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etcétera

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As primeiras palavras de uma escrita carregam sempre uma certa carga de incerteza.<br />

Iniciamos um processo onde a rica experiência do leitor se entrecruza com um novo<br />

território na qual a sequência de caracteres naquele texto vai dando vazão a novos sentidos,<br />

sugerindo caminhos a se percorrer e colocando num espaço de diálogo jogos de aproximação<br />

e distanciamento.<br />

Aqui, este espaço no qual organizo as palavras em linhas, pode ser visualizado como uma<br />

Pesquisa Acadêmica, onde piso constamentemente em campos duros e estabelecidos. Porém,<br />

minha intenção é de que, neste breve espaço-tempo, possa bagunçar um pouco esta rigidez, e<br />

transformar este termo em outra coisa.<br />

Convido o leitor a organizar sua própria leitura, por isso a escolha de um formato em que<br />

o texto não obedecesse uma linearidade (já estamos, de certa forma, presos na linearidade<br />

da disposição das palavras). No momento em que escrevo esta introdução, não tenho ideia<br />

de qual lugar cada bloco irá ocupar, e acredito que isto reafirma a incerteza, mas num novo<br />

campo, a incerteza como possibilidade contínua do ato de pesquisar.<br />

Eu decidi, até este ponto, não tocar no assunto mesmo da pesquisa, pois há uma razão oculta<br />

na qual eu gostaria de falar, agora. Há uma problemática no qual eu lido, e isso eu acredito<br />

ser importante, que é a forma de escrever sobre algo. Veremos que este algo é a imagem.<br />

Minha intenção, diferente de uma escrita sobre a imagem era escrever com a imagem, e isto<br />

implica em pelo menos uma questão fundamental: se desvia a atenção especial de um algo e<br />

a realoca para um modo.<br />

Se eu escrevo com a imagem, há certos pontos que devo deixar claro: o primeiro deles é da<br />

ordem etimológica e da dimensão fotográfica (fotografia = escrever com a luz), e implica<br />

numa produção imagética que explora a palavra em suas formas; o segundo ponto é a da<br />

pesquisa mesmo, e a forma como eu lido com as questões acadêmicas no esforço de construir<br />

(e desconstruir) caminhos para que tanto uma escrita quanto a outra (fotografia) habitem um<br />

mesmo espaço harmônico (ou desarmônico, na medida em que a contradição seja produtiva),<br />

caminho nos limites das áreas; o último ponto é da ordem de circulação desta pesquisa, já<br />

que minha intenção é escapar dos muros institucionais e atestar minha produção em campos<br />

diversos, e isto resultará na necessidade de ação de movimento entre territórios distintos.<br />

Durante o processo desta pesquisa, adotei algumas preposições que funcionam como uma<br />

espécie de bússola sem pontos pontos cardeais definidos. A presença do meu corpo nas salas<br />

de aula e minha produção acadêmica (comumente chamados de “trabalhos”) foram cruciais<br />

para pensar uma transitoriedade entre diferentes circuitos de produção, especificamente o<br />

da arte e o da instituição acadêmica. A afirmação que me norteou desde o ínicio foi a de que<br />

eu usaria o espaço de produção acadêmica como uma laboratório para minhas práticas, e os<br />

materiais surgidos desta prática seriam, de uma forma ou outra, integradas nesta pesquisa.<br />

Outra informação importante é que este arquivo é dividido em duas formas: a primeira<br />

é linear e segue um formato padronizado acadêmico, seguindo normas de formatação da<br />

instituição; a outra é um material mais espacializado de forma que o conteúdo ocupa<br />

uma folha maior, sendo organizado em blocos, não havendo uma modo linear de leitura,<br />

explorando dobras e justaposições de texto e imagem. Eu o denomino de impresso.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALMEIDA, Juliana Gisi Martins de. 60/70 : as fotografias, os artistas e seus discursos. Curitiba,<br />

