terrenoonde se encontravam as antigas cozinhase dependências do Colégio <strong>dos</strong> Jesuítas. Situadona Alta de Coimbra, paralelo ao Museude História Natural, as suas fachadas neoclássicassão divididas em tramos por pilastrasdóricas que correm a planta em L.O projecto tem dois momentos distintosmas intrinsecamente relaciona<strong>dos</strong>: o restauroe a remodelação. O restauro prevê a recuperação<strong>dos</strong> armários, respiradouros e anfiteatrode madeira para recriar o ambiente delaboratório que o edifício teve como testemunhoda investigação científica europeia nosséculos XVIII e XIX. A remodelação passapela criação de núcleos que contêm funções(expositores, balcões, armários) e redes(electricidade, águas, telefones). Substitui-sea clássica parede divisória por peças móveis emultifuncionais, capazes de agregar serviçose redefinir a sua organização espacial. Estesdispositivos autónomos criam um percursoexpositivo e respondem aos novos requisitosde museu sem interferir com o carácter original<strong>dos</strong> interiores do Laboratório Chimico.A escala horizontal destes elementos opõeseà dimensão do edifício, marcado pelo elevadopé-direito das suas salas abobadadas, eaproxima-o da escala do utilizador. O controlosobre a luz natural é feito pela reposição deportadas nas janelas, adaptando-a a programasdistintos: uma luz específica para umprograma específico. Os espaços exteriorestêm acesso independente podendo ser usa<strong>dos</strong>não só pelos visitantes mas pela populaçãoem geral, sobretudo a estudantil.O trabalho desenvolvido apoiou-se numprincípio de transparência entre o existentee o novo, entre o passado e o presente, com amarcação inequívoca <strong>dos</strong> dois tempos de intervenção.No decorrer das obras de requalificação,os consecutivos acha<strong>dos</strong> comprovam a grandecomplexidade arqueológica do edifício,testemunhando a passagem, no séc. XVI, <strong>dos</strong>Jesuítas <strong>dos</strong> Colégios das Artes e de Jesus,que faziam daquele espaço o refeitório. ^Designação do projectoLaboratório ChimicoProjecto de Remodelação e Prefiguraçãodo Museu das CiênciasLocalizaçãoCoimbraData ProjectoDesde 2001 até 2007ArquitecturaJoão Mendes Ribeiro, Carlos Antunese Désirée PedroColaboradoresFilipa Jorge, Hugo Santos, Manuela Nogueira,Rafael de Sousa, Rafael Vieira, Ana Cerqueira,Cátia Marques, Isabel Correia e Pedro MartinsComissão para o programa do Museu da CiênciaMichel van Praet, Gonçalo Byrne, João Rui Pita,Paulo Gama MotaEspecialidadesFundações e Estruturas e Segurança ContraIncêndiosPaulo Maranha TiagoInstalações de Águas e EsgotosMaria Fernanda Moura CorreiaInstalações Eléctricas, Telecomunicaçõese Segurança IntegradaPascoal FaíscaInstalações MecânicasJoão Madeira da SilvaInstalações de GásPaulo SampaioComportamento Térmico e AcústicoCelsa VieiraConservação e Restauro da PedraFernando MarquesArqueologia e GeologiaSónia Filipe, Paulo MorgadoIluminação CénicaGilberto ReisFiscalizaçãoRui Prata Ribeiro LdaClienteUniversidade de CoimbraConstrutorReis, Rocha e MalheiroFotografiaEmanuel Brás70 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Anfiteatro / ÁtrioJoão Mendes Ribeiro, Carlos Antunes e Désirée Pedro71


Planta geral da intervenção72 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Laboratório Chimico, antes e depois da intervenção20012007200120072001200720012007João Mendes Ribeiro, Carlos Antunes e Désirée Pedro73


CARUSO ST JOHN ARCHITECTSProjectoPraça Stortorget em Kalmar, SuéciaNeste projecto para a renovação da praça emredor da catedral barroca no centro de Kalmar,o atelier Caruso St John Architects trabalhoucom a artista Eva Löfdahl. O projecto pretendeser um modelo imaginativo de renovação numcontexto de grande significado histórico.Durante os seus trezentos anos de história,Stortorget tem sido palco de representaçãopolítica, militar e religiosa, um lugar detransacções comerciais, e mais frequentementeum espaço de passagem, de devaneioou de encontros ocasionais. A renovação deStortorget não resultou da necessidade denovas funcionalidades, antes pretende serum contributo para a definição contemporâneade espaço público. Concentrando-se nacondição real da superfície da praça, o projectoprocura dar dignidade ao espaço existente,aumentando a consciência individual das suascaracterísticas físicas.A história de Stortorget tem girado à voltada mudança/deslocação das suas pedras. Pedras<strong>dos</strong> terrenos agrícolas circundantes empilhadaspara fazer muralhas, e depois as pedrasdas muralhas fornecendo a matéria-primapara fazer as ruas e a praça da cidadebarroca. A presença dessas pedras do campono centro de Kalmar, é uma lembrança destatransformação física, quase primitiva, do espaçorural em espaço urbano. Durante 300 anosestas pedras foram colocadas, levantadas erecolocadas. Os seus varia<strong>dos</strong> tamanhos, tipose cores distinguem-nas <strong>dos</strong> empedra<strong>dos</strong> degranito das ruas mais recentes, assemelhando-semais a uma colecção de minerais luminososdo que a uma superfície homogénea.O projecto procurou expandir o potencialda praça, remetendo Stortorget para a suaorigem, para o vazio característico pelo espaçoindiferenciado <strong>dos</strong> campos. As pedras degranito colocadas nos últimos 80 anos paraseparar carros de peões, foram removidas paraserem utilizadas noutros pontos da cidade.As áreas existentes de pedras do campo foramalargadas de forma a restabelecer umasuperfície unitária. Questões práricas, comopercursos cómo<strong>dos</strong> para peões e locais dereunião, resolvem-se com áreas mais suaves,cuja presença discreta é semelhante a umapegada na areia ou na neve acabada de cair.Os percursos foram defini<strong>dos</strong> como grandeslajes pré-fabricadas de betão com uma superfíciede pequenos seixos de granito. A gama decores desse aglomerado coincide com as coresdas pedras do campo, de maneira a queuma superfície pareça a miniatura da outra.Outras intervenções enfatizam a densa rugosidadedo solo, a presença próxima do mar,e a altura do céu. Debaixo do solo corre água,através de um sistema de poços interliga<strong>dos</strong>,e o som ouve-se através das grelhas à superfície.Caminhando sozinho ou à espera de alguém,apercebermo-nos de uma vida escondida,um murmúrio distante. Acima do solo,minerais e pedras preciosas elevam-se paraestabilizar um volume aéreo acima de Stortorget.Pequenas luzes vermelhas delimitamo tecto da praça a partir <strong>dos</strong> edifícios adjacentes,na catedral, e nos finos mastros reflectores.Esses mastros, que oscilam comvento, são marca<strong>dos</strong> por um padrão impressoa jacto de areia. Tornam-se ao mesmo temponitidamente defini<strong>dos</strong> e mitiga<strong>dos</strong>, brilhandoe desaparecendo. À noite, e ao entardecer,formam uma espécie de auréola avermelhadapor cima da praça. ^Designação do projectoPraça em KalmarLocalizaçãoKalmar, SuéciaData Concurso1999Data Projecto2003ArquitecturaCaruso St John ArchitectsColaboradoresEva Löfdahl, ArtistClienteCâmara de KalmarConstrutorAB SträngbetongFokdal and Fokdal, desenho e execução de fonteWiren och Persson Plat & Mek AB, peças em açode pavimentoJordan Manufacturing Ltd, peças em aço deiluminaçãoÁrea de construção14.000.00 m2FotografiaHélène Binet74 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Planta e Alça<strong>dos</strong> da Praça Kalmar76 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Caruso St John Architects77


PEDRO PACHECO + MARIE CLÉMENTProjectoReserva Etnográficado Museu da Luz, MourãoSom morto das águas mansasQue correm por ter que ser,Leva não só lembranças –Mortas, porque hão de morrer.Fernando PessoaSom [ ] das águas mansas…Um museu é um contentor de tempo.A significação cultural da paisagem é umprocesso de duração, através do qual a experiênciade habitar o tempo, contínuo ou fragmentado,inscreve no espaço da realidadevestígios e símbolos referenciadores de memóriacolectiva ou individual.A construção da barragem do Alquevatransformou subitamente a paisagem de planíciee a do vale do Rio Guadiana. Consequentemente,foram destruí<strong>dos</strong> e imergi<strong>dos</strong> oselementos que constituíam o volume temporale espacial da memória colectiva de lugarda Luz, e ficaram submersas todas as ligaçõesfísicas à sua localização geográfica.A Luz tornou-se inexistente. Logo invisível eirreferenciável.A necessidade de deslocalizar rápida, geográficae socialmente a povoação da Luz redefiniuculturalmente a sua importância delocalidade e impôs a [re]construção de marcastopo-mnemónicas capazes continuar umalembrança-memória no espaço novo da Luzrelocalizada.O Museu da Luz instalou-se num espaçode paisagem novo. É neste contexto que codificaa memória simultaneamente como tempopassado do lugar desaparecido e comoidentidade do lugar novo no tempo presente.O edifício, localizado numa situação depromontório, sublinha a condição de limite danova Luz e estabelece uma relação de confrontocom a paisagem. A obra funde-se natopografia e reconfigura o espaço de recepçãoe apreensão imediata da massa de águada barragem e <strong>dos</strong> horizontes limite distantes.Um muro alto: espaço-superfície marca oprimeiro encontro, limitando a expansão livredo olhar sobre a paisagem e regulando o tempo-espaçona vivência do lugar. A obra arquitectónicainstrumentaliza a percepção da paisageme significa a duração de um passadono presente novo: aldeia da Luz.O movimento do sujeito-observador, situadonuma posição de interioridade ou de exterioridade,é controlado pela espacialização físicaou etérea da arquitectura, sendo através daduração do tempo de peregrinação que o observadorpercepciona e colecciona o conjuntode imagens de paisagem, próxima ou longínqua,que selectivamente se mostram e enquadram,dissipam ou concentram sobre o olhar.O conjunto das imagens, da realidadeapropriada na simultaneidade vivida do presentee da de um passado captado e transformadopara exposição, e <strong>dos</strong> artefactos, querevelam um modo de habitar a paisagem passado,actualizam a lembrança e forçam-na aadaptar-se ao desejo de evocar uma identidadena memória do presente. Lembrar é instalar-sede súbito no passado. É confrontar opresente com um reencontro que induz à[re]criação da ideia de lugar e de pertença.O Monte é um <strong>dos</strong> espaços mais simbólicosdo processo de humanização na paisagemalentejana, marcando e prolongando a expressãodo tempo no espaço de habitar e nocultural e geográfico.A proposta arquitectónica para a transformaçãodo Monte <strong>dos</strong> Pássaros na Reserva Etnográficada localidade reorganiza espacial eformalmente o lugar existente. O projecto interpretoua diversidade da expressão temporale vivencial do Monte alentejano e propõecriar um lugar novo para celebração do espaçode vida da comunidade, sem se constituircomo ruptura topológica. O Monte <strong>dos</strong> Pássaros[Reserva Etnográfica], no tempo e no espaço,permitirá prolongar a memória individualou colectiva de lugar e complementará afunção de continuidade da expressão culturale de identidade que o Museu introduziu na paisageme na sociedade.O Museu da Luz e o Monte <strong>dos</strong> Pássarossão um dispositivo capaz de fundir a lembrançada Luz no tempo do presente, como se houvesseapenas diferenças de grau de intensidadeafectiva entre imagens-lembranças e percepções-imagens.São regeneradores deidentidade, cunhando na paisagem um processode [re]humanização que torna possível perduraro tempo no espaço novo da Luz. ^CLÁUDIA TABORDADesignação do projectoMonte <strong>dos</strong> Pássaros – Reserva Etnográfica doMuseu da LuzLocalizaçãoLuz, MourãoData Projecto2004-2006, em construçãoArquitecturaPedro Pacheco + Marie ClémentColaboradoresLeonardo Paiella, Leonor Pereira, Nuno Mesquita,Anna Arioli, Martina Giombina, Hugo Duarte,Sebastião Formosinho Sanches, Nuno Mesquita(fotomontagens)EspecialidadesMuseologia e EtnologiaBenjamim Pereira e Clara SaraivaFundações e EstruturasG.O.P. – Jorge Amorim Nunes da SilvaRede Hidráulica e ClimatizaçãoG.O.P. – Raquel Bento FernandesInstalações e Equipamentos Eléctricos deTelecomunicações e Segurança ActivaAlexandre MartinsInstalações Mecânicas de Climatização,Comportamento Térmico e GásGET – Raul BessaClienteE.D.I.A. – Empresa de Desenvolvimentoe Infra-estruturas do Alqueva, S.A.Área de construçãoReserva – 246.00 m2Casa do Monte – 246.00 m2Espaço exterior – 600.00 m278 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Fotomontagem – Relação do Museu da Luz com o edifício propostoPedro Pacheco + Marie Clément79


