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Título do Trabalho: (fonte Times, tamanho 16, justificado) - ECA - USP

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I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/<strong>USP</strong>Especulações sobre o periférico e o experimental na música brasileira atualGiuliano Lamberti Obici<strong>USP</strong> – giuliano@usp.brResumo: Este artigo é parte de uma pesquisa em andamento sobre aspectos <strong>do</strong> experimentalismo nocontexto contemporâneo da música e arte digital brasileira. Perceben<strong>do</strong> que o termo experimental vemsen<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong> muitas vezes citan<strong>do</strong> práticas diferentes e espaços emergentes no contexto proposto eoutras vezes, serve como guarda-chuva conceitual para integrar trabalhos que envolvem procedimentos,técnicas e materiais diversos. O objetivo deste artigo é estabelecer uma linha transversal entre ocontexto da arte digital e a produção experimental musical contemporânea experimental num contextobrasileiro.Palavras-chave: música experimental, arte digital, experimentalismo brasileiro, antropofagia digitalConsiderations about the experimental and the peripheral in contemporary Brazilian music.Abstract: This paper is part of a PhD research that is in progress about aspects of experimentation incontext of contemporary Brazilian music and digital art. Perceiving that the term experimental has beenoften used in different emerging practical and spaces or that it serves as an umbrella concept to integratean amount of works involving different procedures, techniques and materials. The aim of this paper isto try established a cross line between the context of digital art and experimental production ofcontemporary music experimental in context of Brazil.Keywords: experimental music, digital art, Brazilian experimentalism, digital anthropophagy1. Por referências <strong>do</strong> experimentalBuscan<strong>do</strong> encontrar um ponto inicial para refletir sobre aspectos de uma marca quanto aoexperimentalismo ou a experimentação na arte brasileira atualmente, partiremos da noção <strong>do</strong> artistaperformático, pintor e escultor e um <strong>do</strong>s funda<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Tropicalismo Hélio Oiticica (1937 -1980). Suanoção de experimental indica uma mudança de perspectiva e comportamento associa<strong>do</strong> a conceitos evalores formulada na seguinte colocação. “Não existe 'arte experimental', mas o experimental, que nãosó assume a ideia de modernidade e vanguarda, mas também a transformação radical no campo <strong>do</strong>sconceitos-valores vigentes: é algo que propõe transformações no comportamento-contexto, quedeglute e dissolve a convi-conivência.” iParafrasean<strong>do</strong> Oiticica, o experimental não é música experimental ii , ou dizen<strong>do</strong> de outraforma, o experimental não é um termo que define uma produção ou um estilo musical quecircunscreve no tempo um determina<strong>do</strong> tipo de obra. “O experimental não tem fronteiras para simesmo é a metacrítica da 'produção de obras' <strong>do</strong>s artistas de produção”. iii É nesse senti<strong>do</strong> que oexperimental se faz também marginal, periférico, fora <strong>do</strong> lugar.Vale pontuar que o experimental não será trata<strong>do</strong> aqui como música experimental por<strong>do</strong>is motivos. Primeiro, porque não é objetivo desta pesquisa estabelecer uma definição comparativacom as diferentes concepções na história da música que passam, por exemplo, pelas de Pierre


