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“raça”, ação afirmativa e identidade negra no Brasil - USP

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as vastas zonas da África e da Ásia. Comessa situ<strong>ação</strong>, muitas mudanças podemser observadas na literatura da época. Emprimeiro lugar, os termos descrevendo acor dos seres huma<strong>no</strong>s se tornaram me<strong>no</strong>snumerosos, específicos ou especializados.Com o tempo, quase todos desapareciam,à exceção do “negro”, do “vermelho” e do“branco”, que tomam uma co<strong>no</strong>t<strong>ação</strong> étnica,absoluta, em vez de pessoal e relativa. O negrodesigna globalmente os nativos africa<strong>no</strong>sdo sul do Saara e seus descendentes; o branco– e às vezes o vermelho (claro) – designaos árabes, os persas, os gregos, os turcos,os eslavos e os povos vivendo ao <strong>no</strong>rte e aoleste das terras habitadas pelos negros. Àsvezes, para opor esses povos aos árabes epersas brancos, atribuem-se-lhes os qualificativossignificando alabastros, azul pálidoou diversos tons de vermelho. Em algunscontextos, o adjetivo “negro” é estendidode modo a incluir os india<strong>no</strong>s, mas não é oseu uso habitual (Lewis, 1982, p. 26). A essaespecializ<strong>ação</strong> e especific<strong>ação</strong> dos termosdescrevendo as cores da pele, acrescenta-seuma co<strong>no</strong>t<strong>ação</strong> muito nítida de inferioridadeassociada com peles mais escuras e maisparticularmente com peles <strong>negra</strong>s.A conquista e a cri<strong>ação</strong> de um vastoimpério árabe fizeram aparecer distinçõesinevitáveis entre povo conquistador e povosconquistados. Com a conversão dos povosconquistados ao Islã, uma distinção de classese estabeleceu entre muçulma<strong>no</strong>s árabes emuçulma<strong>no</strong>s não-árabes, numa situ<strong>ação</strong> bemsemelhante à dos autóctones cristãos <strong>no</strong>simpérios coloniais dos séculos XIX e XX.Apesar de a doutrina do Islã reafirmar incansavelmenteque os convertidos não-árabeseram iguais aos árabes e podiam até pretendera um estatuto superior graças à sua maior fé,os árabes, como os conquistadores de todosos tempos, eram pouco dispostos a concedera igualdade aos povos conquistados e mantiveramsua posição privilegiada sempre quepuderam. Os muçulma<strong>no</strong>s não-árabes eramconsiderados como inferiores e sujeitos a umasérie de restrições fiscais, sociais, políticas,militares e outras (Lewis, 1982, p. 46).Para os muçulma<strong>no</strong>s – como para todosos povos das outras civilizações conhecidasda história –, o mundo civilizado era pordefinição o deles. Eles se consideravamcomo os únicos que possuíam a ilumin<strong>ação</strong>divina e a verdadeira fé; o mundo exteriora eles era povoado de bárbaros e de infiéis.No mundo exterior, que se estendia alémdas vastas fronteiras do universo islâmico,os muçulma<strong>no</strong>s faziam algumas distinções.No leste se encontravam a Índia e a China,países pagãos, <strong>no</strong> entanto, respeitadosporque possuíam provas de alguns traçosde civiliz<strong>ação</strong>. No oeste estendia-se a Cristandade,antes bizantina e depois européia,reconhecida como rival por sua religião,sua cultura e sua visão do mundo. Foradisso, havia os bárbaros do <strong>no</strong>rte e do sul– brancos <strong>no</strong> <strong>no</strong>rte (turcos, eslavos e outros)e negros <strong>no</strong> sul, na África <strong>negra</strong> (Lewis,1982, p. 52).Essas sociedades eram principalmenteconsideradas como reserva de escravizadosa serem importados <strong>no</strong> mundo islâmico,e, como eles não dispunham também denenhuma religião digna de <strong>no</strong>me, deveriamser convertidos ao Islã.Nas Américas (do Norte e do Sul), existeuma identific<strong>ação</strong> absoluta entre a popul<strong>ação</strong><strong>negra</strong> e a escravidão. Mas <strong>no</strong> mundomuçulma<strong>no</strong> houve sempre escravizadosnegros e escravizados brancos. No entanto,a diferença entre ambas as categorias se dána termi<strong>no</strong>logia, <strong>no</strong> valor de compra e venda,<strong>no</strong> tipo de atividade e na mobilidade socialatribuídos aos dois tipos de escravizados(Lewis, 1982, pp. 63-4). Geralmente, naépoca medieval, dava-se aos escravizadosbrancos o <strong>no</strong>me de “Mamluk”, termo árabeque significa “possesso” e aos escravizadosnegros dava-se o <strong>no</strong>me de “Abd”. Com otempo, o termo “Abd”, que designava osescravizados negros, tomou, em numerososdialetos árabes, o sentido de “homemnegro”, fosse ele escravizado ou não. Osescravizados brancos, em particular asmulheres, custavam mais caro; além disso,os escravizados negros eram utilizados emcertas atividades a eles especificamente reservadas,e sua mobilidade social era maislimitada que a dos brancos.A naturaliz<strong>ação</strong> da escravidão <strong>negra</strong>encontra sua fonte de legitim<strong>ação</strong> na lendaREVISTA <strong>USP</strong>, São Paulo, n.68, p. 46-57, dezembro/fevereiro 2005-2006 55

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