Fotomontagem – Reserva Etnográfrica, vista exterior / Sala de conservação e restauro80 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


ImplantaçãoPlantaPedro Pacheco + Marie Clément81


FSSMGN ARQUITECTOSProjectoAtelier na Lapa, LisboaEsta antiga fábrica, destinada à indústria depanificação, foi construída de raiz, inserin<strong>dos</strong>enum loteamento do princípio do século XX(anos 20), delimitado a poente pela antigaRua 1 (hoje, Rua Joaquim Casimiro) e a nascentepela Rua 2 (Rua Maestro António Taborda),obedecendo a uma lógica que pareceemergir de um projecto modelo multiplicadoem diversos bairros da cidade.No essencial o espaço manteve no tempoa sua tipologia construtiva e espacial, sendo aintervenção de adaptação feita com uma estratégiade tudo ficar quase na mesma, masreformulando e corrigindo as patologias eadaptando claramente aos novos usos, semescamotear a natureza contemporânea destatransformação.A entrada principal desenvolve-se a partirda cota de rua, que comunica directamentecom o interior.Os espaços de trabalho e de apoio serãocomunicantes entre si através do interior,apoiando-se numa circulação fluida e flexível.Para o efeito foram praticadas algumas aberturasde vãos em pontos onde anteriormentejá tinham existido, com o objectivo de clarificaras relações espaciais e funcionais.O projecto defende a manutenção <strong>dos</strong> espaçosexistentes quase na íntegra, apenascom as demolições necessárias do grandeforno de lenha e a criação de um vão na fachadapoente, no sentido de ventilar e iluminarnaturalmente os espaços de trabalhoconfinantes com esta.Uma varanda recuada faz a articulaçãoentre este vão de fachada e o espaço interior.Para o desenho deste vão, foi dimensionadauma estrutura de apoio, constituída porperfis metálicos, encastra<strong>dos</strong> na parte superiorda espessa parede de alvenaria de pedra,e em toda a sua largura., sendo a caixilharia,constituída por elementos móveis e fixos, emaço, vidro e madeira.Uma escada em betão aparente faz a ligaçãodo piso 0 ao -1 (cave /oficina), que foi projectadapara ter iluminação e ventilação naturalatravés do piso superior.Assim transformado, este lugar preparasepara um outro ciclo de uso na cidade. ^Designação do projectoTransformação de antiga fábrica de pão em atelierLocalizaçãoLisboaData Projecto e ObraDesde 2001 até 2002Arquitecturafssmgn arquitectos ldaMargarida Grácio Nunes e Fernando SanchezSalvadorColaboradoresLuís Jorge Braguês Baptista, Maria Ana CastroCaldas, Giorgio Santagostino, Eliana CandeiasAlvesFotografiaSérgio Mah82 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


fssmgn arquitectos83


Planta Piso 01 – Entrada2 – Secretariado3 – Sala de trabalho4 – Arquivo5 – Instalação sanitária6 – Arrumo7 – Corredor8 – Arrumo com duche9 – Arrumo (com apoio de copa)Planta CaveCorte84 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


fssmgn arquitectos85


EDOUARD FRANÇOISProjectoHotel Fouquet’s Barrière, ParisA história começa com uma encomenda dealteração de fachada. Uma coisa aparentementeimpossível de conseguir neste tão protegidooitavo «arrondissement» de Paris.Mesmo para um edifício <strong>dos</strong> anos 70 com fachada-cortinaem vidro fumado. No interior osescritórios de um antigo banco foram substituí<strong>dos</strong>por suites com quarto, sala e quarto debanho. Uma fachada de vidro para quarto debanho, é impossível! Mas é uma fachada...Explicam-me que tenho a possibilidadecriar uma fachada contemporânea, e então?, omeu o hotel é um todo e deve ler-se como tal.Não há necessidade de arquitectura contemporânea.Trabalhando a funcionalidadeinterior, dou-me conta de que há no meio doquarteirão um nó onde nada bate certo. As lajesnão coincidem, a estrutura é caótica, e tudome leva a pensar que será preciso demolilocirurgicamente para aí meter as serventiasverticais: uma espécie de torre que irradiarápara todo o lado.E, zás, no chão! E agora tenho duas fachadaspara fazer... não terei propriamente avançado.Olhando mais de perto, há qualquer coisade interessante neste quarteirão. É compostode três edifícios haussmanianos autênticos,do séc. XIX, incluindo o edifício do Hotel Fouquet,seguido de um pastiche neo-haussmanianode 1980 de um Grand Prix de Rome; doburaco que acabo de criar para aí meter a minhatorre; de um outro pastiche de mesmo arquitectomas desta vez neo-Louis Philippe; paraacabar no banco: os ingredientes para a impossibilidadeduma criação contemporânea!Há ritmo aqui. Quase que poderíamos passá-lopara música: Ah, Ah, Ah, Oh, ? , Oh, ?.Tentemos de novo: Ah, Ah, Ah, Oh, Ah, Oh, Ah.Com os Ah, o conjunto soar como um todo.Creio que tenho uma boa pista. Se passarmosda música à arquitectura e se os Ah forem oshaussmanianos e os Oh os pastiches, os buracosa preencher devem ser haussmanianos.Pronto, é simples. É com este ritmo que conseguiremosdar a ler o quarteirão como umtodo e não num travestimento pouco respeitosodo trabalho do meu ilustre confrade.Estou convencido e - tanto pior para a «arquitecturacontemporânea de qualidade» -tenho todo o tempo para o fazer.Bom, e um haussmaniano o que é? São cabeçasde leão, anjos, cornijas e uma certa alturaentre andares. Não é preciso mais do quemoldar o conjunto. Os detalhes, depois se verá.Moldamos, vazamos... e cortamos para ajustaro haussmaniano à nova parcela. É perfeito,o ritmo está lá e sentimos que qualquer coisade único habita este cenário. Por detrás do cenário,estão as minhas suites com a cama, amesa... e falta uma janela. Não podemos pô-laem qualquer lado. Não é possível. Na verdade,só há um sítio onde podemos pôr a janela...Já perceberam: MOLDAMOS, ESBURACA-MOS, é simples!O resto é arquitectura. […] ^Designação do projectoHotel Fouquet’s BarrièreLocalizaçãoChamps Elysée – ParisData Projecto2003Data Construção2006ArquitecturaMission Shell & Core:Edouard François, arquitectoIsabelle Bourgeois, coordenadoraBlandine Houssais, concepçãoCaroline Stahl, obraColaboradoresFrédérique Bour, Jennifer Carre, Christel Culos,Caroline Dupuich, Cédric Martenot, HannaSvesson, Hester Van Dilk.EspecialidadesEstruturasGECIBA, COTEBAInstalações e Equipamentos EléctricosLight Cibles, Louis ClairEspaços exterioresPré carré, Marc VatinelDecoraçãoJacques GarciaEstudo de FachadaVP GreenFiscalizaçãoSOCOTECClienteGroupe Lucien Barrière, Groupe AccorCusto€ 50.milhõesÁrea de construção16.000.00 m252 quartos e 55 suites, Restaurant – bar, Jardins,SPA e 3 pisos de estacionamentoFotografiaEdouard François“Galhos de árvores”Fachada de pátio interior com “galhos de árvores”86 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


Fotomontagem


Pintura em “galhos de árvores” para aplicação em fachadaPormenor de vão na fachada exterior88 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