I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/<strong>USP</strong>Schaeffer iv e John Cage v , cada qual com variações e inclinações em torno da ideia deexperimentalismo em música vi . Segun<strong>do</strong>, porque parte <strong>do</strong> campo de investigação que pretendemosdesenvolver não tem relações diretas com o repertório schafferiano e caegeano. Nos interessaperseguir uma certa qualidade de experimentação latente no Brasil, entenden<strong>do</strong>-a como <strong>fonte</strong> cria<strong>do</strong>rade possibilidades a serem exploradas num repertório diferente ao da Música Experimental. Mesmosaben<strong>do</strong>, por exemplo, que possam haver linhas que conectam a liberdade de experimentação de Cageao trabalho <strong>do</strong> professor e compositor suíço brasileiro Walter Smetak. A esse respeito Augusto deCampos se questiona sobre a possibilidade <strong>do</strong>s artistas brasileiros, mesmo forma<strong>do</strong>s pela culturaeuropéia ao mo<strong>do</strong> de Smetak, se sentirem mais descompromissa<strong>do</strong>s com as tradições e propensos paraa livre experimentação, por se acharem mais distantes <strong>do</strong>s centros tradicionais? Esta seria a tese deCage e mesmo a de Oswald Andrade com a antropofagia. (Campos, 2008, p.35)Diante de possíveis conexões em torno <strong>do</strong> experimental na arte brasileira vale citar arápida associação entre a arte participativa de Lígia Clark, Hélio Oiticica e Rubens Gerchman com apesquisa sonora de Walter Smetak. As descobertas e sonoridades nas peças de Smetak se aparentavamà arte participante de onde surgiu o convite para o músico integrar a exposição coletiva Novaobjetividade brasileira, no Museu de Arte Moderna <strong>do</strong> Rio de Janeiro em 1967, marco da vanguardade nosso país naquela década. (Chaimovich, 2008) Posteriormente, a reboque das proposiçõescolocadas, alguns músicos tropicalistas, entre eles Gilberto Gil e Tom Zé, incorporaram aexperimentação ten<strong>do</strong> Smetak como mestre.2. Digitofagia - Antropofagia digitalO exercício que propomos nesta pesquisa é pensar o experimental dentro de outrocrivo. Partin<strong>do</strong> da seguinte pergunta: Haveria um mo<strong>do</strong> particular de experimentação, umainflexão, desvio, variação ou ainda uma subjetividade específica, nos fluxos que permeiamum certo contexto ou recorte da música brasileira? O mesmo poderia ser pensa<strong>do</strong> no contextoda arte digital?Depois de leituras e maior aproximação <strong>do</strong> tema, pôde-se constatar que talquestionamento é teoricamente inconsistente por buscar uma identidade fixa e bem definida em umacultura híbrida como a brasileira. A subjetividade “tupiniquim” parece mais se configurar numaheterogeneidade dinâmica, crian<strong>do</strong> e recrian<strong>do</strong> constantemente uma mestiçagem infinita. viiDiante disso, reformulamos a pergunta anterior da seguinte forma. Seria possívelpensar tal dinâmica flexível da cultura brasileira como um mo<strong>do</strong> particular deexperimentação? Como isso se dá no contexto da música e da arte mídia brasileira bem com aprodução recente ligada ao termo cultura digital? Mais <strong>do</strong> que indicar respostas, essas


I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/<strong>USP</strong>perguntas nos servem, neste momento, para apontar direções e caminhos numa tentativa deestabelecer um campo de investigação e seguir linhas dentro de um universo plural.Esse esforço de mapear singularidades existentes na cultura brasileira é um exercício caroe diverso. A nós interessa apontar especificamente aspectos e acontecimentos em torno daantropofagia proposta por Oswald Andrade no final da década de 1920 e sua adaptação ao contexto dacultura digital no Brasil hoje. viii Um exemplo que vale ser menciona<strong>do</strong> é o festival de arte e mídiatática Digitofagia que aconteceu no Rio de Janeiro e em São Paulo no ano de 2004; sen<strong>do</strong> que partedas discussões resultaram em textos publica<strong>do</strong> no livro de mesmo título. ix Digitofagia propõe umaprática antropofágica que