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II Simpósio- artigos agrupados Editado ate pagina 1035

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JOÃO BATISTA BOTTENTUIT JUNIOR<br />

LUCIANO DA SILVA FAÇANHA<br />

(ORGANIZADORES)<br />

Anais do <strong>II</strong> <strong>Simpósio</strong><br />

InternacionalInterdisciplinarem Cultura e<br />

Sociedade do PGCult<br />

(<strong>II</strong> S<strong>II</strong>CS – 2017)<br />

9,10 e 11 de outubro – Universidade Federal do Maranhão – UFMA<br />

ISSN:2447-6439<br />

São Luís<br />

2018<br />

Copyright © 2018 by EDUFMA


UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO<br />

Profa. Dra. Nair Portela Silva Coutinho<br />

Reitora<br />

Prof. Dr. Fernando Carvalho Silva<br />

Vice-Reitor<br />

PRÓ-REITOR DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO<br />

Prof. Dr. Allan Kardec Duailibe Barros Filho<br />

DIRETOR DO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS<br />

Prof. Dr. Francisco Sousa<br />

COORDENADOR DO PGCult<br />

Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha<br />

VICE-COORDENADORA DO PGCult<br />

Profª Drª Conceição de Maria Belfort Carvalho<br />

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO<br />

Prof. Dr. Sanatiel de Jesus Pereira<br />

Diretor<br />

CONSELHO EDITORIAL<br />

Prof. Dr. Jardel Oliveira Santos / Profa. Dra. Michele Goulart Massuchin<br />

Prof. Dr. Jadir Machado Lessa / Profa. Dra. Francisca das Chagas Silva Lima<br />

Bibliotecária Tatiana Cotrim Serra Freire / Profa. Dra. Maria Mary Ferreira<br />

Profa. Dra. Raquel Gomes Noronha / Prof. Dr. Ítalo Domingos Santirocchi<br />

Prof. Me. Cristiano Leonardo de Alan Kardec Capovilla Luz<br />

ORGANIZADOR GERAL<br />

Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha<br />

PROPONENTE<br />

Prof. Dr. João Batista Bottentuit Junior


COMISSÃO CIENTÍFICA<br />

Profª Drª Custódia Alexandra Almeida Martins (Universidade do Minho – Instituto de Educação<br />

e Psicologia – Portugal);<br />

Profª Drª Clara Maria Gil Ferreira Pereira Coutinho (Universidade do Minho – Instituto de<br />

Educação – Portugal);<br />

Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha – Coordenador do PGCult;<br />

Profª Drª Conceição de Maria Belfort de Carvalho – Vice-Coordenadora do PGCult;<br />

Prof. Dr. Ricieri Carlini Zorzal – Professor Permanente do PGCult<br />

Profª Drª Klautenys Dellene Guedes Cutrim – Professora Permanente do PGCult<br />

Profª Drª Larissa Lacerda Menendez – Professora Permanente do PGCult<br />

Profª Drª Sandra Maria Nascimento Sousa – Professora Permanente do PGCult<br />

Profª Drª Thelma Helena Costa Chahini – Professora Permanente do PGCult<br />

COMISSÃO ORGANIZADORA<br />

Prof. Dr. Antonio Cordeiro Feitosa<br />

Profª Drª Conceição de Maria Belfort Carvalho<br />

Prof. Dr. João Batista Bottentuit Junior - PROPONENTE<br />

Prof. Dr. José Ribamar Ferreira Júnior<br />

Profª Drª Klautenys Dellene Guedes Cutrim<br />

Profª Drª Larissa Lacerda Menendez<br />

Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha – ORGANIZADOR GERAL<br />

Profª Drª Márcia Manir Miguel Feitosa<br />

Profª Drª Mônica Teresa Costa Sousa<br />

Profª Drª Sannya Fernanda Nunes Rodrigues<br />

Profª Drª Zilmara de Jesus Viana de Carvalho<br />

REPRESENTANTE DISCENTE DA MONITORIA<br />

Elayne de Araujo Pereira<br />

PESSOAL TÉCNICO-ADMINISTRATIVO E EXECUÇÃO<br />

Adriana Silva Sales / Francy Werley Penha da Silva / Roberto Araújo/Ana Lúcia Alves De Aguiar


REALIZAÇÃO<br />

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA E SOCIEDADE – PGCult-UFMA<br />

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA E DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO DO ESTADO DO<br />

MARANHÃO – FAPEMA<br />

APOIO<br />

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO – UFMA<br />

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CCH<br />

FICHA TÉCNICA<br />

CAPA<br />

Francy Werley Penha da Silva<br />

PREPARAÇÃO DOS ORIGINAIS<br />

João Batista Bottentuit Junior<br />

Luciano da Silva Façanha<br />

DIAGRAMAÇÃO<br />

Kayo Elmano da Costa Ponte Galvão<br />

Luciano da Silva Façanha<br />

Sansão Hortegal Neto<br />

CATALOGAÇÃO DE DADOS: INSCRIÇÕES E MINICURSOS<br />

João Batista Bottentuit Junior<br />

Luciano da Silva Façanha<br />

REVISÃO<br />

Luciano da Silva Façanha<br />

Ana Lúcia Alves De Aguiar


Homepage: https://pgcultufma.wixsite.com/2siics<br />

WEB DESIGNER<br />

Sansão Hortegal Neto<br />

PROJETO GRÁFICO E ARTÍSTICO<br />

Francy Werley Penha da Silva<br />

Sansão Hortegal Neto<br />

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)<br />

S612a<br />

<strong>Simpósio</strong> Internacional Interdisciplinar em Cultura e Sociedade do Programa de Pós-Graduação em Cultura e<br />

Sociedade – PGCult/UFMA (10.:2017: São Luís, MA).<br />

Anais [recurso eletrônico] do <strong>II</strong> <strong>Simpósio</strong> Internacional Interdisciplinar em Cultura e Sociedade do PGCult/UFMA<br />

/ João Batista Bottentuit Junior e Luciano da Silva Façanha (Organizadores). – São Luís: EDUFMA, 2018.<br />

1.814 p.<br />

ISSN: 2447-6439<br />

1.Pesquisa. 2. Internacional. 3. Interdisciplinaridade. 4. Cultura. 5. Sociedade. 6. Universidade Federal do<br />

Maranhão. I. Bottentuit Junior, João Batista. <strong>II</strong>. Façanha, Luciano da Silva. <strong>II</strong>I. Título.<br />

CDD 371.33<br />

CDU 37:6


SUMÁRIO<br />

TRABALHOS COMPLETO<br />

EIXO 1....................................................................................................................... 14<br />

Arte, Tecnologia e Educação .......................................................................................... 14<br />

A BIBLIOTECA E A INFORMAÇÃO ORGANIZADA EM MULTIMEIOS: diretrizes para a<br />

descrição da gravação de som conforme o capítulo 6 do AACR2 .................................. 15<br />

A EFETIVAÇÃO DO SISTEMA EDUCACIONAL INCLUSIVO PELA VIA JUDICIAL ................. 35<br />

A LEI DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A INTEGRAÇÃO CIDADÃ DOS POVOS INDÍGENAS .. 52<br />

A MEDIAÇÃO DIDÁTICA DE CAMPOS INTERDISCIPLINARES ATRAVÉS DO USO DE<br />

TECNOLOGIAS INTERATIVAS ........................................................................................... 82<br />

THE DIDACTIC MEDIATION OF INTERDISCIPLINARY FIELDS THROUGH THE USE OF<br />

INTERACTIVE TECHNOLOGIES ......................................................................................... 82<br />

A NEUROCIÊNCIA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL ........................................ 104<br />

A PRÁXIS-EDUCATIVA ROUSSEAUNIA E O ENSINO DE FILOSOFIA ............................... 123<br />

A PURIFICAÇÃO ATRAVÉS DO DESPERTAR ESTÉTICO E A ADMINISTRAÇÃO TOTAL DA<br />

MORTE: uma leitura sobre o documentário “Arquitetura da Destruição” .................. 138<br />

A QUALIFICAÇÃO DOCENTE NO CONTEXTO DA INCLUSÃO ......................................... 154<br />

A RELAÇÃO DA PRODUÇÃO ARTESANAL COM AS HISTÓRIAS DE VIDA DAS MULHERES<br />

QUE BORDAM EM SÃO JOÃO DOS PATOS – MA. ......................................................... 169<br />

A RELEVÂNCIA DA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA DESDE A EDUCAÇÃO<br />

INFANTIL ....................................................................................................................... 187<br />

A RELEVÂNCIA DA SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS PARA O PROCESSO ENSINO-<br />

APRENDIZAGEM DE DISCENTES CONSIDERADOSPÚBLICO ALVO DA EDUCAÇÃO<br />

ESPECIAL ....................................................................................................................... 204<br />

A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA AFRO-BRASILEIRA COMO FERRAMENTA PARA A<br />

PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL ................................... 228<br />

6


ARTE E ESTÉTICA INDÍGENA NO MARANHÃO: povos Canela Ramkamkomekrá e<br />

Apanyekrá ..................................................................................................................... 241<br />

ARTE E ESTÉTICA INDÍGENA NO MARANHÃO: povos Ka’apor ..................................... 252<br />

ARTESÃS CRIATIVAS: processo de criação de biojoias. ................................................ 259<br />

COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA: as Narrativas Hipertextuais como<br />

ferramenta pedagógica no ensino de jornalismo ........................................................ 281<br />

DE AGUIRRE A KARAMAKATE: uma leitura decolonial no cinema latino americano<br />

contemporâneo ............................................................................................................ 305<br />

DE VENTO EM POPA: práticas e saberes tradicionais da carpintaria naval artesanal de<br />

São João de Côrtes, Alcântara – MA ............................................................................. 321<br />

DISCURSOS DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA SOBRE O TEMA ‘CORPO HUMANO’<br />

...................................................................................................................................... 341<br />

DISCURSOS SOBRE O CORPO HUMANO EM LIVROS DIDÁTICOS DE BIOLOGIA DO<br />

ENSINO MÉDIO ............................................................................................................. 383<br />

EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: integração e assimilação ......................................... 402<br />

EJA: os desafios encontrados e a importância da modalidade para os educandos. .... 419<br />

ENSINO DE HISTÓRIA NA EJA: a importância da relação entre os conteúdos e as<br />

experiências dos alunos para a aprendizagem............................................................. 430<br />

ESTEREÓTIPOS ÉTNICO-RACIAIS, EDUCAÇÃO INFANTIL E TRABALHO DOCENTE: do<br />

discurso à ação ............................................................................................................. 440<br />

ESTEREÓTIPOS ÉTNICO-RACIAIS, TECNOLOGIAS E TRABALHO DOCENTE – o imaginário<br />

do negro na educação infantil ...................................................................................... 466<br />

ESTÉTICA E FILOSOFIA: a arte como celebração da verdade em Gadamer ................. 488<br />

FORMAÇÃO CONTINUADA E PRÁTICA DOCENTE: o CEEI em cena .............................. 495<br />

FOTOGRAFIA: A singularidade no olhar fotográfico do imagético social de Márcio<br />

Vasconcelos .................................................................................................................. 507<br />

FRUTA RARA: identidade visual do projeto Artesanato no Maracanã. ........................ 537<br />

7


INCLUSÃO DIGITAL: Uma análise do processo de formação de cursos técnicos em EAD<br />

...................................................................................................................................... 565<br />

MEIO AMBIENTE: cuidados, preservação e sustentabilidade. ..................................... 575<br />

O ÁUDIO 3D COMO ELEMENTO PARA PRÁTICAS EDUCACIONAIS ............................... 583<br />

O DESAFIO DO PROFESSOR: ensino significativo e construtivo nas aulas de filosofia<br />

como reconstrução de uma nova identidade educativa na prática docente. ............. 600<br />

O DIREITO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA AO MERCADO DE TRABALHO FORMAL . 616<br />

O ENSINO DE FILOSOFIA: a pergunta como elemento para a construção do diálogo<br />

filosófico ....................................................................................................................... 645<br />

O ENSINO DE PORTUGUÊS BRASILEIRO COMO LÍNGUA DE HERANÇA E O EMBATE<br />

ENTRE LÍNGUA COLONIZADA E LÍNGUA FLUIDA .......................................................... 667<br />

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO TAMBOR DE CRIOULA NA INFANCIA MARANHENSE<br />

...................................................................................................................................... 680<br />

O INVESTIMENTO NO CAPITAL INTELECTUAL PELA EDUCAÇÃO CORPORATIVA PARA<br />

FORMAÇÃO DE DIFERENCIAIS COMPETITIVOS EM UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO<br />

SUPERIOR EM SÃO LUIS ................................................................................................ 708<br />

O USO DA NARRATIVA E DAS TIC NA SALA DE AULA: novos passos para uma educação<br />

filosófica ........................................................................................................................ 727<br />

O USO DO WHATSAPP COMO UM RECURSO PEDAGÓGICO PARA O<br />

DESENVOLVIMENTO DO SUJEITO AUTÔNOMO ........................................................... 746<br />

OS IMPACTOS DO PIBID NA FORMAÇÃO INICIAL DOS EGRESSOS DOS CURSOS DE<br />

LICENCIATURA DO CCBS/UFMA: breves respostas dos egressos ................................. 762<br />

PERCEPTION ABOUT IMPORTANCE OF THE CIENTIFIC RESEARCH FOR FORMATION AND<br />

CONSTRUCTION OF KNOWLEDGE IN UFMA, CAMPUS BACANGA ............................... 776<br />

PERCEPÇÕES DE DISCENTES COM DEFICIÊNCIA EM RELAÇÃO À ATUAÇÃO DO NÚCLEO<br />

DE ACESSIBILIDADE DA UFMA ...................................................................................... 807<br />

8


PERCEPÇÕES DE FAMILIARES EM RELAÇÃO AO PROCESSO DE INCLUSÃO DE CRIANÇAS<br />

COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ................................................................ 825<br />

PERCEPÇÕES DE PROFISSIONAIS DA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR DE SAÚDE EM<br />

RELAÇÃO ÀS ATIVIDADES LÚDICAS EM HOSPITAIS PÚBLICOS PEDIÁTRICOS DE SÃO LUÍS<br />

DO MARANHÃO ............................................................................................................ 843<br />

PERFIS E RECURSOS SOCIAIS NO PROCESSO DE ESCOLHA DA PROFISSÃO DOCENTE NO<br />

MARANHÃO .................................................................................................................. 883<br />

PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS E SUAS EXPRESSÕES SIGNIFICATIVAS NAS RELAÇÕES<br />

ENTRE INDIVÍDUOS E COMUNIDADE EM PROJETOS E PROGRAMAS MILITARES DA 1º<br />

USC LUDOVICENSE ........................................................................................................ 900<br />

PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS E SUAS EXPRESSÕES SIGNIFICATIVAS NAS RELAÇÕES<br />

ENTRE INDIVÍDUOS E COMUNIDADE EM PROJETOS E PROGRAMAS MILITARES DA 1º<br />

USC LUDOVICENSE ........................................................................................................ 927<br />

PROJETO TOCAR: orientação musical para professores regentes do ensino infantil do<br />

município de Imperatriz, utilizando o violão como ferramenta de ensino. ................. 954<br />

REABILITAÇÃO DO TEATRO NO SÉCULO XV<strong>II</strong>I: Rousseau, Voltaire e D’alambert a<br />

educação enquanto constituinte do teatro e da sociedade ........................................ 972<br />

REFLEXÕES SOBRES EPISTEMOLOGIAS DAS ARTES INDÍGENAS ................................... 984<br />

RELATOS DE DOCENTES COM DEFICIÊNCIA EM RELAÇÃO À OPERACIONALIZAÇÃO DA<br />

PRÁTICA PEDAGÓGICA ................................................................................................. 993<br />

SABERES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM PEDAGOGIA ............................................... 1013<br />

SALA DE AULA INVERTIDA: O QUE PENSAM OS ALUNOS? – uma análise nos cursos de<br />

graduação de uma faculdade no estado do Maranhão. ............................................ 1029<br />

SEQUÊNCIA DIDÁTICA: a etnofísica na produção de cerâmicas uma proposta para o<br />

ensino na educação quilombola ................................................................................. 1043<br />

EIXO 2................................................................................................................... 1062<br />

Gênero, Literatura e Filosofia ..................................................................................... 1062<br />

9


A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE FEMININA: relações afetivo-sexuais na era das mídias<br />

digitais ......................................................................................................................... 1063<br />

A FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES DE FILOSOFIA PARA O<br />

DESENVOLVIMENTO UMA POSTURA CRÍTICO REFLEXIVA ......................................... 1083<br />

A LINGUAGEM POÉTICA EM ROUSSEAU .................................................................... 1098<br />

A NATUREZA EM KANT: conflito, guerra e sociabilidade. .......................................... 1109<br />

A PSICANÁLISE NA CONTEMPORANEIDADE:entre zonas erógenas, corpos falantes e<br />

corpos sem órgãos. ..................................................................................................... 1124<br />

ANÁLISE DA OBRA ORLANDO DE VIRGÍNIA WOOLF SOB A PERSPECTIVA DOS ESTUDOS<br />

QUEER ......................................................................................................................... 1136<br />

DIÁLOGOS ENTRE LITERATURA E FILOSOFIA: considerações acerca do romance O<br />

homem sem qualidades, de Robert Musil .................................................................. 1151<br />

ESSÊNCIA E REPRESENTAÇÃO: uma análise acerca da crítica da imitação teatral em<br />

Rousseau. .................................................................................................................... 1167<br />

GÊNERO E SEXUALIDADE NOS LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS DO ENSINO<br />

FUNDAMENTAL MAIOR .............................................................................................. 1187<br />

HISTÓRIA E FICÇÃO NA CRÔNICA DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL DE F. A. DE<br />

VARNHAGEN ............................................................................................................... 1209<br />

INTOLERÂNCIA EM TRÃNSITO: percepções sobre aversão ao outro, no conto ônibus de<br />

júlio cortázar ............................................................................................................... 1222<br />

LINGUAGEM LIVRE DA CRIANÇA EM JEAN-JACQUES ROUSSEAU .............................. 1239<br />

LITERATURA E INTERDISCIPLINARIDADE NO PGCULT: revisão sistemática dos estudos<br />

realizados no período de 2012 a 2015. ...................................................................... 1247<br />

LUGAR SERTÃO SE DIVULGA: o sertão maranhense em jornais sertanejos na Primeira<br />

República (1900-1920). .............................................................................................. 1263<br />

MECANISMOS IDEOLÓGICOS NAS SÁTIRAS LATINAS DO PERÍODO IMPERIAL<br />

ROMANO:um estudo sobre o feminino ..................................................................... 1280<br />

10


O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM DA CRIANÇA APRESENTADA NO EMÍLIO ... 1303<br />

O DISCURSO RELIGIOSO CRISTÃO E A CONSTRUÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES DAS<br />

MULHERES TUPINAMBÁ DA ILHA DO MARANHÃONAS CRÔNICAS DE VIAGENS (1612-<br />

1615) .......................................................................................................................... 1318<br />

O REVERSO DO PROGRESSO: entre Walter Benjamin e Franz Kafka. ........................ 1331<br />

OS FALCÕES QUE ENEGRECERAM O CÉU: sob a ótica da vigilância em noturno do chile<br />

.................................................................................................................................... 1340<br />

OS SABERES DOCENTES E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA TRABALHAR A<br />

PROPOSTA DE MATTHEW LIPPMAN NO ENSINO DE FILOSOFIA NO ENSINO<br />

FUNDAMENTAL .......................................................................................................... 1359<br />

OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER: Possíveis Diálogos entre Amor e Suicídio 1374<br />

PROFESSORA OU TIA? OS REFLEXOS DAFORMAÇÃO CONTINUADA NA CONSTRUÇÃO<br />

DA IDENTIDADE PROFISSIONALDE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO INFANTIL ............ 1385<br />

SOBRE A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA PARA A FILOSOFIA DA DIFERENÇA DE GILLES<br />

DELEUZE ...................................................................................................................... 1398<br />

TEATRO E REPRESENTAÇÃO EM ROUSSEAU .............................................................. 1409<br />

TÓPICAS DA TEMPORALIDADE NA POESIA CONTEMPORÂNEA DE LÍNGUA PORTUGUESA<br />

.................................................................................................................................... 1420<br />

UMA VIDA AO PÉ DA LETRA: a literalidade na clínica de Deleuze e Guattari ............ 1440<br />

EIXO 3 .......................................................................................................................... 1454<br />

Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade ..................................................................... 1454<br />

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: algumas indicações sócio históricas ..................... 1455<br />

ADOLESCENTE E A MÍDIA: uma crítica à publicidade de cerveja ............................... 1478<br />

ANÁLISE DOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS GERADOS POR DESCARTES DE EFLUENTES<br />

DE ABATEDOUROS NO BAIRRO MARACANÃ, SÃO LUIS – MA .................................... 1485<br />

ARTE-EDUCAÇÃO INFORMAL: Cafua das Mercês (Museu do Negro) como espaço<br />

facilitador de aprendizagem, pertencimento e interação cultural ............................ 1499<br />

11


EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E BIBLIOTECAS: as práticas de educação patrimonial em<br />

bibliotecas públicas .................................................................................................... 1517<br />

ESTRATÉGIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA EXTROVERSÃO DO PATRIMÔNIO<br />

HISTÓRICO E CULTURAL NO ÂMBITO DO CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS<br />

HUMANAS - UFMA – CAMPUS DE PINHEIRO – MA .................................................... 1537<br />

EVANGÉLICOS PROGRESSISTAS: uma experiência política no período de abertura<br />

democrática no brasil. ................................................................................................ 1570<br />

FORMAS E EFICÁCIAS DA LINGUAGEM NÃO VERBAL NA COMUNICAÇÃO INDÍGENA: a<br />

manutenção da cultura da etnia Guajajara na Aldeia Tamarindo no Município de Barra<br />

do Corda – MA ............................................................................................................ 1586<br />

FUTEBOL AMERICANO E URBANIZAÇÃO BRASILEIRA: Um estudo de caso a partir do<br />

município de Imperatriz-MA ...................................................................................... 1601<br />

GUERRA FLUVIAL: A relação entre índios e neerlandeses no Maranhão e Grão-Pará na<br />

primeira metade do século XV<strong>II</strong>. ................................................................................ 1618<br />

HANSENÍASE E EDUCAÇÃO EM SAÚDE: o que dizem cartazes, panfletos, cartilhas, guias<br />

e portarias sobre a prevenção da hanseníase? .......................................................... 1636<br />

IDENTIDADE E TERRITORIO: A Presença das Quebradeiras de Coco Babaçu no<br />

Município de Imperatriz-MA. ..................................................................................... 1651<br />

MODELOS DE RECEPÇÃO MIDIÁTICA E EMMA WATSON:com a palavra, as feministas de<br />

São Luís – MA .............................................................................................................. 1669<br />

O ANIMÊ NO BRASIL E A FORMAÇÃO DA TRIBO SOCIAL DOS OTAKU ....................... 1685<br />

O PATRIMÔNIO CULTURAL E A MEMÓRIA DA ÁREA ITAQUI-BACANGA REPRESENTADOS<br />

NO ACERVO DA BIBLIOTECA “SEMENTE SOCIAL” DA ACIB EM SÃO LUÍS, MARANHÃO<br />

.................................................................................................................................... 1703<br />

O PATRIMONISLIMO NA CULTURA BRASILEIRA: o jeitinho brasileiro transposto para o<br />

jornalismo online ........................................................................................................ 1721<br />

12


O RACISMO NAS REDES SOCIAIS: uma análise das promoções do racismo sofrida pela<br />

miss Brasil Monalysa Alcântara após a coroação do concurso. aspectos da branquitude<br />

nos discursos de ofensa. ............................................................................................. 1739<br />

PAISAGEM, AMBIENTE E OCUPAÇÕES HUMANAS DE LONGA DURAÇÃO EM SÍTIOS<br />

RAMSAR NO MARANHÃO ........................................................................................... 1757<br />

PRODUÇÃO DISCURSIVA SOBRE A MULHER NA PROPAGANDA “VAI E VEM” DA CERVEJA<br />

ITAIPAVA ..................................................................................................................... 1783<br />

SUPRIMENTOS X PROTEÇÃO: Uma leitura de relações de dom e contra-dom entre<br />

pequenos senhores e escravos na produção de algodão no Maranhão colonial. ..... 1796<br />

13


EIXO 1<br />

Arte, Tecnologia e Educação<br />

14


A BIBLIOTECA E A INFORMAÇÃO ORGANIZADA EM MULTIMEIOS:<br />

diretrizes para a descrição da gravação de som conforme o capítulo 6 do AACR2<br />

THE LIBRARY AND MULTI-DAY ORGANIZED INFORMATION: guidelines<br />

for the description of sound recording according to chapter 6 of the AACR2<br />

Valdirene Pereira da Conceição<br />

Professora do Departamento de Biblioteconomia da<br />

Universidade Federal do Maranhão – UFMA (Brasil)<br />

Doutora em Linguística e Língua Portuguesa<br />

cvaldireneufma@gmail.com<br />

Fernanda Fonseca Neves<br />

Graduanda em Biblioteconomia pela Universidade<br />

Federal do Maranhão – UFMA (Brasil)<br />

nannda.fonsecaneves@gmail.com<br />

Aderlou Oliveira Silva<br />

Graduando em Biblioteconomia pela Universidade<br />

Federal do Maranhão – UFMA (Brasil)<br />

aderlouoliveira@hotmail.com<br />

Eliel da Silva Cardozo<br />

Graduando em Biblioteconomia pela Universidade<br />

Federal do Maranhão – UFMA ( Brasil)<br />

helyelboy@hotmail.com<br />

Eixo 1 - Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Estudo das diretrizes para a descrição de gravação de som conforme o<br />

capítulo 6 do AACR2 . Objetivaconhecer os aspectos históricos, conceituais, tipologia<br />

bem como a sua evolução ao longo da história e seu uso em bibliotecas; verificar o<br />

conteúdo do capítulo 6 do AACR 2 e suas implicações na elaboração das fichas<br />

catalográficas de documentos sonoros; identificar as regras aplicáveis a cada parte do<br />

texto das fichas; apontar os métodos utilizados para descrever os itens de identificação<br />

de um documento. Destaca que além do papel, existem atualmente inúmeros meios de<br />

15


egistro de informação como as fitas cassete, discos magnéticos, discos de vinil, CD's,<br />

etc – suportes que também necessitam de padronização e que não devem ser<br />

considerados apenas como complementação de livros. Ressalta que os multimeios são<br />

importantes fontes de pesquisa cultural e histórica para comunicadores, músicos,<br />

pesquisadores sociais, historiadores e antropólogos. O trabalho se propõe a interpretar<br />

as regras do capítulo 6 (seis) do AACR 2 , o qual enumera as diretrizes para a descrição<br />

de documentos no formato de gravações de som. Utiliza como metodologia de<br />

desenvolvimento a pesquisa bibliográfica para fundamentar os estudos interdisciplinares<br />

analisados e compreender seus entrelaçamentos bem como a pesquisa documental por<br />

meio do uso e analise da AACR2 na perspectiva descrever detalhes sobre os suportes de<br />

informação sonora analisados. Conclui que os multimeios fornecem outros suportes<br />

como fonte de informação para as pesquisas dos usuários e que esse tipo de m<strong>ate</strong>rial<br />

enriquece o acervo das bibliotecas, constituindo-se em importante fonte de informações<br />

para pesquisadores e determinadas áreas profissionais.<br />

Palavras-chave: AACR2. Gravação de som. Descrição da informação sonora.<br />

Bibliotecas.<br />

ABSTRACT: Study of the guidelines for the description of sound recording according<br />

to chapter 6 of the AACR2. It aims to know the historical, conceptual, typology as well<br />

as its evolution throughout history and its use in libraries; verify the content of chapter 6<br />

of the AACR2 and its implications in the preparation of the catalytic records of sound<br />

documents; identify the rules applicable to each part of the text of the records; identify<br />

the methods used to describe the identification items of a document. It emphasizes that<br />

in addition to paper, there are currently innumerable means of recording information<br />

such as cassette tapes, magnetic disks, vinyl records, CD's, etc. - supports that also need<br />

standardization and should not be considered just as supplementary books. He points<br />

out that multimedia are important sources of cultural and historical research for<br />

16


communicators, musicians, social researchers, historians and anthropologists. The paper<br />

proposes to interpret the rules of chapter 6 (six) of the AACR2, which lists the<br />

guidelines for describing documents in the format of sound recordings. It uses as a<br />

development methodology the bibliographic research to base the interdisciplinary<br />

studies analyzed and to understand its interlacings as well as the documentary research<br />

through the use and analysis of the AACR2 in the perspective to describe details about<br />

the supports of sound information analyzed. It concludes that multimedia provides other<br />

media as a source of information for users' research and that this type of m<strong>ate</strong>rial<br />

enriches the library's collection, constituting an important source of information for<br />

researchers and certain professional areas.<br />

Keywords: AACR2. Sound recording.Description of sound information.Libraries.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A era da comunicação eletrônica trouxe inúmeros meios de registro como as<br />

fitas cassete, discos magnéticos, discos de vinil de 45 ou 78 rotações, CD's, cilindros<br />

fonográficos, fita de áudio de carretel etc, suportes que também necessitam de<br />

padronização.<br />

Esses multimeios não devem ser considerados apenas como<br />

complementação de livros, pois têm seu valor próprio. São importantes fontes de<br />

pesquisa histórica para pesquisadores sociais, historiadores e antropólogos, que deviam<br />

utilizá-los intensamente. (AMARAL, 1987). E para descrevê-los utilizando padrões<br />

internacionais, o capítulo 6 (seis) do Código de Catalogação Anglo-Americano<br />

(AACR 2 ) enumera as regras para catalogação de gravações de som em todos os meios,<br />

principalmente discos e fitas.<br />

Nesse contexto, o conteúdo ora apresentado se propõe a interpretar as regras<br />

do capítulo 6 (seis) do AACR 2 , o qual enumera as diretrizes para a descrição de<br />

documentos no formato de gravações de som.<br />

17


Entre os objetivos estão: conhecer os conceitos e o histórico dos<br />

documentos no formato de gravação de som e seus devidos suportes ao longo da<br />

história; verificar o conteúdo do capítulo 6 do AACR 2 e suas implicações na elaboração<br />

das fichas catalográficas de documentos sonoros; identificar as regras aplicáveis a cada<br />

parte do texto das fichas; apontar os métodos utilizados para descrever os itens de<br />

identificação de um documento; examinar como se dá a disposição e a ordem de cada<br />

um desses itens no corpo da ficha catalográficas de documentos sonoros (musicais),<br />

visando à apresentação com fins didáticos.<br />

O estudo caracterizou-se como investigação de natureza qualitativa, em que<br />

se demonstrou através da revisão de literatura, a explanação sobre os temas<br />

“Multimeios”, “Descrição da Informação”, “Representação do conhecimento”<br />

“Gravação de som” e “Mediação da Informação”, considerando os trabalhos de vários<br />

teóricos, as literaturas voltadas para esses temas e também o trabalho desenvolvido<br />

pelos profissionais da informação, incluindo o bibliotecário, na qualidade de mediador<br />

do conhecimento. E para a construção das questões de que trata esse estudo, antes da<br />

escrita do artigo, foi escolhido um assunto relacionado a um dos capítulos do AACR 2 .<br />

A pesquisa sobre “As diretrizes para a descrição da gravação de som<br />

conforme o capítulo 6 do AACR 2 para gerar informação organizada em multimeios” se<br />

fundamentou em documentos que traziam informações sobre os temas acima<br />

enumerados, em literaturas de áreas como Biblioteconomia, Física, Arte musical,<br />

Linguística e Pedagogia.<br />

Quanto à ordem de execução do estudo, seguiu-se uma programação<br />

sistemática: levantamento dos textos lidos e debatidos em sala de aula na disciplina<br />

“Representação Descritiva <strong>II</strong>”, do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do<br />

Maranhão (UFMA), ministrada pela Profª. Dra. Valdirene Pereira da Conceição, para se<br />

conseguir um número considerável e atualizado de informações; leituras em diversos<br />

tipos de documentos em vários suportes, os quais abordavam a mesma temática para<br />

compor a bibliografia; reflexão sobre os temas abordados nos textos e escolha dos<br />

multimeios a serem descritos.<br />

18


Seguindo as atividades, foram consultados documentos de cunho<br />

pedagógico como <strong>artigos</strong>, fichamentos e slides produzidos na disciplina anterior –<br />

Representação Descritiva I, visando o melhor esclarecimento dos assuntos. Logo após<br />

se fez a busca de títulos (livros e periódicos) na Biblioteca Central da UFMA e o uso de<br />

multimeios para a prática dos exercícios de descrição e catalogação de suportes com<br />

gravação de som, seguindo métodos estudados ao longo da disciplina.<br />

Assim, realizou-se o confronto teórico/prático para fundamentar as<br />

discussões e para fins de comparação no processo investigativo, onde se constatou que o<br />

fazer bibliotecário deve se pautar tanto no conhecimento da técnica quanto no<br />

conhecimento da composição físico-química dos suportes de informação que não estão<br />

no formato de livros – os multimeios.<br />

2 MULTIMEIOS COMO FONTE DE INFORMAÇÃO EM BIBLIOTECAS<br />

Para garantir a organização do conhecimento, o trabalho do bibliotecário<br />

envolve diversas atividades que se desenvolvem no processo de comunicação com a<br />

sociedade no que diz respeito aos m<strong>ate</strong>riais produzidos por pesquisadores nas várias<br />

áreas do conhecimento. Essas produções são registradas em vários tipos de suporte,<br />

incluindo os multimeios, e a disponibilização delas fortalece a responsabilidade social<br />

do bibliotecário.<br />

Mas afinal, o que é multimeios? os multimeios, também denominados<br />

m<strong>ate</strong>riais especiais, audiovisuais ou ainda nao impresso, sao m<strong>ate</strong>riais que contem<br />

informações registradas de forma não convencional e que necessitam de cuidados<br />

específicos no que se refere ao manuseio, armazenagem e conservação, exigindo<br />

qualificação técnica para sua organização e tratamento.<br />

Esses m<strong>ate</strong>riais possuem função informativa, cultural, educacional e<br />

recreativa, e são importantes fontes de pesquisa. São de fácil uso e produção. permitem<br />

a multiplicidade de temas que possam ser trabalhados e um meio de atrair usuários para<br />

a biblioteca.<br />

19


2.1. Natureza, característica e estruturas do documentos<br />

Os documentos possuem características físicas e intelectuais. De acordo<br />

com Guinchat e Menou (1994), as características físicas são o m<strong>ate</strong>rial, a natureza dos<br />

símbolos utilizados, o tamanho, o peso, a apresentação, a forma de produção, a<br />

possibilidade de consulta-los diretamente, ou a necessidade de utilizar um aparelho para<br />

este fim e a periodicidade, entre outras. As características intelectuais são o objetivo, o<br />

conteúdo, o assunto, o tipo de autor, a fonte, a forma de difusão, a acessibilidade e a<br />

originalidade, entre outras.<br />

Os documentos também podem ser classificados quanto a sua natureza, em:<br />

documentos textuais ― são os livros, os periódicos, as fichas, os documentos<br />

administrativos, os textos de leis, os catálogos, os documentos comerciais e as p<strong>ate</strong>ntes,<br />

entre outros. E documentos não textuais, a exemplo de: a) documentos iconográficos ou<br />

gráficos: imagens, mapas, plantas, gráficos, tabelas, cartazes, quadros, fotografias em<br />

papel e slides: b) os documentos sonoros: discos e fitas magnéticas; c) os documentos<br />

audiovisuais que combinam som e imagem: filmes, audiovisuais, fitas e videodiscos; d)<br />

os documentos de natureza m<strong>ate</strong>rial: objetos, amostras, maquetes, monumentos,<br />

documentos em braile e jogos pedagógicos; e) os documentos compostos, que reúnem<br />

documentos textuais e não textuais sobre um mesmo assunto, como os livros<br />

acompanhados de discos; f) os documentos magnéticos utilizados em informática, isto<br />

é, os programas que permitem efetuar cálculos, fazer gestão de arquivos e simulações, e<br />

g) os documentos eletrônicos utilizados em informática. Veiculam texto, imagem e som.<br />

São os documentos do futuro. (GUINCHAT; MENOU, 1994).<br />

Esses documentos podem apresentar suportes físicos de diferentes espécies<br />

como: pedra, tijolo, madeira, osso - foram suplantados pelo o papel -com a inovação<br />

tecnológica outros suportes surgiram: plásticos, laser, vidro, Pen drive, DVD, CD e<br />

Bluray.<br />

20


2.2Padrão de Descrição da Informação: Descrever para usar<br />

A catalogação é uma disciplina que oferece métodos para o processo de<br />

tratamento da informação e que busca o aprimoramento de suas técnicas na tentativa de<br />

melhorar a representação documentária para descrição e recuperação de recursos<br />

informacionais na biblioteca.<br />

A catalogação objetiva <strong>ate</strong>nder às necessidades das Bibliotecas nas<br />

pesquisas em geral, visando aplicações nas atividades biblioteconômicas, bibliográficas<br />

e livrescas. Seus produtos: fichas catalográficas e fichas bibliográficas, citações<br />

bibliográficas, listas de livros, catálogo coletivos, com uniformização / Sistematização<br />

de catálogos e bibliográficas. A catalogação é utilizada tanto para m<strong>ate</strong>riais impressos,<br />

como para m<strong>ate</strong>riais nos mais diversos suportes com informações.<br />

Para tanto utiliza de normas e padrões para que tal processo seja efetivado.<br />

Publicado em 1978, com o objetivo de normalizar a catalogação no contexto<br />

internacional, o AACR², é um dos padrões adotado para tal propósito.<br />

O Código de Catalogação Anglo-Americano - 2ª edição (CCAA 2 , ou<br />

AACR 2 a partir da sigla em inglês) é um compêndio de regras para a criação de<br />

descrições bibliográficas e para a escolha, a construção e a atribuição dos pontos de<br />

acesso (cabeçalhos) representando pessoas, localizações geográficas e entidades<br />

coletivas, além de títulos uniformes representando obras e expressões.<br />

Descrição, com origem no latim (descriptĭo), é a ação e o efeito de<br />

descrever (representar alguém ou algo através da linguagem, definir algo dando uma<br />

ideia geral, delinear, figurar). A descrição fornece informação sobre alguém ou algo,<br />

com distinto grau de detalhe. Pode-se dizer que a descrição é uma representação de algo<br />

ou de alguém através da palavra. A descrição inclui uma explicação ordenada e<br />

detalhada de distintas qualidades e circunstâncias.<br />

Assim como outros suportes, as gravações de som possuem diversas<br />

peculiaridades que as fazem únicas na diversidade de registros do conhecimento, pois se<br />

destinam a um público muito maior do que o dos livros, isto é, comercialmente<br />

gravados e reproduzidos, e mesmo assim permanecerem com amplo uso. Mas esses<br />

21


tipos de documentos também apresentam desvantagens, visto que se desgastam<br />

facilmente, mesmo sob cuidados, e requerem aparelhagem específica, e não sendo<br />

manuseáveis como os registros impressos, dependem de uma representação<br />

bibliográfica muito mais elaborada e completa.<br />

3 GRAVAÇÃO DE SOM COMO FONTE DE INFORMAÇÃO<br />

As fontes de informação alternativas surgem como resposta à evolução<br />

tecnológica, saindo de uma rotina estruturada e possibilitando a inclusão social, que<br />

exigiu do bibliotecário a competência informacional para compreender esse momento<br />

de transição. Dentre essas fontes, a gravação de som, é uma forma de registro e um<br />

meio encontrado quepossibilita a transmissão do conhecimento.<br />

3.1. Aspectos históricos, conceituais e tipologia<br />

A gravação sonora origina-se com o francês Léon Scott em 1857, com o<br />

primeiro protótipo do fonautógrafo, que apenas fazia o registro do som, porém não o<br />

reproduzia. A partir desse projeto, Thomas Alva Edison aprimora vinte anos mais tarde<br />

e além de reproduzir, conseguiu fazer a gravação do poema ―Mary has a littlelamb.<br />

É difícil situar precisamente a primeira gravação de som. Como fenômeno<br />

histórico, ela é resultado da contribuição de diversas pessoas. Foi o físico Thomas<br />

Young quem primeiro conseguiu, com o vibroscópio, traduzir graficamente as vibrações<br />

sonoras em um cilindro. Em 1857, Leon Scott inventou o fonoautógrafo que foi o<br />

primeiro aparelho feito pelo homem a gravar sons, utilizando-se para isso também de<br />

um cilindro. O aparelho do inventor francês, entretanto, era incapaz de reproduzir os<br />

sons gravados nos cilindros. Apenas com a invenção do fonógrafo por Thomas Edison,<br />

entretanto, atingiu-se a capacidade de gravar e reproduzir sons. A primeira gravação de<br />

som registrada é da canção folclórica francesa "Au Clair de la Lune", de 1860, e foi<br />

encontrada em 2008 em um arquivo em Paris.<br />

Entre outros, o dicionário Michaelis conceitua “som” como<br />

22


sm (lat sonu) 1 Tudo o que soa ou impressiona o sentido do ouvido; ruído. 2<br />

Ruído ritmado, produzido por vibrações sonoras que se sucedem<br />

regularmente. 3 Timbre. 4 Voz. 5 Palavra cuja articulação é mais ou menos<br />

agradável ao ouvido. 6 Gram Qualquer emissão de voz simples ou articulada.<br />

[...] Fís: som devido a vibrações regulares e bem definidas, que nos dão uma<br />

sensação contínua, geralmente agradável. (MICHAELIS, 2009, não<br />

<strong>pagina</strong>do)<br />

Ainda de acordo com os estudos da Ondulatória – parte da Física que estuda<br />

o tema – o som pode ser conceituado como "[...] uma qualidade perceptiva que é<br />

resultado da percepção de distúrbios das moléculas de um meio em um certo espaço de<br />

tempo [...] (LAZZARINI, 1998, p.5).<br />

Entre outros, os suportes mais populares com conteúdos sonoros são: LP:<br />

abreviatura do inglês Long Play; EP: abreviatura do inglês Extended Play; Single ou<br />

compacto simples: abreviatura do inglês Single Play; Máxi: abreviatura do inglês Maxi<br />

Single; Fita cassete ou simplesmente K7.<br />

Figura 1: Suportes de gravação de som<br />

FITA CASSETE<br />

DISCO DE VINIL<br />

CD<br />

ROLO DE FILME<br />

Fonte: Google<br />

3.2. Uso de gravação de som em biblioteca (como fonte de informação e recurso<br />

didático)<br />

De modo geral, as bibliotecas possuem diferentes tipos de acervo a sua<br />

disposição de maneira que facilite a busca por qualquer informação e em qualquer<br />

23


formato. Uma vez que está é uma das funções principais da biblioteca, conduzir o<br />

sujeito à informação.<br />

[...] a função informativa é o papel que a biblioteca desempenha ao<br />

comunicar ideias, transmitir confiança e capacidade de julgamento no<br />

manuseio da informação, que deve ser utilizada como um insumo para gerar<br />

mudanças econômicas, políticas e sociais das condições de vida, auxiliando<br />

assim na busca de soluções para os problemas da sociedade. Para atingir estes<br />

objetivos; a biblioteca deve ser um centro onde a informação seja confiável.<br />

(HICKS; TILLIN, 1917, apud AMARAL, 1987, p. 47).<br />

Segundo alguns autores, a biblioteca possui algumas funções como cultural<br />

e recreativa, tornando o uso de m<strong>ate</strong>riais como gravações de sons propícios para<br />

atividades desenvolvidas nesses conjuntos. Embora que em algumas bibliotecas os<br />

vejam apenas como complemento de livros, eles devem se visto como matérias<br />

importantes, devido o seu valor. (AMARAL, 1987, p. 52).<br />

Os meios mais utilizados de gravação de som são: discos, fitas, CDs e etc. E<br />

para que o usuário tenha acesso a este, ele precisa de um equipamento que torne a<br />

informação disponível. A contribuição que este tipo de m<strong>ate</strong>rial traz para a biblioteca<br />

provoca enriquecimento no acervo, seja este organizado junto ou separado dos m<strong>ate</strong>riais<br />

físicos, uma vez que eles possibilitam uma interação diferenciada do usuário com a<br />

informação.<br />

Segundo Amaral (1987, p. 53), as gravações de som possuem seu lado<br />

positivo (valor) e seu lado negativo (problemas). Quanto ao lado positivo, as gravações<br />

de som podem ser utilizadas em atividades voltadas para o público infantil, como<br />

estórias infantis, literatura contada ou ainda efeitos sonoros dando mais vida a leitura de<br />

um livro.<br />

O m<strong>ate</strong>rial pode ser utilizado como fonte de pesquisa histórica, ou pode ser<br />

utilizado para trabalhar com grupos especiais na biblioteca, como deficientes visuais,<br />

analfabetos, e crianças que ainda não foram alfabetizadas, desta forma proporcionando<br />

o acesso de todos à informação, estimulando o aprendizado, e ainda incentivando<br />

aptidões artísticas (AMARAL, 1987, p. 53).<br />

24


Quanto aos problemas que esse tipo de m<strong>ate</strong>rial causa Amaral (1987, p. 53),<br />

os descreve como relativamente frágeis, tendendo a serem danificados com mais<br />

proporção e tornando desta forma cara a sua manutenção, observando-se ainda a<br />

necessidade de cuidados especiais para a redução de danos precoce, o que aumenta os<br />

custos. Necessitando ainda de um treinamento para o manuseio, tanto do m<strong>ate</strong>rial<br />

quanto do equipamento utilizado para o acesso a informação.<br />

Porém, o uso das gravações de sons em bibliotecas ainda é pequeno, devido<br />

à negligência da importância deste m<strong>ate</strong>rial por parte do gestor da biblioteca. Em uma<br />

pesquisa 1 realizada no ano de 2013 pudemos visualizar a realidade em um “Farol da<br />

Educação”. Nessa instituição, o acervo de gravação de som era mínimo e o mesmo<br />

ainda se encontrava desatualizado; não possuía nenhum equipamento para o acesso à<br />

informação desses m<strong>ate</strong>riais, e a justificativa utilizada para nenhuma tomada de decisão<br />

a respeito, era a de que o m<strong>ate</strong>rial não era solicitado pelo usuário. Constatamos ainda<br />

que os usuários desconheciam a existência desse m<strong>ate</strong>rial na instituição, concluindo que<br />

não havia uma política de divulgação desse tipo de m<strong>ate</strong>rial para os usuários daquele<br />

Farol.<br />

O uso da gravação de som para a mediação da informação é uma maneira de<br />

fazer os usuários circularem entre os diferentes meios e fontes de informação, tornando<br />

a informação acessível independente de seu formato.<br />

4 A DESCRIÇÃO DE DOCUMENTOS SONOROS COM BASE NO AACR²<br />

Adotando a forma de um esquema de tópicos, será apresentado um resumo<br />

do capítulo 6 do AACR 2 , visando demonstrar o que compõe o capítulo e como ele está<br />

estruturado no Código. Composto por 8 (oito) áreas distintas, o capítulo 6 do AACR 2<br />

apresenta regras específicas de descrição bibliográfica para documentos sonoros, e que<br />

ajudarão no processo de catalogação dos documentos sonoros. Enfatiza-se que a fonte<br />

principal de informação para gravações de som é a etiqueta fixada no item.<br />

1 Pesquisa realizada para a disciplina Organização de Unidade de Informação, no curso de<br />

Biblioteconomia, UFMA, no Farol da Educação Antonio Machado Neves da Costa, em agosto de 2013.<br />

25


A primeira área é a do título e da indicação de responsabilidade. O título é a<br />

palavra, frase, caractere ou grupo de caracteres que dá nome a um documento ou à obra<br />

nele contida. Podem constar ainda nessa área outras informações como: título principal;<br />

Títulos equivalentes (ou paralelos); outras informações sobre o título. A indicação de<br />

responsabilidade é a parte da descrição do documento que identifica o nome das pessoas<br />

responsáveis pelo conteúdo intelectual ou artístico, das entidades das quais emana o<br />

conteúdo ou das pessoas ou entidades responsáveis pela execução do conteúdo do<br />

documento.<br />

A segunda área da descrição é a de Edição, composta por: indicação de<br />

edição; indicação de responsabilidade da edição. Em seguida temos a terceira área – dos<br />

detalhes específicos do m<strong>ate</strong>rial (ou do tipo de publicação) que não é utilizada para<br />

gravações de som.<br />

A quarta área da descrição diz respeito à publicação, distribuição etc. É a<br />

área destinada a todos os dados relativos à atividade editorial, de criação ou de<br />

fabricação de um documento, e de sua distribuição comercial. Composta por: lugar de<br />

publicação; nome da editora; data de publicação. Assim a área seguinte (quinta) é a da<br />

descrição física área onde se registram elementos que descrevem fisicamente o<br />

documento, em termos de extensão (número de páginas ou de volumes), m<strong>ate</strong>rial<br />

ilustrativo, tamanho e m<strong>ate</strong>rial adicional.<br />

A área de série (sexta) formada pelas indicações de série. Na área de notas<br />

(sétima) se registra as informações consideradas relevantes para a descrição do<br />

documento, mas que não se referem a nenhum dos campos existentes. As notas podem<br />

ser: formais (introduzidas por expressões prescritas/consagradas pelo AACR 2 ) ou<br />

informais (de livre redação do catalogador). A área do número normalizado e das<br />

modalidades de aquisição (oitava) inclui: número normalizado; título-chave;<br />

modalidade de aquisição; qualificação.<br />

No que se refere à descrição de gravações de som, podemos ainda citar duas<br />

outras áreas importantes, os itens suplementares e os itens constituídos vários tipos de<br />

m<strong>ate</strong>rial (CÓDIGO, 2002).<br />

26


Outro ponto a ser destacado na descrição de documentos sonoros é a entrada<br />

principal que o AACR 2 destaca uma série de regras explícitas (21.23), mas devemos<br />

levar em consideração que a escolha da entrada principal é o da autoria intelectual.<br />

4.1 Regras gerais, áreas de descrição e fontes de informação prescrita<br />

6. 0 - REGRAS GERAIS<br />

- 6.0A Campo abrangido;<br />

- 6.0A1<br />

As regras deste capítulo dizem respeito à descrição de gravações de som.<br />

- 6.0B Fontes de informação;<br />

- 6.0B1 Fonte principal de informação;<br />

A Fonte principal de informação para cada um dos tipos mais importantes de<br />

gravação de som segue os padrões descritos na figura 1 a seguir:<br />

Figura 2: Fonte de Informação prescrita<br />

Fonte: AACR<br />

OBS: Se a informação não estiver disponível na fonte principal, devem ser<br />

retiradas, respectivamente, do m<strong>ate</strong>rial adicional constituído de texto, do contêiner (capa<br />

ou caixa), ou outras fontes.<br />

27


6.0B2- Fontes de informação prescritas<br />

- 6.0C Pontuação;<br />

A pontuação da descrição em seu conjunto deve ser feita segundo o item 1.0C.<br />

6.1- Área do título e da indicação de responsabilidade<br />

- 6.1 A1 Pontuação;<br />

Anteponha um ponto ao título de um suplemento ou seção, de acordo com<br />

1.1B9. Coloque entre colchetes a designação geral do m<strong>ate</strong>rial. Anteponha um sinal de<br />

igualdade a cada título equivalente. Anteponha 2 pontos a cada unidade de outras<br />

informações sobre o título. Anteponha uma barra oblíqua à primeira indicação de<br />

responsabilidade. Anteponha um ponto e vírgula a cada indicação subsequente de<br />

responsabilidade.<br />

6. 2 - Área de Edição<br />

- 6.2A regra preliminar;<br />

- 6.2 A1pontuação;<br />

- 6.2B indicação de edição;<br />

- 6.2C indicações de responsabilidade relativas à edição;<br />

- 6.2D indicação relativa à revisão mencionada de uma edição;<br />

- 6.2E indicações de responsabilidade relativas à revisão mencionada de uma edição.<br />

6.3 – área dos detalhes específicos do m<strong>ate</strong>rial (ou do tipo de publicação)<br />

6.4 – Área da publicação, distribuição etc.<br />

- 6.4ARegra preliminar;<br />

- 6.4A1 Pontuação;<br />

- 6.4B Regra geral;<br />

- 6.4C Lugar de publicação;<br />

- 6.4D Nome do editor, distribuidor etc.<br />

- 6.4E Indicação da função do editor, distribuidor etc;<br />

- 6.4F Data de publicação, distribuição etc;<br />

- 6.4G Lugar de fabricação, nome do fabricante, data de fabricação<br />

28


6.5 Área da descrição física<br />

• 6.5A. Regra preliminar<br />

• 6.5B. Extensão do item (incluindo designação especifica do m<strong>ate</strong>rial)<br />

• 6.5C. Outros detalhes físicos<br />

• 6.5D. Dimensões<br />

• 6.5E. M<strong>ate</strong>rial adicional<br />

6.5A. Regra preliminar<br />

• 6.5A1. Pontuação<br />

Anteponha ponto, espaço, travessão, espaço a está área ou inicie parágrafo.<br />

Anteponha 2 pontos a outros detalhes físicos. Anteponha um ponto e vírgula as<br />

dimensões. Anteponha um sinal de adição a uma indicação de m<strong>ate</strong>rial adicional.<br />

Colocar entre parênteses os detalhes físicos do m<strong>ate</strong>rial adicional.<br />

6.5B. Extensão do item (incluindo designação especifica do m<strong>ate</strong>rial)<br />

• 6.5B1. Registro do numero de unidades físicas de uma gravação de som.<br />

• 6.5B2. Registro do tempo de duração.<br />

• 6.5B3. Registro de uma parte intitulada separadamente de uma gravação de som<br />

6.5C. Outros detalhes físicos<br />

• 6.5C1. Registro de detalhes, na ordem estabelecida.<br />

• 6.5C2. Tipo de gravação<br />

• 6.5C3. Velocidade de execução<br />

• 6.5C4. Características do sulco<br />

• 6.5C5. Localização da trilha<br />

• 6.5C6. Numero da trilha<br />

• 6.5C7. Numero de canais sonoros<br />

• 6.5C8. Características da gravação e reprodução (opcional)<br />

6.5D. Dimensões<br />

• 6.5D1. Registro das dimensões da gravação de som<br />

29


• 6.5D2. Discos sonoros<br />

• 6.5D3. Trilhas sonoras de filmes<br />

• 6.5D4. Cartuchos sonoros<br />

• 6.5D5. Cassetes sonoros<br />

• 6.5D6. Bobinas de fitas sonoras<br />

• 6.5D7. Rolos<br />

6.5E.M<strong>ate</strong>rial adicional<br />

• 6.5E1. Registro de detalhes do m<strong>ate</strong>rial adicional<br />

6.6 Área da série<br />

• 6.6A. Regra preliminar<br />

• 6.6A1. Pontuação<br />

• 6.6B. Indicação de série<br />

• 6.6B1. Registro de cada indicação de série<br />

6.7Área das Notas<br />

- 6.7A regra preliminar;<br />

- 6.7A1. Pontuação;<br />

- 6.7A2. Ao redigir as notas, siga as instruções de 1.7 A;<br />

- 6.7B. Notas Redija as notas conforme estabelecido nas sub-regras a seguir e na ordem<br />

indicada;<br />

- 6.7B1. Natureza ou forma artística e meio de execução;<br />

- 6.7B2. Língua. Registre a língua ou as línguas do conteúdo falado ou contado;<br />

- 6.7B3. Fonte do título principal;<br />

- 6.7B4. Variações do título;<br />

- 6.7B5. Títulos equivalentes e outras informações sobre o título;<br />

- 6.7B6. Indicações de responsabilidade;<br />

-6.7B7. Edição e histórico;<br />

30


-6.7B9. Publicação, distribuição e etc.<br />

- 6.7B10. Descrição física ex: Discos, Fitas e Rolos;<br />

- 6.7B11. M<strong>ate</strong>rial adicional;<br />

- 6.7B12. Série;<br />

- 6.7B13. Dissertações e teses;<br />

- 6.7B14. Público a que se destina;<br />

- 6.7B16. Outros formatos;<br />

- 6.7B17. Resumo;<br />

- 6.7B18. Conteúdo;<br />

- 6.7B19. Número do editor;<br />

-6.7B20. Exemplar que está sendo descrito, acervo da biblioteca e restrições ao uso;<br />

-6.7B21. Notas indicadas com a palavra “Com”;<br />

6.8. Área do Número normalizado e das modalidades de Aquisição<br />

6.8A. Regra preliminar;<br />

6.8A1. Pontuação;<br />

6.8B. Número normalizado;<br />

6.8B1. (ISBN, ISSN);<br />

6.8B2. Registre qualquer outro número em nota;<br />

6.8C. Título-chave;<br />

6.8C1. Registre o título-chave de um recurso de acordo com as instruções de 1.8C;<br />

6.8D. Acréscimo opcional. Modalidades de aquisição<br />

31


6.8D1. Registre as modalidades de aquisição do item de acordo com as instruções de<br />

1.8D<br />

6.8E. Qualificação<br />

6.8E1. Acrescente qualificação ao número normalizado e/ou às modalidades de<br />

aquisição de acordo com as instruções de 1.8E.<br />

6.9. Itens suplementares<br />

6.9A. Descreva itens suplementares de acordo com as instruções de 1.9.<br />

6.10. Itens constituídos de vários tipos de m<strong>ate</strong>rial<br />

6.10A. Descreva itens constituídos de vários tipos de m<strong>ate</strong>rial de acordo com as<br />

instruções de 1.10 (CÓDIGO, 2002).<br />

4.2 O AACR 2 na prática – exercícios com a ficha catalográfica<br />

A seguir apresentamos uma ficha catalográfica, como modelo da descrição<br />

física de acordo com as áreas apresentadas no capitulo 2 deste trabalho. A área em<br />

destaque corresponde no AACR 2 a divisão 6.5 de Descrição física do documento.<br />

Figura 3 – Ficha Catalográfica<br />

Fonte: RIBEIRO, 2014. p. 2. Disponível em: .<br />

32


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Utilizando-se de pesquisas em m<strong>ate</strong>riais bibliográficos, em multimeios e em<br />

pesquisa eletrônica, o presente estudo procurou demonstrar a importância na aplicação<br />

dos conhecimentos quanto ao uso dos multimeios em bibliotecas e na organização<br />

destes como requisito para a melhoria na transmissão de informações de documentos<br />

aos frequentadores das mesmas, considerando-se as regras explicitadas no AACR 2 , o<br />

qual destaca um capitulo exclusivo para expor a descrição de documentos sonoros,<br />

mediante a importância desses documentos estarem bem catalogados, de forma a<br />

facilitar a sua recuperação pelo usuário.<br />

Mediante as divisões dentro do Código, o capítulo 6 pontua o que é<br />

necessário ser exposto na descrição física. Traz a percepção que, para a catalogação<br />

desse tipo de documento em especial, é necessário que haja um conhecimento básico<br />

sobre os elementos técnicos e de natureza das gravações de som e seus suportes. Isso<br />

auxiliará o profissional a servir melhor a comunidade na qual está instalada a unidade de<br />

informação onde ele trabalha.<br />

Esse tipo de m<strong>ate</strong>rial, além de enriquecer o acervo, contribui para a inclusão<br />

social dentro das bibliotecas, e para otimização no sistema de referência, uma vez que o<br />

usuário contará com outros suportes de fontes de informação para suas pesquisas.<br />

REFERÊNCIAS<br />

AMARAL, Sueli Angelica do. Os multimeios, a biblioteca e o bibliotecário. R.<br />

Bibliotecon., Brasília, p. 45-68, jan./jun. 1987.<br />

CÓDIGO de catalogação anglo-americano. Preparado sob a direção do Joint Steering<br />

Committee for Revision of AACR; trad. Federação Brasileira de<br />

Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições (FEBAB). 2. ed.,<br />

rev. 2002. São Paulo: FEBAB, 2004. 1. v.<br />

LAZZARINI, Victor. Elementos de Acústica. Londrina: [sn], 1998. (Apostila).<br />

33


MICHAELIS: dicionário escolar língua portuguesa. São Paulo: Companhia<br />

Melhoramentos, 2009-(Dicionários Michaelis). Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 10 nov. 2014.<br />

RIBEIRO, Antonia Motta de Castro Memória Ribeiro. AACR² R em MARC 21.<br />

Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2014.<br />

34


A EFETIVAÇÃO DO SISTEMA EDUCACIONAL INCLUSIVO PELA VIA<br />

JUDICIAL<br />

THE GUARANTEE OF THE INCLUSIVE EDUCATIONAL SYSTEM<br />

THROUGH THE JUDICIAL PROCESS<br />

Jorge Luís Ribeiro Filho<br />

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Penal<br />

Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da UFMA<br />

Thelma Helena Costa Chahini<br />

Pós-Doutora em Educação Especial<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: De maneira específica, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº<br />

13.146/2015, dedica diversas disposições normativas para a efetivação do direito à<br />

educação, plena e inclusiva, o que permite a conclusão segundo a qual o legislador<br />

brasileiro, com esteio na própria Constituição Federal vigente, determinou o<br />

aprimoramento dos sistemas educacionais, visando à garantia de condições de acesso,<br />

permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos<br />

de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena do aluno com<br />

qualquer tipo de deficiência. Nesse sentido, analisou como o Poder Judiciário, por meio<br />

do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, tem atuado no sentido de assegurar um<br />

sistema educacional inclusivo, em todos os níveis e modalidades, para a pessoa com<br />

deficiência, levando-se em consideração que a referida Corte de Justiça se depara,<br />

rotineiramente, com processos judicias, movidos por instituições privadas de ensino,<br />

propensos a questionar a plenitude do sistema educacional inclusivo. Desenvolveu-se<br />

uma pesquisa bibliográfica, descritiva. Os dados foram coletados em Leis, documentos<br />

e <strong>artigos</strong> científicos relacionados com o tema em questão. Os resultados apontam que o<br />

35


Poder Judiciário, por meio do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, apresentando<br />

fundamentação jurídica adequada, atuação satisfatoriamente no sentido de garantir a<br />

vigência das normas contidas no Estatuto da Pessoa com Deficiência, notadamente<br />

aquela proibitiva da cobrança de valores adicionais, por parte das instituições de ensino<br />

particulares, por ser o aluno matriculado pessoa com deficiência. Sabe-se, entretanto,<br />

que a efetivação de direitos fundamentais pela via processual depende de esforços<br />

concentrados não só do Poder Judiciário, mas também dos outros componentes do<br />

Sistema de Justiça Estadual, a saber, o Ministério Público, as Procuradorias do Estado<br />

do Maranhão e do Município de São Luís, da Advocacia Privada (OAB), da Defensoria<br />

Pública, etc. Por fim, indica-se, através da pesquisa em tela (não obstante os dados<br />

serem ainda preliminares) que o posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do<br />

Maranhão revela comportamento institucional consentâneo com os princípios e<br />

diretrizes gerais da Lei Brasileira de Inclusão, algumas ações judiciais intentas no<br />

interesse de pessoas com deficiência, demoraram a ser julgadas, o que pode gerar<br />

perpetuação da violação de tais direitos e garantias, em total prejuízo dos mais<br />

interessados, quais sejam, cidadãos acometidos por impedimentos de longo prazo, de<br />

natureza física, mental, intelectual ou sensorial.<br />

Palavras-chave: Educação. Poder Judiciário. Isonomia.<br />

ABSTRACT: Specifically, the Statute of the Person with Disabilities, Law 13,146 /<br />

2015, devotes several normative provisions to the realization of the right to education,<br />

full and inclusive, which allows the conclusion according to which the Brazilian<br />

legislature, through the Constitution itself, determined the improvement of education<br />

systems, aiming to guarantee conditions of access, permanence, participation and<br />

learning, offering services and accessibility resources that elimin<strong>ate</strong> barriers and<br />

promote the total inclusion of the student with any type of disability. In this sense, it<br />

analyzed how the Judiciary, through the Court of Justice of the St<strong>ate</strong> of Maranhão, acted<br />

to ensure an inclusive educational system, at all levels and modalities, for the disabled<br />

36


person, taking into consideration that the Court of Justice is routinely confronted with<br />

lawsuits brought by priv<strong>ate</strong> educational institutions that are prone to questioning the<br />

fullness of the inclusive educational system.<br />

A descriptive bibliographic research was developed. The data were collected in Laws,<br />

documents and scientific articles rel<strong>ate</strong>d to the subject in question. The results indic<strong>ate</strong><br />

that the Judicial Branch, through the Supreme Court of the St<strong>ate</strong> of Maranhão, with<br />

adequ<strong>ate</strong> legal reasons satisfactorily performed its task of ensuring the validity of the<br />

rules contained in the Person Statute with Disabilities, especially the one forbidding the<br />

collection of additional amounts, the educational institutions, solely because of the<br />

student's being a person with a disability. It is known, however, that the realization of<br />

these fundamental rights depends on the efforts concentr<strong>ate</strong>d not only by the Judiciary,<br />

but also from the other components of the St<strong>ate</strong> Justice System, namely the Public<br />

Prosecutor's Office, Maranhão St<strong>ate</strong> Lawyers and Municipality of São Luís, the Priv<strong>ate</strong><br />

Law Office (OAB), the Public Defender, etc. Finally, it is indic<strong>ate</strong>d through the screen<br />

survey (notwithstanding the preliminary data) that the position of the St<strong>ate</strong> Court of<br />

Maranhão reveals institutional behavior consistent with the general principles and<br />

guidelines of the Brazilian Inclusion Law, some lawsuits attempt in the interests of<br />

persons who have been deprived of their liberty have been slow to be tried, which may<br />

lead to the perpetuation of the violation of such rights and guarantees, to the detriment<br />

of those most interested, namely, citizens affected by long-term physical, mental,<br />

intellectual or sensorial illnesses.<br />

Keywords: Education. Judicial Branch.Isonomy.<br />

37


INTRODUÇÃO<br />

Utilizando como fonte principal a Convenção sobre os Direitos da Pessoa<br />

com Deficiência, editada pela Organização das Nações Unidas (ONU), publicou-se, no<br />

Brasil, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 –<br />

“Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência”), corpo normativo voltado à<br />

criação de diretrizes gerais para a efetivação dos direitos dos cidadãos acometidos por<br />

impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial.<br />

De maneira específica, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº<br />

13.146/2015, dedica diversas disposições normativas para a efetivação do direito à<br />

educação, plena e inclusiva, o que permite a conclusão segundo a qual o legislador<br />

brasileiro, com esteio na própria Constituição Federal vigente, determinou o<br />

aprimoramento dos sistemas educacionais, visando à garantia de condições de acesso,<br />

permanência, participação e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recursos<br />

de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam a inclusão plena do aluno com<br />

qualquer tipo de deficiência.<br />

Aponta-se, desde logo, como forma de promover o recorte necessário à<br />

delimitação do tema, que se parte da hipótese segundo a qual somente a partir do<br />

incremento de políticas públicas, capitaneadas pelo Poder Executivo e Legislativo, bem<br />

como da ampla fiscalização e controle, exercidos notadamente pelo Ministério Público,<br />

Poder Judiciário e demais órgãos integrantes do Sistema de Justiça, o direito ao<br />

ambiente educacional inclusivo poderá sair das intenções legislativas, ganhando<br />

contornos concretos.<br />

Busca-se, portanto, através do presente estudo, descortinar como tem atuado<br />

o Poder Judiciário Estadual, especialmente o Tribunal de Justiça do Estado do<br />

Maranhão, ao deparar-se com conflitos judiciais atinentes ao sistema educacional<br />

inclusivo, em todos os níveis e modalidades, para a pessoa com deficiência na cidade de<br />

São Luís/MA, notadamente quando tais questionamentos, originadores de processos<br />

judiciais, partem da iniciativa privada.<br />

38


Nesse contexto, torna-se oportuno mencionar, inclusive, que é conduta<br />

proibida, no âmbito das instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino,<br />

a cobrança de valores adicionais, supostamente derivados da condição de deficiência do<br />

aluno, embutidos em suas mensalidades, anuidades e matrículas, visando ao<br />

cumprimento das determinações estampadas no artigo 28 da Lei Brasileira de Inclusão<br />

da Pessoa com Deficiência, conforme preceitua o seu parágrafo primeiro.<br />

Nesse sentido, o presente artigo, quando toca, especificamente, no direito à<br />

educação da pessoa com deficiência, ganha contornos de atualidade e relevância,<br />

porquanto pretende desvelar qual é o grau de comprometimento do poder público<br />

(especialmente, através do Poder Judiciário), bem como da iniciativa privada, com as<br />

ações necessárias à garantia do sistema educacional inclusivo, em todos os níveis e<br />

modalidades, para alunos com algum tipo de deficiência, especialmente após o advento<br />

da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, no segundo semestre do ano<br />

de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015).<br />

A LEI BRASILEIRA DE INCLUSÃO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA -<br />

ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E OS CONTORNOS ATUAIS<br />

DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NA VERTENTE INCLUSIVA.<br />

Não é novidade que as políticas públicas precisam ser conduzidas com<br />

destino à remoção de todas as barreiras capazes de inviabilizar o gozo dos direitos<br />

fundamentais dos cidadãos, tal como é direito à educação, especialmente se o empecilho<br />

referir-se à deficiência de qualquer natureza (física, sensorial, mental, intelectual, etc.),<br />

visando à plena inclusão social do estudante.<br />

Em verdade, é imperioso que o sistema educacional caminhe em direção à<br />

evolução e universalidade permanentes, propiciando, por exemplo, a inclusão dos<br />

alunos com deficiência, preferencialmente no próprio sistema de ensino regular. Com<br />

efeito, ao refletir-se sobre a inclusão do estudante com deficiência no sistema de ensino<br />

39


egular e os possíveis benefícios derivados da interação com os demais alunos, é<br />

possível vislumbrar, o seguinte cenário (MENDES, 2006, p.388):<br />

Potenciais benefícios para alunos com deficiência seriam: participar de<br />

ambientes de aprendizagem mais desafiadores; (...); viver em contextos mais<br />

normalizantes e realistas para promover aprendizagens significativas; e<br />

ambientes sociais mais facilitadores e responsivos. Benefícios potenciais para<br />

os colegas sem deficiência seriam: a possibilidade de ensiná-los a aceitarem<br />

as diferenças nas formas como as pessoas nascem, crescem e se<br />

desenvolvem, e promover neles atitudes de aceitação das próprias<br />

potencialidades e limitações.<br />

É oportuno mencionar que a Constituição Federal brasileira, logo no<br />

quadrante destinado aos objetivos fundamentais da República, forneceu importante pilar<br />

sobre o qual se escora o direito à educação e, de forma mais específica, o cerne do<br />

sistema educacional inclusivo, o qual deve ser entendido como um ambiente apto a<br />

recepcionar, em igualdade de condições, pessoas com ou sem deficiência. Trata-se da<br />

norma abrigada no artigo 3º, inciso IV, a qual estabelece que “promover o bem de todos,<br />

sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de<br />

discriminação” (BRASIL, 1988, não <strong>pagina</strong>do) é um dos objetivos da República<br />

Federativa do Brasil.<br />

A premissa acima citada serve de subsídio para as demais normas<br />

constitucionais relacionadas ao direito à educação (<strong>artigos</strong> 6º, 205, 206 e 208, por<br />

exemplo), sobretudo quando se avalia o seu gozo sob a perspectiva da pessoa com<br />

deficiência. Ou seja, se é certo que o direito à educação é dever do Estado e direito de<br />

todos, também é de rigor entender-se que o poder público e a iniciativa privada<br />

precisam, exercendo função social relevante, propiciar um ambiente escolar acolhedor,<br />

plenamente inclusivo, o qual conviva com a diferença e elimine atitudes<br />

discriminatórias de quaisquer naturezas.<br />

Com efeito, o texto constitucional seria de difícil concretização, caso não<br />

existissem diretrizes legais específicas, aptas a instrumentalizar a educação especial, na<br />

vertente inclusiva, a exemplo do recente Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº<br />

13.146, de 6 de julho de 2015), diploma legal capaz de m<strong>ate</strong>rializar, para além da<br />

40


existência do direito à educação, a obrigatoriedade do fornecimento de iguais condições<br />

de acesso e permanência no ambiente escolar, exigíveis tanto do poder público quanto<br />

da iniciativa privada, garantindo-se, assim, <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado aos<br />

alunos com deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.<br />

Urge mencionar que a determinação consoante a qual se deve priorizar o<br />

acesso da pessoa com deficiência à rede regular de ensino, em condições de igualdade<br />

com os demais alunos, representa uma garantia constitucional de inclusão social e<br />

preservação da dignidade humana. Em outras palavras (COSTA, 2011, p. 95):<br />

(...) em relação ao direito à educação, identifica-se uma dupla dimensão no<br />

seu conteúdo em dignidade. A primeira é a capacidade individual de<br />

reconhecer e exigir a proteção da sua dignidade, vista como qualidade<br />

intrínseca da pessoa, que não pode ser concedida nem retirada, podendo,<br />

porém, ser violada. A segunda dimensão seria a de reconhecer e respeitar a<br />

dignidade do outro, inserido dentro da sociedade, como cidadão de um<br />

Estado Social Democrático, uma vez que todos têm dignidade, e sua<br />

preservação é condição da democracia. (...)<br />

O fato é que, se entre os especialistas na área paira certo consenso quanto à<br />

consideração de que a escola regular é o lugar mais propício para que as pessoas com<br />

deficiência desenvolvam plenamente suas capacidades, alimentando-se a ideia<br />

inequívoca de que fazem parte de um corpo social heterogêneo, mas que deve saber<br />

lidar com as diferenças, também não resta dúvida de que o ambiente educacional<br />

comum precisa sofrer certas intervenções (físicas, estruturais, pedagógicas, etc.) de<br />

modo a melhor recepcionar alunos com necessidades especiais.<br />

(2016, p.06):<br />

Em verdade, não é possível esquivar-se da conclusão exposta por Rocha<br />

A inclusão social é manifestação do princípio da igualdade m<strong>ate</strong>rial e não há<br />

dúvidas entre os especialistas em educação que a escola regular é sempre o<br />

melhor lugar para as pessoas com deficiência, mas para tanto, requer que a<br />

rede escolar esteja preparada para oferecer e respeitar as condições peculiares<br />

de cada uma delas. Assim, não basta estar com as portas abertas para receber<br />

qualquer criança, pois estaria nestas condições ampliando as diferenças e<br />

promovendo a desigualdade.<br />

Nessa senda, deve-se investigar até que ponto as práticas educacionais<br />

atuais, tanto na seara pública quanto na privada, têm se desenvolvido no sentido de<br />

41


fornecer condições de possibilidade para o sistema educacional inclusivo, desenhado no<br />

Estatuto da Pessoa com Deficiência, o qual homenageie o princípio da igualdade e<br />

conviva, harmonicamente, sem perder o respeito à diferença.<br />

Especificamente, quanto ao direito à educação, a Lei Brasileira de Inclusão<br />

da Pessoa com Deficiência dedica à matéria os <strong>artigos</strong> 27 e seguintes (Capítulo IV),<br />

ressaltando, entre outros pontos de exacerbada relevância, que é dever do Estado, da<br />

família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar a educação de qualidade à<br />

pessoa com deficiência, em prol de um ambiente educacional livre de negligência,<br />

discriminação e outras condutas perniciosas, conforme se percebe a partir da leitura do<br />

seu artigo 27 (BRASIL, 2015, não <strong>pagina</strong>do):<br />

Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurando<br />

sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de<br />

toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus<br />

talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas<br />

características, interesses e necessidades de aprendizagem.<br />

Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da<br />

sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência,<br />

colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.<br />

Ou seja, almeja-se a concepção de um ambiente educacional inclusivo,<br />

voltado à universalidade, apto a ser usado por todas as pessoas, sem obstáculos de<br />

quaisquer naturezas, até mesmo em homenagem ao princípio constitucional da<br />

isonomia, estabelecido no artigo 5º, caput, da Constituição Federal (BRASIL, 1988, não<br />

<strong>pagina</strong>do):<br />

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer<br />

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País<br />

a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à<br />

propriedade, (...) (Grifo nosso).<br />

A própria Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU,<br />

2007, não <strong>pagina</strong>do) aponta, no tocante ao direito à educação, que o Estado precisa<br />

perseguir objetivos estratégicos, visando à eliminação da discriminação no ambiente<br />

educacional, senão veja-se:<br />

42


Artigo 24<br />

Educação<br />

1. Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à<br />

educação. Para efetivar esse direito sem discriminação e com base na<br />

igualdade de oportunidades, os Estados Partes assegurarão sistema<br />

educacional inclusivo em todos os níveis, bem como o aprendizado ao longo<br />

de toda a vida, com os seguintes objetivos:<br />

a) O pleno desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e<br />

autoestima, além do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas<br />

liberdades fundamentais e pela diversidade humana;<br />

b) O máximo desenvolvimento possível da personalidade e dos talentos e da<br />

criatividade das pessoas com deficiência, assim como de suas habilidades<br />

físicas e intelectuais;<br />

c) A participação efetiva das pessoas com deficiência em uma sociedade<br />

livre.<br />

(...).<br />

Nesse contexto, torna-se oportuno mencionar, inclusive, que é conduta<br />

proibida, no âmbito das instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino,<br />

a cobrança de valores adicionais, supostamente derivados da condição de deficiência do<br />

aluno, embutidos em suas mensalidades, anuidades e matrículas, visando ao<br />

cumprimento das determinações estampadas no artigo 28 da Lei Brasileira de Inclusão<br />

da Pessoa com Deficiência.<br />

Impende, ainda, destacar que, não obstante incumba ao poder público, de<br />

forma principal, assegurar e desenvolver o sistema educacional inclusivo, também cabe<br />

à iniciativa privada, por intermédio das instituições particulares de ensino, filiar-se às<br />

diretrizes e normas estabelecidas pelo Estatuto da Pessoa com deficiência.<br />

Por outro lado, quando tal alinhamento não se dá de maneira voluntária e<br />

referidas instituições privadas optam pela provocação do Poder Judiciário a fazer o<br />

controle de legalidade/constitucionalidade das regras educacionais inclusivas presentes<br />

no Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015) e em outros corpos<br />

normativos que versam sobre a mesma matéria, ganha relevo a análise da influência e<br />

consequências deste controle judicial, manifestado, no caso do vertente estudo, através<br />

de decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.<br />

43


ANÁLISE PRELIMINAR DE ALGUMAS DECISÕES JUDICIAS,<br />

PROFERIDAS PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO<br />

MARANHÃO, VOLTADAS À GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO PARA<br />

A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.<br />

Conforme dito anteriormente, o intuito específico do presente artigo é expor<br />

de que maneira o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, ao deparar-se com<br />

conflitos judiciais atinentes ao sistema educacional inclusivo para a pessoa com<br />

deficiência na cidade de São Luís/MA, tem atuado e conduzido sua atividade<br />

jurisdicional.<br />

Obedecendo à proposta original deste artigo, já enunciada em suas primeiras<br />

linhas, as análises serão focadas nos processos judiciais (ações, recursos e<br />

manifestações congêneres) oriundos da iniciativa privada, por intermédio das<br />

instituições particulares de ensino ou de Sindicatos representativos de tais instituições,<br />

fazendo-se, oportunamente, a ressalva de que ainda se trata de uma análise preliminar,<br />

proveniente de pesquisa ainda em fase inicial de desenvolvimento, a qual servirá como<br />

ponto de partida para um estudo mais amplo e verticalizado sobre a matéria.<br />

Pois bem. Quando se realiza uma pesquisa ao repositório virtual de decisões<br />

do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, disponibilizado no site da instituição,<br />

logo surgem diversas decisões relacionadas à adaptação física/arquitetônica de prédios<br />

públicos, inclusive de escolas, situação que, apesar de louvável, corresponde apenas a<br />

um ponto de partida, visto que dar máxima efetividade ao direito à educação implica na<br />

obrigatoriedade do fornecimento de iguais condições de acesso e permanência no<br />

ambiente escolar, exigíveis tanto do poder público quanto da iniciativa privada,<br />

garantindo-se, assim, <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado aos alunos com<br />

deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino, visando à superação, não de<br />

meros obstáculos físicas.<br />

De todo modo, destaca-se que a superação de barreiras arquitetônicas, que<br />

impeçam o acesso amplo à oferta de serviços educacionais oferecidos pelo Estado do<br />

44


Maranhão, já foi enfrentada, algumas vezes, pelo Tribunal de Justiça local, o qual, em<br />

oportunidade mais recente, invocando o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº<br />

13.146/2015), reafirmou a obrigação do ente estatal de viabilizar o amplo acesso aos<br />

prédios públicos, conforme abaixo se observa (TJMA, 2016, não <strong>pagina</strong>do):<br />

EMENTA PROCESSO CIVIL. REMESSA NECESSÁRIA.<br />

CONDENAÇÃO DO ESTADO DO MARANHÃO A PROCEDER À<br />

ADEQUAÇÃO DOS PRÉDIOS PÚBLICOS PARA GARANTIR<br />

ACESSIBILIDADE DE PORTADORES DE DEFICIENCIA.<br />

SENTENÇA MANTIDA. REMESSA NECESSÁRIA CONHECIDA E<br />

IMPROVIDA. UNANIMIDADE.<br />

I. Com espeque na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência<br />

e seu Protocolo Facultativo foi instituída a Lei Brasileira de Inclusão da<br />

Pessoa com Deficiência, conhecida como Estatuto da Pessoa com<br />

Deficiência, a qual estabelece em seu artigo 2º que pessoa com deficiência<br />

é "aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física,<br />

mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais<br />

barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em<br />

igualdade de condições com as demais pessoas".<br />

<strong>II</strong>. A fim que o princípio da isonomia seja efetivo entre todos os brasileiros<br />

necessária se faz a realização de políticas públicas para inclusão e pleno<br />

exercício dos direitos das pessoas portadoras de deficiências, em especial<br />

o livre acesso aos prédios públicos para regularização de situações de seu<br />

interesse pessoal ou para percepção de serviços públicos, como saúde,<br />

educação, etc.<br />

<strong>II</strong>I. Sentença mantida. IV. Remessa necessária conhecida e improvida.<br />

Unanimidade (ReeNec 0128222016, Rel. Desembargador(a) RAIMUNDO<br />

JOSÉ BARROS DE SOUSA, QUINTA CÂMARA CÍVEL, julgado em<br />

30/05/2016, DJe 02/06/2016)<br />

Por outro lado, obedecendo aos limites do artigo exposto, opta-se por<br />

analisar, de forma específica, uma das vedações mencionados na Lei Brasileira de<br />

Inclusão da Pessoa com Deficiência, qual seja, aquela que afirma ser conduta proibida,<br />

no âmbito das instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, a<br />

cobrança de valores adicionais (taxas e outros encargos específicos de mesma natureza),<br />

supostamente derivados da condição de deficiência do aluno, embutidos em suas<br />

mensalidades, anuidades e matrículas, visando ao cumprimento das determinações<br />

estampadas no artigo 28, parágrafo primeiro, do referido Diploma Legal (BRASIL,<br />

2015, não <strong>pagina</strong>do):<br />

45


Art. 28. (...)<br />

§ 1 o Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino,<br />

aplica-se obrigatoriamente o disposto nos incisos I, <strong>II</strong>, <strong>II</strong>I, V, V<strong>II</strong>, V<strong>II</strong>I, IX,<br />

X, XI, X<strong>II</strong>, X<strong>II</strong>I, XIV, XV, XVI, XV<strong>II</strong> e XV<strong>II</strong>I do caputdeste artigo, sendo<br />

vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas<br />

mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações.<br />

Com efeito, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, no dia<br />

24/11/2015, julgou processo (recurso) promovido por uma instituição privada de ensino.<br />

Em apertada síntese, a escola em questão questionou, judicialmente, decisão proferida<br />

pelo Juízo da 1ª Vara da Infância e da Juventude da cidade de São Luís/MA, que<br />

compeliu a mesma ao custeio de profissional para exercer a função de tutor, bem<br />

como a proporcionar acompanhamento especializado para criança lá matriculada,<br />

fornecendo, ainda, os meios necessários ao exercício da aprendizagem (meios técnicos e<br />

pedagógicos).<br />

Na mesma decisão, também se proibiu aquela instituição de ensino de<br />

realizar cobrança de valores divergentes ou superiores ao pactuado no contrato de<br />

prestação de serviço, devendo prevalecer o valor da mensalidade normal. A posição<br />

do Tribunal de Justiça ora comentada foi publicada no Diário da Justiça de 30/11/2015,<br />

apresentando a seguinte ementa (TJMA, 2015, não <strong>pagina</strong>do):<br />

DIREITOS HUMANOS, DIFUSOS E COLETIVOS. ENSINO.<br />

ESCOLA PARTICULAR. CRIANÇA PORTADORA DE<br />

NECESSIDADES ESPECIAIS. CONTRATAÇÃO DE TUTOR.<br />

CONVENÇÃO DE NOVA YORK. ART. 5º, 3º, CF. PRINCÍPIO DA<br />

SOLIDARIEDADE. DEVER DE INCLUSÃO.<br />

I.A Convenção Internacional da ONU sobre os Direitos das Pessoas com<br />

Deficiência (Convenção de Nova York), recepcionada no ordenamento<br />

jurídico pátrio com força de Emenda Constitucional, nos termos do art. 5º,<br />

§3º, da CF/88, contempla a isonomia entre as pessoas com e sem deficiência.<br />

<strong>II</strong>. Da exegese do texto constitucional depreende-se que aos portadores de<br />

necessidades especiais devem ser garantidos os recursos educativos<br />

necessários ao pleno desenvolvimento como pessoa humana, ainda em que<br />

instituições de ensino privadas, visto que estas também se obrigam a conferir<br />

tratamento isonômico para acesso e permanência destes alunos na escola.<br />

<strong>II</strong>I. A Lei do Estado do Maranhão nº10.130/2014, proíbe a cobrança de taxa<br />

de reserva ou sobretaxa, bem como a cobrança de quaisquer valores<br />

adicionais para matrícula, renovação de matrícula ou mensalidade de<br />

estudantes portadores de necessidades especiais.<br />

IV. A recente Lei Federal nº 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com<br />

Deficiência), assegurou expressamente, em seu art. 28, §1º, o dever das<br />

escolas particulares ofertarem profissionais de apoio escolar, vendando,<br />

para tanto, a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em<br />

suas mensalidades, anuidades e matrículas.<br />

46


V. As instituições particulares de ensino estão, pois, proibidas de realizar a<br />

cobrança adicional, devendo ser computados no orçamento geral da escola<br />

eventuais despesas suplementares ao aparelhamento indispensável às pessoas<br />

com deficiência, na medida em que obrigada a oferecer a estrutura adequada<br />

a todos os seus alunos, contemplando todas as deficiências. VI. Agravo<br />

improvido.<br />

(TJMA. AI 0095072015, Rel. Desembargador(a) ANTONIO GUERREIRO<br />

JÚNIOR, SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, julgado em 24/11/2015, DJe<br />

30/11/2015)<br />

(Grifo nosso)<br />

É importante mencionar que não se desconhece a possibilidade de decisões<br />

proferidas por Tribunais Estaduais (2º grau de jurisdição) sofrerem reformas ou<br />

modificações completas por órgãos do Poder Judiciário de instância superior (Superior<br />

Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal), mas não se pode negar a importância<br />

da posição firmada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, a qual reafirma<br />

direitos e vedações estampadas no recente Estatuto da Pessoa com Deficiência.<br />

No mesmo sentido, uma rápida consulta ao sítio virtual do Tribunal de<br />

Justiça do Estado do Maranhão, indica que, no mês de março do corrente ano, referida<br />

Corte Judicial julgou ação movida pelo Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do<br />

Estado do Maranhão, tendente a questionar a constitucionalidade de uma Lei Estadual<br />

proibitiva da cobrança de taxas adicionais, na rede privada de ensino, para estudantes<br />

com Síndrome de Down. Eis o teor da notícia em comento (TJMA, 2016, não<br />

<strong>pagina</strong>do):<br />

TJMA julga improcedente ação que questiona proibição de taxas<br />

adicionais a pessoas com deficiência<br />

O Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) julgou improcedente a Ação<br />

Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pelo Sindicato dos<br />

Estabelecimentos de Ensino do Estado do Maranhão, que questiona a Lei<br />

Estadual nº 10130/2014, cujos <strong>artigos</strong> 1º e 2º proíbem a cobrança de taxa de<br />

reserva, sobretaxa ou quaisquer valores adicionais para a matrícula,<br />

renovação de matrícula ou mensalidade de estudantes com Down, autismo,<br />

transtorno invasivo ou outras síndromes.<br />

(...)<br />

O desembargador afirmou que, no sistema privado de ensino, o pagamento da<br />

mensalidade está assegurado nos mesmos valores e condições daqueles<br />

previstos para os alunos não deficientes, não havendo razão para se falar em<br />

violação à Constituição Estadual.<br />

47


“No contexto da efetiva promoção da dignidade das pessoas com deficiência<br />

e da eliminação do abismo de desigualdade existente em relação aos não<br />

portadores, a lei deve ser aplicada para concretizar valores constitucionais,<br />

como a cidadania, a igualdade m<strong>ate</strong>rial e a dignidade da pessoa humana”,<br />

frisou o magistrado.<br />

Assessoria de Comunicação do TJMA<br />

Com efeito, o produto final do julgamento promovido pela Corte de Justiça<br />

local apresentou o seguinte teor (TJMA, 2014, não <strong>pagina</strong>do):<br />

EMENTA- AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI<br />

ESTADUAL QUE VEDA O PAGAMENTO DE VALOR ADICIONAL<br />

PARA MATRÍCULA, RENOVAÇÃO DE MATRÍCULA E<br />

MENSALIDADE PARA ESTUDANTES PORTADORES DE<br />

NECESSIDADES ESPECIAIS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL<br />

E MATERIAL. AUSÊNCIA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. 1.Lei<br />

estadual que determina a proibição de cobrança de taxa de reserva, sobretaxa<br />

ou qualquer valor adicional para a realização de matrícula, renovação de<br />

matrícula e mensalidade de alunos portadores de necessidades especiais não<br />

viola a Constituição Estadual, ao contrário reafirma o compromisso do<br />

Estado Brasileiro com as políticas de inclusão social das pessoas deficientes.<br />

2. Insere-se na competência legislativa concorrente da União, dos Estados e<br />

do Distrito Federal a proteção e integração social da pessoa portadora de<br />

deficiência.<br />

3. Ação Direta julgada improcedente, com efeitos ex nunc. Unanimidade<br />

(TJMA. ADI nº 9654-70.2014.8.10.000 - 51.402/2014 - São Luís. Des. Paulo<br />

Sérgio Velten Pereira).<br />

A rigor, torna-se imperioso frisar que o questionamento judicial originador<br />

da decisão acima citada partiu de inconformismo com a Lei Estadual nº 10.130/2014,<br />

publicado com o fito de proibir a cobrança de taxas ou qualquer valor adicional para<br />

aluno com deficiência, ou seja, formalmente, não afrontou, de forma expressa, o artigo<br />

28 do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei Federal).<br />

Entretanto, como as normas jurídicas (a estadual e a federal) em questão<br />

possuem teor semelhante (vedam cobrança, por parte de instituições de ensino privadas,<br />

de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e<br />

matrículas), entende-se que tal posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do<br />

Maranhão também se revela consentâneo com os princípios e diretrizes gerais da Lei<br />

Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015).<br />

48


CONCLUSÃO<br />

A leitura e análise dos dados catalogados, somadas à fundamentação teórica<br />

registrada neste artigo, apontam para a conclusão segundo a qual o Poder Judiciário, por<br />

meio do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, apresentando fundamentação<br />

jurídica adequada, atuação satisfatoriamente no sentido de garantir a vigência das<br />

normas contidas no Estatuto da Pessoa com Deficiência, notadamente aquela proibitiva<br />

da cobrança de valores adicionais, por parte das instituições de ensino particulares, por<br />

ser o aluno matriculado pessoa com deficiência.<br />

Sabe-se, entretanto, que a efetivação de direitos fundamentais pela via<br />

processual depende de esforços concentrados não só do Poder Judiciário, mas também<br />

dos outros componentes do Sistema de Justiça Estadual, a saber, o Ministério Público,<br />

as Procuradorias do Estado do Maranhão e do Município de São Luís, da OAB, da<br />

Defensoria Pública, etc.<br />

Por fim, indica-se, através da pesquisa em tela, que, não obstante os dados<br />

preliminares indicativos do posicionamento do Tribunal de Justiça do Estado do<br />

Maranhão revelarem comportamento institucional consentâneo com os princípios e<br />

diretrizes gerais da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146,<br />

de 6 de julho de 2015), algumas ações judiciais intentas no interesse de pessoas com<br />

deficiência, demoraram a ser julgadas, o que pode gerar perpetuação da violação de tais<br />

direitos e garantias, em total prejuízo dos mais interessados, quais sejam, cidadãos<br />

acometidos por impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou<br />

sensorial.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.<br />

Brasília, DF: Senado, 1988.<br />

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da<br />

Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da<br />

União, 6 jul. 2015. Disponível em:<br />

49


. Acesso<br />

em: 20 maio. 2016.<br />

COSTA, Denise Souza. Direito fundamental à educação, democracia e<br />

desenvolvimento sustentável. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011<br />

GOMES, Maria Tereza Uille. Direito humano à educação e políticas públicas.<br />

Curitiba: Juruá, 2009.<br />

GOMES, Sérgio Alves. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o<br />

direito fundamental à educação. Revista de Direito Constitucional e Internacional,<br />

vol. 51. p. 53-101. São Paulo: Ed. RT, abr. 2005.<br />

MENDES, E.G. A radicalização do deb<strong>ate</strong> sobre inclusão escolar no Brasil. Revista<br />

Brasileira de Educação, Belo Horizonte, v.11, n.33, 2006, p. 387-395.<br />

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Convenção sobre os Direitos da<br />

Pessoa com Deficiência. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 20 maio. 2016.<br />

ROCHA, Marcelo Hugo da.Do direito fundamental à educação inclusiva e o Estatuto da<br />

Pessoa com Deficiência. Revista dos Tribunais online, São Paulo, vol. 963. Jan. 2016.<br />

Disponível em: .<br />

Acesso em: 20 maio 2016.<br />

ROLLA, Gustavo Augusto Pereira de Carvalho. A Convenção Internacional sobre os<br />

Direitos das Pessoas com Deficiência no contexto do direito internacional dos direitos<br />

humanos. In: ALMEIDA, Gregório Assagra de et al (coord.). Direitos das pessoas com<br />

deficiência e dos idosos. Belo Horizonte: Del Rey, 2013.<br />

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO, 2014. TJMA julga<br />

improcedente ação que questiona proibições de taxas adicionais a pessoas com<br />

deficiência, 2016. Disponível em:<br />

. Acesso em: 26<br />

maio 2016.<br />

50


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO, 2016. Disponível em:<br />

. Acesso em: 24 out 2016.<br />

51


A LEI DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A INTEGRAÇÃO CIDADÃ DOS<br />

POVOS INDÍGENAS<br />

THE LAW OF ENVIRONMENTAL EDUCATION AND THE CITIZEN<br />

INTEGRATION OF INDIGENOUS PEOPLES<br />

Maria Cecília de Freitas Borges<br />

Graduanda em Design - Universidade Federal do Maranhão<br />

Helena Miréia Rocha da Silva<br />

Aluna do curso técnico em Aquicultura - Instituto Federal de Educação, Ciência e<br />

Tecnologia do Maranhão<br />

Kleycilene de Jesus Nunes Santos<br />

Aluna do curso técnico em Meio Ambiente - Instituto Federal de Educação, Ciência e<br />

Tecnologia do Maranhão<br />

Cecília Maria Cardoso Freitas Borges<br />

Orientadora. Especialista em Direito Processual Civil e Direito Civil - Instituto Federal<br />

de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão<br />

Eixo 1- Arte, Tecnologia e Educação.<br />

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo a realização de um estudo do conjunto<br />

das normas que tratam do acesso à educação ambiental, no intuito de incentivar o<br />

exercício multidisciplinar da cidadania às comunidades tradicionais. Buscaremos<br />

melhor esclarecer as bases da necessária disseminação do conhecimento da lei de<br />

educação ambiental e outros diplomas normativos sobre o tema no ensino fundamental<br />

e médio no Brasil, principalmente, nos núcleos de educação indígena. Nesse sentido,<br />

focaremos na apresentação normativa, aspectos sociais e históricos para apropriação de<br />

conhecimento sobre a proteção ambiental como pontos marcantes no decorrer do século<br />

XXI, visto que não é mais possível um planejamento ambiental, necessidade primordial<br />

dos povos indígenas, sem considerar o prisma econômico-social dessas populações que<br />

vivem em situação de “quase exclusão do exercício de direitos”. O presente estudo<br />

ganha relevância na medida em que se observa que o planejamento da política<br />

52


educacional, nessa seara, pouco ou quase nada evoluiu em nosso país, sendo certo que<br />

de grande importância à disseminação dos fundamentos da lei educação ambiental nos<br />

currículos da educação básica. Essa providência apresenta-se como partes da solução<br />

das dificuldades apontadas eobjetiva, buscar direcionamentos, indicativos e metas que<br />

possam servir de termômetro para se verificar a existência de avanços nessa seara de<br />

conhecimento e assim contribuir para o acesso a direitos aos cidadãos dessas<br />

comunidades tradicionais o quais possam vir a se tornarem agentes transformadores de<br />

uma realidade negativa e preconceituosa imposta há diversas gerações.<br />

Palavras-chave: Cidadania. Povos indígenas. Educação ambiental.Transformações<br />

sociais.<br />

ABSTRACT: The present paper presents the a work with main objectives principles<br />

that cre<strong>ate</strong> bases to environmental rights and propositions of its laws, in order to<br />

promote incentives for the endorsement of multidisciplinary civil rights to traditional<br />

communities. This work tries to clarify the pillars for necessary dissemination for<br />

acknowledgment of laws and other juridical instruments about the theme in educational<br />

Brazilian system, mainly, for the indigenous education. By this perspective, the main<br />

focus at this normative presentation, social and historic aspects for the appropriation of<br />

knowledge about the environmental protection as main points during the 21srt century,<br />

since is not possible profound planning, primary necessities for indigenous people,<br />

without considering economical and social prism for this population without living<br />

under strong exclusion of rights. The present research acquires relevance according the<br />

fundaments for environmental education at the curriculum of basic education. This<br />

providence is presented as part of the solution for the difficulties and objectives pointed,<br />

as it was told, search for direction, indicatives and goals that can be used as parameter to<br />

verify improvements in this field and accordingly contribute to the access of citizens<br />

laws in this traditional communities as they could become active agents in a negative<br />

reality imposed by many generations.<br />

53


Keywords: Citizenship. Indigenous People.Environment Education.Social<br />

Transformation.<br />

INTRODUÇÃO<br />

No conceito do artigo 1º da lei de educação ambiental:<br />

Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o<br />

indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos,<br />

habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio<br />

ambiente, sendo este bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade<br />

de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999).<br />

A educação deve possibilitar o desenvolvimento do pensamento crítico a partir<br />

da compreensão sobre as diferenças do mundo do trabalho e suas transformações<br />

educacionais, sociais e multiculturais que historicamente se cria na sociedade. A<br />

implantação da educação ambiental em todas as modalidades de ensino e em particular<br />

a indígena, advêm das políticas das diversas constituições anteriores a de 1988 e leis<br />

esparsas que erroneamente traziam em seus <strong>artigos</strong> uma forçosa integração que<br />

descaracterizava as diversas culturas indígenas sem preocupação com suas linguagens,<br />

modos e costumes e consequentemente perdiam-se em seus objetivos. A educação<br />

ambiental orienta-se pelo princípio democrático-cidadão da emancipação e da<br />

autonomia das pessoas e grupos envolvidos e sua implementação configura um<br />

permanente processo de sensibilização e formação de uma consciência crítica e cidadã,<br />

voltada para proposição e execução de políticas públicas com qualidade, mediante o<br />

acesso aos conhecimentos universais com processos próprios de aprendizagem que<br />

valorizem conhecimentos e práticas tradicionais. Possuem um papel fundamental na<br />

desmistificação de supostas diferenças multietnicas preconceituosas as várias etnias de<br />

povos indígenas sendo esse estudo um importante instrumento na construção de valores<br />

e atitudes, que permitam um olhar mais crítico e reflexivo sobre as leis, acesso ao<br />

desenvolvimento econômico social no país através aprendizagens tais como ética,<br />

valores dos bens ambientais e políticas públicas de preservação dos biomas.<br />

54


A educação ambiental deve ser um componente essencial: vejamos artigo 3º lei<br />

educação ambiental: “A educação ambiental será desenvolvida como uma prática<br />

educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino<br />

formal” (BRASIL, 1999). Portanto, deve, obrigatoriamente ser integrante da educação<br />

nacional e indígena, devendo estar presente, de forma autônoma em todos os níveis e<br />

modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal. Os povos<br />

indígenas têm o meio ambiente como parte integrante de sua forma de viver, sua cultura<br />

sua essência e essas modalidades de educação constitui fator de segurança, apropriação<br />

plenas dos valores e bens presentes em suas terras ademais o componente legislativo<br />

advindo com educação ambiental os esclareceriam de direitos e deveres proporcionando<br />

a consciência plena de valores de bens ambientais.<br />

JUSTIFICATIVA<br />

Os estudos jurídicos voltados, exclusivamente para os índios e sua realidade são<br />

muito poucos em nossa literatura especializada. Infelizmente essa lacuna em nosso<br />

universo ainda está longe se ser superada e, em realidade, a sociedade, ao longo dos<br />

tempos, não têm demonstrado muito interesse, seja pela vida dos indígenas e o direito<br />

que envolve suas causas e afrontas. O reconhecimento à diferença, identidade,<br />

capacidade cível com as devidas ressalvas e a apropriação de suas terras com as<br />

titulações são os pontos cruciais de todo direito indigenista. Os obstáculos ao<br />

reconhecimento aos seus direitos apontam um forte direcionamento de cunho racista.<br />

A localização de suas terras, com florestas nativas, ativa cobiça de madeireiros,<br />

exploração de suas reservas minerais, pois essas populações foram expurgadas, fugindo<br />

da escravização colonizadora, da faixa litorânea do Brasil e abrigaram-se em regiões<br />

longínquas do país que hoje têm despertado “olhos cobiçosos da mineração agronegócio<br />

e ramo madeireiro”; são terras com potencial recursos de geração de energia elétrica e<br />

as suas próprias formações culturais em saberes de fauna e flora o fizeram ser agentes<br />

de potenciais protetores ambientais. São grandes os impasses na aquisição dos direitos<br />

pois a condição dada aos indígenas pela lei na forma do instituto do direito civil<br />

55


usufruto que significa“direito real sobre coisas alheias, conferindo ao usufrutuário<br />

(pessoa para quem foi constituído o usufruto) a capacidade de usar as utilidades e os<br />

frutos (rendas) do bem, ainda que não seja o proprietário. O usufrutuário tem direito à<br />

posse, uso, administração e percepção dos frutos (rendas)”. Principalmente terras<br />

públicas somente agravam a correta utilização e principalmente a titulação dessas áreas.<br />

A crise secular agrária do Brasil põe na mesma situação indígenas e não<br />

indígenas, principalmente quando o poder público, com poder de fiscalização e proteção<br />

policial impossibilita a defesa desses povos contra violentas invasões as suas terras. A<br />

expansão do agronegócio a partir da década de 1970, anteriores campanhas<br />

governamentais do regime militar de 1964, distribuindo terras ao longo da estrada<br />

transamazônica, com a propaganda de “vamos povoar a Amazônia” trouxe sérias<br />

implicações no deslocamento de comunidades indígenas, doenças, aculturamento e<br />

perdas de seus valores e identidades. Esses povos que habitam as regiões amazônicas e<br />

interiores do Brasil têm uma íntima relação com a natureza, preservação do meio<br />

ambiente e aplicações reais de princípios da ecologia pois guardam aproximação com a<br />

natureza e com o meio ambiente. Os povos indígenas e os habitantes das florestas e<br />

interiores do Brasil, desde que compreendidos em suas diferenças em relação a<br />

sociedade, têm uma função a desempenhar com conhecimentos da diversidade<br />

medicinal da flora, utilização, aproveitamento racional da biodiversidade existente na<br />

floresta, em especial na floresta amazônica.<br />

A Constituição Federal ao afirmar que:<br />

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em<br />

caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as<br />

imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu<br />

bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus<br />

usos, costumes e tradições (BRASIL, 1988).<br />

Reconhece a importância dos índios para perpetuação do meio ambiente numa<br />

interdependência complexa entre esses e a natureza. O aumento do contingente da<br />

população mundial, avanços de fronteiras agrícolas e falta de políticas agrárias<br />

conscientes no país modificam, forçosamente, o isolamento, a preservação da identidade<br />

56


cultural desses povos. A república brasileira é signatária da Convenção nº. 169 da<br />

Organização Internacional do Trabalho (OIT) - Convenção relativa aos povos indígenas<br />

e tribais em países independentes que institui que “deverão ser adotadas medidas<br />

especiais que sejam necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as<br />

culturas e o meio ambiente dos povos signatários interessados” (BRASIL, 2004).Não se<br />

pode deixar de mencionar, toda problemática da presença indígena em diversas regiões<br />

de fronteiras brasileiras e de suas implicações em temas como soberania e defesa militar<br />

nacional. Embora a marginalização desses povos seja evidente, em várias esferas tais<br />

como as do próprio Estado, nas leis, mídias e na sociedade em geral não resta dúvida<br />

que esses povos estão inseridos no enriquecimento cultural e sociológico do Brasil e<br />

ocupam posição estratégica na construção da República Federativa como nação e estado<br />

democrático.<br />

DESENVOLVIMENTO<br />

A Carta Constitucional no artigo 225º ao se referir à proteção sistemática ao<br />

meio ambiente o faz trazendo como ponto de suma importância o pleno<br />

desenvolvimento da educação ambiental advindo das instituições públicas, privadas e da<br />

coletividade. No artigo 206º dessa carta, a educação é norteada por princípios como<br />

liberdade, Igualdade, pluralismo de concepções pedagógicas e dignidade da pessoa<br />

humana. A Constituição ao referir-se a Educação o faz em amplo aspecto, pois os<br />

estende aos nacionais, aos indígenas, estrangeiros sem destinações de grupos<br />

específicos. Não há dicotomia dentro do documento constitucional quando o tema é<br />

educação, mas na realidade, nos seios das demandas sociais, mesmo com a lei maior<br />

promulgada concedendo acesso pleno à educação com princípios equitativos<br />

distribuídos igualmente a todas manifestações sociais com reclamos de uma pedagogia<br />

educacional aos saberes ocorreram no intuito de refletir como se construir, na prática,<br />

uma sociedade livre, justa e solidária tendo esse documento que ser complementado<br />

57


com a promulgação de uma série de leis especiais, estatutos, tratando, exatamente, de<br />

temas educacionais.<br />

As leis têm propósitos de promoverem o bem de todos, sem preconceitos de<br />

origem, raça, sexo, etnias e quaisquer outras formas de discriminação na afirmação da<br />

Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer<br />

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a<br />

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade,<br />

nos termos seguintes” (BRASIL, 1988). Essa igualdade é de tempos bem recentes de<br />

Regime Democrático Republicano, pois que os direitos de cidadania nunca foram tão<br />

explicitados numa Constituição como na carta de 1988. Sabemos que há diversas<br />

formas de discriminações <strong>ate</strong>ntatórias aos direitos de cidadania e das comunidades<br />

tradicionais o que inclui as indígenas e isso ocorre há muitos séculos, desde o grande<br />

expurgo das colonizações, sem que houvesse sido dada, possibilidade de manifestaremse<br />

as populações menos favorecidos. Os reclamos sociais, de uma comunidade tão<br />

massacrada puderam, finalmente, serem instituídos legalmente num documento formal<br />

como a Constituição do Brasil. No entanto tiveram sua efetividade, totalmente,<br />

postergadas no intuito de proteção de interesses capitalistas globalizantes escusos na<br />

política pública educacional do país.<br />

Ao longo das tentativas de assegurar os direitos instituídos nas leis e Constituições<br />

quanto ao reconhecimento de identidade cultural dos povos indígenas no Brasil<br />

observamos o quanto esses são suplantados ante a “população civilizada e as<br />

instituições ditas protetivas de seus direitos inerentes a existência digna” (Miralé, 2014)<br />

que dentre as sete cartas magnas anteriores pouco de institui e menos ainda se executou<br />

em sede de políticas públicas efetivas aos reconhecimento jurídico, educação, saúde e<br />

ou projetos educacionais às várias etnias indígenas existentes no Brasil. Assim Santos<br />

(2004, p. 94)<br />

[...] na adoção do Ato institucional de 1834, quando se transferiu as<br />

assembléias provinciais competência para promover a c<strong>ate</strong>quese e a<br />

civilização do indígena e o restabelecimento da colônia (art. 11 parágrafo.<br />

58


5º). Certamente, o que interessava mesmo ao legislador, nesse momento, era<br />

estabelecimento de colônia, ou seja, a promoção da imigração européia, que<br />

afinal foi feita à custa do esbulhamento de terras indígenas, em particular no<br />

sul do Brasil.<br />

Desde o Código Civil brasileiro, leis como a nº 6.001\73 - Estatuto do Índio e<br />

diversos outro decretos de tutela ao indígena continuaram a ditar normas sobre terras,<br />

cidadania e de proteção e ao mesmo tempo restringindo aos indígenas direito e deveres.<br />

O Código Civil brasileiro ao instituir “que leis especiais tutelarão o direito indígenas”<br />

concedeu-lhes e, concomitantemente, retirou-lhes benefícios, pois suas ações na<br />

aquisições de direitos muitas vezes precisam de agentes públicos validadores,<br />

conciliadores de seus atos uma vez negociações de educação, lucros auferidos de<br />

empreendimentos financeiros em suas terras, documentos de titulações de posse de<br />

terra, negociações e projetos somente podem serem feitos sob outorga de órgãos<br />

públicos como a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Congresso Nacional e ou<br />

Ministério Público Federal, as suas atividades e atos cíveis estão permitidos desde que<br />

sejam convalidados por algumas dessas instituição públicas.<br />

A titularidade das terras das comunidades indígenas a nível do instituto cível da<br />

posse concedidas a essas populações ao invés do documento definitivo de proprietários<br />

da terra como moradores originários do Brasil, têm gerado inúmeros conflitos agrários<br />

com “produtores da expansão das fronteiras agrícolas”. O instituto do “usufruto de uso<br />

das terras”, é uma concessão cível que permite o uso e beneficiamento infinitos da terra<br />

a que é concedida a essas populações, o que por fim trata-se de uma posse provisória<br />

pois que não ocorre a titulação definitiva por parte do Estado sendo esse o eterno<br />

mandatários de direito sobre os povos indígenas. O Estado brasileiro argumenta em<br />

leis, doutrinas a assertiva de que as populações indígenas não podem ter a titulação<br />

definitivas de suas terras, sob argumentação de estarem eternamente dependentes da<br />

proteção deste. Sabemos que Estado brasileiro este sim é o “verdadeiro titular das terras<br />

indígenas podendo demarcar suas terras, realocá-los a qualquer tempo em caso de<br />

necessidade pública [...]”., cabendo aos índios apenas aproveitarem-se do uso da terra<br />

seus frutos e benfeitorias.<br />

59


Na garantia desses direitos importante observar posicionamento da doutrina do<br />

professor Paulo Bessa Antunes (2014, p. 776):<br />

Assim, as normas que tratam do regime de proteção aos indígenas merecem<br />

uma leitura <strong>ate</strong>nta por parte do intérprete, que deve dar o devido relevo ao<br />

fato de que, atualmente, não é plenamente adequada a interpretação que cuida<br />

dos indígenas como meros destinatários da proteção jurídica estatal. Ao<br />

contrário, é necessário encará-los como verdadeiros sujeitos de direitos,<br />

titulares, portanto, de direitos e obrigações, como os relativos ao “usufruto<br />

exclusivo” das terras que tradicionalmente ocupam.<br />

Vejamos a análise dos princípios Constitucionais concernentes ao tema discutido acima.<br />

Artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,<br />

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do<br />

direito à vida, à igualdade, à segurança à propriedade.<br />

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso<br />

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à<br />

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.<br />

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público.<br />

VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização<br />

pública para a preservação do meio ambiente;<br />

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:<br />

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;<br />

<strong>II</strong> - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;<br />

<strong>II</strong>I - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições<br />

públicas e privadas de ensino; (BRASIL, 1988). (grifos nosso).<br />

É importante lembrar que a CF\88 foi elaborada e aprovada no contexto de um<br />

conturbado processo de redemocratização do país. Naquela época lideranças indígenas<br />

caminharam junto ao Congresso Constituinte, legitimas pressões reivindicando a<br />

explicitação de direitos que assegurassem a sua valorização e reconhecimento de<br />

origens.<br />

60


OBJETIVOS GERAIS<br />

A preservação do meio ambiente depende muito da forma de atuação das<br />

gerações atuais e futuras, que estão dispostas a fazer a diferença e diminuir o impacto<br />

ambiental e tenham atitudes responsáveis em relação ao meio ambiente. A educação<br />

ambiental deve despertar e formar a consciência ecológica para o exercício da<br />

cidadania. É um instrumento valioso na geração de atitudes, hábitos e comportamentos<br />

que garantem o respeito ao equilíbrio ecológico e a qualidade do ambiente como<br />

patrimônio da coletividade. A lei dispõe, no artigo 2º: “A educação ambiental é um<br />

componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de<br />

forma reunida, em todos os níveis e modalidade do processo educativo, em caráter<br />

formal e não-formal” (BRASIL, 1999).<br />

Aspecto Formal: Esta se refere ao ensino programa das escolas, em todos os graus, seja<br />

no ensino privado, seja no oficial. A lei 9.795/96 entre as Diretrizes e Bases da<br />

Educação Nacional (BRASIL, 1996), faculta a cada escola propor e aplicar seu<br />

currículo, levando em conta as peculiaridades locais, assim estabelecendo o ensino<br />

individual dos alunos. Associados a isso surgem os Parâmetros Curriculares nacionais<br />

(PCNs), publicados para que cada escola adpte seu currículo a realidade local e à faixa<br />

etária dos alunos.<br />

Aspecto Não-Formal: A educação ambiental refere-se aos processos e as ações de<br />

educação fora do ambiente escolar. É o que vem sendo muito incentivada pela<br />

Organização das Nações Unidas para a Educação e a Ciência (UNESCO) como fator de<br />

desenvolvimento humano continuado. Essa modalidade de educação tem grande<br />

aplicabilidade na educação popular contribuindo para aperfeiçoar a consciência dos<br />

problemas ambientais e para buscar soluções práticas para eles a partir de reflexões e<br />

deb<strong>ate</strong>s dentro da própria comunidade em que o cidadão esta inserido.<br />

A educação ambiental é vista como processo educativo permanente e continuo.<br />

Deve constituir abjeto de preocupação não apenas das instituições escolares, mas<br />

também de outras modalidades de educação de que dispõe a sociedade. De fato, a tarefa<br />

61


de educar não compete somente a família e a escola, mas a toda a sociedade, como os<br />

órgãos governamentais, as associações de bairros, os sindicatos, as instituições<br />

religiosas, as associações empresariais, os grupos políticos, as entidades ambientalistas,<br />

os centros de esportes, lazer, cultura. Essa amplia a noção de pratica educativa além das<br />

demandas do sistema educacional e ultrapassa os objetivos de políticas ambientais<br />

especificas. Os objetivos fundamentais da Educação Ambiental e de sua política são<br />

listados e definidos no art. 5º da Lei 9.795\99 e revelam descortino do legislador em<br />

vista da dinâmica da sociedade brasileira. Por esse motivo, a educação ambiental é de<br />

extrema importância e deve ser abordada nas escolas, para que todos os membros da<br />

sociedade desenvolvam uma consciência responsáveis em relação ao meio ambiente.<br />

Na educação escolar, em todos os níveis e modalidades de ensino, o órgão<br />

Gestor, especialmente, o Ministério da Educação (MEC), tem o dever de apoiar a<br />

comunidade escolar: professores, alunos, diretores e pais á se tornarem educadores<br />

ambientais com uma leitura crítica da realidade. A aprovação da lei nº 9.795, de<br />

27.04.1999 e do seu regulamento, o decreto nº 4.281, de 25.6.2002, estabelecendo a<br />

Política Nacional de Educação Ambiental (PNGA) trouxe grande esperança,<br />

especialmente para os educadores, ambientalista e professores. A presença da educação<br />

ambiental na legislação brasileira, a necessidade dessa prática educativa por toda a<br />

sociedade. Em 1973, com o Decreto nº 73.030, que criou a Secretaria Especial do Meio<br />

Ambiente explicitando, entre suas atribuições, a promoção de esclarecimento e<br />

educação do povo brasileiro para o uso adequado dos recursos naturais, tendo em vista a<br />

conservação do meio ambiente. A lei nº 6.938 de 31.08.1981, que institui, a política<br />

Nacional do Meio Ambiente também evidenciou a capacidade que desejava imprimir a<br />

essa dimensão pedagógica no Brasil, exprimindo, artigo 2°, inciso X a necessidade de<br />

promover a educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da<br />

comunidade, objetivando participação ativa na defesa do meio ambiente. A definição<br />

ambiental é dada no Artigo 1° da Lei nº 9.795/99 como:<br />

Os processos por meio dos quais o individuo e a coletividade construam<br />

valores sociais conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas<br />

62


para a construção do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à<br />

sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999).<br />

Essa definição coloca o ser humano como responsável individual e<br />

coletivamente pela sustentabilidade, ou seja, se fala da ação individual na esfera privada<br />

e de ação coletiva na esfera pública. No Artigo 4° da Lei reforça a contextualização da<br />

temática ambiental nas práticas sociais quando a relação, com enfoque humanista,<br />

histórico, crítico, democrático, participativo, dialógico, cooperativo, respeitando o<br />

pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. O órgão central de gestão do<br />

Planejamento Nacional para Educação Ambiental (PNEA), em âmbito nacional, é<br />

denominado pela Lei como Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental.<br />

Este Órgão Gestor é integrado pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Ministério da<br />

Educação, responsáveis respectivamente pelo âmbito não-formal e formal. Na educação<br />

formal, o Órgão Gestor tem o desafio de apoiar professores no incentivo da leitura<br />

crítica da realidade, sendo educadores ambientais atuantes nos processos de construção<br />

de conhecimentos, pesquisas e atuação cidadã nas comunidades escolares, com base em<br />

valores voltados à sustentabilidade em suas múltiplas dimensões. No âmbito dos<br />

estados, Distrito Federal e municípios cabe aos dirigentes definir “diretrizes, normas e<br />

critérios para a educação ambiental, respeitando os princípios e objetivos da PNEA”<br />

(art. 16). (BRASIL, 1999).<br />

Segundo a legislação que estabelece a PNEA, a definição de diretrizes que<br />

orientem para implementação dessa política em âmbito nacional é atribuição do Órgão<br />

Gestor, ouvidos o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Conselho Nacional de<br />

Meio Ambiente (CNMA). Contudo a legislação que estabelece a PNEA é omissa quanto<br />

à competência normativa e deliberativa do Órgão Gestor, razão pela qual tem se<br />

entendido que a normalização regulamentar para a educação ambiental no âmbito<br />

formal seria competência do CNE, o que estaria em consonância com a lei que cria esse<br />

Conselho e com seu Regimento Interno. Mas é questão dúbia a ser discutida por<br />

docentes, educadores e gestores, devendo ser melhor esclarecida pelo legislativo.<br />

63


OBJETIVOS ESPECÍFICOS<br />

Analisando o ponto de vista legal da educação, verifica-se que escolas indígenas,<br />

comunidades e universidades, em suas funções sociais, caracterizam-se como espaços<br />

democráticos que devem oportunizar as discussões de questões sociais, ambientais e<br />

principalmente possibilitar o desenvolvimento dos pensamentos políticos. Para isso, fazse<br />

necessário que todos que fazem educação no país integrem-se em parâmetros<br />

educacionais ambientais de objetivos comuns de preservação, sustentabilidade e os<br />

contextualize nas diversas modalidades de educação oferecendo caminhos para que a<br />

população brasileira adquiram reais conhecimentos sobre a riqueza ambiental de que o<br />

Brasil é detentor. Proporcionar educação ambiental as comunidades tradicionais e<br />

indígenas é caminhar equitativamente rumo progresso econômico social pois que esse<br />

tem uma profunda ligação com a sustentabilidade e por conseguinte a concomitância no<br />

reconhecimento da soberania nacional através dos meios de proteção dos bens<br />

ambientais.<br />

A função essencial da educação nas comunidades indígenas é disseminar o<br />

empoderamento dessas comunidades, do potencial econômico que possuem e, por<br />

conseguinte, obterem valorização de suas culturas e bens ambientais com difusões de<br />

apropriação sócio-culturais de seus saberes e culturas. Nesse sentido, a educação<br />

ambiental plena aos povos indígenas têm um papel fundamental na desmistificação das<br />

diferenças entre as população “ditas civilizadas” e a população indígena, além de ser<br />

um importante instrumento na construção de valores e atitudes, que permitam um olhar<br />

mais crítico e reflexivo sobre as identidades culturais diferenciadas do modelo comum.<br />

As comunidades escolares ao invés de serem um lugar de práticas de<br />

desigualdades e de produção de preconceitos e discriminações deve abraçar o respeito e<br />

a dignidade de todos os povos que integram o Brasil. Percebe-se, nitidamente, que todos<br />

os <strong>artigos</strong>, resoluções, tratados e convenções nacionais e internacionais que referem-se<br />

ao direito das comunidades tradicionais, que constituíram a população brasileira,<br />

garantem igualdade de acesso a concessão de direitos e deveres a plena educação<br />

64


ambiental. Ao longo das diversas cartas Constitucionais, existentes no Brasil, apesar de<br />

estarem instituídos foram negligenciados esses direitos o que nos faz refletir o quão são<br />

postergados, tratados como favores sociais, a concessão desses direitos fundamentais<br />

nos dias atuais. Fazendo uma análise crítica das leis educacionais anteriores podemos<br />

detectar o quanto a educação no país está atrelada as formas de poderes e sistemas<br />

político-econômicos de interesses escusos do capitalismo globalizado.<br />

65


METODOLOGIA<br />

Utilizando método crítico comparativos das leis objetivas e da melhor doutrina<br />

brasileira observarmos que a Constituição do Brasil em seu art. 225, parágrafo 1º, inciso<br />

IV, estabelece a obrigação do poder público de “promover a educação em todos os<br />

níveis e ensino e a conscientização pública para preservação do meio ambiente”<br />

(BRASIL, 1988). Por sua vez, a lei que institui a política nacional do meio ambiente,<br />

integradora da sistematização ambiental brasileira, que prescreve a necessidade de<br />

implantação da educação em “todos os níveis de ensino” (BRASIL, 1988). Desses<br />

parâmetros de lei devemos incluir, positivamente, a educação das comunidades<br />

tradicionais, indígenas, existentes no Brasil objetivando agregar conhecimentos aliados<br />

aos já existentes, para sejam municiados a terem uma participação ativa na defesa do<br />

meio ambiente.<br />

A legislação ambiental, em todas as leis esparsas, resoluções institui,<br />

pontualmente, a necessidade de “participação coletiva” num ato de referendo público,<br />

antes das construções de grandes empreendimentos causadores de impactos ambientais<br />

significativo. É nas comunidades indígenas e tradicionais mais longínquas do país que<br />

encontram-se as maiores reservas ambientais e construção de grandes obras públicas. A<br />

necessidade urgente de políticas pública educacionais desses povos, na compreensão e<br />

melhoria da defesa do meio ambiente em vivem é o que lhes confere a aquisição desse<br />

direito à educação ambiental com todas as características, especificas, de sua<br />

multidisciplinariedade. Promover o incentivo a participação de audiências públicas e<br />

principalmente, ter esclarecimento para opinar nas decisões, a compreensão dos seus<br />

termos jurídicos, formação de grupos colegiados nos estudos de relatórios de impactos<br />

ambientais (RIMA) são direcionamentos de cidadania das comunidades tradicionais na<br />

promoção, defesa e melhoria da qualidade ambiental das terras em que vivem. O pleno<br />

acesso a educação e especial <strong>ate</strong>nção a educação ambiental confere-lhes fomento a<br />

cidadania planejada, gestão ambiental de suas terras feitas de maneira consciente e<br />

principalmente promovendo os processos participativos cidadãos e com mobilização das<br />

comunidades a que pertence a terra de fato e de direito.<br />

66


A lei de educação ambiental nº 9795\99 com toda sua plenitude de concessões<br />

de direito à proteção do meio ambiente saudável, infelizmente, ainda não se encontra,<br />

ou melhor, foi derrogada, dos currículos educacionais nacionais instituídos na lei de<br />

diretrizes e bases da educação. Tendo somente o “status” de ser trabalhada nesta lei de<br />

forma sutil, associada às outras disciplinas como se diante da gravidade dos fatos ser um<br />

“conhecimento de pouca relevância” para formação cidadã tratado de forma transversal<br />

e indireta. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação brasileira (LDB), artigo 26,<br />

parágrafo 7º, podemos verificar como a lei pátria educacional trata o caso acima<br />

descrito:<br />

Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino fundamental e do<br />

ensino médio devem ter base nacional comum, a ser complementada, em<br />

cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte<br />

diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da<br />

cultura, da economia e dos educandos. (Redação dada pela Lei nº 12.796, de<br />

2013)<br />

§ 7 o Os currículos do ensino fundamental e médio devem incluir os<br />

princípios da proteção e defesa civil e a educação ambiental de forma<br />

integrada aos conteúdos obrigatórios. (Incluído pela Lei nº 12.608, de 2012).<br />

(BRASIL, 1996) (grifo do autor).<br />

Fatos notórios têm demostrado que a inserção das diretrizes da lei de educação<br />

ambiental em toda grade curricular nacional são ações da mais pura demonstração do<br />

poder da efetiva implantação dessa disciplina educativa nos currículos e matrizes de<br />

curso às comunidades tradicionais, pois contribui para formação de cidadãos<br />

conscientes dos valores sociais do meio ambiente, da preservação, habilidades, atitudes<br />

e competências voltadas para a conservação tornando-os aptos a tomarem decisões<br />

coletivas sobre questões ambientais necessárias para o desenvolvimento sustentável<br />

pleno das sociedades em que vivem.<br />

Por esses motivos, a educação ambiental é de extrema importância e deve ser<br />

desenvolvida de maneira autônoma, individual e independente em todos processos<br />

educativos e modalidades. Para que os membros das comunidades indígenas apoderemse<br />

do inteiro valor dos seus bens ambientais e os defendam perante as propostas de<br />

políticas arbitrárias é imprescindível que desenvolvam educação de consciência<br />

67


ambiental e tenham atitudes de apropriação e valores financeiros em relação ao meio<br />

ambiente. É necessário a integração, e esta somente virá através da correta implantação<br />

da educação ambiental em todos os níveis de ensino exatamente como pactuados nas<br />

leis, acordos nacionais e internacionais de preservação ambiental em que o Brasil é<br />

signatário, pois os direcionamentos das políticas, conservacionistas, instituídas nesses<br />

documentos, encontros, reforçam que as diretrizes ambientais devem ser seguidas por<br />

todos. A Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente, ocorrida em 1972, em<br />

Estocolmo-Suécia, protocolo de Kioto e Rio Eco 92 foram grandes encontros<br />

internacionais que abordaram a importância crucial da implantação da Educação<br />

Ambiental a todas as comunidades do mundo. Com a promulgação da lei da Política<br />

Nacional de Educação Ambiental em 1999, constatamos diretrizes importantes nas<br />

políticas públicas integracionistas então presentes nessa lei; e o mais importante: A<br />

certeza, com a mudança de valores e bens da nova ordem mundial priorizando a<br />

sustentabilidade ambiental como fundamento as políticas econômicas justas. Essa lei<br />

não pode ser negligenciada por nenhuma modalidade de educação existente no Brasil.<br />

Vejamos as diretrizes da Agenda 21 documento proveniente do encontro ambiental<br />

mundial Rio Eco 92:<br />

A Agenda 21 é um programa de ações recomendado para todos os países nas<br />

suas diversas instâncias e setores para colocarem em prática a partir da data<br />

de sua aprovação – 14 de junho de 1992 e ao longo de todo século 21.A<br />

seguir reproduzimos o capítulo referente à educação que propõe um esforço<br />

global para fortalecer atitudes, valores e ações que sejam ambientalmente<br />

saudáveis e que apoiem o desenvolvimento sustentável por meio da<br />

promoção do ensino, da conscientização e do treinamento.<br />

(i) Os países e o sistema da Nações Unidas devem aumentar sua interação e<br />

incluir, quando apropriado, as populações indígenas no manejo, planejamento<br />

e desenvolvimento de seu meio ambiente local, e incentivar a difusão de<br />

conhecimentos tradicionais e socialmente transmitidos por meio de costumes<br />

locais especialmente nas zonas rurais, integrando esses esforços com os<br />

meios de comunicação eletrônicos, sempre que apropriado;<br />

l. As autoridades educacionais, com a colaboração apropriada das<br />

organizações não governamentais, inclusive as organizações de mulheres e de<br />

populações indígenas, devem promover todo tipo de programas de educação<br />

de adultos para incentivar a educação permanente sobre meio ambiente e<br />

desenvolvimento, utilizando como base de operação as escolas primárias e<br />

secundárias e centrando-se nos problemas locais [...] sociais. (BRASIL,<br />

1995). (grifo nosso).<br />

68


A educação ambiental é uma ferramenta educativa que contribui para a formação<br />

de cidadãos conscientes de valores social do meio ambiente, da preservação,<br />

habilidades, atitudes e competência voltadas para a conservação e aptos a tomar<br />

decisões coletivas sobre questões ambientais necessárias para o desenvolvimento de<br />

uma sociedade sustentável. Por esses motivos, a educação ambiental é de extrema<br />

importância e deve ser abordada nas escolas, principalmente na educação dos povos<br />

tradicionais e indígenas para que todos os membros da sociedade em conjunto<br />

desenvolvam uma consciência ambiental e tenham atitudes de apropriação dos valores e<br />

políticas públicas aliadas ao meio ambiente. Assim, o art. 231, da Carta Constitucional<br />

atual explicitou, pela primeira vez que “são reconhecidos aos índios sua organização<br />

social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras<br />

que tradicionalmente ocupam, competindo á União demarca-las, proteger e fazer<br />

respeitar todos os seus bens” (BRASIL, 1988).<br />

Dessa forma o documento Constitucional demonstra sua intenção de projetar<br />

para o ramo jurídico normas referentes ao reconhecimento da existência dos povos<br />

indígenas e pré-condições para a sua reprodução e continuidade. Ao reconhecer os<br />

direitos originários dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas. Esse<br />

documento incorporou a teoria da existência de relações jurídicas entre os índios e essas<br />

terras anteriores à formação da Estado brasileiro. Vejamos o que a Constituição Federal<br />

dispõe sobre povos indígenas:<br />

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes,<br />

línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que<br />

tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer<br />

respeitar todos os seus bens.<br />

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas<br />

em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as<br />

imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu<br />

bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus<br />

usos, costumes e tradições.<br />

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse<br />

permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios<br />

e dos lagos nelas existentes.<br />

69


§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais<br />

energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só<br />

podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as<br />

comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da<br />

lavra, na forma da lei.<br />

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os<br />

direitos sobre elas, imprescritíveis.<br />

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad<br />

referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que<br />

ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após<br />

deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o<br />

retorno imediato logo que cesse o risco.<br />

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que<br />

tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere<br />

este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos<br />

nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o<br />

que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a<br />

indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às<br />

benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.<br />

§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.<br />

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas<br />

para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o<br />

Ministério Público em todos os atos do processo. (BRASIL, 1988). (grifo do<br />

autor).<br />

Dos povos indígenas a época da colonização, pouco se conhece sobre suas raízes<br />

culturais visto que muitas guerras, evangelização forçada, escravizações os obrigaram a<br />

refugiarem-se no interior do Brasil. Eram constituídos por diversas etnias com costumes<br />

e peculiaridades específicas não se pode agrupá-los em um único grupo. O instituto do<br />

direito civil adotou, com relação a proteção indígena, o sistema de “usufruto”<br />

compreende “direito a posse, uso e percepção das riquezas naturais e de todas utilidades<br />

existentes nas terras ocupadas, bem assim o produto da exploração econômica de tais<br />

riquezas e naturais e utilidade”, segundo o estatuto do índio lei nº. 6.001\73 artigo 24. A<br />

carta constitucional, em relação ao direito indígena impõe de forma muito clara que toda<br />

e qualquer atividade que possa ser realizada em terra indígena, necessariamente, deve<br />

ter “o consentimento prévio dos indígenas que as habitam” e mais eles devem ter<br />

“participação nos rendimentos econômicos dos frutos e lucros advindos da exploração<br />

de recursos minerais de suas terras” (BRASIL, 1988). Infelizmente a lei nº. 6.001\73, o<br />

chamado estatuto do índio, ainda continua a vigorar em muitos aspectos com relação a<br />

uma forma de pouca autonomia e subespécie de contenção de plenos direitos sob a<br />

70


égide da tutela por parte da União através do Ministério Público federal, Polícia Federal<br />

e acentuadamente pela FUNAI, esta agindo muitas vezes como “mediadora” nos<br />

conflitos indígenas nem sempre agindo com equidade e neutralidade política.<br />

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza m<strong>ate</strong>rial e im<strong>ate</strong>rial, tomados<br />

individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes<br />

grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:<br />

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural<br />

brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas<br />

de acautelamento e preservação.<br />

§ 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.<br />

§ 4º Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.<br />

§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos<br />

quilombos.<br />

Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma<br />

descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas<br />

de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por<br />

objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos<br />

culturais<br />

§ 1º O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de cultura e nas suas diretrizes,<br />

estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e rege-se pelos seguintes princípios:<br />

I - diversidade das expressões culturais,<br />

<strong>II</strong> - universalização do acesso aos bens e serviços culturais;<br />

<strong>II</strong>I - fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais<br />

IV - cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuante<br />

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os<br />

direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las,<br />

proteger e fazer respeitar todos os seus bens.<br />

§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as<br />

utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais<br />

necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos,<br />

costumes e tradições.<br />

§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes<br />

o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.<br />

§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das<br />

riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional,<br />

ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma<br />

da lei.<br />

§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas,<br />

imprescritíveis.<br />

§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso<br />

Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da<br />

soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno<br />

imediato logo que cesse o risco.<br />

§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o<br />

domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos<br />

rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser<br />

71


lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União,<br />

salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.<br />

§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.<br />

Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em<br />

defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.<br />

(BRASIL, 1988). (grifo do autor).<br />

Percebe-se uma nítida contradição legislativa entre o que se institui na lei de<br />

educação ambiental e os direitos inerentes a educação postos na lei de diretrizes e bases<br />

da educação, pois essa como parte do processo educativo mais amplo, ao retirar-se a<br />

obrigatoriedade do ensino de educação ambiental dos currículos de ensino fundamental<br />

e médio estar-se-ia negando o alcance legislativo de que todos teria acesso à educação<br />

ambiental como um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo<br />

estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo<br />

educativo, em caráter formal e não-formal. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação<br />

assim pronuncia-se:<br />

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência<br />

humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da<br />

sociedade civil e nas manifestações culturais.<br />

§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino,<br />

em instituições próprias.<br />

§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.<br />

Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de<br />

solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o<br />

exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.<br />

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:<br />

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;<br />

<strong>II</strong> - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber;<br />

<strong>II</strong>I - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas;<br />

IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;<br />

V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;<br />

VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;<br />

V<strong>II</strong> - valorização do profissional da educação escolar;<br />

V<strong>II</strong>I - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;<br />

IX - garantia de padrão de qualidade;<br />

X - valorização da experiência extra-escolar;<br />

XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais. (BRASIL, 1996). (grifo nosso).<br />

72


Art. 2º - A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação<br />

da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócioeconômico,<br />

aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, <strong>ate</strong>ndidos os<br />

seguintes princípios:<br />

[...]<br />

X - educação ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando<br />

capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente. (BRASIL, 1981).<br />

Na mesma vertente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a lei de Educação<br />

Ambiental assim institui:<br />

Art. 1 o Entendem-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade<br />

constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a<br />

conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua<br />

sustentabilidade.<br />

Art.2 o A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo<br />

estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter<br />

formal e não-formal.<br />

Art. 3 o Como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental,<br />

incumbindo:<br />

I - ao Poder Público, nos termos dos arts. 205 e 225 da Constituição Federal, definir políticas públicas que<br />

incorporem a dimensão ambiental, promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e o<br />

engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente;<br />

<strong>II</strong> - às instituições educativas, promover a educação ambiental de maneira integrada aos programas<br />

educacionais que desenvolvem;<br />

<strong>II</strong>I - aos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - Sisnama, promover ações de<br />

educação ambiental integradas aos programas de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente;<br />

IV - aos meios de comunicação de massa, colaborar de maneira ativa e permanente na disseminação de<br />

informações e práticas educativas sobre meio ambiente e incorporar a dimensão ambiental em sua<br />

programação;<br />

V - às empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, promover programas destinados à<br />

capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e ao controle efetivo sobre o ambiente de trabalho, bem<br />

como sobre as repercussões do processo produtivo no meio ambiente;<br />

VI - à sociedade como um todo, manter <strong>ate</strong>nção permanente à formação de valores, atitudes e habilidades<br />

que propiciem a atuação individual e coletiva voltada para a prevenção, a identificação e a solução de<br />

problemas ambientais.<br />

Art. 4 o São princípios básicos da educação ambiental:<br />

I - o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo;<br />

<strong>II</strong> - a concepção do meio ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio<br />

natural, o sócio-econômico e o cultural, sob o enfoque da sustentabilidade;<br />

<strong>II</strong>I - o pluralismo de idéias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi e<br />

transdisciplinaridade;<br />

IV - a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais;<br />

V - a garantia de continuidade e permanência do processo educativo; (BRASIL, 1996). (grifo nosso).<br />

Todos os <strong>artigos</strong> de lei comentados acima encontram fundamentos na melhor<br />

doutrina que fundamenta os Direitos Humanos visto que esses refletem uma concepção<br />

73


de mundo, de sociedade que se deseja construir e de pessoas que se deseja formar. Não<br />

é uma dádiva, uma inspiração intelectual ou mais um modismo o que fundamenta esse<br />

movimento, mas os próprios processos e aprendizagens acumulados pela humanidade,<br />

nas mais diversas áreas, experiências e descobertas. É um processo de construção<br />

humana, de apreensão e de recriação da realidade.<br />

É principalmente a partir da segunda metade do século XX que o paradigma dos<br />

Direitos Humanos se consolida reunindo referenciais jurídicos, teóricos e empíricometodológicos.<br />

Desde então, ampliou-se o escopo de direitos e hoje trabalhamos com<br />

uma abordagem que reúne não somente os direitos civis e políticos, mas também os<br />

direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais. O princípio máximo desse<br />

paradigma é a universalidade da dignidade humana, sendo considerados a singularidade<br />

de cada indivíduo e seu segmento sociocultural.<br />

Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada. É<br />

principalmente a partir da segunda metade do século XX que o paradigma dos Direitos<br />

Humano se consolida reunindo referenciais jurídicos, teóricos e empíricometodológicos.<br />

Desde então, ampliou-se o escopo de direitos e hoje trabalhamos com<br />

uma abordagem que reúne não somente os direitos civis e políticos, mas também os<br />

direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais. O princípio máximo desse<br />

paradigma é a universalidade da dignidade humana, sendo considerados a singularidade<br />

de cada indivíduo e seu segmento sociocultural.<br />

Nesse sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em<br />

1948, é uma referência basilar na qual encontramos todos os princípios e direitos<br />

expressos. Esse documento é um marco para a humanidade, uma vez que buscou alinhar<br />

as nações a um compromisso de defesa incondicional do direito de todos à vida digna<br />

em qualquer contexto em que ela se encontre. Vejamos parte do conteúdo da Carta de<br />

Viena proclamada em 1993 no Encontro Mundial de Direitos Humanos:<br />

Declaração consolidou uma visão contemporânea de Direitos Humanos marcada pela universalidade, pela<br />

indivisibilidade e pela interdependência. A universalidade implica o reconhecimento de que todos os<br />

indivíduos têm direitos pelo mero fato de sua humanidade [...] A indivisibilidade implica na percepção de<br />

que a dignidade humana não pode ser buscada apenas pela satisfação de direitos civis e políticos [...] Já a<br />

74


interdependência aponta para a ligação existente entre os diversos Direitos Humanos. A efetivação do<br />

voto, que é um direito político, depende da garantia do direito à educação, que é um direito social [...] O<br />

conceito atual de Direitos Humanos foi confirmado com a realização da Conferência Mundial sobre<br />

Direitos Humanos, ocorrida em Viena, em 1993. Naquela ocasião, foram elaborados a Declaração e o<br />

Programa de Ação de Viena. Em seu parágrafo quinto, a Declaração estabelece que: ‘Todos os Direitos<br />

Humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar<br />

os Direitos Humanos globalmente de forma justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma<br />

ênfase’. (ONU, 1993). (grifo nosso).<br />

Podemos afirmar que as diversas comunidades se constituem sobre fundamentos<br />

de laços culturais ancestrais. O grande dilema é estabelecer meios e modos que sejam<br />

capazes de conferir proteção coletiva, dentro do sistema normativo que, infelizmente é<br />

fechado e voltado para a população dita civilizada. A necessidade premente de proteção<br />

jurídica do conhecimento tradicional dos diversos povos que moram no território<br />

brasileiro são antigas reivindicações da sociedade civil, pois é constante a as omissões<br />

governamentais na implantação de políticas públicas efetivas e afronta as comunidades<br />

indígenas que são ameaçadas em virtude da globalização capitalista, esbulho de suas<br />

terras e interesses financeiros internacionais em seus direitos de uso de manipulações de<br />

plantas, medicamentos, práticas com finalidades medicinais e culturais e em especial,<br />

pelo avanço da biotecnologia e das atividades madeireiras e de mineração.<br />

RESULTADOS<br />

Ao se tratar de direito das comunidades indígenas remetermos aos ditames da<br />

Constituição Federal artigo 215 parágrafo 1º, 216 e 232. Conhecimento das populações<br />

tradicionais do Brasil nos termos da lei“[...] é a informação ou prática individual ou<br />

coletiva que vivem em contato direto ou seja as comunidade indígena ou comunidade<br />

local, com valor real ou potencial, associada ao patrimônio genético, diversidade<br />

biológica e ecossistemas não urbanizados (BRASIL, 1988). O sujeito de direito a ser<br />

tutelado, nesse trabalho são as comunidades que vive de uma forma tradicional ou<br />

diferenciada na sociedade envolvente caracterizado pela coletividade o que inclui nesse<br />

estudo as comunidades indígenas. As práticas, linguagens, culturas e religiosidades das<br />

populações em geral e especificamente as indígenas devem ser compreendidas num<br />

75


contexto social, diferenciado da população brasileira. Os agrupamentos indígenas, na<br />

atual política brasileira ainda “não possuem o status de sujeitos de direitos originários”<br />

por estarem já habitando o país antes mesmo da sua formação como Estado Nacional.<br />

Esses povos, vêm sendo tutelado por leis federais de pouco alcance de seus<br />

objetivos de fato e de direito. No decorrer das seis (06) constituições anteriores do<br />

Brasil tiverem seus direito ora concedidos ora retirados. Somente na Constituição de<br />

1988 foi dedicado um capítulo a essas comunidades pois que nas legislação federais<br />

anteriores, inclusive no código civil brasileiro antes da reformulação em 2002, tratavam<br />

os indígenas não integrados a sociedade brasileira como relativamente incapazes para os<br />

ato da vida civil o que durante muito tempo estipulou a condição ao indígena de abrir<br />

mão de sua cultura sua identidade. Essa pseudo integração não é favorável aos povos<br />

indígenas pois como sujeitos de direitos originários que são feriria suas soberanias<br />

próprias. Atualmente com a carta magna de 1988 a interpretação que melhor se faz é<br />

que os indígenas podem e devem integrar-se a população brasileira tendo pleno acesso a<br />

vida civil ,ou seja, demandar em processos judiciais, defender os seus interesse<br />

econômicos retirarem documentos sem no entanto terem que afastar de suas identidades<br />

e costumes culturais financeiros judiciais, atuando as Organizações não Governamentais<br />

(ONG’s), Fundação Nacional do Índios, Polícia Federal e Ministério Público Federal<br />

como órgãos públicos, privados somente conciliadores, auxiliares na proteção,<br />

preservação dos seus direitos, deveres nos devidos casos em que necessitem. Vejamos a<br />

análise do Código Civil brasileiro de 2002 quanto à capacidade relativa dos indígenas<br />

para praticarem os atos da vida cível:<br />

Art. 1 o Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.<br />

Art. 2 o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a<br />

concepção, os direitos do nascituro.<br />

[...]<br />

Art. 4 o São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer:<br />

[...] in omisses.<br />

Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (BRASIL, 2002).<br />

(grifo do autor).<br />

76


Podemos afirmar que as diversas comunidades se constituem sobre fundamentos<br />

de laços culturais ancestrais. O grande dilema é estabelecer meios e modos que sejam<br />

capazes de conferir proteção coletiva, dentro do sistema normativo que, infelizmente é<br />

fechado e voltado para a população dita civilizada. A necessidade premente de proteção<br />

jurídica do conhecimento tradicional dos diversos povos que moram no território<br />

brasileiro são antigas reivindicações da sociedade civil, pois é constante a as omissões<br />

governamentais na implantação de políticas públicas efetivas e afronta as comunidades<br />

indígenas que são ameaçadas em virtude da globalização capitalista, esbulho de suas<br />

terras e interesses financeiros internacionais em seus direitos de uso de manipulações de<br />

plantas, medicamentos, práticas com finalidades medicinais e culturais e em especial,<br />

pelo avanço da biotecnologia e das atividades madeireiras e de mineração.<br />

CONCLUSÃO<br />

Fatos notórios têm demonstrado que a inserção da educação ambiental em todas<br />

as modalidades educacionais têm encontrado hoje diversos empecilhos pois há uma<br />

tendência proveniente das políticas públicas governamentais de limitar e uniformizar os<br />

currículos escolares utopicamente trazendo progressos ao Brasil é o que podemos<br />

observar às diversas modificações impostas a LDB de 1994 subscritas através da lei<br />

13.415\17 implantada por Medida Provisória, ato de legislar de caráter excepcional<br />

dado Constitucionalmente ao poder executivo ora não podemos esquecer que a lei de<br />

diretrizes e bases da educação é uma lei de principiologia coletiva, conselhos de<br />

gestores, ações comunitárias e universalizante procedimento que infelizmente foi<br />

desnaturalizado uma vez imposta sem a consulta pública a comunidade escolar. O único<br />

artigo da LDB estipulou-se que educação indígena deve persistir de maneira<br />

diferenciada e preservando sua cultura ora acreditamos que os componentes da<br />

educação ambiental devem estar intrinsecamente ligados a educação indígena, mas<br />

detectamos ao ler a LDB a derrogação e ou omissão de <strong>artigos</strong> que deveriam enfatizar a<br />

importância dessa verdadeira integração de cidadania que é institui a educação<br />

ambiental de forma independente e de alcance pleno a todas modalidades educacionais<br />

77


no Brasil. Infelizmente a LDB esta sendo decidida, politicamente, as avesas de seus<br />

princípios e diretrizes.<br />

São ações da mais pura demonstração do poder da efetiva implantação dessa<br />

disciplina educativa nos currículos e matrizes de curso às comunidades tradicionais,<br />

pois contribui para formação de cidadãos conscientes dos valores sociais do meio<br />

ambiente, da preservação, habilidades, atitudes e competências voltadas para a<br />

conservação tornando-os aptos a tomarem decisões coletivas sobre questões ambientais<br />

necessárias para o desenvolvimento sustentável pleno das sociedades em vivem. Por<br />

esses motivos, a educação ambiental é de extrema importância e deve ser desenvolvida<br />

de maneira autônoma, individual e independente em todos os processos educativos e<br />

modalidades e nunca de maneira transversal, pois para que os membros das<br />

comunidades indígenas apoderem-se do inteiro valor dos seus bens ambientais e os<br />

defendam perante as propostas de políticas arbitrárias é imprescindível que<br />

desenvolvam educação de consciência ambiental e tenham atitudes de apropriação e<br />

valores financeiros em relação ao meio ambiente. Ao fazermos estudos comparativos de<br />

diversos documentos pontuamos que as leis têm propósitos de promoverem o bem de<br />

todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, etnias e quaisquer outras formas de<br />

discriminação na afirmação da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei,<br />

sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros<br />

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à<br />

segurança e à propriedade, nos termos seguintes” (BRASIL, 1988). Essa igualdade é de<br />

tempos bem recentes de Regime Democrático Republicano, pois que os direitos de<br />

cidadania nunca foram tão explicitados numa Constituição como na carta de 1988.<br />

Sabemos que há diversas formas de discriminações <strong>ate</strong>ntatórias aos direitos de<br />

cidadania e das comunidades tradicionais o que inclui as indígenas e isso ocorre há<br />

muitos séculos, desde o grande expurgo das colonizações, sem que houvesse sido dada,<br />

possibilidade de manifestarem-se as populações menos favorecidos. Os reclamos<br />

sociais, de uma comunidade tão massacrada puderam, finalmente, serem instituídos<br />

legalmente num documento formal como a Constituição do Brasil. No entanto tiveram<br />

78


sua efetividade totalmente postergada no intuito de proteção de interesses capitalistas<br />

globalizantes escusos na política pública educacional do país.<br />

Analisando o ponto de vista legal da educação, verifica-se que escolas indígenas,<br />

comunidades e universidades, em suas funções sociais, caracterizam-se como espaços<br />

democráticos que devem oportunizar as discussões de questões sociais, ambientais e<br />

principalmente possibilitar o desenvolvimento dos pensamentos políticos. Para isso, fazse<br />

necessário que todos que fazem educação no país integrem-se em parâmetros<br />

educacionais ambientais de objetivos comuns de preservação, sustentabilidade e os<br />

contextualize nas diversas modalidades de educação oferecendo caminhos para que a<br />

população brasileira adquiram reais conhecimentos sobre a riqueza ambiental de que o<br />

Brasil é detentor. Proporcionar educação ambiental as comunidades tradicionais e<br />

indígenas é caminhar equitativamente rumo progresso econômico social, pois que esse<br />

tem uma profunda ligação com a sustentabilidade e, por conseguinte a concomitância no<br />

reconhecimento da soberania nacional através dos meios de proteção dos bens<br />

ambientais.<br />

A função essencial da educação nas comunidades indígenas é disseminar o<br />

empoderamento dessas comunidades, do potencial econômico que possuem e por<br />

conseguinte obterem valorização de suas culturas e bens ambientais com difusões de<br />

apropriação sócio-culturais de seus saberes e culturas. Nesse sentido, a educação<br />

ambiental plena aos povos indígenas têm um papel fundamental na desmistificação das<br />

diferenças entre as população “ditas civilizada” e a população indígena, além de ser<br />

um importante instrumento na construção de valores e atitudes, que permitam um olhar<br />

mais crítico e reflexivo sobre as identidades culturais diferenciadas do modelo comum.<br />

As comunidades escolares ao invés de serem um lugar de práticas de<br />

desigualdades e de produção de preconceitos e discriminações deve abraçar o respeito e<br />

a dignidade de todos os povos que integram o Brasil. Percebe-se, nitidamente, que todos<br />

os <strong>artigos</strong>, resoluções, tratados e convenções nacionais e internacionais que referem-se<br />

ao direito das comunidades tradicionais, que constituíram a população brasileira,<br />

garantem igualdade de acesso a concessão de direitos e deveres a plena educação<br />

79


ambiental. Ao longo das diversas cartas Constitucionais, existentes no Brasil, apesar de<br />

estarem instituídos foram negligenciados esses direitos, tratados como favores sociais.<br />

Fazendo uma análise crítica das leis educacionais anteriores podemos detectar o quanto<br />

a educação no país está atrelada as formas de poderes e sistemas político-econômicos de<br />

interesses escusos do capitalismo globalizado.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ANTUNES, Paulo Bessa. Curso de direito ambiental. São Paulo, 2014.<br />

BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente<br />

e Minorias. Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e<br />

Desenvolvimento: Agenda 21. Brasília: Câmara do Deputados, 1995. Disponível em:<br />

. Acesso em: 8 nov. 2017<br />

______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.<br />

Brasilía: Senado Federal, 1988.<br />

______. Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Convenção no 169 da<br />

Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais.<br />

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5051.htm<br />

______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília,<br />

2002. Disponível em: .<br />

Acesso em: 9 nov. 2017<br />

______. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do<br />

Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras<br />

providências. Brasília, 1981. Disponível em:<br />

. Acesso em: 10 nov. 2017<br />

______. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da<br />

educação nacional. Brasília: Ministério da Educação, 1996. Disponível em:<br />

. Acesso em: 3 nov. 2017.<br />

______. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental,<br />

institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Brasília,<br />

1999. Disponível em: . Acesso<br />

em: 3 nov. 2017.<br />

MIRALLÈ, Edis. Curso de direito ambiental. São Paulo, 2014.<br />

80


ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. Conferência Mundial sobre os<br />

Direitos Humanos. Carta de Viena. Viena, 1993.<br />

SANTOS, Silvio Coelho dos. Os direitos dos indígenas no Brasil. In: SILVA, Aracy<br />

Lopes da; GRUPIONI, Luís Conisete (Orgs.). A temática indígena nas escolas: novos<br />

subsídios para professores de 1º e 2º graus. 4. ed. São Paulo: Global; Brasília: MEC,<br />

MARI, UNESCO, 2004. p. 87-105.<br />

81


A MEDIAÇÃO DIDÁTICA DE CAMPOS INTERDISCIPLINARES ATRAVÉS<br />

DO USO DE TECNOLOGIAS INTERATIVAS<br />

THE DIDACTIC MEDIATION OF INTERDISCIPLINARY FIELDS THROUGH<br />

THE USE OF INTERACTIVE TECHNOLOGIES<br />

Dra. Sannya Fernanda Nunes Rodrigues<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Este artigo busca descrever a mediação didática com uso de tecnologias<br />

digitais interativas em duas disciplinas num programa interdisciplinar. Na perspectiva<br />

docente, adotou-se uma mediação didática que inclui experiências de autonomia e<br />

colaboração por parte de todos os envolvidos na experiência educativa: docentes e<br />

alunos. Em dois semestres têm-se implementado inovação nas disciplinas, onde a autora<br />

foi docente, com a inclusão de tecnologias. Nestas iniciativas, com a proposta de novos<br />

espaços e novas metodologias, buscou-se favorecer a aprendizagem do aluno, ajudandoo<br />

a aprender a aprender, a aprender a pensar, situar suas aprendizagens, articulando com<br />

seus saberes anteriores e a aprender a negociar a ideias em trabalhos de grupos, ou seja,<br />

desenvolvendo novas competências mais articuladas ao contexto atual, o século XXI. A<br />

mediação implementada nestas duas disciplinas buscaram efetivamente proporcionar<br />

uma aprendizagem mais dinâmica, envolvente e mais interativa. Elas revelam a postura<br />

docente assumida pela autora e também professora das duas disciplinas. Avaliam-se,<br />

assim, como estas combinações, didática e tecnológica, responderam aos objetivos de<br />

integração das TIC em campos interdisciplinares escolhidos para a experiência<br />

suportada em uma metodologia ativa.<br />

Palavras-chave: Mediação didática. Tecnologias digitais interativas.<br />

Interdisciplinaridade. Metodologias ativas.<br />

82


ABSTRACT: This article aims to describe didactic mediation using interactive digital<br />

technologies in two disciplines in an interdisciplinary program. From a teaching<br />

perspective, didactic mediation was adopted, which includes experiences of autonomy<br />

and collaboration on the part of all those involved in the educational experience:<br />

teachers and students. In two semesters innovation has been implemented in the<br />

disciplines, where the author was a teacher, with the inclusion of technologies. In these<br />

initiatives, with the proposal of new spaces and new methodologies, it was sought to<br />

favor student learning, helping him to learn to learn, to learn to think, to situ<strong>ate</strong> his<br />

learning, articulating with his previous knowledge and to learn to negoti<strong>ate</strong> the ideas in<br />

group work, that is, developing new skills more articul<strong>ate</strong>d to the current context, the<br />

21st century. The mediation implemented in these two disciplines has effectively sought<br />

to provide a more dynamic, engaging and more interactive learning. They reveal the<br />

teaching position assumed by the author and also teacher of both disciplines. It is thus<br />

assessed how these didactic and technological combinations responded to the objectives<br />

of ICT integration in interdisciplinary fields chosen for the experience supported by an<br />

active methodology.<br />

Keywords: Didactic mediation. Interactive digital technologies. Interdisciplinarity.<br />

Active methodologies.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

Trilha-se um caminho alinhado com as tecnologias de informação e<br />

comunicação (TIC). Em experiências na Educação Superior, no sistema formal de<br />

ensino, como essas tecnologias devem ser integradas nas práticas docentes? E tal<br />

contexto educativo responde pela formação que o novo contexto exige? Vivem-se<br />

tempos em que se exige formação permanente, diante da constante atualização do<br />

próprio sistema, das atualizações avassaladoras das mídias e das exigências no mundo<br />

competitivo. Entretanto, os dados estatísticos das avaliações demonstram um<br />

empobrecimento cognitivo, ainda não corrigido pelos nossos sistemas educacionais.<br />

Como o ensino superior, em especial, a pós-graduação, responde por essas exigências?<br />

83


Responde com a “aplicação de todo um escopo epistemológico e pedagógico na<br />

realidade educativa cotidiana” (SOFFNER, 2014, p.16)? As instituições conhecem o<br />

que a sociedade e o mercado trazem como exigências profissionais, alteram-se, alteram<br />

seus currículos, seus modos de ensinar? Estarão deb<strong>ate</strong>ndo e <strong>ate</strong>ntos aos desafios e<br />

perspectivas, então colocados pelas novas tecnologias de informação e<br />

comunicação, como propõem Junqueira e Passarelli (2011). E o desempenho<br />

pedagógico dos professores, altera-se? Qual seria seu foco de ação e pesquisa, entendem<br />

as novas lógicas comunicacionais que impacta na forma de aprender, do indivíduo se<br />

relacionar com a informação?<br />

Situando o contexto da contemporaneidade, a sociedade em Rede, de<br />

Castells, marcado pelo paradigma do conhecimento e da aprendizagem ao longo da<br />

vida, por muitas mudanças socioculturais, quais os desafios da educação hoje e no<br />

futuro (cf. MATOS; PEDRO, 2017), quais competências 2 esperamos desenvolver em<br />

nossos alunos? Quais as literacias necessárias para uma cidadania necessária para o<br />

século XXI?<br />

As competências ou habilidades para viver no século XXI são admitidas<br />

com inúmeras terminologias: adaptação crítica a novas situações e novos problemas,<br />

criação de soluções para esses problemas, aprender a fazer opções, aprender a aprender<br />

(cf. MATOS; PEDRO, 2017). Soffner (2014), em seu artigo sobre as competências para<br />

o século 21, reúne em seu ensaio contribuições para esta discussão e define como<br />

competências: gestão da informação, competências gerais e gestão tecnológica. Para<br />

Junqueiro e Passarelli (2011, p.64), é preciso compreender as “diferentes formas<br />

2 São conhecimentos, habilidades e atitudes necessários para a vida, dentro de umaperspectiva de<br />

desempenho pessoal e profissional baseado em metas estabelecidaspara o bem viver. É o preparo e a<br />

qualificação para o desempenhodas atividades de vida, inclusive as profissionais. Tais competências<br />

são desenvolvidas pela educação escolar, mas, também, pela educação nãoformal (a que ocorre fora da<br />

escola), por meio de capacitações, treinamentose experiências do dia a dia. (BLOOM, 1956 apud<br />

SOFFNER, 2014, p. 16-17).<br />

84


deapropriação e de produção de conhecimento na web.”. Estamos diante de uma nova<br />

literacia 3 .<br />

Discutir tais competências é verificar quais têm valor para o novo século e o<br />

quanto são importantes no planejamento dos alunos para suas vidas para que vivam,<br />

atuem e se educam e, assim, estas ajudem no desenvolvimento pleno dos indivíduos<br />

(SOFFNER, 2014). Desenvolver tais competências e assumir novas metodologias na<br />

sala de aula passa por não ignorar os grandes problemas mundiais que nos desafiam no<br />

viver em sociedade em pleno século XXI. Aprender é, de fato, desenvolver<br />

competências que impulsionem o desenvolvimento humano e que permitam que este<br />

possa aprender a aprender.<br />

Neste artigo, destaca-se que estas competências deverão ser compreendidas<br />

e integradas nas experiências educativas, que proporcionem protagonismo digital. A<br />

educação deve assegurar uma formação que prepare o homem para responder a estes<br />

desafios e construir possibilidades de intervenção na sua realidade imediata (cf.<br />

MATOS; PEDRO, 2017).<br />

Sem o exercício da capacidade crítica, consciente e de outras imersões na<br />

aprendizagem não estaríamos efetivamente formando pessoas para um mundo situado<br />

no novo paradigma do conhecimento, o tecnológico. Com as tecnologias e todas as<br />

transformações socioculturais que a acompanham, o que pode ser mobilizado ao nível<br />

de novas posturas diante da aprendizagem, na relação com o conhecimento, na criação<br />

de novos saberes, na forma de reconhecê-los, visíveis, por exemplo, em redes sociais ou<br />

em plataformas de aprendizagem personalizadas? Fazer uso do que existe no cotidiano<br />

do aluno é fazer link com a sua realidade e convidá-la a ser objeto de análise e<br />

discussão.<br />

Colocamos, portanto, o peso no desafio de implementar uma aprendizagem<br />

ativa junto aos estudantes, numa prestação docente em que a situação de aprendizagem<br />

3 “capaz de conferir melhor compreensão e abrangência conceitual das novas práticas<br />

sociotécnicasrelacionadas à apropriação e uso das TICs na contemporaneidade.Dessa perspectiva, sua<br />

adoção representa a melhor opção entrepossibilidades como: letramento, habilidade ou competência.” (cf.<br />

JUNQUEIRA; PASSARELI, 2011, p.64-65).<br />

85


pensada para envolver os alunos propicia a produção de aprendizagem. Na pósgraduação,<br />

especialmente, ao nível dos programas acadêmicos brasileiros ainda veem-se<br />

aulas lecionadas de forma tradicional. Ao ritmo e paradigma do século XIX, vamos<br />

denunciando um ensino que não funciona mais, uma escola que já acabou, como<br />

defende António Sampaio da Nóvoa 4 , e que no seu lugar, exige um pensamento<br />

diferente.<br />

Quando se fala na pós-graduação, quais os desafios que são postos neste<br />

ciclo de estudos com a presença das tecnologias? Como alternar o espaço da sala de<br />

aula com vários ambientes de aprendizagem? Como gerir os diferentes espaços<br />

possíveis, de forma inovadora, aberta e equilibrada? Para isso, é necessário que a sala de<br />

aula esteja bem equipada, o que permitirá atividades diferentes, como as que exigem<br />

pesquisas ou construções colaborativas.<br />

O que cabe à universidade e especialmente, à pós-graduação, aos mestrados<br />

acadêmicos? O que é esperado dela e o que ela tem conseguido fazer? Quais<br />

competências estariam desenvolvendo aí? Tem permitido aos estudantes desenvolver<br />

conhecimento significativo, criativo e permanente? Como é a relação desses alunos com<br />

o conhecimento de modo a fazer uso no exercício da cidadania e da intervenção na<br />

sociedade? Qual o caminho e quais práticas necessitam ser desenvolvidas? Que<br />

metodologia desenvolvida pelo professor responde às necessidades de aprendizagem<br />

dos alunos, especialmente quando os campos interdisciplinares aqui destacados<br />

permitem toda uma imersão de discussão e práticas que levem a novos conhecimentos e<br />

quiçá, a novas posturas? Faz o diálogo com a realidade imediata dos alunos? Acreditase<br />

que tal como a UNESCO, o caminho passa pela mediação das tecnologias.<br />

Este artigo espera responder algumas destas perguntas e relatar a<br />

experiência vivida na docência de duas disciplinas de um programa interdisciplinar,<br />

tendo a integração das tecnologias de informação e comunicação para mobilização de<br />

interações e aprendizagens ativas.<br />

4 Frase destacada em uma reportagem do Reitor da Universidade de Lisboa à revista Portugal,<br />

publicadaem 21/03/2015.<br />

86


Partindo do pressuposto de que manter um padrão de ensino tradicional é<br />

caminhar para trás, implementou-se metodologias ativas na sala de aula em duas<br />

disciplinas de um programa de pós-graduação, integrando nestas experiências<br />

tecnologias digitais de apoio às experiências de aprendizagem. Neste relato, analisamos<br />

estas duas experiências naquilo que evidenciam outras posturas e novos<br />

comportamentos dos alunos. O programa de pós-graduação de natureza interdisciplinar,<br />

situado no nordeste do Brasil, busca avançar em suas iniciativas de inovação didática,<br />

tecnológica e cultural.<br />

2. TECNOLOGIAS INTERATIVAS<br />

Quais mudanças socioculturais se observam no século XXI? Vive-se<br />

naquilo que se convencionou a chamar de Sociedade em rede, onde “a noção de literacia<br />

incorpora a capacidade dos indivíduos interagirem e se comunicarem utilizando-se das<br />

TICs.” (JUNQUEIRO, PASSARELLI, 2011, p.65), na Cibercultura, denominada por<br />

Lévy (1999, p.17-18) ao “ambiente inédito que resulta da extensão das novas redes de<br />

comunicação para a vida social e cultural (...) novas formas de comunicação<br />

transversais, interativas e cooperativas”. Lidamos com algo preocupante e avassalador,<br />

a quem Lévy (1999), citando Ascott, chama de dilúvio de informações, devido a<br />

quantidade bruta de dados gerados diariamente na internet.<br />

É neste contexto que Junqueiro e Passarelli (2011) vão chamar a <strong>ate</strong>nção<br />

para os papeis dos atores em rede e para as literacias necessárias para viver nesta<br />

conjuntura, especialmente a literacia digital. Como lidar com esta enxurrada de<br />

informações? É preciso ter literacia digital, que seria:<br />

‘habilidade de entender e utilizar a informação de múltiplos formatos e<br />

proveniente de diversas fontes quando apresentada por meio de<br />

computadores (GILSTER, 1997:1). Para ele, a literacia digital constitui-se na<br />

extensão lógica da própria literacia, da mesma forma que o hipertexto é uma<br />

extensão da experiência da leitura tradicional’ (GILSTER, 1997: 230 apud<br />

JUNQUEIRO, PASSARELLI, 2011, p.65).<br />

87


O autor supracitado por Junqueiro e Passarelli (2011) afirma também que a<br />

literacia digital vai além da aquisição de habilidades, pois se amplia ao serem<br />

incorporadas no cotidiano dos indivíduos. Esta competência nunca foi tão necessária<br />

nos dias atuais, com o contínuo compartilhamento de informações nas redes sociais. É<br />

preciso julgar o que se encontra, verificar a fonte, por exemplo.<br />

Dentro desta perspectiva é preciso conhecer bem as tecnologias de<br />

informação e comunicação, suas mudanças e suas potencialidades, inclusive ao nível<br />

educacional. A evolução das tecnologias de informação e comunicação, tecnologias que<br />

tal como define Lévy (1999) são tecnologias da inteligência numa perspectiva digital,<br />

interativa, social. Trata-se de novas perspectivas no uso das tecnologias e de novas<br />

configurações comunicacionais, como destacado no pensamento abaixo:<br />

a web, enquanto espaço interativo aberto e colaborativo, colocou-se, desde a<br />

sua origem, como ambiente prenhe de novas oportunidades para a<br />

permanente produção de conhecimento, para a comunicação em rede e para a<br />

horizontalização das relações sociais de poder. (JUNQUEIRO;<br />

PASSARELLI, 2011, p.63)<br />

Tal como Lévy, entende-se as tecnologias digitais como novas formas de<br />

pensamento, de expressão e relação entre sujeitos e grupos (FUCK, 2010), que “Abrem<br />

múltiplas possibilidades e oportunidades que não existem fora da escola” (MATOS;<br />

PEDRO, 2017 5 ). Fala-se de uma transição de uma web com serviços mais restritos e um<br />

ator um bocado passivo (web 1.0) para uma web mais social, interativa, digital e um<br />

ator que é autor e coautor de informações partilhadas na rede (web 2.0) e, por fim,<br />

dirigindo-se a web semântica (web 3.0).<br />

Passado o tempo, com a fácil utilização e com o acesso das mídias sociais,<br />

elas passam a serem revistas como serviços que proporcionam aprendizagem. Quando<br />

se trata de mídias que possibilitam a conversação em grupos, permitindo a livre<br />

interação entre as pessoas e as ideias aí debatidas. No caso em especial da web 2.0, pode<br />

se dizer com base em Santos e Cypriano (2014, p.85):<br />

5 Retirado do texto de conferência publicado em <br />

Acesso em: 29/11/2017.<br />

88


Com efeito, a web 2.0, eventualmente chamada de segunda geração da<br />

internet, é basicamente caracterizada pela participação dos usuários, pela sua<br />

abertura para utilização e pelos efeitos de rede que produz. A participação se<br />

dá por meio de um sistema que estimula as relações, os compartilhamentos e<br />

as trocas entre os internautas, isto é, um sistema que incita a colaboração de<br />

quem quer que esteja disponível para entrar em interação com outros por<br />

intermédio da plataforma. Esse uso da plataforma fomenta aquilo que já tem<br />

sido chamado de ‘cultura da participação’ (Shirky, 2010), ‘cultura<br />

expressiva’ (Allard, 2007; Tufekci, 2008) ou ‘cultura participativa’ (Jenkins,<br />

2008), para citar apenas três das muitas expressões em voga entre os analistas<br />

do fenômeno, envolvendo as ideias de troca, compartilhamento e<br />

colaboração.<br />

As redes sociais são fenômenos que refletem uma nova dinâmica social de<br />

comunicar interagir, partilhar, colaborar, construir redes de relações, revelando um<br />

modo de agir, de estar, de constituir uma presença na web e na utilização da web em<br />

bases mais relacionais.<br />

Há o desafio de integrar estas redes no mundo acadêmico, fazendo uso de<br />

sua dinâmica relacional na construção de saberes em espaços de construção<br />

colaborativa.<br />

Blog ou webblog é uma página da web com notas colocadas em ordem<br />

cronológica inversa. A publicação mais recente surge quando se acessa o site. Em<br />

formato de diário, reflete os mais diversos fins, como a publicação de interesses<br />

profissionais, interesses, desejos, etc. ele pode ser configurado para ser editado por uma<br />

só pessoa ou um grupo. Nesta perspectiva do trabalho em equipe na edição de blogs, os<br />

alunos exercitam o papel de co-criadores de conteúdos, negociando as ideias ali<br />

construídas.<br />

WhatsApp é um aplicativo dos mais usados na atualidade. É um aplicativo<br />

celular, baixado na internet, que permite a interação entre grupos e a partilha de objetos<br />

variados, como fotos, vídeos e textos. Segundo Kochhann, Ferreira e Souza (2015,<br />

p.478), este aplicativo “oferece a praticidade e objetividade que se conhece do SMS,<br />

adicionando vários outros recursos e sem cobrança das mensagens enviadas (...) está<br />

disponível para o acesso a internet e comunicar-se com os outros em tempo real”. Está<br />

efetivamente nos corredores da universidade. É fundamental fazer uso de algo que está<br />

89


tão profundamente impregnado na vida dos alunos, talvez dando novos usos e rumos<br />

para esta utilização.<br />

Há cada vez mais experiências relatadas do uso deste aplicativo na<br />

socialização de conhecimentos e pessoas, que chegam, inclusive, no Ensino Superior.<br />

São experiências que valorizam o papel das mídias na formação de pessoas. Kochhann<br />

et al. (2015, p.479) dizem que tal aplicativo “permite a locomoção e a interação direta<br />

de diálogo entre professor e aluno, aluno e aluno, aluno e professor, se desprendendo<br />

cada vez mais da tela do computador e de sua dificuldade de locomoção.”. Ao invés de<br />

ser um objeto que distrai na sala de aula, ele pode ter múltiplos usos, seja para deixar<br />

lembretes, seja para discutir um tema, partilhar notícias, links, objetos variados de<br />

aprendizagem. Desta forma, o aplicativo serve a todos os alunos, aos que perderam aula,<br />

aos que residem longe da faculdade.<br />

Kochhann et al. (2015, p.479) acredita que o WhatsApp “pode auxiliar e<br />

favorecer o estreitamento entre professores e alunos, auxiliando no processo de ensino e<br />

facilitando o contato entre ambos, diminuindo assim a distância entre professor e<br />

aluno.”.<br />

Tal como o blog e a rede social Facebook, WhatsApp pode ser usado como<br />

ambientes virtuais de aprendizagem. Nestes espaços, ao teorizarem a cerca do conteúdo<br />

forma-se aquilo que Lévy (1999) chama de Conhecimento Coletivo, constituído da<br />

interação entre as pessoas. Através destas experiências nas tecnologias citadas, há a<br />

oportunidade de observar como se dá a interação entre os alunos com o conhecimento,<br />

alunos interagindo nestes espaços e construindo conhecimentos. Todos estes serviços e<br />

seu paradigma de comunicação social proporcionam mudanças no ensino formal e tem<br />

como tornar a disciplina em seu planejamento mais dinâmico e atraente por estimular<br />

outras formas de participação e interação com o conhecimento.<br />

90


3. PLANEJAMENTO INTERDISCIPLAR COM INTEGRAÇÃO DE<br />

TECNOLOGIAS<br />

Por que integrar tecnologias na prática docentes de disciplinas presenciais?<br />

O que esperar dos alunos e das competências a serem desenvolvidas por eles? O que é<br />

integrar TIC na prática pedagógica? Como é possível fazer e quais as competências<br />

necessárias aos professores docentes e aos alunos para que assim se constituam? E<br />

como as tecnologias podem potenciar o desenvolvimento de certas competências nos<br />

alunos? Responde-se a estas questões no próximo item, mas antecipadamente, defendese<br />

que o caminho passa pela adesão de metodologias ativas e inovadoras.<br />

Após todos os deb<strong>ate</strong>s em que se propõem novos contextos de<br />

aprendizagem, qual docência é necessária? Deste modo, acredita-se que docência está<br />

intimamente vinculada com a discência, como já colocava Paulo Freire. Não há um sem<br />

o outro. Soffner (2014) provoca ao propor uma docência que se distancie cada vez mais<br />

das lógicas de memorização, de ensino tradicional, deslocados do viver em sociedade.<br />

Matos e Pedro (2017) questionam: O que se espera do professor?<br />

No início deste texto, colocamos questões para o deb<strong>ate</strong> sobre a docência<br />

necessária no atual contexto. Temos vindo a reunir os relatos de diferentes teóricos que<br />

propõem caminhos e possibilidades possíveis ou inéditos. Vários destes relatos se<br />

concentram em buscar novas formas de ensinar e aprender “que possibilitem a<br />

construção de práticas coerentes para o uso dessas tecnologias” (FUCK, 2010, p.15).<br />

Junqueiro e Passareli (2011) acreditam que a docência tem sido provocada a avaliar<br />

como se dar os novos comportamentos dos atores em rede. Por isso, parte-se da posição<br />

de que a docência tem que proporcionar construções de conhecimentos. E construir<br />

conhecimento na atual conjuntura:<br />

envolve, entre outras coisas, perceber semelhanças, abstrair o essencial, criar<br />

conceitos, elaborar generalizações, construir modelos, inventar métodos para<br />

testar generalizações e modelos, derivar de nossos modelos formas de agir<br />

ancoradas na realidade e coerentes umas com as outras. (SOFFNER, 2014,<br />

p.16).<br />

91


Tais saberes e fazeres retomam a discussão no início deste texto em que se<br />

propõem competências e habilidades. Matos e Pedro (2017), por sua vez, evidenciam<br />

outras posturas, como: cultivar a curiosidade e o espírito da pesquisa. Sendo assim,<br />

quem seria este docente, que papéis a assumir? Os mesmos autores propõem: o de<br />

curador do conhecimento, criadores de condições para o desenvolvimento de<br />

competências, ser o elemento integrador e inspirador para os alunos e, principalmente<br />

(ênfase nossa) promotor de cidadania.<br />

Seja qual for a decisão metodológica do docente, deve caminhar na direção<br />

de uma formação integral do cidadão, de uma reconstrução crítica do conhecimento (cf.<br />

FUCK, 2010). Isto passa quando se tem em mente uma aprendizagem ativa. Como o<br />

nome denota, esta aprendizagem requer metodologias que provoquem o aluno a atuar<br />

(fazer, criar, pensar) e a pensar sobre o que estão pensando ao fazer aquilo que a<br />

estratégia exige (metacognição), conforme Matos e Pedro (2017).<br />

Inovação nas metodologias do trabalho em sala de aula deve levar em<br />

consideração, de fato, como as pessoas aprendem no dia a dia e o que se espera<br />

despertar no aluno. Numa perspectiva universalista, é necessário aproveitar as<br />

oportunidades de aprendizagem que liguem às atividades de aprendizagem cotidianas,<br />

que por sua vez, geram saberes. Acredita-se com isso que se favorece o pensamento<br />

crítico e criativo, o diálogo com os outros, expressão de ideias, reflexão sobre suas<br />

próprias atitudes e valores, qualidade do feedback. (MATOS; PEDRO, 2017).<br />

As questões debatidas acima exigem, portanto, um maior planejamento das<br />

atividades por conta do professor para que não se faça uso das tecnologias mantendo a<br />

abordagem tradicional no lidar com os conteúdos. É preciso romper com a lógica da<br />

sala de aula tradicional, que mantém o aluno numa posição passiva, de ouvinte e<br />

memorizador de conteúdos. Considerando que a maioria de alunos já não deseja mais<br />

este tipo de aula, é preciso pensar em estratégias que desafiem o aluno a sair desta<br />

posição.<br />

O professor precisa, assim, analisar estratégias que permitam uma<br />

compreensão dos conteúdos trabalhados, de forma contextualizada, oportunidades<br />

92


objetivas para que o aluno aplique e demonstre o que aprendeu, como sugerem Matos e<br />

Pedro (2017). É preciso reduzir a distância entre o conteúdo e a vida, como defende<br />

Moran (2004). E é este mesmo autor que reconhece que não é tão simples tal<br />

planejamento. E diz que “Precisamos repensar todo o processo, reaprender a ensinar, a<br />

estar com os alunos, a orientar atividades, a definir o que vale a pena fazer para<br />

aprender, juntos ou separados” (MORAN, 2004, p.2).<br />

Considerando que as tecnologias podem apoiar o trabalho do professor e as<br />

interações entre alunos e alunos, alunos e saberes, alunos e professor, é que se deve<br />

pensar em quais estratégias podem proporcionar tais dinâmicas, quais ambientes podem<br />

ser escolhidos e que ampliem as oportunidades de aprendizagem. Soffner (2014) propõe<br />

a seguinte solução quando planejar significa ter em mente o que o docente deseja<br />

desenvolver no aluno:<br />

Cada combinação de competências apresentada pode ser planejada pela<br />

pessoa interessada no tema, de forma a garantir que habilidades reais e<br />

efetivas sejam desenvolvidas. Para isso, determinam-se quais são as<br />

competências necessárias para cada função ou atividade componente da<br />

própria formação (SOFFNER, 2014, p.18).<br />

E completa:<br />

Para cada componente, listam-se as necessidades cognitivas, sensóriomotoras<br />

e atitudinais pertinentes, e estima-se o valor atual em confronto com<br />

o que seria desejado após o processo educativo. (...) Cada intervalo desse tipo<br />

terá associado um plano de desenvolvimento de competências, com<br />

objetivos, metas, cronogramas, currículo personalizado, meios, técnicas,<br />

tecnologias e ambientes de desenvolvimento, bem como um instrumento de<br />

avaliação e controle do processo como um todo. (idem, p.19).<br />

E como integrar as tecnologias em acordo com estas competências? Os<br />

ambientes virtuais adotados para aprendizagem a distância para a conversação se<br />

tornam um segundo ou terceiro espaço para socialização e construção de saberes. Como<br />

defende Moran (2004, p.1), “Os cursos precisam prever espaços e tempos de contato<br />

93


com a realidade, de experimentação e de inserção em ambientes profissionais e<br />

informais em todas as matérias e ao longo de todos os anos (quarto espaço).”.<br />

Seja qual for o caminho a adotar por cada docente, é preciso que identifique<br />

os conhecimentos que deseja mobilizar com cada estratégia pensada, ligá-la ao<br />

funcionamento específico da tecnologia escolhida e planejar os objetivos cognitivos, de<br />

modo que ele saiba quais metas pode esperar do aluno. Com todas estas questões claras,<br />

é mais fácil observar quais os elementos de avaliação da aprendizagem do aluno.<br />

4. A MEDIAÇÃO DIDÁTICA DE CAMPOS INTERDISCIPLINARES<br />

ATRAVÉS DO USO DE TECNOLOGIAS INTERATIVAS: descrição das<br />

experiências<br />

Neste item revela-se o uso das tecnologias empregadas nestas disciplinas<br />

lecionadas pela autora. Mestra e doutora em Multimédia em Educação 6 , tem buscado<br />

<strong>ate</strong>nder aos desafios que cabe à docência, assim como compreender os ajustes e desafios<br />

próprios no uso das tecnologias. Para isso, procurou a partir de decisões didáticas inserir<br />

no planejamento didático das disciplinas o momento de intervenção nelas, onde caberia<br />

o uso das TIC.<br />

4.1 O PGCult como cenário para realização das experiências pedagógicas<br />

mediadas pelas tecnologias<br />

O Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade, PGCult, é o espaço<br />

em que se dão as experiências revistas. O programa possui uma linha Cultura, Educação<br />

e Tecnologia, onde está vinculada a autora, também membro do Grupo de Estudos e<br />

Pesquisa sobre Tecnologias Digitais na Educação, GEP-TED. Desde que ingressou<br />

como pesquisadora de pós-doutorado no programa, em 2014, e assumiu a sala de aula<br />

na condição de professora permanente, em 2016, tem vindo a integrar tecnologias<br />

digitais em meio a suas atividades. Nas atividades do programa de pós-doutorado em<br />

6 Universidade de Aveiro, Portugal. Mais informações: www.ua.pt<br />

94


um programa de pós-graduação interdisciplinar em cultura e sociedade, a autora tem<br />

buscado desenvolver um mix de ações que aproximem aprendizagem ativa em moldes<br />

interdisciplinares.<br />

• Condições para a experiência acontecer<br />

O programa possui duas salas de aulas com dois computadores de mesa e<br />

projetor multimídia (Datashow), além de ligação à Internet. Antes esta ligação limitava<br />

os alunos ao wifi da instituição. Atualmente, o programa disponibiliza wifi para os seus<br />

docentes e discentes. Como os alunos, em sua maioria, levam seus computadores<br />

pessoais, essas condições permitem aos docentes prever situações de pesquisa ou de<br />

atividades que mobilizem tecnologias interativas.<br />

Com uma boa infraestrutura, um curso dispõe de mais possibilidades em<br />

promover atividades inovadoras, com ou sem tecnologias. Mas com tecnologias, é<br />

possível que:<br />

professores e alunos mostrem simulações virtuais, vídeos, jogos, m<strong>ate</strong>riais<br />

em CD, DVD, páginas WEB ao vivo. Serve como apoio ao professor, mas<br />

também para a visualização de trabalhos dos alunos, de pesquisas, de<br />

atividades realizadas no ambiente virtual de aprendizagem (um fórum<br />

previamente realizado, por exemplo). Podem ser mostrados jornais on-line,<br />

com notícias relacionadas com o assunto que está sendo tratado em classe. Os<br />

alunos podem contribuir com suas próprias pesquisas on-line. Há um campo<br />

de possibilidades didáticas até agora pouco desenvolvidas, mesmo nas salas<br />

que detêm esses equipamentos (SILVA, 2000 apud MORAN, 2004, p.3-4).<br />

Tal estrutura tem que estar a serviço do professor, que promova<br />

provocações e crescimentos, organização e gestão da informação (MORAN, 2004).<br />

Dispondo destas condições, e na observação dos comportamentos dos<br />

alunos e na proposição das melhores estratégias que mobilizassem maior participação e<br />

interação com os conteúdos abordados, é que a docente foi percebendo os momentos de<br />

integração das tecnologias nas disciplinas. A seguir, destaca-se o que se passou em cada<br />

uma das disciplinas aqui descritas.<br />

• A dinâmica da sala de aula e as TIC<br />

95


Neste campo, relata-se como a dinâmica da sala de aula em cada disciplina<br />

foi pensada tendo em vista a integração das TIC.<br />

A primeira disciplina, no segundo semestre de 2016, foi Comunicação,<br />

Tecnologia e Sociedade, lecionada com mais dois professores do programa, ambos da<br />

área da Comunicação. A disciplina contava com 15 alunos, entre alunos do programa e<br />

alunos especiais. Fizemos uso da criação de comunidades de aprendizagem colaborativa<br />

na rede social Facebook. A adoção desta rede social no planejamento da disciplina se<br />

deu em meio ao terceiro seminário da disciplina ministrado pela autora com base em um<br />

texto do professor português Paulo Dias 7 , reitor da Universidade Aberta, que tratava<br />

sobre aprendizagem e inovação. Ao perceber que os alunos não absorviam o conteúdo<br />

no texto, refletido na parca participação no deb<strong>ate</strong> sobre o texto, a docente apresentou o<br />

desafio em que os alunos deveriam se organizar em três grupos, criar um grupo na rede<br />

social Facebook e ali promover duas dinâmicas: discutir o texto e propor uma atividade<br />

em que deveriam apresentar as ideias desse mesmo texto. Os alunos tiveram cerca de<br />

um mês para a realização das atividades, a distância, quando estariam liberados para<br />

participação de minicursos de difusão cultural, ofertados pelo programa e, portanto,<br />

liberados da disciplina. Neste ínterim, deveriam ir articulando sobre a apresentação no<br />

grupo e fazendo a leitura do texto para dar suporte a esta atividade.<br />

Mostram-se os grupos criados pelos alunos:<br />

7 DIAS, P. Comunidades de educação e inovação na sociedade digital. In: Revista Educação, Formação<br />

& Tecnologias (dezembro, 2012), 5 (2), 4‐10<br />

96


Figura 1 – Página Inicial da timeline do grupo Paulo Dias através das mídias<br />

Figura 2 – Página Inicial da timeline do grupo Trabalho de Comunicação, Educação e Tecnologias<br />

Figura 3 – Página Inicial da timeline do grupo Brainstorming PGCult<br />

As participações dos alunos não foram mediadas, justamente para deixá-los<br />

livres para implementarem as definições de inovação, autonomia e interesse, aspectos<br />

que o artigo discutia. Entretanto, não houve sugestão de interação de qualquer outra<br />

mídia social que permitisse os mesmos resultados, seja por parte dos alunos, seja por<br />

parte dos demais docentes. Outro aspecto que é digno de referir é que os grupos não<br />

permitiram participações dos colegas. Portanto, não tinham conhecimento do que os<br />

colegas estavam organizando ou discutido.<br />

97


Na segunda disciplina, ofertada um semestre depois, Ética, Política e<br />

Educação, lecionada com outra professora da área da educação, fez-se uso de blog,<br />

mapas conceituais digitais e o aplicativo WhatsApp. Esta disciplina foi pensada um<br />

semestre antes e partiu-se já do blog como espaço alternativo para as discussões, ainda<br />

num caráter formal, sobre os temas da disciplina.<br />

Figura 4: Página atual do blog da disciplina Ética, Política e Educação.<br />

Fonte: Dados da autora, 2017.<br />

Entretanto, os alunos sugeriram a criação de um espaço menos formal,<br />

WhatsApp para interagirem sobre outras questões relacionadas com a disciplina: datas<br />

de envio de trabalho, recepção dos <strong>artigos</strong> para as leituras, informes sobre envios dos<br />

trabalhos, notas. Mas o grupo acabou absorvendo o que se esperava do blog que, por<br />

sua vez, manteve uma dinâmica mais lenta de participação.<br />

98


Figura 05: Publicação no grupo da disciplina sobre os mapas conceituais<br />

Fonte: Dados da autora, 2017.<br />

Para dar ênfase a outras construções sobre as leituras de determinado tema<br />

da disciplina, também imbuiu-se os alunos de elaboração de mapas conceituais, como se<br />

vê num dos mapas exibidos a seguir:<br />

Figura 06: Publicação no grupo da disciplina sobre os mapas conceituais<br />

Fonte: Dados da autora, 2017.<br />

Portanto, o descrito a cerca das duas disciplinas revelam que são claramente<br />

ações que buscam inverter a lógica da sala de aula, distanciando-se das salas de aulas<br />

transmissivas. Na sala de aula, se a dinâmica for apenas os seminários discursivos<br />

proferidos pelos docentes, percebemos que este espaço não consegue envolver a todos,<br />

especialmente os mais tímidos, nem tornar este ambiente mais inclusivo. Muitos alunos<br />

99


não participam e não revelam assim o que sabem sobre o assunto e se estão<br />

compreendendo toda linha de argumentação desenvolvida pelo professor. Os alunos se<br />

mantem passivos, apáticos e distraídos. Na direção contrária, tendo como alvo uma<br />

aprendizagem ativa, fizemos uso de ações, acima descritas, que nos revelam os saberes<br />

individuais e coletivos.<br />

Em ambas as disciplinas, utilizamos as tecnologias como serviços que<br />

ampliam os espaços de ensino-aprendizagem, com enfoque para a aprendizagem ativa,<br />

conforme apregoa Moran (2004). Mantiveram-se algumas aulas no estilo tradicional,<br />

expositivas, na qualidade de seminários, com abertura para deb<strong>ate</strong>s. Mas verificando<br />

que tal lógica não levava os alunos muito longe, começou-se a prever situações que<br />

conduzisse a comportamentos mais ativos diante do conhecimento e levasse os alunos a<br />

suas próprias sínteses a cerca dos deb<strong>ate</strong>s.<br />

Na segunda disciplina, observou-se que as diversas situações e ambientes<br />

concebidos (WhatsApp e blog) conferiram aos alunos, sem distinção, os papéis de<br />

responsáveis pela produção de conhecimentos sem uma hierarquia além da alimentação<br />

das discussões nestes espaços. A participação aí não está ligada a uma rotina de<br />

participação, mas a uma livre conversação, sem constrangimentos, a não ser os<br />

relacionados ao acesso a estas tecnologias. Como as temáticas desta disciplina levavam<br />

a deb<strong>ate</strong>s que exigiam várias leituras e aprofundamentos a cerca do que significavam, a<br />

metodologia adotada pretendia envolver os alunos, criar espaços onde partilhassem suas<br />

histórias, dando novos sentidos aos deb<strong>ate</strong>s, criando novas compreensões e<br />

interpretações subjetivadas dos temas.<br />

A avaliação feita pelos alunos evidenciou que conseguiu-se suscitar sua<br />

curiosidade, que fizessem questionamentos a cerca de situações debatidas e outras que<br />

eram trazidas a baila a medida que o semestre decorreu.<br />

100


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A decisão por empreender um caminho onde a prática docente surge<br />

alinhada com o uso das tecnologias se liga às concepções de mundo, de sociedade para a<br />

qual está-se formando os alunos e os paradigmas a seguir na sala de aula.<br />

Qual o impacto que se pode esperar das experiências relatadas junto aos<br />

alunos? Acredita-se que tais metodologias ajudam no desenvolvimento de competências<br />

mais adequadas ao século XXI, como o pensar complexo, relacional, a autonomia,<br />

aprendizagem com seus pares, aprendizagem pela descoberta, aprendizagem baseada<br />

em problemas, criatividade e o pensamento crítico. Essas competências exigem<br />

metodologias mais de acordo, fazendo uso de novos cenários e de novas lógicas de<br />

aprendizagem, como o aqui descrito. Elas também estão mais de acordo com a nova<br />

geração de alunos que crescem em meios estimulados tecnologicamente e quais<br />

competências esperamos ver desenvolvidas e preconizadas para o século em questão.<br />

Conseguiram responder a três competências, cognitiva, afetiva e psicomotora, como<br />

propõem Bloom (1956 apud SOFFNER, 2014), quando os alunos revelam o<br />

desempenho esperado ao nível de competências intelectuais (construções de<br />

conhecimentos nos mapas, reveladas no grupo e no blog, refletidas nos <strong>artigos</strong>. É<br />

especialmente no grupo do WhatsApp, criado na segunda disciplina, que se observam<br />

também um envolvimento emocional dos alunos, quando demonstram seus sentimentos<br />

e motivações em relação aos temas discutidos, seus valores, seu entusiasmo, motivação<br />

pela disciplina, refletidos nas opiniões.<br />

Estas iniciativas são só o começo de um projeto que está em<br />

desenvolvimento e que tem por meta implementar laboratórios de práticas culturais no<br />

programa. Acredita-se que não só teria como enriquecer as práticas de outros docentes<br />

com as possibilidades que o laboratório irá permitir como proporcionar aos alunos<br />

novas formas de aprender e fazer a leitura do mundo, do cotidiano imediato,<br />

proporcionando a estes condições de refleti-lo e ainda dar visibilidade destas análises e<br />

produtos ao mundo acadêmico para além da produção científica.<br />

101


REFERÊNCIAS<br />

BARROSO, Felipe; ANTUNES, Mariana. Tecnologia na educação: ferramentas digitais<br />

facilitadoras da prática docente. In:Revista do Programa de Pós-Graduação Profissional<br />

em Gestão e Avaliação da Educação Pública. Pesquisa e Deb<strong>ate</strong> em Educação. V.05,<br />

n.1, 2015. Disponível em:<br />

Acesso em:<br />

30/11/2017.<br />

FUCK, R. S. A integração das tecnologias informáticas no contexto da prática docente:<br />

um estudo de caso com professores de M<strong>ate</strong>mática. Porto Alegre, 2010. (Dissertação de<br />

mestrado). Disponível em:<br />

Acesso em 23/11/2017.<br />

JUNQUEIRA, A. H.; PASSARELLI, B. A Escola do Futuro (USP) na construção da<br />

cibercultura no Brasil: interfaces, impactos, reflexões. In: LOGOS 34. O Estatuto da<br />

Cibercultura no Brasil Vol.34, Nº 01, 1º semestre 2011.<br />

KOCHHANN, A.;FERREIRA,K. C. B.; SOUZA, J. M. de. O uso do whatsapp como<br />

possibilidade de aprendizagem: uma experiência no ensino superior. In: IV Semana de<br />

Integração: X<strong>II</strong>I Semana de Letras, XV Semana de Pedagogia e I <strong>Simpósio</strong> de Pesquisa<br />

e Extensão (SIMPEX) – “Educação e Linguagem: (re)significando o conhecimento”.<br />

UEG – Câmpus Inhumas: 8 a 13 de junho de 2015, p. 437-483.<br />

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo, Editora 34, 1999.<br />

MATOS, J. F.; PEDRO, N. Aprendizagem ativa na educação básica: implicações para o<br />

ensino. In: <strong>II</strong>I Seminário Internacional de Práticas. SIPPI, Curitiba, 21 outubro 2017<br />

[Editora Positivo]. (conferência). Disponível em:<br />

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Acesso em 29/11/2017.<br />

MIRANDA, Luísa; MORAIS Carlos; ALVES Paulo; DIAS, Paulo.E-book: BARROS,<br />

D.M.V. et al. (2011). Educação e tecnologias: reflexão, inovação e práticas. Lisboa:<br />

[s.n.] ISBN: 978-989-20-2329-B Redes sociais na aprendizagem.Disponível em:<br />

Acesso em 30/11/2017.<br />

MORAN, J. M. Os novos espaços de atuação do professor com as tecnologias. In:<br />

Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 4, n.12, p.13-21, maio/ago. 2004.<br />

102


SANTOS, F. C. dos; CYPRANO, C.P. Redes sociais, redes de sociabilidade. In: Revista<br />

Brasileira de Ciências Sociais. Vol.29 no. 85, São Paulo, June, 2014. Disponível em:<br />

Acesso em 30/11/2017.<br />

SANTOS, F.; OLIVEIRA, S; DANIEL, A. DA ECNONOMIA. Lifelong e Lifewide. Os<br />

conceitos de Aprendizagem ao Longo da Vida. In: Empreender – da Teoria à Prática.<br />

Disponível em: Publicado em 06/03/2016. Acesso em 16/11/2017.<br />

SOFFNER, R. K. Competências do século 21. In: Revista do Programa de Pós-<br />

Graduação Profissional em Gestão e Avaliação da Educação Pública. Pesquisa e Deb<strong>ate</strong><br />

em Educação. V.4, n.1, 2014. (ensaio crítico). Disponível em:<br />

Acesso em<br />

24/11/2017.<br />

Agradecimentos<br />

À CAPES/PNPD – pela bolsa de pós-doutorado ofertada desde 2014.<br />

Ao PGCult – à coordenação e equipe técnica pelo apoio às atividades inovadoras<br />

implementadas com os alunos, aos colegas nas parcerias nas atividades e aos alunos por<br />

validarem as experiências.<br />

103


A NEUROCIÊNCIA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL<br />

NEUROSCIENCE IN THE CONTEXT OF CHILDREN EDUCATION<br />

Eliane Costa Andrade Ferreira<br />

Especialista em Docência na Educação Infantil - SEMED<br />

Thelma Helena Costa Chahini<br />

Doutora em Educação – UFMA<br />

Eixo 1 – Arte, tecnologia e Educação<br />

RESUMO: A Neurociência, de acordo com Relvas (2012) quando dialoga com a<br />

Educação possibilita ao docente operacionalizar o processo ensino-aprendizagem com<br />

eficácia, visto que se trata de um estudo científico de como o cérebro pode aprender<br />

melhor e reter os conhecimentos de maneira significativa e prazerosa. Nesse sentido,<br />

Glia (2015) informa que a primeira infância é o período de maior desenvolvimento do<br />

cérebro humano, por ser esse o momento em que a arquitetura cerebral começa a se<br />

formar, passando por inúmeras mudanças anatômicas e funcionais que se iniciam na<br />

etapa pré-natal, estendendo-se até o início da vida adulta. Assim, o cérebro humano<br />

desempenha um grande papel frente aos estímulos e interações que circundam o<br />

ambiente vivenciado, por isso é importante que os educadores, especialmente os da<br />

Educação Infantil, conheçam esse incrível órgão humano, pois conhecendo sua estrutura<br />

e funcionamento conseguirão direcionar melhor suas práticas pedagógicas. No contexto,<br />

o presente estudo teve por objetivo investigar se os profissionais da Educação Infantil<br />

possuíam conhecimentos sobre a neurociência e se esses conhecimentos auxiliavam as<br />

atividades desenvolvidas com as crianças em relação ao desenvolvimento cognitivo e/ou<br />

aprendizagem delas. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa exploratória em duas<br />

instituições de Educação Infantil de São Luís/MA, uma pertence à rede pública<br />

104


municipal e outra à rede privada. Os participantes foram 4 docentes e 2 gestoras das<br />

referidas instituições. O critério de seleção da amostra foi por acessibilidade. Os dados<br />

foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas. Os resultados sinalizam que<br />

apesar de todos os participantes ressaltarem a importância da neurociência aplicada à<br />

educação, esses ainda desconhecem como aplicá-la em benefício do desenvolvimento<br />

global das crianças. A instituição privada tem inserida em sua proposta pedagógica a<br />

referida ciência, mas a instituição pública ainda não, entretanto, a realidade da<br />

capacitação docente é convergente, visto que as professoras das duas instituições foram<br />

unânimes ao afirmar que ainda carecem de maior capacitação para operacionalizarem os<br />

conhecimentos da Neurociência, na Educação Infantil.<br />

Palavras-chave: Neurociência. Educação Infantil. Capacitação docente.<br />

ABSTRACT: The Neuroscience, according to Relvas (2012) when rel<strong>ate</strong>d to education,<br />

enables the teacher to operationalize efficiently the teaching-learning process, since it<br />

concerns a scientific study on how the brain is able to improve learning and retain<br />

knowledge in a significative and pleasing way. Hence, Glia (2015) informs that the first<br />

infancy is a moment of gre<strong>ate</strong>r development of the human brain, due to the fact that<br />

brain architecture begins to gain shape, going through several anatomic and functional<br />

changes which take place in the pre-natal phase until the beginning of adulthood. Thus,<br />

human brain performs a major role before the stimuli and interactions which circle the<br />

environment in which one live, that is why it is important that educators, especially<br />

those who work with children, get to know this human organ, for when one knows its<br />

structure and operation one will be able to accomplish teaching practices better. In this<br />

context, this study aims to investig<strong>ate</strong> whether professionals of children education have<br />

enough knowledge about neuroscience and whether such knowledge help the activity<br />

they develop with children in relation to cognitive development and/or their learning. In<br />

order to fulfil this objective, an exploratory research was developed in two institutions<br />

of children education in São Luís, st<strong>ate</strong> of Maranhão. One of them belongs to the<br />

105


municipal public network and the other to the priv<strong>ate</strong> network. The participants are 4<br />

teachers and 2 directors who work at the schools. The criteria for sample selection were<br />

decided by means of accessibility. The data were collected by means of a semistructured<br />

interviews . The results point out that although all participants highlight the importance<br />

of neuroscience applied to education, they are still unaware about how to utilize it to the<br />

benefit of the global development of children. The priv<strong>ate</strong> institution has inserted<br />

neuroscience in its own pedagogic proposal, but the public institution has not inserted it<br />

yet; however, teachers’ training is convergent, since teachers from both institutions<br />

recognize that they need improvement to utilize neuroscience in children education.<br />

Keywords: Neuroscience. Children education, Teachers’ Training.<br />

INTRODUÇÃO<br />

É sabido na atualidade da relevância da neurociência para a aprendizagem, cujo<br />

estudo aponta para o reconhecimento e valorização do indivíduo como um ser único<br />

com anseios e necessidades ímpares. Não há dúvidas de que o cérebro humano<br />

desempenha um grande papel frente aos estímulos e interações que circundam o<br />

ambiente vivenciado, por isso é importante que educadores, particularmente os da<br />

Educação Infantil, conheçam este surpreendente órgão humano, uma vez que por meio<br />

do seu estudo possam entender sua estrutura e funcionamento, e assim conseguirem<br />

direcionar melhor sua prática pedagógica em sala de aula e, nesse contexto, é preciso<br />

conhecer a neurociência. Mas, afinal, o que a neurociência propõe para a Educação<br />

Infantil?<br />

A neurociência é um campo de estudo atual, baseado em pesquisas<br />

científicas e não científicas, tendo sido influenciada pela filosofia grega até o que<br />

conhecemos na atualidade (RELVAS et al., 2012). Logo, esta surgiu a partir de<br />

inquietações do dia a dia, assim que o homem buscou entender de onde se originavam<br />

os pensamentos, emoções e sensações frente à realidade vivenciada. Tais<br />

106


experimentações levaram-no ao desenvolvimento do cérebro e à produção de<br />

conhecimento que, posteriormente, viria a ser chamada Neurociência.<br />

Faz-se importante enfatizar, aqui, que essa é uma temática nova dentro do<br />

âmbito educacional, principalmente no que tange a Educação Infantil, porém de extrema<br />

relevância, por considerarmos a primeira infância, como o alicerce para o<br />

desenvolvimento do indivíduo. Partindo dessa premissa, acreditamos que a estimulação<br />

precoce fará o diferencial para o desenvolvimento cognitivo das crianças, pois, segundo<br />

pesquisas do Instituto GLIA (2015), que é referência em neurociência e infância, o<br />

período de maior desenvolvimento do cérebro humano ocorre na primeira infância, haja<br />

vista ser esse o momento em que a arquitetura cerebral começa a se formar, passando<br />

por inúmeras mudanças anatômicas e funcionais que se iniciam na etapa pré-natal<br />

estendendo-se até o início da vida adulta.<br />

Nesse sentido, sobre o desenvolvimento do cérebro infantil, Estudos do<br />

Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância (2014 p.3) comprovam que a<br />

primeira infância é o período fundamental no desenvolvimento das estruturas e circuitos<br />

cerebral, assim como aquisição de habilidade futura mais complexa. Outrossim, se a<br />

criança, nesse período, tiver seu desenvolvimento integral saudável, terá maior<br />

facilidade de adaptação a diferentes ambientes e aquisição de novos conhecimentos,<br />

possibilitando, assim, que ela tenha um bom desempenho escolar no futuro.<br />

Portanto, em se tratando de educação escolar, especialmente na Educação<br />

Infantil, foco desse estudo, vale ressaltar que haja aprendizagem, faz-se necessário, no<br />

processo de aprendizagem, alguns requisitos, tais como: postura, prontidão e maturação,<br />

para que esta ocorra de modo satisfatório. Outro pré-requisito para a aprendizagem é o<br />

desenvolvimento infantil, como suporte maturacional para que a aquisição do conteúdo<br />

seja adequada, uma vez que a integridade dos sistemas sensoriais, perceptivos,<br />

<strong>ate</strong>ncionais e mnemônicos favorecem a absorção e reserva dos conteúdos (CIASCA,<br />

2003).<br />

Ainda segundo Ciasca (2003), a aprendizagem escolar necessita de uma<br />

memorização sequencial, ou seja, cada etapa dará sequência à etapa anterior. Por isso, a<br />

107


elevância do trabalho adequado na Educação Infantil, visto que esta deverá servir como<br />

base para os anos escolares posteriores.<br />

O interesse despertado pelo tema advém da necessidade de<br />

apresentarmos aos educadores a relevância do estudo da neurociência no processo de<br />

ensino-aprendizagem das crianças da Educação Infantil, destacando sua eficaz<br />

contribuição para uma prática pedagógica heterogênea, ao fazer uma relação de<br />

como o cérebro se desenvolve e aprende.<br />

Considerando os argumentos referidos, questionamos: quais saberes e<br />

práticas os docentes da Educação Infantil possuem sobre a Neurociência em relação<br />

ao desenvolvimento das crianças da pré-escola?<br />

Ressaltamos, como hipótese, que a estimulação baseada na neurociência<br />

contribui de forma significativa para o desenvolvimento de crianças na Educação<br />

Infantil, uma vez que esta desenvolve práticas inovadoras que envolvem a criança<br />

em sua totalidade com relação aos seus aspectos psicossociais, biológicos e<br />

cognitivos. Assim, pelo que foi exposto e discutido até agora, neste estudo, enfatizamos<br />

a importância do conhecimento do cérebro por parte daqueles que ensinam: pais,<br />

professores, cuidadores, entre outros. No entanto, percebemos a fragilidade com relação<br />

aos saberes e práticas docentes, pois em ambas as instituições analisadas, o<br />

argumento mais apontado revela que tal ciência traz uma temática nova e,<br />

naturalmente, isto implica em conhecimentos menos superficiais e mais teóricopráticos<br />

acerca desse assunto.<br />

Neste contexto, a proposta ao problema visava investigar se os<br />

profissionais da Educação Infantil possuíam conhecimentos sobre a neurociência e se<br />

esses conhecimentos auxiliavam as atividades desenvolvidas com as crianças em<br />

relação ao desenvolvimento cognitivo e/ou aprendizagem delas.<br />

Desse modo, os objetivos específicos compreenderam: identificar os<br />

profissionais das instituições de Educação Infantil que trabalham com estímulos das<br />

funções executivas; observar o trabalho desenvolvido com as crianças na Educação<br />

Infantil dessas escolas e se o referido trabalho se baseia na neurociência; conhecer<br />

108


os saberes e as práticas dos profissionais da Educação Infantil em relação à<br />

Neurociência; descrever os saberes e práticas docentes em relação à relevância da<br />

neurociência e à estimulação das funções executivas ao desenvolvimento de crianças<br />

da pré-escola.<br />

Nessa perspectiva, a finalidade da pesquisa tem o intuito de contribuir<br />

para a reflexão dos educadores das escolas pesquisadas e acima de tudo plantar a<br />

semente da inquietação na temática desse trabalho, para que a partir do<br />

conhecimento adquirido, possamos adotar práticas diferenciadas dentro de nossas<br />

escolas.<br />

MÉTODO<br />

Desenvolvemos, para tanto, uma pesquisa exploratória, descritiva, pois<br />

segundo Gil (2008) esse tipo de pesquisa é apropriado para casos pouco conhecidos.<br />

É exploratória, porque tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e<br />

modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos<br />

ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores. É descritiva, porque envolve o<br />

estudo, a análise, o registro e a interpretação dos fatos do mundo físico, sem a<br />

interferência do pesquisador (BARROS; LEHFELD, 2007).<br />

Esta pesquisa foi realizada em 2 instituições de Educação Infantil, uma<br />

pública municipal – no caso, denominada de Escola A e a outra instituição, chamada<br />

de Escola B pertence à rede particular. No total, participaram desde estudo 6<br />

profissionais da Educação Infantil sendo 4 professoras. Duas delas são da instituição<br />

A e estão identificadas como P1 e P2. Quanto as outras duas, da instituição B, foram<br />

identificadas na pesquisa como P3 e P4. No caso das duas gestoras, cada uma delas<br />

pertence às citadas instituições e foram identificadas como G1 e G2. Também são do<br />

sexo feminino, com faixa etária entre 25 a 50 anos.<br />

Dentre as professoras entrevistadas, todas possuem formação em<br />

pedagogia e já atuam há mais de 2 anos na área; sendo que duas delas estão cursando<br />

109


pós-graduação na área da educação. Em relação às gestoras, as duas são pedagogas e<br />

já atuam na área educacional há mais de 5 anos. Ressaltamos, aqui, que uma delas<br />

possui especialização em neuroaprendizagem.<br />

Os instrumentos utilizados na pesquisa foram observação não<br />

participante e entrevistas semiestruturadas aplicadas por meio de 01 roteiro contendo<br />

6 questões. A observação foi baseada nas contribuições de alguns autores para<br />

comprovação das informações levantadas, recurso este que é muito utilizado nas<br />

pesquisas, podendo ser aplicado de forma individual ou aliado a alguma outra<br />

técnica de investigação, na qual pesquisador e pesquisa podem estar associados<br />

conforme esclarecido por Gil (2008).<br />

As entrevistas semiestruturadas “são desenvolvidas de forma mais<br />

espontânea, sem que estejam sujeitas a um modelo pré-estabelecido de interrogação”<br />

(GIL, 2008, p. 119).<br />

A entrevista semiestruturada, teve por base a própria oralidade, ou seja, a<br />

comunicação oral entre as pessoas envolvidas no estudo, com o intuito de colher<br />

informação e levantar hipóteses. Ela foi previamente planejada para <strong>ate</strong>nder à<br />

necessidade da pesquisa, pois de acordo com Dencker (2000, p. 127) “o pesquisador<br />

deve planejar a entrevista delineando o objetivo a ser alcançado e cuidando de sua<br />

elaboração, desenvolvimento e aplicação”.<br />

A coleta de dados iniciou-se primeiramente com a solicitação para<br />

pesquisa na Secretaria de Educação e junto à gestão da escola particular. As visitas<br />

foram previamente agendadas, explicados os objetivos da referida pesquisa,<br />

preenchidos os Termos de Consentimento Livre e Esclarecidos, para que tomassem<br />

ciência do que tratava a pesquisa e os procedimentos que seriam realizados.O<br />

critério de seleção das instituições foi por acessibilidade.<br />

Iniciamos a pesquisa realizando as observações, necessárias dentro das<br />

instituições já referidas anteriormente. Durante as atividades que eram realizadas em<br />

sala e no pátio, procedemos de forma espontânea, com duração de 10 a 20 minutos e<br />

110


as visitas aconteciam nas quartas e quintas-feiras, pois, segundo as professoras, eram<br />

os dias com maior frequência dos alunos.<br />

Quanto às entrevistas, estas aconteceram em horário agendado<br />

previamente, dentro das instituições pesquisadas, levando-se em consideração os<br />

procedimentos éticos envolvendo seres humanos. Ressaltamos que todos os relatos<br />

foram gravados, para posterior transcrição e tabulação das informações coletadas.<br />

RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO<br />

Neste tópico são apresentados os resultados coletados por meio das<br />

entrevistas semiestruturadas com as professoras e gestoras das instituições de ensino A<br />

e B, cujas questões são comuns aos dois grupos, bem como as análises e discussões que<br />

se fizeram necessárias.<br />

Ao serem questionadas sobre o que entendiam por neurociência, os relatos<br />

revelaram, que duas das entrevistadas não possuem muito conhecimento sobre o<br />

assunto, visto que segundo P1 a neurociência está voltada apenas para atividades e<br />

práticas de crianças com deficiência. P2 corrobora com a mesma resposta dada por P1.<br />

Já para P3 e P4 estas apresentam respostas já mais claras e coerentes, ao dizerem que é<br />

uma ciência com foco voltado ao sistema nervoso e cérebro, sendo que ambos são<br />

responsáveis ao favorecimento da aprendizagem.<br />

Neste contexto, vale destacar Silva (2014), ao afirmar que a neurociência é<br />

uma ciência nova que estuda o sistema nervoso central e sua complexidade por meio de<br />

bases científicas, contribuindo na pedagogia para que educadores possam entender que<br />

existe um funcionamento cerebral, ou seja, existe uma anatomia e uma fisiologia num<br />

cérebro que aprende, e que cada sujeito é único.<br />

As gestoras também apontam para essa perspectiva, para G1 a neurociência<br />

é uma ciência pautada em práticas adequadas e diferenciadas, cujo objetivo é o<br />

desenvolvimento integral da criança. Porém, G2 trata de forma clara e objetiva o que<br />

111


ealmente vem a ser a neurociência, pois esta possui pesquisas e cursos voltados para<br />

essa temática.<br />

Desse modo, vale ressaltar que por se tratar de um estudo recente esta<br />

temática ainda está muito associada a distúrbios mentais e de aprendizagem, e como já<br />

foi citado por Pereira (2014), isso se refere ao sujeito que aprende e que é único,<br />

independentemente de deficiências ou dificuldades todos, desde que sejam estimulados<br />

podem adquirir conhecimento como cita Relvas et al. (2012, p. 50) “qualquer indivíduo<br />

pode aprender, com limitações de tempo e de profundidade intelectual, mas para isto a<br />

metodologia deve ser correta pensando na potencialidade do aluno e não na sua<br />

limitação”.<br />

Melhor dizendo, a neurociência como um estudo do sistema nervoso e<br />

cérebro vem contribuir com a pedagogia numa prática voltada para a valorização da<br />

individualidade da pessoa aprendente.<br />

Na questão sobre a relevância da neurociência à Educação Infantil, os dados<br />

demonstram que as participantes foram unânimes ao afirmar que esta é de extrema<br />

importância, mesmo como instrumento para utilizar com as crianças com mais<br />

dificuldade como citou a docente (P1). Mas também com o conhecimento desse<br />

desenvolvimento infantil e sua importância para aquisições futuras, aliado a mudanças<br />

de práticas por parte do professor como destacou a gestora (G2).<br />

No contexto, o Núcleo Ciência pela Infância (2014) convém ressaltar,<br />

esclarece que a aprendizagem se inicia desde o começo da vida, antes mesmo de a<br />

criança entrar na escola. Enquanto ela cresce esse processo vai se desenvolvendo em<br />

todos os domínios: físico, cognitivo e socioemocional, o que significa dizer que o<br />

aprendizado acontece nos seus relacionamentos afetivos. Na verdade, a neurociência<br />

trabalha sobre aspectos.<br />

Assim, é importante lembrar que a aplicação de práticas pedagógicas<br />

baseadas na neurociência deve se iniciar desde a primeira infância, pois esse período é<br />

propício a um maior e melhor desenvolvimento cerebral e cognitivo<br />

(ORGANIZACIÓN DE LOS ESTADOS AMERICANOS, 2006).<br />

112


Diante do exposto, cabe apontar que o estudo da neurociência é muito<br />

importante na formação dos professores da Educação Infantil, tendo em vista que a<br />

infância é o melhor período para o crescimento das potencialidades, desenvolvimento<br />

do cérebro infantil e fortalecimento das sinapses que são essenciais para a<br />

aprendizagem.<br />

Na questão que abordava se as professoras utilizavam a neurociência na<br />

Educação Infantil, como isso acontecia na prática e quais atividades realizavam. A<br />

docente (P1) pontuou mais uma vez para sua prática diferenciada com os seus dois<br />

alunos, particularmente, um com Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade<br />

(TDAH) e o outro com déficit de <strong>ate</strong>nção, mas não citou os demais alunos. Já a docente<br />

(P2) relatou alguns aspectos, como o emocional e o cognitivo, por exemplo, mas não<br />

soube esclarecer como isso poderia ocorrer e nem quais atividades eram desenvolvidas.<br />

As gestoras informaram que tentam dar suporte na contribuição das práticas que<br />

estimulam a <strong>ate</strong>nção e emoção, a exemplo de G1.<br />

As outras professoras, P3 e P4, e gestora G2 relataram que o uso da<br />

neurociência ajuda a desenvolver todos os aspectos das crianças, quer sejam estes de<br />

caráter emocional, nas habilidades cognitivas, motoras entre outras, frisando que estas<br />

ocorrem de forma diferenciada nas brincadeiras planejadas como (pegar o macarrão<br />

com os dedinhos, colocar o pregador no varal, montar os cubos e blocos de encaixe,<br />

torre rosa) e projetos, contação de histórias, oficinas de estimulação para os bebês.<br />

As atividades apontadas por G1 e pelo segundo grupo coadunam-se com<br />

aquilo que os autores tratam: a utilização da neurociência nessa faixa etária, pois para a<br />

Organización de los Estados Americanos (2006), estímulos e experiências na fase inicial<br />

do desenvolvimento exercem grandes influências na estruturação e funcionalidade do<br />

cérebro, refletindo diretamente na qualidade das habilidades sensoriais, emocionais,<br />

intelectuais, sociais, físicas e morais inerentes a cada pessoa.<br />

De acordo com os estudos de Melo e Valle (2005), é por meio do brinquedo<br />

e de sua ação lúdica que a criança expressa sua realidade, ordenando e desordenando,<br />

113


construindo e desconstruindo um mundo que lhe seja significativo. O brincar estimula a<br />

criança em várias dimensões, que incluem a intelectual, a social e a física.<br />

Sendo assim, ressalta-se a valorização de uma prática pedagógica voltada<br />

para o que conhecemos sobre a neurociência na Educação Infantil, sendo esta pautada<br />

no brincar, pois essa atividade tem um sentido ímpar no desenvolvimento das crianças.<br />

Dessa forma, vale destacar a importância do brinquedo nas atividades lúdicas para o<br />

desenvolvimento integral da criança (VIGOTSKY, 1988).<br />

Nesse sentido, Vygotsky (1988, p. 30) corrobora esclarecendo que:<br />

Através do brinquedo, a criança aprende a agir numa esfera cognitiva sendo<br />

livre para determinar suas próprias ações. O brinquedo estimula a curiosidade<br />

e autoconfiança proporcionando o desenvolvimento da linguagem, do<br />

pensamento, da concentração e <strong>ate</strong>nção.<br />

Nesta perspectiva, apontamos para a necessidade de o educador perceber e<br />

utilizar-se dessa prática que é tão relevante para esse desenvolvimento. Com efeito, são<br />

estímulos gerados pelo ambiente e pelas atividades lúdicas que levam os neurônios a<br />

formar novas sinapses, e, assim, propiciar a aprendizagem. Ou seja, o cérebro reage aos<br />

estímulos do ambiente, ativando sinapses, tornando-as mais “intensas” (RELVAS et al.,<br />

2012).<br />

Assim, na pesquisa, quando questionadas sobre quais os benefícios da<br />

utilização da neurociência ao desenvolvimento das crianças da Educação Infantil, a<br />

professora (P1) sinalizou a importância desse estudo novamente para os dois alunos,<br />

destacando as atividades diferenciadas que ela, com auxílio de outras profissionais como<br />

psicóloga e psicopedagoga vêm aplicando com os alunos como deficiência, pois como já foi<br />

dito anteriormente, esta tem se direcionado apenas para referido tipo de necessidade<br />

especial.<br />

Neste sentido, citamos Relvas et al. (2012) quando afirmam que todas as<br />

crianças e cérebros são únicos e precisam de estímulos individuais. Portanto, não só<br />

aquelas que apresentam alguma dificuldade deveriam ser contempladas de forma<br />

individual, pois a neurociência contempla exatamente isso: o ser como único.<br />

114


Já a docente P2 apenas citou ser de extrema importância a utilização da<br />

neurociência na Educação Infantil, pois nessa faixa etária estes estão em pleno<br />

desenvolvimento, porém percebemos na sua fala que tal relato era baseado apenas em<br />

conhecimento empírico.<br />

No que diz respeito à mesma questão, as professoras P3 e P4, sinalizaram a<br />

importância de conhecerem mais a fundo as crianças e seus processos cerebrais e a<br />

partir disso potencializar atividades que beneficiem cada uma, baseado naquilo que<br />

puderam perceber de forma individualizada.<br />

Quanto às gestoras G1 e G2, relatam que nessa fase a criança está em pleno<br />

desenvolvimento e, conhecê-la de forma biológica, também é importante para seu<br />

desenvolvimento cognitivo. G2 acrescentou ainda que a criança necessita também de<br />

estímulos do ambiente familiar, psicossocial e escolar, destacando ser imprescindível<br />

que os professores conheçam a neurociência, para que possam organizar melhor o seu<br />

planejamento, a fim de possibilitar o pleno desenvolvimento da criança.<br />

Todas as participantes da pesquisa, tanto as da escola pública, quanto a<br />

particular, apontaram ser de extrema relevância a utilização da neurociência, porém<br />

mesmo sabendo disso, muitos são os questionamentos delas sobre como fazer uso<br />

dessas práticas, pois para tais educadoras, a Neurociência ainda é uma temática nova.<br />

Nesse sentido, Burke (2003 apud BATISTA; SANTIAGO JÚNIOR; SANTOS, 2015)<br />

destaca o amplo desafio para os educadores das instituições de ensino em descobrir,<br />

desenvolver e aplicar técnicas e métodos pedagógicos que respeitem e estimulem o<br />

processo natural pelos quais as pessoas apreendem por construção seus conhecimentos.<br />

Nesse sentido, é importante destacar que os educadores precisam conhecer<br />

como o desenvolvimento desse cérebro infantil é importante para o desabrochar<br />

cognitivo e como utilizar-se esse conhecimento de forma adequada, como afirma<br />

Pereira (2014).<br />

Portanto a partir do que foi apresentado, podemos inferir que a falta de um<br />

conhecimento mais aprofundado a respeito de quais atividades valorizam a neurociência<br />

em sala de aula ainda é um grande entrave para alguns educadores.<br />

115


Desse modo, continuamos questionando as professoras e gestoras, se estas<br />

se sentem qualificadas para utilizar a neurociência com as crianças da Educação<br />

Infantil. As respostas apontaram uma unanimidade, pois todas foram taxativas em dizer<br />

não, mesmo com estudos oferecidos pela escola B, as professoras P3 e P4 citam a falta<br />

de formação na área e, principalmente, pouco tempo de estudo, as gestoras G1 e G2,<br />

também responderam de igual modo.<br />

Diante do exposto, vale destacar que em comparação entre as escolas A e B,<br />

a escola A já possui um estudo e faz uso desse trabalho, ao passo que na escola B, os<br />

seus profissionais já ouviram falar em neurociência, mas, na prática, ainda não existe<br />

nenhum trabalho efetivo como pudemos observar.<br />

Há, portanto, uma prática fragilizada por parte da instituição A, onde as<br />

atividades baseadas na neurociência eram realizadas de forma empírica nas contações<br />

de histórias, nas brincadeiras e jogos desenvolvidos pelas professoras, mas sem a real<br />

consciência de quais estímulos eram desenvolvidos a partir destas atividades.<br />

Já na instituição B, as atividades iguais são desenvolvidas, porém são<br />

conduzidas e fundamentadas nesse estudo, conforme os dados das entrevistas das<br />

professoras. Destacamos que, de modo geral, a de falta orientação e principalmente de<br />

formação não só nessa, mas em muitas outras temáticas, aponta para a má qualidade na<br />

nossa educação pública municipal da rede de ensino pesquisada, quanto ao <strong>ate</strong>ndimento<br />

das nossas crianças na Educação Infantil.<br />

Em relação ao período anterior à utilização da neurociência com as crianças<br />

e o período posterior. Perguntamos se houve ganho de conhecimento e, caso tenha<br />

havido, quais foram? Como resposta nenhuma das entrevistadas puderam apresentar<br />

comparativos que respaldassem sua prática. No caso das professoras P1 e P2, estas<br />

afirmam ter conhecimento do tema no ano anterior e a prática ainda é muito frágil. De<br />

igual modo, a mesma coisa afirmou a gestora G1. Já as professoras P3 e P4 e gestora G2<br />

afirmaram não ter dados a comparar, porque a escola iniciou o funcionamento recente,<br />

portanto não possui dados de anos anteriores. Porém, a gestora G2 destaca que os<br />

116


esultados já apresentados no desenvolvimento das crianças matriculadas na escola, são<br />

satisfatórios para a instituição e principalmente para os pais.<br />

Neste sentido, a pesquisa feita aponta para uma falta de resultados por<br />

ambas instituições, pois estas sinalizam que conhecem há pouco tempo a temática e o<br />

modo de como fazer uso desta. Logo, ainda não há como fazer comparações entre as<br />

crianças a partir do desenvolvimento dessa proposta.<br />

Porém, as professoras destacam os ganhos considerados que as crianças<br />

apresentaram durante esse ano de trabalho (instituição A), pois a neurociência está<br />

inserida no planejamento e nas atividades realizadas. Dessa forma, corroboramos com<br />

essa afirmativa, pois verificamos que a intencionalidade da aplicação de atividades<br />

pautadas nesses conhecimentos, pode contribuir de forma significativa para o<br />

desenvolvimento integral das crianças, principalmente na primeira infância.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Após o estudo feito sobre a temática: a neurociência no contexto da<br />

Educação Infantil é possível afirmar que a meta principal da educação é a<br />

aprendizagem, sendo que esta se encontra diretamente ligada ao cérebro. A importância<br />

do conhecimento desse órgão (cérebro) por parte daqueles que ensinam: pais,<br />

professores, cuidadores, entre outros, torna-se indispensável. Percebemos que existe<br />

uma grande fragilidade com relação à prática docente, mesmo com o aumento das<br />

informações para a relevância dessa temática ao desenvolvimento das crianças da<br />

Educação Infantil.<br />

Considerando os objetivos pretendidos neste estudo, investigamos se os<br />

profissionais da Educação Infantil possuíam conhecimentos sobre a neurociência e se<br />

esses conhecimentos auxiliavam as atividades desenvolvidas com as crianças em<br />

relação ao desenvolvimento cognitivo e/ou aprendizagem. Observamos que os<br />

profissionais das instituições pesquisadas conhecem muito pouco sobre a referida<br />

temática e tampouco, o uso em suas práticas. Portanto, a utilização da neurociência<br />

117


acontece com algumas limitações, as quais podem estar relacionadas à escassez de um<br />

conhecimento mais teórico, ou seja, menos empírico.<br />

Constatamos que a carência de formações/capacitações também tem sido<br />

um entrave para uma metodologia diferenciada, pois as professoras ainda apresentam<br />

muita dificuldade em colocar em prática conhecimentos neurocientíficos em suas ações.<br />

Estudos atuais sinalizam que a neurociência contribui de forma significativa<br />

para o processo de aprendizagem em qualquer segmento educacional, o que confirma a<br />

hipótese levantada: a estimulação baseada na neurociência contribui de forma<br />

significativa para o desenvolvimento de crianças na Educação Infantil.<br />

Percebemos ainda que as práticas dos docentes com relação a essa temática<br />

baseadas na estimulação neurocientíficas contribuem para o desenvolvimento das altas<br />

funções executivas como linguagem, memória, escrita, <strong>ate</strong>nção e percepção, fatores<br />

determinantes para o crescimento cognitivo. Atividades estas que foram desenvolvidas<br />

pela instituição particular, uma vez que todas as professoras e gestoras sinalizaram já<br />

conhecer a neurociência ou mesmo fazer uso dela dentro da instituição em que<br />

trabalham. Na pesquisa, estas são c<strong>ate</strong>góricas em afirmar a relevância dessa temática<br />

para o desenvolvimento das crianças na Educação Infantil, não só nos seus aspectos<br />

cognitivos, mas, sociais e psicológicos.<br />

Isto é comprovado, na instituição anteriormente citada, quando apontamos<br />

para a evolução cognitiva do indivíduo a partir das práticas de atividades pautadas na<br />

neuroeducação que são desenvolvidas de forma consciente e apresentadas pelas<br />

professoras principalmente nas seguintes atividades: Contações de história –<br />

experiências lúdicas; Jogos de imitação - praticam a <strong>ate</strong>nção, memória de trabalho, e<br />

autocontrole;Cantigas de Roda, músicas ou cantos com movimentos de mão -<br />

desenvolvem o autocontrole e a memória de trabalho, bem como a linguagem;Os jogos<br />

de cartão e os jogos de tabuleiro - são ótimos para exercitar a memória de trabalho.<br />

Ressaltamos que as atividades acima relacionadas fazem parte de todo um<br />

processo educacional infantil, voltado para neurociência, o que diferencia uma<br />

instituição para outra em sua intencionalidade utilização, dentro dessas. Pois, no âmbito<br />

118


público, mesmo as docentes que possuem conhecimento limitado acerca da<br />

neurociência não a desenvolvem de forma prática em suas vivências escolares por falta<br />

de um conhecimento mais abrangente que as possibilite aplicar de forma consciente<br />

atividades de cunho neuroeducativo.<br />

Neste sentido, os dados das escolas pesquisadas, tanto da rede municipal<br />

quanto da escola particular em São Luís, ambas no Maranhão. E na temática aqui<br />

discutida, o que diferencia uma instituição da outra além da exorbitante diferença<br />

estrutural, é a prática pedagógica das professoras, pois as professoras da escola<br />

particular adotam atividades baseadas na neurociência de forma consciente e orientadas,<br />

por meio dos seus planos de aula. Já na outra instituição - a pública - as atividades<br />

baseadas em conhecimentos científicos são utilizadas, porém de forma mais empírica.<br />

De fato, a instituição pública pesquisada, assim como muitas instituições de<br />

ensino, ainda não adota uma prática (consciente) voltada para os conhecimentos<br />

neurocientíficos, principalmente por se tratar de um tema atual, e ainda muito<br />

questionado por parte de pesquisadores e professores.<br />

As professoras e gestoras das duas instituições pesquisadas afirmam que<br />

ainda carecem de formação, inclusive a que já adota tal prática, pois garante que muito<br />

ainda precisam aprofundar conhecimentos para que possa alcançar os objetivos<br />

esperados.<br />

Consideramos, finalmente, que a aplicação da neurociência na educação<br />

maranhense ainda é pouco explorada, carente de mais pesquisas que respaldem sua<br />

prática, não como um novo método de ensino, mas como base para um novo olhar sobre<br />

o processo ensino-aprendizagem à luz dos processos cerebrais como origem da<br />

cognição e desenvolvimento humano.<br />

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122


A PRÁXIS-EDUCATIVA ROUSSEAUNIA E O ENSINO DE FILOSOFIA<br />

THE ROUSSEAUNIA PRACTICE AND THE TEACHING OF PHILOSOPHY<br />

Edilene Pereira Boaes<br />

Mestranda do PROF-FILO UFMA,<br />

bolsista CAPES. Email:boaes2014@gmail.com<br />

Edilson Vilaço de Lima,<br />

Mestrando do PROF-FILO UFMA,<br />

bolsista CAPES. E-mail: neoeddi21@gmail.com<br />

Ediel dos Anjos Araújo,<br />

Mestrando do PROF-FILO UFMA.<br />

E-mail: araujo_ediel@yahoo.com.br<br />

Orientador: Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha<br />

Programa de Pós-Graduação Profissional em Filosofia do PROF-FILO/UFMA<br />

Programa de Pós-Graduação Cultura e Sociedade- PGCult/UFMA.<br />

E-mail:lucianosfacanha@hotmail.com<br />

Eixo 1: Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Analisar o problema do ensino da Filosofia é recuperar como ele foi tratado<br />

pelos filósofos ao longo da história da filosofia, especialmente do ensino da Filosofia.<br />

Queremos reforçar ainda que o nosso problema central é a práxis do professor,<br />

compreendido como filósofo professor e pesquisador. Desse modo, na primeira seção<br />

vamos, inicialmente, apresentar como fomos atacados pelo problema do ensino da<br />

Filosofia e, na sequência a questão da prática do educador, na tentativa de colocar um<br />

aporte no que tange aos documentos oficiais para a problemática metodológica do<br />

ensino de filosofia, e mais es especificamente nas escolas de Ensino Médio da cidade de<br />

Alcântara - MA. Revisitando o pensamento do filósofo genebrino Jean-Jacques<br />

Rousseau, com as perspectivas educativas para o educando e para o educador.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de filosofia; Metodologias; Práxis;<br />

123


ABSTRACT: To analyze the problem of the teaching of Philosophy is to recover as it<br />

was tre<strong>ate</strong>d by philosophers throughout the history of philosophy, especially the<br />

teaching of Philosophy. We also want to reinforce that our central problem is the praxis<br />

of the teacher, understood as a philosopher teacher and researcher. Thus, in the first<br />

section we will first present how we were attacked by the problem of the teaching of<br />

Philosophy and, following the question of the practice of the educator, in the attempt to<br />

put a contribution regarding the official documents for the methodological problematic<br />

of teaching of Philosophy, and more specifically in the high schools of the city of<br />

Alcântara - MA. Revisiting the thought of the Geneva philosopher Jean-Jacques<br />

Rousseau, with the educational prospects for the learner and the educator.<br />

Keywords: Philosophy teaching; Methodologies; Praxis.<br />

O nascimento de um problema: aluna de filosofia ou professora-pesquisadora de<br />

filosofia?<br />

A presente pesquisa surge no período da graduação dentro dos períodos<br />

iniciais e especificamente ao fazer parte do Grupo de Pesquisa Jean-Jacques Rousseau.<br />

Inquietações surgiram, mudanças dentro do ambiente acadêmico, e no período do<br />

estágio, deu-se início ao delineamento do problema: como estabelecer metodologias<br />

para o ensino de filosofia? Como lidar com os problemas existentes na sala de aula? O<br />

que ensinar? Qual a práxis do educador que se propõe a educar e não apenas transmitir<br />

um conteúdo? Que m<strong>ate</strong>rial didático utilizar? E a saída da academia para o espaço da<br />

sala de aula trouxeram outras inquietações/problemas que embasam a prática e a teoria<br />

do ensino de filosofia, excluindo os problemas estruturais (o que não exclui uma<br />

avaliação crítica) que fogem da alçada do educador, pois requerem políticas públicas e<br />

não apenas iniciativas individuais.<br />

Invertido os papéis, saindo do espaço cômodo de aluna para estar do outro<br />

lado, agora como professora, um lugar que deveria ser de reconhecimento torna-se lugar<br />

124


de estranhamento e de solidão metodológica, pois apesar de percorrer um Curso de<br />

Licenciatura em Filosofia, muitas vezes não prepara o discente para a futura atividade a<br />

que se propõe, isso averiguando dois anos de atividade docente na Universidade Federal<br />

do Maranhão, num preparar jovens para a vida profissional dentro de diversos cursos,<br />

como Direito, Serviço Social, M<strong>ate</strong>mática, Biblioteconomia, Filosofia, etc., apontando<br />

discussões, análises, mas em muitos momentos num estranhamento que oferecia um<br />

“estrangeirismo” dentro da minha pátria (a filosofia). Não apenas repassando conteúdos<br />

propostos pela História da Filosofia, mas assuntos pertinentes às áreas de conhecimento<br />

que me defrontava, agora como docente. E para isso entender os métodos propostos<br />

pelos filósofos e, até mesmo, a linguagem utilizada pela filosofia para expressar-se.<br />

Nesse sentido, o primeiroquestionamento qual a minha atividade (atitude)<br />

como professora na aula de Filosofia: o que é e como ensinar a filosofia. Esse<br />

questionamento me remeteu a outro, que me levou a problematizar, também, a maneira<br />

de entender como se deu minha formação de professora de Filosofia e de que modo ela<br />

poderia ter contribuído para a dificuldade que estavainstaurada. No entanto, notei que o<br />

problema não se limitava à defasagem de minha formação, com suas várias lacunas que<br />

geralmente ocorrem em qualquer processo formativo, mas também no descompasso<br />

entre a imagem que eu fazia do ser professora e da relação com os alunos. Contudo,<br />

lidar com um alunado que mesmo na universidade ainda se perguntava e se pergunta:<br />

“O que isso (a filosofia) tem a ver com o curso que eu faço? A partir daí, a questãoque<br />

passei a me colocar era: qual a importância de se ensinar Filosofia a esses alunos, a<br />

importância de eles a aprenderem, e a relação existente entre a filosofia e os campos de<br />

saber específicos em que cada um deles estava sendo formado?<br />

Então, a função de ensinar a Filosofia, a atividade docente que se<br />

configurava como uma tentativa de ensinar a Filosofia para estudantes é concebida com<br />

o objetivo de proporcionar aos alunos iniciantes no ensino médio e nos primeiros<br />

períodos das universidades, um olhar crítico acerca do mundo e da realidade<br />

circundante. E nesse sentido, onde filosofar ou onde era estabelecido o lugar do<br />

filosofar? Assinalo para o que Cerletti estabelece:<br />

125


O ponto de início será refletir sobre o problema que está na base: que se<br />

entende por “ensinar filosofia” e como se poderia transmitir algo cuja<br />

identificação é já um problema filosófico. (...) Outorgar aos professores e<br />

professoras um protagonismo central, uma vez que os interpela, não como<br />

eventuais executores de receitas genéricas, mas como filósofos e filósofas<br />

que recriam a própria didática em função das condições em que devem<br />

ensinar. (2009, pág. 10)<br />

A presença da filosofia como disciplina escolar: alguns questionamentos<br />

Como promover um aprendizado efetivamente significativo para o aluno da<br />

etapa terminal da Educação Básica? Esta é a quarta pergunta que a presença da Filosofia<br />

na escola impõe. Se tomarmos como próprio da Filosofia o movimento do pensamento,<br />

teremos que responder: como ensinar este movimento? Se entendermos que o ensino<br />

filosófico deve levar em conta a experiência de ressignificação de problemas em sala de<br />

aula, como precisaria ser lida a tradição filosófica para fazer dela objeto de reflexão da<br />

própria realidade?<br />

Um diagnóstico usual da área de Ensino <strong>ate</strong>sta que os cursos de Licenciatura<br />

não oferecem uma formação sólida e condizente com o cenário educacional vigente;<br />

logo, muitos licenciados vão se tornando professores apenas na sua prática docente.<br />

Fica, então, a questão: como formar bons professores de Filosofia para atuarem no nível<br />

médio de ensino? Qual o perfil do professor de filosofia no ensino médio? Esta é uma<br />

questão fundamental, pois o perfil do professor será bastante importante para o<br />

desenvolvimento da disciplina. Dois modelos principais são identificados. Primeiro, o<br />

professor formado sob uma metodologia que apenas lê os textos segundo a ordem das<br />

razões (“pensamento tímido”), uma certa exegese do texto, com “o exame exaustivo de<br />

seus argumentos e da coerência interna da doutrina, o mais das vezes, sem a<br />

consideração daquilo que no pensamento de um autor está presente como diálogo com a<br />

tradição e os contemporâneos” (LEOPOLDO E SILVA, 1998: 802). Segundo, o<br />

professor que não é formado em filosofia. Este, não raramente, leciona a disciplina para<br />

a complementação de sua carga horária e de seu salário. O problema se situa na pouca<br />

formação que este profissional possui. Uma pessoa que cursou duas ou três disciplinas<br />

126


de filosofia em outro curso superior não está habilita a lecionar filosofia<br />

especificamente e nem possui competência para esta especificidade, uma vez que a<br />

leitura e a análise direta do texto é uma condição de possibilidade para a crítica e, nesse<br />

sentido, “um pressuposto necessário e decisivo para o exercício da cidadania”<br />

(PCN,1999:337).<br />

Surgiram então as seguintes interrogações: onde se deveria pensar qual o<br />

objetivo de uma disciplina estranha a determinado espaço de saber (ensino da Filosofia<br />

para não filósofos) – e um problema sobre qual seria a função do professor de Filosofia<br />

(tanto para os cursos regulares de filosofia como para os de não filósofos). Assim,<br />

surgiu a questão sobre o tipo de conhecimento que o professor deveria possuir e<br />

produzir para ensinar a Filosofia e de que modo ele deveria problematizar o ensino da<br />

Filosofia para entendê-lo melhor. Busquei, então, problematizar (1) o que seria o ensino<br />

e o que seria o processo de ensino/aprendizagem tão presente no discurso dos<br />

educadores, e (2) o que fazer para entender seu funcionamento. Afinal, perguntei-me:<br />

(3) qual é a experiência necessária ao fazer e ao ensinar/aprender filosofia para que o<br />

seu ensino realmente se efetive?<br />

Pensar sobre essas questões é, antes de mais nada, pensar sobre o que me<br />

acompanhou: o Curso de Filosofia, colegas de estudo, alunos das escolas onde trabalhei<br />

(e isso abrange a UFMA), o grupo de pesquisa, professores, e colegas de trabalho, etc.<br />

Assim, não quero pensar sobre o ensino da filosofia, mas criar uma estratégia diferente<br />

– que faz ressoar Nietzsche, Deleuze e Foucault – para pensá-lo: como um desejo<br />

violento de pensar a minha própria vida (cf. Vilela, 2007, p.672). O que faz o filósofo<br />

quando uma de suas tarefas no contexto presenteé ser professor de Filosofia?<br />

A presença da filosofia no currículo<br />

O que percebemos dentro do Brasil é um “aparecimento” e<br />

“desaparecimento” da filosofia dentro da estrutura curricular brasileira. No panorama<br />

geral do ensino da Filosofia, a reviravolta dessa situação se deu em outro contexto. Em<br />

1961, a partir do Decreto de Lei n.4.024/61, a filosofia deixou de ser obrigatória no<br />

127


ensino. Com o Decreto de Lei n.869/69, regulamentado pelo Decreto n.68.065/71, essas<br />

disciplinas foram substituídas pelas disciplinas de Educação Moral e Cívica e Ordem<br />

Social e Política Brasileira (OSPB), cujo objetivo era a defesa do princípio<br />

democrático, das tradições nacionais, da projeção de valores espirituais e éticos da<br />

nacionalidade por meio do fortalecimento da unidade nacional e do sentimento de<br />

solidariedade humana, do culto à pátria, das tradições e instituições, bem como do culto<br />

à obediência à lei, da fidelidade ao trabalho e da integração na comunidade (Lepre,<br />

2001).<br />

Assim, no lugar antes ocupado pelas disciplinas consideradas subversivas ao<br />

controle social, foi colocada uma disciplina que tinha como objetivo uma educação que<br />

preparasse os estudantes, para o ingresso na sociedade, para o culto à pátria e para a<br />

obediência às leis estabelecidas, sem que, para isso, o aluno tivesse de fazer críticas ou<br />

compreender a sociedade. Porém, é em outro momento que a filosofia sofre seu maior<br />

golpe, com a Lei n.5.692/71, durante o período de ditadura militar (de 1964 a 1982),<br />

que fez que a Filosofia e a Sociologia fossem sumariamente retiradas do currículo<br />

escolar. Portanto, com essa retirada, foi despertado um deb<strong>ate</strong> que visava a uma<br />

conscientização social sobre a relevância da filosofia na formação do cidadão crítico.<br />

A obrigatoriedade do ensino de Filosofia pela LEI 11.684/2008 impulsionou<br />

o deb<strong>ate</strong> acerca da Filosofia e de suas metodologias. A educação no Brasil tem sido alvo<br />

de investigações constantes e incessantes por parte dos educadores. A Filosofia<br />

enquanto parte desse corpo de ensino tem buscado ao longo dos anos desenvolver uma<br />

metodologia especifica para o seu ensino e prática.<br />

Contudo, destacamos que Gallo (2007) coloca a Filosofia como sendo uma<br />

atividade de criação de conceitos, em que aponta quatro maneiras de o professor chamar<br />

a <strong>ate</strong>nção do aluno para a sua disciplina: a sensibilização, a problematização, a<br />

investigação, e a conceituação. Navia (2004), por sua vez, defende que o que deve ser<br />

observado são “os grandes temas de nossa época” e, a partir disso, desenvolver uma<br />

formação educacional onde o aluno estará capacitado a fazer uma crítica da realidade<br />

em que ele se encontra. Feitosa (2004), propõe para o ensino de Filosofia a necessidade<br />

128


da interdisciplinaridade. Da mesma forma que Feitosa, Rocha (2008) diz que a Filosofia<br />

não pode ser uma disciplina fechada no seu campo de saber, ela deve dialogar com<br />

outras áreas do conhecimento, promovendo assim a interdisciplinaridade; e salienta que<br />

todas as disciplinas do currículo do Ensino Médio devem andar juntas, de modo que<br />

nenhuma ultrapasse o saber da outra, mas se complementem. Sabemos que o artigo 36<br />

da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB n. 9.394/96) define que ao<br />

final do ensino médio os estudantes deverão “dominar os conhecimentos de filosofia e<br />

de sociologia necessários ao exercício da cidadania". O fato de a Filosofia e a<br />

Sociologia já estarem presentes no currículo oficial de outros estados da federação<br />

possibilitou a decisão favorável sobre a obrigatoriedade das duas disciplinas que<br />

ocorreu em 2008, o que foi uma conquista histórica.<br />

Diante da explanação acerca do modo como o ensino da Filosofia vem<br />

sendo tratado no Brasil, podemos indicar que as questões que o envolvem são debatidas<br />

no contexto atual. Porém, essas questões muitas vezes se concentram em três<br />

preocupações que norteiam as pesquisas: (1) o entendimento da importância do ensino<br />

da Filosofia para a sociedade, para a cultura e para a formação crítica do homem; (2) a<br />

reflexão sobre os temas e conteúdos a serem ensinados e sobre o currículo; e (3) a busca<br />

do entendimento metodológico do ensino da Filosofia. Notamos nesse contexto uma<br />

escassez de pesquisas que problematizem a relação do filósofo com a tarefa que lhe é<br />

confiada: ser professor de Filosofia. Talvez isso tenha reafirmado um posicionamento<br />

pedagógico a partir de uma problematização educacional dos métodos e conteúdos e de<br />

um posicionamento filosófico sobre a importância desse ensino.<br />

A proposta educativa de Jean-Jacques Rousseau<br />

Partir da perspectiva teórica do filosofo genebrino Jean-Jacques Rousseau,<br />

explicitar o ensino da Filosofia como uma educação filosófica que visa um exercício de<br />

autonomia do aluno e do educador, para a emancipação do ser humano. Objetiva,<br />

também, descrever sua concepção de educação e o processo educacional como<br />

129


eferência na questão do ensino e prática educativa à luz de um método de teor<br />

filosófico.<br />

Está em sala de aula, requer pleno domínio de conteúdo, e uma formação<br />

continuada que ajude em sua prática docente, ter o conhecimento contínuo como um<br />

aliado. Rousseau em sua obra Devaneios do Caminhante Solitário: “Quanto a mim,<br />

quando desejei aprender, foi para saber e não somente ensinar; sempre acreditei que<br />

antes de instruir os outros era preciso começar por saber o suficiente para si mesmo”.<br />

(ROUSSEAU, 1995, p. 42).<br />

A ocupação primeira com o ensino e com a aprendizagem, a questão de<br />

como ensinar e de que maneira o indivíduo aprende. “Não se conhece a infância: com as<br />

falsas ideias que dela temos, quanto mais longe vamos mais as extraviamos. Os mais<br />

sábios apegam-se ao que importa que saibam os homens, sem considerar que as crianças<br />

se acham em estado de aprender”. (ROUSSEAU, 1992, p. 6)<br />

O termo Paidéia (utilizado a partir do século V a. C.), que traduz o processo<br />

integral de formação do homem no cultivo da alma e do corpo, classifica bem o<br />

princípio da educação o <strong>ate</strong>niense e das ideias pedagógicas esboçadas por Platão em sua<br />

obra A República 8 , assim como pode ser aplicado às reflexões filosófico-educacionais<br />

do Emílio. Rousseau faz uma atualização na modernidade, mostrando que não é mais<br />

uma Paideia, pois a realidade é outra.<br />

8 Platão pensava em termos de uma busca continuada da virtude, isto é, toda virtude é conhecimento e<br />

como somente ao homem virtuoso era dado conhecer o bem e o belo, a busca pela virtude deveria<br />

prosseguir pela vida inteira. Características da educação platônica: toda educação era de<br />

responsabilidade estatal; reivindicava o acesso universal à educação e a mesma instrução para meninos e<br />

meninas; defendia essas ideias por ser opositor ao sistema democrático que vigorava em Atenas,<br />

principalmente porque ele dava poder a pessoas despreparadas para governar. Considerando a faixa etária<br />

dos 3 aos 6 anos, jogos educativos, de exercícios de caráter militar e num extenso programa de jogos; a<br />

finalidade da ginástica: contribuir para a formação do caráter e da personalidade. Assim, até aos dez anos,<br />

e educação seria predominantemente física.17 e aos 18 anos, imposição do serviço militar os jovens são<br />

obrigados a interromper os estudos intelectuais por dois ou três anos. Aos 35 anos os jovens estarão na<br />

plena posse deste instrumento, o único que conduz à verdade, a dialética. O homem já preparado deveria<br />

viver em sociedade durante quinze anos para adquirir experiência e testar seus conhecimentos entre os<br />

homens comuns e demonstrar a capacidade de trabalhar para se sustentar. Assim, 50 anos, estará<br />

completa sua educação, se tiver sobrevivido e superado todas as provas. (PLATÃO. A República.<br />

Tradução: Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2000. Livro IV, p. 219).<br />

130


A formação do cidadão torna-se um empreendimento político em dois<br />

sentidos: primeiro como não é o caso de retornar ao estado de natureza. Rousseau<br />

defende a ação política de formar um homem diferente e capaz de reconstruir a<br />

sociedade por meio de um contrato social no qual o povo seja soberano. Defende,<br />

portanto, a reformulação total da sociedade por meio de um contrato legítimo,<br />

consentido por todos, que funde o verdadeiro estado de direito com base na soberania<br />

popular. O segundo sentido, se a sociedade corrompe o ser humano, então é necessário<br />

optar por uma ação pedagógica que busque aperfeiçoar e desenvolver um tipo específico<br />

de cidadão que supere o conflito entre o homem natural e o homem civil.<br />

A sociedade moderna é construída através de uma visão individualista, cujas<br />

influências vão desde o estoicismo até ao individualismo cristão. Tal conceito procura<br />

conceder ao homem o papel de membro ativo e independente no âmbito de uma<br />

coletividade artificial. Tendo em vista que o processo de socialização sempre resulta em<br />

um processo de despersonalização, de supressão da individualidade pelas restrições dos<br />

papéis sociais.<br />

Antes de sua queda o homem pôde viver um período áureo chamada de<br />

idade do ouro, esse período imaginário foi, portanto, a oportunidade que o homem teve<br />

para estabelecer uma rica relação consigo mesmo, com a natureza e com o outro. Nesse<br />

estágio o homem constituiu a família e contava com uma primeira forma de propriedade<br />

que era a sua cabana. Seus compromissos ainda eram tênues e não atrapalhavam o gozo<br />

da liberdade.<br />

Sendo iguais, os homens exercitavam uma autêntica solidariedade e<br />

gozavam de um lazer ocioso e autêntico, como prescrevera a natureza. Seus encontros<br />

eram em torno de uma fogueira quando dançavam e se afeiçoavam uns aos outros.<br />

Falando não apenas da festa primitiva, mas também dos primeiros encontros movidos<br />

pelas necessidades,<br />

Aí se formaram os primeiros laços de família e aí se deram os primeiros<br />

encontros entre os dois sexos. As moças vinham procurar água para a casa.<br />

Os moços para dar de beber aos rebanhos. Olhos habituados desde a infância<br />

131


aos mesmos objetos, começaram aí a ver outras coisas mais agradáveis. O<br />

coração emocionou-se com esses novos objetos, uma atração desconhecida<br />

tornou-o menos selvagem, experimentou o prazer de não estar só...<br />

(ROUSSEAU, 1978, 297).<br />

A lei é o registro de uma vontade. Vontade de quem? Teoricamente do povo<br />

associado. Salinas Fortes, alerta (1976, p.96) que o filósofo genebrino está bem ciente<br />

que os homens neste estágio da sua evolução são incapazes de saber espontaneamente,<br />

em que consiste de maneira concreta o bem comum, cuja busca permanente é o fim da<br />

associação política.<br />

O legislador é um guia, que não impõe nada, mas acaba sendo aceito pelo<br />

respeito que provoca, pela autoridade moral pessoal. A sua obra será continuada pelo<br />

conjunto dos cidadãos, do qual ele será um simples membro, e pela atividade de<br />

educador. Cito Rousseau (1982, pp.25-26):<br />

Nunca haverá boa e sólida constituição além daquela em que a Lei reinará<br />

sobre os corações dos cidadãos. (...)<br />

Porque meios, pois, comover os corações e fazer amar as pátrias e as leis?<br />

Ousaria eu dizê-lo? Por meio de jogos de crianças; por meio de instituições<br />

ociosas aos olhos dos homens superficiais, mas que formam hábitos queridos<br />

e afeições invencíveis. Se aqui deliro é, ao menos bem completamente, pois<br />

confesso que vejo minha loucura sob os traços da razão.<br />

A sua ação é particular e não pode confundir-se com a soberania ou a<br />

magistratura. A sociedade reconhecerá a sua obra, quando terminada, e nada mais.<br />

Segundo, o legislador deve resistir à tentação de apoderar-se do governo e do poder, ou<br />

de agir em épocas convulsas, quando poderia aparecer como o profeta ou o salvador da<br />

pátria. A autoridade do legislador deve durar um curto espaço de tempo para não se<br />

tornar definitiva e perpetuar dependência. Descoberto que não há convivência possível<br />

entre a cidade e o legislador que a continuidade deve ser garantida pelas leis e não pelos<br />

homens, mesmo de estatura superior, terminada a tarefa do legislador ele deve se retirar,<br />

para não aparecer como mais uma força ou fonte de poder, situação que pode trazer o<br />

perigo da tirania.<br />

132


Terceiro, o legislador deve conhecer bem o povo que deve ser formado, os<br />

seus costumes e preconceitos, sem a pretensão de reformá-los ou mudá-los<br />

completamente, porque esses costumes constituem uma espécie de direito ou opinião<br />

pública, uma segunda natureza.<br />

É importante entender o duplo pensamento sobre a opinião que uma longa<br />

tradição filosófica considera inferior à “verdade” ou a “ciência”. Por um lado, vimos, no<br />

Segundo Discurso, que, na fase de formação dos primeiros grupos sociais, o amor de si<br />

transformou-se em amor-próprio porque cada um começou a comparar-se com o outro e<br />

a depender da opinião (julgamento, estima, consideração) que o outro fazia dele. Esse<br />

fato provocou o surgimento de vícios como a vaidade e desprezo, vergonha e inveja,<br />

que marcaram enfim, a perda da igualdade, a alienação do indivíduo na sociedade e o<br />

triunfo do jogo do ser e parecer. O homem cobriu-se de máscaras no cenário social. É<br />

por isso que a educação negativa 9 da criança, no Emílio, consiste em não ceder à tirania<br />

ou veneno da opinião, porque o critério que a rege é a aparência.<br />

A visão de liberdade, para Rousseau, é a de que o homem é aquilo que faz<br />

da sua vida, nos limites das determinações físicas, psicológicas ou sociais que pesam<br />

sobre ele. Em outras palavras, não existe um expedito humano do qual nossa existência<br />

seria um simples desenvolvimento. O interesse pela política surge porque somos<br />

responsáveis por nós mesmos e por aquilo que nos cerca, ou seja, pela sociedade.<br />

Estas ideias ficam claras quando Rousseau pretende esclarecer sua<br />

concepção educacional e explicitá-la mediante a vida do homem na sociedade. O<br />

processo educacional, para Rousseau, pautava-se em três aspectos: a) a educabilidade<br />

do ser humano; b) a autonomia ou a ideia de um projeto emancipatório; c) o papel do<br />

professor (mestre) e a educação ensinada. Para Rousseau, o que distingue o homem do<br />

animal é o fato de ele ser uma pessoa livre, que escolhe o que deseja para si, que é<br />

9 Em vez de educar Emílio para um determinado papel social, como é o procedimento comum em<br />

sociedade, propõe educa-lo para ser homem, isto é, segundo a natureza, para viver melhor em sociedade<br />

guardando as qualidades naturais. (...) O objetivo do livro é recriar o homem natural. Deixa-se a criança<br />

livre para se formar por meio de sua própria experiência, sendo a natureza seu melhor preceptor.<br />

(PISSARRA, Maria Constança Peres. Rousseau: a política como exercício pedagógico. São Paulo:<br />

Editora Moderna, 2002. P. 61).<br />

133


educável. Ensinar e aprender não se atrelam à natureza divina, mas ao fato de a pessoa<br />

encontrar o valor e a intencionalidade da sua vida em sociedade. A autonomia visa que,<br />

na escola, o professor e os diferentes conhecimentos caminhem em função do<br />

crescimento do aluno e não de um mero programa a ser vencido. Assim, o aluno é o<br />

critério e a medida do aprender. A aprendizagem não é reduzida à dependência do outro,<br />

pois, para Rousseau, ninguém tem o direito de confiar no juízo de outrem‟. Outro<br />

aspecto importante para a educação rousseauniana diz respeito às três educações, ou os<br />

mestres educadores, a saber: a) a educação da natureza; b) a educação das coisas; c) a<br />

educação dos homens.<br />

Rousseau é contrário à educação livresca e, por isso, destaca a importância<br />

da experiência e da análise dos fatos. No caso do ensino, o professor é admoestado para<br />

mostrar os fatos e não confundir o educando com suas opiniões e interpretações. O<br />

aluno deve aplicar sua análise, desenvolvendo sua capacidade de pensar por si mesmo.<br />

Isso nos remete, na obra Emílio, à seguinte pergunta: “como é possível que uma criança<br />

seja bem educada por quem não tenha sido bem educado? ” (p.26). Para Rousseau, as<br />

qualidades de um professor ideal estão em ser companheiro de seu aluno, e conduzir<br />

apenas uma educação, ou seja, lecionar (na referência atual) somente na disciplina em<br />

que é formado e que possibilite a formação do homem e do cidadão.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Tecendo discussões e alternativas possíveis para o ensino de Filosofia e as<br />

metodologias aplicáveis em sala de aula, a Filosofia precisa de uma didática própria<br />

para sua disciplina, adequada a sua especificidade e abrangência, pois a mesma deve ser<br />

pensada como um problema filosófico. Além de problemas teóricos e metodológicos a<br />

Filosofia enfrenta também problemas como a da carga horária nas escolas, que é na<br />

maioria das vezes um período semanal. A pesquisa que estamos desenvolvendo, num<br />

primeiro momento, foi feita a partir de um levantamento bibliográfico, com produção de<br />

<strong>artigos</strong> sobre os quais buscamos identificar os autores que trabalham com o ensino de<br />

Filosofia, e quais caminhos que tem trilhado a fim, de solucionar os impasses da<br />

134


inserção da Filosofia nos ensinos Fundamental e Médio das escolas brasileiras. E nessa<br />

análise dos documentos oficiais, a busca é de estabelecer as metodologias e analisar as<br />

práticas estabelecidas pelos profissionais de filosofia em sala de aula, ou que filosofias<br />

estão por trás de suas práticas. Os documentos oficiais dão conta da problemática real<br />

que existe em sala de aula? Onde o discurso é um e a prática que se encerra a atividade<br />

filosófica é outra? No que tange essa prática, passaremos a uma investigação maior a<br />

partir do projeto dissertativo, na pesquisa junto às instituições de ensino médio,<br />

posteriormente, para analisar in loco tal realidade. Percebemos também que a análise<br />

rousseauniana em sua obra Emílio ou da Educação, <strong>ate</strong>ntamos que o filósofo genebrino<br />

enfatiza que a educação se dá a partir da prática educativa transmitida para o educando,<br />

onde é preciso educar o homem para formar o cidadão, nesse sentido de maneira<br />

individual, estabelecendo as bases de uma boa educação para terminar com a formação<br />

do cidadão, educando os sentimentos, estabelecendo o que é certo e errado, a família<br />

como primeira referência, e as instituições formadas a partir de um princípio ético moral<br />

sólido. A autonomia visa que, na escola, o professor e os diferentes conhecimentos<br />

caminhem em função do crescimento do aluno e não de um mero programa a ser<br />

vencido. Assim, o aluno é o critério e a medida do aprender. A aprendizagem não é<br />

reduzida à dependência do outro, pois, para Rousseau, ninguém tem o direito de confiar<br />

no juízo de outrem.<br />

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VIERA, Luiz Vicente. A democracia em Rousseau: a recusa dos pressupostos liberais.<br />

Porto Alegre: EDPUCRS, 1997.<br />

137


A PURIFICAÇÃO ATRAVÉS DO DESPERTAR ESTÉTICO E A<br />

ADMINISTRAÇÃO TOTAL DA MORTE: uma leitura sobre o documentário<br />

“Arquitetura da Destruição”<br />

PURIFICATION THROUGH AESTHETIC AWAKENING AND TOTAL<br />

DEATH MANAGEMENT: a reading on the documentary "Architecture of<br />

Destruction"<br />

Tauan de Almeida Sousa<br />

Mestre em Ciências Sociais (PPGCSOC UFMA)<br />

Instituto Federal do Maranhão – Campus Zé Doca.<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação.<br />

RESUMO: O Nazismo tinha em sua ideologia um ideal de homem pautado a partir de<br />

um cânone clássico de belo e pretendia, a partir deste cânone, moldar o mundo. Para<br />

isto, seria necessário expurgar os elementos degenerados do corpo da nação alemã. No<br />

fim, todas as atrocidades cometidas encontrariam sua justificativa nesta tentativa de<br />

alcançar a pureza e a beleza. Para difundir sua ideologia, o Nacional Socialismo fez uso<br />

intenso da maquinaria cinematográfica disponível naquele momento histórico, além da<br />

tecnologia proveniente do desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo para<br />

eliminar os indesejáveis. Desta forma, dissociar Barbárie Social e Progresso Técnico<br />

configura-se num engano inaudito. Eis os elementos trazidos pelo presente trabalho.<br />

Palavras-chave: Nazismo, Estética, Cinema, Progresso, Barbárie.<br />

ABSTRACT: Nazism had in its ideology an ideal of man based on a classic canon of<br />

beauty and intended, from this canon, to shape the world. For this, it would be necessary<br />

to purge the degener<strong>ate</strong> elements of the body of the German nation. In the end, all the<br />

atrocities committed would find their justification in this attempt to attain purity and<br />

beauty. In order to spread its ideology, National Socialism made intense use of the<br />

138


cinematographic machinery available at that historical moment, in addition to the<br />

technology coming from the development of the productive forces of capitalism to<br />

elimin<strong>ate</strong> the undesirable ones. In this way, dissociating Social Barbarism and Technical<br />

Progress is an unprecedented mistake. These are the elements brought by the present<br />

work.<br />

Keywords: Nazism, Aesthetics, Cinema, Progress, Barbarism.<br />

INTRODUÇÃO<br />

No documentário Arquitetura da Destruição (Architektur des Untergangs),<br />

do cineasta sueco Peter Cohen, encontra-se a instigante defesa da tese que afirma: as<br />

atrozes realizações do governo Nacional Socialista Alemão foram movidos, também,<br />

por um ímpeto orientado pelo julgamento estético e que, na mente de Adolf Hitler e de<br />

outros membros da elite do partido, teriam como finalidade o embelezamento e a<br />

harmonização do mundo.<br />

Neste breve texto, procuramos, através da análise da supracitada obra,<br />

refletir acerca da utilização da arte e do julgamento estético enquanto orientação à<br />

carnificina testemunhada na Segunda Guerra Mundial. Além disto, a utilização dos<br />

aparelhos de produção cinematográfica e instrumentos midiáticos receberá um breve<br />

tratamento. Por fim, buscamos romper com o falso binarismo que propõe opor<br />

Progresso e Barbárie, como se estes dois elementos fossem mutuamente excludentes,<br />

identificando nas ações do governo totalitário alemão, a racionalidade que a sustentava,<br />

a partir das contribuições postas pelo filósofo alemão Walter Benjamin.<br />

O <strong>II</strong>I Reich alemão e a Arte<br />

Adolf Hitler foi movido por ambições artísticas antes de se dedicar à<br />

política. Tentou ingressar na Academia de Arte de Viena aos dezoito anos, mas foi<br />

reprovado. Aspirava ser arquiteto e até o ano de 1920 continuou insistindo em seu<br />

139


sonho de ser reconhecido a partir da arte. Hitler, em seu Mein Kampf 10 (Minha Luta),<br />

escrito durante seu cárcere após a tentativa frustrada de um golpe de Estado, declara ter<br />

sido o melhor aluno de desenho já durante o curso profissional e que, após a<br />

reprovação na Academia, já não mais poderia aguardar pela realização de seu sonho de<br />

se tornar um artista.<br />

Também foi um admirador da obra do maestro Richard Wagner, sendo por<br />

ele influenciado em alguns posicionamentos acerca do belo e noções de artes<br />

direcionadas a uma nova civilização. Aliás, como declarou posteriormente, aponta Peter<br />

Cohen, foi após assistir a uma ópera wagneriana intitulada “Rienzi” que Hitler iniciou<br />

seus planos, sendo este uma espécie de seu marco zero. Conforme Maurizio Disoteo 11 ,<br />

corroborando este argumento do documentário (s.d, p. 02):<br />

Sabe-se que Hitler teve uma admiração pessoal e exaltada por Wagner.<br />

Alguns biógrafos de Hitler argumentam que costumava dizer que "tudo foi<br />

iniciado" (ou seja, o início de sua atividade política) durante uma<br />

representação de Rienzi em Linz. Hitler teria muito apreciado a figura do<br />

protagonista, inspirada na história de Cola di Rienzo, para ver nela um<br />

modelo para a redenção de seu povo, obviamente com ele mesmo como<br />

ditador. (...) Os assuntos narrativos das obras de Wagner e a magnificência de<br />

sua música foram bem adaptados às necessidades das cerimônias e<br />

propaganda nazistas, de modo que os congressos do partido e outras<br />

comemorações oficiais se abriram com a atuação da música de Wagner.<br />

10 Disponível em:. Acesso em 1 de julho de<br />

2011.<br />

11 Conforme o texto em italiano: “E’ noto che Hitler aveva una personale, sterminata ammirazione per<br />

Wagner. Alcuni biografi di Hitler sostengono che egli usasse dire che “tutto era cominciato” (vale a dire<br />

l’inizio della sua attività politica), durante una rappresentazione di Rienzi a Linz. Hitler avrebbe tanto<br />

apprezzato la figura del protagonista, ispirata alla storia di Cola di Rienzo, da vedere in esso un<br />

modelloper il riscatto del proprio popolo, ovviamente con se medesimo come dittatore.Tuttavia, al di là<br />

dell’ammirazione di Hitler per Wagner, altre profonde ragioni contribuirono a far si che i nazisti<br />

erigessero quest’ultimo a fondatore dell’identità, non solo musicale, tedesca. I soggetti narrativi delle<br />

opere di Wagner e la magniloquenza della sua musica ben si adattavano alle esigenze delle cerimonie e<br />

della propaganda nazista, tanto che i congressi del partito e altre ricorrenze ufficiali si aprivano con<br />

l’esecuzione di musiche di Wagner, soprattutto con l’ouverture dei Maestri cantori di Noriberga o di<br />

Rienzi”. Disponível em:<br />

. Acesso em: 25 de setembro de 2017.<br />

140


Tal experiência, segundo o documentário em vista, sedimenta em Hitler três<br />

fixações que o acompanhariam até sua morte: a fixação por sua cidade natal Linz,<br />

fixação pela Antigüidade e por Wagner. Segundo Hitler, o nazismo só poderia ser<br />

compreendido por aquele que pudesse compreender Wagner. Da obra não apenas<br />

musical do maestro, mas também política 12 , Hitler se apropria do Anti-Semitismo 13 , do<br />

culto a um legado nórdico e à idéia do sangue-puro 14 , cujo amálgama nefasto moldou<br />

sua visão de mundo.<br />

A partir de seus rascunhos, resquícios de seu antigo talento, Hitler cria a<br />

“face” nazista: dos uniformes às bandeiras, estandartes e outros símbolos, todos os<br />

elementos estéticos do partido passaram por seus rascunhos. A insígnia do partido foi<br />

criada por ele em 1923, por exemplo. Desta forma, ele pôde dar vazão as suas ambições<br />

artísticas a partir da propaganda política. Atuava como protagonista e orquestrava os<br />

12 Wagner escreveu um artigo chamado O Judaísmo na Música. Neste texto, ele afirma, por exemplo: “No<br />

necesitamos dar la prueba de que el arte moderno se ha judaizado; el hecho salta a lavista. Tendríamos<br />

que remontarnos demasiado alto si quisiéramos encontrar las pruebas en lahistoria de nuestro arte. Pero, si<br />

bien comprendemos que lo más urgente es emanciparnos de laopresión judía, debemos reconocer que la<br />

cosa más importante es estimar nuestras fuerzas em vista de esta lucha en pro de la liberación. No<br />

sacaremos estas fuerzas de una definiciónabstracta de este fenómeno, sino de un conocimiento exacto de<br />

la naturaleza de ese sentimiento<br />

innato e involuntario que se manifiesta en nosotros por una repugnancia instintiva hacia elelemento judío:<br />

ese sentimiento invencible nos revelara, si lo reconocemos francamente, lo queodiamos en ese elemento.<br />

A lo que conozcamos con precisión, podremos presentarle lucha;hasta es permitido esperar que ante su<br />

sola presencia se logre ahuyentar al demonio del terrenoen que solamente consigue mantenerse gracias a<br />

la semi-oscuridad de que nosotros mismos,buenos humanitarios, lo rodeamos para hacer que su vista nos<br />

resulte menos repugnante” Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 27 de setembro de 2017.<br />

13 Na perspectiva de Mesquita (2015, p. 26), a música de Wagner é “confundida com suas ideias<br />

antissemitas e com o (ab)uso dela pelo regime nacionalsocialista”. Tendo isto em vista, salientamos aqui<br />

o caráter de abertura deste deb<strong>ate</strong>, o qual extrapola os intentos do presente texto, recorrendo a Burnett<br />

Júnior (2017, p. 69): “Em geral, há uma dupla via de tratamento da questão doantissemitismo de Wagner;<br />

a primeira, baseada na importânciaincontestável da obra dramático-musical do compositor, defendeseu<br />

legado acima de qualquer comprometimento político-ideológico, estando sua obra acima do vínculo. No<br />

entanto,a segunda via não isenta Wagner da conexão funesta com a políticaalemã que lhe serve de guia e<br />

espelho ainda em vida. O crescimentopotencial do Estado alemão no século XX, a chegada de Hitler<br />

aopoder, e o posterior acolhimento da monumentalidade wagnerianacomo uma espécie de trilha sonora<br />

oficial do Terceiro Reich sãoelementos incontestáveis de uma história que ainda renderá muitodeb<strong>ate</strong>”.<br />

14 “O Reich de mil anos, proclamado por Hitler, é o milênio ariano, defendido por Chamberlain e Lanz,<br />

assim como é o cálice sagrado de Parcifal, ópera de Wagner, que dizia simbolizar a pureza do sangue”<br />

(ZAGNI, 2008, p. 11).<br />

141


comícios que se tornavam cada vez mais gigantescos. Segundo Peter Cohen e seu<br />

documentário, após o término da guerra, Hitler planejava voltar a dedicar-se à produção<br />

artística, seu grande desejo de realização pessoal até ali malogrado.<br />

Como proposto pelo documentário, o nazismo possuía uma proposta de<br />

embelezamento do mundo 15 . Através do expurgo de elementos que roubariam a pureza<br />

da arte, da cultura e da raça, elementos estes bem identificados pelos ideólogos do<br />

partido, a Alemanha seria libertada desta influência deletéria e, voltando-se a certos<br />

padrões estéticos, alcançaria a perfeita harmonia, erguendo-se vitoriosa e imponente<br />

frente a um mundo cada vez mais degenerado. Hans Friedrik Blunk, presidente da<br />

câmara de literatura do Reich declara que o partido é formado por homens que aspiram<br />

servir às artes e que o governo conhece os sonhos e aspirações do povo alemão, os quais<br />

só poderiam ser ganhar forma através do trabalho de um artista. Tal afirmação, afirma o<br />

documentário, não é infundada em seu caráter mais geral. O alto escalão do governo<br />

possuía em suas fileiras um elevado número de artistas, embora estes tenham sido<br />

frustrados. Além do próprio Füher, como citado acima, temos o exemplo de Joseph<br />

Goebbels – Ministro do Povo, da Alegria e da Propaganda (Propagandaminister) – que<br />

escreveu um romance, poesias e peças teatrais; Alfred Rosenberg – importante ideólogo<br />

do partido e seu principal teórico – era pintor e possuía ambições literárias; Baldur Von<br />

Schirach – comandante da juventude Hitlerista (Hitlerjugend) – era um poeta<br />

reconhecido no Reich.<br />

A idéia de pureza estava presente de forma marcante na concepção artística<br />

do governo nazista. Em 1927, Alfred Rosenberg escreve uma série de ensaios onde<br />

procura relacionar a estética moderna com desequilíbrio e alienação. No ano seguinte,<br />

Paul Schultze-Naumburg escreve “Arte e Raça”. Em 1929 é fundada a Liga de Comb<strong>ate</strong><br />

pela Cultura Alemã, por Rosenberg, para o comb<strong>ate</strong> às expressões modernistas de arte.<br />

A partir da fixação hitlerista no ideal de belo provindo da Antigüidade, é realizada em<br />

Munique a exposição intitulada como “Arte Degenerada” (Entartete Kunst) em 1937,em<br />

15 Conforme as indicações de Tomás (2016, p. 80): “as artes desempenharam um papel crucial na<br />

propagação e manutenção ideológica do Terceiro Reich”.<br />

142


paralelo com a “Exibição da Grande Arte Alemã”, com a qual deveria contrastar. Esta<br />

arte degenerada é considerada como o sintoma da degradação que ameaça a própria<br />

cultura alemã. Decadência promovida por um “bolchevismo cultural”, além de outras<br />

“calamidades” que se ab<strong>ate</strong>ram sobre a Alemanha: todas de criação judia. Os judeus<br />

foram apontados como responsáveis pela decadência expressa naquelas obras expostas<br />

como degeneradas. O descompromisso das obras modernistas com relação aos cânones<br />

e padrões clássicos é visto como sinal de depravação intelectual e espiritual, totalmente<br />

incompatível com o ideal nazista de arte e beleza e que, portanto, deve ser destruída<br />

pelo bem da cultura alemã.<br />

Esta frente de comb<strong>ate</strong> à Arte Moderna possuía um caráter marcadamente<br />

higienista, e se refletiu em suas políticas públicas. Para os nazistas, tais obras<br />

representam a degradação mental de seus criadores. Paul Schultze-Naumburg, influente<br />

membro da “Federação”, através de palestras realizadas pelo país, procura demonstrar<br />

através de slides de fotos representando casos de deformação, extraídas de revistas<br />

médicas, comparados às obras modernistas, a alegada degeneração dos seus criadores<br />

que se manifestava através de suas obras. Para Schultze-Naumburg, a arte representaria<br />

um espelho de saúde racial. É à Antigüidade e ao Renascimento que os nazistas se<br />

voltam procurando demonstrar que a Arte Grega representaria o caso, por exemplo, de<br />

um povo racialmente sadio que buscava, através da criação artística, retratar sua beleza.<br />

Já os quadros e esculturas modernistas nada poderiam representar além da “desgraça”<br />

encontrada nos manicômios, onde estão reunidos os espécimes que representam o decair<br />

da espécie: é o que conclui Schultze-Naumburg.<br />

Em 14 de julho de 1933 16 é sancionada a “Lei para a prevenção contra uma<br />

descendência hereditária doente” (Gesetz zur Verhütung erbkranken Nachwuchses) que<br />

16 “A partir do decreto das leis raciais de 1933, uma das primeiras medidas do regime nazista foi constituir<br />

em 22 de setembro do mesmo ano, a Câmara de Cultura do Reich (Reichskulturkammer), instituição<br />

afiliada ao Ministério da Propaganda e presidida por Joseph Goebbels, e exigir o registro de todos os<br />

músicos alemães. Fora a interrupção da carreira profissional de inúmeros compositores e intérpretes, pelo<br />

simples fato de sua raça e/ou critérios estilísticos das composições seremclassificadas como degenerados,<br />

outras medidas balizadas por uma ideologia conservadora e assertiva estavam por vir” (TOMÁS, 2016, p.<br />

80-81).<br />

143


visa auxiliar os sadios e aos fortes: a obrigatoriedade da esterilização dos doentes<br />

devido à hereditariedade. Um primeiro passo de uma política de eliminação daqueles<br />

elementos que foram marcados com o símbolo da excrescência e que deveriam ser<br />

eliminados pelo bem da raça ariana, que se veria livre de indivíduos que poderiam, caso<br />

não fossem totalmente impedidos, perpetuar sua condição decaída, espalhando sua<br />

doença ao corpo saudável das futuras gerações. Aqui, surge a figura do médico<br />

enquanto paladino da pureza.<br />

Em março de 1935 é aberta em Berlin a exposição intitulada “O Milagre da<br />

Vida”. Em uma de suas seções, é apresentada as comparações de Paul Schultze-<br />

Naumburg, anteriormente citadas. Noutra, imagens de doentes mentais e indigentes são<br />

expostas sob o título “Isto Pode ser Chamado de Vida?”. Numa imagem presente na<br />

exposição, há a representação “profética” que justifica o processo de eliminação<br />

humana: um gráfico no qual se demonstra que o número de doentes mentais e outros<br />

degenerados superaria o número de indivíduos sadios num curto intervalo temporal.<br />

Esta é uma característica do cientificismo da propaganda totalitária, conforma apontada<br />

por Hanna Arendt. Para a filósofa, este cientificismo é caracterizado “por sua insistência<br />

quase exclusiva na ‘profecia científica”. (ARENDT, 1989. pg. 394).<br />

Noutra seção é representada a “conservação” da pureza racial e cultural a<br />

partir de obras realizadas a partir dos cânones clássicos. Neste sentido, o médico se<br />

torna um especialista em julgamento estético, tendo em vista que, para Hitler, a beleza é<br />

o maior principio da saúde e problemas estéticos passam a c<strong>ate</strong>goria de problemas<br />

médicos. Através da eliminação de parcelas humanas corrompidas, adotada como<br />

medida profilática, o corpo da nação seria mantido saudável através da intervenção<br />

médica. Ao médico cabe uma tarefa histórica: criar um novo tipo de homem alemão. É<br />

o que afirma Gerhard Wagner, médico chefe do Reich (Reichsärzteführer) em acordo<br />

com o discurso de Hitler durante a Reunião Nacional do Partido em 1935. Este novo<br />

tipo de homem, para o Füher, é condição necessária para que a tendência à<br />

degeneração, típica dos tempos modernos, não se abata sobre a nação alemã. Nesta<br />

mesma reunião, são decretadas as Leis de Nuremberg ou Lei da Cidadania do Reich,<br />

144


que prevê, por exemplo, a proibição do casamento entre um indivíduo ariano e um<br />

judeu.<br />

O Filme e a Propaganda como Veículos de Transmissão do ideário Nazista<br />

Walter Benjamin (1994) em seu ensaio intitulado “A Obra de Arte na Época<br />

de sua Reprodutibilidade Técnica” afirma que com o cinema e a fotografia a própria<br />

noção de arte foi alterada. Da mesma forma que outrora ocorreu a quebra do vínculo<br />

estreito que ligava a criação artística ao culto, a partir do advento dos meios mais<br />

eficazes de reprodução técnica e a conseqüente destruição da aura 17 a arte volta-se à<br />

política. É neste contexto de quebra da tradição a partir da destruição do conteúdo<br />

aurático da obra de arte, de uma nova forma de apreciação artística, que Benjamin<br />

discute as funções sociais tanto positivas quanto nefastas do cinema.<br />

Para este trabalho, buscamos retomar o que o pensador alemão coloca<br />

acerca dos aparelhos de reprodução de massa. De acordo com Walter Benjamin (1994,<br />

p. 183. Grifos do autor), a transformação sofrida pelo “modo de exposição pela técnica<br />

da reprodução é visível também na política. A crise da democracia pode ser<br />

interpretada como uma crise nas condições de exposição do político profissional”. As<br />

democracias mostravam seus políticos, afirma o autor, a partir de uma relação imediata,<br />

que encontram no Parlamento o seu público.<br />

Com o advento das técnicas que ampliam o alcance da imagem e da fala do<br />

orador, a “exposição do político diante dos aparelhos passa ao primeiro plano”<br />

(BENJAMIN, 1994, p. 183). Aqui, assim como os teatros se atrofiam em relação ao<br />

cinema, os Parlamentos se atrofiam frente aos aparelhos. Não apenas os atores têm sua<br />

função e a forma de apresentação metamorfoseadas, mas todos aqueles que se expõem<br />

frente a estes aparelhos propagadores, incluindo-se os políticos: estes precisam se tornar<br />

mostráveis. De tal forma que “este fenômeno determina um novo processo de seleção,<br />

uma seleção diante do aparelho, do qual emergem, como vencedores, o [...] astro e o<br />

ditador”. (BENJAMIN, 1994, p. 183).<br />

17 Para Benjamin o conceito de aura representa “uma forma singular, composta de elementos espaciais e<br />

temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja.” (BENJAMIN, 1994. pg.<br />

170).<br />

145


O nazismo utilizou de forma intensa os aparelhos de propagação em<br />

massa 18 . Houve uma preocupação destacada com o cinema, o que pode ser percebido<br />

através da fundação da Câmara do Cinema do Reich (Reichfilmkammer) em 14 de julho<br />

de 1933, chegando ao total monopólio estatal da produção cinematográfica alemã no<br />

ano de 1942 (PEREIRA, 2003). Acerca da produção do período, Pereira (2003, p. 111)<br />

aponta:<br />

Durante os 12 anos de regime nazista, estima-se que foram produzidos mais<br />

de 1.350 longas-metragens, que buscaram de várias formas enaltecer o<br />

nazismo, estimulando a grande maioria da população alemã a participar da<br />

experiência nazista, além de colocar a Alemanha em segundo lugar na<br />

produção cinematográfica mundial, atrás apenas dos Estados Unidos da<br />

América. No entanto, é importante destacar que, submetida às leis de<br />

mercado e seguindo a orientação de Goebbels (valorização da produção de<br />

filmes de propaganda indireta), a maior parte da produção cinematográfica<br />

nazista foi dedicada ao “entretenimento”, sendo filmes aparentemente<br />

escapistas, mesmo quando diluíam em seus enredos alguma conotação<br />

político-ideológica.<br />

Os discursos hitleristas a números gigantescos de pessoas estão registrados e<br />

encontram-se disponíveis hoje, alguns em fragmentos apenas, por meios como a<br />

internet 19 . A estrutura própria para a espetacularização e centralidade da figura do<br />

Füher converte-se inteiramente numa montagem cinematográfica que procura registrar<br />

as capacidades oratórias do líder, assim como sua postura e trejeitos, intercalados com o<br />

seu silêncio que abre espaço à reação extasiada do público que brada a saudação “Salve<br />

Hitler!” (Heil Hitler!) enquanto os braços direitos são erguidos repetidamente. Os rostos<br />

18 “O cinema foi, indubitavelmente, o setor que recebeu maior <strong>ate</strong>nção e investimentos do regime<br />

nazista.Desde o início de sua carreira política, Adolf Hitler já reconhecia o enorme potencial oferecido<br />

pelas imagens – em especial pelo cinema – na veiculação de ideologias e na conquista das massas.<br />

Assim, o cinema esteve fortemente vinculado ao crescimento partidário e à escalada eleitoral dos nazistas.<br />

Antes mesmo da ascensão de Hitler ao poder, foram produzidos os primeiros filmes de propaganda<br />

nazista” (PEREIRA, 2003, p. 110).<br />

19 Por exemplo, o site de compartilhamento e armazenamento de vídeos em formato digital Youtube possui<br />

um interessante número de vídeos contendo discursos de Hitler.<br />

146


sorridentes de componentes anônimos da Juventude Hitlerista são focalizados durante<br />

um discurso 20 . De acordo com a leitura de Benjamin, nos<br />

grandes desfiles, nos comícios gigantescos [...], todos são captados pelos<br />

aparelhos de filmagem e gravação, a massa vê o seu próprio rosto. Esse<br />

processo, cujo alcance é inútil enfatizar, está estreitamente ligado ao<br />

desenvolvimento das técnicas de reprodução e registro. De modo geral, o<br />

aparelho apreende os movimentos de massas mais claramente que o olho<br />

humano. Multidões de milhares de pessoas podem ser captadas mais<br />

exatamente numa perspectiva a vôo de pássaro. (BENJAMIN, 1994, p. 194-<br />

195).<br />

Estas técnicas, que incluem até mesmo a movimentação estratégicas de<br />

câmeras, convergem no processo denominado por Benjamin como estetização da vida<br />

política e tais esforços para estetizar a política encontram-se num único ponto: a guerra.<br />

A guerra imperialista é uma promessa de “satisfação artística de uma percepção sensível<br />

modificada pela técnica” (BENJAMIN, 1994, p. 196).<br />

Além da utilização da aparelhagem de gravação e difusão em massa para o<br />

registro dos grandes eventos realizados pelo partido, estes aparelhos serviram como<br />

veículos para a propaganda dos ideais de pureza e identificação do inimigo do corpo<br />

racial ariano, o judeu e outros “chandalas”. No ano de 1937, em Berlim, por exemplo,<br />

passa a ser exibido o filme intitulado “Vítimas do Passado” (Opfer der Vergangenheit)<br />

o qual defende que os doentes e deficientes devem ser eliminados, pois na natureza<br />

apenas os animais mais aptos sobrevivem aos seus ditames. Não é por mero acaso que<br />

tais indivíduos são considerados inferiores a qualquer tipo de animal. Buscando o<br />

choque, o filme vai aos guetos onde vivem os saudáveis e os contrasta com os<br />

“palacetes” nos quais são confinados os tumores que, sem nem mesmo se dar conta do<br />

ambiente rico e apaziguador que lhes cercam, continuam a minar a saúde do corpo da<br />

nação alemã. Mais uma vez apelando às profecias demarcadas como científicas, afirmase<br />

que, enquanto a população alemã em setenta anos havia crescido em torno de 50 %, a<br />

doença hereditária havia crescido por volta de 450%. Diante desde diagnóstico, num<br />

prazo de cinqüenta anos, a proporção entre sadios e doentes será de um doente para cada<br />

20 Discurso disponível em: . Acesso em 1 de julho<br />

de 2011.<br />

147


quatro saudáveis, acarretando males inauditos e infortúnios de toda a sorte para a nação<br />

alemã.<br />

Outro exemplo de utilização da aparelhagem cinematográfica representa<br />

mais um aspecto da ambição nazista da busca de uma idealizada pureza, a propaganda<br />

que procurava defender a limpeza dos ambientes de trabalho: a higiene, neste caso,<br />

serviria para por fim à luta de classes. Com um local de trabalho “bonito” e “funcional”,<br />

aliada à consciência do empresário de que as pessoas são mais “importantes que as<br />

máquinas”, é defendida uma nova concepção de vida onde, caso fosse ensinado como se<br />

lavar e fosse elevado às condições de vida da burguesia, o proletário entenderia que não<br />

haveria mais razões para luta. “O despertar estético” libertaria os trabalhadores de sua<br />

classe, assim como libertaria a sociedade dos conflitos de classe. Liberados de toda a<br />

sujeira e doença, a nação alemã tornar-se-ia unitária e lutaria por objetivos comuns.<br />

Todas estas palavras vinculadas à imagens de faxinas, banhos, lavagens e vizinhanças<br />

pacatas e felizes.<br />

A Falsa Polarização entre Progresso e Barbárie: A Racionalidade do Genocídio<br />

Karl Kausty, em seus trabalhos dos anos 1920, ao debruçar-se sobre o<br />

fenômeno do fascismo italiano, afirma que o fascismo é apenas uma manifestação de<br />

extremo anacronismo, uma fantasmagoria pré-moderna que apenas poderia encontrar<br />

bases de sustentação em uma nação atrasada como a Itália, país semi-agrário, à época, e<br />

que tal fenômeno político jamais alcançaria uma “nação moderna e industrializada<br />

como a Alemanha...” (KAUSTY apud LÖWY, 2005. p. 84). Na perspectiva de Mattick<br />

(1939):<br />

Considerando que a democracia é a forma natural do capitalismo, Kautsky<br />

não viu no aparecimento e propagação do fascismo senão uma doença, um<br />

provisório acesso de demência, um fenômeno sem qualquer ligação com o<br />

capitalismo. Acreditava verdadeiramente que uma guerra para o<br />

restabelecimento da democracia permitiria ao capitalismo progredir de novo<br />

em direção ao seu termo lógico, a comunidade socialista. [...] Kautsky estava<br />

assim convencido de que o episódio fascista seria seguido de um retorno ‘à<br />

normalidade’, a uma democracia abstrata, cada vez mais socialista, que<br />

148


aperfeiçoaria as reformas conseguidas durante a gloriosa época da<br />

participação dos socialistas no governo.<br />

Tal percepção não era isolada à época e, muitas vezes, reverbera até os<br />

tempos hodiernos. Walter Benjamin, em suas teses “Sobre o Conceito de História”,<br />

mais especificamente na IX Tese, procura desmentir esta visão que enxergava no<br />

fascismo apenas um “anacronismo”. Nos diz Benjamin:<br />

A tradição dos oprimidos nos ensina que o “estado de exceção” no qual<br />

vivemos é a regra. [...] A chance deste consiste (do fascismo), não por último,<br />

em que seus adversários o afrontem em nome do progresso como se este<br />

fosse uma norma histórica – O espanto em contatar que os acontecimentos<br />

que vivemos “ainda” sejam possíveis no século XX não é nenhum espanto<br />

filosófico. Ele não está no inicio de um conhecimento, a menos que seja o de<br />

mostrar que a representação da história de onde provém aquele espanto é<br />

insustentável. (BENJAMIN, 1994, p. 226).<br />

Michel Löwy, em sua obra “Walter Benjamin: Alarme de Incêndio”, nos<br />

ajuda a refletir sobre o significado desta tese benjaminiana. Para este, o que Benjamin<br />

propõe é confrontar duas visões de história antagônicas que se colocam diante do<br />

mesmo fenômeno, a saber, o fascismo. A primeira visão é uma visão denominada como<br />

progressistas, “para a qual o progresso histórico, a evolução das sociedades no sentido<br />

de mais democracia, liberdade e paz, é a norma” (LÖWY, 2005, p. 83.); a segunda visão<br />

é aquela que, adotando o ponto de vista dos vencidos de todas as épocas, sobre cujos<br />

corpos tombados servem como a escada do triunfo do dominador, marcham os tiranos,<br />

enxerga como “regra” ao invés de um progresso rumo a melhores ares, a barbárie, a<br />

rapina e a violência dos vencedores.<br />

Cada uma destas visões acerca da história acarretam ações políticas<br />

diferenciadas. Para a primeira, o fascismo foi apenas um lapso, uma falha de um<br />

processo mais amplo, que é o do contínuo progresso. Já a segunda, vê no fascismo a<br />

confirmação do estado de exceção, e não um desvio à regra. É graças a esta primeira<br />

visão acerca do progresso que o fascismo encontra vantagem e espaço. Ela não<br />

compreende a natureza do fascismo. Benjamin aqui critica a própria esquerda dita<br />

149


“oficial”, todos aqueles marxistas que fazem das análises de Marx o sacrossanto<br />

evangelho, dogmatizando-as e roubando-lhes tanto o caráter dialético quanto histórico,<br />

esquecendo-se do mais importante que é, a saber, o método deixado, o M<strong>ate</strong>rialismo<br />

Histórico e Dialético. Toda esta seita travestida em vermelho ou em fileiras socialdemocratas,<br />

como Kausty um exemplo, subestimou o fenômeno do fascismo e foram<br />

brutalmente desmentidos pelo desenrolar dos fatos, não sem o alto preço do sangue de<br />

incontáveis vidas perdidas.<br />

Para Benjamin, defensor da segunda visão, a “modernidade” do fascismo (e<br />

por extensão, do nazismo que lhe obrigou a recorrer ao suicídio) é evidente e se<br />

relaciona de forma íntima com a sociedade industrial e capitalista. Daí sua critica<br />

àqueles (...) que se espantam com o fato de que o fascismo ‘ainda’ seja possível no<br />

século XX, cegos pela ilusão de que o progresso científico, industrial e técnico seja<br />

incompatível com a barbárie social e política. (LÖWY, 2005, p. 85). Em outras<br />

palavras, o que Benjamin propõe é uma visão de História que, livre das ilusões do curso<br />

inelutável do progresso, possa reconhecer efetivamente o fascismo e, ao invés de<br />

considerá-lo como uma espécie de fantasma medieval a rondar as mentes modernas,<br />

considere-o enquanto manifestação que só é possível nas atuais condições de<br />

desenvolvimento das forças produtivas e conseqüentemente técnicas.<br />

Benjamin morreu em 1940, não chegando a testemunhar o desenrolar das<br />

atrocidades levadas a cabo pelo nazismo. Porém, suas palavras não poderiam ter sido<br />

mais acertadas. A Solução Final da Questão Judaica (Endlösung der Judenfrage)<br />

demonstra o caráter moderno da dominação e da barbárie nazista. Podemos retomar, a<br />

partir do que foi exposto até aqui, a utilização da arte e da estética enquanto elementos<br />

chave na cosmovisão do Nacional Socialismo. Ainda que os ideais de beleza e cânones<br />

empregados pelo nazismo fossem recolhidos na Antiguidade Clássica e no<br />

Renascimento, e que negassem veementemente o Modernismo, foi na estrutura<br />

burocrática moderna e através da maquinaria de morte mais desenvolvida que milhões<br />

de vidas puderam ser ceifadas em curto espaço de tempo, de forma “eficiente”. Uma<br />

gestão moderna do caos, esta Administração Total da Morte, não poderia ter ocorrido<br />

150


em outra época. As grotescas experiências médicas de Mengele, as esterilizações em<br />

massa, a contabilização das milhões de vítimas (que, obviamente, não se restringiam a<br />

judeus...), a contabilização dos resultados do macabro ritual diário de matança, o<br />

planejamento dos campos de concentração, a engenharia das câmaras de gás e fornalhas,<br />

os conhecimentos químicos que permitiram a utilização dos gases mais precisos para<br />

matar, além da pesada maquinaria de guerra utilizada pela Luftwaffe e a 7 ª Divisão<br />

Panzer, etc., são apenas algumas das demonstrações da impossibilidade desta barbárie<br />

ter ocorrido em épocas senão aquelas com tal desenvolvimento das forças produtivas e<br />

da técnica.<br />

A purificação a partir do despertar estético seria plenamente realizada a<br />

partir da Administração Total da Morte. O Ideal Ariano de beleza, para se concretizar,<br />

deveria aliar-se às modernas técnicas para eliminar aquilo que era considerado como<br />

indesejável, feio, sujo e doente. O Belo, objeto do gozo estético, deveria ser precedido<br />

pelo nauseante espetáculo da exterminação em série. Antes que os perfumes de um novo<br />

tempo que estava a se manifestar na Aurora vindoura pudessem ser apreciados pelo<br />

corpo sadio de uma raça pura e forte, seria necessário que os odores da morte e da<br />

decomposição de montanhas cadavéricas impregnassem a História. Barbárie e progresso<br />

técnico não são dois elementos incomunicáveis. O século XX testemunhou este fato<br />

que, infelizmente, ainda continua sem a devida compreensão.<br />

CONCLUSÃO<br />

O documentário “Arquitetura da Destruição” nos traz a provocação de<br />

relacionar os ideais de dominação do Nacional Socialismo Alemão à Arte e à Cultura. O<br />

homem ariano baseava-se em ideais de beleza e julgamento estético que, para serem<br />

plenamente realizados, deveriam eliminar todos aqueles elementos que se<br />

caracterizariam como feios, doentes, sujos, etc. Através da maquinaria de produção<br />

cinematográfica, os discursos inflamados do Füher representam o novo tipo de político<br />

criado pelo desenvolvimento das técnicas de reprodução e o cinema seria o veículo mais<br />

profícuo de disseminação da ideologia nazista que representaria os ditames do<br />

151


totalitarismo em sua face alemã. Alcançar este Ideal do Belo deveria reclamar o uso de<br />

técnicas modernas de administração e maquinal, convergindo numa Administração<br />

Total da Morte. Tal fato demonstra que Progresso Técnico e Barbárie social não dois<br />

termos excludentes e que podem sim, de maneira catastrófica, conjugar-se num mesmo<br />

contexto social.<br />

O uso do cinema e da propaganda obviamente não se restringiu ao Nazismo,<br />

sendo encontrada também no totalitarismo soviético, em governos ditatoriais, além das<br />

próprias democracias burguesas. Da mesma forma, esta utilização ainda é recorrente<br />

hoje, mas, neste caso, nada afirmaremos aqui por escapar do escopo atual de análise.<br />

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Disponível em: . Acesso em: 25<br />

de setembro de 2017.<br />

153


A QUALIFICAÇÃO DOCENTE NO CONTEXTO DA INCLUSÃO<br />

THE TEACHING QUALIFICATION IN THE CONTEXT OF INCLUSION<br />

Ellen Rose Galvão Helal<br />

Especialista em Docência na Educação Infantil - SEMED<br />

Thelma Helena Costa Chahini<br />

Pós-Doutora em Educação Especial<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 1 – Arte, tecnologia e Educação<br />

RESUMO: De acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da<br />

Educação inclusiva (BRASIL, 2008) as instituições de ensino devem promover o<br />

<strong>ate</strong>ndimento educacional especializado aos discentes com deficiência e/ou com<br />

necessidades educacionais específicas, bem como o corpo docente deve estar capacitado<br />

para o processo ensino-aprendizagem dos referidos alunos. Assim, ser docente no<br />

contexto da inclusão requer uma formação inicial e continuada voltada para o processo<br />

ensino-aprendizagem de discentes com deficiência e/ou com necessidades educacionais<br />

específicas, e isso requer mudanças de atitudes em relação à prática pedagógica,<br />

respeito às diferenças individuais, bem como desconstrução de mitos, estigmas e<br />

preconceitos sobre o potencial humano das pessoas com necessidades educacionais<br />

diferenciadas. Nesse sentido, o presente estudo descreve as percepções de docentes em<br />

relação às suas qualificações profissionais para o <strong>ate</strong>ndimento de crianças consideradas<br />

público alvo da Educação Especial. No contexto, realizou-se uma pesquisa exploratória,<br />

descritiva em duas instituições de Educação Infantil, sendo uma instituição pertencente<br />

à rede pública e uma à rede particular de São Luís/MA. Os participantes foram onze<br />

pedagogas. Os instrumentos de coleta de dados foram entrevistas semiestruturadas,<br />

aplicadas por meio de um roteiro contendo questões relacionadas à formação inicial no<br />

154


contexto da educação especial/inclusiva. Os resultados sinalizam que durante a<br />

formação inicial das pedagogas, o conteúdo e a carga horária destinados às disciplinas<br />

de Educação Especial foram insuficientes em relação ao <strong>ate</strong>ndimento de crianças com<br />

deficiência e/ou com necessidades específicas, bem como, os estágios obrigatórios não<br />

contemplaram instituições que possuíam crianças consideradas público alvo da<br />

Educação Especial. Os saberes dessas profissionais em relação à operacionalização dos<br />

direitos das referidas crianças são poucos, e a maioria delas não se sente preparada para<br />

trabalhar com o público alvo da educação especial. Enfatiza-se que a formação inicial<br />

dos docentes para dar conta do processo ensino-aprendizagem de crianças consideradas,<br />

público alvo da Educação Especial, embora tenha passado por muitas reformulações<br />

desde a sua instituição, deve ser revista e readequada às reais necessidades desse<br />

público, tanto no que compete a carga horária das disciplinas de educação especial e/ou<br />

afins, quanto aos estágios obrigatórios em instituições que possuam crianças com<br />

deficiência e/ou com necessidades educacionais específicas.<br />

Palavras-chave: Formação docente. Educação Especial. Necessidades educacionais<br />

específicas. Inclusão.<br />

ABSTRACT: In accordance with the Nacional Politics of Special Education in the<br />

Perspective of inclusive Education (BRASIL,2008), the teaching institutions must<br />

promote the specialized educational attendance to the students with disabilities and/or<br />

specific educational needs, well as the teaching body must be trained to the teachinglearning<br />

process of those students. So, be a teacher in the context of inclusion requires<br />

initial and continuing traing focused on the process teaching-learnig of students with<br />

disabilities and/or specific educational needs, and this requires changes of atitudes<br />

towards pedagogical practice, respect to individual diferences, as well as the<br />

deconstruction of myths, stigmas and prejudgements about the human potencial of<br />

people with differenti<strong>ate</strong>d educacional needs. In this sense, the present study describe<br />

the perceptions of teachers in relation tho their professional qualifications to the service<br />

155


of children considered a target audience for Special Education. In context, an<br />

exploratory research was carried out, descriptive in two institutions of Child Education,<br />

being an institution belonging to the public network and one to the particular network of<br />

São Luís/MA. The participants were eleven pedagogues. The instruments of data<br />

collection were semi-structured interviews, applied by means of a road map containing<br />

issues rel<strong>ate</strong>d to initial training in the context of special / inclusive education. The<br />

results indic<strong>ate</strong> that during the initial formation of pedagogues, content and workload<br />

for Special Education subjects were insufficient in relation to the care of children with<br />

disabilities and / or with specific needs, as well as compulsory training did not include<br />

institutions who had children considered Special Education target audience. The<br />

knowledge of these professionals regarding the operationalization of rights of these<br />

children are few, and most of them do not feel prepared to work with the target audience<br />

for special education. It is emphasized that the initial training of teachers to account for<br />

of the teaching-learning process of children considered Special Education target<br />

audience although it has undergone many reformulations since its institution, should be<br />

reviewed and adapted to the real needs of this public, both in terms of the hours of<br />

special education and / or rel<strong>ate</strong>d disciplines, as in compulsory internships in institutions<br />

that have children with disabilities and / or with specific educational needs.<br />

Keywords: Teacher training. Special Education. Specific educational needs. Inclusion.<br />

INTRODUÇÃO<br />

De acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da<br />

Educação inclusiva (BRASIL, 2008) as instituições de ensino devem promover o<br />

<strong>ate</strong>ndimento educacional especializado aos discentes com deficiência e/ou com<br />

necessidades educacionais específicas, bem como o corpo docente deve estar capacitado<br />

para o processo ensino-aprendizagem dos referidos alunos.<br />

Ser docente no contexto da inclusão requer uma formação inicial e<br />

continuada voltada para o processo ensino-aprendizagem de discentes com deficiência<br />

156


e/ou com necessidades educacionais específicas, e isso requer mudanças de atitudes em<br />

relação à prática pedagógica, respeito às diferenças individuais, bem como<br />

desconstrução de mitos, estigmas e preconceitos sobre o potencial humano das pessoas<br />

com necessidades educacionais diferenciadas.<br />

Nesse sentido, Freitas (2006) ressalta que um dos grandes desafios dos<br />

cursos de licenciatura é a elaboração de um currículo que desenvolva nos acadêmicos<br />

competências, habilidades e conhecimentos em relação ao processo ensinoaprendizagem<br />

de discentes com necessidades educacionais específicas.<br />

Sendo assim, importante registrar que mesmo com a formação estabelecida<br />

por Lei, as matrizes, currículos e formação pedagógica não contemplam maiores<br />

conhecimentos, teórico-práticos, ao <strong>ate</strong>ndimento de pessoas com deficiência, com<br />

transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação nas<br />

instituições de ensino públicas e/ou privadas, visto que, na maioria das vezes, esses<br />

profissionais têm que buscar por maiores conhecimentos na área da Educação<br />

Especial/Inclusão, após suas graduações.<br />

Segundo os estudos de Vitaliano (2007) a formação docente deve ser<br />

pensada de modo a contribuir para que esses desenvolvam uma prática pedagógica mais<br />

reflexiva e comprometida com as exigências do contexto atual. Assim, Pletsch (2009)<br />

enfatiza que, de maneira geral, as licenciaturas não estão dando conta de formar e/ou<br />

qualificar os futuros docentes para o contexto da inclusão de discentes com<br />

necessidades educacionais específicas.<br />

Diante dos fatos, faz-se urgente que os Cursos de formação docente<br />

abarquem, com maior afinco, matrizes curriculares no contexto da Educação Especial e<br />

do Paradigma da Inclusão, formando docentes qualificados, que corroborem de fato<br />

para que o processo educacional de crianças, consideradas público alvo da educação<br />

especial, se efetive, de maneira eficaz, na Educação Infantil. Nesse contexto, questionase:<br />

quais as percepções dos Pedagogos (as) em relação às suas qualificações<br />

profissionais para o <strong>ate</strong>ndimento de crianças consideradas público alvo da Educação<br />

Especial?<br />

157


Para dar conta de responder ao problema elencou-se como objetivo geral<br />

conhecer as percepções dos Pedagogos (as) em relação às suas qualificações<br />

profissionais ao <strong>ate</strong>ndimento de crianças consideradas público alvo da Educação<br />

Especial. E os objetivos específicos compreenderam: verificar se os conteúdos e<br />

estágios do curso de Pedagogia contribuem para o trabalho com crianças com<br />

deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas<br />

habilidades/superdotação; conhecer quais saberes os profissionais da Pedagogia<br />

possuem em relação ao <strong>ate</strong>ndimento de crianças com deficiência, com transtornos<br />

globais do desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação; descrever as<br />

percepções dos Pedagogos (as) em relação às suas qualificações profissionais ao<br />

<strong>ate</strong>ndimento de crianças consideradas público alvo da Educação Especial.<br />

METODOLOGIA<br />

Desenvolveu-se uma pesquisa exploratória, descritiva em 2 instituições de<br />

Educação Infantil em São Luís/MA, sendo uma pertencente à rede pública municipal e<br />

outra à rede particular. Os participantes foram 11 Pedagogas que trabalham na<br />

Educação Infantil. Dentre essas, 5 possuem especialização em Psicopedagogia, 1 em<br />

Educação Especial e 5 possuem apenas graduação em Pedagogia. O critério de inclusão<br />

dos participantes foi serem pedagogos (as), estarem trabalhando com crianças<br />

consideradas público alvo da educação especial no mínimo há um ano e quererem<br />

participar da pesquisa.<br />

Os instrumentos para coleta de dados foram observação não participante e<br />

entrevistas semiestruturadas, aplicadas por meio de um roteiro contendo 7 perguntas. Os<br />

dados foram coletados dentro das instituições pesquisadas levando-se em consideração<br />

os critérios envolvendo seres humanos.<br />

158


RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

A seguir, apresentam-se os resultados obtidos por meio das observações e<br />

das entrevistas semiestruturadas, seguidos das análises e discussões que se fizeram<br />

necessárias.<br />

Ao serem questionadas sobre quais eram seus entendimentos em relação ao<br />

público alvo da Educação Especial, 3 participantes (27%) enfatizaram que o referido<br />

público necessita de um melhor <strong>ate</strong>ndimento por parte do professor, que na maioria das<br />

vezes, se encontra despreparado para <strong>ate</strong>nder a clientela da educação especial; 2 (18%)<br />

participantes, por trabalharem especificamente em sala de recursos (P3 e P11), disseram<br />

que são crianças com transtornos diversificados, síndromes de Down e autismo; 2<br />

(18%) relataram que são os possuem deficiência física; 2 (18%) não definiram a que<br />

público se destina, mas enfatizaram que é um público crescente nas redes de ensino; 1<br />

(9%) relatou que a Educação Especial é muito confundida com assistencialismo e 1<br />

(9%) respondeu que é um público que necessita de atividades adaptadas.<br />

Os dados demonstram que, no geral, os participantes não estabelecem um<br />

conceito ou uma identificação específica sobre público alvo da educação especial,<br />

mesmo por aqueles que possuem uma especialização voltada para a área da Educação<br />

Especial e/ou da Psicopedagogia (P2, P3, P6, P8 e P11), tornando assim, os relatos<br />

superficiais, se considerado a objetividade do questionamento.<br />

Nesse sentido, faz-se importante acrescentar que, ainda que seja unânime a<br />

necessidade de qualificação mais aprofundada do pedagogo a fim de que o referido<br />

público seja efetivamente <strong>ate</strong>ndido, principalmente em virtude de suas especificidades,<br />

tais aspectos não têm sido contemplados em sala de aula, embora seja crescente o<br />

número de crianças que integram esse grupo e que tem chegado à rede de ensino,<br />

independentemente de ser particular e/ou pública, não encontrando <strong>ate</strong>ndimento que<br />

viabilize seu aprendizado, bem como seu desenvolvimento.<br />

Em relação ao assunto abordado, Chahini (2010, p. 45) enfatiza que a<br />

inclusão é<br />

159


“[...] uma necessidade real, lógica e inadiável. E a discriminação em relação<br />

aos alunos com deficiência, constituí uma violação de seus direitos à educação. ”<br />

Nesse sentido, cita-se Antunes (2008, p. 16) por ressaltar que“é necessário<br />

reconhecer que a inclusão implica uma reestruturação das escolas e a necessidade de<br />

implementação de uma pedagogia voltada para a diversidade e para as necessidades<br />

específicas do aluno em diferentes contextos. ”<br />

Em relação ao questionamento se estudaram e aprenderam em suas<br />

formações iniciais sobre crianças consideradas público alvo da Educação Especial, no<br />

caso, crianças com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas<br />

habilidades/superdotação, 7 (63%) disseram que embora tenham visto sobre o assunto,<br />

isso ocorreu de forma superficial, fragmentada e, que houve muita teoria e pouca<br />

prática; 3 (27%) participantes foram enfáticos ao responderem que não; apenas<br />

1docente (10%) informou que sim.<br />

Os dados revelam que, embora alguns tenham tido disciplinas de Educação<br />

Especial, esses demonstram desalento quanto à sua brevidade e superficialidade, assim<br />

como, a teoria não condizer com a prática. Verificou-se, também, que a formação<br />

pedagógica, quer seja pública ou privada, apresenta certa debilidade em relação à<br />

Educação Especial, visto que as matrizes curriculares de vários cursos contemplam a<br />

disciplina de Educação Especial muito superficialmente.<br />

As questões que envolvem a Educação Especial merecem maior <strong>ate</strong>nção no<br />

âmbito da formação pedagógica, visto que a maioria dos conhecimentos adquiridos<br />

pelos participantes sobre a temática, foram adquiridos por meio de especializações que<br />

alguns fizeram e, mesmo assim, diante de todos os questionamentos, observa-se uma<br />

certa titubeação em conceituar, bem como em conceber uma determinada concepção<br />

sobre o assunto abordado. Sendo assim, percebe-se que a teoria é de extrema relevância,<br />

mas, o contato, a prática faz muita diferença na operacionalização dos princípios da<br />

inclusão. No contexto, Antunes (2008), esclarece que muitas dificuldades vivenciadas<br />

durante o processo ensino-aprendizagem ocorrem devido à falta de capacitação docente<br />

em necessidades educacionais específicas.<br />

160


Nesse sentido, a pedagogia possui como inerente e em sua totalidade algo<br />

bem mais amplo, mais globalizante, pois de acordo com Libâneo (2010, p. 29-30), “ela<br />

é um campo de conhecimento sobre a problemática educativa na sua totalidade e<br />

historicidade e, ao mesmo tempo, diretriz orientadora da ação educativa”.<br />

Quando foi perguntado se durante suas graduações os conteúdos, bem como<br />

a carga horária destinada à Educação Especial, foram suficientes à capacitação ao<br />

trabalho com crianças consideradas público alvo da Educação Especial, as docentes<br />

foram unânimes ao afirmar que a carga horária e o conteúdo não foram suficientes.<br />

Conforme seus relatos, a seguir:<br />

Não. Isso é muito precário (P1);<br />

Definitivamente não. Na minha época de faculdade eu tive no final do<br />

período uma disciplina que era eletiva (P2);<br />

Não. Antes da formulação do MEC não era tão enfática (P3);<br />

Não (P4);<br />

Não. A cadeira deveria ser mais ampla (P5);<br />

Não. Tanto que quando eu comecei a trabalhar recebi uma criança com<br />

síndrome de Down e tive que buscar meios para lidar com ela (P6);<br />

Considero a carga horária insuficiente. A Educação Especial é uma área que<br />

necessita de uma <strong>ate</strong>nção especial (P7);<br />

Não (P8);<br />

Não. Trinta horas e só teoria é pouca. Não tenho como lidar com uma criança<br />

só com a minha graduação não (P9);<br />

Não é suficiente, muito fragmentada. A maioria das informações que tenho,<br />

de como lidar, como trabalhar foram adquiridas através de cursos de<br />

extensão, de congresso e até mesmo de formações continuadas onde trabalho<br />

(P10);<br />

Não foi suficiente. Quanto a habilitar, tenho buscado por conta própria (P11).<br />

Conforme verifica-se, os dados sinalizam unanimidade nas respostas quanto<br />

ao “não, não são suficientes”. Nesse sentido, embora o curso de Pedagogia tenha tido<br />

sua duração e carga horária instituídas por meio da Resolução CNE/CP nº 2/2002, nada<br />

é definido acerca das disciplinas assim como, a uma carga horária específica atribuída<br />

para a educação dos que possuem necessidades educacionais específicas (BRASIL,<br />

2002).<br />

Sobre o exposto, Godoffredo (1999) informa que os cursos de formação de<br />

professores devem ter como um de seus objetivos criar uma “[...] consciência crítica<br />

161


sobre a realidade que eles vão trabalhar e o oferecimento de uma fundamentação teórica<br />

que lhes possibilite uma ação pedagógica eficaz. ”<br />

Logo, aponta-se como essencial a possibilidade de revisão das horas e<br />

disciplinas que abordem, especificamente, a Educação Especial durante a formação<br />

acadêmica, pois as disciplinas que envolvem esse público geralmente são de 60 horas o<br />

que torna inviável até se conhecer as tantas dificuldades, transtornos e problemas que de<br />

uma forma ou de outra interferem diretamente no aprendizado e desenvolvimento do<br />

aluno com necessidade educacional específica.<br />

Em relação ao questionamento se os estágios obrigatórios, durante a<br />

formação inicial, foram realizados em instituições que tinham crianças com deficiência,<br />

com transtornos globais do desenvolvimento e/ou com altas habilidades/superdotação, 6<br />

(54%) participantes disseram não; 2 (18%) afirmaram que sim, mas sem acesso às<br />

crianças; 2 (18%) também afirmaram que sim mas, sem desenvolver um trabalho<br />

específico em sala de aula com essas crianças e 1 (10%) relatou que sim mas, que foi<br />

um grande desafio. De acordo com os depoimentos, a seguir:<br />

Não (P1);<br />

Não. Eu estagiei na época com jovens e adultos e nas salas em que estagiei<br />

não tinha nenhum com deficiência (P2);<br />

Não. O estágio era voltado para a sala de ensino regular (P3);<br />

Nós tivemos os estágios, mas não foram destinados às crianças com<br />

deficiência (P4);<br />

Nas escolas onde passei nos meus estágios eu não presenciei nenhuma<br />

criança com nenhum desses tipos de deficiências, mas, as escolas tinham<br />

salas de apoio (P5); Sim. Mas também aquela questão, não sabendo trabalhar<br />

com aquela criança. Ai a criança ficava... E, não, não te preocupa com ela por<br />

que ela é especial e pode ficar andando na sala. É cruel (P6);<br />

Não (P7);<br />

Fiz um estágio na faculdade. Eu tive pouco acesso à criança com deficiência<br />

que era uma deficiente física (motora) e uma mental, e aquilo me desafiou<br />

muito por que eu não estava preparada para agir com elas (P8);<br />

Eu cheguei a ir em uma escola que tinha crianças com deficiência, mas eu<br />

não fiquei em nenhuma sala onde elas estava (P9);<br />

Tive sim, os estágios com crianças que apresentavam esses transtornos só que<br />

elas não tinham o acompanhamento do tutor que a gente sabe que é<br />

necessário em sala de aula. Eles ficavam à margem do processo, então,<br />

apenas ocupavam um lugar em sala de aula (P10); Não (P11).<br />

162


No contexto, faz-se importante ressaltar que, nos documentos legais que<br />

instituem a formação pedagógica para a educação básica, nada apresentam em<br />

específico no que diz respeito à Educação Especial, tão pouco tratam do estágio em<br />

salas de aula que tenham crianças consideradas público alvo da Educação Especial.<br />

Nesse sentido, é relevante ressaltar que no contexto do século XXI, não dá<br />

mais para negligenciar a formação docente em relação ao processo ensinoaprendizagem<br />

dos discentes considerados, público alvo da Educação Especial.<br />

Em relação ao questionamento de como se sentiam em relação às suas<br />

qualificações profissionais para trabalhar com crianças com deficiência, com transtornos<br />

globais do desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação:5 (45%) participantes<br />

disseram que não se sentiam preparados; 4 (35%) relataram que buscavam qualificação<br />

constante; 1 (10%) afirmou que mesmo após a graduação e trabalhando com esse<br />

público não se sentia preparada, e 1 (10%) disse que mesmo após a graduação e a<br />

especialização não se sentia preparada. Conforme os relatos, a seguir:<br />

Não. Tem que aprender muito a pessoa que trabalha com esse tipo de criança<br />

e deve ser altamente habilitada (P1);<br />

Qualificada cem por cento não. O primeiro diagnóstico acaba sendo sempre<br />

do professor (P2);<br />

No geral nunca se está preparada para o que a gente vai encontrar na sala de<br />

recurso, então isso requer um estudo mais aprofundado, uma formação, busca<br />

de conhecimento para que a gente possa estar, não diria cem por cento, por<br />

que a cada dia há uma situação diferente (P3);<br />

Apesar de eu trabalhar com criança dentro da minha sala que tem esses<br />

transtornos, tem as deficiências e tem também altas habilidades/superdotação,<br />

é um desafio que<br />

eu já estou há três anos com ele e não me sinto preparada (P4);<br />

Acredito que hoje, eu diria que não estou preparada (P5);<br />

Assim que eu terminei a pós, eu imaginei que eu tivesse um pouco, mas aí, a<br />

cada dia eu percebo que eu não sei nada. Os pais estão cada vez mais<br />

informados (P6);<br />

Não me considero qualificada para trabalhar com tal público (P7);<br />

Se sentir qualificada é algo muito desafiador. Devemos buscar<br />

constantemente, pois a cada dia os termos mudam, as propostas mudam... Por<br />

buscar informações, hoje me sinto mais preparada que na época da graduação<br />

(P8);<br />

Não. Tenho muito o que a prender ainda e a escola não dá suporte para se<br />

desenvolver um trabalho com esse público (P9);<br />

163


Dependendo do processo em que a criança esteja dependendo da necessidade<br />

que ela apresente, talvez sim... Outras talvez não estejam dentro do nosso<br />

poder teórico e por isso deve-se buscar conhecimento sempre (P10);<br />

A gente tenta desenvolver um bom trabalho, mas é a questão da gente está<br />

sempre buscando estudar, buscando ler, conhecer. Estou sempre em busca de<br />

me qualificar (P11).<br />

É interessante ressaltar que nos relatos, o não preparo é unânime e evidente,<br />

isso é extremamente sério diante do contexto educativo atual, embora as que estão em<br />

campo afirmem estar em busca constante por conhecimento tendo a teoria um papel<br />

primordial para a prática.<br />

Nesse sentido, os dados convergem com os encontrados por Menezes (2008)<br />

ao pesquisar docentes de uma instituição municipal de ensino fundamental de São<br />

Paulo, em que constatou que a formação inicial dos docentes pouco ou quase nada<br />

contemplava o processo ensino-aprendizagem de discentes com necessidades<br />

educacionais específicas.<br />

No contexto, Costa (2015) ressalta que a inclusão de discentes com<br />

deficiência e/ou com necessidades educacionais específicas demanda uma formação<br />

docente para além da reprodução de modelos pedagógicos, no sentido de possibilitar o<br />

desenvolvimento da aprendizagem deles por meio da autonomia e por intermédio de<br />

experiências pedagógicas inclusivas.<br />

Sobre o que tinham a dizer em relação ao processo de qualificação do<br />

Pedagogo ao <strong>ate</strong>ndimento de crianças consideradas público alvo da Educação Especial,<br />

6 (54%) participantes disseram que a faculdade deveria abarcar a Educação Especial<br />

com mais ênfase; 4 (36%) relataram que o pedagogo deve buscar conhecimento para<br />

além da graduação e 1 (10%) falou que já devia estar ocorrendo uma reformulação dos<br />

currículos acadêmicos a fim de <strong>ate</strong>nder à inclusão.<br />

Percebe-se que os pontos de vistas são genuínos, contudo, uma boa parte<br />

converge para um único ponto, o de que o pedagogo nunca deixe de buscar por maiores<br />

conhecimentos a fim de que consiga desenvolver um bom trabalho com o público alvo<br />

da Educação Especial e, volta-se a apontar para o mesmo ponto –<br />

formação/qualificação.<br />

164


No contexto, importante lembrar o Parecer CNE/CP n° 9/2001, ao assegurar<br />

que deve haver inclusão desde a educação básica para que haja inclusão do discente<br />

com necessidades educacionais específicas, e “isso exige que a formação dos<br />

professores das diferentes etapas da educação básica inclua conhecimentos relativos à<br />

educação desses alunos” (BRASIL, 2001, p. 26).<br />

Nesse sentido, Deimling (2013), enfatiza que um fator que pode dificultar a<br />

efetivação da inclusão é uma formação inicial fragilizada em relação aos conhecimentos<br />

básicos sobre o processo ensino-aprendizagem em discentes com necessidades<br />

educacionais específicas.<br />

Como verificado, a educação continuada e/ou a qualificação profissional<br />

foram ressaltados como algo imprescindível à operacionalização do <strong>ate</strong>ndimento<br />

educacional ao público alvo da Educação Especial. Portanto, os cursos de formação<br />

inicial de docentes, no contexto da inclusão, devem adequar seus currículos às novas<br />

exigências educacionais, bem como capacitar os discentes e/ou futuros docentes para o<br />

trabalho com a diversidade.<br />

CONCLUSÃO<br />

Diante do contexto, em que foi investigado quais as percepções dos<br />

Pedagogos (as) que trabalham com a Educação Infantil, em relação às suas<br />

qualificações profissionais ao <strong>ate</strong>ndimento de crianças consideradas público alvo da<br />

Educação Especial, foi verificado que o conteúdo e a carga horária destinados às<br />

disciplinas de Educação Especial, são insuficientes em relação ao <strong>ate</strong>ndimento de<br />

crianças com deficiência e/ou com necessidades específicas, bem como, os estágios<br />

obrigatórios não contemplam instituições que possuem crianças consideradas público<br />

alvo da Educação Especial.<br />

Verificou-se, também, que os saberes desses profissionais, em relação à<br />

operacionalização dos direitos das referidas crianças, são poucos e, que, a maioria deles<br />

não se sente preparada para trabalhar com o público alvo da educação especial.<br />

165


As professoras, em uma tentativa de trabalhar com crianças com<br />

necessidades especiais, buscam, constantemente, por meio de especializações e/ou de<br />

formações continuadas, conhecimentos pertinentes e necessários, visando auxiliar essas<br />

crianças, no contexto de suas práticas docentes.<br />

Quanto ao processo de inclusão de crianças com deficiência, com<br />

transtornos globais do desenvolvimento e/ou com altas habilidades/superdotação,<br />

embora tenham o <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado amparado por Leis, inclusive<br />

por órgãos internacionais, sabe-se que sua operacionalização se encontra aquém das<br />

perspectivas. As razões perpassam por problemas estruturais, metodológicos,<br />

atitudinais, bem como pela formação inadequada da maioria dos profissionais da<br />

educação em relação às necessidades educacionais específicas do público alvo da<br />

Educação Especial.<br />

Nesse sentido, faz-se importante enfatizar que a formação inicial do (a)<br />

Pedagogo (a) para dar conta do processo ensino-aprendizagem de crianças consideradas,<br />

público alvo da Educação Especial, embora tenha passado por muitas reformulações<br />

desde a sua instituição, deve ser revista e readequada às reais necessidades desse<br />

público, tanto no que compete a carga horária das disciplinas de educação especial e/ou<br />

afins, quanto aos estágios obrigatórios em instituições que possuam crianças com<br />

deficiência e/ou com necessidades educacionais específicas.<br />

Portanto, como o Curso de Pedagogia se estende a oito períodos, é<br />

pertinente existir a cada período, disciplinas que contemplem as necessidades<br />

específicas das crianças consideradas público alvo da Educação Especial, assim como<br />

considerar os estágios obrigatórios um momento para se operacionalizar a práxis<br />

pedagógica e, assim, proporcionar um melhor <strong>ate</strong>ndimento profissional às crianças com<br />

necessidades educacionais específicas.<br />

É importante considerar que, por suas especificidades, a Educação Infantil é<br />

de grande relevância ao desenvolvimento das crianças pequenas, e em se tratando das<br />

que apresentam necessidades específicas, o processo se torna mais desafiador, visto que<br />

166


as instituições educacionais devem proporcionar condições adequadas ao <strong>ate</strong>ndimento<br />

especializados às referidas crianças.<br />

No contexto, enfatiza-se que, mesmo com todas as conquistas, até então<br />

adquiridas, as barreiras matérias e atitudinais ainda precisam ser transpostas para que<br />

crianças com deficiência e/ou com necessidades específicas, possam ser efetivamente<br />

<strong>ate</strong>ndidas em igualdade de oportunidades que as crianças sem as referidas necessidades.<br />

Sendo assim, é de suma importância que os órgãos competentes da<br />

educação revisem as matrizes curriculares do curso de Pedagogia no que diz respeito ao<br />

público alvo da Educação Especial a fim de que sejam <strong>ate</strong>ndidas suas reais necessidades<br />

educacionais.<br />

Por fim, espera-se que este estudo contribua com maiores conhecimentos<br />

e/ou reflexões em relação à operacionalização de ações efetivas acerca da formação do<br />

profissional da educação, no caso, o Pedagogo (a), de forma que venha <strong>ate</strong>nder às reais<br />

necessidades de evolução, desenvolvimento e aprendizagem do público alvo da<br />

Educação Especial, pois o tema por si é inesgotável e admitirá sempre novos olhares.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ANTUNES, Celso. Inclusão: o nascer de uma nova pedagogia. São Paulo: Ciranda<br />

Cultural, 2008.<br />

BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação<br />

Inclusiva. MEC. Brasília – DF, 2008.<br />

BRASIL. Parecer CNE/CP nº 9, 2001. Dispõe sobre as Diretrizes Curriculares<br />

Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso<br />

de licenciatura, de graduação plena. Diário Oficial [da] República Federativa do<br />

Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 18 jan. 2001. Seção 1, p. 31. Disponível em:<br />

. Acesso em: 18 set. 2016.<br />

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da universidade federal do maranhão em relação à inclusão de alunos com<br />

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167


em Educação, da Faculdade de Filosofia e Ciências, da Universidade Estadual Paulista –<br />

UNESP - Campus de<br />

Marília, 2010. Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2016.<br />

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sob égide dos direitos humanos. In.: (orgs) SILVA, Aida Maria Monteiro;<br />

COSTA, Valdelúcia Alves da. Educação inclusiva e direitos humanos: perspectivas<br />

contemporâneas. São Paulo: Cortez, 2015. (Coleção educação em direitos humanos).<br />

DEIMLING, Natalia Neves Macedo. A Educação Especial nos cursos de Pedagogia:<br />

considerações sobre a formação de professores para a inclusão escolar. Revista<br />

Educação Unisinos. v. 17, n. 3, set/dez 2013. Disponível Em:<br />

<br />

. Acesso em : 11 set. 2016.<br />

FREITAS, S. N. A formação de professores na educação inclusiva: construindo a base<br />

de todo o processo. In: RODRIGUES, D. (Org.). Inclusão e educação: doze olhares<br />

sobre a inclusão inclusiva. São Paulo: Summus, 2006. P. 161-181.<br />

GODOFFREDO, Vera Lúcia Flor Sénéchal de. Como formar professores para uma<br />

escola inclusiva?. In.: Salto para o Futuro: Educação Especial: tendências atuais /<br />

Secretaria de Educação a Distância. Brasília: Ministério da Educação, SEED, 1999.<br />

(Série de Estudos. Educação a Distância, v.9). Disponível em:<br />

. Acesso em: 04<br />

dez. 2016.<br />

LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para quê?. 12. ed. São Paulo:<br />

Cortez, 2010.<br />

MENEZES, Maria Aparecida de. Formação de professores de alunos com<br />

necessidades educacionais especiais no ensino regular. Tese (Doutorado em<br />

Educação: currículo). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2008.<br />

PLETSCH, Márcia Denise. A formação de professores para a educação inclusiva:<br />

legislação, diretrizes políticas e resultados de pesquisas. In: Educar em Revista. Educ.<br />

ver., nº 33. Curitiba, 2009.<br />

168


A RELAÇÃO DA PRODUÇÃO ARTESANAL COM AS HISTÓRIAS DE VIDA<br />

DAS MULHERES QUE BORDAM EM SÃO JOÃO DOS PATOS – MA.<br />

THE RELATIONSHIP OF CRAFTSMEN PRODUCTION WITH THE LIFE<br />

STORIES OF WOMEN EMBROIDERING IN SÃO JOÃO DOS PATOS - MA.<br />

Márcio Soares Lima;<br />

mestrando em design – UFMA<br />

Raquel Gomes Noronha,<br />

Doutora em antropologia – UFMA<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

marcio.lima@ifma.edu.br<br />

raquelnoronha79@gmail.com<br />

RESUMO: Com o passar dos tempos, as condições de trabalho e o exercício da<br />

profissão de bordar, mudou. Antes, o bordar acontecia nos espaços familiares ou em<br />

pequenas associações, transmitidos informalmente aos familiares e interessados. O<br />

presente estudo tem como objetivo verificar como as mulheres que bordam em São João<br />

dos Patos – MA relacionam o artesanato, o trabalho e a ergonomia, afim de obterem<br />

qualidade de vida em sua produção artesanal. Informamos que o presente resumo<br />

apresenta resultados parciais da dissertação em elaboração, intitulada O avesso: limites<br />

e alcances da consultoria em design na Associação de Mulheres da agulha criativa –<br />

AMAC, no município de SJP, do mesmo autor, no âmbito do PPGDg-UFMA. O repasse<br />

do aprendizado do artesão geralmente se dá no seio familiar, através da educação<br />

informal, e no caso do bordado, as meninas aprendiam os primeiros pontos ainda na<br />

infância, por que antigamente, conforme contam as bordadeiras, “o melhor caderno era<br />

a linho e o melhor lápis era a agulha de bordar”. Ao longo do trabalho, investigamos<br />

esse bordar como oficio, onde a menina, ao mesmo tempo em que aprende, trabalha. Em<br />

conversas com essas mulheres, percebemos que sentem orgulho do ofício de bordar,<br />

embora afirmem “que a necessidade de ter algum dinheiro com esse trabalho é maior”.<br />

Mills (2009) ajuda a pensar a relação do artesão e seu trabalho. À medida que confere<br />

169


ao trabalho a qualidade de sua própria mente e habilidade, está também desenvolvendo<br />

sua própria natureza (MILLS, 2009). Essas reflexões teóricas são necessárias para<br />

evidenciar que o trabalho artesão não é definido apenas como um trabalho manual, mas<br />

pela capacidade e habilidade da criação do artesão e na sua identificação com o objeto a<br />

ser criado por ele. No trabalho artesanal, além dos aspectos culturais, também são<br />

transmitidos aspectos identitários de cada artesão, logo, aspectos pessoais subjetivos do<br />

produtor também estão inseridos na produção. O trabalhado do artesão não é apenas de<br />

um meio de sobrevivência, mas uma atividade que demanda habilidades e capacidades<br />

específicas, consideradas não apenas manuais, mas sobretudo criativas. Nesse sentido,<br />

caracterizamos o trabalho do design como uma atividade que correlaciona dimensões<br />

criativas e práticas. Concluímos entendendo que as bordadeiras de SJP ao relacionarem<br />

a produção artesanal, trabalho e a ergonomia no intuito de terem mais qualidade de vida,<br />

sentem dificuldades em alguns aspectos, como a forma de sentar, visto que as cadeiras<br />

usadas por elas são desconfortáveis, a visão também é outra queixa relatada, visto que o<br />

trabalho delicado de bordar “apura muito a vista” como dizem as mesmas. Mas por<br />

outro lado, se sentem felizes e realizadas no quesito auto estima, pois se consideram<br />

literalmente mulheres da agulha criativa.<br />

Palavras-chave: Saberes tradicionais. Design. Trabalho. Artesanato<br />

ABSTRACT: Over time, working conditions and the exercise of the embroidery<br />

profession have changed. Before, embroidering took place in family spaces or in small<br />

associations, informally transmitted to relatives and interested parties. The present study<br />

aims to verify how the women who embroider in São João dos Patos - MA rel<strong>ate</strong> the<br />

crafts, the work and the ergonomics, in order to obtain quality of life in their artisan<br />

production. We inform you that this abstract presents partial results of the dissertation in<br />

preparation, titled Oversees: limits and scope of the design consultancy in the<br />

Association of Women of the creative needle - AMAC, in the municipality of SJP, by<br />

the same author, within the scope of PPGDg-UFMA. The passing of the artisan's<br />

170


learning usually takes place in the family, through informal education, and in the case of<br />

embroidery, the girls learned the first points still in childhood, because in former times,<br />

according to embroiderers, "the best notebook was linen and the best pencil was the<br />

needle of embroidery. " Throughout the work, we investig<strong>ate</strong> this embroidery as an<br />

office, where the girl, at the same time as she learns, works. In conversations with these<br />

women, we realize that they are proud of the craft of embroidery, although they st<strong>ate</strong><br />

"that the need to have some money from this work is gre<strong>ate</strong>r." Mills (2009) helps to<br />

think the relationship of the craftsman and his work. As he confers to work the quality<br />

of his own mind and ability, he is also developing his own nature (Mills, 2009). These<br />

theoretical reflections are necessary to show that artisan work is not defined only as a<br />

manual work, but because of the capacity and ability of the artisan's creation and his<br />

identification with the object to be cre<strong>ate</strong>d by him. In artisanal work, in addition to<br />

cultural aspects, identity aspects of each artisan are also transmitted, so personal<br />

subjective aspects of the producer are also included in the production. According to<br />

