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Saber mais - versão digital - Fundação Portuguesa das ...

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Francisco Leiria Viegas | Presidente do Conselho de Administração da Fundação <strong>Portuguesa</strong> <strong>das</strong> ComunicaçõeseditorialEm 2004, rompemos com o modelo de revista institucional daCódice, transformando uma revista de imagem num repositóriocoleccionável de documentos e trabalhos de investigação.Fizemo-lo por dois motivos: por ser nossa convicção que havia mercadoe leitores interessados numa revista de estudos e trabalhos sobre osector <strong>das</strong> Comunicações; e por ser nosso objectivo estimular o apa -recimento de <strong>mais</strong> estudiosos e interessados naquele que é o objec -to e a razão de ser da Fundação <strong>Portuguesa</strong> <strong>das</strong> Comunicações.Um ano decorrido sobre o início desta nova fase da Códice, apraz-meverificar que todos os nossos objectivos foram cumpridos. Mantivemosos nossos leitores e encontrámos outros interessados, novos públicosde todos os quadrantes e faixas etárias. Contribuímos para despertarnovas curiosidades sobre o sector, criando um espaço de troca de infor -mação e porventura incentivando o aparecimento de novos trabalhos.Conseguimos, ao mesmo tempo, não sacrificar a qualidade gráfica ea atractibilidade da revista, que assim pode continuar a angariarnovos públicos e a divulgar, de forma <strong>mais</strong> alargada, o vasto patrimóniohistórico, cultural e científico que nos foi legado.A aposta está ganha.Com a recente obtenção do Grande Prémio da Associação Portugue -sa de Comunicação Empresarial, vimos reconhecida a excelência danossa opção e o mérito do desafio que assumimos. Compartilhamoseste motivo de orgulho com os nossos leitores, a quem agradecemosa fidelidade e o incentivo.Prometemos continuar a trabalhar afincadamente para eles, ten -tando aperfeiçoar um modelo que, esperamos, corresponda às suasexpectativas.Para os nossos leitores, votos de um Bom 2006.


4Júlia Saldanha | Licenciada em História Pela Universidade de Coimbra - Quadro Superior da FPCItinerâncias e comunicaçõesno Portugal medievalSãoTiago combatendo os Mouros. Museu Nacional de Arte AntigaOespaço português após o reconhecimento de D. Afonso Henriquescomo rei de Portugal, em 1143, não deixando de ser um territó -rio instável pelas lutas constantes entre os guerreiros do Islão e as popu -lações cristãs, foi consolidando as infra-estruturas necessárias a umreino independente, conquistando paulatinamente ao Al-Andaluzos territórios a sul: Leiria - 1145, Lisboa e Santarém - 1147, Évora - 1165.Também as tácticas militares e o espírito guerreiro dos primeiros reisde Portugal, apesar dos auxílios externos de cruzados e ordens mili -tares, não deixaram de ter importância na consolidação do País, cons -truindo castelos e muralhas para defesa e protecção de bens e popu -lações.O território português detinha assim dois tipos de geografia social: umaa norte, a chamada região entre Douro e Minho, com um grau deestabilidade demográfica crescente, e posteriormente as Beiras eprincipalmente a Estremadura que, por ter sido objecto de conquis -tas e reconquistas constantes entre «Mouros» e cristãos, cujo saquede populações fronteiriças era vulgar, dificultou a fixação de popu -lações, que os nossos reis, através de doações de grandes espaços aordens militares, procuraram colmatar os Templários em Tomar, ou aordens regulares, a ordem de Cister, Alcobaça.Ao longo do século XIII e XIV, já com a conquista definitiva do Algar -ve em 1248, Portugal surge com um território muito desigual na suaocupação: o Norte e Centro muito populosos e férteis, apesar demuito acidentados, cedo se autonomizaram em concelhos, que deti -nham as suas autoridades civis e económicas; o Sul, fruto da recen -te reconquista, despovoado e também menos fértil, foi <strong>mais</strong> sujeitoa pressões senhoriais, quer do clero, quer dos grandes senhores, umavez que o seu povoamento se tornou <strong>mais</strong> problemático com o recuomuçulmano.Fortemente condiciona<strong>das</strong> pelos sucessos militares da reconquista,as estruturas sociais e económicas do Portugal medievo, poder-se-iamcaracterizar de precárias, onde a pobreza da maioria da população erauma constante, tornando-se a, partir de meados do século XIII <strong>mais</strong>desafogada, através da consolidação <strong>das</strong> estruturas políticas e sociais.As infra-estruturas da mobilidadeFace à precariedade e instabilidade sócio-económica a que o nossoterritório foi sujeito ao longo de séculos, principalmente durante osséculos X a XII, torna-se uma evidência a acentuada capacidade/neces -sidade de mobilidade <strong>das</strong> populações, face a constantes «razias» e«correrias» a que estavam sujeitas.O condicionalismo militar no território, levou a que grande parte dapopulação vivesse no limiar da pobreza, protegendo-se junto de cas -telos ou mosteiros, deslocando-se assim para lugares <strong>mais</strong> seguros.Também o carácter religioso e o espírito de cruzada contra o Islãoque imbuía quer os combatentes, quer as populações de ambos oslados tornava a conquista/reconquista dos territórios um acto sacra -lizado. Veja-se a lenda da batalha de S. Mamede, reforçando as prá -ticas religiosas que, face à fragilidade e precariedade já antes refe -ri<strong>das</strong>, a par dos surtos epidémicos de grande ferocidade, originaramcultos religiosos singulares na Península Ibérica.O homem medieval, perante a precariedade que o envolvia, «fome,peste e guerra», desenvolveu um conceito apocalíptico de vida, ondea morte e o julgamento de Deus estão sempre presente nos seusactos quotidianos, relembrados continuamente pela Igreja e suasinstituições.Procuraremos assim analisar as motivações da circulação <strong>das</strong> popu -lações, como o faziam, e quais as estruturas de apoio existentes noPortugal medievo, privilegiando, não as categorias sociais possiden -tes, nobreza, ou as várias categorias do clero, mas os «vilãos»,


6Nossa Senhora da Visitação. Livro de Horas de D. Leonor.O dragão/besta e os espíritos imundos, Livro do Apocalipse do Beato de Liebana.a grande massa produtiva, que num regime social hierarquizado se classificavacomo «dependentes», para além <strong>das</strong> franjas marginais <strong>das</strong>ociedade, como pedintes e leprosos, que pelo rasto testemunhaldeixado, conforme veremos, deveria ser considerável.Camponeses, mesteirais, artesãos, mercadores, peões, servos, pedin -tes e caminhantes, cremos que aceleraram o desenvolvimento <strong>das</strong> redesde comunicações viárias, comerciais e ideoló -gicas do reino, pressionando o seu estabeleci -mento, procurando a sua optimização, sedi -mentando conhecimentos e tradições, numarede informal de contactos que, a par dos sis -temas for<strong>mais</strong> de comunicação detidos pelasclasses possidentes, largamente a excedia.Os viajantesO conceito de viagem no Portugal medievo,pelos perigos e precariedade de condições queexistiam, assaltos, estado <strong>das</strong> vias, as condiçõesdo terreno, o pagamento de portagens e outrasalcavalas, como de resto em toda a Europa,era francamente restritivo e desmotivador,pelo que o motivo da deslocação se revestiasempre de um carácter essencial/profundopara o seu promotor: comercial - os almocreves, mercadores, arte -sãos, religioso - os peregrinos, os caminhantes, os pedintes, os lepro -sos.Os almocreves e as feirasPor definição, os almocreves tinham como função o transporte demercadorias por contrato, podendo também tratar dos seus negóciosou, quando transportando a sua própria mercadoria, transformavam-seem mercadores.As vilas e cidades tinham normalmente os seus almocreves, parademanda dos produtos de que careciam.Esta actividade revestia também o carácter de imposto nas regiõesonde dominava o senhor, que anualmente exigia o «direito de carreira»aos seus vassalos, transportando mensagensou mercadorias onde lhe fosse exigido.O preço do transporte <strong>das</strong> mercadorias era emfunção do tempo que gastavam na deslocaçãoe as taxas de circulação a que estavam sujeitaspessoas e mercadorias, como as sisas e portagens,e também conforme a época do ano: de Outubroa Março, verificava-se um acréscimo de 25%,pelas dificuldades do Inverno.Normalmente viajavam em grupo para protecçãoe auxílio entre si.Em muitos concelhos, o rei detinha este direitosobre todos os almocreves, que anualmente lhedeveriam prestar um serviço.Eram assim os almocreves, também denominadosazeméis, recoveiros, caminheiros e carreteiros,que tinham a função de transportar nos seusani<strong>mais</strong> as mercadorias que necessitavam as populações: sal, cereais,peixe , fruta, gado, vinho, azeite, mel e produtos manufacturados.Os transportesO transporte destes produtos fazia-se normalmente por ani<strong>mais</strong>:cavalos, mulas e burros que, com alforges, sacos e atados, desloca -vam a carga de viagem.


8TorreBragaGuimarãesVale de CamposMiranda do DouroSanto EstevãoSanto TirsoConstantimLeçaPortoGaiaPoiaresLamegoNumãoSalamancaSernancelheEsta era taxada, através doscaminhos ou vias, públicas oupriva<strong>das</strong>, conforme atingissem10 arrobas (150kg, a carga maior;ou menos de 10 arrobas, a cargamenor. ) 1Também a deslocação e o trans -porte a pé era muito frequente,existindo a expressão «costa»ou «costal», para designar umsaco ou um atado transportadoàs costas, equivalendo a 45 kg.As linhas comerciaisMoreiraSatãoPinhelTrancosoAlmeidaViseu Vila FrancaCelorico JarmeloÁguedaLinharesCastelo MendoRecardãesS. PaioGuardaAvelãsGouveiaCarvalhais MortáguaVacariçaSanta Comba Dão BelmonteSabugalBotãoLourosaS. MartinhoCovilhãCoimbraCernachePoiaresEgaSourePenelaRedinhaPombalAlvaiázereLeiriaPiasAljubarrotaTomarAlcobaçaAlfeizerãoAbrantesAlcanedeAtouguiaÓbidosSerra del ReiCratoLourinhãSantarémAlcoentreVila VerdeTorres VedrasValada MugoFronteiraAlenquer Salvaterra de MagosAvisAlvercaCorucheEstremozOdivelasFrielasAlvogasVila ViçosaBenficaLisboaArraiolos AlandroalMontemor-o-NovoAs estra<strong>das</strong>, carreiras e vias queconstituíam a rede viária do reino,Silveseram fundamentalmente as deFaroorigem romana, o chamado eixoNorte-Sul, Braga a Lisboa, sur -gindo no entanto outras vias,normalmente junto de portos fluviais ou aglomerados populacionaisimportantes.Podemos assim identificar no país as linhas comerciais determinan -tes para o fluxo dos produtos: 2A região NorteCom os núcleos principais do Porto, Bragança, Chaves, Lamego eViseu, onde se documenta a periodicidade da ida de almocreves ao Portopara a compra de peixe.A região Centro-NorteCom os núcleos populacionais Coimbra e Aveiro.SetúbalMaratecaAlcáçovasVianaBejaÉvoraVias de comunicação terrestres,Itinerário de D. Dinis, 1279-1325.As ten<strong>das</strong> fixas, 1492.Coimbra, um centro de encruzi -lhada de vias para o interior epara o litoral que, por ter sido lar -gas déca<strong>das</strong> a fronteira do Con -Portalegredado Portucalense, estabeleceuArronchesMonforteredes de comunicação importan -ElvasBadajozBorbates.JuromenhaA carta de D. Fernando de 1377sublinha precisamente estas vias:Viseu, Porto, Leiria, Figueiró dosVinhos, Santarém e Lisboa.Aveiro, centro de sal e peixe porSerpaexcelência, detinha intenso co -mér cio com o interior do País e asregiões costeiras, nomeadamenteLamego e Porto.A região Centro-SulTem os seus núcleos fundamen -tais em Lisboa, Santarém e Setú -bal, com o Alto Alentejo, particu -larmente Évora (cereais) como centro comercial importante, sobretu -do a partir do século XV.A estra<strong>das</strong> <strong>mais</strong> utiliza<strong>das</strong> por mercadores e almocreves desta região,transportando trigo e peixe, eram Santarém/Coimbra e Lisboa/Mon -temor-o-Novo/Évora.A região Sul - Baixo Alentejo e AlgarveExistiam fortes ligações comerciais entre a planície do Alentejo e o Algar -ve, herdeiras da tradição do Al-Andaluz, cujos laços nunca se quebraram,permanecendo uma rede de caminhos que ligava os portos deLagos,Faro e Tavira a Ferreira do Alentejo, Beja e Évora.


9Para finalizar, poderemos afirmar quea rede viária fundamental e de maiorimportância económica era a estradaLisboa/Santarém/Coimbra/Porto.O transporte fluvial, ou marítimo uti -lizava um tipo de embarcações depequeno porte, para subir os rios echegar a pequenos portos fluviais,que ora utilizavam velas, as naus, oua força dos remos,as galés e, parapesca e pequenas cargas, as carave -las, o baixel e outras designações locais.A utilização dos portos fluviais eramuito frequente, suprindo as defi -ciências e as alcavalas dos percursos terrestres, assim entre os sécu -los XII e XIV, mencionam-se com frequência em documentos os seguin -tes portos: Valença, o rio Minho; Viana, a foz do rio Lima; Vila do Condea foz do rio Este; Porto e Gaia, o rio Douro; Ovar, Estarreja, Vagos e Buar -cos, o rio Mondego; Paredes, Pederneira, S. Martinho, Alfeizarão, Salir,Atouguia, Lourinhã, Ericeira, Lisboa e Almada, o rio Tejo; Setúbal eÁlcacer, o rio Sado; Odemira, o rio Mira e Arrifana, Lagos, Alvor, Silves,o rio Arade.A comercialização dos produtos. As feirasA troca e comercialização dos produtos após o seu transporte eramfeitas nas povoações em locais próprios designados muitas vezesindistintamente como açougues, mercados e feiras.O açougue era o mercado diário, existente nas cidades ou povoadosimportantes, reunindo ten<strong>das</strong> fixas ou de armar para os produtosde artesãos, concorrendo os lugares em redor com os seus exceden -tes agrícolas, sujeitos a uma regula -mentação apertada, sendo toda amercadoria transaccionada sujeita aimposto.A feira era um mercado periódico,estando muitas vezes ligada a roma -rias e festividades religiosas.A sua instituição era um factor dedesenvolvimento da localidade onde serealizava, quer pelos produtos queatraía, trazidos por mercadores e almo -creves, quer pelo consumo que gerava,tornando-se assim, a partir do séculoXIII, um dos meios que D. Afonso III eD. Dinis adoptaram para povoamento e atracção <strong>das</strong> populações e daactividade comercial, principalmente junto às regiões fronteiriças dointerior.A sua duração era variável, sendo as anuais e mensais as <strong>mais</strong> comuns,isentando populações e produtos de taxas e imposto a que normal -mente estavam sujeitos, pelo que se poderá desenhar um trânsito perió -dico que almocreves e mercadores não deixariam de frequentar.Regiões Século XII Século XIII Século XIVEntre-Douro e Minho 2 7 3Trás-os-Montes 1 13 3Beira 13 4Estremadura 3 2Alentejo 6 4Algarve 1


10A estalagem, 1492.A abertura dos 4 selos. Livro do Apocalipse do Beato de Liebana.A concessão da feira de Ponte de Lima em 1125 é o documento <strong>mais</strong> anti - No entanto, as classes possidentes, usando os direitos de aposenta -go relativo a feiras, e só no século XIII se generalizaram mas de forma doria, aboletando casas e seu recheio, eram objecto de muitas denún -desigual, tendo sido o Norte e o interior norte as regiões que <strong>mais</strong> bene - cias dos concelhos junto do rei, sendo frequente o pedido do esta -ficiaram destas instituições. 3belecimento <strong>das</strong> estalagens para colmatar tais abusos. No entantofoi deficiente a sua expansão e funcionamento.A hospedagemTambém o termo «estáos» é referido para designar estalagens, prin -Mercadores, almocreves e todos os viajantes de fora poderiam hos - cipalmente no século XIV.pedar-se em locais próprios, as estala -Sousa Viterbo transcreve uma ordem degens, ou em casas aluga<strong>das</strong>.D. Afonso V de 1449 definindo «que nosAs estalagens frequentemente erambairros dos senhores que tivessem paçospertença do rei, «estalagens reais»,na cidade de Lisboa, se fizessem estáos,em contratos de arrendamento, sem -em que os seus pudessem pousar porpre em localidades com mercados ouseus dinheiros».feiras importantes, que obrigavam ostranseuntes a nelas pernoitar.Os peregrinosVeja-se a queixa do concelho de Santa -Durante a Idade Média, o culto cristãorém a D. Dinis, e a sua resolução em 1289,na Península Ibérica revestiu caracte -pela qual D. Afonso III impôs aos homensrísticas próprias de território constan -vindos de fora a obrigatoriedade de per -temente assolado por intervenções mili -noita nas estalagens reais e ao paga -tares contra o Al-Andaluz, cujos habi -mento de dois soldos por cada carga.tantes na época, eram designados porEste tipo de apoio era bastante irregu -«Mouros», os infiéis. Este facto origi -lar, tornando-se <strong>mais</strong> usual a partir donou que as populações, fustiga<strong>das</strong> pelaséculo XIV, como demonstram os docu -insegurança da guerra, a par <strong>das</strong> insu -mentos, e já com a concorrência de particulares.ficiências alimentares e físicas, adoptassem um espírito religioso apo -A carta de concessão da estalagem de Setúbal a João Palmeiro em calíptico, onde a presença da morte é constante, principalmente até1328,constitui exemplo deste tipo de estabelecimento impondo-lhe, ao século XIV.o preço dos fornecimentos e palha para as cavalgaduras, deixando livre São Tiago de Compostela, para além de Jerusalém e Roma, era con -o ajuste quanto a roupas de cama, comida e luz, pagando o preço usual siderado um dos maiores lugares santos da cristandade europeiada terra. 4 medieval, principalmente a partir do século XI.


13O peregrino.O viajante, Hieronymus Bosch.O Papa Calisto II, instituindo o Ano Santo Jacobeu, e o seu sucessor,Alexandre III (1159-1181), ao outorgar o Jubileu, concede a indulgên -cia plenária (remissão dos pecados) a quem visite o templo de São Tiagonos anos em que o dia 25 de Julho coincidir com o dia do Senhor, odomingo.A sua popularidade por toda a Europa foi enor -me, instituindo-se diversos caminhos, con -forme a região donde se partia, dota -dos de infra-estruturas de apoiocomo hospedagens e hospitais.Construíram-se pontes, mostei -ros, igrejas e até se fundaraminúmeras povoações junto aoscaminhos de Santiago.Assim, pela proximidade e vizi -nhança do santuário, a via -gem de peregrinação a SãoTiago de Compostela seriausual no reino de Portugal,utilizando-se a via Porto-Braga--Ponte de Lima-Tui, para além doterritório ser atravessado por peregrinosespanhóis, franceses e outrosvindos do sudeste ou de leste, que passavampor Bragança e Chaves.Viajavam a pé e em grupo, com um bordão deapoio e um alforge com alguma comida e roupa. Fre -quentemente pediam esmola para prosseguir viagem, uma vez quea fé de cumprir promessas e penitências, ou a vontade de salvar a alma,não cabiam as distinções sociais.A frequência destas peregrinações motivaram a construção e repa -ração de caminhos e pontes, estabelecendo-se barcas para a tra -vessia de rios, construindo-se hospícios e albergues, para acolhimentodos peregrinos.Os pobresAs condições socio-económicas do Portu -gal medieval, pelos seus condicionalis -mos, palco constante de razias edevastações nos campos, tornougrande parte da sua populaçãoindigente. Muitos necessitavamde deslocar-se para supriras suas necessidades básicas.O carácter itinerante do pobremedieval é uma realidade,pois este só obteria esmola eassistência ao longo dos cami -nhos e locais de passagem,uma vez que os povoados erammuito restritos e carenciados.No entanto, poderia usufruir de todauma rede de apoios gratuitos em fun -ção da sua itinerância:> dádivas de alimentos ou refeição nas casaabasta<strong>das</strong>, usualmente uma vez por semana;> permissão de respigar o resto <strong>das</strong> colheitas, e colher afruta do chão;> as festas em honra dos santos populares nas localidades,principalmente no Norte e Centro do País, incluíam usualmente


14As obras de Misericórdia, Brueghel, o novo.dádivas de comida, os chamados «bodos», «fogaceiras»,«tabuleiros», «festas de pão bento», que eram usuais de Junhoa Outubro;> os magustos públicos, a matança do porco, o Natal e a Páscoa, eramtambém ocasião para a gratuitidade de alimentos.> os funerais de pessoas abasta<strong>das</strong> incluíam sempre dádivas de ali -mentos, para além de frequentemente as cláusulas dos testa -mentos preverem doações alimentares .Para se abrigar, o pobre recorria às instituições de assistência, comomosteiros, albergarias e hospitais, que o acolhiam, estabelecendonor malmente um máximo de três noites e duas refeições, a de chegadae a de saída.Os limites de hospedagem verificados, denotam que os pedintesdeveriam ser em grande número, pelo que as instituições procuravamdelimitar a sua assistência.A itinerância dos pobres tinha assim dois ritmos: o semanal, de portaem porta e o periódico, em função <strong>das</strong> festas e romarias, transfor -mando-os no mensageiro ideal para transmitir recados, ou os acon -tecimentos <strong>das</strong> localidades vizinhas.Os doentesA lepra foi um dos maiores flagelos da Idade Média europeia, atingindotambém Portugal, uma vez que a presença de cruzados, guerreiros eviandantes foi uma constante durante a reconquista.Os leprosos eram objecto de grandes discriminações, não podendo vivernas povoações. Limitando-se a mendigar junto às portas <strong>das</strong> vilas oucidades, ou a abrigarem-se em instituições próprias, as gafarias,situa<strong>das</strong> junto de estra<strong>das</strong>. Como veremos pelo seu número, a popu -lação atingida deveria ser grande.Entre os séculos XII e XIV, as populações do reino foram vitímas de diver -sos surtos epidémicos, como as febres palustres no reinado de D. San -cho I em 1188, a peste bubónica, entre 1333 e 1423, e o tifo em 1465. 5A assistênciaAs instituições de assistência estão directamente liga<strong>das</strong> ao cultocristão <strong>das</strong> obras de misericórdia que todo o crente deveria exercer,incentivado pela Igreja, sempre presente. Acentuaram-se nesta épocaas acções de alimentar os pobres, tratar os doentes e albergar oscaminhantes, tentando suprir as carências de uma grande parte dapopulação.As acções de assistência particularesA assistência aos <strong>mais</strong> desfavorecidos praticada pelas classes abas -ta<strong>das</strong> era feita em vida, ou através de cláusulas testamentárias, fun -dando mosteiros, albergarias e hospitais, ou promovendo obras liga -<strong>das</strong> à construção e desenvolvimento de vias de comunicação: empe -drar caminhos, edificar pontes ou instituir barcas de passagem gra -tuita nas vias fluviais considera<strong>das</strong> na época obras de misericórdia.Entre os séculos XII e XIV verifica-se um grande desenvolvimentodeste tipo de edificações no Norte e Centro do País, nomeadamen -te as pontes nos rios Douro, Mondego, Ave e Vouga.As barcas de passagem, «por amor de Deus», gratuitas, tambémforam muito vulgares em Moledo e no Douro.Os mosteirosPor Portugal ter sido palco de constantes devastações militares, con -quistando esforçadamente o seu território, com a ajuda quer de cru -zados, quer <strong>das</strong> ordens militares, como os Templários, D. Afonso Hen -riques e os seus sucessores tiveram necessidade de os compensar, doan -do-lhes terras, que facilitaram a povoação de regiões fronteiriças,


19NOTAS1Ver A. H. De Oliveira Marques, Portugal em definição de fronteiras, p. 496.2Ver Humberto Baquero Moreno, A acção dos almocreves...3Ver A. H. Oliveira Marques, Portugal em definição de fronteiras, p. 507.4Ver Henrique da Gama Barros, História da Administração Pública em Portugal nosséculos XII a XV, vol. V, p. 207.5Ver Fernando da Siva Correia, Origem e formação <strong>das</strong> Misericórdias portuguesas.6ver Fernando da Silva Correia, Origens e formação <strong>das</strong> Misericórdias em Portugal,p. 378.BIBLIOGRAFIAALMEIDA, C.A Ferreira, “Os caminhos e a assistência do Norte de Portugal”, in A pobrezae a assistência aos pobres na Península Ibérica durante a Idade Média, Lisboa,Instituto de Alta Cultura, 1973, pp. 39-57.AZEVEDO, Carlos Moreira (dir.); JORGE, Ana Maria (coord); RODRIGUES, Ana Maria(coord), História religiosa de Portugal. Formação e limites da Cristandade, vol.1, Lis -boa, Circulo de Leitores, 2000.BARROS, Henrique da Gama, História da Administração Pública em Portugal nos sécu -los XII a XV, 2ª ed., vol. 5, Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, s. d.COELHO, Maria Helena da Cruz, “A acção dos particulares para com a pobreza nos sécu -los XI e XII”, in A pobreza e a assistência aos pobres na Península Ibérica durantea Idade Média, Lisboa, Instituto de Alta Cultura, 1973, pp. 231-257.CORREIA, Fernando da Silva, Origens e formação <strong>das</strong> Misericórdias portuguesas. Lis -boa, Livros Horizonte, 1999.MARQUES, A. H. de Oliveira; DIAS, João José Alves, Atlas histórico de Portugal e doUltramar português, Lisboa, Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lis -boa, 2003.MORENO, Humberto Baquero, A acção dos almocreves no desenvolvimento <strong>das</strong> comu -nicações inter-regionais portuguesas nos fins da Idade Média, Porto, Brasília Edito -ra, 1979.SERRÃO, Joel (dir); MARQUES, A. H. de Oliveira (dir.; coord)), Nova História de Por -tugal. Portugal. Das invasões germânicas à “reconquista”, vol. 2, Lisboa, Editorial Pre -sença, 1993.SERRÃO, Joel (dir); MARQUES, A H. de Oliveira (dir); COELHO, Maria Helena da Cruz(Coord), Nova História de Portugal. Portugal em definição de fronteiras. Do condadoPortucalense à crise do século XIV, vol. 3, Lisboa, Editorial Presença, 1995.VITERBO, Joaquim de Santa Rosa, Elucidário <strong>das</strong> palavras, termos e frases que emPortugal antigamente se usaram. Edição crítica de Mário Fiúza, 2 vols, Porto, LivrariaCivilização, 1965-1966.