PlantaPerfil de RuaEdouard François89


ANTONIO JIMÉNEZ TORRECILLASProjecto© David Arredondo / Alberto GarcíaMuralha Nazarí, GranadaAtravés da muralha, através do tempoFrente à colina de Alhambra e de Generalife,o monte de San Miguel marca o último tramodo vale do rio Darro e da região de Vega. Trata-sede uma paisagem absolutamente próximae vinculada à cidade, natural e selvagempor vezes, mas convertida em espaço residual,quase marginal, no qual se acumulavatodo o tipo de lixo e destroços. É também umespaço de transição para a cidade nova, umacidade feita de casas geminadas que toca levemente,no meio da sua desordem, os restosincompletos e fractura<strong>dos</strong> da muralha nazarí.O vazio do monte de San Miguel é uma articulaçãoentre dois territórios, uma colina despidaque, carregada de tempo e de história,vincula a cidade à sua geografia. O que representavaum limite defensivo e organizativo dacidade mudou por completo de significado e,sem dúvida, continua servindo como guia deleitura de um modelo urbano. O projecto preservaesta paisagem, necessária para a compreensãoda cidade na estrutura montanhosaque a determina, encetando uma limpeza conceptuale física da sua envolvente. Para isso,substituiu-se a acumulação de detritos porplantações de piteiras e figueiras, restaurandotambém a fachada da Ermida de San MiguelAlto e melhorando as comunicações que a ligamcom a cidade. Do mesmo modo, restaurou-seo empedrado nos tramos onde ele existia,empregou-se um pavimento suave deterra compactada nas zonas carentes de pavimentaçãoe resolveu-se mediante escadarias90 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>de pedra as zonas de maior desnível.A restituição mural, proposta como segundafase da intervenção, tem como fim dar continuidadevisual (especialmente numa visãolongínqua) à extensão da muralha, redefinindoo limite histórico perdido e protegendo os restosoriginais. A partir de longe, a parte novaajusta o seu aspecto ao resto, respeitando asua sequência linear, enquanto que numa observaçãopróxima, diferencia-se rotundamentedo muro original. A intervenção fecha a brechaque desde o século XIX fere a muralha nazarí,construída no princípio do século XIV,através de uma espécie de compressa exteriorque se adapta estritamente à sua grossurasem tocar nos restos históricos, garantindoassim a sua perfeita conservação. Estruturalmente,a presença massiva e maciça desvanece-se,porque o seu interior é convertido numespaço vazio, autêntico ponto singular do projecto:uma paisagem silenciosa que nos permitecaminhar dentro da muralha, um misteriosoumbral que liga duas zonas da cidadehistoricamente diferentes, evocação da Granadasubterrânea e, ao mesmo tempo, <strong>dos</strong>corredores de guarda <strong>dos</strong> recintos defensivos.Na nova muralha, um simples empilhamentode lajes de pedra deixa uma série depequenos intervalos aleatórios que, a partirdo interior, permitem voltar a olhar a cidade.Um olhar contemporâneo, fragmentado ecambiante que recria a visão que se tem apartir das venezianas do Alhambra. Uma colocaçãonatural e respeitosa da nova arquitecturajunto à antiga que assegura, de algumamaneira, que as cidades possam continuara enriquecer-se construindoactivamente a sua tradição arquitectónica. ^JOSE MIGUEL GÓMEZ ACOSTAA construçãoEmpilham-se 112 metros cúbicos de granitocomo se de uma grande armazenagem setratasse: grandes lajes sem tratamento, desecção e longitude normalizadas, as maiseconómicas, dispostas sobre um leito de terra.Um milímetro de espessura tem a argamassade alta resistência que sustenta as lajesentre si. Elimina-se assim a presença da“chaga” e da aparência de construção consolidada,de fábrica. Trata-se de dar a sensaçãode material empilhado, agrupado, com o objectivode sublinhar o carácter permanente ehistórico do Monumento. ^ANTONIO JIMÉNEZ TORRECILLASDesignação do projectoMuralha NazaríLocalizaçãoAlto Albaicín, GranadaData Projecto2004ArquitecturaAntonio Jiménez Torrecillas<strong>Arquitectos</strong> Técnicos (Execução, Obra)Maria Jesús Conde Sánchez, Miguel Ángel RamosPuertollanoColaboradoresMichele Panella, lberto García Moreno, DavidArredondo Garrido, Michele Loiacono, ManuelGuzmán Castaños, Miguel Dumont Mingorance,Miguel Rodriguez López, Gustavo Romera Clavero,Erwan Blanchard, Maylis VignauConsultoresNicolás Torices Abarca, História de ArteEmilia García Martínez, GeografiaCarlos Misó Esclapés, EscultorDaniel Campos López, ArqueólogoEusebio Alegre Patricio, ArqueólogoConstrutorEntorno y Vegetación© David Arredondo / Alberto García


© David Arredondo / Alberto García


1 – Alhambra2 – Muralha Nazari1292 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


© José Adrião© Vicente Del Amo © Vicente Del AmoAntonio Jiménez Torrecillas93


Biografias1Adam Caruso estudou arquitectura na Universidade McGill em Montreal. Actualmenteé Professor convidado no Cities Programme da London School ofEconomics. Peter St John começou os seus estu<strong>dos</strong> na Bartlett School of Architecture,University College London, e completou-os na Architectural Association.Actualmente é examinador convidado na Scott Sutherland School ofArchitecture em Aberdeen. Ambos leccionaram na Universidade de NorthLondon entre 1990 e 2000, na Academia de Arquitectura em Mendrisio e noDepartamento de Arquitectura e Engenharia Civil na Universidade de Bath. Em2005 foram convida<strong>dos</strong> pela Graduate School of Design da Universidade deHarvard. Colaboraram com Richard Rogers, Florian Beigel, Dixon Jones, eArup Associates antes de abrir actividade própria em 1990.2Antón García-Abril Ruiz (Madrid, 1969) é arquitecto pela Escola de Arquitecturade Madrid (ETSAM) em 1995, onde actualmente lecciona. Foi Professorconvidado na Universidade de Navarra (2007) e na UTA Universidade do Texas,Dallas (2006). Com a Escola de Altos Estu<strong>dos</strong> Musicais de Santiago, foi finalista<strong>dos</strong> prémios Mies Van der Rohe e Arquitectura Española (2005). Escrevesobre arquitectura, entre outras publicações, na revista El Cultural.3Antonio Jiménez Torrecillas vive com Eva, sua mulher, no bairro granadinode Sacromonte. Foi professor convidado de uma vintena de universidades einstituições da Europa, Ásia, África e América. É professor de Projecto na Escolade Arquitectura de Granada. Está muito agradecido a to<strong>dos</strong> aqueles que oajudaram a ser arquitecto, bem como àqueles que o estimulam com o seu reconhecimento. Entre outros, o projecto da Muralha Nazarí foi reconhecidocom o Prémio Arquitectura Piedra 2006, Prémio FAD Socis Arquinfad 2006,foi finalista do IV European Prize for Urban Public Space 2006, e seleccionadopara o Prémio Mies Van der Rohe 2007.4O Atelier do Corvo foi constituído em 1998 por Carlos Antunes (Coimbra,1969) e Désirée Pedro (Porto Amélia, Moçambique, 1970), arquitectos pelaFaculdade da Arquitectura da Universidade do Porto (FAUP) em 1995 e 1996.Tem várias obras construídas entre as quais se destaca o Centro de Arte Contemporâneado Circulo de Artes Plásticas de Coimbra, a remodelação do LaboratórioChimico da Universidade de Coimbra para Museu das Ciências, e acasa Falcão Meireles.5Cristina Veríssimo (Porto, 1964) licenciou-se em Arquitectura pela Faculdadeda Arquitectura da Universidade do Técnica de Lisboa (FA/UTL), em 1988.Colaborou no atelier do arquitecto João Luís Carrilho da Graça e Zaha HadidOffice. Em 1997 inicia o atelier “CVDB, <strong>Arquitectos</strong> Associa<strong>dos</strong>, Lda” com DiogoBurnay. Entre 2000 e 2002, frequentou o Mestrado em Arquitectura “MArchII”na Universidade de Harvard – GSD. Foi convidada em várias universidadesnacionais e estrangeiras e é, desde 2002, assistente convidada na FA/UTL.finalista da II e IV Bienal Iberoamericana de Arquitectura e Engenharia Civil2000 e 2004, e <strong>dos</strong> Premis FAD d’Arquitectura i Interiorisme 1999, 2001,2002, 2004 e 2006, Barcelona. Em Julho de 2007 recebeu o prémio Gold MedalAward pela exposição “Arquitecturas em Palco”, Representação OficialPortuguesa na XI Quadrienal de Cenografia e Arquitectura Teatral de Praga.10José Capela é licenciado em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura daUniversidade do Porto e Assistente no Departamento Autónomo de Arquitecturada Universidade do Minho. Foi colaborador do Atelier 15. Tem publicadoartigos sobre diversas práticas artísticas e em particular sobre arquitectura.Prepara tese de doutoramento sobre conceptualismo em arquitectura. É, juntamentecom Jorge Andrade, fundador e director artístico da mala voadora,estrutura onde desenvolve actividade como cenógrafo.11Margarida Grácio Nunes licenciou-se em Arquitectura, na ESBAL, e especializou-seem “Conservação e Recuperação de Edifícios e Monumentos”, na ES-BAL-DA. Entre 1986 e 1988 frequentou o curso de mestrado em História daArte da Universidade Nova de Lisboa. Com Bruno Munari fez o Curso de Designno IADE. Fernando Sanchez Salvador licenciou-se em Arquitectura, na ES-BAL, e especializou-se em “Conservação e Recuperação de Edifícios e Monumentos”,na ESBAL-DA. Actualmente está inscrito, como aluno de Doutoramento,na FAUP. Ambos vivem e trabalham em Lisboa, onde têm atelier desde1979, desenvolvendo actividade no campo da Arquitectura e Urbanismo. Doseu trabalho destacam-se o edifício <strong>dos</strong> Lares da Nossa Senhora da Graça, emTomar, a Recuperação e Adaptação de Espaços no Palácio Nacional da Pena,em Sintra, o Pavilhão da Região Autónoma <strong>dos</strong> Açores, na Expo 98 e na EXPO2000 em Hannover, o Lux-Frágil e o restaurante Bica do Sapato, em Lisboa.12Pedro Pacheco (Braga, 1965) licenciou-se em Arquitectura pela FAUP(1991). Estagiou no atelier de Josep Llinàs, em Barcelona (1990-91) e colaboroucom Fernando Távora entre 1992 e 1996. É professor convidado da FAUTLdesde 2004. Forma atelier com José Adrião entre 1996 e 2004 e tem atelierpróprio, em Lisboa, desde 2004. Trabalha em co-autoria com Marie Clémentdesde 1998 nos projectos para aldeia da Luz e Estrela. Marie Clément (St.Etienne, 1966) é licenciada em Arquitectura pela Escola de Arquitectura deParis – Belleville (1992). Colaborou com Eduardo Souto de Moura entre 1990e 1992. É docente na Faculdade de Arquitectura de Clermont-Ferrand entre1998 e 2006 e desde 2006 na Faculdade de Arquitectura de Saint-Etiénne, emFrança. Tem atelier próprio em Saint-Etiénne, França desde 1999. O conjuntoMuseu, Igreja e Cemitério da Luz recebeu o 3º prémio do Prémio “EuropaNostra” (2006); o Prémio Internacional Arquitectura de Pedra 2005 (Verona,Itália); o Prémio de Honra atribuído pelo Júri do Prémio Europeu de ArquitecturaPhilippe Routthier para a Reconstrução da Cidade (Bruxelas, Bélgica),Menção para Melhor Museu Português 2003-2005; em 2004 o Museu da Luzrecebeu o Prémio Europeu de Arquitectura “Luigi Cosenza” 2004 (Nápoles,Itália) e o Prémio Menhir 2004 (Bilbao, Espanha).6Edouard François, nasceu em Paris em 1957. Baseada em Paris, a sua actividadeestende-se a toda a Europa. A sua obra foi apresentada em alguns <strong>dos</strong>mais importantes museus mundiais, como o Centro Pompidou em Paris, oGuggenheim em Nova Iorque ou o Victoria & Albert Museum em Londres.Dos seus projectos destacam-se o «l’Immeuble qui pousse» em Montpellier,a Tower Flower em Paris ou o Hotel Fouquets Barrière nos Campos Elíseos.7Duarte Belo (Lisboa, 1968) licencou-se em Arquitectura (1991). Foi Bolseiroda Fundação Calouste Gulbenkian entre 1986 e 1991. Paralelamente à actividadeinicial em Arquitectura, desenvolveu projectos em Fotografia. Expõe individualmentedesde 1989. Está representado em diversas colecções públicas eprivadas, em Portugal e no estrangeiro. Da obra publicada constam mais decinquenta títulos, das quais se podem destacar Orlando Ribeiro — Seguido deuma viagem breve à Serra da Estrela, 1999; Ruy Belo — Coisas de Silêncio(2000); O Vento Sobre a Terra — apontamentos de viagens (2002), À Superfíciedo Tempo — Viagem à Amazónia(2002), Território em Espera (2005), Geografiado Caos (2005); Terras templárias de Idanha (2006); Portugal — O Saborda Terra (1997) e Portugal Património (2007).8Graça Correia (Porto, 1965) licenciou-se em Arquitectura pela FAUP (1989).Colaborou com o arquitecto Eduardo Souto de Moura desde essa data até1995, quando iniciou a docência na Universidade Lusíada do Porto e a actividadeem escritório próprio. Foi bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia,tendo defendido em 2006, na Escola Superior Técnica de Arquitectura daUniversidade Politécnica da Catalunha, a Tese de Doutoramento «Ruy JervisD’athouguia – a Modernidade em Aberto». A Casa do Gerês (realizada com oarquitecto Roberto Ragazzi), foi finalista na V Bienal Iberoamericana de ArquitecturaY Urbanismo em representação de Portugal na Mostra de Jovens<strong>Arquitectos</strong> e ainda no III Prémio Enor.9João Mendes Ribeiro (Coimbra, 1960) licenciou-se em Arquitectura pelaFAUP, onde leccionou entre 1989 e 1991. É docente da disciplina de Projectono Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia daUniversidade de Coimbra desde 1991. Participou em inúmeras exposições, entreas quais se destacam a Representação Portuguesa na 9ª e 10ª Mostra Internacionalde Arquitectura da Bienal de Veneza em 2004 e 2006. O seu trabalhofoi reconhecido com diversos prémios, entre os quais se destacam osPrémios Architécti 1997 e 2000, Lisboa; o Premis FAD d’Arquitectura i Interiorisme2004, Barcelona; Highly Commended, AR Awards for Emerging Architecture2000, Londres e a nomeação para o European Union Prize for ContemporaryArchitecture – Mies Van der Rohe Award 2001 e 2005, Barcelona. Foi13Peter Zumthor nasceu em 1943 em Basileia, tem formação de marceneiro,mestre-de-obras e arquitecto na Kunstgewerbeschule de Basileia e no PrattInstitute, Nova Iorque. Tem o seu próprio atelier de arquitectura desde 1979em Haldenstein, Suiça. Professor na Accademia di Architettura, Universitàdella Svizzera Italiana, Mendrisio.14Roberta Albiero, licenciou-se em Arquitectura pela Universidade IUAV de Veneza(1992), onde é actualmente Professora Associada de Projecto Arquitectónicoe Urbano. É responsável por várias publicações sobre arquitectura italianae sobre a obra do Arquitecto João Luis Carrilho da Graça. Dirige o atelierAlga sediado em Veneza, onde realiza trabalhos em colaboração. FrancescoCoppolecchia, Federico Gera, Luca Guido e Alvise Marzollo são licencia<strong>dos</strong>em arquitectura, pela universidade IUAV de Veneza na qual desenvolvem trabalhode assistentes e investigação. Desde 2006 formam, em Veneza, o atelierde arquitectura Alfa.15Rosário Salema licenciou-se em Arquitectura Paisagista pela Universidadede Évora em 1988. Estagiou com os <strong>Arquitectos</strong> Nuno Teotónio Pereira e PedroBrandão. Desde 1988 exerce a profissão nas áreas de Planeamento Urbanoe Projectos e Obras de Arquitectura Paisagista. Desde 1991 exerce a funçãode Arquitecta Paisagista na Câmara Municipal de Lisboa. Leccionou adisciplina de Projecto no Curso de Pós-Graduação de “Design Urbano” promovidopelo Centro Português de Design, Universidade de Barcelona e FBAUL.Frequenta a pós-graduação em “Discursos e linguagens emergentes: da críticaà criação artística”.16Victor Mestre (Lisboa, 1957) licenciou-se em Arquitectura pela ESBAL, em1981, ano em que iniciou actividade em atelier próprio. É Mestre em Recuperaçãodo Património Arquitectónico e Paisagístico pela Universidade de Évora,em 1997. Tem o Diploma de Estu<strong>dos</strong> Avança<strong>dos</strong> em Teoría y Prática de la RehabilitaciónArquitectónica y Urbana pela Universidade de Sevilha, em 2005. Actualmente,é Doutorando da Universidade de Coimbra. Entre outras publicações,participou no Levantamento da Arquitectura Popular do Arquipélago <strong>dos</strong>Açores (AAP, 2000), é autor do livro Arquitectura Popular da Madeira (Argumentum,2002), e integrou o Projecto IAPXX – Inquérito à Arquitectura Portuguesado Século XX. Sofia Aleixo (Lisboa, 1957) licenciou-se em Arquitecturapela FAUTL, em 1991, iniciando, no mesmo ano, colaboração com Victor Mestre.Entre 1999 e 2001, foi Coordenadora do Gabinete Técnico Local Belver, Gavião.Entre 1996 e 2000 foi docente no IADE, e desde 2002 é Assistente doCurso de Arquitectura da Universidade de Évora. Em 2007, efectuou Provas deAptidão Pedagógica e Capacidade Científica na mesma universidade.94 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / 228