Juliana Gisi Martins de Almeida, 2015.<br />

BASBAUM, Ricardo Roclaw. Manual do artista-etc. 1ª ed. Rio de Janeiro : Beco do Azougue, 2013.<br />

JUNG, Ana Emília. Robert Frank e a operação de montagem no campo do olhar. 96 páginas.<br />

Dissertação -- Universidade do Estado de Santa Catarina. Santa Catarina, 2008.<br />

MORAIS, Fabio. Site Specific, um Romance. 120 páginas. Dissertação -- Universidade do Estado<br />

de Santa Catarina. Santa Catarina, 2013.<br />

Esta pesquisa acadêmica é uma publicação que expõe uma produção inserida entre diferentes<br />

campos de atuação: acadêmica e artística. O registro pensado como linguagem é o<br />

procedimento norteador dos processos da escrita e produção dos trabalhos aqui presentes,<br />

que constituem um território em que é compartilhado com outros autores, na construção<br />

de uma rede discursiva. A INTRODUÇÃO expõe os impulsos pessoais e apresenta<br />

questões mais elementares do processo artístico. O primeiro capítulo, REGISTRO COMO<br />

LINGUAGEM é dividido em duas partes: REGISTRO COMO IMAGEM e REGISTRO<br />

COMO PALAVRA/IMAGEM, e opera através da transição do entendimento imagético<br />

e documental da imagem até a experimentação com processos textuais contaminantes nas<br />

estruturas visuais de uma fotografia. Nesta etapa são expostos três trabalhos, no qual dois<br />

deles se apresentam como registros fotográficos e um terceiro no formato de um relato da<br />

exposição Pensar a partir da palavra, realizada em 2014. No final do primeiro capítulo coloco<br />

os gestos e as ações artísticas como geradoras destes registros, sugerindo uma atuação em<br />

diferentes circuitos e a documentação experimental destes processos. O segundo capítulo,<br />

denominado PROCESSOS, é constituído de produções que propõem ações geradoras dos<br />

registros/documentações, e dá continuidade às questões lançadas anteriormente. Esta etapa<br />

é dividida em dois trabalhos: Pensar a partir da palavra (laboratório), realizado no formato<br />

de uma proposição de intervenção com uma palavra a partir de uma caminhada/escuta; Jd.<br />

Esplanada DO IT, um evento fictício na forma de documentação imagética e publicitária,<br />

expondo instruções de artistas.<br />

<strong>etcétera</strong>


CAPITAL


REGISTRO COMO LINGUAGEM<br />

Minha atuação como artista e pesquisadora é aqui entendida como um entrecruzamento<br />

de linhas que passam tanto pela minha produção quanto pela leitura deste material, que<br />

pode ser vista de cima como um olhar externo e ao mesmo dentro num olham processual.<br />

A palavra “registro” será aqui desfiada/desafiada a partir da apresentação e exposição de<br />

propostas que habitam um território específico, constituído de letras, imagens e espaços de<br />

folha. Entendo também a importância de buscar em outras vozes, sentidos que multipliquem<br />

essas leituras e façam surgir novos procedimentos, definidas como referências. Podemos<br />

entender isso como uma expansão territorial, que vai empurrando bordas físicas e ideológicas<br />

das páginas desta pesquisa.<br />

Ricardo Basbaum, ao comentar sobre esta condição de transitoriedade, aponta para o termo<br />

“artista-pesquisador”, pois<br />

“[...] dentro da universidade, o trabalho de arte se transforma em pesquisa e o artista em<br />

pesquisador (BASBAUM, p. 194, 2013)”,<br />

dando origem a esse outro personagem. É neste não-lugar no qual pretendo fazer habitar<br />

minha escrita, a partir da minha atuação de movimento entre essas áreas.<br />

A operação entre texto e imagem, aparece como uma questão elementar dentro do campo do<br />

que penso como Registro. A problemática que aparece aqui é: a escrita é esse movimento/<br />

intensidade, e que é ao mesmo tempo registro desta ação 1 . No contexto dos meus trabalhos<br />

