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independente, o grupo vive de shows e da venda de ... - CNM/CUT

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ResumoPor Evelyn Pedrozo e Vitor Nuzzi (resumo@revistadobrasil.net)Pra francês lerA informação está correndo omundo. O Le Mon<strong>de</strong> <strong>de</strong> 2 <strong>de</strong> setembropublicou a seguinte notícia,extraí<strong>da</strong> <strong>de</strong> um site: “Lute contra oaumento dos preços dos produtosalimentares comprando terras noBrasil: Entre novembro <strong>de</strong> 2007 emaio <strong>de</strong>ste ano 2008, os investidoresestrangeiros adquiriam 2,2 milhões<strong>de</strong> hectares. O anúncio é tentador. ‘Àven<strong>da</strong>, por US$ 3 milhões, preço negociável,482 mil hectares <strong>de</strong> florestavirgem, imediatamente disponíveis.Eleva<strong>da</strong> probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> petróleo egás natural, ou ain<strong>da</strong>, ouro e outrosminerais.’ A proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> fica nasprofun<strong>de</strong>zas <strong>da</strong> Amazônia. Nos últimosanos, o imenso Brasil, 16 vezesmaior que França, suscitou o interessedos investidores estrangeiros, ansiosospor fazen<strong>da</strong>s e plantações”. Aven<strong>da</strong> <strong>de</strong> terras corre solta.CongressoInternacional<strong>de</strong> NaturismoPelados, uni-vosO povoado <strong>de</strong> Jacumã, a 30 quilômetros <strong>de</strong> JoãoPessoa, foi sacudido por 2.500 homens e mulheresnaturistas. Vieram <strong>de</strong> 33 países para o 31º CongressoInternacional <strong>de</strong> Naturismo, no início <strong>de</strong> setembro,na praia <strong>de</strong> Tambaba. Muito à vonta<strong>de</strong>, discutiramestratégias <strong>de</strong> expansão <strong>da</strong> causa. Para ospraticantes, o naturismo proporciona uma relaçãomais saudável com o corpo, liberta <strong>da</strong> ditadura consumista<strong>da</strong> beleza e estimula a auto-confiança.Fabiana Veloso/ornal <strong>da</strong> ParaiíbaPara enten<strong>de</strong>ra BolíviaAs transformaçõesque acontecemna Bolívia– como a nacionalizaçãodo petróleoe do gás,a priorização <strong>de</strong>investimentosem saú<strong>de</strong>, educação,o combateà pobreza, a radicalização <strong>da</strong> reformaagrária – explicam os conflitos queatormentam o governo <strong>de</strong> Evo Morales.O livro-reportagem do jornalistaLeonardo Severo, Bolívia nas Ruas eUrnas contra o Imperialismo (EditoriaLimiar, 56 páginas, R$ 16), na segun<strong>da</strong>edição, retrata a complexi<strong>da</strong><strong>de</strong> docenário boliviano, <strong>de</strong>screve as manipulações<strong>da</strong> mídia e o pavor <strong>de</strong> setores<strong>da</strong> elite local que tentam golpear opresi<strong>de</strong>nte eleito.Wilson Dias/abrconfortável “Daniel Dantas <strong>de</strong>ve estar nosassistindo feliz. Ele foi tratado aqui nessa comissãoa pão-<strong>de</strong>-ló. Ele mesmo disse que aqui falou muitoporque se sentiu em casa”Deputado Domingos Dutra (PT-MA),sobre a CPI dos GramposOperação abafaDepois <strong>da</strong> Operação Satiagraha,uma re<strong>de</strong> composta por parlamentares,advogados e órgãos <strong>de</strong> imprensa– tendo como quartel-generala CPI dos grampos, não faz outracoisa senão hostilizar as investigações.Com os <strong>de</strong>legados Protógenes(PF) e Paulo Lacer<strong>da</strong> (Abin) afastados,o próximo alvo é Fausto DeSanctis, juiz que <strong>de</strong>terminou as prisões<strong>de</strong> DD e contra quem o <strong>de</strong>putadoRaul Jungmann (PPS-PE) entroucom uma representação no ConselhoNacional <strong>de</strong> Justiça.Fausto DeSanctiswilson dias/abrVidraçaA CPI estadual que investiga a ação <strong>da</strong>smilícias no Rio <strong>de</strong> Janeiro vai querer ouviros <strong>de</strong>putados fe<strong>de</strong>rais Marcelo Itagiba(PMDB) e Marina Maggessi (PPS). Os doistêm em comum o fato <strong>de</strong> já terem sido autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s<strong>da</strong> segurança pública. “Eles não sónão enfrentaram as milícias, como nessasáreas se beneficiaram eleitoralmente. Isso,no meu entendimento e no <strong>da</strong> CPI, é muitograve”, disse o presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> comissão, <strong>de</strong>putadoestadual Marcelo Freixo (PSol). NoCongresso, Itagiba presi<strong>de</strong> a CPI dos grampos,que gente séria <strong>da</strong> imprensa diz ser controla<strong>da</strong>por Daniel Dantas.MarceloItagibawilson dias/abr REVISTA DO BRASIL outubro 2008


EducaçãoManifestaçãodos professoresna Av. Paulista,em junhopassadoCumpra-seProfessores se movimentam pelo respeitoà lei que <strong>de</strong>termina que o salário inicial emtodo o país não po<strong>de</strong> ser inferior a R$ 950Está na lei. Agora é fazer cumprir.Qualquer professor <strong>de</strong> educaçãobásica do país tem direito ao piso<strong>de</strong> R$ 950. A Lei 11.738/2008, <strong>de</strong>16 <strong>de</strong> julho, estabeleceu o mínimopara jorna<strong>da</strong> até 40 horas semanais. O valornão po<strong>de</strong> ser composto por gratificaçõese abonos. A <strong>CUT</strong> e a Confe<strong>de</strong>ração Nacionaldos Trabalhadores em Educação (CNTE),que consi<strong>de</strong>ram a medi<strong>da</strong> um passo em direçãoà melhor quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ensino, começaramcampanhas em todos os estados paragarantir a implantação imediata do direito. Amovimentação começouem 16 <strong>de</strong> setembro,com paralisaçãonacional, e segue comativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s programa<strong>da</strong>spara outubro, novembroe <strong>de</strong>zembro –sempre no dia 16.Após sofrer umveto específico, o pagamentodo novo salário<strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ter re-Bebel: são as máscondições queafetam a saú<strong>de</strong>troativi<strong>da</strong><strong>de</strong> obrigatória a janeiro <strong>de</strong> 2008.Com isso, estados e municípios que atualmentepagam menos que os R$ 950 <strong>de</strong>verãoarcar com dois terços <strong>da</strong> diferença a partir <strong>de</strong>janeiro <strong>de</strong> 2009. Somente em janeiro <strong>de</strong> 2010os governos cobrirão o valor integralmente.O presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> CNTE, Roberto Franklin<strong>de</strong> Leão, enviou carta a todos os prefeitosressaltando que, apesar do veto à retroativi<strong>da</strong><strong>de</strong>,o ajuste po<strong>de</strong> ser imediato on<strong>de</strong> oorçamento permite, e sugeriu a negociaçãocom os sindicatos locais para sua implementação.A lei joga um facho <strong>de</strong> luz na quali<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> ensino: um terço <strong>da</strong> carga horária dosprofessores <strong>de</strong>ve ser <strong>de</strong>stinado a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>sextraclasse, como preparação <strong>de</strong> aulas, pesquisase atendimento dos alunos.Pós-greveTrês meses após realizar greve <strong>de</strong> 21 dias, osentimento dos professores estaduais <strong>de</strong> SãoPaulo é <strong>de</strong> que sua luta exala digni<strong>da</strong><strong>de</strong>. Omovimento foi interrompido à força: umamulta <strong>de</strong> R$ 500 mil aplica<strong>da</strong> pelo MinistérioPúblico. A categoria reclama a valorizaçãoprofissional, a melhoria no processo <strong>de</strong> ensinoe mantém estado <strong>de</strong> greve contra o Decretonº 53.037/08, que trata <strong>da</strong> avaliação profissional.Para a presi<strong>de</strong>nte do Sindicato dosProfessores do Ensino Oficial <strong>de</strong> São Paulo(Apeoesp), Maria Izabel Azevedo Noronha,a Bebel, o documento traz medi<strong>da</strong>s que ameaçamain<strong>da</strong> mais a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> do ensino, comoa lei <strong>da</strong>s faltas, que permite apenas seis ausênciasanuais motiva<strong>da</strong>s por problemas <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.“Se as condições <strong>de</strong> trabalho fossem dignas,não haveria tanta gente adoecendo.”Os profissionais <strong>da</strong> educação se preparampara reagir ao que consi<strong>de</strong>ram mais um golpedo governo Serra: as regras que <strong>de</strong>finemremuneração por <strong>de</strong>sempenho, que aguar<strong>da</strong>votação na Assembléia Legislativa. “O projetoé simplesmente uma edição com novaroupagem <strong>da</strong> política <strong>de</strong> bônus e abonos. Avinculação, pura e simples, <strong>da</strong> remuneraçãocom metas <strong>de</strong> <strong>de</strong>sempenho <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ra osclamores dos professores”, diz Bebel.Des<strong>de</strong> sua <strong>da</strong>ta-base em 1º <strong>de</strong> março, osprofessores cobram reposição <strong>da</strong>s per<strong>da</strong>ssalariais, incorporação <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as gratificações,fim <strong>da</strong> política <strong>de</strong> bônus e abonos,novo plano <strong>de</strong> cargos e salários que valorizea carreira, melhores condições <strong>de</strong> trabalho,fim <strong>da</strong> aprovação automática e <strong>da</strong> superlotação<strong>da</strong>s salas <strong>de</strong> aulas. Durante a greve, ogoverno liberou reajuste salarial <strong>de</strong> 5%.Jailton Garcia REVISTA DO BRASIL outubro 2008


ponto <strong>de</strong> vistaUma nova guerra é possívelOs lí<strong>de</strong>res soviéticos que fizeram a abertura econômica eprivatizaram o Estado, com a esperança <strong>de</strong> que iriam compartilhardo condomínio dos países ricos, <strong>de</strong>scobremagora que foram ingênuos Por Mauro SantayanaQuando, no fim <strong>de</strong> agosto, crescia o temor<strong>de</strong> nova guerra mundial – com a invasão<strong>da</strong> Geórgia à Ossétia do Sul, e a respostarussa –, a imprensa internacionalapresentou os culpados como se fossemvítimas. A ver<strong>da</strong><strong>de</strong> começou a aparecer nos própriosjornais americanos, como o New York Times. O ataquefoi ato <strong>de</strong>liberado, parte do projeto norte-americano<strong>de</strong> cercar a Rússia pelo sul, já que avançavam seus entendimentoscom a República Tcheca e a Polônia, aonoroeste, para a instalação <strong>de</strong> mísseis <strong>de</strong> ataque, a quedão o nome <strong>de</strong> “escudo antimísseis”.A insuspeita revista alemã Der Spiegel cita relatóriosOs norteamericanosnão sesatisfizeramcom aredução <strong>de</strong>um terço <strong>da</strong>área que ossoviéticoscontrolavamnem como fim dosistemasocialistanos paísesdo LesteEuropeu<strong>de</strong> observadores <strong>da</strong> Organização para a Segurançae Cooperação na Europa (OSCE)que revelam terem os norte-americanosfornecido aos georgianos armas, tanques,carros blin<strong>da</strong>dos e instrutores. Durante ainvasão foram cometidos crimes <strong>de</strong> guerra,entre eles os <strong>de</strong> genocídio. Além disso,houve a circunstância eleitoral. Diante <strong>da</strong>provável <strong>de</strong>rrota <strong>de</strong> McCain, o presi<strong>de</strong>nte<strong>da</strong> Geórgia foi açulado a invadir o territóriovizinho a fim <strong>de</strong> criar o inci<strong>de</strong>nte e estimulara escolha do militarista republicano– como <strong>de</strong>nunciou o primeiro-ministrorusso Vladimir Putin.As guerras não são provoca<strong>da</strong>s pelas diferençasi<strong>de</strong>ológicas, mas sim pelos interessesnacionais. Os lí<strong>de</strong>res soviéticos que fizerama abertura econômica e privatizaram oEstado, iludidos <strong>de</strong> que iriam compartilhardo condomínio dos países ricos, <strong>de</strong>scobremagora que foram ingênuos. Os norte-americanosnão se satisfizeram com a redução <strong>de</strong> um terço<strong>da</strong> área que os soviéticos controlavam nem com o fimdo sistema socialista nos países do Leste Europeu. Eforam além <strong>da</strong> conveniência, ao humilhar os vencidosem vários episódios diplomáticos, como violar acordosfirmados sobre os mísseis intercontinentais e, semos consultar, instalar foguetes em suas fronteiras. Atémesmo o principal responsável pela adoção do neoliberalismoem seu país, Gorbatchev, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> hoje a reação<strong>de</strong> Moscou.Des<strong>de</strong> 1914, estamos virtualmente em guerra. A vitória<strong>de</strong> 1918 não eliminou a causa do conflito: a repartição<strong>da</strong>s riquezas do mundo entre os países colonizadoresem que alguns, como Alemanha e Itália, sentiram-seprejudicados. Os alemães escolheram Hitler para li<strong>de</strong>rara recuperação <strong>de</strong> suas colônias e a conquista <strong>da</strong> Europa,até os Urais – a ca<strong>de</strong>ia montanhosa que separa aEuropa <strong>da</strong> Ásia. Consoli<strong>da</strong><strong>da</strong> essa conquista, partiriampara o domínio do resto do mundo.Quando, no Tribunal <strong>de</strong> Nuremberg, os inquisidoresperguntaram a Hermann Goering (braço direito <strong>de</strong> Hitler)se os nazistas não temiam a punição <strong>da</strong> Humani<strong>da</strong><strong>de</strong>,pelo fato <strong>de</strong> terem violado to<strong>da</strong>s as regras <strong>de</strong> guerra,ele respon<strong>de</strong>u, orgulhoso, que estavam em um conflitototal, para impor nova or<strong>de</strong>m ao mundo,e não se sentiam obrigados a obe<strong>de</strong>cera normas anteriores. Vencendo, imporiamsuas próprias regras, e seriam senhores absolutos<strong>da</strong> História. Com o fim <strong>da</strong> guerra, aUnião Soviética, com o êxito <strong>de</strong> uma socie<strong>da</strong><strong>de</strong>sem classes, levou os norte-americanosa reagir, a promover a recuperação <strong>da</strong>Europa com o Plano Marshall e a conduziro reerguimento industrial do Japão.Com o fim <strong>da</strong> União Soviética, os EstadosUnidos se tornaram potência hegemônica.Essa etapa histórica se encerra com o crescimentoespantoso <strong>da</strong> China e <strong>da</strong> Índia e o<strong>de</strong>scrédito político dos norte-americanos,em razão dos golpes militares e <strong>da</strong>s guerrasperiféricas que promoveram, como foramas do Vietnã e <strong>da</strong> África, e como são as doIraque e do Afeganistão.A posição <strong>da</strong> Rússia, entre Europa e Ásia, é<strong>de</strong>cisiva para o futuro do homem. Washingtontenta intimi<strong>da</strong>r os russos, a fim <strong>de</strong> conter sua naturalexpansão diplomática e a construção <strong>de</strong> alianças militarescom os países emergentes <strong>da</strong> Ásia Central. Essa região,que concentra 60% <strong>da</strong> população mundial, provavelmentemu<strong>da</strong>rá, em poucos anos, o eixo <strong>da</strong> História, ao quebraro predomínio americano no mundo, promovendo osurgimento <strong>de</strong> novos pólos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r. Os Estados Unidos,baseados na mentira, como os nazistas, violam princípioséticos, na ilusão <strong>de</strong> que po<strong>de</strong>m manter guerras “preemptivas”e sem fim, <strong>de</strong> acordo com a insani<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> seus teóricose estrategistas. Assim, nova guerra é possível.MauroSantayanatrabalhou nosprincipais jornaisbrasileiros apartir <strong>de</strong> 1954.Foi colaborador<strong>de</strong> TancredoNeves e adidocultural do Brasilem Roma nosanos 19802008 outubro REVISTA DO BRASIL


políticaO eleitoradochega àmaturi<strong>da</strong><strong>de</strong>Não é só o prenúncio<strong>da</strong> corri<strong>da</strong> presi<strong>de</strong>ncial com maisnovi<strong>da</strong><strong>de</strong>s nas últimas déca<strong>da</strong>s:as campanhas municipais mostramque, felizmente, as eleições estãovirando rotina no paísPor Daniel Merli e Spensy PimentelOBrasil comemora 20 anos<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a nova Constituiçãoselou o fim do cicloautoritário e consolidou ocaminho para a re<strong>de</strong>mocratizaçãodo país. E é em clima <strong>de</strong> maiori<strong>da</strong><strong>de</strong>que <strong>vive</strong>m neste outubro as eleições municipais.In<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente dos resultados<strong>da</strong>s disputas, pesquisas <strong>de</strong> opinião mostramque o brasileiro está mais conscientedo papel <strong>da</strong>s eleições. Com isso, as campanhasinvestem menos na baixaria e nosataques. “As eleições a ca<strong>da</strong> dois anos estãofazendo com que a cultura política se aperfeiçoe”,diz o diretor-geral do Instituto Datafolha,Mauro Paulino. “O eleitor está maisseletivo e acompanhando mais <strong>de</strong> perto o<strong>de</strong>sempenho dos candi<strong>da</strong>tos”, complementaele, que tem 26 anos <strong>de</strong> experiência naanálise <strong>de</strong> pesquisas.A socióloga Fátima Pacheco Jordão, outraanalista experiente, lembra que as atuaispropagan<strong>da</strong>s do Tribunal Superior Eleitoral(TSE) pelo voto consciente são uma boapista para enten<strong>de</strong>r o que está se passandocom o eleitor brasileiro. “To<strong>da</strong>s as pesquisasapontam nessa direção, as pessoastêm consciência <strong>de</strong> que errar o voto é per<strong>de</strong>rquatro anos”, afirma ela. “O sentimentomaior do eleitor é o <strong>de</strong> querer acertar, tendoNas urnasNúmero <strong>de</strong> prefeitos eleitosem 2004 por partido1.057871790552425 411PMDB psdb PFL PP Ptb ptfonte: TSEa consciência <strong>de</strong> que o voto, <strong>de</strong> fato, vai serefletir no futuro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.”As eleições municipais privilegiam <strong>de</strong>bateslocais, e as pesquisas i<strong>de</strong>ntificam temasrecorrentes. Violência e saú<strong>de</strong> são os maiscitados; o trânsito é um assunto emergente.“São temas que fazem parte do dia-a-dia aocolocar em pauta os problemas mais imediatos<strong>da</strong> população”, diz Paulino. “Estaseleições são muito favoráveis para o eleitor.Elas estão coloca<strong>da</strong>s num plano maispragmático”, emen<strong>da</strong> Fátima. “Obviamente,terão repercussões nacionais, mas a mídiainsiste <strong>de</strong>mais nesse ponto –isso é preocupação<strong>de</strong> uma elite, dos políticos, dospartidos. O eleitor não está pensando em2010, ele vota para o momento, pensandona sua ci<strong>da</strong><strong>de</strong>.”Indício <strong>de</strong>sse grau diferente <strong>de</strong> relaçãocom as eleições é a alta audiência dos horárioseleitorais gratuitos na atual tempora<strong>da</strong>,dizem os analistas. “Não era espera<strong>da</strong> tãoalta audiência. E o mais interessante é que aspesquisas mostram os mais jovens especialmenteinteressados”, diz Fátima. Para ela,não só a mídia tradicional melhorou sensivelmentea cobertura jornalística comotambém a internet está gerando enormemu<strong>da</strong>nça no comportamento do eleitor.Partidos e trincheirasAo mesmo tempo em que se <strong>de</strong>sdobrampara aten<strong>de</strong>r à maior exigência dos eleito-10 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


pragmáticoNa eleiçãomunicipal, o eleitortem chance <strong>de</strong>colocar em pautaproblemas que oafetam <strong>de</strong> perto,como saneamento,pavimentação,iluminação...montagem com fotos <strong>da</strong> agênia brasilres, os partidos têm <strong>de</strong> se preparar para umjogo importante. O agrupamento <strong>da</strong>s forçasa partir <strong>de</strong> outubro po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>finitivo,em muitos sentidos, para a gran<strong>de</strong> disputapresi<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> 2010. O PT, já consoli<strong>da</strong>docomo um dos quatro gran<strong>de</strong>s partidos emníveis fe<strong>de</strong>ral e estadual, quer expandir-senas prefeituras, on<strong>de</strong> domina o PMDB –pelo menos em quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> (o partido elegeu1.057 prefeitos em 2004, mas, com otroca-troca eleitoral hoje controla 1.300municípios).Partido mais votado em 2004, com 16,3milhões <strong>de</strong> votos, ou 17% do eleitorado, noprimeiro turno, o PT mais que dobrou suarepresentativi<strong>da</strong><strong>de</strong> naquelas eleições municipais,chegando a 411 prefeitos e 3.679 vereadores.Mesmo assim, amargou <strong>de</strong>rrotas emredutos históricos, como Porto Alegre, ouem capitais on<strong>de</strong> disputava a reeleição, comoSão Paulo. Alguns petistas falam em alcançaruma marca próxima dos mil prefeitos, <strong>de</strong>um total <strong>de</strong> 5.564, em todo o país.E se no passado o PT evitava coligações,hoje o partido se a<strong>da</strong>pta a elas, marca dogoverno fe<strong>de</strong>ral. “Em 2004, aumenta o número<strong>de</strong> coligações do PT, e estas se tornammenos criteriosas no sentido <strong>de</strong> buscar umacoerência i<strong>de</strong>ológica entre seus parceiros”,diz o cientista político Carlos Machado,doutorando pela Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>Minas Gerais (UFMG) e autor <strong>de</strong> estudosobre as alianças do partido. “O principalcritério foi a realização <strong>de</strong> coligações comaliados <strong>de</strong> sua base no governo fe<strong>de</strong>ral, <strong>da</strong>qual participam vários partidos que antesPresi<strong>de</strong>nte e cabo eleitoral MultipartidárioMarcelo Crivella (PRB), Jandira Feghali (PCdoB), Alessandro Molon (PT) e Eduardo Paes(PMDB) concorrem à prefeitura do Rio <strong>de</strong> Janeiro. Pelo menos uma coisa todos têm emcomum: usam o nome <strong>de</strong> Lula e as realizações do seu governo para fazer campanhapraticamente não se apresentavam entreseus aliados, como PTB, PP e PL.”O cimento <strong>da</strong>s coligações do PT é Lula,que é disputado a tapa como cabo eleitoral.As contas <strong>de</strong> outubro vão dizer se seupartido levou vantagem ou se os aliados éque lucraram ao associar-se à imagem <strong>de</strong>le.Para colar seus candi<strong>da</strong>tos em Lula, o PToferece um arsenal. O site do partido nainternet disponibilizou <strong>da</strong>dos <strong>da</strong> atual gestãopara divulgação nas campanhas e gravações<strong>de</strong> Lula e ministros <strong>de</strong> Estado emapoio ao partido.O movimento tem mão dupla: ao mesmotempo em que se cola aos candi<strong>da</strong>tos oalto índice <strong>de</strong> aprovação <strong>de</strong> Lula, usam-se aseleições municipais para espalhar pelo Brasilos feitos do governo fe<strong>de</strong>ral, com vistasa 2010. “Trabalhamos com a idéia <strong>de</strong> privilegiara visão <strong>de</strong> esquer<strong>da</strong> do PT”, afirmao presi<strong>de</strong>nte nacional do PT, <strong>de</strong>putado RicardoBerzoini (SP).Enquanto o PT “se vira nos 30” com osaliados, DEM (ex-PFL) e PSDB tentam salvaro casamento, iniciado nos tempos <strong>de</strong>Fernando Henrique. E não é só em São Paulo,on<strong>de</strong> a aliança terá <strong>de</strong> curar as seqüelas<strong>da</strong> disputa entre Geraldo Alckmin (PSDB)e Gilberto Kassab (DEM). A concorrênciaaconteceu também em Salvador, PortoAlegre e Rio <strong>de</strong> Janeiro – on<strong>de</strong> os tucanos2008 outubro REVISTA DO BRASIL 11


A lógica O vice-lí<strong>de</strong>r do PMDB naCâmara, Ta<strong>de</strong>u Felipelli: “É muitoprovável que estejamos começando umacaminha<strong>da</strong> que una PT e PMDB em 2010”Fabio Pozzebom/ABrapoiaram Fernando Gabeira (PV) contra a<strong>de</strong>mocrata Solange Amaral.Saulo Queiroz, <strong>da</strong> direção nacional doDEM, diz que os confrontos não trazem riscoà uni<strong>da</strong><strong>de</strong> em 2010: “Existe um espectro<strong>de</strong> oposição (ao governo fe<strong>de</strong>ral) muito claro,com a coligação <strong>de</strong> PSDB, DEM e PPS.A probabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> não concretizá-la em2010 é muito pequena, porque é um jogo <strong>de</strong>sobrevivência política. Hoje, numa campanha<strong>de</strong> nível nacional, é indispensável estarjuntos para ganhar”.Queiroz aposta que o PT lançará possível“candi<strong>da</strong>to sem intensi<strong>da</strong><strong>de</strong> eleitoral”,confiante na herança <strong>da</strong> populari<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>Lula. “Nós não po<strong>de</strong>mos ficar preocupadoscom isso. Vamos enfrentar a guerra <strong>in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte</strong>mentedo candi<strong>da</strong>to.” O presi<strong>de</strong>ntedo PSDB, senador Sérgio Guerra (CE),assinala as características “especiais” <strong>da</strong>seleições municipais: “As coligações maisflexíveis, com vários partidos, têm muitaimportância nesse cenário <strong>da</strong>s alianças locais.Precisamos respeitar as peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>sregionais”.Suingue eleitoralMas as “peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s regionais” <strong>de</strong>vemter limites, segundo o próprio presi<strong>de</strong>ntedo PSDB. Questionado sobre a reali<strong>da</strong><strong>de</strong>aparentemente contraditória <strong>da</strong>s alianças<strong>de</strong> tucanos e petistas, Guerra fala sobre reformapolítica: “Vamos discutir ain<strong>da</strong> esseassunto. Não há uma posição do PSDB sobreisso. Eu sou a favor <strong>da</strong> radicalização <strong>da</strong>fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> partidária. Em algum momentoPaulo Fonseca/Folha imagemela tem <strong>de</strong> ser extrema”.Uma <strong>da</strong>s apostas presi<strong>de</strong>nciais para 2010,o governador mineiro Aécio Neves (PSDB)testa outro discurso. O <strong>de</strong> que, “acima <strong>da</strong>sdivergências políticas e partidárias está ointeresse do povo”, como anunciava texto<strong>de</strong> campanha do “candi<strong>da</strong>to <strong>da</strong> aliança”,Márcio Lacer<strong>da</strong> (PSB), em Belo Horizonte.Em sua página oficial na internet, Lacer<strong>da</strong>foi apresentado como homem <strong>de</strong> Lula,Aécio e do prefeito <strong>da</strong> capital, Fernando Pimentel(PT).Berzoini admite que a novi<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong> influirem 2010: “Influência tem, porque relaçõesse constroem nessas alianças e coligações,mas vamos observar a dinâmicaeleitoral, porque na<strong>da</strong> é mecânico e absoluto”.Fora dos gravadores, petistas mineiroscriticaram a idéia. “É a única ci<strong>da</strong><strong>de</strong> emque o partido tem a prefeitura, tem aprovaçãoe apóia um candi<strong>da</strong>to ligado a seuprincipal adversário nacional”, afirma ummineiro que trabalha no PT nacional. O petistavê ambições pessoais <strong>de</strong> Pimentel noacordo. “O mais provável é que Pimentel vápara o PSB disputar o governo com apoio<strong>de</strong> Aécio, contra Patrus Ananias”, afirma,referindo-se ao atual ministro do DesenvolvimentoSocial.O cientista político Carlos Machado <strong>de</strong>stacaque, apesar <strong>de</strong> coligações entre PT ePSDB já terem ocorrido, o caso <strong>de</strong> Belo Horizontefoi uma novi<strong>da</strong><strong>de</strong>. “Coligações entrePT e PSDB, em 2000, houve 454 e, em2004, 934. A maior se <strong>de</strong>u em ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s commenos <strong>de</strong> 10 mil eleitores. PT e PSDB nuncahaviam se coligado em ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s com maisdo que 500 mil eleitores.”PT e PMDBO PT aumentou o número <strong>de</strong> coligaçõescom o PMDB, partido com maior número12 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


