20.03.2017 Views

etcétera

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

REGISTRO COMO PALAVRA/IMAGEM<br />

O registro na fotografia parece ocupar um espaço de dissenso, não havendo uma definição<br />

por trás de seus procedimentos. A proposta inicial do registro como linguagem volta-se<br />

nesta etapa apontando para minha produção, que também se insere dentro deste lugar de<br />

possibilidades.<br />

A intenção aqui é aos poucos me adentrar no campo da escrita/imagem a partir da lógica do<br />

registro, fazendo revelar caminhos em que eu possa pisar. Mas palavra e imagem parecem<br />

a priori fazerem parte de universos diferentes. Em um contexto mais generalizante, a<br />

palavra aparece com uma função de legenda da imagem (ou vice e versa), funcionando como<br />

complemento superficial e objetivo no qual não se apontam possibilidades de desvios de<br />

leitura. Na normalidade da relação palavra/imagem, uma reforça e reafirma a objetividade<br />

da outra. Mas o ruído entre uma e outra pode ser gerador de questões mais pertinentes para<br />

uma leitura crítica, quando a escrita ou a imagem operam por desvios. Ana Emília Jung bem<br />

nos lembra que,<br />

Para Maurice Blanchot palavra e imagem têm diferentes lógicas: a visão está calcada dentro<br />

dos limites de um horizonte e supõe uma apreensão do tangível baseada na tradição ocidental<br />

do olhar; a palavra, por sua vez, transgride e desorienta. Esses termos não se referem à palavra<br />

cotidiana, aquela destinada a apontar no mundo e comunicar. A palavra em questão é aquela que<br />

se desvia do caminho preciso e alcança uma ambigüidade (sic) inquietante (JUNG, p. 56, 2008).<br />

Esta diferença, porém, não separa as duas em lugares de isolamento, sendo a intercessão<br />

um ponto crucial para evidenciar complexas relações, geradoras de novas possibilidades de<br />

leitura de uma imagem-escrita.<br />

Segundo reflexão de Jung,<br />

“escrever, não é expor a palavra ao olhar. O jogo da etimologia corrente faz da escrita um corte,<br />

um dilaceramento, uma crise” (JUNG, 2008 apud BLANCHOT, 2001).<br />

Recito esta citação para falar de um trabalho no qual percebo este “corte” evidenciado por<br />

elementos imagéticos que compõem a imagem.<br />

Se a palavra causa este “corte”, nesta proposta (Área Industrial) a sinalização “Área<br />

Industrial” parece duplicar este mesmo corte. A etimologia surge como um operante de<br />

sentidos, sendo contrariada pelas formas geométricas que a invade. A grade faz vazar a<br />

imagem mas nos sugere um impedimento de aproximação, uma crise que nos afronta à<br />

um entendimento pleno da imagem. O registro aqui não se afirma como mero testamento<br />

de uma verdade ou realidade, mas faz mediar contradições, distâncias e assimilações,<br />

provocadas pelo posicionamento de meu corpo no instante da fotografia. Uma “construção”<br />

que se faz no “dentro” (INDU-STRUERE 1 ), sugerida pela própria palavra, abre um leque de<br />

possibilidades de leitura da imagem, colocando-a numa linha de fronteira em que a escrita<br />

não mais reafirma uma objetividade da imagem, mas faz aparecer desvios de sua leitura. A<br />

imagem por sua vez, entrega sua realidade que é prontamente desconstruída pela palavra.<br />

Ao fazer uma leitura crítica do trabalho Words de Robert Frank, Jung comenta que<br />

sem título<br />

_____________________<br />

O volume de uma palavra<br />

é igual ao volume<br />

de um oceano<br />

___________________<br />

título<br />

__________________<br />

CAPITAL<br />

__________________<br />

Esta mediação do olhar pela linguagem, que articula o jogo entre palavra e imagem, também<br />