1. No momento em que escrevo esta pesquisa acadêmica, considero como uma ação produtiva, que não difere, em<br />

meu caso, de uma produção fotográfica.<br />

a impressão da palavra tem a mesma importância que uma imagem, e esse entrelaçamento<br />

deve ser melhor desvendado para que fique claro que a escrita desse texto não seja exterior<br />

ao trabalho, assim como veremos adiante na fotografia, que um registro não está também<br />

separado de um processo.<br />

REGISTRO COMO IMAGEM<br />

Entendo a necessidade de um apoio histórico para falar do registro como uma proposição de<br />

linguagem. Para isso fui buscar no livro 60/70: as fotografias, os artistas e seus discursos da<br />

pesquisadora Juliana Gisi Martins de Almeida, um material que me orientasse quanto a essa<br />

questão. Algumas ideias foram coletadas e se mostraram centrais para o entendimento de<br />

como pretendo abordar o registro dentro de meu trabalho. Para a autora,<br />

Pensar a fotografia como registro implica isolar um dos aspectos da problemática maior da sua<br />

relação com a prática artística nas décadas de 1960 e 1970 e aprofundar suas possibilidades de<br />

compreensão a partir de como os artistas abordaram a fotografia em seus discursos quando<br />

falaram sobre seu fazer (GISI, p.121-122, 2015).<br />

A maior problemática desta pesquisa em relação ao registro imagético, é quando sua<br />

utilização de uma forma padrão não dá conta de uma produção artística. Durante o curso<br />

construímos juntos com professores a noção de muitos assuntos específicos e o registro não<br />

escapa de convenções. A minha questão é como e quando o registro passa a ser algo mais, ou<br />

seja, linguagem. Quando fazemos a imagem de um objeto, normalmente a intenção é de criar<br />

um duplo desse mesmo objeto, sendo esta imagem um transporte que aponta para algo do<br />

real, não havendo dúvidas da existência.<br />

Quando associamos a fotografia à objetividade, algumas ideias respectivas são intrinsecamente<br />

agregadas a ela; particularmente: verdade fotográfica, transparência do meio, informação, prova,<br />

documento. Todos termos que localizam a fotografia em um espaço discursivo da Verdade (sic) e<br />

de sua transmissão (GISI, p.122, 2015).<br />

Mas e se nessa imagem algo nos incomoda? Dúvidas surgem naturalmente ao debatermos<br />

constantemente numa superfície opaca, pois sempre somos lembrados dos limites da imagem<br />

e seus elementos constitutivos: presença do fotógrafo, ausência do fotografado, o que está e o<br />

que não está incluído na imagem, sugestões subjetivas, questionamento da linguagem (o que<br />

é isso?). Identifico em alguns de meus trabalhos já realizados, essa problemática do registro<br />

como arte. A princípio são imagens que deveriam servir como um simples testamento<br />

da sua Realização, porém, de alguma maneira passam a ter um corpo próprio, como se a<br />

imagem em si tivesse nela a mesma força do ato Realizado, ou até mesmo tomasse o lugar<br />

do produzido. Para alguns artistas, porém, esta não parece ser uma abordagem legítima para<br />

suas propostas. Como Gisi nos lembra.<br />

[...] para artistas como Marina Abramovic e Ulay a documentação não faz jus à sua experiência,<br />

ela seria parcial e precária para reter adequadamente o evento que registra – a fotografia<br />

mostraria uma aparência, que é um aspecto do trabalho que os próprios artistas nem sempre<br />

reconhecem sua práticas (GISI, p.144, 2015).<br />

Entendo que a fotografia, hoje, pode ser utilizada de diversas formas, e que não há<br />

um modo verdadeiro de utilizá-la.<br />

“As relações que cada artista estabelece com a fotografia são diferentes pois derivam diretamente<br />