Keller (2011), the artisan's work is contemporary in his presence in society. It is not<br />

only a means of survival, but an activity that demands specific skills and abilities,<br />

considered not only manual but above all creative. In this sense, we characterize the<br />

work of design as an activity that correl<strong>ate</strong>s creative and practical dimensions. We<br />

conclude that SJP embroiderers, when linking artisan production, work and ergonomics<br />

in order to have a better quality of life, experience difficulties in some aspects, such as<br />

the way of sitting, since the chairs used by them are uncomfortable, the vision it is also<br />

another reported complaint, since the delic<strong>ate</strong> work of embroidering "looks very clear"<br />

as they say. But on the other hand, they feel happy and fulfilled in the self-esteem<br />

aspect, since they are literally considered women of the creative needle.<br />

Keywords: Traditional knowledge. Design. Job. Craft<br />

171


INTRODUÇÃO<br />

A tradicional arte do bordado se confunde com a história do município<br />

maranhense de São João dos Patos, onde grande parte das mulheres que ali residem possuem<br />

a destreza de verdadeiras mestras na elegante arte de bordar.<br />

A exposição “marcando bordado em cores” mostra alguns resultados da junção<br />

do linho e da linha numa relação com as bordadeiras daquela comunidade, e mostra alguns<br />

resultados alcançados ao longo do trabalho desenvolvido pelo SEBRAE junto à Associação<br />

de Mulheres da Agulha Criativa – AMAC.<br />

Apresentamos como principal característica o resg<strong>ate</strong> dos gráficos tradicionais<br />

aplicados à técnica “ponto cruz” na elaboração de produtos com elevado padrão de<br />

qualidade.<br />

Também é possível observar o esmerado tratamento das cores que na coleção<br />

aqui apresentada são empregadas de forma comedida, criando resultados surpreendentes que<br />

valorizam ainda mais a arte secular dos bordados em SJP<br />

Este artigo procura observar o processo de hibridação entre o designer e o<br />

artesão, por meio do projeto “Marcando Bordado em Cores” em todo o seu percurso.<br />

Falamos de mulheres que bordam numa cidade assentada no Sertão Maranhense, localizada<br />

a 570 km de São Luís e com 24.928 habitantes (IBGE, 2013), e que possui uma significante<br />

e contínua produção de bordados, principalmente dos bordados de ponto-cruz. Possui em<br />

toda sua extensão essa particularidade cultural que é passada de geração em geração, e assim<br />

se perpetuando uma técnica artesanal que é considerada primitiva, e ao mesmo tempo,<br />

contemporânea (NASCIMENTO, 2012), já que se busca, através do impulso à inovação, a<br />

construção do sucesso dos negócios e a uma vida sustentável através de produtos, sistemas,<br />

serviços e experiências inovadoras.<br />

A atuação do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas<br />

(SEBRAE) na AMAC, iniciou em 2009, com a coordenação de um designer e consultor em<br />

desenvolvimento de produtos artesanais, e trouxe à comunidade a associação entre<br />

elementos até então perdidos e conceitos resgatados através de iconografia, afim de<br />

estabelecer esse diálogo criativo e inovador do artesanal com o contemporâneo.<br />

172


Patrocínio (2015), a partir de Papanek e Bonsiepe nos trazem alguns<br />

questionamentos: está relacionado ao design, promover algo para as necessidades básicas<br />

(que se identifica às margens de uma sociedade desenfreadamente consumista) ou contribuir<br />

para a construção do desenvolvimento da comunidade artesã?<br />

A partir desse questionamento, buscamos perceber a atuação do design na<br />

AMAC, especificamente no projeto “marcando bordados em cores”, afim de perceber se o<br />

trabalho dessa consultoria em design junto às bordadeiras as deixaram independentes no<br />

processo de criação, fabricação, exposição e comercialização dos produtos, levando em<br />

consideração os aspectos apontados por Bonsiepe (2010) com enfoque promotor de<br />

inovação.<br />

A relação entre Design e o artesanato já nos é conhecida há bastante tempo. Se<br />

pensarmos no conceito definido por Cardoso (2004), em que design atribui forma m<strong>ate</strong>rial a<br />

conceitos intelectuais, sendo uma atividade que gera projetos, no sentido de planos, esboços<br />

ou modelos, projetando determinados tipos de artefatos móveis, poderemos facilmente<br />

associá-lo ao campo do artesanato, por meio de seus produtos. A fusão entre os campos do<br />

design e do artesanato é resultado da experiência interdisciplinar, que, de acordo com<br />

Domingues (2005), pode ser definida como campos disciplinares diferentes que se<br />

aproximam para a solução de problemas específicos, onde há um compartilhamento da<br />

metodologia. Hoje muitos designers começam a perceber o valor de resgatar as antigas<br />

relações com o fazer manual.<br />

Thackara (2008) apoia o design como uma prática inovadora e criativa com o<br />

potencial de transformar sociedades e contribuir para o bem-estar da humanidade. Dessa<br />

forma é requerido ao designer além de sua capacitação projetista, um aprofundamento<br />

intelectual que lhe possibilite fazer associações entre elementos, códigos e conceitos de<br />

sentidos múltiplos, oriundos de modelos comportamentais diversos.<br />

No município de São João dos Patos (MA) encontram-se algumas<br />

peculiaridades que o tornam único. Assim como o restante do Estado, sofre certa estagnação<br />

econômica e busca inovações para promover seu desenvolvimento. De acordo com<br />

173


Albuquerque (2004), o estado do Maranhão tem um apego cultural ao artesanato. Suas<br />

produções artísticas contribuem de forma direta e indireta para o crescimento.<br />

O objetivo desse artigo foi perceber a atuação do designer na comunidade de<br />

bordadeiras, especificamente no projeto “marcando bordados em cores”, afim de<br />

percebermos se seu trabalho junto a essas mulheres as deixaram autônomas em seu processo<br />

de criação, fabricação, exposição e comercialização dos seus produtos.<br />

1 Hibridação entre design e artesanato<br />

Canclini (2008) define hibridação como sendo processos socioculturais nos<br />

quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para<br />

gerar novas estruturas, objetos e práticas, em que, por meio dessas práticas, se busca<br />

reconverter um patrimônio (uma fábrica, uma capacitação profissional, um conjunto de<br />

saberes e técnicas) afim de reinseri-lo em novas condições de produção e mercado.<br />

O ICSID (International Council of Societies of Industrial Design) define que<br />

designers devem colocar o ser humano no centro dos processos. Dessa forma, esse estudo<br />

justifica-se por buscar entender como o design pode contribuir para a produção artesanal no<br />

município de São João dos Patos, afim de propiciar a percepção e o auto reconhecimento<br />

sobre a condição de agentes de suas próprias produções.<br />

Após serem citados o conceito de design e de hibridação utilizados para esta<br />

pesquisa, é importante especificar neste momento a seguinte definição de produtos artesanais<br />

adotada pela Unesco:<br />

Produtos artesanais são aqueles confeccionados por artesãos, seja totalmente à<br />

mão, com o uso de ferramentas ou até mesmo por meios mecânicos, desde que a<br />

contribuição direta manual do artesão permaneça como o componente mais<br />

substancial do produto acabado. Essas peças são produzidas sem restrição em<br />

termos de quantidade e com o uso de matérias primas de recursos sustentáveis. A<br />

natureza especial dos produtos artesanais deriva de suas características distintas,<br />

que podem ser utilitárias, estéticas, artísticas, criativas, de caráter cultural e<br />

simbólicas e significativas do ponto de vista social (UNESCO, 1997, apud<br />

BORGES, 2011, p.21)<br />

174


Apontados os conceitos e definições dos campos abordados, podemos então<br />

discutir os processos de hibridação entre design e artesanato. A respeito do uso de recursos<br />

locais combinando design e artesanato, é detectado como esse processo é feito de maneira<br />

exemplar em países periféricos, incluindo o Brasil, seguindo alguns enfoques citados por<br />

Bonsiepe (2010):<br />

- Enfoque culturalista ou essencialista: os projetos locais dos artesãos são<br />

utilizados como base ou ponto de partida para o que pode ser denominado verdadeiro design<br />

de fato. Aqui podemos fazer uma relação deste enfoque com o uso estratégico que o designer<br />

fez da memória das bordadeiras através do resg<strong>ate</strong> de sua cultura e identidade por meio de<br />

arquivos pessoais de D. Silvia, a primeira artesã que iniciou os trabalhos de bordados<br />

naquela região.<br />

- Enfoque p<strong>ate</strong>rnalista: os artesãos são considerados como clientela política para<br />

programas assistenciais, exercendo uma função mediadora entre os produtores e a<br />

comercialização, com margens altas de lucros para os vendedores. Existe um grande número<br />

de organizações governamentais hoje no Brasil com programas de qualificação do<br />

artesanato. Entre as associações mantidas com recursos públicos envolvidas com a questão, a<br />

que obteve maior êxito em suas ações foi o SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às<br />

Pequenas e Médias Empresas).<br />

- Enfoque promotor da inovação: defende a autonomia dos artesãos para a<br />

melhoria de suas condições de subsistência, quase sempre precárias. Para tal enfoque é<br />

necessária a participação efetiva dos produtores. Neste caso o resultado deste enfoque pode<br />

ser de extrema importância para o país, promovendo o que chamamos de sustentabilidade<br />

social.<br />

De acordo com esses pontos, entendo que esse último enfoque abordado pelo<br />

autor será capaz de promover resultados satisfatórios para a comunidade. E as ações<br />

combinadas entre designers e artesãos, nas quais os designers não atuam simplesmente na<br />

forma, superfície ou aparência de produtos e serviços, e sim em pontos mais significativos<br />

para a efetiva hibridação, promoverá, portanto, a sustentabilidade social, como nos mostrará<br />

adiante a escada virtuosa do design e do desenvolvimento.<br />

175


Borges (2011) cita alguns desses pontos importantes, sendo eles:<br />

• Melhoria da qualidade dos objetos;<br />

• Aumento da percepção consciente dessa qualidade pelo consumidor;<br />

• Redução de matéria prima;<br />

• Racionalização ou redução de mão de obra;<br />

• Melhoria nos processos de fabricação;<br />

• Combinação de processos e m<strong>ate</strong>riais;<br />

• Interlocução entre desenhos e cores;<br />

• Adaptação de funções;<br />

• Deslocamento de objetos de um segmento para outro mais valorizado pelo mercado;<br />

• Intermediação entre as comunidades e o mercado;<br />

• Comunicação dos atributos intangíveis dos objetos artesanais;<br />

• Facilitação do acesso dos artesãos ou de sua produção à mídia;<br />

• Contribuição na gestão estratégica das ações;<br />

• Explicitação da história por trás dos objetos artesanais.<br />

Desta maneira, nas ações de revitalização do artesanato, projetos que envolvem<br />

inserção de design em trabalhos artesanais tem tido uma atuação ampla, interagindo com<br />

habilidade em equipes com competências distintas que envolvem profissionais<br />

multidisciplinares.<br />

Percebemos a Associação de Mulheres da Agulha Criativa – AMAC nesse<br />

contexto, a partir da atuação do designer imerso no dia a dia das bordadeiras, e em especial<br />

no projeto “marcado bordados em cores”, trazendo-lhes esses aspectos acima citados,<br />

mesmo que de forma tímida e, embora muitas vezes, com falta de recursos necessários.<br />

2 Aspectos metodológicos<br />

Segundo Yin (2005), o uso do estudo de caso é adequado quando se pretende<br />

investigar o como e o porquê de um conjunto de eventos contemporâneos. O autor afirma<br />

que o estudo de caso é uma investigação empírica que permite o estudo de um fenômeno<br />

176


contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, especialmente quando os limites entre o<br />

fenômeno e o contexto não estão claramente definidos.<br />

A coleta de dados aconteceu em visitas feitas ao Museu Casa de Nhoziho,<br />

situado no centro de São Luis – MA, onde fizemos entrevista com p o designer e consultor<br />

em desenvolvimento de produtos artesanais, que neste caso, foi o responsável pelas ações<br />

desenvolvidas junto a AMAC, para a realização do Projeto Marcando Bordado em Cores,<br />

ocorrido em maio de 2011. Cada entrevista teve duração média de 01 (uma) hora e meia, e<br />

foram do tipo semi-estruturadas, na qual a ordem das perguntas não necessariamente foi<br />

seguida, pois à medida que a entrevista acontecia as perguntas e os assuntos iam sendo<br />

direcionados. Durante as entrevistas foram coletadas outras informações relevantes que não<br />

tinham sido contempladas inicialmente no roteiro de entrevista.<br />

As entrevistas também foram feitas com as artesãs, na sede da AMAC, em São<br />

João dos Patos, e nesse sentido, entendemos que a partir do momento em que conquistamos<br />

a confiança das artesãs, a formalidade é deixada de lado para que o respeito conduza o<br />

processo. E é nesse contexto que informações importantes são coletadas. Um exemplo disso<br />

aconteceu quando em uma das nossas idas à Associação, em meio à uma conversa informal<br />

sobre religião, chegaram umas senhoras querendo encomendar uns produtos artesanais. E<br />

nessa conversa, falaram sobre processos de produção, valores e tempo de trabalho e, apesar<br />

de termos pedido para nos retirarmos, por estarem tratando de assuntos íntimos e delicados,<br />

elas pediram para permanecermos “podem ficar. Vocês não tão querendo aprender?<br />

Aproveita pra ver na prática como a gente faz” (artesã 1/ 2016)<br />

As entrevistas ocorreram em caráter de conversa, como nos sugere Bourdieu<br />

(1997) com as artesãs, na própria sede da associação, regadas a chá de erva cidreira (colhidas<br />

na própria horta da sede) e pipoca.<br />

Além das entrevistas, foram utilizados na coleta de dados, documentos públicos<br />

e informações contidas no website corporativo, e ainda algumas informações foram<br />

complementadas por e-mail após as entrevistas.<br />

177


3 O projeto “Marcando bordados em cores”<br />

A atuação do designer na AMAC surgiu da necessidade em enaltecer o valor do<br />

talento, do produto e principalmente do significado dessas bordadeiras como detentoras deste<br />

oficio que tem essa ligação com o passado de São João dos Patos.<br />

De acordo com uma das artesãs:<br />

A ideia do projeto Marcando Bordados em Cores partiu do SEBRAE. Eles nos<br />

questionaram sobre um outro atrativo que nós teríamos (além dos bordados<br />

tradicionais que já fazíamos), um outro modelo de bordado. Ai a gente não tinha.<br />

Na época a gente só tinha o tradicional. Ai a gente foi pensando em aplicar em<br />

roupas, em vestimentas, mas conversando, percebemos que nas vestimentas ia<br />

ficar muito caro, porque a gente ia ter que comprar a peça, pra depois agregar esse<br />

valor nela. E o resultado seria um produto com um valor muito alto para<br />

vendermos. Ai o pessoal do SEBRAE pensou: vamos convidar um design, pra ele<br />

ouvir nossas ideias e dar alguma sugestão no que pode ser renovado, em um<br />

nosso produto, e juntos tentar criar uma nova ideia. 21<br />

E nesse contexto convidaram um design e consultor do SEBRAE, e ele fez<br />

primeiro uma pesquisa sobre a história desses bordados, visitou bordadeiras mais<br />

experientes, pesquisou sobre a história dos bordados da cidade e como esse bordado chegou<br />

a São João dos Patos.<br />

Após essa pesquisa inicial, começaram a desenvolver juntos (designer e artesãs)<br />

peças inovadoras. A intenção não era inovar o ponto cruz, mas inovar o produto. Fizeram um<br />

levantamento das peças mais encomendadas, como toalhas de lavabo, jogo americano,<br />

centros de mesa. Então, o design sugeriu que ao invés de bordar várias linhas coloridas no<br />

linho branco, por que não usar linhas mais neutras no linho colorido? Esse foi o início da<br />

ideia inovadora.<br />

O trabalho do designer iniciou com pesquisa e resg<strong>ate</strong> de iconografias referentes<br />

ao bordado daquela região. A contribuição do designer inicialmente foi caminhar a história<br />

de São João dos Patos e perceber elementos nessa história em que se poderia resgatar o<br />

tempo e identidade daquele povo, sem deixar de lado as transformações que a globalização<br />

inevitavelmente traz nesse processo, com o cuidado de não perder a essência dos saberes<br />

21 Entrevista concedida pela artesã 1, à Márcio Soares Lima, em 20 junho de 2017.<br />

178


tradicionais. As informações foram colhidas por meio do que chamamos da história oral, que<br />

é o registro de depoimentos sobre essa história vivida.<br />

O resultado final do projeto “Marcado Bordados em Cores” foi apresentado em<br />

uma exposição de alguns produtos alcançados ao longo dos trabalhos desenvolvidos em<br />

parceria com assessores do SEBRAE. Além de facilitar a assessoria, o SEBRAE possibilitou<br />

a aquisição de matéria prima para confecção dos produtos. Esse processo de preparação para<br />

o evento apresentou como principal característica o resg<strong>ate</strong> de gráficos tradicionais aplicados<br />

à técnica “ponto cruz” na elaboração dos produtos. Ver na Figura abaixo:<br />

Figura 1: gráficos de bordados restaurados<br />

Fonte: autor<br />

A exposição “Marcando Bordado em Cores” foi realizada no espaço “Dona<br />

Sula”, localizado no Centro da cidade de São João dos Patos-MA, onde estiveram presentes<br />

autoridades como prefeito, vereadores e empresários locais, além de familiares, amigos e<br />

apreciadores do oficio de bordar. O evento teve o patrocínio de lojas de móveis, onde foi<br />

montado ambientes específicos para serem expostos os produtos artesanais de cama, mesa e<br />

banho.<br />

179


Figura 2: bordados tradicionais X bordados da coleção marcando bordados em cores<br />

Fonte: autor<br />

O evento aconteceu no mês de maio de 2011, com assessoria e organização de<br />

um designer e uma turismóloga/consultora em Gestão de Empreendimentos Artesanais,<br />

além do talento das bordadeiras da AMAC. Essa exposição mostrou o trabalho das artesãs de<br />

São João dos Patos, por meio de produtos como guardanapos, almofadas, toalhas, jogo<br />

americano e outros.<br />

Figura 3: bordadeiras da AMAC expondo seus produtos<br />

Fonte: : http://artesanatocomdesign.blogspot.com.br/2011/11/sjpatos-ma.html<br />

Em quase dois anos de trabalho e relação entre o design e o artesanato naquela<br />

Associação, estudaram a estrutura construtiva do bordado ponto cruz, e desenvolveram<br />

também em conjunto, peças de bordado diferentes das que eram produzidas cotidianamente,<br />

como acessórios e peças menores, mais fáceis de serem produzidas e comercializadas<br />

(SANTOS, 2012). Deste trabalho surgiram outras cores de bordados e m<strong>ate</strong>riais, que se<br />

tornaram o ponto alto de vendas daquele artesanato, dando asas para que as próprias<br />

180


endeiras começassem a desenvolver e colocar suas ideias em novos produtos (PEROBA,<br />

2008).<br />

Por meio desse projeto, as bordadeiras passaram a produzir outros tipos de<br />

artefatos e novas estruturas de desenhos desenvolvidos em moldes pelo designer e que<br />

passaram a compor grande parte de suas criações. Esses produtos são comercializados na<br />

própria Associação. As bordadeiras citam em seus depoimentos emocionados que hoje<br />

participam efetivamente da economia de seus lares, além de se considerem profissionais<br />

capacitadas como qualquer outros (SANTOS, 2012).<br />

O designer que atua dentro das comunidades, muitas vezes é um vetor de<br />

mudança na forma de olhar o produto das artesãs. No caso do projeto “Marcando Bordado<br />

em Cores”, o simples fato, de participarem de um ensaio fotográfico, onde as bordadeiras<br />

puderam posar com seus produtos no universo do seu oficio, puderam perceber e valorizar o<br />

que estava por traz da arte e oficio que elas tinham nas mãos. As trocas à longo prazo entre<br />

os designers e artesãos é que são a verdadeira revolução, quando o designer faz parte da<br />

produção e do cotidiano da comunidade, quando são passadas aos artesãos informações<br />

sobre o que é desenho, geometria, projeto, e como se desenvolve o processo de criação<br />

(PEROBA, 2008).<br />

Figura 3: bordadeiras da AMAC em ensaio fotográfico<br />

Fonte: : http://artesanatocomdesign.blogspot.com.br/2011/11/sjpatos-ma.html<br />

181


Designers que são conscientes do valor do artesanato e da necessidade de<br />

realizar ações que aprimorem esse ofício não só valorizam a produção artesanal local, como<br />

também contribuem para trazer novos modelos para o design produzido no país<br />

(ROIZENBRUCH, 2009). Nesta troca, os designers passam no mínimo a ter acesso ao<br />

conhecimento tradicional, além de expandir seu mercado de trabalho. Os artesãos, por sua<br />

vez, têm a possibilidade de interlocução sobre sua prática e de um intervalo no tempo para<br />

refletir sobre ela (BORGES, 2011).<br />

Thackara (2008) enfatiza e apoia o design como uma prática inovadora e criativa<br />

com o potencial de transformar sociedades e contribuir para o bem-estar da humanidade.<br />

De acordo com Papanek (1973), todos os seres humanos são considerados<br />

designers. O design faz parte de todas as atividades humanas. E através do projeto<br />

“Marcando Bordado em Cores”, houve a valorização dos ofícios pelas próprias bordadeiras,<br />

que foi visto e explicitado através dos produtos e do próprio sorriso, que m<strong>ate</strong>rializa a<br />

autoestima das artesãs.<br />

4 Resultados e discussão<br />

Patrocinio (2015) utiliza a Escada Virtuosa do Design e do Desenvolvimento<br />

para a implantação do design na determinação de diferentes tipos de inovação. A escada<br />

indica uma progressiva redução de dependência externa à autonomia da produção local do<br />

design.<br />

Nesse contexto, a intervenção do design no meio em que está inserido, propondo<br />

o desenvolvimento local, baseia-se o envolvimento do usuário no processo de design. E essa<br />

escada segue desde o estágio de dependência até o estágio de autonomia do design.<br />

182


Figura : Escala Virtuosa do Design e do desenvolvimento<br />

Fonte: Design e Desenvolvimento: 40 anos depois, p.69.<br />

De acordo com Forty (2007), o ponto mais importante reside nas consequências<br />

que as mudanças no design trazem para a sociedade, pois influencia o desejo, o<br />

comportamento e pensamento das pessoas.<br />

Foi percebido o impacto social e econômico na comunidade de artesãs produtora<br />

de bordado ponto cruz, em São João dos Patos, além de seu significado cultural e identitário,<br />

desde o início da intervenção do designer, e mais especificamente no decorrer do processo<br />

do projeto “Marcado Bordado em Cores” até a finalização da sua consultoria, e assim a<br />

grande importância do processo de hibridação entre os campos do design e o artesanato no<br />

local. Além dos benefícios para as comunidades de artesãos, esse processo de hibridação<br />

resultou em aprendizado também para os designers, pois a técnica e a capacidade criativa do<br />

artesão se aliam aos procedimentos funcionais, culturais e estéticos desses profissionais, que<br />

encontram soluções criativas e singulares para seus produtos.<br />

Visto que o usuário ao escolher um produto, buscam informações que permitem<br />

rastrear e identificar suas qualidades. Nesse sentido, de acordo com Krucken (2009), o<br />

design pode contribuir significamente nesse contexto, buscando formas para tornar visível à<br />

sociedade a história por trás dos produtos. Contar a história desses produtos significa<br />

comunicar elementos históricos, culturais e sociais associados, possibilitando ao consumidor<br />

avaliar e apreciar o produto de forma mais ampla.<br />

183


Toda essa experiência e troca de informações descritas acima foram alcançadas<br />

com a atuação e participação do designer o meio da comunidade, que lançou mão do<br />

repertório teórico adquirido de suas pesquisas e de técnicas de design.<br />

O designer tem como função, além ue promovem a diversificação e a<br />

revalorização econômica do artesanato, o que corrobora com a valorização da identidade<br />

cultural local. (SILVA, 2011).<br />

O fato da assessoria e parceria com o SEBRAE ter finalizado logo após o<br />

projeto “Marcando Bordados em Cores”, e não ter havido tempo hábil para inserir os<br />

produtos confeccionados pelas bordadeiras no mercado, de certa forma, impossibilitou a<br />

inserção das artesãs a um comércio promissor que pudesse absorver seus produtos, fazendo<br />

com que elas não conseguissem chegar no estágio de autonomia, descrito na figura 4, onde o<br />

autor trata do design POR... no qual essa relação com o design já foi desenvolvida e o e<br />

coordenada por locais. Mas segundo Patrocínio (2015), essa situação não impede que haja<br />

parcerias e intercâmbios, mas estes se darão entre iguais, cada qual contribuindo para o<br />

desenvolvimento de um design local, com identidade territorial<br />

5 Considerações finais<br />

Percebemos o impacto social e econômico na comunidade de artesãs produtoras<br />

de bordado ponto cruz em São João dos Patos, além de seu significado cultural, desde o<br />

início da intervenção do designer, e principalmente no decorrer e finalização do projeto que<br />

se propuseram a realizar juntos. Além dos benefícios para as comunidades de artesãos, esse<br />

processo de hibridação resultou em aprendizado também para os designers, pois a técnica e a<br />

capacidade criativa do artesão se aliam aos procedimentos funcionais, culturais e estéticos<br />

desses profissionais, que encontram soluções criativas e singulares para os produtos.<br />

Recomenda-se para que haja uma continuidade desse processo e um melhor<br />

planejamento por parte das entidades parceiras, afim de perceberem que a atuação do design<br />

sustentável vai além de suas características criativas e de busca em resolver problemas<br />

ambientais, mas também que esses assessores atuem na comunidade dando suporte a ajudem<br />

a inserir esses produtos ao mercado, pois essa parte de gestão é um suporte imprescindível<br />

184


para que as comunidades cheguem ao estágio de autonomia e que haja um desenvolvimento<br />

em toda a região. O designer também é gestor, visto que ele tem conhecimento que ajuda a<br />

organizar o projeto e a traduzir o processo.<br />

REFERÊNCIAS<br />

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_____________. Developmend though design – a working paper prepared for UNIDO at<br />

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BORGES, A. Design + Artesanato – O caminho brasileiro. São Paulo: Terceiro Nome,<br />

2011.<br />

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Vozes, 1997.<br />

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2008.<br />

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DOMINGUES, I. Conhecimento e transdisciplinaridade <strong>II</strong>: aspectos metodológicos. Belo<br />

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Paulo: Studio Nobel, 2009.<br />

MILLS, C.Wright. sobre o artesanato intelectual e outros ensaios. Rio de Janeiro. Jorge<br />

Zahar Ed., 2009<br />

185


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Maranhão. In: CONGRESSO NORTE NORDESTE DOS INSTITUTOS FEDERAIS DE<br />

EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA.7., 2012. Anais... Palmas: 2012.<br />

PAPANEK, Victor. Design for the real world. New York: Bantam Books, 1973.<br />

PATROCINIO, Gabriel; NUNES, José. Design & Desenvolvimento: 40 anos depois. São<br />

Paulo. Blucher, 2015.<br />

PEROBA, A. R. V. Design Social: um caminho para o design de moda? São Paulo, 2008.<br />

103 f. Dissertação (Mestrado em Design) Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo,<br />

2008.<br />

SANTOS, Daniele Bastos Segadilha dos. Memórias feitas à mão: “A Capital dos<br />

Bordados” pelas vozes das bordadeiras de São João dos Patos – Maranhão. In: V<strong>II</strong><br />

CONNEPI. Palmas: 2012.<br />

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mercantilização do artesanato e suas repercussões no cotidiano de bordadeiras de<br />

Maranguape. Fortaleza: Ed. Edições UFC, 2011.<br />

THACKARA, J. Plano B: O design e as alternativas viáveis em um mundo complexo. São<br />

Paulo: Saraiva, 2008.<br />

YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.<br />

186


A RELEVÂNCIA DA INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA DESDE<br />

A EDUCAÇÃO INFANTIL<br />

THE RELEVANCE OF THE INCLUSION OF PEOPLE WITH DISABILITY<br />

SINCE CHILDREN EDUCATION<br />

Ana Paula Almeida Ferreira<br />

Especialista em Docência na Educação Infantil da SEMED<br />

Thelma Helena Costa Chahini<br />

Pós-Doutora em Educação Especial<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Os estudos de Vital (2012) revelam a importância da interação entre<br />

crianças com e sem deficiência na educação infantil, pois essas vivências favorecem o<br />

contato com a diversidade, bem como ajuda na supressão de preconceitos e de<br />

discriminações. Diante do reconhecimento e da legalidade da educação especial, as<br />

crianças com deficiência, nos últimos anos, vêm ocupando um espaço considerável nas<br />

creches e pré-escolas do ensino regular. Assim, o contato entre as crianças, com seus<br />

diferentes valores, atitudes e costumes, contribui para a o desenvolvimento e<br />

aprendizagem dessas e, para as que têm algum tipo de deficiência e/ou necessidade<br />

específica, contribui para a eliminação de algum tipo de preconceito, além de<br />

possibilitar a compreensão de que a deficiência é apenas mais uma das características da<br />

diversidade. No mesmo enfoque, Anhão (2009) ressalta que as interações possibilitam o<br />

desenvolvimento das crianças sem e com deficiência, pois elas têm oportunidade de<br />

conviver com a diversidade e aceitá-la como essa se apresenta, contribuindo na própria<br />

aceitação da diferença, tendo em vista que todas as pessoas apresentam características<br />

diferenciadas. Nesse sentido, o estudo teve por objetivo investigar como vinha<br />

ocorrendo a interação entre crianças sem e com deficiência em uma instituição pública<br />

187


municipal de Educação Infantil de São Luís/MA. Desenvolveu-se uma pesquisa<br />

exploratória, descritiva. Os participantes foram 19 crianças, dentre essas, uma com<br />

deficiência física. 12 pertencem ao sexo masculino e 7, ao sexo feminino, com faixa<br />

etária de 5 a 6 anos de idade. Os dados foram coletados por meio de observação<br />

participante, entrevistas semiestruturadas, registros fotográficos e filmagens. Os<br />

resultados revelam que as crianças sem deficiência se comportam de maneira<br />

acolhedora e com sentimento de proteção na presença da criança com deficiência. As<br />

crianças sem deficiência demonstram em suas interações, atitudes favoráveis à inclusão<br />

em relação ao colega com deficiência. A criança com deficiência apesar de possuir um<br />

círculo de amizade restrito, ser tímida e não utilizar, com frequência, a comunicação<br />

oral com as outras crianças, demostra sentir-se bem na interação com seus colegas.<br />

Diante dos fatos, ressalta-se a relevância da inclusão de crianças com deficiência na<br />

Educação Infantil, pois, quanto mais cedo for o contato entre todas as crianças, maior<br />

será a possibilidade de aceitação e naturalidade às diferenças, bem como o<br />

desenvolvimento de atitudes sociais favoráveis à inclusão.<br />

Palavras-chave: Crianças sem e com deficiência. Educação Infantil. Interação.<br />

Inclusão.<br />

ABSTRACT: The studies by Vital (2012) revel the importance of interaction among<br />

children with or without disability, for such sociality fosters the contact with diversity,<br />

as well as it helps the suppression of prejudice and discrimination. Before the<br />

recognition and the legality of special education, children with disability, in the l<strong>ate</strong>st<br />

years, have been occupying a considerable space in day care and pre-school of regular<br />

teaching. Thus, the contact among children, with different values, attitude and<br />

costumes, contributes to their development and learning, and, for those who have some<br />

kind of disability and/or specific necessity, it contributes to elimin<strong>ate</strong> some kind of<br />

prejudice, besides it allows to understand that disability is only one more characteristic<br />

of diversity. In the same focus, Anhão (2009) highlights that those interactions enable<br />

188


the development of children with and without disability, for they have the opportunity<br />

to socialize themselves with diversity and accept it as it is, contributing to the<br />

acceptance of difference itself, since all people different characteristics. Thus, this study<br />

aims to investig<strong>ate</strong> how interaction among children with and without disability has been<br />

going on in a public municipal institution for children education in the city of São Luís,<br />

st<strong>ate</strong> of Maranhão. The type of research is exploratory and descriptive. The participants<br />

are 19 children, among them, one child with disability. 12 of them are males, and 7 are<br />

females, their ages are between 5 and 6 years old. The data were collected by means of<br />

participant observation, semi-structured interviews, photographs and videos. The results<br />

revel that children without disability behave in friendly way and with a feeling of<br />

protection before children with disability. Children without disability show in their<br />

interactions attitudes in favor of inclusion in relation to their classm<strong>ate</strong>s with disability.<br />

Although children with disability have a restricted group of friends, they are shy and do<br />

not often utilize oral communication with other children, they seem to be well in the<br />

interaction with their classm<strong>ate</strong>s. In view of the facts, it is relevant to highlight the<br />

inclusion of children with disability in children education, for the earlier the contact<br />

among all children, the gre<strong>ate</strong>r is the possibility of acceptance and naturalness before<br />

differences, as well as the development of favorable social attitudes towards inclusion.<br />

Keywords: children with and without disability. Children education. Interaction.<br />

Inclusion.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O presente artigo deriva de uma monografia desenvolvida no decorrer do<br />

Curso de Especialização em Docência na Educação Infantil da Universidade Federal<br />

do Maranhão, no qual se interessou em investigar as interações das crianças, visto<br />

que de acordo com os estudos de Vital (2012) a interação entre crianças com e sem<br />

deficiência na educação infantil favorece o contato com a diversidade, bem como<br />

ajuda na supressão de preconceitos e de discriminações. Nesse sentido, Ribas (2011,<br />

189


p. 8) esclarece que “pessoas que têm deficiência e que não têm deficiência vêm<br />

aprendendo, umas com as outras, a extrair da relação aquilo que possa enriquecer o<br />

conhecimento mútuo”. Visto que esse tipo de relacionamento possibilita não só o<br />

desenvolvimento intelectual, mas também social de ambas as partes.<br />

A respeito do referido assunto, Stainback e Stainback (1999) enfatizam que<br />

as relações interpessoais favorecem o convívio com as semelhanças e as diferenças<br />

entre as pessoas, e essas aprendem a compreender e respeitar a individualidade de cada<br />

um. Assim, o contato das crianças durante as interações contribui para o fortalecimento<br />

das relações sociais, visto que independentemente de suas particularidades, cada um<br />

interage de maneira peculiar na construção dos saberes cultural e social, uns dos outros.<br />

Nesse mesmo enfoque, Anhão, Pfeifer, Santos (2010) ressaltam que as<br />

interações possibilitam o desenvolvimento das crianças sem e com deficiência, pois<br />

elas têm oportunidade de conviver com a diversidade e aceitá-la como essa se<br />

apresenta, contribuindo na própria aceitação da diferença, tendo em vista que todas<br />

as pessoas apresentam características diferenciadas.<br />

Sobre o assunto abordado, ressalta-se Vygotsky (2012), ao esclarecer que as<br />

crianças com deficiência precisam estar em constante interação com as demais pessoas<br />

sem deficiência no decorrer do processo de desenvolvimento, pois terão mais<br />

possibilidade de <strong>ate</strong>nuar o comprometimento biológico diferenciado, visto à aquisição<br />

de aprendizagens construídas no grupo, compensando suas limitações impostas pela<br />

deficiência.<br />

Ainda embasado nos fundamentos de Vygotsky (2012) sobre a relevância<br />

das relações sociais para as crianças com deficiência, se pode afirmar que por ser um<br />

espaço de socialização e aprendizagem, as instituições de educação infantil devem<br />

proporcionar interações às crianças no intuito de promover uma educação voltada aos<br />

princípios da inclusão, visando o convívio com a diversidade e a superação de estigmas<br />

e preconceitos em relação à deficiência.<br />

Assim, fica explícito que toda criança independentemente de possuir ou não<br />

alguma necessidade específica, é sujeito histórico que precisa ter seus direitos<br />

190


preservados, sendo tratado como parte importante na construção intelectual e social da<br />

sociedade na qual pertence.<br />

Nesse contexto, os autores Vianna e Finco (2009) defendem a Educação<br />

Infantil como início da experiência da criança, em que essa fase tem a ampliação do seu<br />

grupo social para além do familiar e passa a ser cenário de inscrições intelectuais,<br />

sociais e psicológicas proporcionadas a partir das relações de interação e experiências<br />

com valorização da singularidade e do potencial de cada um.<br />

Em meio a esse cenário, percebe-se a relevância dessa fase, visto que ao sair<br />

do ambiente familiar e adentrar na Educação Infantil, há o estabelecimento de relações<br />

sociais entre as crianças e o meio da qual fazem parte, pois de acordo com Pedroso<br />

(2013), essas relações acontecem, principalmente, por meio de brinquedos<br />

ebrincadeiras. Desta maneira, as interações sociais acontecem principalmente por meio<br />

do ato de brincar, que deve ser explorado de forma sistemática e espontânea para que se<br />

obtenham resultados satisfatórios com as brincadeiras realizadas.<br />

Sendo assim, as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil<br />

(DCNEI), defendem e orientam uma proposta curricular que tenha como eixos<br />

norteadores práticas interativas e lúdicas no intuito de proporcionar às crianças o<br />

desenvolvimento global e conhecimentos de si e do mundo (BRASIL, 2009).<br />

Portanto, a criança é um sujeito social e de direitos que aprende a partir das<br />

interações que estabelece com seus pares e; assim, vem conquistando seu espaço e valor<br />

na sociedade. Logo, as DCNEI’s são dispositivos legais fundamentais que garantem os<br />

direitos essenciais por favorecerem o desenvolvimento infantil independentemente da<br />

especificidade de cada criança.<br />

Assim, o processo de inclusão educacional beneficia todas as crianças, pois<br />

essas começam a conviver desde cedo com as diferenças, desenvolvendo o respeito<br />

mútuo. Nesse sentido, concorda-se com Chahini (2016) ao enfatizar que as interações<br />

entre pessoas com e sem deficiência possibilitam o desenvolvimento de atitudes sociais<br />

favoráveis à inclusão.<br />

191


Importante registrar que a Política Nacional de Educação Especial na<br />

Perspectiva da Educação Inclusiva enfatiza que deve ser garantido o acesso, a<br />

participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência promovendo respostas às<br />

necessidades educacionais específicas, outrossim, a Educação Especial perpassa todos<br />

os níveis, etapas e modalidades de ensino, tendo seu início na Educação Infantil, na qual<br />

são desenvolvidas capacidades para a construção da aprendizagem e do<br />

desenvolvimento integral dos educandos (BRASIL, 2008).<br />

Outro documento importante e recente sobre educação inclusiva é a Lei nº<br />

13.146, de 6 de julho de 2015, que institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com<br />

Deficiência, também chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência, que em seu artigo<br />

1º: assegura em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades<br />

fundamentais da pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania<br />

(BRASIL, 2015, não <strong>pagina</strong>do).<br />

Considerando os argumentos já mencionados, questiona-se: como vem<br />

ocorrendo a interação entre crianças sem e com deficiência em uma instituição<br />

pública municipal de Educação Infantil em São Luís/MA? Para dar conta de<br />

responder ao problema levantado, o objetivo geral correspondeu investigar como vinha<br />

ocorrendo a interação entre crianças sem e com deficiência em uma Instituição<br />

pública municipal de Educação Infantil de São Luís/MA. E os objetivos específicos<br />

compreenderam: observar a convivência de crianças sem e com deficiência na<br />

instituição de Educação Infantil, pesquisada; verificar como as crianças sem<br />

deficiência se sentem e/ou se comportam na presença de crianças com deficiência;<br />

conhecer o que pensam e como agem as crianças sem deficiência em relação às com<br />

deficiência; perceber como se sentem e/ou como se comportam as crianças com<br />

deficiência em relação às crianças sem deficiência; descrever como ocorre a<br />

interação entre crianças com e sem deficiência na Educação Infantil.<br />

192


METODOLOGIA<br />

Realizou-se uma pesquisa exploratória, descritiva, pois de acordo com Gil<br />

(2008), esse tipo de pesquisa é indicado a fatos pouco conhecidos e explorados,<br />

permitindo assim, uma familiaridade maior entre o pesquisador e os participantes do<br />

estudo. O critério de seleção da amostra foi por acessibilidade. A pesquisa foi<br />

realizada em uma instituição pública municipal de Educação Infantil de São Luís/MA,<br />

após autorização dada pela Superintendência de Educação Infantil e da assinatura do<br />

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos responsáveis legais das crianças,<br />

bem como do assentimento das próprias crianças. Nesse sentido, os participantes<br />

foram 19 crianças, que frequentavam a sala do Infantil <strong>II</strong> matutino, sendo 12 do sexo<br />

masculino e 7 do sexo feminino, com faixa etária de 5 a 6 anos, dentre essas,uma possui<br />

deficiência física.<br />

Em relação à criança com deficiência, essa possui lesão cerebral,<br />

adquirida no momento do parto por falta de oxigênio, ocasionando com isso,<br />

dificuldades de locomoção devido a comprometimentos nos membros superiores e<br />

inferiores, mas mesmo com bastante dificuldade motora, consegue se locomover<br />

sozinha.<br />

Para a realização da coleta de dados, primeiramente, foi entregue à<br />

Superintendência de Educação Infantil do Município de São Luís um pedido de<br />

autorização para realização da Pesquisa. Em seguida, a superintendente indicou a<br />

instituição que poderia corresponder ao objetivo proposto. Logo após, foi feito o<br />

primeiro contato com a instituição a ser pesquisada, visando fornecer os esclarecimentos<br />

sobre os objetivos e os procedimentos do estudo. No contexto, houve uma conversa com<br />

os responsáveis pelas crianças, solicitando e, conseguindo deles, a autorização para<br />

realização da coleta de dados. O critério de seleção da amostra foi por acessibilidade.<br />

Os instrumentos de coleta de dados basearam-se em observação<br />

participante e entrevistas semiestruturadas. As observações foram realizadas por meio<br />

de um Roteiro de Observação, em que os dados foram coletados dentro dainstituição<br />

pesquisada, principalmente dentro da sala do Infantil <strong>II</strong>, de forma participativa, visto<br />

193


que de acordo com Richardson (2008), o observador se coloca na posição e no nível<br />

dos outros elementos que compõem o fenômeno a ser observado. No contexto, foram<br />

realizadas 11(onze) sessões, sendo 9 (nove) incluindo filmagens com durações entre 10<br />

a 20 minutos e 2 sessões registradas por fotografias.<br />

As entrevistas semiestruturadas de acordo com Pádua (2017, p. 70),<br />

permitem que o participante discorra livremente sobre os temas que vão derivando do<br />

assunto principal. Essas foram realizadas na própria instituição com as crianças sem<br />

deficiência e com a criança com deficiência, com duração de 03 a 04 minutos, levandose<br />

em consideração a faixa etária delas, bem como as suas compreensões em relação ao<br />

que se estava investigando. Todos os procedimentos foram realizados de acordo com o<br />

Código de Ética envolvendo seres humanos.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

A seguir são apresentados os resultados obtidos por meio da observação<br />

participante e das entrevistas semiestruturadas, seguidos das análises e discussões que<br />

se fizeram necessárias.<br />

Sobre como se sentiam na Instituição de Educação Infantil,osdados<br />

sinalizam quetodas as crianças se sentem bem, devido brincarem, desenharem e<br />

aprenderem. No contexto,Kuhlmann Junior (2017) enfatiza que o desenvolvimento e<br />

aprendizagem ocorrem por meio das interações entre as crianças.<br />

Ao serem questionados quantos amigos tinham na escola, a maioria das<br />

crianças falou que possuíam amigos e, apenas uma criança não quis responder, no<br />

entanto, durante as observações realizadas, foi registrado que todos têm entre um a<br />

dois amigos que costumam brincar constantemente.<br />

Foi percebido também, por meio das observações que a criança com<br />

deficiência não foge à regra, pois interage com as demais crianças sem deficiência e<br />

possui três amigos que estão sempre com ela. Esses momentos de interação são<br />

percebidos, principalmente, no decorrer das brincadeiras.<br />

194


No contexto, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil<br />

(RCNEI), destaca o brincar como “o direito da criança a brincar, comoforma<br />

particular de expressão, pensamento, interação e comunicação infantil” (BRASIL,<br />

1988, p. 13). Neste sentido, a criança é percebida como um ser subjetivo que, por<br />

meio das relações com outros indivíduos, se reconhece e compreende o mundo que a<br />

cerca.<br />

Ao serem indagados se gostavam de brincar com seus colegas, a maioria<br />

respondeu que gostava e, apenas uma criança não quis responder.<br />

Sobre a questão abordada, a Educação Infantil deve ser um espaço em que a<br />

criança exerça o direito de brincar e de realizar atividades significativas conforme seu<br />

contexto social, para que se desenvolva de forma harmoniosa. Assim, o ambiente<br />

escolar deve proporcionar realizações de atividades individuais e em grupo de formar<br />

lúdica (movimento, fantasias e de livre expressão) que estimulem diferentes<br />

experiências, a fim de garantir o direito de ser criança e ter infância (IANISKI, 2009).<br />

Nesse sentido, na instituição de Educação Infantil encontram-se diversos<br />

tipos de relações interpessoais indispensáveis para o desenvolvimento e<br />

aprendizagem da criança. O contato entre os pares permite descobrir o outro como<br />

sujeito sociocultural com diferentes hábitos, costumes e valores. Para aquelas com<br />

algum tipo de deficiência e/ou com necessidades específicas, a interação com outras<br />

crianças é imprescindível, pois permite um convívio desde cedo com as diferenças,<br />

promovendo o respeito à diversidade e às limitações inerentes a essa (NEGRINE;<br />

NEGRINE, 2010).<br />

Assim, os dados revelam a relevância do contato entre as crianças sem<br />

necessidades específicas com as com deficiência, visto que essas vivências<br />

favorecem o desenvolvimento de suas capacidades e competências sociais.<br />

Em relação à pergunta anterior, indagou-se às crianças sem deficiência se<br />

essas brincavam com a criança com deficiência. Imediatamente responderam que<br />

sim, com exceção de uma que disse que quase não brincava com o colega com<br />

deficiência física.<br />

195


No decorrer das investigações, pôde-se notar que as crianças sem<br />

deficiência brincam bastante com o colega com deficiência. Verificando-se que a<br />

deficiência apresentada pela criança não é motivo para exclusão e discriminação,<br />

mas sim para o entendimento de que todas as crianças possuem características e<br />

particularidades que lhes são próprias, que fazem parte da diversidade e que<br />

enriquecem o desenvolvimento e aprendizagem delas.<br />

Nesse sentido, Aguiar e Ferreira (2005) esclarecem que o brincar é<br />

considerado atividade principal da Educação Infantil, podendo ocorrer por meio de<br />

faz de conta, jogos, brinquedos, brincadeiras e outras formas lúdicas.<br />

Estesproporcionam o desenvolvimento integral da criança desenvolvendo a<br />

cognição, o físico, a sociabilidade e a afetividade.<br />

Compreende-se então, o quanto a brincadeira é significativa e favorável<br />

para a formação integral das crianças pequenas, visto que essa possibilita o<br />

desenvolvimento de capacidades e habilidades necessárias para si e para a vida<br />

social. Como ressaltado por Maluf (2012, p. 20), a criança ao brincar se desenvolve<br />

permeada por relações cotidianas, bem como vai construindo sua identidade, a<br />

imagem de si e do mundo.<br />

Quando se indagou se existia alguma brincadeira que mais<br />

gostavam,todas as crianças falaram o nome de brincadeiras preferidas. Entende-se,<br />

com isso, que o brincar é algo inerente na infância. A criança com deficiência não<br />

foge à regra, as observações revelam que apesar de ela possuir dificuldade motora e de<br />

equilíbrio, isso não a impede de deixar fazer o que a maioria de seus colegas gostam:<br />

jogar futebol. Ela brinca com as demais crianças, chuta devagar e, quando erra, tenta<br />

novamente até acertar o chute, visto que seu desejo de jogar bola, brincar, ultrapassa as<br />

barreiras e limitações impostas pela deficiência.<br />

No contexto, Borba (2012), esclarece que o ato de brincar proporciona à<br />

criança não apenas oportunidades de se expressar e se comunicar, mas também<br />

favorece na sua constituição e no seu reconhecimento enquanto sujeito pertencente a<br />

uma determinada sociedade, conhecendo sobre si e sobre a realidade circundante. É<br />

196


no brincar que os valores, habilidades, capacidades, conhecimentos, atitudes são<br />

firmados e reelaborados por meio das relações coletivas das crianças.<br />

Os dados coletados das observações revelam que a criança com<br />

deficiência interage nas brincadeiras com seus pares, trocando experiências e<br />

aprendizagens derivadas de suas realidades e vivências. Assim, se faz relevante citar<br />

Pedroso (2013, p. 87), por enfatizar que “o brincar é importante para aproximar a<br />

criança com deficiência do seu meio e fazê-la interagir socialmente, possibilitando<br />

que ela não se sinta ou tenham-na como incapaz”.<br />

Sendo assim, Wojskop (2007, p. 25) afirma que “a brincadeira é um fato<br />

social, espaço privilegiado de interação infantil e de constituição de sujeito-criança<br />

como sujeito humano, produto e produtor de história e de cultura”.<br />

Quando foi perguntado se as crianças sem deficiência gostavam de<br />

brincar com o colega com deficiência, a maioria das crianças respondeu que gostava<br />

e apenas duas crianças responderam que não. Durante as observações,verificou-se<br />

que a maioria das crianças sem deficiência brincava com o coleguinha com<br />

deficiência. Em relação às duas crianças que disseram não gostar de brincar com o<br />

coleguinha com deficiência, fica a interrogação se o fato ocorre devido às condições<br />

físicas apresentadas, ocasionando desconforto e/ou estranheza ou pelo próprio<br />

desconhecimento da situação apresentada.<br />

Portanto, cita-se o estudo de Freitas (2015), intitulado “Indicadores de<br />

inclusão na Educação Infantil e suas implicações na constituição do sujeito”, em que<br />

apresenta como um dos principais resultados de sua pesquisa que as crianças<br />

demonstraram atitudes inclusivas, apesar de algumas crianças apresentarem<br />

desconforto no contato com as crianças com deficiência. Sendo assim, o autor<br />

indica como solução para esse conflito a inserção das crianças o mais cedo possível<br />

em ambientes inclusivos, no intuito de se tornarem pessoas com comportamentos<br />

e/ou atitudes favoráveis à inclusão.<br />

Diante dos fatos, Mendes (2010, p. 58) ressalta que “ambientes<br />

inclusivos podem favorecer o desenvolvimento das crianças por oferecer um meio<br />

197


mais estimulador (cognitivamente, socialmente e linguisticamente) do que ambientes<br />

segregados”.<br />

Para enriquecer mais as discussões sobre o tema, apresenta-se uma<br />

situação observada sobre como uma criança sem deficiência em relação ao colega<br />

com deficiência: a criança com deficiência estava brincando com os colegas e a<br />

pesquisadora perguntou a uma delas: você gosta de brincar com o colega com<br />

deficiência e, essa respondeu: “sim, mas não de empurrar. ” A pesquisadora<br />

perguntou: por quê? E ela respondeu: “eu não posso empurrar nunca não, porque ele<br />

ainda é criança”.<br />

Nesse contexto, verificou-se que a criança com deficiência é percebida<br />

apenas como a mais nova entre as demais e, que, portanto, merece cuidados e<br />

<strong>ate</strong>nção de todos os demais. Interessante perceber que as condições físicas da criança<br />

com deficiência não são levadas em consideração, isto é, não representam limitações<br />

durante as interações. As observações, também, revelaram paciência, carinho e<br />

cuidado de outras crianças para com a que possui necessidades específicas.<br />

Sendo assim, ressalta-se que o processo de inclusão é de suma<br />

importância, pois a deficiência passa a ser vista apenas como mais uma das<br />

características da diversidade e não como um motivo para a exclusão e<br />

discriminação.<br />

Quando se indagou à criança com deficiência seos seus colegas de turma<br />

gostavam de brincar com ela, essa respondeu que sim. Os dados sinalizam que a criança<br />

com deficiência não percebe nenhum ato de preconceito e/ou exclusão por parte de seus<br />

colegas sem deficiência, bem como se sente parte e participante ativa no grupo em que<br />

se encontra inserido.<br />

Diante dos fatos, faz-se importante citar Pedroso (2013, p. 87) ao<br />

sinalizar que, “o ato de brincar é fundamental não somente para as crianças sem<br />

deficiência, mas também para aquelas com deficiência, pois [...] a ação lúdica traz<br />

uma gama de benefícios a elas”.<br />

198


Os relatos e as observações realizadas deixam bem claro que a maioria<br />

das crianças gosta de brincar e interagir com a criança com deficiência,<br />

independentemente de suas limitações. Sobre o assunto, Stainback e Stainback<br />

(1999) esclarecem que o propósito da educação inclusiva não é eliminar a diferença,<br />

mas conceber um mundo em que todos se reconheçam e se aceitem reciprocamente,<br />

pois o objetivo é valorizar e consolidar a singularidade de cada um, tanto no âmbito<br />

educacional quanto no social.<br />

Assim, infere-se que o processo de inclusão na Educação Infantil beneficia<br />

todas as crianças, pois elas começam a conviver e interagir desde cedo com as<br />

diferenças, desenvolvendo o respeito mútuo e a aceitação de todas as pessoas.<br />

CONCLUSÃO<br />

Retornando ao objetivo primário, que foi o de investigar como vinha<br />

ocorrendo a interação entre as crianças com e sem deficiência em uma instituição<br />

pública municipal de Educação Infantil de São Luís/MA, ficou evidente a<br />

importância do contato entre essas, visto o acolhimento entre elas, pois as crianças<br />

sem deficiência demonstraram aceitação, <strong>ate</strong>nção, cuidado, carinho e amparo para<br />

com a criança com deficiência.<br />

As observações feitas, durante a pesquisa, possibilitaram verificar que a<br />

convivência de crianças sem e com deficiência na instituição de Educação Infantil,<br />

existe e contribui no processo de desenvolvimento e aprendizagem de todas, pois o<br />

ambiente possibilita que elas troquem experiências individuais e coletivas, bem<br />

como aprendam a conviver com a diversidade respeitando as diferenças.<br />

Verificou-se, também, que nos momentos espontâneos, as crianças sem<br />

deficiência sentem-se e comportam-se de maneira acolhedora e com sentimento de<br />

proteção na presença da criança com deficiência. As crianças sem deficiência<br />

demonstram em suas interações, atitudes favoráveis à inclusão em relação ao colega<br />

com deficiência.<br />

199


Nesse sentido, o pensamento e as ações das crianças sem deficiência,<br />

sinalizam que elas percebem as barreiras e os limites vivenciados pelo colegacom<br />

deficiência. E em suas interações não há atitudes de discriminação e preconceito.<br />

No contexto, a criança com deficiência apesar de possuir um círculo de<br />

amizade restrito, ser tímida e não utilizar, com frequência, a comunicação oral com as<br />

outras crianças, demostra sentir-se bem na interação com seus colegas. Isso se<br />

confirma nos momentos de recreação quando as crianças vêm ao seu encontro, seja<br />

em uma conversa e/ou brincadeira, em que ela está sempre disposta e corresponde ao<br />

contato. Ficando registrado que, apesar de suas limitações físicas, a criança com<br />

deficiência não sente nenhum tipo de exclusão por parte das demais crianças sem<br />

deficiência.<br />

Assim, a interação entre crianças com e sem deficiência, observadas no<br />

decorrer da pesquisa, ocorre de forma natural, e as atitudes identificadas mostram-se<br />

favoráveis à inclusão de crianças com deficiência e/ou com necessidades<br />

educacionais específicas na Educação Infantil.<br />

Importante registrar que as crianças sem deficiência percebem que<br />

existem diferenças entre elas e o colega com deficiência, mas que isso não é<br />

empecilho para estarem e brincarem juntas, pois a criança com deficiência, mesmo<br />

apresentando dificuldades motoras, possui características comuns inerentes ao<br />

universo infantil.<br />

Dessa forma, as interações na diversidade contribuem com o processo de<br />

inclusão educacional e social, pois, quanto mais cedo for o contato entre todas as<br />

crianças, maior será a possibilidade de aceitação e naturalidade às diferenças, bem<br />

como o desenvolvimento de atitudes sociais favoráveis à inclusão.<br />

Enfatiza-se que o espaço da Educação Infantil é fundamental à inclusão de<br />

crianças com deficiência e/ou com necessidades específicas, pois de acordo com a<br />

legislação nacional e internacional, são garantidas a elas as mesmas oportunidades de<br />

desenvolvimento e aprendizagens que as demais crianças.<br />

200


Diante das considerações referidas, propõe-se – sem generalização dos<br />

resultados aqui apresentados – que este estudo contribua para maiores reflexões sobre a<br />

importância da interação entre crianças com e sem deficiência na Educação Infantil,<br />

bem como para o desenvolvimento e aprendizagem dessas, em relação ao convívio na<br />

diversidade, respeitando as diferenças. Portanto, espera-se que esta pesquisa desperte o<br />

interesse por novos estudos na área.<br />

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WOJSKOP, Gisele. Brincar na pré-escola. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2007.<br />

203


A RELEVÂNCIA DA SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS PARA O<br />

PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM DE DISCENTES<br />

CONSIDERADOSPÚBLICO ALVO DA EDUCAÇÃO ESPECIAL<br />

THE RELEVANCE OF THE MULTIFUNCTIONAL RESOURCES ROOM FOR<br />

THE TEACHING-LEARNING PROCESS OF STUDENTS CONSIDERED<br />

TARGET GROUP OF SPECIAL EDUCATION<br />

Elna Maria Leão Lemos<br />

Pedagoga, Pós-Graduanda em Educação Especial<br />

Thelma Helena Costa Chahini<br />

Pós-Doutora em Educação Especial<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 1 – Arte, tecnologia e Educação<br />

RESUMO: De acordo com o Decreto nº 6.571/08, as salas de recursos multifuncionais<br />

são ambientes dotados de equipamentos, mobiliários, m<strong>ate</strong>riais didáticos e pedagógicos<br />

para a oferta do <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado (AEE), a ser realizado no<br />

contraturno, não sendo substitutivo às classes comuns. No mesmo contexto, o Decreto<br />

nº 7.611/11 garante, dentre outros, implantação das referidas salas em todas as<br />

instituições de ensino. Diante dos fatos, o presente estudo tem por objetivo investigar e<br />

ressaltar a relevância da sala de recursos multifuncionais para o processo ensinoaprendizagem<br />

de alunos considerados público alvo da Educação Especial. Assim,<br />

desenvolveu-se uma pesquisa exploratória, descritiva com 12 professoras de uma escola<br />

pública municipal de São Luís/MA. Dentre os participantes, 10 são docentes de sala de<br />

aula regular e 2 são de salas de recursos multifuncionais. Os dados foram coletados por<br />

meio de observações não participantes e entrevistas semiestruturadas. Os resultados<br />

sinalizam que a instituição pesquisada vem garantindo matrículas aos discentes com<br />

204


necessidades educacionais específicas, independentemente de diagnósticos. Porém, as<br />

professoras das salas regulares não se sentem capacitadas para o processo ensinoaprendizagem<br />

dos referidos discentes. As professoras das salas de recursos<br />

multifuncionais relatam alguns fatores que dificultam a operacionalização da educação<br />

especial e/ou educação inclusiva, no caso específico: ausência de um trabalho<br />

colaborativo entre os profissionais do AEE e os da sala de aula regular, principalmente<br />

em relação à elaboração do planejamento pedagógico e/ou do plano de aula;<br />

indisponibilidade de tempo para participarem de formação continuada na área da<br />

educação especial; falta de um cuidador nas salas regulares; precária infraestrutura das<br />

salas de recursos multifuncionais; carência de profissionais especializados em<br />

necessidades educacionais específicas; falta e/ou carência de recursos pedagógicos e<br />

tecnologias assistivas; a não assiduidade dos discentes, público alvo da educação<br />

especial, na sala de recursos multifuncionais. Apesar do exposto, as professoras<br />

reconhecem a importância do trabalho desenvolvido na sala de recursos<br />

multifuncionais, pois enfatizam que o AEE tem proporcionado desenvolvimento na<br />

aprendizagem e na comunicação dos alunos com deficiência e/ou com necessidades<br />

educacionais específicas. As docentes do AEE têm procurado superar os referidos<br />

desafios com conhecimentos específicos na área da educação especial/inclusiva, com<br />

metodologias educacionais adequadas às necessidades educacionais diferenciadas,<br />

assim como comprometimento e criatividade em prol do <strong>ate</strong>ndimento educacional<br />

especializado. Assim, conclui-se que a sala de recursos multifuncionais da instituição<br />

pesquisada tem sido relevante no processo ensino-aprendizagem dos discentes<br />

considerados público alvo da Educação Especial, pois tem contribuído de forma<br />

significativa na mediação das necessidades educacionais específicas.<br />

Palavras-chave: Sala de recursos multifuncionais. Público alvo da educação especial.<br />

Inclusão.<br />

205


ABSTRACT: According with the Decree nº 6.571/08, the multifunctional resources<br />

room are environment gifted whit equipments, furniture, didactic and pedagogic<br />

m<strong>ate</strong>rials for the specialized educational attendance (AEE) offer, to be realized at<br />

different shift, not being substitutive to the common classes. In the same context, the<br />

Decree nº 7.611/11 ensure, among others, implantation of the referred rooms in all<br />

teaching institutes. In front to the facts, the present study has for objective investig<strong>ate</strong><br />

and emphasize the relevance of multifuncional resources room for the teaching-learning<br />

process of students, considered, Special Education target group. At this way, an<br />

exploratory research was developed, descriptive with 12 teachers of a São Luís<br />

municipal public institute. Among the participants,10 are regular class room teachers<br />

and 2 multifuncional resources room. The data were collected through non-participant<br />

observations and semi structured interviews. The results showed that the researched<br />

institution guarantee enrollment to the students with specific educational needs,<br />

regardless the diagnosis. However, the regular room teachers doesn’t feel able for the<br />

referred students teaching-learning process. The multifuncional resources room teachers<br />

revealed few factors that make it difficult the special and/or inclusive education<br />

operationalization, in the specific case: lack of a collaborative work between the<br />

professionals of specialized educational attendance and of the regular class room,<br />

mainly in relation to the pedagogical planning elaboration and/or class plan; time<br />

unavailability to particip<strong>ate</strong> of the continued formation at special education area; lack of<br />

a caregiver at the class rooms; precarious infrastructure of the multifuncional resources<br />

rooms; scarcity of specialized professionals in specific educational needs; lack and/or<br />

scarcity of pedagogical resources and assistive technologies; the non-assiduousness of<br />

the students, target audience of special education, in the multifunctional resource room.<br />

Despite the exposed, the teachers recognize the importance of the developed work at<br />

multifuncional resources room, because they emphasize that the AEE has provided<br />

development at learning and communication of students with deficiency and/or specific<br />

educational needs. The AEE’s teachers have sought to overcome the referred challenges<br />

with specific knowledges at inclusive/special education area, with educational<br />

206


methodologies suitable to differenti<strong>ate</strong>d educational needs, as well as commitment and<br />

creativity in favor of specialized educational attendance. So, it’s concludes that the<br />

multifuncional resources room of the researched institute have been relevant to the<br />

teaching-learning process of the students which are considered target group of Special<br />

Education, because it have contributed in a significant form at special educational needs<br />

mediation.<br />

Keywords: Mulfuctional Resources Classroom. Special Education Target Public.<br />

Inclusion.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A história da Educação Especial no Brasil tem seu início no século XIX,<br />

quando alguns brasileiros, inspirados pelas experiências vivenciadas na Europa e nos<br />

Estados Unidos da América do Norte, iniciaram a organização de serviços para<br />

<strong>ate</strong>ndimento de pessoas com deficiência visual, auditiva, física e intelectual. Entretanto,<br />

a inclusão da educação especial na política educacional brasileira vem ocorrer somente<br />

no final dos anos cinquenta e início da década de sessenta do século XX (MAZZOTTA,<br />

2001).<br />

Dando um salto histórico e de acordo com a Política Nacional de Educação<br />

Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008a), são considerados<br />

alunos público alvo da Educação Especial os que possuem deficiência, transtornos<br />

globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. No contexto, o Decreto nº<br />

6.571/08 (BRASIL, 2008b) dispõe sobre o Atendimento Educacional Especializado -<br />

AEE, assim como esclarece que as salas de recursos multifuncionais são ambientes<br />

dotados de equipamentos, mobiliários, com m<strong>ate</strong>riais didáticos e pedagógicos para a<br />

oferta do AEE.<br />

No contexto, o Decreto nº 6.571/08 esclarece que as salas de recursos<br />

multifuncionais são ambientes dotados de equipamentos, mobiliários, m<strong>ate</strong>riais<br />

207


didáticos e pedagógicos para a oferta do <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado (AEE),<br />

a ser realizado no contraturno, não sendo substitutivo às classes comuns. Sendo assim, o<br />

Decreto nº 7.611/11 (BRASIL, 2011) garante, dentre outros, implantação das referidas<br />

salas em todas as instituições de ensino.<br />

Nesse sentido, o Atendimento Educacional Especializado é um serviço da<br />

Educação Especial que identifica, elabora e organiza recursos pedagógicos e de<br />

acessibilidade, visando à eliminação e/ou minimização de obstáculos de acesso aos<br />

conhecimentos socializados nas instituições de ensino, bem como os relacionados à<br />

aprendizagem, para a plena participação dos discentes, considerando suas necessidades<br />

educacionais específicas (BRASIL, 2008c).<br />

Assim, o Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução<br />

CNE/CEB nº 4/2009 (BRASIL, 2009), estabelece as Diretrizes Operacionais para o<br />

Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, definindo que o AEE<br />

deve ser realizado, prioritariamente, nas salas de recursos multifuncionais da própria<br />

instituição de ensino ou em outra de ensino regular, no turno inverso da escolarização,<br />

não sendo substitutivo às classes comuns, podendo ser realizado em centro de<br />

<strong>ate</strong>ndimento educacional especializado de instituição da rede pública ou de instituição<br />

comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, conveniadas com a<br />

secretaria de educação ou órgão equivalente dos estados, do Distrito Federal ou dos<br />

municípios.<br />

Diante dos fatos, cita-se Rodriguero et al. (2010, p. 7) por esclarecer que as<br />

competências desenvolvidas pelo profissional do AEE são:<br />

Desenvolver atividades adequadas às necessidades ou condições<br />

educacionais especiais dos alunos. Essa adequação contemplará:<br />

enriquecimento curricular para as altas habilidades/superdotação; ensino da<br />

Língua Brasileira de Sinais (Libras) para alunos com surdez; ensino da língua<br />

portuguesa escrita para alunos com surdez; ensino da comunicação<br />

aumentativa e alternativa (CAA); ensino do código Braille, Soroban,<br />

Orientação e Mobilidade e Atividades da Vida Autônoma e Social para<br />

alunos cegos; ensino com a utilização da Tecnologia Assistiva e o<br />

desenvolvimento de atividades escolares que contribuam para o<br />

desenvolvimento das funções mentais superiores dos alunos.<br />

208


Sendo assim, a perspectiva da inclusão tem desencadeado grandes<br />

discussões nos últimos anos, principalmente no campo educacional, tendo em vista que<br />

a educação é um direito de todos, e, nesse sentido, a Educação Especial vem trazendo<br />

grandes desafios, em especial, ao processo ensino-aprendizagem de alunos considerados<br />

público alvo da Educação Especial, visto que devem ter seus direitos garantidos não<br />

somente ao acesso às instituições de ensino, mas também em sua permanência com<br />

êxito na aprendizagem, recebendo condições necessárias para o seu desenvolvimento<br />

social e cognitivo.<br />

Nesse sentido, o problema de pesquisa indaga: qual a relevância da Sala de<br />

Recursos Multifuncionais para o processo ensino–aprendizagem de alunos considerados<br />

público alvo da Educação Especial?<br />

Para responder a tal questionamento, elencou-se como objetivo geral<br />

investigar qual a relevância da Sala de Recursos Multifuncionais para o processo ensino<br />

– aprendizagem de alunos considerados público alvo da Educação Especial, bem como<br />

ressaltar a sua relevância nesse contexto. Os objetivos específicos compreenderam<br />

conhecer a sala de recursos multifuncionais da Instituição pesquisada; observar as<br />

atividades educacionais desenvolvidas na referida sala; verificar a sua estrutura e como<br />

vem ocorrendo o <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado; identificar quem são os<br />

profissionais que nela trabalham; identificar os fatores positivos e/ou negativos da sua<br />

operacionalização; e descrever a sua relevância ao processo ensino-aprendizagem dos<br />

referidos discentes.<br />

METODOLOGIA<br />

Desenvolveu-se uma pesquisa exploratória, descritiva em 1 instituição de<br />

Ensino Fundamental, pertencente à rede pública municipal de São Luís/MA. Os<br />

participantes foram 10 docentes de salas de aulas regulares e dois profissionais que<br />

fazem o <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado na sala de recursos multifuncionais,<br />

sendo 11 pertencentes ao sexo feminino e 1 do sexo masculino. Dentre as docentes das<br />

salas comuns, quatro são Pedagogas, duas possuem licenciatura em Letras, uma em<br />

209


M<strong>ate</strong>mática, uma em Geografia, uma é graduada em Farmácia/Bioquímica e uma em<br />

Educação Física. Seis docentes são solteiras e quatro casadas, com faixa etária de 32 a<br />

70 anos de idade.<br />

Sobre os 2 profissionais da sala de recursos multifuncionais, uma égraduada<br />

em Letras e Pedagogia, solteira, 55 anos de idade e com 12 anos de tempo de serviço e<br />

um é graduado em Pedagogia, casado, 57 anos de idade, possui deficiência física e se<br />

locomove em cadeira de rodas, com 9 anos de tempo de serviço na Educação Especial.<br />

Ambos possuem especialização em Atendimento Educacional Especializado.<br />

Identificados nesse estudo por P1, P2, P3, P4, P5, P6, P7, P8, P9 e P10<br />

(docentes das salas regulares) e A1 e A2 (docentes da sala de recursos multifuncionais).<br />

Os instrumentos utilizados na pesquisa foram a Observação não participante<br />

e Entrevistas semiestruturadas, pois, de acordo com Lakatos e Marconi (2003), na<br />

observação não participante, o pesquisador tem contato com a comunidade, grupo ou<br />

realidade estudada, mas sem integrar-se a ela, ou seja, permanece de fora. De acordo<br />

com Triviños (1987, p. 146), a entrevista semiestruturada tem como característica<br />

questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao<br />

tema da pesquisa.<br />

Assim, os instrumentos de coleta de dados possibilitaram maior percepção<br />

dos fatos/fenômenos pertinentes ao campo de pesquisa e contribuíram de forma<br />

significativa à investigação do presente estudo. Os dados foram coletados de acordo<br />

com os procedimentos éticos envolvendo seres humanos e foram informados de que os<br />

resultados seriam utilizados exclusivamente para fins científicos, com suas identidades<br />

preservadas. Explicou-se aos participantes sobre os riscos e benefícios de suas<br />

participações. Os docentes preencheram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido<br />

– TCLE, aceitando participar da pesquisa.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

Nesse tópico apresentam-se os resultados derivados dos dados coletados,<br />

bem como as análises e discussões que se fizeram necessárias.<br />

210


Os dados apresentados foram levantados por meio de um roteiro de<br />

observação e entrevistas semiestruturadas, nos quais os participantes da pesquisa<br />

demonstraram e relataram suas percepções em relação à relevância da sala de recursos<br />

multifuncionais ao processo ensino-aprendizagem de alunos considerados público alvo<br />

da Educação Especial, pertencentes a uma instituição pública municipal de São<br />

Luís/MA.<br />

Ao serem questionados sobre o que tinham a dizer em relação às salas de<br />

recursos multifuncionais, bem como sobre o <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado -<br />

AEE, dentre as 10 professoras das salas de aulas regulares, 7 sinalizaram que as salas de<br />

recursos multifuncionais são interessantes e que o <strong>ate</strong>ndimento educacional<br />

especializado ajuda no desenvolvimento dos alunos considerados público alvo da<br />

Educação Especial de acordo com suas necessidades; 3 responderam que as salas de<br />

recursos multifuncionais são espaços onde o <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado é<br />

realizado por profissionais competentes.<br />

Como verificado, a maioria das professoras das salas de aulas regulares<br />

foram vagas em suas respostas, demonstrando que não possuem maiores conhecimentos<br />

sobre o tema abordado.<br />

Ainda sobre a questão anterior, os 2 professores do AEE foram unânimes<br />

em revelar que as salas de recursos multifuncionais são ambientes dotados de recursos e<br />

o <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado tem a função de assistir os alunos<br />

considerados público alvo da Educação Especial de acordo com suas necessidades e/ou<br />

especificidades.<br />

Nesse sentido, os dados sinalizam que as respostas dadas pelos 2<br />

professores do AEE e por 3 docentes de salas comuns convergem com o que é<br />

informado pelo Decreto nº 7.611/2011 (BRASIL, 2011) em relação às salas de recursos<br />

multifuncionais, pois, de acordo com o referido Decreto, essas salas são ambientes<br />

dotados de equipamentos, mobiliários e m<strong>ate</strong>riais didáticos e pedagógicos para a oferta<br />

do <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado aos alunos público alvo da Educação<br />

Especial.<br />

211


Em relação à questão se havia discentes considerados público alvo da<br />

Educação Especial nas salas de aulas comuns, 4 professoras disseram que não possuíam<br />

alunos com necessidades educacionais específicas em sala de aula; 3 responderam que<br />

tinham alunos com transtorno do espectro autista; 1 falou que possuía um aluno com<br />

Síndrome de Dravet e 2 informaram que havia alunos com dificuldades na comunicação<br />

e de aprendizagem, sem diagnóstico, contudo, das suas especificidades.<br />

No contexto, é importante esclarecer que a referida instituição se encontra<br />

aberta para receber todos os alunos, independentemente de suas necessidades<br />

educacionais específicas, bem como têm ofertado matrículas nos turnos matutino e<br />

vespertino, do primeiro ao nono ano para esses alunos.<br />

Nesse sentido, os dados convergem com o que é garantido pela Legislação<br />

vigente em relação aos direitos ao acesso e permanência nas instituições de ensino,<br />

como no caso do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (BRASIL, 1990, p. 31)<br />

que determina que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou<br />

pupilos na rede regular de ensino”. E as instituições de ensino o dever de recebê-los,<br />

disponibilizando educação de boa qualidade, conforme a Lei nº 9.394/96 (BRASIL,<br />

1996) que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.<br />

Quando os 2 professores do AEE foram indagados sobre quantos discentes<br />

considerado público alvo da Educação Especial frequentavam a sala de recursos<br />

multifuncionais e quais as suas necessidades educacionais específicas, 1 (A1)<br />

respondeu que no turno vespertino havia 22 alunos que frequentam a referida sala e que<br />

uns possuíam transtorno do espectro autista e outros, deficiência intelectual, de ambos<br />

os sexos, com faixa etária de 4 a 11 anos, cursando do primeiro ao quinto ano; 1 (A2)<br />

disse que no turno matutino 17 alunos frequentavam a sala de recursos multifuncionais,<br />

sendo 7 alunos com Transtorno do Espectro Autismo, 7 alunos com Deficiência<br />

Intelectual, 1 aluno com Síndrome de West e 2 alunos sem diagnósticos, mas que<br />

apresentam dificuldades na comunicação e na aprendizagem,com idades entre 5 a 15<br />

anos, de ambos os sexos, frequentando do primeiro ao oitavo ano.<br />

212


Diante dos dados, percebe-se que a sala de recursos multifuncionais, da<br />

instituição pesquisada, tem realizado <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado a 39 alunos<br />

considerados público alvo da Educação Especial, e que esses frequentavam as salas de<br />

aulas comuns no contraturno. Nesse sentido, os dados convergem com o que determina<br />

a Constituição Federal (BRASIL, 1988), ao estabelecer, no Art. 208, que o dever do<br />

Estado com a educação deve ser efetivado mediante a garantia de <strong>ate</strong>ndimento<br />

educacional especializado às pessoas com deficiência, preferencialmente na rede regular<br />

de ensino, e com o Decreto nº 7.611/2011 (BRASIL, 2011), que dispõe sobre a<br />

Educação Especial e sobre o <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado.<br />

De acordo com as observações, foi verificado que a escola pesquisada tem<br />

proporcionado <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado aos alunos considerados público<br />

alvo da Educação Especial que se encontram matriculados no contraturno do ensino<br />

regular, bem como os que pertencem a outras escolas municipais, tanto para os que<br />

apresentam um diagnóstico, quanto para os que não o possuem, mas que apresentam<br />

algum tipo de necessidade educacional específica.<br />

No decorrer das observações, percebeu-se que as professoras das salas<br />

comuns se preocupam com as dificuldades e/ou necessidades educacionais específicas<br />

apresentadas pelos alunos considerados público alvo da Educação Especial e têm<br />

solicitado, junto à gestão da escola, que tais alunos sejam avaliados pelos profissionais<br />

da Superintendência da Educação Especial e encaminhados às salas de recursos<br />

multifuncionais para receberem <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado.<br />

No mesmo contexto, os 2 profissionais do AEE, participantes do estudo,<br />

confirmaram que o encaminhamento dos referidos discentes à sala de recursos<br />

multifuncionais era feito pelos técnicos da Superintendência de Educação Especial após<br />

avaliação realizada por uma equipe multiprofissional da Semed.<br />

Sendo assim, os dados convergem com as normas da Resolução CNE/CEB<br />

nº 2/2001 que institui as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação<br />

Básica, ao determinar, no Art. 6º, que, para a identificação das necessidades<br />

educacionais especiais dos alunos e a tomada de decisões quanto ao <strong>ate</strong>ndimento<br />

213


necessário, a escola deve realizar com assessoramento técnico, avaliação do aluno no<br />

processo de ensino e aprendizagem, contando, para tal, inciso <strong>II</strong>, com o setor<br />

responsável pela educação especial do respectivo sistema (BRASIL, 2001).<br />

Nesse sentido, verifica-se que a escola tem executado um trabalho com<br />

comprometimento e seriedade no que tange ao processo de encaminhamento dos alunos<br />

com necessidades educacionais específicas à sala de recursos multifuncionais e têm<br />

seguido as orientações determinadas pelas Diretrizes Nacionais para a Educação<br />

Especial na Educação Básica.<br />

Quando foi indagado se as professoras das salas comuns conheciam o<br />

trabalho desenvolvido na sala de recursos multifuncionais, elas foram unânimes ao<br />

responder que sim, bem como demonstraram que reconhecem as competências dos<br />

profissionais do AEE e a relevância do <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado para o<br />

desenvolvimento dos alunos que apresentam deficiências e/ou dificuldades no processo<br />

ensino-aprendizagem, os quais necessitam de complementação ou suplementação<br />

curricular.<br />

As percepções das professoras em relação ao trabalho desenvolvido na sala<br />

de recursos multifuncionais estão em conformidade com a determinação da Resolução<br />

CNE/CEB nº 2/2001 em relação aos serviços de apoio pedagógico especializado,<br />

disponibilizados nessas salas, nas quais o professor especializado em educação especial<br />

realiza a complementação e/ou suplementação curricular, utilizando procedimentos,<br />

equipamentos e m<strong>ate</strong>riais específicos (BRASIL, 2001).<br />

Quando foi perguntado aos 2 profissionais do AEE como era desenvolvido o<br />

trabalho na sala de recursos multifuncionais da UEB pesquisada e quais profissionais<br />

trabalhavam na sala e quais os m<strong>ate</strong>riais e/ou recursos pedagógicos que eram utilizados,<br />

ambos informaram que o trabalho era desenvolvido a partir de observações visando<br />

identificar as necessidades específicas de cada aluno e a elaboração de um planejamento<br />

educacional individualizado. Informaram, ainda, que eram apenas eles dois que<br />

trabalhavam na referida sala, e que 1 possuía graduação em Letras e em Pedagogia e o<br />

214


outro, apenas em Pedagogia, sendo os dois especialistas em AEE. Dentre esses, 1<br />

trabalha nos dois turnos na sala e o outro, apenas no turno vespertino.<br />

Sobre os recursos utilizados na sala de recursos multifuncionais, disseram<br />

que eram pedagógicos e de acessibilidade, como, no caso, pranchas de comunicação,<br />

softwares educativos, jogos diversos, quebra-cabeça, dominó, memória, bingo de letras,<br />

etc.. E que os <strong>ate</strong>ndimentos educacionais especializados ocorriam duas vezes por<br />

semana, com duração de, aproximadamente, 1 hora e 30 minutos, podendo se estender<br />

de acordo com as necessidades específicas de cada aluno.<br />

Nesse contexto, faz-se importante informar que, durante o processo de<br />

observação não-participante, foi verificado que o planejamento educacional,<br />

individualizado, é elaborado pelos profissionais do AEE, em média, após dois meses de<br />

contato com o aluno e de acompanhamento de suas necessidades diferenciadas, e que o<br />

<strong>ate</strong>ndimento educacional especializado ocorre de forma individualizada ou em grupo,<br />

dependendo das especificidades de cada discente. Em relação aos recursos pedagógicos<br />

e de acessibilidade utilizados na sala de recursos, vários deles são adquiridos e/ou<br />

construídos pelos próprios professores do AEE.<br />

Portanto, enfatiza-se que as competências e o trabalho pedagógico<br />

desenvolvido pelos profissionais do AEE na sala de recursos multifuncionais estão, em<br />

parte, em conformidade com a Resolução CNE/CEB nº 2/2001, a qual destaca em seu<br />

Art. 18º § 2º que são considerados professores especializados em educação especial<br />

aqueles que desenvolveram competências para identificar as necessidades educacionais<br />

especiais para definir, implementar, liderar e apoiar a implementação de estratégias de<br />

flexibilização, adaptação curricular, procedimentos didáticos pedagógicos e práticas<br />

alternativas, adequados ao seu <strong>ate</strong>ndimento bem como trabalhar em equipe, assistindo o<br />

professor de classe comum nas práticas que são necessárias para promover a inclusão<br />

dos alunos com necessidades educacionais especiais (BRASIL, 2001).<br />

No questionamento se existia parceria entre os profissionais do AEE e os<br />

docentes das salas comuns, dentre as 10 professoras do ensino regular, 7 responderam<br />

que a parceria existia e que ocorria por meio de diálogos, nos quais recebiam “dicas” de<br />

215


intervenções pedagógicas; 3 docentes enfatizaram que não existia nenhuma parceria<br />

entre os docentes das salas comuns e os profissionais do AEE. No mesmo contexto, a<br />

professora (P6) disse que não conhece os profissionais do AEE; a professora (P9)<br />

afirmou que não existe feedback entre os profissionais da sala de recursos e os<br />

professores das salas comuns; e a professora (P10) informou que o trabalho<br />

desenvolvido com os alunos com necessidades educacionais específicas, pelos<br />

profissionais do AEE na sala de recursos multifuncionais, é um pouco isolado.<br />

Entretanto, para os profissionais do AEE (A1 e A2), a parceria existe, mas<br />

ocorre de maneira informal, e somente com os professores das salas comuns da escola<br />

pesquisada, já com os demais professores lotados em outras escolas da rede municipal e<br />

que possuem alunos matriculados na sala de recursos da referida escola, essa parceria<br />

não existe, pois sequer se conhecem.<br />

Assim, diante dos dados, verifica-se que a parceria e/ou articulação entre os<br />

profissionais do AEE e os docentes das salas comuns da instituição pesquisada ainda<br />

está sendo gradativamente construída, visto que ainda ocorre de maneira informal e<br />

assistemática, divergindo com as orientações da Nota Técnica SEESP/GAB/nº 11/2010,<br />

na qual informa, no inciso I, que, na implantação da Sala de Recursos Multifuncionais<br />

para a oferta de AEE, compete à escola efetivar a articulação pedagógica entre os<br />

professores que atuam na sala de recursos multifuncionais e os professores das salas de<br />

aula comuns, a fim de promover as condições de participação e aprendizagem dos<br />

alunos (BRASIL, 2010).<br />

Indagou-se, também, se existia algum planejamento e/ou plano de aula<br />

sendo desenvolvido conjuntamente entre os docentes das salas comuns e os<br />

profissionais das salas de recursos multifuncionais. E as respostas foram unânimes de<br />

que não havia nenhum planejamento e/ou plano de aula sendo desenvolvido<br />

conjuntamente entre os referidos profissionais.<br />

Sendo assim, percebe-se que a escola pesquisada ainda não desenvolve um<br />

trabalho colaborativo entre as professoras do ensino regular e os profissionais do AEE<br />

em relação ao planejamento e/ou plano de aula, pois cada professora da sala comum faz<br />

216


seu plano de aula sem nenhuma orientação específica dos profissionais do AEE, visando<br />

flexibilização curricular que contemple as especificidades dos alunos considerados<br />

público alvo da Educação Especial.<br />

Diante das considerações registradas, verifica-se que os dados divergem do<br />

que é determinado pelas Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação<br />

Básica, pois a Resolução CNE/CEB nº 2/2001 orienta no seu Art. 8º, inciso <strong>II</strong>I -<br />

flexibilizações e adaptações curriculares que considerem o significado prático e<br />

instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos<br />

diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que<br />

apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância com o projeto<br />

pedagógico da escola, respeitada a frequência obrigatória e incisoIV - serviços de apoio<br />

pedagógico especializado, realizado nas classes comuns, mediante atuação colaborativa<br />

de professor especializado em educação especial (BRASIL, 2001).<br />

Nesse sentido, é importante registrar que as barreiras atitudinais, aqui<br />

verificadas, são complicadores da operacionalização da Política Nacional de Educação<br />

Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008a).<br />

Quando foram indagadas se se sentiam qualificadas para trabalharem com<br />

discentes considerados público alvo da Educação Especial, as professoras das salas<br />

comuns foram unânimes ao informar que não, pois, de acordo com algumas<br />

justificativas, não receberam em suas formações iniciais conhecimentos adequados em<br />

relação ao <strong>ate</strong>ndimento do referido público (P3 e P4) e não possuíam competências, por<br />

participarem de formação continuada na área da Educação Especial (P1, P2 e P8).<br />

Ainda em relação à mesma questão, os 2 profissionais do AEE (A1 e A2)<br />

responderam que se sentem qualificados para trabalhar com alunos com necessidades<br />

educacionais específicas, principalmente os que possuem deficiência física, intelectual,<br />

transtorno do espectro autista e com altas habilidades/superdotação,pois, além de<br />

possuírem especialização em Atendimento Educacional Especializado, estão sempre<br />

participando de cursos e palestras com o intuito de buscar novos conhecimentos e<br />

metodologias para desempenhar um <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado aos<br />

217


discentes com necessidades educacionais específicas. Porém, necessário sinalizar que os<br />

referidos profissionais (A1 e A2) não se encontram, adequadamente, qualificados para o<br />

AEE de alunos cegos e surdos, mas caso cheguem esses alunos, a SEMED os direciona<br />

a outras instituições que possuem salas de recursos multifuncionais em que há<br />

profissionais especializados em tais necessidades diferenciadas.<br />

Foi verificado, por meio das observações, que a maioria das professoras das<br />

salas de aulas comuns possui pelo menos um aluno com necessidade educacional<br />

específica, entretanto todas dizem que não se sentem capacitadas para a mediação do<br />

processo ensino-aprendizagem aos alunos público alvo da Educação Especial, apesar de<br />

somente duas delas afirmarem que não tiveram, durante suas formações iniciais,<br />

conteúdos relacionados à Educação Especial/Inclusiva.<br />

Nesse sentido, os dados divergem do que é determinado pela Resolução<br />

CNE/CEB nº 2/2001 (BRASIL, 2001), na qual são considerados professores<br />

capacitados para atuar em classes comuns com alunos que apresentam necessidades<br />

educacionais especiais aqueles que comprovem que, em sua formação, de nível médio<br />

ou superior, foram incluídos conteúdos sobre Educação Especial, adequados ao<br />

desenvolvimento de competências e valores.<br />

Já com os profissionais do AEE (A1 e A2), os dados convergem,<br />

parcialmente, com o que é determinado pela mesma Resolução, pois suas formações<br />

inicial e continuada estão de acordo com o esperado, visto que, de acordo com a<br />

Resolução CNE/CEB nº 2/2001 (BRASIL, 2001), os professores especializados em<br />

educação especial deverão comprovar formação em cursos de licenciatura em educação<br />

especial ou em uma de suas áreas, preferencialmente de modo concomitante e associado<br />

à licenciatura para educação infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental,<br />

bem como complementação de estudos ou pós-graduação em áreas específicas da<br />

educação especial, posterior à licenciatura nas diferentes áreas de conhecimento, para<br />

atuação nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio.<br />

Quando foi perguntado às docentes das salas de aulas regulares se elas<br />

participavam de formações continuadas direcionadas ao público alvo da Educação<br />

218


Especial, 6 professoras informaram que nunca participaram de formação continuada<br />

direcionada à Educação Especial/Inclusiva; 4 responderam que já participaram de<br />

formações continuadas voltadas à área da Educação Especial, dentre essas, 3 (P2, P9 e<br />

P10) informaram ter participado de formações promovidas pela Semed e 1 (P4) disse já<br />

ter participado dessas formações pela rede privada.<br />

Em relação à questão abordada, algumas justificativas foram dadas pelas<br />

docentes, dentre essas, 4 (P1, P5, P7 e P8) explicaram que não possuíam disponibilidade<br />

de tempo para participarem das formações continuadas voltadas para Educação<br />

Especial; 1 (P3) informou que havia participado apenas de palestras que abordavam o<br />

tema na área; 1 docente (P6) disse que havia participado somente de formações<br />

continuadas direcionadas ao ensino regular e que nessas não abordaram assuntos<br />

relacionados à Educação Especial e/ou aos discentes com necessidades educacionais<br />

específicas.<br />

Quando a mesma pergunta foi feita aos profissionais do AEE (A1 e A2),<br />

ambos disseram que participam constantemente das formações continuadas direcionadas<br />

à Educação Especial e/ou ao público alvo da Educação Especial, as quais são<br />

proporcionadas pela Semed duas vezes ao mês durante o ano letivo.<br />

Diante dos fatos, percebe-se que, para a maioria das docentes das salas de<br />

aulas regulares, participantes desse estudo, a formação continuada no contexto da<br />

Educação Especial não é prioridade, enquanto que, para os profissionais do AEE, essas<br />

formações são de fundamental importância, pois não só os qualificam ao <strong>ate</strong>ndimento<br />

educacional especializado na sala de recursos multifuncionais, como proporcionam<br />

atualização de suas práticas pedagógicas por meio de novos conhecimentos e troca de<br />

experiências com outros profissionais que atuam na área.<br />

Nesse sentido, necessário ressaltar a relevância da Formação Continuada<br />

direcionada à Educação Especial/Inclusiva, visto que, de acordo com a Política<br />

Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL,<br />

2008a), para o trabalho com o público alvo da Educação Especial, o discente deve ter<br />

como base de sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais e específicos<br />

219


para o exercício da docência no contexto da inclusão. Essa formação possibilita a<br />

atuação no <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado e deve aprofundar o caráter interativo<br />

e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos,<br />

nos centros de <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado, nos núcleos de acessibilidade das<br />

instituições de educação superior, nas classes hospitalares e nos ambientes domiciliares,<br />

para a oferta dos serviços e recursos da educação especial.<br />

Em relação à indagação se os docentes recebiam algum suporte e/ou ajuda<br />

direcionada aos discentes com necessidades educacionais específicas, as 10 professoras<br />

das salas comuns foram unânimes ao responder que não recebiam nenhum suporte e/ou<br />

ajuda relacionado ao processo ensino-aprendizagem de alunos com necessidades<br />

educacionais específicas, mencionando, ainda, a necessidade diária de cuidadores para<br />

auxiliá-las.<br />

Já para os 2 profissionais do AEE (A1 e A2), ambos disseram que recebiam<br />

suportes e/ou ajudas da equipe técnica e multiprofissional da Superintendência da<br />

Educação Especial todas as vezes que solicitavam apoio para o <strong>ate</strong>ndimento educacional<br />

especializado dos discentes que frequentam a sala de recursos multifuncionais.<br />

Ficou evidente que, no caso específico, as docentes das salas de aulas<br />

regulares se sentem abandonadas em relação aos suportes técnico-pedagógicos voltados<br />

ao público alvo da Educação Especial, em que a mesma situação não foi observada com<br />

as profissionais do AEE, pois esses têm recebido suporte da rede municipal por meio<br />

dos profissionais que atuam na Superintendência da Educação Especial da Semed.<br />

Resta-nos questionar o porquê.<br />

Sendo assim, os dados obtidos convergem, parcialmente, com o que é<br />

colocado pela Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação<br />

Inclusiva, na qual enfatiza que cabem aos sistemas de ensino, ao organizarem a<br />

educação especial na perspectiva da educação inclusiva, disponibilizarem não só as<br />

funções de instrutor, tradutor/intérprete de Libras e guia-intérprete, como de monitor ou<br />

cuidador dos estudantes com necessidade de apoio nas atividades de higiene,<br />

220


alimentação, locomoção, entre outras, que exijam auxílio constante no cotidiano escolar<br />

(BRASIL, 2008a).<br />

Ao serem questionados se havia algum fator que podia estar dificultando a<br />

operacionalização do <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado aos discentes considerados<br />

público alvo da Educação Especial, 6 professoras responderam que desconheciam o que<br />

podia estar dificultando a operacionalização do AEE; 4 mencionaram fatores que<br />

estavam dificultando tal <strong>ate</strong>ndimento, dentre esses: a falta de interesse dos pais em levar<br />

seus filhos que possuem necessidades educacionais específicas no contraturno para<br />

serem <strong>ate</strong>ndidos na sala de recursos (P3); a falta de investimentos na educação (P4); a<br />

ausência de cuidadores dentro das salas de aulas regulares dificulta o <strong>ate</strong>ndimento<br />

educacional especializado dos alunos com necessidades educacionais específicas (P7 e<br />

P8).<br />

Para os profissionais do AEE (A1 e A2), os fatores que estão dificultando a<br />

operacionalização do <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado na escola pesquisada são:<br />

ausência de flexibilidade curricular no ensino regular, a infraestrutura da sala de<br />

recursos multifuncionais e a falta de compromisso da família em levar os alunos para<br />

serem <strong>ate</strong>ndidos na sala de recursos multifuncionais (A1); a falta de cuidadores nas<br />

salas do ensino regular e a falta de recursos pedagógicos e de acessibilidade têm<br />

dificultado o <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado (A2).<br />

Como verificado, vários fatores têm dificultado a operacionalização do<br />

Atendimento Educacional Especializado aos alunos, público alvo da Educação Especial,<br />

na instituição pesquisada, dentre esses destacam-se: precária infraestrutura da sala de<br />

recursos multifuncionais; carência de profissionais especializados em necessidades<br />

educacionais específicas; falta e/ou carência de recursos pedagógicos e tecnologias<br />

assistivas; a não assiduidade dos discentes, público alvo da educação especial, na sala<br />

de recursos multifuncionais, mas tais dificuldades tem sido minimizadas pelos 2<br />

profissionais da sala de recursos multifuncionais, com comprometimento e criatividade.<br />

Sendo assim, os dados divergem do que é colocado pela Política Nacional<br />

de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008a), visto<br />

221


que os sistemas de ensino devem organizar as condições de acesso aos espaços, aos<br />

recursos pedagógicos e à comunicação que favoreçam a promoção da aprendizagem e a<br />

valorização das diferenças, de forma a <strong>ate</strong>nder as necessidades educacionais específicas<br />

dos discentes.<br />

Por fim, perguntou-se o que poderia ser melhorado na operacionalização da<br />

sala de recursos multifuncionais. Dentre as 10 docentes do ensino regular, 3 (P1, P7 e<br />

P9) falaram que era necessária a contratação de mais profissionais para o AEE; 5<br />

docentes (P2, P3, P4, P5 e P8) disseram que era preciso que a Superintendência da<br />

Educação Especial fornecesse mais recursos pedagógicos para a sala de recursos<br />

multifuncionais; 2 (P6 e P10) não souberam responder, alegando que não tinham<br />

contato com a referida sala.<br />

Em relação aos 2 profissionais do AEE (A1 e A2), ambos informaram que<br />

existia necessidade de melhorias na sala de recursos multifuncionais para que pudessem<br />

<strong>ate</strong>nder a diversidade de síndromes, deficiências e necessidades educacionais<br />

específicas dos alunos que frequentam a sala nos dois turnos. Para (A1) a infraestrutura<br />

da sala precisa ser reformada e os equipamentos tecnológicos necessitam de<br />

manutenção preventiva e corretiva, periodicamente. Para (A2) é preciso a compra de<br />

novos recursos pedagógicos, tecnológicos e de acessibilidade, assim como maior<br />

envolvimento das famílias em levar seus filhos com necessidades educacionais<br />

específicas à sala de recursos multifuncionais.<br />

De acordo com as observações feitas, verificou-se que a sala de recursos<br />

multifuncionais da instituição pesquisada precisa de melhorias na infraestrutura<br />

arquitetônica em relação às questões de acessibilidade e de segurança ao patrimônio,<br />

quanto às pessoas: necessidade de contratação de mais profissionais especializados,<br />

visando dar conta do AEE à grande demanda de alunos que frequentam a sala nos dois<br />

turnos; compra de recursos pedagógicos, tecnológicos e de acessibilidade que garantam<br />

o <strong>ate</strong>ndimento das necessidades educacionais específicas de cada aluno.<br />

Sobre à questão de segurança e sobre a carência de recursos pedagógicos<br />

e/ou tecnológicos, é necessário informar que a referida sala foi vítima de assalto, em que<br />

222


teve sua porta arrombada, armários vandalizados e vários recursos pedagógicos<br />

(brinquedos e jogos) e tecnológicos (2 notebooks) levados.<br />

No contexto, é relevante ressaltar que o poder público deve assegurar<br />

condições adequadas para o funcionamento das salas de recursos multifuncionais, pois,<br />

de acordo com o Decreto nº 6.571/2008 (BRASIL, 2008b, não <strong>pagina</strong>do), dentre as<br />

ações de apoio técnico e financeiro do Ministério da Educação, destaca-se a<br />

implantação de salas de recursos multifuncionais, definidas como “ambientes dotados<br />

de equipamentos, mobiliários e m<strong>ate</strong>riais didáticos para a oferta do <strong>ate</strong>ndimento<br />

educacional especializado”.<br />

Como verificado, os dados, mais uma vez, divergem do que é determinado<br />

pela Legislação Federal vigente em relação ao acesso e permanência com êxito na<br />

aprendizagem, bem como o alcance dos níveis mais elevados de ensino, com educação<br />

de boa qualidade que garanta condições de inserção no mundo do trabalho competitivo.<br />

CONCLUSÃO<br />

No tocante aos objetivos de investigar e ressaltar a relevância da sala de<br />

recursos multifuncionais para o processo ensino-aprendizagem de alunos considerados<br />

público alvo da Educação Especial, foi verificado que a instituição pesquisada vem<br />

garantindo matrículas aos discentes com necessidades educacionais específicas<br />

independentemente de diagnósticos, porém as professoras das salas regulares não se<br />

sentem capacitadas para o processo ensino-aprendizagem dos referidos discentes.<br />

No contexto, foram relatados alguns fatores que dificultam a<br />

operacionalização da educação especial e/ou educação inclusiva, no caso específico:<br />

ausência de um trabalho colaborativo entre os profissionais do <strong>ate</strong>ndimento educacional<br />

especializado - AEE e os das salas de aulas regulares, principalmente em relação à<br />

elaboração do planejamento pedagógico e/ou do plano de aula; indisponibilidade de<br />

tempo para participarem de formação continuada na área da educação especial; falta de<br />

um cuidador nas salas regulares; precária infraestrutura das salas de recursos<br />

multifuncionais; carência de profissionais especializados em necessidades educacionais<br />

223


específicas; falta e/ou carência de recursos pedagógicos e tecnologias assistivas; a não<br />

assiduidade dos discentes, público alvo da educação especial, na sala de recursos<br />

multifuncionais.<br />

Apesar do exposto, as professoras das salas de aulas regulares reconhecem a<br />

importância do trabalho desenvolvido na sala de recursos multifuncionais, pois<br />

enfatizam que o AEE tem proporcionado desenvolvimento na aprendizagem e na<br />

comunicação dos alunos com deficiência e/ou com necessidades educacionais<br />

específicas.<br />

Os profissionais da sala de recursos multifuncionais têm procurado<br />

minimizar as dificuldades vivenciadas com conhecimentos específicos na área da<br />

educação especial/inclusiva, com metodologias educacionais adequadas às necessidades<br />

educacionais diferenciadas, assim como comprometimento e criatividade em prol do<br />

<strong>ate</strong>ndimento educacional especializado. Assim, percebe-se que, apesar das barreiras<br />

arquitetônicas e atitudinais, o <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado desenvolvido nas<br />

salas de recursos multifuncionais, da instituição pesquisada, tem sido relevante no<br />

processo ensino-aprendizagem dos discentes considerados público alvo da Educação<br />

Especial, pois tem contribuído de forma significativa na mediação das necessidades<br />

educacionais específicas dos referidos alunos.<br />

Assim, faz-se importante relembrar que a Educação Especial é uma<br />

modalidade de ensino que perpassatodos os níveis, etapas e modalidades, bem como<br />

realiza o <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado, disponibilizando recursos, serviços e<br />

orientações em relação a sua operacionalização no processo ensino-aprendizagem de<br />

discentes com necessidades educacionais específicas, mas que precisa ser<br />

operacionalizada por profissionais bem qualificados e comprometidos com o processo<br />

de inclusão.<br />

Nesse contexto, as instituições de ensino, juntamente com suas equipes<br />

técnico-pedagógicas, devem estar preparadas para o acesso e permanência dos referidos<br />

discentes, disponibilizando uma educação de boa qualidade que garanta êxito na<br />

aprendizagem.<br />

224


Necessário refletir, criticamente, sobre o não envolvimento da maioria das<br />

docentes das salas de aulas comuns, da instituição pesquisada, com o contexto da<br />

educação especial e/ou educação inclusiva, bem como com suas formações continuadas<br />

voltadas para o século XXI, que corresponde à era dos direitos humanos e, dentre esses,<br />

o direito à uma educação de boa qualidade a todos os discentes e, em especial, aos que<br />

apresentam necessidades educacionais diferenciadas.<br />

Apesar de os profissionais do AEE vivenciarem muitas dificuldades na sala<br />

de recursos multifuncionais, já relatadas e sinalizadas novamente, como: infraestrutura<br />

precária da sala; carência de docentes e/ou de profissionais especializados em discentes<br />

com necessidades educacionais diferenciadas; não assiduidade dos alunos público alvo<br />

da educação especial no AEE; carência de recursos pedagógicos e tecnológicos<br />

assistivos, bem como a não interação, adequada, entre os docentes das salas de aulas<br />

regulares, os profissionais do AEE têm superado e/ou minimizado várias barreiras e<br />

desafios com conhecimentos e metodologias educacionais inclusivas, comprometimento<br />

e criatividade em prol do <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado aos referidos discentes.<br />

Sendo assim, enfatiza-se que o AEE desenvolvido na sala de recursos<br />

multifuncionais da escola pesquisada tem sido relevante aos alunos considerados<br />

público alvo da Educação Especial, pois tem contribuído de forma significativa com seu<br />

processo ensino-aprendizagem, assim como com a superação e/ou minimização de<br />

diversas necessidades educacionais específicas, mas que carece, urgentemente, de<br />

assistência por parte do poder público.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil.<br />

Disponível em:<br />

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227


A UTILIZAÇÃO DA LITERATURA AFRO-BRASILEIRA COMO<br />

FERRAMENTA PARA A PROMOÇÃO DA IGUALDADE RACIAL NA<br />

EDUCAÇÃO INFANTIL<br />

THE USE OF AFRO-BRAZILIAN LITERATURE AS A TOOL FOR THE<br />

PROMOTION OF RACIAL EQUALITY IN CHILDREN'S EDUCATION<br />

José Carlos de Melo<br />

E-mail: mrzeca@terra.com.br<br />

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)<br />

Eixo1– Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O presente trabalho discutiu sobre a utilização da literatura afro-brasileira e<br />

das tecnologias de informação pelos profissionais da educação como ferramentas para a<br />

promoção da igualdade racial nas instituições de educação infantil. Estudar sobre essa<br />

temática uma vez que a denominada literatura infantil clássica sempre teve como<br />

referências principais protagonistas brancos em detrimento dos negros, sendo que estes<br />

últimos em suas raríssimas aparições exerciam papeis de subalternos e marginalizados,<br />

sendo ainda que o estudo da história africana e afro-brasileira constitui-se como um<br />

componente obrigatório no currículo escolar. Realizamos uma pesquisa bibliográfica e<br />

uma revisão literária sobre o tema. O aporte teórico subsidiou-se em autores como<br />

Brasil (2010), Rosemberg (2012), Freitas e Silva (2016), Gomes (2010), Santos (2010),<br />

dentre outros. Concluímos que apesar da existência da Lei 10.639/2003 (alterada para<br />

11.645/2008) que alterou a Lei de Diretrizes e Bases (LDB nº. 9.394/1996) onde torna<br />

obrigatório o Ensino da História da África e dos Afro-brasileiros, observamos que a<br />

temática em questão é muito recente nas Instituições de Educação Infantil, destacando<br />

que apenas a utilização de estratégias pedagógicas não são o suficiente para construir<br />

uma sociedade sem discriminação, porém elas se constituem como uma ferramenta<br />

importante no comb<strong>ate</strong> ao preconceito e racismo junto as crianças pequenas.<br />

Palavras-chave: Relações étnico-raciais. Educação Infantil. Tecnologias digitais.<br />

228


Trabalho docente.<br />

ABSTRACT: This paper discusses the use of Afro-Brazilian literature and information<br />

technologies by educational professionals as tools for the promotion of racial equality in<br />

early childhood education institutions. To study this theme since the so-called classic<br />

children's literature always had as main references white protagonists to the detriment of<br />

the blacks, the latter in their rare apparitions exercised roles of subordin<strong>ate</strong>s and<br />

marginalized, even though the study of African and Afro- is a mandatory component of<br />

the school curriculum. We carried out a bibliographical research and a literary review<br />

on the subject. The theoretical contribution was subsidized in authors such as Brazil<br />

(2010), Rosemberg (2012), Freitas e Silva (2016), Gomes (2010), Santos (2010), among<br />

others. We concluded that, despite the existence of Law 10.639 / 2003 (amended to<br />

11.645 / 2008), which amended the Law on Guidelines and Bases (LDB No. 9.394 /<br />

1996), where it is compulsory to teach the History of Africa and Afro-Brazilians, we the<br />

theme in question is very recent in the Institutions of Early Childhood Education,<br />

emphasizing that only the use of pedagogical str<strong>ate</strong>gies are not enough to build a society<br />

without discrimination, but they are an important tool in the fight against prejudice and<br />

racismwith young children.<br />

Keywords: Ethnic-racial relations. Child education. Digital technologies. Teaching<br />

work.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

O presente artigo é fruto das discussões envidadas no <strong>II</strong> <strong>Simpósio</strong><br />

Interdisciplinar em Cultura e Sociedade 22 , em uma mesa redonda intitulada:A Educação<br />

das relações Étnico-Raciais na Educação Infantil a partir do uso das Tecnologias<br />

Digitais, na qual discutimos acerca do tema: A utilização da Literatura Afro-<br />

22 Evento realizado pelo Programa de Pós-graduação em Cultura e Sociedade (PGCult) da Universidade<br />

Federal do Maranhão nos dias 9,10 e11 de outubro de 2017.<br />

229


Brasileira como ferramenta para a promoção da igualdade racial na Educação<br />

Infantil.<br />

A proposta dessa discussão foi abordar acerca dos estereótipos étnicos e<br />

como a utilização da literatura afro-brasileira associada com as Tecnologias de<br />

Informação e Comunicação (TIC) podem contribuir no processo de desconstrução social<br />

dos mesmos na sociedade atual, sendo estes estereótipos étnicos não vinculados à<br />

narrativa dos adultos, mas sim à narrativa das crianças.<br />

O aporte teórico-metodologico desse trabalho subsidiou-se em autores como<br />

Brasil (1996, 2003, 2009, 2010), Gomes (2010), Santos (2010), Rosemberg (2012),<br />

Freitas e Silva (2016), dente outros, sendo que para fins de melhor compreensão e<br />

organização o trabalho foi estruturado em quatro partes. Na primeira, temos a presente<br />

introdução que esclarece e configura o nosso objeto de estudo.<br />

Na segunda parte apresentamos um breve panorama sobre os conceitos de<br />

educação infantil, infância e relações étnico-raciais, assim como a legislação acerca da<br />

inserção dessas relações nas instituições da infância. Na terceira, discutimos sobre o uso<br />

da literatura afro-brasileira e das tecnologias de informação e comunicação nas<br />

instituições infantis como ferramenta no comb<strong>ate</strong> ao preconceito racial e discriminação<br />

dentro e fora do ambiente escolar.<br />

Por fim, temos as considerações finais nas quais nos posicionamos acerca da<br />

referida temática. Esperamos que esse trabalho venha contribuir para ampliar o deb<strong>ate</strong><br />

sobre o preconceito e a construção de estereótipos equivocados na escola e na<br />

sociedade, assim como para auxiliar os educadores a fomentar o desenvolvimento de<br />

novas estratégias educativas na luta contra a discriminação racial.<br />

2 A EDUCAÇÃO INFANTIL E AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: O QUE<br />

DIZEM AS LEIS?<br />

A educação infantil no Brasil passou por diversas modificações ao longo das<br />

duas ultimas décadas. No ano de 1988 com a promulgação da Constituição Federal, a<br />

criança passou a ser considerada como um sujeito de direitos, dentre eles, o de ter uma<br />

230


educação que <strong>ate</strong>nda suas necessidades e especificidades, esse direito foi corroborado<br />

por uma serie de outros documentos posteriores, como por exemplo, o Estatuto da<br />

criança e do adolescente publicado em 1990 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação<br />

Nacional (LDB). Sobre a Educação Infantil, a LDB destaca que esta se constitui como:<br />

A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade<br />

o desenvolvimento integral da criança até cinco anos de idade, em seus<br />

aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social, complementando a ação da<br />

família e da comunidade (BRASIL, 1996, p.10).<br />

Após a inserção da educação infantil como a primeira etapa da educação<br />

básica, ampliou-se o deb<strong>ate</strong> acerca das políticas públicas voltadas para a educação<br />

básica, além disso, outros documentos foram publicados objetivando nortear o trabalho<br />

pedagógico com as crianças pequenas nas instituições de educação infantil, dentre eles,<br />

destacamos o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) no ano<br />

de 1998 e as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil (DCNEI).<br />

Em relação ao conceito de infância, destacamos que este é originário do<br />

latim infantia, e faz referencia à pessoa que não sabe falar, capacidade esta conferida a<br />

primeira infância, período da vida humana que compreende do nascimento aos sete<br />

anos, no entanto a idade cronológica não deve ser o único aspecto considerado para<br />

diferenciar a infância das demais fases, conforme aponta Khulmann Jr. (1998):<br />

Infância tem um significado genérico e, como qualquer outra fase da vida,<br />

esse significado é função das transformações sociais: toda sociedade tem seus<br />

sistemas de classes de idade e a cada uma delas é associado um sistema de<br />

status e de papel (KHULMANN JR.1998, p. 16).<br />

Dessa forma, podemos inferir que o significado do termo infância encontrase<br />

intrinsecamente relacionado às transformações sociais no decorrer dos anos, o autor<br />

também destaca que para tratarmos sobre os estudos da infância e sua educação,<br />

precisamos, considerar a história social da infância, bem como, se deu a construção<br />

desse sentimento ao longo do tempo.<br />

Sobre o termo relações étnico-raciais Gomes (2010) define que estas são:<br />

[...] as relações imersas na alteridade e construídas historicamente nos<br />

contextos de poder e das hierarquias raciais brasileiras, nos quais a raça<br />

opera como forma de classificação social, demarcação das diferenças e<br />

231


interpretação política e identitária. Trata-se, portanto, de relações construídas<br />

no processo histórico, social, político, econômico e cultural (GOMES, 2010,<br />

p.22).<br />

No ano de 2003, foi lançada a Lei nº 10.639/03 que inseriu a<br />

obrigatoriedade do ensino sobre a História e a Cultura Afro-brasileira nas instituições de<br />

Ensino Fundamental e Médio tanto de origem pública quanto privada, que de acordo<br />

com esta lei deve ser inserida em todo o currículo escolas, sobretudo nas áreas de<br />

História, Educação Artística e Literatura (BRASIL, 2003).<br />

Contudo, destacamos que a referida lei não se aplicava a priori na Educação<br />

infantil. De acordo com Freitas (2017, p.5) somente após diversas discussões é que a lei<br />

foi inserida nessa etapa de ensino por meio da Resolução CNE/CP nº 01/2004 e pelo<br />

Plano Nacional de implementação das Diretrizes de 2009, uma vez que:<br />

A Lei 10639 e, posteriormente, a Lei 11645, que dá a mesma orientação<br />

quanto à temática indígena, não são apenas instrumentos de orientação para o<br />

comb<strong>ate</strong> à discriminação. São também Leis afirmativas, no sentido de que<br />

reconhecem a escola como lugar da formação de cidadãos e afirmam a<br />

relevância de a escola promover a necessária valorização das matrizes<br />

culturais que fizeram do Brasil o país rico, múltiplo e plural que somos<br />

(BRASIL, 2009, p.05).<br />

Diante do exposto, observamos que essa temática tanto na Educação Infantil<br />

quanto nas demais etapas e modalidades educacionais é uma discussão recente, além<br />

disso, Rosemberg (2012) em suas pesquisas destaca a invisibilidade da criança negra<br />

nas pesquisas, sobretudo das crianças entre a idade de 0 a 3 anos que frequentam as<br />

creches.<br />

Em sua pesquisa Silva (2010, p. 92) afirma que no Brasil não existe uma<br />

discussão séria sobre a questão do racismo no ambiente escolar, assunto este que ao<br />

longo dos anos vem sendo abordado pelos grupos do movimento negro brasileiro como<br />

um dos fatores que mais colaboram para que a (re) produção dessa prática continue<br />

interferindo na trajetória escolar de milhares de estudantes negros e negras,<br />

considerando que mesmo após a “libertação” dos escravos, a população negra continuou<br />

(e continua) sendo marginalizada conforme sinaliza Gouvêa (2000):<br />

232


O fim da escravidão não significou a ruptura com um modelo de submissão e<br />

subserviência, mas, ao mesmo tempo, a construção de um Brasil moderno<br />

significou a incorporação mitificada do negro como parte constitutiva da<br />

cultura nacional, representante de tradições e costumes que confeririam<br />

identidade ao país (GOUVÊA, 2000, p.90).<br />

De acordo com Rosemberg (2012), o racismo no Brasil opera em dois<br />

planos simultaneamente, sendo o primeiro denominado de plano m<strong>ate</strong>rial e o segundo<br />

de plano simbólico, nas palavras da autora:<br />

No plano simbólico, o racismo opera ainda via expressão aberta, l<strong>ate</strong>nte ou<br />

velada, de preconceito racial considerando o grupo social negro como<br />

inferior ao branco. Esse plano do racismo é devastador, mas insuficiente para<br />

explicar toda a desigualdade racial brasileira. No plano m<strong>ate</strong>rial, negros (e<br />

indígenas), em seu conjunto, não têm acesso aos mesmos recursos públicos<br />

que brancos recursos sustentados por políticas públicas. Isso se deve à<br />

história da colonização e escravidão e às condições atuais de repartição dos<br />

bens públicos (ROSEMBERG, 2012, p. 31).<br />

Face ao exposto, buscamos observar como as crianças fazem representações<br />

sociais dos negros e como compartilham suas crenças e valores a partir dos estereótipos<br />

étnicos. Estudos realizados no Brasil mostram que os estereótipos são os mais<br />

recorrentes em relação à representação sobre o negro em nossa sociedade, assim sendo,<br />

faremos uma breve reflexão sobre como a escola vem trabalhando esses estereótipos na<br />

Educação infantil através da literatura infantil com o auxilio das TIC.<br />

3 O USO DA LITERATURA AFRO-BRASILEIRA E DAS TECNOLOGIAS NAS<br />

INSTITUIÇÕES INFANTIS: ALGUMAS APROXIMAÇÕES<br />

Como é sabido, nos últimos anos a humanidade tem testemunhado o avanço<br />

da ciência e consequentemente da tecnologia, fazendo com que as informações e o<br />

conhecimento sejam propagados de forma cada vez mais rápida, conforme destaca<br />

Perez e Correa (2014):<br />

A sociedade atual se apresenta de modo dinâmico, globalizado inserido em<br />

uma complexa rede de informações e de recursos multimídias cada vez mais<br />

rápidos e conectados com o mundo. A informação que antes levava anos para<br />

chegar a todos de uma comunidade, de uma população, atualmente, leva-se<br />

233


segundos para ser acessada pelas pessoas (PEREZ,CORREA, 2014, p.4).<br />

No que se refere ao âmbito educacional, observamos que cada vez mais as<br />

Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) tem adentrado nas escolas como uma<br />

ferramenta importante para a construção do conhecimento, considerando que cada vez<br />

mais os alunos (incluindo as crianças pequenas) tem tido contato com os dispositivos<br />

eletrônicos com smartphones e tablets com acesso a internet.<br />

As intensas transformações no universo da mídia incentivam a escola, pela<br />

função que esta exerce, a compreender a cultura tecnológica por meio dos diversos<br />

veículos de comunicação e informação, objetivando a melhoria dos processos de ensinoaprendizagem<br />

e, portanto, um aumento dos padrões de qualidade do ensino<br />

(MARANHÃO, 2014).<br />

Nesse sentido, torna-se necessário que o professor (a) enquanto mediador do<br />

conhecimento possa estar capacitado para lidar com esses novos elementos inseridos em<br />

sua prática cotidiana, mas para que isso ocorra de forma efetiva, é preciso que esse<br />

profissional tenha uma formação inicial/continuada sólida, a fim de que ele (a) possa<br />

desempenhar cada vez melhor suas funções, contudo é preciso destacar que essas novas<br />

exigências de reconfiguração da esfera educacional são produtos do desenvolvimento da<br />

sociedade capitalista (SANTOS, 2010).<br />

Em relação à literatura infantil, é válido afirmar que esta se constituiu<br />

enquanto gênero literário no século XV<strong>II</strong>, sendo a mesma considerada um produto das<br />

transformações sociais e econômicas da época, dentre elas destacamos a ascensão da<br />

burguesia e a consolidação do sistema capitalista, tais fatos de acordo com Khulmann<br />

Jr. (1998 ) geraram na época uma mudança de pensamento e atitudes em relação a<br />

criança pequena.<br />

Dentre essas mudanças, destacamos a separação do mundo infantil do<br />

adulto, conforme sinaliza Cunha (2002, p.22): “a criança passa a ser um ser diferente do<br />

adulto, com necessidades e características próprias, pelo que deveria se distanciar da<br />

vida dos mais velhos e receber uma educação especial que a preparasse para a vida<br />

adulta”.<br />

234


Na literatura europeia um dos grandes destaques vai para as histórias dos<br />

irmãos Grimm, sendo a estes conferidas a origem da literatura. Segundo Paço (2009,<br />

p.13) os contos dos irmãos foram publicados e adaptados em diversos países, dentre eles<br />

estão clássicos da literatura infantil tais como: Rapunzel, João e Maria, Cinderela,<br />

Branca de Neve e a Bela adormecida.<br />

Além disso, cada país individualmente possui a sua própria literatura. A<br />

Autora destaca que no Brasil um dos expoentes da literatura infantil foi Monteiro<br />

Lobato, que definitivamente rompeu com os padrões europeus e introduziu elementos<br />

da nossa cultura em suas obras, dentre elas estão: O sítio do picapau amarelo, Reinações<br />

de Narizinho, etc.<br />

Entretanto, as obras de Lobato receberam ao longo dos anos severas críticas<br />

pelo fato de apresentarem uma imagem deturpada e estereotipada do negro, nota-se que<br />

os únicos personagens negros existentes em sua principal obra (O sítio do picapau<br />

amarelo) ou fazem referencia a seres folclóricos (saci) ou a serviçais como no caso do<br />

Tio Barnabé e da Tia Anastácia, ambos representando a ingenuidade e o lado crédulo do<br />

povo em detrimento, por exemplo, de personagens como a Dona Benta que simboliza a<br />

cultura e a inteligência segundo os padrões brancos (SANTOS, 2010).<br />

Uma das formas do professor (a) trabalhar a valorização da identidade<br />

étnico-racial é através da literatura infantil, a partir da contação de histórias, bem como,<br />

por meio das tecnologias digitais, trazendo como protagonista a criança negra, uma vez<br />

que na denominada literatura convencional, os protagonistas em sua maioria são<br />

brancos.<br />

Alguns escritores renomados escreveram obras que trazem o negro como<br />

protagonista, como, por exemplo, Ana Maria Machado, Ziraldo e Mirna Pinsky.<br />

Atualmente existe uma série de obras que contemplam essa temática, eis aqui alguns<br />

exemplos de obras dos respectivos autores citados: Menina bonita do laço de fita, O<br />

menino marrom e Nó na garganta.<br />

235


Imagem 1: Alguns exemplos de obras com personagens negros<br />

Fonte: Google imagens(2017)<br />

O papel do professor (a) na educação infantil é contribuir para o processo de<br />

desconstrução dos estereótipos e preconceitos difundidos pela escola enquanto aparelho<br />

ideológico ao longo dos anos, mas para que isso ocorra torna-se necessário que o<br />

professor tenha atitude, compromisso com as crianças, demonstrando sempre a<br />

importância do respeito e igualdade nas relações sociais, uma vez que:<br />

É ouvindo histórias que se pode sentir (também) emoções importantes, como<br />

a tristeza, a raiva, a irritação, o bem-estar, o medo, a alegria, o pavor, a<br />

insegurança, a tranquilidade, e tantas outras mais, e viver profundamente<br />

tudo o que as narrativas provocam em quem as ouve - com toda a amplitude,<br />

significância e verdade que cada uma delas fez (ou não) brotar ... Pois é<br />

ouvir, sentir e enxergar com os olhos do imaginário! (ABRAMOVICH, 1995,<br />

p. 17).<br />

Além da literatura, o professor poderá utilizar m<strong>ate</strong>riais didáticos baseados<br />

em multimídia sobre as culturas africanas e afro-brasileiras, que apresentem as<br />

manifestações culturais e os aspectos religiosos. Outra possibilidade que o professor (a)<br />

pode inserir na sua prática pedagógica é a utilização de jogos e outras atividades que<br />

contemplem as culturas afro-brasileiras, promovendo a interação entre as crianças.<br />

Uma prática docente promotora da igualdade deve incluir nas suas<br />

atividades experiências que permitam às crianças pequenas conhecerem as diferentes<br />

culturas que contribuíram para o processo de formação social brasileira, quebrando<br />

assim o falso paradigma de que a cultura africana apenas se resume ao folclore, mas<br />

sim a uma história de luta e resistência contra a opressão das classes dominantes, além<br />

disso a prática docente precisa .<br />

236


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Entendemos a infância como um período cronológico específico, referente a<br />

uma situação sociocultural na qual o indivíduo conhecerá as responsabilidades do<br />

mundo adulto, porém, que possui características próprias, pois, como é sabido, o mundo<br />

infantil não é o do adulto. Entretanto, na dialética desses mundos, comportamentos<br />

preconceituosos e atitudes discriminatórias entre as crianças, assim como cuidado e<br />

<strong>ate</strong>ndimento educacional desigual relacionado aos diferentes pertencimentos étnicoraciais<br />

das crianças, m<strong>ate</strong>rializam-se nos espaços escolares, revelando a relevância de<br />

reflexões sobre como trabalhar tais situações.<br />

Para compreendermos melhor como as crianças representam a escola e<br />

como esta por sua vez relaciona-se com os estereótipos étnicos, apesar de não ser o<br />

objetivo central da discussão, partimos do princípio de que não é a situação em si que<br />

define o sujeito, mas sim as representações que ele tem dessa situação, logo, estudar as<br />

representações sociais e os estereótipos raciais através da literatura é analisar os fatores<br />

cognitivos e simbólicos que constituem as construções e concepções que um sujeito tem<br />

sobre determinado fenômeno social.<br />

Compreendendo a escola como uma das instâncias que promovem o<br />

desenvolvimento humano em sua amplitude, propomos buscar entender uma<br />

pequeníssima dimensão do processo de ancoragem e objetivação nos quais as crianças<br />

representam a escola enquanto espaço de conhecimento, mas também enquanto espaço<br />

de difusão de estereotipias étnicas.<br />

Nesse sentido, trouxemos para o deb<strong>ate</strong> a necessidade de atualização do<br />

trabalho docente no tocante à tecnologia educacional para uso em sala de aula, como um<br />

recurso importante inclusive com crianças pequenas. Isso porque temos uma nova<br />

autodidaxia se desenvolvendo há vários anos por meio das mídias, ou seja, é preciso<br />

pensar a comunicação no sentido de servir como subsídio metodológico em sala de aula<br />

com crianças menores, de modo que temáticas como a educação para as relações étnicoraciais<br />

sejam mais bem trabalhadas e compreendidas pelos partícipes no processo.<br />

237


Observamos também que mesmo com a existência da Lei 10.639/2003<br />

(alterada para 11.645/2008), em que torna obrigatório o Ensino da História africana e<br />

dos afro-brasileiros que a temática em questão é muito recente nas Instituições de<br />

Educação Infantil, que ainda estão buscando se adequarem a essa realidade.<br />

E por fim, ressaltamos que somente a utilização de estratégias pedagógicas<br />

inclusivas por parte de professor (a) não são o suficiente para construir uma sociedade<br />

sem discriminação, tendo em vista, que esse problema se faz presente desde os<br />

primórdios da “descoberta” e posterior colonização do país, porém elas se constituem<br />

como uma ferramenta importante no comb<strong>ate</strong> ao preconceito e racismo junto às crianças<br />

pequenas.<br />

REFERÊNCIAS<br />

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240


ARTE E ESTÉTICA INDÍGENA NO MARANHÃO: povos Canela<br />

Ramkamkomekrá e Apanyekrá<br />

INDIGENOUS ART AND AESTHETIC IN MARANHÃO: Canela peoples<br />

Laiane da Silva Fonseca (Graduanda do Curso de Artes Visuais da UFMA)<br />

Larissa Lacerda Menendez (Doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP) 23<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 1 - Arte, Tecnologia e Educação.<br />

RESUMO: O artigo apresenta resultados preliminares de plano de estudos de iniciação<br />

científica de projeto de pesquisa a respeito dos povos indígenas Canela<br />

Ramkamkomekrá e Apanyekrá do Maranhão a partir de análise de bibliografia e<br />

sistematização de dados de campo realizados no ano de 2017. Os povos Canela<br />

organizam um calendário sazonal que abrange a iniciação dos rapazes. Para terem seus<br />

corpos fortalecidos, meninos e meninas, homens e mulheres, fazem diversos tipos de<br />

pinturas corporais, danças, cantos, ofertas de dádivas em rituais que duram meses e se<br />

perpetuam através dos anos. A concepção de força e saúde dos povos Canela está<br />

relacionada à prática das festas e rituais, em que as expressões artísticas conectam os<br />

humanos aos sobrenaturais e possibilitam a perpetuação da vida.<br />

Palavras-chave: Canela, Ramkamkomekrá, Apanyekrá, artes.<br />

ABSTRACT: The article presents preliminary results of a study plan of scientific<br />

initiation of a research project concerning the indigenous peoples Canela<br />

Ramkamkomekrá and Apanyekrá of Maranhão, based on a bibliographical analysis and<br />

systematization of field data in the year 2017. The Canela peoples organize a Seasonal<br />

2323 Professora do curso de Artes Visuais da UFMA. Professora Colaboradora do Programa de Pós-<br />

Graduação em Cultura e Sociedade da UFMA. Professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação<br />

de Estudos de Cultura Contemporânea da UFMT.<br />

241


calendar for the initiation of the boys. In order to have their bodies strengthened, boys<br />

and girls, men and women, make various types of body paintings, dances, songs, ritual<br />

offerings that last for months and perpetu<strong>ate</strong> through the years. The conception of<br />

strength and health of the Canela people is rel<strong>ate</strong>d to the practice of parties and rituals,<br />

in which artistic expressions connect humans to the supernatural and make possible the<br />

perpetuation of life.<br />

Keywords: Canela, Ramkamkomekrá, Apanyekrá, Arts.<br />

O presente artigo é decorrente de pesquisa em iniciação científica do plano<br />

de estudos intitulado “Arte e estética indígena no Maranhão: povos Canela” orientado<br />

pela Prof.ª Dra. Larissa Lacerda Menendez, coordenadora do projeto de pesquisa<br />

“Estéticas indígenas: artes visuais Canela e Ka’apor no Maranhão”, da Universidade<br />

Federal do Maranhão, que propõe o deb<strong>ate</strong> sobre estéticas indígenas contemporâneas<br />

com a intenção de discutir e dar visibilidade à questão indígena. A difusão do<br />

conhecimento sobre a cultura dessas comunidades é uma importante ferramenta de<br />

valorização dessas populações e de produção de m<strong>ate</strong>rial didático e científico<br />

qualificado sobre as artes indígenas contemporâneas.<br />

Os Ramkomkamekrá e Apanyekrá, grupos Timbira que habitam o estado do<br />

Maranhão, são grupos indígenas vulgarmente designados como “povos Canela” e<br />

habitam diversas aldeias localizadas nas proximidades da cidade de Fernando Falcão.<br />

São grupos falantes da língua canela, do tronco linguístico macro-jê e com organização<br />

social típica dessas sociedades, com grandes aldeias circulares e organização complexa<br />

estabelecida entre diferentes clãs.<br />

Este trabalho expõe os resultados parciais de pesquisa, acerca dos<br />

significados de rituais e da pintura corporal Canela através da análise bibliográfica feita<br />

da obra “MOÇOS FEITOS, MOÇOS BONITOS: a ornamentação na prática Canela de<br />

construir corpos bonitos e fortes”, da autora Josinelma Rolande(2013) e reflexões feitas<br />

no Grupo de Estudos em Arte, Memória e Etnicidade a partir de leituras de Gell (2005)<br />

242


e Velthem (2007), além de apresentar dados coletados na visita à aldeia Escalvado, em<br />

2017, em um dos ciclos cerimoniais do ritual de iniciação masculina, o Pepjê. 24<br />

As artes indígenas foram durante muito tempo objeto de estudos<br />

antropológicos, para finalidades de explicação de contextos culturais. Nos tratados de<br />

estética clássica e ocidentais, autores como Hegel, Pareyson, Ecco, entre outros, essa<br />

modalidade não é sequer considerada enquanto arte, sob alegação de que se tratariam de<br />

simples peças artesanais, de uso funcional. Porém, Boas (1927), após analisar diversos<br />

padrões artísticos encontrados na produção de povos da América do Norte, afirma as<br />

suas produções como expressão da sensibilidade estética dos povos americanos. A partir<br />

da tradição coletiva, expressada em diferentes formas, técnicas e padrões, observa-se<br />

também a virtuosidade de certos artistas dentro das comunidades. O autor aponta para o<br />

desconhecimento do mundo ocidental a respeito dos cânones das artes dos povos<br />

originários e destaca a necessidade de conhecer os contextos culturais, míticos e<br />

imaginários dessas sociedades para a compreensão profunda do significado de suas<br />

artes.<br />

Gell (2007) propõe uma teoria da arte que possa englobar todos os tipos de<br />

expressões artísticas humanas, das sociedades ocidentais e não ocidentais. Dessa<br />

perspectiva, o objeto artístico deve ser analisado dentro de seu contexto: para ser<br />

considerado arte, em qualquer cultura, um objeto deve propor um desafio cognitivo,<br />

trazer elementos técnicos e simbólicos de padrões culturais extremamente elevados.<br />

Além do domínio técnico que provoca encanto, o autor afirma que ele se estabelece em<br />

uma rede de relações entre os homens e as divindades que os inspiram. Os objetos<br />

exercem agências sobre os homens, os padrões visuais, os elementos técnicos altamente<br />

sofisticados, mobilizam forças, elementos que agem sobre a vida e sobre o meio onde<br />

circulam.<br />

24 Em setembro de 2017 Profa. Larissa Menendez visitou a aldeia Escalvado, em Barra do Corda,<br />

Maranhão, para pedir autorização para pesquisa, ocasião em que presenciou algumas cerimônias do ritual<br />

Pepjê descritas nesse artigo.<br />

243


Há dois grupos Canela, os Ramkokamekrá e os Apanyekrá, que falam a<br />

língua da família Jê, localizados no estado do Maranhão, somando aproximadamente<br />

2175 pessoas, segundo dados da SESAI de 2012.<br />

Segundo Crocker (1990:xxv) as principais fontes sobre os Canela datam do<br />

começo do século XV<strong>II</strong>I e dos relatórios do capitão Francisco de Paula Ribeiro e do<br />

livro de Curt Nimuendajú (1930).<br />

Os Canela foram assolados, ao decorrer de sua história, até recentemente,<br />

por diversas mazelas e investidas genocidas da população não-indígena. Em 1816 e<br />

1817 foram acometidos, assim como outras nações timbira, por uma epidemia de<br />

varíola (1976:19). Nesse período eram escravizados e vendidos em São Luís ou Belém.<br />

Apesar da proibição, em 1808, uma carta régia decretou a permissão da captura e<br />

escravidão de indígenas Botocudos e os Timbira eram considerados semelhantes a eles,<br />

por isso também foram escravizados. No final de 1815 os Canela foram atraídos para<br />

Caxias sob pretexto de atacar os povos Raposa. Porém, a verdadeira finalidade era<br />

infectá-los com varíola.<br />

“Deixaram que os Canelas se virassem pela comunidade, em vez de serem<br />

organizados pelas autoridades que deveriam cuidar de suas necessidades<br />

econômicas. Abandonados, os famintos Canelas dividiram-se em grupos e<br />

produziram quase que maior dano entre os colonizadores, através de roubo,<br />

do que haviam feito, anteriormente, através de guerra. Em seguida, os<br />

homens que haviam roubado gado ou as mulheres que haviam arrancado<br />

mandioca ou outros vegetais das roças foram chicoteados. Mães que<br />

amamentavam foram acorrentadas separadamente de seus bebês. Quando o<br />

chefe Tempê e outros homens canelas protestaram, o chefe foi chicoteado e<br />

vários outros foram mortos. “ (Crocker, 1976:20)<br />

Em 1950 houve uma nova pacificação, liderada por Hii-Khroo (Crocker,<br />

1976:21). A violência continuou, crianças eram dadas aos fazendeiros para trabalharem<br />

como serventes e meninas adolescentes eram entregues aos fazendeiros para exploração<br />

sexual. O povo Canela sofreu ainda uma emboscada comandada pelos criadores de gado<br />

do sítio dos Arruda, ocasião em que os pistoleiros atiraram em cinquenta homens e as<br />

mulheres fugiram para outras aldeias (Crocker, 1976:32). Em 1963 houve um<br />

movimento messiânico que provocou conflito entre os canela e os fazendeiros da região,<br />

244


forçando o exílio para uma reserva Guajajara (1976:42). Na década de setenta os Canela<br />

sofrem ainda a evangelização por parte do Summer Institute of Linguists, organização<br />

que realizou o mapeamento das jazidas minerais de toda a América Latina (Colby e<br />

Dennet, 1998).<br />

Destaca-se entre esse povo uma organização social extremamente complexa,<br />

marcada por ciclos de rituais que se estendem sazonalmente, formando um calendário<br />

muito particular dessa cultura. Um rapaz em formação deverá passar por diferentes<br />

etapas de aprendizado, desde sua reclusão, saída, acampamento de jovens e essa<br />

formação se estende durante meses de determinados ciclos anuais. Assim, uma etapa de<br />

ritual pode ser realizada durante alguns meses e deverá ter continuidade apenas dois<br />

anos depois. Nessas ocasiões toda a sociedade se mobiliza, pois há uma grande<br />

distribuição de dádivas durante as celebrações de ritos, o que significa um grande<br />

montante em dinheiro para os pais e parentes daqueles que serão iniciados. Dentre<br />

diversos rituais podemos citar o ritual Pep-Kahak, que celebra o ritual dos guerreiros<br />

que formaram o atual povo Canela Ramkomkomekrá, constituído por outros povos<br />

remanescentes e diferentes clãs (1976: 16). Há ainda o Festival Kêêtúwayê (das almas),<br />

o festival dos membros masculinos da sociedade do Gavião (Hák), o festival dos<br />

Guerreiros Simulados, Pepjê, todos esses marcando o calendário das comunidades e<br />

com cerimônias próprias.<br />

É preciso destacar que a pintura corporal, os cantos, as danças no contexto<br />

canela estão intimamente ligados aos rituais e à visão cosmológica desse povo. Muito<br />

além de especular a pintura corporal indígena como arte sob os preceitos ocidentais, fazse<br />

necessária a compreensão desta como peça inserida em um importante contexto, rica<br />

em significados próprios. Conhecer a arte corporal Canela exige do observador se despir<br />

desses aspectos formais da arte, das referências ocidentais de estética, e que esteja<br />

aberto à compreensão dessa ornamentação articulada às interações sociais desse povo.<br />

Segundo Rolande (2013) existe na pintura corporal Canela, uma associação<br />

ao termo bonito, muito presente em suas falas, “pinta pra ficar bonito”, na construção de<br />

corpos fortes e saudáveis. Para os Canela estar bem é ser bonito. Ser saudável faz parte<br />

245


da concepção que essa sociedade tem de ser bonito. Temos que entender sua arte nessa<br />

perspectiva da beleza que eles têm e esta ligada à ideia de bem estar na construção de<br />

seus corpos. Os Canela se pintam na intenção de manter sua saúde, por isso, a pintura<br />

acompanhará cada individuo do nascimento à morte.<br />

Rolande (2013) concebe a arte de pintura Canela a partir dessa abordagem<br />

interpretativa, isso possibilita a reflexão de como a noção de bonito vem sendo<br />

construída pelos Canela, sendo tal noção fundamental para o entendimento das relações<br />

que este povo estabelece com o todo.<br />

Verifica-se que, aqui, a relação com a pintura transcende os aspectos<br />

funcionais da arte. A linguagem do conjunto de significados presente na face criativa<br />

Canela não segue uma lógica conceitual artística do ocidente, pelo contrário, estabelece<br />

uma relação que não está dissociada de seu contexto social, relação esta que parte da<br />

forma específica de interpretação da percepção de mundo que essa população tem.<br />

Na prática cotidiana, a pintura é utilizada com a finalidade de deixar o corpo<br />

forte ou adquirir certas habilidades. Existe uma relação com os mundos animal e<br />

vegetal, sendo uma forma de relacionamento com a alteridade, que ocorre através da<br />

incorporação daquilo que o outro tem de melhor a oferecer na construção de corpos<br />

bonitos, identificando como, entre os Canelas, ficar bonito está articulado à ideia de<br />

bem-estar/‘corpo forte’.<br />

Entre os Canelas, utiliza-se o termo impej para falar de algo positivo,<br />

podendo ser traduzido como estar tudo bem / estar bonito. Portanto, quando<br />

me dizem que pintam para ficar bonitos, entendo que a pintura corporal ajuda<br />

a manter a ordem / o bem estar, principalmente, quando padrões de pintura<br />

são utilizados de acordo com a classe de idade e o sexo de cada indivíduo.<br />

(ROLANDE, 2013. p 34)<br />

Existe um caráter agentivo na ação de cada pintura nesta sociedade, ela é<br />

algo que age sobre os corpos Canela como forma de prevenção a doenças. A partir da<br />

fala dos Canela como “pinta pra ficar bonito”, a autora compreende que esta questão de<br />

beleza para eles significa saúde e bem estar, percebendo que existe na pintura uma<br />

forma de relacionamento Canela com a alteridade. Pretende-se a ação dessas pinturas<br />

246


sobre os seus corpos. Portanto, para eles, há uma eficácia na intencionalidade dos<br />

padrões de cada pintura para a construção de um canela forte e saudável. A pintura<br />

corporal age sobre os corpos, fazendo os canela sabidos, endurecidos, saudáveis e<br />

bonitos.<br />

Inclusive, o ficar bonito para os Canela compreende também a ação dos<br />

m<strong>ate</strong>riais utilizados na pintura sobre o corpo. A construção do corpo compreende, além<br />

das pinturas, a matéria prima como poder de ação, por exemplo o cheiro do urucu<br />

garante que a criança cresça forte e saudável, como Rolande observa:<br />

Os ahkraré (meninos pequenos) e as mekupryré (meninas pequenas) –<br />

aqueles que ainda não se tornaram mentuwa (rapaz) e mekupry (moça) – têm<br />

o corpo pintado com maior frequência. A partir da observação dessas<br />

pinturas, pensando que a pintura acelera o crescimento e protege as crianças<br />

de doenças, buscou-se o significado e concluiu que é pintando o filho, quase<br />

que diariamente, que a mãe vai fabricando um corpo saudável. (ROLANDE,<br />

2013. p. 32)<br />

Para tanto, a pintura corporal canela é uma atividade exclusivamente<br />

feminina, ficando a mulher responsável por pintar o corpo de seu marido e de seus<br />

filhos solteiros e restringida a esta atividade durante seu período menstrual, pois o<br />

sangue menstrual é tido como enfraquecedor de corpos. (ROLANDE, 2013. p. 32).<br />

Diversos m<strong>ate</strong>riais são usados para elaborar as pinturas corporais, entre eles<br />

a janaúba, chamada de pau-de leite pelos Canela, de onde se extrai a resina misturada<br />

com carvão vegetal e aplicada sobre a pele. O urucum é fervido em água e amassado<br />

com as mãos e misturado com óleo de babaçu. O jenipapo é ralado, ainda verde, e<br />

misturado com água, fervido e guardado em recipientes para ser usado posteriormente<br />

(Cf. ROLANDE, 2013. p. 30).<br />

Também se faz necessário, na pintura canela, conhecer o nome de cada<br />

pintura. Isso possibilita mensurar um pouco a grandeza simbólica em cada padrão de<br />

pintura. Estes cabem à forma como o indivíduo canela compreende a si e ao outro, pois<br />

alguns padrões de pintura estão relacionados diretamente com os mundos animal e<br />

vegetal. Percepções com a alteridade que compreendem e explicam a intenção de ser<br />

247


saudável, forte e bonito. Rolande observa que antes de apenas querer parecer com o que<br />

o padrão está relacionado, existe na pintura Canela “a pretensão de ser ou ter aquilo que o<br />

animal ou vegetal possuem de melhor, daí a utilização de pinturas.” (ROLANDE, 2013. p<br />

39)<br />

A autora explica que:<br />

Esse tornar-se outro, pode ser ilustrado com um mito canela que narra a<br />

grande “sabedoria” (amyi ya’kre-pey = se automostrar-bem = se<br />

autoconhecer = sabido) que esse povo tinha, sendo capaz até mesmo de<br />

transformar-se em animais e retornar à forma humana. Mas, devido à<br />

intensificação do contato com o mundo dos brancos, “os Canelas perderam<br />

sua genérica ‘sabedoria’, perda que também se verificou quando passaram a<br />

consumir, cada vez mais, alimentos contendo substâncias poluidoras,<br />

introduzidos pela Moça-estrela, e carne cozida ao fogo” (Crocker, 1978:6).<br />

Com a perda dessa sabedoria, os Canelas “tinham, agora, que ‘adquirir’ sua<br />

própria capacidade e força, através da prática rigorosa de ‘restrições’”<br />

(ibid.:22), sendo os rituais, a pintura, a cantoria, também relevantes nesse<br />

processo de busca por essa “sabedoria” perdida. Assim, ser “sabido” (amyi<br />

ya’kre-pey), como o próprio termo sugere, é se automostrar bem, isto é, se<br />

automostrar impey (bonito). (ROLANDE, 2013. p 39,40)<br />

Então, nessa intenção de retorno a sabedoria original, os canela se valem da<br />

pintura corporal, como vemos, não apenas para cobrir o corpo, mas para garantir sua<br />

identidade enquanto ser canela, através da linguagem de símbolos mantendo-se bonitos<br />

e fortes.<br />

Na visita à aldeia Escalvado, em 2017, ocasião em que pedimos licença à<br />

comunidade para realizar uma pesquisa entre os Canela, houve a saída dos meninos<br />

reclusos, era uma das etapas do grande ciclo do ritual Pepjê. Os moços haviam ficado<br />

reclusos em seus quartos, sem poder ver o sol, alimentando-se de modo regrado. Após<br />

saírem da reclusão, os rapazes foram levados a diversas casas de seus avós e parentes e<br />

foram pintados por mulheres idosas. Houve uma grande corrida de toras, seguida pela<br />

distribuição de presentes. Cada um dos meninos subia no telhado de uma casa e de lá de<br />

cima jogava refrigerantes, cobertores, bacias. Outro bando de rapazes corria para<br />

apanhar as dádivas e entregá-las a jovens moças que acompanhavam a corrida. Esse foi<br />

um momento de alegria, descontração e solidariedade. A partir desse momento, os<br />

248


moços estavam proibidos de dormir na casa de seus pais e foram dormir no<br />

acampamento dos jovens.<br />

Ao final da tarde muitas mulheres se reuniram para assistir aos jovens que<br />

deveriam tocar, um a um, um maracá diante de um dos anciãos. Foi um momento<br />

solene, de silêncio absoluto. Todos os Kopó, as espadas de madeira que usavam para<br />

fazer barulho e se comunicar durante a reclusão (pois não era permitido falar) foram<br />

entregues no pátio. Terminada a prova, os rapazes ficaram no pátio, sobre as esteiras, e<br />

foram servidos refrigerantes e comidas a eles. À noite ficavam fazendo ronda pela<br />

aldeia, como guerreiros vigilantes.<br />

F 1 Larissa Menendez, aldeia Escalvado, 2017, ritual Pepjê, entrega dos Kopó.<br />

Durante a etapa que presenciamos, no ritual Pepjê pode-se observar que<br />

muitos jovens se pintavam e se enfeitavam, assim como as mulheres cantoras e demais<br />

membros da comunidade. Rolande (2013) observou que com exceção dos meninos<br />

reclusos, quase todos se pintavam nos dias de festa. Segundo a autora os padrões mais<br />

usados pelos homens eram as pinturas de bacaba, jabuti, peixe, sucuri, pintura de<br />

homem adulto. A pintura usada pelas mulheres era pintura de moça e pintura de<br />

carrapato e pintura para mulheres que eram mães.<br />

249


F 2Foto: Larissa Menendez, aldeia escalvado, setembro de 2017, pintura da cobra, Pepjê.<br />

Velthem (2007) afirma que muitas vezes os grafismos são verdadeiras metáforas<br />

visuais. No caso da pintura corporal canela percebe-se que as pinturas ativam potências<br />

dos seres que representam. A pintura de pássaros como urubu e o bem-te-vi, de formato<br />

triangular, no pescoço, ajudam a voz a ficar mais alta e limpa para o canto, tornando as<br />

mulheres boas cantadoras. As pinturas de cobra fortalecem o corpo e proporcionam<br />

saúde.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Diante desse pequeno recorte podemos perceber como na sociedade Canela<br />

tudo está conectado. Conhecer suas expressões artísticas é estar no meio da própria<br />

identidade Canela, onde pintura e saúde fazem parte do mesmo sistema.<br />

Os dados sistematizados a partir da análise bibliográfica das obras citadas e<br />

da breve experiência de campo nos possibilita compreender que a pintura corporal<br />

Canela está associada à saúde, pois os símbolos referentes a cada padrão de pintura<br />

evocam a ação de elementos da natureza sobre os corpos dessas pessoas. Dessa forma, a<br />

análise de alguns padrões de pintura aponta para uma simbologia carregada de<br />

intencionalidade e eficácia na prática ornamental entre os Canela. Ser Canela é também,<br />

por isso, estar preocupado com a manutenção de sua saúde sendo a pintura corporal<br />

peça fundamental para tal.<br />

250


REFERÊNCIAS<br />

COLBY e DENNETT, Seja feita a vossa vontade, Trad. Jamari França, Editora<br />

Record, RJ,SP, 1995.<br />

BOAS, Franz. Arte primitiva. Editora MAUAD, 1927.<br />

CROCKER,William H. Título: The Canela (Eastern Timbira), I: An Ethnographic<br />

Introduction, 1990.<br />

GELL, Alfred. A tecnologia do encanto e o encanto da tecnologia. 1992. Revista<br />

Concinnitas, ano 6, volume 1, número 8, julho 2005.<br />

ISA - Instituto Socioambiental. Disponível em: https://www.socioambiental.org/.<br />

Acesso em 29 de Outubro de 2017.<br />

LAGROU, Els. Arteou artefato? Agência e significado nas artes indígenas. São<br />

Paulo: Revista Proa, nº 02, vol. 01, 2010.<br />

ROLANDE, Josinelma. Moços feitos, moços bonitos: a ornamentação na prática<br />

canela de construir corpos bonitos e fortes. Dissertação de mestrado, Programa de<br />

Pós-Graduação em Ciências Sociais, dissertação de mestrado, 2013.<br />

VELTHEM, Lucia Hussak. Trançados indígenas norte amazônicos: fazer, adornar,<br />

usar Revista de Estudos e Pesquisas, FUNAI, Brasília, v.4, n.2, p.117-146, dez. 2007<br />

251


ARTE E ESTÉTICA INDÍGENA NO MARANHÃO: povos Ka’apor<br />

INDIGENOUS ART AND AESTHETIC IN MARANHÃO: Ka’apor peoples<br />

Grazielle Cabral Fernandes<br />

(Bolsista PIBIC-UFMA- Graduanda do curso de Artes Visuais na UFMA)<br />

Larissa Lacerda Menendez<br />

(Doutora em Ciências Sociais pela PUC-SP) 25<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e<br />

Educação<br />

RESUMO: Essa artigo é resultado parcial dos dados analisados a partir do plano de<br />

iniciação científica que faz parte do projeto "Estéticas indígenas contemporâneas: a arte<br />

Canela e Ka'apor no Maranhão”, elaborado pela Dra. Larissa Lacerda Menendez. A<br />

partir da análise bibliográfica da obra “Arte Plumária dos índios Ka’apor (Ribeiro e<br />

Ribeiro, 1957) foram selecionadas algumas peças da arte plumária deste povo,<br />

abordando a compreensão de sua função social e análise estética.<br />

Palavras-chave: Arte, Estética, Ka’apor, Plumárias.<br />

ABSTRACT: This article is a partial result of the data analyzed from the plan of<br />

scientific initiation that is part of the project "Contemporary indigenous aesthetics:<br />

Canela and Ka'apor art in Maranhão", elabor<strong>ate</strong>d by Dr. Larissa Lacerda Menendez.<br />

"Plumage Art of the Ka'apor Indians (Ribeiro and Ribeiro, 1957) selected some pieces<br />

of the feather art of this people, approaching the understanding of their social function<br />

and aesthetic analysis.<br />

Keywords: Art, Aesthetics, Ka'apor.<br />

25 Professora do Curso de Artes Visuais da UFMA, colaboradora do Programa de Pós-Graduação em<br />

Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Maranhão, colaboradora do Programa de Pós-Graduação<br />

em Cultura e Sociedade da UFMT.<br />

252


INTRODUÇÃO<br />

A produção de m<strong>ate</strong>riais científicos a respeito das artes indígenas do Brasil<br />

é consideravelmente pequena comparada às produções a respeito das artes europeias. É<br />

comum também observar a falta de conteúdo a respeito do assunto nas escolas<br />

brasileiras. É com a implementação da lei 11645/08, que institui a obrigatoriedade do<br />

ensino das culturas africanas, afro-brasileiras e indígenas, principalmente nas áreas de<br />

literatura, história e das artes, a produção de m<strong>ate</strong>rial científico sobre a arte dos povos<br />

do Maranhão torna-se urgente.<br />

Devido à escassa produção de m<strong>ate</strong>riais a respeito das artes indígenas do<br />

Brasil, faz-se necessário produzir pesquisas das artes indígenas com o intuito de<br />

valorização, conhecimento da diversidade cultural do Brasil que ainda é bastante<br />

influenciada só pelo olhar europeu.<br />

O plano de pesquisa “Arte e estética indígena no Maranhão: povos Ka’apor”<br />

está inserido no projeto de pesquisa “Estéticas indígenas: artes visuais Canela e Ka’apor<br />

no Maranhão” elaborado pela professora Larissa Lacerda Menendez que propõe analisar<br />

a bibliografia a respeito dos povos Ka’apor do Maranhão e também mapear e analisar as<br />

produções artísticas visuais existentes no acervo imagético e museológico dessa etnia<br />

encontrado no Museu Nacional, Museu de Arte e etnologia da USP, entre outros.<br />

A arte plumária dos povos indígenas do Brasil faz parte de diversas coleções<br />

nacionais e internacionais e destaca-se por sua grande beleza.<br />

Os Ka’apor surgiram como um povo distinto há cerca de 300 anos,<br />

provavelmente na região entre os rios Tocantins e Xingu; (ISA, 2017).Sua<br />

autodenominação é Ka’apor, mas também são conhecidos por nomes alternativos como<br />

Urubu (nome dado aos invasores luso-brasileiros durante o século XIX), Kambô,<br />

Urubu-Caápor e Urubu-Ka’apor; (ISA, 2017)<br />

As artes plumárias são um das manifestações artísticas mais criativas dos<br />

indígenas brasileiros. Cada grupo acaba possuindo seu estilo, técnica e atributos que vão<br />

desde os tipos de aves a serem caçadas à combinação de cores e formas, permitindo<br />

assim o reconhecimento como identidade própria de cada povo com precisão.<br />

253


Os Ka’apor são representantes de uma tradição vinda dos antigos Tupi que<br />

habitavam a costa por ocasião da descoberta. (BIENAL, 1983 p.33) Chamam muita<br />

<strong>ate</strong>nção por serem, dentre os indígenas de todo o Brasil, os mais destacados quanto<br />

ornamentação plumária.<br />

Pelo virtuosismo e da execução e a delicadeza das formas, em que, usando<br />

plumas e penas de dezenas de aves recompõem a morfologia dos pássaros, os adornos<br />

plumários Ka’apor foram definidos como “joias de penas”. (BIENAL, 1983 p. 33)<br />

É uma tradição artística de bastante complexidade; com seus arranjos de<br />

harmonia de cores e uso de técnicas que exigem habilidade e muita concentração. É<br />

uma arte que causa toda uma magia, um encanto para a visão ocidental. Esse<br />

encantamento e fascínio pelos objetos de arte são bem discutidos e defendidos por<br />

Gell(2005: 45) “Considero várias artes- componentes de um sistema técnico vasto e<br />

frequentemente não reconhecido, essencial para a reprodução das sociedades humanas,<br />

ao qual eu chamarei de tecnologia do encanto”.<br />

A arte plumária Ka’apor possui todo um contexto a ser analisado. Não<br />

exprime somente criatividade e beleza, tem todo um significado sociocultural muito<br />

grande por trás. Cada ornamento plumário tem uma função dentro da sociedade<br />

Ka’apor. Há adornos feitos para uso exclusivo das mulheres, adornos feitos para uso<br />

exclusivo dos homens, adornos usados por ambos os sexos e sem distinção de idade e<br />

em especial, adornos feitos para serem usados em cerimoniais.<br />

Devido a todo esse encanto que a arte plumária dos Ka’apor nos causa foi<br />

dedicada especialmente a essa prática o livro “Arte Plumária dos Índios Ka’apor”<br />

subproduto de outro livro chamado “Diários Índios: Os Urubu-Ka’apor” do autor Darcy<br />

Ribeiro. A “Arte Plumária dos índios Ka’apor” é um livro que se compõe de uma<br />

coleção de lindas imagens dos mais belos ornamentos plumários, contendo informações<br />

a respeito de cada objeto;<br />

254


ORNAMENTOS PLUMÁRIOS<br />

A complexidade das ornamentações Ka’apor inicia-se desde a captura dos<br />

animais; primeiramente por serem aves, com grande liberdade e facilidade na<br />

locomoção e segundo por serem animais muito pequenos o que dificulta ainda mais a<br />

captura.<br />

“No Brasil Indígena, há dois grupos de estilos plumista. O primeiro grupo<br />

congrega penas longas associadas a suportes rígidos que conferem um<br />

aspecto grandioso e monumental ao artefato. [...] O segundo caracteriza-se<br />

por diminutas penas dispostas com requinte em suportes flexíveis de aspecto<br />

primoroso e delicado. Seus mais legítimos representantes são os Munduruku,<br />

os Urubu-Ka’apor e outros grupos tupis.” (BIENAL 1983 p. 13)<br />

Entre as artes plumárias Ka’apor destacam-se o Diwa-kuawhar, braçadeiras<br />

de plumas que formam a representação da morfologia de uma flor. O Artista Ka’apor<br />

utiliza-se de contraste de cores e consegue representar desde a estrutura do cálice e da<br />

corola, até os estames das flores.<br />

“A prancha apresenta duas variantes. A primeira (33 cm de comp.) consiste<br />

de um fio de sementes negras (awai) e brancas (coix lacrima) entre as quais<br />

foram armadas “flores” compostas de plumas cor laranja do papo de tucano<br />

(Rhamphastos vitelinus therezae), representando a corola e negras frisadas do<br />

topete do mutum fêmeas (Crax fasciolata), figurando os “estames””<br />

(RIBEIRO, Darcy. RIBEIRO, Berta G. 1957)<br />

F 3Museu do Índio – N 2632. Vinheta de H. Fénelon.<br />

255


O Tukaniwar são colares femininos presentes em diversas coleções de<br />

museus, como o Centro de Pesquisa em Arqueologia e Etnologica do Maranhão<br />

(CPHANAMA). Porém, no exemplar da figura 1, o artista inovou ao inserir penas roxas<br />

na região ao redor do pescoço. Nos outros exemplares de coleções as penas são<br />

tradicionalmente feitos de plumagem de tucano e o exemplar abaixo é feito de penas de<br />

anambé roxo.(RIBEIRO, Darcy. RIBEIRO, Berta G. 1957)<br />

Um ponto importante desse objeto é a inserção de novos arranjos no colar,<br />

predominando somente o medalhão com a mesma forma e composição plúmea dos<br />

padrões. O que diferenciou foi a substituição das fieiras que tradicionalmente são feitas<br />

com plumas do papo de tucano por plumas vináceo-púrpura e azul-comelia, de anambé<br />

roxo. O artista que confeccionou, exprime certa liberdade de experimentação. Os<br />

artistas da plumária Ka’apor têm como característica a criação de novas composições<br />

não se limitando somente aos padrões de arranjos comuns, aumentando o repertório de<br />

colares.<br />

Outro Tukaniwar diferente do usual é marcado pela ausência da fieira de<br />

plumas de papo de tucano e de plumas no anambé-roxo, substituída por minúsculos<br />

ossinhos ocos de passarinhos (figura 2). O medalhão é do tipo comum: também nele as<br />

penas caudais do saurá (Phoenixcercus carnifex), de colorido vermelho-escarl<strong>ate</strong> e<br />

ponta vermelho-marroquino figuram a cauda do pássaro; (RIBEIRO, Darcy. RIBEIRO,<br />

Berta G. 1957)É interessante observar nesse ornamento é que além de inovador, por não<br />

ter fieiras de plumas, o artista Ka’apor tem uma técnica habilidosa para conseguir<br />

recompor a morfologia de um pássaro. O Darcy fala na sua obra sobre a composição da<br />

plumagem do pássaro imaginário:<br />

“Representando o corpo e a cabeça da ave imaginária, comparece a pele do<br />

abdômen e do papo do mencionado anambé, de tonalidade azul-de-Bremen e<br />

cotinga-púrpura, respectivamente. A composição é completada por uma orla<br />

de plumas desse cotingídeo que emoldura a parte inferior do medalhão,<br />

passando também no centro.” (RIBEIRO, Darcy. RIBEIRO, Berta G. 1957)<br />

256


F 4Museu do Índio – N 5422. Vinheta de Georgette Dumas.<br />

O Awa-Tukaniwar (figura 3) é um colar-apito de uso cerimonial masculino. Assim<br />

como o Tukaniwar, sua ornamentação também é diferente das demais. Difere-se pela<br />

ausência do pingente dorsal, como pelo feitio embricado da emplumação do cordel-base<br />

com plumas de cor laranja do papo de tucano (Rhamphastos vitellinus therezae).<br />

F 5Museu do Índio – N 24705. Vinheta de José Coelho.<br />

Esse colar , é usado nas cerimonias de nominação das crianças. Durante o<br />

batismo, o padrinho precisa estar com a criança em seus braços tocando o apito do Awatukaniwar.<br />

Entre os Ka’apor, se distinguem os adornos de uso cotidiano, uso feminino e<br />

uso masculino e cerimonial. É através dessas plumagens que identificamos toda uma<br />

compreensão social desse povo, cada objeto tem a intenção de transmitir uma<br />

mensagem, não só de enfeitar o corpo.<br />

257


Uma observação interessante a respeito é que independente do ornamento<br />

ser apenas usado cotidianamente ou em ocasiões especiais, o cuidado em riqueza de<br />

detalhes, o procedimento técnico e recomposição morfológica é trabalhado igualmente<br />

para todos. Isso mostra quão é importante a questão da preservação da própria<br />

identidade como Ka’apor. É através dessas plumagens que identificamos toda uma<br />

compreensão social desse povo, cada objeto tem a intenção de transmitir uma<br />

mensagem.<br />

CONCLUSÃO<br />

Contudo, pode-se compreender que a Arte plumária Ka’apor por mais que<br />

sejam objetos que chamam <strong>ate</strong>nção pela sua riqueza de detalhes e provoque uma certa<br />

magia, não deve ser vista somente pelo ponto de vista estético aparente, é uma tradição<br />

que carrega consigo toda uma identidade desse povo, que transmite uma mensagem<br />

sobre cada indivíduo (classificando o seu uso quanto à sua função dentro da<br />

comunidade), é uma cultura que resiste em meio ao mundo completamente capitalista<br />

onde qualquer objeto de arte seja apenas visto com um olhar estético e decorativo. É<br />

uma tradição de bastante complexidade e que não possui proibição ou rigorosidade<br />

quanto a confecção de novos padrões de objetos.<br />

REFERÊNCIAS<br />

RIBEIRO, Darcy; RIBEIRO, Berta G. Arte Plumária dos índios Ka’apor. Rio de<br />

Janeiro: ed. Dos Autores, 1957.<br />

ISA – Instituto Socioambiental. Disponível<br />

em:https://pib.socioambiental.org/pt/povo/kaapor. Acesso em 08 de novembro de 2017.<br />

Arte Plumária do Brasil , 17° Bienal de São Paulo. Disponível em<br />

www.bienal.org.br/publicacao.php?i=2127. Acesso em 03 de Outubro de 2017.<br />

GELL, Alfred. “A tecnologia do encanto e o encanto da tecnologia”. Revista<br />

Concinnitas, ano 6, vol.1, 8, julho,2005.<br />

258


ARTESÃS CRIATIVAS: processo de criação de biojoias.<br />

CREATIVE ARTS: process of creation of bio- jewelry.<br />

Samara Lobo Matos,<br />

Graduanda.<br />

Gisele Reis Correa Saraiva,<br />

Mestra.<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

Orientador – Gisele Reis Correa Saraiva<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

sah_lobo@hotmail.com<br />

gisarco41@gmail.com<br />

RESUMO: O design por muito tempo foi relacionado ao luxo, e como atividade que<br />

participava somente da produção do objeto na fase relacionada a aparência do produto.<br />

Nas últimas décadas essa situação vem mudando, o design passa a adotar “uma visão<br />

sistêmica, que se confronta com a complexidade das redes sociais, que desenvolve uma<br />

capacidade de escuta, que atua dentro dos fenômenos da criatividade e do<br />

empreendorismo difusos que caracterizam a sociedade atual” (Krucken, 2009, p.14).<br />

Passando o designer a atuar em várias áreas não mais como detentor do conhecimento,<br />

mas como ser participativo em todo processo. Nessa perspectiva, o Projeto de extensão<br />

“ARTESANATO NO MARACANÃ: utilização da semente de juçara na produção<br />

artesanal”, realizado pelo Núcleo Pesquisa em Inovação, Design e Antropologia –<br />

NIDA, do curso de Design da Universidade Federal do Maranhão, tem como objetivo<br />

utilizar a semente de juçara (açaí) em produções artesanais, tendo o design como<br />

mediador do processo, baseado na metodologia do design etnográfico incorporando à<br />

pesquisa de design, os fundamentos da etnografia, conhecimento da antropologia e a<br />

259


etnografia aplicada ao design (NORONHA, 2012) o que possibilita colocar o designer<br />

não como um agente centralizador, detentor do saber, mas de se posicionar como<br />

mediador entre as artesãs, em igual proporção e peso de decisão. O trabalho “Artesãs<br />

criativas: processo de criação de biojoias” é parte desse projeto, ocorrendo após as<br />

etapas de beneficiamento da semente (coleta, lavagem, secagem, lixamento, furação,<br />

imunização, tingimento e polimento), onde trata-se, em especial, de todo processo de<br />

criação das biojoias, que vai desde a escolha do tema até a execução das peças. Nesta<br />

etapa utilizou-se a metodologia Manzini (2008) que aborda sobre comunidades criativas<br />

e para a escolha de ferramentas de criatividade baseou-se em Siqueira (2015). Dessa<br />

forma realizou-se palestra, exercícios de resg<strong>ate</strong> de memória, repasse de técnicas<br />

artesanais, resultando na m<strong>ate</strong>rialização de uma coleção para exposição e venda.<br />

Palavras-chave: Design. Artesanato. Processo criativo. Biojoias.<br />

ABSTRACT: Design has been long rel<strong>ate</strong>d to luxury, and as an activity that only<br />

particip<strong>ate</strong>d in the production of the object in the phase rel<strong>ate</strong>d to the appearance of the<br />

product. In the last decades this situation has changed, design has adopted "a systemic<br />

vision, which is confronted with the complexity of social networks, which develops a<br />

listening capacity that acts within the diffuse phenomena of creativity and<br />

entrepreneurship that characterizes current society"(Krucken, 2009, p.14). The designer<br />

starts to act in several areas no longer as a keeper of knowledge, but as a being<br />

participatory in the whole process. In this perspective, the extension project<br />

"ARTESANATO NO MARACANÃ: use of the seed of juçara in the handicraft<br />

production", carried out by the Research Center on Innovation, Design and<br />

Anthropology - NIDA, of the Design course of the Universidade Federal do Maranhão,<br />

aims to use the juçara (açaí) in handicraft productions, having the design as a mediator<br />

of the process, based on the methodology of ethnographic design incorpor<strong>ate</strong>d to the<br />

research design, the foundations of ethnography, knowledge of anthropology and<br />

ethnography applied to design (NORONHA, 2012). This makes it possible to place the<br />

260


designer not as a centralizing agent, holder of knowledge, but positioning himself as a<br />

mediator between the artisans, in equal proportion and weight of decision. The work<br />

"Creative craftsmen: process of creation of bio- jewelry" is part of this project, which<br />

takes place after the steps of the melioration of the seed (gathering, washing, drying,<br />

sanding, drilling, immunization, dyeing and polishing). , of every process of the creation<br />

of the bio- jewelry, that goes from the choice of the theme until the execution of the<br />

pieces. In this stage, the Manzini (2008) methodology was used, which deals with<br />

creative communities and with the selection of creativity tools based on Siqueira (2015).<br />

In this manner, a lecture was held, memory retrieval exercises, transfer of craft<br />

techniques, resulting in the m<strong>ate</strong>rialization of a collection for exhibition and sale.<br />

Keywords: Design. Handicraft. Creative process. Bio-jewelry<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A capacidade de criar é encontrada em cada pessoa, porém precisa ser<br />

estimulada e desenvolvida. Tschimmel (2010) afirma que a criatividade é uma<br />

capacidade cognitiva e, como tal, passível de ser desenvolvida, aplicada para criar algo<br />

novo e provido de valor para um determinado contexto.<br />

Para que se crie, necessita-se, muitas vezes de um processo criativo,<br />

processo este que envolve métodos, técnicas, instrumentos que possam facilitar o<br />

desenvolvimento de novas concepções.<br />

O design é em si uma atividade criativa e o processo de projeto faz parte de<br />

um processo criativo, que ocorre em uma rede de relações entre diversos elementos para<br />

a criação de novas ideias (CSIKSZENTMIHALYI, 2006). Para isso o designer deve<br />

buscar mecanismos adequados que conduza esse processo de modo rápido e eficaz.<br />

Considerando o designer, sujeito e objeto da dinâmica cultural, acredita-se<br />

que o seu processo criativo depende, entre outras coisas, do seu repertório e do contexto<br />

onde está inserido.<br />

261


Nessa perspectiva, ao realizar o Projeto de Extensão “ARTESANATO NO<br />

MARACANÃ: utilização da semente de juçara na produção artesanal”, na etapa criação<br />

e produção, voltado para produção de biojóias 26 , buscou-se aliar o saber popular das<br />

artesãs ao saber acadêmico do designer, estabelecendo dessa forma um processo criativo<br />

em que designers e artesãs encontram-se em igualdade, estabelecendo um processo de<br />

cocriação.<br />

Neste processo utilizou-se a metodologia de Manzini (2008) que aborda<br />

sobre comunidades criativas e para a escolha de ferramentas de criatividade baseou-se<br />

em Siqueira (2015). Para condução do processo foram estabelecidos diálogos sobre<br />

moda, exercícios de resg<strong>ate</strong> de memória, repasse de técnicas manuais com fios,<br />

resultando na m<strong>ate</strong>rialização de uma nova linha de produtos para exposição e venda e<br />

que além de comunicadores da cultura local podem vir a beneficiar a sustentabilidade<br />

social, ambiental e econômica da região.<br />

2 O MARACANÃ<br />

O Maracanã é um bairro rural da Ilha de São Luís, capital do Maranhão, que<br />

surgiu como um pequeno povoado no ano de 1875 e está localizado nas proximidades<br />

da BR 135, a uma distância de 25 Km do centro da cidade (FUNTUR,2002). O bairro<br />

está inserido numa Área de proteção Ambiental – APA, com diversas espécies de fauna<br />

e flora, sendo abundantes na região as palmeiras de buriti, babaçu e principalmente a<br />

juçara 27 , pois é na área do Maracanã que está concentrado o maior juçaral 28 da Ilha de<br />

São Luís.<br />

A juçara, fruta bastante consumida na ilha ludovicense, tem um valor<br />

especial para a comunidade do Maracanã, que durante o mês de outubro organiza uma<br />

festa para venda de produtos dessa fruta, em específico seu suco que é conhecido como<br />

26 São peças de ornamentação corporal feitas artesanalmente com elementos naturais que podem ser<br />

agregadas, ou não, a metais preciosos.<br />

27 No Estado do Maranhão, a palmeira denominada pelos paraenses de açaí e que se popularizou pelo<br />

Brasil a fora, é chamada de juçara. Embora da mesma espécie, Euterpe Oleracea Mart, tem o nome<br />

popular diferente.<br />

28 Nome dado à plantação de juçara.<br />

262


vinho da juçara. Além do vinho, o cacho, depois de debulhado, é utilizado como<br />

vassoura; a folha seca é usada para produzir artesanato; o caule adulto e seco é utilizado<br />

para confecção de bancos e para proteção da borda de riachos; o caroço é usado como<br />

adubo e para o replantio, porém a maior parte é jogada fora, que também poderia ser<br />

aproveitada para outros fins, inclusive o artesanato (CORREA,2010)<br />

O Maracanã também é reconhecido dentro do estado por causa das<br />

manifestações folclóricas, tendo como principal representatividade o bumba meu boi de<br />

Maracanã (figura 1).<br />

Figura 1: Boi de Maracanã<br />

Fonte: Blog Erica Catarina, 2016.<br />

Este é bastante conhecido pelo seu sotaque de matraca, também chamado<br />

de sotaque da ilha. “Considerado um dos maiores e mais antigos grupos de bumba meu<br />

boi do Maranhão, há mais de 100 anos, o boi de Maracanã, que também é sinônimo de<br />

resistência da cultura popular do estado, leva suas centenas de integrantes às ruas e<br />

arraiais de São Luís (...)”. (Samartony Martins, O imparcial, 2017). O grupo é composto<br />

pelo boi, personagens (índias, caboclo de penas ou caboclo reais, caboclo de fitas,<br />

vaqueiros), os tocadores (grupo de instrumentistas), e o amo cantador. O amo cantador<br />

de maior renome do boi de Maracanã e reverenciado pelos amantes da brincadeira é o<br />

mestre Humberto Barbosa Mendes, conhecido como Humberto de Maracanã, que<br />

faleceu em 2015.<br />

263


3 O PROJETO ARTESANATO NO MARACANÃ<br />

No sentido de dar uma utilidade às sementes descartadas após o<br />

processamento da polpa, surge o projeto de extensão “ARTESANATO NO<br />

MARACANÃ: utilização da semente de juçara na produção artesanal”, a partir da<br />

dissertação de mestrado “Design e artesanato: um estudo de caso sobre a semente de<br />

juçara em São Luís do Maranhão” (CORREA,2010), da Ma. Gisele Reis Correa<br />

Saraiva, professora do curso de Design e pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em<br />

Inovação, Design e Antropologia (NIDA), da Universidade Federal do Maranhão.<br />

Com início em 2016, o projeto tem como objetivo promover oficinas<br />

direcionadas à utilização da semente de juçara em produções artesanais, conduzindo as<br />

etapas do processo de beneficiamento da semente e desenvolvendo peças a partir da<br />

valorização do saber popular, gerando dessa forma uma nova oportunidade de renda<br />

para a população da comunidade.<br />

O design se apresenta como mediador do processo, baseando-se na<br />

metodologia do design etnográfico, incorporando à pesquisa de design, os fundamentos<br />

da etnografia, conhecimento da antropologia e a etnografia aplicada ao design<br />

(NORONHA, 2012) o que possibilita colocar o designer não como um agente<br />

centralizador, detentor do saber, mas de se posicionar como mediador entre as artesãs,<br />

em igual proporção e peso de decisão.<br />

Para execução do projeto, traçou-se etapas que serviram de direcionamento<br />

para as atividades: coleta, lavagem, secagem, lixamento, furação, imunização,<br />

tingimento, polimento, banho de óleos - referente ao beneficiamento da semente (figura<br />

2), e por fim, as etapas criação/produção, assunto a ser tratado neste trabalho, e<br />

exposição/venda.<br />

264


Figura 2: Processos de beneficiamento da juçara.<br />

Fonte: As autoras, 2017.<br />

4 PROCESSOS DE CRIAÇÃO DAS BIOJOIAS<br />

O processo de criação das biojoias ocorre após as etapas de beneficiamento<br />

da semente, onde estas já estão prontas para se tornarem produtos, porém como em todo<br />

o processo do projeto, as peças a serem criadas passam pela cocriação, onde designers e<br />

artesãs, juntos, realizam todo o processo até a peça ser m<strong>ate</strong>rializada.<br />

4.1 Metodologia<br />

Toda pessoa tem capacidade de ser criativa e ter ideias criativas, porém<br />

somente algumas conseguem criar sem precisar de estímulos. Segundo Dualibi e<br />

Simonsen (2009, p.10) “criatividade é a habilidade de formular novas respostas ou<br />

ideias aos problemas ou situações novas ou já conhecidas.” Porém não basta ser<br />

somente criativo, necessita-se do processo de criatividade em que se utiliza tanto do<br />

emocional e intuição, quanto de processos críticos e de técnicas.<br />

O que vale para os gênios vale para todos que querem desenvolver suas<br />

habilidades criativas. O primeiro passo é entender que as ideias criativas não<br />

surgem por passes de mágica, por uma centelha mental ou por acidente; isto<br />

pode acontecer, mas como exceção e não como regra geral. O processo<br />

criativo exige esforço e nem sempre as ideias nascem prontas, perfeitas e<br />

acabadas; muitas vezes elas surgem de ideias simples e incompletas, simples<br />

esboços que precisam ser elaborados, combinados e melhorados. Grandes ou<br />

simples, as ideias nascem de um processo que pode ser estudado,<br />

aperfeiçoado, ensinado e replicado. (SIQUEIRA, 2015, p.6)<br />

265


Os produtos locais são manifestações culturais fortemente relacionadas ao<br />

território e à comunidade que os produzem. No artesanato quando há uma preocupação<br />

com a qualidade dos produtos, tendo em vista a preservação da sua cultura, passando a<br />

mensagem de maneira criativa, se sobressaem perante aos que seguem a mesma linha.<br />

Nesse sentido, a metodologia adotada se baseia no conceito de comunidade<br />

criativa exposto no livro Design para a inovação social e sustentabilidade de Ezio<br />

Manzini (2008). Segundo Meroni apud Manzini (2008, p.64), “comunidades criativas<br />

são pessoas que, de forma colaborativa, inventam, aprimoram e gerenciam soluções<br />

inovadoras para novos modos de vida”. Manzini (2008, p.65) afirma ainda que<br />

“comunidades criativas aplicam sua criatividade para quebrar os modelos dominantes de<br />

pensar e fazer e, com isso, conscientemente ou não, geram as descontinuidades locais”.<br />

As comunidades criativas comumente são resultado de uma combinação de demandas<br />

que são criadas por problemas observados no cotidiano e oportunidades que se<br />

apresentam a partir de combinações existência das tradições, possibilidade de utilizar<br />

uma série de produtos, serviços e infra- estruturas e condições sociais e políticas<br />

favoráveis ao desenvolvimento de criatividade difundida.<br />

Como ferramenta para direcionamento do processo, utilizou-se o mapa<br />

mental (figura 3) criada por Tony Buzan em que se utiliza de um diagrama para<br />

representar palavras, ideias, tarefas ou outros itens ligados a um conceito central e<br />

dispostos radialmente em volta deste (SIQUEIRA, 2015), explicada no livro<br />

Criatividade Aplicada de Jairo Siqueira.<br />

Figura 3: Modelo de mapa mental<br />

Fonte: Livro criatividade aplicada, 2015.<br />

266


Diante desse contexto, utilizou-se as seguintes etapas para o processo criativo.<br />

1. Mapa mental;<br />

2. Noções de moda;<br />

3. Desenvolvimento da coleção;<br />

4. Técnicas manuais com fios;<br />

5. Criação e confecção das biojoias.<br />

4.2 Aplicação<br />

4.2.1 Mapa mental<br />

Na aplicação, a ferramenta mapa mental foi adaptada para contexto<br />

estudado, utilizando no lugar do diagrama, a escrita por meio de um texto, por perceber<br />

que as artesãs se sentiriam mais à vontade.<br />

Esta etapa iniciou a partir de uma roda conversa sobre o bairro, para a<br />

aplicação do mapa mental adaptado, realizado através de texto (figura 4), onde as<br />

participantes puderam externar como enxergam o lugar onde vivem. Em seguida<br />

socializando o que tinham escrito, destacou-se nos relatos: a valorização do Maracanã<br />

mais pelas pessoas de outros lugares do que as que vivem no bairro; a sua própria<br />

relação com o local, de onde tiram seu sustento e da sua família como artesãs, utilizando<br />

raízes e palhas dos brejos (terrenos alagados) e da pedreira; a referência do bairro dentro<br />

da cidade, pois só é lembrado durante a festa da juçara e do seu grupo de bumba meu<br />

boi, não dando oportunidade para os artesãos e as pessoas criativas da localidade.<br />

Figura 4: textos das artesãs.<br />

Fonte: As autoras, 2017.<br />

267


Após os relatos, as participantes grafaram as palavras, que em suas opiniões,<br />

mais caracterizam o bairro Maracanã diante de tudo que foi escrito. Dessa forma foram<br />

destacadas as palavras: bumba meu boi, juçara, buritizais, verde, guriatã Humberto,<br />

belezas, riquezas, valorização, comunidade, obras primas, artesanato, brejos, pedreiras,<br />

sustento, família, palhas, sementes, lembrança, gente criativa e oportunidade.<br />

Para finalizar essa etapa, houve a apresentação em slides (figura 5) com<br />

imagens do bairro do Maracanã referenciando a fauna e a flora, as trilhas ecológicas, a<br />

arquitetura, a religiosidade, o lazer, os rios, as manifestações folclóricas e o artesanato.<br />

Durante a apresentação de cada imagem era questionado às participantes, o que sentiam<br />

e qual o seu modo de ver o bairro.<br />

Figura 5: Apresentação de slides<br />

Fonte: As autoras, 2017.<br />

Um dos pontos mais importantes visto nos discursos das participantes é o<br />

descuido com a natureza do local, a poluição dos brejos que está afetando o juçaral,<br />

fonte de renda de diversas pessoas da comunidade, principalmente das artesãs, e o<br />

encerramento de duas das três trilhas ecológicas que existiam para conscientizar adultos<br />

e crianças da importância da preservação.<br />

Nessa etapa percebeu-se que os momentos vividos serviram como um<br />

resg<strong>ate</strong> de memória das artesãs, fazendo lembrarem os momentos que viveram e vivem<br />

diariamente no Maracanã, suas belezas, problemas e oportunidades, servindo também<br />

para apurar o olhar para o que há ao seu redor, percebendo que precisam preservar as<br />

belezas naturais para continuarem com a atividade artesanal. E no contexto do processo<br />

268


criativo a elaboração desses escritos e visualização de imagens apresentadas, permitiram<br />

estimular a elaboração de ideias para seus produtos.<br />

4.2.2 Noções de moda<br />

Nesta etapa, o diálogo foi sobre moda, enfatizando sobre o desenvolvimento<br />

de coleção (figura 6), e elaboração de cada etapa: planejamento inicial, mostrando a<br />

importância de cronograma com as atividades que serão realizadas e seus respectivos<br />

prazos; definição do público, a quem será destinado o produto final; pesquisa de<br />

tendência; escolha do tema, enfatizando o conceito da coleção elaborada, as cores e<br />

m<strong>ate</strong>riais a serem utilizados; criação de propostas, desenhos e esboços das ideias; e<br />

confecção de produtos, referente à execução dos modelos.<br />

Figura 6: noções de moda<br />

Fonte: As autoras, 2017.<br />

Ao fim foi realizada uma atividade com as artesãs. Com o auxílio de papel,<br />

revistas, tesouras e colas, estas reuniram todos os conceitos e explicações dadas,<br />

montando pranchas temáticas com todas as etapas necessárias, explicando no final da<br />

atividade a elaboração de cada prancha (figura 7).<br />

Figura 7: elaboração de pranchas temáticas<br />

Fonte: As autoras, 2017.<br />

269


Como pontos relevantes destacados nesse diálogo sobre moda, podemos<br />

ressaltar que:<br />

• Com os mesmos m<strong>ate</strong>riais e a mesma técnica, pode ser criada uma nova<br />

coleção, modificando as cores e formato das peças;<br />

• Com a prática e a cada coleção desenvolvida, as artesãs naturalmente<br />

aperfeiçoarão cada produto e se familiarizarão com as técnicas, acabando por<br />

diminuir o tempo de produção de cada peça;<br />

• A moda funciona por coleções sendo dividida entre primavera/ verão e outono/<br />

inverno e que cada coleção deve ser feita para estação específica;<br />

• O estudo sobre a coleção seguinte deve ser elaborado na estação anterior;<br />

• A moda não é estática “é todo esse movimento que está acontecendo e vai<br />

direcionando os gostos” (NAYARA, 2017) 29 ;<br />

• As artesãs devem se manter informadas sobre as combinações de peças e como<br />

valorizar que as usará;<br />

• As artesãs vendam não simplesmente produtos, mas a sensação de estar bonita, a<br />

sensação de se apresentar bem, cativando assim mais clientes e passando a<br />

confiança de saber o que vendem.<br />

4.2.3 Desenvolvimento da coleção.<br />

Reunindo as informações adquiridas nas etapas do mapa mental e noções de<br />

moda partiu-se para o desenvolvimento da coleção. Baseada nas palavras destacadas no<br />

resultado do mapa mental: bumba meu boi, juçara, buritizais, verde, guriatã, Humberto,<br />

belezas, riquezas, valorização, comunidade, obras primas, artesanato, brejos, pedreiras,<br />

sustento, família, palhas, sementes, lembrança, gente criativa e oportunidade, houve<br />

uma roda de conversa sobre qual mensagem as peças querem passar para o consumidor,<br />

sendo escolhidas as palavras beleza, riqueza, valorização, comunidade, lembrança e<br />

oportunidade.<br />

29 Fala da designer Nayara Chaves, participante desta etapa do projeto “ARTESANATO NO MARACANÃ:<br />

utilização da semente de juçara na produção artesanal”.<br />

270


Em seguida partiu-se para a escolha do tema, sendo unânime a escolha do<br />

bumba meu boi de Maracanã (figura 8), a principal manifestação folclórica do bairro,<br />

apreciada por toda a ilha, sendo conhecida por seu sotaque 30 e tradição, levando o nome<br />

do bairro Maracanã a todo lugar. Para as artesãs indicar o bumba meu boi de Maracanã,<br />

como primeiro tema de coleção, é utilizar algo conhecido, de renome, que referência e é<br />

orgulho para o bairro, se tornando uma oportunidade para apresentarem algo novo a<br />

população.<br />

Definido o tema buscou-se imagens sobre o bumba boi de Maracanã, que<br />

demonstrassem a história, os personagens, a indumentária (vestimenta), os<br />

instrumentos, as cores e todo seu enredo, como motivação para o processo de geração<br />

de ideias. A partir dessas imagens definiu-se que as cores vermelho, verde, amarelo e<br />

azul, formariam a cartela de cores para confecção das peças, por serem as cores<br />

características do folguedo.<br />

Figura 8: Caboclo de fita/ Caboclo de pena<br />

Fonte: Blog Erica Catarina, 2016.<br />

Com tema e cores definidos, determinou-se para essa coleção como público<br />

alvo, mulheres jovens e adultas. Determinou-se também o prazo para que as peças<br />

ficassem prontas, escolhendo como data, para exposição e venda, a Festa da Juçara<br />

30 Sotaque: Termo comum na linguagem do bumba meu boi, sotaque é o estilo, forma ou expressão de<br />

cada grupo brincante, sendo dividido em: sotaque de matraca, sotaque de orquestra, sotaque de<br />

zabumba, sotaque da baixada e sotaque costa de mão.<br />

271


2017, no mês de outubro, por ser maior festa da localidade e que recebe pessoas de<br />

todas os bairros de São Luís.<br />

4.2.4 Técnicas manuais com fios<br />

Para facilitar o processo de criação das peças, considerou-se necessário o<br />

repasse de técnicas manuais com fios, como recurso base para a confecção das peças,<br />

por ser um m<strong>ate</strong>rial de baixo custo e por proporcionar um bom acabamento. Utilizaramse<br />

fios de algodão encerado, fios de seda e fitas de seda número zero, todos encontrados<br />

no mercado local.<br />

As técnicas repassadas foram macramê base, macramê espiral, nó<br />

franciscano e trança de quatro pernas, que logo começaram a ser executas pelas artesãs,<br />

explorando as tramas dos fios e suas possibilidades nas confecções das biojoias,<br />

estimulando sua imaginação (figura 9).<br />

Figura 9: Macramê base/ Macramê espiral/ Nó/ Trança 3 pernas/ Trança 4<br />

pernas/fecho/ oficina de fio encerado<br />

Fonte: As autoras, 2017.<br />

272


Durante a oficina, se foi passado para cada artesã uma apostila com<br />

instruções sobre nomenclaturas para os diferentes tamanhos de colares e guia de<br />

medidas (figura 10).<br />

Figura 10: Apostila de joias<br />

Fonte: blog chic closet store, _ .<br />

4.2.5 Criação e confecção das biojoias<br />

Após o detalhamento de todo processo, à medida que as peças começaram a<br />

ser pensadas, foram logo confeccionadas, pois as artesãs, quando tinham uma ideia, não<br />

conseguiam demostrar no papel, consideravam algo difícil e então ao mesmo tempo que<br />

as ideias fluíam, as peças iam ganhando forma. Portanto, para evitar desperdício e falta<br />

de m<strong>ate</strong>rial na execução da peça, os fios utilizados eram medidos e anotados, para que<br />

ao se produzir novamente a peça, já se teria uma medida exata de m<strong>ate</strong>rial. O mesmo<br />

modo foi feito com a quantidade de sementes utilizadas.<br />

Desse processo de criação surgiram peças com car<strong>ate</strong>rísticas próprias do<br />

bumba meu boi de Maracanã enaltecendo todo o seu enredo. Algumas dessas peças são<br />

demostradas nas imagens a seguir, com seu respectivo nome e a fonte de inspiração<br />

(figura 11).<br />

273


Figura 11: Peças criadas: 1- Guarnicê/ 2-Salve meu amo/ 3- Matraca/ 4- Toada/ 5-<br />

Índias/ 6- Encanto junino<br />

Fonte: As autoras, 2017.<br />

1. Colar “Guarnicê” - Guarnicê é o momento de preparação, em que os brincantes se<br />

reúnem em torno da fogueira onde esquentam os seus tambores e pandeirões<br />

(instrumentos do boi) para afinação. O colar é confeccionado com fios nas cores<br />

vermelho, amarelo e marrom que remetem ao fogo, com sementes de juçara,<br />

simbolizando os instrumentos matraca, tambor onça e maracá, e a semente de dendê<br />

representando o pandeirão, o maior instrumento e de som mais forte e vibrante (figura<br />

12).<br />

Figura 12: Instrumentos do boi de matraca: matraca, tambor onça, maracá, pandeirão/<br />

colar Guarnicê<br />

Fonte: pinterest/ fotolog, 2010/ blog Joel Jacinto, 2015/ Blog clube do povo, 2012/ As<br />

autoras, 2017.<br />

2. Conjunto Salve meu amo” – Referencia o eterno amo (cantador) do boi de Maracanã:<br />

Guriatã Humberto. Humberto de Maracanã dava sua voz ao bumba boi virando uma<br />

274


figura icônica deste, ganhando o apelido de guriatã pela comunidade, uma ave de<br />

coloração azul e amarelo (o macho), de belíssimo canto, que é capaz de imitar o cântico<br />

de várias aves da região que habita. O colar é formado por fios de cor azul e amarelo<br />

(cores do guriatã) com as sementes de juçara dispostas de modo harmonioso fazendo<br />

referência ao gibão (peça sobre os ombros) bordado com missangas, usado pelo amo, e<br />

as sementes dispostas nos fios do pingente remetem ao maracá, instrumento usado por<br />

Humberto nas suas apresentações, e o conjunto de pulseiras foi confeccionado em<br />

diferentes cores para simbolizar o cântico do pássaro. (figura 13).<br />

Figura 13: amo do boi Humberto do Maracanã/conjunto salve meu amo<br />

Fonte: O imparcial, 2016 /As autoras, 2017/ Site cultura Brasil, 2010.<br />

3. Conjunto“Matraca” – Este conjunto foi criado para homenagear o instrumento que dá<br />

nome ao sotaque do boi de Maracanã. A matraca é constituída de dois pedaços<br />

retangulares de madeira, de tamanhos variados ligadas por um fio, que são batidas uma<br />

contra a outra reproduzindo um forte e compassado som. Durante a apresentação, o<br />

instrumento é tocando tanto pelos brincantes quanto pelo público que leva suas<br />

matracas, tornando o som mais contagiante (figura 14).<br />

275


Figura 14: Matraca/ Conjunto Matraca<br />

Fonte: Site direto da aldeia, 2017/ As autoras, 2017.<br />

4. Colar “Toada” – No bumba meu boi, a toada se refere à música cantada pelo amo,<br />

canção que ecoa na voz do batalhão e de quem o rodeia. O colar toada foi criado para<br />

representar essa unificação dos instrumentos com as vozes de quem canta sua letra. As<br />

sementes de juçara representam os brincantes, público e instrumentos que participam da<br />

apresentação bailando soltos, no ritmo sonoro, representado pelos fios nas cores do<br />

folguedo (figura 15).<br />

Figura 15: Apresentação do boi/ colar toada<br />

Fonte: Imirante, 2015/ as autoras, 2017.<br />

5. Colar “Índias” – As índias são uma das personagens do bumba meu boi que chamam<br />

a <strong>ate</strong>nção do público por sua indumentária rica de bordados e penas, e sua dança<br />

característica de fácil aprendizagem, levando muitos espectadores a imitá-las. O colar<br />

Índia transmite a delicadeza das brincantes e as cores das penas. Foram utilizadas<br />

sementes de cores amarela e roxa e fio encerado amarelo e preto com a técnica de nó<br />

simples. Como pingente foi utilizado dois grupos de três sementes em cada fio, para<br />

276


simbolizar a dança da índia que o público reproduz: três passos para frente e três passos<br />

para trás (figura 16).<br />

Figura 16: índia do Maracanã/ colar índia<br />

Fonte: As autoras, 2017/ Flickr sabor tangerina, 2011/ as autoras, 2017.<br />

6. Colar “Encanto junino” – Todo mês de junho a esperada festa do São João começa e<br />

com ela o encanto pelos grupos de bumba boi e outras brincadeiras. O colar Encanto<br />

junino nasceu para representar esse sentimento. O folguedo é simbolizado pelo cordão<br />

colorido feito com a técnica de trança nas cores amarelo, verde e vermelho,<br />

demonstrando a união do batalhão e do amor que tem pela brincadeira. E o público, é o<br />

cordão de sementes que fica ao redor para contemplar cada movimento e som, que com<br />

o passar da apresentação vai se aproximando até se unir aos brincantes na cantoria,<br />

tornando a apresentação algo belo e único. Criando assim três maneiras de uso do colar<br />

(figura 17).<br />

Figura 17: apresentação do boi/ Colar encanto<br />

Fonte: TV mirante, 2017 / as autoras, 2017.<br />

277


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O projeto Artesanato no Maracanã nos possibilitou um melhor entendimento<br />

sobre a comunidade e suas necessidades. A utilização do design etnográfico abriu portas<br />

para uma criação conjunta, em que todos puderam trocar experiências e aprendizados,<br />

aumentando o saber de ambos os lados.<br />

Durante o processo se viu que a utilização da metodologia de comunidades<br />

criativas, em que pessoas se unem para criarem soluções que modifiquem seu modo de<br />

vida, estudado no livro de Manzini, foi de suma importância, pois as participantes<br />

conseguiram ver a oportunidade em usar sementes de juçara que existem em abundancia<br />

na localidade para gerar trabalho e auxiliar na renda familiar, além de levar sua<br />

identidade para outros lugares através de suas peças e também ter voz para conscientizar<br />

as pessoas a preservar os juçarais da localidade que estão sendo destruídos pelas ações<br />

do homem que não enxerga seu devido valor.<br />

No decorrer da aplicação foram encontradas dificuldades no quesito “tempo<br />

das artesãs”, que em maioria são mães e donas de casa, dispondo de pouco tempo para<br />

atividades artesanais, o que acarretava na falta de algumas nos encontros, porém essa<br />

dificuldade já era prevista, adequando o cronograma ao tempo delas para que todas<br />

participassem.<br />

A criação de um cronograma de processos de criatividade foi visto como<br />

necessário para a estimulação de ideias nas artesãs, fazendo com que estas se sentissem<br />

mais seguras de suas criações e entendendo a importância de se pensar em cada detalhe<br />

da coleção, desde o tema, as cores que serão trabalhadas, a tendência de acessórios até a<br />

mensagem que elas querem passar para quem usará as peças. O cliente ao adquirir uma<br />

peça saberá que consigo estará levando além de uma peça rica em detalhes e com bom<br />

acabamento, a história e trabalho de cada artesã e a luta pela preservação do juçaral, sua<br />

fonte de sustento e inspiração.<br />

278


Mediante os resultados obtidos, percebe-se que os processos criativos são<br />

sempre necessários para qualquer tipo de atividade, requerendo sempre de elementos<br />

facilitadores para que se possa alcançar os objetivos pretendidos.<br />

REFERÊNCIAS<br />

CORREA, Gisele Reis. Design e artesanato: um estudo de caso sobre a semente de<br />

juçara em São Luís do Maranhão. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de<br />

Pernambuco, Curso de Pós-graduação em Design. Recife, 2010.<br />

CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly.A systems perspective in creativity. In: HENRY, J.<br />

Creative Management and Development. 3 ed. London: Sage Publications, 2006<br />

FUMTUR. Inventário turístico do bairro Maracanã. São Luís: Prefeitura de São<br />

Luís. 2002.<br />

KRUCKEN, Lia. Design e território: valorização de identidade e produtos locais.<br />

São Paulo: Studio Nobel, 2009.<br />

MANZINI, Ezio.Design para a inovação social e sustentabilidade: Comunidades<br />

criativas, organizações colaborativas e novas redes projetuais. Rio de Janeiro: E-<br />

papers, 2008.<br />

MARTINS, Samartony. Boi do Maracanã inicia temporada sábado. O imparcial. São<br />

Luís, 06 jun. 2017. Disponível em: .<br />

Acesso em: 24 set. 2017.<br />

NORONHA, Raquel. Do centro ao meio: um novo lugar para o designer. In: Anais<br />

do 10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design - P&D. São<br />

Luís: 2012.<br />

279


SIQUEIRA, Jairo. Criatividade aplicada: habilidades e técnicas para a criatividade,<br />

inovação e solução de problemas. Rio de Janeiro: _. 2015.<br />

TSCHIMMEL, Katja Christina. Sapiens e Demens no pensamento criativo do design.<br />

Tese (Doutorado em Design) – Universidade de Aveiro, Departamento de Comunicação<br />

e Arte, Aveiro, 2010.<br />

280


COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA: as Narrativas Hipertextuais<br />

como ferramenta pedagógica no ensino de jornalismo<br />

COMMUNICATION, EDUCATION AND TECHNOLOGY: the Hypertextual<br />

Narratives as pedagogical tool in journalism teaching<br />

Jean Carlos da Silva Monteiro<br />

Mestrando em Cultura e Sociedade<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

falecomjeanmonteiro@gmail.com<br />

Sannya Fernanda Nunes Rodrigues<br />

Doutora e Mestra em Multimédia em Educação<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

sannyafernanda@hotmail.com<br />

António Augusto de Freitas Gonçalves Moreira<br />

Doutor e mestre em Didática de Línguas Estrangeiras<br />

Universidade de Aveiro - Portugal<br />

moreira@ua.pt<br />

Eixo 1 - Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O avanço da globalização e da web 2.0 e as Tecnologias de Informação e<br />

Comunicação (TIC) passaram a influenciar as redações de jornalismo, bem como<br />

impactar nos processos de produção, transmissão e consumo da notícia. Essas mudanças<br />

aconteceram não somente no âmbito profissional, mas também na formação acadêmica<br />

do jornalista do futuro. Pela necessidade de um profissional multimídia, o curso de<br />

jornalismo passou por diferentes mudanças curriculares para aperfeiçoar o conteúdo que<br />

é ministrado em sala de aula às novas tendências do mercado de trabalho, inserindo<br />

temáticas, em seu currículo, como ‘Práticas de Jornalismo Multimídia’ e ‘Cultura das<br />

Mídias’, na perspectiva de discutir a atual revolução tecnológica e suas implicações no<br />

fazer jornalismo no século XXI. Diante disso, viu-se a possibilidade de trabalhar com as<br />

281


Narrativas Hipertextuais como ferramenta pedagógica, tendo em vista que ela interliga<br />

em uma mesma rede diferentes blocos de conteúdo (texto, imagens, vídeos, áudios e<br />

infográficos) e proporciona a flexibilidade cognitiva. A aprendizagem com as<br />

Narrativas Hipertextuais se faz necessária tanto na prática educativa e formadora desses<br />

profissionais, como na prática social e na complexidade procedimental para lidar com a<br />

variedade e quantidade de informação e recursos tecnológicos produzidos nos espaços<br />

de atuação. Este trabalho faz uma revisão de literatura para refletir sobre o papel das<br />

Narrativas Hipertextuais enquanto ferramenta pedagógica no processo de ensinoaprendizagem<br />

de alunos de jornalismo. Esta pesquisa observou que as Narrativas<br />

Hipertextuais propiciam interação e construção colaborativa de conhecimento em sala<br />

de aula, além de desenvolverem habilidades para escrever, ler, interpretar textos,<br />

hipertextos e lidar com as TIC no atual cenário da Era da Convergência que a sociedade<br />

tem presenciado.<br />

Palavras-chave: Tecnologias de Informação e Comunicação. Narrativas Hipertextuais.<br />

Ensino de Jornalismo. Educação Multimídia.<br />

ABSTRACT: The advance of globalization and the explosion of web 2.0 and<br />

Information and Communication Technologies (ICT) began to influence newsrooms, as<br />

well as impact on the processes of production, transmission and consumption of news.<br />

These changes took place not only in the professional field, but also in the academic<br />

formation of the journalist of the future. Due to the need of a multimedia professional,<br />

journalism courses underwent different curricular changes to improve the content that is<br />

taught in the classroom in view of the new trends of the labor market, inserting, in its<br />

curriculum, topics like 'Practices of Multimedia Journalism' and 'Culture of the Media ',<br />

with a view to discussing the current technological revolution and its implications for<br />

doing journalism in the 21st century. In view of this, it was possible to work with<br />

Hypertextual Narratives as a pedagogical tool, since they interconnect different blocks<br />

282


of content (text, images, videos, audios and infographics) in the same network and<br />

provides cognitive flexibility. Learning with Hypertextual Narratives is necessary both<br />

in the educational practice and training of these professionals, as in social practice and<br />

procedural complexity to deal with the variety and quantity of information and<br />

technological resources produced in the spaces of action. This paper reviews the<br />

literature to reflect on the role of Hypertextual Narratives as a pedagogical tool in the<br />

teaching-learning process of journalism students. This study observed that Hypertextual<br />

Narratives provide interaction and collaborative construction of knowledge in the<br />

classroom, as well as the development of skills in writing, reading, interpreting texts,<br />

hypertexts and dealing with ICT in the current scenario of the Convergence Age that<br />

society has been witnessing.<br />

Keywords: Information and Communication Technologies. Hypertextual Narratives.<br />

Teaching Journalism. Multimedia Education.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A sociedade do século XXI, também conhecida como “Sociedade da<br />

Informação”, “Sociedade do Conhecimento” ou “Sociedade da Aprendizagem”<br />

(CASTELLS, 2003; HARGREAVES, 2003; POZO, 2004), tem como características<br />

grande fluidez de dados em rede, resultado da revolução tecnológica, que todos os dias<br />

amplia o acesso às informações, gerando maior distribuição de possibilidades<br />

educacionais para bilhões de pessoas através de recursos midiáticos disponibilizados<br />

pela Internet (TOFFLER, 2002; COUTINHO; LISBÔA, 2011). Nesta sociedade, as<br />

pessoas convivem em um contexto de constante transformação educacional. Para além<br />

da sala de aula, a aprendizagem agora acontece também à distância (e- Learning, b-<br />

Learning, m-Learning), mediada pelo computador, pelo celular, tablet, i-pod e laptops<br />

(LITTO, 1999; ROSEMBERG, 2001; BOTTENTUIT JUNIOR, 2011). As informações<br />

transitam com mais velocidade e por diversos espaços midiáticos através das TIC, que<br />

283


abrem espaços para aprendizagem, promovendo e estimulando competências cognitivas<br />

deste século, apresentadas na figura 1.<br />

Figura 1 – Competências para o século XX<br />

Fonte: Gomes (2012)<br />

As competências cognitivas para o século XXI envolvem estratégias e<br />

processos de aprendizagem, comunicação, criatividade, memória, colaboração e<br />

pensamento crítico (GOMES, 2017). Em relação ao elemento comunicação da<br />

competência cognitiva (PRENSKY, 2001; RIFKIN 2001; BALIAN, 2009; CIRIACO,<br />

2009; TAPSCOTT, 2010), as pessoas agora têm acesso a diversos ambientes permeados<br />

de ferramentas digitais, de fácil uso, muitos deles gratuitos. Nasce, então, uma cultura<br />

(ou mais) em que as pessoas estão crescentemente navegando pelas inúmeras<br />

possibilidades ofertadas pela Internet. A cada dia essa cultura gradativamente se instala,<br />

pois vivemos em um novo momento em que a maneira de comunicar está mais<br />

descentralizada e distribuída (SHINYASHIKI, 2012; MONTEIRO, 2014).<br />

Nesta cultura, muitas pessoas passam bastante tempo com o computador<br />

ligado e interagindo simultaneamente em diversas plataformas na web, em janelas que<br />

oferecem imagens, podcasts, músicas, infográficos, vídeos e links em um mesmo<br />

hipertexto, denominado aqui de Narrativas Hipertextuais (TAPSCOTT, 2010). Para<br />

284


além da Educação, essas mudanças – ocorridas com o avanço da globalização e da web<br />

2.0 e o uso das TIC – passaram a influenciar o campo da comunicação, em especial a<br />

área do jornalismo. As Narrativas Hipertextuais se tornaram tendência no mercado e a<br />

necessidade de profissionais para trabalhar com esse tipo de narrativa se tornou ainda<br />

maior.<br />

Para acompanhar essa tendência e formar profissionais cada vez mais<br />

multimídia, viu-se a possibilidade de trabalhar com as Narrativas Hipertextuais como<br />

ferramenta pedagógica no ensino de jornalismo. Para isso, este estudo faz uma revisão<br />

de literatura para refletir sobre o papel das Narrativas Hipertextuais no processo de<br />

ensino-aprendizagem e analisa de que forma essa metodologia pode contribuir para a<br />

formação do jornalista do futuro, dando enfoque, principalmente, às competências que<br />

ele precisa adquirir (desenvolver) para lidar com as TIC no atual cenário de<br />

convergência midiática (BALIAN, 2009).<br />

2 ENSINO DE JORNALISMO: revendo as práticas, reformulando o currículo<br />

No Brasil, a graduação em Jornalismo foi instituída em 13 de maio de 1943.<br />

Completando 74 anos no sistema da educação superior, o curso já passou por diversas<br />

mudanças curriculares para aperfeiçoar o conteúdo que é ministrado para o jornalista do<br />

futuro (MENDONÇA, 2013). As discussões sobre as metodologias do ensino de<br />

Jornalismo são anualmente pautadas pelo Fórum Nacional de Professores de Jornalismo<br />

(FNPJ).<br />

Em 2009, o Fórum elaborou o projeto das novas Diretrizes Curriculares<br />

Nacionais (DCN) dos cursos de Jornalismo, homologado em 2013 pelo então ministro<br />

da Educação, Aloizio Mercadante. Desde então, o curso de Jornalismo vem inserindo<br />

algumas discussões transversais em seu currículo, como a ‘História da Cultura e da<br />

Sociedade no Mundo Contemporâneo’, ‘Cultura das Mídias’, ‘Cultura Empreendedora’<br />

e ‘Práticas de Jornalismo Multimídia’, para discutir a atual revolução tecnológica e suas<br />

implicações no fazer jornalismo na atualidade.<br />

285


As TIC surgem em sala de aula para relativizar teorias e facilitar<br />

entendimento sobre o fazer jornalismo em todos os processos de captação, transmissão e<br />

distribuição das informações na modernidade (RODRIGUES, 1999). Mas para que isso<br />

aconteça é necessário oferecer aos alunos o maior número possível de recursos e<br />

estímulos, compreendidos em novas metodologias, ou seja, desenvolver práticas<br />

pedagógicas que façam uso destes recursos de maneira criativa e eficaz nos processos<br />

de aprendizagem (CHAVES, 1995).<br />

Na academia, as TIC colocam problemas novos e inesperados ao<br />

Jornalismo. Talvez os mais complexos e desafiadores residam nos novos papéis que o<br />

mundo globalizado e informacional atribui ao Jornalismo e, de modo particular, às<br />

redações convencionais. O domínio das tecnologias se faz necessário tanto na prática<br />

educativa e formadora desses profissionais (nos espaços de aprendizagem), como na<br />

prática social e na complexidade procedimental para lidar com a variedade e quantidade<br />

de informação e recursos tecnológicos produzidos (nos espaços de atuação profissional).<br />

Portanto, propiciar a interação e a construção colaborativa de conhecimento das TIC<br />

amplia, entre alunos de jornalismo, o potencial de incitar o desenvolvimento de<br />

habilidades e competências importantes para a sua formação e atuação no mercado de<br />

trabalho, que cada vez mais se apropria das ferramentas disponíveis no ciberespaço<br />

(MENDONÇA, 2013).<br />

Neste momento em que se estudam ferramentas pedagógicas para o ensino<br />

de jornalismo surge a possibilidade de trabalhar com as Narrativas Hipertextuais,<br />

também conhecidas por outros autores como narrativas hipertextuais, narrativas<br />

interativas, narrativas mediáticas, narrativas multimédia, digital storyttelling ou<br />

narrativas em ambiente digital (SOARES, 2009; CIRINO, 2010; JESUS, 2010;<br />

PERRECINI, 2010). Investigações afirmam que elas podem ser utilizadas como uma<br />

estratégia de aprendizagem no processo de letramento digital de alunos de jornalismo,<br />

pois acredita-se que esse tipo de produção de narrativa possibilita que o uso das TIC e<br />

da Internet se faça em uma lógica de produção e não de mero consumo da informação<br />

disponível na rede global (COUTINHO, 2010).<br />

286


Na próxima seção explicita-se o conceito de Narrativa Hipertextual e suas<br />

características. Em seguida, mostra-se o resultado deste estudo, no qual se apresentam<br />

as contribuições dessa nova linguagem para o compartilhamento de novos saberes e<br />

como ela pode se transformar numa ferramenta pedagógica para o ensino de jornalismo.<br />

Pensa-se neste processo como um conjunto de habilidades indispensáveis para que o<br />

indivíduo possa ser “[...] inserido na realidade, para compreendê-la e, também, para<br />

alterá-la, como ferramentas do entendimento [...]” (SCHOLZE; RÖSING, 2007, p. 14).<br />

Ou seja, para que tenha competências para ser colaborador na sua própria<br />

aprendizagem.<br />

3 NARRATIVAS HIPERTEXTUAIS: conceito, características e etapas de<br />

produção<br />

As narrativas foram utilizadas, desde os seus primórdios, como ferramenta<br />

para conhecimento e valores, bem como pinturas, imagens, escrituras, livros, etc.<br />

(LUNCE, 2011). Hoje em dia, com as TIC, as narrativas se intensificaram, ganharam<br />

maiores proporções e oferecem um leque de potencialidades de multiletramento aos que<br />

se propõem utilizar essas ferramentas. Para entender esse novo contexto, em que o ato<br />

de contar uma história vai para além do uso da escrita e de imagens, é preciso entender<br />

o conceito de Narrativa Hipertextual, seus elementos e como ocorre a composição<br />

multimodal dessas narrativas, utilizando hipertexto e linkagem, como na figura 2.<br />

287


Figura 2 – Exemplo de Narrativa Hipertextual<br />

Fonte: NCE UFRJ (2016a)<br />

288


A convergência entre linguagem escrita, oral, sonora e outras, unificada em<br />

uma única plataforma, facilita as formas de letramento mediado pelas tecnologias,<br />

disseminando suas múltiplas formas e configurando novas linguagens. Por meio de tais<br />

plataformas, onde a leitura torna-se fragmentada e partilhada por indivíduos conectados<br />

entre si, configuram-se as Narrativas Hipertextuais (JESUS, 2010).<br />

O conceito de narrativa ainda é muito complexo, mas Jesus (2010) nos<br />

propõe analisar pelo lado imagético-cognitivo. Assim sendo, ele diz que “[...] um texto<br />

narrativo deve criar um mundo e preenchê-lo com caracteres e objetos. Logicamente<br />

falando, esta condição significa que o texto narrativo se baseia em proposições que<br />

atribuem propriedades a essas existências [...]” (JESUS, 2010, p. 27). Entende-se, então,<br />

que a narrativa perpassa a dimensão linguística, uma vez que ela possibilita, ainda, a<br />

construção de imagens mentais – variedades de signos - por seu receptor (RYAN, 2004;<br />

JESUS, 2010).<br />

Essa possibilidade de construção imagético-cognitiva “[...] leva o conceito<br />

de narrativa para além dos limites das representações verbais [...]” (JESUS, 2010, p.<br />

28), fazendo com que imagens, vídeos, sons, animações, infográficos, músicas, etc.,<br />

tenham também a capacidade de gerar, transmitir e acrescentar novos significados<br />

(BRUNER, 1990; JESUS, 2010). Olhando pela vertente pedagógica, chegou-se à<br />

conclusão que a narrativa, seus elementos e características são uma ferramenta poderosa<br />

e com grande potencial quando utilizada como metodologia no processo de<br />

aprendizagem (COSTA; BOTTENTUIT JUNIOR, 2016).<br />

A Era Digital, ou seja, aquela que surgiu a partir da segunda metade do<br />

século XX – com o surgimento da rádio e da televisão, e mais recentemente com os<br />

computadores e a Internet – trouxe consigo multiformas de contar histórias, bem como<br />

gerar uma evolução na narrativa. O conceito de Narrativa Hipertextual nasceu em 1990,<br />

reunindo um conjunto de recursos multimédia em uma mesma história (OHLER, 2008).<br />

O ato de narrar está inteiramente atrelado ao ato de se contar uma história,<br />

que se desenvolve de forma linear, em ordem cronológica e sob controle de quem a<br />

desenvolve (PAUL, 2007, p. 137). Segundo Gosciola (2008), a produção da narrativa<br />

289


depende excepcionalmente de dois fatores: os personagens e as ações. Porém, a<br />

Narrativa Hipertextual recebe peculiaridades do espaço digital. Para Paul (2007), a<br />

produção de conteúdo digital dispõe da colaboração, competência necessária para o<br />

jornalista deste século.<br />

3.1 Classificação e características do hipertexto<br />

Para melhor definir as características do hipertexto, Lara (2001), Monterice<br />

(2001), Primo (2003), Aquino (2005) e Magnabosco (2009), em uma análise mais<br />

aprofundada sobre as pesquisas de Lévy (1993), explicam que a classificação do<br />

hipertexto se dá por meio de seis princípios, que possuem entre si uma associação na<br />

sua forma estrutural. Segundo o princípio da metamorfose, o hipertexto encontra-se em<br />

constante mudança, tanto na sua forma estrutural quanto na renegociação dos sentidos<br />

da composição, extensão e configuração da hipertextualidade. Em alguns casos, a<br />

estrutura fica estabilizada por algum tempo; porém, Lévy (1993; 1999; 2016) explica<br />

que este princípio é fruto de um trabalho que busca constantemente uma estabilização.<br />

Os blocos de conteúdo em que se organiza o conhecimento estão em transformação<br />

permanentemente (PRIMO, 2003).<br />

Pelo princípio de heterogeneidade, a organização das informações na<br />

Narrativa Hipertextual, bem como suas conexões, possui uma característica de<br />

heterogeneidade entre si (LARA, 2001). Os blocos de conteúdo (texto, imagens, vídeos,<br />

áudios e infográficos), que se vinculam, são diferentes uns dos outros, qualitativamente,<br />

na sua estrutura textual, e na padronização espaço-gráfica do ambiente visual. Levy<br />

(1993; 2016) apontou este princípio como o mais próximo da percepção humana. Ele<br />

ressalta que o usuário da Internet possui diferentes associações e a heterogeneidade na<br />

composição dos conteúdos promove maior variedade de conexões (CAVALCANTE,<br />

2004).<br />

O princípio da multiplicidade articula a organização do hipertexto pelo<br />

encaixe das escalas de conteúdo. Cada conexão pode revelar novos percursos, traçar<br />

novos caminhos, conectando mais links, a partir de novas associações. Neste princípio,<br />

290


uma conexão leva a outras conexões, revelando um universo hipertextual, no qual cada<br />

link de hipertexto é um fragmento de outro hipertexto (MIELNICZUK, 2005).<br />

No princípio da exterioridade, o hipertexto não possui uma unidade<br />

orgânica. A construção, definição e manutenção da Narrativa Hipertextual depende,<br />

impreterivelmente, de um agente (usuário). A estruturação do hipertexto está sujeita à<br />

administração do agente, na condição operacional entre usuário-máquina (PRIMO,<br />

2003; AQUINO, 2005).<br />

De acordo com o princípio da topologia, o funcionamento das escalas de<br />

conteúdo hipertextual se dá por aproximação. A rede é constituída por distintos<br />

caminhos/percursos de conexões de hipertexto; porém, suas ligações (os elos) são<br />

formadas a partir da proximidade existente entre os conteúdos (LÉVY, 1993; LARA,<br />

2001). Esses elos obedecem a ligações diretas, com temáticas da mesma narrativa, ou<br />

indiretas, com assuntos transversais ao tema. Neste princípio, a rede não está no espaço:<br />

ela é o espaço de interação.<br />

Pelo princípio da mobilidade dos centros do hipertexto, a rede possui uma<br />

estrutura onde a organização de seus conteúdos não está subordinada a uma hierarquia.<br />

Este princípio é aquele que, segundo Lévy, assume a principal característica da ideia de<br />

hipertexto, pois há múltiplos conteúdos, bem como diversos centros, que são<br />

perpetuamente móveis. Essa organização hipertextual é realizada de acordo com o fluxo<br />

da narrativa e da dinâmica da leitura (LÉVY, 1996; MONTERICE, 2001;<br />

MAGNABOSCO, 2009).<br />

Os estudos sobre as características do hipertexto não estão concluídos. A<br />

partir de um clique sobre o link, uma nova janela se abre e o conteúdo hipertextual<br />

assume uma nova característica. Cada informação, nessa nova narrativa, adquire, de<br />

acordo com sua estrutura, um novo princípio, conforme a classificação de Lévy (2016).<br />

Segundo Joyce (1998, p. 284), “[...] com o texto eletrônico, sempre estamos pintando,<br />

cada tela destrói a anterior e o substitui por ela mesma. A sombra de cada letra morta<br />

proporciona a forma vivente do que o substitui [...].”<br />

291


Apresentamos abaixo, em forma de mapa conceitual, algumas<br />

características pedagógicas do hipertexto, dando ênfase ao seu poder de simultaneidade<br />

de produção, circulação, ausência de limites, multilinearidade, fragmentação e<br />

interatividade (MONTEIRO, 2014; LÉVY, 2016; COSTA; BOTTENTUIT JUNIOR,<br />

2016).<br />

Fonte: SiTe (2010)<br />

Figura 3 – Mapa conceitual das características pedagógicas do hipertexto<br />

É fato que a cada dia surgem centenas de novas leituras no ciberespaço.<br />

Cada narrativa do ciberespaço possui suas próprias características, e os leitores são<br />

desafiados pelas transformações digitais e, principalmente, pelas mudanças advindas<br />

das novas textualidades. O hipertexto, suas características e as novas relações entre<br />

novo autor e novo leitor transformam a cada dia a comunicação na Internet.<br />

292


3.2 Etapas de produção de uma Narrativa Hipertextual<br />

O processo de produção de uma Narrativa hipertextual requer seguir um<br />

conjunto de etapas. Lambert (2003), Robim (2005), Bull e Kadjer (2005), Morra (2013)<br />

e Cardoso (2014) discorrem sobre essas etapas, mas nem todos oferecem a mesma<br />

sequência. Após algumas leituras, apresenta-se, no quadro abaixo, uma compilação do<br />

passo a passo para produção de uma Narrativa Hipertextual com enfoque pedagógico,<br />

que pode ser aplicado em um ambiente educativo para formação do jornalista.<br />

Quadro 1 - Etapas de produção de uma Narrativa Hipertextual<br />

Nesta etapa é importante realizar minicurso para compreensão<br />

do conceito de Narrativa Hipertextual, informando como se<br />

Etapa 1 Minicurso constroem essas narrativas, as ferramentas utilizadas para<br />

produção delas, pesquisa e fazer uma análise de narrativas já<br />

criadas disponíveis na Internet.<br />

Etapa 2 Temática<br />

Definir o tema da Narrativa Hipertextual, que pode ser<br />

escolhido pelos alunos ou atribuído pelo professor, onde se<br />

desenvolve uma atividade de pesquisa e seleção de conteúdos<br />

informativos com qualidade e pertinentes, permitindo ao<br />

mesmo tempo que os alunos aprofundem os seus<br />

conhecimentos sobre o tema que se vão basear para escrever a<br />

narrativa.<br />

Etapa 3 Criação<br />

Criar uma Narrativa Hipertextual para colocar em pauta o<br />

planejamento do conteúdo que será inserido na narrativa.<br />

Etapa 4 Esboço<br />

Organização gráfica da Narrativa Hipertextual. Após a criação<br />

da narrativa, segue-se a etapa destinada à composição do<br />

storyboard, com a elaboração de uma série de esboços,<br />

utilizando os diversos tipos de mídia.<br />

Etapa 5 Pesquisa Nesta etapa realiza-se pesquisa e edição dos recursos<br />

293


multimídia. Os alunos vão nesta etapa reunir os recursos<br />

multimídia, as imagens, o áudio, os vídeos e infográficos<br />

necessários para contar a sua história.<br />

Etapa 6 Edição<br />

Montagem dos recursos multimídia. Todos os recursos são<br />

ordenados, acrescentando-se efeitos especiais e de transição.<br />

Etapa 7 Veiculação<br />

Publicação da Narrativa Hipertextual, onde o produto final<br />

desenvolvido é publicado na Internet através de um canal<br />

online, para partilha com todo o curso, pois se entende que<br />

publicar o produto final online atua como um fator de<br />

motivação adicional nos alunos durante todo o processo de<br />

criação da narrativa.<br />

Etapa 8 Análise<br />

Apresentação e reflexão sobre o processo de criação das<br />

Narrativas Hipertextuais, com a finalidade de apresentar uma<br />

reflexão pelos alunos sobre o processo desenvolvido e sobre o<br />

produto criado, na qual são indicadas as dificuldades que<br />

sentiram, o que aprenderam, o que poderia ser melhorado num<br />

próximo trabalho, entre outros aspetos considerados<br />

pertinentes.<br />

Fonte: Adaptado de Lambert (2003), Robim (2005), Bull e Kadjer (2005), Morra (2013) e Cardoso (2014)<br />

Este quadro mostra o quanto os alunos podem usar a comunicação,<br />

criatividade, colaboração e pensamento crítico em cada etapa de criação da Narrativa<br />

Hipertextual, utilizando elementos multimodais como imagens, música, vídeos, links,<br />

infográficos, podcasts, efeitos sonoros e visuais. Diante das competências do século<br />

XXI, as Narrativas Hipertextuais promovem a autoria múltipla e a produção<br />

colaborativa. Além de serem aptidões necessárias para o jornalista, elas acompanham as<br />

tendências do mercado de trabalho na área da Comunicação, que demanda cada vez<br />

mais um profissional multimídia e que saiba realizar trabalho em grupo.<br />

294


4 NARRATIVAS HIPERTEXTUAIS COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA<br />

NO ENSINO DE JORNALISMO<br />

Na Sociedade da Informação (CASTELLS, 2003; HARGREAVES, 2003;<br />

POZO, 2004; COUTINHO; LISBÔA, 2011), contexto em que vivemos, os professores<br />

já começaram a utilizar a hipertextualidade como metodologia de aprendizagem, a fim<br />

de diversificar e inovar a prática pedagógica do letramento, possibilitando ao aluno a<br />

experiência de utilizar novas práticas pedagógicas que facilitam a reflexão, criação e<br />

intercâmbio de conhecimento (LÉVY, 1993; MONTEIRO, 2014). Essa mudança vem<br />

acontecendo porque os professores encontram-se todos os dias com alunos que utilizam<br />

a Internet como espaço de comunicação, publicação, diversão e colaboração. Todavia, é<br />

importante refletir sobre a forma como esse meio multimidiático e diversificado tem<br />

sido aproveitado, em toda sua potencialidade, por professores e alunos.<br />

De que forma as Narrativas Hipertextuais podem atuar como ferramenta<br />

pedagógica? E quais as contribuições dessa narrativa no ensino de jornalismo? As<br />

Narrativas Hipertextuais possuem características particulares que podem atuar de forma<br />

significativa no processo de aprendizagem e manter uma relação com principais<br />

características do jornalista futuro, que são:<br />

a) Estar conectado: As Narrativas Hipertextuais atuam como ferramenta<br />

de pesquisa, que conecta um leque de m<strong>ate</strong>riais de referência através de<br />

imagens, podcasts, músicas, infográficos, vídeos e links. Mas para que<br />

essa narrativa exista, é necessário estar conectado e ter conhecimento das<br />

técnicas de criação, edição e veiculação na Internet (FIGUEIREDO<br />

1999; SILVA, 200; MONTEIRO, 2014).<br />

b) Ter curiosidade: Na academia, as Narrativas Hipertextuais são vistas<br />

como uma ferramenta que oferece a entrada de novos recursos<br />

pedagógicos. Em relação ao jornalismo, elas aguçam o lado curioso de<br />

alunos que todos os dias navegam pelas redes, interagindo informações e<br />

diferentes tecnologias (DIAS, 2000; SAMPAIO; LEITE, 2001).<br />

295


c) Colaboração: As Narrativas Hipertextuais têm por natureza seu caráter<br />

colaborativo. Pedagogicamente, professor e aluno precisam participar<br />

ativamente, seja como redator ou editor da narrativa. Assim sendo, os<br />

dois colaboram e tornam-se parceiros na aquisição e intercâmbio de<br />

conhecimento (MARTOS, 2001; PRIMO, 2003; CIRINO, 2010).<br />

d) Comunicar-se com clareza: Ao ter contato com as Narrativas<br />

Hipertextuais em sala de aula, o aluno vai interagir com uma rede de<br />

conhecimentos. É uma característica dessa narrativa a não linearidade, ou<br />

seja, livre caminho pelos níveis de conteúdo. Para que isso aconteça, é<br />

importante que os hipertextos sejam inseridos de forma didática,<br />

compreensiva e se comunicar com clareza para que o usuário possa criar<br />

sua própria trajetória pela informação sem ruídos cognitivos (DIAS,<br />

2000; GOMES, 2011; MONTEIRO, 2014).<br />

e) Profissional multimídia: Criar uma Narrativa Hipertextual em sala de<br />

aula significa procurar, analisar, selecionar, ler, interpretar e produzir<br />

conteúdo multimidiático. Nessa mesma perspectiva, acontece o trabalho<br />

do jornalista na atualidade. Ele precisa ter conhecimento sobre os<br />

recursos disponíveis em rede, sobretudo no que diz respeito às várias<br />

linguagens que a web oferece, a nova gramática texto-audiovisual<br />

imagética que surge com o hipertexto (SILVA, 2002; XAVIER, 2005).<br />

Como vimos, além de serem uma ferramenta pedagógica no atual processo<br />

de aprendizagem, as Narrativas Hipertextuais promovem melhor formação e<br />

qualificação do jornalista do século XXI, ainda mais quando se trata das competências<br />

de que ele precisa para atuar no mercado de trabalho. Registra-se o estudo de Spiro e<br />

Jehng (1990), para quem a importância do hipertexto na educação se dá por<br />

proporcionar flexibilidade cognitiva, ou seja, a capacidade que o aluno tem de usar a<br />

criatividade para lidar com, adaptar-se a, ou resolver, tarefas mutáveis no processo de<br />

aprendizagem. Para que esse desenvolvimento tenha êxito, o aluno precisa de inúmeras<br />

296


epresentações do conhecimento para, assim, ter melhor recepção do que está sendo<br />

transferido em sala de aula (PEDRO; MOREIRA, 2000).<br />

Apesar de serem analisadas enquanto ferramenta facilitadora na transmissão<br />

e na busca de novas informações, as Narrativas Hipertextuais são pouco utilizadas em<br />

sala de aula e, no campo do jornalismo, a sua produção ainda é mínima, como podemos<br />

visualizar na figura 04.<br />

Figura 4 - Reportagem capturada no site Wikinews, portal de notícias de Wikipédia<br />

Fonte: Grupo 5 (2012)<br />

Com efeito, e como se pode verificar a partir da imagem acima, do site<br />

Wikinews, portal de notícias da Wikipédia, site com maior influência entre os<br />

jornalistas e os internautas, encontramos um tipo de plataforma que <strong>ate</strong>nde aos<br />

requisitos de um site que pratica a produção de Narrativas Hipertextuais e de escrita<br />

297


colaborativa que ainda não utiliza todos os recursos multimidiáticos que a Internet<br />

oferece (PRIMO, 2003; MIELNICZUK, 2005; PAUL, 2007; TRÄSEL, 2007).<br />

5 COMENTÁRIOS FINAIS<br />

Este estudo ainda se encontra em fase de desenvolvimento. Contudo, ao<br />

final desta revisão bibliográfica, evidenciaram-se algumas questões para refletir sobre as<br />

Narrativas Hipertextuais como ferramenta pedagógica no ensino de jornalismo.<br />

Professores e alunos estão vivenciando um momento diferente dentro da academia com<br />

a inserção das TIC no processo de aprendizagem. Isso porque algumas ferramentas<br />

pedagógicas, como a utilização de Narrativas Hipertextuais, objeto deste estudo, estão<br />

reformulando o currículo educacional e revendo novas práticas com enfoque na<br />

formação do jornalista do futuro.<br />

O uso das Narrativas Hipertextuais no processo formativo do jornalista<br />

promove melhor aprendizagem dos alunos em dois aspectos: um deles remete para a<br />

compreensão do conteúdo lecionado, uma vez que a construção dessas narrativas requer<br />

um planejamento didático, pensado na colaboração de todos os envolvidos; o segundo<br />

tem a ver com o letramento digital, já que produzir uma narrativa desse porte demanda o<br />

conhecimento sobre as inúmeras possibilidades textuais que as ferramentas digitais<br />

oferecem. Verificou-se, ainda, que as Narrativas Hipertextuais abrem uma variedade de<br />

interação com as mídias digitais. Essa interatividade responde à demanda que o atual<br />

mercado de trabalho jornalístico exige. Dá-se então as contribuições dessas narrativas,<br />

que se fazem necessárias tanto na prática educativa e formadora desses profissionais,<br />

como na prática social e no seu ambiente de trabalho.<br />

Diante desses comentários, almeja-se que este estudo, ainda incipiente,<br />

fomente novas investigações sobre a implementação das Narrativas Hipertextuais em<br />

sala de aula, em especial com alunos de jornalismo, para que adquiram o domínio das<br />

tecnologias, dos recursos digitais e das possibilidades textuais oferecidos pela web.<br />

298


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304


DE AGUIRRE A KARAMAKATE: uma leitura decolonial no cinema latino<br />

americano contemporâneo<br />

FROM AGUIRRE TO KARAMAKATE: a decolonial reading in contemporary latin<br />

american cinema<br />

Renata Carvalho Silva<br />

Aluna do Programa de Pós-Graduação em História, Ensino e Narrativas – Mestrado<br />

Profissional da Universidade Estadual do Maranhão / Bolsista da Fundação de Amparo<br />

à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (FAPEMA)<br />

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Milena Galdez Ferreira<br />

Email: recanata12@yahoo.com.br / milenagaldez@hotmail.com<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo apresentar as discussões preliminares<br />

do projeto de pesquisa de Mestrado intitulada “El Abrazo de la Serpiente”: o cinema e<br />

o ensino de História e Cultura Indígena em sala de aula que visa analisar o uso das<br />

produções audiovisuais, em especial as cinematográficas, para a implementação do<br />

ensino da história e cultura indígena, circunscrita à determinação da Lei 11.645/2008.<br />

Dessa forma, a presente proposta visa perceber, a partir de uma análise comparativa das<br />

obras Aguirre a Cólera dos Deuses (1972) do cineasta alemão Werner Herzog e O<br />

Abraço da Serpente, (2016) do colombiano Ciro Guerra, de que forma a mudança nas<br />

representações acerca das identidades étnicas na América Latina, bem como a oposição<br />

entre os pressupostos epistemológicos eurocentrados e as emergências pluriétnicas nos<br />

contextos pós-coloniais podem auxiliar na implementação do que determina a lei.<br />

Partindo de uma noção de perspectivismo ameríndio, que busca compreender como<br />

cosmovisões específicas de diversos grupos étnicos do continente partem de relações<br />

ontológicas específicas distanciadas do antagonismo homem/cultura x natureza e como<br />

tais percepções podem de fato contribuir para a importância do respeito à alteridade.<br />

305


Palavras-chave: Ensino, História Indígena, Cinema, Decolonialidade.<br />

ABSTRACT:The present work aims to present the preliminary discussions of the<br />

Master's research project entitled "The Embrace of the Serpent": the cinema and the<br />

teaching of History and Indigenous Culture in the classroom that aims to analyze the<br />

use of audiovisual productions, in particular the cinematographic ones, for the<br />

implementation of the teaching of the history and indigenous culture, circumscribed to<br />

the determination of the Law 11.645/2008. Thus, the present proposal aims to perceive,<br />

from a comparative analysis of the works Aguirre the Wrath of the Gods (1972) by the<br />

German filmmaker Werner Herzog and The Embrace of the Serpent, (2016) by the<br />

Colombian Ciro Guerra, in what way the change in representations about ethnic<br />

identities in Latin America, as well as the opposition between Eurocentric<br />

epistemological assumptions and pluriethnic emergencies in postcolonial contexts can<br />

aid in the implementation of what the law dict<strong>ate</strong>s. Beginning with a notion of<br />

Amerindian perspectivism, which seeks to understand how specific worldviews of<br />

various ethnic groups on the continent depart from specific ontological relations<br />

distanced from the antagonism of man / culture x nature and how such perceptions can<br />

in fact contribute to the importance of respect for otherness.<br />

Keywords: Teaching, Indigenous History, Cinema, Decoloniality.<br />

A Lei nº 11.645, de 10 Março de 2008, que insere o ensino de História e<br />

Cultura dos Povos Indígenas a serem trabalhados em especial e obrigatoriamente nas<br />

disciplinas de Artes, Literatura e História, abre espaço para a discussão a respeito da<br />

comunidade indígena, ponto importante na formação da história e cultura de nosso país,<br />

mas que durante um longo espaço de tempo esteve relegada, sendo sempre estudada<br />

pela ótica dos chamados vencedores da história, ou seja, entrando de maneira subalterna<br />

na escrita da história. Manuela Carneiro da Cunha, antropóloga que busca estudar o<br />

306


sujeito indígena por uma outra perspectiva afirma que “a História do Brasil, a canônica,<br />

começa invariavelmente pelo ‘descobrimento’. São os ‘descobridores’ que a inauguram<br />

e conferem aos gentios uma entrada – de serviço – no grande curso da História”<br />

(CUNHA, 2012, p. 08).<br />

Estuda-se, comumente, a história das populações nativas sempre após 1492,<br />

como se antes estes povos não possuíssem história ou qualquer tipo de produção<br />

cultural ou m<strong>ate</strong>rial de maior importância e destaque. Outra questão ainda mais grave é<br />

que a representação que encontramos das comunidades indígenas nos livros didáticos e<br />

nas escolas é de povos que estão estáticos, que não possuem uma cultura dinâmica,<br />

sendo comumente representados a partir de estereótipos e generalizações como se a<br />

cultura indígena não tivesse sofrido nenhuma modificação no processo histórico,<br />

limitando e homogeneizando inúmeras e diversificadas expressões sociais a uma única<br />

matriz de leitura referencial.<br />

Outra representação preocupante que se faz do índio na história é como<br />

mera vítima do processo de colonização. Não se nega aqui a extrema violência a que<br />

esses povos foram submetidos no processo de implementação do projeto colonial:<br />

violências físicas, como enfrentamentos diretos e desiguais, doenças, escravidão e etc; e<br />

violências simbólicas como mudanças no regime de trabalho, estrutura social e<br />

religiosa. Essas modificações forçaram uma reconfiguração na cultura indígena, mas<br />

isto não implica que estes povos tenham desaparecido, ou não possuam uma identidade<br />

própria. Janice Theodoro (1992) afirma assim perceber que as culturas indígenas são<br />

“viventes” e não “sobreviventes” no processo histórico (p. 64).<br />

Dessa forma busca-se através do presente trabalho analisar o uso das<br />

ferramentas metodológicas audiovisuais, em especial as produções cinematográficas<br />

ficcionais, para trabalhar o ensino da história e cultura indígena, circunscrita à<br />

determinação da Lei 11.645/2008, buscando dessa forma fomentar a abordagem da<br />

perspectiva intercultural e humanística de valorização da diversidade e da pluralidade<br />

cultural e étnica da qual é fruto nossa própria sociedade.<br />

307


Edson Silva afirma que atualmente estamos inseridos num contexto em que<br />

diversos grupos sociais buscam afirmar identidades e conquistar e ocupar espaços<br />

sociopolíticos no Brasil. Diferentes expressões socioculturais passaram a ser<br />

reconhecidas e respeitadas, o que vem exigindo discussões, reformulações e a<br />

implementação de politicas públicas que respondam às demandas de direitos sociais<br />

específicos. Assim “a Lei 11.645/2008, que determinou a inclusão da história e culturas<br />

indígenas nos currículos escolares, possibilitará o respeito aos povos indígenas e o<br />

reconhecimento das sociodiversidades no Brasil” (SILVA, 2012, p.32).<br />

Além de nos levar a repensar o papel das populações indígenas na história<br />

do Brasil, a Lei 11.645/2008 vem nos possibilitar repensar a constituição social e<br />

política do país. Segundo Silva (2012) a ideia de uma identidade e cultura nacional<br />

esconde inúmeras diferenças sejam de classes sociais, gênero, étnicas e etc. ao buscar<br />

uniformizá-las. Negando não só os processos históricos marcados pelas violências de<br />

grupos politicamente hegemônicos bem como ainda as violências sobre grupos a<br />

exemplo dos povos indígenas e os oriundos da África que foram submetidos a viverem<br />

em ambientes coloniais.<br />

Portanto, uma efetiva aplicação das políticas educacionais de valorização<br />

das tradições indígenas e africanas para o conhecimento dos processos de construção do<br />

que se entende hoje como nação brasileira, em busca de se impedir a reprodução de<br />

preconceitos, parte justamente da atitude de não só se repensar um tradicional conceito<br />

de que os grupos indígenas seriam apenas receptores passivos num processo de<br />

dominação física e simbólica, inseridos num contexto de conquista e colonização, como<br />

também tentar aproximar as abordagens já realizadas e que identificam o indígena<br />

enquanto sujeito/ator da sua própria permanência étnica, àquelas que buscam questionar<br />

outros conceitos como o de vitimização, subjugamento e aniquilamento dos mesmos,<br />

tão ainda em voga nas bibliografias sobre História do Brasil, que tendem a projetar seu<br />

possível desaparecimento por conta de uma total inserção na cultura não-indígena<br />

(SILVA, 2005, p. 03).<br />

308


Com esse intuito, e pensando a própria contradição inerente a formulação<br />

das novas legislações que defendem o direito à liberdade e à pluralidade étnico-cultural<br />

da população brasileira, que, apesar de apontarem para uma esperança no que concerne<br />

às políticas de erradicação dos preconceitos raciais, étnicos e culturais, em especial aqui<br />

a lei 11.645/08 e a lei 10.639/03 que a antecede 31 , é necessário se pensar estratégias de<br />

como promover uma educação que reconheça e valorize a diversidade, comprometida<br />

com as origens do povo brasileiro e que busque a inclusão dos saberes e tradições dos<br />

grupos nativos como bases importantes para se pensar a constituição tanto de uma<br />

identidade nacional quanto das múltiplas identidades regionais.<br />

A importância de ambas as legislações se inscreve no reconhecimento da<br />

escola como lugar de construção, não só do conhecimento, mas também da identidade,<br />

dos valores, dos afetos, ou seja, lugar onde o ser humano é moldado de acordo com sua<br />

sociedade. Historicamente o Brasil, sabidamente formado a partir de diferentes matrizes<br />

e heranças culturais, europeias, indígenas e africanas, ainda não contempla, de maneira<br />

equilibrada e eficaz, o conjunto de suas referências formativas no sistema educacional.<br />

A pedagogia e os livros didáticos apresentam, ainda hoje, uma visão eurocêntrica,<br />

perpetuando assim estereótipos e preconceitos (BORGES, 2015, p. 06).<br />

O CINEMA COMO RECURSO METODOLÓGICO.<br />

É nesse sentido que entendemos ser o uso do cinema e das diferentes<br />

produções audiovisuais que tem na figura do elemento nativo seu objeto principal, ou<br />

como mera figuração narrativa, fonte e ferramenta de grande valor de pesquisa uma vez<br />

que nos permite refletir como as representações acerca dessas populações refazem-se<br />

continuamente a medida que novas luzes e perspectivas são lançadas a partir dos<br />

deb<strong>ate</strong>s em âmbito acadêmico e/ou político, quer reforçando antigos estereótipos de<br />

31 Lei que estabelece as diretrizes de base da educação nacional, incluindo no currículo oficial da rede de<br />

ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", sendo posteriormente alterada,<br />

ou melhor, complementada pela lei Nº 11.645/2008, que insere igualmente nesta temática o ensino de<br />

História e Cultura Indígena.<br />

309


fixação de identidade quer avançando na leitura da dinâmica e ressignificação dos<br />

diversos contextos culturais em constante contato.<br />

Se for verdade que vivemos em um período onde a fragmentação<br />

paradigmática promovida pela emergência de uma sociedade global cujas relações<br />

deterioram-se em nome da demanda por processos sociais e econômicos cada vez mais<br />

acelerados e onde o anseio por respostas imediatas é prerrogativa básica, também o é o<br />

fato de ser o campo da construção imagética e sua infinita possibilidade de variação,<br />

terreno dos mais férteis para as análises acerca das construções m<strong>ate</strong>riais e simbólicas<br />

dos diferentes grupos humanos. Inúmeros são os indivíduos que se lançam dia após dia<br />

na árdua tarefa de tentar compreender a potencialidade humana e de decodificar sua<br />

realidade através da linguagem visual, linguagem essa que chamaremos de iconografia,<br />

do grego “eikón” (imagem), e traduzir-se-á aqui como “imagem que se assemelha a um<br />

objeto, pintura, pensamento, imagens mentais, comparação, semelhança” (PAPE apud<br />

BRANDÃO, 2016, p. 181).<br />

Igualmente tem-se que o cinema como um dos ramos de desenvolvimento<br />

da arte iconográfica, em grande medida, desenvolveu papel preponderante na preensão<br />

do desenvolvimento m<strong>ate</strong>rial e simbólico humano, sendo, no entanto, relacionado<br />

durante longo período, apenas às esferas de um desenvolvimento técnico ou, no mais<br />

das vezes, de sua capacidade subjetiva e/ou artística. A constatação da possibilidade de<br />

uma leitura temporal e sociológica implícita ao registro visual fílmico só passa a ter, de<br />

fato, validade no rastro da ampliação dos horizontes de pesquisa das Ciências Sociais,<br />

incluindo-se aqui também a disciplina História já em meados do século XX (FERRO,<br />

1988; KORNIS, 1992; NAVARRETE, 2008).<br />

O registro fílmico enquanto documento histórico - como qualquer outro<br />

documento produzido pelo homem e passível de auxiliar na busca pela compreensão de<br />

determinada época a ele relacionada - pressupõe uma meticulosa interpretação dos<br />

contextos sociais dos seus produtores e dos códigos a ele inerentes. Quando se fala, ao<br />

trabalhar com documentos escritos, dos ditos e não-ditos inscritos nos textos, fala-se das<br />

escolhas de exposição e ocultamento realizadas por seus idealizadores/realizadores. Na<br />

310


mesma medida, o registro cinematográfico encerra escolhas realizadas por quem opera a<br />

câmera, quem constrói determinado roteiro, os responsáveis pelos cortes e edições que<br />

vão desde as formas de enquadramento até os aspectos ou modelos que se quer<br />

mostrar/ocultar. São os códigos, simbologias e propósitos inerentes às escolhas do<br />

autor, que estão diretamente relacionados ao seu lugar no tecido social de seu tempo, os<br />

ingredientes de fato pertinentes à possibilidade da análise do filme enquanto documento<br />

histórico (CODATO, 2010)<br />

A imagem considerada como fruto do trabalho humano pauta-se em códigos<br />

convencionalizados socialmente, possuindo, sem dúvida, um caráter conotativo que<br />

remete às formas de ser e agir do contexto no qual estão inseridas as imagens como<br />

mensagens. Entretanto, tal relação não é automática, pois entre o sujeito que olha e a<br />

imagem elaborada, ‘existe muito mais do que os olhos podem ver’. Portanto, para se<br />

chegar àquilo que não foi imediatamente revelado pelo olhar cinematográfico, há que se<br />

tentar perceber as relações entre signo e imagem, aspectos da mensagem que a imagem<br />

em movimento elabora; e principalmente, inserir o cinema no panorama cultural no qual<br />

foi produzida, e entendê-la como uma escolha realizada de acordo com uma dada visão<br />

de mundo. Nesse sentido, tanto os registros visuais que se propõem documentais quanto<br />

aqueles que contrariamente valorizam aspectos da subjetividade e inventividade criativa<br />

daquele que o produz, trazem, em si, aspectos passíveis de uma análise sócio-cultural do<br />

período em que este foi produzido.<br />

Ao se utilizar o filme como fonte e ferramenta para o ensino de História, ao<br />

contrário do que se possa pensar, não procuramos que este se resuma apenas a um mero<br />

manual de como o professor deve ou não utilizar um determinado filme, quer seja ele<br />

histórico ou não em sala de aula, uma vez que, como nos alerta Marc Ferro (1988), “os<br />

filmes de tipo histórico não são mais que uma representação do passado” que em grande<br />

medida falam mais sobre o presente que sobre esse mesmo passado. É necessário,<br />

portanto, que se leve em consideração a premissa de que este é apenas um dos inúmeros<br />

olhares que se possa lançar sobre o passado e o professor deve, então, nesse caso,<br />

conscientizar-se sobre as múltiplas significações implícitas a determinada produção<br />

311


cinematográfica quando da sua escolha para que assim lhe possa ser claro o emprego do<br />

passado em tal obra.<br />

AGUIRRE, O OLHAR ESTRANGEIRO E A AMAZÔNIA INTRANSPONÍVEL<br />

A partir desse segundo ponto nos propomos a analisar duas obras<br />

cinematográficas que trabalham com aspectos fundamentais para a pesquisa<br />

anteriormente apresentada: a floresta amazônica e as populações indígenas<br />

amazônicas. Buscaremos, dessa forma, considerar as semelhanças e diferenças na<br />

forma como ambas buscam retratar esses dois aspectos. Trata-se aqui das seguintes<br />

obras: “Aguirre: a Cólera dos Deuses” do diretor alemão Werner Herzog (1972) e; “O<br />

Abraço da Serpente” do diretor colombiano Ciro Guerra (2016). A forma como a<br />

indústria cinematográfica produz, reforça ou reproduz estereótipos e imaginários<br />

fantásticos acerca desses elementos ou a medida que busca se distanciar dos mesmos é<br />

nossa principal preocupação.<br />

Desde a obra Green Hell (1940) 32 do diretor britânico radicado nos Estados<br />

Unidos, James Whale, a narrativa da grande indústria cinematográfica sobre a<br />

Amazônia se baseia em reforçar os aspectos fantásticos e misteriosos construídos ao<br />

longo dos anos pelos cronistas, literatos e documentaristas que a visitaram desde os<br />

primórdios da colonização até o alvorecer da tecnologia do cinematógrafo com o<br />

apogeu do ciclo da borracha (LOPES, 2015). Dentre os elementos mais demarcados<br />

nessas narrativas se encontra a ideia da floresta como um lugar exótico e assustador,<br />

com populações nativas selvagens e muita das vezes canibais, bem como povoada de<br />

animais gigantescos ou mesmo pré históricos: O Monstro da Lagoa Negra (1954), O<br />

Mundo Perdido (1960), A Floresta das Esmeraldas (1985), Anaconda (1997), Um<br />

Lobisomem na Amazônia (2005), e por aí vai.<br />

32 No filme, um grupo de aventureiros procura um tesouro inca perdido em uma floresta da América do<br />

Sul. Uma linda mulher chega ao acampamento. Ela veio acompanhar o marido, no entanto, ele havia sido<br />

morto por índios selvagens pouco tempo antes. Ela permanece com o grupo, onde passa a ser disputada.<br />

Os homens começam a competir entre si e ataques de ciúmes pela mulher são constantes. Quando o<br />

tesouro é finalmente encontrado, os aventureiros precisam se unir contra um inimigo em comum: um<br />

grupo de nativos que passa a atacá-los com armas e flechas envenenadas.<br />

312


A obra do diretor alemão Werner Herzog, intitulada “Aguirre, a cólera dos<br />

deuses” de 1972 é uma das obras fruto do movimento de renovação do cinema mundial<br />

impulsionado pelo realismo poético francês que sucedeu as vanguardas estéticas de<br />

início do século XX e que também inspirou o neorrealismo italiano pós segunda guerra<br />

mundial e que tinham como características transpor o paradigma de produção<br />

cinematográfica norte americano vigente até então com suas grandes produções feitas<br />

em estúdio, retratando e exaltando, em geral, o “american way of life”.<br />

Em linhas gerais esse “Novo Cinema” tinha como características a busca<br />

por um cinema mais autoral, visando retratar personagens e cenários mais realísticos,<br />

usando, às vezes, intérpretes não profissionais bem como um minimalismo técnico que<br />

bem pode ser representado pela já consagrada frase “uma câmera na mão, uma ideia na<br />

cabeça”. Assim é que Herzog se lança na ousada empreitada de, com um orçamento<br />

baixíssimo, produzir um épico para aquele período, retratando o episódio histórico da<br />

expedição de Don Lope de Aguirre que tendo a tomada do império Inca pelos espanhóis<br />

como pano de fundo, sai em busca da lendária cidade do Eldorado na Amazônia<br />

Oriental. Com um grande elenco e poucos recursos técnicos, o diretor consegue<br />

produzir um dos grandes clássicos do Novo Cinema Alemão com a ajuda da<br />

excepcional parceria e interpretação do ator Klaus Kinski no papel do ambicioso<br />

Aguirre em uma jornada de loucura em meio a uma Amazônia avassaladora e<br />

inexpugnável.<br />

Apesar da proposta de renovação empreendida por Herzog, muitos são os<br />

elementos que ainda persistem em sua obra frutos de uma leitura exotizada da região<br />

amazônica e seus habitantes. A floresta ainda é vista como um espaço “infernal” que<br />

por conta das suas muitas e intransponíveis barreiras naturais, dizima a coragem, a<br />

saúde e a sanidade do invasor mesmo que isso seja retratado através de uma forte crítica<br />

à ambição desmedida daqueles que se lançavam em aventuras em busca de glória e<br />

riquezas. Também a predileção pelos planos abertos, inclusive o belíssimo plano inicial<br />

que abre a película, filmando em um close up lento uma multidão que mais se<br />

assemelha a uma procissão de formigas, além da pouca e irracional participação do<br />

313


nativo em sua narrativa, <strong>ate</strong>stam uma visão ainda bastante deturpada e eivada de<br />

estereótipos de um olhar estrangeiro sobre a paisagem amazônica.<br />

O ABRAÇO DA SERPENTE: CINEMA E HISTÓRIA INDÍGENA EM UMA<br />

LEITURA DECOLONIAL.<br />

Baseado nos diários de viagem reais de dois cientistas europeus que<br />

desbravaram a Amazônia em diferentes épocas da primeira metade do século XX, em O<br />

Abraço da Serpente Theodor Von Martius (interpretado pelo ator belga Jan Bijvoet),<br />

inspirado no etnógrafo alemão Theodor Koch-Grunberg (1872-1924) busca a ajuda do<br />

índio desterrado da etnia Coihuano, Karamak<strong>ate</strong> (interpretado pelo indígena Nilbio<br />

Torres) para encontrar uma flor medicinal muito rara e única a poder salvá-lo de uma<br />

enfermidade que o assola;<br />

Utilizando o recurso de duas frentes de narração, onde dois pontos<br />

temporais são separados e unidos na mesma história, se entrecruzando no<br />

desenvolvimento da narrativa, encontramos, 40 anos depois, o segundo explorador,<br />

Evan (interpretado pelo ator americano Brionne Davis) baseado nos diários do<br />

etnobotânico americano Richard Evans Schultes (1915-2001) onde o mesmo também<br />

segue em busca da mesma planta medicinal só que agora por motivos diferentes, a<br />

planta pode lhe salvar do mal de nunca ter conseguido “sonhar”.<br />

Através de inúmeras intencionalidades estéticas e manipulando uma<br />

temporalidade que extrapola a linearidade e entremeia os dois momentos narrativos, o<br />

diretor e realizador da obra nos leva a desvendar dois universos em confronto e a refletir<br />

sobre diversos elementos do histórico do contato: oposição civilização e barbárie;<br />

descrença e desconfiança, o território como constituinte da memória e formadora da<br />

identidade étnica, a utilização compulsória da mão de obra nativa na exploração da<br />

borracha amazônica no início do século XX, dentre outros inúmeros aspectos<br />

simbológicos ricos de apreciação analítica, explorando assim, questões acerca da<br />

construção das identidades em contato, territorialidades e perspectivismo, buscando<br />

sempre empreender uma contraposição às produções clássicas que tomam o elemento<br />

314


nativo a partir das tradicionais representações binárias do bárbaro primitivo ou do herói<br />

idílico nacional.<br />

É possível reconhecermos vários elementos de renovação do cinema latino<br />

americano contemporâneo pós 1980 na obra de Guerra que busca conjugar as<br />

referências do movimento cinema novo das décadas de 1960-70 como a filmagem em<br />

espaços reais, com intérpretes não profissionais e tomando os personagens minoritários<br />

como personagens principais da narrativa, ao mesmo tempo em que busca conjugar tais<br />

referências a uma maior qualidade técnica e não deixando de lado o interesse pelo<br />

reconhecimento internacional ao mesmo tempo estético e mercadológico.<br />

O termo decolonial utilizado aqui como c<strong>ate</strong>goria chave de entendimento<br />

parte de uma escolha teórica baseada nos pressupostos epistemológicos advindos dos<br />

deb<strong>ate</strong>s do grupo de investigadores latino americanos intitulado<br />

Modernidad/Colonialidad surgida entre os anos 2000 e que visa entre outras coisas “se<br />

posicionar de forma mais radical no deb<strong>ate</strong> pós colonial visando transcender a<br />

colonialidade, a face obscura da modernidade, que permanece operando ainda nos dias<br />

de hoje em um padrão mundial de poder” (BALLESTRIN, 2013, p. 01).<br />

Nesse sentido o termo decolonial, grafado sem o “s” tem um aspecto de<br />

escolha política e epistemológica uma vez que “marca uma distinção com o significado<br />

de descolonizar em seu sentido clássico. Deste modo a intenção não é desfazer o<br />

colonial ou revertê-lo, ou seja, superar o momento colonial pelo momento pós-colonial.<br />

A intenção é provocar um posicionamento contínuo de transgredir e insurgir. O<br />

decolonial implica, portanto, uma luta contínua.” (WALSH, 2009, p. 15-16).<br />

Logo, busca-se aqui perceber de que forma o cinema latino americano<br />

contemporâneo coaduna-se com as propostas de compreender as constituições<br />

identitárias no contexto dos contatos pluriétnicos e de mestiçagem/hibridização a partir<br />

de pressupostos conceituais específicos, dando ênfase a novas perspectivas de<br />

classificação e compreensão da experiência humana. Ou como nos aponta Grosfoguel:<br />

Como resultado, el mundo de comienzos del siglo XXI necesita una<br />

decolonialidad que complemente la descolonización llevada a cabo en los<br />

315


siglos XIX y XX. Al contrario de esa descolonialización, la decolonialidad es<br />

un proceso de resignificación a largo plazo, que no se puede reducir a un<br />

acontecimiento jurídico-político (Grosfoguel, 2005, p. 17).<br />

Outra noção chave para o entendimento do trabalho aqui proposto é a noção<br />

de perspectivismo e multinaturalismo ameríndio desenvolvido pelo antropólogo<br />

Eduardo Viveiros de Castro donde é possível percebermos um grande alinhamento com<br />

os pressupostos do decolonialismo uma vez que o mesmo propõe uma leitura que rompe<br />

com as oposições natureza X humanidade/cultura; racionalidade X subjetividade,<br />

clássicos dos pressupostos epistemológicos eurocentrados propondo em seu lugar as<br />

noções das múltiplas humanidades a partir de uma imersão profunda na experiência de<br />

conceituação e construção do conhecimento fruto das experiências vividas de<br />

sociedades indígenas amazônicas (Castro, 2002).<br />

Sendo assim, a escolha do filme colombiano “O Abraço da Serpente” para o<br />

desenvolvimento da pesquisa parte principalmente das escolhas não só teóricas como<br />

estéticas do seu realizador que colocam o indivíduo nativo como elemento principal e<br />

direcionador da narrativa. É possível perceber tais escolhas nas palavras do próprio<br />

diretor quando o mesmo aponta e discorre sobre algumas delas:<br />

GUERRA – Esse projeto mobilizou 15 anos da minha vida e me deu<br />

capacidades que eu não teria como resumir em palavras, porque, antes de<br />

tudo, o filme ensinou-me a ver o mundo de um outro lugar, um outro ponto<br />

de observação: o dos xamãs, o da floresta. Perdi muito peso nesse processo.<br />

Peso espiritual, peso intelectual, até um peso afetivo. Foi uma libertação, pois<br />

«O Abraço...» levou-me a buscar um novo estado de espírito na direção do<br />

sonho, de modo que eu pudesse me libertar de referências sensíveis do<br />

próprio cinema e buscar o entendimento da novidade à minha frente sem a<br />

muleta da lógica do pensamento cartesiano. (Entrevista concedida ao site da<br />

Revista Metropolis em 13 de abril de 2016)<br />

Assim, apesar de ser descrito por Guerra não como um retrato fiel do<br />

passado, mas um “ambiente do passado reconstituído a partir de uma experiência<br />

sensorial” (Op. Cit.) a película nos coloca em contato com uma rica reflexão sobre a<br />

questão do histórico de contato e suas múltiplas implicações num processo estético de<br />

316


imersão na perspectiva da experiência multinaturalista das identidades indígenas da<br />

Amazônia.<br />

Questiona-se assim o papel dos cientistas e viajantes que desbravaram a<br />

Amazônia e a forma como construíram leituras e classificações sobre as populações<br />

nativas, a forma como a influência das missões católicas desencadearam novas<br />

experiências religiosas no contexto do hibridismo pós colonial bem como a forma<br />

contundente com que a exploração comercial da Amazônia em contextos como as da<br />

exploração da borracha afetaram incisivamente as mesmas.<br />

Várias são as escolhas técnicas e estéticas do autor que nos levam a perceber<br />

tais propostas narrativas como a escolha do preto e branco do filme como forma de fuga<br />

da “mimese do real” não atingível pela lente da câmera e como forma não só de fazer o<br />

espectador imergir através do uso recorrente dos planos intencional e excessivamente<br />

amplos na extensão e imbricação entre homem e natureza amazônicos.<br />

Outra interessante escolha para obra que nos apresenta o autor é o de rodá-lo<br />

em filme 35 mm. Assim o mesmo a explica:<br />

La película está inspirada en las imágenes que tomaron los exploradores en<br />

los que se basa la historia, imágenes que eran casi daguerrotipos. Son los<br />

únicos documentos que sobrevivieron que muestran a muchas comunidades<br />

amazónicas. Queríamos que el filme se acercara a esa textura de las fotos,<br />

que transportara directamente a esos años. Hicimos pruebas con varios<br />

formatos digitales, pero nos dimos cuenta de que no servían para capturar la<br />

luz natural ni los detalles que ofrece la selva, no tenían la cualidad orgánica<br />

que buscábamos (Guerra, entrevista concedida ao site do jornal El Ibérico em<br />

06 de junho de 2016).<br />

317


Muitas outras questões ainda existem a serem lidas, interpretadas e<br />

trabalhadas e que não caberiam no espaço restrito desse texto preliminar de<br />

apresentação de pesquisa, mas de antemão pontuamos que a escolha do filme como<br />

objeto de análise e uso para o ensino da História e Cultura Indígena em sala de aula, em<br />

<strong>ate</strong>ndimento à lei 11645/08 passa, indiscutivelmente, pela reflexão sobre de que História<br />

e de qual representação de populações indígenas se pretende ou se está (ou não está, nos<br />

parece mais o caso) fazendo quer seja nas Licenciaturas, quer seja nas escolas de<br />

educação básica no Brasil atual.<br />

Portanto, uma reflexão crítica sobre os pressupostos sobre os quais a<br />

História vem assentando as suas leituras sobre o passado e o presente das múltiplas e<br />

diferenciadas etnias que habitam e constituem os espaços geográficos latino americanos<br />

se faz cada vez mais necessária.<br />

Assim, propomos que a análise dessa produção fílmica aqui parcialmente<br />

apresentada acerca de diferentes grupos e indivíduos nativos nos permita entrever as<br />

múltiplas representações construídas acerca dos mesmos buscando não só perceber as<br />

ideologias de imposição de uma identidade estática e assim apagada do elemento nativo<br />

na mídia e no ensino, como tentando buscar, nas recentes produções, a integração de<br />

novas leituras e abordagens de natureza antropológica que intentam alcançar as<br />

318


idiossincrasias dos diversos grupos embasados na valorização das suas diferenças e<br />

particularidades multiétnicas e culturais das quais todos também fazemos parte.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BALLESTRIN, Luciana. Para transcender a Colonialidade. Entrevista concedida ao site<br />

da Revista do Instituto Humanitas Unisinos. Em 04/11/2013. Disponível em:<br />

http://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/5258-luciana-ballestrin<br />

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Indígena nos Currículos da Educação Básica e Superior: momento histórico ímpar. In:<br />

Revista Científica Facmais, vol. IV, nº I, 2015, 2º semestre. Disponível em:<br />

http://revistacientifica.facmais.com.br/wpcontent/uploads/2015/08/<strong>artigos</strong>/cultura_africana.pdf<br />

BRANDÃO, Jack. Eikón, Eidolon, Imago, Imagem: étimo e emprego dissuassório. In:<br />

Revista Lumen et Virtus, vol. 3, n. 16, 2016. Disponível<br />

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EIDOLON%20E%20IMAGO_IMAGEM%20COMO%20PODER%20DISSUAS%C3<br />

%93RIO.pdf<br />

CASTRO, Eduardo Viveiros de. Perspectivismo e multinaturalismo na América<br />

indígena. In: O Que nos Faz Pensar? – Cadernos do Departamento de Filosofia da<br />

PUC-Rio, vol. 14, nº 18, setembro de 2004, p.225-254.<br />

CODATO, Henrique. Cinema e Representações Sociais: alguns diálogos possíveis. In:<br />

Verso e Reverso, Unisinos, vol. 29, nº 55, janeiro-abril de 2010, p. 47-56. Disponível<br />

em: http://www.revistas.unisinos.br/index.php/versoereverso/article/viewFile/44/8<br />

CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos Índios no Brasil. São Paulo: CIA das<br />

Letras, 1998.<br />

FERRO, Marc. O filme, uma contra-análise da sociedade? In: LE GOFF, Jacques e<br />

NORA, Pierre. História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco A1vcs, 1988.<br />

GROSFOGUEL, Ramón. “The Implications of Subaltern Epistemologies for Global<br />

Capitalism: Transmodernity, Border Thinking and Global Coloniality”. En Richard P.<br />

Appelbaum and William I. Robinson (eds.). Critical Globalization Studies.New York<br />

/London: Routledge. 2005.<br />

319


KORNIS, Mônica Almeida. História e Cinema: um deb<strong>ate</strong> metodológico. In: Estudos<br />

Históricos. Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, 1992, p. 237-250. Disponível em:<br />

http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1940<br />

LOPES, Rafael de Figueiredo. Ação e aventura na Amazônia inventada pelo cinema de<br />

ficção. Temática. Ano XI, n.10, outubro/2015, João Pessoa: NAMID/UFPB.<br />

Disponível em: http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/tematica/article/view/26247<br />

NAVARRETE, Eduardo. O Cinema como fonte histórica: diferentes perspectivas<br />

teórico-metodológicas. In: Revista Urutágua – Revista Acadêmica Multidisciplinar.<br />

Maringá: DCS/UEM, n. 16, 2008. Disponível em:<br />

http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Urutagua/article/view/3539/0<br />

SILVA, Edson. Os Povos Indígenas e o ensino: reconhecendo as sociodiversidades nos<br />

currículos com a Lei 11.645. In: ROSA, A. BARROS, N. (orgs.). Ensino e Pesquisa na<br />

Educação Básica: abordagens teóricas e metodológicas. Recife: EDUFPE, 2012.<br />

THEODORO, Janice. América Barroca: Tema e Variações. São Paulo: Editora da.<br />

Universidade de Sao Paulo/Editora Nova Fronteira, 1992.<br />

WALSH, Catherine. Interculturalidad, Estado, Sociedad: Luchas (de)coloniales de<br />

nuestra época. Universidad Andina Simón Bolivar, Ediciones Abya-Yala,: Quito, 2009.<br />

Disponível<br />

em:<br />

http://www.flacsoandes.edu.ec/interculturalidad/wpcontent/uploads/2012/01/Intercultur<br />

alidad-estado-ysociedad.pdf<br />

320


DE VENTO EM POPA: práticas e saberes tradicionais da carpintaria naval artesanal<br />

de São João de Côrtes, Alcântara – MA<br />

WIND AT THE STERN OF THE BOAT: traditional practices and knowledge of the<br />

naval carpentry of São João de Côrtes, Alcântara - MA<br />

Cláudia do Rosário Matos Nogueira-<br />

Mestranda em Design – Universidade Federal do Maranhão -<br />

claudiamanog@hotmail.com<br />

Raquel Gomes Noronha-<br />

Doutorado em Ciências Sociais – Universidade Federal do Maranhãoraquelnoronha79@gmail.com<br />

Orientador: Denilson Moreira Santos –<br />

Doutorado em Química- Universidade Federal do Maranhão -<br />

denilson.santos@ufma.br<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Os homens no trabalho: da carpintaria naval aos corantes naturais. Este<br />

trabalho trata do registro dos processos da cadeia produtiva da carpintaria naval<br />

artesanal e da utilização de corantes naturais presentes na vila de São João de Côrtes,<br />

Alcântara – MA. Há uma abordagem qualitativa descritiva, em um estudo de campo<br />

etnográfico, com técnicas de observação participante, sobre as práticas tradicionais e<br />

rotinas de trabalho que caracterizam esse povoado e seus moradores, assim como<br />

informações obtidas de entrevistas contextualizadas com perguntas indiretas com os<br />

artesãos, essencialmente do sexo masculino, que são detentores de conhecimentos<br />

transmitidos por várias gerações, conferindo-lhes identidade. Apresentam-se as<br />

mudanças ocorridas na última década, com a presença constante da energia elétrica na<br />

vila, que possibilitou o trabalho auxiliado por equipamentos, onde a organização e<br />

outras estratégias ajudaram a reduzir o impacto das atividades na saúde e promoveram<br />

maior desempenho laboral. Também são abordados aspectos referentes à continuidade<br />

do trabalho na carpintaria naval, uma vez que os jovens não mostram interesse nesta<br />

atividade. Como consequência observa-se que os barcos grandes que utilizavam velas<br />

321


coloridas com corantes naturais não são mais fabricados, já que a maioria dos artesãos é<br />

idosa e limita-se a construir canoas. Assim, este trabalho tem como objetivo apresentar<br />

a atuação do designer em interpretar as ações produtivas e dialogar com as interações<br />

entre os artesãos e seus produtos, contribuindo com mapeamento das práticas que<br />

envolvem as atividades e, em conjunto com os artesãos, expõe sugestões de sucessão<br />

dos saberes tradicionais na carpintaria naval e na utilização de corantes naturais, com<br />

resultados preliminares de uma proposta de revisitação das técnicas de tingimento<br />

natural para colorir tecidos.<br />

Palavras-chave: Design territorial; corantes naturais; saberes tradicionais; carpintaria<br />

naval artesanal.<br />

ABSTRACT: Men at work: from naval carpentry to natural dyes. This work deals with<br />

the registration of the processes of the production of artisanal carpentry and the use of<br />

natural dyes present in São João de Côrtes, Alcântara, Maranhão. There is a descriptive<br />

qualitative approach, in an ethnographic field study, with participant observation<br />

techniques, on the traditional practices and work routines that characterize this village<br />

and its inhabitants, as well as information obtained from interviews contextualized with<br />

indirect questions with artisans, essentially male, who hold knowledge transmitted by<br />

several generations, giving them identity. We present the changes that occurred in the<br />

last decade, with the constant presence of electric power in the village, which enabled<br />

the work aided by equipment, where the organization and other str<strong>ate</strong>gies helped reduce<br />

the impact of health activities and promoted gre<strong>ate</strong>r work performance. It also discusses<br />

aspects rel<strong>ate</strong>d to the continuity of the work in the naval carpentry, since the young<br />

people do not show interest in this activity. As a consequence, it can be observed that<br />

large boats using colored sails with natural dyes are no longer manufactured, since most<br />

craftsmen are old and limited to building canoes. Thus, this work aims to present the<br />

performance of the designer in interpreting the productive actions and to dialogue with<br />

the interactions between the craftsmen and their products, contributing with mapping of<br />

the practices that involve the activities and, together with the artisans, exposes<br />

322


suggestions of succession the traditional knowledge in naval carpentry and the use of<br />

natural dyes, with preliminary results of a proposal to revise the techniques of natural<br />

dyeing for coloring fabrics.<br />

Keywords: Territorial design; natural dyes; traditional knowledge; artisanal naval<br />

carpentry.<br />

1INTRODUÇÃO<br />

Atualmente valorizam-se conhecimentos tradicionais como forma de<br />

reflexão sobre o mundo conhecido como pós-moderno e capitalista, onde máquinas e<br />

equipamentos eletrônicos conseguem dominar espaços, em uma crítica ao exacerbado<br />

uso da tecnologia convencional (MEIHY, 2014). Portanto, são apropriados os conceitos<br />

de tecnologia social, onde Dagnino (2011) estabelece a importância de interações com a<br />

coletividade no afã de desenvolver técnicas que sejam convenientes para a população<br />

investigada, investindo no protagonismo da comunidade. A Fundação Banco do Brasil<br />

(FBB) estipulou uma compreensão para Tecnologia Social: “compreende produto,<br />

processo, técnicas ou metodologias reaplicáveis desenvolvidas na interação com a<br />

comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social” (FBB, 2006,<br />

apud RODRIGUES; BARBIERI, 2008, p. 1077).<br />

Nesta perspectiva, o designer, como profissional atuante em um mundo<br />

aberto à diversidade, ao estudar conhecimentos tradicionais, entra em contato com as<br />

manifestações culturais das comunidades, como é o caso de produção de corantes<br />

naturais em São João de Côrtes, em Alcântara – MA, que possui trabalhos com<br />

carpintaria naval artesanal e extração de corantes vegetais, cujos conhecimentos são<br />

transmitidos de geração para geração, onde os habitantes “estabelecem relações quando<br />

negociam, trabalham, rezam ou se divertem juntos” (GODOI, 2014, p. 146).<br />

O percurso escolhido para este estudo deve seguir as reflexões de Canclini<br />

(1983), ao falar que as coisas têm vida e histórias para contar, e de Clifford (1997)<br />

comentando que se deve estar presente em um local específico de pesquisa de técnicas<br />

323


aplicadas e transmitidas por gerações, rituais e cosmologia empregados por moradores<br />

da vila em questão, caracterizando-a como pesquisa qualitativa com abordagem<br />

etnográfica, em que se recomenda uma forma adequada de interagir com a comunidade<br />

por meio de entrevistas com perguntas indiretas, fotografias e filmagens envolvendo as<br />

pessoas que extraem e produzem os corantes naturais e trabalham na carpintaria naval<br />

artesanal.<br />

A abordagem determinada para se alcançar os fins da pesquisa está de<br />

acordo com o estudo de campo, sendo uma das etapas da pesquisa descritiva, onde há<br />

observação direta e espontânea das atividades de um grupo, gerando condições para<br />

análises e exercício das tomadas de decisões.<br />

2 O TERRITÓRIO DE SÃO JOÃO DE CÔRTES<br />

Sabe-se que o povoado de São João de Côrtes, em Alcântara, foi<br />

frequentado por padres da Companhia de Jesus desde o início da colonização<br />

portuguesa (IPHAN, 1999).Godoi (2014) complementa relatando que São João de<br />

Côrtes é uma vila situada em uma antiga aldeia onde os jesuítas se estabeleceram e se<br />

tornou uma terra habitada por maioria indígena. A mesma autora esclarece que as<br />

narrativas dos atuais moradores são unânimes ao reconhecerem estes fatos históricos,<br />

como também sobre o desconhecimento a respeito das reais circunstâncias que<br />

obrigaram os índios a abandonarem o local, deixando um santo, São João Batista, a<br />

quem as terras foram doadas, justificando a denominação de Terra de Santo que a vila<br />

recebe. Desta forma, a vila cresceu a partir da capela e da religião católica.<br />

As relações existentes entre os moradores e a manutenção dos rituais<br />

religiosos fazem com que existam grupos dentro da comunidade encarregados do zelo à<br />

igreja; organizar festas religiosas, procissões e coletar donativos conhecidos como joias<br />

para a continuidade destes eventos (ALMEIDA, 2006). Sra. Arlinda Nogueira (não<br />

revelou a idade) e Sra. Maria de Lourdes Ribeiro Ferreira (80 anos), ambas residentes<br />

na Praça Governador Archer, próxima à capela, comandam os rituais, uma vez que um<br />

padre realiza a missa uma vez a cada quinze dias.<br />

324


Outro quesito a ser mencionado sobre São João de Côrtes: a vila está<br />

localizada ao norte, pertencendo à área de segurança do CLA (Centro de Lançamento de<br />

Alcântara), também conhecido como Base. Os povoados situados dentro da área de<br />

segurança deste empreendimento estão sempre ameaçados de deslocamentos<br />

compulsórios, a exemplo do que aconteceu com diversas famílias de trabalhadores<br />

rurais e tradicionais que foram transferidas de suas comunidades para agrovilas, que são<br />

conjuntos de habitações construídos pelo CLA para o deslocamento obrigatório desses<br />

povoados que estavam localizados próximos à Base (ALMEIDA, 2006).<br />

Braga (2011) descreve Alcântara como um local que se tornou cobiçado<br />

para atividades espaciais por razões ditas como técnicas: local próximo ao mar,<br />

reduzindo riscos de danos causados a pessoas por possíveis quedas de objetos lançados;<br />

a posição em relação à Linha do Equador, o que propicia redução de custos com<br />

combustível e maior velocidade durante o lançamento dos veículos; a verificação<br />

poucas variações no clima e baixa densidade demográfica da região. Assim, em julho de<br />

1981, foi confirmada a instalação da Segunda Base de Lançamento de Foguetes<br />

Brasileiros (OS IMPACTOS, 2012).<br />

As comunidades distanciadas de seus povoados pelos deslocamentos<br />

compulsórios relatam vários desagrados: os moradores das localidades que viviam da<br />

pesca, por exemplo, tiveram que adaptar suas atividades à lavoura e à produção de<br />

farinha exclusivamente. Além desses transtornos, o afastamento de seus entes queridos<br />

enterrados em cemitérios seculares de onde não podem mais se aproximar, causou<br />

profundo descontentamento.<br />

Alfredo de Almeida descreve o cemitério como local onde estão os<br />

ancestrais mortos, constituindo um “campo santo, estrito senso, consiste numa parte da<br />

história do grupo” (ALMEIDA, 2006, p.171). Realmente, em uma visita a São João de<br />

Côrtes, realizada em dois de novembro de 2016, durante Dia de Finados, pôde-se<br />

observar a veneração dada a este dia e ao local. No final da tarde ocorre a visita ao<br />

cemitério. Por volta das dezessete horas várias pessoas se dirigem ao campo santo para<br />

acender velas e colocar flores nos túmulos para reverenciar os entes queridos que<br />

325


morreram. Muitos antigos moradores ou parentes destes que atualmente residem em<br />

localidades vizinhas, Alcântara ou São Luís, aparecem para estas homenagens. Parentes,<br />

que não se encontravam há tempos, se cumprimentam, contam histórias, geralmente<br />

relacionadas aos familiares mortos, riem e ficam até as velas apagarem.<br />

Tratando de religiosidade, no mês de junho ocorrem as festas em<br />

homenagem a São João e São Pedro, após as colheitas, onde parte da produção é<br />

destinada para garantir fundos que possam “assegurar m<strong>ate</strong>rialidade aos eventos”<br />

(ALMEIDA, 2006, p.173).<br />

No que se refere ao aspecto comercial, em São João de Côrtes o cultivo da<br />

mandioca, que é remoto, permanece até os dias atuais. Botelho (2008) informa que o<br />

cultivo da mandioca para a produção de farinha é muito antigo no Maranhão, referindose<br />

ao período colonial, onde muitas famílias se beneficiavam desta atividade. Os<br />

moradores usam Casas de Forno (Figura 1), que têm proprietários, mas sempre que um<br />

grupo precisa, os donos cedem as instalações para este. A farinha<br />

[...] compõe a alimentação básica do maranhense, já que [...] acompanha os<br />

mais variados pratos típicos, inclusive das classes abastadas, mas é o povo<br />

pobre, sobretudo do campo, que consome em maior escala, a farinha de puba<br />

como: pirão, mingau, tiquara e chibé (BOTELHO, 2008, p. 238).<br />

Outra atividade econômica mantida pelos habitantes de São João de Côrtes é<br />

relativa à carpintaria naval artesanal, como se pode verificar na movimentação constante<br />

de barcos e canoas no cais da vila, sejam para uso na pesca, para venda ou para<br />

manutenção (Figura 1).<br />

Figura 1 – Vista do cais e produção de farinha em Casa de Forno.<br />

326


Fonte: Elaborado pela autora<br />

Paula Andrade e Souza Filho (2012) acrescentam que esta prática se<br />

desenvolveu no século XIX para <strong>ate</strong>nder às necessidades mercantis e de transporte.<br />

Embarcações como Mensageiro da Fé, Mensageiro Júnior (já foram usados no<br />

transporte entre São Luís e Alcântara) são exemplos da fase áurea da construção destes<br />

produtos.<br />

[...] Para a aquisição de barcos de pesca todos os povoados acham-se<br />

referidos principalmente a São João de Côrtes, onde há pequenos estaleiros<br />

que consomem diferentes espécies de madeira, tais como: caju da baixa,<br />

bacuri e guamadim retiradas das reservas de mato dos povoados para a<br />

construção de embarcações (ALMEIDA, 2006, p.166).<br />

Carneiro da Cunha (CUNHA apud PAULA ANDRADE; SOUZA FILHO,<br />

2012) reforça esta informação ao associar o produto oriundo da carpintaria naval ao<br />

território São João de Côrtes, pois liga um grupo cultural a atividades especializadas na<br />

construção de embarcações, destacando a importância histórica desse tipo de trabalho<br />

para a economia da região.<br />

3 OS HOMENS NO TRABALHO: DA CARPINTARIA NAVAL AOS<br />

CORANTES NATURAIS<br />

Ao se pesquisar os corantes naturais de São João de Côrtes, descobriu-se<br />

que estes eram bastante utilizados para tingir as velas dos barcos grandes, de dois<br />

mastros, como informam os carpinteiros navais do povoado. O tingimento das velas,<br />

além de colorir as mesmas, também as protegiam de intempéries, especialmente quando<br />

os corantes do mangue-vermelho e do murici do mato eram utilizados, pois estes<br />

possuem uma espécie de resina que promovem um enrijecimento das fibras dos tecidos.<br />

Evidentemente, para se obter informações a respeito dos corantes naturais, o<br />

contato com os carpinteiros navais era necessário, especialmente os mais antigos , que<br />

trabalharam na produção das embarcações que comportavam velas. Desta forma,<br />

procurou-se agendar com estes artesãos, todos do sexo masculino. Os moradores da vila<br />

327


conhecem estas pessoas, então indicaram Zé do Chá, Zé Moraes e Satiro como os mais<br />

antigos carpinteiros ainda em atuação.<br />

Em uma conversa informal realizada em primeiro de novembro de 2016<br />

com José Feliciano Rosa (77 anos), conhecido como Zé do Chá, um dos mais<br />

requisitados carpinteiros navais de São João de Côrtes, este carpinteiro revelou que<br />

aprendeu o ofício com Sr. João Ribeiro, antigo detentor das técnicas da carpintaria naval<br />

que morou na vila. Zé do Chá falou que não recebe mais trabalhos relacionados a barcos<br />

grandes (sete ou oito metros), pois demandam muito tempo para ficarem prontos e não<br />

tem quem o ajude. Quase todos os filhos de Zé do Chá sabem trabalhar na carpintaria<br />

naval, porém estes moram e trabalham em São Luís no setor de carpintaria de móveis<br />

planejados, atividade mais rentável para os filhos, segundo ele.<br />

Zé do Chá garante que trabalha na carpintaria naval até “quando puder”. Ele<br />

possui uma incrível disposição para o exercício de sua profissão e foi encontrado<br />

construindo uma peça chamada caverna para uma canoa que havia sido encomendada<br />

(Figura 2). Normalmente, nas posições em que trabalhava, qualquer pessoa sentiria<br />

dores na coluna, nos braços, nas pernas, principalmente na idade dele, mas o mesmo<br />

alega que não sente dores e a postura não atrapalha o trabalho dele.<br />

Figura 2– Zé do Chá construindo uma peça da caverna de uma canoa e, na<br />

sequência, ajustando as peças da caverna.<br />

Fonte: Elaborado pela autora<br />

Zé do Chá faz estoque de madeira para a produção das canoas. O mesmo<br />

mencionou que utiliza madeiras como bacuri, guamadim, catiuba, sucupira, angelim e<br />

pequi. Estas peças são encomendadas por ele e são retiradas da mata sob suas instruções<br />

328


para serem acomodadas em um mezanino em seu estaleiro. Como estas tábuas ficam<br />

disponíveis, o carpinteiro consegue produzir uma canoa em dez ou quinze dias. Ele<br />

quem dá o prazo de entrega e uns três dias antes de ficar pronta, avisa ao cliente para<br />

buscá-la em dia e hora marcados.<br />

O experiente carpinteiro possui instrumentos elétricos, que segundo ele,<br />

auxiliam bastante no desempenho, mas o mesmo também possui ferramentas manuais,<br />

algumas adaptadas por ele mesmo. Não se pode parar a produção por causa de uma<br />

possível falta de energia elétrica. Percebe-se preocupação em se fazer um trabalho com<br />

qualidade e esta consciência própria do artífice, de acordo com Sennett (2012, p. 138)<br />

depende “da curiosidade frente ao m<strong>ate</strong>rial de que dispõe”: a escolha da matéria-prima<br />

adequada e a maneira em trabalhar com esta. Cunha (2009) complementa reconhecendo<br />

que o conhecimento tradicional é mais do que ciência antiga, e sim tradição que reside<br />

em suas táticas, preponderando a experiência direta.<br />

[...] é a experiência direta que prevalece. O conhecimento se fundamenta no<br />

peso das experiências visuais, auditivas e perceptivas. A sabedoria atribuída a<br />

certos anciões e pajés se deve às muitas coisas que teriam visto, ouvido e<br />

percebido [...]. A intimidade com a floresta e seus habitantes, o interesse que<br />

se tem por eles, relaciona-se à percepção [...] (LINDSTROM apud CUNHA,<br />

2009, p.365 - 366).<br />

Quando questionado sobre as dimensões que ele usava para produzir suas<br />

embarcações, Zé do Chá respondeu que “não existe projeto”, todas as medidas estão<br />

“em sua cabeça” e que devido a sua experiência sabe o tamanho de cada peça e que às<br />

vezes constrói gabaritos para auxiliarem nas atividades. Percebe-se a relevância em se<br />

transmitir o domínio destas técnicas, para que as mesmas não se percam pela falta de<br />

prática.<br />

Durante a conversa Zé do Chá lembrou, com certa saudade, de uma época<br />

em que as embarcações eram maiores e tinham suas velas coloridas com corantes<br />

naturais e ele ressaltou que por falta de barcos deste porte, quase não se usam mais estes<br />

corantes para este propósito. Paula Andrade e Souza Filho (2012, p. 8 - 9) explicam que<br />

“a abertura de estradas e a circulação por via rodoviária de produtos oriundos da<br />

329


Baixada Maranhense, assim como transformações no meio urbano da capital”<br />

colaboraram para a redução do número de encomendas de barcos grandes.<br />

Sr. Ilmar Mendes, proprietário de uma das mercearias mais antigas da vila,<br />

revelou sua avaliação (em 01/11/16) sobre a queda da fabricação de barcos maiores em<br />

São João de Côrtes: para ele, a demora da chegada da energia elétrica (que ocorreu há<br />

aproximadamente 10 anos) foi o principal motivo para a falta de demanda, já que em<br />

outras localidades como Cururupu, também cidade tradicional na carpintaria naval, já<br />

havia eletricidade permanente, portanto, ganharam o mercado, conforme o relator.<br />

As narrativas (em 01/11/16) de Zé Moraes (José de Jesus Moraes, 83 anos), são<br />

semelhantes às de Zé do Chá. As técnicas lhe foram passadas por seu pai Sr. Manoel<br />

Silvino Moraes, que teve muitos “discípulos”. Todos os conhecimentos adquiridos com<br />

seu pai ficaram em “sua cabeça, que é seu computador, portanto não há necessidade de<br />

projetos, desenhos em plantas”.<br />

Sobre os jovens, Zé Moraes revelou a falta de interesse na continuação do<br />

trabalho na carpintaria naval. Muitos saem da vila ainda no ensino médio para estudar e<br />

trabalhar em Alcântara ou em São Luís devido à falta de atividades remuneradas na vila,<br />

fora o trabalho na pesca e na carpintaria. Ele mesmo fala que teve vários filhos, mas<br />

apenas um deles o ajuda na execução da carpintaria naval.<br />

Zé Moraes fala do respeito que se deve à retirada dos recursos naturais, para<br />

ele “a natureza é quem cria e quem dá, por isso, tem o poder de tirar”. Igualmente, o<br />

carpinteiro revela que várias pessoas do povoado acreditam deve haver uma submissão<br />

no trato com os encantados, que “aparecem nas narrativas como guardiões da natureza”<br />

(PAULA ANDRADE; SOUZA FILHO, 2012, p.10).<br />

De acordo com a sabedoria indígena, que muito influencia seus descendentes cortenses,<br />

os costumes, as convicções espirituais e os rituais levam a um sentido de pertencimento<br />

e oferece coerência para a existência dos seres (BRANDÃO, 2009). Godoi (2014)<br />

acrescenta que se uma pessoa não respeita éticas estabelecidas nas relações entre<br />

pessoas ou entre alguém e partes do ambiente, este pode ser punido por seres invisíveis.<br />

Assim, “tecnologia e natureza têm que andar juntas”, segundo Zé Moraes.<br />

330


A tecnologia, para Zé Moraes, é bastante presente na forma de equipamentos<br />

elétricos que facilitam a construção das canoas e melhorou o desempenho das atividades<br />

(Figura 3). Para este carpinteiro há importância de se construir uma embarcação segura,<br />

pois a canoa enquanto está no estaleiro é “um objeto, mas depois que é vendida ela se<br />

transforma em companheira” do pescador e precisa estar firme para acompanhá-lo em<br />

seu trabalho, declara Zé Moraes, fazendo alusão à antropomorfose: o m<strong>ate</strong>rial<br />

adquirindo qualidades humanas (SENNETT, 2012).<br />

Figura 3 – Zé Moraes em plena atividade: A) usando seus conhecimentos ao estipular<br />

dimensões; B) Zé Moraes e seu filho trabalhando na construção de uma canoa.<br />

Fonte: À esquerda, foto de Lucilene Pereira. À direita imagem captada no Blog de Sindoval<br />

Costa (saojoaodecortesalcantara.blogspot.com.br).<br />

Ao tratar a canoa como “companheira”, a narrativa de Zé Moraes concorda<br />

também com a reflexão que Ingold (2012) faz sobre objetos e coisas. Para o autor<br />

(Ibidem, 2012, p. 27), “o mundo em que habitamos é composto não por objetos, mas<br />

por coisas” e as coisas têm vida. Em entrevista informal realizada com Sra. Maria de<br />

Lourdes em 23 de junho de 2017, pôde-se compreender, por exemplo, a relação das<br />

festividades que homenageiam o Santo com a prosperidade na vila: os devotos têm o<br />

cuidado de reverenciar a imagem de São João para agradá-lo.<br />

“Não se brinca com São João”, disse Maria de Lourdes, ressaltando que é<br />

importante o comprometimento do festeiro com as homenagens, pois se o Santo<br />

“perceber que o festeiro está organizando a festa contra a vontade, é prejuízo na certa<br />

para a comunidade”. Dona Lourdes citou a interpretação de uma senhora que morava na<br />

vila: para esta última, “quando o Santo estava satisfeito na época da festa, o Santo<br />

331


ficava ‘corado’, bonito”; caso contrário, quando “o Santo não estava satisfeito, parecia<br />

aborrecido, a cor dele ficava diferente, pálida; estava ‘zangado’ com alguma coisa”.<br />

Dona Lourdes, na mesma entrevista, também contou sobre um poço que<br />

existia próximo ao estaleiro de Zé Moraes, que foi danificado porque algumas pessoas<br />

tentaram fazer uma espécie de barragem neste. A senhora relatou que “a natureza não<br />

gostou”: “mexeram com o que não era da conta deles, acabaram com a vida do poço”.<br />

Estes exemplos e outros, como sapo encantado que mora no poço, que precisa ser<br />

consultado quando pessoas vão tirar água deste, também relato de dona Lourdes; um<br />

olho d’água que fica na praia, decidindo quem pode retirar sua água (relato de Sr. Ilmar<br />

em 07/04/17), demonstram que os moradores estão conectados com a natureza e com o<br />

que Marilena Chauí explica a respeito dos semióforos: “é um animal, um objeto, uma<br />

pessoa ou uma instituição [...] são coisas providas de significação ou de valor simbólico,<br />

capazes de relacionar o visível e o invisível” (CHAUÍ, 2001, p. 9).<br />

Zé Moraes concorda com as afirmações anteriores, mas este gosta de falar<br />

sobre o que é tangível, sobre sua técnica. O mencionado carpinteiro explicou que<br />

atualmente os pescadores não querem mais usar remos e preferem os motores elétricos<br />

para movimentar as canoas, por isso precisou fazer uma modificação na popa destas<br />

embarcações. As canoas ficaram um pouco maiores para receberem estes motores. “É a<br />

tecnologia”, segundo ele. O relato de Zé Moraes se encaixa nas definições de Renato<br />

Dagnino para tecnologia social ou TS: “produtos, técnicas e/ou metodologias<br />

reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas<br />

soluções de transformação social” (DAGNINO, 2011, p.1). Mesmo os carpinteiros<br />

mais idosos, se adaptam às novas realidades: se os barcos grandes não são mais<br />

fabricados, trabalha-se com manutenção e produção de canoas; se os pescadores atuais<br />

preferem não utilizar remos, faz-se uma modificação na estrutura das canoas para que<br />

estas suportem motores elétricos, assim não falta trabalho.<br />

Zé Moraes, Zé do Chá e Satiro, como quase todos os idosos da vila, são<br />

respeitados pela autoridade que possuem para contar as histórias do lugar e também<br />

332


porque muitas vezes são depositários da única fonte de renda das famílias, normalmente<br />

equivalente a um salário mínimo (BRAGA, 2011).<br />

Como acontece em outras localidades rurais, devido à presença da<br />

aposentadoria, várias pessoas permanecem em “seus povoados de origem e tem<br />

incentivado a volta de outras” (GODOI, 2014, p.151). Assim, a pequena variação do<br />

número de habitantes de São João de Côrtes permite que se considerem os dados da<br />

Funasa/ Alcântara (Fundação Nacional da Saúde) de 2008, que confere à vila uma<br />

população de 520 moradores fixos (Ibidem, 2014). É preciso também comentar que<br />

alguns entrevistados, como Sr. Ilmar, se referiram a programas sociais, a exemplo do<br />

Bolsa Família, como a causa da permanência de moradores em seus locais de origem,<br />

mas que também, esta fonte de renda, o comodismo que esta pode resultar, configura<br />

como o motivo da falta de interesse na qualificação e no registro profissional,<br />

igualmente na continuidade do trabalho , especialmente na carpintaria naval.<br />

Mesmo com este cenário de falta de continuidade dos saberes tradicionais de<br />

São João de Côrtes, percebeu-se a resistência de três carpinteiros mais jovens: o filho de<br />

Zé Moraes, o filho de Satiro e o carpinteiro conhecido como Cutia.<br />

Satiro (76 anos) concedeu alguns minutos para uma conversa contextualizada<br />

em oito de abril de 2017. Ele revelou que aprendeu carpintaria com o pai e repassa os<br />

conhecimentos adquiridos para seu filho Jorge, que trabalha com ele no estaleiro<br />

localizado em um terreno atrás de sua casa. O experiente carpinteiro lamenta que “os<br />

jovens da comunidade não se interessam em aprender a construção de embarcações”.<br />

Esta atitude, segundo ele, levará à extinção da carpintaria naval na região em poucos<br />

anos, por isso agradece a participação de seu filho nas atividades no estaleiro.<br />

O carpinteiro explica que leva mais ou menos um mês para fazer uma canoa<br />

de maior porte. Ele se lembra da época em que tingiam as velas dos barcos maiores com<br />

o corante retirado do mangue-vermelho, do murici do mato, do açafrão ou ainda a<br />

utilização do “curi” extraído em Tacaua, comunidade vizinha, entretanto, o mesmo<br />

anuncia que “já teve muito trabalho com tinta, mas já acabou”.<br />

333


Satiro recomendou uma conversa com Cutia (46 anos), um dos carpinteiros<br />

navais mais jovens da vila. Marcou-se uma entrevista informal com José Marcos<br />

Ribeiro Ferreira (Cutia) em vinte e quatro de junho de 2017, após a coleta dos donativos<br />

para o leilão que angaria fundos para igreja, da qual este participou. Cutia esclarece que<br />

se interessou, quando tinha mais ou menos dezenove anos, em aprender a carpintaria<br />

naval. Capacitou-se seguindo as instruções de carpinteiros experientes. Seus mestres<br />

foram seu Maurício (antigo carpinteiro naval que não exerce mais a profissão) e seu pai<br />

Benedito.<br />

Cutia nasceu em São João de Côrtes e estudou em São Luís por cinco anos,<br />

mas quis retornar ao povoado para se dedicar à carpintaria, atividade que, junto com a<br />

pesca, lhes conferem possibilidades de sustentar a família. Cutia é casado e tem um<br />

casal de filhos que mora em São Luís por causa dos estudos. Quando o filho está na<br />

vila, o ajuda no estaleiro, entretanto, Cutia evidencia que dificilmente seu filho seguirá<br />

sua profissão.<br />

Cutia faz canoas por encomendas ou as produz para deixar no cais até que um<br />

comprador se interesse. Ele comenta que chegou a trabalhar no Mensageiro Júnior,<br />

grande embarcação construída em São João de Côrtes, que fazia a travessia de São<br />

Luís/Alcântara. As manutenções deste barco também eram realizadas pelos carpinteiros<br />

do povoado. Ele não sabe dizer por que os barcos grandes não são mais produzidos, mas<br />

lembra de “quando era garoto o movimento era grande no cais”.<br />

Cutia considera o trabalho “pesado”, que, apesar de ainda ser jovem, sente<br />

dores na coluna, principalmente quando está “cavernando” (posicionando as peças das<br />

cavernas), e tem que extrair a madeira, às vezes longe do estaleiro (usa mais o bacuri e o<br />

guamadim. O murici está mais difícil, segundo o carpinteiro), portanto, às vezes acha<br />

que erra na precificação do produto. A respeito do manejo florestal, Cutia revela que<br />

“não se preocupam com o replantio, mas têm cuidado em preservar as plantas novas, os<br />

‘pezinhos’”, para que estes possam crescer e ser útil nas produções futuras. Sua avó já<br />

recomendava: “deixa as menores ficarem maiores, deixa a madeira ficar no ponto”.<br />

334


Cutia manifestou um desejo de que houvesse uma espécie de oficina, um<br />

treinamento na vila, para estimular o interesse dos mais jovens pela carpintaria<br />

naval.Citou o exemplo do Estaleiro Escola em São Luís 33 . Este carpinteiro insinua que<br />

este tipo de projeto realizado em São João de Côrtes possibilitaria um retorno das<br />

técnicas tradicionais na construção de embarcações, inclusive as maiores, retomando<br />

também os tingimentos das velas para estas.<br />

3.1 Design na valorização dos corantes naturais de São João de Côrtes<br />

Em São João de Côrtes há conhecimento de técnicas de pintura das velas e<br />

impermeabilização de seus barcos, do puçá usado nas pescas, com produtos retirados da<br />

natureza. Neste exemplo, o designer, ao mapear processos e cadeias produtivas, no<br />

entendimento da realidade local, “a partir da observação e da troca de experiências entre<br />

pesquisadores e os sujeitos da pesquisa, garantindo resultado rico e representativo, em<br />

um processo dialógico de trabalho”, promove troca de saberes (NORONHA, 2011, p.<br />

15).<br />

Os produtos locais, concordando com Krucken (2010), são resultantes de<br />

trabalhos realizados ao longo do tempo, onde estão envolvidos recursos da<br />

biodiversidade, dos costumes e hábitos de uma determinada população. Quando Paco<br />

(Valdecy Nogueira – 55 anos), em conversa informal realizada dia 08/04/17, revela que<br />

“tudo depende. Tem data, mês e lua”, para se lidar com recursos da natureza, deixa<br />

claro que o mesmo obedece às leis da mesma. O lavrador comenta que “tem lua em que<br />

se corta a madeira e não estraga”, e tem que “esperar maré boa, lua boa, para que o<br />

plantio seja bom. Tem data certa para plantar e para colher”. Paco tem roça e segue<br />

estas regras. Ele e a esposa Cleó fazem a farinha “em julho porque rende mais, pois a<br />

33 Centro Vocacional Tecnológico – Estaleiro-escola do Sítio Tamancão, destinado ao treinamento em<br />

atividades de construção naval, preservando técnicas e valorizando os mestres artesãos (ANDRÈS, 2008).<br />

335


mandioca está mais ‘apurada’. Agora, por exemplo, em abril, a mandioca está<br />

‘degenerada’ 34 , não rende”.<br />

Paco esclareceu que segue os ritmos da natureza, “tudo na natureza tem sua<br />

época e seu dono”. Estas recomendações são seguidas, igualmente, na obtenção dos<br />

corantes naturais. Uma experiência de tingimento de tecido foi realizada em 08 de abril<br />

de 2017 com o auxílio de Seu Polícia. Ele utiliza os corantes do Murici do Mato e do<br />

Mangue Vermelho para tingir suas redes de puçá. Segundo este lavrador, com esta<br />

técnica, o puçá fica mais rígido e resistente devido à resina (tanino 35 ) própria destes<br />

vegetais, o que facilita a pesca. Ele ficou satisfeito em saber que seus conhecimentos<br />

com o tingimento natural também servem para outras práticas e se disponibilizou a<br />

testá-los com o corante do mangue-vermelho em uma amostra de tecido de algodão de<br />

20 x 20 cm, cujo resultado foi um tecido tingido com tom rosado (Figura 4).<br />

Figura 4 - A) As cascas do mangue-vermelho são trituradas em um pilão; B) Cascas de<br />

mangue- vermelho são colocadas em um recipiente com água para hidratar; C) Depois<br />

de hidratadas as cascas são trituradas novamente e voltam para o recipiente com água<br />

para a obtenção do corante onde será mergulhada a amostra de tecido.<br />

Fonte: Fotografias de Lucilene Pereira<br />

34 Quando o lavrador fala que a mandioca está “degenerada” ele quer dizer que não está propícia para o<br />

uso.<br />

35 O Tanino serve para proteger redes de pesca e velas de embarcações do envelhecimento, pois torna suas<br />

fibras mais resistentes ao apodrecimento, que é muito acelerado nas regiões costeiras. Informação<br />

disponível em: www.portalsaofrancisco.com.br/biologia/mangue-vermelho<br />

336


Os mesmos procedimentos anteriores foram realizados para o tingimento<br />

simultâneo de duas amostras de tecido, sendo uma unidade para tingimento liso e outra<br />

com amarrações para o efeito tie dye (técnica com amarrações no tecido, onde o corante<br />

não penetra, formando desenhos com o tingimento), demonstrados na Figura 5. O<br />

propósito foi fazer uma comparação do tingimento liso com o efeito tie dye com o<br />

corante do mangue-vermelho.<br />

Figura 5 – Da esquerda para direita: amostras de tecido prontas para o tingimento e<br />

amostras de tecido de algodão tingidas utilizando-se mangue-vermelho, com os efeitos liso<br />

e tie dye.<br />

Fonte: Elaborado pela autora.<br />

O saber empírico destes artífices, herdado de seus antepassados, está<br />

presente nas narrativas dos sujeitos da pesquisa, em parte como dados capturados da<br />

memória dos participantes, uma vez que os corantes naturais quase não são mais<br />

produzidos para tingir velas de embarcações. Cardoso (2013) ressalta que a memória é<br />

falha, mas a capacidade de reconstruirmos experiências e de conectá-las com o<br />

momento atual configuram-se como exercício de preservação de identidades. “Mais do<br />

que simples ação de recuperar uma vivência, a memória é um processo de reconstituição<br />

do passado pelo confronto com o presente e pela comparação com outras experiências<br />

paralelas” (CARDOSO, 2013, p. 75). Desta forma, foi possível reaver as técnicas de<br />

tingimento da comunidade.<br />

Concordando com Marilena Chauí, “[...] a técnica é um conhecimento<br />

empírico, que graças à observação, elabora um conjunto de receitas e práticas para agir<br />

sobre as coisas” (CHAUÍ, 2000, p. 255). Mesmo não atuando intensamente nas<br />

337


atividades na carpintaria naval, os lavradores Paco e Seu Polícia, o comerciante Ilmar e<br />

a dona de casa Flor, por exemplo, por meio da observação participante são detentores de<br />

informações e mostraram-se aptos a descrever técnicas de tinturas importantes para esta<br />

pesquisa. Os carpinteiros, obviamente, pelo contato direto com a construção das<br />

embarcações, são fontes de excelentes descrições das técnicas de tingimento com<br />

corantes naturais.<br />

O mangue-vermelho e o murici do mato aparecem com mais frequência nas<br />

narrativas dos participantes da pesquisa, talvez decorrente das propriedades<br />

impermeabilizantes que possuem. Paco e Zé Moraes chegaram a comentar que era<br />

comum tingir roupas com os corantes destes vegetais, devido à resina que possuem,<br />

com a finalidade de torná-las mais rígidas, propícias para o trabalho nas plantações de<br />

abacaxi. Os saberes decorrentes do tingimento das velas das embarcações, desta forma<br />

subsidiaram outras práticas de tingimento.<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Os barcos grandes que utilizavam velas coloridas com corantes naturais não<br />

são mais fabricados em São João de Côrtes, já que a maioria dos artesãos é idosa e<br />

limita-se a construir canoas. Assim, este trabalho apresentou a atuação do designer em<br />

interpretar as ações produtivas e dialogar com as interações entre os artesãos e seus<br />

produtos, contribuindo com mapeamento das práticas que envolvem as atividades e, em<br />

conjunto com os artesãos, expõe sugestões de sucessão dos saberes tradicionais na<br />

carpintaria naval e na utilização de corantes naturais, com resultados preliminares de<br />

uma proposta de revisitação das técnicas de tingimento natural para colorir tecidos.<br />

Foram feitos alguns testes de tingimento em tecidos com corantes naturais na<br />

comunidade e de forma caseira. Os resultados apresentaram uma ressemantização dos<br />

usos dos corantes naturais. A proposta feita para comunidade revelou que o<br />

conhecimento tradicional pode ser valorizado, motivando uma avaliação de possível<br />

forma alternativa de renda.<br />

338


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Antropológicos, v. 18, n.38. Porto Alegre, RS, jul./dez. 2012. Disponível em:<br />

. Acesso em: jan. 2017.<br />

RODRIGUES, Ivete; BARBIERI, José Carlos. A emergência da tecnologia social:<br />

revisitando o movimento da tecnologia apropriada como estratégia de desenvolvimento<br />

sustentável. Revista de Administração Pública, v. 42, n.6, pág.1069-1094, 2008.<br />

SENNETT, Richard. O artifice. Trad. Clóvis Marques. 3 ed. Rio de Janeiro: Record,<br />

2012.<br />

340


DISCURSOS DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA SOBRE O TEMA<br />

‘CORPO HUMANO’<br />

PHYSICAL EDUCATION TEACHERS’ SPEECHES ON THE HUMAN BODY<br />

THEME<br />

Autor (es):Fernando Aquiles da Silva<br />

Especialista em Docência no Ensino Superior pelo Instituto Prominas / Faculdade<br />

Candido Mendes. Graduado em Educação Física Licenciatura pela Universidade<br />

CEUMA, Maranhão. Membro do Grupo de Pesquisa Ensino de Ciências, Saúde e<br />

Sexualidade (GP-ENCEX/UEMA). E-mail: fernandoaquiles243@gmail.com<br />

Uerlene do Rosário Garcês Ribeiro<br />

Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e M<strong>ate</strong>mática da<br />

Universidade Federal do Maranhão (PPECEM/UFMA). Graduada em Ciências Licenciatura<br />

pela Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Membro do Grupo de Pesquisa Ensino de<br />

Ciências, Saúde e Sexualidade (GP-ENCEX). E-mail: uerlenegarces@gmail.com<br />

Jackson Ronie Sá-Silva<br />

Pós-doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS.<br />

Doutor em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Mestre<br />

em Saúde e Ambiente pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Professor<br />

Adjunto do Departamento de Química e Biologia da Universidade Estadual do<br />

Maranhão – UEMA.<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Ao longo da história da humanidade o corpo foi (e continua sendo) objeto<br />

de especulação por parte de diferentes instituições sociais: Estado, Igreja, Família,<br />

Escola, Medicina, etc. Nossas representações sobre o corpo humano ainda estão<br />

impregnadas pela lógica biologicista, onde a anatomia e a fisiologia são as lentes quase<br />

que exclusivas para falar dele. Mas, existem outros olhares para o corpo humano. Falar<br />

sobre o corpo humano em suas dimensões biológica, médica, social, cultural e<br />

econômica é produtivo e significativo quando focalizamos as ações da Educação Física<br />

Escolar. Portanto, algumas questões são importantes problematizarmos: O que é o corpo<br />

humano para os professores? Como lidam com o tema “Corpo Humano”? O que dizem<br />

sobre o corpo humano? Entendemos ser relevante discutir o tema “Corpo Humano” na<br />

341


escola, pois Professores de Educação Física do Ensino Fundamental e Médio precisam<br />

ter uma visão ampla, contextual e crítica acerca desta temática. O professor de<br />

Educação Física é antes de tudo um profissional que trabalha com o corpo e para o<br />

corpo. Assim, é importante proporcionar aos seus alunos um olhar crítico e instigador<br />

sobre este tema que é ao mesmo tempo biológico, social e cultural. Desta forma, esta<br />

pesquisa apresenta os resultados de uma investigação de cunho qualitativo realizada<br />

com professores de Educação Física do Ensino Fundamental e Médio de escolas<br />

públicas da cidade de São Luís - Maranhão, cujos objetivos foram descrever e<br />

problematizar os discursos desses docentes sobre o tema “Corpo Humano”. A ideia que<br />

prevaleceu sobre o conceito de “Corpo Humano” entre os sete docentes entrevistados<br />

centrou-se no discurso do corpo biológico. Os conhecimentos de anatomia e fisiologia<br />

são utilizados para falar sobre o corpo. O que prevaleceu foi o discurso do corpo<br />

matéria, do corpo embriológico, do corpo fisiológico (e em movimento) e do corpo<br />

reprodutivo. Outro discurso presente nas representações docentes foi o corpo como<br />

“máquina”. Uma máquina anátomo-fisiológica que deve ser exercitada para não falhar.<br />

O corpo também foi percebido como uma estrutura que deve carregar a insígnia da<br />

“Saúde”. Assim, as atividades físicas são fundamentais para a manutenção da higidez e<br />

promover a “qualidade de vida”. A ideia de corpo cultural se fez presente nas<br />

representações docentes mesmo que de forma menos expressiva. Dessa forma,<br />

percebemos o quanto a Educação Física como epistemologia e a Educação Física<br />

Escolar como prática social podem (e devem) colaborar para uma educação contextual,<br />

crítica e problematizadora das questões biomédicas, sociais, culturais e econômicas<br />

sobre o corpo humano. Pois, conhecer o corpo é mais do que saber quais as suas partes e<br />

o que essas mesmas partes podem fazer. Devemos confrontar quaisquer ideologias que<br />

reduzam as possibilidades do corpo e que o fragmentem, sendo necessário compreender<br />

o processo de constante mudança que caracteriza o corpo.<br />

Palavras-chave: Corpo Humano. Educação Física. Ensino. Estudos Culturais<br />

342


ABSTRACT: The body is a structure that carries symbols, ideas, representations and<br />

discourses. Our representations on the body are still impregn<strong>ate</strong>d the biological<br />

perspective where the anatomy and physiology are almost unique fields to talk about it.<br />

What does the body for teachers of Physical Education? How to deal with the theme<br />

“Body”? What they say about the body? They teach about the body? That teaching<br />

methodologies they use to talk about the body? The survey is qualitative perspective<br />

and used the theoretical methodological assumptions of cultural studies in education to<br />

meet the physical education teachers of three public schools in Liberdade, São Luiz,<br />

Maranhão on the theme “Body”. Semi-structured interviews were conducted with seven<br />

teachers (four elementary and three middle school). The interviews went through the<br />

process of c<strong>ate</strong>gorizing and content analysis from the propositions of Bardin (2011) and<br />

Minayo (2014). The idea that prevailed over the concept of “Body” focuses on the<br />

speech. The knowledge of Anatomy and physiology are used to talk about the body.<br />

What prevailed was the speech of the body matter, the body embryonic, the body<br />

physiological (and moving), and reproductive body. Another speech in teaching<br />

representations was the body as “machine”. An anatomical and physiological machine<br />

that must be exercised not to fail. The body was also perceived as a structure that must<br />

carry the insignia of “health”. Thus, the physical activities are fundamental to<br />

maintaining health and promoting the “quality of life”. The idea of cultural body was<br />

present in the representations of teachers even though less expressive. Significant<br />

representations appeared on the body from looks beyond the vision biomechanics. For<br />

most teachers, the content to be addressed should prioritize the approach to physical<br />

exercises, movements, strengthening the body. Other content that should be taught to<br />

students: health-rel<strong>ate</strong>d themes, contents of gymnastics, dance, games and discussion of<br />

body culture. With regard to representations of how to teach the subject “Body” in the<br />

physical education classes, prevailed ideas that reinforce the dichotomy between “field<br />

trips” and “lectures”. The practical lessons are much valued as methodological action to<br />

speak about the body. Still, there is a perception among teachers that the lectures are<br />

343


complex to administer and that students only understand physical education practiced in<br />

other areas other than the classroom.<br />

Keywords: Body. Physical Education. Teaching. Cultural Studies.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

O corpo é uma estrutura que carrega símbolos, ideias, representações e<br />

discursos dos mais variados. Ao longo da história da humanidade o corpo foi (e<br />

continua sendo!) objeto de especulação por parte de diferentes instituições sociais:<br />

Estado, Igreja, Família, Escola, Medicina, etc. Investem-se muito nos discursos<br />

biomédicos do corpo. Nossas representações sobre o corpo ainda estão impregnadas<br />

pela lógica biologicista, onde a anatomia e a fisiologia são as lentes quase que<br />

exclusivas para falar dele.<br />

O corpo continua sendo percebido como uma máquina com funções<br />

programadas. Mas, existem outros olhares para o corpo. De acordo com a perspectiva<br />

dos Estudos Culturais 36 , o corpo é uma construção cultural. Suas representações são<br />

produzidas na cultura (e para a cultura). Assim nos alerta Silvana Vilodre Goellner<br />

(2013, p. 30):<br />

Pensar o corpo como algo produzido na e pela cultura é, simultaneamente,<br />

um desafio e uma necessidade, um desafio porque rompe, de certa forma,<br />

com um olhar naturalista sobre o qual muitas vezes o corpo é observado,<br />

explicado, classificado e tratado. Uma necessidade porque ao desnaturalizálo,<br />

revela, sobretudo, que o corpo é histórico. Isto é, mais do que um dado<br />

natural cuja m<strong>ate</strong>rialidade nos presentifica no mundo, o corpo é uma<br />

construção sobre o qual são conferidas diferentes marcas em diferentes<br />

tempos, espaços, conjunturas econômicas, grupos sociais, étnicos, etc. não é,<br />

portanto, algo dado a priori nem mesmo é universal: o corpo é provisório,<br />

mutável e mutante, susceptível a inúmeras intervenções consoante o<br />

desenvolvimento científico e tecnológico de cada cultura bem como suas leis,<br />

seus códigos morais, as representações que cria sobre os corpos, os discursos<br />

que sobre ele produz e reproduz.<br />

36<br />

As proposições teórico-metodológicas dos Estudos Culturais serão explicitadas no item da<br />

Metodologia.<br />

344


O corpo é objeto de muitos investimentos sociais e culturais. O corpo está<br />

no hospital, na rua, nas academias de ginástica, na praia, na igreja, nas escolas, etc. Será<br />

se o corpo é percebido, discursado e ensinado por professores e professoras 37 de<br />

Educação Física do ensino fundamental e médio a partir dessa lógica que Goellner<br />

(2013, p. 30) nomeia como “olhar naturalista”? O que professores de Educação Física<br />

do ensino fundamental e médio dizem (e ensinam) sobre o corpo?<br />

Falar sobre o corpo em suas dimensões biológica, médica, social, cultural,<br />

econômica é produtivo e significativo quando focalizamos as ações da Educação Física<br />

Escolar. E uma das instituições sociais mais privilegiadas para falar sobre o corpo é a<br />

escola. Algumas questões são importantes problematizarmos: O que é o corpo para<br />

os/as professores/as? Como os/as professores/as de Educação Física lidam com o tema<br />

“Corpo”? O que dizem sobre o corpo? O que ensinam sobre o corpo? Que conteúdos<br />

comunicam sobre o corpo? Que metodologias de ensino usam para falar sobre o corpo?<br />

Entende-se ser relevante discutir sobre o tema “Corpo” na escola.<br />

Professores e professoras de Educação Física do ensino fundamental e médio precisam<br />

ter uma visão ampla e contextual sobre o corpo. Os Parâmetros Curriculares Nacionais<br />

do Ensino Fundamental recomendam discussões sobre o corpo numa perspectiva<br />

holística e problematizadora (BRASIL, 1998). Assim, falar sobre o corpo deve<br />

contemplar discussões que envolvam a biologia, a saúde, mas, sobretudo, a dimensão<br />

cultural, visto que é através do corpo que interagimos, agimos, produzimos,<br />

consumimos e ensinamos.<br />

37 Neste artigo usamos o que André Sidnei Musskopf (2008) denomina “linguagem inclusiva”. Segundo<br />

ele, “a linguagem corrente assume o masculino como padrão hegemônico perpetuando valores sexistas e<br />

discriminatórios” (MUSSKOPF, 2008, p. 7). Cláudia Vianna; Sandra Unbehaum (2004) argumentam que<br />

o uso da palavra articulada ou escrita como meio de expressão e comunicação supõe o masculino<br />

genérico para que as pessoas expressem representações, sentimentos e ideias. Ao analisarem as políticas<br />

educacionais colocando em destaque os processos históricos de invisibilização do gênero feminino elas<br />

são contundentes ao afirmarem que a ausência da distinção entre os sexos na linguagem subjacente às<br />

políticas educacionais pode justificar a permanência de desigualdades nas relações de gênero no deb<strong>ate</strong><br />

educacional. Concordamos com Musskopf (2008) e Vianna; Unbehaum (2004). Assim, termos que se<br />

referirem tanto ao feminino quanto ao masculino serão grafados utilizando-se os seguintes recursos: “/as”<br />

ou “/os”, repetindo-se os termos nos dois gêneros ou substituindo-se por termos que expressam ambos os<br />

gêneros, mas que sejam precedidos pelo artigo correspondente quando necessário.<br />

345


Portanto, é neste aspecto que os/as educadores/as físicos/as precisam<br />

ampliar seus olhares acerca de seus conteúdos e suas metodologias de ensino ao falar<br />

sobre o corpo. O/A professor/a de Educação Física é antes de tudo um profissional que<br />

trabalha com o corpo e para o corpo, então é importante proporcionar a seus/suas<br />

alunos/as um olhar crítico/problematizador sobre este “corpo” que é ao mesmo tempo<br />

biológico, social e cultural.<br />

Desta forma, esta pesquisa apresenta uma investigação de cunho qualitativo<br />

realizada com professores e professoras de Educação Física que atuam no ensino<br />

fundamental e médio de escolas públicas do bairro da Liberdade em São Luís,<br />

Maranhão sobre os discursos do tema “Corpo Humano” e de como ensinar acerca dessa<br />

temática nas aulas de Educação Física. Os objetivos da pesquisa foram: 1. Descrever os<br />

discursos de professores e professoras de Educação Física do ensino fundamental e<br />

médio, do bairro da Liberdade, São Luís – MA, sobre o tema “Corpo Humano”; 2.<br />

Compreender a ideia de “Corpo Humano” desses professores e professoras; 3.<br />

Compreender como esses/essas professores/as discutem o tema “Corpo Humano”; 4.<br />

Conhecer os conteúdos sobre o tema “Corpo Humano” ensinados por estes docentes e 5.<br />

Conhecer as metodologias de ensino utilizadas por estes professores e professoras para<br />

falar sobre o tema “Corpo Humano” na escola.<br />

2. METODOLOGIA<br />

A pesquisa realizada com entrevistas a sete docentes (quatro professores e<br />

três professoras) de Educação Física de três escolas públicas (duas do ensino<br />

fundamental e uma do ensino médio) do bairro da Liberdade, cidade de São Luís,<br />

Maranhão, para conhecer os discursos sobre a temática “Corpo Humano” é de<br />

perspectiva qualitativa e utilizou os pressupostos teórico-metodológicos dos Estudos<br />

Culturais em Educação.<br />

A opção pela pesquisa qualitativa se justifica por tratar-se de uma temática<br />

que envolve a compreensão de um objeto construído pela subjetividade, por<br />

representações sociais, por discursos e ideias sobre o tema “Corpo Humano” que a<br />

346


lógica da pesquisa quantitativa não nos daria a descrição e a compreensão necessárias.<br />

Além disso, os dados qualitativos são analisados pela perspectiva da compreensão dos<br />

fatos e não pela ideia da quantificação, m<strong>ate</strong>matização 38 , generalização e<br />

universalização daquilo que foi encontrado.<br />

Os investigadores que utilizam métodos qualitativos focalizam suas pesquisas<br />

no sentido de descobrir, examinar e descrever as pessoas, seus ambientes e<br />

as teias relacionais que se estabelecem em sociedade. [...] A pesquisa<br />

qualitativa é aquela que reconhece os aspectos subjetivos do ser humano e<br />

sua relação com o mundo que o cerca, quer no âmbito individual, quer no<br />

âmbito coletivo. Em outras palavras, essa abordagem trabalha com o<br />

universo dos significados, representações, crenças, valores e atitudes dos<br />

atores inseridos em um grupo social. [...] devemos entender essa abordagem<br />

como um dos elementos que contribuem para a compreensão da realidade.<br />

Esse tipo de investigação possibilita não apenas o reconhecimento da<br />

subjetividade das pessoas [...] como também proporciona o conhecimento do<br />

significado da vivência dessas pessoas. [...] “Qualitativo” é um termo<br />

genérico que envolve uma multiplicidade de suportes filosóficos e métodos<br />

de pesquisa, de acordo com os quais os pesquisadores devem apreender os<br />

fenômenos em seus cenários naturais, tentando compreendê-los ou<br />

interpretá-los em termos de significados e representações que lhes são<br />

atribuídos pelas pessoas (MEDEIROS et al., 2014, p. 100-103) (grifos<br />

nossos).<br />

38 A ideia de ”m<strong>ate</strong>matização” dos objetos biológicos foi pensada por Sá-Silva (2014). Vejamos seu<br />

pensamento: “Tenho discutido acerca da m<strong>ate</strong>matização das Ciências Biológicas. Estou chamando de<br />

m<strong>ate</strong>matização às ações metódicas e científicas que direcionam os objetos de pesquisa para a<br />

quantificação e generalização. Esta lógica é fundamental nas pesquisas de cunho quantitativo. O<br />

quantificável direciona os objetos de pesquisa para as inferências totalizantes (metanarrativas). No meu<br />

entender, o discurso m<strong>ate</strong>matizado empodera e amplia o status quo das Ciências Naturais. No caso das<br />

Ciências Biológicas precisamos ficar vigilantes quanto à m<strong>ate</strong>matização, visto que objetos biológicos<br />

nem sempre são passiveis de quantificações e medições. Animais, vegetais, microrganismos e o ser<br />

humano, por exemplo, não podem ser comparados a rochas, a produtos químicos ou a forças físicas em<br />

sua totalidade. Apesar de serem constituídos por substancias químicas e apresentarem fenômenos físicos<br />

em suas constituições corporais, os seres vivos são complexos, mutantes e infinitamente variáveis. A<br />

m<strong>ate</strong>matização deve ser aplicada com cautela e sempre que possível com um fundo problematizador. A<br />

Biologia enquanto ciência natural e a Medicina como aplicabilidade da Biologia são constantemente<br />

m<strong>ate</strong>matizadas. A Medicina não deve ser percebida apenas como técnica e padrão. A Medicina deve ser<br />

pensada para além dos números, das estatísticas do processo saúde-doença e das percentagens de cura. A<br />

Medicina precisa continuar descobrindo, reconhecendo, diagnosticando, tratando e curando doenças, mas<br />

também precisa considerar o “adoecimento”. O que entendo por adoecimento? O adoecimento é um<br />

conceito cultural. O adoecer envolve aspectos biológicos, psicológicos e socioculturais. Falar de doença é<br />

também remeter à discussão cultural da saúde e da doença. As doenças são interpretadas pela sociedade.<br />

A Medicina precisa reconhecer com mais cuidado e amplitude a construção cultural das doenças.<br />

Inúmeras doenças geram estigmas. Patologias das mais variadas geram processos de exclusão. Que a<br />

m<strong>ate</strong>matizaçãoda Biologia e da Medicina continue, mas utilizando a perspectiva relativizador. Que a<br />

doença como processo cultural seja descrito/percebido/compreendido/analisado com mais amplitude,<br />

complexidade e pluralidade” (SÁ-SILVA, 2014, p. 1-2).<br />

347


Nossa opção pela investigação qualitativa baseou-se em Jackson Ronie Sá-<br />

Silva (2012), Jackson Ronie Sá-Silva; Cristovão Domingos Almeida; Joel Felipe<br />

Guindani (2009), Maria Cecília de Souza Minayo (2014), Laurence Bardin (2011) e<br />

Marcelo Medeiros e colaboradoras (2014). Assim, e de acordo com Minayo (2014, p.<br />

24), quem trabalha com dados qualitativos não deve se preocupar:<br />

[...] em quantificar e em explicar, e sim em compreender: este é o verbo da<br />

pesquisa qualitativa. Compreender relações, valores, atitudes, crenças,<br />

hábitos e representações e a partir desse conjunto de fenômenos humanos<br />

gerados socialmente, compreender e interpretar a realidade (grifos da autora).<br />

Diga-se de passagem: “compreender e interpretar a realidade” (MINAYO,<br />

2014, p. 24) discursiva sobre o tema “Corpo Humano” de docentes da área da Educação<br />

Física que trabalham em escolas públicas do ensino fundamental e médio do bairro da<br />

Liberdade em São Luís.<br />

Os Estudos Culturais em Educação foram a base teórica e metodológica<br />

utilizada na discussão dos dados por se constituir num conjunto de abordagens,<br />

problematizações e reflexões situadas nas diversas áreas do conhecimento com o intuito<br />

de desmistificar/resignificar conceitos sobre o corpo, principalmente os advindos da<br />

cultura. De acordo com Maria Vorraber Costa; Rosa Hessel Silveira; Luis Henrique<br />

Sommer (2003):<br />

Os Estudos Culturais vão surgir em meio às movimentações de certos grupos<br />

sociais que buscam se apropriar de instrumentais, de ferramentas conceituais,<br />

de saberes que emergem de suas leituras do mundo, repudiando aqueles que<br />

se interpõem, ao longo dos séculos, aos anseios por uma cultura pautada por<br />

oportunidades democráticas, assentada na educação de livre acesso. Uma<br />

educação em que as pessoas comuns, o povo, pudessem ter seus saberes<br />

valorizados e seus interesses contemplados (COSTA; SILVEIRA;<br />

SOMMER, 2003, p. 37).<br />

Tomaz Tadeu da Silva (2009) nos diz que o currículo é produzido, dinâmico<br />

e histórico. Ações, gestos e pensamentos são construtos socioculturais. A análise<br />

348


cultural tem como concepção principal a ideia de que o universo sociocultural torna-se,<br />

na interação social, naturalizado e que acaba sendo esquecida sua origem social. Assim,<br />

“a tarefa da análise cultural consiste em desconstruir, em expor esse processo de<br />

naturalização” (SILVA, 2009, p. 134). Com isso, os Estudos Culturais abordam a<br />

importância de se analisar dentro da sociedade os diferentes textos e práticas culturais<br />

para que se possa entender quais os padrões de comportamento e ideias compartilhadas<br />

por todos que compõem a sociedade (homens, mulheres e crianças). Segundo Costa;<br />

Silveira; Sommer (2003), os Estudos Culturais se fundamentam na discussão sobre a<br />

cultura, onde:<br />

Não pode ser concebida como acumulação de saberes, ou processo estético,<br />

intelectual ou espiritual. A cultura precisa ser estudada e compreendida<br />

tendo-se em conta a enorme expansão de tudo que está associado a ela, e o<br />

papel constitutivo que assumiu em todos os aspectos da vida social (COSTA;<br />

SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 37).<br />

Segundo Heloisa Buarque de Holanda, os Estudos Culturais são na verdade:<br />

Uma teoria viajante que transita por variados universos simbólicos e<br />

culturais, os EC transitam por vários campos temáticos e teorias, encontrando<br />

portos de ancoragem onde se deixam ficar e começar a produzir novas<br />

problematizações (HOLANDA apud COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003,<br />

p. 40).<br />

Desse modo, o campo dos Estudos Culturais disseminou-se nas diversas<br />

áreas do conhecimento como nas artes, nas ciências sociais e, sobretudo nas ciências<br />

naturais o que nos possibilita mencionar que eles estão se ancorando nos mais variados<br />

campos de estudo, tendo se apropriado de teorias e metodologias da antropologia,<br />

psicologia, linguística, teoria da arte, crítica literária, filosofia, ciência política,<br />

musicologia. Enfim, percorrem todas essas áreas para que os interesses sejam discutidos<br />

e analisados de forma crítica e plural. É uma formação discursiva que tem como<br />

representante principal Michel Foucault (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003).<br />

349


Diante do que foi mencionado, acreditamos que através dos Estudos<br />

Culturais é possível discutir de forma compreensiva e problematizadora os conceitos e<br />

atribuições que são dados sobre o tema “Corpo” na realidade social desses sete<br />

professores de Educação Física do bairro da Liberdade em São Luís, Maranhão.<br />

2.1 Instrumentos da coleta dos dados qualitativos, preceitos éticos e entrada no<br />

campo investigativo<br />

Realizamos sete entrevistas qualitativas no formato de entrevistas semiestruturadas.<br />

Este tipo de entrevista contém perguntas estruturadas a partir dos objetivos<br />

da pesquisa. No entanto, as questões não são fechadas. O/A entrevistador/a permite que<br />

outras questões sejam feitas sem perder a lógica do conteúdo em questão. Assim, o/a<br />

entrevistado/a pode se expressar com mais liberdade suas ideias, discursos,<br />

representações e experiências (MINAYO, 2014).<br />

O questionário – roteiro da entrevista contemplou sete perguntas abordando<br />

questões sobre o tema “Corpo Humano” tendo como fio condutor os problemas centrais<br />

da pesquisa: “O que se entende por corpo?”; “Que conteúdos sobre o corpo são<br />

abordados nas aulas de Educação Física?” e “Quais metodologias de ensino são<br />

utilizadas para se discutir o tema Corpo Humano nas aulas de Educação Física?”.<br />

Antes da execução das entrevistas realizamos visitas nas três escolas objeto<br />

de investigação com o propósito de conhecer a realidade escolar e interagir com a<br />

direção da escola e com os docentes. Além disso, em todas as visitas apresentamos a<br />

“Carta de Intenções da Pesquisa” para que a direção da escola conhecesse os objetivos<br />

da investigação.<br />

Cada professor/a entrevistado/a assinava um “Termo de Consentimento<br />

Livre e Esclarecido” autorizando a realização da entrevista. Ao final de cada entrevista<br />

informávamos que o/a entrevistado/a poderia ouvir toda a entrevista e decidir se<br />

utilizaríamos ou não na pesquisa ou mesmo retirar algum trecho gravado que ele ou ela<br />

não quisesse publicizar e publicar ou ainda, em último caso, não autorizar o uso daquilo<br />

que foi gravado. Desta forma, cumprimos os preceitos éticos exigidos na prática<br />

350


investigativa da pesquisa qualitativa relacionado ao cuidado ético com a pessoa<br />

entrevistada. Seguimos as proposições éticas recomendadas por Marcelo Medeiros,<br />

Denize Bouttelet Munari, Ana Lúcia Queiroz Bezerra e Maria Alves Barbosa (2014,<br />

p.101-109):<br />

[...] a inserção em um estudo depende do ato voluntário do indivíduo de<br />

compartilhar suas experiências com o pesquisador. Entretanto, toda pesquisa<br />

que, de alguma maneira, inclui pessoas como sujeitos da investigação requer<br />

uma atitude responsável por parte do pesquisador com relação aos preceitos<br />

éticos que podem derivar das interações entre ele e os pesquisados. [...] a<br />

proteção dos participantes durante todo o processo de pesquisa – entrada no<br />

campo, interação entre pesquisadores e participantes, coleta de dados,<br />

devolução dos resultados, saída do campo e divulgação dos resultados – é<br />

imperativa. [...] é fundamental que o participante saiba de seu direito de<br />

acesso às informações que lhe dizem respeito. Os direitos sobre os dados<br />

provenientes de uma pesquisa são do participante, o que significa que ele<br />

pode retirar seu consentimento a qualquer momento do estudo, mesmo após a<br />

sua finalização.<br />

As entrevistas foram realizadas nos seguintes estabelecimentos de ensino:<br />

Escola Mário Andreazza (ensino fundamental), localizada no bairro da Liberdade;<br />

Escola Estado do Pará (ensino fundamental), localizada no bairro da Liberdade e Centro<br />

de Ensino Fernando Perdigão (ensino médio), localizada no bairro Monte Castelo 39 .<br />

2.2 Sobre os sujeitos da investigação<br />

A investigação sobre o tema “Corpo Humano” contou com a participação de<br />

sete professores/as: quatro professores e três professoras. Todos são formados em<br />

Educação Física Licenciatura: três docentes na Universidade Ceuma e quatro docentes<br />

na Universidade Federal do Maranhão. A idade dos docentes variou entre 32 e 54 anos<br />

(30 anos / 32 anos / 42 anos / 45 anos / 47 anos / 54 anos/ uma docente não informou<br />

sua idade). Sobre tempo de docência na disciplina Educação Física: variou entre 4 e 33<br />

anos (3 anos/ 4 anos/ 6 anos / 12 anos / 20 anos / 23 anos / 33 anos).<br />

39 Não tivemos acesso a escolas de ensino médio no bairro da Liberdade e então decidimos realizar a<br />

pesquisa com professores/as do ensino médio em uma escola próxima. A escola Centro de Ensino<br />

Fernando Perdigão situa-se entre o bairro da Liberdade e o bairro Monte Castelo.<br />

351


preceitos quantitativos:<br />

Em pesquisa qualitativa a amostra investigativa não segue a lógica dos<br />

[...] a população amostral é determinada no transcorrer da coleta de dados,<br />

quando o pesquisador observa que alcançou a “saturação de sentido”. Esta<br />

ocorre quando as ideias transmitidas pelos atores do estudo são<br />

compartilhadas por outros participantes, de modo que a inclusão de novos<br />

sujeitos não acrescenta ideias novas (MEDEIROS, MUNARI, BEZERRA,<br />

BARBOSA, 2014, p.106).<br />

Desta forma, fomos realizando as entrevistas e percebendo a “saturação dos<br />

sentidos” (MEDEIROS, MUNARI, BEZERRA, BARBOSA, 2014, p.106). Na quinta<br />

entrevista já percebíamos que deveríamos parar. Mas, resolvemos finalizar com sete<br />

entrevistas porque já havíamos contatado previamente com os dois docentes em<br />

questão. A saturação se fez mais evidente ainda.<br />

Os professores e professoras não são identificados com seus nomes reais. Os<br />

trechos das entrevistas dos referidos docentes são identificados no texto com os<br />

seguintes códigos: P = significa Professor; PA = significa professora; 1,2,3,4,5,6 e 7 = o<br />

número da entrevista; EF = significa ensino fundamental; EM = significa ensino médio.<br />

Assim, ao utilizarmos, por exemplo, os códigos PA4 – EF e P7 – EM significa,<br />

respectivamente, “entrevista da professora 4 – ensino fundamental” e “entrevista do<br />

professor 7 – ensino médio”.<br />

2.3 Sobre a análise dos dados produzidos nas entrevistas<br />

As sete entrevistas foram gravadas em um dispositivo do tipo smart-fone<br />

(celular). Em média as entrevistas duravam em torno de vinte minutos. Após cada<br />

gravação os pesquisadores realizavam a ausculta, transcrição e organização da<br />

entrevista em documento eletrônico no formato “Word”.<br />

Em posse das sete entrevistas agora em formato de texto, iniciamos as<br />

leituras com o objetivo de conhecer e se familiarizar com o objeto de pesquisa. As<br />

entrevistas passaram pela técnica de leitura flutuante e aprofundada, seguindo as<br />

recomendações metodológicas da análise do conteúdo de Minayo (2014) e Bardin<br />

(2011). A teoria da Análise de Conteúdo (BARDIN, 2011) foi fundamental para a<br />

352


organização do m<strong>ate</strong>rial qualitativo produzido com as leituras e releituras realizadas.<br />

Logo após as leituras, procedemos à técnica de c<strong>ate</strong>gorização do m<strong>ate</strong>rial<br />

produzido nas sete entrevistas (BARDAN, 2011). A análise aprofundada de todo o<br />

m<strong>ate</strong>rial de pesquisa nos possibilitou a construção de seis c<strong>ate</strong>gorias de análise as quais<br />

serviram para a problematização e discussão de todo o corpus investigativo tendo como<br />

base teórico-epistemológica os Estudos Culturais em Educação.<br />

As c<strong>ate</strong>gorias de análise construídas foram as seguintes: 1) “O corpo como<br />

Biologia”; 2) “O corpo como máquina”; 3) “O corpo como saúde”; 4) “O corpo como<br />

cultura”; 5) “Conteúdos ensinados nas aulas de Educação Física sobre o tema Corpo” e<br />

6) “Metodologias de ensino na discussão do tema Corpo nas aulas de Educação Física”.<br />

A c<strong>ate</strong>goria “O corpo como biologia” se desmembrou em duas<br />

subc<strong>ate</strong>gorias: “O corpo como estrutura” e “O corpo como movimento”.<br />

A c<strong>ate</strong>goria “Conteúdos ensinados nas aulas de Educação Física sobre o<br />

tema Corpo” se desmembrou em quatro subc<strong>ate</strong>gorias: “Uma infinidade de temas são<br />

abordados nas aulas de Educação Física”; “Conteúdos sobre o corpo: ‘funções do<br />

corpo’, ‘movimentos’ e fortalecimento’”; “Conteúdos sobre o corpo: temas relacionados<br />

à saúde” e “Trabalhamos os conteúdos de ginástica, dança, jogos e... cultura corporal”.<br />

A c<strong>ate</strong>goria “Metodologias de ensino na discussão do tema Corpo nas aulas<br />

de Educação Física” se desmembrou em duas subc<strong>ate</strong>gorias: “Na sala de aula...” e<br />