reatualiza o ideário oswaldiano no contexto da cultura digital. Para isso,incorpora práticas espontâneas existentes na cultura contemporânea brasileira, como a pirataria, ocomércio informal <strong>do</strong>s camelôs e a gambiarra. (Rosas & Vasconcelos, 2006)Citemos o caso <strong>do</strong> fotolog.net que regulou o cadastro de usuários com IP vin<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil,porque os usuários brasileiros estavam toman<strong>do</strong> o tráfego de rede nos servi<strong>do</strong>res. Ou ainda o caso dereclamações de brasileiros que entravam em qualquer comunidade <strong>do</strong> Orkut escreven<strong>do</strong> em português,sem vergonha de invadir o pedaço.” x Existira um quê de subjetividade antropofágica xi no fato <strong>do</strong>sbrasileiros passarem mais horas online <strong>do</strong> que qualquer outro povo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>? Quais conexões entre aexperimentação <strong>do</strong> tropicalismo de Oiticica e a da música no âmbito da cultura digital brasileira?Antes de disparar tal percurso, vale depurar o "Manifesto Antropófago". A ideia daantropofagia, que parte da assimilação <strong>do</strong> outro, vem à tona com intensidade inédita num mun<strong>do</strong> emque o fluxo ininterrupto de informações compõe o horizonte cotidiano. De alguma forma a dinâmica<strong>do</strong> olhar antropológico ultrapassa fronteiras nacionais, oferecen<strong>do</strong> um modelo fecun<strong>do</strong> para pensar atransmissão de valores em situações culturais assimétricas que pode ser visto como uma nova chavede leitura <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> globaliza<strong>do</strong>. “Talvez tenha chega<strong>do</strong> a hora de aban<strong>do</strong>nar a canibalização daantropofagia. Vamos comer Oswald. Mas com tempero antropofágico.” xii Será que já não deglutimosdemais e o gesto hoje esteja mais para expelir o excedente <strong>do</strong> que deglutir ainda mais?Hibridismo e gambiarra na cultura digital brasileiraEmbora seja marca registrada das culturas de to<strong>do</strong> o continente latino americano, ohibridismo cultural encontra expressão aguda no Brasil. Independentemente <strong>do</strong> grau dedesenvolvimento, da região geográfica ou da camada social, por to<strong>do</strong> o país existe uma correnteevidente ou subjacente de misturas culturais. Essa mestiçagem constitui uma certa unidade precária,mutável e ambígua na identidade brasileira, responsável por nossa flexibilidade diante <strong>do</strong> novo edesconheci<strong>do</strong>. xiii“É curioso notar que certas características que definem aspectos constituintes dacultura latino americana vieram coincidir com os temas cadentes <strong>do</strong>s debates sobre


I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/<strong>USP</strong>pós modernidade trava<strong>do</strong>s num plano internacional, a partir <strong>do</strong>s anos 1980, diante datransnacionalização da cultura, <strong>do</strong> crescimento acelera<strong>do</strong> das tecnologias e dasmídias comunicacionais, à expansão <strong>do</strong>s merca<strong>do</strong>s culturais e à emergência denovos hábitos de consumo. Nesses debates, o termo 'hibridismo' encontrou solofértil para expandir-se”. (Santaella, 2010, p.86)Essas características em torno da liberdade de experimentação envolvem outros aspectosna dinâmica cultural brasileira. xiv Um deles é a gambiarra como expressão de um mo<strong>do</strong> de lidar com atecnologia. Várias ideias giram em torno da gambiarra como apresenta Boufleur (2005) em “Aquestão da gambiarra”, a saber. A gambiarra está associa<strong>do</strong> a adaptação, adequação, ajuste, conserto,reparo, remen<strong>do</strong>, encaixe, emenda, gato, improvisação, jeitinho, maquinação, artimanha, traquitana,trucagem, transmutação, técnica, bricolagem, assemblage. Ou