de suas práticas artísticas e suas necessidades […]” (GISI, p.145, 2015).<br />

REGISTRO COMO<br />

LINGUAGEM


REGISTRO COMO PALAVRA/IMAGEM<br />

O registro na fotografia parece ocupar um espaço de dissenso, não havendo uma definição<br />

por trás de seus procedimentos. A proposta inicial do registro como linguagem volta-se<br />

nesta etapa apontando para minha produção, que também se insere dentro deste lugar de<br />

possibilidades.<br />

A intenção aqui é aos poucos me adentrar no campo da escrita/imagem a partir da lógica do<br />

registro, fazendo revelar caminhos em que eu possa pisar. Mas palavra e imagem parecem<br />

a priori fazerem parte de universos diferentes. Em um contexto mais generalizante, a<br />

palavra aparece com uma função de legenda da imagem (ou vice e versa), funcionando como<br />

complemento superficial e objetivo no qual não se apontam possibilidades de desvios de<br />

leitura. Na normalidade da relação palavra/imagem, uma reforça e reafirma a objetividade<br />

da outra. Mas o ruído entre uma e outra pode ser gerador de questões mais pertinentes para<br />

uma leitura crítica, quando a escrita ou a imagem operam por desvios. Ana Emília Jung bem<br />

nos lembra que,<br />

Para Maurice Blanchot palavra e imagem têm diferentes lógicas: a visão está calcada dentro<br />

dos limites de um horizonte e supõe uma apreensão do tangível baseada na tradição ocidental<br />

do olhar; a palavra, por sua vez, transgride e desorienta. Esses termos não se referem à palavra<br />

cotidiana, aquela destinada a apontar no mundo e comunicar. A palavra em questão é aquela que<br />

se desvia do caminho preciso e alcança uma ambigüidade (sic) inquietante (JUNG, p. 56, 2008).<br />

Esta diferença, porém, não separa as duas em lugares de isolamento, sendo a intercessão<br />

um ponto crucial para evidenciar complexas relações, geradoras de novas possibilidades de<br />

leitura de uma imagem-escrita.<br />

Segundo reflexão de Jung,<br />

“escrever, não é expor a palavra ao olhar. O jogo da etimologia corrente faz da escrita um corte,<br />

um dilaceramento, uma crise” (JUNG, 2008 apud BLANCHOT, 2001).<br />

Recito esta citação para falar de um trabalho no qual percebo este “corte” evidenciado por<br />

elementos imagéticos que compõem a imagem.<br />

Se a palavra causa este “corte”, nesta proposta (Área Industrial) a sinalização “Área<br />

Industrial” parece duplicar este mesmo corte. A etimologia surge como um operante de<br />

sentidos, sendo contrariada pelas formas geométricas que a invade. A grade faz vazar a<br />

imagem mas nos sugere um impedimento de aproximação, uma crise que nos afronta à<br />

um entendimento pleno da imagem. O registro aqui não se afirma como mero testamento<br />

de uma verdade ou realidade, mas faz mediar contradições, distâncias e assimilações,<br />

provocadas pelo posicionamento de meu corpo no instante da fotografia. Uma “construção”<br />

que se faz no “dentro” (INDU-STRUERE 1 ), sugerida pela própria palavra, abre um leque de<br />

possibilidades de leitura da imagem, colocando-a numa linha de fronteira em que a escrita<br />

não mais reafirma uma objetividade da imagem, mas faz aparecer desvios de sua leitura. A<br />

imagem por sua vez, entrega sua realidade que é prontamente desconstruída pela palavra.<br />

Ao fazer uma leitura crítica do trabalho Words de Robert Frank, Jung comenta que<br />

sem título<br />

_____________________<br />

O volume de uma palavra<br />

é igual ao volume<br />

de um oceano<br />

___________________<br />

título<br />

__________________<br />

CAPITAL<br />

__________________<br />

Esta mediação do olhar pela linguagem, que articula o jogo entre palavra e imagem, também<br />