20Fernando Moura | Licenciado em História Pela U. L. - Quadro Superior da FPCJosé Diogo Mascarenhas NetoO Homem da MudançaJosé Diogo Mascarenhas Neto, (1799-1805), arquivo iconográfico da FPC.Em 2005, ano em que passam dois séculos sobre o terminus doconsulado do Dr. José Diogo Mascarenhas Neto como superin -tendente geral dos Correios e Postas do Reino, impõe-se, com toda ajustiça, uma breve reflexão sobre acção deste grande estratega doscorreios portugueses.Pode-se afirmar, sem qualquer espécie de dúvida, que o Dr. MascarenhasNeto se encontra entre as personalidades que maior importânciativeram no desenvolvimento dos sistemas de comunicações implan -tados em Portugal.Apesar da curta duração do seu mandato à frente dos destinos doscorreios (perto de seis anos), viria a revelar-se como um homem deextraordinária visão e capacidade organizativa, que nos permite con -siderá-lo como o nosso primeiro reformador dos serviços postais.Porém, antes de se referir a acção de Mascarenhas Neto, enquantohomem da mudança, parece-nos importante fazer um breve relancesobre a evolução dos Correios, com especial destaque, para os momen -tos imediatamente anteriores à sua chegada ao cargo de superin -tendente geral dos Correios e Postas do Reino.O Estado assume a exploração dos CorreiosO despotismo esclarecido, reinante na segunda metade do séculoXVIII, não se coadunava com a ideia de que um serviço tão sensívelcomo o dos correios pudesse estar nas mãos de particulares. Assim,reclamando a necessidade de dotar o país de uns correios de cariz ver -dadeiramente públicos e assumir a exploração de um serviço que nãocondizia com a actividade privada, era decidida, em 1797, a sua pas -sagem para a Coroa.Deve salientar-se, no entanto, que para além da evidente necessidadede criar um serviço de correios <strong>mais</strong> eficaz, para responder às novassolicitações dos cidadãos e retirar da exploração particular um servi -ço tão sensível, duas outras razões bem importantes estavam, tam -bém, subjacentes a esta tomada de decisão do poder:> Os correios constituíam uma excelente fonte de rendimento, oque ajudaria a fortalecer os cofres do Estado; e,> O controlo da circulação da informação era uma arma indispensávelà consolidação de um Estado centralizado e forte.José Diogo Mascarenhas NetoÉ neste contexto de passagem da exploração dos correios para as mãosdo Estado que surge a figura do Dr. José Diogo Mascarenhas Neto, apósum compreensível período e transição de <strong>mais</strong> de um ano e meio. Defacto e, apesar de ter sido iniciado todo este complicado processo, aindano ano de 1797, seria somente a 20 de Janeiro de 1799 que este magis -trado assumiria, de facto, o lugar de superintendente geral dos Cor -reios e Postas do Reino.Sabe-se que nasceu em Alcantarilha, no Algarve, em 1752, sendo filhodo Dr. João Jacinto Neto, capitão-mor de Silves e de D. Ana Paula deMendonça Mascarenhas Neto.De magistrado a superintendente geral<strong>das</strong> Estra<strong>das</strong>Depois concluir o curso de Direito, na Universidade de Coimbra, dedi -cou-se à magistratura, vindo a ser colocado como juiz de fora de Lei -ria, em 1781.Cinco anos <strong>mais</strong> tarde, em 1876, tomava posse como corregedor nacomarca de Guimarães. Nesta cidade, viria a evidenciar grandes qua -lidades, elaborando uma interessante estatística da comarca, que dedi -cou ao Governo, com curiosas observações sobre as actividades eco -nómicas da região de Entre-Douro e Minho.Muito provavelmente por se ter distinguido neste lugar, em 1788, viria


22Móvel divisor, início do século XIX, património museológico da FPC.Regulamento provisional, 1799, arquivo iconográfico da FPC.a ser encarregado da construção da estrada de Lisboa aoPorto, mostrando nestas novas funções eleva<strong>das</strong> capacidadesorga nizativas e grande competência técnica, que mereceramras gados elogios dos seus superiores.A regularidade e a economia que caracterizavamos tra balhos da sua construção, bemcomo o primor técnico com que estesse efectuavam, foram, certamente, algumas<strong>das</strong> razões que terão levado o Governoa sugerir à Coroa a indigitação de MascarenhasNeto para o lugar de superintendentegeral <strong>das</strong> Estra<strong>das</strong> do Reino. Assim, pordecreto de 14 de Abril de 1791, era nomeadopara este cargo de tão grande responsabilidade.Sabe-se que desempenhou com grande efi -ciência este cargo, continuando a construçãoda estrada de Lisboa ao Porto que, numapri meira fase e com algum prejuízo para odesenvolvimento do País, viria a ficar-se porCoimbra.Em 1794, volta à magistratura, como desembar gador do Tribunalda Relação do Porto de onde sairia, so men te, quandochamado para novos desafios como supe r intendentegeral dos Correios e Postas do Reino.O superintendente geraldos Correios e Postas do ReinoAs qualidades revela<strong>das</strong> no exercíciodos vários cargos desempenhadosno decurso dos dezoito anos de carreiraprofissional faziam perspectivar um futuroauspicioso à frente dos destinosda Superintendência Geraldos Correios e Postas do Reino paraque fora nomeado, em 20 deJaneiro de 1799.A já referida passagem da exploração doscorreios para oEstado, ocorrida emMarço de 1797, exigia dos novos res ponsáveisdos serviços postais um profundo empenho,com vista à sua desejada recon versão, porforma a torná-los <strong>mais</strong> capa zes de assumir asua verdadeira função pública e social.Para cumprir este objectivo que, aliás,havia constituído uma <strong>das</strong> principaisrazões da assunção dos correiospelo Estado, tornava--senecessário avançar com um conjuntode reformas, visando umamelhor cobertura do país e o estabelecimento decircuitos de trans porte <strong>das</strong> correspondências <strong>mais</strong> eficazes.Figura de grande competência e extrema mente dinâmico,ao Dr. José Diogo Masca renhas Neto se ficariam adever alguns diplo mas que, desde logo, dei-


23xaram perceber o cariz vincadamente públicoque se pretendia imprimir aos nos sos correios.Porém, ainda antes da chegada de MascarenhasNeto aos correios, foram avança<strong>das</strong> duasmedi<strong>das</strong>, através de dois importantes documentos,em que já se denotava uma claraintenção de evidenciar uma diferença entre aadmi nistração estatal e a dos antigos correiomores.A primeira medida dizia respeito à promulgação do alva rá de 20 de Janeirode 1798, em que a Repartição da Mari nha era encarregada deexpedir, em cada dois meses, dois paquetes correios para o Brasil,com destino aos portos de Assu e Baía, tendo em vista servir as <strong>mais</strong>diversas capita nias. O paquete que se destinava a Assu servia asCapitanias de Pernambuco, Paraíba, Parnaí ba, Maranhão e Piauí,seguindo depois para Sali nas, de onde regressava ao Reino. O segun -do paquete, com destino à Baía, seguiria depois, para o Rio de Janeirocom as correspondências destas duas capitanias. No seu regressoao Reino, se tal se justificasse, poderia voltar a fazer escala na cidadeda Baía.Relativamente à segunda medida, referia-se à publicação, em 6 deSetembro de 1798, de um dos documentos <strong>mais</strong> revolucionários doscorreios em Portugal – Instrucçaõ para o estabelecimento <strong>das</strong> diligên -cias entre Lisboa e Coimbra.Por este diploma regulava-se, com extraordinário pormenor, o fun -cionamento da primeira carreira da mala-posta portuguesa entre acapital e a cidade do Mondego, cuja inauguração ocorreria a 17 deSetembro seguinte.Embora este documento tenha sido emanado quatro meses antes datomada de posse do Dr. Mascarenhas Neto, como superintendentegeral dos Correios e Postas do Reino, suspeita-seque pode ter havi do o contributo destefuturo dirigente dos Correios na sua concepção.Tal suspeita baseia-se no facto de sepoder constatar, ao longo desta Instucçaõ,existirem os mesmos estilos metodológico,organizativo e rigor que tornaram tão singularesos diplomas por ele produzidos.Na realidade, outro facto indicia que, efectivamente, pode ter havi -do a participação deste magistrado na elaboração deste documen -to. A preparação de um regulamento da carreira da mala-postaexigia muito bons conhecimentos sobre a estrada Lisboa-Coimbra, ondeviriam a circu lar as diligências. O Dr. Mascarenhas Neto pos suía-os e,além disso, encontrava-se a muito pouco tempo de assumir o <strong>mais</strong> altocargo dos Correios.Ao longo de 71 artigos, distribuídos por cinco capítulos, o Serviço da Mala-Posta era regu lado com a enumeração dos direitos e deveres dos viajantes;a orga nização <strong>das</strong> «Estalagens e Casas de Posta»; da missãodo «Admi nistrador <strong>das</strong> Diligências» e do seu «Comissário»; dos deveresdos «Fei tores, Fieis, Cocheiros, Sotas e Moços de Cavalherice».Mas devemos voltar a Mascarenhas Neto e, <strong>mais</strong> propriamente, aum conjunto de diplomas por ele produzidos, para sua análise <strong>mais</strong> deta -lhada e se poder verificar de que forma estes importantes docu -mentos preconizaram e introduziram, de facto, profun<strong>das</strong> alteraçõesna vida dos correios em Portugal.O Regulamento Provisional do CorreioO Regulamento Provisional para o Novo Estabelecimento do Correioconstitui, porventura, o primeiro documento de fundo dos Serviços


25Pintura conjectural da paragem da Mala-Posta. José Pedro Roque, 1973.Pos tais, depois da carta de criação do ofício do correio-mor, de 1520,a que nos referimos no início deste artigo.Esta afirmação baseia-se nos documentos hoje disponíveis, uma vezque, na sequência do terramoto de Lisboa de 1755, também o Paláciodo Correio-Mor viria a ser atingido por um grande incêndio e a quasetotalidade do importante do arquivo dos correios terá sido destruída.O Regulamento Provisional para o Novo Estabelecimento do Correio,redigido pelo próprio Dr. Mascarenhas Neto dois meses e meio apósa sua tomada de posse, foi promulgado pelo ministro e secretário deEstado Luís Pinto de Sousa, em 1 de Abril de 1799. No entendimento dosuperintendente geral dos Correios e Postas do Reino, os serviçosher da dos dos correios-mores necessitavam de uma profunda reestruturação.Minuciosamente escrito e de grande rigor, este regulamento propu -nha, ao longo de dezoito artigos, as novas bases organizativas doscorreios, fixando to<strong>das</strong> as disposições relativas a pessoal, atribui -ções, horários, penalidades, fiscalização, contabilidade, taxas, segu -ros, transmissão de valores, etc. Em simultâneo criava novos serviçose dava uniformidade aos já existentes, através da implementação demétodos de execução perfeitamente delineados.Logo no seu preâmbulo, referia-se muito peremptoriamente «...queos objectos do Correio principiem a ser administrados como FazendaReal...», numa clara intenção de que os serviços postais deveriamser tratados como serviços públicos, que efectivamente eram. Também,neste preâmbulo, eram atribuí<strong>das</strong> pela Coroa ao Correio Geral as ins -talações do Palácio do Monteiro-Mor, aos Paulistas, por forma amelhorar não só as condições de trabalho, mas também a forma deatendimento do público da cidade de Lisboa.Para melhor funcionamento dos serviços, o Correio Geral foi divididoem três repartições, sendo a primeira a dos seguros (registos), asegunda para as cartas do Reino e a terceira para as cartas do ultra -mar e estrangeiro. Procurava-se com esta nova organização «...umsis tema prático do serviço, arranjamento económico, e responsabilidade dos objectos do Correio Geral...», como era referido nesteimpor tante documento.O responsável do Correio Geral era um director, que tinha na suadependência três administradores para cada uma <strong>das</strong> repartições,além de um guarda-livros que se encarregava da escrituração e contabilidade.Nos artigos IV e V, refere-se sumariamente que o Correio Geral seriadotado de um cofre onde to<strong>das</strong> as semanas eram arrecadados «osprodutos de cada mês dos diversos ramos do correio». Na primeirasemana de cada mês, passava a fazer-se a entrega <strong>das</strong> receitasapura<strong>das</strong>, juntamente com um mapa económico e de balanço <strong>das</strong> cor -respondências, relativo ao mês anterior.O cofre do Correio Geral tinha três chaves que deveriam ficar naposse do superintendente geral, do director do Correio Geral e,finalmente, do administrador da repartição dos seguros, respectiva -menteNeste regulamento, preconizava-se, ainda, um novo sistema de por -tes com uma tabela para as correspondências, em que as cartaseram taxa<strong>das</strong> de acordo com o seu peso e não com as distâncias quetinham de percorrer, situação <strong>mais</strong> justa do que a que vigorava ante -riormente.Porém, esta medida não iria muito longe, já que em 4 de Março de1801 eram promulga<strong>das</strong> alterações a esta forma de taxação, passandoa ser considerados, para este efeito, o peso e as distâncias. De facto,o transporte <strong>das</strong> correspondências era altamente dispendioso paraque a proposta avançada por Mascarenhas Neto pudesse vingarnaquela altura.


26Mas a existência de uma tabela de portes, avançada neste regula -mento, derivava do facto de se querer terminar com a situação ante -rior em que se verificava «praticar huma tarifa de taxas de cartasdobra<strong>das</strong> totalmente arbitraria, e dependente <strong>das</strong> pessoas, empre -gados nos Correios». Deste modo, era publicamente determinadoque as cartas até 4/8 de onça pagavam umporte de 20 réis, as de 6/8 de onça pagariamum porte de 30 réis e as de 1 onçaquarenta réis.A isenção de portes estava prevista apenaspara as correspondên cias «quetenhaõ por objecto o imediato serviço deSua Magestade, e público» devendo serassina<strong>das</strong> pelos responsáveis dos serviços,ou seus secretários ou escrivães.De acordo com o artigo XIII, as correspondênciaseram transporta<strong>das</strong> pelos correioscabendo ao superintendente geralprovidenciar para que o «giro dos Correiosse pratique com a maior exacção, e bomserviço público» devendo proceder criminalmente, de acordo com a legislação emvigor, con tra to<strong>das</strong> as pessoas que contrariemes ta norma.Pelo artigo XII, era permitido aos almo -creves, recoveiros ou a qualquer outra pes -soa transportar cartas, desde que fossempagas nos correios <strong>das</strong> localidades de expedição «as suas competentestaxas, para o que seraõ as cartas marca<strong>das</strong> para signal do seu pagamento».Pela inobser vância deste preceito «será imposta a pena detresdobro <strong>das</strong> taxas competen tes às cartas que conduzirem», impor -tância que reverteria a favor do «Correio da terra, em que foremapprhendi<strong>das</strong>».Como nota final, deve-se referir que o ar tigo XVI determinava a proibiçãodos funcionários do Correio Geral receberem «qualquer propinas,emolumentos, e as signaturas nos seusobjectos dos seus emprego», uma vez queestes mesmos funcionários seriam pagos,somente, pelos ordenados estipuladossuperiormente e constantes na lista remetidaao superintendente dos correios.Instruções práticaspara os correios assistentesCerca de dois meses após a promulgação doRegulamento Provisio nal para o Novo Estabelecimentodo Correio que, como vimos,repre senta genericamente o primeiro passoda organização dos correios públicos e emparticular do correio geral, surgiam, em 6 deJunho de 1799, as Ins tru ções Práticas paraos Correios Assis ten tes.Este documento constitui o natural desen -volvimento do regulamento provisional,contendo as instruções e normas por quese deveriam reger os correios-assistentescomo, aliás, era preconizado na sua intro -dução.Os correios-assistentes eram funcionários que asseguravam nas<strong>mais</strong> diversas loca lidades o funcionamento dos correios. Ini -


27«Instrucções praticas», 1799, arquivo iconográfico da FPC.Tabela de taxas (anexo às «Instrucções praticas»), 1799, arquivo iconográfico da FPC.cialmente, eram uma espécie de ren dei ros dos serviços postais quepagavam ao correio-mor uma determinada impor tân cia pela exploraçãodo serviço, arre ca dando os restantes proveitos <strong>das</strong> recei tas postais.Com a passagem dos correios para a Coroa, estes funcionáriosforam sen do lentamente integrados nos quadros do Estado, massomente pela reforma pos tal de 1852, a situação seria resolvida nasua totalidade.As Instrucções Práticas, ao longo de trinta e oito artigos, pormenori -zavam, detalhadamente,as tarefas quecabiam aos correios--assis tentes, bemcomo todo o tipo deprocedimentos quedeveriam adop tar nasmúltiplas situações dodesenvolvimento dosserviços, no que serefere às operaçõespostais de recepção<strong>das</strong> cartas, seu trata -mento, transporte eentrega.Logo no Artigo I, se determinava que «nas cidades e vilas do reino alémdo Correio assistente, ou do Administrador seraõ empregados hum Fiel,e os Escripturarios competentes, conforme exigir a affluência <strong>das</strong> car -tas, a fim de que o Público seja servido com exacçaõ, e celeridade».Referia-se, no artigo II, que os correios se riam estabelecidos no cen -tro <strong>das</strong> localidades «em edificio commo do, e decente para a entrega<strong>das</strong> cartas e dependencia públi ca», com um horário de funcionamentoen tre as sete horas e o meio-dia e as três da tarde e o pôrdo sol, no período de Verão. Nos restantes meses do ano, o horário passavaa ser <strong>das</strong> oito horas ao meio-dia e <strong>das</strong> duas da tarde ao pôr dosol.Neste documento, preconizava-se a instalação de caixas de correio,com abertura para o exterior, com vista à recepção <strong>das</strong> cartas, com aexcepção <strong>das</strong> regista<strong>das</strong>, que exigiam a entrega, por parte dos serviços,de um recibo de registo.No artigo VIII, indicavam-seas tarefas aobservar pelo correioassistente na alturada recepção <strong>das</strong>malas e a verificação<strong>das</strong> mesmas, porforma a certificar-sese vinham fecha<strong>das</strong>com segurança, nãoapresentando qualquersinal de violação.Depois de abertas asmalas, as cartas eramsepara<strong>das</strong> para a sua entre ga, pelo que seria elaborada uma lista, porordem alfabética e «em boa letra... para ser exposta ao público, e porella saber cada hum facil mente as cartas, que lhe pertencem», conformeo prescrito nesse mesmo artigo VIII.As preocupações com a segurança <strong>das</strong> correspondências, nomea -damente durante o transporte <strong>das</strong> malas do correio, e a neces si dadedo cumpri men to escrupuloso dos ho rários dos estafetas ao longodos percur sos, são temas de vá rios parágrafos destas Instrucções. Neles


28Página de rosto da «Pequena Posta», 1801, arquivo iconográfico da FPC.Receptáculo postal do 1º Districto, 1821, património museológico da FPC.se referem as sanções penais a que ficavam sujeitas as pessoas queatentassem con tra o bom funcionamento dos serviços, quer se tratassede empregados dos correios, querde outros cidadãos.A taxação <strong>das</strong> correspondências merece,também, grande atenção neste documento,sendo dedicados vários artigosa esta temática. Chega-se mesmo, noartigo XX, a explicitar, de forma bastantedeta lhada, todos os passos a dar noacto de pesagem <strong>das</strong> correspon dências.Deve-se referir que, nesta época, nãoera utilizado o sistema decimal de pesose medi<strong>das</strong>, o que tornava complexas emorosas estas ope rações de taxação <strong>das</strong>cartas, em que os principais pesos dereferência eram os de 4/8, 6/8 e 1 onça.Tendo em consideração a necessidadede uma prestação rápida do serviço, pre -conizava-se, no artigo XXI, para os correioscom grande afluência de público, a colo -cação de três balanças, «arma<strong>das</strong>» comos pesos acima referidos. Deste modo,permitia-se uma célere operação, já queo funcionário poderia experimentar quasesimultaneamente as três balanças e, deuma forma bastante prática, apurar opeso <strong>das</strong> cartas, sem necessidade demudanças de pesos nas balanças.Em anexo a estas Instrucções era apre sentada uma tabela da taxas paraas car tas até 4 onças com os seguintes destinos: para to<strong>das</strong> as cidadesdentro do Reino, para o Algarve e, paraEspanha. Como se pode verificar, nestaépoca as taxas para o Algarve sofriam umagravamento, pelo que se considerava aregião como um des tino específico.Aos correios-assistentes estava vedada apossibilidade de «dar cartas de graça»,isto é, permitir a circulação de corres -pondência gratuitamente, uma vez que tallesava o erário público, tal como já erareferido no artigo XI do Regulamento Provisional.Para terminar, devemos fazer uma referênciaao artigo XIII, onde se demonstracabalmente a característica de serviçopúblico que se imprimia aos correios portugueses.Segun do este artigo, quando asmalas chegas sem atrasa<strong>das</strong>, em virtude<strong>das</strong> chuvas ou dos maus caminhos, as correspondênciaseram trata<strong>das</strong> para permitira sua ime diata entrega aos destinatários,mesmo durante a noite. Esta mesmasituação era válida, também, paraaquelas localida des onde a passagemdos estafetas ocor resse durante a noite,de acordo com o horário dos giros previamentetraçados.


30Caixa Postal número 3, Santarém, 1821, património museológico da FPC.A distribuição domiciliária<strong>das</strong> correspondênciasA Regulaçaõ para o estabelecimento da Pequena Posta, Caxas e Portadoresde Cartas em Lisboa constitui um dos diplo mas <strong>mais</strong> importantespromulgados pelo Dr. Mascarenhas Neto, uma vez que pro punhaa distribuição domiciliária <strong>das</strong> cor respondências na cidade de Lisboa,visan do o seu alargamento às principais cida des e vilas do Reino. Atéentão, os habi tantes da capital tinham de se deslocar ao CorreioGeral para levantar as suas cartas, já que após a chegada <strong>das</strong> malasdo cor reio, eram inscritos, em enormes listagens, os nomes <strong>das</strong> pessoasa quem se destinavam as correspondências. Tal como o determinadonas Ins trucções Práticas para os Correios Assistentes aquelaslistagens, orde na<strong>das</strong> alfabeticamente, eram depois, afixa<strong>das</strong> nasinstalações do Correio Geral, que naturalmente se tornavam exíguasno momento em que ali acorria elevado número de cidadãos, ansiosospor notícias.Esta Regulaçaõ da Pequena Posta, datada de 7 de Maio de 1800 e queviria a ser publicada no ano seguinte, constituía um interessantedocumento, de grande valia técnica. Composto por 52 artigos, dividiaa cidade de Lisboa em 17 «Districtos Postaes», de acordo com umRoteiro previamente elaborado, com a delimitação de cada «Distric-to», assim como a sua designação, para além dos «nomes dos sítios,ruas, travessas e repartições públicas, seculares ou eclesiásticas, quese comprehendem nos mesmos Districtos».Para cada um destes «Districtos», o superintendente geral dos Cor -reios nomearia «hum Portador, moço vigoroso e fiel, que deve morarnas ruas centraes do mesmo Districto», que ficaria encarregado daentrega domiciliária na sua zona postal.Porém, a entrega domiciliária, segundo este regulamento, era facul -tativa, ficando as pessoas interessa<strong>das</strong> neste «Novo Serviço» sujei -tas ao pagamento de uma taxa suplementar.Para que os utentes dos serviços pudessem ter direito à entrega <strong>das</strong>cartas nas suas residências, deveriam primeiramente inscrever-se noCorreio Geral, declarando o nome, rua e «Districto Postal», passan -do a fazer parte imediatamente do «Assentamento de Assignan -tes».Mas este diploma previa, também, uma nova forma de confiar ascorrespondências aos correios. Tratava-se de mandar colocar caixasdestina<strong>das</strong> à recolha <strong>das</strong> correspondências. Aliás, no artigo XXI, eraexplicitamente referido que «em cada Districto nomeará o Superin -tendente Geral dos Correios em huma <strong>das</strong> ruas centraes Pessoa, quetenha algum ramo de commercio com loja aberta, e com reputaçaõde probidade, ao qual se confiará a Caxa do Districto para nella se lançaremas cartas á imitaçaõ do Correio Geral; e estas Pessoas seraõ inti -tula<strong>das</strong> Fiéis <strong>das</strong> Caxas dos Districtos...».Desta forma, previa-se que os habitantes pudessem entregar as car -tas aos correios sem terem de o fazer directamente e, em mão própria,aos funcionários do correio geral. Obviamente, era enorme esta van -tagem para os cidadãos, já que, além de evitar deslocações àquelarepartição, era possibilitado o depósito <strong>das</strong> correspondências a qual -quer hora, mesmo fora do horário de funcionamento dos serviços.Por razões ainda não totalmente apura<strong>das</strong>, verificou-se algum adia -mento inicial a pôr em prática este diploma, ao que parece por razõesde ordem operacional. É que, para a sua implementação, tornava-senecessário proceder à colocação dos números de polícia nas residên -cias e <strong>das</strong> tabuletas com os nomes <strong>das</strong> ruas – condição fundamentalpara a entrega domiciliária.