47 16 121 1413 62 58 119 109 1415 1443Biografias


Abstracts<strong>JA</strong><strong>229</strong> TIMEEDITORIALPermanence of architecture is not merely a result of its materiality.It is also, and chiefly, a reflection of the conscious gaze ofsuccessive generations on the role of time in a community, therelevance of memory and the singularity of specific publicspaces, buildings and cities. The density of that which survives,as well as its challenging naturality, has always fascinated architectsin the moment of design – as if the various forms of permanencehas always occupied the expectations of the architects.And this fascination remains due to the existence of the possibility– that is difficult to realise – of time being incorporated into architecture. Density and permanence in time seemed to be incompatiblewith the tradition of the new established byModernist thinking. Vanguard movements in history have introducedthe dominance of the conceptual over the production of artand architecture, relativising the physical permanence of the object– at times even dispensing with it. This process has led architectureto the limit condition of aspiring to work on suppositionsof immateriality, lack of gravity and mobility. But, simultaneously,the contemporary world has found – through critique ofmodernism in the late 20th century, which we conventionally referto today as the post-modern condition – unexpected ways ofcreating links to the tradition of immutability of the principles ofarchitecture, but not necessarily to history. If it is true that thecanon is far from being an operative language, and that the materialityof classic architecture appears alien to our civilisationalcontext today, what relationship is possible between architectureand the long term? In an article entitled “Junkspace”, RemKoolhaas asserts that buildings can forfeit some of their parts orrelinquish or do without sections and still exist infinitely despitethis mutilation, thanks to the role played by the infrastructure.Even in a world in which the infrastructure prevails over the material,the desire for permanence is incorporated in the most unexpectedarchitectural strategies. The conceptual artifice of architecturehas faced its new existential condition incontemporaneity and “monumentalised” the ephemeral, constructingit as eternal. From the shops that are designed withmaterials that last forever to the museums whose urban and programmaticrelevance guarantees them long-term permanence,while still remaining permeable to material transformation, andto the cautious restoration of the fragile modern architectureproduced less than a century ago.How much time does a landscape have?ROSÁRIO SALEMAThe European (rural) landscape, the product of an unequivocalalliance between natural and cultural processes, is the result ofthe interaction of various periods on the territory, constructing itand adapting it to the times. This is a complex system that includesthe geological time, the geomorphological time, the historicaltime, the physical time and the biological time. A biophysicaltime. In the contemporary context, the time ofself-regulation for natural systems may become obsolete andnon-productive vis-à-vis the hegemonic speed and voracity of thetime of the market economy. At the beginning of the 21 st centuryone must ask a fundamental question. How can we maintainthe stability of the biophysical time, which regulates the dynamicsof rural landscapes, vis-à-vis the time of the market andcapital?Time and architectural materialsCRISTINA VERÍSSIMOThe idea that a building will last forever has been questionedthroughout time. The Egyptians may have desired eternity fortheir monuments, but the truth is that buildings contain withinthemselves the idea of a “life cycle” (“from the cradle to thegrave”) even if, in many cases, that cycle can be a very long one.The quality of the original design often allows a building to adaptto different uses/functions throughout its life. However, we haveoften had to deal with multiple conservation problems that renderthe preservation of buildings a difficult undertaking. In manycases architectural, symbolic and cultural values are placedabove the deterioration of the materials with which buildings arebuilt and society must make an effort to maintain its buildings, itsarchitecture. But is such preservation possible for an extensivenumber of buildings over an extensive period of time? To what extentis the notion that architecture is forever compromised whenthe final result, the construction, does not last forever after all?In what way are the materials used to build buildings today responsiblefor the notion of “nothing lasts forever” associatedwith architecture? Will heightened awareness for the sustainabilityof the planet play a fundamental role in the future of ourarchitecture and in how we approach the materiality and life cyclesof our buildings?Permanence of the Modern – Ruy AthouguiaGRAÇA CORREIAThe idea of permanence of the modern can be perceived aproposthe indisputable actuality of an unfinished project by RuyAthouguia – the Nazaré Pousada, the maquette for which createsan inquietude that is by no means casual. If one dared to makea render and publish it in one of the most prestigious current architecturalpublications as a recently built work, any one of uswould accept and underline its unequivocal actuality and qualitywithout considering it in any way anachronous. Modernity hasbeen the object of one of the most vivid and interesting culturaland philosophical debates of the last quarter of a century, traversingin a revealing way, the discussion of projects in progressand the paths of transformation of the discipline of architecture.Time and the Carlos Relvas Photograph Studio, GolegãVICTOR MESTRE, SOFIA ALEIXOThe Carlos Relvas Photography Studio is in Golegã in the districtof Santarém. Built between 1871(2?) and 1875(6?), the buildingwas partially converted to a family residence ten years later, withthe introduction of substantial alterations. It then took on thename “Carlos Relvas Studio/House”. In 1978 it was donated toGolegã Town Council, which opened it to the general public in1981. In 1989 it was recognised as a “Building of Public Interest”,though it was not officially listed until 1996, the year inwhich its doors were closed due to the highly degraded state ofthe building. In 1997, IPPAR began the conservation and restorationprocess of this paradigmatic building in world photographicculture, which was concluded with its re-opening in April of 2007.Architecture without ArchitectureJOSÉ CAPELAThe article looks at the art work’s loss of formal and materialstatus in the context of conceptual art and raises the possibilityof a similar phenomenon taking place in the context of architecture.Taking his perspective beyond a strict focus on the objectsthemselves, the author seeks to assess the implications and potentialsof this loss of status as far as the shaping of the disciplinesof art and architecture and, in particular, the possibility ofthe respective protocols and categories becoming unstable ortransitory are concerned.96 Jornal <strong>Arquitectos</strong> / <strong>229</strong>


