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COMPORTAMENTO<br />
| Por Márcia Fabiana<br />
DIVERSIDADE X TRABALHO<br />
Trans e travestis têm dificuldades de ingressar no<br />
mercado formal de trabalho. Qualificação<br />
profissional ainda é um desafio<br />
Assim que completou o Ensino Fundamental, Cristiane<br />
Beatriz saiu de sua cidade natal, Firminópolis (a 110<br />
quilômetros da capital), para estudar em Goiânia. Os planos<br />
eram concluir o Ensino Médio, arrumar uma boa colação<br />
profissional, cursar uma faculdade e seguir a vida.<br />
Contudo, muito se mudou nos planos. A começar pelo<br />
grande passo que Cristiane deu que foi fazer a redesignação<br />
sexual (cirurgia de mudança de sexo, realizada aos<br />
30 anos de idade). O processo de entendimento, que ela<br />
compreendeu que seu gênero feminino não era compatível<br />
com o corpo que possuía, começou cedo, desde a infância.<br />
Dentro do aprendizado sexualizador, antes mesmo da cirurgia,<br />
Cris, como é carinhosamente conhecida, sai de casa<br />
para morar só (com 22) e encara a realidade que o mercado<br />
de trabalho é restrito para a inserção dos transexuais e<br />
travestis no mercado de trabalho.<br />
Para defender o pão nosso de cada dia, Cris fez a via-crúcis<br />
de quem procura um emprego: distribuir currículos,<br />
bater de porta em porta nos estabelecimentos comerciais,<br />
ir a um posto do Sistema Nacional de Emprego (Sine),<br />
para enfrentar uma triagem. “Foi muito difícil, pois no meu<br />
processo de androgenia (no caso dela- transição do masculino<br />
para o feminino), as pessoas não entediam bem o quem<br />
eu era. Acredito que houve uma rejeição, uma resistência.<br />
Mas não desisti. Contei apenas com minha própria força de<br />
vontade para me inserir no mercado formal de trabalho”,<br />
conta.<br />
Contudo, apesar das dificuldades, Cris foi contratada em<br />
um salão de beleza. Aproveitou a chance que o patrão<br />
lhe deu, cresceu profissionalmente e alçou outros voos.<br />
Trabalhou como caixa de um supermercado, em seguida<br />
em telemarketing e atualmente é educadora social, desde<br />
2003, na Ong Fórum de Transexuais de Goiás, que foi<br />
criada, inicialmente, com missão de acompanhar o pré e<br />
pós-operatório da cirurgia de redesignação sexual no Hospital<br />
da Clínicas. Atualmente, a instituição ampliou o atendimento<br />
e também oferece assistência para quem deseja<br />
alterar o nome social, a retificação do nome nos registro<br />
oficiais, luta pela garantia do direito à cirurgia, participa da<br />
construção de políticas públicas, além de exercer o papel de<br />
multiplicador de informações à comunidade.<br />
A educadora social diz que um dos fatores que mais<br />
desestimula a busca de emprego, no mercado formal, pela<br />
população é a discriminação. Cris conta que são inúmeros<br />
os casos em que o entrevistador, ao se deparar com uma<br />
trans ou travesti e identifica que os documentos têm um<br />
nome masculino, encaminha a pessoa para uma vaga masculina.<br />
“A sociedade precisa se sensibilizar e se atentar<br />
para as características femininas. Ainda não há aceitabilidade<br />
que uma trans que busca uma vaga de emprego, tem<br />
competência para trabalhar. O que pedimos é que seja respeitada<br />
a capacidade profissional e não se levar em conta<br />
que o estereotipo feminino significa o mesmo que incompetência.<br />
O preconceito desestimula muito”, lamenta.<br />
PROSTITUIÇÃO<br />
Um dos grandes obstáculos que precisa ser derrubado para<br />
se conseguir uma colocação de emprego para os transexuais<br />
e travestis é a qualificação profissional. A não aceitação<br />
familiar, (muitos saem de casa ainda jovens e o despreparo<br />
da tradicional educação brasileira em trabalhar a diversidade<br />
e de evitar o bullying), fazem com que muitos transexuais<br />