ainda, atitude inventiva, inteligente,criativa; uma solução alternativa, imediata, não-convecional, não-prevista; uma prática heteróclita,insólita, incomum; uma arte vernacular, autóctone, uma 'tecnologia' popular brasileira. Um meio de'tirar vantagem' um hábito irregular, ilícito, desonesto, marginal, ilegal, fraudulento: a ditamalandragem. Desleixa<strong>do</strong>, precário, rústico, grosseiro, tosco, 'feito na pressa, de qualquer jeito',incômo<strong>do</strong>, efêmero, paliativo, volátil, informal, popular, paralelo, inadequa<strong>do</strong>, imperfeito, inacaba<strong>do</strong>,ideias muitas vezes relacionadas à imagem de pobreza e precariedade.Pensan<strong>do</strong> no mo<strong>do</strong> de lidar com a tecnologia, Ricar<strong>do</strong> Rosa (2006) buscacircunscrever a gambiarra não apenas como prática, criação popular, mas também como arteou intervenção na esfera social. Existe alguns elementos que se colam no conceito dagambiarra, como: a precariedade <strong>do</strong>s meios; a improvisação; a inventividade; o diálogo com arealidade circundante local (comunidade); a possibilidade de sustentabilidade; o flerte com ailegalidade; a recombinação tecnológica pela reutilização ou novo uso de uma dadatecnologia, entre outros. Nem sempre tais elementos estão presentes ou aparecem juntos masalguns tendem inevitavelmente a aparecer por uma circunstância ou outra.Sen<strong>do</strong> assim, seria a gambiarra um aspecto desse mo<strong>do</strong> brasileiro de incoroporar atecnologia? Poderíamos propor realmente a gambiologia? Será que isso realmente se efetiva a pontode alcançar o status de conceito? Talvez seja ce<strong>do</strong> para afirmarmos, mas é fato que existe um contextoou discurso em torno da gambiarra como a exposição Gambiólogos (2010) aponta. xv A gambiologia écolocada nesta exposição como a ciência <strong>do</strong> improviso aliada às técnicas eletrônico-digitais,celebração da gambiarra como postura crítica em relação a ausência de recursos ou simplesmentecomo opção estética recorrente no país e que ainda pensamos como um gesto relaciona<strong>do</strong> aoexperimental.O periférico no contexto global


I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/<strong>USP</strong>Existe um Brasil periférico que está entre algum lugar, esqueci<strong>do</strong>, negligencia<strong>do</strong>, àmargem <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, da academia e <strong>do</strong> conhecimento técnico, fora <strong>do</strong> eixo de consumo e da noção deordem e progresso. De alguma maneira, é nesse “entre” o centro e a periferia que se estabelece umazona de tensão, um campo de força de onde parece brotar algo significativo. A forma de apropriaçãoda tecnologia que brota de maneira expontânea longe <strong>do</strong>s centros e da grande mídia, carrega umapotência de invenção em torno de práticas culturais significativas. Na esteira desse tipo de apropriaçãotecnológica, - ao mo<strong>do</strong> da gambiarra, da pirataria, da improvisação e da livre experimentação -emergem novos bens culturais e novos nichos de merca<strong>do</strong>. Um exemplo é o estilo musical tecnobregaque surgiu no norte <strong>do</strong> país no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará.“Enquanto os considera<strong>do</strong>s centros da produção musical enfrentam o acirramento dacrise, as periferias globais, inseridas em um cenário de inovação artística eapropriação de novas tecnologias, criam suas próprias saídas para os gargalos deprodução locais. O merca<strong>do</strong> <strong>do</strong> tecnobrega nasceu com a apropriação das novastecnologias pelos agentes paraenses e a combinação de elementos de movimentosmusicais globais – o eletrônico com o tradicional brega.” (Castro & Lemos, 2008. p.179)Esse fenômeno não é algo exclusivo brasileiro ou <strong>do</strong> tecnobrega. Há