O TEMPO INVERTIDOou O MITO DA ORIGEMRoberta AlbieroA ideia de tempo linear ou circular inverte-se no interiorda estrutura espacial de Veneza e desvenda umaanomalia complexa. Radicada num tempo único, construídode múltiplas descontinuidades, Veneza estabeleceuma relação singular com o projecto, evidenciando,no seu passado histórico, um constante paradoxo: se,por um lado, uma espécie de abrandamento parecegovernar a evolução física da cidade, confronta-se, poroutro lado, com uma aceleração num plano conceptuale de reflexão crítica/teórica.Esta unicidade, que liga definitivamente Veneza ao seupassado, orienta o olhar à sua origem, colocado numfuturo sempre presente, manifesta-se como uma contínuadescoberta do mito da fundação. Este mito da origemconstitui a unidade de passado, presente e futurono interior de uma idéia de um “tempo quase imóvel”.Como o anjo de Benjamin volta as costas ao futuromas é atraído no seu turbilhão, assim, Veneza descobreo seu futuro orientando o olhar em direcção do seupassado. Muito se escreveu sobre a complexa relaçãoque Veneza estabelece com a Modernidade, e não é esteo espaço para desenvolver uma questão tão articuladae controversa. Em vez disso interessa-nos investigara dimensão temporal na qual reside a identidade deVeneza: uma unicidade temporal que ingloba diferentesideias de tempo, ou de acordo com Manfredo Tafuri,“diversas formas de tempo”.Na aula inaugural do ano lectivo 1992–1993 no IUAV,“As formas do tempo: Veneza e a Modernidade” 1 ,Tafuri designa as três formas do tempo veneziano. Aprimeira é o tempo do instante: uma dimensão instantânea,fugidia que se consuma e se saboreia numinstante. É a própria forma de cada obra de arte, capazde provocar um atordoamento fulminante, que anula aideia de tempo.A forma do tempo explícito é em vez disso a de Tiziano,traduzida no quadro “Alegoria do tempo” governadopela prudência, na qual a ideia de linearidade e circularidadedo tempo se evidencia na presença das trêsfaces, o jovem, o maduro e o velho, encarnações dastrês fases da vida, e correspondentes às figuras do lobo,do leão e do cão.A terceira forma é aquela que Tafuri define como tempoimplícito, que se encontra no projecto de Le Corbusierpara o Plan Obus de Argel, um tempo complexo nassuas articulações de tempo da contemporaneidade, daAngelus Novus, Paul Klee.Allegoria del tempo, Tiziano.


2cronografia, da aceleração, expresso no grande gestoinfra-estrutural da obra/ponte; do tempo do consumo,o tempo acabado, contido nas células residenciais e,finalmente, do tempo quase imóvel da Casbah, opostoao tempo da idade da técnica.E é este, o tempo quase imóvel, que não pode ser tocadopelo projecto moderno, que assume em Veneza umsignificado ainda mais manifesto de unicidade temporal,não privado de contradições, que atravessa toda asua história de cidade sereníssima.Os projectos analisa<strong>dos</strong> ainda que com rapidez, no interiordeste Vírus, escolhi<strong>dos</strong> dentro da Modernidade,constituem, segundo a nossa opinião, teorias fundamentaiscomo suporte desta ideia de tempo veneziano:um tempo invertido, atraído por uma contínua procurae reflexão sobre a sua origem.O projecto Estuário de Saverio Muratori (1959) percorreas fases de formação da cidade lagunar e na versãoI°, vai até à ideia da Veneza originária, a Veneza góticaconstituída de um arquipélago de insulae. Esta Venezada origem forma-se através da artificialização de umapaisagem originária constituída por água e terras, progressivamenteantropizado e densificado. Mas a ideiada ínsula persiste como matriz do sistema entronizadolagunar que encontra o seu código genético na matériatipológica, a célula do tecido urbano.Giuseppe Samonà relê, no projecto Novissime (1964) aconfiguração originária <strong>dos</strong> grandes vazios venezianos.Mais uma vez o olhar para o passado, aquele vazio quemais do que qualquer outro representa a relação dacidade com a sua paisagem horizontal e com o espaçopúblico: a praça e o bacia aluvial de São Marcos.Le Corbusier, no projecto do seu hospital (1964), olhapara o mito da fundação mediante o acto de apropriaçãoda água, e relê o tecido menor da construção,propondo de novo no interior da complexa estruturahospitalar, as sequências espaciais das ruas e <strong>dos</strong>pátios. A partir do projecto de Le Corbusier, a posiçãode Peter Eisenman (1978) parece abrir novas leiturase à ideia de uma impossibilidade de reler o mito daorigem. Mas os seus objectos aliena<strong>dos</strong>, desprovi<strong>dos</strong> deescala e de relação com a história veneziana, reconfirmamcom o próprio silêncio, mais uma vez, o reenvio auma origem, perdida e impossível.O projecto de John Hejduk (1978), na solidão das suastreze torres parece falar de símbolos e mitos aos quaisa arquitectura não pode renunciar. Os projectos aosquais fizemos referência estão dota<strong>dos</strong> de uma forçateórica intacta, preserva<strong>dos</strong> e renova<strong>dos</strong> na sua energiae potencialidade de criar, incansavelmente, um fluxo deideias e debates.Os projectos contemporâneos mais recentes, todavia,parecem ter suspendido esta procura, para sedirigirem na direcção de ineficazes e transitóriasintervenções que sugerem, como única alternativa,em frente da fraqueza de um novo baseado num pragmatismosimplista, o “onde era, como era”. O recentecaso da reconstrução do teatro La Fenice constituium exemplo de incapacidade de pensar a unicidadedo tempo veneziano como simultaneidade de presentepassado e futuro. Se a estratégia “onde era como era”pode aparecer, entre as outras perseguidas actualmente,como mal menor, é também uma palavra de fim nomito da origem de Veneza, como potencial latente emgrau de nutrir do interior desta cidade, canibalizada emumificada por um turismo sem qualidade.A imagem do vazio no interior do teatro é o emblemado vazio que se espera no futuro desta Veneza.1M. Tafuri, La forma del tempo: Venezia e la Modernità, prolusion, AnnuarioIUAV, 1992-1995, p. 29.


Teatro la Fenice depois o incêndio.O desabamento da Torre de São Marcos (1902).Praça São Marcos depois do dsabamento da Torre.