<strong>de</strong> prefeitos no país e maior banca<strong>da</strong> na Câmarae no Senado. Mas o presi<strong>de</strong>nte do PTafirma que não há uma estratégia <strong>de</strong> aproximaçãovisando a 2010. “O PMDB é forteno país todo, e todos os partidos <strong>da</strong> basegovernista também fazem parte <strong>da</strong>s coligações”,afirma.“O alto número <strong>de</strong> coligações com oPMDB se <strong>de</strong>ve simplesmente ao tamanho<strong>de</strong>sse partido, que é aquele com maior número<strong>de</strong> participações em eleições paraprefeito no Brasil. De fato, todos os principaispartidos brasileiros têm no PMDBa legen<strong>da</strong> com a qual fazem o maior número<strong>de</strong> alianças <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> esfera municipal”,concor<strong>da</strong> o cientista político CarlosMachado.O vice-lí<strong>de</strong>r do PMDB na Câmara, Ta<strong>de</strong>uFelipelli (DF), vê uma lógica: “É muitoprovável que estejamos começando umacaminha<strong>da</strong> que una PT e PMDB em 2010”.Uma ci<strong>da</strong><strong>de</strong> no caminho <strong>da</strong> eleição presi<strong>de</strong>ncialO apoio do PT local e do PSDB para eleger Márcio Lacer<strong>da</strong>(PSB) em Belo Horizonte é tido como a prova dos nove paraa disputa <strong>de</strong> 2010. Para Berzoini, presi<strong>de</strong>nte do PT (dir.),“na<strong>da</strong> é mecânico e absoluto”. Sérgio Guerra, presi<strong>de</strong>ntedo PSDB, <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a fi<strong>de</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong> partidária, mas diz que épreciso respeitar as “peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>s regionais”Contra isso, não teme nem as coligaçõesque não <strong>de</strong>ram certo, como no Rio <strong>de</strong> Janeiro– on<strong>de</strong> o peeme<strong>de</strong>bista Eduardo Paese o petista Alessandro Molon não fizeramcoligação – e em São Paulo – on<strong>de</strong> o presi<strong>de</strong>nteestadual do PMDB, Orestes Quércia,apoiou Kassab contra Marta Suplicy no primeiroturno. “Lógico que haverá disputasestaduais. Mas elas não serão impermeáveisà aliança nacional. O embate principal <strong>de</strong>2010 é que vai estruturar to<strong>da</strong>s as outrasdisputas”, vislumbra Felipelli.A possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma aliança com o PTé sinal <strong>de</strong> uma mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> atitu<strong>de</strong> do partido,segundo ele: “Nós sempre fomos criticadospor ser um partido muito dividido.Mas todos os gran<strong>de</strong>s partidos têm suas divisões:PT, PSDB e DEM. Agora o PMDBtem mostrado que, apesar <strong>de</strong> ter suas divisões,po<strong>de</strong> votar <strong>de</strong> forma coerente e ser oprincipal elemento <strong>de</strong> sustentação do governo”.Para as eleições <strong>de</strong>ste ano, a principal estratégiaé clara, na visão <strong>de</strong> Felipelli “a lutaé continuar sendo o partido com o maiornúmero <strong>de</strong> prefeituras e vereadores do Brasil.Essa permeabili<strong>da</strong><strong>de</strong> garante ao PMDBo status <strong>de</strong> maior partido do país e se reproduzna eleição para <strong>de</strong>putados e senadoresno Congresso”. Apesar do objetivo <strong>de</strong>conquistar o maior número <strong>de</strong> prefeituras,a do Rio <strong>de</strong> Janeiro, segundo maior colégioeleitoral do país, foi prioritária. “E nãosó para o PMDB, não é? Por que será que oLula tem ido tanto para lá?”Para Mauro Paulino, do Datafolha, agran<strong>de</strong> dúvi<strong>da</strong> para 2010 será sobre a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> Lula <strong>de</strong> transferir votos. “O candi<strong>da</strong>to<strong>de</strong>le não será, certamente,alguém com omesmo carisma, o po<strong>de</strong>r<strong>de</strong> comunicação que eletem com os mais pobres,então, vai <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r tambémdo grau <strong>de</strong> envolvimentoque ele terá com acampanha <strong>de</strong>ssa pessoa”,diz o analista. “Manti<strong>da</strong>a aceitação atual <strong>de</strong> Lulafotos: José Cruz/ABrpelos pobres, que têmcom o governo <strong>de</strong>le aspolíticas sociais, e pelaselites, que têm a manutenção<strong>da</strong>s regras <strong>de</strong>mercado, o candi<strong>da</strong>to <strong>de</strong>Lula é, <strong>de</strong> cara, o favorito”,emen<strong>da</strong> a socióloga FátimaPacheco Jordão.Certeza mesmo, para o diretor do Datafolha,é que o país <strong>vive</strong> hoje outro momentoem relação às déca<strong>da</strong>s anteriores: “Peloquadro dos possíveis candi<strong>da</strong>tos para 2010já se vê que não há mais, hoje, espaço paraum Collor, por exemplo. O eleitor mudou,está mais exigente”, acredita. “O raciocíniotradicional <strong>da</strong> mídia, sobre apoios e transferências<strong>de</strong> voto, expressa uma visão muitoconceitual do eleitor. Ele é uma pessoa real,que tem problemas reais, quando an<strong>da</strong> narua, pega um ônibus, vai ao posto <strong>de</strong> saú<strong>de</strong>.E está ca<strong>da</strong> vez fazendo escolhas maisracionais”, completa Fátima.2008 outubro REVISTA DO BRASIL 13


trabalhoTudo para nãodividir o boloNum ambiente <strong>de</strong> <strong>de</strong>mocracia, crescimento ealtos lucros em todos os setores <strong>da</strong> economia,muitas empresas ain<strong>da</strong> tentam sufocarsindicatos em vez <strong>de</strong> discutir civiliza<strong>da</strong>mentecomo compartilhar os resultadosPor Nicolau SoaresRepresentantes do banco Santan<strong>de</strong>re dos funcionários reúnem-sepor <strong>de</strong>terminação dojuiz Alexandre David Malfatti,<strong>da</strong> 7ª Vara Cível <strong>da</strong> capitalpaulista. O Santan<strong>de</strong>r quer impor multa <strong>de</strong>R$ 50 mil para ca<strong>da</strong> dia que o Sindicatodos Bancários <strong>de</strong> São Paulo permanecer emfrente a um prédio do banco na zona sulpaulistana. Era outubro <strong>de</strong> 2005, a categoriaestava em greve, mas o Santan<strong>de</strong>r nãoqueria ruído na sua porta. Atento ao direito“<strong>de</strong> ir e vir”, mas também ao <strong>de</strong> livre manifestação,o juiz convocou o diálogo.O acordo foi assim expresso por Malfatti:“As partes reconhecem, <strong>de</strong> um lado, osdireitos fun<strong>da</strong>mentais <strong>de</strong> liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> manifestação,<strong>de</strong> reunião e <strong>de</strong> greve e, <strong>de</strong> outrolado, o direito <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> e o direitoao trabalho... Os réus po<strong>de</strong>rão exercer,pacificamente e respeitando a livre escolhado funcionário, o direito <strong>de</strong> convencimento.E o banco po<strong>de</strong>rá exercer, pacificamentee respeitando a livre escolha dofuncionário, o direito <strong>de</strong> convencê-lo a nãoa<strong>de</strong>rir. Em suma, fica claro que, <strong>de</strong> lado alado, po<strong>de</strong>rão atuar no convencimento sobrea<strong>de</strong>são ou não. A atuação será pacíficae sem constrangimentos”. Obra-prima dobom senso para relações <strong>de</strong> trabalho quese preten<strong>de</strong>m mo<strong>de</strong>rnas, o acordo firmadoé ain<strong>da</strong> uma exceção.No tempo do autoritarismo, usava-se aforça para impedir manifestações. Com a<strong>de</strong>mocracia, ficou um pouco mais difícil.Para constranger a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> dos trabalhadores<strong>de</strong> se organizar, os patrões buscambrechas na lei e contam, em boa partedos casos, com o conservadorismo <strong>de</strong> setores<strong>da</strong> Justiça, recorrendo a uma medi<strong>da</strong>chama<strong>da</strong> “interdito proibitório”. Tratase<strong>de</strong> ação jurídica para situações em queo direito <strong>de</strong> posse ou <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> estásendo ameaçado. Está no Código Civil <strong>de</strong>s<strong>de</strong>o início do século passado, interessandoprincipalmente a fazen<strong>de</strong>iros que viamameaça <strong>de</strong> ocupação <strong>de</strong> terras. Da déca<strong>da</strong>passa<strong>da</strong> para cá, tem sido usado por empresaspara tentar manter grevistas bem longenão <strong>de</strong> suas <strong>de</strong>pendências, mas <strong>de</strong> suasproximi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. O raciocínio é simples: evitarque um funcionário perceba o respaldo<strong>de</strong> um movimento coletivo.Liber<strong>da</strong><strong>de</strong>Recentemente, o movimento sindical lançoudois contra-ataques judiciais diante doque consi<strong>de</strong>ra abuso <strong>da</strong>s empresas sobre odireito <strong>de</strong> greve. Uma ação movi<strong>da</strong> pelo Sindicatodos Bancários <strong>de</strong> Belo Horizonte ques-14 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


DesproporçãoPor vezes a forçapolicial é <strong>de</strong>smedi<strong>da</strong>nas manifestaçõessindicaisGerardo Lazzariacabar em confronto com a polícia e multasmilionárias para o sindicato.“A utilização do interdito não cabe nessasituação, pois não se trata <strong>de</strong> ameaça àposse”, avalia a advoga<strong>da</strong> trabalhista DeborahBlanco, assessora jurídica <strong>da</strong> Confe<strong>de</strong>raçãodos Trabalhadores do Ramo Financeiro(Contraf/<strong>CUT</strong>). “Mas há juízes queaceitam essa argumentação”, explica. Assim,impõe-se pesa<strong>da</strong> restrição à liber<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> expressão dos trabalhadores. “O interditoproibitório não é compatível como direito <strong>de</strong> greve. A greve não busca expropriação<strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>”, afirma o juizGrijalbo Fernan<strong>de</strong>s Coutinho, presi<strong>de</strong>nte<strong>da</strong> Associação Latino-americana <strong>de</strong> Juízesdo Trabalho. Para ele, o fato <strong>de</strong> uma greveafetar os bens <strong>da</strong> empresa é conseqüênciado conflito social: “Se não houver prejuízos,não faz sentido fazer greve”, explica.No julgamento <strong>da</strong> ação dos bancários <strong>de</strong>Belo Horizonte, o STF <strong>de</strong>terminou que interditossejam analisados pela Justiça doTrabalho. Ítalo Souza Nicoliello, advogadodo sindicato, explica que a Justiça Comumtem visão mais dissocia<strong>da</strong> do fenômenogreve. “A Justiça Comum não investiga motivações<strong>de</strong> um movimento. Com a fixaçãona Justiça do Trabalho, teremos ambientemais propício para esse tipo <strong>de</strong> discussão”,avalia. O placar <strong>da</strong> votação no STF, oito votosa favor e um contra, no último dia 10<strong>de</strong> setembro, indica que po<strong>de</strong>rá ser edita<strong>da</strong>uma súmula vinculante a respeito do tema– e que a interpretação po<strong>de</strong>rá ser segui<strong>da</strong>em instâncias inferiores.“A <strong>de</strong>cisão reforça a tese <strong>de</strong> que o que estáem discussão é o direito <strong>de</strong> greve e não odireito <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>”, avalia o juiz Coutinho.Sua interpretação fortalece, também, aação movi<strong>da</strong> pela <strong>CNM</strong>/<strong>CUT</strong>. “Existe umacolisão <strong>de</strong> direitos, entre greve e proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>.Mas a Constituição <strong>de</strong>termina a funçãosocial <strong>da</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>, e um dos critériospara isso é o respeito aos direitos fun<strong>da</strong>mentais,entres os quais está o <strong>de</strong> greve”,argumenta o advogado Marthius Sávio Lobato,<strong>da</strong> Confe<strong>de</strong>ração.Abuso <strong>da</strong> leiO Sindicato dos Metalúrgicos do ABCpaulista enfrenta uma situação que <strong>de</strong>monstraaté on<strong>de</strong> vai o abuso dos interditos.A Ecovias, concessionária que administra aVia Anchieta, conseguiu por esse meio vetarpasseatas na rodovia. “Como um sindicatovai se manifestar se não po<strong>de</strong> fazeruma passeata? Há juízes que vão mais longe,criminalizando dirigentes sindicais, quetêm <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r individualmente por umconflito que é coletivo”, afirma Sávio.A ação <strong>da</strong> <strong>CNM</strong>/<strong>CUT</strong> está a cargo doministro Carlos Ayres Brito. Caso o STF<strong>de</strong>ci<strong>da</strong> favoravelmente, será uma vitóriaimportante para a garantia do direito <strong>de</strong>organização e manifestação. No entanto,outras ameaças continuarão, entre elas, aprópria Lei <strong>de</strong> Greve. Promulga<strong>da</strong> em 1989,prevê as condições a serem cumpri<strong>da</strong>s paraque uma greve não seja consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> abusiva,como publicação <strong>de</strong> aviso <strong>de</strong> 48 a 72 horasantes <strong>da</strong> paralisação, entre outras. DeborahBlanco consi<strong>de</strong>ra a lei <strong>de</strong>satualiza<strong>da</strong>frente às mu<strong>da</strong>nças do mundo do trabalho.tiona a competência <strong>da</strong> Justiça Comum parajulgar esses casos. Outra, <strong>da</strong> Confe<strong>de</strong>raçãoNacional dos Metalúrgicos (<strong>CNM</strong>/<strong>CUT</strong>),contesta o uso <strong>de</strong> interdito em greves e manifestações.As duas tramitam no SupremoTribunal Fe<strong>de</strong>ral (STF) e trazem para o <strong>de</strong>batenacional a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> greve e <strong>de</strong> organização.Apesar <strong>de</strong> previsto na Constituiçãocom status <strong>de</strong> “fun<strong>da</strong>mental”, o direito <strong>de</strong> grevetem sido duramente ameaçado.Os abusos ficam mais claros, por exemplo,quando se está diante <strong>de</strong> uma campanha salarial.Os trabalhadores <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>categoria, em assembléia, <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m entrarem greve. No mesmo dia, uma empresa procuraa Justiça Comum e entra com ação <strong>de</strong>interdito, alegando que manifestações próximasàs suas <strong>de</strong>pendências ameaçam o direito<strong>de</strong> “posse” <strong>da</strong> empresa sobre seu espaço.Caso o juiz concor<strong>de</strong>, a manifestação po<strong>de</strong>chega-pra-láO climasempre acabaesquentandoRaquel camargo2008 outubro REVISTA DO BRASIL 15


Interdito rodoviário A Ecovias conseguiu vetar passeatas dos metalúrgicos na Anchieta. Isso significa uma mor<strong>da</strong>ça no SindicatoRaquel camargo“Se um banco é avisado com tanta antecedência,tem amparo tecnológico <strong>de</strong> transferiroperações para outros locais. O direito<strong>de</strong> resistência, que está no direito <strong>de</strong> greve, éo direito <strong>de</strong> causar prejuízo. Sem isso, não sealcançam novas conquistas”, argumenta.Para Coutinho, a lei é muito <strong>de</strong>talhistaao prever ações que configuram abusopor parte dos trabalhadores, mas poucodiz sobre as condutas anti-sindicais pratica<strong>da</strong>spelos patrões durante ou antes <strong>de</strong>uma paralisação. Um dos principais problemas<strong>da</strong> lei seria a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> aplicação<strong>de</strong> multas aos sindicatos. “A imposiçãopecuniária afeta a liber<strong>da</strong><strong>de</strong> sindical, poisas multas po<strong>de</strong>m simplesmente impedi-los<strong>de</strong> atuar”, avalia.Caso exemplar <strong>de</strong>sse problema aconteceuem 1995, quando, acionado pelo governoFHC, o Tribunal Superior do Trabalho julgouabusiva uma greve na Petrobras e impôsmulta <strong>de</strong> R$ 100 mil à Fe<strong>de</strong>ração Única dosPetroleiros por dia não trabalhado. Uma leipropondo a anistia <strong>da</strong> multa foi aprova<strong>da</strong> noCongresso e veta<strong>da</strong> duas vezes por FHC. Somenteem 2003 foi sanciona<strong>da</strong> por Lula.E como solucionar os problemas <strong>da</strong> legislaçãoe garantir a livre manifestação? “Odireito do trabalho não nasceu <strong>da</strong> obra <strong>de</strong>gran<strong>de</strong>s doutrinadores ou do Estado. É fruto<strong>da</strong> luta e organização dos trabalhadores,e o direito <strong>de</strong> greve tem um papel fun<strong>da</strong>mental”,<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> Coutinho. “Mas não esperemque esses problemas sejam corrigidossem mobilização social”, finaliza.Colaborou Ricardo NegrãoCampanha <strong>de</strong> alertaDebate O Sindicato dos Bancários <strong>de</strong> São Paulo quer que a socie<strong>da</strong><strong>de</strong> conheça o problemaEm Gravataí (RS), a Fe<strong>de</strong>ração Estadual dos Metalúrgicos (FEM-RS) e o sindicato <strong>da</strong> categoria emPorto Alegre foram alvos <strong>de</strong> ações <strong>de</strong> interdito no mínimo curiosas, movi<strong>da</strong>s em 2001 pela fábrica<strong>da</strong> General Motors local e também pela Força Sindical, que reivindica a representativi<strong>da</strong><strong>de</strong> dosempregados. A multa <strong>de</strong> R$ 700 mil, se executa<strong>da</strong>, inviabilizaria as enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s. A Fe<strong>de</strong>ração enfrentaações semelhantes em Canoas, Panambi e Caxias. “Já fazem <strong>de</strong> tudo para dificultar a atuação dossindicatos nos locais <strong>de</strong> trabalho. Se não pu<strong>de</strong>rmos usar o espaço que sobra do lado <strong>de</strong> fora, comoum sindicato po<strong>de</strong> atuar?”, questiona Milton Viário, presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> FEM-RS.Na capital paulista, o Sindicato dos Bancários não po<strong>de</strong> abrir faixas na calça<strong>da</strong> do Banco Real,na Aveni<strong>da</strong> Paulista, sob pena <strong>de</strong> amargar prisões e multa <strong>de</strong> R$ 1 milhão por dia. Se protestar amenos <strong>de</strong> 200 metros (quatro vezes a largura <strong>da</strong> aveni<strong>da</strong>), mais multa, <strong>de</strong> R$ 100 mil por dia. Hácerca <strong>de</strong> 70 processos <strong>de</strong> interdito movidos por bancos que somam um prejuízo potencial <strong>de</strong> R$ 4bilhões à enti<strong>da</strong><strong>de</strong>. O que isso tem a ver com direito <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>? Na<strong>da</strong>. O que está em jogo éimpedir trabalhadores <strong>de</strong> pressionar.O sindicato lançou campanha publicitária para levar o <strong>de</strong>bate à socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, com propagan<strong>da</strong>s emrádio, cinemas e no metrô. Um histórico publicado em sua página na internet (www.spbancarios.com.br) explica di<strong>da</strong>ticamente os abusos. “Queremos quebrar o silêncio em torno <strong>de</strong> um temaque interessa a todo mundo que busca manter seus direitos por meio <strong>de</strong> manifestações públicas”,diz o presi<strong>de</strong>nte do Sindicato, Luiz Cláudio Marcolino. A enti<strong>da</strong><strong>de</strong> espera ain<strong>da</strong> reunir autori<strong>da</strong><strong>de</strong>snum gran<strong>de</strong> seminário sobre o tema. O ministro <strong>da</strong> Justiça, Tarso Genro, informado sobre as açõesjudiciais que ameaçam o direito <strong>de</strong> greve, sinalizou apoiar alterações na lei.16 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


análiseSalários, juros e câmbioPraticamente todos os preços <strong>de</strong> bens e serviços sãoformados a partir <strong>de</strong>sses três preços básicos. E não é difícilenten<strong>de</strong>r as razões. Vamos a elas Por Sérgio MendonçaAlguém consegue imaginar uma mercadoriaque não tenha utilizado força <strong>de</strong> trabalhona sua elaboração? Sobre os serviços,então, nem se diga. Depen<strong>de</strong>m basicamentedo trabalho <strong>da</strong>s pessoas. Assim,os salários estão na formação dos preços <strong>de</strong> qualquerbem e serviço. A taxa <strong>de</strong> câmbio estabelece a relação<strong>da</strong> moe<strong>da</strong> nacional com as moe<strong>da</strong>s que dominam aeconomia mundial e nas quais são cotados os preçosno comércio internacional. Refiro-me principalmenteao dólar e, complementarmente,ao euro. Um país com uma economia muitofecha<strong>da</strong> sofre uma influência menor <strong>da</strong> taxa<strong>de</strong> câmbio. Economias mais abertas (como abrasileira) aos fluxos <strong>de</strong> comércio e financeiroscostumam ter maior influência<strong>da</strong> taxa <strong>de</strong> câmbio na inflação,já que os preços internos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>mdos preços dos produtosimportados e exportados,convertidos à taxa <strong>de</strong>câmbio.A taxa <strong>de</strong> juros talvez seja o maisimportante dos três preços básicos.Reflete o “preço” do dinheiro e afetatodo o sistema <strong>de</strong> crédito <strong>da</strong> economia.Assim, quanto mais “cara” a moe<strong>da</strong> nacional(os juros), mais difícil adquirilano sistema bancário e financeiro pormeio <strong>de</strong> empréstimos. Sendo uma moe<strong>da</strong>“cara”, acaba “valendo mais” do queas outras moe<strong>da</strong>s. Na prática, <strong>de</strong> acordocom a reali<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira, os juros altosvalorizam o real em relação ao dólar e às<strong>de</strong>mais moe<strong>da</strong>s (euro, iene etc.).Mas o efeito <strong>de</strong> taxas <strong>de</strong> juros muitoaltas é mais complexo ain<strong>da</strong> para o organismoeconômico. Ao encarecer o crédito,penaliza os consumidores e os empreen<strong>de</strong>dores.Dificilmente uma empresa <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> olhar para a taxa <strong>de</strong>juros antes <strong>de</strong> realizar um investimento. A rentabili<strong>da</strong><strong>de</strong>espera<strong>da</strong> do investimento é sempre compara<strong>da</strong> coma alternativa <strong>de</strong> “<strong>de</strong>ixar o dinheiro no banco”. Se a taxa<strong>de</strong> juros é alta, inibirá o investimento produtivo – queé o que gera ren<strong>da</strong>, emprego, lucro e impostos.No caso do consumo, nossa cultura é tomar a <strong>de</strong>cisãoO efeito dosjuros altos, semexagero, po<strong>de</strong>ser <strong>de</strong>vastadorpara a economia<strong>de</strong> um país. Écomo correr os100 metros rasoscom <strong>de</strong>z quilos amais nas canelas<strong>de</strong> comprar um bem a prazo, analisando se a prestaçãocabe no salário. Certamente, se fizéssemos uma campanhanacional <strong>de</strong> esclarecimento dos juros embutidosnas prestações, muitos trabalhadores pensariam duasvezes antes <strong>de</strong> comprar. Não se trata <strong>de</strong> um comportamentoirracional do brasileiro que compra a crédito.Contudo, se a taxa <strong>de</strong> juros do crediáriofosse corta<strong>da</strong> ao meio (ain<strong>da</strong> assimseria muito alta!), o mesmo bempo<strong>de</strong>ria ser adquirido por umnúmero <strong>de</strong> prestações bemmenor.O efeito dos juros altos nãopára por aí. A taxa básica <strong>de</strong>juros (chama<strong>da</strong> Selic, sigla <strong>de</strong>Sistema Especial <strong>de</strong> Liqui<strong>da</strong>çãoe <strong>de</strong> Custódia) encarece ofinanciamento <strong>da</strong> dívi<strong>da</strong> pública.Ca<strong>da</strong> ponto percentual a mais na Selic,mantido por um ano, equivale a maisdo que o orçamento anual do Bolsa Família.Uma dívi<strong>da</strong> pública maior obriga àdiminuição <strong>de</strong> gastos <strong>da</strong> União no futuro,comprometendo o investimento públiconecessário ao crescimento sustentável.Voltando ao efeito dos juros sobre ocâmbio, uma moe<strong>da</strong> muito valoriza<strong>da</strong>(o real foi a moe<strong>da</strong> que mais sevalorizou nos últimos quatro anos)estimula as importações e os gastosno exterior (turismo, por exemplo)e <strong>de</strong>sestimula exportações e transferências.Ou seja, po<strong>de</strong> provocar <strong>de</strong>sequilíbrioexterno (déficits) e tambémpo<strong>de</strong> pôr em risco a trajetória <strong>de</strong> crescimento<strong>da</strong> economia.O efeito dos juros altos, sem exagero,po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>vastador para a economia<strong>de</strong> um país. É como correr os 100 metros rasoscom <strong>de</strong>z quilos a mais nas canelas. O competidor po<strong>de</strong>até chegar, mas nunca em primeiro lugar! Em outraspalavras, o crescimento estará aquém do necessáriopara gerar empregos e corrigir as <strong>de</strong>sigual<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong>ren<strong>da</strong>. Portanto, o <strong>de</strong>bate público sobre esse tema éestratégico para os trabalhadores e o movimento sindicalbrasileiro.Sérgio Mendonçaé economista. Foidiretor técnicodo DepartamentoIntersindical<strong>de</strong> Estatísticae EstudosSocioeconômicos(Dieese) <strong>de</strong> 1990a 2003, do qualatualmenteé supervisortécnico2008 outubro REVISTA DO BRASIL 17


tos <strong>de</strong>ssa alta: a expansão <strong>da</strong> produção <strong>de</strong>álcool a partir <strong>da</strong> cana-<strong>de</strong>-açúcar, que vemtendo sucessivas safras recor<strong>de</strong>s.O problema é que a área disponível para oplantio <strong>de</strong> feijão, arroz e outras culturas quevão para a mesa do brasileiro é disputa<strong>da</strong>pela expansão <strong>da</strong> cana e <strong>de</strong> outras culturasrelaciona<strong>da</strong>s, em alguma medi<strong>da</strong>, à produção<strong>de</strong> biocombustível, como a soja brasileirae o milho americano, o que pressionaseu preço no mercado internacional.Graziano chama a atenção para o problemaque a alta dos alimentos po<strong>de</strong> gerar emto<strong>da</strong> a América Latina, que exporta gran<strong>de</strong>quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> e ao mesmo tempo tem milhões<strong>de</strong> miseráveis. Cálculos <strong>da</strong> ComissãoEconômica para a América Latina e o Caribe(Cepal) mostram que a inflação é umfenômeno que afeta a to<strong>da</strong> a região e queum aumento <strong>de</strong> 15% nos preços dos alieconomiaCrise ain<strong>da</strong> éprato do diaOs preços dos alimentos começam a baixar,mas os trabalhadores ain<strong>da</strong> não estão livres<strong>da</strong>s conseqüências <strong>da</strong> jogatina global e <strong>de</strong>seus efeitos sobre a economia realPor Spensy PimentelAs últimas pesquisas sobre ainflação mostraram que apressão sobre os preços dosalimentos começou a ce<strong>de</strong>r,mas as seqüelas <strong>de</strong>ixa<strong>da</strong>snem sempre são capta<strong>da</strong>s <strong>de</strong> imediato. Ospreços <strong>de</strong> produtos como arroz e feijão permanecemnum patamar bem superior aodo ano passado e na<strong>da</strong> garante que voltemalgum dia aos níveis anteriores.Segundo o Departamento Intersindical<strong>de</strong> Estatística e Estudos Socioeconômicos(Dieese), entre setembro <strong>de</strong> 2007 e agosto<strong>de</strong> 2008, o preço do feijão subiu 90,43%;o do arroz, 41,16%; o do óleo <strong>de</strong> cozinha,41,90%, e o <strong>da</strong> farinha <strong>de</strong> trigo, 37,62%. Namédia geral, subiram mais <strong>de</strong> 15% os preçosdos alimentos básicos, enquanto para o Índicedo Custo <strong>de</strong> Vi<strong>da</strong> (ICV) a inflação ficouem 6,97%. Quem mais sofre com essa altasão os mais pobres: o terço <strong>da</strong> populaçãobrasileira com a ren<strong>da</strong> mais baixa gasta emmédia 38% com a alimentação. Os números<strong>de</strong> inflação acumula<strong>da</strong> caíram um poucocom o recuo dos alimentos em agosto: oarroz baixou 3,62%; o feijão, 6,53%; o óleo<strong>de</strong> cozinha, 4,43%, e o trigo, 4,26%.A alta dos alimentos é global e relacionasea uma série <strong>de</strong> fenômenos. “Nossa expectativaé <strong>de</strong> que não há volta”, diz o economistaJosé Graziano <strong>da</strong> Silva, representanteregional <strong>da</strong> Organização <strong>da</strong>s Nações Uni<strong>da</strong>spara Agricultura e Alimentação (FAO)para a América Latina e um dos criadoresdo projeto Fome Zero, que <strong>de</strong>u origem aoBolsa Família. A economista Cornélia NogueiraPorto, coor<strong>de</strong>nadora do ICV-Dieese,tem avaliação pareci<strong>da</strong>: “Os preços dos alimentosjá estão caindo, mas <strong>de</strong>vagar. E nãodá para dizer que vão recuar aos patamaresanteriores”.Graziano lembra que a alta dos alimentosao longo do último ano tem relação diretacom outro aumento <strong>de</strong> preços no mercadointernacional: o do petróleo. O produtoinfluencia o preço dos alimentos nãosó pelo transporte, mas também porque éutilizado na produção <strong>de</strong> insumos, comoos fertilizantes químicos. O barril chegoua beirar US$ 150, mas já recua em direçãoaos US$ 100.“O consumidor está pagando mais, maso dinheiro não vai para o agricultor. O quesubiu foram os insumos, como fertilizantese agrotóxicos. A rentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> quemplanta está mais baixa, o que é ruim porque<strong>de</strong>sincentiva o plantio”, explica Graziano.Isso quer dizer que, para os próximos anos,mais efeitos colaterais são esperados – porenquanto, o Brasil comemora colheita recor<strong>de</strong>,em função dos altos preços do períodoem que a safra foi contrata<strong>da</strong>.A conseqüência, segundo Graziano,será a população mais pobre comer menose pior. “Quem comprava carne <strong>de</strong> primeira,passa para a <strong>de</strong> segun<strong>da</strong>. Quem comia a<strong>de</strong> segun<strong>da</strong>, pára <strong>de</strong> comer carne e compraalimentos <strong>de</strong> pior nível nutricional, comoo açúcar – cujo preço, aliás, é dos que menossubiram.”O fator etanolA alta do petróleo, por enquanto, não afetadiretamente o brasileiro que abastece oautomóvel, sobretudo pela política <strong>da</strong> Petrobras<strong>de</strong> não repassar imediatamente aosseus preços os reajustes internacionais. Mashá também outro fator segurando os efei-Feijão maravilhaPara muitos, não dá para<strong>vive</strong>r sem, apesar do preçoalto. O que poucos sabem éque o produtor não leva na<strong>da</strong><strong>de</strong>sse aumento18 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