é presente em uma segunda fotografia (CAPITAL), onde a palavra “CAPITAL”, impressa em<br />

um contêiner, é distanciada pelo muro que a cerca.<br />

Aqui novamente a distância entre imagem e palavra é sugerida pelo posicionamento do corpo<br />

no ato da fotografia, e o elemento de corte (o muro), impede a compreensão completa de um<br />

objeto. A etimologia da palavra CAPITAL 2 também provoca aqui um corte, pois é o limite da<br />

altura do corpo que gera os limites e recortes da imagem. Já na sua abordagem metafórica, a<br />

pergunta que me vêm, é: o que manda aqui, texto ou imagem?<br />

O procedimento de centralização da palavra joga o olhar para um elemento que é tanto visual<br />

quanto linguístico, criando uma tensão constante com o restante da imagem. Este recurso<br />

simples de edição de imagem pode ser análogo à formatação de uma palavra no texto:<br />

Nos dois casos, a ação que gerou o registro se volta para a imagem e imprime nela estes<br />

mesmos gestos. O olhar do espectador completa esta gesticulação a partir da sua própria<br />

condição,<br />

“[...] enquanto a visão distancia e aproxima o visível e o falar desenreda a matéria incessante do<br />

qual somos feitos, a imagem é a que habita a tenra fronteira entre eles, e joga no campo do além<br />

do visível e invisível” (JUNG, 2008).<br />

Outra implicação que se torna interessante como comentário, é a natureza de um texto<br />

em artes visuais, tanto em “sem título” quanto em “título”, minha intenção é explorar a<br />

visualidade da palavra fora de uma imagem, mesmo entendendo que ainda há imagem ali.<br />

Fábio Morais, em sua obra-dissertação, nos pergunta se um texto pode ser lido como obra<br />

de arte visual, pois caminhando dentro do campo da literatura e das artes, a sua escrita é<br />

permeada por termos deste outro campo, e vice-e-versa. Em Site Specific, um Romance, as<br />

palavras são experimentadas por operações de limites, como em casos em que o autor separa<br />

um texto em vogais e consoantes, suprimindo uma interpretação imediata e evidenciando<br />

suas propriedades e chamando esta operação de PLANTA BAIXA. Já em outra página o<br />

título READY¹-MADE² é seguido de um espaço em branco e uma nota de rodapé, onde cada<br />

subscrito corresponde a um comentário, o primeiro a frase em francês “Ceci n’est pas une<br />

littérature” e o segundo um texto de Felix Gonzalez-Torres. Já em ESPAÇO EXPOSITIVO o<br />

autor-artista centraliza no meio da página o alfabeto escrito em minúsculas e separadas as<br />

letras por um espaço simples (como: a b c d e f g…). Todos estes trabalhos são evidentemente<br />

“literários” mas que são sugeridos como obra de artes visuais a partir do emprego de termos<br />

(muito conhecidos) nesta área. Morais também nos questiona, que<br />

“para um texto que não quer ser literatura, mas arte visual, quais são os parâmetros de sua<br />

construção e leitura? Se a narrativa é a natureza da literatura, qual seria de um texto que é arte<br />

visual?” (MORAIS, 2013, p.98).<br />

O procedimento que articula os campos do verbal e do visual nesta imagem joga uma equação<br />

que nega o momento de síntese mantendo suspenso sua realização. Palavra e fotografia se<br />

afetam mutuamente criando um campo miscigenado onde entra em cena, diante do horizonte<br />

abruptamente interrompido, a mediação do olhar pela linguagem (JUNG, 2008, p.59).<br />