O “tipo” entre Espaço e tempoFrancesco CoppolecchiaWhat is time? It would be nice if we could find a gooddefinition of time. Webster defines “a time” as “a period”, and thelatter as “a time”, which doesn’t seem to be very useful. Perhapswe should say: “Time is what happens when nothing else happens”.Which also doesn’t get us very far. Maybe it is just as wellif we face the fact that time is one of the things we probably cannotdefine (in the dictionary sense), and just say thet it is what wealready know it to be: it is how long we wait! 1Assim Richard P. Feynman, nas célebres lições dadas noCal.Tech. entre 1961 e 1963, tentava de mostrar aos seus estudantesque o tempo da certeza e da definição está - pelos menospelo momento - concluído. Antes da descoberta da física quânticapensava-se que o espaço fosse tridimensional assim como o tinhaidealizado Euclide e que o tempo, como o espaço, fosse uma coisapor si mesma, um meio no interior do qual as coisas se transformam.Por fim, depois de 1920 “the stage is changed into spacetime,and gravitation is presumably a modification of space-time” 2 ,descobre-se que alguns fenómenos em escala muito pequena nãorespeitam as leis de Newton, comportam-se de modo não natural;“to give an example of how wrong classical physics is, there is arule in quantum mechanics that says that one cannot know bothwhere something is and how fast it is moving”– Princípio de Indeterminaçãode Heisenberg, 1927 3 .É a queda mais desastrosa daquele núcleo que roda à voltado determinismo e do finalismo e que interpreta a estrutura darealidade com a lente da não-forma da naturalidade, que na velhaoposição natureza/cultura observa o contínuo e cansado recursoao método da constituição da identidade. Este núcleo começa aextinguir-se no princípio da modernidade pondo em funcionamentomecanismos de produção da tradição, ilustra<strong>dos</strong> por exemplopor Hobsbawm 4 ; estes estão funda<strong>dos</strong> sobre modelos temporaissimplifica<strong>dos</strong> úteis ao controlo da História: assim o tempo desfazsenum homogeneizado, bom apenas para ser digerido. A incensaçãodo passado determina a recusa do presente livre de todasaquelas experiências que não aderem à tradição do incenso; odesenho do futuro é deixado à contínua embalsamação do cadáverdo passado. A leitura particular da História como de um feliz processodescontínuo de estruturas abertas e sobrepostas é inadequadaao modelo social moldado pelo sistema económico de mercado.Dispor desta ideia dominante do tempo como função contínua econstante significa dispor de um sistema linguístico generalizador,o único pressuposto a receber sem sobressaltos a uniformizaçãohistórica. Por isso como o tempo, o espaço nutre-se desta subtileza.A cidade é constituída na história de estratificações, que tecemas suas relações evidentes a partir das diversidades manifestadas;é esta manifestação de descontinuidade que transforma em lugar oespaço e o tempo da cidade. As cidades que mantiveram evidenteesta descontinuidade no próprio tecido, com a chegada da modernidadecomeçaram a viver o drama da impossibilidade de prosseguirno sistema da estratificação produzindo partes novas completamentedesligadas das outras ou porque camufladas de um pobrehistoricismo ou porque desfeitas num esquematismo derivado porsua vez de um linguístico interior generalizado e silencioso: deuma parte onde era, como era, da outra a complexidade do reflexoda economia de mercado (especulação imobiliária).Veneza oferece-se como um unicum: daqui a percepção4da arquitectura antiga e daquela reconstruída, a sua imagem, é extremamenteconfusa; além disso a estrutura espacial desta cidadeé particularmente complexa enquanto não é possível percorrer oespaço de maneira linear, visto que a ligação visível <strong>dos</strong> lugaresnão corresponde de modo algum ao próprio atravessamento físico.Isto depende da mistura com água da cidade, a qual introduz umsistema de fruição do espaço descontínuo e não linear. Veneza éa representação de si mesma do problema do tempo e do espaço,e muitos <strong>dos</strong> arquitectos que no decurso do séc. XX desenharamprojectos para esta cidade, tiveram que necessariamente enfrentarsecom este problema: projectar aqui significa elaborar uma teoriade porte estratégico.Um <strong>dos</strong> momentos mais importantes de elaboração teóricaem Veneza foi com certeza o Concurso Nacional para o BairroCEP de San Giuliano no 1959 ganho por Saverio Muratori 5(1910-1973), e no qual participaram também Ludovico Quaronie Carlo Aymonino. Este projecto segundo Gianfranco Caniggia,representa para Muratori (do qual era aluno) “a síntese do longotrabalho de investigação sobre a tipologia construtiva e sobre amorfologia da implantação urbana lagunar, iniciado no períodode ensino veneziano” 6 e “foi motivo de escândalo” 7 porque seconsidera que ele utiliza “os seus estu<strong>dos</strong>, deduzindo um reportóriode soluções, numa pura e simples reproposição do passado” 8 .As soluções apresentadas no interior do projecto foram três e ostrês projectos correspondiam a um “procedimento lógico” 9 quemovimentavam, ou seja, do primeiro ao terceiro: “Os primeirosdois [Estuário I e II] deviam demonstrar na incongruência deum tecido compacto de ‘ilhas’ ou de um tecido serial de pátios,a substancial ‘modernidade’ da reflexão sobre o tecido gótico deruas-curtas, organizado segundo uma específica tipologia de casacolectiva veneziana […] num cuida<strong>dos</strong>o reconhecimento sobre amodularidade caracterizadora do tecido de Veneza” 10 . A análise doprojecto Estuário III, derivada da elaboração teórica de Muratorisobre tipo construtivo 11 apresenta uma fortíssima contradição relacionadacom as críticas que nos anos ’60 foram feitas ao projecto,como afirma o mesmo Caniggia, em relação à produção de ummodelo temporal e histórico destorcido, porque uniformizado egeneralizado. Esta negação é presente nas mesmas palavras de Caniggiano afirmar a validade, na teoria de Muratori, do “tipo comoconceito” relativo ao “tipo como esquema” como em Quatremèrede Quincy, derivado de uma classificação positivista; com efeito,sustenta Caniggia: “a diversidade mais radical entre ‘tipo comoesquema’ e ‘tipo como conceito’ está na ausência de historicidadedo primeiro e na historicidade do segundo” 12 , mesmo porqueeste último tem sentido apenas se parte de uma sucessão de tiposmutantes no tempo, num mesmo lugar” 13 . Onde está então o tipo?É possível observá-lo, estudá-lo, suspendê-lo por um momento notempo e no espaço? Como se faz para isolá-lo, visto que tem sentidoapenas se parte de uma sucessão de tipos mutantes no tempo,num mesmo lugar? Não é certamente possível, porque se assimfosse não se transformaria no tempo e se poderia registar numdado período, coisa que em vez disso não acontece porque o mesmoestá misturado numa contínua estratificação que impede umreconhecimento a não ser que produza uma abstracção categóricaà priori, coisa que Muratori contesta individuando o tipo com umaverificação à posteriori.A teoria muratoriana produziu um amplo interesse à voltado tipo; muitos depois dele vão reflectir sobre as questões por elepostas em causa. A Escola de Veneza, com a Tendência, utilizaráo tipo como instrumento operativo, utilizando uma linguagemgeneralizada. Segundo Franco Purini porém, o raciocínio sobre atipologia de Muratori conteria o “superamento da noção moderna


Navio no canal da Giudecca.O incendio do Molino Stucky (2003)


de tipologia” 14 , assim como se entende de seguida; Por isso, aolado da didascalidade e “à recuperação da tradição desprovi<strong>dos</strong> danecessária severidade, da distancia necessária” 15 , manifesta-se uma“síntese a priori” que contribui à remoção e dissolução da dimensãofísica da cidade e da arquitectura, uma espécie de “subdivisãoem âmbitos distintos e contrapostos” 16 . Tal subdivisão resulta da“contemporânea fragmentação da linguagem” 17 , efeito da “perdade unidade que contribuiu à inconfrontabilidade das soluções, a instituiçãoda excepção como regra” 18 . A modernidade constitui-se avolta desta sectorialização que nasce “<strong>dos</strong> destroços daquela escadariado classicismo na qual se fixou permanentemente a unidadeideal de todas as arquitecturas” 19 : para este sincronismo temporalé a sectorialização da linguagem que na modernidade se procurapor um lado de recompor e por outro lado de denunciar. Aquelade Muratori é a ideia de uma nova totalidade que tenta resistir à“especialização escalar” na qual se reproduz a cadeia de montagemda produção industrial. Aquilo que Purini indica é que em Muratori– suspendendo “os resulta<strong>dos</strong> classificadores” – o conceito de tipocoincide com o papel do arquitecto “como depositário e actor dacontinuidade entre as diferentes escalas” 20 .Se pensamos também em Arquitectura e Civilização emcrise 21 trata-se por isso para Muratori de reafirmar simplesmentea unidade da ideia de cidade também através do momento dacatástrofe em que “teoria e realidade” coincidem; é aqui que osaber entra em crise. Se podemos afirmar com Jean Baudrillardque “modernidade é aquilo que transforma a crise em valor”,podemos também afirmar que a investigação sobre a continuidadede Muratori se transfigura na identidade entre crise e normalidade:se calhar é mesmo neste paradoxo que valorizamos o Muratorimoderno.Estuario II Projecto, Saverio Muratori.Estuario III Projecto, Saverio Muratori.1The Feynman Lectures on Physics, Richard P. Feynman, R. Leighton and M. Sands, 1965, California Institute of Technology; 1989, Addison WesleyLongman Published; ed. ita., La fisica di Feynman, § 5 (Time and Distance) -2 (Time), 2001, Bologna.2R. P. Feynman, ib, § 2 (Basics Physics) -3 (Quantum Physics).3R. P. Feynman, ib, § 2-3.4The Invention of Tradition, Eric J. Hobsbawm and Terence Ranger, 1983, Cambridge University Press, Cambridge.5O grupo de projectão conduzido por Muratori era também composto por R. e S. Bollati, G. Figus, P. Maretto, G. Marinucci, G. Mazzocca.6Nota biografica contenuta, 10 maestri dell’architettura italiana (§. S. Muratori), p. 130, a c. di M. Montuori, 1988, Electa, Milano.7I progetti di Muratori, Gianfranco Caniggia, ibidem, p. 160.8I progetti di Muratori, G. Caniggia, ib., pp. 160-161.9I progetti di Muratori, G. Caniggia, ib., p. 161.10I progetti di Muratori, G. Caniggia, ib., p. 161.11Cfr. S. Muratori, I caratteri degli edifici nello studio dell’architettura, prolusione dell’anno accademico 1950-51, Iuav, Venezia; e Studi perun’operante storia urbana di Venezia, em “Palladio”, 1959 e em volume, 1960, Istituto Poligrafico dello Stato, Roma.12Saverio Muratori. La didattica e il pensiero, G. Caniggia, ibidem, p. 146.13Saverio Muratori. La didattica e il pensiero, G. Caniggia, ib., p. 146.14F. Purini, “L’ammirazione che all’arte si deve”: impressioni, interpretazioni, riflessioni su Saverio Muratori, sulla sua opera interrotta, p. 5, Phalarisn. 0, § La tipologia, 1989, Arsenale ed., Venezia.15F. Purini, ibidem, p. 6.16F. Purini, ib., p. 5.17F. Purini, ib., p. 5.18F. Purini, ib., p. 6.19F. Purini, ib., p. 5-6.20F. Purini, ib., p. 6.21S. Muratori, Architettura e civiltà in crisi, 1963, Centro Studi di Storia Urbanistica, Roma.6


Estuario I Projecto, Saverio Muratori.Giudecca, habitacões sociais, Gino Valle, 1980-1986.A cidade vertical, L. Hilbersheimer.