“Aulas teóricas X Aulas práticas”.<br />

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

Apresentamos neste item as descrições e problematizações que realizamos<br />

acerca dos discursos dos sete professores/as de Educação Física sobre o tema “Corpo<br />

Humano”.<br />

De uma maneira geral percebemos que a ideia de “Corpo Humano” é<br />

discursada a partir da perspectiva biológica. Os conhecimentos da Anatomia e da<br />

Fisiologia são utilizados para falar do Corpo. Assim, o que prevaleceu foi o discurso do<br />

353


corpo matéria, do corpo embriológico, do corpo fisiológico (e em movimento) e do<br />

corpo reprodutivo.<br />

Outro discurso muito presente nas representações docentes foi o corpo como<br />

“Máquina”. Uma máquina anátomo-fisiológica que deve ser exercitada para não falhar,<br />

para não “desgastar suas peças”. Uma “máquina” que deve ser estimulada a trabalhar<br />

para gerar força e qualidade de vida.<br />

Outras representações também apareceram: o Corpo Humano é percebido<br />

como sendo uma estrutura que deve carregar a insígnia da “Saúde”. Assim, as<br />

atividades físicas são fundamentais para a manutenção da higidez e promover a tão<br />

desejada “qualidade de vida”.<br />

A ideia de corpo cultural também se fez presente nas representações<br />

docentes. Mesmo que de forma simplificada e menos expressiva, apareceram<br />

significativas representações sobre como discursar o corpo humano a partir de olhares<br />

que ultrapassem a visão biomecânica.<br />

Os discursos sobre “Conteúdos” e “Metodologias de Ensino” a serem<br />

utilizados nas aulas de Educação Física foram bem expressivos. Para a maioria dos/as<br />

professores/as os conteúdos a serem abordados devem priorizar a abordagem sobre<br />

exercícios físicos, movimentos, fortalecimento do corpo. Outros conteúdos que devem<br />

ser ensinados aos/às alunos/as de acordo com os docentes entrevistados são: temas<br />

relacionados à saúde, conteúdos de ginástica, dança, jogos e a discussão da cultura<br />

corporal.<br />

No que se refere às representações de como ensinar o tema “Corpo<br />

Humano” nas aulas de Educação Física, prevaleceram ideias que reforçam a dicotomia<br />

entre “aulas práticas” e “aulas teóricas”. As aulas práticas são muito valorizadas como<br />

ações metodológicas para discursar sobre o corpo. Ainda, existe uma percepção entre os<br />

docentes de que as aulas teóricas são complexas de ministrar e que os/as alunos/as só<br />

entendem a Educação Física se praticada em outros espaços que não seja a sala de aula,<br />

ou seja, a quadra, o ginásio ou outro ambiente fora de sala de aula.<br />

354


3.1 O corpo como biologia<br />

A c<strong>ate</strong>goria “O corpo como biologia” será analisada a partir de duas<br />

vertentes: “o corpo como estrutura” e “o corpo como movimento”, segundo as<br />

percepções dos docentes de Educação Física do ensino fundamental e médio do bairro<br />

da Liberdade.<br />

3.1.1 “O corpo como estrutura”<br />

Os discursos sobre o corpo biológico prevaleceram. Para a maioria dos<br />

docentes o corpo é uma modalidade física, uma estrutura orgânica carreadora de órgãos<br />

e que se movimenta no ambiente. Esta percepção está longe de ser errônea. O corpo de<br />

fato tem uma dimensão estrutural e funcional. Ele advém de células reprodutoras que se<br />

transformam em tecidos e órgãos que por sua vez se complexificam em sistemas ou<br />

aparelhos e assim formam a arquitetura biológica do corpo humano. Isso é<br />

inquestionável. Vejamos o que dizem sobre o conceito de corpo os dicionaristas<br />

Francisco Borba (2014) e Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (2011),<br />

respectivamente: “Substância física do homem ou do animal” (BORBA, 2014, p.348);<br />

“A substância física, ou a estrutura, de cada homem ou animal. A parte do organismo<br />

humano constituído pelo tórax, pelo abdome; o tronco” (FERREIRA, 2011, p.560).<br />

As representações dos docentes sobre o corpo não destoam das<br />

comunicações científicas: “os animais são estruturados por partes; o corpo humano<br />

apresenta cabeça, tórax e membros superiores e inferiores” (FERREIRA, 2011, p.560).<br />

Vejamos alguns discursos dos professores/as:<br />

“Ele é toda uma estrutura composta de várias partes que vem a ser o nosso<br />

principal” (P1 - EF).<br />

“O corpo é composto por membros como braços e pernas” (P2 - EF).<br />

“O corpo tem toda uma estrutura interna, tem todos os órgãos” (PA5 - EF).<br />

“O corpo físico é cabeça, membros, braços, pernas. O corpo físico, eu<br />

entendo como esse emaranhado aí de articulações, de músculos, de tendões”<br />

(PA6 - EM).<br />

“[...] o corpo ele é composto por braços, pernas e tronco” (P2 - EF).<br />

355


Geralmente as aulas tratam apenas do funcionamento dos órgãos, como se<br />

existissem no abstrato, não pertencendo a determinada pessoa humana, com sentimentos<br />

e história própria. Ao se discutir o corpo huamano, frequentemente se recorre a livros de<br />

anatomia e fisiologia cuja linguagem especializada passa a ideia de que esta tarefa é<br />

árdua e complicada. Embora os conhecimentos biológicos sejam necessários, o corpo<br />

não deve ser apresentado de uma forma fragmentada, que o destitui do seu significado<br />

maior: o relacionamento humano, sua história de vida, seu movimento e<br />

transformações. O princípio básico é a totalidade corporal, que inclui a dimensão<br />

psíquica, afetiva e emocional, presente na formação da identidade (SUPLICY et<br />

al.,1999).<br />

A partir dessas percepções, observamos que, “o corpo, assim, deve ser<br />

compreendido como um organismo integrado e não como um amontoado de partes e<br />

aparelhos, como um corpo vivo, que interage com o meio físico e cultural”<br />

(GONÇALVES, 2011, p. 9).<br />

As falas dos docentes remetem a um conhecimento fundamental em<br />

Educação Física: a Anatomia Humana. Nas faculdades de Educação Física a<br />

apresentação do conteúdo anatômico deve ser valorizado e incentivado. Sem ele fica<br />

difícil discursar sobre o corpo estrutura, o corpo fisiológico ou o corpo em exercício:<br />

“[...] a Educação Física trabalha com o corpo. Enquanto profissionais da<br />

Educação Física, nós trabalhamos com o nosso corpo. Então, é na academia,<br />

no ambiente acadêmico, na faculdade que passamos ao longo dos três anos<br />

praticamente só estudando o corpo e as suas diversas camadas como a parte<br />

motora, como a parte de músculo, ossos, órgãos e as estruturas gerais do<br />

corpo” (P1 - EF).<br />

Não negamos a importância desse conteúdo no currículo dos futuros<br />

professores /as de educação física. Entendemos ser de extrema relevância o domínio do<br />

componente curricular Anatomia. Não discordamos das ideias dos/as professores/as<br />

entrevistados. O que chamamos <strong>ate</strong>nção é para pensarmos sobre a exclusividade<br />

biológica discursiva dada ao corpo. Existem outras dimensões sobre o corpo humano<br />

que não podem ser deixadas de ser discutidas: as relações desse corpo físico com o<br />

356


ambiente, com os sujeitos, com a sociedade e, principalmente, com a cultura. O corpo<br />

não é dado ao homem como mera Anatomia: o corpo é a expressão de valores ligados às<br />

características da civilização a que pertence (GONÇALVES, 2011).<br />

Silva (1998) sustenta que toda nossa história de vida está impressa no corpo<br />

sob forma de tensão, rigidez, dor, fraqueza ou, ao contrário disso sob linhas harmônicas<br />

e bem definidas. O que irá determinar as condições corporais são as riquezas das<br />

experiências e a forma como estas foram vividas. Portanto, entende que nosso corpo é<br />

muito mais do que cabeça, costas, braços, pernas, ele é “nós”. E com tudo o que isso<br />

implica: sentimentos, pensamentos, história e cultura, reunidos e impressos em cada<br />

célula que constitui.<br />

Portanto, cabe a Educação Física, conforme Aranha e Martins (1995) apud<br />

Silva (1998), promover em suas ações um elemento de integração do corpo na unidade<br />

do sujeito, e isso, não pode ser entendido como simples treinamento muscular, nem<br />

como descontração, ou garantia de higiene, e nem, condição de equilíbrio fisiológico,<br />

mas, o delicado esforço, pelo qual os adolescentes reconhecem seu corpo, respeitando<br />

seus limites e provocando um equilíbrio interior da personalidade.<br />

Para Gonçalves (2011), o que define o corpo hoje é o seu significado, o fato<br />

de ele ser produto da cultura, ser construído diferentemente por cada sociedade, e não as<br />

suas semelhanças biológicas universais.<br />

3.1.2 “O corpo como movimento”<br />

O corpo também foi percebido pelos/as professores/as como o lugar em que<br />

há movimento. Esse corpo biológico tem a propriedade de se mover, não ser estático e<br />

ser uma estrutura que gera reações entre suas partes.<br />

“[...] através do corpo a gente consegui fazer vários movimentos” (P2 - EF).<br />

“Na verdade dentro da escola a educação física faz com que o aluno conheça<br />

o corpo e os tipos de movimentos que ele pode fazer” (PA4 - EF).<br />

357


Nesse processo de entendê-lo como locus de movimento também se<br />

reconhece a capacidade das estruturas corporais interagirem entre si. Na visão de Yara<br />

M. Carvalho (2007), é frequente propormos a atividade física de forma um tanto<br />

mecânica: andar, correr, nadar, fazer ginástica, como se o corpo fosse, um objeto, uma<br />

máquina, um mecanismo similar ao relógio. Movimentar-se, entretanto, pressupõe<br />

conhecer limites e possibilidades na dimensão física, biológica, fisiológica, mas também<br />

intelectual, emocional e afetiva que determina, por sua vez, a subjetividade da pessoa.<br />

O corpo precisa ser entendido enquanto território da humanidade, emblema<br />

da existência e m<strong>ate</strong>rialidade da vida. Ele revela experiências, sentimentos, memórias e<br />

movimentos que o constitui enquanto elemento único e coletivo, singular e plural<br />

(SILVA; PORPINO, 2013).<br />

Nestes termos, os docentes ampliaram suas percepções sobre o corpo<br />

biológico. De acordo com suas percepções, os movimentos corporais são gerados pelas<br />

interações entre partes do corpo. Ainda, discursaram sobre alguns termos que traduzem<br />

a ideia de movimentação. Desta forma, o corpo só se movimenta se usar seus órgãos<br />

sensoriais como o “sistema nervoso”, “a visão”, a “audição”, etc. A “mente” precisa se<br />

conectar ao corpo para promover esse movimento.<br />

González e Fensterseifer (2014) afirmam que todas as atividades do<br />

movimento humano, tanto no esporte como em atividades extra-esporte (ou no sentido<br />

amplo do esporte) e que pertencem ao mundo do movimentar-se humano, o que o<br />

homem por esse meio produz ou cria, de acordo com sua conduta, seu comportamento,<br />

e mesmo as resistências que se oferecem a essas condutas e ações podem ser definidas<br />

como cultura de movimento. Vejamos alguns discursos dos/as docentes:<br />

“[...] a mente sem o corpo não é nada e o corpo sem a mente também não é<br />

nada” (P1 - EF).<br />

“[...] manual ou visual ou auditivo então, através do corpo em si a gente<br />

consegui transmitir várias informações a outros indivíduos” (P2 - EF).<br />

“[...] esses membros dependem de umas informações que são transmitidas<br />

pelo sistema nervoso e que através desse sistema a gente consegui fazer<br />

várias habilidades adquiridas com eles” (P2 - EF).<br />

358


O sistema nervoso ganha status de estrutura corporal nobre, essencial e<br />

imprescindível. As habilidades, os movimentos, as conexões entre os órgãos dependem<br />

do sistema nervoso. Desta forma, um corpo tem no sistema nervoso a sede da<br />

movimentação.<br />

Para tanto, Gonçalves (2011) nos chama a <strong>ate</strong>nção para a concepção de que:<br />

O ensino da Educação Física é mais do que jogar, é mais do ensinar<br />

habilidades e técnicas, esse mais pode ser aqui entendido como a entrada da<br />

reflexão crítica nas aulas. O movimento corporal encontra-se presente nas<br />

aulas, tanto para gerar discussões como para experimentar as proposições<br />

surgidas dos deb<strong>ate</strong>s realizados pelos alunos. Enquanto os aspectos técnicos<br />

dos elementos da cultura são vivenciados, as problematizações capazes de<br />

dotar os alunos de consciência crítica e ação transformadora são<br />

encaminhadas para os momentos de reflexão e abstração teórica. O<br />

movimento corporal não é excluído, mas utilizado como forma de levar os<br />

alunos a refletirem com e sobre o mundo (GONÇALVES, 2011, p. 11).<br />

Gonçalves (2011) comenta ainda que na prática escolar as atividades físicas,<br />

que se caracterizam principalmente pela execução de movimentos mecânicos,<br />

destituídos de sentidos para os alunos e em geral transmitidos pelo comando do<br />

professor, podem estar cooperando para a formação do indivíduo apático, que deixa de<br />

interpretar o mundo por si próprio, para interpretá-lo pela visão dos outros.<br />

3.2 O corpo como máquina<br />

O corpo biológico tem estruturas definidas, funciona e se movimenta. Esta é<br />

uma síntese para uma ideia bem presente entre os docentes entrevistados. Mas, uma<br />

representação sobre o corpo chamou a <strong>ate</strong>nção nos discursos de dois docentes: o corpo<br />

biológico é comparado a uma máquina. Vejamos:<br />

“O corpo humano é uma máquina” (P1 - EF).<br />

“Corpo é uma máquina capaz de praticar vários tipos de exercícios físicos<br />

sendo monitorados por um profissional” (PA4 - EF).<br />

359


O corpo seria uma mecânica, uma estrutura com peças e engrenagens, uma<br />

matéria que “[...] se tem algo fora do lugar não funciona bem” (P1 - EF). Para o<br />

docente P1 - EF, o corpo “[...] é nossa principal ferramenta de viver”. Aqui podemos<br />

compreender o pensamento dos dois docentes como sendo influenciado pelas ideias<br />

positivistas da Medicina do início do século XV<strong>II</strong>I: o corpo nessa época já era<br />

comunicado como sendo uma estrutura com partes e funções bem definidas. As<br />

estruturas anatômicas se ligam umas às outras por encaixes. Os acoplamentos corporais<br />

são como se fossem engrenagens, parafusos ou dobradiças, lembrando desta forma a<br />

mecânica das máquinas a vapor, dos trens ou, mais tarde, no final do século XIX, os<br />

primeiros automóveis.<br />

Essa ideia se intensifica na Revolução Industrial com o capitalismo. As<br />

fábricas começam a operar na produção em série. O homem e a mulher são valorizados<br />

pela sua força de trabalho, pelo seu corpo produtivo. O trabalhador ideal é aquele sujeito<br />

que não falha, que tem saúde plena e que nunca ficará cansado. O pensamento<br />

capitalista vê o homem como uma máquina infalível. O corpo não pode parar. E essa<br />

lógica penetrou no campo educacional e mais especificamente na área da Educação<br />

Física. Vejamos os discursos:<br />

“O corpo é a máquina que move, quer dizer a mente é a máquina que move o<br />

corpo” (P1 - EF).<br />

“[...] assim como um carro que é uma máquina, uma moto que é uma<br />

máquina, o corpo é composto de várias partes. Então, cada estrutura do corpo<br />

é como se fosse uma engrenagem” (P1 - EF).<br />

“[...] dessa forma [o corpo] a gente analisa comparando a um carro. Um carro<br />

se falta uma peça, que é essencial ou se uma peça está gasta, o carro não<br />

funciona bem e a autonomia do carro é prejudicada” (P1 - EF).<br />

“[...] é como se nosso corpo fosse unido de várias peças, entendeu? E que<br />

todas elas tem que está bem trabalhada, ser bem desenvolvidas para que<br />

funcione bem o nosso corpo” (P1 - EF).<br />

“[...] é bem difícil você trabalhar a educação física sem falar de corpo porque<br />

ele é o nosso físico, a máquina física” (P1 - EF).<br />

“[...] o corpo é um instrumento” (P2 - EF).<br />

360


A visão biologicista limita a percepção do corpo. A visão mecanicista<br />

amplia mais ainda essa limitação. O corpo estrutural, funcional e sinesiológico é uma<br />

realidade m<strong>ate</strong>rial incontestável. Essas visões dos quatro docentes do ensino<br />

fundamental sobre o corpo biológico (P1, P2, PA4 e PA5) são corretas e devem ser<br />

valorizadas. No entanto, é uma visão simplista, fragmentada e limitada. Assim, ao<br />

falarmos sobre o corpo precisamos pensar sobre essa centralidade biológica discursiva e<br />

relativizar esse pensamento. De acordo com Flaviane da Silva Mendes e Paula<br />

Hentschel Lobo da Costa,<br />

Não basta reproduzir o gesto motor, é necessário ensinar embutindo<br />

conceitos biomecânicos, para que os alunos entendam a execução eficiente da<br />

habilidade motora, por exemplo. Com isso, a biomecânica ajuda a formar a<br />

visão crítica e consciente do movimento (MENDES; COSTA, 2007, p. 12).<br />

Entretanto, corpo e movimento são conceitos importantes na Educação<br />

Física escolar, uma vez que trabalhamos com os corpos de nossos alunos, mas não<br />

apenas com eles. Não bastam que saibam realizar os movimentos e sim que tenham uma<br />

compreensão maior de seus corpos (MENDES; COSTA, 2007).<br />

Os professores e as professoras de Educação Física precisam ampliar seus<br />

olhares sobre o corpo biológico e percebê-lo para além dos cânones científicos clássicos<br />

da Biologia e da Medicina. O corpo biológico é mais que uma anátomo-fisiologia. Ele<br />

está permeado por discursos, símbolos e representações sociais. Diante disso,<br />

entendemos que toda modificação corporal é permeada por um imenso leque de<br />

significações biológicas, culturais e sociais (SILVA; PORPINO, 2013). Isso será<br />

discutido no item “O corpo como cultura”.<br />

3.3 O corpo como saúde<br />

Para duas professoras de Educação Física do ensino fundamental o corpo é<br />

significado como sinônimo de saúde. Fraga (2007) pontua que é importante<br />

reconhecermos brevemente que os saberes e práticas da Educação Física se ocuparam<br />

fundamentalmente em colocar o corpo biológico humano em movimento efetivando<br />

361


assim sua potência protetora e recuperadora da saúde. Por movimentar o corpo, a<br />

Educação Física promete saúde. Portanto, a relação que estabelecem entre corpo, saúde<br />

e educação física pode ser percebida nos discursos abaixo:<br />

“[...] tu quer saber do corpo saudável?” (PA4 - EF).<br />

“O corpo pra mim é saúde” (PA5 - EF).<br />

“Quando eu falo de saúde, eu estou falando do corpo saudável, atleta, porque<br />

você quando está cuidando do corpo você é saudável” (PA5 - EF).<br />

“Quando se trata de corpo, se trata de saudável, de saúde, se trata de ser<br />

saudável, se trata de estar saudável” (PA5 - EF).<br />

A saúde como um bem-estar é algo que deve ser valorizado. A Educação<br />

Física é uma epistemologia que discursa o corpo-saúde. É importante pontuar que a área<br />

da Educação Física opera no contexto da saúde e neste aspecto os Parâmetros<br />

Curriculares Nacionais (1998), tratam o tema “saúde” a partir de vários enfoques, como<br />

o socioeconômico, o cultural, o afetivo e o psicológico. Nesse sentido, “a saúde é uma<br />

condição humana que apresenta três dimensões: a física, a social e a psicológica. Há<br />

algum tempo, ter saúde significava não estar doente. Atualmente, a saúde positiva está<br />

associada à capacidade de gozar, desfrutar a vida e enfrentar desafios. Não é mais<br />

ausência de moléstias” (MATOS; NEIRA, 2000, p. 43).<br />

Silva et al. (2015), comentam que a preocupação com o corpo “saudável”,<br />

tão valorizada atualmente , possui a essência do modelo biológico-higienista, porém<br />

com algumas características diferentes, isto é, uma “saúde renovada”. Vejamos o<br />

discurso de uma docente:<br />

“Você cuida do corpo saudavelmente com a atividade física. Cuidando do seu<br />

corpo e da sua pele, isso é fundamental, isso é corpo” (PA5 - EF).<br />

Essa ação é extremamente relevante em nossa sociedade capitalista,<br />

individualista e, principalmente, consumista. O consumo exagerado de alimentos tem<br />

influenciado sobremaneira no aparecimento de agravos coletivos à saúde de grande<br />

monta. Por isso entendemos que atrelar a ideia de corpo à saúde é produtiva e<br />

362


importante. Mas, não é só essa representação que deve aparecer. O corpo pode aparecer<br />

nos discursos docentes como um corpo plural em que Biologia, Medicina, Educação<br />

Física e Cultura devem realizar interdisciplinaridades.<br />

3.4 O corpo como cultura<br />

Faz-se necessário discutirmos sobre o corpo pelo viés da pluralidade<br />

cultural em que a biologia do corpo, a medicina do corpo, a psicologia do corpo, a<br />

sociologia do corpo, a economia do corpo e a cultura do corpo dialoguem e exerçam a<br />

interdisciplinaridade. Todos esses fatores formam o que Mauss (1974) chama de<br />

“homem total”, pois, para ele, o homem é ao mesmo biológico, social, cultural e<br />

psicológico (MONTEIRO; SOUZA, 2008, p. 5). A ciência Educação Física e a<br />

Educação Física Escolar precisam estar <strong>ate</strong>ntas para essas discussões contemporâneas<br />

sobre o corpo. Portanto,<br />

A contribuição das discussões sobre as questões culturais são fundamentais<br />

para a Educação Física, e isso está justamente na possibilidade de propiciar<br />

uma mudança no seu olhar sobre o corpo para, consequentemente, não<br />

observá-lo mais como um amontoado de ossos, músculos, articulações,<br />

nervos e células (MONTEIRO; SOUZA, 2008, p. 4).<br />

Na visão de Geertz (1989), é por meio desse mecanismo chamado cultura<br />

que o homem adquiriu a capacidade de ser construtor de sua própria história, desde a<br />

utilização de ferramentas, passando pelo convívio social, pela linguagem chegando a<br />

outras formas mais complexas de significar o fazer humano. Assim, percebemos que<br />

esse convívio social possibilitou e ainda possibilita criar teias numerosas de significados<br />

que, por sua vez, nos permite um constante processo de (re) significação do corpo e da<br />

cultura. Mauro Betti (1991) inscreve o campo da Educação Física nesse deb<strong>ate</strong>:<br />

Para entender a Educação Física, como elemento que colabora<br />

significativamente com a concepção de corpo e que abrange o indivíduo<br />

como um ser holístico, é necessário compreendê-la não apenas de forma<br />

isolada como uma disciplina que cuida do corpo apenas no aspecto físico.<br />

Mas, como um componente curricular, caracterizado por uma prática<br />

363


pedagógica dentro ou fora da escola e como uma área que realiza estudos<br />

científicos (BETTI, 1991, p. 9).<br />

A percepção de corpo como cultura foi representada por três docentes: um<br />

professor do ensino fundamental (P3) e dois professores do ensino médio (PA6 e P7).<br />

Vejamos as representações:<br />

“[...] quando a gente aborda o tema corpo joga esse corpo dentro de um<br />

momento. [...] tem que jogar o corpo porque é muito amplo esse assunto” (P7<br />

- EM).<br />

“O corpo pra mim é um complexo: alma, espírito e o corpo físico. Eu acho<br />

que isso descreve o que é o corpo: o total, na sua totalidade” (PA6 - EM).<br />

“O corpo é o nosso instrumento de abordagem. Se nós não tivermos como<br />

falar desse corpo que sente, que se move, que se desloca, que trabalha, não<br />

tem como falar de Educação Física” (PA6 - EM).<br />

“O corpo pode ser entendido de algumas formas. Ele não tem somente a parte<br />

biológica e nós podemos estudar o corpo de diversas formas. Pode ser<br />

analisando membros, órgãos, sistemas. Essa é uma maneira de olhar o corpo.<br />

Mas, existe o corpo como construção cultural, de todo uma história, de todas<br />

as suas vivências” (P3 - EF).<br />

“Através do corpo você pode demonstrar, mostrar. O seu corpo fala, através<br />

de suas vivências” (P3 - EF).<br />

“[...] o corpo pode ser uma maneira de se expressar e de mostrar toda aquela<br />

sua cultura. Tudo o que você passou: o seu corpo pode falar por você e ele<br />

fala. Porque assim, existem diversas linguagens e uma delas é a linguagem<br />

corporal” (P3 - EF).<br />

“Corpo é... falar sobre sexualidade. É através do corpo que podemos falar de<br />

diferenças de gênero” (P3 - EF).<br />

“[...] seu corpo não é só aquilo que serve para sustentar. Ele fala, ele é fruto<br />

de toda uma história não só a tua história enquanto pessoa mais a história que<br />

veio antes de ti, a história do teu povo, a história da tua família” (P3 - EF).<br />

“A gente trabalha com o corpo físico, o corpo mente e o corpo espírito” (PA6<br />

- EM).<br />

“[...] um corpo é um ‘corpo atlético’, um ‘corpo sedentário’. A gente deveria<br />

delimitar a palavra ‘corpo’ porque ela é muito ampla para que a gente<br />

pudesse realmente em cima desse sentido fazer algumas considerações” (P7 -<br />

EM).<br />

“Você quer falar em um ‘corpo’ em evolução, em um ‘corpo’ envelhecido,<br />

etc. Um corpo é “atlético”. Um ‘corpo’ é sedentário. Um corpo pode ser<br />

mutilado. Entendeu? Essa questão do ‘corpo’ a gente deveria entender com<br />

mais clareza” (P7 - EM).<br />

364


Como podemos perceber, discutir sobre o corpo humano é algo complexo e<br />

muito produtivo. A ideia central de Silvana Vilodre Goellner (2013) é nos alertar para<br />

uma melhor compreensão dos discursos sobre o corpo. É importante que consigamos<br />

percebê-lo para além da biologia, da fisiologia e da medicina biomecânica.<br />

Assim, Maria Augusta Gonçalves (1997), comenta que nós somos presença<br />

no mundo por intermédio do corpo – o corpo é presença que, ao mesmo tempo, esconde<br />

e revela nossa maneira de ser no mundo. A cultura imprime suas marcas no corpo e este<br />

expressa à história acumulada de uma sociedade. Portanto, falar de corpo é falar de<br />

cultura. Mas, o que se tem observado é que o corpo tem se transformado ao longo do<br />

tempo em um produto meramente capitalista. Pois, “o corpo não poderia ser aceito<br />

apenas como ele é, ele teria de ser transformado, modificado a fim de ser melhorado,<br />

gerando assim um mercado muito lucrativo como clínicas de estéticas e cirurgias<br />

plásticas” (SILVA; JÚNIOR, 2011, p. 8). De acordo com Nilton Mullet Pereira (2008),<br />

A Educação Física tem uma grande visibilidade no mundo capitalista, graças<br />

à nova tendência criada pela mídia, que vincula o corpo ao mercado do<br />

consumo, tendo como suporte os principais meios de comunicação como:<br />

televisão, revistas e internet, vendem uma ideia de “corpo perfeito” muitas<br />

vezes acompanhado de dietas perigosas e excesso de exercícios físicos,<br />

criando-se um padrão de beleza a ser seguido. A mídia é a parceira<br />

estratégica para este contexto de alta visibilidade do corpo característico da<br />

sociedade de consumo (PEREIRA, 2008, p. 8-9).<br />

Com isso, o profissional da Educação Física tem grande importância social<br />

quando este desenvolve seu papel na escola e na comunidade em que vive. O educador<br />

físico e a educadora física precisam ampliar seus olhares a cerca do corpo e assim<br />

possibilitar aos/às alunos/as uma visão crítica e significativa sobre as relações do corpo<br />

como um produto cultural e social.<br />

Daolio (1995, p. 39), afirma que o homem, por meio do seu corpo, pode<br />

assimilar e se apropriar “[...] dos valores, normas e costumes sociais, num processo de<br />

inCORPOração [...]”. Essa incorporação nada mais é do que o processo pelo qual os<br />

seres humanos passam a internalizar em seus corpos os valores sociais que estão<br />

contidos na sociedade (MONTEIRO; SOUZA, 2008).<br />

365


Com isso, estamos reconhecendo que a Educação Física é uma<br />

representação do social, “porque é produto de uma prática simbólica que se transforma<br />

em outras representações” (SOUZA, 2008, p. 100 apud MONTEIRO; SOUZA, 2008, p.<br />

5). Vejamos o que Carmem Elisa Henn Brandl (2002) nos diz sobre a Educação Física<br />

no campo educacional:<br />

Embora alguns avanços tenham sido conquistados na Educação Física,<br />

muitas pesquisas realizadas no cotidiano escolarainda revelam a<br />

predominância de uma Educação Física tradicional na qual as práticas<br />

pedagógicas se reduzem exclusivamente ao ensino de técnicas e regras<br />

desportivas predeterminadas através de metodologias diretivas. Nesta<br />

perspectiva, o aluno é tratado como um mero repetidor (autômato, robô) de<br />

habilidades, consideradas importantes ou não pelo professor, que neste caso<br />

tem total autoridade no processo de ensino-aprendizagem (BRANDL, 2002,<br />

p. 1).<br />

A Educação Física escolar deveria constituir-se, portanto, em um espaço<br />

para oportunizar aos alunos e às alunas a compreensão, a crítica e o questionamento<br />

desse momento de idolatria à imagem narcisista do corpo que é veiculada socialmente.<br />

Estaria nessa abertura, a condição de possibilidade de re-significação do corpo, com<br />

vistas à conscientização da relevância da prática da Educação Física na escola, como<br />

uma atividade necessária à própria condição humana, instrumentalizando, assim, os/as<br />

alunos/as para que possam optar pelo tipo de corpo que querem “carregar” socialmente<br />

(GONÇALVES; AZEVEDO, 2007). Ainda na visão desses autores, “a Educação Física<br />

deveria servir para formar, criticamente, o sujeito (aluno) em seu processo de<br />

aprendizado, de conscientização e de aquisição de conhecimentos e experiências para a<br />

vida, respeitando as diferenças, o próprio corpo e o corpo do outro” (GONÇALVES;<br />

AZEVEDO, 2007, p. 2).<br />

Percebe-se a partir desta visão, que mais do que uma decorrência biológica,<br />

a questão cultural é essencial para o desenvolvimento humano, pois os aspectos<br />

culturais ultrapassam fronteiras e necessitam ser decifrados como teias de significados<br />

que obtêm sentidos próprios. Pode-se afirmar que o processo cultural delimita, em<br />

grande parte, como as pessoas escolherão suas formas de manifestarem-se nas mais<br />

366


diversas situações, inclusive, em relação às questões ligadas ao seu corpo. Percebe-se,<br />

como consequência disso, que não há comportamento que não passe pela influência<br />

cultural e é sobre a égide dessa influência que os corpos também são formados. O ser<br />

humano modifica constantemente seu corpo, sem se dar conta da importância e da<br />

ligação entre essa necessidade e o resto de suas relações sociais. E ainda, percebe-se<br />

que, mais do que uma consequência biológica, a cultura é fundamental para a evolução<br />

do ser humano, pois toda ação humana é considerada um ato social que obtém<br />

significados diferentes dependendo da sociedade em que ocorre (MONTEIRO;<br />

SOUZA, 2008).<br />

Gerrtz (1989) ao balizar-se neste conceito, afirma que para entender o que é<br />

cultura, e como ela influencia as ações de um determinado grupo, é preciso identificar e<br />

perceber como as pessoas são, como se relacionam, como agem e interagem, é,<br />

portanto, ir além do visível, é mergulhar de fato no significado das ações desenvolvidas<br />

pelos indivíduos em suas sociedades.<br />

Breton (2006) comenta que, a imagem coloca o ator sob o olhar apreciativo<br />

do outro, conforme o aspecto ou detalhe da vestimenta, do rosto ou do corpo. Os<br />

estereótipos se fixam com predileção sobre as aparências físicas e as transformam em<br />

estigmas. Sobre a Educação Física e as questões de gênero que foi mencionada por um<br />

dos professores, Francis Madlener de Lima e Nilson Fernandes Dinis comentam que:<br />

A disciplinarização dos corpos também atravessa a formação das identidades<br />

de gênero, marcada pelo predomínio de uma tradição biológica/tecnicista<br />

arraigada na história e nas práticas da Educação Física. Essa tradição pode<br />

ser percebida nas práticas escolares nas quais prevalecem a prática desportiva<br />

e a divisão das atividades entre meninos e meninas. A aula de educação<br />

física, dessa forma, acaba fortalecendo padrões e estereótipos de gênero,<br />

produzindo sujeitos masculinos e femininos (LIMA; DINIS, 2007, p. 6).<br />

Para Fraga (2000), é na Educação Física que essa distinção é salientada<br />

repetidamente. Isto é observado na separação de grupos de meninas e grupos de<br />

meninos nas aulas práticas. “Desta forma, fecha-se a porta para as diversas<br />

manifestações de masculinidades e feminilidades existentes, limitando as experiências a<br />

367


práticas generificadas e estabelecidas como ‘adequadas’ aos meninos ou às meninas”<br />

(LIMA; DINIS, 2007, p. 9).<br />

Por outro lado, a cultura, contudo, ao marginalizar os que se encontram na<br />

“diferença” tendenciona as pessoas a buscarem uma aparência que as torne muito<br />

parecidas entre si. O corpo torna-se, portanto, um acessório, um objeto imperfeito, um<br />

rascunho a ser corrigido, trata-se de usar a tecnologia para de fato mudar o corpo, pois o<br />

corpo exaltado não é o mesmo que vivemos, mas um retificado e redefinido para<br />

<strong>ate</strong>nder padrões sociais estabelecidos como ideais (GONÇALVES; AZEVEDO, 2007).<br />

Portanto, a Educação Física na escola confere, hoje, significados<br />

contemporâneos ao corpo, devido a uma influencia inavegável da sociedade no<br />

ambiente escolar. Cabe, então, aos/às professores/as, em suas práticas pedagógicas,<br />

ressignificá-lo através da conscientização crítica de seus/suas alunos/as para uma<br />

posterior emancipação, transformando o corpo de objeto social em sujeito<br />

(GONÇALVES; AZEVEDO, 2008).<br />

3.5 Conteúdos ensinados nas aulas de Educação Física sobre o tema corpo<br />

Ao entrevistarmos os sete docentes que atuam nas escolas de ensino<br />

fundamental e médio do bairro da Liberdade tivemos a preocupação de compreender<br />

quais conteúdos sobre educação física comunicavam em suas aulas. Percebemos uma<br />

pluralidade de temas. Assim, González e Fensterseifer (2014, p. 145-146), comentam<br />

que o conteúdo da Educação Física inclui um conjunto amplo de atividades corporais e<br />

motrizes executadas em diferentes âmbitos institucionais: educação, esporte, saúde,<br />

lazer, tempo livre e outras que se ampliam segundo a dinâmica social. Compreendemos<br />

que os professores e professoras entrevistados/as ensinam uma série de conteúdos que<br />

envolvem diretamente a discussão do tema “Corpo”. Abaixo descrevemos as principais<br />

ideias sobre conteúdos que eles e elas ensinam em suas aulas de Educação Física.<br />

368


3.5.1 “Uma infinidade de temas são abordados nas aulas de Educação Física”<br />

De acordo com os docentes entrevistados, o conteúdo “Corpo” é<br />

apresentado para seus alunos e alunas. O que se entende por conteúdos nas aulas de<br />

Educação Física? Vejamos a percepção de González e Fensterseifer (2014, p.148): “[...]<br />

conteúdos formam a base objetiva da instrução – conhecimentos sistematizados<br />

referidos aos objetivos e viabilizados pelos métodos de transmissão e assimilação”. É<br />

importante salientar que a Educação Física, ao longo de sua história, ao contrário das<br />

demais disciplinas escolares, priorizou os conteúdos numa dimensão quase que<br />

exclusivamente procedimental, o saber fazer e não o saber sobre a cultura corporal<br />

(GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2014).<br />

Uma contradição foi percebida no discurso de dois docentes (P3 – EF e P2 –<br />

EF): o conteúdo está presente, mas não se fala dele com profundidade teórica.<br />

“[...] na Educação Física o corpo está presente em todas as aulas, mas<br />

especificamente falando de conceito de corpo não são muitas aulas assim,<br />

falando do conceito de corpo” (P3 - EF).<br />

disciplina Ciências:<br />

A função de falar do tema corpo não é da Educação Física e sim da<br />

“[...] é seria mais uma coisa superficial porque a gente já estaria entrando<br />

numa parte da disciplina Ciências na qual eles tão inseridos dentro disso.<br />

Nesse caso seria uma coisa mais superficial a gente já diria essa informação<br />

baseado no que a gente tem a certeza de que eles já passaram essas<br />

informações” (P2 - EF).<br />

Aqui temos um equívoco: a percepção de que a disciplina Ciências é aquela<br />

autorizada com exclusividade para comunicar sobre o tema “Corpo”. Não devemos nos<br />

esquecer das orientações curriculares para o ensino de Educação Física da educação<br />

básica: as disciplinas devem realizar contextualização e interdisciplinaridade. Além<br />

disso, na visão de Borges (1998), a formação de professores de Educação Física deve<br />

ser responsável por oferecer conhecimentos teóricos significativos para que o futuro<br />

docente seja capaz de atuar pedagogicamente no meio social, administrando as<br />

experiências corporais em aulas de Educação Física e almejando que suas futuras<br />

369


intervenções sejam capazes de conduzir o aluno/sujeito no sentido de apropriar-se delas,<br />

segundo seus interesses e do grupo a que pertence. Dessa forma, conteúdos dos mais<br />

variados podem ser ensinados pela Educação Física. Vejamos o que diz a docente PA5<br />

do ensino fundamental:<br />

“[...] uma infinidade de coisas que você vai trabalhar você trabalha o corpo,<br />

então, tudo o corpo está inserido, tudo é direto no corpo” (PA5 - EF).<br />

“Todos os conteúdos a gente aborda o corpo. Se você vai falar de doping,<br />

para prevenção à saúde e a saúde tem haver com o corpo, se você vai falar de<br />

esporte, você aborda o corpo” (PA5 - EF).<br />

“Tudo que a gente vai falar na educação física a gente tem que abordar o<br />

corpo: você trabalhando o dopping, você trabalhando os temas transversais, o<br />

corpo está envolvido” (PA5 - EF).<br />

Não existe uma exclusividade para comunicar conteúdos sobre o tema<br />

“Corpo”. O que existe são áreas específicas que podem contribuir com o deb<strong>ate</strong> mais<br />

aprofundado. É fundamental que as disciplinas façam conexões e se complementem.<br />

Fazendo referência aos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), é preciso considerar<br />

que a Educação Física na escola é responsável pela formação de alunos que sejam<br />

capazes de participar de atividades corporais adotando atitudes de respeito mútuo,<br />

dignidade e solidariedade, conhecendo, valorizando e desfrutando da pluralidade de<br />

manifestações da cultura corporal e reconhecendo-se e compreendendo-se como<br />

elemento integrante do ambiente e inserido numa cultura. A Educação Física, portanto<br />

deve sim falar do tema “Corpo” quer seja nas dimensões específicas de seu campo quer<br />

seja nas dimensões biomédicas, sociais, culturais, econômicas e políticas.<br />

3.5.2 “Conteúdos sobre o corpo: ‘funções do corpo’, ‘movimentos’ e<br />

‘fortalecimento’”<br />

Ficou evidente na fala de quatro docentes a presença de conteúdos<br />

específicos da área da Educação Física e que envolvem diretamente o tema “Corpo”.<br />

Porém, Coll et al. (2000), definem conteúdo como uma seleção de formas ou saberes<br />

370


culturais, conceitos, explicações, raciocínios, habilidades, linguagens, valores, crenças,<br />

sentimentos, atitudes, interesses, modelos de conduta, etc., cuja assimilação é<br />

considerada essencial para que se produza um desenvolvimento e uma socialização<br />

adequada do aluno.Vejamos as representações de alguns docentes:<br />

“Conteúdos? Na verdade a gente fala mais a respeito do movimento. O<br />

movimento é o conteúdo. É o movimento dos membros tanto inferior quanto<br />

superior” (P2 - EF).<br />

“[...] trabalho o tema corpo sim... Trabalho esse tema enquanto o corpo como<br />

movimento, como ferramenta essencial para o dia a dia” (P1 - EF).<br />

“[...] a gente procura trabalhar funções do corpo para que eles geralmente<br />

usem na sua vida cotidiana; tanto na parte de fortalecimento muscular como<br />

na parte de alimentação que a gente dá sempre as orientações a respeito,<br />

entendeu?” (P1 - EF).<br />

“[...] a gente trabalha muito a área do corpo seja ele cognitivo, seja ele a parte<br />

motora a gente trabalha com o aluno” (P2 - EF).<br />

“A gente trabalha mais a questão de prevenção de lesão, a parte dos<br />

movimentos, condicionamento físico, treinos, de métodos de treinamento”<br />

(P7 - EM).<br />

“A questão dos exercícios físicos, quais são os benefícios que eles trazem<br />

mais, etc.” (PA4 - EF).<br />

Percebemos que existe uma preocupação em abordar questões teóricas e<br />

práticas sobre os temas ‘funções do corpo’, ‘movimentos’ e ‘fortalecimento’. Mas, não<br />

podemos esquecer que, os conteúdos não são objetos naturais que se “constroem” para o<br />

ensino. Eles são o resultado de decisões políticas, científicas, pedagógicas e do sentido<br />

comum de um conjunto variado de atores, desde a condução do sistema educativo até os<br />

docentes que decidem cotidianamente aquilo que realizarão nas suas aulas<br />

(GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2014). Porém, acreditamos que esses temas devem<br />

estar conectados com uma motivação para o exercício do corpo saudável, a prevenção<br />

de doenças, a melhoria da cognição e o fortalecimento do aparelho locomotor.<br />

371


3.5.3 “Conteúdos sobre o corpo: temas relacionados à saúde”<br />

As temáticas relacionadas à saúde foram referidas como conteúdos<br />

importantes a serem ditos nas aulas de Educação Física. Falar de saúde é falar de<br />

prevenção e cuidados com o corpo. Esse foco na saúde pode, também, ter raízes na<br />

produção do conhecimento na área biológica, uma das pioneiras na Educação Física,<br />

mesmo esta não tendo intenções de ditá-los no ambiente escolar (DARIDO, 2003).<br />

Assim, a proposta de promoção da saúde concebe-a como produção social e, dessa<br />

forma, engloba um espaço de atuação que extrapola o setor saúde (BRASIL, 2001). Os<br />

depoimentos dos docentes reforçam essas representações:<br />

“[...] tudo que a gente vai trabalhar na educação física tem que trabalhar o<br />

corpo porque corpo é... trabalhar o corpo é trabalhar a prevenção à saúde”<br />

(PA5 - EF).<br />

“[...] eu abordo sobre cuidados sobre o corpo e a higiene do corpo” (PA5 -<br />

EF).<br />

“[...] Você fala de educação física você fala de exercício físico. Mas, toda<br />

atividade pode ser ela física, esportiva, recreativa, de lazer. Ela é de suma<br />

importância porque você mantém uma vida saudável, você previne, você<br />

evita o aparecimento de doenças, das mais variáveis degenerativas doenças”<br />

(P7 - EM).<br />

“[...] basicamente o que a gente desenvolve são temas relacionados à saúde;<br />

geralmente é a importância deles se cuidarem; a importância da atividade<br />

física na terceira idade; a importância da atividade física para o<br />

desenvolvimento pessoal. Nós fazemos muitos trabalhos ligando o corpo ao<br />

exercício da memória. Basicamente é mais ligado a parte da saúde” (P1 -<br />

EF).<br />

Os docentes entrevistados abordam temáticas outras do universo da saúde<br />

como higiene, alimentação e possíveis transtornos advindos de questões psíquicas como<br />

os transtornos alimentares que afetam diretamente o físico como anorexia, bulimia,<br />

vigorexia, etc. A Educação Física, passa a revelar a saúde como prática corporal e o<br />

corpo como aptidão física (habilitação ou reabilitação de capacidades físicas por meio<br />

de práticas corporais), em um novo engendramento da dissociação mente e corpo:<br />

372


captura da subjetividade pela serialização dos corpos e esteriotipia da corporeidade<br />

pelos hábitos saudáveis do exercício físico (FRAGA, 2007). Vejamos os conteúdos<br />

apontados pelos docentes:<br />

“[...] eu abordo temas que fazem parte desse conteúdo que é a questão de<br />

transtornos alimentares, como a anorexia, a bulimia que são a busca pelo<br />

corpo perfeito; vigorexia e tal são problemas psicológicos que são<br />

acarretados através desses problemas com o corpo” (P3 - EF).<br />

“A gente trabalha mais a questão de prevenção de lesão, a parte dos<br />

movimentos, condicionamento físico, treinos, de métodos de treinamento.<br />

Então a gente aborda, assim como também a questão da alimentação,<br />

recuperação, porque para a prática esportiva, você vai ter que ter uma<br />

alimentação saudável e uma recuperação pra que você possa render no<br />

momento seguinte da atividade, das competições” (P7 - EM).<br />

As temáticas abordadas pelos professores P3 – EF e P7 – EM são de<br />

extrema relevância social. Os comportamentos gerados pelas pessoas tendo como objeto<br />

de sentimento a busca pelo “corpo perfeito” devem ser discutidos, tematizados e<br />

problematizados por professores e professoras de Educação Física. A cultura gera<br />

sensações de prazer e sofrimento quando o tema é o corpo. Muito querem corpos<br />

esculturais, perfeitos, brancos, sem marcas, magros, etc. Muitas pessoas desejam estar<br />

nos padrões estéticos midiáticos. E nem sempre isso é possível. Isso nem sempre é<br />

ético. A mídia produz um corpo inalcançável para muitas pessoas. Tudo isso é conteúdo<br />

que pode ser abordado pelo viés cultural. E os professores e professoras de Educação<br />

Física precisam compreender essa dimensão didática e profissional de seu labor<br />

professoral.<br />

3.5.4 “Trabalhamos os conteúdos de ginástica, dança, jogos e... cultura corporal”<br />

Alguns docentes relataram apresentar temas bem específicos do campo da<br />

Educação Física como os conteúdos de ginástica, dança e jogos:<br />

“Tem a parte da ginástica. Dentro do conteúdo ‘Ginástica’ eu trabalho os<br />

alongamentos que eles têm que saber que antes de fazer qualquer atividade<br />

373


física você precisa alongar e que o alongamento é essencial pra isso, tanto<br />

antes como depois do término da atividade física” (PA4 - EF).<br />

“Nós trabalhamos os jogos sensoriais, motores, de raciocínio, alguns jogos de<br />

mesa” (PA6 - EM).<br />

“A dança como expressão de movimento” (PA5 - EF).<br />

“[...] do fundamento do jogo, da competição, você aborda realmente temas<br />

que acontecem rotineiramente. E são conhecimentos que vem se passando ao<br />

longo das atividades” (P7 - EM).<br />

Mas, uma docente (PA6 – EM) ampliou seu olhar sobre esses conteúdos<br />

específicos em Educação Física. Segundo ela, em suas aulas costuma desenvolver a<br />

noção de “cultura corporal”:<br />

“Eu gosto de trabalhar sempre a cultura corporal de movimentos que trabalha<br />

com a dança, a ginástica, os jogos, o esporte. E dentro da cultura corporal a<br />

gente trabalha o corpo como movimento, como instrumento de trabalho. E<br />

assim a gente contextualiza” (PA6 - EM).<br />

A docente PA6 – EM compreende essas modalidades esportivas como<br />

possibilidades de desenvolver a cultura corporal. A ginástica, a dança, os jogos, etc., são<br />

atividades que geram movimentos nos corpos e através dessas modalidades<br />

contextualizam-se muitas coisas. Ela não soube explicar o que poderia contextualizar<br />

com tais modalidades. Mas, entendemos que tais modalidades geram nos corpos<br />

empoderamentos sociais. É evidente que dentro dessas atividades o esporte ocupa em<br />

todos os contextos socioculturais o lugar de maior destaque. O esporte é apenas uma<br />

parte da cultura de movimento. O que permite dizer que o esporte se sobrepõe a um<br />

grande número de outras atividades de uma cultura de movimento. Já as demais culturas<br />

de movimento, como danças, jogos, lutas, ginástica, são tradicionais, ou seja, mantêm<br />

muitas vezes fortes laços com origens distantes (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER,<br />

2014).<br />

Os esportes são carreadores de inúmeras percepções: ideias de coordenação,<br />

liberdade, responsabilidade, respeito, amizade, cidadania, ética, alteridade, etc., podem<br />

ser ditas pela linguagem corporal das diferentes modalidades esportivas. E isso também<br />

se constitui como conteúdos (atitudinais) (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2014).<br />

374


3.6 Metodologias de ensino na discussão do tema corpo nas aulas de Educação<br />

Física<br />

Neste item apresentamos as ideias e representações que os sete docentes<br />

entrevistados têm sobre as metodologias de ensino em Educação Física que podem ser<br />

utilizadas na discussão da temática “Corpo”. Duas ideias foram bem expressivas: a sala<br />

de aula como espaço para falar sobre o corpo e suas ideias sobre o que seja aula teórica<br />

e aula prática.<br />

3.6.1 “Na sala de aula...”<br />

A sala de aula foi um dos espaços referidos para se desenvolver aulas<br />

expositivas dialogadas de educação física na apresentação do tema corpo. As<br />

representações apreendidas nos fez compreender que a aula expositiva dialogada é uma<br />

técnica de ensino muito presente nos planejamentos desses docentes:<br />

“[...] de que forma a gente trabalha isso em sala de aula? Falando a respeito<br />

da alimentação, falando a respeito da importância da atividade física,<br />

mostrando porque que os trabalhos que a gente desenvolve ali nas nossas<br />

aulas diariamente é importante para o corpo. A gente trabalha é na sala de<br />

aula ” (P1 - EF).<br />

Além disso, na sala de aula são utilizadas algumas técnicas de ensino que<br />

facilitam o entendimento de conteúdos em Educação Física. Aulas expositivas com uso<br />

de textos reflexivos, aulas expositivas discursando sobre as ideias prévias dos/as<br />

alunos/as, aulas expositivas dialogando pesquisas realizadas, uso de dinâmicas em sala<br />

de aula, etc.<br />

“Primeiro eu começo trazendo algum texto como leitura. Às vezes não é nem<br />

o texto é o conhecimento prévio deles que uso. Faço perguntas pra eles tipo<br />

‘o quê que eles acham que é o corpo’, ‘o que é capaz de fazer com o corpo’.<br />

Isso ajuda para você poder entrar na leitura porque dentro de sala de aula<br />

você não pode trabalhar somente a questão prática, você tem que trabalhar a<br />

teórica e o texto já é uma parte teórica pra saber. Para eles saberem o que é<br />

realmente o corpo de acordo com o conhecimento prévio que eles já vem<br />

trazendo de casa”(PA4 - EF).<br />

“Antes de entrar no assunto, no conteúdo corpo, eu peço que eles tragam uma<br />

pesquisa de casa, por exemplo, trazer o corpo humano por inteiro, vamos<br />

375


analisar ele, será que o corpo humano é só isso ou só aquilo?Aí depois vem o<br />

conhecimento prévio: ‘o quê que vocês acham que é o corpo? O quê que o<br />

corpo faz? O quê que ele trabalha? O quê que ele necessita?’.Aí depois vem a<br />

questão da leitura para depois vir a questão dos exercícios” (PA4 - EF).<br />

“[...] utilizamos dinâmicas, dinâmicas recreativas, o próprio instrumento que<br />

é a abordagem teórica” (PA6 - EM).<br />

Leituras em sala de aula são realizadas para falar do tema “Corpo”.<br />

Dinâmicas de grupo são executadas. Pesquisas são solicitadas para a comunicação do<br />

conteúdo sobre o corpo. Ações didáticas importantes para um ensino aprendizagem<br />

problematizador em Educação Física.<br />

3.6.2 “Aulas teóricas X Aulas práticas”<br />

Aulas teóricas e aulas práticas são modalidades metodológicas importantes<br />

na comunicação de conteúdos em Educação Física. Isso ficou evidente nos discursos da<br />

maioria dos docentes. O que prevaleceu foi a ideia de que as aulas práticas de Educação<br />

Física são as que de fato estimulam os/as alunos e facilitam as aprendizagens. Existe<br />

uma preferência pela aula prática:<br />

“Eu trabalho mais a parte prática. Não trabalho muito a teórica não” (PA4 -<br />

EF).<br />

“O tema corpo é trabalhado em praticamente todas as aulas práticas, por<br />

exemplo, se fossem gestos específicos de um esporte, aquilo você está<br />

trabalhando o corpo de alguma forma, não abordando de uma maneira mais<br />

aprofundada” (P3 - EF).<br />

“[...] ela acontece dentro das aulas praticas, entendeu? No dia a dia, no<br />

momento da atividade prática esses temas são abordados em conjunto” (P7 -<br />

EM).<br />

“Eu acho que a própria Educação Física está especificando como é que a<br />

gente está trabalhando com o corpo até porque a Educação Física em si ela já<br />

trabalha toda a estrutura do corpo, seja ela cognitiva ou motora através de<br />

aulas práticas” (P2 - EF).<br />

“[...] mostramos o que vai ser feito executando na prática e aí fazemos<br />

correção ao longo do trabalho que vai sendo desenvolvido” (P1 - EF).<br />

376


No entanto, mesmo com essa explícita preferência pela execução de aulas<br />

práticas, alguns docentes deixaram evidente que as aulas teorias são imprescindíveis.<br />

Vejamos os discursos docentes:<br />

“Na educação física a prática é fundamental, mas a gente tem as teorias para<br />

que a gente venha a trabalhar” (PA5 - EF).<br />

“[...] primeiro a gente busca uma parte teórica justamente falando do corpo,<br />

falando de linguagem corporal, falando de expressão corporal e depois<br />

exemplificando” (P3 - EF).<br />

“Primeiro eu procuro conceituar o corpo em algumas aulas expositivas, em<br />

algumas pesquisas sobre o tema... até expressões culturais a gente costuma<br />

pedir isso dos alunos pra que eles tenham uma consciência assim de que é...<br />

dentro do nicho deles, dentro da sociedade, dentro do bairro deles existem<br />

expressões corporais que são especificas de lá que são diferentes de outros<br />

Estados, de outros bairros, de outros países e o nosso corpo se apropria disso<br />

e a gente é fruto disso, nosso corpo é fruto disso... e assim, são aulas<br />

expositivas, aulas práticas, trabalhos...” (P3 - EF).<br />

E as contradições aparecem quando o docente P3 – EF relata suas<br />

dificuldades em desenvolver aulas práticas:<br />

“As aulas hoje em dia na escola são em grande parte delas teóricas, grande<br />

parte delas são teóricas. Eu já trabalho a doze anos como professor e ainda<br />

tem muito preconceito em relação as aulas teóricas. Como tu vai trabalhar<br />

tantos conteúdos como a educação física dentro de sala de aula sendo que os<br />

alunos querem está é na quadra?” (P3 - EF).<br />

“[...] é um desafio que a gente vive diariamente e quando a gente vai para as<br />

seções das aulas práticas é para trabalha o corpo nas aulas práticas porque<br />

quando você está com adolescentes é complicado você impor suas aulas” (P3<br />

- EF).<br />

Aulas práticas e teóricas em educação física são fundamentais. Elas devem<br />

estar nos planejamentos e, mesmo com as dificuldades estruturais e m<strong>ate</strong>riais que<br />

apareçam, os docentes precisam desenvolvê-las. É importante desmistificar a ideia do<br />

da aula prática como sendo suprema. Mesmo compreendendo que as aulas em educação<br />

física necessitam ser desenvolvidas através de modalidades práticas, não devemos<br />

deixar de perceber a grandiosidade e importância dos conteúdos teóricos para o<br />

desenvolvimento de aprendizagens significativas na Educação Física.<br />

377


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A ideia que prevaleceu sobre o conceito de “Corpo Humano” entre os sete<br />

docentes entrevistados centra-se no discurso biológico. Os conhecimentos de anatomia e<br />

fisiologia são utilizados para falar sobre o corpo. O que prevaleceu foi o discurso do<br />

corpo matéria, do corpo embriológico, do corpo fisiológico (e em movimento) e do<br />

corpo reprodutivo.<br />

Outro discurso presente nas representações docentes foi o corpo como<br />

“Máquina”. Uma máquina anátomo-fisiológica que deve ser exercitada para não falhar.<br />

O corpo também foi percebido como uma estrutura que deve carregar a<br />

insígnia da “Saúde”. Assim, as atividades físicas são fundamentais para a manutenção<br />

da higidez e promover a “qualidade de vida”.<br />

A ideia de corpo cultural se fez presente nas representações docentes mesmo<br />

que de forma menos expressiva. Apareceram significativas representações sobre o corpo<br />

a partir de olhares que ultrapassem a visão biomecânica.<br />

Para a maioria dos professores os conteúdos a serem abordados devem<br />

priorizar a abordagem sobre exercícios físicos, movimentos, fortalecimento do corpo.<br />

Outros conteúdos que devem ser ensinados aos alunos: temas relacionados à saúde,<br />

conteúdos de ginástica, dança, jogos e a discussão da cultura corporal.<br />

No que se refere às representações de como ensinar o tema “Corpo” nas<br />

aulas de Educação Física, prevaleceram ideias que reforçam a dicotomia entre “aulas<br />

práticas” e “aulas teóricas”.<br />

As aulas práticas são muito valorizadas como ações metodológicas para<br />

discursar sobre o corpo. Ainda, existe uma percepção entre os docentes de que as aulas<br />

teóricas são complexas de ministrar e que os alunos só entendem a Educação Física se<br />

praticada em outros espaços que não seja a sala de aula.<br />

Por ser um objeto de investimento social e cultural, é importante que<br />

existam discussões que ultrapassem os olhares biomédicos do corpo. É um equívoco<br />

continuar a imaginar o corpo segmentado. Essa lógica é positivista e cartesiana e assim<br />

378


limita, padroniza, enquadra e estereotipa o que construímos como sendo “o corpo<br />

humano”.<br />

Dessa forma, percebemos o quanto a Educação Física como epistemologia e<br />

a Educação Física Escolar como prática social podem (e devem) colaborar para uma<br />

educação contextual, crítica e problematizadora das questões biomédicas, sociais,<br />

culturais e econômicas sobre o corpo. Pois, conhecer o corpo é mais do que saber quais<br />

as suas partes e o que essas mesmas partes podem fazer. Devemos confrontar quaisquer<br />

ideologias que reduzam as possibilidades do corpo e que o fragmentem, sendo<br />

necessário compreender o processo de constante mudança que caracteriza o corpo,<br />

como ocorre seu crescimento e desenvolvimento.<br />

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382


DISCURSOS SOBRE O CORPO HUMANO EM LIVROS DIDÁTICOS DE<br />

BIOLOGIA DO ENSINO MÉDIO<br />

DISCUSSIONS ON THE HUMAN BODY IN TEXTBOOK OF MEDIUM<br />

EDUCATION BIOLOGY IN BRAZIL<br />

Jucenilde Thalissa de Oliveira<br />

Graduanda em Ciências Biológicas Licenciatura<br />

Universidade Estadual do Maranhão<br />

Jackson Ronie Sá-Silva<br />

Doutor em Educação – Professor Orientador<br />

Universidade Estadual do Maranhão<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: A escola é um importante ambiente para a formação de sujeitos sociais que<br />

construam constantemente cidadania e ética. Na perspectiva dos estudos culturais em<br />

educação, a escola não é vista como uma instituição que apenas contextualiza os saberes<br />

científicos, mas, uma instituição que conduz a construção das identidades dos<br />

indivíduos de um determinado contexto social, através de pedagogias culturais que<br />

estabelecem um sentido de pertencimento a determinadas representações e padrões, de<br />

gêneros, sexualidades e de corpo. Deste modo, se faz interessante reconhecer e<br />

compreender de que formas e quais os discursos sobre o corpo humano estão presentes<br />

em livros didáticos de Biologia do Ensino Médio utilizados na rede pública de ensino de<br />

São Luís – MA. Foram catalogadas três coleções de livros de Biologia em três escolas<br />

de ensino médio, que posteriormente passaram pelo processo de leitura, c<strong>ate</strong>gorização e<br />

análise a partir dos pressupostos teórico-metodológicos dos estudos culturais em<br />

educação, em uma perspectiva pós-estruturalista buscando compreender o objeto<br />

pesquisado. A partir da análise dos livros didáticos das três coleções, foram construídas<br />

duas c<strong>ate</strong>gorias: “Corpo Biológico”, que compreende o corpo humano através da sua<br />

anatomia e fisiologia e “Corpo Cultural”, que entende o corpo humano através de<br />

383


construções históricas, sociais e culturais, possuindo também subc<strong>ate</strong>gorias de acordo<br />

com as temáticas que envolviam o corpo humano. O corpo humano possui uma<br />

conjuntura de significados que vão além da sua m<strong>ate</strong>rialidade. Ele também é uma<br />

construção social que é produzido continuamente, por processos minuciosos, atribuindo<br />

formas de ser, sua aparência e comportamento, onde por meio das discriminações nas<br />

mais variadas instancias sociais, são revelados os preconceitos presentes em uma<br />

sociedade. A partir das análises realizadas percebemos o quanto é priorizado o estudo<br />

do corpo humano pelo viés biológico, dando menos espaço ao corpo cultural e deixando<br />

de lado a concepção desse corpo como integrante de uma cultura que carrega marcas de<br />

um momento histórico, social e político. E na compreensão de que o corpo pode ser<br />

apresentado de várias formas e no reconhecimento de suas subjetividades. Portanto, se<br />

faz necessário discutir questões sociais pertinentes para a construção de cidadãos no<br />

respeito à diversidade. E desse modo, a educação necessita de referencial multicultural,<br />

que analise e critique os processos discriminatórios, a favor de uma educação mais<br />

inclusiva.<br />

Palavras-chave: Corpo humano. Livros Didáticos. Estudos Culturais. Ensino de<br />

Biologia.<br />

ABSTRACT: School is an important environment for the formation of social subjects<br />

that constantly build citizenship and ethics. In the perspective of cultural studies in<br />

education, school is not seen as an institution that only contextualizes scientific<br />

knowledge, but an institution that leads to the construction of individuals’ identities in a<br />

given social context, through cultural pedagogies that establish a sense of belonging to<br />

certain representations and patterns of gender, sexuality and body. Thus, it is interesting<br />

to recognize and understand the ways and which the discourses about the human body<br />

are present in high school biology textbooks used in the public school system of São<br />

Luís – Maranhão. Three collections of Biology books were cataloged in three high<br />

schools, which l<strong>ate</strong>r went through the process of reading, c<strong>ate</strong>gorization and analysis<br />

384


from the theoretical-methodological assumptions of cultural studies in education, in a<br />

poststructuralist perspective seeking to understand the object searched. From the<br />

analysis of three different textbooks collections, two c<strong>ate</strong>gories were constructed:<br />

"Biological Body", which comprises the human body through its anatomy and<br />

physiology, and "Cultural Body", which understands the human body through historical,<br />

social and cultural, also having subc<strong>ate</strong>gories according to the themes that involved the<br />

human body. The human body has a conjuncture of meanings that go beyond its<br />

m<strong>ate</strong>riality. It is also a social construction that is continually produced by minute<br />

processes, attributing forms of being, its appearance and behavior, where through<br />

discriminations in the most varied social instances, the prejudices present in a society<br />

are revealed. Based on the analyzes made, we perceive how much prioritized the study<br />

of the human body by biological bias, giving less space to the cultural body and leaving<br />

aside the conception of this body as part of a culture that carries the marks of a<br />

historical, social and political moment. The understanding that the body can be<br />

presented in various ways and in the recognition of its subjectivities is an example of it.<br />

Therefore, it is necessary to discuss social issues pertinent to the construction of citizens<br />

with respect to diversity. And so, education needs a multicultural framework, which<br />

analyzes and criticizes discriminatory processes, in favor of a more inclusive education.<br />

Keywords: Human body. Didactic books. Cultural Studies. Teaching of Biology.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O ser humano é um indivíduo social, o que quer dizer que ele está inserido<br />

em uma determinada sociedade e esta possui um determinado conjunto de hábitos e<br />

costumes, no qual podemos chamar de cultura, então quem está inserido nessa<br />

sociedade, logo, também está sujeito a cultura que a ela pertence. A cultura constituindo<br />

um perfil de um grupo social produz elementos de sua natureza intrínseca, e ao entender<br />

a cultura como algo particular de uma sociedade e de um grupo populacional, a mesma<br />

385


atua uniformizando os indivíduos, e utiliza de várias formas para isso, como é o caso<br />

dos artefatos culturais, que educam os indivíduos através de relações de poder, sendo<br />

assim não somente as condutas são uniformizadas, mas também os corpos, os valores,<br />

atitudes e crenças.<br />

Os nossos corpos são educados continuamente, por processos graduais e<br />

minuciosos, atribuindo significados a nossas formas de ser, aparências e<br />

comportamentos nos ambientes sociais. “Educa-se o corpo na escola e fora dela: na<br />

religião, na mídia, na medicina, nas normas jurídicas, enfim em todos os espaços de<br />

socialização com os quais nos deparamos, cotidianamente [...]” (p.74), desde<br />

recomendações no vestuário, postura, aparência, saúde, isso sem mesmo nos darmos<br />

conta, pois se tratam de atitudes naturalizadas, que fazem parte do nosso cotidiano, pois<br />

são produtos da cultura que nos cerca. E o que acontece se não nos portarmos segundo<br />

essas condutas? São assim que se revelam os preconceitos presentes na sociedade,<br />

através da diferenciação em indivíduos “adequados” e “não adequados” nas instâncias<br />

sociais ou padrões sociais (GOELLNER, 2010).<br />

Os livros didáticos são caracterizados como artefatos culturais, carregam<br />

representações, significações e discursos da sociedade, e, portanto, são “portadores de<br />

intencionalidade pedagógica” que são instrumentos da cultura para educação,<br />

padronização e alinhamento dos indivíduos que dela fazem parte. As produções<br />

culturais são compreendidas por tudo aquilo que carregam e/ou refletem significações<br />

de uma cultura, e de alguma forma exercem influencia na harmonização dos indivíduos<br />

aos preceitos da mesma, de acordo com contexto sociocultural no qual está inserido.<br />

Desse modo a cultura perpassa por questões sociais, gênero, sexualidade, e<br />

principalmente são veiculados pelas mídias através de jornais, filmes, novelas, redes<br />

sociais, etc. e assim fazendo necessário compreender “de que modo se configuram<br />

pedagogias culturais dentro e fora da escola” (SEFFENER, 2011, p. 46).<br />

As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006), quanto às áreas de<br />

Ciências da Natureza, M<strong>ate</strong>mática e Suas Tecnologias nos conhecimentos de biologia,<br />

descrevem que “compete ao ensino de Biologia, prioritariamente, o desenvolvimento de<br />

386


assuntos ligados á saúde, ao corpo humano, à adolescência e a sexualidade”, onde se<br />

consegue perceber a inclusão das temáticas relacionadas ao corpo, e suas relações com o<br />

momento social, a saúde que atravessam a fase da adolescência e o descobrimento da<br />

sexualidade, e essas questões não podem ser trabalhadas em sala de forma meramente<br />

superficiais, ou até mesmo em um único direcionamento, como a biologia do corpo e<br />

prevenção de doenças, é preciso que estes assuntos sejam contextualizados ao momento<br />

histórico, social e cultural que se encontram.<br />

Na perspectiva dos estudos culturais em educação, a escola não é vista como<br />

somente uma instituição que contextualiza os educandos aos saberes científicos, e sim<br />

em uma instituição capaz de influir diretamente na construção das identidades dos<br />

indivíduos, assim como a religião e a mídia, sendo ela uma instituição onde convivem<br />

diferentes grupos e identidades sociais.<br />

Deste modo, se faz interessante reconhecer de que formas e quais os<br />

discursos sobre o corpo humano estão presentes em livros didáticos utilizados nas<br />

escolas da rede pública de São Luís-MA. Neste trabalho objetivou-se analisar,<br />

compreender e problematizar os discursos, ideias e representações sobre o corpo<br />

humano em livros didáticos de Biologia do Ensino Médio.<br />

METODOLOGIA<br />

Os livros didáticos utilizados nesta pesquisa foram catalogados de três<br />

escolas do ensino médio de São Luís – MA com suas respectivas bibliotecas: Escola<br />

Modelo Benedito Leite (Bairro Centro), Fundação Nice Lobão – Cintra (Bairro Anil) e<br />

Liceu Maranhense (Bairro Centro). Totalizando três coleções, a saber: SILVA, Junior,<br />

César. Biologia. César da Silva Junior, Sezar Sesson, Nelson Caldini Junior. 11° ed. São<br />

Paulo. Saraiva, 2013 (possuindo três volumes de livros didáticos do 1° ao 3° ano);<br />

CHEIDA, Luiz Eduardo. Biologia integrada: Volume único. São Paulo: FTD, 2003<br />

(com Caderno de Atividades) e LINHARES, Sérgio. Biologia hoje/ Sérgio Linhares,<br />

Fernando Gewandsznajder. 2° ed. São Paulo. Ática, 2013. Esta compreendendo três<br />

387


unidades de livros didáticos do 1° ao 3º ano. Posteriormente os livros passaram pelo<br />

processo de leitura e análise a partir dos pressupostos teórico-metodológicos da<br />

pesquisa documental, buscando compreender o objeto pesquisado (CELLARD, 2008;<br />

SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI, 2009).<br />

Após leitura dos livros deu-se o processo de c<strong>ate</strong>gorização a partir das<br />

orientações metodológicas de Minayo (2008) com os seguintes passos: a) leitura<br />

exaustiva do m<strong>ate</strong>rial; b) identificação de semelhanças e diferenças relacionadas ao<br />

objeto analisado nas obras catalogadas; c) separação e nomeação das c<strong>ate</strong>gorias. Com a<br />

c<strong>ate</strong>gorização, o objeto de pesquisa foi analisado e problematizado com base nos<br />

estudos culturais em educação.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

A partir da análise dos livros didáticos das três coleções, foram construídas<br />

duas principais c<strong>ate</strong>gorias: “Corpo Biológico”, que compreende o corpo humano através<br />

da sua anatomia e fisiologia e, “Corpo Cultural”, que entende o corpo humano através<br />

de construções históricas, sociais e culturais, cada uma possuindo subc<strong>ate</strong>gorias (Corpo<br />

Biológico: Corpo Estrutural/Funcional, Corpo Saúde/Doença e Corpo Reprodutivo;<br />

Corpo Cultural: Corpo Gênero, Corpo Etnia, Corpo Social e Corpo Sexualidade) de<br />

acordo com as temáticas que envolviam o corpo humano. O corpo humano pode ser<br />

entendido de diversas formas desde uma estrutura anatômica e fisiológica, a uma<br />

estrutura que possui e significados e representações de um determinado contexto, seja<br />

ele histórico, social ou cultural. E desta forma não é possível tratar o corpo apenas como<br />

uma mera m<strong>ate</strong>rialidade, como algo puramente biológico, pois ele possui identidade,<br />

como afirma Silvana Vilodre Goellner:<br />

Um corpo não é apenas um corpo. É também o seu entorno. Mais do que um<br />

conjunto de músculos, ossos vísceras, reflexos e sensações, o corpo é também<br />

a roupa e os acessórios que o adornam, as invenções que nele operam, [...]<br />

Não são portanto, as semelhanças biológicas que o definem, mas<br />

fundamentalmente os significados culturais e socais que a ele se atribuem<br />

(GOELLNER, 2008, p.28).<br />

388


O corpo compreendido como biológico é aquele onde são valorizadas sua<br />

estrutura, composição, seus sistemas e função. Nos livros didáticos analisados as<br />

subc<strong>ate</strong>gorias relacionadas à concepção de um corpo como biológico se fizeram<br />

predominantes em quantidade de “corpus”, que nos faz perceber uma prioridade do<br />

estudo do corpo humano para a sua m<strong>ate</strong>rialidade biológica, concentrando suas<br />

temáticas para a compreensão dessa biologia pura, cartesiana e metódica (figuras 1, 2 e<br />

3). Com a centralidade do estudo do corpo humano para sua fisiologia deixam-se de<br />

lado questões que perpassam pela construção do corpo, como a sua história que através<br />

dos tempos que se modificou enormemente e continua a se modificar, pois a<br />

compreensão de corpo não permanece imutável durante o tempo passa por modificações<br />

que abrangem questões religiosas, sociais, econômicas e principalmente políticas.<br />

Representação das Subc<strong>ate</strong>gorias de Corpo Biológico<br />

Figuras 1, 2 e 3: Representações da subc<strong>ate</strong>goria de Corpo Estrutural/Funcional.<br />

Fonte: 1: LINHARES, 2013, L 1, p. 267; CHEIDA, C.A, 2003, p. 109; LINHARES,<br />

2013, L 1, p. 235.<br />

389


Figuras 4, 5 e 6: Representações da subc<strong>ate</strong>goria de Corpo Saúde/Doença.<br />

Fonte 2: LINHARES, 2013, L 2, p. 140; CHEIDA, 2005, V.U, p. 272; SILVA, 2013, L<br />

2, p. 154.<br />

390


Figuras 7, 8 e 9: Representações da subc<strong>ate</strong>goria de Corpo Reprodutivo.<br />

Fonte: 3: SILVA, 2013, L 2, p. 232; LINHARES, 2013, L 3, p. 83; LINHARES, 2013,<br />

L 1, p. 159.<br />

O corpo humano além de sua constituição biológica para respirar, se<br />

alimentar, se reproduzir e comb<strong>ate</strong>r doenças, muitas dessas relações biológicas não<br />

estão isoladas, muitas delas estão influenciadas pelo modo de vida, costumes e<br />

influencias de um grupo social e nisso se inclui a cultura. Ter um corpo saudável pode<br />

ter diferentes versões de acordo com o tempo histórico, a exemplo a concepção de um<br />

corpo magro ser um corpo mais saudável e midiaticamente mais belo. Não foi sempre<br />

assim, séculos atrás um corpo magro dizia exatamente o contrário, e os corpos com<br />

mais curvas além de saudáveis revelavam uma boa condição financeira de uma família,<br />

através dos tempos muitas de nossas verdades são desfeitas, e já se comprovou que essa<br />

relação aparência do corpo e saúde nem sempre são legítimas, pois ter ou não ter um<br />

corpo magro não se reflete uma patologia, existem muitos outros fatores a serem<br />

391


considerados para um corpo saudável (figuras 4, 5 e 6). A anorexia tratada na imagem 6,<br />

incluída na c<strong>ate</strong>goria de corpo saúde/doença, traz esse fenômeno atual como meramente<br />

patológico, quando sabemos que a mesma possui uma íntima ligação com os padrões de<br />

beleza impostos pela mídia, e a pertinência dessa discussão ao se tratar da anorexia.<br />

Quando falamos da reprodução humana deixamos sempre nas entrelinhas<br />

como uma dinâmica binária de heterossexual. E assim como as imagens 7, 8 e 9,<br />

extraídas dos livros didáticos analisados, deixa uma clara relação de padrão entre os<br />

indivíduos femininos e masculinos ligados a um determinismo sexual em uma ralação<br />

reprodutiva, que por sua vez acabam propagando também estereótipos de gêneros, na<br />

diferenciação dos sexos por cor.<br />

A reprodução humana envolve diversos fatores que estão além da sua<br />

biologia, estão ligados à sua cultura, seus valores particulares e os socialmente<br />

atribuídos, evidenciados nesse trecho da coleção Linhares (2013):<br />

“Nos seres humanos, as relações sexuais e a reprodução envolvem também<br />

emoções, sentimentos e comportamentos que são influenciados pela cultura.<br />

E cada pessoa tem sua personalidade, sua maneira de pensar e de agir, seus<br />

valore éticos e espirituais, seus projetos de vida” (LINHARES, 2013, L 1; p.<br />

180).<br />

Muitas das impressões naturalistas do corpo humano também são expressas<br />

no corpo do texto, ao referenciá-lo na sua estrutura anatómica, que pode ser dividida e<br />

sistematizada, sem muitas vezes integrá-lo numa visão holística, mas sim unitária e<br />

sequenciada:<br />

“O conjunto de sistemas forma um organismo. O corpo humano, por<br />

exemplo, é formado, entre outros, pelos sistemas nervoso, digestório,<br />

respiratório, cardiovascular (ou circulatório), urinário, genital, muscular e<br />

esquelético” (LINHARES, 2013, L 1; p. 16).<br />

Uma visão limitada da biologia do corpo humano impede que outros<br />

aspectos sejam comtemplados, fatores intrínsecos que não podem ser generalizados, a<br />

existência das particularidades que podem ser variadas desde genéticas aos costumes de<br />

uma sociedade. Quanto a saúde não podemos excluí-la dos aspectos socioambientais<br />

392


como no trecho de Silva: “A Saúde humana depende de diversos fatores, como a prática<br />

de exercícios físicos e boa qualidade de vida” (SILVA, 2013, L 3, p. 125). A pertinência<br />

da discussão das temáticas relacionadas a saúde, qualidade de vida integram questões<br />

sociais e políticas de uma sociedade, que necessitam de uma análise mais profunda e<br />

que critiquem processos direcionados as diferenças de classe em nosso país.<br />

Representação das Subc<strong>ate</strong>gorias de Corpo Cultural<br />

Figura 10, 11 e 12: Representação das c<strong>ate</strong>gorias de Corpo Gênero,<br />

Fonte: SILVA, 2013, L 2, p. 232; SILVA, L 3, 2013, p. 62; LINHARES, 2013, L 3, p.<br />

82<br />

Figuras 13, 14 e 15:Representações da subc<strong>ate</strong>goria de Corpo Etnia<br />

393


Fonte: LINAHRES, 2013, L 3, p. 150; SILVA, 2013, L 3, p. 63; SILVA, 2013, L 3, p.<br />

159.<br />

Figuras 16, 17 e 18: Representações da subc<strong>ate</strong>goria de Corpo Social<br />

Fonte: SILVA, 2013, L 3, p. 79; SILVA, 2013, L 3, p. 300; LINHARES, 2013, L 1, p.<br />

18.<br />

394


Figura 19: Representação da Subc<strong>ate</strong>goria de Corpo Sexualidade<br />

Fonte: LINHARES, 2013, L 1, p. 196.<br />

O corpo humano como cultural é a sua compreensão relacionada aos<br />

processos históricos, velo através de sua história, dos seus diferentes costumes que<br />

variam de acordo com a cultura de diferentes povos e sob diferentes tradições e<br />

transições através dos tempos, e isso nos faz entender que a ideia de corpo não é nem<br />

estável nem permanente, mas, fluida seja em uma sociedade, em uma cultura, ou na<br />

política.<br />

A determinação sexual do gênero tem se perpetuado desde os temos mais<br />

antigos, distinção dos sexos por cor ou forma, funcionando como propagações de<br />

estereótipos e ainda se fazendo presentes em livros didáticos de biologia do ensino<br />

médio (figuras 10, 11 e 12). Atualmente não são mais cabíveis manutenções de<br />

estereótipos de gêneros, pois estamos em um momento onde essas questões estão em<br />

constante deb<strong>ate</strong> e já são reconhecidas social e politicamente. As manutenções de<br />

estereótipos acabam por desencadear intolerâncias constantemente presentes no espaço<br />

escolar, e que devem ser rebatidos.<br />

As questões étnicas são também é outra questão que dez do período das<br />

colonizações se fazem presentes na sociedade através das intolerâncias, descriminações<br />

395


que terminam em injúrias forjadas pelas relações de poder existentes nas distinções de<br />

raça na história da humanidade, que mesmos com os progressos ainda precisam ser<br />

combatidas, pois muitas dessas descriminações estão marcadas na cultura de nossas<br />

sociedades e sendo perpetuadas quando não a confrontamos. Na coleção de Linhares<br />

(2013) já se consegue perceber a inclusão dessas temáticas de comb<strong>ate</strong> ao racismo e no<br />

reconhecimento da diversidade:<br />

“Com auxílio do professor de Filosofia e Sociologia, discutam as origens<br />

históricas e os fatores sociais ligados ao racismo, criticando-o e propondo<br />

medidas para comb<strong>ate</strong>r essa atitude. Critiquem também a ideia de que<br />

existem raças na espécie humana”. (LINHARES, 2013, L 3; p. 154).<br />

A educação desempenha um papel importante nas discussões raciais e<br />

constituem um meio para comb<strong>ate</strong>r as intolerâncias étnicas:<br />

“Uma educação que aproxime as pessoas, que valorize a diversidade, que<br />

elimine preconceitos, funciona como antídoto contra o racismo – e todos<br />

ganham com isso”. (LINHARES, 2013, L 3; p. 150-151).<br />

O ser humano se constituindo um indivíduo social e, portanto, estando<br />

sujeito ao intemperes sociais associados a disponibilidade de emprego, questões de<br />

classe, conjunturas familiares nem sempre estáveis e as violências geradas por uma<br />

conjuntura social de desigualdade. Na coleção Silva (2013), trata a violência como uma<br />

mazela social decorrente de vários fatores socialmente atribuídos:<br />

“O impacto social, econômico e político da violência, bem como seus<br />

determinantes e sua prevalência, ainda não foram totalmente esclarecidos.<br />

Contudo, algumas das causas mais evidentes são similares em vários lugares<br />

do planeta: pobreza, marginalização social, trafico de drogas e armamentos,<br />

instabilidades e conflitos étnicos, preconceito desrespeito aos direitos<br />

humanos, falta de oportunidades (como trabalho, moradia e de lazer) e<br />

miséria”. (SILVA, 2013, L 3; p. 310).<br />

As temáticas associadas a sexualidade e sua discussão já se tornaram uma<br />

realidade imutável, pois, suas questões nunca tiveram tanta visualidade mesmo frente as<br />

dificuldades geradas pelas intolerâncias conservacionistas, que tentam proteger os<br />

396


jovens ou inocentes daquilo que já faz parte da sua vida cotidiana, muitas vezes<br />

interpretadas como temáticas precoces por entender o estudo da sexualidade puramente<br />

ao sexo quando na verdade vai muito além disso, pois se trata de reconhecer os<br />

indivíduos sociais e de seus processos atrelados a identidade, respeitos e tolerância a<br />

diversidade. Nos livros didáticos analisados nessa pesquisa pouquíssimo se encontrou<br />

do corpo humano atrelado as questões de sexualidade, que nos transmite uma<br />

dificuldade ou omissão em abordar essa temática.<br />

A partir das c<strong>ate</strong>gorizações realizadas com os livros didáticos de Biologia<br />

do Ensino Médio obtidos nesta pesquisa, percebemos o quanto é priorizado o estudo do<br />

corpo humano para o viés biológico, dando menos espaço ao corpo cultural deixando de<br />

lado a concepção desse corpo como integrante de uma cultura que carrega marcas de um<br />

momento histórico, social e político. E na compreensão de que o corpo pode ser<br />

apresentado de várias formas e no reconhecimento de suas subjetividades. Portanto, se<br />

fazendo necessário discutir questões sociais essas que pertinentes para a construção<br />

cidadãos no respeito a diversidade. E desse modo, é preciso desnaturalizar e<br />

historicizar nossa educação e constituir um arranjo educacional de referencial<br />

multicultural, que analise e critique os processos discriminatórios, a favor de uma<br />

educação mais inclusiva. Segundo Moreira; Silva (2002), a educação nas escolas deve<br />

constituir:<br />

[...] um espaço onde as novas gerações se capacitem para adquirir a analisar<br />

criticamente o legado cultural da sociedade. As salas de aula não podem<br />

continuar sendo um lugar para memorização de informações<br />

descontextualizadas. É preciso que o alunado possa compreender bem quais<br />

são as diferentes concepções do mundo que se ocultam sob cada uma delas e<br />

os princípios e os problemas da sociedade que a pertencem. Uma pedagogia<br />

antimarginalização precisa levar as considerações as dimensões éticas dos<br />

conhecimentos e das relações sociais. É preciso que as instituições escolares<br />

sejam lugares onde se aprenda, mediante a pratica cotidiana, a analisar como<br />

e porque as discriminações surgem, que significado devem ter as diferenças<br />

coletivas e, é claro, individuais (SANTOMÉ, 1995, p. 176-177).<br />

Os estudos do corpo humano nos livros didáticos aqui analisados, fazem um<br />

paralelo constante a uma mecanicidade do mesmo, fazendo assim ausentes outros<br />

397


aspectos que constituem esse corpo, seus conflitos, inquietações, sentimentos, logo<br />

também deixando de lado discutir assuntos de caráter social, na inclusão de<br />

representações dessa ordem, que fazem parte da realidade de qualquer indivíduo (corpo)<br />

social, e, portanto, de sua cultura. E quanto a isso Costa; Silveira e Sommer (2003): “A<br />

cultura precisa ser estudada e compreendida tendo-se em conta a enorme expansão de<br />

tudo que está associado a ela, e o papel constitutivo que assumiu em todos os aspectos<br />

da vida social” (p. 38).<br />

Quando se trata dos aspectos sociais, os livros analisados deixam a desejar<br />

quando não se tem um aprofundamento da discussão desses temas sociais, quando<br />

apenas são citados sem desenvolvimento de uma discussão biológica e sociocultural, o<br />

que ocorre é que dessa forma acabam por se perder oportunidades para a<br />

problematização desses assuntos considerando as mudanças na esfera social dos últimos<br />

tempos, como: uma reabertura política, o rompimento da censura, a ampliação das<br />

discussões sobre sexualidade, os movimentos de classe, movimentos feministas, as<br />

mudanças relativas ao posicionamento do jovem na sociedade seu comportamento<br />

sexual, a utilização de contraceptivos, avanços no comb<strong>ate</strong> a diversas doenças inclusive<br />

as sexualmente transmissíveis. E que estes assuntos de cunho social podem assim ir<br />

além de quadros e textos informativos, se tratam de uma oportunidade para auxiliar na<br />

formação crítica dos estudantes, quanto às situações que fazem parte de suas realidades.<br />

Na sala de aula podem ser discutidos assuntos de caráter social, todos os<br />

movimentos sociais podem ser objetos de estudo e discussão no ambiente escolar, pois<br />

desta forma incentiva os alunos a uma participação cidadã na vida, pois vivemos em<br />

uma sociedade dita democrática e essa é uma das formas para assegurar a manutenção<br />

do regime democrático entre nós, pois na história do Brasil tivemos momento de<br />

ditaduras que cercearam nossa liberdade de expressão e o exercício da democracia<br />

(SEFFENER, 2008).<br />

A cultura na fase da adolescência vivida pelos alunos do ensino médio tem<br />

grande influência sobre seus comportamentos, personalidades e atitudes desses<br />

indivíduos, principalmente através das mídias, em seguir aquilo que estar na moda,<br />

398


motivada por uma necessidade de ser incluído em algum grupo social, em ser aceito, e<br />

nestas situações que se fazem presentes as descriminações, pois neste caso para ser<br />

aceito o indivíduo deve se adequar aos preceitos daquele grupo, abdicando se si para ser<br />

outro.<br />

Dentro dessa perspectiva, a escola se torna um ambiente propício para o<br />

desenvolvimento dessas questões, e tratar do corpo nas aulas de biologia muito mais<br />

que fisiologia, anatomias, esse corpo fragmentado, é assisti-lo nas suas múltiplas formas<br />

de se manifestar e tratar de questões sociais que envolvam o corpo, os distúrbios<br />

alimentícios, os padrões de beleza, saúde, respeito a diversidade, descriminação etc.<br />

Afinal o corpo se constituí apenas de uma estrutura biológica? Guacira Lopes Louro<br />

(2000) nos esclarece a pertinências de discussões sobre as significações culturais sobre<br />

o corpo e seus discursos, em indagar a formação desses significados, na perspectiva do<br />

momento culturas ligados a aparência corporal, os processos históricos e culturais que<br />

possibilitaram a determinação dessas características como especiais, e principalmente os<br />

processos que levaram essas características a valer mais do que outras, constituindo<br />

assim as descriminações.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Ao compreendermos a existência do corpo cultural não estamos nada mais<br />

que o concebendo de forma integrada, pois um corpo não é somente biológico, assim,<br />

como não somente cultural se trata de ver o corpo de forma integrada, vê-lo de forma<br />

holística, pois muitos processos que nos parecem ser naturais são influência da cultura<br />

que estamos inseridos.<br />

Nos livros analisados e foi constatado a prioridade do estudo do corpo a sua<br />

anatomia e fisiologia, no estudo do corpo puramente biológico, apresentando menos<br />

conteúdos sobre o corpo cultural e este se apresentando na maioria das vezes, na forma<br />

de imagens e ilustrações, quando encontrados na forma de texto se caracterizam de<br />

forma mais superficial, sem uma discussão integrada ao corpo do texto. É preciso<br />

399


econhecer que esse corpo caracterizado como biológico, como um corpo que também é<br />

cultural ao passo que possui especificidades e subjetividades que são únicas e<br />

particulares, e que atuam em conjunto com os aspectos socioculturais, precisamos tornar<br />

nossas escolas mais inclusivas no reconhecimento e respeito a diversidade.<br />

Portanto, incluir a cultura no conteúdo estudado nada mais é do que permitir<br />

que vivências e questões que permeiam a nossa sociedade sejam debatidas e<br />

problematizadas dentro do ambiente escolar pois fazem parte de nossa constituição, a<br />

partir do momentos que assumimos sermos fruto de tudo aquilo que nos educa<br />

diariamente e que estão a nossa volta, e nisso é aceitar que filmes, revistas, jornais, e<br />

livros didáticos também nos educam, pois são construções sociais, o que quer dizer,<br />

carregam significações culturais e são passadas a diante por gerações, como se fossem<br />

uma manutenção desses costumes, ideias, e representações que podem ser interpretadas<br />

de modos negativos quando mantém estereótipos que podem ser de classe, de gênero, de<br />

etnia etc., que podem dar continuidades a ações discriminatórias em uma sociedade.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRASIL. Ciências da Natureza, M<strong>ate</strong>mática e suas Tecnologias/ Secretaria de<br />

Educação Básica. – Brasília: Ministério da educação, Secretaria de Educação Básica,<br />

2006.<br />

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enfoques epistemológicos e metodológicos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008.<br />

CHEIDA, Luiz Eduardo. Biologia Integrada: Volume Único. São Paulo: FTD, 2003.<br />

(Coleção Delta).<br />

CHEIDA, Luiz Eduardo. Biologia Integrada: Caderno de atividades. São Paulo:<br />

FTD, 2005. (Coleção Delta).<br />

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Estudos Culturais, educação e pedagogia. Revista Brasileira de Educação, São Paulo,<br />

n. 23 p. 36-61, maio/ago. 2003.<br />

400


GOELLNER, Silvana Vilodre. A educação dos Corpos, dos gêneros das sexualidades<br />

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LINHARES, Sérgio. Biologia hoje 1/ Sérgio Linhares, Fernando Gewandsznajder. – 2.<br />

ed. - São Paulo: Ática, 2013.<br />

LINHARES, Sérgio. Biologia hoje 2/ Sérgio Linhares, Fernando Gewandsznajder. – 2.<br />

ed. - São Paulo: Ática, 2013.<br />

LINHARES, Sérgio. Biologia hoje 3/ Sérgio Linhares, Fernando Gewandsznajder. – 2.<br />

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LOURO, Guacira Lopes. Corpo, escola e identidade. Educação e realidade. 25 (2)<br />

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MINAYO, M.C.S. O desafio da pesquisa social. In: MINAYO, M.C.S. (org.);<br />

DESLANDES, S.F.; GOMES, R. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29 ed.<br />

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MOREIRA, Antônio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Currículo, Cultura e<br />

sociedade. São Paulo: Cortez, 2002. in: OLIVEIRA, Anna Luiza Araújo Ramos<br />

Martins de. Os estudos Culturais e a questão da diferença, 2009.<br />

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SILVA, Junior, César. Biologia 1. César da Silva Júnior, SezarSesson, Nelson Caldini<br />

Júnior – 11° ed. – São Paulo: Saraiva, 2013.<br />

SILVA, Junior, César. Biologia 2. César da Silva Júnior, Sezar Sesson, Nelson Caldini<br />

Júnior – 11° ed. – São Paulo: Saraiva, 2013.<br />

SILVA, Junior, César. Biologia 3. César da Silva Júnior, Sezar Sesson, Nelson Caldini<br />

Júnior – 11° ed. – São Paulo: Saraiva, 2013.<br />

401


EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: integração e assimilação<br />

INDIGENOUS SCHOOL EDUCATION: integration and assimilation<br />

Zeneide Pereira Cordeiro<br />

Mestranda em Políticas Públicas<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 1 - Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O objetivo deste artigo é propor uma reflexão sobre a relação entre povos<br />

indígenas e o Estado brasileiro, enfatizando a questão da dominação, integração e<br />

assimilação, as normas da sociedade brasileira. Tendo a educação escolar indígena<br />

como uma propulsora desse processo. As fontes que nortearam esse texto foram:<br />

documentos oficiais nacionais e internacionais e pesquisa bibliográfica sobre o tema.<br />

Tendo como referência a política de escolarização indígena, apontando como esta<br />

política é algo paradoxal, conforme mostram implicitamente, os principais documentos<br />

oficiais sobre direitos indígenas. Essa política indigenista, historicamente possui uma<br />

trajetória influenciada por mudanças econômicas e políticas, ocorridas no plano<br />

nacional e internacional, muitas vezes, são implementadas, expressando mais os<br />

interesses estatais e da classe empresarial do que dos povos indígenas.<br />

Palavras - chave: políticas públicas – povos indígenas – educação escolar – Estado.<br />

ABSTRACT: The objective of this article is to propose a reflection on the relationship<br />

between indigenous peoples and the Brazilian St<strong>ate</strong>, emphasizing the issue of<br />

domination, integration and assimilation, the norms of Brazilian society, and indigenous<br />

school education, a propeller of this process. The sources that guided this text were:<br />

402


official national and international documents and bibliographic research on the subject.<br />

Taking as reference the policy of indigenous schooling, pointing out how this policy is<br />

somewhat paradoxical, as they implicitly show, the main official documents on<br />

indigenous rights. This indigenist policy, historically has a trajectory influenced by<br />

economic and political changes, occurring at national and international level, are often<br />

implemented, expressing more st<strong>ate</strong> and business-class interests than indigenous<br />

peoples.<br />

Keywords: public policies - indigenous peoples - school education - St<strong>ate</strong>.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A construção desse artigo tem como referência a política de escolarização<br />

indígena, apontando como esta política é contraditória.<br />

Nesse âmbito, discuto a relação entre povos indígenas e o Estado brasileiro,<br />

enfatizando duas tendências que resultaram dessa relação: a dominação por meio da<br />

integração e assimilação e a do pluralismo cultural. Do período da colonização até a<br />

atualidade o “Estado nacional brasileiro busca inserir os indígenas em sua lógica”,<br />

reafirmando o seu poder de colonizador. Essa sempre foi uma estratégia de dominação<br />

simbólica. (COELHO, 2004). O “Estado” é um setor do campo de poder, que pode ser<br />

chamado de campo administrativo ou campo da função pública é “definido pela<br />

possessão do monopólio da violência física e simbólica legítima”. (BOURDIEU, 1989,<br />

2014).<br />

No Brasil a política estatal de educação escolar indígena é implementada a<br />

partir de uma “concepção genérica de índio”, reduzindo diferentes povos a uma mesma<br />

c<strong>ate</strong>goria, desconsideram, portanto, qualquer diagnóstico ou informação sobre eles.<br />

(COELHO, 2009). A “escolarização indígena é uma política de Estado” por isso sempre<br />

tende a integração nacional. (CONH, 2016). A educação escolar não corresponde<br />

aoprocesso de transmissão de saberes entre os povos indígenas, para esses povos, a<br />

“educação envolve um laço entre pessoas e o conhecimento é transmitido de forma<br />

403


oral”, pois, as línguas indígenas no Brasil, são originalmente sem escrita, ágrafas.<br />

(CUNHA, 2016). É importante destacar, que as relações dos índios com o Estado<br />

brasileiro, na atualidade, sob diversos aspectos, têm os mesmos, problemas de séculos<br />

passados, permanecem a “má vontade e desleixo das autoridades”. (GOMES, 2012).<br />

O corpo do trabalho está distribuído nas seções: povos indígenas no Brasil,<br />

destacando que esses povos foram historicamente vítimas de perseguição, e que sempre<br />

viveu e vivem uma história de lutas, avanços e retrocessos em busca de políticas<br />

públicas que respondam aos seus interesses e necessidades. Em seguida, aborda a<br />

política indigenista no Brasil, criada após a promulgação da Constituição de 1988, que<br />

reconheceu o país como um Estado multicultural. Na seção seguinte falo sobre a política<br />

de educação escolar indígena. Nas considerações finais ressalto a problemática que<br />

envolve a educação escolar indígena.<br />

POVOS ÍNDIGENAS NO BRASIL: um pouco de história<br />

Em 1500, quando os europeus “desembarcaram” no território em que se<br />

localiza o Brasil, encontraram inúmeros habitantes, que possuíam diferentes línguas,<br />

culturas e relacionavam-se entre eles e a natureza de modo peculiar.<br />

A terra “descoberta possuía muitos donos”. (COELHO, 2003). Diante da<br />

diversidade de etnias, os “descobridores”, criaram uma única c<strong>ate</strong>goria para representar<br />

todos os povos: “índios”. Em decorrência da ignorância dos “europeus por não<br />

distinguirem a diversidade de etnias, o termo índio permanece”, ainda, nos dias atuais,<br />

(TIRAPELI, 2006).<br />

Nesse contexto, se criou e consolidou uma concepção etnocêntrica, na<br />

relação entre índios e europeus/brancos, a qual mostrava os primeiros habitantes do<br />

Brasil como seres inferiores, prontos para serem dominados. Esse processo iniciou-se<br />

desde que receberam a denominação “índio”. Há uma imposição de poder,<br />

primeiramente, um poder simbólico. Partindo do pressuposto de que “formas de<br />

classificação são formas de dominação”. (BOURDIEU, 2004). O poder simbólico, em<br />

404


sua manifestação mais típica, é o poder de nominação constituinte, que ao nomear, faz<br />

existir. Desse modo, “o poder simbólico é um poder de fazer coisas com palavras”.<br />

(BOURDIEU, 2004). Ao dar nome em todos os espaços que ocupavam os europeus<br />

criaram simbolicamente o Brasil.<br />

Conforme Galeano (2010), os povos indígenas participaram desse processo<br />

como “vítimas, de uma ordem econômico-social em que desempenham o duro papel de<br />

os mais explorados entre os explorados”. Vale ressaltar que, o impacto da conquista e da<br />

colonização, disseminado através da política de integração a sociedade colonial resultou<br />

em extinção de centenas de etnias indígenas. Para aqueles que resistiam ao processo<br />

civilizador, os europeus respondiam com a “guerra justa e o genocídio, a sujeição se<br />

instaurava, e o etnocídio como sistema de integração à civilização”. (ARRUDA s/d.).<br />

As chamadas guerras justas eram realizadas pelo Estado com justificativas legais.<br />

Foram desenvolvidas por teólogos conhecidos como santos padres ou doutores<br />

canonistas. De acordo com Carvalho (2010), “Santo Ambrozío classificava a força e a<br />

capacidade de fazer a guerra justa como grandes virtudes cristãs”. Importa aqui<br />

destacar, que os europeus apoiaram-se nesta teoria, para justificar o seu processo de<br />

dominação no Brasil. Ainda, segundo o mesmo autor, a teoria da guerra justa vai se<br />

justificar como necessária, benéfica e um serviço prestado a Deus. Esta teoria<br />

instrumentalizou o Estado português para agir na conquista de territórios em todo o<br />

Brasil e se aplicou com todo o rigor contra os índios.<br />

Os povos indígenas que viviam no Brasil, na época da invasão eram em<br />

torno de “02 a 04 milhões de habitantes, no século XVI”, (ALMEIDA, 2010). Eram<br />

povos extremamente diversificados. Essa diferença cultural mostra, “que as sociedades<br />

indígenas são portadoras de tradições culturais específicas”, (COELHO, 2003).<br />

De acordo com as pesquisas de Tirapeli (2010, p. 11), o número de<br />

habitantes que viviam no Brasil na época da invasão era entre “01 a 10 milhões de<br />

indivíduos”. Contudo, nesse trabalho, não pretendo analisar, o controvertido número de<br />

índios antes e pós-contato com os europeus. Importa assinalar, sobre a diversidade de<br />

405


grupos étnicos que tiveram o seu modo de vida subjugado depois do contato com o<br />

homem branco.<br />

As práticas da conquista eram enaltecidas como fatores de crescimento e<br />

modernidade, e contavam com apoio religioso. A invasão do território, o extermínio, a<br />

escravização, a imposição de valores, língua e crença, foram justificadas, sob uma ótica<br />

mercantilista e religiosa. Cumpre destacar, que durante muito tempo, no Brasil, “os<br />

índios das diversas nações eram povos sobre domínio efetivo dos portugueses”.<br />

(CAMENIETZKI, 2008, p.78). Ademais, cabe alertar que, “o índio passou a ser, depois<br />

do pau-brasil, a principal mercadoria de exportação para a metrópole”. (RIBEIRO,<br />

1995). Nesse aspecto:<br />

A introdução no seu mundo de um protagonista novo, o europeu. Embora<br />

minúsculo, o grupelho recém‐chegado de além‐mar era superagressivo e<br />

capaz de atuar destrutivamente de múltiplas formas. Principalmente como<br />

uma infecção mortal sobre a população preexistente, debilitando‐a até a<br />

morte. (RIBEIRO, 1995, p. 30).<br />

Conforme Ribeiro (1995), o impacto que os índios vivenciaram, causado<br />

pela invasão dos seus territórios, modificou totalmente o seu modo de vida. Galeano<br />

(2010), diz que, “o contato com o homem branco, para o indígena, foi e continua sendo<br />

o contato com a morte”. Cumpre ressaltar que:<br />

Esse morticínio nunca visto foi fruto, de um processo complexo cujos agentes<br />

foram homens e micro-organismos, mas cujos motores últimos poderiam ser<br />

reduzidos a dois: ganância e ambição, formas culturais da expansão do que se<br />

convencionou chamar o capitalismo mercantil. (CUNHA, 1992, p. 14).<br />

As disposições legais criadas desde 1537, direcionadas para os povos<br />

indígenas no Brasil, mostraram-se, na prática contra os índios. Sujeitos de uma política<br />

de civilização por meio da doutrinação de valores e imposição de uma língua.<br />

De acordo com Bourdieu (1989, p. 246), para uma “sociedade diferenciada,<br />

o efeito de universalização é um dos mecanismos, e sem dúvida dos mais poderosos,<br />

406


por meio dos quais se exerce a dominação simbólica ou, se prefere a imposição da<br />

legitimidade de uma ordem social”.<br />

A dominação simbólica primeiramente instaurada no Brasil foi à<br />

denominação e consequentemente a inserção de uma língua nacional, por meio de uma<br />

política integracionista que perdurou oficialmente até a promulgação da Constituição<br />

Federal de 1988, sendo difundida até hoje.<br />

POLÍTICA INDIGENISTA NO BRASIL<br />

As políticas públicas direcionadas para os povos indígenas no Brasil seguem<br />

a lógica da trajetória das políticas sociais brasileiras, profundamente “conectadas à<br />

política econômica monetarista e de ajustes fiscais”. (BEHRING; BOSCHETTI, 2008,<br />

p. 184), sendo implementadas desde o início do século XX.<br />

As novas políticas indigenistas ditas específicas e diferenciadas são recentes<br />

no Estado brasileiro, “decorrem da Constituição de 1988, resultaram de movimentos de<br />

opinião de décadas anteriores”. (CUNHA, 2016, p. 11). E, como resultado de forças<br />

políticas e de comunicação dos movimentos sociais e, ambientais que aconteceram em<br />

âmbito nacional e internacional a favor dos índios. Há estreita relação dessas políticas,<br />

com a implementação dos direitos indígenas nos países da América Latina, depois da<br />

Conferência Geral da Organização Internacional do trabalho – OIT, a qual adotou a<br />

convenção nº. 169, que trata dos direitos dos povos indígenas e tribais, ao adotar a<br />

c<strong>ate</strong>goria povo. Essa Convenção formaliza o reconhecimento das diversidades de<br />

identidades dos povos indígenas, suas diferentes línguas, saberes e organizações sociais.<br />

A partir da publicação desses documentos desencadeou-se no Brasil uma<br />

série de oficinas, seminários, publicações e articulações no parlamento brasileiro com o<br />

objetivo de fortalecer o protagonismo indígena na cena política nacional, algo proposto<br />

no documento constitucional de 1988, artigo 232, e no texto da Convenção 169, artigo<br />

6º e 7º. De acordo com Cunha (2016, p. 12), a partir deste período os povos indígenas<br />

passaram a ter “um poder de negociação, uma presença no espaço político, o direito de<br />

407


formular suas próprias políticas”. Contudo, as políticas públicas direcionadas para a<br />

proteção dos direitos dos povos indígenas, são construídas a partir dos princípios de<br />

direitos humanos universais, conforme estabelecido na Declaração Universal dos<br />

Direitos Humanos, no artigo 7º, onde, diz e impõe que, “todos são iguais perante a lei e<br />

tem direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei.” Assim sendo, as políticas<br />

públicas direcionadas para os povos indígenas negam as diferenças existentes entre os<br />

povos ao afirmar que todos os sujeitos são iguais.<br />

Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades<br />

estabelecidos nesta declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de<br />

raça, cor, sexo, religião, opinião política ou de outra natureza, origem<br />

nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Não será<br />

também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou<br />

internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se tr<strong>ate</strong> de<br />

um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a<br />

qualquer outra limitação de soberania. (ONU/DECLARAÇÃO UNIVERSAL<br />

DOS DIREITOS HUMANOS, 1998, s/p.).<br />

Buscando esclarecer o que é uma política pública direcionada para os povos<br />

indígenas. De acordo com o contexto das indicações salientadas anteriormente, destaco<br />

as considerações de Cunha (2016), Cohn (2016), Coelho (2009).<br />

Políticas públicas indigenistas de acordo com Cunha (2016) são os modos<br />

como as políticas dos índios, para os índios e que se valem dos índios se entrelaçam e se<br />

conjugam para produzir efeitos. Esses efeitos deveria promover o bem-estar dos povos<br />

indígenas, valorizando as particularidades de cada etnia. Portanto, política pública<br />

indigenista só existe quando há a participação direta dos índios em seu processo de<br />

criação e implementação.<br />

Para Cohn (2016), as políticas indigenistas, em específico, a política de<br />

escolarização, é uma política de Estado, por isso, tem o risco de homogeneização das<br />

experiências e práticas de ensino e aprendizagem que desejam fomentar. Ou seja, de<br />

uma forma ou de outra, na escolarização indígena sempre irá predominar conteúdos<br />

impostos pelo sistema nacional de ensino.<br />

408


Coelho (2009) destaca os princípios das novas políticas indigenistas, que no<br />

discurso, presente nos textos da legislação brasileira, valoriza a especificidade e a<br />

diferenciação dos índios, mas, por outro lado, a educação escolar indígena está inserida<br />

no sistema nacional de educação que possui parâmetro próprio. A autora desenvolve o<br />

seu discurso, em torno da questão: como é possível ter respeito à diversidade se os<br />

povos indígenas estão sujeitos a uma educação básica comum?<br />

De acordo com a perspectiva teórica das autoras Cunha (2016), Cohn<br />

(2016), Coelho (2009), compreendo que, no decorrer da história do Brasil, não houve a<br />

implementação de políticas públicas condizentes com a necessidade concreta dos índios.<br />

A relação dos líderes do governo, desde o período do Brasil colônia aos dias atuais,<br />

sempre esteve atrelada a uma lógica de exclusão ou integração, em decorrência de uma<br />

política de assimilação e assistencialismo, mas, preocupada com o desenvolvimento<br />

econômico do Estado. Nesse sentido:<br />

Na lógica da hegemonia, os agentes do Estado são pensados como estando o<br />

serviço não do universal e do bem público como eles pretendem, mas dos<br />

dominantes economicamente e dos dominantes simbolicamente, e ao mesmo<br />

tempo a seu próprio serviço, ou seja, os agentes do Estado servem os<br />

dominantes econômica e simbolicamente e, servindo, se servem.<br />

(BOURDIEU, 2014, p. 35).<br />

As políticas indigenistas no Brasil são expressões contraditórias da realidade<br />

dos índios. Existem e são pensadas dentro do campo político, social e econômico.<br />

Conforme adverte Boneti (2011), as políticas públicas não se resumem em<br />

uma ação do Estado em termos de investimento social, mas, antes de tudo, em conjuntos<br />

de ações que buscam construir um futuro. Cabe ressaltar aqui, que a noção<br />

compreendida de Estado, como gestor das políticas públicas para os povos indígenas, é<br />

que ele, é um dos “princípios ocultos, invisíveis para designar uma espécie de deus<br />

absconditus da ordem social, e ao mesmo tempo da dominação”. (BOURDIEU, 2014). É<br />

um princípio de ordem pública, compreendido não só em seu aspecto físico, mas<br />

também em suas formas simbólicas. O “Estado tal como via de regras o<br />

409


compreendemos, é o fundamento da integração lógica e da integração moral do mundo<br />

social”. (BOURDIEU, 2014).<br />

EDUCAÇÃO ESCOLAR PARA OS POVOS INDÍGENAS NO BRASIL<br />

No Brasil a educação escolar é uma das políticas públicas indigenistas mais<br />

difundidas, ao lado do direito a terra e a saúde, conforme mostram registros de diversas<br />

entidades, ISA, FUNAI, CIMI, IPEA (2017). São inúmeras as razões pelas quais vários<br />

povos têm demandado a implantação de escolas em seus territórios, para muitos, a<br />

educação escolar têm impactos econômicos, sendo responsável por, “geração de renda e<br />

criação de postos de trabalho, políticos, aspecto crucial da chefia e da liderança indígena<br />

atual”, pauta na agenda dos direitos indígenas em nível nacional, deb<strong>ate</strong> sobre a<br />

representatividade em mecanismos de controle social, cargos no estado, mas, também<br />

culturais. (COHN, 2016).<br />

A coordenação das políticas de educação escolar indígena é de competência<br />

do Ministério da Educação – MEC, cabendo aos estados e municípios a execução para a<br />

garantia deste direito. De acordo com a legislação brasileira, os diversos povos<br />

indígenas que vivem no Brasil, têm garantidos judicialmente que os seus modos de vida<br />

sejam respeitados, no espaço escolar. Nesse sentido, o processo de aprendizagem e<br />

ensino, específico de cada povo, devem ser inseridos no processo formal de educação,<br />

proposto pelo Estado. Cabe destacar que a escolarização indígena é uma política com<br />

duas peculiaridades:<br />

É uma política de Estado, na medida em que se regulamenta desde a<br />

Constituição de 1988, e vem sendo legislada até hoje, merecendo inclusive<br />

uma Coordenadoria Geral na Secadi do MEC e cadeira no Conselho Nacional<br />

de Educação; e é também uma difundida política indígena, pela qual cada<br />

aldeia ou comunidade indígena, e os índios citadinos, demandam a<br />

implantação de escolas para seus povos, a garantia da continuidade dos<br />

estudos até o ensino superior e a ampliação deste direito. (COHN, 2016, p.<br />

313).<br />

410


Os documentos normativos para a escolarização indígena, como o<br />

Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI mostram uma<br />

divisão entre conhecimentos universais e indígenas de modo que sirvam para uma<br />

política de autonomização desses povos. O RCNEI (1998), tem como meta desenvolver<br />

uma educação escolar fundamentada no “respeito à pluralidade e à diversidade”. Os<br />

seus “objetivos estão voltados para o fornecimento de idéias básicas e sugestões de<br />

trabalho para o conjunto das áreas do conhecimento e para cada ciclo escolar das<br />

escolas indígenas inseridas no Ensino Fundamental”. (COELHO, 2004). Esse<br />

documento é apresentado como decorrente do <strong>ate</strong>ndimento às determinações referentes<br />

á diferenciação das escolas indígenas, contidas na Lei nº. 9. 394/96 – LDEN. De acordo<br />

com Coelho (2004), as políticas públicas, a despeito da retórica de “respeito à<br />

diversidade, continuam a ser elaboradas com base em uma concepção genérica de índio,<br />

reduzindo diferentes povos a uma mesma c<strong>ate</strong>goria”.<br />

Nesse aspecto, o que existe realmente, dentro do discurso da valorização da<br />

cultura indígena na escola, conforme destaca Chon (2016), é uma “folclorização da<br />

cultura”, ou à incorporação, do discurso do Estado em torno de uma unicidade cultural<br />

indígena no Brasil. Cabe ressaltar, que antes do advento das novas políticas de educação<br />

escolar, ditas, específicas, e diferenciadas, já existiam, escolas nas aldeias, que foram<br />

implantadas pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI e eram conduzidas por<br />

professores não índios. A mudança mais perceptível que ocorreu com as novas políticas<br />

de escolarização indígena foi à substituição do professor branco pelo professor indígena,<br />

em algumas situações. (COELHO, 2004). Entendo que, no texto do RCNEI, assim<br />

como na legislação brasileira, existem inúmeras espreitas sobre a valorização da cultura<br />

dos povos indígenas, no sentido de que, ambos são políticas de estado importantes para<br />

o processo de construção nacional, sendo assim, compreendo, tal como Bourdieu (1989)<br />

que o Estado é o “detentor do monopólio da violência simbólica”. Portanto, o Estado<br />

capitalista brasileiro é o gestor e propulsor da política indigenista de escolarização, e,<br />

por meio da ação repressiva, física e simbólica define norma em que a sociedade deve<br />

se ajustar. Nesse aspecto, a escola é um dos principais instrumentos de coação e<br />

411


censura. A “educação é um dos principais instrumentos de introdução dos valores e<br />

ideias que compõem o padrão normal da sociedade, visando a um consenso, em relação<br />

à ordem vigente”. Ou seja, é um instrumento formador da consciência social, que passa<br />

a pautar os relacionamentos e o tipo de entendimento que se tem do mundo.<br />

(DORNELLES, 1990).<br />

No texto das Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar<br />

Indígena (1994), há um aspecto a destacar, que diz respeito, ao objetivo da escola<br />

indígena, que é a conquista da autonomia sócio-econômico-cultural de cada povo:<br />

Contextualizada na recuperação de sua memória histórica, na reafirmação de<br />

sua identidade étnica, no estudo e valorização da própria língua e da própria<br />

ciência sintetizada em seus etno-conhecimentos, bem como no acesso às<br />

informações e aos conhecimentos técnicos e científicos da sociedade<br />

majoritária e das demais sociedades, indígenas e não-indígenas. A escola<br />

indígena tem que ser parte do sistema de educação de cada povo, no qual, ao<br />

mesmo tempo em que se assegura e fortalece a tradição e o modo de ser<br />

indígena, fornecem-se os elementos para uma relação positiva com outras<br />

sociedades, a qual pressupõe por parte das sociedades indígenas o pleno<br />

domínio da sua realidade: a compreensão do processo histórico em que estão<br />

envolvidas, a percepção crítica dos valores e contra-valores da sociedade<br />

envolvente, e a prática da autodeterminação. (DIRETRIZES PARA A<br />

POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA, 1994, p.<br />

12).<br />

Nesse contexto, o princípio geral que orienta a educação escolar indígena,<br />

de acordo com as diretrizes, é que ela deve ser uma educação escolar “específica e<br />

diferenciada” em que as características de cada escola, em cada comunidade, só poderão<br />

surgir do diálogo, do envolvimento e do compromisso dos respectivos grupos indígenas,<br />

como agentes e “co-autores de todo o processo”. No entanto, cabe destacar, que os<br />

espaços de participação indígena no âmbito das diretrizes para a política nacional de<br />

educação escolar são cerceados pela inserção das escolas indígenas no Sistema Nacional<br />

de Educação, submetendo-as suas regras e conteúdos disciplinares. (COELHO, 2009).<br />

Outro documento importante para a implementação de política indigenista de educação<br />

foi a Lei nº. 9.394/ 96, que dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional.<br />

Nesse documento há uma preocupação em oficializar alternativas de processos escolares<br />

412


para os povos indígenas, conforme os princípios propostos pela Constituição Federal<br />

brasileira de 1988.<br />

O Sistema de Ensino da União, com a colaboração das agências federais de<br />

fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas<br />

integrados de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e<br />

intercultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos: I-proporcionar<br />

aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação de suas memórias<br />

históricas; a reafirmação de suas identidades étnicas; a valorização de suas<br />

línguas e ciências; <strong>II</strong>-garantir aos índios, suas comunidades e povos, o acesso<br />

ás informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e<br />

demais sociedades indígenas e não índias. (LDB nº. 9394/96. Art. 78).<br />

Compreendo, porém, que esse discurso multicultural representa a expressão<br />

de um colonialismo, que é imposto, a educação escolar, o currículo, o bilinguismo, a<br />

interculturalidade, respaldado na ideia do respeito diferenciado. O “Estado reconhece<br />

que as escolas indígenas têm que ser específicas e diferenciadas, mas, atrela-as ao<br />

sistema nacional de educação, às quais, as escolas indígenas são obrigadas a se<br />

submeter”. Antes, quando a educação escolar para os povos indígenas estava a cargo da<br />

FUNAI, as escolas não eram consideradas nacionais. Estas não necessitavam cumprir<br />

currículos mínimos determinados pelo Estado brasileiro, como é exigido hoje.<br />

(COELHO, 2004).<br />

O processo de escolarização indígena, direta ou indiretamente, elimina a<br />

continuidade dos conhecimentos ensinados de forma oral pelos povos indígenas,<br />

ocasionando um processo de transformação da transmissão de conhecimento, pautada<br />

na oralidade para um conhecimento gráfico, que na prática, é uma forma de imposição<br />

do Estado, mais ainda, a imposição do ensino da língua nacional o português. Conforme<br />

está expresso no artigo 32, inciso 3º da Lei nº. 9. 394/96 (LDBEN), “o ensino<br />

fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada ás comunidades<br />

indígenas a utilização de suas línguas m<strong>ate</strong>rnas e processos próprios de aprendizagem”.<br />

Entendo que, é no processo de criação do Estado-nação que a língua se constitui como<br />

um dos espaços estratégicos na construção da hegemonia política e esteve sempre<br />

413


presente na formulação das políticas públicas no Brasil. (FREIRE, 2016). Uma “língua<br />

não é somente instrumento de comunicação, ela é também instrumento de poder”.<br />

(ORTIZ, 1996).<br />

Nesse sentido, a política pública de educação escolar indígena, com o<br />

discurso multicultural e específico, existe somente em documentos oficiais. “Não se<br />

coloca em discussão a possibilidade de outras formas de ação pedagógica, construídas<br />

pelos próprios índios. Impõe-se a escola e, mais ainda, impõem-se os conteúdos que<br />

deverão ser trabalhados nessa escola”. COELHO (2003, s/p.).<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

As primeiras políticas públicas para os povos indígenas tinham como eixo a<br />

c<strong>ate</strong>quese e a civilização e foram “terceirizadas”: o Estado delegou às missões religiosas<br />

a tarefa de executá-las. (COELHO, 2003, s/p.).<br />

Conforme já ressaltado, os povos indígenas que resistissem ao processo de<br />

desenvolvimento e civilização eram motivos de guerra “justa”. Foi nesse contexto, que<br />

o colonizador travou uma luta desigual com os primeiros habitantes do Brasil, com o<br />

propósito de reduzi-los a condição de trabalhadores regulares e sedentários. É<br />

importante aqui reter que, mesmo sendo dominados pela persuasão ou pelas armas, os<br />

povos indígenas sempre resistiram. Desde sempre lutaram contra as políticas nacionais,<br />

a fim de salvaguardar a sua própria identidade.<br />

A implantação de políticas públicas, direcionadas para os povos indígenas<br />

no Brasil, mesmo após a promulgação da Constituição Federal brasileira de 1988, que<br />

reconhece o país como um Estado multicultural, paradoxalmente, tem sido caracterizada<br />

por uma lógica de direitos universais e igualitários. Um exemplo é a política pública de<br />

escolarização, que de uma forma ou de outra sempre tende a homogeneização. Isso, se<br />

expressa através da imposição de uma língua nacional. Portanto, a educação escolar<br />

para os povos indígenas é uma política de Estado criada para manter esses povos em<br />

uma ordem social, dentro do controle e da dominação política estatal. O sistema<br />

414


educacional produz e dissemina ideias, impõe valores culturais e sociais e molda os<br />

comportamentos humanos para se adequarem às necessidades da sociedade nacional. As<br />

políticas públicas direcionadas para os povos indígenas, independentemente de serem<br />

praticadas no período colonial ou na atualidade, gestadas pela Igreja ou pelo Estado,<br />

geralmente serviram aos interesses não indígenas.<br />

Mediante o exposto, posso dizer que, as políticas indigenistas brasileiras não<br />

respondem aos anseios dos povos indígenas em face da diversidade dos grupos que<br />

vivem no Brasil. A educação escolar multicultural existe apenas em aparatos legais,<br />

conforme salientado, e devidamente referenciado no corpo deste trabalho.<br />

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418


EJA: os desafios encontrados e a importância da modalidade para os educandos.<br />

EJA: challenges found and the importance of the modality for education.<br />

Gardênia Cristina Coêlho Araújo*;<br />

Maria de Jesus Ferreira de Souza*;<br />

Renata Aline Alencar Aroucha Tavares*<br />

Lidyane Silva Gomes**<br />

Eixo 1 - Arte, Tecnologia e Educação<br />

Faculdade Pitágoras do Maranhão (São Luís- Turu)<br />

gardênia.coelho10@gmail.com<br />

mariadejesussouza585@gmail.com<br />

renataaline.tavares@hotmail.com<br />

lidyane_sil@hotmail.com<br />

RESUMO:O presente artigo apresenta concepções sobre a educação de jovens e<br />

adultos-EJA, os desafios encontrados e a importância da modalidade para os educandos.<br />

Nessa perspectiva, a EJA tem como objetivo valorizar o que cada ser humano consegue<br />

fazer, ou seja, utilizar o conhecimento e a experiência que trazem ao longo de sua vida.<br />

A base do conhecimento sistematizado deve oferecer condições de ampliar e atualizar<br />

seus conhecimentos. Um dos maiores desafios da EJA está em devolver aos alunos a<br />

oportunidade de trilharem novos caminhos, por não terem frequentado a escola em<br />

tempo regular, por inúmeros fatores. Quando os alunos retornam a escola precisam além<br />

de conhecimento, de motivação. E o educador, como mediador através da educação<br />

deve proporcionar aos jovens e adultos a consciência para transformação em seu<br />

exercício social. Portanto, com os saberes apontados por Morim e Freire, a educação de<br />

jovens e adultos (EJA) possibilita ao sujeito jovem e adulto vencer os desafios<br />

419


encontrados, desenvolvendosuas habilidades e potencial. Mostrando a importância do<br />

estudo para conquistas futuras e as competências adquiridas na educação da própria<br />

vida.<br />

Palavras-chaves: desafios. Importância. jovem. adulto.<br />

ABSTRACT: This article presents views on adult education - EJA, the challenges and<br />

the importance of sport for the students. From this perspective, EJA aims to value what<br />

each human being can do that is to use the knowledge and experience they bring along<br />

their life. The basis of systematized knowledge should provide conditions to expand and<br />

upd<strong>ate</strong> their knowledge. One of the biggest challenges of EJA is to return students the<br />

opportunity to tread new ground, because they have not attended school in regular time,<br />

by numerous factors. When students return to school need in addition to knowledge,<br />

motivation. And the educator as mediator through education should provide young<br />

people and adults awareness for transformation in its fiscal year. Therefore, with the<br />

knowledge mentioned by Calico and Freire, the education of young people and adults<br />

(EJA) enables the subject young adult overcome the challenges, developing their skills<br />

and potential. Showing the importance of the study for future achievements and skills<br />

acquired in the education of life.<br />

Keywords: challenges. importance. young. adult.<br />

EJA: OS DESAFIOS ENCONTRADOS E A IMPORTÂNCIA DA<br />

MODALIDADE PARA OS EDUCANDOS.<br />

A educação de jovens e adultos (EJA) ainda é vista por muitos como uma<br />

forma de alfabetizar quem não teve oportunidade de estudar na infância ou aqueles que<br />

por algum motivo tiveram de abandonar a escola, felizmente o conceito vem mudando e<br />

entre os grandes desafios desse tipo de ensino agora se inclui também a preparação dos<br />

alunos para o mercado de trabalho, o que ganha destaque em tempos de crise<br />

econômica.<br />

420


“Hoje sabemos do valor da aprendizagem contínua em todas as fases da vida<br />

e não somente durante a infância e a juventude’’. Afirma o inglês Timothy<br />

Ireland, doutor na área e especialista em educação da representação da<br />

organização, a ciência e cultura (UNESCO) no Brasil.<br />

Quando o assunto é EJA, se pensa em primeiro lugar na alfabetização. É<br />

uma parte fundamental, mas não é única. No Brasil a EJA tem sido associada a<br />

escolaridade compensatória para pessoas que não conseguiram ir para escola quando<br />

crianças.<br />

A UNESCO trabalha com o conceito dos quatro pilares, surgido do desafio<br />

por um mundo em rápida transformação. Precisamos aprender a ser, a viver juntos, a<br />

fazer e a fazer. Também há desafio da participação, da inclusão e da equidade.<br />

Como colocar em prática o conceito de inclusão, que prevê o <strong>ate</strong>ndimento<br />

das demandas de aprendizagem da vasta diversidade de grupos. No Brasil com<br />

características bem definidas, como os povos Indígenas, as Comunidades Quilombolas,<br />

as pessoas mais velhas, todos tem direito á educação.<br />

OBJETIVOS DA EJA<br />

A educação de jovens e adultos (EJA) é uma modalidade de ensino voltada<br />

para os grupos tradicionalmente excluídos de seus direitos, com idade mínima de 15<br />

anos (Ensino Fundamental) e 18 anos (Ensino Médio), cujo objetivo, é permitir que as<br />

pessoas adultas, que não tiveram a oportunidade de frequentar a escola na idade<br />

convencional, possam retomar seus estudos e superar o tempo perdido.<br />

Segundo o Parecer n.º 11, de 10 de maio de 2000, do CNE, a educação de<br />

jovens e adultos possui três funções: reparadora, equalizadora, qualificadora. A função<br />

reparadora refere-se não só à entrada dos jovens e adultos no circuito dos direitos civis<br />

pela restauração de um direito negado – o direito a uma escola de qualidade –, mas<br />

também o reconhecimento da igualdade de todo e qualquer ser humano quanto ao<br />

acesso a um bem real, social e simbolicamente importante. A função equalizadora<br />

421


elaciona-se à igualdade de oportunidades que possibilitarão aos indivíduos novas<br />

inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e nos canais de<br />

participação. A função qualificadora é a função permanente e, mais que uma função, o<br />

próprio sentido da educação de jovens e adultos; refere-se à educação permanente, com<br />

base no caráter incompleto do ser humano, cujo potencial de desenvolvimento e de<br />

adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares.<br />

Resgatar e suprir a escolaridade do jovem e do adulto no ensino<br />

fundamental e médio, que foi interrompida durante anos visando reparar e propiciar a<br />

esta classe de educandos um ensino mais acelerado e voltado para as necessidades<br />

imediatas.<br />

Adequar o jovem e o adulto para as exigências de um mercado de trabalho<br />

que prima por ser competitivo dominado pela tecnologia e pelas constantes inovações<br />

da era globalizada que vivemos.<br />

Levar os mesmos alunos ao <strong>ate</strong>ndimento de que o exercício pleno da<br />

cidadania de forma consciente e justa, só é possível por meio do desenvolvimento<br />

intelectual, ético, moral e afetivo de todo ser humano.<br />

Preparar o aluno para utilizar os diferentes códigos de linguagem, para bem<br />

se comunicar e interpretar a realidade que o cerca. Despertar neste aluno uma postura<br />

consciente, crítica e responsável frente aos problemas sociais.<br />

[...] caracteriza-se por ser institucional, ter objetivos explícitos, conteúdos,<br />

métodos de ensino, procedimentos didáticos, possibilitando até mesmo,<br />

antecipação de resultados. Tal modalidade educativa não ocorre somente nas<br />

escolas, local típico desse tipo de educação, mas também em locais em que a<br />

educação for intencional, estruturada, organizada e sistematizada. Como<br />

exemplos, há educação de jovens e adultos. (LIBÂNIO; OLIVEIRA;<br />

TOSCH; 2011)<br />

No Brasil, os Parâmetros Curriculares Nacionais, embasada na teoria<br />

epistemologia construtiva, apontam metas de qualidade para o ensino. Sendo estes<br />

Parâmetros flexíveis e abertos, cabe a cada professor direcionar suas metas e a escolha<br />

da metodologia a qual irá desenvolver suas aulas. Os Parâmetros Curriculares Nacionais<br />

destacam ainda, que " há urgência reformular objetivos, rever conteúdos e buscar<br />

422


metodologias compatíveis com a formação que hoje a sociedade reclama" (Brasil, 1997,<br />

p. 15).<br />

“A organização do trabalho pedagógico deve ter como fio norteador a<br />

pesquisa como princípio pedagógico, possibilitando que o estudante possa ser<br />

protagonista na investigação e na busca de respostas em um processo<br />

autônomo de (re) construção de conhecimentos” (Inciso <strong>II</strong>I, Art.13 da<br />

Resolução CNE/CEB nº 2, de 30 de janeiro de 2012).<br />

Desta forma a metodologia de ensino escolhida pelo educador e a forma<br />

como este desenvolve sua aula, são ferramentas para incentivar a compreensão e a<br />

construção do conhecimento levando em consideração a bagagem construída através da<br />

vivência por parte dos discentes.<br />

“Precisamos a ser, a viver juntos, a fazer e a conhecer; só assim poderemos<br />

dizer que incluímos e somos incluídos. Interação só acontece quando o<br />

professor e alunos agem e a ação de um é assimilada pelas ações dos outros, e<br />

vice- versa; quando individuo e sociedade agem, determinando- se; quando a<br />

sujeito e objeto agem, transformando- se em função dessas ações" (Becker,<br />

2007, p.16).<br />

Becker, através desta citação nos remete a refletir como ocorre a<br />

aprendizagem tanto por parte dos alunos como do próprio professor, a interação com o<br />

meio, com o grupo, com o objeto de estudo faz com que ocorra uma desestabilização do<br />

conhecimento já adquirido, pois o conhecimento não é algo acabado, esta sempre em<br />

constante transformação.<br />

As ações praticadas e as experiências construídas neste processo é que<br />

transformam o objeto de estudo em conhecimento, pois o aluno não é uma tabula rasa<br />

que capta o conhecimento transmitido pronto pelo professor ou pelo meio que esta<br />

inserido; são suas ações, analisadas e refletidas, que se transformam em conhecimento.<br />

Objetivos maiores que a alfabetização: Para o especialista inglês, Timothy<br />

Ireland diz que a EJA é desafio da modalidade de ensino preparar para o mercado de<br />

trabalho e um mundo em transformação.<br />

DESAFIOS DA EJA<br />

Efetivar o direito a educação de jovens e adultos ultrapassam a ampliação<br />

da oferta de vagas nas escolas públicas. É necessário que o ensino seja adequado aos<br />

423


que ingressam na escola ou retornam a ela fora do tempo regular, de formar que ela<br />

prime pela qualidade, valorizando e respeitando as experiências, linguagens,<br />

comportamentos e conhecimentos dos alunos, diante de suas realidades. Os alunos da<br />

EJA trazem as causas do fracasso para si próprio, são raras as ilusões aos aspectos<br />

sociais, culturais, didáticos, ou mesmo de linguagem ou da natureza do conhecimento a<br />

ser aprendido como eventuais responsáveis por obstáculos no aprendizado adquirido por<br />

estes alunos de forma empírica nas suas vivências diárias querem seja no mundo do<br />

trabalho, quer seja nas suas relações interpessoais.<br />

Além do incluir o aluno e ampliar os seus conhecimentos, prepara o mesmo<br />

para o mercado de trabalho, pois sabemos que grande valor da aprendizagem continua<br />

em todas as fases da vida, e não somente durante a infância e a juventude. Encontramos<br />

também nessa trajetória de ensino e aprendizagem o desafio da participação, do<br />

envolvimento, da inclusão e da equidade frente a nossa vasta diversidade cultural.<br />

A EJA é um desafio, uma vez que as iniciativas para formação do educador<br />

nessa modalidade de ensino, no âmbito das universidades, ainda são reduzidas. De<br />

acordo com Delores (2001) é preciso que haja prioridade no aumento do investimento<br />

na área de educação em todos os países, mas em especial nos países que estão em fase<br />

desenvolvimento como é o caso do Brasil. Este investimento permitirá que haja<br />

condições dos indivíduos lutarem contra o desemprego, a exclusão social, desigualdade<br />

e diminuição dos conflitos étnicos ou religiosos.<br />

“As exigências da complexidade do mundo contemporâneo apresentam<br />

novos desafios a formação docente. Atentar para as especificidades de<br />

aprendizagem da juventude dos adultos trabalhadores e de pessoas idosas é<br />

volta o olhar para a complexidade dos processos educativos desses sujeitos,<br />

levando em conta suas particularidades e necessidades reais. Se assim for, a<br />

educação desempenha sua função de democratizadora do conhecimento”,<br />

como diz Sampaio (1999, p.15).<br />

O papel da educação volta - se para a democratização do acesso ao<br />

conhecimento, produção e interpretação das tecnologias, suas linguagens e<br />

consequências. Para isto torna-se necessário preparar o professor para utilizar<br />

pedagogicamente as tecnologias na formação de cidadãos que deverão produzir e<br />

interpretar as novas linguagens do mundo atual e futuro.<br />

424


Gadotti e Romão (2001) defendem que a formação do professor é um<br />

processo contínuo e a medida que se aprofunda as novas indagações que vão aparecer e<br />

que nesta continuidade faz-se necessário garantir um espaço para que estas questões<br />

sejam resolvidas.<br />

“Pretende-se que o professor da EJA tem buscado seu espaço enquanto<br />

profissional que tenta responder aos apelos de uma sociedade ansiosa por<br />

acompanhar o novo ritmo, mas que, em contra partida, tem de lidar com as<br />

condições precárias do sistema educacional, além de ter que investir na<br />

própria formação contínua”. (Ribeiro, 2001).<br />

Por fim, pensar em um modelo mais flexível de escola, conectado com a<br />

vida. Além disso, investir na formação docente, com mais disciplinas obrigatórias e<br />

optativas na graduação. Afinal o papel destes professores é preparar os estudantes para o<br />

futuro, como ocorre com as crianças, mas ter um olhar mais sensível a tudo que é<br />

relevante para esses jovens e adultos, da saúde a religiosidade.<br />

EJA: Aprendizado para o futuro.<br />

Fala-se muito em ensinar e pouco em aprender. A preocupação não era o<br />

aluno, mas sim o mas sim o mestre. Com o tempo, os pedagogos foram descobrindo que<br />

não adiantava nada priorizar a arte de ensinar se os alunos não aprendessem. Hoje, a<br />

condução do processo de ensino mudou seu direcionamento para a aprendizagem,<br />

procurando saber em que ela consiste em como as pessoas aprendem quais as condições<br />

internas e externas que influenciam o aprendizado. O professor não deve ser apenas o<br />

detentor do saber, é necessária a conscientização do professor de que seu argumentar,<br />

questionar, discordar e opinar, desse este buscar orientá-los e estar aberto as novas<br />

experiências, procurando compreender os alunos, numa relação empática, também os<br />

sentimentos e os problemas dos educandos e tentar levá-los a auto- realização.<br />

O processo de aprendizagem se da dentro do aluno, só ele é capaz de tomar<br />

a iniciativa de pensar, agir, assimilar. Qualquer esforço do professor na questão da<br />

participação, da colaboração, do incentivo e do estímulo no processo ensino-<br />

425


aprendizagem será inútil se não houver a colaboração, e o interesse do aprendiz. Tem<br />

muito a ver com as mudanças de atitude.<br />

Só podemos considerar que uma pessoa tenha realmente aprendido algo,<br />

quando muda sua maneira de pensar, de ser e de agir em relação ao ambiente que a<br />

cerca. Paulo Freire escreveu, em sua terceira Carta Pedagógica:<br />

“Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a<br />

sociedade muda”. (FREIRE, 2000, p. 67).<br />

O aprendizado requer principalmente, mudança de atitude dos jovens e<br />

adultos. O Aprendizado só cumpre sua função quando o individuo adquiri uma nova<br />

consciência.<br />

“Uma geração transmitindo os conhecimentos adquiridos para a geração<br />

seguinte da forma mais eficaz possível. Em parte, tornando a depositaria do<br />

saber acumulado e, em parte, capacitando-a aprender mais e melhor, pois<br />

quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensinar ao aprender”<br />

(PAULO FREIRE, Sobre a educação).<br />

Isso é mais importante do que qualquer conteúdo didático assimilado apenas<br />

mentalmente pelo Aluno. A aprendizagem leva o individuo a experiência de<br />

crescimento emocional, intelectual volitivo e social. Aprender é também uma ação ou<br />

um uso repetido que leva a um conhecimento ou prática.<br />

È formar hábitos: hábitos de apuro, perfeição e refinado nos trabalhos<br />

realizados: hábitos que conduzem ao bem estar e á saúde, a limpeza.<br />

Ao falar sobre a perspectiva da EJA o aprendizado para o futuro é realmente<br />

trazer informações sobre como o Estado do Maranhão implementa suas ações acerca<br />

desde assunto.<br />

Sendo por meio de cursos presenciais, semipresenciais, exames supletivos e<br />

programas de alfabetização. Há programas/ projetos de Educação de Jovens e Adultos<br />

em todas as cidades do Estado do Maranhão. Mas sendo executada diversamente pela<br />

rede pública (Estado, Municípios e Universidades), Serviço Social da Indústria (SESI),<br />

Organizações Sociais e Central Única dos Trabalhadores (CVT).<br />

Os princípios norteadores da EJA no estado fundamentam-se num conjunto<br />

de preceitos filosóficos, sociológicos, psicológicos e legais associados a objetivos,<br />

426


conteúdos metodológicos e avaliação de uma práxis educativa para jovens e adultos<br />

com defasagem idade de série. No currículo está contemplado o pensar e o fazer da<br />

escolar, no trabalho de construção do conhecimento, no ato de ensinar e de aprender<br />

para ler e entender a realidade e nela agir/ intervir com competência técnica e política,<br />

bem como favorecer a inclusão Social e Professional.<br />

O grande desafio para a implantação de cursos da EJA no Estado esta<br />

relacionado a questões de financiamento, continuidade acesso sistemático do serviço,<br />

articulação entre as instituições e organizações prestadoras dos serviços da EJA,<br />

inserção no Mercado de trabalho, formação específica para os docentes da área e<br />

<strong>ate</strong>ndimento sistemático e continuo as diversidades (indígenas, quilombolas, rural,<br />

portadores de necessidades especiais, Pescadores, campo, etc).<br />

Propomos a ampliação das alternativas de acesso e permanência do aluno da<br />

EJA em cursos e programas que <strong>ate</strong>ndam as necessidades reais deste aluno, utilizem a<br />

metodologia de ensino semipresencial e a distância, formação específica de docentes na<br />

metodologia da EJA nos estabelecimentos de ensino superior.<br />

O grande problema segundo Ruiz, é a taxa de evasão do ensino noturno, que<br />

só no ensino médio regular publico é mais do que o dobro do índice do período diurno.<br />

“O ensino noturno tem uma taxa de evasão e repetência maior, tanto na EJA quanto no<br />

ensino regular”. A solução defendida pelo CNE é avaliar o ensino médio ao ensino<br />

profissionalizante, “para que o aluno saia com uma perspectiva inovadora e tenha uma<br />

motivação maior para continuar”.<br />

Segundo o conselheiro do CNE, a educação de jovens e adultos precisa ser<br />

uma alternativa ao que acontece hoje, “para que se torne uma realidade, a EJA precise<br />

deixar de ser um apêndice, algo que é relegado e fica em Segundo plano”.<br />

O objetivo do conselho é formular estratégias que diminuam os índices de<br />

evasão, para oferecê-las aos poderes executivos, estadual e nacional meios para que eles<br />

possam produzir resultados, segundo o conselheiro.<br />

As políticas educacionais levadas a prática nos últimos anos apontam a<br />

Educação de Jovens e Adultos, tem recebido importância secundária frente as outras<br />

427


modalidades de ensino e grupo de idades, argumenta Maria Clara Di Pierro, em artigo<br />

que analisa a EJA no Plano Nacional de Educação (PNE) 2001/2010, na Publicação<br />

Educação e Sociedade. Vontade política e o envolvimento dos entes municipais e<br />

estaduais são fundamentais para o avanço da modalidade defende Roberto C<strong>ate</strong>lli, da<br />

ação educativa.<br />

O processo de formação pessoal e profissional é um direito que o estado tem<br />

que garantir a todos os cidadãos. O caminho para uma população mais qualificada passa<br />

sem duvida pela educação e particularmente pelo ensino superior.<br />

Ao tratar do tema EJA, Os desafios encontrados e a importância da<br />

modalidade para os educandos. Percebe- se que nos objetos da EJA, desafios da EJA e<br />

aprendizado para o futuro, toda relevância voltada para o ensino da EJA é importante.<br />

Ao se tratar dos desafios pertinentes ao desenvolvimento intelectual do educando frente<br />

aos desafios á essa proposta de ensino.<br />

O artigo é voltado não somente para os educando, mais também busca a<br />

valorização e a qualificação dos educadores dentro do processo, no que diz respeito o<br />

processo de ensino- aprendizagem.<br />

Portanto, para vencer os desafios dentro da modalidade EJA é necessário<br />

que haja mudanças em todos os envolvidos (jovens, adultos, professores, gestores, etc.),<br />

para se obter resultados que venham promover qualidade de ensino e aprendizagem<br />

dentro das salas de aula da EJ<br />

REFERÊNCIAS<br />

AMAGI, Isao. Melhorar qualidade do ensino escolar. In: DELOPES, J. Educação: um<br />

tesouro a descobrir.6. ed. São Paulo: Cortez, 2001.<br />

Pedagogia do oprimido 35 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.<br />

e ROMÃO, J. E. Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta. 4 ed. São<br />

Paulo: Cortez, 2001.<br />

BECKER, Fernando; MARQUES, Tânia B. I. (Org.). Ser Professor é Ser<br />

428


Pesquisador. Porto Alegre: Mediação, 2007<br />

DELORS, Jacques - Educação: um tesouro a descobrir. 8ed. – São Paulo: Cortez;<br />

Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2003. “Relatório para a UNESCO da Comissão<br />

Internacional sobre educação para o século XXI” (Relatório Jacques Delors).<br />

FORMIGA, Isabella. Cumprindo pena em regimento fechado, detendo do DF se forma<br />

na faculdade. Publicação: 04 out. 2013. Disponível:<br />

http://www.livrosepessoas.com/2013/10/03/cumprindo-pena-em-regime-fechedodetento-do-df-se-forma-na-faculdade/<br />

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à práticaeducativa.24. ed. São<br />

Paulo: Paz e Terra, 1997.<br />

GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José E. Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e<br />

proposta. São Paulo: Cortez, 2005.<br />

LIBÂNEO, José Carlos. Educação Escolar: políticas, estruturas e organização / José<br />

Carlos Libâneo, João Ferreira de Oliveira, Mirza Seabra Toschi – 9. Ed. – São Paulo:<br />

Cortez, 2011. – (Coleção Docência em Formação / coordenação Antônio Joaquim<br />

Severino, Selma Garrido Pimenta).<br />

429


ENSINO DE HISTÓRIA NA EJA: a importância da relação entre os conteúdos e as<br />

experiências dos alunos para a aprendizagem<br />

Teaching History in EJA: the importance of the relationship between content and<br />

students' experiences for learning<br />

Kelrya Costa Nunes 40<br />

Shirley Ribeiro Carvalho 41<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O presente trabalho busca sensibilizar e demonstrar a importância das<br />

experiências dos alunos da EJA, em seu processo de construção de conhecimento,<br />

referente ao Ensino de História. Uma vez que, no contexto atual, ainda se encontram<br />

resquícios de práticas tradicionais no ensino, as quais não permitem que o aluno se<br />

perceba como agente ativo em sua aprendizagem e que também ignoram sua bagagem<br />

de vivências e história de vida. Esse é um ponto ao qual o educador deve se <strong>ate</strong>ntar,<br />

principalmente na Educação de Jovens e Adultos: a valorização das experiências dos<br />

alunos. Desse modo, o presente trabalho corrobora com essa ideia e objetiva sensibilizar<br />

o professor e o aluno para a importância da relação entre os conteúdos e as experiências<br />

trazidas para sala de aula no ensino de história. A pesquisa caracteriza-se como<br />

qualitativa, onde utilizou-se como coleta de dados, um questionário e o grupo focal,<br />

trazendo alguns questionamentos. Os resultados apontam que, os objetivos foram sendo<br />

atingidos, visto que obteve-se a colaboração do professor, a participação ativa da turma,<br />

e conseguiu-se estabelecer a relação entre o conteúdo, a realidade e as experiências dos<br />

alunos.<br />

40 Acadêmica do Curso de Pedagogia. Faculdade Pitágoras Maranhão. E-mail: kelrya.klg@hotmail.com<br />

41 Professora Orientadora. Mestra em Ensino do Programa de Pós-Graduação Stricto Senso do Centro<br />

Universitário Univ<strong>ate</strong>s. Professora da Faculdade Pitágoras do Maranhão. E-mail:<br />

carvalho.shirleyr@gmail.com<br />

430


Palavras-chave: EJA. Ensino. História. Experiências.<br />

ABSTRACT: The present work seeks to sensitize and demonstr<strong>ate</strong> the importance of<br />

the experiences of the students of the EJA, in their process of knowledge construction,<br />

rel<strong>ate</strong>d to Teaching History. Since, in the current context, there are still traces of<br />

traditional practices in teaching, which do not allow students to perceive themselves as<br />

active agents in their learning and also ignore their baggage of experiences and life<br />

history. This is a point to which the educator must pay attention, especially in the<br />

Education of Young and Adults: the valuation of the students' experiences. In this way,<br />

the present work corrobor<strong>ate</strong>s this idea and aims to sensitize the teacher and the student<br />

to the importance of the relationship between the contents and the experiences brought<br />

to the classroom in the teaching of history. The research is characterized as qualitative,<br />

where it was used as data collection, a questionnaire and the focus group, bringing some<br />

questions. The results show that the objectives were achieved, since the teacher's<br />

collaboration and the active participation of the class were obtained, and the relationship<br />

between content, reality and students' experiences was established.<br />

Keywords: EJA. Teaching. History. Experiences.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O presente trabalho busca sensibilizar e demonstrar a importância das<br />

experiências dos alunos da EJA, em seu processo de construção de conhecimento,<br />

referente ao Ensino de História. Uma vez que, no contexto atual, ainda se encontram<br />

resquícios de práticas tradicionais no ensino, as quais não permitem que o aluno se<br />

perceba como agente ativo em sua aprendizagem e que também ignoram sua bagagem<br />

de vivências e história de vida.<br />

Sabendo que os alunos da EJA constituem uma clientela bastante<br />

heterogênea no que diz respeito à idade, características socioculturais, inserção ou não<br />

431


no mundo do trabalho, local de moradia, entre outras características (GUEDES, 2009);<br />

os processos de ensino e de aprendizagem precisam mostrar-se interessantes e conciliar<br />

a carga histórica dos alunos com os conteúdos que irão ser ensinados.<br />

É de extrema importância que cada aluno tenha sua individualidade<br />

respeitada e que esse possa se expressar e sentir que os seus conhecimentos prévios, e<br />

até os que estão em construção, são válidos e que eles têm voz. Sua história é muito<br />

mais tensa que a história da educação básica, sobretudo por seus jovens serem<br />

trabalhadores, pobres, negros, subempregados, oprimidos, excluídos (ARROYO, 2001).<br />

Em sua maioria, os alunos da EJA estão sob a condição de exclusão e<br />

opressão perante a sociedade, seja por apenas um dos fatores colocados pelo autor ou<br />

até por todos eles. Esse é um ponto ao qual o educador deve se <strong>ate</strong>ntar, principalmente<br />

na Educação de Jovens e Adultos: a valorização das experiências dos alunos. Os quais<br />

podem não ter condições dignas de vida, que buscam uma formação mais "completa"<br />

para sobreviver melhor – no sentido de galgar um nível a mais por causa da<br />

escolarização mais avançada.<br />

Vivemos em uma sociedade altamente imediatista, e aqueles que não<br />

seguirem o ritmo dos avanços são excluídos e precisam se esforçar o dobro para tentar<br />

acompanhar. A educação se mostra como a principal forma a qual podemos nos agarrar<br />

e impulsionar para um futuro melhor e, no tocante ao nosso foco, a EJA se mostra como<br />

uma modalidade de ensino na qual os profissionais dessa modalidade precisam<br />

constantemente trabalhar a autoestima de seus alunos, pois muitos se encontram sem<br />

motivação para busca do conhecimento (SANTOS; GOMES, 2008).<br />

Profissionais esses, professores da EJA, precisam se sensibilizar e perceber<br />

que os métodos tradicionais não são os ideais a essa modalidade, e a nenhuma outra. É<br />

preciso que o educador crie possibilidades de ensino com conteúdos e métodos mais<br />

elaborados para estar preparado para dar respostas às diferenças individuais e sociais<br />

desse aluno da EJA, pois os mesmos chegam nas escolas desmotivados, carentes e com<br />

dificuldades de aprendizagem (SOARES, 2007).<br />

432


É importante que o Ensino de História seja utilizado como um meio de<br />

formação de cidadãos críticos e transformadores das suas realidades, que o profissional<br />

seja consciente do seu papel e que acolha os alunos de forma individual e coletiva,<br />

aproveitando suas experiências de vida que possam agregar ao ensino.<br />

1. Revisão Bibliográfica<br />

Apresentando diversas mudanças ocasionadas por transformações nos meios<br />

sociais, econômicos e políticos, a Educação de Jovens e Adultos se dá desde o período<br />

do Brasil Colônia, de uma forma desarmonizada, abrangendo um caráter mais religioso<br />

do que educacional. Durante muito tempo as escolas noturnas eram a única forma de<br />

educação de adultos praticada no país, ainda no Brasil Império. Apesar disso, pode-se<br />

dizer que a EJA ainda é recente.<br />

Segundo CUNHA (1999), com o desenvolvimento industrial, no início do<br />

século XX, inicia-se um processo lento, mas crescente, de valorização da educação de<br />

adultos. Entretanto, essa preocupação se contrapôs aos princípios reais da Educação de<br />

Jovens e Adultos, uma vez que visavam a formação de mão de obra para acompanhar<br />

esse desenvolvimento industrial, e não puramente para a valorização do domínio da<br />

língua falada e escrita, a aquisição da leitura e da escrita como instrumento da ascensão<br />

social ou a alfabetização vista como meio de progresso do país, por exemplo.<br />

Referindo-se aos direitos legais, a primeira constituição brasileira de 1824 garantia uma<br />

educação primária e gratuita para todo cidadão brasileiro, embora pouco realizada.<br />

A partir de 1940, o Estado ampliou suas preocupações e responsabilidades<br />

com relação aos jovens e adultos e criou um fundo destinado à alfabetização desse<br />

público, devido aos altos índices de analfabetismo no país. Em 1945, com o final da<br />

ditadura, iniciou-se um movimento de fortalecimento dos princípios democráticos no<br />

país. Com a criação da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação,<br />

Ciência e Cultura), ocorreu por parte desta, o incentivo para a criação de novos<br />

programas.<br />

433


Em 1947, o governo lançou a 1ª Campanha de Educação de Adultos, onde<br />

abriu-se uma discussão sobre o analfabetismo e a educação de adultos no Brasil, visto<br />

que na realidade nacional, o adulto analfabeto era identificado como elemento incapaz e<br />

marginal psicológica e socialmente, submetido à menoridade econômica, política e<br />

jurídica, não podendo, então, votar ou ser votado (CUNHA, 1999). Com o golpe militar<br />

em 1964, houve uma ruptura referente aos movimentos educacionais que haviam se<br />

estabelecido até então. Os princípios foram censurados e a cultura popular foi reprimida.<br />

Em 1969 foi criado o MOBRAL, um projeto com objetivo de acabar com o<br />

analfabetismo em dez anos. Tal movimento sofreu alterações quanto a sua proposta<br />

inicial e o resultado foi insatisfatório.<br />

Com uma nova visão sobre o problema do analfabetismo e a consolidação<br />

de uma nova pedagogia de alfabetização de adultos, a qual tinha como principal<br />

referência Paulo Freire (1962), levantou-se um novo paradigma pedagógico – um novo<br />

entendimento da relação entre a problemática educacional e a problemática social. O<br />

analfabetismo, que antes era apontado como causa da pobreza e da marginalização,<br />

passou a ser, então, interpretado como efeito da pobreza gerada por uma estrutura social<br />

não igualitária (SOARES,1996).<br />

Segundo Paulo Freire (1962), o qual as suas ideias destacavam a diferença<br />

entre educação e alfabetização, tratavam sobre como processo educativo interferia na<br />

estrutura social que produzia o analfabetismo e, assim, modificaria o contexto do<br />

indivíduo, e também quanto na relação do professor e aluno, a qual seria baseada no<br />

diálogo. Suas convicções se expandiram no país e este foi reconhecido por seu trabalho<br />

com a educação popular e, mais especificamente, com a educação de adultos. Em 1964,<br />

com o Golpe Militar, houve o rompimento com esse trabalho de alfabetização, uma vez<br />

que a conscientização declarada por Paulo Freire passou a ser vista como ameaça à<br />

ordem instalada.<br />

Com isso, o contexto educacional para a Educação de Jovens e Adultos teve<br />

avanços e contribuições valiosíssimas até os dias atuais, mas também foi submetida a<br />

434


vários retrocessos que se perpetuam através dos desafios e dificuldades encontrados em<br />

sala de aula atualmente.<br />

Sabemos que na EJA, diferente do ensino regular, é comum a presença de<br />

alunos com diferentes faixas etárias e vivências. É uma educação voltada para o público<br />

adulto, mas que por conta de inúmeras reprovações, casos sucessivos de indisciplina, e<br />

até problemas de desenvolvimento nas classes regulares, muitos jovens acabam<br />

migrando para esta modalidade de ensino. Assim, a turma se torna heterogênea, e essa<br />

heterogeneidade, acaba se tornando um dos grandes desafios para os professores que<br />

atuam na EJA.<br />

É preciso que os docentes tenham sensibilidade para flexibilizar o currículo,<br />

planejando os conteúdos que serão ministrados de maneira intrínseca as vivencias e<br />

experiências dos alunos. “Na EJA é preciso olhar o sujeito. Numa comunidade de<br />

pescadores, por exemplo, que passam 15 dias no mar, o ensino deve ser diferenciado",<br />

declara a professora Eline Ribeiro de Andrade, professora do Núcleo de Educação de<br />

Jovens e Adultos (EJA), da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio<br />

de Janeiro.<br />

Outro desafio encarado pelos profissionais da EJA, é a falta de m<strong>ate</strong>riais<br />

adequados para a modalidade. Ainda nos deparamos com metodologias infantilizadas<br />

destinadas a este público; como por exemplo, livros didáticos que que são<br />

desarticulados às problemáticas característicos da fase adulta, e também, levando em<br />

consideração o processo de formação docente, percebemos que em parte, isto se deve ao<br />

fato de que na grande parte dos cursos de graduação, a grade curricular ainda não<br />

contempla de maneira efetiva, métodos e procedimentos condizentes com a realidade<br />

dos alunos.<br />

Portanto, faz com que boa parte dos graduandos que atuarão na EJA, não<br />

tenham noções de metodologias adequadas a realidade destes alunos, e as suas<br />

experiências extraclasse. “No mínimo, esses educadores precisam respeitar as condições<br />

culturais do jovem e do adulto analfabeto. Eles precisam fazer o diagnóstico histórico-<br />

435


econômico do grupo ou comunidade onde irão trabalhar e estabelecer um canal de<br />

comunicação entre o saber técnico (erudito) e o saber popular” (Gadotti, 2008).<br />

No tocante ao ensino de História, o PCN (2002) aponta que, ensinar aos<br />

alunos da EJA qual a importância de estudar história, porque e para que serve,<br />

compreender o passado e suas implicações futuras é contribuir para que esses alunos<br />

reflitam sobre valores e práticas cotidianas que atuam na formação das identidades<br />

individuais e coletivas. As orientações curriculares apontam que o ensino de História<br />

deve contribuir para a formação de um “cidadão crítico”, dando possibilidades dos<br />

alunos a pensarem e tomarem uma atitude crítica perante a sociedade.<br />

(BITTENCOURT, 2002).<br />

Para FONSECA (2003), a história em todas as suas dimensões é formativa.<br />

Neste contexto, destaca-se a importância do ensino, dos saberes, das metodologias, das<br />

práticas e didáticas, pois através destas é somada a experiência humana e que<br />

entendemos as ideias e ações dois homens e mulheres no tempo. Refletir sobre o ensino<br />

de História na atualidade é refletir sobre tudo nos processos formativos que se<br />

desenvolvem nos espaços. A formação da consciência histórica dos homens possibilita a<br />

construção da identidade, reconhecimento das relações, grupos, etnias, povos, classes<br />

sociais, etc; ou seja, nos espaços próximos das vivências dos alunos. O sentido do<br />

ensino de História na EJA, seria de conscientizar esses alunos sobre seus papeis na<br />

sociedade, levando-os a uma reflexão crítica a respeito da sua realidade, através de<br />

discussões e diálogos que a envolve.<br />

Assim, a preocupação docente deve ser quanto a formação da cidadania,<br />

possibilitando aos alunos autoestima e superação da individualidade. Os docentes<br />

devem, a partir dos trabalhos pedagógicos, refletirem juntamente com seus alunos o<br />

questionamento do premente e seu posicionamento no mundo. (AMARO,<br />

RODRIGUES, 2009).<br />

436


2. Metodologia e Procedimentos<br />

A pesquisa foi feita em uma escola pública municipal, que contempla o<br />

ensino fundamental, médio e a modalidade EJA. A intervenção ocorreu na turma do 2º<br />

ciclo da modalidade EJA, com 21 alunos de diferentes faixas etárias, no horário da<br />

disciplina de História.<br />

A pesquisa caracteriza-se como qualitativa, onde utilizou-se como coleta de<br />

dados um questionário e o grupo focal usou-se também questionamentos como: qual a<br />

importância do ensino de história, qual a utilidade desse no dia a dia, se percebeu-se<br />

mudanças desde o período colonial até os dias atuais, etc. Abaixo, descreve-se os<br />

momentos contemplados:<br />

• No primeiro momento, utilizou-se um questionário com intuito de coletar<br />

informações acerca do que eles já haviam aprendido sobre o último<br />

conteúdo ministrado pelo professor: Colonização.<br />

• No momento seguinte, organizou-se a roda de conversa com os alunos<br />

propondo que relacionassem o conteúdo com a atualidade, onde os<br />

alunos mostraram-se interessados e participativos, expondo seus pontos<br />

de vista.<br />

• Ao concluir, provocou-se um momento de reflexão onde os integrantes<br />

da equipe discutiram sobre a importância do pensamento crítico e sobre a<br />

relevância de ser um sujeito ativo na sociedade.<br />

3. Análise de dados:<br />

Através dos nossos questionamentos e da participação ativa dos alunos,<br />

inferimos que a intervenção contribuiu para a tomada de consciência da turma. Uma vez<br />

que, ao questionarmos, por exemplo, sobre as mudanças ocorridas no período da<br />

Colonização para o período atual, muitos de início afirmaram que haviam sido diversas.<br />

Mas, ao decorrer da discussão, foram percebendo que ao passo que houveram<br />

mudanças, estão presenciando o retrocesso no contexto nacional.<br />

Cientes do perfil dos alunos da EJA, o grupo se alinhou para uma faixa<br />

etária específica, supondo que encontraria um público com idade mais avançada. Mas<br />

437


ao nos depararmos com a turma observamos que, a nossa abordagem seria mais<br />

acessível, pois encontramos um público mais jovial o que facilitou tanto a nossa<br />

linguagem, quanto o entendimento deles durante o proceder.<br />

Ao serem questionados se consideram o ensino de história importante, os<br />

alunos discorreram que o ensino é relevante para se manterem informados acerca dos<br />

fatos históricos, podendo relacioná-los com o contexto atual.<br />

Destacaram também, a curiosidade para com as descobertas e criações<br />

históricas. Abordando a questão de percepção como pessoas que fazem história, os<br />

alunos colocaram que fazer parte da história é participar diretamente – entendeu-se<br />

como exercer militância – mas foi esclarecido que fazer parte da História não é somente<br />

isso, uma vez que não posicionar-se também é um posicionamento. Contribuíram<br />

também com exemplos do cotidiano, trazendo relatos pessoais. Com isso,<br />

compreendemos que os nossos objetivos estavam sendo atingidos visto que, obtivemos<br />

a colaboração do professor, a participação ativa da turma, e conseguimos estabelecer a<br />

relação entre o conteúdo e a realidade.<br />

REFERÊNCIAS<br />

AMARO, Hudson Siqueira. RODRIGUES, Isabel Cristina. O papel do profissional de<br />

História na formação da cidadania. In: Anais do 4º Congresso Internacional de<br />

História, Maringá, 2009 (CD).<br />

BITTENCOURT, Circe (org). O saber histórico na sala de aula. 7º ed. São Paulo:<br />

Contexto, 2002.<br />

CUNHA, Conceição Maria da. Introdução – discutindo conceitos básicos. In:<br />

SEEDMEC Salto para o futuro – Educação de jovens e adultos. Brasília, 1999.<br />

GADOTTI, Moacir; ROMÃO, José E. (orgs.). Educação de Jovens e Adultos: Teoria,<br />

Prática e Proposta. 10. ed. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire,2008.<br />

438


GUEDES, L. F. A leitura no universo educacional de jovens e adultos. In:<br />

CONGRESSO DE LEITURA DO BRASIL (COLE), 17. 2009. Campinas, SP. Anais...<br />

17º Congresso de Leitura do Brasil, Campinas: Unicamp/FE; ALB, 2009.<br />

FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história: experiências,<br />

reflexões e aprendizados. São Paulo: Papirus, 2003.<br />

FREIRE, PAULO. Conscientização e alfabetização, uma nova visão do processo.<br />

Recife, PE, [1962] (Brochura, 41p.).<br />

Portal do Professor. Disponível em:<br />

. Acesso<br />

em: 25 de abril de 2017.<br />

SANTOS, L. V.; GOMES, S. F. L. A dificuldade de aprendizagem na EJA no ensino<br />

médio. Ciência & Consciência. Revista de Iniciação Científica do CEULJI/ULBRA.<br />

vol. I, 2008.<br />

SOARES, Leôncio José Gomes. A educação de jovens e adultos: momentos<br />

históricos e desafios atuais. Revista Presença Pedagógica, v.2, nº11, Dimensão, set/out<br />

1996.<br />

SOARES, M. A. F. Perfil do aluno da EJA / médio na escola Dr. Alfredo Pessoa de<br />

Lima. In: Monografia apresentada ao curso de Especialização em Educação<br />

Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade<br />

Educação de Jovens e Adultos da Universidade Federal da Paraíba: Bananeiras, 2007.<br />

439


ESTEREÓTIPOS ÉTNICO-RACIAIS, EDUCAÇÃO INFANTIL E TRABALHO<br />

DOCENTE: do discurso à ação<br />

ETHNIC-RACIAL STEREOTYPES, CHILD EDUCATION AND TEACHING:<br />

from speech to action<br />

Valdenice de Araujo Prazeres<br />

Doutora em Educação<br />

UFMA<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Não obstante a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº<br />

9.394/96, alterada em seus <strong>artigos</strong> 26 e 79 pela Lei nº 10.639/03, assegurar o ensino<br />

voltado para educação das relações étnico-raciais, mediante a obrigatoriedade de<br />

inclusão no currículo da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", observamos que<br />

no cotidiano escolar alguns docentes, se não a maioria, ainda têm uma frágil<br />

fundamentação teórica e metodológica para o trabalho com seus conteúdos específicos.<br />

Com base nesse entendimento, este ensaio, ensejado pelo convite para participar de uma<br />

Mesa Redonda intitulada A educação das relações étnico- raciais e o trabalho docente<br />

na educação infantil a partir do uso das tecnologias digitais, tem organiza-se em torno<br />

do objetivo de refletir acerca do desafio que os processos formativos docentes têm que<br />

enfrentar no sentido de propiciar revisão de paradigmas e oferecer fundamentação<br />

teórica e metodológica para o desenvolvimento de uma educação antirracista e<br />

contribuinte para a valorização da identidade e da cultura negra, desde a Educação<br />

Infantil. Como síntese conclusiva, reitera a relevância da atualização do trabalho<br />

docente no tocante à tecnologia educacional, face às suas possibilidades no tratamento<br />

de temáticas voltadas para uma pedagogia de comb<strong>ate</strong> ao racismo, tanto para uso nos<br />

440


espaços pedagógicos com crianças pequenas, quanto para ampliação do repertório de<br />

conhecimentos referentes na formação inicial e/ou continuada.<br />

Palavras-chave: Educação das relações étnico-raciais. Educação Infantil. Formação e<br />

trabalho docente. Tecnologias digitais.<br />

ABSTRACT :Notwithstanding the National Education Guidelines and Bases Law No.<br />

9,394 / 96, as amended by Articles 26 and 79 of Law No. 10,639 / 03, to ensure<br />

education aimed at the education of ethnic-racial relations, through the mandatory<br />

inclusion in the curriculum of the "History and Afro-Brazilian Culture", we observed<br />

that in the daily school life some teachers, if not most, still have a fragile theoretical and<br />

methodological basis for working with their specific contents. On the basis of this<br />

understanding, this essay, prompted by the invitation to particip<strong>ate</strong> in a Thematic Table<br />

entitled The education of ethnic-racial relations and the teaching work in children's<br />

education based on the use of digital technologies, is organized around the objective of<br />

reflecting about the challenge that teacher training processes have to face in order to<br />

promote paradigm review and offer theoretical and methodological foundation for the<br />

development of an antiracist education and contributor to the valorization of black<br />

identity and culture, from Early Childhood Education. As a conclusive synthesis, it<br />

reiter<strong>ate</strong>s the relevance of the updating of teaching work in relation to educational<br />

technology, given its possibilities in the treatment of themes focused on a pedagogy to<br />

combat racism, both for use in pedagogical spaces with small children and for<br />

expansion of the repertoire knowledge in initial and / or continuing training.<br />

Keywords: Education of ethnic-racial relations. Child education. Training and teaching<br />

work. Digital technologies.<br />

441


1 INTRODUÇÃO<br />

Uma reflexão sobre a educação para as relações étnico-raciais e o trabalho<br />

docente na Educação Infantil, a partir do uso das tecnologias digitais, temática da Mesa<br />

que ensejou a escrita deste texto, remete-nos para uma discussão em torno da formação<br />

deste/a profissional. Este será o foco das discussões, pressupostas pelo argumento de<br />

sua relevância na problematização, negação e superação do referencial eurocêntrico e<br />

homogeneizante difundido pelo currículo escolar no Brasil e que opera como construtor,<br />

reforçador e/ou reprodutor de vários estereótipos relativos ao povo negro.<br />

Com inspiração em Sant’Ana (2005, p. 65), entendemos o estereótipo como<br />

manifestação comportamental, prática do preconceito, que tem o objetivo de “(1)<br />

justificar uma suposta inferioridade; (2) justificar a manutenção do status quo; e (3)<br />

legitimar, aceitar e justificar: a dependência, a subordinação e a desigualdade”.<br />

Os estereótipos são produto social, fruto das relações estabelecidas entre os<br />

indivíduos, determinados sociologicamente, porque são visões construídas nas relações<br />

sociais. Ademais, são constituintes de nossa memória 42 sobre um indivíduo ou grupo de<br />

indivíduos. Eles também nos permitem reconstruir a memória que temos das pessoas,<br />

alterando a realidade na qual está inscrito de modo “que est[a]s se encontrem de acordo<br />

com o estereótipo que já se detém” (LIMA, 1997, p. 3).<br />

Estudos realizados no Brasil mostram que os estereótipos 43 são os mais<br />

recorrentes em relação à representação sobre o negro em nossa sociedade. Afinal,<br />

conforme Gahagan (1980, p. 70) nos explica,<br />

Um estereótipo é uma super generalização: não pode ser verdadeiro para<br />

todos os membros de um grupo [...]. O estereótipo é, provavelmente, muito<br />

inexacto como descrição de um dado sujeito [...], mas não dada qualquer<br />

outra informação, constitui uma conjectura racional. Um desses traços levaria<br />

então à inferência de outros traços [...].<br />

42 Sobre memória coletiva ver Le Goff (1994).<br />

43 A exemplo de Schwarcz (1993), dentre outros.<br />

442


Independente da forma que sejam concebidos – como estruturas<br />

representáveis dentro das mentes individuais, ou como elementos inerentes à sociedade<br />

–, são “amplamente compartilhados pelas pessoas que convivem no interior de uma<br />

mesma cultura” (PEREIRA, 2002, p. 52). Assim sendo, constituem-se elementos<br />

essenciais na manutenção do racismo em nossa sociedade, devendo ser enfrentados pela<br />

via da desconstrução e edificação de outras formas de pensamento, atitudes e condutas.<br />

Na esteira desse raciocínio é que pretendemos discutir o tema proposto no<br />

título deste artigo, enforcando a formação de professore/as para esse enfrentamento. A<br />

nosso ver, formação refere-se a um ato, que por ser humano, é carregado de<br />

intencionalidade, propósito. No caso da reflexão deste artigo, tal formação tem como<br />

horizonte o exercício da docência numa perspectiva de comb<strong>ate</strong> ao racismo e suas<br />

formas de manifestação entre crianças pequenas, a princípio nas atividades pedagógicas<br />

dos espaços escolares, mas com intenção de estender-se para a totalidade das práticas<br />

sociais.<br />

Nos dias atuais é quase consensual o reconhecimento de que o processo<br />

educativo nos primeiros cinco anos da vida é de grande relevância na construção da<br />

identidade e dos valores que compõem a personalidade das pessoas e as acompanham a<br />

vida inteira. Nesse sentido, julgamos necessária a compreensão dos fundamentos de<br />

uma educação antirracista por parte de todo/as o/as envolvido/as no trabalho educativo<br />

da criança nessa fase de aprendizagem, destacadamente o/as professore/as, que são o/as<br />

responsáveis direto/as pelas situações de ensino e aprendizagem.<br />

Com efeito, embora o racismo na escola constitua-se uma realidade<br />

lamentável e incontestável, ocorrendo seja entre aluno/as, seja entre aluno/as e<br />

professore/as, este/as, geralmente, se percebem pouco fundamentado/as para um<br />

trabalho voltado para seu enfrentamento. Não é incomum ouvir depoimentos de docente<br />

sobre seu desconhecimento sobre como agir ou prevenir os vários tipos de preconceito e<br />

discriminação que surgem no cotidiano dos espaços educativos escolares.<br />

Nessa perspectiva, esse trabalho tem a pretensão de contribuir com as<br />

reflexões acerca do desafio que os processos formativos docentes têm que enfrentar no<br />

443


sentido de propiciar revisão de paradigmas e oferecer fundamentação teórica e<br />

metodológica para o desenvolvimento de uma educação antirracista e contribuinte para<br />

a valorização da identidade e da cultura negra, desde a Educação Infantil. Para tanto,<br />

parte de uma discussão sobre o trabalho docente com crianças pequenas, em coerência<br />

com as demandas da educação para as relações étnico-raciais. Na sequência, traça uma<br />

linha argumentativa acerca das possibilidades do uso das tecnologias digitais, tanto no<br />

trabalho pedagógico nos espaços da Educação Infantil, quanto nos processos formativos<br />

docentes, tendo em vista a inserção ou acesso às questões inerentes a essa temática.<br />

2 O TRABALHO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL FRENTE AO<br />

DESAFIO DE DESENVOLVIMENTO DE UMA PEDAGOGIA DE COMBATE<br />

AO RACISMO<br />

O racismo é uma realidade indubitável na realidade brasileira e, segundo<br />

Gomes (2005, p. 52), é:<br />

[...] por um lado, um comportamento, uma ação resultante da aversão, por<br />

vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial<br />

observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de cabelo, etc. Ele<br />

é por outro lado um conjunto de idéias e imagens referente aos grupos<br />

humanos que acreditam na existência de raças superiores e inferiores<br />

(GOMES, p. 52).<br />

Entretanto, ele se manifesta para além do plano individual, mas, sobretudo,<br />

no plano estrutural, sendo componente essenciais na conformação desta sociedade, e<br />

institucional, tendo o Estado como legitimador histórico.<br />

Tal como Neves (2005), entendemos que o racismo é produzido e<br />

sustentado em dois planos – m<strong>ate</strong>rial e simbólico. Nesse sentido, embora reconhecendo<br />

os limites da educação escolar no comb<strong>ate</strong> às suas diversas formas de manifestação, não<br />

há como negar sua contribuição na transformação “do estigma em orgulho, auxiliando<br />

na auto-estima (sic) do grupo estigmatizado e, assim, abrindo perspectivas para a<br />

percepção da exclusão” (Neves, 2005, p. 87). Isso porque o trabalho docente é uma ação<br />

444


que incide sobretudo no plano individual, nas interações interpessoais – no plano<br />

simbólico.<br />

Obviamente essa é uma apreensão da escola com as lentes da contradição,<br />

afirmando seu relevante papel na construção das identidades e dos valores não apenas<br />

étnicos e morais, como também estéticos. Mas, igualmente, reconhecendo-a como lugar<br />

onde se aprende a discriminar, a rejeitar padrões e valores referentes aos grupos cujo<br />

pertencimento étnico-racial seja não-branco e a incorporar e defender as visões de<br />

mundo da elite dominante europeia.<br />

Ademais, ainda que a escola não seja a responsável direta pelo racismo –<br />

embora o reproduza em suas práticas cotidianas – tampouco a única responsável pelo<br />

seu fim, certamente é imprescindível na luta por uma sociedade justa, caso se constitua<br />

em um espaço de formação que propicie ao/à estudante negro/a a construção de uma<br />

auto estima, auto conceito e auto imagem positivas; que contribua para a edificação de<br />

uma visão de mundo e de um ideal de vida articulados a um projeto político<br />

emancipatório, no qual as diferenças não justifiquem a inferiorização.<br />

Sem dúvida, essa instituição pode ser uma aliada em um processo de<br />

desconstrução da história do racismo brasileiro, mediante o desenvolvimento de um<br />

trabalho que privilegie uma educação antirracista, para a construção de uma identidade<br />

pluriétnica. Nela, ao invés de um currículo monocultural eurocêntrico, a diversidade e a<br />

interculturalidade (CANDAU, 2012) se constituem o eixo, o que possibilita a<br />

abordagem dos aspectos positivos do legado africano na sociedade, considerando as<br />

dimensões política, econômica, social e cultural.<br />

Com efeito, há uma literatura significativa sobre o papel da escola na<br />

difusão de ideais que depreciam características físicas, costumes, crenças e valores do<br />

povo negro, bem como desvalorizam/ocultam/destorcem sua história na África précolonial<br />

e na diáspora (CAVALLEIRO, 2000; ROSEMBERG, 1998; SILVA, 2001b;<br />

ZAMPARONI, 2004, só para citar alguns dentre muitos). Ou, conforme sintetizado nas<br />

palavras de Santos (2005, p.22), “[...] historicamente, o sistema de ensino brasileiro<br />

445


pregou, e ainda prega, uma educação formal de enfraquecimento cultural em sentido<br />

amplo”.<br />

Na especificidade da Educação Infantil, esse currículo monocultural<br />

eurocêntrico, assim como práticas racistas, também estão presentes, seja no cotidiano<br />

das creches ou pré-escolas. Vale lembrar que, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases<br />

da Educação Nacional (LDB) Nº 9.394/96, em seus Artigos 29 e 30, esta é primeira<br />

etapa da Educação Básica, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança<br />

de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,<br />

complementando a ação da família e da comunidade; e deve ser oferecida em creches,<br />

ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade e/ou em pré-escolas,<br />

para as crianças de quatro a cinco anos (BRASIL, 1996).<br />

Cavalleiro (1998) aponta que as crianças negras desde cedo sofrem em<br />

situações escolares diferentes consequências do racismo: deixam de receber afeto, são<br />

ridicularizadas por suas características fenotípicas ou retidas por conta do “pessimismo<br />

racial” que as consideram menos capazes intelectualmente que as outras crianças. Para<br />

esta autora, “o racismo é um problema que está presente no cotidiano escolar, que fere<br />

marca, profundamente crianças e adolescentes negros” (CAVALLEIRO, 2005, p. 34).<br />

Silva (2001) também sinaliza que tem sido observado um cotidiano escolar permeado<br />

por práticas racistas, preconceituosas e discriminatórias que contribuem para a<br />

fragilização da identidade de crianças negro/as.<br />

Há de se considerar, também, que algumas pesquisas (particularmente norteamericanas)<br />

têm demonstrado que, em torno, aproximadamente, dos 4-5 anos as<br />

crianças já desenvolveram algum tipo de conceituação ou identificação racial (FAZZI,<br />

2004). Dessas premissas decorrem a importância da educação das relações étnicoraciais<br />

desde a Educação Infantil.<br />

Há décadas o Movimento Negro, assim como vários estudos<br />

(CAVALLEIRO, 2001; CUNHA JUNIOR, 1997; GOMES, 2001; SANTOS, 2001) têm<br />

argumentado que o ensino de outra história da relação entre Brasil e África, que vá além<br />

do período colonial e do tráfico negreiro, é uma medida que contribui para o<br />

446


ompimento com a estrutura reprodutora do racismo que tem caracterizado a formação<br />

escolar brasileira. À guisa de ilustração, nos anos finais da década de 1970, o<br />

Movimento Negro Unificado (MNU) já tinha delineada uma agenda reivindicativa que<br />

conferia centralidade às mudanças educacionais no tocante aos métodos, conteúdos e<br />

recursos didáticos que contemplassem a temática afro-brasileira – tanto na escolarização<br />

de crianças e jovens, quanto nos processos formativos docentes (GONÇALVES, 2000).<br />

Embora com várias décadas de atraso, no ano 2003 foi sancionada a Lei<br />

federal nº 10.639, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura<br />

Africana e Afro-Brasileira na Educação Básica. Esta Lei altera a LDB 9.394/96,<br />

acrescentando os seguintes <strong>artigos</strong>:<br />

Art.26-A - Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e<br />

particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afrobrasileira.<br />

Parágrafo Primeiro – O conteúdo programático a que se refere o caput deste<br />

artigo incluirá o estudo da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil,<br />

a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional,<br />

resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e<br />

política, pertinentes à História do Brasil.<br />

Parágrafo segundo – Os conteúdos referentes à História e Cultura Afrobrasileira<br />

serão ministrados no âmbito de todo currículo escolar, em especial,<br />

nas áreas Educação Artística e de Literatura e Histórias Brasileiras.<br />

Art. 79-B – O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia<br />

Nacional da Consciência Negra (BRASIL, 2003).<br />

Frente à necessidade de diretrizes orientadoras acerca de princípios,<br />

indicações e normas, tendo em vista a implementação da lei, em 2004, foram instituídas<br />

as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para<br />

o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (DCN ERER), por meio da<br />

Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) /Conselho Pleno (CP) Nº<br />

01/2004, antecedida pelo Parecer do CNE Nº 03/04 que o fundamenta.<br />

Convém acrescentar ainda, que no encaminhamento de medidas para<br />

superar os impasses e desafios para a implementação dos dispositivos referentes à<br />

referida Lei nos sistemas de ensino, o “Plano Nacional de Implementação das Diretrizes<br />

Curriculares Nacionais para educação das relações étnico-raciais e para o ensino de<br />

447


História e Cultura Afro-brasileira e Africana – Lei 10.639/03” (BRASIL, 2009), foi<br />

outro documento produzido.<br />

Tendo como finalidade institucionalizar a implementação da educação das<br />

relações étnico-raciais, este documento nada acrescenta à legislação já vigente, mas a<br />

sistematiza, estabelecendo atribuições e responsabilidades dos Sistemas de Ensino,<br />

Conselhos de Educação e Instituições de Ensino, bem como orientações gerais aos<br />

níveis e modalidades de ensino, para a operacionalização na implementação da Lei. No<br />

que tange à Educação Infantil, o Plano assim se posiciona:<br />

O papel da educação infantil é significativo para o desenvolvimento humano,<br />

a formação da personalidade, a construção da inteligência e a aprendizagem.<br />

Os espaços coletivos educacionais, nos primeiros anos de vida, são espaços<br />

privilegiados para promover a eliminação de qualquer forma de preconceito,<br />

racismo e discriminação, fazendo com que as crianças, desde muito<br />

pequenas, compreendam e se envolvam conscientemente em ações que<br />

conheçam, reconheçam e valorizem a importância dos diferentes grupos<br />

etnicorraciais para a história e a cultura brasileiras (BRASIL, 2009, p. 45).<br />

Não obstante a publicação dessas orientações complementares à Lei nº<br />

10.639/03, as perspectivas para sua implementação na realidade escolar seguem sendo<br />

desafiadoras, sobretudo em se considerando os vários aspectos a serem enfrentados<br />

pelo/as docentes no cotidiano escolar, de modo a concretizá-las, como bem analisa Dias<br />

(2012, p. 666):<br />

“[...] mesmo com as legislações em vigor, sabemos que o tratamento<br />

pedagógico para a diversidade étnico-racial continua controverso e constituise<br />

num campo árido, no qual precisamos semear, regar, e cuidar<br />

cotidianamente para que as propostas possam produzir uma nova ação, “os<br />

bons frutos” (DIAS, 2012, p. 666).<br />

Com efeito, o conjunto desse escopo teórico e jurídico demanda o repensar<br />

da articulação entre educação e raça/etnia de uma forma ampla. O que significa que o<br />

ensino de História e Cultura africana e afro-brasileira e a (re)educação das relações<br />

étnico-raciais devem ser desenvolvidos nas escolas de forma sistemática e permanente,<br />

não se restringindo a um determinado período do ano (semana do 20 de novembro),<br />

448


conforme algumas pesquisas constatam estar se concretizando em grande parte delas,<br />

desde que essa discussão ganhou visibilidade.<br />

Também significa uma mudança na cultura escolar e na postura do/as<br />

professore/as, que vão desde a reflexão sobre as práticas pedagógicas, passando pelo<br />

domínio de conhecimentos da historicidade africana e da diáspora negra para revisão de<br />

suas crenças e valores, e chegando à proposição de adequação do Projeto Político<br />

Pedagógico e desenvolvimento de um trabalho <strong>ate</strong>nto às questões envolvidas no<br />

assunto.<br />

Mas a adoção de posturas, atitudes e procedimentos derivados de uma<br />

análise crítica da qualidade e efeito das relações étnico-raciais que têm se efetivado no<br />

país, demanda do/a docente, responsável direto/a pelo processo de ensino, uma sólida<br />

formação profissional. São oportunas as palavras de Gomes (2006) sobre esse aspecto:<br />

Aprender [ess]a diversidade, compreender e enfrentá-la parecem ser um<br />

receio da pedagogia e da educação escolar. Por quê? Porque nós, professores,<br />

ainda somos formados, como profissionais, para lidar com a uniformidade e<br />

homogeneidade. Essa pedagogia da homogeneidade esconde-se atrás do<br />

discurso da igualdade, o que sempre encontrou grande aceitação entre os<br />

docentes, de todos os segmentos: progressistas, conservadores, de diferentes<br />

crenças e posições ideológicas. (GOMES, 2006, p. 29)<br />

Vários estudos apontam que um dos problemas a ser enfrentado no processo<br />

de implementação da Lei é a fragilidade na/da formação docente (GOMES, 2012;<br />

ROMÃO, 2001; SILVA, 2001a;). É oportuna a assertiva de Farias e Oliveira (2014, p.<br />

98) sobre esse aspecto:<br />

A construção de uma “história outra” não é apenas uma questão de cumprir<br />

uma lei federal para a educação nacional. É questão de desconstrução de<br />

paradigmas curriculares formais e ocultos. Esse processo se dá em um campo<br />

de conflitos, pois superar a colonialidade do poder, do saber e do ser tensiona<br />

todas as dimensões da educação: políticas públicas, formação inicial e<br />

continuada de professores, produção e distribuição de m<strong>ate</strong>rial didático,<br />

relações interpessoais na escola e relação escola e comunidade.<br />

O planejamento tem sido um dos desafios para a educação das relações<br />

étnico-raciais devido à improvisação e fragilidade teórica no tocante a concepções de<br />

449


aça, etnia, discriminação, assim como ao conhecimento do legado africano e das lutas<br />

da população negra no Brasil, entre outros. Tal fragilidade pode cristalizar estereótipos e<br />

preconceitos, assim como agudizar conflitos entre aluno/as de raça/etnias diferentes.<br />

Nesse sentido, uma sólida fundamentação teórica acerca das questões contempladas na<br />

abordagem das relações étnico-raciais é imprescindível nesse processo, constituindo-se<br />

uma condição para a concretização de boas situações de ensino e aprendizagem.<br />

O próprio Parecer sobre as DCN ERER contempla essa questão:<br />

Para tanto, há necessidade, como já vimos, de professores qualificados para o<br />

ensino das diferentes áreas de conhecimentos e, além disso, sensíveis e<br />

capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferente<br />

pertencimento étnico-racial, no sentido do respeito e da correção de posturas,<br />

atitudes, palavras preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir e investir<br />

para que os professores, além de sólida formação na área específica de<br />

atuação, recebam formação que os capacite não só a compreender a<br />

importância das questões relacionadas à diversidade étnico-racial, mas a lidar<br />

positivamente com elas e, sobretudo criar estratégias pedagógicas que<br />

possam auxiliar a reeducá-las (BRASIL, 2004a, p.08).<br />

Tais desafios para a formação docente são agudizados quando referidos à<br />

Educação Infantil. Isso porque, no Brasil, o <strong>ate</strong>ndimento à criança pequena teve seu<br />

início marcado pela ideia de assistência ou amparo aos pobres e necessitados, sendo que<br />

as instituições (creches, em geral), por muito tempo, eram vinculadas a associações<br />

filantrópicas ou órgãos de assistência e bem-estar social e não aos órgãos educacionais<br />

das diferentes esferas administrativas (CORREA, 2007).<br />

Subjacente a esse direcionamento, a exigência de formação mínima para o<br />

trabalho nessas instituições, assim como os próprios processos formativos foram<br />

secundarizados ou negligenciados. Aliado – e em decorrência – à informalidade e à<br />

baixa remuneração, a reduzida formação específica marcaram quase um século de<br />

<strong>ate</strong>ndimento à infância.<br />

O processo de transformação dessa visão em um entendimento que na<br />

Educação Infantil o cuidar e o educar fazem parte intrinsecamente do universo da<br />

criança e, portanto, são indissociáveis, foi permeado por intensos deb<strong>ate</strong>s e revisão de<br />

450


concepções. Nesse contexto, além da construção de conhecimentos sobre educação<br />

infantil em espaços coletivos, configuração de práticas pedagógicas mediadoras de<br />

aprendizagens e de desenvolvimento das crianças, dentre outros, os temas demandados<br />

por uma pedagogia de comb<strong>ate</strong> ao racismo também têm desafiado a produção teóricoprática,<br />

inclusive na e para a formação do/as professore/as.<br />

Os dias atuais são marcados por uma pauta de reivindicações concernentes à<br />

expansão da oferta da Educação Infantil e à melhoria de sua qualidade, sob a égide da<br />

ampliação dos direitos das crianças que inclui o aumento do acesso a creches e a<br />

universalização da pré-escola, de acordo com disposições do Plano Nacional de<br />

Educação em sua Meta n. 1 (BRASIL, 2014).<br />

No entanto, na trajetória de oferta de Educação Infantil, o modelo de<br />

expansão pôs em evidências algumas adversidades. Segundo Rosemberg (2012),<br />

creches e pré-escolas públicas foram criadas com focalização na pobreza, do que<br />

decorre “programas pobres para pobres”. E não é possível negar que a pobreza no Brasil<br />

tem cor, o que torna indissociável o vínculo entre raça e classe, como já sinalizava, por<br />

exemplo, Hasenbalg (1979).<br />

Nessa perspectiva, certamente, a maioria das crianças que frequenta a<br />

Educação Infantil em instituições públicas é negra, sobretudo na região Nordeste – e,<br />

especificamente no estado do Maranhão. Além disso, de acordo com Rosemberg e<br />

Madsen (2011), esta etapa da Educação Básica tem o maior percentual de mulheres<br />

negras com escolaridade não superior ao Ensino Médio, quadro que demonstra a<br />

inadequada formação inicial, seja para o trabalho com as especificidades desta etapa tão<br />

importante no desenvolvimento infantil, seja para o desenvolvimento de uma pedagogia<br />

de comb<strong>ate</strong> ao racismo, que demanda fundamentações adicionais.<br />

Considerando que face à necessidade de superação das fragilidades teóricas<br />

e metodológicas, com vista ao planejamento do trabalho pedagógico, o/as professore/as<br />

geralmente recorrem ao seu repertório de experiências de sua escolarização, essa<br />

problemática ganha contornos preocupantes. Isso porque, tais experiências inexistem no<br />

âmbito de currículo monocultural e eurocêntrico (que tem sido desenvolvido no País)<br />

451


ou, no caso de uma formação incipiente, não se coadunam com as orientações atuais<br />

para uma educação antirracista.<br />

Deriva-se, dessa realidade, o imperativo de um aprendizado na perspectiva<br />

de desconstrução de toda uma história negada, silenciada e/ou distorcida, porque escrita<br />

e difundida do ponto de vista do colonizador, do eurocentrismo. E de um eurocentrismo<br />

engajado, enquanto sistema de dominação e, segundo Vieira (2012), modelo específico,<br />

no sentido de uma ideologia que abstraiu elementos comuns a muitos grupos étnicos da<br />

Europa e articulou uma visão generalizada a partir das referências grega e romana.<br />

Em síntese, o que se delineia é o desafio de um trabalho voltado para o<br />

ensino e aprendizagem da História e Cultura Africana e Afro-brasileira, tendo em vista a<br />

descolonização dos saberes africanos e afrodescendentes (VIEIRA, 2012; GOMES,<br />

2012), bem como dos currículos tanto nas atividades da Educação Infantil quanto nos<br />

próprios processos formativos docentes. Importa, então, sublinhar a relevância de um<br />

processo ancorado a essas bases no curso de Pedagogia, o qual, segundo o Art. 2º da<br />

Resolução CNE/CP Nº 1/2006, que institui suas Diretrizes Curriculares, refere-se:<br />

[...] à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e<br />

nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na<br />

modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de<br />

serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos<br />

conhecimentos pedagógicos.<br />

§ 1º Compreende-se a docência como ação educativa e processo pedagógico<br />

metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e<br />

produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da<br />

Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre conhecimentos científicos<br />

e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos de aprendizagem,<br />

de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do diálogo entre<br />

diferentes visões de mundo (BRASIL, 2006, p. 1).<br />

O horizonte é o da apropriação de uma historicidade virtuosa que, a um só<br />

tempo, se constitua referencial capaz de ajudar o/as docentes na<br />

afirmação/construção/valorização de uma identidade que encampe a luta de comb<strong>ate</strong> ao<br />

racismo, bem como para a ruptura com a visão de mundo europeia e configuração de<br />

um futuro trabalho na perspectiva da pedagogia antirracista.<br />

452


Sabemos que na etapa da vida referente à Educação Infantil, em função da<br />

inicial dependência motora e afetiva do ser humano e da sua gradativa possibilidade de<br />

autonomia, é fundamental que o processo educativo favoreça a apropriação de<br />

conhecimento, valores, procedimentos e atitudes ao mesmo tempo em que promove o<br />

bem-estar da criança, por meio do <strong>ate</strong>ndimento às suas necessidades básicas e<br />

relacionais, em um clima de afetividade e ludicidade.<br />

Assim, o trabalho docente na perspectiva da pedagogia antirracista requer o<br />

desenvolvimento de experiências de aprendizagem nas quais as crianças vejam e<br />

pensem nas diferenças como algo inerente à humanidade, que ao invés de depauperá-la,<br />

enriquece-a. Trabalho, este, em consonância com o enfoque da educação e do cuidado,<br />

como bem explica Faria e Dias (2007, p.5):<br />

A concepção de cuidado/educação adotada nos últimos anos na Educação<br />

Infantil se apóia no reconhecimento de que para a criança tornar-se cada vez<br />

mais sujeito humano, aprendendo e desenvolvendo-se, é necessário que, no<br />

seu processo de formação, a pessoa que trabalha com ela atue nas duas<br />

direções.<br />

Trata-se, portanto, de um trabalho que contribua para lidar com concepções<br />

e práticas baseadas em preconceitos, estereótipos e discriminação, como também para<br />

fornecer elementos positivos que apoiem as crianças negras na<br />

construção/fortalecimento de sua identidade racial de modo positivo. Nesse ponto, vale<br />

acrescentar o que as DCN ERER sinalizam sobre essa questão:<br />

É importante tomar conhecimento da complexidade que envolve o processo<br />

de construção da identidade negra em nosso país. Processo esse, marcado por<br />

uma sociedade que, para discriminar os negros, utiliza-se tanto da<br />

desvalorização da cultura de matriz africana como dos aspectos físicos<br />

herdados pelos descendentes de africanos (BRASIL, 2004a, p. 7).<br />

Nessa perspectiva, se reconhecer como negro/a nesse país é um processo<br />

que não pode prescindir de um processo de (re)educação das relações étnico-raciais. É<br />

um processo que demanda um (re)conhecimento de nossas raízes africanas e de todo o<br />

legado histórico-cultural do povo negro, tanto na África quanto da diáspora, além da<br />

453


forma como se estabeleceram as relações raciais entre brancos e não brancos, tendo por<br />

consequência o quadro de desigualdades mantido desde o século XVI. Lembremo-nos<br />

da assertiva de Oliveira (2004, p. 57):<br />

Identidade racial/étnica é o sentimento de pertencimento a um grupo racial ou<br />

étnico, decorrente de construção social, cultural e política. Ou seja, tem a ver<br />

com a história de vida (socialização/educação) e a consciência adquirida<br />

diante das prescrições sociais raciais ou étnicas, racistas ou não, de uma dada<br />

cultura.<br />

Destarte, a incorporação da dimensão étnico-racial no currículo da Educação<br />

Infantil é uma das condições do processo de construção de uma identidadepositiva.<br />

Afinal, conforme Munanga (2003, p. 37) nos ajuda a entender, no processo de<br />

construção de identidade, a cor, raça ou etnia é um aspecto importante apenas para a<br />

população negra, uma vez que “os que coletivamente são portadores das cores da pele<br />

branca e amarela não passaram por uma história semelhante à dos brasileiros<br />

coletivamente portadores da pigmentação escura”.<br />

Com ancoragem nesses pressupostos, podemos sinalizar que as culturas da<br />

infância, entendidas em suas diversidades, assim como os campos de conhecimento e as<br />

linguagens expressivas que compõem a organização do trabalho pedagógico na<br />

Educação Infantil, não podem desconsiderar as africanidades, que segundo Lima<br />

(2008), referem-se ao legado de origem africana para o universo sociocultural brasileiro,<br />

reconstruído ao longo desses cinco séculos na diáspora. Em consonância com a<br />

especificidade da Educação Infantil, tal trabalho contempla a História, as Artes e a<br />

Literatura, campos marcadamente influenciados pelas culturas africanas e afrobrasileiras,<br />

quanto as áreas do conhecimento voltadas para a dimensão do movimento e<br />

da ludicidade.<br />

A partir desses aspectos sumariamente pontuados, devido ao objetivo e<br />

extensão do artigo, podemos ir constatando que não é um empreendimento fácil a<br />

configuração desse trabalho. Ele demanda do/as docentes a ruptura com princípios de<br />

homogeneidade cultural e a desconstrução de um imaginário constituído por<br />

preconceitos e estereótipos negativos atribuídos aos povos africanos e seus<br />

454


descendentes, que fundamentam o currículo escolar, para dar lugar a um projeto<br />

assentado na valorização da história e cultura africana e afro-brasileira, bem como na<br />

reeducação das relações étnico-raciais.<br />

3. SOBRE O USO DAS TECNOLOGIAS: da formação inicial docente ao trabalho<br />

pedagógico nos espaços de Educação Infantil<br />

O desenvolvimento de um trabalho ancorado nessas orientações pode ser<br />

facilitado pelo contexto tecnológico em que vivemos na atualidade. A integração de<br />

novas tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) às atividades e<br />

experiências pedagógicas nos espaços de educação infantil, propicia a abordagem de<br />

conteúdos diversificados de maneira interativa e cooperativa. Por demandarem um<br />

papel ativo do/as usuário/as, no caso, a criança, e possibilitarem interações, elas podem<br />

contribuir para que o processo educativo corrobore com o desenvolvimento de aspectos<br />

cognitivos, afetivos e sociais e seja mais significativo (AMANTE, 2011).<br />

É forçoso destacar que a tecnologia precisa estar a serviço da construção de<br />

conhecimento, diversificando as formas de acesso aos conteúdos e atividades; não se<br />

trata de pensar nas crianças como consumidoras, utilizando a tecnologia como um<br />

objetivo, mas como um recurso a mais no desenvolvimento do currículo. Ademais, as<br />

crianças vivenciam e/ou presenciam o uso das mais diversas tecnologias digitais no seu<br />

cotidiano, sentindo-se atraídas por eles desde a mais tenra idade (ALVES, 2008). Tais<br />

conhecimentos prévios não podem ser desconsiderados no currículo da Educação<br />

Infantil.<br />

O kit educativo “A cor da cultura” é um exemplo dessa utilização, capaz de<br />

apoiar as atividades em torno do ensino e da aprendizagem sobre a história africana e<br />

afro-brasileira. Composto por m<strong>ate</strong>riais impressos e audiovisuais, em DVDs, este<br />

m<strong>ate</strong>rial contempla, dentre outros, registros biográficos de personalidades negro/as,<br />

livros Animados, o livro infantil Memória das Palavras como mini glossário de palavras<br />

455


de origem africana, documentários sobre religiosidade, cultura e história afro-brasileira,<br />

aulas musicais com instrumentos e ritmos afro-brasileiros.<br />

Para citar mais alguns exemplos, vale mencionar o uso do computador, que<br />

pode ser pensado nas mais variadas formas, como na produção de desenhos<br />

representando pessoas de diferentes pertencimentos étnico-raciais (por meio do<br />

programa Paint); na (re)escrita de histórias, lendas e contos africanos e afro-brasileiros;<br />

na ilustração de fatos históricos do continente africano e/ou das lutas do povo negro no<br />

Brasil, dentre outras. O acesso à internet aperfeiçoa ainda mais esse uso, possibilitando<br />

a comunicação com pessoas de diferentes lugares e culturas através de envio e recepção<br />

de e-mails ou da participação em redes sociais que tem o poder de encurtar barreiras<br />

espaço-temporais, culturais e sociais (AMANTE; FARIA, 2014).<br />

Entretanto, conforme vimos pontando nesse texto, a formação inicial não<br />

tem logrado êxito na capacitação do/as professore/as para o uso das tecnologias,<br />

colocando a necessidade de processos formativos contínuos, como também de<br />

investimento pessoal deste/a profissional no intuito de buscar conhecimentos relativos a<br />

tal competência em outras oportunidades. Logo, a apropriação do uso das tecnologias<br />

não é apenas uma demanda para a melhoria do trabalho educativo na<br />

contemporaneidade, mas também uma possibilidade para o crescimento pessoal e<br />

profissional do/as docentes.<br />

Ela pode ir ao encontro do desafio que os processos formativos de<br />

professore/as têm que enfrentar diante do silenciamento sobre temas relacionados à<br />

história e culturas africana e afro-brasileira e à construção do pensamento racial no<br />

Brasil. Não é demais lembrar que tal silenciamento tem sérias consequências por<br />

transformarem diferença em desigualdades, inclusive no desempenho escolar.<br />

Portanto, o acesso a informações, por meio da internet ou outras mídias,<br />

possibilita apropriação conceitual acerca dos mais variados temas, mediante leituras de<br />

imagens/textos capazes de embasar, teórica e metodologicamente, uma pedagogia de<br />

comb<strong>ate</strong> ao racismo, coerente com as DCN ERER. Ademais, devido às características e<br />

qualidades das TDIC’s, a exemplo de serem multissensoriais, atraentes, interativas e<br />

456


poderem se orientar para a resolução de problemas, elas propiciam uma vinculação com<br />

seus reais interesses e necessidades formativas do/as docentes e.<br />

A relevância desse vínculo com as necessidades formativas do/as docentes é<br />

explicada na base de um entendimento que a busca de fundamentação para<br />

entender/analisar a realidade, encaminhar a resolução de problema manifestos no seu<br />

enfrentamento e planejar as intervenções, expressa um movimento de aproximação com<br />

a práxis. Tal como Vazquez (1977), p.212), concebemos conhecimento como<br />

“reprodução na consciência cognoscente de uma realidade [...]”. Reprodução possível<br />

no trato teórico e prático com ela. Por sua vez, a atividade teórica que se encerra em si<br />

mesma, sem laços com a realidade, é pura abstração; enquanto a prática sem os<br />

fundamentos que a expliquem e guiem-na, aproxima-se do senso comum, sendo<br />

qualitativamente diferente daquela que é necessária nos processos formativos e no<br />

exercício profissional consciente e crítico.<br />

A teoria pode gozar de uma relativa autonomia em relação às necessidades<br />

práticas. Nesse caso, serve à prática, antecipando-se idealmente a ela e cumprindo uma<br />

função prática de instrumento teórico. Contudo, faz-se necessário que a teoria esteja<br />

aberta ao mundo da prática, não perdendo sua vinculação com o movimento do real, que<br />

é objeto de interpretação e transformação. Nas palavras do referido autor:<br />

A dependência da teoria em relação à prática, e a existência desta como<br />

últimos fundamentos e finalidades da teoria, evidenciam que a prática –<br />

concebida como uma práxis humana total – tem primazia sobre a teoria; mas<br />

esse primado, longe de implicar uma contraposição absoluta à teoria,<br />

pressupõe uma íntima vinculação com ela (VÁZQUES, 1997, p. 234).<br />

Entendida como fundamento, critério de verdade e finalidade da teoria, é a<br />

prática quem determina aos homens e às mulheres o que é necessário conhecer para<br />

transformar a natureza e a realidade social como um todo, bem como quais são as suas<br />

prioridades no processo de conhecer. E é nesse processo de transformação que a teoria<br />

progride; a partir da relação práticas, que coloca sempre novas exigências, ampliando<br />

tanto o horizonte dos problemas como o das soluções e o da consciência humana. É<br />

457


nesse processo de transformação do mundo exterior que, também, a humanidade se<br />

modifica.<br />

Com base nesse referencial, é possível afirmar a importância de processos<br />

formativos docentes alicerçados no acesso a fundamentos teóricos, para que esse/a<br />

profissional possa superar os conhecimentos cotidianos, adquiridos sem a mediação da<br />

teoria, a partir da reflexão crítica sobre eles, porém, à luz – e pela apropriação – de<br />

conhecimentos científicos 44 (VYGOTSKY, 1993).<br />

O uso das tecnologias, portanto, podem contribuir para o acesso a conteúdos<br />

que incidam sobre as necessidades formativas do/as professore/as da Educação Infantil,<br />

na perspectiva da educação para as relações étnico-raciais. A título de ilustração, além<br />

do estudo sobre a Lei federal nº 10.639/03 e seus dispositivos regulamentares e<br />

complementares, podem ser consultados aspectos relacionados ao passado e presente do<br />

continente africano, tão desconhecidos pela maioria da população brasileira. Conforme<br />

já sinalizamos, o conhecimento de uma perspectiva positiva da história africana, para<br />

além da denúncia à miséria e outros problemas que atingem o continente, é de suma<br />

importância no processo de reconhecimento e valorização da identidade negra.<br />

No intuito de evitar a prolixidade, pontuamos apenas mais uma<br />

possibilidade de temática relevante na configuração de uma pedagogia de comb<strong>ate</strong> ao<br />

racismo desde a Educação Infantil: as lutas e resistências negras no Brasil.Isso porque é<br />

comum o desconhecimento a respeito de iniciativas e organizações negras, incluindo a<br />

história dos quilombos, bem como a participação de negro/as em vários episódios na<br />

história do Brasil, na construção econômica, social e cultural da nação, destacando-se a<br />

44 Na Psicologia histórico-cultural da escola de Vygotsky (1993) os processos de formação dos “conceitos<br />

espontâneos, ou cotidianos” e “conceitos científicos” ocupa lugar de relevância. Aqueles são formados a<br />

partir da atribuição de significados à experiência cotidiana por meio da interação com outras pessoas e<br />

com a cultura, durante as situações concretas da vida. Já os conceitos científicos referem-se aos que não<br />

são aprendidos espontânea e/ou mecanicamente, que só evoluem com a ajuda de uma vigorosa atividade<br />

mental. Estes, diferenciando-se dos primeiros, que se originam da experiência pessoal do indivíduo e,<br />

contam, a priori, apenas com seus recursos próprios, são decisivos no desenvolvimento das funções<br />

psicológicos superiores e no aparecimento da consciência reflexiva.<br />

458


atuação em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação<br />

tecnológica e artística.<br />

4 PARA SEGUIR PENSANDO...<br />

Neste texto, buscamos trazer para o deb<strong>ate</strong> a necessidade de atualização do<br />

trabalho docente no tocante à tecnologia educacional para uso em sala de aula, como um<br />

recurso importante inclusive com crianças pequenas, na perspectiva da educação para as<br />

relações étnico-raciais.<br />

Não obstante a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96,<br />

alterada em seus <strong>artigos</strong> 26 e 79 pela Lei nº 10.639/03, assegurar o ensino voltado para a<br />

ERER, continua sendo comum a valorização da história e cultura europeia em<br />

detrimento da africana, o que nada contribui para a convivência, respeito e valorização<br />

das diferenças, sejam quais forem: religiosas, políticas, étnicas, culturais.<br />

Ainda é recorrente uma esteriotipização das matrizes africanas na escola,<br />

que, muitas vezes, só evidencia a cultura afro-brasileira no dia 20 de novembro. Por<br />

conseguinte, delineia-se como um desafio a incorporação de temáticas voltadas para o<br />

resg<strong>ate</strong> e valorização da história e culturas afro-brasileira e africanas no cotidiano do<br />

trabalho docente, principalmente na Educação Infantil, tendo em vista a importância e o<br />

peso das aprendizagens dos primeiros anos de idade, relativas a valores e atitudes, para<br />

o restante/decorrer da vida.<br />

Com efeito, a entrada nessa primeira etapa da Educação Básica é o<br />

momento que marca o distanciamento físico da família, o confronto com outros valores<br />

diferentes dos do lar e o início de novas interações, novas amizades, propiciadas pelas<br />

vivências escolares, que oportunizam experiências (boas ou más), que concomitante<br />

com as demais da infância, contribuem decisivamente para forjar o/a adulto/a que nos<br />

tornamos/somos.<br />

Ressaltamos, pois, a importância do papel do/a professor/a no<br />

encaminhamento de possibilidades de abordagem de temas relacionado à educação<br />

459


das/para as relações étnico-raciais nos espaços educativos da Educação Infantil,<br />

entendendo-a como uma das estratégias de superação das mazelas que o racismo e seus<br />

derivados causam às crianças e à sociedade como um todo.<br />

Na medida em que nos dias atuais presenciamos uma nova autodidaxia se<br />

desenvolvendo por meio das mídias, faz-se necessário pensar as novas tecnologias<br />

digitais de informação e comunicação no sentido de servirem como subsídio<br />

metodológico, seja em sala de aula com crianças pequenas, seja nos processos<br />

formativos docentes, de modo que temáticas como a educação para as relações étnicoraciais<br />

sejam melhor trabalhadas e compreendidas pelos partícipes no processo.<br />

REFERÊNCIAS<br />

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Acesso em 20 set 2017.<br />

AMANTE, Lucia. As Tecnologias Digitais na Escola e na Educação Infantil. Editora<br />

Melo: Pinhais, 2011.<br />

______. Faria, Adila. Escola e tecnologia digitais na infância. In: P. L. Torres (Org.).<br />

Complexidade: redes e conexões na produção do conhecimento. Curitiba: 2014.<br />

Coleção Agrinho. Disponível em: http://www.agrinho.com.br/site/wpcontent/uploads/2014/09/2_12_Escola-e-tecnologias-digitais.pdf.<br />

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BRASIL. Lei Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de<br />

dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para<br />

incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e<br />

Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,<br />

DF, 10 jan. 2003, p. 01. Disponível em:<br />

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ESTEREÓTIPOS ÉTNICO-RACIAIS, TECNOLOGIAS E TRABALHO<br />

DOCENTE – o imaginário do negro na educação infantil<br />

ETHNIC-RACIAL STEREOTYPES, TECHNOLOGIES AND TEACHING<br />

WORK - the imaginary of black in child education<br />

Karla Cristina Silva Sousa<br />

Doutora em Educação<br />

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Nesta pesquisa discutimos os estereótipos étnicos. Os estereótipos étnicos<br />

não vinculados à narrativa dos docentes, mas sim à narrativa das crianças pequenas.<br />

Tentamos observar mais de perto como as crianças fazem representações sociais dos<br />

negros e como compartilham suas crenças e valores a partir dos estereótipos étnicos.<br />

Assim, a presente pesquisa discute a educação para as relações étnico-raciais dentro dos<br />

espaços infantil coma mediação das tecnologias, tomando por base a experiência<br />

realizada em um minicurso denominado “Estereótipos étnico-raciais e trabalho docente<br />

– do discurso à ação” no qual ficou evidenciado a presença de estereótipos raciais no<br />

imaginário dos docentes da educação infantil e a dificuldade de trabalhar as questões<br />

raciais com crianças pequenas. Trabalha-se na pesquisa com os aportes teóricos da<br />

Teoria das Representações Sociais (TRS) de Moscovici (1978), Tajfel (1980), Spink<br />

(2008) dentre outros. Se as crianças são socializadas em espaços racistas, isto poderá<br />

trazer consequências sobre a forma como cada uma pensa a si mesma e aos outros, o eu<br />

que é diferente de mim. Assim, trazemos para discussão a articulação entre o uso das<br />

tecnologias digitais na rotina do trabalho docente para a incorporação de temas<br />

relacionados ao reconhecimento e valorização das influências africanas e afro-brasileira<br />

na formação da sociedade brasileira com as crianças. As Tecnologias da Informação e<br />

Comunicação (TIC) surgiram e se desenvolveram no cenário social como importantes<br />

para a melhoria das práticas pedagógicas. Conforme observamos, o acesso ao<br />

466


conhecimento e sua produção na sociedade informatizada é algo dinâmico, sendo<br />

necessário o/a educador/a da Educação Infantil considere-as como novas formas<br />

metodológicas para a abordagem das relações étnico-raciais nos espaços escolares.<br />

Concluímos que a representação do negro estereotipada é resultado de uma construção<br />

coletiva, ninguém cria novas imagens individualmente, grupos de pessoas criam e, uma<br />

vez criadas, tomam corpo, adquirem vida própria e através dos veículos de comunicação<br />

tornam-se senso comum.<br />

Palavras-chave: Estereótipo étnico. Representações sociais. Tecnologias digitais.<br />

Educação infantil.<br />

ABSTRACT: In this research we discuss ethnic stereotypes. Not ethnic stereotypes<br />

rel<strong>ate</strong>d to teachers' narratives, but to the narrative of young children. We try to look<br />

more closely at how children make social representations of blacks and how they share<br />

their beliefs and values from ethnic stereotypes. Thus, the present study discusses the<br />

education for ethnic-racial relations within the children's spaces as the mediation of the<br />

technologies, based on the experience realized in a mini-course called "Ethnic-racial<br />

stereotypes and teaching work - from discourse to action" in which it was evidenced the<br />

presence of racial stereotypes in the imagination of the teachers of early childhood<br />

education and the difficulty of working with racial issues with young children. We work<br />

on the research with the theoretical contributions of Theory of Social Representations<br />

(TRS) of Moscovici (1978), Tajfel (1980), Spink (2008) among others. If children are<br />

socialized into racist spaces, this can have consequences for how they think about<br />

themselves and others, the self that is different from me. Thus, we bring to discussion<br />

the articulation between the use of digital technologies in the routine of teaching work<br />

to incorpor<strong>ate</strong> themes rel<strong>ate</strong>d to the recognition and appreciation of African and Afro-<br />

Brazilian influences in the formation of the Brazilian society with children. Information<br />

and Communication Technologies (ICT) have emerged and developed in the social<br />

scene as important for the improvement of pedagogical practices. As we have seen,<br />

467


access to knowledge and its production in the computerized society is something<br />

dynamic, and it is necessary for the Infant Education educator to consider them as new<br />

methodological ways to approach ethnic-racial relations in school spaces. We conclude<br />

that the representation of the stereotyped Negro is the result of a collective construction:<br />

no one cre<strong>ate</strong>s new images individually, groups of people cre<strong>ate</strong> and, once cre<strong>ate</strong>d, take<br />

body, acquire life of their own and through the vehicles of communication become<br />

common sense.<br />

Keywords:Ethnic stereotype. Social representations. Digital technologies. child<br />

education<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Nesta pesquisa discuto os estereótipos étnicos 45 . Os estereótipos étnicos não<br />

vinculados à narrativa dos adultos, mas sim à narrativa das crianças. Tento observar<br />

mais de perto como as crianças fazem representações sociais dos negros e como<br />

compartilham suas crenças e valores a partir dos estereótipos étnicos. Estudos realizados<br />

no Brasil mostram que os estereótipos 46 são os mais recorrentes em relação à<br />

representação sobre o negro em nossa sociedade.<br />

Por este motivo cabe, primeiramente, nesta pesquisa, perguntar sobre os<br />

estereótipos, sobre seus significados e representações na sociedade brasileira. Encontro<br />

em Gahagan (1980, p.70) a seguinte definição,<br />

Um estereótipo é uma supergeneralização: não pode ser verdadeiro para<br />

todos os membros de um grupo [...]. O estereótipo é, provavelmente, muito<br />

inexacto (sic) como descrição de um dado sujeito [...], mas não dada qualquer<br />

45 Escrevo na primeira pessoa do singular por uma questão metodológica compartilhada por<br />

Gonçalves(2003, p.15) que afirma “o trabalho científico não é anônimo nem imparcial, mas tem autoria e,<br />

assim, posiçãodemarcada no próprio campo científico. Uma tentativa de burlar a norma e esconjurar o<br />

fantasma positivista queentende a escritura (nos sentidos que tem este significante) como sinal da<br />

neutralidade axiológica”. É um meioque encontrei para tornar o meu texto científico mais próximo ao<br />

meu leitor. Denomino minha atitude, aexemplo de Gonçalves, de heresia ao positivismo que ainda<br />

impregna os nossos textos científicos.<br />

46 A exemplo: Bastide e Florestan (2008), Schwarcz (1993), dentre outros.<br />

468


outra informação, constitui uma conjectura racional. Um desses traços levaria<br />

então à inferência de outros traços [...].<br />

Baptista, (1996, p.2) argumenta que o termo estereótipo foi introduzido pela<br />

primeira vez nas Ciências Sociais por meio da obra intitulada Public Opinion (1922) do<br />

jornalista Walter Lippmann 47 , no qual expunha as influências das concepções<br />

nacionalistas etnocêntricas nas relações políticas entre os países durante a Primeira<br />

Guerra Mundial. O estereótipo 48 é uma noção que pode ser estudada conforme duas<br />

perspectivas diferenciadas, porém de certo modo complementares: do ponto de vista<br />

cognitivo, enquanto (shema) 49 , ou numa perspectiva de cunho social, enquanto produto<br />

da interação social (TAJFEL, 1980). Do ponto de vista cognitivo dá-se ênfase ao<br />

processo de construção dos estereótipos; do ponto de vista social acentua-se os<br />

conteúdos c<strong>ate</strong>goriais. Os estereótipos são constituintes de nossa memória 50 sobre um<br />

indivíduo ou grupo de indivíduos, eles também nos permitem reconstruir a memória que<br />

temos destes de modo a alterar a realidade na qual está inscrito de modo “a que estes se<br />

encontrem de acordo com o estereótipo que já se detém” (LIMA, 1997, p.3).<br />

O ponto de partida da Teoria das Representações Sociais (TRS) é a obra de<br />

Moscovici La pychanalyse, son image, son public, matriz da teoria. Moscovici (1978)<br />

procura compreender as maneiras pelas quais a psicanálise era representada, ao sair de<br />

grupos fechados, pelos grupos populares. A motivação do autor para desenvolver o<br />

47 Cf. Batista (1996).<br />

48 Atualmente, segundo Pereira (2002, p.45) os estereótipos foram definidos como crenças sobre atributos<br />

típicos de um grupo, que contêm informações não apenas sobre estes atributos, como também sobre o<br />

grau com que tais atributos são compartilhados. Já a estereotipização define-se como o processo de<br />

aplicar um julgamento estereotipado a um indivíduo de forma a apresentá-lo como portador de traços<br />

intercambiáveis com outros membros de uma mesma c<strong>ate</strong>goria (Ibidi, p.46). O termo estereotipia é<br />

derivado do conceito de estereótipo, a estereotipia é uma tecnologia tipográfica capaz de reproduzir<br />

inúmeras cópias. Ela é resultado da intolerância e<br />

da ignorância, refere-se àquilo que é diferente e que causa estranhamento, que ameaça.<br />

49 Schema em Durand (2002, p.59) aproxima-se deste sentido “signos, imagens, símbolos,<br />

alegorias,emblemas, arquétipos, esquemas (schemas), esquemas (schemes), ilustrações, representações”,<br />

ou seja, osímbolo-motor que presentifica os gestos e pulsões inconscientes.<br />

50 Sobre memória coletiva ver Le Goff (1994).<br />

469


estudo das representações sociais advém de sua crítica ao positivismo e funcionalismo<br />

que não explicavam a realidade em outra dimensão (Moscovici, 1978).<br />

A TRS operacionaliza um conceito que nos permite trabalhar com o<br />

pensamento social e sua diversidade. As RS são construídas no universo consensual, na<br />

sociedade, na esfera do NÓS, em que grupos podem falar com a mesma competência. O<br />

indivíduo tem papel ativo e autônomo no processo de construir a sociedade, ele cria e é<br />

criado por ela. Em Moscovici (1978, p.59) “as representações individuais ou sociais<br />

fazem com que o mundo seja o que pensamos que ele é ou deve ser”, sendo assim,<br />

estudar os estereótipos contidos nas representações sociais permite ver como os negros<br />

são representados pela sociedade por meio dos estereótipos étnicos.<br />

A Representação é um traço, uma marca característica, que nunca é dada<br />

definitivamente, e está em constante aproximação e recriação de sentidos. Elas são<br />

produtos simbólicos nos quais o homem expressa sua maneira de ver o mundo,<br />

correspondendo a<br />

Um conjunto de conceitos, proposições e explicações originadas na vida<br />

cotidiana no curso de comunicações interpessoais. Elas são o equivalente, em<br />

nossa sociedade, aos mitos e sistemas de crenças das sociedades tradicionais,<br />

podem também ser vistas como a versão contemporânea do senso comum<br />

(MOSCOVICI, 1978, p.181).<br />

O estereótipo é então um produto social fruto das relações sociais<br />

estabelecidas entre os indivíduos, determinados sociologicamente porque são visões que<br />

temos acerca das relações sociais. Ele funciona como uma “crença generalizada, que<br />

combina cognição com afetividade” (LIMA, op.cit), ou crenças múltiplas, conforme<br />

Bhabha (2007), por funcionarem desta maneira eles se auto justificam e se perpetuam<br />

fazendo com que os indivíduos estereotipados se comportem tal qual a estereotipia a<br />

qual lhe conferiram. Concebo os estereótipos de duas formas diferenciadas: uma delas<br />

entende que eles são estruturas representáveis dentro das mentes individuais, a outra,<br />

concebe que estes são representados como elementos que inerentes à sociedade, sendo<br />

470


“amplamente compartilhados pelas pessoas que convivem no interior de uma mesma<br />

cultura” (PEREIRA, op.cit, p.52).<br />

Destarte, eles funcionam como representações sociais e enquanto tal “a<br />

representação social é mais do que o estereótipo, mas este constitui uma parte<br />

importante da representação social” (TAJFEL, 1980, p.22). Neste sentido, cabe<br />

entendermos o que é a representação social e sua relação com oestereótipo, pois ele é<br />

produto de relações sociais que os grupos mantêm.<br />

A minha convicção de que o conjunto de crenças, valores, atitudes e<br />

concepções das crianças acerca dos estereótipos não são puramente individuais, levoume<br />

à Teoria das Representações Sociais e ao Paradigma do Pensamento Complexo.<br />

Minha insatisfação com explicações puramente objetivas e imparciais para o estereótipo<br />

orientou-me na busca de um referencial teórico-metodológico que não separasse as<br />

dimensões individual e social do sujeito humano. É Moscovici (2003, p.41) quem<br />

explica o que são representações:<br />

Representações obviamente, não são criadas por um indivíduo isoladamente.<br />

Uma vez criadas, contudo, elas adquirem uma vida própria, circulam, se<br />

encontram, se atraem e se repelem e dão oportunidade ao nascimento de<br />

novas representações, enquanto velhas representações morrem. Como<br />

consequência disso, para se compreender e explicar uma representação, é<br />

necessário começar com aquela, ou aquelas das quais ela nasceu [...] sendo<br />

compartilhada por todos e reforçada pela tradição, ela constitui uma realidade<br />

social sui generis.<br />

Conforme Spink (2008), a diversidade de estudos sobre as representações<br />

sociais se dá em perspectiva multidisciplinar ou mesmo no âmbito de uma mesma área<br />

de conhecimento, como o caso da Psicologia Social 51 . Assim, interessou-me, sobretudo,<br />

a abordagem psicossocial das representações dentro da Psicologia Social, por<br />

possibilitar a explicação de crenças, valores e atitudes partilhadas pelas crianças<br />

referentes aos estereótipos étnicos em suas relações sociais, afinal, como mostrarei os<br />

51 Ver Lane (1981).<br />

471


estereótipos são uma forma de representação social, visto que estes são ancorados e<br />

objetivados pelas crianças de forma socialmente partilhada.<br />

Quero dizer que as representações sociais não se manifestam apenas no<br />

espaço discursivo, espaço este privilegiado de expressões de representações, foi preciso<br />

ficar <strong>ate</strong>nta a outras formas sutis de expressões, nem sempre explícitas no discurso. Daí<br />

a utilização do diário de campo registrando gestos, expressões corporais, brincadeiras,<br />

confecção de desenhos e posturas das crianças.<br />

Tendo em vista estes aspectos, o trabalho com as crianças focalizou o<br />

momento no qual estas representam os estereótipos étnicos, por isto, entendo a infância<br />

como um período cronológico específico referente a uma situação sociocultural na qual<br />

o indivíduo conhecerá as responsabilidades do mundo adulto e que, porém, possui<br />

características próprias que possibilita refletir sobre esta fase tão especial do ser<br />

humano; o mundo infantil não é o mundodo adulto.<br />

Se as crianças são socializadas 52 em espaços racistas, isto trará<br />

consequências sobre a forma como cada uma pensa a si mesma e aos outros, o eu que é<br />

diferente de mim, assim trago neste artigo a análise das imagens que as crianças<br />

possuem sobre o negro e seu modo de vida e como o trabalho docente por meio do uso<br />

das tecnologias de comunicação e informação na educação podem ajudar a desmistificar<br />

o estereótipos em relação ao negro na sociedade brasileira.<br />

2 PROCESSOS METODOLÓGICOS QUE SUSTENTAM A PESQUISA<br />

O estereótipo precisa ser estudado numa perspectiva, psicossocial,<br />

sociológica, antropológica; tais áreas estão diretamente ligadas aos estigmas e ao<br />

preconceito como condutas racistas. É importante ver como os sujeitos que sofrem<br />

preconceitos representam os estereótipos étnicos.<br />

Para conseguir captar o fenômeno, é necessário adotar metodologias que<br />

permitam a consecução dos objetivos de pesquisa, já colocados anteriormente, bem<br />

52 Em Bonnewitz (2003, p.76), a socialização é compreendida como “conjunto de mecanismos pelosquais<br />

os indivíduos realizam a aprendizagem das relações sociais entre os homens e assimilam as<br />

normas,valores e crenças de uma sociedade ou de uma coletividade”.<br />

472


como as dúvidas existentes acerca do fenômeno, pensando assim, o estudo feito tem<br />

características qualitativas e tem como objetivo compreender os fenômenos sensórioperceptivos<br />

de apreensão do real pelos sujeitos, quer dizer, tenta compreender os<br />

fenômenos do ponto de vista dos sujeitos que vivenciam, bem como na perspectiva do<br />

pesquisador (LEOPARDI, 2002).<br />

Por ter esta característica a pesquisa qualitativa é permeada de subjetividade<br />

constitutiva do social, na qual as representações sociais configuram-se. Sendo assim, a<br />

pesquisa qualitativa requer abertura, flexão, observação e interação com os atores<br />

sociais. As informações obtidas acerca do pensamento dos sujeitos-atores 53 , a<br />

observação e análise ocorreram por meio da aplicação de um conjunto de atividades que<br />

buscaram evidenciar como ocorre a representação dos estereótipos étnicos nas crianças<br />

escolarizadas.<br />

Juntamente às entrevistas, outras situações foram propostas aos sujeitosatores,<br />

incluindo observação e diálogos a partir das atividades desenvolvidas por eles, o<br />

que permitiu a tabulação de dados discursivos em pesquisa qualitativa. Por isto, a coleta<br />

de m<strong>ate</strong>rial para apreensão das representações se dá por metodologias múltiplas que<br />

podem ser entrevistas, questionários, observações, pesquisa documental, tratamento de<br />

textos escritos e imagéticos, banquete imaginário, dentre outros. Esta pesquisa foi<br />

desenvolvida com crianças pertencentes a uma escola municipal localizada no bairro do<br />

Sol e Mar, periferia de São Luís. O bairro éformado em sua grande maioria por famílias<br />

mestiças 54 , o que caracteriza a escola com um grande número de alunos “mestiços”.<br />

total de 60 sujeitos.<br />

a) Amostra: as crianças participantes do estudo compõem uma amostra<br />

Todos cursam a 3ª e 4ª séries do ensino fundamental. A escolha da 3ª e 4ª<br />

séries para a realização da pesquisa deve-se ao fato das professoras destas séries<br />

mostrarem-se receptivas à pesquisadora. Destaco ainda que a divisão em 3ª e 4ª séries é<br />

algo puramente didático, para termos de melhor entendimento quanto à escolarização<br />

53 Ou atores sociais, estes, segundo Oliveira (2005, p.124), “são as pessoas que fazem parte do objeto<br />

deestudo”.<br />

54 Utilizando classificação dada pelo IBGE.<br />

473


das crianças, pois atualmente a Prefeitura Municipal de São Luís adotou o sistema de<br />

ciclos, assim, as crianças participantes desta pesquisa estão no chamado 2º ciclo da<br />

educação básica.<br />

b) Procedimentos: primeiramente, entrei em contato com a Secretaria de<br />

Educação Municipal, responsável pela Rede de Ensino Fundamental, da qual faz parte a<br />

escola em questão. Para realização do estudo solicitei permissão para o<br />

desenvolvimento de tal propósito. Posteriormente, antes do início da coleta de dados a<br />

escola foi procurada: direção, os professores e os alunos.<br />

O estudo, tendo em vista o supracitado, foi realizado dentro do horário<br />

escolar com duas salas de 3ª e 4ª séries. As professoras com as classes nas quais<br />

trabalhei me cederam um horário para que eu pudesse realizar as atividades. O trabalho<br />

foi realizado na sala de leitura, local, amplo e confortável, com muitos livros, cadeiras,<br />

almofadas, mesas nas quais as crianças puderam se sentar lado a lado. A idade das<br />

crianças varia de 9 a 10 anos. Trabalhei com 60 crianças às quais 19 eram não-negras,<br />

41 negras (segundo classificação dada pela pesquisadora tomando os aspectos<br />

fenotípicos).<br />

3 DISCUTINDO OS RESULTADOS DA PESQUISA<br />

Para compreender melhor como as crianças representam a escola e como<br />

esta por sua vez relaciona-se com os estereótipos étnicos, apesar de não ser o objetivo<br />

central da pesquisa parti do princípio de que não é a situação em si que define o sujeito,<br />

mas sim as representações que ele tem dessa situação, logo, estudar as representações é<br />

analisar os fatorescognitivos e simbólicos que constituem as construções e concepções<br />

que um sujeito tem sobre determinado fenômeno social. Para isto, o estudo necessitou<br />

também observar a relação entrea representação e o comportamento, ou seja, a ação<br />

(ABRIC, 1994).<br />

Desta maneira, ao querer saber o que a escola significa para as crianças,<br />

desejava, secundariamente, ver também o nível de relação da escola na difusão dos<br />

estereótipos, tomados, claro, a partir das representações das crianças sobre a escola, e<br />

474


não dos adultos, por isto não realizei entrevistas com os adultos, apenas os observei de<br />

modo secundário.<br />

Compreendendo a escola como uma das instâncias que promovem o<br />

desenvolvimento humano em sua amplitude, me propus buscar entender uma<br />

pequeníssima dimensão do processo de ancoragem e objetivação nos quais as crianças<br />

representam a escola enquanto espaço de conhecimento, mas também enquanto espaço<br />

de difusão de estereotipias étnicas.<br />

Para observar como as crianças representam a escola e a possível relação<br />

desta com os estereótipos, durante as análises, procurei:<br />

a) Identificar e analisar o conteúdo/campo semântico das representações<br />

investigadas, definindo-se os elementos constitutivos das representações através da:<br />

identificação de palavras e expressões associadas com suas respectivas frequências de<br />

ocorrência; agrupamento das palavras de acordo com o significado.<br />

b) Identificação e organização dos elementos constitutivos (nucleares e<br />

periféricos) por meio da aproximação do núcleo central: identificação das<br />

palavras/expressões com maior frequência; análise das palavras e expressões apontadas<br />

com maior frequência pelas crianças sobre a escola.<br />

c) Exploração e análise dos desenhos: a análise dos desenhos seguiu os<br />

pressupostos da metodologia concebida neste estudo, fazendo-se uma análise de seu<br />

conteúdo. Sob essa perspectiva, organizei a análise em três etapas: pré-análise,<br />

descrição analítica e interpretação, discussão dos resultados. Os resultados temáticos de<br />

análise do conteúdo indicaram as seguintes c<strong>ate</strong>gorias: espaço da escola, personagens,<br />

símbolos.<br />

As análises dos desenhos sobre o espaço escola, obtidos pela técnica da<br />

indução de metáfora sobre a escola, apontam dois conjuntos de elementos simbólicos<br />

que podem ser compreendidos como composição de duas representações sociais<br />

diferenciadas sobre a imagem da escola. O primeiro conjunto caracteriza-se pela<br />

m<strong>ate</strong>rialidade.<br />

475


Essa tendência pode ser traduzida quanto aos aspectos que caracterizam o<br />

espaço escolar, constituído por uma área interna que tem a sala de aula como o ambiente<br />

mais característico. Na área externa, temos o pátio, jardim, quadra de esportes e a frente<br />

da escola que aparece em grande destaque nos desenhos. Os m<strong>ate</strong>riais didáticos também<br />

aparecem nas representações das crianças: giz, apagador, livros, carteiras. O mobiliário<br />

reduz-se à mesa e carteiras.<br />

O segundo conjunto de representações sobre a escola enfatiza o espaço de<br />

relação. A representação é marcada pelas relações entre os personagens professor e<br />

alunos. A eles foram associados o interior do espaço escolar, símbolos afetivos, relações<br />

amorosas, e os m<strong>ate</strong>riais didáticos. Há forte presença da sensibilidade, afetividade e<br />

amorosidade, mas este espaço de amorosidade é também um espaço de perversidade,<br />

quando as crianças são atingidas pelos estereótipos.<br />

Os desenhos da escola são o primeiro conjunto de informações que me<br />

permitem ver como a escola é representada pelas crianças. Ao lado dos desenhos, temos<br />

as narrativas que nos dão maior dimensão dos conjuntos de elementos simbólicos. Isto<br />

porque estudar a elaboração e o funcionamento de uma representação social implica<br />

compreender sua composição ou sua organização. Levar em conta, para tanto, o que<br />

Moscovici (1978) propôs. Para ele, existem três dimensões nas quais os conteúdos de<br />

uma representação podem ser organizados: campo de representação ou da imagem,<br />

campo da informação e o campo da atitude.<br />

No campo da imagem da escola, duasvalorativa e idealizada. No campo da<br />

informação, ou seja, a informação que o grupo possui sobre o objeto de representação,<br />

os resultados indicam que as crianças elaboram a imagem da escola como um espaço<br />

valoroso com o objetivo de fazê-las vencer na vida. A escola é uma extensão da<br />

família 55 .<br />

No campo da atitude, que diz respeito às disposições afetivas ou orientações<br />

positivas ou negativas em relação ao objeto representado, como ponto positivo, a escola<br />

configura-se como um lugar de status, lugar de aprender, local da cultura, conforme<br />

55 O espaço da rua não se acha separado do espaço da casa, tal como demonstra Damatta (2000).<br />

476


Bhabha (2007). A representação negativa aponta justamente a escola como difundidora<br />

do racismo e do estereótipo étnico, seja na figura do professor, seja na figura do aluno,<br />

apresentando-se não nos desenhos feitos sobre a escola, mas no discurso das crianças<br />

entrevistadas (Entrevista – discurso do sujeito).<br />

Eu tinha uma professora na 3ª série que tinha preconceito de mim porque eu<br />

era negra (D.S.A, 10 anos, negra).<br />

Uma professora na 1ª série não gosta de mim porque eu sou negra (B.L, 10<br />

anos, negra).<br />

Minha professora na 1ª série tinha preconceito porque eu sou negra (J.S.F, 10<br />

anos, negra).<br />

Minha professora no ano passado ela era muito preconceituosa (A.G.C.V, 10<br />

anos, negra).<br />

A professora B. fica discriminando as pessoas, chama de macaco, burro,<br />

animal, analfabeto (R.B, 10 anos, não-negro).<br />

Meu colega já caçoou de mim por causa da cor da minha pele (M.S, 9 anos,<br />

negra).<br />

Meus colegas me apelidam de macaca porque sou negra (C.R, 9 anos, negra).<br />

Por estas representações, veja-se que as representações sociais sobre a<br />

escola e sua relação com os estereótipos apresentam como explicação o fato de a escola<br />

ser o local destinado à socialização das crianças. Conviver com situações de preconceito<br />

é algo que causa muita dor à criança discriminada, pois, quando perguntadas como se<br />

sentem em relação a isto, respondem que: se sentem mal, tristes, com vergonha, com<br />

raiva, dentre tantos outros sentimentos relatados. Os apelidos relatados pelas crianças,<br />

conforme m<strong>ate</strong>rial empírico, são:<br />

Catirina 56 , me sinto envergonhada (M.M.S, 10 anos, negra).<br />

Manjuba 57 , tenho raiva (R. S. A, 9 anos, negra).<br />

Eles me apelidam de juçara 58 , quando eles me apelidam me sinto triste (J.S.F,<br />

10 anos, negra).<br />

56 Catirina é uma personagem negra caricaturada do folclore maranhense.<br />

57 Personagem negra do folclore maranhense bastante caricatural.<br />

477


Os resultados indicaram que, apesar de, inicialmente, as crianças<br />

demonstrarem desconhecer os seus direitos, chegando a confundi-los com deveres e não<br />

encontrando soluções adequadas para resolverem situações que envolvam violação e<br />

desrespeito aos seus direitos, as representações dos estereótipos étnicos enquanto<br />

valores socialmente partilhados aparecem nos apelidos referentes à cor da pele ou<br />

mesmo às características afro.<br />

Os dados obtidos sobre os apelidos mostram que no geral as crianças nãonegras<br />

são apelidadas por diminutivo dos nomes. Quase nenhuma das crianças nãonegras<br />

entrevistadas possuem apelidos relativos à etnia, quando muito os apelidos são<br />

de características físicas: gordo, quatro olhos, magricela etc.<br />

Baseada em Moscovici (2003; 1978), postulo que as representações iniciais<br />

dos estereótipos étnicos evoluem a partir das experiências sociais vividas. Outros<br />

estereótipos são verbalizados pelas crianças no momento do recreio quando estão mais<br />

livres dos olhos adultos:<br />

Você é aquele homem preto da propaganda da C&A (referindo-se ao aluno<br />

R.J.B, de 9 anos, negro).<br />

Seu beiçudo, me dá a bola (referindo-se a M.S.S, de 10 anos, negro).<br />

Não vou mesmo, não sou escrava de ninguém (M.C.S, 9 anos, negra,<br />

referindo ao fato de que não iria pegar a corda para outras meninas<br />

brincarem).<br />

Tais representações dos estereótipos étnicos pelas crianças<br />

supramencionadas, segundo Fernandes (1972), não contribuem para modificar velhos<br />

estereótipos raciais negativos, nem buscam romper com o padrão tradicional de<br />

subalternização do homem de cor. Bhabha (2007, p.106), por sua vez, entende que<br />

julgar a imagem estereotipada com base em uma normatividade política<br />

prévia é descartá-la, não deslocá-la, o que só é possível ao se lidar com sua<br />

eficácia, com o repertório de posições de poder e resistência, dominação e<br />

dependência, que constrói o sujeito da identificação colonial.<br />

58 Juçara é uma fruta típica do Maranhão que possui tonalidade escura; no Pará, chama-se Açaí.<br />

478


Se assim for possível entender, “o deslocar a imagem” depende da sutileza<br />

de sua reinterpretação, ou seja: deslocar pode ser o que estou entendendo como dar um<br />

novo papel, uma iconização pela imagem positivada que não hierarquiza a presença do<br />

negro da visão colonialista contada por Bhabha (2007).<br />

Desse modo, fica evidente a estereotipia entre crianças escolarizadas e a<br />

necessidade de articular o uso de tecnologias ao trabalho docente. Mas como fazer essa<br />

articulação? É o que passaremos a discutir na próxima seção.<br />

4 TECNOLOGIAS E TRABALHO DOCENTE: POSSIBILIDADES PARA A<br />

EDUCAÇÃO ÉTNICO-RACIAL<br />

Vemos avançar a educação tecnológica que possui por objetivo orientar a<br />

educação do sujeito de modo que ele seja capaz tanto de criar tecnologias como<br />

desfrutar dela refletindo sobre sua influência na sociedade. Conforme Grinspun (2002)<br />

uma sociedade tida como tecnologizada é aquela que possui uma trama de relações<br />

sociais.<br />

Na trama dessas relações encontram-se as TIC que acabam exigindo dos<br />

docentes uma atualização em suas práticas pedagógicas, visto que a reestruturação<br />

produtiva em voga acaba por gerar a precarização do trabalho e a degradação da relação<br />

entre homem e natureza (ANTUNES, 2005). Desse modo, entendemos que nenhuma<br />

tecnologia prosperou do vazio social e histórico, ela é o resultado e causa do progresso<br />

m<strong>ate</strong>rial alcançado por uma dada sociedade em constante relação com o trabalho<br />

humano (POLISTCHK; TRINTA, 2003).<br />

À medida que a tecnologia avança há uma modificação nas formas de<br />

ensinar, bem como nas formas de se pesquisar. Logo, apresento os limites e<br />

possibilidades das tecnologias da comunicação e educação como forma de trabalhar a<br />

educação para as relações étnico-raciais na educação infantil.<br />

479


As Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) surgiram e se<br />

desenvolveram no cenário social como importantes para a melhoria das práticas<br />

pedagógicas e nas pesquisas acadêmicas. Em se tratando da TIC como ferramenta<br />

metodológica da pesquisa científica posso dizer que ela se desenvolve em um modelo<br />

próprio e flexível, eliminando os rígidos princípios em relação ao quando pesquisar,<br />

onde pesquisar e em que velocidade pesquisar. Rigidez comum em modelos tradicionais<br />

do fazer científico.<br />

Concordo com Belloni (2009, p. 5) quando afirma que:<br />

[...] os modelos de acesso ao conhecimento de amanhã são difíceis de<br />

imaginar e, então, o melhor caminho será centrar o foco no utilizador<br />

(usuário) por duas razões logicamente necessárias: entender como funciona<br />

esta autodidaxia para adequar métodos e estratégias.<br />

O acesso ao conhecimento e sua produção na sociedade informatizada é<br />

algo dinâmico, sendo necessário o docente da educação infantil começar a pensar em<br />

novas formas metodológicas para o ensino. De fato, precisamos no meio escolar<br />

atualizar nossa tecnologia educacional para que possamos promover uma educação das<br />

relações étnico-raciais na educação infantil, justamente porque temos uma nova<br />

autodidaxia se desenvolvendo a vários anos por meio das mídias, ou seja, é necessário<br />

pensar a comunicação como recurso didático nas aulas desenvolvidas com as crianças<br />

(WOLTON, 2004).<br />

Entendo que<br />

A mudança da Escola é urgente, mas a Escola só muda se investir nos seus<br />

principais agentes de mudança: os professores. São eles os seus principais<br />

atores. Só com eles a mudança é possível. Será por intermédio deles que<br />

renovar o projeto pedagógico se tornará possível porque, na verdade, é disso<br />

que se trata. Não se trata de substituir linearmente o quadro e o giz pela lousa<br />

digital, ou o livro em papel pelo livro eletrônico. A mudança é muito mais<br />

profunda e talvez por isso mais difícil. Trata-se de renovar o projeto<br />

pedagógico, usando a tecnologia disponível para o tornar cada vez mais<br />

relevante e adaptado à nova realidade. Trata-se de proporcionar o acesso a<br />

novas experiências, o acesso à cultura, ao conhecimento e também à sua<br />

produção (AMANTE; FARIA, 2014, p.256).<br />

480


Desse modo, observo que utilizar a TIC como recurso metodológico para a<br />

educação étnico-racial com crianças na escola não pode ser considerado um objetivo por<br />

si só. Aprender utilizar as TIC é algo secundário, visto que comunicar, desenhar, pintar,<br />

socializar é inerente a uma educação infantil. As crianças interagem umas com as outras<br />

e aprendem a ler, escrever e comunicar, sendo as TIC uma das formas possíveis para<br />

atingir tais objetivos.<br />

O docente da educação infantil, pode, então, recorrer ao uso das TIC para<br />

promover a educação para a educação das relações raciais, em virtude de as TIC serem<br />

recurso poderoso nesse sentido devido a seu longo alcance. Aqui não estou propondo<br />

ensinar as crianças utilizar TIC, mas de pô-las a seu desenvolvimento educacional. Vejo<br />

então que<br />

[...] as atividades desenvolvidas com a tecnologia devem ser perspetivadas<br />

como novas oportunidades educativas, mas integradas num todo que lhes<br />

atribuirá e reforçará o seu sentido. Isto é, integrando-se nas rotinas de<br />

trabalho da sua sala, mas dando igualmente lugar a novos projetos e a novas<br />

formas de acesso e de construção de saberes. As tecnologias digitais não são<br />

um objetivo, são um meio, poderoso, para construir conhecimento<br />

(AMANTE; FARIA, 2014, p.259).<br />

As lutas de comb<strong>ate</strong> ao racismo, preconceitos e discriminações que legaram<br />

ao povo negro a exploração de sua força de trabalho e a desigualdade no acesso aos<br />

bens m<strong>ate</strong>riais e simbólicos produzidos coletivamente, sem dúvida, iniciam-se, no<br />

Brasil, desde que o/as primeiro/as africano/as aqui chegaram, trazidos pelo tráfico em<br />

condições de escravidão, portanto, utilizar as TIC na educação das crianças se faz<br />

basilar na pratica pedagógica do docente desse nível de ensino, pois como evidenciei na<br />

pesquisa de campo apresentada nesse estudo, há forte estereotipia étnica entre crianças<br />

escolarizadas da rede pública de educação.<br />

Concebo, ainda, o papel fundamental que o docente possui no processo da<br />

educação para as relações raciais dentro da escola. Além do docente ajudar a criança a<br />

se familiarizar com as TIC ele atua de forma a mediar as necessidades de aprendizagem<br />

481


das crianças. O docente no processo de ensino deve mediar e encorajar a criança a<br />

refletir sobre as questões raciais mediadas pelo uso das tecnologias.<br />

O docente da educação infantil não pode esquecer que ganha lugar de<br />

destaque a inclusão da história e cultura africana e afro-brasileira no currículo da<br />

escolarização básica, entendida como estratégia para a reeducação das relações étnicoraciais.<br />

Subjacente a essa reivindicação, certamente, está a certeza de que a luta por uma<br />

política universalizante (a escola para todos) é imprescindível em uma sociedade<br />

excludente como a brasileira, contudo, ainda insuficiente para a população negra, na<br />

medida em que não inclui medidas reparatórias para compensar os danos históricos a ela<br />

imputados.<br />

Em 2003, após quase uma década de trajetória no Congresso, foi sancionada<br />

a Lei nº 10.639, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura<br />

Africana e Afro-Brasileira no Ensino (BRASIL, 2003). Considerando seu conteúdo, esta<br />

lei é um marco histórico na luta antirracista brasileira, pois institui a possibilidade –<br />

inexistente, oficialmente, no país, salvo experiências isoladas – de um trabalho<br />

educativo que reconheça e valorize a diferença e a diversidade étnico-racial.<br />

Pautando-se pelos desafios no cumprimento da referida lei, o Movimento<br />

Negro apontou a necessidade de diretrizes orientadoras acerca de princípios, indicações<br />

e normas, tendo em vista sua implementação. Nesse sentido, em 2004, foram instituídas<br />

as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para<br />

o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (DCN ERER), por meio da<br />

Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) Nº 01/2004 (BRASIL, 2004b),<br />

antecedida pelo Parecer do CNE Nº 03/04 (BRASIL, 2004a) que o fundamenta, cuja<br />

relatoria coube à pesquisadora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, autora de várias<br />

produções sobre temáticas que articulam educação e relações étnico-raciais.<br />

Não obstante a publicação dessas orientações há mais de uma década, assim<br />

como a produção de uma vasta literatura e m<strong>ate</strong>riais didáticos para o tratamento da<br />

temática, sua implementação na realidade escolar segue sendo desafiadora, sobretudo<br />

em se considerando os vários aspectos a serem enfrentados pelo/as docentes no<br />

482


planejamento e execução de seu trabalho, de modo a concretizá-las. Daí, destacar nesse<br />

estudo o uso das TIC pelo docente de educação infantil como ferramenta metodológica<br />

para a educação das relações raciais que apresar de ser Lei, vemos o não cumprimento<br />

da Lei dentro das escolas, principalmente para as demandas da educação infantil.<br />

Isso porque o conjunto desse escopo jurídico demanda o repensar da<br />

articulação entre educação e raça/etnia de uma forma ampla, balizada pela ruptura com<br />

princípios de homogeneidade cultural e a desconstrução de um imaginário constituído<br />

por preconceitos e estereótipos negativos atribuídos aos povos africanos e seus<br />

descendentes que têm historicamente fundamentado o currículo escolar, para dar lugar a<br />

um projeto assentado na valorização da história e cultura africana e afro-brasileira, bem<br />

como na reeducação das relações étnico-raciais.<br />

Isso demanda o desenvolvimento de um trabalho de forma sistemática e<br />

permanente nas escolas, não se restringindo a um determinado período do ano (semana<br />

do 20 de novembro), conforme várias pesquisas constatam estar se concretizando em<br />

grande parte delas, desde que essa discussão ganhou visibilidade.<br />

Também requer mudança na cultura escolar e na postura do/as professore/as<br />

de modo a incidir na reflexão sobre as práticas pedagógicas e em proposições para o<br />

redimensionamento do Projeto Político Pedagógico, o que não pode prescindir do<br />

domínio de conhecimentos sobre o legado africano e a diáspora negra para revisão de<br />

crenças e valores<br />

É nesse sentido que a literatura que versa sobre a educação e tecnologia vem<br />

a alguns anos sublinhando a importância do papel do docente quer na orientação, na<br />

criação de contextos que possibilitem a aprendizagem da criança(CROOK, 1998a;<br />

1998b), ou mesmo no desenvolvimento de modelos estratégicos que propiciem uma<br />

aprendizagem significativa(JONASSEN et. al, 2003).<br />

Parto, então, do pressuposto do qual é preciso considerar os vários fatores<br />

que podem influenciar para que as tecnologias digitais na educação infantil como forma<br />

metodológica para uma educação das relações raciais na escola. Além, claro da<br />

formação docente para utilizar as tecnologias digitais nessa perspectiva.<br />

483


Destaco ainda que a TIC não pode ser um hiato, devendo ter alguma<br />

serventia. Utilizo o termo serventia no sentido de utilidade ou proveito. A TIC, como<br />

recurso para a a educação das relações raciais na educação infantil deve ter utilidade<br />

para todos aqueles fascinados com a produção do saber pela criança e pela escola.<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Em uma sociedade que elegeu a mestiçagem como imagem, mas a<br />

branquetude como modelo e ideal a ser alcançado, a autoclassificação como pardo/a, ao<br />

tempo que se constitui um valor social, é também um obstáculo para a<br />

construção/valorização da identidade racial negra e afirmação de seus valores e visão de<br />

mundo.<br />

Os números referentes às desigualdades no país revelam que, a despeito da<br />

ideia de um país de mestiço/as onde a democracia racial reina, os/as pardos/as também<br />

são vítimas do racismo, preconceito e discriminação.<br />

Nessa perspectiva, se reconhecer como (tornar-se) negro/a nesse país é um<br />

processo que não pode prescindir de um processo de reeducação das relações étnicoraciais.<br />

É um processo que demanda um (re)conhecimento de nossas raízes africanas e<br />

de todo o legado histórico-cultural do povo negro, tanto na África quanto da diáspora,<br />

além da forma como se estabeleceram as relações raciais entre brancos e não brancos,<br />

tendo por consequência o quadro de desigualdades mantido através desde o século XV.<br />

É necessário, então, um trabalho voltado para o ensino e aprendizagem da<br />

História e Cultura Africana e Afro-brasileira, tendo em vista a descolonização dos<br />

saberes africanos afrodescendentes, bem como dos currículos escolares da educação<br />

básica, começando pela educação infantil de modo que as tecnologias digitais, conforme<br />

mencionei ao longo desse estudo, possam servir de base metodológica para a<br />

desconstrução do racismo na escola desde a primeira infância.<br />

O horizonte é a apropriação de uma historicidade virtuosa que, a um só<br />

tempo, se constitua referencial capaz de ajudar o/as licenciando/as na<br />

484


afirmação/construção/valorização de uma identidade que encampe a luta de comb<strong>ate</strong> ao<br />

racismo, bem como para a ruptura com a visão de mundo europeia e configuração de<br />

um futuro trabalho docente na perspectiva da pedagogia antirracista.<br />

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LIMA, M. M. Considerações em torno do conceito de estereótipo: uma dupla<br />

abordagem. Lisboa: Aveiro, 1997.<br />

MOSCOVICI, Serge. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar,<br />

1978.<br />

MOSCOVICI. Representações sociais: investigações em Psicologia Social. 3.ed.<br />

Petrópolis: Vozes, 2003.<br />

OLIVEIRA, Maria Marly. Como fazer pesquisa qualitativa. Rio de Janeiro: Vozes,<br />

2005.<br />

PEREIRA, Marcos Emanuel. Psicologia social dos estereótipos. São Paulo: EPU,<br />

2002.<br />

POLISTCHUK, Ilana; TRINTA, Aluízio Ramos. Teorias da comunicação – o<br />

pensamento e a prática da comunicação social. Rio de Janeiro: campus, 2003.<br />

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representações sociais. In: GUARESCHI, P; JOVCHELOVITCH, S. (orgs.). Textos em<br />

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Lisboa: Horizonte, 1980.<br />

WOLTON, Dominique. Pensar a comunicação. Brasília: UNB, 2004.<br />

487


ESTÉTICA E FILOSOFIA: a arte como celebração da verdade em Gadamer<br />

AESTHETICS AND PHILOSOPHY: the art as a celebration of truth in gadamer<br />

Anderson Costa 59 : graduando<br />

do curso de Licenciatura em Filosofia – UFMA<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Considerando a crítica hermenêutico-filosófica dirigida à metodologia<br />

científica moderna, a experiência da arte desponta como uma experiência de verdade<br />

que nos oportuniza ampliar o horizonte de verdade presente nas experiências humanas,<br />

proporcionando uma abertura em nossa capacidade de compreender o mundo para além<br />

das diretrizes impostas pela ciência e técnica. O objetivo da comunicação é, do ponto de<br />

vista hermenêutico-filosófico, analisar o fenômeno da arte como acontecimento de<br />

verdade e experiência de festa que se manifesta na história das culturas e sob as mais<br />

diversas configurações de linguagem. Toma-se como fundamentação teórica a<br />

hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer e seu propósito de pensar a atualidade<br />

do belo enquanto experiência lúdica, experiência simbólica e celebração (Fest) sob os<br />

efeitos da história. Eis o que torna a arte uma experiência hermenêutica e uma<br />

declaração atualizada de verdade.<br />

Palavras-chave: Festa. Símbolo. Jogo. Arte.<br />

ABSTRACT: Whereas the hermeneutic-philosophical criticism directed at the modern<br />

scientific methodology, the experience of art emerges as an experience of true that<br />

59 Graduando do curso de Licenciatura em Filosofia – Universidade Federal do Maranhão. E-mail:<br />

andersoncosta.ufma@hotmail.com<br />

488


favors broaden the horizon of truth present in human experiences, providing an opening<br />

in our ability to understand the world in addition to the guidelines imposed by science<br />

and technique. The goal of communication is, from the point of view of the<br />

hermeneutic-philosophical, analyze the phenomenon of art as an event of truth and<br />

experience of celebration which is manifested in the history of the cultures and under<br />

the most diverse language settings. Take as the theoretical foundation to philosophical<br />

hermeneutics of Hans-Georg Gadamer and his purpose to consider the relevance of the<br />

beautiful while entertaining experience, symbolic experience and celebration (Fest)<br />

under the effects of history. This is what makes the art a hermeneutic experience and an<br />

upd<strong>ate</strong>d st<strong>ate</strong>ment of truth.<br />

Keywords: Fest. Symbol. Game. Art.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Falar da verdade fora do domínio das ciências naturais, em tempos onde o<br />

pensamento científico é tido como parâmetro unil<strong>ate</strong>ral para se alcançar um<br />

conhecimento sólido, é falar não apenas de uma verdade possível para além do alcance<br />

da ciência, mas tratar de uma justificação para essa verdade. Se o projeto cartesiano nos<br />

deu a chave parapensar um conhecimento regido por um método que assegura a<br />

validade dos conhecimentos, a mesma proposta acabou por não considerar instâncias da<br />

experiência humana que não se submeteram a uma metodologia científica, e dessa<br />

forma, acabaram sendo consideradas formas incertas e ou meramente sentimentais de se<br />

empreender uma análise em busca de conhecimento.<br />

Sabe-se que submeter as Geisteswissenschaften aos paradigmas científiconaturais<br />

é afirmar que os saberes das humanidades podem ser justificados e legitimados<br />

por tais métodos, entretanto, a questão deve suscitar um deb<strong>ate</strong> que busque tratar sobre<br />

essa “legitimação”. Cabe às ciências naturais corroborar ou refutar os conhecimentos<br />

desenvolvidos dentro da experiência filosófica, por exemplo? Na dimensão da<br />

489


experiência artística, faz-se preciso a aplicação de critérios metodológicos, oriundos dos<br />

paradigmas da moderna ciência, para fundamentar o todo de tal experiência? Sob qual<br />

medida podem os métodos científicos legitimar os saberes das Ciências Humanas? O<br />

projeto do pensador alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002) busca discutir os limites<br />

de um cientificismo quando esse se coloca enquanto única referencia de respaldo para<br />

refletirmos o pensamento filosófico, a arte e a história.<br />

No prefácio de sua obra, Verdade e Método (1960), o autor direciona um<br />

alerta à metodologia científica aplicada às ciências naturais com o objetivo de mostrar a<br />

insuficiência que esse método possui quando aplicado à investigação de outras<br />

experiências que revelam o fenômeno humano, dentre essas os produtos artísticos. Diz o<br />

hermeneuta<br />

A arte, com efeito, constitui o meio privilegiado pelo qual se compreende a<br />

vida, já que, situada nos confins do saber e da ação, ela permite que a vida se<br />

revele a si mesma em uma profundidade onde a observação, a reflexão e a<br />

teoria já não têm acesso. (GADAMER, 1998, p. 31)<br />

Acerca dessa diretiva crítica, Jean Grondin aponta para a direção exata do<br />

questionamento gadameriano dirigido ao método quando diz que “sua imposição como<br />

o único modelo de conhecimento tende a nos tornar cegos a outros modos de saber.“<br />

(GRONDIN, p. 64).<br />

Se não é aceitável que os saberes da ciência ultrapassem suas margens e<br />

afetem outras instâncias da experiência humana, então assim como na consciência<br />

histórica e na reflexão filosófica, a arte adquire sua efetiva manifestação enquanto<br />

acontecimento de verdade, e como tal se manifesta enquanto experiência de jogo,<br />

símbolo e festa. Em outras palavras, os conceitos de jogo, símbolo e festa são c<strong>ate</strong>gorias<br />

hermenêuticas que nos permitem pensar o fenômeno da arte como experiência de<br />

verdade, para além dos limites impostos pela metodologia científica moderna<br />

490


Jogo e símbolo no experenciar da arte<br />

Gadamer <strong>ate</strong>nta para a importância da arte como jogo. O autor afirma:<br />

A primeira evidência que precisamos alcançar aí é a de que o jogo é uma<br />

função elementar da vida humana, de modo que a cultura humana não é<br />

absolutamente pensável sem um elemento próprio ao jogo. (GADAMER,<br />

2010, p. 163)<br />

Isso diz de um processo de-e-para na experiência humana. Na arte o mesmo<br />

movimento é visível pois, falar da arte enquanto jogo é afirmar que devemos manter<br />

esse ir e voltar pois a experiência que mantemos com a obra nunca é terminado. Não diz<br />

de uma falta ou um déficit, mas assegura a importância de sempre retornar à experiência<br />

manifesta da arte é afirmar que ela pode sempre dizer algo de novo.<br />

Então, tomar a arte como experiência lúdica é afirmar que:<br />

O significado do trabalho de arte nunca é final, assim como um jogo nunca<br />

atinge sua verdadeira finalidade; o jogo pode ser sempre jogado novamente e<br />

os jogadores sempre serão atraídos pelos seus horizontes. (LAWN, 2011, p.<br />

123)<br />

O caráter lúdico da experiência da arte revela que seu acontecimento de<br />

verdade reside no próprio movimento dinâmico entre aquele que produz a obra, a obra<br />

propriamente dita e aquele que a contempla.<br />

Mas, além da arte ser refletida como jogo, sua experiência também pode ser<br />

compreendida enquanto símbolo. Gadamer remonta à compreensão histórica do termo:<br />

Um anfitrião entrega ao seu hóspede a assim chamada “tessera hospitalis”,<br />

isto é, ele parte um vaso, fica com uma metade e entrega a outra metade ao<br />

hóspede para que, se em trinta ou quarenta anos um descendente deste<br />

hóspede voltar uma vez mais à sua casa, as pessoas se reconheçam na junção<br />

dos fragmentos em um todo. Um antigo passaporte – este é o sentido técnico<br />

originário de símbolo. (GADAMER, 2010, p. 172-173)<br />

491


Mesmo apresentando tal concepção sobre as origens do termo, o símbolo<br />

aqui colocado como uma c<strong>ate</strong>goria da experiência da arte quer expressar o retorno que<br />

fazemos a ela em busca de um reconhecimento nosso. Na obra de arte está presente a<br />

possibilidade que temos de autoreconhecimento, pois “nós procuramos nos entender no<br />

trabalho de arte; é por isso que a arte captura e intriga tanto, atirando-nos ao seu<br />

mundo, por mais remoto e distante que este mundo nos pareça inicialmente. ”(LAWN,<br />

2011, p. 126).<br />

A celebração enquanto manifestação da verdade<br />

E se no jogo retornamos à obra de arte por ela ter sempre algo novo a nos<br />

dizer, na arte como símbolo vemos que o conhecimento de nós mesmo é possível em<br />

sua experiência. Então, a partir dessas duas variações podemos abordar a relevância do<br />

caráter festivo da obra de arte. No trabalho A Atualidade do Belo 60 Gadamer enfatiza o<br />

caráter coletivo da festa, a partir do qual ela possui o pressuposto da negação do<br />

isolamento, garantindo assim que a festa é o tempo de todos com todos. O fenômeno da<br />

arte então se apresenta como uma experiência de um tempo em festa.<br />

Gadamer indaga sobre o que seria “festejar uma festa”. Dado o caráter<br />

individualizante do trabalho que, aponta cada um para sua finalidade, o próprio todos<br />

com todos da festa representa o festejar, a união é a justificação da festividade. Mas o<br />

festejar não possui uma dependência necessária de eventos comemorativos triviais,<br />

como Gadamer coloca, um “silêncio solene” já nos diz o motivo de estarmos reunidos.<br />

A experiência que temos diante um primeiro contato em um dado local, o sentimento de<br />

surpresa e de admiração diante tal situação nos causa um silêncio que se multiplica por<br />

todos aqueles que estão presentes no mesmo lugar. Quando percebemos a propagação<br />

unânime desse fenômeno, aí então compreendemos o que nos mantem ali, reunidos,<br />

festejando.<br />

60 Hermenêutica da Obra de Arte (2010, p. 143-194)<br />

492


A análise desenvolvida por Almir Ferreira da Silva Junior sobre a<br />

celebração na experiência da arte torna-se fundamental quando ele afirma que:<br />

[...] o significado da palavra festa (Fest) refere-se à atitude de celebrar, à<br />

ocorrência da comemoração. Ao aparecer em um dado momento,<br />

considerado como festivo, a festa conduz seus participantes ao sentimento de<br />

ânimo festivo. Nessa experiência aqueles que dela fazem parte inserem-se em<br />

um jogo de comemoração de modo que suas preferencias subjetivas e simples<br />

opiniões são ultrapassadas. Vive-se a festa enquanto celebração coletiva.<br />

(JÚNIOR, 2005, p. 130)<br />

Faz-se evidente tal colocação quando vistamos uma exposição ou nos<br />

colocamos diante uma apresentação teatral, diante uma pintura, escultura ou encenação,<br />

reunidos com os demais que ali se encontram, celebramos a festa da obra de arte. O<br />

celebrar que está diante da manifestação da verdade do pintor, essa não carece de uma<br />

justificação metodológica das ciências para que seja legitimada enquanto possibilidade<br />

de verdade. E então, a celebração enquanto reunião ao entorno da manifestação artística,<br />

assegura que não apenas é possível a verdade, mas que além da condição de<br />

possibilidade podemos pensar a verdade para além dos critérios da ciência.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Como podemos atribuir à arte o caráter festivo da festa? Se, como vimos<br />

antes, a arte mostra-se como um jogo de-e-para, como um símbolo que representa nossa<br />

possibilidade de autorreconhecimento, o festejar da obra de arte funciona como um<br />

equalizador quando faz com que todos estejam reunidos diante dela. Na celebração<br />

daquilo que buscamos na experiência artística, esperamos fazer a análise daquilo que<br />

está contido na obra, com o intuito de praticarmos o reconhecimento de si. A arte pode<br />

tanto mostrar quanto ocultar algo.<br />

Como foi dito no início, se não cabe às ciências da natureza empreender<br />

uma análise própria, com métodos próprios, nas humanidades, também é uma proposta<br />

ousada tentar dominar, metodicamente, as experiências no campo da arte. Se<br />

493


concordarmos com a aplicação dos paradigmas científicos nas experiências de verdade<br />

da filosofia, história ou da arte, deixaremos de conceber tais instâncias como portas de<br />

saída de verdades próprias.<br />

Não podemos tomar a experiência da arte como incerta – se partirmos do<br />

que é “verdade” nas ciências naturais e na m<strong>ate</strong>mática – mas precisamos ter a<br />

consciência de que quando o festejar se dá via arte, e por meio dele obtemos respostas<br />

direcionadas à nossa existência, tal modo de conceber o real não é irrelevante, tampouco<br />

incerto.<br />

REFERÊNCIAS<br />

GADAMER, H.-G., Hermenêutica da Obra de Arte . Tradução de Marco Antônio<br />

Casanova. 1ª ed. São Paulo: WMF Martins Fontes Ltda, 2010, 163-194 p.<br />

GRONDIN, J., Hermenêutica . Tradução de Marcos Marcioniio. 1ª ed. São Paulo:<br />

Parábola, 2012, 61-65 p.<br />

LAWN, C., Compreender Gadamer . Tradução Hélio Magrini Filho. 3ª ed. Rio de<br />

Janeiro: Vozes, 2011, 122-127 p.<br />

494


FORMAÇÃO CONTINUADA E PRÁTICA DOCENTE: o CEEI em cena<br />

CONTINUED EDUCATION AND TEACHING PRACTICE: the CEEI in<br />

scene<br />

Francinete Oliveira Colins<br />

Andréa Rodrigues de Souza<br />

Orientador: Prof. Drº José Carlos de Melo<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 1 - Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: A presente pesquisa teve como objetivo analisar a Formação continuada de<br />

professores ofertada pelo curso de extensão em docência em educação infantil-<br />

CEEI/UFMA. O curso ocorreu entre os meses de fevereiro a julho de 2015 e foi<br />

organizado com uma carga horária de 180 horas.Esta pesquisa investigou: Como as<br />

alunas/docentes do curso de extensão em docência em educação infantil analisaram a<br />

formação continuada ofertada pelo CEEI. Assim sendo, as contribuições teóricas desta<br />

pesquisa subsidiaram-se em autores como Kramer (2006), Libâneo (2004), Jabult<br />

(2009), dentre outros por meio de uma revisão literária através de obras como teses,<br />

dissertações, monografias e <strong>artigos</strong> científicos. Esta pesquisa caracteriza-se como uma<br />

pesquisa exploratória que utilizou como instrumento de coleta de dados um questionário<br />

semiestruturado que foi aplicado com dezoito alunas do CEEI/UFMA. A partir das<br />

repostas obtidas, pode-se considerar que a formação continuada ofertada pelo<br />

CEEI/UFMA, foi bem avaliada na visão/percepção das alunas/docentes que concluíram<br />

o curso, pois, a maioria das entrevistadas demonstrou satisfação em relação ao curso.<br />

Constatou-se que o curso em telacontribuiu significativamente para o desenvolvimento<br />

profissional das alunas/docentes, uma vez que adquiriram novos conhecimentos que as<br />

495


auxiliaram a transformarsuas práticas educativas com as criançaspequenas que estão sob<br />

seus cuidados nas instituições de educação infantil.<br />

Palavras Chave: Educação infantil. Formação continuada. Prática docente. CEEI.<br />

ABSTRACT: The present research had as objective to analyze the Continued training<br />

of teachers offered by the extension course in teaching in children education - CEEI /<br />

UFMA. The course took place between February and July 2015 and was organized with<br />

a workload of 180 hours. This research investig<strong>ate</strong>d: How the students / teachers of the<br />

extension course in teaching in early childhood education analyzed the continuing<br />

education offered by the CEEI. Thus, the theoretical contributions of this research were<br />

subsidized by authors like Kramer (2006), Libâneo (2004), Jabult (2009), among others<br />

by means of a literary revision through works such as theses, dissertations, monographs<br />

and scientific articles. This research is characterized as an exploratory research that used<br />

as a data collection instrument a semi-structured questionnaire that was applied with<br />

eighteen students of the CEEI / UFMA. From the answers obtained, it can be considered<br />

that the continuous training offered by the CEEI / UFMA was well evalu<strong>ate</strong>d in the<br />

vision / perception of the students / teachers who concluded the course, since most of<br />

the interviewees demonstr<strong>ate</strong>d satisfaction with the course. It was found that the onscreen<br />

course contributed significantly to the professional development of the students /<br />

teachers, since they acquired new knowledge that helped them to transform their<br />

educational practices with the small children who are under their care in the institutions<br />

of early childhood education.<br />

Keywords:Child education. Continuing education. Teaching practice. CEEI.<br />

496


1 INTRODUÇÃO<br />

A presente pesquisa teve como objetivo analisar a Formação continuada de<br />

professores ofertada pelo curso de extensão em docência em educação infantil-<br />

CEEI/UFMA. O curso ocorreu entre os meses de fevereiro a julho de 2015 e foi<br />

organizado com uma carga horária de 180 horas.<br />

Considerando a importância da formação continuada para os docentes da<br />

educação infantil da rede municipal de ensino de São Luís e dos municípios adjacentes,<br />

esta pesquisa investigou: Como as alunas/docentes do curso de extensão em docência<br />

em educação infantil analisaram a formação continuada ofertada pelo CEEI?<br />

Realizou-se um estudo teórico e uma investigação empírica. As<br />

contribuições teóricas desta pesquisa subsidiaram-se em autores como Kramer (2006),<br />

Libâneo (2004), Jabult (2009), dentre outros por meio de uma revisão literária através<br />

de obras como teses, dissertações, monografias e <strong>artigos</strong> científicos. Esta pesquisa<br />

caracteriza-se como uma pesquisa exploratória, que segundo Andrade (2004), tem como<br />

intento munir o autor com informações mais detalhadas sobre o tema a ser investigado,<br />

facilitando sua delimitação e orientando a fixação dos objetos e a formulação das<br />

hipóteses ou descobrir um novo tipo de enfoque para o assunto.<br />

Como instrumento de coleta de dados utilizou-se de um questionário<br />

semiestruturado que foi aplicado com dezoito alunas do CEEI/UFMA. O questionário<br />

semiestruturado combina perguntas fechadas (ou estruturadas) e abertas, onde o<br />

entrevistado tem a possibilidade de discorrer o tema proposto, sem respostas ou<br />

condições prefixadas pelo pesquisador (MINAYO, 2004, p.108).<br />

Este trabalho está estruturado da seguinte forma: na primeira parte tem-se<br />

uma pequena introdução, na qual é possível perceber os objetivos da pesquisa e a<br />

metodologia utilizada para sua realização, a segunda parte traz uma breve reflexão sobre<br />

o processo de formação continuada de professores na Educação Infantil, seguida da<br />

análise dos dados da pesquisa, onde analisamos a formação continuada de professores<br />

ofertada pelo curso de extensão em docência em educação infantil- CEEI/UFMA a<br />

497


partir da visão/percepção das alunas/docente que concluíram a primeira turma do curso<br />

e por fim apresentamos as considerações finais.<br />

2 A FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO<br />

INFANTIL<br />

Nas últimas décadas, as discussões acerca da formação de professores que<br />

atuam na educação infantil apontam para um novo olhar, tanto dos docentes, quanto por<br />

parte da escola, oferecendo oportunidades para melhorar o desempenho destes<br />

profissionais. A educação infantil é uma etapa importantíssima na vida da criança,<br />

portanto necessita de formação adequada para atuar neste segmento de ensino, conforme<br />

as determinações legais, que propõe uma formação específica que <strong>ate</strong>nda as<br />

especificidades da criança e seu pleno desenvolvimento.<br />

A formação continuada de professores tem um histórico recente no Brasil,<br />

pois ela só vai intensificar-se a partir da década de 1980, quando ela se diferencia da<br />

formação inicial em relação aos objetivos, conteúdos e tempo de duração. A formação<br />

continuada é vista por muitos estudiosos como uma medida necessária (BRASIL, 2002).<br />

Até a promulgação da LDB n° 9.394/96, não existia uma preocupação<br />

acerca da formação de professores para atuar na educação infantil. De acordo com<br />

Souza (2015), a formação inicial de quem trabalhava com educação infantil no Brasil,<br />

principalmente das profissionais que atuavam em creches, nas décadas de 1970 e 1980,<br />

era inexistente como habilitação profissional e insuficiente para o desenvolvimento do<br />

trabalho com crianças.<br />

A partir da LDB, apontou-se a formação superior em cursos de licenciatura<br />

plena como necessária para o exercício da profissão docente, aceitando-se como<br />

formação mínima o Curso Normal em Nível Médio para a habilitação dos professores<br />

de Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A realidade brasileira<br />

mostra que por um longo período muitas pessoas exerceram a função de professores<br />

sem ter habilitação (JABULT, 2009).<br />

498


A discussão acerca da necessidade de uma formação específica para<br />

trabalhar com crianças pequenas tem aumentado a cada ano, os deb<strong>ate</strong>s giram em torno,<br />

tanto de uma formação inicial que <strong>ate</strong>nda às necessidades da criança, como também<br />

uma formação continuada que possa suprir os percalços deixados pela formação inicial.<br />

Todavia, é preciso considerar que:<br />

A formação continuada não pode ser, portanto, algo eventual: nem apenas um<br />

instrumento destinado a suprir deficiências de uma formação inicial mal feita<br />

ou de baixa qualidade, mas, ao contrário, deve ser sempre parte integrante do<br />

exercício profissional do professor (BRASIL, 2002, p.64).<br />

A formação continuada faz parte de um processo permanente de<br />

desenvolvimento profissional e deve ser assegurada a todos os profissionais da<br />

educação, devendo esta propiciar atualizações, aprofundamento das temáticas<br />

educacionais e apoiar-se numa reflexão sobre a prática educativa, promovendo um<br />

processo constante de auto avaliação que oriente a construção contínua de competências<br />

profissionais (BRASIL, 2002).<br />

Sabe-se que embora a formação continuada seja um direito garantido por lei<br />

aos profissionais da Educação Básica (incluindo a Educação Infantil) e esteja<br />

contemplado em diferentes documentos relacionados à educação, o acesso e as<br />

condições na qual elas são ofertadas, ainda se configuram como um desafio a ser<br />

superado, conforme ressalta Krammer (2006, p.804):<br />

A formação de profissionais da educação infantil – professores e gestores – é<br />

desafio que exige a ação conjunta das instâncias municipais, estaduais e<br />

federal. Esse desafio tem muitas facetas, necessidades e possibilidades, e<br />

atuação, tanto na formação continuada(em serviço ou em exercício, como se<br />

tem denominado a formação daqueles que já atuam como professores) quanto<br />

na formação inicial no ensino médio ou superior.<br />

Sobre a ofertada formação inicial e continuada para a educação infantil, a<br />

LDB em seu artigo 62, inciso 1°, determina que: “a União, o Distrito Federal, os<br />

Estados e osMunicípios, em regime de colaboração, deverão promover a formação<br />

inicial, a continuada e a capacitação dos profissionais de magistério” (BRASIL, 1996, p.<br />

43).<br />

499


Atualmente, quando se discorre sobre importância da formação continuada<br />

para os professores que atuam na educação infantil, observa-se que ainda não foi dada a<br />

devida valorização a esses profissionais, assim como para o público dessa etapa. Sendo<br />

assim, é preciso que haja modificação efetiva nas ações, no comportamento e na<br />

maneira de pensar dos sujeitos envolvidos neste processo de construção, cuja etapa<br />

precisa de profissionais competentes, o que exige qualificação adequada desde sua<br />

formação inicial até a continuada, necessitando assim de melhorias nas condições de<br />

trabalho para desenvolver sua prática. Nesta perspectiva, Giovani (1998),<br />

ressalta que:<br />

A formação profissional não pode mais se reduzir aos espaços formais e<br />

escolarizados, organizados com esse fim. Ela precisa ser concebida como<br />

algo que pode se dar antes, durante e depois do processo formal, como<br />

espaços de reflexão sobre o próprio trabalho. Ou seja, precisa ser concebida<br />

como processo de desenvolvimento que se inicia no momento da escolha da<br />

profissão, percorre os cursos de formação inicial e se prolonga por todos os<br />

momentos de exercício profissional ao longo da carreira, incluindo as<br />

oportunidades de novos cursos, projetos, programas de formação continuada<br />

(GIOVANI, 1998, p. 47).<br />

Para acompanhar as mudanças determinadas pelo contexto atual e <strong>ate</strong>nder<br />

suas demandas, o profissional necessita estar constantemente empenhado em se<br />

aprimorar cada vez mais, e desenvolver novas competências e habilidades, no que se<br />

refere à sua prática docente, cumprindo assim o papel de agente transformador,<br />

necessitando que ele se reinvente o tempo todo. Sendo assim, a LDB n°.9.394/96 propôs<br />

mudanças significativas ao papel do professor, que passa a ter uma formação voltada<br />

para a profissionalização aliando teoria à prática docente. Diante do exposto Nadolny e<br />

Garanhani (2008, p.11465) destacam:<br />

A partir da LDB (1996) as políticas públicas de Educação Infantil foram<br />

tomando caminhos mais definidos no que se refere à formação de seus<br />

profissionais. Novos elementos são considerados na discussão sobre os<br />

diferentes espaços e tempos de formação, articulando a valorização do<br />

profissional que atua com a criança de 0 a 6 anos, bem como as<br />

responsabilidades educativas que se espera dele.<br />

500


O processo pedagógico de formação continuada dos professores é algo<br />

necessário e fundamental para que os mesmos possam superar dificuldades e alcançar os<br />

objetivos que a LDB atual prevê para a educação básica. Os programas de formação<br />

continuada de professores são muito importantes para que se alcance uma educação<br />

infantil de qualidade. É necessário que esses programas proporcionem aos professores<br />

um processo de reflexão sobre a sua prática, a fim de auxilia-los a tomar decisões sobre<br />

a melhor forma de mediar a aprendizagem e o desenvolvimento infantil em sala de aula.<br />

Após a publicação da LDB, uma série de programas foram criados voltados<br />

para a formação inicial e para a formação continuada de professores para a educação<br />

infantil. Desde 2007, O MEC por meio de SEB, juntamente com as Universidades tem<br />

firmado parcerias junto das Secretarias de Educação dos Municípios. Neste contexto, foi<br />

criado o Curso de Extensão em Educação Infantil – CEEI, uma parceria entre a UFMA,<br />

o MEC e a SEMED de São Luís e dos municípios próximos. O CEEI foi o objeto de<br />

estudo desta pesquisa, cuja proposta foi analisar a formação continuada de professores<br />

em educação infantil a partir da primeira turma do curso de extensão em docência em<br />

educação infantil – CEEI/ UFMA. A seguir serão discutidos os resultados da pesquisa.<br />

3 O CEEI EM CENA: A VISÃO/PERCEPÇÃO DAS ALUNAS SOBRE O CURSO<br />

O CEEI é resultado de uma parceria firmada entre o MEC, a UFMA por<br />

meio do Núcleo de Educação e Infância – NEIUFMA e os municípios de São Luís,<br />

Icatú, Paço do Lumiar, São José de Ribamar e Raposa. O curso teve como objetivo<br />

geral formar, em nível de extensão professores, coordenadores, diretores de creches e<br />

pré-escolas da rede pública do município da grande São Luís.<br />

Voltado para a formação continuada de professores da área da educação<br />

infantil, o curso visou contribuir com a formação dos educadores infantis no estado do<br />

Maranhão e teve por horizonte os “Fundamentos e Organização do Trabalho Docente na<br />

Educação Infantil”, visto que há uma urgência em se pensar os processos pedagógicos<br />

que levem em consideração as especificidades da educação infantil.<br />

501


A coordenação do curso ficou sob a responsabilidade do Prof. Dr. José<br />

Carlos de Melo e teve como coordenadora adjunta a Profª Msc. Edith Maria Batista<br />

Ferreira. O curso foi desenvolvido entre os meses de fevereiro de 2015 a julho de 2015<br />

e foi organizado com uma carga horária de 180 horas.<br />

Para a realização desta pesquisa, foi aplicado um questionário<br />

semiestruturado com perguntas abertas e fechadas com 18 professoras oriundas da rede<br />

municipal da cidade de São Luís e dos municípios adjacentes. Estas professoras<br />

participaram da primeira turma do CEEI. O objetivo desta pesquisa é conhecer a<br />

visão/percepção das alunas/docentes que participaram da primeira turma do CEEI em<br />

relação ao curso. Buscou-se saber como as alunas/docentes avaliam os conteúdos<br />

abordados no curso, o engajamento da coordenação para o desenvolvimento do curso, a<br />

atuação dos docentes que ministraram o curso, e por fim, se elas recomendariam o<br />

curso.<br />

Questionou-se inicialmente sobre os conteúdos abordados durante o curso,<br />

sendo assim, foram colocadas as alunas/docentes as seguintes opções: Ruim, fraco,<br />

bom, ótimo e excelente. A pesquisa revelou que 56% das professoras entrevistadas, ou<br />

seja, 10/18 pessoas avaliaram como ótimo os conteúdos ministrados no CEEI.<br />

Embora não seja nosso objetivo nessa pesquisa discutirmos os tipos de<br />

avaliação precisamos entender um pouco sobre a avaliação educacional que à avaliação<br />

da aprendizagem ou do desempenho escolar ou profissional, bem como à avaliação de<br />

currículos, para compreendermos a importância da avaliação dos conteúdos abordados<br />

durante o curso. Sobre a avaliação educacional, Belloni, Magalhães e Sousa (2007, p.<br />

16) ressaltam:<br />

A avaliação educacional concentra-se na avaliação de situações de<br />

aprendizagem, isto é, quando um indivíduo ou grupos são submetidos a<br />

processos ou situações com vistas à aquisição de um novo conhecimento,<br />

habilidade ou atitude: refere-se, assim, a análise de desempenho de<br />

indivíduos os grupos, seja após uma situação de aprendizagem, ou<br />

regularmente, no exercício de uma atividade, em geral, profissional. É<br />

também avaliação educacional aquela que se destina a análise de currículos<br />

ou programas de ensino, seja de um curso (ex: engenharia ou pedagogia), seja<br />

de um nível de ensino (ex: ensino fundamental), seja de uma modalidade (ex:<br />

502


magistério de nível médio), seja de cursos de formação profissional de curta<br />

duração (ex: panificação).<br />

Os autores destacam que esse tipo de avaliação se concentra nas situações<br />

de aprendizagem, neste caso, o grupo avaliou o currículo do curso que contém em sua<br />

estrutura conhecimentos diversificados que vão desde a construção do conceito de<br />

infância e educação infantil até o desenvolvimento da sua profissionalização e<br />

identidade profissional. Conforme constatado na pesquisa os conteúdos abordados no<br />

CEEI, foram bem avaliados pelas alunas/docentes que participaram do curso.<br />

Buscou-se saber nesta pesquisa como as alunas/docentes avaliaram o<br />

engajamento da coordenação/UFMA para o desenvolvimento do curso. Sobre esta<br />

pergunta foram colocadas a elas as seguintes opções: excelente, ótimo, bom, ruim e<br />

muito ruim. A pesquisa apresentou um resultado satisfatório, pois, 09/18<br />

alunas/docentes entrevistadas, ou seja, 50% consideram que foi ótimo.<br />

É importante compreendermos que a avaliação é um momento de reflexão<br />

sobre os problemas educacionais e envolve todos que fazem parte da comunidade<br />

educacional (administradores, supervisores, coordenadores e professores). Por isso,<br />

existe uma necessidade de investigarmos o desempenho dos coordenadores e<br />

professores para que o curso se desenvolvesse da melhor forma possível. O refletir<br />

associado à avaliação decorre da necessidade de promover um ensino/educação que seja<br />

de qualidade (VIANA, 2005).<br />

Na pesquisa, outro ponto importante referiu-se à atuação docente. Buscou-se<br />

saber como foi avaliada a atuação docente em relação ao acompanhamento das<br />

atividades do curso na visão/percepção das alunas/docentes. O objetivo era saber se as<br />

alunas/docentes tiveram acompanhamento das professoras durante o curso. A pesquisa<br />

mostrou que 10/18 alunas avaliaram ótimo o acompanhamento dos docentes durante as<br />

atividades, ou seja, 56% das entrevistadas.<br />

É importante destacar que a avaliação de desempenho de professores tem se<br />

tornado cada vez mais frequente, sabe-se que o professor ocupa um papel muito<br />

importante dentro das escolas e das universidades, dele depende a produtividade de uma<br />

503


escola. Libâneo (2004), afirma que é preciso encarar esse tipo de avaliação de uma<br />

forma decidida, porém cautelosa:<br />

O trabalho do professor não se presta a análise meramente quantitativa, não é<br />

uma profissão na qual basta seguir uma experiência de atos automatizados.<br />

Boa parte das ações docentes não está constantemente sobre o controle da<br />

consciência porque resultam de modos de agir e hábitos já consolidados.<br />

Além disso, há uma boa dose de imprevisibilidade e improvisação. Por outro<br />

lado, isso não pode levar a descartar a avaliação das características, da<br />

qualidade e da eficácia do trabalho do professor, porque, em boa parte, é dele<br />

que depende o êxito escolar dos alunos e a realização dos objetivos essenciais<br />

das escolas. Há muito pouco progresso concreto na investigação dos<br />

instrumentos de avaliação de professor (ainda que reconhecendo avanços na<br />

concepção crítico-reflexiva). Os diretores de escolas e os coordenadores<br />

pedagógicos precisam, todavia, enfrentar o desafio de avaliação qualitativa<br />

da atividade docente através da observação sistemática de aulas e do diálogo<br />

e da reflexão conjunta com os professores, como uma condição do<br />

desenvolvimento profissional (LIBÂNEO, 2004, p. 152-153).<br />

Diante da fala do autor, constata-se que existe hoje também, uma<br />

necessidade de avaliar os professores, pois, deles dependem o êxito escolar dos alunos.<br />

Contudo, essa avaliação deve ocorrer, através da observação, do diálogo e da reflexão<br />

conjunta entre professores e coordenadores. Sabe-se que a avaliação de professores é<br />

fundamental para melhorar o seu desempenho e, consequentemente melhorar a<br />

qualidade do ensino/aprendizagem.<br />

Por fim as alunas/docentes que participaram do curso foram questionadas se<br />

elas recomendariam o curso a outros professores. A pesquisa apresentou um resultado<br />

satisfatório, pois, 17/18 alunas/docentes que responderam ao questionário afirmaram<br />

que recomendariam o curso a outros professores. Com base nestes dados podemos<br />

afirmar que o CEEI/UFMA foi bem avaliado na visão/percepção das alunas/docentes<br />

que participaram do curso, suprindo as necessidades de formação continuadas das<br />

professoras de educação infantil.<br />

504


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Com base nesta pesquisa entendemos que a formação continuada faz parte<br />

de um processo permanente de desenvolvimento profissional e deve ser assegurada por<br />

lei a todos os profissionais da educação. A presente pesquisa analisou a Formação<br />

continuada de professores ofertada pelo curso de extensão em docência em educação<br />

infantil- CEEI/UFMA. O objetivo desta pesquisa foi conhecer a visão/percepção das<br />

alunas/docentes que participaram da primeira turma do CEEI em relação ao curso.<br />

A partir das repostas obtidas, pode-se considerar que a formação continuada<br />

ofertada pelo CEEI/UFMA, foi bem avaliada na visão/percepção das alunas/docentes<br />

que concluíram o curso, pois, a maioria das entrevistadas demonstrou satisfação em<br />

relação ao curso. Constatou-se que o curso em telacontribuiu significativamente para o<br />

desenvolvimento profissional das alunas/docentes, uma vez que adquiriram novos<br />

conhecimentos que as auxiliaram a transformarsuas práticas educativas com as<br />

criançaspequenas que estão sob seus cuidados nas instituições de educação infantil.<br />

Espera-se por meio desta pesquisa contribuir para uma reflexão acerca do<br />

Curso de Extensão em Docência em Educação Infantil- CEEI/UFMA, a fim de<br />

colaborar para a melhoria das próximas turmas.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ANDRADE, Maria Margarida de. Como preparar trabalhos para cursos de pósgraduação:<br />

noções práticas. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2004.<br />

BELLONI, Isaura; MAGALHÃES, Heitor de; SOUSA, Luzia Costa de. Metodologia<br />

de avaliação em políticas públicas: uma experiência em educação profissional. São<br />

Paulo: Cortez, 2007.<br />

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Lei de Diretrizes e Bases da<br />

Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.<br />

______ . Referenciais para a Formação de professores. Brasília: 2002.<br />

505


GIOVANI, Luciana Maria. Do professorinformante ao professor parceiro: reflexões<br />

sobre o papel da universidade para o desenvolvimento profissional de professores e as<br />

mudanças na escola. In: O professor e o ensino: novos olhares. Cadernos Cedes, n. 44.<br />

Campinas, Unicamp, p. 46-58, 1998.<br />

JALBUT, Magdalena Viggiani. Formação inicial de professores em nível superior:<br />

elementos indicativos para um currículo inovador. São Paulo: PUC, 2009. Dissertação<br />

de Mestrado em Educação.<br />

KRAMER, Sônia. As crianças de 0 a 6 anos nas políticas educacionais no Brasil:<br />

educação infantil e/é fundamental. Revista Educação & Sociedade, Campinas, vol. 27,<br />

n. 96 - Especial, p. 797-818, out. 2006.<br />

LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: teoria e prática. 5. ed.<br />

Goiânia: Editora Alternativa, 2004.<br />

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa<br />

em saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004.<br />

NADOLNY, Lorena de Fatima; GARANHANI, Marynelma Camargo. O processo de<br />

formação continuada de profissionais da educação infantil: em cena “saberes do<br />

movimento”. Paraná, 2008. Disponível em:<br />

http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2008/anais/pdf/499_914.pdf.<br />

Acesso: 20/08/2016.<br />

SOUZA, Andrea Rodrigues de. Formação de professores na Educação Infantil: um<br />

olhar sobre a formação continuada das professoras ingressantes na primeira<br />

turma do CEDEI. Monografia de conclusão de Curso de Pedagogia. Universidade<br />

Federal do Maranhão, São Luís: 2015.<br />

VIANNA, Heraldo Marelim. Fundamentos de um Programa de Avaliação<br />

Educacional. Brasília: Liber Livros, 2005.<br />

506


FOTOGRAFIA: A singularidade no olhar fotográfico do imagético social de Márcio<br />

Vasconcelos<br />

PHOTOGRAPHY: The singularity in the photographic gaze of the social imagery of<br />

Márcio Vasconcelos<br />

Walter Rodrigues Marques,<br />

mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Gestão de Ensino da<br />

Educação Básica (PPGGEEB) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).<br />

José Murilo Moraes dos Santos,<br />

mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Educação-UFMA.<br />

Luís Félix de Barros Vieira Rocha,<br />

mestrando pelo PPGGEEB-UFMA.<br />

Antonio de Assis Cruz Nunes –<br />

Doutor em Educação (Unesp/Marília).<br />

Professor e Coordenador do<br />

Programa de Pós-Graduação em<br />

Gestão de Ensino da Educação Básica/UFMA–Orientador.<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O presente artigo é uma versão condensada de monografia apresentada em<br />

2011 na Universidade Federal do Maranhão, no curso de Educação Artística, com foco<br />

na atuação do fotógrafo Márcio Vasconcelos que tem um olhar para a temática social,<br />

cultura popular, religião afro-maranhense. Márcio Vasconcelos se intitula “autodidata e<br />

independente”, pois não está a serviço de outrem, portanto, voltado para produção<br />

independente, “autoral”, onde elabora e executa seus projetos, submetendo-os aos<br />

editais da cultura, dentre os quais, Petrobrás Cultural e Minc. Recebeu diversos prêmios<br />

nacionais e internacionais, como o 1º Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-<br />

Brasileiras/2010 da Fundação Cultural Palmares/Petrobrás com o projeto “Zeladores de<br />

Voduns do Benin ao Maranhão”; “Nagon Abioton – Um Estudo Fotográfico e Histórico<br />

507


sobre a Casa de Nagô”, Lei Rouanet e no Programa Petrobrás Cultural/2009, editado em<br />

livro sobre um dos terreiros mais antigos do Tambor de Mina no Maranhão; Ensaio<br />

fotográfico “Na trilha do Cangaço – um ensaio pelo sertão que Lampião pisou”, projeto<br />

contemplado em 2010 com o XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, disponível<br />

em http://www.natrilhadocangaco.com.br/ensaio.php, (atualmente, se encontra editado<br />

em livro). A pesquisa pretende contribuir para a produção científica no espaço<br />

acadêmico da fotografia no Maranhão, sem pretensão de esgotar o tema, mas fomentar e<br />

instigar novas pesquisas, tendo em vista a abordagem escolhida. É sustentada<br />

teoricamente por: Freund (1995), Kubrusly (2006) e outros. Apresentar-se-á as ideias<br />

gerais do escopo geral da monografia como o surgimento da fotografia e o curto tempo<br />

em que esta chegou ao Maranhão. Invenção anunciada publicamente pela Academia de<br />

Ciências de Paris em 1839, a fotografia chegara ao Maranhão em 1846, segundo o<br />

Album do Maranhão em 1908, Gaudêncio Cunha (1987). A arte maranhense é rica em<br />

diversidade, está intrinsecamente ligada à cultura popular – o branco, o negro, o índio,<br />

todos estão presentes na arte produzida no Maranhão, seja nas artes visuais, teatro,<br />

música, dança; nas manifestações culturais: Bumba-meu-boi, ritos, mitos, reggae,<br />

Terecô, Divino Espírito Santo.<br />

Palavras-chave: Fotografia, História da fotografia maranhense, Leis de incentivo à<br />

cultura, prática cultural.<br />

ABSTRACT: This article is a condensed version of a monograph presented in 2011 at<br />

the Federal University of Maranhão, in the Artistic Education course, focusing on the<br />

performance of the photographer Márcio Vasconcelos, who looks at the social, popular<br />

culture and Afro-Maranhense religion. Márcio Vasconcelos is called "self-taught and<br />

independent", because he is not at the service of others, therefore, turned to independent<br />

production, "author", where he elabor<strong>ate</strong>s and executes his projects, submitting them to<br />

the edicts of culture, among which, Petrobras Cultural and Minc. He has received<br />

several national and international awards, such as the 1st National Award for Afro-<br />

Brazilian Cultural Expressions / 2010 of the Palmares / Petrobrás Cultural Foundation<br />

508


with project "Keepers of Voduns from Benin to Maranhão"; "Nagon Abioton - A<br />

Photographic and Historical Study on the House of Nagô", Law Rouanet and in the<br />

Program Petrobrás Cultural / 2009, edited in book about one of the oldest terreiros of<br />

the Mine Drum in Maranhão; Photographic essay "On the Cangaço trail - an essay in the<br />

backlands that Lampião stepped on", a project contempl<strong>ate</strong>d in 2010 with the XI<br />

Funarte Marc Ferrez Photography Prize, available at<br />

http://www.natrilhadocangaco.com.br/ensaio.php, ( currently, it is published in a book).<br />

The research intends to contribute to the scientific production in the academic space of<br />

photography in Maranhão, without pretension to exhaust the theme, but to foment and<br />

instig<strong>ate</strong> new researches, considering the chosen approach. It is theoretically supported<br />

by Freund (1995), Kubrusly (2006) and others. The general ideas of the general scope<br />

of the monograph will be presented as the appearance of the photograph and the short<br />

time in which it arrived in Maranhão. Invention announced publicly by the Academy of<br />

Sciences of Paris in 1839, the photograph had arrived in Maranhão in 1846, according<br />

to the Album of Maranhão in 1908, Gaudêncio Cunha (1987); The Maranhense art is<br />

rich in diversity, it is intrinsically linked to popular culture - white, black, Indian - all<br />

are present in the art produced in Maranhão, whether in the visual arts, the<strong>ate</strong>r, music,<br />

dance; in cultural manifestations: Bumba-meu-boi, rites, myths, reggae, Terecô, Divino<br />

Espírito Santo.<br />

Keywords: Photography, History of Maranhão photography, Laws of incentive to<br />

culture, cultural practice.<br />

509


INTRODUÇÃO<br />

“O conhecimento das imagens, de sua origem,<br />

suas leis é uma das chaves de nosso tempo.<br />

[...]. É o meio também de julgar o passado<br />

com olhos novos e pedir-lhe esclarecimentos<br />

condizentes com nossas preocupações presentes,<br />

refazendo uma vez mais a história à nossa medida,<br />

como é o direito de cada geração”.<br />

(Pierre Francastel, A Realidade Figurativa)<br />

O tempo em que foi escrita e apresentada a monografia (2011) o Orkut<br />

estava em voga, mas rapidamente foi substituído pelo Facebook, os quais como redes<br />

sociais são o local onde a produção fotográfica geral é exposta.<br />

Das formas de expressão visual da realidade social, a fotografia é aquela que<br />

ainda procura o seu lugar na sociabilidade contemporânea. Talvez porque<br />

tenha sido, por muito tempo, a mais popular de todas, ao alcance de um leque<br />

amplo de usuários e instrumentalizada por uma variedade significativa de<br />

imaginários. A que se deve agregar, em conseqüência, a diversidade de suas<br />

funções: das puramente técnicas às puramente artísticas, passando pelas<br />

relativas ao lazer e à memória do homem comum (MARTINS, 2009, p. 33).<br />

Inicia-se o presente trabalho com os aspectos históricos da fotografia,<br />

inerentes à sua condição e estatuto de ser ou não arte, até que ponto o é ou a partir de<br />

onde deixa de ser. Em seguida apresenta-se um panorama da História da fotografia no<br />

Maranhão, ressaltando, inclusive, a velocidade com que esta chegou a este lado do<br />

Atlântico – 1846, já havia atividade fotográfica em terras maranhenses – e sua invenção<br />

foi anunciada publicamente pela Academia de Ciências de Paris em 1839.<br />

As bases bibliográficas não são muito diversas, mas foi tomado por<br />

referência o Album do Maranhão em 1908, de Gaudêncio Cunha, edição de 1987 e 2ª<br />

edição (2008 – Academia Maranhense de Letras). O original não foi impresso, portanto,<br />

artesanal, é de exemplar único e pertence ao acervo do Museu Histórico e Artístico do<br />

Maranhão (MHAM).<br />

510


Abordar-se-á também a questão do mercado de arte em São Luís, com<br />

ênfase para o item editais nacionais e estaduais. Como os fotógrafos estão se<br />

organizando em vista a esse mercado multifacetado e de mão dupla, onde talvez não<br />

haja a opção de trabalhar apenas de forma independente, mas com um pé dentro e outro<br />

fora da máquina estatal. Se enquadra neste perfil o fotógrafo, objeto deste estudo,<br />

Márcio Vasconcelos que, realiza o trabalho que gosta de fazer, que é o “autoral”, onde<br />

cria e idealiza o projeto, no viés cultura popular, mas que termina por beber na fonte<br />

estatal, submetendo seus projetos a editais. Tem também o lado comercial, que é<br />

realizar trabalhos para agências de publicidade. No caso de Márcio Vasconcelos, este<br />

relata ter uma enorme variedade de fotografias com temáticas direcionadas, na<br />

modalidade série de fotografias de cultura popular, uma série de culinária, prédios<br />

históricos, praia, etc.<br />

Por fim, a produção fotográfica de Márcio Vasconcelos, sobretudo, no<br />

concernente à cultura popular, a simbologia das imagens, o antes e o depois –<br />

antecedentes e conseqüentes das fotografias – como era antes, como será que ficou<br />

depois delas. São abordados três trabalhos do fotógrafo Márcio Vasconcelos, a saber:<br />

Projeto Nagon Abioton – um estudo fotográfico e histórico sobre a Casa de Nagô<br />

(livro); Projeto Zeladores de voduns – do Benin ao Maranhão (exposição fotográfica);<br />

Na trilha do cangaço – um ensaio pelo sertão que Lampião pisou (site).<br />

2 FOTOGRAFIA<br />

Primeira imagem do encontro entre o homem e a máquina, a fotografia<br />

rompe com o sistema de representação de imagens do século XIX e instaura<br />

uma nova forma de visualidade: “(...) pela primeira vez, no processo de<br />

reprodução da imagem, a mão foi liberada das responsabilidades artísticas<br />

mais importantes” (MELLO, 1998. p. 14).<br />

O que é fotografia? Cabe aqui esta pergunta, muito embora não se possa<br />

encontrar uma resposta tão fácilmente, ou uma única resposta. Segundo Kubrusly<br />

(2006) tal resposta a esta pergunta é um tanto intrigante, prefere responder através de<br />

uma resposta dada por um menino ao seguinte questionamento:<br />

511


O que é fotografia? Fotografia?...É quando a televisão para de mexer, fica<br />

tudo paradinho e a gente pode olhar as coisas devagar. É o maior barato! A<br />

resposta é intrigante: substituir o fluir da própria vida, o passar incessante do<br />

tempo, o correr de um filme ou de uma fita de vídeo. Fotografar passa a ser o<br />

ato de parar o fluir de uma imagem já existente, não o processo de obtenção e<br />

reprodução dessa imagem (p. 8-9).<br />

Muitas serão as tentativas de resposta, mas nenhuma é considerada<br />

satisfatória, haja vista, o leque de possibilidades a que leva cada um dos<br />

questionamentos, de respostas que mais perguntam que respondem.<br />

A possibilidade de parar o tempo, retendo para sempre uma imagem que<br />

jamais se repetirá? Um processo capaz de gravar e reproduzir com perfeição<br />

imagem de tudo que nos cerca? Um documento histórico, prova irrefutável de<br />

uma verdade qualquer? Ou a possibilidade mágica de preservar a fisionomia,<br />

o jeito e até mesmo um pouquinho da alma de alguém de quem gostamos?<br />

Ou apenas uma ilusão? [...] Fotografia é tudo isso e mais um monte de coisas<br />

também (KUBRUSLY, 2006, p. 8-9).<br />

A citação acima demonstra o quanto é realmente difícil chegar-se a uma<br />

resposta satisfatória, pois o que a câmera produz é mesmo uma coisa fascinante. Quanto<br />

mais se pergunta acerca desse objeto que permeia o século XIX, mais questionamentos<br />

se terá, pois, a efervescência do mundo em transformação pelo advento da indústria é<br />

tamanha que, para aquela sociedade, pode mesmo ser considerada como algo mágico,<br />

um milagre!<br />

A História tem suas fases evolutivas e as expressões artísticas estão contidas<br />

nesse processo. Cada momento da História vê nascer modos de expressão artística<br />

particulares, correspondendo ao caráter político, às maneiras de pensar e aos gostos<br />

da época. Ressalta que o gosto não é uma manifestação inexplicável da natureza<br />

humana, este é formado em função de características próprias de cada sociedade e sua<br />

estrutura social no processo de evolução. No tempo de Luís XVI, época em que a<br />

burguesia se tornou (tornava, ascendia) próspera, ela deleitou-se em dar um caráter<br />

512


principesco aos seus retratos, pois o gosto era determinado pela classe que detinha o<br />

poder, à época – a nobreza (FREUND, 1995, p. 19).<br />

Quando a burguesia ascende ao poder, muda-se a clientela e também o gosto<br />

sofre transformações. Não é mais o estilo principesco o tipo ideal, pois a burguesia<br />

fazia-se representar a tal estilo para se aproximar da representação estabelecida pela<br />

ordem vigente. Haja vista a mudança da classe detentora do poder, da nobreza para a<br />

burguesia, não mais se fazia necessário representar-se como o outro, pois não era mais<br />

preciso imitar os ideais nobres.<br />

No seu lugar aparecia o rosto burguês. A sobrecasaca e a cartola substituemse<br />

ao traje de rendas e à peruca, a bengala substitui a espada. [...] A<br />

civilização da Corte, dá lugar à cultura burguesa, o desenho de Ingres,<br />

corresponde às tendências realistas da época e ao gosto de uma burguesia<br />

convencional. Assim, cada sociedade produz formas definidas de expressão<br />

artística que, em grande medida, nascem das suas exigências e das suas<br />

tradições, que por sua vez reflectem (FREUND, 1995, p. 19).<br />

Freund (1995) afirma ainda que, qualquer modificação na estrutura social<br />

influi tanto no tema quanto nas modalidades da expressão artística. Durante o século<br />

XIX, era da máquina e do capitalismo moderno, modifica-se o caráter dos rostos nos<br />

retratos e também a técnica da obra de arte.<br />

Os modos de expressão sofrem transformações até então desconhecidas. O<br />

processo de transformação de outrora, obedecia a certos critérios de velocidade, seguia<br />

um lento e gradual desgaste da ordem vigente, para então dá um salto. Com o progresso<br />

mecânico, impulsiona-se uma série de processos que iriam influenciar<br />

consideravelmente a<br />

evolução ulterior da arte. Com a litografia, inventada em 1798 por Alois<br />

Senefelder, [...] deu-se um grande passo para a democratização da arte. A<br />

invenção da fotografia foi decisiva para essa evolução. Na vida<br />

contemporânea a fotografia desempenha um papel capital. Quase não existe<br />

uma actividade humana que não a empregue, [...] tornou-se indispensável<br />

para a ciência e para a indústria. Está na origem da mass media como o<br />

cinema, a televisão e as videocassettes. De ora em diante a fotografia faz<br />

parte da vida quotidiana. [...] o seu poder de reproduzir exactamante a<br />

realidade exterior – poder inerente à sua técnica – empresta-lhe um caráter<br />

513


documental e fá-la aparecer como o processo de reprodução mais fiel, o mais<br />

imparcial, da vida social (FREUND, 1995, p. 20).<br />

Como a fotografia nasce na efervescência da Máquina, do Mundo Industrial<br />

e a indústria parecia ter vinda para sanar os problemas da humanidade, pois esta tornava<br />

tudo mais barato e acessível, aquela pode ser considerada uma forma de indústria da<br />

imagem. Torna-se democrática, pois antes era restrita a uma elite, estendendo-se a um<br />

número maior de pessoas, que também a partir de então poderão externar suas emoções,<br />

seus pensamentos e seus modos de ver uma imagem passível de análise e crítica.<br />

Para Mello (1998, p. 13), as relações tradicionais do homem com o mundo<br />

se alteram com as novidades introduzidas pela fotografia, elegendo-a um dos símbolos<br />

da modernidade.<br />

A fotografia tem como um dos principais traços característicos a igualdade<br />

como é recebida em todos os extratos sociais. Está na vida do industrial, do operário, do<br />

artesão, do comerciante, dentre muitos outros. Pode-se inferir que a fotografia é uma<br />

forma de expressão artística que veio para romper com o preceito de que a arte deve ser<br />

feita para e pela elite.<br />

Obviamente, a fotografia não vai deixar de servir ao ideal burguês – elite –<br />

mas o acesso a ela é democrático. E são criadas máquinas fotográficas para todos os<br />

extratos sociais, características do processo de democratização do acesso aos bens de<br />

consumo.<br />

[...] mais do que qualquer outro meio, a fotografia é capaz de exprimir os<br />

desejos e as necessidades das camadas sociais dominantes, e de interpretar à<br />

maneira delas os acontecimentos da vida social. Pois a fotografia, embora<br />

estritamente ligada à natureza, tem apenas uma objectividade factícia. A<br />

objectiva, esse olho pretensamente imparcial, permite todas as deformações<br />

possíveis da realidade, já que o caráter da imagem é determinado, a cada vez,<br />

pelo modo de ver do operador e pelas exigências dos seus mandantes. A<br />

importância da fotografia não reside portanto apenas no facto de ela ser uma<br />

criação, mas sobretudo no facto de ela ser um dos meios mais eficazes de<br />

conformar as nossas ideias e de influenciar o nosso comportamento<br />

(FREUND, 1995, p. 20).<br />

514


A partir dessa abertura a todos, do aspecto democratizante da fotografia, em<br />

detrimento do restrito acesso à pintura, ao desenho, por exemplo, ela [a fotografia] passa<br />

a ser alvo de crítica de “pintores, que se sentiram ameaçados por uma concorrência<br />

desleal”, provocando uma discussão que ainda perdura no século XXI: “a fotografia é<br />

arte?” (KUBRUSLY, 2006, p. 12).<br />

A fotografia adentra outros campos, ainda não explorados pela arte então<br />

em voga – o campo social – as condições sociais sub-humanas, as relações de trabalho e<br />

de existência. É certo que a representação ou atuação da arte de antes da fotografia só<br />

abordava os temas da nobreza e da burguesia, descartando as condições de existência de<br />

quem a essas classes sociais não pertencia.<br />

3 FOTOGRAFIA NO MARANHÃO 61 E MERCADO DE TRABALHO<br />

A fotografia no Maranhão remonta à sua invenção, ou, ao comunicado<br />

oficial de sua invenção. A principal referência que <strong>ate</strong>sta as informações acerca do<br />

início de atividade fotográfica no Maranhão, então Província do Maranhão, é o Album<br />

doMaranhão em 1908 62 de Gaudêncio Cunha.<br />

Toda a história do Maranhão está aqui registrada, na reprodução das<br />

fotografias do artista Gaudêncio Cunha. São vários aspectos da vida<br />

Maranhense do início do século, captados com talento pela objetiva do<br />

renomado fotógrafo. Causa estranheza que um historiador com a importância<br />

regional e também brasileira de César Marques, tão sensível e <strong>ate</strong>nto ao<br />

registro dos fatos maranhenses, [...] não haja incluído, em seu indispensável<br />

Dicionário histórico-geográfico da Província do Maranhão (São Luís, Tip.<br />

do Frias, 1870), um verbete relativo a fotógrafos ou fotografia no Maranhão.<br />

61 As obras de referência para este capítulo são o Album do Maranhão em 1908 e duas<br />

dissertações de Mestrado decorrentes dele: Passado e modernidade no Maranhão pelas lentes de<br />

Gaudêncio Cunha, de José Reinaldo Castro Martins, São Paulo, 2008 e, Tramas do Olhar: a arte de<br />

inventar a cidade de São Luís do Maranhão pela lente do fotógrafo Gaudêncio Cunha /José Oliveira da<br />

Silva Filho. – Fortaleza, 2009.<br />

62 Apresente edição é de 1987, publicada pela Spala Editora Ltda. A obra é bilíngüe, inglês e português,<br />

traduzida para a língua estrangeira por Elizabeth Hart, texto de Iza Adonias, Fotografia de José Ribamar<br />

Alves. O original é livro único e faz parte do acervo do Museu Histórico e Artístico do Maranhão.<br />

515


Essa omissão reduz consideravelmente a disponibilidade de informações<br />

confiáveis acerca do aparecimento dos primeiros fotógrafos em São Luís e de<br />

como se desenvolveu a profissão em terras maranhenses (CUNHA, 1987, p.<br />

5;11).<br />

Murilo Santos através do texto abaixo ressalta um possível início do<br />

interesse pelo social no Maranhão. Quando diz que até a década de 1970, o cinema [e a<br />

fotografia também] não cuidava da temática social – populações minoritárias muito<br />

menos o popular, mas retratando as ações do governo no sentido de exaltar quem estava<br />

no poder. Murilo relata sua convivência e aprendizado com Jean-Pierre Beaurenaut,<br />

cineasta francês, que pela época esteve no Maranhão filmando o longa metragem<br />

MIGRAÇÃO: Le bonheur est là-bas en face, filmado em película 16 milímetros, com<br />

duração de 50 minutos. O documentário foi realizado em Ariquipá, no município de<br />

Bequimão, região da baixada maranhense e na periferia de São Luís.<br />

A década de 1970 marca a mais importante fase da cinematografia local. Até<br />

então poucas e esparsas realizações foram feitas e quase todas como forma de<br />

registros domésticos e institucionais, neste caso, exaltando obras do governo.<br />

Esses filmes não tinham propósitos artísticos ou culturais e muito menos<br />

eram voltados para as questões da população menos favorecida. Na história<br />

do nosso cinema a partir de década de 1970 – em que pese o fato de Jean-<br />

Pierre e sua equipe não serem realizadores locais – esses dois documentários<br />

são os primeiros a abordarem comunidades negras rurais, conhecidas<br />

atualmente como comunidades quilombolas. Jean-Pierre tem uma<br />

importância para nosso cinema não somente pelo documentário que realizou<br />

aqui, como também por ter, de certa forma, contribuído para a consolidação<br />

de uma tendência na produção local voltada para temas sociais, etnográficos<br />

e da cultura popular 63 .<br />

O trabalho de Márcio Vasconcelos aqui abordado, estar diretamente<br />

relacionado aos apontamentos de Murilo Santos. Pois, como o próprio Márcio diz,<br />

“minha atuação profissional hoje, está voltada para o trabalho autoral”, até porque, o<br />

mercado atual é uma via de mão dupla, ninguém consegue viver somente de uma forma<br />

e/ou atitude. No Maranhão, está estritamente relacionado com agências de publicidade e<br />

propaganda e governo. Não há como escapar a essa faca de dois gumes. A nível<br />

63 Texto de Murilo Santos<br />

516


nacional tem acontecido os festivais e nesses festivais acontecem leilões de fotografias,<br />

segundo Márcio Vasconcelos:<br />

tá existindo leilões de fotografia, especificamente de fotografia, inclusive no<br />

festival de Parati houve leilão lá de fotógrafos brasileiros consagrados, e<br />

emergentes, cada vez mais jovens brasileiros tem obras expostas nesses<br />

leilões, com um resg<strong>ate</strong> muito bom em termo de valor.<br />

Indagado com a seguinte pergunta: E no Maranhão, as secretarias de cultura,<br />

o público – consome ou não fotografia? Márcio Vasconcelos responde,<br />

É a gente sente, eu tenho viajado, participando desse festivais nacionais, eu<br />

sinto que o Maranhão tá ficando pra traz, existe uma dificuldade muito<br />

grande de integração entre os fotógrafos do Maranhão, e é isso que dificulta,<br />

se os profissionais não se unirem pra que a fotografia cresça como um todo<br />

numa determinada região isso dificulta a sua projeção como um trabalho que<br />

fique bem executado, a gente sente principalmente no Norte e Nordeste que<br />

já existem festivais muito forte de fotografia, principalmente no Pará [Belém]<br />

no Ceará [Fortaleza], é, ... são cidades que estão chamando a <strong>ate</strong>nção<br />

nacionalmente pra fotografia que é produzida no Brasil.<br />

Quando Márcio fala do Pará e Ceará – que fique bem entendido – a<br />

fotografia produzida nestes Estados - está voltada para a estética atual, para o que está<br />

acontecendo agora no Brasil e no mundo. Diz que o Maranhão está ficando para traz em<br />

relação ao restante do país, “estamos muito atrasados no processo de consolidação de<br />

grupos e de produção local que possa ganhar uma visibilidade nacional, os fotógrafos<br />

estão trabalhando muito, de forma independente”.<br />

Mas ressalta que nem tudo está perdido, que há aqui em nosso Maranhão,<br />

algumas incursões no sentido de união de fazedores de fotografia, que embora não<br />

sejam, todos profissionais da área fotográfica, amam a fotografia. É uma espécie de<br />

fotoclube 64 , na fala dele. Estão realizando encontros semanais e mensais, abrangendo<br />

todo o Maranhão. Acredita que muitos desses profissionais liberais dessa espécie de<br />

fotoclube, que hoje soma umas 40 ou 50 pessoas, irão se tornar profissionais da<br />

64 Poesia do Olhar é para eles um fotoclube. Disponível em:.<br />

517


fotografia, abandonando as atividades de exercem atualmente. O grupo é o “Poesia do<br />

olhar”. Baseando-se na atitude desse grupo, o Márcio faz a seguinte reflexão:<br />

e de repente se a gente conseguir fazer um evento aqui por pequeno que seja,<br />

trazendo fotógrafos nacionalmente conhecidos pra fazer palestras, pra dar um<br />

workshop, isso ai pode de imediato despertar um interesse maior e as pessoas<br />

começarem a se agregar e trabalhar de uma forma mais conjunta pra o<br />

fortalecimento e conseqüentemente a projeção da fotografia maranhense por<br />

outros pontos do Brasil.<br />

O panorama dos profissionais de fotografia no Maranhão. Muitos trabalham<br />

o social como casamentos, quinze anos, batizados, etc. muitos trabalham a questão das<br />

belezas naturais do Maranhão, tem um trabalho bastante elaborado e de reconhecida<br />

importância, caso de Cristian Agneto e Albany Ramos. Outros estão voltados para o<br />

trabalho autoral, como é o caso de Murilo Santos, um exemplo de resistência da<br />

fotografia maranhense, nas palavras de Márcio Vasconcelos.<br />

[quando] eu comecei a pensar em fotografia, o Murilo já trabalhava com<br />

fotografia, ele começou com fotografia, depois foi ser cineasta e agora já tá<br />

namorando a fotografia de novo, eu conversei com ele a pouco tempo e ele tá<br />

voltando a ter um carinho especial pela fotografia, acho que fotografando<br />

muito, tem um trabalho muito importante até como é, a memória da<br />

fotografia no Maranhão passa pelas lentes de Murilo Santos.<br />

Márcio fala dos fotógrafos que embora não sejam daqui, parecem amar<br />

mesmo essa terra, pois vieram, aqui se estabeleceram e fazem muita fotografia do lugar,<br />

é claro, muitos trabalham para órgãos governamentais, mas também buscam realizar<br />

projetos pessoais.<br />

Não se exime de trabalhar para agências de publicidade e propaganda, pois<br />

tem grande acervo, mas se identifica mesmo é com seu trabalho autoral, diz: “Meu<br />

trabalho autoral, que eu me dedico muito forte a ele, principalmente ligado a religião<br />

afro-brasileira e na cultura popular, em consequência da influência negra muito grande<br />

no Maranhão”.<br />

518


4.1 EDITAIS<br />

A alimentação do mercado fotográfico e/ou do audiovisual hoje no Brasil,<br />

tem um grande impulso a partir de editais lançados por agências governamentais como<br />

Ministério da Cultura (Minc), secretarias de cultura, agências de apoio à cultura e a arte,<br />

como a Funarte, empresas públicas, caso da Petrobrás, bancos públicos em seu papel de<br />

responsabilidade social, como o BNDES, CAIXA, Banco do Brasil, Banco do Nordeste<br />

do Brasil. São destinados para atividades artísticas milhões de reais anualmente. O<br />

BNDES, no edital de 2010 por força da Lei do Audiovisual, só para o cinema destinou<br />

14 milhões de reais.<br />

Serão destinados R$ 13,936 milhões - provenientes de incentivos fiscais<br />

previstos na Lei do Audiovisual — para produção e finalização de vinte<br />

longas metragens de produtoras brasileiras independentes, sendo 12 de<br />

ficção, 3 de animação e 5 documentários. O processo de seleção considerou<br />

os seguintes aspectos: roteiro; currículo da produtora, do diretor e dos demais<br />

profissionais envolvidos na produção do filme; adequação do orçamento;<br />

relatório de captação de recursos; e proposta de distribuição comercial. 65<br />

O BNDES se coloca como um dos maiores protagonistas da política<br />

pública para o desenvolvimento do cinema brasileiro. Além do Edital de cinema — que<br />

destinou R$ 133 milhões para produção de 340 filmes entre 1995 e 2009 —, além disso,<br />

dispõe de linhas de crédito para quem se dispuser a financiar a produção e execução de<br />

filmes. Não especifica, portanto, generaliza para todo tipo de produção cinematográfica.<br />

O Programa Banco do Nordeste de Cultura/Parceria BNDES investirá o<br />

montante de R$ 8.000.000,00 (oito milhões de reais), contemplando um<br />

mínimo de 303 (trezentos e três) projetos, distribuídos nas áreas. [...]<br />

Na área de Artes Visuais, o Programa abrangerá projetos que contemplem o<br />

registro gráfico da produção solo ou coletiva, das obras de artistas visuais e<br />

artesãos, em todas as formas e gêneros das artes visuais; preservação,<br />

conceituação, projetos que contemplem a publicação de registro da produção,<br />

solo ou coletiva, das obras de artistas visuais e artesãos ou da história da arte,<br />

em todas as formas e gêneros das artes visuais; realização de exposições<br />

coletivas, mostras, seminários, congressos e outros eventos direcionados a<br />

65 Disponível<br />

em:. Acesso em: 04 dez. 2011.<br />

519


c<strong>ate</strong>gorias de públicos infantil, adulto, da terceira idade, ou pessoas com<br />

deficiência, que possibilitem o acesso ao consumo das artes visuais ou que<br />

estimulem a formação e o desenvolvimento profissional de artistas das artes<br />

visuais (pintores, escultores, fotógrafos, etc 66 .<br />

O mercado de arte é um mercado promissor, o que falta é interesse pela<br />

busca desses recursos que são destinados. Ao que parece, o que falta não é investimento<br />

dos financiadores, mas interesse de quem deveria executar as ações voltadas para a arte.<br />

Em 2009, através do Projeto Maranhão na Tela, houve vários minicursos de cinema e<br />

fotografia e também, um curso/palestra sobre como submeter projetos ao Minc,<br />

Petrobrás, Funarte, etc. O que há também é a falta de preparo dos agentes culturais que<br />

submetem seus projetos, em entrevista com Márcio Vasconcelos, diz:<br />

deve-se contratar uma assessoria jurídica e contábil [...] os editais são coisas<br />

muito boas que acontece no Brasil, pena que acaba premiando um número<br />

muito pequeno em relação à quantidade que é escrita, geralmente é menos de<br />

4% da quantidade que é escrita.<br />

Márcio enfatiza que esses editais são muito importantes para a produção<br />

artística, haja vista ter um preconceito secular em relação à arte. Sensibiliza-se e<br />

aplaude o fato da quantidade de projetos que são submetidos, ou seja, muita gente está<br />

fazendo, produzindo arte, sobretudo na submissão dos editais maiores como da<br />

Petrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica, etc. diz que quando se tem um projeto<br />

seu aprovado num desses editais é motivo para dar pulos de alegria, pois a comissão que<br />

analisa é<br />

muito especializada, só são aprovados projetos que eles consideram dentro da<br />

proposta e que a instituição almeja, eu inicialmente tive aprovação desse da<br />

Petrobrás pra produção do livro sobre a Casa de Nagô e eles dão um ano pra<br />

você elaborar esse trabalho e pode ser prorrogado por mais um ano.<br />

66 Disponível<br />

em:.<br />

Acesso em: 04 dez.2011<br />

520


O proponente tem esse prazo para executar o trabalho e depois tem de<br />

prestar contas. Para Márcio Vasconcelos, essa é a parte mais complicada, pois o que<br />

antes estava previsto no projeto de execução, item importante para que seja aprovado –<br />

a previsão dos gastos com elaboração e execução do projeto – deve ser devolvido cada<br />

centavo não utilizado, o correto é que não sobre nada, mas conta deve ser zerada – essa<br />

conta é específica para esse projeto. É aqui, sobretudo, que deve haver a contratação de<br />

uma assessoria contábil, o que fez no caso do livro sobre a Casa de Nagô, do edital<br />

Petrobrás Cultural 2009.<br />

Tem também os editais de apoio à cultura do Estado do Maranhão, que são<br />

executados através da Secretaria de Cultura. Márcio Vasconcelos submeteu o Projeto<br />

Zeladores de Voduns ao edital da SECMA, e foi contemplado.<br />

Márcio diz que<br />

minha proposta era fazer a conexão da África com o Maranhão, [...]<br />

consegui a aprovação desse projeto no Governo do Estado inicialmente,<br />

ainda no governo de Jackson Lago, e com esse prêmio eu tive a oportunidade<br />

de ir até o Benin, até a África pra tentar trazer o maior número possível de<br />

retratos de sacerdotes envolvidos com o culto ao vodun, e depois voltando ao<br />

Maranhão, depois de 22 dias lá, concluir fazendo o paralelo, era exatamente<br />

comparando os sacerdotes do Benin com os sacerdotes do Maranhão<br />

relacionados com a religião africana e afro-maranhense.<br />

A partir do questionamento de como é feita essa divulgação desses editais,<br />

está sempre estou pesquisando, buscando mesmo, e através de colegas, ou<br />

através da internet, hoje isso é muito fácil, você fica por dentro de tudo que tá<br />

acontecendo, então a gente sempre fica sabendo dos prêmios que vão<br />

acontecer anualmente, eu procura sempre tá me informando tá participando<br />

de todos os prêmios de fotografia, principalmente quando os temas b<strong>ate</strong>m<br />

com o m<strong>ate</strong>rial que a gente já tem. Existe um tema e se a gente já tem um<br />

m<strong>ate</strong>rial e esse m<strong>ate</strong>rial se adéqua a esse tema a gente inscreve.<br />

Como foi dito por Márcio Vasconcelos, a quantidade de projetos<br />

contemplados nesses editais é muito pequena e, verificando a relação desses<br />

contemplados, é perceptível a quantidade de profissionais do centro-sul. Obviamente,<br />

não é a quantidade de inscritos que é tão pequena – é a de aprovados. A partir disso, é<br />

521


possível inferir que seja o que anteriormente foi dito – falta buscar um apoio<br />

especializado, uma assessoria contábil e em alguns casos, jurídica.<br />

5 MÁRCIO VASCONCELOS: A singularidade no olhar fotográfico do imagético<br />

social de Márcio Vasconcelos<br />

5.1 O FOTÓGRAFO MÁRCIO VASCONCELOS<br />

“Márcio Vasconcelos, fotógrafo profissional autodidata e independente há<br />

mais de 20 anos e há quase uma década vem se dedicando a registrar as manifestações<br />

da Cultura Popular e Religiosa dos afro-descendentes no Estado do Maranhão.<br />

Habitualmente, <strong>ate</strong>nde a agências de publicidade da capital maranhense e,<br />

paralelamente, desenvolve projetos autorais em comunidades negras junto à<br />

ACONERUQ, Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, no registro<br />

das tradições e modo de vida das populações de quilombos no Maranhão e também<br />

detém um vasto m<strong>ate</strong>rial das manifestações de cultos afro maranhenses. Autor do<br />

projeto Nagon Abioton – Um Estudo Fotográfico e Histórico sobre a Casa de Nagô,<br />

aprovado na Lei Rouanet e no Programa Petrobrás Cultural/2009, editado na forma de<br />

livro sobre um dos terreiros mais antigos do Tambor de Mina no Maranhão.Vencedor<br />

do 1º Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-brasileiras/2010 (Fundação<br />

Cultural Palmares/Petrobrás) com o projeto Zeladores de Voduns do Benin ao<br />

Maranhão. Exposição Fotográfica que mostra as semelhanças entre Sacerdotes de culto<br />

a voduns na África e no Brasil. Selecionado para leitura de portfólios no<br />

Transatlantica/PhotoEspaña 2012 com o projeto Zeladores de Voduns do Benin ao<br />

Maranhão. Vencedor do XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia com o projeto<br />

Na Trilha do Cangaço – Um Ensaio pelo Sertão que Lampião pisou.” 67<br />

67 O texto se refere ao breve currículo do fotógrafo, os itens em negrito, enfatiza que serão os três pontos<br />

centrais de investigação.<br />

522


Pergunta inevitável quando se quer conhecer alguém: Quem é você? Como<br />

você se define? Talvez seja a pergunta mais difícil de responder, mas certamente, para<br />

identificar esse sujeito, há que ser respondida – a contento? Talvez. A quem? Todos e<br />

nenhum, possivelmente à ciência e à arte.<br />

Márcio Henrique Furtado Vasconcelos adotou o nome artístico de Márcio<br />

Vasconcelos, é filho de São Luís e radicado na mesma. Cursou Engenharia Mecânica na<br />

Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), Educação Física na Universidade<br />

Federal do Maranhão (UFMA), porém não terminou nenhum dos dois cursos.<br />

Entrou para o quadro de funcionários do Banco do Brasil, em suas palavras,<br />

“quando ser bancário era considerado uma carreira de status”. Com o primeiro salário<br />

comprou a melhor câmera fotográfica profissional da época, uma Canon A1, com<br />

lentes, flashes e outros acessórios. Começou a fotografar por hobby em festas da própria<br />

família e de amigos.<br />

Na década de 1990, o Governo Federal inicia o programa de demissão<br />

voluntária. Muitos são os funcionários públicos e de autarquias que aderem à campanha,<br />

era o empurrão que Márcio Vasconcelos estava esperando. Não pensou duas vezes,<br />

pegou a grana da indenização, comprou um terreno e construiu um belo estúdio no<br />

Centro Histórico de São Luís. A partir daí transforma-se em fotógrafo profissional com<br />

dedicação integral à Arte. Márcio Vasconcelostem se dedicado a registrar as<br />

manifestações da Cultura Popular e Religiosa dos afro-descendentes no Estado do<br />

Maranhão há quase uma década.<br />

Habitualmente, <strong>ate</strong>nde agências de publicidade da capital maranhense,<br />

produz documentação e acompanhamento fotográfico em obras de engenharia,<br />

arquitetura e urbanismo, decoração de interiores, aerofotografias e, paralelamente,<br />

desenvolve projetos autorais em comunidades negras no registro das tradições e modo<br />

de vida das populações de quilombos no Maranhão e também detém um vasto m<strong>ate</strong>rial<br />

das manifestações de cultos afros em vários terreiros de Mina. No Estado do Maranhão,<br />

possui trabalhos efetuados em colônias de pescadores no litoral, aldeias indígenas pelo<br />

interior e no mapeamento fotográfico do m<strong>ate</strong>rial produzido pelos artesãos.<br />

523


Um profissional da magnitude de Márcio Vasconcelos, não poderia ter<br />

atingido tal grau de reconhecimento, haja vista a quantidade de trabalhos selecionados<br />

pelas agências mais importantes do país, se não tivesse um traço peculiar, algo de<br />

singular em seu trabalho que o faz diferente dos outros, não mais, nem menos<br />

importante, mas diferente. O que faz desse fotógrafo alguém tão especial? Os temas que<br />

aborda? A crença em seu trabalho? A persistência no trabalho que realiza e que traz<br />

frutifica como a árvore da vida? Ou é seu referencial estético?<br />

Perguntado sobre esse referencial estético, Márcio responde que tem o<br />

Miguel Rio Branco e o Mário Cravo Neto como seus guias estéticos<br />

Me serve de referência, dois fotógrafos que eu considero assim muito<br />

importante e que me influenciam bastante, o Miguel Rio Branco que pra mim<br />

é um fotógrafo que no Brasil é o maior destaque na parte estética e na parte<br />

artística, do que ele faz e o Mário Cravo Neto que infelizmente morreu a<br />

pouco tempo, nos deixou um trabalho muito bom, um trabalho de pesquisa na<br />

Bahia muito grande e que tem uma semelhança muito grande com o que eu<br />

busco aqui no Maranhão, são dois fotógrafos que me servem de referência, eu<br />

tenho sempre um livro desses caras na cabeceira, eu sempre estou folheando<br />

esses livros, então são estes posso dizer a [minha] principal influência tanto<br />

na estética quanto na pesquisa, esses fotógrafos.<br />

Depois destaca Pièrre Verger que o influencia pela ligação que tem com a<br />

África e o Brasil, portanto, uma semelhança em seu trabalho, diz que sempre que vai a<br />

Bahia, visita a Fundação Pièrre Verger, onde é possível entrar em contato com a forma<br />

simples como ele viveu no Brasil, à franciscana, ver os negativos que ele deixou, todos<br />

em preto e branco, a biblioteca, diz que também muita gente na fundação bastante<br />

empenhada na conservação do acervo, “então eu posso dizer que esses três fotógrafos<br />

são de fundamental importância na minha pesquisa e na minha referência estética”.<br />

O foco do trabalho, sobretudo, o autoral de Márcio Vasconcelos, está<br />

direcionado para a origem e formação do povo do Maranhão. Percebe-se pela atuação e<br />

incursão de suas produções – sempre buscando reescrever a História do Maranhão<br />

através da linguagem fotográfica e pelo viés religioso afro-maranhense.<br />

O meu trabalho é muito voltado com a... da origem da formação do povo do<br />

Maranhão, a gente percebe uma influência muito grande africana, tanto no<br />

desenvolvimento das manifestações de cultura popular e religiosa, em<br />

524


qualquer manifestações, em qualquer dança, qualquer rito, os méritos foram<br />

de uma importância mito grande. Isso me atrai muito, eu valorizo muito essa<br />

herança deixada por essas nações que vieram pro Maranhão e trouxeram<br />

consigo toda essa bagagem artística, cultural e despejaram aqui no Maranhão<br />

e até hoje a gente ver que todas essas manifestações são muito fortes dessa<br />

bagagem.<br />

Ver na baixada maranhense uma forte presença dessa origem nossa, relata<br />

que está lá [na baixada] é como está na África, há uma telepresença, um sentir-se lá<br />

mesmo.<br />

Onde a gente, eu em determinado momento me sinto na África diante desses<br />

lugares, é só eu ali no meio daquele povo todo, aquela alegria, aquela riqueza<br />

cultural e parece um pedaço da África, pela simplicidade, pela riqueza e pela<br />

beleza e desenvolvimento das atividades.<br />

Atualmente está trabalhando num projeto que visa buscar as origens do<br />

Terecô no Maranhão que derivou uma vertente para região de Codó, tendo Mestre Bita<br />

do Barão como centralizador dessas atividades e que serve de referência. Uma vez que<br />

muitas dessas informações são colhidas através de memória oral, deve-se ter muito<br />

cuidado no juízo de valor imputado a essas informações.<br />

5.2 PROJETO NAGON ABIOTON – UM ESTUDO FOTOGRÁFICO E HISTÓRICO<br />

SOBRE A CASA DE NAGÔ<br />

A cultura africana, no Brasil, está presente em cada minuto do dia. Ela pode<br />

se fazer mais forte e visível em algumas regiões, menos palpável em outras,<br />

mas definitivamente é parte essencial e fundamental da formação da<br />

identidade dos brasileiros 68 .<br />

A citação acima abre o livro Nagon Abioton – um estudo fotográfico e<br />

histórico sobre a Casa de Nagô, de Márcio Vasconcelos, contemplado no Programa<br />

Petrobrás Cultural 2009.<br />

Figura 1: capa do livro Nagon Abioton<br />

68 Vasconcelos, Márcio. Nagon Abioton: um estudo fotográfico e histórico sobre a Casa de Nagô / Márcio<br />

Vasconcelos (organizador); Mundicarmo Ferretti; Paulo Melo Sousa; fotografia de Márcio Vasconcelos. –<br />

São Luís, 2009, p. 3<br />

525


A obra, sem modéstia, é de uma riqueza incalculável para a memória do<br />

nosso povo. Mesmo para os leigos, é possível perceber o quanto este estudo diz da Casa<br />

de Nagô e da Casa das Minas, as fotografias que mostram partes dos rituais, do<br />

cotidiano dos integrantes das casas. Esta obra diz muito do Maranhão e sua cultura,<br />

sobretudo, no que concerne à religião afro-brasileira e suas origens na América.<br />

A preservação das culturas de matrizes africanas no Brasil deve muito às<br />

casas de culto de diversas origens. O Tambor de Mina, denominação típica<br />

do Maranhão, foi profundamente influenciado por dois terreiros fundados em<br />

São Luís por africanas na primeira metade do século XIX: a Casa das Minas<br />

(Jeje) e a Casa de Nagô. 69<br />

69 Vasconcelos, Márcio. Nagon Abioton: um estudo fotográfico e histórico sobre a Casa de Nagô / Márcio<br />

Vasconcelos (organizador); Mundicarmo Ferretti; Paulo Melo Sousa; fotografia de Márcio Vasconcelos. –<br />

São Luís, 2009, p. 11<br />

526


Para Vasconcelos (2009), a importância da Casa de Nagô no Tambor de<br />

Mina que é uma religião de matriz africana organizada no Maranhão na primeira<br />

metade do século XIX, tem equivalência ao candomblé de Salvador (BA), ao Xangô de<br />