32Mas esta situação prolongar-se-ia demasiadamente neste início deséculo, e eis que entram no País as tropas napoleónicas e se dá afuga precipitada da Corte para o Brasil. Estes acontecimentos iriamencarregar-se, definitivamente, de adiar a sua resolução.Seria necessário esperar pelo ano de 1821 para que o problema da dis -tribuição domiciliária <strong>das</strong> correspondências fosse de novo equacionado.Era, então, elaborado o plano para o estabelecimento da posta diá -ria em Lisboa, que retomava, na prática, o regulamento de 1800 deMascarenhas Neto, introduzindo algumas alterações, de entre asquais se destacava a reformulação do número de «Districtos Pos -taes», com a passagem de dezassete para dezoito.Concretizava-se, finalmente, a entrega <strong>das</strong> cartas nas residênciasdos habitantes da cidade de Lisboa.A purificação de cartasO papel desenvolvido pelo Dr. Mascarenhas Neto deve, ainda, serassinalada por um facto, ocorrido em 1804. Trata-se da pronta actua -ção quando, nos finais de 1803 e inícios de 1804, uma epidemia, quese crê de febre amarela, assolou o sul de Espanha, com grande inten -sidade e colocou em risco o nosso país, através do eventual contágio<strong>das</strong> correspondências.Como é sabido, um dos problemas que <strong>mais</strong> tem preocupado a huma -nidade é, sem dúvida, a proliferação de epidemias. Desde os tempos<strong>mais</strong> remotos, há notícias de vários tipos de medi<strong>das</strong> que foram sendotoma<strong>das</strong> numa tentativa de minimizar os efeitos devastadores <strong>das</strong>doenças contagiosas e a forma de impedir o seu avanço.Também, os correios foram adoptando medi<strong>das</strong> preventivas, quemuito genericamente passavam pela:> quarentena a que estavam sujeitos os portadores <strong>das</strong> corres -pondências, quando vindos de zonas impedi<strong>das</strong>;> purificação <strong>das</strong> cartas em lazaretos, antes de entrarem nos circuitosnacionais;> suspensão da entrada dos portadores de cartas em zonas con -tamina<strong>das</strong>.No caso concreto desta epidemia, Mascarenhas Neto redigiu de ime -diato instruções pormenoriza<strong>das</strong> para o estabelecimento de um ser -viço de lazareto de campanha, entre Badajoz e Elvas, com a finalida -de de se proceder à desinfestação <strong>das</strong> cartas vin<strong>das</strong> do país vizinho.Estas instruções fixavam, com grande minúcia, que to<strong>das</strong> as corres -pondências vin<strong>das</strong> de Espanha, por via terrestre, apenas poderiamentrar por Badajoz, para serem submeti<strong>das</strong>, no momento da suarecepção em território nacional, à purificação «em banhos de vina -gre branco e defumação em enxofre».Do mesmo modo, as cartas chega<strong>das</strong> por barco não poderiam sair dosportos e dar entrada nos serviços dos correios sem terem passado, pri -meiramente, pela purificação, já referida e depois de ser dada a con -firmação, dessa operação, por entidade idónea - o guarda-mor daSaúde.Para que as cartas pudessem ser purifica<strong>das</strong> tornava-se necessárioque sofressem uns ligeiros e finos golpes, dados por uns instrumen -tos semelhantes às «Pinces à Purifier» utiliza<strong>das</strong> em França. Destemodo, as cartas poderiam receber, no seu interior os efeitos bené fi -cos do vinagre e do enxofre. Por sua vez os golpes dados nas cartas,praticamente, não afectavam a posterior leitura <strong>das</strong> correspondên -cias.Muito provavelmente, a actuação enérgica e imediata do Dr. Masca -renhas Neto poderá ter contribuído para evitar que a contaminaçãochegasse a Portugal, uma vez que relativamente a situações simila -res ocorri<strong>das</strong> em outros países da Europa, existem largas suspeitas de


33BIBLIOGRAFIADecreto de Extinção do Ofício de Correio-Mor, 1797.Alvará de Extinção do Ofício de Correio-Mor, 1797.Alvará com força de Lei dos Correios Marítimos para o Brasil,1798.Instrucçaõ para o estabelecimento <strong>das</strong> diligências entre Lisboa e Coimbra, 1798.Regulamento Provisional para o Novo Estabelecimento do Correio, 1799.Instrucões Praticas para os Correios Assistentes, 1799.Regulaçaõ para o Estabelecimento da Pequena Posta, Caxas, e portadores de Cartasem Lisboa, 1800.Decreto para a Nova Regulação do Correio, 1805.FERREIRA, Godofredo, Dos Correios-Mores do Reino aos Administradores Gerais dosCorreios e Telégrafos, Lisboa, 1963.MOURA, Fernando, “O Superintendente Geral dos Correios José Diogo de Mascarenhas Neto”(Conferência), in Actas <strong>das</strong> V Jorna<strong>das</strong> de Silves, Associação de Estudos e Defesa do PatrimónioHistórico Cultural de Silves, Silves, 1999.MOURA, Fernando, “La Malle-Poste au Portugal” (Conferência) VI eme Colloque Inter -nacional de La FNARH, Montpelier, 1989.OLIVEIRA MARQUES, António, História de Portugal, Palas Editores, Lisboa, 1977.Dicionário da História de Portugal, direcção de Joel Serrão, Iniciativas Editoriais, Porto,1979 .que o correio ou mercadorias importa<strong>das</strong> pudessem ter constituído osverdadeiros focos de infecção.Considerações finaisComo se pode verificar de tudo quanto foi referido, ao longo deste tra -balho, o Dr. José Diogo Mascarenhas Neto marcou profundamente osCorreios, graças a um conjunto de disposições legais saí<strong>das</strong> da sua pró -pria pena, que consubstanciaram plenamente as intenções que oEstado havia delineado para os serviços postais.Na realidade, parece-nos que o Governo terá tomado a <strong>mais</strong> correc -ta decisão, quando nomeou para o lugar de superintendente geral dosCorreios e Postas do Reino este magistrado, possuidor de um notávelcurriculum profissional.A reivindicação da exploração dos serviços dos correios pela Coroa, em1797, assentava em pressupostos de vária ordem, desde os de natu -reza política, até aos de natureza económica, como oportunamentepudemos referir.Mas, de toda a argumentação utilizada para justificar esta decisãodo poder, a que tinha <strong>mais</strong> consistência era, sem qualquer dúvida, aque dizia respeito à necessidade de dotar os serviços de correios decaracterísticas verdadeiramente públicas, objectivo nunca alcança -do no tempo dos correio-mores.Dotado de uma enorme capacidade de trabalho e de um raro espíritoorganizativo, o Dr. José Diogo Mascarenhas Neto constituiu um marcoda maior importância na história <strong>das</strong> comunicações em Portugal, peloque muito justamente o apelidamos de «Homem da Mudança», pelopapel que desenvolveu na transformação dos nossos Correios.Não tendo chegado a completar seis anos no cargo, promoveu amudança, neste curto espaço de tempo, com profun<strong>das</strong> transfor -mações, estruturando de raiz um verdadeiro serviço público de cor reios,colocando-nos a par dos melhores serviços postais da Europa.Em 16 de Janeiro de 1805, era exonerado de superintendente geraldos Correios e Postas do Reino, mas o cargo não viria <strong>mais</strong> a ser preen -chido, já que os Correios iriam sofrer um novo enquadramento noseio da administração pública.Pelo decreto de 8 de Abril de 1805, era promulgada A Nova Regulaçãopara o Correio que substituía o anterior cargo de superintendentegeral pelo de subinspector-geral dos Correios e Postas doReino. Ao ficar na directa dependência do ministro e secretáriode Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, que passava aacumular, tam bém, a Inspecção-Geral dos Correios, assistia-se a umamaior con centração dos poderes nas mãos do Governo.A Nova Regulação do Correio, que praticamente nada trazia de novo,para além desta mudança estrutural, introduzia, também, uma alte -ração do sistema de taxação de cartas, passando a regular-se, defi -nitivamente, pelo peso e pela distância. Porém, esta última medidajá vinha sendo posta em prática desde 1801, como atrás já referimos,quando abordámos o Regulamento Provisional do Correio.A 28 de Setembro de 1805, foi nomeado subinspector-geral dos Cor -reios e Postas do Reino António Joaquim de Morais, com um curtomandato de pouco <strong>mais</strong> de um ano, já que viria a morrer em Abril de1807.Entre esta data e 1810 assistiu-se a um interregno, não tendo sidopreenchido o cargo. Contudo, a dinâmica imprimida pelo Dr. Masca -renhas Neto continuava a fazer-se sentir, tal como aconteceria aolongo de toda a primeira metade do século XIX.Antes de acabarmos, devemos referir que o Dr. Mascarenhas Netoainda, enquanto titular da Superintendência dos Correios, havia sidoelevado a desembargador da Casa da Suplicação e a vereador do


34Margarida Sobral Neto | Professora da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra - Membro do Centro de História da Sociedade e da CulturaO sistema de comunicaçõespostais na idade modernae o processo de construçãodo «Estado moderno»«Se os campanários foram a caixa de ressonância através da qual se divulgaram algumas <strong>das</strong> grandes mensagens que interessava fazer públi -cas, as necessidades de uma comunicação cada vez <strong>mais</strong> fluida entre a Coroa e os distintos órgãos de poder significaram a paulatina institu -cionalização do Correio e dos serviços de postas como correia de transmissão dos assuntos de natureza reservada» (António Recuero) 1 .«No plano da prática política, o aumento da acessibilidade territorial está intimamente ligado ao progresso da escrita e ao desenvolvimentodos serviços de posta» (António Hespanha) 2 .“L’hotel des postes, le timbrage”, 1880, acervo iconográfico da FPC.As citações em epígrafe remetem-nos para a articulação existen -te entre a implantação de serviços organizados de comunica -ções postais e a problemática da estruturação dos Estados, temaque nos ocupa neste artigo. 3As novas correntes da História do Estado tendem a afirmar que estaconfiguração política só teve possibilidades de dominar eficazmenteo território quando se criaram as condições que permitiram resolveralguns dos maiores problemas da comunicação à distância, destacandoa melhoria dos meios de transporte terrestre e marítimo, a implantaçãodo caminho de ferro e a difusão do telégrafo e do telefone. O estadoforte e centralizado oitocentista tem, no entanto, a sua génese nossistemas políticos anteriores, ainda que estes se regessem por matri -zes culturais e práticas de exercício do poder diversas <strong>das</strong> que se vie -ram a impor no século XIX.Uma <strong>das</strong> fontes privilegia<strong>das</strong> para o estudo dos processos de decisãopolítica e dos mecanismos de exercício do poder é a circulação <strong>das</strong> car -tas. A este propósito escreve Pedro Luís Lorenzo Cadarso: «Duranteos séculos XVI e XVII a correspondência epistolar desempenhou umpapel essencial no funcionamento do Estado Absoluto, ao ponto deque este resultaria inexplicável sem tomar em consideração o enor -me volume de cartas que diariamente circulavam pela corte entre osaltos dignitários e entre estes e toda a classe de entidades e pessoasde dentro e fora do Reino». 4 Não é nosso objectivo abordar, nestemomento, os conteúdos da correspondência administrativa nem pro -ceder à sua análise diplomática, perspectiva adoptada por este autor.Pretendemos, no entanto, estabelecer a relação entre a criaçãoe expansão da rede de correios e os projectos políticos que visavama dominação de territórios.De facto, a criação de correios organizados é um fenómeno intrinse -camente ligado ao processo de construção dos Estados e Impériosmodernos bem como à consolidação de projectos de independênciade territórios sob dominação colonial, como se expressa nos exemplosseguintes.Quando, em 1505, Filipe I herdou o trono de Castela, nomeou Franciscode Tassis como correio-mor da corte e encarregou-o de fazer chegara correspondência proveniente de várias cidades espanholas a Bru -xelas num determinado número de dias. Esta rede foi ampliada notempo de Carlos V, monarca que encarregou a «empresa» italiana detransportar missivas entre Castela e os espaços europeus com osquais tinha relações <strong>mais</strong> estreitas, caso da Flandres, França, Alema -


36nha, Roma e Nápoles. 5 A fim de facilitar a circulação dos serviços pos -tais o imperador comprometeu-se a fazer diligências junto dos monar -cas dos países que eram atravessados pelos correios no sentido de lhesfornecerem provisões e cavalos, bem como garantirem a segurançado transporte da correspondência.O sistema de comunicações postais disponibilizado pelos velozes cor -reios geridos pela empresa italiana colocaram à disposição de CarlosV um sistema de comunicações rápido e eficaz que lhe permitia o con -trolo <strong>das</strong> vários espaços do Império bem como a correspondência coma imperatriz Isabel, a filha de D. Manuel I, que na qualidade de espo -sa dedicada e competente «governadora» cuidava dos filhos e geriaos negócios da Casa Real e do Reino nas ausências do marido. 6A implantação de um serviço de comunicações acompanhou igualmentea estruturação política dos Estados Unidos da América. Com efeito,no congresso realizado em Filadélfia, em 1775, foi nomeada uma comis -são presidida por Benjamim Franklin e constituída por Samuel Adams,Richard Henry Lee, Philip Livingston, Thomas Lynch e Thomas Willinga quem se cometeu a incumbência de criar um sistema postal. Os tra -balhos foram bem sucedidos, tendo assumido o presidente da refe -rida comissão o cargo de primeiro «Postmaster». Sob a gestão deBen jamim Franklin criaram-se as primeiras rotas postais, nomeadamente as que estabeleciam a comunicação entre o congresso e os exér -citos que lutavam pela libertação colonial. 7Em Portugal, o serviço organizado de comunicações postais foi esta -belecido no reinado de D. Manuel, num contexto em que o País davapassos decisivos no sentido da «abertura do mundo», tendo as cara -velas aportado já aos lugares centrais do Império português – África,Índia e Brasil – donde traziam mercadorias que alimentavam o comér -cio internacional e novas experiências (que chegavam oralmente oupor carta) que iriam construir novas representações do mundo estru -turantes da revolução científica operada na Europa no século XVI. 8A criação, em 1520, do ofício de correio-mor vem ainda na sequênciade um conjunto de iniciativas políticas que visavam a integração jurí -dica do território, em que se destaca a publicação <strong>das</strong> OrdenaçõesManuelinas e a Reforma dos Forais, bem como a elaboração de ins -trumentos susceptíveis de dotar o Estado de receitas <strong>mais</strong> eleva<strong>das</strong>,caso do regimento <strong>das</strong> sisas.Os princípios configuradores do modelo de correios em vigor na épocamoderna, foram traçados pela monarca Venturoso e por D. João IIInas cartas de ofício concedi<strong>das</strong> a Luís Homem e Luís Afonso. Nestes diplo -mas, o ofício de correio-mor foi concebido como uma «empresa» pres -tadora de serviços especializados de transporte de cartas, sujeito a paga -mento de portes, à Coroa e a particulares. De acordo com esta concepção,ao titular do ofício foi atribuída a tarefa de contratar correios, recebendocomo retribuição uma percentagem de 10% dos portes.Até 1606, os correios-mores estiveram na dependência do monarcasendo nomeados por este. Nesta data, que se insere numa conjun -tura de dificuldades financeiras por parte da Coroa de Madrid, o ofí -cio foi vendido a um particular. A carta de venda do ofício do correio--mor, «com tudo a elle anexo», transferiu para uma entidade priva -da, a família Mata, todos os direitos, privilégios, prerrogativas e pro -ventos de que gozavam, desde a sua criação, os correios-mores de Por -tugal, acrescentando-lhe os usufruídos pelos de Castela. Com a atri -buição do ofício criado por D. Manuel a Luís Gomes da Mata todos osserviços do correio existentes, bem como o pessoal a eles afecto –- assistentes, mestres de posta, estafetas – lhe ficaram subordinados.Por sua vez, os correios assistentes de Braga, Porto, Aveiro e Coimbraviram-se esbulhados de todos os seus direitos, sendo obrigados anegociar com o novo titular do ofício o exercício da sua função e a par -tilha dos rendimentos do correio.


37Nos inícios do século XVII já estava implantada uma via postal que liga -va Lisboa a Braga passando por Porto, Aveiro e Coimbra, lugares ondeestavam instalados correios assistentes, tendo o correio ordináriouma periodicidade semanal. Para além, desta existia outra que liga -va Lisboa a Badajoz, por onde circulava o correio não urgente expe -dido para os países europeus. Quanto à correspondência inadiável, eeventualmente confidencial, em que se inseria o correio diplomáticodirigido às cortes europeias, era transportado por correios extraordi -nários contratados pelo correio-mor e pagos pela Coroa. O fluxo de cor -respondência que seguia pelo caminho de posta que ligava Portugala Espanha conheceu um considerável acréscimo durante o domínio fili -pino, passando por ela as ordens emana<strong>das</strong> da corte de Madrid paraos governadores ou vice-reis sediados em Lisboa. Nesta época, regis -tou-se igualmente um aumento do número de correios assistentes.Em 1641, a rede abrangia, para além <strong>das</strong> localidades já referi<strong>das</strong>(Porto, Aveiro, Coimbra), Viseu, Tomar, Guimarães, Ponte de Lima, Vilado Conde e Viana do Castelo, algumas <strong>das</strong> principais sedes de comar -ca existentes a norte do Tejo. Quanto ao Alentejo, era atravessado pelalinha de posta que ligava Lisboa a Castela, passando por Évora. Por suavez, o «reino» do Algarve só viria a ficar integrado na rede de correioordinário a partir dos inícios do século XVIII.A iniciativa da expansão dos serviços organizados de correios terápartido muitas vezes dos poderes instalados no território, em parti -cular dos concelhos e instituições eclesiásticas. D. João III reconheceuàs câmaras competências para se constituírem como suportes docorreio quando as encarregou do fornecimento de ani<strong>mais</strong> e manti -mentos, função que as vereações desempenhariam ao longo dostempos modernos na qualidade de estruturas <strong>mais</strong> capazes para agovernação <strong>das</strong> diversas comunidades que naquela época forma -vam o País. A ligação <strong>das</strong> câmaras à rede postal também decorre dofacto de elas se constituírem como sedes de poder, aonde afluía,e donde emanava, informação reservada que teria de ser conduzidapor correios de confiança. As câmaras nomeavam estafetas e correiospeões e suportavam parte dos custos do transporte do correiopara o termo concelhio ou para outras localidades, quando não dispunham na sede de correio assistente. O aumento dos fluxos comunicacionais sob forma de documentos escritos conduzidos por estafetas acompanhou o progressivo controlo dos territórios concelhiospelas cidades ou vilas, sendo aquela dominação camarária ou daCoroa intermediada pelas vereações. 9Para além da rede concelhia, também a paroquial foi utilizada pelaCoroa para difundir mensagens pelo território e sobretudo para colherinformação necessária para o conhecimento do País que os monar -cas não podiam obter por outros meios devido à debilidade da buro -cracia régia. 10 As próprias necessidades de difusão da comunicaçãoescrita por parte da Igreja, estrutura <strong>mais</strong> articulada do que a do«Estado», levaram-na a tomar a iniciativa de criação de carreiraspostais. Em Viseu, a ideia de instalação de um posto de correio e a orga -nização de uma via postal que ligasse esta cidade a Coimbra partiudo bispo e foi concretizada pela câmara, obtendo, em seguida,o assentimento do correio-mor através da concessão da nomeaçãode um correio assistente. Como propõe António de Oliveira, as relaçõesentre a Coroa e os poderes implantados no território português nãopodem ser vistos apenas numa perspectiva de concorrência, mastambém de colaboração. 11 Em matéria de serviços de transporte de cor -respondência várias instituições convergiram no sentido da maior efi -cácia da circulação <strong>das</strong> mensagens. 12A passagem da titularidade do ofício de correio-mor para um parti -cular, em 1606, não significou a perda de controlo por parte do poderrégio do sistema de comunicações postais. Com efeito, os monarcas


38Mapa dos giros postais, 1818.ao longo da Idade Moderna intervieram no funcionamento dos cor -reios, tomando medi<strong>das</strong> tendentes a torná-los <strong>mais</strong> eficientes oupara controlarem os custos. Foi o caso de D. João IV monarca que,logo a seguir à sua subida ao trono, procedeu a uma avaliação dos ser -viços do correio. Da análise dos documentos que os regulavam concluiunão existir um ordenamento jurídico adequado ao funcionamento dainstituição. Verificou ainda serem as despesas em comunicações pos -tais suporta<strong>das</strong> pela Fazenda Régia demasiado eleva<strong>das</strong>. Para obviareste problema, o monarca decidiu elaborar um regimento, publicadoem 1644 13 , destinado a regular o funcionamento do correio ao servi -ço da Coroa e dos diversos organismos do Estado, nomeadamente tri -bunais e secretarias. Este documento regulou meios de transporte decartas, custos de viagens, definidos em função da duração dos per -cursos, e instituiu mecanismos de controlo da circulação do correio quese traduziam, por exemplo, na elaboração dos «partes», documen -tos em que se registavam os diversos passos da circulação <strong>das</strong> mensagens, desde o emissor ao receptor. Este regimento elaborado nosiní cios da Guerra da Restauração funcionou como o documento regu -lamentador <strong>das</strong> comunicações postais, no espaço continental, até aosfinais do século XVIII. O correio marítimo, criado em 1657, passou a regersepelo regimento de 1644 e por um outro especificamente elaboradopara o efeito.Interferências régias no sistema de comunicações ocorreram, noentanto, de forma <strong>mais</strong> sistemática, em tempos de guerra, momentoem que a velocidade de circulação <strong>das</strong> mensagens bem como a suasegurança eram particularmente requeri<strong>das</strong>. Em 1703, no contexto daGuerra da Sucessão de Espanha, D. Pedro II, invocando a necessida -de de «correios prontos e capazes» para a resolução dos «negóciospúblicos», fixou em vinte o quantitativo de correios, denominados «cor-reios de número», com exclusividade de serviço régio, estipulando asremunerações em função <strong>das</strong> léguas percorri<strong>das</strong> por dia. A conjunturabélica levou ainda à criação de uma linha de posta entre Lisboa eAlmeida.Remunerações dos correios extraordinários (1704)léguas/diaréis/légua20 15015 10010 806 50Para além dos bélicos, os conflitos diplomáticos requeriam também umaadequada gestão da circulação <strong>das</strong> mensagens. No reinado deD. João V, no período de corte de relações entre Portugal e a Santa Sé,através de aviso datado de 5 de Julho de 1728 assinado por Diogo deMendonça Corte Real, ordenou-se a suspensão do transporte de cor -respondência entre Lisboa e Roma. Para um efectivo cumprimentodesta ordem régia os correios-mores de Madrid e de Inglaterra foramavisados no sentido de suspenderem a circulação <strong>das</strong> missivas sob penade lhes não serem pagos os portes. 14Estamos perante um caso de intervenção no correio internacional, queassumiria muitas outras expressões, nomeadamente aquelas quepermitiam filtrar as notícias provenientes da Europa pelo correio terrestre ou marítimo, em particular o que chegava de paquebote da Ingla -terra, e que constituíam as principais fontes de informação <strong>das</strong> gazetasmanuscritas e impressas do tempo. 15O correio interno foi igualmente sujeito a vigilância por parte do po -der. Num documento anónimo escrito nos inícios do reinado deD. Maria I, dava-se conta que tanto D. João V como o marquês dePombal mandavam vir as cartas dirigi<strong>das</strong> a particulares para as abri -


39rem e lerem. Alega-se que D. João Vchamava os correios extraordináriosà Casa da Índia, procedendo aí àabertura da correspondência. Por suavez, o poderoso ministro de D. Josérecorreria, igualmente, ao métodode violação <strong>das</strong> cartas para obterinformações reserva<strong>das</strong>. Aliás, contaseque, José Sebastião de Carvalho eMelo, por ser «tão zeloso de saber osparticulares», terá, um dia, manda -do interceptar um estafeta ao cami -nho subornando-o depois com umjantar e licores. O autor deste escrito manifestava-se, entretanto,defensor do processo por considerar que o conhecimento do conteú -do <strong>das</strong> cartas constituía «a alma de manejar os negócios do Reino». 16A fase final do reinado de D. João V, bem como os inícios de D. José nãoforam fáceis para o titular do ofício do correio-mor por ter sido alvode críticas contundentes vin<strong>das</strong> de personalidades «ilustra<strong>das</strong>» quedefendiam a recuperação do ofício pela Coroa. 17 José António daMata Sousa Coutinho defendeu com sucesso as suas prerrogativas con -seguindo ainda um reforço do seu estatuto social. Com efeito, D. Joséconfirmou-lhe todos os seus direitos registados em documentos desa -parecidos por ocasião do terramoto, concedendo-lhe, ainda, «to<strong>das</strong>as honras e prerrogativas dos outros ofícios da Casa Real» e o títulode comendador da Ordem de Cristo. 18A generosidade régia em relação ao correio-mor compreende-se se tiver -mos em conta que a estrutura dos correios continuava a funcionar comoum suporte da Coroa perante as insuficiências da burocracia régia, comodecorre dos seguintes exemplos.Para a elaboração do primeiro Rotei -ro Terrestre, publicado em 1748, JoãoBaptista de Castro recorreu ao tenen -te do correio-mor em exercício e a umoficial antigo do mesmo expediente,que por sua vez, solicitaram aos cor -reios assistentes informação sobreos itinerários, facto que demonstraque os oficiais dos correios eram pes -soas muito habilita<strong>das</strong> para obterinformação sobre o território. 19Há que ter ainda em atenção que osserviços do correio prestavam serviçosimportantíssimos à Coroa, tanto no transporte da correspondênciaoficial como <strong>das</strong> receitas decorrentes dos impostos, como era o casoda sisa. O regimento geral <strong>das</strong> sisas de 1752 incumbiu os correios de trans -portarem o dinheiro resultante deste imposto, tendo-se decretado,no ano seguinte, que 1% desses montantes revertia para eles. 20 Aliásna época pombalina, a Coroa reforçou os serviços do correio na capi -tal, em especial na sequência do terramoto, através do aumento donúmero de estafetas. Esta situação viria a traduzir-se num acréscimode despesas para a Fazenda régia, como é denunciado num documentodo tempo.De notar no entanto que, em meados do século XVIII, nem o correiomornem os organismos da Coroa tinham informação sobre a rede decorreios implantada no território. Neste sentido, uma <strong>das</strong> perguntasque foi feita aos párocos em 1758 tinha a seguinte formulação: «Se[a paróquia] tem correio, e em que dias da semana chega e parte; e,se o não tem, de que correio se serve, e quanto dista a terra aondeelle chega? A informação enviada pelos curas referente a esta maté -


