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Revista ABEME

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só um médico ou, se a mulher fosse casada, o seu marido<br />

poderia ajudá-la. O problema era que o tratamento exigia<br />

do médico um esforço repetitivo e tedioso com a mão<br />

que, além de gerar LER (lesão por esforço repetitivo),<br />

era pouco rentável, por ser demorado.<br />

Os médicos estavam desesperados por uma solução,<br />

pois chegavam a ficar até uma hora massageando o clitóris<br />

a fim de alcançar o “paroxismo histérico”. Os consultórios<br />

continuavam enchendo, pois a recomendação era<br />

fazer o tratamento semanalmente. Mulheres solteiras,<br />

viúvas, casadas, e até freiras, eram aconselhadas a procurar<br />

o tratamento. Se por algum motivo não tivessem<br />

acesso a um médico, as alternativas eram andar a cavalo,<br />

balançar na cadeira de balanço, entre outras técnicas<br />

criativas. Porém, nunca se masturbar.<br />

Em 1860, os franceses desenvolveram uma espécie de<br />

ducha que prometia fazer a mulher chegar ao “paroxismo<br />

histérico” em menos de quatro minutos. O problema<br />

era que se tratava de um jato de água mirando direto no<br />

clitóris, com bastante pressão. A máquina era enorme, e<br />

a mangueira parecia a de um bombeiro. A aparelhagem<br />

toda não cabia em um consultório. Os spas que ofereciam<br />

o tratamento poderiam até ter clientes – provavelmente<br />

os que associam a dor ao prazer, uma vez que a<br />

experiência era desagradável e não provocaria “paroxismo<br />

histérico” nenhum. Um chuveirinho toda mulher<br />

aprecia, mas um jato daqueles…<br />

Os médicos estavam determinados a achar um substituto<br />

para as suas mãos machucadas. O “manipulador” foi a<br />

invenção seguinte: uma máquina gigantesca, semelhante<br />

a uma mesa, com uma abertura para a área da vulva e<br />

uma espécie de prótese movida a vapor que massageava<br />

a área. Além de o tamanho ser um problema, a engenhoca<br />

não agradava a todas, por isso os consultórios que<br />

ofereciam o estímulo de forma manual permaneciam<br />

cheios. Em 1880, o primeiro vibrador mecânico foi inventado,<br />

à pilha. Somente os médicos podiam usá-lo e o<br />

trabalho começava a ser menos desgastante fisicamente.<br />

Assim que a eletricidade entrou em campo, vários modelos<br />

de vibradores começaram a surgir, mas indicados<br />

somente para uso médico. O estranho é que se a histeria<br />

não tinha cura, recomendando-se o tratamento pelo estímulo<br />

clitoridiano, por que não permitir que a mulher se<br />

masturbasse? Ainda mais se o tratamento não era considerado<br />

de natureza sexual. Enfim, como a massagem<br />

com a própria mão na vulva não era permitida, em 1902,<br />

a Hamilton Beach, marca de eletrodomésticos famosa<br />

até hoje, fabricou o primeiro vibrador portátil. O aparelho<br />

não era pequeno, mas vinha com várias reposições<br />

para a “cabeça”, oferecendo estímulos diferentes. Isso te<br />

lembra de alguma coisa?<br />

Por alguma razão misteriosa, talvez pelo fato de<br />

não ser mais necessário manipular a genitália<br />

com os dedos ou, quem sabe, por<br />

conta da incrível oportunidade de se<br />

ganhar dinheiro, o vibrador invadiu<br />

o lar das mulheres. Para vocês terem<br />

a noção da demanda, ele foi o quinto<br />

eletrodoméstico colocado no mercado, depois somente<br />

da torradeira, da máquina de costurar, da chaleira e do<br />

ventilador. Aparelhos como aspirador de pó, ferro e fritadeira<br />

só foram eletrificados uma década depois. Amplamente<br />

divulgados em revistas femininas e médicas, que<br />

os respaldava, os vibradores chegaram, finalmente, até<br />

a mulher. Esta ganhou o direito de assumir o seu “tratamento”,<br />

e, lentamente, os médicos deixaram de oferecer<br />

o serviço.<br />

Os primeiros anos devem ter sido maravilhosos: a<br />

mulher não somente podia se “tratar” sozinha como era<br />

altamente incentivada a fazê-lo. Toda revista e todo panfleto<br />

de saúde indicavam o uso do vibrador para acalmar<br />

os nervos. Mas, como tudo que é bom dura pouco,<br />

a invenção do cinema mudo acabou com a festa da<br />

mulherada! Os vibradores tinham sido divulgados para<br />

melhorar o estado de nervos, melhorar a circulação e<br />

trazer novamente o brilho e a vitalidade da mulher. De<br />

repente, a verdade vem à tona nos filmes eróticos, que<br />

demonstravam exatamente o real objetivo do vibrador:<br />

ter prazer e chegar ao orgasmo. Pronto, o vibrador era<br />

desmascarado. O artigo até então mais vendido e que tinha<br />

lugar garantido nos lares mais respeitáveis entrava<br />

na clandestinidade, deixando muita saudade. Quando<br />

imagino a cena de nobres mulheres tendo que jogar fora<br />

os seus fiéis companheiros, penso em um enterro com<br />

milhares de viúvas de preto caindo em pranto! Acham<br />

que estou exagerando? É trágico mesmo, coitadas! Ainda<br />

bem que a gente dá um jeito para tudo. Nas décadas<br />

seguintes, até a revolução sexual, a mulher ousada partiu<br />

para variáveis: duchas, outros eletrodomésticos, e até as<br />

mãos!<br />

O que entendemos dessa história? Pouco sabíamos e<br />

pouco continuamos a saber sobre a sexualidade feminina.<br />

A manipulação do clitóris até o “paroxismo histérico”,<br />

ou seja, o orgasmo, era permitida porque não se<br />

via o clitóris como parte da sexualidade. O estado de<br />

respiração elevada, a contorção do corpo e os gemidos e<br />

gritinhos das mulheres ao alcançar este estado não poderiam<br />

ser vistos como prazer, o que somente aconteceria<br />

através da penetração. Este estado de paroxismo histérico<br />

provocava o alívio temporário das tensões e sintomas<br />

da mulher. A palavra-chave aqui é<br />

temporário, ou seja, depois<br />

de uma ou duas semanas<br />

a mulher voltava<br />

a sofrer de irritação,<br />

impaciência e tudo<br />

que a denominava<br />

uma “histérica”.<br />

<strong>Revista</strong> <strong>ABEME</strong> • 19

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