Recife (PE), e a outras denominações religiosas afro-brasileiras tradicionais.<br />

Ainda de acordo com Vasconcelos, com base na tradição oral, a Casa de<br />

Nagô foi fundada por duas africanas: Zefa de Nagô e Maria Joana (ALMEIDA, 1982, p.<br />

250; SANTOS, 2001, p. 26) juntamente com outros africanos e também recebeu ajuda<br />

para abrir a Casa, da chefe da Casa das Minas, que segundo Mãe Dudu, teria sido<br />

aberta cinco ou seis anos antes dela 70<br />

O livro faz paralelos entre a Casa das Minas e a Casa de Nagô. Embora o<br />

título dê a ideia de que seu conteúdo é sobre a Casa de Nagô, muito tem da Casa das<br />

Minas, conta sobre as origens das duas casas, as relações de seus integrantes, o apoio<br />

moral entre eles, a própria questão da identidade de culto, o apoio governamental, etc.<br />

5.3 PROJETO ZELADORES DE VODUNS DO BENIN AO<br />

MARANHÃO. EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA ZELADORES DE VODUNS<br />

Figura 2: cartaz da exposição<br />

70 Nota de rodapé do livro de Márcio Vasconcelos. Enquanto a Casa das Minas registra no timbre de<br />

documentos oficiais o ano de 1847 como de sua fundação, a data de fundação da Casa de Nagô<br />

desapareceu da lembrança de suas filhas (BARRETO, 1977, p. 113). A indicação dessa data, quando<br />

localizada em algumas fontes bibliográficas (OLIVEIRA, 1989, p. 32) se apóia em interpretação de<br />

Bastide (BASTIDE, 1971, v. 1,p.70) de hipótese levantada por Verger, bastante aceita atualmente, de que<br />

a Casa das Minas teria sido fundada pela esposa do rei Agonglô (Na Agotimé) vendida como escrava,<br />

após a morte daquele soberano, ocorrida em 1797 (VERGER, 1990; FERRETTI, S. 1996, p. 22).<br />

527


“A SAGA DE UMA RAINHA NEGRA<br />

A saga de Nã Agotimé é pura magia. Representa a força dos elementos<br />

naturais transformando a vida que se transforma em culto.<br />

Desde tempos imemoriais se cultuava os voduns da família real do Daomé,<br />

hoje Benim. Um Clã mágico e místico iluminava o continente negro, numa época de<br />

uma África conturbada por guerras tribais em busca do poder. Muitos reis passaram e<br />

o Daomé, que era apenas uma cidade, tornou-se um país.<br />

No palácio Dãxome, reinava Agongolo. O rei tinha como segunda esposa a<br />

rainha Agotimé e dois filhos (Adandozan, do primeiro casamento, e Gezo, nascido de<br />

Agotimé). No momento de sua morte, o rei elegeu seu segundo filho para sucedê-lo no<br />

trono, mas a sua ordem foi desconsiderada e Adandozan assumiu o trono como tutor de<br />

Gezo. Abomey tornou-se vítima de um governo tirânico e cruel.<br />

Mágica e Magia. A rainha era conhecida em seu reino pelas histórias que<br />

contava sobre seus ancestrais e sobre o culto aos reis mortos. Guardava os segredos do<br />

culto a Xelegbatá, a peste. Detentora de tais conhecimentos, o novo rei tratou de<br />

mantê-la isolada, acusando-a de feitiçaria, e não hesitou em vendê-la como escrava.<br />

Em Uidá, grande porto de venda de escravos, Agotimé foi jogada nos<br />

porões imundos de um navio e trazida para o Brasil. O sofrimento físico da rainha,<br />

traída e humilhada, era uma realidade menor, pois o seu espírito continuava liberto e<br />

sobre as ondas a rainha liderou um grande cortejo, atravessando o mar.<br />

Desse episódio se forjou um dos elos que une a África ao Brasil. Chegou ao<br />

novo continente um corpo escravo, mas um espírito livre, pronto para cumprir a sua<br />

saga e fazer ouvir daqui o som dos tambores Jejes.<br />

Seu primeiro destino foi Itaparica, na Bahia, porto do seu destino e terra<br />

santa do conhecimento. Vinda de uma região onde poucos escravos se destinavam ao<br />

Brasil, Agotimé se deparou com muitos irmãos de cor, mas não de credo.<br />

No seu encontro com os Nagôs teve o seu primeiro contato com os Orixás, e<br />

através deles a Rainha escrava teve notícias de seu povo. Por eles soube que sua gente<br />

era chamada Negros-Minas e foram levados para São Luís do Maranhão. Contaram<br />

528


que não tinham local para celebrar o seu culto, pois esperavam um sinal de seus<br />

ancestrais. Agotimé logo entendeu por quem esperavam.<br />

Dessa forma a rainha chegou ao Maranhão. Terra da encantaria e de forte<br />

representação popular. Os tambores afinados a fogo e tocados com alma por ogãs,<br />

inspirados por velhos espíritos africanos, ecoam por ocasião das festa e pela religião.<br />

Foi no Maranhão que Agotimé, trazida para o Brasil como escrava, voltou a ser<br />

Rainha. Sob orientação de seu vodum, fundou a "Casa das Minas”, de São Luís do<br />

Maranhão, em meados do século XIX.<br />

Para contar essa história, trilhando caminho inverso ao de Nã Agotimé, e<br />

com uma exposição fotográfica sob a forma de portraits, o fotógrafo maranhense<br />

Márcio Vasconcelos viajou ao Benin acompanhado do antropólogo africano Hippolyte<br />

Brice Sogbossi.<br />

A proposta do Projeto era realizar uma pesquisa e documentação<br />

fotográfica da atual situação de terreiros e seus respectivos chefes no Benim e no<br />

Maranhão. Para tanto, foram entrevistados e fotografados personagens de reconhecida<br />

importância no cenário do culto aos voduns, com a finalidade de traçar um paralelo<br />

entre os Sacerdotes africanos e os Chefes de Terreiros do Tambor de Mina do<br />

Maranhão.<br />

No Benin, num período de 25 dias, foram visitadas as cidades de Cotonou,<br />

Abomey, Allada, Ouidah, Calavi e Porto Novo. O Projeto “Zeladores de Voduns e<br />

outras Entidades do Benin ao Maranhão” foi aprovado no Edital de Apoio à Produção<br />

Cultural/2008 da Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão e conquistou o I<br />

Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-brasileiras promovido pelo Centro de<br />

Apoio ao Desenvolvimento Osvaldo dos Santos Neves - CADON e pela Fundação<br />

Cultural Palmares e contou com o patrocínio da Petrobras”.<br />

O texto acima, entre aspas e em itálico, foi retirado do site do fotógrafo<br />

Márcio Vasconcelos, da aba do Projeto Zeladores de voduns. Conta a história, ou, o<br />

mito de origem, um deles, sobre a fundação da Casa das Minas e por quem.<br />

529


NO SEMINÁRIO CORPO-IMAGEM DOS TERREIROS 71 – experiência<br />

ritual produção de presença, faz uma menção ao trabalho de Márcio Vasconcelos, por<br />

Denise Camargo. O evento ocorreu em novembro de 2010.<br />

Em Zeladores de Voduns e outras entidades do Benin ao Maranhão, Márcio<br />

Vasconcelos retrata chefes de terreiros em registros que oferecem a riqueza do universo<br />

simbólico e m<strong>ate</strong>rial da nação conhecida como jeje e mina. Faz o sempre necessário<br />

retorno à África para compreender a cultura brasileira, assunto que Mohammed ElHajji,<br />

professor da UFRJ, incorpora em sua fala que discute a diáspora negra.<br />

5.4 NA TRILHA DO CANGAÇO – UM ENSAIO PELO SERTÃO QUE LAMPIÃO<br />

PISOU 72 .<br />

Figura 3: cartaz do ensaio fotográfico<br />

Depois de muitos projetos realizados no espaço maranhense, Márcio<br />

Vasconcelos quis alçar vôos mais altos, em suas palavras, “daí eu pensei que era hora de<br />

dar um passo maior e sair do Maranhão”. Em seu relato confessa que não pretende<br />

71 http://www2.oju.net.br/corpoimagem/2010/11/11/diasporas/. Acesso em: 08 dez. 2011<br />

72 Disponível em:. Acesso em: 04 dez. 2011<br />

530


deixar de estudar o Maranhão, apenas quis fazer um outro trabalho e foi gratificante<br />

concretizar o projeto que almejava “refazer a trilha de Lampião”.<br />

Quando diz que não vai deixar de fazer as coisas do Maranhão, enfatiza o<br />

quanto essa terra é rica em manifestações culturais em todos os aspectos e que, segundo<br />

ele, o Maranhão é muito pouco explorado em pesquisa de seus objetos, manifestações,<br />

artefatos.<br />

Acho que o Maranhão é um celeiro que não tem fim - de pesquisa e de<br />

produção cultural, a gente ainda tem muita coisa pra ser explorada, no<br />

Maranhão eu acho que daqui a 100 ou 200 anos a gente vai sempre tá<br />

mostrando coisa nova, coisa que ninguém conhece né, o Maranhão é um<br />

segredo, até os grandes pesquisadores sempre se deparam com coisas ai que<br />

dizem nunca terem visto e tá lá ainda na sua forma mais elementar, na sua<br />

essência ainda.<br />

Márcio confessa que sempre teve um apreço muito grande pelo sertão<br />

nordestino. Então, surge essa oportunidade de mostrar um trabalho que pudesse trazer<br />

um evento e/ou fato que tivesse ocorrido no Nordeste, e a história de Lampião parecia<br />

ser ideal. “Já me fascinava muito a história do sertão nordestino e eu gostaria de fazer<br />

um trabalho no sertão, então eu aliei ao aspecto físico do sertão que é a beleza, que<br />

apesar de ser uma coisa aparentemente morta.”<br />

A fala do Márcio me trouxe uma lembrança dos filmes que assisti sobre o<br />

sertão nordestino, inclusive filmes sobre o Lampião, onde é muito evidente as<br />

características da vegetação - a caatinga e, no meio da conversa, introduzi esse termo –<br />

a caatinga – e ele comenta sobre a característica vegetal da caatinga que é o bioma, o<br />

único bioma exclusivamente brasileiro e eu trago mais um bioma - o cerrado – mas,<br />

direcionemo-nos para Lampião. Márcio Vasconcelos vai aliar o aspecto aparentemente<br />

morto da caatinga e o fenômeno Lampião para o olhar de seu objetiva, que a partir<br />

daqui já tem um aspecto subjetivo.<br />

Então eu aliei esse aspecto é vamos dizer do visual, aspecto ambiental do<br />

sertão com o tema que é da maior importância dentro do imaginário popular<br />

brasileiro que é o mito do Lampião, a história dos cangaceiros que<br />

desenvolveram nessa época no Brasil que ficou marcado pra sempre né, e o<br />

531


Lampião foi considerado o segundo personagem mais biografado da America<br />

Latina, ficando atrás apenas de Che Guevara.<br />

Quando da elaboração do projeto, Márcio fala que fez uma viagem<br />

imaginativa pelo sertão que Lampião pisou, idealizou isso e deu certo – submeteu o<br />

projeto ao edital da Funarte – XI Prêmio Funarte Marc Ferrez de Fotografia, sendo<br />

vencedor do concurso.<br />

Imaginar lugares onde ele teria passado e lugares que foram simbólicos<br />

dentro dessa novela vamos dizer assim e épica que foi o cangaço, então<br />

dentro do... tomando como ponto inicial o lugar onde Lampião nasceu que foi<br />

em Serra Talhada, no sítio Passagem das Pedras, em Pernambuco até o lugar<br />

onde ele morreu, na beira do rio São Francisco entre Sergipe e Alagoas.<br />

O projeto já previa o caminho a ser feito – local de nascimento de Lampião<br />

e local de morte, respectivamente, Serra Talhada e às margens do Rio São Francisco na<br />

divisa do Sergipe com Alagoas. “E dentro de todo esse trajeto tentar passar por todos<br />

esses lugares que foram simbólicos”, o que Márcio Vasconcelos considera aqui como<br />

simbólicos são os<br />

– lugares onde há registro de confrontos entre lampião e a polícia, lugares<br />

onde personagens foram importantes, descobrindo locais onde, por exemplo,<br />

a casa da... onde Lampião morou, a avó de Lampião morou e ele se criou,<br />

casa de Maria Bonita, o lugar do primeiro confronto de Lampião com Zé<br />

Saturnino que foi seu primeiro inimigo, eles ainda garoto, e tiveram a sua<br />

primeira desavença e a partir daí começou a haver essa rixa que levou a<br />

Lampião entrar no cangaço, então foram todos esses fatos e locais<br />

importantes dentro dessa trajetória é da história de Lampião.<br />

Márcio percorreu durante vinte dias aproximadamente quatro mil<br />

quilômetros em sete estados do Nordeste, excetuando-se o Maranhão e o Piauí, onde<br />

não há registros de passagem de Lampião que, segundo o fotógrafo, pode até ter<br />

passado, talvez de forma rápida, mas sem deixar vestígios. Diz que nos outros estados,<br />

diferentemente destes dois, foi marcante a presença de Lampião. Não só dele e seu<br />

bando, mas de muitos outros grupos de cangaceiros, deixando uma marca muito forte,<br />

532


na fala de Márcio Vasconcelos. A literatura oral e escrita está repleta desses eventos de<br />

cangaceiros.<br />

É, ... então esse projeto foi submetido ao prêmio XI premio Funarte Marc<br />

Ferrez de fotografia, é um premio tradicional de fotografia, que tá na sua<br />

décima terceira edição este ano, é um prêmio que é muito almejado pelos<br />

fotógrafos, pois ele dá uma projeção muito grande, eu consegui a aprovação<br />

desse prêmio e também no Ministério da Cultura e também da mesma forma,<br />

depois que aprova eles adiantam a verba pra você produzir esse m<strong>ate</strong>rial e te<br />

dão um tempo também de conclusão. Com isso fizemos o Lampião e o<br />

resultado final da minha proposta, não era a exposição, era a produção de um<br />

site pra disponibilizar isso pra sociedade pra sempre, era essa a proposta do<br />

edital, era que você disponibilizasse pra sempre de alguma forma eletrônica,<br />

digital, na mídia, pra sempre.<br />

O trecho abaixo (A Fotografia no Cangaço) foi extraído do site criado para<br />

manter viva essa novela épica, como disse Márcio Vasconcelos. Fazer um ensaio<br />

fotográfico de uma personalidade que em épocas em que fotografia podia-se dizer que<br />

era um luxo de poucos, é algo curioso. Será que, direta ou indiretamente, não foi isso<br />

que levou o fotógrafo Márcio Vasconcelos a querer realizar tal façanha? Ele diz que foi<br />

o conjunto da obra de Lampião que o levou a fazer tal trabalho. A atmosfera do sertão, o<br />

mito Lampião e as facetas desse mito - o "Senhor do Sertão".<br />

A Fotografia no Cangaço<br />

Fato surpreendente para essa época, e em sua região onde a oralidade sempre<br />

predominou sobre o visual, os cangaceiros, assim como seus perseguidores, deixaram uma<br />

grande quantidade de documentos fotográficos, testemunhos indiscutíveis de um dos episódios<br />

mais violentos da história brasileira. Enquanto os predecessores ilustres de Lampião quase não<br />

deixaram registros, Lampião, durante todo o período em que dirigiu o cangaço e reinou sobre o<br />

sertão, fez questão de registrar, por meio de imagens fotográficas, alguns momentos fortes de<br />

sua vida. Sob as roupas de Lampião, quando ele morreu, foi encontrada uma grande<br />

quantidade de fotografias. Algumas representavam pessoas mais próximas, outras<br />

representavam cangaceiros de seu grupo, mortos em comb<strong>ate</strong>s precedentes; e, fato<br />

surpreendente, uma delas representava João Bezerra, seu assassino, como se Lampião tivesse<br />

carregado consigo o resumo de sua vida, desde sua juventude antes de entrar no cangaço, até<br />

sua morte anunciada, como se tivesse feito de seu corpo o suporte e o território de sua<br />

memória.<br />

533


Então, a proposta do projeto, Na Trilha do Cangaço - um ensaio pelo sertão<br />

que Lampião pisou, era a produção de um site que ficasse para sempre disponibilizado<br />

para a sociedade.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Este trabalho traz à luz da contemporaneidade, algumas reflexões sobre o<br />

que está sendo feito em termo de produção artística. Traz questionamentos sobre quem<br />

está fazendo, onde está fazendo e porque o faz.<br />

Obviamente, ninguém nos dias de hoje, faz qualquer que seja a ação, sem<br />

que espere um retorno.<br />

Aqui está sendo analisado o trabalho fotográfico de Márcio Vasconcelos,<br />

fotógrafo radicado na cidade de São Luís do Maranhão e que tem se dedicado ao<br />

registro da cidade em seus múltiplos aspectos, como os casarões, a culinária, o<br />

artesanato, a religião afro-brasileira. O outro foco do trabalho é a análise de uma<br />

pesquisa de Márcio Vasconcelos sobre o caminho percorrido por Lampião – a maior<br />

lenda do Brasil.<br />

Esta análise refere-se a três trabalhos do fotógrafo Márcio Vasconcelos, que<br />

são: “NAGON ABIOTON – um estudo fotográfico e histórico sobre a Casa de Nagô”,<br />

“Zeladores de voduns e outras entidades do BENIN ao MARANHÃO” e “Na trilha do<br />

Cangaço – um ensaio pelo sertão que Lampião pisou”. Respectivamente, o primeiro é<br />

fruto de um projeto de livro (concretizado), submetido ao edital da Petrobrás Cultural; o<br />

segundo, uma exposição fotográfica, o que rendeu a ida do fotógrafo ao Benin e, o<br />

terceiro, apesar de ter sido realizada uma exposição fotográfica, a proposta seria criar<br />

um site com a produção do trabalho e disponibilizar para sempre à sociedade, o que foi<br />

feito e pode ser conferido (site vide referência).<br />

O foco e/ou intenção deste trabalho é demonstrar que através da atuação do<br />

fotógrafo Márcio Vasconcelos nas vertentes de minorias sociais, este trabalho tem uma<br />

534


função social. O fotógrafo diz trabalhar muito temas onde ele é o autor, ou seja, escreve<br />

e havendo edital que encaixe a proposta, submete.<br />

Não haverá aqui análise de imagem, a função destas no trabalho é para<br />

ilustrar o objeto de pesquisa.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento). Disponível em:<br />

. Acesso em: 04 dez. 2011.<br />

BNB (Banco do Nordeste) Disponível em:<br />

. Acesso em: 04 dez.2011.<br />

CUNHA, Gaudêncio. Maranhão 1908. Spala Editora Ltda. Rio de Janeiro – RJ, 1987.<br />

GISÈLE, Freund. Fotografia e sociedade. Coleção comunicação e linguagens.<br />

Tradução de Pedro Miguel Frade, 2ª ed. 1995.<br />

KUBRUSLY, Cláudio Araújo. O que é fotografia: /Cláudio Araújo Kubrusly. – São<br />

Paulo: Brasiliense, 2006. – (Coleção Primeiros Passos; 82).<br />

MARTINS, José de Souza. Sociologia da fotografia e da imagem / José de Souza<br />

Martins. – 1. ed., 1ª reimpressão. - São Paulo: Contexto, 2009.<br />

MÁRCIO VASCONCELOS: NA TRILHA DO CANGAÇO – UM ENSAIO PELO<br />

SERTÃO QUE LAMPIÃO PISOU. Disponível em:<br />

. Acesso em: 06 dez. 2011.<br />

MÁRCIO VASCONCELOS: Fotografia (Na trilha do Cangaço). Disponível<br />

em:. Acesso em: 06 dez.<br />

2011.<br />

MÁRCIO VASCONCELOS: Fotografia/Portfólio. Disponível em:<br />

. Acesso em: 06 dez. 2011.<br />

MELLO, Maria Teresa Villela Bandeira de. Arte e fotografia: o movimento<br />

pictorialista no Brasil / Maria Teresa Villela Bandeira de Mello. – Rio de Janeiro:<br />

Funarte, 1998. 216 p.: fot. – (Coleção luz e reflexão; 7).<br />

535


VASCONCELOS, Márcio. Nagon Abioton: um estudo fotográfico e histórico sobre a<br />

Casa de Nagô / Márcio Vasconcelos (organizador); Mundicarmo Ferretti; Paulo Melo<br />

Sousa; fotografia de Márcio Vasconcelos. – São Luís, 2009.<br />

536


FRUTA RARA: identidade visual do projeto Artesanato no Maracanã.<br />

FRUTA RARA: visual identity of the projet handcraft in Maracanã.<br />

Sâmela Patrícia Pereira Moraes,<br />

graduanda,<br />

Gisele Reis Correa Saraiva,<br />

mestra,<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

Orientador – Gisele Reis Correa Saraiva<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

samelapatricia.m@hotmail.com<br />

gisarco41@gmail.com<br />

RESUMO: Biojoias são peças de ornamentação corporal feitas artesanalmente com<br />

elementos naturais que podem ser agregadas, ou não, a metais preciosos. A região Norte<br />

é um grande produtor desse tipo de artesanato devido as sementes utilizadas serem<br />

extraídas da Floresta Amazônica. O Maranhão, embora localizado na região nordeste,<br />

tem parte do seu território formado pela vegetação amazônica, o que proporciona<br />

também diversos tipos de sementes, em especial a juçara, conhecida nos demais estados<br />

brasileiros como açaí, muito utilizada nesse tipo de artesanato. Embora seja comum<br />

encontrar em pontos turísticos vendas de biojoias, as sementes utilizadas são<br />

provenientes da região Norte, ficando a cargo dos artesãos locais, apenas a confecção<br />

das peças. Na cidade de São Luís, capital do Maranhão, o bairro do Maracanã possui no<br />

seu território, o maior juçaral (plantação de juçara) da Ilha e no período de safra,<br />

toneladas de polpa da fruta são extraídas e vendidas, no entanto, as sementes são<br />

utilizadas para plantio ou adubo, mas a maior parte dessas sementes são descartadas,<br />

desperdiçando toneladas, que poderiam ser utilizadas para outros fins, inclusive o<br />

artesanato. Nesse contexto, o Núcleo de Pesquisa em Inovação, Design e Antropologia<br />

537


(NIDA), do curso de Design da Universidade Federal do Maranhão, através do projeto<br />

de extensão “ARTESANATO NO MARACANÃ: utilização da semente de juçara na<br />

produção artesanal”, tem como objetivo utilizar a semente de juçara em produções<br />

artesanais, oferendo oficinas de beneficiamento da juçara, criação e produção de<br />

biojoias. O projeto está pautado na metodologia do design etnográfico (NORONHA,<br />

2012), onde a pesquisa de design está incorporada aos fundamentos da etnografia,<br />

conhecimento da antropologia e a etnografia aplicada ao design. O uso da etnografia<br />

como forma de pesquisa possibilita colocar o designer, não como um agente<br />

centralizador, detentor do saber, mas de se posicionar como mediador do processo. O<br />

trabalho “FRUTA RARA: identidade visual do projeto Artesanato no Maracanã” é parte<br />

desse projeto, inserido na etapa de criação que propõe a criação da Identidade visual do<br />

nome “Fruta rara”, escolhido como elemento identificador do grupo de artesãs do<br />

projeto. Para o desenvolvimento da identidade visual (símbolo e logotipo) utilizou-se a<br />

metodologia de Lupton (2014), enfatizando os processos de design. Considera-se que a<br />

proposta apresentada, desenvolvida em parceria com o grupo, demostra os valores<br />

identitários da comunidade, identificando a atividade artesanal e o grupo.<br />

Palavras-chave: Design. Artesanato. Maracanã. Identidade visual.<br />

ABSTRACT: Biological jewels are pieces of body ornaments made by hand with<br />

natural elements that may or may not be aggreg<strong>ate</strong>d to precious metals. The Northern<br />

region of Brazil is a major producer of this type of handicraft because the seeds used are<br />

extracted from the Amazon Forest. Maranhão, although loc<strong>ate</strong>d in the Northeastern<br />

region, has part of its territory formed by Amazonian vegetation, which also provides<br />

several types of seeds, especially the juçara known in the other Brazilian st<strong>ate</strong>s as açaí,<br />

much used in this type of handicraft. Although it is common to find in touristic points<br />

biological jewels for sale, the seeds used come from the Northern region, being the only<br />

responsibility of the local craftsmen the making of the pieces. In the city of São Luís,<br />

capital of the st<strong>ate</strong> of Maranhão, the district of Maracanã has in its territory, the largest<br />

538


juçalar (planting of juçara) of the Island and in the harvest period, tons of pulp of the<br />

fruit are extracted and sold. The seeds can be used for planting or as fertilizer, but most<br />

of these seeds are discarded, wasting tons of them, which could be used for other<br />

purposes, including handicrafts. In this context, the Nucleus of Research in Innovation,<br />

Design and Anthropology (NIDA), of the Course of Design of the Federal University of<br />

Maranhão (UFMA) by means of project of extension "HANDCRAFT IN MARACAN:<br />

Utilization of the Seeds of Juçara in the Handcraft Production", aims at using the seeds<br />

of juçara in the production of handcrafts, offering workshops of juçara beneficiation, as<br />

well as the creation and production of biological jewels.The project is based on the<br />

methodology of ethnographic design (NORONHA, 2012), in which the design research<br />

is embedded in the foundations of ethnography, knowledge of anthropology and<br />

ethnography applied to design. The use of ethnography as a form of research allows to<br />

place the designer, not as a centralizing agent, holder of knowledge, but as mediator of<br />

the process. The work " FRUTA RARA: visual identity of the projet Handcraft in<br />

Maracanã" is part of this project, inserted in the stage of creation that proposes the<br />

creation of the visual identity named "Rare Fruit", chosen as an identifying element of<br />

the craftmanship group of the project. For the development of the visual identity<br />

(symbol and logo) the methodology of Lupton (2014), emphasizing the design<br />

processes, where used. It is considered that the present proposal, developed in a<br />

partnership with the group, demonstr<strong>ate</strong>s the values of the community, identifying the<br />

craft activity and the group.<br />

Keywords: Design. Crafts. Maracanã. Visual identity.<br />

539


1 INTRODUÇÃO<br />

O ser humano é considerado um animal predominantemente visual, nem um<br />

outro tem seu sentido tão desenvolvido e tão versátil. Nas últimas décadas essa<br />

característica vem sendo cada vez mais explorada, somos submetidos a todo momento a<br />

informações visuais, seja nas placas comerciais, nos livros, nos anúncios, nos produtos,<br />

entre outros.<br />

Quando essas informações reúnem logotipo, símbolo gráfico, conjunto de<br />

cores e uma tipografia, temos uma identidade visual. Segundo STRUNCK (2001), a<br />

identidade visual é o conjunto de elementos gráficos que irão formalizar a personalidade<br />

visual de uma ideia, produto, nome ou serviço, devendo informar, estabelecendo com<br />

quem os vê um nível ideal de comunicação.<br />

Elaborar uma identidade visual requer criatividade, inovação e interação.<br />

Que são como caminhos para a desejada transformação social, no qual são entrelaçados<br />

a elementos visuais que participam da semiose institucional, propondo a comunicação e<br />

interação entre a organização e o público. (KRUSSER, 2002)<br />

Cada projeto tem suas particularidades e para o desenvolvimento da<br />

identidade visual de produtos locais tona-se necessário uma estratégia comunicacional,<br />

de visualização e de produção. O trabalho de design requer um planejamento que<br />

consiste em definir um conceito adequado para cada projeto, elaborar configurações<br />

gráficas que descrevam a personalidade de tal organização, fazer orientações de<br />

integração e aprofundamento da comunicação visual de uma organização, ou seja,<br />

direciona o olhar dando sentido ao que antes não existia.<br />

Muitos designers recebem críticas quanto a sua participação na produção<br />

artesanal e em comunidades, por acreditarem que o mesmo venha impor regras e/ou<br />

soluções rompendo com o saber cultural. Mediante a este contexto, este trabalho vem<br />

fazer uso das práticas do codesign, que é a participação em conjunto na busca de um<br />

resultado. Medida na qual o designer, não vem a impor questões na comunidade, mas se<br />

tornar um agente contribuidor dos resultados, pois quem mais conhece a localidade é o<br />

540


próprio morador. No codesign o desenvolvimento de um projeto se constitui nas<br />

interações entre sujeitos.<br />

Quando se fala em identidade visual, não há como deixar de falar sobre<br />

comunicação. Sob essa perspectiva, Kruken (2009) aponta oito ações essenciais para<br />

promover os produtos e o território. Estes são: reconhecer (as qualidades do produto e<br />

do território), ativar (as competências do território), comunicar (o produto e o território),<br />

proteger (a identidade local, patrimônio m<strong>ate</strong>rial e im<strong>ate</strong>rial), apoiar (a produção local),<br />

promover (sistemas de produção de consumos sustentável), desenvolver<br />

(produtos/serviços que respeitem a vocação e valorização do território) e consolidar (as<br />

redes do território).<br />

Nesse contexto, o projeto “Artesanato no Maracanã: utilização da semente<br />

de juçara na produção artesanal” que objetiva utilizar a semente de juçara em produções<br />

artesanais, apresenta a etapa de desenvolvimento e criação da identidade visual da<br />

marca “Fruta Rara”, nome escolhido para o grupo de artesãs. Esta etapa tem como<br />

objetivo gerar uma identidade visual capaz de representar todo o contexto de relação<br />

que as artesãs possuem com biojoia produzida com a semente de juçara.<br />

Baseada na metodologia de Lupton (2014) que põe em evidência os<br />

processos de design, e Noronha (2012), com o design etnográfico o qual o projeto é<br />

pautado, resultando em uma marca que exprime todos os sentimentos captados na<br />

relação artesãs-juçara-Maracanã, por meio da conscientização sustentável, preservação<br />

do patrimônio cultural e estabelecendo uma relação de confiança quanto ao produto por<br />

meio a qualidade garantida.<br />

2 O MARACANÃ<br />

O Maracanã é um bairro rural da Ilha de São Luís, capital do Maranhão,<br />

localizado nas proximidades da BR 135, a uma distância de 25 Km do centro da cidade<br />

(FUNTUR,2002). Inserido numa Área de proteção Ambiental – APA, com diversas<br />

espécies de fauna e flora, sendo abundantes na região as palmeiras de buriti, babaçu e<br />

541


principalmente a juçara 73 , pois é na área do Maracanã que está concentrado o maior<br />

juçaral 74 da Ilha de São Luís. Conhecido também pela valorização dos seus aspectos<br />

tradicionais, tem no folclore uma forma de manter viva a cultura local por meio de<br />

manifestações que o identificam culturalmente dentro do Estado do Maranhão: o bumba<br />

meu boi de Maracanã e A festa da juçara.<br />

O bumba-meu-boi do Maracanã é um dos diversos grupos existentes no<br />

Estado, que surgiu logo nas primeiras décadas do século XX, mas firmou-se somente na<br />

década de 70. (RIBEIRO; CASTRO, 1998) O bumba-meu-boi do Maracanã é<br />

denominado “batalhão pesado”, por arrastar um batalhão de pessoas, que brincam e<br />

dançam à vontade junto com aos personagens do boi, a cada apresentação. O período de<br />

maior ênfase aos grupos de bumba-meu-boi é o mês de junho, durante as festas juninas.<br />

Antes de qualquer apresentação em outra localidade, ocorrem os ensaios e o batizado do<br />

Boi no bairro do Maracanã e este só retorna no segundo domingo do mês de agosto,<br />

para celebração da sua morte.<br />

A festa da Juçara, maior comemoração oficial de um fruto tipicamente<br />

amazonense dentro do Estado, ocorre a mais de 40 anos. Nesse período, o Maracanã<br />

recebe pessoas de todos os bairros da capital maranhense que chegam para degustar o<br />

vinho 75 da juçara, muito apreciado pela população ludovicense. O vinho da juçara pode<br />

ser servido sozinho, mas é bem mais apreciado quando acompanhado de farinha/açúcar<br />

e camarão. Além da polpa outros produtos são produzidos e vendidos na festa, tais<br />

como como sorvetes, bombons, pudins e cocadas. Para toda essa produção toneladas de<br />

polpa da juçara são extraídas e as sementes são descartadas, causando um grande<br />

desperdício de uma matéria prima que também poder ser aproveitada para outros fins,<br />

inclusive o artesanato (CORREA, 2010).<br />

73 No Estado do Maranhão, a palmeira denominada pelos paraenses de açaí e que se popularizou pelo<br />

Brasil a fora, é chamada de juçara. Embora da mesma espécie, Euterpe Oleracea Mart, tem o nome<br />

popular diferente.<br />

74 Nome dado à plantação de juçara.<br />

75 Nome dada a polpa da juçara, pela população maranhense.<br />

542


3 O PROJETO ARTESANATO NO MARACANÃ<br />

Após uma pesquisa realizada entre os anos de 2008 a 2010, intitulada<br />

“Design e artesanato: um estudo de caso sobre a semente de juçara em São Luís do<br />

Maranhão” (CORREA,2010), onde o principal objetivo era analisar as potencialidades<br />

de utilização da semente de juçara em produções artesanais na comunidade do<br />

Maracanã em São Luís do Maranhão com vista a sustentabilidade ambiental, social e<br />

econômica da região, que foi fruto da dissertação de mestrado da professora de Design<br />

na Universidade Federal do Maranhão, Ma. Gisele Reis Correa Saraiva, iniciou-se em<br />

2016 o projeto de extensão “ARTESANATO NO MARACANÃ: utilização da semente<br />

de juçara na produção artesanal”, realizado pelo Núcleo de Pesquisa em Inovação,<br />

Design e Antropologia (NIDA). Conforme a pesquisa de mestrado e os resultados<br />

obtidos, o projeto de extensão tem por objetivo utilizar a semente de juçara nas<br />

produções artesanais do Maracanã, com vista à sustentabilidade ambiental, social e<br />

econômica.<br />

Como metodologia, utiliza-se o design etnográfico que propõe incorporar à<br />

pesquisa de design, os fundamentos da etnografia, conhecimento da antropologia e a<br />

etnografia aplicada ao design (NORONHA, 2012), onde o papel do design é mediar,<br />

construindo um caminho adaptado à realidade local em constante diálogo com as<br />

artesãs, sujeitos da pesquisa, proporcionando no final, uma nova linha de produtos que<br />

irão beneficiar a sustentabilidade local.<br />

Durante o projeto foram realizados estudos sobre a semente de juçara e todo<br />

seu processo de tratamento, incluindo testes realizados em laboratório de prototipagem<br />

para assegurar um resultado benéfico dos produtos que seriam produzidos. Em paralelo<br />

com esses estudos e testes, foram realizados encontros com as mulheres, moradoras da<br />

localidade, onde numa relação de troca, pudemos colocar em prática todo processo,<br />

executados em etapas: coleta, lavagem, secagem, lixamento, furação, imunização,<br />

543


tingimento, polimento, banho de óleos - referente ao beneficiamento da semente,<br />

seguido das etapas criação/produção e exposição/venda (figura 1).<br />

Figura 1: Processo de beneficiamento da semente de juçara.<br />

Fonte: as autoras.<br />

Na etapa criação/produção (figura 2) foram desenvolvidas peças a partir do<br />

saber popular, focando no uso de elementos da cultura local resultando na coleção<br />

“Bumba Meu Boi”(figura 3). A etapa foi finalizada com a elaboração da identidade<br />

visual, assunto tratado no presente trabalho, focando e preservando a identidade da<br />

comunidade, identificando a atividade artesanal e o grupo de artesãs.<br />

Figura 2: Processo criativo.<br />

Fonte: as autoras, 2017<br />

Figura 3: Coleção “Bumba meu boi do Maracanã”.<br />

544


Fonte: Blog Djalma Rodrigues, 2013; Site direto da aldeia, 2017; TV<br />

mirante, 2017; Blog Mana-Mani, 2015; G1 Maranhão, 2013; as autoras,<br />

2017.<br />

4 IDENTIDADE VISUAL<br />

Compreende-se como identidade visual todos os componentes visuais que<br />

exprimem a personalidade de uma organização, tornando os seus produtos conhecidos,<br />

o espaço, o serviço, os conceitos, a filosofia e valores que possui. Para Krusser (2002,<br />

p.42), “A identidade visual é formada por todos os componentes visuais que participam<br />

da semiose institucional, alguns planejados, outros espontâneos”, onde os valores<br />

funcionais, objetivos e de uso dos objetos não costumam ser priorizados na<br />

comunicação de uma identidade visual, mas sim os valores psicológicos e subjetivos,<br />

pois são eles que acabam se sobressaltando na relação homem/artefato.<br />

Baseados nas relações de consumo, as empresas que se comprometem com<br />

o desenvolvimento coletivo, ampliam-se para além da relação imediata de custo x<br />

benefício que uma marca vem proporcionar, mas associam à sua imagem questões<br />

ecológicas, culturais e de interesse social.<br />

“Os elementos de identificação como nome, logotipo e símbolo são os<br />

componentes mais duráveis da identidade visual e sofrerão atualizações<br />

quando transformações na realidade da instituição ou no próprio contexto em<br />

545


que está se insere exigirem, mas a identidade visual se constitui de muitos<br />

outros elementos que exigem outra dinâmica. ” (KRUSSER, 2002, p.42 )<br />

Para gerar uma identidade visual é necessário que haja a configuração do<br />

sistema de informações que incluem dados objetivos e informações estéticas, identificar<br />

as necessidades de informações comunicacionais do grupo, além de valorizar as<br />

relações simbólicas e poéticas para o reconhecimento de uma identidade. Pois o<br />

inteligível e o sensível caminham juntos.<br />

Após o processo de concepção dos elementos gráficos de identificação que<br />

compõe uma identidade visual, algumas definições dos recursos visuais são adotadas no<br />

processo da comunicação, são planejadas as aplicações e normatizadas com ou os de<br />

imagens, com a intenção de manter a identidade coerente e concisa. Deve-se considerar<br />

também, as possibilidades de instigar uma transformação pessoal e social no público<br />

através dela.<br />

5 FRUTA RARA: A IDENTIDADE VISUAL<br />

Para que se chegasse a um resultado, todo o processo de definição do nome,<br />

geração da marca, ilustrações para composição das peças gráficas e até os produtos<br />

gráficos, foram realizados em conjunto pela pesquisadora, estudantes de design e<br />

artesãs. Cada uma das etapas foi minuciosamente pensada para que durante a execução,<br />

as pessoas envolvidas pudessem ser impulsionadas expressar todo o seu discurso<br />

subjetivo e criativo do que pensavam a respeito, não somente do projeto em si, mas de<br />

toda a cadeia que o envolve. Foram realizadas:<br />

1) Pesquisa metodológica - seleção de metodologias, ferramentas e técnicas a<br />

serem aplicadas;<br />

2) Importância da identidade visual para o negócio.<br />

3) Análise de similares;<br />

4) Nome e conceito<br />

546


5) Brainstorming 76 e mapa mental 77<br />

6) Geração de ideias<br />

7) Resultado<br />

5.1 Metodologia<br />

Para gerar ideias até chegar a uma solução da identidade visual, Luptton<br />

(2014) propõe técnicas do design thinking 78 para participação coletiva como o codesign,<br />

pesquisa visual, brainstorming e mapa mental, que neste caso foi bem aceita por ser de<br />

simples compreensão por parte das artesãs, conseguindo ainda captar todos os<br />

sentimentos, anseios e desejos envolvidos para ser expresso através da marca, o que<br />

enfatiza o design como um meio de satisfazer as necessidades humanas. “As técnicas de<br />

concepção muitas das vezes envolvem a captura visual das ideias”. (LUPTTON, 2014,<br />

p.05)<br />

Codesign também é conhecido como design participativo ou design<br />

colaborativo, ambos se resumem a uma forma de pesquisa de design que envolve os<br />

usuários no processo de criação (LUPTON,2014) pois muitos designers se veem como<br />

controladores e criadores do processo final, deixado de lado os agentes solicitantes de<br />

um determinado projeto/serviço e até mesmo os usuários. Ao contrário disto, no<br />

processo de Codesign há uma participação ativa de todos os envolvidos, enfatizando as<br />

experiências dos usuários, que neste contexto, são chamados de agentes envolvidos, no<br />

processo e resultado final.<br />

Com técnicas e ferramentas simples de criação, que são de fácil<br />

compreensão a qualquer pessoa, um projeto de Codesign pode ser executado, pois “de<br />

76 Brainstorming: técnica utilizada para gerar conceitos iniciais no começo de um projeto, uma forma<br />

prática de abrir a mente e liberar ideias. LUPTON, 2014. p.16.<br />

77 Mapa mental: técnica de mapeamento rápido de ideias propostas intuitivamente. LUPTON, 2014. p.22.<br />

78 Design Thinking: uma forma de abordagem tomada do campo do design, que significa “pensamento<br />

do design”. Geralmente refere-se aos processos de concepção, pesquisa, prototipagem e interação com o<br />

usuário.<br />

547


posse das ferramentas certas, aqueles que não são designers têm todas as condições para<br />

imaginar experiências que satisfaçam suas necessidades e desejos” (LUPTTON, 2014).<br />

Apesar de simples e práticas, tornam-se eficaz em todos os sentidos, tanto na captura<br />

como na representação de cultural, identitária e sentimental das artesãs.<br />

Seguindo a linha do design etnográfico (NORONHA, 2012) através das<br />

escritas, entrevistas e narrativas de discurso podemos observar como as artesãs expõem<br />

seus modos de ver, sentir, pensar e seus pontos de vista. O que nos ajudou a montar uma<br />

teia de significados para geração da marca com o próprio conceito cultural que já<br />

carregam. Deste modo as intervenções realizadas por designers não impõem, apenas<br />

propõem, ou seja, atuam como mediadores no processo, interpretando e construindo os<br />

significados gerados, mostrando e aflorando a identidade já existente na relação<br />

Maracanã-artesãs-biojoias.<br />

5.2 Importância da identidade visual para o negócio<br />

Uma identidade visual tem a importância de comunicar legitimamente a<br />

qualidade e singularidade dos produtos oferecidos. Ela é a primeira comunicação com o<br />

público e, por isso, precisa sem bem elaborada para não transmitir uma imagem<br />

equivocada. Pensando nisto, viu-se a necessidade de demonstrar para as artesãs a<br />

importância de uma identidade visual no reconhecimento delas através das biojoias.<br />

Dois vídeos conceito foram selecionados para que elas compreendessem a importância,<br />

a definição de conceito e marca (figura 4). Um vídeo era da “Manuale joias artesanais”,<br />

que mostra a identidade visual atrelado ao conceito de fabricação de joias manuais e o<br />

outro da “Maria Oiticica Biojoias”, designer amazonense que trabalha com biojoias.<br />

548


Figura 4: A) Manuale joias artesanais, B) Maria Oiticica Biojoias.<br />

Fonte: YouTube (2017)<br />

5.3 Análise de similares<br />

No momento seguinte, foi feita uma análise de similares de marcas de<br />

biojoias do mercado (figura 5), onde os designers e artesãs puderam identificar as<br />

semelhanças e diferenças entre elas. Foi observado que a maioria apresentava algum<br />

elemento orgânico da natureza, sendo folhas, ramos, sementes e flores. Quanto as cores,<br />

observou-se que havia bastante presença de verde e em tonalidades vareadas. Já as<br />

tipografias utilizadas eram, sua maioria, orgânica e cursiva.<br />

Figura 5: Pesquisa das marcas de biojoias do mercado para análise.<br />

Fonte: Google imagens (2017)<br />

549


5.4 Nome e conceito<br />

A inspiração para o nome veio de músicas típicas e popularmente<br />

conhecidas, não somente na localidade, mas em toda a capital, São Luís. A música “Voa<br />

maracanã” do Boizinho Barrica 79 e “Ilha bela” de Calinhos Veloz 80 , ambas destacam as<br />

belezas encontradas na localidade e também se referem a juçara como algo de grande<br />

valor e apreciação (figura 6). Foram destacadas palavras de impacto e significância para<br />

que ao final pudesse ser escolhido, o nome “fruta rara” (figura 7), fazendo referência a<br />

juçara, intitulada dessa forma em uma dasmúsicas.<br />

Figura 6: Referências musicais para o nome. Fonte: YouTube (2017)<br />

Fonte: YouTube (2017)<br />

Figura 7: Lista de palavras provenientes das músicas<br />

79 Boizinho Barrica: Companhia Barrica do Maranhão. Grupo de artistas formado em 1985, que revigora<br />

e evidencia a tradição da dança e brincadeira do Bumba-meu-boi.<br />

80 Carlinhos Veloz: Cantor popular maranhense.<br />

550


5.5 Brainstorming e mapa mental<br />

O brainstorming é um método bastante livre, e foi selecionado pensando<br />

justamente em deixar as artesãs bastante à vontade para se expressarem. Mesmo sendo<br />

uma técnica livre, foi elaborado algumas perguntas para que desse início e<br />

direcionamento (quadro1). Durante o brainstorming as artesãs deram relatos do que<br />

sentiam e pensavam a respeito do projeto, da sua relação com a juçara e com as biojoias.<br />

Quadro 1: Perguntas sugeridas para o Brainstorming.<br />

Perguntas para o brainstorming<br />

1. Como ser vistas pelas pessoas e clientes?<br />

2. Qual o seu interesse pelas biojoias com semente de juçara? (Ganhar dinheiro?<br />

Preservar a cultura? Etc.)<br />

3. Para quem são as pessoas que vocês querem vender as Biojóias?<br />

4. Você gosta do que faz?<br />

5. Qual a parte que você mais se identifica no processo?<br />

6. Qual a parte que você menos gosta?<br />

7. Como você se vê no futuro com relação as biojoias?<br />

A técnica do Mapa mental foi utilizada para identificar os anseios e<br />

expectativas das artesãs quanto a marca e a sua relação com a biojoias, e assim, criar<br />

uma teia de significados nos quais seriam utilizados para dar vida a marca, ou seja,<br />

conceitos que a marca carregaria (figura 8).<br />

551


Figura 8: Mapa mental e escrita de discursos<br />

Como resultado dessas duas técnicas, foi observado que as palavras<br />

“orgulho, gratidão, dedicação, beleza, mãos, descoberta, momentos, prazer e juçara”,<br />

puderam se destacar e obter maior frequência entre as demais palavras, então estas<br />

foram estabelecidas para nortear o desenvolvimento da marca. Além disto, durante o<br />

Brainstorming a artesã Tatiane Mendes, em um dos seus discursos mencionou, “[..] a<br />

juçara se transforma em joia rara nas mãos das mulheres do Maracanã”, frase de<br />

impacto que se tornou slogan (slogan: expressão concisa, termo bastante utilizado na<br />

publicidade) para frente da marca (figura 9).<br />

Figura 9: Análise do m<strong>ate</strong>rial gerado no brainstorming e escrita de discursos<br />

Logo em seguida foi pedido que todos fizessem desenhos da representação<br />

da palmeira de juçara, da semente da juçara e do macramê, técnica de trançado mais<br />

utilizada na confecção das peças (figura 10).<br />

552


Figura 10: Desenhos da oficina criativa<br />

5.6 Geração de ideias<br />

Os desenhos gerados no braintorming foram reunidos, escaneados e passado<br />

por um processo de melhoramento de imagem para que pudessem ser manipulados<br />

graficamente. Após isto, foram separados em três c<strong>ate</strong>gorias: palmeiras de juçara,<br />

sementes e macramê (figura 11).<br />

Figura 11: Tratamento de imagens dos desenhos gerados no brainstorming<br />

A partir do melhoramento da qualidade dos desenhos, os mesmos puderam<br />

ser utilizados com complemento para os m<strong>ate</strong>riais gráficos que foram desenvolvidos.<br />

553


Deles foram feitos padrões, ou seja, que nada mais é do que a repetição de imagens.<br />

Assim, todos os desenhos poderiam ser utilizados dando um sentido de união,<br />

reforçando a ideia de que todos puderam contribuir para a criação.<br />

As palmeiras, quando colocadas uma ao lado das outras geram um juçaral<br />

(plantação de palmeiras de juçara) e as sementes quando colocadas por cima do desenho<br />

do macramê, geram a representação das biojoias feitas com semente de juçara (figura<br />

12).<br />

Figura 12: Padrão do juçaral e da biojoia<br />

Para a marca, foram feitos esboços baseados nas palavras conceituais<br />

(orgulho, gratidão, dedicação, beleza, mãos, descoberta, momentos, prazer e juçara) e na<br />

frase de impacto da artesã Tatiane (figura 13).<br />

Figura 13: Geração de ideias para o símbolo da marca<br />

1 2 3<br />

4<br />

5<br />

6<br />

7<br />

8<br />

554


Após a análise das ideias, observou-se que a oitava ideia foi que melhor<br />

traduziu o conceito abordado, mas que o símbolo deveria ser de fácil compreensão.<br />

Trabalhando em torno dessa ideia, a mão foi redesenhada remetendo também a<br />

aparência de uma folha, conseguindo assim o resultado esperado pelo grupo (figura 14).<br />

Figura 14: Símbolo escolhido para a marca<br />

5.7 Resultado<br />

A solução gerada foi uma mão que derrama o fruto da juçara, e que ao cair<br />

se transformam em biojoia, remetendo a todo processo feito na semente do momento<br />

que é coletada até tratamento final. O desenho simples em forma de silhueta, remetem a<br />

mão aberta de uma pessoa e que ao mesmo tempo lembra uma folha, caracterizando a<br />

vasta vegetação do Maracanã. Logo abaixo do desenho da mão, uma linha em volta da<br />

parte inferior, representa um cordão e um pingente com as sementes tratadas, formando<br />

a biojoia. As juçaras e as sementes são representadas por pequenos círculos de tamanhos<br />

diferentes, pois a fruta e as sementes também são de tamanhos diferenciados.<br />

Foi selecionado as tipografias Gunny Rewritten e Eager Naturalist para uso<br />

na marca, da família tipográfica cursiva, dando a ideia de rusticidade, aproximação a<br />

escrita manuscrita, além de serem harmônicas com o símbolo gerado. As cores<br />

selecionadas para uso, foram: o verde para representar a vegetação local, o roxo para<br />

representar a cor da polpa da juçara, o marrom e o bege, pois a semente quando lixada<br />

para uso apresenta uma oscilação de tonalidade entre marrom escuro e bege (figura 15).<br />

555


Quanto ao nome, sua disposição espacial em relação ao desenho foi contornando-o, para<br />

transmitir ideia de movimento e harmonia em relação ao símbolo.<br />

A Marca leva como conceito a sustentabilidade, preservação e propagação<br />

da cultura local, que visa criar biojoias artesanalmente a partir da matéria prima<br />

encontrada em abundancia no Maracanã (a semente da juçara), fazendo o próprio<br />

tratamento da semente para fornecer produtos de qualidade a seus clientes (figura 16).<br />

Figura 15: Tipografia e paleta de cores<br />

Figura 16: Marca<br />

Antes da utilização e aplicação da marca, foram feitos testes de usabilidade<br />

para assegurar sua funcionalidade. Foram eles: teste em preto e branco, preto e branco<br />

negativo (figura 17), dimensionamento e área de proteção e contorno para fundos<br />

coloridos (figura 18).<br />

556


Figura 17: Teste em preto e branco e preto e branco negativo<br />

Figura 18: Teste de dimensionamento, área de proteção e contorno para fundos<br />

coloridos.<br />

A frase que se tornou o slogan da marca foi usada também na tipografia<br />

Eager Naturalist, na cor marrom e de forma centralizada (figura 19).<br />

Figura 19: Slogan da marca<br />

557


- Aplicações<br />

Um dos propósitos do projeto é que ao final de todo processo as artesãs<br />

pudessem expor e vender as biojoias que foram criadas com as sementes tratadas. Para<br />

culminância, escolheu-se o período da Festa da Juçara que ocorre todos os anos no<br />

Maracanã durante todo o mês de outubro. Portanto, de acordo com o ramo de venda,<br />

foram utilizados os m<strong>ate</strong>riais gráficos com aplicações da marca, que foram: camisa,<br />

embalagem, etiqueta e cartão de visita.<br />

Pensado em todos estarem identificados no ponto de venda das biojoias, fezse<br />

a camisa, na qual apresenta corte simples, com gola canoa, na cor branca para não<br />

conflitar visualmente com o uso de colares, já que poderiam ser usados pelas artesãs<br />

para divulgação das peças. Na frente foi utilizado a marca, alocada no lado direito, na<br />

altura do busto. Foram utilizados também as ilustrações complementares do juçaral em<br />

toda bainha da camisa e do macramê com a juçara, contornando toda a manga, e<br />

finalmente na costa, de forma centralizada, a frase da artesã Tatiane (figura 20).<br />

Figura 20: Frente e costa da camisa<br />

Como sugestão de embalagem pensou-se no uso de m<strong>ate</strong>riais de baixo<br />

custo, para que pudesse ser de fácil reposição e sem comprometer o orçamento das<br />

artesãs. Neste caso o uso do saco de papel kraf foi indicado, justamente pensando no<br />

sentido de custo-benefício, pois além de ser de baixo preço, transmite uma imagem<br />

558


ústica que se enquadra perfeitamente ao processo que é realizado o tratamento da<br />

semente de juçara (figura 21).<br />

Figura 21: Sugestão de embalagens: sacola, saquinho<br />

As etiquetas foram pensadas também visando o custo-benefício, sendo elas<br />

impressas em frente única no tamanho 4 cm x 7 cm, identificando a localidade. Na parte<br />

posterior (verso), o preço e as informações sobre a peça podem ser colocados à parte de<br />

acordo cada peça (figura 22).<br />

Figura 22: Sugestão de etiquetas<br />

Para que as artesãs pudessem receber encomendas e continuar com suas<br />

atividades de venda, sugeriu-se ainda um cartão de visitas no qual apresenta a marca, o<br />

slogane informações referindo a localidade, nome e contato (figura 23).<br />

559


Figura 23: Sugestão de cartão de visita<br />

Também foi sugerido outras formas de aplicações da marca com o uso dos<br />

padrões formados (figura 24).<br />

Figura 24: Sugestões de aplicação da marca com padrões<br />

Após a elaboração do m<strong>ate</strong>rial gráfico, foi realizada uma roda de conversa,<br />

para que a marca e os m<strong>ate</strong>riais gerados pudessem ser aprovados por todos e/ou<br />

modificados para que em seguida fossem feitos os últimos ajustes.<br />

- Modificações<br />

Com a obtenção de êxito na marca gerada e de todo o m<strong>ate</strong>rial gráfico,<br />

apenas a embalagem obteve modificações. A embalagem não seria mais estampada, o<br />

560


que diminuiria os custos para as artesãs. O cartão de visita agora viria junto com a<br />

embalagem, que por meio de um furo na extremidade l<strong>ate</strong>ral e com o auxílio de um fio,<br />

faria o fechamento da embalagem. Finalizada todas as etapas, incluindo a de alterações,<br />

as peças gráficas seguiram para a produção (figura25).<br />

Figura 25: Resultado da embalagem<br />

- Uso dos protótipos<br />

Seguindo um dos propósitos do projeto como mencionando anteriormente,<br />

as biojoias foram expostas e vendidas na Festa da juçara identificadas com o nome, a<br />

marca, etiquetadas embalagens (figura 26), cartões de visita (figura 27) e o uso das<br />

camisas (figura 28), tornando assim a culminância do projeto Artesanato no Maracanã<br />

(figura 29).<br />

Figura 26: Resultado das etiquetas<br />

561


Figura 27: Resultado do cartão de visita.<br />

Figura 28: Camisa.<br />

Figura 29: Exposição e venda na Festa da juçara<br />

562


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O projeto da identidade visual ao absorver informações complexas da<br />

relação entre as artesãs e a semente da juçara oriunda do processo de beneficiamento,<br />

com o intuito de gerar uma comunicação do grupo com o público através de elementos<br />

visuais, obteve a valorização das relações simbólicas e poéticas enxergadas durante o<br />

processo no reconhecimento da sua marca.<br />

Durante a execução do projeto no Maracanã, podemos observar um fator<br />

relevante na obtenção do resultado que foi o fato de algumas mulheres já trabalharem<br />

com a produção e venda artesanato, que anteriormente eram feitos com a palha da<br />

juçara na confecção de flores, o que acabou facilitando os processos quanto a<br />

compreensão a respeito do impacto que uma marca própria viria a causar na venda das<br />

biojoias e na visibilidade do grupo como um todo.<br />

Além das artesãs obterem um novo m<strong>ate</strong>rial para produção de suas peças<br />

artesanais, com a confecção de uma nova linha produtos e uma identidade visual<br />

eficiente que transmite todo um contexto identitário atrelado não só ao produto, mas<br />

também a elas, puderam também complementar a renda mensal familiar com a venda da<br />

produção de biojoias, oferecendo um produto que carrega consigo um valor histórico<br />

cultural, que é assegurado quanto sua qualidade e originalidade identificados pela<br />

marca.<br />

Já no campo acadêmico a realização deste trabalho é de suma importância<br />

para a preservação e o reconhecimento da cultura m<strong>ate</strong>rial e im<strong>ate</strong>rial, pois podemos<br />

perceber o impacto significativo na produção do artesanato do Maracanã com vistas à<br />

sustentabilidade ambiental, social e econômica, encontrando no design uma<br />

contribuição eficaz desse processo.<br />

Pôde-se ainda ver na prática a eficiências e êxito das metodologias e<br />

ferramentas aplicadas com a presença dos resultados da identidade visual. A marca<br />

representa visivelmente através do ícone, tipografia e cores a relação entre as artesãs<br />

com juçara e com o Maracanã, cumprindo o papel de comunicar e reproduzir a<br />

563


ealidade, transmitindo ainda estímulos e sensações que causaram uma relação de<br />

envolvimento com o consumidor, no intuito de gerar reconhecimento. Servindo como<br />

inspiração para outros projetos voltados a geração de identidades visuais.<br />

REFERÊNCIAS<br />

CORREA, Gisele Reis. Design e artesanato: um estudo de caso sobre a semente de<br />

juçara em São Luís do Maranhão. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de<br />

Pernambuco, Curso de Pós-graduação em Design. Recife, 2010.<br />

FUMTUR. Inventário turístico do bairro Maracanã. São Luís: Prefeitura de São<br />

Luís. 2002.<br />

KRUCKEN, Lia. Design e território: valorização de identidades e produtos locais.<br />

São Paulo: Studio Nobel, 2009.<br />

KRUSSER, Renata. Um olhar ergonômico para projetos de identidade visual.<br />

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-<br />

Graduação em Engenharia de Produção. Florianópolis, 2002.<br />

LUPTON, Ellen. Intuição, ação, criação: Graphic Design Thinking. 2ªEd. São Paulo:<br />

G Gili Ltda, 2014.<br />

NORONHA. Raquel. Do centro ao meio: um novo lugar para o designer. In: Anais<br />

do 10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design - P&D. São<br />

Luís: 2012.<br />

RIBEIRO, Alaíde Viégas; CASTRO, Marly Pereira. Resg<strong>ate</strong> histórico das<br />

manifestações culturais do bairro Maracanã e sua influência dentro do contexto<br />

educacional do bairro. 1998. f.74. Monografia (Graduação em Geografia). São Luís:<br />

UFMA. 1998.<br />

STRUNCK, Gilberto Luiz. Como criar identidades visuais para marcas de sucesso.<br />

Rio de Janeiro: Books, 2001.<br />

564


INCLUSÃO DIGITAL: Uma análise do processo de formação de cursos técnicos em<br />

EAD 81<br />

DIGITAL INCLUSION: an analysis of the training process of technical courses in<br />

EAD<br />

Marina Fernanda Veiga dos Santos de Farias<br />

Jornalista e radialista formada pela UFMA. Mestranda em Marketing e Comunicação<br />

Instituto Politécnico de Coimbra<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Na sociedade contemporânea a emergência da informação e comunicação<br />

tornou-se essencial para desenvolvimento do conhecimento. Portanto, a educação<br />

transformou-se e se adequa afim de proporcionar maior acesso a cursos técnicos entre<br />

outros com a utilização da tecnologia EAD tendo como finalidade oportunizar o saber<br />

cientifico entre todos. Com isso, este artigo tem como objetivo analisar a importância do<br />

uso da plataforma EAD na produção de informação proporcionando a diferentes<br />

públicos uma educação ampla e acessível.<br />

Palavras-chave: educação; EAD; conhecimento; informação.<br />

ABSTRACT: In contemporary society the emergence of information and<br />

communication has become essential for the development of knowledge. Therefore ,<br />

education and become suitable in order to provide gre<strong>ate</strong>r access to technical courses<br />

among others with the use of DL technology for purposes oportunizar among all<br />

scientific knowledge . Thus , this article aims to analyze the importance of the use of<br />

81 Projeto de Pesquisa elaborado para ingresso no Curso de Mestrado em Marketing e Comunicação, pelo<br />

Instituto Politécnico de Coimbra/Portugal, 2016.<br />

565


distance learning platform in the production of information providing different public a<br />

wide and accessible education.<br />

Keywords: education; EAD ; knowledge; information.<br />

1. Educação: Um panorama de competências e habilidades<br />

Quando se conceitua educação tratamos de uma infinidade relações que<br />

incluem relacionamento humano e sociedade. As diferenças entre alunos são variadas.<br />

Estes diferem no nível de rendimento, rapidez e estilo de aprendizagem. Alguns alunos<br />

revelam dificuldades de aprendizagem e outros são verdadeiros “génios”.<br />

Do ponto de vista histórico, a educação, em sentido amplo, representa tudo<br />

aquilo que pode ser feito para desenvolver o ser humano e, no sentido estrito, representa<br />

a instrução e o desenvolvimento de competências e habilidades. Foram os gregos os<br />

precursores da filosofia, no sentido de descobrir que o pensamento racional pode<br />

averiguar a razão de ser das coisas. De fato, foi com eles que surgiu a filosofia, ao<br />

utilizar a razão para descobrir o fim último das coisas e solucionar todos os problemas<br />

existentes naquela época.<br />

Há diferentes concepções de educação sendo discutidas aqui e em diferentes<br />

países a partir de estudos profundos realizados por educadores, sociólogos,<br />

historiadores, economistas e tantos outros interessados. Tornando uma concepção de<br />

educação mais justa se todos os países se empenharem em tornar a educação um real e<br />

efetivo instrumento de emancipação individual, onde todos realmente aprendam a ler o<br />

mundo, se posicionar e participar com ética e dignidade.<br />

Para isso, é essencial que as estruturas essenciais do processo educacional e<br />

a organização escolar vinculem-se em torno da importância da concepção do sujeito<br />

para resolver situações-problemas do cotidiano, que envolvem distintos graus de<br />

566


complexidade. São nessas situações que o aluno passará a exercitar habilidades e<br />

competências através dos conteúdos.<br />

Por exemplo, quando um professor leciona um conteúdo novo<br />

ele propicia oportunidades para que aconteçam mudanças que desencadeiem<br />

desenvolvimento cognitivo, afetivo e social. Neste caso, no desenvolvimento de<br />

atividades são geradas relações humanas que incentivam a interação social além de<br />

mobilizar conhecimentos, valores e atitudes, agindo de modo pertinente na resolução de<br />

situações problemas, temos o que chamamos de competência.<br />

Neste contexto, o processo de escolarização é construído e reconstruído a<br />

partir da construção dos saberes, que se pretenda ao desenvolver competências e<br />

habilidades, dedicar tempo para colocá-las em prática. De acordo com Silveira (2000;<br />

p.01) a missão do professor é muito maior do que o simples ensinar mais desenvolvê-lo<br />

em todas dimensões possíveis.<br />

É tarefa do educador, todos os dias, de qualquer modo, de todos os jeitos,<br />

formar o jovem para ser sujeito, protagonista da sua história. Educar o jovem<br />

cidadão para ser melhor como gente, desenvolver sua humanidade, sua<br />

espiritualidade formando-o para participar ativamente do processo de<br />

transformação social.<br />

Como destaque a autora Silveira (2000; p.02) realizou um estudo para<br />

avaliação dos principais desafios do cotidiano do professor em sala de aula. Para isso,<br />

são avaliados desde o ato de ensinar e as dificuldades recorrentes.<br />

Não há respostas prontas, já que se vive numa realidade complexa,<br />

globalizada, informatizada, e predominantemente competitiva. Lança-se<br />

apenas ponderações que podem sinalizar indagações sobre o papel da escola<br />

e sobretudo, a dinâmica da sala de aula, a prática do professor. Neste<br />

circunstante, recomenda-se Respeito à diferença do aluno. A realidade e a<br />

diversidade dos sujeitos em formação; Compreender e saber fazer esta leitura<br />

poderia evitar equívocos graves na condução dos trabalhos didáticos em sala<br />

de aula Conteúdos adequados ao tempo cultural do aluno para que este jovem<br />

pode se apropriar de saberes fundamentais a sua inserção ativa na família, na<br />

sociedade, no mundo do trabalho, como pessoa, como cidadão e como<br />

profissional; Uma formação que possibilite ao jovem desenvolver suas<br />

competências e habilidades instrumentais, humanas e políticas; uma<br />

formação que reconheça nele sua identidade como sujeito de cultura, Um<br />

567


trabalho educativo que discuta e habilite o jovem para entender os novos<br />

códigos simbólicos que qualificam uma sociedade que se informatiza, se<br />

tecnifica, se organiza dinamicamente em várias de suas atividades; A relação<br />

teórico-prática, o aprender a pensar, o saber- fazer, o saber- conhecer e o<br />

saber conviver, vistos como mecanismos fundantes da competência humana e<br />

de habilidades profissionais; Uma relação que articule teoria e pratica, como<br />

momentos entrelaçados, construindo assim, uma praxis pedagógica.<br />

Com isso, é possível perceber a importância de uma base educacional para o<br />

desenvolvimento de uma educação igualitária sempre visando o melhor desempenho<br />

dos alunos em sala de aula.<br />

2. Educação técnica: Uma avaliação do sistema educacional como formação do<br />

jovem no mercado de trabalho<br />

A educação técnica do ponto de vista histórico enfrenta muitas dificuldades<br />

o Brasil enfrenta de <strong>ate</strong>nder à sua população e, em particular, aos jovens nos seus<br />

direitos básicos de uma educação de qualidade. Antes da Revolução Industrial, por<br />

exemplo, os produtos eram feitos manualmente e, no máximo com a ajuda de máquinas<br />

simples. Não havia uma organização de trabalho e a não existência de direitos neste<br />

sentido.<br />

Após este momento, algumas mudanças aconteceram, pois<br />

os trabalhadores perderam sua autonomia tendo agora um superior que direcionava essa<br />

força motriz para próprio lucro. Portanto a necessidade de uma regularização era algo<br />

l<strong>ate</strong>nte devido o trabalho informal e o subemprego ainda predominar nas relações de<br />

produção e assim expandir as possibilidades de qualificação.<br />

De acordo com Simões (2007, s/p), essa educação profissionalizante permite<br />

o jovem terminar o ensino médio já com uma perspectiva de crescimento profissional<br />

para fim de custear seus estudos ou garantir despesas pessoais e coletivas.<br />

Nesse quadro, encontra-se o dilema entre a tendência de garantir aos jovens<br />

um tempo maior de preparação na educação escolarizada, implicando,<br />

portanto, a suspensão provisória da inserção no mundo produtivo e, por outro<br />

lado, a necessidade concreta do trabalho dos jovens brasileiros como meio de<br />

568


aquisição das condições mínimas da cidadania. Do ponto de vista do<br />

trabalho, podemos falar de distintas formas de socialização profissional<br />

relativas aos diversos grupos de jovens, diferenciados pela sua origem social<br />

ou seu capital escolar. As trajetórias profissionais não são mais previsíveis e<br />

a responsabilidade da inserção no trabalho é dirigida cada vez mais para o<br />

próprio jovem e seus atributos de escolarização e formação. Novos<br />

significados em relação ao trabalho são construídos pelos jovens, ante a<br />

intensidade com que foram tocados pela incerteza e o desemprego juvenil. O<br />

trabalho aparece muitas vezes como uma referência central entre as opiniões,<br />

atitudes, expectativas e preocupações dos jovens e com significados diversos<br />

no imaginário juvenil, como valor, necessidade, direito ou mesmo como<br />

busca de aquisição de autonomia familiar e poder de consumo.<br />

Nesta perspectiva, o ensino médio tem-se constituído ao longo da história da<br />

educação brasileira como o nível de mais difícil enfrentamento, em termos de sua<br />

concepção, estrutura e formas de organização, em decorrência de sua própria natureza<br />

de mediação e a particularidade de <strong>ate</strong>nder aos jovens. Sua ambiguidade confere uma<br />

dupla função de preparar para a continuidade de estudos e ao mesmo tempo para o<br />

mundo do trabalho, produzida dentro do sistema capitalista.<br />

É importante reforçar ainda, que para fortalecimento deste sistema<br />

educacional, as características compensatórias dos programas educacionais e formação<br />

profissional servem para superar possíveis deficiências e alcançar a cidadania das<br />

pessoas, através da inserção no mundo do trabalho. Basta ver os destinatários de<br />

determinados programas de formação profissional para perceber uma ligação entre os<br />

seus objetivos educacionais e de inserção social, sendo alguns ligados diretamente ao<br />

Governo Federal ou estadual. Entre eles podemos citar o PRONATEC 82 .<br />

O Ensino Técnico como prática educativa se insere de forma diferenciada, de<br />

acordo com os momentos históricos e a política vigente, adquirindo a<br />

natureza ora da educação tecnológica ligada ao saber escolar, ora da natureza<br />

de Qualificação Profissional mais imediatamente ligada ao mercado de<br />

trabalho. Nesse sentido, o Ensino Técnico é uma oferta educativa que<br />

representa, historicamente, no âmbito da educação, uma questão contraditória<br />

e com ambigüidades entre a Qualificação Profissional e a educação<br />

propriamente dita. Observa-se, curiosamente, que na sua relação com o<br />

82 O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pron<strong>ate</strong>c) foi criado pelo Governo<br />

Federal, em 2011, por meio da Lei 12.513/2011, com o objetivo de expandir, interiorizar e democratizar a<br />

oferta de cursos de educação profissional e tecnológica no país.<br />

569


Ensino Médio (secundário) dá-se uma disputa permanente entre orientações<br />

profissionalizantes e/ou acadêmicas, entre objetivos propedêuticos e<br />

econômicos.<br />

Com esta análise, percebe-se as vantagens e dificuldades no avanço do<br />

sistema educacional profissionalizante no Brasil e ainda a necessidade de melhorias<br />

neste sentido afim de ampliar o numero de vagas e oportunidades para jovens recém<br />

saídos do ensino médio normal.<br />

3. Educação técnica em EAD: Uma solução<br />

No ensino aprendizagem podem ser consideradas as seguintes modalidades<br />

de Educação: presencial e a distância. A modalidade presencial é a comumente utilizada<br />

nos cursos regulares, onde professores e alunos encontram-se sempre em um mesmo<br />

local físico, chamado sala de aula, e esses encontros se dão ao mesmo tempo: é o<br />

denominado ensino convencional. Na modalidade à distância, professores e alunos estão<br />

separados fisicamente no espaço e/ou no tempo. Geralmente o público alvo desta<br />

modalidade são jovens e adultos que desejam maior tempo para desenvolvimento de<br />

outras atividades possibilitando a inserção pelas novas tecnologias nas áreas de<br />

informação e comunicação.<br />

A educação a distância hoje é uma realidade pelo qual novas abordagens<br />

têm surgido em decorrência da utilização crescente de multimídias e ferramentas de<br />

interação à distância no processo de produção de cursos. Hoje podemos citar ainda,<br />

alguns sites específicos para produção de conteúdo em EAD como a Fabrico (empresa<br />

catarinense maior produtora de conteúdo para EAD do Brasil). Alves (2011, p.02)<br />

destaca a importância desta metodologia para “fuga” dos métodos tradicionais<br />

Somando-se a isso, a metodologia da Educação a Distância possui uma<br />

relevância social muito importante, pois permite o acesso ao sistema àqueles<br />

que vêm sendo excluídos do processo educacional superior público por<br />

morarem longe das universidades ou por indisponibilidade de tempo nos<br />

horários tradicionais de aula, uma vez que a modalidade de Educação a<br />

Distância contribui para a formação de profissionais sem deslocá-los de seus<br />

municípios.<br />

570


As primeiras experiências com EAD surgiram ainda no século XIX a nível<br />

mundial com uma concentração maior na Europa e oferecimento de cursos por<br />

correspondência na Suécia, Reino Unido e Espanha, além dos Estados Unidos.<br />

Entretanto, apenas na segunda metade do século XX é que a EAD começou a se<br />

fortalecer e a se estabelecer como uma importante modalidade de ensino. Já em 1969,<br />

na Ingl<strong>ate</strong>rra, é autorizada a abertura da British Open University, considerada como um<br />

importante acontecimento dentro da evolução da EAD.<br />

No Brasil, a história da educação a distância no Brasil esteve sempre ligada<br />

à formação profissional, capacitando pessoas ao exercício de certas atividades ou ao<br />

domínio de determinadas habilidades, sempre motivadas por questões de mercado. A<br />

partir dos anos 30, as políticas públicas viram na Educação a Distância uma forma de<br />

atingir uma grande massa de analfabetos sem permitir que houvesse grandes reflexões<br />

sobre questões sociais. Outro importante momento foi com a criação da Fundação<br />

Centro Brasileiro de Televisão Educativa (FCTVE), utilizando programas de televisão<br />

no projeto Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL).<br />

Como nota-se, trata-se de uma nova tendência na EaD, caracterizada<br />

sobretudo pela flexibilidade proporcionada pela integração de várias tecnologias, como<br />

por exemplo, a telemática (informática com telecomunicação). A aplicação das novas<br />

tecnologias da informação na educação gera condições para que aprendizado seja cada<br />

vez mais interativo e autônomo. A partir dessa visão geral da evolução da EaD, a seguir<br />

apresenta-se as experiências mais significativas no Brasil, relatando sucintamente<br />

importantes momentos da trajetória de tentativas de superação de barreiras e avanços no<br />

sentido de acompanhar o desenvolvimento que vem acontecendo a nível mundial.<br />

No tocante a legislação da EaD no Brasil, as bases legais para a modalidade<br />

foram estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n.º 9.394,<br />

de 20 de dezembro de 1996) que foi regulamentada pelo Decreto n.º 5.622, publicado<br />

no D.O.U. de 20/12/05. Este revogou o Decreto n.º 2.494, de 10 de fevereiro de 1998, e<br />

o Decreto n.º 2.561, de 27 de abril de 1998 com normatização definida na Portaria<br />

571


Ministerial n.º 4.361, de 2004 (que revogou a Portaria Ministerial n.º 301, de 07 de abril<br />

de 1998.<br />

Infelizmente ainda existem preconceitos com relação aos estudos nesta<br />

modalidade porque muitas pessoas associam o EAD a fácil dispersão no momento do<br />

aprendizado ou acomodamento, porém a EaD ainda é necessário maior empenho para<br />

profissionalização de professores incentivando o acesso do sistema EAD atuam na área<br />

que desempenham. O aspecto legal é um ponto fundamental para derrubar preconceitos<br />

com relação à EAD e melhorar ainda mais a seriedade dessa modalidade de ensino<br />

CONCLUSÃO<br />

O objetivo deste trabalho foi apresentaruma análise do processo de<br />

formação de cursos técnicos em EAD, além de destacar este sistema como decisivo para<br />

consolidar e garantir cada vez mais o seu crescimento em qualidade e quantidade de<br />

pessoas envolvidas, com esta modalidade de ensino no País.<br />

Nota-se que aconteceram progressos, apesar das falhas incontestáveis,<br />

sobretudo pela ausência de políticas normativas relacionadas à EaD, no entanto, não<br />

faltaram pessoas que desafiaram situações e romperam barreiras, dando o melhor de si<br />

para que o país pudesse progredir no campo educacional. Percebe-se ainda que estes<br />

recursos tecnológicos principalmente ligados à informática têm como objetivo auxiliar a<br />

vida dos professores como pode ser observado no momento de preparar as aulas, fontes<br />

de pesquisa, aplicação de metodologias, entre outros. Deve-se entender que<br />

incorporação destas tecnologias deve-se gradual, mas necessária em uma realidade cada<br />

vez mais atual.<br />

O uso das TIC tendem a atingir um jovem e uma criança que já nasce em<br />

um meio tecnológico pelo qual devem ser utilizadas estas como elementos<br />

complementares e integradores da educação. Com isso, esta investigação partiu do<br />

principio de avaliar como este processo acontece e quais os seus impactos no meio<br />

educacional e pedagógico.<br />

572


Neste dia-a-dia, professores e educadores se adequam as necessidades de<br />

cada aluno como forma de lhes proporcionar experiências significativas com relação ao<br />

aprendizado e tendo uma relação mais próxima entre educação e tecnologia. Para isso,<br />

os cursos técnicos em EAD devem ser elaborados como forma de suprir tais<br />

necessidades com o uso de equipamentos e recursos pedagógicos, pressupõe um<br />

trabalho educativo ou pedagógico, propriamente dita.<br />

Percebeu-se ainda que com o uso desta modalidade, os professores devem<br />

buscar profissionalização afim de estar integrados com estas tecnologias e oferecem<br />

estratégias estruturais para uso dos meios tecnológicos, mesmo com as dificuldades<br />

advindas devido a falta de recursos básicos na sala de aula e ausência de projetos para a<br />

profissionalização de profissionais da educação. Portanto, para a construção de cursos<br />

técnicos em EAD devem ser avaliados uma série de questões como metodologias,<br />

aplicação e apoio como forma de oferecer mais qualidade no ensino aprendizagem.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALVES, Lucineia. Educação à distância: conceitos e história no Brasil e no mundo.<br />

Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a distancia- Vol. 6 – 2007. Disponível<br />

em:.<br />

CHIECO, Nacim Walter. Educação técnica e desenvolvimento humano e social.<br />

Disponível em:


. Acesso em: 14 de maio de 2016.<br />

PORTAL MEC. Pron<strong>ate</strong>c. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/pron<strong>ate</strong>c. Acesso em 15 de maio<br />

de 2016.<br />

SILVEIRA, Leal Barros Regina Lucia. COMPETÊNCIAS E HABILIDADES<br />

PEDAGÓGICAS. Revista IberoAmericana de Educacion- Número 24. Disponível em:<br />

. Acesso: 14 de maio de 2016.<br />

SIMÕES, Artexes Carlos.A Educação técnica: Para que e para quem?. O<br />

Observatório Jovem do Rio de Janeiro (UFF)-2007. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso: 14 de maio de 2016.<br />

JANUS, LORENA Evolução histórica do conceito de educação e os objetivos<br />

constitucionais da educação brasileira. 2006. Disponível em:<br />

. Acesso em 10<br />

maio de. 2016<br />

574


MEIO AMBIENTE: cuidados, preservação e sustentabilidade.<br />

ENVIRONMENT: caring, preservation and sustainability<br />

Gardênia Cristina Coêlho Araújo*;<br />

Maria de Jesus Ferreira de Souza*;<br />

Renata Aline Alencar Aroucha Tavares*<br />

Lidyane Silva Gomes**<br />

Eixo 1: Arte, Tecnologia e Educação<br />

Faculdade Pitágoras do Maranhão (São Luís- Turu)<br />

gardênia.coelho10@gmail.com<br />

mariadejesussouza585@gmail.com<br />

renataaline.tavares@hotmail.com<br />

lidyane_sil@hotmail.com<br />

RESUMO: Todos os dias o meio ambiente está no centro de várias discussões e mesmo<br />

sendo um tema tão recorrente, nem todo mundo compreende realmente esse conceito.<br />

Podemos dizer que o meio ambiente inclui coisas que tem ou não vida do planeta. Os<br />

elementos do meio ambiente afetam de alguma maneira a vida das pessoas. Trata-se de<br />

um conjunto de leis, condições e influências que criam a infra-estrutura física, química e<br />

biológica que torna possível a existência de vários tipos de vida. A definição conceitual<br />

de meio ambiente pode ser feita da seguinte maneira: um sistema natural que passa por<br />

intensa transformação promovida pela espécie humana e outras espécies que habitam a<br />

Terra. Está dentro do conjunto do conceito de meio ambiente os animais, a vegetação, o<br />

solo, os fenômenos da natureza, entre outros. Os fenômenos a que nos referimos são<br />

aqueles que não têm um limite e nem são influenciados pela intervenção do homem<br />

como a água, clima, radiação do sol e ar. Num mundo em que os recursos naturais estão<br />

cada vez mais escassos e o meio ambiente sofre processos de degradação, a<br />

sustentabilidade nas escolas é de extrema importância. Sustentabilidade é um termo<br />

usado para definir ações e atividades humanas que visam suprir as necessidades atuais<br />

575


dos seres humanos, sem comprometer o futuro das próximas gerações. Ou seja, a<br />

sustentabilidade está diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico e m<strong>ate</strong>rial<br />

sem agredir o meio ambiente, usando os recursos naturais de forma inteligente para que<br />

eles se mantenham no futuro. Os alunos de hoje serão os responsáveis pelas ações<br />

econômicas, políticas e administrativas do futuro. Logo, é importante que estes<br />

conheçam a importância de preservar o meio ambiente e de usar os recursos naturais de<br />

forma racional. O presente trabalho visa à valorização que devemos ter ao cuidar do<br />

meio ambiente e influências naturais. Considerando a relação existente entre todos os<br />

seres vivos e não vivos.<br />

Palavras- chave: Ambiente. Cuidados. Preservação. Sustentabilidade.<br />

ABSTRACT: Every day the environment is at the center of several discussions and<br />

even being such a recurring theme, not everyone really understands this concept. We<br />

can say that the environment includes things that have or do not have life on the planet.<br />

The elements of the environment in some way affect people's lives. It is a set of laws,<br />

conditions and influences that cre<strong>ate</strong> the physical, chemical and biological infrastructure<br />

that makes possible the existence of various types of life. The conceptual definition of<br />

the environment can be made as follows: a natural system undergoing intense<br />

transformation promoted by the human species and other species that inhabit the Earth.<br />

Animals, vegetation, soil, natural phenomena, among others, are within the concept of<br />

environment. The phenomena to which we refer are those that do not have a limit and<br />

are not influenced by man's intervention such as w<strong>ate</strong>r, clim<strong>ate</strong>, radiation of the sun and<br />

air. In a world where natural resources are increasingly scarce and the environment is<br />

degraded, sustainability in schools is of the utmost importance. Sustainability is a term<br />

used to define human actions and activities that seek to meet the present needs of human<br />

beings without compromising the future of the next generations. That is, sustainability<br />

is directly rel<strong>ate</strong>d to economic and m<strong>ate</strong>rial development without harming the<br />

576


environment, using natural resources intelligently so that they will stay in the future.<br />

Today's students will be responsible for the economic, political, and administrative<br />

actions of the future. Therefore, it is important for them to know the importance of<br />

preserving the environment and using natural resources in a rational way. The present<br />

work aims at the valuation that we should have when caring for the environment and<br />

natural influences. Considering the relationship between all living and non-living<br />

beings.<br />

Keywords: Environment. Care. Preservation. Sustainability.<br />

EDUCAÇÃO AMBIENTAL, POLITICAS PÚBLICAS E INSTRUMENTOS DE<br />

COMANDO E CONTROLE AMBIENTAIS.<br />

A gestão ambiental começou efetivamente pelos governos dos Estados<br />

nacionais e desenvolveu-se a medida que os problemas surgiam.<br />

Nessa perspectiva é necessária que os governos conduzam a politica pública<br />

ambiental, há tomar medidas a partir do surgimento de novos problemas. Entende-se<br />

por Politica Pública Ambiental, o conjunto de objetivos e instrumentos de ação que o<br />

poder público dispõe para produzir efeitos desejáveis no meio ambiente. O<br />

envolvimento cada vez mais intenso dos estados nacionais em questões ambientais e a<br />

diversidade dessas questões fizeram surgir uma variedade de instrumentos de politicas<br />

públicas ambientais, em que o poder público pode se levar para evitar novos descasos<br />

ambientais, bem como para eliminar ou minimizar os existentes. Esses instrumentos<br />

podem ser explícitos ou implícitos.<br />

Sendo que os instrumentos explícitos são criados para alcançar efeitos<br />

ambientais benéficos específicos, enquanto os implícitos alcançam tais efeitos<br />

ambientais pela via indireta, pois não foram criadas para isso. Os instrumentos de<br />

comando e controle também denominados instrumentos de regulação direta, objetivam<br />

577


alcançar as ações que degradam o meio ambiente, limitando ou condicionando o uso de<br />

bens, a realização de atividades e o exercício do poder de política dos entes estatais, e<br />

como tal se manifesta por meio de proibições, restrições e obrigações impostas aos<br />

indivíduos e organizações, sempre autorizados por normas legais.<br />

Enquanto os Instrumentos Fiscais procuram influenciar o comportamento<br />

das pessoas e das organizações em relação ao meio ambiente, utilizando medidas que<br />

representem benefícios ou custos adicionais para elas. Podendo ser de dois tipos fiscais<br />

e de mercado.<br />

A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, tem<br />

como objetivo preparar o ser humano para viver em harmonia com o meio ambiente. A<br />

partir de então a educação ambiental passou a ser considerada em praticamente todos os<br />

fóruns relacionados a temática do desenvolvimento e meio ambiente, contendo metas<br />

para estruturar a educação ambiental em diferentes níveis, nacional, regional ou local,<br />

em consonância com uma proposta socioambiental. A meta da educação ambiental é<br />

desenvolver uma população mundial consciente e preocupada com o meio ambiente<br />

para atuar individual e coletivamente na busca de soluções para os problemas atuais e<br />

para a prevenção de novos problemas, objetivando:<br />

• Tornar os indivíduos e grupos consistentes e sensíveis em<br />

relação ao meio ambiente e aos problemas ambientais;<br />

• Proporcionar conhecimentos sobre o meio ambiente,<br />

principalmente quanto as influências do ser humano e de suas atividades;<br />

• Promover valores e sentimentos que motivem as pessoas e<br />

grupos a se tornarem participantes ativos na defesa do meio ambiente e<br />

na busca de soluções para os problemas ambientais.<br />

• Proporcionar as habilidades que uma participação ativa<br />

requer;<br />

578


• Proporcionar condições para avaliar as medidas tomadas<br />

em relação ao meio ambiente e os programas de educação ambiental;<br />

• Promover o senso de responsabilidade e de urgência com<br />

respeito às questões ambientais que estimulem as ações voltadas para<br />

resolvê-las.<br />

De acordo com o Tratado de Educação Ambiental para as Sociedades<br />

Sustentáveis e Responsabilidade Global, a educação ambiental é entendida como um<br />

processo de aprendizado permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida, que<br />

contribua para a formação de uma sociedade justa e ecologicamente equilibrada. A<br />

Educação Ambiental deve estimular as pessoas a serem portadoras de soluções e não<br />

apenas de denuncias, embora estas devam ser as primeiras atitudes diante dos<br />

desmandos socioambientais, devendo também produzir mudanças nas suas próprias<br />

condutas, modificando seus hábitos de consumo.<br />

O conceito de Educação Ambiental passou por várias etapas durante o<br />

aprimoramento das ideias que surgiam a partir das discussões a cada reunião e com a<br />

realidade sócia- econômica mundial estabelecendo- se, após a conferência da ONU<br />

sobre o meio ambiente e desenvolvimento. Programas das Nações Unidas para o meio<br />

ambiente (PNUMA) e agência da ONU responsável por catalisar a ação internacional e<br />

nacional para a proteção do meio ambiente no contexto do desenvolvimento sustentável.<br />

Meio ambiente hoje sofre com ações humanas, que destroem, poluem, devasta, examina<br />

tudo que lhe é oferecido. Diante desse contexto, como trabalhar uma consciência que<br />

respeite e preserve o meio ambiente? Como educadores devemos contribuir para a<br />

formação de uma geração consciente em relação ao seu papel, com o cuidado voltado<br />

para uma valorização ética, social, econômica e ambiental. Além de pensar numa escola<br />

que promova esse aprendizado, a fim de ensinar a importância de atitudes de<br />

preservação, para que as gerações futuras não sofram a destruição ambiental.<br />

O surgimento de iniciativas que buscam cuidar da natureza é uma resposta a<br />

uma série de problemas existentes no mundo: desmatamento de florestas e matas<br />

579


atlânticas, poluição das cidades, do ar e de recursos hídricos como rios, lagos, lagoas e<br />

oceanos, além de atividades como a caça e a pesca predatória. Para reduzir os danos<br />

causados pelos crimes ao meio ambiente, algumas atitudes simples para que cada um<br />

possa fazer a sua parte é adquirir hábitos sustentáveis simples e eficientes. Algumas<br />

dicas são indispensáveis nesse processo: realizar a separação correta do lixo orgânico,<br />

latas de alumínio, papéis e metais para tornar possível o processo de reciclagem.<br />

É possível fazer em casa a transformação do papel usado em reciclado, ou<br />

mesmo utilizar m<strong>ate</strong>riais orgânicos, como restos de alimentos e bagaços, como adubo<br />

em jardins e hortas caseiras. Dessa forma, você economiza com fertilizantes e ainda<br />

diminui a quantidade de lixo a ser descartado. Outra dica de como preservar o meio<br />

ambiente é evitar o desperdício de água, desligando a torneira em atividades diárias<br />

como escovar os dentes, lavar pratos ou se barbear, bem como fechar a válvula do<br />

chuveiro enquanto se ensaboa. Ao limpar o carro ou a calçada em frente a sua casa,<br />

evite o uso da mangueira e procure utilizar um balde com água, esponja e sabão. Por<br />

fim, procure reaproveitar a água que sobra da lavagem de roupas para regar as plantas,<br />

trocar as lâmpadas comuns pelas fluorescentes, que duram 10 vezes mais gastam dois<br />

terços menos de energia. Ainda, as lâmpadas fluorescentes podem ser recicladas após o<br />

uso. Além de ser uma ação sustentável, também contribui para reduzir a conta de<br />

energia no fim do mês. Procure realizar caronas solidárias ou invista em meios de<br />

transportes menos poluentes. Andar de bicicleta ou a pé diminui o nível de emissão de<br />

gases nocivos à atmosfera e são ótimos exercícios físicos.<br />

Ter atitude sustentável significa fazer coisas que preservem o meio<br />

ambiente, melhorando a vida das pessoas, com responsabilidade os recursos naturais<br />

que são esgotáveis. As escolas também devem ter atitude sustentável. Elas podem<br />

realizar atividades para que os alunos cresçam sabendo da importância e da necessidade<br />

de amar, preservar e cuidar do meio ambiente. As pessoas vivem de acordo com os<br />

valores. Se as crianças desde cedo forem influenciadas sobre a importância de cuidar do<br />

meio ambiente, com certeza elas serão adultos responsáveis, terão atitude sustentável e<br />

passarão o que aprendeu para as seguintes gerações.<br />

580


Ensinar as crianças requer técnicas e atividades que despertem o lúdico, a<br />

curiosidade, criatividade e interação, tornando o aprendizado mais divertido e<br />

descontraído.Filmes e desenhos que mostram personagens protegendo as florestas e os<br />

animais podem incitar esta mesma ação nas crianças. Dinâmicas e atividades que<br />

requerem a união das crianças para encontrar soluções aos problemas ambientais –<br />

como despoluir os rios, por exemplo – ou mesmo jogos individuais que estimulem a<br />

<strong>ate</strong>nção neste sentido são muito úteis no processo de ensinar sobre preservação do meio<br />

ambiente para as crianças. Uma medida que também pode ser adotada em família é a<br />

visita a reservas ecológicas, áreas de proteção ambientais e zoológicas, onde as crianças<br />

podem participar e colocar em prática o que aprendem sobre o cuidado com as plantas e<br />

animais.<br />

Preservação ambiental é a prática de preservar o meio ambiente. Essa<br />

preservação é feita para beneficiar o homem, a natureza ou ambos. A pressão por<br />

recursos naturais muitas vezes faz com que a sociedade degrade o ambiente a sua volta,<br />

por isso é essencial as medidas de preservação do meio ambiente. A preservação<br />

ambiental é uma preocupação crescente por parte das pessoas, organizações e governo.<br />

Portanto, precisa- se investir e incentivar cada vez mais em políticas<br />

públicas que venham <strong>ate</strong>nder as necessidades do meio ambiente, que contribua para a<br />

sua melhoria e bem estar daqueles que constitui. Promover a conscientização da<br />

sociedade para a preservação, vindo a prática a sustentabilidade, fazendo desta uma<br />

ação cotidiana e que transmitir ao próximo o real sentido e objetivo de se preservar a<br />

natureza que oferece tanto a sociedade.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRANCO, Sandra. Meio Ambiente – Educação ambiental na educação infantil e no<br />

ensino fundamental. São Paulo: Cortez, 2007.<br />

MARQUES, J. R. Meio Ambiente Urbano Rio de Janeiro/RJ: Ed. Forense Universitária.<br />

2005.<br />

581


SEIFFERT, M. E.B. Gestão Ambiental: instrumentos, esferas de ação e educação<br />

ambiental. São Paulo: Atlas, 2007<br />

SILVA, C.L. S.& MENDES, J.T.G. (orgs.). Reflexões sobre Desenvolvimento<br />

Sustentável: agentes e interações sobre a ótica multidisciplinar. Petrópolis, RJ: Vozes,<br />

2005.<br />

https://nacoesunidas.org/agencia/pnuma/<br />

582


O ÁUDIO 3D COMO ELEMENTO PARA PRÁTICAS EDUCACIONAIS<br />

3D AUDIO AS AN ELEMENT FOR EDUCATIONAL PRACTICES<br />

Bruna Rafaella Almeida da Costa 83<br />

Mestranda em Comunicação (UFG)<br />

Bacharel em Comunicação Social - Rádio e TV (UFMA)<br />

Jefferson Saylon Lima de Sousa 84<br />

Bacharel em Comunicação Social – Rádio e TV (UFMA)<br />

Rosinete de Jesus Silva Ferreira 85<br />

Doutora em Psicologia Social (UERJ) e Mestre em Comunicação e Cultura (UFRJ)<br />

Professora do Departamento de Comunicação Social (UFMA)<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 01 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Considerando o cenário da convergência no qual as mídias se entrecruzam e<br />

produzem novos experimentos, propomos investigar a experiência de binauralidade<br />

(RUMSEY, 2011) que é um conceito que incorpora o áudio 3D em aplicações de<br />

realidade virtual. Escolhemos como corpus de estudo analisar peças produzidas a partir<br />

dessa técnica que são apresentadas como ferramentas de suporte para momentos de<br />

incursões educacionais do ouvinte. O uso desse recurso por pedagogos, psicólogos e por<br />

estudantes em momentos individuais podem se tornar potencializadores do cérebro<br />

quanto à capacidade de compreensão e absorção do conteúdo estudado.<br />

Palavras-chave: Novas Tecnologias. Áudio 3D. Educação.<br />

83 Membro do Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação (NEEC) pela linha de Pesquisa em<br />

Estratégias Audiovisuais na Convergência (G-PEAC). E-mail:brunaalmeida87@gmail.com.<br />

84 Membro do Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação (NEEC) pela linha de Pesquisa em<br />

Estratégias Audiovisuais na Convergência (G-PEAC). E-mail: saylonsousa.works@gmail.com.<br />

85 Orientadora do artigo. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação (NEEC) e<br />

líder da linha de Pesquisa em Estratégias Audiovisuais na Convergência (G-PEAC). E-mail:<br />

roseferreira@uol.com.br.<br />

583


ABSTRACT:Considering the convergence scenario in which media intersect and<br />

produce new experiments, we propose to investig<strong>ate</strong> the binaurality experience<br />

(RUMSEY, 2011) which is a concept that incorpor<strong>ate</strong>s 3D audio in virtual reality<br />

applications. We chose as corpus of study to analyze pieces produced from this<br />

technique that are presented as tools of support for moments of educational incursions<br />

of the listener. The use of this resource by pedagogues, psychologists, and students at<br />

individual moments can become brain enhancers as to the ability to understand and<br />

absorb the content studied.<br />

Keywords: New Tecnologies. 3D Audio. Education.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Nesta era da cibercultura a interferência da tecnologia já é algo tão vigente<br />

que a sociedade não pode mais se imaginar sem ela (BRIGGS & BURKE, 2004).<br />

Navegar na internet através do televisor, ver filmes no computador, receber e-mails pelo<br />

celular são ações proporcionadas pelas tecnologias atuais que desafiam os limites da<br />

mídia broadcast. Dentre as inovações tecnológicas nomeamos para a pesquisa o áudio<br />

3D, uma tecnologia que proporciona a sensação de imersão através da percepção<br />

sonora. A experiência com esse tipo de áudio relata que ao fechar os olhos, temos a<br />

sensação do ambiente real com todos os sons presentes, ou seja, de realmente se está no<br />

local onde contém os sons que se ouve (SUZUKI et al., 2008).<br />

A gravação de um áudio 3D (ou binaural – a ser explicado mais a frente)<br />

permite que se ouçam os sons vindos de todas as direções, assim como os ouvidos<br />

humanos o fazem. É necessário um fone de ouvido estéreo para ouvir essas gravações.<br />

(ARRUDA, 2016)<br />

De acordo com Rumsey (2011), o áudio 3D pode ser utilizado em algumas<br />

áreas como aplicações de realidade virtual, simuladores de voo, treinamento de forças<br />

584


governamentais e também no âmbito do entretenimento como cinema e jogos<br />

eletrônicos. Podemos dizer que a principal diferença do som em três dimensões para os<br />

demais sinais sonoros que podem ser gerados é a possibilidade de se localizar um objeto<br />

no espaço – com precisão – apenas ouvindo. Com um ruído detalhado a pessoa pode<br />

identificar a posição exata do objeto em um espaço, sendo em qualquer direção que<br />

estiver em relação ao ouvinte.<br />

Tendo em vista possibilidades de pesquisa e investigações sobre o áudio 3D,<br />

escolhemos como corpus de estudo analisar peças produzidas a partir dessa técnica que<br />

são apresentadas como ferramentas de suporte para momentos de incursões<br />

educacionais do ouvinte. O uso desse recurso por pedagogos, psicólogos e por<br />

estudantes em momentos individuais podem se tornar potencializadores do cérebro<br />

quanto à capacidade de compreensão e absorção do conteúdo estudado. Partindo daí<br />

busca-se – em acordo com o Grupo de Pesquisa em Estratégias Audiovisuais na<br />

Convergência (G-PEAC) – sugerir o uso dessa tecnologia para a produção de peças<br />

educativas onde os diálogos elaborados facilitem ao ouvinte captar as informações a<br />

partir da tridimensionalidade possibilitada pelo método de gravação e reprodução do<br />

áudio.<br />

1. A Escola Canadense e as Novas Tecnologias<br />

O referencial teórico desta pesquisa é constituído primeiramente por autores<br />

que discutem a circulação de conteúdos por meio de diferentes sistemas midiáticos e a<br />

participação ativa dos consumidores. Além da relação histórica com a evolução técnica<br />

dos meios e das tecnologias da comunicação. Neste aspecto a Escola Canadense se torna<br />

a base para o caminho traçado teoricamente. O seu principal destaque é McLuhan e o<br />

Ciberespaço. Considerações como convergência, interatividade, narrativa e áudio<br />

binaural serão relacionados para melhor compreensão. (TEMER & NERY, 2015;<br />

COSTA, 2017).<br />

A premissa teórica de Jenkins (2009) serve de inspiração para a construção<br />

desta proposta de estudo. A convergência representa uma transformação cultural, à<br />

585


medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer<br />

conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos. Sibilia (2008) concorda quando<br />

aponta o ciberespaço como lugar em que brotam novas práticas de comunicação<br />

mediada por computador. É preciso, então, entender as práticas sociais que surgem a<br />

partir da cibercultura, da relação do homem com a máquina e da comunicação que passa<br />

a ser também mediada por computador. Neste sentido, as transformações ocorridas nas<br />

tecnologias, e principalmente nas tecnologias da comunicação, são a principal força de<br />

transformação cultural. (TEMER & NERY, 2015; COSTA, 2017).<br />

São importantes os trabalhos de dois estudiosos dessa escola: Harold Innis e<br />

Marshall McLuhan. (MARTINO & FRANÇA, 2008). O foco da Escola Canadense é<br />

refletir sobre a relação do indivíduo com o ambiente através das<br />

tecnologias,especificamente, da comunicação. A posição da Escola Canadense de Mídia<br />

(ou de Toronto) está centrada nos meios de comunicação. Harold Innis foi professor de<br />

McLuhan e buscava estudar os processos políticos e econômicos de seu país.<br />

Deste autor, podemos destacar duas importantes obras: na primeira, de 1950,<br />

chamada Empire and Communications, Innis estuda a relação de dominação<br />

sofrida pelo Canadá tanto pela Ingl<strong>ate</strong>rra como pelos Estados Unidos. Na<br />

segunda obra, intitulada The Bias of Communication (1951), o autor analisa a<br />

ameaça que os novos sistemas tecnológicos dos Estados Unidos podem<br />

causar à vida social e cultural no Canadá. (SILVA. 2011. p. 35)<br />

Marshal McLuhan foi diretor do Centre for Culture and Technology da<br />

Universidade de Toronto. Seus trabalhos eram voltados para as análises realizadas sobre<br />

os meios decomunicação, destacando-se, pelos efeitos causados por eles sobre um<br />

indivíduo e a coletividade. Meio é o termo mcluhaniano que se coloca em oposição ao<br />

canal de comunicação, é mais do que canal, porque modifica a mensagem. (TEMER &<br />

NERY, 2015). Isso significa segundo, Silva (2011), que as novas tecnologias criam<br />

novas formas de ser e pensar dentro de uma determinada organização da sociedade, que<br />

a invenção e adoção de uma nova ou outra tecnologia causam transformações sociais,<br />

culturais, políticas em um determinado contexto social.<br />

586


Na segunda metade do século XX, aconteceu a introdução das tecnologias<br />

digitais de comunicação por meio do computador e particularmente da internet. No<br />

período da Guerra Fria, as duas superpotências, a antiga União Soviética e os EUA,<br />

entendiam a importância e a necessidade absoluta dos meios de comunicação, e é ai que<br />

a internet surge. Idealizado como um modelo de troca e compartilhamento de<br />

informações descentralizadas, uma rede foi criada e foi intitulada de ARPANET 86 . O<br />

objetivo era desenvolver um meio de comunicação entre os militares os pesquisadores<br />

sem um centro definido caso houvesse algum ataque soviético<br />

Esse novo e grandioso caminho da informação tinha como base a função da<br />

troca, compartilhamento e fluxo contínuo de informações por todos os lugares, através<br />

de uma rede que era mundial, a internet. E claro o interesse do mundo juntamente com o<br />

comercial notou o poder financeiro dessa novidade, que possibilitou a explosão e a<br />

popularização da internet a partir de 1990. No Brasil, essa novidade chegou em 1988<br />

ligando as universidades do país com as dos Estados Unidos.<br />

O digital veio modificar a forma e os processos comunicativos, permitindo<br />

que eles se tornassem mais abrangentes. A internet possui a capacidade de distribuir a<br />

força da informação por todo o campo da atividade humana. Novas redes surgiram e<br />

transformaram-se em redes de informação intensificadas pela internet. A introdução da<br />

informação e das novas tecnologias de comunicação, com base no computador e<br />

principalmente da internet, permitiu uma revolução das redes.<br />

Isso resulta numa combinação sem precedentes de flexibilidade e<br />

desempenho de tarefas, de tomada de decisão coordenada e execução<br />

descentralizada, de expressão individualizada e comunicação global,<br />

horizontal, que fornece uma forma organizacional superior para a ação do<br />

homem. (CASTELLS, 2003, pp. 7-8)<br />

Essa nova tecnologia é flexível, ou seja, pode ser alterada socialmente,<br />

dependendo das descobertas desta experiência. “Nem utopia nem distopia, a internet é a<br />

86 Acrônimo em inglês de Advanced Research Projects Agency Network (ARPANet) do Departamento de<br />

Defesa dos Estados Unidos da América. Foi precursora da Internet.<br />

587


expressão de nós mesmos através de um código de comunicação específico que<br />

devemos compreender se quisermos mudar nossa realidade”(CASTELLS, 2003, p. 11).<br />

De modo mais particular, pode-se circunscrever o deb<strong>ate</strong> sobre a web na<br />

contemporaneidade com base na experiência que se objetiva, aqui, estudar: A tecnologia<br />

de áudio 3D como elemento para práticas educacionais. A experiência pode representar<br />

um rompimento com a prática de ensino anterior, por outro lado, pode significar a<br />

sobrevida da educação frente a um cenário complexo que a convergência instala.<br />

2. Áudio 3D e a Educação<br />

O áudio 3D será trabalhado evidenciando o seu objetivo que é proporcionar<br />

a sensação de imersão no usuário (PIMENTEL & TEIXEIRA, 1995). Isto pode ser feito<br />

enganando o cérebro (JACOBSON, 1994), visto que num sistema perfeito de áudio 3D<br />

não é possível diferenciar realidade e simulação: o áudio pode vir de toda e qualquer<br />

direção (PIMENTEL & TEIXEIRA, 1995). As gravações de áudio tridimensional<br />

baseiam-se em um processo de manipulação auditiva que permite o artista ou o<br />

engenheiro de gravação “posicionar” os sons no espaço, controlando sua direção,<br />

distância e profundidade (PINHO, 2002).<br />

Considera-se ainda como um produto novo, que surge a partir do<br />

computador e da internet, mas que mantém aspectos de mídias anteriores. Trabalha-se,<br />

portanto com a convergência (JENKINS, 2009; FECHINE & FIGUERÔA, 2011), para<br />

se entender o contexto produtivo dessas obras, e como funcionam as estratégias de<br />

criação, exibição, circulação e consumo desse tipo de produto na web.<br />

A relação de proximidade e influência mútua entre as mídias digitais é o que<br />

baliza o tipo de experiências que se deseja aqui elucidar. Relação esta que nem sempre é<br />

marcada pela harmonia. Isso porque as experiências se dão no interior da cultura<br />

participativa (JENKINS et al, 2013),espaço complexo no qual os papéis de emissor e<br />

receptor se misturam. Pesquisas que produzem a análise de experiências atuais com a<br />

web, certamente, colaboram para a demarcação dos espaços de observação e<br />

588


fundamentam a construção de metodologias de abordagens. O que, em alguma medida,<br />

contribui para reflexão sobre a web no cenário atual.<br />

As primeiras experiências com o áudio 3D datam do século XIX – mais<br />

precisamente em 1881 – com o Téâtrophone, nome dado à técnica de se transmitir uma<br />

peça de ópera no teatro diretamente do palco para os lares franceses através de uma<br />

ligação telefônica. A transmissão do áudio era feita considerando o posicionamento dos<br />

captadores, que por sua vez respondiam de forma similar às posições de cada elemento<br />

presente na cena através de um par de fones de ouvido. Tal proposta permitia assim aos<br />

ouvintes terem as sensações mais próximas possíveis de um espectador na pl<strong>ate</strong>ia em<br />

referência ao espetáculo transmitido (ARRUDA 2016; TERRA MEDIA, 2017).<br />

Nos dias de hoje sabe-se que o áudio 3D se divide em técnicas de gravação<br />

e reprodução de um som, por meio de tecnologia eletrônica, que passe a sensação das<br />

três dimensões ao ouvinte proporcionando então a sua imersão no cenário representado<br />

sonoramente. Quanto a isso, a tecnologia moderna nos apresenta três vertentes de<br />

gravação de um áudio 3D: 1) áudio binaural; 2) som surround; e 3) a holofonia, técnica<br />

desenvolvida em 1980 e popularizada pelo engenheiro eletrônico argentino Hugo<br />

Zucarelli (JÚNIOR & FORTES, 2011; OLIVEIRA, 2012)<br />

Percebe-se por meio destas técnicas que é possível reproduzir as dimensões<br />

sonoras (altura, distância e profundidade) de forma muito similar ao ouvido humano.<br />

Para esta pesquisa considera-se trabalhar apenas com o áudio binaural (que remonta ao<br />

método mais antigo de se atingir a tridimensionalidade sonora). Segundo, Gunzi (2008)<br />

dependendo do estímulo percebido por nossos ouvidos os sons podem ser estruturados<br />

em quatro tipos distintos de sinais: (1) sinal monoaural: percebendo sons em apenas<br />

uma das orelhas; (2) sinal dicótico: percebendo sons de forma diferente em cada orelha;<br />

(3) sinal diótico: percebendo som de maneira igual nas duas orelhas; e (4) sinal binaural:<br />

quando se percebe o som a partir de uma relação harmoniosa entre sinais monoaurais,<br />

dicóticos e dióticos. O pesquisador apresenta essa classificação para defender a<br />

existência de um tipo de áudio que se assemelha aquilo que é captado pelo sistema<br />

auditivo humano: a tridimensionalidade sonora.<br />

589


Logo o sinal binaural seria uma representação do estímulo proporcionado<br />

pelo áudio 3D, e áudio binaural a técnica de gravação que permite chegarmos neste<br />

resultado. Para entendermos melhor, Saievicz (2010) explica:<br />

O áudio binaural consiste em simular a capacidade humana de perceber a<br />

origem de fontes sonoras em um plano tridimensional. A capacidade humana<br />

no aspecto de detectar fontes sonoras consiste em realizar comparações entre<br />

os sons recebidos por cada um dos ouvidos. Usando a diferença de atraso<br />

detectada por cada ouvido, a diferença de volume, a reverberação e o<br />

conhecimento prévio do som, o cérebro humano consegue deduzir a posição<br />

de onde o som é emitido. (SAIEVICZ, 2010, p. 26)<br />

Explicado isso, agora damos sequência à leitura abordando a relação dessa técnica<br />

de gravação e reprodução de áudio com a produção de peças utilizadas em práticas<br />

educacionais.<br />

De conhecimento da técnica, o Grupo de Pesquisa em Estratégias<br />

Audiovisuais na Convergência (G-PEAC) – baseado no Laboratório de Rádio da UFMA<br />

– desenvolve em momentos teóricos e práticos estudos sobre a aplicação do áudio 3D<br />

na produção de peças sonoras com foco no campo da educomunicação. A justificativa<br />

para a pesquisa está no fato desta técnica de gravação e reprodução de áudio se<br />

apresentar como uma prática cheia de potencialidades para a elaboração de outros<br />

conteúdos midiáticos que <strong>ate</strong>ndam demandas como o jornalismo imersivo ou em ações<br />

afirmativas para portadores de deficiências visuais nas práticas educacionais.<br />

Por isso, desde o início, devido à fragilidade de equipamento adequado para<br />

a realização desse tipo de técnica busca-se, por meio de experimentos, descobrir<br />

maneiras de se produzir em laboratório o áudio binaural através da aplicação da<br />

panoramização do áudio, que se configura por meio de acertos manuais da captação do<br />

microfone junto ao mixer de som.<br />

A criação de peças sonoras que se enquadrem como práticas educacionais<br />

são defendidas pelo grupo por questões que envolvem o domínio da técnica, a<br />

praticidade da produção, a edição de arquivos de áudio e a facilidade enxergada na<br />

590


difusão desses conteúdos dentro de sala de aula a partir de um reprodutor de áudio e um<br />

fone de ouvido.<br />

Pouco se investe no áudio, que traz qualidade para o conteúdo, tornando-o<br />

mais atraente. O áudio facilita a acessibilidade das informações (tanto para<br />

professores quanto para estudantes), proporcionando baixo custo de<br />

produção, distribuição e uso. A tecnologia do áudio é simples e barata, sendo<br />

um recurso atraente e popular. (SUZUKI et al, 2008, p.03)<br />

Essa afirmação de Suzuki et al. (2008) é uma das justificativas para a<br />

escolha do áudio como elemento para desenvolvimento desta pesquisa. Outro quesito –<br />

a inovação – está presente na figura do áudio 3D, que é visto como um recurso lúdico e<br />

potencializador das informações que são disponibilizadas a partir da peça sonora<br />

educomunicativa.<br />

França (2008) aponta que os sinais binaurais podem ser usados para<br />

diversas atividades tais como: tratamento de problemas de saúde neurológicos,<br />

deficiências de <strong>ate</strong>nção, epilepsia e até mesmo para atividades recreativas. Ele defende<br />

que o áudio binaural tem como principal característica ser um potencializador cerebral.<br />

Sendo assim investigamos a possibilidade de um áudio binaural se tornar um<br />

potencializador educativo quando nele for tratado conteúdos originalmente pertinentes<br />

ao ambiente escolar. Ao procurar na plataforma de vídeos Youtube por áudios binaurais<br />

que possam ser aplicados na educação encontramos arquivos onde frequências sonoras<br />

que se assemelham com as características de um áudio binaural são disponibilizadas<br />

sobre as seguintes descrições: 1) som para estudar; 2) potencializador cerebral; 3)<br />

potencializador de inteligência; 4) música para aumentar a concentração; 5) música para<br />

estudo e manter a mente calma.<br />

Divididos em Alpha, Beta, Delta, Gama, Theta e Talfa (FRANÇA. 2008) as<br />

ondas cerebrais correspondem diretamente às frequências sonoras produzidas em sinal<br />

monoaural, diótico, dicótico e binaural e estimulam o cérebro em diferentes regiões o<br />

que implica diretamente no melhoramento da performance de quem as ouve.<br />

De posse desse conhecimento selecionamos inicialmente três vídeos que são<br />

apresentados como sons binaurais:<br />

591


a) Vídeo 01: Lei da Atração – Som Poderoso Binaural do canal Hipnólogo<br />

Clínico 87 . Corresponde a uma transmissão de 1h00min10s de uma frequência utilizada<br />

por psicólogos em sessões de hipnose que busca a estimulação da glândula pineal do<br />

cérebro que está vinculada ao sistema endócrino e proporciona a potencialização do<br />

sentimento de prazer. Cerca de 225,2 visualizações.<br />

b) Vídeo 02: Sons Binaural Ondas Alpha para cura do TDAH 88 do canal<br />

Fluxo Mental. Corresponde a uma transmissão de 40min40s. Na descrição se apresenta<br />

como um recurso essencial para ser usado na melhora do foco durante os estudos. Cerca<br />

de 25,8 mil visualizações.<br />

c) Vídeo 03: Binaural Beat – Concentração, Percepção, Inteligência 89 do<br />

canal do usuário Paulo Henrique. Corresponde a uma transmissão de 1h30min04s de<br />

uma frequência de som binaural que o usuário recomenda para ser usada durante<br />

sessões de estudo. Cerca de 141,7 visualizações.<br />

Após a escuta dos três áudios somos levados a interpretar o conhecimento e<br />

adaptação das frequências cerebrais como gatilhos para desenvolvimentos de peças<br />

sonoras – que quando associadas a elas facilitam a transmissão de conteúdo.<br />

O primeiro vídeo nos apresenta a um áudio binaural com duas frequências<br />

que se harmonizam passando a sensação de leveza. Por atuar diretamente no agente do<br />

cérebro responsável por conduzir a noção de prazer a ser espalhada pelo corpo essa<br />

sonoridade – quando ouvida em repouso e de olhos fechados – causa uma liberação<br />

absurda de endorfina, encefalina e serotonina (FRANÇA, 2008). Psicólogos fazem uso<br />

desse recurso em sessões de hipnose justamente para alcançar o Estado Alpha, que seria<br />

o estado de relaxamento profundo ou imersão e assim conduzir o tratamento junto ao<br />

paciente.<br />

Já o segundo e terceiro vídeo trabalham com as Ondas Betas, que na<br />

contramão das Ondas Alpha não conduzem o ser humano a uma imersão com estado de<br />

latência cerebral e sim proporcionam o disparo de um alerta de vigília associados a<br />

87 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=aYbQ_hrscTQ. Acesso em 23/08/2017.<br />

88 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=e5hSPhxrsaw. Acesso em 23/08/2017.<br />

89 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=-AfuOtlMc<strong>II</strong>. Acesso em 23/08/2017.<br />

592


emoções como medo, raiva e ansiedade (FRANÇA, 2008). Os sinais binaurais portanto<br />

emitidos nesses vídeos são componentes para a potencialização da <strong>ate</strong>nção humana para<br />

aquilo que está a sua volta (isso justificaria o porque o áudio 3D consegue transmitir as<br />

sensações tridimensionais que o ouvido humano capta eu seu estado normal) e também<br />

para aquilo que o cérebro dá o principal destaque no momento, e por isso seriam elas<br />

mais recomendadas para um momento de prática educacional e concentração.<br />

Curiosamente essa tecnologia aplicada através do computador que permite gravar e<br />

reproduzir esses sinais binaurais acaba que se assemelhando como ramificações<br />

pertinentes ao ambiente da cibercultura.<br />

Isso porque se constitui de uma comunicação voltada para a interconexão<br />

dos computadores com a memória humana, ou melhor: seu desenvolvimento cognitivo e<br />

mnemônico.Dessa forma, no ciberespaço parece existir uma cooperação que se torna a<br />

peça chave, podendo ser entendida através do compartilhamento de arquivos, músicas,<br />

fotos, filmes, softwares de relacionamento e comunidades virtuais. Depois de muito<br />

tempo de controle sobre os meios de comunicação e expressão, nasce uma possibilidade<br />

de cada indivíduo possuir o poder de produzir e veicular ele mesmo a sua informação.<br />

As peças utilizadas em práticas educacionais aqui analisadas são extensões mais simples<br />

do uso do áudio 3D e podem ser entendidas como um produto essencialmente<br />

tecnológico para a utilização em diversos ramos das Ciências Humanas no que diz<br />

respeito à Psicologia, Psicopedagogia, Comunicação e Educação e para tanto estão<br />

devidamente atreladas às configurações do processo tecnológico defendido pelo ideal da<br />

cibercultura.<br />

Utilizamos a palavra cibercultura para nos referirmos, também de acordo<br />

com Trivinho (2001), ao mais recente arranjamento tecnológico da civilização<br />

mediática, a fase pós-massificação cultural.<br />

A Cibercultura subjaz aos avanços consumados em diversos ramos da<br />

medicina, da engenharia civil, da administração e contabilidade do Estado e<br />

do capital (...) Em que pese tal enraizamento em todos os setores, é como<br />

fenômeno comunicacional, com efeito, que a Cibercultura não só tem<br />

adquirido a sua maior proeminência, como também tem encerrado sua<br />

593


melhor significação. Na Cibercultura, tudo passa pelo vetor informacional,<br />

virtual e imagético (TRIVINHO, 2001, p. 60).<br />

A impressão que temos na cibercultura é que tudo está em rede em todos os<br />

lugares, se tornando cada vez mais móvel, e isso claro vai trazer grandes consequências<br />

para a população em seu modo de se relacionar, no seu trabalho, lazer, educação, etc..<br />

Não é apenas um fenômeno tecnológico, mas um processo que envolve mudanças em<br />

todos os aspectos da vida em sociedade.<br />

Para se chegar a uma peça sonora educativa que ao se valer do áudio<br />

binaural conseguirá desenvolver e potencializar um conhecimento específico junto ao<br />

ouvinte as técnicas de narrativa (produção de roteiro) devem estar alinhadas antes com o<br />

ambiente educacional. Entretanto promover o áudio binaural sem antes contextualizá-lo<br />

ou torná-lo o mais prático possível para professores e alunos não se apresenta como<br />

uma opção sustentável.<br />

Atualmente temos diversas mídias educacionais, o grande desafio é saber<br />

utilizá-las de modo eficiente e permitir que elas contribuam, de modo mais<br />

decisivo, para aperfeiçoar as práticas pedagógicas.<br />

A escola tem sido, amiúde, pressionada a integrar de modo certeiro educação<br />

e tecnologias eletrônicas. Todavia nem todos os espaços físicos estão<br />

adaptados para receber os equipamentos e muitos docentes ainda não dispõe<br />

de conhecimentos teóricos e práticos para o uso dos novos recursos didáticos.<br />

(JÚNIOR, 2014, p.02)<br />

Diante da necessidade de pesquisa e criação de produtos inovadores que<br />

envolvam serviços, linguagens, publicidade e formação de conteúdo, propomos a<br />

criação de produtos auditivos – um podcast contendo pequenos diálogos sobre temas<br />

específicos do cotidiano para reforço de aprendizado. De acordo com o professor David<br />

Toop em London College Communication, o entendimento cultural do que seja ouvir<br />

sons vai mudar, visto que vamos deixar de ter uma cultura centrada nos estímulos<br />

visuais e ficaremos focados na audição. Nessa perspectiva, de acordo NETTO et al.,<br />

(2002) acreditamos que a realidade virtual pode ser utilizada através de três<br />

594


características principais: imersão, interação e envolvimento, proporcionando a ideia e<br />

sensação de imersão no ambiente.<br />

As novas tecnologias farão o áudio do futuro ser mais envolvente e isso<br />

significa possibilidades de áudio imersivo, pois ao utilizarmos o áudio 3D propõem-se a<br />

imersão do usuário no processo, dessa forma o produto final será capaz de proporcionar<br />

melhor envolvimento do aluno com objeto estudado.<br />

CONCLUSÃO<br />

É incipiente número de produções presentes no ciberespaço que <strong>ate</strong>ndam as<br />

características de um áudio binaural voltado para as práticas educacionais. Além dos<br />

sons binaurais encontrados com escassez no Youtube onde frequências sonoras são<br />

utilizadas apenas para a potencialização da concentração cerebral, não foi possível<br />

detectar nenhuma outra peça sonora que <strong>ate</strong>nda a demanda da inovação junto ao<br />

ambiente escolar.<br />

No entretenimento o áudio 3D (sinal binaural) acabou sendo mais<br />

aproveitado figurando em grandes produções que vão da música aos videogames online.<br />

Na música com aplicações desde a década de 1970 com Lou Reed e os álbuns Street<br />

Hassle, Live: Take no Prisoners e The Bells. Além dele outras bandas de rock, já nos<br />

anos 1980 e 1990 também fizeram uso da técnica como: Pink Floyd, no álbum The<br />

Final Cut, e Pearl Jeam, no álbum Binaural. (ARRUDA, 2016)<br />

Já no mundo dos games empresas desenvolvedoras como Sony e Crytek já<br />

fazem uso do áudio 3D para promover a imersão de seus jogadores. Entre tantos jogos<br />

destaque para Corpse Party (Sony) e Crysis 2 (Crytek) que ajudou a disseminar a<br />

tecnologia entre outros games da geração (FORTES & JÚNIOR, 2011; GONÇALVES,<br />

2017)<br />

O áudio 3D, por ser imersivo, permite que o seu ouvinte aproveite mais<br />

possibilidades de receber informações através do som. Interagindo com as frequências<br />

cerebrais o seu caráter potencializador apresenta-se como a ferramenta de comunicação<br />

mais eficiente no ambiente tecnológico virtual. Resta aos produtores deste tipo de peças<br />

595


sonoras compreenderem qual a melhor maneira de se utilizar da técnica assim como foi<br />

feito pelas mídias de entretenimento. Tornar uma música ou audiodrama, por exemplo,<br />

como ferramentas de imersão e informação ao se usar um sinal binaural não é a maior<br />

das revoluções tecnológicas, mas é um aporte interessante para desenvolvimento e<br />

potencialização do perfil educacional das salas de aulas espalhadas em todo canto.<br />

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depositado no 2º semestre de 2011. Disponível em:<br />

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Artigo baseado em Trabalho e Conclusão de Curso (TCC) desenvolvido em<br />

cumprimento à exigência curricular do Curso Superior de Tecnologia em Análise de<br />

Sistemas e Tecnologia da Informação da Faculdade de Tecnologia de Americana,<br />

depositado no 2º semestre de 2011. Disponível em:<br />

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599


O DESAFIO DO PROFESSOR: ensino significativo e construtivo nas aulas de<br />

filosofia como reconstrução de uma nova identidade educativa na prática docente.<br />

THE TEACHER'S CHALLENGE: meaningful and constructive teaching in<br />

philosophy classes as a reconstruction of a new educational identity in teaching practice.<br />

Simey Fernanda Furtado Teixeira<br />

Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia-PROF-FILO/UFMA<br />

simeyfurtado@hotmail.com<br />

Nêmora Matos Carvalho Procópio<br />

Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia-PROF-FILO/UFMA<br />

nemorajoplin@gmail.com<br />

Orientadora: Dra. Marly Cutrim De Menezes<br />

Docente do Programa de Pós-Graduação em Filosofia-PROF-FILO/UFMA<br />

marlycutrim@hotmail.com<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO:A prática docente, pode ser compreendida, como intimamente vinculada e<br />

dependente da conduta do professor, é eminentemente um fazer por aquele que sabe<br />

fazer. A ideia do professor com profissional do saber-fazer, contemplando a ideia de<br />

Antônio Nóvoa (1992), estaria condicionada a relação do saber para fazer. Assim temos,<br />

um chamado à reflexão dos professores sobre sua própria prática. Esse ensaio tem a<br />

intenção de proporcionar uma reflexão sobre com os professores de filosofia encontramse<br />

no espaço escolar, a fim de não pontuarmos somente discussões acerca de<br />

“mecanismos técnicos” sobre o ensino-aprendizagem ou de instrumentos metodológica<br />

para uma “boa” aula de filosofia, mas também debruçar-nos sobre como o<br />

reconhecimento de uma identidade e responsabilidade em seu ofício pode tornar a<br />

prática desse profissional mais significativa e real ao ensino-aprendizagem. Usar-se-á<br />

como procedimento metodológico uma característica descritiva – pois se trata da análise<br />

de um fenômeno (o professor de filosofia) - e exploratória, já que possui uma<br />

delimitação de estudo, levantamentos bibliográficos e análises de documentos, como<br />

600


direciona Oliveira (2014). Buscar-se-á entender o mundo desse filósofo, como professor<br />

à luz da sua prática educativa escolar. Convocaremos ao diálogo os referenciais<br />

filosóficos de Paul Ricoeur, à luz do seu Percurso do reconhecimento (2006), além de<br />

outros filósofos que dedicam-se a Filosofia da Educação ou campo metodológico do<br />

Ensino da Filosofia, como por exemplo Alejandro Cerletti e Silvio Gallo. Da mesma<br />

maneira, há uma necessidade de pressupostos pedagógicos, dentro da fundamentação<br />

Educacional como, António S. da Nóvoa, já que o cenário é a Educação. Porém, como<br />

professora-filósofa-pesquisadora, permitimo-nos a outras leituras significativas que<br />

possam contribuir a esse ensaio, como: Maurice Tardif, Donald A. Schon, Selma<br />

Garrido Pimenta, Terezinha Azerêdo Rios, Paulo Freire etc. Deste modo, urge pensar<br />

sobre o que estamos assumindo enquanto prática docente, quando nos propomos a esse<br />

ofício dentro das escolas, a fim de não nos tornarmos meros representadores e<br />

reprodutores de pensamento.<br />

Palavras-chaves: Ensino. Filosofa. Reconstrução. Prática docente.<br />

ABSTRACT: the teaching practice, can be understood, as closely linked and dependent<br />

on the teacher's conduct, is eminently a do for the one who knows how to do. The idea<br />

of the teacher with professional know-how, contemplating the idea of Antonio Nóvoa<br />

(1992), would be conditioned the relation of the knowledge to do. Thus we have a call<br />

to the teachers' reflection on their own practice. This essay intends to provide a<br />

reflection on the teachers of philosophy found in the school space, in order not to<br />

punctu<strong>ate</strong> only discussions about "technical mechanisms" about teaching-learning or<br />

methodological tools for a "good" class of philosophy, but also look at how the<br />

recognition of an identity and responsibility in their craft can make the practice of this<br />

professional more meaningful and real to teaching-learning. It will be used as a<br />

methodological procedure a descriptive characteristic - because it is the analysis of a<br />

phenomenon (the professor of philosophy) - and exploratory, since it has a delimitation<br />

of study, bibliographical surveys and analysis of documents, as directed by Oliveira<br />

601


(2014). It will be sought to understand the world of this philosopher, as a teacher in the<br />

light of his educational practice school. We will call the dialogue the philosophical<br />

references of Paul Ricoeur, in the light of his Path of recognition (2006), in addition to<br />

other philosophers who dedic<strong>ate</strong> themselves to Philosophy of Education or<br />

methodological field of Teaching Philosophy, such as Alejandro Cerletti and Silvio<br />

Gallo. In the same way, there is a need for pedagogical presuppositions, within the<br />

Educational foundation such as, António S. da Nóvoa, since the scenario is Education.<br />

However, as a teacher-philosopher-researcher, we allow for other meaningful readings<br />

that may contribute to this essay, such as: Maurice Tardif, Donald A. Schon, Selma<br />

Garrido Pimenta, Terezinha Azerêdo Rios, Paulo Freire etc. In this way, it is urgent to<br />

think about what we are assuming as a teaching practice, when we propose to this office<br />

within schools, in order not to become mere representatives and reproducers of thought.<br />

Keywords: Teaching. Philosophie. Reconstruction. Teaching practice.<br />

O desafio do professor: ensino significativo e construtivo nas aulas de<br />

filosofia como reconstrução de uma nova identidade educativa na prática<br />

docente.<br />

Primado de ideias: reflexão de uma prática<br />

A prática docente, pode ser compreendida, como intimamente vinculada e<br />

dependente da conduta do professor, é eminentemente um fazer por aquele que sabe<br />

fazer. A ideia do professor com profissional do saber-fazer, contemplando a ideia de<br />

Antônio Nóvoa (1992), estaria condicionada a relação do saber para fazer. Assim temos,<br />

um chamado à reflexão dos professores sobre sua própria prática.<br />

Esse ensaio tem a intenção de proporcionar uma reflexão sobre como os<br />

professores de filosofia encontram-se no espaço escolar, a fim de não somente<br />

602


pontuarmos discussões acerca de “mecanismos técnicos” sobre o ensino-aprendizagem<br />

ou de instrumentos metodológica para uma “boa” aula de filosofia, mas também<br />

debruçar-nos sobre como o reconhecimento de uma identidade e responsabilidade em<br />

seu ofício pode tornar a prática desse profissional mais significativa e real ao ensinoaprendizagem.<br />

Buscar-se-á entender o mundo desse filósofo, como professor à luz da sua<br />

prática educativa escolar. Convocaremos ao diálogo os referenciais filosóficos de Paul<br />

Ricoeur (2006), Cerletti (2009) e Sílvio Gallo (2012), Sílvio.<br />

Reconhecimento de si como professor: do percurso formativo à prática docente<br />

Os centros acadêmicos são articuladores entre a formação inicial e a prática<br />

docente dos licenciados em filosofia? A formação docente ganhou nos últimos anos um<br />

espaço de relevância nos discursões políticos educacionais, pois é a partir dessa<br />

construção nesses centros formadores, que emergirá a figura do profissional que irá<br />

atuar nas salas de aula, já que o educador “conjuga o saber teórico com a prática da<br />

educação”, como nos aponta Ulhôa (1998, p.188).<br />

A formação de um professor de filosofia não é a consequência de assistir a<br />

algumas disciplinas pedagógicas ou didáticas que se juntariam em algum<br />

momento com outras mais especificamente filosóficas, mas corresponde a<br />

toda a formação em seu conjunto. Pese a que pareça uma obviedade, não é<br />

demais enfatizar que todos os docentes “formam” aos futuros professores e<br />

professoras, e não apenas aqueles das disciplinas “pedagógicas” (além do<br />

fato que muitos professores especialistas consideram que apenas ensinam a<br />

sua especialidade filosófica). (CERLETTI, 2009, p. 60, grifo do autor)<br />

Assim, a formação inicial dos professores de filosofia é fundamental no<br />

desdobrar de sua prática, pois como nos convida a refletir Cerletti (2009), o professor de<br />

filosofia é construído dentro de uma academia e sob o processo de uma vida acadêmica,<br />

pois é essa formação que inicialmente será o motor para a vivencia em sala de aula, e<br />

não um fantasma, ao assombrá-lo se a teoria for divorciada de sua prática, como nos<br />

propõe a pensar Ulhôa (Id. Ibid.).<br />

603


A formação docente é um processo e como tal é uma sequência que deve ser<br />

organizada para uma vivência, e não uma desarticulação entre o apreendido e o<br />

ensinável. Esteve (1999, p.109) aponta que “o professor novato sente-se desarmado e<br />

desajustado ao constatar que a prática real do ensino não corresponde aos esquemas<br />

ideias em que obteve a sua formação”. Só há professor de filosofia se houver intenção<br />

ao ato de ensinar e para o ensinar, já que ser professor de filosofia é tecer os acúmulos<br />

de saberes apropriados e transformá-los em ação em seu cotidiano escolar.<br />

Essa formação inicial, construída com significância aos futuros professores,<br />

para muito especialista, é apontada como primordial elemento para uma intervenção real<br />

e de qualidade aos nossos sistemas de ensino. Pensando desta forma, urge que os<br />

programas de ensinos superiores não estejam dicotômicos com as políticas educacionais<br />

e com o cotidiano escolar, pois “é preciso, portanto, que as agências formadoras de<br />

professores percebam a complexidade da formação e a atuação desse profissional”<br />

(GHEDIN; ALMEIDA; LEITE, 2008, p.24). O licenciado precisa ser conduzindo a<br />

refletir que seu caminho acadêmico o levará à escola ou a outro ambiente envolvo ao<br />

ensino, assim associado ao processo do ensino-aprendizagem, e que os anos dedicado a<br />

essa formação serão constituintes, pelo menos no início, no estabelecimento entre seus<br />

saberes pedagógicos e suas práticas de ensino.<br />

O reconhecimento, no sentido mútou ricoeuriano, entre o licenciado em<br />

filosofia e à docência, necessita ser posto como uma relação recíproca. A c<strong>ate</strong>goria<br />

Professor e a c<strong>ate</strong>goria Filósofo precisam, dentro do espaço acadêmico se<br />

reconhecerem, saindo do estágio de desigualdade identitária à fusão de uma nova<br />

c<strong>ate</strong>goria, já que é “imprescindível a existência do filosofar docente para que a<br />

inquietação, o questionamento, a insatisfação e o espirito de busca possam permear o<br />

ato educativo [...]” (LEAL, 2000, p.98).O acadêmico de licenciatura em filosofia<br />

precisar perceber-se como um futuro professor e requerer que tais práticas pedagógicas<br />

sejam evidentes e façam parte com significância de sua formação<br />

De acordo com Nicola Abbagnano (2007, p. 982) o termo reconhecimento<br />

é, em geral, “conhecer algo por aquilo que é”, por aquilo que é mostrado, pensado, por<br />

604


assim dizer. É uma característica própria ou “um dos aspectos constitutivos da memória,<br />

por quanto os objetos lhe são dados como já conhecido”, ou seja, remete ao<br />

reconhecimento como um retorno memorialístico, como algo que já nos é de<br />

conhecimento.<br />

Memória, nesse mesmo dicionário (Id. Ibid., p.759), é a “possibilidade de<br />

dispor dos conhecimentos passados”, mas “é preciso entender os conhecimentos que, de<br />

qualquer modo, já estiveram disponíveis e não já simplesmente conhecimento do<br />

passado”. Assim, reconhecer se liga ao termo memória que, por sua vez, possui duas<br />

extensões: retentiva e recordação. Por memória retentiva temos “a conservação ou<br />

persistência de conhecimento passado que, por serem passados, não estão mais a vista”<br />

(Id. Ibid.) e recordação sendo “possibilidade de evocar, quando necessário, o<br />

conhecimento passado e de torná-lo atual ou presente” (Id. Ibid.)<br />

Em sua obra, Percurso do reconhecimento, Paul Ricoeur (2006), emerge em<br />

sua introdução várias acepções acerca do reconhecimento, como forma de descobrir o<br />

aparentemente coberto por de trás de várias significações, como nos menciona a seguir:<br />

“seguirei o conselho de Littré sobre a regra que ‘deve ser descoberta’. Ela se dissimula<br />

por trás da simples sucessão das 23 (sim, 23!) significações enumeradas”. (RICOUER,<br />

2006, p. 17, grifo do autor). E, ainda de acordo com Ricoeur o “filósofo não deve<br />

renunciar a constituir uma teoria – digna desse nome - do reconhecimento, teoria na<br />

qual seriam ao mesmo tempo reconhecidos e transpostos os afastamentos de sentido<br />

pelo que se pode chamar de trabalho de questão (Id. Ibid., p. 27-28)<br />

Assim, analisando o conceito de reconhecimento encontrado em alguns<br />

dicionários francês, como: Dictionnaire de la langue française e Grand Robert de la<br />

langue française, que ora se relacionam ora se contrapõem, Ricoeur conduz uma<br />

trajetória sequencial, ainda na introdução do Percurso do reconhecimento (2006), sobre<br />

o reconhecer como movimento, constituindo um “afastamento entre significações<br />

regidas por problemáticas heterogêneas” (Id. Ibid. p. 28), como afirma esse autor. Além,<br />

de ser suscitada “por um sentimento de perplexidade concernente ao estatuto semântico<br />

do próprio termo ‘reconhecimento’ no plano do discurso filosófico” (Id. Ibid., p.09)<br />

605


Ricoeur (2006), constitui uma inter-relação filosófica com as ideias sobre o<br />

reconhecimento que aparecem entre alguns filósofos dentro de sua obra 90 , elenca-o<br />

como um estudo desenvolvido em três etapas cenestésicas: “o reconhecimento como<br />

identificação”, “o reconhecimento de si” e “o reconhecimento mútuo”. Esses três eixos<br />

irão conduzir a um percurso que ao final se tornará um importante referencial sobre essa<br />

c<strong>ate</strong>goria.<br />

Em seu primeiro estudo, na obra citada, Ricoeur (2006) apresenta o<br />

reconhecimento como identificação, iniciando-o com uma citação de Blaise Pascal,<br />

onde transcreve que “essência do equívoco consiste em não o conhecer” (Id. Ibid. p.<br />

33). Desta forma, o reconhecimento necessita da raiz epistemológica para o ato do<br />

reconhecer pelo conhecer. É necessário buscar uma origem, um ponto de partida.<br />

O reconhecimento de si ricoeuriano é iniciado pela epígrafe “reconheci-me<br />

como poeta” (Id. Ibid., p. 83), do poeta francês Arthur Rimbaud, relacionando o<br />

reconhecimento como autorreconhecimento. Para Ricoeur “se há um ponto no qual o<br />

pensamento dos modernos marca um avanço em relação aos gregos no que diz respeito<br />

ao reconhecimento de si, não é principalmente no plano da temática, o do<br />

reconhecimento da responsabilidade, mas no plano da consciência reflexiva de si<br />

mesmo implicada nesse reconhecimento” (Id. Ibid., p.105).<br />

“É por meio de uma reflexão sobre as capacidades que conjuntamente<br />

esboçam o retrato do homem capaz que procuro responder a esse desafio.<br />

Essa reflexão seria ao mesmo tempo neo-aristotélica e pós-kantiana, para não<br />

dizer também pós-hegeliana, como admitirei no terceiro estudo. A série das<br />

figuras mais notáveis do ‘eu posso’ constitui a meus olhos a espinha dorsal<br />

de uma análise reflexiva, na qual o ‘eu posso’, considerado na variedade de<br />

seus usos, daria uma maior amplitude à ideia de ação que foi primeiramente<br />

tematizada pelos gregos” (Id. Ibid. p. 107, grifo do autor)<br />

O reconhecimento de si, portanto, é um ato de reflexão desse homem que<br />

age, fala, narra e conta sua própria história, tornando-se sujeito capaz, aquele<br />

responsável por seus atos e consciente dos seus direitos e deveres. Desta forma, o<br />

90 Na obra Percurso do Reconhecimento (2006), Paul Ricoeur traçar três percursos ao encontro do<br />

Reconhecimento, Evocando alguns filósofos como: Descartes, Kant, Hegel e Hobbes.<br />

606


econhecimento de si é uma busca identitária das ações que esse sujeito realiza ou se<br />

pré-dispõe a realizar, ou seja, sua prática.<br />

Em seu último estudo sequenciado, o autor, constrói o princípio de<br />

reconhecimento vinculado a reciprocidade, o reconhecer pelo viés do ser reconhecido,<br />

pois “assim que um homem foi reconhecido por outro homem como um Ser senciente,<br />

pensante e semelhante a ele, o desejo ou a necessidade de comunicar-lhe os próprios<br />

sentimentos e pensamento fez com que este procurasse os meios de fazer isso”<br />

(Rousseau apud Id. Ibid., p.161).<br />

Aprática docente: o professor de filosofia em sala de aula<br />

A ação docente possui um universo conceitual dentro das Ciências da<br />

Educação 91 , podendo ser relacionada às terminologias: prática docente, práticas de<br />

ensino, trabalho docente, prática educativa ou como prática reflexiva, ambas<br />

relacionada ao ensino, à maneira como o professor realiza seu ensinar.<br />

A prática docente, pode ser compreendida, como intimamente vinculada e<br />

dependente da conduta do professor. É eminentemente um fazer por aquele que sabe<br />

fazer, é “uma perspectiva dos professores como profissionais produtores de saber e de<br />

saber-fazer” (NÓVOA, 1992, p. 16). A ideia do professor como profissional do saberfazer,<br />

assim é desenvolvida por António Nóvoa na obra Profissão Professor (1992),<br />

apresentando a relação do saber para fazer como condição a prática docente. Temos um<br />

chamado à reflexão dos professores sobre sua própria prática.<br />

Peter Woods, colaborador na obra Profissão Professor (1999), coordenado<br />

por Antônio Nóvoa, relata que“necessitamos de um ensino criativo. A literatura está<br />

cheia de exemplos de tédio e de ineficácia do ensino feito de ‘transmissão de<br />

conteúdos’, pesado e rotineiro, levado a cabo por professores arregimentados ‘como<br />

91 Dentro dos estudos da Ciência da Educação esses termos podem ser encontrados em: António Nóvoa,<br />

Selma Garrido Pimenta, Donald Shon, Jean-Philippe Pierron, Antoni Zabala, Evandro Ghedin ,Terezinha<br />

Rios etc.<br />

607


cavalos, todos a correrem na mesma pista à mesma velocidade.” (ELBAZ, 1981, apud<br />

NÓVOA; WOODS, 1999, p. 150).<br />

Joana Paulin Romanowski (2007, p. 51) ressalta que na construção escolar<br />

histórica, a prática escolar se apresentar com algumas características, de acordo com sua<br />

relação estabelecida e assumida pelo professor, no ponto de vista do ensino. Dentre as<br />

citadas pela autora estão: a prática tradicional, a prática tecnicista, a prática escola<br />

novista e a prática sociocultural. Ainda de acordo com a Romanowski (Ibid.), temos:<br />

Prática Tradicional<br />

Prática Tecnicista<br />

Prática Escola Novista<br />

Prática Sociocultural<br />

“O enfoque tradicional na prática docente tem por tem por<br />

objetivo a transmissão do conhecimento pelo professor, o<br />

qual deve ser assimilado pelos alunos” (p.51)<br />

“Objetiva enfatizar o desenvolvimento de competências e<br />

atitudes para formar o profissional a atuar no mercado de<br />

trabalho” (p.52)<br />

“A prática docente acontece na valorização das relações e<br />

dos processos cognitivos; o próprio professor é<br />

considerado um aprendiz” (p. 53)<br />

“Compreende a prática docente como reflexão para a<br />

reconstrução ou transformação social” (p.54)<br />

Se as universidades ou faculdades pretendem realmente formar licenciados é<br />

necessário que essa formação se constitua, primeiramente, como uma licenciatura em<br />

filosofia e não como um bacharelado encoberto, nem tão pouco se conduza as<br />

licenciaturas com proposições falaciosas, onde se naturaliza positivamente não ser<br />

necessário, ao curso de licenciatura em filosofia, uma interdisciplinaridade entre<br />

filosofia e práticas educativas, ou seja, uma elaboração de uma pedagogia filosófica. A<br />

formação dos professores de Filosofia precisa ser representativa ao olhar da licenciatura,<br />

significativa ao olhar dos licenciados e fiel ao olhar filosófico-educativo.<br />

608


Ensinar é compromisso. Parece-nos que essa afirmação nos é<br />

internalizada em toda vida acadêmica como fazendo parte de nossa essência<br />

profissional, quando escolhemos a licenciatura, na qual a dimensão para pensá-lo não se<br />

faz tão necessário aparentemente. Entretanto, quão é o nosso compromisso questionador<br />

quando estamos mergulhados nas práticas cotidianas em nossas aulas semanais? É,<br />

fundamental “considerar que a sala de aula é um âmbito em que é possível formular<br />

perguntas filosóficas com radicalidade que elas implicam, e não um lugar em que o<br />

professor somente oferece respostas e perguntas que seus alunos não formularam<br />

(CERLETTI, ibid, p. 81)<br />

O ensino de filosofia deve provocar o desejo do saber. Lançar um olhar<br />

questionador no ambiente na qual se efetiva o ensino filosófico é fundamental e,<br />

consequentemente salienta a sua prática inerente, assim deveras que “o perguntar<br />

filosófico é, então, o elemento constitutivo fundamental do filosofar e, portanto, do<br />

“ensinar filosofia” (CELETTI, 2009, p. 20 – 21).<br />

A aspiração do saber é movida pela intencionalidade filosófica do perguntar,<br />

pois ela proporciona a inquietude. Essa característica peculiar nos movimenta o tempo<br />

todo enquanto pensamento dinâmico. Essa atitude de suspeita, de questionamento ou de<br />

crítica do filosofar é emergida dentro da própria ação do filosofar.<br />

Esse inquietar-se nos caracteriza e ao mesmo tempo nos distinguir enquanto<br />

conduta. Os professores, portanto, devem se lançar à docência e assumi-la com<br />

responsabilidade e inquietação, perante seus alunos, para que as aulas sejam sempre um<br />

recomeçar em si do próprio pensamento filosófico, mas essa característica perpassa um<br />

percurso que deve ser apreendido e aprendido no cerne da licenciatura.<br />

O mister de ensinar filosofia não pode desvincular-se do próprio exercício<br />

original do fazer-se pensamento filosófico, e urge aos professores e professoras<br />

perceberem-se ativos nesse processo. As aulas precisam ser uma troca de olhares,<br />

olhares mais <strong>ate</strong>nto e minucioso aos paradigmas, não só no intuído de um descarte ou<br />

sobreposição de ideia postulada, mas dimensionar como essas ideias podem<br />

participarem do presente e/ou pertencerem ao futuro enquanto relação com o mundo,<br />

609


pois “os conhecimentos aprendidos na escola, se forem significativos, não serão<br />

simplesmente acrescidos, como camadas sobrepostas, havendo um amalgamento ou<br />

mescla pela qual eles modificam, reformulam , reconstroem a bagagem cognitiva<br />

anterior (Rodrigo, 2009, p.39). O professor necessita pensar e estimular pensamentos a<br />

partir de problemáticas que fazem correlações e sentido ao seu mundo e dos seus<br />

alunos, fomenta Cerletti (Id. Ibid.).<br />

O interesse pela reflexão filosófica, assim como por qualquer outro assunto,<br />

só poderá ser despertado se os conteúdos se revelarem significativos para o<br />

sujeito da aprendizagem, quer dizer, além de serem objetivamente<br />

significativos, eles devem sê-lo também subjetivamente, inscrevendo-se num<br />

horizonte pessoal de experiências, conhecimentos e valores (RODRIGO,<br />

Ibid., p. 38)<br />

Assim, os professores de filosofia devem reconhecer-se como ativos e terem<br />

a assunção do seu papel em uma sala de aula. Neste sentido, convoca-se os professores<br />

de filosofia para estabelecerem sua identidade docente no espaço escolar que se<br />

encontram.<br />

algumas considerações<br />

Não há fórmulas prontas e acabadas para o ensino da filosofia que<br />

assegurem sua eficácia. O bom professor e professora de filosofia será aquele que<br />

conseguir reinventar a si e suas práticas cotidianas de pensar e ensinar a filosofia de<br />

modo dinâmico e criativo. Os melhores professores de filosofia serão aqueles que<br />

conseguirem superar os desafios e dificuldades cotidianos, repensar e reinventar suas<br />

práticas pedagógicas, de promover diálogos entre o que é vivido, que se mostra presente<br />

no real e o que é passado em sala de aula visto muitas vezes como algo distante e<br />

desvinculado das práticas pessoais e sociais.<br />

No que tange o ensino da filosofia e os modos ou moldes como este tem<br />

sido processado, cabe chamar <strong>ate</strong>nção para um ensino que promova a autonomia pessoal<br />

e intelectual dos alunos, que os faça perceber o mundo em que vivem e se reconhecerem<br />

610


como parte desse mundo, como autores de sua existência, percebendo os vieses da<br />

história, dialogando e relacionando passado, presente e futuro<br />

Entendemos que esse ensino deve ultrapassar as barreiras e limites da<br />

escola, “uma educação que ultrapasse os muros da escola, fundamentando, assim, a<br />

importância da reflexão filosóficado aluno” (ARANHA; MARTINS, 1996, p.23),<br />

estimulando o aluno a refletir e dialogar com as situações que cotidianamente se vê<br />

envolvido (e que até então passavam de maneira despercebida) e auxiliando-o em sua<br />

formação como sujeito ativo e reflexivo do próprio conhecimento. Para tal é necessária<br />

a prática de leituras críticas do próprio mundo e realidade, dentro das aulas de filosofia<br />

que modifiquem o olhar dos educandos, transformando a visão deformada pelos<br />

preconceitos, crenças estabelecidas e arraigadas e todo o arsenal pessoal que endossa o<br />

senso comum presente em cada sujeito, em compreensão racional e crítica de todo o<br />

viés social constituído pelas esferas cultural, política, econômica e religiosa.<br />

Essa transposição do senso comum para a consciência crítica é o que vai<br />

propiciar ao aluno a descoberta de que essas esferas da ação humana estão direta e<br />

intimamente ligadas a real possibilidade, a partir da compreensão das mesmas, de<br />

transformação de si e da realidade que o cerca.<br />

De acordo com Severino (2004), é necessário compreender que o ensino da<br />

filosofia se torne uma atividade reflexiva na medida em que é instigada pelo professor,<br />

consequentemente temos a necessidade de novos procedimentos didáticos pedagógicos<br />

para o ensino de Filosofia, tornando esse professor ativo no processo de ensinoaprendizagem.<br />

Desta forma escreve o referido autor:<br />

Trata-se, então, de levar esses adolescentes a experienciarem essa atividade<br />

reflexiva de compartilhamento desse processo de construção de conceitos e<br />

valores, experiência eminentemente pessoal e subjetivada, mas que precisa<br />

ser suscitada, alimentada, sustentada, provocada, instigada. Eis aí o desafio<br />

didático com que nos deparamos (SEVERINO, 2004, p.108).<br />

A aprendizagem da Filosofia exige do aluno maior esforço de <strong>ate</strong>nção,<br />

concentração, reflexão, raciocínio e torna o ato de aprender e conhecer mais árduo e<br />

611


dispendioso, tal esforço exigido e necessário à adequada compreensão desta disciplina<br />

pode fazer com que o estudante desista ou se sinta desestimulado. Nesse sentido, tornase<br />

imprescindível o estabelecimento de estratégias de comunicação e ensino que<br />

despertem no aluno o interesse e <strong>ate</strong>nção pelas temáticas trabalhadas em sala de aula.<br />

No que tange ao ensino da filosofia muitos são os desafios a serem<br />

superados pelos educadores, entre eles o que se refere ao despreparo muitas vezes<br />

percebido e esboçado por alguns destes profissionais devido não só à própria<br />

inexperiência e inabilidade, mas também a dificuldades provenientes de falhas na<br />

formação acadêmica e profissional destes.<br />

Dos vários desafios com os quais se defronta o professor de Filosofia está o<br />

de promover e incentivar de forma constante o deb<strong>ate</strong>, a reflexão e a discussão dos<br />

temas apresentados em suas aulas, visando a construção da criticidade e autonomia<br />

intelectual dos seus alunos, para que estes possam, a partir de tais ações fazer leituras e<br />

interpretações do mundo em que vivem, dialogando, interagindo, construindo e<br />

descontruindo a realidade da qual fazem parte.<br />

De acordo com Gallo (2012) são: “estratégias” para as leituras dos textos<br />

filosóficos, esclarecendo tudo o que for preciso, para que se possa existir, realmente, a<br />

compreensão daquilo que é trabalhado. Caso contrário, não estará havendo ensino de<br />

filosofia de fato, mas apenas um faz de conta que ensina por parte do professor e um faz<br />

de conta que aprende por conta do aluno. Ou ainda, o professor será um mero<br />

transmissor de informações que serão recebidas de forma acrítica pelos alunos e que não<br />

verão sentido ou utilidade alguma nelas, por entenderem que as mesmas nada têm a<br />

acrescentar em suas vidas, já que as consideram sem importância e sem nenhuma<br />

comunicação com o mundo no qual estão inseridos.<br />

Convém <strong>ate</strong>ntarmos para o importante detalhe de que não se deve falar em<br />

“filosofia” de modo geral, mas sim de “filosofias” enquanto variedade discursiva do<br />

pensamento esboçado ao longo da história ou até mesmo enquanto significações ou<br />

ressignificações de ideias e conceitos apresentados pelos filósofos em suas<br />

elucubrações. Partindo desse pressuposto (de que existem “filosofias” e não “filosofia”)<br />

612


não seria adequado igualmente nos referirmos ao ensino da filosofia enquanto algo fixo,<br />

engessado e de caráter geral, mas sim falarmos do ensino de uma determinada filosofia<br />

ou perspectiva filosófica.<br />

Ora, se são múltiplas as filosofias, se são variados os estilos do filosofar,<br />

múltiplas e variadas são também as perspectivas do ensinar a filosofia e o<br />

filosofar. Assim, quando tratamos do ensino de filosofia é necessário que<br />

tomemos uma posição, que nos coloquemos no campo de uma determinada<br />

concepção de filosofia. E, fundamental, que deixemos isso claro; que<br />

evidenciemos a posição filosófica com base na qual pensamos e ensinamos.<br />

(GALLO, 2012, P.39)<br />

A ideia aqui é que o professor, através da leitura, reflexão e discussão dos<br />

textos, sensibilize e desperte nos alunos o interesse pela filosofia, mostrando a eles a<br />

semelhança e aplicabilidade que certos temas filosóficos possuem com a realidade<br />

imediata de cada um deles, ressalvadas as devidas proporções e diferenças sócias<br />

culturais. Fazendo-os perceber que a filosofia e a história de vida pessoal de cada um<br />

deles, não é tão distante quanto pensavam.<br />

Diante do exposto, o profissional de filosofia deve ter o cuidado de<br />

selecionar m<strong>ate</strong>rial adequado aos objetivos que se deseja alcançar no ensino da filosofia.<br />

Sensibilizar o aluno para a filosofia, despertar e manter sua <strong>ate</strong>nção e interesse, não são<br />

tarefas simples e fáceis, mas através da observação <strong>ate</strong>nta do professor que lhe permite<br />

perceber as diferenças e particularidades presentes na turma, em termos de limitações,<br />

dificuldades, habilidades, avanços e retrocessos, torna-se possível o estabelecimento de<br />

estratégias de ensino.<br />

Em suma, ultrapassar a metodologia e contextualizar sua realidade, fazem<br />

parte da dinâmica da sala de aula ao se ensinar filosofia. Os professores de filosofia não<br />

podem colocar-se na posição de mero explicadores. É essencial para ele, que se repense<br />

o contexto que cerca o ambiente da sala de aula, assim como a dimensão diagnóstica do<br />

para quem vou ensinar, como filtro do como poderei ensinar, proporcionando desta<br />

forma, uma construção coletiva de aprendizado e alicerçando a ação c<strong>ate</strong>górico de quão<br />

filosófica precisam ser as aulas de filosofia, pois “a responsabilidade do professor é<br />

613


conseguir que esse breve momento de contato com a filosofia seja significativo na vida<br />

escolar de um aluno” (CERLETTI, Ibid., p. 80).<br />

REFERÊNCIAS<br />

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes,<br />

2017.<br />

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, Filosofando: Introdução à Filosofia / Maria Lúcia<br />

de Arruda Aranha, Maria Helena Pires Martins. Ed. Moderna, 1ª edição, São Paulo,<br />

2009.<br />

CERLETTI, Alejandro. O ensino de filosofia: como problema filosófico. Tradução de<br />

Ingrid Müller Xavier. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. 101 p.<br />

ESTEVE, José M. Mudanças Sociais e Função Docente. In: NÓVOA, António.<br />

Profissão Professor. Porto Editora, toda, 1999<br />

GALLO, Sílvio. Metodologia do ensino de filosofia – uma didática para o ensino<br />

médio. Campinas: Papirus Editora, 2012.<br />

GHEDIN, Evandro; ALMEIDA, Maria Isabel de; LEITE, Yoshie Ussami Ferrari.<br />

Formação de professores: caminhos e descaminhos da prática. Brasília: Líber Livro<br />

Editora, 2008.<br />

KOHAN, W.O; LEAL, B; RIBEIRO, A. Filosofia na escola pública. Petrópolis, RJ:<br />

Vozes, 2000.<br />

NÓVOA, António (coord.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote.<br />

Instituto de Inovação cultural, 1999.<br />

NÓVOA, Antônio. Profissão Professor. Porto Editora, LTDA: 1999<br />

RODRIGO, Lídia Maria. Filosofia em sala de aula: teoria e prática para o ensino<br />

médio. Campinas, SP: Autores Associados, 2009.<br />

ROMANOWSKI, Joana Paulin. Formação e profissionalização docente. Curitiba:<br />

Ibpex, 2007.<br />

RICOEUR, Paul. Percurso do conhecimento. Ed. Loyola, São Paulo, 2006.<br />

614


SEVERINO, A. J. Filosofia: Guia do Professor. São Paulo: Cortez, 2009<br />

ULHÔA, Joel Pimenta de. O professor e sua prática. Educação e Filosofia, Centro de<br />

Ciências Humanas e Artes. Volume 12, n. 24, jul/dez 1998.<br />

Koran, W.O; LEAL, B; RIBEIRO, A. Filosofia na escola pública. Petrópolis, RJ:<br />

Vozes. 2000<br />

615


O DIREITO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA AO MERCADO DE<br />

TRABALHO FORMAL<br />

THE RIGHT OF PEOPLE WITH DISABILITY IN THE FORMAL LABOR<br />

MARKET<br />

Carlos Henrique Batista dos Santos<br />

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFMA<br />

Thelma Helena Costa Chahini<br />

Pós-Doutora em Educação Especial – UFMA<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Várias normas infraconstitucionais têm tutelado os direitos da pessoa com<br />

deficiência. Exemplo disso é a Lei n° 8.213/91, vulgarmente conhecida como a Lei das<br />

Cotas, que estabelece uma cota percentual mínima de contratação de pessoas com<br />

deficiência ou reabilitadas em firmas que tiverem mais de uma centena de empregados.<br />

Entende-se que a intencionalidade das ações afirmativas em prol das referidas pessoas é<br />

proteger o direito daqueles que estão aptos para o trabalho. Nesse sentido, questiona-se<br />

sobre o que se dá num processo seletivo ou concurso em que concorrem em suposta<br />

igualdade um candidato totalmente cego e um com visão monocular. O que ocorre se<br />

pessoas com deficiência auditiva e/ou surdas concorrem para uma mesma vaga? Quem é<br />

o escolhido? Por quê? A quem cabe decidir e a quem cabe fiscalizar o cumprimento da<br />

lei nesses casos? Será que as pessoas com deficiência não estão sendo preteridas por<br />

pessoas que não poderiam se candidatar às vagas reservadas? Diante do exposto, o<br />

presente estudo justifica-se em razão de uma aparente distorção na aplicação das leis<br />

que beneficiam as pessoas com deficiência no acesso ao mercado de trabalho formal<br />

dentro da hipótese de que as pessoas com maior grau de deficiência são preteridas por<br />

outras, que não preenchem os requisitos legais. Nesse sentido, busca-se investigar até<br />

que ponto a contratação e/ou nomeação de candidatos às vagas de pessoas com<br />

616


deficiência é feita obedecendo aos preceitos legais. Assim, desenvolveu-se uma<br />

pesquisa exploratória, descritiva e, no contexto, analisaram-se leis, por meio das quais<br />

pode-se entender a evolução do direito da pessoa com deficiência ao longo da história,<br />

bem como o status atual em que as cotas são usadas para possibilitar a inclusão social<br />

de pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal. Os resultados obtidos<br />

demonstram que historicamente as pessoas com deficiência libertaram-se, em parte, das<br />

teorias discriminatórias da eugenia para uma época de maior obediência aos direitos<br />

humanos, e que elas têm galgado cada vez mais espaço no convívio socioeconômico.<br />

Muitas ações ainda estão inviabilizando o acesso dos interessados ao mercado de<br />

trabalho formal. Contudo, o direito delas positivado na Constituição Federal de 1988,<br />

nas leis infraconstitucionais, nas decisões jurisprudenciais, revela-se vigente. No estado<br />

de direito democrático a pessoa com deficiência já pode viver sua cidadania, posto que<br />

limitada, aberta para reclamações de natureza trabalhista.<br />

Palavras-chave: Pessoa com deficiência. Mercado de trabalho formal. Direitos<br />

constitucional e humano.<br />

ABSTRACT: Several infra-constitutional norms have protected the rights of people<br />

with disability. The Law 8,213/91, also known as Law of Quotas, is an example of that,<br />

it establishes that a minimal percentage of people with disability or rehabilit<strong>ate</strong>d to be<br />

hired in companies which have more than one hundred employees. The affirmative<br />

actions aim to protect the right of people with disability who are able to work. Thus it is<br />

questioned what goes on in a selective process or competitive examination in which<br />

they a blind applicant competes in a supposed equality with monocular vision applicant.<br />

What happens if peoples with ear disability compete with deaf people? Who might be<br />

chosen? Why? Who will decide and who is to supervise the accomplishment of the law<br />

in these cases? Are people with disability not let out by people without disability? The<br />

reason for this study is due to an apparently distorted use of the laws which protect<br />

people with disability in the access to the formal labor market with the hypothesis that<br />

617


people with major disabilities are let out by other people who do not fulfil law<br />

requirements. Thus, the investigation aims to search whether or not contracts of<br />

applicants to the vacancies form people with disability obey what is in the law. This<br />

study is an exploratory and descriptive research and, in this context, laws are analyzed<br />

in order to understand the evolution of the rights of people with disability throughout<br />

history, as well as current status, in which the quotas are used to give social inclusion of<br />

people with disability in the formal labor market. The results show that historically<br />

people with disability got partially free from discriminatory eugenics and have come to<br />

live a time of more respect to human rights, and they have also gained more space in the<br />

socioeconomic interaction. A lot of actions are still hindering the access of the people<br />

with disability to the formal labor market. However, their rights are guaranteed in the<br />

Federal Constitution (1988), in the infra-constitutional laws, in the jurisprudence in<br />

force. In the democratic st<strong>ate</strong> of right people with disability can live their citizenship,<br />

although limited, it is open to labor justice claims.<br />

Keywords: People with disability. Formal Labor Market. Constitutional and Human<br />

Rights.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O presente estudo justifica-se em razão de uma aparente distorção na<br />

aplicação das leis que beneficiam as pessoas com deficiência no acesso ao mercado de<br />

trabalho formal dentro da hipótese de que as pessoas com maior grau de deficiência são<br />

preteridas por outras, que não preenchem os requisitos legais.<br />

Busca-se uma resposta ao seguinte problema: até que ponto a contratação<br />

(ou nomeação) de candidatos às vagas de pessoas com deficiência é feita obedecendo<br />

aos preceitos legais?<br />

618


A estudo objetiva, no âmbito geral, investigar se a contratação e/ou<br />

nomeação de candidatos às vagas de pessoas com deficiência no mercado de trabalho<br />

formal, público e privado, vem sendo realizada obedecendo aos preceitos legais.<br />

É mister lembrar, primeiramente, de algumas terminologias antes de abordar<br />

essa temática. São 3 (três) as limitações humanas de acordo com a Organização Mundial<br />

de Saúde (OMS): impedimento, deficiência ou inabilidade e incapacidade. O<br />

impedimento é alguma perda ou anormalidade das funções ou da estrutura anatômica,<br />

fisiológica ou psicológica do corpo humano; deficiência (ou inabilidade) é alguma<br />

restrição ou perda, resultante do impedimento, para desenvolver habilidades<br />

consideradas normais para o ser humano; ao passo que a incapacidade é uma<br />

desvantagem individual, resultante do impedimento ou da deficiência, que limita ou<br />

impede o cumprimento ou desempenho de um papel social, dependendo da idade, sexo<br />

e fatores sociais e culturais (BOTINI, 2002).<br />

Nos termos da Política Nacional para Integração da Pessoa Portadora de<br />

Deficiência (1993), “deficiência é toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou<br />

função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho<br />

de atividades dentro do padrão considerado normal para o ser humano.” (BRASIL,<br />

1999, não <strong>pagina</strong>do).<br />

METODOLOGIA<br />

Desenvolveu-se uma pesquisa exploratória, bibliográfica, documental e<br />

descritiva, com abordagem quanti-qualitativa, analisando estatísticas e confrontando-as<br />

com o que está vigente no ordenamento jurídico pátrio, a saber: a Constituição da<br />

República Federativa do Brasil/1988, a legislação constitucional, supraconstitucional e<br />

infraconstitucional, bem como a jurisprudência. Parte-se de um histórico das leis<br />

específicas incluindo a Lei n° 8.213/91 (Lei das Cotas para pessoas com deficiência) e a<br />

Lei 13.146/2015 (o Estatuto da Pessoa com Deficiência). Analisa-se a aplicação desses<br />

diplomas legais vigentes no âmbito público e privado, observando os critérios de<br />

619


inclusão dessas pessoas, a teoria dos contratos trabalhistas de Hart e Holmström (1987)<br />

e a novel reforma trabalhista – Lei 13.467/2017.<br />

Este estudo, também, baseia-se nas seguintes fontes de dados estatísticos da<br />

administração pública federal: Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), Cadastro<br />

Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), do Ministério do Trabalho e<br />

Emprego (MTE), e o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),<br />

vinculado ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, bem como nos<br />

seguintes autores: Botini (2002), Gugel (2006), Vilela (2016), Schultz (1967).<br />

A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA<br />

As pessoas com deficiência sofrem com o preconceito e discriminação<br />

desde tempos remotos. A história da humanidade revela isso na Mitologia Grega, na<br />

Mitologia greco-romana e na Bíblia. Outras vezes, eram vistas como se portadoras de<br />

poderes sobrenaturais, prova disso é próprio símbolo da justiça é a deusa Iustitia de<br />

olhos vendados, cega. Contudo, na sociedade, os direitos das pessoas com deficiência,<br />

só recentemente, passaram a ser vistos com bons olhos, dando-lhes acesso à educação e<br />

ao trabalho.<br />

Na Idade Média (1050 a 1485), as crianças com deficiência eram escondidas<br />

da sociedade e, às vezes, até mesmo eram mortas. Um misto de vergonha, culpa e<br />

pecados entre parentes eram relacionados com o nascimento de uma criança com<br />

deficiência. Pensava-se que as pessoas com deficiência assim ficavam em decorrência<br />

de pecado ou como resultado de influência astral do planeta Saturno. Outros<br />

acreditavam que as pessoas com deficiência estavam mais próximas de Deus – segundo<br />

essa crença, elas estariam condenadas no purgatório aqui na Terra, e estariam propensas<br />

a chegarem ao paraíso mais cedo.<br />

Estudos antropológicos indicam que no Brasil, entre os indígenas, há até<br />

hoje a execução sumária de pessoas com deficiência tradicionalmente feita em pelo<br />

menos 13 etnias, em pese ao direito à vida previsto na Constituição Federal de 1988, aos<br />

620


índios é assegurada a prática do infanticídio. Ao contrário do entendimento comum,<br />

entre os índios isso é visto como um gesto de amor, uma forma de livrar o recémnascido<br />

de sofrimento.<br />

Sabe-se que as pessoas com deficiência já eram vítimas de discriminação e<br />

doutras injustiças no período da colonização. Viveiros (1954) revela como Portugal<br />

punia tais pessoas com o exílio 92 , degredo, desterro. As referências sobre essas pessoas<br />

ficaram l<strong>ate</strong>ntes haja vista as estatísticas tratarem as pessoas com deficiência como<br />

miseráveis.<br />

A Constituição de 1824 determinava que as pessoas com deficiência<br />

deveriam ficar aos cuidados das próprias famílias e, se isso não fosse possível, deveriam<br />

ser levadas a hospitais de custódia, nos quais seriam submetidas ao tratamento<br />

“adequado” (BRASIL, 1824).<br />

Após a queda do Império em 1889, com o advento da República Velha, a<br />

responsabilidade de tutela dos direitos das pessoas com deficiência foi estendida ao<br />

Estado, quando não fosse possível para a família dar-lhes o merecido cuidado. A<br />

Constituição de 1934 também determinou que o Estado, assim como a família, tinha o<br />

dever de cuidar das pessoas com deficiência. O artigo 113, inciso 1, da referida<br />

Constituição de 1934 determinava: “Todos são iguais perante a lei. Não haverá<br />

privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias<br />

(sic) ou dos Pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou ideias políticas.”<br />

(BRASIL, 1934a, não <strong>pagina</strong>do).<br />

No artigo 138, entretanto, o texto constitucional de 1934 deixa claro como<br />

as pessoas com deficiência eram vistas na sociedade. Como se pode imaginar que uma<br />

sociedade excludente daria à pessoa com deficiência um nível de respeito igualitário,<br />

conforme o artigo 113 se no artigo 138, desprezava-os?<br />

Art. 138. Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis<br />

respectivas:<br />

a) assegurar amparo aos desvalidos, criando serviços especializados e<br />

animando os serviços sociais, cuja orientação procurarão coordenar;<br />

92 Cf. DÖBLIN, Alfred. Der blaue Tiger. In: ______. Amazonas.Berlin: Deustche Buch-Gemeinschaft,<br />

1963.<br />

621


) estimular a educação eugênica (BRASIL, 1934a, não <strong>pagina</strong>do).<br />

Na alínea “a” do artigo 138, a referência às pessoas com deficiência e outras<br />

não nascidas em berço esplêndido a quem o Estado, nos termos de leis<br />

infraconstitucionais, prometia lhes assegurar direitos. Por outro lado, em detrimento dos<br />

desvalidos, o Estado tinha, nos termos da alínea “b”, a incumbência de estimular a<br />

educação eugênica.<br />

Cumpre-se definir educação eugênica como aquela destinada a pessoas bem<br />

nascidas, nascidas em berço esplêndido. O termo eugenia (boa geração) é uma<br />

composição de vocábulos gregos eu (bem, bom, boa) e genia (raça, linhagem, espécie),<br />

foi criado pelo antropólogo inglês Francis Galton, em 1883, que o definiu como “o<br />

estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as<br />

qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente” (GOLDIN, 1998,<br />

não <strong>pagina</strong>do). A eugenia preocupa-se com as melhores condições para a reprodução e o<br />

melhoramento da espécie humana.<br />

A ênfase estava descaradamente direcionada para as pessoas privilegiadas,<br />

bem nascidas, enquanto as pessoas com deficiência eram chamadas de desvalidas. Esse<br />

tratamento dispensado pelo texto constitucional é contemporâneo do pensamento<br />

eugênico, que se coadunava com a política racial da Alemanha nazista propagada por<br />

Adolfo Hitler, a qual promovia a execução da pena de morte de pessoas com deficiência<br />

e a supremacia da raça ariana, que também era chamado de arianização. Os deficientes<br />

eram considerados “indignos de viver”, e, portanto, os nazistas consideravam que eles<br />

deveriam ser eliminados da cadeia de hereditariedade. Em razão disso, milhares de<br />

pessoas foram esterilizadas.<br />

No Brasil, outra prova dessa discriminação dessa época é o Decreto-Lei<br />

24.258/1934, que proibia a imigração de deficientes físicos, serve para ratificar o<br />

tratamento dispensado às pessoas com deficiência: não eram bem-vindas (BRASIL,<br />

1934b).<br />

As primeiras tentativas de inclusão das pessoas com deficiência na<br />

sociedade foram assaz acanhadas, limitaram-se a destinar os deficientes à aprendizagem<br />

622


em escolas ditas “especiais”, Instituto Benjamin Constant (Rio de Janeiro), para onde<br />

foram os deficientes visuais. Em que pese aos excelentes serviços prestados por essas<br />

escolas em prol dos deficientes, elas não os colocaram em contato direto com a<br />

sociedade, mantinham-nos afastados do relacionamento com as pessoas.<br />

A Constituição de 1937 considerou deficiente um indivíduo integrante da<br />

sociedade, em virtude disso, merecedor de direitos e deveres tanto quanto qualquer<br />

outro cidadão (BRASIL, 1937). Contudo, ainda havia restrição ao acesso ao trabalho<br />

durante o Estado Novo, Getúlio Vargas até o fim do governo dele. Nem a Constituição<br />

de 1945 lhes foi mais benéfica.<br />

Após a Segunda Guerra Mundial, com o advento da Declaração dos Direitos<br />

Humanos, começou-se a discutir a proteção da pessoa com deficiência, anteriormente<br />

esse grupo de pessoas era deixado à margem da sociedade, era excluído. Geralmente, as<br />

pessoas com deficiência eram escondidas por seus familiares, e, muitas vezes,<br />

internadas em instituições que não lhes ofereciam amparo psicossocial, e os deficientes<br />

ficavam a mercê de condições de higiene inadequadas para uma vida digna.<br />

Após a Constituição de 1967, dois atos normativos contribuíram<br />

diretamente para a tutela dos direitos da pessoa com deficiência: a Emenda<br />

Constitucional nº 1, de 1969 e a Emenda nº 12, de 1978, as quais deram bases iniciais<br />

para a Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988, que<br />

trouxe evoluções mais significativas em prol das pessoas com deficiência ao tornar<br />

expressa a importância da inserção destas no mercado de trabalho (BRASIL, 1988). A<br />

Lei Maior vigente deixou de se referir a tais indivíduos como inválidos ou aleijados, e<br />

passou a considerá-los “portadores” de alguma limitação para realizar determinadas<br />

atividades, ou precisam de algum meio diferenciado para que as realizem tal qual<br />

aquelas ditas normais.<br />

A Constituição cidadã de 1988 busca promover a inclusão para que aqueles<br />

outrora excluídos se sintam úteis trabalhando com outras em prol da sociedade<br />

brasileira. Dessarte, ela deu-lhes amparo legal, permitindo-lhes a inserção nos meios<br />

sociais, no mercado de trabalho, nos meios de transporte, na educação. Esses direitos e<br />

623


garantias estão insculpidos nos seguintes trechos da Constituição de 1988: art. 3º, inciso<br />

IV, art. 5°, art. 7º, inciso XXXI, art. 37, inciso V<strong>II</strong>I, o qual determina textualmente: “a<br />

lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de<br />

deficiência e definirá os critérios de sua admissão. ” (BRASIL, 1988, não <strong>pagina</strong>do).<br />

No entendimento atual do Supremo Tribunal Federal:<br />

A vigente CR, ao proclamar e assegurar a reserva de vagas em concursos<br />

públicos para os portadores de deficiência, consagrou cláusula de proteção<br />

viabilizadora de ações afirmativas em favor de tais pessoas, o que veio a ser<br />

concretizado com a edição de atos legislativos, como as Leis 7.853/1989 e<br />

8.112/1990 (art. 5º, § 2º), e com a celebração da Convenção Internacional das<br />

Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2007), já<br />

formalmente incorporada, com força, hierarquia e eficácia constitucionais<br />

(CF, art. 5º, § 3º), ao plano do ordenamento positivo interno do Estado<br />

brasileiro. Essa Convenção das Nações Unidas, que atribui maior densidade<br />

normativa à cláusula fundada no inciso V<strong>II</strong>I do art. 37 da CR, legitima a<br />

instituição e a implementação, pelo poder público, de mecanismos<br />

compensatórios destinados a corrigir as profundas desvantagens sociais que<br />

afetam as pessoas vulneráveis, em ordem a propiciar-lhes maior grau de<br />

inclusão e a viabilizar a sua efetiva participação, em condições equânimes e<br />

mais justas, na vida econômica, social e cultural do País. 93 (BRASIL, 2014,<br />

p. 2).<br />

Várias normas infraconstitucionais também têm tutelado os direitos da<br />

pessoa com deficiência na iniciativa privada. Exemplo disso é a Lei n° 8.213/91,<br />

vulgarmente conhecida como a Lei das Cotas, que estabelece uma cota percentual<br />

mínima de contratação de pessoas com deficiência ou reabilitadas em firmas que<br />

tiverem mais de uma centena de empregados. No seu artigo 93, § 1°, está previsto que a<br />

rescisão contratual de funcionário com deficiência ou reabilitado está condicionada à<br />

contratação de outro em condições semelhantes àquele cujo contrato foi rescindido<br />

(BRASIL, 1991).<br />

Outras duas leis possibilitam a inclusão da pessoa com deficiência na<br />

sociedade: a Lei n° 7.853/89 e a Lei n° 10.098/00. Dezenas de outras leis, decretos e<br />

93 No mesmo sentido: RMS 32.732-TA, rel. min. Celso de Mello, decisão monocrática, julgamento em 13-<br />

5-2014, DJE de 19-5-2014.<br />

624


portarias ocupam-se da tutela dos direitos dos deficientes. Não obstante isso, a aceitação<br />

dessas pessoas na sociedade padece de muita resistência.<br />

O direito de inclusão social da pessoa com deficiência<br />

A educação pode dar um futuro melhor ao ser humano, levando-o ao estádio<br />

seguinte – o trabalho, ao qual todos têm direito, de acordo com o disposto na<br />

Declaração Universal dos Direitos Humanos. Isso significa que a prática antiga de<br />

deixar as pessoas com deficiência serem preteridas por outras, no mercado de trabalho<br />

formal – deixando aquelas ao léu – é uma injustiça e desumanidade.<br />

Sabe-se que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no seu<br />

artigo 23, item 1, dispõe: “Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do<br />

trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o<br />

desemprego. ” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948). A proteção aos<br />

direitos dos deficientes é promovida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT),<br />

por meio das Recomendações 99, 111, 150 e 168 e das Convenções 111 e 159, das quais<br />

o Brasil é signatário e, consequentemente, a Constituição Federal recepcionou tais<br />

normas internacionais, ao criar a Lei 7.853/89, a Lei 8.213/91 e os Decretos nº 129/91 e<br />

nº 3.298/99.<br />

Entende-se que a intencionalidade das ações afirmativas em prol das<br />

pessoas com deficiência é proteger o direito ao trabalho daqueles que estão aptos para o<br />

trabalho, porém mais necessitados, pergunta-se o que se dá num processo seletivo ou<br />

concurso em que concorrem em suposta igualdade um candidato totalmente cego e um<br />

com visão monocular? O que ocorre se pessoas com diferentes graus de deficiência<br />

auditiva concorrem para uma mesma vaga? Quem é o escolhido? Por quê? A quem cabe<br />

decidir e a quem cabe fiscalizar o cumprimento da lei nesses casos? Será que as pessoas<br />

com deficiência sensorial não estão sendo preteridas por pessoas que não poderiam se<br />

candidatarem àquelas vagas reservadas?<br />

625


No contexto, ressaltam-se dois vieses: como isso se dá no setor público e<br />

como isso é aplicado no setor privado, para que a pessoa com deficiência tenha direito<br />

ao emprego.<br />

No setor público, para se tornar servidor público efetivo, mister se faz que o<br />

cidadão brasileiro seja concursado, conforme a determinação do texto constitucional; o<br />

artigo 37, inciso <strong>II</strong>, da Constituição Federal/1988, estabelece: “a investidura em cargo<br />

ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de<br />

provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na<br />

forma prevista em lei [...]” (BRASIL, 1988, não <strong>pagina</strong>do). Constitucionalmente, a Lei<br />

nº 8.112/1990 (vulgo Estatuto do Servidor Público Federal), no seu artigo 10,<br />

determina, com base no artigo supracitado: “a nomeação para cargo de carreira ou cargo<br />

isolado de provimento efetivo depende de prévia habilitação em concurso público de<br />

provas ou de provas e títulos, obedecidos a ordem de classificação e o prazo de sua<br />

validade” (BRASIL, 1990, não <strong>pagina</strong>do).<br />

Os requisitos básicos para investidura em cargos públicos também estão<br />

previstos no Estatuto, no artigo 5º, I a VI, e, particularmente, o direito das pessoas com<br />

deficiência de participarem dos certames, destinando-lhes percentual máximo de reserva<br />

de vagas (artigo 5º, §2º), ipsis litteris:<br />

§ 2º Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se<br />

inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições<br />

sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas<br />

serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso<br />

(BRASIL, 1990, não <strong>pagina</strong>do).<br />

O percentual máximo de reserva de vagas é de 20% e o percentual mínimo<br />

de 5% das vagas do concurso público foi regulamentado pelo art. 37 do Decreto nº<br />

3.298/1999, que dispõe sobre a “Política Nacional para a Integração da Pessoa<br />

Portadora de Deficiência” (BRASIL, 1999). Na hipótese de um resultado percentual<br />

fracionado, as vagas serão completadas com o número inteiro subsequente, nos termos<br />

do art. 37, § 2º, do Decreto em comento, desde que não ultrapassasse o máximo legal de<br />

626


20% (vinte por cento), conforme previsto no artigo 5º, § 2º, da Lei nº 8.112/1990<br />

(BRASIL, 1990).<br />

Como exemplo, se houver 100 vagas para certo cargo, serão destinadas aos<br />

portadores de deficiência, no mínimo 5 (cinco) vagas e, no máximo 20 (vinte) vagas,<br />

nos termos do edital. Na hipótese de haver apenas 4 vagas, a reserva de vagas fica<br />

prejudicada, vez que a Lei nº 8.112/1990 impõe o limite máximo de 20% das vagas para<br />

pessoas com deficiência (BRASIL, 1990).<br />

Na esfera pública, a inclusão da pessoa com deficiência por meio de reserva<br />

de vagas tem estas decisões mais recentes do Pretório Excelso. Na primeira, a<br />

jurisprudência determina que se arredonde a fração menor que uma vaga:<br />

A exigência constitucional de reserva de vagas para portadores de deficiência<br />

em concurso público se impõe ainda que o percentual legalmente previsto<br />

seja inferior a um, hipótese em que a fração deve ser arredondada.<br />

Entendimento que garante a eficácia do art. 37, V<strong>II</strong>I, da CF, que, caso<br />

contrário, restaria violado (BRASIL, 2000, não <strong>pagina</strong>do). 94 (BRASIL, 2000,<br />

não <strong>pagina</strong>do).<br />

Na segunda decisão jurisprudencial ficou decidido que a pessoa com<br />

ambliopia, visão monocular ou univalente, que caracterize a deficiência propriamente<br />

dita, que comprometa as noções de profundidade e distância, tem direito a concorrer em<br />

certame público dentro das vagas reservadas para pessoas com deficiência.<br />

Concurso público. Candidato portador de deficiência visual. Ambliopia.<br />

Reserva de vaga. Inciso V<strong>II</strong>I do art. 37 da CF. Parágrafo 2º do art. 5º da Lei<br />

8.112/1990. Lei 7.853/1989. Decretos 3.298/1999 e 5.296/2004. O candidato<br />

com visão monocular padece de deficiência que impede a comparação entre<br />

os dois olhos para saber-se qual deles é o ‘melhor’. A visão univalente –<br />

comprometedora das noções de profundidade e distância – implica limitação<br />

superior à deficiência parcial que afete os dois olhos. A reparação ou<br />

compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de<br />

superioridade jurídica constitui política de ação afirmativa que se inscreve<br />

nos quadros da sociedade fr<strong>ate</strong>rna que se lê desde o preâmbulo da<br />

Constituição de 1988 (BRASIL, 2008, não <strong>pagina</strong>do).<br />

94 No mesmo sentido: RE 606.728-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 2-12-2010, Primeira<br />

Turma, DJE de 1º-2-2011.<br />

627


Até que ponto a reserva de vagas para contratação ou nomeação de<br />

candidatos com deficiência visual e/ou auditiva é feita dentro da legalidade?<br />

Nesse sentido, Gugel (2006) apresenta dois conceitos a respeito de<br />

deficiências, o regulamentado no Decreto nº 5.296/04, tem parte de seu conteúdo<br />

definido na Lei nº 10.960/2003:<br />

<strong>II</strong> - Deficiência Auditiva: perda bil<strong>ate</strong>ral, parcial ou total de 41 dB (quarenta<br />

e um decibéis) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ,<br />

1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz.<br />

<strong>II</strong>I - Deficiência Visual: é a cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou<br />

menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão,<br />

que significa acuidade visual entre 0,3 a 0,05 no melhor olho, com a melhor<br />

correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual<br />

em ambos os olhos for igual ou menor que 60º, ou a ocorrência simultânea de<br />

qualquer uma das condições anteriores.<br />

V - Deficiência Múltipla: a associação de duas ou mais deficiências<br />

(BRASIL, 2004, não <strong>pagina</strong>do).<br />

Embora a lei não estabeleça entre as c<strong>ate</strong>gorias de deficiência tratamento<br />

prioritário, há uma previsão legal e jurisprudencial a respeito da caracterização da<br />

deficiência. Gugel (2006, p. 33) assevera que se deve:<br />

[...] compreender a caracterização ou conceituação da deficiência que o<br />

decreto n. 3.298/99 enquadra como ‘c<strong>ate</strong>goria’, visando identificar os<br />

diferentes tipos de deficiência, delimitando-os, segundo os graus de<br />

comprometimento das funções e suas respectivas áreas.<br />

O setor privado obedece aos termos dispostos na Lei 8.213/91 (Lei das<br />

Cotas para pessoas com deficiência), a qual garante às pessoas com deficiência os<br />

seguintes percentuais de vagas:<br />

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a<br />

preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com<br />

beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas,<br />

na seguinte proporção:<br />

I - até 200<br />

empregados............................................................................................2%;<br />

<strong>II</strong> - de 201 a<br />

500......................................................................................................3%;<br />

<strong>II</strong>I - de 501 a<br />

1.000..................................................................................................4%;<br />

IV - de 1.001 em diante.<br />

.........................................................................................5%.<br />

628


Da inteligência do caput do artigo 93 da Lei 8.213/91combinado com o seu<br />

1º § observa-se que tal conteúdo jurídico não confere a qualquer pessoa direitos<br />

individuais ou direito subjetivo, gera sim proteção a um grupo determinado de<br />

trabalhadores. É mandatório o diploma legal em comento no que diz respeito à<br />

contratação proporcional sob pena de multa administrativa e de direito à reintegração ao<br />

emprego. Em seu § 2º está determinado que a dispensa de funcionários cotistas somente<br />

poderá ocorrer após a contratação de outra pessoa com deficiência, ainda que no caso de<br />

contrato de trabalho por prazo determinado ou demissão motivada no contrato de<br />

trabalho por prazo indeterminado.<br />

Ainda no §2º está prevista a incumbência do poder de multar, a atribuição<br />

constitucional e legal cometida ao auditor fiscal do trabalho, que decorre do poder de<br />

polícia administrativa, bem como a geração de dados e estatísticas sobre o total de<br />

empregados e vagas preenchidas por pessoas com deficiência, fornecendo-os, quando<br />

solicitados, aos sindicatos, às entidades representativas dos empregados ou aos cidadãos<br />

interessados. De acordo com o § 3º a vaga não é reservada ao aprendiz com deficiência<br />

mencionado na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), serve apenas para a contratação<br />

direta de pessoa com deficiência.<br />

Esse poder de polícia do auditor fiscal do trabalho tem limites. A multa tem<br />

um valor mínimo e máximo, e é atualizada anualmente. Em 2016, por<br />

exemplo, dependendo da gravidade da infração, a multa poderia ser de R$ 2.143,04 a<br />

R$ 214.301,53. Contudo, a pessoa jurídica multada (a firma) tem o direito de pedir em<br />

juízo a anulação da multa. Conforme se observa nestas decisões abaixo:<br />

TRT-1 - RECURSO ORDINÁRIO RO 00100030720155010011 (TRT-1)<br />

Data de publicação: 14/09/2016<br />

Ementa: AÇÃO ANULATÓRIA DE MULTA POR INFRAÇÃO<br />

ADMINISTRATIVA - COTAS PARA DEFICIENTES FÍSICOS - ART.<br />

93 DA LEI Nº 8.213 /91 I - O art. 93 da Lei nº 8.213 /91 obriga empresas<br />

com mais de 100 empregados a preencher suas vagas, em percentuais<br />

distintos, com pessoas portadoras de deficiências. Todavia, a empresa não é<br />

obrigada a contratar qualquer candidato independentemente de sua<br />

qualificação, e o público-alvo dessas vagas igualmente não é obrigado a<br />

aceitar as condições propostas no contrato. Assim, a lei não pode criar, ex<br />

nihilo, uma oferta de candidatos às vagas ofertadas, nem pode impor à<br />

629


empresa, por exemplo, a contratação de um empregado com nível médio de<br />

escolaridade para um cargo de nível superior. <strong>II</strong> - Não obstante, é dever<br />

inafastável da empresa, quando instada pelo Poder Público, provar<br />

documentalmente, de maneira cabal, que adotou todas as medidas cabíveis<br />

para dar cumprimento ao comando legal. <strong>II</strong>I - No caso vertente, a parte autora<br />

não logrou comprovar que envidou todos os esforços possíveis e<br />

razoavelmente exigíveis para o preenchimento das cotas destinadas a<br />

trabalhadores deficientes. Por conseguinte, não se demonstraram a estes<br />

colegiados razões bastantes a expurgar a ilicitude de sua conduta. IV -<br />

Recurso conhecido e não provido. (BRASIL, TRT-1, 2016, não <strong>pagina</strong>do).<br />

A empresa não é obrigada a contratar qualquer pessoa para preencher a<br />

vaga; caber a ela ter seus critérios de contratação. É neste momento que os requisitos<br />

educacionais e profissionais do candidato à vaga pesam para a sua contratação. Uma vez<br />

provado que a firma se emprenhou em contratar pessoas com deficiência para o<br />

preenchimento de determinada vaga, mas não haja candidatos qualificados, não é justo<br />

multá-la; se isso vier ocorrer, ela poderá ajuizar uma ação judicial requerendo a<br />

anulação dessa multa. Esse entendimento também está posto na decisão judicial abaixo.<br />

TRT-20 - Recurso Ordinário RO 1964002320085200002 SE 0196400-<br />

23.2008.5.20.0002 (TRT-20)<br />

Data de publicação: 30/03/2011<br />

Ementa: ACÃO CIVIL PÚBLICA -<br />

COTA DE DEFICIENTES FÍSICOS LEI 8.213 /24.07.1991 -<br />

EXISTÊNCIA NOS AUTOS DE DOCUMENTOS QUE PROVAM QUE A<br />

EMPREGADORA DILIGENCIOU PERANTE AS INSTITUIÇÕES PARA<br />

O PREENCHIMENTO DE VAGAS DESTINADAS AOS PORTADORES<br />

DE DEFICIÊNCIA - NÃO HOUVE DESCUMPRIMENTO DA NORMA-<br />

MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. A intenção do legislador, ao criar o<br />

sistema de cotas, previsto no art. 93 da Lei 8.213 /91, foi permitir o acesso<br />

dos portadores de deficiência ao mercado de trabalho e ao convívio social, e,<br />

desse modo, buscar a igualdade de oportunidades. Comprovado nos autos que<br />

o empregador buscou preencher as vagas destinadas aos portadores de<br />

deficiência através de envio de ofícios às instituições correlatas, sem,<br />

entretanto, obter êxito, não há que se falar em descumprimento da norma<br />

supracitada. (BRASIL, TRT-20, 2011, não <strong>pagina</strong>do).<br />

Contudo, a empresa não pode dissimuladamente dizer que se esforçou para<br />

preencher a vaga, se não ficar provado o esforço para o preenchimento da vaga, a multa<br />

em razão da infração à lei persistirá. Conforme a decisão do TRT que se segue.<br />

TRT-7 - RECURSO ORDINÁRIO RO 00011185420155070005 (TRT-7)<br />

630


Data de publicação: 14/02/2017<br />

Ementa: RECURSO ORDINÁRIO. INFRAÇÃO TRABALHISTA.<br />

DEFICIENTES FÍSICOS. COTA DE ADMISSÃO. O art. 93 da Lei nº<br />

8.213/1991 estabelece que a empresa com 100 ou mais empregados está<br />

obrigada a preencher cotas dos seus cargos com trabalhadores reabilitados ou<br />

portadores de deficiência habilitados. De se evidenciar o trato delicado que<br />

envolve o tema, mormente porque se vê no mais das vezes preconceito com<br />

as pessoas destinatárias da proteção da lei, em razão da deficiência física de<br />

que são portadoras. O portador de deficiência física, no uso de suas aptidões,<br />

que não dependam suas limitações, é tão quanto mais produtivo que qualquer<br />

outra pessoa. Disponibilizar trabalho a essas pessoas não é caridade, mas sim<br />

respeitar o princípio básico da igualdade perante a sociedade. A resolução do<br />

problema para a inserção do deficiente físico na sociedade e no mercado de<br />

trabalho deve partir da sociedade como um todo, em realmente passar por<br />

cima de obstáculos do preconceito e da discriminação. Não há como deixar<br />

de confirmar o acerto da decisão vergastada. A recorrente firmou termo de<br />

compromisso com o Sindicato no ano de 2007 para cumprir a cota estipulada<br />

pela Lei 8.213/91, sendo que a autuação se deu em 2011, ou seja, houve<br />

tempo hábil para providenciar a contratação, habilitação e qualificação das<br />

pessoas com deficiência a fim de preencher integralmente a cota legal e<br />

cumprir a sua função social. Portanto, o argumento de que faltam pessoas<br />

qualificadas para o trabalho desenvolvido nas dependências da empresa é, a<br />

meu sentir, feição de ranço discriminatório que não traduz justo motivo para<br />

não contratar. Recurso conhecido que, com todas as vênias, não alcança<br />

provimento. (BRASIL, TRT-7, 2017, não <strong>pagina</strong>do).<br />

Ainda que decorra de obrigação imposta por lei, não se pode ser exagerado<br />

no cumprimento desse dispositivo, é de bom alvitre que se <strong>ate</strong>nte para uma modulação<br />

na aplicação legal. Tal fato se comprova nessa decisão do TRT.<br />

TRT-10 - Recurso Ordinário RO 1991201100410000 DF 01991-2011-004-<br />

10-00-0 RO (TRT-10)<br />

Data de publicação: 10/05/2013<br />

Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INSERÇÃO DE PORTADORES DE<br />

DEFICIÊNCIA E REABILITADOS NO MERCADO DE TRABALHO.<br />

CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NO ART. 93 DA LEI N. 8.213 /1991. Ao<br />

tratar da inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, o art.<br />

93 da Lei n. 8.213 /91 visa, em última análise, a garantir o pleno acesso ao<br />

emprego (CF, art. 170 , V<strong>II</strong>I ), conferir concretude ao princípio fundamental<br />

da dignidade da pessoa humana ( CF , art. 1º , <strong>II</strong>I ) e vedar a discriminação (<br />

CF , art. 7º , XXXI ). O fundamento da inclusão dos deficientes físicos no<br />

mercado laboral está relacionado à política social ou mesmo institucional,<br />

voltada a alcançar a igualdade de oportunidades entre as pessoas, por meio<br />

das chamadas ações afirmativas, modificando positivamente a situação de<br />

desvantagem de determinados grupos. É certo, porém, que há<br />

particularidades em algumas ocupações e profissões cujo exercício implica o<br />

cumprimento de condições e requisitos específicos e dispensam, por isso,<br />

tratamento diferenciado, sem que essas circunstâncias resultem qualquer tipo<br />

de conduta discriminatória negativa. Nesse contexto, em razão das<br />

631


especificidades e dificuldades que decorrem do labor demandado no<br />

segmento empresarial em que atua a empresa Ré, construção civil, o<br />

cumprimento da obrigação de contratar trabalhadores deficientes e<br />

reabilitados deve sofrer certa modulação, no que diz respeito (i) ao prazo para<br />

o alcance da cota e (ii) à base de cálculo sobre a qual incidirá o percentual<br />

legal de vagas a serem preenchidas por esses trabalhadores especiais.<br />

Recurso ordinário da Ré parcialmente conhecido e parcialmente provido;<br />

recurso ordinário do Autor conhecido e parcialmente provido. (BRASIL,<br />

TRT-10, 2013, não <strong>pagina</strong>do).<br />

Ao empregado com deficiência demitido em razão desta norma em comento<br />

não caberá alegar estabilidade caso após sua demissão ocorra o devido preenchimento<br />

da vaga. Há uma garantia de cumprimento da cota, mas não há falar em estabilidade<br />

nesse contexto, conforme o acórdão do TRT abaixo reproduzido.<br />

TRT-1 - Recurso Ordinário RO 00921004820085010031 RJ (TRT-1)<br />

Data de publicação: 15/09/2014<br />

Ementa: COTA DE DEFICIENTE FÍSICO -<br />

DIREITO<br />

CIRCUNSTANCIAL À MANUTENÇÃO DO EMPREGO Quanto ao pedido<br />

de reintegração com fulcro no art. 93 da Lei 8.213, há matéria tanto de direito<br />

e probatória. No primeiro campo, é certo que a lei não estabelece nenhuma<br />

estabilidade, apenas exige cota de deficiente físico. A norma jurídica em<br />

questão tem a finalidade de proteger o empregado deficiente, mantendo certo<br />

percentual. Conforme entendimento jurisprudencial a que me filio, o<br />

trabalhador deficiente individualmente não tem o direito de ser contratado, o<br />

que depende da liberdade de escolha do contratante, mas sim o de ser<br />

mantido no emprego para garantia da cota. Cabe, então, ao empregador<br />

demonstrar que a dispensa do empregado deficiente não implica em se<br />

encontrar em situação ilegal, ou seja, abaixo do percentual previsto na lei.<br />

(BRASIL, TRT-1, 2014, não <strong>pagina</strong>do).<br />

Botini (2002) assevera haver disparidades entre os processos de<br />

recrutamento e seleção em 100% dos casos por ela estudados, o que evidencia a mádeterminação<br />

de critérios a serem utilizados como requisitos para a contratação do<br />

profissional. Outrossim, segundo Botini (2002), em que pese ao mundialmente<br />

avançado entendimento das leis brasileiras em prol da garantia a oportunidade de estudo<br />

e trabalho em situação de igualdade às pessoas portadoras de deficiência com qualquer<br />

outro cidadão, a realidade é bem diferente, porquanto a sociedade não está preparada<br />

para se adequar às necessidades das pessoas com deficiência, vez que há mudanças<br />

estruturais a serem implementadas.<br />

632


Supondo-se que alguém devidamente caracterizado como deficiente visual,<br />

na iniciativa privada tem seu contrato trabalhista rescindido, nos termos da Lei de<br />

Cotas, o estabelecimento empresarial deverá substituir tal empregado por outro dentro<br />

de uma das c<strong>ate</strong>gorias de deficiência. A substituição de uma pessoa com deficiência por<br />

um novo empregado, cujas limitações físicas se enquadrem como mero impedimento ou<br />

incapacidade, é uma infração à lei, essa prática coloca outras pessoas com deficiência<br />

em desvantagem. Contudo, a Lei 8.213/91 não prevê a ordem de preferência conforme o<br />

grau ou qualidade de deficiência.<br />

Esse comportamento discriminatório é defeso no novel diploma legal<br />

referente à reforma trabalhista empreendida pela Lei 13.467/2017, nos termos do artigo<br />

611-B, inciso XX<strong>II</strong>, que prevê: “proibição de qualquer discriminação no tocante a<br />

salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência. ”<br />

A Reforma Trabalhista de 2017, à primeira vista, traz vantagens ao<br />

trabalhador com deficiência haja vista a previsão do teletrabalho disposta do artigo 75-A<br />

usque 75-D. A definição de teletrabalho se reproduz ipsis litteris: “Art. 75-B.<br />

Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das<br />

dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de<br />

comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. ”<br />

Essa lei trabalhista coaduna-se em parte com a teoria dos contratos<br />

trabalhista dos vencedores do prêmio Nobel de economia de 2016, pois flexibiliza-os<br />

mais. Prova disso é o artigo 75-C, que reza: “A prestação de serviços na modalidade de<br />

teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que<br />

especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado. ” E continua: “§<br />

1 o Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que<br />

haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.” Prevê mudanças<br />

ou adequações: “§ 2 o Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o<br />

presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de<br />

quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.”<br />

633


Destarte, trabalhando remotamente, a pessoa com deficiência poderá ter<br />

quebrada algumas barreiras estruturais e atitudinais. O artigo 75-D prevê como serão os<br />

procedimentos contratuais de instalação do local de teletrabalho: “As disposições<br />

relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos<br />

equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do<br />

trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão<br />

previstas em contrato escrito. ”<br />

DADOS ESTATÍSTICOS DAS INSTITUIÇÕES PESQUISADAS<br />

A Organização Mundial da Saúde estima que 10% da população mundial,<br />

cerca de 650 milhões de pessoas, têm alguma deficiência, e que 20% dos pobres no<br />

mundo têm deficiência. O percentual de crianças com deficiência sem acesso à<br />

educação é deveras variável: entre 65 e 85% não vão à escola em alguns países<br />

africanos. O índice de mortalidade infantil entre as crianças com deficiência atinge 80%<br />

em alguns países. Limita-se a 5-15% das pessoas com deficiência que têm acesso às<br />

tecnologias e a aparelhos de assistência (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2016).<br />

Outrossim, na maioria dos países membros da Organização para a<br />

Cooperação e Desenvolvimento Econômico o percentual de mulheres com deficiência é<br />

superior ao dos homens (DISABLED WORLD, 2016).<br />

No Brasil, dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) oriundos do<br />

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em conjunto com o Ministério da<br />

Saúde, feita em 64 mil domicílios em 2013, revelam que 6,2% da população brasileira<br />

têm algum tipo de deficiência. Foram considerados quatro tipos de deficiência: auditiva,<br />

física, intelectual e visual. A deficiência visual é a mais abrangente, pois atinge 3,6%<br />

dos brasileiros, mais comumente achada entre os brasileiros idosos, a partir dos 60 anos,<br />

11,5%. Por causa dessas limitações, 16% dessas pessoas são impossibilitados de<br />

realizarem atividades habituais quais sejam: ir à escola, trabalhar e ter acesso ao lazer<br />

(VILLELA, 2016).<br />

634


Ainda segundo Villela (2016), proporcionalmente, de acordo com essa<br />

pesquisa estatística, a região Sul do Brasil tem o maior número de pessoas com<br />

deficiência, 5,4%. Há 0,4% de deficientes visuais desde o nascimento e 6,6% utilizamse<br />

de recursos auxiliares para locomoverem-se a exemplo de bengala articulada ou cão<br />

guia. Um cômpito inferior a 5% frequenta procedimentos de reabilitação.<br />

O IBGE calculou em 1,3% da população brasileira com algum tipo de<br />

deficiência, cerca de 46,8% desse total têm limitações variando de grau intenso ou<br />

muito intenso; dos quais 18,4% procuram serviços de reabilitação. A deficiência<br />

intelectual na população brasileira é quantificada em 0,8%, e a maioria, i.e., 0,5% já<br />

nasceu com tais limitações intelectuais. 54,8% das pessoas com deficiência<br />

intelectual têm limitações em grau intenso ou muito intenso; 30% procuram<br />

serviços de reabilitação em saúde (VILLELA, 2016).<br />

A parcela de 1,1% da população brasileira é composta de deficientes<br />

auditivos. 0,9% perdeu a capacidade de ouvir por causa de doença ou acidente;<br />

0,2% nasceu desprovido de capacidade auditiva; 21% deles têm grau intenso ou<br />

muito intenso de limitações auditivas, cujas atividades habituais ficam<br />

comprometidas (VILLELA, 2016).<br />

O problema da deficiência intelectual, física, auditiva e visual afeta<br />

principalmente pessoas sem instrução e com o ensino fundamental incompleto. No<br />

que diz respeito ao trabalho, dos 86,4 milhões de brasileiros ocupados, 20,4 milhões<br />

apresentam alguma deficiência. Dados do Censo 2010 revelam que 23,6% da população<br />

ocupada tinha ao menos um tipo de deficiência: visual, auditiva, motora, mental,<br />

intelectual (OLIVEIRA, 2012).<br />

Nas figuras 1 e 2 são apresentados os dados da Relação Anual de<br />

Informações Sociais (RAIS) 2014.<br />

Figura 1 - Brasil: total de empregos em 31/12 e variação absoluta e relativa, por tipo de<br />

deficiência e sexo<br />

635


Fonte: Fonte de Amparo ao Trabalhador (2014)<br />

Figura 2 - Brasil: remuneração média (R$) em 31/12/2014, por tipo de deficiência e<br />

gênero<br />

Fonte: Fonte de Amparo ao Trabalhador (2014)<br />

Os dados apresentados mostram claramente que dentre as pessoas com<br />

deficiência os homens correspondem à maioria dos empregados (figura 2) (FONTE DE<br />

AMPARO AO TRABALHADOR, 2014).<br />

Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS)/2015 revelam que<br />

403,2 milhões de pessoas com deficiência trabalham formalmente. Quase 24% da<br />

população brasileira é composta por pessoas que possuem algum tipo de deficiência. O<br />

636


mais recente Censo do IBGE revelou que o Brasil possui 45 milhões de pessoas com<br />

deficiência. Em 2015, o número de empregos para as pessoas com deficiência cresceu<br />

5,75% em relação ao ano de 2014 (PORTAL BRASIL, 2016).<br />

A Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) após uma pesquisa de mercado<br />

(2014) 95 constatou que 81% das empresas contratam pessoas com deficiência só 'para cumprir lei',<br />

trata-se de mera satisfação dada ao poder público. Apenas 4% acreditam em potencial da pessoa<br />

com deficiência. O que prova quão grande ainda é o preconceito na sociedade brasileira.<br />

(G1 GLOBO, 2014).<br />

As estatísticas disponíveis no site do MTE, referentes ao ano de 2015,<br />

informam que no estado do Maranhão, por exemplo, as empresas privadas contribuem<br />

mais para a proporção do cumprimento da Lei de Cotas para as pessoas com deficiência<br />

que a administração pública, empresa pública e sociedade de economia mista.<br />

MINISTÉRIO DO TRABALHO<br />

Secretaria de Políticas Públicas de Emprego<br />

Departamento de Emprego e Renda<br />

Coordenação-Geral de Cadastros, Identificação Profissional e Estudos<br />

RAIS 2015 - Resultado MA<br />

Empresas com 100<br />

a 200 empregados<br />

Total de<br />

vínculos<br />

Número de<br />

trabalhadores<br />

com deficiência<br />

(declarados)<br />

N.º de trab.<br />

com defic.<br />

(aplicado o<br />

percentual<br />

legal)<br />

Diferença<br />

para<br />

alcançar a<br />

cota legal<br />

Proporção de<br />

cumprimento<br />

da Lei<br />

n.º de<br />

emp.<br />

agregadas<br />

por CNPJ<br />

n.º<br />

Estabelecimentos<br />

1 Ad. Pública 4.723 4 - - - 33 34<br />

2 EP e SocEM* 0 0 0 0 - 0 0<br />

3 Demais Em** 27.163 285 543 258 52,46% 202 664<br />

95 81% contratam pessoas com deficiência só 'para cumprir lei'. Disponível em<br />

http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2014/11/81-contratam-pessoas-com-deficiencia-sopara-cumprir-lei.html<br />

637


Empresas com 201 a<br />

500 empregados<br />

1 Ad. Pública 30.660 32 - - - 89 89<br />

2 EP e SocEM 225 1 7 6 14,81% 1 1<br />

3 Demais Em 33.550 518 1.007 489 51,47% 109 629<br />

Empresas com 501 a<br />

1.000 empregados<br />

1 Ad. Pública 55.223 75 - - - 79 80<br />

2 EP e SocEM 1.806 11 72 61 15,23% 3 3<br />

3 Demais Em 30.560 519 1.222 703 42,46% 43 287<br />

Empresas com mais<br />

de 1.001 empregados<br />

1 Ad. Pública 172.164 187 - - - 59 62<br />

2 EP e SocEM 2.324 11 116 105 9,47% 1 11<br />

3 Demais Em 75.074 1.486 3.754 2.268 39,59% 38 588<br />

Total 1 298<br />

Total Geral 433.472 3.129 - - 657 2.448<br />

Total 2+3 170.702 2.831 6.721 3.890 42,12% 397 2.183<br />

Total 2 23 195 172 11,78% 5 15<br />

Total 3 2.808 6.526 3.718 43,03% 392 2.168<br />

Fonte: RAIS - CGCIPE/DER/SPPE/MTb<br />

Ad. Pública = Administração Pública<br />

* EP e SocEM = Empresa Pública e Sociedade de Economia Mista<br />

** Demais tipos de natureza jurídica<br />

Fonte: Brasil. MTE, RAIS, 2015.<br />

Os dados percentuais mais recentes oriundos do Ministério do Trabalho e<br />

Emprego a respeito do percentual de empregados na iniciativa privada mostram a<br />

grande lacuna a ser preenchida no mercado de trabalho pelas pessoas com deficiência,<br />

num dos estados mais pobres da federação, conforme o gráfico obtido a partir da<br />

publicação do MTE, no seu sítio da Internet.<br />

CONCLUSÃO<br />

638


Os resultados revelam crescimento no número de empregados com<br />

deficiência, porém ainda há muitas barreiras a serem superadas, quais sejam: o<br />

preconceito, a precária qualidade educacional e profissional disponível aos excluídos, a<br />

pouca eficácia da legislação vigente.<br />

No contexto, os dados sinalizam que historicamente as pessoas com<br />

deficiência libertaram-se, em parte, das teorias discriminatórias da eugenia para uma<br />

época de maior obediência aos direitos humanos, e que elas têm galgado cada vez mais<br />

espaço no convívio socioeconômico. Muitas ações ainda estão inviabilizando o acesso<br />

dos interessados ao mercado de trabalho formal. Contudo, o direito delas positivado na<br />

Constituição Federal de 1988, nas leis infraconstitucionais, nas decisões<br />

jurisprudenciais, revela-se vigente. No estado de direito democrático a pessoa com<br />

deficiência já pode viver sua cidadania, posto que limitada, aberta para reclamações de<br />

natureza trabalhista.<br />

Em que pese à auditoria de fiscalização do trabalho, as empresas ainda têm<br />

como recorrer das multas sofridas em razão do não cumprimento da Lei das Cotas. No<br />

concurso público, a comprovação da deficiência se dá mediante laudo médico. Porém,<br />

na iniciativa privada, não há elementos legais que comprovem o cumprimento fiel na<br />

tutela dos direitos das pessoas com deficiência conforme previsto na Lei das Cotas.<br />

Os dados estatísticos pesquisados no IBGE, Ministério do Trabalho e<br />

Emprego, RAIS, Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), Ministério da Saúde, em que pese<br />

ao momento de crise econômica, revelam um crescimento na quantidade de contratação<br />

de pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal após o empreendimento das<br />

ações afirmativas decorrentes das várias legislações que as normatizam.<br />

De acordo com os dados estatísticos as pessoas com deficiência auditiva e<br />

visual ocupam respectivamente o segundo e terceiro lugares nos itens quantidade de<br />

empregos e remuneração média.<br />

No campo da economia, vários estudos corroboram a teoria do capital<br />

humano (SCHULTZ, 1967) segundo a qual quanto maior a escolaridade do indivíduo,<br />

639


tanto maior será a sua empregabilidade e, por conseguinte, a probabilidade de ele auferir<br />

uma renda proporcionalmente maior. No âmbito nas relações contratuais trabalhistas,<br />

Oliver Hart e Bengt Holmström 96 , vencedores do Prêmio Nobel de economia de 2016,<br />

propõem que no contrato de trabalho consideram-se todos os interessados, para que<br />

todos saiam ganhando, havendo também a possibilidade de ajustamento do contrato à<br />

pessoa do profissional. Segundo eles, “a literatura dos contratos trabalhista põe em foco<br />

a mudança de renda como uma motivação para um contrato de longo prazo. ” Então, a<br />

educação profissional direcionada à pessoa com deficiência visa satisfazer ambas as<br />

partes.<br />

Em razão das ações afirmativas, por força de lei, tais negociações tendem,<br />

cada vez mais, a ampliar as contratações de pessoas com deficiência. Espera-se que o<br />

teletrabalho previsto na novel Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017) venha contribuir<br />

de fato para mais contratações de pessoas com deficiência.<br />

Por ora, não obstante os tímidos incentivos para a melhor capacitação<br />

profissional dos empregados e servidores públicos, algumas ações afirmativas provam<br />

um pouco de aceitação da pessoa com deficiência no mercado de trabalho formal. A<br />

oferta de cursos de Libras na UFMA, na Justiça do Trabalho, por exemplo, objetiva<br />

promover essa socialização; fato esse que no início do século XX seria difícil. Contudo,<br />

o preconceito ainda obsta a inclusão e furta direitos humanos das pessoas com<br />

deficiência.<br />

Observando-se os dados estatísticos da RAIS, nota-se claramente apenas<br />

cerca de 50% das cotas estão preenchidas, ou seja, há vagas no mercado de trabalho<br />

para pessoas com deficiência. A Lei das Cotas não determina preferência em razão da<br />

gravidade ou qualidade de deficiência; os dados colhidos não detalham esses graus. As<br />

pertencentes ao sexo masculino são detentoras do maior número de contratos e recebem<br />

mais que as do sexo feminino.<br />

96 The literature on labor contracts focusses on income-shifting as the motivation for a long-term<br />

contract.HART, Oliver; HOLMSTRÖM, Bengt.The theory of contracts.Cambridge University Press,<br />

1987, p. 86.<br />

640


Tantos outros dados referentes à escolaridade, etnia enriqueceriam esta<br />

pesquisa se estivessem facilmente disponíveis na página do Ministério do Trabalho e<br />

Emprego. Exemplo disso seria disponibilizar os dados de acordo com a região.<br />

Suspeita-se que, dentre as mais excluídas das pessoas com deficiência está a de origem<br />

nordestina, mulher e negra.<br />

Diante dos fatos que demonstram um quê de preconceito em detrimento das<br />

pessoas com deficiência, pugna-se por mais justiça social.<br />

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______. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei no 7.853, de<br />

24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa<br />

Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências.<br />

Disponível em: . Acesso em:<br />

10 out. 2016.<br />

BRASIL. Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004. Regulamenta as Leis nos<br />

10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de <strong>ate</strong>ndimento às pessoas que<br />

especifica, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e<br />

critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de<br />

deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Disponível em:<br />

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Acesso em: 10 out. 2016.<br />

______. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos<br />

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1974, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 8.212, de 24 de julho de 1991, a fim de adequar a<br />

642


legislação às novas relações de trabalho. Disponível em:<br />

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644


O ENSINO DE FILOSOFIA: a pergunta como elemento para a construção do diálogo<br />

filosófico<br />

THE TEACHING OF PHILOSOPHY: the question as an element for the<br />

construction of philosophical dialogue<br />

Katiane Suellen Melo Araujo – Mestranda<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: No presente artigo partimos do pressuposto que o ensino de filosofia está<br />

diretamente ligado com a formulação de perguntas e que estas perguntas são elementos<br />

fundamentais para a construção dialógica. Neste sentido, analisaremos como essas<br />

perguntas serão constituídas para o desenvolvimento do diálogo filosófico nas aulas de<br />

filosofia. Partindo da filosofia clássica, Platão apresenta em seus escritos o diálogo<br />

como instrumento do filosofar. É necessário destacar que uma das características dos<br />

diálogos de Platão não são as possíveis respostas, mas sim as perguntas que são o<br />

movimento principal para a construção do elenchos, ou seja, refutação dos argumentos<br />

apresentados com novas interrogações. Nesta perspectiva, Paulo Freire nos apresenta<br />

em suas reflexões a importância da pergunta e do diálogo para a formação de sujeitos<br />

autônomos, pois o diálogo é necessário para que a humanidade exista. Logo, uma<br />

educação que é constituída através do diálogo é uma ralação horizontal de verdade entre<br />

educador e educando, pois a educação só acontece no compartilhamento de experiências<br />

entre ambos, onde o aprendizado é mútuo. Para Alejandro Cerletti, ensinar filosofia é<br />

ensinar a filosofar, ou seja, despertar em seus alunos a atitude filosófica sabendo que o<br />

filosofar é uma construção e complexa de cada indivíduo. Então, o filosofar são<br />

questionamentos que buscam respostas, no entanto, o perguntar filosófico não se<br />

conforma com as primeiras respostas que geralmente são apresentadas, o perguntar<br />

filosófico é pertinente. Este artigo se desenvolverá partir de pesquisas bibliográficas que<br />

é o passo inicial na construção efetiva de uma investigação. A partir da realização das<br />

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pesquisas, pretendemos observar como o desenvolvimento do perguntar filosófico e do<br />

diálogo filosófico irão colaborar para a construção filosófica do ensino de filosofia.<br />

Palavras-Chave: Ensino de Filosofia. Pergunta. Diálogo. Platão.<br />

ABSTRACT: In the present article we left of the presupposition that the philosophy<br />

teaching is directly linked with the formulation of questions and that, these questions<br />

are fundamental elements for the construction dialectical. In this sense, we will analyze<br />

as those questions will be constituted for the development of the philosophical dialogue<br />

in the philosophy classes. Leaving of the classic philosophy, Plato presents in their<br />

writings the dialogue as instrument of philosophizing. It is necessary to detach that one<br />

of the characteristics of the dialogues of Plato is not the possible answers, but the<br />

questions that are the main movement for the construction of the elenchos, in other<br />

words, refutation of the arguments presented with new interrogations. In this<br />

perspective, Paulo Freire presents us in their reflections the importance of the question<br />

and of the dialogue for the formation of autonomous subjects, because the dialogue is<br />

necessary for the humanity to exist. Therefore, an education that is constituted through<br />

the dialogue is a horizontal relationship of truth between educator and student, because<br />

the education only happens in the sharing of experiences between both, where the<br />

learning is mutual. For Alejandro Cerletti, to teach philosophy is to teach to<br />

philosophize, in other words, to wake up in their students the philosophical attitude<br />

knowing that philosophizing is a construction and complex of each individual. Then,<br />

philosophizing is questionamentos that look for answers, however, asking philosophical<br />

doesn't adjust to the first answers that they are presented usually, asking philosophical is<br />

pertinent. This article will develop to break of bibliographical researches that is the<br />

initial step in the construction executes of an investigation. Starting from the<br />

accomplishment of the researches, we intended to observe as the development of asking<br />

646


philosophical and of the philosophical dialogue they will collabor<strong>ate</strong> for the<br />

philosophical construction of the philosophy teaching.<br />

Keywords: Teaching of Philosophy. Question. Dialogue. Plato.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

Esta pesquisa tem como objetivoinvestigar a importância da pratica<br />

dialógica, assim como as condições de possibilidade de sua efetiva aplicação da prática<br />

dialógica no Ensino de Filosofia no ensino médio. Esta proposta tem como origem as<br />

experiências vivenciadas em sala de aula, onde o desenvolvimento das aulas de<br />

Filosofia se dão de modo tradicional 97 . As aulas tradicionais são aquelas onde os alunos<br />

não passam de meros receptores de informações e os professores são os únicos<br />

detentores do saber.<br />

Na antiguidade, ensinar filosofia se dava de forma dialógica. Mesmo não<br />

assumindo o papel de professor dentro da pólis grega, Sócr<strong>ate</strong>s desenvolveu sua<br />

filosofia desta forma, sempre interagindo com seus interlocutores levando em<br />

consideração aquilo que eles acreditavam saber.<br />

Na perspectiva atual na sala de aula, podemos perceber o quanto é difícil<br />

desenvolver uma atividade onde todos tenham voz, por diversos aspectos. Seja pela<br />

quantidade excessiva de alunos numa mesma sala ou pela obrigatoriedade de<br />

97 Esse ensino tradicional que ainda predomina hoje nas escolas se constituiu após a revolução industriale<br />

se implantou nos chamados sistemas nacionais de ensino, configurando amplas redes oficiais, criadas a<br />

partir de meados do século passado, no momento em que, consolidado o poder burguês, aciona-se a<br />

escola redentora da humanidade, universal, gratuita e obrigatória como um instrumento de consolidação<br />

da ordem democrática. (Saviani, 1991. p.54).<br />

[...] se estruturou através de um método pedagógico, que é o método expositivo, que todos conhecem,<br />

todos passaram por ele, e muitos estão passando ainda, cuja matriz teórica pode ser identificada nos cinco<br />

passos formais de Herbart. Esses passos, que são o passo da preparação, o da apresentação, da<br />

comparação e assimilação, da generalização e da aplicação, correspondem ao método científico indutivo,<br />

tal como fora formulado por Bacon, método que podemos esquematizar em três momentos fundamentais:<br />

a observação, a generalização e a confirmação. Trata-se, portanto, daquele mesmo método formulado no<br />

interior do movimento filosófico do empirismo, que foi a base do desenvolvimento da ciência moderna.<br />

(Saviani, 1991. p.55).<br />

647


cumprimento de carga horária e de conteúdos que já estão pré-estabelecidos. Quando<br />

falamos em diálogo, falamos da interação entre pessoas, de discussão, troca de ideias;<br />

de modo que ambas as partes consigam expor sua compreensão acerca de algum tema,<br />

colaborando para a construção de um conhecimento. O que estamos acostumados a<br />

observar é que nem sempre os alunos se sentem à vontade para colaborar com a<br />

construção da aula ou as vezes nem têm oportunidade para tal. No entanto, quando<br />

acontece de alguns participarem, percebemos que de algum modo não estão preparados,<br />

pois não compreendem o significado de diálogo e o transformam em um mero deb<strong>ate</strong>.<br />

Deste modo, acreditamos que a prática dialógica é um procedimento metodológico que<br />

pode colaborar no processo de ensino e aprendizagem da filosofia.<br />

Para Cerletti (2009), ensinar filosofia está diretamente ligado a como se<br />

ensina a filosofar. Este fato nos chama a <strong>ate</strong>nção para a questão das dificuldades que os<br />

professores enfrentam na aplicação dos conteúdos, este parece ser o maior problema<br />

enfrentado pelos professores. Mas não é pela falta de conteúdo e sim a necessidade de<br />

ferramentas que possibilitem sua aplicação e, onde muitas vezes podem até existir tais<br />

ferramentas, mas o professor não sabe como usá-las durante a aplicação ou de um<br />

conteúdo ou conceito. Por este motivo, tomaremos como base algumas questões<br />

levantadas pelo autor com relação ao ensino de filosofia para nos nortear no<br />

desenvolvimento do Seminário socrático durante as intervenções.<br />

O Seminário Socrático é uma ferramenta pedagógica que tem por objetivo<br />

propiciar uma discussão acadêmica de algumas questões que serão levantadas durante o<br />

desenvolvimento das aulas de filosofia, onde as opiniões dos alunos serão<br />

compartilhadas, comprovadas, refutadas e refinadas por intermédio do diálogo com<br />

outros estudantes.<br />

Juntamente com o desenvolvimento do Seminário Socrático também<br />

abordaremos a perspectiva da Comunidade de Investigação desenvolvida pelo filosofo<br />

americano Metthew Lipman que desenvolve um programa direcionado para o Ensino de<br />

Filosofia no ensino básico. Lipman, observando que seus alunos universitários<br />

apresentavam dificuldades no que diz respeito ao desenvolvimento da argumentação,<br />

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eflexão e criticidade; ele propõe que a solução para tais dificuldades seria através do<br />

Ensino de Filosofia para crianças. O seu método que tem como ponto fundamental a<br />

construção de uma Comunidade de Investigação onde as crianças desenvolveriam a<br />

capacidade de dialogar de forma crítica e reflexiva.<br />

Corroborando com a tese de Lipman com relação à investigação, Juarez<br />

Sofiste, ressalta a necessidade de demonstrar a utilização de uma investigação<br />

dialogada, tomando como base a maneira que Sócr<strong>ate</strong>s fazia com seus interlocutores,<br />

ressaltando que todo o processo dialógico realizado por Sócr<strong>ate</strong>s não era visto como<br />

uma aula de filosofia, mas sim como um processo de investigação.<br />

2. O ENSINO DE FILOSOFIA<br />

Quando analisamos o contexto educacional no qual as aulas de Filosofia<br />

encontram-se inseridas de modo geral, torna-se necessário pensar em algumas<br />

possibilidades em que as aulas de Filosofia possam se desenvolver nas escolas, de modo<br />

a evidenciar como pode acontecer o processo de ensino/aprendizagem visando a<br />

ampliação crítica e reflexiva dos alunos.<br />

Quando falamos em aula de filosofia, uma das primeiras coisas que passam<br />

na cabeça do aluno é que é uma aula cheia de conceitos, onde o professor irá preencher<br />

o quadro de teorias estranhas de pessoas que para eles, não tinham nada melhor para<br />

fazer do que desenvolver tais teorias que só eles entendiam. Essa é uma perspectiva<br />

comum que ouvimos dos alunos na escola quando perguntamos o que eles acham em ter<br />

aulas de Filosofia.<br />

É compreensível que os alunos tenham esta opinião, pois podemos observar<br />

que a maioria dos professores se preocupam apenas em cumprir o conteúdo<br />

programático que foi estabelecido no planejamento, sem se preocupar se a forma com<br />

que eles estão desenvolvendo a disciplina está <strong>ate</strong>ndendo as necessidades dos alunos e<br />

se os mesmos estão compreendendo os conteúdos.<br />

Hans-George Gadamer (2002, p. 242), em “A incapacidade para o diálogo”,<br />

destaca justamente esse estado de coisas ou essa situação e questiona se a arte do<br />

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diálogo está desaparecendo. Ele está convencido de que a sociedade contemporânea<br />

mostra-se impossibilitada para dialogar, estando esse fato integrada com o<br />

desenvolvimento técnico-científico. De acordo com a concepção de Gadamer quanto<br />

mais à sociedade contemporânea se desenvolve no que diz respeito aos aspectos<br />

técnicos e científicos, mais ela se mostra incapaz para o diálogo. Nesta condição, a<br />

sociedade contemporânea inviabilizaria as possibilidades de relações dialógicas.<br />

A incapacidade para o diálogo pode ser identificada nos vários tipos de<br />

diálogos reconhecidos por Gadamer. Ao tratar do diálogo pedagógico, o teórico toma o<br />

diálogo entre professor e aluno – mestre e discípulo – com um das formas mais remotas<br />

de diálogo. E alerta para a comum dificuldade que os professores possuem, de manter<br />

posturas e relações dialógicas.<br />

Na situação do professor reside uma dificuldade peculiar em manter firme a<br />

capacidade para o diálogo, na qual a maioria sucumbe. Aquele que tem que<br />

ensinar acredita dever e poder falar, e quanto mais consistente e articulado<br />

por sua fala, tanto mais imagina estar se comunicando com seus alunos.<br />

(GADAMER, 2002, p. 248).<br />

Nesta concepção, a incapacidade para o diálogo se dá principalmente por<br />

parte do professor, que ao invés de estimular os alunos a prática reflexiva do diálogo,<br />

trabalham com monólogos, onde somente os professores tem voz.<br />

Para fundamentarmos nossas hipóteses sobre o Ensino de Filosofia,<br />

podemos tomar como base a tradição filosófica, mais especificamente Platão, que é um<br />

dos principais filósofos da antiguidade clássica e um dos responsáveis por retratar o<br />

fazer filosófico de Sócr<strong>ate</strong>s em seus Diálogos.<br />

Segundo Sofiste, do ponto de vista da filosofia socrática, o ensinar filosofia<br />

não pode estar desconectado do filosofar e para filosofar é necessário que se faça uso de<br />

metodologias filosóficas atrelados aos conteúdos de filosofia.<br />

O princípio geral que fundamenta a nossa proposta é o de que o ensino da<br />

filosofia deve ser articulado, fundamentado e construído a partir de conteúdos<br />

de filosofia e metodologias filosóficas. […] delimitaremos a pesquisa ao<br />

método socrático. (SOFISTE, 2007, p. 35)<br />

650


Deste modo, tomaremos o elenchos, como o método base, para o<br />

desenvolvimento da Comunidade de Investigação e do Seminário socrático.<br />

O filosofar é a construção complexa e pessoal de cada filósofo ou aprendiz,<br />

sendo que ao ensinar e aprender filosofia existem dois aspectos importantes; a<br />

objetividade e subjetividade, que se entrelaçam nessa construção, que é feita durante as<br />

aulas. De acordo com Sofiste, “proceder socraticamente é negar, também, a ideia de<br />

filosofar no vazio.” (SOFISTE, 2007, p. 87), neste sentido, é de suma importância a<br />

constituição histórica da filosofia. Assim, os saberes são construídos com a participação<br />

direta dos alunos, pois, segundo Cerletti,<br />

O ensino de filosofia deveria contribuir em seu exercício, para fazer dos<br />

estudantes agentes críticos capazes de pensar, analisar e poder decidir da<br />

melhor maneira as condições de sua incorporação ao mundo de hoje.<br />

(CERLETTI, 2009, p. 50).<br />

Neste contexto, o papel da filosofia é colaborar na integração dos alunos<br />

para que eles desenvolvam a criticidade e passem a analisar as situações do dia-a-dia de<br />

forma mais reflexiva.<br />

Para tanto, observaremos no capitulo a seguir a importância das perguntas<br />

para a construções do conhecimento, principalmente pelo fato das perguntas serem a<br />

base do desenvolvimento dialógico no ensino de filosofia.<br />

3. A PERGUNTA COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO<br />

A pergunta é a formulação de uma frase que tem por objetivo explicitar uma<br />

opinião ou conhecimento. De modo geral, toda pergunta requer uma resposta. Neste<br />

sentido, a pergunta possui características que são propicias para estimular a construção<br />

do conhecimento através da formulação dos argumentos dados como respostas. Para<br />

Campos (2008, p. 15) “ensinar a pensar é ensinar a fazer e a fazer-se perguntas,<br />

principio e fim da educação”. No contexto filosófico, a pergunta é essencial para o<br />

início de uma discussão.<br />

651


Freire em seu livro Por um pedagogia da pergunta, ressalta a importância<br />

da pergunta como uma nova maneira de educar, de modo que contribui para uma prática<br />

libertadora. No entanto, antes de adentrarmos na proposta de Freira de uma pedagogia<br />

da pergunta, que tem função libertadora, vamos analisar as críticas que Freire faz a<br />

educação bancária, onde o professor é o detentor do saber. Sendo assim, esta forma de<br />

educação não proporciona aos participantes a liberdade de pensamento.<br />

Em lugar de comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os<br />

educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e<br />

repetem. Eis aí a concepção bancária da educação, em que a única margem de<br />

ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guarda-los<br />

e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fixadores das coisas que<br />

arquivam. No fundo, porém, os grandes arquivados são os homens, nesta [...]<br />

equivocada concepção “bancária” da educação. Arquivados, porém, fora da<br />

busca, fora da práxis não podem ser. Na visão “bancária” da educação, o<br />

“saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que se julguem nada<br />

saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da<br />

ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, segundo a qual esta se<br />

encontra sempre no outro (FREIRE, 2014, p. 80-81).<br />

Para Freire, esse tipo de educação bancária é desumanizadora, de modo que<br />

não permite ao aluno se desenvolver, a pensar por si próprio, fato que contrapõe a sua<br />

pedagogia que tem um caráter libertador. Segundo Freire (2014), o diálogo, será o<br />

suporte para a libertação e também possibilitará uma consciência clara e objetiva, ou<br />

seja, desenvolverá maior compreensão acerca das coisas. Sendo assim, o diálogo é um<br />

instrumento que possibilitará a descoberta de uma educação problematizadora, de modo<br />

a estabelecer a relação entre educador e educando, onde a educação “[...] não se faz de<br />

A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo” (FREIRE,<br />

2014, p. 116), ou seja, a melhor forma de educar seria através da relação horizontal<br />

entre educador e educando.<br />

Segundo Campos (2008, p. 21), é “através da pergunta que facilita o<br />

diálogo, forma suprema da razão, e organizando a vida em suas dimensões: a pessoal,<br />

social e política”. Portanto, analisaremos o modo como Freire apresenta a pergunta<br />

como instrumento educacional e sua relação com a construção do diálogo.<br />

652


Para Freire (1985), o desenvolvimento de sua proposta de uma pedagogia da<br />

pergunta será com o intuito de despertar a educação para determinados aspectos que<br />

parecem estar esquecidos por parte dos educadores ou pelo sistema que rege a educação.<br />

Como ressaltado em outro momento, o autor ressalta que o momento<br />

educacional que vivemos não é de interação entre educador e educando, ou seja,<br />

vivemos um sistema baseado na educação bancária, onde apenas o professor seria o<br />

detentor do conhecimento.<br />

Segundo Freire (1985), a verdade deve ser buscada através do diálogo em<br />

que o professor aprende ao ensinar, uma vez que o mesmo revê seu conhecimento na<br />

busca de ensinar aos estudantes, podendo haver uma interação dialógica entre professor<br />

e aluno, pois quantas mais dúvidas, inquietações e curiosidades por parte dos educandos<br />

forem suscitadas, mais o educador será desafiado, e assim vai procurar enriquecer seu<br />

aprendizado cada vez mais. Nesse sentido,<br />

A curiosidade do estudante as vezes pode abalar a certeza do professor. Por<br />

isso é que ao limitar a curiosidade do aluno, a sua expressividade, o professor<br />

autoritário limita a sua também. Muitas vezes, por outro lado, a pergunta que<br />

o aluno, livre para fazê-la, faz sobre um tema, pode colocar ao professor um<br />

ângulo diferente, do qual lhe será possível aprofundar mais tarde uma<br />

reflexão mais crítica. (FREIRE, 1985, p. 44)<br />

Portanto, quando a curiosidade do aluno abala a certeza do professor, ele se<br />

vê pressionado a buscar meios para sustentar suas afirmações diante de seus alunos,<br />

sendo esta também uma forma dele se aprofundar. No entanto, quando as curiosidades<br />

desses alunos são limitadas, essas limitações serão refletidas no aprendizado do<br />

professor, pois quando as afirmações do professor não são questionadas, não existirão<br />

dúvidas, mas quando questionado, existem possibilidades de ampliar seu conhecimento<br />

através de pesquisas. Outro aspecto a ser ressaltado, é que o processo de despertar a<br />

curiosidade dos alunos também pode partir das perguntas dos professores, pois “o<br />

professor nunca poderá despertar o interesse do aluno senão a partir de uma pergunta”<br />

(CAMPOS, 2008, p. 67).<br />

653


É neste sentido que percebemos a importância da pergunta na construção do<br />

conhecimento, principalmente pela relação que Freire (1985) tem com a filosofia, pois a<br />

filosofia nasce da pergunta, e é através desta que existe a possibilidade do diálogo.<br />

Para Campos,<br />

A pergunta é necessidade problematizadora. Daí, tem direito de esperar uma<br />

resposta satisfatória. A pergunta é negação de um silêncio sem sentido,<br />

aceitação do “outro” que consolida um “nós”, comum união, co-criatividade,<br />

comum-icação (icação, que em grego significa “assunto”, “tratado”). O valor<br />

da pergunta está em interpelar o interlocutor e interiorizar sua resposta.<br />

(CAMPOS, 2008, p. 67).<br />

No entanto, é necessário que se saiba perguntar. Por este motivo que Freire<br />

e Faundez (1985), defendem a ideia de que se deve aprender a perguntar. Segundo os<br />

autores, o ato de perguntar a está esquecido pelos educadores e educandos, mas poderá<br />

ser despertado por meio da curiosidade, que será a causa da pergunta.<br />

Segundo os autores (1985), os educadores de modo geral trazem consigo as<br />

respostas prontas, em contrapartida os educandos encontram-se acostumados a essa<br />

forma de ensinar. No entanto, a proposta dos mesmos é de que antes de tudo, o<br />

professor ensinasse os alunos a perguntar, pois é através das perguntas que se obtém<br />

respostas. Portanto, não seria interessante que os professores dessem respostas que são<br />

tidas como absolutas, pois deste modo não permite que haja curiosidade nos alunos.<br />

Sabemos que o ensino atual traz consigo um conhecimento pronto, e toda<br />

essa formação do sistema envolvem respostas prontas, e por isso vai inibindo a<br />

capacidade de perguntar. É nesse aspecto que Freire ressalta que o educador tem mais<br />

medo da resposta do que da pergunta, ou seja, tem receio pela resposta que dará:<br />

Um educador que não castra a curiosidade do educando, que se insere no<br />

movimento interno do ato de conhecer, jamais desrespeita pergunta alguma.<br />

Porque, mesmo quando a pergunta para ele, possa parecer ingênua, mal<br />

formulada, nem sempre é para quem a fez. Em tal caso, o papel do educador,<br />

longe de ser o de ironizar o educando, é ajudá-lo a refazer, fazendo melhor a<br />

pergunta (FREIRE, 1985, p. 48).<br />

654


No decorrer da obra, Faundez afirma ainda que a “origem do conhecimento<br />

está na pergunta, ou nas perguntas, ou no mesmo ato de perguntar” (FREIRE, 1985, p.<br />

48), pois, segundo ele, “a primeira linguagem foi uma pergunta, a primeira palavra foi a<br />

um só tempo pergunta e resposta, num ato simultâneo” (FREIRE, 1985, p. 48).<br />

Por fim, a proposta apresentada por Freira para uma pedagogia da pergunta,<br />

direcionada para o diálogo como um instrumento que possibilite que a educação possa<br />

acontecer, de modo que o diálogo seja o fator responsável para o desenvolvimento do<br />

caráter libertador da educação. Sendo este o instrumento que nos auxiliará na saída da<br />

educação bancária, buscando apenas a educação por intermédio do diálogo, onde o<br />

educador faz parte do processo educacional, ou seja, a educação é uma construção<br />

constante que é feita por educadores e educando, em conjunto dialogicamente.<br />

4. O DIÁLOGO FILOSÓFICO<br />

Segundo Paviani (2008), podemos observar a relação entre os diálogos<br />

platônicos e os gêneros literários da época, propiciando a intertextualidade de seus<br />

escritos. Em Platão, esse fenômeno assume uma proporção muito maior e de<br />

consequências filosóficas e literárias bem mais profundas, pois em seus diálogos a<br />

técnica de argumentação se radicaliza e universaliza, pois, seu interlocutor não é apenas<br />

um ou outro filósofo, um ou outro sofista ou poeta, mas toda a tradição intelectual,<br />

ética, teológica e poética dos gregos.<br />

Quando relacionamos esses diálogos no âmbito educacional, também<br />

podemos perceber as relações feitas por Platão no contexto social e histórico da época,<br />

onde havia a necessidade de definir qual era “o lugar do logos na cidade, pois os gregos<br />

ao inventarem o diálogo e a democracia, a retórica e a lógica, não estão livres dos mal<br />

entendidos, dos discursos falsos.” (PAVIANI, 2008, p. 30).<br />

Neste sentido, Platão se dá conta da dimensão pedagógica que o diálogo<br />

assume, pois ele não é apenas um mecanismo de exposição de ideias.<br />

Platão, herdeiro de Sócr<strong>ate</strong>s, dá-se conta de que, entre o logos, a verdade e as<br />

coisas, o diálogo assume uma dimensão pedagógica admirável. A<br />

655


conversação desenvolve-se com perguntas e respostas. No processo do<br />

desenvolvimento das perguntas e das respostas, procede-se à refutação das<br />

teses e finalmente, depois de se livrar dos erros e equívocos, o diálogo quer<br />

alcançar a verdade.(PAVIANI, 2008, p. 30)<br />

Segundo Paviani, durante a construção dos diálogos, Platão faz uso de<br />

vários artifícios literários, como a comédia, a tragédia, a poética, a épica, a prosa. Tudo<br />

isso para tentar demonstrar que as questões abordadas nos diálogos<br />

[...] não são meras abstrações, mas questões concretas que se dirigem a um<br />

público, como ocorre com o professor numa sala de aula. Os textos não se<br />

bastam em si mesmos, requerem a compreensão do público, dos leitores. A<br />

forma de diálogo não é um simples artifício de exposição. Por isso, seu<br />

inacabamento não é defeito, mas qualidade literária e filosófica. O<br />

inacabamento exige do leitor uma atividade interior, pois a ciência não se<br />

impõe, segundo Platão, a partir de fora, mas tem origem na alma de cada um.<br />

(PAVIANI, 2008, p. 31).<br />

Neste sentido, o caráter inacabado dos diálogos, tendo como ferramentas as<br />

perguntas e as respostas podem ser consideradas pedagogicamente uma ferramenta de<br />

investigação de conceitos, pois segundo Paviani, no contexto dos diálogos platônicos,<br />

“os interlocutores movimentam-se dentro de pressupostos teóricos tais como a teoria da<br />

reminiscência, a maiêutica, a aceitação da existência da divisão da alma em partes da<br />

alma, etc.” (PAVIANI, 2008, p. 31).<br />

O modo como Platão desenvolve os Diálogos, interagindo sempre com os<br />

interlocutores, questionando-os, fazendo como que eles reflitam criticamente acerca da<br />

investigação ao qual eles se disponibilizaram a fazer, etc., todas estas características são<br />

pretendidas para que sejam desenvolvidas dentro das escolas nas aulas de Filosofia no<br />

Ensino Médio.<br />

Nos Diálogos da primeira fase de Platão, que são considerados por alguns os<br />

Diálogos em que Platão retrata mais fielmente a filosofia de Sócr<strong>ate</strong>s, são importantes<br />

para que possamos compreender a forma socrática de fazer filosofia.<br />

656


Os diálogos da primeira fase de Platão constituem a nossa principal fonte de<br />

estudo de filosofia de Sócr<strong>ate</strong>s. Estes diálogos, fase socrática de Platão,<br />

buscam registrar o pensamento de Sócr<strong>ate</strong>s, fundamentalmente buscam<br />

refletir o modo socrático de fazer filosofia: a discussão de temas e problemas<br />

nas praças de Atenas com seus discípulos, adversários, políticos, sofistas e<br />

concidadãos. (SOFISTE, 2007, p. 36)<br />

O método característico dos Diálogos da primeira fase é o elenchos.<br />

Segundo Paviani, o “ELENCHOS (refutação, interrogação) é um recurso discursivo que<br />

está na raiz da dialética platônica. Tem relação com a indução ou apagoge. É a<br />

modalidade de interrogação, elenchos, de Sócr<strong>ate</strong>s, com o objetivo de purificar a alma<br />

das falsas opiniões”. (PAVIANI, 2001, p. 254).<br />

Podemos observar que Platão, já demonstra como esta investigação<br />

dialógica pode ocorrer, como veremos no Diálogo Mênon, em que Sócr<strong>ate</strong>s, junto com<br />

o escravo demonstra pelo exercício do elenchos, possuir um conhecimento que, segundo<br />

as concepções de Mênon, seria impossível o escravo possuir. Podemos verificar na<br />

citação abaixo como Sócr<strong>ate</strong>s utiliza o elenchos para extrair as respostas do escravo.<br />

– SÓCRATES. Presta, pois <strong>ate</strong>nção para ver qual das duas coisas ele se<br />

revela a ti : rememorando ou aprendendo comigo. –<br />

MÊNON. Pois prestarei. – SÓCRATES. Dize-me aí, menino: reconheces que<br />

uma superfície quadrada é desse tipo? – ESCRAVO. Reconheço. –<br />

SÓCRATES. A superfície quadrada então é que tem iguais<br />

todas estas linhas, que são quatro. – ESCRAVO. Perfeitamente. – [...] –<br />

SÓCRATES. Se então este lado for de dois pés e este de dois, de quantos pés<br />

será o todo? Examina da seguinte maneira. Se fosse de dois e<br />

por este de um só pé, a superfície não seria de uma vez dois pés? –<br />

ESCRAVO. Sim. – SÓCRATES. Mas, uma vez que por este também é de<br />

dois pés, não vem a ser de duas vezes dois? – ESCRAVO.<br />

Vem a ser. – SÓCRATES. Logo, ela vem a ser de duas vezes dois pés. –<br />

ESCRAVO. Sim. – SÓCRATES. Quanto é então duas vezes dois pés? Faz o<br />

cálculo e diz. – ESCRAVO. Quatro, Sócr<strong>ate</strong>s. – SÓCRATES. E não é<br />

verdade que pode haver outra superfície deste tipo, que seja o dobro desta,<br />

que tenha todas as linhas iguais como esta? – ESCRAVO. Sim. –<br />

SÓCRATES. De quantos pés então será? – ESCRAVO. Oito. – SÓCRATES.<br />

Vê lá, tenta dizer-me de que tamanho será cada linha dessa superfície. A<br />

desta aqui é, com efeito, de dois pés. E a <br />

daquela que é o dobro? – ESCRAVO. Mas é evidente, Sócr<strong>ate</strong>s,<br />

que será o dobro. – SÓCRATES. Vês, Mênon, que eu não estou ensinando<br />

isso absolutamente, e sim estou perguntando tudo? Neste momento, ele pensa<br />

que sabe qual é a linha da qual se formará a superfície de oito pés. Ou não te<br />

parece ? – MÊNON. Sim, parece-me que sim.<br />

(PLATÃO, 2001, 82 b - e).<br />

657


No decorrer deste diálogo, Sócr<strong>ate</strong>s continua com o interrogatório ao<br />

escravo para demonstrar sua tese a Mênon. A demonstração da teoria da reminiscência<br />

conduz o escravo, num primeiro momento, ao estado de aporia que para Sócr<strong>ate</strong>s é<br />

essencial para adquirir conhecimento. Depois, por meio de um interrogatório, o escravo<br />

é estimulado por Sócr<strong>ate</strong>s a continuar a construir a teoria geométrica por meio de<br />

noções cotidianas e do resg<strong>ate</strong> de conceitos já processados em algum momento anterior.<br />

Os questionamentos de Sócr<strong>ate</strong>s continuam em torno da superfície quadrada e com<br />

relação ao tamanho que ela poderia chegar ao fazer algumas operações m<strong>ate</strong>máticas<br />

simples, demonstrando a Mênon que seu escravo possui um tipo conhecimento que nem<br />

ele mesmo sabia possuir, corroborando com a tese da teoria da reminiscência proposta<br />

por Sócr<strong>ate</strong>s.<br />

Assim, segundo a análise feita do Diálogo Mênon, o elenchos surge como<br />

uma forma de convencer os homens de sua ignorância, levando em consideração as<br />

contradições de seus interlocutores, com a finalidade de expor as teses falsas e evitar<br />

que teses inconsistentes permaneçam na argumentação.<br />

O filósofo americano Metthew Lipman, propõe que a metodologia da<br />

Filosofia a ser utilizada para o melhorar o desenvolvimento das crianças é o diálogo,<br />

pois trata-se de um diálogo investigativo.<br />

As conversas dos jovens, quando organizadas e disciplinadas, produzem uma<br />

oportunidade superlativa para o aprimoramento das habilidades de<br />

pensamento, porque a comunicação verbal exige que cada participante ocupese<br />

simultaneamente e sequencialmente com uma série considerável de atos<br />

mentais. (LIPMAN, 1990, p. 150).<br />

Para Lipman, o desenvolvimento das habilidades cognitivas está<br />

diretamente relacionado com as capacidades linguísticas que as crianças passam a<br />

desenvolver com o exercício do diálogo, no entanto, este diálogo deve ser desenvolvido<br />

de forma organizada e comprometida, pois não pode ser confundida com um simples<br />

deb<strong>ate</strong>.<br />

658


Em um Seminário Socrático ocorre a discussão em grupos sobre um<br />

determinado texto para avaliar uma opinião, teoria ou argumento. Dependendo do texto,<br />

o Seminário Socrático pode ser usado como uma lição introdutória, uma análise de<br />

perspectiva múltipla ou uma avaliação somativa de qualquer unidade de estudo. No<br />

entanto, a ideia fundamental é que o professor seja um mediador, usando perguntas<br />

simples para guiar os grupos para uma conclusão lógica. Para iniciar a discussão o<br />

professor faz uma pergunta e em seguida abre a possibilidade para comentários e<br />

questionamentos entre os alunos para que cheguem a uma conclusão, e em seguida<br />

passa para a próxima questão.<br />

O Seminário socrático é uma forma de demonstrar que é necessário<br />

diferenciar o diálogo do deb<strong>ate</strong>. Abaixo podemos observar que existem as seguintes<br />

diferenças entre o diálogo e o deb<strong>ate</strong>:<br />

Quadro comparativo Deb<strong>ate</strong> vs Diálogo<br />

Deb<strong>ate</strong><br />

É opositivo<br />

É argumentativo<br />

Defende suposições como verdade<br />

Premia o melhor pensamento<br />

Exige uma conclusão<br />

Desafios de quem está certo e quem está errado<br />

Diálogo<br />

É colaborativo<br />

É conversacional<br />

Defende exemplos como verdade<br />

Desafia o pensamento e o expande<br />

Pode ser de duração indeterminada<br />

Encontra força em todas as posições<br />

Colaborando com esta perspectiva, Sofiste fundamenta uma metodologia<br />

que possa ser aplicada de forma sucinta na docência de filosofia, buscando a<br />

investigação e o diálogo tal qual como era aplicado nos Diálogos em que Sócr<strong>ate</strong>s,<br />

personagem principal, aplicava o método dialógico para atingir um conhecimento<br />

filosófico.<br />

A proposta da Investigação Dialógica, apresentada pelo professor Juarez<br />

Sofiste, revela-se como uma possibilidade concreta para a realização de um exercício de<br />

liberdade de pensamento e de uma experiência de construção de conhecimentos e<br />

659


valores através do diálogo, da pesquisa, da vivência e do questionamento crítico<br />

permanente. Tendo o diálogo e a investigação como princípio metodológico e<br />

pedagógico, a Investigação Dialógica permite que educandos e educadores se<br />

estabeleçam como protagonistas de um conhecimento que não se ensina, mas que se<br />

constrói em comunhão. Neste aspecto, podemos sublinhar:<br />

[...] que a prática efetiva do método socrático possibilita colocar em ação o<br />

filosofar, uma vez que, do ponto de vista filosófico, podemos afirmar: a) o<br />

fundamento do método, o diálogo, supõe a natureza mesma do filosofar, no<br />

caso, desenvolvido comunitariamente; b) o método rompe com a lógica da<br />

afirmação, é garantia de liberdade intelectual e abertura da consciência frente<br />

às verdades constituídas, aos dogmatismos, totalitarismos e ideologias; c) o<br />

método não subtrai nenhuma ideia à livre discussão, é busca de<br />

fundamentação e verificação da validade dos raciocínios e d) é construção<br />

coletiva de conhecimento com validade intersubjetiva.(SOFISTE, 2007, p.<br />

37).<br />

A investigação dialógica se estabelece como possibilidade concreta de<br />

trabalho e de inovação para estas outras áreas, configurando-se como um exercício de<br />

liberdade de pensamento, de investigação e de construção de conhecimentos com o<br />

Outro e não para o Outro. Usado por Sócr<strong>ate</strong>s para fazer filosofia, o diálogo e a<br />

investigação constituem-se como princípios pedagógicos e metodológicos essenciais.<br />

A pedagogia socrática consiste, portanto, não no ensino da filosofia, mas no<br />

fazer filosofia. Considerando que a investigação e o diálogo são os princípios<br />

pedagógicos e metodológicos de seu modo de fazer filosofia, como já<br />

indicamos, denominaremos de Investigação Dialógica a pedagogia socrática<br />

para a docência de filosofia. (SOFISTE, 2007, p. 87).<br />

A investigação e o diálogo promovem um processo de desenvolvimento de<br />

habilidades e de competências tanto do ponto de vista da aquisição de conhecimentos<br />

quanto de habilidades de relacionamento, convivência e autoconhecimento. A<br />

exequibilidade dessas habilidades pela pedagogia socrática é realizável e se configura<br />

numa proposta de transformação radical da perspectiva atual, uma vez que a<br />

Investigação Dialógica propõe c<strong>ate</strong>goricamente uma modificação drástica nas<br />

concepções em vigência.<br />

660


Para tanto, um aspecto que deve ser considerado para que todas as teses<br />

suscitadas até então no decorrer desta pesquisa e possamos ser utilizá-las na proposta de<br />

intervenção no Seminário socrático, é o desenvolvimento da comunicação entre pessoas.<br />

Sócr<strong>ate</strong>s é um grande exemplo para observarmos a importância do<br />

interrogar filosófico, pois nunca se satisfazia com as respostas e continuava a<br />

questionar. Cerletti ressalta que o questionar filosófico não são meras invenções dos<br />

filósofos, pois, os filósofos se questionam sobre o que cerca o ser humano. Outro<br />

aspecto destacado por Cerletti é que os grandes desafios que levam alguém a filosofar e<br />

ensinar a filosofia é tentar preencher um vazio e ao ensinar filosofia os professores<br />

enfrentam este vazio, e de forma singular tentam preenchê-lo. O filosofar são<br />

questionamentos que buscam as respostas, o perguntar filosófico é a construção<br />

fundamental do filosofar.<br />

O perguntar filosófico não se conforma com as primeiras respostas que<br />

costumeiramente são oferecidas, que, em geral, o perguntar pelo<br />

aparecimento das primeiras respostas. Mas, como um saber sem supostos é<br />

impossível, o questionar filosófico é pertinente. (CERLETTI, 2009, p. 24).<br />

Para Cerletti, é necessário distinguir a pergunta filosófica das demais<br />

perguntas e argumenta que esse diferencial está na intencionalidade daquele que<br />

pergunta e não na pergunta em si. E pelo fato da pergunta não se esgotar na primeira<br />

resposta adquirida o autor destaca que “a intencionalidade da pergunta é que enraíza na<br />

aspiração ao saber.” (CERLETTI, 2009, p. 24). Neste sentido, Cerletti diz que<br />

[...] o ensino filosófico deveria voltar-se, como adiantamos, para as condições<br />

de possibilidades de perguntas filosóficas. E para como é possível criar um<br />

âmbito em que um grupo de alunos, e cada um daqueles que o integram,<br />

assuma como próprio alguns interrogantes filosóficos. (CERLETTI, 2009, p.<br />

25-26).<br />

Sabe-se que existem grandes dificuldades para se ensinar filosofia, e que<br />

deve-se selecionar os conteúdos a serem transmitidos, visando um ensino que<br />

desenvolva um pensar crítico e criativo dos alunos. Cerletti (2009, p. 8) diz que o<br />

“ensino da filosofia é basicamente a construção subjetiva, apoiada em uma série de<br />

661


elementos objetivos e conjunturais”, de modo a compreendermos que os elementos<br />

objetivos são a realidade de cada um. E nessa perspectiva, o autor afirma que “um bom<br />

professor é aquele que é aquele capaz de levar adiante de forma ativa e criativa, essa<br />

construção.” (CERLETTI, 2009, p. 8).<br />

Para Cerletti, é interessante que pensemos se é possível ter ou não uma<br />

didática filosófica. De acordo com o autor, para se pensar seria necessário refletir sobre<br />

algumas questões.<br />

[...] influem desde os conhecimentos filosóficos e pedagógicos que se possui<br />

até o tipo de vínculo que aquele que ensina mantém com a filosofia e com o<br />

ensino. Por exemplo, será diferente que alguém que tenha tido uma formação<br />

inicial altamente filosófica e pouco <strong>ate</strong>nta à didática do que, o caso contrário,<br />

em que a formação tenha acentuado mais a perspectiva didática do que os<br />

conteúdos filosóficos [...]. Deste modo, o ponto de partida e os pressupostos<br />

filosóficos e pedagógicos são diferentes, isso faz com que se estabeleçam<br />

vínculos distintos com o filosofar e ensinar. Esse panorama muito superficial,<br />

que poderia ser completado com muitas outras condições e pressupostos,<br />

revela que não haveria procedimentos eficazes para ensinar filosofia em<br />

qualquer circunstância e reconhecíveis de antemão, mas que o ensino de<br />

filosofia implica uma atualização cotidiana de múltiplos elementos, que<br />

envolvem de maneira singular seus protagonistas (professores e estudantes) .<br />

(CERLETTI, 2009, p. 8)<br />

Portanto, o autor está sustentando e defendendo um entrelaçamento entre<br />

perguntar e filosofar. Sendo assim, podemos dizer que o filosofar é fruto do perguntar<br />

sobre as coisas. Sem essa atitude de questionar o filosofar não seria possível e assim já<br />

não se teria filosofia já que ela nasce desse processo pelo qual o indivíduo é perturbado<br />

frente a alguma coisa. Nessa perspectiva, o autor argumenta que o “o objetivo final de<br />

todo professor de filosofia deverá ser fazer de seus alunos, em alguma medida,<br />

filósofos.”(CERLETTI, 2009, p. 81). No sentido de que ensinar filosofia não é<br />

transmitir conhecimentos, Cerletti argumenta que “o ensino de filosofia se constrói no<br />

diálogo filosófico do dia a dia.” (CERLETTI, 2009, p. 82). Ou seja, o processo é<br />

gradual, segundo o autor “uma vez mais: Ensinar filosofia é dar um lugar ao<br />

pensamento do outro.” (CERLETTI, 2009, p. 87).<br />

662


Neste aspecto, podemos perceber a importância da aplicação deste método<br />

durante as aulas, não só de Filosofia, mas também em várias outras disciplinas, pois<br />

auxilia no desenvolvimento do pensamento crítico-reflexivo dos alunos, principalmente<br />

para a de resolução dos problemas, habilidade de fala, de escuta, de escrita e outras<br />

capacidades que são importantes para o desenvolvimento na escola e na vida de cada<br />

aluno.<br />

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

De acordo com o que foi apresentado até o momento para o<br />

desenvolvimento desta pesquisa, podemos destacar vários aspectos que são de extrema<br />

importância para atingirmos os objetivos que foram propostos.<br />

Os dados bibliográficos que foram utilizados para tal, nos dão sustentação<br />

para a hipótese que está sendo estudada, que é o ensino de filosofia através do diálogo.<br />

Para tanto, partimos da análise da pergunta como instrumento essencial para o<br />

desenvolvimento dialógico das aulas de filosofia. Tendo como base a teoria educacional<br />

formulada por Freire, de modo que a pergunta seria um instrumento libertador para a<br />

educação.<br />

Foram analisados Diálogos platônicos, que visto do ponto de vista<br />

educacional a forma como Platão escreve suas obras são instrumentos para o<br />

desenvolvimento das técnicas de argumentação, além de ser um mecanismo de<br />

exposição de ideias e também possuía o intuito de livrar a cidade dos falsos discursos. O<br />

modo como os diálogos platônicos eram construídos também são importantes para o<br />

desenvolvimento da pesquisa, pois eles ocorrem a partir da interação entre Sócr<strong>ate</strong>s e<br />

outros personagens, e é de modo semelhante que pretendemos desenvolver a pesquisa,<br />

com uma interação entre os alunos e entre professor e alunos.<br />

Com a proposta de uma metodologia através do diálogo, tendo em vista o<br />

modo platônico de fazer filosofia, Cerletti ressalta que ensinar filosofia é ensinar a<br />

filosofar e que esse ensino pode ser feito através de novas ferramentas metodológicas<br />

663


que podem ser desenvolvidas em conjunto, ou seja, com professor e aluno. É neste<br />

sentido que esta pesquisa busca analisar a sua eficácia do Seminário socrático nas aulas<br />

de filosofia. Pois o Seminário socrático é desenvolvido através dos diálogos<br />

estabelecidos entre os alunos sobre determinados temas, neste caso, serão temas<br />

relacionados a filosofia.<br />

Corroborando com esta perspectiva do desenvolvimento dialógico das aulas<br />

de filosofia, nos apoiaremos na Comunidade de Investigação proposta por Lipman<br />

como um instrumento de suma importância para o desenvolvimento desta pesquisa, pois<br />

observamos como a ação dialógica é utilizada para a construção da Comunidade de<br />

Investigação. A investigação proposta por Lipman tem um caráter progressivo, de modo<br />

que este movimento é feito por meio do diálogo tendo em vista que diálogo filosófico é<br />

diferente de uma conversa, de um deb<strong>ate</strong>. O diálogo é investigação, busca uma<br />

exploração conjunta, ou seja, a verdadeira práxis filosófica.<br />

De acordo com Sofiste, a investigação dialógica se revela como um<br />

instrumento concreto para o exercício de liberdade de pensamento, principalmente pela<br />

experiência de construção do conhecimento, portanto estabelece que a relação entre<br />

educadores de educandos sejam os protagonistas nesta construção do conhecimento que<br />

não se ensina, mas se constrói.<br />

Neste contexto, a educação dialógica, é necessária criar as condições para<br />

que crianças e jovens ao utilizar as habilidades cognitivas possam organizar suas<br />

próprias ideias, e é neste contexto que as propostas de Lipman e Sofiste se aplicam.<br />

Logo, a utilização do diálogo como uma ferramenta metodológica para fazer<br />

filosofia, se torna indispensável, pois é através deste método que Platão na antiguidade,<br />

desenvolveu sua teoria filosófica, principalmente auxiliando nas investigações propostas<br />

por ele mesmo e por seus interlocutores. Neste sentido, as colaborações dos demais<br />

estudiosos apresentados nesta pesquisa, tem nos auxiliado quanto a possibilidade de<br />

aplicabilidade da proposta do Seminário socrático.<br />

664


REFERÊNCIAS<br />

BRANDÃO, Carlos da Fonseca. LDB passo a passo: Lei de diretrizes e bases da<br />

educação nacional, Lei nº 9.394/96 comemorativa e interpretada, artigo por artigo<br />

/ Carlos Fonseca Brandão. – 4. ed. ver. Ampl. – São Paulo: Avercamp, 2010.<br />

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (Ensino Médio) Parte IV – Ciências<br />

Humanas E Suas Tecnologias. 2000.<br />

CAMPOS, Pedro Ortega. Educar perguntando: ajuda filosófica na escola e na vida /<br />

Pedro Ortega Campos ; [tradução Antonio Efro Feltrin]. – São Paulo : Paulinas, 2008.<br />

CERLETTI, Alejandro. O ensino de filosofia como problema filosófico. Trad. Ingrid<br />

Müller Xavier. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2009.<br />

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido / Paulo Freire. – 56. ed. rev. e atual. – Rio de<br />

Janeiro: Paz e Terra, 2014.<br />

FREIRE, Paulo. Por uma pedagogia da pergunta / Paulo Freire, Antonio Fagundez. –<br />

Rio de janeiro : Paz e Terra, 1985.<br />

GADAMER, Hans-George. Verdade e Método <strong>II</strong> : Complementos e índice / Hans-<br />

George Gadamer ; tradução de Ênio Paulo Giachini ; revisão da tradução de Márcia Sá<br />

Calvacante-Schuback. Petrópolis, RJ : Vozes, 2002.<br />

LIPMAN, M. A filosofia vai à escola. São Paulo, Semmus Editorial, 1990.<br />

_____. O pensar na educação / Matthew Lipman ; tradução de Ann Mary Fighiera<br />

Perpétuo. – Petrópolis, RJ : Vozes, 1995.<br />

PAVIANI, Jayme. Filosofia e método em Platão / Jayme Paviani. – Porto Alegre :<br />

EDIPUCRS, 2001. – (Coleção Filosofia ; 132).<br />

PAVIANI, Jayme. Platão & Educação / Jayme Paviani. – Belo Horizonte: Autêntica,<br />

2008.<br />

PLATÃO. Mênon. [Tradução Maura Iglésias] São Paulo e Rio de Janeiro: Loyola e<br />

Editora Puc-Rio, 2001.<br />

SOFISTE, Juarez Gomes. Sócr<strong>ate</strong>s e o ensino da filosofia. Investigação Dialógica:<br />

uma pedagogia para a docência de filosofia. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2007.<br />

665


VICENTE. José João Neves Barbosa. Ensinar e Aprender: o diálogo. Disponível<br />

em acesso em: 24 ago. 2015, 21:30:43.<br />

666


O ENSINO DE PORTUGUÊS BRASILEIRO COMO LÍNGUA DE HERANÇA E<br />

O EMBATE ENTRE LÍNGUA COLONIZADA E LÍNGUA FLUIDA<br />

THE TEACHING OF BRAZILIAN PORTUGUESE AS HERITAGE<br />

LANGUAGE AND THE CONFLICT BETWEEN LINGUISTIC IMPERIALISM<br />

AND COLLOQUIAL LANGUAGE<br />

Adrianne Gonçalves Carvalho (graduanda de Letras –<br />

UFMA)<br />

Prof.ª Dr.ª Sonia Maria Corrêa Pereira Mugsch (Pósdoutora<br />

em Português como Língua de Herança –<br />

UFMA/DELER)<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O presente estudo se inclui dentro dos deb<strong>ate</strong>s sobre o ensino de Português<br />

como Língua de Herança (POLH) e nas divergências apresentadas quanto ao seu ensino,<br />

procurando estabelecer qual modalidade da Língua Portuguesa é passada a esses novos<br />

falantes e como este ensino está sendo apresentado. A partir do conceito de POLH,<br />

entrelaçado ao do Português Brasileiro (PB), procuramos entender como o ensino de<br />

Língua Portuguesa (LP) é passado aos brasileirinhos que buscam um reencontro com<br />

sua identidade por meio da língua. A proposta do ensino de uma língua estrangeira,<br />

perpassando pelo viés de Língua de Herança, implica em um ensino que transmita com<br />

legitimidade as características e particularidades do idioma ensinado, sendo o foco deste<br />

trabalho o PB, no entanto temos ciência que a língua portuguesa, ao ser ensinada como<br />

língua estrangeira, ainda é grandemente atrelada aos “dogmas” do Português Europeu, o<br />

que acaba por deixar que o português de outros países caia em esquecimento,<br />

principalmente no que diz respeito ao ensino para estrangeiros, algo que supostamente<br />

não devia ocorrer no ensino de POLH, já que cada modalidade da língua transmitida,<br />

supostamente, devia carregar consigo as singularidades que cada povo faz uso. Assim, a<br />

partir destas indagações, pretendemos responder duas perguntas: 1) A Língua Fluida<br />

667


tem espaço no ensino de POLH? e 2) Qual o aspecto mais relevante para essas<br />

atividades pedagógicas sobre Língua de Herança: o linguístico ou o extralinguístico? No<br />

intuito de responder tais perguntas, nos alicerçamos em uma análise que prioriza os<br />

dados da web que tratam a respeito do ensino de Português Brasileiro ensinado como<br />

uma Língua de Herança. Para a análise desses dados trataremos do conceito de herança,<br />

identidade híbrida, Língua Fluida e Língua Colonizada. A investigação dos dados é<br />

realizada à luz dos conceitos de Soares (2010); Lico (2017); Mugschl (2017), entre<br />

outros.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Ensino. Português Brasileiro. Herança. Língua Fluida.<br />

ABSTRACT: This current article is inserted in deb<strong>ate</strong>s about teaching Portuguese as a<br />

Heritage Language (Língua de Herança – POLH) and the divergences introduced in its<br />

teaching, looking for establish which modality from Portuguese Language is passed on<br />

to these new speakers and how this teaching is being offer. From the concept of POLH,<br />

along with the concept of Brazilian Portuguese (Português Brasileiro – PB), we try to<br />

understand how the teaching of Portuguese Language (Língua Portuguesa – LP) is<br />

transferred to little Brazilians that pursue a reencounter with their identity through the<br />

language. The propose of the education of a foreign language, running through the bias<br />

of Heritage Language, implic<strong>ate</strong> in a teaching that transfers with legitimacy the<br />

characteristics and particularities of the language taught, focusing on PB, however, we<br />

are aware that Portuguese Language, when taught as a foreign language, is still strongly<br />

connected to “dogmas” from European Portuguese, what end up to permit that<br />

Portuguese form other countries be forgotten, mainly regarding to education for<br />

foreigners, something that supposedly should not happen on the teaching of POLH,<br />

since each modality of the transferred language, supposedly, should carry the<br />

singularities of each people that use it. That way, through these enquiries, we mean to<br />

answer two questions: 1) Has the Colloquial Language space in the education of POLH?<br />

and 2) What is the most relevant aspect to these pedagogics activities about Heritage<br />

668


Language: the linguistic or “extralinguistic”? Intending to answer these questions, we<br />

base ourselves on an analysis that prioritizes d<strong>ate</strong>s from web that deals with the<br />

education of Brazilian Portuguese taught as a Heritage Language. To analyze these<br />

d<strong>ate</strong>s we will treat about the concepts of heritage, hybrid identity, Colloquial<br />

Language and Linguistic Imperialism. The investigation of d<strong>ate</strong>s is made upon<br />

the concepts of Soares (2010); Lico (2017); Hall (2006); Mugschl (2017), and others.<br />

KEYWORDS: Education. Brazilian Portuguese. Heritage. Colloquial Language.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

“Uma língua é o lugar donde se vê o<br />

mundo em que se traçam os limites do<br />

nosso pensar e agir. Da minha língua vê-se<br />

o mar. Da minha língua ouve-se o seu<br />

rumor, como da de outros se ouvirá o da<br />

floresta ou o silêncio do deserto.”<br />

(Virgílio Ferreira)<br />

Para refletir sobre a Língua de Herança (LH) é preciso pensar sobre a<br />

Língua Estrangeira, para não trazer para o POLH o mesmo tratamento pedagógico dado<br />

a uma relação de aprendizagem em que o falante mantém uma ligação com suas raízes,<br />

o que cria diferentes expectativas e sentidos aos processos.<br />

Diante disso, o ensino de línguas estrangeiras sempre foi uma constante ao<br />

longo da história do homem e as relações linguísticas sempre manifestaram as relações<br />

de poder, haja vista a história da Língua Portuguesa e das neolatinas.<br />

Durante a modernidade, mais precisamente a partir do século XX, dado o<br />

estreitamento das relações internacionais, no tocante, inclusive, à economia, a aquisição<br />

de uma segunda língua se tornou imprescindível no cenário da globalização, sempre<br />

havendo, obviamente, uma predileção pela língua m<strong>ate</strong>rna dos países com maior poder<br />

hegemônico.<br />

669


Tratando-se da Língua Portuguesa (LP), ainda que não esteja no panteão de<br />

línguas consideradas universais, há um crescimento l<strong>ate</strong>nte de sua projeção<br />

internacional, havendo um grande interesse na aprendizagem de nossa língua no cenário<br />

exterior. Edleise Mendes, presidente da Sociedade Internacional de Português Língua<br />

Estrangeira (SIPLE), justifica essa grande procura pelo ensino de português:<br />

É justamente a evidência que os países de língua oficial portuguesa têm tido<br />

no mundo. Pode ser uma evidência cultural, política, mas é sobretudo<br />

econômica. O Brasil puxa muito esse interesse, mas também os países<br />

africanos de língua oficial portuguesa, que também têm crescido muito no<br />

cenário internacional.<br />

Temos trabalhado justamente para que o português caminhe para ser uma<br />

língua, de facto, internacional e isso só é possível a partir do trabalho<br />

conjunto de todos nós, não mais apenas Brasil ou Portugal, que durante muito<br />

tempo trabalharam de forma divergente e apenas essas duas normas de uso do<br />

português tinham evidência no mundo.<br />

Agora apela-se a toda a comunidade de países de língua portuguesa para<br />

trabalhar de modo conjunto para que o português possa de facto ser uma<br />

língua de projeção e importância internacional e cada vez mais presente em<br />

todos os espaços, educacionais, políticos, econômicos e sobretudo nas<br />

organizações internacionais. (MENDES, 2014).<br />

Com o crescimento econômico de países cuja língua oficial é o Português, é<br />

natural que haja uma maior procura no que diz respeito à cultura desses países, e claro,<br />

não se pode falar de cultura excluindo a língua local, o que acabou por fazer com que a<br />

LP ganhasse um novo status no que diz respeito a seu ensinamento para novos falantes.<br />

Entretanto, não somente de ensino para estrangeiros vive a projeção internacional do<br />

português, já que existem outras c<strong>ate</strong>gorias de ensinamento, como pontua, mais uma<br />

vez, a presidente da SIPLE:<br />

Nos últimos anos há, de facto, um crescimento muito grande do interesse<br />

pelo português, não só nos países onde ele é língua oficial, é língua de<br />

cultura, mas também e, sobretudo, como língua estrangeira em todas as partes<br />

do mundo. Em alguns contextos, isso é mais evidente como, por exemplo, na<br />

China. Há um grande interesse pela aprendizagem do português na China,<br />

assim como tem havido nos países lusófonos cada vez mais interesse pela<br />

aprendizagem do chinês. Mas não só, também em países como os Estados<br />

Unidos, o crescimento tem sido exponencial, não só por estrangeiros, norteamericanos<br />

que desejam aprender português, mas também por uma<br />

retomada do interesse pelas comunidades de herança que estão<br />

espalhadas pelo mundo e que haviam perdido a sua língua. Há, por<br />

exemplo, há uma série de descendentes nos Estados Unidos de portugueses,<br />

670


asileiros, cabo-verdianos que, de alguma forma, perderam a língua e foram<br />

de tal modo introduzidos na cultura norte-americana que essa herança ficou<br />

um pouco esquecida. Então hoje há um interesse dessas comunidades de<br />

herança muito grande em retomar a língua e as culturas lusófonas. Somos<br />

uma língua só com muitas caras, muitas culturas e muitas histórias.<br />

(MENDES, 2014, grifo nosso).<br />

Essa retomada de interesse por pessoas que já possuem um elo com a LP é<br />

um fenômeno que atravessa o conceito de Língua de Herança. Em um cenário em que<br />

descendentes de falantes de uma determinada língua, neste caso o Português, que,<br />

provavelmente, não teriam contato com o idioma de seus antepassados, pois não vivem,<br />

neste caso, no Brasil, procuram reavivar em si esta língua, e não somente o idioma, mas<br />

também o composto cultural brasileiro. A Língua de Herança é a língua 1 cujo falante,<br />

por diversas razões, fica menos exposto a ela, vivendo num ambiente onde ela é uma<br />

língua fraca, ou seja, pouco falada, de forma que a LH pode ser considerada uma língua<br />

da identidade familiar, como será visto a seguir.<br />

2 LÍNGUA DE HERANÇA E O PORTUGUÊS BRASILEIRO<br />

Segundo autores como Boruchowski e Lico (S.d), podemos conceituar a<br />

Língua de Herança como uma língua que porta em si toda uma carga sentimental que<br />

revela identidades. Não é a língua que é falada socialmente ou aprendida na escola,<br />

porém é a língua que identifica a criança como pertencente a um nicho maior, é aquela<br />

língua “secreta” entre a criança e seus pais, aquela língua que se fala com familiares<br />

distantes. Todo um sentimentalismo enlaça a trajetória de uma língua de herança. O<br />

conceito de Português como Língua de Herança não foge à definição acima, sendo a<br />

língua que pais que imigraram para diferentes países costumam valorizar para seus<br />

filhos, por mais que não seja uma língua falada no lugar onde vivem.<br />

Uma língua de herança é aquela utilizada com restrições (limitada a um<br />

grupo social ou ao ambiente familiar) e que convive com outra(s) língua(s)<br />

que circula(m) em outros setores, instituições e mídias da sociedade em que<br />

se vive. O português é uma língua de herança para os filhos de brasileiros que<br />

moram no exterior. Os falantes de herança imigraram ou nasceram no<br />

exterior e mantêm alguma relação com a língua da família. Os falantes de<br />

671


herança podem apresentar habilidades variadas, desde apenas entenderem<br />

essa língua, até mostrarem domínio da oralidade, compreensão, leitura e<br />

escrita (VALDÉS, 1995 apud BUCHOWSKI; LICO, S.d, p.09).<br />

Para pais brasileiros que acabam por ter seus filhos no exterior, o<br />

aprendizado do Português nem sempre é algo natural, de forma que muitos deles<br />

começaram a se organizar, ao redor do mundo, para criarem espaços de convivências e<br />

transmissão de cultura do próprio povo brasileiro e seu idioma. No entanto, em uma<br />

perspectiva geral, o começo desse aprendizado sempre parte da família, sendo o local<br />

que proporciona um bilinguismo natural a essa criança, ambientando-a em um território<br />

onde possa se sentir hábil e confortável para falar as duas línguas com naturalidade: o<br />

português e a língua da terra onde residem no momento. Porém é necessário salientar<br />

que “a língua não é tudo. Tem um ‘algo a mais’ para que eles se sintam brasileiros.”<br />

(HEATH; ALMEIDA, 2017, p.17), de forma que nos faz perceber como a LH retrata<br />

uma atividade constante de despertar os aspectos brasileiros desses descendentes. Para<br />

isso, há muitas maneiras, podendo utilizar-se da literatura brasileira, da música, do<br />

cinema ou qualquer manifestação cultural que desadormeça o Brasil dentro dessas<br />

crianças.<br />

É importante estabelecer a diferença entre as diferentes perspectivas de<br />

ensino de Língua Portuguesa: o ensino para estrangeiros – PLE – estabelece uma<br />

atmosfera bem diferente do ensino para imigrantes ou descendentes de imigrantes<br />

brasileiros, neste caso o POLH. O primeiro termo remete a uma língua alheia ao aluno,<br />

um idioma que ele pode escolher aprender por inúmeros motivos, desde por pura opção<br />

pessoal, gostar da língua em questão, ou ter uma incisão mais precisa no mercado de<br />

trabalho, mas, ressaltando, sem nenhuma ligação particular com tal língua. O segundo<br />

caso, no que lhe concerne, está em um contexto de uma disseminação da língua-mãe<br />

passada a descendentes que estão fora do seu berço linguístico, de maneira que POLH<br />

não deixa de ser uma especificidade de PLE. “POLH, tendo por finalidade o resg<strong>ate</strong> da<br />

herança, objetiva atingir, por meio do ensino, o patrimônio im<strong>ate</strong>rial constitutivo da<br />

memória própria da família que o aluno pertence.” (HEATH; ALMEIDA, 2017, p.69).<br />

672


3 O ENSINO DO PORTUGUÊS BRASILEIRO A PARTIR DA LÍNGUA<br />

FLUIDA<br />

Por ser uma atividade, em um primeiro plano, pertencente ao seio familiar, o<br />

ensino do Português Brasileiro como Língua de Herança a esses falantes é algo que vai<br />

perpassar pelo ensino de uma Língua Fluida, algo que, baseando-se nos conceitos de<br />

Orlandi e Souza (1988), é uma língua que não pode ser encarcerada nas amarras da<br />

gramática normativa. Trata-se de uma língua que vai se remodelando de acordo com as<br />

exigências dos falantes, ou seja, a língua em uso no seu habitat natural, o vernáculo, que<br />

se contrapõe às regras insufladas pelas normas do “bem falar”.<br />

A história da primeira [língua fluida] é feita de fartura e movimento e nela<br />

convivem processos muito diferentes; portanto, a língua fluida é a que não<br />

pode ser contida no arcabouço dos sistemas e fórmulas. É a língua do uso, do<br />

coloquial, do “errado” e da oralidade. (SURDI; LUZ, 2015, p.04).<br />

Assim, há um contraponto entre o ensino que se desenrola a partir do<br />

conceito de Língua Fluida, a língua real que será repassada aos aprendizes, e a língua<br />

que se espera que seja aprendida, a que está pautada nas normas gramaticais. Afinal de<br />

contas, há uma falsa ideia de que existe uma necessidade crucial de, ao se aprender uma<br />

língua, essa esteja em seu estado mais “puro”, da forma mais “correta” e condizente<br />

com as normas da gramática normativa.<br />

Esta língua padrão, Orlandi (1988) classifica como uma língua imaginária,<br />

sendo denominada como Língua Colonizada, que vai fixar-se em preservar o que está<br />

classificado como correto. Dessa forma, as línguas imaginárias “são as línguas-sistemas,<br />

normas, coerções, as línguas instituições, a-históricas. É a sistematização que faz com<br />

que elas percam a fluidez e se fixem em línguas imaginárias” (ORLANDI; SOUZA,<br />

1988, p.28), tornando-se uma língua estática e que não condiz com o uso real que seus<br />

falantes fazem, o que pode ser comprovado pelas inúmeras pesquisas sociolinguísticas<br />

existentes.<br />

673


Sendo o objetivo do ensino de POLH algo maior do que apenas um repasse<br />

da língua, mas um repasse do Brasil dentro da língua, é natural enxergar, ainda que<br />

contrarie a ideia principal que rege o ensino de línguas estrangeiras, que a língua<br />

repassada a esses aprendizes do português seja por intermédio da Língua Fluida, já que,<br />

por ser a língua coloquial do país, traduziria de forma mais eficaz o ser brasileiro. O<br />

ensino de POLH se apropria da Língua Fluida, pois este ensino não se esvai em um<br />

plano restrito de transferir uma língua, mas as relações da língua com a sociedade na<br />

qual é reproduzida, no caso o Português falado em solo brasileiro.<br />

Esta presença tão forte da Língua Fluida no ensino de POLH pode ser<br />

certificada pelas análises dos m<strong>ate</strong>riais didáticos destinados 98 a essa modalidade de<br />

ensino. No m<strong>ate</strong>rial realizado pela Professora Eliana Miura, encontramos tópicos bem<br />

pontuais da vida de um brasileiro, como também utilização do linguajar típico,<br />

excluindo traços do português europeu, africano ou asiático, e, como é de se esperar,<br />

priorizando as particularidades da modalidade brasileira do português.<br />

3.1 Análise de m<strong>ate</strong>rial didático de POHL<br />

No m<strong>ate</strong>rial analisado no presente artigo, já referenciado, o conteúdo é<br />

trabalhado a partir de situações do cotidiano de um cidadão brasileiro, como, por<br />

exemplo, preenchimento de RG, contas de água do Brasil e pontos turísticos, mas<br />

também com situações pertinentes a qualquer aprendiz de língua estrangeira, já que é<br />

notável a presença de tópicos como produção de mensagens curtas, vocabulário do<br />

gênero alimentício, explicação de endereço, direções, e muito mais. A contextualização<br />

dos temas trabalhados sempre acontece partindo de um fio condutor que remeta o<br />

conteúdo apresentado a algo que faz referência à cultura brasileira, de forma que é uma<br />

constante a utilização de músicas da MPB, com produções de músicos como Carlinhos<br />

Brown, Mikael Mutti e Sérgio Mendes, entre outros.<br />

98 M<strong>ate</strong>riais didáticos retirados de:<br />

Acesso<br />

em: 04 nov. 2017.<br />

674


Dentre os aspectos explorados nesta apostila, é perceptível a presença de um<br />

conhecimento gramatical pouco contextualizado, como verbos e adjetivos; um<br />

conhecimento linguístico mais baseado na gramaticalidade do que no jogo brasileiro de<br />

dizer, mesmo que o vocabulário faça distinção das variantes formais e informais, afinal<br />

é um m<strong>ate</strong>rial direcionado ao aprendizado de crianças, e, por fim, um conhecimento<br />

extralinguístico, já que encontramos ideias que vão remeter a nacionalidade. Entretanto<br />

o preenchimento do RG, por exemplo, parece-nos deixar m<strong>ate</strong>rial o trato com a<br />

identidade brasileira que não é uma questão burocrática, mas social e existencial.<br />

Em uma tentativa de integralizar o Brasil e a Língua Portuguesa na variante<br />

brasileira, há uma preocupação relativa de exibir a língua em uma forma bem crua.<br />

Observam-se sinais de que a Língua Fluida é privilegiada em relação às normas da<br />

gramática normativa no que concerne o ensino de POLH. Assim, vemos que no que<br />

tange ao ensino de POLH, diferente do ensino de PLE, há uma sinalização da<br />

heterogeneidade linguística, conceito primordial de ser apresentado, se existe uma<br />

pretensão de desvelar a língua real de um povo, de como ela é apresentada e traduz a<br />

cultura de um país, o que é expresso pela brasilidade “que gera as mais diversas<br />

variáveis, com motivações condicionadas pela cultura brasileira, que talvez seja o ideal<br />

do Português como Língua de Herança.” (HEATH; ALMEIDA, 2017, p.70).<br />

3.2 Extralinguístico VS. Linguístico<br />

Os postulados teóricos a respeito do ensino de POLH sempre frisam a ideia<br />

do resg<strong>ate</strong> im<strong>ate</strong>rial que se visa despertar em seu aprendiz, já que “para muitos, é uma<br />

questão de identidade, de preservação de laços com a família distante, como também de<br />

oportunidades futuras” (BORUCHOWSKI; LICO, S.d, p.09), de forma que há um<br />

grande envolvimento de artefatos, concretos ou abstratos, que constituem a ideia do que<br />

é ser um brasileiro. Logo, a heterogeneidade linguística apresentada nos m<strong>ate</strong>riais<br />

didáticos do ensino de POLH muitas vezes vão se esvair de conceitos meramente<br />

linguísticos.<br />

Estamos começando a supor que, se o acesso à heterogeneidade da linguística<br />

estivesse na realidade social, o ensino não seria de língua. Supomos, também,<br />

675


que, se a língua é considerada fato social, se ela se constitui no meio de uma<br />

comunidade de fala, o que faz haver o Português Brasileiro não seja só a<br />

existência de palavras que traduzam as coisas próprias do Brasil, mas uma<br />

brasilidade linguístico-estrutural também manifestada em uso. (HEATH;<br />

ALMEIDA, 2017, p.70).<br />

É perceptível nos m<strong>ate</strong>riais didáticos de POLH como o intuito de avivar<br />

essa identidade brasileira do jovem aprendiz, há uma busca por fazê-lo sentir-se inserido<br />

nesta cultura, a brasileira, de forma que o ensino é atravessado por elementos bem<br />

contextualizados com a realidade social do Brasil.<br />

O princípio norteador é entender que uma língua-cultura é um sistema<br />

simbólico e social. Seu aprendizado não pode ser explorado de forma<br />

mecânica e por meio de exercícios de repetição. Ele pressupõe a participação<br />

das crianças como sujeitos desses sistemas. (BORUCHOWSKI; LICO, S.d,<br />

p.31).<br />

Dessa forma, os professores e pais podem e usam, constantemente, músicas,<br />

literatura, artes visuais, notícias, produções dos mais diversos gêneros textuais, qualquer<br />

plataforma que varie entre o contexto formal e informal, e que funcione como um<br />

gatilho neste processo de avivar a brasilidade destas crianças, já que, com esse contato,<br />

haverá uma ampliação do arcabouço linguístico do aprendiz.<br />

A partir de todas essas considerações, não é raro que haja uma percepção de<br />

que o ensino de POLH perpasse mais os pressupostos extralinguísticos, uma vez que se<br />

amarra aos dizeres do conceito de uma brasilidade que toque o educando que está tendo<br />

contato com a LP nas condições propostas pelo Português como Língua de Herança,<br />

fazendo com que língua e cultura se entrelacem e se fundam nessa propositura de<br />

ensino.<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A língua não é construída apenas por elementos estruturais, “sobe pelo<br />

Português Brasileiro o verde do Brasil” (ALMEIDA, 2017, p.35), de forma que um<br />

ensino que se propõe a transmitir o legado cultural de um povo é trespassado por<br />

676


elementos extralinguísticos da língua que propaga. O ensino de POLH, por meio da<br />

língua que dissemina em seus postulados, carrega em si algo maior que a Língua<br />

Portuguesa do Brasil, pois carrega o patrimônio im<strong>ate</strong>rial de um povo que, por sua vez,<br />

é refletido nesta língua.<br />

A cultura brasileira que se enraíza na língua desenvolve características<br />

próprias do povo que dela faz uso, o que podemos averiguar nas mais simples criações<br />

linguísticas, como, por exemplo, as produções frasais. A Língua Portuguesa em sua<br />

modalidade brasileira utiliza-se de uma sintaxe diferente da que nos é apresentada no<br />

cânone da Língua Portuguesa, a estrutura padrão constituída por Sujeito + Verbo +<br />

Complemento é substituída, na fala oral coloquial, por uma língua onde o sujeito é<br />

proeminente, abarrotada de topicalizações, indo de encontro aos princípios da gramática<br />

normativa. Vemos uma quebra estrutural, uma singularidade refletida na língua, uma<br />

adaptação realizada a partir das conveniências linguísticas que nosso povo requer, e<br />

tudo está incorporado nas conjecturas do Português como Língua de Herança, que faz<br />

uma intensa utilização de elementos extralinguísticos para conquistar seu objetivo, a<br />

transferência da herança, de algo que não é palpável, a transmissão identitária de um<br />

povo.<br />

Ao analisarmos m<strong>ate</strong>riais didáticos empregados no ensino de POLH,<br />

pudemos ver como o desafio de repassar a tão falada brasilidade de nosso povo está<br />

intrinsecamente ligada ao aproveitamento da Língua Fluida, já que essa modalidade da<br />

expressão oral apreende mais traços culturais da comunidade brasileira, uma vez que é<br />

talhada no Brasil com o que é normal nessa comunidade linguística. É importante<br />

ressaltar que também há um forte e rígido ensino da língua considerada formal, a<br />

Língua Colonizada. Afinal o mundo social requer sua utilização, porém há um enfoque<br />

em mostrar como tudo se trata de adequabilidade, de como cada situação solicita uma<br />

aplicação distinta da língua, situações partilhadas por todos os idiomas. Sempre haverá<br />

situações formais e informais que exigirão do falante maleabilidade a escolher suas<br />

palavras, estruturas sintáticas, enfim, de formular suas sentenças e, independente dessas<br />

diferenças, o Português será brasileiro.<br />

677


Em linhas gerais, é notável como o POLH permanece arraigado a sua<br />

intenção inicial, de transmitir e partilhar um Brasil por meio da língua, não havendo um<br />

distanciamento de sua missão primordial: transferir a im<strong>ate</strong>rialidade cultural de um<br />

povo.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALMEIDA, Sonia. A língua e a árvore: uma herança com chão e tempo. 1. ed. São<br />

Luís: EDUFMA, 2017.<br />

________; HEATH, Andréa Menescal. Palavras herdadas sobre Português como<br />

Língua de Herança. 1. ed. São Luís: EDUFMA, 2017.<br />

________; ARANHA, Marize Barros Rocha. Estágio do Curso de Licenciatura em<br />

Letras: confronto entre o discurso oficial e o acadêmico. In: SAMPAIO, Maria Lúcia;<br />

REZENDE, Neide Luzia de; BONFIM, Maria Núbia Barbosa. (Org.). Ensino de Língua<br />

Portuguesa: entre documentos, discursos e práticas. 1 ed. São Paulo: HUMANISTAS,<br />

2012.<br />

BORUCHOWSKI, Ivain Destro; LICO, Ana Lúcia. COMO MANTER E<br />

DESENVOLVER O PORTUGUÊS COMO LÍNGUA DE HERANÇA: SUGESTÕES<br />

PARA QUEM MORA FORA DO BRASIL. Disponível em:<br />

Acesso em 23 out. 2017.<br />

MENDES, E. PORTUGUÊS GERA INTERESSE MUNDIAL “NUNCA VISTO”:<br />

depoimento [2014] Macau: Plataforma Macau. Entrevista concedida a Patrícia Neves.<br />

SURDI, Marcia Ioni; LUZ, Mary Neiva da. O FUNCIONAMENTO DAS NOÇÕES DE<br />

“LÍNGUA FLUIDA” E “LÍNGUA IMAGINÁRIA”: O CASO DE UMA GRAMÁTICA<br />

NORMATIVA. Disponível em:<br />

Acesso em: 18<br />

nov. 2017.<br />

678


ORLANDI, Eni Pulcinelli; SOUZA, Tânia Conceição Clemente de. A língua imaginária<br />

e a língua fluida: dois métodos de trabalho com a linguagem. In: ORLANI, Eni<br />

Pulcinelli (Org.). Política linguística na América Latina. Campinas: Pontes, 1988.<br />

679


O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO TAMBOR DE CRIOULA NA INFANCIA<br />

MARANHENSE<br />

THE TEACHING AND LEARNING OF THE CRIOLLO DRUM IN<br />

MARANHÃO CHILDHOOD<br />

Raphyza Oliveira Ferreira<br />

Pedagoga (UFMA), Especialista em Docência do Ensino Superior (IESF)<br />

Bruna Monique Cunha Rodrigues<br />

Pedagoga ( UFMA), Especialista em Gestão, Supervisão e Orientação Educacional (<br />

CAPEM)<br />

Profª. Ms. Thays Andrea Lopes Carvalho de Figueiredo Lopes<br />

Eixo 1: Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O presente estudo aborda o ensino e a aprendizagem da dança do Tambor<br />

de Crioula na infância, tendo como base a importância do resg<strong>ate</strong> e preservação dessa<br />

manifestação cultural em nossa cidade. Partindo da questão central que passa pela<br />

investigação de como acontece o ensino e a aprendizagem do Tambor de Crioula para<br />

crianças, problematizei perguntas direcionadas aos presidentes de grupos de Tambor de<br />

Crioula, coureiras e crianças que frequentam esses grupos, do tipo: Como ocorre o<br />

ensino do Tambor para as crianças? Você tem algum projeto específico para trabalhar<br />

com essas crianças? Qual a importância de ensinar o Tambor de Crioula às crianças?<br />

Após o Tambor de Crioula ter recebido o título de Patrimônio Im<strong>ate</strong>rial, quais foram às<br />

melhorias de recursos para os grupos? Para respondermos a esses e outros<br />

questionamentos foi desenvolvida uma pesquisa teórica, na qual no primeiro momento<br />

fiz uma retrospectiva histórica sobre a cultura e a cultura popular no Brasil e no<br />

Maranhão. No segundo momento, abordei a cultura popular em São Luís – MA,<br />

enfocando mais especificamente o Tambor de Crioula. No terceiro momento,<br />

desenvolvi a parte empírica, na qual analisei as respostas dos sujeitos da pesquisa por<br />

meio de entrevistas estruturadas articuladas aos eixos teóricos escolhidos. Foi possível<br />

680


constatar que a Dança do Tambor de Crioula, mesmo tendo sido considerada Patrimônio<br />

Cultural Im<strong>ate</strong>rial, precisa ser mais apoiada pelos órgãos governamentais que executam<br />

as políticas de educação e cultura, para que as atuais e as futuras gerações conheçam e<br />

se apropriem dos elementos que constituem essa manifestação. Em suma, pretendo<br />

contribuir com os estudos sobre o ensino e a aprendizagem do Tambor de Crioula na<br />

infância em São Luís – MA, apresentando reflexões sobre a realidade pesquisada.<br />

Palavras – Chave: Tambor de crioula. Educação e cultura. Ensino Aprendizagem na<br />

infância.<br />

ABSTRACT: The present study focuses on the teaching and learning of dance Drum<br />

Creole in childhood, based on the importance of the rescue and preservation of this<br />

cultural event in our city. Leaving the central issue that involves the investigation of<br />

how teaching and learning happens Drum Creole children, problematizei questions<br />

directed to the chairmen of groups of Creole Drum, coureiras and children who attend<br />

these groups, such as: How is the teaching of drum for children? Do you have a specific<br />

project to work with these children? What is the importance of teaching the barrel<br />

Creole children? After the barrel Creole have received the title of Intangible Heritage,<br />

which were to feature enhancements for groups? To answer these and other questions<br />

we developed a theoretical study, in which at first made a historical retrospective on<br />

culture and popular culture in Brazil and Maranhão. The second time, I discussed the<br />

popular culture in São Luís - MA, focusing more specifically the barrel Creole. On the<br />

third time, I developed the empirical part in which I analyzed the responses of the<br />

subjects through structured interviews articul<strong>ate</strong>d the chosen theoretical axes. It was<br />

found that the Drum Dance of Creole, even being considered Intangible Cultural<br />

Heritage needs to be supported by government agencies that execute the policies of<br />

education and culture, so that current and future generations to know and appropri<strong>ate</strong><br />

the elements that constitute this event. In short, I intend to contribute to studies on<br />

681


teaching and learning Creole Drum childhood in São Luís - MA, presenting reflections<br />

on the reality studied.<br />

Keywords: Culture, Popular Culture, Drum Creole, Teaching Learning Process, Child.<br />

A NECESSÁRIA RELAÇÃO ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO<br />

Há tempos se discute sobre a importância da cultura, a qual muitos<br />

acreditam que são as tradições, lendas e costumes de um povo transmitidos de geração a<br />

geração. Diferentes conceitos e visões vêm sendo apresentados por diversos autores<br />

com enfoques distintos e ou complementares.<br />

Segundo Huizinga (2000), cultura é um jogo, pois antes mesmo de surgir o<br />

termo cultura, na Roma antiga já se jogava e a partir daí, com o passar do tempo, foi<br />

surgindo uma cultura de massa que era transmitida por meio dos valores daquela<br />

civilização. Com isso, é notório que para toda sociedade, os costumes e tradições<br />

transmitidos através das gerações de uma determinada civilização vai tornando-se a<br />

cultura do povo.<br />

Chauí (2006) nos faz pensar sobre a diferença existente da cultura do povo e<br />

da elite, não existindo a cultura elitizada sem a cultura popular, na medida em que “a<br />

ideia de padrão cultural único e melhor implica, por um lado, a imposição da mesma<br />

cultura para todos e, por outro lado, simultaneamente, a interdição do acesso a essa<br />

cultura “melhor” por parte de pelo menos uma das classes da sociedade” (Idem, p. 50).<br />

Isso significa que na sociedade capitalista nem todos tem acesso aos<br />

elementos culturais necessários que podem contribuir para uma formação mais humana,<br />

tanto no espaço escolar, como fora dele. A partir desse posicionamento, percebe-se que<br />

embora os direitos devessem ser iguais para todos, a possibilidade da cultura ser<br />

amplamente socializada é improvável, pois os seres humanos desde o seu nascimento<br />

682


vão se adequando a costumes familiares, costumes estes que não são semelhantes em<br />

todas as famílias, o que vai gerando as contradições culturais.<br />

Como Arantes (2006) afirma, os elementos culturais nada significam<br />

individualmente, pois a cultura está ligada intimamente a um conjunto de pessoas.<br />

Ainda segundo Arantes, “os eventos culturais articulam-se na esfera do político, no<br />

sentindo mais amplo do termo, ou seja, no espaço das relações entre grupos e segmentos<br />

sociais” (Idem, p.50).<br />

Portanto, percebemos que a cultura é constituída por todo o conjunto dos<br />

afazeres sociais, políticos, econômicos, psicológicos, tradições, entre outros fatores.<br />

Com isso volto ao questionamento inicial, o que é cultura. Tendo em vista o que foi<br />

pontuado é possível afirmar que a cultura está ligada a todos os costumes de uma<br />

determinada sociedade. É a partir dessa concepção que compreendo o desafio de mediar<br />

e conservar as heranças dos nossos povos com tantas diferenças culturais.<br />

O saber cultural surge a partir do contexto social e a transmissão do<br />

conhecimento através das gerações, pois nós aprendemos inicialmente pela imitação.<br />

Nessa perspectiva, a cultura apresentada através da educação, deve se identificar com o<br />

contexto social de uma determinada população, o qual dará o significado a sua<br />

existência.<br />

O tema cultura está se tornando cada vez mais presente nas escolas como<br />

forma de valorização e respeito à diversidade cultural dos alunos, pois busca a formação<br />

de cidadãos comprometidos com o social e com a validação dos seus direitos.<br />

O ensino da arte nas escolas que poderia dar mais ênfase as questões<br />

culturais tem contemplado pouco as questões relativas à diversidade étnica e cultural, os<br />

diferentes modos de aprendizagem e outras características dos diversificados grupos<br />

culturais que compõem a sociedade e a cultura brasileira.<br />

Segundo Nascimento (1996) a supressão cultural é a total ausência de<br />

diferenciação cultural nas aulas de artes, e a ênfase unil<strong>ate</strong>ral de cultura deve-se à<br />

enorme valorização atribuída à cultura popular. Para Nascimento (1996, p. 10), “a<br />

683


supressão cultural ocorreu no período da Escola Nova, momento em que prevaleceu a<br />

concepção de arte, como livre expressão”.<br />

Os professores que trabalhavam nessa concepção não incluíam ou<br />

consideravam as contribuições dos diversos grupos minoritários. Para Saviani (1992, p.<br />

64), “[...] esta tendência pedagógica correspondeu a um refluxo e até mesmo um<br />

desaparecimento daqueles movimentos populares que advogam uma escola mais<br />

democrática aos seus interesses.” A ênfase unil<strong>ate</strong>ral de cultura foi estimulada pela<br />

ideologia populista. Valoriza-se nela, sobretudo, a cultura popular, não se promove o<br />

acesso à arte erudita.<br />

As definições e conceitos do termo cultura popular ou folclore sempre<br />

tiveram uma barreira para transpor. Seria esta a cultura do povo ou a cultura para o<br />

povo? Os próprios produtores e legítimos responsáveis por esta produção, as chamadas<br />

classes populares, não tem esta definição para o seu produto cultural.<br />

Este conceito, criado pelas elites em contraponto a cultura erudita, acabou<br />

utilizando critérios como tradicional, típico, regional, para designar as manifestações<br />

populares, o que gerou uma visão preconceituosa sobre estes estudos nas escolas.<br />

A educação escolar como mais importante transmissora da cultura dá-se<br />

através da formação do espírito humano, progresso e à civilização de caráter individual<br />

ou coletivo. No entanto, a escola nem sempre trabalha com as expressões culturais que<br />

as crianças vivenciam em outros espaços.Os Projetos Político Pedagógicos que<br />

poderiam ser verdadeiros instrumentos norteadores de inclusão da cultura, muitas vezes<br />

não existem ou não são discutidos e avaliados no coletivo da comunidade escolar e<br />

acabam perdendo seu significado e sentido.<br />

As nossas instituições de ensino fazem aulas passeio para que as crianças<br />

tenham acesso à cultura, o que já é uma iniciativa interessante, mas acreditamos que<br />

essas manifestações culturais também deveriam ser trabalhadas num projeto<br />

interdisciplinar, pois é notório que qualquer manifestação cultural pode ser trabalhada<br />

em todas as disciplinas oueixos curriculares.<br />

684


No entanto, o que pode ser constatado é que a cultura realmente vem sendo<br />

trabalhada em ações complementares à escola. Ações essas que tem por uma das<br />

finalidades <strong>ate</strong>nderem as crianças e adolescentes em horário alternado da escola com<br />

intuito em ocupar mais tempo da vida desses sujeitos.<br />

A educação vai mesmo além da escola, pois antes da criança começar a<br />

frequentar a escola já começa sua educação, que vem compor os seus conhecimentos<br />

prévios, devendo ser valorizados para facilitar a aprendizagem do aluno.<br />

O horizonte que a educação popular traz é, segundo Brandão (1984, p.103),<br />

“A educação através da qual ele, o sujeito, não se veja apenas como um anônimo sujeito<br />

da cultura brasileira, mas como um sujeito coletivo da transformação da história e da<br />

cultura do país”.<br />

Em suma, segundo Gonçalves (1999), o campo da educação vem abarcando<br />

essas questões de forma progressiva e, somente a partir da última década é que se<br />

expressa, com maior definição, as preocupações multiculturais.<br />

Essas questões relacionadas ao valor educativo do folclore e sua aplicabilidade na<br />

escola nos levam a um discurso atual que tem procurado compreender uma dinâmica e o<br />

significado que tem o estudo do folclore e as relações da cultura popular com os saberes<br />

escolares na sala de aula.<br />

O estudo do folclore é desta forma apresentado como um conhecimento<br />

geral da cultura de um povo, que merece ser estudado nas escolas que fazem parte da<br />

vida destes povos, como forma de reconhecimento e legitimação desta cultura.<br />

Para Ferretti, “a palavra folclore é utilizada para definir o que vem do povo<br />

as diversas manifestações artísticas populares, a sabedoria tradicional do povo”. (2002,<br />

p.22). E indo mais adiante, Lima afirma o conceito de Ferretti, “o folclore tem sido<br />

considerado, em última instância, a ciência das antiguidades populares, isto é, do que há<br />

de antigo na cultura de nossa sociedade”. (1972, p.14, apud, FERRETTI, 2002, p.23).<br />

Benjamim também apresenta reflexões importantes sobre a dinamicidade do<br />

folclore:<br />

685


Folclore entendido como cultura popular tradicional é dinâmico e evolui com<br />

as mudanças da sociedade. Folclore não é sobrevivência, mas cultura viva.<br />

As manifestações folclóricas são criação do povo brasileiro, embora algumas<br />

não sejam criações espontâneas, pois foram recriadas e incorporadas às<br />

tradições brasileiras. (BENJAMIM, 2001, apud NUNES, 2006, p. 45).<br />

E para retificar a ideia de Benjamim, Carvalho (1988) afirma que: Se o<br />

folclore é a região da memória longa, concluía-se, mais sólida é a identidade e mais<br />

integrada a comunidade que melhor a preserve. A radicalização desse estado de coisas é<br />

a homogeneidade cultural, através da construção de uma memória comum (p.34).<br />

O folclore surge a partir da convivência entre os povos, o que define a<br />

cultura regional, pois cada cidade tem uma influência cultural diferente, criada a partir<br />

de sua história e de suas lutas políticas. Essas marcas culturais não podem ser<br />

desprezadas pela escola, na medida em que esta também tem o papel de contribuir para<br />

a valorização e transmissão da cultura.<br />

Diante do exposto, percebe-se que pensar cultura não é algo tão simples<br />

como muitos pensam, pois sabemos que na cultura há muitas diversidades e que a<br />

mesma vai além da herança passada através das gerações, constituindo-se em uma<br />

produção histórica de um determinado grupo social. A cultura popular, embora seja um<br />

instrumento de conservação, pode ser também um instrumento de transformação social.<br />

De acordo com Arantes (2006) a cultura está relacionada ao nosso passado,<br />

no entanto, há mudanças que ocorrem em cada momento da sociedade para, desta<br />

forma, esta poder sobreviver na transmissão do conhecimento às gerações.<br />

Sabemos que os produtores da cultura popular brasileira foram os negros, os<br />

índios e os portugueses. Cada um com os seus costumes, que no momento da<br />

colonização uniram-se e foram gerando novas culturas, e percebemos que essa cultura<br />

vem adaptando-se de acordo com as novas tendências.<br />

Em contra partida não podemos esquecer que a formação da cultura popular<br />

não é influenciada apenas pela essência das três raças que contribuíram para a nossa<br />

formação. Temos que levar em consideração o período da colonização, a troca de<br />

costumes e tradições, que desta forma fez surgir uma nova cultura, que a priori, é uma<br />

686


cultura elitizada marcada pelos traços europeus e ao mesmo tempo uma cultura<br />

marginalizada e de resistência, pertencente aos índios e negros.<br />

As crianças nascem em um contexto sociocultural determinado e aprendem<br />

seus comportamentos a partir dos valores e crenças presentes em suas vidas, recriando e<br />

ressignificando o que aprenderam, primeiramente por meio do desenvolvimento da<br />

linguagem e das brincadeiras. A escola sendo o espaço em que essa criança passará uma<br />

boa parte de seu tempo de vida precisa considerar esse ser que é cultural e que trará<br />

novas impressões sobre o mundo da cultura.<br />

Como vimos à cultura está presente na vida de todos, mesmo com as<br />

diferenças de classes. Mas só existe cultura erudita porque existe cultura popular ou vice<br />

versa. A elite havia um contexto cultural que só pertenciam a eles, as classes baixas<br />

também sentiam necessidade em ter lazer, conhecer arte, música dentre outras coisas.<br />

Com isso surge a cultura popular ou cultura do povo para <strong>ate</strong>nder essa demanda. A<br />

partir desse pressuposto Arantes (2006), afirma que:<br />

A “cultura popular” surge como “outra” cultura que por contraste ao saber ao<br />

saber culto dominante apresenta-se com “totalidade” embora sendo na<br />

verdade, construída através da justaposição de elementos residuais e<br />

fragmentários considerados resistentes a um processo “natural” de<br />

deterioração. (ARANTES, 2006, p.18).<br />

Com base nesse posicionamento Chauí (2006) reafirma que, a cultura<br />

popular surge da resistência do povo para mostrar que a embora seja o povo não<br />

pertence só a ele, mas a toda sociedade, atualmente ela produzida pelo povo para<br />

<strong>ate</strong>nder toda a demanda social e cultural. Ainda segundo Chauí (2006),A cultura como<br />

sendo do povo permitiria assinalar mais claramente que ela não está simplesmente no<br />

povo, mas que é produzida por ele, enquanto a nação de popular é suficientemente<br />

ambígua para levar suposições de que representações, normas e práticas porque são<br />

encontradas nas classes dominadas são isso facto, do povo. Em suma, não é porque é do<br />

povo que é do povo. (CHAUÌ, 2006, p.53).<br />

687


Diante do exposto, percebe-se que pensar cultura não é algo tão simples<br />

como muitos pensam. Pois sabemos que a cultura há muitas diversidades, e que a<br />

mesma não é uma simples herança passada através das gerações, mas sim uma produção<br />

histórica de um determinado grupo social. Contudo a cultura popular embora seja um<br />

instrumento de conservação, mas também como uma transformação social.<br />

De acordo com Arantes percebemos que a cultura está relacionada ao nosso<br />

passado, no entanto há mudanças que ocorrem em cada momento da sociedade para<br />

desta forma está poder sobreviver na transmissão do conhecimento das gerações.<br />

Arantes (2006) diz que:<br />

Embora se preocupe ser fiel à “tradição”, ao “passado” é impossível deixar<br />

de agregar novos significados e conotações ao que tenta reconstituição é<br />

informada por e é parte de uma reflexão sobre a história da cultura e da arte<br />

que, em grande medida, escapa aos produtores “populares da cultura”.<br />

(ARANTES, 2006, p.19).<br />

Sabemos que os produtores da cultura popular foi o negro, o índio e os<br />

portugueses. Cada um com os seus costumes, que no momento da colonização uniramse<br />

e foram gerando novas culturas, e percebemos que essa cultura vem adaptando-se de<br />

acordo com o as novas tendências.<br />

Em contra partida não podemos esquecer que a formação da cultura popular<br />

não é influenciada apenas pela essência das três raças que contribuíram para a nossa<br />

formação. Temos que levar em consideração o período da colonização, a troca de<br />

costumes e tradições que desta forma surge uma nova cultura. Que a priori é uma<br />

cultura elitizada com enfoque nos europeus e uma cultura marginalizada pertencente aos<br />

índios e negros.<br />

No entanto, essa relação de cultura dominante e cultura dominada com o<br />

passar do tempo deixam de ser tão diferenciada. Pois, a nossa cultura é formada pelo<br />

conjunto de valores ao longo de nossa história.<br />

688


TAMBOR DE CRIOULA<br />

Segundo Ferretti (2002), Tambor da Crioula é uma das danças afrobrasileiras<br />

mais recorrentes no Maranhão, sendo caracterizada pela presença da<br />

umbigada, que recebe o nome de “punga”. Desenvolvida apenas por mulheres em<br />

formação circular, a coreografia é executada de forma individual e consta de sap<strong>ate</strong>ios e<br />

requebros voluptuosos, com todo o corpo, terminando com a “punga”, batida no<br />

abdômen de outro participante da roda. A punga é uma forma de convite para que outra<br />

dançarina assuma a evolução no centro da roda. Os cantos são repetitivos, à semelhança<br />

de estribilho.<br />

Podemos perceber pela descrição de Ferreti, que o Tambor de Crioula<br />

tornou-se uma expressão artística muito sensual quando passou a ser dançado por<br />

mulheres. Tambor de Crioula no Maranhão é uma manifestação cultural através da<br />

dança e do toque de tambores, praticados prioritariamente por negros. Tambor de<br />

Crioula se aproxima de outras danças de umbigada existentes na África e no Brasil,<br />

somente no Maranhão ela é conhecida com esta denominação. É uma dança de<br />

divertimento ou pagamento de promessas de origem africana, sem época fixa de<br />

apresentação, e que se incorpora as práticas do catolicismo tradicional e da religião afromaranhense.<br />

O Tambor de Crioula foi identificado e descrito por pesquisadores como<br />

“uma referência significativa no conjunto das manifestações culturais locais”,<br />

contribuindo para a formação do patrimônio e da identidade cultural negra e afrobrasileira<br />

da região abrangidapela Ilha de São Luís.<br />

Segundo Ferretti (2002), os negros ao chegarem ao Brasil na condição de<br />

escravo, torturados, oprimidos, não tinham chances em praticar seus rituais. Com isso,<br />

eles começaram a fazer seus cultos clandestinos para não extinguir seus costumes. E<br />

assim aconteceram com o Tambor de Crioula, muitos grupos estavam acabam com o<br />

tempo, alguns costumes foram sumindo e agora que o a dança foi considerado<br />

Patrimônio Cultural Im<strong>ate</strong>rial essa manifestação está sendo resgatada.<br />

689


Com isso o Tambor de Crioula deixa de ser um ritual marginalizado e passa<br />

a ser uma manifestação cultural admirada por toda a sociedade, o que nos fica muito<br />

claro o que já havia mencionado a Chauí que não é porque algo está no povo que é do<br />

povo.<br />

É importante observar ainda que existem muitas diferenças entre uma festa<br />

de Tambor de Crioula, organizada pelos próprios brincantes e uma apresentação<br />

programada por entidades oficiais, como a empresa Maranhense de Turismo.<br />

Quadro 01: Diferenças da dança do Tambor de Crioula<br />

RITUAL<br />

(Festa)<br />

Oferecida ao santo em pagamento de<br />

promessas;<br />

Grupo informal de amigos, vizinhos e<br />

parentes;<br />

Os brincantes são convidados ou<br />

vão espontaneamente para a festa a<br />

fim de se divertir;<br />

Os participantes comparecem com<br />

qualquer roupa;<br />

Não há números exatos de<br />

Participantes<br />

Qualquer brincante pode tocar cantar<br />

e dançar.<br />

Não há remuneração<br />

Não existem ensaios<br />

Festa de devoção particular de<br />

interesse do dono da festa<br />

Marginalizada pelos preconceitos da<br />

sociedade<br />

Fonte: FERRETTI, 2002, p.31.<br />

ESPETÁCULO<br />

(Apresentação Programada)<br />

Apresentada a turistas;<br />

Grupo formalizado como pequenas<br />

empresas;<br />

Os brincantes são convocados pelos<br />

promotores da festa;<br />

Apresentam-se com a “farda” do grupo;<br />

Número de participantes limitados<br />

Só participam as pessoas do grupo.<br />

Há remuneração<br />

Há ensaios<br />

Não há outras determinações<br />

Valorizada como exótica<br />

690


Não existe um calendário fixo para apresentação do Tambor Crioula. Pode<br />

ser brincando em qualquer dia do ano, preferentemente nas noites de fins de semana ou<br />

véspera de feriado. Costuma ser dançado principalmente em homenagem a São<br />

Benedito.<br />

Tradicionalmente, o Tambor de Crioula também costuma ser realizado nos<br />

dias de sábado de Aleluia, 13 de Maio, dia de Nossa Senhora do Rosário e alguns outros<br />

Santos ou ainda em qualquer outra época conforme as conveniências.<br />

O processo de aprendizagem é espontâneo e informal. Realiza-se<br />

principalmente através da convivência entre pessoas que pertencem ou se identificam<br />

com o grupo social que cultiva o Tambor de Crioula. É comum se observar hoje em dia<br />

nas festas, do lado de fora da roda de dança, criança tentando aprender, imitando<br />

tocadores, cantadores e dançantes.<br />

É interessante destacar que há vários tipos de Tambor de Crioula que é<br />

diferenciado de acordo com a sua localidade tanto que a batida do interior é diferente da<br />

capital. De acordo com os relatos dos brincantes a do interior é uma batida mais forte,<br />

mais rápida e a da cidade como eles falam é um pouco mais lenta.<br />

Podemos perceber essa diferença na colocação de Ferretti (2003), quando<br />

ele diz:<br />

No Baixo Mearim no município de Bacabal, o sotaque é diferente do da<br />

capital. No Mearim, o toque é forte e rápido, percebendo a mistura com<br />

outros batuques. Em Codó, também é muito forte, aproximando-se do terecô.<br />

Nos povoados do município, a dança e o toque são mais pausados. Na<br />

Baixada, segue a linha do sotaque de Zabumba, pois os tocadores são os<br />

mesmo no Tambor de Crioula e do Bumba Meu Boi. Em Anajatuba e em<br />

Rosário os homens dançam, ocorrendo a punga entre os homens, que provoca<br />

queda no chão. Em Santa Rita, a dança tem influência da dança do coco e as<br />

mulheres dançam com leveza. (FERRETTI, 2003, p.339).<br />

Contudo fica evidente que a dança sofre influências que mais predomina em<br />

sua região. Mas todos com a mesma essência. Destacando o Tambor da cidade de<br />

Rosário e Anajatuba, que é prioritariamente dançado por homens. É interessante que a<br />

influência vem da capoeira, e eles começam a dançar e a intenção da punga é derrubar o<br />

691


outro dançarino no chão, por isso a pungada é dando uma joelhada, ou rasteira e sai da<br />

roda quem cai primeiro.Mas infelizmente essa manifestação está ficando extinta. E por<br />

isso que devemos continuar na luta pela preservação da dança. E para que isso ocorra há<br />

a necessidade de ensinar a dança desde a infância.<br />

O ENSINO E A APRENDIZAGEM DO TAMBOR DE CRIOULA NA INFÂNCIA<br />

A educação escolar está sendo obrigada a abrir espaço para as diversas<br />

modalidades de ensino educacional. Pois nos é transmitido que a escola não está com<br />

um enfoque nas diversas formas de ensinar, devido a isso é de fundamental importância<br />

relembrar como surgiu a educação e ressaltar as diversas formas de educar.<br />

A instituição escolar nasce em Atenas, por volta dos anos 600ac, marcado<br />

predominantemente pela distinção dos que sabem e dos que fazem. Aparecendo assim<br />

os que sabem e os que ensinam. Desta forma a simples educação transforma-se em<br />

ensino, que necessita o aparecimento da pedagogia, deixando um pouco de lado o saber<br />

popular e exigindo apenas o saber dos professores. Com isso vai aparecendo os vários<br />

níveis de ensino de acordo com a necessidade da época.<br />

A educação ajuda a pensar em vários tipos de homens, contribuindo para a<br />

formação do caráter dos mesmos. Esta acontece em vários âmbitos mesmo sendo fora<br />

da escola, pois a localidades que estas não chegam com isso a outros tipos de educação,<br />

no entanto a transmissão do conhecimento.<br />

Pensar sobre a educação popular obriga a uma revisão do sentido da própria<br />

educação. Pelo menos entre aqueles que a pensam de modo mais motivado, a educação<br />

popular parece não só existir fora da escola e à margem, portanto de uma “educação<br />

escolar”, de um “sistema de educação”, ou mesmo “da educação”, como também parece<br />

resistir a tudo isso.<br />

A educação popular não parece ser um modelo único e paralelo de prática<br />

pedagógica, mas um domínio de ideias e práticas regido pela diferença, para explorar o<br />

692


próprio sentido da educação, através de percorrer os diferentes modos de seu ser como<br />

educação popular.<br />

Na perspectiva de Brandão a educação surge a partir da necessidade da<br />

sociedade em ensinar e aprender. A escola surge a partir daí a necessidade de iniciar a<br />

divisão das tarefas, a necessidade de sistematizar as diferentes formas de trabalho. Este<br />

é o inicio da educação e surge a necessidade de uma Pedagogia que determinará as<br />

metodologias utilizadas na prática de ensino.<br />

Finalmente, os gregos ensinam o que hoje esquecemos. A educação do<br />

homem existe por toda parte e, muito mais do que a escola, é o resultado da<br />

ação de todo o meio sociocultural sobre os seus participantes. É o exercício<br />

de viver e conviver o que educa. E a escola de qualquer tipo é apenas um<br />

lugar e um momento provisório onde isto pode acontecer. Portanto, é a<br />

comunidade quem responde pelo trabalho de fazer com que tudo o que pode<br />

ser vivido e aprendido da cultura seja ensinado com a vida e também com a<br />

aula ao educando. (BRANDÃO, P.47)<br />

Fica evidente que a educação pode ser formal e não formal. A primeira vem<br />

ser trabalhada no âmbito escolar com métodos mais tradicionalistas e atualmente já está<br />

sendo muito trabalhado métodos de ensino inovadores. Enquanto a segunda tem<br />

diversas vertentes dentre as quais: ambiental, familiar e cultural, dentre outras.<br />

Estaremos dando ênfase na educação cultural como estimulo a educação escolar.O saber<br />

cultural surge a partir do contexto social e a transmissão do conhecimento através das<br />

gerações, pois nós aprendemos pela imitação. Devido a isso todos em algum momento<br />

da sua vida além de ser apenas um aprendiz também passam a ser mestre.<br />

A cultura, apresentada através da educação, deve-se identificar com o<br />

contexto social de uma determinada população, no qual dará o significado a sua<br />

existência e funcionalidade. Nessa perspectiva será analisada a educação cultural, na<br />

preservação e aprendizagem do Tambor de Crioula na infância.<br />

693


BREVE CARACTERIZAÇÃO DOS GRUPOS DE TAMBOR DE CRIOULA<br />

SELECIONADOS<br />

No primeiro momento da delimitação da pesquisa foi necessária a<br />

catalogação dos grupos de Tambor de Crioula em São Luís – MA para a definição de<br />

quais grupos poderiam fazer parte dessa investigação. Consultando o livro Os Tambores<br />

da Ilha de Rodrigo Pamassote e estabelecendo contato com algumas pessoas<br />

relacionadas aos grupos de tambor comecei a conhecer melhor esse universo.<br />

Foram muito interessantes os primeiros contatos, pois, os próprios<br />

presidentes dos grupos indicavam outros grupos que tem a participação de crianças.<br />

Inicialmente, verifiquei a existência de 58 grupos de Tambor de Crioula em São Luís–<br />

MA e logo após tentei descobrir quais trabalham com crianças.Embora tenham muitos<br />

grupos de Tambores com crianças, não conseguir conversar com todos. Nesse<br />

momento, consegui contato com 12 grupos de Tambor de Crioula, nos bairros do<br />

Centro, Liberdade, Cohab, Alemanha, Vila Embr<strong>ate</strong>l, Desterro e Praia Grande.Alguns<br />

grupos demonstraram resistência em permitir a realização desta pesquisa, pois<br />

acreditam que as pessoas ao observar em os grupos mais de perto irão apenas fazer<br />

críticas e não irão contribuir com nada. Outros que aparentemente autorizavam a<br />

pesquisa, sempre colocavam empecilhos, o que pode ter acontecido na intenção de<br />

provocar a desistência da pesquisa.<br />

Apesar das dificuldades temos grupos que sempre abrem as portas, são muito receptivos<br />

e estão dispostos a contribuir para a divulgação cultural, principalmente, de uma<br />

manifestação tão bonita. Com isso, dentre os 12 grupos que mantive contato, fiz a<br />

pesquisa com 4 grupos: o Tambor de Crioula Maracrioula da Liberdade, Tambor de<br />

Crioula Catarina Mina da Praia Grande, Tambor de CrioulaArte Nossa do Desterro<br />

e o Tambor de Crioula Encanto de São Benedito do Goiabal, que está localizado no<br />

Centro.<br />

O grupo Maracrioula, tem a sua sede na Rua Augusto Lima, nº 44, no<br />

Bairro da Liberdade, que é considerado um local que possui um alto índice de violência.<br />

694


Entretanto, o bairro também é rico em manifestações culturais. Surgiu a partir de 1918,<br />

com a criação do Matadouro, sendo que nessa época a entrada do bairro era feita por<br />

uma única estrada chamada Campina do Matadouro e o principal acesso era via barco.<br />

Este grupo surgiu a partir de uma reunião de amigos jovens que resolveram<br />

fazer algo diferente na sua comunidade, pois os grupos que existiam até o momento<br />

eram composto por pessoas mais idosas, o grupo já possui 11 anos de existência com 3<br />

CDs gravados.<br />

A sede do Tambor de Crioula Arte Nossa está localizada na Rua da<br />

Palma, nº92, Desterro, mais precisamente no Projeto Reviver no Centro da cidade. Cabe<br />

ressaltar que o bairro do Desterro é um dos onze que compõem o Centro Histórico de<br />

São Luís do Maranhão, tombado pela Unesco como patrimônio histórico da<br />

humanidade. Essa região da capital maranhense guarda um dos principais conjuntos<br />

arquitetônicos do Brasil dos séculos XV<strong>II</strong>I e XIX. Abrigando importantes construções<br />

desse legado histórico, como a Igreja do Desterro, uma das mais antigas de São Luís, e<br />

o Convento das Mercês, o bairro é uma região consolidada no roteiro turístico de quem<br />

visita a cidade, mas não tem tido a <strong>ate</strong>nção necessária dos poderes públicos em termos<br />

de conservação e segurança.<br />

As crianças são tidas no projeto como aquelas que irão manter vivas e ativas<br />

a cultura popular maranhense. Projeto este, que é denominado Ponto de Cultura Arte<br />

Nossa, pois além da dança do Tambor de Crioula, oferece várias outras oficinas<br />

desenvolvidas no estabelecimento, dentre as quais: oficina de máscaras, reforço escolar,<br />

bordados e leituras.<br />

O grupo Encanto de São Benedito surge quando, por motivo de doença, o<br />

presidente do grupo fez uma promessa a São Benedito, então quando a graça foi<br />

alcançada, o mesmo fez uma festa de tambor, que acabou fazendo ao longo dos anos<br />

pelo simples prazer em estar fazendo a roda de tambor. Esse grupo está localizado no<br />

Bairro do Goiabal, que fica atrás do Cemitério do Gavião no Bairro da Madre Deus.<br />

O grupo Catarina Mina, surge também a partir de uma promessa feita a<br />

São Benedito. Recebeu esse nome, pois, a sua sede está localizada na Rua Portugal, que<br />

695


fica na esquina com o Beco Catarina Mina. A Companhia de Cultura Popular Catarina<br />

Mina foi fundada por dois amigos, sendo que um é produtor cultural e professor de<br />

capoeira e uma arte educadora. A Companhia é uma instituição sem fins lucrativos, de<br />

caráter sociocultural e educacional. Surgiu devido à preocupação com a inserção dos<br />

jovens ludovicenses no Tambor de Crioula e é uma manifestação popular na qual 80%<br />

dos seus brincantes são idosos. Sua fundação é datada de 02 de março de 2000.<br />

Neste contexto, a ideia era mesmo organizar um Tambor de Crioula no qual<br />

sua composição fosse preferencialmente de jovens, partindo do princípio de que nesta<br />

fase da vida as pessoas sentem a necessidade de se aproximar de outras de mesma faixa<br />

etária, dando-se início a um processo de identificação e interesse delas por tema que<br />

favoreçam essa aproximação. Assim, com a formação do grupo, começaram as oficinas<br />

de dança e percussão, em que os trabalhos compreendem duas partes inseparáveis: a<br />

teoria e a prática.<br />

Após a caracterização dos quatro grupos de Tambor de Crioula pesquisados,<br />

seguem a metodologia e a análise dos dados coletados com sujeitos envolvidos,<br />

participante dos grupos aqui referenciados.<br />

METODOLOGIA DA PESQUISA<br />

A investigação sobre a temática seguiu alguns passos metodológicos que<br />

irei descrever. Inicialmente fiz um levantamento bibliográfico para a elaboração do<br />

projeto de pesquisa a partir das seguintes fontes bibliográficas: Baesse (2004), Brandão<br />

(1984), Ludke & André (1986).<br />

Essa fase é chamada de exploratória, pois segundo Goldenberg (2005),<br />

explorar é tipicamente a primeira aproximação de um tema e visa criar maior<br />

familiaridade em relação a um fato ou fenômeno. Dessa maneira, busquei alguns livros,<br />

periódicos, <strong>artigos</strong> e sites para assim, conhecer as mais variadas fundamentações<br />

teóricas sobre o tema. Logo em seguida, fiz algumas leituras para acrescentar mais<br />

elementos na redação do Projeto de Pesquisa.<br />

696


Posteriormente, iniciei a construção da monografia. Nesse sentido,<br />

necessitei fazer mais levantamentos bibliográficos e leituras. Para isto, utilizei os<br />

seguintes autores: Arantes (2006); Chauí (2006); Ferretti (2002); Nunes (2003);<br />

Pamassote (2003).<br />

Após a fase de leituras e fundamentação teórica para a construção do texto<br />

monográfico, me dirigi ao lócus de pesquisa, que foram quatro grupos de Tambor de<br />

Crioula: Arte Nossa, Catarina Mina, Encanto de SãoBenedito e Maracrioula, a fim<br />

de colher os dados empíricos.<br />

Na parte empírica utilizamos os seguintes procedimentos: primeiramente foi<br />

realizada a observação dos grupos e conversa com os presidentes. Este momento<br />

favoreceu a compreensão de como é a estrutura do grupo. Neste sentido, a pesquisa se<br />

centralizou como um estudo de caso.<br />

Segundo Triviños (1994, p. 18) o estudo de caso, “objetiva fornecer um conhecimento<br />

mais aprofundado de uma realidade delimitada, tendo os resultados sua validação só<br />

para o caso especifico”.<br />

O tipo de estudo de caso foi o observacional. Este é concebido como “uma<br />

c<strong>ate</strong>goria típica da pesquisa qualitativa, em que há presença de um observador nãoparticipante,<br />

o qual deve entender o contexto e rotinas da instituição” (TRIVIÑOS,<br />

1994, p. 21).<br />

Os instrumentos utilizados foram: a observação e a entrevista. A observação<br />

se deu nos momentos de contato nos grupos de Tambor de Crioula, que aconteceram<br />

para coletar dados para a construção da monografia.<br />

Já as entrevistas foram feitas com o presidente de cada um dos grupos, dois<br />

integrantes e duas crianças, também de cada grupo. No momento da entrevista foi feita a<br />

gravação, que em seguida foi transcrita para desta forma melhor compreender o que o<br />

entrevistado relatou.<br />

A entrevista foi do tipo estruturada que Richardson (1999) descreve como:<br />

Utilizada particularmente para descobrir que aspectos de determinada<br />

experiência produzem mudanças nas pessoas expostas a ela. O pesquisador<br />

697


conhece previamente os aspectos que deseja pesquisar e com base neles<br />

formula alguns pontos a tratar na entrevista. As perguntas depende do<br />

entrevistador, e o entrevistado tem a liberdade de expressar-se como ele<br />

quiser, guiado pelo entrevistador (p.212).<br />

Como método de abordagem adotei o m<strong>ate</strong>rialismo dialético, pois segundo<br />

Fernandes (1984) o m<strong>ate</strong>rialismo histórico dialético designa um conjunto de doutrinas<br />

filosóficas que, ao rejeitar a existência de um princípio espiritual, liga toda a realidade à<br />

matéria e às suas modificações. Portanto, o estudo das representações artísticas<br />

regionais inseridas num contexto educacional tem como intenção causar mudança na<br />

vida dessas pessoas que buscam melhor conhecer as especificidades locais para que<br />

desta forma possam usufruí-las com mais propriedade.<br />

E ainda segundo Lefébvre (1979), o m<strong>ate</strong>rialismo dialético possui várias<br />

c<strong>ate</strong>gorias conceituais para explicação de uma realidade, portanto optei pelas seguintes:<br />

contradição, relação essência/aparência e totalidade. A contradição parte do princípio de<br />

que o real ou a realidade social nunca se desenvolve de forma homogênea, equilibrada e<br />

linear, mas de forma conflituosa.<br />

A relação aparência/essência é no sentido que um objeto ao se manifestar<br />

apresenta uma aparência representada por uma explicação e uma essência representada<br />

pela fundamentação da aparência. A relação aparência/essência é verificada na prática<br />

do ensino e da aprendizagem na infância da dança do Tambor de Crioula.A forma de<br />

análise da pesquisa partiu de uma abordagem qualitativa e quantitativa, obtendo<br />

elementos quantitativos como quadros, que tiveram seus elementos analisados e<br />

interpretados.<br />

Na análise qualitativa nos apoiamos no referencial m<strong>ate</strong>rialista dialético, ou<br />

seja, procuramos em todo o momento assumirmos posicionamento crítico acerca da<br />

pesquisa.<br />

Em suma, consideramos que nossa pesquisa situa-se numa perspectiva<br />

qualitativa, considerando que, ao longo da nossa redação, busquei apresentar um caráter<br />

descritivo e interpretativo do caso estudado.<br />

698


ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS NA PESQUISA<br />

Iniciamos a parte principal deste estudo descrevendo a pesquisa empírica.<br />

Desta forma, informei que o estudo foi realizado nos grupos de Tambor de Crioula:<br />

Arte Nossa, Catarina Mina, Encanto de São Benedito e Maracrioula.Tive como<br />

sujeitos da pesquisa em todos os grupos o presidente, 2 coureiras e 2 crianças. Por<br />

questões éticas não revelamos os nome das pessoas entrevistadas. Todas as pessoas<br />

entrevistadas foram muito simpáticas, sempre dispostas a colaborar com a nossa<br />

pesquisa.<br />

Partindo desses pressupostos, sentimos a necessidade de conhecermos a<br />

opinião dos entrevistados sobre como é o processo de ensino do Tambor para as<br />

crianças, a partir das suas experiências. Percebemos que o processo de ensino do tambor<br />

de crioula no Arte Nossa e Catarina Mina segundo os presidentes e as crianças são<br />

muito parecidos iniciam com conversas e em seguida ensinam as crianças a dançar e<br />

tocar, no entanto as coureiras falam que é por imitação. Os passos das crianças são<br />

corregidos quando necessário.<br />

Já os presidentes, coureiras e crianças do Encanto de São Benedito e do<br />

Maracrioula compactuam da mesma ideia as crianças aprendem por imitação. Como<br />

fica evidente na entrevista e observações são vários os motivos pelos quais se realiza um<br />

Tambor de Crioula, mas algo que tem incomum em todas as festas sempre há a presença<br />

do São Benedito.<br />

Independente da forma que a dança é ensinada Magalhães (2006), afirma que: A<br />

aprendizagem não se faz sem esforços psicofísicos [...], quase sempre é muito difícil<br />

adaptarmos o conjunto de conhecimentos que nos permite movermo-nos no nosso meio<br />

(a cultura) para responder novos estímulos. (MAGALHÃES, 2006, p.98).<br />

Como Magalhães afirma, para uma criança aprender ela faz muito esforços psicofísicos,<br />

embora não haja técnica ou uma metodologia de ensino é necessário que a mesma<br />

observe bastante e no momento em que irá repetir os movimentos terá esforços que tem<br />

como finalidade superar os seus limites.<br />

699


E Baesse, afirma o posicionamento de Magalhães quando ela diz que “a<br />

sabedoria acumulada do gripo social é aprendida aos poucos pela vivência de muitas e<br />

diferentes situações de troca entre pessoas, trocas que são corporais, intelectuais e,<br />

sobretudo, espirituais”. (2004, p.99).<br />

Essa concepção de Baesse só afirma o que as coureiras falam que o processo de ensino é<br />

por imitação, observação. Principalmente por ser uma dança tão envolvente, que requer<br />

estímulos culturais para que a criança desperte o interesse em aprender.<br />

Embora seja de fundamental importância um projeto para sistematizar a aprendizagem<br />

das crianças Kramer (2000) afirma que: Aprendemos com as imagens que é possível ver<br />

e compreender a realidade social, perseguindo nela um caminho de busca, como fazem<br />

tantas crianças e adultos que vivem em países de miséria e desigualdade social como o<br />

nosso. (KRAMER, 2000, p.92).<br />

Diante do exposto houve a necessidade em perguntar para as coureiras e<br />

presidente se há algum projeto para trabalhar e estimular as crianças a participar do<br />

Tambor de Crioula.<br />

Pudemos perceber que o Arte Nossa e Catarina Mina já possuem projeto,<br />

principalmente porque os mesmo já são consideradosPonto de Cultura. Este que é um<br />

programa que promove o estímulo às iniciativasculturais da sociedade civil já<br />

existentes, por meio da consecução de convênioscelebrados após a realização de<br />

chamada pública.<br />

A prioridade do programa são os convênios com governos estaduais e municipais, além<br />

do Distrito Federal, para fomento e conformação de redes de pontos de cultura em seus<br />

territórios. E através dessas parcerias que desenvolvem as suas atividades para <strong>ate</strong>nder<br />

as crianças daquela comunidade.<br />

Em contra partida o Encanto de São Benedito e o Maracrioula ainda não<br />

possuem um projeto. O primeiro já teve, mas devido a falta de recursos não possuem<br />

mais, e o segundo tem um projeto, mas que precisa ser aprovado para poder vigorar.<br />