uma tendênciamundial no terreno musical, aponta<strong>do</strong> por alguns autores como Global Ghettotech xvi . Ela se configuracomo produção musical independente, que nasce longe <strong>do</strong>s estúdios e <strong>do</strong> merca<strong>do</strong> fonográfico dasgrandes grava<strong>do</strong>ras, impulsionada principalmente pelo barateamento das tecnologias e a facilidadepropiciada pelos meios digitais na cadeia de produção, distribuição e recepção da música.Assim como o tecnobrega, existem vários outros estilos no Brasil que surgem dasperiferias culturais tais como o funk carioca no Rio de Janeiro, o forró eletrônico no nordeste e olambadão cuiabano no Mato Grosso. Fora <strong>do</strong> Brasil podemos citar o kuduro em Angola, a champetana Colombia, o grind e o dubstep na Inglaterra, miami bass em Miami nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s daAmerica, o bublin no Suriname, a cumbia villera na Argentina, o kwaito na África <strong>do</strong> Sul, o coupédecalé na Costa <strong>do</strong> Marfim entre outros tantos espalha<strong>do</strong>s pelo mun<strong>do</strong>. xviiEssa tendência tem fortaleci<strong>do</strong> culturas locais, bem como cria<strong>do</strong> novos nichoseconômicos e modelos de merca<strong>do</strong>s de bens culturais que lidam de outra maneira com os direitos depropriedade. Um exemplo é a pesquisa sobre o tecnobrega paraense e o modelo de negócio aberto(2007) realizada pela Fundação Getúlio Vargas Opinião e Fundação Instituto de PesquisasEconômicas (FIPE – <strong>USP</strong>), posteriormente reedita<strong>do</strong> no livro Tecnobrega: o Pará reinventan<strong>do</strong> onegócio da música (2008). xviii Neste livro, os autores apontam que o sucesso de negócio em torno <strong>do</strong>tecnobrega se dá graças à apropriação de tecnologias de produção musical de baixo custo, associada auma estrutura de direitos de propriedade flexíveis. Tais elementos possibilitam “a formação demerca<strong>do</strong>s tão ou mais eficientes e viáveis <strong>do</strong> que os modelos usuais de negócios de bens culturais,


I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/<strong>USP</strong>além de embutir um potencial inclusivo e democratizante francamente positivo”. (Castro & Lemos,2008[2], p.174)O UndergroundExistem também outras formas de produção cultural excluídas que não estão situadasnuma periferia geográfica. Mesmo no eixo Rio - São Paulo onde se concentra a produção econômica ecultural brasileira, uma postura experimental com a tecnologia se faz presente. São espaços ti<strong>do</strong>s comounderground e independentes que seguem a lógica 'faça você mesmo'. Para ficar apenas no exemploda música, citaremos <strong>do</strong>is casos significativos: Plano B e Ibrasotpe. xixO Plano B xx é uma loja de discos (vinis e cds) situada no bairro da Lapa no Rio deJaneiro que, desde 2004 nas noites de sexta feira e sába<strong>do</strong>, transforma-se num palco para o projetoLive Sessions. O espaço é uma mostra <strong>do</strong> que vem acontecen<strong>do</strong> no cenário da arte marginal quecircula pela cidade. Tornou-se o único evento regular de arte experimental no Rio de Janeiro, atrain<strong>do</strong>artistas de outros esta<strong>do</strong>s e países, catalisan<strong>do</strong> a relação entre público e artistas que estão distantes damídia de massa e das salas de concertos.O Ibrasotope, atuante desde 2007, se autodenomina como “um núcleo que se dedica àprodução e difusão de música experimental.” xxi Forma<strong>do</strong> por um grupo de artistas, na maioria músicose compositores de formação acadêmica, sua sede é um misto de moradia e espaço cultural situa<strong>do</strong>numa casa aos arre<strong>do</strong>res <strong>do</strong> parque Ibirapuera em São Paulo. Assim como o Plano B, desenvolveatividade e produção regular