40MonçãoValençaMelgaçoVila Nova de CerveiraCaminhaPonte de LimaViana do CasteloPonte da BarcaChavesVinhaisBragançaria consta da «Noticia Individual dosCorreios de que se servem os reinosde Portugal e do Algarve», publica -da por Paulo Dias de Niza, em 1768,na obra Portugal Sacro-profano. 21FeiraMoimenta da BeiraAroucaOliveira de Azeméis Castro d'Aire LapaPinheiro da BempostaFigueira da FozNesta obra identificam-se 163 ter -RabaçalPombalras que dispunham de postos deAlvaiázereLeiriarecolha e expedição de correspon -OurémCozTomarAlcobaçadência, que serviam as localidadesTorres NovasCal<strong>das</strong> da RainhaGolegãem que estavam sediados e 3503ChamuscaÓbidosSantarémlugares que não os possuíam. A car -Torres VedrasAlenquerAzambujaCastanheira do Ribatejotografia desta rede, elaborada porMafraAlhandraAlvercaJoaquim Ramos de Carvalho permi -LisboaMontemor-o-Novote concluir que em meados do sécu -Setúballo XVIII o território português dis -Alcaçer do Salpunha de «uma cobertura razoá -vel» de serviços postais que apre -Santiago do Cacémsentava, entretanto, uma malha<strong>mais</strong> densa a norte do Tejo, confor -Odemirame se pode observar no mapa. Esteautor apurou ainda que «<strong>mais</strong> deLagoaPera Loulé90% <strong>das</strong> paróquias deveriam estarLagosAlbufeiraa menos de 20 quilómetros de dis -tância de um ponto de correio e cercade um terço a menos de cinco». 22Na segunda metade da centúria de setecentos deram-se, em Portu -gal, passos decisivos no sentido da integração política do território,expressos no reforço do aparelho central e da penetração da burocraciarégia no espaço nacional, aumentando, por exemplo, os níveis de efi -cácia de corregedores e criando um conjunto de «altos funcioná -Barcelos BragaRaposeiraEsposendeVila Pouca de AguiarGuimarãesMirandelaVila Nova de FamalicãoMondimMurçaFreixieiro de Bastode BastoVila do CondeMogadouroVila RealFavaiosAmaranteCarrazedaArrifana de SousaS. João daPortoPeso da RéguaTorre de MoncorvoPesqueiraFreixo de Espada à CintaFreixo de NumãoAveiroViseu FornosSardãoQuintelaÁguedaTondelaLinharesAvelãs de CaminhoOliveira do CondeMealhadaAldeia da Nogueira Oliveira do HospitalVenda do Vale Venda do PorcoMontemor-o-VelhoCoimbraFundãoS. Vicente da BeiraFigueiró dos VinhosSertãProença-a-NovaAbrantesÉvoraOuriqueFaroCratoAlter do ChãoCabeço de VideMessejanaFronteiraEstremozArraiolosRedondoBejaAlmodóvarMedarios» dotados de competências téc -Sernancelhe Castelo RodrigoPinhelTrancosonicas específicas para o exercício deAlmeidaCelorico da Beirafunções administrativas em novasGuardaGouveiaSeiaáreas da governação, caso dos inten -SabugalCovilhãdentes e superintendentes. Os dis -PenamacorAlpedrinhapositivos de controlo dos poderesIndanha-a-Novalocais foram, igualmente, fortaleci -Castelo Brancodos, expropriando-se alguns de prer -Nisarogativas ancestrais, como foi o casoda abolição, em 1790, <strong>das</strong> jurisdi -PortalegreArronchesções dos donatários leigos e ecle -Monfortesiásticos.ElvasVila ViçosaAs medi<strong>das</strong> que visavam a estrutu -Alandroalração do Estado tinham subjacentesMonsarazmotivos de natureza política e novasconcepções de poder, mas tambéma urgência de aumentar as receitasSerpado Estado a braços com uma gravecrise financeira. Esta conjunturaMértolalevou os governantes a virar-se parao espaço interno no sentido de esti -Castro MarimTaviramular o aumento de riquezas no ter -ritório continental. O fomento eco -0 25 50 100 kmnómico implicava, no entanto, a cria -ção de infra-estruturas que permi -tissem uma melhor articulação do espaço interno. Neste sentido pro -moveu-se a abertura de estra<strong>das</strong> e projectaram-se formas de melhoraras condições de navegabilidade dos rios e a qualidade dos portos. 23Ao mesmo tempo a Coroa, em conjugação com outras instituições, emque se destaca a Academia Real <strong>das</strong> Ciências, impulsionou a produ -Vidigueira


41Localização dos correios referidos no «Portugal Sacro-profano», 1758.ção de informação sobre os recursos do território. 24 Deste esforçoresultou a elaboração de várias «Memorias», com conteúdos e níveisde informação diversos, mas que se constituem como fontes impor -tantíssimas para o conhecimento do País na viragem do século XVIIIpara o XIX. Não se conhece nenhuma memória sobre Correios, mas amelhoria de funcionamento destes constituía uma preocupação sen -tida ao tempo, de forma particular por intelectuais como D. Rodrigode Sousa Coutinho que considerava «ridículo» o facto de Portugal«ser o único Estado em que o correio público era o património de umparticular». 25Mudanças profun<strong>das</strong> na estrutura dos correios implicavam, assim,a sua incorporação na Coroa, facto que viria a ocorrer em 1797 quandoD. Maria I extinguiu o ofício de correio-mor e atribuiu ao secretáriode Estado da Repartição dos Negócios Estrangeiros a «Administração<strong>das</strong> Postas, Correios, e Diligencias de terra e mar». A esta iniciativa polí -tica seguiu-se a publicação de vários diplomas que definiram o qua -dro legal para a estruturação dos novos serviços de comunicaçõespostais destinados ao transporte de cartas, dinheiro, encomen<strong>das</strong> epassageiros (mala-posta). 26 De uma análise desses documentos con -clui-se terem sido as novas estruturas organizativas concebi<strong>das</strong> emface de critérios emergentes numa sociedade inspirada por modelospolíticos racionalistas que tentavam demarcar-se <strong>das</strong> instituições deAntigo Regime. 27 Os serviços de correio passaram a ser dirigidos por umsuperintendente-geral, com experiência na área dos transportes,o desembargador José Diogo Mascarenhas Neto, passando, em 1805,a tutela dos serviços postais para o secretário de Estado dos Negó -cios Estrangeiros e da Guerra, António de Araújo de Azevedo, queacumulou este cargo com o de inspector dos correios.A melhoria dos serviços traduziu-se no aumento <strong>das</strong> rotas postaise na periodicidade dos respectivos giros, passando a existir dois correiospor semana em to<strong>das</strong> as «Praças de Armas» e em to<strong>das</strong> as ci -da des e vilas principais e três entre Lisboa e Porto. Para além destascar rei ras regulares, foram cria<strong>das</strong> outras extraordinárias, em zonas doPaís de circulação de correspondência <strong>mais</strong> intensa, como <strong>das</strong> termasde Cal<strong>das</strong> da Rainha. A periodicidade dos giros postais viria a aumentarno contexto <strong>das</strong> Invasões Francesas. Em 1811, os correios partiamde Lisboa to<strong>das</strong> as semanas, às segun<strong>das</strong>, quartas e sextas, em direcçãoao Porto (com ra<strong>mais</strong> para Castelo Branco e Almeida) e a Elvas (comramal de Montemor a Vila Real de Santo António).A qualidade dos serviços prestados é atestada por um estrangeiro, CarlRuders, que, em 1801, emitiu a seguinte opinião: «Suponho que ogoverno português tira grande proveito com os serviços do correio, masé merecido porque, na verdade, são muito bem feitos. No interior doPaís não só se podem enviar cédulas pelo correio, mas até caixas comdinheiro e jóias; basta para, isso, antes da remessa fazer contar o dinhei -ro e as jóias, pelos respectivos funcionários». 28Por sua vez, o historiador José Subtil declara, com base numa avalia -ção da nova gestão dos correios no período que decorre entre 1799 e1819, que «o rendimento dos Correios <strong>mais</strong> que triplicou, permitindoinvestimento nos transportes e recursos humanos com efeitos noaumento da velocidade». 29 A melhoria <strong>das</strong> receitas do correio decor -reu do acréscimo de circulação de missivas e do aumento dos portes,que foram definidos pelo aviso de 14 de Março de 1801 em função dadistância, para o que foram estabeleci<strong>das</strong> cinco zonas postais.De notar, no entanto, que com a incorporação do correio na Coroa oscustos do transporte do correio não passaram a ser suportados na ínte -gra pelo Estado. As despesas de alguns giros estavam a cargo dos cor -reios assistentes e <strong>das</strong> câmaras, como se pode observar num mapa<strong>das</strong> comunicações postais, datado de 1818. Nesta carta, os percursosdos estafetas que eram custeados pela Administração-Geral dos Cor -


43“L’hotel des postes, la cour du transbordement, 1880, acervo iconográfico da FPC.reios aparecem a traço duplo e são os seguintes: Lisboa - Porto; Lis -boa - Cal<strong>das</strong> da Rainha; Lisboa - Castelo Branco; Lisboa - Elvas; Coim -bra - Almeida, passando por Viseu e Pinhel; Golegã - Alvaiázere; Mon -temor-o-Novo - Faro (passando por Évora e Beja); Silves - Vila Real deSanto António. Donde decorre que o Estado custeava apenas os eixosLisboa - Porto e Silves - Vila Real de Santo António; e as ligações coma fronteira espanhola (Almeida, Castelo Branco, Elvas, Vila Real deSanto António), sendo financia<strong>das</strong> pelas câmaras ou pelos correios assis -tentes to<strong>das</strong> as rotas postais situa<strong>das</strong> nas regiões de Entre - Douroe Minho e Trás-os-Montes, bem como to<strong>das</strong> as existentes no interiordo País, nomeadamente aquelas que irradiavam de placas giratóriascomo era o caso de Viseu, Estremoz e Beja.Do atrás exposto decorre que os poderes locais continuavam a ter, emvésperas da Revolução Liberal, um papel decisivo em matéria de cir -culação do correio nos espaços <strong>mais</strong> periféricos e consequentemen -te menos integrados politicamente.Um dos critérios utilizados para medir o «tempo do Estado» é o núme -ro de dias necessários para fazer chegar a correspondência aos diver -sos lugares dos países, nomeadamente aos <strong>mais</strong> recônditos 30 . Ora setomarmos como verdadeira a informação de Francisco Coelho deSousa Sampaio expresso na obra Prelecções de Direito Pátrio, publi -cada em 1793-1794, «mediavam três meses entre a publicação <strong>das</strong> leise o conhecimento do seu conteúdo em todo o Reino». 31A lenta difusão dos diplomas régios não se explicará apenas pelas insu -ficiências da rede postal, devendo-se sobretudo aos problemas de fun -cionamento da burocracia régia. Com efeito, a maioria <strong>das</strong> paróquiasdo país, a acreditar no testemunho dos párocos, já eram servi<strong>das</strong> em1758 por um correio semanal. Por sua vez, os diversos organismos dopoder central poderiam recorrer a correios expressos capazes de levara correspondência oficial em tempos muito <strong>mais</strong> curtos. Teodoro deMatos calculou, com base no estipulado no regimento de 1810, otempo que um correio levaria de Lisboa a diversas cidades do País, apre -sentando-nos os seguintes resultados: a Bragança – quatro dias e duashoras; ao Porto – três dias; a Évora – um dia e duas horas e a Faro – doisdias e três horas. 32 Em 1783, o correio da Universidade António doAmaral levou sete dias no percurso de Lisboa a Miranda e regresso aCoimbra.A utilização pela Coroa de correios expressos verificar-se-ia, no entan -to, apenas em circunstâncias especiais atendendo aos custos que acar -retavam para a Fazenda Régia.A correspondência oficial circulava assim nos giros do correio ordiná -rio, cuja fluidez era condicionada pelo estado <strong>das</strong> vias de comunica -ção como testemunhava, em 1794, o Juiz de Fora de Recardães ao dizerque o «represamento [….] dos Correios <strong>das</strong> Secretarias, e o Geral doReino» se devia ao mau estado <strong>das</strong> estra<strong>das</strong>. Esta situação agrava -va-se nos meses de Inverno. Em 1758 ,o pároco de Montemor-o-Velhodava a seguinte reposta à pergunta do inquérito referente a correio:«Tem correyo mas derivado de Coimbra da qual dista quatro legoase nam sinco como se achou em algum choronista. Parte á segunda feiraPortes de cartas (réis)Cartas dobra<strong>das</strong>Distâncias carta 2 a 4 4 a 6 6 oitavas(léguas) singela oitavas oitavas a 1 onça0-10 20 30 40 5010-20 25 40 50 6020-30 30 50 60 7030-40 35 60 70 80<strong>mais</strong> de 40 40 70 80 90


44Zonas postais de acordo com o aviso de 14 de Março de 1801.as nove horas lança as cartas paraa Corte, Alentejo, Algarve e Hespa -nhas, tira na terça feira as da Beira,Trás os Montes e Minho chega anoite responde se lhes, parte naquarta feira ao meio dia tira na quin -ta feira as <strong>das</strong> primeiras parteschega a noite se o tempo da lugar eas inundaçoens do Mondego o namembaraçam que quando estas oimpedem, vai á segunda feira e serecolhe na sesta feira». 33 Situaçãoainda <strong>mais</strong> grave vivia-se em Cas -telo Branco. Em 16 de Janeiro de 1822,a vereação desta cidade referia-se«aos inconvenientes devidos aomodo de transporte do correio, dopequeno número de viagens, domau estado <strong>das</strong> estra<strong>das</strong> e da faltade pontes, de tal maneira que acon -tecia que no Inverno não se rece -bia nenhum correio durante semanas».34 Nesta altura o correio eratransportado no dorso de mulas,duas vezes por semana, no percur -so entre Castelo Branco e Abrantes.Um passo decisivo para a construçãodo Estado oitocentista foi a reorga -nização administrativa e judicial doespaço nacional, medida que per -Cal<strong>das</strong> da RainhaMafraVila Nova de CerveiraViana do CasteloAlcobaçaÓbidosAlhandraAlvercaLisboaCascaisAlmadaEsposendeVila do CondeFigueira da FozTorres VedrasAlenquerLeiriaAveiroLagosPortoOliveira de AzeméisMealhadaRio MaiorRabaçalAzambujaSetúbalBragaAroucaÁguedaOurémTomarSantarémSantiagodo CacémOdemiraCoimbraMelgaçoPonte da BarcaGuimarãesViseuTondelaÉvoraCratoLouléAlbufeiraFaroFundãoNisaBejaSerpaMedaSertãCastelo BrancoProença-a-NovaOuriqueVila RealEstremozRedondoTrancosoMonsarazMértolaTaviraChavesCovilhãGuardaElvasVila ViçosaBragançaAmaranteS. João da Pesqueira Torre de MoncorvoPeso da RéguaCastro d'AireArraiolosMontemor-o-NovoAlter do ChãoMessejanaAlmodóvarMouraPortalegreIndanha-a-NovaCastro Marim0-10 léguas10-20 léguas20-30 léguas30-40 léguas<strong>mais</strong> de 40 léguas0 25 50 100 kmmitiu a desarticulação territorial dospoderes de antigo regime e a con -sequente apropriação pelo governocentral de poderes dispersos peloterritório. Em finais do século XVIII ena sequência da abolição <strong>das</strong> juris -dições senhoriais já se tinham toma -do medi<strong>das</strong> no sentido da reorgani -zação do mapa <strong>das</strong> comarcas, con -texto em que as populações foramchama<strong>das</strong> a pronunciar-se. Um dosmotivos apresentados pelos conce -lhos para a preferência pela inte -gração numa determinada comar -ca era qualidade dos serviços de cor -reio disponíveis nessa circunscriçãojudicial. Foi o caso da câmara de SantaComba Dão que afirmou preferir inte -grar-se na comarca de Viseu, em vezde Arganil, pelo facto de a cidade deViriato ter «correio to<strong>das</strong> as sema -nas, pelo qual se podem correspon -der com seus procuradores, e poreste modo tratarem de sua justiça»35. O sistema judicial era então, comohoje, uma <strong>das</strong> componentes do Esta -do que se desejava que prestasseuma justiça rápida para não se tor -nar injustiça. Para este fim concorriao tempo de circulação do correio.


45NOTAS1Antonio RECUERO, “De privilegio real a servicio público”, MOPT, Julho-Agosto de1994; Ricardo Ortiz Vivas, Historia del Correo en España, s.l., s.d.2Para a elaboração deste texto recorremos a informação apresentado no capítulo intitula -do “Os Correios na Idade Moderna” publicado no livro As Comunicações na IdadeModerna, Fundação <strong>Portuguesa</strong> <strong>das</strong> Comunicações, Lisboa, 2005, organizando-a em funçãoda problemática em análise neste artigo. António HESPANHA, As vésperas doLeviathan. Instituições e poder político. Portugal-séc. XVII, Coimbra, Almedina,1994, p. 111.3A problemática dos poderes na Época Moderna tem sido objecto de análise por parte dediversos autores, destacando-se António Hespanha. Entre as diversas obras e artigosdedicados a este tema citamos as sínteses apresenta<strong>das</strong> no volume IV da História de Por -tugal, edição do Círculo de Leitores.4Pedro Luís Lorenzo CADARZO, “La correspondência administrativa en el estado abso -luto castellano” (séculos XVI-XVIII), Tiempos Modernos: Revista Electrónica deHistoria Moderna, número 5 (2001), © 1/1/2001.5Antonio RECUERO, “De privilegio real a servicio público”, MOPT, Julho-Agosto de1994; Ricardo ORTIZ VIVAS, Historia del Correo en España, s.l., s.d.6Maria del Carmen MAZARIO COLETO, Isabel de Portugal, Emperatriz y reina deEspaña, Madrid, 1951. Margarida Sobral NETO, La Emperatriz Isabel. “Una hija del Reyde Portugal en la Corte de Carlos V”, Correspondance, numero especial, 1994, pp. 69-77.7The United States Postal Service. An American History (1775-2002) inhtp//www.usps.com. /cpim/ftp/pubs/pub100.8Sobre a criação e expansão da rede de correios veja-se: Godofredo FERREIRA, Algu -mas achegas para a história do correio em Portugal, Lisboa, Sociedade Astória Lda.,1964; Idem, Dos Correios-mores do Reino aos Administradores Gerais dos Cor -reios e Telégrafos: ligeiros subsídios biográficos. Lisboa: Serviços Culturais dosCTT. Lisboa, 1963; Margarida Sobral NETO, “Os Correios na Idade Moderna”, cit.9Sobre este assunto veja-se Sérgio da Cunha SOARES, O Município de Coimbra da Res -tauração ao Pombalismo. Poder e Poderosos na Idade Moderna, vol. III, Coimbra,Centro de História da Sociedade e Cultura, 2002, pp. 5-57.10 José Pedro PAIVA, “As comunicações no âmbito da Igreja e da Inquisição”, in As Comu -nicações na Idade Moderna, cit., pp. 148-175.11 António de OLIVEIRA, “A república e as repúblicas”, in Fernando Taveira da Fonseca(coord.), O poder local em tempo de globalização. Uma história e um futuro, Coim -bra, Imprensa da Universidade/CEFA, 2005, pp. 13-48.12Veja-se a este propósito: Fernando Taveira da FONSECA, “As comunicações institucio -nais: a universidade de Coimbra”, in As Comunicações na Idade Moderna, cit., pp.213-248 ; Maria Antónia LOPES, “As comunicações nas misericórdias” in As Comuni -cações na Idade Moderna, cit., pp. 177- 210.13 BGUC, Manuscrito, 1489, fs. 130-137.14Júlio Firmino Júdice BIKER, Suplemento à Collecção dos Tratados, Con venções, Con -tratos e Actos Públicos celebrados entre a Coroa de Portugal e as <strong>mais</strong> potenciasdesde1640 compilados e coordenados pelo Visconde Borges de Castro, Lisboa,Imprensa Nacional, 1873, tomo X, p. 364.15Ver a título de exemplo a obra Historia Annual Chronologica e Politica do Mundoe especialmente da Europa, parte XVIII, Lisboa Occidental, na officina de Pedro Fer -reira, 1732.16Biblioteca da Academia <strong>das</strong> Ciências, manuscrito vermelho, número 905, ff. 6 e 7.17Sobre esta matéria ver: Margarida Sobral NETO, “Os correios na Idade Moderna”, cit, pp.35-41.18Ana Isabel RIBEIRO, “Os correios-mores do reino. Perfil e trajectos sociais”, in AsComunicações na Idade Moderna, cit., pp. 97-118.19João Baptista de CASTRO, Mappa de Portugal antigo, e moderno. Lisboa: Na Offi -cina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno, 1762-1763, Vol. I, p. 2.20Collecção da Legislação <strong>Portuguesa</strong>, organizada por António Delgado da Silva, vol.I, p. 151.21 Paulo Dias de NIZA, Portugal Sacro Profano, Lisboa Na oficina de Miguel Manescalda Costa, 1757-1768.22 Joaquim Ramos de CARVALHO, “A rede de correios na segunda metade do séculoXVIII”, in As Comunicações na Idade Moderna, cit., p. 87.23Sobre esta matéria ver Artur Teodoro de MATOS, Transportes e comunicações em Por -tugal, Açores e Madeira: 1750-1850, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 2 vols,1980.24 Cf. José Luís CARDOSO, O pensamento económico em Portugal nos finais do sécu -lo XVIII (1780-1808). Lisboa: Editorial Estampa, 1989.25 D. Rodrigo de Souza COUTINHO, ob. cit, tomo II, p. 183.26 Cf. Margarida Sobral NETO, “Os correios na Idade Moderna”, cit., pp. 45-66.27 Sobre as novas concepções da administração pública veja-se José SUBTIL, “Governo eadministração”, in História de Portugal, vol IV, coordenado por António Hespanha, Lis -boa, Círculo de Leitores, 1993, pp. 157- 193.28 Carl Israel RUDERS, Viagem em Portugal, 1792-1802, Lisboa, Biblioteca Nacional,2001, p. 200.29 Ob. cit., p. 186.30 Ana Cristina Nogueira da SILVA, O Modelo Espacial do Estado Moderno. Reorga -nização territorial em Portugal nos finais de Antigo Regime. Lisboa, Editorial Estam -pa, 1998.31 Citado por Ana Cristina Nogueira da SILVA, ob. cit., p. 40.32 Ob. cit, p. 479.33 IAN/TT, Memórias Paroquiais de 1758.34Albert SILBERT, Le Portugal..., vol. I, p. 178.35Citado por Ana Cristina Nogueira da SILVA, ob. cit. p. 204.


46Luís Manuel de Araújo | Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (Instituto Oriental)As cores no Antigo Egipto: umsensitivo meio de comunicaçãoCromatismo natural da paisagem egípcia: o azul do Nilo, o verde da vegetação, o amarelo do deserto montanhoso e de novo o azul do céu.OEgipto faraónico, conhecido por ter forjado uma brilhante civili -zação que ainda hoje cativa muita gente, deixou um rico legadocultural no pensamento religioso e mítico, na literatura e na arte.Quem hoje visita o Egipto não pode deixar de admirar os vestígiosartísticos mas também se deixará deslumbrar pelo variegado croma -tismo da paisagem. É que o Egipto é, também, um mundo de cores,que se destacam por força da geografia do país do Nilo: o azul sem -pre presente no céu e no rio; o verde exuberante da paisagem; oamarelo <strong>das</strong> montanhas, dos cereais maduros e sobretudo do sol; enfim,o preto, a cor do fértil lodo escuro que o Nilo deixava nas margens depoisda inundação, e que dá o nome ao país: Kemet, «A Negra».Era à sua natureza, ricamente pictórica, que os antigos artesãos e artis -tas egípcios iam buscar a fértil inspiração que a arte demonstra comos seus apelativos cromatismos, mas era também dela que extraiamos minerais necessários para produzir os elementos utilizados na pin -tura, também ela um veículo de comunicação e de fruição, seja a pin -tura <strong>das</strong> vastas superfícies murais de túmulos e templos, seja a pin -tura dos olhos e do rosto de quem a podia exibir. Para a pintura dosolhos, tanto homens como mulheres usavam uma substância verde(obtida da malaquite), mas também o preto (obtido da galena).Ambas as variedades eram conheci<strong>das</strong> desde a Época Pré-Dinástica(antes de 3000 a. C.), sendo o preto a <strong>mais</strong> importante. Foram encon -tra<strong>das</strong> essas variedades em diversos túmulos, tanto o material debase, guardado em saquinhos de tecido ou de couro, ou já pulverizadoou em pasta, dentro de vasos tubulares, unguentários e outros con -tentores. Colocava-se em torno dos olhos usando o dedo ou um apli -cador, um pequeno estilete de marfim, osso, madeira ou metal, quese mergulhava directamente na pasta ou então em água e depois nasubstância para a pintura. Quando se fala de pintura dos olhos no anti -go Egipto é bom recordar que o gesto tem acuidade socio-política(só as pessoas importantes se pintavam) mas também importânciasexual, tornando <strong>mais</strong> apelativo e sedutor o rosto bem pintado. As varie -dades de matéria-prima necessária encontravam-se no Egipto, amalaquite no deserto oriental e no Sinai, e a galena em Assuão e nomar Vermelho. Contudo, várias substâncias para a pintura dos olhoseram também trazi<strong>das</strong> do estrangeiro, como ficou ilustrado, por exem -plo, numa pintura mural de um túmulo de Beni Hassan, onde se vê umacaravana de asiáticos trazendo, entre outros produtos, pintura pretapara os olhos.As substâncias corantes, de tipo natural ou sintético, foram utiliza -<strong>das</strong> com uma notável abundância e com grande mestria pelos exímiosartistas e artesãos do país do Nilo para dar coloração a tudo o que dese -javam. E mesmo que hoje não vejamos <strong>mais</strong> as cores em muitos monu -mentos, em estátuas ou relevos murais, ou mesmo pequenos amuletos,decepcionantemente descoloridos, a verdade é que no antigo Egip -to tudo era pintado para dar à obra de arte não apenas <strong>mais</strong> vivaci -dade fruitiva e agradável visualização mas pelo simbolismo que as váriascores tinham. De resto, as próprias cores conferiam aos objectos umacarga amulética e mágica.Para tal eram produzidos cromatismos diversos a partir de pigmentosque artistas e artesãos sabiam extrair da natureza envolvente. Obti -nham-se os pigmentos amarelos a partir de argila contendo váriasquantidades de óxido de ferro (limonite, por exemplo), e os pigmen -tos vermelhos também eram conseguidos a partir de matéria argilo -sa contendo óxido de ferro, neste caso hematite, ou ainda a partir docinábrio. Quanto aos muito procurados pigmentos azuis eram pro -duzidos com a maceração de azurite ou de cobalto, de que resultavao chamado «azul egípcio», muito típico <strong>das</strong> estatuetas funerárias ede outros objectos. Os pigmentos verdes conseguiam-se a partir damalaquite, entre outros produtos, os pigmentos brancos a partir de