deixem as salas de aulas precocemente. A soma da<br />
baixa escolaridade com os preconceitos sociais tornam-se<br />
barreiras para a empregabilidade. O resultado é a forte presença<br />
de transexuais na informalidade e na prostituição.<br />
Estimativas da Associação Nacional de Travestis e Transexuais<br />
(Antra) apontam que apenas 10% do grupo trabalham<br />
registrados.<br />
Para Cris, a rua infelizmente é um dos mercados que mais<br />
tem porta abertas para a<br />
população trans e travesti<br />
trabalharem. Como o trabalho<br />
formal é fechado,<br />
pois tem muito preconceito<br />
e discriminação em<br />
relação à comunidade,<br />
a exploração da prostituição<br />
é muito comum,<br />
principalmente no caso<br />
de jovens que são expulsos<br />
de casa de forma<br />
muito cedo. Porém, “a<br />
sociedade também impõe<br />
um conceito que quando<br />
se trata de travesti ou transexual<br />
já se pressupõe que<br />
a pessoa seja uma profissional<br />
do sexo”. Mas, ela<br />
é otimista em dizer que<br />
já se vive uma outra realidade.<br />
“Hoje há trans e<br />
Para Beth Fernandes, psicóloga trans,<br />
mestre em saúde mental pela Unicamp<br />
e fundadora da Ong Fórum de<br />
Transexuais de Goiás, a prostituição<br />
é um emprego nomal, mas não deve<br />
ser a única opção de trabalho para<br />
trans e travestis<br />
travestis formadas no mercado<br />
de trabalho. Ainda é<br />
pequena a inserção, mas<br />
é uma mudança. Ser costureira,<br />
prostituta e cabeleireira<br />
deixaram de ser as<br />
únicas opções de empregos<br />
para os dois grupos”, anima-se.<br />
Mas como fugir da prostituição?<br />
É necessária a<br />
fuga? Para a psicóloga<br />
trans, mestre em saúde<br />
mental pela Unicamp e<br />
fundadora da Ong Fórum<br />
de Transexuais de Goiás,<br />
Beth Fernandes, a fuga não<br />
é o mais importante, que<br />
não se deve fugir da prostituição,<br />
mas sim do perigos<br />
como violência, drogas e doenças sexuais que são os riscos<br />
da profissão. A especialista acredita que cada um faz sua<br />
escolha, que o livre arbítrio deve ser respeitado. “Se a pessoa<br />
não tem problema em vender a parte do corpo, gosta e<br />
se dá bem com a escolha, tem que ser levado em consideração”,<br />
analisa.<br />
Para a psicóloga, a prostituição é um emprego normal,<br />
porque não é errado. Mas, não deve ser uma única opção de<br />
trabalho para essa população. Segundo Beth, há quem está<br />
na área porque gosta de trabalhar no meio, porque é rentável.<br />
“Contudo, há meninas que não nasceram para prostituição.<br />
Então, para elas, tem que haver opções no mercado de trabalho<br />
que não seja só a rua. A vida na rua não é fácil e não<br />
é para qualquer uma”, pondera.<br />
A especialista ainda conclui que a prostituição já foi o único<br />
caminho para as trans, por falta de opção no mercado de<br />
trabalho. E essa mudança deve ocorrer, e vem ocorrendo,<br />
por meio da qualificação profissional, pela educação. “Mas<br />
é evidente que há grandes dificuldades quando a pessoa foi<br />
expulsa de casa e que ainda não terminou o ensino médio.<br />
Essa dura realidade deve ser repensada para que possam<br />
ter oportunidades de competição no mercado de trabalho<br />
de forma mais justa”, diz.<br />
Beth acredita que a prostituição não deva ser pensada<br />
como algo sobrenatural ou fim do mundo. Para ela, é uma<br />
profissão como outra qualquer. “Eu por exemplo trabalho<br />
com o intelecto, com o cuidado com o humano, ajudo vidas.<br />
Quem está na prostituição oferece o prazer sexual, o<br />
prazer efêmero. A prostituição não deve ser vista como uma<br />
ação apenas do submundo. Há quem a exerça pelo simples<br />
prazer de gostar da atividade”, frisa.<br />
Segundo Beth, ser trans e está no mercado de trabalho é<br />
muito difícil, pois o preconceito fala alto. A área que mais<br />