incluin<strong>do</strong> música contemporânea de concertos e audições acusmáticas,algo singular, para não dizer único no Brasil. “Existe uma produção musical que precisa serapresentada, fruída e debatida, e de que essas práticas precisam ocorrer com regularidade para que ocorpo de interessa<strong>do</strong>s cresça e modifique. (…) o projeto aponta para a constituição de um circuitobrasileiro de música experimental”. (Iwao & Nunzio, 2009, p.5)Ambos os espaços fomentam atividades diversas como festivais, shows, exibições, festas,cursos, hacklab, revista, site e mantêm um selo musical online (netlabel) que cumpre a função deoferecer um registro e <strong>do</strong>cumentação regular <strong>do</strong>s shows e concertos, como também lançarcompilações musicais <strong>do</strong>s grupos que por ali se apresentam. A produção cultural desses espaços, nãocircula pela mídia tradicional ou espaços de concerto, com exceção de um ou outro evento que chegaàs instituições de arte, na maioria das vezes via editais de fomento a cultura ou ainda pelo SESC nocaso de São Paulo. xxiiDiferente <strong>do</strong>s outros movimentos musicais periféricos como, por exemplo, otecnobrega e o funk carioca, Plano B e Ibrasotope não constituem um modelo econômico oucadeia produtiva sob o ponto de vista <strong>do</strong> lucro. O valor não está funda<strong>do</strong> sobre a quantidadede trabalho incorpora<strong>do</strong> à produção de bens materiais, ou exclusivamente na economia de


I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/<strong>USP</strong>merca<strong>do</strong> pauta<strong>do</strong> no lucro, no valor, na troca e no sistema <strong>do</strong>s preços. “A valorização dasatividades humanas não pode mais ser fundada de forma unívoca sobre a quantidade detrabalho incorpora<strong>do</strong> à produção de bens materiais. A produção de subjetividades humana emaquínica é chamada a superar a economia de merca<strong>do</strong> fundada no lucro, no valor e na troca,no sistema <strong>do</strong>s preços, nos conflitos e lutas de interesses.” xxiii Tal desarticulação no planoeconômico os situam na qualidade periférica que beira a precariedade e a insustentabilidadefinanceira.Por outro la<strong>do</strong>, esse periférico contém uma força de criação que se sustenta no desejo e nacapacidade de manter um outro mo<strong>do</strong> de vida que passa pela produção artística. “A arte aqui não ésomente a existência de artistas patentea<strong>do</strong>s mas também de toda uma criatividade subjetiva queatravessa os povos e as gerações oprimidas, os guetos as minorias.” xxivExiste, tanto no Ibrasotope quanto no Plano B, uma outra qualidade de articulação, umoutro tipo de econômica que é da ordem <strong>do</strong> código-som, gera<strong>do</strong>r de crise ao sistema musical. Essaeconomia de sons, relacionada ao tipo de intervenção e produção musical que beira o ruí<strong>do</strong>, em muitoscasos sequer pode ser chamada de música, carrega duas operações. Primeira, a de oxigenar o espaçoasfixia<strong>do</strong> <strong>do</strong>s códigos duros que enrijece a linguagem musical. Segunda, a de levar ao colapso aprópria música, as vezes deixan<strong>do</strong> de ser considerada música e perden<strong>do</strong> alguma de suas funções jáinstitucionalizadas. xxv