Eles alegam que isso ocorre, pois o Salve Guarda Tambor de Crioula favorece apenas o<br />

que estão ligado ao programa.<br />

700


Mas ao observar as respostas das coureiras pudemos observar que elas estão alheias aos<br />

projetos. Com isso percebe-se que nem todos que participam do grupo sabem como<br />

ocorrem os projetos.Contudo se fez necessário perguntar as coureiras e presidentes.<br />

Qual a maior dificuldade encontrada para trabalhar com as crianças.<br />

A dança por ter sua descendência africana, surge com muito preconceito, e<br />

durante muito tempo era composta apenas por negros. Atualmente abrange toda a<br />

população, mas embora a divulgação bastante ampla ainda haja muito resistência.<br />

Essa concepção na criança vai mudando, pois a mesma aprende sobre a história do<br />

Tambor de Crioula e a dança de uma maneira bem didática, em forma de brincadeiras e<br />

dança. O que segundo Borba (2009),<br />

Ao brincar, a criança não apenas expressa e comunica suas experiências, mas<br />

as reelabora, reconhecendo-se como sujeito pertencente a um grupo social e a<br />

um contexto cultural, aprendendo sobre si mesma e sobre os significados<br />

culturais do meio em que está inserida. (BORBA, 2009, p.70).<br />

Ao brincar a criança compreenderá melhor a essência da dança, com isso o<br />

preconceito começa a ser quebrado e a mesma passa a levar para o seu convívio<br />

domiciliar que não precisa ter preconceito, pois é a apenas uma dança com cunho<br />

cultural forte, que retrata muito da nossa cultura local explicando um pouco da<br />

formação da nossa comunidade.<br />

Portanto houve a necessidade em questionar para as crianças, coureiras e presidente<br />

sobre a importância de ensinar o Tambor de Crioula às crianças todas as respostas têm<br />

como objetivo principal em ensinar o Tambor de Crioula para a preservação a cultura<br />

popular. Isso ocorre devido ter sido considerado pelo IPHAN como patrimônio<br />

im<strong>ate</strong>rial, que tem como função a preservação dessa cultura, embora venha sofrendo<br />

adaptações para <strong>ate</strong>nder a necessidade da sociedade.<br />

Percebemos isso quando Arantes (2006), afirma que:<br />

Embora se preocupe ser fiel à “tradição”, ao “passado”, é impossível deixar<br />

de agregar novos significados e conotações ao que se tenta reconstituição é<br />

informada por e é parte de uma reflexão sobre a história da cultura e da are<br />

que, em grande medida, escapa aos produtores “populares” da cultura.<br />

(ARANTES, 2006, p.19).<br />

701


É de fundamental importância preservar e perpassar a nossa cultura para as futuras<br />

gerações, mas como Arantes afirma, é impossível não agregar novos valores, pois<br />

estamos vivendo em uma nova formação social. Exemplo disso são os tambores que<br />

antigamente eram feito com troncos de árvores, mas devido as manifestações contra os<br />

desmatamentos muitos grupos usam cano de PVC, para a confecção dos tambores.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Ao longo deste trabalho, fiz uma retrospectiva sobre a cultura, cultura popular<br />

maranhense e ludovicense com enfoque no ensino do Tambor de Crioula. Vimos que<br />

para entender a cultura popular, temos que compreender como acontece o ensino da<br />

cultura.<br />

Desta forma, foram apresentados os principais pontos turísticos da cidade de São Luís –<br />

MA, também para conhecer um pouco sobre a história de algumas manifestações<br />

culturais, terminando com um passeio pelos museus que preservam a nossa cultura.<br />

Percebi como ainda é muito complexa a existência e preservação de manifestações<br />

culturais nas comunidades, tendo como pressuposto o preconceito da própria população,<br />

mas ficou claro que a partir do momento que os mesmos começam a ter contato, mudam<br />

sua concepção e entram na luta para a preservação da cultura popular.<br />

Em relação ao Tambor de Crioula, há diversos motivos para começar, mas sempre há a<br />

presença de São Benedito. É uma dança com descendência africana, que os homens<br />

tocam os tambores e as mulheres em círculo dançam.<br />

Segundo Ferretti (2002), os negros ao chegarem ao Brasil na condição de escravo,<br />

torturados, oprimidos, não tinham chances em praticar seus rituais. Com isso, eles<br />

começaram a fazer seus cultos clandestinos para não extinguir seus costumes. E assim<br />

vinha acontecendo com o Tambor de Crioula, muitos grupos estavam acabando com o<br />

tempo, alguns costumes foram desaparecendo e agora que a dança foi considerada<br />

Patrimônio Cultural Im<strong>ate</strong>rial essa manifestação está sendo resgatada.<br />

702


Após os questionamentos levantados no projeto de pesquisa, cheguei à conclusão que os<br />

grupos Arte Nossa e Catarina Mina são favorecidos com o projeto Salve Guarda,<br />

portanto tem melhores condições de funcionamento. Em contra partida, o Encanto de<br />

São Benedito e o Maracrioula, ainda estão lutando muito para que o tambor de crioula<br />

seja preservado e que os benefícios sejam iguais a todos.<br />

À luz do exposto apontei pontos positivos e negativos a respeito do funcionamento dos<br />

grupos de Tambor de Crioula pesquisados. Sobre os pontos negativos observados, é<br />

possível elencar: a falta de recursos iguais para todos os grupos; a falta de divulgação da<br />

dança; as dificuldades enfrentadas no entorno da sede dos grupos por estarem<br />

localizados em bairros com problemas de segurança e a falta de apoio dos órgãos<br />

públicos e privados maranhenses.<br />

A falta de projetos específicos para planejar e organizar melhor o ensino do Tambor de<br />

Crioula para as crianças também é um entrave, pois como já citado, as crianças são a<br />

garantia da continuidade dos grupos e se não forem estimuladas a participar poderão<br />

perder o interesse.<br />

Como pontos positivos foram observados: o comprometimento e a dedicação de todo o<br />

grupo para com o ensino do tambor as crianças; o estímulo às crianças permanecerem<br />

na escola; a inserção das crianças em atividades socioeducativas e culturais; a garantia<br />

da transmissão da cultura popular; o incentivo e resg<strong>ate</strong> da preservação do Tambor de<br />

Crioula.<br />

Para melhorar a situação da preservação dessa manifestação popular, seria interessante<br />

que as famílias participassem mais da vida das crianças, incluindo o apoio à<br />

participação em atividades socioculturais; os órgãos públicos de São Luís -MA<br />

valorizassem mais o Tambor de Crioula incentivando a manifestação para que muitas<br />

gerações possam apreciar e que o Projeto Salve Guarda Tambor de Crioula favoreça de<br />

fato todos os grupos existentes.<br />

A escola não pode deixar de cumprir seu papel como veículo dos bens culturais<br />

produzidos pela humanidade, incluindo todas as manifestações da cultura que permitam<br />

o enriquecimento da vida humana.<br />

703


As crianças brincam de cantar, tocar, dançar e assim vão apreendendo a ideia e os<br />

conceitos presentes naquela situação. É também um momento importante de<br />

socialização com a comunidade e com outras crianças.<br />

Espero que a pesquisa tenha contribuído com reflexões para o incentivo da preservação<br />

e transmissão da dança Tambor de Crioula na Infância, para que não se perca uma parte<br />

de nossa história contada por meio dessa arte. Nossas raízes de alguma forma estão<br />

plantadas em manifestações como essa e a memória dessas raízes é um exemplo de<br />

resistência cultural.<br />

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707


O INVESTIMENTO NO CAPITAL INTELECTUAL PELA EDUCAÇÃO<br />

CORPORATIVA PARA FORMAÇÃO DE DIFERENCIAIS COMPETITIVOS<br />

EM UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR EM SÃO LUIS<br />

THE INVESTMENT IN INTELLECTUAL CAPITAL BY CORPORATE<br />

EDUCATION FOR THE FORMATION OF COMPETITIVE DIFFERENTIALS<br />

IN AN INSTITUTION OF HIGHER EDUCATION IN SÃO LUÍS<br />

Ana Marília Lins Pontes Lemos<br />

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Zenir de Jesus Lins Pontes<br />

Doutora em Ciências da Educação<br />

Faculdade Estácio São Luís<br />

Thelma Helena Costa Chahini<br />

Doutora em Educação<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Opresente estudo aborda o investimento no capital intelectual pela educação<br />

corporativa para formação de diferenciais competitivos em uma instituição de educação<br />

superior IES em São Luís/MA. O estudo questiona se a instituição de educação superior<br />

se utiliza da Educação Corporativa como investimento no capital intelectual e<br />

consequente formação de diferenciais competitivos. Nesse sentido, objetiva-se<br />

investigar se a IES pesquisada se utiliza da Educação Corporativa como investimento<br />

no capital intelectual e consequente formação de diferenciais competitivos. Os objetivos<br />

específicos compreendem: discorrer sobre a importância da formação do capital<br />

intelectual; descrever a utilização da educação corporativa para a formação do capital<br />

intelectual; verificar como uma IES de São Luís/MA se utiliza da educação corporativa<br />

708


objetivando melhorar o seu capital intelectual para formar diferenciais competitivos;<br />

identificar os diferenciais competitivos formados por meio da educação corporativa<br />

quando objetiva a melhoria do capital intelectual. No contexto, Oliveira et. al (2008)<br />

esclarecem que o capital intelectual passou a ser consolidado no ano de 1990 por<br />

Thomas A. Stewart. Nesse sentido, apresenta-se uma cronologia de publicações do<br />

capital intelectual adaptada a partir de Sulivan apud Silva (2005). Nesta perspectiva,<br />

Stewart (1998) informa que o capital intelectual é uma composição formada pelo capital<br />

humano, capital estrutural e capital relacional (capital de cliente), os quais são<br />

apresentados sob a ótica de Guarrieri (2017). Dando sequência ao assunto abordado,<br />

apresentam-se aspectos inerentes à Educação Corporativa, bem como sua importância<br />

para a formação do capital intelectual. Encerra-se o constructo teórico discorrendo sobre<br />

a importância da formação de diferenciais competitivos nas empresas contemporâneas e<br />

os pontos fundantes no que se refere a como a referida IES faz o investimento no capital<br />

intelectual pela educação corporativa para formação de diferenciais competitivos.<br />

Palavras-chave: Capital Intelectual. Educação Corporativa; Diferenciais Competitivos.<br />

Instituição de Ensino Superior.<br />

ABSTRACT: The present study approaches the investment in intellectual capital by<br />

means of corpor<strong>ate</strong> education to the formation of competitive differentials in a Higher<br />

Education Institution in São Luís / MA. The study questions whether the Higher<br />

Education Institute uses corpor<strong>ate</strong> education as an investment in intellectual capital and<br />

in a consequent formation of competitive differentials. In this sense, we objective to<br />

investig<strong>ate</strong> whether the researched Higher Education Institute uses corpor<strong>ate</strong> education<br />

as an investment in intellectual capital and in a consequent formation of competitive<br />

differentials. In the context, Oliveira (1995) point out that intellectual capital was<br />

consolid<strong>ate</strong>d in 1990 by Thomas A. Stewart. In this sense, we present a chronology of<br />

709


publications on intellectual capital adapted from Sulivan (apud SILVA, 2002). In this<br />

perspective, Stewart (1998) reports that intellectual capital is composed by human<br />

capital, structural capital and relational capital (client capital), which are presented from<br />

Guarrieri’s (2012) perspective. Following up the subject, we present aspects which are<br />

inherent to corpor<strong>ate</strong> education, as well as its importance for the formation of<br />

intellectual capital. We conclude the theoretical construct discussing the importance of<br />

forming competitive differentials in contemporary companies and the key points<br />

regarding the ways the former Higher Education Institute invests in intellectual capital<br />

by means of the corpor<strong>ate</strong> education to form competitive differentials.<br />

Keywords: Intellectual capital. Corporative education. Competitive differentials.<br />

Institution of higher education.<br />

1INTRODUÇÃO<br />

As organizações estão sendo intensamente cobradas no sentido de obterem<br />

melhores resultado por produtos com maior qualidade, com serviços impecáveis e com<br />

alto valor agregado, por inovações surpreendentes, por um excelente <strong>ate</strong>ndimento ao<br />

cliente e isto tudo só é conseguido se houver um investimento maciço na qualificação<br />

do colaborador, o que agrega valor ao capital intelectual, por meio da formação de<br />

diferenciais de competitividade.<br />

O consumidor de hoje é uma pessoa dotada de um poder decisório que até<br />

então, na história do homem moderno, nunca se tinha visto ou imaginado. O poder de<br />

compra, tanto de produtos quanto de serviços, do consumidor do novo milênio é capaz<br />

de fazer com que as empresas sejam tanto admiradas no mercado, quanto um grande<br />

fiasco organizacional.<br />

Ainda se deve enfatizar que a concorrência entre as organizações faz com<br />

que a sua cúpula administrativa opte por inovações, qualidade, preço justo erecursos<br />

710


humanos capacitados e talentosos o suficiente para dar conta dessa nova equação do<br />

mercado.<br />

Estas exigências do mundo corporativo fazem com que as organizações<br />

invistam na educação continuada por meio da educação corporativa, para que seus<br />

colaboradores mantenham as suas aptidões e habilidades em dia, o que, certamente,<br />

aumenta a possibilidade da formação de novos diferenciais competitivos, raciocínio este<br />

que direcionou a realização do presente trabalho.<br />

Como forma de iniciar a condução da pesquisa foi formulado o seguinte<br />

problema: A Instituição de “Ensino Superior X” se utiliza da Educação Corporativa<br />

como investimento no capital intelectual e consequente formação de diferenciais<br />

competitivos?<br />

Para que fosse dado o direcionamento da condução do trabalho e ficasse<br />

claro até onde ele poderia iria definiu-se, assim, o objetivo geral investigar se a IES<br />

pesquisada se utiliza da Educação Corporativa como investimento no capital intelectual<br />

e consequente formação de diferenciais competitivos.<br />

Vale ressaltar aqui os objetivos específicos: discorrer sobre a importância da<br />

formação do capital intelectual; apresentar a utilização da educação corporativa para a<br />

formação do capital intelectual; reconhecer como uma IES de São Luís se utiliza da<br />

educação corporativa objetivando melhorar o seu capital intelectual para formar<br />

diferenciais competitivos; identificar os diferenciais competitivos formados por meio da<br />

educação corporativa quando objetiva a melhoria do capital intelectual.<br />

A pesquisa realizada foi do tipo exploratória e descritiva, com a adoção do<br />

método quantitativo e qualitativo, o que assegurou uma análise mais real da situação<br />

estudada.<br />

Enquanto pesquisa exploratória, um dos instrumentos de coleta de dados<br />

(questionário) foi aplicado em três cursos, envolvendo todos os professores, técnicos<br />

administrativos e alunos dos dois últimos períodos de cada curso.<br />

Realizou-se uma entrevista com o diretor geral da instituição e a responsável<br />

pela coordenação de Recursos Humanos, com a finalidade de se identificar os<br />

711


diferenciais competitivos formados a partir da qualificação dos colaboradores por meio<br />

da educação corporativa.<br />

2 A ORIGEM DO CAPITAL INTELECTUAL<br />

O capital intelectual começou a ser investigado enquanto assunto acadêmico<br />

a partir da sociedade do conhecimento ou sociedade pós-industrial. Seu verdadeiro<br />

início se deu a partir da segunda Guerra Mundial, o que provocou inúmeras<br />

transformações, passando a ser a informação de suma importância para esta sociedade.<br />

Já em 1967 houve uma preocupação com o estudo do conhecimento e da<br />

informação enquanto diferenciais que agregam valor para a organização (SULLIVAN,<br />

2000 apud PACHECO, 2005, p. 153).<br />

Vale apresentar uma cronologia das publicações que envolveram o capital<br />

intelectual, demonstrando como o assunto passou a ter importância ímpar no mundo<br />

acadêmico, sendo considerada como fonte: Sillivan (2000) apud Pacheco (2005);<br />

Oliveira (1995), adaptada por Silva (2010) e reestruturado pelas autoras:<br />

a) 1967: Likert publica o Livro “The Human Organization: Its Manegement<br />

and Value.<br />

b) 1974: Flamholtz publica o livro “Human Resource Accounting”,<br />

consideradoum marco por pesquisadores que tratam o capital intelectual como assunto<br />

acadêmico.<br />

c) 1985: Flamholtz publica segunda edição do livro “Human Resource<br />

Accounting”, incluindo aspectos de mensuração e divulgação de ativos humanos.<br />

d) 1986: Svelby publica “The Know-How Company”, sobre gerenciamento<br />

de ativos intangíveis.<br />

e) 1989: Sullivan inicia pesquisa sobre “comercialização de inovação”.<br />

f) 1990: Sveiby publica “Knowledge Management”.<br />

g) 1990: O termo “capital intelectual”é cunhado na presença de Stewart.<br />

h) 1992: Stewart publica o artigo “Brainpower” na Fortune.<br />

712


i) 1994: Stewart escreve “Capital Intelectual”, artigo de capa da revista<br />

Fortune.<br />

j) 1995: Primeiro relatório público da Skandia sobre Capital Intelectual.<br />

k) 2000: Maria Tereza Pompa Antunes publica o livro Capital Intelectual.<br />

l) 2002: Vicente Pacheco publica o livro: A Contabilidade de Recursos<br />

Humanos e o Capital Intelectual.<br />

m) 2007: Antônio de Loureiro Gil e José Carlos Melchior Amosti<br />

publicaram o livro: Balanço Intelectual.<br />

3 CAPITAL INTELECTUAL: aspectos conceituais<br />

Capital intelectual é hoje um termo presente em pesquisas de algumas áreas<br />

do conhecimento, como: Administração, Ciências Contábeis, Economia etc. O termo<br />

citado foi consolidado no ano de 1990 por Thomas A. Stewart, precursor e teórico do<br />

Capital Intelectual, sendo até hoje um dos experts mais renomados no assunto<br />

(OLIVEIRA, 1995).<br />

capital intelectual:<br />

Ainda invocando Stewart (1998, p 61), é reforçado,o que se segue sobre<br />

A inteligência torna-se um ativo quando se cria uma ordem útil a partir da<br />

capacidade intelectual geral, ou seja, quando assume uma forma coerente<br />

(uma mala direta, um banco de dados, uma agenda para uma reunião, a<br />

descrição de um processo); quando pode ser aplicada a algo que não poderia<br />

ser realizado se continuasse fragmentado como moedas em um bueiro. O<br />

Capital Intelectual é o conhecimento útil em uma nova embalagem.<br />

Se pode então dizer que o Capital Intelectual é a soma do conhecimento de<br />

todas as pessoas que compõem uma empresa, o que assegura a formação de diferenciais<br />

ou vantagens competitivas. Numa outra perspectiva, pode se dizer que o Capital<br />

Intelectual é a matéria proveniente do intelecto – conhecimento, informação,<br />

propriedade intelectual, experiências – tudo isto pode se transformar em riqueza. De<br />

forma diferente, ainda falando de Capital Intelectual, Stewart (1998) assegura que ele<br />

ainda pode ser considerado como a capacidade gerada por uma organização para <strong>ate</strong>nder<br />

as exigências do mercado.<br />

713


A partir de tais definições colocadas, fica evidente que o Capital Intelectual<br />

se constitui num Ativo Intangível e, portanto, deve ser tratado de forma diferente e<br />

peculiar tanto pela Administração, como pela Contabilidade, Economia etc.,<br />

enfatizando-se a sua mensuração e divulgação a partir do que é considerado na sua<br />

composição.<br />

3.1 Composição do Capital Intelectual<br />

Stewart (1998) assegura que o Capital Intelectual é composto por três outros<br />

tipos de capitais: a) Capital Humano; Capital Estrutural; Capital de Cliente, de acordo<br />

com o quadro 1, a seguir.<br />

Quadro 1 – Formação do capital intelectual<br />

CAPITAL HUMANO<br />

CAPITAL RELACIONAL (OU DE<br />

CLIENTES)<br />

- Know-how<br />

- ACORDOS DE FRANQUIAS<br />

- Educação<br />

- Clientes<br />

- Qualificação vocacional;<br />

- Fidelidade do cliente<br />

- Conhecimento relacionado ao trabalho<br />

- Nomes de companhias<br />

- Avaliações ocupacionais<br />

- Pedidos em carteira<br />

- Avaliações psicométricas<br />

- Canais de distribuição<br />

- Competências relacionadas ao trabalho<br />

- Colaborações comerciais<br />

- Ímpeto empreendedorístico, inovatividade, - Acordos de licenciamento<br />

capacidades proativas e reativas, mutabilidade. - Contratos favoráveis<br />

CAPITAL ORGANIZACIONAL (OU ESTRUTURAL)<br />

PROPRIEDADE INTELECTUAL<br />

ATIVOS DE INFRA-ESTRUTURA<br />

- P<strong>ate</strong>ntes<br />

- Filosofia gerencial<br />

- Direitos autorais<br />

- Cultura corporativa<br />

- Direitos de projeto<br />

- Processos gerenciais<br />

- Segredos industriais<br />

- Sistemas de informação<br />

- Marcas registradas<br />

- Sistemas de rede<br />

Fonte: Dzinkowski (1998 apud PACHECO, 2005, p. 62)<br />

714


3.1.1Capital Humano<br />

O capital humano surge com características bem definidas e marcantes para<br />

a economia chamada do conhecimento. Suas duas características fundamentais são a<br />

educação e as habilidades. Já para Stewart (1998), o Capital Humano é a capacidade<br />

necessária para que os indivíduos ofereçam soluções eficazes e eficientes aos clientes,<br />

sendo a fonte de inovação e renovação.<br />

Por sua vez, Pacheco (2005) enfatiza que estão ligados ao Capital Humano a<br />

educação, a qualificação vocacional, o conhecimento, as competências relacionadas ao<br />

trabalho, as avaliações ocupacionais e psicométricas, bem como o ímpeto<br />

empreendedorístico, a inovatividade, as capacidades proativas e a mutabilidade.<br />

Com relação ao Capital Humano, Bento (2006, p. 6) afirma que:<br />

Atualmente o diferencial entre uma e outra empresa são as pessoas que<br />

desenvolvem atividades nelas, ou seja, os seus colaboradores, isto é, o seu<br />

capital humano. [...]<br />

Nessa busca, destaca-se a importância da preparação e da capacitação dessas<br />

pessoas, havendo, em alguns momentos, a necessidade de se realizar<br />

profundas alterações na estrutura organizacional da empresa.<br />

Tomando como base as definições acima expostas, percebe-se que em todas<br />

elas existem certas similaridades e todas enfocam o Capital Humano como um<br />

arcabouço de capacidades e habilidades, oriundas do acúmulo de conhecimento<br />

inerentes aos recursos humanos de uma organização, o que assegura o alcance dos seus<br />

objetivos, dentre tantos, a agregação de valores e o aumento da competitividade. É<br />

necessário, ainda, que o capital humano dessas organizações seja motivado e treinado a<br />

desenvolver suas capacidades criativa e intelectual, o que tem sido o foco da educação<br />

corporativa.<br />

3.1.2 – Capital Estrutural<br />

O Capital Estrutural é entendido como sendo os ativos que pertencem à<br />

organização e possibilitam a gestão do capital humano. Acompanhando o raciocínio,<br />

715


Oliveira (1995) entende, também, como elementos inseridos no Capital Estrutural: os<br />

conceitos organizacionais e de documentação, a qualidade dos seus sistemas<br />

informatizados de informação, o relacionamento com o cliente e a imagem da entidade<br />

perante os públicos, também chamados de stakholders.<br />

3.1.3 - Capital de Cliente ou Capital Relacional<br />

Em função da concorrência vive-se numa época em que, devido à<br />

concorrência,onde o cliente é elemento fundamental para as organizações e precisa ser<br />

devidamente compreendido por todos que compõem a organização (CEOs, Diretores de<br />

Marketing, Relacionamento, Comunicação Integrada etc), uma vez que o mercado fica<br />

mais agressivo.<br />

Este capital, com base em Stewart (1998, p. 42) “é o valor dos<br />

relacionamentos de uma empresa com as pessoas com as quais faz negócio”.<br />

42) afirma:<br />

Sobre a importância do Capital de Cliente ou Relacional, Sveiby (1998, p.<br />

Em relação ao Valor do Cliente, o chamado Capital do Cliente, vale realçar<br />

que é composto tanto pelos ativos tangíveis (como resultados das vendas,<br />

contratos, etc), como pelos intangíveis ligados ao cliente, tais como marcas,<br />

sub-marcas e símbolos, embaixadores corporativos, responsabilidade social,<br />

causas defendidas, influência na cultura e consumo, unique selling<br />

proposition percebido, imagem e atratividade, índice de fidelização, nível de<br />

penetração em comunidades, domínio de nichos e tribos, poder de eco e<br />

convocatória, modelo de experiência e interação, estrutura de processos de<br />

relacionamento, malha e inteligência de canais, utilização de tecnologias na<br />

relação com o cliente, formação e treinamento de profissionais que se<br />

relacionam com clientes, inovação, inteligência competitiva, design,<br />

customer-knowledge/pesquisas, dentre outros.<br />

Ainda se pode dizer sobre o Capital de Cliente que ele se refere ao valor que<br />

tem para a empresa o conjunto de relações que essa mantém tanto com o exterior quanto<br />

com o interior. A qualidade e a sustentabilidade da base de clientes de uma empresa e<br />

seu potencial para gerar novos clientes no futuro são questões essenciais para o sucesso<br />

organizacional.<br />

716


Assim, várias são as formas de agregar valor ao Capital Intelectual, porém,<br />

como para esse processo sempre está envolvido o colaborador da empresa, não é<br />

estranho que o caminho mais curto para alcançar este objetivo seja via treinamento,<br />

sendo assegurada, assim, a educação continuada, o que passou a ser responsabilidade da<br />

educação corporativa.<br />

4O TREINAMENTO COMO OBJETIVO DA EDUCAÇÃO CORPORATIVA<br />

É inerente ao ser humano estar sempre em constante mudança causada pelo<br />

ambiente onde vive e/ou onde trabalha, com vistas à melhoria na sua vida. A sociedade<br />

interfere diretamente no comportamento de cada indivíduo, pois existe sua necessidade<br />

premente de viver em grupo, cooperando uns com os outros, com o intuito de alcançar<br />

objetivos pessoais, como estudo, trabalho e riqueza.<br />

Com a globalização faz-se necessário captar o maior número de informação<br />

possível, pois, com a crescente demanda do mercado e a competitividade acirrada entre<br />

as organizações e entre os indivíduos entre si, as empresas passaram a investir na<br />

qualificação dos seus colaboradores, pois só assim asseguram os seus nichos de<br />

mercado, inserindo produtos e serviços de qualidade que envolvem\tanto atratividade,<br />

confiabilidade, ausência de defeitos, quanto segurança. Qualidade, com base em<br />

(BATMAN e SNELL, 1998), é fazer o trabalho do modo certo e atingir ou superar as<br />

expectativas dos consumidores.<br />

Assim sendo, os mercados altamente competitivos passaram a influenciar as<br />

organizações a se adaptarem às novas exigências para se desenvolverem e,<br />

consequentemente, o investimento na qualificação dos colaboradores passou a ser uma<br />

exigência diuturna da realidade organizacional.<br />

O setor responsável pelo treinamento dos colaboradores dentro das<br />

organizações é o de Recursos Humanos, ou seja, Gestão de Pessoas, que, conforme<br />

Santos (2011, p. 53), “é o conjunto de práticas e ações que envolvem o planejamento,<br />

organização, direção e controle de atividades administrativas pertinentes a uma<br />

717


organização de qualquer tipo ou porte”. Infere-se, assim, que o treinamento e a<br />

qualidade estão propícios a minimizar os problemas ea maximizar os lucros.<br />

Por sua vez, para Marras (2000, p. 145), treinamento “é o processo de<br />

assimilação cultural a curto prazo, que objetiva repassar ou reciclar conhecimentos,<br />

habilidades ou atitudes relacionados diretamente a execução de tarefas ou à sua<br />

otimização no trabalho”.<br />

Sendo assim, Sehein (apud Martins, 2001, p. 204) afirma que tanto o<br />

indivíduo quanto a organização estão sujeitas a complexas influências do ambiente e<br />

que ambos têmnecessidades que variam ao longo do tempo. Com isso, os colaboradores<br />

têm que estar <strong>ate</strong>ntos às mudanças e oportunidades disponíveis na organização, o que<br />

exige que não percam de vista todas as possibilidades de qualificação oferecidas pela<br />

educação corporativa.<br />

5 EDUCAÇÃO CORPORATIVA: INVESTIMENTO PREMENTE DAS<br />

ORGANIZAÇÕES<br />

As organizações, nos dias atuais, passam constantemente por várias<br />

mudanças devido a fatores internos e externos que ocorrem nos seus processos de<br />

desenvolvimento. Percebe-se, porém, que o desenvolvimento das organizações cresce<br />

na proporção que os seus colaboradores buscam melhorias, tanto no âmbito profissional<br />

como no pessoal.<br />

Houve, então, a necessidade de capacitar os colaboradores sem que eles<br />

saíssem da organização e, assim sendo, foi criada a educação corporativa, que, segundo<br />

Call (2017, não <strong>pagina</strong>do), nadamais é que:<br />

Educação corporativa pode ser definida como uma prática coordenada de<br />

gestão de pessoas e de gestão do conhecimento tendo como orientação a<br />

estratégia de longo prazo de uma organização. Educação corporativa é mais<br />

do que treinamento empresarial ou qualificação de mão-de-obra. Trata-se de<br />

articular coerentemente as competências individuais e organizacionais no<br />

contexto mais amplo da empresa. Nesse sentido, práticas de educação<br />

corporativa estão intrinsecamente relacionadas ao processo de inovação nas<br />

718


empresas e ao aumento da competitividade de seus produtos (bens ou<br />

serviços).<br />

O desenvolvimento das competências críticas ao invés de somente<br />

habilidades se faz necessária em virtude de hoje ser exigido do profissional um perfil<br />

generalista, quando o aprendizado organizacional se torna primordial. Não basta apenas<br />

um indivíduo ou pequenos grupos deterem este conhecimento, mas sim a concentração<br />

junto às necessidades e estratégias corporativas, <strong>ate</strong>ndendo clientes internos e externos.<br />

Para que isso ocorra, é necessário migrar-se de um modelo tradicional de compartilhar e<br />

transmitir o conhecimento para um sistema integrado, mais efetivo, possibilitando o<br />

alcance dos resultados esperados, o que deu fortalecimento à necessidade de investir na<br />

educação corporativa.<br />

No sentido de consolidar o processo institucional de Educação Corporativa,<br />

as organizações vislumbraram o Ensino a Distância como um guarda-chuva estratégico,<br />

com a finalidade de desenvolvimento e educação de seus funcionários. (MEISTER,<br />

1999). Assim sendo, as tecnologias da informação e comunicação reduziram a<br />

percepção de espaço, exigindo que o homem passasse a se comunicar à distância da<br />

mesma forma que se comunica presencialmente, isto é, transformando relações<br />

tangíveis e emocionais em virtuais.<br />

Cada vez mais se torna inegável que o principal patrimônio de uma empresa<br />

e o que gera, inclusive, vantagem competitiva é o “talento das pessoas”. O<br />

conhecimento que as pessoas possuem sobre todo o ambiente organizacional é que<br />

assegura o grande diferencial frente à concorrência. Sempre que se fala em “capital<br />

intelectual”, “inteligência competitiva” ou “gestão do conhecimento”, acaba-se<br />

discutindo o papel dos recursos humanos nas organizações, principalmente quando se<br />

quer falar de diferenciais de competitividade.<br />

719


6 FORMAÇÃO DOS DIFERENCIAIS COMPETITIVOS NAS EMPRESAS<br />

As empresas na atualidade planejam suas ações com o objetivo de garantia<br />

de diferenciais competitivos que assegurem sua permanência num mercado livre de<br />

concorrência. E o que são diferenciais competitivos? São fatores que permitem que as<br />

empresas se destaquem, de alguma forma, como melhores que as concorrentes.<br />

Nesse sentido, ao se tratar de diferenciais competitivos nas empresas, tomase<br />

como base as ideias de Pfeffern (apud DRUCKER, 2003), as quais mostram que o<br />

lado humano da empresa se constitui em diferenciais para garantir competitividade, da<br />

mesma forma que o preço e a qualidade de produto e desenvolvimento de alta<br />

tecnologia.<br />

Este item sobre diferenciais competitivos terá como um dos referenciais<br />

básicos as ideias de Drucker, as quais defendem que tanto quanto os aspectos m<strong>ate</strong>riais,<br />

como os aspectos humanos, de relacionamento entre empresa e públicos, podem formar<br />

diferenciais positivos para as empresas, contribuindo para que as mudanças positivas<br />

sempre ocorram, assegurando a competitividade da organização num mercado tão<br />

concorrencial.<br />

Para sobreviver nesse mundo extremamente competitivo, em face da<br />

globalização, as empresas devem criar diferenciais que lhes permitam se impor, de<br />

alguma forma, como melhores do que as outras e, para tanto, devem criar competências<br />

para <strong>ate</strong>nder tais exigências. Somerville e Mroz (apud MACCUCI, 1995) apontam<br />

5(cinco) competências, se bem equacionadas, que garantem o referido diferencial<br />

competitivo. São elas: a) garantir compromisso om um propósito superior; b) incutir a<br />

liderança responsável; c) estabelecer parcerias orgânicas; d) promover redes de<br />

conhecimento; e) adotar a mudança.<br />

Ainda fundamentando o referido assunto, Coutinho e Ferraz (2004, p. 28)<br />

admitem que a competitividade se encontre cada vez mais fundadaem condições<br />

sistêmicas de natureza social que abrangem quatro dimensões essenciais:<br />

a) O reconhecimento e a legitimação política social dos objetivos de<br />

competitividade, o que requer um compromisso mínimo entre<br />

competitividade e equidade.<br />

720


) A qualidade dos recursos humanos envolvidos nos processos<br />

produtivos e na gestão da empresa, em matéria de sua qualificação,<br />

escolaridade, capacitação e grau de iniciativa.<br />

c) A maturidade, o respeito, e o mútuoreconhecimento entre capital e<br />

trabalho em m<strong>ate</strong>ira de negociação trabalhista, que resultam em sistemas de<br />

remuneração que distribuem equitativamente os ganhos de produtividade.<br />

d) O desenvolvimento amplo e consciente dos consumidores quanto às<br />

exigências de qualidade e conformidade dos produtos às normas de saúde,<br />

meio ambiente e segurança.<br />

Destaca-se, também, outra pesquisa realizada por Herbest (1995)onde são<br />

apontados os dez fatores de competitividade das empresas: capacidade de trabalho físico<br />

e sua mão-de-obra; exercícios de influências políticas; facilidade de acesso a recursos<br />

financeiros; habilidade de pensar por parte de seus recursos humanos; informatização/<br />

telecomunicação; máquinase equipamentos; mercados protegidos e regulados; operação<br />

em economia de escala; proteção conferida pelas p<strong>ate</strong>ntes; tecnologia de produtos e<br />

processos.<br />

Aqui, o essencial é o compromisso do intelecto dos indivíduos para<br />

assegurar que sejam <strong>ate</strong>ndidos os objetivos da organização. O indivíduo, fonte de mãode-obra,<br />

tende a perder o valor e um novo indivíduo, fonte de habilidades intelectuais,<br />

assume importante papel como recurso que gera diferencial competitivo entre empresas.<br />

É de fundamental importância o reconhecimento de que as bases das<br />

vantagens competitivas têm mudado e continuarão a mudar com o tempo, e esse<br />

princípio é essencial nas reflexões contidas no presente trabalho. Tradicionais fontes de<br />

sucesso sustentado das empresas, tais como – capacidade de trabalho físico de sua mãode-obra,<br />

facilidade de acesso a recursos financeiros, máquinas e equipamentos e outras<br />

– continuam tendo importância significativa nos planos estratégicos das empresas, mas<br />

seu peso relativo tem decrescido, pois elementos como cultura organizacional e suas<br />

competências, obtidos a partir da forma como seus recursos humanos são gerenciados,<br />

estão se tornando comparativamente mais importantes.<br />

Numa outra pesquisa, esta realizada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às<br />

Micro e Pequenas Empresas (1993), são apresentados os segmentos indicadores de<br />

721


competitividade: desempenho econômico-financeiro; desempenho produtivo;<br />

capacitação de recursos humanos; capacitação no relacionamento com clientes e<br />

fornecedores; e capacitação produtiva tecnológica.<br />

Percebe-se, com base nas três pesquisas apresentadas, bem como nas<br />

abordagens de autores como Porter (1986) Levy (1992) e Oliveira (1995), que o bom<br />

relacionamento da empresa com seus diversos públicos (empregado, consumidor,<br />

fornecedor, acionista) passaram a constar como indicadores de competitividade, porém,<br />

ao nosso ver, para que estes relacionamentos sejam bem estruturados e satisfaçam<br />

empresa e públicos, devem ser criadas estratégias competitivas, como: estratégias de<br />

benefícios e incentivos; de treinamento; de articulação com fornecedores,<br />

consumidores, acionistas; de articulação com governo; estratégia de articulação com a<br />

imprensa.<br />

Um dos propósitos de embasamento do trabalho com as pesquisas<br />

apresentadas é o de mostrar que as mudanças radicais ocorreram no que se refere à<br />

competitividade nos tempos modernos. Atualmente aspectos relacionados com o capital<br />

humano são considerados como forma de mostrar que a empresa é diferente, portanto<br />

competitiva.<br />

A partir do já comentado, fica clara a nítida percepção da existência de dois<br />

polos na empresa: de um lado há o aspecto físico, m<strong>ate</strong>rial, cartesiano, algo estrutural –<br />

funcionalista e há, de outro lado, o metafisico, o humano, algo mais afetivo – emocional,<br />

mas que se constituem no todo indivisível e interdependente, o que podemos chamar de<br />

sistemas de empresa, interagindo com o ambiente externo e com os seres humanos que a<br />

compõem, o que assegura a formação de diferenciais de competitividade.<br />

7 RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

Realizou-se a pesquisa em uma Instituição de Ensino Superior, particular,<br />

que a partir de então será denominada de Faculdade X, uma vez que ainda não existe a<br />

autorização para a divulgação do seu nome.<br />

722


A mencionada faculdade, que desenvolve suas atividades na cidade de São<br />

Luís – Maranhão, incorporou na sua dinâmica administrativa a educação corporativa,<br />

com o objetivo maior de qualificar os seus colaboradores, tanto os técnicosadministrativos<br />

como os docentes, uma vez que entende a necessidade de assegurar<br />

diferenciais competitivos, uma vez que a cada dia o mercado se faz mais competitivo.<br />

No arcabouço dos projetos envolvendo a educação corporativa, a cada<br />

semestre são oferecidos cursos de qualificação, tanto para o corpo docente como para os<br />

técnicos administrativos. Em 2017.1, foram oferecidos doze cursos e, em 2017.2, foram<br />

oferecidos nove cursos. A aceitação por parte dos docentes fica na casa de 82% e dos<br />

técnicos administrativos de 95%. Vale ressaltar que todos os cursos são ofertados na<br />

modalidade Educação a Distância – EAD.<br />

A participação significativa dos dois seguimentos se dá pela adoção, por<br />

parte da Instituição, da chamada meritocracia, e a participação nos cursos ofertados faz<br />

parte dos parâmetros para que os colaboradores tenham assegurados benefícios<br />

adicionais a cada final de semestre.<br />

Ao se fazer a pergunta “você entende o investimento na educação<br />

corporativa por parte da Faculdade X como sendo uma boa iniciativa para qualificar o<br />

técnico administrativo?”, 72% responderam que sim e 28% responderam que não. A<br />

mesma pergunta foi feita para os docentes e 62% responderam que não e 38%<br />

responderam que sim.<br />

Já para a pergunta “qual a sua percepção sobre os cursos ofertados a cada<br />

semestre inclusos nos projetos relacionados à educação corporativa?”, os técnicos<br />

administrativos responderam da seguinte maneira: 42% responderam excelente; 33 =<br />

boa e 25 = regular. Já os docentes apresentaram os seguintes percentuais: excelente =<br />

19%; boa = 32% e regular = 49%. Vale ressaltar que nem no segmento técnico<br />

administrativo, nem docente marcaram a opção ruim.<br />

Analisando os aspectos quantitativos, percebe-se os técnicos administrativos<br />

estão mais satisfeitos com os cursos ofertados pelos programas da educação corporativa,<br />

723


ao passo que os docentes não se apresentam satisfeitos com os cursos ofertados. A razão<br />

da diferença não foi questionada na pesquisa exploratória.<br />

8 CONCLUSÃO<br />

Levando-se em consideração o alcance dos objetivos, que foi o de investigar<br />

se a IES, pesquisada, se utiliza da Educação Corporativa como investimento no capital<br />

intelectual e consequente formação de diferenciais competitivo, a presente conclusão<br />

constata que os objetivos específicos foram alcançados, assim sendo, o objetivo geral<br />

também foi alcançado e, consequentemente, o problema foi respondido, haja vista as<br />

considerações abaixo relatadas.<br />

Na instituição pesquisada, foi percebido que existe todo um aparato para a<br />

execução da educação corporativa com o objetivo de investimento consciente na<br />

melhoria do capital intelectual.<br />

Como a instituição trabalha com a chamada meritocracia, foi designado<br />

como parâmetro para obtenção de benefícios a realização, tanto por parte de docentes<br />

como de técnicos administrativos, de cursos ofertados pelos programas que envolvem a<br />

educação corporativa.<br />

De acordo com o Diretor Geral da Instituição, os diferenciais competitivos<br />

que passaram a ser oriundos do investimento na qualificação dos colaboradores pelos<br />

programas da educação corporativa, são: melhoria do clima organizacional; ótimo<br />

relacionamento entre alunos, professores e técnicos administrativos; satisfação por parte<br />

dos discentes, docentes e técnicos administrativos; melhoria no <strong>ate</strong>ndimento aos<br />

stakholders vinculados à Instituição; reconhecimento por parte dos envolvidos com<br />

indicações dos cursos de graduação e de pós-Graduação da Instituição, à outras pessoas.<br />

Portanto, conclui-se que a referida instituição de ensino se utiliza da<br />

educação corporativa para investir na qualificação dos seus colaboradores e, como<br />

consequência dessa educação continuada, via educação a distância, assegura a formação<br />

de novos diferenciais competitivos.<br />

724


REFERÊNCIAS<br />

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. Acesso em: 10 out.<br />

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SVEIBY, Karl Erik. A nova riqueza das organizações: gerenciando e avaliando<br />

patrimônios de conhecimento. 5. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.<br />

726


O USO DA NARRATIVA E DAS TIC NA SALA DE AULA: novos passos para<br />

uma educação filosófica<br />

THE USE OF NARRATIVE AND TIC IN THE CLASSROOM: new steps to a<br />

philosophical education<br />

Danillo Matos de Deus (danillodedeus@yahoo.com.br)<br />

Vinculado ao programa de Mestrado Profissional ‘PROF-FILO’<br />

Ediel dos Anjos Araújo (araujo_ediel@yahoo.com.br)<br />

Vinculado ao programa de Mestrado Profissional ‘PROF-FILO’<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação.<br />

Orientador:Maria Olília Serra<br />

Docente do Programa de Pós-Graduação em Filosofia - PROFI-FILO/UFMA<br />

Departamento de Filosofia<br />

oliliaserra@gmail.com<br />

RESUMO: O tesouro da tradição é uma herança cujo acesso é indispensável pela<br />

humanidade, pois contribui para o desenvolvimento da capacidade de pensar dos<br />

indivíduos. O legado da tradição é uma herança acessível aos homens que foi<br />

constituída pela soma dos mais variados tipos de conhecimentos, entre eles temos o<br />

conhecimento filosófico. Certas táticas didáticas como “comentários feitos sobre os<br />

textos” e “exposições” são utilizadas para que o ensino de Filosofia possa se propagar<br />

de forma satisfatória nas salas de aula, sendo os professores encarregados de fazer com<br />

que a história da filosofia seja ensinada através de algum método. Entre os mais<br />

diferentes instrumentos metodológicos possíveis de serem utilizados nas escolas<br />

podemos citar a narração escrita. Uma outra possibilidade para o ensino da disciplina<br />

encontra-se na adoção das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), de forma<br />

que esta possa motivar os alunos, levando-os a alcançarem um pensamento reflexivo e<br />

autônomo. O presente trabalho tem como objetivo discutir sobre as diferentes maneiras<br />

727


que o pensamento filosófico pode ser compartilhado, entre eles temos a utilidade das<br />

narrativas escritas em forma de livro que poderá proporcionar aos alunos o acesso as<br />

informações existentes em suas leituras, oportunizando-os até mesmo a elaborarem<br />

conclusões acerca de um mundo dinâmico a qual fazem parte. Assim como, a adoção<br />

das TIC como ferramentas pedagógicas viabilizando o pensamento autônomo. Partimos<br />

da hipótese de que o uso destas novas didáticas podem despertar o pensamento reflexivo<br />

dos estudantes, direcionando-os a assumirem uma postura crítica diante do mundo a<br />

qual fazem parte e que serve de espaço para se relacionarem através de suas palavras e<br />

ações.<br />

Palavras-chave: Ensino. Filosofia. Narrativa. TIC.<br />

ABSTRACT: The treasure of tradition is an inheritance whose access is indispensable<br />

by humanity, since it contributes to the development of individuals' capacity to think.<br />

The legacy of tradition is an inheritance accessible to men which was constituted by the<br />

sum of the most varied types of knowledge, among them we have the philosophical<br />

knowledge. Certain didactic tactics such as "comments made on texts" and<br />

"expositions" are used so that Philosophy teaching can propag<strong>ate</strong> itself satisfactorily in<br />

classrooms, with teachers being charged with making the history of philosophy taught<br />

through some method. Among the most different methodological instruments possible<br />

to be used in schools we can cite the written narration. Another possibility for the<br />

teaching of the discipline lies in the adoption of Information and Communication<br />

Technologies (ICT), so that it can motiv<strong>ate</strong> the students, leading them to achieve a<br />

reflexive and autonomous thinking. The present work aims to discuss the different ways<br />

that philosophical thought can be shared, among them we have the usefulness of written<br />

narratives in book form that can give students access to information in their readings,<br />

even giving them access to draw conclusions about a dynamic world to which they<br />

belong. As well as, the adoption of ICT as pedagogical tools, enabling autonomous<br />

thinking. We start from the hypothesis that the use of these new didactics can awaken<br />

728


the reflective thinking of the students, directing them to assume a critical posture in<br />

front of the world to which they are part and that serves as a space to rel<strong>ate</strong> through their<br />

words and actions.<br />

Keywords: Teaching. Philosophy. Narrative. ICT<br />

A NARRATIVA COMO INSTRUMENTO DE ENSINO DA FILOSOFIA NAS<br />

ESCOLAS<br />

O tesouro da tradição é uma herança cujo acesso é indispensável pela<br />

humanidade, pois contribui para o desenvolvimento da capacidade de pensar dos<br />

indivíduos. O legado da tradição é uma herança acessível aos homens que foi<br />

constituída pela soma dos mais variados tipos de conhecimentos, entre eles temos o<br />

conhecimento filosófico. Sobre o contato com a história da filosofia Derrida recomenda<br />

que “[...] não é interessante apenas repetir e reproduzir a história da filosofia ocidental,<br />

no entanto, afirma que tampouco parece interessante simplesmente ignorar, opor-se ou<br />

subverter essa tradição” (KOHAN, 2009, p. 84).<br />

Atualmente existem diferentes possibilidades para que o filosofar possa<br />

ocorrer, entre eles temos o café filosófico, cine e filosofia, e a filosofia com crianças,<br />

percebe-se então através da prática docente, que as informações que compõem a<br />

tradição filosófica são impossíveis de ter a sua relevância negada no contexto escolar. É<br />

perceptível após esse contexto que tanto a filosofia quanto a didática necessitam se<br />

encontrar em certas ocasiões para que o processo de ensino-aprendizagem ocorra em<br />

meio aos educandos.<br />

Certas táticas didáticas como “comentários feitos sobre os textos” e<br />

“exposições” são utilizadas para que o ensino de filosofia possa se propagar de forma<br />

satisfatória nas salas de aula, sendo os professores encarregados de fazer com que a<br />

história da filosofia seja ensinada através de algum método. Entre os mais diferentes<br />

729


instrumentos metodológicos possíveis de serem utilizados nas escolas podemos citar a<br />

narração escrita.<br />

O pensamento filosófico compartilhado através das narrativas escritas<br />

poderá fazer com que os alunos reflitam sobre as informações existentes em suas<br />

leituras, possibilitando-os até mesmo elaborarem conclusões acerca de um mundo<br />

dinâmico a qual fazem parte, já que “[...] o texto literário introduz um universo que, por<br />

mais distanciado da rotina, leva o leitor a refletir sobre o seu cotidiano e a incorporar<br />

novas experiências” (ZIBERMAN in apud Iser, 2016, p. 26).<br />

Através da leitura os educandos podem participar de diferentes realidades<br />

teóricas que já haviam sido desenvolvidas por diversos filósofos ao longo da história.<br />

Tal leitura contribui então para que ocorra a investigação teórico-filosófica pelos alunos<br />

e o desenvolvimento de seus conhecimentos. Sendo seus conhecimentos possíveis de<br />

serem demonstrados, em meio aos demais, através de posicionamentos reflexivos e<br />

críticos na sala de aula, uma vez que “o filosofar se apoia na inquietude de formular e<br />

formular-se perguntas e buscar respostas (o desejo de saber)” (CERLETTI, 2009, p.20).<br />

As informações que compõem a tradição filosófica devem ser ensinadas aos<br />

homens, cabe então a humanidade preservar os conhecimentos que tecem a sua história.<br />

Nesse sentido, os professores devem se voltar para o passado e selecionar aquilo que há<br />

de precioso e que merece ser compartilhado na escola através da prática de ensino.<br />

O importante nas aulas de filosofia é fazer com que os alunos busquem<br />

conhecer a realidade em sua totalidade, assumindo a postura de problematizá-la já que<br />

faz parte da natureza filosófica duvidar daquilo que aparenta ser óbvio. Tal propósito<br />

pode ocorrer a partir da união entre o ensino da história da filosofia e da prática<br />

filosófica. Professores e alunos podem participar de um espaço comum direcionado para<br />

o pensar acerca do mundo, através dos mais distintos questionamentos filosóficos<br />

presentes nas narrativas a serem trabalhadas.<br />

Heródoto, considerado o pai da história ocidental, apontou sobre a<br />

importância da preservação das informações históricas para que não desapareçam com o<br />

passar do tempo, podendo estas informações serem relembradas pelas gerações futuras.<br />

730


Para ele os feitos dos gregos deveriam estar vivos para sempre entre os homens, logo as<br />

informações referentes a cada geração podem virar histórias a serem contadas nas mais<br />

diferentes épocas, fazendo então que a transmissão destas informações sirvam como um<br />

meio de preservar a tradição existente no mundo.<br />

A narrativa é capaz de proporcionar aos homens o ensino e a reflexão<br />

acerca da história. Ao lermos as histórias que são narradas podemos direcionar nossos<br />

pensamentos para determinadas informações que já não se encontram presentes no<br />

nosso tempo mas que marcaram a história da humanidade e que merecem nossa <strong>ate</strong>nção.<br />

Sendo assim:<br />

Almeida, a partir da reflexão arendtiana, afirma que contar histórias sobre os<br />

acontecimentos no mundo é uma modalidade do pensamento. No entanto,<br />

enfatiza que a faculdade do pensar ou mesmo a reflexão de Arendt sobre ela,<br />

não se resume a isso. A autora (2008, p.13) ressalta que considera o “contar<br />

histórias” de especial relevância para uma educação “[...] que procura<br />

introduzir os novos no mundo e contribuir para que encontrem seu lugar nele.<br />

”[...] Portanto, as narrativas permitem o encontro com o passado – não para<br />

trazê-lo de volta, exatamente como era, mas afim descobrir o sentido, como<br />

pérolas que nos são trazidas e apresentadas após o mergulho da nossa herança<br />

simbólica, cultural e histórica. (LEITE, 2005, p. 104)<br />

O contato com os mais diferentes pensadores que marcaram nossa história<br />

contribui para que venhamos a escolher “aqueles” com o qual estabeleceremos certos<br />

diálogos como se fossem nossas companhias no presente, somos então tocados por<br />

atitudes e pensamentos de homens e mulheres cujo tempo não conseguiu apagar.<br />

Hannah Arendt, segundo Leite, escolheu como companhia para os seus diálogos<br />

Sócr<strong>ate</strong>s, Isak Dinesen, Jaspers e Kant no que diz respeito a responsabilidade que deve<br />

ser adotada pelos homens na terra. Logo, os pensamentos resultantes das mais diferentes<br />

questões pelos filósofos no passado devem ser aceitas como caminhos para que<br />

possamos percorrer filosoficamente no mundo. Desse modo, é importante <strong>ate</strong>ntarmos a<br />

Kant ao afirmar que:<br />

731


Também o autor filosófico, em que nos baseamos no ensino, deve ser<br />

considerado, não como modelo do juízo, mas apenas como o ensejo de<br />

julgarmos nós próprios sobre ele e até mesmo contra ele; e o método de<br />

refletir e concluir por conta própria é aquilo cujo domínio o aprendiz está a<br />

rigor buscando, o qual também é o único que lhe pode ser útil, de tal sorte os<br />

discernimentos decididos, que por ventura se tenham obtido, ao mesmo<br />

tempo têm que ser considerados como consequências contingentes dele,<br />

consequências estas para cuja plena abundância ele só tem de plantar, em si<br />

mesmo, a raiz fecunda. (LORIERI in apud Kant, 2002, p.77-78)<br />

Segundo Arendt, as companhias escolhidas pelos homens podem surgir a<br />

partir de exemplos de indivíduos vivos, de pessoas mortas, fictícios ou reais, até mesmo<br />

fatos que aconteceram no passado ou no nosso presente podem interferir em nossas<br />

escolhas. As narrativas podem contribuir para a tomada das decisões a serem feitas<br />

pelos homens no mundo em que habitam, possibilitando-os fazerem parte através da<br />

leitura de um mundo comum a todos os indivíduos. Vemos então a importância da<br />

necessidade de uma iniciação filosófica a ser realizada nas salas de aula e que “[...] cada<br />

um escolherá se filosofa ou não, mas deve saber que pode fazê-lo, que não é um<br />

mistério insondável que apenas alguns <strong>ate</strong>souram. E, nisso, o professor tem uma tarefa<br />

fundamental em estimular a vontade” (CERLETTI, 2009, p. 87)<br />

A filosofia não possui apenas uma única identidade em meio aos filósofos,<br />

isto ocorre pois existem vários pensamentos que deram origem aos mais diferentes<br />

cenários filosóficos ao longo da história. Devemos então observar o seguinte<br />

entendimento “[...] aprender filosofia é conhecer a sua história, adquirir uma série de<br />

habilidades argumentativas ou cognitivas, desenvolver atitude diante da realidade ou<br />

construir um olhar sobre o mundo” (CERLETTI, 2009, p.12), isto nos leva a<br />

compreensão de que aprender sobre a Filosofia necessita que estejamos abertos as<br />

diferentes informações que surgiram e se transformaram ao longo tempo.<br />

Apresentar o mundo as novas gerações, significa proporcioná-las então o<br />

acesso ao tesouro da tradição e a possibilidade de aceitar a responsabilizar-se pelo<br />

mundo, já que:<br />

732


A tradição, numa das imagens pelas quais Arendt a apresenta, é o testamento<br />

que acompanha o tesouro legado pelo passado ao futuro. Cabe a um<br />

testamento selecionar os valores a transmitir, transmiti-los propriamente aos<br />

herdeiros – ou impedir que se percam por falta de quem os preserve -, e ainda<br />

dizer por que se trata de valores preciosos. Tais são precisamente as funções<br />

que nossa autora atribui a tradição. Esta seleciona nas experiências de cada<br />

geração o que há de mais precioso a ser preservado, salva-o da ruina do<br />

esquecimento, conferindo-lhe inteligibilidade – ou seja, transformando-o em<br />

histórias – e transmitindo-o ao futuro. (FRANCISCO, 2007, p.34)<br />

Para que o aluno possa escolher o seu posicionamento diante do mundo, é<br />

importante que tenha aprendido sobre as mais diferentes informações apresentadas na<br />

escola, mesmo que sejam através das narrativas filosóficas ou através de outros meios<br />

que possam contribuir para o seu ensino-aprendizagem, entre estes temos o uso das<br />

tecnologias da informação e da comunicação como fator de motivação para a autonomia<br />

dos discentes. Aos professores em sala de aula, cabe o cuidado para que as informações<br />

que tecem a tradição filosófica sejam compartilhadas com os educandos. Tal atitude<br />

demonstra o compromisso do professor para com os estudantes por proporcionar o<br />

contato, a reflexão e o questionamento sobre as informações presentes na história.<br />

Sendo que, o contato com as mais diferentes companhias apresentadas na sala de aula<br />

possibilita a não doutrinação dos alunos, já que que “[...] doutrinar não é ensinar uma<br />

doutrina, mas ensiná-la como se fosse a única” (GALLO, 2012, p. 39).<br />

O ENSINO DE FILOSOFIA E O USO DAS TIC<br />

Com o propósito de refletirmos sobre as possibilidades de uma aproximação<br />

pedagógica sobre o ensino de Filosofia e o uso das TIC lançamos mão neste ensaio de<br />

duas c<strong>ate</strong>gorias que compreendemos ser importante: a motivação e a autonomia.<br />

Conforme apontam Aguiar e Ozella (2013) para haver motivação é necessário, portanto,<br />

que haja a necessidade, a vontade. De acordo com os autores, as “necessidades estão<br />

sendo entendidas como um estado de carência do indivíduo que leva a sua ativação com<br />

733


vista a satisfação, dependendo das suas condições de existência” (AGUIAR e OZELLA,<br />

2013, p. 306). Ou seja, para que o processo de ensino se caracterize como uma atividade<br />

de aprendizagem é necessária que as ações pedagógicas propostas despertem a<br />

necessidade dos alunos a partir do seu contexto social, existencial.<br />

Rancière (2004) traz ao deb<strong>ate</strong> uma discussão importante sobre as<br />

possibilidades de emancipação que as novas metodologias de ensino podem trazer. Para<br />

o autor, pensar a educação é pensar métodos. Em seus escritos aparecem críticas à<br />

pedagogia tradicional que pensava os alunos como aqueles que precisavam ser<br />

iluminados, assim, ensinar seria iluminar os alunos (sem luzes), diferente desta visão,<br />

Rancière (2004) entende o processo de ensino e aprendizagem como aquele que é capaz<br />

de emancipar os discentes, que pode levar a autoconstrução dos sujeitos. Traçando a<br />

diferença entre o mestre explicador (pedagogia tradicional) e mestre emancipador (o<br />

mestre que apenas indica o caminho), discorrendo que a vontade é a fundamentação, o<br />

start para a busca do conhecimento. O professor (mestre) é apenas aquele que indica o<br />

caminho, o caminhar e a trilha a ser escolhida se dará a partir dos sujeitos (discentes).<br />

Conforme menciona:<br />

O mestre emancipador: essas contingências haviam tomado, na circunstância,<br />

a forma de recomendação feita por Jacotot. Disso adivinha uma consequência<br />

capital, não mais para os alunos, mas para o mestre. Eles haviam aprendido<br />

sem mestre explicador, mas não sem mestre. Antes não sabiam, e, agora, sim.<br />

Logo, Jacotot havia lhes ensinado algo. (...) entre o mestre e o aluno se<br />

estabelecera uma relação de vontade a vontade: relação de dominação do<br />

mestre, que tivera por consequência uma relação inteiramente livre da<br />

inteligência do aluno com aquele livro. (RANCIÈRE, 2014, p. 30 e 31).<br />

Conforme pode ser observado, o que o mestre emancipador proporcionou<br />

foi exatamente dar autonomia e estimular a vontade de seus alunos para que estes<br />

pudessem ter a iniciativa e buscassem aquilo que até então não sabiam, neste caso,<br />

entender outra língua. Sem a figura de um mestre explicador, tiveram a vontade, a<br />

motivação, e assim conseguiram superar as dificuldades e se apropriarem daquilo que<br />

estava sendo proposto pelo mestre.<br />

734


Ele estava esperando por terríveis barbaridades ou, mesmo, por uma<br />

impotência absoluta. Como, de fato, poderiam todos esses jovens, privados<br />

de explicações compreender e resolver dificuldades de uma língua nova para<br />

eles? (...), mas, qual foi a surpresa quando descobriu que seus alunos,<br />

abandonados a si mesmos, se haviam saído tão bem dessa difícil situação<br />

quanto o fariam muitos franceses. (RANCIERE, 2004, p. 18)<br />

Até este acontecimento, todos acreditavam ser necessária a figura de um<br />

mestre para levar os alunos (sem luzes), à claridade, à ciência. Em outras palavras o ato<br />

essencial do mestre era explicar, ensinar era o mesmo que transmitir conhecimento,<br />

levando os sem luzes ao processo de conhecimento. Com esta outra possibilidade de<br />

aprendizagem de forma quase autônoma movida pela motivação, leia-se vontade, vêm à<br />

tona outra questão:<br />

Ninguém nunca sabe, de fato, de tudo, o que compreendeu. E, para que<br />

compreenda, é preciso que alguém lhe tenha dado uma explicação, que a<br />

palavra do mestre tenha rompido o mutismo da matéria ensinada.<br />

(RANCIERE, 2004, p. 20 e 21).<br />

Aparece nas entrelinhas a crítica à pedagogia tradicional acerca do mestre<br />

explicador, este é visto como sendo ‘’o único juiz do ponto em que a explicação está,<br />

ela própria, explicada. Ele é o único juiz dessa questão em si mesma vertiginosa.’’<br />

(RANCIERE, 2004, p. 21). E neste caso como o autor comenta, isso leva ao<br />

‘embrutecimento’, porém diferente deste pensamento acima exposto o segredo do<br />

mestre deve ser, ‘’saber reconhecer a distância entre a matéria ensinada e o sujeito a<br />

instruir, a distância, também, entre aprender e compreender. O explicador é aquele que<br />

impõe e abole a distância.’’ (RANCIERE, 2004, p. 22).<br />

O aprender estaria relacionado a visão de que os sem luzes são apenas<br />

receptáculos a serem preenchidos com informações (ciência), diferente daquele que<br />

compreende, que por sua vez, recebe as informações, analisa-as e as reconstrói de forma<br />

crítica, e neste ponto estaria ligada a relação direta entre ensinar e aprender, entre o<br />

mestre enquanto aquele que aponta o caminho em meio a densa floresta afirmando seu<br />

reencontro com seus aprendizes ao final da trilha. Diferente do mestre explicador que já<br />

735


apresenta o pensamento pronto e acabado para que os sem luzes apenas assimilem tais<br />

informações de forma acrítica. Como Racière (2004) escreve:<br />

A explicação não é necessária para socorrer uma incapacidade de<br />

compreender. É, ao contrário, essa incapacidade, a ficção estruturante da<br />

concepção explicadora do mundo. É o explicador que tem a necessidade do<br />

incapaz, e não o contrário, é ele que constitui o incapaz como tal. Explicar<br />

alguma coisa a alguém é, antes de mais nada, demonstrar-lhe que não pode<br />

compreendê-la por si só. Antes de ser o ato pedagógico, a explicação é o mito<br />

da pedagogia, a parábola de mundo dividido em espíritos sábios e espíritos<br />

ignorantes, espíritos maduros e imaturos, capazes e incapazes, inteligentes e<br />

bobos. O procedimento próprio do explicador consiste nesse duplo gesto<br />

inaugural: por um lado, ele decreta o começo absoluto – somente agora tem<br />

início o ato de aprender; por outro lado, ele cobre todas as coisas a serem<br />

aprendidas desse véu de ignorância que ele próprio se encarrega de retirar.<br />

(RANCIÈRE, 2004, p. 23 e 24].<br />

Do ponto de vista do acaso e da vontade, fica claro que alguns alunos<br />

aprenderam de forma autônoma a falar e a escrever em francês sem o socorro de um<br />

‘’mestre explicador’’. Neste ponto em específico fica clara a questão da vontade<br />

autônoma para o querer aprender. É nesta perspectiva que nossa proposta de inserção<br />

das TIC se coaduna com a proposta de Rancière.<br />

Ele os havia deixado sós com o texto de Fénelon, uma tradução – nem<br />

mesmo interlinear, como era uso nas escolas – e a vontade de aprender o<br />

francês. Ele somente lhes havia dado a ordem de atravessar uma floresta cuja<br />

saída ignorava. A necessidade o havia constrangido a deixar inteiramente de<br />

fora sua inteligência, essa inteligência mediadora do mestre que une a<br />

inteligência impressa nas palavras escritas àquela do aprendiz (RANCIERE,<br />

2004, p. 26).<br />

Entendemos que ao inserir as TIC nas aulas de filosofia na educação básica,<br />

em especial no ensino médio, elas possibilitem ao docente organizar as ações<br />

pedagógicas na direção que Rancière (2004) aponta em suas reflexões acima expostas,<br />

ou seja, possibilitar um espaço para que diferentes caminhos possam ser trilhados pelos<br />

discentes, já que um dos grandes fatores de motivação dos adolescentes na atualidade se<br />

encontram nas chamadas redes de relações sociais, no ciberespaço. Visto que, no<br />

contexto das relações sociais modernas, a internet é/ou se torna uma importante<br />

736


ferramenta na construção dessas novas vivências. As redes sociais midiatizadas passam<br />

a constituir um espaço mediador para o processo de ensino-aprendizagem, tornando as<br />

aulas de filosofia mais dinâmicas e motivadoras para despertar a autonomia discente. Na<br />

mesma linha de raciocínio Kant (1999) pensa o processo de educação.<br />

Kant (1999) faz uma análise a respeito da questão da educação, segundo o<br />

filósofo, a educação seria o processo de disciplinarização e a instrução se daria com a<br />

formação. Entendendo e dividindo a educação em duas fases: a educação física e a<br />

educação prática. Sobre a disciplina descreve como esta é capaz de transformar a<br />

‘animalidade em humanidade’. O homem teria nesse sentido necessidade de sua própria<br />

razão, uma vez que segundo o filósofo, o homem não tem instinto, e precisa, portanto,<br />

formar por si mesmo sua própria conduta. Apontando já para uma certa autonomia.<br />

Como ele escreve: ‘’A espécie humana é obrigada a extrair de si mesma pouco a pouco,<br />

com suas próprias forças, todas as qualidades naturais que pertencem à humanidade.<br />

Uma geração educa a outra’’ (KANT, 1999, p. 12). Nessa perspectiva, aquilo que<br />

tornaria o homem um verdadeiro homem seria a educação, este seria exatamente aquilo<br />

que a educação dele o faz. A formação aqui é entendida como disciplina e instrução.<br />

Escreve:<br />

Portanto, a falta de disciplina e de instrução em certos homens os tornam<br />

mestres muito ruins de seus educandos. [...], se por um lado, a educação<br />

ensina alguma coisa aos homens e, por outro lado, não faz mais que devolver<br />

nele certas qualidades, não se pode saber até aonde nos levaria as nossas<br />

disposições. (KANT, 1999, p. 15)<br />

Traçando um paralelo com a nossa realidade, tais ideias podem ser<br />

atualizadas no sentido de pensar a cidadania, precisamos, portanto, pôr em prática a<br />

questão disciplinar para não nos tornarmos animalescos. Kant (1999) propõe que a<br />

educação está diretamente ligada à cultura, assim quem de algum modo não tem cultura<br />

de nenhuma espécie é um bruto; quem não é disciplinado ou educado é um selvagem. E<br />

caminha na direção de que o processo de educação acaba passando por processos de<br />

evolução. Escreve:<br />

737


Talvez a educação se torne sempre melhor e cada uma das gerações futuras<br />

dê um passo a mais em direção a um aperfeiçoamento da humanidade, uma<br />

vez que o grande segredo da perfeição da natureza humana se esconde no<br />

próprio problema da educação ’’ (KANT, 1999, p. 16)<br />

Kant (1999) entende que a educação é uma arte que precisa ser aperfeiçoada<br />

de uma geração para outra, assim podemos ver a possibilidade de inserção das<br />

tecnologias de informação e comunicação como esse caminho para o aperfeiçoamento<br />

do ensino. A arte da educação ou da pedagogia deve, portanto, ser raciocinada. Kant<br />

comenta:<br />

A educação é uma arte, cuja prática necessita ser aperfeiçoada por várias<br />

gerações. De posse dos conhecimentos das gerações precedentes está sempre<br />

melhor aparelhada para exercer uma educação que desenvolva todas as<br />

disposições naturais na justa proporção e de conformidade com a finalidade<br />

daqueles, e, assim, guie toda a humana espécie a seu destino. (KANT, 1999,<br />

p. 19).<br />

No intuito de refletir sobre os conceitos de autonomia, lançamos mão neste<br />

trabalho da compreensão apresentada pelo filósofo Kant (1985) Em seus escritos<br />

“Resposta à pergunta: Que é Esclarecimento?”. O Filósofo relata a autonomia como a<br />

saída racional da minoridade para a maioridade. Neste sentido, se percebe que a<br />

principal característica de um agente racional perpassa o caminho da autonomia.<br />

Oferecendo a liberdade ao sujeito encaminhado pela razão que, por conseguinte, levará<br />

ao esclarecimento. Sendo assim, no aspecto educacional a autonomia pode ser destacada<br />

como um elemento essencial, uma vez que uma “boa educação é justamente a fonte de<br />

todo bem nesse mundo.” (NODARI E SAUGO apud KANT, 2002, p. 23), tornando-se,<br />

portanto, necessária uma adequação do ensino para que o sujeito se torne autônomo e<br />

esclarecido.<br />

Neste sentido, torna-se necessário equilibrar a educação mecânica, baseada<br />

nos acontecimentos empíricos, e a raciocinada, esta, por sua vez, oriunda dos conceitos<br />

puros da razão. Assim, Kant propõe a educação pública como fomentadora da<br />

maioridade e considera a educação, neste sentido, uma arte.<br />

738


Kant concebe a educação como uma arte e não como um conhecimento, pelo<br />

fato de que, se fosse uma ciência, isto é, um conhecimento independente da<br />

experiência, então ou o homem não seria livre, ou a razão poderia chegar ao<br />

absoluto, que pertence a Deus. A ideia de liberdade impõe à educação a tarefa<br />

de analisar a passagem do estado de selvageria à condição de ser sociável.<br />

(NODARI; SAUGO, p. 114, apud KANT, 2002, p. 23).<br />

Como é apontado por Kant (2002), pensar autonomia seria dar liberdade ao<br />

outro para que este possa deixar de ser tutelado por outrem e passe a agir por si mesmo,<br />

o que no âmbito deste trabalho compreendemos que as TIC, em especial as redes sociais<br />

midiatizadas, dariam essa possibilidade para o professor pensar sua prática pedagógica.<br />

Ademais, com uma mudança de paradigma na educação, sendo trazido para<br />

a contemporaneidade um ensino centrado no aluno, caracteriza-se uma metodologia que<br />

se coaduna com a forma de utilização pelos estudantes das chamadas redes sociais.<br />

Nesta direção, podemos destacar como possibilidades o uso da plataforma Edmodo 99<br />

como uma rede social que poderá permitir a construção dessas atividades colaborativas,<br />

a exemplo da produção de vídeos, fóruns, assim como, também, o uso da ferramenta<br />

CMAP TOOLS 100 , onde os alunos constroem Mapas Conceituais colaborativos,<br />

estimulando-os a pensarem por si mesmos.<br />

Por meio destas ferramentas, os estudantes criam uma rede de contatos e de<br />

partilha de informações e de conhecimentos, que tem foco em seu perfil e são ampliados<br />

99 O Edmodo é uma plataforma para o gerenciamento da aprendizagem (Learning Management System -<br />

LMS), desenvolvido por meio de computação na nuvem. O Edmodo oferece um ambiente virtual seguro<br />

para a interação da comunidade escolar. Professores podem dispor de salas de aula on-line, compartilhar<br />

conhecimentos e conduzir trabalhos. Tarefas de casa também podem ser feitas, corrigidas e comentadas<br />

no próprio Edmodo, que dispõe, para isso, de softwares integrados. As ferramentas de edição permitem ao<br />

professor inserir marcações, comentários e correções nos documentos. Além disso, os arquivos<br />

armazenados na biblioteca podem ser acessados a partir de qualquer computador ou smartphone. Os<br />

participantes podem compartilhar m<strong>ate</strong>riais de estudo, links, apresentações, vídeos, além de acessar<br />

tarefas, notas e avisos escolares. A parte gráfica da plataforma oferece experiência de usuário semelhante<br />

a do Facebook, é intuitiva e de fácil manejo.<br />

100 O Cmap Tools é uma ferramenta distribuída gratuitamente pelo IHMC, que a disponibiliza em<br />

conjunto com outras ferramentas com o objetivo de proporcionar ambientes colaborativos e prover os<br />

estudantes de meios de colaborar em nível de conhecimento, permitindo que os usuários construam mapas<br />

conceituais e dividam o conhecimento expresso em seus mapas com outros estudantes.<br />

739


conforme surgem as necessidades de comunicação e de desenvolvimento social<br />

(MIRANDA et al, 2011) De acordo com a visão da Unesco (2011):<br />

Os departamentos de filosofia estão cada vez mais usando a internet e a<br />

intranet como recursos para facilitar os estudos dos alunos. Essa prática ainda<br />

não se generalizou, mas 18 relatórios recebidos (44%) discutiram<br />

positivamente a utilização desses recursos. E em três relatórios recomenda-se<br />

que os departamentos deem mais importância para o desenvolvimento de<br />

recursos da internet para o ensino. (UNESCO, 2011, p.109)<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

É necessário que a escola oportunize o acesso das crianças e dos<br />

adolescentes ao conhecimento filosófico, dispondo de narrativas filosóficas como<br />

recurso didático de auxílio aos professores. O ensino de filosofia nas escolas é de suma<br />

importância, visto que “Filosofar é atrever-se a pensar por si mesmo, e fazê-lo requer<br />

uma decisão. Há que atrever-se a pensar, porque supõe uma maneira nova de relacionarse<br />

com o mundo e com os conhecimentos, e não meramente reproduzi-los”<br />

(CERLETTI, 2009, p. 80)<br />

As aulas de filosofia não devem aceitar submeter-se a toda finalidade<br />

técnico-econômica atual, do mesmo modo, não devem deixar de possuir uma unidade<br />

própria e específica da disciplina dentro das escolas. Cabe então a cada professor ser<br />

consciente de sua identidade a partir do próprio ideal de filosofia que conhece,<br />

possibilitando aos alunos a oportunidade de poderem filosofar através de um diálogo<br />

orquestrado pela intencionalidade a qual deseja transmitir. Sendo que a tradição não<br />

deve servir como meio para doutrinar os indivíduos que pertencem as mais diferentes<br />

realidades, o pensamento deve ser livre para o surgimento das mais diferentes ideias, ou<br />

seja, a descolonização do pensar deve ser real. Sendo que o “descolonizar” não exclui a<br />

importância do contato com a história da filosofia.<br />

Os estudantes ao serem convidados para a leitura das narrativas filosóficas<br />

poderão se aproximar dos personagens presentes no livro de tal modo que, através desse<br />

740


encontro, poderá surgir pensamentos e sentimentos idênticos ou diferentes daqueles que<br />

foram sentidos pelos personagens principais, esse tipo de experiência sensível é algo<br />

relevante para que tenhamos um instrumento de ensino cujo contato seja atrativo e que<br />

possibilite a reflexão e a compreensão dos leitores.<br />

Segundo Ramos (2010), os homens ao fazerem uso da narrativa expressão<br />

aquilo que imaginam e, para que possamos imaginar, buscamos visualizar narrativas<br />

que outros homens imaginaram. A leitura sobre os filósofos e os seus pensamentos<br />

permite que possamos entender as questões ou problemas que serviram para a tomada<br />

de seus posicionamentos em meio ao tempo que estiveram inseridos, uma vez que “[...]<br />

o filósofo não inventa as suas questões ou seus problemas do nada. Antes, poderíamos<br />

dizer, que ele é um re-criador de problemas. A filosofia é filha de seu tempo e de suas<br />

circunstâncias” (CERLETTI, 2009, p. 25), assim como, apartir das reflexões feitas pelos<br />

autores apresentadas neste trabalho, compreendemos que o uso das TIC é uma<br />

possibilidade para que o ensino de filosofia remeta ao uso das redes sociais midiatizadas<br />

como canal de comunicação entre os alunos e que se concretize a ideia de uma ágora<br />

virtual, conforme pressupõem Lemgruber e Torres:<br />

O computador/internet torna-se uma nova praça pública, que, através de seus<br />

diversos programas de relacionamentos, constitui-se num lugar comum para<br />

o emb<strong>ate</strong> de ideias, reflexões e exposição das diferentes opiniões (2010,<br />

p.03).<br />

Vale ressaltar também, que entre as sugestões para o ensino de filosofia, a<br />

Unesco (2011) recomenda o uso do computador e da internet como ferramentas que<br />

podem ajudar na promoção da prática filosófica, bem como a criação de uma revista<br />

eletrônica na língua local.<br />

Desse modo, entendemos que as TIC podem trazer novas perspectivas ao<br />

ensino de filosofia, uma vez que podem propiciar um espaço para a discussão filosófica,<br />

com características semelhantes as suas raízes gregas. Consideramos que os ambientes<br />

constitutivos da virtualidade podem sofrer comparação com outros lugares de mediação,<br />

participação, democracia e inclusão, a exemplo da ágora grega. A condição de professor<br />

741


exige um novo momento da educação escolar, em que as TIC poderão contribuir com o<br />

aluno e o professor como um instrumento para o diálogo, como um locus para o<br />

conhecimento científico e artístico, mas, especialmente, como “um ponto de partida<br />

para o saber, o encontro e a reflexão filosófica, que formam e transforma o homem. ”<br />

(TORRES, 2009, p. 9).<br />

É nesta perspectiva que indicamos a plataforma Edmodo como uma<br />

ferramenta que poderá auxiliar na busca da autonomia e motivação, uma vez que a<br />

mesma funciona como uma rede social, em que existe a possibilidade dos alunos<br />

produzirem vídeos, músicas, fotografias, textos (ideias) e postarem suas produções para<br />

que sejam curtidas, comentadas e discutidas entre os membros da sala. Além da<br />

produção de atividades colaborativas com o uso da ferramenta online CMAP, que<br />

poderá estimular a criatividade dos alunos e auxiliá-los no processo de assimilação e<br />

reflexão dos conteúdos. Entendemos que desta forma, o professor como colocado por<br />

Rancière (2004) anteriormente, se torna o estopim para a produção de conhecimentos,<br />

aquele que vai despertar a motivação, levando os discentes à autonomia produtiva.<br />

Despertando os seus alunos de seus ‘sonos dogmáticos’, levando-os à maioridade<br />

racional, sendo aquele que indica a floresta a ser trilhada por seus alunos.<br />

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745


O USO DO WHATSAPP COMO UM RECURSO PEDAGÓGICO PARA O<br />

DESENVOLVIMENTO DO SUJEITO AUTÔNOMO<br />

THE USE OF WHATSAPP AS A PEDAGOGICAL RESOURCE FOR THE<br />

DEVELOPMENT OF THE AUTONOMOUS SUBJECT<br />

Ediel dos Anjos Araújo<br />

Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia - PROFI-FILO/UFMA<br />

araujo_ediel@yahoo.com.br<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

Orientador:Profº Dr.Angelo Rodrigo Bianchini<br />

Docente do Programa de Pós-Graduação em Filosofia - PROFI-FILO/UFMA<br />

Departamento de Educação <strong>II</strong><br />

ar.bianchini@ufma.br<br />

RESUMO: A principal questão a ser pensada neste ensaio está diretamente ligada ao<br />

ensino e aprendizagem referente à disciplina de Filosofia, que apresenta várias questões<br />

que devem ser levadas em consideração, tais como: os novos interesses dos alunos, o<br />

lugar da filosofia na polis, a verificabilidade desta enquanto ‘útil’ e o desinteresse da<br />

comunidade estudantil pela disciplina (CERLETTI, 2009). Frente a estas questões,<br />

novas metodologias vêm sendo pesquisadas com o intuito de possibilitar que o processo<br />

de ensino e a aprendizagem se tornem mais dinâmico e interessante. O objetivo deste<br />

ensaio é avaliar a funcionalidade do WhatsApp como um recurso metodológico para o<br />

ensino de Filosofia através da perspectiva kantiana de contribuir com a formação do<br />

pensamento autônomo. Na perspectiva de Kant (1999), lançamos mão neste ensaio no<br />

que concerne à busca da autonomia, a possibilidade de interlocução entre o público e o<br />

privado. Sendo assim, compreendemos que as Tecnologias de Informação e<br />

Comunicação - TICs devem possibilitar o diálogo entre os sujeitos que estão envolvidos<br />

no processo de ensino e aprendizagem. . A partir de nossos estudos, concluímos que<br />

alguns recursos apresentam maior possibilidade de interação e, consequentemente,<br />

746


maior potencial de despertar o pensamento autônomo dos discentes. No contexto atual,<br />

podemos observar que os adolescentes e jovens passam muito tempo conectado ao<br />

recurso WhatsApp, com a finalidade de trocas de vídeo, imagens, músicas entre outras<br />

mídias. Neste caso, podemos compreender que o WhatsApp é um recurso atrativo para<br />

o processo de ensino e de aprendizagem e que apresenta uma funcionalidade<br />

amplamente direcionada para a interação entre os sujeitos, ou seja, apresenta as<br />

potencialidades para um trabalho pedagógico que possibilidade a interlocução entre o<br />

público e o privado e, portanto, uma educação para a formação do pensamento<br />

autônomo. No entanto, cabe ressaltar a importância do papel do professor na<br />

sistematização e intencionalidade das ações pedagógicas com o uso do recurso<br />

WhatsApp, uma vez que pelo fato de não ter sido desenvolvido para fins pedagógicos, o<br />

mesmo apresenta uma limitação no controle dos diálogos entre os sujeitos dentro de um<br />

grupo, podendo ocasionar dispersão do assunto e dificuldade de acompanhar o deb<strong>ate</strong> e<br />

a reflexão. Porém, entendemos que o WhatsApp apresenta as potencialidades de um<br />

recurso pedagógico para o processo de ensino e aprendizagem nas aulas de filosofia,<br />

contribuindo para a motivação e o pensamento crítico e autônomo dos alunos.<br />

Palavras–chave: Ensino. Filosofia. Whatsapp. Tecnologias.<br />

ABSTRACT: The main issue to be considered in this essay is directly rel<strong>ate</strong>d to<br />

teaching and learning rel<strong>ate</strong>d to the discipline of Philosophy, which presents several<br />

issues that must be taken into account, such as: the new interests of students, the place<br />

of philosophy in the polis, verifiability of this as 'useful' and the disinterest of the<br />

student community by the discipline (CERLETTI, 2009). Faced with these questions,<br />

new methodologies have been researched in order to make the teaching process and<br />

learning more dynamic and interesting. The purpose of this essay is to evalu<strong>ate</strong> the<br />

functionality of the WhatsApp as a methodological resource for the teaching of<br />

Philosophy through the Kantian perspective of contributing to the formation of<br />

747


autonomous thinking. In Kant's (1999) perspective, we have used the possibility of<br />

interlocution between the public and the priv<strong>ate</strong> in this essay on the quest for autonomy.<br />

Therefore, we understand that Information and Communication Technologies - ICTs<br />

should enable the dialogue between the subjects that are involved in the teaching and<br />

learning process. . From our studies, we conclude that some resources present gre<strong>ate</strong>r<br />

possibility of interaction and, consequently, gre<strong>ate</strong>r potential to awaken students'<br />

autonomous thinking. In the current context, we can observe that adolescents and young<br />

people spend a lot of time connected to WhatsApp, for the purpose of exchanging<br />

video, images, music among other media. In this case, we can understand that<br />

WhatsApp is an attractive resource for the teaching and learning process and presents a<br />

functionality that is largely directed to the interaction between the subjects, that is, it<br />

presents the potentialities for a pedagogical work that allows the interlocution between<br />

the public and priv<strong>ate</strong>, and thus an education for the formation of autonomous thinking.<br />

However, it is important to emphasize the importance of the teacher's role in the<br />

systematization and intentionality of the pedagogical actions with the use of the<br />

WhatsApp resource, since the fact that it was not developed for pedagogical purposes, it<br />

presents a limitation in the control of the dialogues between the subjects within a group,<br />

which may lead to dispersion of the subject and difficulty to follow the deb<strong>ate</strong> and<br />

reflection. However, we believe that WhatsApp presents the potentialities of a<br />

pedagogical resource for the teaching and learning process in philosophy classes,<br />

contributing to students' critical and autonomous thinking and motivation.<br />

Keywords: Teaching. Philosophy. Whatsapp. Technologies.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Pensar acerca do ensino hoje tem sido um grande desafio para os estudiosos,<br />

pensar no ensino de filosofia as dificuldades são maiores ainda, uma vez que perpassa<br />

748


uma série de questões que devem ser levadas em consideração, a exemplo, os novos<br />

interesses dos alunos, o lugar da filosofia na pólis, a verificabilidade desta enquanto<br />

‘útil’, o desinteresse da comunidade estudantil pela disciplina, uma vez que esta é<br />

colocada por muitos como desinteressante e chata.<br />

É neste sentido que nos propomos a buscar novas estratégias, novas<br />

metodologias para deixar e fazer com que o ensino e a aprendizagem se torne mais<br />

dinâmico e interessante. Logo, neste ensaio estamos levantando alguns pressupostos<br />

para a inserção das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no ensino de<br />

filosofia, neste caso em especial do uso do aplicativo móvel WhatsApp como recurso<br />

metodológico e pedagógico.<br />

Sendo assim, neste ensaio suscitamos os seguintes questionamentos: o uso<br />

das TIC podem contribuir para o processo de ensino de filosofia? Seria possível<br />

aprender a filosofar a partir da mediação de um espaço virtual de aprendizagem, neste<br />

caso o uso do WhatsApp?<br />

A partir desta inquietação acerca da identidade pedagógica e formativa do<br />

ensino da Filosofia na educação básica é que nos propomos neste ensaio avaliar o uso<br />

do aplicativo móvel WhatsApp como um recurso pedagógico que contribui para o<br />

processo motivação e autonomia discente.<br />

AS REDES SOCIAIS E O USO DO WHATSAPP COMO FATOR MOTIVADOR<br />

PARA O ENSINO-APRENDIZAGEM<br />

O tema que julgamos pertinente ao nosso enfoque neste artigo diz respeito<br />

ao ensino da Filosofia na escola básica nacional contemporânea, considerando que<br />

estamos, hoje, para além da ágora 101 da Grécia Antiga. Temos, portanto, a<br />

ressignificação do ensino de filosofia a partir, por exemplo, do uso do WhatsApp.<br />

101 “Um lugar em que cidadãos se reuniam para grandes deliberações” (GHIRALDELLI JUNIOR, 2009, p.<br />

15-16).<br />

749


Atualmente, o que temos de mais próximo e vibrante dessa antiga ágora é o<br />

meio virtual, o ciberespaço, que se tornou “uma ágora eletrônica global em que a<br />

diversidade da divergência humana explode numa cacofonia de sotaques” (CASTELLS,<br />

2003, p. 114-115). Sendo assim, podemos conceber no meio virtual um novo local de<br />

encontro que poderá tornar possível o ingresso à discussão filosófica, no qual o senso<br />

comum é modificado e o participante consegue expressar sua vontade e opinião.<br />

Gelamo (2009), no que diz respeito ao ensino de filosofia, menciona três problemas que<br />

se inter-relacionam:<br />

(1) O entendimento da importância do ensino da filosofia para a sociedade,<br />

para a cultura e para a formação crítica do homem; (2) a reflexão sobre os<br />

temas importantes a serem ensinados e sobre o currículo; e (3) a procura por<br />

uma metodologia do ensino da filosofia e do ensino do filosofar. (GELAMO,<br />

2009, p. 98)<br />

O autor comenta que estas são três imagens do pensamento que permitem<br />

circunscrever a sua ortodoxia, sendo elas o espaço no qual deve estar aqueles que se<br />

dedicam a pensar o ensino da disciplina, ou seja, esses “(...) seriam os lugares-comuns a<br />

partir dos quais a Filosofia, quando pensa seu ensino, se coloca para filosofar.”<br />

(GELAMO, 2009a., p. 98)<br />

Ao abordarmos a ideia de espaços diferenciados para o ensino, estudo ou<br />

exercício de filosofia, pode-se citar alguns questionamentos (JANZ, 2004, p. 105): “De<br />

onde é (melhor) que a Filosofia vem (venha)?” e “Onde tem lugar a questão sobre o<br />

direito à Filosofia?”. Essas mesmas dúvidas já foram registradas por Jacques Derrida<br />

com teor incisivo e inquisitivo:<br />

“Começarei com a questão “onde? ”. Não diretamente com a questão “onde<br />

estamos? ”, ou “como chegamos? ”, mas “onde tem lugar a questão sobre o<br />

direito à Filosofia? ”, que pode ser imediatamente traduzida por “onde ela<br />

deveria ter lugar? ”. Onde é que ela encontra hoje o seu lugar mais<br />

apropriado? (DERRIDA apud JANZ, 2004, p.105)<br />

750


Com base nas questões de Derrida (apud Janz, 2004) sobre o direito à<br />

Filosofia, onde ela deveria ter lugar e onde hoje ela encontra seu lugar mais apropriado,<br />

caracteriza-se ainda uma discussão sobre se as condições da Grécia Antiga eram ideais<br />

ao desenvolvimento da Filosofia e, ainda, se essa ‘’ciência’’ “requer condições sociais,<br />

culturais ou políticas específicas, ou talvez um ambiente urbano, uma polis, para se<br />

desenvolver” (JANZ, 2004, p. 105).<br />

Trazendo esta perspectiva para a educação, e em especial para o ensino da<br />

Filosofia na escola e o lugar que esta ocuparia entre as disciplinas, podemos dizer que<br />

não há limitações geográficas, pois, a Filosofia alcança a relação – ou seja, vive em um<br />

lugar que é de todos e têm relações com as disciplinas ditas adjacentes, indicando<br />

proximidade intelectual com aquelas que fazem parte das humanidades. Podemos<br />

pensar que, em razão de sua natureza abstrata e conceitual, a Filosofia pode ser tanto<br />

ensinada em sala de aula quanto na selva; em ambiente urbano ou rural; entre filósofos<br />

profissionais e não profissionais; em uma fábrica ou em uma reunião de executivos; em<br />

um país desenvolvido ou em um que esteja em desenvolvimento (JANZ, 2004)<br />

Destarte, não havendo rigidez ou conveniência em relação ao lugar no qual se<br />

desenvolve a Filosofia, a contemporaneidade vem trazendo como local de discussão o<br />

espaço cibernético, virtual. Lévy (2001) afirma:<br />

Na filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. O<br />

virtual tende a atualizar-se, sem ter passado, no entanto, à concretização<br />

efetiva ou formal. Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe<br />

ao real, mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de<br />

ser diferente. (LÉVY 2001, p.18)<br />

Lévy (1997) pressupõe a virtualização como dinâmica, apontando-a como<br />

um “movimento inverso da atualização”, pois atua como mutação de identidade, nunca<br />

como uma solução; antes, atua como encaminhamento da busca da consciência em um<br />

campo problemático, caracterizando-se como um dos vetores essenciais da criação da<br />

realidade.<br />

751


Em Newton, tempo e espaço ainda eram absolutos e mantinham-se em<br />

referência mútua. Einstein relativizou o tempo e o espaço, mas a relação entre<br />

um e outro permaneceu. Tendências filosóficas, sobretudo Kant, a filosofia<br />

da vida e a filosofia da existência, bem como muito antes, Agostinho – ainda<br />

que com grandes diferenças – haviam deslocado o tempo, transferindo-o do<br />

objeto para o sujeito, para a “existência” e a subjetividade. Em Kant, o<br />

espaço e o tempo são formas apriorísticas da intuição no âmbito da cognição<br />

sensível. (KOLB, 2001, p. 16, grifo do original)<br />

Atualmente, um assunto que ganha destaque e discussão no âmbito<br />

acadêmico é sobre as classes sem fronteiras, a ágora eletrônica, o seminário World Wide<br />

Web, a classe mundial e as demais metáforas que indicam que algo está acontecendo no<br />

campo da filosofia e, com maior ênfase, no ensino e na pesquisa filosófica na era do<br />

ciberespaço, ou seja, do meio eletrônico conhecido como internet (URSUA, 2006).<br />

Segundo Kolb (2001):<br />

[...]na internet, espaço e tempo perdem sensivelmente seu significado,<br />

especialmente o espaço; no mínimo têm seu status alterado. Já não é preciso<br />

mais ir a (quase) nenhum lugar para resolver as coisas, para exercer a própria<br />

profissão, para fechar negócios, fazer conferências. (KOLB, 2001, p.16).<br />

Ao funcionar como um meio de comunicação, a internet não se traduz<br />

simplesmente como resultado do uso de ferramentas específicas, que incluem o correio,<br />

as salas de chats e os comentários, e sim, em razão de que tais mecanismos contribuem<br />

para desestabilizar o repositório em permanente construção. Sobre isso, Moreira (2005)<br />

ressalta:<br />

A internet oferece todas as possibilidades com as quais nem mesmo os mais<br />

entusiastas escritores de ficção ou os utópicos sonhadores de Alexandria<br />

poderiam sonhar. A quantidade de informações é tal, que com menos de 12<br />

anos de idade pode-se ter tido acesso a um número muito superior do que<br />

aquele que um adulto na Idade Média seria capaz de recolher durante toda a<br />

sua vida. (MOREIRA 2005, p. 60)<br />

De acordo com Barros e Henriques (2011, p. 9), os “(...) novos ambientes<br />

virtuais de aprendizagem têm como tendência novas percepções e formatos de<br />

concepção de educação, on line, aberta” (grifo do original). Levando esse comentário<br />

752


em consideração, podemos destacar a estrutura dos novos ambientes virtuais e as<br />

implicações destes para a prática pedagógica autônoma, bem como as propostas de<br />

formação contínua para os docentes como formas de estímulo constante do aprender a<br />

aprender nas sociedades da informação e do conhecimento. Esse mesmo pensamento é<br />

afirmado por Goulão (2011, p. 77-78, grifo do original), para quem o momento é de<br />

“ensinar os estudantes a aprender – aprender a aprender– recorrendo a metodologias<br />

motivadoras e flexíveis, onde se integrem diferentes recursos didáticos, conteúdos<br />

dinâmicos e interativos”.<br />

Sendo assim, neste trabalho buscamos realizar uma reflexão acerca do uso<br />

do WhatsApp como um instrumento para o processo de ensino e aprendizagem na<br />

disciplina de Filosofia, que vá ao encontro do contexto, dos interesses e das indagações<br />

contemporâneas do jovem adolescente do ensino básico, de forma que suscite nele a<br />

motivação para aprender a pensar filosoficamente.<br />

A busca por uma compreensão acerca das possibilidades de uma<br />

aproximação pedagógica das TIC com a área de Filosofia decorre da nossa trajetória<br />

profissional como professor de Filosofia da Educação Básica que compreende a<br />

importância da reflexão e inclusão de novas metodologias na prática educativa. Sendo<br />

assim, o objetivo deste trabalho é apresentar uma reflexão sobre as possibilidades de<br />

uma aproximação pedagógica do ensino da filosofia com o uso do WhatsApp como uma<br />

alternativa dinâmica e contemporânea de oferecer aos alunos a oportunidade de efetuar<br />

a problematização, trazendo as proposições clássicas dos grandes filósofos e<br />

provocando tensionamentos sobre elas, assim como despertar mais motivação e<br />

autonomia discente para o processo de ensino e aprendizagem.<br />

No contexto dessa possibilidade no ensino contemporâneo, vale citar que,<br />

de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura<br />

(Unesco), ‘’o uso de ferramentas eletrônicas na educação tem sido cada vez mais<br />

importante e necessário’’. (UNESCO, 2011, p.109). Desse modo, novas modalidades<br />

de ensino têm sido proporcionadas pela TIC, área que trouxe o espaço cibernético, a<br />

753


virtualidade e as interações sociais na rede e inseriu o ensino de Filosofia como uma<br />

oportunidade de despertar o interesse para o fazer filosófico.<br />

Este novo momento no mundo, de rapidez da informação, das variadas<br />

formas de comunicação, de pessoas conectadas 24h por dia, exige um novo olhar do<br />

professor, se ele realmente quer fazer um trabalho interativo e dinâmico junto aos seus<br />

alunos.<br />

Entendemos que os meios de comunicação tecnológicos já fazem parte do<br />

cotidiano dos estudantes, desta forma, enquanto professor que está sempre em busca de<br />

novas metodologias, novas formas de melhorar o processo de ensino e aprendizagem,<br />

alguém que está sempre buscando aprimorar a profissão escolhida deixando-a mais<br />

aprazível, é que nos propomos a buscar novas formas de ensinar e aprender, e neste<br />

caso, aproveitando as potencialidades dos recursos tecnológicos informacionais para tal.<br />

Nesta perspectiva e na intenção de aproveitar tais ferramentas que já temos à<br />

disposição é que nos propomos o uso do aplicativo móvel WhatsApp, principalmente<br />

pela facilidade de uso e de aquisição do mesmo, assim como, por ser muito popular<br />

entre os adolescentes e jovens.<br />

Entendemos que o WhatsApp possibilita que a aprendizagem aconteça de<br />

forma mais atrativa e prazerosa criando novas possibilidades, uma vez que, não<br />

limitaríamos apena ao contexto da sala de aula, de modo que de onde o aluno estiver,<br />

todos os conteúdos poderão ser acessados, comentados, curtidos e compartilhados.<br />

Como ponderam Moran, Masetto e Behrens:<br />

Com isso é possível pesquisar de todas as formas, utilizando todas as mídias,<br />

todas as fontes, todas as maneiras de interação. Pesquisar às vezes todos<br />

juntos, ou em pequenos grupos, ou mesmo individualmente. Pesquisar na<br />

escola ou em diversos espaços e tempos. Combinar pesquisa presencial e<br />

virtual. Relacionar os resultados compará-los, contextualiza-los, aprofundálos,<br />

sintetiza-los. O conteúdo pode ser disponibilizado digitalmente.<br />

(Moran, Masetto e Behrens, 2014, p. 31).<br />

Uma das hipóteses que levantamos no início da aplicação do método é que a<br />

ferramenta possibilitaria o desenvolvimento da capacidade de argumentação, da<br />

754


discussão dos discentes, deixando as aulas de Filosofia mais dinâmicas e prazerosas.<br />

Confirmados após a verificação da funcionalidade da metodologia.<br />

Ressaltamos ainda que apesar de tantas formas e métodos que possibilitam o<br />

processo de ensino e aprendizagem, o papel do professor como mediador, levantando e<br />

instigando possibilidades para que o mesmo ocorra de forma significativa é fundamental<br />

e indispensável, sem este, pode ser que haja dispersão com outras distrações que não<br />

necessariamente serão de ordem pedagógica. O professor neste sentido, é o mediador, o<br />

facilitador do conhecimento devendo com isto utilizar as TIC para incentivar os alunos<br />

a buscar novos conhecimentos e aprimorar a pesquisa, descobrindo novas formas de<br />

ensinar e aprender.<br />

Entendemos que através da informatização e do processo evolutivo<br />

tecnológico a porcentagem de jovens e adolescentes que já usam o aparelho celular<br />

aumentou de forma significativa. Segundo dados divulgados pelo IBGE (Instituto<br />

Brasileiro de Geografia e Estatística), via Pnad – Pesquisa nacional por amostra de<br />

domicílios, a porcentagem de jovens e adolescentes entre 10 e 14 anos que fazem uso do<br />

celular gira em torno de 29% no Brasil, levando à conclusão de que cinco milhões de<br />

aparelhos móveis (celulares, smartfones), estão nas mãos destes que são os nossos<br />

alunos.<br />

Assim, entendemos que, diferente da forma como tais aparelhos são vistos<br />

em outras circunstâncias, como um problema para os professores e para o espaço da sala<br />

de aula, julgamos como pertinente o uso dos mesmos como ferramentas pedagógicas,<br />

aproveitando de todas as suas potencialidades, como vemos discorrendo ao longo de<br />

nosso ensaio.<br />

Entendemos que o mundo contemporâneo no contexto da globalização<br />

desde a revolução copernicana e o advento da técnica, assim como, as novas<br />

descobertas e inovações tecnológicas tem sido proporcionado pela revolução científica.<br />

O avanço da ciência e dos meios tecnológicos informacionais tem levantados novos<br />

anseios e possibilidades, novas formas de interação social, novos desejos e angústias.<br />

755


É neste contexto que o espaço escolar enquanto local de difusão e discussão<br />

holística dos distintos saberes precisa estar alerta a todas estas mudanças, assim como<br />

estar aberto a novas possibilidades e adequações diante dessa nova realidade,<br />

consequentemente saber desfrutar de tantos recursos disponíveis, entre estes, as TIC que<br />

tomadas junto ao plano de aula do professor, proporcionará um processo de ensino e<br />

aprendizagem mais prazeroso e inovador, e consequentemente conseguirá <strong>ate</strong>nder as<br />

demandas destes jovens que vieram ao mundo na era informacional. Consequentemente<br />

aliar o ensino de filosofia e as novas tecnologias.<br />

Dentro destas possibilidades as TIC podem trazer para o espaço escolar<br />

novas provocações e formas de aprendizagens, principalmente com as chamadas<br />

tecnologias móveis, entre estas, smartfones e tablets, permitindo que a aprendizagem<br />

ocorra em diversos espaço, assim, entendemos como viáveis tais ferramentas para<br />

despertar nos alunos a vontade de ser um estudante pesquisador, incentivando-os a<br />

buscar novos conhecimentos e consequentemente proporcionar a estes novas formas de<br />

aprendizagens, contribuindo com isto para a autonomia criativa dos alunos.<br />

Coadunando com esta ideia Costa (2007) pondera que os educadores devem,<br />

nesse sentido, desfrutar das possibilidades que o celular tem, e como tal passar a ser<br />

usado de forma significativa como um recurso pedagógico, uma vez que, o referido<br />

aparelho se faz presente numa maioria significativa da vida dos estudantes. Dentre<br />

outras possibilidades para este uso pedagógico teríamos, fotografar e compartilhar a<br />

aula via WhatsApp para que esta possa ser discutida ou consultada por todos a qualquer<br />

momento, uma vez que os alunos vivem com o celular na mão, nesse sentido, facilitaria<br />

a revisão de conteúdos e estudos.<br />

Assim como, tirar fotos, gravar áudios ou vídeos contextualizando os<br />

estudos com o dia a dia. A exemplo do que fizemos em sala, pedindo para os alunos<br />

gravarem um áudio ou filmarem pequenas entrevistas deles mesmos com comentários<br />

do que foi apreendido durante a aula, havendo nesse sentido, uma reaprendizagem a<br />

partir destes vídeos que foram compartilhados via aplicativo para toda a turma<br />

756


possibilitando uma adequação da linguagem e uma reaprendizagem a partir da visão da<br />

turma como um todo.<br />

Segundo Moran, Massetto e Behrens (2014), com a vinda desses novos<br />

recursos tecnológicos, o espaço escolar pode ser transformar em um local de deb<strong>ate</strong>s<br />

ricos em conteúdo, consequentemente de aprendizagens significativas, de forma<br />

presencial e/ou digital, esse não é a questão, o importante é que o professor saiba<br />

usufruir de tais potencialidades, motivando seus alunos para que estes aprendam com<br />

autonomia e sejam atuantes.<br />

Trazendo a discussão para o contexto do ensino de Filosofia, Gallo (2003)<br />

comenta que ao discutirmos o ensino de filosofia devemos ficar <strong>ate</strong>ntos ao próprio<br />

processo pedagógico e formativo que deve levar em consideração a tradição, mas sem<br />

esquecer a contextualização histórica e social, apontando as seguintes diretrizes para o<br />

processo de ensino e aprendizagem a) primeiramente devemos estar <strong>ate</strong>ntos ao filosofar<br />

como ato/processo, ou seja, os conteúdos devem ser ensinados, mas também deve-se<br />

ensinar o passo a passo para a produção filosófica. Assim, ensinar filosofia é ensinar o<br />

ato, mas também o processo de filosofar; b) devemos <strong>ate</strong>ntar tão logo que a história da<br />

filosofia não pode ser ignorada, pois para que os discentes filosofem é necessário que os<br />

mesmos conheçam a história da filosofia c) a terceira questão se refere à criatividade,<br />

uma vez que, ao ensinarmos a história da filosofia se faz necessário a recusa, a negação<br />

e a ressignificação da mesma não absolutamente, porém de maneira que nos permita a<br />

possibilidade de pensar o novo.<br />

Desse modo, faz-se necessário consolidar fundamentos para que se institua<br />

uma prática diferenciada do ensino de filosofia, que considere os sistemas de ensino<br />

atualmente utilizados e a experiência docente (sobre essa ciência) em conjunto com a<br />

análise e a produção de m<strong>ate</strong>riais didáticos para a filosofia nos ensinos fundamental e<br />

médio.<br />

Frente ao exposto, podemos apreender a necessidade de estudos e pesquisas<br />

acerca da constituição de uma identidade pedagógica e formativa do ensino de Filosofia<br />

no cenário brasileiro, uma vez que sua composição como disciplina obrigatória na<br />

757


educação básica é recente e as diretrizes que norteiam o processo de ensino e<br />

aprendizagem e apontam para diferentes especificidades do fazer pedagógico.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A partir das reflexões feitas pelos autores apresentadas neste trabalho,<br />

compreendemos que o uso das TIC é uma possibilidade para que o ensino de filosofia<br />

remeta ao uso das redes sociais midiatizadas como canal de comunicação entre os<br />

alunos e que se concretize a ideia de uma ágora virtual, conforme pressupõem<br />

Lemgruber e Torres:<br />

O computador/internet torna-se uma nova praça pública, que, através de seus<br />

diversos programas de relacionamentos, constitui-se num lugar comum para<br />

o emb<strong>ate</strong> de ideias, reflexões e exposição das diferentes opiniões (2010,<br />

p.03).<br />

Vale ressaltar também, que entre as sugestões para o ensino de filosofia, a<br />

Unesco (2011) recomenda o uso do computador e da internet como ferramentas que<br />

podem ajudar na promoção da prática filosófica, bem como a criação de uma revista<br />

eletrônica na língua local.<br />

Desse modo, entendemos que as TIC podem trazer novas perspectivas ao<br />

ensino de filosofia, uma vez que podem propiciar um espaço para a discussão filosófica,<br />

com características semelhantes as suas raízes gregas. Consideramos que os ambientes<br />

constitutivos da virtualidade podem sofrer comparação com outros lugares de mediação,<br />

participação, democracia e inclusão, a exemplo da ágora grega. A condição de professor<br />

exige um novo momento da educação escolar, em que as TIC poderão contribuir com o<br />

aluno e o professor como um instrumento para o diálogo, como um locus para o<br />

conhecimento científico e artístico, mas, especialmente, como “um ponto de partida<br />

para o saber, o encontro e a reflexão filosófica, que formam e transforma o homem. ”<br />

(TORRES, 2009, p. 9).<br />

758


Um outro ponto que levantamos a partir destas observações é que o<br />

aplicativo possibilitou também o desenvolvimento da capacidade de fundamentação<br />

teórica argumentativa, proporcionando aos alunos a possibilidade de defesa de seus<br />

respectivos pontos de vistas. Alunos que a princípio nas aulas eram distantes, após o uso<br />

do aplicativo móvel WhatsApp passaram a ser mais participativos, percebemos então,<br />

que o uso do recurso enquanto ferramenta pedagógica acabou proporcionando uma<br />

maior interação entre os alunos, alguns em função de timidez e dificuldades em se por<br />

nos deb<strong>ate</strong>s tiveram uma maior facilidade para se posicionarem com a mediação do<br />

aplicativo, assim entendemos que houve um desenvolvimento significativo do discurso<br />

argumentativo e pesquisador dos discentes em questão, tornando-se um importante<br />

aliado no processo de ensino e aprendizagem nas aulas de Filosofia.<br />

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761


OS IMPACTOS DO PIBID NA FORMAÇÃO INICIAL DOS EGRESSOS DOS<br />

CURSOS DE LICENCIATURA DO CCBS/UFMA: breves respostas dos egressos<br />

THE IMPACTS OF THE PIBID ON THE INITIAL TRAINING OF<br />

GRADUATES OF CCBS / UFMA: degree courses: short answers from gradu<strong>ate</strong>s<br />

Washington Luis Conceição Carvalho<br />

Acadêmico do Curso de Pedagogia – UFMA<br />

Karla Cristina Silva Sousa<br />

Professora do Departamento <strong>II</strong> de Educação – UFMA<br />

Eixo1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O campo profissional docente está cada vez mais exigente mundialmente.<br />

Para <strong>ate</strong>nder essas exigências o Estado necessita intervir. Nesse sentido, observa-se a<br />

presença das Universidades interagindo com a sociedade. Como exemplo dessa<br />

interação, destacamos o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência<br />

(PIBID) que apresenta características de ação conjunta entre Universidades e escolas da<br />

Educação Básica cujo objetivo é propiciar ao licenciando a vivência da prática docente.<br />

O presente texto tem por objetivo discutir os impactos do PIBID na formação inicial dos<br />

egressos das licenciaturas plenas do CCBS/UFMA no período de 2010 -2016. Para<br />

conseguir a coleta de dados houve utilização das tecnologias da comunicação. As vozes<br />

dos sujeitos partícipes da pesquisa foram captadas através de questionários semiabertos<br />

respondidos por e-mail, whatsapp e facebook. Para entendermos o contexto e execução<br />

do PIBID, utilizamos a abordagem do Ciclo das Políticas de Ball e Bowe (1992) como<br />

método de análise científica. A referida abordagem permite o entendimento do contexto,<br />

da legislação e execução do PIBID. Concluímos que o Programa Institucional de Bolsas<br />

de Iniciação à Docência possibilita a melhoria da prática de docentes e licenciandos na<br />

Educação Básica. O programa a partir da análise dos dados empíricos, proporciona<br />

experiências inovadoras, tornando significativa a formação de professores.<br />

762


Palavras-chave: Educação. PIBID. CCBS. Tecnologia.<br />

ABSTRACT: The professional teaching field is increasingly demanding worldwide. To<br />

meet these demands, the St<strong>ate</strong> needs to intervene. In this sense, the presence of the<br />

Universities is observed interacting with the society. As an example of this interaction,<br />

we highlight the Institutional Program of Initiatives for Teaching (PIBID) that presents<br />

characteristics of joint action between Universities and schools of Basic Education<br />

whose objective is to provide the licenciando the experience of teaching practice. The<br />

present text aims to discuss the impacts of PIBID on the initial training of gradu<strong>ate</strong>s of<br />

CCBS / UFMA full degrees in the period 2010-2016. In order to obtain data collection<br />

there was use of communication technologies. The voices of the subjects participating<br />

in the research were captured through semi-open questionnaires answered by email,<br />

whatsapp and facebook. To understand the context and execution of PIBID, we use Ball<br />

and Bowe's (1992) Policy Cycle approach as a method of scientific analysis. This<br />

approach allows the understanding of the context, legislation and implementation of<br />

PIBID. We conclude that the Institutional Scholarship Program for Teaching Initiation<br />

makes it possible to improve the practice of teachers and gradu<strong>ate</strong>s in Basic Education.<br />

The program, based on empirical data analysis, provides innovative experiences,<br />

making teacher training meaningful.<br />

Keywords: Education. PIBID. CCBS. Technology.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Esse artigo apresenta os resultados parciais da pesquisa “OS IMPACTOS<br />

DO PIBID/UFMA NA FORMAÇÃO DOCENTE DOS EGRESSOS DAS<br />

LICENCIATURAS PLENAS DO CCBS NO PERÍODO DE 2010-2016” que pertence<br />

ao Macro projeto “OS IMPACTOS DO PIBID NA FORMAÇÃO INICIAL DO<br />

763


DOCENTE: MAPEANDO OS EGRESSOS DO PIBID/UFMA NO PERÍODO 2010-<br />

2016”, cujo financiamento ocorre por meio do Programa de Iniciação Científica<br />

(PIBIC).<br />

O objetivo da pesquisa é mapear os licenciandos do Centro de Ciências<br />

Biológicas (CCBS) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). O Programa<br />

Institucional de Iniciação à Docência (PIBID) da UFMA busca fortalecer a formação<br />

inicial dos graduandos em licenciaturas plenas desenvolvendo competências para o<br />

exercício docente. Desta forma, objetiva promover melhorias na qualidade da educação<br />

básica no Estado do Maranhão pela ação conjunta da UFMA e escolas parceiras.<br />

O PIBID se caracteriza pela oferta de bolsas em diferentes níveis, são eles:<br />

• Coordenador Institucional: Docente efetivo da instituição de ensino<br />

superior, representante do programa perante a CAPES;<br />

• Coordenador de área de gestão: Docente efetivo que atuará junto ao<br />

Coordenador institucional;<br />

• Coordenador de área: Docente efetivo selecionado para coordenar<br />

um determinado subprojeto de acordo com o departamento que faz<br />

parte;<br />

• Supervisor: Docente da rede de educação básica selecionado para<br />

supervisionar o subprojeto de acordo com sua área de atuação na<br />

escola parceira do programa;<br />

• Bolsista de Iniciação à docência: Graduando na licenciatura<br />

equivalente ao subprojeto (BRASIL, 2013).<br />

O PIBID tem sua origem a partir do movimento das Universidades em<br />

intervir ativamente na educação da sociedade. Este movimento foi influenciado por<br />

organizações internacionais e nacionais. Principalmente por esferas internacionais<br />

detentoras de capital como o Banco Mundial (BM).<br />

Em um cenário cada vez mais “globalizado” Meyer, Kamens e Benavot<br />

apud Akkari (2011, p. 13) descrevem as reformas escolares como “movimentos<br />

764


planetários” que atravessam o mundo. Desenvolvidas em um país, elas são rapidamente<br />

apropriadas pelas elites políticas e poderosos grupos de interesse em outros países.<br />

O programa consiste em uma ação conjunta com base no Regime de<br />

Colaboração entre União, Estados e Municípios, m<strong>ate</strong>rializado pela Universidade<br />

Federal do Maranhão (UFMA) junto às escolas de educação básicas do Estado. A ação<br />

tem objetiva promover a formação de futuros docentes, bem como a melhoria do ensino<br />

nas escolas de educação básica, uma vez que o PIBID é um programa que se auto define<br />

como inovador, objetiva promover a reflexão da teoria junto à prática.<br />

Cada licenciatura plena possui um único subprojeto PIBID. Objetivando<br />

analisar os possíveis impactos do PIBID/UFMA na formação dos egressos dos<br />

subprojetos do Centro de Ciências Biológicas da UFMA (CCBS/UFMA), procedemos<br />

ao estudo das normativas do PIBID como uma política educacional, cujo aporte teórico<br />

foi o “Ciclo das políticas” (policy cicle approach) desenvolvido pelos britânicos<br />

Stephen Ball e Richard Bowe (2006). Para dar voz aos egressos do CCBS no período de<br />

2010 a 2016 utilizamos um questionário semiaberto.<br />

2 ENTENDENDO A ABORDAGEM DO CICLO DAS POLÍTICAS<br />

A abordagem do ciclo das políticas foi formulada por Stephen Ball e<br />

Richard Bowe 1992. Ball é destaque entre os pesquisadores brasileiros de políticas<br />

educacionais, seus trabalhos são considerados um marco para analisarmos a formulação<br />

e implementação das políticas educacionais em um país federativo como o Brasil. Ball e<br />

Bowe se preocupam com a complexidade das políticas educacionais:<br />

Esta abordagem desataca a natureza complexa e controversa da política<br />

educacional, enfatiza os processos micropolíticos e a ação dos profissionais<br />

que lidam com as políticas no nível local e indica a necessidade de se<br />

articularem os processos macro e micro na análise de políticas educacionais<br />

(MAINARDES, 2006, p.49).<br />

765


No início de suas pesquisas, os pesquisadores Ball e Bowe limitaram o<br />

processo com a intenção de três estágios em um processo contínuo, são eles: a política<br />

proposta, a política de fato e a política em uso (Ball, 2006). O primeiro estágio refere-se<br />

à política oficial, aos objetivos do governo, dos departamentos competentes e também<br />

das escolas nas quais as políticas atuam. O segundo estágio caracteriza-se pelos textos<br />

que formalizam as políticas, como por exemplo, os textos legislativos. Esses são os<br />

responsáveis pelo início da prática da política. Por fim, a política em uso são os<br />

discursos e as práticas oriundas da implementação das políticas pelos profissionais que<br />

atuam (MAINARDES, 2006).<br />

A ideia de Ball e Bowe (2006) é de uma teoria flexível, dinâmica e versátil,<br />

sendo assim, é notório que essa concepção inicial da abordagem do ciclo das políticas<br />

necessitava de alterações em sua rigidez, para os pesquisadores ingleses o processo<br />

político é influenciado por várias noções e disputas. Para romper com essa noção inicial<br />

da abordagem, Bowe e Ball apresentaram uma versa mais refinada no livro Reforming<br />

education and changing schools (1992), este livro permite entender como as políticas<br />

são formuladas e implementadas, sendo possível notar que os processos formulação e<br />

implementação não são momentos dicotômicos, pois o processo de gestão de uma<br />

política deve levar em consideração os agentes da escola.<br />

De modo a esclarecer as ideias sobre a teoria de Ball e Bowe (2006),<br />

afirmamos que o foco da análise de políticas em geral e não só da educação, deveria ser<br />

no objetivo da política em relação à interpretação dos profissionais que atuam na escola.<br />

Entendemos que não é possível uma política educacional obter sucesso “real” se não<br />

escutarmos os alunos, professores, gestores e outros envolvidos no trabalho escolar.<br />

Estamos falando em darmos voz à base escolar, observar o que a escola e os<br />

profissionais precisam para melhoria da qualidade da educação.<br />

Na reformulação da abordagem do ciclo das políticas, os pesquisadores<br />

apresentaram três contextos que não são uma sequência linear, expressam a noção de<br />

um ciclo contínuo, são eles: o contexto da influência, o contexto da produção de texto e<br />

o contexto da prática (MAINARDES, 2006).<br />

766


No contexto da influência os grupos de interesse disputam espaço e poder<br />

para influenciar a definição das finalidades sociais da educação e do que significa ser<br />

educado.<br />

O contexto da produção de texto tem uma ligação forte com o primeiro,<br />

quando um texto é produzido ele está carregado de ideologias que<br />

influenciam o público em geral, isto está expresso desde a linguagem<br />

utilizada até mensagens sublimares, um texto político não necessariamente é<br />

claro e coeso, porém, causam impacto no terceiro contexto, o contexto da<br />

prática (MAINARDES, 2006, p.51).<br />

Já no contexto da prática a política está sujeita à interpretação e recriação.<br />

Nele a política produz efeitos e consequências que podem representar mudanças e<br />

transformações significativas na política original (BALL; BOWE apud MAINARDES,<br />

2006).<br />

Uma política educacional não é somente aplicada dentro do contexto da<br />

prática, quando ela é implementada está sujeita a recriação, adaptação e mudanças. O<br />

ambiente escolar não é inerte ao texto da política, os profissionais escolares que ali<br />

estão possuem vivências, experiências e opiniões que influenciam o funcionamento das<br />

políticas. Os autores dos textos políticos não controlam a interpretação dos leitores<br />

sobre seus textos.<br />

Decorre deste aspecto a importância da realização de análises sobre as<br />

políticas educacionais, é necessário analisar o Estado, não apenas o controle do Estado,<br />

mas, o contexto complexo que vai da formulação de uma política até a sua<br />

implementação, passando por várias arenas e interesses. Uma análise sobre as políticas<br />

educacionais exige esta complexidade no processo político.<br />

3 PROCESSOS METODOLOGICOS DA PESQUISA<br />

Como citado, este artigo é oriundo de uma pesquisa macro financiada pelo<br />

PIBIC/UFMA intitulada “OS IMPACTOS DO PIBID NA FORMAÇÃO INICIAL DO<br />

DOCENTE: MAPEANDO OS EGRESSOS DO PIBID/UFMA NO PERÍODO 2010-<br />

767


2016”. Desta forma, foram realizadas reuniões com os alunos da iniciação científica e a<br />

coordenação geral da pesquisa. As reuniões aconteceram quinzenalmente durante 01<br />

(um) ano para analisarmos a portaria que legisla o Programa atualmente, a Portaria n°<br />

096/2013 (BRASIL, 2013).<br />

Discutimos os aportes teóricos, instrumentos de coleta de dados e, também,<br />

a forma de disponibilização dos instrumentos de coleta aos sujeitos da pesquisa. Neste<br />

momento, percebemos a necessidade da utilização das tecnologias de comunicação,<br />

como por exemplo, o aplicativo whatsapp e a rede social facebook, além de e-mails<br />

enviados aos sujeitos partícipes da pesquisa. Essas técnicas de coleta de dados<br />

possibilitaram a coleta dos dados, em virtude do mapeamento de egressos ser dificultoso<br />

aos pesquisadores que se propõem trabalhar com esse tipo de público em pesquisas<br />

educacionais.<br />

Para mapear os egressos do CCBS/UFMA no período de 2010 a 2016<br />

utilizamos uma tabela de mapeamento cedida pela Coordenação Institucional do<br />

PIBID/UFMA. A tabela continha o nome de todos os graduandos (egressos) que<br />

fizeram parte do programa no período de 2010 a 2016. Porém, foi preciso estabelecer<br />

um critério de temporalidade na pesquisa para que somente egressos com maior<br />

permanência do programa fossem selecionados para a amostragem. Deste modo,<br />

resolvemos eleger como sujeitos da pesquisa os egressos que permaneceram no<br />

programa por tempo igual ou maior que 24 meses conforme o parágrafo <strong>II</strong>, artigo 28,<br />

seção I, capitulo VI da Portaria n° 096 de 18 de julho de 2013. Este dispositivo legal<br />

afirma que a bolsa de iniciação à docência terá duração de até 24 (vinte e quatro) meses,<br />

prorrogáveis por igual período. O critério de temporalidade no programa foi adotado em<br />

decorrência de termos como pressuposto de pesquisa que quanto mais tempo no<br />

Programa maior a probabilidade de desenvolvimento do sentimento docente nos<br />

egressos.<br />

Os cursos de licenciatura plena do CCBS que compõem o Programa de<br />

Iniciação à Docência são os Cursos de Biologia e Educação Física. Desta forma,<br />

mapeamos a priori 62 egressos do Subprojeto de Biologia (19 homens e 43 mulheres) e<br />

768


35 egressos do Subprojeto de Educação Física (12 homens e 23 mulheres), somando um<br />

total de 97 egressos encontrados (31 homens e 66 mulheres).<br />

Filtramos os dados encontrados pelo critério de permanência de tempo<br />

mínimo no programa de 2 anos ou mais, sendo assim, mapeamos 30 egressos do<br />

Subprojeto de Biologia (8 homens e 22 mulheres) e 9 egressos do Subprojeto de<br />

Educação Física (2 homens e 7 mulheres). Somamos 39 bolsistas egressos no CCBS,<br />

com permanência mínima de 2 anos ou mais no Programa de Iniciação à Docência entre<br />

os anos de 2010 a 2016.<br />

A coordenação geral da pesquisa elaborou o questionário semiaberto para os<br />

egressos, supervisores docentes e coordenadores de área. Nas perguntas fechadas, os<br />

egressos respondiam através de cinco conceitos em que o número 1 corresponde à<br />

“Ruim”, 2 corresponde à “Regular”, 3 corresponde à “Bom”, 4 corresponde à “Ótimo” e<br />

5 corresponde à “Não sei responder”.<br />

Os questionários foram enviados a partir do mês de março de 2017, com o<br />

objetivo de coletar o máximo de dados possíveis. Encerramos a coleta no mês de junho<br />

de 2017. Ressaltamos que não foi uma tarefa fácil. No mapeamento dos sujeitos da<br />

pesquisa buscamos os dados cadastrais informados pelos bolsistas no ato da inscrição<br />

para seleção de bolsistas PIBID.<br />

Estes dados foram disponibilizados pela Coordenação Institucional do<br />

PIBID/UFMA. Buscamos informações como e-mails e números telefônicos para<br />

contato. Esbarramos em alguns obstáculos para encontrar os sujeitos. Muitos haviam<br />

trocado seus dados para contato. Dessa maneira, utilizados outros meios para localizálos<br />

como e-mails, números de celulares, números de telefones fixos, redes sociais<br />

(whatsapp, facebook e instagram), contamos com o apoio dos Coordenadores de Área<br />

dos Subprojetos PIBID para localizar os egressos, e com a ajuda dos próprios egressos<br />

para localizarem uns aos outros.<br />

Após o término da coleta de dados constatamos a devolutiva de 14 egressos<br />

de iniciação a docência. Analisamos os dados a partir das teorias estudadas bem como<br />

documentos que fundamentam o exercício do PIBID, as portarias.<br />

769


3 ANALISANDO BREVES RESPOSTAS DOS EGRESSOS DO PIBID NO<br />

CCBS/UFMA<br />

Nesse artigo, não apresentamos todas as perguntas do questionário enviado<br />

aos egressos, aqui exploramos apenas 3 perguntas para analisarmos se há impacto do<br />

PIBID causado na definição da carreira docente do egresso, se o PIBID cria um<br />

sentimento de pertencimento à docência e se a escola de educação básica, a qual aquele<br />

ex-bolsista realizou as ações do Programa, contribuiu para sua iniciação na docência.<br />

Vejamos a seguir um quadro com as respostas dos egressos.<br />

Tabela 01 – Análise dos impactos do PIBID na formação inicial<br />

Fonte: Pesquisa de campo (2017).<br />

Os impactos do Programa de Iniciação à Docência nos egressos são<br />

reconhecidos pelos mesmos como positivos em relação às suas carreiras docentes.<br />

Através dos questionários identificamos que 5 dos egressos conceituaram como “bom”<br />

quando perguntados sobre a contribuição do PIBID na definição de suas carreiras. Sobre<br />

o mesmo questionamento, 4 conceituaram como “ótimo”.<br />

770


O posicionamento dos egressos mostra que um dos objetivos do programa<br />

está sendo realizado. O objetivo exposto no parágrafo I, Artigo 4º, seção <strong>II</strong>, capitulo I da<br />

Portaria n° 096/2013 CAPES. Visa incentivar a formação de docentes em nível superior<br />

para a educação básica.<br />

Acreditamos que o resultado se dá pela prática que se auto denomina<br />

inovadora do PIBID. Os graduandos têm a oportunidade de conhecer a escola pelo<br />

PIBID a partir do 2° período de graduação, o que não ocorre nos estágios<br />

supervisionados das licenciaturas plenas (conforme as falas dos sujeitos partícipes da<br />

pesquisa), assim como a utilização de diversos espaços da escola, trabalho em grupo e<br />

interdisciplinar.<br />

O século XXI representa mudanças significativas nas instituições de ensino,<br />

desde a educação infantil até o ensino superior, bem como as instituições responsáveis<br />

pela formação docente. A profissão docente abandona as diretrizes a ela destinadas nos<br />

séculos XIX e XX, a concepção de mera transmissão de conhecimento torna-se obsoleta<br />

para formação de cidadãos participativos em uma sociedade democrática (IMBERNÓN,<br />

2006).<br />

A educação de cidadãos se tornou mais complexa à medida que a sociedade<br />

se tornou também mais complexa, assim as instituições educativas passam a se<br />

desenvolver num contexto sobre:<br />

• Um incremento acelerado e uma mudança vertiginosa nas formas<br />

adotadas pela comunidade social, no conhecimento cientifico e nos produtos<br />

do pensamento, a cultura e a arte;<br />

• Uma evolução acelerada da sociedade em suas estruturas m<strong>ate</strong>riais,<br />

institucionais e formas de organização da convivência, modelos de família,<br />

de produção e de distribuição, que têm reflexos na mudança inevitável das<br />

atuais formas de pensar, sentir e agir das novas gerações;<br />

• Contextos sociais que condicionarão a educação e refletirão uma série<br />

de forças em conflito. As enormes mudanças dos meios de comunicação e da<br />

tecnologia foram acompanhadas por profundas transformações na vida<br />

institucional de muitas organizações e abalaram a transmissão do<br />

conhecimento e, portanto, também suas instituições. O mito da sociedade da<br />

informação deixa muitas pessoas totalmente desinformadas, ao passo que<br />

outras acumulam capital informativo em seu próprio benefício e no de alguns<br />

poucos;<br />

• Uma análise de educação da educação que já não a considera<br />

patrimônio exclusivo dos docentes e sim de toda a comunidade e dos meios<br />

771


de que esta dispõe, estabelecendo novos modelos relacionais e participativos<br />

na prática da educação (IMBERNÓN, 2006, p. 09).<br />

O contexto em que se educa, influencia cada vez mais, é preciso adequa-se<br />

metodologicamente de forma que não seja uma pedagogia técnica, que visa o<br />

conhecimento como um objeto pronto e acabado e sim como um conhecimento<br />

dinâmico e flexível que vê a educação como instrumento para formação de valores<br />

éticos e morais na sociedade. Daí a importância da formação do docente de qualidade,<br />

para que ele saiba se relacionar com as pessoas em grupo e com a comunidade que<br />

envolve a educação.<br />

O elo entre a inovação educativa e profissão docente é entendido como<br />

pesquisa educativa na prática. Segundo Francisco Imbernón (2006, p. 19), “a inovação<br />

requer novas e velhas concepções pedagógicas e uma nova cultura profissional forjada<br />

nos valores da colaboração e do progresso social, considerado como transformação<br />

educativa e social”. Exercer a docência não é somente “implementar inovações”<br />

predestinadas, um profissional docente deve participar ativamente de mudanças a partir<br />

da reflexão de teoria e prática (SCHÖN, 2000).<br />

Este caráter inovador também causa um sentimento de pertencimento<br />

docente nos egressos. Quando questionados, 4 dos egressos conceituaram como “bom”<br />

e 6 conceituaram como “ótimo”. Apenas 3 conceituaram como “ruim” a criação de<br />

pertencimento docente causada pelo PIBID. O programa tem como um dos seus<br />

objetivos, inserir os licenciandos no cotidiano escolar. Como apresenta o Parágrafo IV,<br />

Artigo 4°, Seção <strong>II</strong>, Capitulo 1 da Portaria N° 096/2013 CAPES.<br />

Quando este graduando é inserido no cotidiano escolar pensamos que vai<br />

despertar vários tipos de sentimentos, isso faz parte do programa. Analisamos que é<br />

complicado um graduando chegar aos últimos períodos de graduação ainda com dúvidas<br />

sobre a prática docente. Com o PIBID, essas dúvidas podem ser sanadas no início ou<br />

meio da graduação, desta forma, o licenciando tem embasamento para decidir se<br />

permanecerá ou não na carreira docente.<br />

772


Quando o licenciando é inserido na escola, ele tem a oportunidade para<br />

observar outros aspectos que compõem a profissão docente, além da formação inicial<br />

como o ambiente de trabalho, o incentivo profissional e a responsabilidade social que o<br />

professor carrega. Afirma Imbernón (2006, p. 28): “Ser um profissional da educação<br />

significará participar na emancipação das pessoas. O objetivo da educação é ajudar a<br />

tornar as pessoas mais livres, menos dependentes do poder econômico, politico e<br />

social”.<br />

Um dado que merece destaque nessa pesquisa é o questionamento sobre a<br />

contribuição da escola de Educação Básica para a iniciação à docência. 3 dos egressos<br />

conceituaram como “regular”, 4 responderam “bom” e 3 afirmaram ser “ótimo”. Os<br />

demais egressos não responderam à pergunta. Esta questão é passível de reflexão pelos<br />

números dos conceitos “regular” e “ótimo” serem iguais, nos remete ao questionamento<br />

do envolvimento das escolas partícipes do PIBID.<br />

As escolas poderiam apoiar o programa da mesma forma que os bolsistas<br />

precisam se empenhar nas ações desenvolvidas, não podemos pensar que o PIBID como<br />

política paliativa irá resolver os problemas existentes nas escolas. Dentro do que o<br />

programa se propõe a fazer é necessário que a escola seja parceira nas ações, até porque<br />

trata-se uma política baseada no regime de colaboração entre os entes federados.<br />

Os egressos esbarraram em concepções de educação tradicionais de alguns<br />

professores das escolas. Professores que acreditam que não tem como educar realizando<br />

atividades fora da sala de aula ou até mesmo, que não é possível educar utilizando<br />

outras fontes que não sejam livros didáticos. Ao mesmo tempo, esses professores se<br />

colocam como o centro no processo de ensino-aprendizagem. Afirma Saviani (1999, p.<br />

24): “[...] na pedagogia tradicional a iniciativa cabia ao professor que era, ao mesmo<br />

tempo, o sujeito do processo, o elemento decisivo e decisório”.<br />

Argumentamos que o desempenho dos egressos depende do apoio das<br />

instituições de ensino e da concepção de educação dos professores supervisores do<br />

PIBID:<br />

[...] o professor e as condições de trabalho em que exerce sua profissão são o<br />

núcleo fundamental da inovação nas instituições educativas; mas talvez, o<br />

773


problema não esteja apenas nos sujeitos docentes, e sim nos processos<br />

políticos, sociais educativos (IMBERNÓN, 2006, p. 20).<br />

O programa, tomando por base este aspecto, pode ajudar a desenvolver<br />

novas práticas nesses professores, esta aproximação das escolas e a universidade deve<br />

ser proveitosa tanto para a formação dos graduandos como para melhoria da escola<br />

básica.<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Devido ao que observamos, a abordagem do ciclo das políticas de Ball e<br />

Bowe (1992) permitiu entendermos o contexto, a legislação e execução do Programa de<br />

Iniciação à Docência na UFMA. Políticas educacionais existem por uma razão e para<br />

uma razão e foi através dessa abordagem que analisamos o “todo”. O programa não<br />

somente aplicado nas escolas; ele se reinventa de acordo com a realidade das escolas de<br />

forma que possa ser produtiva para a iniciação à docência e também para a melhoria da<br />

qualidade da educação básica.<br />

Concluímos que o PIBID pode melhorar a formação docente por meio de<br />

suas ações. A partir da pesquisa empírica constatamos que essa política é responsável<br />

por muitos graduandos se sentirem úteis na melhoria da educação básica. O programa<br />

apresenta métodos que se proclamam inovadores e amplia a formação de graduandos<br />

para a carreira docente. Seria muita pretensão nossa pensar que o programa pode<br />

resolver todos os problemas que se colocam à educação. Mas, acreditamos que no<br />

âmbito da formação docente, o PIBID alcança resultados positivos.<br />

A pesquisa continua em andamento no intuito de descobrirmos cada vez<br />

mais os impactos causados pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à<br />

Docência (PIBID). Esperamos mostrar para alunos, professores e envolvidos na<br />

educação os resultados do desenvolvimento do programa no seguimento da formação e<br />

qualificação docente.<br />

774


REFERÊNCIAS<br />

AKKARI, Abdeljalil. Internacionalização das Políticas Educacionais:<br />

transformações e desafios. Petrópolis: Vozes, 2011.<br />

BALL, S. J. Sociologia das políticas educacionais e pesquisa critico social: uma revisão<br />

pessoal das políticas educacionais e da pesquisa em política educacional. In: Currículo<br />

sem fronteiras, v.6, n.2, p. 10-32, jul/dez. 2006.<br />

BRASIL. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Portaria nº<br />

46/2016. Brasília, 2016.<br />

______. Portaria nº 96/2013. Brasília, 2013.<br />

______. Senado Federal. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº<br />

9.394/96. Brasília, 1996.<br />

DEMERVAL, Saviani. Escola e democracia: polêmicas do nosso tempo. 32° ed. São<br />

Paulo: Auores Associados. 1999.<br />

IMBERNÓN, Francisco. Formação docente e profissional: forma-se para a<br />

mudança e a incerteza. 6° ed. São Paulo: Cortez. 2006.<br />

MAINARDES, J. Abordagem do ciclo de políticas, uma contribuição para a análise de<br />

políticas educacionais. In: Educ. Soc., Campinas, v.27, n.94, p. 47-69, jan/abr. 2006.<br />

______. Análise de políticas educacionais: breves considerações teórico-metodológicas.<br />

In: Contrapontos, Itajaí, v.9, n.1, p. 4-16, jan/abr. 2009.<br />

SCHÖN, Donald A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o<br />

ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas sul. 2000.<br />

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes.<br />

2002.<br />

775


PERCEPÇÃO SOBRE A IMPORTÂNCIA DA PESQUISA CIÊNTIFICA PARA<br />

A FORMAÇÃO E CONSTRUÇÃO DE SABERES NA UFMA, CAMPUS<br />

BACANGA<br />

PERCEPTION ABOUT IMPORTANCE OF THE CIENTIFIC RESEARCH FOR<br />

FORMATION AND CONSTRUCTION OF KNOWLEDGE IN UFMA, CAMPUS<br />

BACANGA<br />

Eliel Silva Cardozo 102<br />

Guilherme Júlio Rocha da<br />

Piedade*<br />

Profª. MsC. Adriana Rocha da Piedade (UEMA)**<br />

Eixo 1 – Arte, tecnologia e educação<br />

RESUMO: A educação superior é o patamar mais elevado na busca pelo conhecimento<br />

emancipatório ao satisfazer a necessidade de entender os aspectos relacionados ao<br />

homem em sua construção profissional e papel social. Assim, a produção de trabalhos<br />

acadêmicos torna-se fator decisivo não somente para a busca da titulação, mas para a<br />

efetivação dos saberes adquiridos, os quais buscam soluções e melhorias na sociedade.<br />

O estudo objetiva analisar a percepção sobre as contribuições do Trabalho de Conclusão<br />

de Curso (TCC) na formação construtiva de saberes teórico-práticos na Universidade<br />

Federal do Maranhão em 2017 no Campus do Bacanga. A metodologia utilizada foi<br />

uma pesquisa aplicada, descritiva, quali-quantitativa por meio de observações<br />

participantes, revisão bibliográfica e aplicação de questionários semiabertos para o<br />

levantamento de dados para posterior análise. Pensar educação superior é relacioná-la<br />

ao tripé de base concreta (ensino-pesquisa-extensão) o qual liga o conhecimento e sua<br />

102 Granduandos da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e Universidade Estadual do Maranhão<br />

(UEMA).<br />

** Mestra em Agroecologia e Especialista em Psicologia da Educação pela Universidade Estadual do<br />

Maranhão (UEMA).<br />

776


aplicabilidade ao ambiente educacional das universidades e ao meio social. Contudo, a<br />

universidade não tem conseguido efetivar em sua totalidade a indissociabilidade do seu<br />

tripé. Observado por meio da sua inutilidade, atribuída segundo a visão dos<br />

entrevistados, os quais resumem o produto da pesquisa apenas a requisito parcial para a<br />

obtenção de títulos, cuja última leitura e acesso primário e unitário se restringem aos<br />

seus produtores e à banca examinadora. Embora muitos discentes demonstrem interesse<br />

pelo campo da pesquisa, há os que optam em se manter distante dela por considerá-la<br />

rigorosa. São inúmeras as convergências de opiniões sobre a importância da pesquisa na<br />

universidade e para a sociedade. Conclui-se que a universidade é espaço ideal para a<br />

concepção e reinvenção do conhecimento. Observou-se que as mudanças prioritárias<br />

deverão partir dos principais envolvidos na elaboração, finalização e aplicação do<br />

conhecimento produzido, ao visionar a pesquisa científica como produção e reprodução<br />

do conhecimento. Embora, apresente obstáculos à concretização da indissociabilidade<br />

de seu tripé, existem possibilidades de mudança ao quadro observado no campo da<br />

pesquisa. As produções deverão incluir em sua totalidade a indissociabilidade entre<br />

ensino-pesquisa-extensão. Neste sentido, as entidades de ensino superior contribuem de<br />

maneira direta no processo de transformação social ao ultrapassarem seus muros para a<br />

expansão do conhecimento produzido com vista ao progresso do país, nos âmbitos<br />

desenvolvimentista, econômico, sociocultural e político. Possibilitam o aguçamento da<br />

capacidade reflexiva e cognitiva via conhecimento filosófico, ético e estético; e o<br />

domínio instrumental da investigação para o mundo do trabalho. Portanto, a<br />

universidade deverá <strong>ate</strong>nder os anseios da sociedade ao buscar alternativas eficientes<br />

que valorizem o meio social ao invés de <strong>ate</strong>nder apenas o mercado que exige<br />

profissionais gabaritados ou reforce o contexto de exclusão.<br />

Palavras-chaves: Ensino. Pesquisa. Extensão. Capacitação.<br />

777


ABSTRACT : Higher education is the highest level in the quest for emancipatory<br />

knowledge by satisfying the need to understand aspects rel<strong>ate</strong>d to man in his<br />

professional construction and social role. Thus, the production of academic works<br />

becomes a decisive factor not only for the pursuit of the degree, but also for the<br />

effectiveness of the acquired knowledge, which seeks solutions and improvements in<br />

society. The study aims to analyze the perception about the contributions of the Course<br />

Completion Work (TCC) in the constructive formation of theoretical and practical<br />

knowledge at the Federal University of Maranhão in 2017 at the Bacanga Campus. The<br />

methodology used was an applied, descriptive, qualitative-quantitative research through<br />

participant observations, bibliographic review and application of semi-open<br />

questionnaires for the data collection for l<strong>ate</strong>r analysis. To think of higher education is<br />

to rel<strong>ate</strong> it to the concrete base tripod (teaching-research-extension) which links<br />

knowledge and its applicability to the educational environment of universities and to the<br />

social environment. However, the university has not been able to fully realize the<br />

indissociability of its tripod. Observed by its uselessness, attributed according to the<br />

interviewees' view, which summarizes the research product only the partial requirement<br />

for obtaining titles, whose last reading and primary and unitary access are restricted to<br />

its producers and to the examining bank. Although many students are interested in the<br />

field of research, there are those who choose to stay away from it because they consider<br />

it rigorous. There are numerous convergences of opinions on the importance of research<br />

in the university and for society. It is concluded that the university is an ideal space for<br />

the conception and reinvention of knowledge. It was observed that the priority changes<br />

should start from the main ones involved in the elaboration, finalization and application<br />

of the produced knowledge, when envisaging scientific research as production and<br />

reproduction of knowledge. Although it presents obstacles to the realization of the<br />

indissociability of its tripod, there are possibilities of change to the framework observed<br />

in the field of research. The productions must include in their totality the<br />

indissociability between teaching-research-extension. In this sense, higher education<br />

entities contribute directly to the process of social transformation by overcoming their<br />

778


walls to expand the knowledge produced for the country's progress, in the<br />

developmental, economic, socio-cultural and political spheres. They enable the refining<br />

of reflexive and cognitive ability through philosophical, ethical and aesthetic<br />

knowledge; and the instrumental domain of research for the world of work. Therefore,<br />

the university must meet the aspirations of society when seeking efficient alternatives<br />

that value the social environment instead of serving only the market that requires<br />

qualified professionals or reinforces the context of exclusion.<br />

Keywords: Teaching. Research. Extension. Capacitation.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Pensar a educação superior é relacioná-la ao processo de aquisição do<br />

conhecimento associando-a a prática e a sua efetivação no âmbito social e laboral. Desta<br />

forma, as universidades pautam-se em três pilares de sustentação, a mencionar: o<br />

ensino, a pesquisa e a extensão, que aproxima de maneira contundente a universidade da<br />

sociedade a sua volta para a construção de conhecimentos válidos, regidos por aspectos<br />

quali-quantitativos positivos no contexto social dos indivíduos.<br />

Consequentemente, a produção científica academicamente produzida atribui<br />

um respaldo às entidades de ensino superior, como ponto de partida para a obtenção não<br />

somente dos títulos dos acadêmicos concludentes, mas para a efetivação das descobertas<br />

do meio acadêmico, perpassando para o meio social extramuros da universidade por<br />

meio dos profissionais que adentram o mercado de trabalho.<br />

Produção científica esta que, quando preservada, poderá ser reaproveitada,<br />

transformada e adaptada para a prática em sociedade, pois agrega valores críticos e<br />

reflexivos ao contexto profissional em diferentes âmbitos permitindo-o usufruir o que é<br />

elaborado dentro e fora dos muros das universidades ao se considerar a educação<br />

superior uma ferramenta emancipatória de cunho social e desenvolvimentista.<br />

779


Diante ao que foi exposto, na visão da sociedade e academia qual é a visão<br />

conceitual e interesse dos entrevistados sobre a pesquisa científica na Universidade<br />

Federal do Maranhão (UFMA), Campus Dom Salgado? Quais impactos teórico-práticos<br />

são observados na UFMA e na sociedade a partir dos m<strong>ate</strong>riais acadêmicos produzidos?<br />

O presente artigo objetiva analisar a percepção a importância teórico-prática da<br />

produção científica academicamente produzida para a formação construtiva de saberes<br />

técnico-científicos na UFMA, no Campus Dom Salgado.<br />

2 DESENVOLVIMENTO<br />

2.1 Produção do conhecimento cientifico na universidade<br />

Pensar a educação superior é associá-la à formação profissional (ensino),<br />

intelectual (pesquisa) e social (extensão) sob a base do conhecimento por meio de<br />

investigações científicas válidas para a difusão de tecnologias. A universidade tem sido<br />

considerada um lugar em que se vivencia a cultura universal e que tem por finalidade o<br />

ensino, a pesquisa e a extensão, sendo organizada para a formação de profissionais que<br />

atuarão na sociedade (RODRIGUES, 2006).<br />

Profissionais capazes de criar conhecimento e transformá-lo em riqueza e<br />

desenvolvimento social e técnico-cientifico.Referindo-se à necessidade de um país ter<br />

criadores de conhecimento para se desenvolver, David Landes, o autor de “A Riqueza e<br />

a Pobreza das Nações”, ressalta o valor do conhecimento quando informa que se você<br />

não tiver cérebros, está acabado. (LANDES, 2000).<br />

E, como conceituar o conhecimento? Figueiredo (2005, p. 43) afirma que,<br />

“o conhecimento se compara a um sistema vivo que cresce e se modifica a partir de sua<br />

interação com o meio ambiente e reflete estados mentais que estão em constante<br />

interação com o meio e a transformação”. O conhecimento produzido e reproduzido<br />

torna-se válido quando mantém sua relação com o meio que o cerca, modificando-o sob<br />

uma visão crítica e reflexiva para o aprimoramento das habilidades.<br />

780


Conforme Rodrigues (2006) tal reprodução e produção devem ser<br />

acompanhadas de uma análise crítica, reflexiva e criativa para que os profissionais<br />

formados possam ingressar na sociedade de maneira competente e atuante. Resultante<br />

da pesquisa científica que contribui para o desenvolvimento dos saberes em diferentes<br />

âmbitos, por meio de planejamento rigoroso. Sendo assim, os trabalhos de graduação<br />

devem produzir ciência, ou dela derivar, ou acompanhar seu modelo de tratamento<br />

(FONTE, 2004).<br />

E o que é a universidade? Como anteriormente salientado, a universidade é<br />

o local de produção do conhecimento. E para tal, deve de maneira continua a incentivar<br />

a pesquisa conforme a demanda da sociedade. Cunha (1989, p. 70-71) afirma que:<br />

[...] a universidade produz e dissemina a ciência, a cultura e a tecnologia<br />

mediante procedimentos que lhe são próprios, desde a escolha dos temas de<br />

estudo até o ensino, forma predominante de disseminação. [...]. Se outra<br />

forma de prestação de serviços - a extensão - desligar-se da produção<br />

acadêmica e do ensino, teremos um serviço governamental de assistência<br />

social (saúde, desfavelamento, alfabetização) ou uma agência de fomento às<br />

empresas (treinamento de pessoal, projetos, assistência técnica, etc).<br />

Portanto, o conhecimento acadêmico produzido e aplicado na sociedade é<br />

elemento fundamental para validar a importância da universidade. Baeta ressalta que<br />

[...] as funções do ensino superior resultariam de combinações de demandas e<br />

postulações derivadas da dinâmica socioeconômica, política e cultural e das<br />

iniciativas espontâneas oriundas da atividade acadêmica em si mesma, da<br />

produção de conhecimento e da sua força transformadora (NEVES, 1992, p.<br />

80).<br />

Neste contexto, a universidade encontra-se diretamente relacionada a<br />

transformação social e do mundo do trabalho. Ao pautar-se em uma educação sob uma<br />

visão emancipatória. Ou seja, uma educação crítica e reflexiva torna-se capaz de atuar<br />

sobre diferentes situações e contextos dinâmicos, transformando-os.<br />

E como conceituar a pesquisa científica? Fonte (2004) afirma que a pesquisa<br />

científica poderá ser classificada como a realização de um objeto de investigação<br />

planejada, desenvolvida e redigida conforme normas metodológicas consagradas pela<br />

781


ciência. Consequentemente, os m<strong>ate</strong>riais acadêmicos elaborados da graduação a pósgraduação<br />

ao produzirem ciência, ou sob a mesma se firmar, são considerados<br />

resultados da pesquisa científica. Ou seja, produtos.<br />

E como desenvolver o conhecimento e a pesquisa científica nas<br />

universidades? Rodrigues (2006) afirma que na universidade o aluno desenvolverá<br />

conteúdos teórico-práticos necessários à sua formação profissional e intelectual,<br />

cabendo-lhe não só a reter esses conteúdos, mas também produzir conhecimento. E<br />

acrescenta que os profissionais de nível superior e produtores de conhecimentos deverão<br />

ter responsabilidade e competência que lhes permitam entrar no complexo cenário do<br />

mundo contemporâneo.<br />

Tais recomendações refletem no processo de conscientização dos futuros<br />

profissionais sobre os resultados positivos de seus estudos científicos para a sociedade e<br />

para si. Os envolvidos obtêm crescimento profissional, aprimoramento pessoal e<br />

desenvolvimento cognitivo.<br />

A iniciação científica possibilita desenvolvimento intelectual, estimula e<br />

aperfeiçoa a atitude investigativa e desenvolve o raciocínio, tanto dedutivo quanto<br />

intuitivo. Neste sentido, a pesquisa científica possibilita, o aguçamento da capacidade<br />

reflexiva e cognitiva via conhecimento filosófico, ético e estético; e o domínio<br />

instrumental da investigação. Portanto, o conhecimento pode e deve ser modificado.<br />

Transformado. E assim, compartilhado.<br />

Desta maneira, a universidade segundo a legislação deve estar apoiada sobre<br />

o tripé: ensino, pesquisa e extensão, que juntos constituem o eixo fundamental da<br />

Universidade Brasileira e de forma alguma pode ser compartimentado (MOITA;<br />

ANDRADE, 2009).<br />

Pensar a universidade é direcioná-la ao contexto de pesquisa em prol da<br />

sociedade. É produzir conhecimento a partir da pesquisa científica. É permitir que o<br />

ensino-aprendizagem se concretize em seus arredores. Ou seja, fora de seus muros a<br />

partir do conhecimento acadêmico produzido em seu interior.<br />

782


2.2 Impactos teórico-práticos do conhecimento na educação superior sob o tripé<br />

indissociável entre universidade e sociedade<br />

Pensar conhecimento é envolver os elos ou agentes de construção social e<br />

institucional em um mundo globalizado. Segundo Marcela Mollis, há uma "nova teoria<br />

do crescimento". “Não pode haver fluxo de capital dos países ricos para os pobres se o<br />

nível do capital humano destes está muito aquém em relação aos primeiros. Um baixo<br />

nível de capital humano faz com que o capital físico seja menos produtivo.” (LUCAS,<br />

1988 apud MOLLIS, 1994, p.114). E assim, menos competitivo.<br />

É neste ambiente acadêmico que se multiplica o conhecimento por meio da<br />

aprendizagem redirecionando-o para a elaboração de novas competências a serem<br />

aplicadas no ambiente pessoal e laboral a partir do tripé indissociável que rege a<br />

universidade. Segundo a Constituição Cidadã vigente no país, em seu artigo 207 “as<br />

universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão<br />

financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino,<br />

pesquisa e extensão” (BRASIL, 2012, p 121).<br />

Pensar a educação superior é relacioná-la ao tripé de base concreta que<br />

media o conhecimento e a sua aplicabilidade não somente no ambiente educacional das<br />

universidades, mas dissemina o conhecimento produzido por meio da prática no meio<br />

social para satisfazer as demandas ao articular o seu tripé contrário ao contexto de<br />

exclusão social. Com foco em sua atividade fim, educar e formar profissionais<br />

gabaritados pautado em uma consciência cidadã. Em seu texto Avaliação da<br />

universidade: por uma proposta de avaliação consequente e compromissada política e<br />

cientificamente, Belloni ressalta que “a educação é um serviço ou bem público não só<br />

porque recebe recursos públicos, mas principalmente porque seus benefícios<br />

(profissionais qualificados, cidadãos conscientes, conhecimento produzido e<br />

disseminado) atingem toda a sociedade” (FÁVERO, 1989, p. 55).<br />

E qual é/são as finalidades do ensino superior brasileiro? A Lei de Diretrizes<br />

e Bases da Educação Nacional Brasileira (Lei n o 9.394/96) reforça o já mencionado ao<br />

enfatizar em seu artigo 43 que<br />

783


A educação superior tem por finalidade:<br />

I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do<br />

pensamento reflexivo;<br />

<strong>II</strong> - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a<br />

inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento<br />

da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;<br />

<strong>II</strong>I - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o<br />

desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura,<br />

e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que<br />

vive;<br />

IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos<br />

que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do<br />

ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;<br />

V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e<br />

possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que<br />

vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do<br />

conhecimento de cada geração;<br />

VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em<br />

particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à<br />

comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;<br />

V<strong>II</strong> - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à<br />

difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da<br />

pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.<br />

V<strong>II</strong>I – atuar em favor da universalização e do aprimoramento da educação<br />

básica, mediante a formação e a capacitação de profissionais, a realização de<br />

pesquisas<br />

pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de extensão que aproximem<br />

os dois níveis escolares (BRASIL, 2016, p. 16).<br />

As finalidades mencionadas tornam-se base para o tripé ensino-pesquisaextensão,<br />

pois são equivalentes e complementares entre si sob uma visão de cidadania.<br />

Portanto, formar para a cidadania é um processo complexo, necessita-se progredir da<br />

concepção passiva para a cultura de cidadania ativa, isto é, não somente promover a<br />

formação em conhecimentos, compreensão e comportamento de convivência em<br />

comunidades e a observação da lei, mas sim promover o desenvolvimento de<br />

habilidades de participação para assumir posições críticas, deb<strong>ate</strong>r com argumentos<br />

sólidos, propor modelos alternativos de estruturas e processos democráticos, ou seja,<br />

desenvolver competências para a participação cidadã (BOLIVAR, 2007 apud<br />

MAGALHÃES; DALMAU; DE LIMA, 2015).<br />

Assim tais finalidades são mediadoras do ensino e do conhecimento.<br />

Concretizam-se por meio da elaboração de teorias e da prática. Desta maneira, o ensino<br />

corresponde às atividades de formação profissional; a pesquisa, a produção de<br />

784


conhecimento e a extensão ao comprometimento com as atividades sociais equivalentes<br />

à extensão (LOPES, 2009).<br />

A universidade recebe um aporte sobre suas questões teóricas, o que reflete<br />

em ações contundentes sobre os setores da sociedade, do econômico ao social. De foco<br />

principal transforma-se em foco secundário, pois é na sociedade que concretiza o<br />

conhecimento produzido. A sociedade recebe em seu seio novos intelectuais<br />

capacitados com visões diferenciadas da alienação, a depender do objetivo proposto<br />

pela política pública educacional. Ou seja, “[...] através de omissões deliberadas e<br />

permeadas por relações de poder, a política pública pode ser manipulada de forma a<br />

aumentar ou diminuir a desigualdade no acesso à informação” (HOLANDA;<br />

OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2013, p. 50).<br />

Por meio de uma política educacional emancipatória o conhecimento<br />

formulado deverá ser efetivado de maneira crítica e reflexiva para e em prol da<br />

sociedade. Tal conhecimento não deverá ser transferido. E sim, aplicado e<br />

compartilhado de maneira a permitir a ascensão de toda a sociedade no contexto de<br />

construção e reconstrução do saber numa visão cidadã.<br />

Fernández e Sánchez (2011), Tobón (2006), Bolívar (2007) e Mardones<br />

(2013) argumentam que a competência cidadã destaca-se como fundamental nos dias<br />

atuais no que tange ao desenvolvimento das sociedades. Pois, é através da ação cidadã<br />

que pode-se mudar a realidade social, assim para fazer frente as crises, as incertezas, as<br />

mudanças constantes, bem como às situações de desagrado é necessário que os<br />

indivíduos possuam uma cultura ativa de participação, bem como possuam as<br />

competências necessárias para atuar de forma a solucionar os problemas e enfrentar os<br />

desafio.<br />

A sociedade receberá a extensão do conhecimento através dos profissionais<br />

que a auxiliam no uso correto dos seus recursos e instrumentais, no âmbito público ou<br />

privado. Sendo, portanto, necessário a defesa de uma universidade inclusiva. Corrobora<br />

Sofia Vieira, em seu texto A democratização da Universidade e a socialização do<br />

conhecimento ao informar que é preciso “[...] empenhar-se na defesa de uma<br />

785


universidade que possa beneficiar a maioria e não colabore no pacto de exclusão social<br />

dos despossuídos” (FÁVERO, 1989, p. 12).<br />

Os pesquisadores treinados e formados por meio do ensino e pesquisa<br />

possuem diferentes campos de atuação o que os permite reformular teorias, modificar<br />

metodologias e reelaborar novos objetivos a partir do que foi produzido na<br />

universidade, a citar, em seus trabalhos acadêmicos, como o trabalho de conclusão de<br />

curso, entre os quais a monografia, dissertação e tese. Desta forma, contribuem para a<br />

aplicação de suas pesquisas no ambiente laboral em vista ao desenvolvimento de novas<br />

tecnologias, onde<br />

O entendimento de que a pesquisa aplicada e o desenvolvimento necessário à<br />

criação de inovação tecnológica e competitividade deve ocorrer na empresa é<br />

um conceito ainda incipiente no Brasil. Acontece que, como a quase<br />

totalidade da atividade de pesquisa que ocorre no Brasil se dá em ambiente<br />

acadêmico, o senso comum tende à conclusão de que seria normal apenas<br />

universidades fazerem Pesquisa e Desenvolvimento. Ao mesmo tempo este<br />

equívoco tende a desviar as universidades da tarefa que só elas podem fazer,<br />

que é educar os profissionais que farão tecnologia na empresa, se esta lhes<br />

der uma chance para isto (CRUZ, 2003, p.9).<br />

De um lado, a sociedade em seu contexto laboral recebe profissionais<br />

autônomos e aptos para exercerem sua profissão com desempenho que possibilitam o<br />

desenvolvimento do país em diferentes setores em uma sociedade capitalista em<br />

constante mudança, mas sob uma visão cidadã.<br />

Do outro, tem-se uma educação que dissemina conhecimento ao contribuir<br />

para a formação dos cidadãos como ensino emancipatório voltado para a criticidade e<br />

consciência adquirida por meio da pesquisa na busca por uma sociedade que não se<br />

resuma apenas ao status quo, mas que forneça mudanças válidas em seu contexto. Ou<br />

seja, sua extensão. Consequentemente, a relação entre ensino-pesquisa-extensão tornase<br />

efetivada. “[...] No mundo moderno, ela precisa ser incorporada a lugares<br />

socialmente instituídos para ser produzida e reproduzida” (OLIVEIRA; RODRIGUES,<br />

2009, p. 218).<br />

786


Ocorre de um lado a elaboração de inúmeras indagações. Do outro, a<br />

resposta as indagações formuladas que remetem aos impactos teórico-práticos no<br />

ambiente intra e extramuro da universidade ao intervir conforme a necessidade<br />

existente. Alarcón e Sanchez corroboram ao salientar que a missão social das<br />

universidades transcende o aspecto funcional das profissões, e enfatizam a<br />

responsabilidade com a formação integral do profissional para promover o<br />

desenvolvimento local e social. (ALARCÓN; SANCHÉZ NODA, 2000)<br />

Portanto, o tripé ensino-pesquisa-extensão é indissociável. Pauta-se na<br />

busca pela qualidade na pesquisa por meio do ensino e a sua aplicabilidade no contexto<br />

social a sua volta como instrumental para a emancipação do indivíduo, na teoria e na<br />

prática. Embora ainda persistam inúmeros entraves a sua efetivação.<br />

3 METODOLOGIA<br />

3.1 Local de estudo<br />

O estudo foi realizado no Campus do Bacanga, na Universidade Federal do<br />

Maranhão localizada na Avenida dos Portugueses, 1966 - Vila Bacanga, São Luís - MA,<br />

CEP: 65065-545.<br />

3.2 Coleta de Dados<br />

A coleta de dados foi realizada entre os meses de junho a julho de 2017 nos<br />

cursos de Serviço Social, Pedagogia, Ciências Contábeis, Letras, Programa de Pós-<br />

Graduação em Políticas Públicas (PGPP), Programa de Pós-Graduação em Gestão de<br />

Ensino da Educação Básica (PPGEEB), Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade<br />

e Biotecnologia (RENORBIO/ REDE BIONORTE/ CCBS) do Campus do Bacanga, na<br />

Universidade Federal do Maranhão.<br />

3.2.1 Escolha amostral<br />

Os sujeitos da pesquisa foram escolhidos a partir de sua relação direta ou<br />

indireta sob a ótica do interesse e usufruto dos estudos realizados e copilados durante a<br />

787


leitura e a elaboração de m<strong>ate</strong>rial cientifico, entre <strong>artigos</strong>, monografias, dissertações e<br />

teses, como exemplos de trabalhos de conclusão de curso.<br />

O grupo controle foi representado por 24 acadêmicos, oito (08) pósgraduandos,<br />

três (03) profissionais da equipe multidisciplinar da UFMA, representado<br />

pelos funcionários como professores, bibliotecários e auxiliares de biblioteca,<br />

totalizando 35 participantes.<br />

3.2.2 Instrumentos e delineamento da Pesquisa<br />

A modalidade de delineamento utilizado para a realização do artigo foi<br />

classificada quanto a sua natureza, como uma pesquisa aplicada, quanto aos objetivos,<br />

como descritiva, quanto à abordagem, como qualitativa e quantitativa (LEOPARDI,<br />

2001).<br />

Para isso, foi utilizado o método dialético por meio da investigação da<br />

realidade através do estudo, ou seja, segundo o autor como um levantamento de caráter<br />

descritivo, pois permite, “[...] aliar as vantagens de se obter os aspectos qualitativos das<br />

informações à possibilidade de quantificá-los posteriormente. Esta associação realiza-se<br />

em nível de complementaridade, possibilitando ampliar a compreensão do fenômeno em<br />

estudo” (PIOVESAN; TEMPORINI, 1995, p. 322).<br />

Utilizou-se a modalidade de pesquisa exploratória para a caracterização<br />

inicial do problema, sua classificação e sua definição, com a aplicação de questionários<br />

semiabertos, associada ao caráter teórico por meio de pesquisa bibliográfica para o<br />

aprofundamento do assunto abordado, em m<strong>ate</strong>riais documentais relacionados a<br />

temática em estudo.<br />

A pesquisa exploratória visa proporcionar maior familiaridade com o<br />

problema com vistas a inseri-lo explicitamente ou a construir hipóteses, envolvendo<br />

levantamento bibliográfico; entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas<br />

com o problema pesquisado e análise de exemplos que estimulem a compreensão (GIL,<br />

1996 apud SILVA; MENEZES, 2000).<br />

Fez-se uso do estudo de campo de forma descritiva ao observar e registrar<br />

os fatos, por meio do uso de técnicas padronizadas de coleta de dados (questionário e<br />

788


observação sistemática), classificando-os e interpretando-os sem interferência do<br />

pesquisador. A pesquisa descritiva visa descrever as características de determinada<br />

população ou fenômeno ou o estabelecimento de relações entre variáveis. Envolvem o<br />

uso de técnicas padronizadas de coleta de dados: questionário e observação sistemática.<br />

Assume, em geral, a forma de levantamento (GIL, 1996 apud SILVA; MENEZES,<br />

2000).<br />

Em relação à forma de abordagem, foi utilizada a pesquisa do tipo<br />

qualitativa, ao se fazer uso de procedimentos comparativos e funcionais por meio de<br />

observação. Assim, a pesquisa qualitativa considera que há uma relação dinâmica entre<br />

o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a<br />

subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números (SILVA; MENEZES,<br />

2000).<br />

Justifica-se por mensurar as opiniões e informações obtidas após a aplicação<br />

de questionários semiaberto, que se aprofunda no mundo dos significados das ações e<br />

relações humanas, analisando os fatos (MINAYO, 2003). Desta maneira, a obtenção de<br />

dados tornou-se fundamental para a concretização do trabalho cientifico.<br />

3.2.3 Seleção das fontes e Normas regulamentadoras<br />

A coleta de dados ocorreu primeiramente por meio de uma leitura<br />

exploratória de todo o m<strong>ate</strong>rial selecionado, através de uma leitura rápida que objetivou<br />

verificar se as obras consultadas eram de interesse para o trabalho ao abordar a temática<br />

em estudo. Realizou-se uma busca da literatura em diversas fontes, entres livros,<br />

revistas, jornais, <strong>artigos</strong>, dissertações, etc. Conforme comentam Marconi e Lakatos<br />

(2005), segundo os quais a pesquisa bibliográfica abrange toda a bibliografia tornada<br />

pública sobre o tema que se estuda, sejam na forma de boletins, jornais, teses, livros,<br />

pesquisas ou outros meios.<br />

Houve o comprometimento em citar os autores utilizados no estudo<br />

respeitando a Norma Brasileira regulamentadora 6023. Os dados coletados foram<br />

utilizados exclusivamente com finalidade científica. Para a seleção das fontes<br />

pesquisadas, foram consideradas como critério de inclusão as bibliografias que<br />

789


abordaram a definição de universidade, tripé ensino-pesquisa-extensão e importância<br />

das monografias para os concludentes e a sociedade em geral. E a posterior exclusão das<br />

bibliografias que não abordaram a temática em estudo.<br />

Em seguida, optou-se por uma leitura seletiva, com o objetivo de aprofundar<br />

e separar as referências que <strong>ate</strong>ndiam a temática em questão. O que, segundo asseveram<br />

Lakatos e Marconi, é<br />

[...] um apanhado geral sobre os principais trabalhos já realizados, revestidos<br />

de importância, por serem capazes de fornecer dados atuais e relevantes<br />

relacionados com o tema. O estudo da literatura pertinente pode ajudar a<br />

planificação do trabalho, evitar publicações e certos erros, e representa uma<br />

fonte indispensável de informações, podendo até orientar indagações<br />

(LAKATOS; MARCONI, 2003, p. 158).<br />

Posteriormente registraram-se as informações extraídas das fontes após<br />

análise dos autores, ano, resultados e conclusões. E assim, averiguar se as bases teóricas<br />

comprovam a importância da temática escolhida e seus objetivos estabelecidos para o<br />

estudo.<br />

3.2.4 Procedimentos de obtenção de dados para a posterior análise<br />

O primeiro passo foi à observação realizada pelos pesquisadores nos cursos<br />

de graduação e pós-graduação no campo de pesquisa, com relatos dos participantes e de<br />

pesquisa documental. Posterior descrição dos fatos relevantes que foram registrados em<br />

forma de observações em formato de documentação para análise, sem que ocorresse à<br />

interferência do pesquisador.<br />

O segundo passo foi à aplicação dos instrumentos de pesquisa ao grupo<br />

amostral. Os questionários semiabertos foram desenvolvidos pelos pesquisadores para a<br />

coleta de dados e aplicados ao grupo amostral.<br />

É válido ressaltar que a amostra da pesquisa não foi exposta, ao serem<br />

transcritas suas falas e respostas, pois foram utilizados diferentes formas de<br />

identificação para cada grupo amostral, para <strong>ate</strong>nder os preceitos éticos da pesquisa,<br />

após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), segundo<br />

previsto na Resolução 196/96, que define as diretrizes e normas regulamentadoras de<br />

pesquisas envolvendo seres humanos (BRASIL, 1996, não <strong>pagina</strong>do). É valido ressaltar<br />

790


que buscou-se cumprir rigorosamente os princípios éticos regidos pela Resolução<br />

196/96, preservando a integridade plena dos participantes da pesquisa, dos quais de<br />

maneira voluntária e anônima, com preservação de suas identidades, foram seus pontos<br />

de vistas descritos fielmente no artigo. Aos mesmos foi oportunizado a escolha por<br />

recusar ou desistir de sua participação durante o processo de aplicação do instrumento<br />

de investigação, questionário semiaberto e no transcorrer da elaboração do artigo.<br />

A amostra da pesquisa foi constituída por 24 acadêmicos, oito (08) pósgraduandos,<br />

três (03) profissionais da equipe multidisciplinar da UFMA, representado<br />

pelos funcionários como professores, bibliotecários e auxiliares de biblioteca,<br />

totalizando 35 participantes.<br />

Durante a elaboração dos questionários semiabertos se buscou responder as<br />

questões levantadas por meio da aplicação das ferramentas de pesquisa com perguntas<br />

relacionadas a temática em estudo. E a posterior descrição e agregação dos dados<br />

segundo os objetivos propostos, como pode ser observado nos resultados e discussões.<br />

Pois, a pesquisa quantitativa considera que tudo pode ser quantificável, o que significa<br />

traduzir em números opiniões e informações para inseri-las e analisá-las (SILVA;<br />

MENEZES, 2000).<br />

A digitação de dados foi realizada em planilhas do programa Excel, a fim de<br />

que a consistência entre os dados fosse estabelecida e qualquer discrepância pudesse ser<br />

conferida nos questionários semiabertos originais.<br />

Foi realizada a estatística descritiva, com cálculos de média e porcentagem<br />

com a posterior organização dos resultados em gráficos e tabelas, para que pudessem ser<br />

visualizadas com maior clareza, para mensuração de atitudes, e a reescrita de opiniões e<br />

das informações referentes à temática abordada, e, por fim, se fez a comparação entre os<br />

resultados esperados e a discussão dos mesmos.<br />

791


4 RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

4.1 Percepção dos entrevistados sobre a importância da pesquisa científica na<br />

formação e construção de saberes na Universidade Federal do Maranhão<br />

No trabalho foi avaliada a percepção sobre a percepção a importância<br />

teórico-prática da produção científica academicamente produzida para a formação<br />

construtiva de saberes técnico-científicos na UFMA, no Campus Dom Salgado.<br />

Foram avaliadas algumas variáveis como: Vínculo dos entrevistados com a<br />

Universidade Federal do Maranhão, no Campus Dom Delgado, a visão dos<br />

entrevistados sobe o conceito e o interesse pessoal sobre pesquisa científica e a<br />

percepção pessoal sobre a importância da pesquisa científica na formação e construção<br />

de saberes intra e extramuro na Universidade Federal do Maranhão, Campus Dom<br />

Salgado<br />

Gráfico 01 – Porcentagem de entrevistados por curso na UFMA<br />

Equipe<br />

Multidisciplinar<br />

RENORBIO/REDE<br />

9%<br />

BIONORTE<br />

8%<br />

PPGEEB<br />

6%<br />

Pedagogia<br />

3%<br />

Ciências<br />

Contabéis<br />

26%<br />

PGPP<br />

8%<br />

Letras<br />

6%<br />

Fonte: os autores<br />

Serviço Social<br />

34%<br />

792


Foram entrevistados 24 acadêmicos, sendo 12 acadêmicos do curso em<br />

Serviço Social, nove (09) acadêmicos do curso em Ciências Contábeis, dois (02)<br />

acadêmicos do curso de Letras e um (01) acadêmico de Pedagogia; oito (08) pósgraduandos,<br />

entre os quais tem-se três (03) do PGPP, dois (02) do PPGEEB e três (03)<br />

da RENORBIO/REDE BIONORTE; e três (03) profissionais da equipe multidisciplinar<br />

da UFMA, representado pelos funcionários como professores, bibliotecários e auxiliares<br />

de biblioteca, totalizando 35 participantes.<br />

A pesquisa é importante em todos os âmbitos na sociedade.<br />

Contribui na formação dos profissionais do nível fundamental ao superior.<br />

Contudo, no âmbito acadêmico ainda existem descontextualização sobre o conceito de<br />

pesquisa científica e sua importância para o viver e para a sociedade.<br />

O gráfico (02) refere-se a visão conceitual dos entrevistados sobre a<br />

pesquisa científica.<br />

entrevistados.<br />

Gráfico 02 - Visão conceitual sobre a pesquisa científica segundo<br />

Visão conceitual sobre pesquisa cientifica<br />

Outros<br />

Temática especifíca da disciplina de<br />

Metodologia Ciêntífica<br />

Resposta a hipótese inicial<br />

Elaboração de projeto de<br />

pesquisa (TCC)<br />

Produção de conhecimento<br />

Pedagogia<br />

Ciencias Contabéis<br />

Letras<br />

Serviço Social<br />

PGPP<br />

PPGEEB<br />

RENORBIO/REDE BIONORTE<br />

Equipe Multidisciplinar<br />

0 5 10 15 20 25 30 35<br />

Porcentagem segundo curso (%)<br />

Fonte: os autores<br />

793


Para os entrevistados, totalizando 35 participantes entre acadêmicos, pósgraduandos<br />

e funcionários da UFMA, no Campus Dom Salgado a pesquisa científica<br />

conceitua-se como a elaboração de projeto de pesquisa voltado para o Trabalho de<br />

Conclusão de Curso. Contrário a isto, Fonte (2004) afirma que a pesquisa científica<br />

poderá ser classificada como a realização de um objeto de investigação planejada,<br />

desenvolvida e redigida conforme normas metodológicas consagradas pela ciência.<br />

Ressalta-se assim que a produção acadêmica da graduação a pós-graduação<br />

é um tipo de pesquisa científica, mas especificamente produto da mesma. E não, o seu<br />

conceito. Desta forma, a pesquisa científica capacita os profissionais durante sua<br />

trajetória educacional para a construção cognitiva, laboral e pessoal sob um olhar<br />

minucioso, crítico, reflexivo e atuante diante a problemática existente.<br />

O que redireciona para a segunda opção considerada relevante pelos<br />

entrevistados, na qual a pesquisa científica é a produção do conhecimento. O<br />

conhecimento resulta do ensino e da base sob a qual o mesmo se encontra sendo<br />

produzido e reproduzido. O que de acordo com Rodrigues (2006) tal reprodução e<br />

produção devem ser acompanhadas de uma análise crítica, reflexiva e criativa para que<br />

os profissionais formados possam ingressar na sociedade de maneira competente e<br />

atuante.<br />

É requisito primordial em resposta ao cenário de globalização que exige<br />

profissionais com capacidade de criar e recriar conhecimento teórico-prático, para que<br />

atue de maneira a inovar o espaço pelo mesmo ocupado, seja no ambiente acadêmico ou<br />

na sociedade.<br />

Neste sentido, as entidades de ensino superior contribuem de maneira direta<br />

no processo de transformação social ao ultrapassarem seus muros para a expansão do<br />

conhecimento produzido com vista ao progresso do país nos âmbitos<br />

desenvolvimentista, econômico, sociocultural e político. Sendo assim, os trabalhos de<br />

graduação devem produzir ciência, ou dela derivar, ou acompanhar seu modelo de<br />

tratamento (FONTE, 2004).<br />

794


Para tal, a universidade tornou-se um campo amplo de discussões e<br />

capacitações com vista a formar um profissional sob diferentes aspectos. Cunha (1989,<br />

p.70-71) afirma que “[...] a universidade produz e dissemina a ciência, a cultura e a<br />

tecnologia mediante procedimentos que lhe são próprios, desde a escolha dos temas de<br />

estudo até o ensino, forma predominante de disseminação [...]<br />

Consequentemente a validação da universidade depende da efetivação do<br />

conhecimento produzido entre seus muros com expansão para todos os âmbitos na<br />

sociedade em resposta aos inúmeros questionamento, hipóteses e necessidades em<br />

curso.<br />

Consequentemente a criticidade e a reflexão construída na entidade de<br />

ensino superior relacionam-se a capacidade de transformação social a partir do<br />

conhecimento existente e de sua reformulação. A partir das necessidades emergentes e<br />

das hipóteses formuladas para satisfazê-las. Assim, da produção de novos<br />

conhecimentos através da pesquisa científica.<br />

Neste contexto ocorre um entrelaçamento entre pesquisa científica e<br />

produção de conhecimento. Rodrigues (2006) afirma que na universidade o aluno<br />

desenvolverá conteúdos teórico-práticos necessários à sua formação profissional e<br />

intelectual, cabendo-lhe não só a reter esses conteúdos, mas também produzir<br />

conhecimento. E acrescenta que os profissionais de nível superior e produtores de<br />

conhecimentos deverão ter responsabilidade e competência que lhes permitam entrar no<br />

complexo cenário do mundo contemporâneo.<br />

Portanto, a pesquisa científica capacita os profissionais advindos das<br />

universidades em sua trajetória de formação e construção laboral e pessoal ao permitirlhes<br />

obter um cunho intelectual para a reestruturação dos meios de produção com vista<br />

ao desenvolvimento financeiro do país e a devolução por meio de inovações no âmbito<br />

acadêmico e tecnológico dos tributos pagos pela sociedade durante seu percurso<br />

acadêmico formada a partir de sua consciência cidadã.<br />

No gráfico (03) observa-se o interesse pessoal dos entrevistados pela<br />

pesquisa realizada na Universidade Federal do Maranhão, Campus Dom Salgado.<br />

795


Gráfico 03 - Interesse pessoal dos entrevistados pela pesquisa realizada na<br />

Universidade Federal do Maranhão, Campus Dom Salgado.<br />

Interesse pessoal dos entrevistados por pesquisa cientifica<br />

na UFMA<br />

Alto interesse<br />

Interesse<br />

Médio interesse<br />

Desinteresse<br />

0 5 10 15<br />

Pedagogia<br />

Ciencias Contabéis<br />

Letras<br />

Serviço Social<br />

PGPP<br />

PPGEEB<br />

RENORBIO/REDE BIONORTE<br />

Equipe Multidisciplinar<br />

Porcentagem segundo curso (%)<br />

Fonte: os autores<br />

A importância da participação e elaboração de pesquisas científicas na<br />

universidade e para a sociedade direcionam-se para as reflexões sobre as etapas<br />

concluídas, os entraves superados e a capacitação obtida durante a formação de<br />

habilidades nos âmbitos profissional, cognitivo e pessoal durante o transcorrer do<br />

processo.<br />

Segundo Bolívar (2007) a universidade orienta a contribuir a formar<br />

cidadãos mais competentes civicamente e comprometidos com as responsabilidades de<br />

pensar e agir, tendo em conta as perspectivas plurais. Formar para a cidadania não é<br />

uma tarefa fácil uma vez que, abrange os conhecimentos, as habilidades, as atitudes e a<br />

participação que os estudantes devem desenvolver, tanto no contexto educativo, como<br />

no contexto social.<br />

Desta maneira, a transformação obtida em diferentes âmbitos torna-se fator<br />

de construção e reconstrução de saberes dentro e fora da universidade por meio da<br />

796


comprovação e da efetivação das pesquisas realizadas embora ainda desconhecida sua<br />

finalidade por uma considerável parcela da sociedade. Como observado nos resultados<br />

apresentados, no qual existe um porcentual considerado de pessoas interessadas em<br />

participar das pesquisas realizadas na UFMA.<br />

Assim como, um considerável quantitativo de indivíduos com alto interesse.<br />

Seguido por um médio interesse. E ainda, um total desinteresse. Ressalta-se que o<br />

campo cientifico apresenta diversas vantagens para aqueles que optam e conseguem<br />

adentrar e manter-se inserido nas pesquisas científicas.<br />

Ocorre uma abertura no campo de atuação para os pesquisadores, o<br />

aprimoramento intelectual e laboral, a ressignificação de conceitos, o desenvolvimento<br />

de capacidade para a formulação e reformulação de teorias e capacitação para a<br />

formulação de metodologias e/ou adaptação conforme os objetivos existentes.<br />

E ainda, a preparação durante o percurso inicial na universidade até a<br />

produção do trabalho de conclusão de curso com reflexos sobre o campo de trabalho, a<br />

melhoria do currículo Lattes para quem possui a pretensão futura de seguir seus estudos<br />

em mestrados e doutorados, o aprimoramento da escrita e leitura, a aprendizagem de<br />

estatística, a efetivação de um olhar crítico e reflexivo sobre as situações e o<br />

desenvolvimento de novas tecnologias, a oferta de profissionais competentes para atuar<br />

no campo de trabalho, entre outros pontos positivos.<br />

No quesito referente ao total desinteresse o entrevistado justificou conforme<br />

pode ser observado abaixo:<br />

A pesquisa na universidade só serve para a elaboração do TCC. Não vejo<br />

outra utilidade. Um exemplo de sua inutilidade é que os TCCs após defesa e<br />

obtenção do título tomam dois rumos: o discente leva para casa ou fica<br />

empoeirado na UFMA. Digo isso, sobre a versão impressa (Entrevistado A).<br />

Constata-se após leitura da justificativa que o entrevistado apresenta aversão<br />

a pesquisa científica na universidade, mesmo atuando de maneira direta com a produção<br />

do conhecimento. Na pós-graduação um dos entrevistados ressaltou que:<br />

Após minha defesa da dissertação, os membros da banca me aconselharam a<br />

levar todas as versões impressas para casa. A justificativa dada: se ficar aqui<br />

797


acabará no lixo. Isto me desestimulou a continuar. Mas, preciso de outros<br />

títulos (Entrevistado B 1 ).<br />

Os relatos acima podem ser um dos principais entraves sobre a propagação<br />

errada da inutilidade do produto da pesquisa na universidade. Contudo, sob tal ótica<br />

deve-se considerar que ouvir de professores, seja da graduação a pós-graduação; ou dos<br />

profissionais ligados ao acervo, que seu m<strong>ate</strong>rial produto de pesquisa dentro da<br />

universidade será “jogado no lixo” ou se resumirá “a empoeirado” não favorece o<br />

interesse pela permanência na continuidade no campo de pesquisa.<br />

Assim como, de maneira errônea considerar como foco principal de uma<br />

pesquisa apenas a obtenção de título. Tal divergência sobre a utilidade de m<strong>ate</strong>rial<br />

acadêmico produzido a partir da pesquisa científica prossegue na demonstração do<br />

gráfico (04) a seguir:<br />

Gráfico 04 – Visão pessoal dos entrevistados sobre a importância da<br />

pesquisa científica na formação e construção de saberes para a comunidade acadêmica e<br />

para a sociedade.<br />

798


Acervo para pesquisas posteriores<br />

Síntese e aplicabilidade dos …<br />

0 2 4 6 8 10 12 14<br />

Aprimoramen<br />

to da<br />

aprendizagem<br />

dos<br />

acadêmicos<br />

Exposição dos Exposição dos<br />

conhecimento conhecimento<br />

s adquiridos s produzidos<br />

Síntese e<br />

aplicabilidade<br />

dos<br />

conhecimento<br />

s<br />

Acervo para<br />

pesquisas<br />

posteriores<br />

Equipe Multidisciplinar 2 1 1 1 1<br />

RENORBIO/REDE BIONORTE 3 2 2 3 2<br />

PPGEEB 1 1 2 2 1<br />

PGPP 2 2 3 1 3<br />

Pedagogia 1 1 1 1 1<br />

Letras 2 2 2 1 1<br />

Ciências Contábeis 9 4 5 8 9<br />

Serviço Social 12 6 8 4 11<br />

Fonte: os autores<br />

Segundo a visão pessoal dos entrevistados sobre a importância da pesquisa<br />

científica na formação e construção de saberes para a comunidade acadêmica e para a<br />

sociedade por ordem de importância, tem-se o aprimoramento da aprendizagem dos<br />

acadêmicos, acervo para pesquisas posteriores e a exposição dos conhecimentos<br />

produzidos.<br />

Em relação ao aprimoramento da aprendizagem dos acadêmicos tem-se o<br />

comentário de Silva (2007) a pesquisa leva a um conhecimento, sendo esse<br />

aprofundado, ser capaz de contribuir para o desenvolvimento e, conseguintemente para<br />

o conhecimento e compreensão do mundo em que o aluno se insere.<br />

Desta maneira universidade e sociedade devem relacionar-se sob aspectos<br />

diversos com reflexos positivos para ambos. Bernhein e Chauí (2008) enfatizam sobre a<br />

799


elação entre a sociedade e as universidades, ao dizerem que o mundo acadêmico deve<br />

envolver-se mais com os processos sociais, econômicos e culturais, mantendo as<br />

características que a distinguem como academia.<br />

Associado ao exposto, os educandos e os profissionais advindos do ensino<br />

superior devem reconhecer como essencial para a sua formação todos os procedimentos<br />

nos quais se baseiam a pesquisa científica durante a produção e reprodução do<br />

conhecimento. Os pesquisadores durante o processo cientifico adquirem e aprimoram<br />

habilidades que servem como base em seu crescimento pessoal, intelectual, social e<br />

laboral.<br />

Tal contexto remete a afirmação de Tani (1999 apud BOTELHO;<br />

OLIVEIRA, 2006) ao ressaltar que a iniciação científica possibilita um treinamento<br />

intelectual para a aplicação do método científico no desafio ao mundo desconhecido<br />

para obter conhecimentos.Ela estimula e aperfeiçoa a atitude investigativa e desenvolve<br />

o raciocínio, tanto dedutivo quanto intuitivo.<br />

Consequentemente, a pesquisa não se restringe ao ambiente acadêmico,<br />

embora sirva de acervo para pesquisas posteriores. Não se restringe a teoria sem prática.<br />

No primeiro caso, é importante destacar que a divulgação do m<strong>ate</strong>rial acadêmico<br />

produzido no meio acadêmico é fundamental para que ideias errôneas sobre sua<br />

inutilidade sejam desconstruídas. No segundo, a prática do conhecimento adquirido por<br />

meio da pesquisa permite um cruzamento positivo entre os anseios da sociedade, a<br />

construção social e institucional e o desenvolvimento técnico-cientifico em um mundo<br />

globalizado<br />

Sobre a exposição dos conhecimentos produzidos ressalta-se que os mesmos<br />

poderão ocorrer sob diferentes aspectos, entre os quais, a prática laboral do<br />

conhecimento apreendido e a exposição m<strong>ate</strong>rial dos dados obtidos o que resulta em<br />

argumentos pautados em base de conhecimento sólido advindo de pesquisas científicas<br />

reconhecidas. Portanto, a aplicabilidade do ensino necessária na ótica da competição e<br />

inovação deve pautar-se na investigação científica e tecnológica por meio das pesquisas<br />

800


sem menosprezar a necessidade da efetivação da cidadania dos envolvidos como seres<br />

individuais e sociais atuantes.<br />

Neste sentido, formar para a cidadania é um processo complexo, necessitase<br />

progredir da concepção passiva para a cultura de cidadania ativa, isto é, não somente<br />

promover a formação em conhecimentos, compreensão e comportamento de<br />

convivência em comunidades e a observação da lei, mas sim promover o<br />

desenvolvimento de habilidades de participação para assumir posições críticas, deb<strong>ate</strong>r<br />

com argumentos sólidos, propor modelos alternativos de estruturas e processos<br />

democráticos, ou seja, desenvolver competências para a participação cidadã<br />

(BOLIVAR, 2007 apud MAGALHÃES; DALMAU; LIMA, 2015).<br />

O pesquisador obtém conhecimento sobre o mundo. Conhecimentos<br />

variados em diferentes campos filosófico, ético e estético com resultados expressivos<br />

em sua formação e construção de saberes que o capacitam para utilizar o instrumental<br />

teórico associado as metodologias e conhecimento prévio na universidade e na<br />

sociedade. Portanto, deve-se “abrir a mente” dos graduandos para o mundo da ciência, o<br />

que implica não apenas o domínio da metodologia da pesquisa, mas também o<br />

desenvolvimento de uma visão sistêmica (TANI, 1999 apud BOTELHO; OLIVEIRA,<br />

2006).<br />

Assim, o conhecimento não é estagnado. Transforma-se dentro da sociedade<br />

e para a sociedade por meio da pesquisa científica. Possui seu loco na universidade, mas<br />

para que seja efetivado o processo de ensino-aprendizagem deverá ultrapassar seus<br />

muros reafirmando a indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão. É a prática<br />

aquém muros universitários que possibilita a reformulação e construção do<br />

conhecimento acadêmico em seu interior.<br />

Tais procedimentos são fundamentais e relevantes para a universidade e<br />

para a sociedade, pois seus objetivos baseiam-se em aspectos sociais e científicos que<br />

contribuem com a produção de conhecimento cientifico concreto que posteriormente<br />

servirá de base para futuras pesquisas e para mudanças no âmbito pessoal e social dos<br />

participantes.<br />

801


5 CONCLUSÃO<br />

Conclui-se que os trabalhos científicos produzidos são fundamentais para<br />

manter os elos no processo de ensino-aprendizagem entre acadêmicos e a comunidade<br />

extramuro da universidade. Consequentemente, todos deverão se conscientizar e<br />

perceber a importância dos trabalhos científicos produzidos, não somente para a<br />

obtenção de títulos, mas para a formação e construção de saberes no Campus Bacanga,<br />

assim, como, para o progresso da sociedade como um todo.<br />

Desta maneira reforçar que a universidade é o espaço ideal para a concepção<br />

e reinvenção do conhecimento ressaltado por intermédio do trabalho acadêmico como<br />

um processo consolidado, transformador e responsável por um novo modelo de<br />

sociedade. E que embora, ainda apresente obstáculos à concretização da<br />

indissociabilidade de seu tripé, existem possibilidades de mudança ao quadro observado<br />

no campo da pesquisa.<br />

As produções científicas da graduação a pós-graduação, principalmente os<br />

trabalhos de conclusão de curso produzidos deverão incluir em sua totalidade a<br />

indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão, ao se considerar a base mantenedora<br />

da própria universidade. Pois, as entidades de ensino superior contribuem de maneira<br />

direta no processo de transformação social ao ultrapassarem seus muros para a expansão<br />

do conhecimento produzido com vista ao progresso do país, nos âmbitos<br />

desenvolvimentista, econômico, sociocultural e político.<br />

E assim, possibilitam o aguçamento da capacidade reflexiva e cognitiva via<br />

conhecimento filosófico, ético e estético; e o domínio instrumental da investigação para<br />

o mundo do trabalho. Neste sentido, a universidade <strong>ate</strong>nderá aos anseios da sociedade<br />

ao buscar alternativas eficientes que valorizem o meio social ao invés de abastecer<br />

apenas o mercado que exige profissionais gabaritados ou reforçar o contexto de<br />

exclusão.<br />

802


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806


PERCEPÇÕES DE DISCENTES COM DEFICIÊNCIA EM RELAÇÃO À<br />

ATUAÇÃO DO NÚCLEO DE ACESSIBILIDADE DA UFMA<br />

PERCEPTIONS OF STUDENTS WITH DISABILITIES IN RELATION TO<br />

UFMA ACCESSIBILITY CENTER<br />

Josenilde Oliveira Pereira<br />

Mestre em Educação – UFMA<br />

Thelma Helena Costa Chahini<br />

Pós-Doutora em Educação Especial - UFMA<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Diante da necessidade de assegurar a permanência de discentes com<br />

deficiência visando a garantia de aprendizagem, bem como de estruturar políticas<br />

institucionais que <strong>ate</strong>ndam as demandas educacionais específicas desses, foi instituído o<br />

Programa Incluir: acessibilidade na educação superior em maio de 2005, durante o<br />

governo Lula (2003 – 2010) sob o comando da Secretaria de Educação Especial<br />

(SEESP) e da Secretaria de Educação Superior (SESU). O referido Programa<br />

representa, segundo o seu Documento Orientador, o início da formulação de estratégias<br />

para identificação das barreiras de acesso à educação universitária e visa promover o<br />

desenvolvimento de políticas institucionais de acessibilidade no âmbito das IFES<br />

(BRASIL, 2013). Na Universidade Federal do Maranhão - UFMA, o Núcleo de<br />

Acessibilidade foi criado em 17 de dezembro 2009 a partir da Resolução nº 121 -<br />

CONSUN, com a finalidade de garantir, por meio de suporte técnico e <strong>ate</strong>ndimento<br />

especializado, acesso, ingresso e a permanência de pessoas com deficiência na<br />

universidade. Considerando a relevância desse serviço para a efetiva participação das<br />

referidas pessoas no contexto universitário e a construção, consolidação e<br />

fortalecimento do processo de inclusão, este estudo analisa as ações do Núcleo de<br />

Acessibilidade na UFMA sob diferentes olhares e novas perspectivas e, para tanto,<br />

foram ouvidos discentes com deficiência, numa forma de dar concretude ao lema que<br />

807


tem conduzido, historicamente, o movimento desse público “nada sobre nós, sem nós”<br />

numa forma de valorizar suas vozes e suas vivências, nesse processo. Sendo assim,<br />

verifica-se a partir da percepção dos discentes com deficiência, se as decisões políticas e<br />

serviços do Núcleo de Acessibilidade da UFMA têm <strong>ate</strong>ndido efetivamente as<br />

demandas da Política da Educação Especial no contexto da Inclusão. Nesse sentido,<br />

desenvolveu-se uma pesquisa exploratória, descritiva, com 10 estudantes com<br />

deficiência <strong>ate</strong>ndidos sistematicamente pelo Núcleo. Os dados foram coletados por meio<br />

de entrevistas semiestruturadas. Os resultados apontam que apesar de o Núcleo dispor<br />

de um serviço que visa garantir a permanência de discentes com deficiência na<br />

universidade, por meio de serviços técnicos e profissionais especializados, o setor ainda<br />

enfrenta diversas barreiras para mediar e concretizar a proposta inclusiva, o que impacta<br />

diretamente na formação acadêmica dos estudantes. O quadro apresentado exige uma<br />

maior articulação entre o Núcleo e os demais setores da universidade.<br />

Palavras-chave: Núcleo de Acessibilidade. Discentes com deficiência. Percepções.<br />

Inclusão.<br />

ABSTRACT:Considering the need to ensure permanence of students with disabilities in<br />

order to guarantee learning, as well as to structure institutional policies which deal with<br />

their specific educational demands, was cre<strong>ate</strong>d Include Program: an initiative from the<br />

former Brazilian President Luiz Inácio da Silva (Lula) administration (2003-2010)<br />

under the order of the Special Education Office – SEESP - and the Higher Education<br />

Office - SESU. According to its Guidance Document, the Program represents the<br />

beginning of the formulation of str<strong>ate</strong>gies to identify access barriers to university<br />

education and aims to promote development of accessibility institutional policies in<br />

scope of Federal Institutions of Higher Education - IFES (BRASIL, 2013). At Federal<br />

University of Maranhão - UFMA, Accessibility Center was cre<strong>ate</strong>d on December 17th,<br />

2009, based on Resolution number 121 of University Council - CONSUN - with the<br />

purpose of guaranteeing through technical support and specialized assistance, access,<br />

808


entrance and permanence of people with disabilities at university. Considering this<br />

relevant service for an effective participation of these people in the university context<br />

and their construction, consolidation and strengthening inclusion process, this study<br />

analyzes the actions of UFMA Accessibility Center under different and new<br />

perspectives. So, it was heard students with disabilities in a way to give concreteness to<br />

the motto which has historically led their movement, called "nothing about us, without<br />

us". This is a way to value their voices and their experiences in that process. Thus, it can<br />

be verified from the perception of disabled students if political decisions and services of<br />

UFMA Accessibility Center have effectively met Special Education Policy demands in<br />

the context of inclusion. In this sense, an exploratory, descriptive research was<br />

developed with 10 students with disabilities systematically assisted by the Center. Data<br />

were collected through semi-structured interviews. The results reveal that although the<br />

Center has a service that aims to guarantee the permanence of students with disabilities<br />

in the university through specialized technical and professional services, this department<br />

still faces several barriers to medi<strong>ate</strong> and m<strong>ate</strong>rialize the inclusive proposal. Hence it<br />

impacts directly into students’ academic background. The presented overview requires a<br />

gre<strong>ate</strong>r articulation between the Center and other departments of the university.<br />

Keywords: Accessibility Center. Students with disabilities. Perceptions. Inclusion.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A implantação do sistema de cotas para pessoas com deficiência representa<br />

uma ação política de acesso e tentativa de democratização do ensino superior, dada as<br />

contradições do mundo capitalista globalizado, o qual tem na homogeneização e<br />

individualismo os seus parâmetros de qualidade e sustentação.<br />

Contudo, apenas o sistema de cotas não é suficiente para garantir a<br />

permanência na universidade, visto que o processo de inclusão exige uma reorganização<br />

do processo de ensino-aprendizagem e elaboração de ações específicas para o efetivo<br />

809


<strong>ate</strong>ndimento das necessidades da pessoa com deficiência, além do enfrentamento de<br />

barreiras físicas, arquitetônicas, comunicacionais, atitudinais, etc.<br />

Diante da necessidade de garantir a permanência e estruturar políticas<br />

institucionais que <strong>ate</strong>ndam as demandas educacionais específicas das pessoas com<br />

deficiência foi instituído o Programa Incluir: acessibilidade na educação superior em<br />

maio de 2005, durante o governo Lula (2003 – 2010) sob o comando da Secretaria de<br />

Educação Especial (SEESP) e a Secretaria de Educação Superior (SESU).<br />

O Programa representa, segundo o seu Documento Orientador, o início<br />

da formulação de estratégias para identificação das barreiras de acesso à educação<br />

universitária e visa promover o desenvolvimento de políticas institucionais de<br />

acessibilidade no âmbito das IFES (BRASIL, 2013).<br />

O Incluir orienta ainda quanto à criação, reestruturação e consolidação de<br />

núcleos de acessibilidade, que são compreendidos a partir da organização de espaços<br />

físicos, com profissionais responsáveis pela promoção de ações, articulação entre os<br />

diversos órgãos e departamentos da universidade, com vista à implementação da<br />

política de acessibilidade, considerando as relações de ensino, pesquisa e extensão<br />

(BRASIL, 2007).<br />

Observa-se que a proposta de inclusão não fica restrita à mera atuação do<br />

núcleo, como se este pudesse, sozinho, operacionalizar a inclusão educacional e<br />

social dos estudantes com deficiência, mas exige a articulação entre os órgãos e<br />

departamentos da universidade, o esforço deve ser conjunto, uma vez que a inclusão<br />

envolve aspectos complexos e que não se esgotam em elementos físicos ou na<br />

adequação de m<strong>ate</strong>riais pedagógicos, pois pressupõe também uma dimensão cultural<br />

e social que deve promover rupturas com práticas discriminatórias e excludentes.<br />

Na UFMA, o Núcleo foi criado em 17 de dezembro 2009 a partir da<br />

Resolução nº 121 - CONSUN, com a finalidade de garantir, por meio de suporte técnico<br />

e <strong>ate</strong>ndimento especializado, acesso, ingresso e a permanência de pessoas com<br />

deficiência na universidade.<br />

810


Considerando a relevância desse serviço para a efetiva participação das<br />

pessoas com deficiência no contexto universitário e construção, consolidação e<br />

fortalecimento do processo de inclusão, este estudo analisar o Núcleo de<br />

Acessibilidade na Ufma sob diferentes olhares e novas perspectivas e, para tanto,<br />

decidiu ouvir, por meio de entrevista semiestruturada, os sujeitos mais diretamente<br />

envolvidos com o processo de inclusão, os alunos com deficiência, numa forma de dar<br />

concretude ao lema que tem conduzido, historicamente, o movimento desse público<br />

“nada sobre nós, sem nós” numa forma de valorizar a voz, experiências e participação<br />

das pessoas com deficiência nesse contexto. Nesse sentido questiona-se quais as<br />

percepções dos discentes com deficiência em relação à atuação do núcleo de<br />

acessibilidade da UFMA? Portanto, teve-se por objetivo geral investigar quais as<br />

percepções dos discentes com deficiência em relação à atuação do núcleo de<br />

acessibilidade da Universidade Federal do Maranhão.<br />

METODOLOGIA<br />

O estudo sobre o objeto em questão exige um conjunto de procedimentos de<br />

pesquisa. Para tanto, foram necessários certos domínios teóricos e metodológicos para<br />

realizar a análise reflexiva diante do objeto de estudo, o qual apresenta uma abordagem<br />

qualitativa a partir de um estudo exploratório e descritivo.<br />

Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com 10<br />

estudantes com deficiência da UFMA, identificados nesse artigo por A1, A2, A3, A4,<br />

A5, A6, A7, A8 e A9. Dentre esses, 5 possuem baixa visão, 2 deficiência física, 1<br />

deficiência intelectual, 1 cegueira, 1 surdez; 6 pertencem ao sexo masculino e 4 ao sexo<br />

feminino, matriculados entre o 3º a 13º períodos letivos e com faixa etária entre 21 a 39<br />

anos. Encontravam-se inscritos nos cursos de: Administração, Biblioteconomia,<br />

Ciências Biológicas, Educação Física, Farmácia, Física, História, Letras-Espanhol,<br />

Letras-Inglês e Pedagogia.<br />

811


Realizou-se, ainda, um levantamento das produções cientificas sobre a<br />

inclusão de pessoas com deficiência na educação superior, o Programa Incluir e a<br />

atuação de Núcleos de Acessibilidade.<br />

Diante do exposto, após os esclarecimentos sobre os objetivos do estudo, os<br />

procedimentos foram feitos de acordo com os critérios éticos de pesquisa envolvendo<br />

seres humanos. Assim, os discentes preencheram o Termo de Consentimento Livre e<br />

Esclarecido, concordando em participar do estudo.<br />

RESULTADOS<br />

O Núcleo da Ufma foi implantado em 2009 e desde 2010 tem promovido<br />

serviços de apoio ao acadêmico com deficiência com a finalidade de garantir uma<br />

permanência exitosa desses estudantes e contribuir para a concretização da proposta<br />

inclusiva, com ênfase na transversalidade da educação especial na educação superior,<br />

conforme aponta a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação<br />

Inclusiva (BRASIL, 2008).<br />

Além desse <strong>ate</strong>ndimento mais próximo aos estudantes, o Núcleo também<br />

objetiva mediar relações com vistas à eliminação de barreiras arquitetônicas,<br />

comunicacionais, informacionais, pedagógicas e atitudinais, condição básica para que se<br />

construa no contexto universitário, a inclusão de pessoas com deficiência.<br />

Diante da complexidade desse desafio e dos oito anos de existência do<br />

Núcleo na Ufma, este trabalho, numa perspectiva avaliativa e propositiva, decidiu<br />

dialogar com os estudantes com deficiência para que pudessem relatar sua experiência<br />

na universidade, considerando avanços, limites e desafios.<br />

Em face dessa perspectiva, foi questionado aos participantes da pesquisa<br />

como eles avaliavam a atuação do Núcleo de Acessibilidade no <strong>ate</strong>ndimento as suas<br />

demandas e a garantia da inclusão na Ufma, 50% considerou a atuação do Núcleo como<br />

“boa”; 30% avaliaram como “regular” e 20% “excelente”.<br />

812


Núcleo como “boa”:<br />

Seguem os principais relatos dos estudantes que consideraram a atuação do<br />

O discente A1 reconheceu os avanços conquistados pelo Núcleo de<br />

Acessibilidade desde sua implementação, porém ressalta que ainda há muito a ser feito e<br />

propõe que o Núcleo mantenha um canal aberto de diálogo com os estudantes e ouça<br />

sugestões:<br />

Olha, tem melhorado bastante, isso eu percebi, até porque segundo as<br />

informações que eu tive antes de entrar aqui, não eram muito boas, mas de<br />

acordo com que eu ouvi e o que eu estou vendo eu vi que melhorou muito,<br />

então isso já é um bom passo, tanto para nós que recebe esse <strong>ate</strong>ndimento<br />

como também para as pessoas que trabalham (A1).<br />

O discente A2 considera que as atuações do Núcleo são “boas” e que este<br />

tem um papel muito importante em termos da operacionalização da inclusão, mas<br />

quando as demandas são corresponsabilizadas com os cursos, a fim de que estes<br />

também cumpram com o seu papel, já ocorre um comprometimento dessa proposta<br />

inclusiva. O estudante destacou que:<br />

Garante, o núcleo, ele tem um papel muito bom em termos de inclusão,<br />

inclusão em si. Mas quando o núcleo entra em contato com o departamento,<br />

que já vai para a parte do departamento fazer o papel dele, já não acontece,<br />

mas em termos de trabalho do núcleo, o núcleo dá todo o aparato, a base para<br />

a pessoa com deficiência entrar numa instituição, no caso aqui na UFMA,<br />

tanto de acolhimento, matrícula, pegar os dados dos alunos, então o núcleo dá<br />

essa base, para o aluno entrar, mas quando vai para os departamentos, os<br />

departamentos já deixam a desejar (A2).<br />

Como verifica-se, o discente observa as atitudes favoráveis e desfavoráveis<br />

para a garantia da inclusão, elogia o trabalho do Núcleo e aponta falhas no curso a partir<br />

da atuação do departamento e dos próprios professores. Convém destacar que se um<br />

desses agentes ou espaços falham na proposta inclusiva, não se pode falar em inclusão<br />

efetiva, já que esse trabalho não se concretiza no isolamento, mas no empenho coletivo<br />

de todo corpo social.<br />

É interessante quando o aluno apresenta as dificuldades na interação com os<br />

professores, ele identifica barreiras que impactam na formação e destaca que:<br />

813


Vamos dizer assim, 90% dos professores não são acessíveis, são poucos os<br />

professores que realmente se preocupam, geralmente, os professores que se<br />

preocupam, são os professores que ou já trabalham na área, com educação<br />

inclusiva, algum tipo de educação nesse sentido, com pessoas com<br />

deficiência, é mais nesse sentido. Porque os outros professores que não tem<br />

conhecimento da educação, ou tem conhecimento e não atua em si, é<br />

complicado (A2).<br />

Essa é uma questão bastante desafiadora dentro da universidade e na<br />

educação de maneira geral, pois a proposta de inclusão deve envolver todos os sujeitos,<br />

não se trata de uma responsabilidade exclusiva dos profissionais que atuam mais<br />

diretamente na educação especial.<br />

A mesma coisa acontece com o Núcleo de Acessibilidade, pois das<br />

demandas vinculadas a inclusão de pessoas com deficiência dentro da Ufma esse espaço<br />

é imediatamente convocado a trazer respostas, como se fosse o responsável único pela<br />

operacionalização desse processo. Muito frequentemente se desconsidera que esse é um<br />

compromisso de todos os setores da universidade, estes devem ser coparticipantes e<br />

corresponsáveis, por exemplo, das adequações físicas, da eliminação de barreiras<br />

atitudinais, da adequada sinalização, etc.<br />

Sem esse entendimento é pouco provável que se efetive a inclusão de<br />

pessoas com deficiência na universidade, pois além de o Núcleo não gerenciar questões<br />

arquitetônicas, de sinalização e nem mesmo ter autonomia financeira, ele não tem<br />

condições de estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Esse quadro evidencia a<br />

importância da sensibilização e conscientização da comunidade acadêmica, em especial<br />

dos gestores da universidade para que passem a organizar seus planejamentos e<br />

intervenções políticas e administrativas, considerando as pessoas com deficiência.<br />

O discente A4 apontou que está satisfeito com o <strong>ate</strong>ndimento de suas<br />

demandas:<br />

Das minhas demandas é bom, assim, eu acho bom, porque dentro do que eu<br />

preciso, o núcleo, ele me corresponde. Quando preciso de texto ampliado,<br />

quando eu venho aqui o pessoal já amplia os textos ou quando não... Quando<br />

dá para imprimir, imprime, quando não, amplia e me devolve os textos já<br />

ampliados, então do meu ponto de vista sim (A4).<br />

814


Mas no que se refere à garantia da inclusão o participante reconheceu que o<br />

Núcleo precisa ter suas atuações mais expandidas, além de trabalhar em conjunto com<br />

outros setores da universidade, pois em sua análise, o Núcleo trabalha de maneira<br />

isolada.<br />

Agora no que se diz a inclusão, acho que a atividade do Núcleo ainda tem<br />

muito a se expandir, vejo o núcleo meio que isolado, acho que tem que ter<br />

essa inclusão das atividades do núcleo junto com as atividades promovidas<br />

pelo curso, assim de recepção... essas atividades que o curso promove. Acho<br />

que o Núcleo tem que estar mais próximo do curso para poder incluir de fato<br />

os alunos (A4).<br />

O discente A8 também classificou como “boa”, apesar de reconhecer a<br />

existência de dificuldades, sobretudo no que se refere à relação muito desproporcional<br />

entre o quantitativo de alunos e o de técnicos do Núcleo.<br />

Bom, facilita porque as pessoas têm seus recursos, os deficientes visuais têm<br />

seus m<strong>ate</strong>riais, os surdos têm seus intérpretes, sei que há dificuldade para que<br />

isso aconteça, porque também devido à quantidade de funcionários e a<br />

demanda tá aumentando, é um pouco complicado (A8).<br />

Dos que consideraram a atuação do Núcleo como “regular”, destacam-se os<br />

relatos de A7 e A9.<br />

O discente A7 mencionou mais uma vez o descompasso entre o número de<br />

técnicos do núcleo e as crescentes demandas dos alunos com deficiência, o que tem<br />

impossibilitado o núcleo de fazer um <strong>ate</strong>ndimento satisfatório a todos.<br />

A questão da inclusão, o que eu posso dizer em relação a isso? O que eu vejo,<br />

eu sempre coloco nas minhas narrativas o seguinte, fazendo uma comparação<br />

2009 para cá, o que aconteceu, aumentou-se o número de alunos na<br />

universidade, a universidade possibilitou que os alunos adentrassem para<br />

fazer o curso superior, só que o núcleo não acompanhou esse crescimento,<br />

então hoje, eu diria assim, que o núcleo, pelo fato dele não acompanhar o<br />

crescimento dos alunos, ele não consegue <strong>ate</strong>nder essa demanda, entendeu? O<br />

número de funcionários teria que aumentar para o núcleo conseguir dar o<br />

suporte para esses alunos, porque o número de alunos da Ufma ainda é maior,<br />

só que o núcleo não se preparou para isso, então esse crescimento, esta sendo<br />

um crescimento desproporcional, no meu modo de ver (A7).<br />

815


Quanto à garantia da inclusão, o discente A7 disse que:<br />

Ainda não garante, principalmente, por esses dois fatores que eu citei<br />

anteriormente, a questão desse crescimento, essa inclusão seria boa se o<br />

núcleo também tivesse acompanhado esse crescimento, então não está sendo<br />

um fator inclusivo, está sendo mais um fator excludente, porque está<br />

deixando a desejar (A7).<br />

O discente A9 reconheceu o esforço do Núcleo para <strong>ate</strong>nder as demandas<br />

dos alunos, mas não considera que esse <strong>ate</strong>ndimento é efetivo:<br />

Considero regular, porque assim, eu vejo um esforço muito grande do núcleo,<br />

das pessoas que estão à frente para tentar ouvir, mas eu não vejo efetivamente<br />

que as coisas funcionem, e eu sei que tem outras coisas envolvidas, mas acho<br />

que, às vezes, o núcleo poderia ser um pouco mais efetivo nas medidas,<br />

entendeu? Para tentar, mesmo com esses outros fatores ser um pouco mais<br />

efetivo quanto a isso (A9).<br />

Dos que apontaram a atuação do Núcleo como excelente, destaca-se A5, que<br />

relatou ter ficado até mais motivada, após o acolhimento realizado pelo Núcleo.<br />

Só que, realmente, é bom, supre todas as necessidades que uma pessoa com<br />

deficiência física, visual necessita, porque se a pessoa correr atrás, for lá, às<br />

vezes, nem é necessário correr atrás de uma forma física, mas assim... De<br />

forma de motivação, de querer, vontade... e o Núcleo me aceitou, me deu até<br />

motivação para fazer várias coisas e esse semestre eu estou mais empenhada<br />

do que nunca (A5).<br />

Observa-se que os estudantes, mesmo tecendo críticas diante da atuação do<br />

Núcleo, têm neste espaço o lugar de mediação de conflitos e perspectivas, tendo como<br />

principal direcionamento a luta por condições adequadas de acesso, permanência e<br />

conclusão, com êxito de aprendizagem, dos cursos de graduação.<br />

Quanto às observações dos aspectos negativos ou de ações que precisariam<br />

estar sendo desenvolvidas pelo Núcleo é necessário destacar que a sua exposição não<br />

significa trazer o rótulo da ineficácia, mas reconhecer pontos de fragilidades que<br />

precisam ser superados pelo núcleo e pela própria universidade, pois existem questões<br />

que extrapolam o fazer do Núcleo, como por exemplo, a carência de recursos humanos<br />

para solucionar esse tipo de questão. É necessário, portanto, que o Ministério da<br />

Educação disponibilize códigos de vagas para nomeação de novos servidores por meio<br />

816


de concurso público, já que o papel do Núcleo, nesse sentido, é relatar a carência de<br />

profissionais e solicitar a gestão de recursos humanos da universidade.<br />

Diante das questões referidas, cada participante da pesquisa teve a<br />

oportunidade de sugerir o que gostaria que o Núcleo realizasse para melhor <strong>ate</strong>ndê-lo.<br />

Dentre os relatos, destacam-se:<br />

O discente A2 elencou sugestões voltadas para a eliminação das barreiras<br />

atitudinais, sobretudo as que envolvem o professor e o aluno. “Acho que deveria ter<br />

oficinas com os professores, até mesmo na questão da acessibilidade, na questão do ser<br />

humano [...], então falta mais essa afetividade humana em si”.<br />

Assim, A2 ressalta ainda a importância da promoção de deb<strong>ate</strong>s para tratar<br />

de questões atinentes às pessoas com deficiência nas instituições federais de ensino,<br />

compreendendo que essas pessoas são importantes para o processo educacional:<br />

Olha, eu continuo nessa base de inclusão, variando do curso né? Fazendo um<br />

dia de deb<strong>ate</strong> sobre a pessoa com deficiência, o que é pessoa com deficiência,<br />

desde quando a pessoa com deficiência estuda, qual a importância da pessoa<br />

com deficiência dentro de uma instituição federal, no que ela pode contribuir<br />

para uma instituição federal, porque eu acho que quando a gente entra numa<br />

instituição federal a gente quer se desconstruir, e construir e ir se construindo<br />

dia após dia, então acredito que cada um pode contribuir para o<br />

conhecimento do próximo (A2).<br />

O discente A4 sugeriu um acompanhamento mais efetivo por parte do<br />

Núcleo junto às coordenações dos cursos, estimulando para que estas fiquem <strong>ate</strong>ntas às<br />

demandas dos alunos com deficiência; sugeriu ainda qualificação para os professores,<br />

mudanças na questão estrutural e maior cuidado com as questões de sinalização.<br />

Primeiro a universidade deve disponibilizar para os professores qualificação,<br />

cursos, minicursos, workshop voltados para esse tipo de público, de ensino e<br />

aprendizagem para o público de pessoas com deficiência. Com isso os<br />

professores conseguiriam identificar melhor as formas mais adequadas de se<br />

posicionar, em sala, em relação a esses alunos. No segundo tópico, a questão<br />

estrutural, de mobilidade né? Dentro da universidade, ela ter uma adaptação<br />

melhor para as pessoas com deficiência, tanto para quem tem deficiência<br />

visual quanto para quem tem deficiência de locomoção. Vocês tiveram a<br />

proposta da sinalização, levou a proposta e até agora... Em alguns prédios,<br />

não sei se por pressão, alguns sinalizaram algumas coisas, outros não. Tem<br />

curso que tem aula em um prédio, tem curso que tem aula em outro e usa<br />

817


vários espaços, então a pessoa com deficiência ele precisa ir para esses<br />

espaços, então não é botar a pessoa com deficiência para o espaço que tem, é<br />

colocar a sinalização em todos os espaços para que ela possa ter<br />

independência em todos os espaços (A4).<br />

O discente A7 trouxe sugestões que envolvem, principalmente, a<br />

conscientização com o objetivo de desconstruir a imagem estigmatizadora da pessoa<br />

com deficiência, além da necessidade de qualificação de técnicos e professores:<br />

A priori um trabalho de conscientização por parte de todos os técnicos e<br />

profissionais da Ufma, seria o primeiro passo, um trabalho de<br />

conscientização de todos os setores. Outra coisa a questão da qualificação,<br />

mais qualificação para os técnicos, professores, para os alunos também, o<br />

aluno faz parte de todo esse contexto, ai implementar isso de fato e de direito<br />

né? Eu acabo dizendo assim: “rapaz a gente vive em muita discussão,<br />

discussão, mas na prática eu não vejo funcionar” eu gostaria que funcionasse<br />

isso de fato, principalmente para quem está iniciando o curso e para quem<br />

está saindo (A7).<br />

O discente A8 também sugeriu a retirada dos obstáculos arquitetônicos, a<br />

ampliação do quadro de profissionais, além do aprimoramento da comunicação com as<br />

pessoas com deficiência.<br />

Já o discente A9 sugeriu a ampliação do número de profissionais como<br />

intérpretes de libras, bem como de pessoas para auxiliar todos os tipos de deficiência e,<br />

principalmente, que o Núcleo fosse mais ativo na busca de melhorias, pois, em sua<br />

visão, muitas vezes, o estudante fica sem um retorno das reclamações realizadas.<br />

Recomendou ainda que o Núcleo fosse mais <strong>ate</strong>nto às questões arquitetônicas.<br />

Apontou a necessidade de uma maior interação entre o Núcleo e os órgãos<br />

como a reitoria, a prefeitura e a garagem, a fim de ter o controle dos serviços oferecidos,<br />

se estão sendo, realmente, operacionalizados, pois segundo o discente A9 ela tem<br />

enfrentado dificuldade para utilizar a van adaptada para cadeirantes, relatou que sempre<br />

há uma justificativa, mesmo ela encaminhando com antecedência seus horários dentro<br />

da universidade.<br />

[...] tem a van adaptada aqui, eu sei que ela tem, eu já fui no núcleo procurar,<br />

mas pouquíssimas vezes eu consegui ter o real acesso a esse serviço, eu vou,<br />

entrego os meus horários, às vezes eu ligo para a garagem, mas sempre me<br />

818


informam alguma coisa, ou não tem motorista no momento e eu tenho que<br />

esperar muito ou a van não está funcionando, sempre me dão esse tipo de<br />

justificativa. Acho que o núcleo deve ter um papel mais ativo junto a outros<br />

setores da universidade, estar sempre em contato como prefeito de campus, tá<br />

sempre em contato com o pessoal da garagem para saber se o serviço está,<br />

realmente, sendo ofertado, estar sempre em contato com o pessoal da reitoria<br />

para saber quando e como podem ser resolvidas essas questões, é que eu acho<br />

que, às vezes, fica sempre na conversa e não vai para uma prática em si (A9).<br />

Além das questões de ordem mais imediatas, A9 também sugeriu a<br />

realização de campanhas, mobilizações para conscientizar a comunidade universitária,<br />

promover formações para os professores a fim de encontrarem metodologias e práticas<br />

que possam trazer uma inclusão efetiva.<br />

[...] a questão de oferecer oportunidade para que os professores, sei que muito<br />

não fazem isso por falta de interesse, mas vai que alguns tenham interesse em<br />

questão de uma formação, atualização, cada vez mais, para que os<br />

professores encontram metodologias e práticas que possam trazer a inclusão<br />

efetiva, para que eles possam mesmo estar <strong>ate</strong>ntos a isso e que o acesso das<br />

pessoas com deficiência estar aumentando e que eles precisam também<br />

mudar um pouco as práticas, não só dessa questão de não agredir, porque isso<br />

é para todos os alunos, mas eu digo assim, da questão de se eu for passar um<br />

vídeo, como é que eu posso fazer para que a pessoa com deficiência também<br />

tenha acesso, se eu for fazer uma atividade que precisa ficar em pé, eu tenho<br />

que lembrar que nem todos os alunos podem ficar em pé, então como é que<br />

eu vou fazer para que essa pessoa também participe da atividade, então é<br />

mais isso, entendeu? Na formação docente, acho que a universidade poderia<br />

investir mais nisso (A9).<br />

O discente A10 não trouxe sugestões ao Núcleo, mas disse que para<br />

assegurar acesso e permanência de pessoas com deficiência na universidade é preciso<br />

que os professores tornem suas metodologias mais acessíveis.<br />

Olha, primeiro lugar são os professores né? Eles em si têm que adotar uma<br />

metodologia muito melhor para poder se adequar com a gente, como<br />

portadores de necessidades especiais, eu não digo só os intelectuais, mas eu<br />

acredito que o físico, o da visão, os professores têm que melhorar um pouco,<br />

porque eles ainda não sabem trabalhar (A10).<br />

A maioria dos participantes mostrou ter uma visão bastante ampliada do que<br />

seja a inclusão de pessoas com deficiência na educação superior, enfatizou a<br />

819


importância da mediação do Núcleo de Acessibilidade na construção e consolidação<br />

desse processo, mesmo com algumas fragilidades, o que não significa desqualificar a<br />

atuação do espaço no enfrentamento às formas de segregação e exclusão educacional,<br />

mas de reconhecimento de que o Núcleo de Acessibilidade tem condições de fazer<br />

muito mais pelos estudantes.<br />

Os estudantes mostraram perspectivas diversas sobre a inclusão de pessoas<br />

com deficiência na educação superior, deixaram claro que, mesmo diante das<br />

dificuldades, o objetivo é prosseguir nos estudos. Reconheceram a existência de limites<br />

e possibilidades, como foi o caso dos discentes: A1, A4, A5, A6 e A10.<br />

Convém destacar que apenas o discente A3 mostrou uma visão mais<br />

desanimada sobre a perspectiva inclusiva, pois em sua análise a inclusão, no sentido de<br />

estarem todos juntos não acontece nem mesmo entre as próprias pessoas com<br />

deficiência. Afirmou que: “acho que os deficientes ficam muito segregados, não há essa<br />

inclusão de fato, o cadeirante fica segregado, o surdo também, realmente, essa inclusão<br />

de estarem todos juntos, de fato não acontece, fica cada um separado, muito segregado”.<br />

Seguem algumas observações relevantes de alguns participantes:<br />

O discente A2 demonstrou uma visão bastante coerente do movimento de<br />

inclusão de pessoas com deficiência na educação superior e na sociedade, reconheceu os<br />

percursos históricos e disse que se anteriormente a pessoa com deficiência ficava<br />

reclusa e segregada, hoje ela já tem maiores possibilidades para atuar sobre o contexto<br />

social, apontando que a deficiência não determina o que uma pessoa pode ou não fazer.<br />

Segue relato do estudante:<br />

Eu falo que é uma área que vem crescendo aos poucos. É uma área que vem<br />

meio que trilhando, caminhando com as próprias pernas, até a própria<br />

questão da inclusão na sociedade e agora a inclusão dentro das universidades.<br />

Que as pessoas com deficiência, elas já não tem mais aquela visão de que ‘ah<br />

sou uma pessoa com deficiência, sou um coitado para a sociedade’, eu<br />

costumo falar que o deficiente ele já está se superando só do fato dele querer<br />

algo, ele vai saindo da zona de conforto dele, agora eu quero estudar, agora<br />

eu quero um trabalho, então a base de tudo é o estudo, então só do fato da<br />

pessoa está numa instituição, privada ou pública, mas que a pública é muito<br />

melhor em termos de conhecimento, estudo, experiência e pesquisa. Eu falo<br />

que é uma maravilha, porque a gente não tinha essa visão há muito tempo<br />

atrás e aos poucos vem crescendo, as pessoas com deficiência vêm querendo<br />

820


estudar. “Não, eu quero ser professor, eu quero ser doutor, eu quero fazer um<br />

mestrado”. Então isso é de uma importância muito grande, para mostrar para<br />

a sociedade que as pessoas com deficiência podem fazer o que elas querem e<br />

quando elas querem. Não é uma deficiência que vai dizer: não posso fazer<br />

isso (A2).<br />

Diante dessa concepção, ressalta-se a perspectiva social da deficiência<br />

defendida por Omote (2005), Chahini (2010) e Mendes e Picollo (2012) dentre outros,<br />

quando estes ressaltam a importância de o meio social oferecer as condições para que a<br />

deficiência não seja um impedimento na realização dessas pessoas. Assim, concorda-se<br />

com o discente A2 ao enfatizar que “Não é uma deficiência que vai dizer: não posso<br />

fazer isso”, mas é necessário que tenhamos uma sociedade em condições de oferecer as<br />

bases para que a pessoa com deficiência desenvolva suas potencialidades.<br />

O discente A8 reconheceu o processo de inclusão de pessoas com<br />

deficiência como positiva, mas que este “ainda não acontece de fato”. A mesma opinião<br />

teve o participante A7 que apontou a importância de a universidade trabalhar com<br />

mecanismos que garantam não somente o ingresso, mas a permanência de pessoas com<br />

deficiência na universidade, pois essa fragilidade teria contribuído para que alguns<br />

alunos abandonassem os seus cursos.<br />

É o seguinte, a universidade ela... A narrativa é muito bonita, é uma narrativa<br />

ótima, mas na prática essa inclusão não tá funcionando, a inclusão ainda está<br />

em passos muito lento. Acho que falta a universidade criar instrumentos,<br />

ferramentas que garantissem a permanência desse aluno, não só o aluno<br />

entrar na universidade, mas garantir a permanência dele (A7).<br />

O discente A9 também reconheceu os avanços e apontou a grande<br />

dificuldade que existe para as pessoas com deficiência serem, de fato, incluídas no<br />

contexto universitário. Os seus relatos deixaram evidentes que a inclusão nesse nível de<br />

ensino, assim como em outras instâncias da vida social é “processo” e, por isso, precisa<br />

continuar sendo impulsionado pelos sujeitos sociais, pelas instituições, etc.<br />

Eu acho que a gente não pode dizer que nada tem sido feito. Que não<br />

melhorou, porque melhorou. Assim... Há um tempo nem as rampas que tem,<br />

tinham. Mas a gente não pode dizer, nem de longe, que a inclusão ela é<br />

efetiva, porque a gente sabe que ainda tem muita gente que desiste dos seus<br />

821


cursos, dos poucos que conseguem chegar aqui, com todo histórico, enfim,<br />

desistem porque eles encontram diversas barreiras quanto a isso, quanto às<br />

atitudes dos professores, quanto às atitudes dos funcionários, quanto aos<br />

espaços, então tem muita gente que desiste e os que persistem encontram<br />

muitas dificuldades mesmo, então assim, por mais que esteja caminhando,<br />

acredito que ainda tem muita coisa para ser feito para que essa inclusão seja<br />

de fato efetivada (A9).<br />

Essas reflexões correspondem com os estudos realizados por Siqueira e<br />

Santana (2010) e outros estudiosos que consideram notórios os avanços conquistados na<br />

garantia dos direitos à educação das pessoas com deficiência nas últimas décadas,<br />

contudo ainda existe uma lacuna abissal entre as diretrizes legais existentes e a<br />

efetivação do acesso e permanência dos alunos com necessidades educacionais<br />

específicas, sobretudo na educação superior.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Conclui-se que o Núcleo de Acessibilidade representa uma das principais<br />

expressões da política de inclusão de discentes com deficiência na educação superior na<br />

contemporaneidade, pois m<strong>ate</strong>rializa os pressupostos presentes nas normativas legais<br />

que subsidiam a educação inclusiva nesse nível de ensino.<br />

Contudo, ficou evidente que em meio aos avanços conquistados a partir da<br />

implantação do serviço, o <strong>ate</strong>ndimento aos estudantes, a contratação de profissionais<br />

especializados, a organização de políticas institucionais, ainda não é possível afirmar<br />

que há uma inclusão efetiva na educação superior, tem-se um descompasso entre o que<br />

define as legislações e as práticas reais dentro do contexto universitário.<br />

Esses impasses ficaram evidentes no diálogo com estudantes entrevistados,<br />

expressando que as práticas desenvolvidas na universidade, sob a mediação do Núcleo-<br />

Ufma, ainda não <strong>ate</strong>nde satisfatoriamente as demandas dos estudantes por inclusão,<br />

observou-se a fragilidade na interlocução do Núcleo com os cursos e setores<br />

administrativos e de gestão, além da necessidade de expansão das atuações do setor, o<br />

822


qual também deve ampliar o quadro de profissionais, visto que atualmente não tem<br />

condições de <strong>ate</strong>nder a todas as demandas e tipos de deficiência.<br />

Na perspectiva de eliminar barreiras, os estudantes sugeriram também a<br />

realização de oficinas, trabalho com professores, sensibilizações, acompanhamento mais<br />

efetivo juntos aos cursos e estudantes, melhoria nas condições estruturais e articulação<br />

entre o núcleo e os setores na universidade.<br />

Os relatos apresentados convocam o Núcleo de Acessibilidade a agir<br />

continuamente no enfrentamento de barreiras que impedem a participação das pessoas<br />

com deficiência, exige uma revisão nas práticas institucionais de toda universidade,<br />

numa forma de m<strong>ate</strong>rializar a proposta inclusiva.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRASIL. Ministério da Educação. Documento Orientador Programa Incluir:<br />

acessibilidade na Educação Superior SECADI/SESU-2013. 2013. Disponível em:<br />

. Acesso em: 1 set. 2015<br />

______. Ministério da Educação. Política Nacional de Educação Especial na<br />

Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, DF, 2008<br />

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Superior. Edital nº 3.<br />

Programa Incluir: acessibilidade na educação superior. Diário Oficial da União, Poder<br />

Executivo, Brasília, DF, n. 108, p. 31-32, 6 jun. 2007. Seção 3. Disponível em:<br />

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CHAHINI, Thelma Helena Costa. Atitudes sociais e opiniões de professores e alunos<br />

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Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2010.<br />

823


MENDES, Enicéia Gonçalves, PICOLLO, Gustavo Martins. Para além do natural:<br />

contribuições sociológicas a um pensar sobre a deficiência. In: MENDES, Enicéia<br />

Gonçalves; ALMEIDA, Maria Amélia (Orgs.). A pesquisa sobre inclusão escolar em<br />

suas múltiplas dimensões:teoria, política e formação. Rio de Janeiro: ABPEE, 2012.<br />

(Coleção Inclusão Escolar, 1).<br />

OMOTE, Sadao et al. Mudança de atitudes sociais em relação à inclusão. Paidéia:<br />

Cadernos de Psicologia e Educação, Ribeirão Preto, v. 15, n. 32, p. 387-398, 2005.<br />

SIQUEIRA, Inajara Mills; SANTANA, Carla da Silva. Propostas de Acessibilidade<br />

para a Inclusão de pessoas com deficiência no Ensino Superior. Revista Brasileira de<br />

Educação Especial, Marília, v. 16, n. 1, p. 127-136, 2010.<br />

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO. Conselho Universitário. Resolução,<br />

nº 121, de 17 de dezembro de 2009. Aprova a criação do Núcleo Pró Acessibilidade e<br />

Permanência de Pessoas com Deficiência à Educação. Disponível em:<br />

. Acesso em: 10<br />

out. 2015.<br />

824


PERCEPÇÕES DE FAMILIARES EM RELAÇÃO AO PROCESSO DE<br />

INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL<br />

THE PERCEPTION OF RELATIVES OF CHILDREN WITH DISABILITY IN<br />

RELATION TO THE PROCESS FOR INCLUSION IN CHILDREN<br />

EDUCATION<br />

Andréia Marques Souza Rodrigues<br />

Especialista em Docência na Educação Infantil - SEMED<br />

Thelma Helena Costa Chahini<br />

Pós-Doutora em Educação Especial<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Para que a educação inclusiva, seja de fato uma realidade nas Instituições<br />

de Educação Infantil, é preciso um esforço conjunto de familiares e profissionais da<br />

área, visando a promoção de uma educação de boa qualidade, pois de acordo com a<br />

Declaração de Salamanca, é preciso propor uma parceria colaborativa entre<br />

administradores escolares, professores e pais no intuito de supervisionar e dar um<br />

suporte à aprendizagem das crianças (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,<br />

1994). Nesse sentido, o presente estudo teve por objetivo geral investigar quais as<br />

percepções dos familiares de crianças com deficiência em relação ao processo de<br />

inclusão na Educação Infantil. Desenvolveu-se uma pesquisa exploratória, descritiva em<br />

quatro instituições públicas municipais de Educação Infantil de São Luís/MA, com 05<br />

familiares de crianças com deficiência. Dentre esses, três mães, um pai e uma irmã,<br />

responsáveis pelas referidas crianças. O critério de inclusão dos participantes foi ser<br />

familiar de criança com deficiência que frequentava instituição pública municipal de<br />

Educação Infantil, bem como por acessibilidade. Os dados foram coletados dentro das<br />

instituições de educação infantil, em salas cedidas para esse fim, por meio de entrevistas<br />

825


semiestruturadas e por observação não participante. Os resultados identificam presença<br />

de barreiras atitudinais em relação à operacionalização da inclusão de crianças com<br />

deficiência na Educação Infantil, bem como carência de profissionais qualificados na<br />

área da Educação Especial. Não foi identificado nenhum trabalho, sendo<br />

operacionalizado, de esclarecimento, orientação e acompanhamento familiar em relação<br />

às referidas crianças. Os familiares consideram a Educação importante e necessária, mas<br />

que ainda falta muito para que o ideal de inclusão se torne real. Os dados sinalizam que<br />

as conquistas na área têm sido por meio de muita luta individual. Foi enfatizado,<br />

bastante, pelos participantes, que para que a inclusão na educação Infantil realmente<br />

cumpra seus fins, se faz necessário professores qualificados, melhor estruturação das<br />

instituições, tanto nos espaços físicos quanto nos aspectos pedagógicos, ampliação de<br />

oferta de vagas e salas de recursos multifuncionais, para que as crianças com<br />

necessidades específicas tenham seus direitos assegurados. Os familiares consideram de<br />

suma importância que suas crianças estejam inseridas na Educação Infantil, devido os<br />

ganhos ao desenvolvimento global delas, assim como pelas interações e/ou<br />

socializações entre as crianças sem e com deficiência.<br />

Palavras-chave: Percepções de familiares. Crianças com deficiência. Educação<br />

Infantil. Inclusão.<br />

ABSTRACT: It is necessary a joint effort with relatives and field professionals aiming<br />

the promotion of a good quality education in order to have inclusive education as a<br />

reality in children’s Institutions, for in accordance with the Salamanca Declaration, it is<br />

necessary to propose a collaborative partnership between school directors, teachers and<br />

parents in order to supervise and give support to children learning (United Nations,<br />

1994). Thus, this study aims to investig<strong>ate</strong> which perceptions from relatives of children<br />

with disability in relation to the inclusion process in children education. This is an<br />

exploratory and descriptive research developed in four municipal public institutions for<br />

children education in the city of São Luís, st<strong>ate</strong> of Maranhão, with 5 relatives of<br />

826


children with disability. Among those, three mothers, one father and one sister,<br />

responsible for these children. The participants were chosen in accordance with to<br />

following criteria: being a relative of a child with disability, who goes to a municipal<br />

public institution for children education, as well as accessibility. The data were<br />

collected in children education institutions, in rooms reserved for such activity, by<br />

means of semi-structured interviews and by observing the non-participant observation.<br />

The results show that there are attitudinal barriers in relation to the implementation of<br />

the inclusion of children with disability in children education, as well as lack of<br />

qualified professionals in the field of special education. There was not even one effort to<br />

clarify, guide and follow up relatives in relation to these children. The relatives consider<br />

education relevant and necessary, but it will still take long to have inclusion as a reality.<br />

The data point out that the accomplishments in this field have been due to a lot of<br />

individual struggle. According to the participants, it is necessary to have qualified<br />

teachers, a better structure in the institutions, in physical and pedagogic aspects, more<br />

vacancies, and multifunctional classrooms in order to fulfil the requirement of inclusion<br />

in children education, to guarantee that children with special needs also have their rights<br />

protected. Their relatives consider highly important that children should be inserted in<br />

children education due to their global development, and because of the interaction<br />

and/or socialization among children with or without disability.<br />

Keywords: Perception of Relatives. Children with Disability. Children Education.<br />

Inclusion.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A família e/ou familiares de crianças com deficiência têm que garantir a<br />

educação informal e formal de suas crianças e passam pelo mesmo processo de dúvidas<br />

e incertezas causados pelo sistema educacional, principalmente quando se trata de uma<br />

827


ede pública municipal, pois buscam uma educação que lhes dê direito à igualdade de<br />

oportunidades, considerando suas car<strong>ate</strong>rísticas individuais (CARVALHO, 2004).<br />

No contexto, visando assegurar e promover o exercício da cidadania e das<br />

liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, é promulgada a Lei nº 13.146, de 6<br />

de julho de 2015 - Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - Estatuto da<br />

Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015). Mas, apesar das inúmeras conquistas,<br />

principalmente no que se refere a inclusão na Educação Infantil, ainda há<br />

muitosentraves para que essas conquistas, adquiridas legalmente, tornem-se realidade.<br />

Assim, para que a educação inclusiva, seja de fato uma realidade nas<br />

Instituições de Educação Infantil, é preciso um esforço conjunto de familiares e<br />

profissionais da área, visando a promoção de uma educação de boa qualidade, pois de<br />

acordo com a Declaração de Salamanca, é preciso propor uma parceria colaborativa<br />

entre administradores escolares, professores e pais no intuito de supervisionar e dar um<br />

suporte à aprendizagem das crianças (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,<br />

1994).<br />

Diante do exposto, questionou-se: quais as percepções dos familiares de<br />

crianças com deficiência em relação ao processo de inclusão na Educação Infantil?<br />

Para dar conta de responder ao problema elencou-se como objetivo geral investigar<br />

quais as percepções dos familiares de crianças com deficiência em relação ao processo<br />

de inclusão na Educação Infantil.<br />

Os objetivos específicos compreenderam: identificar crianças com<br />

deficiência nas instituições públicas municipais de Educação Infantil de São<br />

Luís/MA; Identificar os familiares das crianças com deficiência que se encontravam<br />

inseridas nas instituições pesquisadas; Conhecer as percepções dos familiares das<br />

referidas crianças em relação ao processo de inclusão, delas, na Educação Infantil;<br />

Descrever possíveis sugestões dos participantes em relação ao processo de inclusão<br />

de crianças com deficiência na Educação Infantil Maranhense.<br />

828


METODOLOGIA<br />

Realizou-se uma pesquisa exploratória, descritiva em quatro Instituições<br />

públicas municipais de Educação Infantil de São Luís/MA, com 05 familiares de<br />

crianças com deficiência, com idades entre 18 a 46 anos. Dentre esses, três mães, uma<br />

irmã, e um pai, responsáveis pelas referidas crianças. O critério de inclusão dos<br />

participantes foi ser familiar de crianças com deficiência que frequentavam instituições<br />

públicas municipais de Educação Infantil, bem como aceitarem participar da pesquisa.<br />

Os dados foram coletados dentro das instituições de educação infantil, em salas cedidas<br />

para esse fim, por meio de entrevistas semiestruturadas e por observação não<br />

participante. Todos os responsáveis pelas crianças assinaram o Termo de<br />

Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) autorizando a realização da pesquisa, que<br />

ocorreu de acordo com os critérios éticos envolvendo seres humanos, na qual foi<br />

esclarecido aos participantes os possíveis riscos, bem como os benefícios ao<br />

participarem do estudo.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

A seguir são apresentados os resultados obtidos por meio das entrevistas<br />

semiestruturadas e pelas observações, seguidos das análises e discussões realizadas.<br />

Em relação ao questionamento sobre qual a deficiência que a criança<br />

possuía, bem como a idade e o sexo, os dados sinalizam que, quatro são autistas e uma<br />

possui deficiência física, sendo todas pertencentes ao sexo masculino, com idades entre<br />

4 e 5 anos, três encontravam-se frequentando o Infantil <strong>II</strong> e duas, o Infantil I.<br />

No contexto, percebe-se que o número de crianças com autismo é<br />

significativo, pois a maioria das crianças, dos familiares entrevistados, são autistas.<br />

Verificou-se, também, um número crescente de matriculas de crianças com deficiência,<br />

na Educação Infantil, reflexo de as políticas de inclusão apesar das Instituições ainda<br />

serem bastante carentes em vagas e opções de <strong>ate</strong>ndimento ao referido público.<br />

829


Diante dos fatos, se faz importante citar a Política Nacional de Educação<br />

Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva ao sinalizar à importância de a criança<br />

com deficiência ter acesso o mais cedo possível aos espaços da educação infantil,<br />

enfatizando-se que o acesso à educação tem início na educação infantil, na qual se<br />

desenvolvem as bases necessárias para a construção do conhecimento e<br />

desenvolvimento global das crianças sem e/ou com necessidades específicas (BRASIL,<br />

2008).<br />

Quando se indagou sobre o que podiam dizer sobre Educação Inclusiva,<br />

crianças com deficiência e sobre a inclusão dessas na Educação Infantil, 100%<br />

relataram que precisavam entender um pouco mais sobre o assunto, mas que a Inclusão<br />

na Educação Infantil é muito importante e necessária para o desenvolvimento global das<br />

referidas crianças.<br />

Assim, os familiares enfatizaram que a Educação Inclusiva permite que as<br />

crianças convivam e aprendam juntas apesar das diferenças. E que mesmo com<br />

inúmeras discussões, no âmbito educacional e social sobre o tema, os referidos<br />

participantes ainda carecem de maiores conhecimentos e/ou de esclarecimentos sobre<br />

questões que envolvem o desenvolvimento, a aprendizagem, as especificidades e os<br />

direitos das crianças com necessidades específicas, nas instituições educativas, visto<br />

possuírem, na maioria, apenas conhecimentos superficiais derivados de orientações<br />

médicas, sobre o assunto. Nesse contexto, Laplane (2004), informa que, a educação é<br />

um reflexo das contradições existentes na sociedade e só será possível uma sociedade<br />

que proporcione a inclusão se isso acontecer em todos os âmbitos da vida social.<br />

Ainda sobre o assunto abordado, os familiares das crianças com deficiência<br />

consideram de suma importância que suas crianças estejam inseridas na Educação<br />

Infantil, devido os ganhos ao desenvolvimento global delas, assim como pelas<br />

interações e/ou socializações entre as crianças sem e com deficiência.<br />

Dessa maneira percebe-se a relevância da inclusão de crianças com<br />

deficiência na Educação Infantil, à eliminação e/ou minimização dos estigmas em<br />

relação a convivência entre crianças sem e com deficiência.<br />

830


Quando questionados se tinham conhecimentos sobre a existência de<br />

outras crianças com deficiência inseridas nas instituições de Educação Infantil, 90%<br />

dos participantes responderam que sim, revelando, com isso, um número crescente de<br />

matrículas de crianças com deficiência na Educação Infantil, apesar desse quantitativo<br />

ainda ser aquém do esperado. Assim como mudanças de atitudes em relação aos direitos<br />

das referidas crianças, que outrora, não tinham, sequer, o direito à própria vida.<br />

Como ressaltado por Kassar (2004, p. 65), “a educação hoje é um direito do<br />

homem, construção e conquista humana, e deve levar à efetivação de uma vida com<br />

qualidade para todas as pessoas”. Assim, crianças sem e/ou com deficiência são apenas<br />

crianças, possuindo as mesmas necessidades de brincar, se expressar, experimentar,<br />

interagir, e conhecer o mundo por meio das vivencias. E conforme enfatizado por Rocha<br />

(2002), as crianças com deficiência, inseridas na Educação Infantil ao invés de<br />

trancadas em suas casas, terão possibilidade de terem seus direitos, operacionalizados.<br />

Em relação ao processo de inserção das crianças com deficiência, na<br />

Educação Infantil, os relatos sinalizam presença de muita luta individual para que os<br />

direitos das referidas crianças sejam garantidos, e essas possam estar nas instituições<br />

educacionais e interagir com as demais crianças sem deficiência. E nessa busca, a<br />

falta de vagas é a principal queixa dos familiares, que muitas vezes têm que ir para<br />

escolas distantes de suas residências. Assim, se faz importante lembrar que de<br />

acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil (DCNEI), as<br />

vagas em creches e pré-escolas devem ser oferecidas próximas às residências das<br />

crianças (BRASIL, 2010).<br />

Percebe-se, nesse sentido, que os familiares das crianças buscam por<br />

fazer valer o que prega a Constituição Federal, no Cap. V<strong>II</strong>, Art. 227, que é dever da<br />

família assegurar a criança o direito à educação (BRASIL, 1988), bem como pelas<br />

DCNEI, ao enfatizarem que a criança é um sujeito histórico de direitos que, nas<br />

interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e<br />

coletiva (BRASIL, 2010).<br />

831


Ao serem questionados sobre quais atividades eram desenvolvidas com seu<br />

familiar na instituição de Educação Infantil, onde e como essas atividades eram<br />

desenvolvidas, quais profissionais estavam envolvidos e quais recursos eram utilizados.<br />

Os participantes informam que os espaços de aprendizagem são sempre as salas de aula<br />

em que o único profissional é a professora, e que não há variedade de recursos sendo<br />

utilizados com as crianças. Diante do exposto, Mantoan, Prieto e Arantes (2006)<br />

enfatizam que as instituições escolares com a reprodução de modelos tradicionais não<br />

conseguem contrapor ao desafio da inclusão e do acolhimento às diferenças.<br />

Sobre o assunto, incluir é considerar a pessoa e suas singularidades, não<br />

apenas inseri-la nos espaços destinados à sua educação, a essa deverá ser dado a<br />

oportunidade de experiências novas, ser assegurado não apenas o acesso e permanência,<br />

mas uma educação de boa qualidade, com adoção de novas práticas em de sala de aula,<br />

com recursos e estratégias que possam explorar a capacidade de aprender de cada<br />

criança, considerando a diversidade, visto que as Diretrizes Curriculares Nacionais para<br />

Educação Infantil enfatizam a importância da garantia da acessibilidade, m<strong>ate</strong>riais,<br />

objetos, brinquedos e instruções para crianças com deficiência, transtornos globais do<br />

desenvolvimento e com altas habilidades/superdotação (BRASIL, 2010).<br />

Assim, observa-se a necessidade de adequação/adaptação do ambiente<br />

educacional às condições em que as crianças desfrutem da plenitude de todos os seus<br />

direitos.<br />

Quando indagados se achavam que os profissionais que trabalham na<br />

Educação Infantil estavam preparados para a inclusão das crianças com deficiência,<br />

50% participantes disseram que sim e 50% responderam que não. Os dados sinalizam<br />

alguns aspectos relevantes, como à qualificação do docente da Educação Infantil, bem<br />

como à necessidade de uma formação continuada, principalmente na área da Educação<br />

Especial. Essa tem sido uma necessidade constante, pois para que a inclusão real<br />

aconteça muitos aspectos devem ser considerados e a formação continua do professor<br />

faz parte desse contexto.<br />

832


Saber lidar com as diferenças é de fundamental importância, pensar e<br />

proporcionar diferentes possibilidades também, mas só um docente consciente da sua<br />

função social dará conta disso, para tanto deverá refletir sobre sua práxis<br />

constantemente e estar sempre em busca de aprimorar seus conhecimentos, pois de<br />

acordo com Mittler (2003, p. 170), “as habilidades pedagógicas exigidas para a inclusão<br />

não são nem mais nem menos do que aquelas exigidas em qualquer escola de<br />

qualidade”.<br />

Sendo assim, os desafios são inúmeros e todos os professores deverão se<br />

conscientizar em relação ao processo da inclusão de crianças com necessidades<br />

específicas e/ou diferenciadas em relação as demais crianças. É essencial que o<br />

professor da Educação Infantil possua conhecimentos sólidos sobre as deficiências e<br />

suas especificidades, esses precisam ir em busca de ressignificar seu fazer pedagógico,<br />

considerando a diversidade de seu alunado. Convêm ressaltar que um dos objetivos da<br />

Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, é a<br />

garantia da formação de professores para o <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado e<br />

demais profissionais da educação para a inclusão escolar (BRASIL, 2008). Para<br />

Oliveira (2014), tal objetivo nos leva a refletir sobre a necessidade, também, de que<br />

sejam dadas melhores condições de trabalho aos professores, pois para que se possa<br />

pensar em uma escola inclusiva é preciso enfrentar a crise no sistema educacional<br />

brasileiro. Não estamos falando apenas das crianças com deficiência, mas de todas e a<br />

reestruturação da educação garantirá o direito de ser criança e ter seus direitos<br />

respeitados.<br />

Sobre a criança com deficiência receber <strong>ate</strong>ndimento educacional<br />

especializado (AEE) nas salas de recursos multifuncionais nas instituições pesquisadas.<br />

A maioria dos familiares (75%) afirmou que suas crianças frequentavam a sala de<br />

recursos e isso demonstra que tanto as famílias quanto as instituições de Educação<br />

Infantil, pesquisadas, estão pensando no bem-estar e desenvolvimento das crianças com<br />

deficiência, bem como garantindo o direito delas ao AEE, conforme o que é garantido<br />

pela Resolução nº4/2009, Art. 2º (BRASIL, 2009).<br />

833


Pois de acordo com Cantarelli (2013), o referido <strong>ate</strong>ndimento proporciona<br />

às crianças com deficiência e/ou com necessidades específicas, diferentes alternativas<br />

de desenvolvimento e aprendizagem, de acordo com suas necessidades, uma vez que as<br />

ações ali definidas devem considerar as especificidades de cada uma.<br />

Ainda sobre a questão, anteriormente abordada, apesar de a maioria das<br />

crianças com deficiência estarem frequentando salas de recursos multifuncionais, existe<br />

um percentual de 15% que não estão. E isso nos permite enfatizar que o<br />

encaminhamento ao <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado é uma competência da<br />

equipe pedagógica da Instituição em que as referidas crianças se encontram inseridas,<br />

para tanto os pais e/ou responsáveis devem estar cientes da relevância do AEE ao<br />

desenvolvimento global delas. No contexto, foi verificado falta e/ou carência de<br />

conhecimentos e esclarecimentos sobre o que de fato é o AEE, seus benefícios e<br />

contribuições para o desenvolvimento e aprendizagem das crianças consideradas<br />

público alvo da Educação Especial.<br />

Sobre suas opiniões em relação à existência de algum fator que podia<br />

facilitar e/ou dificultar o processo de inclusão das crianças com deficiência na Educação<br />

Infantil.Os relatos sinalizam à urgência de ampliação de vagas e para a construção de<br />

mais instituições de educação infantil, assim como para que haja uma fiscalização do<br />

poder público em relação ao cumprimento das garantias das referidas crianças,<br />

conquistadas legalmente, como no caso, as já enfatizadas pelo Decreto nº 7.611/11<br />

(BRASIL, 2011).<br />

Percebe-se que para a inclusão na Educação Infantil acontecer, eficazmente,<br />

os profissionais e familiares envolvidos, devem agir para além de métodos dedutivos,<br />

sendo necessário adquirir conhecimentos específicos sobre as deficiências, o ser criança<br />

e o verdadeiro significado de uma educação inclusiva. No contexto, Carvalho (2014, p.<br />

61), ressalta que “não podemos fazer vista grossa a um conjunto de questões muito<br />

sérias e que estão aí, a desafiar, relativas à qualidade da educação oferecida”.<br />

Inúmeras são as dificuldades e/ou desafios a serem enfrentados durante o<br />

processo de inclusão de crianças consideradas público alvo da Educação Especial, na<br />

834


Educação Infantil. Outro fator, bastante apontado, foi a falta de qualificação dos<br />

docentes para trabalhar com as diferentes deficiências, aspecto já abordado<br />

anteriormente, assim como à falta e/ou carência de conhecimentos sobre o referido<br />

assunto, principalmente quanto às especificidades da deficiência e de como mediar a<br />

aprendizagem dessas crianças. Essa, última, tem sido uma inquietação frequente dos<br />

familiares, em que relataram que muitas vezes a professora da sala de aula regular,<br />

deixa a cargo da professora da sala de recursos toda a responsabilidade pelo processo<br />

ensino-aprendizagem das crianças com deficiência, no caso, para aquelas que<br />

frequentam as referidas salas. Situação, essa, que prejudica tanto o processo de inclusão<br />

quanto de desenvolvimento das crianças com deficiência. Sobre a situação mencionada,<br />

Capellini (2011) ressalta que as instituições educacionais brasileiras, que historicamente<br />

trabalham de modo padronizado e único, não se encontram estruturadas para<br />

enfrentarem o desafio da diversidade.<br />

Quando foram questionados se existia uma interação e/ou comunicação<br />

entre eles e os profissionais da Educação Infantil em relação ao processo de inclusão de<br />

suas crianças. Os dados demonstram a necessidade, cada vez maior, de se criar<br />

mecanismos de interação entre as famílias e/ou familiares de crianças com necessidades<br />

específicas e os profissionais das instituições educacionais, pois disso depende, também,<br />

a qualidade da educação, além do bem-estar delas. Como sinalizado por Cantarelli<br />

(2013), a família deve estar presente no processo de formação e estar consciente da<br />

importância desse para o desenvolvimento de suas crianças.<br />

Nesse sentido, o processo educacional se inicia na família, mas não<br />

termina nela. O modo como as relações são desenvolvidas no sistema familiar trará<br />

influências para outros, dentre eles, às instituições educacionais formais<br />

(BORDIGNON, 2011). É possível perceber que muitos familiares de crianças com<br />

deficiência conseguem manter um diálogo com as Instituições, apesar de algumas<br />

fragilidades, tal posicionamento é reflexo de como esses percebem a deficiência, não<br />

vendo como limitação, mas possibilidade. A Declaração de Salamanca, o qual o<br />

Brasil é signatário orienta que os pais devem ser encorajados a participar de forma<br />

835


facilitada nos processos de planejamento e tomada de decisão concernentes à<br />

provisão de serviços para necessidades educacionais especiais (ORGANIZAÇÃO<br />

DAS NAÇÕES UNIDAS, 1994). Dessa maneira, é primordial que todos estejam<br />

envolvidos para a promoção de uma Educação Infantil Inclusiva e, para tanto, a<br />

comunicação é uma das condições indispensáveis.<br />

Ao serem indagados se as instituições públicas municipais de Educação<br />

Infantil de São Luís/MA encontravam-se preparadas para incluírem crianças com<br />

deficiência e/ou com necessidades específicas. Os participantes foram unânimes em<br />

responder que não. Os dados sinalizam que a rede municipal de ensino de São Luís/MA<br />

ainda encontra muitas dificuldades em proporcionar uma educação inclusiva de<br />

qualidade às referidas crianças. No caso específico, não garantia de matricula, falta e/ou<br />

carência de cuidador, dentre outros direitos que não estão sendo assegurados, conforme<br />

os relatos dos familiares das crianças.<br />

Verifica-se, mais uma vez, um distanciamento entre o que é assegurado<br />

legalmente e sua efetivação, ou seja, a legalidade e legitimidade dos direitos adquiridos<br />

não asseguram sua execução. Outro fator percebido foi o de que os familiares anseiam<br />

por uma instituição específica para a criança autista, fato esse devido à forma como as<br />

referidas instituições vêm conduzindo o processo de inclusão, que no caso, trata-se, na<br />

maioria das vezes, da integração, isto é, espera-se uma adequação por parte das referidas<br />

crianças e não das instituições educacionais, juntamente com seus profissionais.<br />

Para Carvalho (2014, p. 89), “evidencia-se, portanto, a importância de<br />

reexaminarmos os valores que as instituições educacionais formais cultuam, dentro de<br />

uma perspectiva democrática, ou seja, evidencia-se a relevância de examinar sua<br />

intencionalidade educativa”. Sobre a questão, para que alcancemos a escola inclusiva<br />

que queremos precisamos rever as práticas e a intencionalidade educativa que estamos<br />

desenvolvendo, pois, os dados revelam que há inúmeros desafios a serem superados<br />

pelo sistema educacional municipal de São Luís/MA para que a Educação Inclusiva<br />

de fato amplie as possibilidades das crianças com deficiência e/ou com necessidades<br />

educacionais específicas. Diante dos fatos, Mantoan (2007, p. 45) esclarece que para<br />

836


que os alunos com e sem deficiência possam exercer o direito à educação em sua<br />

plenitude, é indispensável que essa escola aprimore suas práticas, a fim de <strong>ate</strong>nder às<br />

diferenças.<br />

Nessa perspectiva, há necessidade de mudança das práticas pedagógicas,<br />

principalmente as que são realizadas dentro das instituições de Educação Infantil, em<br />

que os profissionais que estão diretamente em contato com as crianças adquiram novos<br />

saberes e reconheçam a necessidade de mudança das práticas educativas, as quais<br />

muitas vezes não garantem as crianças o direito de ser criança.<br />

Como relatado por Barbosa (2009, p. 185-186), “ser professor da educação<br />

infantil é inventar-se permanentemente. É ler o mundo – da vida, das teorias, das<br />

observações – é construir experiências significativas para acompanhar a inserção dos<br />

novos seres humanos no mundo”, assim como pelo Referencial Curricular Nacional<br />

para a Educação Infantil (RECNEI), educar é propiciar elementos que contribuam para<br />

o desenvolvimento das capacidades infantis, de relação interpessoal, de se perceber,<br />

interagir com o outro tendo como base o respeito, aceitação, afeto e esses fatores<br />

contribuem para a formação de crianças felizes e saudáveis que se percebem enquanto<br />

sujeitos (BRASIL,1998).<br />

CONCLUSÃO<br />

Retornando aos objetivos pretendidos em relação às percepções dos<br />

familiares de crianças consideradas público alvo da educação especial em relação ao<br />

processo de inclusão na educação infantil. Nota-se que a concepção que esses têm sobre<br />

deficiência influência de forma direta em como essa criança se percebe no mundo, bem<br />

como interage com as demais pessoas. No contexto, enfatiza-se o quanto é importante<br />

que os familiares dessas crianças, bem como toda a equipe técnico-pedagógica vejam a<br />

questão da inclusão como um direito a ser operacionalizado em benefício do<br />

desenvolvimento global das referidas crianças.<br />

837


Nesse sentido, os familiares das crianças com deficiência relataram o quanto<br />

as interações das referidas crianças com seus pares, tem refletido positivamente em seus<br />

desenvolvimentos, bem como para a aprendizagem delas, visto osconsideráveis<br />

progressos a partir de seus ingressos nas instituições de educação infantil.<br />

Ao realizar o mapeamento das instituições de Educação Infantil, públicas<br />

municipais que possuíam crianças consideradas público alvo da Educação Especial, em<br />

São Luís/MA, foi verificado que, apesar de já ter havido uma ampliação em relação aos<br />

anos anteriores, o número de crianças com deficiência que frequentam as Instituições de<br />

Educação Infantil, ainda é pequeno, apesar da luta pelo direito de todos a educação,<br />

principalmente os das crianças com deficiência e/ou com necessidades específicas.<br />

Quanto à identificação das crianças consideradas público alvo da Educação<br />

Especial, nas instituições de Educação Infantil, públicas municipais de São Luís/MA,<br />

observou-se um quantitativo elevado de crianças do sexo masculino, além de um<br />

número significativo de crianças identificadas como autistas.<br />

Constatou-se, também, que a maioria das matrículas de crianças com<br />

deficiência, encontra-se na pré-escola, visto que nas creches, esse quantitativo encontrase<br />

bem reduzido. O que nos instiga a questionar qual seria o motivo da ausência de<br />

crianças com deficiência da Educação Infantil, na faixa correspondente do nascimento<br />

aos três anos de vida.<br />

Em relação a identificação dos familiares das crianças consideradas público<br />

alvo da Educação Especial que se encontravam inseridas nas instituições pesquisadas,<br />

verificou-se que, apesar das variáveis nos modelos familiares que existem atualmente,<br />

na referida pesquisa, a predominância ainda aparece composta por pai, mãe e filhos.<br />

Nessas, a mãe é quem geralmente se responsabiliza em cuidar da educação da criança<br />

com deficiência. E, em geral, são donas de casa, não possuindo qualquer tipo de vínculo<br />

empregatício, tendo “apenas” que cuidar dos filhos. Com exceção de um dos<br />

participantes, que no caso, é o pai, e que aparece como o responsável pela criança.<br />

Mesmo sem demonstrarem possuir maiores conhecimento em relação aos<br />

aspectos legais que asseguram o direito à educação de suas crianças, os familiares têm<br />

838


ido em busca desses, justamente por acreditarem nas contribuições que pode trazer para<br />

o desenvolvimento das referidas crianças.<br />

Quanto às percepções dos familiares em relação ao processo de inclusão de<br />

crianças com deficiência na Educação Infantil, esses, sinalizam à importância da<br />

interação entre família e escola, apesar das dificuldades inerentes ao processo, bem<br />

como apresentam expectativas em relação à uma educação de qualidade, visando a<br />

perspectiva do pleno desenvolvimento das referidas crianças.<br />

Percebeu-se, também, que em determinados momentos, há falta de<br />

compreensão por parte dos familiares sobre o processo de inclusão, visto se reportarem<br />

aos aspectos da integração, em que as crianças devem se adequar às instituições<br />

educativas e não o contrário.<br />

Assim, é de suma importância a escuta cotidiana das famílias, bem como o<br />

respeito e a valorização de suas formas de organização, como forma de alcançar a<br />

efetivação dos objetivos das propostas pedagógicas das Instituições de Educação<br />

Infantil. Desse modo a interação e o diálogo aberto entre professores, gestores,<br />

coordenadores e familiares das crianças influenciará diretamente na inserção e<br />

permanência da criança com deficiência, nas instituições de educação infantil.<br />

Apesar de os familiares das crianças com deficiência, participantes no<br />

estudo, informarem que a maioria de suas crianças frequentavam as salas de recursos<br />

multifuncionais, essa realidade não condiz com a de muitas outras crianças com<br />

deficiência, pois sabe-se da existência de várias Instituições de Educação Infantil, em<br />

que há carência e/ou ausência de salas destinadas ao <strong>ate</strong>ndimento educacional<br />

especializado.<br />

Foi enfatizado, bastante, pelos participantes, que para que a inclusão na<br />

educação Infantil realmente cumpra seus fins, se faz necessário professores<br />

qualificados, melhor estruturação das instituições, tanto nos espaços físicos quanto nos<br />

aspectos pedagógicos, ampliação de oferta de vagas e salas de recursos multifuncionais,<br />

para que as crianças com necessidades específicas tenham seus direitos assegurados.<br />

839


Nesse sentido, os caminhos para se alcançar uma educação inclusiva são diferentes, mas<br />

a meta deve ser a mesma para todas as instituições de ensino educativas.<br />

No contexto, ressalta-se que os familiares das crianças com deficiência,<br />

clamam por uma reformulação no sistema educacional, no sentido de romper de fato<br />

com o processo excludente nas instituições de educação infantil, visto que a maioria<br />

dessas instituições não estão dando conta de proporcionar uma educação inclusiva, pelo<br />

contrário, excluem até mesmo as crianças sem necessidades educacionais específicas.<br />

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842


PERCEPÇÕES DE PROFISSIONAIS DA EQUIPE MULTIDISCIPLINAR DE<br />

SAÚDE EM RELAÇÃO ÀS ATIVIDADES LÚDICAS EM HOSPITAIS<br />

PÚBLICOS PEDIÁTRICOS DE SÃO LUÍS DO MARANHÃO<br />

MULTIDISCIPLINARY HEALTH TEAM PROFESSIONALS’<br />

PERCEPTIONSIN RELATION TO PLAYFUL ACTIVITIES IN PEDIATRIC<br />

PUBLIC HOSPITALS IN SÃO LUÍS, STATE OF MARANHÃO<br />

Antonio Jose Araujo Lima,<br />

Mestre em Educação – UFMA<br />

Thelma Helena Costa Chahini<br />

Doutora em Educação – UFMA<br />

Eixo 1 – Arte, tecnologia e Educação<br />

RESUMO:A hospitalização infantil traz impactos para a criança, além de novas<br />

vivências e experiências, muitas vezes ameaçadoras. Segundo Mitre (2000), o<br />

sentimento de finitude da vida aflige, constantemente, a criança e sua família e, de<br />

forma mais direta, os que a acompanham no hospital, durante o período de internação.<br />

Nesse sentido, o cotidiano no hospital é marcado pelo medo iminente de morte, o<br />

sentimento de saudade dos entes fora do hospital e o receio dos novos personagens, que<br />

encenam esse ambiente: enfermeiros, médicos, psicólogos, fisioterapeutas, entre outros.<br />

No contexto, a equipe multidisciplinar de saúde se preocupa em tratar da doença, e a criança<br />

se preocupa em voltar para casa. Assim, torna-se inevitável o conflito. No entanto, as<br />

atividades lúdicas podem mediar as relações e proporcionar benefícios emocionais e físicos<br />

à criança, bem como ser utilizada como técnica pelo profissional de saúde para ganhar a<br />

confiança dela. A hospitalização em si constitui um momento gerador de desconforto à<br />

criança, visto se sentir, na maioria das vezes, em um ambiente hostil e indiferente. Nesse<br />

ambiente, investigaram-se as percepções de profissionais da equipe multidisciplinar de<br />

saúde em relação ao desenvolvimento de atividades lúdicas em 2 hospitais públicos<br />

843


pediátricos de São Luís/MA. Desenvolveu-se uma pesquisa exploratória, descritiva. Os<br />

participantes foram 8 profissionais pertencentes à área da saúde, dentre esses, 2<br />

médicos, 2 enfermeiros, 2 psicólogos e 2 terapeutas ocupacionais, sendo 6 pertencentes<br />

ao sexo feminino e 2 ao sexo masculino, possuindo em média 6 anos de experiências<br />

profissionais em hospitais pediátricos. Os dados foram coletados por meio de<br />

entrevistas semiestruturadas. Os resultados sinalizam que as atividades lúdicas<br />

desenvolvidas com crianças são relevantes nos processos de socialização e integração<br />

da criança à realidade da internação. Os profissionais da equipe multidisciplinar de<br />

saúde enfatizam que as atividades lúdicas desenvolvidas nos hospitais pediátricos<br />

contribuem no processo de recuperação da saúde da criança, somando no tratamento da<br />

patologia.<br />

Palavras-chave: Crianças hospitalizadas. Atividades lúdicas. Percepções de<br />

profissionais da área da saúde.<br />

ABSTRACT: Child hospitalization brings impacts to the child, new perceptions and<br />

experiences, often thre<strong>ate</strong>ning. According to Mitre (2000), feeling of life ending<br />

constantly worries child and its family. In addition to this, is more directly to those who<br />

attend to it in hospital during the period of hospitalization. In this sense, the daily life at<br />

hospital is full of imminent fear of death, patients missing their relatives who are<br />

outside the hospital and the fear of nurses, doctors, psychologists, physiotherapists,<br />

among others who belong to this place. In this context while multidisciplinary health<br />

team cares about treating disease, child worries about returning home. Thus, conflict<br />

becomes inevitable. However, playful activities can medi<strong>ate</strong> relationships and provide<br />

emotional and physical benefits to the child, as well as be used as a technique by the<br />

healthcare professional to gain its confidence. Hospitalization itself is a moment of<br />

discomfort for the child because it feels in a hostile and indifferent environment in most<br />

cases.In this environment, we investig<strong>ate</strong>d multidisciplinary health team professionals’<br />

844


perceptions in relation to development of playful activities in two pediatric public<br />

hospitals in São Luís/MA. An exploratory and descriptive research was developed. The<br />

participants were eighthealthcare professionals, among them, two physicians, two<br />

nurses, 2 psychologists and 2 occupational therapists. Which 6 were female and 2 were<br />

male, with an average of 6 years of professional experience in pediatric hospitals. Data<br />

were collected through semi-structured interviews. The results indic<strong>ate</strong> that playful<br />

activities developed with children are relevant in their socialization and integration<br />

processesrel<strong>ate</strong>d to the reality of the hospitalization. The multidisciplinary health team<br />

professionals emphasize that playful activities developed in pediatric hospitals<br />

contribute to the recovery process of the child's health, adding up in the treatment of<br />

pathology.<br />

Keywords: Hospitalizedchildren. Playfulactivities. Healthcareprofessionals’<br />

perceptions.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O brincar faz parte da vida do homem em todos os tempos, lugares e das<br />

mais diversas formas, ao ponto de a brincadeira representar para a criança aquilo que o<br />

trabalho representa para o adulto (CUNHA, 2001). A característica marcante da infância<br />

é o ato de brincar. Os adultos, em geral, lembram com muita saudade de suas infâncias,<br />

dando ênfase às brincadeiras preferidas e lembranças que trazem também elementos<br />

marcantes no ambiente em que esses adultos nasceram e cresceram, como: os amigos, a<br />

rua, o doce no final da tarde, os passeios nas manhãs de domingo, as músicas preferidas,<br />

a arte, a dança, enfim, a vida quando criança (MOTA; SILVA, 2005).<br />

É notório que as brincadeiras podem ser desenvolvidas nos mais diversos<br />

ambientes, inclusive em locais onde é prestado <strong>ate</strong>ndimento médico à criança. Quando<br />

uma criança acometida por alguma enfermidade chega ao hospital, é imprescindível<br />

845


tratar o mais prontamente possível a doença. No entanto, como mostra Vasconcelos<br />

(2006), não somente a doença deve ser priorizada, mas a criança como um todo, o ser<br />

integral. Nesse sentido, Cunha (2001), Mota e Silva (2005) e Fonseca (2008)<br />

esclarecem que se os hospitais com <strong>ate</strong>ndimentos pediátricos se fizeram alicerçados em<br />

uma prática lúdica, os benefícios para a criança em tratamento médico poderão ser<br />

positivos para ela, bem como para a família e equipe multidisciplinar de saúde do<br />

hospital.<br />

Sabe-se que, na infância, o momento mais cobiçado pela criança é o ato de<br />

brincar. Sendo assim, Vasconcelos (2006) sinaliza que as crianças brincam sempre e<br />

vivem num mundo do faz de conta, onde realidade e imaginação se confundem, assim, é<br />

comum as crianças exigirem aos pais longas listas de brinquedos, pois quanto mais<br />

brinquedos colecionar, melhor, visto que o ato de brincar tem o poder de fazê-la mais<br />

feliz, arrancar um sorriso de um rosto cansado e, às vezes, abatido por causa da<br />

enfermidade.<br />

As experiências de estar doente, ir ao médico e ficar internado são processos<br />

estressantes e, muitas vezes, traumatizantes para a criança. Porém, se, ao chegar à<br />

unidade de saúde, a criança for surpreendida com um <strong>ate</strong>ndimento lúdico, por meio do<br />

brincar, conseguirá exteriorizar seus medos e temores. Nesse sentido, Mitre (2000)<br />

afirma que o <strong>ate</strong>ndimento lúdico contribui para a distração da criança e, como<br />

consequência, torna a permanência no hospital mais fácil, favorecendo o seu<br />

desenvolvimento, também, a sua cura.<br />

A hospitalização infantil traz impactos para a criança, além de novas<br />

vivências e experiências, muitas vezes ameaçadoras. Segundo Mitre (2000), o<br />

sentimento de finitude da vida aflige, constantemente, a criança e sua família e, de<br />

forma mais direta, os que a acompanham no hospital, durante o período de internação.<br />

Nesse sentido, o cotidiano no hospital é marcado pelo medo iminente de morte, o<br />

sentimento de saudade dos entes fora do hospital e o receio dos novos personagens, que<br />

encenam esse ambiente: enfermeiros, médicos, psicólogos, fisioterapeutas, entre outros.<br />

846


O ambiente hospitalar é um local marcado pelo sinistro, o que ocasiona na<br />

criança um estresse contínuo, causando impactos psicológicos. Vasconcelos (2006)<br />

mostra que os danos causados na saúde mental da criança são exteriorizados por meio<br />

de palavras e reações emocionais incomuns, se comparada a outros momentos. Esses<br />

sentimentos podem evoluir para ansiedade severa e sintomas de depressão, como: falta<br />

de interesse e prazer em realizar atividades, perda ou ganho exagerado de peso,<br />

alteração no sono, sentimento de culpa, dificuldade de concentração, entre outros.<br />

No leito de hospital, a criança passa por um processo de despersonificação,<br />

ou seja, segundo Camon (2005), ela m<strong>ate</strong>rializa um sentimento de que é estranha a si<br />

mesma, uma ideia de que seu corpo ou parte dele não formam uma mesma unidade.<br />

Esse sentimento tem origem no modo como a equipe multidisciplinar de saúde trata a<br />

criança, pois no hospital ela deixa de ser chamada pelo nome e passa a ser anunciada<br />

pelo número de prontuário, leito ou ainda pela doença acometida. Assim, uma criança<br />

torna-se um paciente, um doente que necessita de cura para regressar à vida normal,<br />

personificar-se. Esse tratamento dispensado à criança poderá resultar em um <strong>ate</strong>ntado à<br />

dignidade e autoestima da criança, o que resultará na não reação ao tratamento médico<br />

proposto.<br />

Sobre as contribuições do lúdico no hospital, Cunha (2008) aponta que o<br />

brincar torna-se um forte aliado para a criança, a família e a equipe multidisciplinar de<br />

saúde. Para a criança, por meio do lúdico,ela consegue manter-se psicologicamente<br />

pronta para resistir aos desafios causados pelo ambiente hospitalar. Camon (2005)<br />

pontua que o lúdico poderá ser usado pela família, como mecanismo de aproximação<br />

entre os familiares, quando em contato com a criança no hospital. A equipe<br />

multidisciplinar de saúde poderá, portanto, utilizar o lúdico como facilitador, a fim de<br />

conscientizar a criança sobre a realização de alguns procedimentos.<br />

Assim, Taam (2004) afirma que o lúdico no hospital se torna uma forma de<br />

diversão, de aprendizagem e de terapia ou ainda uma forma de prevenção ou<br />

reabilitação de doenças. Por fim, as atividades lúdicas no hospital têm como objetivos<br />

principais: promover o brincar, o bem-estar físico e emocional e, ainda, a recuperação<br />

847


da saúde. A criança encontra no brincar uma forma de fazer com que o hospital se torne<br />

menos traumatizante e, por meio do lúdico, reduzir a ansiedade causada pela doença.<br />

O brincar, de acordo com Cunha (2008), está diretamente associado à<br />

aceleração do processo de recuperação da saúde da criança enferma. Para a autora, a<br />

criança que brinca no hospital tem uma probabilidade maior de recuperação, se<br />

comparada àquelas que, em processo de hospitalização, não são estimuladas a brincar.<br />

Desta forma, a aplicação de recursos lúdicos se transforma em um potencializador no<br />

processo de recuperação da capacidade de adaptação da criança hospitalizada diante das<br />

transformações que ocorrerão a partir da sua entrada no hospital. A utilização do lúdico<br />

durante a hospitalização contribui para a redução do estresse, medo, ansiedade e dor<br />

causados pela internação infantil, de modo que o brincar tranquiliza a criança, deixandoa<br />

mais adaptável ao novo ambiente. Nesse sentido, é preciso perceber a brincadeira no<br />

contexto hospitalar, como instrumento de intervenção e uma forma de a criança<br />

colaborar no tratamento médico.<br />

A prefeitura de São Luís, o Estado do Maranhão e a União oferecem<br />

<strong>ate</strong>ndimento hospitalar pediátrico à sua população. São muitos os postos de saúde, nesta<br />

cidade, com <strong>ate</strong>ndimento pediátrico. No entanto, questiona-se sobre a importância de<br />

levar esse mundo lúdico até o hospital, local no qual muitas crianças enfermas, pelos<br />

mais diversos motivos, veem tolhido o prazer proporcionado pelo brincar.<br />

O motivo pessoal, que despertou o interesse do pesquisador pela temática<br />

deve-se ao fato de trabalhar, como técnico em radiologia médica, durante quase dez<br />

anos em hospitais públicos, que oferecem <strong>ate</strong>ndimentos pediátricos em seu quadro de<br />

serviço.<br />

De modo geral, o único local do hospital em que, geralmente, se oferecia<br />

algum tipo de <strong>ate</strong>ndimento lúdico à criança era na brinquedoteca do hospital que, em<br />

sua maioria, tratava-se apenas de espaço bastante pequeno e sem estrutura adequada<br />

para comportar todas as crianças que buscavam um local para brincar. O que se coaduna<br />

com o que diz Maluf (2004): as crianças desejam apenas um local no qual possam<br />

brincar sem ter que ouvir dos adultos que elas estão atrapalhando. A temática foi<br />

848


abordada na monografia do pesquisador para a obtenção do título de licenciatura plena<br />

em Pedagogia pela Universidade Federal do Maranhão – campus Imperatriz, no ano de<br />

2014.<br />

Nesse sentido, questiona-se quais as percepções dos profissionais da equipe<br />

multidisciplinar de saúde em relação ao desenvolvimento de atividades lúdicas em<br />

hospitais públicos pediátricos de São Luís do Maranhão.<br />

Sendo assim, levanta-se como hipóteseque embora, a equipe<br />

multidisciplinar de saúde perceba a relevância das atividades lúdicas em hospitais<br />

públicos pediátricos de São Luís/MA, não existe nos hospitais pesquisados<br />

sistematização dessas atividades para que tais práticas se consolidem na rotina do<br />

<strong>ate</strong>ndimento à criança enferma; assim, as atividades lúdicas constituem-se em práticas<br />

laconizadas.<br />

Visando responder ao problema, o objetivo primário deste estudo é<br />

investigar as percepções de profissionais da equipe multidisciplinar de saúde em relação<br />

ao desenvolvimento de atividades lúdicas em hospitais públicos pediátricos de São<br />

Luís/MA. Nesse sentido, o <strong>ate</strong>ndimento à criança enferma poderá ocorrer por meio de<br />

atividades lúdicas nos hospitais públicos pediátricos, ocasionando uma intensa troca de<br />

saberes, companheirismos, amizades, automotivação, fatores relevantes na restauração<br />

da saúde da criança (MITRE, 2000).<br />

O estudo foi realizado em dois hospitais públicos em funcionamento na<br />

capital do Estado do Maranhão, por meio de uma pesquisa exploratória, descritiva. Os<br />

participantes foram 8 profissionais pertencentes à área da saúde, dentre esses, 2<br />

médicos, 2 enfermeiros, 2 psicólogos e 2 terapeutas ocupacionais, sendo 6 pertencentes<br />

ao sexo feminino e 2 ao sexo masculino, possuindo em média 6 anos de experiências<br />

profissionais em hospitais pediátricos. Um dos hospitais é mantido pelo município de<br />

São Luís e a outra pela União. Ambos possuem, em suas dependências funcionais, uma<br />

macroestrutura para o <strong>ate</strong>ndimento pediátrico, com todas as especialidades médicas e<br />

complementares disponíveis para o público infantil, compondo, assim, uma equipe<br />

multidisciplinar de saúde.<br />

849


No contexto, fez-se importante estudar a temática para descrever como a<br />

criança, enquanto ser em desenvolvimento, vem sendo <strong>ate</strong>ndida na rede pública de<br />

saúde na capital do Estado do Maranhão. Uma vez conhecendo a forma de <strong>ate</strong>ndimento<br />

a que essa criança é submetida, ações poderão ser articuladas para melhorias e/ou<br />

aperfeiçoamentos em tal <strong>ate</strong>ndimento, no sentido de fomentar práticas voltadas para o<br />

<strong>ate</strong>ndimento humanizado à criança, como é preconizado pela Constituição Federal<br />

(BRASIL, 1988), Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990a),<br />

Resolução n°. 41 do Conselho Nacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes<br />

Hospitalizados, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1995).<br />

A HOSPITALIZAÇÃO PEDIÁTRICA E O LÚDICO COMO TÉCNICA DE<br />

HUMANIZAÇÃO<br />

A hospitalização é um momento bastante delicado na vida dos seres<br />

humanos, como um todo. Os impactos tornam-se inevitáveis nesse processo. Contudo,<br />

uma hospitalização humanizada contribui para que os danos possam ser os menores<br />

possíveis para a criança. Nessa seção, a temática discutida é a hospitalização, seus<br />

impactos e humanização no contexto hospitalar,bem como a brinquedoteca hospitalar e<br />

os possíveis riscos associados ao brincar no hospital.<br />

Sobre o hospital, Collet, Oliveira e Vieira (2009) afirmam que se trata de<br />

uma entidade criada para, juntamente com uma equipe multidisciplinar de saúde,<br />

oferecer serviços à pessoa que necessita de <strong>ate</strong>ndimento nos processos diagnósticos e<br />

terapêuticos. Segundo a autora, somente no final do século XV<strong>II</strong>I a atividade fim do<br />

hospital se concentrou com maior intensidade como instrumento terapêutico. Antes o<br />

hospital servia como depósito de pessoas doentes, débeis, moribundas e inválidas.<br />

Diante desse contexto de desprezo e remorso, surge nos hospitais contemporâneos a<br />

humanização no <strong>ate</strong>ndimento médico.<br />

Para Cunha (2001), o adoecer é um processo natural na vida do homem,<br />

sendo que, muitas vezes, precisa-se de um médico para ser medicado e, se isto não<br />

850


esolver, a fim de se recuperar mais rápido de uma doença, será necessário passar por<br />

um período de internação em um hospital. Ficar hospitalizado não é fácil, nem mesmo<br />

para um adulto.<br />

Pensando na melhor forma de <strong>ate</strong>nder o paciente, idoso, adulto, jovem,<br />

criança, surge o conceito de humanização no <strong>ate</strong>ndimento à pessoa doente. Dessa forma,<br />

o termo “humanização” se refere às situações em que é tratada a pessoa no <strong>ate</strong>ndimento<br />

médico, tendo como parâmetro os aspectos técnicos e científicos, dando especial<br />

<strong>ate</strong>nção à idiossincrasia do paciente, autonomia e dignidade, conforme os direitos<br />

inalienáveis à pessoa humana, preconizados na Constituição Federal (CF) de 1988<br />

(BRASIL, 1988).<br />

A política de humanização no Sistema Único de Saúde (SUS), estabelecida<br />

por meio de portarias específicas, tem como objetivo aproximar os trabalhadores da<br />

saúde com o usuário, de forma a promover uma <strong>ate</strong>nção à saúde, onde preservar a vida<br />

seja o centro da interação na saúde pública.<br />

Humanizar é mais do que se reportar ao paciente pelo nome, tratar<br />

cordialmente, consiste em ser presente, apoiar, acompanhar. A legislação citada no<br />

quadro 4, na seção 2.1, evidencia a necessidade de a criança ser vista como um sujeito<br />

ativo e participativo no processo de hospitalização. Cabe à equipe multidisciplinar de<br />

saúde proporcionar à criança hospitalizada um cuidado que ultrapasse os aspectos<br />

físicos, emocionais e sociais, utilizando suportes que favoreçam o relacionamento entre<br />

o profissional de saúde e o paciente, e isso será possível por meio do brincar.<br />

Na vida da criança, o brincar é importante. No entanto, no hospital essa<br />

importância aumenta, uma vez que o brincar poderá ser utilizado como técnica de<br />

humanizar o <strong>ate</strong>ndimento. É como usar o brincar como uma moeda de troca para a<br />

criança contribuir com o tratamento médico (CALEFFI, 2016). Por fim, o brincar no<br />

hospital se constitui como uma forma de humanização no <strong>ate</strong>ndimento pediátrico, afinal<br />

a criança tem o brincar como uma atividade por excelência (LIMA; MAIA; MITRE,<br />

2015).<br />

851


Consoante com a estratégia de humanizar o cuidado à criança, parte dos<br />

profissionais de saúde trazem a brincadeira para dentro do contexto hospitalar, criando<br />

condições para que possa desenvolver sua imaginação, criatividade e percepção,<br />

permitindo sua manifestação quanto aos sentimentos desencadeados por estar<br />

hospitalizada.<br />

É de grande valor o brincar na área da saúde, como na clínica, no consultório<br />

e até no hospital. A ludoterapia, os fantoches, a contação de histórias e outros<br />

serviços, mesmo o cuidar pela enfermagem por vias lúdicas, tem<br />

proporcionado alegrias à crianças internadas, ou àquelas que passam por<br />

ambulatório em <strong>ate</strong>ndimento mais rápido, mas que necessitam de <strong>ate</strong>nção<br />

especial, por serem pacientes na fase infantil do desenvolvimento humano<br />

(GIMENES, 2011, p. 23).<br />

Nesse aspecto, o brincar torna-se uma atividade inerente ao<br />

comportamento infantil e essencial ao bem-estar da criança, colaborando<br />

efetivamente para o seu desenvolvimento físico, motor, emocional, mental e social,<br />

visto que o hospital possui restrições impeditivas e as atividades com as crianças<br />

nem sempre são bem aproveitadas. As ações desenvolvidas com as crianças são<br />

importantes durante o processo de tratamento médico.<br />

Fonseca (2008) mostra que, para uma criança, a permanência no hospital<br />

pode ser traumatizante, pois é um ambiente novo, hostil, indiferente à rotina, o que<br />

causa sentimentos de angústia, desconforto e, principalmente, medo. Mas, esse<br />

receio do hospital pode ser amenizado por meio de ações que ajudem a desconstruir<br />

a representação de hospital construída pela criança. Nesse processo de<br />

desconstrução, o lúdico será o remédio para sarar a dor.<br />

É notório que esse <strong>ate</strong>ndimento lúdico tem forte influência na<br />

socialização da criança, quando permite que ela se aproprie dos códigos culturais da<br />

sua sociedade. Segundo Brougère (1997, p. 61), “o círculo humano e o ambiente<br />

formado pelos objetos contribuem para a socialização da criança e isso através das<br />

múltiplas interações, dentre as quais algumas tomam a forma de brincadeira”. Ao<br />

brincar, então, a criança confronta-se com a cultura, apropria-se dela,<br />

transformando-a. Portanto, entendendo o lúdico realizado no <strong>ate</strong>ndimento à criança<br />

852


como uma atividade terapêutica e, ainda com respaldo no que propõe Velasco<br />

(1996), é preciso compreendê-lo como algo cultural e que se aprende socialmente.<br />

Nas palavras de Mota e Silva (2005, p. 122), “brincar é uma realidade entre o lúdico<br />

e o faz-de-conta”.<br />

O <strong>ate</strong>ndimento lúdico, segundo Almeida (2011), além de ajudar na<br />

integração da criança, na realidade do hospital, também contribui na socialização do<br />

brinquedo, no resg<strong>ate</strong> das brincadeiras tradicionais. Torna-se um momento por meio<br />

do qual poderá ser assegurado à criança o direito de brincar, através de atividades<br />

que ofereçam oportunidades para auxiliarem o se desenvolvimento global. No<br />

entanto, o brincar não se limita tão somente ao contato ou interação com o objeto<br />

brinquedo, é sobretudo a possibilidade de uma atividade, que pode ser realizada em<br />

um espaço interno e externo. A esse respeito Vasconcelos (2006, p. 53) afirma que:<br />

O papel dado ao brinquedo e ao ensino-aprendizagem na criação da zona<br />

proximal de desenvolvimento é coerente com a aprendizagem teórica<br />

central de Vygotsky que é a de enfatizar a importância do contexto<br />

histórico-cultural na formação das estruturas psicológicas superiores da<br />

pessoa.<br />

Nesse sentido, o hospital torna-se um local de aprendizagem, permitindo<br />

a construção da similitude, da emancipação e das variadas formas de pensamento da<br />

criança. Para consolidar tal afirmação, Cunha (2008, p. 101) descreve que “a<br />

atividade lúdica compreende a construção do saber, criando situações de prazer,<br />

gosto de aventura, no caminho rumo ao conhecimento” e, ainda, incentiva extravasar<br />

sentimentos, saberes e emoções.<br />

Segundo Almeida (2011, p. 58), "[...] a criança deve desfrutar<br />

plenamente de jogos e brincadeiras, os quais deverão estar dirigidos para educação;<br />

a sociedade e as autoridades públicas se esforçarão para promover o exercício deste<br />

direito”. Afinal, ela deve ter o pleno direito de ser criança, independente do lugar de<br />

inserção, inclusive no hospital. Assim, o <strong>ate</strong>ndimento lúdico no hospital é uma<br />

forma de consolidar esse direito à criança usuária do serviço de saúde. E mais que<br />

isso, por meio do brincar, colocar ao alcance da criança inúmeras atividades que<br />

853


possibilitem a ludicidadeindividual e coletiva, permitindo que construa seu próprio<br />

conhecimento. Nesse sentido, Ceccim e Carvalho (1997, p. 45) afirmam:<br />

Considerando que o brincar é um instrumento lúdico que medeia a relação<br />

da criança com o mundo e influencia na maneira como esta se relaciona e<br />

interage, este se apresenta como uma estratégia de cuidado integral à<br />

criança hospitalizada oportunizando a este ser especial deixar<br />

transparecer o seu modo de ser no mundo o que permite aos profissionais<br />

considerar sua singularidade no processo de adoecimento e de<br />

hospitalização, bem como oferecendo oportunidade a esta criança de<br />

expressar seus sentimentos encobertos, subsidiando consequentemente na<br />

construção de estratégias para lidar com os acontecimentos.<br />

Nesse aspecto, o brincar torna-se um meio de interação e socialização<br />

entre crianças, acompanhantes e equipe multidisciplinar de saúde, que prestam<br />

serviços nos hospitais. Como pontua Almeida (2011, p. 121), “é brincando que os<br />

pequenos se conhecem e interagem com os contextos em que vivem”.<br />

Implicitamente, o jogo lúdico aproxima as pessoas. Afinal, brincar sozinho é bom,<br />

mas brincar com alguém é bem melhor. O lúdico, como se pode perceber, tem<br />

muitas funções, como as destacadas no quadro 1:<br />

Quadro 1 - Funções do lúdico no hospital<br />

FUNÇÃO<br />

APLICAÇÃO<br />

RECREATIVA<br />

Brincar como momento de diversão,<br />

brincar livremente.<br />

TERAPÊUTICA<br />

Relacionada ao desenvolvimento<br />

neuromotor, social e emocional.<br />

Representa o ensino-aprendizagem. Mesmo<br />

EDUCACIONAL<br />

hospitalizada, a criança continua a<br />

desenvolver-se cognitivamente.<br />

Fonte: Elaborado pelo autor com base nos dados de Taam (2004).<br />

854


METODOLOGIA<br />

Desenvolveu-se uma pesquisa exploratória, descritiva, em dois hospitais<br />

pediátricos de São Luís/MA, pois, de acordo com Cervo (2007, p. 63): estudos de<br />

natureza exploratória são realizados quando não se tem maiores conhecimentos sobre<br />

determinado tema, bem como<br />

Visa proporcionar maior familiaridade com o problema com vistas a torná-lo<br />

explícito ou a construir hipóteses. Envolve levantamento bibliográfico;<br />

entrevistas com pessoas que tiveram experiências práticas com o problema<br />

pesquisado; análise de exemplos que estimulem a compreensão. Assume, em<br />

geral, as formas de Pesquisas Bibliográficas e Estudos de Caso.<br />

Portanto, a pesquisa exploratória tem como essência familiarizar-se com o<br />

fenômeno e, assim, descobrir novas percepções ou descobrir novas ideias (GIL, 2010).<br />

Desse modo, descrições precisas da situação observada devem ser feitas para mostrar as<br />

relações existentes entre seus elementos componentes.<br />

No mesmo sentido, “pretende identificar e descrever as características do<br />

objeto, a fim de explicá-lo, segundo a realidade percebida” (CHIZZOTTI, 2010, p. 42),<br />

pois, de acordo com Rudio (2010, p. 71), “descrever é narrar o que acontece e explicar é<br />

dizer por que acontece. Assim, a pesquisa descritiva está interessada em descobrir e<br />

observar fenômenos, procurando descrevê-los, classificá-los e interpretá-los”.<br />

Nesse contexto, a pesquisa foi realizada na rede de saúde pública da cidade<br />

de São Luís/MA, em dois hospitais pediátricos: Hospital Dr. Odorico Mattos,<br />

popularmente conhecido por Hospital da Criança, localizado na Avenida dos Franceses,<br />

s/n – Alemanha, São Luís/MA e Hospital M<strong>ate</strong>rno Infantil, localizado na Rua Silva<br />

Jardim, s/n – Centro, São Luís/MA.<br />

Esses locais foram escolhidos pelo índice de <strong>ate</strong>ndimento às crianças na<br />

região metropolitana de São Luís, por um se tratarem, respectivamente, do maior<br />

hospital público pediátrico do município de São Luís e do único Hospital Federal do<br />

estado do Maranhão,bem como por desenvolverem atividades lúdicas com as crianças<br />

855


hospitalizadas e possuírem brinquedotecas em suas dependências, utilizando o lúdico<br />

como aliado ao processo de <strong>ate</strong>ndimento à criança enferma.<br />

Nesse estudo, 8 (oito) profissionais pertencentes à equipe multidisciplinar<br />

de saúde dos referidos hospitais foram ouvidos sobre questões relacionadas ao problema<br />

levantado. No quadro 1, apresentam-se dados relevantes sobre os participantes da<br />

pesquisa:<br />

Quadro 1 - Caracterização dos participantes da pesquisa<br />

PROFISSIONAL SEXO<br />

TEMPO DE<br />

ESTADO<br />

FORMAÇÃO SERVIÇO NO<br />

CIVIL<br />

HOSPITAL<br />

P1 Feminino Solteira Enfermagem 03 anos<br />

P2 Feminino Divorciada Medicina 02 anos<br />

P3 Feminino Casada Psicologia 02 anos<br />

P4 Feminino Solteira<br />

Terapia<br />

Ocupacional<br />

02 anos<br />

P5 Masculino Casado Medicina 03 anos<br />

P6 Feminino Casada Enfermagem 30 anos<br />

P7 Masculino Casado Psicologia 02 anos<br />

P8 Feminino Solteira<br />

Terapia<br />

Ocupacional<br />

04 anos<br />

Fonte: Dados da pesquisa do autor<br />

Conforme apresentado, 6 profissionais (75%) são do sexo feminino e 2<br />

(25%) do sexo masculino, 4 (50%) são casados (as), 1 (12,5%) é divorciado, 3 (37,5%)<br />

solteiros, com formação superior nas áreas de enfermagem, medicina, psicologia,<br />

terapia ocupacional, com uma média de 6 anos de experiência na área pediátrica dos<br />

hospitais.<br />

856


Para seleção dos informantes, foram utilizados como critérios de inclusão os<br />

seguintes aspectos: não estar afastado de suas atividades profissionais no hospital;<br />

trabalhar nos hospitais há pelo menos 6 (seis) meses; possuir formação em Medicina ou<br />

Enfermagem ou Psicologia ou Terapia Ocupacional; estar lotado no setor de Internação<br />

da pediatria dos hospitais; possuir tempo mínimo de 6meses de experiência em<br />

atividades profissionais no setor de pediatria dos hospitais e querer participarda<br />

pesquisa. Como critério de exclusão foi considerado não estar contido nos critérios<br />

mencionados anteriormente, bem como se recusar a participar da pesquisa.<br />

Os instrumentos utilizados na coleta de dados foram entrevistas<br />

semiestruturadas, aplicadas por meio de um roteiro contendo questões abordando os<br />

seguintes assuntos: atividades lúdicas desenvolvidas com crianças em regime de<br />

internação no hospital; finalidade das atividades lúdicas desenvolvidas com as crianças;<br />

profissionais que desenvolvem as atividades lúdicas com as crianças; desde quando as<br />

atividades lúdicas são desenvolvidas com as crianças no hospital, qual a frequência e em<br />

qual espaço as atividades lúdicas são desenvolvidas no hospital; higienização dos<br />

brinquedos e/ou dos m<strong>ate</strong>riais utilizados no brincar; riscos associados ao brincar no<br />

hospital; desafios enfrentados para que as atividades lúdicas possam ser desenvolvidas<br />

com as crianças no hospital; principais dificuldades em relação à operacionalização das<br />

atividades lúdicas com crianças internadas; e a relevância das atividades lúdicas<br />

desenvolvidas com crianças no ambiente hospitalar.<br />

Assim, optou-se em utilizar o referido instrumento, pois, conforme Triviños<br />

(1987, p. 152), a entrevista semiestruturada “favorece não só a descrição dos fenômenos<br />

sociais, mas também sua explicação e a compreensão de sua totalidade”, além de manter<br />

a presença consciente e atuante do pesquisador no processo de coleta das informações.<br />

Após a seleção dos participantes, os demais procedimentos foram realizados<br />

de acordo com os critérios éticos de pesquisas que envolvem seres humanos. Assim,<br />

foram dadas explicações sobre o estudo, seus objetivos, procedimentos, riscos e<br />

benefícios aos participantes, dentre outros. Todos assinaram o Termo de Consentimento<br />

857


Livre e Esclarecido – TCLE, concordando em participar e cientes de todo o processo<br />

investigativo.<br />

A entrevista contou com questões abertas, com intenção de deixar os<br />

participantes à vontade para tratarem do assunto como considerassem mais adequado.<br />

Ressalta-se que a intervenção do pesquisador foi a mínima possível, para não induzir o<br />

participante às respostas que porventura viessem a ser proferidas por influência do<br />

pesquisador. As entrevistas foram gravadas com o consentimento dos participantes,<br />

posteriormente transcritas e analisadas.<br />

A análise das entrevistas consistiu em confrontar os dados coletados com<br />

aportes da bibliografia especializada na área da saúde e educação dos últimos dez anos,<br />

enfatizando-se a contribuição do <strong>ate</strong>ndimento lúdico às crianças internadas na rede<br />

pública de saúde. Nessa etapa, foram utilizados softwares do pacote Office (Word e<br />

Excel) do Windows 8.1 para o tratamento dos dados.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

discussões realizadas.<br />

A seguir, apresentam-se os resultados, juntamente com as análises e<br />

Em relação aos questionamentos sobre as atividades lúdicas desenvolvidas<br />

com crianças em regime de internação nos hospitais, bem como as experiências dos<br />

participantes, na área pesquisada, dentre os 8 profissionais da equipe multidisciplinar de<br />

saúde, 4 (50%) relataram que as atividades lúdicas realizadas no hospital contribuem<br />

para a socialização e interação da criança no novo ambiente em que ela se encontra; 3<br />

(37,5%) disseram que as atividades lúdicas são importantes no processo de recuperação<br />

da saúde da criança, otimizando o tratamento da patologia; 1 (12,5%) informou que as<br />

atividades lúdicas propostas no hospital corroboram para o equilíbrio psicológico da<br />

criança. Conforme se verifica, respectivamente, nas falas a seguir:<br />

[...] acho muito importante, que numa hospitalização, os pacientes acabam<br />

ficando sem esse convívio social, né? No caso as crianças, sem o convívio<br />

social, sem ir à escola, sem o convívio com outras crianças que estejam<br />

858


também internadas, então, por exemplo nós temos aqui, a brinquedoteca que<br />

facilita muito essa interação entre as crianças, brincar entre si, sem estar<br />

nas enfermarias por exemplo (P1);<br />

[...] então, a atividade lúdica para a criança, até para melhora de imunidade,<br />

melhora da aceitação do tratamento da criança é fundamental (P2);<br />

[...] é importante, porque elas minimizam os efeitos da internação<br />

hospitalar. Os efeitos psicossociais da internação hospitalar, tipo depressão.<br />

As crianças de uma certa forma ficam um pouco mais colaborativas. Aceitam<br />

melhor a terapêutica (P3);<br />

[...] acho sim, de grande importância, no caso a brinquedoteca, é um<br />

ambiente que ela socializa, e há também pesquisas que comprovado que a<br />

ludicidade no ambiente hospitalar, tem esse poder de influenciar no<br />

tratamento da criança (P4);<br />

[...] digamos não deixar que o paciente fique fixado apenas a sua doença em<br />

si, nas suas necessidades em si, mas ...no brincar, né? Contribuindo, de<br />

certa forma, para tirar o foco dele da doença em si, mais para ele vê o lado<br />

bom do brincar na melhora do seu equilíbrio emocional, dentro daquela<br />

informação (P5);<br />

[...] reintegrar a criança, porque quando a criança está doente, entendeu?<br />

Ela se sente muito debilitada, apática, não consegue fazer, deixar a mãe fazer<br />

nada, então, quando tu introduzes uma atividade para esta criança, coloca ela<br />

para brincar, andar, se movimentar e para trabalhar a mente dessa criança, ela<br />

se recupera muito rápido (P6);<br />

[...] fundamental, assim como qualquer outro espaço, onde você possa ser<br />

essa pessoa que possa levar a saúde, mas não a saúde somente no sentido do<br />

remédio, da medicação, você levar através da criação de vínculo, da<br />

humanização, do trato respeitoso com essa mãe, com essa criança, ouvir;<br />

quando dá para ouvir a criança, quando é uma criança que já pode se<br />

expressar, muito bom (P7);<br />

[...] são importantes para o desenvolvimento neuropsicomotor das crianças e<br />

também para auxiliar no tratamento da patologia, porque as crianças<br />

passam muito tempo aqui ociosas, deixam sua escola, o seu lar, a sua<br />

ocupação (P8).<br />

Conforme verificado, os dados demonstram que as atividades lúdicas<br />

desenvolvidas com crianças em regime de internação hospitalar são importantes nos<br />

processos de socialização e integração. Fato esse já sinalizado pelos estudos de Velasco<br />

(1996), Cunha (2008) e Fonseca (2008).<br />

Nesse sentido, sabe-se que o isolamento social é inerente quando se refere a<br />

hospital, pois funciona como se dois mundos fossem criados com ideais e regras<br />

distintas: o mundo no hospital e o mundo real. O primeiro é isolado por muros,<br />

completamente diverso daquele que a criança conhece, visto que se afasta do contato<br />

social e da integração com seus pares. O segundo é o mundo de sua casa, onde mora,<br />

859


convive com amiguinhos, brinquedos. No hospital, até a quantidade de familiares que a<br />

visitam é limitada, obedecendo ao controle das regras estabelecidas (MITRE, 2000).<br />

Nesse sentido, as atividades lúdicas são mecanismos de aproximação entre<br />

as crianças que compartilham as vivências hospitalares, pois, mesmo sendo possível<br />

brincar sozinho, a brincadeira num ambiente coletivo é bem mais envolvente (LIMA,<br />

2014). Assim, o momento de se aproximar do outro acontece, no hospital, durante as<br />

vivências lúdicas nos momentos da promoção do brincar.<br />

Os referidos profissionais também relataram que as atividades lúdicas são<br />

importantes no processo de recuperação da saúde da criança, otimizando o tratamento<br />

da patologia. Tal percepção converge com o postulado por Taam (2014), ao afirmar que<br />

a criança encontra no brincar uma forma de fazer com que a experiência da internação<br />

seja menos traumatizante, caso os profissionais que assistem a criança, façam do lúdico,<br />

m<strong>ate</strong>rializado nas atividades, uma técnica para reduzir a ansiedade causada pela doença<br />

e pelo processo de internação.<br />

Nesse sentido, os participantes foram unânimes ao enfatizarem que as<br />

atividades lúdicas, desenvolvidas nos hospitais pediátricos, corroboram para o equilíbrio<br />

psicológico da criança. Assim, citam-se os estudos de Vasconcelos (2006) e Paula et al.<br />

(2009) por enfatizarem que as atividades lúdicas e/ou o simplesmente brincar<br />

contribuem para o desenvolvimento do equilíbrio e ressignificação das emoções vividas<br />

pelas crianças. Em suma, os dados demonstram a complexidade que envolve as<br />

atividades lúdicas (FRIEDMANN, 1996).<br />

Portanto, o lúdico engloba brincadeiras, jogos, brinquedos, bem como uma<br />

gama de benefícios para os que o utilizam como fonte de socialização, sendo importante<br />

técnica no processo de recuperação da saúde da criança, como otimização do tratamento<br />

da patologia e por fim como mecanismo para o equilíbrio psicológico da criança<br />

hospitalizada.<br />

Em relação à questão sobre quais atividades lúdicas eram desenvolvidas<br />

com as crianças nos hospitais pesquisados, 6 (75%) profissionais relataram que as<br />

atividades lúdicas desenvolvidas com as crianças eram atividades expressivas, como:<br />

860


desenho, jogo, pintura, corte e colagem e 2 (25%) falaram que eram mais no campo<br />

rítmico, como: músicas, peças teatrais e danças. Conforme suas falas, a seguir:<br />

[...] no sentido de psicomotricidade, e tem atividade lúdicas como a gente<br />

está tendo uma agora na área de vivência, sobre apresentações, peças<br />

infantis, sempre vem nas outras datas especiais dia das mães, páscoa, natal<br />

também sempre tem essas atividades na brinquedoteca e quando outros<br />

grupos vêm desenvolvê-las (P1);<br />

[...] eles têm brinquedos, pinturas, têm bastante coisa lá. É.., tem essas<br />

atividades de música que com alguma frequência vem tem alguns teatros,<br />

geralmente nas épocas festivas, também sempre tem apresentações São<br />

João, páscoa, carnaval […] (P2);<br />

[...] e. quando possível levar a brinquedoteca para realização de atividades de<br />

músicas e peças (P3);<br />

[...] no caso tem o brincar livre e tem o brincar dirigido, que são tipo a<br />

contação de história, atividades que promovam a coordenação motora fina,<br />

no caso de pinturas. E ainda canto e teatrinho, geralmente representação de<br />

partes dessas historinhas lidas com eles (P4);<br />

[...] cantando aquelas músicas de natal, tudo fantasiado, aquilo distrai<br />

bastante os pacientes que estão internados e os familiares (P5);<br />

[...] pintura, levam brinquedos para as crianças. Quando não vão para a<br />

brinquedoteca, vai ao leito da criança (P6);<br />

[...] pinturas, jogo de encaixe, joguinhos, joguinhos de dama. Mas de todas<br />

elas, a principal para mim, é o jogo entre eles, este é o principal, o brincar<br />

socializante [...] (P7).<br />

[...] as atividades expressivas, que são as atividades de desenho, pintura, de<br />

corte, colagem. Tem as atividades de jogos, como quebra-cabeça, jogo da<br />

memória, xadrez, dama, atividades de concentração, jogos de estratégias.<br />

Tem as atividades psicomotoras que são feitas lá no tatame, no tapetinho.<br />

Têm atividades grupais, grupos terapêuticos com as mães das crianças,<br />

atividades e bordado, pintura, tem o profissional específico, o professor para<br />

isso. As atividades são devidamente orientadas e administradas (P8).<br />

Diante dos dados, dentre as atividades lúdicas desenvolvidas com crianças<br />

sob regime de internação médica, destacam-se as atividades expressivas e rítmicas, que<br />

se m<strong>ate</strong>rializam em pinturas, desenhos, danças, músicas e outras.<br />

Sobre a realização das atividades lúdicas desenvolvidas com as crianças<br />

hospitalizadas, Mota e Silva (2005) ressaltam que são de imenso valor à inclusão da<br />

criança enferma, pois por meio do desenho, da dança e do canto ela demonstra seus<br />

receios e desejos no processo saúde-doença que vivencia. Assim, quando a equipe<br />

multidisciplinar em saúde sinaliza essas atividades, fica evidente a sua relevância. Nesse<br />

861


contexto, se faz importante relembrar a Lei 11.104/05 (BRASIL, 2005) que trata da<br />

promoção do brincar hospitalizado.<br />

Nesse sentido, cabe a todos os profissionais engajados na assistência à<br />

criança não permitirem que nenhum direito seja tolhido, no caso específico, o direito de<br />

brincar, mesmo que seja dentro de um hospital (CONSELHO NACIONAL DOS<br />

DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, 1995).<br />

Durante as observações realizadas, verificou-se a aproximação e interação<br />

dos profissionais com as crianças ao promoverem o brincar no hospital e na<br />

brinquedoteca, no qual havia um clima de amor e de respeito para com as crianças<br />

hospitalizadas. Assim, percebeu-se que as atividades lúdicas fazem bem à criança<br />

enferma, aos seus familiares e/ou aos acompanhantes, e que o brincar também faz bem<br />

aos profissionais que promovem esse momento com a criança hospitalizada, pois, de<br />

acordo com Almeida (2011), o brincar coletivo é envolvente, todos se despem do adulto<br />

e se vestem de crianças.<br />

Em relação à finalidade das atividades lúdicas desenvolvidas com as<br />

crianças hospitalizadas, 5 (62,5%) profissionais falaram que estão relacionadas ao<br />

comb<strong>ate</strong> e/ou amenização do estresse causado pelo processo de internação, tanto nas<br />

crianças, quanto nos acompanhantes, e nos próprios profissionais de saúde; 1 (12,5%)<br />

reitera que a finalidade das atividades lúdicas desenvolvidas é fazer a criança aceitar<br />

com maior facilidade os procedimentos direcionados pela equipe de saúde; 1 (12,5%)<br />

falou que as atividades lúdicas desenvolvidas com as crianças são relevantes para o<br />

desenvolvimento cognitivo da criança; 1 (12,5%) disse que as atividades lúdicas<br />

desenvolvidas com as crianças equivalem a meios de interação social. Como se traduz<br />

nas colocações ipsis litteris:<br />

[...] a questão de interação mesmo, que fica um pouco deficiente com a<br />

internação, e aí, através dessas atividades, a criança pode ter mais... essa<br />

questão lúdica pode ser mais evidenciada (P1);<br />

[...] para melhora de imunidade, melhora da aceitação do tratamento da<br />

criança é fundamental (P2);<br />

[...] é mesmo minimizar os efeitos da internação, prolongada, dessas<br />

crianças. (P3);<br />

862


[...] desenvolve o cognitivo dela, a socialização com outras pessoas (P4);<br />

[...] desenvolver o lúdico na criança, aquilo ali, acaba que, melhora muito o<br />

astral, o emocional da criança, a... muitas vezes, o cooperar da criança no<br />

examinar, você vê que isso pouco a pouco vai melhorando (P5);<br />

[...] distrair a criança, para tornar menos traumático o cotidiano no hospital.<br />

(P6);<br />

[...] as pessoas no ambiente hospitalar, os profissionais, eles adoecem juntos,<br />

e passam pela fadiga do trabalho e a repetição (P7);<br />

[...] [comb<strong>ate</strong>r o estresse hospitalar, isso numa visão macro, seria uma<br />

visão para a toda e qualquer tipo de clientela [...]. Porque essas crianças<br />

quando chegam aqui elas já vêm debilitadas pela patologia (P8).<br />

Os dados demonstram que a finalidade das atividades lúdicas, desenvolvidas<br />

com as crianças em hospitais, correspondem, comb<strong>ate</strong>r ou amenizar o estresse causado<br />

pelo processo de internação; contribuir no processo de saúde, aceitando com maior<br />

facilidade os procedimentos direcionados pela equipe multidisciplinar; para o<br />

desenvolvimento cognitivo da criança e, por último, servir como meios de interação<br />

social.<br />

Sabe-se que o processo de internação pediátrica não é fácil à criança, pois<br />

está relacionado a uma série de perdas e traumas, tais como: ansiedade, medo, receio,<br />

dúvidas, insegurança, entre outros problemas relacionados ao hospital em si, como um<br />

ambiente novo e hostil (CUNHA, 2008).<br />

Para o adulto, a internação não é necessariamente uma escolha, trata-se de<br />

decisão a ser tomada pelo bem da criança. Nesse sentindo, as atividades lúdicas têm por<br />

finalidade o comb<strong>ate</strong> ou amenização do estresse causado pelo processo de internação<br />

(LIMA, 2014).<br />

Na concepção dos entrevistados, as atividades lúdicas, pela sua vasta<br />

finalidade terapêutica, devem ser fomentadas durante toda a estada da criança no<br />

hospital, imbricadas numa política de acolhimento, seguindo todo o <strong>ate</strong>ndimento<br />

hospitalar, seja ele de curta ou longa duração. Assim, cada criança deve ser<br />

acompanhada pelo profissional com um olhar individualizado, respeitando as políticas<br />

que asseguram tal individualidade, como, no caso específico, o ECA (BRASIL, 1990).<br />

Ainda sobre a finalidade das atividades lúdicas desenvolvidas com as<br />

crianças em hospitais no processo de saúde, há por parte da criança internada maior<br />

863


aceitação do tratamento médico, quando essa passa por certo nível de ludicidade, pois,<br />

de acordo com Kishimoto e Friedmann (1988), quando o lúdico é inserido no hospital,<br />

visa auxiliar tanto na recuperação da criança doente, quanto amenizar os traumas<br />

psicológicos da internação.<br />

Para os profissionais da equipe multidisciplinar de saúde, as atividades<br />

lúdicas são de grande relevância ao desenvolvimento cognitivo da criança, pois,<br />

conforme Lima e Oliveira (2014), possibilitam o desenvolvimento da imaginação,<br />

criatividade, comunicação, desenvolvimento social, memória, capacidade de aprender<br />

regras, desenvolvimento da autoestima e aprender identificar suas emoções. Nesse<br />

sentido, as funções cognitivas vão sendo desenvolvidas ainda que a criança se encontre<br />

internada no hospital. Diante do exposto, percebe-se que, mesmo tendo em primeiro<br />

plano o tratamento da doença de forma mediata, é possível se valer do lúdico como<br />

aliado nas demais áreas a serem desenvolvidas com a criança enferma.<br />

O último ponto abordado em relação à finalidade das atividades lúdicas<br />

desenvolvidas com crianças hospitalizadas é que tais atividades são meios de interação<br />

social, visto que, por meio do brincar, a interação acontece. Assim, conforme Collet,<br />

Oliveira e Vieira (2009), o outro, que brinca junto, é muito importante na vida da<br />

criança, por conta da interação. No contexto, para a equipe multidisciplinar de saúde, a<br />

aproximação com o outro faz com que a criança se sinta gente, tão quanto se sentia<br />

antes da chegada no hospital.<br />

Retornando aos participantes, ao serem questionados sobre quais<br />

profissionais desenvolvem as atividades lúdicas nos hospitais pediátricos pesquisados,<br />

de forma majoritária,8 (100%) profissionais informaram que são terapeutas<br />

ocupacionais, médicos, psicólogos, fisioterapeutas, bem como brinquedista, recreadores,<br />

fonoaudiólogo, assistente social, pedagogo, bibliotecário e técnico em enfermagem.<br />

Conforme as falas, a seguir:<br />

[...] enfermeiros que visitam o hospital, fazendo esse tipo de atividade. [...]<br />

com o terapeuta ocupacional e acaba que o fisioterapeuta também participa<br />

um pouco. [...] (P1);<br />

864


[...] ela é enfermeira ou técnica em enfermagem, tem a psicóloga que<br />

também participa, e assim, eu acho que o médico, pediatra (P2);<br />

[...] normalmente, a gente trabalha com psicólogo, terapeuta ocupacional,<br />

equipe de enfermagem, mas assim, mais voltado para essa questão do<br />

lúdico, é mais através da terapia ocupacional, e de certa forma da psicologia<br />

(P3);<br />

[...] no meu caso é na brinquedoteca, com uma pedagoga (P4);<br />

[...] vejo muito o pessoal da terapia ocupacional, trabalhando com as<br />

crianças, aqui (P5);<br />

[...] com as terapeutas ocupacionais, elas têm esse trabalho de colocar as<br />

crianças para fazer essa atividade, mas tem a T.O, psicólogo junto com essa<br />

equipe, e se não me engana, tem mais um bibliotecário aqui (P6);<br />

[...] os brinquedistas, recreadores que ficam na brinquedoteca, existe a<br />

presença de um pedagogo, um terapeuta ocupacional, as vezes está junto,<br />

eu as vezes, o contato que eu tenho é com eles (P7);<br />

[...] todos os profissionais da equipe multidisciplinar. Médicos, enfermeiros,<br />

fisioterapeutas, fonoaudiólogos, assistentes sociais, psicólogos,<br />

psicopedagogos, todos da equipe multidisciplinar (P8).<br />

No decorrer das observações, verifica-se que a equipe hospitalar é composta<br />

por diversos profissionais, incluindo aqueles que não assistem as pessoas hospitalizadas<br />

diretamente, tais como equipe de higienização, manutenção, segurança, dentre outros.<br />

No entanto, considera-se aqui a equipe multidisciplinar formada pelos profissionais que<br />

assistem diretamente as crianças em regime de internação: médicos, enfermeiros,<br />

psicólogos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, nutricionistas, assistentes sociais,<br />

técnicos em enfermagem, técnicos em radiologia, técnicos em laboratórios, entre outros.<br />

Cabe salientar que a equipe multidisciplinar tem sua formação centrada nas<br />

necessidades da pessoa, não sendo, portanto, pré-organizada. As necessidades da<br />

criança enferma é que farão com que os profissionais da saúde se integrem, com o<br />

propósito de satisfazer as necessidades globais da pessoa, proporcionando seu bem-estar<br />

(TAVARES, 2001).<br />

Sabe-se que, durante a internação hospitalar, por melhor que esteja o<br />

<strong>ate</strong>ndimento no hospital, o maior desejo da criança é voltar para casa, para a vida no<br />

seio familiar. Assim, fica evidente, nas colocações dos participantes,o quanto esses se<br />

encontram comprometidos na teia profissional que se estabelece em prol da criança,<br />

com vistas a alcançar um fim nobre, que é mandar a criança de volta para casa, com<br />

saúde.<br />

865


Ao serem questionados desde quando as atividades lúdicas eram realizadas<br />

nos hospitais públicos pediátricos de São Luís/MA, obteve-se as seguintes respostas: 6<br />

(75%) afirmaram que as atividades nos hospitais nos quais trabalham, são realizadas faz<br />

um tempo, no entanto não sabem falar com exatidão quando; 2 (25%) dos entrevistados<br />

dizem que não sabem responder à questão. De acordo com as falas, a seguir:<br />

[...] sempre teve essas atividades na brinquedoteca, sempre existiu (P1);<br />

[...] desde que estou aqui, existe. Desde 2009, pelo menos (P2);<br />

[...] não sei dizer com precisão sobre datas (P3);<br />

[...] já existia muito antes a brinquedoteca. Até por conta também das<br />

residentes, terapeutas que passaram por aqui antes (P4);<br />

[...] a periodicidade certa que isso acontece eu não sei te dizer, mas eu já vi<br />

desde muito tempo, acontecendo aqui (P5);<br />

[...] eu não sei te dizer exatamente quando, porque cada vez mais foi<br />

incrementando a equipe multidisciplinar, foi estendido cada vez mais essas<br />

atividades, pois eram restritas, eram só alguns, então, não eram todos os dias<br />

abertos, não tenham aqueles horários, aí foi chegando mais profissionais,<br />

sistematizando e foi ampliando essas atividades (P6);<br />

[...] não sei dizer. Acho, que em 2005, após a lei da brinquedoteca (P7);<br />

[...] sempre, desde o início do hospital, desde quando surgiu o hospital<br />

sempre teve esse espaço (P8).<br />

Faz-se importante registrar que, desde o primeiro momento da pesquisa,<br />

informações que se referiam à história do desenvolvimento de atividades no hospital<br />

foram de acesso muito difícil, pois, mesmo encontrando profissionais com mais de<br />

trinta anos de serviços na rede de saúde, as informações não se encontravam<br />

sistematizadas, de forma que dados básicos fossem facilmente encontrados. Por isso, a<br />

questão que procurou saber desde quando as atividades lúdicas eram desenvolvidas nos<br />

hospitais não obteve número satisfatório de respostas por parte dos referidos<br />

profissionais em questão.<br />

Nesse sentido, Lima (2014) enfatiza que a essencialidade das informações<br />

sobre o ambiente que se trabalha, deveria ser de domínio de todos os trabalhadores e<br />

não apenas dos setores administrativos. Assim, conhecer mais a fundo a história da<br />

instituição ao qual se é vinculado cria um sentimento de pertencimento, podendo refletir<br />

de forma mais direta no <strong>ate</strong>ndimento ao paciente. Nesse sentido, o clima que se cria<br />

866


quando informações relevantes circulam nos ambientes coletivos fazem as pessoas<br />

exercerem a escuta e desenvolve mecanismo de maior interação e participação social<br />

(FONSECA, 2008).<br />

Sobre a frequência na realização das atividades lúdicas e os espaços em que<br />

são desenvolvidas, bem como sobre a higienização dos brinquedos e os riscos<br />

associados ao brincar dentro dos hospitais, 7 (87,5%) profissionais relataram que as<br />

atividades são realizadas durante todos os dias e, em alguns casos, semanalmente, tanto<br />

na brinquedoteca do hospital, quanto nos leitos em que as crianças se encontram. A<br />

higienização dos brinquedos é realizada todos os dias com álcool 70%, mas que existem<br />

muitos riscos associados ao brincar no hospital; apenas 1 (12,5) profissional disse que<br />

não existem riscos ao brincar no hospital. Conforme os relatos, a seguir:<br />

[...] mais rotineiro é a brinquedoteca, e a área de vivência que a gente tem<br />

aqui, onde tem a televisão. [...] a risco de uma infecção cruzada. [...] a<br />

higienização é feita com álcool a 70% (P1);<br />

[...] sempre tem. [...] todo brinquedo mesmo que não seja no hospital, tem<br />

seu risco. Se for pequeno a criança engolir, se for maior de se machucar, se<br />

for uma bola de um b<strong>ate</strong>r no outro. Agora com certeza o maior risco é de<br />

contaminação no hospital (P2);<br />

[...] são realizadas na brinquedoteca e eleitos; todos os dias. […] existe<br />

higienização diária, mas sempre haverá risco biológico (P3);<br />

[...] a maioria das vezes, a atividade é na brinquedoteca, senão no leito da<br />

criança [...] a higienização acontece, com álcool, papel toalha e assim, uma<br />

vez por mês é feita uma lavagem. [...] há casos de bactérias, daí a<br />

importância de estar fazendo a higienização desses brinquedos (P4);<br />

[...] semanal, nas enfermarias. [...] acaba, sendo um veículo de quem está<br />

doente, passar a infecção para outro paciente (P5);<br />

[...] o mais comum é nas brinquedotecas. [...] é feita com álcool a 70%, gel.<br />

[...] não há riscos em brincar no hospital, desde que sejam limpos e<br />

adequados para a criança (P6);<br />

[...] a rigor é na brinquedoteca. [...] imagino que sim, e não é pouca. Existe<br />

um cuidado, muito grande, que, por exemplo, em não trazer criança, que<br />

estão com qualquer tipo de contaminação, qualquer processo com uma<br />

bactéria. [...] então existe sim cuidado, zeladores vem e deixam tudo<br />

limpo(P7);<br />

[...] na brinquedoteca, toda semana. [...] então realmente tem riscos, não<br />

deixa de ter, por mais que a gente higienize. A gente higieniza para diminuir,<br />

mas sempre tem risco (P8).<br />

Conforme se verifica, grande parte das atividades lúdicas desenvolvidas<br />

com as crianças enfermas é realizadanas brinquedotecas hospitalares, sendo executadas<br />

867


nos leitos apenas atividades secundárias, com as crianças que obrigatoriamente ficam<br />

impossibilitadas de se movimentar pelo hospital, como, no caso, as que ficam no<br />

isolamento, devido ao grande risco que oferecem às demais crianças por causa de suas<br />

patologias contagiosas (BORETTI; CORRÊA, 2014).<br />

Em ambos os hospitais pesquisados, as brinquedotecas <strong>ate</strong>ndem diariamente<br />

as crianças com as mais variadas patologias. No entanto, as que são internadas com<br />

doenças infectocontagiosas não são autorizadas a brincar no mesmo ambiente que as<br />

outras crianças pois, no hospital, o risco de contaminação é constante. Pensando nisso, a<br />

equipe multidisciplinar de saúde toma todas as precauções para que as infecções não se<br />

generalizem. Assim, ficam vigilantes em relação ao brincar, impedindo e/ou evitando<br />

que o brinquedo venha a ser um vetor de contaminação. Por isso, todos os brinquedos<br />

utilizados devem ser rigorosamente higienizados com álcool 70% e, com certa<br />

periodicidade, bem como devem, semanalmente, ser lavados com água e sabão e,<br />

somente após esse processo, os brinquedos devem ser liberados para utilização com as<br />

crianças (BORETTI; CORRÊA, 2014).<br />

Com o intuito de evitar contaminação e diminuir o risco associado ao<br />

brincar, um dos hospitais pesquisados criou, no ano de 2012, uma segunda<br />

brinquedoteca em suas dependências, que visa <strong>ate</strong>nder somente crianças que se<br />

encontram hospitalizadas e internadas no isolamento do hospital. Os brinquedos<br />

utilizados nessa brinquedoteca são de uso restrito nela, bem como o se acesso é<br />

comum apenas às crianças que se encontram em isolamento. Com isso, as crianças<br />

que antes eram excluídas do brincar, passaram a ter um local específico para essa<br />

prática, podendo desfrutar dos benefícios do lúdico com as demais crianças<br />

enfermas, visto que a brinquedoteca é direito da criança hospitalizada, assegurado<br />

por lei federal desde o ano de 2005(BRASIL, 2005).<br />

Por isso, o brincar no hospital é visto na literatura específica como uma<br />

forma a mais para a criança conseguir superar suas limitações físicas e psíquicas<br />

enquanto hospitalizada. No entanto, não escapam ao olhar dos profissionais de saúde<br />

questões relacionadas aos riscos que esse momento lúdico produz, visto que, além de<br />

868


alegrias, também pode propagar doenças. Assim, resta um olhar diferenciado e<br />

<strong>ate</strong>nto, para que todo e qualquer foco de contaminação envolvendo o brincar no<br />

hospital possa ser combatido previamente (CHIATTONE, 2009).<br />

Sobre os desafios enfrentados na promoção das atividades lúdicas nos<br />

hospitais públicos pediátricos de São Luís/MA, 6 (75%) participantes disseram que<br />

os maiores desafios são: m<strong>ate</strong>riais, financeiros, relacionados aos recursos humanos e<br />

à estrutura física; 2 (25%) não souberam falar sobre o assunto, embora admitindo<br />

que deviam existir. De acordo com seus relatos, a seguir:<br />

[...] que o principal desafio mesmo seja a disponibilidade de<br />

profissionais que venham desempenhar esse tipo de atividade (P1);<br />

[...] o que dificulta, uma dessas é a infecção, até mesmo por causa da<br />

estrutura (P2);<br />

[...] tem muitos desafios. Porque é assim... é o preparo da equipe<br />

mesmo, a equipe está preparada para esse desafio, de aceitar que a<br />

criança, é diferente em relação ao adulto (P3);<br />

[...] não, não o caso daqui. Não vejo, desafios (P4);<br />

[...] não sei te dizer precisamente, se existe este desafio da<br />

implementação do brincar em si (P5);<br />

[...] ah, m<strong>ate</strong>rial. M<strong>ate</strong>rial, né. Geralmente, as vezes precisam de folha,<br />

de tinta para imprimir essas coisas. [...] o espaço físico que elas têm eu<br />

acho até pequeno (P6);<br />

[...] da estrutura física do espaço destinado a brinquedoteca no prédio<br />

(P7);<br />

[...] eu acho que o maior desafio que a gente enfrenta no momento, é<br />

questão financeira mesmo. Nós sobrevivemos de doação. Todos esses<br />

brinquedos que tem aqui no hospital ou eles foram doados ou a gente tira<br />

do nosso bolso e coloca aqui. Mas 99% desses brinquedos foram doados.<br />

Então, acho que nosso maior desafio é enfrentar a questão financeira<br />

mesmo. É o maior entrave, com certeza (P8).<br />

Conforme observado, percebe-se que os maiores desafios enfrentados na<br />

promoção das atividades lúdicas nos hospitais públicos pediátricos de São Luís/MA,<br />

segundo a equipe multidisciplinar de saúde, estão relacionados à estrutura física<br />

onde são desenvolvidas as atividades lúdicas, no caso específico, nas brinquedotecas<br />

e nos leitos hospitalares, pois, no decorrer das observações realizadas, verificou-se a<br />

precariedade das enfermarias em relação ao que é pregado pelo ECA, ao ressaltar<br />

869


que o local deve ser apropriado e aparelhado para o desenvolvimento do brincar nos<br />

hospitais (BRASIL, 2005).<br />

Em suma, trata-se de locais improvisados, ambientes pequenos com<br />

poucos brinquedos e pouca ou nenhuma estrutura física para comportar as crianças,<br />

seus pais e/ou responsáveis legais, bem como os próprios profissionais de saúde,<br />

para que ocorra um bom desempenho de atividades e ações com as crianças e seus<br />

pares.<br />

Sendo assim, os profissionais relataram que todo o acervo de brinquedos<br />

e livros que possuem nas brinquedotecas são frutos de doações, pois não existem<br />

recursos específicos destinados a <strong>ate</strong>nder a demanda do brincar no hospital, visto<br />

que os gestores sempre têm como prioridade outras demandas e, desde a fundação<br />

das brinquedotecas nos hospitais públicos em São Luís/MA, as atividades lúdicas<br />

funcionam, apenas, como paliativos (sic.).<br />

Com esse viés secundário, o próprio quadro de profissionais para atuar<br />

no brincar dirigido é pouco. Outro fator crítico, apontado na pesquisa, se relaciona à<br />

formação dos profissionais que desenvolvem o brincar com as crianças, visto que<br />

muitos não realizamcom franca habilidade o ofício, o que torna o brincar enfadonho<br />

e, por fim, não são alcançados os efeitos que se espera do lúdico no hospital.<br />

Um dos hospitais pesquisados estava sob grande reforma em sua<br />

estrutura física, no entanto, a equipe multidisciplinar não soube responder se a<br />

ampliação contemplava a brinquedoteca em suas futuras instalações, ficando óbvio<br />

que esses profissionais não foram ouvidos sobre a demanda do local no qual suas<br />

atividades são desenvolvidas. Mesmo assim, a referida equipe espera, de forma<br />

entusiasmada, a inauguração do novo ambiente para melhor <strong>ate</strong>nder as crianças<br />

enfermas que brincam no hospital.<br />

Os dados demonstram que, mesmo com o ambiente físico não muito<br />

propício, condições financeiras deficitárias, recursos humanos insuficientes, meios<br />

m<strong>ate</strong>riais empobrecidos, o brincar acontece nos hospitais públicos pediátricos de São<br />

Luís/MA, mas se faz importante esclarecer que, para ocorrer o desenvolvimento de<br />

870


atividades lúdicas com crianças enfermas, é necessário bem mais que um simples<br />

local e alguns brinquedos, requer profissionais qualificados e comprometidos com o<br />

ato do brincar e, principalmente, com a criança que brinca, pois, conforme Cunha<br />

(2008), onde estiver uma criança carente de brincar, deverá haver um adulto<br />

brinquedista apto a desenvolver atividades lúdicas, fazendo com que a criança<br />

enferma brinque dos jogos às demais brincadeiras.<br />

Desse modo, ao serem indagados a respeito da relevância do brincar no<br />

hospital, 5 (75%) profissionais responderam que o brincar contribui para o<br />

desenvolvimento global da criança, sendo relevante para a estabilidade psicológica,<br />

trazendo alegria e sentimento de tranquilidade; 3 (25%) disseram que o brincar<br />

potencializa habilidades cognitivas, sendo condição para uma vida saudável.<br />

Conforme relatos, a seguir:<br />

[...] traz bastante alegria para as crianças (P1);<br />

[...] acho que é primordial. [...] é fundamental o brincar para que a<br />

criança tenha uma vida saudável (P2);<br />

[...] minimiza os efeitos, a gente nota que de uma certa forma minimiza,<br />

minimiza os efeitos (P3);<br />

[...] a criança se desenvolve socialmente, cognitivamente, através do<br />

brincar (P4);<br />

[...] contribui para o desenvolvimento completo da criança (P5);<br />

[...] desenvolvimento integral daquela criança (P6);<br />

[...] desenvolvimento integral da criança, cognitivo e interacional (P7);<br />

[...] a primeira ocupação do ser humano é o brincar. [...] é pelo brincar<br />

que a criança se desenvolve e potencializa as suas habilidades cognitivas,<br />

mentais, motoras. [...] desenvolva suas potencialidades de uma forma<br />

geral, cognitivas, potencialidades motoras, potencialidades sociais, né, de<br />

interação com o meio, de interação com o próximo. Então é de suma<br />

importância (P8).<br />

Desse modo, considera-se que o brincar no hospital é relevante para a<br />

criança hospitalizada, podendo não só amenizar os efeitos da internação, reduzir os<br />

efeitos das situações de estresse, comum no hospital, como ainda minimizar o medo,<br />

a ansiedade e, em alguns casos, a dor causada pela internação pediátrica, de forma<br />

que o brincar acalma a criança, deixando-a mais receptiva à realidade que a cerca<br />

(MALUF, 2004).<br />

871


A equipe multidisciplinar de saúde foi c<strong>ate</strong>górica ao afirmar que o<br />

brincar é relevante e promove o desenvolvimento global da criança. Nesse sentido,<br />

envolve aspectos neurológicos, cognitivos, afetivos, físicos, emocionais e sociais,<br />

pois sabe-se que a criança aprende por meio da experiência vivida (VYGOTSKY,<br />

1994). Assim, existe a necessidade de utilizar o lúdico para demonstrar atitudes, as<br />

quais são importantes para a recuperação da saúde da criança. Uma dessas atitudes<br />

seria explicar que alguns procedimentos, por mais doloridos que sejam, como, no<br />

caso,a coleta de sangue, faz-se necessário para a restauração da saúde e o<br />

aligeiramento de sua volta para casa.<br />

A estabilidade psicológica da criança também foi colocada pelos<br />

profissionais da equipe multidisciplinar de saúde como sendo uma das relevâncias<br />

das atividades lúdicas desenvolvidas nos hospitais pesquisados. No contexto, sabe-se<br />

que a hospitalização em si é bastante abusiva para a criança, causando sérios<br />

desgastes, desde pesadelos à insônia profunda (COLLET; OLIVEIRA; VIEIRA,<br />

2009).<br />

Nesse aspecto, as atividades lúdicas têm o poder de criar mecanismos<br />

para a criança enfrentar e vencer as barreiras impostas pela doença, pois, por meio<br />

do brincar e/ou desenhar, a criança enferma exterioriza seus medos e anseios,<br />

fornecendo meios para que as atividades dirigidas possam contribuir para a<br />

efetividade de seu tratamento (CUNHA, 2008).<br />

Assim, de acordo com Brougère (1997), a alegria é um dos medicamentos<br />

que jamais deve faltar no cotidiano da criança e, para a equipe de saúde pesquisada, a<br />

alegria é uma das relevâncias do lúdico no hospital. Sendo assim, entende-se que a<br />

alegria é mais que um sorriso cortês, por isso deve-se criar mecanismos para que as<br />

crianças enfermas tenham seus direitos assegurados, no caso específico, o direito de<br />

brincar, que é universal às crianças (MITRE, 2000).<br />

Para os participantes, de maneira geral, o brincar no hospital é relevante,<br />

poisa atividade lúdica provoca estabilidade emocional, amplia habilidades cognitivas<br />

872


e favorece uma vida saudável. Tais resultados convergem com os de outras<br />

pesquisas realizadas sobre a temática no Brasil (FONSECA, 2008).<br />

Sabe-se que o hospital representa um mundo à parte e, em um plantão,<br />

muitas coisas podem causar temores devido à imprevisibilidade entre vida e morte.<br />

Quando a criança, na eventualidade de uma internação, pode brincar no hospital, ela<br />