1. Indústria, do latim INDUSTRIA, “diligência, operosidade”, formada por INDU-, “em, dentro”, mais STRUERE,<br />

“construir, empilhar”.<br />

2. Do Latim capitalis, “relativo à cabeça”, daí metaforicamente “principal, o que manda”, de CAPUT, “cabeça”.


PROCESSOS<br />

Minha atuação como artista dentro do curso de fotografia me trouxe processos de trabalho<br />

no qual o conceito de registro como linguagem opera dentro de um campo cada vez mais<br />

participativo. O corpo não é apenas um instrumento de documentação, mas passa a ser<br />

parte ativa dentro da estrutura destes processos. A produção da qual eu falo nesta etapa é<br />

aquela atrelada ao modo como atuo dentro de diferentes circuitos, sempre provocando uma<br />

ação para que o registro se insira na função de expandir estas proposição para um campo<br />

imagético e textual. Deste modo, a imagem aqui poderá, paradoxalmente, se alinhar ao<br />

registro convencional, mas veremos prontamente que tais imagens carregam estruturas<br />

muito mais desestabilizadoras no cerne de suas produções, como por exemplo, a ficção como<br />

procedimento.<br />

Se na primeira parte eu penso a escrita como operação de desvio e desestabilização da<br />

imagem, na intenção de expandir o registro para o campo das múltiplas possibilidades de<br />

interpretação e apreensão de um acontecimento, é a partir deste momento em que ações e<br />

proposições serão geradores de um tipo de registro. Ainda, mantendo estas imagens como<br />

superfícies propositivas, ou seja, os trabalhos acontecerão em camadas diversas, tanto<br />

na ação realizada de fato, quanto outras realidades promovidas pelas imagens e textos<br />

produzidos destas ações.<br />

PENSAR A PARTIR DE UMA PALAVRA<br />

Pensar a partir de uma palavra foi um laboratório proposto para o evento Tijucão Cultural<br />

Transborda, em que o participaram alunos do curso de Tecnólogo de Fotografia da<br />

Universidade Tuiuti do Paraná e foi aberto à participação do público por meio de uma<br />

convocatória pública. O registro aqui foi produzido de forma coletiva por dois dos alunos<br />

de fotografia, a partir de uma simples instrução: as imagens deveriam se preocupar menos<br />

em narrar os fatos ocorridos, ou seja, dar ênfase à cortes, enquadramentos e técnicas não<br />

convencionais na intenção de produzir um material em que o registro fosse a linguagem<br />

mesma.<br />

Composto de um grupo bastante eclético, como arquitetos, estudantes de filosofia, fotografia<br />

e artistas visuais, a primeira etapa se concretizou como uma apresentação teórica onde foram<br />

apresentados procedimentos em que a palavra é trabalhada por artistas contemporâneos 1 ,<br />

enfatizando seus desdobramentos no tecido sociocultural e evidenciando atuações micro<br />

e macro políticas destes agentes. Logo, foi proposto um exercício de escuta e observação<br />

do espaço local e seu entorno, identificando especificidades e características, tanto físicas<br />

quanto discursivas, na intenção de tornar visíveis possíveis lugares para uma intervenção.<br />

O grupo finalizou esta etapa escolhendo uma palavra em comum e discutindo as formas de<br />

intervenção com esta palavra.<br />

No segundo dia, um encontro marcado deu início à intervenção: nos dividimos em dois<br />

grupos e nos espalhamos à deriva pelos os andares do edifício Tijucas buscando detalhes,<br />

especificidades, vistas e paisagens que apresentassem uma diferença ou um estranhamento<br />

1. Foram apresentados na ocasião Ricardo Basbaum, Hélio Fervenza e Felix Gonzalez-Torres.<br />

dentro de um prédio com estruturas tão repetidas (já havíamos identificado algumas no dia<br />

anterior, como por exemplo uma campainha ao lado de uma porta que foi toda cimentada).<br />

Após identificar tais lugares, fizemos uma intervenção (de forma quase clandestina) com um<br />

pequeno adesivo transparente em que a palavra |afastamento| 2 estava impressa.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS?<br />