é presente em uma segunda fotografia (CAPITAL), onde a palavra “CAPITAL”, impressa em<br />

um contêiner, é distanciada pelo muro que a cerca.<br />

Aqui novamente a distância entre imagem e palavra é sugerida pelo posicionamento do corpo<br />

no ato da fotografia, e o elemento de corte (o muro), impede a compreensão completa de um<br />

objeto. A etimologia da palavra CAPITAL 2 também provoca aqui um corte, pois é o limite da<br />

altura do corpo que gera os limites e recortes da imagem. Já na sua abordagem metafórica, a<br />

pergunta que me vêm, é: o que manda aqui, texto ou imagem?<br />

O procedimento de centralização da palavra joga o olhar para um elemento que é tanto visual<br />

quanto linguístico, criando uma tensão constante com o restante da imagem. Este recurso<br />

simples de edição de imagem pode ser análogo à formatação de uma palavra no texto:<br />

Nos dois casos, a ação que gerou o registro se volta para a imagem e imprime nela estes<br />

mesmos gestos. O olhar do espectador completa esta gesticulação a partir da sua própria<br />

condição,<br />

“[...] enquanto a visão distancia e aproxima o visível e o falar desenreda a matéria incessante do<br />

qual somos feitos, a imagem é a que habita a tenra fronteira entre eles, e joga no campo do além<br />

do visível e invisível” (JUNG, 2008).<br />

Outra implicação que se torna interessante como comentário, é a natureza de um texto<br />

em artes visuais, tanto em “sem título” quanto em “título”, minha intenção é explorar a<br />

visualidade da palavra fora de uma imagem, mesmo entendendo que ainda há imagem ali.<br />

Fábio Morais, em sua obra-dissertação, nos pergunta se um texto pode ser lido como obra<br />

de arte visual, pois caminhando dentro do campo da literatura e das artes, a sua escrita é<br />

permeada por termos deste outro campo, e vice-e-versa. Em Site Specific, um Romance, as<br />

palavras são experimentadas por operações de limites, como em casos em que o autor separa<br />

um texto em vogais e consoantes, suprimindo uma interpretação imediata e evidenciando<br />

suas propriedades e chamando esta operação de PLANTA BAIXA. Já em outra página o<br />

título READY¹-MADE² é seguido de um espaço em branco e uma nota de rodapé, onde cada<br />

subscrito corresponde a um comentário, o primeiro a frase em francês “Ceci n’est pas une<br />

littérature” e o segundo um texto de Felix Gonzalez-Torres. Já em ESPAÇO EXPOSITIVO o<br />

autor-artista centraliza no meio da página o alfabeto escrito em minúsculas e separadas as<br />

letras por um espaço simples (como: a b c d e f g…). Todos estes trabalhos são evidentemente<br />

“literários” mas que são sugeridos como obra de artes visuais a partir do emprego de termos<br />

(muito conhecidos) nesta área. Morais também nos questiona, que<br />

“para um texto que não quer ser literatura, mas arte visual, quais são os parâmetros de sua<br />

construção e leitura? Se a narrativa é a natureza da literatura, qual seria de um texto que é arte<br />

visual?” (MORAIS, 2013, p.98).<br />

O procedimento que articula os campos do verbal e do visual nesta imagem joga uma equação<br />

que nega o momento de síntese mantendo suspenso sua realização. Palavra e fotografia se<br />

afetam mutuamente criando um campo miscigenado onde entra em cena, diante do horizonte<br />

abruptamente interrompido, a mediação do olhar pela linguagem (JUNG, 2008, p.59).<br />

1. Indústria, do latim INDUSTRIA, “diligência, operosidade”, formada por INDU-, “em, dentro”, mais STRUERE,<br />

“construir, empilhar”.<br />

2. Do Latim capitalis, “relativo à cabeça”, daí metaforicamente “principal, o que manda”, de CAPUT, “cabeça”.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!