é estimulada a ouvir muitas histórias de superação que são potencializadas por meio<br />

do lúdico. Nesse aspecto, foi solicitada à equipe multidisciplinar de saúde que<br />

relatasse casos de crianças internadas em que o brincar no hospital tenha sido<br />

significativo em suas recuperações.<br />

Sendo assim, conforme Cunha (2008), o lúdico é essencial à saúde da<br />

criança e favorece seu desenvolvimento, por isso mesmo, com a criança internada, o<br />

ato de brincar não deve ser prejudicado, e sim estimulado, visto que o brincar é um<br />

momento onde a criança passa a vivenciar situações do seu cotidiano e a criare<br />

desenvolver sua própria personalidade, valores, ética e atitudes diante de outras<br />

iguais a ela, pois, de acordo com Cunha (2001 p. 15-16), “brincar ludicamente não<br />

existe somente para distrair a criança, enquanto os pais estão ocupados”.<br />

No mesmo sentido, o brincar e a interação com as pessoas promovem o<br />

aprendizado infantil e impulsionam seu desenvolvimento nos aspectos físicos,<br />

cognitivos e emocionais, levando a criança a explorar o mundo e adquirir sua<br />

autonomia. Assim, Mota e Silva (2005, p. 168) destacam os benefícios do brincar:<br />

O brincar possibilita o desenvolvimento do pensamento, além de<br />

contribuir significativamente para a formação das relações sociais da<br />

criança, na medida em que, imaginando, fazendo de conta, ela assume<br />

papéis da vida adulta, podendo recriar suas percepções; proporciona uma<br />

mediação entre o real e o imaginário.<br />

No contexto, Brougère (1997) mostra que as atividades lúdicas realizadas<br />

com as crianças internadas possuem objetivos, como estimulação de atividades<br />

individuais e coletivas; desenvolvimento da inteligência e criatividade, estimulação<br />

da concentração e <strong>ate</strong>nção, valorização do brinquedo como meio de<br />

desenvolvimento intelectual e social; permissão de mais autonomia por incentivar o<br />

873


desenvolvimento das responsabilidades, enriquecendo as relações familiares entre<br />

pais, filhos e demais usuários e, de modo peculiar, ser um fator terapêutico para a<br />

restauração da saúde da criança enferma.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O ambiente hospitalar, a priori, é um local marcado pelo sinistro, conforme<br />

mencionado anteriormente, por isso ocasiona na criança um estresse contínuo, causando<br />

impactos danosos. Os danos causados na saúde da criança são exteriorizados por meio<br />

de palavras e reações emocionais incomuns, se comparados a outros momentos. Esses<br />

sentimentos podem evoluir para ansiedade severa e sintomas de depressão, como: falta<br />

de interesse e prazer em realizar atividades, perda ou ganho exagerado de peso,<br />

alteração no sono, sentimento de culpa, dificuldade de concentração, entre outros.<br />

A hospitalização em si constitui um momento gerador de desconforto para a<br />

criança, em virtude dos interesses que se chocam. Para a equipe multidisciplinar importa<br />

tratar a doença; para a criança, importa voltar para casa. Neste contexto torna-se inevitável o<br />

conflito. No entanto, as atividades lúdicas podem mediar as relações e servir como<br />

benefícios emocionais e físicos para a criança e, ao mesmo tempo, como técnica para o<br />

profissional de saúde ganhar a sua confiança.<br />

Sendo assim, a hospitalização compromete o desenvolvimento da criança, pois,<br />

na maioria das vezes, retira-a do convívio familiar, distancia-a dos amigos e afasta-a da<br />

escola. Nesse sentido, toda a rotina da criança é substituída por situações dolorosas e<br />

constrangedoras, sendo que o pior dos temores presente no hospital é o medo da morte,<br />

sentimento que aflige a criança e seus familiares/acompanhantes, diariamente.<br />

No entanto, se no hospital o <strong>ate</strong>ndimento à criança acontece numa vivência<br />

lúdica, o momento da hospitalização poderá se tornar não um momento de dicotomia na<br />

sua vida, mas de continuidade. Nesse sentido, o lúdico no hospital se torna uma forma<br />

de diversão, de aprendizagem e de terapia ou ainda uma forma de prevenção e/ou<br />

reabilitação de doenças. Portanto as atividades lúdicas no hospital têm como objetivos<br />

874


principais promover o brincar, o bem-estar físico e emocional e, ainda, a recuperação da<br />

saúde, pois a criança encontra no brincar uma forma de fazer com que o hospital se<br />

torne menos traumatizante e, por meio do lúdico, reduzir a ansiedade causada pela<br />

doença.<br />

Sendo assim, o lúdico no hospital é utilizado para a criança externalizar<br />

pensamentos, medos, receios, temores, entre outros. Igualmente, o lúdico serve como<br />

ponte para a criança ressignificar o período de internação, melhorando sua capacidade<br />

de resiliência, fator importantíssimo para a vida adulta, visto que por meio do lúdico a<br />

criança poderá desenvolver habilidades sociais, amenizar agressividades, integrar-se<br />

com seus pares e somar no seu processo de formação humana.<br />

Sobre as contribuições do lúdico no hospital pesquisas apontam que o<br />

brincar torna-se um forte aliado para a criança, à família e à equipe multidisciplinar de<br />

saúde. Por meio do lúdico a criança enferma consegue manter-se psicologicamente<br />

pronta para resistir aos desafios causados pelo ambiente hospitalar, assim como a equipe<br />

multidisciplinar de saúde pode, também, utilizá-lo como elemento facilitador, a fim de<br />

conscientizar a criança sobre a realização de alguns procedimentos.<br />

De acordo com as percepções da equipe multidisciplinar de saúde, as<br />

atividades lúdicas desenvolvidas com crianças em regime de internação hospitalar são<br />

importantes, pois contribuem para sua autoestima, ajudam a integrar a criança às demais<br />

crianças que se encontram internadas, bem como melhora a aceitação do <strong>ate</strong>ndimento<br />

médico, fazendo com que até esqueçam que estão internadas e aproveitem melhor o<br />

cotidiano no hospital durante o tratamento.<br />

Afinal, internação não é sinônimo tão somente de tristeza, pois, por meio da<br />

janela do lúdico, entende-se que esse momento pode ser melhor aproveitado se forem<br />

criados meios para a criança desenvolver-se no contexto hospitalar.<br />

Assim, os dados revelam que as atividades lúdicas desenvolvidas com<br />

crianças em regime de internação hospitalar são importantes nos processos de<br />

socialização e integração. No entanto, os hospitais pesquisados não possuem estrutura<br />

física adequada para oferecer, com maior eficiência, tais serviços. Sobre as principais<br />

875


atividades realizadas com as crianças em regime de internação, encontram-se as<br />

expressivas e rítmicas, como: pinturas, desenhos, música, teatro, joguinhos, jogos de<br />

montar e outros.<br />

De acordo com os participantes, o brincar no hospital tem pelo menos<br />

quatro finalidades: comb<strong>ate</strong>r ou amenizar o estresse causado pelo processo de<br />

internação na criança; contribuir no processo de saúde, aceitando com maior facilidade<br />

os procedimentos direcionados pela equipe multidisciplinar de saúde; desenvolver o<br />

cognitivo da criança; servir como meios de interação social entre todos os envolvidos na<br />

comunidade hospitalar.<br />

Nesse sentido, as finalidades das atividades lúdicas desenvolvidas com as<br />

crianças internadas consistem em não deixar a criança apenas na doença, mas levá-la<br />

para a saúde, pois são meios para encontrarem, no brincar, mecanismos que forneçam<br />

suporte para que não se percam no cenário de medo e dor, comum dentro dos hospitais.<br />

Sendo assim, a equipe multidisciplinar de saúde percebe o lúdico como agente<br />

potencializador de melhorias no <strong>ate</strong>ndimento da criança, assim como mecanismo de<br />

terapia mais aligeirado do processo saúde-doença, pois conforta psicologicamente a<br />

criança e seus familiares durante a internação.<br />

A equipe multidisciplinar enfatiza, ainda, que os brinquedos e m<strong>ate</strong>riais<br />

utilizados no hospital são higienizados diariamente, a fim de não acarretar danos ou<br />

possíveis focos de contaminação para as crianças internadas. No entanto, sabe-se que há<br />

riscos ao brincar no hospital, assim, além dos cuidados com a higienização do local das<br />

brincadeiras e dos brinquedos, os brinquedos devem ser adequados à idade das crianças,<br />

a fim de evitar possíveis acidentes.<br />

No contexto, os desafios enfrentados para que as atividades lúdicas possam<br />

ser desenvolvidas com as crianças em internação hospitalar se referem a despertar na<br />

equipe multidisciplinar de saúde, de modo geral, a conscientização de que o brincar é<br />

coisa séria e que o lúdico pode ser utilizado como terapia junto à criança hospitalizada.<br />

As principais dificuldades em relação à operacionalização das atividades<br />

lúdicas com crianças hospitalizadas se concentram na questão dos recursos físicos e<br />

876


m<strong>ate</strong>riais, pois os dados revelam que o espaço para promover o brincar é pequeno e os<br />

brinquedos e m<strong>ate</strong>riais são poucos e insuficientes. Sobre essa questão, os participantes<br />

informaram que todo o acervo das brinquedotecas é fruto de doações, assim muitos<br />

brinquedos chegam com defeitos, impedindo seu uso por um período prolongado.<br />

Observou-se que as atividades lúdicas desenvolvidas com crianças no<br />

hospital são relevantes, pois as ajudam a se animarem e a teremforças para continuar o<br />

tratamento médico, visto que há crianças que ficam anos em regime de internação,<br />

como há caso de crianças com até seis anos de internação em um dos hospitais<br />

pesquisados.<br />

Para os referidos profissionais da equipe multidisciplinar, é por meio do<br />

brincar que as crianças podem ter um processo de cura com maior qualidade, se<br />

comparadas às crianças que não brincam. Assim, embora seja difícil mensurar como o<br />

lúdico contribui fisiologicamente para a criança, empiricamente, se observa que a<br />

criança que brinca é mais feliz, mais sorridente, mais participativa e solícita.<br />

Constatou-se, também, que as atividades lúdicas, na concepção dos<br />

participantes, devem ser fomentadas durante toda a estada da criança no hospital,<br />

imbricada numa política de acolhimento, seguindo todo o <strong>ate</strong>ndimento hospitalar, seja<br />

ele de curta ou longa duração. Outros aspectos revelados foram que as atividades<br />

lúdicas são realizadas nas brinquedotecas dos hospitais ou nos leitos. E os principais<br />

responsáveis pelas atividades são os que compõem a equipe multidisciplinar, como:<br />

médicos, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais, técnicos em enfermagem,<br />

brinquedistas com formação de nível médio, entre outros.<br />

Os participantes do estudo desconheciam a historicidade do<br />

desenvolvimento das atividades lúdicas nos hospitais que se encontravam trabalhando,<br />

mas foram unânimes ao informar que, quando chegaram para trabalhar nos referidos<br />

hospitais, as atividades já aconteciam. No contexto, faz-se importante registrar que os<br />

referidos profissionais têm em média seis anos de serviço nos hospitais pesquisados.<br />

As atividades lúdicas são desenvolvidas nos hospitais pesquisados,<br />

diariamente, na forma de plantão. Nesse sentido, reitera-se que o <strong>ate</strong>ndimento nas<br />

877


inquedotecas funciona apenas no turno diurno, mas o Terapeuta Ocupacional<br />

desenvolve atividades lúdicas, no leito, com as crianças internadas, inclusive à noite.<br />

Destaca-se que nesse trabalho foi colocado como hipótese que as atividades<br />

lúdicas eram realizadas no hospital de forma laconizadas; nesse caso, a hipótese se<br />

confirma parcialmente, visto que a maioria das atividades lúdicas é realizada nos<br />

hospitais por agente externos, no caso, por profissionais ligados às universidades e às<br />

ordens religiosas, portanto, de forma assistemática, pois são poucas as atividades<br />

planejadas e realizadas de modo a se tornarem Procedimento Operacional Padrão<br />

(POP). Outrossim, a equipe multidisciplinar não possui uma sistematização que englobe<br />

todos os possíveis casos em que o brincar venha a ser utilizado como técnica lúdica<br />

junto da criança enferma.<br />

Considera-se, finalmente, que as atividades lúdicas desenvolvidas com<br />

crianças em regime de internação hospitalar, nos hospitais públicos pediátricos de São<br />

Luís/MA, são relevantes aos processos de socialização e integração da criança enferma<br />

à realidade da internação. Apesar de os hospitais pesquisados estarem a desejar em<br />

relação ao espaço físico e aos objetos para o desenvolvimento das atividades lúdicas, os<br />

profissionais da equipe multidisciplinar de saúde buscam desenvolver, a contento, o<br />

<strong>ate</strong>ndimento hospitalar às crianças enfermas, de maneira mais humanizada e lúdica<br />

possível.<br />

Espera-se que esse estudo venha a contribuir com maiores esclarecimentos<br />

sobre a importância das atividades lúdicas, desenvolvidas com crianças em regime de<br />

internação hospitalar, bem como desperte o interesse em outros pesquisadores para o<br />

aprofundamento desse olhar.<br />

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882


PERFIS E RECURSOS SOCIAIS NO PROCESSO DE ESCOLHA DA<br />

PROFISSÃO DOCENTE NO MARANHÃO<br />

PROFILES AND SOCIAL RESOURCES IN THE PROCESS OF CHOOSING<br />

THE TEACHING PROFESSION IN MARANHÃO<br />

Hugo Freitas de Melo 103<br />

Edinéia Silva Alves 104<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O presente trabalho aborda alguns resultados de um estudo realizado acerca<br />

das variáveis sociais que influenciam e condicionam o processo de escolha da docência<br />

como atividade profissional. Participaram dessa pesquisa dezenove professores atuantes<br />

na rede pública de ensino fundamental maior do município de São Bernardo – MA,<br />

situado na microrregião do Baixo Parnaíba. Como procedimento metodológico, optouse<br />

pela entrevista semiestruturada a fim de apreender o máximo de informações acerca<br />

da constituição de um conjunto de propriedades e recursos sociais, incluindo a posse de<br />

bens culturais e simbólicos, que direcionam escolhas profissionais em relação ao espaço<br />

dos possíveis das oportunidades de atividades e profissões disponíveis e acessíveis. A<br />

investigação detém-se sobre o exame das propriedades culturais, sociais e econômicas<br />

dos docentes entrevistados, buscando-se analisar os efeitos dessas disposições para a<br />

concretização de suas escolhas, tais como: origem social, nível de<br />

escolaridade, profissão exercida pelos pais e posse de bens culturais. Compreende-se<br />

que através do exame sobre a origem familiar e o percurso dos agentes pode-se avaliar o<br />

grau de intensidade desses condicionantes sobre a definição de carreiras profissionais,<br />

evidenciando-se que uma escolha não se vincula a uma construção individual,<br />

103 Professor Assistente do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas/Sociologia da Universidade<br />

Federal do Maranhão, campus V<strong>II</strong>. Doutorando em Sociologia pela Universidade de São Paulo<br />

(PPGS/USP). Email: hugofreittas@yahoo.com.br<br />

104 Graduada do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas/Sociologia da Universidade Federal do<br />

Maranhão, campus V<strong>II</strong>.<br />

883


estr<strong>ate</strong>gicamente pensada e calculada, mas a uma ação coletiva e objetiva, socialmente<br />

erigida por meio da inculcação de um conjunto de disposições constituído pela<br />

aquisição de capitais em diferentes momentos dos itinerários. Os agentes pesquisados<br />

apresentaram significativas semelhanças de origem e de trajeto vivenciadas antes da<br />

escolha profissional, evidenciando que os condicionantes estruturantes de opções por<br />

um ofício são muito menos atrelados a mecanismos de escolha racional quanto a fatores<br />

conjunturais e sociais que lhes direcionam ou possibilitam-lhes acesso a postos de<br />

trabalho disponíveis. Assim, as opções por carreiras profissionais, como a docente,<br />

parecem estar em equivalência a um efeito de homologia das posições e disposições<br />

sociais dos postulantes, que mais ou menos encaminham escolhas, preferências ou<br />

tomadas de posição como vetores sociais, onde os indivíduos tendem a se habilitar às<br />

profissões consideradas “adequadas” ao seu perfil social.<br />

Palavras-chave: Escolha da profissão docente. Perfis sociais. Recursos culturais.<br />

Educação.<br />

ABSTRACT: The present study approaches some results of a study about the social<br />

variables that influence and condition the process of choosing teaching as a professional<br />

activity. Nineteen teachers working in the public higher education network of the<br />

municipality of São Bernardo - MA particip<strong>ate</strong>d in this research, loc<strong>ate</strong>d in the microregion<br />

of Baixo Parnaíba. As a methodological procedure, we opted for the semistructured<br />

interview in order to understand the maximum information about the<br />

constitution of a set of properties and social resources, including the possession of<br />

cultural and symbolic goods, which guide professional choices in relation to the<br />

possible space of available and accessible activity and professions opportunities. The<br />

research focuses on the examination of the cultural, social and economic properties of<br />

the teachers interviewed, seeking to analyze the effects of these dispositions for the<br />

realization of their choices, such as: social origin, education level, parental profession<br />

and possession of cultural goods. It is understood that through the examination of the<br />

family origin and the course of the agents one can evalu<strong>ate</strong> the degree of intensity of<br />

884


these constraints on the definition of professional careers, evidencing that a choice is not<br />

linked to an individual construction, str<strong>ate</strong>gically thought out and calcul<strong>ate</strong>d, but to<br />

collective and objective action, socially erected through the inculcation of a set of<br />

dispositions constituted by the acquisition of capital at different moments of the<br />

itineraries. The researched agents presented significant similarities of origin and path<br />

experienced before the professional choice, evidencing that the structuring conditioners<br />

of options for a trade are much less tied to mechanisms of rational choice as well as the<br />

conjunctural and social factors that direct or enable them to access available jobs. Thus,<br />

the options for professional careers, such as the teacher, seem to be equivalent to an<br />

effect of homology of the positions and social dispositions of the postulants, which<br />

more or less direct choices, preferences or positions of position as social vectors, where<br />

individuals tend to qualify themselves to the professions considered "adequ<strong>ate</strong>" to their<br />

social profile.<br />

Keywords: Choice of the teaching profession. Social profiles. Cultural resources.<br />

Education.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O presente trabalho é fruto de um estudo realizado na cidade de São<br />

Bernardo-MA acerca dos fatores sociais que influenciaram na escolha profissional 105 de<br />

docentes que trabalham no setor educacional daquele município. Para isso, tomou-se<br />

como dimensão empírica do estudo um conjunto de entrevistas realizado por meio de<br />

um questionário semi-estruturado, visando ao garimpo de registros sociográficos e de<br />

dados qualitativos sobre a profissão docente e o mercado de trabalho local.<br />

105 Procurando compreender os motivos que influenciaram esse quadro de professores a escolherem a<br />

carreira docente como profissão, foram realizadas entrevistas que tem como amostra dezenove<br />

professores que atuam na rede pública de ensino fundamental maior do município de São Bernardo – MA.<br />

As entrevistas foram realizadas entre os meses de Maio e Junho de 2015. As respostas fornecidas pelos<br />

professores seguem organizadas em quadros e ora transcritas para que este dado qualitativo possa ser<br />

suficientemente explorado para fornecer as informações necessárias para realização da análise da temática<br />

em questão.<br />

885


A análise privilegiou o acúmulo de distintos capitais (social, cultural e<br />

econômico) pelos agentes entrevistados e o grau de reconversão destes em trunfos de<br />

acesso à profissão docente na rede municipal de ensino. Partiu-se da evidência de que<br />

uma escolha profissional não se vincula apenas a uma construção individual, baseada<br />

num cálculo racional de ponderação entre meios e fins, mas a um conjunto de<br />

condicionantes e dinâmicas sociais que remetem à origem social dos indivíduos, ao seu<br />

grau de escolarização e ao percurso de vida que trilharam, bem como à escassez da<br />

oferta de trabalho num mercado de profissões pouco diferenciado.<br />

Diversas são as variáveis que interferem e contribuem para a realização da<br />

escolha da carreira profissional. Grosso modo, as recompensas financeiras ou<br />

simbólicas são os principais atrativos de uma profissão para a ampla maioria dos<br />

postulantes aos postos disponíveis no mercado de trabalho. Face à crescente<br />

desvalorização da carreira docente (nos níveis fundamental e médio, principalmente),<br />

em termos de prestígio e retribuição salarial, tornou-se ponto comum, nos últimos anos,<br />

um número cada vez menor de jovens ansiarem em seguir a carreira docente como<br />

atividade profissional, e, quando a mesma é escolhida, um dos principais motivos<br />

apontados é a baixa oferta de empregos. Por alternativas, compreende-se a limitação de<br />

postos e cargos no mercado local de trabalho, como também a falta de habilidades e<br />

competências necessárias ao indivíduo para apreender determinadas disposições sociais<br />

e culturais e utilizá-los em favor próprio.<br />

Assim, seguindo a perspectiva teórica de Pierre Bourdieu, Nogueira (2004,<br />

p. 76) assinala que “o modo como determinado ator escolhe seu curso superior [ou<br />

profissão], as crenças, os valores, os objetivos que ele mobiliza nessa escolha, tudo seria<br />

definido a partir do seu habitus, e este, por sua vez, refletiria a posição social de origem<br />

do ator”. A partir do conhecimento da origem social do indivíduo, poder-se-ia medir o<br />

grau de intensidade dessas predisposições sobre as escolhas do mesmo.<br />

886


1. CAPITAL CULTURAL E ECONÔMICO COMO AGENTES<br />

CONDUTORES NA ESCOLHA PROFISSIONAL<br />

Destacados alguns dos fatores contribuintes para a falta de atratividade da<br />

carreira docente, surge uma questão: qual o perfil destes professores? “Diversos estudos<br />

recentes indicam que está se consolidando um novo perfil de candidato à docência: mais<br />

empobrecido, estudante de escola pública e com pequena bagagem cultural” ((SALLA;<br />

RATIER, 200?, p.12).<br />

Dessa forma, a carreira docente se torna primeira opção profissional<br />

principalmente entre jovens que estudaram em escolas públicas, que em geral pertencem<br />

a nichos sociais menos favorecidos. 106 Isso contribui para um distanciamento dos alunos<br />

mais aquinhoados financeira e culturalmente da profissão docente, que, “[...] originários<br />

das c<strong>ate</strong>gorias sociais mais privilegiadas, os mais bem munidos em capital cultural e<br />

social, apresentam um rendimento melhor, cursam estudos mais longos, mais<br />

prestigiosos e mais rentáveis que os outros” (Dubet apud SATO, 2012, p.10).<br />

Segundo Setton (2002), “[...] as ações, comportamentos, escolhas ou<br />

aspirações individuais não derivam de cálculos ou planejamentos, são antes produtos da<br />

relação entre um habitus e as pressões e estímulos de uma conjuntura”. Ou seja, a<br />

escolha pela carreira docente não resulta apenas de uma ação individual, mas de<br />

condicionantes estruturalmente estabelecidos no meio social, influenciando com maior<br />

intensidade aqueles menos dotados de capital econômico, social e cultural.<br />

A família ocupa um papel de extrema importância no momento da<br />

transmissão do capital cultural, disposições que vão sendo assimiladas pelos filhos de<br />

forma mais ou menos consciente. Segundo Sato (2012), famílias dotadas de maior<br />

volume de capital econômico têm maiores possibilidades de reconverter este recurso em<br />

capital cultural. Isto implica afirmar que as escolhas profissionais não estão associadas a<br />

manifestações individuais de “opção”, mas sim a um tecido social construído sobre<br />

106 Cf. Estudo encomendado pela Fundação Victor Civita (FVC) à Fundação Carlos Chagas (FCC) que<br />

apresentadados acerca da falta de atratividade da docência entre 1.501 estudantes do 3º ano do Ensino<br />

médio de 18 escolas públicas e privadas de oito cidades.<br />

887


ases que sedimentam padrões de comportamento e delimitam gostos, preferências e<br />

“vocações” profissionais.<br />

A partir dos estudos realizados por Bourdieu, tornou-se evidente que os<br />

indivíduos não ajustam seus gostos de forma atomizada, particularizada, mas sim como<br />

expressão de caracteres sociais definidores de sua condição de classe, oriunda do meio<br />

social ao qual pertencem (habitus). “O gosto manifestado pelos indivíduos é uma<br />

construção social diretamente relacionada às oportunidades e aos constrangimentos<br />

objetivamente enfrentados.” (NOGUEIRA; ALMEIDA; QUEIROZ, 2015, p.15).<br />

Nessa linha analítica, compreende-se que indivíduo ajusta o seu gosto diante<br />

daquilo que é considerado objetivamente “impossível”, “possível” ou passível de ser<br />

alcançado, no interior do seu tecido social. É o que Bourdieu chamava de “gosto pelo<br />

possível” ou “gosto pelo necessário” (NOGUEIRA, ALMEIDA, QUEIROZ, 2015).<br />

Essa limitação de perspectiva é mais forte ainda entre aqueles que pertencem a um meio<br />

social menos favorecido, gerando uma certa restrição no momento da escolha<br />

profissional. “Em regra geral, a restrição das escolhas impõem-se mais às classes baixas<br />

que às classes privilegiadas [...]” (BOURDIEU, 2014, p.22).<br />

[...] A desvantagem decorrente da origem social é a que mais pesa, pois se<br />

manifesta ao mesmo tempo na eliminação pura e simples dos jovens oriundos<br />

das camadas desfavorecidas e na restrição das escolhas oferecidas àqueles<br />

dentre eles que escapam à eliminação (BOURDIEU, 2014, p. 22)<br />

Partindo desse pressuposto, a “opção” de se tornar professor é nitidamente<br />

condicionada e influenciada por fatores externos, relacionados à realidade vivenciada<br />

pelos candidatos. “Conscientes das dificuldades que enfrentarão para passar num curso<br />

superior, adolescentes de baixa renda escolhem carreiras mais próximas de suas<br />

possibilidades, levando em conta o baixo custo da mensalidade, a facilidade de ser<br />

admitido e a rápida obtenção de um emprego” (FVC, 2009, p.12).<br />

888


2. PENSANDO OS ASPECTOS INERENTES À ESCOLHA PROFISSIONAL<br />

Servindo-se dos dados fornecidos pelos professores da Escola Municipal<br />

Oswaldo Pereira Nunes 107 do ensino fundamental maior da rede pública de ensino do<br />

município de São Bernardo - MA, procurou-se analisar minuciosamente os aspectos<br />

referentes ao processo de escolha profissional. Analisou-se, de início as variáveis<br />

relacionadas à origem social dos entrevistados, a partir do quadro que classifica o perfil<br />

social destes. Em seguida, investigou-se os motivos que contribuíram para a escolha<br />

profissional, sejam eles relacionados ao “gosto”pela profissão ou a razões<br />

pragmáticas 108 .<br />

107 O nome da escola e dos professores foi mantido em anonimato segundo o Código de Ética da<br />

Associação Brasileira de Antropologia – ABA.<br />

108 NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins. ALMEIDA, Flávia Juliana de. QUEIROZ, Kelly Aparecida de<br />

Sousa. A escolha da carreira docente: complexificando a abordagem sociológica. Disponível em:<br />

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Acesso em: 23/03/2015.<br />

889


Quadro 1 – Perfil dos entrevistados<br />

Nome Cidade Idade Sexo Graduação Universidade Tempo<br />

de<br />

Serviço<br />

Professor nº 1 São Bernardo – MA 47 F Pedagogia UESPI 18<br />

Professor nº 2 São Bernardo – MA 39 F Pedagogia UESPI 18<br />

Professor nº 3 Santa Quitéria – MA 43 M Letras UEMA 14<br />

Professor nº 4 São Bernardo – MA 40 F Pedagogia UESPI 23<br />

Professor nº 5 Santa Quitéria – MA 36 M Geografia UEMA 8<br />

Professor nº 6 Santa Quitéria – MA 39 M Letras / Ed. UEMA/<br />

14<br />

Física MONTENEGRO<br />

Professor nº 7 São Bernardo – MA 46 F Geografia UEMA 26<br />

Professor nº 8 Santa Quitéria – MA 35 F M<strong>ate</strong>mática CEFET 15<br />

Professor nº 9 São Bernardo – MA 35 F Pedagogia / UESPI/UEMA 9<br />

Filosofia<br />

Professor nº 10 Santa Quitéria – MA 33 F Geografia UEMA 13<br />

Professor nº 11 Santa Quitéria – MA 36 M M<strong>ate</strong>mática CEFET 14<br />

Professor nº 12 Santa Quitéria – MA 43 M M<strong>ate</strong>mática CEFET 17<br />

Professor nº 13 São Bernardo – MA 36 M Magistério IBEC 9<br />

Professor nº 14 Parnaíba – PI 59 M Letras UECE 32<br />

Professor nº 15 Santa Quitéria – MA 37 F Letras / UEMA/UFMA 15<br />

Ed.Física<br />

Professor nº 16 Santa Quitéria – MA 45 F História UESPI 25<br />

Professor nº 17 Santa Quitéria – MA 43 F Letras UEMA 14<br />

Professor nº 18 Milagres – MA 34 M Pedagogia/E UESPI 13<br />

d. Física<br />

Professor nº 19 São Bernardo – MA 47 F História UESPI 28<br />

Fonte: Pesquisa de Campo - Entrevista com professores da Escola Municipal Oswaldo Pereira Nunes.<br />

Ao todo são dezenove professores, todos estes atuam no ensino fundamental<br />

maior. Estes dividem-se em (11) onze mulheres e (8) oito homens, com<br />

idades que variam entre 33 (trinta e três) e 59 (cinquenta e nove) anos. Destes<br />

professores, 7 (sete) são moradores do município e cidade de São Bernardo – MA, 10<br />

890


(dez) residem em Santa Quitéria – MA, 1 (um) é morador de Parnaíba – PI e 1 (um) é<br />

morador da cidade de Milagres - MA.<br />

Com relação ao tempo de serviço, observa-se que ocorre uma variação de 8<br />

a 32 anos de atuação na profissão. Acerca dessa particularidade, observa-se que 8/19<br />

que estão atuando nesta profissão tem de 13 a 15 anos de serviço, 4/19 tem entre 23 a 28<br />

anos de serviço, 3/19 tem entre 8 a 9 anos, 3/19 tem entre de 17a 18 anos de atuação e<br />

apenas um caso possui 32 anos de atuação na profissão. Percebemos que se tem nas<br />

escolas um grande número de professores acima dos 30 anos de idade, que já atuam<br />

nessa área há mais de 8 anos.<br />

Seguindo o exame dos dados, referente a área de formação, encontramos<br />

uma concentração maior de licenciados nas áreas de Pedagogia e Letras, seguido das<br />

áreas de Geografia, Educação Física e M<strong>ate</strong>mática, com três professores formados em<br />

cada uma das áreas. Já em História, há apenas dois licenciados, um professor formado<br />

em Filosofia e um apenas com o magistério, sendo que este atua pelo Programa Mais<br />

Educação.<br />

Também é notável a existência de professores com mais de uma graduação.<br />

4/19 professores possuem duas graduações,dois possuem graduação em Letras e<br />

Educação Física, outros dois se dividem nas áreas de Pedagogia/Filosofia e o outro<br />

graduado em Pedagogia/Educação Física. A justificativa dos dois últimos se deve ao<br />

fato de ambos serem formados em Pedagogia, que só os habilita a lecionarem do 1º ao<br />

5º ano do ensino fundamental menor. E como ambos encontram-se atuando nos anos do<br />

ensino fundamental maior, estes se sentiram, de certa forma, constrangidos a possuir<br />

uma habilitação em uma área especifica, para continuar atuando nesta etapa de ensino.<br />

De todos os dezenove professores, apenas 3/19 não possuem alguma<br />

especialização na área e, desse montante, apenas uma professora está cursando mestrado<br />

em uma instituição particular. Outro fator destacado é a passagem por instituições<br />

estaduais e particulares. Somente a professora nº 15 cursou Educação Física em uma<br />

instituição pública, a UFMA, isso em sua segunda graduação.<br />

891


Quadro 2 – Profissão e nível de escolaridade dos pais dos entrevistados.<br />

Nome Profissão dos pais Nível de escolaridade dos pais<br />

Pai Mãe Pai Mãe<br />

Professor nº 1 Vaqueiro Dona de casa Menor que 1º ao 5º ano Menor que 1º ao 5º ano<br />

Professor nº 2 Lavrador Dona de casa Menor que 1º ao 5º ano Menor que 1º ao 5º ano<br />

Professor nº 3 Lavrador Lavrador Ensino fundamental I Semi-analfabeta<br />

incompleto<br />

Professor nº 4 Mestre de obras Professora 1º ao 5º ano Ensino médio completo<br />

Professor nº 5 Agricultor Agricultora 1º ao 5º ano 6º ao 9º ano<br />

Professor nº 6 Gerente da Professora Ensino médio Nível Superior completo<br />

Caema<br />

completo<br />

Professor nº 7 Lavrador Lavradora Menor que 1º ao 5º ano 1º ao 5º ano<br />

Professor nº 8 Gerente de loja Dona de casa Ensino médio Ensino médio completo<br />

completo<br />

Professor nº 9 Agente<br />

Professora Menor que 1º ao 5º ano Ensino médio completo<br />

Administrativo<br />

Professor nº 10 Lavrador Dona de casa Analfabeto Ensino médio completo<br />

Professor nº 11 Lavrador/Pescado Professora 1º ao 5º ano Ensino médio completo<br />

r/ Garimpeiro<br />

Professor nº 12 Comerciante Professora Ensino médio Nível Superior<br />

completo<br />

incompleto<br />

Professor nº 13 Lavrador Lavradora 1º ao 5º ano Analfabeta<br />

Professor nº 14 Comerciante Costureira 1º ao 5º ano 1º ao 5º ano<br />

Professor nº 15 Professor Professora Nível Superior Nível Superior completo<br />

completo<br />

Professor nº 16 Lavrador Dona de casa Menor que 1º ao 5º ano Analfabeta<br />

Professor nº 17 Lavrador Dona de casa Menor que 1º ao 5º ano Menor que 1º ao 5º ano<br />

Professor nº 18 Garimpeiro Professora Menor que 1º ao 5º ano Ensino médio completo<br />

Professor nº 19 Lavrador Professora Menor que 1º ao 5º ano 1º ao 5º ano<br />

Fonte: Pesquisa de Campo - Entrevista com professores da Escola Municipal Oswaldo Pereira Nunes.<br />

Conforme os dados do quadro 2, torna-se possível estabelecer um<br />

direcionamento com relação aos motivos intrínsecos à escolha profissional desses<br />

dezenove professores. A análise de fatores como profissão que os pais exerceram ou<br />

exercem e nível de escolaridade destes abrem possibilidades para uma melhor<br />

compreensão do percurso vivenciado pelos entrevistados e como estas variações<br />

interferiram no momento da escolha profissional.<br />

892


Diante disso, foi observado que 11/38 pais possuem um nível de<br />

escolaridade menor que 1º ao 5º ano, 8/38 cursaram apenas o fundamental menor, 9/38<br />

chegaram a cursar o ensino médio completo. Em contrapartida, 3/38 pais possuem um<br />

curso de nível superior. Dentre os pais, 4/38 são analfabetos; dos três restantes, um<br />

estudou apenas do 6º ao 9º ano, o outro possui o 5º ano incompleto e o último possui o<br />

nível superior incompleto. Fica claro que apenas 3/38 possuem uma formação de nível<br />

superior, demonstrando o baixo grau de escolaridade de grande percentual dos pais, e os<br />

três possuidores de curso de nível superior são licenciados e atuam na carreira docente,<br />

assim como seus filhos.<br />

As profissões que são exercidas pelos pais ajustam-se ao grau de<br />

escolaridade dos mesmos, pois a maioria apresenta ocupação em serviços que não<br />

exigem um nível de escolaridade elevado e que possibilitam uma maior autonomia na<br />

realização das funções concernentes ao trabalho. A lavoura está em primeiro lugar<br />

dentre os locais de serviço dos pais dos entrevistados, sendo exercida em sua maioria<br />

por homens. Estes, por sua vez, têm apenas o ensino fundamental menor completo,<br />

incompleto ou são analfabetos. Entre as mulheres, apenas uma lavradora possui ensino<br />

fundamental maior completo.<br />

A segunda profissão mais exercida é a de professor, desempenhada<br />

principalmente pelos que possuem o nível médio, superior completo e incompleto.<br />

Somente uma professora possuía o ensino fundamental menor, mas esta não mais se<br />

encontra em atuação. Dentre os pais dos entrevistados que exercem a profissão docente,<br />

encontra-se apenas um homem atuando como professor 109 , ressaltando que essa máxima<br />

também é perceptível entre os próprios entrevistados (11 mulheres e 8 homens),<br />

evidenciando que a profissão docente ainda é permeada de atributos que associam a<br />

atividade docente a características encontradas no sexo feminino.<br />

Outra função muito desempenhada é a dona de casa, trabalho exercido tanto<br />

por quem possui escolaridade igual ao fundamental menor incompleto, completo,<br />

109 De acordo com essas observações, as mulheres seriam dotadas de maior paciência, amor e<br />

sensibilidade, aptidões femininas que são refletidas no universo profissional (LOURO Apud MIRANDA,<br />

2011, p.25).<br />

893


ensino médio e uma analfabeta. Desse modo, o homem é em muitos casos o principal<br />

provedor do sustento da família, exercendo profissões como vaqueiro, garimpeiro e<br />

comerciante, profissões não especializadas que, consequentemente, não exigem<br />

escolaridade média para serem realizadas. As outras profissões estão distribuídas entre<br />

os que possuem escolaridade média e de nível fundamental menor, tais como mestre de<br />

obras, gerente de loja, gerente da Caema e agente administrativo.<br />

3.ORIGENS E PROPRIEDADES SOCIAIS COMO FATORES<br />

INFLUENCIADORES NA ESCOLHA DA PROFISSÃO<br />

Quadro 3 – Motivos que influenciaram a escolha da profissão.<br />

Os motivos da escolha<br />

Número de pessoas Valor em porcentagem<br />

Falta de opção de curso e/ou falta<br />

9 48%<br />

de recursos financeiros para investir<br />

em outro curso fora de seu local de origem<br />

Gosto pela área da Educação ou pela<br />

3 16%<br />

profissão de professor<br />

Influência da família 2 10%<br />

Influência de algum professor 1 5%<br />

Prestou vestibular para outra área e não pas 4 21%<br />

/ fato de já trabalhar na área de educação.<br />

Fonte: Pesquisa de Campo - Entrevista com professores da Escola Municipal Oswaldo Pereira<br />

Nunes.<br />

Existe um grande esforço da Sociologia da Educação em evidenciar como as<br />

escolhas realizadas pelos indivíduos são resultados de sujeições socialmente definidas e, em<br />

parte, internalizadas pelos agentes. Desse modo, por escolha não se entende uma decisão<br />

necessariamente livre, racional e consciente. A escolha não se reduz simplesmente ao<br />

momento localizado do tempo em que uma decisão é consolidada. Pelo contrário, esse<br />

894


momento é apenas a consequência de um processo mais ou menos longo de tomada de<br />

decisão por parte do indivíduo (NOGUEIRA; ALMEIDA; QUEIROZ, 2015).<br />

A escolha da profissão é um dos momentos em que se pode identificar o<br />

agir objetivo desses constrangimentos sociais sobre o sujeito. Através dos quadros,<br />

percebe-se que os motivos que contribuíram para a escolha profissional estão<br />

relacionados mais a razões pragmáticas do que pelo gosto ou identificação pessoal com<br />

a profissão, confirmando que as oportunidades de escolha são mais restritivas para<br />

estudantes de meios desfavorecidos (BOURDIEU, 2014, p.21). A escolha profissional<br />

estaria relacionada em maior grau a razões objetivas da realidade vivenciada pelo<br />

indivíduo no decorrer de sua vida escolar e social, o que demonstra o peso da origem<br />

social no momento da escolha profissional.<br />

Assim, observa-se que o processo de escolha profissional e a entrada no<br />

mundo do trabalho “[...] são cada vez mais intrincados, geram dilemas, o que significa<br />

que as possibilidades de escolha profissional não estão relacionadas somente às<br />

características pessoais, mas principalmente ao contexto histórico e ao ambiente<br />

sociocultural em que o jovem vive” (FCC, 2009, p.9). Dessa forma, os indivíduos<br />

desenvolveriam a tendência de ajustamento de seu gosto ao que é objetivamente<br />

possível de ser alcançado pelos mesmos.<br />

É importante, então, observar que o momento da escolha profissional não<br />

corresponde apenas a uma ação consciente e autônoma determinada pelo sujeito de<br />

forma individual, mas ao resultado de um processo objetivo de estruturação da própria<br />

subjetividade do sujeito. Processo esse que depende em parte da posição social que é<br />

ocupada pelo indivíduo dentro da estrutura social.<br />

“[...] As práticas sociais seriam estruturadas, isto é, apresentariam<br />

propriedades típicas da posição social de quem as produz, porque a própria<br />

subjetividade dos indivíduos, sua forma de perceber e apreciar o mundo, suas<br />

preferências, seus gostos, suas aspirações estariam previamente estruturados<br />

em relação ao momento da ação” (NOGUEIRA, 2004, p.64).<br />

895


De acordo com Nogueira (2004), cada indivíduo tem suas vontades<br />

socialmente determinadas pelo meio em que vive. Mediante as respostas fornecidas<br />

pelos entrevistados, foi observada outra particularidade, como o fato de os mesmos<br />

dizerem que apesar de inicialmente a docência não se mostrar atrativa aos mesmos, com<br />

o decorrer do tempo aprenderam a gostar da profissão. Isso comprova como o “gosto”<br />

pode ser socialmente construído, a partir da vivência que se tem dentro de determinado<br />

espaço. No tocante aos entrevistados, a escolha profissional é definida primeiramente<br />

por razões práticas do cotidiano do sujeito, para, depois, iniciar-se um novo processo de<br />

ajustamento do gosto do indivíduo em relação à profissão que está sendo vivenciada.<br />

O argumento de Bourdieu é o de que cada sujeito, em função de sua posição<br />

na estrutura social - definida em termos estáticos, volume e peso relativo dos<br />

diferentes capitais possuídos (econômico, cultural, simbólico e social), e<br />

dinâmicos, trajetória social ascendente ou declinante - vivenciaria uma série<br />

característica de experiências que estruturariam internamente sua<br />

subjetividade, constituindo uma espécie de “matriz de percepções e<br />

apreciações” que orientaria, estruturaria, suas ações em todas as situações<br />

subseqüentes. (NOGUEIRA, 2004, p.65)<br />

Em geral, pode-se dizer que o estudo sobre os motivos inerentes à escolha<br />

profissional possibilitou observações acerca dos seguintes aspectos: i) os professores<br />

entrevistados apresentam fortes semelhanças nos fatores vivenciados antes da escolha<br />

profissional, isto é, os indivíduos não se espalham acidentalmente em decorrência de<br />

supostos interesses ou escolhas de caráter individual. Pelo contrário, essa distribuição<br />

está intimamente relacionada às origens sociais e características econômicas de cada<br />

indivíduo; ii) E que existe um processo social de autosseleção para a escolha da<br />

profissão, por meio do qual os indivíduos tenderiam a se habilitar previamente às<br />

profissões consideradas “adequadas” ao seu perfil social.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O desenvolvimento deste estudo possibilitou lançar um primeiro olhar sobre<br />

as questões inerentes à escolha profissional no município de São Bernardo – MA,<br />

896


apreendendo-se o grau de importância da posse de disposições culturais, econômicas e<br />

sociais neste processo. Além disso, a pesquisa serviu como referência estimulante para<br />

que os próprios professores sejam capazes de compreender e refletirem sobre as suas<br />

próprias trajetórias, vivenciadas até o momento da escolha profissional.<br />

Considerou-se todos esses fatores expostos pelos entrevistados para se<br />

compreender que essas características são resultados do forte peso da origem social<br />

sobre as vontades, ações e escolhas do indivíduo. Viu-se que a escolha não parte apenas<br />

de uma decisão livre e racional do sujeito, mas sim em decorrência de constrangimentos<br />

vivenciados e internalizados socialmente pelo indivíduo.<br />

O fato supostamente contraditório da docência ser considerada uma<br />

atividade não atrativa atualmente, em termos m<strong>ate</strong>riais e simbólicos, e mesmo assim ser<br />

requisitada como profissão na cidade pesquisada, deve-se muito fortemente à ação do<br />

conjunto de disposições sociais objetivas sobre o sujeito, como a baixa oferta de postos<br />

no mercado de trabalho local, também pouco variado e especializado.<br />

Nesses termos, compreende-se que a escolha da docência como atividade<br />

profissional se equilibra entre as disposições adquiridas socialmente pelos postulantes à<br />

carreira, originárias de seu berço familiar, e as condições objetivas de um mercado de<br />

trabalho no qual a Educação pública ocupa posição central, seja pela maior oferta de<br />

vagas, seja pela possibilidade mais palpável de trajetórias não muito aquinhoadas<br />

cultural e economicamente de aquisição de emprego e renda como base para sustentação<br />

de sonhos e voos mais elevados.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BOURDIEU, Pierre. Os herdeiros: os estudantes e a cultura. Pierre Bourdieu e Jean-<br />

Claude Passeron; tradução Ione Ribeiro Valle, Nilton Valle. Florianópolis, Ed. da UFSC,<br />

2014.<br />

BRASIL, ABA (Associação Brasileira de Antropologia). CÓDIGO DE ÉTICA DO<br />

ANTRÓPOLOGO E DA ANTROPÓLOGIA. Brasília / DF: UnB, 2012.<br />

897


DOBRANSZKY, Enid Abreu; LAPLANE, Adriana Friszman. Capital cultural:ensaios<br />

de análise inspirados nas ideias de Pierre Bourdieu. Horizontes. Bragança Paulista, v.<br />

20, p. 59-68, jan./dez. 2002.<br />

FCC – Fundação Carlos Chagas. Atratividade da carreira docente no Brasil.<br />

Relatório Preliminar. São Paulo, 2009. Disponível em: <<br />

http://revistaescola.abril.com.br/pdf/relatorio-final-atratividade-carreira-docente.pdf >.<br />

Acesso: 10/03/2015.<br />

MIRANDA, Marcelo Henrique Gonçalves de. Magistério Masculino (re)despertar<br />

tardio da docência. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2011.<br />

NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins. ALMEIDA, Flávia Juliana de. QUEIROZ,<br />

Kelly Aparecida de Sousa. A escolha da carreira docente: complexificando a<br />

abordagem sociológica.2009. Disponível<br />

em:. Acesso em: 23/03/2015.<br />

NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins. Dilemas na análise sociológica de um<br />

momento crucial das trajetórias escolares: o processo de escolha do curso superior.<br />

Tese (Doutorado) Faculdade de Educação da UFMG, Belo Horizonte. 2004.<br />

PALAZZO, Janete. MACHADO, Michelle Jordão. Desvantagens socioculturais dos<br />

futuros Educadores: que significados? XI Congresso Nacional de Educação -<br />

EDUCERE, Curitiba, 23 à 26/09/2013.<br />

SALLA, Fernanda. RATIER, Rodrigo. Por que tão poucos querem ser professores.<br />

Nova escola. 200? Disponível em: http://www.fvc.org.br/pdf/atratividade-carreira.pdf.<br />

Acesso em: 15/11/ 2014.<br />

SATO, Silvana Rodrigues de Souza. O papel da herança familiar na seleção escolar:<br />

o caso do concurso vestibular da universidade federal de santa Catarina do ano de 2010.<br />

IX-ANPED-SUL. Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul, 2012. Disponível<br />

em:<<br />

http://www.portalanpedsul.com.br/admin/uploads/2012/Psicologia_da_Educacao/Trabal<br />

ho/06_41_08_1868-7354-1-PB.pdf >. Acesso em: 23/03/2015.<br />

898


SETTON, Maria da Graça Jacintho. A Teoria do Habitus em Pierre Bourdieu: uma<br />

leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação, n. 20, maio/jun/jul/ago, 2002.<br />

VALLE, Ione Ribeiro. Carreira do magistério: uma escolha profissional deliberada?<br />

Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília. v. 87, n. 216, p. 178-187,<br />

maio/ago. 2006.<br />

899


PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS E SUAS EXPRESSÕES SIGNIFICATIVAS<br />

NAS RELAÇÕES ENTRE INDIVÍDUOS E COMUNIDADE EM PROJETOS E<br />

PROGRAMAS MILITARES DA 1º USC LUDOVICENSE<br />

SOCIAL EDUCATIONAL PRACTICES AND ITS SIGNIFICANT<br />

EXPRESSIONS IN THE RELATIONS BETWEEN INDIVIDUALS AND<br />

COMMUNITY IN MILITARY PROJECTS AND PROGRAMS OF THE 1st USC<br />

LUDOVICENSE<br />

Esp. Héldio Márlio Fernandes Pereira<br />

Universidade Estadual do Maranhão<br />

(UEMA)<br />

heldiomarlio@gmail.com<br />

Orientadora: MSc. Adriana Rocha da Piedade<br />

Universidade Estadual do Maranhão<br />

(UEMA)<br />

adryarp@hotmail.com<br />

Eixo 1: Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O processo militar na inserção de formas de mediação para construção do<br />

conhecimento e do desenvolvimento humano, com metodologias, procedimentos e<br />

ações socioeducacionais nas comunidades em contextos e tempos diversificados ainda é<br />

insipiente. Sendo a Unidade de Segurança Comunitária (USC) o local ideal para uma<br />

educação formal e informal, pois informações sobre a percepção da comunidade<br />

referente a ação sócio educativa militar no seio social torna-se importante. O estudo<br />

analisou as ações socioeducativas e suas expressões significativas-interpretativas nas<br />

relações entre os moradores da Vila Luizão, Divinéia e Sol e Mar e policiais militares<br />

durante o processo de implementação de projetos e programas na 1º USC na capital<br />

maranhense. A metodologia utilizada foi uma pesquisa aplicada, descritiva, qualiquantitativa<br />

com revisão bibliográfica, pesquisa de campo e aplicação de questionários<br />

900


semiabertos a 420 moradores para obtenção de dados com a posterior análise. Concluise<br />

que entre os anos de 2013 a 2015, a 1ª USC contou com três espaços para às ações de<br />

estreitamento socioeducacional com a comunidade (um auditório, com 60 assentos; um<br />

telecentro de inclusão digital, com 15 computadores; e uma telessala de ensino à<br />

distância, com capacidade para 25 alunos). Inúmeras atividades socioeducacionais e<br />

comunitárias foram desenvolvidas na estrutura da USC para a comunidade. No<br />

auditório, foram realizadas reuniões periódicas com a comunidade e palestras sobre o<br />

uso de drogas nas escolas. No telecentro de inclusão digital, foram realizados cursos e<br />

treinamentos para aprimoramento na área de tecnologia da informação. E, na telessala,<br />

cursos à distância e presencial, através de parcerias com entidades públicas, como o<br />

Instituto Federal de Educação Tecnológica do Maranhão/IFMA, o Serviço Nacional de<br />

Aprendizagem/SENAI e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial/SENAC.<br />

Foram desenvolvidos cursos de Brigadista e Socorrista, que instrumentou jovens e<br />

adultos na prevenção e comb<strong>ate</strong> a sinistros; o projeto “Bombeiro-Mirim”, que orientou<br />

o público infantil sobre comb<strong>ate</strong> a incêndio e <strong>ate</strong>ndimento pré-hospitalar, pautados<br />

sobre valores de ordem moral e cívica; e, o Projeto “Melhor Idade”, que orientou e<br />

motivou pessoas da terceira idade sobre saúde, alimentação e dependência química.<br />

Estratégias de integração também foram realizadas junto à comunidade, como as ações<br />

sociais e os eventos culturais de Natal. Contudo, apesar de sua importância para<br />

aproximação entre comunidade e polícia, capacitação teórico-prática dos atores sociais<br />

envolvidos, consciência sobre a preservação patrimonial, ambiental e humana; observase<br />

a descontinuidade de suas ações resultante da mudança de governo e suas<br />

prioridades, a precária divulgação sobre a sua importância e efetividade<br />

socioeducacional através da mídia impressa e televisiva, a precariedade em seu<br />

orçamento, o desinteresse das entidades-parceiras anteriormente envolvidas e a<br />

mudança do comando inicial da 1º USC.<br />

Palavras-chaves: Polícia Comunitária. Ensino-aprendizagem. Inclusão. Atores sociais.<br />

901


ABSTRACT: The military process of inserting forms of mediation for the construction<br />

of knowledge and human development, methodologies, procedures and socio<br />

educational activities in the communities in contexts and diverse times is still incipient.<br />

Being the Community Safety Unit (USC) the ideal place for formal and informal<br />

education, for information on community perception regarding military educational<br />

partner in social action within becomes important. The study examined the socio<br />

educational activities and their significant-interpretive expressions in the relations<br />

between the inhabitants of the Vila Luizão, Divineia and Sole Mar and military police<br />

during the process of implementing projects and programs in 1 USC in Maranhão<br />

capital. The methodology used was an applied descriptive study, with qualitative and<br />

quantitative literature review, field research and application of semi-open questionnaires<br />

to 420 locals for obtaining data with the subsequent analysis. It was concluded that<br />

between the years 2013 to 2015, the 1st USC had three spaces for the actions of partner<br />

education closer to the community (an auditorium with 60 seats; a telecentre for digital<br />

inclusion, with 15 computers; and a teleclassroom distance learning, with capacity for<br />

25 students). Numerous socio educational and community activities have been<br />

developed at USC structure for the community. In the auditorium, periodic community<br />

meetings and lectures on drug use in schools were held. In the digital inclusion<br />

telecentre were conducted courses and training for improvement in the information<br />

technology area. And in teleclassroom, distance learning and classroom through<br />

partnerships with public entities such as the Federal Institute of Technological<br />

Education of Maranhão / IFMA, the National Service of Learning / SENAI and the<br />

National Commercial Training Service / SENAC. They were developed Brigadista and<br />

Rescue courses, which instrumented youth and adults to prevent and combat the claims;<br />

the project "Fire-Mirim", who guided the young audience on fire fighting and prehospital<br />

care, guided on moral and civic order values; and the project "Golden Age",<br />

which guided and motiv<strong>ate</strong>d seniors on health, food and chemical dependency.<br />

Str<strong>ate</strong>gies integration were also held in the community, such as social activities and<br />

902


cultural events of Christmas. However, despite its importance for rapprochement<br />

between the community and police, theoretical and practical training of social actors<br />

involved, awareness about heritage preservation, environmental and human; observed<br />

the discontinuity of their shares resulting from the change of government and its<br />

priorities, poor disclosure about its importance and effectiveness educational partner<br />

through print and broadcast media, precarious in its budget, the lack of interest<br />

previously involved-partner entities and the change of the initial charge of 1 USC.<br />

Keywords:Community Police. Teaching and learning. Inclusion. social actors.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

No mundo contemporâneo a necessidade de inserção no mercado de<br />

trabalho é ponto fundamental requerido a todos os cidadãos, tornando-se indispensável<br />

a utilização do campo da educação e suas práticas pedagógicas para tal finalidade, com<br />

vistas à promoção da inclusão social com exigências cada vez mais recorrentes e<br />

necessárias sobre as interações, o estabelecimento sadio das relações sociais, a prática<br />

correta da oralidade e da comunicação visual, gestual e da escrita e conhecimentos<br />

básicos sobre a utilização das Tecnologias da Comunicação e Informação.<br />

Neste contexto, a oferta de um ambiente pedagógico voltado para a<br />

formação profissional de atores sociais nas corporações militares permite a preparação e<br />

adequação do mesmo para o mercado de trabalho. Assim, os efeitos positivos não se<br />

restringem somente ao ambiente militar, mas permitem ascensão social, bem-estar físico<br />

e prevenção do aumento da criminalidade em situações de vulnerabilidade.<br />

Embora se considere que a Unidade de Segurança Comunitária (USC) seja o<br />

local ideal para uma educação formal e informal, ao possuir um campo amplo de<br />

informações sobre a percepção da comunidade pautados em ações socioeducativas<br />

militares no seio social, suas ações de mediação inclusiva em contextos e tempos<br />

diversificados, nos âmbitos militares ainda é insipiente. Por isso, se faz necessário o<br />

903


conhecimento da percepção da sociedade sobre as práticas socioeducativas e seus<br />

significados nas relações sociais por meio dos projetos e programas militares<br />

elaborados.<br />

A burocracia ainda se encontra associada à carência de ambientes que<br />

ofertam uma educação profissional. Contudo, pode ser vencido por meio do processo<br />

militar de inserção social através da mediação para a produção do conhecimento e o<br />

desenvolvimento humano como resultado da utilização de metodologias, procedimentos<br />

e ações socioeducacionais em diferentes comunidades nas quais se encontram inseridas<br />

em diversos contextos históricos de exclusão social.<br />

O presente artigo analisou as ações socioeducativas e suas expressões<br />

significativas-interpretativas nas relações entre os moradores da Vila Luizão, Divinéia e<br />

Sol e Mar e policiais comunitários durante o processo de implementação de projetos e<br />

programas na 1º USC na capital maranhense.<br />

2 A 1ª UNIDADE DE SEGURANÇA COMUNITÁRIA: um espaço de educação<br />

inclusiva profissional através da filosofia de polícia comunitária<br />

Ao longo da evolução histórica dos direitos humanos, a proteção dos<br />

direitos civis e políticos tiveram maior relevância em detrimento da proteção dos<br />

direitos socioculturais que ocuparam um espaço secundário. Tal situação contribuiu<br />

para que a criminalização da pobreza fosse associada ao local de moradia do indivíduo,<br />

de sua condição social, do seu gênero, idade e raça, escolaridade, “cor e aparência<br />

definidas, assim com sua descartabilidade seria assegurada frente ao corpo social,<br />

especialmente no senso comum das classes média e alta” (LYRA et al, 2004, p.22-23).<br />

Portanto, é tácito o contexto já mencionado que a discriminação possui<br />

inúmeros fatores associados e o preço a ser pago é elevado, ao se destituir um indivíduo<br />

dos seus direitos e restringi-lo a imposição da sociedade que deveria protegê-lo<br />

Ao discutir as limitações da escolha dos estilos de vida pelos diferentes<br />

grupos ou classes sociais, diz que, na grande maioria, os pobres seriam quase<br />

904


completamente excluídos da possibilidade de escolher estilos de vida, pois, se reduz a<br />

estereótipos, o que o desqualifica do grupo e impede legitimação sobre os privilégios de<br />

outro grupo social. Em geral, há um significado negativo e pejorativo em ser morador<br />

de favelas ou periferias constituídas de bairros pobres, onde há ausência de<br />

infraestrutura, a não ter educação ou boa aparência, falar incorretamente e ser<br />

potencialmente criminoso (GIDDENS, 2002).<br />

Observa-se na ressalva anterior, um contraponto no qual as desigualdades<br />

sociais e regionais como pobreza extrema; alta concentração de fluxos de renda e<br />

estoques de riqueza; baixa qualidade dos serviços públicos, insegurança no trabalho, nas<br />

ruas e nos lares; educação sem qualidade, entre outros problemas relevantes, tornam-se<br />

fenômenos da realidade brasileira inaceitáveis, resultante das mazelas econômicas e<br />

sociais que assolam o cotidiano do país, e que vão contra os princípios dos direitos<br />

defendidos em lei, que permitem ao homem ser cidadão e possuir sua dignidade humana<br />

preservada. A cidadania é, portanto, conceituada por Dalmo Dallari como:<br />

Um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar<br />

ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está<br />

marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando<br />

numa posição de inferioridade dentro do grupo social (DALLARI, 1998,<br />

p.14).<br />

A não concretização da cidadania remete as ações de violência sobre suas<br />

diferentes formas de ocorrências que tem ultrapassado princípios, direitos, deveres e<br />

garantias fundamentais consagrados pela Constituição vigente (1988). Tal conceito<br />

ausente em projetos e metas do governo, principalmente os relacionados à saúde, à<br />

educação e à segurança pública contribui para o aumento da exclusão social.<br />

Observa-se que o desenvolvimento humano completo se vincula ao acesso<br />

de uma educação de qualidade para a formação profissional e construção da cidadania,<br />

com vista a eliminação de barreiras que impossibilitam o direito que todo cidadão<br />

possui para concretizar o seu conhecimento na prática laboral como previsto nas<br />

normativas nacionais e internacionais vigentes.<br />

905


Contudo, na era da globalização se observam os direitos humanos com<br />

características m<strong>ate</strong>rializadas diante das exigências da própria sociedade nas suas<br />

condições emergentes e prioridades determinantes da vida social, com destaque para a<br />

intransigência da inserção do indivíduo no campo de trabalho.<br />

É necessária a redução de índices de criminalidade, violência e<br />

vulnerabilidade das comunidades, assim como a melhoria da sensação de segurança<br />

como consequências da aplicação dos direitos humanos, que podem ser alcançados por<br />

meio da oferta de uma educação inclusiva profissional. Neste sentido, a Polícia militar,<br />

como ente estatal, nos moldes de policiamento comunitário, representa um elo entre o<br />

Estado e a população.<br />

No policiamento comunitário as instituições, como por exemplo, a família, as<br />

escolas, as associações de bairro e os grupos de comerciantes, são<br />

considerados parceiros importantes da polícia para a criação de uma<br />

comunidade tranquila e segura. O êxito da polícia está não somente em sua<br />

capacidade de comb<strong>ate</strong>r o crime, mas na habilidade de criar e desenvolver<br />

comunidades competentes para solucionar os seus próprios problemas<br />

(CURSO NACIONAL DE PROMOTOR DE POLÍCIA COMUNITÁRIA,<br />

SENASP, 2007).<br />

Neste contexto ocorre um processo constante de fortalecimento na busca<br />

pelo rompimento das barreiras invisíveis de desconfiança, ao utilizar diferentes<br />

estratégias e metodologias, entre essas, a educação inclusiva profissional,<br />

principalmente no âmbito das capacitações.<br />

O contexto referenciado ocasiona a quebra dos paradigmas no processo de<br />

comunicação existente entre a força estatal e a comunidade no qual encontra-se inserida,<br />

pois, entende-se de forma clara e objetiva a real finalidade da Polícia Comunitária como<br />

em destacado, deve-se incentivar a participação do diálogo com a comunidade,<br />

envolvendo policiais em eventos cívicos, culturais e de negócios, trabalhando<br />

juntamente com agências sociais e tomando parte de atividades educacionais e<br />

recreativas com crianças em escolas. O objetivo é inserir a polícia como parte integrante<br />

da comunidade. Assim como a igreja e a associação de bairro, a polícia será vista como<br />

mais um integrante desta comunidade, permitindo que esta interfira na definição de<br />

906


prioridades e alocação de recursos (CURSO NACIONAL DE PROMOTOR DE<br />

POLÍCIA COMUNITÁRIA, SENASP, 2007).<br />

O que incide sobre a formulação de práticas socioeducativas e expressões<br />

significativas por meio dos projetos e programas militares, com a participação social<br />

desde a sua elaboração até a sua aplicação, sendo os últimos o foco de partida e<br />

interesse para:<br />

Fortalecer e mobilizar a comunidade, capacitando-a para a resolução de<br />

problemas relacionados à segurança pública; estimular a articulação entre<br />

órgãos públicos e organizações não governamentais para que, trabalhando<br />

conjuntamente, formassem uma rede local de proteção social que aumentasse<br />

a oferta e aprimorasse os serviços públicos e privados para a população;<br />

ampliar as oportunidades de educação, cultura, lazer e profissionalização;<br />

incentivar o deb<strong>ate</strong> sobre os problemas de segurança na comunidade; reduzir<br />

o sentimento de insegurança; melhorar o policiamento na comunidade<br />

(MANUAL DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO: POLÍCIA E<br />

COMUNIDADE NA CONSTRUÇÃO DA SEGURANÇA, 2009, p.37, grifo<br />

nosso).<br />

Consequentemente ocorre a legitimação social com foco no<br />

desenvolvimento de atividades laborais e mudanças comportamentais, que possibilitam<br />

a inserção da sociedade como elo importante e essencial para a prevenção de ações<br />

criminosas e a promoção da educação profissional inclusiva e social, com a participação<br />

das instituições civis e militares nos processos de regulação e implementação de<br />

atividades disciplinares e educacionais. Pondera-se que apesar disso, cabe a toda a<br />

sociedade à responsabilidade social, em parte, ao reconhecimento de que a esfera de<br />

convivência repercute diretamente na socialização infanto-juvenil, além de ser,<br />

juntamente com a família, espaço crucial para defesa dos direitos humanos (NJAINE;<br />

MINAYO, 2003).<br />

Surge o senso de cooperação em prol de um objetivo comum, a repressão da<br />

violência a partir da participação de todos os envolvidos, sejam militares e civis, dentro<br />

do processo democrático de educação inclusiva profissional, conforme (...) as<br />

possibilidades de ter-se uma polícia cada vez mais próxima dos cidadãos, que promova<br />

segurança objetiva e subjetiva (SAPORI, 2006). Tais possibilidades de promoção da<br />

907


segurança objetiva e subjetiva reforçam a aproximação entre a polícia militar e a<br />

comunidade.<br />

Sendo que Bengochea et al. (2004) questionam a possibilidade de uma<br />

polícia diferente em uma sociedade democrática. Tais autores consideram que essa<br />

possibilidade passa por alguns eixos: por mudanças nas políticas de qualificação<br />

profissional, por um programa de modernização e por processos de mudanças<br />

estruturais e culturais que discutam questões centrais para as polícias, como as relações<br />

com a comunidade, contemplando o espaço das cidades; a mediação de conflitos do<br />

cotidiano como o principal papel de sua atuação; e o instrumental técnico e valorativo<br />

do uso da força e da arma de fogo.<br />

E para a sua concretização necessitam da participação ativa dos atores<br />

sociais locais e interessados.<br />

As lideranças comunitárias, organizações e movimentos sociais possuem a<br />

capacidade de mobilizar atores locais e garantir a participação da<br />

comunidade. Possuem ainda a capacidade de mobilizar e articular a<br />

participação de agentes públicos, além de sustentá-la e dar continuidade a<br />

programas e ações durante processos de mudança de governo (MESQUITA<br />

NETO, 2006, p.53-64).<br />

Consequentemente, percebe-se que a participação dos atores sociais, o que<br />

afeta diretamente na preservação dos direitos previstos em lei e a continuidade das<br />

estratégias e metodologias educacionais inclusivas. Para a compreensão deste contexto<br />

de rupturas e os seus entraves, estudiosos buscam conhecer o saber que estes produzem<br />

em suas práticas cotidianas (MUNIZ, 1999).<br />

Assim sendo, em seu novo percurso de modificação de ações de força para<br />

as ações de inclusão social por meio da educação, a polícia militar iniciou um processo<br />

de inovações em seu funcionamento e em suas práticas, na Entidade Militar, representar<br />

um forte instrumento de controle social do Estado, reconhecido e legitimado<br />

socialmente, que tem como foco tanto o comb<strong>ate</strong> à violência (crimes) quanto à<br />

manutenção da ordem pública; segundo, porque, direta ou indiretamente, ela (a polícia)<br />

participa, com ações efetivas, nas escolas. (...) (ARAÚJO, 2000; GONÇALVES e<br />

SPÓSITO, 2002).<br />

908


Tais ações preventivas utiliza a educação inclusiva profissional como um<br />

dos seus instrumentais, que de maneira concomitante age sobre a criminalidade e insere<br />

a sociedade em um outro contexto social com a participação efetiva da mesma. Neste<br />

sentido, é possível identificar projetos da própria polícia com o objetivo de desenvolver<br />

ações preventivas envolvendo alunos, professores e pais (ARAÚJO, 2000;<br />

GONÇALVES, SPÓSITO, 2002), e a comunidade em geral em suas instituições, como<br />

na Primeira USC em São Luís, Maranhão.<br />

Na certeza de que tais ações são fundamentais ao homem para a manutenção<br />

da sua dignidade humana na sociedade, através das quais lhes são asseguradas as<br />

múltiplas dimensões da vida humana e garantida a realização integral da pessoa frente<br />

aos órgãos do poder, reforça-se a leitura dos objetivos fundamentais da República<br />

brasileira, de acordo com a Carta Magna, em seu artigo 3º:<br />

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;<br />

<strong>II</strong> – garantir o desenvolvimento nacional;<br />

<strong>II</strong>I ‐ erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais<br />

e regionais;<br />

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,<br />

idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).<br />

Observa-se que a ordem pública baseada em uma sociedade livre, justa e<br />

solidária, passa a ser definida também no cotidiano, ao exigir uma atuação estatal<br />

mediadora dos conflitos e interesses difusos e, muitas vezes, confusos. É então satisfeita<br />

a exigência da democracia em relação a função policial protetora de direitos dos<br />

cidadãos em um ambiente conflitivo, cuja responsabilidade se estende a formação dos<br />

cidadãos para a sua inclusão social, e não somente a segurança de todos, ou seja, “a<br />

polícia comunitária trabalha em conjunto com a população e as instituições de<br />

segurança pública e defesa social” (CURSO NACIONAL DE PROMOTOR DE<br />

POLÍCIA COMUNITÁRIA,SENASP, 2007).<br />

Em consequência a polícia militar responsável pelo policiamento repressivo<br />

muda suas estratégias de enfrentamento a violência ao optar por ações preventivas e<br />

promocionais nas localidades nas quais se encontram inseridas por meio da mediação<br />

909


comunitária e democrática que possui os seguintes objetivos expostos por meio da<br />

conceituação da mediação comunitária pela pesquisadora Sales (2003, p. 135):<br />

A mediação comunitária possui como objetivo desenvolver entre a população<br />

valores, conhecimentos, crenças, atitudes e comportamentos conducentes ao<br />

fortalecimento de uma cultura político-democrática e uma cultura de paz.<br />

Busca ainda enfatizar a relação entre os valores e as práticas democráticas e a<br />

convivência pacífica e contribuir para um melhor entendimento de respeito e<br />

tolerância e para um tratamento adequado daqueles problemas que, no âmbito<br />

da comunidade, perturbam a paz.<br />

Portanto, a inclusão social realizada na 1º USC Ludovicense tem ocasionado<br />

transformações de cunho político e social, pautada na compreensão pela sociedade do<br />

processo distinto entre um ambiente conflitivo e um ambiente no qual se busca e<br />

contribui para a paz social, embora ainda subsistam a complexidade dos problemas da<br />

violência e da criminalidade em seus arredores.<br />

No momento em que começa a existir essa transformação política e social, a<br />

compreensão da sociedade como um ambiente conflitivo, no qual os<br />

problemas da violência e da criminalidade são complexos, a polícia passa a<br />

ser demandada para garantir não mais uma ordem pública determinada, mas<br />

sim os direitos, como está colocado na constituição de 88. Nesse novo<br />

contexto, a ordem pública passa a ser definida também no cotidiano, exigindo<br />

uma atuação estatal mediadora dos conflitos e interesses difusos e, muitas<br />

vezes, confusos. Por isso, a democracia exige justamente uma função policial<br />

protetora de direitos dos cidadãos em um ambiente conflitivo. A ação da<br />

polícia ocorre em um ambiente de incertezas, ou seja, o policial, quando sai<br />

para a rua, não sabe o que vai encontrar diretamente; ele tem uma ação<br />

determinada a fazer e entra num campo de conflitividade social. Isso exige<br />

não uma garantia da ordem pública, como na polícia tradicional, sustentada<br />

somente nas ações repressivas, pelas quais o ato consiste em reprimir para<br />

resolver o problema. O campo de garantia de direitos exige uma ação mais<br />

preventiva, porque não tem um ponto determinado e certo para resolver<br />

(BENGOCHEA et al, 2004, p. 120).<br />

De acordo com os autores citados acima, a polícia militar passa a ser<br />

solicitada para garantir os direitos. Ressalta-se que a sociedade é um organismo<br />

complexo. Portanto, todas as situações que nela permeiam possuem também sua<br />

complexidade. Tal contexto exige ações diversificadas de enfrentamento das situações<br />

de violência pautadas em ações sob a perspectiva do conceito de cidadania com a<br />

910


utilização de ações de prevenção e recuperação para os excluídos socialmente e os<br />

responsáveis por ações delituosas.<br />

A 1º USC da capital maranhense possui como objetivo a busca pela defesa<br />

da cidadania em um mesmo local, com um aparato policial de 92 militares (PMs), 5<br />

viaturas, 4 motocicletas e 2 novos quadriciclos, uma sala de convivência aberta à<br />

comunidade, um auditório com capacidade para 60 lugares e uma sala de inclusão<br />

digital onde funcionar um telecentro, com 15 terminais para a realização de cursos<br />

profissionalizantes para jovens, adolescentes e adultos da região.<br />

Neste contexto, é tácito ressaltar que os profissionais militares possuem a<br />

finalidade de transpor os limites dos indivíduos, desafiando-o continuamente por meio<br />

de novas metodologias para a produção de novos conhecimentos ao permitir a sua<br />

inserção no seio da sociedade por meio da educação inclusiva profissional. Sob uma<br />

nova perspectiva contrária a totalidade da rotina de exclusão que em inúmeras situações<br />

impossibilitava-os do convívio social.<br />

Os policiais militares durante sua prática pedagógica unitária ou<br />

compartilhada fazem uso de metodologias direcionadas a autonomia do educando para<br />

que possibilite ao mesmo a sua inserção social com participações efetivas de maneira<br />

autônoma e unitária. Em consonância a acessibilidade e a informática como<br />

metodologia inclusiva utilizadas na Unidade de Polícia Comunitária representam<br />

transformações valiosas para o contexto social.<br />

É a possibilidade de transformação da realidade que contribui para que o<br />

processo de segregação comumente presenciado em locais de exclusão social seja<br />

sanado, o que reflete na legitimação social do indivíduo para o desenvolvimento do seu<br />

trabalho e no estabelecimento de parceria com a população no processo de<br />

desenvolvimento intelectual, social, profissional e preventivo.<br />

É a forma de valorização do indivíduo ao possibilitar a efetivação de suas<br />

capacidades cognitivas e motoras por meio de interações com o meio e com outros<br />

considerando a oportunidade de ultrapassar as suas limitações. É torna-lo um indivíduo<br />

ativo, antes visto sob uma ótica passiva. Assim, observa-se a necessidade de uma equipe<br />

911


capacitada para que utilize com finalidade educacional inclusiva as Tecnologias da<br />

Informação e Comunicação (TICs) na primeira USC da capital maranhense.<br />

3 METODOLOGIA<br />

A pesquisa abrangeu a análise das ações socioeducativas e suas expressões<br />

significativas-interpretativas nas relações entre os moradores da Vila Luizão, Divinéia e<br />

Sol e Mar e policiais militares durante o processo de implementação de projetos e<br />

programas na 1º USC na capital maranhense.<br />

A 1º USC do bairro Divinéia/Vila Luizão foi construída em uma área total<br />

de 1.778 m², sendo 475 m² de área, cujo endereço fica na Avenida Argentina, na Rua<br />

Peru, na Divinéia, inaugurada em fevereiro de 2013, com um Sistema de<br />

Videomonitoramento com 10 câmaras distribuídas em locais estratégicos e escolhidos<br />

pela própria população, cobrindo toda a região 24 horas interligadas ao Centro<br />

Integrado de Operações de Segurança (CIOPS) localizado na Avenida dos Franceses,<br />

s/nº – Vila Palmeira, São Luís – MA.<br />

Utilizou-se a modalidade de pesquisa exploratória para a caracterização<br />

inicial do problema, com uma pesquisa descritiva e documental, com aplicação de<br />

questionários semiabertos para um total de 420 moradores dos locais em estudo e as<br />

atividades da 1º USC nos mesmos realizadas.<br />

Para isso, optou-se o método dialético por meio da investigação da realidade<br />

através do estudo, ou seja, segundo o autor como um levantamento de caráter descritivo,<br />

pois permite, [...] aliar as vantagens de se obter os aspectos qualitativos das informações<br />

à possibilidade de quantificá-los posteriormente. Esta associação realiza-se em nível de<br />

complementaridade, possibilitando ampliar a compreensão do fenômeno em estudo<br />

(PIOVESAN; TEMPORINI, 1995, p. 322).<br />

A digitação de dados foi realizada em planilhas do programa Excel, a fim de<br />

que a consistência entre os dados fosse estabelecida e qualquer discrepância pudesse ser<br />

912


conferida nos questionários semiabertos originais. Foi realizada a estatística descritiva,<br />

com cálculos de média e porcentagem.<br />

Portanto, a modalidade de delineamento utilizado foi classificada quanto a<br />

sua natureza, como uma pesquisa aplicada, quanto aos objetivos, como descritiva,<br />

quanto à abordagem, como qualitativa e quantitativa (LEOPARDI, 2001). Com a<br />

posterior organização dos resultados em gráficos, para visualização, com a reescrita de<br />

opiniões e das informações referentes à temática abordada, e, por fim, fez-se a<br />

comparação entre os resultados esperados e a discussão dos mesmos.<br />

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

Inicialmente no intuito de obter dados referentes a percepçao da<br />

comunidade sobre a aproximação da polícia após a implantação da 1ª USC da capital<br />

maranhense aplicou-se questionários semiabertos, nos quais se constataram os<br />

resultados abaixo:<br />

Percepção da comunidade sobre a aproximação da polícia após a implantação da<br />

1ª USC em São Luís/MA<br />

Sim<br />

Não<br />

Fonte: Próprio autor<br />

913


Os resultados demonstram que 57% dos entrevistados perceberam uma<br />

maior aproximação entre o Ente de Poder do Estado e a comunidade dos bairros da<br />

Divinéia, Sol e Mar e Vila Luizão, no qual encontra-se inserida a Primeira Unidade de<br />

Segurança Comunitária da Capital Maranhense.<br />

Observa-se que os objetivos propostos a partir da implantação da Unidade<br />

de Segurança Comunitária (USC) não se concretizaram na totalidade, pois uma parcela<br />

considerável dos moradores ainda conserva “tabus” sobre a finalidade da implantação<br />

da 1º USC e a relação Polícia Militar e Comunidade, o que é um entrave sob a<br />

aproximação mais efetiva do “elo” comunidade-polícia comunitária.<br />

Diante a tal resultado, ressalta-se a emergente necessidade da concepção e<br />

percepção da comunidade sobre a importância das diversas entidades de cunho social na<br />

mobilização dos atores sociais para a “quebra dos paradigmas” existentes, em vista a<br />

busca por mudanças expressivas na forma de pensar e agir de ambos os envolvidos, o<br />

que remonta ao explicitado por Mesquita Neto:<br />

As lideranças comunitárias, organizações e movimentos sociais possuem a<br />

capacidade de mobilizar atores locais e garantir a participação da<br />

comunidade. Possuem ainda a capacidade de mobilizar e articular a<br />

participação de agentes públicos, além de sustentá-la e dar continuidade a<br />

programas e ações durante processos de mudança de governo (MESQUITA<br />

NETO, 2006, p.53-64).<br />

Diante o explicitado, percebe-se a importância do ato de convencimento das<br />

lideranças comunitárias por parte da Polícia Comunitária, pois a continuidade e<br />

aprimoramento dos programas militares depende diretamente do interesse da<br />

comunidade, do governo vigente e das exigências da sociedade diante a esse.<br />

No policiamento comunitário as instituições, como por exemplo, a família, as<br />

escolas, as associações de bairro e os grupos de comerciantes, são<br />

considerados parceiros importantes da polícia para a criação de uma<br />

comunidade tranquila e segura. O êxito da polícia está não somente em sua<br />

capacidade de comb<strong>ate</strong>r o crime, mas na habilidade de criar e desenvolver<br />

comunidades competentes para solucionar os seus próprios problemas<br />

(CURSO NACIONAL DE PROMOTOR DE POLÍCIA COMUNITÁRIA,<br />

SENASP ,2007).<br />

914


Assim por intermédio destas relações sociais, positivas, pode-se entender e<br />

compreender os fatores que impedem à socialização, à promoção da cidadania, à<br />

formação de atitudes críticas e reflexivas, às opiniões, o desenvolvimento pessoal e<br />

profissional, de forma a combatê-los.<br />

É tácita a necessidade da derrocada dos entraves a união entre comunidade e<br />

polícia comunitária. Sendo assim, a própria polícia faz uso de metodologias e<br />

estratégias pedagógicas que visem a aproximação, valorização e conservação de ambas<br />

em um sentido isonômico, no qual os envolvidos possuem seus direitos e deveres, e os<br />

referidos mantêm-se conservados de maneira respeitosa. (...) O objetivo é inserir a<br />

polícia como parte integrante da comunidade. Assim como a igreja e a associação de<br />

bairro, a polícia será vista como mais um integrante desta comunidade, permitindo que<br />

esta interfira na definição de prioridades e alocação de recursos (CURSO NACIONAL<br />

DE PROMOTOR DE POLÍCIA COMUNITÁRIA / GRUPO DE TRABALHO,<br />

PORTARIA SENASP nº 002/2007).<br />

Tal contexto somente é alcançado a partir da derrubada de obstáculos e<br />

distorções mascaradas através de inúmeras alegações que não podem ser admitidas<br />

como fatores que limitam ou restringem os direitos humanos previstos em lei, entre os<br />

quais o dever do Estado de ofertar uma educação de qualidade que possibilite ao<br />

indivíduo sua inserção no seio social e no campo de trabalho. E ainda, (...) as<br />

possibilidades de ter-se uma polícia cada vez mais próxima dos cidadãos, que promova<br />

segurança objetiva e subjetiva (SAPORI, 2006).<br />

Consequentemente, a busca por alternativas se torna fator importante e<br />

viável ao possibilitar “o aprender, o compreender e o fazer” diante do rol dos direitos<br />

fundamentais previstos na Constituição Federal Brasileira. A oportunidade concreta da<br />

efetivação dos direitos fundamentais mediada pela polícia militar contribui para a<br />

aproximação da mesma e aceitação no seio social.<br />

Percepção dos moradores dos bairros amostrais nas atividades comunitárias junto<br />

a PM na 1ª USC em São Luís/MA.<br />

915


Fonte: Próprio autor<br />

Ao se observar os resultados percebe-se a necessidade emergente de uma<br />

maior veiculação das informações sobre a oferta das atividades educacionais<br />

profissionais inclusivas por parte da polícia militar. Portanto, é de suma importância a<br />

divulgação das metodologias e estratégias empregadas, haja vista a sua intenção de<br />

transformação social e cumprimento de deveres que incide sobre a melhoria de vida dos<br />

moradores, como objetivos da Polícia Comunitária:<br />

Fortalecer e mobilizar a comunidade, capacitando-a para a resolução de<br />

problemas relacionados à segurança pública; estimular a articulação entre<br />

órgãos públicos e organizações não governamentais para que, trabalhando<br />

conjuntamente, formassem uma rede local de proteção social que aumentasse<br />

a oferta e aprimorasse os serviços públicos e privados para a população;<br />

ampliar as oportunidades de educação, cultura, lazer e profissionalização;<br />

incentivar o deb<strong>ate</strong> sobre os problemas de segurança na comunidade; reduzir<br />

o sentimento de insegurança; melhorar o policiamento na comunidade<br />

(MANUAL DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO: POLÍCIA E<br />

COMUNIDADE NA CONSTRUÇÃO DA SEGURANÇA, 2009, p.37).<br />

916


Para isso, deve-se evitar a ideia de hierarquização de poder de uns sobre os<br />

outros no qual se imputa atos de desfavorecimento sobre o outro, e, assim, relaciona-se<br />

ao poder de incluir ou excluir, de pertencer ou não pertencer, de demarcar fronteiras, de<br />

classificar em bons ou maus, em racional ou irracional, de identificar como normal ou<br />

anormal as ações da comunidade ou da polícia.<br />

Em tal contexto é de suma relevância que se considere a mudança de<br />

paradigmas sobre as ações policiais, o que conforme Bengochea et al. (2004), a<br />

possibilidade passa por alguns eixos: por mudanças nas políticas de qualificação<br />

profissional, por um programa de modernização e por processos de mudanças<br />

estruturais e culturais que discutam questões centrais para as polícias, como as relações<br />

com a comunidade, contemplando o espaço das cidades; a mediação de conflitos do<br />

cotidiano como o principal papel de sua atuação; e o instrumental técnico e valorativo<br />

do uso da força e da arma de fogo.<br />

Sendo importante que a comunidade reconheça a 1º USC maranhense como<br />

um espaço de todos, pautada no respeito democrático, com vistas ao melhor<br />

desenvolvimento do processo educacional profissional inclusivo ofertado a sociedade.<br />

Ou seja, a 1º USC não se resume a um ambiente laboral das ações policiais pelo uso da<br />

força e/ou da utilização de armas de fogo, mas um local formador de intelectuais e de<br />

inclusão social, pois, além de conhecimento, ensina a produzir valores, ética e razão por<br />

intermédio da profissionalização.<br />

As possibilidades de mudança da atuação policial legitimam as ações<br />

transformadoras de cunho social realizadas nos espaços das instituições militares com a<br />

utilização de atividades educacionais de inclusão social ofertada ao público. Embora, o<br />

resultado acima afirme uma percepção e interesse ainda incipientes sobre as atividades<br />

realizadas pela 1º USC, percebe-se que a comunidade do entorno se destaca com<br />

participação efetiva.<br />

A 1º USC Maranhense realiza diferentes atividades comunitárias e de<br />

inclusão social e tecnológica. As atividades comunitárias e de qualificação profissional<br />

917


inclusivas foram realizadas no ano de 2014 nos espaços de convivência social<br />

destinadas ao público na 1º USC, como exemplificado posteriormente:<br />

Espaços de vivência e qualificação para a comunidade<br />

Fonte: Próprio autor<br />

Após a leitura do gráfico observa-se que a 1º USC do bairro Divinéia/Vila<br />

Luizão é subdividida em uma sala de convivência aberta à comunidade, um auditório<br />

com capacidade para 60 lugares e uma sala de inclusão digital, onde funcionar um<br />

telecentro, com 15 terminais para a realização de cursos profissionalizantes para jovens,<br />

adolescentes e adultos da região. (...) É possível identificar projetos da própria polícia<br />

com o objetivo de desenvolver “ações preventivas” envolvendo alunos, professores e<br />

pais (ARAÚJO, 2000; GONÇALVES, SPÓSITO, 2002).<br />

A formulação de regras claras e objetivas com a participação da comunidade<br />

civil e militar para a sua definição, aplicação e implementação com critérios de decisões<br />

uniformes a serem utilizados por todos durante as atividades na 1º USC e na própria<br />

comunidade é importante para o êxito de todos. Consequentemente ocorre a efetivação e<br />

continuidade das diversas atividades realizadas, como as observadas abaixo:<br />

918


Atividades realizadas<br />

Fonte: Primeira USC/PMMA<br />

É interessante ressaltar que diversas atividades são elaboradas dentro das<br />

instalações militares que buscam o comb<strong>ate</strong> a violência em suas variadas formas, como<br />

a escolar e a doméstica e a inserção no mercado de trabalho por meio da educação<br />

profissional inclusiva.<br />

Cursos ofertados pela 1º USC para a comunidade<br />

Fonte: SADAI/SSP<br />

919


Entre os cursos, pode-se citar, o curso de auxiliar de Escritório e para as<br />

mulheres da comunidade, os cursos de Formação Inicial e Continuada em Preparo,<br />

Conservação e Congelamento de Alimentos (Projeto Mulheres Mil).<br />

Ações de Inclusão Profissional - Treinamento SEBRAE/2014<br />

Fonte: Primeira USC/PMMA<br />

Para a comunidade são oferecidos diversificados cursos por meio de<br />

diferentes entidades da sociedade civil, como o programa Maranhão Profissional que<br />

tem parceria com a Associação Comercial, Serviço Nacional de Aprendizagem<br />

Industrial (SENAI), Serviço Social do Comércio (SESC), Serviço Nacional de<br />

Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas<br />

Empresas (SEBRAE), Instituto Federal de Educação Tecnológica do Maranhão (IFMA)<br />

e outras universidades.<br />

Tem-se ainda, as ações inclusivas que são ofertadas, o que cumpre o papel<br />

focado na ideia de que a responsabilidade é expansiva, e não somente a segurança de<br />

todos deve ser requerida somente a polícia, ou seja, “a polícia comunitária trabalha em<br />

conjunto com a população e as instituições de segurança pública e defesa social”<br />

(CURSO NACIONAL DE PROMOTOR DE POLÍCIA COMUNITÁRIA, SENASP,<br />

2007).<br />

920


Ações de Inclusão social - Projetos ( Curso de Brigadistas e socorristas – BMMA) –<br />

2014<br />

Fonte: Primeira USC/PMMA<br />

Entre os cursos ofertados para a inclusão social tem-se o de Brigadista e<br />

Socorristas ministrado pelos Bombeiros Militares do Maranhão, o que confirma a<br />

formação de uma rede profissionalizante e de inclusão. Desta forma a mediação<br />

fomentada nos espaços militares pautados na filosofia da polícia comunitária, com a<br />

participação efetiva dos agentes de segurança pública, as entidades civis e a<br />

comunidade, torna-se inovadora ao fazer uso de estratégias e metodologias pedagógicas<br />

exclusivas, entre as quais a oferta de vagas nos Projetos Bombeiro Mirim, no de Melhor<br />

Idade e do Idoso Cidadão.<br />

Estratégias de Inclusão Social – Projetos “Bombeiro Mirim”, “Melhor Idade” e<br />

“Idoso Cidadão” – 2014<br />

Fonte: Primeira USC/PMMA<br />

921


O que resulta na integração Polícia Militar por meio da Polícia Comunitária<br />

e a comunidade, através de participações efetivas em eventos, ações sociais, formaturas,<br />

reuniões nas escolas (PROERD) e reuniões realizada com os membros da sociedade que<br />

se destacam como lideranças comunitárias para a formação do Conselho Comunitário<br />

de Segurança.<br />

Ações de integração com a comunidade: ações sociais, eventos culturais, formaturas,<br />

reuniões nas escolas e reuniões promovidas pelo comando com as lideranças da<br />

comunidade – 2014<br />

Fonte: Primeira USC/PMMA<br />

Existem ainda, as ações de integração social no seio da sociedade, a citar a<br />

coleta seletiva com reflexos sobre a preservação do meio ambiente, o reforço escolar<br />

que possibilita a reinserção do educando e o enfrentamento direto as dificuldades<br />

encontradas durante o processo de ensino-aprendizagem, assim como, a oferta de<br />

cursinhos preparatórios para o vestibular.<br />

Associado tem-se as visitas rotineiras aos estabelecimentos comerciais,<br />

associações, CRAS como estratégia preventiva e a efetivação pela busca de<br />

concretização dos direitos constitucionais e dos deveres associados, como ocorridos em<br />

2016.<br />

Desenvolver entre a população, valores, conhecimentos, crenças, atitudes e<br />

comportamentos conducentes ao fortalecimento de uma cultura políticodemocrática<br />

e uma cultura de paz. Busca ainda enfatizar a relação entre os<br />

valores e as práticas democráticas e a convivência pacífica e contribuir para<br />

um melhor entendimento de respeito e tolerância e para um tratamento<br />

922


adequado daqueles problemas que, no âmbito da comunidade, perturbam a<br />

paz (SALES, 2003, p.135).<br />

Além das atividades de inclusão social e ações de integração com a<br />

comunidade mencionada ocorre um acompanhamento contínuo com as crianças e<br />

adolescentes em situações de risco nas áreas onde a 1º USC foi instalada, através da<br />

qual realizam diversas atividades educativas contra a violência e inclusão social da<br />

comunidade.<br />

Ações de integração com a comunidade: coleta seletiva e reforço escolar – 2016<br />

Fonte: Próprio autor<br />

Percebe-se neste sentido, que os agentes de segurança realmente interessamse<br />

pela garantia da efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos por meio de<br />

interações sociais com a sociedade em um processo de mediação e negociação<br />

compartilhada com a utilização de metodologias pautadas na educação inclusiva<br />

profissional.<br />

923


Ações de integração com a comunidade: coleta seletiva e reforço escolar –<br />

2016<br />

Fonte: Primeira USC/PMMA<br />

Portanto, é de fundamental importância a percepção social concreta e<br />

efetivada sobre as atividades desempenhadas pela sociedade nos ambientes militares,<br />

pois através da mesma ocorre a continuidade e concretização das atividades acima<br />

elencadas. Sendo ainda relevante a promoção de mecanismos específicos de<br />

comunicação entre toda a comunidade educativa e a polícia comunitária, em forma de<br />

ações em rede, com a distribuição de m<strong>ate</strong>riais informativos para toda a sociedade e a<br />

realização de campanhas de informação e sensibilização nos meios de comunicação<br />

social para que se tenha um maior aprofundamento do conhecimento sobre a real<br />

difusão da oferta da educação profissional inclusiva pela polícia militar.<br />

5 CONCLUSÃO<br />

Conclui-se que inúmeros projetos, ações e estratégias de integração social<br />

foram realizadas junto à comunidade, como as ações sociais, capacitações profissionais<br />

inclusivas e os eventos culturais, como o de Natal, cujo objetivo não é somente a<br />

percepção da sociedade sobre a importância da aproximação com a polícia comunitária.<br />

Contudo, apesar de sua relevância, para a capacitação teórico-prática dos<br />

atores sociais envolvidos, para a conscientização sobre a preservação patrimonial,<br />

ambiental e humana; observa-se a descontinuidade de suas ações no ano vigente<br />

924


esultante da mudança de governo e suas prioridades, a precária divulgação sobre a sua<br />

importância e efetividade socioeducacional através da mídia impressa e televisiva, a<br />

precariedade em seu orçamento, o desinteresse das entidades-parceiras anteriormente<br />

envolvidas e a mudança do comando inicial da 1º USC.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ARAÚJO, Maria Carla de Ávila. Vivências escolares de jovens de um bairro de<br />

periferia de Belo Horizonte: um estudo exploratório das marcas da violência na<br />

construção de suas identidades. 2000. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade<br />

de Educação, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2000.<br />

BENGOCHEA, Jorge Luiz Paz; GUIMARAES, Luiz Brenner; GOMES, Martin Luiz;<br />

ABREU, Sérgio Roberto de. A transição de uma polícia de controle para uma polícia<br />

cidadã. São Paulo Perspec.[online]. 2004, vol.18, n.1, pp.119-131. ISSN 0102-8839.<br />

Disponível em: . Acesso<br />

em: 02 nov. 2017.<br />

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.<br />

Brasília: DF. Senado, 1988.<br />

CURSO NACIONAL DE PROMOTOR DE POLÍCIA COMUNITÁRIA. Grupo de<br />

Trabalho. Portaria SENASP nº 002/2007. - Brasília – DF: Secretaria Nacional de<br />

Segurança Pública – SENASP.2007<br />

DALLARI, Dalmo. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Moderna, 1998.<br />

GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.<br />

LYRA, Diogo Azxvedo et al. Relatório RIO: violência policial e insegurança pública.<br />

Ttradução: Lincoln Ellis.[et al.] — Rio de Janeiro : Justiça Global, 2004.<br />

GONÇALVES, Luiz Alberto de Oliveira; SPÓSITO, Marília P. Iniciativas públicas de<br />

redução da violência escolar no Brasil. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n 115, p.<br />

101-138, mar. 2002.<br />

LEOPARDI, M. T. Metodologia da pesquisa na saúde. Santa Maria: Pallotti, 2001.<br />

925


MANUAL DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO: Polícia e Comunidade na<br />

Construção da Segurança [recurso eletrônico] / Núcleo de Estudos da Violência da<br />

Universidade de São Paulo (NEV/USP). – Dados eletrônicos. - 2009.<br />

MESQUITA NETO, Paulo de. Segurança, Justiça e Direitos Humanos no Brasil. In<br />

LIMA, Renato S.; PAULA, Liana de (eds.). Violência e Segurança Pública:O Estado<br />

está cumprindo o seu papel? São Paulo: Editora Contexto, 2006.<br />

MUNIZ, Jaqueline. Ser policial é antes de tudo uma razão de ser. 1999: cultura e<br />

cotidiano da Polícia Militar do Rio de Janeiro. 250 f. Tese (Doutorado em Sociologia) –<br />

Iuperj, Rio de Janeiro, 1999.<br />

NJAINE, K.; MINAYO, M. C. S. Violência na escola: identificando pistas para a<br />

prevenção. Revista Interface:Comunicação, Saúde, Educação, v.7, n.13, p.119-134,<br />

2003.<br />

PIOVESAN, A. e Temporini, E.R. Pesquisa exploratória: procedimento metodológico<br />

para o estudo de fatores humanos no campo da saúde pública. Rev. Saúde Pública, Ago<br />

1995, vol.29, no.4, p.318-325.<br />

SALES, Lília Maia de Morais. Justiça e Mediação de Conflitos. Belo Horizonte: Del<br />

Rey, 2003.<br />

SAPORI, Luis Flávio. Política de segurança pública e controle da criminalidade –<br />

os desafios da provisão da ordem pública como bem coletivo. 2006. 206f. Tese<br />

(Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de<br />

Janeiro, Rio de Janeiro,2006.<br />

926


PRÁTICAS SOCIOEDUCATIVAS E SUAS EXPRESSÕES SIGNIFICATIVAS<br />

NAS RELAÇÕES ENTRE INDIVÍDUOS E COMUNIDADE EM PROJETOS E<br />

PROGRAMAS MILITARES DA 1º USC LUDOVICENSE<br />

SOCIAL EDUCATIONAL PRACTICES AND ITS SIGNIFICANT<br />

EXPRESSIONS IN THE RELATIONS BETWEEN INDIVIDUALS AND<br />

COMMUNITY IN MILITARY PROJECTS AND PROGRAMS OF THE 1st USC<br />

LUDOVICENSE<br />

Esp. Héldio Márlio Fernandes Pereira<br />

Universidade Estadual do Maranhão<br />

(UEMA)<br />

heldiomarlio@gmail.com<br />

Orientadora: MSc. Adriana Rocha da Piedade<br />

Universidade Estadual do Maranhão<br />

(UEMA)<br />

adryarp@hotmail.com<br />

Eixo 1: Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O processo militar na inserção de formas de mediação para construção do<br />

conhecimento e do desenvolvimento humano, com metodologias, procedimentos e<br />

ações socioeducacionais nas comunidades em contextos e tempos diversificados ainda é<br />

insipiente. Sendo a Unidade de Segurança Comunitária (USC) o local ideal para uma<br />

educação formal e informal, pois informações sobre a percepção da comunidade<br />

referente a ação sócio educativa militar no seio social torna-se importante. O estudo<br />

analisou as ações socioeducativas e suas expressões significativas-interpretativas nas<br />

relações entre os moradores da Vila Luizão, Divinéia e Sol e Mar e policiais militares<br />

durante o processo de implementação de projetos e programas na 1º USC na capital<br />

maranhense. A metodologia utilizada foi uma pesquisa aplicada, descritiva, qualiquantitativa<br />

com revisão bibliográfica, pesquisa de campo e aplicação de questionários<br />

semiabertos a 420 moradores para obtenção de dados com a posterior análise. Conclui-<br />

927


se que entre os anos de 2013 a 2015, a 1ª USC contou com três espaços para às ações de<br />

estreitamento socioeducacional com a comunidade (um auditório, com 60 assentos; um<br />

telecentro de inclusão digital, com 15 computadores; e uma telessala de ensino à<br />

distância, com capacidade para 25 alunos). Inúmeras atividades socioeducacionais e<br />

comunitárias foram desenvolvidas na estrutura da USC para a comunidade. No<br />

auditório, foram realizadas reuniões periódicas com a comunidade e palestras sobre o<br />

uso de drogas nas escolas. No telecentro de inclusão digital, foram realizados cursos e<br />

treinamentos para aprimoramento na área de tecnologia da informação. E, na telessala,<br />

cursos à distância e presencial, através de parcerias com entidades públicas, como o<br />

Instituto Federal de Educação Tecnológica do Maranhão/IFMA, o Serviço Nacional de<br />

Aprendizagem/SENAI e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial/SENAC.<br />

Foram desenvolvidos cursos de Brigadista e Socorrista, que instrumentou jovens e<br />

adultos na prevenção e comb<strong>ate</strong> a sinistros; o projeto “Bombeiro-Mirim”, que orientou<br />

o público infantil sobre comb<strong>ate</strong> a incêndio e <strong>ate</strong>ndimento pré-hospitalar, pautados<br />

sobre valores de ordem moral e cívica; e, o Projeto “Melhor Idade”, que orientou e<br />

motivou pessoas da terceira idade sobre saúde, alimentação e dependência química.<br />

Estratégias de integração também foram realizadas junto à comunidade, como as ações<br />

sociais e os eventos culturais de Natal. Contudo, apesar de sua importância para<br />

aproximação entre comunidade e polícia, capacitação teórico-prática dos atores sociais<br />

envolvidos, consciência sobre a preservação patrimonial, ambiental e humana; observase<br />

a descontinuidade de suas ações resultante da mudança de governo e suas<br />

prioridades, a precária divulgação sobre a sua importância e efetividade<br />

socioeducacional através da mídia impressa e televisiva, a precariedade em seu<br />

orçamento, o desinteresse das entidades-parceiras anteriormente envolvidas e a<br />

mudança do comando inicial da 1º USC.<br />

Palavras-chaves: Polícia Comunitária. Ensino-aprendizagem. Inclusão. Atores sociais.<br />

928


ABSTRACT: The military process of inserting forms of mediation for the construction<br />

of knowledge and human development, methodologies, procedures and socio<br />

educational activities in the communities in contexts and diverse times is still incipient.<br />

Being the Community Safety Unit (USC) the ideal place for formal and informal<br />

education, for information on community perception regarding military educational<br />

partner in social action within becomes important. The study examined the socio<br />

educational activities and their significant-interpretive expressions in the relations<br />

between the inhabitants of the Vila Luizão, Divineia and Sole Mar and military police<br />

during the process of implementing projects and programs in 1 USC in Maranhão<br />

capital. The methodology used was an applied descriptive study, with qualitative and<br />

quantitative literature review, field research and application of semi-open questionnaires<br />

to 420 locals for obtaining data with the subsequent analysis. It was concluded that<br />

between the years 2013 to 2015, the 1st USC had three spaces for the actions of partner<br />

education closer to the community (an auditorium with 60 seats; a telecentre for digital<br />

inclusion, with 15 computers; and a teleclassroom distance learning, with capacity for<br />

25 students). Numerous socio educational and community activities have been<br />

developed at USC structure for the community. In the auditorium, periodic community<br />

meetings and lectures on drug use in schools were held. In the digital inclusion<br />

telecentre were conducted courses and training for improvement in the information<br />

technology area. And in teleclassroom, distance learning and classroom through<br />

partnerships with public entities such as the Federal Institute of Technological<br />

Education of Maranhão / IFMA, the National Service of Learning / SENAI and the<br />

National Commercial Training Service / SENAC. They were developed Brigadista and<br />

Rescue courses, which instrumented youth and adults to prevent and combat the claims;<br />

the project "Fire-Mirim", who guided the young audience on fire fighting and prehospital<br />

care, guided on moral and civic order values; and the project "Golden Age",<br />

which guided and motiv<strong>ate</strong>d seniors on health, food and chemical dependency.<br />

Str<strong>ate</strong>gies integration were also held in the community, such as social activities and<br />

cultural events of Christmas. However, despite its importance for rapprochement<br />

929


etween the community and police, theoretical and practical training of social actors<br />

involved, awareness about heritage preservation, environmental and human; observed<br />

the discontinuity of their shares resulting from the change of government and its<br />

priorities, poor disclosure about its importance and effectiveness educational partner<br />

through print and broadcast media, precarious in its budget, the lack of interest<br />

previously involved-partner entities and the change of the initial charge of 1 USC.<br />

Keywords:Community Police. Teaching and learning. Inclusion. social actors.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

No mundo contemporâneo a necessidade de inserção no mercado de<br />

trabalho é ponto fundamental requerido a todos os cidadãos, tornando-se indispensável<br />

a utilização do campo da educação e suas práticas pedagógicas para tal finalidade, com<br />

vistas à promoção da inclusão social com exigências cada vez mais recorrentes e<br />

necessárias sobre as interações, o estabelecimento sadio das relações sociais, a prática<br />

correta da oralidade e da comunicação visual, gestual e da escrita e conhecimentos<br />

básicos sobre a utilização das Tecnologias da Comunicação e Informação.<br />

Neste contexto, a oferta de um ambiente pedagógico voltado para a<br />

formação profissional de atores sociais nas corporações militares permite a preparação e<br />

adequação do mesmo para o mercado de trabalho. Assim, os efeitos positivos não se<br />

restringem somente ao ambiente militar, mas permitem ascensão social, bem-estar físico<br />

e prevenção do aumento da criminalidade em situações de vulnerabilidade.<br />

Embora se considere que a Unidade de Segurança Comunitária (USC) seja o<br />

local ideal para uma educação formal e informal, ao possuir um campo amplo de<br />

informações sobre a percepção da comunidade pautados em ações socioeducativas<br />

militares no seio social, suas ações de mediação inclusiva em contextos e tempos<br />

diversificados, nos âmbitos militares ainda é insipiente. Por isso, se faz necessário o<br />

conhecimento da percepção da sociedade sobre as práticas socioeducativas e seus<br />

930


significados nas relações sociais por meio dos projetos e programas militares<br />

elaborados.<br />

A burocracia ainda se encontra associada à carência de ambientes que<br />

ofertam uma educação profissional. Contudo, pode ser vencido por meio do processo<br />

militar de inserção social através da mediação para a produção do conhecimento e o<br />

desenvolvimento humano como resultado da utilização de metodologias, procedimentos<br />

e ações socioeducacionais em diferentes comunidades nas quais se encontram inseridas<br />

em diversos contextos históricos de exclusão social.<br />

O presente artigo analisou as ações socioeducativas e suas expressões<br />

significativas-interpretativas nas relações entre os moradores da Vila Luizão, Divinéia e<br />

Sol e Mar e policiais comunitários durante o processo de implementação de projetos e<br />

programas na 1º USC na capital maranhense.<br />

2 A 1ª UNIDADE DE SEGURANÇA COMUNITÁRIA: um espaço de educação<br />

inclusiva profissional através da filosofia de polícia comunitária<br />

Ao longo da evolução histórica dos direitos humanos, a proteção dos<br />

direitos civis e políticos tiveram maior relevância em detrimento da proteção dos<br />

direitos socioculturais que ocuparam um espaço secundário. Tal situação contribuiu<br />

para que a criminalização da pobreza fosse associada ao local de moradia do indivíduo,<br />

de sua condição social, do seu gênero, idade e raça, escolaridade, “cor e aparência<br />

definidas, assim com sua descartabilidade seria assegurada frente ao corpo social,<br />

especialmente no senso comum das classes média e alta” (LYRA et al, 2004, p.22-23).<br />

Portanto, é tácito o contexto já mencionado que a discriminação possui<br />

inúmeros fatores associados e o preço a ser pago é elevado, ao se destituir um indivíduo<br />

dos seus direitos e restringi-lo a imposição da sociedade que deveria protegê-lo<br />

Ao discutir as limitações da escolha dos estilos de vida pelos diferentes<br />

grupos ou classes sociais, diz que, na grande maioria, os pobres seriam quase<br />

completamente excluídos da possibilidade de escolher estilos de vida, pois, se reduz a<br />

931


estereótipos, o que o desqualifica do grupo e impede legitimação sobre os privilégios de<br />

outro grupo social. Em geral, há um significado negativo e pejorativo em ser morador<br />

de favelas ou periferias constituídas de bairros pobres, onde há ausência de<br />

infraestrutura, a não ter educação ou boa aparência, falar incorretamente e ser<br />

potencialmente criminoso (GIDDENS, 2002).<br />

Observa-se na ressalva anterior, um contraponto no qual as desigualdades<br />

sociais e regionais como pobreza extrema; alta concentração de fluxos de renda e<br />

estoques de riqueza; baixa qualidade dos serviços públicos, insegurança no trabalho, nas<br />

ruas e nos lares; educação sem qualidade, entre outros problemas relevantes, tornam-se<br />

fenômenos da realidade brasileira inaceitáveis, resultante das mazelas econômicas e<br />

sociais que assolam o cotidiano do país, e que vão contra os princípios dos direitos<br />

defendidos em lei, que permitem ao homem ser cidadão e possuir sua dignidade humana<br />

preservada. A cidadania é, portanto, conceituada por Dalmo Dallari como:<br />

Um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar<br />

ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está<br />

marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando<br />

numa posição de inferioridade dentro do grupo social (DALLARI, 1998,<br />

p.14).<br />

A não concretização da cidadania remete as ações de violência sobre suas<br />

diferentes formas de ocorrências que tem ultrapassado princípios, direitos, deveres e<br />

garantias fundamentais consagrados pela Constituição vigente (1988). Tal conceito<br />

ausente em projetos e metas do governo, principalmente os relacionados à saúde, à<br />

educação e à segurança pública contribui para o aumento da exclusão social.<br />

Observa-se que o desenvolvimento humano completo se vincula ao acesso<br />

de uma educação de qualidade para a formação profissional e construção da cidadania,<br />

com vista a eliminação de barreiras que impossibilitam o direito que todo cidadão<br />

possui para concretizar o seu conhecimento na prática laboral como previsto nas<br />

normativas nacionais e internacionais vigentes.<br />

932


Contudo, na era da globalização se observam os direitos humanos com<br />

características m<strong>ate</strong>rializadas diante das exigências da própria sociedade nas suas<br />

condições emergentes e prioridades determinantes da vida social, com destaque para a<br />

intransigência da inserção do indivíduo no campo de trabalho.<br />

É necessária a redução de índices de criminalidade, violência e<br />

vulnerabilidade das comunidades, assim como a melhoria da sensação de segurança<br />

como consequências da aplicação dos direitos humanos, que podem ser alcançados por<br />

meio da oferta de uma educação inclusiva profissional. Neste sentido, a Polícia militar,<br />

como ente estatal, nos moldes de policiamento comunitário, representa um elo entre o<br />

Estado e a população.<br />

No policiamento comunitário as instituições, como por exemplo, a família, as<br />

escolas, as associações de bairro e os grupos de comerciantes, são<br />

considerados parceiros importantes da polícia para a criação de uma<br />

comunidade tranquila e segura. O êxito da polícia está não somente em sua<br />

capacidade de comb<strong>ate</strong>r o crime, mas na habilidade de criar e desenvolver<br />

comunidades competentes para solucionar os seus próprios problemas<br />

(CURSO NACIONAL DE PROMOTOR DE POLÍCIA COMUNITÁRIA,<br />

SENASP, 2007).<br />

Neste contexto ocorre um processo constante de fortalecimento na busca<br />

pelo rompimento das barreiras invisíveis de desconfiança, ao utilizar diferentes<br />

estratégias e metodologias, entre essas, a educação inclusiva profissional,<br />

principalmente no âmbito das capacitações.<br />

O contexto referenciado ocasiona a quebra dos paradigmas no processo de<br />

comunicação existente entre a força estatal e a comunidade no qual encontra-se inserida,<br />

pois, entende-se de forma clara e objetiva a real finalidade da Polícia Comunitária como<br />

em destacado, deve-se incentivar a participação do diálogo com a comunidade,<br />

envolvendo policiais em eventos cívicos, culturais e de negócios, trabalhando<br />

juntamente com agências sociais e tomando parte de atividades educacionais e<br />

recreativas com crianças em escolas. O objetivo é inserir a polícia como parte integrante<br />

da comunidade. Assim como a igreja e a associação de bairro, a polícia será vista como<br />

mais um integrante desta comunidade, permitindo que esta interfira na definição de<br />

933


prioridades e alocação de recursos (CURSO NACIONAL DE PROMOTOR DE<br />

POLÍCIA COMUNITÁRIA, SENASP, 2007).<br />

O que incide sobre a formulação de práticas socioeducativas e expressões<br />

significativas por meio dos projetos e programas militares, com a participação social<br />

desde a sua elaboração até a sua aplicação, sendo os últimos o foco de partida e<br />

interesse para:<br />

Fortalecer e mobilizar a comunidade, capacitando-a para a resolução de<br />

problemas relacionados à segurança pública; estimular a articulação entre<br />

órgãos públicos e organizações não governamentais para que, trabalhando<br />

conjuntamente, formassem uma rede local de proteção social que aumentasse<br />

a oferta e aprimorasse os serviços públicos e privados para a população;<br />

ampliar as oportunidades de educação, cultura, lazer e profissionalização;<br />

incentivar o deb<strong>ate</strong> sobre os problemas de segurança na comunidade; reduzir<br />

o sentimento de insegurança; melhorar o policiamento na comunidade<br />

(MANUAL DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO: POLÍCIA E<br />

COMUNIDADE NA CONSTRUÇÃO DA SEGURANÇA, 2009, p.37, grifo<br />

nosso).<br />

Consequentemente ocorre a legitimação social com foco no<br />

desenvolvimento de atividades laborais e mudanças comportamentais, que possibilitam<br />

a inserção da sociedade como elo importante e essencial para a prevenção de ações<br />

criminosas e a promoção da educação profissional inclusiva e social, com a participação<br />

das instituições civis e militares nos processos de regulação e implementação de<br />

atividades disciplinares e educacionais. Pondera-se que apesar disso, cabe a toda a<br />

sociedade à responsabilidade social, em parte, ao reconhecimento de que a esfera de<br />

convivência repercute diretamente na socialização infanto-juvenil, além de ser,<br />

juntamente com a família, espaço crucial para defesa dos direitos humanos (NJAINE;<br />

MINAYO, 2003).<br />

Surge o senso de cooperação em prol de um objetivo comum, a repressão da<br />

violência a partir da participação de todos os envolvidos, sejam militares e civis, dentro<br />

do processo democrático de educação inclusiva profissional, conforme (...) as<br />

possibilidades de ter-se uma polícia cada vez mais próxima dos cidadãos, que promova<br />

segurança objetiva e subjetiva (SAPORI, 2006). Tais possibilidades de promoção da<br />

934


segurança objetiva e subjetiva reforçam a aproximação entre a polícia militar e a<br />

comunidade.<br />

Sendo que Bengochea et al. (2004) questionam a possibilidade de uma<br />

polícia diferente em uma sociedade democrática. Tais autores consideram que essa<br />

possibilidade passa por alguns eixos: por mudanças nas políticas de qualificação<br />

profissional, por um programa de modernização e por processos de mudanças<br />

estruturais e culturais que discutam questões centrais para as polícias, como as relações<br />

com a comunidade, contemplando o espaço das cidades; a mediação de conflitos do<br />

cotidiano como o principal papel de sua atuação; e o instrumental técnico e valorativo<br />

do uso da força e da arma de fogo.<br />

E para a sua concretização necessitam da participação ativa dos atores<br />

sociais locais e interessados.<br />

As lideranças comunitárias, organizações e movimentos sociais possuem a<br />

capacidade de mobilizar atores locais e garantir a participação da<br />

comunidade. Possuem ainda a capacidade de mobilizar e articular a<br />

participação de agentes públicos, além de sustentá-la e dar continuidade a<br />

programas e ações durante processos de mudança de governo (MESQUITA<br />

NETO, 2006, p.53-64).<br />

Consequentemente, percebe-se que a participação dos atores sociais, o que<br />

afeta diretamente na preservação dos direitos previstos em lei e a continuidade das<br />

estratégias e metodologias educacionais inclusivas. Para a compreensão deste contexto<br />

de rupturas e os seus entraves, estudiosos buscam conhecer o saber que estes produzem<br />

em suas práticas cotidianas (MUNIZ, 1999).<br />

Assim sendo, em seu novo percurso de modificação de ações de força para<br />

as ações de inclusão social por meio da educação, a polícia militar iniciou um processo<br />

de inovações em seu funcionamento e em suas práticas, na Entidade Militar, representar<br />

um forte instrumento de controle social do Estado, reconhecido e legitimado<br />

socialmente, que tem como foco tanto o comb<strong>ate</strong> à violência (crimes) quanto à<br />

manutenção da ordem pública; segundo, porque, direta ou indiretamente, ela (a polícia)<br />

participa, com ações efetivas, nas escolas. (...) (ARAÚJO, 2000; GONÇALVES e<br />

SPÓSITO, 2002).<br />

935


Tais ações preventivas utiliza a educação inclusiva profissional como um<br />

dos seus instrumentais, que de maneira concomitante age sobre a criminalidade e insere<br />

a sociedade em um outro contexto social com a participação efetiva da mesma. Neste<br />

sentido, é possível identificar projetos da própria polícia com o objetivo de desenvolver<br />

ações preventivas envolvendo alunos, professores e pais (ARAÚJO, 2000;<br />

GONÇALVES, SPÓSITO, 2002), e a comunidade em geral em suas instituições, como<br />

na Primeira USC em São Luís, Maranhão.<br />

Na certeza de que tais ações são fundamentais ao homem para a manutenção<br />

da sua dignidade humana na sociedade, através das quais lhes são asseguradas as<br />

múltiplas dimensões da vida humana e garantida a realização integral da pessoa frente<br />

aos órgãos do poder, reforça-se a leitura dos objetivos fundamentais da República<br />

brasileira, de acordo com a Carta Magna, em seu artigo 3º:<br />

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;<br />

<strong>II</strong> – garantir o desenvolvimento nacional;<br />

<strong>II</strong>I ‐ erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais<br />

e regionais;<br />

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,<br />

idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988).<br />

Observa-se que a ordem pública baseada em uma sociedade livre, justa e<br />

solidária, passa a ser definida também no cotidiano, ao exigir uma atuação estatal<br />

mediadora dos conflitos e interesses difusos e, muitas vezes, confusos. É então satisfeita<br />

a exigência da democracia em relação a função policial protetora de direitos dos<br />

cidadãos em um ambiente conflitivo, cuja responsabilidade se estende a formação dos<br />

cidadãos para a sua inclusão social, e não somente a segurança de todos, ou seja, “a<br />

polícia comunitária trabalha em conjunto com a população e as instituições de<br />

segurança pública e defesa social” (CURSO NACIONAL DE PROMOTOR DE<br />

POLÍCIA COMUNITÁRIA,SENASP, 2007).<br />

Em consequência a polícia militar responsável pelo policiamento repressivo<br />

muda suas estratégias de enfrentamento a violência ao optar por ações preventivas e<br />

promocionais nas localidades nas quais se encontram inseridas por meio da mediação<br />

936


comunitária e democrática que possui os seguintes objetivos expostos por meio da<br />

conceituação da mediação comunitária pela pesquisadora Sales (2003, p. 135):<br />

A mediação comunitária possui como objetivo desenvolver entre a população<br />

valores, conhecimentos, crenças, atitudes e comportamentos conducentes ao<br />

fortalecimento de uma cultura político-democrática e uma cultura de paz.<br />

Busca ainda enfatizar a relação entre os valores e as práticas democráticas e a<br />

convivência pacífica e contribuir para um melhor entendimento de respeito e<br />

tolerância e para um tratamento adequado daqueles problemas que, no âmbito<br />

da comunidade, perturbam a paz.<br />

Portanto, a inclusão social realizada na 1º USC Ludovicense tem ocasionado<br />

transformações de cunho político e social, pautada na compreensão pela sociedade do<br />

processo distinto entre um ambiente conflitivo e um ambiente no qual se busca e<br />

contribui para a paz social, embora ainda subsistam a complexidade dos problemas da<br />

violência e da criminalidade em seus arredores.<br />

No momento em que começa a existir essa transformação política e social, a<br />

compreensão da sociedade como um ambiente conflitivo, no qual os<br />

problemas da violência e da criminalidade são complexos, a polícia passa a<br />

ser demandada para garantir não mais uma ordem pública determinada, mas<br />

sim os direitos, como está colocado na constituição de 88. Nesse novo<br />

contexto, a ordem pública passa a ser definida também no cotidiano, exigindo<br />

uma atuação estatal mediadora dos conflitos e interesses difusos e, muitas<br />

vezes, confusos. Por isso, a democracia exige justamente uma função policial<br />

protetora de direitos dos cidadãos em um ambiente conflitivo. A ação da<br />

polícia ocorre em um ambiente de incertezas, ou seja, o policial, quando sai<br />

para a rua, não sabe o que vai encontrar diretamente; ele tem uma ação<br />

determinada a fazer e entra num campo de conflitividade social. Isso exige<br />

não uma garantia da ordem pública, como na polícia tradicional, sustentada<br />

somente nas ações repressivas, pelas quais o ato consiste em reprimir para<br />

resolver o problema. O campo de garantia de direitos exige uma ação mais<br />

preventiva, porque não tem um ponto determinado e certo para resolver<br />

(BENGOCHEA et al, 2004, p. 120).<br />

De acordo com os autores citados acima, a polícia militar passa a ser<br />

solicitada para garantir os direitos. Ressalta-se que a sociedade é um organismo<br />

complexo. Portanto, todas as situações que nela permeiam possuem também sua<br />

complexidade. Tal contexto exige ações diversificadas de enfrentamento das situações<br />

de violência pautadas em ações sob a perspectiva do conceito de cidadania com a<br />

937


utilização de ações de prevenção e recuperação para os excluídos socialmente e os<br />

responsáveis por ações delituosas.<br />

A 1º USC da capital maranhense possui como objetivo a busca pela defesa<br />

da cidadania em um mesmo local, com um aparato policial de 92 militares (PMs), 5<br />

viaturas, 4 motocicletas e 2 novos quadriciclos, uma sala de convivência aberta à<br />

comunidade, um auditório com capacidade para 60 lugares e uma sala de inclusão<br />

digital onde funcionar um telecentro, com 15 terminais para a realização de cursos<br />

profissionalizantes para jovens, adolescentes e adultos da região.<br />

Neste contexto, é tácito ressaltar que os profissionais militares possuem a<br />

finalidade de transpor os limites dos indivíduos, desafiando-o continuamente por meio<br />

de novas metodologias para a produção de novos conhecimentos ao permitir a sua<br />

inserção no seio da sociedade por meio da educação inclusiva profissional. Sob uma<br />

nova perspectiva contrária a totalidade da rotina de exclusão que em inúmeras situações<br />

impossibilitava-os do convívio social.<br />

Os policiais militares durante sua prática pedagógica unitária ou<br />

compartilhada fazem uso de metodologias direcionadas a autonomia do educando para<br />

que possibilite ao mesmo a sua inserção social com participações efetivas de maneira<br />

autônoma e unitária. Em consonância a acessibilidade e a informática como<br />

metodologia inclusiva utilizadas na Unidade de Polícia Comunitária representam<br />

transformações valiosas para o contexto social.<br />

É a possibilidade de transformação da realidade que contribui para que o<br />

processo de segregação comumente presenciado em locais de exclusão social seja<br />

sanado, o que reflete na legitimação social do indivíduo para o desenvolvimento do seu<br />

trabalho e no estabelecimento de parceria com a população no processo de<br />

desenvolvimento intelectual, social, profissional e preventivo.<br />

É a forma de valorização do indivíduo ao possibilitar a efetivação de suas<br />

capacidades cognitivas e motoras por meio de interações com o meio e com outros<br />

considerando a oportunidade de ultrapassar as suas limitações. É torna-lo um indivíduo<br />

ativo, antes visto sob uma ótica passiva. Assim, observa-se a necessidade de uma equipe<br />

938


capacitada para que utilize com finalidade educacional inclusiva as Tecnologias da<br />

Informação e Comunicação (TICs) na primeira USC da capital maranhense.<br />

3 METODOLOGIA<br />

A pesquisa abrangeu a análise das ações socioeducativas e suas expressões<br />

significativas-interpretativas nas relações entre os moradores da Vila Luizão, Divinéia e<br />

Sol e Mar e policiais militares durante o processo de implementação de projetos e<br />

programas na 1º USC na capital maranhense.<br />

A 1º USC do bairro Divinéia/Vila Luizão foi construída em uma área total<br />

de 1.778 m², sendo 475 m² de área, cujo endereço fica na Avenida Argentina, na Rua<br />

Peru, na Divinéia, inaugurada em fevereiro de 2013, com um Sistema de<br />

Videomonitoramento com 10 câmaras distribuídas em locais estratégicos e escolhidos<br />

pela própria população, cobrindo toda a região 24 horas interligadas ao Centro<br />

Integrado de Operações de Segurança (CIOPS) localizado na Avenida dos Franceses,<br />

s/nº – Vila Palmeira, São Luís – MA.<br />

Utilizou-se a modalidade de pesquisa exploratória para a caracterização<br />

inicial do problema, com uma pesquisa descritiva e documental, com aplicação de<br />

questionários semiabertos para um total de 420 moradores dos locais em estudo e as<br />

atividades da 1º USC nos mesmos realizadas.<br />

Para isso, optou-se o método dialético por meio da investigação da realidade<br />

através do estudo, ou seja, segundo o autor como um levantamento de caráter descritivo,<br />

pois permite, [...] aliar as vantagens de se obter os aspectos qualitativos das informações<br />

à possibilidade de quantificá-los posteriormente. Esta associação realiza-se em nível de<br />

complementaridade, possibilitando ampliar a compreensão do fenômeno em estudo<br />

(PIOVESAN; TEMPORINI, 1995, p. 322).<br />

A digitação de dados foi realizada em planilhas do programa Excel, a fim de<br />

que a consistência entre os dados fosse estabelecida e qualquer discrepância pudesse ser<br />

939


conferida nos questionários semiabertos originais. Foi realizada a estatística descritiva,<br />

com cálculos de média e porcentagem.<br />

Portanto, a modalidade de delineamento utilizado foi classificada quanto a<br />

sua natureza, como uma pesquisa aplicada, quanto aos objetivos, como descritiva,<br />

quanto à abordagem, como qualitativa e quantitativa (LEOPARDI, 2001). Com a<br />

posterior organização dos resultados em gráficos, para visualização, com a reescrita de<br />

opiniões e das informações referentes à temática abordada, e, por fim, fez-se a<br />

comparação entre os resultados esperados e a discussão dos mesmos.<br />

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

Inicialmente no intuito de obter dados referentes a percepçao da<br />

comunidade sobre a aproximação da polícia após a implantação da 1ª USC da capital<br />

maranhense aplicou-se questionários semiabertos, nos quais se constataram os<br />

resultados abaixo:<br />

Percepção da comunidade sobre a aproximação da polícia após a implantação da<br />

1ª USC em São Luís/MA<br />

Sim<br />

Não<br />

Fonte: Próprio autor<br />

940


Os resultados demonstram que 57% dos entrevistados perceberam uma<br />

maior aproximação entre o Ente de Poder do Estado e a comunidade dos bairros da<br />

Divinéia, Sol e Mar e Vila Luizão, no qual encontra-se inserida a Primeira Unidade de<br />

Segurança Comunitária da Capital Maranhense.<br />

Observa-se que os objetivos propostos a partir da implantação da Unidade<br />

de Segurança Comunitária (USC) não se concretizaram na totalidade, pois uma parcela<br />

considerável dos moradores ainda conserva “tabus” sobre a finalidade da implantação<br />

da 1º USC e a relação Polícia Militar e Comunidade, o que é um entrave sob a<br />

aproximação mais efetiva do “elo” comunidade-polícia comunitária.<br />

Diante a tal resultado, ressalta-se a emergente necessidade da concepção e<br />

percepção da comunidade sobre a importância das diversas entidades de cunho social na<br />

mobilização dos atores sociais para a “quebra dos paradigmas” existentes, em vista a<br />

busca por mudanças expressivas na forma de pensar e agir de ambos os envolvidos, o<br />

que remonta ao explicitado por Mesquita Neto:<br />

As lideranças comunitárias, organizações e movimentos sociais possuem a<br />

capacidade de mobilizar atores locais e garantir a participação da<br />

comunidade. Possuem ainda a capacidade de mobilizar e articular a<br />

participação de agentes públicos, além de sustentá-la e dar continuidade a<br />

programas e ações durante processos de mudança de governo (MESQUITA<br />

NETO, 2006, p.53-64).<br />

Diante o explicitado, percebe-se a importância do ato de convencimento das<br />

lideranças comunitárias por parte da Polícia Comunitária, pois a continuidade e<br />

aprimoramento dos programas militares depende diretamente do interesse da<br />

comunidade, do governo vigente e das exigências da sociedade diante a esse.<br />

No policiamento comunitário as instituições, como por exemplo, a família, as<br />

escolas, as associações de bairro e os grupos de comerciantes, são<br />

considerados parceiros importantes da polícia para a criação de uma<br />

comunidade tranquila e segura. O êxito da polícia está não somente em sua<br />

capacidade de comb<strong>ate</strong>r o crime, mas na habilidade de criar e desenvolver<br />

comunidades competentes para solucionar os seus próprios problemas<br />

(CURSO NACIONAL DE PROMOTOR DE POLÍCIA COMUNITÁRIA,<br />

SENASP ,2007).<br />

941


Assim por intermédio destas relações sociais, positivas, pode-se entender e<br />

compreender os fatores que impedem à socialização, à promoção da cidadania, à<br />

formação de atitudes críticas e reflexivas, às opiniões, o desenvolvimento pessoal e<br />

profissional, de forma a combatê-los.<br />

É tácita a necessidade da derrocada dos entraves a união entre comunidade e<br />

polícia comunitária. Sendo assim, a própria polícia faz uso de metodologias e<br />

estratégias pedagógicas que visem a aproximação, valorização e conservação de ambas<br />

em um sentido isonômico, no qual os envolvidos possuem seus direitos e deveres, e os<br />

referidos mantêm-se conservados de maneira respeitosa. (...) O objetivo é inserir a<br />

polícia como parte integrante da comunidade. Assim como a igreja e a associação de<br />

bairro, a polícia será vista como mais um integrante desta comunidade, permitindo que<br />

esta interfira na definição de prioridades e alocação de recursos (CURSO NACIONAL<br />

DE PROMOTOR DE POLÍCIA COMUNITÁRIA / GRUPO DE TRABALHO,<br />

PORTARIA SENASP nº 002/2007).<br />

Tal contexto somente é alcançado a partir da derrubada de obstáculos e<br />

distorções mascaradas através de inúmeras alegações que não podem ser admitidas<br />

como fatores que limitam ou restringem os direitos humanos previstos em lei, entre os<br />

quais o dever do Estado de ofertar uma educação de qualidade que possibilite ao<br />

indivíduo sua inserção no seio social e no campo de trabalho. E ainda, (...) as<br />

possibilidades de ter-se uma polícia cada vez mais próxima dos cidadãos, que promova<br />

segurança objetiva e subjetiva (SAPORI, 2006).<br />

Consequentemente, a busca por alternativas se torna fator importante e<br />

viável ao possibilitar “o aprender, o compreender e o fazer” diante do rol dos direitos<br />

fundamentais previstos na Constituição Federal Brasileira. A oportunidade concreta da<br />

efetivação dos direitos fundamentais mediada pela polícia militar contribui para a<br />

aproximação da mesma e aceitação no seio social.<br />

Percepção dos moradores dos bairros amostrais nas atividades comunitárias junto<br />

a PM na 1ª USC em São Luís/MA.<br />

942


Fonte: Próprio autor<br />

Ao se observar os resultados percebe-se a necessidade emergente de uma<br />

maior veiculação das informações sobre a oferta das atividades educacionais<br />

profissionais inclusivas por parte da polícia militar. Portanto, é de suma importância a<br />

divulgação das metodologias e estratégias empregadas, haja vista a sua intenção de<br />

transformação social e cumprimento de deveres que incide sobre a melhoria de vida dos<br />

moradores, como objetivos da Polícia Comunitária:<br />

Fortalecer e mobilizar a comunidade, capacitando-a para a resolução de<br />

problemas relacionados à segurança pública; estimular a articulação entre<br />

órgãos públicos e organizações não governamentais para que, trabalhando<br />

conjuntamente, formassem uma rede local de proteção social que aumentasse<br />

a oferta e aprimorasse os serviços públicos e privados para a população;<br />

ampliar as oportunidades de educação, cultura, lazer e profissionalização;<br />

incentivar o deb<strong>ate</strong> sobre os problemas de segurança na comunidade; reduzir<br />

o sentimento de insegurança; melhorar o policiamento na comunidade<br />

(MANUAL DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO: POLÍCIA E<br />

COMUNIDADE NA CONSTRUÇÃO DA SEGURANÇA, 2009, p.37).<br />

943


Para isso, deve-se evitar a ideia de hierarquização de poder de uns sobre os<br />

outros no qual se imputa atos de desfavorecimento sobre o outro, e, assim, relaciona-se<br />

ao poder de incluir ou excluir, de pertencer ou não pertencer, de demarcar fronteiras, de<br />

classificar em bons ou maus, em racional ou irracional, de identificar como normal ou<br />

anormal as ações da comunidade ou da polícia.<br />

Em tal contexto é de suma relevância que se considere a mudança de<br />

paradigmas sobre as ações policiais, o que conforme Bengochea et al. (2004), a<br />

possibilidade passa por alguns eixos: por mudanças nas políticas de qualificação<br />

profissional, por um programa de modernização e por processos de mudanças<br />

estruturais e culturais que discutam questões centrais para as polícias, como as relações<br />

com a comunidade, contemplando o espaço das cidades; a mediação de conflitos do<br />

cotidiano como o principal papel de sua atuação; e o instrumental técnico e valorativo<br />

do uso da força e da arma de fogo.<br />

Sendo importante que a comunidade reconheça a 1º USC maranhense como<br />

um espaço de todos, pautada no respeito democrático, com vistas ao melhor<br />

desenvolvimento do processo educacional profissional inclusivo ofertado a sociedade.<br />

Ou seja, a 1º USC não se resume a um ambiente laboral das ações policiais pelo uso da<br />

força e/ou da utilização de armas de fogo, mas um local formador de intelectuais e de<br />

inclusão social, pois, além de conhecimento, ensina a produzir valores, ética e razão por<br />

intermédio da profissionalização.<br />

As possibilidades de mudança da atuação policial legitimam as ações<br />

transformadoras de cunho social realizadas nos espaços das instituições militares com a<br />

utilização de atividades educacionais de inclusão social ofertada ao público. Embora, o<br />

resultado acima afirme uma percepção e interesse ainda incipientes sobre as atividades<br />

realizadas pela 1º USC, percebe-se que a comunidade do entorno se destaca com<br />

participação efetiva.<br />

A 1º USC Maranhense realiza diferentes atividades comunitárias e de<br />

inclusão social e tecnológica. As atividades comunitárias e de qualificação profissional<br />

944


inclusivas foram realizadas no ano de 2014 nos espaços de convivência social<br />

destinadas ao público na 1º USC, como exemplificado posteriormente:<br />

Espaços de vivência e qualificação para a comunidade<br />

Fonte: Próprio autor<br />

Após a leitura do gráfico observa-se que a 1º USC do bairro Divinéia/Vila<br />

Luizão é subdividida em uma sala de convivência aberta à comunidade, um auditório<br />

com capacidade para 60 lugares e uma sala de inclusão digital, onde funcionar um<br />

telecentro, com 15 terminais para a realização de cursos profissionalizantes para jovens,<br />

adolescentes e adultos da região. (...) É possível identificar projetos da própria polícia<br />

com o objetivo de desenvolver “ações preventivas” envolvendo alunos, professores e<br />

pais (ARAÚJO, 2000; GONÇALVES, SPÓSITO, 2002).<br />

A formulação de regras claras e objetivas com a participação da comunidade<br />

civil e militar para a sua definição, aplicação e implementação com critérios de decisões<br />

uniformes a serem utilizados por todos durante as atividades na 1º USC e na própria<br />

945


comunidade é importante para o êxito de todos. Consequentemente ocorre a efetivação e<br />

continuidade das diversas atividades realizadas, como as observadas abaixo:<br />

Atividades realizadas<br />

Fonte: Primeira USC/PMMA<br />

É interessante ressaltar que diversas atividades são elaboradas dentro das<br />

instalações militares que buscam o comb<strong>ate</strong> a violência em suas variadas formas, como<br />

a escolar e a doméstica e a inserção no mercado de trabalho por meio da educação<br />

profissional inclusiva.<br />

Cursos ofertados pela 1º USC para a comunidade<br />

Fonte: SADAI/SSP<br />

946


Entre os cursos, pode-se citar, o curso de auxiliar de Escritório e para as<br />

mulheres da comunidade, os cursos de Formação Inicial e Continuada em Preparo,<br />

Conservação e Congelamento de Alimentos (Projeto Mulheres Mil).<br />

Ações de Inclusão Profissional - Treinamento SEBRAE/2014<br />

Fonte: Primeira USC/PMMA<br />

Para a comunidade são oferecidos diversificados cursos por meio de<br />

diferentes entidades da sociedade civil, como o programa Maranhão Profissional que<br />

tem parceria com a Associação Comercial, Serviço Nacional de Aprendizagem<br />

Industrial (SENAI), Serviço Social do Comércio (SESC), Serviço Nacional de<br />

Aprendizagem Comercial (SENAC), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas<br />

Empresas (SEBRAE), Instituto Federal de Educação Tecnológica do Maranhão (IFMA)<br />

e outras universidades.<br />

Tem-se ainda, as ações inclusivas que são ofertadas, o que cumpre o papel<br />

focado na ideia de que a responsabilidade é expansiva, e não somente a segurança de<br />

todos deve ser requerida somente a polícia, ou seja, “a polícia comunitária trabalha em<br />

conjunto com a população e as instituições de segurança pública e defesa social”<br />

(CURSO NACIONAL DE PROMOTOR DE POLÍCIA COMUNITÁRIA, SENASP,<br />

2007).<br />

947


Ações de Inclusão social - Projetos ( Curso de Brigadistas e socorristas – BMMA) –<br />

2014<br />

Fonte: Primeira USC/PMMA<br />

Entre os cursos ofertados para a inclusão social tem-se o de Brigadista e<br />

Socorristas ministrado pelos Bombeiros Militares do Maranhão, o que confirma a<br />

formação de uma rede profissionalizante e de inclusão. Desta forma a mediação<br />

fomentada nos espaços militares pautados na filosofia da polícia comunitária, com a<br />

participação efetiva dos agentes de segurança pública, as entidades civis e a<br />

comunidade, torna-se inovadora ao fazer uso de estratégias e metodologias pedagógicas<br />

exclusivas, entre as quais a oferta de vagas nos Projetos Bombeiro Mirim, no de Melhor<br />

Idade e do Idoso Cidadão.<br />

Estratégias de Inclusão Social – Projetos “Bombeiro Mirim”, “Melhor Idade” e<br />

“Idoso Cidadão” – 2014<br />

Fonte: Primeira USC/PMMA<br />

948


O que resulta na integração Polícia Militar por meio da Polícia Comunitária<br />

e a comunidade, através de participações efetivas em eventos, ações sociais, formaturas,<br />

reuniões nas escolas (PROERD) e reuniões realizada com os membros da sociedade que<br />

se destacam como lideranças comunitárias para a formação do Conselho Comunitário<br />

de Segurança. Ações de integração com a comunidade: ações sociais, eventos<br />

culturais, formaturas, reuniões nas escolas e reuniões promovidas pelo comando com as<br />

lideranças da comunidade – 2014<br />

Fonte: Primeira USC/PMMA<br />

Existem ainda, as ações de integração social no seio da sociedade, a citar a<br />

coleta seletiva com reflexos sobre a preservação do meio ambiente, o reforço escolar<br />

que possibilita a reinserção do educando e o enfrentamento direto as dificuldades<br />

encontradas durante o processo de ensino-aprendizagem, assim como, a oferta de<br />

cursinhos preparatórios para o vestibular.<br />

Associado tem-se as visitas rotineiras aos estabelecimentos comerciais,<br />

associações, CRAS como estratégia preventiva e a efetivação pela busca de<br />

concretização dos direitos constitucionais e dos deveres associados, como ocorridos em<br />

2016.<br />

Desenvolver entre a população, valores, conhecimentos, crenças, atitudes e<br />

comportamentos conducentes ao fortalecimento de uma cultura políticodemocrática<br />

e uma cultura de paz. Busca ainda enfatizar a relação entre os<br />

valores e as práticas democráticas e a convivência pacífica e contribuir para<br />

um melhor entendimento de respeito e tolerância e para um tratamento<br />

949


adequado daqueles problemas que, no âmbito da comunidade, perturbam a<br />

paz (SALES, 2003, p.135).<br />

Além das atividades de inclusão social e ações de integração com a<br />

comunidade mencionada ocorre um acompanhamento contínuo com as crianças e<br />

adolescentes em situações de risco nas áreas onde a 1º USC foi instalada, através da<br />

qual realizam diversas atividades educativas contra a violência e inclusão social da<br />

comunidade.<br />

Ações de integração com a comunidade: coleta seletiva e reforço escolar – 2016<br />

Fonte: Próprio autor<br />

Percebe-se neste sentido, que os agentes de segurança realmente interessamse<br />

pela garantia da efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos por meio de<br />

interações sociais com a sociedade em um processo de mediação e negociação<br />

compartilhada com a utilização de metodologias pautadas na educação inclusiva<br />

profissional.<br />

950


Ações de integração com a comunidade: coleta seletiva e reforço escolar –<br />

2016<br />

Fonte: Primeira USC/PMMA<br />

Portanto, é de fundamental importância a percepção social concreta e<br />

efetivada sobre as atividades desempenhadas pela sociedade nos ambientes militares,<br />

pois através da mesma ocorre a continuidade e concretização das atividades acima<br />

elencadas. Sendo ainda relevante a promoção de mecanismos específicos de<br />

comunicação entre toda a comunidade educativa e a polícia comunitária, em forma de<br />

ações em rede, com a distribuição de m<strong>ate</strong>riais informativos para toda a sociedade e a<br />

realização de campanhas de informação e sensibilização nos meios de comunicação<br />

social para que se tenha um maior aprofundamento do conhecimento sobre a real<br />

difusão da oferta da educação profissional inclusiva pela polícia militar.<br />

5 CONCLUSÃO<br />

Conclui-se que inúmeros projetos, ações e estratégias de integração social<br />

foram realizadas junto à comunidade, como as ações sociais, capacitações profissionais<br />

inclusivas e os eventos culturais, como o de Natal, cujo objetivo não é somente a<br />

percepção da sociedade sobre a importância da aproximação com a polícia comunitária.<br />

Contudo, apesar de sua relevância, para a capacitação teórico-prática dos<br />

atores sociais envolvidos, para a conscientização sobre a preservação patrimonial,<br />

ambiental e humana; observa-se a descontinuidade de suas ações no ano vigente<br />

resultante da mudança de governo e suas prioridades, a precária divulgação sobre a sua<br />

951


importância e efetividade socioeducacional através da mídia impressa e televisiva, a<br />

precariedade em seu orçamento, o desinteresse das entidades-parceiras anteriormente<br />

envolvidas e a mudança do comando inicial da 1º USC.<br />

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952


MANUAL DE POLICIAMENTO COMUNITÁRIO: Polícia e Comunidade na<br />

Construção da Segurança [recurso eletrônico] / Núcleo de Estudos da Violência da<br />

Universidade de São Paulo (NEV/USP). – Dados eletrônicos. - 2009.<br />

MESQUITA NETO, Paulo de. Segurança, Justiça e Direitos Humanos no Brasil. In<br />

LIMA, Renato S.; PAULA, Liana de (eds.). Violência e Segurança Pública:O Estado<br />

está cumprindo o seu papel? São Paulo: Editora Contexto, 2006.<br />

MUNIZ, Jaqueline. Ser policial é antes de tudo uma razão de ser. 1999: cultura e<br />

cotidiano da Polícia Militar do Rio de Janeiro. 250 f. Tese (Doutorado em Sociologia) –<br />

Iuperj, Rio de Janeiro, 1999.<br />

NJAINE, K.; MINAYO, M. C. S. Violência na escola: identificando pistas para a<br />

prevenção. Revista Interface:Comunicação, Saúde, Educação, v.7, n.13, p.119-134,<br />

2003.<br />

PIOVESAN, A. e Temporini, E.R. Pesquisa exploratória: procedimento metodológico<br />

para o estudo de fatores humanos no campo da saúde pública. Rev. Saúde Pública, Ago<br />

1995, vol.29, no.4, p.318-325.<br />

SALES, Lília Maia de Morais. Justiça e Mediação de Conflitos. Belo Horizonte: Del<br />

Rey, 2003.<br />

SAPORI, Luis Flávio. Política de segurança pública e controle da criminalidade –<br />

os desafios da provisão da ordem pública como bem coletivo. 2006. 206f. Tese<br />

(Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de<br />

Janeiro, Rio de Janeiro,2006.<br />

953


PROJETO TOCAR: orientação musical para professores regentes do ensino infantil<br />

do município de Imperatriz, utilizando o violão como ferramenta de ensino.<br />

PROJECT TOCAR: musical orientation for teachers of the chhildren’s eduction of the<br />

Imperatriz municipal, using violon as a teaching tool.<br />

Karlla Gyzelle Rodrigues de Oliveira<br />

Graduada em Licenciatura Plena em Música - UFPA<br />

Pós-Graduanda Metodologia do Ensino das Artes – UNINTER<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O projeto tocar foi idealizado com o almejo de ajudar o professor com uma<br />

nova abordagem didática musical utilizando o violão como instrumento mediador desse<br />

processo, onde a coordenação do ensino infantil do Município de Imperatriz percebeu a<br />

necessidade deste conhecimento para o trabalho e atuação deste profissional em sala a<br />

respeito da educação musical, sendo que, uma das funções que a Secretaria Municipal<br />

de Educação exerce é preparar e fomentar o educador através de formações e cursos no<br />

decorrer do ano, ajudando-o no seu processo criativo educacional, e com isso, aprimorar<br />

a educação do nosso município proporcionando uma educação de qualidade. Baseada na<br />

Lei n° 11.769, que determina a presença do conteúdo do ensino de música nas escolas<br />

de educação básica, o projeto começou a ser desenvolvido no segundo semestre de<br />

2016, e no decorrer de seu acontecimento foi visto novas necessidades que o professor<br />

possui sobre didática e a aprendizagem musical.<br />

Palavra-Chave: Educação Musical. Formação. Didática Musical. Multidisciplinar.<br />

ABSTRACT: The Tocar project was conceived with the aim of helping the teacher<br />

with a new musical didactic approach using the guitar as mediator instrument of this<br />

process, where the coordination of the children's education of the Municipality of<br />

Imperatriz realized the need of this knowledge for the work and performance of this<br />

954


professional in Room with respect to musical education, one of the functions that the<br />

Municipal Secretary of Education exercises is to prepare and foster the educator through<br />

formations and courses throughout the year, helping him in his creative educational<br />

process, and with that, to improve The education of our Municipality providing a<br />

quality education. Based on Law No. 11,769, which determines the presence of the<br />

content of music teaching in elementary schools, the project began to be developed in<br />

the second half of 2016, and in the course of its event, new needs were seen that the<br />

teacher has about Didactic and musical learning.<br />

Keywords: Music Education. Formation. Musical Didactics. Multidisciplinary.<br />

1 - INTRODUÇÃO<br />

A partir da contextualização da música como atividade da expressão<br />

humana e a importância do ensino da arte nas escolas como um agente socializador e<br />

auxiliar na compreensão de mundo e desenvolvimento do individuo. O setor de<br />

Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação do Município de Imperatriz, em<br />

cumprimento de suas funções, realiza formações periódicas para seu quadro de<br />

funcionários, principalmente o professor do ensino básico, visando melhorar o ensino de<br />

seu alunado. E para diversificar a didática utilizada pelo professor em sala, o projeto<br />

tocar surgiu para acolher essa necessidade que alguns professores apresentavam para<br />

ensinar música para seus alunos. A música é inerente a educação infantil, está associada<br />

com as primeiras aprendizagens que o aluno recebe, e interagindo com ela que ele<br />

associa suas funções e seus deveres diários. Existe várias razões para ensinar arte na<br />

escola, mas as principais tomo emprestada de Barbosa:<br />

“Por meio da Arte é possível desenvolver a percepção e a imaginação,<br />

apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica,<br />

(…) permitindo ao indivíduo analisar a realidade percebida e desenvolver a<br />

criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada.” (BARBOSA,<br />

2003)<br />

955


Direcionar e promover ao aluno essa percepção para um desenvolvimento e<br />

aprimoramento de raciocínio lógico e rápido de maneira sutil, e alimentando a<br />

imaginação da criança com o intuito de estimular o seu processo criativo desde os<br />

primeiros anos de vida escolar, ajudando-o, provavelmente, em seu trajeto estudantil,<br />

pois foi aguçado e induzido de maneira lúdica para essa finalidade de ser um ser<br />

pensante, e assim, ajudando na interpretação de todas as outras disciplinas.<br />

Não há uma fórmula a ser seguida para o sucesso da educação musical nas<br />

escolas, mas há maneiras mais atrativas de chamar a <strong>ate</strong>nção do aluno para a disciplina,<br />

que não seja apenas com a parte teórica, mas o caminhar junto da teoria e da prática,<br />

ajuda as aulas a não se tornarem tediosas e cansativas, levando em consideração de um<br />

ensino musical mais consciente com formações continuas, mostrando ao professor como<br />

diferenciar a aula de música e aula com música.<br />

2 – A NECESSIDADE DA EDUCAÇÃO MUSICAL, MEDIANTE A LEI N°<br />

11.769, E COMO PODE SER INSERIDA EM SALA DE AULA.<br />

Há uma diferença entre as práticas acadêmicas e o ensino musical no<br />

cotidiano de uma sala de aula, e mesmo quem tem a formação direcionada para a<br />

licenciatura em música, quando entra em sala sente esta diferença, pala quantidade de<br />

aluno, a maneira que esses alunos se comportam em sala e à necessidade de priorizar o<br />

conteúdo teórico musical exigido nas escolas, distanciando o aluno e comprimindo o<br />

tempo de aula prática, a qual aproxima mais o aluno da disciplina musical, tornando o<br />

aluno um mero executor de tarefas.<br />

Num país que possui uma musicalidade aflorada em todos os seus Estados,<br />

onde a música faz parte do dia-a-dia de todas as pessoas de todas as idades, a<br />

encontramos principalmente na educação escolar, onde a música é inerente a educação<br />

infantil e se faz presente nas atividades de recreação, nas atividades lúdicas, nos<br />

conteúdos de disciplinas, e ainda em algumas escolas canta-se no inicio do horário<br />

escolar a saudação do Hino Nacional, e outros hinos afins, passando por festividades o<br />

956


ano todo com festa ditas profana e religiosa, acredita-se que a música é uma linguagem<br />

muito importante no desenvolvimento do ser humano, e no processo de socialização de<br />

todos.<br />

Na Secretaria de educação do município de Imperatriz, no Estado do<br />

Maranhão, há apenas dois professores de música para <strong>ate</strong>nder todas as escolas<br />

municipais, isso dificulta o trabalho dos mesmos, em deslocamento geográfico devido a<br />

distância das escolas e em carga horária que não seria humanamente possível de se<br />

cumprir, consolidando no local a necessidade de ampliar a formação musical dos<br />

professores regentes que precisam de uma fundamentação pedagógica musical que dê<br />

consistência em sala.<br />

Baseada na Lei n° 11.769, que determina a presença do conteúdo do ensino<br />

de música nas escolas de educação básica, e verificando a necessidade dos professores<br />

de ensino infantil do município de Imperatriz para o cumprimento a referida lei, foi feito<br />

o Projeto Tocar, que fomenta a orientação musical dos professores do município,<br />

levando-o a construir novos conhecimentos e a desenvolver novas metodologias<br />

embasadas nas atividades desta formação e por meio dela alcançar um numero maior de<br />

alunos do nosso município.<br />

3 – A IMPORTÂNCIA DE NOVAS DIDÁTICAS DE ENSINO NA EDUCAÇÃO<br />

INFANTIL.<br />

É sabido que a música é um forte agente para desenvolver a capacidade de<br />

aprender, utilizada desde os primeiros anos de ensino da vida estudantil, ensina de<br />

maneira prazerosa e fixa o conteúdo perpassado pelos professores com mais facilidade.<br />

Oferecendo probabilidade mais consistente para a funcionalidade do projeto, que por<br />

meio de um instrumento, o violão, tira o professor de sala para fazer sua capacitação<br />

inserindo em suas aulas novas metodologias, e ampliando assim sua forma de ensinar ao<br />

aluno.<br />

957


Levar a aula de música de uma maneira diferente para o universo do aluno,<br />

não apenas com músicas para cantar e apreciar junto a cd’s e outras mídias préexistentes,<br />

mas com o instrumento(violão) para cantar e participar ativamente das<br />

músicas, propiciando e incentivando no processo criativo com paródias e parlendas,<br />

recriando músicas, cantando músicas com o jeito da turma, e assim, diversificando o<br />

plano de aula com novas práticas pedagógicas e através dela trazer o aluno para a sala<br />

com uma aula mais próxima da sua realidade.<br />

A escolha para trabalhar com os professores da educação infantil é<br />

justamente pela experiência trabalhada com alunos desse período e constatando a<br />

importância da música na infância que aqui ressaltada por Bandeira (2008: 50) quando<br />

ele cita fatores importantes sobre essa faixa etária:<br />

A infância é fase mais importante da vida para a exploração dos sons das<br />

mais variadas naturezas. É no início da vida que a Música assume maior<br />

presença e importância. Toda criança em contato com a Música desperta seu<br />

instinto rítmico, sua percepção melódica e sua sensibilidade. A Música tem<br />

papel relevante no desenvolvimento da percepção auditiva e sensibilidade do<br />

aluno, promovendo o desenvolvimento: psicomotor, sócio-afetivo, auditivo<br />

musical e cognitivo lingüístico (BANDEIRA, 2008:50).<br />

Ele completa sua fala sobre a educação musical, que é uma ferramenta<br />

importante e pode ser uma aliada na educação:<br />

Ajuda a quem tem dificuldade na concentração. Praticar Música, em qualquer<br />

um de seus modos, é um exercício para a sensibilidade: ajuda a administrar o<br />

tempo, a estar mais <strong>ate</strong>nto, a interagir, a melhorar a autodisciplina e a<br />

exercitar a memória (BANDEIRA, 2008:50).<br />

Com o intuito de fomentar a aprendizagem dos professores e utilizar a<br />

música como ferramenta de ensino nas escolas municipais de Imperatriz, o projeto tocar<br />

tem no seu plano de ensino o direcionamento para as aulas como uma ferramenta de<br />

trabalho do professor para o dia-a-dia.<br />

Sabemos que as disputas com celulares, ipod, psp e outros é acirrada, e por<br />

isso esse projeto veio como ferramenta de auxilio para o professor utilizar de maneira<br />

958


criativa e multidisciplinar, vemos a música como meio de vinculação com os seus<br />

alunos. O projeto é uma via de acesso a aprender e transmitir o aprendizado em música,<br />

onde o professor que não teve contato com aulas de música disponibiliza dessa via para<br />

essa aquisição.<br />

É de nosso conhecimento que a prática musical não está ao alcance de<br />

todos, principalmente a prática instrumental, pois nem todos disponibilizam de um<br />

instrumento para essa aprendizagem, e isso dificulta a prática musical nas escolas, que<br />

muitas vezes se resumem a participação nas bandas de fanfarras e bandas marciais, em<br />

poucos meses do ano, ou aulas para algumas crianças, quando há aula de um<br />

instrumento musical no programa mais educação do Governo Federal.<br />

Foto de registro de aula, tirada na Secretaria de Educação Municipal, no dia 21/10/2016 às 19h50min<br />

hora local<br />

Desenvolver esse trabalho musical com professores do Ensino da Educação<br />

Infantil, que a meu ver é a mais importante etapa da formação do estudante, pois vai<br />

refletir nas etapas posteriores do aprendizado, e ajudar esse professor em suas<br />

habilidades musicais, para propiciar novas metodologias de ensino e novos planos de<br />

959


aula, e com isso, aproximar mais o aluno da aula e do conteúdo de música, são de<br />

fundamental importância para fazer valer a lei e a cima de tudo o aprendizado do aluno.<br />

4 - OBJETIVO<br />

Nortear o professor a desenvolver atividades com o instrumento, o violão,<br />

para a aprendizagem musical. Dessa maneira, o nosso objetivo é ajudar, o professor a<br />

ampliar, compreender e explorar essa nova ferramenta. Pretendemos instigar o professor<br />

à reflexão sobre o ensino da música na escola e utilizar o poder dela para o<br />

desenvolvimento da sociedade e do individuo, auxiliando o professor na sua prática<br />

diária, apresentando sugestões metodológicas possíveis de serem seguidas e aplicadas e<br />

sala de aula.<br />

5 - OBJETIVO ESPECIFICO<br />

• Ajudar o professor a obter uma nova ferramenta de trabalho em sala;<br />

• Proporcionar novos conhecimentos;<br />

• Desenvolver habilidades (motoras, auditiva etc.);<br />

• Estimular a criatividade e expressividade;<br />

• Conduzir o aluno a apreciação musical;<br />

• Renovar os planos de aula;<br />

• Desenvolver percepção e habilidades motoras;<br />

• Cumprir a Lei n° 11.769, que determina a presença do conteúdo de<br />

ensino de música nas escolas de educação básica;<br />

• Estimular a formação cultural dos professores que participam do projeto;<br />

• Estimular os integrantes do projeto a dar continuidade na formação<br />

musical, buscá-la e se aperfeiçoar no processo contínuo.<br />

960


6 - O PROJETO TOCAR<br />

Teve inicio em Junho de 2016, a princípio com duas turmas no horário<br />

noturno na Escola Municipais Juraci Conceição e uma turma no horário vespertino, na<br />

Escola Municipal e Dom Pedro <strong>II</strong>. Onde Trabalhamos o estudo das cifras de músicas<br />

infantis, criação musical e metodologias didáticas do ensino da música na educação<br />

infantil, que está fundamentado na Lei n° 11.769, a priori o seu Objetivo Geral era:<br />

Aprender a utilizar a ferramenta musical para o auxilio dos professores em sala de aula,<br />

e oferecer a prática musical básica da iniciação musical, porem começou a diversificar<br />

quando no meio das aulas as professoras falavam frases tipo “É a única hora do dia que<br />

relaxo de verdade”, ou “Me sinto renovada quando venho pra aula e pronta para outro<br />

dia de trabalho”, ou “Venho pra aula porque é uma terapia”, ou “nunca pensei que fosse<br />

conseguir tocar um instrumento”. Quando li as palavras de Bandeira tive um maior<br />

entendimento e aprofundamento sobre o que as professoras falavam, percebi que além<br />

do ensino ser importante para todos que almejavam ensinar de maneira mais efetiva o<br />

ensino musical para seus alunos, const<strong>ate</strong>i a forma terapêutica que o autor citava em seu<br />

livro:<br />

A Música é capaz de unir povos com propósitos sócio-culturais, terapêuticos<br />

e medicinais na intervenção do estresse causado pelo excesso de<br />

responsabilidades, problemas de saúde física, conflitos familiares ou pessoais<br />

(BANDEIRA, 2008).<br />

As frases das professoras e meus questionamentos sobre o que acontecia nas<br />

aulas que eu ministrava, foram aprofundando minhas aulas e direcionando para os fins<br />

que junto com o de nortear os professores com o ensino de música na educação, também<br />

era proporcionar nas aulas mais prazer e contentamento daqueles professores, que<br />

tocando uma música nova em cada aula se sentiam mais aptos a repassarem o ensino<br />

musical para seus alunos.<br />

A educação musical enfrenta vários problemas entre muitos a importância<br />

da falta de sistematização do ensino de música na escola de ensino fundamental e a não<br />

961


conscientização do valor desse ensino para o alunado, ressaltando que: “a educação<br />

musical, entendida como ciência ou área de conhecimento, não escapa de conviver e de<br />

defrontar com constantes situações problemáticas que são peculiares ao atual momento”<br />

(Loureiro 2003, p. 108).<br />

Existem diferentes práticas pedagógicas musicais para amenizar a<br />

necessidade que um professor não musicalizado necessita para aprofundar as suas aulas<br />

de música, porém, muitos não se sentem aptos ou embasados corretamente pela sua<br />

formação para ministrar essas aulas, e muitas vezes o ensino musical se resume em<br />

tarefas teóricas.<br />

O projeto tocar se tornou plausível, pois precisávamos de uma ponte entre o<br />

professor e à disciplina musical, oferecendo uma formação acessível ao ensino de<br />

música com instrumento, teoria e prática, e com isso ele possa perpassar esses<br />

ensinamentos ao seu aluno.<br />

O conteúdo programático que foi estipulado para a formação: Cifras<br />

maiores, com sétima e menores; Músicas infantis; Criação de músicas pelos<br />

professores; Pesquisa de músicas na internet; Planos de aulas ministradas pelos<br />

professores; e Metodologias musicais para a educação infantil, não foi alterado, porém<br />

acrescentamos mais músicas. A avaliaçãofoi feita com uma apresentação dos<br />

professores no V Congresso Municipal de Educação de Imperatriz, que aconteceu no<br />

Palace Eventos em Outubro de 2016, tocando e cantando as músicas infantis que<br />

aprenderam nas aulas, uma maneira de valorizar o aprendizado que será inserido nas<br />

salas de aula das escolas municipais do ensino infantil de Imperatriz. Todavia vejo a<br />

maior projeção deste projeto na V<strong>II</strong>I FIPED (Fórum Internacional de Pedagogia), onde<br />

ele foi apresentado como pôster e foi publicado nos anais desta edição, cito o endereço<br />

nas referências bibliográficas.<br />

O cronograma inicial teve muitas alterações devido a necessidade dos<br />

professores que estavam estudando no projeto, muitas delas foram feitas pelo simples<br />

motivo do professor não ter local adequado para estudar, vindo passar as lições de<br />

962


práticas na própria sala de aula. Em baixo, no primeiro quadro, o cronograma utilizado<br />

no inicio do projeto. E no segundo quadro a modificação que sofreu este cronograma.<br />

Cronograma 01<br />

1º Mês Aprender as cifras, músicas infantis e formar repertório.<br />

2º Mês Criar músicas e reinventar os planos de aula e<br />

Aprender o básico de teoria musical, elaborar atividades<br />

com a criação musical.<br />

3º Mês Criar estratégias de ensino com a utilização da música e<br />

apreciação musical.<br />

Cronograma 02<br />

1º bimestre Aprender as cifras, músicas infantis e formar repertório.<br />

2º bimestre Criar músicas e reinventar os planos de aula e<br />

Aprender o básico de teoria musical, elaborar atividades<br />

com a criação musical.<br />

3º bimestre Criar estratégias de ensino com a utilização da música e<br />

apreciação musical. (em andamento)<br />

A ultima linha do segundo quadro do cronograma 02 mostra que a parte<br />

final ainda não foi alcançada, porém já está no meio deste processo para chegar a<br />

finalização destas primeiras turmas.<br />

963


Foto de registro de Apresentação no V Congresso Municipal de Educação de Imperatriz, no dia<br />

26/10/2016 às 10h30min hora local.<br />

Sobre o instrumento que resolvemos utilizar para a aprendizagem do<br />

professor, foi escolhido o violão, pela sua praticidade em poder levar com mais<br />

facilidade para a sala de aula.<br />

7 - O VIOLÃO<br />

O corpo é oco e chato com tampo e rastilho, geralmente em forma de oito e<br />

possui uma grande variedade de tamanho, e tem uma abertura redonda que chamamos<br />

de boca e o cavalete para segurar as cordas, o braço possui trastes que a tornam um<br />

instrumento temperado e a pestana para delimitar o local onde as cordas passam, entre<br />

os trastes formam-se as casas. As versões mais comuns possuem seis cordas de aço ou<br />

de nylon, com a afinação dessas cordas de baixo para cima em mi, si, sol, ré, lá e mi. E<br />

para fazer essa afinação possui na sua “mão” tarraxas que permitem apertar ou não suas<br />

cordas.<br />

964


Ele existe desde os tempos antigos e a primeira referencia ao instrumento<br />

data do século V<strong>II</strong> na Espanha e no século XV<strong>II</strong>I assumiu sua forma que é conhecida<br />

até hoje. São considerados os melhores instrumentos, os que são fabricados na Espanha,<br />

sendo o responsável pelo desenvolvimento do violão o carpinteiro chamado San<br />

Sebastian de Almeida(1817-1892). Mello tem uma descrição da história mais detalhada:<br />

As mais acreditadas teorias atuais sustentam que o violão e outros<br />

instrumentos de fundo plano tiveram origem comum na Khitara Helênica<br />

(que por sua vez teve origem assírio-egípcia), trazidos pelos romanos à<br />

Hispania por volta de 40 d. C, e mais tarde adaptada com a chegada do oud<br />

de quatro cordas, trazidas pelos árabes depois de suas conquistas na península<br />

ibérica no século V<strong>II</strong>I. Este e outros instrumentos de fundo convexo, por sua<br />

vez se originam da lira antiga, e deram origem ao alaúde. (Mello)<br />

Sebastian, o carpinteiro que fabricou os primeiros violões era conhecido<br />

como Torres, e seu designer foi pouco modificado para sua fabricação nos dias atuais e<br />

muitos instrumentos são fabricados com base nos instrumentos de Torres.<br />

965


8 – O DESENVOLVIMENTO DA AQUISIÇÃO MUSICAL<br />

Visando utilizar as aulas de violão para aulas multidisciplinares, o projeto<br />

“Tocar” vem para mostrar o lado multifacetado que cada professor possui e o que ele<br />

pode utilizar para ajudar em suas aulas. É sabido que todo professor tem o intuito de<br />

passar o conhecimento para o aluno de forma eficaz, e com muito empenho ensinam<br />

músicas, danças, pintar e representar, incentivando o processo criativo do aluno e<br />

desenvolvendo o processo de aquisição de conhecimento. E para ajudar nesse<br />

processo e viabilizando todo aprendizado que se faz necessário, construímos formações<br />

e palestras para renovar o estoque de aulas do professor, onde ele pode reformular uma<br />

aula baseado no aprendizado do seu novo conhecimento e assim desenvolver a<br />

capacidade de aprender sua e de seus alunos. Bandeira fala dessa capacidade de<br />

aprender e cita a música como um agente causador desse desenvolvimento, quando ele<br />

diz:<br />

A Música é um forte agente para desenvolver a capacidade de aprender. As<br />

capacidades musicais encontram-se espalhadas por todo o cérebro, ao<br />

contrário de outras como a fala e a leitura, concentradas em pontos<br />

específicos, atingindo assim mais estímulos cerebrais do que quando falamos,<br />

lemos ou escrevemos algo. Também é importantíssima para superar o<br />

isolamento que ocorre com pessoas tímidas. Ajuda a quem tem dificuldade na<br />

concentração. Praticar Música, em qualquer um de seus modos, é um<br />

exercício para a sensibilidade: ajuda a administrar o tempo, a estar mais<br />

<strong>ate</strong>nto, a interagir, a melhorar a autodisciplina e a exercitar a memória<br />

(BANDEIRA, 2008).<br />

Ele deixa claro que a música tem esse papel desenvolvedor que ajuda a<br />

ativar a capacidade de aprender, que é importante na socialização humana, concentração<br />

e percepção, ajudando no ensino e na vida social de todos em geral. O projeto “Tocar”,<br />

que foi desenvolvido para nortear e ajudar a diversificar os recursos que o professor<br />

pode utilizar em seu planejamento de ensino, não somente musical, mas de outras<br />

disciplinas, também serviu de válvula de escape da cansativa jornada que o professor<br />

enfrenta no dia-a-dia, todavia não perdeu o foco de ter seu principal objetivo, que é<br />

alimentar o conhecimento dos professores para que eles obtenham outros meios de<br />

966


aprender e compreender a música, na sua forma teórica e pratica, oferecendo uma<br />

alternativa para suas praticas educacionais e o cumprimento da referida Lei.<br />

19h55min hora local<br />

Foto de registro de aula, tirada na Secretaria de Educação Municipal, no dia 21/10/2016 às<br />

9 - METODOLOGIA UTILIZADA NO PROJETO<br />

As cifras do violão foram ensinadas de maneira mimética, de professor por<br />

professor, e posteriormente ao ensino das cifras. Foram distribuídas as partituras de<br />

músicas infantis baixadas na internet com cifras que os professores tinham acabado de<br />

aprender, para poderem fixar as mesmas tocando músicas na seqüência do aprendizado.<br />

Houve leitura, dos planos de aula feitos pelos professores, para deb<strong>ate</strong> em grupo e<br />

encontrar qual a maneira de transformar as aulas antigas em aulas com/de música, e<br />

formar grupos para a estruturação e apresentação das aulas criadas.<br />

967


As cifras musicais que eles aprenderam no decorrer do curso foram fáceis<br />

no inicio, para estimular e proporcionar uma aprendizagem mais rápida. A primeira<br />

música que foi tocada tem apenas duas cifras, isso facilitou ajudando na troca mais<br />

rápida e fixando mais rápido as cifras que foram tocadas e em conseqüência a<br />

aprendizagem. A música é “Cai cai balão”, de domínio publico e utilizada a muitos anos<br />

na educação infantil.<br />

Cai Cai Balão<br />

A<br />

Cai cai balão, cai cai balão<br />

E<br />

Aqui na minha mão,<br />

Não cai não, Não cai não, Não cai não<br />

A<br />

Cai na rua do sabão.<br />

Onde, a letra da música está escrita na cor preta e a cifra a ser tocada na cor<br />

vermelha, e as cifras devem ser tocadas e trocadas exatamente na sílaba onde se<br />

encontra a cifra.<br />

Com base em algumas metodologias musicais que ao longo de meu percurso<br />

academico assimilei, neste projeto utilizo três de uma vasta lista de mais variados<br />

metodos que existem na atualidade:<br />

O método de Zoltan Kodaly, que oferece idéias e concepções sobre a<br />

educação musical, fala não só da importância da musicalização ele afirma que a musica<br />

pertence a todos e uma correta educação musical oferece os meios para aprecia-la e<br />

desfrutar-la, ele considera o canto, a voz humana, como o instrumento mais acessivel ao<br />

homem e o melhor meio para estudar e apreciar a música na sua forma geral.<br />

968


Jaques Dalcroze, vai mais longe, e redimensiona a educação musical,<br />

concebendo-a como um treinamento que reintegre corpo e mente, pensamento e<br />

comportamento, pensamento e sentimento, consciente e subconsciente uma<br />

manifestação vital de pensamentos e emoções. Assim sendo, ele propõe uma educação<br />

musical baseada na audição (escuta consciente), partindo do pressuposto de que os sons<br />

são percebidos por outras partes do organismo humano além do ouvido. E ele marca<br />

freqüentemente, acentuações com algum gesto corporal.<br />

A proposta de Villa-Lobos É indispensável orientar e adaptar a juventude<br />

dos nossos dias, e começarmos este trabalho (de educar musicalmente) muito cedo com<br />

as gerações mais novas. Seu fim não é o de criar artistas nem teóricos de música senão<br />

cultivar o gosto pela mesma e ensinar a ouvir. Todo mundo tem capacidade para receber<br />

ensinamentos musicais, tudo é uma questão de educação e método. O mais importante e<br />

o primeiro ensinamento que a criança deve adquirir é a consciência do ritmo.(<br />

OLIVEIRA, 2009).<br />

10 - CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Podemos perceber que a música é uma forma de integração socio-educativa.<br />

A importância da musicalização na vida de uma pessoa comum para poder vir a se<br />

tornar um ser pensante, fazendo-o ampliar seu conhecimento e discernindo melhor os<br />

acontecimentos do cotidiano. Ela vinculada as aulas que serão feitas por esses<br />

profissionais da educação abarcará todas as formas de ensino ajudando-o com seu plano<br />

de aula e alcançando o aluno com mais eficácia.<br />

Vimos também que o projeto Tocar foi elaborado e pensado para ministrar<br />

aulas, todavia no seu decorrer sofreu algumas alterações que foram possiveis e que não<br />

saiu do objetivo principal, ajudando os professores com novas metodologias e<br />

acentuando a diferenciação de estudo de musica e estudo com música.<br />

O projeto ainda está vigente e com o apoio da Secretaria de Educação,<br />

ganhará mais dias de aulas, e assim, mas professores poderão participar ampliando o<br />

número de alunos que serão beneficiados e que experimentarão aulas de música com<br />

969


uma nova metodologia, onde seus professores, não apenas colocarão músicas para<br />

apreciação e canto, mas tocarão para e com seus alunos, modificando seus planos de<br />

aula e alcançando mais alunos com sua nova metodologia de ensino, que é nosso maior<br />

objetivo.<br />

REFERÊNCIAS<br />

LIVROS:<br />

ARROYO, M. Educação Musical: um processo de aculturação ou enculturação? Em<br />

Pauta: Revista do Curso de Pós-Graduação em Música - UFRGS, v.1, n.2, p.29-43, jun.<br />

1990.<br />

BANDEIRA, D. L. 2008. Festival de música do COEP: inclusão social e educação<br />

através da música. In: Foro Latino Americano: memoria e identidade, 5, 2008.<br />

Memórias de futuros posibles: caminos para um desarrollo desde los pueblos y sus<br />

culturas. Uruguai: p. 50.<br />

BARBOSA, A. M. Arte Educação no Brasil: do modernismo ao pós-modernismo.<br />

Revista Digital Art& - Número 0 – outubro de 2003. Disponível em<br />

http://www.revista.art.br - acesso em 04 dez 2016.<br />

BARBOSA, A. M. Ensino da arte: memória e história. São Paulo: Perspectiva, 2009.<br />

ECO, U. A Definição da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1972.<br />

LEI nº 11.769, de 2008. Art 26§ 6º - A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não<br />

exclusivo, do componente curricular (Arte) de que trata o § 2º deste artigo.<br />

LOUREIRO, A. M. A. O Ensino de música na escola fundamental. Campinas, SP:<br />

Papirus, 2003<br />

NEVES, J. M. Música contemporânea brasileira. São Paulo: Ricordi, 1981.<br />

OLIVEIRA,D. A. Musicalização na Educação Infantil. ETD Educação Temática<br />

Digital, Campinas, v.3, n.1, p.98-108, dez.2001 98<br />

OLIVEIRA, P. L. L. M. G. de. EDUCAÇÃO MUSICAL E ALGUMAS<br />

METODOLOGIAS: UM ESTUDO DE ABORDAGEM TEÓRICA. (119 f.).<br />

970


Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Maringá. Orientador:<br />

Sonia Maria Vieira Negrão. Maringá, 2009.<br />

PAZ, E. A. Pedagogia Musical Brasileira no Século XX. Metodologias e Tendências.<br />

Brasilia: Editoda MusiMed, 1949.<br />

RAMOS, S.N. Música e televisão no cotidiano de crianças: um estudo de caso com um<br />

grupo de 9 e 10 anos. Dissertação. (Mestrado em Educação Musical) - - IA/PPG-<br />

Música, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. 2002.<br />

SCARAMELLI, J. Escola nova brasileira: esboço de um sistema. São Paulo: Livraria<br />

SHAFER, R. M. O ouvido pensante. São Paulo: Unesp, 1991.<br />

SILVA, M. A. M. da. Um homem chamado Villa-Lobos. Rio de Janeiro: [s.n.], 1978.<br />

TOURINHO, I. Considerações sobre a avaliação de método de ensino de música. In:<br />

Anais do <strong>II</strong>I Encontro Anual da ABEM. Salvador: junho 1994 p. 13-43.<br />

Zenith, 1931.<br />

VILLA-LOBOS, H. O ensino popular da música no Brasil. Rio de Janeiro, 1937.<br />

ZABALA, A. A Avaliação: A Prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: ArtMed,<br />

1998.<br />

ZAGONEL, B. A Arte na Educação Escolar. Curitiba: Ibpex, 2008.<br />

SITES:<br />

Cifra Club: https://www.cifraclub.com.br/temas-infantis/cai-cai-balao/ acesso em 03<br />

agosto 2016.Editora Realize:<br />

http://editorarealize.com.br/revistas/fiped/trabalhos/TRABALHO_EV057_MD4_SA25<br />

_ID3048_08092016181522.pdf<br />

Marcelo Mello (org) Uma Breve história do violão<br />

http://www.marcelomelloweb.cjb.net/ acesso em 04 janeiro 2016.<br />

Wikipédia – Enciclopédia digital:<br />

https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A9todo_Kod%C3%A1ly acesso em 04 janeiro<br />

2016.<br />

971


REABILITAÇÃO DO TEATRO NO SÉCULO XV<strong>II</strong>I: Rousseau, Voltaire e<br />

D’alambert a educação enquanto constituinte do teatro e da sociedade<br />

REHABILITATION OF THE THEATER IN THE EIGHTEENTH CENTURY:<br />

Rousseau, Voltaire and D'alambert education as a constituent of the<strong>ate</strong>r and society<br />

Edilene Pereira Boaes,<br />

Mestranda do PROF-FILO UFMA,<br />

bolsista CAPES. E-mail: boaes2014@gmail.com<br />

Edilson Vilaço de Lima,<br />

Mestrando do PROF-FILO UFMA,<br />

bolsista CAPES. E-mail: neoeddi21@gmail.com<br />

Jonatas Viegas da Silva,<br />

Mestrando do PROF-FILO UFMA,<br />

bolsista CAPES. E-mail: jonatasviegas@gmail.com<br />

Orientador: Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha<br />

Programa de Pós-Graduação Profissional em Filosofia do PROF-FILO/UFMA<br />

Programa de Pós-Graduação Cultura e Sociedade- PGCult/UFMA.<br />

E-mail:lucianosfacanha@hotmail.com<br />

Eixo 1: Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Na segunda metade do século XV<strong>II</strong>I, o filósofo e m<strong>ate</strong>mático, D’Alembert,<br />

com o apoio de Voltaire, escreve o verbete “Genebra”, publicado em 1757, onde<br />

lembrava a importância do teatro a fim de aperfeiçoar o gosto e os costumes dos povos e<br />

exortava os genebrinos a revogarem as leis que proibiam a sua instalação na cidade. O<br />

que explicava a proibição, segundo d’Alembert, não era a desconfiança de Genebra em<br />

relação aos próprios espetáculos, mas o temor de que o gosto dos comediantes pelo luxo<br />

e libertinagem trouxesse prejuízo à juventude da cidade. Tal inconveniente, entretanto,<br />

continuava ele, poderia ser contornado pela promulgação de leis que contivessem os<br />

possíveis abusos. Genebra teria assim espetáculos e costumes, contribuindo, por outro<br />

972


lado, para a reabilitação do ofício dos comediantes, pois logo sua companhia de atores<br />

constituiria um modelo a ser imitado em toda a Europa.<br />

palavras-chave: Educação. Sociedade. Teatro. Costumes.<br />

ABSTRACT: In the second half of the eighteenth century, the philosopher and<br />

mathematician D'Alembert, with Voltaire's support, writes the entry "Geneva,"<br />

published in 1757, where he recalled the importance of the<strong>ate</strong>r in order to perfect the<br />

taste and customs of the peoples and urged the genetics to repeal the laws prohibiting<br />

their installation in the city. According to D'Alembert, the prohibition was not the<br />

distrust of Geneva in relation to the spectacles themselves, but the fear that the taste of<br />

the comedians for luxury and debauchery would harm the youth of the city. Such a<br />

drawback, however, he continued, could be circumvented by the enactment of laws<br />

containing possible abuses. Geneva would thus have spectacles and customs,<br />

contributing, on the other hand, to the rehabilitation of the comedians' trade, for soon its<br />

company of actors would be a model to be imit<strong>ate</strong>d throughout Europe.<br />

keywords: Education. Society. The<strong>ate</strong>r. Mores.<br />

Na segunda metade do século XV<strong>II</strong>I, o filósofo e m<strong>ate</strong>mático, D’Alembert,<br />

com o apoio de Voltaire, escreve o verbete “Genebra”, publicado em 1757, onde<br />

lembrava a importância do teatro a fim de aperfeiçoar o gosto e os costumes dos povos e<br />

exortava os genebrinos a revogarem as leis que proibiam a sua instalação na cidade. O<br />

que explicava a proibição, segundo d’Alembert, não era a desconfiança de Genebra em<br />

relação aos próprios espetáculos, mas o temor de que o gosto dos comediantes pelo luxo<br />

e libertinagem trouxesse prejuízo à juventude da cidade. Tal inconveniente, entretanto,<br />

continuava ele, poderia ser contornado pela promulgação de leis que contivessem os<br />

973


possíveis abusos. Genebra teria assim espetáculos e costumes, contribuindo, por outro<br />

lado, para a reabilitação do ofício dos comediantes, pois logo sua companhia de atores<br />

constituiria um modelo a ser imitado em toda a Europa.<br />

No século das Luzes, o teatro estava muito difundido na França. Obrasprimas<br />

de mestres recentes como Molière e Racine, davam impulso à propagação dos<br />

espetáculos em todas as classes sociais. A paixão pelo teatro é observada desde a esfera<br />

mais popular, representado sobre os tablados em feiras e praças públicas, até as<br />

requintadas peças dos maiores autores, passando pelos espetáculos da burguesia,<br />

representados com exclusividade em algumas casas abastadas, especialmente para seus<br />

donos e convivas. As peças de teatro são um poderoso veículo de comunicação e<br />

influência junto ao público.<br />

Muitos filósofos passaram a dominar este veículo tão eficaz na propagação<br />

de ideia, fazendo famosas peças na época. Há que se somar a isto a grande influência<br />

que filósofos exerciam sobre a vida concreta da cidade. É no século XV<strong>II</strong>I que o<br />

filósofo volta à praça pública, na figura de agitador político e cultural, como na<br />

Antiguidade, indo aos salões e praças esclarecer à população.<br />

Quem se destaca nesse período é um jovem chamado François Maria<br />

Arouet, frequenta os círculos boêmios e literários de Paris. Mais tarde adota o<br />

pseudônimo de Voltaire, durante sessenta anos dominou a cena francesa. Percebe-se por<br />

suas peças e cartas, que Voltaire era um homem de teatro. Franklin de Matos (2006)<br />

comenta sobre a trajetória de Voltaire:<br />

Lembrando que Voltaire foi o maior dramaturgo francês do século XV<strong>II</strong>I.<br />

Durante sessenta anos, mais precisamente de 1718 quando estreou a sua<br />

primeira peça de teatro “Édipo”, até 1778 quando foi representada a última<br />

“Irene”. Quando Voltaire passou muito tempo exilado, fora da França,<br />

quando voltou para Paris foi aclamado pelo seu público no palco da Comedie<br />

Française. Nesse período de sessenta anos Voltaire dominou soberanamente a<br />

cena trágica francesa. Ele foi o grande representante do teatro clássico<br />

francês do século anterior. E tinha Corneille, Racine e Molière as suas<br />

grandes expressões. Ele foi o defensor no século XV<strong>II</strong>I da poética clássica<br />

francesa, que havia sido codificada de uma vez por Boileau (1674), na sua<br />

conhecida Arte Poética.<br />

974


Uma de suas grandes paixões sem dúvida era o teatro, era um completo<br />

homem de teatro, gostava tanto da cena que reservava para si um papel de<br />

ator, mesmo nas peças que ele compunha. E a maneira como o ator Voltaire<br />

representava, segundo testemunhos contemporâneos, mostrava o que ele<br />

pensava. Voltaire quando representava declamava, fazia questão de acentuar<br />

os efeitos. Voltaire fazia questão de fugir de certo tom familiar burguês que<br />

estava cada vez mais em moda na cena do século XV<strong>II</strong>I. E ele fazia isso<br />

porque achava que o teatro devia ser teatral. Que o teatro devia ser uma<br />

transfiguração, nos transportar para um outro mundo. Embora<br />

transportar-nos para um outro mundo significava transportar-nos para um<br />

lugar onde iríamos discutir questões relativas ao nosso próprio mundo.<br />

Já em Diderot a prática da filosofia está ligada à ação virtuosa, unindo assim<br />

a figura do dramaturgo como filósofo, e delimitando as fronteiras entre literatura e<br />

filosofia. Ao mesmo tempo discorda de Voltaire quanto à cena, o que o autor deseja não<br />

é apenas a reabilitação dos costumes através do teatro, mas a própria reabilitação da<br />

cena como acontecia na Antiguidade, valorizar não apenas a palavra, mas aquilo que é<br />

próprio do teatro o gesto, a pantomina, etc. Fica claro, portanto que a metáfora da prisão<br />

versa sobre a liberdade que nos séculos anteriores os dramaturgos e atores tinham e que<br />

no século XV<strong>II</strong> e XV<strong>II</strong>I foi substancialmente suprimido, gerando assim a cisão entre o<br />

palco e a pl<strong>ate</strong>ia. Diderot deseja, portanto, um novo estatuto para o teatro:<br />

Diderot formulou o programa de uma dramaturgia, cujo princípio é o<br />

seguinte: a fim de restituir ao teatro o poder de recuperar e educar os homens<br />

é preciso procurar transformar o espectador. O dramaturgo tem que poder<br />

usar os meios mais fortes para levar o tumulto, o pavor à alma do espectador.<br />

Para isso é necessário resgatar a energia da linguagem, ou melhor, resgatar a<br />

energia da Natureza que a linguagem é portadora. (...) Diderot formulou o<br />

programa do teatro, que em vez de está atrelado no texto dramático, no texto<br />

literário deve está centrado num texto pré-verbal, num teatro que valoriza as<br />

inflexões de voz, que valoriza o grito, os murmúrios e como complemento a<br />

essa linguagem, o complemento extra verbal: o gesto. Além de sugerir que o<br />

teatro deveria se escrever em prosa e não em verso, a prosificação do texto<br />

dramático. (...). Se nós fôssemos resumir em alguns itens a proposta de<br />

reforma de Diderot seriam: 1) resgatar a simplicidade da Natureza; 2)<br />

resgatar a dimensão espetacular da cena, no sentido visual, resgatar o lado<br />

visual da cena.<br />

O TEATRO EM GENEBRA E A EDUCAÇÃO DOS COSTUMES<br />

A filosofia de Rousseau é um ataque contra o otimismo do progresso, e na<br />

resposta à proposta de D’Alembert, que veio na forma de uma Carta pública escrita em<br />

975


fevereiro de 1758. Em suas Confissões (1987, Livro X, pp.324-325)fala a respeito do<br />

verbete escrito por d’Alembert e as circunstâncias de sua resposta:<br />

Na última visita que Diderot me tinha feito em l’Ermitage, ele me havia<br />

falado do artigo Genebra, que d’Alembert tinha posto na Encyclopédie:<br />

dissera-me que aquele artigo, ajustado com genebrinos da alta classe, tinha<br />

por alvo estabelecer a comédia em Genebra; por consequência as medidas<br />

tinham sido tomadas e não tardaria que ali fosse fundada. Como Diderot,<br />

parecia achar aquilo tudo muito direito, como não duvidava do sucesso, e<br />

como já tinha tido com ele outras discussões para ainda discutir aquele ponto,<br />

nada lhe disse; mas, indignado por toda aquela manobra de sedução em<br />

minha pátria, esperava com impaciência o volume da Enciclopédia onde<br />

estava aquele artigo para ver se não haveria um meio de dar alguma resposta<br />

que aparasse aquele golpe infeliz. Recebi o volume pouco depois de me achar<br />

em Mont-Louis e achei que o artigo fora feito com grande habilidade e arte,<br />

digno, portanto da pena de onde saíra. Isso não me tirou da cabeça a ideia de<br />

respondê-la; e apesar do abatimento em que estava, apesar das tristezas e de<br />

meus males (...). Durante um inverno muito severo (...), sem outro fogo senão<br />

o de meu coração, compus no espaço de três semanas, minha Carta a<br />

d’Alembert a respeito dos espetáculos.<br />

Rousseau apesar de temer a alienação do ser no que diz respeito à aparência<br />

que o teatro imprime no real, em toda a sua obra há referências ao teatro, às<br />

manifestações artísticas e jogos, mas percebe que tudo isso seria pautado num desejo de<br />

sempre transportar-se para fora de si mesmo, que significaria a perda e o encontro do ser<br />

humano, enquanto paradoxo.<br />

Perfaz o caminho da cena francesa, cena à italiana, segundo definição de<br />

Salinas Fortes (1997, Livro <strong>II</strong>I, cap. I pp. 143-4):<br />

Estamos diante de um jogo, de um faz de conta. Nada do que se passa entre<br />

aquelas quatro paredes pintadas é real. Tudo é imaginário, tudo é fingimento,<br />

mas tudo se propõe como imitação, como mimese do real. O que visa a ação<br />

cênica é a criação no espectador de uma criação de realidade.<br />

Analisa que a cena se forma através da ilusão. Seria, portanto um<br />

instrumento político-estético essencial da monarquia, cena afastada do público, isolada<br />

pelo proscênio e o fosso da orquestra. No século XV<strong>II</strong>, na Itália iniciada a organização e<br />

separação entre palco e pl<strong>ate</strong>ia. Através da ópera e seu aparato estético percebemos a<br />

976


ilusão criada a partir das construções engendradas pelas luzes humanas, é possível<br />

imitar o real, mas não ultrapassar o abismo entre ser e parecer.<br />

O que o autor reflete é que em muitas peças de teatro, como as do teatro<br />

francês, tanto criminosos quanto heróis triunfam. Isto não importa desde que se<br />

imponha um ar de grandeza ao triunfo, ou algo que não se é ou não se vive, perde-se a<br />

humanidade, colocam-se as máscaras, permite-se a artificialidade. Cito Rousseau (1993,<br />

p.52):<br />

Não seria desejável que nossos sublimes autores se dignassem a descer um<br />

pouco de sua contínua elevação e nos enternecessem às vezes pela simples<br />

humanidade sofredora, para que tendo pena apenas dos heróis infelizes, não<br />

venhamos a ter pena de ninguém? Os antigos tinham heróis e punham<br />

homens em seus teatros; nós pelo contrário, só colocamos heróis e mal temos<br />

homens (...). Eis aí a filosofia moderna e os costumes antigos.<br />

Rousseau (1993, p.39) elege como seus principais alvos Diderot e<br />

d’Alembert. O verbete “Genebra” da Enciclopédia para ele engloba várias questões:<br />

“Se os espetáculos são bons ou maus em si mesmos? Se podem se aliar aos<br />

bons costumes? Se a austeridade republicana pode comportá-los? Se devem<br />

ser comportados em uma pequena cidade (Genebra na época tinha 24 mil<br />

habitantes)? Se a profissão de comediante é honesta? Se as comediantes são<br />

tão recatadas quanto às outras mulheres? Se as boas leis bastam para coibir o<br />

abuso? Se as leis podem ser bem cumpridas?”<br />

Em primeiro lugar, Rousseau observa que os espetáculos são<br />

entretenimentos, e se é que os povos precisam de entretenimento que fossem permitidos<br />

quando necessários, quando o lazer não estiver à frente do trabalho que o dignifica.<br />

Existe uma infinidade de espetáculos de um povo a outro. Segundo o autor os homens<br />

são modificados de acordo com a religião, governo e clima; procurando assim, não o<br />

que é bom para os povos em geral, mas para os povos em época e contextos específicos,<br />

pois os espetáculos de outros lugares ou épocas diferentes poderiam não ser adequados<br />

à República de Genebra.<br />

977


Para os povos ferozes, o que agrada o público são os espetáculos<br />

sanguinolentos. Para um povo sensual, os espetáculos devem conter dança e música.<br />

Vê-se, assim que os espetáculos acentuam as paixões ao invés de moderá-las, porque<br />

cada povo possui uma paixão dominante que o distingue de todos os demais.<br />

Rousseau prossegue dizendo que o teatro é o quadro das paixões humanas,<br />

cujo original está em nossos corações. O dramaturgo adula as paixões. Assim, para<br />

Rousseau, o teatro modifica os costumes, e, portanto, não deve ter o papel educador que<br />

Diderot aspirava à ideia que alia divertimento e instrução – é uma quimera, ao agradar o<br />

espetáculo não ensina, ao ensinar o espetáculo não agrada. O efeito geral do espetáculo<br />

é reforçar o caráter nacional, acentuar as inclinações naturais e dar uma nova energia a<br />

todas as paixões. Ressalta Rousseau (1993, p.44):<br />

Em Londres um drama interessa quando faz odiar os franceses; em Tunis, a<br />

bela paixão seria a pirataria; em Messina uma vingança bem saborosa; em<br />

Goa, a honra de queimar alguns judeus. Se um autor desrespeitar essas<br />

máximas, poderá fazer uma peça belíssima à qual ninguém assistirá. (...)<br />

Assim, o teatro purga as paixões que não temos e fomenta as que temos. (...)<br />

E para ele nada é mais fácil que despertar bom sentimento numa pl<strong>ate</strong>ia de<br />

teatro dado o “desinteresse” que a condição de espectador proporciona: todos meros<br />

observadores de disputas que não lhes concernem diretamente, ninguém corre o risco de<br />

preferir o mal que lhe é útil ao bem que a natureza faz amar e, por isso cada um toma<br />

logo o partido da justiça (verdade).<br />

Sobre a tragédia levar à compaixão pelo terror e piedade, Rousseau diz que<br />

este é um sentimento vão e passageiro, que só dura enquanto houver o espetáculo. Um<br />

resto de sentimento natural logo sufocado pelas paixões; uma piedade estéril, que nunca<br />

produziu o menor ato de humanidade e que só pode pleno dentro do espaço do teatro e<br />

nas cenas que a tragédia revela em seu desenrolar nas cenas e na voz e nos gestos dos<br />

atores. Para Rousseau (1993, p.45) está em nós e não na arte o que gera a virtude:<br />

Ah, se a beleza da virtude fosse obra da arte, há muito a arte a teria<br />

desfigurado! Quanto a mim, ainda que me chamem de malvado por ousar<br />

978


afirmar que o homem nasceu bom, eu acho isso e creio tê-lo provado; está em<br />

nós e não nas peças a fonte do interesse que nos prende ao que é honesto e<br />

nos inspira aversão pelo mal.<br />

Para Rousseau, o argumento de que o expectador entraria em conto com a<br />

virtude durante a dramatização, e que o mesmo sairia do teatro com a consciência<br />

tranquila já que vira a virtude na tragédia, e poderia praticá-la na vida real; também<br />

seria vã, pois os heróis trágicos são colocados nas mais fantásticas situações, e suas<br />

ações são revestidas de exageros, ações hiperbólicas. Enquanto que o expectador não<br />

poderia transpor essa condição para o seu cotidiano. O jogo do ser e parecer do teatro a<br />

partir das ações heroicas adentra a virtude, eleva-se o herói e a pl<strong>ate</strong>ia em sua<br />

humanidade se aliena, perde-se entre o real e o imaginário. Rousseau alerta (1993, p.47)<br />

“Quanto mais penso, mais acho que tudo o que se representa no teatro não se aproxima<br />

de nós, mas se afasta”<br />

O teatro, portanto, tem uma moral a parte. Aproximando o teatro do mundo,<br />

os costumes não seriam corrigidos, mas sim retratados. Para corrigir através da<br />

caricatura, pois o teatro tende ao exagero, a comédia mostra os homens inferiores e a<br />

tragédia superior, aquém ou além daquilo o que verdadeiramente são. Aos argumentos<br />

expostos por d’Alembert no verbete, Rousseau responde dizendo que no teatro o crime<br />

não é punido e a virtude exaltada. O teatro não tem um compromisso com a virtude,<br />

mas sim com a paixão e o gosto do público (opinião pública). Começa então um exame<br />

minucioso às obras do teatro francês (1993, p. 122):<br />

“Todo o teatro francês só respira ternura: é a grande virtude a que se<br />

sacrificam todas as outras, ou pelo menos aquela que tornaram a mais querida<br />

pelos espectadores”<br />

Molière (1622-1673), o maior autor cômico francês, é admirado pelos seus<br />

talentos por Rousseau, este não deixa de observar que suas obras são uma escola de<br />

vícios e maus costumes, pois ele ridicularizava a bondade e fazia com que o público<br />

simpatizasse com a astúcia. O talento de escritor de Molière estaria enganando os<br />

979


filósofos que se divertiam com suas peças ao invés de denunciar nelas este caráter<br />

grave.<br />

Mas por que Rousseau usa sua pena contra os filósofos contemporâneos?<br />

Por que condena a proposta de d’Alembert de implantar a Comédia em Genebra?<br />

Rousseau não repudia apenas aquela espécie de teatro em sua época, mas a teatralização<br />

do seu tempo, não é uma mera reação, mas segundo Salinas Fortes (1997, P.146) “tem<br />

um que de revolução”.<br />

O que se verifica na Carta a d’Alembert não é apenas a recusa da<br />

implantação do teatro em Genebra, mas a exaltação daquilo que é próprio desta cidade<br />

no que diz respeito a diversão: a festa cívica genebrina, que em sua constituição não<br />

feria sua constituição republicana. Segundo Salinas Fortes (Livro <strong>II</strong>I, cap. I, p.147):<br />

Não é apenas o teatro que se quer evitar, mas o alto grau de representação, na<br />

qual completa a separação espectador-espetáculo, a festa constituirá o<br />

mínimo possível de espetáculo ou o grau zero da representação. O próprio<br />

fenômeno do espetáculo, de cujo modelo se retira às c<strong>ate</strong>gorias para se pensar<br />

a vida social, é avaliado segundo estas mesmas c<strong>ate</strong>gorias e os mesmos<br />

esquemas e submetido ao mesmo instrumento de medida.<br />

Seu alvo crítico não é apenas d’Alembert por causa do verbete na<br />

Enciclopédia, mas Voltaire, que com sua pena e empenho buscava reabilitar o teatro<br />

enquanto agente pedagógico na correção de usos e costumes, que em sua instalação nos<br />

arredores de Genebra buscava apressar tal empreendimento. A cena seria palco para<br />

esses filósofos, sendo contra eles e a propagação de suas ideias que Rousseau trabalha.<br />

Sua crítica mostra claramente sua ruptura com os philosiphes, iniciada no<br />

Primeiro Discurso, em especial com Diderot, aquele que compartilhou sua intimidade e<br />

seus escritos. Abraça duas questões fundantes em sua Carta um de aspecto geral sobre<br />

os malefícios do teatro e a outra particular sobre a recusa da implantação do teatro em<br />

Genebra.<br />

Há a necessidade de perceber que Rousseau não condena pura e<br />

simplesmente o teatro, mas percebê-lo enquanto localizado em contextos históricos e<br />

formações próprias. Analisa o teatro clássico francês, através de autores como Racine,<br />

980


Corneille e Molière, e o teatro francês contemporâneo que termina de se formar no<br />

século XV<strong>II</strong>I.<br />

Molière (1622-1673), o maior autor cômico francês, é admirado pelos seus<br />

talentos por Rousseau, este não deixa de observar que suas obras são uma escola de<br />

vícios e maus costumes, pois ele ridicularizava a bondade e fazia com que o público<br />

simpatizasse com a astúcia.<br />

A FESTA POPULAR GENEBRINA X A CENA FRANCESA<br />

No caso específico de Genebra “os círculos” que em sua constituição era um<br />

espaço para homens e mulheres, em separado. Onde existiam jogos e conversas, mas a<br />

moderação sempre estava presente, e cada um (a) serviam como verdadeiros censores<br />

para que ninguém transgredisse as leis.<br />

Rousseau (1993, 76) reflete:<br />

Nas cidades pequenas (...) as paixões são menos vivas e necessidades menos<br />

prementes, os espíritos são originais, existem coisas novas; gente menos<br />

imitadora, existem poucos modelos para se guiar, vendo menos se imagina<br />

mais; a pressão em relação ao tempo é menor, se tem mais lazer para ouvir e<br />

digerir as ideias<br />

O que fica claro em sua exposição é que, Paris extremamente urbanizada e o<br />

campo distante propiciavam a manutenção de um teatro nesta cidade. Ao passo que<br />

Genebra por ser pequena, ter outros costumes, pelo tamanho da população e suas<br />

peculiaridades, erguerem o teatro e mantê-lo seria oneroso para os genebrinos; que<br />

perderiam a sua liberdade. Rousseau exalta que para o seu povo “o bem da pátria lhes é<br />

mais caro que a diversão” (Carta a D’Alembert, p. 106). A impossibilidade de um teatro<br />

em Genebra se dá através de duas questões: 1°) ou os ricos se reunirão para sustentá-lo,<br />

desviando o dinheiro de sua produção para tal fim ou 2°) o Estado intervirá e o<br />

sustentará o que seria impossível e a repercussão seria direta nos usos e costumes<br />

genebrinos.<br />

981


Rousseau (1993, p.92) prossegue a sua análise quanto à presença dos<br />

comediantes na cidade e nos seus efeitos quanto à participação da vida social:<br />

Que é o talento do comediante? A arte de imitar, de adotar um caráter<br />

diferente do que se é, de se apaixonar com serenidade, de dizer coisas<br />

diferentes das que se pensam com tanta naturalidade com se realmente<br />

fossem pensadas, e, enfim de esquecer seu próprio lugar de tanto tomar o<br />

lugar de outro<br />

Menciona a necessidade de o comediante ser mais virtuoso que os demais<br />

homens; pois em seu tempo a partir dos progressos o homem esqueceu de ouvir a voz<br />

da razão e o coração a voz da natureza; esquecendo por fim de retirar as máscaras<br />

impostas pela representação deixando o rosto coberto e nunca mostrando a sua<br />

verdadeira feição. Analisa também, a presença da mulher enquanto comediante,<br />

enquanto tal não deveria perder o que lhe é peculiar: o pudor, pois nas grandes<br />

companhias (especialmente na francesa) os bons costumes são deixados de lado e o<br />

rebuscamento exaltado.<br />

Rousseau (1993, p.102) mostra em sua exposição é que no jogo de luzes e<br />

sombras, da representação e da dança o teatro camufla, esconde ou mostra o que lhe é<br />

conveniente. O filósofo prossegue: “Segue-se daí que devamos desprezar todos os<br />

comediantes? (...) Os grandes atores trazem consigo suas desculpas; são os maus atores<br />

que devemos desprezar.” Portanto o teatro seria um estabelecimento contrário às<br />

antigas máximas de Genebra, monumento erguido ao luxo e à preguiça, sobre as ruínas<br />

da simplicidade da República. A defesa é por costumes que não sejam nocivos à<br />

virtude, que o “pacto” feito em sociedade não seja derrubado pelo caráter lasso de tais<br />

instituições, numa constante propagação de progressos que só serviriam para a<br />

dissolução geral dos costumes. Defesa pautada na manutenção do Estado forte e leis que<br />

garantissem a ordem de maneira geral.<br />

982


REFERÊNCIAS:<br />

CERIZARA, Beatriz. Rousseau: A educação na infância. São Paulo: Editora Scipione,<br />

1990.<br />

DOZOL, Marlene de Souza. Rousseau. Educação: a máscara e o rosto. Petrópolis:<br />

Vozes, 2006.<br />

GARCIA, Cláudio Boeira. As cidades e suas cenas, a crítica de Rousseau ao teatro,<br />

Unijui: Editora Unijui, 1999.<br />

MATOS Franklin de. A filosofia no palco. I Curso Livre de Humanidades, série de 18<br />

programas que tematiza Filosofia, Sociologia, Antropologia e Letras em DVD da<br />

Cultura Marcas e Abril. Ano 2006.<br />

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Carta a d’Alembert, Campinas: Editora da Unicamp, 1993.<br />

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Confissões, São Paulo: Editora Ediouro,1987.<br />

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso Sobre a Economia Política. Tradução: Maria<br />

Constança Peres Pissarra. Petrópolis: Editora Vozes, 1995.<br />

FORTES. Luiz Roberto Salinas Paradoxo do Espetáculo: Política e Poética<br />

emRousseau. São Paulo: Discurso Editorial, 1997.<br />

FORTES, Luiz Roberto Salinas. Rousseau: da Teoria à Prática. São Paulo: Ática,<br />

1976.<br />

VIERA, Luiz Vicente. A democracia em Rousseau: a recusa dos pressupostos liberais.<br />

Porto Alegre: EDPUCRS, 1997.<br />

983


REFLEXÕES SOBRES EPISTEMOLOGIAS DAS ARTES INDÍGENAS<br />

REFLECTIONS OF EPITHEMOLOGIES OF INDIGENOUS ARTS<br />

.<br />

Alessandra Cristina Duarte Teixeira - autor<br />

UFMA/Bolsista-PIBIC -V<br />

Dra. Larissa Lacerda Menendez - orientador 110<br />

Coordenador UFMA/PIBIC<br />

leleca.duarte@bol.com.br<br />

larismenendez@gmail.com<br />

Eixo 1 - Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O presente artigo faz referência a diversos autores que tomaram como<br />

objeto de reflexão as artes indígenas. Cercados de uma visão preconceituosa e colonial,<br />

os objetos produzidos por populações indígenas foram, durante séculos, relegados ao<br />

lugar de artesanatos. A estética, campo de reflexão da arte, não considerou que as<br />

produções de outros povos pudessem ser objeto de seus estudos. Após a publicação da<br />

obra “Arte Primitiva” de Franz Boas, as produções artísticas indígenas adquirem um<br />

novo status que as coloca como objetos passíveis de reflexão estética. Questões como a<br />

técnica, o símbolo e as relações sociais são também elementos imprescindíveis para a<br />

reflexão sobre o fenômeno humano chamado arte.<br />

Palavras-chave: Artes Indígenas; Epistemologia; Estética; Antropologia.<br />

ABSTRACT: This article makes reference to several authors who have taken as object<br />

of reflection the indigenous arts. Surrounded by a prejudiced and colonial view, the<br />

110 Professora do Curso de Artes Visuais, Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em<br />

Cultura e Sociedade da Universidade Federal do Maranhão, professora colaboradora do Programa de Pós-<br />

Graduação em Estudos Contemporaneos da UFMT.<br />

984


objects produced by indigenous populations were, for centuries, releg<strong>ate</strong>d to the place of<br />

handicrafts. The aesthetic, field of reflection of the art, did not consider that the<br />

productions of other people could be object of its studies. After the publication of the<br />

work "Primitive Art" by Franz Boas, indigenous artistic productions acquire a new<br />

status that places them as objects capable of aesthetic reflection. Questions such as<br />

technique, symbol and social relations are also essential elements for reflection on the<br />

human phenomenon called art.<br />

Keywords: Indigenous Arts; Epistemology; Aesthetics; Anthropology.<br />

INTRODUÇAO<br />

Essa apresentação é decorrente de plano de trabalho vinculado ao Programa<br />

Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) inserido na pesquisa “Estéticas<br />

indígenas Contemporâneas: artes Canela e Ka’apor no Maranhão, coordenada pela<br />

profa. Dr. Larissa Menendez. Nesse artigo serão apresentadas as concepções teóricas da<br />

Antropologia da Arte que fundamentam as concepções de arte indígenas abrangendo os<br />

seguintes autores: Boas, Price e Gell, Além da conceituação teórica, Boas e Price<br />

destacam a falta de conhecimento e o olhar evolucionista sobre as produções indígenas..<br />

Nas primeiras reflexões do plano de trabalho nós começamos a reavaliar<br />

criticamente conceitos que já fazem parte das noções básicas de nossa sociedade, e que<br />

Sally Price, em seu livro Arte primitiva em Centros Civilizados, estimula esse<br />

posicionamento quando nos questiona, logo de início, sobre o significado de “Arte<br />

Primitiva”. Price é uma antropóloga norte-americana formada pela Universidade Jonh<br />

Hopking (1985), que foi professora em diversas instituições, pesquisadora em vários<br />

países, e que se tornou um referencial no Brasil e no mundo após a tradução desse<br />

trabalho em vários idiomas, incluindo o português.<br />

O termo amplamente discutido na Antropologia e na História da Arte<br />

apresenta uma infinidade de definições, visões, contradições, e algumas vinculadas ao<br />

contexto de origens autenticas, e outras de caráter mais independente, “que tem a<br />

985


intenção de apontar as sugestões que estão mascaradas pelo emprego atual do termo”<br />

(PRICE, 2000, p.20). O resultado são aplicações acompanhadas de grandes explicações,<br />

mas que parecem sempre impróprias.<br />

A palavra estética apareceu no século XV<strong>II</strong>I sobre a pena de<br />

Baumgarten,(Cf. Bayer, 1995) significando teoria da sensibilidade com a etimologia<br />

grega aisthesysrelacionada à reflexão filosófica, crítica literária ou à História da Arte,<br />

pois os valores estéticos são função de valores morais e políticos.<br />

Da perspectiva adotada por Baumgarten, o que constitui a arte é a criação e<br />

o desinteresse, porém, a medida que desenvolve sua teoria, o autor constata que a<br />

utilidade é uma das raízes da arte e que toda espécie de arte começou por ser<br />

interessada.<br />

Na Idade Média, a situação da pesquisa estética centra-se no Advento do<br />

platonismo, analisando a obra Pedro e HipiasMaior , nos diálogos de Platão,<br />

consagrados ao Belo. Analisa também o método mitológico poético de Hesíodo a partir<br />

da análise de elementos como beleza, cor, forma, expressão. O autor aborda ainda, na<br />

arte da antiguidade, as questões da metafísica, da cosmologia, a maiêutica socrática e a<br />

ligação do Belo e do Bem, chamado Kalokagathia, a ideia da Beleza indissociada do<br />

Bem, que iria influenciar também o pensamento hegeliano.<br />

No período do Renascimento Italiano a arte se torna autônoma e o gosto do<br />

mundo sensível, do corpo humano, do racionalismo e do Antropocentrismo<br />

predominam também nas reflexões estéticas.<br />

Percebemos que da perspectiva estética europeia, os autores, estetas e<br />

grandes filósofos debruçam-se analisar as obras a partir da produção eurocêntrica. A<br />

linguagem da pintura, escultura, gravura são os objetos das artes visuais que são<br />

investigados e analisados por esses estetas.<br />

Porém, mesmo a partir da colonização, os tratados estéticos europeus<br />

continuavam a analisar as linguagens europeias, desprezando completamente as<br />

expressões dos povos: a tecelagem, arte plumária, máscaras, cerâmica, cestaria foram<br />

986


sempre classificadas como “artesanatos”, c<strong>ate</strong>gorias inferiorizantes, sob o pretexto de<br />

que esses objetos eram funcionais e que a verdadeira Arte era feita para a contemplação.<br />

Essas formas de manifestação artística dos povos colonizados está sob a<br />

perspectiva da diferença colonial marcada por um olhar que sequer considerava os<br />

povos como humanos.<br />

A Antropologia, ciência que surge a partir do contato com a alteridade nãoeuropeia,<br />

analisava os objetos produzidos pelas populações colonizadas como cultura<br />

m<strong>ate</strong>rial. Da perspectiva funcionalista, os objetos coletados e enviados para museus<br />

eram importantes para a compreensão da organização social e da função que exerciam<br />

em determinados contextos culturais. Não houve, durante um longo período,<br />

preocupações e considerações de investigação a respeito da estética desses objetos.<br />

A partir da publicação da obra “Arte Primitiva” de Franz Boas (1927)<br />

diversos padrões artísticos produzidos por nações indígenas foram investigados sob a<br />

perspectiva estética, ou seja, considerados como expressões artísticas dessas<br />

comunidades. Boas considera que o prazer estético é sentido por toda a humanidade e<br />

que os padrões são formas fixas que expressam a vontade de produzir resultados<br />

estéticos nas diferentes culturas. Para esse autor há uma relação direta entre a técnica e o<br />

sentido da beleza, elementos como simetria e ritmo são formas elementares a todos os<br />

estilos de arte. Desse modo, para que haja um determinado padrão artístico, é necessário<br />

que a forma se estabilize. A questão técnica, da perspectiva colocada pelo autor, é um<br />

fator fundamental para que um objeto possa ser considerado artístico. Dentre os<br />

diversos exemplos das produções dos povos Haida, Chilkat, Salish, Kwakiutl,<br />

analisados por Boas em sua obra, os critérios adotados para distinguir obras de arte de<br />

simples objetos artesanais passam pelo domínio técnico, pela estabilidade e duração da<br />

tradição expressa em padrões, além do significado simbólico desses objetos dentro da<br />

cultura. O autor destaca também que além da arte e das técnicas tradicionais, existem<br />

verdadeiros criadores dentro dessas culturas<br />

Infelizmente, as observações feitas nesse domínio são pouco frequentes e<br />

insatisfatórias, uma vez que é necessário um conhecimento profundo do povo<br />

987


para que se compreendam os pensamentos e sentimentos mais íntimos do<br />

artista. (Boas, 1927:149)<br />

Podemos considerar que a obra “Arte Primitiva” de Franz Boas tornou-se<br />

um marco importante para a reflexão a respeito das artes indígenas, estabelecendo um<br />

divisor de águas nos estudos antropológicos e no modo como o mundo ocidental passou<br />

a ver as produções dessas sociedades. Porém, apesar dos avanços nas pesquisas, sua arte<br />

continua sendo confundida como uma forma pré-humana ou arcaica de expressão.<br />

O próprio termo “primitivo” adotado pelos estudos antropológicos<br />

anteriores à década de noventa, carrega em si uma conotação muito negativa.<br />

No âmbito da História da Arte, analisando referenciais do campo,<br />

identificamos que o termo “arte primitiva” foi utilizado pela primeira vez no séc. XVI,<br />

pois a produção tinha características naturalistas, mais ainda bastante estilizada. O<br />

historiador alemão Johann Joachim Winckelmann associou o conceito de Arte<br />

Primitiva, no séc. XV<strong>II</strong>I “a elementos antinaturalistas: estilização das figuras,<br />

frontalidade da representação, rigidez dos corpos e simplificação dos objetos<br />

representados”. (ITAU CULTURAL, 2017).<br />

Janson fez uso do termo e imprimiu conotações evolucionista em seu<br />

discurso quando citou em Iniciação à Historia da Arte que:<br />

“A palavra ‘primitivo’ é um tanto infeliz (...) Ainda assim, nenhum outro<br />

pode me servir melhor. Continuemos, então, a usar primitivo com rotulo<br />

prático para um modo de vida que passou pela revolução Neolítica, mas não<br />

da mostra de evoluir no rumo das civilizações ‘históricas’” (JANSON, 1996,<br />

p. 35)<br />

No séc. XX as mudanças conjunturais que permitiram o acesso a diversas<br />

culturas, e a velocidade de comunicação, principalmente a aqueles que gozavam de<br />

privilégios, pertencentes à sociedade Ocidental, ainda utilizavam o termo para<br />

relacionar a uma produção isolada, e separada da cultura vigente. Nesse cenário que se<br />

propagou o que Price (2000) denominou de Principio da Universalidade onde a<br />

988


azoável aproximação das artes não-ocidentais eram viabilizada não por um equilíbrio<br />

natural, e sim pela bondade e caridade dos europeus e americanos.<br />

No Brasil, a Arte Indígena, as Pinturas Rupestres, o Artesanato Popular, as<br />

Pinturas Naif entre outros, foram por vezes abarcados e catalogados como “Arte<br />

Primitiva” mesmo percebendo nitidamente que cada uma deles possui uma tradição e<br />

formação díspar. Essa compreensão é construída a partir de herança de uma Cultura<br />

Ocidental que simplifica as questões por meio de estereótipos. Apenas no<br />

desenvolvimento da Arte Moderna o conceito passou a integrar processo de<br />

revalorização da Arte.<br />

Nos estudos de Antropologia, até a década de sessenta e oitenta, designavase<br />

os povos indígenas e não-ocidentais como povos primitivos, assim como suas<br />

produções artísticas. Porém essa terminologia não é utilizada na atualidade, por<br />

considerar que nada há de semelhante entre esses povos e a pré-história. Apesar de<br />

todas as mudança terminológicas, permanece no senso comum e na visão da arte<br />

ocidental essa visão preconceituosa sobre os povos e suas produções.<br />

Price (2000) nos propõe o exercício de estimular reavaliações críticas de<br />

certos conceitos sólidos em nossa compreensão sobre determinados tipos de arte. Sua<br />

obra “Arte Primitiva em centros civilizados” apresenta um estudo pioneiro acerca do<br />

universo das Artes, envolvendo Museus, Galerias, comércio alternativo, academia,<br />

curadores e até colecionadores, problematizando ainda a relação entre os mesmos. A<br />

autora mostra como os espaços culturais tratam as produções de artistas africanos e<br />

indígenas. Além disso o livro traz também relatos históricos sobre as pilhagens<br />

cometidas por renomados antropólogos em aldeias: sem respeito algum pelos objetos<br />

sagrados dos nativos, muitos pesquisadores roubaram-nos na calada da noite para<br />

formar famosas coleções de museus. A partir da exposição de diversos exemplos, a obra<br />

de Price mostra como o mundo ocidental lida com as alteridades, colocando-as, por<br />

diversas vezes, em um lugar de subalternização.<br />

Ainda tratando da relação com a alteridade, Duran (2014) propõe uma<br />

reflexão acerca dos modos como olhamos o eu no outro, e vice-versa, e um estimulo à<br />

989


usca pela formulação de um olhar que quebre esses paradigmas. O olhar, a relação com<br />

a alteridade é um tema central, o ponto de partida para estudarmos Antropologia da<br />

Arte.<br />

Sobre a força vital da e na arte Duran(2014) nos fala de um movimento que<br />

transforma o olhar para ver, arte e artefato, saindo do lugar de algo comum, de uma<br />

simples cópia, para algo com uma força vital, um símbolo sem um contexto linguístico.<br />

E concluiu esse momento reforçando que essa força vital da arte nos convida a apreciar<br />

o objeto artístico. E que apreciar arte é um verbo limitador mesmo dentro de uma<br />

perspectiva ocidental. A alteridade construída e a alteridade do real, tudo é percebido<br />

por meio de c<strong>ate</strong>gorias adquiridas pela cultura do meio pertencente. Ou seja, há uma<br />

dupla consciência, racional e irracional, da imagem que ultrapassa a significação,<br />

caminhando para o desejo, agencia da figura. Gell (1998:50) completa essa ideia ao<br />

dizer que agencia em objetos artísticos conecta seres e mundos, e isso que proporciona<br />

fascínio e poder magico em nós. Nesse contexto o artista surge como um intermediário<br />

e não como um criador da arte, um instrumento facilitador da produção, a ferramenta<br />

que possibilita “fazer o que não existe do que existe do que não existe” (Gell, 2005, p.<br />

54).<br />

Segundo Gell (2005: 42) há uma atitude etnocêntrica que oblitera a visão do<br />

ocidente sobre as artes dos demais povos. Mesmo a Antropologia Social, segundo o<br />

autor, seria uma Antropologia antiarte que não se debruça a analisar as artes das outras<br />

populações. Esse seria um meio de garantir a supremacia da Arte universal, ou seja, da<br />

Arte Europeia. O autor propõe ainda que a Antropologia da Arte adote uma ruptura<br />

radical em relação à estética, pois a estética atribuiria um status semi-religioso à arte.<br />

Boas (1927) e Gell (2005) consideram que a capacidade técnica é um dos<br />

elementos indispensáveis à arte universal. Em qualquer que seja a civilização, os<br />

objetos, para serem admirados e cultuados, carregam em si padrões estéticos que<br />

resultam de técnicas dominadas por poucos e que provocariam uma espécie de “desafio<br />

cognitivo” em seus espectadores. Boas refere-se ao domínio técnico e virtuose e Gell ser<br />

refere a esse fator como tecnologia.<br />

990


Para Gell (2005) a tecnologia está presente em diversos tipos de objetos, não<br />

apenas os artísticos. O que realmente provoca o fascínio da arte no espectador está fora<br />

do objetos. Para o autor, as relações sociais de prestígio e poder podem ser produzidas<br />

por meio da arte. Ao analisar processos de fabricação de objetos em algumas<br />

sociedades, o autor conclui que além de procedimentos técnicos, diversos<br />

procedimentos mágicos são adotados para que a empreitada de se construir um objeto<br />

de arte tenha êxito.<br />

Percebemos que as artes indígenas são uma c<strong>ate</strong>goria concebida no contexto<br />

dos estudos antropológicos e que o campo de conhecimento da estética debruçou-se na<br />

análise e reflexão a respeito de outros modos de arte. Porém, na atualidade, há muito<br />

mais estudos que retiram os objetos indígenas da c<strong>ate</strong>goria de simples artesanatos e os<br />

colocam na c<strong>ate</strong>goria de verdadeiras obras de arte.<br />

As artes indígenas estão presentes não apenas nas coleções de museus, mas<br />

também no cotidiano dos povos que as produzem. Para além das artes tradicionais como<br />

plumária, cerâmica, produção de máscaras rituais, muitas pessoas indígenas tem<br />

reinterpretado seus padrões estéticos usando diferentes linguagens: pinturas corporais<br />

feitas com guache, representando heróis midiáticos, pinturas de acrílico sobre tela<br />

representando as narrativas mitológicas. Iniciativas como do MAKHU, Movimento dos<br />

artistas Huni Kuin que em 2017 participou do 35º Panorama da Arte Brasileira, no<br />

Museu de Arte Moderna de São Paulo, não são únicas, apontando para novas reflexões<br />

e interpretações acerca das produções indígenas.<br />

REFERÊNCIAS:<br />

BAYER, Raymond.“A história da estética” editorial estampa 1995.<br />

BOAS, Franz. Arte Primitiva. Editora Vozes. 2014. 360p.<br />

DURAN, Maria Raquel da Cruz. Sobre o olhar da arte. Domínios da Imagem, Londrina,<br />

v. 8, n. 15, p. 159-177, jun./dez. 2014.<br />

GELL, Alfred. Art and Agency. Oxford University Press, 1988.<br />

991


____________A tecnologia do encanto e o encanto da tecnologia. Revista Concinnitas,<br />

ano 6, vol.1, n.8, 2005.<br />

JANSON, H. W. Iniciação à Historia da Arte. tradução Jefferson Luiz Camargo]. - 2ª<br />

ed. - São Paulo: Martins Fontes, 1996<br />

PRICE, Sally. Arte primitiva em Centros civilizados. UFRJ editora. 2000. 200p.<br />

GOMBRICH, E. H. A história da arte. 4ª ed., Rio de Janeiro, Guanabara, 1988.<br />

PRICE, Sally. Arte primitiva em Centros civilizados. UFRJ editora. 2000. 200p.<br />

992


RELATOS DE DOCENTES COM DEFICIÊNCIA EM RELAÇÃO À<br />

OPERACIONALIZAÇÃO DA PRÁTICA PEDAGÓGICA<br />

REPORTS OF TEACHERS WITH DEFICIENCY IN RELATION TO THE<br />

OPERATIONALIZATION OF PEDAGOGICAL PRACTICE.<br />

Rita de Kássia de Morais Silva<br />

Pedagoga. Pós-Graduanda em Educação Especial<br />

Thelma Helena Costa Chahini<br />

Pós-Doutora em Educação Especial - UFMA<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: A inclusão muitas vezes é vista apenas no contexto do aluno com<br />

deficiência, sem levar em conta os docentes que possuem algum tipo de deficiência.<br />

Assim, devido à carência de estudos sobre a prática pedagógica de professores com<br />

deficiência nas salas de aulas regulares, pouca visibilidade há em relação à assistência<br />

e/ou suportes disponibilizados a eles. Nesse sentido, quando se fala em assistência e/ou<br />

suportes, têm-se, na maioria das vezes, a ideia apenas de modificações na estrutura<br />

física da instituição de ensino. Não se quer dizer que isso tenha menor importância, mas<br />

a adaptação de m<strong>ate</strong>riais pedagógicos, bem como a presença de um intérprete de Libras<br />

em sala para auxiliar o docente surdo e/ou um profissional em áudio-descrição para<br />

auxiliar um docente cego, é de grande relevância dentre outras assistências e/ou<br />

suportes, necessários ao desenvolvimento de suas atividades laborais. Diante dos fatos,<br />

questionou-se quais os suportes e/ou assistências disponibilizados aos docentes com<br />

deficiência no contexto de suas atividades laborais, bem como se sentiam nesse<br />

processo. Para dar conta de responder ao problema, o objetivo primário do estudo foi<br />

investigar quais os suportes e/ou assistências estavam sendo disponibilizados aos<br />

docentes com deficiência no contexto de suas atividades laborais e como esses se<br />

sentiam diante da realidade de sala de aula. Para tanto, desenvolveu-se uma pesquisa<br />

exploratória, descritiva, em uma escola pública municipal de São Luís/MA. Os<br />

participantes foram 3 docentes com deficiência, sendo duas com deficiência auditiva e<br />

993


uma com deficiência visual, todos pertencentes ao sexo feminino, Pedagogas, com<br />

idades de 25, 30 e 42 anos, duas possuem especializações em Supervisão Escolar e uma<br />

em Libras, tendo entre 1 a 3 anos de prática docente. Os dados foram coletados por<br />

meio de entrevistas semiestruturadas e os resultadosrevelam que muito ainda tem que<br />

ser feito para que docentes com deficiência possam desenvolver suas atividades<br />

profissionais de maneira eficaz, no caso específico, a escola precisa de maiores<br />

adequações arquitetônicas, os recursos pedagógicos precisam ser adequados às reais<br />

necessidades das docentes com deficiência sensorial, as formações continuadas<br />

carecem de adequações em relação à surdez e à deficiência visual no que se refere à<br />

acessibilidade na comunicação e/ou no acesso aos conhecimentos socializados,<br />

assim como à questão da presença de estigmas e preconceitos em relação ao<br />

potencial laboral das docentes com deficiência.<br />

Palavras-chave: Docentes com deficiência. Função laboral. Acessibilidade. Estigmas.<br />

ABSTRACT: Inclusion is often seen only in the context of the student with disability,<br />

without regard the teachers who have some kind of disability. Thus, due to the lack of<br />

studies on the pedagogical practice of teachers with disabilities in regular classrooms,<br />

there is few visibility regarding the assistance and/or support available to them. At this<br />

way, when talking about assistance and/or support, there are, in most of the times, the<br />

idea of changes only in the physical structure of the educational institution. This is not<br />

to say that this is of minor importance, but the adaptation of pedagogical m<strong>ate</strong>rials, as<br />

well as the presence of a Libras (Brazilian Sign Language) interpreter in the classroom<br />

to assist the deaf teacher and/or an audio-description professional to assist a blind<br />

teacher, is of great relevance among other assists and/or supports, necessary for their<br />

labour activities development. In face of facts, it was questioned which supports and/or<br />

assists were provided to the teachers with disabilities in their labour activities context,<br />

as well how they felt at this process. In order to respond the problem, the primary<br />

objective of the study was to investig<strong>ate</strong> which supports and/or assists were being<br />

994


provided to the teachers with disability in the context of their labour activities and how<br />

they felt in the classroom. For that, an exploratory, descriptive, research was developed<br />

in a municipal public school in São Luís/MA. The participants were 3 teachers with<br />

disability, being two with hearing deficiency and one with visual deficiency, all<br />

belonging to female sex. Pedagogues, with ages of 25, 30 and 42 years old, two have<br />

specializations in School Supervision and one in Libras, having between 1 to 3 years of<br />

teaching practice. The data were collected through semi-structured interviews and the<br />

results reveal that still has much to be done so that teachers with disabilities can develop<br />

their professional activities effectively, in the specific case, the school needs gre<strong>ate</strong>r<br />

architectural adaptations, the pedagogical resources need to be adapted to the real needs<br />

of the teachers with sensorial deficiency, the continuous formations lack adjustments in<br />

relation to the deafness and the visual deficiency in the regard to accessibility in<br />

communication and / or access to socialized knowledge, as well as the question of<br />

stigmas presence and prejudices in relation to the labour potential of teachers with<br />

disabilities.<br />

Keywords: Teachers with disabilities. Labour function. Accessibility. Stigmas.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O processo de inclusão, na maioria das vezes, é visto pelo ângulo do<br />

discente com deficiência e/ou com necessidade educacional específica, sem focar nas<br />

necessidades específicas dos docentes que possuem algum tipo de deficiência e/ou<br />

necessidades laborais diferenciadas. Nesse sentido, ainda existem poucos estudos sobre<br />

a inclusão laboral e/ou a prática pedagógica de professores com deficiência em salas de<br />

aulas regulares, bem como sobre a assistência que a rede pública de ensino oferece a<br />

eles.<br />

Muitos direitos já foram assegurados às pessoas com e sem deficiência<br />

desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como por exemplo, o direito a<br />

995


dignidade, a liberdade, bem como o direito de inserção no mundo do trabalho e<br />

condições dignas ao desenvolvimento de suas funções laborais, porém, sabe-se que na<br />

prática isso não vem sendo legitimado, adequadamente (ORGANIZAÇÃO DAS<br />

NAÇÕES UNIDAS, 1948).<br />

De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com<br />

Deficiência/Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015), um dos direitos<br />

assegurados às pessoas com deficiência são as cotas para ingresso nas universidades,<br />

concursos e empresas. Nesse sentido, embora muitas pessoas com deficiência estejam<br />

ingressando nas universidades e concluindo suas graduações, ao chegarem no mundo do<br />

trabalho ainda enfrentam muitos desafios para o desenvolvimento de suas atividades<br />

profissionais, assim como preconceitos, discriminações e estigmas em relação ao seu<br />

potencial humano.<br />

Apesar das inúmeras dificuldades que enfrentaram durante a educação<br />

básica, o quantitativo de pessoas com deficiência que optam por fazerem graduações na<br />

área da docência é expressivo, e muitas vezes, a escolha pelos cursos de licenciatura<br />

acorre pelo desejo de mudar, para melhor, o processo ensino-aprendizagem de outras<br />

pessoas com deficiência, visando que essas não passem pelas mesmas barreiras que,<br />

anteriormente, tiveram que passar. Porém, como fazer para que isso não se repita, se no<br />

contexto profissional em que trabalham, não há condições adequadas ao<br />

desenvolvimento de suas funções didáticas?<br />

Assim, percebendo a importância da assistência profissional no contexto<br />

educacional de docentes com deficiência, elencou-se a seguinte questão: Como a rede<br />

pública estadual de ensino de São Luís/MA assiste os docentes com deficiências e quais<br />

são os reflexos dessa assistência na prática docente? Para buscar respostas a esta<br />

indagação, delineou-se como objetivo geral investigar como a rede pública estadual de<br />

ensino de São Luís/MA assiste os docentes com deficiência e quais os reflexos dessa<br />

assistência na prática docente. Assim, os objetivos específicos compreenderam:<br />

conhecer como os docentes com deficiência se sentem na rede pública estadual de<br />

ensino de São Luís/MA, qual a forma de ingresso e o tempo de serviço; Saber se na<br />

996


instituição em que trabalham há acessibilidade, se existem, ou não, barreiras a serem<br />

superadas em relação às suas atividades laborais e se já vivenciaram situações de<br />

preconceitos em relação à deficiência; Descrever as percepções dos docentes com<br />

deficiência em relação assistência profissional recebida pela rede pública estadual de<br />

ensino de São Luís/MA e os reflexos dessa assistência na prática docente.<br />

METODOLOGIA<br />

Nesta seção apresentam-se o percurso metodológico que subsidiou a<br />

pesquisa, o local do estudo, os participantes, os instrumentos e os procedimentos<br />

adotados sobre o objeto pesquisado.<br />

O deb<strong>ate</strong> teórico-conceitual referente aos direitos das pessoas com<br />

deficiência, independentemente de condições econômicas, classe social, gênero entre<br />

outros, é um dos pilares da construção desta pesquisa, considerando as especificidades<br />

do fato, pois a investigação e discussões acerca da função laboral de docentes com<br />

deficiência nas salas de aulas regulares em instituição de ensino pública estadual de São<br />

Luís/MA, é um estudo pioneiro.<br />

Nesse sentido, desenvolveu-se uma pesquisa exploratória, descritiva, pois de<br />

acordo com Gil (2008, p. 41 - 42), “as pesquisas exploratórias têm como principal<br />

finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a<br />

formulação de problemas mais precisos ou hipóteses pesquisáveis para estudos<br />

posteriores”. Ainda segundo o mesmo autor, os referidos tipos de pesquisas são,<br />

habitualmente, realizados por pesquisadores sociais preocupados com a atuação prática,<br />

bem como as mais solicitadas por organizações como as instituições educacionais,<br />

empresas comerciais, partidos políticos etc.<br />

Portanto, optou-se por esses dois tipos de pesquisa, pois além de o tema<br />

escolhido ser pouco explorado, a pesquisa ocorreu em uma instituição de ensino<br />

pertencente à rede pública estadual de São Luís/MA. A referida instituição foi fundada<br />

em 1992, com 2 salas de creche e uma de m<strong>ate</strong>rnal. No início foram matriculados<br />

997


apenas 17 alunos e três docentes. Em 1998, a gestão da escola enfrentou alguns desafios<br />

e juntamente com o governo do estado implantaram salas para o Ensino Fundamental I<br />

(de 1º ao 5º ano), funcionando em dois turnos, matutino e vespertino, e devido a<br />

necessidade da comunidade, atualmente possui uma matriz e dois anexos.<br />

Participaram do estudo três professoras (P1, P2 e P3), dentre essas, duas<br />

são surdas e uma é cega. O critério de inclusão dos participantes foi o de ser docente<br />

com deficiência, pertencerem à rede pública de ensino há pelo menos 1 ano e quererem<br />

participar do estudo. No quadro 1 são apresentadas maiores informações sobre elas.<br />

Quadro 1 - Informações sobre os participantes<br />

Nome Idade Formação Cargo<br />

P1<br />

P2<br />

25 anos<br />

30 anos<br />

Pedagoga com<br />

especialização<br />

em supervisão<br />

Pedagoga com<br />

especialização<br />

em Libras<br />

Pedagoga com<br />

P3 42 anos especialização<br />

em supervisão<br />

Fonte: dados da pesquisa realizada pela autora<br />

Professora do<br />

3º ano<br />

Professora do<br />

3º ano<br />

Professora do<br />

4º ano<br />

Tempo de<br />

atuação<br />

Tipo de<br />

deficiência<br />

1 ano Auditiva<br />

2 anos e 3<br />

meses<br />

Auditiva<br />

3 anos Visual<br />

Os dados foram coletados por meio de observação não participante e<br />

entrevistas semiestruturadas, os procedimentos ocorreram conforme os critérios de<br />

pesquisa envolvendo seres humanos, no qual foram feitos os esclarecimentos<br />

necessários sobre os objetivos pretendidos e os fins científicos dos dados. As docentes<br />

assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando em participar<br />

do estudo e cientes de todos os procedimentos que seriam realizados no decorrer da<br />

pesquisa.<br />

A escolha da técnica de observação não participante ocorreu por essa<br />

permitir ao pesquisador se aproximar do objeto pesquisado de maneira espontânea,<br />

percebendo as atitudes não verbais, mas sem envolvimento com o esse, apenas no papel<br />

998


de expectador (GIL, 2008). Os registros das observações ocorriam após a percepção dos<br />

fatos, mas não no local observado. Em relação às entrevistas semiestruturadas, essas<br />

foram gravadas com a permissão dos participantes, posteriormente transcritas para a<br />

tabulação dos resultados, assim como para suas análises e discussões.<br />

A utilização das referidas entrevistas foi pelo motivo de ter flexibilidade,<br />

ocorrer de forma espontânea e por permitir que outras perguntas fossem feitas a partir<br />

das respostas dadas pelos participantes, vistos que as perguntas pré-definidas são apenas<br />

uma diretriz dentro de um processo complexo, pois de acordo com Manzini (2003), a<br />

coleta de dados é feita por meio de um roteiro com perguntas que visam o alcance dos<br />

objetivos pretendidos.<br />

ATUAÇÃO DE PROFESSORES COM DEFICIÊNCIA: formação, prática e<br />

assistência oferecida pela rede pública de ensino<br />

A formação inicial e contínua de docentes é um tema de grande<br />

relevância ao meio educacional, bem como a operacionalização e a eficácia dessa<br />

capacitação profissional no processo ensino-aprendizagem. Em se tratando de<br />

docentes com deficiência mais instigante é a abordagem, visto que esbarra em<br />

situações de preconceitos e estigmas em relação ao potencial humano dessas pessoas<br />

no contexto do mundo de trabalho, em direitos humanos e na perspectiva da<br />

inclusão.<br />

Nesse sentido, descrevem-se os resultados do estudo, assim como as<br />

análises e discussões que se fizeram necessárias ao entendimento do objeto<br />

pesquisado, bem como apresentam-se os dados derivados das entrevistas realizadas<br />

com as três docentes com deficiência, participantes do presente estudo (P1, P2 e P3).<br />

Com o intuito de compreender como era o cotidiano das docentes no<br />

decorrer de suas atividades profissionais, foi questionado como se sentiam sendo<br />

docentes com deficiência na rede pública estadual de ensino de São Luís/MA. A<br />

seguir, os seguintes relatos:<br />

999


Me sinto uma profissional realizada por ter conseguido ingressar na rede,<br />

carente de profissional na área de educação especial, mas, ainda sinto a<br />

falta de acessibilidade em relação à minha necessidade específica (P1);<br />

Não me sinto respeitada. Sinto que as vezes somos deixados de lado pela<br />

própria rede, principalmente nos momentos de formação. Não estão<br />

preparados para nos receber, pois nem sequer há intérprete de Libras,<br />

nessas ocasiões (P2);<br />

Desamparada, pois além de ser deficiente visual, desde que comecei nessa<br />

escola sempre tive na sala crianças com deficiência, e atualmente, tenho<br />

uma turma de 18 crianças, sendo que duas dessas são surdas, tenho um<br />

interprete que me acompanha, mas em relação aos recursos didáticos, não<br />

temos nada vindo da Secretaria (P3).<br />

A docente (P1), apesar de demonstrar uma realização pessoal por ser uma<br />

profissional com deficiência e estar inserida no espaço escolar, principalmente<br />

porque o considera carente em relação a contratação de profissionais com<br />

necessidades especiais, relata que não há acessibilidade no local em que trabalha. As<br />

docentes (P2 e P3) também relatam suas frustrações em relação às barreiras de<br />

acessibilidade e nas atitudes sociais desfavoráveis à inclusão, no contexto laboral.<br />

Como percebido, há um descontentamento por não se sentirem assistidas<br />

em relação às suas necessidades especiais e por se sentirem desrespeitadas no<br />

contexto pessoal e profissional.<br />

Diante dos fatos, percebe-se que as formações continuadas que visam<br />

capacitar os docentes ao desenvolvimento de suas atividades profissionais, nesse<br />

caso, não estão sendo aproveitadas em sua totalidade, pois a professora com surdez<br />

(P2) não consegue compreender o conteúdo que lhe é transmitido por falta de<br />

recursos adequados, assim como pela ausência do intérprete da Libras, dificultando<br />

e/ou impossibilitando o acesso aos conhecimentos socializados.<br />

Sendo assim, os dados divergem do que é assegurado pelo Estatuto da<br />

Pessoa com Deficiência, ao enfatizar que:<br />

A pessoa com deficiência tem direito à participação e ao acesso a cursos,<br />

treinamentos, educação continuada, planos de carreira, promoções,<br />

bonificações e incentivos profissionais oferecidos pelo empregador, em<br />

igualdade de oportunidades com os demais empregados. (BRASIL, 2015,<br />

não <strong>pagina</strong>do).<br />

1000


Assim, percebe-se que muitas exigências são feitas em relação à<br />

capacitação docente, pois espera-se que os professores estejam bem qualificados e<br />

que busquem sempre seu desenvolvimento profissional visando o alcance de uma<br />

educação de boa qualidade, no entanto, existe um paradoxo, pois, se estabelece que<br />

os docentes devem ter múltiplas habilidades, competências e comprometimentos,<br />

contudo, quando esses buscam se qualificar não lhes é dado subsídios suficientes<br />

para tal (GARCÍA, 2001).<br />

De acordo com a docente (P3), a formação continuada que vem sendo<br />

oferecida aos docentes com deficiência, deixa a desejar em relação aos recursos e<br />

suportes oferecidos, pois não lhes garante o direito de acessibilidade. A docente<br />

também fala que tem que dispor de seus próprios recursos para se capacitar e<br />

adquirir os recursos pedagógicos que necessitar para trabalhar, pois, existe carência<br />

de recursos didáticos disponibilizados pela rede, como também durante as formações<br />

continuadas voltados aos docentes com deficiência sensorial, no caso específico,<br />

m<strong>ate</strong>riais em Braille, Ledores e/ou áudio-descrição e interpretes da Libras.<br />

Nesse sentido, os dados, também divergem do que está posto no artigo 34<br />

da Lei Brasileira de Inclusão/Estatuto da Pessoa com Deficiência, ao garantir que<br />

“as pessoas jurídicas de direito público, privado ou de qualquer natureza são<br />

obrigadas a garantir ambientes de trabalho acessíveis e inclusivos” (BRASIL, 2015,<br />

não <strong>pagina</strong>do).<br />

Sabendo-se da importância da inserção das pessoas com deficiência no<br />

mundo do trabalho formal, bem como da relevância da política de cotas nesse processo,<br />

buscou-se por meio de indagações saber como ocorreu o ingresso das docentes na rede<br />

pública estadual de ensino de São Luís/MA.<br />

Portanto, ao perguntar como ingressaram na rede e qual o tempo que já<br />

tinham nela, as professorasresponderam que:<br />

Disputei uma vaga no concurso público, isso se deve aos resultados dos meus<br />

grandes esforços de estudos, ingressei pelo sistema de cotas e possuo 1 ano<br />

de tempo de serviço. (P1);<br />

1001


Ocorreu através do concurso público, pelo sistema de cotas, tenho 2 anos e 3<br />

meses de atuação na área (P2);<br />

Me formei como professora normalista em 1994 e em 2010 entrei na UFMA<br />

pelas cotas para deficientes para cursar pedagogia. Como docente na rede<br />

pública tenho só 3 anos, também passei no concurso pelo sistema de cotas.<br />

(P3).<br />

Verifica-se que as 3 docentes ingressaram na rede por meio do sistema de<br />

cotas, visto que os concursos públicos têm que disponibilizar vagas às pessoas com<br />

algum tipo de deficiência. O tempo de serviço é de 1 ano (P1), 2 anos e 3 meses (P2) e<br />

de 3 anos (P3).<br />

Tendo em vista que historicamente as pessoas com deficiência já<br />

enfrentaram, e ainda enfrentam, muitas barreiras para adentrar nas instituições de<br />

ensino, e por conseguinte, no mundo do trabalho formal e competitivo, e que muitas<br />

delas não receberam apoio do estado, bem como tiveram que contar apenas com suas<br />

famílias que faziam de tudo para que pudessem ter a chance de serem alfabetizadas e<br />

continuarem o percurso de seus estudos, foram criadas medidas que objetivam, diminuir<br />

as lacunas deixadas ao longo do tempo, em que as referidas pessoas não tiveram uma<br />

participação, significativa, no contexto trabalhista.<br />

Ao falar sobre seu ingresso no meio laboral, a professora (P1) fez questão<br />

de enfatizar que isso ocorreu devido seu empenho e dedicação nos estudos que<br />

possibilitou que ela conseguisse passar em concurso público e trabalhar na rede pública<br />

estadual de ensino.<br />

Porém, sabe-se que muitas pessoas com deficiência não têm oportunidades<br />

de acesso a níveis mais elevados de ensino, assim como não estão tendo acesso às<br />

políticas sociais, contando, na maioria das vezes, apenas com suas famílias, para<br />

sobreviver.<br />

Em relação as docentes (P2 e P3), ambas ingressaram na rede pública<br />

estadual por meio das cotas reservadas às pessoas com deficiência. Nesse sentido,<br />

percebe-se que a garantia desse direito vem contribuindo para que as referidas pessoas<br />

consigam ocupar funções laborais que há anos vinham sendo negadas a elas, pois,<br />

1002


somente após muitas lutas e reivindicações conseguiram, por força da lei, que o direito<br />

ao trabalho fosse assegurado diante da sociedade.<br />

Sendo assim, os dados convergem com o garantido pela Constituição<br />

Federal, ao determinar que a Lei “reservará percentual dos cargos e empregos públicos<br />

para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão”<br />

(BRASIL, 1988, não <strong>pagina</strong>do); com a Lei nº 8.213/91, de 24 julho de 1991 (BRASIL,<br />

1991), em que as empresas privadas são obrigadas a disponibilizar uma quantidade de<br />

vagas para as pessoas que possuem algum tipo de deficiência.; e com o Estatuto da<br />

Pessoa com Deficiência, seção IV, artigo 66 (BRASIL, 2015, não <strong>pagina</strong>do), ao garantir<br />

que “o edital de cada concurso público no âmbito da Administração Direta e Indireta da<br />

União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios reservará de 5% até 20% das<br />

vagas em disputa às pessoas com deficiência [...]”.<br />

Quando questionadas se na escola em que trabalham há acessibilidade,as<br />

professoras relataram que:<br />

Creio que não, pois, nos sentimos muito excluídas. É muito difícil você<br />

trabalhar nessas condições, em que não existe apoio por parte do Estado. A<br />

Secretaria também não nos oferece nenhum auxilio em relação a isso. Mesmo<br />

já tendo sido comunicado várias vezes o que estamos precisando. Há Falta de<br />

profissionais e acompanhamentos com os demais deficientes em sala de aula<br />

(P1);<br />

De forma alguma. Não tem estrutura para <strong>ate</strong>nder, nem mesmo rampas para<br />

deficientes físicos que são mais comuns. Muitos alunos que possuem<br />

deficiência física, ainda tem que ser carregados para sala por causa disso. Só<br />

depois de muita luta consegui uma pessoa para trabalhar comigo aqui na sala,<br />

pois como sou surda não estava conseguindo exercer minha profissão da<br />

melhor forma possível. Essas situações dificultam o meu trabalho (P2);<br />

Não existe nem para cadeirantes, que é o mais comum. Vivemos falando em<br />

igualdade, mas ainda estamos longe disso. Quando você não pode exercer o<br />

trabalho que se qualificou para desenvolver, dá um sentimento muito grande<br />

de humilhação. (P3).<br />

A docente (P1) ressalta que devido à falta de acessibilidade ela se sente<br />

muito excluída e isso impacta no desenvolvimento de seu trabalho, visto que considera<br />

que a secretária estadual de educação negligencia essa questão, pois já foram feitas<br />

várias solicitações referentes a acessibilidade e não foi tomada nenhuma atitude, por<br />

parte do órgão competente.<br />

1003


A docente (P2) também apresenta o seu descontentamento em relação às<br />

barreiras arquitetônicas e atitudinais na escola em que trabalha, enfatizando que o<br />

acesso, aos espaços físicos, deve ser assegurado aos cidadãos, pois, há alunos com<br />

deficiência física que passam por algumas situações absurdas, como o fato de terem que<br />

ser carregados para dentro da sala de aula por seus familiares para poderem assistir as<br />

aulas. Ressaltou a luta que enfrentou para conseguir alguém para trabalhar com ela na<br />

sala de aula, pois precisava de uma interprete da Libras, para que pudesse lecionar da<br />

melhor forma possível, sendo assim, depois de muitas solicitações junto à secretaria de<br />

educação estadual, foi contratada uma outra professora para trabalhar concomitante com<br />

ela, na turma.<br />

Para a docente (P3) a escola em que trabalha não possui nem rampa para o<br />

acesso de pessoas com deficiência de locomoção e/ou em cadeira de rodas. Disse que o<br />

discurso sobre igualdade, tão propalado, na maioria das vezes não acontece na prática,<br />

pois muitos são as barreiras arquitetônicas e atitudinais que ela tem que enfrentar,<br />

diariamente.<br />

De acordo com os dados, as docentes foram unânimes ao responderem que<br />

não há acessibilidade na escola em que trabalham. Nesse sentido, os dados divergem do<br />

que é assegurado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, no art. 34, § 1º (BRASIL,<br />

2015, não <strong>pagina</strong>do), ao enfatizar que “as pessoas jurídicas de direito público, privado<br />

ou de qualquer natureza são obrigadas a garantir ambientes de trabalho acessíveis e<br />

inclusivos”.<br />

que:<br />

Diante dos fatos, cita-se o Estatuto da Pessoa com Deficiência ao esclarecer<br />

acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com<br />

segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos,<br />

edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e<br />

tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de<br />

uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural,<br />

por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida. (BRASIL, 2015,<br />

não <strong>pagina</strong>do).<br />

1004


Portanto, os dados também divergem do que prega a Constituição Federal<br />

Brasileira em seu artigo 5º, inc. XV (BRASIL, 1988), sobre o direito de ir e vir, em que<br />

todos os espaços públicos e privados têm que ser livres de quaisquer obstáculos que<br />

limitem a autonomia das pessoas e/ou representem riscos físicos a elas.<br />

Assim, o acesso ao local de trabalho ou até mesmo o deslocamento dentro<br />

dele deve ser garantido às pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida, pois<br />

caso contrário, há interferência direta no desempenho laboral das referidas pessoas, bem<br />

como desrespeita os critérios de acessibilidade garantidos pela Lei Brasileira de<br />

Inclusão/Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015).<br />

Em relação à hipótese de presença de barreiras no decorrer de suas<br />

atividades laborais, foi perguntado às docentes com deficiência, se existiam barreiras a<br />

serem superadas em relação às suas atividades profissionais. A seguir,seus relatos:<br />

A falta de acessibilidade e de outros meios que ajudem a minha compreensão<br />

quanto aos demais discentes com deficientes (P1);<br />

Sim. Em relação a estrutura e ao <strong>ate</strong>ndimento por parte da Secretaria que não<br />

disponibiliza formadores que saibam Libras ou mesmo um interprete durante<br />

as formações continuadas (P2);<br />

Sim, principalmente por causa da falta de m<strong>ate</strong>riais adaptados durante as<br />

formações continuadas e devido à falta de acessibilidade (P3).<br />

Diante dos dados, se faz importante sinalizar que a falta de acessibilidade<br />

foi bastante mencionada na fala das professoras com deficiência, denunciando tanto a<br />

presença de barreiras arquitetônicas, quanto falta e/ou carência de recursos pedagógicos<br />

adaptados às suas necessidades específicas.<br />

A docente com deficiência auditiva (P1) informou que há falta de recursos<br />

humanos que a ajude a compreender e a se comunicar com as demais pessoas na escola,<br />

no caso específico, a presença de um interprete de Libras que facilite o desenvolvimento<br />

de suas atividades docentes.<br />

De acordo com a docente com surdez (P2) há falta de subsídios oferecidos<br />

pela Secretaria tanto nas formações continuadas, quanto na efetivação de profissionais<br />

de apoio ao desenvolvimento de suas funções laborais. A docente com deficiência<br />

1005


visual (P3) evidencia que os m<strong>ate</strong>riais utilizados nas formações continuadas não são<br />

adequados à sua necessidade específica.<br />

Sendo assim, os dados divergem do que se encontra assegurado pela Lei<br />

Brasileira de Inclusão/Estatuto da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015), no Cap. I,<br />

Art. 1º, em que as pessoas com deficiência têm seus direitos garantidos em relação às<br />

suas inclusões sociais e cidadanias.<br />

Quando foi perguntado se em algum momento já vivenciaram alguma<br />

situação de discriminação e/ou de preconceito enquanto docente com deficiência,as<br />

professoras responderam que:<br />

Sim, muito, por não compreender o que dizem e por não saberem se<br />

comunicar comigo, as pessoas acabarem me esquecendo. Sabe? As vezes<br />

parece que eu sou invisível. Até mesmo aqui dentro da escola. Muitas vezes<br />

eu percebo que meus colegas de trabalho evitam conversar na minha frente,<br />

porque não saberão responder caso eu também queira participar da conversa.<br />

É muito chato mesmo. Mas não culpo eles. A nossa sociedade ainda não está<br />

preparada para lidar com quem é diferente. É difícil até ver alguém se<br />

preocupando em fazer pesquisas que falem de profissionais com deficiência.<br />

Mas sim, já sofri muito preconceito (P1);<br />

Sim, muitas vezes. Até pelos próprios colegas de trabalho que por muitas<br />

vezes já percebi que pensam que tenho menos capacidade de realizar meu<br />

trabalho devido a deficiência. Também quando cheguei aqui enfrentei muitas<br />

barreiras como já te disse e isso acabou fazendo com que alguns dos meus<br />

colegas reafirmassem o que pensavam. Pensam que as pessoas com<br />

deficiência têm menos capacidade que as outras (P2);<br />

Algumas piadas de alguns colegas como chegar na sala de aula perguntando<br />

de algo que tinha no fundo, quando eles sabiam que eu não conseguiria<br />

visualizar para responder. Passei um ano adaptando sozinha os m<strong>ate</strong>riais para<br />

lecionar. Porque você sabe, escola pública tem mal quadro e giz. E como não<br />

enxergo não conseguiria copiar no quadro. Por isso ando com meu<br />

retroprojetor direto. Além disso o maior preconceito que eu acho é por parte<br />

da Secretaria nas formações continuadas. Olha se eles que tem que garantir<br />

nossos direitos, não disponibilizam nem m<strong>ate</strong>rial adaptado, imagine o resto?<br />

(P3).<br />

A docente com surdez (P1) relatou que dentre os fatores que ela considera<br />

como sendo uma forma de discriminação está a falta de comunicação, pois, muitas<br />

vezes por não entenderem a libras, seus colegas de trabalho acabam por exclui-la do<br />

contexto de conversas, o que a faz sentir que ela não faz parte do meio profissional, pois<br />

evitam falar com ela e/ou em sua frente. Enfatizou, ainda, que a sociedade ainda não<br />

1006


está preparada para lidar com quem é diferente dos padrões pré-estabelecidos e que é<br />

difícil encontrar pesquisas que contemplem docentes com algum tipo de deficiência.<br />

A docente com surdez (P2) relata que devido às barreiras de comunicação e<br />

informação que enfrentou assim que chegou na escola e que ainda enfrenta, bem como à<br />

falta de recursos matérias e humanos que lhe permita desenvolver seu trabalho com<br />

eficácia, há colegas de trabalho que demonstram atitudes que a faz pensar que eles são<br />

mais capazes que ela e/ou que ela é incapaz. E que tudo isso reforçar os estigmas e<br />

preconceito em relação à deficiência.<br />

A docente com deficiência visual (P3) disse que já escutou várias piadas por<br />

parte dos seus colegas de trabalho, além de ter que adaptar os seus m<strong>ate</strong>riais didáticos,<br />

sozinha, durante um ano, pois a escola não disponibiliza os recursos, adequados, que ela<br />

precisa para ministrar sua disciplina. Destacou ainda que pensa que a maior forma de<br />

discriminação ocorre por parte das instâncias competentes que não disponibilizam<br />

recursos humanos e m<strong>ate</strong>riais adaptados para os docentes com deficiência poderem<br />

exercer suas funções laborais e participarem, de forma eficaz, das formações<br />

continuadas.<br />

Como verificado, o preconceito e os estigmas em relação às pessoas com<br />

deficiência são inúmeros e, dentre esses, as barreiras atitudinais são cruéis. Portanto, a<br />

sociedade, como um todo, ainda carece de maiores conhecimentos em relação às<br />

necessidades específicas das referidas pessoas, bem como sobre o potencial humano<br />

delas.<br />

De acordo com os estudos de Silva (2006) a pessoa com deficiência tende a<br />

sofrer certos preconceitos devido a ideia de que a deficiência é uma fragilidade, por se<br />

distanciar da ideia de um padrão físico ou intelectual que a sociedade já está acostumada<br />

ou até mesmo por pensar que seja uma impossibilidade.<br />

Diante do exposto, cita-se o Art. 4ª § 1º, Cap. <strong>II</strong> – Da igualdade e da não<br />

Discriminação, contido na Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015), ao informar que<br />

considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou<br />

exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir<br />

1007


ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de<br />

pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento<br />

de tecnologias assistivas.<br />

Os estudos de Chahini e Costa (2016, p. 14) sinalizam que as empresas<br />

precisam se preparar para inserir, de fato, pessoas com deficiência em seus quadros de<br />

funcionários, visando efetivar transformações no ambiente físico e social,<br />

oportunizando condições adequadas de acessibilidade às pessoas com necessidades<br />

específicas, assim como presença de atitudes sociais favoráveis à inclusão “em relação à<br />

inserção dessas pessoas em um processo eficaz de qualificação educacional e<br />

profissional, que garanta condições de execução laboral digna, bem como o direito ao<br />

exercício da cidadania”.<br />

Ao serem questionadas sobre o que tinham a dizer em relação às condições<br />

de trabalho oferecidas aos docentes com deficiência na rede pública estadual de ensino<br />

de São Luís/MA, as docentes relatam que:<br />

Sinceramente eu acredito que a Secretaria deva nos dar mais <strong>ate</strong>nção. Tanto<br />

na acessibilidade, quanto nas formações e que vejam em nós profissionais<br />

que lutaram e lutam diariamente para estar aqui. Quando você me pergunta<br />

isso a palavra que vem a minha cabeça é respeito. Acho que o que mais<br />

dificulta nosso trabalho além da falta de recursos é a falta de respeito.<br />

Acredito que as condições de trabalho ainda deixam muito a desejar (P1);<br />

Acho que falta mais <strong>ate</strong>nção por parte da rede pública e mais respeito<br />

conosco, pois o número de docentes com deficiência está aumentado cada<br />

vez mais e a rede não está capacitada para <strong>ate</strong>ndê-los e dar o suporte<br />

necessário para desenvolverem seu trabalho com qualidade (P2);<br />

Precisamos ser mais respeitados e lembrados pela Secretaria. Penso que<br />

somos meio esquecidos, deixados de lado até nas formações costumo<br />

reclamar, pois preparam tudo como se todas as pessoas enxergassem ou<br />

ouvissem super bem e quando reclamo dos recursos utilizados, os formadores<br />

ainda falam que é só eu perguntar para quem está do meu lado (P3).<br />

É perceptível na fala das três docentes que os fatores que mais lhes causam<br />

desconforto e que implicam diretamente no desenvolvimento de seus trabalhos, são o<br />

desrespeito em relação ao potencial humano e a não <strong>ate</strong>nção em relação às suas<br />

necessidades profissionais, específicas. Na fala das três professoras foi enfatizado que<br />

1008


elas sentem que os órgãos competentes as deixam de lado em várias circunstâncias<br />

profissionais.<br />

No contexto, a docente (P1) respondeu que devia haver mais respeito por<br />

parte da Secretaria de Educação em relação aos seus direitos laborais, pois muitas vezes<br />

sente que não é contemplada nos momentos de formação continuada, devido à falta de<br />

recurso humanos e m<strong>ate</strong>riais, adequados às suas necessidades diferenciadas, e que por<br />

conta disso, as condições de trabalho deixam muito a desejar.<br />

A docente (P2) demonstrou certa preocupação com a carência de assistência<br />

por parte do poder público aos docentes com deficiência, visto que o quantitativo de<br />

professores com necessidades especiais está ficando cada vez maior e a rede pública<br />

estadual não está dando conta de auxiliá-los, provendo os recursos adequados ao<br />

desenvolvimento de suas práticas docentes.<br />

A docente (P3), também demonstrou insatisfação com a falta de m<strong>ate</strong>riais<br />

didáticos adaptados durante os momentos de formação continuada promovidos pela<br />

Secretaria de Educação, bem como pelo descaso e/ou pela falta de <strong>ate</strong>nção para com ela<br />

quando foi reclamar do ocorrido, pois, de acordo com seu relato, os profissionais da<br />

referida secretaria deviam saber que o objetivo das referidas formações é capacitar todos<br />

os docentes da instituição e não apenas aqueles sem deficiência.<br />

Sendo assim, os dados divergem do que é garantido pela Lei Brasileira de<br />

Inclusão/Estatuto da Pessoa com deficiência, no cap. VI, art. 34, §4º (BRASIL, 2015,<br />

não <strong>pagina</strong>do), em que “a pessoa com deficiência tem direito à participação e ao acesso<br />

a cursos, treinamentos, educação continuada, planos de carreiras, promoções,<br />

bonificações e incentivos profissionais [...] em igualdade de oportunidades com os<br />

demais empregados”.<br />

Portanto, “cabe às empresas eliminar todas as barreiras físicas,<br />

programáticas e atitudinais para que as pessoas com necessidades especiais possam ter<br />

acesso ao mundo do trabalho e assim desenvolver-se pessoal, social, educacional e<br />

profissionalmente” (SASSAKI, 2003, p. 41).<br />

1009


CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Em relação aos objetivos pretendidos, podemos concluir que as docentes<br />

com deficiência que fazem parte da rede estadual pública de ensino de São Luís/MA, da<br />

instituição pesquisada, estão enfrentando barreiras humanas e atitudinais no decorrer da<br />

operacionalização de suas funções laborais, visto que não se sentem respeitadas em<br />

relação aos seus direitos de pessoas com necessidades especiais.<br />

Em relação às suas qualificações profissionais, todas possuem graduação em<br />

Pedagogia, dentre essas, duas possuem especialização em Supervisão Pedagógica, e<br />

uma é especialista em Libras. Elas ingressaram na rede por meio das vagas destinadas<br />

às pessoas com deficiência e já possuem de um a três anos tempo de trabalho na área<br />

educacional. Duas são surdas e uma é cega.<br />

As docentes foram unânimes ao sinalizar a falta de acessibilidade no local<br />

de trabalho, fato esse que as fazem vivenciar situações de exclusão durante o<br />

desenvolvimento de suas atividades pedagógicas e no decorrer das formações<br />

continuadas, bem como enfrentamento de estigmas e preconceitos no contexto laboral.<br />

Sendo assim, os resultados revelam que muito ainda deve ser feito para<br />

que os docentes com deficiência consigam desenvolver suas atividades profissionais<br />

adequadamente, assim como consigam ter acesso às formações continuadas de<br />

maneira eficaz.<br />

As docentes com deficiência, apesar do enfrentamento de muitas<br />

dificuldades em relação ao exercício de suas funções profissionais, não demonstram<br />

sentimentos de arrependimento pela escolha da docência, pois relataram que<br />

encontram nela uma forma de reivindicar e exercer seus direitos de cidadãs.<br />

Dessa forma, espera-se que este estudo dê maior visibilidade às questões<br />

relacionadas às pessoas com deficiência no mundo do trabalho, no qual sejam<br />

garantidas condições adequadas ao desenvolvimento de suas funções laborais,<br />

acesso a curso de formação, treinamentos, educação continuada etc., em igualdade de<br />

1010


oportunidades com os demais profissionais sem deficiência, bem como a desconstrução<br />

de mitos e estigmas sobre o potencial humano dessas pessoas.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil.<br />

Disponível<br />

em:<br />

.<br />

Acesso em: 10 mar. 2017.<br />

______. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da<br />

Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da<br />

União, Brasília, DF, 7 jul. 2015. Disponível em:<br />

. Acesso<br />

em: 22 mar. 2017.<br />

______. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da<br />

Previdência Social e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25<br />

jul. 1991b. Disponível em: .<br />

Acesso em: 22 mar. 2017.<br />

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relação à inclusão no mundo do trabalho competitivo: conhecendo as atitudes<br />

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Anais... Disponível em: https://educacao.ufma.br/web/encontrodeeducadores/<br />

Acesso em: 14 junho 2017.<br />

GARCÍA, R. M. C. A proposta de expansão da educação profissional: uma questão de<br />

integração? REUNIÃO ANUAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-<br />

GRADUAÇÃO E PESQUISA EM EDUCAÇÃO, 24., 2001, Caxambu. Anais...<br />

Caxambu, 2001.Disponível em: .<br />

Acesso em: 12 maio 2017.<br />

1011


GIL, A. C.. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.<br />

MANZINI, E. J. Considerações sobre a elaboração de roteiro para entrevista<br />

semiestruturada. In: MARQUEZINE, M. C; ALMEIDA, M. A; OMOTE, S. (Orgs).<br />

Colóquios sobre pesquisa em Educação Especial. Londrina: Eduel, 2003. p.11-25.<br />

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humanos. Adotada e proclamada pela resolução 217. Assembleia Geral das Nações<br />

Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Disponível em:<br />

. Acesso<br />

em: 12 maio 2017.<br />

SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro:<br />

WVA, 2003.<br />

SILVA, L. M. da. O estranhamento causado pela deficiência: preconceito e experiência.<br />

Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v.11, n. 33, p.424-434, 2006.<br />

1012


SABERES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA EM PEDAGOGIA<br />

KNOWLEDGE OF INCLUSIVE EDUCATION IN PEDAGOGY<br />

Emanuelle Santiago Monteiro Leite –<br />

Mestranda em Gestão do Ensino da Educação Básica (UFMA).<br />

Raimunda Maria Barbosa de Sá –<br />

Mestranda em Gestão do Ensino da Educação Básica (UFMA).<br />

Dra. Lívia, da Conceição Costa Zaqueu –<br />

Professora do Programa de Pós-Graduação em Gestão do Ensino da Educação Básica<br />

(UFMA).<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: Nos últimos anos, a formação inicial de professores em uma perspectiva<br />

inclusiva, tornou-se um dos principais desafios da Educação Especial, incorporada tanto<br />

em acordos e relatórios internacionais, quanto em legislação e políticas nacionais,<br />

como: O Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014), o Relatório de Monitoramento<br />

Global de Educação para Todos (UNESCO, 2015) e Objetivos de Desenvolvimento<br />

Sustentável/ ODS- 4 (UNESCO 2016). Este trabalho se propõe a discutir saberes da<br />

Educação Especial em uma perspectiva inclusiva adquiridos no curso de pedagogia. A<br />

pesquisa fundamenta-se na formação de professores e nos saberes docentes,<br />

designadamente nos estudos de Garrido (1997); Imbernón (2011); Gauthier (2013);<br />

Tardif (2014;2015),bem como caracterização nas investigações que discorrem sobre<br />

formação de professores para a inclusão, com destaque para Pletsch (2009), Araújo et al<br />

(2010) e Kassar (2014).É uma pesquisa exploratório-descritiva, na qual foi utilizada<br />

questionário semiaberto, aplicado a 32 estudantes de graduação do curso de Pedagogia<br />

no primeiro semestre letivo de 2017. Participaram da pesquisa 16 acadêmicos de uma<br />

1013


IES da iniciativa privada localizada no município de Imperatriz/MA, e 16 acadêmicos<br />

de uma Universidade da rede pública localizada no município de Santa Inês/MA. Os<br />

dados revelam que 21,87% do total de entrevistados eram professores da Educação<br />

Básica; 87,5% afirmaram ter uma compreensão razoável sobre a Educação Especial na<br />

Perspectiva Inclusiva; e 53,13% acreditam que a formação acadêmica, através das<br />

disciplinas e atividades ofertadas durante o curso são suficientes para o<br />

desenvolvimento de saberes e competências para atuar nesse nível de ensino. Conclui-se<br />

que os saberes da Educação Inclusiva alcançados na formação inicial, estão mais<br />

voltados àqueles transmitidos em forma de leis e/ou políticas inclusivas do que aos<br />

saberes/conhecimentos científicos e universitários que valorizam a construção da teoria<br />

a partir da prática, embora, os estudantes tenham afirmado que se sentiam preparados<br />

para atuar com competências na Educação Especial em uma perspectiva Inclusiva.<br />

Palavras-chave: Curso de pedagogia. Educação Especial. Formação de professores.<br />

Saberes da educação inclusiva.<br />

ABSTRACT: In recent years, initial teacher education in an inclusive perspective has<br />

become one of the main challenges of Special Education, incorpor<strong>ate</strong>d both in<br />

international agreements and reports, and in national legislation and policies, such as:<br />

The National Education Plan (BRAZIL, 2014), the Global Monitoring Report on<br />

Education for All (UNESCO, 2015) and Sustainable Development Objectives / ODS-4<br />

(UNESCO 2017). This paper proposes to discuss Special Education knowledge in an<br />

inclusive perspective acquired in the course of pedagogy. The research is based on the<br />

training of teachers and the teaching knowledge, namely in the studies of Garrido<br />

(1997); (2010) and Kassar (2010), as well as characterization in the investigations that<br />

discuss teacher training for inclusion, with emphasis on Pletsch (2009), Araújo et al<br />

(2010) and Kassar (2014). It is an exploratory-descriptive research, in which a semi-<br />

1014


open questionnaire was used, applied to 32 undergradu<strong>ate</strong> students of the Pedagogy<br />

course in the first semester of 2017. Particip<strong>ate</strong>d in the research 16 academics of an IES<br />

of the priv<strong>ate</strong> initiative loc<strong>ate</strong>d in the municipality of Imperatriz / MA, and 16<br />

academics from a public university loc<strong>ate</strong>d in the municipality of Santa Inês / MA. The<br />

data show that 21.87% of the total interviewees were Basic Education teachers; 87.5%<br />

st<strong>ate</strong>d that they have a reasonable understanding of Special Education in the Inclusive<br />

Perspective; and 53.13% believe that the academic formation, through the disciplines<br />

and activities offered during the course are sufficient for the development of knowledge<br />

and skills to act at this level of education. It is concluded that the knowledge of<br />

Inclusive Education reached in the initial formation are more focused on those<br />

transmitted in the form of inclusive laws and / or policies than the scientific / university<br />

knowledge / knowledge that values the construction of theory from practice, the<br />

students st<strong>ate</strong>d that they felt prepared to act with special education skills in an Inclusive<br />

perspective.<br />

Keywords: Pedagogy course. Special education. Teacher training. Knowledge of<br />

inclusive education.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Nos últimos anos, a formação inicial de professores tem-se destacado como<br />

um dos principais desafios da Educação Especial. Essa realidade educacional tem se<br />

tornado conhecida através das pesquisas científicas, que tem permitido a compreensão<br />

da problemática da inclusão sobretudo nas escolas públicas.<br />

A partir dessa perspectiva, as pesquisas sobre práticas pedagógicas estão<br />

anunciando novos caminhos para fortalecer a formação docente, onde aborda a<br />

identidade profissional do professor, destacando os saberes da docência. Assim Garrido<br />

(1997), propõe uma metodologia de trabalho nos cursos de licenciaturas, onde tem<br />

realizado pesquisas sobre a formação inicial e continuada de professores, através da<br />

1015


produção de pesquisa em didática, problematizando a realidade do ensino nas escolas,<br />

desenvolvendo atitudes e posturas investigativas, no sentido de ressignificar os<br />

processos formativos, a partir dos saberes necessários à docência e a prática pedagógica<br />

docente.<br />

O artigo 18 da Resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE)<br />

Câmara da Educação Básica (CEB) nº 02/2001, dispõe duas c<strong>ate</strong>gorias de profissionais<br />

para trabalhar com alunos público alvo da Educação Especial “os capacitados e os<br />

especializados”, são exigidos deles diferentes atribuições. Os professores considerados<br />

“capacitados” para atuar na sala comum do ensino regular onde haja alunos com<br />

deficiência devidamente matriculados, são aqueles que em sua formação em nível<br />

médio ou superior foram incluídos conteúdos referentes à Educação Especial tornandoos<br />

habilitados para perceber as diferentes deficiências e promover a inclusão de práticas<br />

pedagógicas adequadas aos alunos com deficiência.<br />

E para realizar atividades de <strong>ate</strong>ndimento educacional especializado, os<br />

professores devem ser “especializados”, para desenvolver competências que possibilite<br />

identificar as deficiências, para definir, implementar, liderar adaptação curricular e<br />

práticas pedagógicas adequadas para <strong>ate</strong>nder os alunos. Trabalhar em equipe, auxiliando<br />

o professor da classe comum no acesso de práticas de inclusão.<br />

Nóvoa (1997) apresentou dois tipos de formação: os estruturantes, que estão<br />

organizados com base na racionalidade científica e técnica e os construtivistas que<br />

percorrem o caminho do fortalecimento profissional da docência, na defesa da formação<br />

permanente e desenvolvimento da aprendizagem do professor. Nessa perspectiva, a<br />

formação inicial baseia-se em experiências: de campo, precoces e práticas de ensino e<br />

os programas de iniciação. A formação continuada seria um processo de compreensão<br />

do professor para dar significado ao seu trabalho.<br />

Tardif (2015), sobre o processo de profissionalização do ensino, descreve as<br />

características do conhecimento profissional adquiridos na formação inicial e<br />

continuada a saber: especializados, formalizados e pragmáticos que pertencem de forma<br />

legítima ao grupo que possui o direito de usá-los, onde somente os profissionais da<br />

1016


educação podem avaliar o trabalho de seus pares, tornando-se assim responsáveis pelo<br />

mau uso dos conhecimentos.<br />

Apresenta também a crise do profissionalismo no mundo do trabalho. Esse<br />

contexto provoca um impacto na formação dos professores nas universidades pela falta<br />

de confiança, a crise na ética profissional, gera conflitos principalmente nas profissões<br />

que trabalham diretamente com seres humanos, como o magistério. Como nos alerta<br />

Araújo MV et al., (2010, p.407)<br />

Todas essas mudanças trouxeram por consequência a necessidade de<br />

transformação na qualidade do trabalho educacional [...] o professor [...] foi<br />

considerado um elemento chave para o sucesso dos processos de mudança<br />

propostos. Essa constatação trouxe uma grande preocupação com a formação<br />

dos professores.<br />

O contexto, fomenta-se a necessidade de estudar a epistemologia da prática<br />

profissional, onde busca-se conhecer os saberes dos profissionais no seu espaço de<br />

trabalho. O pesquisador observa, conhece a realidade, para oportunizar-se construir<br />

conhecimentos com base nos saberes dos professores que ultrapassa os conhecimentos<br />

constituídos nos gabinetes da didática e da pedagogia. Como afirma Kassar (2014), as<br />

diferentes leituras referentes a formação de professores para educação<br />

especial/inclusiva sugere algumas questões: Quais conhecimentos são relevantes para a<br />

formação do professor da educação básica, considerando a escolarização dos alunos<br />

com deficiência?<br />

Outrossim, Tardif (2015), denuncia que os acadêmicos passam pela<br />

academia sem modificar suas crenças anteriores sobre o ensino, o que caracteriza os<br />

saberes profissionais dos professores como variados e heterogêneos, e quando se<br />

percebe uma certa unidade, não é teórica nem conceitual, mas pragmática. Os cursos de<br />

formação são idealizados no modelo aplicacionista, onde uns produzem e outros<br />

transmitem e aplicam em pólos separados. Como Tardif, nos contextualiza:<br />

[...] se os pesquisadores universitários querem estudar os saberes<br />

profissionais da área do ensino, devem sair de seus laboratórios, sair<br />

de seus gabinetes na universidade, largar seus computadores, largar seus<br />

1017


livros e os livros escritos por seus colegas que definem a natureza do ensino,<br />

os grandes valores educativos ou as leis da aprendizagem, e ir diretamente<br />

aos lugares onde os profissionais do ensino trabalham, para ver como eles<br />

pensam e falam, como trabalham na sala de aula, como transformam<br />

programas escolares para torná-los efetivos, como interagem com os pais dos<br />

alunos, com seus colegas ,etc. (2014, p.256)<br />

Assim, os professores universitários precisam pesquisar, refletir a própria<br />

prática, pois se o papel da licenciatura em Pedagogia é formar professores para atuar na<br />

educação básica, faz-se necessário conhecer o espaço da escola, como também o que<br />

vem sendo construído e desenvolvido pelos sujeitos junto a sua comunidade escolar.<br />

Pletsch (2009), aborda que no Brasil o processo de formação de professores ainda segue<br />

uma linha tradicional, que não <strong>ate</strong>nde a realidade, dentre as limitações, nem todos<br />

oferecem conteúdos e estudos referentes a educação especial na perspectiva inclusiva.<br />

Esse contexto exige nova postura do profissional, como nos afirma<br />

Imbernón (2011), a profissão docente deve abandonar a concepção predominante do<br />

século XIX da mera transmissão do conhecimento acadêmico, uma prática que já se<br />

tornou obsoleta para a educação das novas gerações, em uma sociedade plural que<br />

reivindica a inclusão de novos saberes para romper com a visão centralizadora e<br />

homogênea.<br />

Com a aprovação da Lei nº 10.172 de 2001, passa a vigorar o Plano<br />

Nacional de Educação (PNE) pelos próximos dez anos (2001 a 2011) até ser reavaliado<br />

e atualizado. E nesse documento foi abordado a expansão da oferta de cursos de<br />

formação e especialização pelas universidades e escolas normais. O documento do PNE<br />

declara que: o grande avanço que a década da educação deveria produzir seria a<br />

construção de uma escola inclusiva, que garanta o <strong>ate</strong>ndimento à diversidade humana.<br />

O Plano Nacional de Educação, como uma das metas a ser alcançada pelos<br />

acordos com os órgãos de financiamento, foi sendo construído através de fóruns,<br />

deb<strong>ate</strong>s em nível de municípios e estados, porém os desafios para implementar são as<br />

grandes desigualdades sociais existentes nas regiões brasileiras e como afirma Freitas,<br />

(2015), a imposição de um padrão de ensino, avaliação, desconfigura os discursos de<br />

uma educação democrática, que valorize e respeite as diferenças.<br />

1018


Foi aprovada a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, referente ao Plano<br />

Nacional de Educação (PNE 2014 a 2024), essa segunda versão dá outras providências e<br />

apresenta a Meta 15, voltada para a formação de professores:<br />

Garantir em regime de colaboração entre a União, os estados, o Distrito<br />

Federal e os municípios, no prazo de um ano de vigência deste PNE, política<br />

nacional de formação dos profissionais da educação de que tratam os incisos<br />

I, <strong>II</strong> e <strong>II</strong>I do caput do art. 61 da Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996,<br />

assegurando que todos os professores e as professoras da educação básica<br />

possuam formação específica de nível superior, obtida em curso de<br />

licenciatura na área de conhecimento em que atuam.<br />

15.5 implementar programas específicos para a formação de profissionais da<br />

educação para as escolas do campo e de comunidades indígenas e<br />

quilombolas e para a educação especial;<br />

Observando as metas, percebe-se que nessa versão o foco para educação<br />

especial ficou vago, pois reuniu em um único item programas de formação com<br />

especificidades bem diferentes e que poderia ter explorado melhor o item, descrevendo<br />

as ações e ampliando o que já havia sido apresentado na versão do PNE no ano de 2001.<br />

O diferencial de destaque da meta é que está assegurando aos professores<br />

formação específica na sua área de atuação, e uma das ações que tem acontecido nos<br />

municípios brasileiros é o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação<br />

Básica - PARFOR , onde os professores que estão atuando em sala de aula, são<br />

<strong>ate</strong>ndidos no seu próprio município, embora seja uma formação que ainda apresenta<br />

suas limitações, pois os professores mantem sua rotina normal de trabalho e os<br />

encontros de formação costuma acontecer nos finas de semana, na intenção de <strong>ate</strong>nder a<br />

todos que estão dispostos a aprimorar o seu trabalho pedagógico.<br />

Apesar das conquistas no âmbito da formação de professores, Imbernón<br />

(2011), nos alerta que atualmente a profissão exerce outras funções, como a luta contra<br />

a exclusão social, participação, relações com as estruturas sociais, com a comunidade,<br />

isso requer uma nova formação inicial e permanente. Portanto, nesse contexto, a<br />

formação requer novos paradigmas que possibilite dialogar com as novas realidades<br />

culturais e científicas.<br />

1019


E nesse cenário de mudanças vão se construindo novas relações e<br />

conseqüentemente novos saberes, como Gauthier (2013), nos ajuda a repensar, a partir<br />

do velho conflito entre teóricos e práticos, assim surge uma terceira via, onde o<br />

resultado da pesquisa não pode determinar a ação a ser realizada, mas apenas comunicar<br />

o professor e levá-lo a refletir sobre a realidade, quiçá há possibilidade de transformar<br />

suas crenças e sua maneira de pensar.<br />

Essa nova concepção representa o repertório de conhecimentos como um<br />

reservatório de saberes no qual professor pode começar a buscar soluções para resolver<br />

os problemas em sua própria prática, assim Gauthier (2013), considera que o resultado<br />

das pesquisas cientifica não deveria ser transformado em regras para a ação pedagógica<br />

do professor. Ideia reiterada por Dewey, “Nenhuma conclusão proveniente das<br />

pesquisas científicas pode ser convertida em regra imediata da arte de educar” (1929,<br />

p.19). Aqui se evidencia que os saberes para serem legitimados, precisam ser aceitos<br />

pelos sujeitos que vivenciam e orientam o espaço da sala de aula, os professores, pois<br />

eles também constroem saberes. Essa necessidade de formação de professores é<br />

denunciada no relatório de monitoramento global de Educação Para Todos 2015, no<br />

objetivo 6 onde afirma que:<br />

A relação entre o número de alunos por professor caiu em 83% dos 146<br />

países que disponibilizam dados sobre a educação primária. Em um terço dos<br />

países, no entanto, menos de 75% dos professores primários são qualificados<br />

de acordo com os padrões nacionais.<br />

Analisando esses dados, percebe-se que o programa de formação para<br />

professores, é um desafio para as instituições, e para os professores da educação básica,<br />

no sentido de <strong>ate</strong>nder as demandas e contribuir com o desenvolvimento dos alunos.<br />

Ampliando essa compreensão um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável/<br />

ODS- 4 (UNESCO 2017) assegura que:<br />

Até 2030, substancialmente aumentar o contingente de professores<br />

qualificados, inclusive por meio de cooperação internacional para a formação<br />

1020


de professores, nos países em desenvolvimento, especialmente os países<br />

menos desenvolvidos e pequenos Estados insulares em desenvolvimento.<br />

Percebe-se o quanto é necessário investir na formação de professores,<br />

pois o profissional da educação tem o papel de contribuir com o desenvolvimento das<br />

pessoas em diferentes aspectos, como o cognitivo, social e para ter condições de<br />

despertar e motivar os alunos é fundamental que os professores tenham conhecimentos e<br />

habilidades que favoreça um trabalho pedagógico autônomo, que valorize a voz do<br />

outro e respeite as diferentes culturas.<br />

2 METODOLOGIA<br />

O objetivo da pesquisa é levantar as expectativas e anseios dos estudantes<br />

que estão sendo formados para <strong>ate</strong>nder às especificidades dos educandos, ou mesmo<br />

daqueles que já exercem a tarefa docente na Educação Básica. O questionário envolve<br />

oito questões sobre o tema Educação Especial na perspectiva inclusiva. O que pensam<br />

estudantes de graduação?<br />

É uma pesquisa exploratório-descritiva, na qual foi utilizada questionário<br />

semiaberto, aplicado a 32 estudantes de graduação do curso de Pedagogia no primeiro<br />

semestre letivo de 2017. Participaram da pesquisa 16 acadêmicos de uma IES da<br />

iniciativa privada localizada no município de Imperatriz/MA, e 16 acadêmicos de uma<br />

Universidade da rede pública localizada no município de Santa Inês/MA.<br />

Para a produção do artigo foram utilizados os documentos como a Leis,<br />

Resolução, Relatórios e <strong>artigos</strong> científicos, além dos autores Garrido (1997); Imbernón<br />

(2011); Gauthier (2013); Tardif (2014;2015), e os estudantes do curso de Pedagogia,<br />

que muito contribuiu para esclarecer a realidade da formação de professores voltadas<br />

para a Educação especial.<br />

1021


3 RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

Participaram da pesquisa um total de 32 estudantes, verificou-se que os<br />

dados revelam que 21,87% do total de entrevistados eram professores da Educação<br />

Básica; significa que mais de 70% não atuam na sala de aula, o que representa uma<br />

limitação para estabelecer um diálogo da realidade escolar com o referencial teórico,<br />

considerando a preocupação com a formação para atuar com a pessoa com deficiência.<br />

Nesse aspecto Imbernón (2011) afirma que se a educação dos seres humanos pouco a<br />

pouco se tornou mais complexa, o mesmo deverá acontecer à profissão docente.<br />

Além disso 87,5% afirmaram ter uma compreensão razoável sobre a<br />

Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, porém um dos estudantes inclui que o<br />

assunto precisa ser mais abordado, essa demanda revelada exige novas perspectivas de<br />

formação.<br />

Portanto, um dos desafios é a produção e a utilização de recursos e<br />

metodologia, segue a tabela, que retrata a descrição dos acadêmicos referente as<br />

deficiências que mais estudaram relacionando com os recursos e as metodologias na sua<br />

formação.<br />

TABELA 1. Levantamento de dados da respectiva pesquisa<br />

1022


Com relação à necessidade de ampliar os conhecimentos da área, a tabela 1<br />

demonstra que o Transtorno do Aspecto Autista e a Surdez, foram as deficiências que os<br />

estudantes destacaram a utilização dos recursos e metodologias. O quadro 1 também<br />

revela as demandas da realidade pesquisada, municípios situados na região nordeste, no<br />

Estado Maranhão, onde nem todas as pessoas com deficiência tem acesso à escola, mas<br />

com o avanço das pesquisas e discussões sobre determinadas temáticas, tem aumentado<br />

o interesse da comunidade em conhecer, essa postura vai depender do ambiente onde<br />

estamos inseridos e consequentemente da formação dos professores formadores.<br />

QUADRO 1. Levantamento de dados da respectiva pesquisa.<br />

Santa Inês<br />

07 Não Responderam<br />

03 Marcaram mais de uma opção<br />

06 Marcaram uma opção<br />

Total= 16<br />

Imperatriz<br />

01 Não Respondeu<br />

02 Marcaram mais de uma opção<br />

11 Marcaram uma opção<br />

01 Marcou todas as opções<br />

01 Marcou outraTotal= 16<br />

A partir da realidade estudada, 53,13% acreditam que a formação<br />

acadêmica, através das disciplinas e atividades ofertadas durante o curso são suficientes<br />

para o desenvolvimento de saberes e competências para atuar nesse nível de ensino.<br />

Porém 45% não consideram suficientes, e um dos indicativos é o que demonstra na<br />

tabela 01, onde o grupo de formação inicial pesquisada apresenta ilhas de conhecimento<br />

de algumas deficiências, mas para atuar como Professor/ Pedagogo, é fundamental<br />

conhecer e compreender, como também desenvolver saberes para atuar na educação<br />

básica<br />

Como afirma Tardif (2014), existe a necessidade de repensar, a formação<br />

para o magistério, incluindo os saberes dos professores e as realidades específicas de<br />

seu trabalho cotidiano. Essa ideia de articular os conhecimentos produzidos na<br />

universidade e os saberes produzidos pelos professores em sua prática pedagógica vem<br />

ganhando força nas reformas dos programas de formação.<br />

1023


Com relação ao nível de conhecimento da Política Nacional de Educação<br />

Especial na Perspectiva Inclusiva, 31% dos acadêmicos, afirmam que os alunos com<br />

deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação,<br />

são público-alvo dessa modalidade de ensino. Esse conhecimento faz-se necessário,<br />

para que o trabalho pedagógico possa desenvolver metodologias que venham <strong>ate</strong>nder as<br />

especificidades dos alunos com deficiência.<br />

Segue a tabela 2, que retrata a descrição dos acadêmicos referente a posição<br />

se é contra ou favorável à inclusão de estudantes com deficiência na escola<br />

comum/regular? Justifique sua resposta, ou se preferir, escolha uma das alternativas<br />

abaixo. ( ) Contra ( ) Favorável ”<br />

deficiência.<br />

TABELA 2. Descrição dos acadêmicos referente a inclusão de estudantes com<br />

MUNICÍPIO<br />

S<br />

FAVORÁVE<br />

L<br />

NÃO<br />

FAVORÁVE<br />

L<br />

JUSTIFICARA<br />

M<br />

ALTERNATIVA<br />

S<br />

SANTA INÊS 16 0 10 6<br />

IMPERATRIZ 15 1 6 10<br />

“Mesmo acreditando que a socialização na escola seja favorável para todos<br />

os alunos, vejo que as crianças com deficiência precisam ser inclusas em escola<br />

preparada para <strong>ate</strong>nde-lo, receber um “<strong>ate</strong>ndimento” bem específico”<br />

O acadêmico(a) informou no questionário que é professor(a) da Educação<br />

Básica; já tem ou teve aluno com deficiência; e não acredita que sua formação<br />

acadêmica seja suficiente para o desenvolvimento de saberes e competências para atuar<br />

na Educação Básica frente aos desafios da inclusão.<br />

E no grupo que participou da pesquisa, percebe-se a possibilidade da<br />

realização de um trabalho na perspectiva inclusiva, considerando que 97% dos<br />

1024


acadêmicos é favorável a inclusão de estudantes com deficiência na escola comum<br />

regular, e essa perspectiva consta no Art. 58 da LDB que declara:<br />

Entende-se por Educação Especial para os efeitos dessa lei, a modalidade de<br />

educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para<br />

educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, altas<br />

habilidades ou superdotação.<br />

A lei nº12.796 de 04 de abril de 2013, alterou os <strong>artigos</strong> 4º, 58º, 59º e 60º da<br />

LDB, um processo de atualização que precisa ser inserida no currículo da formação de<br />

professores, no sentido de promover a construção de um percurso.<br />

4 CONCLUSÃO<br />

Acompanhando mais de perto a evolução do curso de Pedagogia, se percebe<br />

que muitas mudanças vêm ocorrendo no sentido de aprimorar a formação desse<br />

profissional e de desenvolver uma compreensão da complexidade das relações humanas<br />

na sociedade contemporânea.<br />

Portanto a formação inicial, tem um papel relevante na perspectiva de que<br />

quanto mais conhecimentos forem construídos pelos professores iniciantes, será mais<br />

confortável pedagogicamente quando receberem alunos com alguma deficiência em sala<br />

de aula, pois terá melhores condições de acolher e compreender as suas limitações.<br />

Se o professor e o estudante, forem estimulados a conhecer, dialogar e<br />

refletir temas e práticas voltadas para educação especial, terão a possibilidade de<br />

elaborar novos conceitos, que irão gerar novas posturas e novas práticas ao lidar com os<br />

alunos que chegam com alguma deficiência.<br />

É relevante destacar que, os estudantes de Pedagogia que participaram da<br />

pesquisa são favoráveis a inclusão de pessoas com deficiência na escola comum/regular,<br />

embora afirmam que compreendem razoavelmente do assunto. Como afirma Libâneo<br />

(1998), a formação do professor influencia diretamente no desenvolvimento dos alunos.<br />

Ressaltando que o aluno com deficiência precisa ser <strong>ate</strong>ndido em suas diferentes<br />

especificidades, como também estimulado no desenvolvimento de sua autonomia.<br />

1025


É oportuno lembrar que para trabalhar com alunos com deficiência, o<br />

professor precisa dominar além do conteúdo, recursos que irão assessorar o acesso ao<br />

conhecimento como também novas metodologias, no sentido de tornar a linguagem<br />

mais acessível e compreensiva, nos resultados da pesquisa, os estudantes de Pedagogia,<br />

revelam que dentre oito deficiências elencadas no questionário, apenas duas se<br />

destacaram, o Transtorno do Espectro Autista e a Surdez, onde foi evidenciado mais<br />

atividades envolvendo a utilização de recursos e o desenvolvimento de metodologias.<br />

No entanto, faz-se necessário conhecer a legislação, diretrizes e políticas,<br />

nos cursos de formação, pois o processo de inclusão começa pelo acesso dos<br />

professores a esse conhecimento, que vai lhe permitir perceber na formação inicial a<br />

necessidade de uma carga horária maior, para se apropriar das diferentes metodologias,<br />

como também para possibilitar o desenvolvimento de novos recursos e novas<br />

metodologias que <strong>ate</strong>ndam os alunos.<br />

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. Acesso: em 8 ago. 2016.<br />

1028


SALA DE AULA INVERTIDA: O QUE PENSAM OS ALUNOS? – uma análise nos<br />

cursos de graduação de uma faculdade no estado do Maranhão.<br />

FLIPPED CLASSROOM: WHAT DO STUDENTS THINK? - an analysis of the<br />

undergradu<strong>ate</strong> courses of a college in the st<strong>ate</strong> of Maranhão.<br />

Quézia Raquel Nascimento Oliveira 111<br />

Kelrya Costa Nunes 112<br />

Eixo 1 – Arte, Tecnologia e Educação<br />

Orientadora: Sannya Fernanda Nunes Rodrigues 113<br />

RESUMO: Apesar dos avanços tecnológicos que fazem com que a atual geração esteja<br />

cada vez mais conectada à internet, para a realização das mais variadas tarefas, muitos<br />

alunos ao se depararem com uso das tecnologias digitais, cada vez mais presentes,<br />

mesmo em cursos presenciais, acabam encontrando dificuldades no manuseio e<br />

administração da ferramenta virtual de aprendizagem, e questionam, ou mesmo criam<br />

barreiras e não buscam conhecer a ferramenta e suas possibilidades. Comb<strong>ate</strong>r este<br />

estado e envolver os alunos em novas metodologias é um desafio a que muitos<br />

professores se propõem a fim de obter melhores resultados. Proporcionar situações<br />

mediadas pelas tecnologias pode ajudar a conseguir esse intento. O presente trabalho<br />

tem por objetivo analisar a repercussão do modelo de ensino “sala de aula invertida” na<br />

visão dos alunos de graduação de uma Faculdade no Estado do Maranhão. Os dados da<br />

pesquisa foram coletados por meio de entrevista semiestruturada, com 31 alunos de<br />

diferentes cursos, obtendo aceitação pela maior parte dos alunos. Porém, percebeu-se<br />

que o bom rendimento se dará apenas se alunos e professores estiverem comprometidos<br />

111 Graduanda do Curso de Pedagogia na Faculdade Pitágoras do Maranhão;<br />

112 Graduanda do Curso de Pedagogia na Faculdade Pitágoras do Maranhão;<br />

113 Professora do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade da Universidade Federal do<br />

Maranhão.<br />

1029


com tal método de ensino. A sala de aula invertida se opõe ao modelo tradicional de<br />

ensino e aprendizagem, sendo um modelo pedagógico que estimula a autonomia do<br />

aluno por meio de pré-aulas, aulas e pós-aulas, sendo a pré e pós aulas ofertadas no<br />

Ambiente Virtual de Aprendizagem, fazendo com que o aluno necessite da interação<br />

com a ferramenta para desenvolver-se no processo de aprendizagem.<br />

Palavras-Chave: Tecnologia. Alunos. Graduação. Sala de Aula Invertida.<br />

ABSTRACT: Despite the technological advances that make the current generation<br />

increasingly connected to the Internet, for the achievement of the most varied tasks,<br />

many students in the presence of the use of digital technologies, increasingly present,<br />

even in face-to-face courses, end Finding difficulties in handling and managing the<br />

virtual learning tool, and question, or even cre<strong>ate</strong> barriers and do not seek to know the<br />

tool and its possibilities. Fighting this st<strong>ate</strong> and engaging students in new methodologies<br />

is a challenge to which many teachers propose to get better results. Providing situations<br />

medi<strong>ate</strong>d by technologies can help achieve this intent. The present work aims to analyze<br />

the repercussion of the educational model "flipped classroom" in the vision of<br />

undergradu<strong>ate</strong> students of a college in the st<strong>ate</strong> of Maranhão. The research data was<br />

collected through a half-structured interview with 31 students of different courses,<br />

obtaining acceptance by most students. However, it is realized that good yield will only<br />

be given if pupils and teachers are committed to such a method of teaching. The flipped<br />

classroom opposes the traditional model of teaching and learning, being a pedagogical<br />

model that stimul<strong>ate</strong>s the student's autonomy through before class lessons, lessons and<br />

after school lessons, being the before class lessons and after school lessons offered in<br />

the Virtual learning environment, causing the pupil to need Interaction with the tool to<br />

develop in the learning process.<br />

Keywords: Technology. Students. Graduation. Flipped classroom.<br />

1030


1. INTRODUÇÃO<br />

A Tecnologia vem crescendo em termos de inovações a todo momento, nos<br />

dias atuais nos deparamos com uma geração cada vez mais conectada à internet, para a<br />

realização das mais variadas tarefas, sejam pesquisas, conversas, aprendizado, produção<br />

de conteúdo, etc. No entanto muitos alunos encontram dificuldades na utilização da<br />

ferramenta tecnológica como auxiliadora do processo de aprendizagem.<br />

Moran (1997) e Coutinho (2011) afirmam que para que as tecnologias sejam<br />

integradas ao processo de aprendizagem, é necessário envolvimento e compromisso por<br />

parte de alunos e professores, em que o professor não apenas utilize a tecnologia, mas<br />

seja um mediador e orientador da forma como se utiliza e o que é possível obter através<br />

da utilização da tecnologia como ferramenta de aprendizagem. Do contrário a<br />

tecnologia será apenas mais uma ferramenta a ser utilizada, reforçando o método<br />

tradicional de ensino.<br />

A maior dificuldade encontra-se no desenvolvimento da autonomia do<br />

acadêmico, que por estar acostumado a um ensino formal tradicional, não a desenvolveu<br />

em sua vida escolar, sendo para ele um choque precisar desenvolvê-la no Ensino<br />

Superior. A dependência de um professor que cobre os alunos e a obrigação de<br />

frequentar a escola em determinado horário, fez com que no momento em que o aluno<br />

necessita de autonomia e disciplina para buscar conteúdos importantes à sua formação,<br />

houvesse uma barreira entre o ser humano e a ferramenta tecnológica. A respeito disso,<br />

Pereira, Schmitt e Dias (2007) defendem que a aprendizagem vai depender da qualidade<br />

do envolvimento das pessoas inseridas no espaço virtual.<br />

A dificuldade no desenvolvimento da autonomia do atual estudante do<br />

Ensino Superior muitas vezes se dá por conta do estímulo à heteronomia, que recebeu<br />

em sua educação básica. A heteronomia é o inverso da autonomia, e é geralmente<br />

caracterizada pela utilização de recompensas e punições. Acerca disso, Constance<br />

Kamii (1998), Vinha e Tognetta (2009) e Borges (2015) defendem com base nos<br />

pressupostos de Piaget, que a autonomia deve ser antes de tudo uma convicção<br />

autônoma sobre o que é certo e errado, sem que isso signifique recompensa ou punição.<br />

1031


A educação tradicional reforça a heteronomia, pela mera execução de tarefas sem<br />

destacar a importância, o objetivo, ou alternativas para tal ação. Esquecendo-se que o<br />

aluno possui vivências e experiências que devem ser levadas em consideração e<br />

trabalhadas em sala de aula. Os conflitos e as incertezas que fazem parte da vida e<br />

precisam ser consideradas e debatidas no processo de ensino, no entanto são deixados<br />

de lados pelos professores que consideram como prioridade a exposição e absorção de<br />

conteúdo. Desta forma, o adulto de hoje, que passou por esse tipo de educação,<br />

apresenta uma grande dificuldade no uso de tecnologias educacionais, que visam a<br />

autonomia do educando.<br />

Diante disso, o método Sala de Aula Invertida encontra barreiras com<br />

relação à sua aplicabilidade, porém mostra-se desafiador e obtém um bom nível<br />

aceitação diante dos alunos entrevistados. Dispor de atividades que antecedem e<br />

sucedem as aulas, ainda mais dispostas no Ambiente virtual de aprendizagem traz à tona<br />

duas vertentes, a comodidade e a acomodação. A comodidade de realizar atividades fora<br />

do ambiente institucional e em horário alternativo é uma das grandes vantagens da<br />

ferramenta. Em contrapartida muitos se acomodam e deixam de lado as atividades<br />

prévias e de fixação, se deparando nas aulas com discussões a respeito do assunto<br />

disponibilizado, porém, sem argumentos para participação. Desta forma perde a<br />

oportunidade de enriquecer seus conhecimentos e culpa o método por seu fracasso.<br />

Sendo assim, o presente artigo visa esclarecer a respeito da Sala de Aula Invertida e<br />

suas vantagens para a educação contemporânea.<br />

2. SALA DE AULA INVERTIDA COMO METODOLOGIA ATIVA NO ENSINO<br />

SUPERIOR<br />

Oliveira (2016) enfatiza a importância de utilizar as metodologias ativas no<br />

processo de aprendizagem, a fim de comb<strong>ate</strong>r a atual imposição que o mercado de<br />

trabalho coloca sobre a educação. Muitos professores conhecem a fundo a teoria,<br />

porém, não conseguem alinhá-la à sua prática educativa, não buscam metodologias que<br />

1032


despertem o interesse do aluno e o envolvem no processo de construção do seu próprio<br />

conhecimento.<br />

As metodologias ativas pretendem, portanto dinamizar o trabalho do<br />

professor, utilizando também das tecnologias, como uma forma de não apenas envolver<br />

o aluno de forma autônoma na construção do conhecimento, como também prepará-lo<br />

para a atual demanda social.<br />

As tecnologias digitais já fazem parte do cotidiano da maioria dos alunos<br />

contemporâneos, e mesmo aqueles que têm dificuldades em utilizá-la precisam conviver<br />

com elas. No entanto não basta trazer a internet e suas possibilidades para a sala de aula,<br />

Moran (2001) enfatiza que os problemas com o ensino presencial não podem ser<br />

resolvidos apenas inserindo o método virtual na rotina, mas sim buscando aproveitar os<br />

pontos fortes de ambas as modalidades, presencial e virtual. O virtual servirá como<br />

apoio principalmente para os alunos que têm dificuldades em expor suas dúvidas e<br />

opiniões em sala, e que dentro do ambiente virtual sentem-se mais confiantes.<br />

Junqueira e Passarelli (2011) destacam que as comunidades virtuais de<br />

aprendizagem são parte de uma evolução na própria interação social, fruto da web 2.0,<br />

dando grande importância ao avanço tecnológico, onde mesmo as universidades que<br />

oferecem a graduação presencial, já não podem atuar sem possibilitar o uso das<br />

tecnologias no processo de aprendizagem. E é neste contexto que entram as<br />

metodologias ativas no Ensino Superior, metodologias estas que integram tecnologia e<br />

educação.<br />

As metodologias ativas, segundo Lopes (2015), baseiam-se nos ideais de<br />

Dewey, datadas de 1930, tirando do professor a imagem de detentor do conhecimento e<br />

centro do processo de ensino e aprendizagem, fugindo das aulas expositivas e métodos<br />

simplistas de memorização, para um processo que foca nas necessidades e interesses do<br />

aluno. A respeito disso destaca que "a discussão sobre 'como se ensina' faz sentido<br />

apenas quando inserida em outra, mais ampla, sobre 'como se aprende'" (LOPES, 2015).<br />

O ideal das metodologias ativas é sair do modelo tradicional de ensino para<br />

a descobertas de novas formas de aprendizado. Não existe um modelo padrão de<br />

1033


metodologia ativa, desde que o aluno seja o foco do processo de aprendizagem e as<br />

ferramentas utilizadas para chegar a tal aprendizagem sejam de acordo com a<br />

necessidade e realidade desse aluno. Sendo assim, surge uma metodologia ativa que<br />

busca alinhar tecnologias digitais e educação, o modelo flipped classroom, ou sala de<br />

aula invertida.<br />

Segundo Schneider, Suhr, Rolon e Almeida (2013), a sala de aula invertida,<br />

termo original flipped classroom, ganha destaque com dois professores de uma escola<br />

do ensino médio nos Estados Unidos, Jonathan Bergman e Aaron Sams. Eles buscaram<br />

uma forma de <strong>ate</strong>nder seus alunos atletas que, por conta dos jogos ficavam períodos<br />

longe da sala de aula, e consequentemente, perdiam conteúdo e ficavam aquém de seus<br />

colegas de classe no desenvolvimento da aprendizagem. Passaram, então, a gravar suas<br />

aulas para que mesmo longe seus alunos atletas pudessem estar cientes dos conteúdos<br />

trabalhados em sala e assim, na volta à classe tais conteúdos eram discutidos com a<br />

classe, para que dúvidas puderem ser esclarecidas e ideias expostas. O método deu tão<br />

certo que os professores resolveram estendê-lo a toda a classe. Sendo assim, passaram a<br />

gravar os conteúdos das aulas para que os alunos assistissem previamente em locais e<br />

horários de sua preferência, para na aula discutirem sobre o assunto.<br />

A sala de aula invertida se opõe ao modelo tradicional de ensino e<br />

aprendizagem, sendo um modelo pedagógico que estimula a autonomia do aluno por<br />

meio de pré-aulas, onde o aluno recebe instruções sobre o assunto a ser tratado por meio<br />

de textos, vídeos, simuladores, arquivos de áudio, etc. Na aula, o professor torna-se um<br />

mediador do processo de aprendizagem, tirando dúvidas e contribuindo com o que já foi<br />

estudado pelos alunos previamente. Por fim, a pós-aula servirá para que o aluno possa<br />

fixar o conteúdo tratado, através de exercícios, fóruns, discussões em grupo. Sendo a<br />

pré-aula e pós-aula disponibilizadas no Ambiente Virtual de Aprendizagem<br />

(CHAPARRO, 2016).<br />

Begmann e Sans (2016 apud CHAPARRO, 2016) apontam que “na medida<br />

em que o professor renuncia ao controle do processo de aprendizagem, o aluno assume<br />

as rédeas, e o processo de educação se transforma em uma conquista a ser empreendida<br />

1034


por seus próprios méritos e esforços”. E afirmam também que no método da sala de aula<br />

invertida a aula passa a girar em torno do aluno, ao invés do professor. Sendo assim, os<br />

estudantes tornam-se os responsáveis por criarem uma rotina de estudos, e se policiarem<br />

para que os prazos e atividades sejam cumpridos.<br />

Schneider et al. (2013) apresentam a sala de aula invertida como a uma<br />

forma de organização curricular, que ao contrário do modelo tradicional em que o<br />

professor é o centro do processo de aprendizagem, apresenta o aluno como sujeito da<br />

própria aprendizagem, e o professor como um mediador desse processo.<br />

Wilson (2013, apud RODRIGUES et al., 2015) afirma que o professor<br />

continua sendo uma peça fundamental, mas no sentido de guiar os estudantes a<br />

compreenderem e aplicarem as novas informações que adquirem por meio do método da<br />

aula invertida. Porém, a realidade que se apresenta é que a maior parte dos alunos tem<br />

dificuldade no cumprimento dos prazos e na organização de uma rotina de estudos,<br />

perdendo assim a oportunidade de buscar novos conhecimentos, aprofundar os<br />

conhecimentos já adquiridos e aumentar seu rendimento acadêmico. Consequentemente,<br />

colocam a culpa de seus fracassos no método de ensino, quando na realidade se não<br />

houver um compromisso por parte dos alunos, de visualizarem o conteúdo das préaulas,<br />

para que possam participar das discussões em sala, e em seguida fixarem o<br />

conteúdo nas pós-aulas, realmente não haverá bons resultados. Para que o método<br />

funcione é preciso que seja explorado por completo.<br />

3. MATERIAIS E MÉTODOS<br />

A coleta de dados ocorreu em uma faculdade do Estado do Maranhão de<br />

caráter privado, que recentemente adotou a sala de aula invertida como método de<br />

ensino.<br />

Para constatar a visão dos estudantes acerca da relevância do modelo de<br />

ensino, utilizou-se como instrumento para a coleta de dados uma entrevista<br />

semiestruturada, aplicado a um grupo focal com 31 estudantes representantes dos cursos<br />

<strong>1035</strong>


de Ciência da Computação, Direito, Engenharia Mecânica, Engenharia Ambiental,<br />

Fisioterapia, Letras, Pedagogia, Psicologia e Serviço Social. Variando entre estudantes<br />

que ingressaram recentemente nos cursos à aqueles que estão finalizando sua graduação.<br />

A entrevista dispôs de questões acerca do conhecimento do modelo, de que<br />

forma essa utilização é relevante para seu desenvolvimento acadêmico e sobre a<br />

usabilidade do Ambiente Virtual de Aprendizagem em relação ao modelo “sala de aula<br />

invertida”.<br />

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

Neste item trataremos dos dados coletados e discutidos à luz do aporte<br />

teórico anteriormente citado, com o objetivo de levantar dados que concordem ou<br />

discordem da eficácia da sala de aula invertida. Para isso buscou-se primeiramente ter<br />

ciência de que informações a respeito do método de ensino da faculdade os alunos<br />

estavam cientes.<br />

Se tratando da nomenclatura "Sala de Aula Invertida", mesmo este modelo<br />

sendo trabalhado no curso, muitos alunos o desconheciam por este nome, refletido nos<br />

dados obtidos no questionário, onde 94% dos entrevistados responderam que não<br />

conhecem o termo.<br />

Gráfico 1. Conhecimento dos alunos sobre a sala de aula invertida<br />

1036


Fonte: Elaborado pelos autores, 2017.<br />

No início de cada semestre, os cursos que estão iniciando participam da<br />

semana de adaptação, onde são apresentados todos os modelos de ensino adotados pela<br />

instituição, tanto de forma geral para todos os alunos do curso, quanto nas salas de aula,<br />

reforçados pelos professores em todos os semestres, na chamada “Aula Zero”, onde<br />

apresentam-se também as ementas das disciplinas.<br />

No entanto, a grande reclamação por parte da direção e professores, é que<br />

muitos alunos não se fazem presentes nos primeiros dias de aula, perdendo um<br />

momento importante para repasse de informações e esclarecimento de dúvidas. Deste<br />

modo, muitos alunos ficam desinformados e/ou pegam informações pela metade ou de<br />

forma incorreta no decorrer do curso.<br />

Após esclarecimentos a respeito da nomenclatura e do método da sala de<br />

aula invertida, os estudantes puderam responder ao questionamento sobre a qualidade<br />

do modelo de ensino, que é considerado bom pela maioria (40%), devido ao fato de os<br />

conteúdos serem disponibilizados anteriores às aulas, fazendo com que tenham um<br />

maior aproveitamento quanto à inferência de possíveis dúvidas e esclarecimentos a<br />

serem sanados em sala de aula. Porém muitos ainda reclamam das dificuldades em<br />

acessar a ferramenta, e preferem o modelo tradicional de ensino.<br />

Gráfico 2. Qualidade do Modelo de Ensino “Sala de Aula Invertida”<br />

Fonte: Elaborado pelos autores, 2017.<br />

1037


Sabendo que a pré-aula e pós-aula são disponibilizadas no Ambiente Virtual<br />

de Aprendizagem - AVA, perguntamos aos alunos sobre a frequência com que acessam<br />

o AVA, obtendo como resposta da maioria (39%) acesso três vezes por semana,<br />

demonstrando que nem sempre os alunos visualizam os conteúdos das pré-aulas, ou<br />

respondem às pós-aulas, fazendo com que seu aprendizado seja deficitário. Os alunos<br />

têm fidelidade ao modelo presencial de ensino. Eles não estão habituados ao modelo<br />

semipresencial e não possuem ritmo ou algumas das competências necessárias para<br />

desempenhar-se no ambiente virtual.<br />

Gráfico 3. Frequência de Acesso ao AVA.<br />

Fonte: Elaborado pelos autores, 2017.<br />

1038


Fazendo uma avaliação em uma escala de 0 a 5, sendo zero nenhum<br />

aprendizado e 5 muito aprendizado, a maioria dos estudantes (43%) avaliou a utilização<br />

e aprendizado do AVA com média “3”. Visto que, os estudantes que avaliaram com<br />

esse número argumentam que, apesar dos m<strong>ate</strong>riais serem suficientes para seus estudos<br />

e o tempo para esse ser significativo, os mesmos ainda sentem falta do<br />

acompanhamento de um professor, mesmo este estando posteriormente em sala de aula<br />

para sanar as possíveis dúvidas.<br />

Gráfico 4. Avaliação sobre a utilização do AVA.<br />

Fonte: Elaborado pelos autores, 2017.<br />

Ao serem questionados acerca das vantagens e desvantagens do modelo de<br />

ensino “sala de aula invertida”, foram apontados como pontos positivos a organização<br />

das atividades, qualidade dos m<strong>ate</strong>riais disponibilizados e a comodidade. Em<br />

contrapartida, constatou-se ainda a resistência para com a modalidade do ensino<br />

semipresencial, quando foi colocado que apesar de ter pontos positivos, os estudantes<br />

ainda sentem a necessidade de ter todo o conteúdo sendo repassado pelo professor em<br />

sala de aula, sem necessariamente ser obrigatório o acesso ao Ambiente Virtual de<br />

Aprendizagem.<br />

1039


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Por meio da presente pesquisa observou-se que o método flipped classroom,<br />

ou sala de aula invertida, possui suas vantagens e desvantagens como qualquer outro,<br />

contudo deve-se levar em consideração sua utilização diante da realidade dos alunos<br />

atuais. Tendo em vista que de nada adianta utilizar este método se não houver<br />

compromisso por parte dos envolvidos no processo de aprendizagem, sendo estes a<br />

Instituição de Ensino, o Professor e o Aluno.<br />

Cabe à instituição de ensino, não apenas promover a utilização das<br />

tecnologias como metodologias ativas de aprendizagem, mas possibilitar meios para que<br />

ocorra não apenas sua utilização, mas sua integração com os envolvidos no processo.<br />

Capacitando professores e oferecendo espaços de acesso e instrução a respeito dessas<br />

tecnologias.<br />

Aos professores e alunos cabe o compromisso em explorar o máximo<br />

possível tanto do Ambiente Virtual de Aprendizagem quanto dos momentos de<br />

discussão em sala, para que haja bons resultados. O professor deve selecionar com<br />

cuidado os m<strong>ate</strong>riais a disponibilizar e o aluno precisa não apenas visualizar, mas<br />

analisar cada m<strong>ate</strong>rial a fim de obter o máximo de conhecimento possível.<br />

A sala de aula invertida mostra-se, portanto, um método inovador, porém<br />

que necessita ser bastante explorado e analisado antes e durante sua aplicação, para que<br />

suas potencialidades sejam aplicadas, levando em conta o compromisso de todos os<br />

envolvidos no processo de aprendizagem que envolva o método.<br />

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1042


SEQUÊNCIA DIDÁTICA: a etnofísica na produção de cerâmicas uma proposta para o<br />

ensino na educação quilombola<br />

DIDACTIC SEQUENCE: the etnophysics in the production of ceramics a proposal for<br />

teaching in quilombola education<br />

Daniela Louzeiro Nunes Sousa - UFMA<br />

Pós-Graduanda em Ensino de Ciências e M<strong>ate</strong>mática- PPECEM<br />

Thirza Pavan Sorpreso (Orientadora) - UNIFAL<br />

Prof. Dra. em Educação<br />

Eixo 1: Arte, Tecnologia e Educação<br />

RESUMO: O presente estudo teve por objetivo elaborar uma sequência didática de<br />

forma a propiciar aos envolvidos a exploração de conhecimentos científicos, utilizando<br />

a modelagem m<strong>ate</strong>mática e a física existente na produção de cerâmicas em uma<br />

comunidade quilombola do município de Alcântara - MA, Itamatatiua; tendo em vista a<br />

utilização de ferramentas m<strong>ate</strong>máticas e de modelos físicos numa perspectiva<br />

integradora do conhecimento científico. A Etnofísica, por sua vez, parece perfazer esse<br />

caminho de forma articulada às necessidades e especificidades dos envolvidos. Pois,<br />

assim como a m<strong>ate</strong>mática, a física está relacionada cotidianamente ao meio em que<br />

vivemos e a forma como nos relacionamos com ele. Para o desenvolvimento de um<br />

Ensino de Física interdisciplinar e investigativo, faz-se necessário conhecer as<br />

tecnologias que a comunidade a ser trabalhada utiliza no seu cotidiano, como essas<br />

tecnologias influenciam e se influenciam os seus modos de agir e pensar, bem como<br />

compreender sua cultura, assim contribuiremos enquanto educadores para o<br />

desenvolvimento, construção de significados e enculturação científica, proporcionando<br />

a tomada de decisão e maior participação desses cidadãos em sua comunidade.<br />

Levando-se em consideração o caráter de enculturação científica e valorização cultural<br />

proposto pela Etnofísica, a referida sequências didática tenta abarcar o que há de<br />

1043


existente nas bases legais da Educação Quilombola e alinhar o ensino de Física às<br />

necessidades da comunidade a qual está inserida. A sequência didática foi elaborada em<br />

quatro etapas, nas quais sugerimos a priori investigar o conhecimento prévio dos alunos<br />

a respeito de calor e temperatura e interagir com os mesmos a fim de criar um deb<strong>ate</strong><br />

sobre conceitos básicos da temática, verificando se a produção de cerâmicas faz relação<br />

com os conhecimentos físicos (calor e temperatura) e, se os envolvidos tem consciência<br />

disso, após procura-se retratar e diferenciar teoricamente e através de experimentação os<br />

fenômenos físicos ligados ao cotidiano, em seguida retrata-se sobre a valorização e o<br />

respeito à cultura daquela comunidade na produção de cerâmicas mantidas pelos<br />

anciãos, mostrando a importância da preservação e manutenção da mesma pelos mais<br />

jovens e, por último, propomos a construção e apresentação de um vídeo sobre a<br />

produção de cerâmicas daquela comunidade e sua relação com os conhecimentos físicos<br />

apreendidos.<br />

Palavras-chave: Etnofísica. Produção de Cerâmicas. Educação Quilombola. Sequência<br />

Didática<br />

ABSTRACT:The present study had as objective to elabor<strong>ate</strong> a didactic sequence in<br />

order to provide to the involved ones the exploration of scientific knowledge, using the<br />

mathematical modeling and the existent physics in the production of ceramics in a<br />

quilombola community of the municipality of Alcântara - MA, Itamatatiua; considering<br />

the use of mathematical tools and physical models in an integrative perspective of<br />

scientific knowledge. Ethnology, on the other hand, seems to make this path articul<strong>ate</strong>d<br />

to the needs and specificities of those involved. For, like mathematics, physics is rel<strong>ate</strong>d<br />

daily to the environment in which we live and the way we rel<strong>ate</strong> to it. For the<br />

development of an interdisciplinary and investigative Physics Teaching, it is necessary<br />

to know the technologies that the community to be used uses in their daily life, how<br />

these technologies influence and influence their ways of acting and thinking, as well as<br />

understanding their culture , so we will contribute as educators for the development,<br />

1044


construction of meanings and scientific enculturation, providing the decision making<br />

and gre<strong>ate</strong>r participation of these citizens in their community. Taking into account the<br />

nature of scientific enculturation and cultural valorization proposed by Ethnophysics,<br />

said didactic sequences try to encompass what exists in the legal bases of Quilombola<br />

Education and align the teaching of Physics to the needs of the community to which it is<br />

inserted. The didactic sequence was elabor<strong>ate</strong>d in four stages, in which we suggest a<br />

priori to investig<strong>ate</strong> the students' prior knowledge about heat and temperature and<br />

interact with them in order to cre<strong>ate</strong> a deb<strong>ate</strong> about basic concepts of the subject,<br />

verifying if the production of ceramics does relationship with physical knowledge (heat<br />

and temperature) and, if those involved are aware of this, after attempting to portray and<br />

to differenti<strong>ate</strong> theoretically and through experimentation the physical phenomena<br />

linked to daily life, then it is portrayed on the appreciation and respect to the culture of<br />

that community in the production of ceramics maintained by the elders, showing the<br />

importance of the preservation and maintenance of the same by the youngest, and<br />

finally, we propose the construction and presentation of a video about the production of<br />

ceramics of that community and its relation with the physical knowledge seized.<br />

Keywords: Ethnophysics. Production of Ceramics. Quilombola Education. Following<br />

eaching<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

Ao longo da nossa história, em especial nas últimas décadas, nosso sistema<br />

de ensino tem passado por muitas alterações, contudo apesar das políticas públicas<br />

adotadas, o cenário educacional em nosso país ainda é preocupante, tanto pela<br />

deficitária formação de professores quanto de alunos (SIÉCOLA, 2016, p.52). Ao que<br />

concerne o ensino de Física e M<strong>ate</strong>mática, algumas problemáticas emergem, dentre elas<br />

o ensino fragmentado e não contextualizado, ou seja, desconectado da vida dos<br />

estudantes e, portanto, na maioria das vezes, sem sentido para os mesmos.<br />

1045


Tanto documentos oficiais da educação brasileira quanto a área de pesquisa<br />

em Ensino de Ciências e M<strong>ate</strong>mática recomendam que os conteúdos científicos e<br />

m<strong>ate</strong>máticos sejam contextualizados e abarcados de forma interdisciplinar.<br />

No que se refere à interdisciplinaridade observa-se que a realidade é<br />

complexa e para ser compreendida necessita de abordagens de diversas disciplinas. Por<br />

outro lado, considerando perspectivas como a de Thomas Kuhn, em que as disciplinas<br />

científicas são delimitadas por meio de objetos e racionalidades próprias que constituem<br />

modelos do real ou paradigmas, tornar-se importante no âmbito escolar respeitar os<br />

limites teóricos e metodológicos de cada área de ensino, mas por outro lado deve-se<br />

estabelecer as ligações existentes entre as diversas áreas, como a Física e a M<strong>ate</strong>mática,<br />

para que o estudante aprenda a articulá-las quando enfrente problemáticas reais.<br />

Com respeito à contextualização observamos que são diversos os seus<br />

significados tanto em documentos oficiais, quanto na área de pesquisa. Recomenda-se<br />

nesse caso que os conteúdos sejam associados a contextos diversos de maneira a<br />

facilitar a atribuição de sentidos por parte dos alunos para conceitos científicos e<br />

m<strong>ate</strong>máticos. Parte-se aqui de uma perspectiva de que os sentidos não são extraídos dos<br />

signos utilizados na Ciência e na M<strong>ate</strong>mática, mas sim da articulação entre tais signos e<br />

do contexto em que são utilizados.<br />

O trabalho aqui desenvolvido preocupa-se então com a formação científica,<br />

m<strong>ate</strong>mática e tecnológica das populações quilombolas da cidade de Alcântara, no<br />

Maranhão, considerando que a realidade dessas comunidades foi e tem sido alterada<br />

pela instalação da base de lançamento de Alcântara em suas terras.<br />

Nessa perspectiva, nos adentrando no ensino de M<strong>ate</strong>mática e Física, na<br />

educação quilombola, o Conselho Nacional de Educação, em Resolução nº. 08 de 20 de<br />

novembro de 2012 estabelece, em seu art. 20, incisos I e <strong>II</strong>, as seguintes diretrizes para o<br />

ensino médio nessa modalidade:<br />

Art. 20. O Ensino Médio na Educação Escolar Quilombola deverá<br />

proporcionar aos estudantes: I - participação em projetos de estudo e de<br />

trabalho e atividades pedagógicas que visem o conhecimento das dimensões<br />

do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura próprios das comunidades;<br />

<strong>II</strong> - formação capaz de oportunizar o desenvolvimento das capacidades de<br />

1046


análise e de tomada de decisões, resolução de problemas, flexibilidade,<br />

valorização dos conhecimentos tradicionais produzidos pelas comunidades e<br />

aprendizado de diversos conhecimentos necessários ao aprofundamento das<br />

interações com seu grupo de pertencimento (BRASIL, 2012, p. 9-10)<br />

Diante o exposto, para a elaboração de uma sequência didática que abarque<br />

um ensino de Física voltado para a educação quilombola numa perspectiva integradora<br />

entre o conhecimento científico e a realidade do aluno e que ainda siga as diretrizes<br />

legais, a Etnofísica parece perfazer esse caminho de forma articulada às necessidades e<br />

especificidades dos envolvidos. Pois, assim como a m<strong>ate</strong>mática a física está relacionada<br />

cotidianamente ao meio em que vivemos e a forma como nos relacionamos com ele,<br />

dessa forma, para Silva (2016, p. 11) “a esse conhecimento tão dinamizado, que hora<br />

tem raízes na ciência hora na cultura, denominados Etnofísica”.<br />

Para o desenvolvimento de um ensino de Física interdisciplinar e<br />

investigativo, faz-se necessário conhecer as tecnologias que a comunidade a ser<br />

trabalhada utilizam no seu cotidiano, como essas tecnologias influenciam e se<br />

influenciam os seus modos de agir e pensar, bem como compreender sua cultura, assim<br />

contribuiremos enquanto educadores para o desenvolvimento e construção de<br />

significados e enculturação científica, além de proporcionar a tomada de decisão e<br />

maior participação desses cidadãos em sua comunidade.<br />

Assim, e analogia à Etnom<strong>ate</strong>mática, um olhar etnofísico significa considerar<br />

ontologicamente o modo de ver, de interpretar, de compreender, de explicar,<br />

de compartilhar, de trabalhar, de lidar, de sentir os fenômenos físicos. Em<br />

outras palavras o trabalho pedagógico com Etnofísica requer a apropriação da<br />

memória cultural do sujeito pesquisado, de seus códigos e símbolos, de seu<br />

universo microssocial (SOUZA, 2013, p. 101)<br />

Escolhemos então a temática da Etnofísica na produção de cerâmicas,<br />

pensando em uma proposta alicerçada em uma metodologia que abrangesse a educação<br />

quilombola, elaborando para tanto uma sequência didática de modo a promover uma<br />

intervenção pedagógica que desse significado ás aulas de Física, além de proporcionar<br />

enculturação científica e a valorização da cultura local. Nesse meandro buscamos<br />

desenvolver uma sequência didática para o ensino médio na educação quilombola,<br />

1047


intitulada: “A termologia e a produção de cerâmicas: Construção de significados sobre<br />

calor e temperatura?”. A pergunta que desencadeou esta proposta foi: “Quais as<br />

concepções sobre assuntos relacionados à Física usados no senso comum na produção<br />

de cerâmicas na comunidade quilombola de Itamatatiua, Alcântara - MA?”<br />

Considerando que a tomada de decisões sobre problemáticas científicas não<br />

é exclusivamente técnica, mas partindo do pressuposto que também os conhecimentos<br />

técnicos são fundamentais, esta sequência didática tem por objetivo propiciar aos<br />

envolvidos a exploração dos conhecimentos científicos sobre produção de cerâmicas e<br />

temas de Física, como calor e temperatura, de forma interligada com a m<strong>ate</strong>mática. O<br />

objetivo dessa unidade é possibilitar que a apropriação dos conhecimentos científicos e<br />

m<strong>ate</strong>máticos por parte dos alunos de forma mais significativa.<br />

Portanto, trata-se de uma pesquisa qualitativa, de cunho bibliográfico em<br />

que os referenciais teóricos adotados tornar-se de grande importância para a<br />

compreensão sobre a Etnofísica e a controvérsia social de Alcântara. Este trabalho<br />

estruturou-se da seguinte forma: marco teórico sobre Alcântara, Etnofísica e a produção<br />

de cerâmicas, e por fim trouxe uma proposta de sequência didática para a educação<br />

quilombola.<br />

2. ALCÂNTARA E SEUS IMPASSES<br />

A cidade de Alcântara fica localizada no litoral ocidental ao Norte do estado<br />

do Maranhão separada da capital, São Luís, pela baía de São Marcos, além de ser<br />

banhada pela baía de Cumã e ao norte pelo Oceano Atlântico (BARROS;<br />

RAMASSOTE, 2009, p.44). Segundo o Censo demográfico brasileiro (IBGE, 2010)<br />

têm uma população de aproximadamente 21.852 pessoas, que em sua maior parte vive<br />

na zona rural do referido município. Assim, segundo Ramos e Duarte (2011, p.18),<br />

devido à “posição geográfica, condições climáticas estáveis, baixa densidade<br />

populacional, facilidades de acesso marítimo e aéreo, litoral favorável e a proximidade<br />

1048


da Linha do Equador”, foi escolhida para implantação, na década de 1980, do CLA -<br />

Centro de Lançamento de Alcântara).<br />

Contudo, se por um lado temos o desenvolvimento da Ciência e Tecnologia<br />

brasileira com lançamento de foguetes e satélites, por outro lado existe na mesma região<br />

uma população quilombola que sobrevive exclusivamente da pesca, produtos artesanais,<br />

de fibras e cerâmicas, agricultura de subsistência, além do turismo existente, que<br />

segundo Saule Jr. (2003, p.30), após seus deslocamentos, “não possuem área adequada<br />

para a agricultura de subsistência [...] não têm acesso direto ao mar para o exercício da<br />

pesca e dependem da autorização expressa do CLA para poderem reformar ou ampliar<br />

suas residências”.<br />

Observa-se que essa população sofreu e tem sofrido impactos ocasionados<br />

por sua relocação a partir da implantação do CLA (CLÍMACO, 2014, p. 59). Esses<br />

impactos incluem a falta de estrutura adequada, falta de um número maior escolas de<br />

ensino médio, mais próximas, das comunidades quilombola e/ou remanescentes de<br />

quilombolas, já que atualmente, Alcântara, conta com apenas uma escola estadual de<br />

nível médio e uma escola de nível médio federal (IFMA), ambas na sede, e apenas um<br />

anexo no Povoado de Oitiua (interior), dificultando a permanência e o desenvolvimento<br />

da população local, que conforme Saule Jr. (2003, p.22), “os mais jovens estão indo<br />

morar em Alcântara ou São Luís, porque não há terra suficiente para a agricultura,<br />

tampouco outras possibilidades de trabalho e não há lotes disponíveis para construírem<br />

duas casas quando casarem-se”.<br />

Percebe-se a contradição /problemática existente entre o desenvolvimento<br />

científico-tecnológico e o descaso com o desenvolvimento da população dessa<br />

localidade. Podemos, então, falar da existência de duas Alcântaras com diferenças<br />

gritantes. E nessa controvérsia social, encontramos a Comunidade Quilombola de<br />

Itamatatiua que conforme Grijó (2008, p. 2), “teve origem com a desagregação de uma<br />

antiga fazenda escravista pertencente à Ordem Carmelita [...] por esta razão, os<br />

moradores de Itamataiua se consideram descendentes dos antigos camponeses negros<br />

que ali moravam”.<br />

1049


A comunidade quilombola de Itamatatiua tem como principal fonte<br />

econômica a produção de cerâmicas, em que através da Associação de Produção de<br />

Cerâmicas se consolidou o processo de luta e resistência do povo dessa localidade,<br />

possibilitando de acordo com Cestari, Caracas e Santos (2014, p. 89), “a capacitação de<br />

novas ceramistas e a organização do trabalho, o que fortalece a identidade do grupo e a<br />

geração de renda”.<br />

Contudo, a comunidade de Itamatatiua, assim como as demais comunidades<br />

quilombolas, apresenta grandes carências no campo educacional, devido segundo<br />

Pereira, Santos e Barreira (2016, p.13, tradução nossa), possuir “apenas uma escola<br />

primária, onde as demais séries escolares os alunos se deslocam a municípios vizinhos”,<br />

em que para ter acesso ao ensino médio a população local precisa se deslocar para a<br />

sede (com aproximadamente 55 km de distância) ou para o município de Bequimão,<br />

gerando um desconforto e/ou aumentado as dificuldades à conclusão desse nível de<br />

ensino. E levando-se em consideração as áreas da ciência da natureza em especial o<br />

ensino de Física, as limitações e dificuldades de compreensão se intensificam à medida<br />

que aumenta a desvinculação entre realidade dos alunos e os conhecimentos científicos,<br />

onde os currículos e metodologias estão focados no modelo positivista, distante da<br />

realidade dos alunos (ROSA, DARROZ, MARCANTE, 2012, p. 47).<br />

Esse impasse educacional de Alcântara requer uma metodologia pedagógica<br />

que propicie uma relação entre a cultura local e os conhecimentos científicos a fim de<br />

perfazer o que está previsto na Resolução nº. 08 de 20 de novembro de 2012, em seu art.<br />

20, incisos I e <strong>II</strong>, que traça as diretrizes para o ensino médio, conforme anteriormente<br />

citado. E ainda, que faça cumprir os pressupostos legais previstos na LDB (Lei nº.<br />

9394/96), em seu art. 3º, qual seja: “[...] vinculação entre a educação escolar, o trabalho<br />

e as práticas sociais”, tornando a escola um espaço reflexivo e que “valorize e<br />

desenvolva as diferenças e compartilhe o desafio de aprender o que fazer e quais<br />

práticas adotar, <strong>ate</strong>ndendo às exigências atuais, adaptando-se aos alunos e não o seu<br />

inverso” (FANTINATO, 2015, p.11).<br />

1050


Assim, de acordo com a LDB 9394/96 e os PCN’s para o nível médio, na<br />

área das ciências naturais, trazem aspectos relacionados a contextualização do<br />

conhecimento científico, interdisciplinaridade, capacidade investigativa, dentre outros<br />

que nos fizeram pensar na Etnofísica como uma metodologia pedagógica para o ensino<br />

de Física direcionado a Educação Quilombola, que de acordo com Prudente (2010, p.<br />

5):<br />

A aproximação dos conhecimentos científicos com a realidade do aluno o<br />

fará refletir sobre o real papel das ciências, mais especialmente a Física,<br />

conscientizando-o que a Física não é uma ciência voltada para gênios e sim<br />

uma ciência de curiosos. É da contextualização da realidade que rodeia o<br />

educando, que se vale a Etnofísica (PRUDENTE, 2010, p.5).<br />

Sobre esta metodologia trataremos a seguir, buscando fazer uma correlação<br />

entre a etnofísica e a produção de cerâmicas voltada para a educação quilombola em<br />

uma proposta de sequência didática a nível médio.<br />

3. A ETNOFÍSICA E A PRODUÇÃO DE CERÂMICAS<br />

A comunidade remanescente de quilombo, Itamatatiua, faz da produção de<br />

cerâmicas seu legado ao longo das gerações, preservando sua cultura através da<br />

oralidade, que conforme Moura (2006, p.261), “esse veículo informal destila um saber<br />

que vai sendo transmitido e assimilado pouco a pouco, ao mesmo tempo em que<br />

proporciona oportunidade de reflexão sobre a necessidade de mudança”, essa maneira<br />

de transmitir os saberes à comunidade podemos chamar de educação informal, ainda<br />

que no cotidiano não se caracterize como uma forma de educação, mas como<br />

preservação de cultura e identidades.<br />

A produção artesanal de cerâmicas em Itamatatiua é a principal atividade<br />

econômica da comunidade, com aproximadamente três séculos de existência,<br />

possibilitando de acordo com Cestari, Caracas e Santos (2014, p.89), “a capacitação de<br />

novas ceramistas e a organização do trabalho, o que fortalece a identidade do grupo e a<br />

geração de renda”. Nessa forma de preservação da cultural local e transmissão de<br />

1051


conhecimentos, uma educação voltada para o resg<strong>ate</strong> cultural aliado a produção de<br />

conhecimentos científicos é o que se propõe com a Etnofísica, uma vez que segundo a<br />

Res. nº. 8/11/2012, que trata da Educação Quilombola traz em seu art. 7º, inciso X, o<br />

seguinte princípio:<br />

[...] direito ao etnodesenvolvimento entendido como modelo de<br />

desenvolvimento alternativo que considera a participação das comunidades<br />

quilombolas, as suas tradições locais, o seu ponto de vista ecológico, a<br />

sustentabilidade e as suas formas de produção do trabalho e de vida<br />

(BRASIL, 2012, p. 5).<br />

E ainda, de acordo com a LDB (Lei nº. 93694/96), em seu art. 3º, traz como<br />

um dos princípios de uma educação formal a “[...] vinculação entre a educação escolar,<br />

o trabalho e as práticas sociais”, como forma de enlaçar o cotidiano do aluno ao<br />

ambiente escolar.<br />

A etnofísica conforme Silva (2016, p. 11), “é um campo de estudo, também<br />

interdisciplinar, que procura assim como os outros etnoconhecimentos, investigar os<br />

meios utilizados por grupos sociais distintos para resolver situações problemas”.<br />

Pensando em uma sequência didática que abarque um ensino de Física<br />

voltado para a educação quilombola numa perspectiva integradora entre o conhecimento<br />

científico e a realidade do aluno e que ainda siga as diretrizes legais; a Etnofísica parece<br />

perfazer esse caminho de forma articulada às necessidades e especificidades dos<br />

envolvidos.<br />

Para o desenvolvimento de um ensino de Física interdisciplinar e<br />

investigativo, faz-se necessário conhecer a comunidade a ser trabalhada e o que utilizam<br />

no seu cotidiano, bem como compreender sua cultura, assim contribuiremos enquanto<br />

educadores para o desenvolvimento e construção de significados e enculturação<br />

científica, além de proporcionar a tomada de decisão e maior participação desses<br />

cidadãos em sua comunidade.<br />

Assim, em analogia à Etnom<strong>ate</strong>mática, um olhar etnofísico significa<br />

considerar ontologicamente o modo de ver, de interpretar, de compreender,<br />

de explicar, de compartilhar, de trabalhar, de lidar, de sentir os fenômenos<br />

físicos. Em outras palavras o trabalho pedagógico com Etnofísica requer a<br />

1052


apropriação da memória cultural do sujeito pesquisado, de seus códigos e<br />

símbolos, de seu universo microssocial (SOUZA, 2013, p. 101)<br />

Tendo como premissa uma abordagem interdisciplinar e investigativa, a<br />

modelagem m<strong>ate</strong>mática, pode ser uma ferramenta de bastante utilidade para<br />

compreensão de conhecimentos físicos e, no caso específico, deste trabalho assuntos<br />

relacionados à termologia, que conforme Chaves e Espirito Santo, 2008:<br />

Modelagem m<strong>ate</strong>mática como processo gerador em um ambiente de ensino e<br />

aprendizagem, no qual os conteúdos m<strong>ate</strong>máticos podem ser conduzidos de<br />

forma articulada com outros conteúdos, de diferentes áreas de conhecimento,<br />

contribuindo dessa forma, para que se tenha uma visão holística (global) do<br />

problema em investigação (CHAVES e ESPÍRITO SANTO, 2008, p. 159)<br />

Assim, podemos trabalhar conceitos de termologia a partir da produção de<br />

cerâmicas, para melhor entendimento preparamos a tabela abaixo, com alguns exemplos<br />

utilizando a modelagem m<strong>ate</strong>mática:<br />

Tabela 1: Situações-problemas, conhecimentos físicos, cálculos<br />

m<strong>ate</strong>máticos na produção de cerâmicas.<br />

Situações-problemas Conhecimentos físicos Cálculos m<strong>ate</strong>máticos<br />