48Joalharia de Tutankhamon: o falcão do deus Hórus, com a sua rica plumagem feita de turquesa, cornalina e pasta de vidro azul embutidos em ouro.Cromatismo divino no túmulo da rainha Nefertari, em Tebas Ocidental: Osíris de pele verde como deus da eternidade e Atum de pele humanizada como criador do mundo.derivados do carbonato de cálcio e do gesso, e, enfim, os pigmentospretos a partir da combustão de vários produtos.Sabe-se que o ovo tinha grande utilidade na preparação de tintas paradecoração de superfícies murais, e o próprio ovo, especialmente os gran -des exemplares de avestruz, obtidos no Sul,era muito apreciado como superfície quepodia ser pintada e que tinha um grandeefeito decorativo. Era esta aúnica utilidade que o ovo tinhano antigo Egipto (para além deesporádico uso na preparaçãode receitas médicas), já que ele,estra nhamente, não fazia parteda alimentação e, na verdade,não constava <strong>das</strong> longas listasde vitualhas grava<strong>das</strong> nos túmulos,onde os exigentes defuntos solicitavam alimento para as suas refeiçõeseternas.Podendo ser realizada directamente sobre o baixorelevomural, como sucedeu em grande medi dadurante o Império Antigo (c. 2660-2180 a. C.), a pinturaera muitas vezes executada sobre estu que fresco,recriando cenas da vida quotidiana dos antigosEgípcios, como banquetes, danças, recepções, cenasde pesca e de caça, com especial vocação para fixar as varia<strong>das</strong> actividadesagrícolas, além de reproduzir as cenas relaciona<strong>das</strong> com a mitologia.A pintura mural conheceu o seu apogeu durante o reinado deTutmés IV (XVIII dinastia) com exemplos sintomáticos em algunstúmulos tebanos.Cores para a eternidadeA cor é um elemento imprescindível da arte egípcia, é o remate natu -ral de uma obra escultórica ou arquitectónica. O problema é que hojemuitas <strong>das</strong> superfícies pinta<strong>das</strong> desapareceramirremediavelmente; paredes de antigos túmuloscujos relevos hoje estão descoloridosmas que eram pintados, amplosmuros e tectos de templos já sema pintu ra que inicialmente tinham(até mesmo nas paredes externas),estátuas sem a sua coloraçãoprimeira, estelas, elementosarquitectónicos,tudo perdeu a cor original.Na estatuária a cor mantém-seainda em muitas figuras de cal cário,mas mesmo as estátuas de granito,basalto, diorite, xisto, entre outros materiaisde grande dureza, eram geralmentepinta<strong>das</strong> como natural remate do trabalho escultórico.Hoje, elas exibem--se em muitos museussem o seu revestimento cromático original, gerandofalsas interpreta ções aos inúmeros visitantesque a eles acorrem. Até mesmo em Portugal ofenómeno se pode detectar, sobretudo nascolecções egípcias que se expõem ao público no Museu CalousteGulbenkian, Museu Nacional de Arqueologia e Museu da Farmácia.O uso <strong>das</strong> cores tinha no antigo Egipto regras bem estabeleci<strong>das</strong>, e asua correcta utilização impunha-se ainda <strong>mais</strong> pela conotação mági -ca e sagrada da paleta cromática. Uma <strong>das</strong> situações <strong>mais</strong> típicas


50Sarcófago da colecção egípcia do Museu da Farmácia: tonalidades amarelo-doura<strong>das</strong> para a eternidade.O príncipe Rahotep e sua esposa Nefert mostrando as cores <strong>das</strong> convenções artísticas, com a pele acastanhada do homem e a pele amarelada da mulher.cies de estu que: uma à base de argila, geralmente misturadacom palha, e a outra um tipo de gesso facilmente disponívelno Egipto. Uma camada de gesso era quase sempreapli cada em último lugar, mesmo que a parede já tives -se uma camada de argila. Não só era possível pintar emparedes suaviza<strong>das</strong> com uma camada de gesso, comotambém era possível gravá-las <strong>mais</strong> facilmen te do quena pedra. Adicionalmente, também era possível corrigirfacilmente qualquer erro, aplicando um pouco <strong>mais</strong> degesso.Embora com o passar do tempo muito estuque tenhacaído da superfície da pedra, é possível perceber ascenas de relevo, já que os decoradores as fizeram paralá do gesso. Alguns pedaços de gesso (destinados a repararou restaurar) caídos ensinam muito aos egiptó logossobre os erros feitos pelos antigos artesãos ao acrescentartextos ou imagens e sobre textos cujo con teúdo foi<strong>mais</strong> tarde modificado. Como instrumentos de tra balho ospintores usavam pincéis, broxas, godés para a água e placasde calcário ou de madeira para a preparação <strong>das</strong> tintas.As pinturas tumulares feitas sobre os relevos no ImpérioAntigo e nas paredes cobertas com estuque data<strong>das</strong> doImpério Novo (embora se conheçam outras modalidades dedecoração), são uma excelente imagem acerca da noçãoque os Egípcios tinham do tempo (ou então da ausência detempo). Na verdade não se observa nas pinturas feitas nasparedes dos túmulos qualquer indício do momento do dia e ahora em que determinada cena ocorre - é um tempo eterna -mente indefinido.Diversas cores aparecem nas representações lega<strong>das</strong> peloEgipto faraónico, para além do cromatismo próprio de inúmeros objectalvezseja a cor <strong>mais</strong> escura dada aos homens (com uma tonalidadeacastanhada) e uma cor <strong>mais</strong> clara para as mulheres(tonalidade amarelada), que se observa clara mente nosrelevos e na estatuária. Este código cromático, útil para a diferenciaçãodos sexos, não poderá, no entanto, ser interpretadocomo aludindo à vida «<strong>mais</strong> caseira» da mulher,e que levaria a que elas tivessem uma pele <strong>mais</strong> clara ealva por estarem menos expos tas ao sol, ao contráriodos homens a trabalhar nos campos. Não se pode concluirtal coisa, embora a alu são não deixe de ser tentadora:trata-se apenas de um entre vários códigos usadosna arte, cujas estritas regras pictóricas se mantiveram,no esencial, ao longo dos séculos.O que nos espanta em muitos casos é a boa conserva çãode algumas pinturas de túmulos e de vários objec tos pintadosque os museus exibem: a explicação residi rá, emgrande medida, na natureza mineral dos pigmen tos seleccionados(Claude Traunecker). Em certos supor tes as coresegípcias ainda hoje, passados milhares de anos, reflectem aexuberância da paleta cromática, como é o caso de papiroscujas ilustrações subsistem em fruiti vo brilho, ou de sarcófagosque se mantiveram recolhidos nas suas criptas antesde serem descobertos, ou ainda de túmulos reabertos noséculo XIX, depois de séculos de esquecimento. Do ponto devista técnico deve ser referida a pintura sobre gesso. As paredesdos palácios e túmulos, fossem de tijolo ou de pedra,eram geralmente muito irre gulares para poderem ser decora<strong>das</strong>.O mesmo acontecia com a superfície <strong>das</strong> estátuas (de pedraou de madeira). Por esta razão era acrescentada uma camadade gesso para estucar a superfície, existindo duas espé-


53Cena mítica do túmulo de Sennedjem, em Deir el-Medina: o casal de defuntos laborando nas fartas terras do Além (Campos de Iaru).tos feitos com pedras semi-preciosas aptos a adornar jóias e amuletos.De seguida faremos uma síntese <strong>das</strong> <strong>mais</strong> significativas cores eda sua utilização.A cor pretaA cor preta (em egípcio nehés) ou negra (em egípcio kem), de amplautilização, era obtida essencialmente a partir do carvão de madeira,<strong>mais</strong> raramente de pirolusite, óxido de manganésio proveniente do Sinai,se bem que este mineral fosse <strong>mais</strong> usado na preparação de unguen -to para maquilhagem, dando o famoso e elegante contorno usado nosolhos e sobrancelhas.O uso naturalista da cor preta surge sempre que seja preciso reforçarcavidades, e nas perucas, olhos, sobrancelhas, boca e outros detalhesdo corpo representados a cor escura. Nas estatuetas funerárias(chauabtis ou uchebtis) serve para destacar os atributos e os instru -mentos agrícolas.É também preta a cor dos hieróglifos escritos sobre o papiro, desta -cando-se bem do tom amarelado desse típico suporte de escrita.Eram igualmente pretos os hieróglifos pintados nas claras paredes dostúmulos e materiais fúnebres, embora, em circunstâncias de maior dig -nidade representacional e quando tecnicamente era possível, os hie -róglifos pudessem ter uma coloração real e multicolor, de acordo como signo figurado.A cor preta tem igualmente uso mágico-religioso, vista como a cor deregeneração (tal como o verde), sendo também a cor da massa betu -minosa com que se impregnam as múmias, preserva<strong>das</strong> na cor pretada eternidade e do renascimento no outro mundo. Aliás, divindadescomo Anúbis e Min aparecem amiúde com a pele negra (Anúbis por serfigurado como um cão selvagem escuro, e Min ligado à potência cria -dora com a sua pele escura a contrastar com o branco do linho do sudá -rio que o envolve). O deus Osíris, por estar relacionado com a eterni -dade, também podia ser figurado com a pele preta.A cor brancaO branco (em egípcio hedj), era a cor da coroa do Sul, ou Alto Egipto(a coroa hedjet), cor de alegria, de triunfo, de felicidade. Obtinha-sea cor branca a partir da cal ou do gesso.Tinha um largo uso naturalista como bem se compreende na pintura<strong>das</strong> flores, o fundo branco dos olhos, a representação <strong>das</strong> faixas delinho ou a cor de casas e templos nas representações pictóricas, rou -pas, nomeadamente em estátuas e estatuetas funerárias, com os tra -jos do quotidiano usados pelos capatazes (chauabtis em trajo dos vivos).Quanto ao uso mágico-religioso, ele detecta-se nos ricos trajos dos jus -tificados no tribunal de Osíris (os defuntos que comparecem para ojulgamento maético), o vestuário dos sacerdotes, e ainda os sudáriosde Osíris, Ptah, Khonsu, Sokar e Min, entre outros deuses do pan -teão. Nas estátuas e estatuetas funerárias está presente em váriosatributos exibidos nas mãos.Os fundos de paredes tumulares, sobre as quais se espalhavam as pai -sagens e as figuras, tinham muitas vezes um fundo branco, dando aintemporal neutralidade a que já nos referimos.A cor vermelhaO vermelho (em egípcio decher), obtido a partir de vários ocres, era umacor de conotações quase sempre negativas; dizia-se que uma coisaprejudicial e nefasta era vermelha. Uma <strong>das</strong> raras excepções era a coroavermelha do Norte, ou Baixo Egipto, chamada justamente a vermelha(decheret). Para um vermelho <strong>mais</strong> escuro (ou, como parecia sera tonalidade egípcia, <strong>mais</strong> azulado), usava-se a forma tjemés. Parao vermelho «cor de sangue» existia a forma inés, para o vermelho bri -


54Relevo pintado de calcário do túmulo da princesa Nefertiabet (Sakara; hoje no Museu do Louvre).lhante imau, e para um tipo de vermelho de ocre três formas podiamser utiliza<strong>das</strong>: tjer, utjer e tjur. Quanto ao cinábrio, um belo tom aver -melhado de grande efeito decorativo (sulfureto de mercúrio), pare -ce ter aparecido apenas a partir da Época Baixa.O uso naturalista patenteia-se no cânone cromático para a pele dohomem, e por vezes a cor dos homens tinha tons algo avermelhados.Também nas linhas de contorno dos elementos a amarelo, fundosde textos, separação de linhas de texto, representações do coraçãoe de nacos de carne em cenas de oferenda era usado o vermelho.Como uso mágico-religioso, era a cor do terrível e crespo deus Set, eenquanto ele foi cultuado (sobretudo no Império Novo) o vermelho liga -va-se à força intempestiva, à violência, sem conotações que pudes -sem ser considera<strong>das</strong> negativas; quando Set passou a ser amaldiçoado,a partir da Época Baixa (século VII a. C.), o vermelho acompanhouessa desdita. Era também a vermelho que os escribas registavam nosseus papiros os nomes de Apopis e Set, divindades de conotaçãonegativa, salientando-os no meio do texto a tinta preta. Por vezes acor do disco solar e do vestuário de algumas divindades era tambémavermelhada.Os ocres vermelhos usados para obter a desejada coloração eramvários, tendo as designações de didi, menchet, perech e tjemehi.A cor amarelaO amarelo (em egípcio ketj) era obtido de ocres, nomeadamente o óxidode ferro hidratado (limonite). Existia uma expressão para o dourado(kenit) e para a cor própria do ouro (nub), e a evidente conotação cro -mática entre o amarelo e o dourado observa-se na preferência pelostons amarelados dados à maioria dos sarcófagos. Claro que os faraóse outras altas figuras da família real podiam ter belos sarcófagos deouro (como se vê, por exemplo, no sarcófago de Tutankhamon), maspara os outros defuntos as tonalidades de amarelo mantinham amensagem da solarização eterna.O uso naturalista percebe-se na pintura de flores, cereais, algumas aves,e, como já foi antes assinalado, na cor da pele feminina, em várias tona -lidades que iam desde uma coloração <strong>mais</strong> pálida até um amarelo <strong>mais</strong>escuro, num cânone que a partir da Época Baixa começou a ser des -curado.Quanto à utilização mágico-religiosa, o amarelo era um evidentesubstituto do ouro, a cor da pele dos deuses, servindo ainda paraalgumas coroas e ceptros reais e divinos, além da representação dejóias.A cor verdeO verde (em egípcio uadj), omnipresente na paisagem nilótica, era bas -tante usado na pintura. Para o verde turquesa havia a expressãomefkat, que aliás também quer dizer turquesa. Esta cor podia serobtida a partir da malaquite (carbonato de cobre verde), que eraobtida geralmente no Sinai desde tempos muito recuados, mas tam -bém se conseguia a partir de crisólito esmagado (silicato de cobrehidratado).Como uso naturalista o verde serve perfeitamente para flores e ele -mentos vegetais em geral, algumas aves, faixas nas perucas femini -nas, colares usekh e colares florais.O seu uso mágico-religioso detecta-se na coloração de pele de algunsdeuses (como Osíris e Anúbis), reis e defuntos, no sentido de rejuve -nescer, enverdecer (uadj). É de resto esta ideia de renascimento quejustifica que os belos signos hieroglífi cos usados nos «Textos <strong>das</strong>Pirâmides» sejam verdes.A cor azul


55O azul (em egípcio khesebedj) era obti -do a partir da azurite (carbonato decobre), ou com o recurso ao óxido decobalto para conseguir as bonitas tona -lidades azuis que se vêem nas esta -tuetas e amuletos, por exemplo.Teve largo uso naturalista para a pinturade elementos vegetais como o lótus,ou como imitação do belo mas dispen -dioso lápis-lazúli, sendo também a corde algumas aves, elementos de colarese diademas e como representação desuperfícies líqui<strong>das</strong>.O seu uso mágico-religioso aprecia-se narepresentação de coroas e ceptros reaise divinos, bem como no cabelo dos deusese dos defuntos, e ainda na pele dealguns deuses (como Amon-Ré, Osíris eRé-Horakhti), pelas semelhanças com olápis-lazúli, o qual provinha do distanteAfe ganistão, obtido pelo comércio que vinha desde a Mesopotâmia,o que é um apreciável indício acerca do dinamismo do comérciointernacional dada a distância imensa entre o Egipto e a zona deBadakhchan onde era obtido.Outras coresPara a obtenção de cores matiza<strong>das</strong> e de diferentes tonalidadespodia-se misturar vários óxidos de ferro naturais, abundantes nosolo, quer entre si quer com pigmentos brancos. Da mis tura conseguiamsetonalidades que iam do amarelo claro ao castanho, passan do porvariados tons de vermelho, que incluiamo rosa e o alaranjado.Existia ainda a expressão sab, a qual cor -responde às nossas palavras «multico-lor», «colorido» ou «garrido». Estaforma identificadora do cromatismo uti -lizava-se quando as imagens represen -ta<strong>das</strong> mostravam grande variedade decores mistura<strong>das</strong>, mas de forma harmó -nica e equilibrada, o que se verificava, porexemplo, no desenho de aves ou de ser -pentes.Enfim, para além do aspecto sagrado emágico ligado à cor, os antigos Egípciossempre manifestaram um grande apre -ço pelas cores profanas e alegres, comose vê no rico mobiliário e joa lharia incrustada,nos recipientes festivamente decorados,ou estei ras multicolores. Massobretudo, «desejando a sua arte mágicacriar seres reais e vivos, a pintura está sempre presente como a luminosidade do Sol está na natureza» (Jean Yoyotte).Para além dos pigmentos de que se extraíam as deseja<strong>das</strong> cores,também as pedras que a natureza facultava exibiam uma rica varie -dade cromática. Em Assuão obtinha-se granito que podia ter tonali -dade cinzenta ou rosada, e muito aprecia<strong>das</strong> eram as cores própriasdo alabastro (calcite), sobretudo o de Hatnub, do pórfiro, do basal -to, do xisto e de outras pedras, merecendo especial atenção como ele -mento decorativo as que tinham veios, que os artesãos sabiam com


56mestria adaptar à configuração do recipiente no acto de fabrico, e abrecha ou outras rochas mescla<strong>das</strong>.Quanto à variada pedraria utilizada nas jóias, os exímios ourives esco -lhiam e seleccionavam as pedras <strong>mais</strong> pela cor e o brilho do que pelasua raridade. Eram muito aprecia<strong>das</strong> a cornalina, a calcedónia, a tur -quesa do Sinai, a amazonite azul esverdeada, a ametista da Núbia,o jaspe vermelho e as suas duas variantes acastanhada e esverdea -da. Também a obsidiana era usada, mesmo para grandes obras escul -tóricas. Outra pedraria amiúde usada no fabrico de jóias e amuletosera o cristal de rocha, e, como elementos de substituição da pedra, aesteatite esmaltada e a faiança (termo que do ponto de vista técni -co não é <strong>mais</strong> correcto, mas que se acabou por impor).Cromatismo profilácticoÉ nas jóias e nos amuletos que melhor se pode apreender o cromatismode timbre profiláctico e apotropaico do uso da cor, a qual no antigoEgipto sempre foi um sensitivo meio de comunicação.O amuleto do coração (ib) era, naturalmente, representado em cor ver -melha, sendo nesta circunstância muito apropriado o uso da corna -lina. No entanto conhecem-se exemplares em que o amuleto do cora -ção poderia ter outro cromatismo: é o caso do azul escuro e mesmodo preto, que se podem observar em corações pintados em sarcófa -gos de madeira datados da XXI dinastia. Neste caso tratar-se-ia deuma alusão à vida no Além, onde se julgava que o coração conti -nuaria a desempenhar preponderante papel no peito do osirificadoque tinha atingido a vida eterna. É que o preto, como já vimos, tinhaconotações fúnebres associa<strong>das</strong>, não necessariamente ao luto pesa -roso, mas à tão ansiada ressurreição e, daí, à vida eterna. Por outrolado, quando o coração é pintado de cor amarela, ou mesmo de dou -rado, a mensagem é, neste caso, de solarização, evocando a lumino -sa eternidade almejada pelo defunto.É evidente que a cor do amuleto uadj tinha de ser o verde, dado queo amuleto é um papiro estilizado e que significa precisamente verdeou, por desenvolvimento conceptual, tornar verde, isto é, enverdecer,rejuvenescer, ressuscitar.As cores étnico-políticas assinalam-se canonicamente na pele acas -tanhada dos egípcios, marcando a diferenciação com outros povos,sendo bem reconhecidos os pretos da Núbia, os líbios de tez <strong>mais</strong>clara e com estojo fálico e trancinhas, os sírios também de tez clarae barbichas pontiagu<strong>das</strong>, com garridos trajos, sendo igualmenteclaros os hititas e os cretenses (Keftiu), ambos com longas cabe -lei ras.Nem sempre os artistas pintavam os seus temas de acordo com acoloração real que bem conheciam. Por exemplo, no túmulo de Peto -síris, do período ptolemaico, a cor da abundante folhagem de algu -mas cenas da decoração mural não corresponde de facto à realida -de, pois o que interessa ali é jogar com alegres contrastes cromáticospara avivar a variegada ambiência vegetal. De resto, o próprio sarcó -fago de Petosíris é um excelente exemplo do uso de hieróglifos colo -ridos em pasta de vidro e outras matérias para dar a cor natural de ca<strong>das</strong>igno gravado.Note-se, entretanto, que muitas <strong>das</strong> superfícies pinta<strong>das</strong> em diver -sos materiais da abundante e diversificada produção artística e uti -litária do país do Nilo viram as suas cores originais altera<strong>das</strong> por acçãoda passagem do tempo, em especial as obras expostas à forte luz natu -ral do Egipto, que, ao longo dos séculos, foi decompondo os pigmen -tos utilizados. Mas, pelo contrário, as cores da natureza e da paisagemcontinuam como há milhares de anos.


57BIBLIOGRAFIACyril ALDRED, Jewels of the Pharaohs. Egyptian Jewelry of the Dynastic Period, Lon -dres: Thames and Hudson, 1978.Luís Manuel de ARAÚJO, Estudos sobre Erotismo no Antigo Egipto, Lisboa: Edições Coli -bri, 1995.Luís Manuel de ARAÚJO, «Cores», em Id. (dir.), Dicionário do Antigo Egipto, Lisboa: Edi -torial Caminho, 2001, pp. 238-239.Luís Manuel de ARAÚJO, «Faiança», em Id. (dir.), Dicionário do Antigo Egipto, Lisboa:Editorial Caminho, 2001, pp. 238-239.Luís Manuel de ARAÚJO, Estatuetas funerárias egípcias da XXI dinastia, Lisboa: Fun -dação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 2003.Maria Helena ASSAM, Arte Egípcia. Colecção Calouste Gulbenkian, Lisboa: Museu Calous -te Gulbenkian, 1991.John BAINES e Jaromír MÁLEK, Atlas of Ancient Egypt, Oxford: Phaidon Press, 1981.Marcelle BAUD, Le Caractère du Dessin en Égypte Ancienne, Paris: Librairie d’Amé -rique et d'Orient Adrien-Maisonneuve, 1978.Emma BRUNNER-TRAUT, «Farben», em Wolfgang Helck e Wolfhart Westendorf (ed.), Lexi -kon der Ägyptologie, II, Wiesbaden: Otto Harrassowitz, 1977, col. 117-128.Henry George FISCHER, L’Écriture et l’Art de l’Égypte ancienne, Essais et conféren -ces, Collège de France, Paris: Presses Universitaires de France, 1986.Aline Gallash HALL, «Pintura», em Luís Manuel de Araújo (dir.), Dicionário do Antigo Egip -to, Lisboa: Editorial Caminho, 2001, p. 687.Christine HOBSON, Exploring the World of the Pharaohs. A Complete Guide to AncientEgypt, Londres: Thames and Hudson, 1987.Erik HORNUNG, The Valley of the Kings. Horizon of Eternity, Nova Iorque: TimkenPublishers, 1990 (tradução do original alemão).Jean-Philippe LAUER, «Sur l’emploi et le rôle de la couleur aux monuments du complexedu roi Djoser», em Revue d’Égyptologie, Paris, 44, 1993, pp. 75-80.Jean LECLANT (dir.), Le Monde Égyptien, Les Pharaons. 1: Le Temps des Pyrami -des, Col. L'Univers des Formes, Paris: Éditions Gallimard, 1978.Jean LECLANT (dir.), Le Monde Égyptien, Les Pharaons. 2: L’Empire des Conquérants,Col. L’Univers des Formes, Paris: Éditions Gallimard, 1979.Jean LECLANT (dir.), Le Monde Égyptien, Les Pharaons. 3: L'Egypte du Crépuscule,Col. L’Univers des Formes, Paris: Éditions Gallimard, 1980.Alfred LUCAS e J. R. HARRIS, Ancient Egyptian Materials and Industries, 4ª edição,Londres: Edward Arnold Ltd, 1962.Kamal el-MALAKH e Robert BIANCHI, Treasures of the Nile. Art of Temples and Tombsof Egypt, Nova Iorque: Newsweek Books, 1980.Jaromír MÁLEK, In the Shadow of the Pyramids. Egypt during the Old Kingdom, Lon -dres: Orbis, 1986.Jaromír MÁLEK, Egypt: 4000 Years of Art, Londres: Phaidon Press, 2003.Pedro MALHEIRO, «Jóias», em Luís Manuel de Araújo (dir.), Dicionário do Antigo Egip -to, Lisboa: Editorial Caminho, 2001, pp. 459-461.Karol MYSLIWIEC, Eros on the Nile, Londres: Gerald Duckworth, 2004.Heinrich SCHÄFER, Principles of Egyptian Art, Griffith Institute, Oxford: Oxford UniversityPress, 1974 (tradução do original alemão).Francesco TIRADRITTI (dir.), Les Trésors du Musée Égyptien, Vercelli: White StarPublishers, 1998 (tradução do original italiano).Claude TRAUNECKER, «Farbe (technisch)», em Wolfgang Helck e Wolfhart Westendorf (ed.),Lexikon der Ägyptologie, II, Wiesbaden: Otto Harrassowitz, 1977, col. 115-115.Fabienne Lavenex VERGÈS, Bleus Égyptiens: De la pâte auto-émaillé au pigment bleusynthètique, Col. Orientaliste, Lovaina, Paris: Éditions Peeters, 1992.Dietrich WILDUNG, L’Âge d’Or de l’Égypte, Fribourg: Presses Universitaires de France,Office du Livre, 1984 (tradução do original alemão).Richard H. WILKINSON, Reading Egyptian Art. A Hieroglyphic Guide to Ancient Egyp -tian Painting and Sculpture, Londres: Thames and Hudson, 1992.Irmgard WOLDERING, Égypte. L’Art des Pharaons, Col. L’Art dans le Monde, Paris: Édi -tions Albin Michel, 1963 (tradução do original alemão).Jean YOYOTTE, «Couleurs», em Georges Posener (dir.), Dictionnaire de la CivilisationÉgyptienne, Paris: Fernand Hazan, 1970, p. 70.Jean YOYOTTE, «Peinture», em Georges Posener (dir.), Dictionnaire de la Civilisation Égyp -tienne, Paris: Fernand Hazan, 1970, pp. 215-217.


58Teresa Abecasis | Licenciada em Engenharia Electrotécnica pelo IST, Colaboradora na Área de Investigação na UCPNas origens da rede telegráficaimperial portuguesaRede de cabos submarinos que tocam nos portos portugueses da costa ocidental de África, 1939, acervo iconográfico da FPC.Este trabalho apresenta a evolução do serviço telegráfico entre ocontinente, as ilhas adjacentes e as colónias no período entre1935 e 1941. Neste ano, a fixação da taxa telegráfica imperial foi fun -damental para melhorar as comunicações entre todos os territóriosnacionais.Os cabos submarinos em Portugalna década de 30Os cabos submarinos que amarravam na costa portuguesa destina -vam-se a encaminhar o tráfego telegráfico nacional no triânguloCAM (Continente-Açores-Madeira), entre as colónias e o continentee para os outros continentes e a fazer trânsito para amplificação dosinal que seguia depois para lugares distantes. Eram explorados pordiversas companhias estrangeiras. Os contratos datavam do fim doséculo XIX e início do século XX, excepto o da Italcable, cujo serviço forainaugurado em Dezembro de 1929, para explorar as ligações europeias,em conjunto com a DAT e com a CPQ.A situação em 1937 era a seguinte 1 : [mapa da página seguinte]No perímetro CAM operavam as seguintes companhias concessioná -rias:> Cable and Wireless L. de (CWL – inglesa)> Italcable (ITAC – italiana)> Deutsch Atlantische Telegraphen Geselschaft (DAT – alemã)> Compagnie Française de Cables Télégraphiques (CPQ – francesa)> Commercial Cable Company (CCC – americana)> Western Union Telegraph Company (WUT – americana)Nas colónias africanas amarravam cabos <strong>das</strong> seguintes companhias:> Eastern Telegraph Company> West African Telegraph Company> Eastern and South African Telegraph Company> African Direct Telegraph Company> Western Telegraph Company> Europe and Azores Telegraph Company> C a Italiana del Cavi Telegrafici Sottomarini> Societé Anonime Belge de Cables TélégraphiquesAs companhias West African Telegraph Company, Eastern TelegraphCompany, Eastern and South African Telegraph Company e Europe andAzores Telegraph Company pertenciam ao grupo CWL (Cable and Wire -less), que explorava as comunicações dentro do perímetro CAM paraas colónias portuguesas de África, para a Índia e para Macau (viaHong-Kong). Estas ligações completavam-se via rádio usando esta -ções portuguesas para que o sinal atingisse o seu destino no interior<strong>das</strong> colónias.Os preços <strong>das</strong> comunicações telegráficas <strong>das</strong> colónias com a metró -Quadro 1Montantes pagos por Portugal às companhias de cabo submarino pelo tráfegonacional (por palavra, em cêntimos franco ouro)*Ligação entreContinente Açores MadeiraAngola 3,875 4,450 3,875Cabo Verde 1,500 2,075 1,500Guiné 2,275 2,850 2,275S. Tomé 3,375 3,950 3,375Moçambique 1,650 2,150 2,120Índia 1,470 1,620 1,520Macau 3,400 3,670 3,820Timor 3,900 4,075 4,225*O custo da comunicação pago pelo público era igual a este valor <strong>mais</strong> um adicional para pagamento da ligação terminal.