Carne zeroGraziano: “Quem comprava carne <strong>de</strong>primeira, passa para a <strong>de</strong> segun<strong>da</strong>. Quemcomia a <strong>de</strong> segun<strong>da</strong>, pára <strong>de</strong> comer carne”Marcelo casal jr/abr jailton garciamentos eleva a pobreza na região <strong>de</strong> 35%para 38%.Para a FAO, a bola está com os governos<strong>da</strong> região e do mundo todo, que, nas duasúltimas déca<strong>da</strong>s, reduziram muito a aju<strong>da</strong>à agricultura, cortando verbas antes gastasna armazenagem <strong>de</strong> alimentos, por exemplo– o que levou a área cultiva<strong>da</strong> a cair40% na América Latina. O órgão <strong>da</strong> ONUavalia que os governos levaram às últimasconseqüências as promessas do mercado <strong>de</strong>ofertar alimentos abun<strong>da</strong>ntes e baratos. Há,ain<strong>da</strong>, outro problema. No mundo todo, háaumento do consumo dos alimentos, <strong>de</strong>vidoao aumento <strong>da</strong> população e à melhoria<strong>da</strong> ren<strong>da</strong> em países populosos como Chinae Índia – o que leva à pressão por mais grãostambém para alimentar animais.Para produzir um quilo <strong>de</strong> carne <strong>de</strong> porcosão necessários sete <strong>de</strong> milho, por exemplo.O resultado é que os estoques internacionaisestão em seu nível mais baixoem três déca<strong>da</strong>s. Há cinco anos, <strong>de</strong>staca oagrônomo Alcido Wan<strong>de</strong>r, <strong>da</strong> Embrapa, oconsumo mundial <strong>de</strong> arroz supera continuamentea produção, o que pressiona osestoques e, por conseguinte, os preços. Parasuperar o problema, a produção <strong>de</strong> alimentosprecisaria dobrar, estima a FAO.No Brasil, menos <strong>de</strong> 10% <strong>da</strong> área agricultávelé efetivamente utiliza<strong>da</strong>, o que leva ogoverno a apostar no aumento do créditopara a agricultura como forma <strong>de</strong> aumentara safra, em vez <strong>de</strong> adotar medi<strong>da</strong>s como arestrição ou a taxação <strong>de</strong> exportações <strong>de</strong> alimentos,potencialmente polêmicas, como<strong>de</strong>monstraram os conflitos recentes naArgentina entre produtores e o governo <strong>de</strong>Cristina Kirchner. Persiste, porém, para opaís o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> aumentar essa porcentagemsem atacar a Amazônia.No caso do feijão, o problema é ain<strong>da</strong>mais grave, como explica Wan<strong>de</strong>r. A principalvarie<strong>da</strong><strong>de</strong> consumi<strong>da</strong> no país, o carioca,é exclusivi<strong>da</strong><strong>de</strong> brasileira. “Quandoo preço está alto, pela falta do produto,não há como importá-lo, e, quando estábaixo, não há como exportar o exce<strong>de</strong>nte”,explica o agrônomo. Outra peculiari<strong>da</strong><strong>de</strong>do feijão carioca: <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong>quatro meses armazenado, ele escurece, oque reduz sua aceitação pelos consumidores.Para Wan<strong>de</strong>r, o país <strong>de</strong>veria diversificaro produto, incentivando aqui varie<strong>da</strong><strong>de</strong>scomo as cultiva<strong>da</strong>s nos EUA, Méxicoe Argentina.Enquanto uma maioria se preocupa, umpequeno <strong>grupo</strong> lucra. Os analistas têm observadoque, com a crise no mercado imobiliárioamericano no ano passado, umaparte do dinheiro antes aplicado ali foi repassa<strong>da</strong>para o mercado futuro <strong>de</strong> commodities,inclusive os alimentos. Desconta<strong>da</strong>sas incertezas globais, o problema éque o fenômeno agora corre o risco <strong>de</strong> afetaro trabalhador brasileiro duplamente.Os preços subiram, e o Banco Central <strong>de</strong>clarouque teria <strong>de</strong> conter a inflação, porisso, agora vem subindo os juros básicos<strong>da</strong> economia. “É a ‘segun<strong>da</strong> on<strong>da</strong>’ <strong>de</strong> problemas,que só vai aparecer mais à frente.Haverá menos investimentos e, assim,além <strong>de</strong> ter <strong>de</strong> encarar preços mais altos,a população ain<strong>da</strong> corre o risco <strong>de</strong> cair no<strong>de</strong>semprego”, resume Graziano. (Leia artigo<strong>de</strong> Sérgio Mendonça, na página 17, sobrea influência negativa dos juros no crescimentoeconômico.)2008 outubro REVISTA DO BRASIL 19


Polêmicas salga<strong>da</strong>sUm <strong>grupo</strong> <strong>de</strong> trabalho (GT) discute o assunto,mas o governo só <strong>de</strong>verá anunciar amedi<strong>da</strong> a ser adota<strong>da</strong> no fim do ano. A discussão<strong>de</strong>ve ir para o Congresso com umaidéia já <strong>de</strong>linea<strong>da</strong>. A intenção é criar umaestatal enxuta, com até 100 funcionários. APetrobras, cujo capital também é formadopor acionistas privados, prefere ter controletotal sobre as áreas não-licita<strong>da</strong>s <strong>da</strong> cama<strong>da</strong>pré-sal. O potencial <strong>da</strong>s reservas po<strong>de</strong> leenergiaQuem ficacom o bilheteA <strong>de</strong>scoberta do petróleo na cama<strong>da</strong> pré-sal, consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> pelogoverno “bilhete premiado”, proporciona novo <strong>de</strong>bate sobrecomo transformar recursos minerais em quali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> vi<strong>da</strong>e distribuição <strong>de</strong> ren<strong>da</strong> Por Roberto RockmannEm outubro <strong>de</strong> 1953, quando GetúlioVargas criou a Petrobrasapós longa campanha à qual seopuseram amplos setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>,pouco mais <strong>de</strong> 2.000barris diários <strong>de</strong> petróleo eram extraídos dosolo brasileiro. Cinquenta e cinco anos <strong>de</strong>pois,a <strong>de</strong>scoberta <strong>de</strong> petróleo <strong>de</strong> ótima quali<strong>da</strong><strong>de</strong>no fundo do mar <strong>da</strong> região Su<strong>de</strong>ste –abaixo <strong>de</strong> uma grossa cama<strong>da</strong> <strong>de</strong> sal – po<strong>de</strong>colocar o Brasil entre os <strong>de</strong>z maiores produtoresdo mundo a partir <strong>de</strong> 2013. A <strong>de</strong>scobertado pré-sal, que po<strong>de</strong> atingir 12 bilhões<strong>de</strong> barris <strong>de</strong> petróleo por dia, provocou umintenso <strong>de</strong>bate, que se arrastará pelos próximosmeses e chegará ao Congresso em 2009.Como distribuir a riqueza para todo o país emelhorar o <strong>de</strong>stino e a aplicação dos recursosa serem gerados?Hoje a exploração <strong>de</strong> poços <strong>de</strong> petróleoé feita sob o regime <strong>de</strong> concessões. Empresasfazem oferta em leilões realizados todosos anos pela Agência Nacional do Petróleo(ANP). Iniciado em 1997, com a quebra domonopólio <strong>da</strong> Petrobras, o mo<strong>de</strong>lo fez comque companhias estrangeiras pu<strong>de</strong>ssem atuarno Brasil, tendo 10% <strong>da</strong> produção. Cerca<strong>de</strong> um quarto <strong>da</strong> área <strong>de</strong> pré-sal está licita<strong>da</strong>,e a Petrobras já controla 70% <strong>de</strong>ssa fatia. Orestante está em mãos <strong>de</strong> agentes privados. Ogoverno acenou que não irá modificar contratos.Mas as regras mu<strong>da</strong>riam para os 75%restantes ain<strong>da</strong> não leiloados – o que <strong>de</strong>sagra<strong>da</strong>as empresas que operam no setor.“A discussão é muito importante e a socie<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong>ve participar. O petróleo tem<strong>de</strong> gerar riqueza para todos os brasileiros,não para uma pequena parte e para empresasmultinacionais”, afirma Antonio CarlosSpis, do Sindicato dos Petroleiros <strong>de</strong> SãoPaulo e integrante <strong>da</strong> direção executivanacional <strong>da</strong> <strong>CUT</strong>. “É preciso acabar com osistema <strong>de</strong> concessões e criar as condiçõespara que o Estado se fortaleça”, diz.O Planalto estu<strong>da</strong> acabar com futurosleilões <strong>de</strong> concessões na área <strong>da</strong> cama<strong>da</strong>pré-sal. Os blocos não-licitados nessa promissoraregião, que po<strong>de</strong> conter entre 30bilhões e 80 bilhões <strong>de</strong> barris petróleo, ficariamsob a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> uma novaempresa estatal. O governo evitaria a concentração<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r na Petrobras, uma presençamaior <strong>de</strong> agentes privados no setor efortaleceria o papel do Estado.20 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


vicente mendonçaCorcovado: 710mEnchova:-124mRoncador:-1.886mCama<strong>da</strong> pós-sal: -2.000mCama<strong>da</strong> <strong>de</strong> sal: -4.000mCama<strong>da</strong> pré-sal: -6.000mprofun<strong>de</strong>zasPlataforma P34, noCampo <strong>de</strong> Tupi, que seesten<strong>de</strong> do Espírito Santoa São Paulo, extraiuos primeiros litros <strong>de</strong>petróleo do pré-salvar o setor a respon<strong>de</strong>r por 20% do PIB nospróximos 20 anos. As empresas estrangeirasnão querem mu<strong>da</strong>nças drásticas nas regras.Aceitam maior taxação sobre lucros, masquerem o sistema <strong>de</strong> concessões. O senadorAloizio Merca<strong>da</strong>nte (PT-SP) diz que a Petrobrasé contra o regime <strong>de</strong> concessão para opré-sal: “Isso po<strong>de</strong>ria <strong>de</strong>scapitalizá-la”.“É fun<strong>da</strong>mental ampliar as condições <strong>da</strong>Petrobras para que ela consiga viabilizarseus planos <strong>de</strong> investimento”, afirma Spis.“Uma idéia seria aumentar a participação<strong>da</strong> União na empresa, inclusive adquirindoas ações que estão nas mãos <strong>de</strong> investidoresprivados.” O dirigente <strong>da</strong> <strong>CUT</strong> admite queé um cenário difícil <strong>de</strong> ser implementado.O maior acionista <strong>da</strong> empresa é o governo,mas a base acionária <strong>da</strong> Petrobras é forma<strong>da</strong>por mais <strong>de</strong> 400 mil acionistas, <strong>de</strong> trabalhadoresque compraram ações com seuFGTS ao megaespeculador internacionalGeorge Soros, que recentemente comprouSteferson Faria/Ag. PetrobrasUS$ 1 bilhão em ações <strong>da</strong> empresa. Se ogoverno <strong>de</strong>sejasse elevar seu capital na Petrobrassem aumentar a parcela dos minoritários,o caso po<strong>de</strong>ria parar na justiça.“Essa é uma questão a ser aberta à socie<strong>da</strong><strong>de</strong>”,diz Spis.Apesar <strong>de</strong> preten<strong>de</strong>r criar uma nova estatal,o governo estu<strong>da</strong> fortalecer a Petrobras,mas ain<strong>da</strong> não encontrou a fórmula. Um dosmo<strong>de</strong>los analisados é o adotado pela Noruega,um dos maiores exportadores <strong>de</strong> petróleodo mundo. Além <strong>de</strong> aumentar a taxaçãosobre os lucros <strong>da</strong>s empresas priva<strong>da</strong>sque atuam no setor (78% <strong>de</strong> imposto), o paíscriou a estatal Petoro, responsável por administraras <strong>de</strong>scobertas <strong>de</strong> petróleo no país eque <strong>de</strong>tém o direito <strong>de</strong> proprie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cerca<strong>de</strong> 30% <strong>da</strong> produção. Com esse sistema,investiu em educação e saú<strong>de</strong> e criou umfundo soberano com receita <strong>de</strong> US$ 375 bilhões,recursos que po<strong>de</strong>m contribuir com oavanço <strong>da</strong>s empresas do país e gerar empregos.O mo<strong>de</strong>lo protegeu setores industriaisdomésticos responsáveis pelo fornecimento<strong>de</strong> equipamentos à indústria do óleo. “Essespontos merecem ser analisados, para quea riqueza seja internaliza<strong>da</strong> e para que nãosejamos apenas exportadores <strong>de</strong> commodities”,<strong>de</strong>fen<strong>de</strong> o economista Delfim Netto.Divisão do boloA questão também reabre oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>para a discussão sobre o direcionamento dosroyalties. Estima-se que apenas o Campo <strong>de</strong>Tupi po<strong>de</strong>ria, a partir <strong>de</strong> 2013, mais que dobraro montante – hoje em R$ 7,5 bilhões. Dosrecursos arreca<strong>da</strong>dos com royalties, 60% <strong>de</strong>lessão <strong>de</strong>stinados para Estados e municípiosprodutores, o restante fica com a União. Noâmbito do governo fe<strong>de</strong>ral, disputam a partilhaBNDES, Marinha e os Ministérios <strong>da</strong> Fazen<strong>da</strong>,<strong>da</strong> Ciência e Tecnologia e <strong>de</strong> Minase Energia. Lula quer incluir o Ministério <strong>da</strong>Educação, como forma <strong>de</strong> vitaminar a educaçãobásica, fun<strong>da</strong>mental e superior.Mal o petróleo começou a ser explorado,já existem pelo menos sete projetos <strong>de</strong>lei para mu<strong>da</strong>r a forma <strong>de</strong> distribuição dosroyalties (uma compensação financeira queas empresas exploradoras e produtoras <strong>de</strong>bens não-renováveis, como petróleo e gás,pagam mensalmente ao Estado). Maioresprodutores do país, Espírito Santo e Rio <strong>de</strong>Janeiro são os dois estados que mais recebemrecursos, concentrando meta<strong>de</strong> dos R$ 7,5bilhões distribuídos em 2007. Com as reservas<strong>de</strong> pré-sal, a riqueza po<strong>de</strong>rá ficar ain<strong>da</strong>mais concentra<strong>da</strong> no litoral su<strong>de</strong>ste.2008 outubro REVISTA DO BRASIL 21


Redistribuir Lula tem planos para o petróleo do pré-sal: quer mu<strong>da</strong>r os critérios <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> royalties e vitaminar a educaçãoRicardo Stuckert/PRE não basta apenas redistribuir os recursos.Um dos principais problemas hoje nalegislação brasileira é que, como a Lei do Petróleo,<strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1997, não <strong>de</strong>termina emque áreas a administração pública <strong>de</strong>ve aplicá-los– tema que foi capa <strong>da</strong> Revista do Brasil<strong>de</strong> fevereiro (edição 21) –, o po<strong>de</strong>r públicofica à vonta<strong>de</strong> para aplicar on<strong>de</strong> bem enten<strong>de</strong>r.E a prática mostra que os royalties nãovêm sendo investidos para reduzir a miséria.A regulação anterior, <strong>de</strong> 1953, estipulavaque os recursos teriam <strong>de</strong> ser prioritariamenteutilizados em energia, pavimentação<strong>de</strong> rodovias, abastecimento <strong>de</strong> água, irrigação,proteção ambiental e saneamento básico.Com a abertura do mercado <strong>de</strong> petróleopara empresas priva<strong>da</strong>s em 1997, as ci<strong>da</strong><strong>de</strong>sque mais recebiam recursos ganharammaior liber<strong>da</strong><strong>de</strong> para empregar o dinheiro.Manti<strong>da</strong>s as atuais regras, o governo e asprefeituras do Rio po<strong>de</strong>m ficar com mais <strong>da</strong>meta<strong>de</strong> do dinheiro dos royalties do pré-sal,fatia superior à <strong>da</strong> própria União. O Campo<strong>de</strong> Tupi fica na Bacia <strong>de</strong> Santos (SP), mas,pelos critérios <strong>da</strong> ANP, está mais concentradono lado norte <strong>da</strong> linha imaginária que oInstituto Brasileiro <strong>de</strong> Geografia e Estatística(IBGE) construiu para separar o mar fluminensedo paulista. A proximi<strong>da</strong><strong>de</strong> geográficaé usa<strong>da</strong> como referência para <strong>de</strong>finir estadoe município que vão receber royalties.Essa regra foi regulamenta<strong>da</strong> há duas déca<strong>da</strong>s,quando o valor <strong>de</strong>les não <strong>de</strong>spertava cobiça.Agora, estados, municípios e União disputarãocom vigor parte <strong>de</strong>sses recursos. Rioe Espírito Santo já se manifestaram contráriosà mu<strong>da</strong>nça. O governo paulista tem um<strong>grupo</strong> <strong>de</strong> trabalho que já discute como mexernesses critérios. Outros estados acompanhamas discussões. A corri<strong>da</strong> pelo dinheirosó começou.Torre <strong>de</strong> BabelGoverno Preten<strong>de</strong> criar estatal para administraras reservas <strong>da</strong> cama<strong>da</strong> pré-sal ain<strong>da</strong> nãolicita<strong>da</strong>s, como forma <strong>de</strong> ter maior controlesobre a exploração, evitar aumento <strong>de</strong>masiado<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r <strong>da</strong> Petrobras e impedir que empresaspriva<strong>da</strong>s possam controlar essas reservas.Petrobras Detém 70% <strong>da</strong>s reservas já licita<strong>da</strong>s<strong>da</strong> cama<strong>da</strong> pré-sal e gostaria <strong>de</strong> ter controletotal sobre as reservas não-licita<strong>da</strong>s sem quehaja processos <strong>de</strong> concessão, ou seja, sem ter<strong>de</strong> <strong>de</strong>sembolsar pela aquisição <strong>da</strong>s áreas.Mercado A Petrobras tem mais <strong>de</strong> 400 milacionistas, <strong>de</strong> pequenos investidores a fundoscomo o do megaespeculador George Soros,que recentemente adquiriu US$ 1 bilhão empapéis <strong>da</strong> empresa. Esses acionistas são contrauma nova estatal para administrar as reservase ameaçam entrar na Justiça caso o governoavance nesse sentido.O governo já manifestou que po<strong>de</strong>rá rediscutira partilha. Recentemente, a ministra<strong>da</strong> Casa Civil, Dilma Rousseff, disse queseria necessário modificar a distribuição dosrecursos, já que o patamar mudou com as<strong>de</strong>scobertas. Para isso, é preciso haver mu<strong>da</strong>nçana Constituição. Ou seja, a discussão<strong>de</strong> como o país irá usufruir as novas <strong>de</strong>scobertasserá também um tema peso-pesadona agen<strong>da</strong> do Congresso em 2009.Empresas priva<strong>da</strong>s Querem que as reservasnão-licita<strong>da</strong>s sejam concedi<strong>da</strong>s em leilõesabertos à participação <strong>da</strong> iniciativa priva<strong>da</strong>,uma forma <strong>de</strong> ter controle sobre essasimportantes reservas.Políticos Há, pelo menos, sete projetos<strong>de</strong> lei na Câmara e no Senado que buscamestabelecer novos critérios para a partilha dosrecursos dos royalties. A maioria dos projetos é<strong>de</strong> estados que não são gran<strong>de</strong>s produtores <strong>de</strong>petróleo e que também querem recursos.Movimentos sociais Cobram maiorfiscalização sobre o uso e o <strong>de</strong>stino <strong>de</strong>recursos dos royalties. Também preten<strong>de</strong>mque o montante seja, prioritariamente,<strong>de</strong>stinado à área social e <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m maiorparticipação do Estado no planejamentoe exploração, como principal indutor do<strong>de</strong>senvolvimento.22 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


artigoConvenção 158 e <strong>de</strong>mocraciaOs efeitos positivos <strong>de</strong>sta convenção <strong>da</strong> OIT para a quali<strong>da</strong><strong>de</strong> doemprego e <strong>da</strong>s relações <strong>de</strong> trabalho ain<strong>da</strong> po<strong>de</strong>m ser recuperados.Des<strong>de</strong> que a pressão <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre o Congresso seja maisforte que a <strong>da</strong> velha guar<strong>da</strong> patronalPor Giorgio Romano SchutteAConstituição <strong>de</strong> 1988 <strong>de</strong>fine que a relação<strong>de</strong> emprego é “protegi<strong>da</strong> contra <strong>de</strong>spedi<strong>da</strong>arbitrária ou sem justa causa... nos termos<strong>da</strong> lei complementar”. Ou seja, sem a referi<strong>da</strong>lei essa proteção torna-se uma letramorta. Déca<strong>da</strong>s atrás o neoliberalismo argumentavaque a maior “flexibili<strong>da</strong><strong>de</strong>” <strong>da</strong>s regras é que proporcionariamais trabalho e ren<strong>da</strong>. No entanto, os mesmosque com suas políticas fizeram o <strong>de</strong>semprego dispararFHC revogoua ratificação<strong>da</strong> Convenção158 paraevitar queos recursosjudiciais <strong>da</strong>classe patronalchegassemao SupremoTribunalFe<strong>de</strong>ral eeste <strong>de</strong>sserazão aotrabalhadornos anos 1990 agora tentam convencer asocie<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> que um mo<strong>de</strong>sto e pequenopasso para superar a <strong>de</strong>missão imotiva<strong>da</strong>,com a ratificação <strong>da</strong> Convenção 158<strong>da</strong> Organização Internacional do Trabalho(OIT), seria um “atraso”.A Convenção 158 não proíbe a <strong>de</strong>missão,apenas reduz o po<strong>de</strong>r autoritário doempregador na relação trabalhista e estimulauma cultura <strong>de</strong> negociação no local<strong>de</strong> trabalho. Uma vez em vigor, as <strong>de</strong>missõesprecisarão ter justificativas, que po<strong>de</strong>mser problemas econômicos, tecnológicos,estruturais ou semelhantes, mas,nesses casos, o processo precisa ser informadoe discutido com os representantesdos trabalhadores.O Brasil é um dos países com o mercado<strong>de</strong> trabalho mais flexível no mundo,basta olhar a alta rotativi<strong>da</strong><strong>de</strong>: <strong>de</strong>missão e admissão éa regra do jogo. Quando recebemos a boa notícia <strong>de</strong>que foi criado 1 milhão <strong>de</strong> empregos, enten<strong>da</strong>-se que10 milhões <strong>de</strong> trabalhadores foram contratados e 9 milhões,dispensados. E não é necessário amplo conhecimento<strong>da</strong>s relações sindicais para enten<strong>de</strong>r o quantoisso enfraquece o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> negociação dos empregados.Essa distorção gera a “justiça <strong>da</strong> <strong>de</strong>spedi<strong>da</strong>”, emvez <strong>de</strong> Justiça do Trabalho, pois quando não há canais<strong>de</strong>mocráticos para reivindicar os direitos no dia-a-dia,como horas extras não pagas ou ambientes ina<strong>de</strong>quados,o trabalhador espera o seu <strong>de</strong>sligamento para recorrerà Justiça.O Congresso Nacional havia aprovado a Convenção158 <strong>da</strong> OIT em setembro <strong>de</strong> 1992. Mas, por se tratar <strong>de</strong>um assunto que provocou pouco interesse na época, <strong>de</strong>morouaté abril <strong>de</strong> 1996 para que entrasse em vigor. Foiquando FHC promulgou sua ratificação. Traduzindo:a maior autori<strong>da</strong><strong>de</strong> do Po<strong>de</strong>r Executivo, por meio doDecreto nº 1.855, assinou embaixo <strong>da</strong> convenção paraque ela passasse a ter vali<strong>da</strong><strong>de</strong> no Brasil.Quando os sindicatos começaram a basear argumentose pleitos nos termos <strong>da</strong> Convenção, a reação empresarialfoi enérgica. Por isso, em um ato inacreditável,sete meses <strong>de</strong>pois, FHC <strong>de</strong>nunciou (revogou aratificação) do mesmo instrumento, paraevitar que os recursos judiciais <strong>da</strong> classepatronal chegassem ao Supremo TribunalFe<strong>de</strong>ral e este <strong>de</strong>sse razão ao trabalhador.Vejam o argumento usado na época:a Constituição estabelece que o artigo7º <strong>de</strong>ve ser regulamentado por lei complementar.Não sendo a convenção umalei complementar, esta seria inconstitucional,mesmo na inexistência <strong>da</strong> tal leicomplementar que contemplasse o que aCarta Magna man<strong>da</strong> fazer.Há mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos se aguar<strong>da</strong> uma<strong>de</strong>cisão do STF a respeito <strong>da</strong> legali<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> um presi<strong>de</strong>nte cancelar um tratado internacional– no caso a Convenção 158 <strong>da</strong>OIT – sem autorização do Congresso.Em seu primeiro man<strong>da</strong>to, o presi<strong>de</strong>nteLula tentou fazer uma gran<strong>de</strong> reforma,mas acabou avançando pouco na área. Assim, tomouseno seu segundo man<strong>da</strong>to a sábia iniciativa <strong>de</strong> reapresentara Convenção 158 <strong>da</strong> OIT ao CongressoNacional, em fevereiro último, para que seja aprova<strong>da</strong>pela segun<strong>da</strong> vez, após 16 anos, sem que os <strong>de</strong>putadosjamais a tenham <strong>de</strong>nunciado. Mas a re-ratificação<strong>da</strong> Convenção 158 foi rejeita<strong>da</strong> pela Comissão <strong>de</strong>Relações Exteriores e <strong>de</strong> Defesa Nacional <strong>da</strong> Câmarano mês <strong>de</strong> julho.O resultado <strong>da</strong> votação foi comemorado pelo lobby<strong>da</strong>s enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s patronais, que operou dia e noite. Contudo,o tema não se esgota aqui, pois o assunto entraagora na pauta do Plenário. A velha guar<strong>da</strong> patronal semobiliza, usando argumentos mo<strong>de</strong>rnos, para manterum dos símbolos do atraso do capitalismo brasileiro:a <strong>de</strong>missão imotiva<strong>da</strong>.Giorgio RomanoSchutte ésociólogo,membro doGrupo <strong>de</strong> Análise<strong>de</strong> ConjunturaInternacional <strong>da</strong>USP e professor<strong>de</strong> RelaçõesInternacionaisdo CentroUniversitárioBelas Artes2008 outubro REVISTA DO BRASIL 23


ambienteVi<strong>da</strong> útilO reator <strong>de</strong>Angra I começoua funcionarem 1985. Seminvestimentos,<strong>de</strong>verá ser<strong>de</strong>sligado em2025Aventura nuclearDuas déca<strong>da</strong>s <strong>de</strong>pois dos <strong>de</strong>sastres <strong>de</strong> Goiânia e <strong>de</strong> Chernobyl, o Estadocontinua displicente em relação aos riscos Por Bernardo Kucinskieletronuclear/divulgaçãoOpresi<strong>de</strong>nte Costa e Silva <strong>de</strong>u um murrona mesa: “Comprem essa mer<strong>da</strong>”! Estavaaprova<strong>da</strong> a compra, nos Estados Unidos,<strong>da</strong> nossa primeira usina nuclear – exigênciado alto comando militar. Passados 40anos, sai o licenciamento para a montagem <strong>da</strong> terceirausina. E, apesar <strong>de</strong> <strong>de</strong>sastres como os <strong>de</strong> Chernobyl(Ucrânia, 1986) e do césio 137 (Goiânia, 1987), o mandonismoe o <strong>de</strong>scaso com riscos <strong>da</strong> radiação continuam.“Não entendo na<strong>da</strong> <strong>de</strong> usinas nucleares”, disse à Revistado Brasil Ricardo Tabet, secretário <strong>de</strong> Meio Ambiente<strong>de</strong> Angra dos Reis (RJ), que abriga as centraisAngra I e II e o maior <strong>de</strong>pósito brasileiro <strong>de</strong> rejeitosnucleares. Sua preocupação é outra: exigir do ministroCarlos Minc, do Meio Ambiente, garantia aos moradoresdo município dos empregos <strong>da</strong> construção <strong>de</strong> AngraIII. “Segurança nuclear é com o governo fe<strong>de</strong>ral”, diz.Se o secretário não liga, o governo fe<strong>de</strong>ral também não.O relatório do Grupo <strong>de</strong> Trabalho <strong>de</strong> Fiscalização e SegurançaNuclear <strong>da</strong> Câmara dos Deputados, finalizado noano passado, adverte: “O Brasil não tem fiscalização nemsegurança na área nuclear”. A maioria <strong>da</strong>s propostas do<strong>grupo</strong> foi <strong>de</strong>tona<strong>da</strong> pela Comissão Nacional <strong>de</strong> EnergiaNuclear (CNEN), sob alegação <strong>de</strong> que aumentariam oscustos do programa. A principal <strong>de</strong>las é separar ações <strong>de</strong>fomento e produção <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> fiscalização – paraas quais o relatório sugere a criação <strong>de</strong> um órgão autônomocom po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> impor normas <strong>de</strong> segurança e <strong>de</strong> punirinfratores. Hoje a CNEN é dirigente do programa nucleare fiscalizadora <strong>de</strong> si própria. E mal. Há apenas 160 técnicospara inspecionar mais <strong>de</strong> 2.500 instituições que manuseiammateriais nucleares ou radioativos no Brasil, incluindohospitais e indústrias. Pior: não são reconhecidoscomo fiscais pela legislação e tampouco têm autori<strong>da</strong><strong>de</strong>para punir. “Há todo um buraco na regulação brasileira<strong>da</strong> área nuclear”, diz o físico Rogério dos Santos Gomes,presi<strong>de</strong>nte <strong>da</strong> Associação <strong>de</strong> Fiscais <strong>de</strong> Radioproteção eSegurança Nuclear. A associação entregou propostas aopresi<strong>de</strong>nte Fernando Henrique ain<strong>da</strong> em 2000, mas na<strong>da</strong>aconteceu. Gomes diz que há 20 anos propostas são enterra<strong>da</strong>spor sucessivos governos. Recentemente, tambémentregaram recomen<strong>da</strong>ções ao presi<strong>de</strong>nte Lula.24 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