O TEMPO PROPRIO DE VENEZA,ad es. Progetto NovissimeAlvise MarzolloO concurso internacional para o plano de pormenor do novo depósitodo Tronchetto, promovido pela Câmara Municipal de Venezaem 1964, situa-se no final de um período fértil de investigaçãoteórica-projectual no interior do Instituto Universitário de Arquitecturade Veneza – tendo como protagonista uma jovem equipa dearquitectos forma<strong>dos</strong> à volta da figura de Giuseppe Samonà - e torna-seo emblema das grandes transformações em actuação à escalaterritorial, num sistema de relações geo-político onde a cidadede Veneza tem dificuldade em encontrar uma posição coerente eum papel decisivo no interior do âmbito regional em que esta seencontra. A antiga vocação comercial da cidade encontra-se coma nova ambição direccional e representativa. A rígida presença daponte translagunare de 1861 ao serviço do terminal ferroviário eautomobilístico, da Estação Marítima e do porto comercial obrigadesde o início a uma aproximação ao tema parcial e vinculado, emque será a determinação e o desenho míope das cabeças-de-pontea serem obrigatoriamente o tema principal das atenções do debatearquitectónico.O campo da investigação vai na direcção de reflectir sobre aeficácia de algumas operações de carácter infrastrutural e sobre oconsequente impacto destas decisões sobre a estrutura morfológicada cidade. Esta é a imposição real do tema de concurso: nenhumaescolha pode ser feita se não provoca interpretações da estruturaconstitutiva da cidade (as reflexões sobre a cidade lagunar realizadaspor Saverio Muratori com o título de Estu<strong>dos</strong> para umahistória urbana operativa de Veneza estão datadas) 1 . É talvez esteo momento em que se dá, nas consciências, o regresso à visãode unicidade da cidade e da lagoa, da pedra e da água, do vaziocomo tecido de ligação, assim como foi representado na eloquenteestampa publicada em Veneza em 1528 do geógrafo padovanoBenedetto Bordone, “onde se vê Veneza e a constelação das ilhasmenores encerradas em si mesmas, definida dentro de um universocujo perímetro é também habitado e corresponde a uma fronteiramoderna (não em sentido geográfico, certamente) e à porção deterra entre Piave e Chioggia ao longo do litoral” 2 .O concurso, como notou Bruno Zevi, 3 sofria por si mesmo de umdefeito na sua origem, pois “a ordem lógica tinha sido invertida,dado que o confronto de ideias deveria ter procedido a construçãoda ilha criando uma “inevitável ambiguidade entre um concursosobre um programa preciso e um concurso de ideias”. A efectivalegitimidade do concurso - e <strong>dos</strong> procedimentos - reflectia as polémicassobre a própria legitimidade da existência da ilha, fruto -como precisa sempre Zevi - de uma evidente vontade especulativa,para o qual “se pensou num concurso internacional na esperançaque o seu prestígio consentisse de passar à fase operativa” 4 .O projecto do grupo Samonà, moto Novissime - formado porCostantino Dardi, Emilio Mattioni, Valeriano Pastor, Gianugo Polesello,Alberto Samonà, Gigetta Tamaro, Luciano Semerani, EgleR. Trincanato - classifica-se em segundo lugar, o último relativamenteaos outros cinco vencedores ex-aequo do primeiro prémio.Proposta radical, visão distante do “problema de Veneza” para ojúri, a solução é para os autores “projecto protesto” e hipótese adesenvolver. O paradoxo resultante como origem do projecto é depropor “uma Veneza concluída como uma arquitectura”, propondode novo a imutabilidade da imagem de Benedetto Bordone comodenúncia da “impossibilidade de crescimento” 5 e reduzindo a cidadeàs suas partes “históricas” assim como foi descrita na plantatopográfica de Lodovico Ughi em 1729, último e mais detalhadodocumento que representa as condições urbanísticas da Veneza desetecentos. Denúncia directa ao séc. XIX e às certezas de podertransformar Veneza numa cidade moderna como qualquer outracidade mas que na realidade - como nota Francesco dal Co - criaas premissas de “um futuro bloqueado... de uma cultura de puraconservação” 6 .A imagem de Bordone onde a representação iconográfica dá lugara uma correspondência exacta entre aquilo que o olho recolhe naobservação da paisagem urbana e a sua transposição panorâmicacartográficainspira o conceito chave do projecto Novissime, porisso da individuação das partes “históricas”. Esta segue a reduçãoda cidade monumental, “construindo uma imagem abstracta dasua consistência física, arquitectónica, privilegiando o acto de vere das razões da necessidade óptica perceptiva” 7 .Deste modo torna-se possível ver a cidade e as suas arquitecturasdesde o interior. Trata-se por isso de um projecto de vazio, relativoa uma “nova interpretação da cidade como sistema de núcleoscompactos alterna<strong>dos</strong> com vazios de conservação” 8 . É referin<strong>dos</strong>ea esta interpretação que é projectado o grande vazio da novabacia aluvial portuária de Santa Chiara, pretexto - a este ponto- para confirmar a inteira impostação prospéctica <strong>dos</strong> princípiosiniciais, com a margem principal, uma ideal continuação do CanalGrande e a diretriz prospéctica orientada na direcção da terraferma.De alguma forma as margens da bacia aluvial que contêm asestruturas de serviço e as novas funções direccionais “formamuma espécie de praça aquática trapezoidal homóloga da Praçade São Marcos” 9 onde convergem os percursos canaliformes dedistribuição e penetração no tecido urbano e o seu lirismo culminana conclusão da memória descritiva de projecto: “O valor semântico<strong>dos</strong> dois eixos focais convergentes, da delimitação da amplabacia aluvial com elementos lineares, pouco emergentes da águada bacia, tem a vontade de concluir a forma da cidade na direcçãoda terra com uma intervenção que não consinta ulteriores formalizaçõese represente, para Veneza, a assunção de uma efectiva edefinitiva bipolaridade” 10 .1S. Muratori, Studi per una operante storia urbana di Venezia, Istituto Poligrafico dello Stato, Roma, 1960.2G. Polesello, Il para<strong>dos</strong>so Novissime, in Giuseppe Samona e la Scuola di architettura a Venezia: archivio progetti , a. c. d. Giovanni Marras, Marco Pogacnik, Il Poligrafo,Padova, 2006, p. 287.3B. Zevi, Tronchetto e laguna, da “L’Espresso” 18 Ottobre 1964, depois em Cronache di Architettura, Edizioni Laterza, n° 545.4B. Zevi, Lo sfregio di Venezia, da “L’Espresso” 9 Febbraio 1964, depois em Cronache di Architettura, Edizioni Laterza, n° 509.5G. Polesello, ibidem, p. 288.6F. Dal Co, Il mito di Venezia, in Rassegna n° 22 a cura di Carlo Magnani, Pier Antonio Val, pag. 9.7G. Polesello, ib., p. 288.8F. Tentori, Imparare da Venezia, Officina Edizioni, 1994, Roma, Concorso Internazionale per la redazione del piano urbanistico planivolumetrico per la nuova sacca delTronchetto, Venezia, 1964, p. 144.9F. Tentori, ib., p. 18.10F. Tentori, ib., p. 146.8


Benedetto Bordone, Vinegia, libro II, Veneza 1528.Projecto “Novissime”, G. Samonà, Concurso Nacional para o BarrioCEP de San Giuliano, Veneza, 1959.Canaletto, visão bacino di San Marco.Navio no canal da Giudecca.


O projecto de Peter Eisenman para CannaregioLuca Guido“Foi então que decidi de iniciar a terapia psico-analítica. Estavaverdadeiramente preocupado, depois de ter empregado assim tantotempo a projectar a House X, em vê-la construída. Naquele momentocomecei a ir ao meu inconsciente através das minhas consultasde análise: fiquei menos orientado na direcção da mente. Istocausou uma modificação na minha arquitectura: Foi na direcção daterra”. Peter Eisenman, 1989, entrevista a Charles Jenks (DeconstructionOmnibus Volume, p. 142).A ocasião para uma reflexão disciplinar sobre Veneza é dada aEisenman em 1978 durante um seminário internacional de arquitecturaorganizado pelo Instituto Universitário de Arquitectura deVeneza, com o apoio do assessoria de cultura da administraçãocamarária.O objectivo do seminário era afirmar a possibilidade concreta deoperar nos centros históricos podendo o arquitecto individualizaruma série de “regras” de intervenção. O tema escolhido ocupavaseda ex-area Saffa, situada entre a estação ferroviária, a zona de“lista di Spagna” e o canal de “rio di Cannaregio”, mesmo atrás daárea de projecto (area ex-Mattatoio) do hospital de Le Corbusier.Os arquitectos convoca<strong>dos</strong> a elaborar propostas (ou melhor uma“experimentação” projectual, como descrevem os documentos oficiaisda época) foram Carlo Aymonino, Valeriano Pastor, GianugoPolesello, Aldo Rossi, Luciano Semerani, Gino Valle, RaymundAbraham, Peter Eisenman, John Hejduk, Oswald Mathias Ungers,Bernard Hoesli e Rafael Moneo.Dos projectos desenvolvido o que se tornou ícone da pesquisa edo experimentalismo, como to<strong>dos</strong> sabemos, foi o de Eisenman. Defacto, e ao contrário <strong>dos</strong> grupos italianos, ele sabia que não se iriatratar da definição de “regras”, nem da individualização de “tipos”arquitectónicos e muito menos da exequibilidade da proposta,apesar do projecto poder vir a representar um encargo profissional,devido ao envolvimento na iniciativa <strong>dos</strong> orgãos decisores locais.Eisenman parte da malha elaborada por Le Corbusier na sua“máquina curativa”, e naquelas diretrizes vê a oportunidade dedesenvolvimento e identifica as propriedades potenciais do lugar,quase como se o projecto não realizado do grande mestre pudesseinfluenciar as possibilidades reais da área.Este paradoxo em que Eisenman se encontra em ter que gerir os“inexistentes” campos de força corbusianos, empurra<strong>dos</strong> desdeo interior do tecido urbanístico veneziano, será sucessivamenteobjecto de desenvolvimento e aprofundamento nos projectosposteriores que to<strong>dos</strong> conhecemos e que fazem parte do nossoimaginário arquitectónico.Deste paradoxo nasce sucessivamente outro no qual o trabalho seliga profundamente: o projecto de Eisenman situa-se como lugar“outro”, ou seja de uma Veneza “outra”, um lugar de onde, comodizíamos, recolhe inesperadamente os estímulos para “contextualizar-se”.Mas mesmo os “contextual objects” coloca<strong>dos</strong> na área, implicamuma operação verdadeiramente “improponível” em Veneza: ouseja, aquela de escavar.Portanto, se a Veneza real se desenvolve acima da superfície daágua, aquela imaginada por Eisenman realiza ao contrário umproblemático percurso subterrâneo, parecido com o percurso deaprofundamento psico-analítico que estava efectuando no mesmoperíodo.10Tudo isto prevê uma reflexão que pode resultar ambígua, sobrea pressuposta/real tábua rasa utilizada em relação ao tecido dacidade ou do contexto.Para Cannaregio, Eisenman concebe um plano urbano ondedesenha “objectos” arquitectónicos como enigmas para resolver.A tabula rasa resultante da a-contextualização exalta a operaçãocrítica e intelectual na representação de uma nova realidadeurbana aparentemente fora de contexto mas, como tínhamos dito,não completamente desvinculada do mesmo. Entre os objectos arquitectónicosinseri<strong>dos</strong> na área, o projecto da casa XIa é utilizadopor Eisenman mais vezes. Este último, originado como propostapara a casa do amigo Kurt Forster, aparece em vez disso comopavilhão no programa elaborado para Cannaregio, apresentan<strong>dos</strong>etodavia com múltiplas metamorfoses: varia em cada réplica deescala e às vezes é sobreposto a outras gráficas, quase como seo projecto percebesse as tensões do reflexo lagunar e os efeitosdas duplicações e distorções da imagem que se reflecte sobre umespelho de água.Esta procura, digna de uma reflexão monográfica mais exaustivado que este breve texto, terá para Eisenman também successivasevoluções.Em particular as tramas traçadas a partir da grelha serão referidase re-elaboradas no projecto parisiense do “Parc de la Villette” realizadocom o filósofo Jacques Derrida, enquanto que a utilizaçãode geometrias em “L”, a matriz racionalista e os temas compositivosdas rotações de figuras e da junção de volumes, vão aparecertambém nos projectos seguintes como “Fin d’ Ou T Hou S”, emais tarde de forma inovadora na “Guardiola House” que iniciaráuma nova estação de experimentações maneiristas sobre o espaçoarquitectónico.Projecto para Cannaregio, P. Eisenman, Veneza 1978.