Qual a temperatura ideal<br />

para o cozimento das peças<br />

de cerâmicas no forno?<br />

Escalas termométricas<br />

0º C = 32º F = 273 K<br />

Qual o fluxo de calor que<br />

atravessa uma peça de<br />

cerâmica durante seu<br />

cozimento?<br />

Fluxo de calor<br />

Φ = QQ ∆tt<br />

1053


Ao final do cozimento as<br />

peças de cerâmicas sofrem<br />

expansão ou contração?<br />

Dilatação linear α =<br />

∆ll<br />

llll . ∆θθ<br />

Dessa forma, a sequência didática foi elaborada no intuito de promover uma<br />

intervenção pedagógica que desse significado às aulas de física, além de proporcionar a<br />

alfabetização científica e a valorização da cultura local.<br />

4. SEQUÊNCIA DIDÁTICA - DESENVOLVIMENTO DA PROPOSTA<br />

A sequência didática proposta terá como tema: A termologia e a produção<br />

de cerâmicas. Será destinada para e estudantes do 2º Ano do Ensino Médio, moradores<br />

da Comunidade Quilombola de Itamatatiua, Alcântara-MA.<br />

A pergunta que desencadeou esta proposta de sequência didática foi: quais<br />

as concepções sobre assuntos relacionados à Física usados no senso comum na<br />

produção de cerâmicas na comunidade quilombola de Itamatatiua, Alcântara - MA?<br />

Esta sequência didática tem por objetivo geral propiciar aos envolvidos a<br />

exploração dos conhecimentos advindos da produção de cerâmicas e relacioná-los aos<br />

conhecimentos físicos no ramo da termologia, tornando a apropriação dos conhecimentos<br />

científicos mais significativos.<br />

Como objetivos específicos têm-se: i) Investigar os conhecimentos prévios<br />

(senso comum) que os alunos e a comunidade local utilizam no seu cotidiano e que<br />

apresentam relação com a Física, no campo da termologia, como calor e temperatura; ii)<br />

Verificar se a produção de cerâmicas faz relação com o conhecimento físico (calor e<br />

temperatura) e, se os envolvidos tem consciência disso; iii) Retratar e diferenciar<br />

teoricamente e através de experimentação os fenômenos físicos (calor e temperatura)<br />

ligados ao cotidiano dos alunos; iv) Desenvolver a valorização e o respeito à cultura da<br />

comunidade quilombola na produção de cerâmicas, mantidas pelos anciãos daquela<br />

1054


comunidade, mostrando a importância, a nível local e nacional, da preservação e<br />

manutenção pelos mais jovens; v) Avaliar os alunos durante todo o processo de<br />

construção de conhecimentos físicos elaborados quando da pesquisa de campo na<br />

própria comunidade.<br />

Os conteúdos trabalhados serão calor e temperatura. Serão oito aulas<br />

realizadas em quatro dias, sendo quarenta e cinco minutos para cada aula.<br />

Aulas 1 e 2 - 1º Dia:<br />

Recursos instrucionais: discussões, vídeos e trabalho em grupo.<br />

Motivação: vídeos curtos e/ou notícias sobre calor e temperatura, imagens<br />

sobre a produção de cerâmica na comunidade e produção textual.<br />

Desenvolvimento: O professor em um primeiro momento aplica um<br />

questionário a fim de verificar o que os alunos, individualmente, já sabem a respeito de<br />

calor e temperatura (Tempo: 20 min)<br />

Após todos responderem o professor dará início ao deb<strong>ate</strong> sobre conceitos<br />

básicos de termologia com as seguintes questões norteadoras: a) Como está o tempo? b)<br />

É possível uma temperatura alta em um dia sem calor? c) Que atividades são<br />

desenvolvidas na comunidade que utilizam conceitos de calor e temperatura? (Tempo:<br />

15 min)<br />

Em um terceiro momento o professor pode trabalhar com vídeos curtos e<br />

imagens onde os alunos deverão relacionar aspectos da termologia que estão<br />

relacionados com a produção de cerâmicas. (Tempo: 25 min)<br />

Atividade: Elaboração de um texto, em grupos, onde cada equipe deverá<br />

discorrer sobre os aspectos mais relevantes da aula, relacionados os significados<br />

construídos a respeito de calor e temperatura e se há relação com a produção de<br />

cerâmica. (Tempo: 30 min)<br />

O objetivo dessa atividade é verificar se os alunos têm o conhecimento<br />

sobre conceitos ligados a calor e temperatura e suas relações com a atividade<br />

desenvolvida na comunidade.<br />

1055


Aulas 3 e 4 - 2º Dia<br />

Recursos instrucionais: discussões, experiências simples e trabalho em<br />

grupo.<br />

Motivação: explicação e desenvolvimento de experimentos sobre termologia<br />

(calor e temperatura).<br />

Desenvolvimento: O professor dará início ao deb<strong>ate</strong> sobre conceitos<br />

trabalhados na aula anterior e acrescentará novos conceitos com as seguintes questões<br />

norteadoras: a) Conceito de calor muda? b) Vocês sabem de onde vem o calor? c) Como<br />

vocês definem o frio? d) Vocês já estiveram com febre? e) Vocês já cozinharam algum<br />

tipo de alimentos, já fizeram alguma fogueira, já presenciaram a queima de algum<br />

m<strong>ate</strong>rial em um forno? f) Que instrumentos são usados para medir temperatura? E de<br />

são constituídos? (Tempo: 15 min)<br />

Em um segundo momento o professor pode trabalhar experimentos variados<br />

para diferenciar calor e temperatura, orientando e desenvolvendo com a participação dos<br />

alunos em sala de aula ou em outro ambiente. (Tempo: 40 min)<br />

Atividade: Escrita (conceitos e cálculos físicos)sobre os assuntos<br />

relacionados à termologia, tendo como base calor e temperatura, com situações -<br />

problemas tendo como pano de fundo a produção de cerâmicas desenvolvida na<br />

comunidade. (Tempo: 35 min)<br />

O objetivo dessa atividade é a aproximação entre os conhecimentos prévios<br />

aos conhecimentos científicos trabalhados em sala de aula, para a construção dos seus<br />

próprios significados.<br />

Desafio: Os alunos deverão desenvolver entrevistas e/ou aplicar<br />

questionários em sua comunidade e/ou no meio familiar sobre a atividade produção de<br />

cerâmica e sua relação com conhecimentos físicos. As questões que nortearão suas<br />

pesquisas foram delineadas pelo professor e servirão como base para tal. Os alunos<br />

deverão fazer anotações em um caderno (diário de campo) e estas anotações (coleta de<br />

dados) serão trabalhados posteriormente.<br />

1056


Os questionários serão compostos de seis perguntas e versarão sobre temas<br />

relacionados a questões socioculturais e que contenham elementos científicos, a saber:<br />

a) Você conhece a técnica de produção artesanal de cerâmica? Em caso positivo,<br />

explique a importância desse processo de produção para a população local e com quem<br />

aprendeu. b) Como é feita a secagem das peças de cerâmicas antes de ir para o forno?<br />

Como o “queimador” sabe quando o forno está na temperatura ideal para o cozimento<br />

das peças? c) Qual a relação entre a produção das peças de cerâmicas e a física escolar?<br />

d) Você já frequentou ou frequenta aulas de física? Há quanto tempo? e) Rel<strong>ate</strong> com<br />

maior precisão o processo de produção de cerâmicas desenvolvido na comunidade.<br />

Aulas 5 e 6 - 3º Dia<br />

Recursos instrucionais: discussões, diário de campo (coleta de dados) e<br />

trabalho em grupo.<br />

Motivação: vídeos sobre a produção de cerâmica na comunidade e relato<br />

sobre a importância da preservação cultural através produção de cerâmica para a<br />

comunidade de Itamatatiua por uma representante da associação local.<br />

Desenvolvimento: O professor dará início ao deb<strong>ate</strong> sobre conceitos<br />

trabalhados nas aulas anteriores e após os alunos abordarão sobre o que conseguirão<br />

pesquisar através de suas coletas de dados feitas por meios de questionários e/ou<br />

entrevistas, relacionando os conhecimentos físicos aos produzidos no cotidiano daquela<br />

comunidade. (Tempo: 15 min)<br />

Em um segundo momento o professor apresentará um vídeo sobre a<br />

produção de cerâmicas naquela comunidade e logo após uma representante da<br />

comunidade falará sobre a importância da preservação daquela atividade para a cultura<br />

local. (Tempo: 35 min)<br />

Para finalizar o momento em sala de aula o professor abrirá aos alunos para<br />

questionamentos. (20 min)<br />

Atividade: Os alunos serão divididos em equipes (de no máximo nove<br />

alunos cada) e com as orientações do professor deverão delinear propostas de trabalhos<br />

1057


e/ou experiências a serem desenvolvidas e apresentadas na próxima aula, com base na<br />

coleta de dados. A apresentação será aberta à comunidade local. (35min).<br />

Aulas 7 e 8 - 4º Dia<br />

Recursos instrucionais: recursos escolhidos pelos alunos, quando da<br />

elaboração para apresentação de suas pesquisas.<br />

Motivação: apresentações dos trabalhos<br />

Desenvolvimento: O professor dará início com apresentação da turma e de<br />

como se deu a construção das atividades que ali serão apresentadas. Seguida as<br />

considerações do professor, um representante de cada equipe falará a respeito de sua<br />

apresentação/experiências, elencando o que achou de mais interessante durante a<br />

produção da mesma e dos conhecimentos adquiridos. Após, os trabalhos serão<br />

apresentados à comunidade escolar e local.<br />

Atividade: Apresentação dos trabalhos e /ou experiências com grupos de<br />

nove alunos cada. O objetivo dessa atividade é a aproximação entre os conhecimentos<br />

prévios e os conhecimentos científicos trabalhados, para a construção dos seus próprios<br />

significados.<br />

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Pensando em uma proposta alicerçada em uma metodologia que abrangesse<br />

tanto a educação quilombola, quanto ao ensino de Física, a sequência didática foi<br />

elaborada no intuito de promover uma intervenção pedagógica que desse significado às<br />

aulas dessas disciplinas, além de proporcionar a alfabetização científica e a valorização<br />

da cultura local.<br />

E, ainda, considerando que a tomada de decisões sobre problemáticas<br />

científicas não é exclusivamente técnica, mas partindo do pressuposto que também os<br />

conhecimentos técnicos são fundamentais, esta sequência didática tem por objetivo<br />

propiciar aos envolvidos a exploração dos conhecimentos científicos da produção de<br />

1058


cerâmicas e temas de Física, como termologia, de forma interligada com a m<strong>ate</strong>mática.<br />

Consideramos que a construção de modelos físicos do tema implica em utilização de<br />

ferramentas e compreensão m<strong>ate</strong>mática, possibilitando uma melhor apropriação dos<br />

conhecimentos científicos e m<strong>ate</strong>máticos por parte dos alunos.<br />

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1061


EIXO 2<br />

Gênero, Literatura e Filosofia<br />

1062


A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE FEMININA: relações afetivo-sexuais na era<br />

das mídias digitais<br />

THE CONSTRUCTION OF FEMINE IDENTITY: affective-sexual relationships in<br />

age of digital medias<br />

Luiza Santos Magalhães (graduanda em Ciências Sociais – UFMA)<br />

Rejane Valvano Corrêa Da Silva (Doutora em Antropologia – UFMA)<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: Esta pesquisa trata da temática de gênero, afetividade e mídias, realizada<br />

como desdobramento de pesquisa PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação<br />

Científica) sob o título “Amor e Sexualidade Em Construção: Consumo, Internet e<br />

Mídias Audiovisuais na Socialização Afetivo-Sexual Feminina”. Os principais eixos são<br />

trabalhados sob uma perspectiva sociológico-antropológica que relaciona a construção<br />

de subjetividades dos indivíduos com processos de configurações sociais. Partindo da<br />

questão de gênero, é pretendido entendê-lo como identidade em construção e<br />

constituinte de relações de poder (LOURO, 1997; SCOTT, 1989), pois é manipulado<br />

por um discurso dominante. Com o foco na construção da identidade feminina, intendese<br />

perceber como é produzida a noção de “mulher”, e quais aspectos derivam disso,<br />

como a feminilidade. Focando nos discursos de jovens mulheres, entre 18 e 25 anos,<br />

residentes na cidade de São Luís – MA, essa identidade é analisada através de como elas<br />

vivenciam relações afetivo-sexuais, levando-se em conta que as emoções, entendidas na<br />

sociedade como subjetivas, são atreladas ao gênero feminino e influenciadas por<br />

padrões sociais já estabelecidos. A internet, por meio das mídias digitais, é o cenário<br />

onde as ideologias de gênero são analisadas nesta pesquisa, por reproduzirem<br />

representações através de imagens e pelas novas relações sociais nelas estabelecidas.<br />

Através da explanação de conceitos e análises de entrevistas realizadas pessoalmente e<br />

com roteiro semiestruturado, as noções de “gênero”, “emoções” e “mídia” são<br />

ponderadas pelo ponto de vista de que discursos dominantes são construídos de maneira<br />

1063


“naturalizada” e, assim, internalizados nas subjetividades dos indivíduos, pontuando<br />

como necessário a percepção dessas construções, de que ideologias se transformam de<br />

acordo com o contexto histórico e, com isso, identidades de gênero também.<br />

Palavras-chave: Emoções.Gênero. Identidade. Mídias.<br />

ABSTRACT: This research treats about gender, affectivity and media, as an<br />

development of the PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica)<br />

research entitled “Amor e Sexualidade Em Construção: Consumo, Internet e Mídias<br />

Audiovisuais na Socialização Afetivo-Sexual Feminina”. The main concepts are<br />

analyzed by a sociological-anthropological perspective, which rel<strong>ate</strong> the construction of<br />

the subjectivity of the individuals with process of social configurations. The concept of<br />

gender is here studied as identity in construction with relations of power (LOURO,<br />

1997; SCOTT, 1989) because is manipul<strong>ate</strong>d by dominant speech. Focusing on the<br />

composing of feminine identity, it is intended to realize how the notion of “woman” is<br />

produced and which aspects can result from this, like femininity, for example.<br />

Highlighting the speech of young women, aged between 18 and 25 years old, living in<br />

São Luís – MA, their identity is studied through how they experience affective-sexual<br />

relationships, knowing that emotions, seen as subjective in society, are connected to<br />

feminine gender and influenced by social patterns already established. The internet,<br />

through digital medias, is the scenario where gender ideologies are studied in this<br />

research because reproduce representations through images and due new social<br />

relationships established in it. By the explanation of theoretical concepts and analysis of<br />

personal interviews with semi structured itinerary, the notions of “gender”, “emotions”<br />

and “media” are considered from the point of view that dominant speeches are<br />

“naturalized” and, therefore, internalized in the subjectivities of individuals, being<br />

necessary the perception of these constructions, that ideologies are transformed<br />

according to social context and, along with it, genders identities too.<br />

Keywords: Emotions. Gender. Identity. Medias.<br />

1064


INTRODUÇÃO<br />

Esta pesquisa está situada no âmbito dos estudos das Ciências Sociais sob<br />

temática de gênero, afetividade e mídias, como desdobramento da pesquisa PIBIC<br />

“Amor e Sexualidade em Construção: Consumo, Internet e Mídias Audiovisuais na<br />

Socialização Afetivo-Sexual Feminina”. Como foco de estudo, busca-se compreender<br />

como são vivenciadas as relações afetivo-sexuais entre jovens mulheres, buscando<br />

entender como a identidade feminina é construída, e, também, o campo das emoções e a<br />

influência das mídias digitais, principalmente a rede social Facebook, sobre tal, tratando<br />

da realidade de jovens residentes da cidade de São Luís e como seus discursos<br />

perpassam por configurações dominantes dessas classificações sociais.<br />

Com o objetivo de observar a vivência da afetividade e sexualidade através<br />

das influências do uso de mídias digitais por mulheres, é explanada nessa pesquisa a<br />

construção da identidade de gênero, como essa noção se desenvolveu no “ocidente”,<br />

percebida como relação de poder, logo, inserida no discurso político, e como foram<br />

definidos padrões como legítimos ou não ao pertencimento da identidade feminina, o<br />

que seria feminilidade e “ser mulher”, levando em conta suas transformações<br />

conceituais de acordo com o contexto histórico. Diretamente atreladas ao feminino, as<br />

emoções também estão presentes nessa pesquisa por serem reconhecidas como naturais<br />

a esse gênero e, ao trata-lo como construção social, intende-se coloca-las na área do<br />

social, demonstrando que as subjetividades dos indivíduos obtém influências das<br />

ideologias estabelecidas institucionalmente. As mídias, como o terceiro eixo desse<br />

estudo, aparecem como os meios em que discursos são reproduzidos e internalizados<br />

pelos indivíduos, as redes de compartilhamento na internet são a forma como imagens e<br />

representações de gênero são difundidas, onde os conteúdos podem apresentar discursos<br />

legítimos sobre as configurações de gênero.<br />

Com isso, através de um aporte teórico sobre os conceitos aqui trabalhados e<br />

análise de entrevistas realizadas com jovens mulheres na cidade de São Luís – MA,<br />

apreende-se como elas vivenciam relacionamentos afetivo-sexuais, como utilizam as<br />

redes sociais e o que entendem por “ser mulher”, para pontuar onde discursos<br />

1065


dominantes atuam sobre as subjetividades de indivíduos através da construção da<br />

identidade de gênero.<br />

IDENTIDADE DE GÊNERO A PARTIR DA AFETIVIDADE NAS<br />

REPRESENTACOES DAS MÍDIAS DIGITAIS<br />

A pesquisa aqui desenvolvida apresenta como foco a análise de como<br />

padrões de gênero divulgados na mídia são internalizados por jovens mulheres que<br />

baseiam sua afetividade nos arquétipos atribuídos a essa identidade de gênero,<br />

identificando a fala de algumas jovens no contexto específico da cidade de São Luís –<br />

MA. A questão de gênero é aqui trabalhada de forma a compreender como são<br />

construídos aspectos legítimos e desviantes dessa noção que é moldada de acordo com<br />

contextos históricos, sendo elaborada aqui uma breve historicização de como essa noção<br />

foi desenvolvida na “sociedade ocidental”, de onde derivam pensamentos e ideologias<br />

vigentes no contexto presente dessas jovens. Dessa forma, é possível observar a maneira<br />

como elas se comportam em relação às suas afetividades, aspecto atrelado ao gênero,<br />

pela perspectiva do uso de mídias digitais, através da publicidade divulgada em redes<br />

sociais, como o Facebook, como reprodutoras de padrões estabelecidos. Buscando<br />

compreender quais as definições de “feminino” e quais características afetivo-sexuais<br />

derivam disso, através do uso de redes sociais, é, então, traçado um histórico do que se<br />

concebe como gênero hoje, compreendido como uma forma de identidade e, portanto,<br />

representação dessa.<br />

Por conseguinte, ao trabalhar com a c<strong>ate</strong>goria gênero é necessário levar em<br />

conta que este é um conceito essencializado na sociedade, mesmo sendo construído<br />

social e historicamente, instituições com discursos dominantes o reproduzem de<br />

maneira a naturalizar determinadas classificações. No âmbito da “sociedade ocidental”,<br />

no qual se posiciona o pensamento hegemônico europeu, onde se desenvolve um<br />

pensamento racional correspondente ao período de industrialização, o Estado e diversas<br />

1066


outras instituições em posições dominantes na sociedade, reproduzem mecanismos<br />

ideológicos para legitimarem-se diante dos grupos dominados e manterem-se no poder.<br />

Os mecanismos de socialização, dessa forma, são condicionados à<br />

legitimidade do discurso dominante, os indivíduos reproduzem e se encaixam nessas<br />

normas e os processos de socialização e o sistema que são vigentes na sociedade são<br />

naturalizados, influindo para a manutenção de certas ideologias no poder (BOURDIEU,<br />

1998; ELIAS, 2009). Para manter esses padrões de sociedade, as instituições<br />

normatizam, também, o discurso da sexualidade, moldando padrões corporais e<br />

comportamentais que se encaixassem no desenvolvimento da sociedade industrial,<br />

assim, a ciência, parte do discurso legítimo, se torna responsável por delimitar e<br />

classificar o que era "normal" (FOUCAULT, 1988). E é utilizando a linguagem, por<br />

meio de termos científicos e específicos, que são impostas as ideias sobre sexualidade,<br />

sendo reproduzidas dentro das famílias, ensinadas e internalizadas, dessa maneira,<br />

comportamentos e as próprias formas de produção derivam do que é colocado como a<br />

manifestação natural da sexualidade. Levando em conta que nesse momento o “sexo”<br />

era uma classificação biológica e somente após muitos estudos sobre tal que se<br />

compreende como definido socialmente, separando a questão de gênero da questão<br />

sexual.<br />

Dentro desse contexto é estabelecido um sistema heteronormativo que, em<br />

paridade com o que a “sociedade ocidental” tinha até então constituído (uma ideologia<br />

de liberdade pautada somente nos direitos de homens brancos europeus que defendiam<br />

um modelo de família que favorecesse seu domínio social e político), determina um<br />

modelo de binaridade que localiza os gêneros "masculino" e "feminino" como opostos,<br />

e a percepção da sociedade, então, deriva disso. Assim, com as noções de gênero sendo<br />

naturalizadas, as classificações e diferenciações entre "homem" e "mulher" são tomadas<br />

como constituídas a priori, quando, em lugar disso, são definidas de acordo com as<br />

transformações sociais e discursos dominantes nestas, que delimitam as percepções<br />

possíveis de serem concebidas em sociedade, o que faz sentido dentro dela (BUTLER,<br />

2003).<br />

1067


Para manterem-se legitimas e, portanto, vigentes, instituições utilizam<br />

mecanismos ideológicos para constante reprodução de seus discursos pelos indivíduos,<br />

através da socialização por meio certos padrões são construídas características de<br />

identificação que os indivíduos interpretam como subjetivo. Tendo estabelecidos esses<br />

padrões, os indivíduos são educados a comportar-se de acordo com o que se espera<br />

dentro dessas configurações, desde a socialização na família, a primeira vivenciada,<br />

onde é ensinado às crianças o que seria o seu “sexo”, na escola, onde são reproduzidos<br />

os ideais dominantemente vigentes da sociedade, e em diversos outros âmbitos que<br />

moldam as opiniões dos indivíduos, o que interpretam como certo e errado dentro do<br />

que lhes é ensinado. Dessa maneira, o conceito de gênero é reificado, é dado a ele forma<br />

através do corpo e representação através das diferentes instituições que são constituintes<br />

desse (LAURETIS, 1997; LOURO, 1997), as posições de identidades de gênero na<br />

sociedade são interpretadas de acordo com o que é constituído dentre delas.<br />

Assim, ao estuda-lo, também é possível compreender como configurações<br />

sociais e relações de poder se mantém em determinado contexto histórico, e por se tratar<br />

de um elemento de diferenciação, pode influenciar na organização social no sentido de<br />

que mudanças em relação a seu conceito correspondem às representações de poder<br />

(SCOTT, 1989). E, focando no que se chama de “sociedade ocidental”, especificamente<br />

uma ideologia que se desenvolve no continente europeu e, em parte, se abrange para<br />

outras regiões devido às colonizações, são abordadas nessa pesquisa as noções de<br />

gênero concebidas sob o “discurso ocidental”, como “ser homem” e “ser mulher”<br />

definem diversos aspectos subjetivos dos indivíduos que vivenciam essas<br />

configurações.<br />

A diferenciação dos sexos existe ao longo de todo o desenvolvimento da<br />

humanidade, anormalidades são percebidas e rejeitadas, apoiadas sobre discursos<br />

políticos, religiosos, entre outros (FOUCAULT, 2010), porém a partir de quando a<br />

ciência se apropria do discurso da sexualidade em meados do século XIX, e nos séculos<br />

seguintes, os significados atribuídos a gênero recebem maior <strong>ate</strong>nção e se destacam<br />

cada vez mais tanto politicamente quanto em questão de identidade. Seguindo a<br />

1068


ascensão de discursos políticos subversivos, percebe-se a atuação de gênero sobre parte<br />

da representação política, com o despontamento da democracia e maior representação<br />

política requisitada pelos indivíduos, essa questão, como um recorte de diversas<br />

identidades que necessitam ser reconhecidas, também apresenta maiores discussões no<br />

início do século XX. Historicamente, devido à polarização entre masculino e feminino,<br />

é a c<strong>ate</strong>goria mulher que primeiro é reivindicada como sujeito político, dessa forma, por<br />

determinado período, a noção de gênero era atrelada ao fato de ser mulher e essa<br />

discussão não entrava nos aportes masculinos.<br />

Com isso, o feminismo, como movimento social, surge no Ocidente no<br />

século XIX, reivindicando, nessa “primeira onda”, o sufrágio para que mulheres<br />

também votassem, uma “segunda onda” do movimento também foi marcada nos anos<br />

1960, quando ocorreram novas mudanças políticas (LOURO, 1997), implicando a<br />

existência de mulheres como sujeito político. Como os primeiros estudos que tinham<br />

gênero com foco de estudos a participação política da mulher, esse conceito logo se<br />

tornou diretamente ligado a tal, porém com expansão dos estudos e maiores<br />

especificações e conceituações, mais identidades são estabelecidas e diversas<br />

ramificações de pensamentos são instituídas, como teorias que lidem com a sexualidade,<br />

estudando homossexualidade como identidade também. O espaço para construção<br />

dessas teorias, em muito implementam para a construção de ações afirmativas, como<br />

com o desenvolvimento de teorias queer desde os anos 1990, que propõe voz a sistemas<br />

que não fossem heteronormativo, que apesar de não se constituírem no âmbito legitimo,<br />

demonstram transformações ideológicas em um contexto mais recente.<br />

Ou seja, os movimentos feministas e LGBTs encontraram maior espaço para<br />

defender seus ideais e, com isso, ocorrem também mudanças no cenário legítimo de<br />

acordo com o enfoque de estudos acadêmicos para a temática de gênero, iniciado por<br />

intelectuais feministas, e, também, manifestações políticas proporcionadas pela<br />

democracia. Esse momento de manifestações acaba sendo veiculado e reproduzido<br />

pelos meios de comunicação, que também reproduzem discursos legítimos e<br />

proporcionam visibilidade a representações ideais sobre grupos sociais.<br />

1069


Percebendo as mudanças que perpassam as noções de gênero é possível<br />

compreendê-lo como performativo (BUTLER, 2000), por ser constituído de acordo com<br />

discursos sociais e políticos. É visto também que sua manifestação é encontrada no<br />

corpo, pois a maneira que os indivíduos se portam, se vestem ou falam decorre das<br />

diferenças instituídas entre “homem” e “mulher”, já que o corpo seria o primeiro<br />

instrumento de um indivíduo e a diferença sexual, compreendida com natural, a<br />

primeira classificação atribuída a ele. Dessa maneira, o gênero é culturalmente atrelado<br />

ao corpo na forma de identidade, traçando esse conceito como características<br />

internalizadas e compartilhadas por um grupo de indivíduos, no qual cada um possui<br />

múltiplas identidades dentro de si, que o permitem se encaixar em diversos âmbitos da<br />

vida social, levando em conta que essas identidades não se anulam, mas se tornam<br />

acesso para socialização onde encontram interesse e condição de participação.<br />

É observando as construções de identidades que se percebe como discursos<br />

institucionais são internalizados, as experiências pessoais são vivenciadas em<br />

determinado contexto e a maneira como ideologias são reproduzidas, focando nessa<br />

pesquisa o fato de que os meios de produtos culturais, como as mídias digitais e a<br />

publicidade encontrada nelas, delineiam as subjetividades dos indivíduos.<br />

Já compreendendo gênero como construção social e identidade na qual<br />

indivíduos buscam encaixarem-se em grupos sociais, determinados padrões são<br />

atrelados a gêneros específicos. As emoções, aspectos intuitivos e considerados não<br />

lógicos são atribuídos às mulheres, colocados como inferiores à ciência e aos homens,<br />

reforçada pelas instituições e pela mídia, essa ideia é internalizada por indivíduos de<br />

gênero feminino. Mulheres então são posicionadas como frágeis e sensíveis por lhes<br />

serem permitidas maior afinidade com suas emoções, o amor aparece, dessa forma,<br />

como uma pretensão feminina, espera-se que mulheres sejam românticas e busquem se<br />

realizar através da satisfação emotiva, pois esta seria sua área de atuação, a afetividade.<br />

Em um sistema heteronormativo que polariza os gêneros, arquétipos de<br />

comportamentos são instituídos e tomados como naturais, são reproduzidos a nível<br />

institucional e individual, internalizados nas subjetividades dos indivíduos,<br />

1070


manifestadas em suas percepções, maneira de pensar e agir, caracterizando com o que<br />

se identificam e, assim, moldando suas identidades e o grupo com o qual vão<br />

compartilhar essas características. Nesse caso, a identidade feminina é constituída de<br />

maneira a ser definida pela afetividade, sensibilidade e afins, enquanto a masculina<br />

estaria presente em discursos científicos e políticos, oprimindo e deslegitimando a<br />

feminina.<br />

O valor dado à afetividade e a <strong>ate</strong>nção dada às relações afetivo-sexuais são<br />

entendidas como naturais sob esse sistema heteronormativo em que as emoções também<br />

são delineadas de acordo com o gênero. Dessa forma, a expressão de sentimentos e o<br />

que se é permitido sentir, apesar de ser uma manifestação individual, não depende<br />

somente das subjetividades dos indivíduos, mas do que é estabelecido pela sociedade,<br />

pelo grupo social em que se está inserido (MAUSS, 1979). A forma como os sujeitos<br />

sentem é influenciada pelas ideologias reproduzidas nos meios de produção cultural,<br />

como produções cinematográficas, músicas e publicidade que constroem uma reiteração<br />

da realidade e, assim, também naturalizam aspectos considerados como subjetivos. Sob<br />

essas ideias, para mulheres, é esperado que sejam sensíveis e chorem com maior<br />

facilidade enquanto homens não podem expressar essa emoção, e qualquer ação que<br />

fuja dessas esperadas é vista com estranhamento e repreendida.<br />

Dentro do âmbito das emoções, o amor romântico é visto como essencial<br />

para mulher, um de seus objetivos de vida, um dos mais subjetivos sentimentos, apesar<br />

de se entrecruzar com fatores sociais e culturais, é interpretado como manifestação<br />

individual. Porém, as significações atribuídas ao amor incluem em como ele é<br />

vivenciado em um contexto social, em uma visão ocidental, passando pelo sistema<br />

capitalista e individualista, a razão influencia na escolha de parceiros e datas comerciais<br />

institucionalizam esse sentimento, dessa maneira, a manifestação dessa emoção decorre<br />

do contexto em que o indivíduo é exposto e não somente emerge de sua subjetividade,<br />

deriva das representações do que é considerado válido sentir. “(...) A construção de<br />

imagens do amor e da afetividade, reiteradas em uma cultura visual, não por acaso,<br />

impregna-se na construção de imagens da feminilidade em si, convertendo o amor em<br />

1071


matéria distintamente feminina (...)” (ROSSI, 2015), ou seja, as emoções são delineadas<br />

por um recorte de gênero, no caso, o feminino. A feminilidade representa as emoções, o<br />

indivíduo que manifesta seus sentimentos é logo vinculado à identidade feminina, daí<br />

percebe-se a performatividade de gênero colocada por Judith Butler (2000).<br />

A representação aparece como a garantia de existência de determinado<br />

grupo social, a visibilidade política do tipo ideal de uma identidade a legitima, definindo<br />

o que seria ou não parte dessa identidade, tornando excludentes aspectos<br />

desconsiderados pelo discurso dominante. Por tratar de um ideal, a representação não<br />

retrata a realidade do que se é representado, mas, com o objetivo de apresentar uma<br />

coesão, universaliza o que seria ideal, e isso se adequa em questão de diversos aspectos,<br />

como a identidade de gênero, aqui trabalhada.<br />

A imagem como foco central de representação nessa pesquisa é escolhida<br />

porque se valoriza, na “sociedade ocidental”, a percepção da visão, é o visual que atinge<br />

toda a população, da elite às “massas”, é um dos recursos mais utilizados pela mídia<br />

além de que hábitos culturais são apreendidos através do cinema, televisão, informes<br />

publicitários, ou seja, produções culturais, padrões de comportamento passam a ser<br />

reproduzidos por aqueles que consomem essas imagens. Assim, são pelas<br />

representações dos aspectos culturais que os indivíduos projetam seus ideais, mais<br />

especificamente, como jovens delineiam suas noções de feminilidade e amor através do<br />

que é retratado em filmes, novelas e discutido em redes sociais.<br />

O monopólio da produção cultural é um meio ideológico, no sentido de<br />

produção de valores, de manter-se no poder, é pela influência e hábitos culturais que<br />

certas ideologias se reproduzem e isso envolve classe social, gênero, etnia e outras<br />

classificações de grupos sociais que podem compartilhar um território regido por<br />

determinado discurso político. Como a sociedade é determinada por aspectos culturais,<br />

esta também assume aspectos legítimos que condizem com a ideologia difundida pelo<br />

Estado, os meios de comunicação são, então, responsáveis por carregar discursos. Desde<br />

o início do século XX, a veiculação de notícias e opiniões através de jornais, com o<br />

aumento de disputas políticas (logo, pelo poder ideológico) proporcionadas pelo<br />

1072


processo de democratização, os meios de comunicação e as produções culturais se<br />

tornam os cenários dessas disputas.<br />

Recentemente, com a popularização da internet, novas configurações sociais<br />

têm sido desenvolvidas, tornando dela um espaço de socialização à parte, o ciberespaço,<br />

mundo virtual que vai além de ambientes físicos para estabelecer relações entre grupos<br />

de indivíduos. As mídias digitais, sites e redes sociais, aparecem como a rede de<br />

compartilhamento de pessoas que dividem as mesmas identidades além de também<br />

reproduzi-las, nesse contexto é construída uma cibercultura em que comunidades<br />

virtuais desenvolvem uma inteligência coletiva nas quais indivíduos dividem interesses<br />

em comum e, ao se unirem virtualmente, estabelecem padrões de comportamento que o<br />

encaixam dentro espaço (LÉVY, 1996). Por funcionar de acordo com configurações<br />

sociais próprias da sociedade em que está presente, a internet, em larga escala, reproduz<br />

discursos já construídos fora dela, dessa forma, também alimentam ideologias que<br />

influenciam nas formas de perceber o mundo, nas subjetividades e emoções dos<br />

indivíduos.<br />

Deve-se levar em conta que a internet, como um meio de comunicação, foi<br />

possível de ser desenvolvido como tal em contextos históricos específicos que<br />

possibilitaram a popularização de novas tecnologias, porem, assim como em outros<br />

espaços sociais, o uso cotidiano das mídias digitais também perpassa por relações<br />

hierárquicas construída em sociedade. Ao focar no Brasil como contexto dessas relações<br />

sociais, é relevante compreender que, no país, é estabelecida uma determinada elite<br />

letrada, onde a alfabetização é um processo recente, pois a educação da população não<br />

aparentava (e <strong>ate</strong> os dias atuais não aparenta) importância nos discursos políticos<br />

dominantes, em que governantes contam com a ignorância do povo para manterem-se<br />

no poder. A questão étnica, também, em muito influencia nas hierarquias desenvolvidas<br />

no contexto desse país, que notadamente vivencia um racismo velado em que pessoas<br />

negras, por recorte sócio-economico, possuem acessos limitados em diversos âmbitos, o<br />

que faz demarcar a quem é possível e socialmente permitido o uso de mídias digitais e<br />

de que maneira. Assim, ao tomar a internet como espaço de estudo, é necessário fazer<br />

1073


um recorte de pesquisa sobre o grupo que se pretende compreender e é dentro contexto<br />

social do país que leva-se em conta quem usa a internet e como usa (MISKOLCI, 2011).<br />

Em um recorte social, deve-se perceber que há classificações de classe<br />

social, lugar de moradia, faixa etária e escolaridade, destacam-se jovens da classe média<br />

pra cima, letrados e residentes de áreas urbanas como possuindo maior acesso a internet.<br />

A possibilidade de ser socializado, educado, já com o uso dessa tecnologia facilita a<br />

utilização e a construção de relações sociais através desse meio, também quem tem<br />

maior capacidade financeira de consumir produtos que apresentam esse recurso, como<br />

computadores e celulares, possui mais acesso, assim como residir em uma área urbana,<br />

onde há mais redes de transmissão, também aumenta a capacidade de conectividade.<br />

Esses aspectos definem quanto o indivíduo estará integrado à rede, a quantidade de uso<br />

e, dessa forma, o quanto ela terá relevância na construção de relações sociais, se o<br />

indivíduo só pode utilizar a internet por um curto período de tempo em uma lan house<br />

ou se tem acesso a qualquer momento através de seu celular, e isso define o nível<br />

construção da imagem desse indivíduo na mídia, quanto tempo irá possuir para manter<br />

um conteúdo na rede que defina sua identidade, sendo ela equivalente à sua vida off-line<br />

ou não. Pois com as mídias digitais torna-se possível construir imagens não só de<br />

representações ideológicas de figuras dominantes, a projeção de artistas ou ilustrações<br />

publicitárias que refletem certos discursos, mas, em uma maior interação, os próprios<br />

usuários da rede se veem como reprodutores de imagens especificas, idealizadas por<br />

eles próprios a partir de figuras já notáveis, como colocado por Richard Miskolci<br />

(2011):<br />

As mídias mais recentes, por sua vez, permitem a conectividade perpétua<br />

(CASTELLS, 2011, p. XV), um regime temporal diverso e a possibilidade<br />

criação redes relacionais seletivas e segmentadas que tencionam as antigas<br />

comunidades imaginadas com novas aspirações, menos centradas na<br />

coletividade e mais em referentes grupais e até mesmo individuais. Percebese<br />

o amplo espectro de impactos causados pelas novas mídias nas<br />

subjetividades, nas relações interpessoais e, por meio delas, na vida coletiva.<br />

A começar como – em contraste com o passado – as novas mídias alçam<br />

qualquer um à condição de protagonista assim como características pessoais,<br />

diferenças, passam a ser possíveis motivos articuladores de contato e<br />

socialização (MISKOLCI, 2011, p. 13).<br />

1074


Como presente em sua escrita, a possibilidade de projetar sua própria figura<br />

faz ocorrer uma maior interação entre a representação que veem nas redes e a<br />

interpretação que fazem dela. As redes sociais surgem, justamente, como o espaço em<br />

que isso ocorre, onde é possível expor ideias, fotos e participar de grupos, o seu uso<br />

demonstra o que os indivíduos valorizam como conteúdo e, portanto, como suas<br />

subjetividades refletem configurações sociais já estabelecidas. Com isso, é possível<br />

analisar, através do uso das redes, como são delineadas as questões de gênero, como o<br />

fato de ser mulher faz-se portar nas redes sociais, o que é esperado de mulheres ao<br />

produzir conteúdo nesses espaços e como as representações demonstradas na internet<br />

influenciam suas opiniões sobre o que poder ser transmitido ou não.<br />

ANÁLISES DE ENTEVISTAS<br />

Assim, relacionando a identidade de gênero com a afetividade atribuída<br />

como característica feminina e reproduzidas pelas mídias, percebe-se como jovens<br />

mulheres agem em relação a isso, apresentam visões sobre casamento e amor que são<br />

retratadas em produções culturais, reproduzidas em redes sociais e legitimadas por elas.<br />

Quando as jovens mulheres entrevistadas discorrem sobre seus relacionamentos, por<br />

exemplo, é perceptível a colocação da mulher em uma posição de manter o<br />

relacionamento, da qual é cobrada estabilidade, romantismo, entre outras táticas, pois o<br />

afeto é socialmente reconhecido como feminino (ROSSI, 2015). Relacionamentos<br />

abusivos, talvez por conta de diferenças altamente “generificadas” sobre emoções,<br />

tornam-se corriqueiros nesse contexto, mesmo sendo reconhecidos. Na atualidade, as<br />

redes sociais, o Facebook especificamente, podem expor que se está em um<br />

relacionamento, manter diálogos, compartilhar postagens que lembre a pessoa e se<br />

comunicar com pessoas que compartilham das mesmas opiniões, mostrando o quanto<br />

são influentes em como vivenciam relações sociais. Dentro disso, o conteúdo postado<br />

em redes e quem compartilha deles também obtém um lugar de destaque em<br />

relacionamentos, ciúmes que podem surgir desse espaço também mostram como,<br />

1075


abusivos ou não, são reconfigurados a partir de novos meios de comunicação. As<br />

entrevistas são analisadas aqui através de seus eixos centrais de discussão.<br />

Mídia<br />

O uso das redes sociais atualmente, principalmente em centros urbanos e<br />

entre jovens, tem se tornado cada vez mais presente nas relações sociais, podendo<br />

reforças laços já existentes entre pessoas e criar novas relações entre pessoas que se<br />

conhecem através delas devido a possibilidade de compartilhamento de interesses. Nas<br />

entrevistas realizadas com jovens residentes na cidade de São Luís – MA, pode-se<br />

perceber como suas ideologias perpassam pelo modo como percebem e usam essas<br />

redes, é notado o uso mais corrente de redes mais populares como “Facebook”,<br />

“Whatsapp” e “Instagram” com o intuito de manter contato com amigos e familiares e<br />

também com desconhecidos que se pretende desenvolver alguma relação. Com extenso<br />

conteúdo presente na internet, com a possibilidade de expor a própria imagem,<br />

compartilhar opiniões e notícias sobre diversos assuntos (como cultura pop, política,<br />

receitas culinárias, conteúdos com os quais os indivíduos se identifiquem), há uma<br />

preocupação com a maneira como se utiliza as redes, com a realização de entrevistas<br />

são vistas as preferencias por utilizar as redes para expor sua imagem postando fotos<br />

próprias, que mostrem seu corpo e, também, por compartilhar os ideais e opiniões<br />

através de postagens de coletivos. Assim, a partir de como uma rede social é<br />

“construída”, pelo do conteúdo postado, é formada uma imagem sobre a pessoa, que por<br />

vezes pode transmitir como ela age por trás das telas ou não.<br />

São levadas em conta também as demonstrações de afeto em redes sociais, a<br />

maneira como são vivenciadas as afetividades tem sido mais recorrentes tanto pela<br />

própria possibilidade de demonstrar publicamente uma relação quanto por uma<br />

legitimidade já atribuída ao fato de “estar com uma pessoa” e “não estar sozinha”,<br />

valorizado principalmente por mulheres, a própria configuração de selecionar o “status<br />

de relacionamento” no Facebook para seus “amigos” demonstra o valor dado ao estado<br />

civil na sociedade. Porém, possivelmente pelas diferentes formas de relacionamento e<br />

1076


como elas vem sendo concebidas pelos jovens, não se preza mais tanto que elas sejam<br />

expostas, tanto pela mudança da cobrança quanto a mulher jovem, que tem maior<br />

liberdade para denominar-se solteira (apesar de ainda ocorrerem muitos adjetivos<br />

pejorativos em como mulheres vivenciam ou não sua sexualidade), como também,<br />

como analisado nas entrevistas realizadas, pelas mudanças de expectativas quanto a<br />

romantismo. Por demonstração de afeto em redes sociais ser considerado um ato<br />

romântico, jovens que passam a questioná-lo mais criticam essa demonstração, que<br />

também demarca uma mudança na forma como legitimamente mulheres deveriam<br />

encarar o romance e, portanto, o amor.<br />

À parte de postagens, as redes também se tornam uteis para comunicação,<br />

conversar com outras pessoas, a maneira como jovens mulheres utilizam essas redes<br />

para se comunicar com seu/sua parceiro/a também retrata distinções de gênero quanto a<br />

manutenção do relacionamento e como o compartilhamento de mídias atualmente<br />

demonstram interesse e afeto pela pessoa. É tirado do senso comum, reconhecido que<br />

mulheres, em um relacionamento heteronormativo, seriam naturalmente mais<br />

sentimentais, que essas seriam as responsáveis por manter o romantismo e demonstrar<br />

seus sentimentos enquanto o homem deveria ser mais racional nessa relação. Com as<br />

experiências vividas pelas entrevistas é possível evidenciar que isso lhes é ensinado,<br />

uma das garotas se considera “fria” por não ser romântica e até se cobra esperando que<br />

aprenda a ser, essas noções são filtradas pela forma e quantidade que mensagens são<br />

trocadas e pelo seu conteúdo, é interpretado que um maior número de mensagens<br />

enviadas, fotos ou vídeos que remetem a interesses da pessoa ou declarações de<br />

sentimentos demonstram maior engajamento na relação e, pelas falar das entrevistadas,<br />

isso é mais realizado pelas mulheres.<br />

Noções de “mulher” e de “amor”<br />

As configurações dominantes sobre o que é ser mulher na “sociedade<br />

ocidental”, construídas em determinados contextos históricos e reproduzidas<br />

institucional e individualmente, são trazidas para a realidade ao estarem presente nos<br />

1077


discursos das entrevistadas. Em suas falas é possível notar suas subjetividades e o<br />

quanto discursos legítimos determinam no que foram ensinadas. Ser mulher aparece, em<br />

oposição à identidade masculina, como sensível e <strong>ate</strong>nciosa, porém na atualidade, com<br />

maior difusão e adesão de discursos feministas por jovens, também é reconhecido que a<br />

mulher é oprimida pela sociedade, pelo sistema heteronormativo, busca maior<br />

resistência quanto a isso e, nesse contexto, tem alcançado maior independência,<br />

reconhecida pelas próprias.<br />

Em relação com a diferenciação entre masculino e feminino também é<br />

percebida a intenção das mulheres em distanciar-se do que aparenta masculinidade,<br />

instrumentos ligados ao que seria o universo feminino, como maior cuidado cm a<br />

estética são valorizados e, mesmo quando a vaidade não é predominante em suas vidas,<br />

logo o recurso do emocional é acionado para justificar a feminilidade e, com isso, o<br />

pertencimento à identidade feminina. A maneira de lidar com o relacionamento também<br />

surge como uma das principais formas de distinção com o masculino, os homens<br />

aparentam “frieza” e quando se mostram mais românticos é uma atitude valorizada,<br />

diferentemente de quando a mulher é romântica, dentro de uma relação heterossexual o<br />

romantismo do homem transmite que ele está <strong>ate</strong>nto ao relacionamento, porém fora de<br />

um, esse romantismo facilmente é associado a homossexualidade, por apresentar uma<br />

característica tida como feminina e vista negativamente. Esse ponto de vista, a partir do<br />

romantismo, deixa claro que o que é entendido como feminino é inferiorizado, a<br />

manifestação de emoções é associada a fragilidade, porém quando relacionado ao<br />

masculino já é compreendido como aspecto positivo.<br />

Como posicionado socialmente, “ser mulher” inclui possuir maiores<br />

expectativas quanto ao amor e o casamento como objetivo de vida, e na fala das<br />

entrevistadas elas próprias afirmam que há uma pressão social que impõe que a mulher<br />

precisaria casar para ser feliz. É importante ressaltar que ambas se encontram em um<br />

momento de “desilusão” com o amor, devido relacionamentos afetivo-sexuais que<br />

tiveram ou que ainda mantém, e isso muda algumas expectativas pessoais que desejam<br />

para si, porém, suas visões quando a mulheres em geral permanecem embasada nos<br />

1078


discursos em que foram socializadas, de que toda mulher sonha em ter um parceiro<br />

(seguindo padrões heteronormativo) com quem fique casada por toda a vida, assim<br />

como demonstrado em produções culturais como filmes, entre outros. Os interesses<br />

profissionais e situados em outros âmbitos da vida social acabam dependendo da<br />

realização amorosa, pois só isto as completaria, atitudes de mulheres que decidem não<br />

constituir família, no sentido de casar e ter filhos (pois a m<strong>ate</strong>rnidade também é vista<br />

como natural para a mulher), são vistas como desviantes e indesejadas para<br />

funcionamento do sistema heteronormativo. Por esse motivo, mesmo sendo<br />

considerados subversivos a esse sistema, discursos não hegemônicos, que pretendem<br />

emponderar mulheres ou outras identidades sociais, têm que agir sob as normas então<br />

estabelecidas, parar alcançar legitimidade (BUTLER, 2003).<br />

Relacionamentos<br />

As crenças no amor e as diferenças entre homens e mulheres são vistas na<br />

prática ao analisar como se constituem relações afetivo-sexuais para mulheres. A vida<br />

sexual de mulheres, com quem se relacionam e por quanto tempo, somente nas décadas<br />

mais recentes apresenta discursos de “liberdade” encabeçados pelos movimentos<br />

feministas, porém muito pudor quanto a estereótipos de gênero ainda cerceiam as ações<br />

das mulheres, evitando algumas para evitar serem criticadas. Uma oposição entre amor<br />

e sexo também é colocada em questão por ser esperado que mulheres se relacionem por<br />

afeto, a sexualidade também é estereotipada através de imagens que posicionam<br />

mulheres como “para casar”, sendo merecedoras de alcançar o amor que tanto poderiam<br />

almejar ou não.<br />

Um aspecto para o qual se deve manter <strong>ate</strong>nção é que, mesmo com deb<strong>ate</strong>s<br />

mais amplos acerca de discursos feministas que implicam a superação da opressão<br />

feminina, inclusive em relacionamentos, ainda é muito corrente a existência de<br />

relacionamentos abusivos entre jovens, que reconhecem que sofrem abusos emocionais,<br />

psicológicos e mesmo físicos, atitudes violentas mascaradas de ciúmes causados por<br />

amor. Essa discussão ainda não chega a conclusões, porém está sendo trabalhado tanto<br />

1079


entre rodas de conversas quanto academicamente, o motivo pelos quais ainda são tão<br />

recorrentes as atitudes de ambos os lados.<br />

Assim, ao analisar como jovens mulheres interpretam a feminilidade, as<br />

relações afetivo-sexuais e o uso das mídias ao internalizar e reproduzir opiniões com as<br />

quais se identificam (ou não), é possível compreender como são estabelecidos padrões<br />

de gênero, o que é considerado legítimo ou não na construção da identidade feminina.<br />

Focando na questão das emoções como sendo compreendidas naturalmente femininas,<br />

reproduzidas, através de meios de comunicação e produções culturais, e internalizadas<br />

pelos indivíduos. Como isso é aprendido que a subjetividade humana, os sentimentos,<br />

emoções e grupos sociais com os quais o indivíduo se identifica, são definidos<br />

socialmente, dependendo do discurso político dominante vigente em determinado<br />

contexto social e histórico.<br />

METODOLOGIA<br />

Para elaboração dessa pesquisa foram utilizadas bibliografias da área de<br />

estudos das Ciências Sociais para abordagem teórica e também pesquisa qualitativa para<br />

apreensão do objeto de pesquisa, levando em conta as subjetividades envolvidas na<br />

construção de valores e instituições estabelecidas. Foram utilizados autores que<br />

apresentam perspectivas teóricas que compreendem os processos de socialização, como<br />

Foucault (1988) e Bourdieu (1998) e Elias (2009). Quanto à conceituação de gênero,<br />

identidade e representação foram utilizadas várias noções que compõem o contexto em<br />

que é trabalhado, sendo as teorias de Guacira Lopes Louro (1997; 2004), Judith Butler<br />

(2000; 2003) e Joan Scott (1989) os principais pontos de partida dessa conceituação.<br />

Enquanto ao lidar com a internet, leva-se em conta o que Richard Miskolci (2011)<br />

afirma, que o seu acesso também é delimitado a um certo grupo social que a utiliza para<br />

determinados fins. Para a análise das entrevistas transcritas, realizadas em um esquema<br />

semi-estruturado, localizando jovens na cidade de São Luís, foi importante levar em<br />

conta a posição social da pesquisadora e a posição das entrevistadas, para contextualizar<br />

1080


como seus discursos são elaborados, o que é relevante para elas e como tomam para si<br />

determinados ideais (BIONDI, 2010; BOURDIEU, 1997).<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Essa pesquisa foi elaborada com o intuito de entender como noções de<br />

gênero são construídas a partir de discursos elaborados no meio dominante e<br />

reproduzidos das mais diversas formas, com foco nas delimitações de afetividade<br />

notadas no uso de mídias digitais. Abordando a construção da identidade feminina<br />

através de jovens mulheres na cidade de São Luís – MA, leva-se em conta o que é “ser<br />

mulher” para elas que se identificam como tal, e com isso, o que compreendem por<br />

afetividade, se seria um aspecto mais feminino, como determinado em discursos<br />

dominantes, quais suas visões de amor e como vivenciam relacionamentos, além de,<br />

também, apreender como elas utilizam redes sociais, como influentes nas suas<br />

percepções. Com a realização dessa pesquisa, foi percebido que o que é entendido com<br />

subjetivo, manifestações individuais, derivam de configurações sociais já estabelecidas,<br />

nas falas das entrevistadas é visto que há pressões sociais que delineiam como elas<br />

devem agir. Ou seja, as construções de suas identidades como mulheres dependem das<br />

relações sociais que vivenciam e, na atualidade, elas se dão a partir do uso de mídias<br />

digitais, que reproduzem imagens nas quais essas jovens se projetam. Esse trabalho<br />

tratou de um recorte da intersecção entre gênero, emoções e mídias digitais, podendo<br />

ainda se estender como um estudo mais específico de uma dessas áreas, focando na<br />

análise outras identidades ou outras produções culturais.<br />

REFERÊNCIAS<br />

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tradução: Marize Corrêa. Campinas, SP: Papirus, 1998.<br />

BUTLER, Judith. Sujeitos do sexo/gênero/desejo. In: Problemas de gênero: feminismo<br />

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________. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do “sexo”. In: O Corpo<br />

Eucado; Guacira Lopes Louro (organizadora). Belo Horizonte: Autêntica, 2000.<br />

ELIAS, Nobert. Mozart - Sociologia de um Gênio. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.<br />

FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: A Vontade do Saber. Rio de Janeiro:<br />

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___________. Os Anormais: curso no Collège de France (1974 – 1975). São Paulo:<br />

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LÉVY, Pierre. O que é o virtual. São Paulo: Editora 34, 1996.<br />

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: Uma perspectiva pósestruturalista.<br />

Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.<br />

_______. Um Corpo Estranho – ensaios sobre sexualidade e teoria queer. Belo<br />

Horizonte: Autêntica, 2004.<br />

MAUSS, Marcel. A expressão obrigatória de sentimentos (1921). In: Marcel Mauss:<br />

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MISKOLCI, Richard. Novas conexões: notas teórico-metodologicas para pesquisas<br />

sobre o uso de mídias digitais. In: Revista de Pós-Graduacão em Ciências Sociais<br />

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ROSSI, Túlio. Amor e sexualidade em construção: imagens e discursos da afetividade<br />

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Sociologia, 2015.<br />

SCOTT, Joan. Gênero: uma c<strong>ate</strong>goria útil para análise histórica. Nova York:<br />

Columbia University Press, 1989.<br />

1082


A FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES DE FILOSOFIA PARA O<br />

DESENVOLVIMENTO UMA POSTURA CRÍTICO REFLEXIVA<br />

THE CONTINUED FORMATION OF PHILOSOPHY TEACHERS FOR<br />

DEVELOPMENT A REFLECTIVE CRITICAL POSTURE<br />

Ana Paula Bacelar de Lira<br />

Caroliny Santos Lima<br />

Luis Félix de Barros Vieira Rocha<br />

Natalia Ribeiro Ferreira<br />

Rosangela Coêlho Costa<br />

Antonio de Assis Cruz Nunes –<br />

Doutor em Educação (Unesp/Marília).<br />

Professor e Coordenador do Programa de<br />

Pós-Graduação em Gestão de Ensino da<br />

Educação Básica/UFMA – Orientador.<br />

E-mail: paulabacelar_89@hotmail.com<br />

karol.lay@hotmail.com<br />

felix_rocha_luis@yahoo.com.br<br />

ferreiranr1987@gmail.com<br />

rsngl.coelho@gmail.com<br />

antonio.assis@ufma.br<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: O presente texto aborda a relevância da Formação Continuada dos<br />

professores de Filosofia refletindo sobre o desenvolvimento de uma postura crítico<br />

reflexiva para a sua ação docente. O estudo enfatiza a formação profissional necessária<br />

à realização do trabalho pautada em uma concepção voltada para a reflexão sobre a<br />

prática e na prática, almejando mudanças no perfil do docente inserido em sala de aula.<br />

1083


É demonstrado que por meio da reflexão e do pensamento crítico tem-se a capacidade<br />

de analisar a real situação da prática e da reflexão do docente dos impactos nos<br />

discentes, visando nesse movimento proporcionar conhecimentos significativos. Nesse<br />

sentindo, a pesquisa buscou analisar a relevância da formação continuada que favoreça<br />

o aprimoramento da prática educativa direcionada a Filosofia, no intuito de desenvolver<br />

um trabalho educativo com mais consistência teórica e metodológica para fortalecer a<br />

postura crítico-reflexiva. A pesquisa é bibliográfica. A sustentação bibliográfica se deu,<br />

principalmente das seguintes fontes: Imbernón (2011), que fala da formação<br />

permanente, Tardif (2002), aborda os saberes necessários ao profissional da educação,<br />

Barbosa (2003), que discute sobre a formação de educadores, Pimenta (2003), discorre<br />

sobre a formação em serviço, dentre outros. Da filosofia discorremos com Chauí (1995),<br />

pondera sobre a concepção de Filosofia, Deleuze e Guattari (1992), também discutem<br />

sobre o que é Filosofia, dentre outros. A pesquisa conclui que a formação continuada é<br />

um dos elementos primordiais para o desenvolvimento do perfil do profissional,<br />

transformando as ações do professor não reflexivo em ações crítico reflexivas e por<br />

consequência a melhoria dessa prática através da reflexão.<br />

Palavras – chave: Formação Continuada. Filosofia. Pensamento crítico. Prática<br />

docente.<br />

ABSTRACT: The present text addresses the relevance of the Continuing Formation of<br />

Philosophy teachers reflecting on the development of a reflexive critical posture for<br />

their teaching activity. The study emphasizes the professional training required to carry<br />

out the work based on a conception focused on the reflection on practice and practice,<br />

aiming for changes in the profile of the teacher inserted in the classroom. It is<br />

demonstr<strong>ate</strong>d that through reflection and critical thinking we have the ability to analyze<br />

the real situation of the teacher's practice and reflection of the impacts on the students,<br />

1084


aiming at this movement to provide meaningful knowledge. In this sense, the research<br />

sought to analyze the relevance of continuing education that favors the improvement of<br />

the educational practice directed to Philosophy, in order to develop an educational work<br />

with more theoretical and methodological consistency to strengthen the criticalreflexive<br />

stance. The research is bibliographical. The bibliographical support was given<br />

mainly by the following sources: Imbernón (2011), which talks about the permanent<br />

formation, Tardif (2002), addresses the necessary knowledge to the education<br />

professional, Barbosa (2003), which discusses the training of educators, Pimenta (2003)<br />

discusses on-the-job training, among others. From the philosophy we discuss with<br />

Chauí (1995), he ponders on the conception of Philosophy, Deleuze and Guattari<br />

(1992), also discuss about what Philosophy is, among others. The research concludes<br />

that the continuous formation is one of the primordial elements for the development of<br />

the profile of the professional, transforming the actions of the non reflective teacher into<br />

reflexive critical actions and consequently the improvement of this practice through<br />

reflection.<br />

Keywords: Continuing Education. Philosophy. Critical thinking. Teaching practice.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Sabe-se que o educador hoje, para está à frente das necessidades e avanços<br />

do nosso tempo, se faz necessário um constante processo de aperfeiçoamento e<br />

investigações, dessa forma, precisa-se de um educador que esteja em continua<br />

formação, na tentativa de reconstrução do seu saber escolar.<br />

Assim, busca-se o desenvolvimento de um profissional da educação com<br />

uma formação sólida, que é a exigida pelos avanços do mundo contemporâneo,<br />

possibilitando-os apreender habilidades básicas para aprender a situar-se no mundo<br />

moderno.<br />

1085


Quando destacamos o professor de filosofia, esta necessidade torna-se ainda<br />

mais pulsante, pois se almeja que o mesmo por meio da reflexão e do pensamento<br />

crítico, tenha a capacidade de analisar os impactos nos discentes oriundos da prática e<br />

da reflexão, visando nesse movimento proporcionar conhecimentos significativos.<br />

As leituras sobre a temática nos levam a concluir que todos os docentes,<br />

mesmo aqueles que possuem uma excelente formação inicial, precisam estar abertos a<br />

novas leituras, reflexões e, inevitavelmente, à mudança. A rotina escolar é muito<br />

intensa, e acaba em diversas situações reprimindo os docentes, isso desperta uma<br />

inquietação sobre a possibilidade da realização de um trabalho voltado à reflexão,<br />

inquietação esta que pode ser suprida nos espaços de formação continuada.<br />

Para que esse desenvolvimento se dê, fala-se hoje de formação continuada,<br />

que é uma formação que deve está articulada aos novos princípios propostos hoje a<br />

educação brasileira, que é o de formar profissionais mais participativos, que trabalhem<br />

em coletividade, que rompam com as concepções conservadoras, que sejam mais<br />

críticos, transformadores e criativos, que valorizem a educação como um instrumento à<br />

construção da cidadania e que lutem para a construção de uma escola de qualidade para<br />

todos os alunos.<br />

Por formação continuada de acordo com Candau (1996), compreende-se<br />

toda e qualquer forma de atividade de formação do professor atuante nos<br />

estabelecimentos de ensino. Assim, por formação em serviço, entende-se que são as<br />

atividades de formação continuada que se realizam no próprio local de trabalho dos<br />

professores.<br />

Tendo como objetivo dessa discussão a perspectiva de uma educação de<br />

qualidade, realizamos tais análises no intuito de melhor contribuir para a formação dos<br />

profissionais da educação, em particular, os professores de filosofia que atuam na<br />

Educação Básica. Propondo o melhor desenvolvimento do professor, com base em uma<br />

formação centrada na escola e nas práticas destes profissionais, que busque o<br />

desenvolvimento de uma postura crítico reflexiva para a sua ação docente.<br />

1086


Nesse sentido, [...]; uma perspectiva de formação orientada pela compreensão<br />

de que o professor deve ser capaz de tomar decisões, confrontando suas ações<br />

cotidianas com as produções teóricas; seja capaz, ainda, de rever suas<br />

práticas e as teorias que as informam, abandonado a perspectiva baseada na<br />

racionalidade técnica, que considera o professor mero executor de decisões<br />

alheias. [...]; que um processo de formação assim compreendido deve<br />

permitir ao professor desenvolver a habilidade de pesquisar sua própria<br />

prática e discuti-la com seus pares, de modo a transformar a escola num<br />

espaço de formação continua. (FILHO, ALVES, apud BARBOSA, 2003,<br />

p.288)<br />

Segundo os pressupostos desses autores a formação continuada é entendida<br />

como um processo de aperfeiçoamento e desenvolvimento, que deve levar o professor a<br />

entender a sua importância no espaço escolar e do papel do docente nesse espaço,<br />

podendo assim desenvolver um trabalho voltado à reflexão.<br />

Esse é um direito dos profissionais de educação que está garantido em lei,<br />

como consta na LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), no Art.63<br />

que trata dos Institutos Superiores e das suas obrigações, no inciso <strong>II</strong>I, na qual garante<br />

aos professores o direito de participarem de programas de educação continuada. E no<br />

Art. 67, na qual trata das obrigações dos sistemas de ensino perante os profissionais de<br />

educação, no inciso <strong>II</strong>, que obriga os sistemas de ensino a assegurar aos professores o<br />

aperfeiçoamento profissional e continuado.<br />

Dessa forma, ver-se a relevância que é dada à formação continuada dos<br />

profissionais em atuação dos sistemas de ensino. Sobre essa temática, considera Torre<br />

(apud Torre e Barrios, 2002), a formação continuada garante o desenvolvimento<br />

profissional do docente, dessa forma, formar não é simplesmente a aquisição de novos<br />

conhecimentos e novas habilidades, e sim ajudar ao professor a tomar consciência das<br />

próprias atuações e como melhora-las.<br />

E ainda, como complementa Fernádez (apud Torre e Barrios, 2002, p. 37),<br />

“A formação deixa de ser um processo de ensinar como ensinar para passar ao<br />

autodescobrimento pessoal, o tomar consciência de si mesmo”.<br />

Desse modo, ressaltamos a importância da formação continuada dos<br />

professores de filosofia, entendendo que os mesmos tem um papel determinante no<br />

1087


processo de ensino aprendizagem dos educandos, proporcionando que discentes e<br />

docentes tenham uma postura crítica e reflexiva.<br />

2 FORMAÇÃO CONTINUADA DOCENTE: UMA NECESSIDADE PARA O<br />

APRIMORAMENTO DA PRÁTICA<br />

A formação continuada dos profissionais de educação, compreendida como<br />

um processo de construção e reconstrução do saber docente, assim, não é simplesmente<br />

o como fazer. Nessa perspectiva de construção e reconstrução, utilizar-se-á como<br />

referencial neste estudo os autores que seguem essa linha teórica, além da utilização de<br />

Documentos, <strong>artigos</strong>, Lei dentre outros.<br />

Mesmo diante dos entraves impostos pela desvalorização da educação é<br />

necessário fortalecer a busca por uma formação continuada de qualidade, por<br />

compreender que a profissão docente não é estática, mas sim uma atividade humana<br />

complexa, repleta de características especificas que ganham vida nas escolas, e, por<br />

conseguinte, requerem e mobilizam novas perspectivas de análise (TARDIF;<br />

LESSARD, 2005).<br />

Porém, antes de adentrarmos nas reflexões referentes à formação continuada<br />

em especifico é de extrema importância que compreendamos minimamente um pouco<br />

sobre quem é este profissional. De acordo com Tardif (2002) o professor é um sujeito<br />

na qual dispõe de um leque de informações e conhecimentos e a didática necessária para<br />

transmitir tais informações e conhecimentos aos alunos, de tal forma que os mesmos<br />

possam apreender o que esta sendo transmitido. Todo esse arcabouço é oriundo da<br />

essência da sua atividade docente, estruturada e orientada pelo mesmo.<br />

Contudo, professores não nascem prontos e a formação inicial não é<br />

suficiente para gerar todo o arcabouço necessário à docência e os desafios que a ela<br />

estão atrelados, nessa perspectiva trazem o estudo de Barbosa (2003) junto com os seus<br />

colaboradores, que ao falar da formação de educadores coloca em foco os desafios e<br />

perspectivas para a atividade profissional dos professores. Segundo Almeida e Ribeiro<br />

(apud Barbosa, 2003), “a Lei consagra o professor como alguém especializado que deve<br />

1088


aprender continuadamente para fazer que o aluno aprenda. Nesse sentido, programas de<br />

formação continuada são estratégias na busca da qualidade da educação”.<br />

A formação docente deve abranger todo o percurso dos professores, desde<br />

as questões mais particulares e subjetivas até as questões teóricas e comuns a todos.<br />

Sendo assim, é primordial que todo processo formativo considere a trajetória docente, já<br />

que nela podemos perceber as contradições entre a teoria e a prática, e só com análises e<br />

estudos podemos superá-la. Nessa conjuntura os docentes passam a ser vistos de outra<br />

maneira:<br />

[...] com suas identidades pessoais e profissionais, imersos numa vida grupal,<br />

na qual partilham de uma cultura, derivando dessas relações seus<br />

conhecimentos, valores e atitudes, com base nas representações constituídas<br />

nesse processo que é, ao mesmo tempo, social e intersubjetivo (GATTI,<br />

2003, p. 196).<br />

A formação continuada está diretamente relacionada com o<br />

desenvolvimento humano e não se trata apenas de sua habilitação técnica, pois:<br />

[...] a complexidade da função social e profissional do educador implica<br />

muito mais, em termos de condições pessoais, do que outras profissões nas<br />

quais a atividade técnica do profissional tem uma certa autonomia em relação<br />

à sua própria qualificação pessoal. (SEVERINO, 2003, p.75)<br />

Candau (1997) contribui para essa temática quando aborda a questão do<br />

magistério, como sendo uma construção diária, enfatizando as contribuições que essa<br />

formação continuada pode proporcionar. Além disso, destaca o lócus privilegiado que a<br />

escola ocupa, como vemos:<br />

Neste sentido, considerar a escola como lócus de formação continuada passa<br />

a ser uma afirmação fundamental na busca de superar o modelo clássico de<br />

formação continuada e construir uma nova perspectiva na área de formação<br />

continuada de professores. Mas este objetivo não se alcança de uma maneira<br />

espontânea, não é o simples fato de estar na escola e de desenvolver uma<br />

prática escolar concreta que garante a presença das condições mobilizadoras<br />

de um processo formativo. Uma prática repetitiva, uma prática mecânica não<br />

favorece esse processo. Para que ele se dê, é importante que essa prática seja<br />

uma prática reflexiva, uma prática capaz de identificar os problemas, de<br />

resolvê-los, e cada vez as pesquisas são mais confluentes, que seja uma<br />

1089


prática coletiva, uma prática construída conjuntamente por grupos de<br />

professores ou por todo o corpo docente de uma determinada instituição<br />

escolar. (CANDAU, 1997, p.57)<br />

Com essa análise percebe-se cada vez mais l<strong>ate</strong>nte a importância de (re)<br />

conhecer a escola como espaço de formação e reflexão. Ainda contribuindo sobre essa<br />

discussão Barbosa (2004, p. 317) diz que “[...] a escola deve ser considerada um lócus<br />

privilegiado para a formação de professores e a construção de novos conhecimentos<br />

sobre os processos individuais e coletivos de desenvolvimento profissional [...]”.<br />

Assim, não é possível falar de formação continuada de professores se não<br />

considerar as mais variadas relações que acontecem diariamente no ambiente escolar e<br />

os esforços que os professores realizam para lidar com situações que comumente não<br />

estão preparados. Neste sentido, é necessário dispor de investigação contínua, cuja<br />

prática social deve ser elegida como ponto de partida e chegada, já que o conhecimento<br />

científico da educação é construído no mundo social (WACHOWICZ, 2002).<br />

Para fundamentarmos essa questão, não poderíamos deixar de nos embasar<br />

na LDB, na qual encontramos os nortes dessa reflexão. A LDB no título VI, que trata<br />

dos Profissionais da Educação vem trazer um grande avanço e valorização aos<br />

momentos de formação continuada, quando afirma que os sistemas de ensino deverão<br />

promover a valorização dos profissionais da educação, assegurando-lhes<br />

“aperfeiçoamento profissional continuado” e “período reservado a estudos,<br />

planejamento e avaliação, incluído na carga horária de trabalho”.<br />

De acordo com o documento supracitado a formação continuada é direito de<br />

todos os profissionais que trabalham em qualquer estabelecimento de ensino, tendo em<br />

vista que a mesma, além de possibilitar a progressões de ordem administrativa, propicia<br />

o desenvolvimento dos profissionais da educação em consonância com as perspectivas<br />

de educação e ensino dos estabelecimentos de ensino.<br />

Nessa discussão é fundamental evidenciar a tão discutida, mas tão<br />

emblemática articulação entre teoria e prática. De acordo com Pimenta (2002), é utopia<br />

acreditar que apenas a reflexão sobre a atividade docente é suficiente para resolver<br />

1090


todos os problemas educacionais, da mesma forma, que a formação continuada não<br />

pode ser vista como o espaço em que teremos as receitas para esses problemas. Nessa<br />

perspectiva os processos de formação continuada devem buscar conscientizar o<br />

professor que teoria e prática não se dissociam, estão sempre atrelados, de tal forma que<br />

“a teoria o ajuda a compreender melhor a sua prática e a lhe dar sentido e,<br />

consequentemente, que a prática proporciona melhor entendimento da teoria ou, ainda,<br />

revela a necessidade de nela fundamentar-se” (CHIMENTÃO, 2009, p. 05).<br />

Consideramos então, que a formação continuada poderá ajudar o professor<br />

de filosofia de várias formas, uma delas é propiciando uma nova postura, de maneira<br />

que desenvolva um trabalho educativo com mais consistência teórica e metodológica<br />

para fortalecer a postura crítico-reflexiva.<br />

3 CAMINHOS PARA A FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR DE<br />

FILOSOFIA: O ENSINO REFLEXIVO<br />

A formação continuada de professores de filosofia com o objetivo de<br />

alcançar um ensino reflexivo não cabe numa metodologia que foque no ensino da<br />

história da filosofia, ou mesmo, de temas transversais descontextualizados. Dessa<br />

forma, para que a formação alcance os objetivos já estabelecidos neste trabalho, o papel<br />

da atividade docente do professor de Filosofia precisa ser compreendido nas propostas<br />

de formação continuada.<br />

Quando analisamos a natureza da docência em filosofia podemos perceber<br />

várias necessidades e características bem particulares. Porém toda a qualificação<br />

necessária para executar essa atividade não se desenvolve apenas na formação inicial,<br />

Imbernón (2011) tece considerações sobre esta questão e afirma que a formação docente<br />

inicial é primordial, porém não é o único meio de desenvolvimento do docente. Ainda<br />

sobre isso o autor acrescenta que a formação continuada pode auxiliar até mesmo os<br />

professores mais experientes, neste contexto, a pesquisa também ocupa papel de<br />

destaque na qualificação do professor de filosofia.<br />

1091


Para compreender a essência dessa discussão é preciso compreender<br />

também um pouco do perfil e da identidade do professor de filosofia, de acordo com<br />

Aranha e Martins (2015) o trabalho é o meio do ser humano encontrar sua identidade.<br />

Cabe refletir que para trabalhar baseado numa postura crítico reflexiva realizando um<br />

trabalho voltado à reflexão, muitas barreiras terão que ser superadas, vale destacar que<br />

uma das principais barreiras é a barreira curricular, pois na maioria dos currículos, quer<br />

sejam da Educação Básica ou do Ensino Superior, são rígidos e tecnicistas.<br />

Nesta reflexão, mais voltada a Educação Básica, é necessário nos<br />

indagarmos sobre a importância do ensino da filosofia desde a infância. De acordo com<br />

Marilena Chauí (1995) a filosofia é um convite ao questionamento, à reflexão, ao<br />

trabalho do pensamento na busca da verdade, na compreensão do sentido de nossas<br />

ideias, de nossos sentimentos e emoções, dos valores de nossa cultura e de nosso desejo<br />

de liberdade e de felicidade.<br />

Podemos então refletir sobre a máxima “ensinar a pensar”, sempre esperada<br />

dos professores de Filosofia, levando em consideração as perspectivas de Gilles Deleuze<br />

(1988) no que concerne o pensamento, esta máxima é fundamental para o<br />

desenvolvimento de propostas de formação continuada do professor de Filosofia. Nesse<br />

sentido, os espaços de formação continuada precisam cada vez mais reforçar a<br />

necessidade de “ensinar a pensar filosoficamente”, sendo necessário uma didática<br />

filosófica.<br />

Ao focarmos a formação continuada do professor de filosofia precisa-se<br />

pensar propostas de formação de professores que assegurem uma postura crítica e<br />

emancipatória capaz de construir uma prática docente pautada na reflexão. Deste modo,<br />

Imbernón (2011, p. 51) afirma:<br />

A formação terá como base uma reflexão dos sujeitos sobre sua prática<br />

docente, de modo a permitir que examinem suas teorias implícitas, seus<br />

esquemas de funcionamento, suas atitudes etc., realizando um processo<br />

constante de auto-avaliação que oriente seu trabalho. A orientação para esse<br />

processo de reflexão exige uma proposta crítica da intervenção educativa,<br />

uma análise da pratica do ponto de vista dos pressupostos ideológicos e<br />

comportamentais subjacentes.<br />

1092


Nessa perspectiva o professor busca realizar uma reflexão sobre a sua<br />

prática educativa na tentativa de rever os seus conceitos e atitudes levando-o a uma<br />

autoavaliação crítica constante, assim, almeja-se que o mesmo seja capaz de mudar<br />

sempre que necessário para a melhoria da educação.<br />

Ao longo deste trabalho estamos destacando a reflexão como instrumento<br />

fundamental para a qualificação da prática pedagógica, dessa maneira é necessário<br />

enfatizar os estudos de Schon (1999; 2000), Alarcão (2003) e Gómez (1995). Nessa<br />

análise, é fundamental evidenciar quatro conceitos e/ou movimentos básicos que<br />

envolvem todo esse estudo: o conhecimento na ação; a reflexão na ação; a reflexão<br />

sobre a ação; e a reflexão para a ação. Através dessa compreensão se entende a ação<br />

como toda atividade profissional desempenhada pelo professor.<br />

O conhecimento na ação refere-se ao conjunto de informações interiorizadas<br />

(conceitos, teorias, crenças, valores, procedimentos), adquiridas por meio da experiência<br />

e da atividade intelectual, mobilizadas de maneira inconsciente e técnica no exercício<br />

profissional diário do professor.<br />

Por outro lado, a reflexão na ação é a reflexão realizada durante a ação<br />

pedagógica, sobre o saber que está subentendido na ação. Considerada uma ferramenta<br />

importante de aprendizagem do professor, principalmente devido ao contato com a<br />

realidade prática que o professor desenvolve, adquire e constroem através de novas<br />

teorias, esquemas e conceitos, tornando-se um profissional flexível e aberto as<br />

dificuldades impostas pela complexidade da interação com a prática.<br />

A reflexão sobre a ação é a reflexão realizada após a ação pedagógica, sobre<br />

a ação praticada e o conhecimento implícito nessa ação. Por fim, a reflexão para a ação<br />

é a reflexão realizada antes da ação pedagógica, que ocorre através do processo de<br />

tomada de decisões no período do planejamento da ação que será colocada em prática.<br />

Todavia, a reflexão realizada sobre a ação e para a ação é de fundamental valor, pois<br />

podem ser utilizadas como estratégias para potencializar a reflexão na ação.<br />

A atitude reflexiva não espera do professor somente o saber fazer, mas,<br />

além disso, que o mesmo saiba de maneira consciente explicar o desenvolvimento de<br />

1093


sua prática e suas decisões tomadas e que ainda tenha a capacidade de perceber se suas<br />

decisões são adequadas para favorecer o processo de aprendizagem do aluno, pois<br />

conforme Perrenoud (2002), instruir é, antes de tudo, atuar na urgência, deliberar na<br />

incerteza.<br />

Entendemos que os professores são os primeiros atuantes da criticidade, são<br />

transformadores, criativos, capazes de compreender a educação como um instrumento<br />

de construção do pensamento crítico e lutam para a construção de uma escola de<br />

qualidade para todos os alunos. Portanto, consideramos que para que tenhamos um<br />

professor com ações crítico-reflexivas é necessário garantir que o mesmo esteja em<br />

constante formação, levando em consideração a dificuldade desse trabalho e a<br />

necessidade de constante estudo.<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Com base nesses estudos, hoje se deve falar de uma formação, que deve<br />

estar articulada aos novos princípios propostos a educação brasileira, que é o de formar<br />

profissionais mais participativos, que trabalhem em coletividade, que rompam com as<br />

concepções conservadoras, que sejam mais críticos, transformadores e criativos, que<br />

valorizem a educação como um instrumento à construção da cidadania e que lutem para<br />

a construção de uma escola de qualidade para todos os alunos.<br />

Em outras palavras, os professores utilizam diferentes saberes, em função de<br />

seu trabalho e das situações, condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho.<br />

Portanto, compreendemos que o professor precisa de uma formação continuada<br />

respaldada, mas também sabemos que o professor possui um trabalho multidimensional,<br />

e por conta disso, aspectos relativos a identidade estão imbricadas da identidade pessoal<br />

e profissional do professor, à sua situação socioprofissional, ao seu trabalho diário na<br />

escola e na sala de aula. (TARDIF, 2002).<br />

Repensar a concepção da formação dos professores, é o ponto chave para as<br />

nossas considerações, até por conta de há bem pouco tempo, as formações eram<br />

1094


pensadas objetivando a mera capacitação destes, através da transmissão do<br />

conhecimento, a fim de que “aprendessem” a atuar eficazmente na sala de aula. Essa<br />

forma de formação deve ser substituída por uma abordagem que deve analisar a prática<br />

que este professor vem desenvolvendo, enfatizando a temática do saber docente e a<br />

busca de uma base de conhecimento para os mesmos, considerando os saberes da<br />

experiência para daí partir para a sala de aula.<br />

Neste sentido, os professores não só precisam se apoderar dos<br />

conhecimentos da Filosofia, para que se desenvolva realmente uma educação para o<br />

fazer pensar, mas também compreender que o saber é constituído a partir do contexto<br />

histórico e social vivenciado e transformado em saber da experiência.<br />

Com base nessa ideia, para realizar Filosofia, o professor deve possuir os<br />

saberes necessários à docência, trata-se de possibilitar, mediante o diálogo, o pensar<br />

filosófico. Considera-se, assim, que este, em sua trajetória, constrói e reconstrói seus<br />

conhecimentos conforme a necessidade de utilização dos mesmos, suas experiências,<br />

seus percursos formativos e profissionais. Assim, acreditamos que a Filosofia pode ser<br />

usada para realização de uma educação para fazê-lo pensar, tanto para os alunos quanto<br />

para o próprio professor, que não deve ser apático nesse movimento. (LIPMAN, 1998)<br />

Nesse sentido, a nossa pesquisa se justifica e se fundamenta em torno da<br />

ideia de que o ensino de Filosofia deve certamente contribuir para a formação de uma<br />

consciência crítica, abrir o entendimento para a identificação da existência de formas<br />

atuais de dominação e opressão que estão presentes em todas as relações sociais da vida,<br />

manifestadas por ideologias e convenções, aprender a pensar através da Filosofia,<br />

fazendo-se uma crítica constante à cultura dominante e às manifestações que nos levam<br />

a um pragmatismo reducionista da vida.<br />

Nesse sentindo, notamos que a própria Filosofia é o modelo e a fonte<br />

privilegiada da sua ação pedagógica, buscando devolver à filosofia o papel que lhe foi<br />

usurpado pelo desenvolvimento das ciências e da racionalidade técnica na tarefa<br />

educativa.<br />

1095


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interfaces com diferentes saberes e lugares formativos. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.<br />

1097


A LINGUAGEM POÉTICA EM ROUSSEAU<br />

THE POETIC LANGUAGE IN ROUSSEAU<br />

Evilásio Barbosa da Silva,<br />

estudante de Filosofia,<br />

bolsista PIBIC,UFMA;<br />

Luciano da Silva Façanha,<br />

Professor Doutor/ DEFIL, UFMA;<br />

Eixo 2 - Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: Embora o livro “Ensaio sobre a origem das línguas” possua uma origem<br />

controvertida em relação a sua data de escrita, sua temática possui grande peso<br />

filosófico, abordando temáticas que vai muito além das reflexões sobre a origem das<br />

línguas, perpassando por discussões acerca do progresso e degeneração do homem ao<br />

longo da história; o afastamento do indivíduo da natureza através do surgimento da fala<br />

e da transformação desta que deixou de ser musical para ser racionalizada; assim como<br />

os aspectos éticos, e antropológicos do ser humano levando à elaboração das bases para<br />

uma reflexão tanto estética como política da humanidade. O “Ensaio”, que é<br />

considerado um livro da mocidade de Rousseau, já demonstra a maturidade filosófica<br />

do autor referente ás problemáticas de sua época. Portanto objetivamos com este<br />

trabalho discutir sobre a questão da origem das línguas e da linguagem propriamente<br />

dita, levando em consideração a questão das paixões e da musicalidade, tendo em vista à<br />

reflexão sobre a degeneração e diferenciação da linguagem humana, suas consequências<br />

e possibilidades.<br />

Palavras-chave: Linguagem. Paixões. Música. Degeneração. Filosofia.<br />

ABSTRACT: Although the book "Essay on the origin of languages" has a controverted<br />

origin in relation to its d<strong>ate</strong> of writing, its thematic has great philosophical weight,<br />

1098


approaching themes that goes well beyond the reflections on the origin of the languages,<br />

permeating by discussions about of the progress and degeneration of man throughout<br />

history; the detachment of the individual from nature through the emergence of speech<br />

and the transformation of the latter from musical to rationalized; as well as the ethical<br />

and anthropological aspects of the human being leading to the elaboration of the bases<br />

for a reflection both aesthetic and political of humanity. The "Essay", which is<br />

considered a book by Rousseau's youth, already demonstr<strong>ate</strong>s the author's philosophical<br />

maturity concerning the problematics of his time. Therefore, we aim to discuss the<br />

question of the origin of languages and language proper, taking into account the<br />

question of passions and musicality, in view of the reflection on the degeneration and<br />

differentiation of human language, its consequences and possibilities.<br />

Keywords: Language. Passions. Music. Degeneration. Philosophy.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Embora o filósofo Jean-Jacques Rousseau tenha vivido no século XV<strong>II</strong>I,<br />

muito de seus escritos possuem reflexões bastante atuais em relação às variadas<br />

problemáticas que vivenciamos, seja nos campos da política, ética, educação ou estética.<br />

No seu livro “Ensaio sobre a origem das línguas”, podemos perceber a robustez e<br />

grandiosidade de seu pensamento filosófico acerca não só da origem da língua,<br />

propriamente dita, mas de como essa língua humana passou por uma degeneração<br />

levando a um processo de perda da naturalidade e afastamento das emoções e<br />

sentimentos, causando uma racionalização exacerbada da língua, de maneira que a<br />

humanidade, aos poucos foi se tornando cada vez mais degenerada moralmente, até<br />

ficar presa e subjugada pelos governantes voltando novamente ao estado de “silêncio”.<br />

Rousseau foi um pensador que se associou bastante às questões referentes à<br />

música e à linguagem, isso já fica claro antes de escrever o “Ensaio sobre a origem das<br />

1099


línguas” quando ele escreve a “Carta sobre a música Francesa”, publicada em 1753,<br />

durante a famosa Querela dos Bufões, que dividiu Paris entre partidários da ópera<br />

italiana e francesa, onde Rousseau afirmou que a música italiana era mais capaz de<br />

exprimir as paixões que a francesa, visto que a primeira privilegiava a melodia,<br />

enquanto a segunda a harmonia. Com a publicação do “Discurso sobre o fundamento e<br />

a desigualdade entre os homens”, em 1754, Rousseau volta a tratar das questões<br />

linguísticas, abordando como temática a sociedade demonstrando que a razão, a<br />

sociabilidade e a linguagem são aquisições tardias da humanidade, ou seja, há um<br />

abismo quase intransponível entre a natureza e a história.<br />

Após três anos da morte de Rousseau, foi publicado o “Ensaio sobre a<br />

origem das línguas”, em 1781. Sua origem controvertida, não apresenta uma data certa<br />

de redação, alguns estudiosos especulam que a obra foi escrita em meados da década de<br />

50. Há quem afirme que o Ensaio foi escrito antes do segundo Discurso, e até mesmo do<br />

primeiro, devido conter alguns elementos de estudos de música destinados<br />

originalmente à “Enciclopédia” ou, talvez, como parte do segundo discurso, que depois<br />

teria sido retirado e reelaborado. No entanto, tudo isto são apenas hipóteses. Sua<br />

estrutura foi organizada em quatro partes, a saber: origem da linguagem; diferenciação<br />

das línguas; questão da música e língua e governo.<br />

Assim, tendo apresentado uma visão contextual e panorâmica da obra de<br />

Jean-Jacques Rousseau em escopo, apresento como principal objetivo deste trabalho<br />

refletir, de forma sucinta, a questão da origem das línguas e da linguagem propriamente<br />

dita, levando em consideração a questão das paixões e da musicalidade, tendo em vista à<br />

reflexão sobre a degeneração e diferenciação da linguagem humana, suas consequências<br />

e possibilidades.<br />

1. O SURGIMENTO DA LINGUAGEM HUMANA<br />

De acordo com as reflexões estabelecidas por Rousseau, a linguagem, no<br />

que se refere à fala, não é algo natural ou inerente ao ser humano, é algo que surgiu com<br />

1100


o passar do tempo na história da humanidade. Segundo o genebrino, os primeiros<br />

homens não utilizavam a linguagem falada, pois não havia necessidade, visto que esses<br />

humanos viviam isolados e só encontravam um semelhante esporadicamente. No estado<br />

de natureza primitivo os humanos viviam em plena harmonia com a natureza, pois lá<br />

possuíam tudo que era necessário para a sua sobrevivência sem nenhuma outra<br />

necessidade (ROUSSEAU, 1978). Na própria natureza estava a sua alimentação, o seu<br />

repouso e a atividade sexual no momento oportuno quando encontrava o seu par, sem<br />

nenhum um outro tipo de ligação, com este, a não ser o natural.<br />

Embora nesse período não houvesse a fala, propriamente dita, o homem<br />

primitivo não era impossibilitado de comunicar-se, pois se manifestava através de<br />

gritos, balbucios ou até mesmo imitando os sons da natureza. Além do mais, a utilização<br />

de gestos e símbolos também se fazia modo de se expressar, especialmente quando se<br />

tratam de sentimentos simples, pois se os humanos não tivessem ultrapassado as<br />

necessidades físicas, talvez jamais tivessem falado (ROUSSEAU, 1978). Afinal, todo<br />

ser vivo, em maior ou menor escala, se comunica, embora saibamos hoje que a<br />

linguagem convencional só pertence ao ser humano “e esta é a razão por que o homem<br />

progride, seja para o bem ou para o mal” (ROUSSEAU, 1978 p. 163).<br />

Podemos concluir até aqui que não foram as necessidades físicas que<br />

estabeleceram o surgimento da linguagem falada, até por que as necessidades físicas<br />

promoveram a separação dos homens e não a aglutinação.<br />

Daí se conclui, por evidência, não se dever a origem das línguas às primeiras<br />

necessidades dos homens; seria absurdo que da causa que os separa resultasse<br />

o meio que os une. Onde, pois, estará essa origem? Nas necessidades morais,<br />

nas paixões. Todas as paixões aproximam os homens, que a necessidade de<br />

viver força a separarem-se. Não é a fome ou a sede, mas o amor, o ódio, a<br />

piedade, a cólera, que lhes arrancaram as primeiras vozes (ROUSSEAU,<br />

1978, p.164).<br />

Sendo assim, percebemos que a linguagem falada nasce não das<br />

necessidades naturais, mas das necessidades artificiais. As paixões fazem o ser humano<br />

falar, tendo em vista a manifestar os seus sentimentos, emoções e desejos, talvez por<br />

1101


isso a primeira linguagem nascida foi com sentido figurado, de maneira que no início só<br />

se falava poeticamente só depois passou a falar de forma raciocinada. De início as<br />

paixões suscitaram uma linguagem baseada em imagens ilusórias, e com o passar do<br />

tempo, com o esclarecimento do homem a linguagem foi se tornando metafórica até se<br />

tornar racionalizada.<br />

Em acordo com o segundo “Discurso”, o “Ensaio sobre a origem das<br />

línguas” nos revela que primeiro se sentiu e só depois se raciocinou, corroborando a<br />

ideia de que a origem da palavra está atrelada às necessidades artificiais do ser humano<br />

como a moral e as paixões. É bom lembrarmos que o estado de natureza rousseauniano<br />

possui duas fases, isto é o estado de natureza primitivo e o estado de natureza histórico.<br />

No primeiro estado a chamada “lei natural” era totalmente ausente de razão, logo, nesse<br />

estado não havia a existência de moralidade. No que se refere ao tema abordado no<br />

“Ensaio”, já se passa no segundo estado quando os homens já estão aglutinados em<br />

hordas e falam não só uma linguagem ditada pela necessidade física, mas falam,<br />

também, a linguagem inspirada pelas paixões. Este seria o principal fundamento que<br />

posteriormente ocasionaria a evolução da linguagem humana e sua degeneração. De<br />

acordo com Starobinski: Ao sair da natureza, ao trabalhar contra ela, ao interpor a<br />

linguagem de que é inventor, o homem torna-se surdo à voz que lhe falava na origem. A<br />

existência moral não é mais regida pela lei natural: é preciso enunciar leis “positivas”,<br />

convenções, contratos (STAROBINSKI, 1991, p. 313).<br />

Assim, com o progresso da linguagem humana, que é considerada a<br />

primeira instituição social, percebemos que as bases para a origem da sociedade civil<br />

foram estabelecidas com o processo de evolução da linguagem humana, que se afastou<br />

cada vez mais da natureza para se aproximar da artificialidade das convenções civis,<br />

ditadas pela racionalidade, que elaborou novas formas de relação entre os homens,<br />

pautada nas leis positivas, no contrato social e numa nova ordem política. Verificamos<br />

até aqui que o “Ensaio sobre a origem das línguas”, embora apresente as bases<br />

fundamentais sobre a origem da linguagem humana e sua transformação com o decorrer<br />

da história, de língua poética e apaixonada para uma língua racionalizada e degenerada,<br />

1102


percebemos que o “Ensaio” nos apresenta, em harmonia com o segundo “Discurso”,<br />

uma mesma história sob um duplo aspecto conforme aponta Jean Starobinski: “O<br />

Discurso sobre a desigualdade insere uma história da linguagem no interior de uma<br />

história da sociedade; inversamente, o Ensaio sobre a origem das línguas introduz uma<br />

história da sociedade no interior de uma história da linguagem” (STAROBINSKI,<br />

1991, p. 310).<br />

3. A DIFERENCIAÇÃO DAS LÍNGUAS<br />

Através da filosofia rousseauniana, vimos que a sociabilidade humana não é<br />

algo natural, pois na origem da história da humanidade não havia a sociedade, tornamonos<br />

sociáveis graças à perfectibilidade que é inerente ao homem desde sua origem. Da<br />

mesma forma, compreendemos que a fala humana, também não é natural, pois como já<br />

vimos os primeiros homens não tinha a mínima necessidade de exercer a fala estando<br />

em perfeita sintonia com a natureza ouvindo apenas à sua voz. O desenvolvimento da<br />

fala nos seres humanos também é resultado da perfectibilidade que para Rousseau era<br />

como se fosse um dom natureza herdado pelo ser humano, que cujos efeitos irão se<br />

manifestar paulatinamente, através de condições excepcionais que promoverão o<br />

desenvolvimento das faculdades virtuais (STAROBINSKI, 1991).<br />

No “Discurso sobre a desigualdade” Rousseau supôs que alguns seres<br />

humanos, se afastando do habitat temperado, encontraram dificuldades climáticas que<br />

acabaram os obrigando a lutar contra a natureza que os cercavam, obrigando a<br />

perfectibilidade que estava adormecida, despertar da potência ao ato. “A inteligência, a<br />

técnica, a história tem origem no contato com o obstáculo, quando o homem deixa a<br />

tepidez constante da floresta primitiva e se encontra exposto a “verões ardentes” ou a<br />

“invernos logos e rudes”” (STAROBINSKI, 1991, p. 310). No “Ensaio sobre a origem<br />

das línguas”, Rousseau apresenta uma ideia bastante semelhante, porém de maneira<br />

mais simbólica através da diferença das estações: “Aquele que quis que o homem fosse<br />

1103


sociável pôs o dedo no eixo do globo e o inclinou sobre o eixo do universo”<br />

(ROUSSEAU, 1978, p. 179).<br />

Na “Carta sobre a música francesa” Rousseau já apontava sobre a diferença<br />

entre as línguas que eram mais propícias à música, devido à melodia, das músicas que<br />

eram mais voltadas à harmonia, portanto menos capaz de exprimir as paixões. Da<br />

mesma forma, Rousseau abordou sobre as diferenciações das línguas estabelecendo as<br />

mais próximas das paixões, isto é, as melodiosas; das línguas que não continha melodia,<br />

e sim harmonia, e por isso estavam mais distantes das paixões e mais próximas da<br />

racionalidade. Assim, distinguiu as línguas meridionais das línguas setentrionais.<br />

As línguas meridionais são as nascidas no Sul nos climas quentes, onde as<br />

condições físicas são mais propícias ao isolamento em que inicialmente viviam os<br />

homens. Embora os impulsos básicos levassem os homens à reprodução, faltava o<br />

verdadeiro convívio social que provoca a comparação com situações semelhantes,<br />

originadoras da reflexão que, em si mesma, é a comparação de uma pluralidade de<br />

ideias. Já as línguas setentrionais, ou seja, do Norte onde a vida é mais dura, e seleciona<br />

os homens mais fortes, a linguagem é mais áspera e lhes impõe expressões mais secas e<br />

diretas. Nesta região a língua se origina de uma constante carência e não do amor e da<br />

ternura. É a linguagem da cólera das ameaças, acompanhadas sempre de articulações<br />

fortes, que as tornam ásperas e estridentes.<br />

Sendo assim, verificamos que embora a região meridional possua um clima<br />

mais ameno e com melhores condições de se viver não é nesta região que aglutina o<br />

maior número de pessoas. No Sul as condições propiciaram um maior isolamento do<br />

homem fazendo com que esta linguagem permanecesse mais próxima da natureza,<br />

acentuando a sonoridade, a eloquência e a vivacidade. Enquanto a região setentrional<br />

devido à dureza e dificuldades do ambiente compostos de necessidades aglutinou um<br />

maior número de pessoas fazendo com que a necessidade de se comunicar afastasse a<br />

linguagem falada da natureza, de maneira que nestas regiões as paixões nascem da<br />

necessidade, enquanto na região meridional as necessidades nascem das paixões.<br />

Segundo Rousseau, as causas físicas mais gerais da diferença característica das línguas<br />

1104


primitivas, ocorreram porque: “As do sul tiveram de ser vivas, sonoras, acentuadas,<br />

eloquentes e frequentemente obscuras, devido a energia. As do norte surdas, rudes,<br />

articuladas, gritantes, monótonas e claras, devido antes à força das palavras do que a<br />

uma boa construção” (ROUSSSEAU, 1978 p. 185).<br />

Portanto, podemos compreender que se as necessidades físicas afastaram os<br />

seres humanos, novas necessidades advindas da moral e das paixões os reuniram. Para<br />

que estas últimas aparecessem, operaram-se “acidentes da natureza”, através de<br />

fenômenos cataclísmicos, ou simplesmente cíclicos como as quatro estações em sua<br />

sucessão. Foi através da fogueira ou da fonte, recursos bastante simples no confronto do<br />

homem contra a natureza, que se estabeleceram os primeiros lugares de reunião. E foi<br />

da reunião que nasceu a necessidade de comunicação, isto é, a linguagem desenvolvida.<br />

3. A MUSICALIDADE<br />

A fala humana nasceu por conta das necessidades morais e das paixões.<br />

Com efeito, a primeira língua da humanidade era dotada de vogais com pouquíssimas<br />

articulações e apenas algumas consoantes a fim de evitar hiatos. No princípio, língua e<br />

música se confundiam, no lugar de falar os seres humanos cantavam. Na medida em que<br />

os acentos, isto é, as ênfases melodiosas, iam desaparecendo da linguagem, os acentos<br />

eram substituídos por combinações gramaticais e novas articulações de maneira que<br />

língua se separou da música, e se tornou um instrumento claro e eficaz, mais apropriado<br />

para veicular ideias do que sentimentos. A partir de então, a linguagem passa a<br />

significar o objeto e deixa de exprimir o sujeito.<br />

A partir do momento que as necessidades artificiais cresceram, a linguagem<br />

humana foi se tornando mais racional e menos apaixonada. Nesse momento a escrita<br />

apareceu como forma de linguagem, de maneira que esta se incumbiu de registrar o<br />

processo de evolução da língua, através de três maneiras: a representação dos objetos, a<br />

representação das palavras por caracteres e a representação das partes elementares das<br />

palavras através da articulação das letras (mais precisamente as vogais) para combiná-<br />

1105


las em vocábulos. Estas três possibilidades de escrita estavam diretamente em<br />

correspondência com os povos selvagens, povos bárbaros e povos policiados.<br />

Embora as línguas modernas ao longo da história tenham se misturado,<br />

algumas localidades ainda conservaram, mesmo que de forma ínfima, algumas dessas<br />

diferenças apresentadas na divisão entre línguas meridionais e setentrionais.<br />

Rousseau, percebendo o grau de degeneração da linguagem humana,<br />

observando o desenvolvimento da escrita e a diferenciação das línguas do Ocidente e do<br />

Oriente, enfatizou da seguinte maneira:<br />

Nossas línguas valem mais escritas do que faladas; leem-nos com mais prazer<br />

do que nos escutam. Pelo contrário, as línguas orientais perdem, escritas, sua<br />

vida e calor. O sentido só em parte está nas palavras, toda a sua força reside<br />

nos acentos. Julgar o gênio dos orientais pelos seus livros é querer pintar um<br />

homem tendo por modelo seu cadáver (ROUSSEAU, 1978, p. 186).<br />

Percebemos com bastante clareza que para Jean-Jacques Rousseau a<br />

primeira fala humana era cantada, isto é, repleta de melodia, que expressava os<br />

sentimentos, as emoções, os desejos e as paixões. Era uma fala poética.<br />

Compreendemos também que as línguas meridionais eram mais melodiosas, portanto<br />

musicas formadas de pura melodia. Já as línguas setentrionais por terem se afastado da<br />

natureza eram mais harmônicas, isto é, racionalizadas e moralizantes, afastadas das<br />

paixões e sentimentos. A linguagem harmônica racionalizou a sonoridade da fala e<br />

abafou a melodia desta, fazendo com que a fala estivesse mais apta á transmissão de<br />

ideias e teorias do que os sentimentos. Para o genebrino enquanto a harmonia só possuía<br />

beleza de convenção sem jamais agradar os ouvidos, a melodia constituía exatamente na<br />

música, o que o desenho representa na pintura, sendo que a pintura estaria mais próxima<br />

da natureza, enquanto a música, da arte humana.<br />

1106


4. CONSIDERAÇÕES<br />

No início do livro “Emílio”, Rousseau (1992, p. 9) afirmou que “Tudo é<br />

certo em saindo das mãos do Autor das coisas, e tudo degenera nas mãos do homem”.<br />

Dessa mesma forma ocorreu com a linguagem que de musical, melódica e ditada pelas<br />

paixões, evolui para uma linguagem harmônica, fria e racional. Para Jean-Jacques<br />

Rousseau, esta evolução representou na verdade uma queda, proporcionalmente à<br />

história da degradação moral e política da humanidade. A partir do momento que a<br />

língua perdeu a sua força e energia, os homens se tornaram impossibilitados de<br />

experenciar verdadeiras paixões. Não é por acaso que o segundo “Discurso” e o<br />

“Ensaio sobre a origem das línguas” caem no mesmo lugar, no estado da civilização<br />

em que predomina o absolutismo político e no “silêncio” da sociedade.<br />

Não é a razão, que é uma aquisição tardia da humanidade, o pressuposto<br />

correto para se compreender ou se explicar a linguagem, mas as paixões, pois antes de<br />

raciocinar se poetizou. Dessa forma, a música, e não as regras gramaticais deveria ser o<br />

paradigma da língua, cuja função primeira foi falar aos sentimentos e não comunicar<br />

teorias. Assim, com a degeneração da língua, com o sucumbir da melodia diante das<br />

novas regras, a comunicação dos homens foi atropelada pelos turbilhões da tirania e da<br />

violência arbitrária representada pelos canhões, dinheiros e cartazes, reduzindo os<br />

indivíduos ao silêncio.<br />

No contexto em que vivemos a humanidade já se encontra embrutecida<br />

pelas ideologias, teorias, pregações e promessas vindas dos tiranos da<br />

contemporaneidade. A humanidade silenciosa continua a viver uma falsa liberdade com<br />

os grilhões presos em suas mentes. Parece não haver mais espaço para a poesia, a<br />

música, os sentimentos, as emoções e os desejos. Quando estas palavras aparecem na<br />

maioria das vezes estão travestidas como mercadorias. Os homens da<br />

contemporaneidade padecem por não poderem dizer a sua palavra e não verem mais<br />

sentido no que de fato não tem sentido.<br />

1107


Portanto, sabemos que o caminho traçado pela perfectibilidade não tem<br />

retorno, o progresso continuará. Sendo assim, o que nos resta é prepararmos para as<br />

adversidades desta vida através de um processo educacional mais profundo de si mesmo<br />

levando em consideração aquilo que de fato nos importa, isto é, aquilo que faz sentido.<br />

Vimos ao longo da história e ainda vemos que nem sempre a razão teórica trouxe<br />

benefícios à humanidade. A crença exacerbada na razão teórica nos fez seres humanos<br />

mais egoístas, consumistas e individualistas. Não quero aqui desconsiderar a razão<br />

humana, mas, creio que esta também precisa ser reeducada, e uma boa oportunidade<br />

para isso seria nós seres humanos nos aproximarmos mais da natureza e de nós mesmos,<br />

através de mecanismos que nos faça exprimir os nossos sentimentos, desejos e emoções.<br />

De repente a experiência estética poderia ser uma boa possibilidade.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,<br />

1992.<br />

_____________________ Ensaio sobre a origem das línguas. São Paulo: Abril<br />

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______________________ Discurso sobre a origem e os fundamentos da<br />

desigualdade entre os homens. São Paulo: Abril Cultural, 1978.<br />

STAROBINSKI, Jean. Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo. São<br />

Paulo: Companhia das Letras, 1991.<br />

1108


A NATUREZA EM KANT: conflito, guerra e sociabilidade.<br />

THE NATURA IN KANT: conflicts, war and sociability.<br />

Franciscleyton dos Santos da Silva<br />

Profª. Drª Zilmara de Jesus Viana de Carvalho<br />

Programa de pós-graduação Mestrado Interdisciplinar em Cultura e Sociedade – UFMA<br />

Bolsista CAPES<br />

Eixo 2- Gênero. Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: Este artigo trata do conceito de natureza na filosofia da história de<br />

Immanuel Kant, levando em consideração as seguintes c<strong>ate</strong>gorias: conflito, guerra e<br />

sociabilidade, na evidencia da construção do progresso humano para o melhor. Tendo<br />

como foco a dimensão da guerra e como esta é compreendida nos <strong>artigos</strong> preliminares<br />

da Paz Perpétua. Objetivando em perceber o antagonismo como posição positiva para<br />

sociabilidade, no estabelecimento da Sociedade Civil, estipulando uma Constituição<br />

Republicana, sendo este espaço para a resolução dos seus conflitos. Além de evidenciar<br />

a reconfiguração do Direito das Gentes trazida por Kant, no ideal de um Direito<br />

Cosmopolita como processo normativo para a Paz.<br />

Palavras-chave: Kant; Natureza; Guerra; Sociabilidade; Direito Internacional.<br />

ABSTRACT: This article is about the concept of nature in the philosophy of the history<br />

of Immanuel Kant, taking into consideration the following c<strong>ate</strong>gories: conflict, war and<br />

sociability, on the evidence of the construction of human progress. Taking as it’s focus<br />

the dimension of war and how this is understood in the preliminaries articles of<br />

Perpetual Peace. Aiming to realize the antagonism as a positive position for sociability,<br />

1109


in the establishment of Civil Society, stipulating a Republican Constitution, and this<br />

space being the resolution of their conflicts. In addition to highlight the reconfiguration<br />

of the People’s rights brought by Kant, in the ideal of a Cosmopolitan Law as a<br />

normative process for Peace.<br />

Keywords: Kant; Natura; War; Sociability; International law.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A natureza na filosofia de Immanuel Kant perpassa um caminho árduo no<br />

conjunto de suas obras, no contexto de um filosofar sistemático, podendo ser analisado<br />

tanto a partir do criticismo, quanto do campo da filosofia da história. Dessa forma<br />

podemos justificar de onde direcionamos nossa fala ao tratar do problema da natureza,<br />

haja vista elencarmos c<strong>ate</strong>gorias que diz respeito ao campo das relações sociais, do<br />

homem no que tange sua vivencia no mundo, a justificativa, portanto, do<br />

estabelecimento de uma perspectiva da filosofia da história para dá conta do itinerário<br />

humano como cidadão do mundo, sujeito emancipado, ou seja, a ideia de um caminho<br />

percorrido pela a humanidade para o cosmopolitismo, tema central que compõe o ápice<br />

da filosofia politica kantiana.<br />

Iremos fazer um diálogo entre as obras que destacamos, as quais estão<br />

inseridas no rol de uma filosofia da história: Ideias de uma historia universal do ponto<br />

de vista cosmopolita (1784), Começo conjectural da história humana (1786); Sobre a<br />

expressão corrente isso serve na teoria, mas não na prática (1793), A Paz Perpetua<br />

(1795/96). Esse entrelaçamento se faz necessário, para entender que desde a década de<br />

80 quando o filósofo ainda não tinha concluído seu sistema crítico, já se fazia presente<br />

em seu pensamento, a visibilidade de um ponto linear da história para o progresso<br />

humano, na obtenção de uma sociedade cosmopolita.<br />

Na transversalidade dessas questões encontramos uma tensão entre conflito<br />

e sociabilidade, todavia são contrastes não paradoxais, pois ganham um olhar na<br />

1110


filosofia kantiana como dimensões próprias da natureza no processo humano para o<br />

melhoramento da espécie, onde se estabelece uma discussão entre guerra e paz. Kant<br />

dedica um opúsculo exclusivo para temática da paz (A paz perpétua), todavia pensá-la<br />

na dimensão da natureza implica ter como pressuposto a insociável sociabilidade<br />

apontada pelo o filósofo em Ideia de uma história universal do ponto de vista<br />

cosmopolita, tanto quanto a hipótese aí defendida acerca de um progresso humano. O<br />

que nos coloca diante do fato de que a guerra tanto pode contribuir para o progresso<br />

quanto servir como elemento contrário à condução da própria natureza, no caso de sua<br />

institucionalidade pela via do direito.<br />

Pretendemos discutir três pontos para nortear nossa discussão: O caminho<br />

kantiano para compreender a história humana no percurso feito pela natureza para o<br />

progresso (antagonismo como elemento fundante da sociedade e de sua manutenção); A<br />

questão da guerra e suas implicações na visão de Kant, e por conclusão lançar<br />

pinceladas do cosmopolitismo como ideal de sociabilidade. Queremos desse modo,<br />

adentrar o enfretamento kantiano em relação ao conflito social do paradigma da<br />

natureza, analisando no conjunto de seu sistema filosófico a explanação de uma crítica à<br />

institucionalização normativa da guerra.<br />

Nos chama <strong>ate</strong>nção nesse contexto, se a guerra pode ser vista na própria<br />

dimensão do conflito trazido pela natureza, ou será ela um elemento outro, ocasionado<br />

pelo um declínio moral, pois uma vez que a paz precisa ser percebida a partir do direito,<br />

como resolução definitiva dos conflitos, a guerra, portanto, se encontrará em qual<br />

perspectiva na filosofia kantiana? Desse modo, a natureza, ao mesmo tempo, direciona<br />

o homem ao conflito, e tem no melhoramento moral o fim ultimo a ser alcançado pela<br />

espécie.<br />

A natureza em Kant comporta uma dialética, um movimento que nos chama<br />

a <strong>ate</strong>nção em torno do deb<strong>ate</strong> sobre conflito (antagonismo) e sociedade, se tornando<br />

fundamentação relevante para os estudos interdisciplinares, no campo da filosofia, do<br />

direito, da estética e da história, bem como de tantas outras áreas das ciências humanas<br />

e sociais aplicada.<br />

1111


2 NATUREZA E CONFLITO (ANTAGONISMO): o nascimento da sociedade civil<br />

Em Ideia de uma historia universal do ponto de vista cosmopolita, Kant,<br />

deixa claro, no que pretende discorrer, se precavendo de alegações que poderia se<br />

desenvolver em uma interpretação do ponto de vista da sua ética, para fundamentação<br />

do progresso moral. Não se visa um estudo metafísico da razão legisladora, por sua vez<br />

entendida nos textos críticos (Critica da Razão Prática) no que tange a Natureza como<br />

determinação de “leis naturais universais.” (KANT, 2016, p. 3). Deve se ter como<br />

prerrogativa, que o filósofo de Konigsberg, se propusera em seu período crítico, a uma<br />

clareza conceitual e analítica da natureza humana, na dimensão, da filosofia natural,<br />

tanto no campo da ética, quanto de sua teoria do conhecimento. Estabelecendo, aquilo<br />

que será depois atribuído pelos seus estudiosos de “revolução copernicana da filosofia”.<br />

O que nos interessa é perceber no plano da filosofia da história como que a<br />

natureza direciona a espécie humana, pois em Kant, a história se ocupa das<br />

manifestações das ações humanas, ou seja, dos acontecimentos do mundo sensível. É o<br />

direcionamento ao progresso moral, que está subtendido nos seletos textos que<br />

compõem a elucidação filosófica aqui trazida.<br />

Um dos aspectos importantes, na filosofia da história kantiana, é em se<br />

compreender o homem, no conjunto da espécie, portanto, a natureza não realiza seu<br />

propósito (como veremos) em um indivíduo, mas na espécie como um todo. Isso visto<br />

tanto em Ideia de uma historia universal do ponto de vista cosmopolita, quanto no<br />

Começo conjectural da história humana.<br />

Kant acreditava que o progresso acontece constantemente, influenciado<br />

pela própria natureza que segue seu percurso. Mesmo que os indivíduos não o perceba,<br />

seguem o proposito da natureza inconscientemente, todavia, se tivessem essa ideia<br />

como condição intrínseca a sua condição humana, de nada adiantaria, pois a natureza<br />

realiza seu percurso independente dessa consciência.<br />

Aos que duvidam do progresso em direção ao melhoramento dos costumes.<br />

Kant adverte que basta olhar para a historia, uma vez que a própria historia humana,<br />

1112


evidencia as disposições naturais ocorridas para o desenvolvimento da espécie em<br />

direção ao melhor. “[...] há muitas provas de que o gênero humano no seu conjunto<br />

progrediu efetivamente e de modo notável sobe o ponto de vista moral no nosso tempo,<br />

em comparação com todas as épocas anteriores (as paragens breves nada podem provar<br />

em contrário).” (KANT, 2015, p.105). Isso, pelo fato do homem se diferenciar dos<br />

outros animais. É “a única criatura racional sobre a terra”, com isso estabelece regras,<br />

saindo de um instinto animalesco, ou seja, de um estado de selvageria.<br />

O resultado da mais antiga história da humanidade tentada através da<br />

filosofia é o seguinte: contentamento com a providência e com o curso das<br />

coisas humanas em sua totalidade, o qual não vai do bom para o mau, mas se<br />

desenvolve gradualmente do pior para o melhor; e cada indivíduo é chamado<br />

pela natureza a participar daquele progresso, tanto quanto está em suas<br />

forças. (KANT, 2009, p.166).<br />

O desenvolvimento da espécie, ou dos germes da natureza, depende do nexo<br />

temporal, por se tratar de uma filosofia da história na ideia de progresso. Nisso fica<br />

claro, que a natureza, tem o seu propósito, termo esse bem enfatizado por Kant, nas<br />

duas primeiras proposições de Ideia Universal. É importante, ressaltar que, até a terceira<br />

proposição da obra supracitada, Kant apenas percebe a natureza acontecendo, e<br />

formando o homem dentro de suas próprias dimensões mecânicas, mesmo que<br />

elucidando, o próprio desenvolvimento por meio dos atributos da natureza.<br />

A natureza cria seu meio (mecanismos), o espaço para se desenvolver, é o<br />

que Kant chamará de antagonismo, nisso abordamos nossa proposta central que é a<br />

questão da guerra (conflito) e da sociabilidade. Expressamente, “[...] entendo aqui, por<br />

antagonismo a insociável sociabilidade dos homens.” (KANT, 2016, p.8). Ora, o<br />

filósofo concebe o conflito como uma condição própria da natureza no qual favorece a<br />

constituição da sociedade e sua manutenção. Isso é possível de ser conjecturado, como<br />

nos narra em Começo conjectural da história humana:<br />

Apenas um único casal, para que não surja imediatamente uma guerra, caso<br />

os homens estivessem próximos e, todavia fossem estranhos uns aos outros,<br />

ou para que a natureza também não fosse culpada de ter deixado faltar,<br />

através da diversidade de ascendentes, uma organização destinada à<br />

sociabilidade como o fim mais alto da determinação humana (KANT, 2009,<br />

p.158)<br />

1113


Sem a presença do conflito, não é possível haver regras, leis e a construção<br />

de um pacto fundante, ou seja, a Sociedade Civil. Afinal, para que a sociabilidade e a<br />

manutenção do direito, se não existe antagonismo? A natureza, portanto, dentre sua<br />

diversidade, no entendimento do homem no desenvolvimento da razão, compreende-se<br />

dentro dos desafios impostos pela natureza, que o faz habilidoso, ultrapassando os<br />

limites dos instintos, inserindo-lhe na dimensão emancipatória. Tudo isso pela força da<br />

natureza, como pode ser visito na “saída do homem do paraíso”.<br />

Por isso, esse passo é ligado igualmente com a emancipação [Entlassung] do<br />

homem dos braços m<strong>ate</strong>rnos da natureza: uma mudança que é ao mesmo<br />

tempo honrosa e cheia de perigos. A natureza lança o homem para fora do<br />

estado inofensivo e seguro da infância – como de um jardim onde vivia na<br />

comodidade e sem sacrifícios (v. 23) – e o impele ao grande mundo onde<br />

tantos problemas, sacrifícios e males desconhecidos o aguardam. (KANT,<br />

2009, p.16).<br />

A saída do homem do paraíso (época de paz e tranquilidade) lhe conduz<br />

para o trabalho e a discórdia. Saída, do estado de caçador para o de pastor, da saída da<br />

coleta de frutos para a vida de agricultor, como Kant percebe essa dimensão na história,<br />

poderia ter se dado de forma lenta. Tais, saída, é o êxodo fundante não simplesmente da<br />

história humana, mas da própria sociedade, o começo da pluralidade cultural.<br />

Trata do inicio da formação do povoamento da terra, que de certo modo só<br />

acontecera, pelas circunstâncias naturais de conflito. Enfatiza Kant (2009, p.163), “com<br />

esta época inicia-se a desigualdade entre os homens, a qual é uma abundante fonte de<br />

muitos males morais, mas também de tudo que é o bom, desigualdade que aumenta com<br />

o passar do tempo”. Kant percebe nessa dimensão, que no início da cultura está o<br />

desenvolvimento de uma Constituição Civil.<br />

Disso precisou originar-se a cultura e o início da arte, não só como<br />

pass<strong>ate</strong>mpo, mas também como ocupação séria (v. 21-22); entretanto, a<br />

mudança mais marcante foram os começos de uma constituição civil e de<br />

uma justiça pública. (KANT, 2009, p. 163).<br />

1114


A guerra aparece como condição inevitável nas relações humanos,<br />

importante salientar que a compreensão kantiana, não se assemelhava ao pensamento<br />

contratualista de Hobbes, acreditando que no estado de natureza a existência de guerra<br />

de todos contra todos, faz aparecer à figura do soberano (Leviatã), disto se fundamenta<br />

(teoricamente) a justificação de um Estado Absolutista. Do contrário, de forma<br />

plausível, em Kant a saída é o Republicanismo, como é visto em A Paz Perpetua.<br />

A compreensão kantiana, não é de nenhum um modo inocente, estando<br />

evidente em seu pensamento, a noção de certa vontade dos homens de se ter a presença<br />

de um senhor, diante da discórdia presente no Estado Natural, ou seja, essa tendência a<br />

estabelecer alguém para se assenhorar-se é uma dúvida, no qual Kant não responde de<br />

imediato, deixando, em Ideia de uma história universal, a provocação em aberto.<br />

A preocupação Kantiana não é com a guerra em si, mas a preparação para a<br />

guerra e/ou a institucionalização desta, significa dizer que, não se contraria a ideia de<br />

antagonismo que funda e mantem a sociedade pensada por sua filosofia, pois uma coisa<br />

é a oposição usada pela própria natureza, outra seria o reforço jurídico, legal para<br />

regular tal atitude. Percebe a diferença? Estamos diante de duas dimensões, uma<br />

inerente a condição humana no seu processo cultural/civilizatório, ousaríamos dizer<br />

“existencial” e outra institucionalizada no qual merece profunda desconstrução, não<br />

sendo possível de justificação do ponto de vista do direito e da filosofia, em síntese não<br />

cabendo fundamentação para sua manutenção.<br />

Precisa-se admitir que os maiores males que oprimem os povos civilizados<br />

são resultados da guerra, mas não tanto das guerras reais do presente e<br />

passado, quanto da preparação incessante e sempre crescente para a guerra<br />

futura. (KANT, 2009, p. 164)<br />

Ora, daí surge, o desejo kantiano para estabelecer uma filosofia da história<br />

que traz clareza para a concepção de conflito como condição para a Paz. Um<br />

antagonismo no qual insere a humanidade no percurso do melhoramento moral.<br />

Assim, no grau de cultura em que a espécie humana se encontra, a guerra é<br />

um meio inevitável para levar a cultura mais adiante. Somente após uma<br />

cultura perfeita (Deus sabe quando) uma paz perpétua se tornaria salutar e<br />

possível apenas através daquela. (KANT, 2009, p. 165).<br />

1115


Nas ultimas linhas, trazidas, se demonstra a clareza kantiana, de que o<br />

percurso conflitante da historia não se resolve sistematicamente no estabelecimento de<br />

uma filosofia profética. Mas de uma filosofia que concebe um ideal diante da dimensão<br />

concreta da vida humana para o melhor. Não sabemos desse modo, quando a paz<br />

chegará a sua plenitude (esse não é o interesse da filosofia kantiana), pois o que se<br />

estabelece é a previsão do conflito como mecanismo gerador para esta paz. Portanto,<br />

isso nos dá a prerrogativa de colocar em discussão a guerra dentro do projeto kantiano<br />

para a perpetuação da paz.<br />

3 A GUERRA NO PROJETO POLITICO FILOSÓFICA DA PAZ PERPETUA<br />

A guerra ocupa um destaque relevante na filosofia da história kantiana,<br />

estando fixada no entendimento discutido, a natureza assim a quis, como explica Kant<br />

no final da Paz Perpétua, desse modo faremos um percurso de “trás para frente” dessa<br />

obra. Como a Paz Perpetua trata de uma filosofia política, da visão prática dos<br />

indivíduos no mundo sensível, Kant irá mapear empiricamente os efeitos e a existência<br />

negativa da guerra e seus problemas.<br />

Não contrariando o projeto filosófico de uma paz eterna, a guerra como<br />

c<strong>ate</strong>goria e fenômeno social, é um elemento a ser explanado, para assim ser banida e<br />

sanada na história da humanidade. A preocupação inicial de Kant é sobre os efeitos do<br />

respaldo jurídico para a guerra, não devendo, - como veremos adiante, ser reivindicada<br />

pelo o direito, uma vez percebendo que, “não deve considerar-se como válido nenhum<br />

tratado de paz que se tenha feito com a reserva secreta de elementos para uma guerra<br />

futura”. (KANT, 2015, p. 130), imperativo elaborado no primeiro artigo preliminar da<br />

referida obra. Nesse sentido, se visa precaver os estados de qualquer guerra futura, pois<br />

esta é uma realidade própria do estado de natureza.<br />

O estado de paz entre os homens que vivem juntos não é um estado de<br />

natureza (status naturalis), o qual é antes um estado de guerra, isto é, um<br />

estado em que, embora não exista sempre uma explosão das hostilidades, há<br />

sempre, no entanto, uma ameaça constante. (KANT, 2015, p. 136)<br />

1116


No estado de natureza para Kant, mesmo que não se viva em uma barbárie<br />

constante, mas a ameaça é real, e se, portanto, a sociedade uma vez constituída sem um<br />

aparato da paz, vivera sobre a sombra atormentadora das hostilidades, estes sempre<br />

presentes.<br />

Outro aspecto relevante no pensamento kantiano, é que a guerra deve ser<br />

consentida pela espécie humana, isso se dá em um Estado Republicano. Essa dinâmica<br />

consensual evidencia um Estado, que se tem como princípio a participação popular e a<br />

publicidade de suas ações como fundamento de sua ação política.<br />

Continua Kant:<br />

-Se (como não pode ser de outro modo nesta constituição), se exige o<br />

consentimento dos cidadãos para decidir “se deve ou não haver guerra”,<br />

então, nada é mais natural do que deliberar muito em começarem um jogo tão<br />

maligno, pois tem de decidir para si próprios todos os sofrimentos da guerra<br />

(como comb<strong>ate</strong>r, custear as despesas da guerra / com o seu próprio<br />

patrimônio, reconstruir penosamente a devastação que ela deixa atrás de si e,<br />

por fim e para cúmulo dos males, tomar sobre si o peso das dividas que nunca<br />

acaba [em virtude de novas e próximas guerras] e torna amarga a paz).<br />

(KANT, 2015, p. 139).<br />

[...] porque o chefe do Estado não é um membro do Estado, mas o seu<br />

proprietário, e a guerra não lhe faz perder o mínimo dos seus banquetes,<br />

caçadas, palácios de recreio, festas cortesãs, etc., e pode, portanto, decidir a<br />

guerra como uma espécie de jogo por causas insignificantes e confiar<br />

indiferentemente a justificação da mesma por causa do decoro ao sempre<br />

ponto corpo diplomático. (KANT, 2015, p.140).<br />

Ora, o que se aponta nas linhas acima, é o contraponto presente num<br />

Governo Absolutista e/ou totalitário, pois estes, logicamente não irão de forma alguma<br />

se imiscuir de uma guerra, pois aqueles que a mantem, não sofre os danos ocasionados<br />

pela institucionalização da guerra. Estes vivem confortavelmente os luxos que os<br />

cercam, objetivando todas as hostilidades no povo, que não tem a capacidade de<br />

participar da vida política.<br />

É necessário, se fazer a crítica ao sistema de poder, pois este vai ser um dos<br />

nortes para se estabelecer ou não uma guerra. Infelizmente, “a facilidade para fazer a<br />

1117


guerra, unida a tendência dos detentores do poder que parece ser congênita à natureza<br />

humana, é pois, um grande obstáculo para a paz perpetua”. (KANT, 2015, p. 133). Qual<br />

a possibilidade de se mudar a dinâmica do poder, em sua influencia de gerir a<br />

manutenção de uma guerra? Certamente, é direcionar esse poder dentro de uma<br />

dinâmica de Estado, onde a vontade geral se estabeleça.<br />

Em Kant, “[...] a guerra é certamente apenas o meio necessário e lamentável<br />

no estado da natureza (em que não existe nenhum tribunal que possa julgar, com a força<br />

do direito), para afirmar pela força o seu direito” (KANT, 2015, p.134). Uma vez<br />

constituído um Estado republicano, vivendo sobre as força legislativa do Direito, a<br />

discussão sobre a manutenção da guerra se dará a partir do poder normativo que confere<br />

e regula um estado de guerra.<br />

Assim como olhamos com profundo desprezo o apego dos selvagens à sua<br />

liberdade sem lei, que prefere mais a luta continua do que sujeitar-se a uma<br />

coerção legal por eles mesmos determinável, escolhendo pois a liberdade<br />

grotesca a racional, e consideramo-la como barbárie, grosseria e degradação<br />

animal da humanidade; assim também – deveriam pensa-se - os povos<br />

civilizados. (KANT, 2015, p. 143).<br />

Não se cabe do ponto civilizatório, viver em um estado de barbárie, se<br />

ausentar da jurisdição seria o fim da sociedade civil, retornando a um estado de<br />

natureza. Assim, acontece, quando um povo dito civilizado, reforça a guerra como<br />

elemento de resolução de conflitos. Ainda mais quando este é reforçado pelo direito,<br />

isso é de uma contradição tamanha, que não cabe na conceituação da palavra direito.<br />

Na perspectiva do Direito, podemos entender aquele que regulamenta as<br />

relações internas dos indivíduos com os seus pares (Direito Civil), e as relações entre o<br />

Estado e os cidadãos (Direito Público), contudo, se percebe que se faz necessário um<br />

direito, no qual venha interferir normativamente nas relações entre os Estados, na sua<br />

dimensão diplomática, ou seja, regulando os conflitos na esfera internacional, daí surge<br />

o Direito Internacional (no seu inicio compreendido como Direito das gentes).<br />

O Direito será uma reivindicação basilar, sendo este único instrumento<br />

jurídico para banir a guerra. Contudo, Kant, precisa c<strong>ate</strong>goricamente, reconfigurar todo<br />

1118


sistema jurídico que regulava as relações entre os Estados, colocando em “xeque” toda<br />

tradição doutrinaria do Direito Internacional.<br />

Tendo em conta a maldade da natureza humana, que pode ver-se às claras na<br />

livre relação dos povos (ao passo que no Estado legal-civil se oculta través da<br />

coacção do governo) é, sem dúvida, de admirar que a palavra direito não<br />

tenha ainda podido ser expulsa da política da guerra como pedante, e que<br />

nenhum Estado tenha ainda ousado manifestar-se publicamente a favor desta<br />

última / opinião; pois continuam ainda a citar-se candidamente Hugo Grócio,<br />

Pufendorf, V<strong>ate</strong>l e outros (incômodos consoladores apenas!). (KANT, 2015,<br />

p.144).<br />

A tradição do antigo Direito das Gentes, reforça um direito a guerra, tendo<br />

como principal expoente Hugo Grócio, na sua obra “Direito da guerra e da Paz”,<br />

trazendo em seu bojo a compreensão e defesa da guerra justa. Para Kant, uma<br />

contradição lógica, sem sentido do ponto de vista do Direito, pois, reforça uma<br />

escravidão e um estado de barbárie, colocando a humanidade sobre o julgo da<br />

hostilidade.<br />

No conceito do direito das gentes enquanto direito para a guerra, nada se<br />

pode realmente pensar (porque seria um direito determinaria o que é justo<br />

segundo máximas unil<strong>ate</strong>rais do poder e não segundo leis exteriores,<br />

limitativas da liberdade do individuo, e universalmente válidas). (KANT,<br />

2015, p.146)<br />

A Crítica ao Direito Internacional que antecede o pensamento kantiano, faz<br />

do filósofo de Konigsberg, saltar para uma revolução paradigmática. Mostrando,<br />

claramente, as titubeações em se pensar a guerra do ponto de vista do Direito, daí a<br />

novidade de Kant, trazendo como força doutrinária a reivindicação jurídica para a paz.<br />

Portanto, a nova dimensão do Direito Internacional, será aniquilar todo direito pautado<br />

na manutenção da guerra, estabelecido pela influencia do kantismo, um projeto de paz<br />

juridicamente regulado.<br />

As causas existentes para uma guerra futura, embora talvez não conhecidas<br />

agora nem sequer para os negociadores, destroem-se no seu conjunto pelo<br />

tratado de paz, por muito que se possam extrair dos documentos de arquivo<br />

mediante de um escrutínio penetrante. (KANT, 2015, p. 130)<br />

1119


Os tratados internacionais, como corpo normativo, ganham uma nova<br />

configuração em seus dispositivos. É de se ter em vista, que para Kant, não se basta<br />

nessa nossa visão do direito, estabelecer leis, se fazendo, entretanto, necessária<br />

profundidade em analisar a forma em que os tratados são estabelecidos.<br />

A Paz perpetua, nos <strong>artigos</strong> preliminares, Kant, irá, expor uma imagem,<br />

espécie de sondagem dos interesses inerentes aos Estados quando estabelece de forma<br />

mascarada um direito de paz através de seus tratados e acordos diplomáticos. O que há,<br />

é uma grande enganação nos pactos estabelecidos, e esses apenas deixam sobre a<br />

eclosão de uma guerra a qualquer momento, ou seja, o Direito das gentes, do ponto de<br />

vista da guerra justa, apenas trata de uma paz momentânea.<br />

Os <strong>artigos</strong> preliminares (3, 4 e 6), da Paz Perpétua, nos remetem a<br />

explanação fornecedora de como os interesses econômicos, políticos, e a transmutação<br />

do conceito de direito reforçam a guerra, e não as extinguem. Ou seja, os tratados<br />

estabelecidos, apenas mascaram os jogos de interesses que estão nas relações políticas<br />

entre os Estados.<br />

Na sondagem Kantiana, para a Paz é necessário de imediato, acabar com as<br />

possibilidades, de se ter uma guerra em estado de erupção. Por isso, no artigo 3º, Kant<br />

(2015, p. 131), nos aponta que “– os exércitos permanentes (miles perpétuos) devem<br />

com o tempo, desaparecer totalmente”, se fazendo extinguir todo poder bélico, este que<br />

é instrumento técnico para a guerra. Não podemos ser ingênuos, se realmente os Estados<br />

querem estabelecer a paz, por qual motivo, deixariam seus exércitos de prontidão. O<br />

poder bélico é uma fumaça pronta a ser acesa para fazer insurgir uma guerra, além de<br />

que guerra e arma não se harmonizam com o direito da humanidade.<br />

Um ponto, esclarecedor, muito contemporâneo a nós, é à força do capital e a<br />

disputa em torno da acumulação de riqueza. Kant (2015, p. 132), no século XV<strong>II</strong>I,<br />

entende e nos aconselha: “não se devem emitir dividas publicas em relação com os<br />

assuntos de politica externa”, o artigo 4º, de onde decorre essa premissa, nos faz<br />

entender a força conflitante do poder econômico, nas relações entre os Estados. Na<br />

literatura mundial, percebemos em vários momentos a força desse conselho kantiano,<br />

1120


quantos países entraram em conflitam e vivem sobre a ameaça constante de guerras,<br />

pelas infelizes luta de alguns Estados ainda se manterem como império econômico, é<br />

uma busca que enseja em grandes conflitos internacionais.<br />

Àqueles Estados, portanto, que emitem dívidas, públicas, ficam a mercê de<br />

um controle, ao ponto de se tornarem mercadorias e refém de um sistema global,<br />

gerador de escravidão real e simbólica, fazendo estes, perder o sentido original do<br />

Estado, na compreensão kantiana: um Ente, do qual, sobre nenhuma hipótese, deverá ser<br />

objeto.<br />

Dessa maneira diante do contexto das relações entre os Estados essa<br />

discussão pode ser compreendida necessariamente nas forças econômicas que a política<br />

exerce, fortalecendo o poderio de alguns Estados, fazendo com que gerem conflitos<br />

insanáveis a comunidade Internacional.<br />

Por fim, o artigo, 6º, coloca a preocupação kantiana com a guerra de<br />

extermínio, pois “– nenhum Estado em guerra com outro deve permitir tais hostilidades<br />

que tonem impossíveis a confiança mútua na paz futura, como, por exemplo, o emprego<br />

pelo outro Estado de assassinos (percussores), envenenadores (venefiti), [...] etc.”<br />

(KANT, 2015, p. 134). Essas desconfiança, para Kant, em tempos de guerra, pode gerar<br />

um aniquilamento da humanidade, por isso, se porventura ocorrer uma guerra, é<br />

necessário o desejo, de sanar o conflito.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

O presente trabalho, como uma tentativa de responder sinteticamente do<br />

ponto de vista da filosofia da história do pensamento de Kant em torno da guerra, que<br />

hora é apresentada, como conflito humano que conduz ao melhor, e sua m<strong>ate</strong>rialidade<br />

no paradigma da guerra. Antagonismo que tanto ocorre numa dimensão micro da<br />

sociedade, quanto macro, como é o caso das guerras, curiosamente age como mola<br />

propulsora para o desenvolvimento das disposições naturais humanas, por conseguinte,<br />

como meio para o progresso de um modo geral, e, por assim dizer, da sociedade civil.<br />

1121


O que nos é apresentado já nos primeiros escritos kantianos é a condição de<br />

possibilidade para um Direito Cosmopolita relacionado à própria disposição da natureza<br />

humana no aspecto positivo da desigualdade e do conflito, pois “o maior problema para<br />

a espécie humana, a cuja solução a natureza a obriga, é alcançar uma sociedade civil<br />

que administre universalmente o direito” (KANT, 2011, p.10), assim dotando o homem<br />

de liberdade regida por Constituição Civil, através de uma racionalidade.<br />

Tendo em vista nascimento do Estado Civil, sustentado pela lei positiva, faz<br />

com que o ideal Kantiano para a Paz Perpétua seja um projeto Politico, no enfretamento<br />

da manutenção da guerra. Todavia, é de se lembrar, que “ [...] assim também a miséria<br />

resultante das guerras permanentes, em que os Estados procuram uma outra vez<br />

humilhar ou submeter-se entre si, deve finalmente levá-los, mesmo contra vontade, a<br />

ingressar numa constituição cosmopolita”. (KANT, 2015, p. 106).<br />

Em síntese, nas palavras kantianas, na sua visão não profética, mas ideal de<br />

uma perpetuação da paz, e da presença do conflito, apenas como modo antagônico<br />

(insociável sociabilidade), no progresso da historia humana, consequentemente, “neste<br />

tempo haveria uma universal igualdade entre os homens e uma paz perpétua entre eles,<br />

em uma palavra, haveria um puro desfrutar de uma vida despreocupada, absorta em<br />

preguiça ou despendida em jogos infantis”. (KANT, 2009, p.165). Pensar, dessa forma é<br />

adentrar a dimensão da vida humana na construção de um Direito Cosmopolita, nas<br />

bases da hospitalidade universal.<br />

O conflito, é inerente para a presença marcante do melhoramento,<br />

certamente, haverá oscilações. “Poderei, pois, admitir que, dado o constante progresso<br />

do gênero humano no tocante à cultura, enquanto seu fim natural importa também<br />

concebê-lo em progresso para o melhor, no que respeita ao fim moral do seu ser, e que<br />

este progresso foi por vezes interrompido, mas jamais / cessará”. (KANT, 2015, p. 103).<br />

De outro modo, povos tão melhorados, juridicamente alicerçados, podem degenerar,<br />

contudo, é uma crise no qual farão pensar suas práticas, seus declínios, despertando o<br />

desejo de construir uma sociedade mais justa, igualitária, e ainda melhor. A espécie<br />

1122


humana se conduz historicamente, para resolução de seus antagonismos, mesmo diante<br />

dos paradoxos decorrentes.<br />

A duplicidade de apreender o conflito na filosofia kantiana nos permite<br />

perceber o quanto é positivo compreender a dinâmica da vida humana nas suas relações<br />

no mundo. Não desempenhamos mecanicamente nossas funções, pelo o contrário a<br />

natureza, nos direciona ao processo de desempenho e vitalidade de ante do fenômeno da<br />

historia. A natureza, é a principal protagonista de todo progresso da humanidade, sendo<br />

o gênero humano despertado, para o desenvolvimento dos germes, quando se percebe<br />

nos seus conflitos sociais, estabelecendo a dimensão cosmopolita como ideal a ser<br />

vivido.<br />

REFERÊNCIAS<br />

KANT, Immanuel. A Paz Perpétua. In: A paz perpétua e Outros Opúsculos. Lisboa:<br />

Edições 70, 2015.<br />

KANT, Immanuel. Início Conjectural da História Humana. Trad. Joel Thiago Klein.<br />

rev. ethic@-An international Journal for Moral Philosophy. Florianópolis: UFSC,<br />

2009.v. 8, n. 1, p. 157-168.<br />

KANT, Immanuel. Ideia de uma Historia Universal de um Ponto de Vista<br />

Cosmopolita. 4ª ed. São Paulo: Martins Fontes: 2016<br />

KANT, Immanuel. Sobre a expressão corrente: Isto pode ser correto na teoria, mas<br />

nada vale na prática. In: A Paz Perpétua e Outros Opúsculos. Lisboa: Edições 70,<br />

2015.<br />

1123


A PSICANÁLISE NA CONTEMPORANEIDADE:entre zonas erógenas, corpos<br />

falantes e corpos sem órgãos.<br />

THE PSYCHOANALYSIS IN CONTEMPORANEITY:<br />

between erogenous zones, talking bodies and bodies without organs.<br />

Lorena Rodrigues Guerini<br />

Psicóloga e Psicanalista. Mestre em Psicologia pela UFF.<br />

Doutoranda em Teoria Psicanalítica pela UFRJ. Professora<br />

substituta da UFMA.<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia.<br />

RESUMO: A presente investigação se debruça sobre as novas modalidades de malestar<br />

na contemporaneidade e se desdobra em três tempos. Em um primeiro tempo<br />

objetivamos cartografar as transformações da concepção de corpo presente na obra de<br />

Freud, dando ênfase ao conceito de zona erógena, para pensar a desnaturalização do<br />

corpo em suas funções orgânicas e a emergência de um corpo erógeno. Em um segundo<br />

tempo visamos cartografar as transformações da concepção de corpo presente na obra<br />

de Lacan, dando ênfase ao conceito de corpo falante, a fim de recolocar a questão do<br />

corpo, partindo do registro imaginário para o registro real. No terceiro e último tempo<br />

vamos analisar as possíveis contribuições da filosofia de Deleuze para a psicanálise,<br />

incluindo as obras em colaboração com Guattari, dando ênfase ao conceito de corpo<br />

sem órgãos, para pensar o corpo em sua construção permanente, articulando produção<br />

desejante e produção social.<br />

Palavras-chave: corpo, psicanálise, filosofia.<br />

1124


ABSTRACT: The present investigation focuses on the new modalities of mental illness<br />

in the contemporaneity and unfolds in three times. In a first time we aimed to map the<br />

transformations of the body conception present in Freud's work, emphasizing the<br />

concept of erogenous zone, to think about the denaturation of the body in its organic<br />

functions and the emergence of an erogenous body. In a second time, we intend to map<br />

the transformations of the body conception present in Lacan's work, emphasizing the<br />

concept of the talking body, in order to reinsert the question of the body, starting from<br />

the imaginary dimension for the real dimension. In the third and last time we will<br />

analyze the possible contributions of Deleuze's philosophy to psychoanalysis, including<br />

works in collaboration with Guattari, emphasizing the concept of a body without<br />

organs, to think of the body in its permanent construction, articulating desiring<br />

production and social production.<br />

Keywords: body, psychoanalysis, philosophy.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Na contemporaneidade, se nos propomos a pensar sobre as novas<br />

modalidades de mal-estar, deparamo-nos com um grande destaque conferido ao corpo.<br />

Seja recortando-se na automutilação, anestesiando-se com psicotrópicos, álcool e outras<br />

drogas, transformando-se através de cirurgias plásticas, marcando-se com tatuagens e<br />

piercings, o corpo está sempre presente, e nele insiste a dor. Na cena contemporânea,<br />

vemos que o corpo ocupa o primeiro plano. Tal como apontado por Joel Birman (2012),<br />

enquanto a modernidade fora marcada pelo sofrimento, que exigia a elaboração da<br />

experiência pela via da linguagem e sua consequente temporalização, na<br />

contemporaneidade o sofrimento cede lugar à dor, que incide nua e crua, no opaco<br />

espaço do corpo. A dor evidencia a tendência ao solipsismo do sujeito contemporâneo,<br />

enquanto o sofrimento, que traria consigo um apelo à alteridade, encontra-se em<br />

declínio.<br />

1125


Qual a razão desse prestígio conferido ao corpo? Pode-se afirmar que o<br />

corpo, para nós, cidadãos do mundo contemporâneo, é nosso único bem.<br />

Todos os outros desapareceram, ou foram relativizados no seu valor. [...]<br />

pode-se dizer que o corpo se transformou no nosso bem supremo. Nem Deus,<br />

nem tampouco a alma ocupam mais este lugar de destaque na cosmologia<br />

íntima do sujeito da contemporaneidade – apenas o corpo. (BIRMAN, 2012,<br />

p.70)<br />

Sem dúvida a consideração sobre o corpo não é uma novidade para a<br />

psicanálise. Não podemos esquecer que os corpos insurgentes que se reviravam em<br />

conversões histéricas no século XIX foram para Freud o estopim de onde partiram as<br />

reflexões que o permitiram criar a psicanálise enquanto teoria e prática. Impondo-se<br />

pela via do sintoma, que nunca é um fenômeno exclusivamente psíquico, pois é sempre<br />

também um fenômeno de corpo, este estranho íntimo ganhou visibilidade. Freud fora<br />

profundamente marcado pela experiência com Jean-Martin Charcot, especialmente<br />

pelas demonstrações públicas realizadas em suas aulas no Hospital da Salpetrière na<br />

França, que consistiam em localizar o ponto sensível no corpo de uma paciente, e tocálo<br />

a fim de provocar espetaculares crises histéricas. Esta experiência, que permite a<br />

Freud observar a forma como as pacientes se utilizam de seus corpos para manifestar<br />

seus sintomas, foi fundamental para que ele pudesse avançar em suas investigações.<br />

Chama <strong>ate</strong>nção de Freud a capacidade do corpo de dar forma ao sintoma histérico,<br />

fenômeno que foi chamado de conversão. O estatuto desse corpo vai ser alvo de<br />

indagação: como as histéricas conseguem subverter a anatomia e satisfazer desejos<br />

proibidos por meio de seus corpos?<br />

No texto intitulado Três ensaios sobre a teoria da sexualidade Freud<br />

(1905/1996) vai avançar na tentativa de compreender o corpo, analisando a experiência<br />

da criança desde os primeiros meses de vida. Ele vai se deparar com uma experiência de<br />

corpo possível antes mesmo da construção de qualquer unidade, denunciando o caráter<br />

artificioso da unidade corporal. É através da formulação do conceito de zona erógena<br />

que ele caminha nessa direção. Freud (1905/1996, p.172) caracteriza a zona erógena<br />

1126


como “[...] uma parte da pele ou da mucosa em que certos tipos de estimulação<br />

provocam uma sensação prazerosa de determinada qualidade.”. Ele afirma que qualquer<br />

parte do corpo pode cumprir esse papel, a depender da construção de um hábito e não de<br />

uma determinação natural. Desse modo Freud retira o corpo da ordem estritamente<br />

biológica e anatômica ao afirmar que a qualidade do estímulo e o hábito é que são<br />

determinantes na produção da propriedade erógena, e não a suposta natureza corporal.<br />

Na pena de Freud, a natureza é subvertida pelos desejos inconscientes. Afinal o que<br />

significa dizer que a criança investiga seu corpo, e por hábito alça algumas partes à<br />

condição de zona erógena, senão que essa criança, através da experimentação, constrói<br />

seu próprio corpo erógeno?<br />

Avançando em suas investigações, o estatuto do corpo e da mente, que toca<br />

o cerne da dicotomia cartesiana, precisou ser profundamente reformulado. Isso será<br />

feito através do conceito de pulsão, definido como “[...] um conceito-limite entre o<br />

somático e o psíquico, como o representante psíquico dos estímulos oriundos do interior<br />

do corpo e que atingem a alma, como uma medida do trabalho imposto à psique por sua<br />

ligação com o corpo” (FREUD, 1915/2010, p.57). Designando os estímulos<br />

provenientes de um órgão ou de uma parte do corpo como a fonte da pulsão, Freud vai<br />

ser levado a reformular não só o estatuto do corpo e da mente, como também vai<br />

precisar consequentemente redefinir as relações que ambos estabelecem entre si. Essa<br />

redefinição vai tomar corpo e mente como entidades indissociáveis. É no momento de<br />

sua obra em que desenvolve as novas formulações que marcam a passagem para a<br />

‘segunda tópica’ que ele claramente vai afirmar: “O Eu é sobretudo corporal, não é<br />

apenas uma entidade superficial, mas ele mesmo a projeção de uma superfície. Ou seja,<br />

o Eu deriva, em última instância, das sensações corporais, principalmente daquelas<br />

oriundas da superfície do corpo” (FREUD, 1923/2011, p.32). Se aqui a definição do eu<br />

pode ser confundida com a definição do corpo não é à toa. O que Freud está fazendo é a<br />

subversão da dicotomia cartesiana pela via do Eu corporal. Porém, ao superar a<br />

dicotomia cartesiana e definir outro estatuto para o corpo e para o psiquismo, a<br />

1127


c<strong>ate</strong>goria de sujeito também será questionada e não sairá ilesa, já que é o correlato do<br />

dualismo aqui em questão.<br />

Chegando nesse ponto torna-se importante dialogar com outros autores que,<br />

a partir de Freud, puderam avançar dando ao corpo, ao psiquismo e concomitantemente<br />

ao sujeito, estatutos diferenciados na teoria e na prática psicanalítica. Para isso não<br />

podemos deixar de abordar a obra de Lacan. A crítica à c<strong>ate</strong>goria de sujeito e a profunda<br />

reformulação da c<strong>ate</strong>goria de corpo foi, sem dúvida, uma das grandes empreitadas<br />

desenvolvidas ao longo de seu ensino. Vale destacar a esse respeito um de seus<br />

primeiros textos, O estádio do espelho como formador da função do eu, onde a<br />

formação do eu é explicitada em sua relação de dependência do processo de<br />

constituição da imagem do corpo próprio e em sua diferença em relação a c<strong>ate</strong>goria de<br />

sujeito. Nesse texto Lacan (1949/1998, p.96) nega o dualismo cartesiano afirmando que<br />

sobre a função do eu, na experiência que dele nos dá a psicanálise, “[...] convém dizer<br />

que nos opõe a qualquer filosofia diretamente oriunda do Cogito”. Essa oposição se<br />

sustenta porque, tal como a psicanálise nos mostra, falta ao humano em seus primeiros<br />

meses de vida um esquema mental de unidade do corpo próprio que permita constituir<br />

um corpo enquanto totalidade organizada através de distinções como dentro e fora,<br />

individualidade e alteridade. Tal esquema adviria apenas a partir do décimo oitavo mês<br />

de vida, quando o humano se torna, através da mediação de um outro, um corpo<br />

unificado, que pode identificar-se e reconhecer-se em sua imagem. É apenas no<br />

momento do estádio do espelho que se formam as condições para que posteriormente<br />

ocorra o que Lacan (1949/1998, p.102) chama de “normalização dessa maturação a<br />

depender, no homem, de uma intermediação cultural”. Assim, com Lacan, podemos<br />

pensar a imagem unitária do corpo e sua suposta separação do eu como ficções, como<br />

normalizações que mascaram o corpo fragmentado e a constitutiva dependência do<br />

outro.<br />

Apesar de Lacan ter se tornado mais conhecido precisamente por sua ‘fase<br />

estruturalista’, onde a c<strong>ate</strong>goria de sujeito foi determinante, suas reflexões não pararam<br />

por aí, e para pensar o corpo para além das ficções imaginárias e simbólicas, precisou se<br />

1128


deparar com o real e forjar o conceito de gozo. Nesse sentido podemos encontrar<br />

diferentes concepções de corpo ao longo do ensino de Lacan. Tal como afirma Nasio<br />

(1993, p.151)<br />

[...] o corpo pode ser contemplado de três pontos de vista complementares:<br />

em primeiro lugar, do ponto de vista real, temos o corpo sinônimo de gozo;<br />

depois, do ponto de vista simbólico, temos o corpo significante, conjunto de<br />

elementos diferenciados entre si e que determinam um ato no outro; e por<br />

fim, o corpo imaginário, identificado como uma imagem externa e prenhe,<br />

que desperta o sentido num sujeito.<br />

Em seu último ensino Lacan (1972-1973/2008) afirma que para gozar é<br />

necessário um corpo, e para redefinir o estatuto desse corpo que se goza ele vai cunhar o<br />

conceito de corpo falante. Se Lacan passa de um momento no qual priorizava o registro<br />

simbólico, pensando a relação entre corpo e linguagem como uma relação de<br />

mortificação (LACAN, 1964/2008), para um momento final de seu ensino onde pensa a<br />

própria linguagem como meio de gozo, cunhando o conceito de lalíngua (LACAN,<br />

1972-1973/2008), para nós faz-se necessário pensar os impactos que essa transformação<br />

produz, especialmente no que se refere ao corpo. A linguagem, antes concebida como<br />

uma espécie de navalha que recorta a carne e a cadaveriza – separando carne e corpo, e<br />

tornando o corpo a superfície de inscrição do Outro – passa a ser compreendida como<br />

divagação de saber sobre a lalíngua do corpo falante, como uma marca que o verbo faz<br />

na carne antes mesmo que se estruture qualquer possibilidade de significação. Mas<br />

como isso se dá? Como esses novos conceitos criados por Lacan, tal como lalíngua e<br />

corpo falante, podem nos ajudar a avançar?<br />

Colette Soler (2010) pode nos ajudar a pensar quando ressalta que para<br />

compreendermos o conceito de corpo falante precisamos notar que o verbo falar não<br />

está mais referido a um sujeito e sim ao próprio corpo.<br />

"Corpo falante", isso desloca o campo da linguagem do Simbólico para o<br />

Real, pois o corpo do qual se trata não é o do estádio do espelho, o corpo da<br />

imagem, da forma. É o corpo substância que "se goza" e se situa no espaço da<br />

vida. Entra-se, pois, no capítulo da função e da incidência da fala sobre a<br />

substância viva. A própria noção de "corpo falante" faz a conexão entre o<br />

verbo de um lado, precedentemente referido ao sujeito, e de outro lado, o<br />

1129


corpo de gozo, pois "para gozar é necessário um corpo", não um sujeito.<br />

(SOLER, 2010, p.11).<br />

Não se trata mais de um sujeito que faz uso de seu corpo para falar, e sim do<br />

próprio corpo que fala. É importante lembrar que na teoria lacaniana o sujeito nunca<br />

teve nenhuma consistência além da que o permite servir de suporte para estruturas que<br />

agem através dele, tal como a linguagem. Logo afirmar que o sujeito não está mais em<br />

primeiro plano não significa abolir definitivamente essa c<strong>ate</strong>goria, mas sim reposicionála,<br />

recolocá-la em outros termos, tornando-a secundária em relação ao corpo de gozo,<br />

deslocando-a, tal como será necessário deslocar a linguagem do registro simbólico para<br />

o real. Desse modo podemos pensar o sujeito como apenas um dos derivados possíveis<br />

do corpo falante, assim como podemos pensar a linguagem como apenas um dos<br />

derivados possíveis da lalíngua.<br />

Atualmente vários psicanalistas se utilizam dessas formulações do último<br />

ensino de Lacan, incluindo aí o conceito de corpo falante, para propor novos rumos para<br />

a clínica psicanalítica. No entanto aqui sentimos a necessidade de estabelecer um<br />

diálogo com autores mais conhecidos no campo da filosofia, a saber, Deleuze e<br />

Guattari. É interessante ressaltar que o próprio Lacan reconheceu que a questão<br />

referente aos efeitos da linguagem no corpo foi desenvolvida de maneira especialmente<br />

interessante por Félix Guattari. No encerramento do Congresso da Escola Freudiana de<br />

Paris em 1970, Lacan fez a ele a seguinte provocação:<br />

[...] Guattari é sagaz ao levantar a questão de por onde o efeito<br />

da linguagem se impõe ao corpo, pelo que cabe ao ideal, por um<br />

lado, e ao objeto a, por outro. É um patos para o ideal uma<br />

corpoisificação. É no objeto a que o gozo retorna, mas em que a<br />

ruína da alma só se consuma por um incorpóreo. E o<br />

questionador, ao me responder, parece evitar minhas falsas<br />

armadilhas. (LACAN, 1970/2003, p.310).<br />

A partir dessa provocação feita por Lacan vale perguntar: qual seria a<br />

sagacidade do questionador Guattari ao levantar a questão do corpo? Quais seriam as<br />

falsas armadilhas lacanianas que Guattari evita? Traria ele algo de novo para a nossa<br />

discussão? Para tentar responder essas perguntas seguindo essa pista deixada por Lacan,<br />

1130


somos levados ao livro que Guattari publicou na França em coautoria com Gilles<br />

Deleuze dois anos depois do referido Congresso, em 1972: O Anti-Édipo – capitalismo<br />

e esquizofrenia 1. Extrapolando os limites do estruturalismo e rompendo com o<br />

predomínio do simbólico, Deleuze e Guattari neste livro, em um fecundo diálogo com a<br />

psicanálise, com a filosofia, com a antropologia e com as artes, forjaram uma série de<br />

conceitos, entre eles o de corpo sem órgãos, que ainda não foram suficientemente<br />

explorados em sua potencialidade para nos auxiliar a repensar a psicanálise na<br />

contemporaneidade.<br />

Tal como afirma o próprio Deleuze, vários dos conceitos forjados no Anti-<br />

Édipo não são apenas críticas, muito menos um abandono da psicanálise, mas sim uma<br />

forma de ajudar Lacan esquizofrenicamente:<br />

É Lacan quem diz: não me ajudam. Iríamos ajudá-lo esquizofrenicamente. E<br />

é claro que devemos tanto mais a Lacan quanto renunciamos a noções como<br />

as de estrutura, simbólico ou significante, totalmente impróprias, e que Lacan<br />

mesmo sempre soube revirar para mostrar seu avesso. (DELEUZE, 2013,<br />

p.24).<br />

Mas o que Deleuze quer dizer quando afirma que ele e Guattari iriam ajudar<br />

Lacan esquizofrenicamente? Compreendemos que essa ajuda consiste em colocar no<br />

cerne da investigação psicanalítica a experiência do corpo na esquizofrenia, ou melhor,<br />

a experiência do corpo sem órgãos. Os autores do Anti-Édipo afirmam que a psicanálise<br />

construiu uma perspectiva limitada sobre o estatuto do corpo, na medida em que toma a<br />

neurose como referência e que, quando se debruça sobre a psicose, prioriza a<br />

investigação dos casos de psicose paranóica, como haviam feito Freud com o caso<br />

Schreber, e Lacan, com o caso Aimée. Na tentativa de priorizar a investigação do<br />

estatuto do corpo pela via da esquizofrenia, os autores do Anti-Édipo vão tomar<br />

emprestado o conceito de corpo sem órgãos de Artaud, escritor, ator e diretor de teatro<br />

que criou uma obra ímpar, com fortes inspirações surrealistas e anarquistas e,<br />

considerado louco, foi internado em diversos manicômios franceses, terminando sua<br />

1131


vida tal como ele mesmo havia definido o pintor Van Gogh: ‘suicidado pela sociedade’<br />

(LINS, 1999).<br />

Deleuze e Guattari (2010) em Anti-Édipo vão criar uma profusão de<br />

conceitos que aparecem como verdadeiras ferramentas polivalentes que nos permitem<br />

operar de maneira nova, seja na prática clínica ou na análise política. Os autores<br />

conferem grande destaque à relação entre as máquinas desejantes e o corpo sem órgãos.<br />

Tais conceitos viabilizam a criação de um plano de imanência que coloca lado a lado as<br />

questões clínicas e políticas que interessam aos autores enfrentar. O corpo sem órgãos é<br />

o corpo pleno, o improdutivo, e as máquinas desejantes se alojam sobre ele na tentativa<br />

de inseri-lo na produção, muitas vezes estratificando-o, organizando-o, tornando-o útil.<br />

Assim se estabelece o que os autores vão chamar de um “conflito aparente”. Segundo<br />

Zourabichvili (2004, p.31), o conflito entre corpo sem órgãos e máquinas desejantes é<br />

apenas aparente porque permite “[...] articular duas dinâmicas inversas e não obstante<br />

complementares da existência, de um lado a atualização de formas e de outro a<br />

involução que destina o mundo a redistribuições incessantes”.<br />

Ao reler os conflitos aparentes que se manifestam pela via psíquica e pela<br />

via política a partir da relação entre corpo sem órgãos e máquinas desejantes, os autores<br />

criam um plano de imanência que permite compreender por um lado as produções<br />

esquizofrênicas, por outro lado a produção capitalista. A produção desejante e a<br />

produção social se encontram em um só plano, plano de imanência criado pelo corpo<br />

sem órgãos, e é sobre esse corpo pleno determinado como socius que se desenvolverá<br />

uma densa discussão sobre diferentes formações sociais encarnadas no corpo sem<br />

órgãos da terra, do déspota e do capital, que se desdobra através de todo o terceiro<br />

capítulo de Anti-Édipo.<br />

Encontramos mais elementos em Mil Platôs, onde Deleuze e Guattari<br />

continuam desenvolvendo o conceito de corpo sem órgãos, e vão demonstrar como esse<br />

corpo tem como inimigo não exatamente os seus órgãos, mas sim o organismo, que<br />

imprime sobre o corpo perpassado por pulsões uma estrutura artificial que se pretende<br />

natural:<br />

1132


O organismo não é corpo, o CsO, mas um estrato sobre o CsO, quer dizer,<br />

um fenômeno de acumulação, de coagulação, de sedimentação que lhe impõe<br />

formas, funções, ligações, organizações dominantes e hierarquizadas,<br />

transcendências organizadas para extrair um trabalho útil. (DELEUZE;<br />

GUATTARI, 2012, p.24)<br />

Essa distinção é importante para compreendermos o alcance do que nos<br />

ensina Artaud, que através de sua obra precisou travar uma verdadeira batalha visceral<br />

entre linguagem e corpo, declarando guerra não exatamente aos órgãos, mas sim ao<br />

encarceramento dos órgãos em um corpo-organismo. A profundidade arrebenta a<br />

superfície desse corpo que não será apenas marcado pela linguagem, mas sim perfurado,<br />

invadido, soterrado, se deparando com a necessidade de criar um novo corpo e uma<br />

nova linguagem para sobreviver. Engajado em um projeto de auto engendramento, de<br />

reconstrução de si mesmo, Artaud nos convida a recriar a linguagem com o corpo e a<br />

partir do corpo. O corpo sem órgãos é para Artaud é um corpo que inventa uma<br />

linguagem física, capaz de falar desde a profundidade visceral de sua experiência.<br />

Limite imanente do corpo, o corpo sem órgãos é um conceito que viabiliza pensar a<br />

singularidade para além do sujeito ou da noção de eu na medida em que é ao mesmo<br />

tempo singular e impessoal, e sua impessoalidade lhe eleva à condição de possibilidade<br />

para a emergência de qualquer pessoalidade ou nome próprio. Dizer que o CsO é<br />

impessoal é o mesmo que dizer que ele rompe com as fronteiras do eu, da<br />

individualidade, inscrevendo-nos em outras territorialidades.<br />

É por isso que interessa-nos pensar o corpo sem órgãos como esse conceito<br />

limite, que permite articular a clínica e a política contemporânea em um só plano<br />

imanente, em consonância com a aposta freudiana que teve um papel fundamental no<br />

processo de desnaturalização do corpo biológico e pensou o mal-estar em íntima<br />

articulação com os problemas políticos que perpassavam a civilização de sua época. Por<br />

isso concordamos com Regina Neri (2003, p.41) quando ela afirma que:<br />

Para além do deb<strong>ate</strong> Édipo / Anti-Édipo, em que medida poderíamos<br />

considerar o Anti-Édipo — em sua potente afirmação de diferença — como<br />

um dos mais vigorosos agenciadores de linhas conceituais de intensidade<br />

presentes no texto freudiano?<br />

1133


É nesse sentido que se articula a conclusão da investigação aqui<br />

apresentada: entendemos que ao tomarmos o conceito de corpo sem órgãos como um<br />

agenciador das intensidades conceituais presentes na psicanálise, poderemos construir<br />

novas respostas para os desafios que se colocam na contemporaneidade.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BIRMAN, J. O sujeito na contemporaneidade: espaço, dor e desalento na atualidade.<br />

Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.<br />

DELEUZE, G. Conversações. São Paulo: Editora 34, 2013.<br />

DELEUZE, G; GUATTARI, F. O anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia 1. São<br />

Paulo: Editora 34, 2010.<br />

DELEUZE, G; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. São Paulo:<br />

Editora 34, 2012.<br />

FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: FREUD, S. Obras<br />

psicológicas completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira – Rio de<br />

Janeiro, Imago, 1996.<br />

FREUD, S. Os instintos e seus destinos (1915). In: FREUD, S. Obras completas,<br />

volume 12. Introdução ao narcisismo: ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-<br />

1916) – São Paulo, Companhia das Letras, 2010.<br />

FREUD, S. O Eu e o Id (1923). In: FREUD, S. Obras completas, volume 16: O eu e o<br />

id, “autobiografia” e outros textos (1923-1925) - São Paulo, Companhia das Letras,<br />

2011.<br />

LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função do eu (1949). In: LACAN,<br />

J. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.<br />

LACAN, J. Seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise<br />

(1964). Rio de Janeiro: Zahar, 2008.<br />

LACAN, J. Seminário, livro 20: mais ainda (1972-1973). Rio de Janeiro: Zahar, 2008.<br />

1134


LACAN, J. Alocução sobre o ensino (Proferida no encerramento do Congresso da<br />

Escola Freudiana de Paris em 19 de abril de 1970). Outros escritos. Rio de Janeiro:<br />

Zahar, 2003.<br />

LINS, D. Antonin Artaud: o artesão do corpo sem órgãos. Rio de Janeiro: Relume<br />

Dumará, 1999.<br />

NASIO, J.D. 5 lições sobre a teoria de Jacques Lacan. Rio de Janeiro: Zahar, 1993.<br />

NERI, R. ANTI-ÉDIPO / PSICANÁLISE: UM DEBATE ATUAL. Ágora. Volume VI,<br />

Número 1, jan/jun 2003.<br />

SOLER, C. O “corpo falante”. Caderno de Stylus. Internacional dos Fóruns do Campo<br />

Lacaniano, nº01, maio 2010.<br />

ZOURABICHVILI, F. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume Dumará,<br />

2004.<br />

1135


ANÁLISE DA OBRA ORLANDO DE VIRGÍNIA WOOLF SOB A<br />

PERSPECTIVA DOS ESTUDOS QUEER<br />

ANALYSIS OF ORLANDO BY VIRGINIA WOOLF UNDER THE<br />

PERSPECTIVE OF QUEER STUDIES<br />

Fernanda Pereira Cantanhede<br />

Orientador: Naiara Sales Araújo Santos<br />

fernanda.percant@gmail.com<br />

naiara.sas@gmail.com<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: Padrões de comportamento referentes aos gêneros masculino e feminino<br />

são transmitidos há séculos como sendo verdades absolutas e imutáveis. Homens e<br />

mulheres são regidos a agir, se vestir e se comportar de modo diferente e conforme o<br />

que a sociedade dita como correta e, principalmente, no que defende como normal.<br />

Como contraponto crítico a esses padrões normativos, sobretudo relacionados à<br />

sexualidade, ao gênero e às normas sociais, começa a se delinear na década de 1980, a<br />

Teoria Queer, originada nos Estudos Culturais norte-americanos, e a expressão ganhou<br />

notoriedade ao ser utilizada pela pesquisadora Teresa de Lauretis, durante uma<br />

conferência em 1990. Este estudo parte do princípio de que a narrativa de Woolf e a<br />

caracterização da personagem Orlando reforçam que as particularidades dos sexos e<br />

gêneros são contextuais, e não inatas. Desta forma, o objetivo deste artigo é analisar a<br />

desconstrução da visão da heteronormatividade presente na obra Orlando, além de<br />

salientar o quão importante é trazer à discussão tanto as questões referentes a sexo e<br />

gênero nos dias atuais, quanto da desconstrução dos padrões sociais descritos como<br />

aceitáveis para a sociedade.<br />

Palavras-chave: Teoria queer; Orlando; Gênero e sexualidade; Desconstrução.<br />

1136


ABSTRACT: Patterns of behavior concerning male and female genders have been<br />

passed down for centuries as absolute and immutable truths. Men and women are<br />

governed to act, to dress and to behave differently and according to what society<br />

dict<strong>ate</strong>s as correct and, mainly, in what it defends as normal. As a critical counterpoint<br />

to these normative standards, mainly rel<strong>ate</strong>d to sexuality, gender and social norms, the<br />

Queer Theory origin<strong>ate</strong>d in the American Cultural Studies began to be deline<strong>ate</strong>d in the<br />

1980s, and the expression gained notoriety when used by the researcher Teresa de<br />

Lauretis during a conference in 1990. This study assumes that Woolf's narrative and the<br />

characterization of the character Orlando reinforce that the particularities of the sexes<br />

and genders are contextual, not inn<strong>ate</strong>. In this way, the objective of this article is to<br />

analyze the deconstruction of the vision of the heteronormativity present in the work<br />

Orlando, besides emphasizing how important it is to bring to the discussion both issues<br />

of sex and gender nowadays, as well as the deconstruction of those social patterns<br />

described as acceptable to society.<br />

Keywords: Queer theory; Orlando; Gender and sexuality; Deconstruction.<br />

INTRODUÇÃO<br />

No início aos estudos da sexualidade e de gênero, prevalecia a ideia de que<br />

os apenas a heterossexualidade deveria ser considerada como natural e que apenas a<br />

dicotomia masculino e feminino, inseridos nesta sexualidade, existiam como gêneros e<br />

eram predominante, praticados pela maioria. Nesta perspectiva, até finais dos anos 1980<br />

e início dos anos 1990, os cientistas consideravam homossexuais, gays, lésbicas,<br />

transexuais, travestis e tantas outras identidades de gênero, primeiramente como<br />

patologias e depois de como minorias em seus estudos, o que reforçava a concepção de<br />

norma heterossexual à medida que enfatizavam as ideias pré-estabelecidas de gênero.<br />

Quando a Teoria Queer surgiu na década de 1980 nos EUA, suas influências<br />

principais vinham de movimentos sociais de duas décadas anteriores, cujas<br />

1137


eivindicações já não eram suficientes para contemplar outras identidades além das que<br />

os envolviam. Enquanto no feminismo era predominantemente para mulheres brancas,<br />

ocidentais e heterossexuais, nos movimentos homossexuais, os direitos pelos quais<br />

lutavam eram direitos equivalentes aos dos heterossexuais, buscando demonstrar que os<br />

homossexuais são iguais aos heterossexuais, ou seja, de que todos são “normais”, o que<br />

contribuía para a exclusão da diversidade.<br />

Mesmo com a sensação de incompletude, são esses movimentos sociais que<br />

serão basilares para induzirem a sociedade, os acadêmicos e políticos a refletirem sobre<br />

a ordem social instaurada, modificando pensamentos que até então eram tomados como<br />

verdades absolutas, paradigmas. Passa-se a questionar o que se denominou<br />

heteronormatividade, visão em que as pessoas devem ter um comportamento que denota<br />

a organização da sua vida conforme o modelo heterossexual, mesmo que elas não<br />

tenham prática heterossexual (DULCI, 2015). Essa postura é vista pelos teóricos queer<br />

como um modelo construído para normatizar as relações sexuais, com o argumento de<br />

que dessa forma a sexualidade segue um curso natural, principalmente reprodutivo.<br />

Inicialmente tido como uma expressão pejorativa que remete à<br />

anormalidade, perversão, desvio, queer se opõe à palavra straight que se traduz direito,<br />

aceito, normal, o que comunga com a principal proposição da teoria: uma inclusividade<br />

que contempla todas as manifestações da sexualidade consideradas desviantes aos olhos<br />

da cultura dominante ou hegemônica que tem como modelo de normalidade o homem<br />

branco, hetero, cristão e burguês. O que a Teoria Queer critica ou contesta é esse<br />

modelo padrão da sociedade que não deve ser tratado como “normal”, mas incluir todos<br />

os outros modelos de identidade, sem necessariamente reivindicar ser aceito ou ser<br />

“normal” dentro do conceito dominante de normalidade.<br />

A irreverência e a disposição antinorrnalizadora da teoria queer me incitam a<br />

jogar com suas ideias, sugestões, enunciados e a testá-los no campo<br />

(usualmente normalizador) da educação. Quero apostar em suas articulações,<br />

pôr em movimento o subversivo, arriscar o impensável, fazer balançar<br />

estabilidades e certezas - processos geralmente estranhos ou incômodos aos<br />

currículos, às práticas e às teorias pedagógicas. Não tenho qualquer garantia<br />

de conseguir sucesso nesses movimentos, mas tento ensaiá-los. Queer é tudo<br />

isso: é estranho, raro, esquisito. Queer é, também, o sujeito da sexualidade<br />

desviante - homossexuais, bissexuais, transexuais, travestis, drags. É o<br />

1138


excêntrico que não deseja ser "integrado" e muito menos "tolerado". Queer é<br />

um jeito de pensar e de ser que não aspira o centro nem o quer como<br />

referência; um jeito de pensar e de ser que desafia as normas regulatórias da<br />

sociedade, que assume o desconforto da ambiguidade, do "entre lugares", do<br />

indecidível. Queer é um corpo estranho, que incomoda, perturba, provoca e<br />

fascina. (LOURO, 2007, 7-8)<br />

Apenas com o surgimento da Teoria Queer estas normas vinculadas à<br />

heterossexualidade começaram a ser questionadas,uma vez que a teoria vem<br />

desconstruir estes estereótipos lutando para que as diferenças sejam toleradas e<br />

respeitadas. Na perspectiva de Richard Miskolci, um dos principais teóricos queer do<br />

Brasil<br />

A Teoria Queer lida com o gênero como algo cultural, assim, o masculino e o<br />

feminino estão em homens e mulheres, nos dois. Cada um de nós – homem<br />

ou mulher – tem gestuais, formas de fazer e pensar que a sociedade pode<br />

qualificar como masculinos ou femininos independentemente do nosso sexo<br />

biológico. No fundo, o gênero é relacionado a normas e convenções culturais<br />

que variam no tempo e de sociedade para sociedade (MISKOLCI, 2012, p.<br />

31).<br />

Já para a professora Guacira Lopes Louro precisa-se<br />

compreender o queer como uma disposição, um modo de ser – e,<br />

consequentemente, um modo de pensar e de conhecer. Uma disposição para o<br />

questionamento e a inquietude, um estranhamento de tudo ou de qualquer<br />

sujeito ou prática que se represente ou se apresente como “normal”, “natural”<br />

e incontestável. O estranhamento queer pode ser instigante para se pensar a<br />

cultura, a sociedade, para pensar o próprio pensamento. (LOURO, 2007)<br />

Nessa perspectiva, a obra de Virginia Woolf, Orlando se alinha com a da<br />

Teoria Queer que propõem que “todas as normas envolvendo gênero são construtos<br />

fictícios, e, portanto, criticáveis por subordinarem e limitarem a liberdade do sujeito de<br />

praticar, variar e construir sua identidade” (SANFELICE, 2009, p. 44). A obra subverte<br />

as normas sociais, vigentes na história e na sociedade real, evidenciando uma<br />

multiplicidade de formas de viver os gêneros e as sexualidades, reinterpretando os<br />

papéis atribuídos ao que é ser masculino e feminino, através de diversas releituras que a<br />

1139


personagem-título faz ao longo da narrativa de ser homem ou mulher. E isso corrobora<br />

com os preceitos de um dos nomes basilares da Teoria Queer. Pra Judith Butler o<br />

gênero é uma paródia não convencional, em que a imitação também é um original, e<br />

aquele é construído diariamente por meio de atos performativos.<br />

ORLANDO – AUTORA E OBRA<br />

Virginia Woolf, expoente nome do Modernismo inglês, tem em sua<br />

bibliografia grandes contribuições para o movimento feminista. Nesta vertente, se<br />

engajava em criticar o papel das mulheres na sociedade britânica, principalmente a falta<br />

de oportunidade para as mesmas no início do século XX, condição essa vivida pela<br />

própria autora e sua irmã, que, ao contrário dos irmãos, viram-se impedidas de ter<br />

acesso à educação formal, não indo à universidade.<br />

Desde o início de seu trabalho como crítica literária, nos primeiros anos do<br />

século XX, Virginia Woolf defendeu a certeza de serem as mulheres titulares<br />

de voz, pensamentos e ideias, capazes de externá-los, não obstante as<br />

mulheres da época estivessem impedidas de terem opinião ou vontade<br />

própria, sendo obrigadas a concordar com as opiniões e vontades daqueles<br />

considerados superiores: os homens. É por meio desse pensamento que<br />

Woolf, afastando os preconceitos da educação patriarcal, visa a demonstrar<br />

que o papel destinado tradicionalmente às mulheres e as imposições a que se<br />

encontram submetidas agem como dificultadores de sua expressão, da<br />

exposição de suas ideias, obstruindo o direito de transformar seus<br />

pensamentos em escrita respeitada e recepcionada com a merecida<br />

credibilidade. (FAJARDO, 2017, p. 13)<br />

Publicado em 1928, Orlando trouxe em sua escrita, mais do que uma defesa<br />

feminista, Woolf apresenta um relato visionário do equilíbrio dos sentimentos<br />

masculinos e femininos, trazendo a desconstrução de gênero, pois acreditava haver<br />

prejuízo em se pensar cada um dos sexos de forma separada. Defendia a necessidade de<br />

ser masculinamente feminina e femininamente masculino.<br />

Em Orlando, as impressões são da escritora Virginia Woolf e, com a<br />

permissão que a função lhe oportuniza, cria um enredo em que a fantasia<br />

possibilita o desejável, a fruição da imaginação e o ideal de igualdade entre<br />

os sexos, utilizando o personagem principal, Orlando, para explicitar seu<br />

1140


pensamento sobre a insignificância dos rótulos e diferenças em relação ao<br />

binarismo homem/mulher. (FAJARDO, 2017, p. 16)<br />

A necessidade de um hibridismo de gêneros para se superar a rígida<br />

atribuição de tarefas e obrigações para homens e mulheres, encontra em Orlando um<br />

manifesto para uma existência dualista que visa discordar de perceber no sexo oposto<br />

um outro diferente e inalcançável, exaltando na combinação de diferentes identidades,<br />

aqui visto na mescla de costumes e traços identitários, como forma de refletir as normas<br />

de gênero e desconstrução da heteronormatividade. A narrativa de Woolf comporia não<br />

somente o discurso insurreto feminista, mas traria à luz uma discussão mais abrangente<br />

sobre gêneros e normas heteronormativas vigentes.<br />

Garcia (2012) […] ressalta o fato de que, mesmo que o contexto sociocultural<br />

em que escreveu Orlando seja notadamente diferente do existente nas últimas<br />

décadas do século XX, especialmente no que concerne aos deb<strong>ate</strong>s do<br />

feminismo, dos estudos gays e das sexualidades, a obra se aproxima da teoria<br />

queer na medida em que recusa o discurso essencialista, problematiza a<br />

identidade sexual normativa e defende a ideia de que a identidade é, por<br />

assim dizer, líquida, tanto quanto o desejo é contingente. (CAVALCANTI,<br />

2016, p. 41)<br />

Obra escrita em seis capítulos, Orlando é uma biografia ficcional que<br />

constrói em sua narrativa uma crítica social em relação às diferenças de gênero. A<br />

personagem principal é Orlando que no início da história é descrito como um jovem<br />

nobre de dezesseis anos, bonito e atraente, capaz de despertar interesse romântico nas<br />

moças, mas com um forte lado feminino. Esta característica perpassa por toda obra<br />

como motivador para que a personagem agrade tanto a homens como mulheres. No<br />

início da obra, Woolf o descreve assim:<br />

(…) O vermelho das suas faces era coberto de uma penugem de pêssego; a<br />

penugem do buço era apenas um pouco mais densa que a das faces. Os lábios<br />

eram finos e levemente repuxados sobre os dentes de uma deliciosa brancura<br />

de amêndoa. Nada perturbava o breve, tenso vôo do sagitado nariz; o cabelo<br />

era escuro, as orelhas pequenas e bem unidas à cabeça. Mas, ai de mim! - que<br />

estes catálogos de beleza juvenil não podem terminar sem a menção dos<br />

olhos e da testa! Ai de mim, que as pessoas raramente nascem sem esses três<br />

1141


atributos! – pois, ao olharmos para Orlando parado à janela, temos de<br />

reconhecer que possuía olhos como violetas encharcadas, tão grandes que a<br />

água parecia chegar às bordas e alargá-los; e uma testa como a curva de uma<br />

cúpula de mármore, apertada entre dois brancos medalhões das têmporas. Se<br />

olharmos para a sua testa e para os seus olhos, cairemos em êxtases. Se<br />

olharmos para a sua testa e para os seus olhos, teremos de reconhecer mil<br />

coisas desagradáveis, que todos os bons biógrafos se esforçam por ignorar.<br />

(WOOLF, 1978, p. 8)<br />

A história no livro abrange um período de tempo de mais de 300 anos, de<br />

1588 a 1928, e segue a vida imortal da personagem-título desde os tempos do reinado<br />

de Elizabeth I, quando se tornou o mordomo, tesoureiro e seu eventual amante. A<br />

primeira fase da personagem é marcada pela paixão por uma princesa russa, Sasha, que<br />

o rejeita, levando-o a não fazer nada além de escrever. No período como embaixador em<br />

Constantinopla, durante o reinado do rei Carlos <strong>II</strong>, Orlando entra em transe, despertando<br />

apenas após o conflito otomano como mulher, processo que para Orlando ocorre<br />

naturalmente. A partir desse momento passa a transitar em ambos os sexos a fim de<br />

vivenciar as visões e experiências que homens e mulheres poderiam se inserir.<br />

Nessa vida dupla, Orlando começa a desenvolver sentimentos românticos<br />

somente pelos homens à sua volta e sente que deve tomar decisões sobre sua<br />

sexualidade e gênero. Orlando se apaixona e se casa com um capitão do mar,<br />

Shelmerdine, que, como ela, questiona-se quanto a pertencer ao gênero de nascimento, o<br />

que a faz atribuir o sucesso do casamento a essa semelhança. Em 1928, ela publica O<br />

Carvalho, séculos depois de iniciá-lo, e ganha um prêmio por ele. O romance termina<br />

quando o navio do marido retorna e ela vai cumprimentá-lo.<br />

TEORIA QUEER E ORLANDO: PRINCIPAIS ASPECTOS<br />

Em seu Orlando, Virginia Woolf antecipa em décadas muitas questões<br />

contemporâneas sobre a identidade, identidade de gênero e as relações entre gênero e<br />

sexualidade bastante discutidas na atualidade por teóricos como Butler (2003), Miskolci<br />

(2009) e Louro (2007). E a partir da personagem-título com uma existência que gravita<br />

1142


pelas diversas formas de vivenciar o gênero, primeiro como homem, depois como<br />

mulher que ainda mescla uma recente vida masculina, experienciando a atração por<br />

ambos os sexos e, por último, como mulher, Orlando vive por séculos com o conflito da<br />

imposição de uma masculinidade e feminilidade socialmente definidas. E nesse<br />

contexto, encontra-se comunhão com os pressupostos da Teoria Queer: questionamento<br />

sobre padrões morais enraizados na sociedade, desconstruindo estereótipos para que as<br />

diferenças sejam respeitadas, e, assim, nenhum gênero ou sexualidade se tr<strong>ate</strong> como<br />

superior à outra diferente do convencional. O que não encerra a discussão do queer<br />

apenas à cultura e comunidade homossexual, abrangendo outras questões além da<br />

vivência de um tipo de sexualidade. Acerca do assunto Richard Miskolci discorre<br />

O novo movimento queer voltava sua crítica à emergente<br />

heteronormatividade, dentro da qual até gays e lésbicas normalizados são<br />

aceitos, enquanto a linha vermelha da rejeição social é pressionada contra<br />

outr@s, aquelas e aqueles considerados anormais ou estranhos por<br />

deslocarem o gênero ou não enquadrarem suas vidas amorosas e sexuais no<br />

modelo heterorreprodutivo. O queer, portanto, não é uma defesa da<br />

homossexualidade, é a recusa dos valores morais violentos que instituem e<br />

fazem valer a linha da abjeção, essa fronteira rígida entre os que são<br />

socialmente aceitos e os que são relegados à humilhação e aos desprezo<br />

coletivo (MISKOLCI, 2012, p.25)<br />

A problemática em torno da necessidade de distinção entre sexualidade e<br />

gênero surge da imposição e do questionamento acerca da afirmação de que a anatomia<br />

rege o gênero e a identidade. E em toda narrativa de Orlando apresenta a critica Woolf<br />

(1928) as identidades socialmente impostas, desnaturalizando-as, como se estas sejam<br />

discursos performativos.<br />

Orlando, embora se sinta em conformidade com o sexo que nasceu, com<br />

atitudes do comportamento masculino da época, destaca-se por uma sensibilidade e<br />

gosto por poesia e contemplação que o distingui dos demais. Woolf o descrevia assim<br />

(…) Orlando era uma estranha mistura de muitos humores– melancolia,<br />

indolência, paixão, amor à solidão, sem falar em todas aquelas contorções e<br />

sutilezas de temperamento que foram indicadas na primeira página, quando<br />

atacava a cabeça de um negro morto, deitava-a ao chão, tornava a pendurá-la<br />

1143


cavalheirescamente fora do seu alcance, e depois se retirava para uma janela<br />

com um livro. Seu gosto pelos livros vinha de longe. (WOOLF, 1978, p. 41)<br />

Os primeiros aspectos que corroboram com queer começam a se firmar na<br />

obra quando a personagem-título conhece seu primeiro amor, a princesa russa Sasha, e<br />

ele não reconhece o gênero e, portanto, não tem como distingui-lo entre homem e<br />

mulher. Apenas como alguém que lhe desperta desejo.<br />

“[...] uma figura de homem ou mulher – porque a túnica solta e as calças à<br />

moda russa serviam para disfarçar o sexo – que o encheu da maior<br />

curiosidade. A pessoa, qualquer que fosse o nome ou o sexo, era de estatura<br />

mediana[...] Mas esses pormenores eram obscurecidos pela extraordinária<br />

sedução que emanava da própria pessoa.” (WOOLF, 1978, pg. 20)<br />

Vê-se nessa passagem que a autora vem afirmar que um indivíduo se atrai,<br />

naturalmente, não pelo que é socialmente imposto. É a essência, o ser como alguém ao<br />

alcance de possíveis relações, que interage, se envolve, se apaixona, despertando desejo.<br />

A pessoa independe do gênero para seduzir a <strong>ate</strong>nção de Orlando. Nessa passagem,<br />

além de distante, Sasha vestia-se com uma túnica própria da cultura de seu país, usada<br />

por ambos os sexos e, embora reconheça que provavelmente possa se tratar de um<br />

rapaz, em momento algum se demonstra perturbado pela possibilidade. Woolf dissocia<br />

gênero/sexo/desejo.<br />

Quando a mudança de gênero ocorre, Orlando aceita-a como “A verdade!”<br />

(WOOLF, 1978, p. 76), como se o novo gênero sempre tivesse feito parte da sua pessoa,<br />

o que o faz acolher a situação com naturalidade. E o narrador-biográfo da personagem<br />

compreende que o leitor, ao contrário de Orlando, poderia entender a situação como<br />

extraordinária, reflexo de uma sociedade repressora que via na família o principal<br />

espaço de procriação e criação dos filhos, assim como papéis imutáveis de homem e<br />

mulher nesta instituição.<br />

O primeiro pensamento do leitor que tenha acompanhado esta história com<br />

simpatia é que tal situação era extremamente precária e embaraçosa. Moça,<br />

nobre e bela, Orlando encontrava-se numa situação extremamente delicada<br />

1144


para uma jovem dama da nobreza.[…] Mas Orlando não deu tais mostras de<br />

perturbação. Todos os seus atos foram extremamente comedidos, e até<br />

poderiam fazer pensar em certa premeditação. (WOOLF, 1978, p. 77)<br />

O incômodo sentido pela personagem devido à mudança só viria surgir<br />

quando, já performando no papel social de mulher, descobrira que as diferenças de<br />

tratamento e de comportamento a confrontavam com um abismo social. Deveria reter-se<br />

ou inserir-se.<br />

“É um fato estranho, porém verdadeiro, que até aquele momento ela pouco<br />

tinha se preocupado com o seu sexo.[...] somente quando sentiu a saia<br />

enrolando em suas pernas e o capitão oferecendo-se com grande polidez para<br />

mandar armar-lhe um toldo no convés que ela percebeu, sobressaltada, as<br />

desvantagens e os privilégios de sua posição.” (WOOLF, 1978, pg. 85)<br />

. Assim como ocorre na situação da personagem do romance de Woolf,<br />

Judith Butler (2003) mostra em sua teoria uma distinção que salienta a importância da<br />

problematização de questões referentes a sexo e gênero, e os papéis de gênero atribuídos<br />

ideologicamente a cada sexo, e por esse motivo precisam ser criticados e transgredidos.<br />

Butler criou a expressão “performatividade de gênero” para explicar que os<br />

gêneros masculino e feminino são construídos socialmente e para ser identificado como<br />

pertencente a um gênero, o indivíduo “performa” - homem senta assim, fala assim,<br />

gesticula assim. Para ser homem ou mulher o indivíduo tem que “performar” o padrão<br />

instituído<br />

Concebida originalmente para questionar a formulação de que a biologia é o<br />

destino, a distinção entre sexo e gênero <strong>ate</strong>nde à tese de que, por mais que o<br />

sexo pareça intratável em termos biológicos, o gênero é culturalmente<br />

construído: consequentemente, não é nem o resultado causal do sexo, nem<br />

tampouco tão aparentemente fixo quanto o sexo. Assim, a unidade do sujeito<br />

já é potencialmente contestada pela distinção que abre espaço ao gênero<br />

como interpretação múltipla do sexo.<br />

Se o gênero são os significados culturais assumidos pelo corpo sexuado, não<br />

se pode dizer que ele decorra, de um sexo desta ou daquela maneira. Levada<br />

a seu limite lógico, a distinção sexo/gênero sugere uma descontinuidade<br />

radical entre corpos sexuados e gêneros culturalmente construídos.<br />

(BUTLER, 2003, p. 24)<br />

1145


Discutindo o gênero como uma paródia, sendo esta uma paródia não<br />

convencional, na qual existe uma cópia imitando um original, uma vez que, Butler<br />

propõe que a imitação é, por si mesma, também um original.<br />

Em certo momento da narrativa, percebe-se que não apenas a personagem<br />

principal apresenta a postura de dissociação de sexo e gênero. Woolf traz à luz que não<br />

há extraordinariedade em meio à normalidade. Os indivíduos que formam a sociedade<br />

são constituídos de multiplicidades quanto ao gênero e, principalmente, à sexualidade.<br />

Um desses exemplos se apresenta na personagem da Arquiduquesa Harriet Griselda de<br />

Finster-Aarhorn e Scand-op-Boom, que se aproxima de Orlando, quando a personagem<br />

ainda é homem, e o seduz, apaixonando-se por ele (WOOLF, 1978, p. 62-65). Mais a<br />

frente, quando Orlando já sofrera a mudança de gênero, descobre-se que na verdade<br />

Harriet era o Arquiduque Harry, que novamente declara-se, propondo-lhe compromisso<br />

(WOOLF, 1978, p. 98-100). Harry em nenhum momento parece desconfortável em<br />

assumir que havia se vestido de mulher para conquistar Orlando, e muito menos em<br />

declarar, de forma efusiva, que estava apaixonado. Essa possível confusão de gêneros,<br />

faz parecer uma teorização da própria autora de que gente se apaixona por quem for e<br />

que não existem regras, moralismo religioso, vergonhas próprias e alheias, convenções,<br />

amarras, tabus que sirva de impedimentos pelo simples despertar do desejar ou do amar.<br />

(...) os espectros de descontinuidade e incoerência, eles próprios só<br />

concebíveis em relação a normas existentes de continuidade e coerência, são<br />

constantemente proibidos e produzidos pelas próprias leis que buscam<br />

estabelecer linhas causais ou expressivas de ligação entre o sexo biológico, o<br />

gênero culturalmente constituído e a "expressão" ou "efeito" de ambos na<br />

manifestação do desejo sexual por meio da prática sexual. (BUTLER, 2003,<br />

p. 38)<br />

Woolf levanta sua maior defesa no que se pode entender como o que melhor<br />

corrobora com a Teoria Queer e, principalmente, com a performatividade de gênero de<br />

Butler no trecho em que discorre sobre a diferença dos sexos momentos antes de iniciar<br />

a alternância na performance homem/mulher.<br />

1146


A diferença entre os sexos tem, felizmente, um sentido muito profundo. As<br />

roupas são meros símbolos de alguma coisa profundamente oculta. Foi uma<br />

transformação do próprio Orlando que lhe ditou a escolha das roupas de<br />

mulher e do sexo feminino. E talvez nisso ela estivesse expressando apenas<br />

um pouco mais abertamente do que é usual – a franqueza, na verdade, era a<br />

sua principal característica – algo que acontece a muita gente sem ser assim<br />

claramente expresso. Pois aqui de novo nos encontramos com um dilema.<br />

Embora diferentes, os sexos se confundem. Em cada ser humano ocorre uma<br />

vacilação entre um sexo e outro; e às vezes só as roupas conservam a<br />

aparência masculina ou feminina, quando, interiormente, o sexo está em<br />

completa oposição com o que se encontra à vista. (WOOLF, 1978, p. 105)<br />

Nesse momento da história, Orlando, mesmo sendo mulher, passa a vestir-se<br />

e comportar-se como homem a fim de encontrar-se e seduzir uma jovem, Nell, que não<br />

se importa de descobrir que Orlando é também mulher. Orlando achava uma vantagem<br />

poder desfrutar dos dois gêneros, pois não via problemas em viver o papel duplo.<br />

“Trocava a honestidade dos calções curtos pela sedução das saias e usufruía por igual o<br />

amor de ambos os sexos” (WOOLF, 1978, p. 123).<br />

A última personagem apresentada por Woolf que se assemelha a<br />

personagem-título é justamente aquela a quem Orlando se encontra em comunhão de<br />

personalidade: o capitão do mar Marmaduke Shelmerdine. Homem de nascimento,<br />

Shelmerdine ver-se à margem do que lhe cobram performar como um ser masculino. “É<br />

quase tudo o que resta a um homem, hoje.” (WOOLF, 1978, p. 141), diz em dado<br />

momento discorrendo seu descontentamento de não poder fugir desse papel social. Mas<br />

com Orlando, este ver a possibilidade de ser o homem que deseja ser,<br />

independentemente de imposições sociais.<br />

“— Oh! Shel, não me abandones! — gritou. — Estou perdidamente<br />

apaixonada por ti! — disse. Tão logo deixou escapar estas palavras, uma<br />

terrível suspeita invadiu simultaneamente suas mentes.<br />

— És uma mulher, Shel! — gritou ela.<br />

— És um homem, Orlando! — gritou ele.” (WOOLF, 1978, pg. 141)<br />

“— Estás bem certa de que não és homem? — perguntava-lhe ansiosamente.<br />

E ela respondia como num eco:<br />

— Será possível que não sejas mulher? — e imediatamente tiravam a prova.<br />

Pois cada um estava tão surpreendido com a rapidez da simpatia do outro, e<br />

era para cada um tal revelação que uma mulher pudesse ser tão tolerante e<br />

falasse com tanta liberdade como um homem, e que o homem fosse tão<br />

1147


estranho e sutil como uma mulher, que tinham de tirar a prova<br />

imediatamente.” (WOOLF, 1978, pg. 144-145)<br />

Orlando encerra a narrativa deixando a possibilidade de aceitação desse ser<br />

que, para a sociedade em que vivia (ficcional) e para quem foi apresentado (real) parece<br />

como incômoda, porém libertadora: finalmente conclui sua obra O Carvalho, iniciada<br />

séculos antes e nos braços de alguém que o completava e aceitava.<br />

CONSIDERAÇÕES<br />

A partir das observações feitas na narrativa e caracterização da personagemtítulo,<br />

observa-se que, ainda que Virginia Woolf não tenha teorizado ou utilizado<br />

metaforicamente da história para discorrer sobre a distinção entre sexo e gênero à sua<br />

época de criação e lançamento, a obra Orlando antecipa essa discussão ao apontar a<br />

possibilidade de se repensar os papéis do masculino e do feminino na sociedade, e que<br />

os aspectos, características, qualidades dos seres, não sejam distintivos entre os sexos e,<br />

sim, próprios do ser humano, impossibilitando a superioridade de um ao outro por ter<br />

gênero ou sexualidade diferentes ou fora do que se julga convencional.<br />

Enquanto personagem, Orlando alcança na sua caracterização o que<br />

possivelmente almeja muitos dos indivíduos da sociedade não só da época, mas,<br />

principalmente, a atual: em um só corpo, em uma só vivência vivenciar a multiplicidade<br />

tanto de gênero quanto de sexualidade, sem impedimentos, sem julgamentos, podendo<br />

se realizar na plenitude do desejo e/ou do amor. O que corrobora com os pressupostos<br />

da Teoria Queer que defende a desconstrução dos estereótipos para que as diferenças<br />

sejam respeitadas e vivenciadas, comportando outras identidades, além das<br />

normalmente aceitas, e assim, “desvincular a sexualidade da reprodução, ressaltando a<br />

importância do prazer e a ampliação das possibilidades relacionais” (MISKOLCI, 2012,<br />

p. 22).<br />

1148


REFERÊNCIAS<br />

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Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.<br />

CAVALCANTI, Rosália Andrade; FRANCISCO, Ana Lúcia. Virginia Woolf e As<br />

Mulheres. Revista Gênero. Niterói, v.17, n.1, p. 27- 49. 2º sem. 2016.<br />

DULCI, Pedro Lucas. Teoria Queer e cristianismo: uma introdução – parte 1. L’Abri<br />

Brasil, julho de 2015. Disponível em<br />

. Acesso em: 23<br />

setembro 2017.<br />

______. Teoria Queer e cristianismo: uma introdução – parte 2. L’Abri Brasil, julho de<br />

2015. Disponível em .<br />

Acesso em: 23 setembro 2017.<br />

FAJARDO, S. M. C. Orlando, de Virginia Woolf: desconstruindo as fronteiras de<br />

gênero. 105 f. Dissertação (Mestrado em Letras) - Programa de Pós-Graduação em<br />

Letras: Estudos Literários, Área de Concentração em Teorias da Literatura e<br />

Representações Culturais, Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2017.<br />

GARCIA, Carla Cristina. O que viu Tirésias: A identidade transexual na obra de<br />

Virginia Woolf. Revista de Psicologia da UNESP, v 11, nº 1, p. 44-52. 2012.<br />

LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: ensaios sobre sexualidade e teoria queer.<br />

2ª ed. Rio de Janeiro: Autêntica, 2007.<br />

MISKOLCI, Richard. A Teoria Queer e a Sociologia: o desafio de uma analítica da<br />

normalização. Sociologias. Porto Alegre: UFRGS, 2009. p. 150-182.<br />

______. Reflexões sobre normalidade e desvio social. Estudos de Sociologia,<br />

Araraquara, v. 13/14: 2002/2003. p. 109-126.<br />

______. 2012. Teoria Queer: Um aprendizado pelas diferenças. Belo Horizonte:<br />

Autêntica.<br />

1149


SANFELICE, A. de M. Virginia Woolf e a distinção entre sexo e gênero na obra<br />

Orlando: uma biografia. Revista de Letras Norte@mentos, Estudos Literários, Sinop, v.<br />

2, n. 3, p. 43-50, jan./jun. 2009.<br />

WOOLF, Virginia. Orlando. Trad. Cecília Meireles. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,<br />

1978.<br />

1150


DIÁLOGOS ENTRE LITERATURA E FILOSOFIA: considerações acerca do<br />

romance O homem sem qualidades, de Robert Musil<br />

DIALOGUES BETWEEN LITERATURE AND PHILOSOPHY: considerations on<br />

the novel The Man Without Qualities of Robert Musil<br />

Jamys Alexandre Ferreira Santos<br />

Graduado em Filosofia e Mestrando do PPGCult/UFMA<br />

Orientadora: Prof a . Dr a . Márcia Manir Miguel Feitosa<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: O presente trabalho visa refletir sobre a interface literatura e filosofia, tendo<br />

como ponto de partida o romance inacabado O homem sem qualidades, de Robert<br />

Musil. Objetivamos tecer algumas considerações acerca desse romance na relação entre<br />

a narrativa ensaística e o projeto literário-filosófico de Musil tal qual os interpretamos.<br />

A partir disso, compomos o nosso texto em três momentos: (1) pontuar alguns tópicos<br />

negativos da obra, nomeados como “qualidades contraditórias”, segundo Maurice<br />

Blanchot no texto “Musil” (capítulo de O Livro Por Vir); (2) caracterizar a posição do<br />

narrador, mais especificamente, no romance moderno, atribuindo a esse momento<br />

propriedades do ensaio, segundo Theodor Adorno em “O ensaio como forma” e<br />

“Posição do narrador no romance contemporâneo” (capítulos do livro Notas de<br />

Literatura I); (3) por fim, destacar o modelo ensaístico na escrita musiliana e entender<br />

como ela se coaduna à escrita filosófica, tendo como fundamento os textos de Castro<br />

(2011): “Aspectos da relação entre ensaio e experiência em Montaigne e Musil” e<br />

“Sobre o ensaísmo de Robert Musil”. Desse modo, o trabalho apresenta uma síntese<br />

provisória em torno das características da narrativa moderna com base tanto na<br />

conceituação do ensaio-filosófico presente no romance O homem sem qualidades, como<br />

na possibilidade que a obra literária tem de despertar o pensamento filosófico no leitor.<br />

Palavras-chave: Robert Musil. Literatura. Filosofia. Ensaio.<br />

1151


ABSTRACT: The present study aims to reflect on the interface literature and<br />

philosophy, taking as a starting point the unfinished novel The Man Without Qualities<br />

by Robert Musil. We intend to make some considerations about the novel in the relation<br />

between an essayistic narrative and the literary-philosophical project of Musil as we<br />

interpret them. Based on that, we compose our text in three moments: (1) punctu<strong>ate</strong><br />

some negative topics of the work named "contradictory qualities", according to Maurice<br />

Blanchot in the text "Musil" (chapter of The Book to Come); (2) characterize the<br />

narrator's position, more specifically, in the modern novel, attributing to this moment<br />

properties of the essay, according to Theodor Adorno in "The Essay as Form" and "The<br />

Position of the Narrator in the Contemporary Novel." (chapters of Notes to Literature,<br />

Volume 1); (3) Lastly, to emphasize the essayist model in musilian writing and to<br />

understand how it fits philosophical writing based on Castro's texts (2011): “Aspectos<br />

da relação entre ensaio e experiência em Montaigne e Musil” and “Sobre o ensaísmo de<br />

Robert Musil”. Therefore, the study presents the provisional synthesis around the<br />

characteristics of the modern narrative based on both the conceptualization of the<br />

philosophical essay present in the novel The Man Without Qualities as in the possibility<br />

that the literary work can awaken the philosophical thought in the reader.<br />

Keywords: Robert Musil. Literature. Philosophy. Essay.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A interface literatura e filosofia provém dos estudos da história do<br />

pensamento antigo. É certo que antes não se falava em literatura, mas poesia – poesia e<br />

filosofia –, contudo podemos acolher a ideia de que essa interação é tão antiga quanto a<br />

tentativa de concretizá-la em um conceito. Já nas pesquisas em literatura moderna,<br />

poderíamos apontar vários autores que apresentam em seus romances um viés<br />

filosófico, mas não os citaremos, evitando pecar pela falta não menos pelo excesso e nos<br />

1152


direcionaremos ao início do século XX destacando Robert Musil (1880-1942) e seu<br />

romance O homem sem qualidades, objeto de nossas considerações no tocante ao<br />

diálogo proposto.<br />

Neste trabalho objetivamos traçar algumas considerações acerca desse<br />

romance na relação entre a narrativa ensaística e o projeto literário-filosófico,<br />

exclusivamente, de Musil. O desenvolvimento do texto, além de apresentar,<br />

inicialmente, alguns elementos do enredo do romance, está delimitado em três<br />

momentos: primeiro destacaremos pontos negativos do romance intitulados “qualidades<br />

contraditórias”, segundo Maurice Blanchot; depois, caracterizaremos o que entendemos<br />

por “narrador moderno” e o modelo de exposição de pensamento dito como “ensaio”;<br />

por último, apontaremos como o ensaio se apresenta na narrativa musiliana.<br />

1. Críticas e qualidades contraditórias<br />

O romance O homem sem qualidades,de Musil é uma obra que oscila entre<br />

ovações e recriminações, não tanto por seu volume e incompletude, mas por suas<br />

características se perderem a ponto de conferir pouca objetividade à história narrada da<br />

história sem objetividade. Mas, levando em consideração que o verdadeiro sentido está<br />

na viagem e não no destino, o extenso romance apresenta muitos atributos que<br />

sustentam sua importância para a história da literatura ocidental.<br />

Musil, vienense de família burguesa com “passagens” pela aristocracia, foi<br />

filho de um pai engenheiro e professor da mesma área e de uma mãe pertencente a uma<br />

família de tradição militar. O escritor tentou seguir essas duas carreiras, engenharia e a<br />

carreira militar – curiosamente, as carreiras ambicionadas pelo protagonista do romance<br />

–, mas acabou se formando em filosofia e se tornando um escritor e ensaísta de renome<br />

em sua época. Além da obra em destaque, escreveu O jovem Törless, em 1906, livro<br />

que, apesar de apresentar alguns acontecimentos autobiográficos, não descreve os<br />

verdadeiros acontecimentos da vida de Musil. Outros ensaios, contos e escritos também<br />

1153


ganharam destaque em Obra póstuma publicada em vida 114 , bem como seus diários<br />

ainda não traduzidos para língua portuguesa.<br />

Em O homem sem qualidades,encontramos a história de Ulrich e suas<br />

tentativas de se adequar à aristocracia de Kakânia, cidade fictícia do Império Austro-<br />

Húngaro, criada por Musil e pano de fundo de grande parte da história. A escrita do<br />

romance se iniciou por volta de 1920,uma obra considerada incompleta e publicada em<br />

três partes diferentes. A primeira, em 1930, descreve os acontecimentos do cotidiano de<br />

Ulrich: sua relação com o amigo de juventude Walter e a esposa, Clarisse, a Ação<br />

Paralela e o caso Moosbrugger, sendo que esses três pontos, em momentos distintos da<br />

narrativa, se correlacionam; depois, em 1932, é incrementada na história a relação de<br />

Ulrich com a sua irmã gêmea Ágata, parte que narra o encontro dos dois após o<br />

falecimento do pai; o terceiro volume foi publicado pela viúva de Musil, em 1943, um<br />

ano após a morte do escritor. Apesar de algumas controvérsias sobre esse último volume<br />

em função das notas inacabadas, foi anunciado o desfecho de muitos personagens<br />

importantes que compõem a história. Os fatos se passam pouco antes do início da<br />

Primeira Guerra Mundial, e a cidade fictícia Kakânia é considerada a representação da<br />

Viena da época.<br />

Paralelo a esses acontecimentos, Musil, em um estilo ímpar de narração,<br />

reflete sobre as angústias e os acontecimentos tanto na voz do narrador como na do<br />

próprio protagonista. Dessa forma, a narrativa musiliana delimita seu estilo literáriofilosófico<br />

a partir do gênero literário descrito como “ensaio”.<br />

Boa parte do livro de 1930 tem como pano de fundo a Ação Paralela:<br />

reuniões de aristocratas austríacos na função de promover uma comemoração similar a<br />

uma ação partidária desenvolvida na Prússia, pois nessa última estava sendo<br />

desenvolvida uma comemoração ao jubileu de 30 anos do Imperador Guilherme <strong>II</strong>. Os<br />

austríacos, por terem uma monarquia muito mais antiga que a prussiana, se veem<br />

114 A Obra póstuma publicada em vida é uma iniciativa de alguns amigos de Musil, principalmente Otto<br />

Pächt. Seria uma publicação que não interrompesse o trabalho de O homem sem qualidades, pois tomou<br />

grande parte da vida do escritor, deixando-o com dificuldades financeiras. Contudo, esse não foi o<br />

únicomotivo, mas também uma tentativa de trazer o escritor, novamente, após trinta anos de O jovem<br />

Törless, ao público literário.<br />

1154


tentados a desenvolver algo similar. Ulrich, por proposta e exigência do pai, muito<br />

influente naquele meio, é convidado a ingressar nela cujo papel será de grande valia<br />

para os integrantes dessa ação.<br />

Esse é um momento em que se atribui uma qualidade para Ulrich tal qual<br />

considerava a sociedade daquela época. Ele recebe um convite de um conde influente<br />

para que se apresentasse a sua casa e posteriormente à grande Ação Patriótica. No<br />

momento em que discutia seu envolvimento e participação na Ação, Ulrich, na casa do<br />

Conde, analisa detalhadamente o ambiente e o leitor pode perceber a importância<br />

daquele pretendido “cargo”:<br />

(...) Examinou, curioso, a enganosa simplicidade da decoração. Concluiu<br />

tranquilamente que, mesmo agora, não o impressionava nada; apenas um<br />

mundo que ainda não tinham guardado. Mas que qualidade forte e singular<br />

sentira ali? Diabo, praticamente não havia outro jeito de expressar aquilo: ela<br />

era surpreendentemente real. (MUSIL, 2015, p. 94)<br />

A falta de qualidades de Ulrich lhe permitia se relacionar com facilidade em<br />

ambientes e c<strong>ate</strong>gorias sociais diversas, ou seja, as possibilidades de “se encontrar”<br />

aumentavam, em detrimento da escassez de qualidades. No capítulo “Amigos de<br />

juventude”, onde Clarisse e Walter tentam definir a pessoa Ulrich, entendemos no<br />

trecho abaixo que a falta de qualidades é uma c<strong>ate</strong>goria do próprio indivíduo, inserido<br />

no mundo moderno:<br />

(Walter): - Hoje em dia está tudo em ruínas! Um abismo de inteligência! Ele<br />

também tem inteligência, admito isso; mas nada sabe do poder de uma alma.<br />

O que Goethe chama de personalidade, o que Goethe chama de ordem móvel,<br />

disso ele não tem ideia: “Esse belo conceito de poder e limites, de<br />

arbitrariedade e lei, de liberdade e medida, de ordem móvel...” (...) - Ele é um<br />

homem sem qualidades!<br />

- O que é isso? – perguntou Clarisse, com uma risadinha.<br />

- Nada! Esse é que é o problema! (...) Hoje há milhões assim – afirmou<br />

Walter. – É essa a raça que nossa época produziu! (...) – Olhe só para ele! O<br />

que pensaria que é? Parece um médico, um comerciante, pintor, ou<br />

diplomata?<br />

- Mas ele não é nada disso – respondeu Clarisse, lúcida.<br />

- Bom, acaso ele parece um m<strong>ate</strong>mático?<br />

- Não sei, pois não sei como se parece um m<strong>ate</strong>mático!<br />

1155


- Muito acertado! Um m<strong>ate</strong>mático não tem cara de nada; isto é, ele vai<br />

parecer tão inteligente, de modo tão geral, que isso não terá nenhum sentido<br />

determinado! (MUSIL, 2015, p. 71-2)<br />

Esse é, sumariamente, o pano de fundo da obra: um emaranhado de fatos em<br />

torno do protagonista, tão comum em uma narrativa linear, quanto as reflexões acerca<br />

dos acontecimentos que permeiam esses fatos. Contudo, esse segundo viés é<br />

característica única, ao menos para a temática da pesquisa: um estilo de descrição que<br />

garante grande destaque a essa obra na história do ocidente.<br />

Diante do exposto, propomos algumas questões para nos acompanhar no<br />

desenvolvimento do texto: quais as possibilidades de apreender o sentido de uma obra<br />

de arte? Qual o sentido de entender e narrar um romance? O que é o processo criativo<br />

de um artista?<br />

Apesar do aprofundamento intelectual identificado na obra de Musil, alguns<br />

grandes teóricos e críticos não saem convencidos sobre a excelência do romance.<br />

Blanchot (2005) oscila entre os destaques positivos e negativos da narrativa musiliana,<br />

indo até a uma perspectiva que vincula, desnecessariamente, escritor e obra. Sobre a<br />

citação anterior – o diálogo entre Clarisse e Walter –, Blanchot (2005, p. 205-6) coloca<br />

que a perspectiva de Musil sobre Ulrich, o homem sem qualidades, não é<br />

necessariamente aquela do herói que recusa tanto a existência quanto a essência, se<br />

prendendo apenas às possibilidades, mas a do “(...) homem qualquer das cidades<br />

grandes, homem intercambiável, que não é nada e não parece nada, o ‘Fulano’<br />

cotidiano, o indivíduo que não é mais um particular mas se confunde com a verdade<br />

congelada da existência impessoal”.<br />

O agrado é, ou pode ser de modo oportuno, cultivado a partir de seu<br />

contrário. Ou seja, entendemos que a “indiferença” pode equivaler a um<br />

desprendimento de algo ou alguém e, no nosso caso, da própria interpretação<br />

blanchotiana que pode não nos servir. Não que discordemos completamente da leitura<br />

do autor, mas, segundo o texto em questão, “Musil”, o autor, pode apenas nos servir<br />

como um contraexemplo nas críticas a O homem sem qualidades.<br />

1156


De todo modo, apesar do que propõe o crítico literário, há muitos momentos<br />

de seu texto que devem ser considerados. O autor nos preambula de forma convincente<br />

tanto o que agrada e o que não na obra de Musil. E, também, apresenta os riscos de suas<br />

errôneas leituras, tendo com principal pano de fundo o momento histórico em que ela<br />

foi lançada:<br />

Temo que a obra de Robert Musil, tornada acessível aos franceses pelo<br />

esforço de um tradutor corajoso, seja louvada por princípio. Temo também o<br />

contrário: que ela seja mais comentada do que lida, pois oferece aos críticos,<br />

por seu raro desígnio, por suas qualidades contraditórias' pelas dificuldades<br />

de sua realização, pela profundidade de seu malogro, tudo o que os atrai, pois<br />

é tão próxima do comentário que parece, às vezes, ter sido comentada em vez<br />

de ter sido escrita, e poder ser criticada em vez de ser lida. Como essa grande<br />

tentativa nos alegra, por seus maravilhosos problemas, insolúveis,<br />

inesgotáveis! E como ela nos agradará, tanto por seus defeitos de primeira<br />

grandeza quanto pelo refinamento de suas qualidades, por aquilo que ela tem<br />

de excessivo e, em seus excessos, de contido, enfim por seu fracasso<br />

retumbante. Mais uma obra imensa, inacabada e inacabável. Mais uma<br />

surpresa de um monumento admiravelmente em ruína. (BLANCHOT, 2005,<br />

p. 196)<br />

O “período em ruína” apontado seria a modernidade? A modernidade tardia?<br />

Não fica claro se é essa a proposta no texto de Blanchot, entretanto é importante frisar<br />

que sua perspectiva de leitura sobre a obra de arte é que ela não é externa ou<br />

desvinculada dos modos de existência, mas sim o contrário. Ou melhor, a exigência<br />

literária é totalmente associada à experiência da linguagem e da existência do escritor.<br />

Um ponto de vista que delimita exatamente o motivo pelo qual Blanchot segue esse ou<br />

aquele caminho.<br />

O “dito pelo não dito”, mesmo com a devida consistência, pode nos levar a<br />

uma perda conceitual considerável, direcionando-nos a uma verdade única e até<br />

desmerecida. Contudo, ainda existem modos de reverter esse empreendimento e, a partir<br />

de modelos de escrita ainda não tão usuais, podemos admitir um verdadeiro ganho na<br />

incerteza dos acontecimentos.<br />

Um romance, enquanto gênero literário, pode veicular múltiplas<br />

perspectivas em face de sua polissemia. Musil, não pelas descrições e incompletude de<br />

1157


seu extenso romance, mas, como o próprio Blanchot (2005, p. 200) afirma, “homem<br />

moderno, escritor quase clássico”, diante do panorama da modernidade, conquistou essa<br />

condição ao construir uma obra literária que evidencia, até os dias de hoje, uma<br />

pluralidade de significados.<br />

A proposta a seguir é apontar algumas características da narrativa moderna e<br />

descrever como o estilo ensaístico ganhou destaque entre muitas outras formas de<br />

escrita. Assim, terminamos esse início, oportunamente, com Blanchot (2005, p. 205) em<br />

mais um momento de vínculo entre autor e obra, delimitando o que poderia ser uma<br />

falha, mas que caracteriza, positivamente, a obra de Musil: “(...) talvez o homem do<br />

futuro, o homem teórico, cessando enfim de ser para ser autenticamente o que é: um ser<br />

somente possível, mas aberto a todas as possibilidades”.<br />

2. Perspectivas e veracidades: sobre o modelo ensaístico de escrita<br />

O século XIX apresentou admiráveis transformações nos mais variados<br />

campos: mudanças políticas e econômicas, novas procedências nas relações sociais, nas<br />

artes e diferenciadas expressões no panorama histórico literário-filosófico. A<br />

valorização da experiência individual na arte assentou uma nova forma de escrita para a<br />

literatura, assim como para a filosofia. Mesmo antes, escritores como Dante Alighieri e<br />

Miguel de Cervantes se destacaram e são referências em pesquisas contemporâneas<br />

quando o que está em destaque é o estilo narrativo e sua influência do subjetivismo. De<br />

todo modo, foi no século XIX que a objetividade literária passou por maiores mudanças.<br />

Fatores como a mudança elevada das experiências e o “encurtamento” das<br />

relações sociais diante do panorama da modernidade colocaram a postura do narrador<br />

em um terreno duvidoso. Ou seja, como ter acesso a essas experiências – produtos da<br />

modernidade – a partir de um narrador alheio, afastado, com um olhar ermo dos fatos?<br />

O curso do mundo não é mais um processo de individuação, levando em<br />

consideração que o fato de atingirmos nossas emoções e sentimentos tenha sido<br />

essencial para nos apresentar as respostas necessárias sobre as fatalidades do mundo e<br />

1158


de nós mesmos. O que ficou dessa literatura biográfica, na verdade, foi a desagregação<br />

do romance. (ADORNO, 2003, p. 56-7).<br />

A mudança da objetividade do romance com o advento do subjetivismo na<br />

arte mudou a forma literária, obviamente. Contudo, essa é a constituição de um novo<br />

estilo de desestruturação da representação e uma maneira diferenciada de captar a<br />

essência estética:<br />

(...) O impulso característico do romance, a tentativa de decifrar o enigma da<br />

vida exterior, converte-se no esforço de captar a essência, que por sua vez<br />

aparece como algo assustador e duplamente estranho no contexto do<br />

estranhamento cotidiano imposto pelas convenções sociais. O momento<br />

antirrealista do romance moderno, sua dimensão metafísica, amadurece em si<br />

mesmo pelo seu objeto real, uma sociedade em que os homens estão<br />

apartados uns dos outros e de si mesmos. Na transcendência estética refletese<br />

o desencantamento do mundo. (ADORNO, 2003, p. 58)<br />

Um novo esteticismo nascente no século XIX reflete o estilo no qual está<br />

inserido Musil. Em O homem sem qualidades, são notórias as mudanças e as influências<br />

do período, mas o escritor, de maneira híbrida, ainda vincula ao seu modelo de escrita<br />

algo nascente no século XVI: o ensaio filosófico.<br />

O humanista francês Michel de Montaigne, com grande destaque no século<br />

XVI, conseguiu se destacar na história do ocidente tanto na literatura quanto na filosofia<br />

por diversos fatores, mas um deles, principalmente, foi devido a sua forma de expressão<br />

literário-filosófica. Não existem, explicitamente, comprovações em torno da influência<br />

de Montaigne na obra de Musil, de todo modo, é necessário apresentar o humanista<br />

quando a temática relacionar o estilo ensaístico na obra de qualquer autor ou obra com<br />

referências diretas à subjetividade moderna: “(...) os Ensaios representam o momento de<br />

legitimação da subjetividade moderna e, ainda, a ‘peça mestra da ciência moral<br />

moderna’, já que não parte de uma ideia pré-determinada de existência, mas sim da<br />

realidade ‘tal como ela é’”. (STAROBINSKI, 2003 apud CASTRO, 2011a, p. 78)<br />

Entendemos que o ensaísmo, não necessariamente escolhido por Montaigne,<br />

tinha como principal fundamento a busca do conhecimento, sem que estivesse assentado<br />

1159


em um discurso científico ou mesmo sistemático. Nessa linha, aprofundar-se no objeto<br />

de estudo não é transformá-lo, compará-lo ou deduzi-lo a inferências ou conceitos<br />

previamente dados por autores ou sistemas diferenciados. Aprofundar-se é o ato de<br />

investigação como próprio fim último, sem que seja priorizado um método de<br />

investigação. Ou seja: “(...) O pensamento é profundo por se aprofundar em seu objeto,<br />

e não pela profundidade com que é capaz de reduzi-lo a uma outra coisa”. (ADORNO,<br />

2003, p. 27) Para os modelos mais criteriosos de investigação do pensamento, parece a<br />

dedução; para o ensaio, é uma unificação livre ao que ele determina para delimitar seu<br />

objeto. Não necessariamente vai além, mas sua verdade está nada mais além que seu<br />

próprio texto.<br />

Nessa “quase estrutura”, o ensaio é antissistemático, introduzindo os<br />

conceitos sem que haja a tão usual profundidade argumentativa de referenciá-los. Ou<br />

melhor, os conceitos são apresentados e relacionados com outros conceitos ou outros<br />

sistemas, porém não teremos a certeza dos sentidos encontrados. No fim, o que<br />

possibilita o sentido do ensaio é o próprio entrelaçamento e a troca das significações<br />

apresentados por esses conceitos.<br />

Na passagem do século XIX para o XX, iniciaram-se novos meios de<br />

interação entre crítica e arte, provindos de uma crise de valores da cultura burguesa.<br />

Nesse período, a forma da narrativa romanesca estabeleceu um estilo com contornos<br />

ensaísticos, deixando um pouco a narrativa linear. Identificamos, então, que na<br />

modernidade o pano de fundo era a multiplicidade de discursos sem complementaridade<br />

um dos outros e, assim, evidenciou-se certa fragilidade de construção argumentativa em<br />

face da realidade, deteriorando cada vez mais as tentativas de apreensão de um conceito.<br />

(CASTRO, 2011a, p. 82-3)<br />

Nessas atribuições, como se constitui a verdade do ensaio? É interessante<br />

como, aparentemente, o conceito de verdade circunscreve outro conceito: a certeza. A<br />

veracidade de um fato ou acontecimento se coaduna apenas a atribuições lógicas, ou<br />

seja, os acontecimentos, cientificamente reduzidos, se restringem a leis de causas e<br />

efeitos. Portanto, essas leis lógicas apenas contemplam a relação entre causas e efeitos,<br />

1160


limitando a exatidão da incerteza e os estudos ilimitados do próprio processo.<br />

Entendemos, assim, que o modelo ensaístico de escrita é uma possibilidade de<br />

apresentação de possíveis verdades que se assenta na instabilidade espiritual e que se<br />

afasta, apropriadamente, da realidade tautológica da qual a ciência embrionariamente<br />

necessita:<br />

Se a verdade do ensaio move-se através de sua inverdade, então ela deve ser<br />

buscada não na mera contraposição a seu elemento insincero e proscrito, mas<br />

nesse próprio elemento, nessa instabilidade, na falta daquela solidez que a<br />

ciência transfere, como requisito, das relações de propriedade para o espírito.<br />

Aqueles que acreditam ser necessário defender o espírito contra a falta de<br />

solidez são seus inimigos: o próprio espírito, uma vez emancipado, é instável.<br />

Quando o espírito deseja mais do que a mera repetição e organização<br />

administrativas daquilo que já existe, ele acaba abrindo seu flanco; a verdade,<br />

fora desse jogo, seria apenas tautologia. (ADORNO, 2003, p. 41)<br />

O ensaio, assim, produto da modernidade e em meio a uma crise da<br />

subjetividade, ousa apresentar argumentos que, sem discriminar perspectivas<br />

diferenciadas, apresenta-as ao leitor. Diante dessas questões, entendemos, então, a partir<br />

de Castro (2011a, p. 81), que o ensaio se constitui como: “(...) Modelo de reflexão<br />

surgido de uma noção inequívoca da historicidade do sujeito, o ensaísmo se torna,<br />

assim, uma forma de organização filosófica apta a expressar as experiências do homem<br />

com e no mundo moderno”.<br />

Em face dessas verdades, limites e características do que está sendo<br />

afirmado por ensaísmo, nos perguntamos: como esse modelo se apresenta no romance O<br />

homem sem qualidades? O ensaísmo é questão necessária para boa parte das análises<br />

sobre o livro de Musil, e tem para o personagem Ulrich uma condição fundamental para<br />

sua formação.<br />

3. A narrativa musiliana e a utopia do ensaísmo de Ulrich<br />

A ciência da época de Musil e até mesmo a filosofia, que se apresentava<br />

cada vez mais sistemática, não pareciam, para ele, aptas a resolver os problemas da<br />

1161


alienação e apatia. A própria razão aparentava um desequilíbrio das faculdades do<br />

espírito, deixando o sentimento um pouco à margem. Dessa forma seria necessário um<br />

ponto entre o intelecto e o sentimento para atingir os fenômenos sem excluir a estimada<br />

esfera subjetiva. Assim, Musil acreditava ser o ensaísmo um gênero literário entre a<br />

ciência e a arte, constituído tanto pelo método e forma da primeira, quanto pela<br />

“matéria” da segunda. (CASTRO, 2011b, p. 111)<br />

O ensaísmo não esteve presente apenas em O homem sem qualidades, mas<br />

também em toda a carreira do escritor, pois houve publicações de Musil em jornais e<br />

revistas que abordavam, com certa ênfase, tais questões. De todo modo, foi nesse<br />

romance que a c<strong>ate</strong>goria ensaio ganhou destaque e o marcou como um dos principais<br />

escritores da Áustria, mesmo que essa “titulação” só tenha aparecido anos depois.<br />

Castro (2010, p. 91) destaca, de modo excepcional, o fato de o romance não<br />

exercer características da vida de um herói – nesse caso, o personagem Ulrich –, mas<br />

sim suas angústias paralelas à realidade efetiva. A obra, ao contrário de uma narrativa<br />

linear dos eventos, se assenta em características que a classificam como um romance<br />

filosófico, lembrando que o próprio autor foi um ensaísta famoso e, para além de<br />

qualquer formalidade, os motivos que determinam a obra ser o que ela é está<br />

devidamente provado em vários de seus capítulos.<br />

Muito dos capítulos do romance suscitam um caráter que nos propicia o<br />

pensamento filosófico, por exemplo, a narração do primeiro capítulo, “Do qual<br />

singularmente nada se depreende”, onde o protagonista analisa o ambiente, fica claro o<br />

estilo de escrita ainda por vir, não se baseando somente nas angústias existenciais de um<br />

escritor, mas também no próprio modelo de escrita previamente determinado.<br />

O ensaísmo é um princípio que move o personagem Ulrich e o que dá<br />

destaque para toda a obra. Traçar os perfis dos personagens, não somente na perspectiva<br />

de Ulrich como também na própria “voz” do narrador observador, compreende tanto o<br />

destaque dos temas apresentados, como do próprio ato da reflexão em si, sem buscar<br />

uma síntese e mantendo o que Musil faz de melhor: o entremeio entre subjetividade e<br />

objetividade.<br />

1162


Poderemos encontrar ensaios consideráveis que valem todo o romance. O<br />

“herói” sem qualidades não procura somente um lugar de destaque na história, mas<br />

cultiva fortemente atribuições necessárias à vida. Nesse aspecto, temos no capítulo 62,<br />

“Também a Terra e particularmente Ulrich cultuam a utopia do ensaísmo”, justificativas<br />

consideráveis para o procedimento de conduzir a escrita de Musil e os aspectos<br />

literários filosóficos da obra:<br />

Mais tarde, com maior capacidade intelectual, isso se transformou em Ulrich<br />

numa idéia que já não ligou à incerta palavra hipótese, mas, por determinadas<br />

razões, ao conceito singular de ensaio. Mais ou menos como um ensaio<br />

examina um assunto de muitos lados em seus vários capítulos, sem o analisar<br />

inteiro – pois uma coisa concebida inteira perde de repente sua abrangência e<br />

se derrete num conceito –, ele acreditava ver e tratar corretamente o mundo e<br />

a própria vida. O valor de um ato ou de uma qualidade, sim, até sua natureza<br />

e essência, lhe pareciam dependentes das circunstâncias que os rodeiam, dos<br />

objetivos a que servem, em suma, do todo constituído ora assim ora assado,<br />

ao qual pertencem. (MUSIL, 2015, p. 262)<br />

Percebemos que a “maior capacidade intelectual” não equivale ao melhor<br />

uso da faculdade da razão, mas no exercício de equipará-la à emoção. O ensaísmo de<br />

Musil fica claramente justificado nesse capítulo, e a maneira como ele insere esse<br />

“método” para conduzir a própria vida perante os mais variados acontecimentos, através<br />

da absorção de um “estilo de vida” de Ulrich, foi determinante para o excesso de<br />

conduzir o escritor em terreno ainda não percorrido. Eis outro trecho:<br />

Na natureza de Ulrich havia algo que agia de modo distraído, paralisante e<br />

desarmante, contra toda a ordem lógica, contra a vontade clara, contra os<br />

ordenados impulsos da ambição; também isso se ligava ao nome que ele<br />

escolhera: ensaísmo, embora contivesse elementos que, com o tempo e com<br />

cuidados inconscientes, ele apartara desse conceito. Até a tradução da palavra<br />

ensaio como tentativa, segundo se fez, contém apenas vagas alusões à<br />

imagem literária; pois um ensaio não é a expressão secundária nem<br />

provisória de uma convicção que em melhores condições poderá ser<br />

considerada verdade ou reconhecida como erro (só os textos e tratados que os<br />

eruditos apresentam como “dejetos da sua oficina” pertencem a essa espécie);<br />

mas um ensaio é a forma única, e irrevogável, que a vida interior de uma<br />

pessoa assume num pensamento decisivo. Nada lhe é mais estranho do que a<br />

irresponsabilidade e incompletude das idéias eventuais que chamamos<br />

subjetividade; mas também verdadeiro e falso, inteligente e não inteligente<br />

não são conceitos que se possam aplicar a tais pensamentos, apesar de tudo<br />

1163


submetidos a leis tão severas quanto parecem delicadas e inefáveis. Houve<br />

muitos desses ensaístas entre os mestres da vida interior flutuante, mas não<br />

faz sentido mencioná-los; seu reino fica entre religião e saber, entre exemplo<br />

e doutrina, entre amor intellectualis e poesia; são santos com e sem religião,<br />

e por vezes também são simplesmente homens que se perderam numa<br />

aventura. (MUSIL, 2015, p. 265)<br />

Os acontecimentos e atitudes que a vida nos proporciona, a nos colocar<br />

entre o verdadeiro e o falso, só são melhores vistos para quem cultiva o modelo do<br />

ensaísmo. Pode até não ser o ensaio a única via de procedência – e queremos mesmo<br />

outras – em meio à “irresponsabilidade e incompletude das ideias eventuais que<br />

chamamos subjetividade”, mas é a que Musil nos explicita.<br />

Cometti (2001, p. 156-7, apud CASTRO, 2011b, p. 114) decreta Ulrich<br />

como um produto do mundo moderno que, ao desencantar-se com a razão instrumental<br />

e com a redenção da alma em face da marcha das ideias, se vê sem qualidades para<br />

preencher os espaços entre razão e espírito. As possibilidades existenciais de Ulrich são<br />

inúmeras, assim como as qualidades que ele mesmo pode desenvolver – se ele é um<br />

homem sem qualidades, então poderá cultivar várias outras. De todo modo, aceitemos a<br />

leitura de Castro (2011b, p. 114) quando afirma que o romance em si descreve certa luz<br />

ao propor uma possibilidade ética em meio a esse cabedal moderno.<br />

A possibilidade ética vem a ser o pensamento em ação em meio às<br />

possibilidades dos acontecimentos. Contudo, o fato de esse pensamento se manter em<br />

movimento evidencia a possibilidade do embaralhamento das ações a posteriori. O que<br />

não é ruim, pois a afirmação do descontrole nos levará a buscar e a cultivar outras<br />

possibilidades. Assim, o entre-lugar entre a ciência e a arte, a razão e o sentimento<br />

adere, de certo modo, à objetivação da subjetividade:<br />

Não é o caso de aderir a um dos gêneros – ensaístico ou épico – porque é<br />

justamente o entre-lugar entre esses dois registros que equivale ao já<br />

mencionado nível intermediário entre razão e sentimento e que permite a<br />

objetivação da esfera subjetiva, o estabelecimento de um ponto de contato<br />

entre as duas instâncias, em que o intelecto se empenha em articular o<br />

sentimento, dando-lhe uma forma comunicável. Essa articulação entre<br />

intelecto e sentimento, elementos ensaísticos e narrativos, reproduz,<br />

necessariamente, o ritmo autêntico da história e dos fenômenos da realidade<br />

1164


efetiva, que não é linear como o trajeto de uma “bola de bilhar”, mas, antes,<br />

irregular e aleatório como o das “nuvens” (...). (CASTRO, 2010, p. 93)<br />

O espírito ensaístico, tal qual encontrado no romance enquanto estilo de<br />

escrita e nas ações do personagem Ulrich, é propriamente o “entre” das atitudes<br />

racionais e emocionais, tendo em vista esse momento de indiscernibilidade como o<br />

meio passível de encarar o acaso. Poderíamos até considerar que há uma dialética<br />

cultivada, não necessariamente, nesse entre-lugar, mas não estaríamos desconsiderando,<br />

como mero produto da racionalidade moderna, o “ritmo irregular e aleatório das<br />

nuvens”?<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

É extremamente difícil traçar considerações em torno de um romance de<br />

quase mil páginas, mesmo que se tenha feito um recorte argumentativo. Além do<br />

extenso volume de O homem sem qualidades,há o seu estilo literário, levando em conta<br />

a originalidade, bem como a não linearidade da obra. De todo modo, maior que<br />

determinar um fim, é assimilar a importância dos acontecimentos em aberto enquanto<br />

um dos principais aspectos da literatura.<br />

A relação entre a narrativa ensaística de Musil e seu projeto literáriofilosófico<br />

é dada justamente nesse espaço entre a objetividade e a subjetividade, ficando<br />

esse último à mercê ou mesmo concomitante ao primeiro. Não se trata de ter uma<br />

hipótese fechada para as questões estéticas em voga desde o século XV<strong>II</strong>I, mas elucidar<br />

que essas questões ainda devem ser postas à prova. Musil, em O homem sem<br />

qualidades,envolve perspectivas, negativas e positivas, sendo de todo modo, um livro<br />

ainda a ser debatido não só a partir dos quesitos apresentados, mas por ter conseguido<br />

ultrapassar o status de mais uma narrativa moderna e produto de uma época.<br />

Explicitar a narrativa ensaística como projeto literário-filosófico de Musil<br />

foi o que tentamos caracterizar nesse texto. Nossa escrita se estruturou a partir de alguns<br />

comentários sobre a obra, referenciando-a até de maneira negativa, pontuando a<br />

1165


narrativa moderna sob a condução majoritária do ensaísmo. Evitamos finalizar como<br />

sendo essa a perspectiva única que qualifica Musil como um dos mais importantes<br />

escritores da história da literatura. De certa maneira, finalizamos amparados em Musil<br />

(2015, p. 266) que afirma e se questiona que: “(...) o homem que quer a verdade tornase<br />

erudito; o homem que quer liberar sua subjetividade torna-se, talvez, escritor; mas o<br />

que fará um homem que quer qualquer coisa entre esses dois pólos?”.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ADORNO, Theodor W. Notas de Literatura I. Trad. Jorge de Almeida. São Paulo: Ed.<br />

34, 2003.<br />

BLANCHOT, Maurice. “Musil”. In: O livro por vir. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São<br />

Paulo: Martins Fontes, 2005.<br />

CASTRO, Érica Gonçalves de. Romance de formação de uma ideia – O homem sem<br />

qualidades e o projeto literário-filosófico de Robert Musil. Caderno de Letras. UFRJ,<br />

n.26, jun, 2010. Acesso em:<br />

<br />

_____. A arte de recitar o homem: aspectos da relação entre ensaio e experiência em<br />

Montaigne e Musil. Revista Rem<strong>ate</strong> de Males. Campinas-SP, (31.1-2): pp. 77-93,<br />

Jan./Dez. 2011a. Acesso em:<br />

http://revistas.iel.unicamp.br/index.php/rem<strong>ate</strong>/article/download/1376/2110<br />

_____. Sobre o ensaísmo de Robert Musil. Revista Pandaemonium Germannicum.<br />

São Paulo, n. 17, Julho/2011b, p. 103-117. Acesso em:<br />

<br />

MUSIL, Robert. O homem sem qualidades. Trad. Lya Luft e Carlos Abbenseth. Rio de<br />

Janeiro: Nova Fronteira, 2015.<br />

1166


ESSÊNCIA E REPRESENTAÇÃO: uma análise acerca da crítica da imitação teatral<br />

em Rousseau.<br />

ESSENCE AND REPRESENTATION: an analysis of the critique of theatrical<br />

imitation in Rousseau.<br />

Antônio Carlos Borges da Silva<br />

Discente do Programa de Pós-Graduação –<br />

Mestrado Interdisciplinar em Cultura e<br />

Sociedade da Universidade Federal do Maranhão – UFMA.<br />

Luciano da Silva Façanha (orientador)<br />

Doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade<br />

Católica de São Paulo – PUC/SP.<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: Análise da relação entre teatro e moral na obra Carta a D’Alembert, de<br />

Jean-Jacques Rousseau. Em 1757, D’Alembert publicara na Enciclopédia um verbete<br />

intitulado “Genebra” com observações acerca dos costumes de seus habitantes. Em<br />

síntese, esse verbete afirmava que o governo genebrino estava equivocado ao proibir<br />

companhias de teatro sob o pretexto de proteger sua juventude da corrupção da moral<br />

acarretada pelos espetáculos, sobretudo, as comédias. Rousseau refuta essas opiniões<br />

sustentando entre outras coisas que não se poderia considerar o teatro bom ou ruim em<br />

si mesmo, mas apenas segundo o povo para o qual os espetáculos se dirigem. Na esteira<br />

da crítica à teoria clássica da representação dramática, Rousseau rejeita a tese iluminista<br />

de que os espetáculos possuiriam a capacidade de aperfeiçoar os costumes na medida<br />

em que sua função primordial seria agradar a opinião pública.<br />

Palavras-chave: Artes. Representação. Moral.<br />

1167


ABSTRACT: Analysis of the relationship between the<strong>ate</strong>r and moral in the work Letter<br />

to M. D'Alembert, by Jean-Jacques Rousseau. In 1757 D'Alembert published in the<br />

Encyclopaedia an entry entitled "Geneva" with observations about the customs of its<br />

inhabitants. In short, this entry affirmed that the Geneva government was mistaken in<br />

prohibiting the<strong>ate</strong>r companies under the pretext of protecting their youth from the<br />

corruption of the morality entailed by spectacles, especially comedies. Rousseau refutes<br />

these opinions by arguing among other things that one could not consider the<strong>ate</strong>r good<br />

or bad in itself, but only according to the people to whom the spectacles are directed. In<br />

the wake of criticism of the classical theory of drama, Rousseau rejects the<br />

Enlightenment thesis that spectacles would possess the ability to perfect customs insofar<br />

as their function is primarily to please public opinion.<br />

Keywords: Arts. Representation. Moral.<br />

Introdução<br />

Propõe-se ao longo desse texto uma reflexão analítica sobre as relações<br />

entre teatro e moral a partir da leitura da Carta a D’Alembert sobre os espetáculos, de<br />

Jean-Jacques Rousseau.<br />

Buscar-se-á ressaltar o fato de que Rousseau nega a doutrina da catarse em<br />

sua formulação clássica ainda que não o tenha o feito diretamente; mas entende-se ser<br />

possível inferir essa negação a partir de sua argumentação sobre os efeitos psicológicos<br />

dos espetáculos na subjetividade.<br />

Buscar-se-á compreender as consequências da negação rousseauniana da<br />

teoria da catarse tal como desenvolvida, em seus princípios gerais, na linha da doutrina<br />

aristotélico-platônica como uma importante abordagem teórica. Dessa forma, entende-se<br />

que a rejeição à mimeis catártica torna-se o ponto de partida para a refutação do<br />

argumento da função social do teatro. Os espetáculos não ditam as normas e hábitos ao<br />

público, mas os recebe dele tendo que se adequar conforme o gosto, o tempo e o lugar.<br />

1168


Assim sendo, cabe afirmar que os espetáculos não podem ser<br />

compreendidos a partir da abordagem abstrata e a-histórica das artes imitativas; e que<br />

não bastaria apenas verificar em Rousseau os argumentos da moralidade teológica na<br />

qual estaria fundamentada sua crítica às artes, mas sim em examinar as consequências<br />

dessa postura em seu alcance sociopolítico. Como se afirmou, Rousseau desloca o<br />

problema da crítica ao teatro para o campo político mesmo que se possa constatar que o<br />

teatro perdeu sua essência política ainda serve a esse proposito apenas de maneira<br />

inversa ao teatro grego. O teatro na modernidade reproduz hierarquicamente as posições<br />

sociais mostrando qual o lugar de cada um na sociedade.<br />

À pretensão etnocêntrica dos filósofos da ilustração Rousseau responde que<br />

o teatro não pode ser considerado bom ou mal em si; pois cada povo o desenvolve de<br />

acordo com suas peculiaridades e circunstâncias históricas; sendo que o teatro francês<br />

pode ser tão perfeito quanto possa ser, mas isso não significa que essa afirmação seja<br />

verdadeira se aplicada a Genebra.<br />

A esse respeito importa observar que o moralismo como pano de fundo da<br />

crítica ao teatro pode ser encontrado não apenas na obra de Rousseau. Segundo a<br />

opinião de Prado Júnior (1975) o principal ponto de convergência da crítica de<br />

Rousseau e Diderot passa pelo reconhecimento do “estreitamento” da cena como<br />

corrupção do gênero dramático. Percebe-se que há iniciativas no sentido de reformar o<br />

teatro setecentista em filósofos iluministas como Diderot. Assume-se que argumentação<br />

do filósofo se dirige no sentido de explicitar os pontos de articulação dos espetáculos<br />

com a realidade não somente enquanto um fenômeno estético, mas ao mesmo tempo<br />

como um acontecimento essencialmente ético e político.<br />

Não se trata, contudo, de reduzir o conteúdo da Carta a D’Alembert como a<br />

simples oposição moral de Rousseau ao iluminismo. Rousseau e Diderot concordam<br />

pelos menos em um outro aspecto de suas doutrinas do teatro, a saber, no fato de que a<br />

“ligação essencial entre a natureza e moral é garantida pela natureza humana, isto é,<br />

pela bondade natural do homem, essa verdade que as convenções escondem, mas cabe a<br />

arte revelar” (PRADO JÚNIOR, 1999, p. 9, grifo do autor).<br />

1169


Contudo, no que toca especialmente à concepção da perfectibilidade do<br />

teatro as opiniões dividem-se e Rousseau aparece como ‘solitário’ a negar a<br />

perfectibilidade do teatro como uma “essência” ontológica. Nesse sentido, transparece o<br />

moralismo entre Rousseau e Platão. Se por um lado Platão expulsa a arte poética da sua<br />

república idealizada, por outro, Rousseau deseja a todo custo evitar que esta seja<br />

introduzida em Genebra.<br />

Cumpre averiguar então o alcance e a legitimidade dos efeitos dos<br />

espetáculos sobre no imaginário social; verificar então qual a relação entre o teatro e a<br />

moral sob a perspectiva da negação da catarse por Rousseau na medida em que o<br />

filósofo rejeita a capacidade dos espetáculos teatrais de atuar para o aperfeiçoamento<br />

dos costumes.<br />

Isto posto, pergunta-se o seguinte: os espetáculos teriam, de fato, a<br />

capacidade de transmutar os valores (morais) projetados na subjetividade humana de<br />

modo a tornar a virtude amável e o vício odiável? Ou ainda, não estariam os espetáculos<br />

teatrais reproduzindo, com a conivência de filósofos, as mesmas estruturas sociais em<br />

que se encontram imersos contribuindo para a multiplicação de toda sorte de injustiça e<br />

de iniquidade?<br />

Seguir-se-ão, principalmente naquilo que for pertinente ao nosso tema, as<br />

interpretações dadas a esse problema por Bento Prado Júnior, no interessante ensaio<br />

intitulado “Gênese e estrutura dos espetáculos: notas sobre a Lettre à d’Alembert de<br />

Jean-Jacques Rousseau”. Do mesmo modo, em linhas gerais, considerar-se-ãoas<br />

importantes análises desenvolvidas por Marvin Carlson na sua obra Teorias do teatro:<br />

estudo histórico-crítico, dos gregos à atualidade, além de outros autores. A fim de<br />

tornar mais compreensiva a leitura, far-se-á uma síntese contextualizada que remonta à<br />

gênese da Carta a D’Alembert, para subsequentemente, adentrar-se ao exame da<br />

questão propriamente dita.<br />

1170


ESSÊNCIA NATURAL E REPRESENTAÇÃO TEATRAL<br />

Em 1757, D’Alembert publicara na Enciclopédia o verbete “Genebra” no<br />

qual fazia referências aos hábitos e costumes dos cidadãos daquela República e<br />

questionava a proibição das companhias de teatro de comédia em seu território sob o<br />

pretexto de proteger a juventude da suposta corrupção moral acarretada pelos<br />

espetáculos teatrais. Segundo D’Alembert, Genebra estava equivocada quanto a esta<br />

proibição e, que, portanto, ao invés de proibir os referidos espetáculos, devê-lo-ia<br />

ordená-los adequadamente segundo suas leis.<br />

Desse modo, a imoralidade que frequentemente se atribuía aos artistas não<br />

seria decorrente da arte em si mesma, uma vez que eram sabidamente toleradas pelas<br />

autoridades locais alguns espetáculos com representações (esteticamente) grosseiras dos<br />

hábitos e costumes dos genebrinos.<br />

Contudo, caso a República de Genebra permitisse a instalação das<br />

companhias de teatro e regulamentasse juridicamente suas atividades, as artes<br />

dramáticas poderiam contribuir para o aperfeiçoamento dos costumes, podendo até<br />

mesmo tornar a república de Genebra um modelo de virtude e progresso a ser imitado<br />

pelo resto da Europa.<br />

Em resposta, Rousseau então escreve o ensaio intitulado Carta a<br />

D’Alembert sobre os espetáculos (1758) no qual refuta as opiniões de D’Alembert<br />

expondo todo seu aborrecimento filosófico e moral em torno da questão. Conforme<br />

comenta Carlson a respeito:<br />

[...] então residindo em Genebra e inquieto com a crescente influência de<br />

Voltaire e com as [ideias] mundanas parisienses nessa (segundo Rousseau)<br />

comunidade ainda intacta, viu-se instigado a replicar a semelhante proposta.<br />

Sua primeira obra importante publicada, a Lettre à M. d'Alembert [Carta ao<br />

Sr. d'Alembert] (1758), lançou Rousseau no papel de um Platão moderno<br />

defendendo uma república calvinista contra a corrupção. De fato, num ensaio<br />

acrescentado, Del'imitation théâtrale [Da imitação teatral], Rousseau apela<br />

diretamente a Platão, desenvolvendo comentários tirados do segundo livro<br />

das Leis e décimo da República. (CARLSON, 1997, p. 146).<br />

1171


Discorda-se, aqui, entretanto, da opinião de Carlson que de certa forma<br />

simplificaria a crítica rousseauniana ao teatro na medida em que o autor aplica ao teatro<br />

pura e simplesmente (e sem mais comentários a respeito) o moralismo teológico<br />

defendido pelos padres da Igreja cristã. Ao menos, poder-se-ia nesse sentido, objetar<br />

que o moralismo atribuído a Rousseau também poderia ser imputado a outros filósofos<br />

iluministas. De fato, existem semelhanças éticas importantes entre a concepção do<br />

teatro em Rousseau e Diderot, por exemplo. Concorda-se com esta crítica desde que<br />

reste claro “[...] que não é a estreiteza do moralismo de Rousseau que o opõe aos<br />

Filósofos” (PRADO JÚNIOR, 1975, p. 9).<br />

Além do mais, as análises da verossimilhança mimética no Século XV<strong>II</strong>I<br />

muitas das vezes lançam um olhar crítico ao teatro e não hesitam em apontar o<br />

descompasso entre a forma poética (abstrata) e o conteúdo histórico (concreto). Nesse<br />

sentido, concorda-se com a observação de Prado Júnior em que salienta que “Diderot<br />

não deixa de vincular o progresso da civilização a uma despoetização dos costumes e a<br />

um enfraquecimento da alma, a uma perda estético-ética [...]” (PRADO JÚNIOR, 1975,<br />

p. 8).<br />

Contudo, ainda se poderia afirmar que Rousseau rejeita são aquelas<br />

concepções doutrinárias da filosofia iluminista que poderiam ser resumidas na crença<br />

otimística na suposta vanguarda das artes em relação ao progresso da humanidade e na<br />

aceitação tácita dos efeitos catárticos do teatro sobre os hábitos humanos.<br />

Ao contrário do que defendia D’Alembert, Rousseau acreditava que os<br />

espetáculos teriam como efeito o apagamento da “bondade natural” dos homens na<br />

medida em que a arte teatral moderna não teria a função de instruir os cidadãos, pois ela<br />

não estaria comprometida com a virtude política, mas com o gosto do público;<br />

diversamente do que poder-se-ia constatar na antiguidade grega. O paradigma do teatro<br />

grego estava intimamente relacionado à sua história política e religiosa onde as cenas<br />

ainda seriam capazes de reunir os cidadãos em ambientes propícios; onde o povo<br />

poderia consultar e deliberar sobre seu próprio destino; em resumo, o teatro grego<br />

1172


estava indissociavelmente ligado a uma Paideia, isto é, com o ideal de formação ética<br />

do cidadão tendo em vista os interesses coletivos do Estado.<br />

Rousseau mostra-se contrário ao posicionamento adotado por<br />

D’Alembert e defende a continuidade da proibição legal aos espetáculos reafirmando os<br />

fundamentos desta proibição. Além do mais, Rousseau não deseja ver seu nome ligado<br />

às ideias iluministas no que concerne à concepção da perfectibilidade dos espetáculos<br />

teatrais. O genebrino relata que o simples fato de ter colaborado com escritos para a<br />

Enciclopédia, o obrigaria a refutar a tese da perfectibilidade do teatro. Nesse sentido,<br />

Rousseau afirma que “[...] seria preciso que ignorassem minhas ligações com os<br />

editores da Enciclopédia, que escrevi alguns <strong>artigos</strong> para ela, que meu nome se encontra<br />

entre o de seus autores [...] (ROUSSEAU, 2015, p. 32, grifo do autor).<br />

Rousseau diverge ainda de D’Alembert quanto a questão da suficiência das<br />

leis para resguardar as potenciais consequências morais promovidas pelos espetáculos<br />

mostrando a contradição no argumento que se teatro necessita de leis para regulá-lo,<br />

isso constituir-se-ia em uma prova de que ele não teria “um valor absoluto” porque não<br />

se poderia regular uma coisa que seria boa em si mesma. Segundo Rousseau (2015, p<br />

50) “[...] as leis não têm nenhum acesso ao teatro cujo menor constrangimento seria um<br />

sofrimento e não uma diversão”. O autor continua asseverando que tampouco “ a<br />

opinião não depende do teatro, já que, em vez de ditar a lei ao público, o teatro a recebe<br />

dele [...]” e ainda: “ quanto ao prazer que ali podemos obter, todo o seu efeito consiste<br />

em nos fazer voltar ao espetáculo com maior frequência”.<br />

Mas o homem possui uma inclinação natural para a bondade; por<br />

conseguinte, a natureza teria inscrito as verdades simples na alma dos homens; e os<br />

poetas as retratam de forma distorcida. Desse modo, a inclinação natural seria abafada<br />

em decorrência dos sucessivos progressos históricos (principalmente as artes); elas<br />

também se tornaram coercitivas enquanto convenções sociais. Significa dizer que à<br />

medida do desenvolvimento da ciência e das artes os homens modificar-se-iam a si<br />

mesmos degenerando sua natureza na marcha inexorável do progresso.<br />

1173


Nesse sentido, torna-se real o perigo de se tomar a representação da<br />

“verdade” na ficção literária pela verdade de fato que nasce da própria natureza interior<br />

do homem. O teatro moderno teria se tornado uma “instância” corruptora dos costumes,<br />

promovendo a multiplicação das paixões que (como a vaidade e o amor próprio) que<br />

subjugam a vontade à ilusão das aparências sociais em detrimento da essência humana.<br />

Os espetáculos, vistos como representações distantes da verdade moral, concorreriam<br />

para a corrupção da moralidade social ao dar ocasião (na cena) para o apagamento da<br />

benevolência natural do homem.<br />

Para Rousseau (2015, p. 32) “já não se trata aqui de um vão palavrório de<br />

filosofia, mas de uma verdade prática para todo um povo”. Este é, fundamentalmente,<br />

um dos pressupostos temáticos presentes na Carta. Tratar-se-ia, portanto, da verdade.<br />

Como o próprio autor afirma, da verdade em seu sentido prático ou moral. Não<br />

obstante, para descobrir essa verdade, para torná-la clara a todos, é imprescindível sair<br />

do jogo logocêntrico, do “vão palavrório da filosofia” como forma de se apreender a<br />

verdade transparente; a verdade livre da tirania da representação do signo linguístico<br />

convencional conforme se pode notar no trecho seguinte: “[...] ‘os <strong>ate</strong>nienses sabem o<br />

que é honesto, os espartanos o praticam’. Eis aí uma filosofia moderna e o costume dos<br />

antigos” (ROUSSEAU 2015, p. 61).<br />

É necessário, pois abandonar a especulação sobre as artes poéticas de<br />

modo abstrato e sem qualquer ligação com a realidade. Como bem afirmara Prado<br />

Júnior (1975, p. 8) “Rousseau corta a ideia de gênero todo o ideal-transcendente,<br />

deixando-a à deriva no elemento móvel da historicidade”.<br />

Não se pode admitir a determinação da natureza das artes cênicas sem<br />

antes analisar seus termos; para tanto, tem-se que partir da reflexão sobre os espetáculos<br />

considerando-se seus efeitos. Portanto, ter-se-ia que se estudar antes de tudo, o povo,<br />

para se chegar a um juízo sobre a qualidade dos espetáculos. De um lado tem-se os<br />

espetáculos, de outro, o povo ao qual se dirige. E a maior utilidade dos espetáculos<br />

consistiria em entreter o público. Rousseau evidencia a questão ao afirmar que:<br />

1174


Lançando um olhar sobre estas instituições, vejo inicialmente que um<br />

espetáculo é um entretinimento; e se é verdade que um homem precisa de<br />

entretinimento, V. Sra. há de convir pelo menos que eles só são permitidos<br />

enquanto necessários, e que toda diversão inútil é um mal [...] (ROUSSEAU,<br />

2015, p. 44).<br />

A argumentação de Rousseau aponta para uma definição preliminar das<br />

artes cênicas. A definição implica que o teatro é produto e não causa dos costumes. Os<br />

espetáculos teatrais seriam, antes de tudo, uma “distração”, um “pass<strong>ate</strong>mpo”, uma<br />

interrupção (inútil) dos negócios públicos e privados. Enquanto “distração”, as artes<br />

cênicas desempenham uma função; elas possibilitam ao homem esquecer-se, por algum<br />

tempo, de si mesmo e do peso das suas obrigações de homem e de cidadão. E por qual<br />

motivo o homem necessitaria de entretenimento? Com efeito, pontua Rousseau:<br />

“é o descontentamento consigo mesmo, é o peso da ociosidade, é o<br />

esquecimento dos gostos simples e naturais que tornam tão necessária uma<br />

diversão estranha. Não gosto de que se tenha necessidade de sempre ligar o<br />

coração ao palco, como se ele estivesse pouco à vontade dentro de nós”.<br />

(ROUSSEAU, 2015, p. 44).<br />

Segundo Rousseau (2015, p 45) “acreditamos reunir-nos no espetáculo, e<br />

é ali que cada um se isola; é ali que vamos esquecer os amigos, os vizinhos, os<br />

próximos, para nos interessarmos por fábulas, para chorarmos as desgraças dos mortos<br />

ou rirmos à custa dos vivos”. E muito embora o teatro possa arrancar lágrimas ao<br />

cidadão honesto e constranger o desonesto, logo ao sair do teatro, ambos voltam a ser o<br />

que são.<br />

De modo geral, o teatro destina-se a entreter a pl<strong>ate</strong>ia e para isso deve<br />

amoldar-se ao gosto do público. Ao invés de educar a opinião pública ele submete-se a<br />

ela. Como os autores são sustentados pela renda obtida junto ao público, segue-se que<br />

para ganhar obter-se vantagem disso, ele seja forçado a sempre aperfeiçoar seu “gênio”<br />

para agradar à opinião a quem serve, estabelecendo-se o círculo vicioso no qual o<br />

desenvolvimento das artes e consequentemente o oficio do autor estão<br />

indissociavelmente ligados pelos fundamentos da vida econômica da propriedade<br />

privada.<br />

1175


Seria ilusório considerar a ideia de perfeição teatral, pois ao querer instruir<br />

acaba-se, igualmente, por desencorajar certos comportamentos que seriam mais úteis se<br />

não fossem demasiadamente prazerosos. Ainda que “se neles [espetáculos] se pode<br />

encontrar alguma utilidade, tanto melhor; mas o objetivo principal é agradar e, se o<br />

povo se divertir, o objetivo já foi suficientemente alcançado” (ROUSSEAU, 2015, 46).<br />

E um espetáculo caracteriza-se, em primeiro lugar, pelo prazer de que resulta e não pela<br />

sua utilidade na medida em que o objetivo principal de uma peça teatral é fazer com se<br />

volte ao teatro mais vezes.<br />

Pode-se inferir, além do mais, que a poética do teatro teria a função de reforçar o<br />

caráter político de nacionalidade e de acentuar as inclinações naturais. Por conseguinte,<br />

em Londres conviria um drama que fizesse odiar os franceses; em Túnis, ficaria bem a<br />

pirataria e assim por diante. Aqui estaria a primeira regra da arte teatral que não deveria<br />

jamais ser desobedecida sob pena de se ter peças perfeitamente compostas e que não<br />

interessasse a público algum. Conclui Rousseau (2015, p. 50): “Assim o teatro purga as<br />

paixões que não temos e fomenta as que temos. Eis aí um remédio bem administrado”.<br />

Rousseau (2015, p. 46) reconhece, entretanto, que “o teatro em geral é um quadro das<br />

paixões humanas, cujo original está em nossos corações: mas se o pintor não<br />

preocupasse em adular essas paixões os espectadores logo iriam embora e não<br />

quereriam ver-se sob uma luz que os levaria a desprezarem a si mesmos”.<br />

Segundo Rousseau, a pergunta sobre “se os espetáculos são bons ou maus<br />

em si mesmos” é uma pergunta excessivamente vaga. Todos os espetáculos são feitos<br />

para um povo em particular e somente por este povo é que se poderá determinar suas<br />

“qualidades absolutas”. Sob essa perspectiva seria inútil considerar que as peças de<br />

Menandro, feitas para Atenas, ficassem bem em Roma, que sob a República, serviam<br />

mais os espetáculos dos gladiadores exaltando a coragem e o valor dos romanos e<br />

inspirando nos cidadãos o amor da crueldade e do sangue. Rousseau reconhece que<br />

embora natureza humana seja una, os homens podem ser modificados pelas religiões,<br />

governos, leis, etc. Ora, tais modificações, segundo o genebrino, tornam o homem<br />

1176


diferente de si mesmo de forma que não se pode buscar o que é bom para o homem em<br />

geral sem considerar o tempo e o lugar nessa relação.<br />

A decadência dos espetáculos na modernidade fica evidente na<br />

representação no palco daquilo que não existe mais na sociedade. Perdeu-se, pela lógica<br />

do desenvolvimento histórico, o ideal de política cultivado pelos gregos na antiguidade,<br />

isto é, a verdadeira compreensão do que seja verdadeiramente o interesse do Estado. Por<br />

não ter mais o que representar, o teatro busca agradar a opinião pública colocando em<br />

substituição à virtude cívica, o tema do amor. Não obstante, a concepção de amor<br />

representado nos espetáculos dramáticos não apresentaria nenhuma utilidade para<br />

cidade:<br />

E tanto a tragédia como a comédia tornaram-se mais e mais decadentes desde<br />

Moliêre, sobretudo graças ao desenvolvimento dos interesses amorosos, que<br />

Rousseau, repetindo Pascal, considera terem a mais fatal influência sobre a<br />

moralidade. Se o amor é apresentado eficazmente, a peça nos seduz pelas<br />

paixões superiores da virtude e do dever; se ineficazmente, a peça é má.<br />

Além disso, colocar a ênfase no amor força o drama a favorecer a juventude<br />

em detrimento da velhice [...] (CARLSON, 1997, p. 147).<br />

Rousseau reconhece que desde Molièree Pierre Corneille a comédia como a<br />

tragédia estão em declínio pela introdução da temática do amor nas cenas. Em um texto<br />

publicado sobre essa questão Façanha afirma que:<br />

Assim, após a constatação dessa substituição, tanto da comédia quanto da<br />

tragédia, de suas verdadeiras belezas ocultas por um quadro sedutor, o amor<br />

foi reforçado, substituindo a força cômica e a energia trágica pelos interesses<br />

desse perigoso ‘amor paixão’; ou seja, tema romanesco por excelência, de<br />

sorte que se nota claramente que o foco a ser criticado não é somente o teatro,<br />

mas, na mesma proporção, o romance. (FAÇANHA, 2015, p. 58).<br />

Ainda segundo a análise de Façanha (2015, p. 58) “o teatro destina uma<br />

excessiva importância à descrição do amor, obviamente, exagerando na representação,<br />

naquilo que é romanesco”.<br />

Sabe-se que em Rousseau a razão é que modera as paixões; e a razão, afirma<br />

Rousseau (2015) não tem nenhum efeito no teatro. O homem sensato parece ser o único<br />

1177


a não ser imitado. A poética francesa demonstraria exímia pericia em retratar a cólera, o<br />

amor ou aquilo que é ridículo; no entanto, não consegue representar o homem sensato<br />

sem deformar sua natureza.<br />

Seria essa a realidade dos espetáculos em seu tempo de forma que o<br />

genebrino parece transparecer o sentimento pessimista: “quanto mais penso, mas acho<br />

que o que se representa no teatro não se aproxima de nós, mas se afasta” (2015, p. 54).<br />

A arte poética não representa o homem natural, pois se assim o fosse, já não haveria<br />

mais público para aplaudi-los, pois, os homens estão demasiadamente habituados a<br />

apreciarem somente aquilo que se lhes parece mais prazeroso, conforme o grau de<br />

degeneração em que se encontram. Ora, para Rousseau (2015, p. 46), “o teatro em geral<br />

é um quadro das paixões humanas, cujo original está em nossos corações: mas se o<br />

pintor não preocupasse em adular essas paixões os espectadores logo iriam embora e<br />

não quereriam ver-se sob uma luz que os levaria a desprezarem a si mesmos”.<br />

Rousseau segue afirmando então “Que o teatro tem suas regras, suas<br />

máximas, sua moral à parte, assim como sua linguagem e seus trajes”, pois “Dizemos a<br />

nós mesmos que nada daquilo nos convém, e nos acreditamos tão ridículos adotando as<br />

virtudes de seus heróis quanto falando em verso e nos vestindo à romana”. Os grandes<br />

sentimentos representados no teatro servem apenas para “[...] relegá-los para sempre ao<br />

palco, e para nos mostrar a virtude como um jogo de teatro, bom para divertir o público<br />

e que seria loucura querer transportar seriamente para a sociedade” (ROUSSEAU, 2015,<br />

p. 54).<br />

Nesse sentido, por mais que os autores se esforcem por “aproximar na<br />

comédia o tom do teatro” utilizando-se de um “aparato mais simples à cena”, não se<br />

conseguiria um efeito desejável, pois desse modo, “os costumes não são corrigidos, e<br />

sim, retratados”. Finalmente, deve se concluir que “tudo nos força a abandonar essa vã<br />

ideia de perfeição que nos querem impingir sobre a forma de espetáculos, dirigidos para<br />

a utilidade pública”. Por conseguinte, “ é um erro [...] esperar que se mostrem fielmente<br />

nos espetáculos as verdadeiras relações entre as coisas: pois, em geral, o poeta só pode<br />

1178


degradar essas relações, para fazê-las concordar com o gosto do povo” (ROUSSEAU,<br />

2015, p. 54).<br />

Um outro problema levantado por Rousseau diz respeito à controversa<br />

questão da verossimilhança, crucial para a negação da doutrina da catarse dramática.<br />

Com efeito, indaga Rousseau (2015, p. 54) “Mas que importa a verdade da imitação,<br />

contanto que exista a ilusão? Trata-se apenas de exercitar a curiosidade do povo”. E na<br />

passagem seguinte nota-se a referência à tradição aristotélica da teoria do teatro: “no<br />

cômico, ele [o teatro] as diminui e as coloca abaixo do homem; no trágico, ele as estica<br />

para torná-los heroicos, e os coloca acima da humanidade” (ROUSSEAU, 2015, p. 54).<br />

Perde-se desse modo a justa medida na imitação teatral de modo “que vemos no teatro<br />

seres diferentes de nossos semelhantes”.<br />

Admitindo-se o argumento de que o teatro não produz uma ação<br />

necessariamente boa, segue-se que ele não é bom. Subsequentemente, Rousseau irá<br />

demonstrar que ele pode tornar-se mau. Importante notar que nesse ponto da<br />

argumentação Rousseau introduz a conclusão de sua tese sobre a impossibilidade da<br />

qualidade absoluta do teatro; poder-se-ia, consequentemente, pelo fato de que cada povo<br />

tem os espetáculos que lhes for mais conveniente, proibi-los em Genebra.<br />

Após analisar as qualidades dos espetáculos Rousseau conclui que “o<br />

efeito moral do espetáculo e dos teatros não pode nunca ser bom nem salutar em si<br />

mesmo: já que, contando apenas suas vantagens, não vemos aí nenhuma utilidade real,<br />

sem os inconvenientes que a superem” (ROUSSEAU, 2015, p. 86).Dessaforma, não<br />

tendo o teatro nada com o que possa contribuir para o aperfeiçoamento dos costumes,<br />

ainda concorre para corrompê-los na medida que além de “favorecer nossas<br />

inclinações” ele ainda pode contribuir para a ascensão de outras paixões aptas a<br />

escravizar os homens.<br />

Rousseau conclui que: “quando os autores recebem palmas e o atores a<br />

compartilham, a peça atingiu seu objetivo e não se busca mais nenhuma outra utilidade.<br />

Ora, se o bem é nulo, resta o mal, e como este não é duvidoso, a questão me parece<br />

resolvida”.<br />

1179


Conforme se pode notar, há aqui uma crítica à teoria clássica do teatro,<br />

especialmente a tradição desenvolvida a partir da Poética de Aristóteles na qual pode<br />

ler-se que: “Também a tragédia se distingue da comédia neste aspecto: esta quer<br />

representar os homens inferiores, aquela superiores aos da realidade” (ARISTÓTELES,<br />

2008, 1448a 15).<br />

A concepção de Rousseau contrapõe-se diretamente nesse aspecto com a<br />

doutrina clássica do teatro. Segundo a definição de Aristóteles citada anteriormente,<br />

depreende-se que o homem representado no espetáculo não seria o homem real, mas<br />

ideal. O problema consiste em que os autores sempre representarem o homem abstrato<br />

cujas ações são, na realidade, impossíveis de imitação; em consequência, as comédias<br />

apresentariam um agravante adicional em relação à tragédia porque na comedia os<br />

homens seriam representados piores do que realmente são resultando em mais uma<br />

razão para a rejeição da função pedagógica do teatro.<br />

Rousseau não reconhece a função diretamente pedagógica do teatro<br />

moderno e identifica os problemas de se reproduzirem-se através da estrutura dos<br />

espetáculos a ruptura ontológica da natureza do homem provocada pela sociabilidade.<br />

Segue-se que o problema estético não pode ser dissociado do problema ético. Se as<br />

“artes miméticas” imitam a vida, estas devem ter como limite para sua representação a<br />

própria natureza. O que nos levaria, para além dos limites deste texto, à reflexão da<br />

história do desenvolvimento da concepção de mimesis poética. 115<br />

O que importa destacar aqui o intercruzamento no plano históricometafisico<br />

entre a natureza e representação estética na medida em que “a imitação da<br />

natureza é igualmente a imitação da virtude e a moral é o objeto próprio da arte”. A<br />

imitação, enquanto “razão de ser” das artes, deve ter como modelo a “bondade natural<br />

do homem”.<br />

115 Existe uma correlação intrínseca entre mimesis e catarse, conforme pode ser ilustrado pela seguinte<br />

passagem da Poética: “A tragédia é a imitação de uma [ação] elevada e completa, dotada de extensão,<br />

numa linguagem embelezada por formas diferentes em cada uma das suas partes, que se serve da [ação] e<br />

não da narração e que, por meio da compaixão e do temor, provoca a purificação de tais paixões”<br />

(ARISTÓTELES, 2008, 1449b 24-28, grifo nosso).<br />

1180


A experiência estética deveria fundamentar-se na simplicidade e bondade da<br />

natureza; no entanto, o que se pode afirmar sobre os espetáculos da modernidade é que<br />

são criações artificiais e que negam ao homem sua condição natural. Conforme Prado<br />

Júnior:<br />

Exclui-se, portanto, desde o início, que uma forma qualquer de arte possa<br />

guardar seu valor, se entrar em conflito com a virtude: a imitação da bela<br />

natureza é por assim dizer espontaneamente moral, mesmo quando se choca<br />

com a decência [...] – não há valores puramente estéticos (PRADO JÚNIOR,<br />

1975, p. 09).<br />

Analisada dessa maneira, a representação teatral não deve simular os vícios<br />

e paixões dos homens, porque assim sendo, ela se tornaria em si mesma uma instância<br />

corruptora dos costumes.<br />

Rousseau examina ainda se haveria outros meios de o teatro influenciar<br />

positivamente os costumes. Segundo afirmam os defensores da perfectibilidade do<br />

teatro, este se bem dirigido, ensinaria a amar a virtude e odiar o vício.<br />

Pergunta então Rousseau se “antes de haver comédias as pessoas não<br />

amavam o bem, não odiavam os maus e será que esses sentimentos são mais fracos em<br />

lugares que não têm esses espetáculos? ” (ROUSSEAU, 2015, p. 55). Desse modo, o<br />

genebrino acaba por recusar a doutrina da catarse. 116<br />

Rousseau nega inteiramente a doutrina da catarse, insistindo em que o<br />

despertar das emoções não pode de modo algum remover essas mesmas<br />

emoções. ‘O único instrumento capaz de purgá-las é a razão e eu já disse que<br />

a razão não tem nenhum efeito no teatro’. De fato, se quisermos aprender a<br />

amar a virtude e a odiar o vício, os melhores mestres são a razão e a natureza.<br />

116 Em que pese o fato de existirem exegeses discordantes sobre o termo cartarse (Katharsis), emprega-se<br />

aqui o seu sentido geral de ‘purgação ou purificação’ de empréstimo do prefácio à Poética de Aristóteles,<br />

por Maria Helena Rocha Pereira: “Duas são as aplicações principais deste lexema, anteriormente a Platão:<br />

uma vem da área das práticas rituais, designadamente das religiões de mistérios, como os dos Coribantes,<br />

que, por meio de danças violentas conducentes ao esgotamento, obtinham uma ‘purificação pelo delírio’;<br />

outra é do domínio das Ciências Médicas, pelo que vem mencionada no Corpus Hippocraticum”. Na<br />

sequência do referido prefácio há uma passagem extraída do Sofista, de Platão, sobre o diálogo entre<br />

Teeteto e o Estrangeiro no qual lê-se: [...] “Compreendi, sim, e concordo que existem duas formas de<br />

katharsis; uma é a que diz respeito à alma; e outra, a que se refere ao corpo, e que é distinta desta” (In<br />

ARISTÓTELES, 2008, p. 15, grifo do autor).<br />

1181


O teatro não é necessário para ensinar isso, mesmo que fosse capaz de fazêlo.<br />

(CARLSON, 1997, p. 146).<br />

A mera narrativa de crimes não os faria menos ou mais odiosos para uma<br />

sociedade que os reconhecesse enquanto tal Como se pode notar, o tom irônico com que<br />

Rousseau se refere à pretensa capacidade que teria o teatro de tornar a virtude amável. O<br />

seguinte trecho não deixa dúvidas quanto a isso:<br />

O teatro torna a virtude amável.... Realiza então um grande prodígio ao fazer<br />

o que a natureza e a razão fazem antes dele! Os maus são odiados no palco...<br />

E será que são amados na sociedade, quando reconhecidos enquanto tais?<br />

Será certo que esse ódio é mais obra do autor do que dos crimes que os faz<br />

cometer? Será certo que a mera narrativa desses crimes nos daria menos<br />

horror a eles do que todas as cores com que são pintados? (ROUSSEAU,<br />

2015, p. 51).<br />

É contra a pretensão dos defensores do teatro clássico que Rousseau se<br />

posiciona. Não haveria razão suficiente para se crer demasiadamente no poder do teatro.<br />

Como já se disse, a rejeição da eficácia de um empirismo como forma de<br />

representação social, pois não seria possível, segundo notou Carlson que uma emoção<br />

momentânea “experienciada” no teatro pudesse converter-se subsequentemente em um<br />

sentimento duradouro. O homem não se torna bom ao ser exposto ao mal. Não obstante,<br />

ao se fazer isso, se corre o risco de se apresentar ao expectador crimes tão horrendos<br />

que ele fora incapaz de conceber; mas que graças ao teatro tem pleno conhecimento.<br />

Com efeito, afirma Rousseau (2015, p. 53) que “[...] se a beleza da virtude<br />

fosse obra da arte, há muito a arte a teria desfigurado! ”, pois “o amor do belo é um<br />

sentimento tão natural no coração humano quanto o amor de si mesmo; ele não nasce de<br />

um arranjo de cenas; o autor não o leva para lá, mas o encontra ali; e desse puro<br />

sentimento que ele favorece nascem as doces lágrimas que faz correr”. Rousseau refuta<br />

a tese de que o teatro possibilite ao espectador uma experiencia empírica capaz de<br />

desenvolver as potencialidades de sua natureza interior.<br />

Percebe-se nas passagens anteriores a ruptura ocasionada pela doutrina<br />

rousseauniana. Seria justo perguntar se Rousseau não teria sacrificado as artes à moral<br />

no momento da negação dos seus efeitos práticos sobre o espectador? Não haveria desse<br />

1182


modo a inevitável separação entre o mundo empírico e o mundo moral? Ao negar a<br />

catarse Rousseau anula os efeitos tão desejados pelos iluministas que viam aí o cerne da<br />

questão da utilidade das artes teatrais.<br />

Porém, Rousseau se dispõe a demonstrar que na realidade, as coisas<br />

acontecem de outro modo. Que as ideias e abstrações representadas no teatro não tem<br />

nenhuma influência benéfica do ponto de vista da modificação da natureza íntima do<br />

homem. Ninguém se torna bom ou mal como consequência de ter assistido a<br />

espetáculos teatrais.<br />

Segundo a interpretação de Prado Júnior (1975, p. 12):<br />

“Para Rousseau como para Diderot, a crítica do teatro moderno é, assim, o<br />

fruto de um procedimento complexo e ‘totalitário’ que não visa jamais a<br />

poesia dramática, como uma estrutura autônoma, que vai busca-la sempre na<br />

intersecção entre uma estrutura política e uma estrutura psicológica<br />

particular: o estudo do teatro só é possível sobre a base de uma psicologia<br />

histórica e de uma antropologia política”.<br />

Para ilustrar essa interpretação, reproduz-se integralmente a seguir, apesar<br />

da sua extensão, o trecho em que Rousseau aponta o valor circunstancial da vida<br />

contraposto à representação abstrata da realidade:<br />

O coração do homem é sempre direito com relação a tudo que não se<br />

relaciona pessoalmente com ele. Nas brigas em que somos meros<br />

espectadores, tomamos imediatamente o partido da justiça, e não há ato de<br />

maldade que não provoque em nós uma viva indignação, desde que não<br />

lucremos nada com ele; mas quando nosso interesse é envolvido, nossos<br />

sentimentos logo se corrompem, e só então preferimos o mal que nos é útil ao<br />

bem que a natureza nos faz amar. Não é um efeito necessário da constituição<br />

das coisas que o malvado obtenha uma dupla vantagem, uma de sua injustiça<br />

e outra da probidade dos outros? Que acordo mais vantajoso poderia ele fazer<br />

do que obrigar o mundo inteiro a ser justo, exceto ele mesmo, de sorte cada<br />

um lhe desse fielmente o que lhe fosse devido e ele não desse nada a<br />

ninguém? Ele ama a virtude, sem dúvida, mas ama-a nos outros, porque<br />

espera lucrar com ela; não a quer para si mesmo, pois lhe sairia cara. Que vai<br />

ele ver nos espetáculos, então? Precisamente o que gostaria de encontrar por<br />

toda a parte; aulas de virtude para o público, desde que se excetua, e pessoas<br />

imolando tudo a seus deveres enquanto dele nada se exige (ROUSSEAU,<br />

2015, p. 53).<br />

1183


Por conseguinte, é a opinião pública que dita os costumes. “O homem social<br />

não vive em si mesmo, mas da opinião dos outros e são seus julgamentos que ordenam<br />

tudo, pois se na solidão,os nossos hábitos nascem de nossos próprios sentimentos<br />

naturais, na sociedade eles nascem da opinião dos outros” 117 . De forma que, mesmo<br />

sabendo que a felicidade deve ser o maior de todos os bens, “a única felicidade<br />

considerada pela maior parte dos homens é ser considerado feliz”. (ROUSSEAU, 2015,<br />

p. 96-97, grifo nosso).<br />

No caso, a comédia assumiria uma relação assimétrica revelando sua<br />

negatividade em relação à tragédia. O comediante não seria um patife posto que seria<br />

um “especialista” no fingimento e da imitação? O maior talento do comediante<br />

consistiria na exímia “a arte de imitar, de adotar um caráter diferente do que se tem, de<br />

parecer diferente do que se é, de se apaixonar com serenidade, de dizer coisas diferentes<br />

das que se pensam com tanta naturalidade como se realmente fossem pensadas”.<br />

(ROUSSEAU, 2015, p. 97).<br />

O artista comediante mostra-se sempre pronto a esquecer de seu próprio<br />

lugar, de tanto ocupar o lugar do outro; de tanto imitar os outros, perde a identidade<br />

pessoal, ou seja, sua autenticidade. O genebrino reconhece a genialidade de autores<br />

como Molière. Contudo, conforme afirmou-se anteriormente, não se trata de uma<br />

‘crítica do teatro pelo teatro’ ou tampouco uma contraposição à ideia de gênio muito<br />

embora “o gênio não pode contra as regras que secreta cada estrutura histórica”<br />

(PRADO JÚNIOR, 1975, p. 8). Conforme aponta Garcia:<br />

Parece claro que a crítica de Rousseau ao teatro é mais uma crítica às<br />

concepções, às expectativas e à valoração que se atribuem à cena teatral e<br />

menos uma crítica ao teatro em si mesmo. A degradação e a perfeição dos<br />

espetáculos só pode ser dita em relação às verdadeiras relações entre as<br />

coisas. Se os defensores do teatro não pretendessem ver uma correspondência<br />

117 Aqui, mais uma vez, nota-se que a questão não ficou de fora da análise arguta de Bento Prado Júnior<br />

(1975). Tem-se uma nova fronteira teórica que se abre com a questão dos gêneros literários. Se a cena<br />

dramática degrada o homem em sua realidade, o romance pode restitui-lo à presença “junto a si”.<br />

Acrescente-se, neste caso, que mesmo que Rousseau reivindique a figura do solitário como destinatário<br />

do romance, o “leitor” não estará menos isento de percalços que o “espectador” teatral. O primeiro pela<br />

inação, o segundo pela imaginação em excesso.<br />

1184


entre a realidade e a sua imitação, não haveria porque criticar o teatro. Por<br />

isso, a questão não pode ser reduzida unicamente a um problema de bom ou<br />

de mau gosto público. (GARCIA, 1999, p. 160).<br />

A crítica à representação é, de certo, também a crítica a todas as espécies de<br />

convenções criadas pela sociedade a fim de subjugar os homens; a fim de fazê-los<br />

esquecer o sentimento de liberdade natural: “Que aprendemos em Fedra e no Édipo<br />

senão que o homem não é livre que o céu o pune dos crimes que faz cometer ?”<br />

(ROUSSEAU, 2015, p. 61, grifo do autor).<br />

Jean-Jacques chama a <strong>ate</strong>nção para a fratura existente na relação entre o<br />

empírico e o moral apontando como cerne do problema a questão da verossimilhança e<br />

sua impossibilidade de realização efetiva na medida em que esta não garante, por si só,<br />

os efeitos práticos dos espetáculos para a modificação da realidade social, pois “pode<br />

ser que o teatro, apelando para a benevolência natural do homem, desperte uma sombra<br />

de bondade, mas esta permanece uma sombra, já que ali as convenções do drama<br />

removem inevitavelmente a experiência da aplicação à vida diária” (CARLSON, 1997,<br />

p. 146).<br />

Conclui-se, diante do exposto, que Rousseau não nega o teatro em si<br />

mesmo, mas que reconhece conforme sua doutrina que não existiria um teatro universal<br />

(abstrato) e que um teatro que seja adequado a todos os povos indistintamente; e “se<br />

algum teatro deve ser introduzido em Genebra, deve ser o teatro adequado a uma<br />

pequena república ainda perto da natureza e da virtude natural – espetáculos ao ar livre<br />

com dança, ginástica e celebração inocente por toda a população” (CARLSON, 1997, p.<br />

147). De certa forma, Rousseau compartilha de uma ideia recorrente na tradição<br />

dramatúrgica que buscava na natureza as suas formas de imitação por excelência.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ARISTÓTELES. Poética. Tradução e notas de Ana Maria Valente. 3 ed. Lisboa: Edição<br />

da Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.<br />

1185


CARLSON, Marvin. Teorias do teatro: estudo histórico-crítico, dos gregos à<br />

atualidade. Tradução de Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Fundação Editora<br />

da UNESP, 1997.<br />

FACANHA, Luciano da Silva. A Representação do Amor nos Quadros das Paixões: da<br />

Crítica Teatral ao Árduo Consentimento do Romance. Trans/Form/Ação, Marília , v.<br />

38, n. spe, p.57-70, 2015. Disponível em:<br />

. Acessado em 03 de Nov. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-<br />

31732015000400006.<br />

GARCIA, Claudio Boeira. As cidades e as cenas: a crítica de Rousseau. Ijuí: Ed.<br />

UNIJUÍ, 1999.<br />

ROUSSEAU. Carta a D’Alembert. Tradução Roberto Leal Ferreira. 2. ed. Campinas:<br />

Editora da Unicamp, 2015.<br />

PRADO JÚNIOR, Bento. “Gênese e estrutura dos espetáculos: Notas sobre a Lettre à<br />

d’Alembert de Jean-Jacques Rousseau”. Estudos CEBRAP 14, São Paulo: Brasiliense,<br />

1975.<br />

1186


GÊNERO E SEXUALIDADE NOS LIVROS DIDÁTICOS DE CIÊNCIAS DO<br />

ENSINO FUNDAMENTAL MAIOR<br />

GENDER AND SEXUALITY IN TEXTBOOKS OF SCIENCES OF<br />

FUNDAMENTARY EDUCATION IN BRAZIL.<br />

118 Marcos Felipe Silva Duarte<br />

Graduando em Ciências Biológicas Licenciatura<br />

Universidade Estadual do Maranhão<br />

²Hellen José Daiane Alves Reis<br />

Mestra em Ensino de Ciências e M<strong>ate</strong>mática<br />

Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Maranhão<br />

³Jackson Ronie Sá-Silva<br />

Professor Adjunto do Departamento de Química e Biologia da Universidade Estadual do<br />

Maranhão<br />

Doutor em Educação pela UNISINOS<br />

Eixo 2: Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: Somos instruídos desde pequenos a fazermos escolhas quanto a cores,<br />

brinquedos, roupas, e até profissões diferentes baseadas em nosso gênero, e os sujeitos<br />

que por alguma razão fogem ou destoam desse perfil criado acabam sendo<br />

ridicularizados. Na escola, os dilemas que envolvem as questões de gênero estão para<br />

além da sala de aula, e em ambientes assim, generificados, é necessário que se iniciem<br />

118 Licenciando em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Integrante do<br />

Grupo de Pesquisa Ensino de Ciências, Saúde e Sexualidade (GP-ENCEX), bolsista de Iniciação<br />

Cientifica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Email:<br />

duartiifelipe@hotmail.com.<br />

²Mestra em Ensino de Ciências e M<strong>ate</strong>mática pelo Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e<br />

M<strong>ate</strong>mática (PPECEM). Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Maranhão<br />

(UFMA). Integrante do Grupo de Pesquisa Ensino de Ciências, Saúde e Sexualidade (GP-ENCEX).<br />

Email: hellendaianereis@gmail.com.<br />

³Pós-Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do<br />

Rio Grande do Sul (UFRGS). Doutor em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da<br />

Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Professor Adjunto <strong>II</strong>I do Departamento de Química<br />

e Biologia da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). Professor do Programa de Pós-Graduação<br />

em Ensino de Ciências e M<strong>ate</strong>mática (PPECEM) - Mestrado Acadêmico (UFMA). Coordena o Grupo de<br />

Pesquisa Ensino de Ciências, Saúde e Sexualidade (GP-ENCEX). Email:<br />

prof.jacksonronie.uema@gmail.com<br />

1187


discussões sobre como esses papeis foram construídos historicamente, para que os<br />

discentes percebam os prejuízos que os estereótipos reproduzidos até então trouxeram<br />

para as nossas relações diárias. A Ciência e a Biologia são, geralmente, as disciplinas<br />

que mais tratam sobre gênero. Os Livros Didáticos (LD) se configuram como uma peça<br />

importante no processo de aprendizagem dos (as) alunos (as), contendo imagens, textos<br />

e ilustrações que podem trazer discursos, mesmo que de forma subjetiva, sobre gênero e<br />

sexualidade, portanto, foi objetivado nesse trabalho descrever e compreender os<br />

discursos, as ideias e as representações sobre os temas “gênero” e “sexualidade”<br />

inscritos em duas coleções de livros didáticos de Ciências do Ensino Fundamental<br />

Maior (6° ao 9° ano). Foi observada uma maior representatividade feminina e negra nas<br />

imagens, onde encontramos mulheres em posição de poder, representando um ponto<br />

positivo nas discussões sobre gênero e, também, raça. Os LD trataram de sexualidade na<br />

maioria das vezes em uma perspectiva biológica, porém, foram encontrados trechos<br />

com uma outra visão, trazendo assuntos como sexo, puberdade e menstruação, levando<br />

em consideração os aspectos socioculturais ao fazerem os alunos e alunas pesquisarem<br />

sobre os conceitos desses temas e as diferentes formas que a sexualidade pode se<br />

expressar. Foram encontrados alguns trechos que discutiam a discriminação, o<br />

preconceito e a violência, deixando claro que estas não são práticas a serem<br />

encorajadas. Alguns livros, porém, ainda apresentaram pontos a serem repensados,<br />

como a diferenciação de cores para meninos e meninas. A análise feita neste trabalho<br />

anseia pela produção de um LD que contenha os conteúdos científicos, mas que atrelem<br />

a estes os aspectos socioculturais para que possamos ter uma dimensão maior sobre o<br />

quê gênero e sexualidade tratam. Colocando tais assuntos em pauta dentro de um<br />

ambiente que tenha responsabilidade para mediar essa discussão estaremos contribuindo<br />

para a educação de futuros cidadãos de forma mais respeitosa com as diferenças.<br />

Palavras-chave: Gênero. Sexualidade. Livros Didáticos. Ensino de Ciências.<br />

1188


ABSTRACT: We're all instructed to make choices about different colors, toys, clothes<br />

and even professions based on our genders. People who, for some reason, escape or<br />

disregard with this cre<strong>ate</strong>d profile end up being ridiculed. At school, the dilemmas<br />

surrounding gender issues are beyond the classroom and in such generalized<br />

environments it is necessary to start discussions about how these roles were historically<br />

constructed, so that the students realize the damages that the so far reproduced<br />

stereotypes have brought to our daily relations. Science and biology are usually the<br />

disciplines that treat the most about gender. Textbooks are an important part of the<br />

students' learning process, containing images, texts and illustrations that can come up<br />

with discourses, even if subjectively, about gender and sexuality. Therefore it was<br />

objectified in this paper to describe and understand these discourses, ideas and<br />

representations on the themes "gender" and "sexuality" enrolled in two collections of<br />

textbooks of Sciences from the Fundamentary Education in Brazil (6th – 9th year). It<br />

was observed a gre<strong>ate</strong>r feminine and black people representativeness in the images,<br />

where we find women in a position of power representing a positive point in the<br />

discussions on gender and also race. The textbooks dealt with sexuality most of the time<br />

from a biological perspective. However, some other views were found, bringing up<br />

issues such as sex, puberty and menstruation, taking into account the socio-cultural<br />

aspects in making the students research about the concepts of these themes and the<br />

different ways that sexuality can express itself.There were found some sections that<br />

discussed discrimination, prejudice and violence, making it clear that these are not<br />

practices to be encouraged. Some textbooks, however, still presented points to be<br />

rethought such as color differentiation for boys and girls. The analysis made in this<br />

work longs to the production of a textbook that contains the scientific issues, but links<br />

them to the sociocultural aspects so that we can have a gre<strong>ate</strong>r dimension on what<br />

gender and sexuality are all about. Lighting these issues in an environment that has a<br />

responsibility to medi<strong>ate</strong> this discussion will contribute to the education of future<br />

citizens in a more respectful way of the differences.<br />

1189


Keywords: Gender. Sexuality. Textbook. Science Teaching.<br />

INTRODUÇÃO<br />

As aulas de Educação Física na minha escola eram sempre divididas e<br />

aconteciam semanalmente, sendo que, em uma semana participavam somente os<br />

meninos e a atividade era sempre o futebol, e em outra semana participavam somente as<br />

meninas, onde a atividade era sempre queimada (ou como chamam em outros locais:<br />

baleada, carimbada, etc.,). Quando criança, nunca me enturmei nos grupinhos dos<br />

garotos, e nunca fui bom de bola, então, quando eu tinha sorte, o professor deixava que<br />

eu ficasse somente sentado observando os meus colegas de classe jogarem. Nessas<br />

tardes que eu passava sentado, ou tendo que jogar mesmo sendo muito ruim naquilo e<br />

não estando nada confortável, sempre me vinha o questionamento sobre o porquê dessas<br />

aulas separarem os meninos das meninas, e o porquê de os garotos não poderem jogar<br />

queimada e as garotas futebol. As respostas que eu ouvia, tanto de algumas pessoas<br />

quanto as construídas na minha mente pelo ambiente a minha volta, eram quase sempre<br />

as mesmas: os meninos são mais fortes, as garotas não podem competir com eles, além<br />

do quê, queimada é brincadeira de menina, e futebol é brincadeira de menino.<br />

Essa realidade provavelmente não foi somente a minha, desde pequenos<br />

somos ensinados a como ser homens e mulheres pela mídia, família, medicina, religião,<br />

e também pela escola. Somos instruídos a fazermos escolhas quanto a cores,<br />

brinquedos, brincadeiras, roupas, acessórios e até profissões diferentes baseadas em<br />

nosso gênero, sendo formado assim um perfil bem claro do que seria feminino e<br />

masculino, onde os sujeitos que por alguma razão fogem ou destoam desse perfil<br />

acabam sendo ridicularizados e menosprezados.<br />

Esse conjunto de normas é baseado em uma relação binária com um modelo<br />

heterossexual sempre ligado a reprodução, onde mesmo sujeitos heterossexuais são<br />

postos a todo momento à prova para reafirmar a sua heterossexualidade (SANTOS;<br />

SOUZA, 2014). Essas atitudes se tornaram formas de educar os filhos, o que prejudica<br />

1190


na formação, no desenvolvimento e no futuro dessa criança, pois, quando se reproduz a<br />

ideia de que as mulheres devem ser recatadas, saber cozinhar, saber cuidar da casa, dos<br />

filhos e do marido, e os homens devem ser fortes, que homens não choram e que podem<br />

ter mais liberdade que as mulheres, estamos contribuindo para a continuação de uma<br />

sociedade machista que coloca a mulher como menos significante nas relações, sejam<br />

elas sociais ou de prazer.<br />

Na escola, os dilemas que envolvem as questões de gênero estão para além<br />

da sala de aula, estão nos corredores, no recreio, nas datas comemorativas, nas relações<br />

entre alunos, professores, coordenação e todos os demais profissionais que formam a<br />

escola. Dentro de ambientes assim, generificados, onde os sujeitos são fabricados<br />

hegemonicamente com relação a compreensão do “eu” e dos cuidados com o corpo e<br />

com a imagem social (GODOI; ARANTES, 2012), é necessário que se iniciem<br />

discussões sobre a visão histórica dos seres homem e mulher, para que os/as alunos/as<br />

percebam os prejuízos que os estereótipos reproduzidos até então trouxeram para as<br />

nossas relações diárias.<br />

A Ciência e a Biologia são, sem dúvida, as disciplinas escolares que mais<br />

tratam sobre o corpo, e sendo esse um representante de significados, símbolos e<br />

tradições (DAOLIO, 1995), é, muitas vezes, o ponto de partida para as discussões sobre<br />

gênero encontradas na escola. Professores e professoras de outras disciplinas até se<br />

usam desse argumento para justificar a falta desse tema em suas aulas, sendo injusto e<br />

irracional deixar a cargo de somente uma ou duas disciplinas assuntos tão vastos e<br />

necessários.<br />

Um dos recursos mais importantes que auxiliam professores/as e alunos/as<br />

em sala de aula é o Livro Didático (LD). Através dele muitos docentes fazem o seu<br />

planejamento e seus planos de aula, trazendo conteúdos, imagens, desenhos, exercícios,<br />

etc. Os LD apresentam-se também como formadores de opiniões, já que passam por um<br />

processo seletivo até chegarem às salas de aula, portanto, podem pensar os alunos que<br />

estes não apresentam erros ou equívocos. A Ciência em si é feita a partir de equívocos e<br />

suposições quando um pesquisador os percebe em um estudo passado e o dá<br />

1191


continuidade, mostrando um novo ponto de vista, considerando o que foi positivo<br />

daquele estudo e trazendo novas ideias sobre como tal questão pode ser melhor<br />

explicada, logo, os LD não estão isentos de tais equívocos.<br />

No momento em que os LD trazem textos, imagens e ilustrações, estão<br />

apresentando mensagens diretas e indiretas já que algumas imagens e textos contêm<br />

subjetividades e precisam de uma análise mais cuidadosa para se compreender o que<br />

os/as autores/autoras quiseram passar, algumas contêm tais subjetividades de forma<br />

proposital e outras não, porém, não deixam de transmitir e (re) produzir mensagens.<br />

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) trazem a Orientação Sexual<br />

como tema transversal onde dentro desse tema se discute o corpo como matriz da<br />

sexualidade, as relações de gênero e prevenção das doenças sexualmente transmissíveis<br />

(BRASIL, 1998), configurando-se como um ponto positivo no sentido de incluir o<br />

gênero como tema para deb<strong>ate</strong> na sala de aula em uma época que vivemos conquistas<br />

dos movimentos femininos, como a Lei Maria da Penha que passou a considerar<br />

violência contra a mulher como crime, seja ela de caráter físico ou psicológico, e<br />

também como marco positivo o direito ao voto. Vivemos ainda uma representatividade<br />

dessas lutas bem maior, onde podemos acompanhar participantes de tais movimentos<br />

indo às mídias falarem sobre violências, assédios, salários desiguais, falta de<br />

oportunidades, estereótipos, racismos, aborto, e tantos outros temas que não eram<br />

possíveis serem debatidos há pouco tempo atrás.<br />

Os Estudos Culturais, apoiado na vertente do pós-estruturalismo auxiliou<br />

nesses deb<strong>ate</strong>s já que este trabalha com a metodologia do estranhamento e<br />

desnaturalização de conceitos historicamente apresentados como verdades absolutas<br />

(BECK; GUIZZO, 2013). O estranhamento do discurso médico e biológico como o<br />

único para as questões de gênero é essencial para que se aborde o tema com um leque<br />

de possibilidades. Quando utilizamos essa metodologia na educação, mais precisamente<br />

nos LD podemos observar a reprodução de estereótipos e de conceitos equivocados que<br />

foram naturalizados com o passar do tempo, por trás de imagens e textos, o que nos<br />

1192


permite ter uma visão crítica sobre como essas questões estão sendo apresentadas na<br />

escola (e fora dela).<br />

OBJETIVOS<br />

Descrever e compreender os discursos, as ideias e as representações sobre<br />

os temas “gênero” e “sexualidade” inscritos em duas coleções de livros didáticos de<br />

Ciências do Ensino Fundamental Maior (6° ao 9° ano) utilizados em escolas da rede<br />

pública municipal da região do Itaqui Bacanga, São Luís – MA.<br />

METODOLOGIA<br />

Foi realizada uma busca pelas coleções de livros em quatro escolas da rede<br />

pública municipal da região do Itaqui Bacanga, São Luís – MA, onde informamos que<br />

não utilizaríamos os seus nomes, apenas os das coleções. Foram adquiridas duas<br />

coleções, totalizando oito livros (Figura 1). A primeira trata-se da coleção “Projeto<br />

Araribá: Ciências” de SHIMABUKURO, V; (6º ano ao 9º ano. 3ed. São Paulo:<br />

Moderna, 2010), e a segunda da coleção “Ciências” de BARROS, C; PAULINO, W; (6ª<br />

ao 9º ano. 5.ed. São Paulo: Ática, 2012). As duas fazem parte do Plano Nacional do<br />

Livro Didático (PNLD) dos anos 2014-2016.<br />

Por se tratar de uma pesquisa de compreensão e análise de discursos e não<br />

de quantificação, foi utilizada uma abordagem qualitativa (MINAYO, 2013), e a<br />

pesquisa foi do tipo documental, onde o LD se configura como um documento<br />

importante na formação científica e cidadã dos alunos e alunas, assim como, uma rica<br />

fonte para estudo, o que representa tal tipo de pesquisa.<br />

1193


Figura 1: Coleções de livros adquiridas para a pesquisa<br />

Fonte: Próprio Autor, 2017.<br />

RESULTADOS DA PESQUISA E DISCUSSÃO<br />

As duas coleções começam trazendo uma proposta muito interessante que é<br />

a de iniciar a apresentação com “caro aluno, cara aluna” (BARROS e PAULINO, 2012)<br />

e “caro leitor, cara leitora” (SHIMABUKURO, 2012), colocando o feminino junto com<br />

o masculino, o que chama a <strong>ate</strong>nção de quem está lendo e funciona como um meio de<br />

inclusão e presentificação, convidando não só os meninos para o conhecimento, mas<br />

também as meninas.<br />

O que pode parecer pouco significante na verdade nos abre os olhos para o<br />

quão persuadido nós somos pelas mídias ao naturalizarmos, sem perceber, o masculino<br />

como representante de tudo e todos, como, por exemplo, a expressão “O Homem” para<br />

designar toda a espécie humana, da expressão “os pais” indicando tanto o pai quanto a<br />

mãe de alguém, o uso dos <strong>artigos</strong> quase sempre no masculino para se referir a pessoas,<br />

1194


quer sejam homens ou mulheres, “os responsáveis; os autores; os alunos; os<br />

profissionais; etc.”, então, quando se coloca no meio de um discurso, quer seja oral ou<br />

escrito, “professores e professoras”, logo se nota a inclusão do feminino, por ser algo<br />

diferente do que estamos acostumados, chamando <strong>ate</strong>nção para o que vai ser dito em<br />

seguida, além de influenciar a reprodução de tal ato.<br />

As imagens e ilustrações em um livro didático são muito importantes, pois,<br />

são recursos lúdicos que auxiliam na compreensão do conteúdo por parte dos alunos e<br />

alunas. O poder de apreensão da <strong>ate</strong>nção e da significância dessas imagens traz uma<br />

responsabilidade para os/as autores/as dos LD em escolher ou criar algo que não<br />

contenha nenhum conteúdo discriminatório, excludente ou que possa causar algum<br />

desconforto em quem está lendo.<br />

Foram observadas duas imagens na coleção de Shimabukuro (2012)que<br />

apresentaram uma reprodução de estereótipos de gênero (Figuras 2 e 3), onde a ideia da<br />

cor azul como representante dos meninos e da cor rosa como representante das meninas<br />

é usada, o que acaba por dar continuidade à discussão sobre coisas diferentes para cada<br />

gênero, sobre uma separação muito clara, fazendo com que a sociedade acabe julgando<br />

aqueles que não estão dentro destes padrões. Uma garota que prefere o azul, verde,<br />

preto ou outra cor considerada “de menino” será vítima de piadas, brincadeiras e poderá<br />

até tentar mudar o seu gosto para agradar os demais, sendo, assim, moldada pela<br />

sociedade. Isso nos faz refletir sobre como são produzidas certas posições e impostas a<br />

mulheres e homens como desígnios naturais, o que chega até a escola, onde observamos<br />

um ambiente que exerce um tipo de controle até mesmo nas suas práticas diárias como a<br />

organização do espaço escolar, distinguindo dessa forma os corpos e as mentes<br />

(WENETZ, 2012; LOURO, 2000).<br />

1195


Figuras 2 e 3: Relações de gênero em ilustrações<br />

Fonte: 2: Shimabukuro, 2012, 8º ano, p. 61; 3: Shimabukuro, 2012, 7º ano, p. 83.<br />

É necessário que se tenha cuidado com essas representações, pois estamos<br />

em um momento histórico importante na luta a favor da equidade de gênero e pelo<br />

direito das chamadas minorias, portanto, não podemos deixar que questões tão pequenas<br />

e fáceis de serem resolvidas continuem a fazer um movimento contrário.<br />

Entendendo as imagens e ilustrações como pontos centrais nas discussões<br />

sobre gênero e sexualidade nos livros em destaque, é interessante que estas tragam<br />

imagens de mulheres como forma de representação, e de preferência, em posições de<br />

poder. As duas coleções analisadas demonstraram discutir equidade de gênero neste<br />

ponto, já que apresentaram muitas imagens e ilustrações desse tipo (Figuras 4-10)<br />

1196


Figuras 4, 5 e 6: Representatividade feminina nos LD<br />

Fonte: 4: Barros & Paulino, 2012, 6º ano, p. 108. 5: Shimabukuro, 2012, 8º ano, p. 65. 6: Shimabukuro,<br />

2012, 8º ano, p. 84.<br />

Mulheres na construção civil, mulheres cientistas e mulheres que foram<br />

importantes na história são imagens encontradas nos livros, tais imagens podem servir<br />

como encorajamento às alunas, futuras profissionais, que querem uma carreira, porém<br />

não têm incentivo por que as referidas são discursadas socialmente como<br />

majoritariamente exercidas por homens.<br />

A mulher ter sido taxada como sexo frágil e sofrido violências por isso –<br />

muitas vezes sem perceber que se encontra numa relação abusiva (FELIPE, 2006). A<br />

construção civil, as ciências exatas, o exército, os esportes, e muitas outras áreas e<br />

ambientes foram prioritariamente ocupadaspor homens e não permitiam ou não davam o<br />

devido valor à presença feminina, o que acaba ainda por refletir nos dias de hoje, porém,<br />

já é possível observarmos as mulheres ocupando espaços. Ver alguém como Marta, uma<br />

mulher, brasileira, ganhar por diversos anos seguidos o prêmio de melhor jogadora de<br />

futebol do mundo influencia a quebra de muitos padrões de gênero, logo, ver essas<br />

mulheres nos livros didáticos contribui também para essa quebra, ou pelo menos, para<br />

um início de deb<strong>ate</strong>.<br />

Historicamente o feminino sempre foi menosprezado, assim como pessoas<br />

negras. Assim, com uma mulher negra podemos observar que a discriminação ocorre de<br />

forma dupla. Existe todo o conceito de incapacidade da mulher com o estigma que é<br />

colocado sobre as pessoas negras. É possível observar isso em muitas situações, como<br />

1197


nas diversas novelas que já foram exibidas onde vimos uma mulher branca sendo a rica<br />

dona de uma casa enorme contracenando com uma negra que interpretava a empregada<br />

pobre.<br />

A ditadura da beleza é imposta as meninas desde cedo, onde se é colocado<br />

como uma das condições para ser “realmente” femininas o fato de serem vaidosas e<br />

cuidarem do seu corpo (LOURO, 2004). A definição do que é “beleza”, porém, depende<br />

do momento em que se está vivendo, já que o que é considerado feio hoje pode ter sido<br />

considerado belo no passado, assim como, da estrutura social e cultural da sociedade em<br />

que se vive (TATARKIWECZ, 2002), já que os traços e as características fenotípicas<br />

são diferentes para cada etnia, cada região do mundo, formando assim diversos padrões<br />

dentro de cada lugar, entretanto, com a globalização e o avanço da internet, cada vez<br />

mais sofremos influência da cultura norte americana e europeia, formando assim,<br />

através das suas modelos, campanhas, anúncios, filmes, séries etc., um padrão universal<br />

do que seria “belo e desejável”.<br />

Os cabelos lisos e a pele branca se tornaram referência de beleza, fazendo<br />

com que mulheres negras mudassem sua aparência para se adequarem a esses padrões,<br />

deixando suas raízes e cultura de lado, diminuindo assim a sua representatividade.<br />

Colocar, portanto, imagens de mulheres nos LD é de suma importância, porém, é<br />

preciso que haja diversidade dentro dessa representação, é desejável que haja<br />

visibilidade negra para que não só alunas brancas possam se inspirar ao lerem os LD,<br />

mas qualquer outra. As duas coleções trouxeram muitas imagens com essa ideia<br />

(Figuras 7, 8, 9 e 10), sendo esse, um ponto positivo para as discussões sobre gênero e<br />

raça nas salas de aula da nossa cidade, Estado e país.<br />

1198


Figura 6: Mulher negra representada nos LD<br />

Fonte: Barros & Paulino, 2012, 8º ano, p. 36.<br />

Figura 8, 9 e 10: Mulher negra representada nos LD<br />

Fonte: 8: Barros & Paulino, 2012, 8º ano.9: Shimabukuro, 2012, 8º ano, p. 119. 10: Shimabukuro, 2012,<br />

7º ano, p. 149<br />

Ligado a isso, um outro ponto muito importante e que é discutido na coleção<br />

de Barros e Paulino (2012)são as questões de raça e preconceito. Através de atividades e<br />

textos os autores propõem a busca pelos conceitos de raça, preconceito, discriminação, e<br />

outros termos que façam os alunos e alunas compreenderem como essa exclusão se dá e<br />

como tal fato é algo que não deve ser encorajado ou reproduzido. Os autores citados<br />

falam sobre estudos que afirmam não existir mais raças puras hoje em dia, e estudos que<br />

1199


mostram não haver um gene racial que estaria presente em um grupo da população e<br />

ausente em outro. Dessa forma soma-se às discussões de empoderamento negro<br />

feminino, buscando diminuir tais preconceitos, como pode ser observado no seguinte<br />

trecho do livro do oitavo ano:<br />

Não há, de fato, fundamentação científica para afirmar que uma população<br />

humana é intelectual ou fisicamente superior a outra. A genética moderna<br />

mostra que não podemos ser <strong>agrupados</strong> em raças. E mais quaisquer formas de<br />

preconceito ou discriminação causam sofrimento e devem ser banidas. Só<br />

com a convivência pacífica e a tolerância das diferenças entre pessoas,<br />

grupos, religiões e nações é que poderemos promover um mundo em que<br />

todos os indivíduos tenham garantidos os mesmos direitos e o acesso ao<br />

pleno exercício da cidadania. (BARROS; PAULINO, 2012, p.13)<br />

Assim como direitos das mulheres negras, a sexualidade das mulheres em<br />

geral sempre foi reprimida, as mulheres sempre foram ensinadas a serem recatadas, a<br />

não expressarem seus desejos sexuais, mas, ao mesmo tempo, estarem sempre dispostas<br />

a suprirem os de seus companheiros. Tais ideias acabaram fazendo com que a<br />

sexualidade passasse a ser um tema evitado e até mesmo tratado como algo sujo,<br />

pecaminoso por alguns setores da sociedade como a igreja, por exemplo. Quando se<br />

trata de trazer para a escola tal discussão é mais delicado ainda, já que, as famílias ainda<br />

têm a ideia de uma infância ingênua e pura,preferindo que as crianças se distanciem<br />

desse assunto (FELIPE, 2006).<br />

Hoje se fala abertamente sobre a sexualidade, porém, alguns estigmas ainda<br />

resistem, principalmente no ambiente escolar, onde encontramos em poucas escolas o<br />

ensino de educação sexual, ou de sexualidade de uma forma interdisciplinar, e quando<br />

encontrado, está focado em um viés biológico higienizante, que trata de assuntos como<br />

DST, prevenção de gravidez, e reprodução. Os aspectos sociais que envolvem as<br />

questões sexuais como igualdade de gênero, orientação sexual, aborto, identidade de<br />

gênero e tantos outros assuntos, não encontram tanto espaço nos deb<strong>ate</strong>s em sala de<br />

aula.<br />

É comum se encontrar vídeos e campanhas publicitárias sobre o uso de<br />

preservativo e os métodos de prevenção da gravidez precoce, principalmente na época<br />

de carnaval, que se mostram claramente importantes e necessários, mas que não<br />

1200


contemplam diferentes possibilidades a se abordar o tema da sexualidade humana de<br />

forma plural, contextual, problematizadora e que faça se perceber as diferenças sexuais,<br />

de gênero, etnia, etc. As coleções trazem trechos com essa visão biologizada, onde são<br />

levados em consideração apenas os aspectos fisiológicos, anatômicos e de saúde, como<br />

representado nos seguintes trechos:<br />

A gravidez na adolescência: o momento da geração de bebê é um período de<br />

grandes mudanças para qualquer mulher. Quando ocorre muito cedo, a<br />

gravidez pode significar, para os pais ou, principalmente, para mãe da<br />

criança, ter que abri mão da própria adolescência. Há vários mitos<br />

envolvendo o sexo e a gravidez. Ao contrário do que algumas pessoas<br />

pensam, uma garota pode ficar grávida na primeira relação sexual. A<br />

gravidez pode ocorrer na adolescência porque muitas moças e rapazes<br />

desconhecem ou não utiliza os meios para evitá-la (SHIMABUKURO, 2012,<br />

p. 58)<br />

Numa relação sexual, no momento da ejaculação, o esperma ou sêmen é<br />

lançado no fundo da vagina. Uma vez no corpo feminino, os milhões de<br />

espermatozoides contidos no esperma locomove-se ativamente graças o<br />

batimento do flagelo e, chega a tuba uterina, após atravessar o útero<br />

(BARROS; PAULINO, 2012, p.58)<br />

As duas coleções trazem um discurso sobre a saúde sexual muito forte,<br />

principalmente nos livros de oitavo ano, porém, também foi observado a inserção de<br />

algumas temáticas que incluem os aspectos socioculturais e muitos dilemas que<br />

vivemos hoje não somente na escola, mas nos espaços que ocupamos. Um desses temas<br />

é a questão da responsabilidade p<strong>ate</strong>rna, já que, vivemos em uma sociedade onde a<br />

maioria das famílias é dirigida por mulheres, e muitos homens ao saberem que irão ser<br />

pais, abandonam suas companheiras. Portanto, quando os LD trazem essa discussão<br />

para a sala de aula em forma de texto e exercício, fazendo assim com que os alunos<br />

reflitam, estão progredindo no deb<strong>ate</strong> e luta pela equidade de gênero.<br />

É a mulher quem fica grávida, mas ela não engravida sozinha. A<br />

responsabilidade é do casal. Se os seus parceiros não conseguem conversar<br />

sobre o assunto, ainda não chegou não a hora de eles terem relações sexuais<br />

(BARROS; PAULINO, 2012, p. 74).<br />

Trabalhe estas ideias: Você acha que a responsabilidade de uma gravidez é da<br />

mulher, do homem ou de ambos? Argumente, justificando sua ideia<br />

(BARROS; PAULINO, 2012, p. 74).<br />

1201


Essa atitude de abandono por parte de muitos pais é um reflexo da criação<br />

machista que temos, onde o homem é influenciado a ser livre e a cuidar apenas de si,<br />

enquanto a mulher, desde cedo, é ensinada a ser mãe e esposa. Podemos perceber essas<br />

relações observando os brinquedos produzidos “para meninos” e “para meninas”. Os<br />

meninos costumam ganhar carrinhos, armazinhas, bonecos de super-heróis, e muitas<br />

outras coisas que remetem ao poder, a violência e a força, enquanto as meninas<br />

costumam ganhar bonecas de bebês, bonecas que cultuam a beleza e a moda, bonecas de<br />

princesas, kits de maquiagem, kits de cozinha, e diversas outras coisas que remetem a<br />

ideia de cuidado com os filhos, com a aparência e com a casa. Como é apontado por<br />

Seffner (2006), viver em uma sociedade que encoraja ações que exigem do homem um<br />

desempenho de guerreiro, agressor, competitivo e violento chega a dar medo.<br />

É comum então que os homens cresçam e continuem com a ideia de que<br />

podem ser livres para não cumprir com suas responsabilidades, já que, consideram um<br />

filho como responsabilidade maior da mãe, e em muitos casos, acabam pensando que o<br />

pagamento mensal de um valor em dinheiro será o suficiente para suprir as necessidades<br />

de um filho e esquecem que o afeto e a presença são muitas vezes mais importantes.<br />

Para que formemos então cidadãos com mentalidades mais abertas e<br />

responsáveis é necessário que se fale desde cedo sobre todas essas questões, e os LD<br />

analisados trazem algumas discussões interessantes sobre adolescência e puberdade, de<br />

uma forma clara e que abra espaços para os alunos e alunas tirarem suas dúvidas na sala<br />

de aula. Na seguinte atividade proposta podemos ver essa inserção:<br />

Trabalhe estas ideias A) você sabe o que é menstruação? Explique o que você<br />

e as outras pessoas do seu grupo conhece sobre o assunto. B). Qual é o<br />

intervalo de tempo entre uma menstruação e a seguinte? C). Uma mulher<br />

costuma ficar menstruada por um dia apenas ou por mais tempo? D) Será que<br />

a ocorrência da menstruação representa algum tipo de “aviso” para mulher?<br />

(BARROS; PAULINO, 2012, p. 56).<br />

Falar não somente de adolescência e puberdade, mas também sobre sexo é<br />

muito importante para a criação de uma mentalidade mais responsável e conhecedora de<br />

si, porém, é necessário que se inclua os aspectos sociais nessa discussão, não podemos<br />

1202


falar apenas de sexo como algo ligado à reprodução, é preciso que se fale das relações<br />

de prazer e poder que a sexualidade envolve.<br />

É preciso deixar claro para as mulheres que cada uma é dona da sua<br />

sexualidade e que não deve se submeter às outras pessoas, em especial, aos homens que<br />

a tratam como um objeto. Que existem diversas formas de se viver a sexualidade, os<br />

gêneros, e que todas as formas devem ser respeitadas. Que sexo é diferente de<br />

sexualidade, que orientação sexual é diferente de gênero, e que existem muitos outros<br />

conceitos para coisas que tratamos como verdades absolutas.<br />

As duas coleções trazem algumas dessas discussões, mostrando assim uma<br />

linguagem mais clara e atual sobre como tratar de tais questões, permitindo que os<br />

alunos tenham contato com o tema sem que haja um ar de punição, incentivando até o<br />

diálogo em casa, o que pode transformar uma família, tornando todos mais próximos,<br />

aumentando a confiança do aluno e da aluna em seus familiares e em si mesmo.<br />

Em outros tempos, sexo era muitas vezes um assunto proibido. Em casa,<br />

ninguém falava “dessas coisas”. Entre os meninos as informações eram<br />

geralmente passadas pelos amigos mais velhos, em conversas escondidas. E,<br />

como eles nem sempre sabiam direito do que falavam vários assuntos<br />

ficavam sem o devido esclarecimento. Com as meninas também era mais ou<br />

menos assim. A vergonha e até o medo frequentemente impediam<br />

manifestações de suas dúvidas e emoções. Atualmente, ainda pode ser um<br />

pouco difícil para alguns pais e outros adultos falarem sobre sexo. Isso<br />

depende, em parte, da educação que eles receberam - e os jovens precisam<br />

compreender essa limitação. Aqui, vamos procurar falar de maneira bem<br />

natural sobre sexo, assunto que geralmente desperta muita curiosidade no<br />

período da adolescência (SHIMABUKURO, 2012, p. 53)<br />

Mostrando que o assunto não é mais um tabu, mas que devemos<br />

compreender a limitação de algumas pessoas ao tratarem disso, o livro faz com que o<br />

leitor se sinta confortável em buscar conhecimento sobre o seu corpo e sua sexualidade<br />

na escola, deixando claro que os amigos (ou a internet, nos dias de hoje), não são as<br />

fontes mais confiáveis a se consultar. Em forma de atividade são propostas discussões<br />

sobre conceitos e opiniões sobre sexualidade e os aspectos socioculturais:<br />

2. Pense em diferentes etnias. As ações da sexualidade são iguais em todas as<br />

culturas?<br />

1203


3. Quais são as manifestações sexuais presentes na nossa cultura? Quais são<br />

as semelhanças e as diferenças entre as manifestações que vocês encontraram<br />

nos painéis feitos por todos os outros grupos e aí da nossa cultura?<br />

Explicar:<br />

4. Porque as pessoas confundem sexualidade com sexo?<br />

5. De que maneiras a sexualidade pode ser expressa?<br />

6. Que sentimentos podem estar envolvidos na expressão da sexualidade?<br />

7. Quais são as diferenças entre sexualidade, validade, eu pornografia? Quais<br />

palavras apresentam sentido negativo?<br />

8. Converse com seus colegas sobre a opinião de cada um em relação à<br />

sexualidade todos pensam igual? (SHIMABUKURO, 2012, p. 53).<br />

Quando se abre espaço para essas discussões mais abertas estamos<br />

contribuindo para a quebra de tabus de gênero, já que, tornando as mulheres mais<br />

conhecedoras do seu próprio corpo e dos seus direitos quanto a ele, produziremos<br />

mulheres mais empoderadas e que não se deixarão influenciar por homens violentos e<br />

desrespeitosos e por um sistema machista que tenta cometer retrocessos às conquistas<br />

feministas.<br />

O futuro para os nossos alunos e alunas deve ser cheio de possibilidades e<br />

eles devem estar cientes disso, de que podem seguir a carreira que quiserem e estarem<br />

onde quiserem. O livro do oitavo ano de Shimabukuro (2012) traz uma proposta muito<br />

interessante de discussão sobre esse futuro (Figuras 11 e 12). De forma lúdica são<br />

colocados diversos caminhos que podem ou não ser seguidos independente do seu<br />

gênero. Você pode ser uma mulher que queira ser mecânica, jogadora de futebol,<br />

dançarina de balé e qualquer outra profissão, como pode também sentir-se atraída por<br />

mulheres, por homens, por ambos os sexos ou até nenhum. Da mesma forma ocorre<br />

com quem é do gênero masculino, onde existem diversas possibilidades de carreiras<br />

profissionais e pessoais a se seguir e que cada um deve seguir aquilo que lhe faz feliz, e<br />

não aquilo que nos é imposto pelos padrões criados pela sociedade. Acompanhado de<br />

um texto que esclarece tudo isso, as ilustrações chamam <strong>ate</strong>nção dos alunos e alunas e<br />

de uma forma simples faz uma discussão muito séria e necessária.<br />

1204


Figuras 11 e 12: Relações sobre gênero e futuro nos LD<br />

Fonte:11-12: Shimabukuro, 2012, p. 44-45<br />

CONCLUSÕES<br />

Por mais que nos livros do nono ano das duas coleções não foram<br />

encontrados nenhuma discussão sobre gênero ou sexualidade, os demais livros das duas<br />

coleções analisadas apresentaram conteúdos positivos com relação a essas discussões,<br />

tratando de temas como a adolescência, puberdade, sexualidade feminina, as formas que<br />

a sexualidade e os gêneros podem se expressar e os direitos iguais para ambos os<br />

gêneros. Foi percebida essa preocupação por parte dos autores em não excluir tais<br />

temáticas, porém, ainda foi possível encontrar algumas reproduções de certos<br />

estereótipos como cores diferentes para meninos e meninas.<br />

Por se tratar de coleções de livros do Ensino Fundamental Maior (6º ao 9º<br />

ano), os autores conseguiram trazer os temas de gênero e sexualidade e adequá-los para<br />

a faixa etária dos leitores, e por mais que a predominância da linguagem nos livros seja<br />

de uma lógica biologicista, é possível perceber a inserção dos aspectos socioculturais,<br />

mesmo que de forma tímida em alguns casos.<br />

A análise feita aqui anseia pela produção de um livro didático que esteja<br />

mais inserido na realidade social dos seus alunos e alunas, que tragam os conteúdos<br />

1205


científicos, mas que atrelem a estes os aspectos culturais, históricos, e sociais para que<br />

possamos ter uma dimensão do que gênero e sexualidade tratam, e em uma visão mais<br />

ampla, do que o corpo em si representa para todos nós.<br />

A ligação entre o social e o científico nos livros didáticos não será a solução<br />

para todo e qualquer preconceito ou discriminação contra o feminino, mas se mostra<br />

como um grande começo. Só colocando tais assuntos em pauta dentro de um ambiente<br />

que tenha responsabilidade para mediar essa discussão é que estaremos contribuindo<br />

para a educação de futuros cidadãos de forma mais respeitosa com as diferenças, e mais<br />

entendedores do seu papel na sociedade.<br />

1206


REFERÊNCIAS<br />

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São Paulo, Brasil, 2014.<br />

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1207


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2010.<br />

SHIMABUKURO, V. Projeto Araribá:Ciências 7º ano. 3ed. São Paulo: Moderna,<br />

2010.<br />

SHIMABUKURO, V. Projeto Araribá:Ciências 8º ano. 3ed. São Paulo: Moderna,<br />

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escolar. Campinas, 2012.<br />

1208


HISTÓRIA E FICÇÃO NA CRÔNICA DO DESCOBRIMENTO DO BRASIL DE F.<br />

A. DE VARNHAGEN<br />

HISTORY AND FICTION IN THE CHRONICLE OF THE DISCOVERY OF<br />

BRAZIL BY F. A. DE VARNHAGEN<br />

Ana Priscila de Sousa Sá<br />

Mestranda em História Social<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 2 - Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: O presente artigo analisa a relação entre história e ficção na Crônica do<br />

descobrimento do Brasil, publicada pelo historiador brasileiro Francisco Adolfo de<br />

Varnhagen, entre 18 de janeiro e 28 de março de 1840, na Revista “O Panorama”, de<br />

Lisboa. A Crônica relata, de forma romanceada, a chegada da armada de Pedro Álvares<br />

Cabral nas terras que seriam denominadas de Brasil, com destaque para a Carta de Pero<br />

Vaz de Caminha. Combinando personagens reais e ficcionais, a Crônica seria um<br />

exemplo de ficção histórica. O historiador que se dedicava a romancear os eventos<br />

históricos, apoiando-se nas mesmas fontes, operava no limite entre o real e o fictício,<br />

limite talvez ainda não tão certo e definitivo, o que amplia a própria concepção da<br />

história que se desenvolvia nessa primeira metade do século XIX, relativizando, nesse<br />

sentido, a ideia da história científica e objetiva que caracterizará o Oitocentos. É nesse<br />

contexto domovimento romântico que se pode pensar as fronteiras fluidas da história<br />

que se estabelecia, e que permitiram a escrita de obras literárias fronteiriças entre o<br />

romance e o histórico. Em Varnhagen, a literatura acompanha a nação, indicando o<br />

estágio de civilização no qual se encontra.<br />

Palavras-chave: Varnhagen; Crônica do descobrimento do Brasil; ficção histórica;<br />

Nação.<br />

1209


ABSTRACT:This article analyzes the relationship between history and fiction in the<br />

Chronicle of the Discovery of Brazil, published by the Brazilian historian Francisco<br />

Adolfo de Varnhagen, between January 18 and March 28, 1840, in “O Panorama”<br />

Magazine, in Lisbon. The Chronicle reports, romantically, the arrival of the navy of<br />

Pedro Álvares Cabral in the lands that would be denomin<strong>ate</strong>d of Brazil, emphasizing the<br />

Letter of Pero Vaz de Caminha. Combining real and fictional characters, Chronicle<br />

would be an example of historical fiction. The historian who devoted himself to the<br />

historical events, based on the same sources, oper<strong>ate</strong>d on the border between the real<br />

and the fictitious, a limit perhaps not yet so certain and definitive, which amplifies the<br />

very conception of history that developed in that first half of the nineteenth century,<br />

relativizing, in this sense, the idea of the scientific and objective history that will<br />

characterize the Eighth. It is in this context of the romantic movement that one can think<br />

of the fluid boundaries of the history that was established, and that allowed the writing<br />

of frontier literary works between the novel and the historical. In Varnhagen, literature<br />

accompanies the Nation, indicating the stage of civilization in which it finds itself.<br />

Keywords: Varnhagen; Chronicle of the discovery of Brazil; historical fiction; nation.<br />

Em carta ao amigo Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, de 1839,<br />

Varnhagen escreveu que:<br />

Falla-me V. Sa. no seu trabalho acerca de clássicos portuguezes. Nasceu-me<br />

o desejo de saber em que sentido era, porque eu tinha sobre isso já escripto<br />

alguma coisa em estilo meu romântico á Walter Scott; – e creio que em<br />

gênero didactico e desta natureza ofereceria novidade. Passei a esta<br />

lembrança depois de ter premeditado diálogos, que também para o meu fim<br />

seria bom estillo. Penso porém que o trabalho de V. Sª será mais elevado e<br />

sério. (VARNHAGEN, 1961, p. 34, grifo meu)<br />

Destaque-se em estilo meu romântico á Walter Scott. O estilo era dele,<br />

embora houvesse o modelo já construído por Scott. Seguira o estilo romântico por<br />

julgar ser o melhor com vistas a realizar o gênero que pleiteava, o didático. Pela data da<br />

1210


carta, o escrito a que Varnhagen se referiuera a Crônica do descobrimento do Brasil,<br />

publicada no ano seguinte, 1840.<br />

Publicada pelo historiador brasileiro Francisco Adolfo de Varnhagen, entre<br />

18 de janeiro e 28 de março de 1840, na Revista “O Panorama”, de Lisboa; a Crônica<br />

relata, de forma romanceada, a chegada da armada dePedro Álvares Cabral nas terras<br />

que seriam denominadas de Brasil, com destaque paraa CartadePero Vaz de Caminha,<br />

escrivão oficial da esquadra, ao rei de Portugal. A narrativa combina episódios reais e<br />

personagens referenciais, como CaminhaeCabral,compersonagensficcionaise cenas<br />

inventadas, como a índia Ypeca.<br />

SegundoLuiz Costa Lima(LIMA, 2006,319-391), o<br />

ficcionaléummododiscursivoquepõeaverdadeemsuspenso,enquantoaliteraturaéumtermo<br />

que engloba produçõesverbaisdiversas.Assim, a relação entre o histórico e o ficcional<br />

dentro da narrativavarnhageniana pode ser observada não apenas no que se refere ao<br />

acontecimento em si, mas tambémnaanálise das personagens históricas nela contidas,<br />

pois o real, refletidonautilização de personalidades que tiveram uma existência<br />

documentada, é mesclado com um universo fictício. Tal narrativa, no entanto,<br />

nãoseriamenosválida, e tampouco isentas de realidade, visto aliarem<br />

imaginaçãoàparcela histórica que não deixa de sustentar.<br />

Varnhagen nasceu em Sorocaba, interior de São Paulo, mas logo aos oito<br />

anos de idade seguiu com a família para Portugal, assim, toda sua formação intelectual<br />

se deu no contexto lusitano da primeira metade do século XIX.Em Lisboa, frequentou<br />

os círculos intelectuais que reuniam figuras como o literato Almeida Garret, o<br />

historiador Cardeal Saraiva, e mesmo o rei D. Fernando <strong>II</strong>, além de jovens de sua<br />

geração, como Alexandre Herculano e Cunha Rivara, ambos seus amigos. Passou a ser<br />

colaborador de revistas influentes no cenário das letras portuguesas como “O<br />

Panorama”, o introdutor doRomantismo em Portugal, que arrogou para sia tarefa de<br />

ampliar emelhorar a educação portuguesa, dirigida dois anos por Alexandre Herculano,<br />

e impresso pela Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Úteis, a mesma tipografia<br />

1211


da Academia de Ciências;e também na “Revista Universal Lisbonense”. Foram nesses<br />

periódicos que começou a dar seus primeiros passos na carreira das letras.<br />

A Crônica se referia ao Brasil, mas foi escrita em Portugal onde desde<br />

aderrota do absolutismo miguelista, em 1834, a nova ordem liberal<br />

políticaeeconômicaascendeu juntamente com a necessidade de legitimar seu poder,<br />

atravésda valorização romântica do passado. Nesse sentido, quanto mais recuado no<br />

tempo estivessem essas raízes nacionais, tanto melhor. No caso do Brasil (ao menos na<br />

perspectiva de Varnhagen), o passado mais recuado era a própria chegada da esquadra<br />

cabralina, daí ser o assunto da Crônica. Varnhagen associa a história do Brasil com a de<br />

Portugal, estando as raízes brasileiras na colonização lusitana.<br />

A obra varnhageniana esteve preocupada com a criação da identidade do<br />

povo brasileiro e os princípios de sua história, que estavam vinculadosao<br />

“descobrimento”. A escolha desta temática não foi aleatória,pois 1500 assinalava o<br />

“ponto de partida da história da civilização do Brasil” (VARNHAGEN, 1877, p. 9),<br />

como ele colocou na dedicatória ao Imperador D. Pedro <strong>II</strong>, da edição de 1877 da<br />

História Geral do Brasil, ou seja, nesse ano se deu o nascimento do que viria a<br />

constituir a nação brasileira.<br />

Segundo Michelle Tasca (TASCA, 2012, p. 64-66), o interesse do autor em<br />

escrever uma história nacional podeser observado a partir da ligação que tinha ao<br />

governo, visto que também era diplomata, portanto, tinha um posto na burocracia<br />

imperial. Outro ponto a ser considerado é o ambiente intelectual dentro do qual<br />

Varnhagen escreveu a Crônica. A perspectiva nacionalista que consta na obra do<br />

sorocabanopode estar ligada aos pressupostos românticos, muito em voga no século<br />

XIX, e na Revista onde foi publicada.<br />

A atuação de “homens de letras” como Varnhagen acontecia em dois campos: o político<br />

e o cultural. Grande parte daqueles que circulavam pelo ambiente da Corte tinha alguma<br />

formação acadêmica, eram políticos, e/ou ocuparam algum posto na burocracia<br />

imperial, e também adquiriram algum título de nobreza. Varnhagen, por exemplo, foi<br />

historiador, diplomata, barão e depois visconde de Porto Seguro. É complicado<br />

1212


determinar onde começa o cultural e termina o político para esses homens que, a partir<br />

do Estado, ainda não completamente estabelecido, tinham a missão de forjar uma nação.<br />

Nesse contexto, é difícil colocar Varnhagen como seguidor estrito de alguma<br />

corrente historiográfica. Como ressalta Temístocles Cezar (CEZAR, 2007, p. 161), mais<br />

do que ligado a uma perspectiva específica, Varnhagen compartilhou de uma série de<br />

noções da moderna historiografia oitocentista, como a valorização do documento<br />

original, a objetividade da narrativa e a imparcialidade do historiador.<br />

Ainda que o historiador sorocabano tenha tido contato com correntes de<br />

pensamento europeias, como a Escola Histórica alemã ou a francesa, seus trabalhos<br />

adquiriram traços muito peculiares, até porque tratavam de um contexto particular, o<br />

brasileiro; não podendo se dizer, portanto, que tenha elaborado uma cópia de uma teoria<br />

estrangeira.<br />

Figura 1: Francisco Adolfo de Varnhagen.Quadro de Federico de Madrazo, Madri, 1853. Museu<br />

Nacional de Belas Artes.<br />

1213


Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, instituição criada<br />

em 1838 com a tarefa de escrever a história da jovem nação brasileira; Varnhagen<br />

concebia a história como um “tribunal da posteridade”. Como um juiz, o historiador<br />

emitia vereditos. Nesse movimento, a história ihgbiana refletia uma tensão presente na<br />

historiografia oitocentista: escrevia-se uma história “científica”, para insuflar<br />

patriotismo, com amplo uso de exemplos do passado, ministrados ao presente e à<br />

posteridade.<br />

Era a defesa do que se denominava “história filosófica”. Na estreita relação<br />

entre os intelectuais e a Monarquia, a historiografia ihgbiana buscava forjar uma<br />

totalidade “Brasil” definindo também quem ficaria fora por não portar a noção de<br />

civilização: índios e negros. E a História operava na concepção clássica - magistra vitae<br />

- de instrumento de compreensão do presente e encaminhamento do futuro, ao mesmo<br />

tempo em que realizava o projeto modernode construção de uma nação.<br />

O sentido político conferido à história por esta geração de historiadores é o<br />

de que, para além do passado, o que estava em jogo era a produção de um sentido para o<br />

futuro desta comunidade nacional, tentando ler neste passado certo destino possível,<br />

garantindo a coesão social para o presente (GUIMARÃES, 2002, 190).<br />

Analisando o Instituto Histórico de Paris, modelo de inspiração do IHGB,<br />

Manoel Salgado Guimarães (GUIMARÃES, 2002, 191) assinala que a tensão existente<br />

entre as exigências de uma profissionalização e o tratamento da História como uma<br />

atividade de diletantes e amadores, ficava p<strong>ate</strong>nte no interior do Instituto pela disputa<br />

entre os que desejavam abri-lo e profissionalizá-lo, enfrentando os desafios financeiros<br />

para a manutenção da instituição, e aqueles que preferiam uma agremiação de pares<br />

devotados ao estudo da História.<br />

No caso brasileiro, o IHGB era uma agremiação de pares devotados ao<br />

estudo da História, mas basicamente sustentada pelo Estado imperial. Embora não tenha<br />

se alinhado politicamente nem a liberais, nem a conservadores, o Instituto foi criado<br />

com o objetivo de dar ao Brasiluma história, fornecer a gênese da nacionalidade<br />

1214


asileira, e, nesse movimento, estava ligado à monarquia e ao governo pessoal do<br />

monarca bragantino.<br />

Assim sendo, avisãodeVarnhagensobrealiteratura é sustentada nestes dois<br />

locais, “O Panorama” e o IHGB, sendo que para ambos a historiografia não é oposta à<br />

literatura. Num texto de 1847, e depois publicado como introdução ao livro Florilégio<br />

da poesia brasileira, disse que a literatura está “sempre em harmonia com a ascendência<br />

e decadência dos estados” (VARNHAGEN, 1850, p. IX), ou seja, a literatura<br />

acompanha a nação, indicando o estágio no qual se encontra.<br />

Conforme discutido por Pedro Silveira (SILVEIRA, 2009, p. 37-38), o<br />

deslocamento do significado de história de um saber filosófico (ou prática retórica) no<br />

XV<strong>II</strong>I, para estudo disciplinado no século XIX se deu de forma a manter unidos um<br />

sentido geral, a civilização, e um objeto particular, a nação.<br />

Tal desenvolvimentoaparece dentro do IHGB já que,tendo uma estrutura<br />

baseada nas academias literárias setecentistas e não na universidade europeia do XIX,<br />

comportava em seus quadros historiadores, poetas, críticos literários,<br />

políticos(GUIMARÃES, 1988,p.5).Agregando a intelligentsia imperial em seus<br />

quadros, o IHGB foi o “guardião da história oficial” no século XIX brasileiro, e o dia 21<br />

de outubro de 1838, marco de sua fundação, é uma espécie de “data de nascimento” da<br />

disciplina histórica no Império do Brasil.<br />

Assim sendo, Varnhagen teria sido um historiador mais “profissional” entre<br />

os membros da agremiação carioca. Outros como Joaquim Manoel de Macedo ou<br />

Gonçalves de Magalhães mais faziam “literatura”, pensando ser “história”; o que leva a<br />

outro ponto de deb<strong>ate</strong>: o da objetividade e da subjetividade histórica no Brasil do<br />