60Alfredo Vaz Pinto, retrato a óleo de Henrique Medina.Quadro 2Taxas de trânsito que Portugal recebia <strong>das</strong> companhias inglesasLigação/destinoTaxa (cêntimos franco ouro)Para América do Norte 5Para América do Sul 20Para Africa do Sul 7América do Norte - América do Sul 20América do Norte - Africa do Sul 12*1 franco ouro equivale a 7$30.pole e no triângulo CAM eram muito elevados e tornavam-se proibi -tivos nas ligações entre as várias colónias e destas para o estrangei -ro, pois vigorava a tarifa com base na distância. [quadros 1 e 2]No respeitante ao trânsito do Atlântico Norte (amarrações em Lis -boa e nos Açores), existiam contratos com outras companhias (ITAC,DAT e WUT) que haviam fixado a partir de 1934 as taxas de trânsito emvalores degressivos (5-4-2-0) consoante o volume do trânsito 2 . Entre -tanto Portugal verificara que este regime não lhe era conveniente epretendia uniformizar estas taxas em 4 cêntimos 3 . As restantes com -panhias, inglesas e outras, queriam usufruir também do sistema detaxa degressiva.A tecnologia rádio que se vinha desenvolvendo desde o início do sécu -lo, sofrera uma evolução significativa no final dos anos 20 com a apli -cação da onda curta aos «Beam systems». Estes sistemas, com custoreduzido, permitiam já que a transmissão via rádio se tornasse um meioalternativo económico e igualmente fiável.No início da década de 1930, a Inglaterra instalou na ilha de Ascen -são, a 1400 km da ilha de Santa Helena 4 , uma estação rádio poten -te que passou a ser usada pelas companhias de cabos submarinos ingle -sas para desviar o tráfego, o que vinha reduzindo a partir de então ovolume do tráfego em trânsito que, de Cabo Verde, seguia para SantaHelena.O contencioso Governo-Companhias em 1937Por isso, desde 1932 que se vinha verificando uma redução progressi -va na receita <strong>das</strong> taxas de trânsito pagas pelas companhias de cabossubmarinos a Portugal [quadro 3]. Para compensar as reduções veri -fica<strong>das</strong> em anos anteriores, já em 1935 havia sido decretado que secobrasse às companhias inglesas um rendimento mínimo de 175 000francos ouro pelo tráfego que transitava em S. Vicente para SantaHelena, cujos destinos eram a Cidade do Cabo e o Oriente. O gover -no português, que não tinha qualquer forma de verificar a exactidãodo volume de tráfego em trânsito, calculava as receitas a recebercom base em elementos de tráfego fornecidos pelas companhias.Couto dos Santos e Alfredo Vaz Pinto (à data ainda administradordos CTT) efectuaram em Março de 1937 uma análise da situação 5 .Boa parte do problema tinha origem na redução de receitas que sedevia ao reencaminhamento do tráfego por via radioeléctrica ououtra, dado que era cobrado um valor excessivo de taxas de trânsi -to, comparativamente com o custo se se optasse pela via alternati -Quadro 3Reduções <strong>das</strong> receitas <strong>das</strong> taxas de trânsito (1932-1935)Trânsito Companhias % para a %Redução %Reduçãoreceita total 1932-35 1934-35Açores Eastern e Imperial 30 27,6 20,7São Vicente Western 50 29,8 21,5SãoVicente(via Santa Helena) Western 20 49,5 32,8Total 100 33,4 23,4


61va do rádio. Além desta, colocava-se outra questão. A divisão dosproveitos era a seguinte: 75% do total <strong>das</strong> receitas <strong>das</strong> taxas de trân -sito revertiam para o Ministério <strong>das</strong> Colónias 6 e 25% para a Adminis -tração dos CTT (AGCT). O Ministério <strong>das</strong> Colónias exigia que lhe fossempagas directamente as quantias que lhe diziam respeito, pelo que ascompanhias eram obriga<strong>das</strong> a reduziras mesmas em todos os mapas mensaisque serviam de base às contas com aAGCT, onde entravam também o movi -mento telegráfico trocado entre a metró -pole e as colónias. Devido a esta formade proceder, nunca eram considera<strong>das</strong>as quantias totais pagas ao Estado por -tuguês e podiam passar despercebi<strong>das</strong>diferenças como a verificada no tráfegode Santa Helena em 1935. As negociaçõescom as companhias deviam incidir sobrea totalidade de verbas pagas ao Estadoportuguês.A atribuição a uma única entidade daliquidação <strong>das</strong> contas com as compa -nhias e a fixação de uma relação simplespara a partição <strong>das</strong> receitas com os doisserviços interessados (ADGC e Colónias)seria da maior vantagem para todos.A divisão na partição de receitas actual, cerca de 50% para a ADGC e50% para as colónias, devia ser mantida. Tudo indicava que, uma vezfixados os novos quantitativos <strong>das</strong> taxas, estas iriam liquidar os débi -tos respectivos nas contas que as colónias mensalmente organizavamcom a ADGC.Couto dos Santos e Vaz Pinto defendiam que as negociações <strong>das</strong>taxas de trânsito e <strong>das</strong> taxas telegráficas pagas por Portugal às com -panhias pelo serviço para as ilhas adjacentes e colónias fossem simul -tâneas. Diziam ainda que só se podia obter uma solução satisfatóriapor negociação directa com as diversas companhias, pois existiamcontratos dispersos, assinados com asdiversas companhias em épocas dife -rentes. Concretizando, estimavam queno tráfego da América do Sul se regis -tara em 1935 um desvio de cerca de ummilhão de palavras, correspondendo auma redução de 200 000 francos ouronas taxas de trânsito. Outro tanto, nomínimo, teria sido desviado em 1936.Referiam ter conhecimento que se pro -jectava uma ampliação para as instala -ções de rádio na ilha de Ascensão cujoencargo anual (instalação e exploração)seria de 400 contos, admitindo um perío -do de amortização de 30 anos e umataxa de juro de 4% ao ano. As instala -ções que estavam já em funcionamen -to haviam constituído um encargo idên -tico. Quando as duas vias estivessemmon ta<strong>das</strong>, poderiam desviar em conjunto4 milhões de palavras/ano. Os cabos que tocavam em SãoVicente passariam a ser apenas usados como via de recurso nos casosem que as ligações radioeléctricas da ilha de Ascensão não fossem sufi -cientes e o mesmo sucederia aos que, provenientes de Cabo Verde,amarravam em território metropolitano.


62Os dois dirigentes entendiamque qualquer solução se deviabasear numa redução <strong>das</strong> taxasde trânsito, diferenciada con -forme o seu destino ou local detrânsito. Assim, o tráfego viaSanta Helena com trânsito emSão Vicente, que tinha umagarantia de rendimento míni -mo de 175 000 francos ourodesde 1935 para compensaro baixo rendimento até esseano, não devia ter redução, poisjá era <strong>mais</strong> barato (7 cêntimosfranco ouro/palavra) do que orestante (20 cêntimos franco ouro/palavra). As reduções deviam inci -dir ainda sobre o tráfego para a América do Sul que estava sujeito aduplicação de taxas.No caso de uma redução global, Portugal veria reduzida a receitade outro tráfego, como o da América do Norte, que nada tinha aver com as instalações de rádio da ilha de Ascensão e que as com -panhias não sentiam necessidade de desviar. Esperavam tambémque a redução efectiva dos ganhos fosse compensada por umaumento no volume do trânsito, pois o tráfego anteriormente desviadoregressaria aos territórios portugueses. Por isso propunhamque:> Se iniciassem negociações com cada companhia incidindo sobre atotalidade de verbas pagas ao Estado português.> Fosse atribuída a uma única entidade a liquidação <strong>das</strong> contascom as companhias.> Fosse estabelecida uma re -lação simples para a partiçãopelos dois serviços interessadosnas receitas do trânsito.> Se mantivesse a divisão napartição de receitas actual,cerca de 50% para a ADGC e de50% para as colónias.Na sequência deste relatório,a proposta dos dois dirigentesfoi aceite.Primeira comissãoDevido a continuarem a verifi -car-se reduções na receita <strong>das</strong>taxas de trânsito, foi nomeada, em 24 de Abril de 1937, uma comissãomista com elementos dos CTT e <strong>das</strong> companhias concessionárias doscabos submarinos para encontrar uma solução para o problema.Quadro 4Valores propostos para a taxa de trânsito (1 a comissão)Valor Valorproposto propostoTaxa de trânsito pelos pelosLigação/destino actual ingleses portugusesAmérica do Norte 5 4 4Para América do Sul 20 8 9Para Africa do Sul 7 8 8América do Norte - América do Sul 20 8 -América do Norte - Africa do Sul 12 8 -Nota: Valores em cêntimos de franco ouro/palavra. 1 franco/ouro valia à data 7$30.


63Couto dos Santos a discursar, acervo iconográfico da FPC.Quadro 5Taxas dos telegramas trocados em território português (a receber pelas companhias)Valor actual - ligação entre: Proposta de Portugal Proposta <strong>das</strong> companhiasContinente Açores MadeiraAngola 3,875 4,450 3,875 1,50 2,05Cabo Verde 1,500 2,075 1,500 0,75 1,50Guiné 2,275 2,850 2,275 1,00 1,80S. Tomé 3,375 3,950 3,375 1,50 2,55Moçambique 1,650 2,150 2,120 1,00 1,40Índia 1,470 1,620 1,520 0,75 1,10Macau 3,400 3,670 3,820 1,50 2,15Timor 3,900 4,075 4,225 1,50 2,75Nota: Valores em cêntimos de franco ouro/palavraOs trabalhos iniciaram-se de imediato e concluiram-se no final desseano.Existiam, à partida, duas propostas diferentes, a <strong>das</strong> companhias ea do governo.[quadros 4 e 5]As companhias pretendiam:> A eliminação da garantia de tráfego mínimo de 175 000 francosouro, correspondente ao tráfego de Santa Helena, cujo reenca -minhamento não podiam garantir.> A fixação <strong>das</strong> taxas de serviço telegráfico para o triângulo CAM em3$00, com 20% para as terminais portuguesas.> A fixação <strong>das</strong> taxas de serviço telegráfico para as colónias emvalores ligeiramente <strong>mais</strong> baixos que as taxas em vigor.> Que os valores <strong>das</strong> taxas de trânsito fossem os da sua proposta(conhecidos pela «fórmula 4/8»).O governo impunha as condições:> Que os valores <strong>das</strong> taxas de trânsito fossem conforme a sua pro -posta.> A garantia de reencaminhamento do tráfego de e para a Améri -ca do Sul, via São Vicente.> A garantia de Santa Helena reduzida para 125 000 francos ouro.> A fixação <strong>das</strong> taxas telegráficas no triângulo CAM no valor de1$60 para as companhias e $40 para as ligações terminais por -tuguesas.> A redução <strong>das</strong> taxas dos telegramas trocados em território por -tuguês. A taxa para o público seria acrescida <strong>das</strong> taxas terminais,5 cêntimos no continente e 15 cêntimos nas colónias, e <strong>das</strong> taxasdos trânsitos quando atravessassem territórios estrangeiros.Para aceitar a «fórmula 4/8», Portugal exigia que as companhias con -


64cor<strong>das</strong>sem com as outras condições. Na argumentação foram usadosmapas mostrando valores de taxas telegráficas inferiores às pro -postas, já praticados pelos ingleses para territórios seus, próximos <strong>das</strong>colónias portuguesas.A Portugal interessava a ligação por cabo submarino para to<strong>das</strong> ascolónias e orientou as negociações com este objectivo. As compa -nhias apenas pretendiam manter os «portos» onde faziam trânsi -to. Este processo constituiu o primeiro passo para a aproximação vir -tual entre todo o território, que viria a ser concretizada em 1941 coma «taxa única imperial».gráfico 1Tráfego originado, terminado e total/colónia1° e 2° semestre de 1938número de palavras300 000250 000200 000150 000100 00050 0000C. Verde Guiné S. Tomé Angola Moçambique Índia Macau Timorterminadooriginadototalgráfico 2Tráfego oficial e particular/colónia2° semestre de 1937 e 1° semestre de 1938número de palavras160 000140 000120 000100 00080 00060 00040 00020 0000C. Verde Guiné S. Tomé Angola Moçambique Índia Macau TimoroficialO tráfego colonialparticularOs gráficos 1 e 2 mostram as características do tráfego colonial deentão:> Excepto em Cabo Verde, o tráfego «originado» nas colónias erasuperior ao «terminado».> O tráfego oficial excedia sempre o tráfego particular, excepto emAngola e Moçambique. A diferença entre um e outro crescia nascolónias <strong>mais</strong> distantes, cujas tarifas eram <strong>mais</strong> eleva<strong>das</strong>. O trá -fego oficial era transmitido pelas infra-estruturas da Marinha emMonsanto. No total, em cerca de 820 000 palavras, 520 000 cor -respondiam a tráfego oficial. A CPRM alegava que algumas comu -nicações particulares usavam esta via indevidamente. Este


65pro ble ma só se veio a resolver em 1941, com a redução de tarifase a criação da Rede Imperial.O acordoO Relatório final da primeira Comissão 7 - «Taxas de trânsito dos Cabossubmarinos» avalia as consequências económicas <strong>das</strong> reduções <strong>das</strong>taxas de trânsito e <strong>das</strong> tarifas telegráficas, admitindo que o tráfegose manteria constante.[quadros 6 e 7]Com a redução <strong>das</strong> tarifas, seria provável haver um aumento de trá -fego, o que minimizaria o prejuízo. Os encargos resultantes para oEstado seriam suportados em partes iguais pelos CTT e pelas colónias,no respeitante a estas, e apenas pelos CTT, na parcela dos Açorese da Madeira.O processo foi aprovado e o novo acordo começou a vigorar em 1 deJaneiro de 1938, com os valores de «taxa futura» 8 . Ao abrigo do novoregime tarifário, as outras companhias de cabos e de rádio e a CPRMforam força<strong>das</strong> a reduzir também as suas tarifas. O gráfico 3 compa -ra os valores <strong>das</strong> taxas telegráficas e <strong>das</strong> receitas para o Estado e paraas companhias antes e depois do novo acordo.A situação em 1939A nível internacional, havia concorrência entre as companhias deQuadro 6Volume de tráfego, alteração de taxas e balanço anual da alteração (Entre Continente, Açores e Madeira)Número de palavras/ano Taxa actual Taxa Futura Redução/palavra Redução/anoAçores-MadeiraPara: 1 387 Companhia 7$400 1$60 5$800 (68%) 18 000$00De: 1 716 Estado 2$775 0$40 2$375 (85%) 7 500$00Total: 3 103 Público 10$175 2$00 8$175 (80%) 25 500$00Continente- AçoresPara: 46 660 Companhia 3$700 1$60 2$100 (57%) 210 000$00De: 53 617 Estado 1$34 0$40 0$94 (70%) 94 000$00Total: 100 277 Público 5$04 2$00 3$04 (60%) 304 000$00Continente-MadeiraPara: 36 239 Companhia 3$70 1$60 2$10 (57%) 170 000$00De: 44 415 Estado 2$20 0$40 1$80 (82%) 145 000$00Total: 80 654 Público 5$90 2$00 3$90 (66%) 315 000$00


66Quadro 7Volume de tráfego, alteração de taxas e balanço anual da alteração (Entre CAM e Colónias)N°de palavras/ano Taxa actual Taxa Futura Redução/ palavra Redução receita/ano(cêntimos franco ouro) (cêntimos franco ouro) (cêntimos franco ouro) (francos ouro)AngolaPara: 55 988 Companhia 3,875 2,050 1,825 (47%) 222 000De: 65 605 Estado 0,575 0,200 0,375 (65%) 45 500Total: 121 593 Público 4,430 2,250 2,200 (49%) 267 500MoçambiquePara: 51 326 Companhia 1,650 1,400 0,160 (16%) 47 000De: 136 118 Estado 0,350 0,200 0,150 (43%) 28 000Total: 187 444 Público 2,000 1,600 0,400 (20%) 75 000Cabo VerdePara: 10 715 Companhia 1,500 1,500 0,000 (%) 0De: 43 534 Estado 0,300 0,200 0,100 (33%) 5 400Total: 54 249 Público 1,800 1,700 0,100 (55%) 5 400GuinéPara: 10 949 Companhia 2,275 1,500 0,475 (21%) 12 600De: 15 704 Estado 0,425 0,200 0,225 (53%) 5 950Total: 26 653 Público 2,700 2,000 0,700 (26%) 18 550SãoToméPara: 6 052 Companhia 23375 2,550 0,825 (22%) 11 650De: 8 100 Estado 0,575 0,200 0,375 (65%) 5 300Total: 14 152 Público 3,950 2,750 1,200 (30%) 16 950


67Quadro 7 (c0ntinuação)Volume de tráfego, alteração de taxas e balanço anual da alteração (Entre CAM e Colónias)N°de palavras/ano Taxa actual Taxa Futura Redução/ palavra Redução receita/ano(cêntimos franco ouro) (cêntimos franco ouro) (cêntimos franco ouro) (francos ouro)ÍndiaPara: 3 902 Companhia 1,470 1,100 0,370 (25%) 5 420De: 1 0781 Estado 0,380 0,200 0,180 (47%) 2 650Total: 14 683 Público 1,850 1,300 0,550 (30%) 8 070MacauPara: 1 884 Companhia 3,400 2,150 1,250 (37%) 4 850De: 1 992 Estado 0,300 0,200 0,100 (33%) 390Total: 3 876 Público 3,700 1,300 1,350 (37%) 5 420TimorPara: 764 Companhia 3,950 2,400 1,550 (39%) 2 900De: 1 099 Estado 0,750 0,550 0,200 (27%) 470Total: 1 863 Público 4,700 2,950 1,750 (37%) 3 370radiotelegrafia em onda curta e as de transmissão por cabo subma -rino. No Reino Unido, para resolver a questão, fora criada a «Imperialand International Communications L. ed » que reunia os interesses dorádio e do cabo. Desde Abril de 1938 vigorava a «Taxa Imperial doPost Office» dentro de todo o Império Britânico.Em Portugal as duas companhias CPRM e Eastern, sendo inglesas,desenvolveram soluções de entendimento como o encerramento doscabos submarinos na África Oriental <strong>Portuguesa</strong>, situação que viriaa prejudicar o país. A rede de cabos submarinos com pontos de amar -ração no litoral português era extensa como se verifica no mapa dapágina 59. Entretanto surgiram novamente problemas com algumascompanhias de cabos, «The African Direct Telegraph Company Ltd.»,«The West African Telegraph Company Ltd.» e «The Eastern andSouth Telegraph C.» que manifestaram intenção de encerrar algumas<strong>das</strong> suas estações no ultramar português (Bissau, Bolama, Príncipe,S. Tomé, Luanda, Benguela e Mossâmedes). O ministro <strong>das</strong> Colónias,em documento dirigido ao Presidente do Conselho 9 , indicava como moti -vo principal para esta intenção a ligação destas companhias à CPRM.Foi nomeada uma comissão com representantes <strong>das</strong> diversas colóniasportuguesas e do continente para propor soluções para as «Comu-nicações assegura<strong>das</strong> pela CPRM, Cable & Wireless e Eastern».As reuniões decorreram entre Junho e Novembro de 1939. Na segun -


68gráfico 3Taxa telegráfica em 1937 e 1938 e sua distribuição pelas companhias de cabo submarino e pelo Estado5,0004,5004,0003,5003,0002,5002,0001,5001,0000,5000,0001937 19381937 19381937 1938 1937 19381937 19381937 19381937 1938 1937 1938AngolaMoçambiqueCabo VerdeGuinéS. ToméÍndiaMacauTimorestadocompanhiada reunião, os delegados da CWL disseram que desejavam levantarou abandonar alguns cabos e que, para o cabo Lagos-Luanda sermantido, o governo português teria de assumir os encargos da suamanutenção. Pretendiam ainda:> A alteração <strong>das</strong> designações dos nomes <strong>das</strong> Companhias.> A obtenção de tratamento privilegiado, de «<strong>mais</strong> favorecida»,e garantias de um volume mínimo de tráfego para a CPRM eCWL.> A solução da questão pendente dos trânsitos de Moçambique.> A eliminação da garantia de tráfego mínimo de 175 000 francos ouro,em vigor desde 1935, correspondente ao trânsito em São Vicente(via Santa Helena) com destino à África do Sul e além.Os delegados dos CTT e do Ministério <strong>das</strong> Colónias propuseram na ter -ceira reunião que:> Os cabos Bathurst-Bissau e Lagos-Luanda funcionassem nasactuais condições de exploração.> A CPRM tomasse conta da estação terminal de cabos em Luandae pudesse encerrar a sua estação de TSF da Praia (Cabo Verde).> As colónias melhorassem a sua rede de Estações de rádio (TSF).> Em futuras negociações com a CPRM fossem trata<strong>das</strong> as questõesrelativas a garantias de exploração <strong>das</strong> telecomunicações coloniais.Na última reunião da comissão o Governo mostrou a posição que jáentão preconizava e que veio a concretizar-se <strong>mais</strong> tarde, em 1941, coma criação da Rede Imperial.


69Como ponto prévio a esta reunião, a CWL insistira sobre:> A discussão dos pontos anteriormente apresentados.> O pagamento de encargos da manutenção do cabo Lagos/Luanda.> A eliminação do cabo Bathurst/Bissau.> O pedido de fusão <strong>das</strong> diversas companhias da África Ocidental emnome da CWL.Os CTT entendiam ser preciso:> Coordenar os meios de telecomunicações existentes, comple -mentando a utilização dos cabos e do rádio.> Rever o sistema tarifário entre os territórios do Império na base deuma tarifa única.> Estabelecer o serviço radiotelefónico Lisboa-Luanda-LourençoMarques em condições de acessibilidade ao público.> Avaliar o aproveitamento <strong>das</strong> estações radiotelefónicas de Luan -da e Lourenço Marques para serviço de radiodifusão nas colónias;> Rever o sistema tarifário do serviço radiotelefónico no triângulo CAM.> Fazer a revisão do contrato da Companhia Marconi.O Eng. Vaz Pinto referiu que o presidente, ao falar de uma tarifa únicatelegráfica com as Colónias, previra o princípio da garantia de tráfe -go mínimo por parte do Governo. Questionou se idêntica garantiaestava prevista para o serviço radiotelefónico Lisboa-Luanda-LourençoMarques. Adiantou que a possibilidade da Companhia forneceros suportes de transmissão para radiodifusão conduziria a um melhorapro veitamento <strong>das</strong> infra - estruturas e permitiria melhorar a exploraçãodos restantes serviços.A CWL, não tendo obtido resposta directa aos pontos que colocara,propôs o adiamento dos trabalhos devido à «nova guerra euro -peia». 10 Entendia ser também do interesse do governo português amanutenção do status quo, ou seja, dos cabos submarinos exis ten -tes. Esta proposta foi aceite e os trabalhos foram suspensos.O ponto da situação 11 , feito em conjunto pelo MOPC e pelas Colóniasdestacava:> A principal preocupação dos delegados do Governo fora a de man -ter, na medida do possível, o status quo da situação dos cabos <strong>das</strong>colónias portuguesas da África Ocidental, <strong>mais</strong> por razões de segurançado que por necessidade de exploração já que, uma vez aperfeiçoa<strong>das</strong>as estações de rádio <strong>das</strong> Colónias, o serviço pode ria serassegurado exclusivamente por essa via.> Haviam sido toma<strong>das</strong> em consideração as razões de ordem eco -nómica apresenta<strong>das</strong> pelas companhias, nomeadamente os encar -gos suportados para tão pequeno volume de serviço executado.Transigira-se por isso com a eliminação de serviços que não pre -judicavam fundamentalmente a segurança dos territórios por -tugueses e que conduziam a uma redução significativa nos encar -gos <strong>das</strong> companhias inglesas de cabos, desde que estas e a CPRMconcor<strong>das</strong>sem em coordenar entre si a execução dos mesmosser viços.> Os trabalhos da comissão habilitavam o Governo a orientar a suaresolução em qualquer altura, logo que as companhias voltassema apresentar o problema.Em relatório privado enviado ao MOPC, o AGCT Eng. Duarte Calheiros 12referia que:a) As Colónias já há muito que se tinham desinteressado da ligaçãoà rede dos cabos submarinos, como provavam diversos casos dedesamarração de cabos - de Angola à Cidade do Cabo, da costade Moçambique ao Cabo e ao mar Vermelho, do cabo que, na ilhade Santiago, ligava São Vicente a Bathurst.b) Embora as condições de exploração não permitissem manter eco -nomicamente as duas vias, cabo e rádio, para as colónias de baixotráfego, por razões de segurança e de estratégia <strong>das</strong> telecomu -


70nicações deveriam manter-se os cabos Lagos-Luanda e Bathurst-Bissau, pois serviam importantes colónias.c) Devia ser planeado um sistema de «tarifa única» entre quaisquerterritórios do Império, a estabelecer com a CPRM, com partilha datarifa em três partes fixas, qualquer que fosse a via utilizada.Assim se obteria uma redução dos encargos <strong>das</strong> companhias e dosserviços do Estado, pois acabaria o espírito de concorrência.Segunda comissão de coordenação<strong>das</strong> telecomunicações do Império portuguêsEsta comissão 13 , constituída apenas por delegados dos CTT e <strong>das</strong>Colónias no final de 1939, foi encarregue de prosseguir o trabalho jádesenvolvido e preparar futuras acções.Houve, desde o início, divergências entre os CTT e os representantes<strong>das</strong> Colónias. Por isso, o ADGC solicita orientação 14 ao MOPC.Os CTT apresentaram no «Memorial de 18 de Janeiro» as Bases paradiscussão:> Coordenação dos serviços existentes.> Taxa telegráfica única.> Comunicações radiotelefónicas com os Açores, Madeira, Angola eMoçambique.> Serviço de radiomunicações com os paquetes fora da zona CAM.> Estabelecimento duma «Companhia portuguesa de Telecomunica -ções» (CPT) e duma «via única» nacional, a designar por Telelusa.> Comparticipação da Nação nas prosperidades económicas e futu -ras da CPT.A contra-proposta <strong>das</strong> Colónias referia:> A conveniência dos serviços <strong>das</strong> telecomunicações estarem sob asua tutela.> Oporem-se à influência de capitais estrangeiros e por isso à pror -rogação do prazo da actual concessão às Companhias de cabose à CPRM, bem como à concessão de exclusivos a entidades par -ticulares, alegando razões de soberania e a promoção do fomen -to económico.> Pretenderem manter as estações Rádio COL (Coloniais) de Bissau,Luanda e Lourenço Marques por serem industrialmente remune -radoras.Não sendo possível conciliar as duas posições, os delegados dos CTT,Oscar Saturnino e Duarte Calheiros, pediram a demissão ao MOPCem Março de 1940.Embora inconclusivos, os trabalhos desta comissão constituíram abase do processo de organização e exploração <strong>das</strong> telecomunica -ções portuguesa que se concretizou em 1941 sob a égide do MOPC,Duarte Pacheco.«Serviço Telegráfico Imperial»Na década de 1940 houve significativos progressos na CPRM. Apósnegociações entre Alexandre Vaz Pinto, Administrador da CPRM, CoutoQuadro 8Tarifas da taxa imperial (custo/palavra)Destino Tarifa base Receita da ligação/origem unitária terminal Receita restanteContinente 1$00 1$00CPRM Comp. CaboCTT Colónias submarinoCAM 1$00 $20 $80CAM/Ultramar 5$00 $20 $60 2$10 2$10Intercolonial 5$00 $20 $60 2$10 2$10Nota: Custo de envio de 1 carta em 1941: CAM, Espanha e Brasil - 1$00, preço do quilograma de trigo - 1$62.


