Hazaqá - Ano 1 - Número 2
A Revista dos Judeus Hispano-Portugueses no Brasil
A Revista dos Judeus Hispano-Portugueses no Brasil
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Em Deus nem corporeidade, nem passividade,<br />
nem ausência são convenientes: a corporeidade<br />
porque implica em impor limites à essência d’Ele;<br />
a passividade porque implicaria em alguma<br />
mudança (potência → ato), pois que mudança<br />
implica em imperfeição, porquanto seja a<br />
passagem de não ser para ser; e que nenhuma<br />
perfeição pode estar ausente d’Ele.<br />
Disso, então, decorremos que para conhecer a<br />
essência Divina devemos empenhar-nos com o<br />
máximo de nossas capacidades a perceber os<br />
modos de ação de Deus no mundo. A Deus se<br />
conhece pela atuação que faz na vida dos seres<br />
criados. E que essa associação não implica em<br />
uma semelhança absoluta, visto que<br />
semelhança é uma relação entre duas coisas; e em<br />
quaisquer duas coisas entre as quais não se<br />
estabelece uma relação, também não há como se<br />
configurar semelhança entre elas; do mesmo<br />
modo, não há relação entre coisas que carecem<br />
de semelhança entre si.<br />
Isto é, não é possível estabelecer uma relação<br />
entre uma cor e uma temperatura ou entre um<br />
som e um gosto, visto que não é possível<br />
depreender que haja entre essas coisas alguma<br />
semelhança da qual pudéssemos inferir alguma<br />
relação. E que «quaisquer duas coisa pertencentes<br />
à mesma espécie […] são necessariamente<br />
semelhantes, mesmo que pertençam a gêneros<br />
diferentes», isto é, Maimônides propõe, na<br />
sequência, o seguinte exemplo: «o grão de<br />
mostarda e a esfera de astros fixos são<br />
semelhantes», não se pretende aqui tratar da<br />
forma como esse filósofo entende o sistema dos<br />
astros celestes, mas qual seja a relação que ele vê<br />
nessa semelhança que propôs. Para ele, a<br />
semelhança entre o “grão de mostarda” e a<br />
“esfera dos astros fixos” reside na semelhança<br />
que há nas três dimensões. Sendo, destarte, uma<br />
relação geométrica, por isso diz que são<br />
semelhantes mesmo pertencendo a gêneros<br />
diferentes.<br />
E segue: «assim, é claro que aquele que acredita<br />
na existência de atributos essenciais aplicáveis ao<br />
Criador […] deve entender que estes não se<br />
relacionam a Ele a nós do mesmo modo». O<br />
termo semelhança aplicado entre nós e Deus é<br />
meramente por polivalência ou polissemia, não<br />
15<br />
por univocidade. Falar de existência em nós e em<br />
Deus não há qualquer tipo de relação porquanto<br />
a definição não é unívoca, mas somente<br />
acomodatícia. Em nós a existência é totalmente<br />
extrínseca, ao passo que em Deus ela é<br />
absolutamente una com a essência.<br />
Atributos negativos<br />
Assim Maimônides abre o capítulo 58 da primeira<br />
parte do Guia dos Perplexos: «saiba que a<br />
verdadeira descrição de Deus ocorre por meio<br />
de atributos negativos». E que, em contrapartida, a<br />
descrição de Deus por meio de atributos<br />
positivos implica polivalência e imperfeição. Por<br />
causa disso, «só se pode descrever a Deus por<br />
meio de negações e não de outra maneira».<br />
Por que razão Maimônides acredita que Deus só<br />
poderá ser perfeitamente descrito através de<br />
atributos negativos? Porque «os atributos<br />
negativos não nos informam coisa alguma da<br />
essência que desejamos conhecer».<br />
Referências bibliográficas<br />
GOIC, Alejandro Goic. Grandes Médicos Humanistas.<br />
Santiago (Chile): Editorial Universitaria S.A., 2004.<br />
(https://books.google.cl/books?<br />
id=adDLrfscrpIC&printsec=frontcover&hl=pt-<br />
BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&<br />
q&f=false, consultado em 27/2/2016.)<br />
IVRY, Alfred L. Strategies of Interpretation in<br />
Maimonides’ “Guide of the Perplexed”, in: Jewish<br />
History. Vol. 6, No. 1/2, The Frank Talmage Memorial<br />
Volume (1992), pp. 113-130. (http://www.jstor.org/<br />
stable/20101124?seq=1#page_scan_tab_contents,<br />
consultado em 27/2/2016.)<br />
MAIMÔNIDES, O guia dos perplexos, parte 1. Tradução<br />
e prefácio Uri Lam. São Paulo: Landy Editora, 2004.<br />
_____, O guia dos perplexos, parte 2. Tradução: Uri<br />
Lam; Prefácio: José Luiz Goldfarb. São Paulo: Landy<br />
Editora, 2003.<br />
_____, Guia de los descarriados. Tradução: Fernando<br />
Valera. México DF: Editorial Orión, 1947.<br />
_____, Dux seu director dubitantium aut perplexorum.<br />
Tradução: Agostino Giustiniani. Paris: Badius Ascensius,<br />
1520.<br />
_____, Rambam – Mishnê Torá – Livro 1: As 613<br />
Mitsvót – Sefer Hamadá 1. Tradução: Yaacov Bande.<br />
São Paulo: Yeshivá Lubavitch e Editora Lubavitch –<br />
Brasil, 2014.<br />
THOMAS AQUINAS, Summa Theologiae. Pompeia:<br />
Paulinas, 1988.