Considerações finais ou conclusões aparecem sempre como uma problemática em uma<br />

pesquisa acadêmica. Afinal, o que se pode concluir? Já que uma pesquisa é impulsionada<br />

e atravessada por questões tão dispersas, e nós, pesquisadores, a reunimos a partir de<br />

impulsos pessoais e nosso contato com o ecossistema acadêmico, organizando estes materiais<br />

e os jogando num campo discursivo sempre suscetíveis a desvios. Durante o tempo desta<br />

pesquisa, transpassei por muitas questões, nas quais muitas foram abandonadas e outras<br />

acolhidas, criando um território onde foram sugeridos muitos caminhos. Os trabalhos<br />

apresentados aqui partiram do movimento de atuar em dois circuitos distintos, tanto o<br />

artístico quanto o acadêmico, na proposição de construir aqui um espaço de interstício em<br />

que os trabalhos habitassem estes dois campos.<br />

No objetivo criar formas de circulação para este trabalho, a pesquisa acadêmica tomará<br />

novas formas, mas não se limitando ao formato impresso. A escrita poderá se expandir para<br />

fora de seus limites e habitando regiões fronteiriças em que meu lugar como artista será<br />

constantemente questionado.<br />

2. |afastamento| é uma palavra de intervenção sutil, um signo em comum para identificar lugares breves e<br />

imperceptíveis no cotidiano de um habitante edificial. É um pequeno adesivo colado estrategicamente em lugares<br />

diferentes, capturando a atenção pela sua repetição. “Afastamento” também é o nome dado aos vãos entre os<br />

edifícios, que têm a utilidade de fazer circular o ar entre os apartamentos.<br />

http://bit.ly/afastamentoselodois<br />

PENSAR A PARTIR<br />

DE UMA PALAVRA


Pensar a partir de uma palavra<br />

O organismo artístico Selo Dois convida a todas e todos a participar de um<br />

laboratório de intervenção nos espaços abertos em ocasião do evento Tijucão Cultural. Em<br />

um processo do fazer/pensar, tomaremos o espaço físico local como gerador de discursos e<br />

agiremos sobre ele através da palavra e suas possibilidades interventivas. Como forma de<br />

criar um material fílmico desta ação, participarão do projeto alunos do curso de Tecnologia<br />

em Fotografia da Universidade Tuiuti do Paraná, compondo a equipe técnica como também<br />

participando da oficina junto com o público.<br />

(obs: por razões operacionais, as vagas serão limitadas para 6 participantes, para isto<br />

fizemos um breve formulário de inscrição, disponível no link: https://form.jotformz.<br />

com/63076023937659).<br />

|afastamento|<br />

A ação será dividida em 3 etapas e acontecerá durante 2 dias:<br />

Primeira etapa -<br />

Aula teórica onde serão apresentados procedimentos onde a palavra é trabalhada<br />

por artistas contemporâneos, enfatizando seus desdobramentos no tecido sociocultural<br />

e evidenciando atuações micro e macro políticas destes agentes. Logo, será proposto um<br />

exercício de escuta e observação do espaço local e seu entorno, identificando especificidades<br />

e características, tanto físicas quanto discursivas, na intenção de tornar visíveis possíveis<br />

lugares para uma intervenção. O grupo finaliza esta etapa escolhendo uma palavra em<br />

comum.<br />

Segunda etapa -<br />

Consiste em ações produtivas e interventivas desenvolvidas a partir de uma palavra,<br />

envolvendo o grupo no engajamento coletivo de transformação nos discursos do espaço. Os<br />

materiais disponíveis e escolhidos pelo grupo como meio de intervenção serão desenvolvidos<br />

e manejados pelo próprio coletivo, provocando uma ação concreta nascida das discussões<br />

geradas na primeira etapa.<br />

Terceira etapa -<br />

A última etapa será um espaço de diálogo com os habitantes locais, envolvendo a<br />

micro-comunidade nas discussões geradas pelo laboratório. No formato de fala aberta e<br />

mediado pelos proponentes, todos serão convidados a expor suas opiniões e pontos de vista,<br />

a partir da intervenção gerada na segunda etapa.