71gráfico 4Comparação <strong>das</strong> tarifas antes e depois da Rede Imperialcusto/palavra (Escudos)40,0035,0030,0025,0020,0015,0010,005,000,00MadeiraAçores Cabo Verde GuinéS. Tomé Angola Moçambique Índia MacauTimor193919401941dos Santos na AGCT e o MOPC Duarte Pacheco, foi celebrado em 23 deAgosto de 1941 entre o governo e a CPRM o Convénio de Execução deServiços Telegráficos, que fixou para as colónias a taxa telegráfica únicade 5$00/palavra. O Executivo comprometeu-se a encaminhar exclu -sivamente pela Companhia os telegramas de serviço oficial ultrama -rino e internacional. Iniciou-se o período de confiança mútua com oGoverno sendo, a partir de então, a CPRM vista como uma extensãodo Estado em matéria de Telecomunicações com a designação de«Via Portucale».O «Serviço Telegráfico Imperial» 15 intensificou as relações entre osterritórios do Império português, oferecendo tarifas [quadro 8 e grá -fico 4] acessíveis ao exercício de to<strong>das</strong> as actividades nacionais. Paraassinalar o dia 1 de Setembro de 1941, em que entrou em vigor a nova«taxa imperial» da Via Portucale 16 , foi oferecida a transmissão gra -tuita de um telegrama de 10 palavras para qualquer ponto do Impé -rio Colonial. A Imprensa noticiou o envio de cerca de 6000 telegramas.Como consequência da criação da Rede Telegráfica Imperial, o tráfe -go registou uma subida considerável a partir de 1941, como se verifi -ca no gráfico 5.Os gráficos 8 e 9 apresentam os perfis da evolução do tráfego tele -gráfico de algumas colónias, agregando-as em termos de maior emenor tráfego.No início da década de 40, o tráfego para as colónias era já encami -nhado maioritariamente via rádio e, em 1948, a sua totalidade usavaesta via, excepto para Timor cujo circuito radio-telegráfico só foi inau -gurado em 1950.


72gráfico 5Perfil do tráfego telegráfico Ultramar 1935-1946número de telegramas250 000200 000150 000100 00050 000019351936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946transmitidosrecebidosO período da segunda guerra caracterizou-se por um enorme cresci -mento do tráfego radiotelegráfico em Portugal, em consequêncianão só do corte <strong>das</strong> ligações terrestres do serviço telegráfico e tele -fónico com a Europa mas também de Lisboa, capital de um país neu -tral, se ter tornado numa ponte entre a Europa e o resto do mundo.De 1932 a 1938, transitaram pela CPRM dois milhões de telegramas com23 milhões de palavras e, de 1939 a 1946, este número cresceu para7 milhões com 185 milhões de palavras, tendo sido regista<strong>das</strong> <strong>mais</strong> de11 milhões destas em 1945.Ao contrário do tráfego radiotelegráfico que cresceu até atingir umpico em 1945, o tráfego radiotelefónico sofreu neste período umaquebra. Em paralelo, a radiotelefonia e a radionavegação foram deimportância fulcral para dar apoio a centenas de SOS e avisos de peri -go naval, durante o período da segunda guerra mundial.No final da década de 40 o tráfego telegráfico para o ultramar sofreuuma redução. Esta tendência veio a ser contrariada com uma novadescida <strong>das</strong> taxas telegráficas e telefónicas para as Ilhas e para o Ultra -mar promulgada em 1951. Nesse ano foram inaugurados os circuitosradiotelefónicos para as cidades de São Paulo de Luanda, Praia e SãoTomé e, em 1952, o circuito radiotelefónico para Goa. O circuito radio -telefónico com Lourenço Marques fora estabelecido anteriormente emDezembro de 1948 17 .Comentários finaisA tarifa da rede imperial permitiu estabelecer um «serviço universaltelegráfico» para todos os territórios portugueses. O esforço do Esta -do, para complementar as vias cabo submarino e rádio, e entre oEstado, a CPRM e as Companhias para optimizar as comunicações, resul -


73NOTAS1AG 1476/1/2 e AG 1420/1 do Proc. 2000.1.2Art. 3º do Dec. Lei 24061 de 23.06.1934.3Relatório final da 1ª Comissão em 21.09.1937.4A Iilha de Santa Helena, com 122 km 2 , fica a 1900 Km a oeste do continente africano ea 1300 km a SE da ilha de Ascensão. Foi descoberta por João da Nova em 21/05/1502,mas Vasco da Gama já a visitara na sua viagem para a Índia em 8/11/1497 no dia de Sta.Helena, e foi povoada a partir de 1513. Depois foi colonizada p elos holandeses em 1645,passou para os ingleses, novamente para os holandeses e em 1673 definitivamente paraos ingleses. A Companhia <strong>das</strong> Índias cedeu-a ao estado em 1834. Napoleão esteve aí des -terrado entre 1815 e 1821 e morreu lá. Por isso e para o vigiar, os ingleses ocuparam ailha de Ascensão em 1815. Durante a guerra sul africana albergou também muitos pri -sioneiros sul africanos e entre eles o general Cronje. O seu porto é Jamestown e comu -nica com a cidade do Cabo por um cabo submarino. Dela depende a ilha de Ascensão.5Doc. Manuscrito, dirigido ao Sr. ministro <strong>das</strong> Obras Públicas e Comunicações, cujo ori -ginal está arquivado no Proc. 602/1/12, parte 1ª- DSE 5ª.6Os Correios e Telégrafos <strong>das</strong> Colónias (CTC) dependiam directamente deste Ministério.7Doc. AG2227/1/2 assinado pelo Eng. A. Vaz Pinto em 21.09.1937.8Dec. Lei nº 28415 .9Of. nº 53, Parte I, em 21.03.1939.10A Segunda Guerra Mundial deflagrou em Setembro de 1939.11Doc. AG4527/1/2, em 30.11.1939.12Doc. AG4526/1/1, em 30.11.1939.13 Portaria Nº 2472DSE52 do Proc. Nº 300/1/1, pelo MOPC em 20.11.1939.14 Doc. Ref. AG4820/1/2, do administrador Duarte Calheiros.15 Dec. Lei Nº 31422 de 26.07.1941.16 “Marconi - da TSF às comunicações globais” - Miguel Figueiredo de Faria.17 Anuário dos CTT, 1949.gráfico 6Perfil de evolução do tráfego telegráfico 1935-1946número de telegramasgráfico 7Perfil de evolução do tráfego telegráfico 1935-1946número de telegramas30 00025 00020 00015 00010 0005 00001935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946200 000180 000160 000140 000120 000100 00080 00060 00040 00020 00001935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 1946AngolaMoçambiqueCabo VerdeGuinéS. Tomé e Príncipetou num enorme crescimento de tráfego telegráfico, patente nasgráficos 5, 6 e 7.A «Rede Imperial» foi uma obra notável de Duarte Pacheco queorientou estrategicamente as negociações do abaixamento <strong>das</strong> tari -fas versus redução <strong>das</strong> taxas de trânsito e que, em simultâneo, incen -tivou o desenvolvimento dos sistemas de rádio da CPRM, transformadosprogressivamente em via exclusiva para encaminhamento do tráfe -go colonial, enquanto os cabos submarinos passaram a constituir a«via de recurso».Após 1941, prosseguiram as negociações com as companhias de cabossubmarinos. A situação só foi totalmente controlada quando, em1958 e 1959, a CPRM estabeleceu contratos com a Italcable e com aC&W e ficou a coordenar os serviços <strong>das</strong> três companhias. A gestãocentralizada dos dois suportes de transmissão permitiu a utilizaçãoracional dos recursos disponíveis, proporcionando tarifas ainda <strong>mais</strong>reduzi<strong>das</strong> e melhor qualidade de serviço. O volume de tráfego dosserviços telegráfico e telefónico continuou a aumentar e sofreu umcrescimento explosivo a partir da década de 60 com a guerra do ultra -mar. A evolução sequente do processo será tratada na obra História<strong>das</strong> Comunicações na Idade Contemporânea, promovida pela Funda -ção <strong>Portuguesa</strong> <strong>das</strong> Comunicações, no âmbito de um protocolo coma Universidade Católica.


74J.M.R. Teixeira Gomes | Quadro Superior dos CTT - Direcção de FilateliaInaugurada há 125 anosA cidade vista da Estação deCorreios da Praça do ComércioEm Glória, de Vasco Pulido Valente, o deputado e aplaudido orador Vieira de Castro, depois de matar a mulher, saide casa, na parte alta da Rua do Alecrim, e dirige-se à estação da Praça do Comércio para enviar um telegrama.Edifício central de correios, Terreiro do Paço, acervo iconográfico da FPC.Adifusão <strong>das</strong> estações dos CTT acompanha o crescimento da cida -de. Não é uma infra-estrutura primordial para a constituição deum aglomerado urbano. Mas, se este progredir, é <strong>das</strong> primeiras empre -sas prestadoras de serviços a estabelecer-se nessa localidade. Hojeé assim, tal como era em 1880, quando foi inaugurada a Estação Cen -tral dos Correios de Lisboa.Há 125 anos viviam-se transformações estruturantes nos serviços decorreio do reino de Sua Majestade, D. Luís (1838-1889). Foi decretadaa fusão dos Serviços de Correios e de Telégrafos e ainda da Adminis -tração dos Faróis, que passavam a ser da responsabilidade de um direc -tor-geral dos Correios, Telégrafos e Faróis. Guilherme de Barros, anti -go deputado e governador civil de Bragança, Castelo Branco e Lisboa,foi o primeiro a assumir o cargo. Numa circular que mandou distribuirpelos Serviços, sublinhava: «[…] Uma <strong>das</strong> primeiras qualidades aassistir-nos é a honradez: quem não possuir este sentimento no <strong>mais</strong>elevado grau dificilmente satisfará as obrigações do seu ofício. […]o empregado postal deve ser <strong>mais</strong> do que honrado, cumpre-lhe servirtuoso. Ao passo que os seus honorários são módicos […], em Lis -boa, o trabalho começa às quatro da manhã e dilata-se pela noite;e sobretudo na ocasião da chegada dos paquetes é rápido, febril, eexige suores, lance de olhos, e uso de serviço apenas crível; nos outrospontos do país tem horas de análogo trabalho e muitas são incó -mo<strong>das</strong>.»A «Posta Rural» também foi criada e organizada em 1880. EuricoCardoso descreve a rudeza deste serviço: «Alguns distribuidoresrurais chegam a percorrer, a pé, 45 quilómetros por dia, fazendo-seanunciar por um sinal combinado. Além de entregarem e receberemcorrespondências, abrem as caixas de trânsito, vendem «estampi-lhas», «tomam assinaturas para jornais», estando ainda incumbi -dos de outros serviços.»«Até aqui temos visto o correio estritamente limitado à troca de cor -respondências, base da sua criação e sua função orgânica, mas deli -neou-se uma evolução sob a influência da transformação social queresultou do incremento da grande indústria, consequência do meca -nismo e da extensão comercial que se seguiu». António Pinheiro, quefoi chefe da ECC, referia-se assim às repercussões do aparecimentode inventos e técnicas inovadores que marcaram a segunda metadedo século XIX. Na década iniciada em 1880, constrói-se, em Lisboa, oParque Eduardo VII, no Porto surgem os primeiros carros eléctricos. Got -tlieb Daimler inventa o motor de combustão interna, Karl Benz cons -trói um motor com um só cilindro, é criada a lâmpada de incandescência,é edificado, em Chicago, o primeiro arranha-céus e aparecem à vendalatas de conserva.No entanto, na capital portuguesa ainda se mugem vacas nas ruas,onde circulam carros puxados por bois e param, encostados às esqui -nas, os «moços de fretes», que perduraram até meados do séculoXX. «Máquinas de suor», como os apelidou Matos Sequeira, ou«galegos», porque muitos eram oriundos desta região de Espanha,foram os percursores dos modernos serviços urgentes de recep -ção/entrega de volumes de natureza variada. No filme A Vizinha doLado, de António Lopes Ribeiro, de 1945, um «galego» é incumbidode entregar na residência de um cavalheiro uma carta enviada poruma senhora.Mas Lisboa não é uma cidade parada no tempo. No censo de 1890 tinha391 206 habitantes, e nos 20 anos seguintes cresceu 11 por cento (435539 habitantes). Os CTT acompanhavam este engrandecimento,abrindo estações e assentando «marcos» do correio, «um equipa -mento simples e conveniente, mas também um sinal de civilizaçãoe de estabilidade da vida urbana!», no dizer de J. P. Martins Barata.E, em 1882, são inaugura<strong>das</strong> as redes telefónicas de Lisboa e Porto.


76Saída de carteiros da estação central de correios de Lisboa, acervo iconográfico da FPC.Carteiro retira correspondência de marco de correio, acervo iconográfico da FPC.Nessa época, já existiam em Lisboa 28estações que prestavam o serviço«postal, telegráfico, de emissão devales e de encomen<strong>das</strong>»: Ajuda,Alcântara, Algés, Areeiro, AvenidaEstefânia, Belém, Benfica, Bempos -ta, Bom Sucesso, Cais dos Soldados(Santa Apolónia) Calhariz, CampoGrande, Campolide, Carnide, Conva -lescença (Sete Rios), Cortes (adstritaao Parlamento) Graça, Lapa, LumiarMouraria, Necessidades (agregadaao Paço Real), Olivais, Poço do Bispo,Sacavém, Santa Isabel (ao Rato),Santa Marta e S. Sebastião da Pe -dreira.A principal é a Estação Central deCorreios de Lisboa. Com a reorgani -zação, em 1880, dos Correios, Telé -grafos e Faróis, as instalações nopalácio dos marqueses de Olhão, naCalçada do Combro (hoje, Palácio doCorreio Velho), onde funcionava,desde 1779, o Correio Geral, revela -ram-se exíguas, pelo que este foitransferido para a Praça do Comércio, estabelecendo-se nas arca<strong>das</strong>do Ministério <strong>das</strong> Finanças.As estações foram surgindo na peugada da crescente industrializa -ção <strong>das</strong> áreas limítrofes a oeste e leste da cidade. Em Alcântara,novas fábricas substituem os fornos de cal ao longo do vale. Instalam--se aqui a Empresa Industrial Por -tuguesa, que ocupa uma área de15 000 m 2 , a refinaria da CompanhiaAçucareira de Moçambique, bemcomo o embrião da Companhia UniãoFabril - CUF, o maior aglomerado indus -trial português da primeira metadedo século XX. Nos arredores a lestede Lisboa construíram-se indústriastêxteis, unidades de moagem, fábri -cas de pólvora, telhas e tijolos (Fábri-ca Brasil), licores (Fábrica Âncora),a Companhia <strong>Portuguesa</strong> de Fósforose a Companhia Nacional de Borracha.Numa cidade, qualquer que seja asua dimensão, há sempre uma áreaque melhor traduz o próprio valor dacidade - a sua área central ou «o cen -tro», que reflecte a dinâmica dessaurbe. No último quartel de Oitocentos,a área Baixa-Chiado afirmou-se devez como o centro de Lisboa, alber -gando com o Cais de Sodré a quasetotalidade <strong>das</strong> actividades terciáriascentrais da cidade. A alta burguesiados negócios, os «brasileiros» enriquecidos e os estrangeiros de pas -sagem marcam os seus encontros no Chiado segundo códigos e rituaisbem definidos. Mas, com o aproximar do século XX, se a área geográficapouco muda, verifica-se uma crescente especialização, com início nodecréscimo da função residencial que não pode competir com o desen -


79BARATA, J. P. Martins, Correios, Fundação <strong>Portuguesa</strong> <strong>das</strong> Comunicações, 1995.BIBLIOGRAFIACÂNCIO, Francisco, Lisboa no Tempo do Passeio Público, 1963.CARDOSO, Eurico Lage, História do Correios de Portugal em Datas e Números, 1934.Dicionário Enciclopédico da História de Portugal, Lisboa: Publicações Alfa, 1990Estatística geral dos correios, 1882.GASPAR, Jorge, A Dinâmica Funcional do Centro de Lisboa, Lisboa: Livros Horizonte, 1985.Lista geral <strong>das</strong> estações e de postos de correio, 1880.Mappa <strong>das</strong> localidades onde se acha estabelecido o serviço postal em Portugal, 1889.Boletineiro ciclista, praça do comércio, 1937, acervo iconográfico da FPC.Carteiros antes da distribuição da manhã à porta do edifício do correio geral, 1911, acervo iconográfico da FPC.volvimento de novas actividades terciárias que vão ocupar os pisos supe -riores dos edifícios. Nalguns casos reconstrói-se, aumentando-se a altu -ra dos edifícios, enquanto certas actividades secundárias, menoscompatíveis com o centro, começam a desaparecer. O eixo Baixa--Chiado-Cais do Sodré torna-se cada vez <strong>mais</strong> principal em detrimen -to da ligação Baixa-Rossio-Avenida. Porém, o empreendedorismo dopresidente da Câmara Municipal Rosa Araújo (1840-1893) veio impul -sionar a mudança de rumo do centro, avançando para norte.No início de Novecentos, os 12 hotéis existentes em Lisboa ficavam nazona Baixa-Chiado-Cais do Sodré, onde estavam domicilia<strong>das</strong> 49companhias metropolitanas, 24 ultramarinas, 8 companhias de segu -ros e 13 de navegação, 53 ministérios e organismos centrais da admi -nistração do Estado. Eram outros tantos clientes da Estação Centralde Correios instalada na Praça do Comércio.


80Alfredo Anciães | Licenciado em História pela UAL - Quadro Superior da FPCTelegrafia eléctricaCom a entrada da telegrafia eléctrica, o que mudou em relação àtelegrafia visual? Quase tudo: equipamentos, modus operandi,códigos de representação de letras, números e frases. Os postos e esta -ções, bem como as funções dos telegrafistas, foram reconvertidosou substituídos.A divulgação do telégrafo de fio único só foi possível com a invençãode um código. Samuel Morse registou a sua patente em 1838 e ascomunicações à distância deram um passo fundamental.O processo de comunicação em morse envolveu o recurso a fontes dealimentação contínua. A pilha fora inventada em 1800 por Alessan -dro Volta e foi melhorada por Grenet e Leclanché. Criaram-se, assim,as condições essenciais para a prática de transmissão e recepção.A telegrafia eléctrica permitiu a transmissão, de noite ou de dia, comuma rapidez inusitada. Em Portugal, o semanário O Panorama. JornalLiterario e Instructivo, número 133, de 1839, apresentou (cremos pelaprimeira vez) uma nota sobre o telégrafo eléctrico. Dezasseis anos após,a telegrafia eléctrica foi inaugurada e o mesmo semanário voltou apublicar uma notícia sobre o novo processo de comunicar à distância.Nesta altura, os benefícios do telégrafo eléctrico já eram melhorconhecidos e o mesmo jornal, <strong>mais</strong> uma vez, destacou algumas van -tagens que o novo meio veio proporcionar: «É um meio de transmis -são, que não só abrange toda a esphera dos interesses económicos,mas que pode estender-se a interesses de outra ordem, e ampliar-seás transacções <strong>mais</strong> comuns e <strong>mais</strong> íntimas da sociedade». (Panorama,Vol XII, 1855, p. 294)Um outro periódico, O Jornal do Comercio de 28 de Julho de 1855, tra -zia a notícia dos trabalhos em curso para a primeira rede de telegra -fia eléctrica. O Panorama de 6 de Outubro de 1855, voltou a publicaruma nota, destacando os benefícios que nos EUA retiram desta tele -grafia: «Na America servem-se do telegrapho [eléctrico] para vender,Rainha D. Maria II, arquivo iconográfico da FPC.para comprar, para encomendar uma cama nas hospedarias, para man -dar vir de casa roupa lavada, e para as necessidades domesticas deurgência.»Regeneração: o ambiente que acolhea telegrafia eléctricaCom o advento do movimento Regenerador em 1851, e o Acto Adicio -nal à Carta Constitucional de 1852, é implementada uma série dereformas que a instabilidade política, económica, financeira e socialprotelara. A criação do Ministerio <strong>das</strong> Obras Publicas Commercio eIndustria é, porventura, a reforma <strong>mais</strong> destacável do processo de rege -neração económica do País. Fontes Pereira de Melo, titular da novapasta, teve uma acção de tal forma marcante que, o seu nome deuorigem a um novo conceito de fomento. O fontismo caracterizou esteperíodo da História de Portugal.Em 1852, o ministro lançou as bases do ensino técnico e quase emsimultâneo criou o Instituto Industrial em Lisboa. A construção dos cami -nhos-de-ferro e a circulação dos comboios, o lançamento de pontese estra<strong>das</strong>, o correio e a mala-posta, a introdução e o desenvolvi -mento do telégrafo eléctrico são contemporâneos e resultam damesma política regeneradora.Com a morte da rainha D. Maria II 1 em 1853, D. Fernando 1 assumiu aregência durante a menoridade de D. Pedro V. No primeiro ano daregência foram iniciados os trabalhos de construção da via férrea ea telegrafia eléctrica seguiu-se imediatamente.O primeiro contrato para introdução da telegrafia eléctrica foi cele -brado. «A 26 de Abril de 1855 o Ministro Antonio Maria Fontes Perei -ra de Mello e Alfredo Bréguet […], contrataram a construção <strong>das</strong>linhas telegraphicas aereas do Terreiro do Paço, Côrtes, palacio <strong>das</strong>Necessidades, Cintra, Mafra, Carregado, Cal<strong>das</strong> da Rainha, Alcoba -


n.˚


82Telégrafo portátil com fecho da caixa/mesa. Concebido e construído por Maximiliano Augusto Herrmann, Lisboa 1866, acervo de telecomunicações da FPC.Telégrafo de campanha Herrmann. Concebido, construído e patenteado em Lisboa com nove reivindicações de inovação, acervo de telecomunicações da FPC.ça, Leiria, Coimbra, Aveiro, Porto, Aldeia Gallega, Barreiro, Setubal,Montemor o Novo, Évora, Extremoz e Elvas]». (BARROS: 1891, p. 27)Este contrato foi confirmado e sustentado por Lei que o rei fez publi -car. «DOM FERNANDO, Rei Regente dos Reinos de Portugal, Algarves,etc., em Nome d’El-Rei, Fazemos saber a todos os subditos deSua Magestade, que as Cortes Geraesdecretaram, e Nos Queremos a Leiseguinte:Artigo 1°- É aprovado e convertidoem lei o Contrato celebrado noMinistério <strong>das</strong> Obras Publicas,Comercio e Industria, em 26 de Abrilde 1855, entre o Governo e AlfredoBreguet, como represen tantede Breguet & Companhia, de Paris,para o estabelecimento de linhastelegraphicas electricas, desig na<strong>das</strong>nas condições que acompa nha rama presente Lei, e dela fazemparte…/…O Ministro e Secretariod’Estado dos Negócios da Fazenda,interinamente encarregado do Minis -tério <strong>das</strong> Obras Publicas, Comercioe Industria, a faça imprimir, publicare correr. Dada no Paço <strong>das</strong> Neces sida -des, aos 13 de Julho de 1855. = Rei,Regente, com Rubrica e Guarda. =António Maria Fontes Pereira de Mello.»A 16 de Setembro de 1855, o príncipe D. Pedro inaugurou a primeira redede telegrafia eléctrica em Portugal. As primeiras estações situaram--se no Terreiro do Paço (Estação Principal), Cortes (actual Assembleiada República), Necessidades (actual Palácio dos Negócios Estrangei -ros) e Sintra. No fim do ano, o número de empregados do Telégrafo erade 370.«Achavam-se ao correr do anno de 1855 e principios de 1856,estabelecida a telegraphia electricaentre nós, aproveitando-se, para essefim, os empregados dos telegra phosvisuaes» (Barros: 1891, p. 29).No ano seguinte as comunicaçõeschegaram ao Porto e a Elvas. Pouco<strong>mais</strong> de um ano após a entrada emfuncionamento da primeira redede telegrafia eléctrica, era possí velao Estado português inaugurar a telegrafiainternacional. Este ensejo veioa acontecer logo que as linhas emEspanha foram concluí<strong>das</strong>. Neste âmbito,a telegrafia eléctrica come çou aser regulada por convenções internacionais.A primeira convenção telegráfica dePortugal foi realizada com Espanha efoi objecto de aprovação em Lei de 12de Julho de 1857. O modelo de acor dosfoi baseado nas resoluções da ConvençãoTelegráfica de Paris de 1855.O ano de 1856 foi muito produtivo para a telegrafia. Os campos e aspovoações começaram, pela primeira vez, a ser atravessa<strong>das</strong> compostes e ligações de fios. As duas principais cidades do País - Capital