O <strong>grupo</strong> <strong>de</strong> trabalho <strong>da</strong> Câmara propõe que se crieum arcabouço legal para to<strong>da</strong>s as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s nucleares,prevendo ca<strong>da</strong>stramentos, competências, processos in<strong>de</strong>nizatóriospara vítimas <strong>de</strong> aci<strong>de</strong>ntes. Defen<strong>de</strong> tambémlegislação trabalhista especial, incluindo a aplicação <strong>da</strong>Convenção 115 <strong>da</strong> OIT, que con<strong>de</strong>na subcontratação eterceirizações no setor. Apesar <strong>de</strong> não adotar as propostas,o governo criou seu próprio <strong>grupo</strong> <strong>de</strong> trabalho parao acompanhamento do programa nuclear, o que traz algumaesperança aos ambientalistas.Segurança nuclear é tarefa regional e nacional. O equívoco<strong>da</strong>s autori<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>de</strong> Angra, ao jogar tudo nas costasdo governo fe<strong>de</strong>ral, é grave <strong>de</strong>vido aos erros cometidosno passado, a começar pela escolha <strong>da</strong> praia. Até os índiosjá sabiam que não era boa e a chamavam <strong>de</strong> Itaorna– praia <strong>da</strong> pedra podre. Em 1975, o presi<strong>de</strong>nte ErnestoGeisel rompeu com os americanos que ven<strong>de</strong>ram AngraI e assinou o acordo com os alemães para construiroito centrais. Angra II, a primeira <strong>de</strong>las, foi monta<strong>da</strong> namesma locali<strong>da</strong><strong>de</strong>. Durante sua construção, um tremor<strong>de</strong> terra oriundo <strong>da</strong> Serra <strong>da</strong>s Araras obrigou o redimensionamento<strong>da</strong>s pilastras principais. Descobriu-se que asencostas <strong>de</strong> Angra eram instáveis e que a praia tinha matacõesno subsolo que dificultavam a fincagem <strong>da</strong>s estacas.Angra III, gêmea <strong>da</strong> II, estará na mesma praia.Tem sentido construí-la. As máquinas já foram compra<strong>da</strong>spor Geisel. Além disso, a presença <strong>de</strong> uma terceiracentral e o gran<strong>de</strong> porte do conjunto po<strong>de</strong>m melhorar ossistemas <strong>de</strong> apoio e prevenção. Mas nenhuma forma <strong>de</strong>energia tem os perigos <strong>da</strong> energia nuclear. Os elementosradioativos artificiais produzidos pela fissão do urânio<strong>de</strong>ntro do reator – como o plutônio 239, o césio 137 e oestrôncio 90 – são incompatíveis com a vi<strong>da</strong>. A vi<strong>da</strong> naterra só passou a ser possível <strong>de</strong>pois do <strong>de</strong>caimento <strong>de</strong>sseselementos, presentes na bola <strong>de</strong> fogo inicial que <strong>de</strong>uorigem ao sistema solar, o que levou bilhões <strong>de</strong> anos.Calcula-se que o lixo altamente radioativo leva mais <strong>de</strong>30 mil anos para <strong>de</strong>cair. Só para <strong>de</strong>saquecer, são 20 a 30anos. Não há solução <strong>de</strong>finitiva nem para os rejeitos <strong>de</strong>baixo ou médio po<strong>de</strong>r radioativo que saem às tonela<strong>da</strong>s<strong>da</strong>s usinas. Todos os <strong>de</strong>pósitos no mundo são provisórios.Por isso, foi mal formula<strong>da</strong> a única exigência importantedo ministro do Minc para a concessão <strong>da</strong> licença<strong>de</strong> Angra III: construir um <strong>de</strong>pósito “<strong>de</strong>finitivo” para osrejeitos nucleares. Alguns países os lacram em pesadoscontêineres <strong>de</strong> cimento e chumbo e os colocam provisoriamenteem cavernas profun<strong>da</strong>s. De vez em quandosurge proposta <strong>de</strong> lançá-los no fundo do mar ou no espaço.Loucura.O ministro Minc cometeu ain<strong>da</strong> outros equívocos aoexigir o <strong>de</strong>pósito “<strong>de</strong>finitivo”. Pelas regras atuais, a exigência<strong>de</strong>ve ser feita à CNEN e não à Eletronuclear, quevai construir Angra III. Só por esse caso já se vê comoestá furado o arcabouço legal do programa. Quem pe<strong>de</strong>a licença ao Ibama é a Eletronuclear, mas quem precisacumprir exigências impostas pela licença é a CNEN, responsávelpela segurança dos rejeitos nucleares e fontesradioativas em todo o país.O que a CNEN estu<strong>da</strong> é a construção <strong>de</strong> um novo <strong>de</strong>pósito,não tão perto <strong>da</strong>s usinas nem do mar, para os rejeitos<strong>de</strong> baixa radioativi<strong>da</strong><strong>de</strong>, como roupas, vassouras eutensílios usados no dia-a-dia <strong>da</strong>s usinas. A CNEN alegaque não podia fazer o projeto do <strong>de</strong>pósito antes <strong>de</strong> saberquantas usinas seriam construí<strong>da</strong>s e on<strong>de</strong>. O governoacaba <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir – sem consulta à população ou aoCongresso – que serão mais quatro além <strong>de</strong> Angra III,formando dois outros centros, ca<strong>da</strong> um com duas usinas,um no Nor<strong>de</strong>ste e outro no Su<strong>de</strong>ste. A CNEN diz queprecisa <strong>de</strong> 10 anos para construir o <strong>de</strong>pósito para rejeitos<strong>de</strong> média e baixa radiotivi<strong>da</strong><strong>de</strong>. Se começar agora, ficapronto em 2018. Angra III está planeja<strong>da</strong> para operar em2014. A equação não fecha. Para rejeitos <strong>de</strong> alta radioativi<strong>da</strong><strong>de</strong>,a CNEN promete um <strong>de</strong>pósito só para 2026 –chama esse projeto <strong>de</strong> “<strong>de</strong>pósito intermediário para 500anos”. Sobre esses rejeitos, que incluem o plutônio, hámais tergiversação do que planos sérios. Um dos dirigentes<strong>da</strong> Eletronuclear, por exemplo, aventou na mídia queé até bom guar<strong>da</strong>r esses rejeitos provisoriamente em piscinas,porque o plutônio po<strong>de</strong> no futuro ser usado comonovo combustível nuclear. Ou seja, nos coloca na trilhado reprocessamento do plutôno, mil vezes mais perigosado que a aventura com urânio enriquecido.DNA militarAlém dos riscos presentes, fica um terrível passivopara o futuro. O oposto do conceito <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimentosustentado – aquele capaz <strong>de</strong> aten<strong>de</strong>r às necessi<strong>da</strong><strong>de</strong>sbásicas <strong>da</strong> população presente, sem prejudicar essemesmo atendimento para as gerações que virão. Uma<strong>da</strong>s razões para tamanha irresponsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> é a origemmilitar dos programas nucleares, apesar <strong>da</strong> atual ênfasena geração <strong>de</strong> energia. Mesmo a retoma<strong>da</strong> <strong>de</strong> Angra IIIé vista pelo governo como necessária não apenas paraaproveitar os equipamentos já comprados como tambémpara <strong>da</strong>r economia <strong>de</strong> escala ao ciclo <strong>de</strong> produção<strong>de</strong> combustível nuclear, implantado por Geisel. Fazsentido, pois o Brasil tem gran<strong>de</strong>s reservas <strong>de</strong> urânio.Mas não seria melhor <strong>de</strong>ixar isso tudo para quando atecnologia for mais segura?Em país nenhum os militares perguntaram se o povoera a favor <strong>da</strong> energia nuclear. Nunca houve no Brasilum referendo popular a respeito. Em Angra, apenasagora ocorrem audiências públicas. A Socie<strong>da</strong><strong>de</strong> Angrense<strong>de</strong> Proteção Ecológica até tentou, sem sucesso,criar um fórum <strong>de</strong> acompanhamento. O povo local parececonformado em apoiar a terceira usina por criarempregos. A prefeitura aproveitou para exigir <strong>da</strong> Eletronuclearo resgate do que chama <strong>de</strong> “passivo social”,como o saneamento <strong>da</strong> baía <strong>de</strong> Angra e a adoção dosparques ecológicos Bocaina e Tamoios.O governo Lula tem a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> mu<strong>da</strong>r tudoisso e levar a sério o <strong>grupo</strong> <strong>de</strong> trabalho por ele própriocriado, não <strong>de</strong>ixando que a CNEN torpe<strong>de</strong>ie <strong>de</strong> novo aspropostas. Há tênue esperança <strong>de</strong> que o governo adoteuma postura diferente dos antecessores. O primeiro passoé ampliar e <strong>da</strong>r transparência às discussões.TragicamenteimportantesO caso <strong>de</strong> Goiânia<strong>de</strong>correu <strong>da</strong>fragmentação <strong>de</strong>uma fonte <strong>de</strong> 19gramas <strong>de</strong> materialradioativo encontra<strong>da</strong>por sucateirosnum aparelho <strong>de</strong>radiografia <strong>de</strong> umhospital <strong>de</strong>molido.Muita gente brigaaté hoje parareparar <strong>da</strong>nosfísicos, materiaise emocionais.Em Chernobyl, asnuvens oriun<strong>da</strong>sdo <strong>de</strong>rretimento doreator contaminaramuma área <strong>de</strong> 200mil quilômetrosquadrados. Além<strong>da</strong>s <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong>mortes imediatas,600 mil pessoasforam atingi<strong>da</strong>s pelaradiações – 10%<strong>de</strong>las acima dosníveis <strong>de</strong> tolerância.Os aci<strong>de</strong>ntesrevelaram o que aindústria sempreescon<strong>de</strong>u. Muitosvazamentos <strong>de</strong>radiação foramencobertos anos a fioRoberto SantosAlves, sobre<strong>vive</strong>ntedo aci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong>Goiânia, per<strong>de</strong>u obraço direitoAugusto coelho2008 outubro REVISTA DO BRASIL 25


BombmundoTiremos <strong>da</strong>s estantes osempoeirados romances <strong>de</strong>ficção que falavam do perigo <strong>de</strong>um fim do mundo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> umaguerra nuclear: as bombas estão<strong>de</strong> volta, e até um tanto na mo<strong>da</strong>Por Flávio AguiarNo dia 7 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 2008 um pequeno aci<strong>de</strong>nte nuclearaconteceu na usina <strong>de</strong> Tricastin, opera<strong>da</strong> pelaempresa Areva, no sudoeste <strong>da</strong> França. Pequeno,porque não se tem notícia, até agora, <strong>de</strong> que o eventotenha causado alguma morte nos arredores. Masas conseqüências imediatas dão uma idéia do que po<strong>de</strong> vir a ocorrer.O acontecimento principal foi o vazamento <strong>de</strong> líquido radioativo<strong>de</strong> um tanque usado para guar<strong>da</strong>r urânio não enriquecido.Oito galões vazaram. O líquido, além <strong>de</strong> atingir o terreno próximo,contaminou dois rios <strong>da</strong> região. Resultado: foi proibido por tempoin<strong>de</strong>terminado o uso <strong>da</strong> água natural <strong>da</strong> região tanto para beberquanto para qualquer uso doméstico ou <strong>de</strong> irrigação <strong>de</strong> plantações.Também foi proibi<strong>da</strong> a pesca, numa região conheci<strong>da</strong>mente piscosa.Quer dizer: inviabilizou-se a vi<strong>da</strong>.Agora, imagine uma guerra, com armas nucleares sendo usa<strong>da</strong>spor um, dois ou até mais lados. Segundo os técnicos, há doistipos <strong>de</strong> guerra com armas nucleares que po<strong>de</strong>m ser imaginados.Uma tática, outra estratégica. Na guerra tática, armas nucleares sãousa<strong>da</strong>s para prejudicar o potencial bélicodo inimigo: atingem-se instalações militares,áreas industriais estratégicas, centros<strong>de</strong> comunicação e serviços. Dezenas, talvezcentenas <strong>de</strong> ogivas, bombas e mísseissão mobilizados. Na estratégica, o ataqueé maciço e visa <strong>de</strong>struir o país inimigo,inviabilizando-o como nação e matandovastos contingentes <strong>de</strong> sua população civil.Centenas, milhares <strong>de</strong> artefatos são mobilizados.Muitos analistas dizem que a guer-26 REVISTA DO BRASIL outubro 2008E=MC 2 , on<strong>de</strong> tudo começouPo<strong>de</strong>r <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição imenso contido num pequeno volume. Essa é a principaldiferença entre uma bomba atômica e uma convencional. A equação <strong>de</strong> AlbertEinstein, ironicamente um pacifista, foi a base teórica para o <strong>de</strong>senvolvimento<strong>da</strong> bomba. Com ela sabe-se que mesmo uma reduzi<strong>da</strong> quanti<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> massa<strong>de</strong> átomos (M) guar<strong>da</strong> muita energia (E), pois seu peso será multiplicado pelaveloci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> luz ao quadrado (C 2 ). Quando os cientistas conseguiram rompero núcleo dos átomos <strong>de</strong> urânio e plutônio, estava cria<strong>da</strong> a bomba. O queninguém previa em 1945, quando foram <strong>de</strong>tona<strong>da</strong>s as primeiras bombas <strong>de</strong>fissão nuclear, é que a radiação <strong>de</strong>corrente do processo continuaria a matarpor muitos anos após a explosão.


ara tática é uma guerra estratégica a prestação: uma vez inicia<strong>da</strong>,conduz necessariamente à segun<strong>da</strong>.Os únicos bombar<strong>de</strong>ios com armas nucleares realizados foramos <strong>da</strong>s ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s japonesas <strong>de</strong> Hiroshima e Nagasaki, pelos EstadosUnidos, em 6 e 9 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1945. Eles foram ao mesmo tempotáticos e estratégicos. Foram táticos em relação ao Japão: visavammostrar ao governo japonês o que aconteceria se não se ren<strong>de</strong>sseincondicionalmente. Foram estratégicos em relação às duas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s.A <strong>de</strong>struição foi total. Na primeira, morreram 140 mil pessoas<strong>de</strong> imediato; na segun<strong>da</strong>, 80 mil. Entretanto, as mortes continuaram,por gerações, <strong>de</strong>vido aos ferimentos ou doenças adquiri<strong>da</strong>scom as explosões, como vários tipos <strong>de</strong> câncer e malformação genéticados <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes dos atingidos. Muitos sobre<strong>vive</strong>ntes doataque em Hiroshima fugiram para Nagasaki: foram bombar<strong>de</strong>adosduas vezes.Na Guerra Fria que se seguiu, o perigo nuclear <strong>de</strong>ixou-se vislumbraralgumas vezes, sempre que Estados Unidos e União Soviéticaameaçavam confrontar-se. O momento <strong>de</strong> maior risco foia crise <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1961. Em Berlim, então dividi<strong>da</strong> pelo seu famosomuro, um dos maiores pontos <strong>de</strong> contato e passagem entreOriente e Oci<strong>de</strong>nte era conhecido como Checkpoint Charlie. Haviauma controvérsia sobre se diplomatas do lado oci<strong>de</strong>ntal (sobretudonorte-americanos e britânicos) podiam ou não ser parados porpatrulhas soviéticas para controle do lado oriental <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. O <strong>de</strong>sentendimentoocasionou uma série <strong>de</strong> tentativas dos oci<strong>de</strong>ntais<strong>de</strong> forçar a passagem para ver quem tinha razão. Tal fato resultounuma concentração <strong>de</strong> forças <strong>de</strong> infantaria no local, o que, a partir<strong>da</strong>s 17 horas <strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> outubro, somava 50 blin<strong>da</strong>dos <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> lado<strong>da</strong> linha divisória, além <strong>de</strong> algumas centenas nos arredores.Do lado norte-americano a Força Aérea foi posta em alerta, e dolado soviético isso <strong>de</strong>ve também ter ocorrido. Havia <strong>de</strong>dos coçandogatilhos. Se houvesse um confronto, ataques táticos com armas nuclearesseriam tentados. A crise só se <strong>de</strong>sfez no dia seguinte, <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> uma conversa ao telefone entre o presi<strong>de</strong>nte John Kennedy, <strong>de</strong>um lado, e o primeiro-ministro Nikita Kruschev, do outro. Um aum, os tanques <strong>de</strong> ambos os lados foram <strong>de</strong>ixando suas posições.Outro momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> tensão <strong>de</strong>u-se no ano seguinte. Em1962, os EUA instalaram bases <strong>de</strong> mísseis na Turquia, perto <strong>da</strong>URSS. Em retaliação, os soviéticos começaram a instalar mísseisem Cuba, a 144 quilômetros <strong>da</strong> costa norte-americana. Novamente,<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> momentos <strong>de</strong> mútuas ameaças, os mísseis foram retirados<strong>de</strong> Cuba e as projeta<strong>da</strong>s bases norte-americanas então ficarammais no papel do que na Turquia.Ela volta a nos assombrarjupiter images/AFP PHOTOFim do sossegoCom a <strong>de</strong>sagregação <strong>da</strong> União Soviética e o fim <strong>da</strong> Guerra Fria,o perigo nuclear parecia conjurado. Mas ele está <strong>de</strong> volta, e sob diferentesmaneiras. Formalmente, existem cinco países que são os“estados nucleares”: EUA, Rússia, Grã-Bretanha, França e China.Assumi<strong>da</strong>mente, há ain<strong>da</strong> outros três que se capacitaram para aprodução <strong>de</strong> armas nucleares: Índia, Paquistão e Coréia do Norte.Israel, tido como possuidor <strong>de</strong> armas nucleares, nega sempre. AÁfrica do Sul foi o único país que <strong>de</strong> fato <strong>de</strong>smantelou seu arsenal<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> possuí-lo: foi construído durante o regime do aparthei<strong>de</strong> <strong>de</strong>struído após seu fim. Há outros países candi<strong>da</strong>tos a ter um arsenal,ou assim acusados, como Irã, atualmente, ou Líbia, num passadorecente. Além disso, há países associados, isto é, que abrigamarmas <strong>de</strong> outro país: hoje isso só acontece com armas dos Estados2008 outubro REVISTA DO BRASIL 27


Unidos, distribuí<strong>da</strong>s em bases <strong>da</strong> Bélgica, Itália, Alemanha, Holan<strong>da</strong>,as quais também já estiveram na Turquia, Grécia e Canadá.O número <strong>de</strong> armas ativa<strong>da</strong>s diminuiu <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong> 70 mil no séculopassado para 20 mil neste século. Mas a esmagadora maioria<strong>de</strong>ssas armas é <strong>de</strong> ogivas <strong>de</strong> mísseis que não foram <strong>de</strong>struí<strong>da</strong>s, apenas<strong>de</strong>sativa<strong>da</strong>s e estoca<strong>da</strong>s em “estado adormecido”.Entretanto, há novos perigos no ar. O primeiro <strong>de</strong>les éa reativação <strong>da</strong> Guerra Fria. A Organização do Tratadodo Atlântico Norte (Otan) continua perseguindo seuobjetivo <strong>de</strong> cercar a Rússia, como her<strong>de</strong>ira <strong>da</strong> fina<strong>da</strong>União Soviética. Recentemente os EUA assinaram tratadoscom a Polônia e a República Tcheca para instalação<strong>de</strong> bases <strong>de</strong> ra<strong>da</strong>res e mísseis em seus territórios(que <strong>de</strong>vem ain<strong>da</strong> ser ratificados pelos parlamentos).O alegado alvo é o Irã. Mas a Rússia não engoliu a pílula,e <strong>de</strong>clarou que se sente ameaça<strong>da</strong> pelos tratados epor isso reagirá para além <strong>da</strong> diplomacia, reafirmando,inclusive, seu po<strong>de</strong>rio nuclear.Há também dois novos perigos. Um <strong>de</strong>les é a formação<strong>de</strong> ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras quadrilhas internacionais para captaçãoe ven<strong>da</strong> <strong>de</strong> material, planos, plantas e informações sobre armasnucleares. Espionagem e armas nucleares sempre an<strong>da</strong>ram juntas.O episódio mais famoso foi o controverso caso do casal Rosenberg,Julius e Ethel, acusados <strong>de</strong>, com a cumplici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> cientistas e militares,ter repassado informações para os soviéticos (ain<strong>da</strong> durante aSegun<strong>da</strong> Guerra) sobre o projeto Manhattan, que levou à construção<strong>da</strong> bomba norte-americana. Num julgamento apontado como farsaOs EUAassinaramtratados coma Polônia ea RepúblicaTcheca parainstalação<strong>de</strong> bases<strong>de</strong> ra<strong>da</strong>rese mísseisem seusterritóriosanticomunista, e até anti-semita, por muitos intelectuais e militantes(entre eles Jean-Paul Sartre, Dashiel Hammett, Nelson Algreen),o casal foi con<strong>de</strong>nado à morte e executado em 1953. Na época asmotivações eram i<strong>de</strong>ológicas. Agora não se pren<strong>de</strong>m muito maisaos pequenos e problemáticos nacionalismos locais, quando não aquestões <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m diretamente financeira.Na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1970, o cientista Abdul Qa<strong>de</strong>er Khanrepassou planos <strong>de</strong> enriquecimento <strong>de</strong> urânio <strong>da</strong> empresaUrenco, <strong>da</strong> Holan<strong>da</strong>, para seu país natal, o Paquistão,para que este pu<strong>de</strong>sse enfrentar a Índia. A re<strong>de</strong>monta<strong>da</strong> por Khan prosperou. Alcançou bases paraoperar em três continentes e começou a negociar atransferência <strong>de</strong> tecnologia para a Líbia (que em 2003<strong>de</strong>sistiu <strong>de</strong> seu armamento nuclear), numa operaçãomegamilionária.Desmantela<strong>da</strong> a re<strong>de</strong> pelos serviços secretos norteamericanoe europeus, apenas um <strong>de</strong> seus membros estáindo a julgamento, o alemão Gothard Lerch, preso emStuttgart. Os outros estão enre<strong>da</strong>dos ou <strong>de</strong>senre<strong>da</strong>dosnuma complexa articulação <strong>de</strong> agentes duplos e infiltraçõesque, se revela<strong>da</strong>, vai trazer muita sujeira à tona dos própriosserviços secretos <strong>da</strong> Europa e dos Estados Unidos, não se sabendoao certo quem negociava, fazia e espionava o que e para quem. Ofim era um só: ganhar muito dinheiro. A situação é tão ruim que onoticiário <strong>da</strong> imprensa dá conta <strong>de</strong> que só o governo suíço <strong>de</strong>struiu30 mil documentos relativos ao caso no ano passado, “por razões<strong>de</strong> segurança”.Vazamento nuclearOs habitantes <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Bollene,numa região pesqueira do sudoeste<strong>da</strong> França, estão proibidos <strong>de</strong> usarágua natural e <strong>de</strong> pescar. Sua fonte<strong>de</strong> energia, a usina <strong>de</strong> Tricastin,virou sua <strong>de</strong>sgraça28 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


Tempo quenteTanques russosatravessam rua <strong>de</strong>Tskhinvali, capital<strong>da</strong> província <strong>da</strong>Ossétia do Sul,GeórgiaVIKTOR DRACHEV/AFP PHOTOA última ameaça vem <strong>de</strong> casos como o recente enfrentamentoentre tropas <strong>da</strong> Rússia e <strong>da</strong> Geórgia, <strong>da</strong> ex-União Soviética, hojealia<strong>da</strong> dos EUA. É claro que o governo <strong>da</strong> Geórgia <strong>de</strong>cidiu ocuparmilitarmente a região <strong>da</strong> Ossétia do Sul, junto à fronteira russa,na esperança <strong>de</strong> que tropas <strong>da</strong> Otan viessem em seu socorro (ouque também houvesse algum tipo <strong>de</strong> intervenção <strong>de</strong> seus outrosaliados, Israel e União Européia). Para ca<strong>da</strong> sol<strong>da</strong>do <strong>da</strong>s tropasgeorgianas na região havia 48 sol<strong>da</strong>dos russos! No confronto quese seguiu, correu-se o risco <strong>de</strong> norte-americanos (que já estavamna Geórgia participando até <strong>de</strong> exercícios militares com o exércitolocal) e russos se enfrentarem, o mesmo risco <strong>de</strong> conseqüênciasimprevisíveis que se correu em 1961.Portanto, tiremos <strong>da</strong>s estantes os empoeirados romances <strong>de</strong> ficçãocientífica que falavam do perigo <strong>de</strong> um fim do mundo <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> umaguerra nuclear: as bombas estão <strong>de</strong> volta, e até um tanto na mo<strong>da</strong>.Guerra: sua razão <strong>de</strong> existirFRED DUFOUR/AFP PHOTOA Otan é uma organização militar dos países do bloco capitalistacria<strong>da</strong> em 1949, contrapondo-se ao Pacto <strong>de</strong> Varsóvia, organismomilitar socialista surgido após a Segun<strong>da</strong> Guerra. Enquanto oPacto <strong>de</strong> Varsóvia, li<strong>de</strong>rado pela ex-URSS e integrado por paísesdo Leste Europeu se dissolveu no início dos anos 1990, a Otanexiste até hoje. Já contava com Alemanha, Bélgica, Canadá,Dinamarca, Espanha, EUA, França, Grécia, Holan<strong>da</strong>, Islândia,Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Reino Unido e Turquia,ganhando posteriormente a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> Hungria, Polônia, RepúblicaTcheca, Bulgária, Estônia, Letônia, Lituânia, Romênia, Eslováquia eEslovênia, que compunham o antigo bloco comunista.2008 outubro REVISTA DO BRASIL 29


ci<strong>da</strong><strong>da</strong>niaDéficit<strong>de</strong> oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>sHá não muito tempo, poucosacreditavam que pessoas com <strong>de</strong>ficiênciaintelectual pu<strong>de</strong>ssem trabalhar e sereficientes. Hoje, elas provam que po<strong>de</strong>m.Só precisam <strong>de</strong> uma chancePor Ci<strong>da</strong> <strong>de</strong> Oliveira. Fotos <strong>de</strong> Paulo PepeObalcão instalado na entra<strong>da</strong> <strong>da</strong>seção pôs fim ao entra-e-sai eagilizou o atendimento. O bebedouroali perto acabou comos <strong>de</strong>slocamentos até o pátiopara matar a se<strong>de</strong>. “Idéias simples e efetivascomo essas mostram o quanto esses trabalhadoressão críticos e atuantes”, diz Márcio FreireDias, chefe <strong>da</strong> seção <strong>de</strong> papelaria <strong>de</strong> umafábrica <strong>de</strong> motores, em Santo Amaro, zonasul paulistana. Dias refere-se a iniciativas quepartiram do <strong>grupo</strong> <strong>de</strong> 19 empregados comdéficit intelectual ou cognitivo com quem trabalha.Entre eles, a auxiliar Liliane <strong>de</strong> CastroCoutinho do Nascimento, 24 anos: “Receboo pedido <strong>de</strong> material e antes <strong>de</strong> entregar confirose está preenchido corretamente”, explica.José Edson Souza do Nascimento, com quemela se casou, é seu colega <strong>de</strong> trabalho, foi promovidoa almoxarife e sonha ser professor.“Quero estu<strong>da</strong>r Educação Física.”30 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


lugar no mundoLiliane e José Edson:trabalho, casamento esonhos para o futuroDo outro lado do pátio, Francilene MariaFernan<strong>de</strong>s, 27 anos, faz a embalagem <strong>de</strong>componentes. Agra<strong>de</strong>ce a Deus pelo empregoe pelos direitos a que faz jus. “Precisoaju<strong>da</strong>r em casa.” Seu colega Marcos PedrosaAguiar, 29 anos, trabalha no almoxarifadoe no setor <strong>de</strong> bomba d’água. “É bom porqueeu aprendo mais sobre os produtos feitosaqui”, diz o auxiliar. A instrutora Neusa<strong>de</strong> Fátima Filomeno, com experiência <strong>de</strong> 15anos na Apae (Associação dos Pais e Amigosdos Excepcionais) e sete na indústria,percorre todos os setores várias vezes ao diapara conversar com eles. “Minha função éacompanhar as questões pessoais, profissionaise familiares, para garantir o bom funcionamento<strong>de</strong>ssa engrenagem”, diz. O gerente<strong>de</strong> programas sociais, Pedro Funcke, contaque a experiência foi surpreen<strong>de</strong>nte: “Elessão mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> produtivi<strong>da</strong><strong>de</strong>, participação,zelo, soli<strong>da</strong>rie<strong>da</strong><strong>de</strong> e compromisso”.Iniciativas como essa ain<strong>da</strong> são exceção nomercado <strong>de</strong> trabalho. A maioria dos empregadores,obrigados por lei a contratar, preferepessoas com <strong>de</strong>ficiência motora. Surdose cegos vêm na seqüência. É o que mostram<strong>da</strong>dos <strong>da</strong> Superintendência Regional do Trabalho<strong>de</strong> São Paulo (SRTE, antiga DRT, subordina<strong>da</strong>ao Ministério do Trabalho e Emprego).Do total <strong>de</strong> pessoas contrata<strong>da</strong>s noúltimo ano no estado, por exigência <strong>da</strong> lei,menos <strong>de</strong> 3% têm déficit cognitivo.A Fe<strong>de</strong>ração Brasileira dos Bancos lançouum programa <strong>de</strong>stinado a preparar pessoascom <strong>de</strong>ficiência para a rotina <strong>de</strong> trabalhobancário, mas não com déficit cognitivo.“Ain<strong>da</strong> temos muito a apren<strong>de</strong>r sobre umaquestão tão complexa”, justifica Mário SérgioVasconcelos, diretor <strong>de</strong> relações institucionais<strong>da</strong> enti<strong>da</strong><strong>de</strong>. A psicóloga CarmenBueno, superinten<strong>de</strong>nte do Sistema Sorri-Brasil, critica: “As pessoas <strong>de</strong>vem ser seleciona<strong>da</strong>spela competência, e não pela <strong>de</strong>ficiência”.Ela lembra que existem instituiçõesespecializa<strong>da</strong>s em i<strong>de</strong>ntificação, seleção e<strong>de</strong>senvolvimento do trabalhador com algumalimitação intelectual para aju<strong>da</strong>r as empresasa li<strong>da</strong>r com essa dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>.Segundo a procuradora Adélia AugustoDomingues, do Ministério Público do Trabalho,a maioria <strong>da</strong>s empresas quer o que émais fácil e traz resultados em curto prazo.“Interessa<strong>da</strong>s apenas em cumprir a lei, instalamrampas e vão atrás <strong>de</strong> profissionaisca<strong>de</strong>irantes altamente graduados.”“O déficit intelectual ou cognitivo se manifestaantes dos 18 anos, é caracterizadopor um processo <strong>de</strong> percepção, memória,juízo e/ou raciocínio abaixo <strong>da</strong> médiae está associado a limitações em duas oumais áreas <strong>de</strong> habili<strong>da</strong><strong>de</strong>s a<strong>da</strong>ptativas”, explicaMaria Apareci<strong>da</strong> Soler, coor<strong>de</strong>nadora<strong>de</strong> capacitação profissional <strong>da</strong> Apae<strong>de</strong> São Paulo. Existem várias causas, <strong>de</strong>oxigenação cerebral insuficiente nahora do parto a problemas nutricionais.A mais conheci<strong>da</strong> é a síndrome<strong>de</strong> Down. A <strong>de</strong>ficiência afeta aspessoas <strong>de</strong> maneiras diferentes equase sempre respon<strong>de</strong> positivamentea estímulos. Assim,entre duas pessoas com omesmo quociente <strong>de</strong> inteligência(QI), a que for maisestimula<strong>da</strong> terá <strong>de</strong>sempenho melhorem várias ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. “Nãopo<strong>de</strong>mos prever a capaci<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> ca<strong>da</strong> uma <strong>de</strong>las.Por isso, o melhor é <strong>da</strong>ruma chance para mostrarem”, diz a psicólogaIsabel <strong>de</strong> Francischi, <strong>da</strong> Associação CarpeDiem.A associação prepara profissionais e fazintermediação com empresas. Há poucomais <strong>de</strong> três anos, encaminhou duas jovenspara atuarem na biblioteca e na recepção<strong>de</strong> um gran<strong>de</strong> banco. “Tivemos <strong>de</strong> fazer algumasa<strong>da</strong>ptações na jorna<strong>da</strong> <strong>de</strong> trabalho,na acessibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, além <strong>de</strong> promover palestrase imprimir cartilhas para <strong>de</strong>smistificaro senso sobre a <strong>de</strong>ficiência”, lembra asuperinten<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento humanodo banco, Maria Cristina Carvalho.Segundo ela, uma pesquisa recente revelouque gestores e <strong>de</strong>mais empregados se sentirammais engajados, experimentaram umcrescimento pessoal e profissional. MarianaAmato, 29 anos, chegou ao banco <strong>de</strong>pois<strong>de</strong> ter trabalhado em escolas, escritório <strong>de</strong>arquitetura e lanchonete. “Organizo jornaise revistas, ligo os computadores, abro malotes<strong>de</strong> todo o país, atendo pessoas”, <strong>de</strong>screve.E ain<strong>da</strong> aju<strong>da</strong> o Carpe Diem a prepararoutros jovens para o mercado.Garota<strong>de</strong> fibraHoje com 25anos, Bárbarajá teve váriosempregos,inclusive numhotel <strong>de</strong> luxo2008 outubro REVISTA DO BRASIL 31


