17.03.2017 Views

Pedagogia da Autonomia - Paulo Freire

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

cínico que leva ao cruzamento dos braços. “Não há o que fazer” é o discurso acomo<strong>da</strong>do que não<br />

podemos aceitar.<br />

O meu respeito de professor à pessoa do educando, à sua curiosi<strong>da</strong>de, à sua timidez, que não<br />

devo agravar com procedimentos inibidores exige de mim o cultivo <strong>da</strong> humil<strong>da</strong>de e <strong>da</strong><br />

tolerância. Como posso respeitar a curiosi<strong>da</strong>de do educando se, carente de humil<strong>da</strong>de e <strong>da</strong> real<br />

compreensão do papel <strong>da</strong> ignorância na busca do saber, temo revelar o meu desconhecimento?<br />

Como ser educador, sobretudo numa perspectiva progressista, sem aprender, com maior ou<br />

menor esforço, a conviver com os diferentes? Como ser educador, se não desenvolvo em mim a<br />

indispensável amorosi<strong>da</strong>de aos educandos com quem me comprometo e ao próprio processo<br />

formador de que sou parte? Não posso desgostar do que faço sob pena de não fazê-lo bem.<br />

Desrespeitado como gente no desprezo a que é relega<strong>da</strong> a prática pe<strong>da</strong>gógica não tenho por que<br />

desamá -la e aos educandos. Não tenho por que exercê-la mal. A minha resposta à ofensa à<br />

educação é a luta política consciente, crítica e organiza<strong>da</strong> contra os ofensores. Aceito até<br />

abandoná-la, cansado, à procura de melhores dias. O que não é possível é, ficando nela, aviltá-la<br />

com o desdém de mim mesmo e dos educandos.<br />

Uma <strong>da</strong>s formas de luta contra o desrespeito dos poderes públicos pela educação, de um lado, é a<br />

nossa recusa a transformar nossa ativi<strong>da</strong>de docente em puro bico, e de outro, a nossa rejeição a<br />

entendê-la e a exercê-la como prática afetiva de “tias e de tios”.<br />

É como profissionais idôneos – na competência que se organiza politicamente está talvez a maior<br />

força dos educadores – que eles e elas devem ver-se a si mesmos e a si mesmas. É neste sentido<br />

que os órgãos de classe deveriam priorizar o empenho de formação permanente dos quadros do<br />

magistério como tarefa altamente política e repensar a eficácia <strong>da</strong>s greves. A questão que se<br />

coloca, obviamente, não é parar de lutar mas, reconhecendo-se que a luta é uma categoria<br />

histórica, reinventar a forma também histórica de lutar.<br />

* Insisto na leitura de Professora, sim. Tia, não. São <strong>Paulo</strong>, Olho d'Água, 1995<br />

2.6 – Ensinar exige apreensão <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de<br />

Outro saber fun<strong>da</strong>mental à experiência educativa é o que diz respeito à sua natureza. Como<br />

professor preciso me mover com clareza na minha prática. Preciso conhecer as diferentes<br />

dimensões que caracterizam a essência <strong>da</strong> prática, o que me pode tornar mais seguro no meu<br />

próprio desempenho.<br />

O melhor ponto de parti<strong>da</strong> para estas reflexões é a inconclusão do ser humano de que se tornou<br />

consciente. Como vimos, aí radica a nossa educabili<strong>da</strong>de bem como a nossa inserção num<br />

permanente movimento de busca em que, curiosos e in<strong>da</strong>gadores, não apenas nos <strong>da</strong>mos conta<br />

<strong>da</strong>s coisas mas também delas podemos ter um conhecimento cabal. A capaci<strong>da</strong>de de aprender,<br />

não apenas para nos a<strong>da</strong>ptar mas sobretudo para transformar a reali<strong>da</strong>de, para nela intervir,<br />

recriando-a, fala de nossa educabili<strong>da</strong>de a um nível distinto do nível do adestramento dos outros<br />

animais ou do cultivo <strong>da</strong>s plantas.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!