I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/<strong>USP</strong>Referências:Attali, J. (1985), Noise : the political economy of music, University of Minnesota Press,Minneapolis.Bailey, T. B. W. (2010), 'What in the world is "global ghettotech": radical riddims or neoexotica?.',http://vagueterrain.net/content/2010/03/what-world-global-ghettotechradical-riddims-or-neo-exotica(acessa<strong>do</strong> 10.01.2011).Eco, U. (2007), Obra Aberta forma e indeterminação nas poéticas contemporâneas,Perspectiva, São Paulo.Lemos, Ronal<strong>do</strong>; Castro, O. F. A. M. R. A. R. T. A. I. E. S. M. M. M.de Janeiro: AeroplanoEditora, R., ed. (2008), Tecnobrega: o Pará reinventan<strong>do</strong> o negócio da música,http://hdl.handle.net/10438/2653.Oiticia, H. (1972), 'Experimentar o experimental', Itau Cultural programa Hélio Oiticica, 1-6.Oiticia, H.(1970) Brasil Diarréia. Itau Cultural programa Hélio Oiticica, 1-4Cage, J. (1961), Silence: Lectures and Writings, Wesleyan.Guattari, F. (1992), Caosmose: um novo paradigma estético, Editora 34, Rio de Janeiro.Lemos, Ronal<strong>do</strong>; Castro, O. (2008), Tecnobrega: o Pará reinventan<strong>do</strong> o negócio damúsica,Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, ed. http://hdl.handle.net/10438/2653.Nyman, M. (1999), Experimental Music: Cage and Beyond (Music in the Twentieth Century),Cambridge University Press.Rosa, R. (2006), 'São Paulo, SESC-SP, 2006. ()', SESC SP, Cadernos Video Brasil 02, SãoPaulo, acessa<strong>do</strong> 20.03.2011.Santaella, L. (2010), A ecologia pluralista da comunicação., São Paulo: Paulus, São Paulo.Schaeffer, P. (1966), 'A experiência musical. In: Música eletroacústica: histórias e estéticas.',Trad. Flo Menezes. São Paulo: Edusp, 1996..Rocha, João Cesar . (2004). Devoran<strong>do</strong> Oswald In.Tatiana Wells e Ricar<strong>do</strong> Ruiz: Digitofagiacu-que-buquê, pp. 82-84 in http://digitofagia.midiatatica.info/digito_cookbook.pdf(acessa<strong>do</strong> 21.01.2011)Rolnik, Suely. Subjetividade Antropofágica / Anthropophagic Subjectivity. ArteContemporânea Brasileira: Um e/entre Outro/s, XXIV a Bienal Internacional de SãoPaulo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo., 1998, 128-147.Rolnik, S. Antropofagia zombie. São Paulo: Site Núcleo de Subjetividade. (on-line)http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/Antropzombie.pdf(acessa<strong>do</strong> 15.12.2010), 2005Rosa, Ricar<strong>do</strong>. Vasconcelos, R. (2006) Net_Cultura 1.0: Digitofagia, São Paulo: RadicalLivros.Notas


I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/<strong>USP</strong>iOiticica, 1970, p.4. Os textos de Oiticia cita<strong>do</strong>s preservam a digitação <strong>do</strong> <strong>do</strong>cumento original.iiComo diz Oiticica (1972, p.5) “ o experimental não é 'arte experimental”.iiiOiticica,1972, p.3.ivPierre Schaeffer [1966] A experiência musical. In: Música eletroacústica: histórias e estéticas. Trad.Flo Menezes. São Paulo: Edusp, 1996.vJohn Cage. Silence. United States of America: Wesleyan Paperback, 1961. ou ainda em John Cage. Desegunda a um ano. São Paulo: Hucitec, 1985.viNyman, 2007, p. 156.viiCf. Rolnik, 1998, p.4.viii“A Cultura Digital não é somente a troca de conhecimentos brutos e inadaptáveis, mas um absur<strong>do</strong>antropofágico, uma deglutição de conhecimentos, de um país que está mais <strong>do</strong> que acostuma<strong>do</strong> à mestiçagem.”(Meireles, 2008, p.39)ixROSA, Ricar<strong>do</strong>; VASCONCELOS, Giseli (Org.). Net_Cultura 1.0 : Digitofagia. São Paulo: RadicalLivros, 2006. http://www.voyantes.net/<strong>do</strong>wnloads/060810digitofagia_complete.pdf (acessa<strong>do</strong> 10.01.2011)x“Estenden<strong>do</strong> um pouco, as pessoas que têm acesso à Internet no Brasil ficam mais horas online <strong>do</strong> quequalquer outro povo <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. E aí tem aquelas histórias conhecidas. O fotolog.net regulou o cadastro de usuárioscom IP vin<strong>do</strong> <strong>do</strong> Brasil, porque o pessoal estava detonan<strong>do</strong> o tráfego de rede nos servi<strong>do</strong>res deles. Gente no mun<strong>do</strong>to<strong>do</strong> reclamou de brasileiros que entravam em qualquer comunidade <strong>do</strong> Orkut escreven<strong>do</strong> em português, semvergonha de invadir o pedaço.” (Fonseca, 2008, p.4)xiCf. Rolnik, 1998.xii21.01.2011)xiiiRocha, 2004, p.122. in