84e Invicta puderam comunicar, entre si, no decurso deste ano, os téc -nicos portuguese cedo começaram a inteirar-se da gestão e da cons -trução <strong>das</strong> infra-estruturas de transmissão. A primeira linha de Lisboaao Porto foi concluída com a direcção de Joaquim José de Almeida,que substituiu com competência o Técnico francês Mr. Debain.A musicalidade do código morseOs telégrafos de código morse, introduzidos desde 1856, foramde início pensados paraas comunicações de lon -go curso. Mas não tar -dou a sua difusão porquase to<strong>das</strong> as linhas.O sistema da marcaBréguet, que não ne -cessitava de código,continuou essen -cial mente nas es -ta ções dos cami -nhos-de-ferro, empar te devido à sim -plicidade da transmissão e recepção <strong>das</strong> mensagens.Em 1859 foi estabelecida a ligação com Espanha pelo norte (Minho eGaliza). Em cinco anos foram instalados <strong>mais</strong> de dois mil quilómetrosde linhas e cerca de seis centenas de empregados trabalhavam no novoserviço.José Bernardo da Silva, director dos Telégrafos, esforçou-se pelamelhoria dos equipamentos e serviços. Ao que se sabe, pouco terá con -seguido. Os telégrafos haviam sido organizados em função do servi -ço administrativo e militar. Era necessária uma reforma que não tar -dou a ser aplicada. Com Jose Victorino Damazio, nomeado director em1864, o telégrafo passou a servir a sociedade civil: comércio, indústria,imprensa e sociedade, que são doravante utilizadores deste novoequipamento social.Os recursos humanos do telégrafo deixam de ser geridos pela corpo -ração militar e passam para o corpo civil.«Decreta-se uma profunda reforma dos serviços em 1864 – O pessoaldos Telégrafos passa a constituir um corpo civil». (Barros; Ferreira:1943, p. 35).Nas palavras e fra ses<strong>mais</strong> correntes,descobriu-seno códigomor se umcerto encantoque podiaser facilmentedecorado ema ni pulado, seas so ciado a um ritmo deto ques com uma certa «musicalidade».Os telegrafistas foram expeditos e utilizaram o código de umaforma afectiva. Foi uma maneira inte ligente de ultrapassarem as dificuldadesde um código, à partida hermético, e cuja memorizaçãoparecia um quebra-cabeças. E o morse começou a tornar-se popular,sonora e mentalmente repetido nas frases <strong>mais</strong> comuns, como se deuma música se tratasse.Por motivos de dificuldades técnicas liga<strong>das</strong> a um deficiente funcio -namento do equipamento, a recepção <strong>das</strong> mensagens era por vezesperdida ou difícil de decifrar. Esta dificuldade apresentava-se quan -


85Telégrafo de Cristiano Augusto Bramão apresentado na grande Exposição Universal de Paris, em 1878,onde foi distinguido com um Diploma de Honra equivalente a uma Grande Medalha, acervo de telecomunicações da FPC.Edifício de acolhimento do cabo e reforço dos sinais de telecomunicações por onde passaram as primeiras experiências telégrafo-telefónicas, 1871,acervo iconográfico da FPC.do as mensagens chegavam em formato impresso (pontos, traçose espaços).Muitas vezes os registos <strong>das</strong> mensagens apresentavam falhas detinta. Como as dificuldades «aguçam oengenho», os nossos técnicos não tarda -ram a «dar asas» à criatividade. Foram,então, implementa<strong>das</strong> inovações paraultrapassar o que Guilhermino de Barros 3resumiu no seguinte extracto:«Os receptores «Morse» que então exis -tiam – da primitiva aquisição – eram deponta seca ou de tinteiro com tira-linhas,uns e outros de fracos resultados práti -cos. Nos primeiros: os sinais, marcados nopapel por um ponteiro de aço, eram dedifícil percepção e desapareciam com faci -lidade. Nos segundos: a tinta secava amiude nos tira-linhas, ou, quando êsteestava mal regulado, transbordava e alas -trava no papel, tornando impossível aleitura da fita.» (Barros; Ferreira: 1943,p. 52).Inovações lusas solucionamdisfunções tecnológicasAté meados dos anos 60 do século XIX, osreceptores telegráficos não satisfaziamplenamente o processo de comunicação àdistância: Tal situação incentivou Maximi -liano Augusto Herrmann 4 a introduzir alte -rações nos receptores de código morse. Na parte respeitante aoregisto dos sinais, Herrmann construiu uma tina ou tinteiro de utili -dade inequívoca e documentada. Adaptou-o com uma armaduraflexível e regulável e com um fino estilete,como se de uma pena ou caneta se tratas -se, deixando apenas escorrer a tinta neces -sária para os registos <strong>das</strong> mensagens seremlegíveis.A notícia deste dispositivo de impressãoadaptado ao receptor foi divulgada fora doPaís. Da inovação «[…] deu a nossa Direc -ção Geral conhecimento às administrações[telegráficas] estrangeiras, que as regis -taram com aplauso» (Barros; Ferreira: 1943,p. 52; Annales Télégraphiques, Tomo VIII,Paris, 1865).Jose Victorino Damazio - então director--geral dos Telégrafos Portugueses dirigiu--se aos participantes da Conferência Tele -grá fica Internacional de Paris. A temáticaleva da a Paris pelo director dos Telégrafosfoi relacionada com o receptor modificadopelo lisbonense Maximiliano Herrmann:«L’ Administration des télégraphes portu -gais a modifié les appareils Morse à poin -te sèche en y introduisant les perfection -nements imaginés par un habile ingénieurportugais, M. Herrmann.«La description de notre appareil perfec -tionné et les instructions pour le bien régler


86Capa livro de António dos Santos, 1919, acervo iconográfico da FPC.Parte superior do telégrafo Hughes inovado em Portugal com um regulador, 1885, acervo de telecomunicações da FPC.font l ‘objecte principal de la présente publication, que j ‘ai l’ honneurde vous offrir.«Les signaux faits à L’encre son très-visibles; ils ne fatiguent pás lavue […]«Comme la lecture est très-facile, leserreurs y sont fort rares, contrairementà ce qu’ arrivait avec les signaux de lapointe sèche […]«[…] il fonctionne sans relais ni pilelocale, et le mouvement d’ horlogerie,réduit à sa plus grande simplicité […]»(Damazio; Direction Générale des TélégraphesPortugais: 1865, p. 1-2) 5Da vasta obra de Herrmann, destacaseo telégrafo de campanha de 1897que apresenta nove reivindicações deinovação. Entre elas:> Um sistema de dar corda com ala -vanca, dispensando a chave;> Um tinteiro regulável em altura ecom uma fina agulha de saída detinta;> Uma chave morse muito funcional;> Bobinas de fita facilmente desta -cáveis e com um sistema muito prá -tico de fixação para efeitos de trans -porte;> Uma caixa com tampas articuláveis;> Um despertador, uma bússola e outros componentes devida -mente alojados/articulados dentro de uma caixa portátil.Bramão e a direcção dos telegraphosportugueses ganham prémiona grande Exposição Universal de Paris de 1878Em 1874 Cristiano Augusto Bramão 6 completa três versões de um telé -grafo inovador: «Um Novo AparelhoTelegráfico; Um Sistema Telegráfico Bra -mão; Um Aparelho Definitivo; Um Apa -relho Typo 1874» por se tratar da ter -ceira versão conseguida neste ano. Aestes aparelhos referiu-se o engenhei -ro Valentim do Rego, director dos Telé -grafos em exposição escrita ao minis -tro <strong>das</strong> Obras Públicas, Saraiva de Car -valho:«Em 20 de Julho de 1872 foi-me presen -te uma memória pelo telegrafista Bra -mão, sôbre um novo aparelho telegrá -fico de sua invenção, com o qual espe -rava obter vantagens bastante aten -díveis sôbre o aparelho de Morse, pois oconsiderava capaz de produzir 33% deserviço a <strong>mais</strong> com o mesmo trabalho»(Barros; Ferreira: 1943, p. LXXXIV)A inovação de Cristiano Bramão consis -tiu na adaptação dos aparelhos paratrabalhar em corrente dupla. As corren -tes positivas transmitiam os pontos eas correntes negativas - os traços. Pon -tos e traços em morse passaram a ser enviados em períodos de tempopraticamente iguais, proporcionando economia no tempo de ocupa -


89Telégrafo múltiplo da marca Baudot. Inovado em Portugal com um regulador. Séc. XX – Anos 20, acervo de telecomunicações da FPC.ção <strong>das</strong> linhas e uma vantagem de economia de fita telegráfica. Logo,o telégrafo de Cristiano Bramão trouxe especiais benefícios para asestações de maior tráfego.As redes internacionais de telegrafia antecipamo processo de globalizaçãoO primeiro cabo telegráfico submarino que amarrou em Portugal, foilançado em 1870. A estação receptora do cabo situava-se na Quin -ta Nova, também conhecida por Quinta do Lobito, em Carcavelos.O edifício era um palácio pertença do Morgado de Alagoa. Em 1872o palácio passou, por compra, para a propriedade do Cabo Submarino e a partir deste momento Portugal passou a fazer parte deuma rede quase global, tendo ao seu alcance comunicações com Ingla -terra, Gibraltar, Malta, Índia, China e outros países.As comunicações entre o Norte e o Sul do Tejo do território continentalportuguês passaram pelo cabo sub fluvial que amarrava em peque -nos e simpáticos edifícios situados: um em Belém ( junto à Torre e Fortedo Bom Sucesso) e outro no Portinho da Costa, Almada. Estes edi -fícios de acolhimento do cabo telegráfico foram inaugurados em 1871.Por eles passaram as primeiras transmissões telégrafo-telefóni -cas 7 .Estas primeiras transmissões telégrafo-telefónicas foram realiza<strong>das</strong>com o telefone/telégrafo (um clássico e inovador) de Cristiano Augus -to Bramão. Segundo tudo indica, através da documentação reuni -da, podemos afirmar que este tipo de aparelho realizou a primeirafonoconferência do mundo levada à prática com interlocutoressituados em simultâneo em Lisboa e nas seguintes localidades: BomSucesso, Barreiro e Setúbal. O sucesso <strong>das</strong> experiências foi brilhan -te e a notícia saiu publicada na Revista de Obras Públicas e Minas daépoca.A arte nas tecnologiasEm 1885, adopta-se, em Portugal, o telégrafo da marca Hughes,conhecido na gíria técnica por «piano», por o seu design ser inspi -rado neste instrumento musical. Na primeira década do século XX,este telégrafo foi objecto de investigação com vista a uma melho -ria do seu funcionamento.Ao que tudo indica, António dos Santos 8 esteve envolvido no primeiroprojecto e estudo para a modificação do telégrafo Hughes. A modi -ficação iniciada por António dos Santos e documentada no seumanuscrito profusamente decorado e primorosamente organizado,consiste na transformação do aparelho de modo simples em mododuplo. Visava com esta transformação enviar <strong>mais</strong> mensagens nummesmo espaço de tempo e num mesmo circuito de fios.O seu projecto contempla ainda um desenho para a criação dum regu -lador fiável. Tanto o telégrafo Hughes como o Baudot o careciam. Odesejado regulador inovador acabou por surgir com a designação deDMO (que significa Doignon, Mendonça e Oliveira) em homenagemao construtor e aos co-inventores. Parece-nos, porém, que o nomede António dos Santos deveria ter sido mencionado na co-autoria,já que, segundo cremos e a documentação confirma, o desejado re -gulador foi primeiro projectado por António dos Santos.Neste novo regulador estiveram envolvidos: António dos Santos quecomeçara antecipadamente no projecto de inovação e os inspectoresFrancisco Mendonça e Cassiano Maria de Oliveira, que colaboraramno projecto. A continuação dos estudos e os trabalhos de manufactura<strong>das</strong> peças que integram o regulador terão sido obra de equipa de fun -cionários/artífices <strong>das</strong> Oficinas Gerais dos CTT, embora com os Ins -pectores na coordenação dos trabalhos. Numa fase posterior, tevea participação da casa Doignon de Paris que passou a construir e divul -gar esta peça minuciosamente pensada e co-produzida em Lisboa.


90Telégrafo tipográfico inventado em Paris por Antoine Damaskynos. Patenteado em Lisboa por 15.000 Reis no Serviçoda Propriedade Industrial – Repartição da Industria, 1897, acervo de telecomunicações da FPC.António dos Santos concebera, em linhas muito gerais, uma dupla rodade tipos (para letras, números e sinais), dois electroímanes relacionadoscom a dupla função que pretendia introduzir ao telégrafo e ainda odesejado e famoso regulador. Quanto à aplicação do regulador, estedestinava-se a colmatar os problemas provocados pela variação natensão da corrente eléctrica (funcionando, grosso modo, como umaembraiagem) devido à frequente variação de corrente que apresen -tava consequências gravosas na transmissão e recepção da escrita.As mensagens resultavam, assim, pouco legíveis por má impressão emá distribuição do texto sobre o papel.Se, no que toca à função para um telégrafo duplo, esta função nãochegou a ser implementada (por razões de inovações nos telégrafosBaudot, por exemplo), já no que toca ao regulador o projecto teve enor -me sucesso ao ser retomado pelas Oficinas Gerais dos CTT e pela casaDoignon. Este sucesso foi aplicado nas estações de maior tráfego daépoca e nos dois sistemas telegráficos - Hughes e Baudot - comoapresentamos no seguinte capítulo.Nos quatro cantos do mundoA aplicação da inovação portuguesa nos reguladores dos telégrafosHughes e Baudot tornou-se num invento de interesse para todo omundo. Deste modo foi estabelecido um contrato de produção comas Oficinas Doignon de Paris, além da produção em Lisboa nas Ofici -nas Gerais dos CTT.Em 1924, os novos reguladores foram aplicados com óptimos resultados,sendo aprovado pela comunidade científica de então:«Em 1918 foram os signatários encarregados pela AdministraçãoGeral dos Correios e Telégrafos de ir a Paris estudar o aparelho tele -gráfico Baudot, missão de que se desempenharam partindo para aliem meados de Março e regressando a Lisboa em princípios de Novem -bro do mesmo ano […/…] Desde logo se apresentaram vários problemasa resolver, entre os quais avultava o da força motriz, que, aparelhoscomo o Hughes e o Baudot requerem uma grande regularidade […/…]A nossa modesta teoria, enviada não só à casa Doignon […] mastambém a Mr. Pomey, director da Escola Superior dos P.T.T. [PostesTelegraphes et Telephones de França] e inspector geral dos Correiose Telégrafos franceses, foi publicado nos anais de Outubro de 1925 epouco depois numa revista italiana.» (Portugal. CTT: DSE. Relatório,1927).Outra referência elogiosa, entre várias, é-nos dada pela carta data -da de Bruxelles le 19/9/25 da parte de Van den Perren – Dirigeur de lasurveillance de l’essai a Bruxelles, de que apresentamos o seguinteextracto: «Le Mendonça [designação abreviada do regulador DMO]a foncionné parfaitement. Depuis le 5/9 on lá laissé sur Amsterdamparce que c’est avec ce poste qu’on avait le plus de miserè (sic) et il adonné pleine satisfation.»O projecto levado à prática foi divulgado por diversos países, como Ale -manha, Argentina, Bélgica, Brasil, Espanha, Estados Unidos da Amé -rica, Holanda, Itália, Inglaterra, Letónia, Madagáscar, Rússia e Sérvia.(vide, Portugal. CTT, DSE. Relatório, 1927).A telegrafia multiplex e a colaboração de LisboaUm novo passo tecnológico foi conseguido em França com o telégra -fo Baudot. A aplicação do novo conceito de telegrafia múltipla (tam-bém conhecida por simultânea ou multiplex) com bons resultadosteve origem em Paris e recebeu a participação de Lisboa.A possibilidade de uma única linha permitir <strong>mais</strong> do que uma comu -nicação simultânea, foi a aposta conseguida em França. Os telégra -fos Baudot iniciaram este conceito de telegrafia em que pelo mesmoequipamento, transitam duas ou quatro mensagens em vez de uma só.


93Telégrafo Steljes, 1903, inspirado na máquina de costura, então novidade, acervo de telecomunicações da FPC.Receptor com dispositivo de recepção por coesor de Eduard Branly. Este aparelho iniciou a TSF - telegrafia sem fios em Portugal, em 1902, do Navio CruzadorD. Carlos para a cidadela de Cascais, acervo de telecomunicações da FPC.Actualmente transmitem-se milhares de comunicações simultâneaspelo mesmo equipamento, porém, os telégrafos Baudot,hoje peças de Museu, são um património valiosíssimopara ilustrar este conceito leva do à prática e doqual todos hoje usu fruímos.Na sequência da melhoria introdu zidano telégrafo Hughes, os ins pectoresdos CTT Francisco Men donça e CassianoMaria de Oli veira lideraram oprojecto de construção de um novoregula dor, à semelhança do que foraconstruído para o telégrafo Hughes.Este regulador com <strong>mais</strong> umamelhoria em rela ção ao adaptadono telé grafo Hughes, permite seroperado, afinado ou regu ladomesmo em fase de movimentodo telégrafo. Esta nova me lhoriasobre o regulador veio permitira solução dos problemas dairregularidade da força motrizprovocada pelas frequentesquebras e pi cos de tensãoda corrente instável daépoca.Um telégrafo inspiradona imprensade GutenbergOutros contributos europeus foram importantes para o desenvolvimentoda ciência e da técnica. O cidadãogrego Antoine Damaskynos, resi denteem Paris, inventou um telégrafo conhecidopor mo delotipográfico.O aumento do tráfego tele gráficoincentivou a procura de soluçõespara uma trans missão <strong>mais</strong> fácil.A ideia inovadora de um telégrafotipográfico pare ceumuito promissora e foi acolhidapela famosa e tradicionalcasa Bréguet de Paris. A inovaçãocon sistiu no uso de pe -que ninas pe ças, os tipos, àsemelhança da impren sa deJohann Guten berg. Mas atrans mis são, bem como are cepção, ainda conti -nuaram a necessitar dotradicional código morse.Neste telégrafo de Damaskynos,a transmissão consisteno enca deamento decalhas de tipos, segundo asequência da composição<strong>das</strong> mensagens (tal comona imprensa). As calhas


95NOTAS1D. Maria II (1819-1853) reinou num período especialmente conturbado de lutas civis,em que se transitou do Antigo Regime para o Liberalismo Constitucional. Com a evolu -ção da situação política, a rainha passou a exercer um poder moderno e diferente – o podermoderador que a Carta Constitucional lhe conferiu. A rainha foi perspicaz na gestão polí -tica dos homens fortes e carismáticos da época, tais como: Passos Manuel, Costa Cabrale Saldanha. Conseguiu ultrapassar com perícia os períodos de instabilidade da Revolu -ção de Setembro, a Revolta dos Marechais, a Maria da Fonte e a Belenzada. Após um certocansaço da instabilidade que vem desde a primeira década do século XIX e com o ActoAdicional à Carta Constitucional, o país entra numa fase de prosperidade, em especial nosector dos transportes e comunicações com o conhecido período regenerador.2D. Fernando II (1816-188) príncipe de Saxe Coburgo-Gotha, por ter nascido em Cobur -go, Alemanha. Casou em 1836 com a rainha D. Maria II. Nunca foi ambicioso pelo poder,nem pela política, mas teve um papel relevante. Desenhava, gravava, pintava e cantava.Foi ele quem concebeu e mandou construir o belíssimo Palácio - Castelo da Pena em Sin -tra ao estilo romântico da época. Assumiu a regência durante dois anos, após a morte darainha e enquanto o seu primogénito não atingiu a maioridade. Teve um papel modera -dor no Governo do Reino e educador na corte, nomeadamente nos futuros reis D. PedroV e D. Luís I, que imprimiram uma marca indelével na época da regeneração económi -ca e política da Nação, incluindo a introdução e desenvolvimento <strong>das</strong> telecomunicaçõeseléctricas.3Guilhermino Augusto de Barros. conselheiro e director-Geral dos Correios, Telégrafos eFaróis de 1887 a 1893. Os seus relatórios com retrospectivas sobre os serviços continuamcomo fontes essenciais para a História dos Correios e Telecomunicações. O conselheirorepresentou Portugal em vários congressos internacionais: Viena 1891; Paris, 1887; Lis -boa, 1885. Criou o Museu Postal Português e a Biblioteca, em 1878.4Maximiliano Augusto Herrmann, nascido e residente em Lisboa onde exerceu a profis -são de «hábil engenheiro» como foi mencionado pela comunidade científica francesa. Umdos <strong>mais</strong> prolixos construtores de aparelhos de precisão então utilizados na telegrafia eléc -trica, oficinas e laboratórios. Foi inspector <strong>das</strong> linhas dos Caminhos-de-Ferro Portugue -ses de Norte e de Leste. Esteve estabelecido na Calçada do Lavra e na Rua de S. José, emLisboa. Aluno e formador no Instituto Politécnico de Lisboa. As últimas quatro déca<strong>das</strong>do século XIX têm a sua marca em diversos aparelhos eléctricos e mecânicos por si cons -truídos e vários foram os inovados.5“A administração dos telégrafos portugueses modificou os aparelhos morse de pontaseca, introduzindo-lhes aperfeiçoamentos concebidos por um hábil inventor português,M. Herrman.A descrição deste aparelho aperfeiçoado e as instruções para a regulação são o principalobjecto desta publicação, que tenho a honra de oferecer.Como a leitura é muito fácil, a taxa de erro é muito reduzida, contrariamente ao que acon -tecia com os sinais de ponta seca.Ele funciona sem relé ou pilha local, e o movimento de relojoaria, reduzido à sua maiorsimplicidade”Jose Victorino Damazio participou na gestão do projecto de saneamento, aterro e recon -versão da zona da Boavista de Lisboa, entre o Cais do Sodré e Santos. O largo com o seunome – largo Vitorino Damásio foi uma forma de reconhecimento da Câmara Municipalde Lisboa, pelos seus feitos. Nomeado director-geral dos Telégrafos do Reino, em 1864,ano em que se realizou uma profunda reforma, nomeadamente na constituição de um corpocivil no funcionalismo telegráfico. Na primeira Convenção Telegráfica Internacional deParis, em 1865, expôs o trabalho intitulado - Description de l’appareil morse modifiéet des bureaux télégraphiques système Herrmann adoptés par l’administrationportugaise, editado em Paris pela Imprimerie Simon Raçon et Compagnie, 1865.6Cristiano Augusto Bramão, natural de Elvas (1840-1881). Funcionário exemplar comotelegrafista, chefe <strong>das</strong> principais estações telegráficas do país, Lisboa, Coimbra, Setúbale Elvas e chefe na repartição técnica e do material. Foi inovador tanto na telegrafia comona telefonia.7Na época precursora da telefonia, isto é, depois da invenção dos telefones, mas antes decria<strong>das</strong> as estruturas dedica<strong>das</strong> à telefonia, algumas experiências e também algumascomunicações regulares foram estabeleci<strong>das</strong> sobre o equipamento de transmissão dedi -cado à telegrafia.8António dos Santos foi aluno e colaborador da Casa Pia de Lisboa no alvor do século XX.Posteriormente ingressou nos Correios e Telégrafos onde foi 3º oficial. Se, na Casa Pia,demonstrou apetência pela descoberta e inovação, nos CTT, tudo indica que terá contri -buído em equipa com os seus estudos para a inovação dos novos reguladores dos telé -grafos Hughes e Baudot.


96BIBLIOGRAFIAANCIÃES, Alfredo, Organização da Telegrafia Eléctrica no Museu dos CTT. Lisboa:Museu dos CTT; UAL, 1989.BARROS, Guilhermino Augusto, Relatório do Director Geral dos Correios, Telegra phos,Pharoes e Semaphoros Relativo ao Anno de 1889 Precedido pela Continuação daHistoria dos Correios Até ao Fim de 1888 e de Uma Memoria Histórica Acerca daTelegraphia Visual, Electrica, Terrestre, Maritima, Telephonica e Semaphorica,Desde o Seu Estabelecimento em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional, 1891.BARROS, Guilhermino Augusto; FERREIRA Godofredo, Memória Histórica Àcerca daTelegrafia Eléctrica em Portugal. 2ª ed. Ampliada com Notas Gravuras e Retratos Coli -gidos por Godofredo Ferreira. Lisboa: Separata do Guia Oficial dos CTT, 1943.DAMAZIO, José Victorino, Direction Générale des Télégraphes Portugais. Description deL’Appareil Morse Modifié et des Bureaux Télégraphiques Système Herrmann Adop -tés par L`Administration Portugaise. Paris: Imprimerie Simon Raçon et Compagnie,1865.ETANAUD, Alfred, La Télégraphie Électric. Montpellier: Ricateau Hamelin et Cie, 1872FERREIRA, Godofredo, Coisas e Loisas do Correio. Ligeiros Apontamentos Coligidospor Godofredo Ferreira. Lisboa: CTT, 1955.GAFF, Jackie; FREIRE, João (trad.). Design. O Nascimento do Modernismo. Londres: Edi -tora Clare Oliver, 1999PORTUGAL. CTT/TLP, Bramão e Outros Inventores Portugueses no Museu dos CTT/TLP: Exposição Comemorativa do 1º Centenário do Telefone Bramão 1879-1979.Lisboa: Edição dos CTT/TLP; Nova Lisboa Gráfica, Ldª, 1979.PORTUGAL. CTT: DSE, Direcção dos Serviços Electrotécnicos. Relatório e MaisDocumentos Respeitantes ao Regulador Mendonça Oliveira & Doignon, 1927.SERRÃO, Joel (direcção), «Regeneração e Regenerador» in Dicionário de História de Portugal.Porto: Livraria Figueirinhas, 1981.THOMAS, H., Traité de Télégraphie Électrique. Paris et Liège : Libraire PolytechniqueCH. Béranger, 1922.UIT - Union Internationale des Telecomunications, Du Sémaphore au Satellite. Geneve:UIT, 1965.VIANA, Mário Gonçalves. Arte de Organizar Colecções Exposições e Museus. Porto:Domingos Barreira, s. d.Annales Télégraphiques, Tomo VIII. Paris, 1865.Panorama (O) Jornal Literário e Instructivo, Vol XII, Quarto da Terceira Série. Lisboa:Typographia do Panorama, 1855. 13 BGUC, Manuscrito, 1489, fs. 130-137.JANEIRA, Ana Luísa, ANCIÃES, Alfredo, et all. «Quando os Objectos Falam <strong>das</strong> Tele -comunicações”. O Mundo <strong>das</strong> Colecções dos Nossos Encantos. Lisboa: CICTSUL UL,2004.

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