JARDIM ESPLANADA DO IT<br />

instrução #4<br />

JORGE MACCHI [ M-013A ]<br />

Sem Título - 2002<br />

Envie uma carta de ameaça para si mesmo tentando esconder sua<br />

identidade.<br />

instrução #3<br />

CESARE PIETROUSTI [ P-003A ]<br />

Sem Título - Sem Data<br />

Existe algo em que você acredita que certamente não é arte?<br />

Se sim, por favor nos envie uma imagem disso, ou uma descrição.<br />

O segundo trabalho apresentado aqui como uma forma de registro-linguagem foi pensado<br />

a partir de um evento ficcional, e se (ir)realizou no ato do registro. Ao pensar meu papel<br />

como artista-pesquisadora, me pareceu bem vinda a ideia de simular um acontecimento nos<br />

entornos da minha residência. A ideia era simples: como a comunidade local se moveria em<br />

função de uma exposição de artistas internacionais que acontecesse ao lado de suas casas?<br />

Seria possível despertar seus interesses e o colocá-los em um outro circuito, diferente dos<br />

quais eles estavam acostumados?<br />

O trabalho consistiu em executar instruções de artistas a partir da iniciativa DO IT 1 no<br />

bosque do Jardim Esplanada no bairro do Seminário em Curitiba-PR. Importante lembrar<br />

também que este trabalho-evento aconteceu durante o segundo semestre do curso de<br />

Fotografia como proposta disciplina de Fotojornalismo dado pelo professor Daniel, ou seja,<br />

ela nasce de uma proposta acadêmica, mas que extrapola seus limites e passa a habitar um<br />

outro circuito.<br />

Neste artigo o evento é uma espécie de ficção que se cria a partir da participação do<br />

público, mas que tipo de participação? Entendo que é a partir do registro que se instauram<br />

posicionamentos e relações com uma realidade, estendendo a proposta para um outro<br />

público: o leitor.<br />

1. DO IT é uma proposta do curador suíço Hans Ulrich Obrist, que consiste em uma coleção de instruções de<br />

artistas, na qual qualquer um pode fazer. A exposição DO IT nasceu desta coleção e o curador propõe para que<br />

qualquer pessoa possa executar uma exposição DO IT (com a condição de que o propositor envie fotos para o site<br />

http://projects.e-flux.com/do_it/homepage/do_it_home.html).<br />

instrução #2<br />

MINERVA CUEVAS [ C-004A ]<br />

Obras Públicas - 2002<br />

O objetivo deste projeto é engajar o público em problemas evidentes da paisagem<br />

urbana, buscando sua intervenção como um trabalhador civil que deve revelar elementos<br />

disfuncionais presentes na cidade, iniciando uma reparação, conclusão, expansão ou<br />

modernização de obras públicas, especificamente não como um gesto, mas como uma<br />

intervenção urbana permanente que toma vantagem da fácil sobreposição de campos em<br />

que cada prática artística pode provocar mudança. Nós antecipamos uma dilema ético em<br />

termos de reversibilidade das condições em que o projeto original DO IT demanda.<br />

Este projeto requer que zonas disfuncionais, elementos ou situações evidentes em uma área<br />

de 1 quilômetro quadro sejam identificadas e endereçadas.<br />

Algumas obras públicas que geralmente requerem uma intervenção incluem:<br />

instrução #1<br />

STEVE KALTENBACH [ K-010A ]<br />

Sem Título- 1969<br />

Comece um rumor.<br />

Repavimentação<br />

Reflorestamento<br />

Limpeza<br />

Expansão/sinalização de zonas de pedestres<br />

Sinalizações de asfalto<br />

Iluminação<br />

JD. ESPLANADA<br />

DO IT


instrução #5<br />

FRANCISCO J. VARELA[ CLB_CV001 ]<br />

Sem título - Sem data<br />

Faça uma pergunta para si mesmo, qualquer pergunta.<br />

Em quatro palavras ou menos, não mais que isso.<br />

Agora:<br />

respire<br />

expire<br />

respire<br />

expire<br />

respire<br />

expire<br />

respire<br />

expire<br />

respire<br />

expire<br />

respire<br />

expire<br />

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