emprega é o telemarketing, porque “pode fazer a voz fina,<br />
sensual, gostosa, mas ninguém vai vê-la, está escondida<br />
e o cliente não saberá que tem um nome masculino nos<br />
documentos. Conheço muitos profissionais extremamente<br />
qualificadas e estão em subempregos por terem uma identidade<br />
de gênero- de ser travesti ou transexual- e que não<br />
são aceitas”, lamenta.<br />
Beth conta que nunca pensou na prostituição, o sexo como<br />
a forma de comércio. “Mas que faria sem problemas.<br />
Porém, não é o meu campo. Eu gosto de estudar”, conta. E<br />
complementa: “escolhi a psicologia como profissão. Optei<br />
pela militância em 1987 e atuava e atuo com o movimento<br />
feminista de mulheres. A minha existência é uma militância,<br />
de lutar pelos direitos, de abordar quem eu sou. Na época,<br />
1987, falar que eu era mulher, sem ao menos discutir o que<br />
era cirurgia e transexualidade era uma luta de existência.<br />
Tive uma família que me deu a mão e me ajudou. Até hoje<br />
visto roupa da minha mãe, troco peças com ela, pego bolsa<br />
e sapatos emprestados, ela me presenteia. Minha relação é<br />
maravilhosa. Quando a trans não tem o apoio da família,<br />
dentro de casa, pode ter certeza que buscará na rua”, afirma.<br />
NOME<br />
Assim como o <strong>In</strong>stituto Brasileiro de Geografia e Estatística<br />
(IBGE), não sabe quantificar os transexuais e travestis<br />
brasileiros, e as delegacias não conseguem separar crimes<br />
de transfobia (ódio as pessoas transexuais e travestis), da<br />
agressão comum, também não há nenhum dado da escolaridade.<br />
Os desafios ainda são muitos. Sem números, a<br />
invisibilidade é uma realidade. “Uma escola inclusiva é um<br />
passo importante e urgente”, defende Reinaldo Bugarelli,<br />
secretário executivo do Fórum de Empresas e Direitos<br />
LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis, Transexuais<br />
e Transgêneros).<br />
Com 12 milhões de desempregados no Brasil, segundo dados<br />
do IBGE, a preocupação com a formação profissional<br />
dos grupos minoritários fica ainda mais latente. “Existe preconceito<br />
ao grupo trans mesmo com qualificação. Sem formação,<br />
a situação fica pior e, infelizmente, a maioria não<br />
tem qualificação. Para pensar em empregabilidade, tem que<br />
começar desde a inclusão na sala de aula, permanência, inclusão<br />
em cursos profissionalizantes e depois no mercado<br />
de trabalho”, defende Symmy Larrat, coordenadora-geral de<br />
promoção dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis<br />
e transexuais da Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da<br />
Presidência da República.<br />
Além da evasão escolar, e naturalmente da falta de qualificação<br />
profissional, a educadora social Cristiane Beatriz ainda<br />
cita que a falta de retificação do registro nos documentos<br />
oficiais também é um grande obstáculo para se conseguir<br />
uma vaga de emprego, pois<br />
o confronto com o nome no<br />
registro com as características<br />
pessoais gera dúvida no<br />
entrevistador, que já associa<br />
que uma trans é profissional<br />
do sexo. “Por isso se luta<br />
para a implantação da Lei<br />
de Retificação de Registro,<br />
pois o nome social ajuda<br />
muito, mas já não contenta,<br />
visto que na área<br />
profissional o nome social<br />
já não resolve, pois o entrevistado<br />
ao se deparar com uma<br />
pessoa com características<br />
femininas e no documento está<br />
o nome masculino, prejulga a<br />
pessoa”.<br />
Cristiane Beatriz, educadora<br />
Lion Marcos Silva, assistente social,<br />
social, participa do Miss “T”<br />
diz que o mercado de trabalho é<br />
Brasil em 2012, no Rio de Janeiro<br />
competitivo e muito cruel, mesmo<br />
e se classifica entre as 10 finalistas<br />
que uma pessoa trans seja formada<br />
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