Projecto para Cannaregio, P. Eisenman, Veneza, 1978.Projecto para Cannaregio, P. Eisenman, Veneza, 1978.


“Obscenidade” do tempo veneziano. Alguns projectoscontemporâneos não realiza<strong>dos</strong> e outros realiza<strong>dos</strong>.Luca Maria FolgoreO significado comum que se dá à palavra obsceno, usada para indicaralguma coisa de indecoroso, indecente e de ofensivo face aopudor e/ou do contexto, é totalmente invertido em Veneza, mesmose a tentação de a usar para indicar certas arquitecturas contemporâneasou determina<strong>dos</strong> delitos arquitectónicos que foramcometi<strong>dos</strong> é bastante forte.“Vive-se em Veneza como num agradável exílio, não só da terra,mas também do tempo”.em “Il Cielo sulle città” de Vincenzo CardarelliPor obs-cenidade entendemos o significado mais profundo e ocultoque se encontra na origem da palavra, que é o sentido expressopelo grande teatro.O-scenità para indicar alguma coisa que pelo seu significado“particular” apresenta-se como imensamente diferente de “tudo”aquilo que se põe em cena, ou seja da arquitectura espectacularizadae desejosa de ocupar a cena a sobrepondo-se às obras-primas daarquitectura contemporânea veneziana.Os projectos contemporâneos elabora<strong>dos</strong> para Veneza, mas nãoconstrui<strong>dos</strong>, nunca o poderiam ter sido, porque estão cheios damais profunda antagonia e distancia do pensamento dominante quenunca os quereria realizar.E Veneza infelizmente ficou sempre imutável e embalsamadacomo uma múmia, principalmente quando poderia ter aprendido<strong>dos</strong> “Capricci” de Canaletto, que esta alteridade teria glorificadoa sua própria imagem. Uma ponte paladiana para Rialto, a Basílicapaladiana de Vicenza e Palácio Chiericati coloca<strong>dos</strong> no CanalGrande não modificam minimamente uma cidade que apesar dadescontextualização de edifícios “modernos” fica sempre a mesma(cfr. Capriccio Veneziano, olio su tela 60X82 cm, Galleria Nazionale,Parma).O des-agradável exílio indicado por Cardarelli, na verdade, foi oexílio que a arquitectura moderna em Veneza sofreu desde o Renascimento,sobretudo durante o século XX.As forças reaccionárias ao contemporâneo venceram mais do queuma vez: primeiro com Wright que projecta um magnífico palácio“in volta” do Canal Grande e mais tarde com o projecto de hospitalelaborado por Le Corbusier. Tanto para um projecto como o paraoutro, uma vez iniciado o processo burocrático, serão logo cria<strong>dos</strong>obstáculos e os edifícios nunca serão realiza<strong>dos</strong>.Também Louis Kahn e Ludovico Quaroni, respectivamente com osprojectos para um Palácio de Congressos nos jardins da Bienal deVeneza e para um bairro residencial em San Giuliano, não verão osseus projectos realiza<strong>dos</strong>. Todavia estas propostas, como aquelasprecedentes, serão ícones significativas do imaginário arquitectónicode muitos jovens arquitectos e experimentadores.No fundo em Veneza aquilo que não conseguiu Le Corbusierconseguiu Luciano Semerani projectando o novo hospital de SanGiovanni e Paolo oferecendo como repertório formal arcos, tímpanose tipologias. Uma “delícia” exposta sobre a lagoa veneziana. Enão se recordam do projecto-provocação desenhado para a área ExSaffa de Cannaregio por Peter Eisenman? O que é que pensam queexiste lá neste momento? Infelizmente uma pouco significativa realizaçãodo nosso italianíssimo Gregotti, enquanto não muito longesurge a intervenção terrivelmente visível, à qual não acrescentooutros comentários, de um professor universitário que ocupouparte da área do projecto corbusiano.12Enquanto os académicos produziram lucubrações dignas dacategoria, mas com resulta<strong>dos</strong> péssimos ou de vez em quando,sujando as mãos com o lápis na mesa de desenho, no decorrer <strong>dos</strong>anos aconteceu de tudo.Muitos combateram contra Wright, Le Corbusier e principalmentecontra Carlo Scarpa, o que significa contra os arquitectos modernos,e ninguém impediu a realização de construções de má qualidadeno interior do tecido urbano ( por exemplo os prédios de RioNovo, o Banco a San Luca, o hotel Danieli, etc...).Muitos menos se fez pelas pequenas obras-primas do modernoque foram alteradas ou desmontadas, ou pior ainda esquecidas;concretamente refiro-me ao projecto do futurista Angiolo Mazzonipara a central térmica da estação ferroviária de Veneza (um pequenoedifício em parte alterado), a varia<strong>dos</strong> projectos de Scarpa eaquele mais recente, o projecto para a nova sede do IUAV (1997),que foi sucessivamente esquecido pela faculdade de arquitecturaveneziana.Deste último acontecimento o sentido evidente que emerge éaquele que uma parte do mundo cultural universitário não acreditavaverdadeiramente nos valores de um projecto moderno e principalmentede um projecto experimental como este de Miralles.O facto de não se ter dado seguimento a um projecto vencedor deum concurso, que tinha ainda superado a complicada burocraciaitaliana, é simbólico, assim como é simbólica a mensagemnegativa para os estudantes. Quando a faculdade de arquitecturarealizou projectos, nunca publica<strong>dos</strong> nos livros de história, nemnas revistas do sector, não criou dificuldades a projectos queforam directamente comissiona<strong>dos</strong> a alguns professores da escolaveneziana.Em Veneza nem o restauro arquitectônico – excepto aquele deCarlo Scarpa – nunca foi compreendido como recurso do moderno.Dada a ilusão de trabalhar com a verdadeira matéria dorestauro ou seja com as práticas de maquilhagem, os restaurosresultaram muitas vezes mais consoladores que o normal procedimento“estratigráfico” da história.O verdadeiro restauro não se limita à conservação e à tutela dopatrimónio, mas deveria ser um processo projectual moderno quevalorize a pré-existência histórica.Propondo muitas vezes paradoxos sem tempo do onde era, comoera (considera o caso da torre de S. Marcos como o do teatro LaFenice) foi atacada a legitimidade do projecto contemporâneocomo “estratificação” relativa a um aparato histórico restauradoapenas na sua matéria material e não na sua imagem.O único conforto que resta numa Veneza Disney musealizadaé aquele de a pensar como uma máscara não de certo de carnaval,atrás da qual seja ainda possível perceber algum pulsar decoragem não sufocado pelo excessivo “chiaro di luna da cameraammobiliata” que perturba as mentes de quem pensa na cidadelagunar.Da cidade é preciso saber colher os sinais, como nos foi ensinadopor Thomas Mann em “Der Tod in Venedig” e também em LuchinoVisconti na sua transposição cinematográfica,. Na beleza existeuma advertência de morte: fascina<strong>dos</strong> pela beleza não percebemosa degeneração da coléra que alastra.A maquilhagem ostentada sobre a nossa “máscara” como acon-


Masieri Memorial, F. LL. Wright, Veneza, 1953.


teceu a Gustav von Aschenbach estendido no seu último diasobre uma cadeira na praia, transforma-se numa triste tentativa deesconder a verdade das formas no desenrolar nos últimos instantesde vida.E da mesma forma certas arquitecturas estendem apenas um véulastimoso sobre os valores da modernidade tentando esconderprópria exibição esquelética de mero invólucro.PRIMEIRO MANIFESTOFUTURISTA AOS VENEZIANOS27 abril 1910Repudiamos a antiga Veneza extenuada com mórbidas volúpias seculares, apesarde a termos amado e possuído, durante muito tempo, com a angústia de um grandesonho nostálgico.Repudiamos a Veneza <strong>dos</strong> Estrangeiros, mercado de antiquários e adelos fraudulentos,pólo magnetizado do snobismo e da imbecilidade universais, leito arrombadopor um sem número de caravanas de amantes, preciosa banheira de cortesãscosmopolitas.Queremos curar e cicatrizar esta cidade que apodrece, chaga magnífica do passado.Queremos reanimar e enobrecer o povo veneziano, destituído da sua grandezaprimeira, morfinizado por uma cobardia nojenta, e aviltado pela rotina <strong>dos</strong> seuspequenos e duvi<strong>dos</strong>os comércios.Queremos preparar o nascimento de uma Veneza industrial e militar, que no MarAdriático possa desafiar e enfrentar a Austria, nossa eterna inimiga. Apressemonosa encher os pequenos canais féti<strong>dos</strong> com os escombros <strong>dos</strong> velhos palácios emderrocada e cheios de lepra.Queimemos as gôndolas, esses baloiços para cretinos, e levantemos até ao céu aimponente geometria das gran- des pontes de metal e das fábricas cabeludas defumo para em todo o lado se desfazer a curva lânguida das velhas arquitecturas!Chegue, enfim, o brilhante reino da Divina Electricidade que libertará Veneza <strong>dos</strong>eu venal luar de casa mobilada.(Filippo Tommaso Marinetti, Umberto Boccioni, Carlo Carrà, Luigi Russolo, extraídode MARINETTI, O Futurismo. Lisboa: Hiena Editora, 1995)14


Projecto para o Hospital de Veneza, Le Corbusier, Veneza, 1965.


Créditos.Equipa editorialCoordenação: Roberta Albiero com Francesco Coppolecchia, Luca Guido, Alvise Marzollo.Coordenação gráfica: Federico Gera.As fotografias sem título foram feitas por Lucia Ravagni.Agradecimento: João Camisola.A equipa editorial está disponível para o reconhecimento <strong>dos</strong> eventuais direitos de autor das imagens publicadas, não tendo sido possível localizar os mesmos em tempo útil.


ANTÓN GARCÍA-ABRIL // ANTONIO JIMÉNEZ TORRECILLAS // ATELIERDO CORVO // CARUSO ST JOHN // CRISTINA VERÍSSIMO // DUARTE BELO// EDOUARD FRANÇOIS // FSSMGN ARQUITECTOS // GRAÇA CORREIARAGAZZI // JOÃO MENDES RIBEIRO // JOSÉ CAPELA // PEDRO PACHECO/MARIE CLEMENT // PETER ZUMTHOR // ROBERTA ALBIERO/ALFA// ROSÁRIO SALEMA // SOFIA ALEIXO/VICTOR MESTRE

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