ObstáculosEscolari<strong>da</strong><strong>de</strong> insuficiente, <strong>de</strong>spreparoprofissional e <strong>da</strong> família pesam na baixaempregabili<strong>da</strong><strong>de</strong>. “A dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> locomoção,o transporte ina<strong>de</strong>quado ou a falta<strong>de</strong> incentivo familiar ain<strong>da</strong> mantêm muitaspessoas com <strong>de</strong>ficiência fora <strong>da</strong> escola”,aponta a pe<strong>da</strong>goga Luiza Russo, presi<strong>de</strong>ntedo Instituto Paradigma. É um <strong>de</strong>safio para ainclusão <strong>de</strong>rrubar a resistência <strong>de</strong> familiaresque preferem garantir o benefício previ<strong>de</strong>nciário– cortado se a pessoa com <strong>de</strong>ficiênciaarruma emprego. A relação direta entreestímulo familiar e integração no trabalho,aliás, é uma <strong>da</strong>s conclusões <strong>da</strong> dissertação<strong>de</strong> mestrado que a psicóloga Maria LuizaGomes Machado <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>u na Universi<strong>da</strong><strong>de</strong>Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São Paulo. Ela acompanhoua vi<strong>da</strong> <strong>de</strong> dois <strong>grupo</strong>s <strong>de</strong> portadores <strong>de</strong> síndrome<strong>de</strong> Down. Um formado por trabalhadorese outro por aqueles fora do mercado.Além dos ganhos físicos, mentais, psicológicos,sociais, econômicos, ela <strong>de</strong>scobriu que,entre os que trabalham, havia incentivo familiarem 100% dos casos. No outro <strong>grupo</strong>,2% <strong>da</strong>s famílias os estimulavam.“Quando o jovem com déficit é estimuladopara a vi<strong>da</strong> profissional, <strong>vive</strong> uma transiçãopara a vi<strong>da</strong> adulta. Sem essa oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong>será sempre como uma criança, semnoção <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong> nem autonomia para regera própria vi<strong>da</strong>. É por isso que a preparaçãopara o trabalho <strong>de</strong>ve começar cedo,como se faz com quem não tem <strong>de</strong>ficiêncianenhuma”, explica a psicóloga.A paulistana Bárbara Sagula Diam, 25anos, é auxiliar <strong>de</strong> atendimento numa re<strong>de</strong><strong>de</strong> farmácias. Abastece e organiza prateleiras.Já foi balconista em loja <strong>de</strong> roupas e<strong>de</strong> bijuterias, trabalhou em bares, agência<strong>de</strong> correios, sacolão, emissora <strong>de</strong> rádio. Umdos maiores sonhos que já realizou foi obteruma vaga num hotel elegante. Com a aju<strong>da</strong><strong>de</strong> um supervisor <strong>da</strong> Associação dos PaisBanespianos <strong>de</strong> Excepcionais (Apabex),elaborou um currículo e o entregou na recepção.“Só sosseguei quando me contrataram.”O sonho foi se <strong>de</strong>sfazendo <strong>de</strong>vido aorelacionamento difícil com uma supervisora.A primeira ocupação <strong>de</strong> Bárbara, aos16 anos, foi um estágio <strong>de</strong> auxiliar <strong>de</strong> escritório.Para isso, pesou muito a iniciativa<strong>de</strong> sua mãe, a artesã Mônica Sagula, 47anos, que a ensinou a circular pela ci<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>de</strong> ônibus e metrô, <strong>da</strong> mesma maneiracomo fez com os <strong>de</strong>mais filhos, que não têmsíndrome <strong>de</strong> Down. Em 1985, quando erafuncionária do Banespa, Mônica fundou aPreconceito gra<strong>da</strong>tivoTipo <strong>de</strong>Proporção <strong>de</strong><strong>de</strong>ficiênciacontratados*Física 65%Auditiva 21,5%Visual 9,5%Cognitiva 2,8%Múltipla 1%*De um total <strong>de</strong> 8.298 contratados nosúltimos 12 mesesFonte: SRTE/MTE32 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


Déficit ou <strong>de</strong>ficiênciaA Organização Mundial <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> recomen<strong>da</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 2001, o emprego <strong>da</strong> expressão<strong>de</strong>ficiência “intelectual” ou “cognitiva”. E os especialistas <strong>da</strong> área passaram a usar “déficit”,em vez <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência. A condição se refere ao funcionamento específico do intelecto, e não<strong>da</strong> mente como um todo. É também uma maneira <strong>de</strong> diferenciar <strong>de</strong>ficiência mental <strong>de</strong> doençamental – nomenclatura, por sua vez, altera<strong>da</strong> pelos psiquiatras para “distúrbio”. Tampouco seaceita o termo “<strong>de</strong>ficiente”. O correto é “pessoa com <strong>de</strong>ficiência” ou “pessoa com déficit”.Apabex. “Fui muito critica<strong>da</strong> pelo jeito <strong>de</strong>tratar a Bárbara, mas hoje tenho a certeza<strong>de</strong> que fiz o melhor.”Abaixo <strong>da</strong> leiA Lei nº 8.213, <strong>de</strong> 24 <strong>de</strong> julho <strong>de</strong> 1991, <strong>de</strong>terminaque empresas com 100 a 200 funcionáriostenham 2% <strong>da</strong>s vagas preenchi<strong>da</strong>spor pessoas com algum tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiênciaou reabilita<strong>da</strong>s. Até 500 empregados, sobepara 3%. Até 1.000, 4%, e <strong>da</strong>í em diante,5%. A lei não orienta o preenchimento <strong>da</strong>svagas por tipo <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência – motora, visual,auditiva ou intelectual.Ações <strong>de</strong> fiscalização do Ministério doTrabalho e Emprego em todo o país resultaramna contratação <strong>de</strong> 11.139 portadores<strong>de</strong> vários tipos <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência nos primeirosseis meses <strong>de</strong> 2008. A fiscalizaçãoé atribuição <strong>da</strong>s Superintendências Regionaisdo Trabalho (SRTE), também incumbi<strong>da</strong>s<strong>de</strong> estimular acordos entre patrões etrabalhadores. Em 2006, a estipulação <strong>de</strong>cotas para pessoas com <strong>de</strong>ficiência constou<strong>de</strong> acordo entre o Sindicato <strong>da</strong> IndústriaFarmacêutica <strong>de</strong> SP (Sindusfarma), a Confe<strong>de</strong>raçãoNacional dos Químicos (CNQ-<strong>CUT</strong>) e a Fe<strong>de</strong>ração dos Trabalhadores nasIndústrias Químicas e Farmacêuticas <strong>de</strong> SP(Fequimfar, Força Sindical).Adir Gomes Teixeira, <strong>da</strong> CNQ, faz umaavaliação positiva: “Foram contrata<strong>da</strong>s cerca<strong>de</strong> mil pessoas com <strong>de</strong>ficiência. Entre as44 empresas que assinaram, 12 já cumprirama cota, algumas ain<strong>da</strong> não contrataramnenhum trabalhador com <strong>de</strong>ficiênciae nove empregaram menos <strong>da</strong> meta<strong>de</strong>do estabelecido”. Des<strong>de</strong> 2007, os bancáriosincluíram entre suas reivindicações, quetêm abrangência nacional, o emprego parapessoas com <strong>de</strong>ficiência. Muitos sindicatoscontestam, ain<strong>da</strong>, que empregados reabilitados– ou seja, em recuperação <strong>de</strong> doençasprofissionais muitas vezes adquiri<strong>da</strong>sna própria empresa – sejam contados paraefeito <strong>da</strong> lei <strong>de</strong> cotas. Para o dirigente metalúrgicodo ABC, Luiz Soares <strong>da</strong> Cruz, oLulinha, isso dificulta ain<strong>da</strong> mais o acesso<strong>de</strong> pessoas com <strong>de</strong>ficiência.A superinten<strong>de</strong>nte regional do Trabalhoem São Paulo, Lucíola Rodrigues Jaime, consi<strong>de</strong>raque as multas aplica<strong>da</strong>s em caso <strong>de</strong>não-cumprimento <strong>da</strong>s cotas <strong>de</strong>vem ser o últimorecurso: “Defen<strong>de</strong>mos os acordos porqueo que interessa é empregar as pessoas.Multa é vaga não preenchi<strong>da</strong>”, diz.Segundo o médico e auditor fiscal doTrabalho José Carlos do Carmo, ocorremmuitas irregulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s: “Há contrataçõesapenas para cumprir a cota, em que o trabalhadorrecebe, mas fica só em casa ou se‘capacitando’ para sempre. E outras em queo contratado não tem <strong>de</strong>ficiência nenhuma,como uma pessoa que teve uma amputação<strong>de</strong> pequena extensão, sem comprometera função mais importante do membro,ou um pequeno <strong>de</strong>svio na coluna”, exemplifica.Isso acontece, diz Carmo, porque alei dá margem para interpretações ou pormalandragem <strong>da</strong> empresa – que busca a facili<strong>da</strong><strong>de</strong>sem investir na acessibili<strong>da</strong><strong>de</strong>, nacapacitação nem numa mu<strong>da</strong>nça <strong>de</strong> posturadiante <strong>de</strong> algo novo.Outra dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>, explica o médico, é queo número <strong>de</strong> fiscais é insuficiente. “Aju<strong>da</strong>muito as pessoas comunicarem ao seu sindicatoirregulari<strong>da</strong><strong>de</strong>s verifica<strong>da</strong>s em suaempresa. Os sindicatos são fun<strong>da</strong>mentaispara intervir junto ao empregador ou <strong>de</strong>nunciá-loà fiscalização.”solidáriaAlém <strong>de</strong> trabalharna bibliotecado banco, Mariaaju<strong>da</strong> a prepararoutros jovensPara saber maisApabex – (11) 5081-9000 – www.apabex.org.brApae São Paulo – (11) 5080-7000 – www.apaesp.org.brAssociação Carpe Diem – (11) 5093-1888 – www.carpediem.org.brEspaço <strong>da</strong> Ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia – (11) 3685-0915 – www.eci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.org.brInstituto Paradigma – (11) 5090-0075 – www.institutoparadigma.org.brMinistério do Trabalho – Cartilha A Inclusão <strong>da</strong>s Pessoas com Deficiênciano Mercado <strong>de</strong> Trabalho – www.mte.gov.br/fisca_trab/inclusao/<strong>de</strong>fault.aspSistema Sorri-Brasil – (11) 5082-3502 – www.sorri.com.br2008 outubro REVISTA DO BRASIL 33


esporteLucasper<strong>de</strong>u avisão em2006Elespo<strong>de</strong>mtudoOs JogosParaolímpicosmostraram quevonta<strong>de</strong> e potencialpara vencer, muitoalém do esporte, sãocoisas <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>Por Xandra StefanelPedro Rezen<strong>de</strong>/cpbAs Paraolimpía<strong>da</strong>s não haviamsequer começado e oBrasil já batia recor<strong>de</strong>s: forama Pequim 188 atletaspara disputar me<strong>da</strong>lhas em17 <strong>da</strong>s 20 mo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Em Atenas-2004foram 99 competidores em 13 categorias.Mais que dobrou a representação feminina,<strong>de</strong> 22 em 2004 para 55 neste ano. Foia quarta maior <strong>de</strong>legação dos Jogos, atrásapenas <strong>de</strong> China, EUA e Reino Unido. OComitê Paraolímpico Brasileiro (CPB) comemoroua substancial melhora no <strong>de</strong>sempenho.Foram 16 me<strong>da</strong>lhas <strong>de</strong> ouro, 14 <strong>de</strong>prata e 17 <strong>de</strong> bronze, que <strong>de</strong>ixaram o país no9º lugar no ranking (14º em Atenas, com 14<strong>de</strong> ouro e 33 no total). O secretário-geral doCPB, Andrew Parsons, observa que o paísconquistou me<strong>da</strong>lhas inéditas em algumasmo<strong>da</strong>li<strong>da</strong><strong>de</strong>s. “Foi a nossa maior participaçãonos Jogos”, resume.As praças esportivas foram as mesmas<strong>da</strong>s Olimpía<strong>da</strong>s, algumas semanas antes,a<strong>da</strong>pta<strong>da</strong>s para os atletas ca<strong>de</strong>irantes, cegose com paralisia. O público lotou praticamenteto<strong>da</strong>s as provas. Pela distância e ocusto <strong>da</strong> viagem, a torci<strong>da</strong> ver<strong>de</strong>-e-amarelanão passava <strong>de</strong> alguns poucos gatos pingados,mas a simpatia e o <strong>de</strong>sempenho dosatletas conquistaram a energia e a vibraçãodos chineses. A maioria dos triunfos brasileirosveio <strong>da</strong>s pistas <strong>de</strong> atletismo do Ninhodo Pássaro e <strong>da</strong>s piscinas do Cubo D’água.O na<strong>da</strong>dor Daniel Dias, que nasceu commalformação congênita, subiu ao pódio oitovezes, cinco no topo. Daniel disse à Revistado Brasil que só se sentia nervoso quando,<strong>de</strong>baixo d’água, ouvia os chineses gritando.“Era sinal <strong>de</strong> que eles estavam na frente e36 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


eu usava isso para <strong>da</strong>r o máximo e vencera prova. E eles aplaudiam muito quem ganhava,mesmo que não fosse chinês. Eramuito legal.” Nascido em Campinas (SP) ecrescido em Camanducaia (MG), Daniel,<strong>de</strong> 20 anos, começou a na<strong>da</strong>r há quatro. Nocolégio, adorava Educação Física, mas só<strong>de</strong>scobriu o esporte paraolímpico quandoviu os jogos <strong>de</strong> Atenas. “Eu não fui criadocomo <strong>de</strong>ficiente, cresci com meus colegas<strong>de</strong> escola, igual. O esporte me ajudou emauto-estima, autoconfiança e percebi queera muito capaz. Depois <strong>de</strong> dois anos na<strong>da</strong>ndoconsegui patrocínio. Antes tinha só‘paitrocínio’. Fico imaginando quantos paisnão po<strong>de</strong>m aju<strong>da</strong>r os filhos que, por isso,nunca vão conhecer o esporte”, lamenta.O velocista Lucas Prado, <strong>de</strong> 23 anos, nãoDaniel:recor<strong>de</strong> <strong>de</strong>me<strong>da</strong>lhasMauricio Pinheiro/cpbTerezinhae o guiaJorge LuizPedro Rezen<strong>de</strong>/cpbnasceu com <strong>de</strong>ficiência. Per<strong>de</strong>u a visão em2006, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um <strong>de</strong>scolamento <strong>de</strong> retinaque sofreu quando trabalhava em umbanco. Foi <strong>de</strong>le o primeiro ouro brasileiroem Pequim. Consi<strong>de</strong>rado o <strong>de</strong>ficiente visualmais rápido do mundo, fez balançaras arquibanca<strong>da</strong>s do Ninho <strong>de</strong> Pássaro portrês vezes, ao lado <strong>de</strong> seu guia Justino Barbosa.Quebrou os recor<strong>de</strong>s mundiais nos100 e nos 200 metros na categoria T11, paracorredores totalmente cegos. E nos 400 metrosfaturou seu 3º ouro. O impulso veio<strong>de</strong> Terezinha Guilhermina, que o apresentouao esporte e o encorajou. Ela tambémtem o título <strong>de</strong> cega mais veloz nos 100 enos 400 metros. Em Pequim, levou prata ebronze, respectivamente, além do ouro nos200 metros. Desta vez, a mineira teve companhiafamiliar. Terezinha tem 11 irmãos eoutros quatro são cegos. Dois <strong>de</strong>les estavamnas competições com ela, que já sonha comvôos ain<strong>da</strong> mais altos agora em família.Alto também voaram os <strong>da</strong>rdos <strong>de</strong> RoseaneFerreira dos Santos, a Rosinha. Apernambucana <strong>de</strong> 37 anos teve a pernaesquer<strong>da</strong> amputa<strong>da</strong> <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> um atropelamento,o que não diminuiu sua <strong>de</strong>terminação.Ao contrário. Trocou a profissão<strong>de</strong> doméstica pelas competições <strong>de</strong>lançamento <strong>de</strong> disco, <strong>da</strong>rdo e arremesso<strong>de</strong> peso. Em Sydney-2000, sua primeiraparaolimpía<strong>da</strong>, alcançou no arremesso <strong>de</strong>peso seu primeiro recor<strong>de</strong> mundial. EmAtenas-2004, repetiu o feito no lançamento<strong>de</strong> disco.Mais do que bons resultados, um dos objetivosdos jogos que reúnem pessoas com<strong>de</strong>ficiências é justamente aju<strong>da</strong>r a promovera inclusão. Os Jogos Paraolímpicos sãorealizados <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a edição <strong>de</strong> Roma-1960<strong>da</strong>s Olimpía<strong>da</strong>s. Passaram um longo períodoà margem e, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Seul-1988, estão<strong>de</strong>finitivamente incorporados ao calendárioesportivo mundial. “Essas pessoas têmmuito mais potencial do que se imagina,e se têm esse <strong>de</strong>sempenho fenomenal naprática esportiva, por que não po<strong>de</strong>m teruma vi<strong>da</strong> normal, casar, ter filhos e trabalhar?Os Jogos são uma forma também <strong>de</strong>conscientizar”, diz Parsons, do CPB. “A inclusãoé possível. Só falta as pessoas perceberemque, mesmo com limites, po<strong>de</strong>mosfazer tudo. Estar aqui entre os melhores domundo é uma gran<strong>de</strong> vitória”, <strong>de</strong>fine DanielDias.2008 outubro REVISTA DO BRASIL 37


saú<strong>de</strong>O parto éconvicçãoAs duas filhas <strong>de</strong> Denisenasceram em casa. Quandooptou pelo parto natural, teve<strong>de</strong> trocar <strong>de</strong> médica40 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


<strong>de</strong>lasAbuso <strong>de</strong> intervençõesmédicas, falta <strong>de</strong> informaçãoe <strong>de</strong> segurança para <strong>de</strong>cidirtêm tirado <strong>de</strong> muitas mulhereso direito ao parto natural. Acesárea, indica<strong>da</strong> para situações<strong>de</strong> risco, ain<strong>da</strong> ocorre <strong>de</strong> formaindiscrimina<strong>da</strong> no BrasilPor Luciana BenattiFotos <strong>de</strong> Marcelo MinÉmadruga<strong>da</strong>. Na banheira <strong>da</strong> suíte <strong>de</strong> parto <strong>de</strong> uma movimenta<strong>da</strong>materni<strong>da</strong><strong>de</strong> particular <strong>da</strong> zona sul <strong>de</strong> SãoPaulo, uma mulher está prestes a <strong>da</strong>r à luz seu primeirofilho. Não sente medo nem ansie<strong>da</strong><strong>de</strong>: tem ao seu redorpessoas que a apóiam. As contrações vêm em on<strong>da</strong>s,momentos <strong>de</strong> dor e relaxamento. Ela não tomou anestesia. Contaapenas com o alívio proporcionado pela água morna. À sua frente,a médica Andrea Campos observa sorrindo. Horas <strong>de</strong>pois, o bebêvem ao mundo, <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> água. O instante é mágico, <strong>de</strong> puro êxtase,garante a mãe, autora <strong>de</strong>sta reportagem.Na água e sem anestesia? No país campeão mundial <strong>de</strong> cesarianas,po<strong>de</strong> parecer coisa <strong>de</strong> gente maluca. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, trata-se <strong>da</strong>escolha consciente <strong>de</strong> mulheres que, alheias ao apelo do parto “prático,rápido e indolor” prometido pelos <strong>de</strong>fensores <strong>da</strong> cesárea comhora marca<strong>da</strong>, <strong>de</strong>cidiram <strong>vive</strong>nciar o nascimento <strong>de</strong> seus filhoscom a maior naturali<strong>da</strong><strong>de</strong> possível. O que envolve também abrirmão <strong>de</strong> tecnologias e <strong>de</strong> intervenções médicas <strong>de</strong>snecessárias. Sea gestação for <strong>de</strong> baixo risco, o parto normal é mais seguro para amãe e para o bebê.Por ser uma cirurgia, a cesárea só é indica<strong>da</strong> quando há risco. Deacordo com a Organização Mundial <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>, isso ocorre em, nomáximo, 15% dos casos. No entanto, a cesariana representa 43%dos partos realizados no Brasil, consi<strong>de</strong>rando o setor público e oprivado. No universo dos planos <strong>de</strong> saú<strong>de</strong> chega a 80%, enquantono Sistema Único <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> soma 26%. Todos concor<strong>da</strong>m: o procedimento,quando bem indicado, é capaz <strong>de</strong> salvar vi<strong>da</strong>s. Por outrolado, se realizado sem uma indicação médica precisa, po<strong>de</strong> expora mulher e o recém-nascido a riscos <strong>de</strong>snecessários. “Quandovocê agen<strong>da</strong> uma cesariana sem que a mulher tenha entrado emtrabalho <strong>de</strong> parto, po<strong>de</strong> estar retirando o bebê antes <strong>da</strong> sua completaformação”, afirma Andréia Abib, gerente-técnico assistencial <strong>de</strong>produtos <strong>da</strong> Agência Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Suplementar (ANS), órgãoque regula as ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong>s operadoras <strong>de</strong> planos privados. “Umamulher bem informa<strong>da</strong> jamais iria <strong>de</strong>sejar isso”, acredita Andréia.Como parte <strong>de</strong> uma campanha em favor do parto normal e <strong>da</strong> redução<strong>da</strong>s cesarianas <strong>de</strong>snecessárias, a agência elaborou uma carta<strong>de</strong> esclarecimento e convidou as operadoras a enviá-la às usuárias.Em maio, o Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> também lançou campanha <strong>de</strong> incentivoao parto normal, com um comercial estrelado pela atrizFernan<strong>da</strong> Lima, que teve seus gêmeos <strong>de</strong>ssa forma.Cesáreas <strong>de</strong>snecessáriasApenas um pequeno percentual <strong>de</strong> cesáreas tem indicações clarase justifica<strong>da</strong>s. De acordo com um estudo recente realizado porpesquisadores <strong>da</strong> Escola Nacional <strong>de</strong> Saú<strong>de</strong> Pública <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>çãoOsvaldo Cruz, em duas materni<strong>da</strong><strong>de</strong>s particulares do Rio <strong>de</strong> Janeiro,92% <strong>da</strong>s cesarianas foram feitas com <strong>da</strong>ta e hora marca<strong>da</strong>s,antes <strong>de</strong> a mulher entrar em trabalho <strong>de</strong> parto. “É um escân<strong>da</strong>lo”,critica a epi<strong>de</strong>miologista Silvana Granado Nogueira <strong>da</strong> Gama, integrante<strong>da</strong> equipe.Embora o Conselho Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> Medicina (CFM) proíba tratar a cesáreacomo procedimento eletivo, há profissionais que indicam a intervençãoassim que a gravi<strong>de</strong>z completa 38 semanas (uma gestaçãonormal dura cerca <strong>de</strong> 40 semanas, po<strong>de</strong>ndo ir até 42). Um risco nãoinformado é o <strong>de</strong> que a cesárea realiza<strong>da</strong> antes que o feto esteja com ospulmões completamente maduros acarreta dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s respiratórias.Por esse motivo, muitos bebês hoje nascem e vão direto para a UTI.2008 outubro REVISTA DO BRASIL 41