http://digitofagia.midiatatica.info/digito_cookbook.pdf (acessa<strong>do</strong>Santaella, 2010, p.84-5.xivRolnik, Antropologia Zombi,http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/Antropzombie.pdf (acessa<strong>do</strong> 15.12.2010)xvGambiólogos: a gambiarra nos tempos <strong>do</strong> digital é uma exposição coletiva em Belo Horizonte com aparticipação de artistas <strong>do</strong> Brasil e exterior, com cura<strong>do</strong>ria de Fred Paulino. http://www.gambiologos.com (acessa<strong>do</strong>21.12.2010)xviGlobal Ghettotech - termo cunha<strong>do</strong> pelo produtor de dubstep e escritor acadêmico SteveGoodman no livro Sonic Warfare: Sound, Affect and the Ecology of Fear. Cambridge: MIT Press, 2010.Goodman tenta aglutinar vários estilos e tendências em um único termo, incluin<strong>do</strong> no termo um leque gigantescoqu vai desde o kwaito sulafricano ao funk carioca <strong>do</strong> Rio de Janeiro. (BAILEY, Thomas Bey William. What inthe world is "global ghettotech": radical riddims or neo-exotica?. http://vagueterrain.net/content/2010/03/whatworld-global-ghettotech-radical-riddims-or-neo-exotica(acessa<strong>do</strong> 10.01.2011)xviiCf. LEMOS, 2009.xviiiO livro é resulta<strong>do</strong> <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> projeto Modelos de Negócios Abertos – América Latina (OpenBusiness Models – Latin America), coordena<strong>do</strong> pelo Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação GetúlioVargas (FGV), em parceria com o Instituto Overmun<strong>do</strong>, apoio <strong>do</strong> International Development Research Centre(IDRC), e trabalho da FGV Opinião e da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE – <strong>USP</strong>).xixNos últimos anos, em São Paulo, a Serralheria, a Casa Dissenso o Otto Bistrot, Trackers entre outrosespaços vêm se despontan<strong>do</strong> como espaços culturais abertos para experimentações, que se mantêm economicamentecom algum tipo de serviço de entretenimento com produtora, estúdio, bar e loja de toyarte . “Serralheria é um espaçovolta<strong>do</strong> ao acontecimento, à criação e aos bons encontros.formas de expressão: música, vídeo, performance, artes gráficas, gastronomia e boas conversas. ”http://www.escapeserralheria.org/ (acessa<strong>do</strong> 17.01.201 1)“A Dissenso iniciou em 2005 como um selo de bandas e artistas que se opunham aos padrões musicais, sociais eculturalmente vigentes. Criatividade, experimentalismo e sinceridade eram requisitos mínimos exigi<strong>do</strong>s pelo selo.(...).Em 2007 a Dissenso ganhou um espaço físico, a Casa Dissenso, o selo se expandiu, atualmente, são produzidas e/oudistribuídas bandas nacionais e internacionais de grande peso no cenário da música alternativa e experimental. Alémda música, a Dissenso também apoia novos artistas, em parceria lançan<strong>do</strong> novos Toy Art genuinamente brasileiros ede qualidade!” http://www.dissenso.com.br/blog/sobre/ (acessa<strong>do</strong> 08.02.2011)xxhttp://www.planob.net/ (acessa<strong>do</strong> 12.01.2011)xxixxiihttp://www.ibrasotope.com.br (acessa<strong>do</strong> 14.01.2011)“Existe algo de nefasto nessa máquina de distribuição de dinheiro público para projetos artísticos,sociais, tecnológicos, ecológicos, demonstra<strong>do</strong>s nas políticas de concessões, nos tratos com as redes, nas políticas derepresentação, que é a decisão sobre o que é digno de ser legitima<strong>do</strong>.” (Borges & Novaes, 2010, p. <strong>16</strong>2)xxiiiGuattari, 1992, p. <strong>16</strong>4xxivGuattari, 1992, p.115 B uscam os a pesqui


I Jornada Acadêmica Discente – PPGMUS/<strong>USP</strong>xxvPara Jacques Attali (1985) a música cumpre as funções de ser: representação contra o me<strong>do</strong>,repetição contra a harmonia, composição contra a normalidade.

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