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“raça”, ação afirmativa e identidade negra no Brasil - USP

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Como se vê, a ideologia veiculada peloculturalismo america<strong>no</strong> condena o universalismodos vitoria<strong>no</strong>s que consideravama cultura ocidental como instrumento deavali<strong>ação</strong> das outras culturas. Nesse sentido,a antropologia cultural, ou o culturalismoamerica<strong>no</strong>, foi uma das correntes antropológicasa defender as <strong>identidade</strong>s dos povosnão-ocidentais, embora saibamos que a questãoda integr<strong>ação</strong> dos negros e dos índios nasociedade americana é sempre atual.Quando acontece um encontro entreculturas, as atitudes preconceituosas de umaem rel<strong>ação</strong> à outra podem ser interpretadascomo uma defesa global de uma sociedadecontra qualquer intrusão estrangeira ressentidacomo uma ameaça. Atitude essa queClaude Lévi-Strauss considera universale necessária, embora represente o preçoa pagar para que os sistemas de valoresde cada comunidade sejam conservados.A desconfiança em rel<strong>ação</strong> ao “outro” atéa sua rejeição condiciona a presumida sobrevivênciadas comunidades. Os povos eas etnias teriam de escolher entre a mortecultural por excesso de abertura aos outrose a preserv<strong>ação</strong> do seu “ser” distintoem oposição aos outros, começando pelofechamento em tor<strong>no</strong> de si (Lévi-Strauss,apud Taguieff, 1988, pp. 246-7).Pierre-André Taguieff critica esse posicionamentode Lévi-Strauss e de outrosetnólogos que, ao naturalizarem as atitudespreconceituosas, conferem um fundamentolegítimo ao et<strong>no</strong>centrismo e à xe<strong>no</strong>fobia.Taguieff se pergunta se Lévi-Strauss nãoestaria reforçando hoje a posição dos defensoresda funcionalidade do preconceitoracial. Ele acha difícil não ver nessa posiçãodo etnólogo um discurso legitimador doimperativo cultural de excluir o estrangeiroe de evitar qualquer mistura com suasmaneiras de ser e de pensar defendida hojena França pelo nacional-populismo e pela<strong>no</strong>va direita (Taguieff, 1988, pp. 246-7).Apesar da crítica, Lévi-Strauss, como osmelhores defensores das <strong>identidade</strong>s culturaisparticulares, rejeita todo apelo a umsujeito huma<strong>no</strong> universal.A defesa do ensi<strong>no</strong> da diversidade nasescolas formais resulta do debate sobre asreivindicações dos grupos nas sociedadespoliétnicas. W. Kymlicka lembra que, depoisda Segunda Guerra Mundial, muitosliberais esperavam que a ênfase colocadasobre os direitos do homem (<strong>no</strong>tadamenteem 1948, pela Declar<strong>ação</strong> Universal daONU) resolveria por si os problemas dasmi<strong>no</strong>rias. Pensavam eles que, em vez deproteger os grupos diretamente através dosdireitos especiais dados a seus membros, asmi<strong>no</strong>rias culturais seriam numa certa medidaprotegidas indiretamente através das garantiasdadas a todos os indivíduos quanto aseus direitos civis e políticos fundamentais,sem consider<strong>ação</strong> do seu pertencimento aqualquer grupo. Um raciocínio implícitosustentava essa esperança: os direitos fundamentaisreconhecidos à pessoa humana,como a liberdade de expressão, a liberdadede associ<strong>ação</strong>, a liberdade de consciência,embora atribuídos a indivíduos, são de fatosempre exercidos em comunidade com outrosindivíduos, e nesse sentido o reconhecimentode tais direitos individuais protege, ipso facto,a “vida do grupo”. Enquanto os direitosindividuais forem firmemente protegidos,não será necessário atribuir outros direitosaos membros de uma comunidade qualquer(Kymlicka, apud Mesure & Renaut, 1999,pp. 211-2).Kymlicka defende a idéia de que essemodelo, que havia permitido ao Estadomoder<strong>no</strong> nascente regular os problemasdas guerras de religião, não poderia maisser aplicado hoje ao problema das mi<strong>no</strong>riasculturais. Pois, se o Estado se colocar comoneutro perante as questões provocadas peladiversidade dos grupos étnico-culturais,será estruturalmente incapaz de resolveras questões resultantes da controvérsiaconcernente às mi<strong>no</strong>rias (Kymlicka, apudMesure & Renaut, 1999, pp. 212-3).A dificuldade se deve ao fato de queas doutrinas tradicionais dos direitos dohomem respondem mal às questões depráticas efetivas da democracia. Na maioriados casos, por si mesmas, não fornecemrespostas. Por exemplo, o direito de livreexpressão nada diz quando se trata de sabero que deveria ser uma política lingüísticaadaptada a uma situ<strong>ação</strong> de coexistênciaREVISTA <strong>USP</strong>, São Paulo, n.68, p. 46-57, dezembro/fevereiro 2005-2006 51

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