A pressão pela cesárea eletiva nem sempre acontece <strong>de</strong> forma direta.“O médico fala ‘o seu nenê é gran<strong>de</strong>’ ou ‘está com o cordão enrolado’.A mulher fica preocupa<strong>da</strong> e, no final, acha que foi ela quem<strong>de</strong>cidiu. A gente brinca que ‘o Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> adverte: pré-natalfaz mal para o parto normal’, porque as mulheres <strong>de</strong> classe média,que fazem um número suficiente <strong>de</strong> pré-natais, que <strong>de</strong>veriam ser <strong>de</strong>quali<strong>da</strong><strong>de</strong>, são as que mais fazem cesárea”, afirma Silvana.O mesmo estudo <strong>da</strong> Fiocruz <strong>de</strong>rruba um argumento muito freqüente,o <strong>de</strong> que as próprias mulheres brasileiras <strong>de</strong>sejariam o partocesáreo: 70% <strong>da</strong>s gestantes não manifestaram preferência pela cesarianano início <strong>da</strong> gravi<strong>de</strong>z, mas quase 90% a fizeram. “Isso indicaque há um convencimento durante o pré-natal”, afirma Lena Peres,do Departamento <strong>de</strong> Ações Estratégicas do Ministério <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong>.“Cesariana é uma técnica. Parto normal, uma arte”, diz o obstetraJorge Kuhn, professor <strong>da</strong> Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> São Paulo (Unifesp).“Muitos médicos se formam sem saber fazer parto normal”,afirma a doula e educadora perinatal Ana Cristina Duarte, coor<strong>de</strong>nadorado Grupo <strong>de</strong> Apoio à Materni<strong>da</strong><strong>de</strong> Ativa (Gama). A doulaé uma acompanhante <strong>de</strong> parto treina<strong>da</strong> para oferecer suporte físico,emocional e afetivo.ao parto e nascimento é a <strong>de</strong>volução do protagonismo à mulher:é <strong>de</strong>la o papel mais importante”, afirma o obstetra Jorge Kuhn. Elatem liber<strong>da</strong><strong>de</strong> para caminhar, se alimentar, beber líquidos e escolherem que posição prefere ficar durante o trabalho <strong>de</strong> parto.Po<strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir também quem estará presente. E conta com o apoio<strong>de</strong> uma doula. “O protagonismo implica assumir responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong>s.Para isso, é preciso ter informação. O que <strong>de</strong>man<strong>da</strong> tempo einvestimento”, completa Kuhn.Sites <strong>de</strong> <strong>grupo</strong>s <strong>de</strong> mulheres que lutam pela melhoria do atendimentoao parto, como o Materni<strong>da</strong><strong>de</strong> Ativa (www.materni<strong>da</strong><strong>de</strong>ativa.com.br),o Parto do Princípio (www.partodoprincipio.com.br) e o Amigas do Parto (www.amigasdoparto.com.br), são ótimasfontes <strong>de</strong> informação.Listas <strong>de</strong> discussão na internet, reuniões <strong>de</strong> casais grávidos ecursos <strong>de</strong> preparação para o parto também aju<strong>da</strong>m a perceber queexistem opções seguras para as gestantes <strong>de</strong> baixo risco – cerca <strong>de</strong>90% <strong>de</strong>las –, além do parto normal hospitalar padrão e <strong>da</strong> cesárea.E são uma forma <strong>de</strong> tomar contato com alternativas como partona água, parto domiciliar e parto com parteira, muito controversase temi<strong>da</strong>s por aqui, mas comuns em países com baixos índicesO obstetra Pedro Pablo Chacel, corregedor do Conselho Fe<strong>de</strong>ral<strong>de</strong> Medicina (CFM), admite que muitos médicos não estão preparadospara realizar o parto normal e, sem saber realizar outras manobrasobstétricas, partem para a cesariana. Mas não vê nisso umproblema. “Cem anos atrás as indicações <strong>de</strong> cesariana eram absolutas:ou faz ou morre. As coisas mu<strong>da</strong>ram. Hoje a cesárea é uma boaalternativa para a maior parte dos médicos”, afirma.Um forte componente econômico também pesa na <strong>de</strong>cisão: enquantoum trabalho <strong>de</strong> parto po<strong>de</strong> durar 12 horas ou mais, a cesárease resolve em menos <strong>de</strong> uma hora. E o valor pago ao médico peloconvênio – que varia hoje <strong>de</strong> R$ 300 a R$ 800, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do tipo<strong>de</strong> plano – é praticamente o mesmo nos dois tipos <strong>de</strong> parto. Alémdisso, a cultura <strong>da</strong> cesárea que se espalhou pelo país nas últimas déca<strong>da</strong>sfaz com que o parto operatório seja visto como bem <strong>de</strong> consumoe garantia <strong>de</strong> atendimento <strong>de</strong> melhor quali<strong>da</strong><strong>de</strong>.A dona <strong>da</strong> <strong>de</strong>cisãoO termo usado para <strong>de</strong>finir o atendimento que respeita o ritmonatural do nascimento e elimina os procedimentos <strong>de</strong> rotina é partohumanizado. “A melhor <strong>de</strong>finição para a assistência humaniza<strong>da</strong><strong>de</strong> mortali<strong>da</strong><strong>de</strong> perinatal, como a Holan<strong>da</strong>.“Quando eu estava grávi<strong>da</strong> <strong>de</strong> 6 meses <strong>da</strong> minha primeira filha,a médica nunca tocava no assunto parto, como se fosse uma coisatotalmente <strong>de</strong>la e que eu só saberia na hora”, conta a confeiteiraDenise Haendchen Gonzalez, mãe <strong>de</strong> Júlia, <strong>de</strong> 3 anos, e Alice, <strong>de</strong>6 meses. O rumo <strong>de</strong> seu pré-natal mudou quando leu numa revistauma matéria sobre parto natural: ela entrou em contato com o<strong>grupo</strong> <strong>de</strong> apoio indicado, fez um curso <strong>de</strong> parto e entrou numa lista<strong>de</strong> discussão sobre o assunto. “Não tinha a menor idéia <strong>de</strong> queexistia a possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> um parto sem anestesia e episiotomia”,lembra. Mudou <strong>de</strong> médica. “Sou chama<strong>da</strong> <strong>de</strong> louca porque todomundo que conheço teve filho por cesárea.” Suas duas filhas nasceramem casa.Anestesia, episiotomia (corte no períneo para facilitar a passagemdo bebê), ocitocina sintética (hormônio usado para intensificaras contrações), lavagem intestinal, raspagem dos pêlos pubianose ruptura artificial <strong>da</strong> bolsa <strong>da</strong>s águas são alguns dos procedimentosque fazem parte do “pacote” do parto normal hospitalar, embora seuuso <strong>de</strong> rotina esteja listado entre as práticas consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong>s ineficazesou prejudiciais pela Organização Mundial <strong>da</strong> Saú<strong>de</strong> (OMS).42 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


AcompanhamentoUma médica e uma enfermeira estavamao lado do casal <strong>de</strong> músicos Márcio eIsadora, quando Lia nasceu, no final <strong>da</strong>madruga<strong>da</strong> do dia 22 <strong>de</strong> maio2008 outubro REVISTA DO BRASIL 43


“É o parto normal Frankenstein: parece um monstro, <strong>de</strong> tão medicalizado”,diz Jorge Kuhn, <strong>da</strong> Unifesp. “O modo como algumasmulheres são trata<strong>da</strong>s acaba gerando um trauma do parto. Se vocêperguntar como foi, ela vai falar que foi horroroso, que teve <strong>de</strong> ficarsem acompanhante, on<strong>de</strong> não conhecia ninguém, sem apoioemocional”, explica a obstetra Andrea Campos. Nesse contexto, éinevitável que o parto perca sua dimensão emocional e afetiva e setransforme num obstáculo a ser superado – e a opção pela cesáreapo<strong>de</strong> parecer mais atraente.A radiologista Ilka Yamashiro Murakoshi, que teve sua filha Beatriz,<strong>de</strong> 9 meses, num parto domiciliar, conhece <strong>de</strong> perto essa rotina.“É o que estamos acostumados a ver em hospital on<strong>de</strong> se fazresidência. São cerca <strong>de</strong> oito mulheres no mesmo quarto, to<strong>da</strong>s emtrabalho <strong>de</strong> parto com ocitocina, ca<strong>da</strong> uma num estágio diferente<strong>de</strong> dilatação: uma grita, todo mundo grita”, conta Ilka. À impessoali<strong>da</strong><strong>de</strong>do atendimento somam-se ofensas verbais, pressão sobrea barriga para empurrar o bebê, entre outros procedimentoshumilhantes e dolorosos. “Na episiotomia, as fibras são corta<strong>da</strong>snum sentido que não é o do músculo. Na hora que o bebê sai, rasgacomo um pano. E, quando o médico não faz na<strong>da</strong>, geralmentenão lacera porque as fibras estão num sentido e a linha <strong>de</strong> força dobebê é diferente. Mesmo assim se faz <strong>de</strong> rotina.”Tudo isso está ausente <strong>da</strong> experiência do parto humanizado,que po<strong>de</strong> acontecer no hospital, em casa ou em casas <strong>de</strong> parto,on<strong>de</strong> o atendimento é realizado por enfermeiras obstetras. Emvez <strong>de</strong> uma experiência traumática, o parto nessas condições éum evento familiar vivido sob intensa emoção. Mais do que espectador,o pai participa ativamente <strong>da</strong> gravi<strong>de</strong>z e do parto. Apesar<strong>da</strong> dor, quem <strong>vive</strong>ncia um parto como esse costuma encorajaroutras a fazer o mesmo. Nos sites <strong>de</strong> <strong>grupo</strong>s <strong>de</strong> apoio, é possíveller os relatos <strong>de</strong> parto, geralmente textos longos, carregados <strong>de</strong>sentimentos. São mulheres <strong>de</strong> diversas i<strong>da</strong><strong>de</strong>s, profissões e classessociais. Em comum, têm a felici<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> ter enfrentado um<strong>de</strong>safio e vencido.“Sensação <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r”A advoga<strong>da</strong> Maria Fernan<strong>da</strong> Zippinotti Duarte sempre <strong>de</strong>sejouter um parto normal. Quando esperava sua primeira filha, Letícia,<strong>de</strong> 8 anos, parecia caminhar para isso. Ela e o médico concor<strong>da</strong>vamque seria a melhor opção. Até o discurso do profissional subitamentemu<strong>da</strong>r: a gestação, então tranqüila, virou <strong>de</strong> alto risco.E ela foi surpreendi<strong>da</strong> pela <strong>de</strong>cisão do obstetra <strong>de</strong> marcar uma cesárea.Quatro anos <strong>de</strong>pois, no nascimento <strong>de</strong> Gabriela, nem houvejustificativa. A bolsa rompeu, o médico mandou-a para a materni<strong>da</strong><strong>de</strong>e, quando se <strong>de</strong>u conta, estava numa maca a caminho docentro cirúrgico. “A primeira cesariana eu quis acreditar que fossenecessária. A segun<strong>da</strong> foi meio absur<strong>da</strong> mesmo. Mas só tive consciência<strong>de</strong> que realmente tinham sido <strong>de</strong>snecessárias quando, naterceira gravi<strong>de</strong>z, resolvi me informar melhor”, conta. Na terceiragestação, o primeiro obstetra foi categórico: o parto normal eraimpossível com duas cesáreas prévias. Pesquisou e localizou artigoscientíficos que apontavam o contrário. Seguindo a indicação<strong>de</strong> <strong>grupo</strong>s <strong>de</strong> incentivo ao parto normal, encontrou um profissionaldisposto a apoiar sua escolha. Há cinco meses, nasceu MariaClara, <strong>de</strong> parto natural hospitalar, sem anestesia ou qualquer outraintervenção. “Eu me senti renova<strong>da</strong>. Dar à luz é uma sensação<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, uma energia muito gran<strong>de</strong>. Tenho muito orgulho <strong>de</strong> terbuscado e conseguido.”O tempo certoA médica AndreaCampos aguar<strong>da</strong>,pacientemente, ahora do bebê e <strong>da</strong>mãe44 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


ompendopreconceitosMesmo com duascesáreas préviase contrariandoas especulaçõesmédicas, a advoga<strong>da</strong>Maria Fernan<strong>da</strong>recebeu Maria Clara<strong>de</strong> parto natural“Teria outro filho em casa”Um gemido longo vindo do quarto do casal corta o silêncio <strong>da</strong>noite e percorre <strong>de</strong> alto a baixo o sobrado. É madruga<strong>da</strong> do dia 22<strong>de</strong> maio, feriado <strong>de</strong> Corpus Christi, e a musicista Isadora Canto,grávi<strong>da</strong> <strong>de</strong> 40 semanas e 5 dias, está em trabalho <strong>de</strong> parto <strong>de</strong> seusegundo filho. O marido, o músico Márcio Arantes, permaneceao seu lado. Uma doula cui<strong>da</strong> para que eles se sintam seguros. Fazmassagens e sugere posições para ajudá-la a enfrentar a dor. Osprimeiros raios <strong>de</strong> sol entram pela janela, e o trabalho <strong>de</strong> parto,que começou por volta <strong>da</strong> 1 <strong>da</strong> manhã, prossegue. Com o dia claro,Isadora resolve entrar na banheira, na ver<strong>da</strong><strong>de</strong> uma pequena piscinainflável trazi<strong>da</strong> e monta<strong>da</strong> pela doula no boxe do banheiro. Às10h05, a menina Lia nasce <strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> água. Uma médica e uma enfermeiraobstetra acompanham. A pediatra também está a postos.O casal optou pelo parto domiciliar por não ter gostado <strong>da</strong> experiênciahospitalar no nascimento do primeiro filho. “Foi um partonormal com anestesia, episiotomia, ocitocina e calmante, porquefalei que estava com medo”, conta Isadora. “Acho que se está tudocerto com a gestação, não tem por que o parto ser no hospital. Masé preciso estar muito bem acompanha<strong>da</strong> para se sentir segura”, diz.Nos partos domiciliares, em caso <strong>de</strong> complicação, é provi<strong>de</strong>ncia<strong>da</strong>a remoção para o hospital. Mesmo assim, muitos obstetras, comoPedro Pablo Chacel, do CFM, são radicalmente contra: “As complicaçõespo<strong>de</strong>m surgir <strong>de</strong> repente”. Isadora afirma que o segundoparto, sem nenhuma intervenção, doeu muito mais do que o primeiro.Mesmo assim, repetiria a experiência do parto domiciliar.“Lembro direitinho <strong>da</strong> dor até hoje. Mas teria outro filho em casa,se ficasse grávi<strong>da</strong> <strong>de</strong> novo.”partohumanizadoA radiologistaIlka, acostuma<strong>da</strong>à impessoali<strong>da</strong><strong>de</strong>do ambientehospitalar, teveBeatriz em casa2008 outubro REVISTA DO BRASIL 45


entrevistaSou filha <strong>de</strong>pai russo, nuncavou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong>brigar pelascoisas em queacredito. Nãovou me tornaruma velhinhaacomo<strong>da</strong><strong>da</strong>.Sou movi<strong>da</strong>pela paixão,vou morrerbrigando46 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


Eu semprequero encrenca,criançaA jura<strong>da</strong> Elke Maravilha acha queRoberto Carlos não merece ser rei porque não cui<strong>da</strong> dossúditos, que Silvio Santos é duas-caras e que Chacrinhaera gênio. Já a atriz, que não consegue separar ficção <strong>de</strong>reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, está prestes a ser Deus Por Tom CardosoRodrigo queirozApequena sala do apartamento é a cara <strong>de</strong>Elke Maravilha. Quase não se nota o tomrosa-shocking <strong>da</strong>s pare<strong>de</strong>s, cobertas porcentenas <strong>de</strong> retratos <strong>da</strong> atriz, seus amigose ídolos, como Garrincha e Chacrinha.Uma solitária poltrona divi<strong>de</strong> espaço com carrancase santos <strong>de</strong> umban<strong>da</strong> apontados para o visitante. Enquantoa entrevista<strong>da</strong> acerta a maquiagem, Kalunga,um gato gordo, preto, olha <strong>de</strong>sconfiado para o repórter.Elke está na sala. “Olá, criança!” (é assim que se dirigeàs pessoas, crianças ou não.). De fato, todos parecemospequenos e frágeis diante do estilo andróginoe hiperbólico <strong>da</strong> atriz <strong>de</strong> quase dois metros <strong>de</strong> altura,com suas longas e grossas tranças doura<strong>da</strong>s e o rostocarregado <strong>de</strong> maquiagem. Mas Elke, 64 anos, sempreenfrentou tudo <strong>de</strong> cara limpa. Como Nelson Rodrigues,cultiva um certo <strong>de</strong>sprezo por unanimi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Dariatudo para tirar as coroas <strong>de</strong> Roberto Carlos e Pelé ecolocá-las em Itamar Assumpção e Garrincha. Jura<strong>da</strong>dos programas <strong>de</strong> auditório do Chacrinha e <strong>de</strong> SilvioSantos, mantém <strong>de</strong>voção pela primeiro e ojeriza pelosegundo: “Tem gente que é tão pobre, tão pobre, tãopobre que só tem dinheiro”, diz, citando frase do amigoe filósofo popular Pedro <strong>de</strong> Lara. Elke não ganhou dinheiro– <strong>vive</strong> mo<strong>de</strong>stamente no apartamento do Leme,com o ex-marido Sasha. São oito matrimônios. Se <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rdo epitáfio <strong>de</strong> Carlos Drummond <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>,também colado à pare<strong>de</strong>, Elke não <strong>de</strong>ve sossegar tãocedo: “O tempo é a minha matéria, o tempo presente,os homens presentes, a vi<strong>da</strong> presente”. A seguir, bonstrechos <strong>de</strong> um bom papo com essa mulher que <strong>vive</strong> opresente como poucos.No filme Zuzu Angel, seu personagem (vivido porLuana Piovani) tem participação discreta e marcante.Você, em plena ditadura, rasgou na frente dospoliciais o cartaz que <strong>da</strong>va Stuart, filho <strong>de</strong> Zuzu,como procurado, quando se sabia que ele já haviasido assassinado pela repressão. Hoje você teria amesma reação, ou não quer mais encrenca?É claro que eu quero encrenca! Criança, sou filha <strong>de</strong>pai russo, nunca vou <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> brigar pelas coisas emque acredito. Não vou me tornar uma velhinha acomo<strong>da</strong><strong>da</strong>.Sou movi<strong>da</strong> pela paixão, vou morrer brigando.Você chegou a ser presa pelos militares...Sim, tomei tapa na cara e tudo, mas não baixei a guar<strong>da</strong>em nenhum momento. Fiz <strong>de</strong> tudo para provocá-lose só não fui tortura<strong>da</strong> porque a Zuzu era amiga do <strong>de</strong>legadoNoronha, um nome forte <strong>de</strong>ntro do Dops (Departamento<strong>de</strong> Or<strong>de</strong>m Política e Social). Não fosse por essepistolão, não sei, não... Provoquei muito os caras...Que tipo <strong>de</strong> provocação?Antes do meu <strong>de</strong>poimento, comecei a me maquiar<strong>de</strong>ntro <strong>da</strong> cela. Pintei o rosto inteiro. Minhas sobrancelhasficaram enormes (risos). E quando começaramcom as perguntas eu não me intimi<strong>de</strong>i. Citei o Tribunal<strong>de</strong> Nuremberg, lembrando que os nazistas haviam sidocon<strong>de</strong>nados, que cedo ou tar<strong>de</strong> “a sujeira iria aparecer”.Eles ficaram furiosos. Começaram a fazer perguntas diretas,agressivas, mas não adiantou. Eu disse a eles queestavam per<strong>de</strong>ndo tempo, pois, mesmo que eu falasse aver<strong>da</strong><strong>de</strong>, eles acabariam mu<strong>da</strong>ndo o <strong>de</strong>poimento, inventandotudo. Disse isso e tomei o tapa na cara.2008 outubro REVISTA DO BRASIL 47


Chacrinhaera umgênio. E, porser gênio,sobre<strong>vive</strong>riacomoapresentadorem qualquerépoca.Saberia sereinventar.Não é o casodos outros,que não têmcarisma parase manter noar por tantosanosMas acabou não sendo tortura<strong>da</strong>...Voltei para a cela com a certeza <strong>de</strong> que seria tortura<strong>da</strong>no dia seguinte. Pela manhã, uma presa experiente,que sabia tudo o que acontecia, me avisou: “Elke, vai sepreparando, pois hoje você vai apanhar”. Fui salva pelogongo: Zuzu tinha conseguido minha libertação.Você citou o Tribunal <strong>de</strong> Nuremberg. No Brasil, algunsconsi<strong>de</strong>ram que a Lei <strong>da</strong> Anistia preserva ostorturadores <strong>de</strong> punições; outros <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que alei permite ser interpreta<strong>da</strong> <strong>de</strong> modo a que se reabraminvestigações sobre os crimes <strong>de</strong> Estado. Vocêconcor<strong>da</strong>?Sim! Eles levaram pessoas como bois para o matadouroe agora não aceitam castigo? Alguém tem <strong>de</strong>reagir.Você participou <strong>de</strong> filmes importantes como Pixote,a Lei do Mais Fraco, do Hector Babenco, Quando oCarnaval Chegar, <strong>de</strong> Cacá Diegues, Ten<strong>da</strong> dos Milagres,<strong>de</strong> Nelson Pereira dos Santos. Gran<strong>de</strong>s cineastas.O que tem achado do cinema brasileiro?Vai muito bem! Eu sempre sou convi<strong>da</strong><strong>da</strong>. Agora mesmoum jovem cineasta mineiro me convidou para interpretarum personagem bem diferente: Deus.Como?Sim, Deus. Não posso contar <strong>de</strong>talhes porque ain<strong>da</strong>não começamos a filmar. Vamos ver se estarei à alturado personagem (risos). Eu só sei fazer cinema, semprefoi algo muito intenso. Outro dia li uma entrevista doBrad Pitt em que ele dizia ter se divertido fazendo Seven– Os Sete Crimes Capitais. Não acreditei. O cara participou<strong>de</strong> um filme sobre um serial killer que mata <strong>de</strong>forma sangrenta as pessoas e se divertiu? Porra, eu sofrimuito fazendo Pixote. É um filme pesado, duro, eu nãodormia <strong>de</strong>pois <strong>da</strong>s gravações. Não era na<strong>da</strong> divertidopara mim nem para os atores. Em uma cena, o Fernando(Ramos <strong>da</strong> Silva, que interpreta o personagem-títuloe, na vi<strong>da</strong> real, envolveu-se com crimes e foi assassinadonum conflito com a polícia, em 1987) tinha <strong>de</strong> enfiaruma faca na minha barriga. Ele dizia para o Babenco:“Não quero matar a Elke, não quero”. E você acha queeu me diverti vendo um menino enfiar a faca na minhabarriga? Esses atores americanos são meio malucos. Eunão, eu vivo intensamente os meus personagens. Nãoconsigo separar a ficção <strong>da</strong> reali<strong>da</strong><strong>de</strong>.Você está há um tempo em cartaz com o espetáculoElke do Sagrado ao Profano, em que interpretaLuiz Gonzaga, Alceu Valença, Cazuza, Tonico e Tinoco.O que há <strong>de</strong> sagrado e profano em Elke?Criança, eu sou as duas coisas. Sou filha <strong>de</strong> pai russoe mãe alemã, não se esqueça disso. Meu pai era umrusso autêntico. Exagerado, que quando amava, amava,quando odiava, odiava. Você po<strong>de</strong> exigir equilíbrio <strong>de</strong>um país que tem 11 fusos horários e 150 etnias? Ele eraum maluco, um porra-louca, como todo russo.Já sua mãe...Era a antítese <strong>de</strong> meu pai. Controla<strong>da</strong>, disciplina<strong>da</strong>,pensava muito antes <strong>de</strong> dizer algo. Mas alemão tambémquando per<strong>de</strong> o controle só faz mer<strong>da</strong>, né (risos)? A figuramais queri<strong>da</strong> <strong>da</strong> minha família era a minha avó paterna,que era <strong>da</strong> Mongólia. Uma mulher <strong>de</strong> espírito cigano,aventureiro, <strong>de</strong> nunca sentar a bun<strong>da</strong> em um lugar só.Seus pais vieram ao Brasil fugindo...Eu nasci em Leningrado, atual São Petersburgo. Meupai havia sido preso duas vezes e quase foi morto na ca<strong>de</strong>ia,por fazer oposição ao stalinismo. A família acabouviajando para o Brasil quando eu tinha 6 anos. Lembrome<strong>de</strong> pouca coisa. Mas tenho a lembrança <strong>de</strong> meu pai,que era um sujeito <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> personali<strong>da</strong><strong>de</strong>, à frente<strong>de</strong> sua época. Quando chegamos, fomos levados diretamentepara a Ilha <strong>da</strong>s Flores, no Rio, on<strong>de</strong> ficavam osimigrantes em quarentena, aguar<strong>da</strong>ndo o atestado <strong>de</strong>saú<strong>de</strong> e um emprego. Ele conseguiu trabalho em umafazen<strong>da</strong> em Itabira (MG), mas foi avisado por amigosque não <strong>de</strong>veria ir, pois lá “tinha muitos negros”.E qual foi a <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> seu pai?Ele resolveu ir. Disse: “Se lá tem muitos negros, euviro negro”. Eu era uma criança, nunca tinha visto umnegro na minha vi<strong>da</strong>. No começo fiquei assusta<strong>da</strong>, mas<strong>de</strong>pois acabei também, assim como meu pai, virandonegra. Comecei a usar o cabelo black power antes mesmo<strong>de</strong> virar mo<strong>da</strong> entre os negros.Seu pai também usou?Não (risos). Mas ficou amigo <strong>de</strong> todo mundo. Era umhomem inteligente, sabia que a raça não fazia a menordiferença. Ele queria virar um brasileiro. Fez questão<strong>de</strong> adquirir hábitos locais, não queria ser um imigrante.Era um homem diferente. Quando eu fiz 10 anos,ele chegou para mim e disse: “Agora você vai começara namorar”. Foi uma or<strong>de</strong>m (risos).E você acatou?Sim. Arrumei três namorados, os três a pedido domeu pai.Por que três?Era uma estratégia <strong>de</strong> meu pai. Ele achava que comtrês namorados eu não me envolveria com nenhum, eassim ele não correria o risco <strong>de</strong> me per<strong>de</strong>r. Inteligenteele, né (risos)?Você começou a carreira como manequim, massó se tornou famosa quando foi jura<strong>da</strong> no programado Chacrinha, no começo dos anos 70. O VelhoGuerreiro faria o mesmo sucesso nos dias <strong>de</strong> hoje?O Chacrinha era um gênio. E, por ser gênio, sobre<strong>vive</strong>riacomo apresentador em qualquer época. Saberia sereinventar. Não é o caso dos outros apresentadores, quenão têm carisma o suficiente para se manter no ar portantos anos. O Faustão tem carisma, mas não é gênio.48 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


A Globo chegou a pensar em Luciano Huck para coman<strong>da</strong>ras tar<strong>de</strong> <strong>de</strong> domingo.Pelo amor <strong>de</strong> Deus, criança, vamos respeitar Januário,vamos respeitar o mestre. Pensar em Luciano Huckpara coman<strong>da</strong>r um horário que já foi do Chacrinha éuma gran<strong>de</strong> pia<strong>da</strong>.Você também foi jura<strong>da</strong> do Silvio Santos, mas parecenão ter o mesmo carinho por ele...Ele não é uma pessoa legal. É um sujeito <strong>de</strong> duascaras, que se relaciona com as pessoas <strong>de</strong> acordo comseus interesses. Foi capaz <strong>de</strong> comparar Fernando Collora Jesus Cristo, só por causa do po<strong>de</strong>r. O Pedro <strong>de</strong> Lara(jurado do programa Show <strong>de</strong> Calouros, morto em setembrodo ano passado, aos 82 anos), que con<strong>vive</strong>u muitosanos com ele, sempre dizia uma frase se referindoao Silvio: “Tem gente que é tão pobre, tão pobre, tãopobre que só tem dinheiro”.O que era mais humilhante, a campainha do show<strong>de</strong> calouros ou a buzina e o abacaxi? Por que gentesimples e sem nenhum talento era seleciona<strong>da</strong>para cantar?Olha, criança, o Chacrinha era o homem sem preconceitos,o seu programa estava aberto a todo tipo <strong>de</strong>gente. Mas ele não era sádico com os calouros como seimagina, gostava <strong>de</strong> aju<strong>da</strong>r, <strong>da</strong>va uns toques. E o maisimportante: <strong>da</strong>va liber<strong>da</strong><strong>de</strong> total aos jurados, bem diferentedo Silvio Santos, que travava a gente como vaquinha<strong>de</strong> presépio. Tudo, as notas, as falas, tinha <strong>de</strong> sercombinado com ele. Os únicos que ele não conseguiaenquadrar eram a Aracy <strong>de</strong> Almei<strong>da</strong> e eu.Como era a convivência com a Aracy? Era mesmoranzinza e durona ou ain<strong>da</strong> guar<strong>da</strong>va traços <strong>da</strong> doceintérprete <strong>de</strong> Noel Rosa?A Aracy era fantástica, a gente se <strong>da</strong>va muito bem,pois eu sempre gostei <strong>de</strong> pessoas ver<strong>da</strong><strong>de</strong>iras. Quer me<strong>da</strong>r porra<strong>da</strong>, ótimo. Mas não venha <strong>da</strong>r faca<strong>da</strong> pelascostas. Uma vez a Aracy quis sair no braço comigo. Sónão saiu porque fui salva por oito seguranças (risos). Elaachou que eu estava conspirando, porque eu havia <strong>da</strong>doa nota máxima para uma jovem cantora, que ela achavaque cantava mal. Eu <strong>de</strong>i a nota máxima e fui acompanha<strong>da</strong>pelos outros jurados. Ela achou que eu haviacombinado só para irritá-la e partiu para cima.E o José Fernan<strong>de</strong>s (temido jurado que <strong>da</strong>va notazero para todos os calouros)? Era mesmo chato ouapenas um crítico severo, exigente?Ele era <strong>da</strong>quele jeito mesmo. Não ria nunca, viviamal-humorado, um sujeito estranho. Mas a gente se<strong>da</strong>va muito bem. Ele adorava namorar menininhas.Dizia que preferia mulheres “<strong>da</strong> faixa mais jovem”. Eto<strong>da</strong> vez que eu encontrava com ele nos bastidores,ao lado <strong>de</strong> uma menina, eu dizia: Zé, olha a faixa...olha a faixa (risos). E ele, puto <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, <strong>da</strong>va um sorrisoamarelo.Há uma camisa do Garrincha emoldura<strong>da</strong> na pare<strong>de</strong><strong>de</strong> sua sala. Qual era a sua relação com oMané?Fomos amigos. Ele era uma pessoa ilumina<strong>da</strong>, genuinamentepura. Não fazia tipo. Era capaz <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>sgestos. Uma vez fui vê-lo jogar, já no fim <strong>da</strong> carreira,numa parti<strong>da</strong> amistosa em Bebedouro, interior<strong>de</strong> São Paulo. Era um evento político, algo do tipo.As pessoas usavam muito o Garrincha para esse tipo<strong>de</strong> coisa, aproveitando-se <strong>de</strong> sua ingenui<strong>da</strong><strong>de</strong>. Masàs vezes se <strong>da</strong>vam mal, como naquele dia. No fim dojogo, o Garrincha subiu no palanque, pois havia sidocombinado que <strong>da</strong>ria sua camisa para o então governador(biônico) <strong>de</strong> São Paulo, José Maria Marim. Masele não <strong>de</strong>u a camisa ao governador, que ficou <strong>de</strong> mãosabanando, completamente sem graça. Deu a camisa<strong>de</strong>le para mim e ain<strong>da</strong> disse: “Vou <strong>da</strong>r a minha camisapara a Elke porque gosto muito <strong>de</strong>la”. Esse erao Garrincha.E o “rei” Pelé? Merece o trono?Não, ele não merece. Rei é o Garrincha, que fazia umatorcedora do Bangu fanática como eu ir ao Maracanãsó para vê-lo. O Pelé não é rei. Aliás, todos os nossosreis não merecem a coroa.Você está falando do Roberto Carlos?Sim. Como Roberto po<strong>de</strong> ser rei se ele não cui<strong>da</strong> dosseus súditos? Rei para mim é o MV Bill (rapper carioca),que tem postura <strong>de</strong> rei, que luta pelo seu povo enão quer se distanciar <strong>de</strong>le. Não <strong>vive</strong> isolado, não <strong>vive</strong>numa fortaleza.Você se casou oito vezes. Preten<strong>de</strong> bater o recor<strong>de</strong><strong>de</strong> Vinicius <strong>de</strong> Moraes (o poeta se casou novevezes)?Sim, não só vou igualá-lo como ultrapassá-lo. Eu caseioito vezes e sou amiga <strong>de</strong> todos os meus ex-maridos,menos <strong>de</strong> um, que era um psicopata.Como assim, psicopata?Ele era um cara possessivo, perigoso. Uma vez acor<strong>de</strong>i<strong>de</strong> madruga<strong>da</strong> e ele estava no sofá, vestido <strong>de</strong> ElkeMaravilha. Um louco.Como se fosse simples e fácil se passar por ElkeMaravilha....É, eu sou diferente, sempre fui. Minha alma ninguémvai roubar, não.Está namorando? Está perto <strong>de</strong> empatar com Vinicius...Meu último marido, o Sasha, ain<strong>da</strong> mora comigo.Fomos casados há 11 anos.Mas você vai conseguir arrumar namorado com oex-marido morando em casa?Ué, por que não? Hoje somos apenas parentes (risos).ComoRobertoCarlospo<strong>de</strong> serrei se elenão cui<strong>da</strong>dos seussúditos? Reipara mimé o MV Bill,que tempostura<strong>de</strong> rei, queluta peloseu povo enão quer sedistanciar<strong>de</strong>lefotos: Rodrigo Queiroz2008 outubro REVISTA DO BRASIL 49


ádioArildo:fazendopolíticotrabalharNas on<strong>da</strong>s <strong>de</strong>Enquanto os gran<strong>de</strong>s canais <strong>de</strong> televisão, os jornalões e a internetnão chegam a muitas locali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, emissora comunitária é a soluçãopara quem <strong>vive</strong> à margem <strong>da</strong> mídia na TransamazônicaPor Elielton Amador. Fotos <strong>de</strong> Lucivaldo SenaBrasil Novo fica às margens <strong>da</strong>BR-230, a Transamazônica,na região do Xingu (PA). Nãotem água trata<strong>da</strong> e o esgotamentosanitário é quase zero.Um clube é a única opção <strong>de</strong> lazer coletivo.Há quatro escolas e quase 20 mil habitantes– a maioria espalha<strong>da</strong> na zona rural, on<strong>de</strong>estão concentra<strong>da</strong>s as famílias que trabalhamnas colônias agrícolas <strong>da</strong> rodovia.O nome <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, antes distrito <strong>de</strong> Altamira,está ligado ao futuro próspero queo governo militar prometia aos “homenssem terra” que foram colonizar a “terrasem homens” <strong>da</strong> Amazônia, no início <strong>da</strong>déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1970. Coberta <strong>de</strong> poeira, sob osol forte <strong>de</strong> julho, ela não parece o retratodo futuro sonhado pelos homens que a foramhabitar. Seis quilômetros a<strong>de</strong>ntro, porém,em uma <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong><strong>de</strong>s <strong>da</strong> vicinal15, o agricultor Argemiro Cardoso Pereira,72 anos, sorri diante <strong>da</strong> colheita próspera.“Não fiquei rico porque não me <strong>de</strong>diquei aisso, mas tenho uma vi<strong>da</strong> confortável paraoferecer aos meus filhos e netos”, diz.Argemiro é chefe <strong>de</strong> uma <strong>da</strong>s famíliasmais antigas <strong>da</strong> região. Cultiva, em poucomais <strong>de</strong> 90 hectares, cacau, milho, feijãoe arroz. E cria algumas cabeças <strong>de</strong> gado.Também é conselheiro do Planejamento50 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


escorregou do cacaueiro Costume na roça, agricultorescomo seu Argemiro (esq.) colocam o rádio nos galhos paraacompanhar as notícias. Rosemeyre, diretora <strong>da</strong> Popular, contaque <strong>de</strong> vez em quando as locutoras “caem no chão”A ci<strong>da</strong><strong>de</strong>: distantesonho <strong>de</strong> prosperi<strong>da</strong><strong>de</strong>Brasil NovoTerritorial Participativo (PTP), um sistema<strong>de</strong> consulta popular elaborado pelo governodo Pará que o ajudou a eleger duaspriori<strong>da</strong><strong>de</strong>s para seu município: a compra<strong>de</strong> maquinário agrícola e a melhora <strong>de</strong> trafegabili<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>da</strong>s vicinais.A noção <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia <strong>de</strong> Argemiro, queestá na Transamazônica <strong>de</strong>s<strong>de</strong> sua inauguração,passa pela informação que ele <strong>de</strong>témsobre seu município e por programas educacionaiscomo o <strong>da</strong> escola on<strong>de</strong> os filhosmais velhos estu<strong>da</strong>ram e um <strong>de</strong>les dá aula– os alunos ficam 15 dias em regime <strong>de</strong> internato,apren<strong>de</strong>ndo técnicas agrícolas, e retornampor mais 15 dias para empregar nasterras dos pais o que apren<strong>de</strong>ram.Antes isolado, hoje Argemiro tem boacomunicação com o mundo externo. Temcelular e antena parabólica, mas a televisãosó recebe sinais abertos <strong>de</strong> programaçõesnacionais. Assuntos locais são difíceis.A única fonte <strong>de</strong> informação instantâneasobre os fatos do cotidiano do seu municípioé o rádio, que recebe a transmissão <strong>de</strong>uma única emissora, a comunitária PopularFM. “É o único meio <strong>de</strong> saber <strong>da</strong>s nossascoisas <strong>da</strong>qui.”Ana Lúcia <strong>de</strong> Souza, 43 anos, vizinha <strong>de</strong>Argemiro, até capta a Rádio Nacional noaparelho <strong>de</strong> on<strong>da</strong>s médias, mas prefere ouvirpelas on<strong>da</strong>s <strong>da</strong> Popular FM. “Costumo<strong>de</strong>ixar o rádio na janela enquanto a gentetrabalha na secagem do cacau na frente <strong>de</strong>casa”, explica.Nos estúdios <strong>da</strong> Popular FM, no centro<strong>de</strong> Brasil Novo, um gran<strong>de</strong> cesto cheio <strong>de</strong>bilhetes e cartas li<strong>da</strong>s a ca<strong>da</strong> dia por seuslocutores confirma a populari<strong>da</strong><strong>de</strong>. “Outrodia um agricultor disse para uma <strong>de</strong> nossaslocutoras que ela tinha ‘caído’ do cacaueiro,porque eles penduram o rádio no pé <strong>de</strong>cacau durante a colheita”, conta RosemeyreAcácio, 33 anos, <strong>da</strong> Associação <strong>de</strong> Mulherese diretora <strong>da</strong> rádio.A Popular nasceu há <strong>de</strong>z anos, <strong>da</strong> articulaçãodos movimentos sociais que atuamna Transamazônica. Amarildo Mar<strong>de</strong>gan,o Arildo, como é chamado o ex-diretor <strong>da</strong>rádio que hoje se <strong>de</strong>dica a capacitar as emissorasdos municípios <strong>da</strong> região, conta que,se não fosse a transmissão to<strong>da</strong> sexta-feira2008 outubro REVISTA DO BRASIL 51


<strong>da</strong> sessão <strong>da</strong> Câmara Municipal, os vereadoresdificilmente trabalhariam nesse dia.“A gente percebe que eles passaram a tomarmais cui<strong>da</strong>do com o que falam e a querermostrar serviço.”No primeiro man<strong>da</strong>to do prefeito, o Tribunal<strong>de</strong> Contas do Município <strong>de</strong>volveusuas contas à Câmara <strong>de</strong> Brasil Novo comum parecer negativo, recomen<strong>da</strong>ndo queos vereadores as rejeitassem também. “Foium <strong>de</strong>us-nos-acu<strong>da</strong>. Man<strong>da</strong>ram vir umaempresa <strong>de</strong> contabili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo pararefazer as contas, e to<strong>da</strong>s as irregulari<strong>da</strong><strong>de</strong>sviraram ‘erro <strong>de</strong> cálculo’. Tudo foi transmitidopela rádio”, conta Arildo.Mas não é só na política que a emissoraatua. Informes solidários e até conversas <strong>de</strong>família se dão através <strong>da</strong>s on<strong>da</strong>s <strong>da</strong> freqüência95,1. “Tem uma família que mora na Suéciae o único meio que eles tinham <strong>de</strong> falarcom os parentes <strong>da</strong>qui era através <strong>da</strong> rádio.Uma vez ligaram e nós os colocamos no arpara eles man<strong>da</strong>rem o recado aos parentes”,conta Rosemeyre.No cesto plástico, os bilhetes escritos comcapricho mostram a importância <strong>da</strong> rádio.Gente pedindo música, man<strong>da</strong>ndo recadopara os amigos, informando per<strong>da</strong> ou achado<strong>de</strong> documentos. Tudo o que é urgente.Entusiasmado, Altair divi<strong>de</strong> seu tempoentre o trabalho como supervisor escolare a locução na emissora. Mineiro, chegoucomplemento <strong>da</strong> ren<strong>da</strong> O professorAltair ganha R$ 4 por hora na locuçãoà região em 1976 procurando terra e lugarpara morar. Encontrou-se entre os movimentossociais <strong>da</strong> região. Há poucos mesesassumiu um dos programas mais popularesna zona rural <strong>de</strong> Brasil Novo, o Alvora<strong>da</strong>Sertaneja. “Eu trabalhava mais na organizaçãoe produção, agora estou me atrevendomais na locução”, diz. Altair complementaa ren<strong>da</strong> <strong>de</strong> professor com R$ 4 por hora <strong>de</strong>locução. O dinheiro é arreca<strong>da</strong>do pela direção<strong>da</strong> rádio por meio dos apoios culturais,permitidos pela legislação <strong>da</strong> radiodifusãocomunitária.Atuar na legali<strong>da</strong><strong>de</strong>, aliás, é um <strong>de</strong>safio emuma região on<strong>de</strong> o Estado se fez ausente durantetanto tempo. A própria Popular começoua sair <strong>da</strong> ilegali<strong>da</strong><strong>de</strong> a partir <strong>de</strong> atos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sobediênciacivil. Quando, há sete anos, foipossível entrar com os papéis <strong>de</strong> legalizaçãona Agência Nacional <strong>de</strong> Telecomunicações(Anatel), a perseguição às rádios comunitáriasera gran<strong>de</strong>. Depois que os movimentossociais, por intermédio <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Viver,Produzir e Preservar (FVPP), contrataramum advogado para acompanhar os processosem Brasília, os papéis começaram a sair.“Ain<strong>da</strong> não recebemos a licença oficialmente,mas já estamos no Diário Oficial”, comemoraMar<strong>de</strong>gan.A rádio ain<strong>da</strong> opera parcialmente irregular.O <strong>de</strong>creto do então presi<strong>de</strong>nte FernandoHenrique Cardoso que regulamentou temporariamentea operação <strong>de</strong> rádios comunitárias,e vale até hoje, prevê que elas <strong>de</strong>vemalcançar um raio máximo <strong>de</strong> um quilômetro.Isso tornaria a Rádio Popular, e praticamenteto<strong>da</strong>s as 14 comunitárias que operamna região do Xingu, inúteis para 90% <strong>da</strong> suapopulação, que mora na zona rural. “Quandoa gente opera a um quilômetro, as pessoasfazem fila aí na porta em protesto.” Para alcançara roça, um amplificador <strong>de</strong> freqüênciaprecisa aumentar o raio <strong>de</strong> transmissãopara 30 quilômetros.No meio <strong>da</strong> floresta, os agricultores <strong>da</strong>Transamazônica continuam ignorados pelalegislação <strong>de</strong> radiodifusão brasileira, oficialmentesem o direito fun<strong>da</strong>mental à comunicação.Foi <strong>de</strong>sobe<strong>de</strong>cendo às leis queos movimentos sociais aju<strong>da</strong>ram Argemiroa saber <strong>de</strong> sua terra e a começar a construirum futuro novo.na boca do povo Nas on<strong>da</strong>s médias, Ana Lúcia consegue sintonizar a Rádio Nacional, mas prefere a Popular na janela, enquanto trabalha52 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


ádioAquiles,do MPB4:histórias <strong>de</strong>bastidorNovasintonia,outrospassosJornal Brasil Atualestá com novaprogramação e maioralcance no dial e nomundo virtualOprograma <strong>de</strong> rádio JornalBrasil Atual cresceu e recebeureforço neste semestre.Além <strong>de</strong> ter mu<strong>da</strong>do <strong>de</strong> estação,ganhou programaçãodiária durante todo o dia em sua página nainternet. A radioweb começou a operar emagosto e já conta com programas diversificadosque vão ao ar automaticamente assimque o internauta entra na página www.jornalbrasilatual.com.br.Um dos <strong>de</strong>staques é o quadro O Gogó <strong>de</strong>Aquiles, em que o vocalista do MPB4 AquilesReis conta, com muito bom humor, histórias<strong>de</strong> músicas e músicos que só quem<strong>vive</strong>u os bastidores <strong>da</strong> música brasileiranos últimos 40 anos é capaz <strong>de</strong> saber. “Foium gran<strong>de</strong> prazer gravar esses programas.Acho fun<strong>da</strong>mental que existam alternativasque coloquem a música e os artistas brasileirosno centro, já que isso não faz parte<strong>da</strong> programação tradicional <strong>da</strong>s emissoras.O Gogó <strong>de</strong> Aquiles foge do padrão, conto ashistórias, falo o nome <strong>da</strong>s músicas e <strong>de</strong> todosos artistas. Ninguém faz isso”, afirma omúsico, que tem um livro homônimo.O programa, <strong>de</strong> 50 minutos, vai ao ar naradioweb a ca<strong>da</strong> três horas aos sábados edomingos e é reprisado durante a semana.O Gogó tem um acervo <strong>de</strong> 41 edições grava<strong>da</strong>spelo músico em parceria com o núcleo<strong>de</strong> rádio <strong>da</strong> empresa <strong>de</strong> comunicação popularOboré e começou a ir ao ar no início <strong>de</strong>2007 na emissora carioca Roquette Pinto.A Oboré também disponibiliza o materialàs emissoras associa<strong>da</strong>s.De acordo com o gerente <strong>de</strong> conteúdo<strong>da</strong> radioweb, Cadú Cortez, a programação<strong>da</strong> radioweb po<strong>de</strong> ser acessa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s 6h às23h. O Giro <strong>de</strong> Notícias traz informaçõesquentes a ca<strong>da</strong> 15 minutos. O internautapo<strong>de</strong> acompanhar ain<strong>da</strong>, ao longo do dia,entrevistas com personali<strong>da</strong><strong>de</strong>s e o quadroHistória <strong>da</strong> Canção, que elege sempre umamúsica diferente para contar curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong>sem torno <strong>de</strong>la. Durante a madruga<strong>da</strong>, osite traz programação musical e especiais<strong>de</strong> ban<strong>da</strong>s e músicos.FM 98,1No rádio também houve mu<strong>da</strong>nças. Osouvintes que sintonizavam os 94,1 FM <strong>de</strong>segun<strong>da</strong> a sexta <strong>da</strong>s 7h às 8h <strong>de</strong>vem ajustaro dial para 98,1 no mesmo horário. Coma compra <strong>da</strong> Rádio Atual pela Oi, o programafoi transferido para a Rádio Terra.E passou a chegar a 123 ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s do interior<strong>de</strong> São Paulo.Os avanços, no entanto, não alteraram oprincipal objetivo do programa – tanto norádio quanto na internet – que é, como explicitaseu slogan, <strong>da</strong>r “as notícias que osoutros não dão”, com temas relacionadosaos movimentos sociais, mundo do trabalho,saú<strong>de</strong>, meio ambiente, direitos humanos,educação e ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia.Em breve, a radioweb terá espaço semanalaberto a enti<strong>da</strong><strong>de</strong>s sindicais diversas.“Vamos estreitar ain<strong>da</strong> mais o vínculocom o trabalhador”, comemora OsvaldoLuiz Vitta, o Colibri, que coman<strong>da</strong> o programa.Jailton GarciaSintonize Rádio Terra 98,1 FM, <strong>de</strong> segun<strong>da</strong> a sexta, <strong>da</strong>s 7h às 8h. Na internet: www.jornalbrasilatual.com.br2008 outubro REVISTA DO BRASIL 53


culturapurAMAGIADefen<strong>de</strong>ndo um trabalho<strong>in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte</strong>, O Teatro Mágicopossui, como maior força, ainteração com o público, queadora a idéia <strong>de</strong> brincar <strong>de</strong>pensar – e não pára <strong>de</strong> crescerPor Guilherme Bryan.Fotos <strong>de</strong> Gerardo Lazzari54 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


Ci<strong>da</strong>dão <strong>de</strong> papelão(Fernando Anitelli/Maíra Viana)O cara que catava papelão pediuUm pingado quente, em maus lençóis, nem vozNem terno, nem tampouco ternuraÀ margem <strong>de</strong> to<strong>da</strong> rua, sem i<strong>de</strong>ntificação, sei nãoUm homem <strong>de</strong> pedra, <strong>de</strong> pó, <strong>de</strong> pé no chãoDe pé na cova, sem vocação, sem convicçãoÀ margem <strong>de</strong> to<strong>da</strong> canduraÀ margem <strong>de</strong> to<strong>da</strong> canduraÀ margem <strong>de</strong> to<strong>da</strong> canduraUm cara, um papo, um sopapo, um papelãoCria a dor, cria e aturaCria a dor, cria e aturaCria a dor, cria e aturaO cara que catava papelão pediuUm pingado quente, em maus lençóis, a sósNem far<strong>da</strong>, sem tampouco farturaSem papel, sem assinaturaSe reciclando vai, se vaiÀ margem <strong>de</strong> to<strong>da</strong> canduraÀ margem <strong>de</strong> to<strong>da</strong> canduraHomem <strong>de</strong> pedra, <strong>de</strong> pó, <strong>de</strong> pé no chãoNão habita, se habituaNão habita, se habituaNo embaloJuliana (<strong>de</strong> relógio) eos amigos: “Eles falama respeito do ci<strong>da</strong>dãobrasileiro e do amor comrimas muito bonitas”2008 outubro REVISTA DO BRASIL 55


Poucas apresentações atualmentereúnem tantas pessoas e possuemtamanha força quanto os<strong>shows</strong> <strong>da</strong> trupe O Teatro Mágico,que vem lotando casas <strong>de</strong>espetáculo em todo o país, com uma mistura<strong>de</strong> teatro <strong>de</strong> rua, música, circo e poesia.Com mais <strong>de</strong> <strong>de</strong>z <strong>shows</strong> agen<strong>da</strong>dos pormês e nome her<strong>da</strong>do do romance O Lobo <strong>da</strong>Estepe (1927), do escritor alemão HermannHesse, o <strong>grupo</strong> é formado por <strong>de</strong>z músicose três artistas circenses. Eles se apresentampintados e fantasiados, e contam ain<strong>da</strong>com a preciosa aju<strong>da</strong> dos milhares <strong>da</strong> platéia,que se maquiam e se vestem iguais àtrupe e realizam números <strong>de</strong> malabares oubalançam fitas colori<strong>da</strong>s.“Quando o Fernando (Anitelli, vocalista,guitarrista e violonista) entra no palco comuma capa, todo mundo grita e começa amágica”, <strong>de</strong>screve o garoto Pedro Ribeiro,<strong>de</strong> 6 anos, que adora ir aos <strong>shows</strong> vestido epintado como o cantor, que uma vez o colocouno palco. “O show é surreal. Só estandopresente para sentir algo que vai muito alémdo visual”, garante o pai, Geraldo Jordão, <strong>de</strong>37 anos, professor <strong>de</strong> Geografia em Mauá(SP). “Costumo apostar com amigos que,se eles presenciarem um show do TeatroMágico, sairão <strong>de</strong> lá contando os dias parao próximo.” “Acaba sendo viciante”, acrescentaNicole Veto, <strong>de</strong> 23 anos, estu<strong>da</strong>nte <strong>de</strong>Biologia em Canoas (RS) e uma <strong>da</strong>s responsáveispela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> do Orkut O TeatroMágico RS.“Foi a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> fazer um espetáculocom uma bagunça anárquica, on<strong>de</strong> todomundo pu<strong>de</strong>sse participar, que me levoua criar O Teatro Mágico em 2003. Nós nãogostamos <strong>de</strong> tratar o público como fã, assimcomo não gostamos <strong>de</strong> ser tratados comoídolos. Parafraseando Clarice Lispector,nosso propósito é fazer as pessoas brincarem<strong>de</strong> pensar”, explica Fernando Anitelli,que diz ser comum as pessoas interromperema apresentação do <strong>grupo</strong> para <strong>de</strong>clamarpoesia em forma <strong>de</strong> jogral.“No primeiro show, a gente entregou umnariz <strong>de</strong> palhaço a ca<strong>da</strong> uma <strong>da</strong>s pessoas presentes.Com o tempo, elas passaram a se maquiar,trazer suas coisas e ter uma relação <strong>de</strong>interação com a apresentação”, lembra o violinistae bandolinista Galdino Octopus. Essecontato com o público vai muito além dos<strong>shows</strong>. “Eles participam em comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>sdo Orkut e no site, conversando, opinando,<strong>da</strong>ndo idéias para as apresentações e fazendovi<strong>de</strong>oclipes para nós”, explica Anitelli.Todos os públicosO lí<strong>de</strong>r Fernando, em show noAuditório Ibirapuera, espaçonobre <strong>de</strong> São PauloAlém <strong>de</strong> Nicole, muitos outros seguidores<strong>da</strong> trupe criaram comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s noOrkut, on<strong>de</strong> se uniram a outras pessoas quehoje realizam saraus, encontros, coletas <strong>de</strong>lixo, serenatas e visitas a asilos, creches ehospitais. É o caso dos Vagalumes, nome<strong>de</strong> uma canção do <strong>grupo</strong>, que anuncia: “Pratemperar os sonhos e curar as febres/ Inserirnas preces nosso sorriso/ Brincandoentre os campos <strong>da</strong>s nossas idéias/ Somosvagalumes a voar perdidos”.Iniciado em São Paulo, o projeto socialganhou frutos em outros estados, como Paraíba,Ceará e Rio Gran<strong>de</strong> do Norte. “Elevem se espalhando pelo Brasil, executandoações sociais em diversos setores <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong>,<strong>de</strong>spertando sonhos até então <strong>de</strong>sacreditados,plantando sorrisos e pintando alegriano coração <strong>de</strong> milhares <strong>de</strong> pessoas”, asseguraLucas Néiman, <strong>de</strong> 18 anos, que mora emMúsica e circoShow ao ar livre,em Santo André56 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


FenômenoProvavelmenteo palhaço mais<strong>de</strong>sejado doplanetaEcléticaA trupe é forma<strong>da</strong>por <strong>de</strong>z músicose três artistascircensesOsasco (SP) e criou no Orkut a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>Teatro Mágico Lição <strong>de</strong> Vi<strong>da</strong>.“Nós nos pintamos <strong>de</strong> palhaços e bonecaspara trazer novamente o lúdico para aquelesque já per<strong>de</strong>ram a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> sorrir. Opalhaço, por si só, resgata a magia esqueci<strong>da</strong><strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um”, filosofa Ana CarolineMayrhofer, <strong>de</strong> 18 anos, presi<strong>de</strong>nte doProjeto Social Vagalumes em Curitiba. PatríciaTorsani, <strong>de</strong> 32 anos, por sua vez, fazparte <strong>de</strong> um <strong>grupo</strong> <strong>de</strong> palhaços que visitaabrigos. “A gente se reúne com pessoasque têm as mesmas idéias e vai para a praçacomo um dia fez O Teatro Mágico”, <strong>de</strong>stacaela, que vai aos <strong>shows</strong> <strong>da</strong> trupe na companhiado filho Raul, <strong>de</strong> 3 anos.Vi<strong>da</strong> sem jabáO Teatro Mágico também se <strong>de</strong>staca por,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o início, realizar um trabalho <strong>in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte</strong>,distante <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s gravadorase <strong>da</strong> mídia movi<strong>da</strong> a “jabaculês”, vulgo“jabá”, o dinheiro pago a emissoras <strong>de</strong>rádio e televisão para tocarem <strong>de</strong>termina<strong>da</strong>música. Mantendo-se com a ven<strong>da</strong> <strong>de</strong>seus CDs a R$ 10 nos <strong>shows</strong> e levantandoa ban<strong>de</strong>ira do livre compartilhamento <strong>de</strong>músicas pela internet, o <strong>grupo</strong> divulga osespetáculos com a aju<strong>da</strong> dos internautas, ejá conseguiu ven<strong>de</strong>r mais <strong>de</strong> 85 mil exemplares<strong>de</strong> seu primeiro trabalho, O TeatroMágico: Entra<strong>da</strong> para Raros.“Sempre partimos do princípio <strong>de</strong> ser<strong>in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte</strong>s. Não somos como alguns<strong>grupo</strong>s que, por não terem gravadora, vãofazendo algo almejando chegar à indústria.Então as pessoas que vinham nos verpassaram a ser nossos mecenas, que, naturalmente,assistem ao show e fazem umacomuni<strong>da</strong><strong>de</strong> no Orkut. Se ela é bem relaciona<strong>da</strong>,a comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> cresce, o que para nós éfantástico, pois ganhamos uma divulgaçãoboca a boca”, justifica Gaudino.“A produção autônoma (feita sem a estrutura<strong>de</strong> uma gravadora) é atualmente aestratégia básica <strong>de</strong> atuação <strong>da</strong> maioria dosartistas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os iniciantes até os consagrados.A postura <strong>in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte</strong> tambémpo<strong>de</strong> ser parte <strong>da</strong> i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong> do artista,<strong>da</strong> imagem que se quer passar. Para <strong>grupo</strong>scomo O Teatro Mágico, ligados a ummercado consumidor mais jovem, urbanoe universitário, a internet é, sem sombra <strong>de</strong>dúvi<strong>da</strong>, o mais importante meio <strong>de</strong> divulgação”,analisa o professor Eduardo Vicente,<strong>da</strong> Escola <strong>de</strong> Comunicação e Artes <strong>da</strong> USP(Universi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> São Paulo).Seu colega <strong>de</strong> universi<strong>da</strong><strong>de</strong> e estudiosodo mesmo tema, Davi Nakano, professor<strong>da</strong> Escola Politécnica, porém, faz uma ressalva:“Não acho que o caminho do selfma<strong>de</strong>man (o artista que abre novos canaispara sua arte) seja para todos, pois exigeuma boa dose <strong>de</strong> espírito empreen<strong>de</strong>dor,o que não é tão comum assim. Um artistaempreen<strong>de</strong>dor, como Fernando Anitelli, émais raro ain<strong>da</strong>”, observa o professor. “Játentaram transformar a gente em bonequinho,figurinha <strong>de</strong> chiclete, joguinho,to<strong>da</strong>s as gravadoras vieram nos procurar,e a resposta foi não. A gente não quer viraresse tipo <strong>de</strong> coisa. Nosso sistema e trabalhosão outros. Vai po<strong>de</strong>r ven<strong>de</strong>r um CD porR$ 10 na mão do nosso público? Po<strong>de</strong> liberarto<strong>da</strong>s as músicas <strong>de</strong> graça na internet?Se não po<strong>de</strong>, não nos interessa. A nossa lutaprevalece”, garante Anitelli.Ci<strong>da</strong>dão <strong>de</strong> papelÉ esse tom contestador que está presenteem muitas letras <strong>da</strong> trupe e que atrai boaparte do público. “Eles falam a respeito doci<strong>da</strong>dão brasileiro e do amor com rimasmuito bonitas”, explica a estu<strong>da</strong>nte JulianaMartins, <strong>de</strong> 15 anos, <strong>de</strong> Santo André, quevai aos <strong>shows</strong> com a camiseta do <strong>grupo</strong> ecom o rosto pintado do mesmo modo queos músicos. Ela cita a canção Ci<strong>da</strong>dão <strong>de</strong>Papelão, que faz parte do segundo álbum,O Teatro Mágico: Segundo Ato, lançado noinício do ano. A diferença entre um e outro,segundo Anitelli, é ter menos as características<strong>de</strong> um sarau e contar com arranjosmais elaborados e amadurecidos, além <strong>de</strong>temas mais politizados e <strong>de</strong>nsos.2008 outubro REVISTA DO BRASIL 57


No cal<strong>de</strong>irão <strong>de</strong> influências do TeatroMágico cabe <strong>de</strong> tudo, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> Secos & Molhados,Antonio Nóbrega, Zeca Baleiro,Beatles e Rolling Stones até Os Trapalhões,Chaves e Chapolin, e filmes como LaranjaMecânica, <strong>de</strong> Stanley Kubrick. “O quemais me atrai é a diversi<strong>da</strong><strong>de</strong> do <strong>grupo</strong>, quemistura DJ, violino, som pesado <strong>de</strong> guitarracom bonecos, malabares, tecidos e trapézios”,opina Daniel Rocha, <strong>de</strong> São Paulo,que criou uma ban<strong>da</strong> inspira<strong>da</strong> no TeatroMágico, chama<strong>da</strong> Vô Maltine, e integra oprojeto social Doadores <strong>de</strong> Sorrisos.Porém, foi do trabalho como ator no <strong>grupo</strong><strong>de</strong> Oswaldo Montenegro, durante umano, que Anitelli herdou mais elementosaplicados em sua trupe. “O método <strong>de</strong> trabalho<strong>de</strong>le com o <strong>grupo</strong> era muito interessante,porque trazia à tona o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> ca<strong>da</strong>um. Apesar <strong>de</strong> as pessoas não serem atorese artistas consagrados e com certo dom,Oswaldo Montenegro buscava o resultadopela união do <strong>grupo</strong>. Esse espírito tambémcolaborou para eu montar O Teatro Mágicocom pessoas <strong>de</strong> talentos distintos, que, uni<strong>da</strong>s,formam uma avalanche. Ele tambémfoi um dos primeiros artistas a optar pelocaminho <strong>da</strong> in<strong>de</strong>pendência”, avalia.A comparação <strong>de</strong> O Teatro Mágico como <strong>grupo</strong> pernambucano Cor<strong>de</strong>l do FogoEncantado também é bastante freqüente.“As duas ban<strong>da</strong>s fazem críticas sociais,ca<strong>da</strong> uma a seu modo, mas com a mesmaintenção. Outra característica, não menosimportante, que as une é o resgate <strong>da</strong> culturabrasileira. Ambas trazem na sua raizelementos <strong>da</strong> cultura nor<strong>de</strong>stina, principalmente”,supõe Ana Caroline. Não foi à toaque percussionistas do Cor<strong>de</strong>l do Fogo Encantadoforam convi<strong>da</strong>dos a participar doprimeiro CD do Teatro Mágico.Para quem questiona se há um certo tommessiânico ou religioso nos espetáculos <strong>da</strong>trupe, Anitelli esclarece: “Eu vejo um tommuito mais político do que religioso. A idéiasempre foi brincar <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma trilogia –religião, política e ética. A gente percebe <strong>de</strong>maneira muito clara que as pessoas gostamdo trabalho, mas, ao mesmo tempo, fazemesse comentário com relação a ser uma coisasagra<strong>da</strong>, um ritual”, explica o artista.“Dizem: ‘Ah, parece uma seita. Os únicoslugares on<strong>de</strong> eu vou e as pessoas cantame se abraçam é na igreja e no show doTeatro Mágico’. Na ver<strong>da</strong><strong>de</strong>, essa espirituali<strong>da</strong><strong>de</strong>que existe no trabalho se <strong>de</strong>ve talvezao fato <strong>de</strong> ele ser tratado <strong>de</strong> maneira sagra<strong>da</strong>.O palco é sagrado para nós e aquelemomento, ali, não po<strong>de</strong> ser transformadoem algo aleatório e disperso, como muitosfazem.” Prova disso é que, no fechamento<strong>de</strong>sta reportagem, a trupe se preparava parao lançamento <strong>de</strong> seu primeiro DVD, comgravação programa<strong>da</strong> para este início <strong>de</strong>outubro, no Memorial <strong>da</strong> América Latina.A idéia é comemorar, com 6.000 pessoas naplatéia do Espaço <strong>da</strong>s Américas, o aniversário<strong>de</strong> 4 anos <strong>de</strong> <strong>grupo</strong>.To<strong>da</strong>s as i<strong>da</strong><strong>de</strong>sPedro, <strong>de</strong> 6 anos, teve oprivilégio <strong>de</strong> subir ao palcocom o <strong>grupo</strong>. O pai do meninogarante: “O show é surreal”rir é coisa sériaCaroline: “O palhaço,por si só, resgataa magia esqueci<strong>da</strong><strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> um”Antonio costa58 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


etratoCristiano EstrelaA causa <strong>de</strong> Edgar JotzEdgar Jotz nasceu há 78 anos em Alto Feliz (RS). Tornou-sepadre e agora completa meio século à frente <strong>da</strong> ParóquiaSanta Cecília, no bairro <strong>de</strong> mesmo nome na capital gaúcha.Ali ergueu e coor<strong>de</strong>nou uma creche para 30 criançaspobres na Vila <strong>da</strong>s Placas e apoiou outra na Ilha <strong>da</strong>s Flores,organizou passeatas ecológicas, cobrou fraterni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> populaçãopara as pessoas com <strong>de</strong>ficiência, mobilizou a prefeitura para o plantio<strong>de</strong> árvores, ampliou as instalações do Colégio Santa Cecília, recebeuo título <strong>de</strong> Ci<strong>da</strong>dão <strong>de</strong> Porto Alegre, <strong>de</strong> Lí<strong>de</strong>r Comunitário <strong>da</strong> CâmaraMunicipal e a me<strong>da</strong>lha Ci<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> Porto Alegre. Durante a ditadura,Jotz abrigou estu<strong>da</strong>ntes paulistas procurados pelos militares.A ousadia custou-lhe seis dias <strong>de</strong> prisão no Dops. O episódio é <strong>de</strong>scritono livro Batismo <strong>de</strong> Sangue, do dominicano Frei Betto. Orientadoa mu<strong>da</strong>r <strong>de</strong> igreja, e <strong>de</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, o padre preferiu ficar, apoiadopelos que já conheciam seu trabalho e acreditavam nele. Apesar <strong>de</strong>estar com a saú<strong>de</strong> comprometi<strong>da</strong> pelas diversas cirurgias feitas nosúltimos anos – cor<strong>da</strong>s vocais, próstata, rim, coração, pulmão –, Edgarcaminha com passos precisos até o local on<strong>de</strong> armazena os alimentosdistribuídos para sete comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>s carentes. Mensalmente,a igreja arreca<strong>da</strong> quase 4 tonela<strong>da</strong>s. As cor<strong>da</strong>s vocais <strong>de</strong>bilita<strong>da</strong>s já oafastaram dos sermões há um ano. Mesmo assim, o pároco saca <strong>da</strong>maleta preta o instrumento que apren<strong>de</strong>u a tocar ain<strong>da</strong> nos tempos<strong>de</strong> seminarista. Dedilha os teclados do órgão com uma <strong>da</strong>s mãos,com a outra segura as cifras, e solta a voz. Nesse momento, o brilhodos olhos azuis por <strong>de</strong>trás dos óculos sobressai, embalado pelo louvorà causa que escolheu para a vi<strong>da</strong>. Por Cristiano Estrela2008 outubro REVISTA DO BRASIL 59


viagemO que nem osbúzios revelamCi<strong>da</strong><strong>de</strong> mais famosa <strong>da</strong> Região dos Lagosdo Rio <strong>de</strong> Janeiro, mesmo vitima<strong>da</strong> peloturismo pre<strong>da</strong>tório, consegue guar<strong>da</strong>rrelíquias <strong>da</strong> natureza e <strong>da</strong> ciênciaPor Maurício ThuswohlFotos <strong>de</strong> Rodrigo QueirozPraia <strong>de</strong>GeribáOcostão rochoso é magnífico. De um lado, um <strong>de</strong>spenha<strong>de</strong>iro<strong>de</strong> quase 50 metros, esculpido pelas on<strong>da</strong>sque ali arrebentam com força. Do outro, uma falésiacomposta por pelo menos três tipos <strong>de</strong> rocha – <strong>de</strong>cores e texturas diferentes –, que se encontra como mar <strong>de</strong> um azul intenso. Nesse cenário, o capricho <strong>da</strong> naturezaconstruiu em meio às rochas três piscinas naturais que, alinha<strong>da</strong>sem alturas diferentes, têm suas águas constantemente renova<strong>da</strong>spelo mar e formam entre si uma espécie <strong>de</strong> cascata. Após mais <strong>de</strong>uma hora <strong>de</strong> difícil caminha<strong>da</strong>, um banho nas piscinas revigora ocorpo e os pensamentos. A beleza, como diz o poeta, “arrebentaas retinas <strong>de</strong> quem vê”.Esse pe<strong>da</strong>cinho <strong>de</strong> paraíso, oficialmente, não tem nome. Os moradores<strong>da</strong> região <strong>de</strong>ram-lhe o nome, básico, <strong>de</strong> Poças. O maiscurioso é saber que esse ecossistema quase intocado, on<strong>de</strong> se po<strong>de</strong>mobservar gaviões e tartarugas marinhas,fica em Armação dos Búzios,um dos balneários mais conhecidos (eagredidos) do Brasil. A 165 quilômetrosdo Rio <strong>de</strong> Janeiro, Búzios é a maior jóiaecológica e arqueológica <strong>da</strong> Região dosLagos, mas sofre com o turismo pre<strong>da</strong>tório.A ci<strong>da</strong><strong>de</strong> tem pouco menos <strong>de</strong> 30mil habitantes, mas sua população crescequase <strong>de</strong>z vezes durante o verão hápelo menos duas déca<strong>da</strong>s.A riqueza natural <strong>de</strong> Búzios é tãogran<strong>de</strong> que, mesmo em pleno 2008,ain<strong>da</strong> existem lugares como Poças que,felizmente, permanecem pouco ou na<strong>da</strong> conhecidos. A parte maisconsciente dos moradores prefere que isso continue assim. Para osaventureiros que quiserem <strong>de</strong>scobri-lo, uma dica: assim como diversosoutros lugares magníficos <strong>de</strong>sse circuito off <strong>de</strong> Búzios, Poçasestá bem perto <strong>de</strong> lugares conhecidos e ba<strong>da</strong>lados (como Geribáe Ferradurinha). Chegar lá, no entanto, não é tarefa para principiantes.A trilha é íngreme e, em alguns pontos, semifecha<strong>da</strong> pelavegetação. Além disso, a <strong>de</strong>sci<strong>da</strong> pelo costão escorregadio exigeboa dose <strong>de</strong> coragem e atenção.Outra maravilha <strong>de</strong> Búzios pouco conheci<strong>da</strong> ou freqüenta<strong>da</strong>pelo “turista normal” é a praia <strong>de</strong> Zé Gonçalves. Localiza<strong>da</strong> naÁrea <strong>de</strong> Proteção Ambiental (APA) Pau-Brasil, cerca<strong>da</strong> pela vegetação<strong>de</strong> restinga preserva<strong>da</strong> e uma mata que se encosta à areiabranca, é uma <strong>da</strong>s poucas praias <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong> que servem para surfe.A vantagem <strong>de</strong> Zé Gonçalves em relação a outros points, entretanto,é que, mesmo no verão, lá não é preciso disputarca<strong>da</strong> on<strong>da</strong> a tapa: “Aqui não tem tantagente, é uma praia à qual se chega escondido,com o caminho por <strong>de</strong>ntro do mato... Édiferente, por exemplo, <strong>de</strong> Geribá e Tucuns,que ficam mais cheias”, conta o surfista AlexRidzi, <strong>de</strong> Rio <strong>da</strong>s Ostras.“A praia é boa para o surfe porque é vira<strong>da</strong>para o su<strong>de</strong>ste e, sobretudo na época<strong>de</strong> outono e inverno, as ondulações vêm doE<strong>de</strong>valdo,na Praia <strong>da</strong>Tartarugasul e entram aqui certinho. O vento quasesempre é terral, então quebram boas direitasaqui no point colado na pedra”, explicaRidzi. Mesmo para quem não pega on<strong>da</strong>, Zé62 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


Alex Ridzi, naPraia <strong>de</strong> JoséGonçalvesPraia <strong>de</strong> JoãoFernandinhoPraia dosAmoresGonçalves fascina. Enquanto esteve na praia, a reportagem foipremia<strong>da</strong> pela visita <strong>de</strong> uma foca que, provavelmente perdi<strong>da</strong><strong>de</strong> seu <strong>grupo</strong>, <strong>de</strong>scansou na areia e nadou entre as rochas.A entra<strong>da</strong> para a praia fica na estra<strong>da</strong> velha que liga Búzios aCabo Frio. Para chegar lá, é preciso cortar a APA Pau-Brasil eseguir por um tortuoso caminho <strong>de</strong> areia e terra. Mesmo coma possibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> acesso para automóveis, ain<strong>da</strong> não existemsinais <strong>de</strong> turismo pre<strong>da</strong>tório no local.Além dos prazeres <strong>da</strong> contemplação, do banho <strong>de</strong> mar, <strong>da</strong>prática <strong>de</strong> caminha<strong>da</strong>s ou dos esportes, o circuito off dos queamam Búzios traz conhecimento científico. Consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> pelogoverno como área <strong>de</strong> interesse geológico, a Ponta <strong>da</strong> Lagoinhaé lugar mágico. Lá se encontra a prova <strong>de</strong> que as rochasque constituem o que hoje chamamos <strong>de</strong> Armação dos Búziosforam forma<strong>da</strong>s por um “aci<strong>de</strong>nte” entre a América do Sul ea África, ocorrido num distante passado. Essas rochas foramsubmeti<strong>da</strong>s a altas pressões e temperaturas e produziram mineraistípicos. Dois <strong>de</strong>les – o zircão e a monazita – foram <strong>de</strong>scobertospor uma geóloga na Ponta <strong>da</strong> Lagoinha. Os mineraistêm entre 500 milhões e 520 milhões <strong>de</strong> anos.Uma placa coloca<strong>da</strong> pelo governo do Rio <strong>de</strong> Janeiro na Ponta<strong>da</strong> Lagoinha informa aos visitantes que, há 520 milhões <strong>de</strong>anos, existia no planeta uma gran<strong>de</strong> massa <strong>de</strong> terra, conheci<strong>da</strong>como paleocontinente Gondwana, que aglutinava as massascontinentais <strong>de</strong> América do Sul, África, Austrália, Antárticae Índia. Segundo os cientistas, essas massas, por meio <strong>de</strong> colisões<strong>de</strong> proporções titânicas, geraram ca<strong>de</strong>ias rochosas conheci<strong>da</strong>scomo orogenias. O Himalaia é um exemplo <strong>de</strong> orogenia. Búziostambém. Ou seja, a região tem ain<strong>da</strong> uma impressionante riquezamineral, que não po<strong>de</strong> ser transforma<strong>da</strong> em lucro, mas é um tesouropara a ciência, os olhos e o espírito. Tomar sol sobre as rochas que umdia estiveram encosta<strong>da</strong>s na África, num lugar não maculado pelo turismopre<strong>da</strong>tório, não tem preço.O que tem preço, às vezes salgado, é a hospe<strong>da</strong>gem em uma <strong>da</strong>s excessivaspousa<strong>da</strong>s <strong>de</strong> Búzios. Lota<strong>da</strong>s no verão, assim como as principaispraias, os restaurantes e as boates, elas têm sua ativi<strong>da</strong><strong>de</strong> bastante reduzi<strong>da</strong>no período outono/inverno, reflexo <strong>de</strong> um <strong>de</strong>sequilíbrio econômicocrônico <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>. Tentando ven<strong>de</strong>r algumas lagostas ain<strong>da</strong> vivas a turistasque passeiam pela Praia <strong>da</strong> Tartaruga – um lugar procurado poramantes do mergulho <strong>de</strong> todo o mundo –, o barraqueiro E<strong>de</strong>valdoAlmei<strong>da</strong> Santos lamenta essa reali<strong>da</strong><strong>de</strong>: “Aqui sempre teve mais brasileirono verão e mais gringo no inverno. Sempre tive muitos clientesargentinos, mas agora eles estão todos duros. No verão é festa, masno inverno temos que lutar para comer e sobre<strong>vive</strong>r”, diz.O crescimento <strong>da</strong> classe média brasileira po<strong>de</strong> ser notado em Búzios.Gerente do restaurante David, fun<strong>da</strong>do há 35 anos e um dos maistradicionais <strong>da</strong> ci<strong>da</strong><strong>de</strong>, Marcus Vinícius <strong>de</strong> Oliveira confirma essa impressão:“Nosso público abrange as classes média e alta, mas seu perfilmudou um pouco nos últimos anos. Caiu o número <strong>de</strong> argentinos, masem compensação estamos recebendo um novo público formado, emsua maioria, por cariocas, paulistas e mineiros <strong>de</strong> classe média”.O mesmo prestígio do restaurante David tem a Peixaria Araújo,na Praia <strong>de</strong> Manguinhos. Dona <strong>de</strong> clientela fiel, a proprietária AliceOkasaki Araújo ain<strong>da</strong> se orgulha <strong>de</strong> ven<strong>de</strong>r pescado fresco e tiradohá pouco tempo do mar, mas lamenta o crescimento <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>nado:“Há um gran<strong>de</strong> consumo nos meses <strong>de</strong> verão, mas tem a saturaçãodo pescado. O camarão cinza, uma <strong>da</strong>s marcas registra<strong>da</strong>s <strong>da</strong> região,praticamente só é encontrado em criações <strong>de</strong> cativeiro”, diz.As palavras <strong>de</strong> Alice <strong>de</strong>finem o dilema <strong>de</strong> Búzios: sobre<strong>vive</strong>r <strong>da</strong>vocação turística sem <strong>de</strong>struir seu patrimônio natural. Resolveressa equação significa salvar um dos lugares mais espetacularesdo litoral brasileiro. Existe esperança enquanto estiver preservadoum circuito natural off como o formado por Poças, Zé Gonçalvese Ponta <strong>da</strong> Lagoinha. Mas ain<strong>da</strong> não se chegou a um estágio <strong>de</strong>sustentabili<strong>da</strong><strong>de</strong> que permita aos moradores – aqueles que amamBúzios – não precisar mais pedir para que o acesso a esses lugaresnão seja revelado.2008 outubro REVISTA DO BRASIL 63


Curta Essa DicaPor Xandra Stefanel (xandra@revistadobrasil.net)Kayo<strong>de</strong><strong>da</strong> Silva eMarcelo <strong>de</strong>PaulaSem pararO filme Ain<strong>da</strong> Orangotangos mostra, sem cortes, histórias <strong>de</strong> 15 personagens que transitam pelas ruas <strong>de</strong>Porto Alegre durante 14 horas <strong>de</strong> um dia quente <strong>de</strong> verão. Trata-se <strong>de</strong> uma a<strong>da</strong>ptação <strong>de</strong> seis contos dolivro homônimo do escritor gaúcho Paulo Scott, roteirizado e dirigido por Gustavo Spolidoro. A históriacomeça no metrô, passa pelo mercado municipal, entra em um ônibus, <strong>de</strong>pois num gran<strong>de</strong> prédio, passapelo parque, chega numa festa evangélica <strong>de</strong> 15 anos e acaba num carro. Tudo isso filmado <strong>de</strong> uma sóvez faz <strong>de</strong>le o primeiro longa (81 minutos) em plano-seqüência realizado no país. Nas locadoras.fotos: divulgaçãoFlores mineirasO projeto Flores do Clube <strong>da</strong>Esquina (EMI) reúne cantorasbrasileiras para homenagear os 36anos do primeiro disco do <strong>grupo</strong>li<strong>de</strong>rado por Milton Nascimento eLô Borges. Ivete Sangalo, Fernan<strong>da</strong>Takai, Roberta Sá, Vanessa <strong>da</strong> Matae Marina <strong>de</strong> la Riva são algumas <strong>da</strong>sconvi<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>da</strong>s 12 faixas. João Donato interpreta Um Girassol<strong>da</strong> Cor do Seu Cabelo, com Vanessa <strong>da</strong> Mata; Milton divi<strong>de</strong>com Marina Machado Nuvem Cigana e, com Fernan<strong>da</strong> Takai,Um Gosto <strong>de</strong> Sol. Seu Jorge e Teresa Cristina cantam MeDeixa em Paz. R$ 33, em média.“Precisam-se <strong>de</strong> empregadosque não sejam pretos”(Anúncio no Diário Popular no final do século 19)Por que os negros africanos, com o fim <strong>da</strong>escravidão, não se tornaram a classe trabalhadorabrasileira no novo mo<strong>de</strong>lo assalariado? Por quefoi estimula<strong>da</strong> a imigração <strong>de</strong> trabalhadoresbrancos <strong>de</strong> países <strong>da</strong> Europa? Em O Branqueamentodo Trabalho (Nefertiti, 165 págs.), omestre em História Ramatis Jacino respon<strong>de</strong>às perguntas com uma pesquisa na São Paulo do final do século19. Curiosa a lista <strong>de</strong> oferta <strong>de</strong> empregos, com preferências para“estrangeiro que não seja preto”. À ven<strong>da</strong> nas livrarias Edusp(campus <strong>da</strong> USP), Cultura (lojas e on-line) e Clóvis(Centro <strong>de</strong> São Paulo). R$ 15.64 REVISTA DO BRASIL outubro 2008


Pequeno guerreiro africanoDois filmes franceses <strong>de</strong> animação celebram a tradiçãoafricana, a coragem e a curiosi<strong>da</strong><strong>de</strong> e encantam criançascom muitas cores e uma paisagem bem original. Kiriku e aFeiticeira (1998) e Kiriku 2 – Os Animais Selvagens (2005),<strong>de</strong> Michel Ocelot, mostram as aventuras do pequeno Kiriku,menino que mora numa al<strong>de</strong>ia ameaça<strong>da</strong> por uma terrívelfeiticeira e que apren<strong>de</strong> com as dificul<strong>da</strong><strong>de</strong>s que a origem<strong>da</strong> mal<strong>da</strong><strong>de</strong> é o sofrimento e que só o amor, a tolerância e aver<strong>da</strong><strong>de</strong> po<strong>de</strong>m vencer a dor.Shakespeare para criançasEstá em cartaz no teatro Aliança Francesa, em São Paulo, o espetáculo Sonho <strong>de</strong> uma Noite<strong>de</strong> Verão, a<strong>da</strong>ptação do texto <strong>de</strong> Shakespeare para o público infanto-juvenil. Romancesimprováveis e muita confusão fazem parte <strong>da</strong> história <strong>de</strong> uma longa noite <strong>de</strong> verão naqual o Duque Teseu se casa com Hipólita. Hérmia e Lisandro, impedidos <strong>de</strong> se casar,fogem para um bosque encantado habitado por fa<strong>da</strong>s e duen<strong>de</strong>s. A direção é <strong>de</strong> KleberMontanheiro e o elenco é formado pelos atores <strong>da</strong> Cia. <strong>da</strong> Revista. Sessões aos sábados edomingos, às 16h. Recomen<strong>da</strong>do para crianças com mais <strong>de</strong> 6 anos. Rua General Jardim,182, Vila Buarque. R$ 10 e R$ 20. Até 26 <strong>de</strong> outubro. (11) 3129-5730.Vá enten<strong>de</strong>ros adultos...Alice até tentoufalar a estranhalíngua dos adultos,mas, com tantacoisa esquisitae sem sentido,<strong>de</strong>sistiu. Pediamque não sependurasse nosbraços <strong>da</strong> ca<strong>de</strong>ira e não riscasse as pernas<strong>da</strong> mesa. Mas ca<strong>de</strong>ira e mesa tinham lápernas e braços? Por que chamavam avizinha <strong>de</strong> dona Chica se <strong>de</strong> tão pobrenão era <strong>de</strong> fato dona <strong>de</strong> muitas coisas?A Ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ira História <strong>de</strong> Alice, livro <strong>de</strong>Rita Tabor<strong>da</strong>, com ilustrações <strong>de</strong> ThaisBeltrame (Ed. Girafinha, 80 págs.), revelauma gran<strong>de</strong> pessoa, apesar <strong>de</strong> ser ain<strong>da</strong>bem pequena. Em média R$ 19.Música que acalmaO selo <strong>de</strong> músicasinfantis PalavraCanta<strong>da</strong> preparou,para aquelesmomentos maiscalminhos <strong>da</strong>garota<strong>da</strong>, um CDinstrumental com 13 composições jáconheci<strong>da</strong>s. Palavra Canta<strong>da</strong> Toca<strong>da</strong> foiproduzido por Paulo Tatit e os arranjos<strong>de</strong> violão são <strong>de</strong> Jonas Tatit. Pindorama,Sopa, Fome Come, Ciran<strong>da</strong>, Pé <strong>de</strong> Naboe Aniversário estão no repertório. R$ 28,em média.Preços, horários e duração <strong>de</strong> tempora<strong>da</strong>s são informados pelos responsáveis pelas obras e eventos. É aconselhável confirmar antes <strong>de</strong> se programar.2008 outubro REVISTA DO BRASIL 65


crônicaMadonna,quem vai?Um dia ela entrou em casa e medisse com aquele jeito suburbanoque se eu gritasse, arrepiasse o cabeloe tivesse coragem, eu venceria. Nenhum rapazlânguido me <strong>de</strong>u tanta coragem Por Andréa <strong>de</strong>l FuegoAndréa <strong>de</strong>lFuego, escritora,é autora <strong>da</strong>trilogia <strong>de</strong> contosMinto EnquantoPosso, Nego Tudoe Engano Seue do romancejuvenil Socie<strong>da</strong><strong>de</strong><strong>da</strong> Caveira <strong>de</strong>Cristal. Blog:www.<strong>de</strong>lfuego.zip.netSou uma mulher <strong>de</strong> 33 anos que foi uma adolescente<strong>de</strong> 13 em São Bernardo do Campo,isso em 1988. Morava num conjunto habitacionalon<strong>de</strong> meus pais ain<strong>da</strong> <strong>vive</strong>m. ConjuntoHabitacional Rudge Ramos, po<strong>de</strong> entrar.Lá nasceram minha irmã caçula e o irmão do meio, quese livrou <strong>de</strong> uma bronquite por conta <strong>da</strong> maresia santistaque chegava ao município. Tenho sau<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> neblinado ABC, a névoa que São Paulo já per<strong>de</strong>u.Aos 13 anos quis ir ao show do A-Ha, ban<strong>da</strong> norueguesaque incendiou minha cabeça ingênua. Mantive umálbum com fotografias dos integrantes <strong>de</strong>scansando emsuas ci<strong>da</strong><strong>de</strong>s, an<strong>da</strong>ndo nos palcos e em Copacabana. Aospoucos misturei vocalistas <strong>de</strong> outras ban<strong>da</strong>s tão ruinsquanto. Na déca<strong>da</strong> <strong>de</strong> 1980, uma adolescente no subúrbiorecebia mais lentamente as informações, era um períodosem a pulverização simultânea <strong>da</strong> internet.Eu acreditava no programa Fantástico, no balé dobairro e que aos 14 anos seria adulta, achando que issoera ir aon<strong>de</strong> quisesse. Em casa nunca houve um livro,tirando os <strong>de</strong> receita e a Bíblia, que nunca eram abertos.Minha mãe, mineira, dispensava qualquer conselhoreferente a tempero ou temperatura exata <strong>de</strong> umfogão, além <strong>de</strong> dispensar os salmos calmantes que, sea acalmassem mesmo, ela não iria bater <strong>de</strong> porta emporta a ven<strong>de</strong>r tapetes.Menstruei aos 13 anos no meio <strong>de</strong> uma festa infantil.Senti tontura e congestionamento no abdômen, corripara casa e me fechei no banheiro, certa <strong>de</strong> que vomitariaas coxinhas e bolinhas <strong>de</strong> queijo. Acabei eliminandopor baixo o primeiro sinal <strong>de</strong> maturi<strong>da</strong><strong>de</strong> e futuropela frente. Minha mãe me <strong>de</strong>u um absorvente e dissepara eu ficar calma e assistir ao <strong>de</strong>senho na televisão.O Pica-Pau não podia me explicar o que era a pressãoque acabava <strong>de</strong> ce<strong>de</strong>r em forma <strong>de</strong> umi<strong>da</strong><strong>de</strong>, era umafêmea assusta<strong>da</strong> e recém-pari<strong>da</strong> no mundo adulto eresponsável. Foi quando a Madonna entrou em casa eme disse, com aquele jeito suburbano, que se eu gritasse,arrepiasse o cabelo e tivesse coragem, eu venceria.Nenhum outro rapaz lânguido me <strong>de</strong>u tanta coragemquanto a Madonna, espero que ela não saiba disso.Ela virá em <strong>de</strong>zembro para a histeria <strong>de</strong> minha geração.Fiquei oito horas numa fila para comprar ingresso,numa ven<strong>da</strong> antecipa<strong>da</strong> em três meses. O ingressomais caro custava R$ 720 e muitos fãs <strong>de</strong>ram osalário inteiro pelo show, saíram <strong>de</strong> diversas partes dopaís, acamparam na porta <strong>da</strong>s bilheterias, viram cambistaspassar na sua frente e não só: alguns cambistaspagaram cachês para alguns velhinhos comprarem osbilhetes com o preço privilegiado <strong>de</strong>stinado a eles porlei – com isso as vovós tiraram uma graninha na filapreferencial para a terceira i<strong>da</strong><strong>de</strong>. Vi uma senhora roxa<strong>de</strong> tanto sol, com uma pilha <strong>de</strong> notas <strong>de</strong> R$ 100, comprandoingressos para um show ao qual não irá, nemseus netos. Tudo porque a <strong>de</strong>man<strong>da</strong> é gran<strong>de</strong>, a adolescênciaé mais perigosa que a infância quanto à importânciaque <strong>da</strong>mos ao espetáculo.Nunca fiz isso antes e me perguntava <strong>de</strong>baixo do solpor que eu estava ali, e não trabalhando, que era o maissensato. Como eu, milhares <strong>de</strong> ex-adolescentes do subúrbio,adolescentes atuais e eternas meninas em estado<strong>de</strong> graça vão gritar ao som <strong>de</strong> quali<strong>da</strong><strong>de</strong> duvidosa epouco importa. Madonna é a monalisa <strong>da</strong>s meninas edos meninos que gostam <strong>de</strong> meninos. Tão óbvia quantomisteriosa, ela é responsável pela iconografia <strong>da</strong> ambição.E não me venha dizer que ela dá maus exemplos,que exemplo efetivo sempre vem <strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> casa. Copiamosdos nossos pais até o jeito <strong>de</strong> pegar um garfo.Depois avançamos na educação, po<strong>de</strong> ser que o mundonos diga que com colher é mais fino, e você seguiráa etiqueta só em convescotes sociais.Em atual turnê em Roma, Madonna <strong>de</strong>dicou a faixaLike a Virgin ao papa, para <strong>de</strong>sgosto do Vaticano. Garantoque nenhum fã <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> rezar o pai-nosso seisso fez sua mãe em dias mais severos. Ain<strong>da</strong> <strong>de</strong>scobrirãoque absorvemos os valores reais não <strong>da</strong>queles que seexibem, mas <strong>da</strong>queles que nos afagam. Madonna nemsabe que nós existimos.66 REVISTA DO BRASIL outubro 2008

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