Oitocentos.<br />

A tensão entre objetividade e subjetividade acompanha o ofício do<br />

historiador. Quanto a isso, é interessante <strong>ate</strong>ntar para o que disse o historicista alemão,<br />

Wilhelm von Humboldt. Humboldt asseverou num ensaio intitulado “Sobre a tarefa do<br />

historiador”, de 1821, que esta consistia na exposição do acontecimento, a primeira e<br />

1215


inevitável exigência do seu trabalho, e o que se podia pretender de mais elevado. Visto<br />

por esse lado, o historiador era um receptor e reprodutor (HUMBOLDT, 2010, p. 82).<br />

Porém, logo em seguida, declarou que a verdade do acontecimento baseavase<br />

na “complementação” a ser realizada pelo historiador, o que chamou de “parte<br />

invisível do fato”. Por esse outro lado, o historiador era autônomo e até criativo,<br />

diversamente do poeta, mas conservando alguma semelhança com este, pois precisava<br />

“compor um todo a partir de um conjunto de fragmentos” (HUMBOLDT, 2010, p. 83).<br />

É curiosa essa colocação porque, quando se pensa em historicismo, logo<br />

vem a lembrança de uma rígida metodologia da crítica documental e defesa da<br />

imparcialidade no trato com as fontes, a famosa história “como realmente aconteceu”.<br />

Falar em uma complementação a ser feita pelo historiador é uma evidência de que, em<br />

meio às definições e redefinições sofridas pelo conceito de história entre o final do<br />

século XV<strong>II</strong>I e início do XIX (KOSELLECK, 2006, p. 48), à “objetividade” científica<br />

correspondia, ainda, algo de “imaginação histórica”; o que ajuda a entender a razão de<br />

um defensor da história como “tribunal da verdade”, como Varnhagen, escrever que “no<br />

seculo actual (XIX) niguem poderá alcançar este título (de historiador), sem que a um<br />

tempo seja erudito no Assumpto, philosopho, litterato, e até diremos às vezes, poeta”<br />

(VARNHAGEN, 1948, 229).<br />

Tal situação indica a permanência de um modelo “antigo” de “fazer<br />

história”. Segundo Valdei Araújo (ARAUJO, 2008, p. 55), o topos clássico história<br />

magistra vitaepode ser adaptado ao novo tipo de lição histórica, porque era possível<br />

aprender com o passado, sem imitá-lo. Assim, o uso retórico dos topoi ciceronianos não<br />

qualificaria uma concepção de história como pré-moderna, pois o essencial era entender<br />

quais os procedimentos necessários para aprender com a história.<br />

No Brasil, o Romantismo fornece nuances importantes para pensar as<br />

fronteiras fluidas da história que se estabelecia, e que permitiram a escrita de obras<br />

literárias fronteiriças entre o romance e o histórico. O nascimento da historiografia<br />

brasileira coincidiu com o processo de autonomização crescente de seus pressupostos e<br />

sua poética, sendo, incialmente, subordinada ao gênero literário.<br />

1216


Sobre isso, Pedro Puntoni (PUNTONI, 2003, p. 634) cita o épico “A<br />

Confederação dos Tamoyos”, de Gonçalves de Magalhães, publicado em 1857, e que<br />

ficou mais conhecido pela marca que deixou no cânon historiográfico, do que pelas<br />

qualidades literárias. A dita “história pragmática” ihgbiana efetuava essa combinação,<br />

numa prática historiográfica um tanto mesclada à ficção (penso nos “romances<br />

históricos” indianistas de José de Alencar, por exemplo), em vias de cisão em nome da<br />

“cientificidade” da narrativa.<br />

É interessante observar que, no Brasil, a relação de Varnhagen com o<br />

Romantismo é bastantedifícil, devido sua opinião negativa com relação aos indígenas.<br />

Em Portugal, contudo, eleestava associado ao periódico que encarnava esse movimento.<br />

Pode-se pensar, assim, que o Romantismo varnhageniano esteve duplamente deslocado<br />

de seu congênere brasileiro, tanto peladesvalorização do nativo, quanto pela<br />

apresentação de temas históricos (SILVEIRA, 2009, p. 38).<br />

Feitas essa reflexões, reproduzo agoraum trecho logo do início da Crônica:<br />

Quanto pois á data do descobrimento dizemos afoitamente que erram os que<br />

seguindo a Marco, Gaspar Correa, Barros e Soares querem, deduzindo a do<br />

nome dado á terra, que fosse a 3 de Maio, em que a igreja soleniza a festa da<br />

Santa-cruz. Esta opinião errônea produziu um anacronismo de conseqüência,<br />

que até em atos públicos voga indevidamente pelo Brasil. (VARNHAGEN,<br />

1840, p. 22)<br />

Observe que Varnhagen se preocupa em determinar a data correta do<br />

descobrimento, criticando outros autores que abordaram esse tema. Em outro momento,<br />

o historiador sorocabano mais uma vez deixa p<strong>ate</strong>nte essa inquietude:<br />

“segundonosconstapordocumentoseprovasconfirmadas pela arte de verificar<br />

datas,ereconhecidasvaliosaspelograndecrítico J. Pedro Ribeiro” (VARNHAGEN, 1840,<br />

p. 44).<br />

Esses dois excertos indicam que a narrativa ficcional não se validava por si<br />

só, sendo necessária a apresentação de Varnhagen “ele próprio”, na posição<br />

dehistoriador, para legitimar o texto. Ele que faz o trabalho de cotejar documentos para<br />

verificar a correção da data. Dessa maneira, percebe-se que a “imaginação” podia ser<br />

1217


aceita na crítica documental, mas a mediação entre as esferas do que podia ser e como<br />

poderia ser ficcionalizado atravessava o interesse pelo histórico que, nesse momento,<br />

visava criar uma identidade nacionalaoconstituirumahistóriada pátria brasileira.<br />

Figura 2: Primeira página da Crônica do descobrimento do Brasil, de Francisco Adolfo de Varnhagen.<br />

A publicação se deu na edição de entre 18 de janeiro de 1840, na Revista “O Panorama”, de Lisboa.<br />

A Crônica seria, portanto, um exemplo de ficção histórica, pois estabelece<br />

uma tensão entre a ficção e a história, e relaciona apersonageminventadaea histórica.<br />

Ficção histórica é aqui entendida como umacombinação entre realidades e ficções, uma<br />

interação entre o que é dado eoqueéimaginado, motivo pelo qual deslegitima a antiga<br />

1218


oposição entre ficção e realidade,propondo uma tríade de conceitos em seu lugar: o real,<br />

o fictício e o imaginário (TASCA, 2012, 113).<br />

Enquanto uma recriação ficcional do “descobrimento” do Brasil, essa obra<br />

de Varnhagen coloca em questão oselementos definidores da história e da ficção no<br />

contexto do século XIX, posto que nela aficcionalidade é obtida a partir de um<br />

documento “oficial”, a Carta de Caminha. Varnhagen procurourealizar uma simbiose<br />

entre “imaginação” e “verdade” ao escrever sua ficção histórica.<br />

O Pero Vaz de Caminha da Crônica é um ótimo exemplo do tipo de<br />

reconstrução ficcional de uma personagem histórica que oscila entre o relato<br />

documental e a recriação imaginativa. Mas Varnhagen parece mais preso ao relato<br />

original, pois constantemente faz uma migração do relato crítico historiográfico ao<br />

ficcional, e vice versa. Por diversas vezes utiliza trechos literais de suas fontes para<br />

compor o trabalho. A parte em que trata dos indígenas, por exemplo, é retirada quase<br />

completamente do relato do próprio Caminha, é possível observar tal preocupação no<br />

excerto abaixo:<br />

Deixando para os mais curiosos as bellas e ingênuas descripções da<br />

simplicidade desta gente, feitas por Pero Vaz de Caminha ao seu rei, as quaes<br />

todas revelam na forma e no estilo a religião e os costumes inocentes de<br />

nossos maiores, estimamos não poder resistir ao desejo de transcrever a sua<br />

seguinte narração de uma scena por ele presentada. Prepare-se pois o leitor<br />

que vai ler um período escripto há muito mais de três séculos.<br />

(VARNHAGEN, 1840, p. 33-34)<br />

Trabalhos como o realizado na Crônica permitiamao literato uma abertura<br />

de caminhos nãopermitidos ao historiador oitocentista, tão preocupado com uma<br />

história fidedigna,baseadaem dados documentais que conteriam a “verdade” dos fatos.<br />

Este historiador que se dedicava a romancear oseventoshistóricos, apoiando-se nas<br />

mesmas fontes, operava no limite entre o real e o fictício, limite talvez ainda não tão<br />

definido e definitivo, já que se trata de um período onde a história está se<br />

desenvolvendo enquanto campo específico do conhecimento e conseguindo um espaço<br />

na universidade, ao se tornar uma disciplina acadêmica.<br />

1219


Foi no contexto do Romantismo que a ficção histórica surgiu e se<br />

estabeleceu, funcionando como um “gênero de fronteira” entre o histórico e o literário,<br />

ao permitir o diálogo entre as duas instâncias (TASCA, 2012, p. 131). Da mesma<br />

maneira como os temas nacionais eram cruciais nos trabalhos históricos de um autor<br />

como Varnhagen, na literatura também o retorno ao passado foi utilizado na busca por<br />

uma identidade nacional.<br />

A Crônica do descobrimento do Brasil criou, portanto, uma<br />

forma de transmissão do conhecimento que não pertencia mais ao campo da verdade,<br />

mas<br />

ao campo da verossimilhança. Isso significa que, no momento em que se primava pela<br />

elaboração de umsentimento nacional, mais do que “o valor dado à verdade e<br />

objetividade dos fatos históricos,estava a importância da transmissão de lendas e<br />

tradições que compunham a nação easorigens da pátria” (TASCA, 2012, p. 132). E a<br />

lenda primeira, da “origem” mesmo, seria justamente essa que deu matéria ao referido<br />

trabalho de Varnhagen: o “descobrimento” do Brasil.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ARAUJO, Valdei Lopes. História dos conceitos: problemas e desafios para uma leitura<br />

da modernidade ibérica. Almanack Braziliense, n.7, mai. 2008.<br />

CEZAR, Temístocles. Varnhagen em movimento: breve antologia de uma existência,<br />

Topoi, Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, jul.-dez. 2007.<br />

GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e Civilização nos trópicos: o Instituto<br />

Histórico<br />

e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio<br />

de<br />

Janeiro, n. 1, p. 5-27, 1988.<br />

______. Entre amadorismo e profissionalismo: as tensões da prática histórica no século<br />

XIX. Topoi, Rio de Janeiro, pp. 184-200, dez. 2002.<br />

1220


HUMBOLDT, Wilhelm von. Sobre a tarefa do historiador. In: MARTINS, Estevão de<br />

Rezende. A história pensada: teoria e método na historiografia europeia do século<br />

XIX. São Paulo: Contexto, 2015.<br />

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos<br />

históricos. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio: Contraponto, 2006.<br />

LIMA, Luiz Costa. ______. In: História. Ficção. Literatura. São Paulo: Companhia<br />

das Letras, 2006.<br />

PUNTONI, Pedro. O Sr. Varnhagen e o patriotismo caboclo: o indígena e o indianismo<br />

perante a historiografia brasileira. In: JANCSÓ, István (org.). Brasil: Formação do<br />

Estado e da Nação. São Paulo: Hucitec, 2003.<br />

SILVEIRA, Pedro Telles da. Ficção, literatura e história através da “Crônica do<br />

descobrimento do Brasil (1840), de Francisco Adolfo de Varnhagen. História da<br />

historiografia, Ouro Preto, n. 3, set. 2009.<br />

TASCA, Michelle Fernanda. A ficção histórica otocentista: as configurações do<br />

histórico e do literário em Varnhagen e Alexandre Herculano. Campinas, SP: [s. n.]<br />

2012.<br />

VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. Chronica do descubrimento do Brazil. O<br />

Panorama, Jornal Literário e Instrutivo da Sociedade Propagadora dos<br />

Conhecimentos Úteis, Lisboa, Tipografia da Sociedade, TOMO 4, p. 21-22, 33-35, 43-<br />

45, 53-56, 68-69, 85-87, 101-104, jan./dez. 1840.<br />

______. Ensaio histórico sobre as letras no Brasil. In: ______. Florilégio da poesia<br />

brasileira. TOMO I. Lisboa: Imprensa Nacional, 1850.<br />

______. Dedicatória. In: ______. História Geral do Brazil. TOMO I. 2. ed. Viena:<br />

Imp. do filho de C. Gerold, 1877.<br />

______. Como se deve entender a nacionalidade na História do Brasil(Memória).<br />

Anuário do Museu Imperial. Petrópolis (RJ): Ministério da Educação e Saúde, 1948.<br />

_______. Correspondência ativa. Rio de Janeiro: INL, 1961.<br />

1221


INTOLERÂNCIA EM TRÃNSITO: percepções sobre aversão ao outro, no conto<br />

ônibus de júlio cortázar<br />

INTOLERANCE IN TRANSIT: perceptions about aversion to the other, in the short<br />

story ônibusby julio cortázar<br />

Autor(es): Gabriella Christian Vieira da Costa<br />

Rafael Passos de Melo 119<br />

Orientador(a): Prof. ª Dr.ª Fernanda Rodrigues Galve<br />

Instituição: Universidade Federal do Maranhão<br />

EIXO 2 – GÊNERO, LITERATURA E FILOSOFIA<br />

RESUMO: Com o intuito de abordar as percepções sobre intolerância e autoritarismos,<br />

este artigo visa explorar por meio de recursos literários como a obra do escritor<br />

argentino Júlio Cortázar, através do conto Ônibus, presente no livro Bestiário (1951),<br />

compreender uma possível associação com as relações sociais na Argentina e pontos de<br />

intolerância que surgem com bases em concepções e modos de vida, onde um<br />

pensamento divergente diante de uma lógica que foi construída, disseminada e aceita<br />

como regra social, pode sofrer represálias legitimadas por visões de “um outro como<br />

ameaça”. Com base em tal elemento, será feito uma breve análise de como tais aspectos<br />

podem intervir até mesmo dentro do próprio cenário político estabelecendo<br />

instabilidades e polarizações ideológicas. Paralelo a isso se discorrerá concepções de<br />

alguns teóricos relacionados à temática como Foucault, Bourdieu e Hannah Arendt.<br />

PALAVRAS-CHAVES: Literatura, Peronismo, América Latina, Intolerância.<br />

ABSTRACT: In order to approach perceptions about intolerance and authoritarianism,<br />

this article intends to explore by literary resources, such as the work of the Argentine<br />

writer Júlio Cortázar, using the short story Ônibus, from the book Bestiário (1951), We<br />

119 Graduandos em História pela Universidade Federal do Maranhão.<br />

1222


are going to understand a possible association, considering social problems in Argentina<br />

and points of intolerance that arise based in conceptions and ways of life; a divergent<br />

thinking in the face of a logic that has been constructed, dissemin<strong>ate</strong>d and accepted as a<br />

social rule can suffer reprisals legitimized by visions of "another as a threat" . Having<br />

this point as a basis, a brief analysis will be made about how these aspects can intervene<br />

even within the political scene itself, establishing instabilities and ideological<br />

polarizations. Parallel to this, some conceptions from theorists rel<strong>ate</strong>d to the thematic<br />

will be discussed, as such Foucault, Bourdieu and Hannah Arendt.<br />

KEYWORDS: Literature, Peronism, Latin America, Intolerance.<br />

Em uma conjectura socialregida por um intenso individualismo, bem como<br />

por uma modelagem social pré-estabelecida, as percepções sobre uma aversão ao que se<br />

faz divergente é real, por mais que se pregue pelos ideais de pluralidade como é<br />

almejado em regimes democráticos, isso não só na América Latina, mas em todos os<br />

países que se adequam à essa linha política.<br />

Baseando-se em uma vertente interdisciplinar, dialogando literatura e<br />

história com perspectivas que se enraízam na filosofia, este trabalho explora as<br />

influências e interferências do discurso que se associam à intolerância dentro de uma<br />

realidade social. Ao passo que esse discurso vai se difundindo nas percepções,<br />

demonstram-se diretamente visões de mundo, bem como preceitos que se incluem em<br />

tal dinâmica.<br />

Paralelo a isso, esse breve artigo vislumbra ainda, compreender como uma<br />

argumentação intolerante pode ganhar espaço e sentido diante de uma sociedade, onde<br />

de alguma forma, atua apoiando-se em um discurso que se estrutura com base em<br />

medos e terrores sociais, segregando indivíduos. Para isso, serão trabalhados alguns<br />

teóricos como Bauman, Bourdieu e Arendt, relacionados à temática de intolerâncias e<br />

autoritarismos, além de explorar o conto Ônibus, de Júlio Cortázar.<br />

1223


Em um contexto em que a literatura ganhava ares combativos na Argentina,<br />

se almeja perceber como tal área se tornou uma das referências contra as restrições<br />

governamentais impostas por Perón.<br />

Como parte de um momento marcante na história argentina, a historiadora<br />

Maria Helena Rolim Capelato aponta que:<br />

Perón, embora alardeasse liberdade de expressão, procurou controlar as<br />

letras, estimulando a produção peronista e exercendo pressão direta e indireta<br />

sobre os opositores. Apesar disso, a produção literária vista no seu conjunto<br />

reflete os acirrados enfrentamentos políticos e indica a reação de literatos ao<br />

projeto de cultura oficial. Mesmo os escritores independentes, contrários aos<br />

engajamentos sociais e políticos, participaram da guerra de símbolos usando<br />

as mesmas armas dos adversários. (CAPELATO, 2009, pg. 126)<br />

Partindo dessa ideia, através da leitura do conto “Ônibus” presente no livro<br />

Bestiário de Júlio Cortázar, lançado em 1951 pela Editorial Sundamericana e publicado<br />

pela Revista “Los Anales de Buenos Aires”, dirigida por Jorge Luís Borges, escritor<br />

antiperonista, que pensava tal regime político como antidemocrático, assemelhando-se<br />

ao fascismo. No dado período, muito embora houvesse forte oposição de estudantes<br />

universitários e dos professores, Perón é reeleito e Cortázar se auto exila em Paris ao<br />

recebendo bolsa do governo francês.<br />

Conforme Félix Luna, Capelato pontua sobre a ida de Cortázar à Europa:<br />

Félix Luna considera que a cultura, durante o peronismo, foi mais atingida<br />

pelo tédio do que pelas perseguições. Afirma que Julio Cortázar foi para a<br />

Europa, em 1952, não por que o perseguissem, mas por que se aborrecia<br />

mortalmente com a cultura oficial. Segundo o autor, o governo tornou-se<br />

proprietário de todas as rádios, das principais revistas e dos principais diários,<br />

controlava a indústria cinematográfica e a teatral; exercia severa vigilância<br />

sobre esses setores, mas essas vigilância não se estendia aos livros, salvo<br />

exceções. No entanto, a existência de um Estado altamente politizado, que<br />

exigia lealdade e preenchia os espaços das expressões culturais maciças,<br />

provocava estreitamento dos territórios nos quais se poderia realizar,<br />

profissionalmente, a gente de Letras, artes e ciência. Luna apresenta uma lista<br />

de autores que abandonaram o país em busca de melhores condições de<br />

trabalho. (LUNA, 1985 apud CAPELATO, 2009, pg. 127).<br />

1224


Dentro dessa perspectiva, visa-se descobrir, ainda que previamente, sobre<br />

como essa literatura tornou-se algo comparado como uma arma política na Argentina 120 .<br />

Em busca de uma releitura de vivências através de recursos literários,<br />

preocupou-se primeiramente em analisar metáforas, símbolos e atribuições que<br />

sugeriram interferências no contexto social através do conto Ônibus em relação ao<br />

período em que Perón se fazia à frente da nação argentina.<br />

Com um traço de suspense através de um conto com narrador em terceira<br />

pessoa e onisciente, Cortázar nos faz mergulhar no comportamento humano ao depararse<br />

com o outro, o diferente, aqueles que fogem aos padrões estabelecidos, no tocante<br />

aos costumes e a ideologias políticas.<br />

Como personagens centrais do conto, se fazem Clara e o rapaz que ao não<br />

adotarem a tradição, passam a ser vistos como aqueles que possuem uma conduta social<br />

errada ou inadequada, fazendo assim pensar em questões do inconsciente daquilo que é<br />

internalizado como formas de se comportar ou uma moralidade instituída, no que se<br />

concretiza em opressões ao se estabelecer uma norma lógica, modelo ou padrão.<br />

Associando diretamente o conto de Cortázar com a realidade social,<br />

facilmente percebe-se uma sociedade que prima pela vivência com pessoas com gostos<br />

similares ou ao menos que se façam próximos aos seus, com preceitos que se digam<br />

menos contraditórios possíveis com o paradigma de vida do grupo ao qual se insere, o<br />

que é normal. No entanto, alguns desses indivíduos podem mascarar através de<br />

determinados discursos, ideais que veiculam preconceitos de origens diversas, sejam<br />

eles de matrizes raciais, socioeconômicas ou ideológicas.<br />

O historiador Henrique Borralho trabalha em Sobre autoritarismos em<br />

tempos democráticos 121 sobre como os países latino-americanos passaram por um árduo<br />

processo de estruturação, onde direitos foram conquistados à duras penas e ainda sim<br />

passam por contínuas ameaças, como é o caso do seu caráter democrático, por exemplo.<br />

120 Capelato, 2009, p.126. A literatura como arma de luta na Argentina peronista. In: Multidões em Cena.<br />

121 Borralho, 2017, pg. 136In: Versura.<br />

1225


Como é percebido, em geral necessita-se de pré-estabelecimentos de<br />

contratos sociais, com o fim de lidar com as diferenças, o que nos faz refletir sobre<br />

como a sociedade se porta em relação ao outro e o quanto é complexo instituir e<br />

assegurar direitos, visto que empenhar-se em estabelecer mudanças políticas implicou<br />

em emb<strong>ate</strong>s físicos e ideológicos.<br />

O viver em sociedade de maneira saudável ou ainda de modo razoável<br />

muitas vezes passa incompreendido. As noções de empatia, assim como conceitos sobre<br />

humanidade tiveram que ser construídos historicamente, principalmente ao passo que se<br />

percebe a elaboração da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) 122 , em<br />

1948, após um intenso período de conflitos trazidos com a Segunda Guerra Mundial<br />

O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman apresenta emMedo<br />

Liquido em relação às suas concepções sobre o uso do medo na dinâmica social,<br />

percebendo como ele à movimenta e explora através das estruturas por ele levantadas,<br />

assim como a intolerância pode ser apresentada como um fantasma onipresente e real.<br />

Com base em tais análises, reagir à inércia e reavivar a dinâmica social era<br />

um dos principais ideais de inúmeros movimentos históricos. Porém, atualmente<br />

percebe-se um mundo cada vez mais envolvido em conceitos conservadores que visam<br />

conter inovações que trazem à tona essas dinâmicas sociais ou até mesmo suas possíveis<br />

discussões, onde uma visão de tradicional se faz mascarada de intolerância.<br />

Historicamente no Brasil e no mundo é possível assistir as constantes<br />

vivências dos fenômenos de manifestação de ódio e preconceito de grupos em relação a<br />

outros, seja por divergências ideológicas, por questões sociais, raciais e de gênero,<br />

assim como de posicionamentos religiosos, principalmente partindo de uma versão<br />

globalizada a qual fazemos parte e a informação se faz a palma da mão.<br />

Em regimes ditatoriais na América Latina, durante a segunda metade do<br />

século XX, por exemplo, as punições aos divergentes dessa ordem social iam desde<br />

122 Declaração adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) após a 2° Guerra Mundial, em 10 de<br />

dezembro de 1948, prima pela proteção universal dos direitos humanos.<br />

1226


vigilâncias à sumiços e assassinatos que praticamente ficavam sem soluções pelo<br />

silenciamento midiático produzido por seus líderes e representantes em geral.<br />

A globalização ao passo que se tornou um instrumento positivo de inclusão<br />

e aproximação das culturas também proporcionou uma visão mais acentuada sobre o<br />

reconhecimento dos extremismos. Hoje, devido ao acesso informativo é possível<br />

conhecer de perto as polarizações ideológicas não só em uma perspectiva teórica, mas<br />

também a um nível fatalmente prático.<br />

Os medos que foram e são difundidos de acordo com os interesses vigentes,<br />

fomentando uma organização social, tornam-se cada vez mais presentes ao passo que<br />

conceitos são disseminados, principalmente ao que se referem aqueles que se fazem fora<br />

de uma norma social, os ditos como subversivos.<br />

Como trabalha o historiador alemãoReinhart Koselleck em História dos<br />

conceitos e história social 123 , é necessário perceber a história dos conceitos como parte<br />

integrante da história social. Para isso é preciso <strong>ate</strong>ntar-se as semânticas dos conteúdos,<br />

bem como aos seus respectivos significados.<br />

Com base nisso, percebendo como tais elementos foram trabalhados e<br />

desenvolvidos como um ponto de partida, buscou-se notar dentro do texto, termos que<br />

trazem em seu bojo a relevância, a linguagem que transporta a instrumentalização de um<br />

discurso especializado nesse convencimento e como esse pode levar à posturas<br />

extremas.<br />

Em sequência disso, a análise das interferências em pontos de vista sociais e<br />

políticos é um dos pontos cruciais, levando em consideração o fato que esses podem<br />

ultrapassar as dimensões linguísticas. Relacionando diretamente ao conto Ônibus, se<br />

visou entender como um discurso pode ser fundamentado e trabalhado dentro de uma<br />

organização social, contribuindo na construção ou desconstrução de suas relações.<br />

Assim, voltando-se a apresentação do conto que se faz aqui em destaque,<br />

observa-se uma intensa carga de mistérios acompanhado por um conjunto de metáforas<br />

e simbolismos atribuídos às flores dando uma propriedade única ao enredo torna sua<br />

123 Koselleck, 2006, pg. 97. In: Futuro Passado<br />

1227


leitura cada vez mais instigante. Em suas quinze páginas o leitor acompanha a viagem<br />

da jovem e do rapaz que partilham do constante sentimento de não pertencimento e de<br />

exclusão, o que causa uma tensão em todos os presentes<br />

Era novembro em Buenos Aires, em um sábado, onde tradicionalmente as<br />

pessoas levam flores ao cemitério, a jovem Clara toma o ônibus 168 na esquina da<br />

avenida San Martín com Nogoya, na estação que ficava a uma quadra da casa de<br />

Cortázar, seu destino é o Retiro. No ônibus todos os passageiros trazem flores, Clara<br />

torna-se o centro das <strong>ate</strong>nções dos passageiros, do cobrador e motorista, quando ao<br />

trazer as mãos vazias e comprar o bilhete de 15 pesos quebra a norma, que desenlaça<br />

todo um processo de desigualdade e de alteração da ordem.<br />

No fundo do ônibus, sentados no longo banco verde, todos os passageiros<br />

olharam para Clara, pareciam criticar alguma coisa em Clara que sustentou<br />

seus olhares com um esforço crescente, sentindo que cada vez mais difícil,<br />

não pela coincidência dos olhos pousados nela... (CORTAZAR, 2016, pg. 45)<br />

Logo no início do conto, Cortázar vai demonstrando suas intenções ao<br />

trabalhar os olhares de reprovação do motorista e do cobrador bem como dos<br />

passageiros, um misto de ironia e repulsa, com uma carga de curiosidade é facilmente<br />

percebida ao longo da leitura do conto. Ele nos faz também participar sobre a situação,<br />

sentindo-nos empaticamente como Clara e o rapaz através do seguinte trecho:<br />

Subitamente inquieta, deixou o corpo escorregar um pouco, fixou a vista no<br />

encosto escangalhado à sua frente, examinando a alavanca da porta de<br />

emergência e sua inscrição Para abrir a porta PUXE A ALAVANCA para<br />

dentro e levante-se, considerando as letras uma por uma sem chegar à reunilas<br />

em palavras. Assim conseguia uma zona de segurança, uma trégua para<br />

pensar. É natural que os passageiros olhem para quem acabou de subir, está<br />

certo que as pessoas levem ramos quando vão ao cemitério de Chacarita, e<br />

está quase certo que todos no ônibus tenham ramos na mão. (CORTAZAR,<br />

2016, pg. 46)<br />

Nesse trecho é possível entender que o escritor argentino faz o leitor<br />

participar sobre os desconfortos da situação, afinal se fazer diferente em meio a um<br />

grupo que apresenta características especificas ou uma opinião divergente da sua, pode<br />

tornar a atmosfera bem inquietante conforme os ânimos são administrados.<br />

1228


...houve um momento, quando o 168 começava a sua corrida rente ao paredão<br />

de Chacarita, em que todos os passageiros olhavam para o homem e também<br />

para Clara, só que não olhavam diretamente porque estavam mais<br />

interessados no recém-chegado, era como se a incluíssem no olhar, unissem<br />

os dois na mesma observação. (CORTAZAR, 2016, pg. 48)<br />

Mais à frente, Cortázar mostra sobre um sentimento de fr<strong>ate</strong>rnidade que<br />

surgiu em Clara em relação ao rapaz que se adentrara ao ônibus também sem flores,<br />

como se quisesse proteger a ele e a si. Um sentimento de fr<strong>ate</strong>rnidade e de<br />

reconhecimento no outro que é transmitido, criando um laço entre eles. No decorrer da<br />

viagem Clara e o rapaz se unem, compartilhando inquietações comuns como o<br />

sentimento de exclusão ao qual se faziam envoltos e a tensão constante dos demais<br />

passageiros e dos condutores.<br />

Que coisa idiota essa gente, porque até as pirralhas não eram tão novas, cada<br />

com seu ramo e suas ocupações pela frente, e se comportando com tanta<br />

grosseria. Teve vontade de avisar ao outro passageiro, crescia em Clara uma<br />

obscura fr<strong>ate</strong>rnidade sem motivo. Dizer-lhe: “Nós dois temos passagens de<br />

quinze” como se isso os aproximasse. (CORTAZAR, 2016, pg. 48)<br />

Após todos os passageiros descerem em seu destino, o cemitério de<br />

Chacarita e os dois sentarem próximos um do outro, em certo ponto do conto, Clara fala<br />

com o rapaz sobre seus temores, dizendo “Às vezes a gente se descuida. Pensa que<br />

levou tudo e sempre esquece alguma coisa”. Ele responde “É que nós não sabíamos.”<br />

A partir desse instante é possível entender mais sobre a noção de<br />

insegurança a qual ambos vieram a sentir devido a intensa pressão social, perdendo sua<br />

coragem no enfretamento de olhares tão avassaladores trazidos pela ausência das flores<br />

nas mãos.<br />

O conjunto simbólico atribuído aos elementos da cena nos leva a refletir<br />

continuamente sobre suas metáforas. Júlio Cortázar nos faz adentrar a complexidade da<br />

construção de seu enredo. As cores, as flores, os olhares, tudo ia muito além de uma<br />

interpretação clara e especifica.<br />

Ele a pegou pelo braço e saíram andando rapidamente pela praça cheia de<br />

crianças e vendedores de sorvetes. Não disseram nada, mas tremiam como<br />

1229


que de felicidade e sem se olhar. Clara se deixava guiar, percebendo<br />

vagamente o gramado, os canteiros, cheirando um ar de rio que crescia à<br />

frente. O florista estava num lado da praça, e ele parou na frente do cesto<br />

apoiado em cavaletes e escolheu dois ramos de amor-perfeito. Deu um a<br />

Clara, depois lhe pediu que segurasse os dois enquanto puxava a carteira e<br />

pagava. Mas quando continuaram andando (ele não voltou a pegá-la pelo<br />

braço) cada um levava o seu ramo, cada um com o seu e estava contente.<br />

(CORTAZAR, 2016, pg.57)<br />

Ao final do conto, o medo pelo rechaço toma um fator decisivo na história.<br />

A pressão contínua dos olhares dos passageiros, assim como as constantes investidas do<br />

motorista em agredir Clara e o rapaz ganha corpo ao fim do conto, quando ambos<br />

adquirem seus ramos de flores.<br />

Tais fatores nos levam a reflexão sobre uma possível redenção dos dois ao<br />

que estaria acontecendo e a fobia das represálias que causavam inquietação e pavor,<br />

assim como a perda da fr<strong>ate</strong>rnidade que ascendera no instante em que Clara teria<br />

percebido que ambos estavam sem flores e isso que se fazia o fator dos olhares de<br />

reprovação.<br />

Há uma perspectiva de reprovação ao rompimento das tradições ou a algo<br />

que já se fazia devidamente aceito e legitimado por uma maioria, um costume visto que<br />

Cortázar faz um apontamento através da fala de Clara em que o sábado se constituiria<br />

como um dia de visitas ao cemitério. O respeito ao que se fazia superior sem ser ao<br />

menos questionado: Por quê levar flores ao cemitério todos naquele mesmo dia? Por<br />

que seriam reprovados aqueles que não seguissem tal pratica?<br />

Aponta-se outra questão que indiretamente se faz trabalhadano conto que<br />

seria um terror onipresente demarcado pela vigilância e pelo controle dos olhares<br />

daqueles que os rodeiam, onde muitas vezes esses podem se demonstrar como sensores<br />

de uma represália. Assim, esse controle que estabelece o terror social deveria <strong>ate</strong>nder a<br />

demanda do bem-estar social, como aponta a filósofa Hannah Arendt em Origens do<br />

Totalitarismo.<br />

O terror, como execução da lei de um movimento cujo fim ulterior não é o<br />

bem-estar dos homens nem o interesse de um homem, mas a fabricação da<br />

humanidade elimina os indivíduos pelo bem da espécie, sacrifica as “partes”<br />

em benefício do “todo”. (ARENDT, 1989, pg. 517)<br />

1230


Quando o terror toma uma proporção de legalidade e interfere diretamente<br />

nas relações sociais, o perigo se torna real e oficial. A preocupação com a restauração<br />

de uma ordem que porventura possa ser deturpada é o discurso que promove e legitima<br />

tais ações.<br />

A construção de “culpados” e “inocentes” viram conceitos presentes<br />

continuamente. Com base nisso, percebe-se que a ideologia é construída para se fazer<br />

notória, como cita Arendt:<br />

As ideologias nunca estão interessadas no milagre do ser. São históricas,<br />

interessadas no vir-a-ser e no morrer, na ascensão e queda das culturas,<br />

mesmo que busquem explicar a história através de alguma “lei da natureza”.<br />

(ARENDT, 1989, pg. 521)<br />

Tornar-se reativo à uma ideologia ou ainda a um discurso pregado e<br />

veiculado se fazia altamente nocivo, principalmente em regimes ditatoriais que<br />

impunham censuras ao que se faziam contrários aos representantes do campo político<br />

vigente.<br />

Levar o mal à julgamento era um dos principais interesses das instituições<br />

de coerção, deletando todo e qualquer indivíduo que se fizesse contrário a essa ordem.<br />

Retirando os subversivos de cena era possível apaziguar os ânimos, bem como<br />

favorecer os representantes diante de seus interesses. Nesse sentido, o sociólogo Pierre<br />

Bourdieu aponta em Poder Simbólico que:<br />

A intenção política se constitui na relação com um estado de jogo político e,<br />

mais precisamente do universo das técnicas de ação e de expressão que ele<br />

oferece em dado momento (BOURDIEU, 2006, pg. 165)<br />

Os “atos malignos”, bem como o mal tinham necessidade de serem retirados<br />

de veiculação, principalmente aos que se faziam um mal para a sociedade. O discurso<br />

do trabalho pela paz social ganhava espaço e também um cunho divino em uma suposta<br />

luta do bem contra o mal. Nota-se a partir da leitura do filósofo francês Michel Foucault<br />

em seu livro Vigiar e Punir traz a seguinte perspectiva:<br />

1231


(...) contra um mal extraordinário, o poder se levanta, torna-se em toda parte<br />

presente e visível; inventa novas engrenagens, compartimenta, imobiliza,<br />

quadricula, constrói por algum tempo o que é ao mesmo tempo a<br />

contracidade e a sociedade perfeita; impõe um funcionamento ideal, mas que<br />

no fim das contasse reduz, como o mal que comb<strong>ate</strong>, ao dualismo simples<br />

vida-morte: o que se mexe traz a morte, e mata-se o que se mexe.<br />

(FOUCAULT, 1987, pg. 169)<br />

A insegurança, construção de inimigos e conspirações adentra a um eixo<br />

que foi transportado de um imaginário para uma demanda da sociedade. A veiculação<br />

de notícias, a problematização de um inimigo em potencial passa por uma demanda de<br />

construção de convicções de uma vulnerabilidade e fragilidade que precedem de um<br />

grupo que estabelece um desmoronamento da segurança social.<br />

Evitar o que se apresenta como inadequado e que se isso se faça uma unanimidade é<br />

uma das preocupações da ordem. Tecendo uma rede de proteção que se faça real, busca<br />

instituir-se uma busca de construção de compromissos coletivos, os quais possibilitem<br />

manter uma rotina tranquilizadora.<br />

Os sofrimentos humanos (inclusive o medo de sofrer e o medo em si, que é o<br />

pior é mais penoso exemplo de sofrimento) derivam do "poder superior da<br />

natureza, da fragilidade de nossos próprios corpos e da inadequação dados<br />

normas que regem os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família,<br />

no Estado e na sociedade. (BAUMAN, 2009, pg.14)<br />

O sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Baumanatravés desse trecho traz<br />

similaridades em relação ao ocorrido com Clara no conto Ônibus. O sofrimento trazido<br />

por sua “diferença” tornou penosa a sua permanência no mesmo espaço que os demais,<br />

demonstrando a insegurança e ideia de planos de fuga pra evitar aquele desconforto. Ele<br />

também nos aponta em Confiança e medo na cidade que tudo que foi feito pelo homem<br />

também pode acabar sendo refeito. Assim, concepções historicamente construídas<br />

podem passar por uma reformulação, podendo essa assumir uma proposta positiva ou<br />

negativa, dependendo do regulamento que fora construído ou pré-estabelecido:<br />

Quando a solidariedade é substituída pela competição os indivíduos se<br />

sentem abandonados a si mesmos, entregues a seus próprios recursos -<br />

escassos e claramente inadequados. A corrosão e a dissolução dos laços<br />

comunitários nos transformaram, sem pedir nossa aprovação, em indivíduos<br />

de jure (de direito); mas circunstâncias opressivas e persistentes dificultam<br />

que alcancemos o status implícito de indivíduos de facto (de fato). Se, entre<br />

1232


as condições da modernidade sólida, a desventura mais temida era a<br />

incapacidade de se conformar, agora - depois da reviravolta da modernidade<br />

"líquida" - o espectro mais assustador é o da inadequação." (BAUMAN,<br />

2009, pg. 21, 22)<br />

As noções de fr<strong>ate</strong>rnidade encontradas no momento de pressão e<br />

desconforto vividos por Clara e o rapaz podem ser reparadas ao passo que se adequaram<br />

ao que se faziam exigidos, as condições solicitadas para sua aprovação e conviver assim<br />

em uma suposta harmonia. As imposições solicitavam uma reeducação para que<br />

pudesse haver uma reabilitação na comunidade, o que ocorre quando os dois adquirem<br />

as flores, um meio de expulsar e/ou reciclar algo que poderia trazer problemas em<br />

potencial. Através desses conceitos é possível refletir também sobre as influencias das<br />

c<strong>ate</strong>gorizações oficiais, onde os indivíduos passam a receber tratamentos diferenciados,<br />

onde muitos são excluídos por algum motivo, condenados e jogados às margens da<br />

sociedade ou ainda destinados à prisão e a vigilância com ocorreu nos mais diversos<br />

regimes totalitários e ditatoriais, devido suas atitudes e os ditos comportamentos<br />

subversivos.<br />

AVERSÃO AO OUTRO E A INTERFERÊNCIA ESPACIAL: CONSTITUIÇÃO<br />

E IMPOSIÇÃO DE LOCAIS SOCIAIS<br />

Para que haja uma percepção pontual do aspecto que se volta à construção<br />

da aversão é necessário ter em mente sobre o fato de que a interferência da opressão em<br />

um local geográfico obedece uma lógica maior, onde suas construções podem morar<br />

dentro de um interesse especifico, passando pela idealização de um terror continuo, um<br />

mal que deveria ser extirpado daquele espaço social, como vimos em Cortázar, em seu<br />

conto Ônibus.<br />

Como parte de uma estratégia há toda uma estruturação de uma organização<br />

que trabalha estipulando sentidos ao seu discurso, trazendo elementos que se tornam<br />

propagandas, instigando assim a internalização de tais questões.<br />

1233


Contextualizando com o momento vivido na Argentina, objeto de estudo<br />

desse artigo e no Brasil, Capelato cita no capítulo Identidade nacional e produção de<br />

sentimentos 124 que:<br />

O varguismo e o peronismo surgiram em momentos de crise nas respectivas<br />

sociedades; o contexto de insegurança e instabilidade explica a aceleração<br />

dos sentimentos e sua transformação em paixão. O apelo a valores comuns e,<br />

por meio deles, a emergência simbólica de um nós, proclamação agressiva de<br />

uma identidade a se afirmar e legitimar, implicavam um trabalho complexo<br />

de construção da identidade e identificação do outro. Esse processo levou ao<br />

extremo as emoções. (ANSART, 1983 apud CAPELATO, 2009, pg. 263)<br />

Ao passo que tal discurso torna-se convidativo e esse se faz introjetado na<br />

sociedade, a pressão social aos que se fazem diferentes torna-se cada vez maior. Essa<br />

dita pressão social ganha ares de um instrumento de coerção, onde todos se fazem<br />

responsáveis pela restauração e manutenção da ordem, além de conduzir o indivíduo<br />

que se faz divergente a ceder àquela lógica ou determinação que se faz legítima dentro<br />

daquela esfera.<br />

Assim, a argumentação simbólica se torna favorável à construção de<br />

sentidos. O que foi trabalhado por Cortázar no conto Ônibus aproxima-se com a<br />

realidade vivida atualmente, onde o simples fato de Clara e o rapaz não apresentarem<br />

flores em suas mãos em um dia reverência e de visita ao cemitério os fizeram passar por<br />

represálias. Fora do contexto literário quem apresenta visões de mundo divergentes à<br />

uma lógica que já foi aceita e reproduzida de forma contínua e diária acaba passando<br />

por esses mesmos constrangimentos e repreensões.<br />

Como já trabalhado anteriormente a intolerância se faz onipresente e a<br />

aversão ao outro ganha margens diversas diante do tempo histórico. Notáveis são os<br />

relatos de extermínio aos que se fazem diferentes, seja por questões religiosas, sexuais,<br />

sociais ou ideológicas.<br />

Em tempos de ardis totalitários, onde os espaços se fazem subdivididos,<br />

locais onde se suprimem liberdades, onde indivíduos só podem participar ao passo que<br />

124 Capelato, 2017, pg. 263In: Multidões em Cena.<br />

1234


se fazem introduzidos a um modelo social ou a uma classe, tracejam-se novas regras<br />

rumo à uma segregação.<br />

Deste modo, induzir pessoas a pertencerem a um espaço ou a uma demanda<br />

é uma forte pressão social que se produz quase que inconscientemente, ao passo que<br />

percebe-se a promoção de goumertizações 125 de locais e ideias, passando por<br />

planejamentos que se fazem a níveis abstratos e concretos.<br />

Com base nisso, Bauman trabalha entre outros quesitos, o conceito de<br />

mixofobia:<br />

Tornar os bairros residenciais uniformes para depois reduzir ao mínimo as<br />

atividades comerciais e as comunicações entre um bairro e outro é uma<br />

receita infalível para manter e tornar mais forte a tendência a excluir, a<br />

segregar. Tais procedimentos podem <strong>ate</strong>nuar o padecimento de quem sofre de<br />

mixofobia, mas o remédio é por si mesmo patogênico, torna mais profundo o<br />

tormento de modo que – para mantê-lo sob controle – é preciso aumentar<br />

continuamente as doses. A uniformidade do espaço social, sublinhada e<br />

acentuada pelo isolamento espacial dos moradores, diminui a tolerância à<br />

diferença e multiplica, assim, as ocasiões de reação mixofóbica, fazendo a<br />

vida na cidade parecer mais “propensa ao perigo” e, portanto, mais<br />

angustiante, em vez de mostra-la mais segura e, portanto mais fácil e<br />

divertida. (BAUMAN, 2009, pg.50)<br />

Esse medo de aproximar-se do outro, de relacionar-se com as diferenças é<br />

um dos fatores da complexa estrutura social a que vivemos. O separatismo se torna uma<br />

estratégia continua, um convite, onde muitas vezes pode vir também com o intuito de<br />

garantir uma exclusividade. Hoje, expressão das ambições humanas, o ter, não se faz o<br />

bastante, mas também trabalha-se pelo constituir-se diferente e tais projeções narcisistas<br />

se fazem inúmeros aspectos, não só em caráter m<strong>ate</strong>rial, mas também ao que se refere a<br />

concepções de relações sociais.<br />

Condicionando grupos à condições marginais e altamente excludentes<br />

empurrando-os para os muros sociais que se fazem praticamente imperceptíveis se ditos<br />

por uma versão concreta. Essa vertente além de promover as ditas exclusões também<br />

conduz a sociedade à uma polarização instigada por discursos de segregação que<br />

125 Saindo do âmbito culinário e adentrando à outros setores da sociedade como um fenômeno, tal<br />

conceito abriga a intensa busca pela afirmação do indivíduo ao que se associa ao rebuscado.<br />

1235


apresentam os conhecidos apartheids sociais, impondo não somente locais, mas<br />

fragmentando aquilo que se faz de interesse comum, separando mundos e vidas.<br />

Contudo, o escritor argentino Júlio Cortázar através do conto trabalhado<br />

nesse breve artigo produziu reflexões relacionados à conjuntura social, interligando<br />

realidade e ficção ao que se refere as questões no tocante à intolerância do que se faz<br />

divergente a ordem social.<br />

Fazendo analogias as metáforas produzidas dentro do contexto literário, o<br />

escritor nos proporcionou uma viagem por entre os enigmas e inquietações de sua<br />

constituição humana e política, promovendo um diálogo com vertentes relacionada a<br />

uma aversão que possivelmente poderiam passar despercebidas.<br />

Alargar o conhecimento social sobre os episódios históricos de um modo<br />

consciente se faz como uma das principais preocupações desse trabalho. Buscando<br />

reforçar naturalmente aquilo que corresponde ao caráter interdisciplinar, estreitando<br />

laços entre produções literárias e históricas, além de <strong>ate</strong>nder aos anseios investigativos<br />

que trazem novas margens.<br />

Propor uma reflexão crítica e criativa sobre os recortes históricos é deixar<br />

fluir o deb<strong>ate</strong> em eixos que se fazem aparentemente divergentes, mas que se vistos por<br />

essência apresentam-se bem próximos. Através do conhecimento se propõe libertações,<br />

bem como estratégicas intervenções sociais, pois como se sabe a geração e aquisição do<br />

saber instrumentalizou e instrumentaliza o poder.<br />

O rompimento das verdades sacralizadas e que se construíram como dogmas<br />

sociais e políticos ao longo dos séculos é uma das preocupações da história, visando<br />

romper com as carências conceituais que geram problemas históricos, entendendo o<br />

passado e explicando ao presente<br />

Contribuindo para novos olhares e estabelecendo novas percepções sobre<br />

momentos históricos e comportamentos sociais, a leitura de tal conto visa ultrapassar as<br />

fronteiras literárias, proporcionando análises profundas sobre os fatores que<br />

condicionam os elementos aversivos e que podem muitas vezes vir até a se caracterizar<br />

1236


e instrumentalizar tendências repressivas ao outro, fundamentando discursos de ódio e<br />

de terror social.<br />

É preciso reavaliar as formas amplas de discursos, bem como suas bases por<br />

que dali, muitas vezes podem se estruturar demandas segregacionistas e excludentes,<br />

seja em âmbitos socioeconômicos, políticos e culturais.<br />

Pesquisas como essas aqui trazidas visam ampliar os espaços de diálogo,<br />

dando <strong>ate</strong>nção à aspectos que até então poderiam se fazer desconhecidos. O cruzar de<br />

histórias e demandas a elas relacionadas podem satisfazer curiosidades do homem sobre<br />

os acontecimentos e entendê-los da maneira mais clara possível é de extrema<br />

importância para o meio coletivo.<br />

As metáforas, as cores, olhares, bem como o diálogo com os teóricos aqui<br />

discutidos reformula em novos termos aquilo que pode condizer como uma realidade<br />

vivida diariamente, visto que os muros sociais, a intolerância e opressões ao que se faz<br />

divergente é facilmente observado. A busca por uma uniformidades é uma preocupação<br />

estrutural que na maioria das vezes produz novos sujeitos que se adentraram à exclusão.<br />

Assim, como já exposto em linhas anteriores, somente através do deb<strong>ate</strong><br />

pode-se derrubar os velhos quadros de referência, trabalhando em prol desconstrução de<br />

uma aversão ao outro que se fez programada, bem como dos muros sociais que se<br />

levantam insistentemente.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ARENDT, Hannah, 1906- 1975. Origens do totalitarismo: Hamah Arendt: Tradução<br />

Roberto Raposo. – São Paulo: Companhia das Letras, 1989.<br />

BAUMAN, Zygmunt. 1925 – Confiança e medo na cidade/ Zygmunt Bauman;<br />

tradução Eliane Aguiar. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 2009.<br />

BAUMAN, Zygmunt. 1925 – Medo Liquido/ Zygmunt Bauman; tradução, Carlos<br />

Alberto Medeiros. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 2008.<br />

BORRALHO, Henrique. Versura: ensaios (2011-2017). / Henrique Borralho. – São<br />

Luís: Ed. UEMA; Café & Lápis, 2017.<br />

1237


BOURDIEU, Pierre, 1930 – 2002. O poder simbólico/ Pierre Bourdieu: tradução<br />

Fernando Tomaz (português de Portugal) – 9° Ed. – Rio de Janeiro; Betrand Brasil,<br />

2006.<br />

CAPELATO, Maria Helena, 1945- Multidões em cena: propaganda política no<br />

varguismo e no peronismo// Maria Helena Rolim Capelato. – 2. Ed. São Paulo: Editora<br />

UNESP, 2009.<br />

CORTAZAR, Julio. 1914-1984. Bestiário/ Julio Cortázar; [Tradução: Paulina Wacht 4°<br />

ed. e Ari Roitman]. 4° ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.<br />

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis,<br />

Vozes, 1987. 288p.<br />

KOSELLECK, Reinhart, 1923- 2006. Futuro passado: Contribuição à semântica dos<br />

tempos históricos/ Reinhart Koselleck; tradução do original alemão Wilma Patrícia<br />

Maas, Carlos Almeida Pereira; revisão da tradução César Benjamin. – Rio de Janeiro:<br />

Contraponto: Ed. PUC – Rio, 2006.<br />

LOURENÇO, E.U. O fenômeno da goumertização/ Emília Uema Lourenço.UnB–<br />

2016.< Monografia UnB disponível online em:<br />

http://bdm.unb.br/bitstream/10483/15152/1/2016_EmiliaUemaLourenco_tcc.pdf><br />

acessado em 01/12/2017.<br />

1238


LINGUAGEM LIVRE DA CRIANÇA EM JEAN-JACQUES ROUSSEAU<br />

THE FREE LANGUAGE OF CHILDREN IN JEAN JACQUES ROUSSEAU<br />

Elayne de Araujo Pereira - UFMA<br />

Email:elaynearaujofilo@gmail.com<br />

Orientador: Luciano da Silva Façanha<br />

EIXO 2 -GÊNERO, LITERATURA E FILOSOFIA<br />

RESUMO: O presente artigo consiste em apresentar acerca da concepção<br />

rousseauniana sobre o desígnio de uma educação dos povos esclarecidos, e do como<br />

educação afeta no processo do desenvolvimento das crianças desde da origem da<br />

primeira língua. O filósofo Jean-Jacques Rousseau alega que a educação da sociedade<br />

esclarecida compromete o desenvolvimento da criança, pois são instruídas como se<br />

fossem adultos, cercados de vícios e vaidades, pautados pelo ter e o aparecer,<br />

produzindo um ser desfigurado. Dessa maneira, o genebrino em 1762 publica o tratado<br />

sobre educação orientado pelo comportamento da condição humana, intitulando-o<br />

Emílio ou da Educação, na obra destaca o processo educacional iniciado desde da<br />

infância enfatizando que as crianças e os recém-nascidos estão sufocado pelos maus<br />

tratos em função dos hábitos praticados na sociedade, colocando dentro de uma restrita<br />

liberdade.<br />

PALAVRAS-CHAVE: Linguagem. Criança. Educação. Liberdade<br />

.<br />

1239


ABSTRACT: This article presents the roussonian concept about the purpose of an<br />

education from enlightned people and how this affects children’s development process<br />

since their first language. The philosopher Jean Jacques Rousseau defends that<br />

education of a clarified society compromises development of children because they are<br />

instructed like adults, surrounded by addictions and vanity, guided by the idea of what<br />

to have and what to look like, produced by a desfigured being. Therefore, in 1762, the<br />

swiss philosopher publishes a treaty about education, conducted by behavior of human<br />

condition entitled “Emile, or On Education”, this literary work highlights an<br />

educational process initi<strong>ate</strong>d in childhood emphasizing that children and newborns are<br />

suffoc<strong>ate</strong>d by mistreatment in function of habits practiced in society, placing them<br />

inside a restricted freedom.<br />

KEYWORDS: Language. Children. Education. Freedom.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Ao longo de uma sociedade organizada pelas luzes no qual era marcado<br />

entre transformações que intervêm pela razão. Em 1762 na obra sobre a educação, Jean-<br />

Jacques Rousseau, apresenta diversas observações acerca da sociedade e da necessidade<br />

de uma boa educação principalmente para as crianças como uma tentativa de educar<br />

para vida. Rousseau, diante do seu projeto foi condenado por desrespeitar a moral e os<br />

bons costumes da cidade e por refutar os princípios da igreja pelos seus escritos.<br />

Na obra, considerando esse tal cenário, a sociedade encontrar-se<br />

engendrada pela polidez através de costumes que escraviza o homem, e a criança, diante<br />

disso, era tratada como adulto, de tal maneira, que o filósofo adverte o quanto atinge no<br />

desenvolvimento da criança, culminando dessa forma a importância de perceber a<br />

infância saindo então das velhas práticas e das falsas ideias sobre a infância, para isto,<br />

Rousseau apresenta novo ideal de educação para criança, que consiste em tenta afastar<br />

da depravação do homem para torná-los em bons para agir de acordo com suas escolhas,<br />

1240


partindo de uma educação natural, onde suas faculdades serão desenvolvidas<br />

naturalmente sem que sofram os infortúnios de uma convenção.<br />

Nessa conjuntura, Rousseau ressalta a alguns hábitos que forjam em<br />

problemas o tornaram como mais um degenerado em sociedade. Essa começa desde da<br />

primeira infância da criança cujos as solicitações modelarão em necessidades que não<br />

são suas devido a experiência em sempre receber a <strong>ate</strong>nção nas relações afetivas com os<br />

adultos. Entre esses prejuízos, teremos a própria educação infantil vigente na sociedade<br />

que tem com intuito instruir a criança enchendo de conhecimentos normativos sem<br />

nenhuma relação com sua da realidade como no caso da linguagem e do comportamento<br />

em sociedade.<br />

Partindo dessas tais observações rousseauniana, desenvolveremos acerca da<br />

concepção da educação da criança concebida pelo filósofo, que é a educação negativanatural,<br />

com métodos hipotéticos, com intuito da criança de torna-se um cidadão do<br />

mundo, agindo conforme sua consciência sem a necessidade de esconder através dos<br />

vícios e os preconceitos formado na sociedade, apontando, as críticas a respeito de<br />

como essa sociedade enaltecia pelas luzes em prol do progresso acabou se tornando os<br />

homens maldosos, egoístas e tirânicos.<br />

A EDUCAÇÃO DO HOMEM EM SOCIEDADE<br />

No tratado sobre a educação, Rousseau enfatiza o homem como um ser<br />

degenerado, quer dizer, desfigurado e bastado da sua própria natureza, e que a<br />

necessidade da polidez para saber viver como aborda na obra Emílio ou da Educação<br />

“Nascemos fracos, precisamos de força; nascemos desprovidos de tudo, temos<br />

necessidade de assistência, nascemos estúpidos, precisamos de juízo tudo que não<br />

termos é nos dado pela educação” (ROUSSEAU,1995, pág. 10) porém, essa educação<br />

deve ser permeada por três fontes, tais como, pela coisas, dos homens e da natureza para<br />

o desenvolvimento de suas faculdades, ponderando assim, a necessidade do homem de<br />

ser educado para suprir as suas próprias necessidades, mas em virtude do desígnio de<br />

1241


educação dada na ordem social, para o filósofo, o homem corrompeu-se, tornando-se<br />

fraco e dependente do outro e escravos dos desejos, uma vez que, no estado de condição<br />

natural do homem, ele é livre, de certo modo equilibrado e sem relação de interesse,<br />

mas constituição da educação do homem em sociedade conduziu o sujeito a costumes<br />

que dispuseram a tomar pela posse de homem comum afastando do seu verdadeiro ser<br />

além de invadido pelo excesso de eruditíssimo, egoísmo, dissimulado e perdido de si<br />

mesmo guiado por preconceitos sem mesmo saber o real sentido.<br />

Diante dessas corrupções do homem em sociedade, Rousseau alega que a<br />

criança é uma forma de educar fora destes costumes como uma tentativa ensiná-la viver<br />

em sociedade longe dos deleites das necessidades e dos vícios engendrado na sociedade,<br />

pois desde o seu nascimento é instruída, e os primeiros sentimentos ainda não são<br />

inalterados. Perceber-se então que a sociedade diante de tais atitudes, coloca a criança<br />

na infância no estado de conservação como um possível entendimento do cuidado longe<br />

das intempéries do cotidiano por não ter um bom direcionamento de si, entretanto, o<br />

filósofo salienta o quanto interfere no desenvolvimento causando esforços e sofrimentos<br />

que o levaram a tornar-se corrompido consentido pelos frutos das relações na sociedade<br />

ao longo do processo civilizador, pois estão sendo limitadas da sua própria liberdade,<br />

esclarecendo sobre isso, Rousseau manifesta a importância do papel das mulheres e<br />

principalmente da mãe no desenvolvimento da criança para que os cuidados necessário<br />

não sejam negados em razão do primeiro contato desde seu nascimento, cujos os<br />

espetáculos da sociedade, o tornará mulheres orgulhosas em função do querer aparecer<br />

aquilo que não é como uma perfeição a artificial fazendo supostamente a recusa da sua<br />

própria natureza, ou seja, o dever de mãe em prol de uma enganosa convenção, no<br />

entanto, e a liberdade da criança foi sendo limitada por ser instruído para reprimir o<br />

natural por comportamentos que desemboca os sentimentos desenfreados.<br />

A mãe que imagina substituir-se a ela (a criança), e corrigir sua negligencia<br />

mediante sua crueldade, engana-se. Ao invés de fazer um filho amoroso de<br />

um bebê desnaturado, ela o exercita na ingratidão; ensina-lhe a desprezar um<br />

dia quem lhe deu a vida tal qual quem lhe deu o leite. (ROUSSEAU,1995,<br />

pág.20)<br />

1242


Por conseguinte, o genebrino efetua diversas comparações acerca dessa<br />

sociedade em relação aos seus costumes, o quanto o homem busca certas medicinas para<br />

cura das doenças e acaba a drogar-se pelo o resto da vida como dependente dessa<br />

beberagem, já no estado de natureza, os animais, assegura Jean-Jacques, em relação a<br />

doença vivenciam as dores e encontram a cura na própria natureza, assim, igualmente<br />

acerca da alimentação das cidades grandes e do campo, pairando entre os vícios de uma<br />

cidade aglomerada e a vida simples de maneira mais saudáveis de se manter.<br />

O que resulta em diferentes progressos, a criança diante das constatações<br />

acaba sendo afetada pela razão dos esforços limitados por posição que é mantida devido<br />

de uma liberdade imperfeita, pois a criança tende a necessidade da família para suprir<br />

suas necessidades que levará adquirir hábitos conforme essas experiências que podem<br />

levar ao mal estar, como escravos das instituições e dos homens superiores subordinado<br />

a esconder pela aparência dotado de julgamentos, vivendo em postura que desencadeia<br />

apenas no nascer, viver e morrer como salienta no Emílio “ao nascer envolvem-nos em<br />

um cueiro; ao morrer, encerram-no em um caixão; enquanto conserva sua figura<br />

humana está acorrentado a nossas instruções (ROUSSEAU,1995, pág. 17) e do<br />

contrário o homem “ para ser alguma coisa, para ser si mesmo e sempre um, é preciso<br />

agir como se fala; é preciso estar decidido acerca do partido a tomar, tomá-lo com<br />

altivez e segui-lo sempre.” (ROUSSEAU,1995, pág. 13) o que conduz a crítica acerca<br />

da educação, estabelecida pelas instituições em razãodo compromisso a construção<br />

deum contrato para construção forçada dos homens que levam a cometerem certas<br />

atitudes que causam mal a eles mesmo, por isto, o papel m<strong>ate</strong>rno na educação da<br />

infância se faz necessária em virtude da fragilidade, além de que:<br />

Em não havendo mãe, não pode haver filho. Entre ambos deveres são<br />

recíprocos; e se são mal cumpridos de um lado, de outro são negligenciados.<br />

(...) o filho deve amar a mãe antes de saber se o deve. Se a voz do sangue não<br />

for fortalecida pelo hábito e pelos cuidados, ela se extinguirá nos primeiros<br />

anos, e o coração morrerá (por assim dizer) antes de nascer. Eis-nos, os<br />

primeiros dias, fora da natureza. (ROUSSEAU, 1995, pág. 22)<br />

1243


Partindo desse estudo da condição humana, na primeira infância as crianças<br />

são incumbidos de afazeres que não são da sua natureza por “trata-se de um desses<br />

raciocínios gratuitos de nossa falsa sabedoria e que jamais uma experiência confirmou”<br />

(ROUSSEAU,1995, pág. 19), surgindo assim, o tratamento do adulto em miniatura, o<br />

que é impossibilitado na infância devido a falta de força o suficiente para tal condição.<br />

Neste sentido, a criança apresenta os primeiros sentimentos por efeito do sofrimento das<br />

dores de uma sociedade ansiosa e sufocante através de gritos e choros que eram no<br />

primeiro momento carente de vontades e conhecimentos são estabelecidos na formação<br />

com sinais para satisfação das suas necessidades culminando com a primeira relação da<br />

ordem social, e na mostra de uma primeira depravação da criança, sobretudo, quando os<br />

choros e gritos transformarem em ordenamentos para que as necessidades sejam<br />

<strong>ate</strong>ndidas, por isso, é crucial analisar essa fala, Rousseau coloca como uma primeira<br />

linguagem da criança, a fala natural não articulada que precisa discernida quais são as<br />

necessidades pelos desejos simples em virtude dessa liberdade imperfeita de ser<br />

dependente do outro ou as necessidades estabelecidas e que não são da sua natureza,<br />

entendendo as intenções por de trás dessas queixas choros para identificar quais já são<br />

efeitos dos costumes estabelecido em sociedade.<br />

Jean-Jacques, afirma que esses encargos designados a criança o<br />

transformará em domínios aos seus favores e para que isso não aconteça “cumpre<br />

acostumá-la desde cedo a não comandar nem nos homens, por não ser senhor deles, nem<br />

nas coisas que não a entendem. Assim, quando uma criança deseja alguma coisa que vê<br />

e que queremos dar-lhe, é melhor conduzi-la ao objeto que trazê-lo” (ROUSSEAU,<br />

1995, pág. 48). E para suceder nisso, a criança deve passar por uma educação que<br />

conduza a si própria, tomada como negativa, sem qualquer necessidade que possa<br />

despertar qualquer infortúnio que agrida a sua formação a não ser o progresso natural da<br />

infância.<br />

Essa educação é evocada pela ordem da natureza e da infância que perpassa<br />

no entendimento do equilibro do uso das suas faculdades, para isso, Rousseau, apresenta<br />

mesmo que no imaginário, o aluno Emilio, pra que possa orientado longe da<br />

1244


enfermidade da sociedade. Dessa forma, o preceptor de Emilio não deve reproduzir a<br />

conduta da ordem social e que seja distante do método de educação dado nas<br />

instituições que consiste adestramento do homem ao contrário da natureza, visto que,<br />

“ela só serve para fazer o homem de duas caras, parecendo sempre tudo subordinar aos<br />

outros e não subordinando nada senão a si mesmo”. (ROUSSEAU,1995, pág.14).<br />

Dando relação de caráter retorno em cima dessa instrução, uma “educação só é útil na<br />

medida em que sua carreira acorde com a vocação dos pais; em qualquer outro caso ela<br />

é nociva ao aluno, nem que seja apenas em virtude dos preconceitos que lhe dá”<br />

(ROUSSEAU,1995, pág.14). Porém, Rousseau, constata que antes de uma educação por<br />

interesse dos pais, a criança, deve primeiro aprender a ter autonomia, para tanto, que o<br />

homem deve aprender suportar das intempéries, a criança, apenas as dores físicas para<br />

experimentar a conviver com sentimentos de existência e a torna-se homem diante de<br />

todas condição humana, onde saibam que a morte é consequência da doença, uma causa<br />

natural assim como os animais que vive de acordo com natureza do mesmo jeito que<br />

não adquira hábitos a não ser somente de suas necessidades físicas. E a partir do<br />

conhecimento dos objetos, é preciso que construa uma relação habitual perante as coisas<br />

para que não tenha medo enquanto adulto e acostumes ao mesmo tempo que se é<br />

criança, a partir dessas sensações fornecidas pelos objetos a sinais da vontade de<br />

domínio o que é necessário ter cuidado em colocar no lugar do outro para que saibam<br />

quem nem tudo está ao seu alcance e seja ofuscado pelos vícios do amor próprio e<br />

mantido no caminho natural para que o desertar da imaginação e da memória sejam de<br />

modo apropriado até quando chegar a idade da razão para diferenciar o bem e o mal.<br />

Desse modo, o filósofo Jean-Jacques, propõe a liberdade verdadeira, para<br />

que a criança saiba dominar seus impulsos e supere a si mesma sem precisar demande<br />

sobre os outros, assim como, as crianças criada no campos, que são livres, sadias e não<br />

teme a nada. Ainda em progresso, Rousseau no <strong>ate</strong>nta para o desenvolvimento da<br />

linguagem, a fala que era de choros e gritos longo é transformada em articulação devido<br />

ouvirem o que os adultos falam, o que consistem em pronunciarem errado sem entender<br />

o que se fala ou quando estão inserida nas instruções educacionais forçada a aprenderem<br />

1245


pronunciarem sem mesmo entender o que significado, contudo, o Rousseau assevera<br />

que para aprenderem a arte de falar faz necessário pelo menos ouvirem as palavras<br />

descreva o verdadeiro sentido de modo claro e distinto para que possa falar apenas<br />

daquelas que entende, semelhante as crianças são criadas no campos, pois são<br />

destinadas a sozinha descobrem o verdadeiro significado de cada palavra como suas<br />

pronuncias longe dos vícios da cidade.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Assim sendo, Jean-Jacques foi constituindo seu projeto, se afirmando para<br />

sociedade trazendo um “novo olhar educacional” no meio de uma ordem civil cercada<br />

de status como “apareço, logo existo ou tenho, logo existo”, propondo uma educação<br />

dos homens livres a partir da criança, para que possa obter o regaste do homem natural.<br />

Partindo de uma educação natural cujos métodos hipotéticos possa distanciar a criança<br />

do mundo degenerado. Permitido, ponderar acerca da sociedade, educação e os bons<br />

costumes constituído pelos modelos das instituições, pois afirma que os homens por<br />

natureza são bons e em sociedade torna-se maus, concluindo, a necessidade de<br />

mudanças crítica a sociedade pela educação, com uma “boa educação”.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou Da Educação. Tradução: Sergio Miliet,<br />

3ªed.Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 1995.<br />

1246


LITERATURA E INTERDISCIPLINARIDADE NO PGCULT: revisão sistemática<br />

dos estudos realizados no período de 2012 a 2015.<br />

LITERATURE AND INTERDISCIPLINARITY IN THE PGCULT: systematic review of<br />

the studies carried out in the period from 2012 to 2015.<br />

PatríciaGomes de Oliveira Fonseca 126<br />

Perla Maria Berwanger 127<br />

Rosângela Guedêlha da Silva 128<br />

Prof. Dr. João Batista Bottentuit Junior<br />

Universidade Federal do Maranhão – Orientador<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: Este artigo traz uma revisão sistemática da literatura sobre a<br />

interdisciplinaridade envolvendo a Literatura no âmbito no Programa de Pós-Graduação<br />

Cultura e Sociedade - PgCult, Mestrado interdisciplinar da Universidade Federal do<br />

Maranhão, no período de 2012 a 2015. O objetivo deste estudo é observar como a<br />

126 Mestranda em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), licenciada em<br />

Letras, Habilitação em Língua Portuguesa, Língua Inglesa e respectivas literaturas, pela UFMA e<br />

membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Identidades (GENI-UFMA). E-mail:<br />

patriciagfonseca@gmail.com<br />

127 Mestranda em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA),<br />

bolsista/pesquisadora da CAPES, especialista em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e<br />

graduada em Administração na Faculdade do Maranhão. Trabalhou como tutora externa na modalidade<br />

de Ensino à Distância, em cursos de Administração e Logística, é membro do Grupo de Estudos e<br />

Pesquisas em Tecnologias Digitais na Educação (GEP/TDE – UFMA). E-mail:<br />

perla.berwanger@hotmail.com<br />

128 Mestranda em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), licenciada em<br />

Letras com Habilitação em Língua Portuguesa, Língua Inglesa e respectivas literaturas pela Universidade<br />

Federal do Maranhão (UFMA), professora da Rede Estadual de Ensino do Maranhão. Membro do Grupo<br />

de Estudos de Paisagem em Literatura (GEPLIT-UFMA/CNPQ). E-mail: rosgued29@gmail.com<br />

1247


Literatura vem dialogando com as demais áreas no referido Programa. Foram analisadas<br />

13 (treze) dissertações localizadas nas bases de dados da BDTD-UFMA e no Banco de<br />

Dissertações do PgCult, selecionadas com base nos critérios de inclusão e exclusão<br />

definidos nesta RSL. Constatou-se que o diálogo interdisciplinar entre a Literatura e<br />

outras áreas tem sido profícuo, representando 17% das produções do Programa nesse<br />

período, sendo os maiores quantitativos encontrados junto à Educação e à Geografia.<br />

Tais estudos predominam na Linha de Pesquisa Expressões e Processos Socioculturais,<br />

havendo também pesquisas na Linha de PesquisaCultura, Educação e<br />

Tecnologia.Percebeu-se, ainda, uma elasticidade da literatura em relação aos métodos<br />

utilizados, pois foram identificados uma variedade, com predominância do<br />

fenomenológico. Interessante destacar que os estudos não apontam o enfoque<br />

interdisciplinar como uma dificuldade na realização dos trabalhos.<br />

Palavras-chave: Interdisciplinaridade.Literatura. PgCult.Revisão Sistemática.<br />

ABSTRACT: This article presents a systematic review of the literature about the<br />

dissertations defended in the Program of Postgradu<strong>ate</strong> Culture and Society - PgCult,<br />

Interdisciplinary Master of the Federal University of Maranhão, that approach Literature<br />

in the period of 2012 to 2015. The objective of this study is to observe the way that<br />

Literature has been talking with the other areas in the Program. Thirteen (13) academic<br />

productions selected were analyzed in the databases of BDTD-UFMA and the Bank of<br />

Dissertations of PgCult. It was found that the interdisciplinary dialogue between<br />

Literature and other areas has been profitable, representing 17% of the productions of<br />

the Program in this period, being the largest quantitative with Education and<br />

Geography. These studies predomin<strong>ate</strong> in the Research Line: Expressions and<br />

Sociocultural Processes, but there are also studies in the Culture, Education and<br />

Technology Research Line. It was understood an elasticity of the literature in relation to<br />

the methods used, despite the variety it is perceived that there is a predominance of<br />

1248


phenomenological method. It is interesting to note that the studies do not point out the<br />

interdisciplinary approach as a difficulty in carrying out the work.<br />

Keywords: Interdisciplinarity. Literature PgCult. Systematic Review<br />

INTRODUÇÃO<br />

Considerando a interdisciplinaridade como uma chance de superar as<br />

lacunas de epistemes que trabalham de modo isolado, as pesquisas desenvolvidas no<br />

âmbito do PgCult trazem no seu cerne o desafio da interdisciplinaridade. Tal questão<br />

desafia os pesquisadores e seus orientadores a superarem a disciplinaridade de sua<br />

formação e lançarem-se a outros campos de conhecimento. Mais que somente<br />

conhecerem os fundamentos e pressupostos teóricos de outras áreas (o que poderia<br />

caracterizar uma abordagem multidisciplinar porque estariam analisando o mesmo<br />

objeto separadamente), os pesquisadores interdisciplinares precisam buscar os pontos de<br />

intersecção e expandi-los, torná-los consistentes de forma que consigam dialogar sobre<br />

alguma temática. Essa concepção de estabelecer um mesmo prisma como característica<br />

do estudo interdisciplinar é apontado por Edgar Morin:<br />

A verdadeira questão não consiste, portanto, em "fazer transdisciplinar''; mas<br />

"que transdisciplinar é preciso fazer"? [...] não é operar redução: não se trata<br />

de reduzir o humano a interações físico-químicas, mas de reconhecer os<br />

níveis de emergência. [...]É, portanto, necessário enraizar o conhecimento<br />

físico, e igualmente biológico, numa cultura, numa sociedade, numa história,<br />

numa humanidade. (MORIN, 2005, p.137-139)<br />

Assim, o diálogo interdisciplinar exige um exercício reflexivo<br />

epistemológico a fim de assegurar que o objeto central do estudo seja analisado por um<br />

prisma em que confluam as lentes das áreas envolvidas e não apenas que elas estejam<br />

justapostas.Por essa perspectiva será observado o percurso que a Literatura vem<br />

traçando dentro do Programa de Pós-Graduação Cultura e Sociedade - Mestrado<br />

1249


Interdisciplinar e com quais áreas vem dialogando nas pesquisas realizadas dentro do<br />

programa.<br />

A motivação quanto ao objeto de investigação desta pesquisa dá-se pela<br />

combinação de alguns aspectos: as autoras deste estudo são mestrandas do PgCult com<br />

formação em Letras e Administração, mas com grande apreço pela literatura. As duas<br />

de Letras desenvolvem pesquisas nessa área desde a graduação. E sendo esse um campo<br />

fecundo ao dialogismo com outras áreas, das artes às ciências, e, ainda, considerando<br />

quase uma década de existência do PgCult, um programa de pós-graduação stricto sensu<br />

do Maranhão com um viés interdisciplinar englobando a Literatura, tem-se, portanto,<br />

um intervalo temporal cujas produções acadêmicas permitem uma visão de sucessos e<br />

desafios.<br />

Como metodologia de investigação, optou-se pela Revisão Sistemática de<br />

Literatura ou RSL, por ser uma forma de revisão bibliográfica que busca eliminar a<br />

subjetividade e a arbitrariedade na seleção das fontes como acontece nas revisões do<br />

tipo narrativa ou tradicional. Permite “contextualizar um estudo e, ao mesmo tempo,<br />

proceder a uma análise e síntese de referencial teórico” (FARIA, 2016, p.15). Isso<br />

porque a RSL, apesar das diferentes definições e proposições de protocolo para sua<br />

operacionalização, prescinde essencialmente da utilização de métodos explícitos,<br />

precisos e sistemáticos empregados para identificar, selecionar, avaliar e analisar<br />

criticamente dados bibliográficos (FARIA, 2016). Dessa forma, o percurso<br />

metodológico adotado encontra-se descrito detalhadamente em item específico.<br />

Este estudo foi organizado de forma a favorecer a compreensão da proposta<br />

desta pesquisa e das discussões realizadas. Para tanto, traz uma sucinta apresentação do<br />

PgCult e da Literatura no âmbito do Programa, descreve o percurso metodológico<br />

empregado, informa os dados coletados, a sistematização e análise desses elementos em<br />

busca de informações para responder, tanto à questão central da pesquisa, quanto às<br />

secundárias constituídas no decorrer do processo da investigação.<br />

1250


O PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO CULTURA E SOCIEDADE - PGCULT<br />

O Programa de Pós-Graduação Cultura e Sociedade – Mestrado<br />

Interdisciplinar na Universidade Federal do Maranhão (PgCult), teve aprovação da<br />

CAPES para seu funcionamento em 2010. O que representou mais que a legitimação<br />

oficial, foi, na verdade, um grato reconhecimento à atuação compromissada e à<br />

iniciativa de um grupo de docentes das áreas de ciências humanas e sociais, cujas<br />

atuações no ensino, pesquisa e extensão configuravam-se já de natureza interdisciplinar<br />

e em nível de proficiência de pós-graduação stricto sensu:<br />

A ocorrência de vários grupos de pesquisa registrados no CNPq e atuantes,<br />

em muitos casos de forma interdisciplinar, criaram uma cultura de pesquisa<br />

articulada e potencial para a pós-graduação. A experiência na orientação de<br />

trabalhos de conclusão de cursos de graduação (TCC), na iniciação científica<br />

curricular e extracurricular, nas especializações e em alguns casos com<br />

dissertações de mestrado, prepararam estes profissionais para o exercício do<br />

stricto sensu. 129<br />

A criação do programa objetivou a formação e qualificação de recursos<br />

humanos para atuarem no magistério superior e na pesquisa voltada à realidade local e<br />

regional, bem como, formação de operadores da cultura qualificados para atividades de<br />

gestão, assessoria e consultoria, assim como, estabelecer intercâmbio técnico científico<br />

com instituições da Amazônia, do Nordeste e de outras regiões do país e do exterior.<br />

Em obediência ao Regimento Interno, a coordenação é composta sempre por<br />

dois professores. O Coordenador atual é o Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha e a Vice<br />

Coordenadora, a Prof.ª Drª Conceição de Maria Belfort de Carvalho. A gestão possui<br />

como instância superior o Colegiado do Curso, composto por todos os professores do<br />

Programa e representantes discentes. Há também a Comissão de Bolsas e a Comissão<br />

Editorial.<br />

O Programa pertence à área de concentração Cultura e Sociedade, que:<br />

129 http://www.pgcult.ufma.br/index.php/<strong>pagina</strong>-exemplo<br />

1251


diz respeito à multiplicidade das investigações científicas referentes às<br />

manifestações, experiências e formas de organização social. Estuda a<br />

diversidade sociocultural numa perspectiva histórica e contextualizadora,<br />

buscando um quadro atualizador das práticas sociais. Identifica limites e<br />

possibilidades da reprodução social e o papel dos diferentes atores,<br />

evidenciando como tais práticas sociais são absorvidas, recriadas e<br />

transmitidas às gerações futuras. 130<br />

Apresenta duas linhas de pesquisa 131 :<br />

LP1 – Expressões e Processos Socioculturais<br />

Estudo das ações e relações entre indivíduos e comunidades, suas práticas,<br />

representações e expressões estéticas, artísticas e simbólicas, conhecimentos<br />

culturais e filosóficos, comunicação, etnicidades, sociabilidade, identidades,<br />

gêneros e memórias. Estudo das relações entre artes performáticas,<br />

linguagem, literatura e filosofia, considerando os fundamentos, os saberes e<br />

as práticas sociais e culturais, sua significação e interpretação em contextos e<br />

tempos diversificados.<br />

LP2 – Cultura, Educação e Tecnologia<br />

Estudo da cultura e de suas conexões com a educação formal, informal e nãoformal,<br />

considerando os fundamentos pedagógicos, o currículo, o imaginário,<br />

o meio ambiente e a diversidade cultural, a cidadania e a sustentabilidade.<br />

Investigação das formas de apropriação e difusão dos patrimônios m<strong>ate</strong>riais e<br />

im<strong>ate</strong>riais, entendendo-os como processo dinâmico transmitido através das<br />

gerações. Relações entre patrimônio, gestão e sustentabilidade. Formas e<br />

processos de mediação da construção do conhecimento e do desenvolvimento<br />

humano, abrangendo metodologias, procedimentos e ações culturais.<br />

Investigação sobre a produção, mediação e recepção dos processos<br />

educacionais e tecnológicos, enfatizando a utilização social e cultural dessas<br />

possibilidades e recursos.<br />

O currículo inicial do curso passou por uma reformulação e, desde 2015,<br />

funciona com cinco disciplinas obrigatórias com 60h cada uma, sendo: Teorias da<br />

Cultura e da Sociedade, Epistemologia das Ciências Humanas e Sociais, Docência em<br />

Ensino Superior e Seminário de Pesquisa I e <strong>II</strong>. Os discentes devem também cumprir<br />

três disciplinas optativas entre as opções ofertadas em cada semestre.O curso possui<br />

treze grupos de pesquisa 132 e um periódico eletrônico, semestral chamado Revista<br />

Interdisciplinar em Cultura e Sociedade - RICS 133 , com vistas a “difundir pesquisas em<br />

130 http://www.pgcult.ufma.br/index.php/area-de-concentracao/<br />

131 http://www.pgcult.ufma.br/index.php/linhas-de-pesquisa/<br />

132 LP1 - http://www.pgcult.ufma.br/index.php/grupo-lp1/<br />

LP2 - http://www.pgcult.ufma.br/index.php/grupo-lp2/<br />

133 http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index.php/ricultsociedade/about<br />

1252


nossa área de concentração: Cultura e Sociedade, com enfoque nos temas relacionados a<br />

interdisciplinaridade que compõem nossas linhas de pesquisa. ”<br />

A dinâmica de funcionamento do Programa inclui a promoção de eventos<br />

que buscam favorecer o diálogo interdisciplinar no campo da cultura e da sociedade: o<br />

<strong>Simpósio</strong> Internacional Interdisciplinar em Cultura e Sociedade está em sua segunda<br />

edição em 2017, a Semana Interdisciplinar em Cultura e Sociedade teve a quarta edição<br />

este ano, os Seminários de Pesquisa e os Minicursos de Difusão Cultural são realizados<br />

semestralmente.<br />

Na atual avaliação da CAPES (2016), o PGCULT recebeu nota 3 134 . Todos<br />

os integrantes do programa atuam buscando o permanente aprimoramento do<br />

funcionamento das atividades administrativas e acadêmicas, a ampliação dos índices de<br />

produtividade científica de docentes e discentes e, ainda, assumiram como meta atual, a<br />

aprovação da oferta do nível de Doutorado.<br />

A LITERATURA NO PGCULT<br />

A validade dos estudos voltados ao objeto literário, por este pertencer ao<br />

contexto artístico, não raro é questionada, considerando sua “irrelevância” frente aos<br />

problemas que se apresentam no mundo atual. Entretanto, apesar do desnecessário<br />

aprofundamento nesse ponto, ressalta-se que esta pesquisa também evidencia o quanto<br />

as discussões da realidade da existência humana em torno da ficcionalidade permitem<br />

prazer, assim como legitimamente são fontes de formação, reflexão e criticidade que<br />

podem e devem ser buscadas em textos científicos e informacionais, mas nenhum<br />

desses meios permitiria a fruição, a sensibilidade, o estímulo à imaginação e à<br />

expressividade como a literatura o faz.<br />

A literatura, em todos os seus gêneros, produz uma espécie de conhecimento<br />

que cientista nenhum produz. Não o conhecimento objetivo, colado tal qual<br />

134 https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/programa/viewPrograma.jsf?popup=true<br />

&cd_programa=20001010020P8<br />

1253


uma descrição ou reprodução de um lugar, mas um conhecimento criativo,<br />

que estimula o pensamento e a imaginação. [...] Como arte e conhecimento, a<br />

literatura expressa a condição humana e sua existência. (MARANDOLA JR;<br />

GRATÃO, 2010, p.10)<br />

Soma-se a essa consideração o caráter dialógico do texto literário, respeito<br />

do qual Vincent Jouve (2012, p.164), teórico literário francês da atualidade, explica que<br />

[...] a literatura favorece a liberdade de juízo. Num plano geral, como notava<br />

Kant, o sentimento estético nos remete a nosso estatuto de sujeitos livres. [...]<br />

(Devido ao) privilégio concedido à representação, o leitor é sempre levado a<br />

um trabalho intelectual para chegar à ideia, que nunca é óbvia: ela só pode<br />

ser inferida daquilo que se lê. Dessa maneira, [...] Shusterman tem razão<br />

quando afirma que a ‘verdadeira potência metaética e especificamente<br />

literária de uma obra é [...] sua existência no seio de uma instituição cuja<br />

razão de ser é a prática hermenêutica livre’. Mas é preciso acrescentar que<br />

essa ‘prática hermenêutica livre’ [...] só é possível por conta da pluralidade<br />

de conteúdos estruturalmente inscritos na obra literária.<br />

A interdisciplinaridade é uma abordagem que se encontra em expansão em<br />

todos os níveis de aquisição de conhecimento formal desde as últimas décadas do século<br />

XX até a atualidade. Na Pós-Graduação, o estudo interdisciplinar realça mais que uma<br />

tendência, uma necessidade. Muitos programas centrados no dialogismo entre áreas vêm<br />

enriquecendo os deb<strong>ate</strong>s científicos com a proposta de somar perspectivas<br />

epistemológicas e a Literatura é uma área que se lança na seara de possibilidades de<br />

buscar olhar e pensar um objeto de estudo de forma mais complexa e confluente do que<br />

permitem os estudos disciplinares.<br />

No PgCult, os estudos literários ocorrem nas diferentes vertentes de<br />

abordagem: a crítica literária, a literatura comparada, a análise do discurso e em outras<br />

possibilidades. Estão formalmente localizados na LP1 - Expressões e Processos<br />

Socioculturais, porém tem-se a dúvida se os estudos que envolvem a Literatura<br />

restringem-se a tal organização ou se o objeto literário também dialoga com as<br />

pesquisas desenvolvidas na LP 2 - Cultura, Educação e Tecnologia.<br />

Este estudo, portanto, busca identificar informações sobre como tem se<br />

configurado o dialogismo entre a Literatura e as outras áreas em três aspectos: linhas de<br />

pesquisa do PgCult em que tais estudos são realizados, a distribuição quantitativa entre<br />

1254


que áreas, as metodologias pelas quais se realizam e as dificuldades que se configuram<br />

na realização desses trabalhos. Para tanto, buscou-se a realização de uma revisão<br />

sistemática descrita a seguir.<br />

PERCURSO METODOLÓGICO<br />

As etapas e os procedimentos empregados na realização desta RSL tiveram<br />

como referência o esquema de desenho metodológico descrito por Faria (2016, p.23),<br />

voltado ao âmbito de pesquisas na área das Ciências da Educação. O referido esquema<br />

contém os seguintes itens e ações:<br />

1. OBJETIVOS: definir a problemática a estudar sintetizada numa<br />

questão ou problema;<br />

2. EQUAÇÕES DA PESQUISA: encontrar expressões/palavras-chave<br />

que traduzam o assunto da pesquisa [...];<br />

3. ÂMBITO DA PESQUISA: bases de selecionar e variantes intrínsecas;<br />

4. CRITÉRIOS DE INCLUSÃO: definem que o estudo é aceitável<br />

naquele contexto;<br />

5. CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO: excluem os estudos que não obedecem<br />

ao âmbito definido;<br />

6. CRITÉRIOS DE VALIDADE DE METODOLOGIA: verificação da<br />

objetividade da pesquisa pela replicação do processo de dois investigadores;<br />

7. RESULTADOS: devem ser registados (sic) todos os passos;<br />

8. TRATAMENTO DOS DADOS: filtrar, analisar e descrever<br />

criticamente os resultados com apoio de softwares de gestão bibliográfica [...]<br />

O percurso metodológico utilizado para a execução deste estudo foi baseado<br />

em um protocolo de análise de dados, no qual delimitamos o tema e elaboramos um<br />

questionamento para nortear toda investigação realizada na revisão sistemática: Como<br />

tem se dado a interdisciplinaridade da Literatura no Programa do Mestrado<br />

Interdisciplinar do PgCult - UFMA? A partir desta indagação foram criados alguns<br />

parâmetros para que se pudesse explorar mais precisamente aspectos pertinentes à essa<br />

pesquisa, bem como:<br />

1255


a) Quantas dissertações do PGCULT no intervalo de 2012 a 2015 são<br />

estudos interdisciplinares envolvendo Literatura?<br />

b) Em quais linhas de pesquisa se encontram esses trabalhos?<br />

c) Quais eixos/áreas interdisciplinares os trabalhos publicados foram<br />

desenvolvidos?<br />

d) Quais metodologiassão empregadas nestes estudos?<br />

e) Que dificuldades os pesquisadores encontraram durante a realização da<br />

pesquisa?<br />

Para delimitação e identificação do corpusa ser utilizado nesta pesquisa<br />

foram definidos os seguintes critérios de inclusão e exclusão, apresentados no Quadro 1<br />

- Critérios de inclusão e exclusão da pesquisa:<br />

Critérios de Inclusão<br />

a) Dissertações disponíveis na base<br />

indexada da UFMA-PGCULT e na<br />

Biblioteca Digital de Teses e<br />

Dissertações (BDTD);<br />

b) Estudos escritos em língua<br />

portuguesa (Brasil);<br />

c) Pesquisas evidenciando a<br />

interdisciplinaridade da literatura;<br />

d) Dissertações apresentadas entre os<br />

anos de 2012 a 2015;<br />

Critérios de Exclusão<br />

a) Estudos encontrados em bases não<br />

indexadas e de caráter não científico;<br />

b) Pesquisas escritas em idiomas<br />

estrangeiros;<br />

c) Estudos sobre Literatura em ambientes<br />

não acadêmicos;<br />

d)Textos só com dados estatísticos sem<br />

análise crítica do estudo<br />

e) Estudos envolvendo educação<br />

corporativa;<br />

f) Estudos com abordagem em educação<br />

básica;<br />

g) Artigos, teses ou documentos publicados<br />

em eventos científicos (Congressos,<br />

simpósios, entre outros).<br />

Quadro 1 - Critérios de inclusão e exclusão da pesquisa<br />

1256


Esta revisão utilizou as seguintes bases de dados: Banco de dissertações do<br />

PgCult 135 e Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) 136 , que tem<br />

por objetivo reunir, em um só portal de busca, as teses e dissertações defendidas nas<br />

instituições brasileiras de ensino e pesquisa e por brasileiros no exterior. O Banco de<br />

dissertações do PgCult é parte integrante do sistema de informações do Programa e<br />

busca convergir a produção das dissertações para um mesmo banco onde há também os<br />

<strong>artigos</strong> de periódicos e outras produções<br />

A delimitação do intervalo temporal selecionado nesta pesquisa inicia em<br />

2012 porque as dissertações envolvendo a Literatura no PgCult aparecem neste ano. Em<br />

2011, o Programa teve duas defesas em que uma abordou música e a outra, educação 137 .<br />

E o período dolevantamento dos trabalhos finda em 2015 porque não foram encontradas<br />

pesquisas com a especificidade requerida 138 em 2016 nos repositórios consultados.<br />

Dessa forma, empregando os critérios de inclusão e exclusão, e usando<br />

como descritor o termo “literatura”, das 75 (setenta e cinco) dissertações do Banco do<br />

PGCULT depositadas na Biblioteca Digital da UFMA e 33 (trinta e três) na Base do site<br />

do PGCULT, considerando o intervalo temporal de 2012 a 2015, foram identificadas 13<br />

(treze) em que há abordagem da literatura de forma interdisciplinar, como apresentadas<br />

no Gráfico 1:<br />

135 http://www.pgcult.ufma.br/index.php/dissertacoes/<br />

136 https://tedebc.ufma.br/jspui/<br />

137 https://tedebc.ufma.br/jspui/handle/tede/3/simplesearch?query=&sort_by=score&order=desc&rpp=10&etal=0&filtername=d<strong>ate</strong>Issued&filterquery=2011&<br />

filtertype=equals<br />

138 htps://tedebc.ufma.br/jspui/handle/tede/3/simplesearch?query=&sort_by=score&order=desc&rpp=10&etal=0&filtername=d<strong>ate</strong>Issued&filterquery=2016&<br />

filtertype=equals<br />

1257


Gráfico 1 - Distribuição das dissertações no PgCult entre 2012 e 2015<br />

13<br />

24<br />

75<br />

Total de trabalho na base indexadora UFMA<br />

Trabalho utilizando descritores/filtros<br />

Trabalhos com tema de Literatura<br />

Fonte: As autoras da pesquisa<br />

Considerando as questões, central e secundárias, da pesquisa, bem como o<br />

embasamento teórico que a fundamenta, organizou-se uma tabela em que foram<br />

sistematizados os dados coletados nas dissertações que compõem o corpusque serão<br />

analisados no próximo item.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÕES<br />

Com base nos dados obtidos e sistematizados, apurou-se que entre os 13<br />

(doze) trabalhos analisados, 85% 139 pertencem à LP1-Expressões e Processos<br />

Socioculturais. Tal constatação deixa perceber que a literatura tem sido abordada numa<br />

dialética interdisciplinar com os estudos culturais e em especial com os estudos de<br />

identidade, gênero, memória e filosofia. Ciências essas onde o texto literário pode ver<br />

desenvolvido todo seu potencial analítico e a depender da metodologia pode gerar novas<br />

epistemes, enriquecendo o processo de aquisição de competências. Essa constatação<br />

139 Utilizamos o arredondamento das casas decimais com o objetivo de facilitar a leitura percentualnos<br />

Gráficos apresentados.<br />

1258


segue consoante ao pensamento de Piaget (apud CHAVES, 1998, p.5), quando diz que<br />

interdisciplinaridade deve servir para designar<br />

o nível em que a interação entre várias disciplinas ou setores heterogêneos de<br />

uma mesma ciência conduz a interações reais, a uma certa reciprocidade no<br />

intercâmbio, levando a um enriquecimento mútuo.<br />

Quanto às literaturas abordadas, predominaram estudos envolvendo obras da<br />

Literatura Brasileira, pois foram 08(oito) com essa abordagem, sendo que 50%<br />

(cinquenta por cento), portanto, metade desse quantitativo, tratava de Literatura<br />

Maranhense. Também foram estudadas Literatura Portuguesa em 03(três) dissertações,<br />

Literatura Europeia (não portuguesa) em 02(duas), Literatura Africana em 02(duas),<br />

Literatura Hispano-americana em 01(uma) e Literatura Infanto-juvenil (contos de fadas<br />

europeus e brasileiros) em 01(uma). O quantitativo descrito supera os 13 (treze)<br />

trabalhos observados porque diversas análises envolvem mais de uma literatura.<br />

Em relação aos eixos ou às áreascom as quais se interliga<br />

interdisciplinarmente a Literatura, os dados aferidos nesta pesquisa demonstram haver<br />

um equilíbrio na distribuição quantitativa entreas áreas a que usualmente se interligam<br />

os estudos literários com destaque para o número de dissertações envolvendo Educação,<br />

Filosofia, Geografia História, mas há pesquisas que se articulam com Artes e<br />

Psicanálise, conforme se observa no Gráfico 2:<br />

1259


Gráfico 2 - Distribuição das pesquisas por eixo/área disciplinar<br />

120<br />

100<br />

80<br />

60<br />

40<br />

20<br />

0<br />

Artes<br />

Antropologi<br />

a<br />

Educação Filosofia Geografia História Psicanálise total<br />

f 1 1 3 2 3 2 1 13<br />

% 8 8 23 15 23 15 8 100<br />

f %<br />

Fonte: As autoras da pesquisa<br />

No que se refere às metodologiasempregadas nesses estudos, foram<br />

identificadas: estudo de caso, levantamento documental, estudo comparativo, método<br />

arqueológico, “História Cultural”, análise quantitativa, pesquisa-ação e fenomenologia,<br />

sendo esta a predominante, como demonstrado no Gráfico 3:<br />

120<br />

100<br />

80<br />

60<br />

40<br />

20<br />

0<br />

Gráfico 3 - Metodologias empregadas na construção das dissertações<br />

Arqueoló<br />

gico<br />

Estudo de<br />

caso<br />

História<br />

Cultural<br />

Mitocrític<br />

a<br />

lev.<br />

Comparat<br />

Documen<br />

ivo<br />

tal<br />

Análise<br />

Pesquisaç<br />

quantitati<br />

ão<br />

va<br />

Fenomen<br />

ológico<br />

f 1 1 1 1 1 1 1 1 5 13<br />

% 8 8 8 8 8 8 8 8 38 100<br />

total<br />

Fonte: As autoras da pesquisa<br />

1260


A diversidade metodológica evidenciada mostra-se coerente dada a<br />

distinção entre as áreas e objetivos almejados, assim como evidenciam a elasticidade do<br />

objeto literário em relação à adequação a diversas sistemáticas de investigação.<br />

Entretanto, cabe ressaltar que a falta de clareza e transparência acerca da metodologia<br />

adotada em algumas pesquisas analisadas foi um fator complicador na coleta desse<br />

dado.<br />

Em relação às dificuldades no tocante à prática interdisciplinar, das 13<br />

(treze) dissertações analisadas, somente uma evidenciou esse aspecto. Sendo, portanto,<br />

inexpressiva, no corpus usado neste estudo, a ideia de a interdisciplinaridade ser<br />

considerada um entraveao desenvolvimento das pesquisas.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Na produção Pgcultiana, foram identificadas 13 (treze) dissertações<br />

abordando a Literatura no intervalo de 2012 a 2015, o que configura um índice de<br />

17,3% das pesquisas de conclusão de curso nesse período.Há estudos dessa natureza nas<br />

duas linhas de pesquisa do Programa, havendo predominância de 85% na Linha 1 -<br />

Expressões e Processos Socioculturais. Além disso, a Literatura demonstrou<br />

interessante harmonia interdisciplinar ao dialogar de modo equilibrado com as diversas<br />

ciências que compõem o quadro do Programa.<br />

De um modo geral, esta revisão sistemática possibilitou a evidência de<br />

aspectos quantitativos e qualitativos relacionados ao panorama da interdisciplinaridade<br />

realizada neste Programa após quase dez anos de existência. Observou-se interesse e<br />

compromisso de docentes e discentes na efetivação de um diálogo entre as áreas de<br />

conhecimento e que a produção científica interdisciplinar ainda tem muito espaço para<br />

crescer dentro das abordagens científicas e os estudos literários podem ser fonte de<br />

pesquisa adequando-se a propostas metodológicas diversas.<br />

Por fim, considerando o caráter pioneiro deste estudo no tocante à<br />

realização de uma revisão sistemática voltada à produção do PgCult - UFMA, assim<br />

1261


como a relevância das informações obtidas por esta pesquisa para reflexão acerca da<br />

pós-graduação stricto sensu de caráter interdisciplinar que se efetiva nesta universidade,<br />

indica-se que outros levantamentos dessa natureza sejam realizados. Uma vez que dados<br />

e informações resultantes de revisões sistemáticas permitem compor significativas<br />

descrições que podem subsidiar de forma consistente análises, planejamentos e outras<br />

discussões sobre o ensino, a pesquisa e demais ações.<br />

REFERÊNCIAS<br />

CHAVES, Mário. Complexidade e transdisciplinaridade: uma abordagem<br />

multidimensional do setor saúde. Revista Brasileira de Educação Médica 22.1 (1998):<br />

7-18. Disponível em: http://www.ufrrj.br/leptrans/arquivos/Chaves.pdf. Acessado em:<br />

30/08/2017.<br />

EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. Tradução: Waltensir Dutra.<br />

9. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.<br />

FARIA, Paulo M. Revisão Sistemática da Literatura: contributo para um novo<br />

paradigma investigativo. Metodologia e Procedimentos na área das Ciências da<br />

Educação. Santo Tirso - Portugal: Whitebooks, 2016.<br />

MARANDOLA JR, Eduardo. GRATÃO, Lúcia Helena Batista (orgs). Geografia e<br />

Literatura:ensaios sobre geograficidade, poética e imaginação. Londrina: EDUEL,<br />

2010.<br />

MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria<br />

Alice Sampaio Dória. - Ed. revista e modificada pelo autor – 8ª ed. - Rio de Janeiro:<br />

Bertrand Brasil, 2005.<br />

Sites:<br />

http://www.pgcult.ufma.br/<br />

https://tedebc.ufma.br/jspui/<br />

https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/<br />

1262


LUGAR SERTÃO SE DIVULGA: o sertão maranhense em jornais sertanejos na<br />

Primeira República (1900-1920).<br />

PLACE INTERIOR IS DISCLOSED: the interior and of the Maranhão in country<br />

news papers in the First Republic (1900-1920).<br />

Mayjara Rêgo Costa Garcia Oliveira<br />

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em História Social<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: O presente estudo visa compreender as representações do sertão e dos<br />

sertanejos maranhenses contidas nos jornais de algumas cidades sertanejas. Identifica a<br />

maneira como os sertanejos percebem essa realidade social. O recorte temporal<br />

escolhido foi os anos de 1900 a 1920, período que corresponde a República Velha, além<br />

de <strong>ate</strong>nder aos anos de publicação dos periódicos utilizados neste trabalho. Nestes<br />

jornais, observam-se discursos permeados por expressões de abandono, esquecimento,<br />

isolamento, desconhecimento, referência às formas como o sertão maranhense é<br />

representado pelos sertanejos.<br />

Palavras-chave: Representação. Identidade. Sertão. Sertanejo.<br />

ABSTRACT: The objective of this paper is understand the representations of the<br />

interior and of the countrymen from Maranhão contained in the newspapers of some<br />

country cities. Identify the way as the countrymen perceive this social reality. The<br />

chosen temporary cutting was the years from 1900 to 1920, period that corresponds the<br />

Old Republic, besides assisting the publication of the newspapers used in this work. In<br />

these newspapers, observing by speeches perme<strong>ate</strong>d by expressions of abandonment,<br />

1263


forget fulness, isolation, ignorance, reference of the way as the interior from Maranhão<br />

is represented for the countrymen.<br />

Keywords: Representation. Identity. Interior. Countrymen.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

“Lugar sertão se divulga [...]. O sertão é<br />

onde o pensamento da gente se forma<br />

mais forte do que o poder do lugar<br />

[...].”<br />

Guimarães Rosa, no trecho citado da obra Grande Sertão (ROSA, 2001, p.<br />

24),referiu-se a um espaço construído por limites imprecisos em termos cartográficos.<br />

Ao apreendermos o sentido da expressão do autor, a trilha oferecida leva-nos a<br />

compreensão das veredas simbólicas de um sertão enquanto um espaço múltiplo em<br />

significações, que se divulgou em páginas de alguns jornais escritos por sertanejos que<br />

se dispuseram em tracejar um “lugar sertão”.<br />

Constitui finalidade desse estudo a compreensão de um sertão que se<br />

divulga, ao percorrermos as representações do sertão e dos sertanejos maranhenses<br />

presentes nas veredas inscritas pelos jornais de algumas cidades sertanejas, nos anos de<br />

1900 a 1920, período que corresponde a República Velha. Mais precisamente, nos<br />

jornais O Lábaro (1900), Correio do Sertão (1903-1905), Jornal do Commercio (1908-<br />

1911), Gazeta de Picos (1905-1913), O Tocantins (1914-1920) e O Sertão (1921). 140<br />

Propomos reflexões a respeito das noções de representação, região e<br />

identidade, com o objetivo de compreender os processos de construção de sentidos em<br />

140 Os três primeiros foram publicados em Caxias, os demais, respectivamente, em Picos (atual cidade de<br />

Colinas), Carolina e São Luís. Na transcrição dos seus textos, optamos por respeitar a grafia da época.<br />

1264


torno dessas c<strong>ate</strong>gorias. Desta forma, <strong>ate</strong>nta-se para as diversas formas de interpretar<br />

uma realidade social, buscando explicitar a sua invenção e construção histórica.<br />

Recorremos ao conceito de representação proposto por Roger Chartier, para<br />

o entendimento das imagens sobre o sertão maranhense criadas pelos discursos contidos<br />

nesses periódicos. Michel Foucault e Michel de Certeau embasam as discussões em<br />

torno das noções sobre região, por meio das diversas maneiras de interpretar as ações<br />

demarcatórias dos espaços. No que diz respeito às noções de identidade, citamos os<br />

pressupostos teóricos de Manuel Castells, Stuart Hall e Pierre Bourdieu com vistas a<br />

compreender os discursos que significam representações de pertencimento,<br />

reconhecimento e legitimação de uma diferença.<br />

Entre os últimos anos do século XIX e início do século XX, a circulação de<br />

jornais no sertão maranhense foi significativa por quase toda a região, com matérias e<br />

notícias relativas aos homens e fatos relativos ao sertão(CABRAL, 1992, p.203). Nas<br />

seções dos jornais pesquisados, raras foram as informações sobre seus proprietários,<br />

apenas algumas menções sobre alguns deles.<br />

Nascidos em cidades sertanejas, Rodrigo Otávio Teixeira (Correio do<br />

Sertão), Candido Pereira de Souza Bispo e Isaac Gomes Ferreira (O Sertão) exerceram<br />

cargos de juiz municipal, promotor e advogado, respectivamente. Souza Bispo foi<br />

também membro da Academia Maranhense de Letras e do Instituto Histórico e<br />

Geográfico do Maranhão. José Queiroz e Elpídio Pereira (O Tocantins) foram descritos<br />

como “moços de talento, ilustração e virtudes cívicas” (CARVALHO, 2002, p.146).<br />

Alguns desses jornais afirmam ter a tarefa de defesa do sertão. É o que se<br />

observa no Correio do Sertão:<br />

O seu nome já exprime um de seus fins principaes: trabalhar em prol da zona<br />

sertaneja fazendo repercutir ao longe não só os echos de satisfação como<br />

tambem os gemidos de angustia daquelles nossos irmãos que, infelizmente,<br />

quase vivem no esquecimento e abandono, apezar de terem em seu favor os<br />

dotes naturaes d’aquella vastíssima região, fellicimo terreno em cuja<br />

superfície tudo são fructos, em cujo centro tudo são thesouros, em cujas<br />

montanhas e costas tudo são aroma [...] 141<br />

141 Correio do Sertão. Caxias, 21 abr.1903, p.1.<br />

1265


Ao analisar o campo cultural na República Velha, Nicolau Sevcenko<br />

identifica que esse período foi composto por intelectuais que acreditavam estar<br />

imbuídos de uma responsabilidade frente a sua sociedade (SEVCENKO, 2003. p.257).<br />

Esse “caráter missionário” expressava-se em suas contribuições enquanto ensaístas,<br />

literatos, cientistas, jornalistas, entre outras atividades, intelectuais que interferiam na<br />

realidade, ao exercerem a mediação entre sociedade e o Estado.<br />

O autor afirma ainda que o reconhecimento de terem uma “missão”, por<br />

parte desses intelectuais, devia-se a desilusão que sofreram no início do período<br />

republicano, marcada por especulações, crises, conflitos políticos, acontecimentos<br />

apontados como traição à ordem e ao progresso. Provavelmente, isso auxilia a<br />

compreender o porquê de manifestações como esta, publicada em O Lábaro:<br />

O Nosso estado é triste e contristador; quando se proclamou a República<br />

chamava-se o grande dia 15 de Novembro, dia glorioso em que viria a<br />

igualdade do povo Brazileiro. A’ pátria, esta pátria hoje republicana em vez<br />

de trazer os melhoramentos que se esperavam nos trouxe a desgraça e a<br />

infelicidade 142 .<br />

O sertão maranhense apresentou-se com um campo propício para<br />

germinação dos ideais republicanos, esses que correspondiam às motivações dos líderes<br />

políticos sertanejos por autonomia orçamentária e independência em relação à província<br />

do Maranhão. Contudo, com a Proclamação da República, esses anseios por autonomia<br />

política e econômica não foram alcançados, observando-se medidas visando intensificar<br />

o controle da região por parte do governo estadual (FERREIRA, 2005, p.343).<br />

Nos jornais analisados para compor o referido estudo, observam-se<br />

discursos permeados por expressões de abandono, esquecimento, isolamento,<br />

desconhecimento, referências às formas como o sertão maranhense é representado pelos<br />

sertanejos. Procura-se identificar a maneira como os sertanejos percebem essa realidade<br />

social, por meio dos discursos contidos nesses periódicos.<br />

142 O Lábaro. Caxias, 18 jan.1900, p.4.<br />

1266


2. OS TRAÇADOS DE UM SERTÃO: representação, identidade e região<br />

Refletir sobre as noções de representação, identidade e região aponta para a<br />

compreensão do processo de construção de sentidos no que diz respeito às imagens<br />

concebidas sobre sertão e sertanejos maranhenses. Propõe-se explicitar o caráter<br />

inventivo, por intermédio das diversas formas de interpretar uma realidade social e as<br />

representações de pertencimento.<br />

Como espaço construído por práticas que lhe atribuem sentidos, pensa-se o<br />

sertão maranhensetendo em vista os discursos que possibilitam a análise de suas<br />

representações. Como propôs Roger Chartier, o estudo de uma sociedade por meio das<br />

representações apreende os “esquemas intelectuais que criam as figuras graças às quais<br />

o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado”<br />

(CHARTIER, 1990, p.17).<br />

Dito isso, o conceito de representação permite identificar as imagens<br />

construídas em torno deste espaço, observadas nas práticas envolvidas na construção de<br />

sentidos, resultado das apropriações feitas pelos atores, que permitiram uma diversidade<br />

de interpretações. Ao representar um espaço, os atores sociais utilizam-se de traçados<br />

que apontam formas diversas de interpretar as ações demarcatórias dos espaços que na<br />

tentativa de naturalizá-lo, explicitam sua invenção, sua construção histórica.<br />

Ao questionar uma concepção de região como um espaço fixo, imóvel e<br />

naturalizado, Michel Foucault menciona os sentidos de um espaço comandado, em<br />

alusão às formas de dominação que inscrevem numa área discursos de relações de poder<br />

(FOUCAULT, 2007, p. 157). Dessa forma, o autor tece críticas ao que denomina de<br />

“desqualificação do espaço”, ao identificar as disputas de poder envolvidas na sua<br />

constituição, cujos efeitos são observáveis nas práticas discursivas que descrevem os<br />

espaços.<br />

No mesmo sentido vêm as reflexões de Michel de Certeau, para quem um<br />

espaço é algo criado por meio de interações autorizadas pela descrição, que o fundam e<br />

criam ao demarcar suas fronteiras, por táticas empreendidas pelos relatos, isto é, as<br />

1267


operações sobre lugares (CERTEAU, 1994, p.202). Essas operações envolvem<br />

fabricação, táticas que insinuam a mobilidade do gesto de fixar um recorte espacial, ao<br />

conceituar espaço como “lugar praticado” através de atos culturalmente criadores.<br />

Outro conceito bastante útil é noção de identidade com vistas a compreender<br />

os discursos que significam “o reconhecimento de um modo de estar no mundo”.<br />

Manuel Castells define-a como a fonte de significados e experiências de um povo, com<br />

base num atributo cultural ou na inter-relação entre vários atributos culturais, os quais<br />

prevalecem sobre outras fontes de significados. (CASTELLS, 2006. p.22)<br />

Segundo o autor, a construção de identidades vale-se da matéria-prima<br />

fornecida pela história, instituições políticas, memória coletiva e outros que apropriados<br />

pelos grupos sociais, promove uma recomposição de seus sentidos segundo as<br />

perspectivas de um tempo e espaço. Desta forma, a construção de uma identidade<br />

sempre ocorre num contexto marcado por relações de poder, obedecendo a um processo<br />

que é dinâmico, ao contrariar ideia de “essência”.<br />

Assim como Castells, Stuart Hall contraria a ideia de identidade vista como<br />

“essência”, uma coisa, algo centrado, unificado, presente em nós quando nascemos.<br />

Segundo o autor, a identidade é uma representação do sistema cultural que o sujeito<br />

encontra-se envolvido, definida historicamente, pois o sujeito assume identidades<br />

diferentes em diferentes momentos, conforme o modo como ele é interpelado ou<br />

representado (HALL, 2005, p. 13).<br />

A construção de uma identidade cultural enquanto representação de<br />

pertencimento envolve relações de poder, bem como disputas pelo reconhecimento e<br />

legitimação de uma diferença. Em consonância com Pierre Bourdieu, essas disputas<br />

visam “o monopólio de fazer crer e ver das características que se dirigem a origem do<br />

lugar, ao impor uma definição legítima das divisões do mundo social” (BOURDIEU,<br />

2007, p.113).<br />

Compreender o sertão maranhense por meio das representações criadas por<br />

atores sociais abarca as leituras que exibem uma concepção de mundo social. Seus<br />

1268


traçados resultam de construções simbólicas, expressas nos discursos que possibilitam a<br />

análise de suas representações enquanto região e do reconhecimento de uma identidade.<br />

3. LUGAR SERTÃO SE DIVULGA: o sertão maranhense em jornais sertanejos<br />

(1900-1920)<br />

As denúncias sobre o estado de abandono do sertão maranhensematizam as<br />

representações acerca da região, abandono traduzido pela ausência de autoridades<br />

judiciais e policiais, falta de escolas, saneamento, estradas e telégrafos que<br />

inviabilizariam seu desenvolvimento, segundo os jornais pesquisados. Através desses<br />

periódicos, os sertanejos se expressam em defesa da região, representada por eles como<br />

fecunda, rica e vasta, onde habita uma gente forte, trabalhadora e patriótica.<br />

É o caso do jornal O Lábaro, ao responsabilizar o governo pelos atos de<br />

violência que ocorrem na região:<br />

[...]a nossa florescente cidade de Caxias acha-se n’um deplorável e<br />

tristissimo estado entregue ao desmando de homens como o senador<br />

Benedicto Leite que só tem por fim sobrecarregar o povo com impostos<br />

enormes e provocar desordens e tantas guerrilhas em diversas partes do nosso<br />

Estado com bem no Grajaú, Riachão, Imperatriz, Carolina e outros lugares do<br />

nosso sertão que se acha em estado deplorável; o senador é o único<br />

responsável por estas mortandades, queimas de casas, e as muitas violações,<br />

os saques, e tudo mais que tem havido no interior do nosso estado, que por<br />

amor da sua política desenfreada, tudo se tem feito por mandado de agentes,<br />

tudo com o seu assentimento 143 .<br />

A “política desenfreada” citada no artigo é qualificada pela cobrança de<br />

impostos e pelos diversos conflitos em algumas localidades sertanejas. A<br />

responsabilidade é atribuída a Benedito Leite, líder político da época que agiria “por<br />

mandado de seus agentes” e, de acordo com o periódico, intervinha na região apenas<br />

para oprimi-la através de medidas de controle do governo sobre o sertão.<br />

143 Tribuna do povo. O Lábaro, Caxias, 18 jan.1900, p.3<br />

1269


à ação governamental:<br />

Um artigo publicado no Correio do Sertão aponta também queixas relativas<br />

“A suprema garantia da ordem publica, o mais solido e firme esteio dos<br />

direitos e liberdades do cidadão repoisam sobre a boa administração da<br />

justiça. Onde quer que falte essa condição primordial, não pode existir<br />

garantia de espécie alguma: a vida, a liberdade, a propriedade, a honra, e o<br />

domicilio do cidadão, tudo em fim que há de mais sagrado, não encontra a<br />

necessária proteção, precioso balsamo que aplacando as dores agudas,<br />

neutraliza a acção m<strong>ate</strong>rial das vindictas pessoaes, o exercício de Talião dos<br />

tempos idos. Sob tão afflitiva e intolerável situação é que se acha o nosso<br />

sertão, que se ainda não está anachisado, é devida somente a índole pacífica<br />

de seus habitantes, pois, que motivos para que cada um appelle para si<br />

mesmo para se desagravar de temerosas injustiças, os há de sobra. Os<br />

lamentáveis sucessos originaram-se de negócios de justiça, pela má<br />

applicação de seus princípios, caprichosa e intencionalmente deturpados, para<br />

se agitarem aos interesses de uma politicagem nefanda e corrupta, que nada<br />

respeita e a nada commove 144 .<br />

Os conflitos e o “estado de anarquia” de algumas localidades do sertão<br />

maranhense decorreriam de questões políticas e da má administração judiciária. Como<br />

vimos na citação anterior, o periódico justifica o “estado de anarquia” com argumentos<br />

relacionados às deficiências na administração judiciária, considerada por “deturpada”<br />

por <strong>ate</strong>nder somente “aos interesses de uma politicagem nefanda e corrupta”.<br />

jornal Gazeta de Picos:<br />

A representação de um sertão “anarquizado” figura também nas páginas do<br />

“[...] De há muito o crime campeia de collo erguido e impavido nesta infeliz<br />

comarca e a justiça jaz immobilizada num profundo lethargo donde quando é<br />

apenas para falsear a lei e violar os são princípios de direito. O cidadão não<br />

conta com a menor garantia e, attendendo ao estado anarchico ou semibarbaro<br />

em que, infelizmente nos encontramos até sua existência se sente<br />

constantemente ameaçada 145 .<br />

A alusão era aos constantes assassinatos, atos novamente imputados às<br />

deficiências na esfera judicial, “immobilizada e corrupta”, por “falsear a lei e violar os<br />

são princípios do direito”.<br />

144 A Justiça no Sertão. Correio do Sertão. Caxias, 10 jun. 1903, p.1<br />

145 Secção Livre. Gazeta de Picos. Picos, 1 set. 1912<br />

1270


Os periódicos responsabilizam a deficiência da ação da Justiça pelos atos de<br />

violência praticados no sertão por agentes do governo, tornando-se motivos suficientes<br />

para que “cada um appelle para si mesmo para se desagravar de temerosas injustiças”. O<br />

quadro descrito acima se refere, possivelmente, aos conflitos corridos no sertão<br />

maranhense nos anos iniciais do regime republicano, em sua maioria, originados de<br />

confrontos políticos que ocorreram na região, conforme consta em mensagem do<br />

governador João Gualberto Torreão da Costa em 1899:<br />

O Estado não tem gosado em alguns pontos do sertão da tranqüilidade que<br />

era para desejar. As comarcas de Grajahú e Alto-Itapecuru foram theatro de<br />

scenas lamentáveis que exigiram da parte do governo providencias energicas<br />

no sentido de conseguir o restabelecimento da ordem publica e punição dos<br />

culpados. (...) Chegavam também ao meu conhecimento notícias de que em<br />

outros pontos do alto sertão, Imperatriz e Carolina, suspeitava-se de<br />

perturbação na ordem publica sendo esperadas alli a cada momento<br />

manifestações hostis, como repercussão dos acontecimentos de Grajahú. As<br />

communicações que, a esse respeito, me foram passadas pelo Dr. Procurador<br />

do Estado e pelo commandante das forças do sertão davam como possível o<br />

movimento revolucionário em toda aquella parte do Estado auxiliado por<br />

políticoz influentes da comarca de Boa-Vista, do Estado de Goyaz. Reforcei,<br />

então os destacamentos do sertão e foi seguir para Grajahú o Dr. Chefe de<br />

Polícia 146 .<br />

Um ano depois, Torreão da Costa pronunciou-se novamente sobre a ordem<br />

pública no sertão, ao justificar a organização de um contingente militar e a criação de<br />

uma companhia patriótica para Grajaú e Barra do Corda. Sobre isso, Flávio Reis<br />

informa que o contingente da Polícia Militar foi ampliado temporariamente algumas<br />

vezes durante a República Velha, em ocasiões especiais, como nos anos de 1899 a 1902,<br />

quando cerca de 200 homens foram enviados ao sertão para comb<strong>ate</strong>r o chefe local Leão<br />

Leda, antigo partidário dos liberais que tinha se colocado contra a nova situação política<br />

(REIS, 2007, p.150)<br />

As famílias Leda e Moreira, que tinham grande influência nas localidades<br />

sertanejas, disputavam a liderança política da região com Jeferson Nunes, que era<br />

apoiado por Benedito Leite. Visando por fim ao poder desses chefes políticos locais,<br />

146 MARANHÃO. Governo do Estado. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do<br />

Maranhão em 15 de Fevereiro de 1899 pelo excelentíssimo senhor doutor João Gualberto Torreão<br />

da Costa. São Luís: Imprensa Oficial, 1899-1890.<br />

1271


foram enviados destacamentos e autoridades policiais cuja intervenção objetivava<br />

neutralizar a força das lideranças locais contrárias ao governo e entregar o controle da<br />

região aos chefes locais apoiados pelo situacionismo político.<br />

As denúncias dos jornais sertanejos auxiliam na compreensão das tensões e<br />

disputas pelo domínio da região do sul do Maranhão pelo situacionismopolítico do<br />

estado no início da República Velha e indicam como se davam as relações entre o poder<br />

regional e o local na consolidação do regime republicano.<br />

As insatisfações dos sertanejos não se restringiam apenas a violência<br />

presenciada no sertão maranhense, apontada como conseqüência dos conflitos políticos<br />

e das intervenções do governo, ao impor medidas de controle sobre a região. Nos<br />

jornais sertanejos, observamos também um sentimento de abandono e esquecimento,<br />

desconhecimento e isolamento em que estava o sertão.<br />

O Correio do Sertão exemplifica essa condição de abandono, ao comentar a<br />

situação de uma comarca:<br />

A longínqua comarca da Victoria do Alto Parnaíba 147 parece que não pertence<br />

mais ao nosso Estado, tal o abandono em que vive dos poderes públicos. [...]<br />

tivemos as minuciosas informações sobre o estado de desorganização a que<br />

tem chegado os públicos negócios daquella comarca onde não mais chegarão<br />

as vistas do governo. [...] É uma das maiores comarcas do Estado, hoje,<br />

porém, pela circunstancia em que vive, inteiramente esquecida dos poderes<br />

publicos; [...] o governo nenhuma importância liga a ella, de modo que<br />

poucos são os maranhenses que sabem que ella nos pertence! É apenas um<br />

importante collegioelleitoral e nada mais. [...] O governo, porêm, do nosso<br />

Estado não se incomoda com as necessidades dos seus administrados: a<br />

preocupação em que vivem aquelles que estão a frente dos seus destinos, para<br />

se manterem nas posições políticas não lhes dá tempo para curarem do que é<br />

preciso. Nas mesmas condições da Victória estão quase todas as comarcas do<br />

Sertão, isso é um facto que ninguém contesta 148 .<br />

Ao enfocar o abandono da então comarca sertaneja, o referido jornal refere<br />

às o esquecimento por parte do governo, esse que se ocuparia apenas com as disputas<br />

políticas. Outro artigo desse mesmo jornal relaciona o “estado de abandono” às<br />

147 Atualmente, município de Alto Parnaíba.<br />

148 Uma comarca esquecida. Correio do Sertão. Caxias, 1 nov. 1903.<br />

1272


condições dos meios de comunicação entre a região e outros lugares, reivindicação mais<br />

presente nos jornais analisados.<br />

O Alto-Sertão [...] cançado porventura de exorar dos poderes publicos os<br />

melhoramentos a que tem jus, com parte integra do Estado e como centro de<br />

riquezas. Não existem estradas que liguem aquelles povos com a Capital; não<br />

há barcos que façam as permutas do comercio por essas vias naturaes; [...] as<br />

mãos humanas – particulares ou oficiaes – deslembram-se de incentivar o<br />

desarolodaquella zona, que sob outras vias realisaria o plano duma vasta<br />

coudelaria e duma vastissima ganadeira. Tudo é ignorado quanto às<br />

condições dos sertões maranhenses 149 [...]<br />

A melhoria das comunicações, segundo os periódicos, possibilitaria o<br />

desenvolvimento da região, principalmente das atividades econômicas de criação de<br />

gado e cavalar. Alguns <strong>artigos</strong> do Correio do Sertão enfatizavam a necessidade de<br />

investimentos em meios de comunicação para dinamizar a economia e tornar mais<br />

“civilizados” os habitantes.<br />

“O nosso Estado aprezenta atualmente um atraso profundo, e a causa<br />

certamente desse desfalecimento econômico, é a pobreza de meio de<br />

communicação, porque é uma verdade que quanto mais um povo estender a<br />

esphera de suas relações, tanto mais se achará elle em condições de provocar<br />

e satisfazer as necessidades que estimulam sua produção; sua indústria se<br />

desenvolverá, seu commercio tornar-se-á mais activo e seus costumes mais<br />

civilisados”.<br />

A construção de uma estrada de ferro rumo ao sertão maranhense e que<br />

servisse, sobretudo às áreas próximas ao rio Tocantins, foi uma reivindicação justificada<br />

pela necessidade de promover o desenvolvimento político, econômico, social e cultural<br />

da região. Todavia, diferentemente do que almejavam esses sertanejos, o traçado<br />

escolhido pelo governo para construção de uma estrada de ferro contemplou as<br />

proximidades do rio Itapecuru, ligando a capital à cidade de Caxias, a via mais utilizada<br />

para a primeira etapa do acesso ao sertão.<br />

149 As questões commerciais: A seca. Correio do Sertão. Caxias, 1 out. 1903.<br />

1273


Decisão recebida com desagrado na região sertaneja, pois esperava-se que a<br />

construção de uma via férrea atingisse as proximidades do rio Tocantins, região que<br />

consideravam estratégica para o crescimento econômico do sertão maranhense,<br />

Da estrada de penetração à margem do Tocantins e chamada redentora deste<br />

Estado, ninguém hoje mais fala. [...]. E assim o sertão que um instante<br />

sonhou com o seu desenvolvimento, cuidando arredar em curto prazo o<br />

marasmo que o fisga e consome, para logo teve o fero dezengano [...]. E’<br />

pois, imperioza necessidade que os dirigentes do Paiz deixem siquer um<br />

momento libar suas vistas sobre estas obras que dizem respeito aos ricos<br />

sertões do norte. O punhado de ouzados que os desbrava, em relação ao<br />

muito que comportam contribue para os cofres públicos – federaes e<br />

estaduaes [...]. Não se roga uma esmola, nem tão pouco favor. Pede-se a<br />

consumação de um direito, uma coisa que nos deveria ser dada sem ser<br />

pedida. Basta de desprezo! Basta de abandono! 150<br />

Destarte, nas mensagens de alguns governadores há intenções em<br />

incrementar as vias de comunicação para o sertão como uma forma de intensificar a<br />

presença do Estado naquela região, pela melhoria dos meios de transportes, instalação<br />

de linhas telegráficas, limpeza dos rios ou construção da estrada de ferro São Luis-<br />

Caxias. Na mensagem do governador Herculano Parga, de 1915, a melhoria da<br />

navegação figura como proposta de governo para viabilizar os contatos com a zona<br />

sertaneja, ao comunicar o propósito de observar a navegabilidade do rio Itapecuru nos<br />

trechos entre Caxias e Picos, bem como promover a desobstrução do referido rio 151 .<br />

Como o assoreamento dos rios era progressivo e a navegação fluvial não<br />

resolvia o problema de comunicação, retornou o deb<strong>ate</strong> sobre a construção de uma<br />

estrada de ferro para ligar a “Chanaan maranhense 152 ”, como um articulista referiu-se<br />

ao sertão maranhense. Sobre a questão das ferrovias do Maranhão na Primeira<br />

República, a estrada de ferro São Luís a Caxias não resolveu o problema do acesso ao<br />

sertão por causa das “difíceis condições de conservação das rodovias e da<br />

temporariedade da navegação em trechos dos rios daquela região” (LOPES, 1970.<br />

p.168).<br />

150 Sertões esquecidos. O Tocantins, Carolina, 1 mar. 1916, p.2.<br />

151 Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Maranhão em 5 de fevereiro de 1915 pelo<br />

excelentíssimo senhor doutor Herculano Parga. São Luís: Imprensa Oficial, 1915. p.11.<br />

152 Estrada de ferro. Jornal do Commercio, Caxias, 7 mar.1909<br />

1274


Intenções como essas visaram o controle político e administrativo dos<br />

governos sobre o sertão, em projetos que traduziam o esforço pela integração dessa<br />

região às demais localidades do território maranhense, intensificado nos anos iniciais do<br />

período republicano. Tais tentativas fizeram aflorar tensões que estiveram presentes nos<br />

discursos analisados, em que os sertanejos representaram a realidade social em estavam<br />

inseridos utilizando a imagem do abandono (CABRAL, 1992. p.190).<br />

Se o “estado de abandono” constituía-se um elemento da representação da<br />

realidade social dos sertanejos, esses construíram outros elementos identitários como<br />

forma de reagir a tal situação, elementos que valorizam a terra e seus habitantes<br />

A vida, ali, no êrmo do sertão ínvio, dezerto, longiquo, nasce per si como<br />

desabrocham as flores no silvedo; irrompe d’aquelle todo rude, em<br />

perspectiva de porvir brilhante, como das anfractuosidades das rochas,<br />

burbulham as fontes. A natureza portentosa e rica, dessa riquesaincultivada e<br />

immóta das nossas terras interiores, arrima-se o homem diamante bruto,<br />

inlapidado, barbarisado quase, tal é o estado de abandono em que vive<br />

arredio, solitário, remoto. É que lhe falta tudo: - intercambio social; luz que<br />

lhe aclare o espírito; transporte, se não modernos ao menos medianos, para os<br />

seus produtos que se deterioram nos celeiros. Pobre terra calumniada! Rica e<br />

pobre, prendada e infeliz ao mesmo tempo. Porque lhe não querem ver as<br />

preciosidades que guarda em seu seio immaculado de virgem adormecida.<br />

Deparamo-nos com um sentido ambíguo na representação do sertão<br />

maranhense: é um lugar “ínvio, dezerto, longiquo”, uma terra “pobre e calumniada”,<br />

mas também uma terra rica, possuidora de uma “natureza portentosa”, “rica e pobre”,<br />

“prendada e infeliz”. Nos trechos citados, o sertanejo é descrito como uma pessoa de<br />

caráter rude, comparado a “um diamante bruto, inlapidado, barbarisado”, aspecto rude<br />

justificado pelo isolamento em que ele se encontra, devido à falta de “intercambio<br />

social”, responsável por sua existência “arredia, solitária, remota”.<br />

No entanto, nesse sertão representado como uma terra abandonada,<br />

esquecida e isolada, mesmo possuidora de riquezas, fertilidade e beleza, que emerge a<br />

figura de um sertanejo forte, que tenta comb<strong>ate</strong>r a situação de abandono em que vive.<br />

No jornal O Sertão, há esta representação do sertanejo como um herói capaz de vencer<br />

todas as dificuldades que lhe são impostas:<br />

1275


O sertanejo é um heroe. Afeito às lides da vida rústica do sertão ignaro,<br />

acossado pelas circunstancias do meio, ignorando o que se passa nos centros<br />

adiantados, victima da opressão dos governos irresponsaveis e criminosos<br />

que o fazem vergar ao peso de onerosos impostos, ao ophidismo de uma<br />

politicalha sem escrupulhos, o filho do interior, deserdado, porêm, decidido,<br />

afronta todos os obstáculos, comb<strong>ate</strong> e vence per si mesmo. O mais o faria se<br />

não fora esse descaso em que se deb<strong>ate</strong>, sem os favores officiaes (...). Se<br />

alguma coisa útil consegue adquirir, deve-se ao seu próprio esforço.<br />

Considerações semelhantes sobre sertanejo maranhense são apresentadas<br />

nas memórias de Dunshee de Abranches. Ao viver na região, o autor fez-se defensor de<br />

sua gente:<br />

O que existia recalcado naqueles ínvios recôncavos era o amor exagerado à<br />

liberdade, o fanatismo cego pela terra natal. Filhos e netos de patriotas que se<br />

b<strong>ate</strong>ram pela Independência do Brasil e ali se refugiaram perseguidos a ferro<br />

e fogo pelos governos imperiais que, no afã de manter a ordem, preferiram<br />

esmagar o espírito liberal da nossa nascente nacionalidade [...].<br />

Com essa representação, Abranches objetivava contrastar outra que,<br />

segundo ele, era a que se fazia em São Luís sobre o sertanejo: “gente bárbara, feroz,<br />

sanguinária, no conceito e no preconceito dos homens que eram ou se diziam de<br />

Estado”, advinda do desconhecimento, “da triste ignorância” sobre as reais condições da<br />

região. Ao mesmo tempo, registrou a percepção que um sertanejo tinha de sua terra e<br />

sua gente:<br />

[...] os nossos próprios conterrâneos e, com eles, as figuras mais em<br />

evidencia dos círculos políticos e sociais do Maranhão nos desconhecem.<br />

Para eles, os que vivem nestas esquecidas paragens não são criaturas<br />

humanas [...] ignoram inteiramente as nossas origens e tradições [...] o que<br />

nós chamamos com justo orgulho patriótico, a alma nobre dos sertões é<br />

constituído por uma raça de homens de honra e de espírito forte, decidido e<br />

libertado de preconceitos vis, a lutarem incessantemente contra o despotismo<br />

e a opressão.<br />

À vista disso, nos discursos publicados em seus jornais,os sertanejos<br />

afirmaram uma identidade construída pela importância que concedem às suas origens<br />

históricas, tradições e costumes. Eles percebem o sertão e o sertanejo como tipos<br />

específicos: a terra é vasta, rica, fecunda e habitada por gente forte, trabalhadora, leal,<br />

que ama sua terra, desconhecida e abandonada pelo governo.<br />

1276


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Por meio das representações do sertão maranhense, foi possível a<br />

compreensão dasmaneiras como este espaço foi construídopelos discursos de jornalistas<br />

sertanejos que explicitaram a percepção que esses tinham da realidade social da qual<br />

participavam. Necessário também foi refletir o conceito de regiãomediante sua<br />

historicidade, seu caráter inventivo, advindo de práticas sociais que asseguraram sua<br />

delimitação enquanto um espaço inscrito por relações de poder.<br />

Acerca da concepção de identidade enquanto “essência”, as abordagens<br />

mencionadas permitiram questionar tal definição, apresentando-a como uma construção<br />

social. Essas perspectivasidentificam a importância dada pelos atores sociais às origens<br />

históricas, tradições e costumes, dentre outros atributos que legitimam uma maneira de<br />

reconhecer-se no mundo.<br />

Esse sertão figurou nas páginas dos jornais escritos por sertanejos, com<br />

denúncias sobre um estado de abandono representado na falta de meios de<br />

comunicação, estradas, telégrafos e escolas e na insatisfação com a política do governo<br />

do estado à época, a quem acusavam de querer apenas subjugá-los, oprimi-los e<br />

explorá-los. Seus escritos refletiam também o choque entre os interesses locais e<br />

regionais de um Maranhão percebido pelos sertanejos como dois: um no litoral, outro<br />

no sertão, situação conflituosa ainda presente nos dias atuais.<br />

REFERÊNCIAS<br />

Jornais<br />

O Lábaro. Caxias (1899-1900)<br />

Correio do Sertão. Caxias (1903-1904)<br />

Jornal do Commercio. Caxias (1908-1911)<br />

Gazeta de Picos. Picos (1905-1913)<br />

O Tocantins. Carolina (1914-1921)<br />

1277


O Sertão. São Luís (1921)<br />

Livros e Documentação Oficial<br />

ABRANCHES, Dunshee de. A Esfinge do Grajaú. São Luís: ALUMAR, 1993.<br />

BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.<br />

CABRAL, Maria do Socorro Coelho. Caminhos do Gado: conquista e ocupação do sul<br />

do Maranhão. São Luís: SIOGE, 1992.<br />

CHARTIER, Roger. Historia Cultural: entre práticas e representações. Rio de Janeiro:<br />

Difel, 1990.<br />

CARVALHO, Carlota. O Sertão: subsídios para a história e geografia do Brasil.<br />

Imperatriz: Ética, 2002.<br />

CASTELLS, Manuel.O poder da identidade. São Paulo: Paz e Terra, 2006.<br />

CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: Artes do fazer. Petrópolis: Vozes,<br />

1994.<br />

COUTINHO, Mílson. Caxias das Aldeias Altas: subsídios para a sua história. São<br />

Luís: Caxias: Prefeitura de Caxias, 2005.<br />

COELHO, Mauro Cezar (org.); Meandros da História: trabalho e poder no Grão-Pará<br />

e Maranhão, séculos XV<strong>II</strong>I e XIX. Belém: UNAMAZ: Associação de Universidades<br />

Amazônicas, 2005.<br />

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Editora Graal, 2007.<br />

HALL, Stuart.A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Editora<br />

DP&A, 2005.<br />

LOPES, Raimundo. Uma região tropical. Rio de Janeiro: Fon-Fon e Seleta, 1970.<br />

MARANHÃO. Governo do Estado. Mensagem apresentada ao Congresso<br />

Legislativo do Maranhão em 15 de fevereiro de 1899 pelo excelentíssimo senhor<br />

doutor João Gualberto Torreão da Costa governador do Estado. São Luís:<br />

Imprensa Oficial, 1899.<br />

1278


__________. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Maranhão em 15<br />

de fevereiro de 1900 pelo excelentíssimo senhor doutor João Gualberto Torreão da<br />

Costa governador do Estado. São Luís: Imprensa Oficial, 1900.<br />

___________. Mensagem apresentada ao Congresso Legislativo do Maranhão em 5<br />

de fevereiro de 1915 pelo excelentíssimo senhor doutor Herculano Parga. São Luís:<br />

Imprensa Oficial, 1915.<br />

MARTINS, Manoel de Jesus Barros. Operários da saudade: os novos <strong>ate</strong>nienses e a<br />

invenção do Maranhão. São Luís: Edufma, 2006.<br />

REIS, Flávio. Grupos Políticos e Estrutura Oligárquica no Maranhão. São Luís:<br />

[s.n], 2007<br />

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: veredas. Rio de Janeiro: Editora Nova<br />

Fronteira, 2001.<br />

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na<br />

Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.<br />

1279


MECANISMOS IDEOLÓGICOS NAS SÁTIRAS LATINAS DO PERÍODO<br />

IMPERIAL ROMANO:um estudo sobre o feminino<br />

IDEOLOGICAL MECHANISMS IN THE LATIN SATIRE OF THE ROMAN<br />

IMPERIAL PERIOD: a study about the feminine<br />

Alexandro Almeida Lima Araujo 153<br />

Mestrando PPGHIS-UFMA-Mnemosyne<br />

Eixo 2 - Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: O presente artigo pretende abordar as ideologias que podem ser encontradas<br />

nos usos das palavras escritas por poetas do período imperial romano dos séculos I e <strong>II</strong><br />

d. C. em suas sátiras. Será através das literaturas latinas, obras dos poetas Marcial, em<br />

Epigramas, e Petrônio, em Satiricon, que poderemos perceber o contexto social em que<br />

as mulheres da elite romana estavam circundadas. As utilizações das palavras, oriundas<br />

por um público masculino – os poetas aristocráticos –, seguindo uma perspectiva de M.<br />

Bakhtin, abrangem práticas ideológicas para difundir certos ditames sociais à mulher<br />

romana da elite. Ditames aceitáveis, como, por exemplo, a fidelidade para com o<br />

esposo, sendo, portanto, a mulher apontada como honrada. Contudo, caso as mulheres<br />

romanas casadas da elite, também chamadas de matronas, não seguissem as regras<br />

postuladas por este público aristocrático e masculino, como, por exemplo, o<br />

acometimento de adultério(s), as mesmas seriam julgadas através de palavras como<br />

infame, ou seja, uma mulher considerada como desonrada. Essa será uma tentativa de<br />

manter, através das palavras, um controle sobre o agir deste grupo feminino. No<br />

entanto, poderemos pensar que essas práticas de buscar relações fora do lar e a não<br />

obediência ao marido são meios de confrontar tais mecanismos discursivos e<br />

ideológicos dessa aristocracia masculina.<br />

Palavras-chave: Literatura latina. Sátiras. Mecanismos ideológicos. Matronas.<br />

153 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do Maranhão<br />

(PPGHIS/UFMA), sob orientação do Prof. Dr. Marcus Baccega. Pertencente ao grupo de pesquisa<br />

Mnemosyne – Laboratório de História Antiga e Medieval do Maranhão-UEMA. E-mail:<br />

alexandroaraujo12@yahoo.com.br<br />

1280


ABSTRACT: The present article intends to approach the ideologies that can be found<br />

in the uses of the words written by poets of the Roman imperial period of centuries <strong>II</strong><br />

A.D. and I in their satire. It will be through the Latin literatures, works of the poet called<br />

Martial in Epigrams and Petronius in Satiricon that we can perceive the social context in<br />

which the women of the Roman elite were surrounded. The uses of words, coming from<br />

a male audience - the aristocratic poets -, following a perspective of M. Bakhtin, cover<br />

ideological practices to spread certain social dict<strong>ate</strong>s to the Roman woman of the elite.<br />

Acceptable dict<strong>ate</strong>s, such as, for example, fidelity to the spouse, and therefore, the<br />

woman is said to be honored. However, if Roman married women of the elite, also<br />

called matrons, did not follow the rules postul<strong>ate</strong>d by this aristocratic and masculine<br />

public, such as adultery, they would be judged by words such as infamous, that is, a<br />

woman considered as dishonored. This will be an attempt to maintain, through words, a<br />

control over the actions of this female group. However, we may think that these<br />

practices of seeking relationships outside the home and non-obedience to the husband<br />

are ways of confronting such discursive and ideological mechanisms of this male<br />

aristocracy.<br />

Keywords: Latin literature. Satire. Ideological mechanisms. Matrons.<br />

Devemos pensar os textos literários satíricos não como construções de<br />

palavras “soltas” e “sem propósitos”, mas sim como palavras que foram devidamente<br />

escolhidas e traçadas para se referirem a um determinado contexto social, que<br />

expressam e estão carregadas de ideologias e juízos de valor.<br />

O que queremos pontuar é que a palavra em determinado contexto social<br />

terá um determinado sentido ou sentidos, no plural. O poeta latino, por exemplo, ao<br />

escrever uma sátira ou um epigrama, tem uma intenção, podendo vir a ser política e até<br />

1281


mesmo moral. A palavra irá carregar a ideologia poética que o escritor quer perpassar<br />

para um determinado público.<br />

Em nosso caso, em específico, o público romano dos dois primeiros séculos<br />

do período imperial, já que as obras utilizadas neste artigo são desse período de apogeu<br />

do Império grecorromano. São elas: Satiricon, do poeta latino Petrônio; e Epigramas,<br />

do poeta, também latino, Marcial.<br />

No que diz respeito ao uso da palavra e seu feito ideológico, podemos partir<br />

para o filósofo russo Bakhtin.<br />

A palavra penetra literalmente em todas as relações entre indivíduos, nas<br />

relações de colaboração, nas de base ideológica, nos encontros fortuitos da<br />

vida cotidiana, nas relações de caráter político, etc. As palavras são tecidas a<br />

partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as<br />

relações sociais em todos os domínios (BAKHTIN, 2009, p. 42).<br />

A visão de Bakhtin nos possibilita pensar as palavras escritas por poetas<br />

latinos como meios de penetrar na sociedade determinado modelo social, que não<br />

deixam de ser ideológicos. Há, portanto, uma ideologia que o autor latino quer<br />

perpassar ao remeter determinada palavra, em determinado contexto, para determinado<br />

alguém. Em nosso caso, as palavras utilizadas por escritores da aristocracia do Império<br />

romano são difundidas em contraposição a comportamentos do sexo feminino, isto é,<br />

das matronas 154 romanas.<br />

Palavras como adultério são postas em evidência pelo autor latino para<br />

atacar atitudes do feminino. Logo, a palavra é utilizada em um contexto social que pode<br />

remeter a uma ideologia de cercear as sociabilidades da mulher casada, haja vista no<br />

período imperial as mulheres encontravam formas de galgar e manter relações sociais<br />

fora da domus 155 .<br />

Através das palavras usadas por escritores do Império romano, nós<br />

poderemos perceber as mudanças sociais que estavam a acontecer em determinado<br />

154 O termo “matronas”, na literatura latina,remete ao significado de “damas do lar”, ou seja, são as<br />

mulheres que eram casadas, pertenciam a uma família da aristocracia romana e deveriam possuir filhos,<br />

cuidar do lar e de seu esposo.<br />

155 “Domus” remete ao ambiente do lar, literalmente ao espaço da casa.<br />

1282


período, já que, em nosso entendimento, se as palavras são usadas para coibir uma certa<br />

prática da mulher, é de se pensar que esta atitude estaria a modificar – mesmo que de<br />

maneira momentânea ou não – as relações “normativas” sociais que eram consideradas<br />

ideais por parte do grupo social dos poetas que era uma aristocracia masculina.<br />

Fazemos tal afirmação amparado na visão de Bakhtin, pois “a palavra é<br />

capaz de registrar as fases transitórias mais íntimas, mais efêmeras das mudanças<br />

sociais” (BAKHTIN, 2009, p. 42). Isto é, as práticas que as matronas, que eram casadas,<br />

mantinham fora do ambiente do lar, consideramos como uma mudança social no seio<br />

daquela sociedade, em que a mulher, na visão dos poetas, deveria apenas se dedicar aos<br />

cuidados e afazeres domésticos, e obedecer ao marido, não cometendo adultérios.<br />

A mudança social pode ser percebida, pois as mulheres se utilizam de<br />

resistências em contraste ao poder exercido pela aristocracia romana masculina que<br />

tenta ditar como as mesmas devem se comportar. Ao estabelecer relacionamentos<br />

extramaritais, a matrona rompe com o modelo social que lhe era imposto e põe uma<br />

evidência de mudança de comportamento social.<br />

Se os textos aristocráticos latinos tendiam a estabelecer como a mulher<br />

casada deveria se comportar e difunde normas de conduta, significa dizer que havia uma<br />

prática por parte da mulher casada de rompimento dessas normas ou, pelo menos, tais<br />

normas não estavam sendo seguidas. Portanto, uma “quebra” desse modelo social pode<br />

ser percebida. Logo, entendemos que há uma mudança social, mesmo que de maneira<br />

sutil.<br />

Desse modo, há uma “influência poderosa que exerce a organização<br />

hierarquizada das relações sociais sobre as formas de enunciação... no processo de<br />

explicitação dos principais modos de comportamento” (BAKHTIN, 2009, p. 44-45).<br />

Isto é, a aristocracia masculina romana estaria, se considerarmos uma posição<br />

hierárquica, em controle do exercício de poder, sendo capaz, portanto, de remeter em<br />

seus discursos, através das sátiras literárias, o que deve ser seguido e o que não deve ser<br />

seguido.<br />

1283


Entendemos essas formas de dizer o que se deve ou não obedecer, o que se<br />

deve ou não fazer, como mecanismos ideológicos para que este público masculino se<br />

sobreponha ao feminino, sendo o único capaz de exercer cargos públicos e políticos, de<br />

exercer a oratória, de gerenciar a fortuna da família, etc.<br />

Em outras palavras, se o masculino expõe uma ideologia em que a mulher<br />

deveria obedecer a uma figura masculina, o patriarca ou seu marido, por exemplos, é<br />

uma forma desse masculino estabelecer um controle sobre esse feminino. Com efeito,<br />

podemos entender que “a palavra pode preencher qualquer espécie de função<br />

ideológica: estética, científica, moral, religiosa” (BAKHTIN, 2009, p. 37).<br />

Levando em consideração a ideia de Bakhtin, no que diz respeito “palavraideologia-moral”,<br />

a fonte que usaremos a seguir demonstra o uso da palavra, escrita em<br />

determinado contexto social, que remete a uma ideologia que em seu íntimo, cumpre,<br />

em nosso entender, uma função moral.<br />

Sempre fazes amor, Lésbia, com as portas abertas e sem guardas e nada fazes<br />

para ocultar teus adultérios. Te dá mais prazer um espectador que um amante,<br />

e não te satisfaz o prazer sexual se os outros não sabem. Uma puta, pelo<br />

contrário, conserva à distância as possíveis testemunhas, utilizando a cortina<br />

ou a porta. E poucas frestas há nos bordéis do Submemmio. Aprende, pelo<br />

menos, um pouco de pudor [...] Inclusive as putas mais largadas e as<br />

miseráveis mulherzinhas se escondem, ainda que seja nos sepulcros. Achas<br />

demasiado dura minha crítica? (MARCIAL. Epigramas. I, 34, apud<br />

CUATRECASAS, 1997, p. 150).<br />

O escritor apresenta uma mulher de nome Lésbia. O epigrama é construído<br />

mediante palavras que possuem uma função ideológica de demonstrar a desonra<br />

feminina. Isto é, fomentar um sentido em que a mulher apareça na narrativa como uma<br />

matrona que corrompera o seu casamento por meio de relações sexuais com outros<br />

homens que não fosse seu cônjuge legítimo.<br />

Ao colocar que a mulher cometera adultério, Marcial quer chamar <strong>ate</strong>nção<br />

através do epigrama que se trata de uma mulher desposada, ou seja, que possuíra um<br />

casamento legítimo. Dessa forma, Lésbia deveria obediência, inclusive sexual, ao<br />

esposo legítimo. Ao evidenciar a palavra adultério no plural – adultérios –, Lésbia tinha<br />

1284


essa prática como corriqueira. A prática de adultério é, portanto, condenada por autores<br />

latinos dos dois primeiros séculos de nossa era.<br />

O poeta Marcial destaca que a mulher casada, que era uma matrona, que<br />

deveria ser uma “dama do lar”, não apenas comete adultérios, mas permite que os outros<br />

saibam de suas práticas de condutas desonrosas. Marcial enfatiza que ao praticar a<br />

cópula com um de seus amantes, Lésbia não se importa em se esconder.<br />

Marcial, portanto, repreende não só a prática sexual de Lésbia com um<br />

homem que não fosse seu esposo, mas também o prazer que tinha ao deixar ser vista<br />

praticando tal ato de desrespeito ao costume de uma boa moral, que era a de ser digna<br />

perante a sociedade como uma matrona que respeita as normas estipuladas pelo<br />

masculino para o bom funcionamento da ordem e do quotidiano. Lésbia, nesse sentido,<br />

perde o âmago de ser uma matrona respeitável para tornar-se uma mulher de estrato<br />

mais baixo que uma prostituta.<br />

Marcial, ao se utilizar de uma censura moral, rebaixa a mulher casada<br />

fazendo uso em comparação às prostitutas. A prostituta, uma infame 156 , e os locais que<br />

estas mulheres eram encontradas são tidos como lugares que deveriam ser evitados por<br />

pessoas de uma camada social aristocrática que detivessem fama 157 . A matrona é uma<br />

mulher que não é infame. Ou pelo menos que não deveria ser, já que no caso de Lésbia,<br />

a mesma era uma matrona que se tornara infame.<br />

Marcial constrói a matrona Lésbia em sua narrativa como um meio de pôr<br />

em prática a conduta que não deveria ser seguida por outras matronas. O poeta<br />

evidencia uma situação que era desonrosa, para mostrar que a conduta honrosa a seguir<br />

era o contrário do comportamento de Lésbia.<br />

156 De acordo a historiadora Géraldine Puccini-Delbey, “infamia é, a bem dizer, a ausência de reputação,<br />

de honra pública (fama), e todos os que são por ela atingidos – prostitutas, actores, gladiadores – perdem<br />

o seu estatuto de cidadãos” PUCCINI-DELBEY, Géraldine. A vida sexual na Roma Antiga. Lisboa:<br />

Edições texto e grafia, 2010. p.89.<br />

157 “O termo infamia é constituído a partir do prefixo latino in, que indica uma negação ou privação e da<br />

palavra fama que, por sua vez, significa “renomado” ou de “boa reputação”, podendo ser traduzido,<br />

portanto, como ‘aquele que não possui boa reputação’” GARRAFFONI, Renata. Gladiadores na Roma<br />

Antiga: dos comb<strong>ate</strong>s às paixões cotidianas. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2005 2005, p. 183.<br />

1285


Na configuração social exposta por Marcial, Lésbia tornara-se uma mulher<br />

inferior a uma prostituta. Uma prostituta, para o poeta, já era uma c<strong>ate</strong>goria social sem<br />

fama na sociedade romana. Ao dar a entender que a prostituta teria mais “decência” que<br />

Lésbia, pois a prostituta não se mostra aos demais durante um ato sexual, Lésbia fora<br />

rebaixada socialmente através de um julgo moral. Nesse entendimento, a mulher casada<br />

em questão possuía menos valor que a prostituta.<br />

Marcial se utiliza de bordéis, prostitutas e pudor para atacar a matrona. A<br />

moral do poeta é a moral capaz de julgar o outro, no caso as práticas inadequadas de<br />

uma mulher casada. Essa moral fora um constructo masculino de tentar impor uma<br />

dominação sobre o feminino que, em tempos de mobilidade social e política durante o<br />

Império, via cada vez mais as mulheres da elite romana se movimentarem para além da<br />

domus.<br />

Esse epigrama, da matrona Lésbia, é uma narrativa satírica com o intuito de<br />

ser cômica e, por conseguinte, apresentar um certo desdenho à figura feminina. O<br />

escárnio feito a Lésbia, por exemplo, é enfatizado no ato da cópula da matrona com<br />

algum amante, sendo vista por quem quisesse olhar.<br />

Dessa maneira, vemos no exemplo de Lésbia, que o autor latino Marcial se<br />

utiliza da palavra adultérios para criar a imagem da matrona de maneira negativa<br />

perante a sociedade romana. Esta palavra e a narrativa do epigrama podem demonstrar a<br />

ideologia que o autor quer impor, ou seja, uma “boa moral” não estava sendo cumprida<br />

por esta matrona. É essa função ideológica moral, utilizada pelo poeta, que difunde ao<br />

público leitor e ouvintes do conteúdo da obra como a mulher casada deveria se<br />

comportar na sociedade. Nesse sentido,<br />

toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que<br />

procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela<br />

constitui o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve<br />

de expressão a um em relação ao outro, ou à coletividade (BAKHTIN, 2009,<br />

p. 117).<br />

Em nossa visão, essa função ideológica, que é moral, demonstra o modo<br />

encontrado por uma aristocracia masculina de manter uma tentativa de controle sobre o<br />

1286


feminino. Essa tentativa de controle é social e também política. É uma forma de<br />

(re)afirmar que a mulher deve obediência ao marido, uma figura masculina.<br />

O poeta pretende perpassar ao seu público qual é o modelo aceitável de<br />

comportamento. Através da citação anterior de Bakhtin, podemos perceber que o<br />

epigrama é escrito por alguém, isto é, procedido por um indivíduo, no caso o poeta<br />

latino Marcial e o epigrama é destinado a um outro alguém, a um outro indivíduo ou a<br />

uma coletividade. Em nosso caso, pode vir a ser os dois: tanto o epigrama se dirige a um<br />

alguém (a matrona), bem como a uma coletividade (aos indivíduos que compunham a<br />

sociedade romana dos dois primeiros séculos).<br />

Portanto, o epigrama e as palavras utilizadas no constructo do mesmo<br />

possuem uma relação que perpassa o social. Há uma relação do poeta/autor com o<br />

público que terá acesso a tal literatura. O poeta pretende inserir na sociedade o seu<br />

pensamento, isto é, a sua forma de pensar, mediante o seu escrito literário, sendo que<br />

esta narrativa literária estará permeada por uma ideologia, uma ideologia que será do<br />

escritor. Tal ideologia é, em nossa opinião, a tentativa de manter uma relação de<br />

dominação sobre o feminino.<br />

A difusão do pensamento do escritor na sociedade é fazer com que a sua<br />

ideologia “atinja” o populus romanus 158 e, assim, influenciar a maneira de pensar dessa<br />

população, com o objetivo de que esta última também reprove as atitudes da matrona<br />

que comete adultérios e que não seja obediente a “boa moral”.<br />

A palavra usada pelo poeta apresentará uma ideologia, logo, em nosso<br />

entendimento, ao utilizar a palavra em uma narrativa literária, o autor promove um<br />

discurso que pretende estabelecer uma posição de dominação na sociedade, ou seja, de<br />

uma aristocracia masculina que o mesmo está vinculado, em que a mulher casada<br />

deveria respeitar as normas morais que eram estabelecidas por esse grupo masculino.<br />

Bakhtin afirma que “o m<strong>ate</strong>rial privilegiado da comunicação na vida<br />

cotidiana é a palavra. É justamente nesse domínio que a conversação e suas formas<br />

discursivas se situam” (BAKHTIN, 2009, p. 37). De acordo com Bakhtin então,<br />

158 População romana<br />

1287


podemos depreender que a literatura latina era uma forma de promover discursos no<br />

quotidiano romano, já que a mesma pode vir a ser percebida mediante palavras escritas<br />

e lidas na forma de oralidade, algo comum à época.<br />

Ainda seguindo a visão de Bakhtin, apliquemo-nos em um outro epigrama<br />

do mesmo autor latino, Marcial. Este evidencia uma mulher chamada Gélia:<br />

Gélia tem um único amante, mas isso é ainda mais vergonhoso: é a esposa de<br />

dois maridos (MARCIAL. Epigramas. VI, 90, apud CUATRECASAS,<br />

1997, p. 148).<br />

Gélia era uma matrona, logo, assim como no caso da matrona Lésbia,<br />

significa dizer que Gélia era casada. Possuía um esposo através de um casamento que<br />

fora legal. No entanto, o poeta Marcial afirma que Gélia possuía além de um esposo, um<br />

amante.<br />

Aos olhos da moral, uma moral estabelecida por pares da aristocracia<br />

masculina, a matrona dispunha de um relacionamento extramarital. O uso da palavra<br />

amante está condicionada a ser entendida nesse contexto como uma relação que não é<br />

legal.<br />

Há dois extremos: o esposo legítimo, este fruto de um casamento que é<br />

juridicamente reconhecido; e o amante, uma relação que não é reconhecida como legal,<br />

que envolve a conjunção carnal.<br />

O uso de uma moral já é estabelecido ao ser escrito que a matrona mantém<br />

um amante. Este fato é condenado pelo autor latino e se torna ainda mais incisivo a<br />

censura quando o escritor Marcial aponta que este amante se torna um marido à<br />

matrona. Marcial quer inferir que a matrona via seu amante com certa regularidade, com<br />

uma frequência que deveria ocorrer de maneira similar ao que ocorria com o esposo<br />

legítimo. Essa assiduidade da matrona com o amante é reprovada pelo autor, pois faria<br />

com que essa mulher casada tivesse dois relacionamentos “estáveis”.<br />

Porém, um desses relacionamentos era uma fraude, pois um destes era<br />

obrigatoriamente um relacionamento extramarital. Marcial faz um juízo que sustenta a<br />

proibição da mulher casada de não ser honrada ao marido, e essa fraude da matrona se<br />

1288


torna ainda mais pertinente quando se trata de apenas um amante e este se tornara<br />

“fixo”, a ponto de não parecer um adultério, mas que em seu íntimo, para o escritor<br />

latino, se tratava de um adultério.<br />

Com efeito, Marcial expõe a matrona Gélia em um par moral: sendo este<br />

honra/vergonha. Gélia não tivera honra, mas sim uma atitude que, de acordo com<br />

Marcial, era vergonhosa. A moral pode ser usada para construir uma matrona honrada,<br />

entretanto essa mesma moral que julga uma matrona como honrada, pode ser,<br />

dependendo da intenção do escritor, acompanhada de seu par negativo: a vergonha.<br />

Mais uma vez, levando em conta as ideias de Bakhtin, a palavra se torna<br />

importante para entendermos o que o autor pretende inferir ao utilizá-la, ainda mais se<br />

tratando da literatura. Logo, se “nós perdemos de vista a significação da palavra,<br />

perdemos a própria palavra, que fica, assim, reduzida à sua realidade física,<br />

acompanhada do processo fisiológico de sua produção. O que faz da palavra uma<br />

palavra é sua significação” (BAKHTIN, 2009, p. 50).<br />

Desta forma, as palavras amante, vergonhoso, esposa de dois maridos,<br />

possuem significados e que no contexto social remete a uma determinada ideologia.<br />

Para Bakhtin, “toda palavra é ideológica” (BAKHTIN, 2009, p. 126). A ideologia é<br />

difundir o ato da matrona como violação das boas normas e condutas morais. Isto é,<br />

demonstrar de maneira ideológica que se deve manter uma postura de respeito as regras<br />

sociais e morais por parte das matronas.<br />

Ao final da narrativa o que provoca o riso é o uso “esposa de dois maridos”.<br />

É um final de narrativa que tem em seu bojo a ironia de um modo satírico de<br />

desenvolver uma história literária. É uma ironia moral que pretende atingir a matrona.<br />

Essa ironia, que é moral, tem o propósito de disciplinar a “dama do lar” no que concerne<br />

o que era moralmente aceitável e o que não seria moralmente aceitável.<br />

Encaramos, portanto, que a narrativa literária oriunda pelo poeta Marcial<br />

demonstra um julgamento à mulher com uma pretensão de valor. Valor este que<br />

consideramos moral e que possui em seu bojo um valor de característica social, já que o<br />

julgamento moral à esposa é para cerceá-la a um espaço restrito de atuação social. Além<br />

1289


do que, o fato de Marcial exprimir o seu pensamento através de sátiras literárias, o<br />

mesmo tem a pretensão de difundir este pensamento ao público seja ele leitor e/ou<br />

ouvinte, e impelir a este público que o adultério seria algo que não condizia a boa moral<br />

de uma matrona.<br />

Diante do exposto, de acordo com Bakhtin, “todos os índices de valor com<br />

características ideológicas realizados por um organismo individual constituem índices<br />

sociais de valor, com pretensões ao consenso social, e apenas em nome deste consenso é<br />

que eles se exteriorizam no m<strong>ate</strong>rial ideológico” (BAKHTIN, 2009, p. 46). Isto é, como<br />

já dissemos, enxergamos na palavra um determinado significado que remete a um juízo<br />

de valor, que, em nossa concepção, está circunscrito por uma ideologia; tal ideologia irá<br />

incutir no social, em que o escritor latino fará jus dessa ideologia para atingir a matrona<br />

que cometera uma relação extramarital. Consequentemente, o poeta também se utilizará<br />

dessa ideologia e a colocará em evidência para que a coletividade julgue também a<br />

mulher casada como desonrada.<br />

Contribuindo com esta ideia relacional de julgo moral e ideologia, podemos<br />

nos utilizar da pesquisadora Claudiana Narzetti, quando esta afirma que “no interior do<br />

que se chama a instância ideológica, há a ideologia moral, a religiosa, etc.”<br />

(NARZETTI, 2012, p. 47). Desta forma, vemos que a literatura latina e as palavras<br />

utilizadas por um autor que engendra uma narrativa como esta têm a intenção de<br />

difundir sua ideologia no meio social em que vive. Para tanto, vemos que é “uma<br />

ideologia particular [que] pode ser expressa através de atos, regras e hábitos”<br />

(NARZETTI, 2012, p. 47).<br />

Nos dois casos, nos epigramas de Lésbia e de Gélia, a ideologia particular<br />

pertence ao autor latino – com pretensões ao consenso, como afirmara Bakhtin. A<br />

ideologia pode ser vista nas regras de comportamento promovida pelo escritor ao<br />

disseminar nas narrativas específicas das duas matronas, que as mulheres com<br />

matrimônio legal, Lésbia e Gélia, cometeram adultério. Ao mencionar os<br />

relacionamentos – sexuais – que ambas tiveram não com seus respectivos maridos, mas<br />

com amantes, e o autor reprova tais atos, o mesmo expõe uma regra que será ao mesmo<br />

1290


tempo social e moral. Assim, a regra de não se cometer o adultério é expressada através<br />

da – e na – ideologia do poeta latino.<br />

Anteriormente, neste artigo, abordamos as funções da Ideologia, utilizandonos<br />

de Bakhtin. Voltando a esse tópico, no que diz respeito a função ideológica,<br />

podemos trazer para a discussão a visão de Althusser. Este autor argumenta que a<br />

função ideológica cumpre “assegurar a coesão dos indivíduos na sociedade. A ideologia<br />

determina o papel social que cada indivíduo deverá exercer, assegurando as relações<br />

sociais” (ALTHUSSER apud NARZETTI, 2012, p. 48).<br />

Explorando a visão acima de Althusser e aplicando na documentação textual<br />

literária exposta acima – nos dois epigramas de Marcial –, podemos notar que a função<br />

ideológica do poeta é, através da moral que tenta impor à matrona, demonstrar que seu<br />

papel social é regido pelo masculino. Isto é, a regra estipulada por uma aristocracia<br />

masculina que induz uma obediência da mulher para com seu cônjuge, tenta assegurar e<br />

determinar as posições sociais de cada grupo.<br />

Em outras palavras, esta função ideológica engendrada pelo escritor dos<br />

dois primeiros séculos de nossa era, permite justamente a este autor latino e a<br />

aristocracia masculina a qual pertencia, de manter este grupo social como “dominante”<br />

e colocar o feminino como “dominado”. Logo, o masculino seria o único capaz de<br />

possuir um exercício de poder e a mulher romana seria subserviente a esse grupo. Seria,<br />

portanto, o que Althusser argumenta como determinar o lugar de cada grupo social.<br />

Nesse sentido, o grupo aristocrático masculino estaria, nessa configuração<br />

ideológica, em uma posição elevada em relação ao feminino, pois o feminino teria que<br />

obedecer ao masculino, ter um lugar restrito na sociedade, ficar concentrada apenas no<br />

ambiente do lar, enquanto que o homem poderia manter relações fora do lar, exercer<br />

atividades políticas e retóricas. Essa é a função ideológica que está inserida nos<br />

epigramas latinos: de determinar o lugar social de cada grupo ou indivíduo.<br />

Dessa maneira, consideramos a atividade literária como uma forma que nos<br />

propicia entender o lado social de uma dada comunidade. Em nosso caso, tratamos de<br />

uma comunidade romana dos séculos I e <strong>II</strong> d. C., ou seja, do período imperial. Com<br />

1291


efeito, devemos “perceber a prática literária também como prática política” (VOGT,<br />

2011, p. 84). Em nosso entendimento, as narrativas literárias podem apontar para o<br />

social e o político. Sendo que nas sociedades antigas, a política e o social não estão<br />

separados, pelo contrário, estes dois aspectos são indissociáveis.<br />

Por conseguinte, os “textos literários passaram a ser vistos não só como<br />

‘reflexo’ das estruturas políticas e econômicas, mas como fontes que poderiam nos fazer<br />

entender certo contexto social” (VOGT, 2011, p. 86). É através da literatura que vemos<br />

como a sociedade romana se dispunha política e socialmente, e como o feminino e o<br />

masculino eram percebidos nessa sociedade.<br />

A ideologia proposta pelo poeta latino e posta em evidência no seio social<br />

para o público dessa literatura era uma maneira de demonstrar um domínio em relação<br />

ao feminino, esforçando-se em impedir que esse feminino viesse a se enveredar em<br />

questões que não fosse de sua atribuição, como, por exemplo, a própria política.<br />

É uma ideologia que quer dedicar-se a cumprir um cerceamento tanto social<br />

quanto político às matronas. Ao fomentar que a mulher deveria se comportar perante ao<br />

marido, devendo respeitar o espaço do lar, quer inferir, em nossa ótica, que a mulher<br />

não deveria ultrapassar os limites dessas regras – lembrando que a regra é ideológica.<br />

Ao respeitar tais regras, o masculino não teria sua posição social<br />

questionada pelo feminino e, assim, manteria a sua posição social de grupo dominante.<br />

Mas também podemos entender que a matrona ao manter relação extramarital com um<br />

amante, a mesma estaria entrando em oposição a tais regras, que eram ideológicas.<br />

Portanto, não é descartável a ideia de confronto de práticas ideológicas.<br />

Haja vista, o poeta ao escrever que a matrona cometera adultério, o mesmo quer que<br />

outras matronas não corrompam tal norma social e moral, como fizera as matronas<br />

Gélia e Lésbia. Entretanto, se há a necessidade de perpassar mediante escrito literário<br />

que a matrona Gélia e Lésbia cometeram adultérios e o poeta faz um julgamento moral<br />

a elas, significa dizer que essa prática fazia parte do quotidiano.<br />

Logo, a inevitabilidade de difundir mediante narrativa literária satírica qual<br />

norma ou regra é aceitável e não aceitável é uma tentativa de controlar a prática de<br />

1292


elacionamento(s) extraconjugal(is) do feminino. Se há a tentativa de controle é porque<br />

as mulheres confrontavam tais normas e regras de imposição masculina. Há um emb<strong>ate</strong><br />

de condutas de dois grupos sociais da própria aristocracia romana: os poetas<br />

(masculino) e as matronas (feminino). O masculino que arguia sobre o não<br />

acometimento de adultério e o feminino que cometia uma postura contrária.<br />

Tendo feito a análise desses dois epigramas de matronas, Gélia e Lésbia, do<br />

poeta Marcial, partimos agora para outro poeta latino: Petrônio. O escritor Petrônio faz<br />

uso da literatura que, em nossa opinião, é satírica. A sátira é intitulada A Matrona de<br />

Éfeso e está inserida em sua obra Satiricon<br />

Vivia em Éfeso uma matrona de tão proclamada virtude que até mesmo as<br />

mulheres das regiões vizinhas para ali acorriam a fim de contemplar a<br />

maravilha. Tendo perdido o seu marido, essa dama não se limitou, segundo o<br />

costume a acompanhar o enterro [...] acompanhou o marido até a sua última<br />

morada [...] no sepulcro subterrâneo [...], ela quis ficar ali guardando-o e<br />

chorando-o noite e dia. Testemunhas impotentes desua aflição, nem seus pais<br />

nem os demais parentes conseguiram arrancá-la de junto da sepultura. Os<br />

próprios magistrados, tendo feito uma suprema tentativa, retiraram-se,<br />

também sem nada ter obtido. [...]. Desse modo, em toda a cidade, não se<br />

falava senão na viúva: era, sem contestação, o único e verdadeiro exemplo de<br />

castidade e de amor conjugal que jamais brilhara sobre a terra, segundo a<br />

opinião unânime dos homens de todas as classes. (PETRÔNIO. A Dama de<br />

Éfeso. SATIRICON. p. 155).<br />

Podemos perceber que o autor, Petrônio, começa por evidenciar uma<br />

matrona. Também conhecida como a dama do lar, ou seja, aquela que estava, segundo<br />

uma determinada lógica social defendida por estes autores latinos do período, reclusa ao<br />

âmbito das tarefas domésticas, que era a responsável por fazer a domus ser um ambiente<br />

de morada respeitável perante seu cônjuge e a sociedade em si, principalmente aos seus<br />

pares aristocráticos, e aos próprios deuses domésticos. Quando se fala em matrona, é<br />

importante destacar que essa mulher em questão é uma mulher casada.<br />

No escrito de Petrônio, o mesmo afirma que a matrona era casada, ao dizer<br />

que a mesma perdera seu marido. O autor enfatiza que a mulher possuía uma virtude<br />

invejável perante ao público dessa sociedade. Notemos aí o primeiro ato que evidencia o<br />

uso da moral. Isto é, a mulher em questão possui uma virtude que é digna de ser<br />

1293


enaltecida. Isso não será à toa, em nossa opinião. Expliquemos melhor: ao escrever que<br />

uma mulher, entendendo-a como uma matrona, possui virtude, significa dizer que<br />

Petrônio a usa como um modelo às outras mulheres, não apenas a outras matronas, mas<br />

para a sociedade como um todo. Com efeito, Petrônio está evidenciando uma certa<br />

ideologia.<br />

O comportamento da matrona é o comportamento que tem que ser visto,<br />

aprendido e repetido pelas outras matronas. Quando o referido poeta expõe que a<br />

matrona de Éfeso chora pelo marido que se foi, dia e noite, consternada pela perda que<br />

sofrera, notemos aí um segundo ato de que podemos chamar de virtude, que será<br />

ideológica. Era uma atitude de virtude à matrona que mesmo diante da morte de seu<br />

marido, a mesma demonstrava todo um companheirismo fiel ao esposo, seu<br />

comprometimento para com ele, mesmo diante de seu monumento lúgubre. A matrona<br />

deveria seguir seu marido, com quem casara, e deveria obedecê-lo. Com Petrônio,<br />

vemos que a matrona, se ela for virtuosa, deveria estar com seu marido e prestar<br />

obediência até nos momentos de luto.<br />

Um terceiro ato, em nossa visão, a respeito de colocar na matrona de Éfeso<br />

adjetivos que a qualificariam como virtuosa, se evidencia ao ser narrado que a mesma<br />

seria um exemplo de castidade. Isso infere que matrona em questão não teria um<br />

relacionamento extramarital. A matrona deveria manter relações carnais apenas com seu<br />

marido. Essa matrona ao ser posta como um exemplo de castidade significa dizer que<br />

essa esposa manteve uma fidelidade conjugal até então com seu falecido esposo. Ao<br />

demonstrar que essa era a opinião dos homens de todas as classes, Petrônio tenta dar<br />

uma legitimidade a virtuosidade da matrona, como se essa virtude fosse reconhecida e<br />

<strong>ate</strong>stada por aqueles que compunham essa sociedade. Se estes homens reconheciam e<br />

aprovavam essa virtuosidade, significa dizer que essa deveria ser a virtude tida como<br />

parâmetro de comportamento aceitável.<br />

Desse modo, pudemos destrinchar três aspectos que qualificariam a matrona<br />

como um modelo de dama. Logo, esses aspectos são ideológicos e são engendrados pelo<br />

autor. Esses aspectos também chamados de virtudes, poderiam ser chamados também de<br />

1294


honrosos. O modelo posto por poetas como Petrônio giram em torno de binômios como<br />

virtudes/vícios e honra/desonra.<br />

O trecho que enfatizamos acima de Satiricon evidenciam as virtudes e a<br />

honra da matrona de Éfeso, que deveriam ser as virtudes de quaisquer matronas<br />

honradas. Com pretensões ao consenso, como já dissemos neste artigo, ao colocarmos<br />

em evidência a ideia de Bakhtin. Essas virtudes são no fundo a utilização da moral<br />

como forma de controlar e disciplinar o comportamento da mulher da elite por um<br />

público masculino também da aristocracia. Como se a existência dessa mulher só<br />

pudesse acontecer quando a matrona estivesse ligada sob uma figura masculina. E essa<br />

existência se efetua na prestação de honra ao marido.<br />

Essa moral possui uma intenção, que entendemos ser política. O caráter<br />

político está sob o véu ideológico da moral da referida sátira. De acordo com Débora<br />

Vogt, devemos “entender os textos vinculados à literatura não como mero deleite<br />

intelectual, mas como objetos de intervenção política e tomada de posições frente a<br />

discussões de seu momento histórico” (VOGT, 2011, p. 87).<br />

O poeta latino se utilizava dos escritos para difundir e retomar os “bons<br />

tempos” de Roma, do tempo que a mulher romana era honrada e virtuosa, quando suas<br />

práticas eram voltadas única e exclusivamente a organização do lar, ao fiar a lã e<br />

obedecer ao marido. Este era o espaço social que a mulher romana deveria se <strong>ate</strong>r. Não<br />

era fora dele. Com o período imperial, no entanto, essa configuração se altera, não de<br />

forma vertiginosa, mas de maneira gradual, mas ainda assim era uma mudança que<br />

merece nossa <strong>ate</strong>nção.<br />

A mulher romana do período imperial romano já não era submetida tanto ao<br />

masculino como nos velhos tempos de Roma. A sociedade romana não fora imutável. A<br />

sociedade romana dos séculos I e <strong>II</strong> d. C. já não era a mesma do período republicano ou<br />

dos tempos mais arcaicos de Roma. A mulher ganhava espaço social. Não apenas social,<br />

mas também político.<br />

Se a mulher romana ganha espaço social e político, os escritos latinos<br />

tendem a confrontar, por meio da função ideológica, que é moral, esse novo espaço<br />

1295


advindo à mulher. Logo, era a utilização da moral como uma forma de ocultar na<br />

realidade uma intenção política de continuar a submeter o feminino aos ditames<br />

masculinos. Por conseguinte, o masculino perpetuaria e exerceria seu poderfrente a<br />

essas novas mobilidades sociais.<br />

Logo, a utilização das palavras literárias latinas e satíricas têm efeito<br />

ideológico advindos do escritor, pois “cada época e cada grupo social têm seu repertório<br />

de formas de discurso na comunicação socio-ideológica” (BAKHTIN, 2009, p. 44).<br />

Portanto, essa maneira de inserir na sociedade grecorromana um determinado discurso<br />

é, com efeito, atingir as pretensões ideológicas, políticas, além de sociais, inseridas na<br />

sociedade por poetas como Marcial e Petrônio.<br />

Na continuação do escrito de Petrônio sobre a matrona de Éfeso, o autor irá<br />

evidenciar o oposto da virtude. Petrônio constrói uma matrona que é honrada, evidencia<br />

como seria o exemplo de esposa, para depois mostrar nessa mesma matrona como a<br />

virtude pode ser “transformada” em vício.<br />

Aconteceu que o governador da província mandou crucificar uns ladrões nas<br />

proximidades da famosa sepultura, onde a matrona chorava sobre os despojos<br />

de seu esposo. Na noite que se seguiu à execução, o soldado encarregado de<br />

guardar as cruzes, a fim de que ninguém pudesse levar os corpos para<br />

sepultá-los, viu uma luz que brilhava bem distintamente entre os túmulos e<br />

ouviu gemidos amargurados; [...] Desceu ao sepulcro e [...] aquelas lágrimas<br />

que via correr, aquele rosto dilacerado pelas unhas convenceram-no, como<br />

era, afinal, a verdade, de que tinha sob os olhos uma viúva inconsolável no<br />

seu pesar. [...] O soldado tentou fazer com que a mulher aceitasse um pouco<br />

de alimento [...] a matrona extenuada por vários dias de jejum, saiu de sua<br />

obstinação [...] nem na outra parte do corpo a dama pôde guardar abstinência<br />

[...] Eles permaneceram juntos não somente a noite em que celebraram a sua<br />

união, mas o dia seguinte e o terceiro, com todas as portas do sepulcro<br />

fechadas [...] E tão fechadas que todos, amigos ou desconhecidos, que foram<br />

até o túmulo, pensaram que a esposa tinha entregue a alma sobre o corpo do<br />

marido. O soldado, encantado com a beleza da sua conquista, [...] comprava<br />

todas as boas coisas que os seus recursos lhe permitiam, e, apenas a noite<br />

caía, levava-as para a sepultura. (PETRÔNIO. A Dama de Éfeso.<br />

SATIRICON. p. 155-7).<br />

Petrônio continua esta narrativa desenvolvendo a matrona de Éfeso em uma<br />

situação que definirá a sua desonra frente ao túmulo do marido.<br />

1296


Os parentes de um dos crucificados, vendo que a vigilância havia<br />

enfraquecido, levaram consigo, durante a noite, um dos executados,<br />

prestando-lhes as últimas honras, enquanto o guarda não tendo olhos senão<br />

para o seu amor, esquecia-se de sua obrigação. Mas quando, no dia seguinte,<br />

ele viu uma das cruzes sem o cadáver, <strong>ate</strong>morizado pelo suplício que o<br />

ameaçava, foi depressa contar à viúva a desgraça que lhe acontecera [...]<br />

Desejava somente que ela lhe proporcionasse um lugar para morrer,<br />

sugerindo que o sepulcro reunisse ao mesmo tempo o amante e o esposo. [...]<br />

Ela ordenou que o corpo de seu marido fosse tirado do túmulo e crucificado.<br />

O soldado curvou-se ante a inspiração daquela mulher tão engenhosa e, no<br />

dia seguinte, toda a gente perguntava por que milagre o morto tinha voltado à<br />

cruz. (PETRÔNIO. A Dama de Éfeso. SATIRICON. p. 157-8).<br />

A matrona, ao chorar em frente ao túmulo do marido, condiz com um modo<br />

de honra que é moralmente aceito. Ao ser vista pelo soldado se debruçando em lágrimas<br />

e sem comer por vários dias, a narrativa construída é de que a matrona honra não apenas<br />

a própria imagem de boa esposa – de dedicação ao marido mesmo após a morte –, mas<br />

também honra a memória de seu falecido marido. Isto é, a prestação de homenagem ao<br />

defunto feita pela matrona põe em evidência a boa conduta da mulher.<br />

No entanto, vem a desconstrução – uma desconstrução feita pela ideologia<br />

moral do poeta – para com a matrona. “Quando temos um texto muito moralizante, um<br />

dos termos é claramente positivo e outro, declaradamente negativo” (FIORIN, 2012, p.<br />

54). O autor se utiliza da ironia quando argumenta que a matrona não conseguira ficar<br />

em abstinência em outras partes do corpo. O “escritor [se utiliza] da ambiguidade a fim<br />

de alcançar seus objetivos em termos de ataque ou convencimento, por exemplo”<br />

(VOGT, 2011, p. 94), já que omesmo, em nossa opinião, se refere, em específico, ao<br />

órgão sexual de prazer feminino, entendendo, assim, que a matrona mantivera um<br />

envolvimento de relação carnal com o soldado.Fica ainda mais incisivo no trecho que se<br />

segue, através da ênfase às noites que ambos tiveram juntos, evidenciando a união da<br />

matrona e o soldado.<br />

Petrônio ao pôr em destaque a união da matrona e do soldado e da relação<br />

sexual que poderia inferir-se dessa união, o autor se utiliza desse constructo para<br />

demonstrar a infidelidade da esposa para com o marido falecido. Se até então a matrona<br />

era um “símbolo” de boa esposa porque cuidava de seu marido mesmo diante de seu<br />

1297


túmulo, a função ideológica moral utilizada por Petrônio será para desconstrução desse<br />

constructo de boa esposa. A moral utilizada pelo autor latino para evidenciar essa<br />

mulher como um bom exemplo as demais mulheres – principalmente seus<br />

paresaristocráticos – será também utilizada para demonstrar o comportamento<br />

desonroso e que não deveria ser seguido por outras matronas.<br />

A infidelidade conjugal praticada pela matrona é percebida quando o poeta<br />

expõe que o soldado era amante da matrona e que o túmulo de seu marido deveria<br />

guardar o então falecido marido da mulher e o próprio soldado, já que este último seria<br />

punido pela negligência em não vigiar o corpo de cada uma das cruzes. Na narrativa o<br />

autor indica que um dos corpos havia sumido, por conseguinte, esse sumiço seria a<br />

sentença do soldado a morte. Petrônio faz questão de enfatizar que o soldado era o<br />

amante da esposa, ou seja, não era uma relação conjugal que tivesse respaldo jurídico. A<br />

união legal era da matrona com o então homem que está a descansar no túmulo. Nesse<br />

sentido, para Petrônio, a conduta da matrona não era honrada, mas sim desonrosa, não<br />

era virtuosa, mas sim uma prática de vício.<br />

Com efeito, se Petrônio, no início de seu escrito, descreve a matrona como<br />

uma matrona exemplar por respeitar as condutas que uma matrona deveria obedecer,<br />

principalmente a de estar com seu marido e ser-lhe prestativo, no decorrer do texto<br />

satírico, Petrônio desqualifica essa matrona como exemplar, por não se portar de<br />

maneira correta diante de seu marido, mesmo falecido, mesmo na condição de viúva.<br />

Essa maneira correta de se portar era, na visão discursiva aristocrática do poeta, a<br />

obediência de fidelidade ao seu esposo, que era uma visão da própria sociedade da elite<br />

masculina romana. A matrona de Éfeso tinha se tornado o que era condenado pelo autor.<br />

O autor ironiza ao mencionar que fora a matrona que tivera a ideia para salvar o próprio<br />

amante, deixando que o soldado retirasse seu marido de seu túmulo e pudesse colocá-lo<br />

na cruz em que o corpo havia sumido.<br />

Não esqueçamos que na cruz estavam crucificados ladrões, que se entende<br />

serem de estratos baixos dessa sociedade, e pelo fato da mulher ser enfatizada como<br />

casada e ser chamada de matrona, a mesma, juntamente com seu marido, possuíam um<br />

1298


lugar pertencente a um seio social mais opulento. Logo, são dois polos distintos: ladrões<br />

crucificados em cruzes; e matrona a chorar por seu falecido esposo em um túmulo. Os<br />

primeiros, na literatura latina, são tidos como socialmente infames 159 , ao contrário da<br />

matrona e de seu cônjuge, que eram tidos com fama 160 ,dando um destaque à matrona.<br />

Esse binômio moral fama e infâmia são utilizações ideológicas dos autores<br />

latinos acerca de grupos entendidos por eles como socialmente de alta reputação e de<br />

baixa reputação, respectivamente. Essa qualificação de um sujeito e também a<br />

desqualificação social de outro sujeito são modos de se exercer um poder através de um<br />

julgamento dessa função ideológica moral (honra/desonra, virtude/vício, fama/infâmia)<br />

como mecanismo de discurso de dominação do outro.<br />

No começo do texto da Matrona de Éfeso, Petrônio elabora uma matrona<br />

com boa reputação, ou seja, nesse momento o poeta a demonstra com fama. Nesse<br />

sentido, a mesma possuía um lugar social de destaque. Porém, ao final da narrativa<br />

satírica, esta matrona já não será digna de fama, mas sim de infâmia. A matrona seria<br />

infame por permitir que o corpo do morto que está no sepulcro fosse crucificado, sendo<br />

que seu marido pertencera a um grupo social que não era de forma alguma similar ao de<br />

ladrões. O marido falecido da matrona que se encontrava no túmulo, por estar em um<br />

sepulcro, recebera as exéquias que um morto poderia receber. Referimo-nos às honras<br />

de caráter lúgubre, que eram necessárias aos deuses fúnebres.<br />

Na narrativa de Petrônio, os ladrões não tiveram essas honras em<br />

homenagem as divindades fúnebres, levando em conta que seus parentes não tiveram a<br />

chance de honrá-los com uma cerimônia fúnebre. Dessa forma, um dos corpos teria<br />

sumido para que o morto tivesse uma cerimônia lúgubre. Logo, quando o marido da<br />

esposa é colocado na cruz para preencher a lacuna deixada pelo corpo do ladrão que foi<br />

retirado, a matrona equiparou o seu cônjuge – um membro social de fama e de boa<br />

reputação – com um sujeito sem fama, sem reputação, um infame. A matrona perde toda<br />

159 Ver nota de número 5 deste artigo.<br />

160 Ver nota de número 6 deste artigo.<br />

1299


a virtude ao permitir um ato que “inferiorizava” o marido ao colocá-lo em um mesmo<br />

patamar de ridicularização social com os outros ladrões crucificados.<br />

A intenção do autor, que engendra essa ideologia que cumpre com uma<br />

função moral, é evidenciar a esposa coberta por vícios. A própria relação da esposa com<br />

o soldado é um vício e desonra à matrona. O soldado era um ser social de baixa<br />

reputação, não que o soldado fosse um infame, mas o entendimento que podemos ter é<br />

que o soldado não teria uma condição social e disposição de recursos que pudesse<br />

permitir à matrona viver da forma que vivia com seu marido. O autor, em comparação<br />

ao marido que descansava em seu túmulo, quer demonstrar que o soldado não condizia<br />

com a camada social de opulência do mesmo nem com o da matrona.<br />

Pelo fato da mulher ser uma matrona, ela faria parte de uma família que<br />

pertencia a uma camada aristocrática, bem como a mesma seria casada com um homem<br />

que pertenceria também a uma família que tivesse recursos e que poderia mantê-la de<br />

maneira confortável similar ao modo de vida de seus pares aristocráticos. Por<br />

conseguinte, o envolvimento da matrona com o soldado é uma desonra ao marido e<br />

vergonhoso à mulher. Petrônio evidencia essa distância social do soldado com o marido<br />

e esposa ao enfatizar que o soldado comprava à matrona aquilo que os seus recursos<br />

permitiam.<br />

O poeta põe a matrona em uma situação aviltante ao desqualificar o soldado<br />

e os recursos que possuía. A matrona se relacionara com um ser de menor estrato social<br />

que o seu falecido marido e esta relação, não esqueçamos, não seria juridicamente legal.<br />

Podemos perceber as tentativas de domínio social de um grupo aristocrático, que este<br />

poeta também fizera parte, sobre um grupo que, política e socialmente, deveria se<br />

comportar como subalterno. Logo, o controle sobre o comportamento da mulher por um<br />

público masculino e da elite pode ser percebido nessa sátira de Petrônio.<br />

A dominação política e social de um público elitizado masculino, sobre as<br />

mulheres que compunham também setores dessa mesma aristocracia, foram construídos<br />

através de discursoscomo os de Petrônio para não permitirem que essas mulheres<br />

saíssem de sua “aptidão natural”: o lar.<br />

1300


Ao ficar afastada da possibilidade de manter relações extraconjugais, a<br />

matrona manteria suas <strong>ate</strong>nções e obediência ao marido, dando a este último apenas<br />

filhos legítimos. Mantendo-a restrita ao lar, a ideologia era afastá-la de exercer um<br />

papel político atuante, espaço este que, no entendimento dos oradores e poetas, deveria<br />

ser apenas ao homem. Ao homem cabia a oratória, o exercício da política, de exercer<br />

cargos públicos, como, por exemplo, da magistratura, de gerir o patrimônio familiar.<br />

Ao final da narrativa o que provoca o riso é o fato do corpo ter aparecido na<br />

cruz, sendo que o mesmo já havia sumido. É um final de narrativa que tem em seu bojo<br />

a ironia de um modo satírico de desenvolver uma história literária. É uma ironia – moral<br />

e ideológica – que pretende atingir a matrona. Essa ironia tem o propósito de disciplinar<br />

a “dama do lar” no que concerne o que era moralmente aceitável e o que não seria<br />

moralmente aceitável. Dessa maneira, concluímos com a ideia de Bakhtin, quando<br />

afirma que “o item ideológico possui sempre um índice de valor social” (BAKHTIN,<br />

2009, p. 46).<br />

REFERÊNCIAS<br />

Documentação textual<br />

MARCIAL. Epigramas. I, 34. In: CUATRECASAS, Alfonso. Erotismo no Império<br />

romano. Rio de janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997.<br />

MARCIAL. Epigramas. VI, 90. In: _________. Erotismo no Império romano. Rio de<br />

janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997.<br />

PETRÔNIO. A Dama de Éfeso. SATIRICON. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, s/d.<br />

Bibliografia<br />

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec Editora,<br />

2009.<br />

FIORIN, José Luiz. Enunciação e comunicação. In: FIGARO, Roseli. (org.).<br />

Comunicação e Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2012.<br />

1301


NARZETTI, Claudiana. O projeto teórico de Michel Pêcheux. De uma teoria geral<br />

das ideologias à Análise do Discurso. São Paulo: Annablume, 2012.<br />

VOGT, Débora Regina. A linguagem como intervenção política: uma análise sobre a<br />

contribuição de Quentin Skinner. In: AEDOS, nº 7, vol. 3, Fevereiro, 2011. p. 84-86.<br />

1302


O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM DA CRIANÇA APRESENTADA<br />

NO EMÍLIO<br />

THE DEVELOPMENT OF THE CHILDREN'S LANGUAGE PRESENTED IN<br />

THE EMILY<br />

Francyhélia Benedita Mendes Sousa<br />

Graduanda-UFMA/ Bolsista PIBIC/CNPq<br />

E-mail: francyhelia_sousa@outlook.com<br />

Orientador: Prof. Dr. Luciano da Silva Façanha<br />

E-mail: lucianosfacanha@hotmail.com<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: Pesquisa de natureza teórica que investiga a questão da Linguagem no<br />

pensamento de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Objetiva fazer uma análise do<br />

aparecimento da linguagem da criança apresentada no Emílio, com fundamento no<br />

Ensaio sobre a origem das línguas. Rousseau, em sua obra sobre a linguagem, ao<br />

diferenciar língua de linguagem, em que esta é social e aquela é natural, expõe que a<br />

primeira língua (forma de comunicação) do homem foram sons inarticulados<br />

desprovidos de qualquer sistematização ou organização racional. Logo, eram línguas<br />

mais verdadeiras e mais vivas. No entanto, segundo Rousseau, em função de uma série<br />

de mudanças ocorridas, o homem, não mais movido apenas pelas sensações, começa<br />

agora a imaginar, a memorizar e lentamente a refletir, deixando assim seu estado natural<br />

e passando a constituir uma linguagem menos gestual e mais sonora, acentuada e<br />

inteligível. Progresso esse que só foi possível por que diferente dos outros animais, o<br />

homem é perfectível, possuindo a faculdade de se desenvolver sobre si mesmo. No<br />

Emílio, a criança nos primeiros meses de vida apresenta uma linguagem natural, apesar<br />

de já está em sociedade. O bebê, ao sentir fome, sede, frio, calor, dor ou qualquer outra<br />

sensação, se põe a prantos. Não encontrando outra, sua primeira forma de comunicação<br />

são gritos e choros, que busca apenas satisfazer suas necessidades mais urgentes e<br />

essenciais. Na criança “a linguagem da voz junta-se a do gesto, não menos enérgica”,<br />

1303


mas trazendo do coração à fisionomia facial seus sentimentos mais puros. Assim, a<br />

partir da investigação interdisciplinar entre Filosofia e Linguagem, que a linguagem<br />

tanto articulada, quanto facial, são as primeiras formas de comunicação que a criança<br />

tem para expressar suas necessidades naturais, e portanto mais verdadeiras. Sendo<br />

assim, a linguagem é de fundamental importância para o homem desde a sua fase inicial<br />

de vida.<br />

Palavras-Chave:Filosofia.Linguagem. Natureza. Criança.<br />

ABSTRACT: Research of theoretical nature that investig<strong>ate</strong>s the question of Language<br />

in the thought of Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). It aims to make an analysis of the<br />

appearance of the language of the child presented in Emílio, based on the Essay on the<br />

origin of languages. Rousseau, in his work on language, in differentiating language<br />

from language in which it is social and that is natural, exposes that man's first language<br />

(form of communication) was inarticul<strong>ate</strong> sounds devoid of any systematization or<br />

rational organization. Soon they were truer and more vivid tongues. However, according<br />

to Rousseau, due to a series of changes that have taken place, man, no longer moved<br />

only by sensations, now begins to imagine, to memorize and slowly to reflect, thus<br />

leaving his natural st<strong>ate</strong> and becoming a less sign language and more sonorous, sharp<br />

and intelligible. Progress which was only possible because different from other animals,<br />

man is perfectible, possessing the ability to develop on himself. In Emilio, the child in<br />

the first months of life presents a natural language, although it is already in society. The<br />

baby, when feeling hunger, thirst, cold, heat, pain or any other sensation, starts to weep.<br />

Not finding another, their first form of communication are cries and cries, which seeks<br />

only to satisfy their most urgent and essential needs. In the child "the language of the<br />

voice joins that of the gesture, no less energetic", but bringing from the heart to the<br />

facial physiognomy its purest feelings. Thus, from the interdisciplinary research<br />

between Philosophy and Language, that language both articul<strong>ate</strong>d and facial, are the<br />

1304


first forms of communication that the child has to express their natural needs, and<br />

therefore more true. Thus, language is of fundamental importance for man from his<br />

initial phase of life.<br />

Keywords: Philosophy. Language. Nature. Child.<br />

A LÍNGUAGEM DO HOMEM NATURAL<br />

Ao escrever o Ensaio sobre a origem das línguas, Rousseau parece ter três<br />

objetivos bem definidos: investigar sobre 1) a origem das línguas, a necessidade de<br />

comunicação no homem natural; 2) a diferenciação das línguas _ estudos da evolução<br />

dos grupos humanos e dos meios de expressão; 3) estudo particular das questões<br />

musicais relacionadas com a evolução linguística e social (ROUSSEAU, 1978, p. 152).<br />

Nos <strong>ate</strong>remos apenas ao primeiro.<br />

Investigar a origem das línguas é investigar a história da comunicação<br />

humana desde os primórdios. Mas como fazer tal investigação, uma vez que tais tempos<br />

não existem mais?<br />

Valendo-se de um método hipotético, bastante usado nas ciência no século<br />

das luzes, Rousseau inicia a sua pesquisa pelo estado inicial de existência do homem, ao<br />

qual chamaria de estado de natureza. No estado de natureza, segundo o filósofo, os seres<br />

humanos tinham tudo a sua disposição. Se estão com sede, vão ao rio saciar-se, se estão<br />

com fome, caçam algum animal, além de terem sexo o ano todo. Nesse estado<br />

hipotético, o homem não disporia ainda da fala, mas apenas da comunicação corporal e<br />

da voz inarticulada. Cito:<br />

A ação do movimento pode ser imediata, no tato, ou mediata, no gesto. A<br />

primeira, encontrando seu limite no comprimento do braço, não pode<br />

transmitir-se a distância, mas a outra alcança tão longe quanto o raio visual.<br />

Restam, pois, somente a vista e o ouvido como órgão passivos da linguagem<br />

entre homens dispersos. (ROUSSEAU, 1978, p. 159-60)<br />

1305


Nesse sentido o homem não desenvolve uma linguagem para satisfazer suas<br />

necessidades naturais, mas outros tipos de necessidades que o encontro com o outro faz<br />

surgir em seu coração. Segundo Rousseau, se o homem tem tudo a tempo e hora, sem<br />

precisar dizer uma só palavra, logo não foram as necessidades que lhes fizeram falar,<br />

mas as paixões. “Inclino-me, por isso, a pensar que, se sempre conhecêssemos tão-só<br />

necessidades físicas [fisiológicas e biológicas], bem poderíamos jamais ter falado, e<br />

entender-nos-íamos perfeitamente apenas pela linguagem dos gestos” (ROUSSEAU,<br />

1978, p.161-62).<br />

A apresentação dessa linguagem, ou língua natural é exemplificada no<br />

projeto educacional rousseauniano. No entanto, verifica-se que tal apresentação<br />

exemplificativa pode ser um recurso retórico do autor em relação à uma natureza que<br />

“não existe, nunca existiu e talvez jamais existirá”. Desse modo, na obra em questão,<br />

Rousseau expõem com maior detalhamento esse homem hipotético ao qual iremos<br />

comparar com a criança, ou melhor, com o bebê imaginado no Tratado de Educação. No<br />

Discurso sobre as origens e os fundamentos sobre os homens, o filósofo preocupou-se<br />

em fundamentar o estado original, focando as luzes mais em apresentar cada estado, do<br />

que estabelecer como se deu a passagem de um para o outro.<br />

O homem primitivo natural é um homem hipotético, ilustração da alma<br />

humana, anterior a qualquer inserção social, portanto, anterior à inserção intelectual,<br />

moral, política ou à convenções. O homem natural é puro, até mesmo ingênuo, mas<br />

livre, autônomo e encontra-se em total harmonia com a natureza. No estado natural, o<br />

homem é uma unidade, um fim em si mesmo, que só se relaciona com o seu semelhante.<br />

Desprovido de razão ativa, detém nesse estado dois princípios inatos e próprios a<br />

qualquer ser da espécie: o amor de si e a piedade natural. O primeiro princípio visa a<br />

auto conservação, o outro a conservação da espécie; em que uma regula a outra. Mas, o<br />

homem natural, tem uma terceira característica, que o diferencia dos outros animais. A<br />

perfectibilidade, capacidade que o homem tem de desenvolver-se sobre se mesmo, é o<br />

que da ao homem a possibilidade de saída de seu estado original. É por meio dela, que o<br />

1306


homem poderá aperfeiçoar suas técnicas, luzes e assim, desenvolve suas formas de<br />

comunicação e relação com o meio.<br />

Em 1759, o autor publica Emílio ou Da Educação. Nessa obra Rousseau<br />

esboça ao que parece, um exemplar do estado de natureza, servindo como modelo de<br />

educação do homem em uma sociedade moderna ou corrompida. No Tratado de<br />

educação, é-nos apresentada uma criança em sua fase inicial de existência de modo a<br />

permitir uma certa comparação com o hipotético primitivo natural, em face da inserção<br />

social à inserção moral, isto é a ingenuidade moral da criança tende a ser comparada<br />

com a ingenuidade intelectual do hipotético primitivo, visto que ambos apresentam uma<br />

disposição perfectível natural para o desenvolvimento dos respectivos aspectos, sendo<br />

atribuída à educação a função de direcionar e preservar para que a criança não seja<br />

corrompida pela sociedade das aparências e superficialidades.<br />

A EDUCAÇÃO DE EMÍLIO: UMA EDUCAÇÃO NATURAL<br />

A educação em Jean-Jacques Rousseau, tem como objetivo primordial<br />

formar o homem para a sua própria condição, isto é, a de ser verdadeiramente homem.<br />

No entanto, antes de ser homem, se é criança, nisto Rousseau empenhou-se para que a<br />

sociedade de sua época compreendesse que a criança tem necessidades específicas que<br />

precisam ser suprimas para que esta se desenvolva e torne-se homem. Segundo<br />

SOËTARD, Michel “Rousseau, iniciador de uma “revolução coperniciana”, situou a<br />

criança no centro do processo educacional” (2010, p.12)<br />

Assim, a preocupação central é com o educar. Pois em uma pesrpesctiva de<br />

análise a partir da linguagem, essa criança será educada para conservar essa<br />

naturalidade do processo linguístico que a natureza humana apresenta, uma vez que a<br />

sociedade das aparências tende a corrompê-la em vários aspectos, inclusive sua<br />

linguagem. Será ela, a educação que “salvará o homem desse dilúvio social”<br />

(SOËTARD, 2010, p.13) que dará o norte para prover, instruir e formar a criança. Pois<br />

segundo Rousseau:<br />

1307


Nascemos fracos, precisamos de força, nascemos desprovidos de tudo, temos<br />

necessidades de assistência, nascemos estúpidos de juízo, precisamos de<br />

juízo. Tudo o que não temos ao nascer, e de que precisamos adultos, é-nos<br />

dado pela educação.<br />

( ROUSSEAU, 1995, p.10)<br />

Assim, é necessário perceber que a educação, mesmo em uma análise sob o<br />

viés da linguagem, exerce um papel fundamental no processo de desenvolvimento da<br />

comunicação dessa criança que se apresenta como modelo retórico, portanto, é também<br />

de capital importância para a análise comparativa desenvolvida na presente<br />

investigação. Na fase inicial da vida, a criança é totalmente dependente do outro para<br />

prover a sua subsistência, será a educação a responsável por prover o homem em sua<br />

faze inicial de existência. Mas qual educação ou quais educações?<br />

Rousseau salienta que de modo geral, a educação divide-se em três: a<br />

educação proveniente da natureza, a educação dos homens e a educação das coisas: a da<br />

natureza não depende de nós, a das coisas só em certo ponto e a dos homens a única que<br />

realmente somos senhores. Cito:<br />

[A] educação nos vem da natureza, ou dos homens ou das coisas. O<br />

desenvolvimento interno de nossas faculdades e de nossos órgãos é a<br />

educação da natureza; o uso que nos ensinam a fazer desse desenvolvimento<br />

é a educação dos homens; e o ganho de nossa própria experiência sobre os<br />

objetos que nos afetam é a educação das coisas. (Ibid. p. 11).<br />

Dessa forma, o aluno será formado por três espécies de mestre. Mas o<br />

objetivo final deve se adequar em um só, que é a própria meta da natureza. Pois a além<br />

de diferentes, as três educações são opostas: a educação da natureza quer formar<br />

homens, enquanto a educação dos homens quer formar cidadãos. Mas Rousseau<br />

assevera:<br />

Aquele que, na ordem civil, deseja conservar a primazia da natureza, não<br />

sabe o que quer. Sempre em contradição consigo mesmo, hesitando entre<br />

suas inclinações e seus deveres, nunca será nem homem nem cidadão; não<br />

será bom nem para si nem para outrem. Será um dos homens de nossos dias,<br />

um francês, um burguês; não será nada. (Ibid, p.13).<br />

1308


Desses dois objetos opostos, segundo Rousseau, têm-se duas formas de<br />

instituições contrárias: uma publica e comum, outra particular e doméstica.<br />

Rousseau atribui uma educação publica ao tempo grego, ou seja, relaciona a<br />

coisa publica a pátria e a cidadão, considerando que em seu tempo não há mais<br />

publicidade como nos gregos, a educação de que vais tratar só pode ser portanto uma<br />

educação doméstica ou da natureza. Mas como proceder esta educação? Rousseau nos<br />

indica que a educação doméstica é muito mais um trabalho de impedir que algo seja<br />

feito do qualquer outra coisa. Pois segundo ele, na ordem social, todos os lugares já<br />

estão marcados e cada um deve ser educado para exercer tal função preestabelecida;<br />

enquanto que na ordem natural, sendo os homens todos iguais, sua vocação comum é o<br />

estado de homem, e quem quer que seja bem educado para esse intento, não pode<br />

desempenhar-se mal dos que com esse se relacionam. Assim, o verdadeiro estudo da<br />

educação doméstica é o da condição humana. Cito:<br />

Quem entre nós melhor suportar os bens e os males desta vida é, a meu ver,<br />

o mais bem educado; daí decorre que a verdadeira educação consiste menos<br />

em preceitos do que em exercícios. Começamos a instruir-nos em começando<br />

a viver; nossa educação começa conosco; nosso primeiro preceptor é nossa<br />

alma. Por isso, esta palavra educação tinha, entre os antigos, sentido diferente<br />

do que lhe damos hoje: significava alimento. Assim, a educação, a<br />

instituição, a instrução são três coisas tão diferentes em seu objeto quanto a<br />

governante, o preceptor e o mestre. [...] e para ser bem orientada a criança<br />

deve seguir um só guia. (Ibid., p.16).<br />

Rousseau a partir daqui descreve como a educação de seu tempo contribui<br />

para o declínio humano em sua total falta de liberdade e falta de amor e compromisso<br />

com o outro; dando ênfase ao papel fundamental da mãe na educação inicial do homem.<br />

O homem nasceu livre, no entanto, salienta Rousseau que “mal a criança sai<br />

do seio da mãe, mal goza a liberdade de se mexer e distender seus membros, já lhe dão<br />

novas cadeias.” O enrolam em faixas, deitam-na com a cabeça imóvel e as pernas<br />

alongadas, os braços pendentes ao lado do corpo; envolvem-na em toda espécie de<br />

panos e tiras que não permitem mudar de posição. (Ibid., p. 17). Todo esse tratamento<br />

1309


anti-natural dado a criança, que não o deixa mesmo se movimentar, tem consequências<br />

em seu físicas e emocionais. Cito:<br />

Tão cruel constrangimento poderia influir em seu humor, em seu<br />

temperamento? Seu primeiro sentimento é um sentimento de dor e de<br />

esforço: só encontram obstáculos a todos os movimentos de que necessitam.<br />

[...] irritam-se, gritam. Seus primeiros sons, dizei vós, são de choro? E<br />

evidente. [...]. Nada tendo de livre senão a voz, como não se servirem dela<br />

para se queixarem? Choram por causa do mal que vós lhes fazeis. [...](Ibid.,,<br />

p.18).<br />

A criança ao nascer já está em meio a toda conformidade social. É papel da<br />

mãe cuidar para que siga o caminho da natureza. No entanto, Rousseau observa que<br />

não é isso que ocorre. As mulheres estariam mais preocupadas em entregarem-se ao<br />

divertimento da cidade a cuidarem e amamentar seus filhos, alienando esse dever a<br />

outras mulheres, as amas, que segundo o autor, não teriam amor nenhum por esta<br />

criança que não é sua. A criança, por sua vez em meio a todo esse descuidado da mãe e<br />

em processo de desnaturação externaliza seu primeiro canto apaixonado: o grito e o<br />

choro de dor e desamparo; o som inarticulado que sai da garganta como expressão de<br />

angústia diante da mordaça ao qual foi submetido. A criança que não sendo <strong>ate</strong>ndida a<br />

seu pedido mais urgente, a sua primeira necessidade, põe-se a prantos, e qual seria ela?<br />

Ora, a necessidade da liberdade; a criança nasce livre, é responsabilidade da mãe, cuidar<br />

para que a sua natureza não mude, “observai a natureza e segui o caminho que ela vos<br />

indica” (Ibid., p.22).<br />

A mãe, sua verdadeira ama, deve exercitar as afrontas que um dia terá que<br />

suportar: “criança suportará mudanças que um homem não suporta; as fibras dela,<br />

moles, flexíveis, tomam sem esforço as dobras que lhes impõem; as do homem, mais<br />

endurecidas, só com violência mudam as que receberam” (Ibid., p.23). Assim, a criança<br />

deve ser ensinada a ser forte, mesmo que isso a ponha em risco, pois estes são “riscos<br />

inseparáveis da vida humana”. Conforme Rousseau:<br />

1310


E portanto no futuro que é preciso pensar zelando pela sua conservação; é<br />

contra os males da juventude que é preciso defende-la, antes que a eles<br />

chegue. Se o preço da vida aumenta até a idade de tornar útil, não será<br />

loucura poupar alguns males da infância multiplicando-os na idade da razão?<br />

[...]. (Ibid., p. 23)<br />

Assim, Rousseau ratifica o cuidado com a criança na primeira infância, pois<br />

é do próprio homem que vem os maiores males que lhe afligem a alma. Quando a<br />

criança nasce ela grita, na primeira infância passa a chorar. “Sacodem-na as vezes ou a<br />

acariciam para acalmá-la; ameaçam-na também e b<strong>ate</strong>m-na para que se cale.” Ou lhe<br />

fazem o que agradam-na ou exigem dela que vos agrade. “Ou submetemos as suas<br />

fantasias ou a submetemos as nossas”. [...] “é preciso que nos dê ordem ou que as<br />

receba”. E “assim, suas primeiras ideias são de império e servidão. Antes de falar ele<br />

manda, antes de poder agir ele obedece”. (Ibid., p. 23-4)<br />

Vigiar e cuidar da natureza da criança para que não se desencaminhe. Então<br />

quereis conservar seu estado original? “Conservai a partir do instante em que vem ao<br />

mundo. Logo ao nascer apropriai-vos dele não o largueis antes que seja homem: nada<br />

conseguireis sem isto”(Ibid., p. 24). Rousseau, conclui portanto que a verdadeira ama é a<br />

mãe e o verdadeiro preceptor é o pai. De modo que na primeira infância, deveria ser<br />

responsabilidade da mão zelar pelo bebê e para seu livre desenvolvimento.<br />

A LINGUAGEM DE EMÍLIO: CONTRA A CONVENÇÃO<br />

Emílio é um aluno imaginário que será educado desde seus primeiros anos<br />

de vida para conservar suas virtudes e sua liberdade. Ainda na infância, quando bebê,<br />

Emílio é desprovido de qualquer moralidade ou convenção, sendo este um dos âmbitos<br />

humanos que permitem a comparação entre a criança e o homem natural. Antes de<br />

qualquer outra coisa, o homem é um ser sensível que no seu estado inicial é afetado de<br />

diversas maneiras pelos objetos que os cercam. A criança é um ser em desenvolvimento<br />

físico, intelectual e moral, que precisa de outros para a sua sobrevivência, portanto é<br />

totalmente dependente na sua fase inicial. Destarte, assim como o homem natural,<br />

1311


Emílio representa o estado inicial do homem, porém já inserido em sociedade. Se o<br />

homem natural é um ser autônomo, orientado por seus impulsos naturais e submetido<br />

somente a leis naturais, Emílio porém, é um ser totalmente dependente que necessita de<br />

cuidados por estar a desenvolver-se física e intelectual e moralmente.<br />

Se no Ensaio, natureza e linguagem caminham juntas, no Emílio, educação<br />

e linguagem seguem o percurso da natureza. Para Rousseau a educação começa com a<br />

vida, ao nascer, a criança já é discípulo, não do governante, mas da própria natureza. O<br />

governante não o faz senão estudar, orientado por esse princípio mestre, e impedir que<br />

seus cuidados sejam contrariados. Ele vigia o bebê, observa-o, segue-o, <strong>ate</strong>nta,<br />

vigilante, para o primeiro reluzir de seu fraco entendimento. Disso Rousseau expõem<br />

que:<br />

Nascemos capazes de aprender, mas não sabendo nada, não conhecendo<br />

nada. A alma acorrentada a seus órgão imperfeitos e semi formados, não tem<br />

sequer o sentimento de sua própria existência. Os movimentos, os gritos da<br />

criança que acaba de nascer, são feitos puramente mecânicos, desprovidos de<br />

conhecimento e de vontade. (Ibid., p.41)<br />

Ou seja, a criança ao nascer é pura determinação da natureza, mas vem com<br />

disposições para a sua orientação no mundo. Agora Rousseau nos convida a imaginar se<br />

essa criança não fosse bebê, mas um homem feito, com sua força e estatura, que já<br />

nascesse com todos os meios de ação; “esse homem-criança seria um perfeito imbecil,<br />

um autômato, uma estátua imóvel e quase insensível: não veria nada, não<br />

compreenderia nada, não conheceria ninguém, não saberia voltar os olhos para o que<br />

tivesse necessidade de ver [...] as cores não estariam nos seus olhos, os sons não<br />

estariam nos seus ouvidos, os corpos que tocasse não estariam no seu, nem sequer ele<br />

saberia que tem um; o contato de suas mãos não estaria no seu cérebro; todas as suas<br />

sensações se reuniriam num só ponto, sensorium comum; teria uma só ideia, a do eu, a<br />

quem atribuiria todas as sensações e este sentimento seria o que teria a mais do que uma<br />

criança comum.[...] Sentiria o incômodo das necessidades, sem conhecer nem imaginar<br />

um meio de <strong>ate</strong>nder a elas. (Ibid., p.41)<br />

1312


É a partir desse raciocínio que Rousseau enfatiza a importância da educação<br />

começar desde os primeiros dias de vida da criança. Pois, do contrário, seria um<br />

homem-criança sem a mínima capacidade de se orientar sensível e intelectualmente, já<br />

que não teve experiências que lhe proporcionassem esse contato com o mundo.<br />

Portanto, nota-se a importância da experiência da criança ao longo de todo o processo<br />

de desenvolvimento e maturação para que na vida adulta consiga viver e conviver em<br />

sociedade. Nesse sentido, Jean-Jacques nos diz que:<br />

As primeiras sensações das crianças são puramente afetivas; não percebem<br />

senão o prazer e a dor. Não podendo nem andar nem pegar, precisam muito<br />

tempo para formarem pouco a pouco as sensações representativas que lhes<br />

mostram os objetos fora de si mesmas.; mas enquanto esses objetos não se<br />

estendem, não se afastam, por assim dizer, de seus olhos, e tomam para eles<br />

dimensões e formas, a repetição das sensações afetivas começa a submetê-los<br />

ao império do hábito. (ibid., p. 43).<br />

O mundo, totalmente estranho a esse ser, vai ganhando significação aos<br />

poucos através do contato que o bebê vai mantendo com as coisas ao seu redor. Tudo<br />

ainda é pura sensação, já que ainda não há imaginação e entendimento ativos. Essas<br />

primeiras sensações lhes causando dor ou prazer, são expressadas através de gritos e<br />

choros, lhes fazendo habituar a manifestar seus desejos através desses. Mas Rousseau<br />

assevera que o único hábito que se deve deixar a criança adquirir é o de não contrair<br />

nenhum. O preceptor deve prepara “de longe o reinado de sua liberdade e o emprego de<br />

suas forças, deixando a seu corpo hábil natural, pondo-a em estado de ser sempre<br />

senhora de si mesma e fazendo em tudo sua vontade logo que tenha uma” (ibid., p.43)<br />

Ainda na fase inicial da criança, o genebrino aponta que ainda quando a<br />

memória e a imaginação são ainda inativas, a criança só presta <strong>ate</strong>nção àquilo que o<br />

afeta nos sentidos; sendo suas sensações o primeiro m<strong>ate</strong>rial de seus conhecimentos,<br />

oferecer-lhes numa ordem a seu entendimento [...] É assim que aprende a sentir o calor,<br />

o frio e a dureza, a moleza, o peso, a leveza dos corpos a julgar do seu tamanho, de sua<br />

forma e de todas as suas qualidades sensíveis, olhando, apalpando, ouvindo e<br />

1313


principalmente comparando a vista ao tato, estimando pelo olhar a sensação que<br />

provocariam em seus dedos (ibid., p. 44).<br />

Aqui, temos a descrição do filósofo da natureza em relação aos primeiros<br />

contatos e apreensão da criança com o todo que o cerca. Percebamos que ela está em um<br />

lento processo de desenvolvimento dos sentidos e sensações, para que depois possam<br />

ser capturadas pela memória e imaginação e levadas ou entendimento, e assim quando<br />

necessário tenha os meios para suprir suas próprias necessidades.<br />

Por sua vez, estas necessidades, são expressas na infância pelos choros e<br />

gritos das crianças, pois todas as suas sensações são afetivas, e quando agradáveis elas<br />

apreciam em silêncio; quando penosas, elas o dizem em sua linguagem e pedem alívio.<br />

Como já mencionado anteriormente, essa linguagem, ou melhor, língua, não são<br />

articuladas, mas, acentuadas, sonora e inteligíveis.<br />

choros e gritos:<br />

Rousseau aponta ainda outra maneira de expressão da criança além dos<br />

A linguagem da voz junta-se a do gesto, não menos enérgica. Esse gesto não<br />

está nas fracas mãos da criança, está em seus rostos. E de espantar a ver a que<br />

ponto essas fisionomias mal formadas já têm expressão; seus traços mudam<br />

de um momento para o outro com inconcebível rapidez; veem-se nelas o<br />

sorriso, o desejo, o pavor nascerem e passarem como relâmpagos [...] (ibid.,<br />

p. 46)<br />

Desse modo, a primeira linguagem da criança que são elas as expressões de<br />

queixas e choros, são inarticulados e sonoras além dos gestos faciais que expressam<br />

seus primeiros sentimentos, mas que ainda não tem qualquer vestígio de sistematização,<br />

portanto de razão. Mas, já aqui nasce o primeiro elo entre os homens, a criança ao<br />

chorar por <strong>ate</strong>nção e ama ao <strong>ate</strong>ndê-la, estabelecem a primeira relação da grande cadeia<br />

que é formada na ordem social. (ibid., p. 46). Nesse processo, Rousseau aponta que:<br />

Em crescendo, adquirimos forças, tornamo-nos menos inquietos, menos<br />

trêfegos, fechamo-nos mais em nós mesmos. A alma e o corpo se põem, por<br />

assim dizer, em equilíbrio e a natureza não nos pede mais do que o<br />

movimento necessário de nossa conservação. (ibid., p. 49).<br />

1314


CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Na fase inicial da vida, que corresponde ao bebê, a criança é totalmente<br />

dependente do outro para sua necessidades básicas, o que lhe diferencia absolutamente<br />

do homem natural neste ponto, que é um ser totalmente independe de seus semelhantes,<br />

sendo as necessidades naturais um fator de dispersão e não de aproximação.<br />

Desse modo, a criança, não está no estado de natureza primitivo, pois já está<br />

inserida em sociedade e mantém contato afetivo com o outro. Porém também não está<br />

em estado de sociedade, uma vez que ainda é desprovida de meios de dissimulação,<br />

organização ou vontades conscientes, além de ser absolutamente determinada por leis<br />

naturais o que lhe caracteriza em estado de natureza histórico.<br />

O seu meio de expressar suas necessidades são os gritos e choros, que se<br />

comparam com a primeira língua dos selvagens, além de gestos corporais, incluindo<br />

expressões faciais. Essas primeiras formas de ordens e desejos do bebê, não sendo<br />

educados corretamente podem levar ao nascimento de sentimentos de domínio sobre o<br />

outro, então a necessidade da uma educação que menos instrua e guie o aluno. Segundo<br />

Rousseau:<br />

Os primeiros desenvolvimentos da infância ocorrem quase todos ao mesmo<br />

tempo. A criança aprende a falar, a comer, andar quase sempre ao mesmo<br />

tempo. É em verdade a primeira fase de sua vida. Antes ela não é nada mais<br />

do que era no ventre da mãe; não tem nenhum sentimento, nenhuma ideia;<br />

mal tem sensações, não sente sua própria existência. (ibid., p. 57).<br />

O relevante em analisar a linguagem natural do homem, é perceber a sua<br />

relação com a verdade sentimental em Rousseau. O homem, ou antes, a criança que<br />

ainda não tem nenhuma forma ou desejo de sistematização, organização, e portanto,<br />

articulação racional sobre essa linguagem, até mesmo por falta de necessidade disso,<br />

uma vez que essa primeira linguagem é apenas uma comunicação que visa <strong>ate</strong>nder suas<br />

necessidades mais essenciais_ e posto que para Rousseau, raciocinar não é uma<br />

necessidade fundamental, ou ao menos não é da natureza do homem que ele pense,<br />

1315


assim pensar se configura como um esforço_ expressa por meio de gritos e choros uma<br />

verdade vinda do seu âmago, ou seja, a verdade do sentir é uma verdade não falada e<br />

não escrita, mas que se faz presente nos gestos e na face do bebê. Percebamos ainda que<br />

por ser uma verdade do sentir e de quem sente, é também uma verdade visível, pois<br />

segundo o filósofo “se fala melhor aos olhos muito mais do que aos ouvidos”. Nesse<br />

sentido, a estética rousseauniana desenha diante dos nós um mundo sensível<br />

fundamental para uma teoria da linguagem natural. Portanto, a linguagem é uma das<br />

vertente importantes para se compreender o pensamento rousseauniano, e a qual nos<br />

possibilita fazer a comparação entre o hipotético natural e a criança, que representam o<br />

homem na sua forma mais natural e verdadeira.<br />

Em síntese, a partir da investigação interdisciplinar entre Filosofia e<br />

Linguagem, é possível perceber que a linguagem tanto articulada, quanto facial, são as<br />

primeiras formas de comunicação que a criança tem para expressar suas necessidades<br />

naturais, e portanto mais verdadeiras. Sendo assim, quando já inserido na sociedade, a<br />

linguagem é de fundamental importância para o homem desde a sua fase inicial de vida.<br />

REFERÊNCIAS<br />

CASSIRER, Ernest. A filosofia do iluminismo. Tradução: Álvaro Cabral. Unicamp:<br />

Campinas/SP, 1992<br />

FAÇANHA,Luciano da Silva.Para LerRousseau: uma interpretação desua<br />

narrativa confessionalporumleitorda posteridade. São Paulo:EdiçõesInteligentes,<br />

UFMA. 2006.<br />

ROUSSEAU, J.-J. Ensaio sobrea origemdas línguas. São Paulo: AbrilCultural, 1978<br />

. Discurso sobrea origemeos fundamentos da desigualdade entreos<br />

homens.São Paulo:Abril Cultural, 1978.<br />

. Livro I e<strong>II</strong>. In: Emílio ou da educação. Tradução: SérgioMilliet. Rio<br />

deJaneiro:BertrandBrasil, 1995.<br />

1316


. Ensaio sobrea origemdas línguas;Discurso sobrea origemeos fundamentos da<br />

desigualdade entreos homens; Discurso sobreas ciências eas artes; Prefácio<br />

deNarciso ouo amantedesimesmo.Tradução:Lourdes Santos Machado;<br />

Introduçãoenotas dePaul Arbousse-BastideeLourival Gomes Machado<br />

econsultoriadeMarilenaChauí. 2. ed. Os Pensadores, São Paulo:AbrilCultural, 1978.<br />

PRADO JÚNIOR, Bento. A Retórica de Rousseau e outros ensaios. Organização e<br />

apresentação: Franklin de Matos. Tradução: Cristina Prado. Revisão Técnica: Thomaz<br />

Kawauche. Cosac Naify: São Paulo, 2008.<br />

SOËTARD, Michel. Jean Jacques Rousseau. Tradução e organização José Eustáquio<br />

Romão e Verone Lane. Massangana: Recife, 2010.<br />

SALINAS FORTES, Luiz Roberto. O Iluminismo e os Reis Filósofos. 3º ed.<br />

Brasiliense: São Paulo, 1985.<br />

__________. Paradoxo do espetáculo: política e poética em Rousseau. São Paulo:<br />

Discurso Editorial, 199<br />

1317


O DISCURSO RELIGIOSO CRISTÃO E A CONSTRUÇÃO DAS<br />

REPRESENTAÇÕES DAS MULHERES TUPINAMBÁ DA ILHA DO<br />

MARANHÃONAS CRÔNICAS DE VIAGENS (1612-1615) 161<br />

THE CHRISTIAN RELIGIOUS DISCOURSE AND THE CONSTRUCTION OF<br />

THE TUPINAMBÁ WOMEN OF THE ISLAND OF MARANHÃOIN THE<br />

CHRONICLES OF TRIPS (1612-1615)<br />

Karen Cristina Costa da Conceição – Mestranda em História Social –<br />

Universidade Federal do Maranhão - UFMA (autora)<br />

Karolynne Soares Sousa– Mestranda em História Social – Universidade<br />

Federal do Maranhão - UFMA (coautora)<br />

Orientador: Prof. Dr. Alexandre Guida Navarro – Departamento de História<br />

da Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia.<br />

RESUMO: Nos séculos XVI e XV<strong>II</strong> com a expansão da Europa para o continente<br />

americano e em contato com outras culturas, a linguagem cristã ocupou um lugar<br />

primordial na legitimação de uma ordem político-social androcêntrica. É essa prática<br />

discursiva religiosa que inscreve os indígenas e principalmente as mulheres indígenas<br />

Tupinambá que habitam as terras baixas sul-americanas como o lugar de significação da<br />

diferença, da aberração. Esse imaginário religioso cristão constitui o modo de ser e de<br />

agir dos viajantes que são incumbidos pelas nações europeias de registrarem os lugares<br />

e os modos de viver dos habitantes do território posteriormente chamado Brasil. Neste<br />

sentido, os viajantes imbuídos desse imaginário religioso, não podiam conceber na<br />

América a existência de outra organização social e a vivência de mulheres detentoras de<br />

poder. Desta forma, este trabalho que atua na interface entre a história e antropologia e<br />

com alguns referenciais da analise do discurso, tem por objetivo, analisar como o<br />

161 Este trabalho é fruto das discussões realizadas no Laboratório de Arqueologia da Ufma sob a<br />

orientação do professor Alexandre Guida Navarro e na disciplina Gênero, Cultura e Sociedade oferecida<br />

no primeiro semestre de 2017 pelo Programa de Mestrado Interdisciplinar: Cultura e Sociedade<br />

ministrada pelas professoras Larissa Lacerda Menendez e Sandra Maria Nascimento Souza.<br />

1318


discurso religioso presente nas narrativas históricas construiu representações dos/as<br />

indígenas como resultados da deterioração da humanidade, inclinados a práticas<br />

demoníacas.<br />

Palavras-chave: crônicas, representação, tupinambá.<br />

ABSTRACT:In the sixteenth and seventeenth centuries, with the expansion of Europe<br />

to the American continent and in contact with other cultures, Christian language<br />

occupied a primordial place in the legitimation of an androcentric political-social order.<br />

It is this religious discursive practice that inscribes the Indians and especially the<br />

Tupinambá indigenous women who inhabit the South American lowlands as the place<br />

of signification of difference, of aberration. This Christian religious imaginary<br />

constitutes the way of being and acting of the travelers who are assigned by the<br />

European nations to register the places and ways of living of the inhabitants of the<br />

territory l<strong>ate</strong>r called Brazil. In this sense, the travelers imbued with this religious<br />

imaginary, could not conceive in America the existence of another social organization<br />

and the existence of women who hold power. In this way, this work that works on the<br />

interface between history and anthropology and with some reference points of the<br />

discourse analysis, aims to analyze how the religious discourse present in historical<br />

narratives constructed representations of indigenous people as results of the<br />

deterioration of humanity, inclined to demonic practices.<br />

Keywords: chronicles, representation, tupinambá.<br />

1. AS CRÔNICAS DOS PADRES FRANCESES CLAUDE D’ABBEVILLE E<br />

YVES D’ÉVREUX NO CENÁRIO DA CONQUISTA DA AMÉRICA<br />

No panorama da conquista da América diversas crônicas de viagens foram<br />

produzidas por viajantes em sua maioria membros de ordens religiosas, enviados pelas<br />

nações europeias no contexto das disputas pela vasta faixa litorânea do Brasil nos<br />

1319


séculos XVI e XV<strong>II</strong>. Estes viajantes foram os primeiros a registrar suas atividades,<br />

como eram as terras recém “descobertas”, bem como, os costumes, hábitos, rituais dos<br />

habitantes que foram descritos como sinais da presença do diabo na América, visto que,<br />

os comportamentos dos indígenas que não se adequavam ao molde religioso cristão e<br />

por ameaçarem os interesses de c<strong>ate</strong>quização e colonização da América portuguesa 162 .<br />

Dito isto, o presente artigo resultou da análise de duas crônicas, redigidas no<br />

século XV<strong>II</strong> por missionários franciscanos, Missão dos padres capuchinhos a Ilha do<br />

Maranhão e terras circunvizinhas do padre Claude D’Abbeville e Continuação da<br />

História das coisas mais memoráveis acontecidas no Maranhão nos anos de 1613 e<br />

1614 do padre Yves D’Évreux que trataram dos indígenas Tupinambá da Ilha<br />

Maranhão 163 . O objetivo deste estudo foraanalisar as representações das indígenas como<br />

seres de que se utiliza o demônio – enunciado oriundo das concepções do imaginário<br />

ocidental cristão a respeito das mulheres 164 .<br />

Apesar do desenvolvimento dos estudos sobre as mulheres, notadamente a<br />

partir da década de 1980, existem desafios nesse campo de estudo. Um dos desafios<br />

impostos, no caso de pesquisas sobre mulheres indígenas em que somente dispomos de<br />

documentação produzida por enviados da Europa para o litoral brasileiro, é a<br />

162 Algo sempre presente nessas crônicas é o relato da própria experiência do viajante, assim como, a<br />

tentativa de compreensão do outro. Ver DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do<br />

mito da modernidade. Conferências de Frankfurt. Petrópolis, RJ. Vozes, 1993.<br />

163 O termo Ilha do Maranhão aparece nas crônicas para se referir ao Maranhão que podia corresponder a<br />

uma vasta faixa territorial de fronteira que podia compreender os atuais estados do Ceará, Piauí,<br />

Maranhão e Para. De acordo com Cardoso (2011), antes de 1621 com a criação do Estado do Maranhão e<br />

Grão-Pará, não se fala ainda claramente sobre um ‘Maranhão português’, a região era conhecida por<br />

diversos nomes ou títulos: ‘terra do rio das Amazonas’, ‘terra dos tupinambás’, ou mesmo ‘terra dos<br />

caraíbas’. Muitas Crônicas, Cartas, Memoriais e Planisférios chegam a representar o Maranhão como uma<br />

espécie de ‘não-Brasil’. Alguns trabalhos identificam o momento da incorporação da região ao domínio<br />

português quase sempre como uma resposta à presença de franceses na Ilha do Maranhão. Antes da<br />

tomada definitiva do Maranhão pelos portugueses, existem várias viagens documentadas sobre a região, a<br />

mais conhecida é a realizada pelos franceses comandada por Daniel de La Touche em 1612 (CARDOSO,<br />

Alírio. A conquista do Maranhão e as disputas atlânticas na geopolítica da União Ibérica (1596-1626).<br />

Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 31, nº 61, p. 317-338 – 2011).<br />

164 Os estudos realizados no Laboratório de Arqueologia da Ufma (LARQ) no âmbito do projeto Carta<br />

arqueológica dos povos Tupiguarani na Ilha de São Luís coordenado pelo professor Alexandre Guida<br />

Navarro foram essenciais para a elaboração deste estudo sobre as mulheres Tupinambá.<br />

1320


necessidade de se trabalhar quase que tão-somente com a história das representações,<br />

devido à predominância de discursos de homens ocidentais sobre as mulheres nativas.<br />

Logo, as crônicas sobre os Tupinambá são compreendidas aqui como<br />

representação com base na “realidade vivenciada”. Roger Chartier (1990) há muito tem<br />

chamado <strong>ate</strong>nção para a subjetividade das representações, sobretudo em relação ao<br />

mundo social, visto que a realidade é construída contraditoriamente, já que elaborada<br />

por diferentes conjunturas socioculturais e em uma relação de forças desigual, sendo<br />

representações ocidentais a respeito da organização social dos Tupinambá 165 .<br />

Desta forma, os cronistas registraram e interpretaram o mundo indígena<br />

Tupinambá a partir das representações presentes em seusimaginários sociais, ou seja, a<br />

partir de representações marcadas por compreensões cristãs, androcêntricas e<br />

colonialistas 166 . Neste sentido, imersos no imaginário religioso, não podiam conceber na<br />

América a existência de outra organização social e a vivência de mulheres detentoras de<br />

autonomia nas aldeias preferindo relacioná-las ao diabólico, imprimindo um sentido<br />

negativo às práticas culturais produzidas por elas.<br />

Dentre as diversas temáticas, as mais recorrentes, nas crônicas, foram às<br />

relativas às práticas cerimoniais dos Tupinambá. A presença de hábitos guerreiros, o<br />

apreço por uma bebida fermentada chamada pelos indígenas de cauim, os rituais dos/as<br />

pajés, especialmente os ritos que não coincidiam com o padrão religioso, cristão e<br />

católico dos viajantes resultou em representações demonizadas, visto que, os padres<br />

vieram empenhados numa missão providencialista de conquistar “almas” para Cristo –<br />

tendo em vista os interesses franceses de c<strong>ate</strong>quização e colonização dos Tupinambá.<br />

O projeto colonizador francês na Ilha do Maranhão com relação aos<br />

Tupinambá baseava-se, primeiro em incorporá-los a fé cristã católica, e convencê-los da<br />

165 Utilizaremos o termo tupinambá e guarani no singular, de acordo com a “Convenção para a grafia de<br />

nomes indígenas” realizada no Rio de Janeiro, pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e<br />

publicada na Revista de Antropologia (VOL. 2. Nº 2. São Paulo, 1954; pp. 150-152).<br />

166 De acordo com Orlandi (2003) “o imaginário faz necessariamente parte do funcionamento da<br />

linguagem. Ele é eficaz. Ele não “brota” do nada: assenta-se no modo como as relações sociais se<br />

inscrevem na história e são regidas, em uma sociedade como a nossa, por relações de poder” (ORLANDI,<br />

Eni Pulcinelli. Análise de Discurso: princípios e procedimentos. 5 ed. Campinas: Pontes, 2003).<br />

1321


condição de súditos da Coroa Francesa. Nessa perspectiva, enquanto súditos,<br />

precisavam antes serem convertidos ao catolicismo. Desta forma, os Superiores da<br />

Ordem dos Capuchinhos, enviaram quatro religiosos a Ilha do Maranhão <strong>ate</strong>ndendo a<br />

um chamado da rainha Maria de Médici, ainda vieram Daniel de La Touche e o<br />

François de Razillye o Charles des Vaux. 167<br />

Observa-se no trecho a seguir da crônica do Claude ‘D’Abbeville a<br />

preocupação da Coroa Francesa em enviar religiosos especializados que pudessem<br />

responsabilizasse pelas atividades de conversão:<br />

Ao reverendo padre Leonardo Provincial da Ordem dos Capuchinhos.<br />

Padre Leonardo. O sr. de Razilly, Loco-tenente general das Índias Ocidentais,<br />

pelo sr. Rei meu filho nomeado, disse-me da possibilidade de aí se introduzir<br />

a religião cristã, sendo recomendável o envio de alguns religiosos de vossa<br />

ordem para ficarem nessas terras e tratarem na medida de suas forças de<br />

estabelecer a fé cristã. Por esse motivo vos dirijo a presente, rogando-vos<br />

para lá enviardes até quatro religiosos, entre os que jugardes mais dignos e<br />

capazes. E lhes ordenarei que sigam em companhia de quem os enviar o sr.<br />

de Razilly para guia-los. Estou convencida de que, em se tratando de pessoas<br />

habilitadas e devotadas, grandes serão os frutos e que sua obra aumentará<br />

ainda a glória de Deus e a boa reputação de vossa ordem (ABBEVILLE,<br />

2008, p.25).<br />

Assim, os franceses em três navios partiram do porto de Cancale na França e<br />

desembarcaram na Ilha do Maranhão em 1612 onde encontraram uma organização que<br />

abarcava grande parte do litoral do Maranhão. A diversidade, a riqueza e a organização<br />

dos Tupinambá atraíram fortemente a <strong>ate</strong>nção, e os capuchinhos tinham urgência de um<br />

(re)conhecimento dessa humanidade “estranha” e “desconhecida” a fim de colocar em<br />

prática as atividades de conversão ao cristianismo como uma das etapas do projeto<br />

colonial, visto que, a tentativa de estabelecer uma colônia no Rio de Janeiro não havia<br />

dado êxito para a Coroa Francesa.<br />

Depois dos primeiros contatos e uma vez que começou a assumir posse do<br />

território, os franceses visará especificamente à conduta dos Tupinambá, desta forma, se<br />

organizaram para visitar todas as aldeias, celebrar missas, batizados a fim de conquistá-<br />

1322


los a monarquia católica. Essa interferência na cultura Tupinambá era essencial dos<br />

dispositivos de poder, e em sua acepção mais ampla, do poder político que visava<br />

produzir uma sociedade colonial e patriarcal na Ilha do Maranhão.<br />

A seguir, para o entendimento da construção das representações lançadas às<br />

mulheres Tupinambá, discorreremos sobre as condições de produção das crônicas.<br />

Voltaremos às concepções do gênero e alteridade que se fizeram presentes nos discursos<br />

cristãos europeus e que foram constitutivos dos enunciados negativos a respeito das<br />

mulheres.<br />

2- O IMAGINÁRIO OCIDENTAL CRISTÃO: A CONCEPÇÃO PECAMINOSA<br />

DO FEMININO<br />

Contudo, depois de situarmos a discursão acima, nos delimitamos neste<br />

subtítulo, a algumas reflexões acerca da característica do pensamento cristão ocidental,<br />

uma delas, a singular apreensão do real vivido em oposições irredutíveis (que não<br />

admitia meio termo), tais como: o sagrado e o profano, o bem e o mal, homem e mulher.<br />

A dicotomia presente nessa lógica, apresenta dois polos diferentes e opostos que<br />

marcam a superioridade do primeiro elemento (NAVARRO-SWAIN, 1998).<br />

Esse pensamento abre-se nessas oposições fundamentadas na identificação<br />

de uma separação entre a natureza e cultura. Apresentando a natureza como o outro, a<br />

mulher e a cultura como o espaço do homem branco universal do ocidente. Esse<br />

pensamento não se estrutura em um desses polos, mas na arquitetura que coloca tais<br />

alternativas como algo inquestionável, de acordo com os sociólogos Cynthia Hamlin e<br />

Jonatas Ferreira:<br />

Na prática, porém, tal discurso precisa excluir incluindo e incluir o outro sob<br />

o estigma da exclusão. É portanto da própria ambiguidade que deriva sua<br />

força, embora, paradoxalmente, seja tanto mais forte quanto menos ambíguo<br />

se mostre (FERREIRA, J; HAMLIN, Cynthia, 2010, p. 812).<br />

Cabe ressaltarmos, que no século XV<strong>II</strong> na Europa, ainda prevaleciam um<br />

imaginário permeado de concepções religiosas da Idade Média, um culto religioso<br />

1323


monoteísta e patriarcal, em que os cultos considerados femininos haviam sido relegados<br />

ao domínio do demoníaco e do perverso, por representarem uma ameaça à instalação de<br />

uma sociedade civilizada e cristã, radicada na crença de um único Deus, masculino,<br />

onde os homens deviam assumir posições clericais e políticas, com posições de<br />

prestígio e poder. Ao associar a figura de Deus ao masculino significou um<br />

distanciamento da mulher do divino. Ser mulher passou a significar estar mais propensa<br />

ao mal, mais suscetíveis às ciladas do demônio, seres secundários, carnais e vulneráveis<br />

às tentações (DELUMEAU, 1989).<br />

Desta forma, o corpo feminino carregava o peso do “pecado original”,<br />

símbolo da desordem e da impureza, deveria ser vigiado e controlado. Por outro lado,<br />

esse corpo somente podia ser enaltecido através da m<strong>ate</strong>rnidade, essa seria a única<br />

forma de transcender essa imagem profana e demoníaca. A dicotomia presente nessa<br />

lógica concebem homens e mulheres como polos opostos que só podiam se relacionar<br />

dentro de uma lógica de dominação-submissão (BUTLER, 2003; OLIVEIRA, 2012).<br />

A possibilidade de insubordinação das mulheres é encarado com<br />

preocupação pelo Ocidente. Desde Aristóteles (384 a. C. – 322 a. C.) é reforçado a ideia<br />

de que se forças naturais e femininas prevalecem sobre forças masculinas, o processo de<br />

geração resultará na produção de corpos monstruosos. Este pensador assim como,<br />

outros filósofos exerceram grande influência no imaginário cristão europeu, mantendo<br />

no centro de suas teorias a lógica dicotômica e hierárquica. Aristóteles (384 a. C. – 322<br />

a. C.), afirmava que o conhecimento racional era a mais elevada conquista humana, e<br />

que apenas os homens eram capazes de alcançar, e as mulheres enquanto presas ao<br />

emocional e passiva de suas funções corporais. A concepção pecaminosa do corpo<br />

feminino aparece na ideia de Santo Agostinho (354 d. C. – 430) influenciado por pelos<br />

enunciados de Paulo apóstolo, culpando as mulheres (descendentes de Eva) pela ruína<br />

do homem. Os homens refletem o Espírito de Deus no corpo e na alma. A mulher<br />

diferentemente, possui reflexos de Deus apenas na alma, pois seu corpo constituí<br />

obstáculo ao exercício da razão (WILSHIRE, 1997).<br />

1324


Essa proximidade da mulher com o demônio no imaginário europeu levou a<br />

Igreja ao endurecimento de seu discurso e a prática coercitivana Inquisição com a<br />

formulação de um manual com conteúdo misógino intitulado Malleus Maleficarum,<br />

produzido e publicado no século XV.Neste documento verifica-se a existência de um<br />

discurso contra a prática de feitiçaria. Nesse sentido, atribuiu-se à mulher o lugar<br />

primeiro da perversidade e da utilização da feitiçaria como instrumento do diabo contra<br />

a cristandade, na tentativa de frustrar a fé e a salvação humana.As mulheres são<br />

descritas como seres que necessitam serem controlados. Seu olhar possui efeitos<br />

extraordinários, e suas palavras, quando proferidas intencionalmente, podem produzir<br />

efeitos sobrenaturais. São descritas mulheres capazes ouvir e conversar com demônios,<br />

transformar-se em animais e seduzir a todos ao seu redor com encantamentos mágicos.<br />

Além disso, naturalmente propensas à maldade e especialmente escolhidas pelo diabo<br />

como suas parceiras, as mulheres entregues à prática da feitiçaria poderiam lançar toda a<br />

sorte de enfermidades sobre seus inimigos, especialmente os adeptos da fé cristã. Quase<br />

tudo poderia ser imputado à feiticeira: partos prematuros, disfunções da sexualidade<br />

masculina, doenças, problemas nas colheitas, tempestades e infortúnios dos mais<br />

variados tipos. Este manual da Inquisição levou à perseguição e à morte mais de 100<br />

mil mulheres em quatro séculos (DELUMEAU, 1989; EVANS-PRITCHARD, 2005).<br />

Desta forma, essas concepções marcaram as representações das mulheres<br />

Tupinambá nas crônicas e que possibilitaram a caracterização como seres demoníacos,<br />

como o lugar da alteridade por excelência, pois os missionários franceses estavam<br />

munidos desse imaginário onde as diferenças entre homens e mulheres estão legitimada<br />

e naturalizadas por um discurso sagrado. As mulheres como veremos, quando não<br />

excluídas, aparecem como feiticeiras diabólicas e promiscuas.<br />

3 – AS REPRESENTAÇÕES DAS MULHERES TUPINAMBÁ NAS CRÔNICAS<br />

FRANCESAS<br />

Ao descreverem sobre o cotidiano dos Tupinambá, os cronistas registraram<br />

as mulheres exercendo papéis nos cerimoniais, e responsáveis por diversas atividades.<br />

1325


Nas narrativas a forte participação das mulheres nos rituais sagrados, levou a<br />

representação destas como demoníacas. As mulheres poderiam ser responsáveis pela<br />

fabricação de medicamentos, atividades de cura e requisitadas para realizarem rituais<br />

para boas colheitas, predizerem a fertilidades da terra, as secas e as chuvas, em um<br />

trecho da narrativa do padre Yves D’Évreux mostra-se espantado com o prestígio de uma<br />

indígena classificada como “feiticeira” :<br />

Havia também na Ilha uma feiticeira que se guardava muito em segredo, era<br />

mui apreciada pelos selvagens e procurada especialmente nas moléstias<br />

incuráveis; Um dia, segundo o que me disseram alguns franceses, ela veio a<br />

Usaap 168 para fazer uma cura, já sem esperança, e antes de começar fechou-se<br />

numa casa, isolada no meio da praça da aldeia, e aí fez suas invocações e<br />

feitiçarias diabólicas sobre o corpo do enfermo, fazendo aparecer<br />

visivelmente o seu demônio (D’ÉVREUX, 2007, p. 293).<br />

Nas palavras do padre Claude D’Abbeville, ao se referir aos indigenas<br />

caracterizados como “feiticeiros”:<br />

Não há dúvida de que o diabo tem grande poder e exerce sua cruel tirania<br />

sobre esses bárbaros cruéis e desumanos; muita razão lhes cabe, portanto,<br />

para afirmarem ser ele mal. Por outro lado, sabem que não raro maltratam<br />

seus curandeiros. Estes são personagens de que se utiliza o diabo para manter<br />

viva a superstição dos índios; são muito estimados, entretanto, por esses<br />

bárbaros que lhes dão o nome pajé, curandeiro (ABBEVILLE, 2008, p. 342).<br />

Nestas descrições é possível perceber que os cronistas repetiram a lógica do<br />

pensamento cristão na elaboração de um saber sobre os Tupinambá, mediante<br />

comparações, buscaram revelar a prática dos indígenas como obra do Demônio na<br />

Terra.<br />

por conta da nudez:<br />

As mulheres são representadas como perigo e ameaça a castidade dos padres<br />

Segundo as Escrituras, logo que os nossos primeiros pais comeram o fruto<br />

proibido, abriram-se os seus olhos e eles perceberam que estavam nus e<br />

lançaram mão de folhas de figueiras para cobrir a nudez de que se pejavam.<br />

Como se explica que os tupinambás, compartilhando a culpa de Adão e sendo<br />

herdeiros de seu pecado, não tenham herdado também a vergonha,<br />

consequência do pecado, como ocorreu com todas as nações do mundo? [...]<br />

168 Esaap ou Eussauap é uma das maiores aldeias Tupinambá (ABBEVILLE, 2008, p. 142).<br />

1326


Pensam muitos ser cousa detestável ver esse povo nu, e perigoso viver entre<br />

as índias, porquanto a nudez das mulheres e raparigas não pode deixar de<br />

constituir um objeto de atração, capaz de jogar quem as contempla no<br />

precipício do pecado (ABBEVILLE, 2008, p. 217)<br />

Além de serem descritas em papéis de curandeiras e religiosas o padre<br />

Claude D’Abbeville, por exemplo, descreveu outras atividades realizadas pelas<br />

mulheres. Assim escreve o cronista:<br />

As mulheres têm maior numero de ocupações, cabendo-lhes cuidar da casa.<br />

Além disso, depois de limpas as roças, e queimadas, compete-lhes fazer o<br />

resto. Plantam batatas, ervilhas, favas, e toda espécie de raízes, legumes e<br />

ervas. Também semeiam o milho, ou avati. Mas todo o seu trabalho consiste,<br />

entretanto, apenas em fincar o grão na terra dentro de buracos feitos com um<br />

pau. Plantam ainda as quatro qualidades de mandioca mencionadas. É<br />

verdade que seu trabalho não é grande, pois sendo os galhos dessas plantas<br />

muito tenros basta-lhes quebra-los e finca-los na terra. Mesmo sem cuidados<br />

especiais dão grandes raízes. Mas depois de quatro meses devem colhê-las<br />

para fazer a farinha. Cabe-lhes ainda preparar o cauim, buscar água, fazer o<br />

necessário à alimentação e tomar conta da casa, no que não se ocupam os<br />

homens de modo algum.<br />

São as maranhenses que fazem o azeite de coco, que colhem o ruru, que o<br />

lavam e transformam em massa. Colhem também o algodão, descaroçam-no<br />

e preparam-no com destreza; fiam com muito engenho e tecem as redes, de<br />

malhas ou lisas por inteiro e com figuras artísticas tão perfeitas quanto os<br />

trabalhos dos nossos melhores tecelões. E fazem também faixas com as quais<br />

carregam os filhos ao pescoço (ABBEVILE, 2008, p. 327).<br />

Sobre o cauim, ambos os cronistas dedicaram inúmeros trechos a<br />

condenarem a prática de consumir essa bebida, pois viam nela uma ameaça à execução<br />

do projeto colonizador, e incentivadores das guerras, e dos rituais dos indígenas.<br />

Bastante apreciada pelos Tupinambá a bebida era produzida pelas mulheres para serem<br />

consumidas em diversas ocasiões festivas, sobre o cauim o padre Claude D’Abbeville<br />

redigiu:<br />

Nunca senti tamanho espanto como quando entrei numa dessas cabanas onde<br />

estava havendo uma cauinagem; no primeiro plano se achavam esses grandes<br />

vasilhames de barro cercados de fogo e com a bebida fumegando; mais<br />

adiante, inúmeros selvagens, homens e mulheres, alguns completamente nus,<br />

outros descabelados, outros ainda revestidos de penas multicores, uns<br />

deitados expirando a fumaça do tabaco pela boca e pelas narinas, outros<br />

dançando, saltando, cantando e gritando. E todos tinham a cabeça enfeitada e<br />

a razão tão perturbada pelo cauim que reviravam os olhos a ponto de parecer<br />

encontrar-me em presença de símbolos ou figuras infernais (ABBEVILLE,<br />

2008, p. 239).<br />

1327


Sobre o fabrico do cauim, registraram que essa bebida podia ser fabricada a<br />

partir de alguns vegetais fermentados, sobre o fabrico, nos informou Claude<br />

D’Abbeville:<br />

Se fazem o cauim durante o tempo dos cajus (que dura de quatro a cinco<br />

meses) tomam alguns desses frutos esponjosos e cheios de sumo e os<br />

espremem. O liquido assim é obtido é chamado caju-cauim; branco e<br />

excelente, forte como os vinhos regionais de França e com essa<br />

particularidade; quanto mais velhos melhores. Os índios que vivem sem se<br />

preocupar com o dia seguinte, depois de fabricar grande quantidade desse<br />

vinho colocam-no dentro de belos vasos de barro que suas mulheres fazem<br />

para a solenidade e que são enormes e bojudos, porém de gargalos estreitos e<br />

podendo conter, cada qual, de quarenta a cinquenta potes; cheios os<br />

recipientes, bebem sem cessar até esvazia-los. Fora do tempo do caju, fazem<br />

outra bebida muito forte que chamam cauim-etê. Apanham as mulheres<br />

raízes de macaxeira e as põem a ferver dentro d’água em enormes vasilhames<br />

de barro. Já bastante cozidas e moles, tiram-nas do fogo e deixam-nas esfriar<br />

um pouco; juntam-se em seguida as mulheres em torno dos recipientes,<br />

tomam as raízes e as mastigam para cuspi-las depois dentro de outros<br />

vasilhames de barro, com certa quantidade de água proporcional à quantidade<br />

de bebida que desejam fazer (ABBEVILLE, 2008, p. 321).<br />

Desta forma, os hábitos foram representados pelos cronistas como<br />

resultados da deterioração da humanidade que, na visão religiosa cristã, significava a<br />

influência do demônio. Que na lógica religiosa católica ocidental, somente através do<br />

cristianismo seria possível resgatá-los da condição degradante em que se encontravam.<br />

Essa concepção da humanidade demonizada incidiu principalmente sobre o elemento<br />

feminino.<br />

Os cronistas, ao referir-se ao universo feminino Tupinambá, descreveram as<br />

mulheres como um perigo a execução do projeto colonizador francês, reproduzindo a<br />

construção cristã ocidental que legitima a dominação masculina.<br />

Assim, ao refletir acerca desses enunciados proferidos pelos cronistas<br />

referente às mulheres Tupinambá, nos deparamos com as concepções imaginarias a<br />

respeito do universo feminino do Ocidente, fundamentado em uma tautologia que<br />

associa à mulher a promiscuidade e inclinadas a práticas demoníacas fortalecendo o<br />

paradigma da dominação masculina com um caráter universal. Sendo assim, não<br />

1328


objetivamos construir um estudo de afirmações e negações, verdade e mentiras, mas de<br />

colocar os enunciados negativos como problema, que fora construído historicamente.<br />

No entanto, não se pode ignorar, todavia, que, apesar dessas representações<br />

elaboradas pelo imaginário ocidental, as mulheres Tupinambá através de seus papéis<br />

exerceram poderes, sobretudo econômico e religioso, na medida em que os indícios<br />

revelam que pareciam estar investidas de atributos valorativo e sagrado entre seu povo.<br />

As mesmas narrativas, deixam-nos espaços que mostram a atuação e o prestígio dessas<br />

mulheres no interior do grupo, responsáveis pela plantação, colheita, pela transformação<br />

dos alimentos, pela fabricação das bebidas fermentadas e pela produção de cerâmica, ou<br />

enquanto curandeiras requisitadas para realizarem rituais.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade.<br />

Tradução de Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.<br />

CARDOSO, Alírio. A conquista do Maranhão e as disputas atlânticas na geopolítica da<br />

União Ibérica (1596-1626). Revista Brasileira de História. São Paulo, (v. 31, nº 61),<br />

2011, p. 317- 338.<br />

CHARTIER, Roger. A História Cultural entre Práticas e Representações. Lisboa:<br />

Bertrand, 1990.<br />

DELUMEAU, Jean. História do Medo no Ocidente: 1300 – 1800, uma cidade<br />

sitiada. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.<br />

D’ABBEVILLE, Claude. História da missão dos padres Capuchinhos na ilha do<br />

Maranhão e suas circunvizinhanças. Tradução de Sergio Milliet. Brasília: Senado<br />

Federal, Conselho Editorial, 2008.<br />

D’ÉVREUX, Y. História das coisas mais memoráveis, ocorridas no Maranhão nos<br />

anos de 1613 e 1614. Tradução de Sergio Milliet. Brasília: Senado Federal, Conselho<br />

Editorial, 2007.<br />

1329


DUSSEL, Enrique. 1492: o encobrimento do outro: a origem do mito da<br />

modernidade. Conferências de Frankfurt. Petrópolis, RJ. Vozes, 1993.<br />

EVANS-PRITCHARD, Edward Evan. Bruxaria, oráculos e magia entre os Azande.<br />

Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.<br />

FERREIRA, Jonatas; Hamlin, Cynthia. Mulheres, negros e outros monstros: um ensaio<br />

sobre corpos não civilizados. Estudos Feministas, Florianópolis, 18 (3): p. 811-836,<br />

setembro-dezembro/2010.<br />

NAVARRO-SWAIN, Tania. A construção imaginária da História e dos gêneros. In:<br />

ALMEIDA, Jaime de (org.). Caminhos da História da América no Brasil:<br />

Tendências e contornos de um campo historiográfico. Brasília: ANPHLAC, 1998.<br />

OLIVEIRA, Susane Rodrigues. Por uma história do possível: representações das<br />

mulheres incas nas crônicas e na historiografia. Jundiaí, Paco Editorial: 2012.<br />

ORLANDI, Eni p. O discurso religioso. In: A linguagem e seu funcionamento: as<br />

formas do discurso. Campinas: Pontes, 2006.<br />

______________. Análise do Discurso: princípios e procedimentos. Campinas:<br />

Pontes, 1999.<br />

WILSHIRE, Donna. Os usos do mito, da imaginação e do corpo da mulher na reimaginação<br />

do conhecimento. In: Jaggar Alison M,: Susan R. Bordo.Gênero, Corpo,<br />

conhecimento. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, Coleção gênero, 1997.<br />

1330


O REVERSO DO PROGRESSO: entre Walter Benjamin e Franz Kafka.<br />

THE REVERSE OF PROGRESS: between Walter Benjamin and Franz Kafka.<br />

Jacenilde Sousa Diniz<br />

Graduanda em Filosofia<br />

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)<br />

Eixo 2 - Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: De cunho teórico, a presente pesquisa pretende se debruçar sobre os<br />

impactos que o advento da técnica proporciona a sociedade, sinalizando as<br />

transformações que se consolidaram e contribuem de forma veemente para o processo<br />

de individualização tão solicitada pelo ser humano na contemporaneidade. Para<br />

Metodologia se faz uso de Pesquisa Bibliográfica, a fim de evidenciar as ideias dos<br />

autores e, como estas se tornam cada vez mais atuais. A discussão do trabalho gira em<br />

torno do fim da narrativa em Benjamin, chagado pela ascensão da técnica, assim como,<br />

a pré-figuração do indivíduo contemporâneo marcado pela destituição de sua identidade<br />

tão visível na obra de Kafka. Walter Benjamin filósofo judeu alemão aponta a chegada<br />

da modernidade e todos os seus aparatos como caminho para o declínio da narrativa,<br />

posto que, assim como nas relações produtivas, as relações sociais tornaram-se<br />

individualizadas, favorecendo a redução cada vez maior do repasse das experiências<br />

coletivas que ocorriam por meio desse contato. Para Benjamin negligenciar a partilha da<br />

experiência coletiva trata-se de chagar profundamente o recurso narrativo e<br />

consequentemente a construção da história.Com a ausência da troca de experiências<br />

difundidas pela narrativa, e conseqüente perda dos referenciais, o homem atual se<br />

encontra num profundo isolamento que afeta diretamente o desenrolar da historicidade.<br />

Esse também é o homem kafkaniano, a convergência de ambos os homens, o de<br />

Benjamin e o de Kafka, se encontra no isolamento e profundo esquecimento que afeta o<br />

ser humano, também em função da técnica. Que legado se deixará para as gerações<br />

futuras? Num contexto em que o homem tem a mão uma enxurrada de meios que o<br />

1331


afasta do convívio social o pensamento benjaminiano se faz presente dando impulso à<br />

seguinte reflexão: existe a possibilidade de se retomar o recurso da narrativa na<br />

atualidade? De que forma? Diante dos questionamentos supracitados se intenta<br />

desenvolver o presente trabalho, a fim de trazer à tona as principais ideias do filósofo<br />

Walter Benjamin acerca da narrativa desenvolvidas na obra Magia e Técnica, Arte e<br />

Política, especificamente em O narrador, assim como, a obra A Metamorfosede Franz<br />

Kafka. Longe de se estabelecer definições, o que se objetiva ainda, é colocar em voga<br />

reflexões que permitam interpretações da realidade, evidenciando assim o exercício do<br />

filosofar.<br />

palavras-chave: Técnica. Impacto. Narrativa. Identidade.<br />

ABSTRACT: The present research intends to study the impacts that the advent of the<br />

technique provides the society, signaling the transformations that have consolid<strong>ate</strong>d and<br />

contribute in a vehement way to the process of individualization so requested by the<br />

human being in the contemporary world. Methodology makes use of Bibliographic<br />

Research, in order to highlight the ideas of the authors and how they become more and<br />

more current. The discussion of the work revolves around the end of the narrative in<br />

Benjamin, carried by the rise of technique, as well as the pre-figuration of the<br />

contemporary individual marked by the destitution of his identity so visible in Kafka's<br />

work. Walter Benjamin, a German Jewish philosopher, points to the arrival of<br />

modernity and all its apparatuses as a path to the decline of the narrative, since, as in<br />

productive relations, social relations have become individualized, favoring an ever<br />

gre<strong>ate</strong>r reduction of the transfer of experiences that occurred through this contact. For<br />

Benjamin to neglect the sharing of the collective experience, it is a matter of deeply<br />

penetrating the narrative resource and consequently the construction of history. With the<br />

absence of the exchange of experiences dissemin<strong>ate</strong>d by the narrative, and consequent<br />

loss of references, the present man finds himself in a deep isolation that directly affects<br />

1332


the unfolding of historicity. This is also the Kafkaan man, the convergence of both men,<br />

that of Benjamin and that of Kafka, lies in the isolation and deep forgetfulness that<br />

affects the human being, also in function of technique. What legacy will be left for<br />

future generations? In a context in which man has his hand a flood of means that<br />

distances him from social life Benjamin's thought is present giving impulse to the<br />

following reflection: is it possible to resume the resource of the narrative today? In what<br />

way? In view of the aforementioned questions we try to develop the present work in<br />

order to bring to the fore the main ideas of the philosopher Walter Benjamin about the<br />

narrative developed in the work Magic and Technique, Art and Politics, specifically in<br />

The Narrator, as well as the work The Metamorphosis written by Franz Kafka. Far from<br />

establishing definitions, what is still objective, is to put in vogue reflections that allow<br />

interpretations of reality, thus evidencing the exercise of philosophizing.<br />

keywords: Technique. Impact. Narrative. Identity.<br />

DESENVOLVIMENTO<br />

Longe de se caracterizar como um pensamento regido por um sistema, a<br />

construção das ideias benjaminianas parece estar dotada de uma singularidade, de<br />

mecanismos que coloque seus leitores ao exercício do filosofar, verificando a realidade<br />

e buscando interpretá-la. Talvez por isso a dificuldade em decifrar os escritos de Walter<br />

Benjamin. A proposta prevista em O narradorserve como afirmativa para tais<br />

prerrogativas. Visando trazer à tona a discussão de a narrativa estar se exaurindo, o<br />

referido filósofo aponta – após fazer uma análise da obra de Leskov – as causas que<br />

estariam levando arte narrativa ao declínio. Walter Benjamin (1994, p. 197) inicia<br />

afirmando:<br />

É a experiência de que a arte de narrar está em vias de extinção. São cada vez<br />

mais raras as pessoas que sabem narrar devidamente. Quando se pede num<br />

1333


grupo que alguém narre alguma coisa, o embaraço se generaliza. É como se<br />

estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável:<br />

a faculdade de intercambiar experiências.<br />

A vida do homem contemporâneo não perde de vista essa descrição, ao contrário<br />

tornou-se evidentemente mais acirrada, se comparada à vida do jovem Gregor. No que concerne<br />

às relações afetivas se percebe um nível crescente de fugacidade marcada pela era do mundo<br />

virtual, onde o engajamento do conhecer o outro é transitório, descartável. Torna-se uma<br />

espécie de niilismo existencial como referencia Luzzardi no seu artigo intitulado FILOSOFIA E<br />

RESISTÊNCIA: KAFKA E A METAMORFOSE DA LINGUAGEM:<br />

O niilismo existencial se demonstra quando reduzimos o homem a nada, e<br />

para isso basta possuir algum talento intelectual aliado a honestidade, pois o<br />

esvaziamento da existência é a mera conseqüência de entendermos o que ela<br />

é em si mesma. Não precisamos degolar a humanidade inteira para provar<br />

que a vida carece de sentido; para chegarmos a essa conclusão basta usar os<br />

olhos e um pouco de senso crítico. (CANCIAN, 2009, p.17 Apud<br />

LUZZARDI, 2015, p. 2).<br />

No tocante a escolha de Walter Benjamin em identificar o narrador por<br />

excelência figurado em Leskov, refere-se ao advento do romantismo enquanto modelo<br />

burguês de leitura. Realizando um contraponto em O narrador, Benjamin situa a figura<br />

do romance e da narrativa. De acordo com Pierobon (2013, p. 263):<br />

No título do ensaio contém uma singularidade que é a de tomar a produção de<br />

Nicolai Leskov como elemento chave da diferenciação entre narrador e<br />

romancista e da caracterização do primeiro como um artesão da palavra,<br />

como um criador de histórias a partir do conhecimento dos costumes e das<br />

tradições.<br />

Após esses apontamentos necessários, retoma-se a questão norteadora desse<br />

artigo. Em Benjamin (1994, p. 198) encontra-se forte elevação dos moldes arcaicos que<br />

se pré-figuram no camponês sedentário e no marinheiro comerciante, ambos<br />

configuram a arte tradicional de narrar.<br />

1334


O sistema corporativo medieval contribuiu especialmente para essa<br />

interpenetração. O mestre sedentário e os aprendizes migrantes trabalhavam<br />

juntos na mesma oficina; cada mestre tinha sido um aprendiz ambulante antes<br />

de se fixar em sua pátria ou no estrangeiro. Se os camponeses e os marujos<br />

foram os primeiros mestres da arte de narrar, foram os artífices que a<br />

aperfeiçoaram. No sistema corporativo associava-se o saber das terras<br />

distantes, trazidos para cada pelos migrantes, com o saber do passado,<br />

recolhido pelo trabalhador sedentário.<br />

Verifica-se no trecho acima como a forma de reprodução m<strong>ate</strong>rial da<br />

tradição favorecia a narrativa. Recolhe-se daí outro trecho que favorece Leskov na visão<br />

de Benjamin, tendo em vista que aquele retira do cotidiano do povo Russo, e das suas<br />

experiências viajantes, os temas que fazem parte dos seus romances. Walter Benjamin<br />

em O narradorevidencia a beleza dessas experiências para chamar <strong>ate</strong>nção<br />

precisamente à decadência que esta sofria. Interessante que o filósofo judeu não<br />

relaciona tal decadência especificamente à modernidade, evidenciando que se tratava de<br />

um processo que já estava ocorrendo, conforme se verifica na seguinte passagem:<br />

A arte de narrar está definhando porque a sabedoria – o lado épico da verdade<br />

– está em extinção. Porém esse processo vem de longe. Nada seria mais tolo<br />

que ver nele um “sintoma de decadência” ou uma característica “moderna”.<br />

Na realidade esse processo, que expulsa gradualmente a narrativa da esfera<br />

do discurso vivo e ao mesmo tempo dá uma nova beleza ao que está<br />

desaparecendo, tem se desenvolvido concomitante com toda uma evolução<br />

secular das forças produtivas.<br />

(BENJAMIN, 1994, p. 199).<br />

Na visão benjaminiana esse seria o começo do esgotamento da arte<br />

narrativa, que encontraria no início da modernidade, também por meio das forças<br />

produtivas, o romance como grande ameaça. Diferentemente dos romances épicos, o<br />

romance na era do capitalismo buscava favorecer o florescimento da burguesia.<br />

Segundo Benjamin nem mesmo o romance não furtou tanto o espaço da narrativa, como<br />

o novo meio de comunicação capitalista: a informação. Sobre essa realidade pontuou o<br />

filósofo:<br />

1335


Quando esses elementos surgiram, a narrativa começou pouco a pouco a<br />

tornar-se arcaica; sem dúvida, ela se apropriou de múltiplas formas, do novo<br />

conteúdo, mas na foi determinada verdadeiramente por ele. Por outro lado,<br />

verificamos que com a consolidação da burguesia – da qual a imprensa, no<br />

alto capitalismo, é um dos instrumentos mais importantes – destacou-se uma<br />

forma de comunicação que por mais antigas que fossem suas origens, nunca<br />

havia influenciado decisivamente a forma épica. Agora ela exerce essa<br />

influência. Ela é tão estranha à narrativa como o romance, mas é mais<br />

ameaçadora e, de resto, provoca uma crise no próprio romance. Essa nova<br />

forma de comunicação é a informação.<br />

(BENJAMIN, 1994, p. 200).<br />

Ao longo dos séculos e de forma bem evidenciada na sociedade<br />

contemporânea vê-se um número significativo de pessoas que são ligeiramente anuladas<br />

por não seguirem o que está posto numa sociedade que Luzzardi (2015, p. 1) considera<br />

como sendo aquela que “universaliza os modos de ser”. Tal prerrogativa se confunde<br />

com A Metamorfosecomo afirma Carone (1992, p. 20):<br />

“Gregor está realmente transformado num bicho, mas nunca deixa de ser<br />

Gregor. Ou seja: ele se comporta como um homem que ainda existe, mas que<br />

já não pode ser visto como sendo ele mesmo - e nessa medida ele é<br />

empurrado para o isolamento e a solidão (para acabar na exclusão)”.<br />

Acerca desse caráter de isolamento e solidão supracitado, em O narrador de<br />

Benjamin, pode-se notar a chamada de <strong>ate</strong>nção para questão da morte, tal aspecto<br />

figuraria o narrador, pois, para o filósofo judeu a secularização da morte possui<br />

influência no definhamento da narrativa: “No decorrer dos últimos séculos, pode-se<br />

observar que a ideia da morte vem perdendo, na consciência coletiva, sua onipresença e<br />

sua força de evocação”. (BENJAMIN 1994, p. 207). Para o filósofo, a sociedade<br />

burguesa do século XIX tem forte influência no que concerne ao repúdio que se criou da<br />

morte:<br />

Durante o século XIX, a sociedade burguesa produziu, com as instituições<br />

higiênicas e sociais, privadas e públicas, a possibilidade (grifos meus) aos<br />

homens evitarem o espetáculo da morte.Se morrer era antes, um episódio<br />

público na vida do indivíduo, hoje, a morte é cada vez mais expulsa do<br />

universo dos vivos. (BENJAMIN 1994, p. 207).<br />

1336


Walter Benjamin sinaliza as resultantes desse processo ao afirmar que<br />

“Hoje, os burgueses vivem em espaços depurados de qualquer morte e, quando chegar<br />

sua hora, serão depositados por seus herdeiros em sanatórios e hospitais” (BENJAMIN,<br />

1994, p. 207), o que atingirá diretamente a arte de narrar, mesmo no leito de morte,<br />

posto que:<br />

é no momento da morte que o saber e a sabedoria do homem e, sobretudo sua<br />

existência vivida – e é dessa substância que são feitas as histórias – assumem<br />

pela primeira vez uma forma transmissível [...] conferindo a tudo o que lhe<br />

diz respeito aquela autoridade que mesmo um pobre diabo possui ao morrer,<br />

para os vivos em seu redor. Na origem da narrativa está essa autoridade. A<br />

morte é a sanção de tudo o que o narrador pode contar.<br />

(BENJAMIN1994,p. 207 – 208).<br />

Dessa forma, o narrador para Benjamin, é dotado de sabedoria, aquele que<br />

adentra a esfera dos mestres dos sábios, sua referência estar em saber dar conselhos,<br />

“pois pode recorrer ao acervo de toda uma vida (uma vida que não inclui apenas a<br />

própria experiência, mas em grande parte a experiência alheia). “Seu dom é poder<br />

contar sua vida, sua dignidade é contá-la inteira”. O narrador é o homem que poderia<br />

deixar a luz tênue de sua narração consumir completamente a mecha de sua vida”.<br />

(BENJAMIN, 1994, p. 221).<br />

CONCLUSÃO<br />

A reflexão benjaminiana possui um caráter todo particular no que tange não<br />

somente a filosofia, mais também a história, a sociologia e áreas afins. A proposta<br />

encontrada em O narradorconduz o leitor, de forma particular - se situa aqui aos<br />

iniciantes - uma forte instigação em investigar sua linha de pensamento. Trazendo a<br />

tona o problema acerca da narrativa, Walter Benjamin acaba impondo um olhar mais<br />

profundo sobre sua filosofia.<br />

A arte de narrar em declínio encontra no filósofo judeu espaço para questões<br />

mais amplas, como a inserção de outras formas de narrar e como o homem vivencia essa<br />

1337


transformação. O advento do romantismo e seus percalços, bem como a era da<br />

informação, enquanto mecanismos propulsores do capitalismo e vias de ascensão de<br />

uma classe específica. Todas essas questões estão em voga no pensamento de Walter<br />

Benjamin.<br />

Tendo como referência todo esse aparato, o filósofo impõe reflexões acerca<br />

da vida cotidiana do homem atual, em convivência com outros homens. Se a vida<br />

m<strong>ate</strong>rial em coletividade não existe mais, como o homem na forma produtiva atual, que<br />

está envolto por sua individualidade, e conseqüente isolamento conseguirá partilhar suas<br />

experiências, num sentido coletivo?<br />

O problema colocado por Walter Benjamin data do século passado, mas se<br />

faz cada vez mais atual, posto que, essa ausência de referência se faz cada vez mais<br />

notável. O interessante no pensamento de Benjamin, ou mais especificamente em O<br />

narrador - já que se trata desse escrito em que se realizou a leitura - não se percebe um<br />

caráter de respostas para o problema e,de fato, nem poderia tê-lo, como filósofo, sua<br />

atividade recai em instigar o leitor ao exercício, antes, sobretudo, da reflexão.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BENJAMIN. O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. Magia e<br />

técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo:<br />

Brasiliense, 1994, p. 197-221.<br />

CARONE, Modesto. Lição de Kafka. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.<br />

KAFKA, Franz. A Metamorfose. Porto Alegre: L&PM, 2001.<br />

LUZZARDI, Luciana. FILOSOFIA E RESISTÊNCIA: KAFKA E A<br />

METAMORFOSE DA LINGUAGEM. 6º SBECE. 3º SICE: Educação, Transgressões,<br />

Narcisismo, p. 1-11. Canoas, RS, 2015.<br />

Disponível em:<br />

www.sbece.com.br/resources/anais/3/1428532452_ARQUIVO_Texto_SBECE.pdf<br />

Acesso em: 29/03/2016<br />

1338


SILVA, Eliseu Ferreira da. O conto, o narrador e a narrativa Moderna e Pós-Moderna<br />

em Silviano Santiago e Walter Benjamin. 3º Colóquio do Grupo de Estudos Literários e<br />

Contemporâneos: um cosmopolitismo nos trópicos e 100 anos de Afrânio Coutinho: A<br />

crítica literária no Brasil, 3, 2012, Feira de Santana. Anais. Feira de Santana:Uefs, 2012,<br />

p. 166 -175.<br />

Disponível em: www2.uefs.br/dla/romantismoliteratura/.../anais/3coloq.anais.166-<br />

175.pdf.<br />

Acesso em: 08/02/2017<br />

SOUSA. Rui Bragado. Walter Benjamin e a teoria messiânica da história. Revista<br />

Urutágua – academia multidisciplinar – DCS/UEM. Nº 29 – nov./ 2013 – abril/ 2014 –<br />

Semestral – ISSN 1519. 6178.<br />

Disponível em:<br />

periodicos.uem.br/ojs/index.php/Urutagua/article/download/18449/12114<br />

Acesso em: 08/02/2017<br />

PERIUS. Oneide. Walter Benjamin a filosofia como exercício. Passo Fundo: IFIBE,<br />

2013.<br />

PIEROBON. Camila. Resenha. Nikolai Leskov: o narrador de Walter Benjamin.<br />

Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, vv. 44, n. 2, jul/dez. 2013, p. 263 – 269.<br />

Disponível em: www.periodicos.ufc.br/index.php/revcienso/article/viewFile/854/831<br />

Acesso em: 08/02/2017<br />

1339


OS FALCÕES QUE ENEGRECERAM O CÉU: sob a ótica da vigilância em<br />

noturno do chile<br />

THE HAWKS THAT DARKENED THE SKY: under the perspective of vigilance in<br />

nocturno de chile<br />

Autor: Rafael Passos de Melo 169<br />

Orientador: Prof. ª Dr.ª Fernanda Rodrigues Galve<br />

Instituição: Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 2: Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: Tendo por objetivo o incentivo à produção de pesquisas sobre as ditaduras<br />

latino-americanas e do Caribe através de uma perspectiva interdisciplinar, este artigo<br />

visa explorar a temática através do diálogo entre Literatura e História, procurando<br />

compreender o processo de estruturação dos sistemas ditatoriais que se instalaram nos<br />

países latino-americanos, como se deu no Chile, objeto de estudo desse trabalho, bem<br />

como observar os paralelos entre realidade e ficção que sugerem testemunhos de um<br />

momento histórico, com base na obra Noturno do Chile do escritor Roberto Bolaño,<br />

seguido por embasamento teórico de obras como “Vigiar e Punir” de Michel Foucault e<br />

“Poder Simbólico” de Pierre Bourdieu e “Origens do Totalitarismo” de Hannah Arendt.<br />

.<br />

Palavras-chaves: Ditadura, América Latina, Chile.<br />

ABSTRACT: The aim of this article is to foment the production of research about<br />

Latin American and Caribbean dictatorships through an interdisciplinary perspective.<br />

This article also aspire to explore the topic by way of the dialogue between Literature<br />

and History, trying to understand the process of structuring the dictatorial systems that<br />

have settled in Latin American countries, taking Chile as the object of this study, as well<br />

as to observe the parallels between reality and fiction that suggest witnesses of a<br />

169 Graduando em História pela Universidade Federal do Maranhão.<br />

1340


historical moment, based on the work of Chilean novelist Roberto Bolaño, followed by<br />

the theoretical basis Vigiar e Punir by Michel Foucault; Poder Simbólico by Pierre<br />

Bourdieu and Origens do Totalitarismo by Hannah Arednt.<br />

Keywords: Dictatorship, Latin America, Chile.<br />

Noturno do Chile é uma obra literária escrita nos anos 2000, pelo premiado<br />

autor chileno Roberto Bolaño 170 . Usando em seu enredo um diálogo entre o caráter real<br />

e o fictício, a obra faz uso do universo da representação e de uso de metáforas que<br />

tornam a leitura ainda mais convidativa. Em seu contexto, se apresenta o momento de<br />

transição entre os governos do socialista Salvador Allende, eleito em 1970, seguido do<br />

regime instaurado pelo General Augusto Pinochet, entre os anos de 1973 à 1990.<br />

Vivenciando uma complexa conjectura, carregada de terror social e<br />

silenciamentos, a ditadura chilena impôs uma intensa difusão de controle e vigilâncias<br />

dos representantes de tais ordens em relação à população em geral.<br />

Para a manutenção de tal ordem foram instrumentalizados mecanismos e<br />

organismos de contenção que trabalharam em uma vertente nacional e também<br />

multinacional, conforme os sistemas ditatoriais se organizaram coletivamente<br />

cooperando entre si.<br />

A escolha da obra Noturno do Chile em paralelo com esse trabalho se<br />

fundamenta com relação ao seu desfecho, que se encera com a participação dos<br />

informantes das organizações de controle infiltrados em grupos de intelectuais<br />

contrários ao regime.<br />

Como se sabe, as rodas de conversas foram e são mecanismos de<br />

socialização que reproduziram conceitos, ideias que visaram superar os regimes<br />

ditatoriais ao longo da América Latina, que, no entanto foram altamente reprimidas por<br />

toques de recolher, como é trazido pelo personagem Sebastian Urritia Lacroix, em<br />

Noturno do Chile:<br />

170 (1953-2003)<br />

1341


Onde os intelectuais, os artistas, podiam se reunir, se às dez da noite tudo<br />

fechava e a noite, como todo mundo sabe, é o momento propicio para a<br />

reunião, para as confidências e para o diálogo entre iguais? Os artistas, os<br />

escritores. Que época. (BOLAÑO 2000, p.97)<br />

Apesar de suas fundamentações que giram em torno do fictício, busca-se<br />

continuamente aprimorar as releituras que foram feitas com a obra de Bolaño,<br />

associando a eventos e fatos históricos, os quais serão expostos ao longo desse trabalho.<br />

Percebendo sobre a necessidade de reavaliação de discursos que<br />

historicamente se demonstraram excludentes e segregacionistas, seja por fatores<br />

ideológicos, socioeconômicos, políticos ou culturais, esse artigo visa contribuir para a<br />

elaboração de novos olhares sobre os momentos históricos, onde a leitura da obra de<br />

Roberto Bolaño visa romper com as fronteiras literárias e problematizar cenários<br />

reproduzidos dentro dos regimes ditatoriais que traziam em suas margens terror social,<br />

bem como discursos que pautavam o ódio.<br />

Em busca do resg<strong>ate</strong> de evidências, assim como de novos referenciais que<br />

fundamentem essa pesquisa, o descortinar dos regimes ditatoriais se torna amplo e<br />

complexo em seus relatos. A elaboração de uma rede que atuou como suporte de<br />

garantia de uma ideologia econômica e política se fez presente durante anos nos países<br />

latino-americanos, fomentando a organização de controle social aos dissidentes dos<br />

regimes ditatoriais instaurados em tais países.<br />

Dando sequência a isso, o historiador Clécio Ferreira Mendes discute em<br />

Ideologia e Poder: a DINA e a repressão na ditadura do General Augusto Pinochet<br />

sobre a importância da problematização do contexto dos regimes ditatoriais,<br />

relacionando-os aos seus respectivos países, observando suas características, bem como<br />

de seus líderes, para que assim venha a se pautar melhor as referências de atribuição a<br />

elas, pois em muitos casos, atribui-se que os regimes mais violentos teriam sido aqueles<br />

de maior números de vítimas fatais, ou ainda, aqueles que permaneceram um maior<br />

tempo em vigor.<br />

1342


Com base nisso eleva-se a importância em distingui-las, saindo do geral e<br />

analisando através de suas particularidades e instrumentalizações dos regimes<br />

ditatoriais, de como seus processos foram organizados e sobre a eficiência dos<br />

organismos correspondentes, percebendo como se dá abrangência de sua atuação.<br />

Partindo da problematização em relação as causas e efeitos das ditaduras e<br />

regimes que se constituíram na América, o historiador Henrique Borralho pontua sobre<br />

a instabilidade política que se faz presente na América Latina:<br />

Não é de hoje a relação tumultuada entre democracia e instabilidade política<br />

na região. Do México à Argentina, a América Latina sempre foi palco de<br />

lutas sangrentas, golpes, instabilidades regimental, ditaduras e muita pobreza.<br />

(BORRALHO, 2017, p. 117)<br />

Através de tal texto, Borralho nos eleva à uma reflexão sobre o ser latinoamericano,<br />

sobre seus conflitos, sobre suas lutas e sobre como suas raízes interferem<br />

diretamente nas relações sociais e em seus projetos como nação.<br />

Os impasses históricos produzidos pelas vertentes políticas sobre qual rumo<br />

seguir é apenas uma das batalhas que se fizeram presentes. As aproximações que<br />

sugeriram flertes com o credo comunista levantou inúmeros projetos de contenção<br />

principalmente pelos setores conservadores da sociedade, devido à ameaça que o<br />

mesmo trazia aos países do bloco capitalista, como prossegue Borralho:<br />

Parte da América Latina teve a supressão de sua democracia a partir da<br />

década de 1960. Em vários países, com a falência dos governos populistas,<br />

abriu-se a fenda para a aliança de setores ultraconservadores e as forças<br />

armadas, capitaneadas pelo avanço do capita transnacional que espraiava seu<br />

projeto econômico para a região 171 . (BORRALHO, 2017, p. 136)<br />

Maquiados por um conceito de nacionalismo e de preservação de uma<br />

identidade patriótica, visando uma sociedade una 172 , os ideólogos do regime almejavam<br />

construir essa aceitação de um discurso único, o qual não foi regra.<br />

171 Sobre o autoritarismo em tempos democráticos, In: Versura<br />

172 Conceito associado à unidade, ao fomento de uma organização que <strong>ate</strong>ndia a um único objetivo.<br />

1343


Este trabalho nasce da necessidade de retomada das percepções sobre como<br />

as esquinas foram tomadas como um polo estratégico dos mecanismos de vigilância dos<br />

sistemas ditatoriais e também perceber sobre as outras formas de atuação dos mesmos,<br />

percebendo diferenças, convergências e similaridades entre eles.<br />

De acordo com a amplitude de temas que podem ser trabalhados através do<br />

mundo da representação, este breve artigo visará reconhecer ainda que parcialmente em<br />

relação aos órgãos de inteligência nacional e vigilância, aliando-se a obra do chileno<br />

Roberto Bolaño.<br />

A história pede o rompimento com o denso nevoeiro deixado ao redor das<br />

informações relacionadas aos processos ditatoriais que sequestraram, torturaram e<br />

exterminaram milhares de pessoas, nos mais diversos países.<br />

Através de tais pesquisas também há a preocupação em esclarecer e também<br />

em rememorar para evitar que episódios como esses se repitam, evitando que o céu<br />

amanheça escuro, marcado pelo terror social a qual os regimes submeteram aos seus.<br />

Ditando regras em prosa e verso, como se imagina, um sistema ditatorial<br />

necessitou de todo um aparato de inteligência para a manutenção de seu poderio. Como<br />

parte disso tira-se um elemento simbólico encontrado em Noturno do Chile, trazido com<br />

o falcão em relação à sua visão e astúcia.<br />

OPERAÇÃO CONDOR E O SIMBOLISMO DO FALCÃO EM NOTURNO DO<br />

CHILE<br />

O falcão se demonstra bem representativo dentro da obra. Simbolizando a<br />

superioridade, tal ave além de forte possui uma visão que se faz longínqua,<br />

transcendente. Entretanto, visualizando tais fundamentações, dentro da obra esse animal<br />

ganha significado paradoxal que vai se evidenciando ao passo que se dá um contexto de<br />

sua representação ao estar sendo usada com o fim de exterminar pombos (símbolos do<br />

espirito santo e pureza) que deterioravam as estruturas das c<strong>ate</strong>drais e outros espaços<br />

públicos.<br />

1344


Visualizando tal aspecto, analisa-se a necessidade de manter uma ordem, de<br />

conter deteriorações estruturais de algo valoroso socialmente ou indo até para outras<br />

linhas, como é o caso das moralidades e o intuito de mantê-las continuamente afirmadas<br />

e sólidas. Observando tal nuance pode se fazer relação com o que ocorria com as<br />

organizações vinculadas à ditadura, onde através de seus mecanismos de inteligência,<br />

muitas vezes usavam a força para conter aquilo que fugissem à lógica devida.<br />

No entanto, suas atribuições se expandem ao passo que percebe-se um dado.<br />

A aliança firmada entre os países do Cone Sul que vieram a compor as<br />

ditaduras latino-americanas denominada de Operação Condor 173 , visando perseguir<br />

aqueles que se levantavam contra as ordens que foram instituídas pelos regimes é prova<br />

que a intolerância aos subversivos expandiu-se, indo além das fronteiras nacionais.<br />

O condor, outra simbólica ave que assim como falcão é lembrada por sua<br />

força e astúcia no voo, articula-se de modo breve na captura de suas presas, assim como<br />

a operação elaborada visava também exterminar tais indivíduos que se mostravam<br />

dissidentes. Assim, de modo simbólico, o nome de tal operação ganha margens<br />

metafóricas partindo do seu nome de batismo.<br />

Refletir e problematizar sobre as intenções da operação que promoveu<br />

desaparecimentos, torturas e obrigou o exílio dos ameaçados é uma das preocupações<br />

dos estudiosos de regimes ditatoriais.<br />

O extermínio dos adversários políticos visava condicionar o silenciamento<br />

de homens e mulheres que lutavam por direitos básicos, como o de ir e vir, assim como<br />

o de expressar-se, além de escolher seus representantes.<br />

Tendo o apoio dos Estados Unidos em sua fundamentação e atuação, com<br />

suporte financeiro e de inteligência nacional, a elaboração dos planos tomou uma<br />

proposta letal para aqueles que se desviam do padrão.<br />

Havia ainda a guinada esquerdista que representou de certo modo, uma<br />

ameaça aos interesses do grupo anticomunista, não sendo bem vista nem pelos Estados<br />

173 Ação coordenada dos sistemas de inteligências das ditaduras militares, visando trocar informações<br />

com o fim de reprimir dissidentes do regime.<br />

1345


Unidos e pelo restante dos países que compunham o bloco capitalista 174 . (BORRALHO,<br />

2017, p.118)<br />

A rede de informação que foi sistematicamente construída <strong>ate</strong>ndia aos<br />

interesses de seus representantes, em países como Argentina, Bolívia, Uruguai, Brasil,<br />

Paraguai, principalmente no tocante ao General Augusto Pinochet, no Chile.<br />

No Chile, o processo de levantamento do suporte da operação desemboca<br />

em vários outros assuntos paralelos. A criação de órgãos capazes de conter as produções<br />

de matrizes diversas, assim como operar como um sistema de vigilância demonstram-se<br />

como um dos pontos que foram muito bem articulados nessa teia.<br />

Assim dentro dessa linguagem simbólica, sugere-se o fato de que assim<br />

como a pomba, símbolo sagrado e correlacionado ao espirito santo, estava deixando de<br />

ser protegida segundo o <strong>ate</strong>ndimento a uma lógica e sendo banida pelos falcões em prol<br />

da higienização dos espaços públicos, mantendo limpos e asseados, evitando sua<br />

deterioração, a Operação Condor também alimentou um sistema que deixava os<br />

cidadãos desprotegidos à medida em que surgia a possibilidade de esses gerarem um<br />

desconforto a uma ordem social, desregulando-a, havendo assim, a necessidade em<br />

promover readequações ou ainda exterminá-los.<br />

UM MECANISMO DE VIGILÂNCIA PELA MANUTENÇÃO DE UMA ORDEM<br />

Roberto Bolaño sugere em Noturno do Chile em certos momentos um<br />

enredo que transpassa por uma realidade vivenciada durante os períodos de maior<br />

acentuação de contenções trazidos com os regimes ditatoriais e autoritários.<br />

Repensar as estruturas sociais como estratégias de manutenção no poder e<br />

asseguração de uma ordem foi algo complexamente articulado por organizações<br />

associadas diretamente ao governo que se fazia.<br />

Entender seus tentáculos é algo que vai muito além da percepção<br />

superficial. É preciso analisar a participação não só dos agentes internos mas também<br />

174 Ser latino americano, In: Versura.<br />

1346


aqueles que se voltam ao externo, principalmente visando garantir interesses<br />

econômicos e políticos.<br />

O interesse em manter-se em destaque, mostrando-se a frente de uma lógica,<br />

planejando sua supremacia e seu reconhecimento, comunicando e otimizando seus<br />

resultados através de regras é algo que é recorrente na história. Não é à toa que<br />

inúmeros países utilizaram de argumentos nacionalistas para fomentar crescimento<br />

político e social, onde só a ordem das estruturas poderia sustentar tal demanda.<br />

O sociólogo francês Pierre Bourdieu, relacionado a isso ele analisa o<br />

seguinte aspecto:<br />

A intenção política se constitui na relação com um estado de jogo político e,<br />

mais precisamente do universo das técnicas de ação e de expressão que ele<br />

oferece em dado momento (BOURDIEU, 2006, pg. 165)<br />

Assim, a preocupação com fatores que se voltam ao social e ao político é<br />

um argumento usado continuamente. A articulação de assuntos que se relacionam<br />

diretamente as vontades politicas é uma proposta que se volta ao centro das questões.<br />

Tecer uma rede de compromissos coletivos que assegure um funcionamento<br />

perfeito do corpo social era uma das preocupações centrais. Entretanto, somente com a<br />

figura de um inimigo introjetado no imaginário da sociedade seria possível uma<br />

facilitação na conquista de um ideal. Assim, evitar a fragilidade e a vulnerabilidade<br />

desse corpo social deveria ser combatidos por todos, proposto como um caráter<br />

unânime.<br />

Dentro dessa perspectiva está diretamente relacionada a essa manutenção<br />

dessa lógica de ordem social se faz atribuída as percepções trazidas com o Panoptismo,<br />

em Vigiar e Punir de Michel Foucault.<br />

O conceito do indivíduo panóptico se associa diretamente ao interesse de se<br />

estabelecer o enraizamento da vigilância e segurança nacional com base em toda<br />

estrutura que se faz como um ensaio de exercício de poder. Partindo dessa atribuição,<br />

Foucault pontua que:<br />

1347


Daí o efeito mais importante do Panóptico: induzir no detento um estado<br />

consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento<br />

automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus<br />

efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda<br />

a tornar inútil a atualidade de seu exercício; que esse aparelho arquitetural<br />

seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente<br />

daquele o exerce (...). (FOUCAULT, 1987, p. 166)<br />

Com base em tais argumentos trazidos por Foucault é possível analisar que<br />

a estruturação desse mecanismo de vigilância torna-se tão internalizado com o passar do<br />

tempo, que o indivíduo se sentirá observado independente disso ou não. Haverá além<br />

desse controle social, uma imposição de locais sociais, de espaços específicos, bem<br />

como funções especificas. Esse reposicionamento dos indivíduos como vigilantes e<br />

vigiados traz em seu bojo uma esfera de poder, uma máquina de sujeição e direção.<br />

Condicionados a assumir uma postura que assegure essa ordem social não se<br />

se saberá mais que serão os vigias e quem serão os observados, assim como ocorre em<br />

Noturno do Chile, com os personagens Jimmy Thompson e Maria Canales.<br />

Através desse sistema de observação também se fazem diagnósticos,<br />

observando sintomas de cada um 175 e como isso pode interferir na realidade social, visto<br />

a questão da possibilidade continua de contágio.<br />

Ao passo que se via esse comunismo como um inimigo da nação, também<br />

percebe-se que aqueles que se adentram a esse ideologia são vistos pelos regimes<br />

ditatoriais e autoritários como infectados. Analisando tal perspectiva, a historiadora<br />

Eliane Dutra, em o Exorcismo do Mal, nos traz sobre as metáforas médicas utilizadas<br />

como meio de denominação:<br />

...termos como vírus, germes, miasmas, fermento (microrganismos), foco,<br />

contágio, contaminação, infecção, incubação, inoculação, saneamento,<br />

desintoxicação, prevenção, terapêutica, intervenção cirúrgica e organismo<br />

político pontuam e saturam a rede metafórica anticomunista, desvelando uma<br />

concepção da realidade social: a orgânica. Essa concepção é que dá sentido às<br />

metáforas medicas e biológicas, às analogias entre comunismo e doença, às<br />

imagens que expressam a unificação do organismo. (DUTRA, 1997, p.45)<br />

175 Foucault, O Panoptismo In: Vigiar e Punir, p.168.<br />

1348


O uso de tais termos faz observância também à uma aproximação de uma nação<br />

como um organismo e que para esse corpo se fazer saudável a coletividade deveria trabalhar por<br />

isso e para isso.<br />

Nesse caso, a educação demonstra-se como um desses carros-chefes para o<br />

suporte. Ela é estratégica não só para a construção de um indivíduo, mas também para o<br />

futuro da nação, onde facilmente é percebido suas interferências nos mais diversos<br />

âmbitos. O preparo e a disseminação de um discurso interfere diretamente na<br />

governabilidade de um representante também. Assim, sua popularidade e propostas<br />

ganham vivacidade dependendo de como ele se articula diante dos anseios da sociedade<br />

civil.<br />

Produzir informações que confirmem as mudanças no plano é algo<br />

altamente almejado pelos governos. A imprensa assim assume uma proposta que vai<br />

muito além de um suporte informativo, mas também adentra-se como uma ferramenta<br />

política, podendo visar a construção de preceitos que se adequem a uma normalização.<br />

Porém, em um regime democrático há muito além de uma expansão dos<br />

direitos, ela, além da defesa de uma pluralidade de opinião pode sugerir desafios para os<br />

representantes de uma nação por conta da oposição.<br />

Ao longo da história como se percebe em regimes autoritários, tais opiniões<br />

que sugeriram um flerte com ideais de oposição acabaram sendo silenciados por tais<br />

partidos. Com isso, faz-se necessário a análise do comportamento de ditadores, sobre<br />

como foram levantados seus critérios e como se deu sua efetivação para evitar que<br />

episódios como esses venham a se repetir novamente.<br />

No caso do Chile, objeto de estudo desse trabalho, além de estar encaixado<br />

entre os países que atuaram coordenadamente na empreitada do terror com a Operação<br />

Condor, usou de mecanismos de repressão como a Diréccion de Inteligência<br />

Nacional 176 (DINA), posteriormente substituída pela Central Nacional de Informações<br />

177 (CNI).<br />

176 Aparato repressivo chileno que operou entre os anos de 1974 à 1977, sendo desativado devido às<br />

inúmeras denúncias a ele atribuídos.<br />

177 Substituiu a DINA, atuando no Chile até o final da ditadura imposta por Augusto Pinochet, em 1990.<br />

1349


Através de ambos os órgãos da ditadura chilena houveram promoção de<br />

sequestros, torturas e assassinatos á opositores, muito embora seus chefes, como<br />

Manuel Contreras, negue que acontecimentos como esses tenham relação diretas com<br />

tais instituições.<br />

No entanto, os medos, os silenciamentos e as torturas a qual inúmeras<br />

pessoas foram condicionadas principalmente em países latino-americanos foi uma<br />

realidade, muito embora se tente negar ou apagar da história. Promovendo interferências<br />

diretas e indiretas, no social e no político, os discursos propagados pelos regimes<br />

ultrapassam as dimensões da linguística, com tamanha imposição.<br />

Importante ressaltar que esses silenciamentos ultrapassaram os eixos<br />

midiáticos, não se voltando apenas ao que estava sendo veiculado nas mídias<br />

jornalísticas, mas adentrava-se à uma produção intelectual que saia das universidades.<br />

A preocupação com as questões educacionais estava pautada no interesses<br />

de evitar levantes e manifestações contra os governos que estavam empossados. As<br />

perspectivas críticas quanto a determinadas medidas e decisões era algo que sugeria<br />

<strong>ate</strong>nção para as ditaduras que se instauravam ao longo desses países.<br />

Com isso, a esfera artística e cultural, assim como o social e o político<br />

estavam passando por observações, onde se levantam vigilantes de uma ordem. Essas<br />

mesmas condições de vigilância impediam (ou ao menos tentavam impedir) que novas<br />

discussões se expandissem e que pensadores em geral disseminassem ideias em<br />

oposição ao regime vigente.<br />

Aqui é importante levantar que a passividade não se fez regra. Homens e<br />

mulheres se preocuparam em como se mostrar participativos do cenário político,<br />

visando a melhoria da vida e do coletivo.<br />

Ampliar os espaços de diálogo nos países que estiveram submetidos a essas<br />

contenções era algo extremamente complexo. Através da percepção trazida com a obra<br />

de Bolaño. Noturno do Chile joga luz à possibilidades de fatos. Com a estratégica<br />

estrutura de patrulhamento de indivíduos ficaria difícil saber com quem dividir suas<br />

1350


concepções e argumentos. Aos ditos subversivos, muitas vezes era necessário contar<br />

com a sorte.<br />

Mas a história, a verdadeira história, só eu conheço. Ela é simples, cruel e<br />

verdadeira, e deveria nos fazer rir, deveria nos matar de rir. Mas nós sabemos<br />

chorar, a única coisa que fazemos com convicção é chorar. Havia o toque de<br />

recolher. Os restaurantes, os bares, fechavam cedo. As pessoas se recolhiam<br />

em horas prudentes. Não havia muitos lugares onde os escritores e os artistas<br />

pudessem se reunir para beber e conversar quanto quisessem. Essa é a<br />

verdade. (BOLAÑO, 2000, p. 98)<br />

Ao passo que se via o toque de recolher como uma triste realidade a qual a<br />

sociedade estava acometida, levava-se essas intensa preocupação sobre com quais<br />

pessoas dividir seus pensamentos. Estar em segurança ultrapassava o físico, mas<br />

também a um lado emocional o estado de alerta era algo permanente para si e para os<br />

seus.<br />

Como parte disso, o sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman trabalha<br />

em Confiança e Medo na cidade e cita que:<br />

Os sofrimentos humanos (inclusive o medo de sofrer e o medo em si, que é o<br />

pior é mais penoso exemplo de sofrimento) derivam do "poder superior da<br />

natureza, da fragilidade de nossos próprios corpos e da inadequação dados<br />

normas que regem os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família,<br />

no Estado e na sociedade. (BAUMAN, 2009, p.14)<br />

A insegurança provocada pelo regime gerava um sofrimento que ia além do<br />

medo de perder a vida, mas também ao de que o círculos de vivências fosse atingido,<br />

como amigos, parentes e cônjuges, porém a vontade e a busca por um futuro melhor era<br />

algo que motivava a ultrapassar tais barreiras. A esses bravos e bravas segue-se a<br />

motivação de inúmeras conquistas no seio social, bem como pela vida democrática.<br />

No entanto, como se percebe a vida política traz em seu bojo fatores de uma<br />

complexidade ínfima. A atualização de percepções, de discursos, de novas demandas<br />

proporcionam novas discussões e muitas vezes até ameaças a constituição de uma<br />

1351


democracia. Algumas vezes, vive-se em um espírito de conservadorismo que mascara<br />

um perfil de intolerância.<br />

Os artistas riam, bebiam, dançavam, enquanto lá fora, naquela zonas de<br />

grandes avenidas despovoadas de Santiago, transcorria o toque de recolher.<br />

Eu não bebia, eu não dançava, apenas sorria beatificamente. E pensava.<br />

Pensava que era curioso que nunca aparecesse uma patrulha dos carabineiros<br />

ou da polícia militar, apesar do burburinho e das luzes das casa. Pensava em<br />

Maria Canales que então já tinha ganho um prêmio com um conto um tanto<br />

medíocre. Pensava em Jimmy Thompson, o marido, que às vezes se<br />

ausentava por várias semanas, meses até. (BOLAÑO, 2000, p. 106)<br />

Bolaño traz no enredo da obra aspectos que se associavam diretamente ao<br />

cotidiano vivido pelos chilenos durante o período, percebendo suas limitações e também<br />

seus desejos por socialização. Dentro desses elementos, elabora-se a curiosidade trazida<br />

acima pelo personagem Sebastian, tentando estabelecer conexões que viriam a ser<br />

respondidas a seguir:<br />

Depois chegou a democracia, o momento em que todos os chilenos deviam se<br />

reconciliar entre si, e então se ficou sabendo que Jimmy Thompson havia<br />

sido um dos principais agentes da DINA e que usava sua como centro de<br />

interrogatórios. Os subversivos passavam pelos porões de Jimmy, onde eles<br />

os interrogava, extraía deles toda a informação possível, depois os mandava<br />

para o centro de detenção. (BOLAÑO, 2000, p. 111)<br />

Através do trecho acima extraído de Noturno do Chile se demonstra que até<br />

mesmo um convite para a socialização poderia ser um risco iminente, à medida que os<br />

informantes se camuflavam dentre os outros. Certos passos poderiam ser desastrosos.<br />

Sobre esse dado também se eleva os tempos sombrios aos quais estavam sendo<br />

vivenciados.<br />

Jimmy Thompson e Maria Canales, personagens que se mostraram<br />

decisivos para a obra de Roberto Bolaño trabalhado nesse breve artigo, demonstram<br />

como a participação dos informantes infiltrados visando descobrir novos dissidentes,<br />

assim como seus ideais é um aspecto que possivelmente transcendia a ficção.<br />

Saindo do âmbito literário, em paralelo ao que aconteceu na realidade os<br />

relatos do medo que rondavam as rodas de conversas, seja em bares, casas ou<br />

1352


universidades também é algo perceptível, onde alguns professores e intelectuais temiam<br />

a difundir suas concepções por serem associados à doutrinadores que estariam dispostos<br />

a romper com a ordem que estaria sendo construído pelo regime, como versa Borralho<br />

sobre os seus resquícios:<br />

Pululam os casos de abertura de processos de abertura de processos<br />

administrativos com demissões em Universidades Federais por<br />

posicionamentos ideológicos de professores. No Judiciário, abertura de<br />

processos contra trabalhadores, movimentos sociais. Na imprensa, a<br />

criminalização de contestação às práticas políticas de setores não-alinhados a<br />

determinados governos 178 . (BORRALHO, 2017, p. 136)<br />

A efervescente onda de repressão provocada por essas ditaduras trouxeram<br />

uma enxurrada de processos e arquivos que se voltavam a esses sistemas de inteligência<br />

que se faziam interligados estr<strong>ate</strong>gicamente.<br />

Historicamente percebe-se que grande parte das organizações que<br />

fomentaram esse terror social visaram ausentar-se de culpabilizações, seja por meio de<br />

declarações públicas ou ainda por seus relatórios gerenciais. No entanto, como se sabe,<br />

inúmeros episódios ficaram sem qualquer explicação, corpos deixaram de ser<br />

encontrados, mas a dor a perda e o medo continua ali presente.<br />

A preocupação com as informações que foram e são digeridas pela<br />

população é uma marca. Em tempos de globalização como a que vivemos atualmente,<br />

onde as informações se fazem breves e “à palma da mão”, o poder de controle visa<br />

garantir novos espaços, porém requerem maiores articulações sobre como retomá-las.<br />

Como já citado acima, as intenções políticas associam-se a esse jogo e são<br />

inerentes a ele. A movimentação ideológica dos grupos re<strong>pagina</strong>-se, reformula-se, por<br />

isso necessita-se <strong>ate</strong>nção à suas artimanhas.<br />

Como facilmente é percebido, o patriotismo movimentou e movimenta<br />

estruturas, seja por anseios populares ou ainda por demandas que representam uma<br />

necessidade política criada naquele dado momento. Em contrapartida, a política muitas<br />

178 Sobre o autoritarismo em tempos democráticos. In: Versura.<br />

1353


vezes vem ampliada os ambições de magnitude extrema, calcada em um narcisismo de<br />

nomes específicos, ou seja, aos líderes dos regimes autoritários.<br />

Fazendo da busca por equilíbrio do poder uma necessidade, forças pró e<br />

contra se juntam em um campo político, formando suas concepções e garantindo sua<br />

lealdade a tais pontos. A formação de uma unidade central, como é citado por Bourdieu<br />

em Poder Simbólico sugere uma estratégia para o alcance desse objetivo.<br />

Assim, a visão atribuída a construção dos “inimigos do país”, daqueles que<br />

produzem os males sociais, os quais deveriam ser rechaçados da sociedade, passam pela<br />

esfera do simbólico até chegarem ao domínio público. Porém, para legitimar tais<br />

discursos seria necessário também a elaboração de seus desígnios representativos, como<br />

cita Dutra:<br />

O inimigo é, pois, o comunista a serviço de uma ideologia “de fora”, o credo<br />

russo, é o invasor que rouba com violência (rapina) e tudo destrói (vândalo).<br />

Por isso mesmo é expressão do mal e do ódio. Saques, pilhagens, rapina são<br />

representações-chave do imaginário da guerra, expressão máxima do<br />

confronto com o inimigo externo. Sem elas, a figuração do inimigo fica<br />

incompleta. (DUTRA, 1997, p. 40)<br />

A estruturação de uma imagem do comunismo como uma ameaça a essa<br />

ordem, como um vírus que se propaga pelo ar e que impregna a sociedade, como algo a<br />

ser extirpado foi trabalhado com o fim de ser assimilado e disseminado amplamente<br />

para <strong>ate</strong>nder as ordens de uma organização que <strong>ate</strong>nde interesses diversos.<br />

Com a finalidade de examinar sobre o terror gerado pelos regimes, a filósofa<br />

Hannah Arendt, diz que:<br />

O terror, como execução da lei de um movimento cujo fim ulterior não é o<br />

bem-estar dos homens nem o interesse de um homem, mas a fabricação da<br />

humanidade elimina os indivíduos pelo bem da espécie, sacrifica as “partes”<br />

em benefício do “todo”. (ARENDT, 1989, p. 517)<br />

Figurando essa questão sequenciam-se outros dados, trazidos com esse<br />

terror social que ganhou margens de legalidade, como é trazido com o levantamento de<br />

c<strong>ate</strong>gorias de “culpados” e “inocentes”. Partindo disso, esse “mal social” deve ser<br />

1354


levado a júri com o fim de passar por medidas exemplares, aos praticantes e aos futuros<br />

e possíveis.<br />

As semelhanças entre os objetivos políticos e econômicos também são<br />

perceptíveis. Um discurso de salvação aliado ao de vigilância continua e de todos<br />

elabora a facilitação do alcance de tal meta.<br />

Encabeçando essas operações de contenção do comunismo, os EUA, muito<br />

embora tenha garantido esse suporte que vinha não só em uma ordem ideológica, a<br />

supremacia de tal país não foi o único fator que permitiu que se instaurasse os regimes<br />

ditatoriais ao longo da América Latina.<br />

Sobre tal questão, Borralho também pontua em Ser latino-americano, que<br />

os Estados Unidos não é o único responsável pela instabilidade e os problemas políticos<br />

que se fazem presentes em tal região, mas que também há uma relação direta a seu<br />

processo de independência e as intervenções contínuas de grandes potências.<br />

Em observância a tudo isso fica outra reflexão, sobre quem e como se<br />

institui esses inimigos do Estado, como se dá o trabalho de articulação, levantamento e<br />

propagação desse discurso, o qual abrange então aspectos internos e externos.<br />

No caso do Chile, por exemplo, Mendes também aponta em seu artigo que<br />

as atuações da DINA, estiveram diretamente voltadas ao comb<strong>ate</strong> dessas lutas sociais,<br />

contra os grupos de esquerda e aos demais grupos que se voltassem para tal direção.<br />

Aliado a isso também há a manutenção um suporte funcionando, investindose<br />

em uma infraestrutura que fomenta a contenção dos subversivos requer atitudes<br />

maquiavélicas. Justificando tais argumentos estão os agentes e as organizações que se<br />

m<strong>ate</strong>rializaram, infiltrando-se em setores estratégicos com o fim de garantir seus<br />

objetivos. O controle promovido pelos carabineiros se fazia intenso e contínuo.<br />

Noturno do Chile nos fez perceber que a interdisciplinaridade eleva a<br />

possibilidade de inúmeros conteúdos históricos poderem ser discorridos através da<br />

literatura. Associando à História e paralelamente à seus teóricos, proporcionam-se<br />

discussões que muitas vezes poderiam passar despercebidos.<br />

1355


Também é possível analisar que tais obras, produzidas até mesmo durante a<br />

vivências dos momentos históricos relacionados à regimes ditatoriais e autoritários,<br />

podem sugerir testemunhos sobre as possibilidades de personagens reais que se fizeram<br />

reais.<br />

Ela também nos traz a importância do reconhecimento histórico, mas<br />

também sobre como nossa participação pode intervir no futuro da nação a qual fazemos<br />

parte e na maioria da vezes preferimos silenciar, principalmente ao que se refere às<br />

culpas internas demonstradas por seu personagem central, o padre crítico literário<br />

Sebastian Urritia Lacroix, logo início da obra:<br />

É preciso ser responsável. Eu disse isso a vida inteira. Você tem obrigação<br />

moral de ser responsável por seus atos e também por suas palavras, inclusive<br />

por seus silêncios, sim, por seus silêncios, por que os silêncios também<br />

ascendem ao céu e Deus os ouve, e só Deus os compreende e os julga, de<br />

modo que muito cuidado com os silêncios. Sou o responsável por tudo. Meus<br />

silêncios são imaculados. É bom que fique claro. É bom que fique claro. Mas<br />

acima de tudo que fique claro a Deus. O resto é prescindível. Deus não.<br />

(BOLAÑO, 2000, pg.9)<br />

A tomada de nossas responsabilidades para si é um fator apresentando<br />

fortemente, proporcionando contínua reflexão em torno de toda a obra, onde muitas<br />

vezes ela não só faz nos faz um convite literário, mas nos inclui em seu enredo através<br />

de suas problematizações.<br />

A necessidade de se reconhecer, discutir, e de rememorar fatos históricos<br />

também é um dado importante que foi proporcionado com a leitura de Noturno do<br />

Chile.<br />

Através de tal leitura ampliou-se os horizontes sobre o como uma simples<br />

socialização entre grupos dentro de um período de ditadura ou de regimes autoritários<br />

pode ser um risco para um indivíduo, demonstrando o quanto ele se fazia vulnerável.<br />

Esses falcões que foram apresentados por Bolaño em seu enredo, ganham<br />

propriedade e corpo à medida que a metáfora se faz repensada diante de uma vivência<br />

social e de um momento histórico em que homens se fizeram preparados a devorar suas<br />

presas, exterminando-os por objetivos próprios.<br />

1356


Para finalizar, é importante ressaltar aqui também que o paralelo feito com o<br />

diálogo entre realidade e ficção não permite a perda de sentido ao passo que<br />

compreende-se a complexidade estrutural de setores como a DINA, discutida m linhas<br />

anteriores. O papel dos informantes ganham representatividade ao passo que se permite<br />

fazer tais releituras, usando novos meios, percebendo como funcionava a atuação de<br />

toda uma rede que visou assegurar a ordem estrutural da sociedade, ainda que utilizando<br />

de artifícios cruéis e sangrentos.<br />

É preciso se fazer <strong>ate</strong>nto à História e também as evidências, pois o<br />

autoritarismo pode vir a se levantar com novas facetas, reagrupando-se por meio de<br />

novas lógicas e estratégias. O distanciamento temporal pode contribuir com o<br />

esquecimento das vítimas e dos acontecimentos, porém, a preocupação com a<br />

democracia e a estabilidade deve ser contínua, assim como manter a luz aos fatos e<br />

momentos históricos é de extrema importância para o futuro dos países latinoamericanos.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ARENDT, Hannah, 1906- 1975. Origens do totalitarismo: Hamah Arednt: Tradução<br />

Roberto Raposo. – São Paulo: Companhia das Letras, 1989.<br />

BAUMAN, Zygmunt. 1925 – Confiança e medo na cidade/ Zygmunt Bauman;<br />

tradução Eliane Aguiar. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed., 2009.<br />

BOLAÑO, Roberto. Noturno do Chile/ Roberto Bolaño: Tradução Eduardo Brandão. –<br />

São Paulo: Companhia das Letras, 2004.<br />

BORRALHO, Henrique. Versura: ensaios (2011-2017). / Henrique Borralho. – São<br />

Luís: Ed. UEMA; Café & Lápis, 2017.<br />

BOURDIEU, Pierre, 1930 – 2002. O poder simbólico/ Pierre Bourdieu: tradução<br />

Fernando Tomaz (português de Portugal) – 9° Ed. – Rio de Janeiro; Betrand Brasil,<br />

2006.<br />

1357


DUTRA, Eliana de Freitas. O Ardil Totalitário imaginário político no Brasil anos<br />

30. Rio de Janeiro; UFMG/ UFRJ 1997.<br />

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir; tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis,<br />

Vozes, 1987. 288p.<br />

HOBSBAWN, Eric. 1917 - Era dos Extremos: o breve século XX 1914-1991/ Eric<br />

Hobsbawn: tradução Marcos Santarrita; revisão técnica Maria Célia Paoli. – São Paulo:<br />

Companhia das Letras, 1995.<br />

MENDES, Ferreira Clécio.Ideologia e Poder: a DINA e a repressão na ditadura do<br />

General Augusto Pinochet/ Clécio Ferreira Mendes. Disponível em 21/07/2017:<br />

:http://www.snh2013.anpuh.org/resources/anais/27/1371325378_ARQUIVO_IDEOLO<br />

GIAEPODERNADITADURACHILENAANPUH.pdf<br />

POLICZER, Pablo. A Polícia e a Política de Informações durante o Governo<br />

Pinochet. /Pablo Policzer. Disponível em<br />

21/07/2017: <br />

1358


OS SABERES DOCENTES E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA<br />

TRABALHAR A PROPOSTA DE MATTHEW LIPPMAN NO ENSINO DE<br />

FILOSOFIA NO ENSINO FUNDAMENTAL<br />

THE TEACHING KNOWLEDGE IN THE TEACHER TRAINING TO WORK<br />

ON MATTHEW LIPPMAN IN THE TEACHING OF PHILOSOPHY IN<br />

FUNDAMENTAL TEACHING<br />

Autor: Cristiane Alvares Costa-Mestranda em Educação (UFMA)<br />

crizac2009@hotmail.com<br />

Co-Autor Ginia Kenia Machado Maia –Especialista (SEMED)<br />

ginia_maia@yahoo.com.br<br />

Co-Autor: Marcia Kallinka Rosa Araújo Chaves– Especialista (UFMA)<br />

kallinkachaves@gmail.com<br />

Orientador: Rita de Cassia Oliveira –Doutora (UFMA)<br />

rcoliveira30@yahoo.com.br<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: O presente estudo aborda aspectos que refletem a Filosofia para crianças e a<br />

relevância da proposta de Matthew Lippman para o desenvolvimento do pensar<br />

direcionado ao 6º ano do Ensino Fundamental, momento em que os alunos estão tendo<br />

seu contato inicial com a Filosofia, já que esta não é obrigatória nos anos iniciais. Fazse<br />

necessário diante deste contexto, enfatizar os saberes docentes e a formação<br />

profissional necessárias ao trabalho com o Programa de Lippman. O objetivo deste<br />

trabalho é propor Formação Continuada evidenciando a reconstrução do saber escolar<br />

proporcionando o diálogo com as crianças, o pensar filosófico com vistas a uma<br />

“educação para o fazer pensar”. A proposta metodológica de Lippman, tem a<br />

perspectiva de formar estudantes que desenvolvam uma “educação para o pensar”,<br />

possui saberes específicos, uma formação permanente pautada no programa. Pretendese<br />

ainda perceber quais os saberes norteiam os professores em relação a Filosofia e se<br />

conhecem a proposta de Matthew Lippman. Assim, precisa-se de educadores que<br />

1359


estejam em contínua formação na tentativa de reconstrução do saber escolar no processo<br />

de filosofar, proporcionando aulas que viabilizem a prática de investigação filosófica<br />

articulada entre filosofia, educação e vida. Para este trabalho, primeiramente utiliza-se a<br />

metodologia qualitativa, por meio de estudos bibliográficos. Nesse caminho os aspectos<br />

considerados relevantes sobre a filosofia e a infância, destacando de forma breve<br />

algumas concepções, em seguida trata-se a proposta de Lippman de uma Filosofia para<br />

crianças. Na sequência, traz-se os saberes docentes norteadores da Filosofia e da<br />

proposta de Lippman. Destaca-se em seguida, o percurso metodológico da Formação<br />

Continuada a ser desenvolvida com Palestras e Oficinas, onde propõe-se o<br />

acompanhamento através do Edmodo ,uma Plataforma gratuita, um ambiente virtual de<br />

aprendizagem ,onde estarão inseridos arquivos para leituras, <strong>artigos</strong>, imagens do curso<br />

com as crianças em sala de aula, previamente autorizados e poderá ser criado também,<br />

neste contexto uma biblioteca digital para abrigar todos os arquivos da Formação<br />

Continuada, auxiliando desta forma, o acompanhamento continuo aos Cursistas. Dessa<br />

formam percebe-se a necessidade de uma formação continuada que favoreça o<br />

aprimoramento da prática educativa direcionada a Filosofia, no intuito de desenvolver<br />

um trabalho educativo com mais consistência teórica e metodológica, principalmente no<br />

que diz respeito a proposta de Matthew Lippman. Para esse estudo, utilizaremos a Lei<br />

de Diretrizes e Bases N. 9394\96, os Parâmetros Curriculares Nacionais –PCNs, assim<br />

como os autores Lippman, Tardiff, Imbernon, Deleuze e Guattari, entre outros. O<br />

trabalho possibilita perceber que a formação continuada é um dos elementos primordiais<br />

para o desenvolvimento da proposta filosófica de ensino de Matthew Lippman para<br />

crianças, enfatizando os saberes que constituem a docência.<br />

Palavras – Chave: Docência.Formação.Mattew Lippman. Saberes<br />

ABSTRACT: The present study deals with aspects that reflect the Philosophy for<br />

children and the relevance of the proposal of Matthew Lipman for the development of<br />

1360


the thinking directed to the 6th year of Elementary School, when the students are having<br />

their initial contact with the Philosophy, since this one does not is mandatory in the<br />

early years. It is necessary in this context to emphasize the teaching skills and<br />

professional training required to work with the Lippman Program. The objective of this<br />

work is to propose Continuous Formation evidencing the reconstruction of scholastic<br />

knowledge by providing dialogue with the children, philosophical thinking with a view<br />

to an "education to make you think" Lippman's methodological proposal has the<br />

perspective of forming students who develop a "Education for thinking", has specific<br />

knowledge, ongoing training based on the program. It is also intended to understand<br />

which knowledge guides the teachers in relation to Philosophy and if they know the<br />

proposal of Matthew Lippman. Thus, educators are needed who are in continuous<br />

formation in the attempt of reconstruction of the scholastic knowledge in the process of<br />

philosophizing, providing classes that enable the practice of philosophical research<br />

articul<strong>ate</strong>d between philosophy, education and life. For this work, the qualitative<br />

methodology is first used, through bibliographic studies. In this way the aspects<br />

considered relevant on philosophy and childhood, highlighting in a brief way some<br />

conceptions, next is the proposal of Lippman of a Philosophy for children. In the<br />

sequence, there is the teaching knowledge guiding the Philosophy and Lipman's<br />

proposal. Next, the methodological course of Continuing Education to be developed<br />

with Lectures and Workshops, where it is proposed to follow through Edmodo, a free<br />

Platform, a virtual learning environment, where will be inserted files for readings,<br />

articles, images of the course with the children in the classroom, previously authorized,<br />

and in this context a digital library can be cre<strong>ate</strong>d to house all the archives of<br />

Continuing Education, helping in this way the continuous monitoring of the Cursistas.<br />

A continuous formation that favors the improvement of the educational practice directed<br />

to the Philosophy, in order to develop an educational work with more theoretical and<br />

methodological consistency, especially with regard to the proposal of Matthew<br />

Lippman. For this study, we will use the Law of Guidelines and Bases No. 9394 \ 96,<br />

the National Curricular Parameters - PCNs, as well as the authors Lipman, Tardiff,<br />

1361


Imbernon, Deleuze and Guattari, among others. The work makes it possible to realize<br />

that continuing education is one of the fundamental elements for the development of<br />

Matthew Lippman's philosophical teaching proposal for children, emphasizing the<br />

knowledge that constitutes teaching. Keywords: Teaching. Formation. Mattew<br />

Lippman. You know<br />

Keywords: Teaching. Formation. Mattew Lippman. You know<br />

1-INTRODUÇÃO<br />

Para debruçarmos sobre a temática da proposta de Matthew Lippman,<br />

intitulada como Filosofia para crianças, e os saberes da docência para trabalhar a<br />

proposta, convém primeiramente discorrer sobre o que se entende sobre criança e a sua<br />

infância para posteriormente justificarmos a necessidade de formação continuada que<br />

seja especifica para proposta de Lippman para a educação, em respeito às suas<br />

especificidades.<br />

Segundo Aries (1981), estamos vivendo um momento histórico<br />

caracterizado por transformações, seja na ordem tecnológica – científicas e/ou éticosociais,<br />

e a forma de ver a infância perpassa por essas mudanças. Contudo, a fase da<br />

infância passou despercebida por muito tempo pela sociedade e pelas próprias famílias.<br />

A educação na infância demorou a ser reconhecida como válida e a própria criança<br />

nesse contexto postergou a ser vista enquanto sujeito social, legitimando-a como<br />

competente e sujeito de direitos.<br />

A ideia de infância apareceu a partir das fortes mudanças sociais, culturais e<br />

políticas que a sociedade foi passando e pelo papel social que a criança foi conquistando<br />

ao longo dos séculos. Neste sentido, Zabalza (1998, p. 20) aborda essa questão,<br />

enfatizando que se está diante da "infância recuperada". Do exposto, ainda o citado<br />

autor assinala sobre a compreensão de criança: “visão de criança reprimida, adulto em<br />

miniatura, criança-aluno, criança-filho renasce uma criança verdadeira e visível,<br />

1362


exigindo viver como criança e, para ser reconhecida e vista como sujeito que também<br />

constrói história” (ZABALZA, 1998, p. 20).<br />

Compreende-se que a criança é um ser com potencial de pensar e agir<br />

conforme a cultura que está inserida. Nessa perspectiva o autor Matthew Lippman<br />

enfatizou que a Filosofia não poderia estar distanciada da criança. Ele advogou que as<br />

crianças podem fazer investigações e que por meio da Filosofia elas podem desenvolver<br />

a inteligência emocional, cognitiva e social. Dessa forma, acreditamos que a proposta<br />

filosófica de ensino para crianças de Matthew Lippman poderá permitir aos professores<br />

incentivarem o exercício do pensar por meio da Filosofia.<br />

No entanto, para que essas potencialidades nas crianças sejam despertadas, é<br />

fundamental investir na formação do professor, a qual deve estar articulada com os<br />

princípios que compõem a proposta de uma filosofia para crianças, pensado por<br />

Matthew Lippman, pois entendemos que os professores são os primeiros atuantes da<br />

criticidade, são transformadores, criativos, capazes de compreender a educação como<br />

um instrumento de construção do pensamento crítico e lutam para a construção de uma<br />

escola de qualidade para todos os alunos.<br />

Em relação aos saberes docentes, Tardif (2002) lança a existência de quatro<br />

tipos distintas de saberes na atividade docente que são: os saberes da formação<br />

profissional (das ciências da educação e da ideologia pedagógica); os saberes<br />

disciplinares; os saberes curriculares e, por fim, os saberes experienciais.<br />

Nesse sentindo, concorda-se com Imbernón (2011) quando se refere a<br />

formação permanente: “tem o papel de descobrir a teoria para ordená-la, fundamentá-la,<br />

revisá-la e combatê-la se for preciso”.<br />

Assim, a proposta metodológica de Matthew Lippman sobre ensino de<br />

Filosofia para crianças, na perspectiva de formar um estudante que desenvolva uma<br />

“educação para o pensar”, possui saberes específicos e portanto, precisa de uma<br />

formação permanente pautada no programa. Mas para esse primeiro momento, de forma<br />

especifica o objetivo pretendido é de perceber quais os saberes norteiam os professores<br />

em relação a Filosofia e se conhecem a proposta de Matthew Lippman.<br />

1363


Para as fontes bibliográficas, usaremos de fontes, tais como: livros, <strong>artigos</strong>,<br />

revistas, websites etc. Empírica porque realizamos um estudo in lócus numa escola<br />

pública municipal objetivando propor a experiência do programa de Matthew Lippman.<br />

Nesse sentido, apresentamos alguns aspectos considerados relevantes sobre<br />

a filosofia e a infância, destacando de forma breve algumas concepções, em seguida<br />

assinalamos sobre proposta de Matthew Lippman de uma Filosofia para crianças. Na<br />

sequência, é trazido os saberes docentes norteadores da Filosofia e da proposta de<br />

Lippman. Destaca-se em seguida as considerações finais, no intuito de encontrar<br />

alternativas para melhor desenvolver a temática em discussão.<br />

2-A FILOSOFIA E A INFÂNCIA: revisitando algumas concepções<br />

Em relação a infância, sabe-se que ela foi e é construída socialmente e<br />

culturalmente. Segundo Canavieira e Caldeiron (2011), a concepção atual de infância é<br />

consequência de uma construção gradual das sociedades moderna e contemporânea, e<br />

não é considerada um fenômeno natural. Assim: “a infância enquanto fase da vida, mas<br />

que sempre varia de acordo com o espaço-tempo, e assim formam as características<br />

dessa faixa etária, marcas coletivas das culturas infantis”(SARMENTO apud<br />

CANAVIEIRA & CALDEIRON, 2011, p. 7)<br />

Em relação a filosofia, Deleuze e Guattari (1992, p. 10) consideram que um<br />

conceito de filosofia só pode ser formulado entre amigos da sabedoria, destacam que: “a<br />

filosofia não é uma simples arte de formar, de inventar, ou de fabricar conceitos, pois os<br />

conceitos não são necessariamente formas, achados ou produtos.”<br />

Assim, a Filosofia não possui uma definição, mas várias. Chauí (1995, p.<br />

18), cita algumas definições de Filosofia de grandes estudiosos, para Platão é um saber<br />

que deve ser usado para o “benefício de todos”. Para Descartes, “é um estudo da<br />

sabedoria”, para Kant a Filosofia “é o conhecimento que a razão adquire de si mesma”,<br />

e que assume o escopo de trazer felicidade. Já para Marx, “é o caminho para conhecer o<br />

mundo e transformá-lo”. Merleau-Ponty, apontou que “a Filosofia é um ver e despertar<br />

para ver e mudar o mundo”.<br />

1364


Vislumbra-se com a Filosofia, pois é um saber útil que coaduna com todos<br />

os saberes que o ser humano necessita. E por determos esse entendimento que defendese<br />

a necessidade da Filosofia para crianças, no sentindo de que a mesma é uma opção<br />

educacional essencial para os tempos modernos, proporcionando as crianças (re)<br />

descobrir a relevância dos saberes direcionados a elas.<br />

Para Matthew Lippman, autor que defende a Filosofia para Crianças, ele<br />

diz: “que as crianças pensam de forma tão natural quanto falam ou respiram – disso eu<br />

não tinha dúvida. Mas como ajudá-las a pensar bem?” (LIPMAN, 2001, p. 5). Na<br />

proposta de Lippman a filosofia seria o espaço ideal para ajudar as crianças a pensar, e<br />

as salas de aula, o espaço ideal para as investigações e dialógicos necessários para um<br />

ambiente educacional que visa formar para o pensar.<br />

No início do terceiro milênio, significativas transformações acontecem no<br />

cenário brasileiro, foram mudanças econômicas, políticas e culturais acontecidas na<br />

sociedade capitalista nos últimos quarenta anos do século XX e que modificaram<br />

profundamente o dinamismo social, no que concerne à educação uma nova realidade se<br />

institui para o século XXI. “O conhecimento como elemento fundamental da produção e<br />

do acúmulo de vantagens diferenciais em um cenário capitalista de competição<br />

globalizada” (OLIVEIRA, 2009, p. 239).<br />

Essas transformações passaram a ser trabalhadas mais detalhadamente na<br />

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9.394/96. Nela tem-se as<br />

diretrizes para todos os níveis da educação visando às transformações significativas que<br />

o mundo está vivenciando.<br />

Em relação ao ensino de Filosofia, a Lei no 9.394/96 prescreve no seu art.<br />

36 da Lei no 9.394, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para<br />

incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do ensino<br />

médio (BRASIL, 1996).<br />

Contudo foi tardiamente que a Filosofia de fato ganhou espaço no cenário<br />

educacional. Somente com o Parecer CNE/CEB nº 38/2006, aprovado em 7 de julho de<br />

1365


2006 que houve a inclusão obrigatória das disciplinas de Filosofia e Sociologia no<br />

currículo do Ensino Médio (BRASIL, 2006).<br />

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s) colocam a Filosofia como<br />

ferramenta primordial para o processo de aprimoramento do educando e sua formação<br />

cidadã, e não deve ser trabalhado simplesmente como tema transversal, mas como eixo<br />

principal do conteúdo programático (BRASIL, 1998). Assim, a filosofia visa apresentar<br />

uma visão globalizante, interdisciplinar e mesmo transdisciplinar, auxiliando o<br />

educando a lançar outro olhar sobre o mundo e a transformar a experiência vivida numa<br />

experiência compreendida.<br />

No que diz respeito a Filosofia para crianças, esse foi outro movimento<br />

tardio no Brasil. O programa de Filosofia para Crianças de Matthew Lippman foi<br />

concebido ao final da década de 60, no contexto dos Estados Unidos, foi gestado<br />

visando uma proposta de “Educação para o Pensar”, pensado para desenvolver, as<br />

habilidades cognitivas, esclarecer conceitos filosóficos, como verdade, tempo, justiça, a<br />

usar o processo de investigação e diálogo, objetivando a construção de significados<br />

sociais, morais e culturais (SOUZA, 2013).<br />

2.1-A Proposta de Matthew Lippman de uma Filosofia para crianças<br />

A proposta de Lippman circunda essencialmente no m<strong>ate</strong>rial didático<br />

elaborado para “desenvolver o pensar”, para isso Matthew Lippman e seus<br />

colaboradores desenvolveram as Novelas Filosóficas que são narrativas que apresentam<br />

temas e problemas filosóficos através das falas e tramas vividos pelas personagens<br />

numa Comunidade de Investigação e os Livros do Professor que contêm planos de<br />

discussão e exercícios sobre conceitos filosóficos para auxiliar a mediação do diálogo<br />

na comunidade de investigação e desenvolver as habilidades de pensamento (SOUZA,<br />

2013).<br />

Por isso propõe a filosofia para crianças que parte do ensino da lógica<br />

formal por meio de novelas (pequenas histórias envolvendo problemas do dia a dia).<br />

1366


Essas novelas filosóficas buscam desenvolver na criança o pensamento crítico. Fazendo<br />

com que a criança aprenda a comprovar seus argumentos (SOUZA, 2013).<br />

A proposta da Filosofia para Crianças é um programa pedagógico que<br />

aponta a necessidade do desenvolvimento das capacidades de raciocínio e do<br />

pensamento em geral. Esta atividade do pensar é realizada por meio da criação de um<br />

diálogo, promovendo o pensamento de investigação na sala de aula. As crianças são<br />

encorajadas a falar e a ouvir umas às outras e discutir as ideias filosóficas com a<br />

orientação de um facilitador (professor), segundo o qual o ensino é resultado de um<br />

processo de investigação do qual o professor, despido de sua infalibilidade, participa<br />

apenas como orientador ou facilitador (SOUZA, 2013).<br />

Os educadores assumem papel fundamental na proposta de Lippman, e<br />

demonstram interesse pelo ensino da Filosofia. Assim destaca:<br />

Alguns educadores veem hoje a filosofia para crianças prefigurando uma reavaliação<br />

radical da educação e estão ansiosos em relacionar as características da filosofia da escola primária que o<br />

processo educacional como um todo, segundo eles, deve exibir. Essa é, sem dúvida, uma abordagem<br />

atraente, mas deve ser acompanhada por uma análise de princípios (LIPMAN, 1990, p. 34).<br />

Nesse sentindo, a filosofia na perspectiva de Lippman se converte em uma<br />

comunidade de investigação, onde estudantes e professores possam dialogar como<br />

pessoas e membros da mesma comunidade; possam ler juntos, apoderar-se das ideias<br />

conjuntamente, levantar hipóteses sobre as ideias dos outros; possam pensar<br />

independentemente, possam procurar razões para seus pontos de vista, explorar suas<br />

pressuposições; e “trazer para suas vidas uma nova percepção de o que é descobrir,<br />

inventar, interpretar e criticar”. (LIPMAN, 1990, p. 61).<br />

Com base nessa ideia, o ato de realizar filosofia para as crianças, trata-se de<br />

possibilitar, mediante o diálogo com as crianças, o pensar filosófico, assim como<br />

Lippman, acreditamos que a Filosofia pode ser usada com crianças para realização de<br />

uma educação para o fazer pensar.<br />

1367


Do educador, é exigido um constante processo de aperfeiçoamento e<br />

investigação. Dessa forma, ele precisa passar por contínua formação, na tentativa de<br />

reconstrução do seu saber escolar para <strong>ate</strong>nder às demandas dos avanços científicos e<br />

tecnológicos impostos pela contemporaneidade.<br />

Observa-se que muitos docentes no seu fazer pedagógico com crianças não<br />

as incentivam a dialogarem, não as ajudam a superarem suas dificuldades em assimilar<br />

determinado conteúdo e de auxiliá-las em desenvolver um pensamento crítico.<br />

Destarte:<br />

Para desenvolver a ideia de Filosofia para Crianças, Lippman criou o que chama de<br />

Pedagogia da Comunidade de Investigação. Nesta perspectiva, a sala de aula tradicional deve se<br />

transformar numa Comunidade de Investigação com a participação ativa de crianças e professores no<br />

diálogo sobre os problemas em questão, ou seja, conceitos de fundo de nossa existência, aqueles que são<br />

centrais, comuns e controversos. O diálogo filosófico é a pedagogia do pensar bem, ou seja, um pensar<br />

crítico, criativo, ético e político. É nessa prática de filosofia que as crianças formam as atitudes<br />

democráticas, tornando-se cidadãos críticos, reflexivos e participantes do processo deliberativo (SOUZA,<br />

2013, p. 14).<br />

Nessa perspectiva, a proposta de Lippman visa propiciar as crianças a<br />

possibilidade de demonstrarem seus pensar, propiciando um ambiente onde elas possam<br />

demonstrar suas ideias e (re) redescobrir novas ideias.<br />

À luz do exposto, nossa pesquisa buscará investigar a proposta<br />

metodológica da Filosofia para Crianças de Matthew Lippman. A investigação será<br />

realizada em uma dada escola pública estadual ou municipal.<br />

Acrescenta-se que em São Luís não há um currículo escolar para a<br />

disciplina Filosofia, colocando-a como obrigatória no Ensino Fundamental, apenas<br />

como tema transversal. Neste sentido, a pesquisa busca construir uma proposta de<br />

filosofia para crianças a luz de Matthew Lippman para a escola que será o local de<br />

estudo.<br />

Fazer filosofia com crianças é o desafio da proposta de Lippman e<br />

posteriormente implantá-la no universo escolar. Kohan (1998, p. 9) ressalta que<br />

1368


Matthew Lippman, numa proposta pioneira, “lançou a ideia de que as crianças podem e<br />

merecem ter acesso à Filosofia. Não apenas lançou uma ideia, mas criou uma instituição<br />

e desenvolveu m<strong>ate</strong>riais e metodologia para que esta ideia fosse uma realidade”<br />

2.2-Os saberes da docência na Filosofia para crianças<br />

Sabe-se que o educador hoje, para estar á frente das necessidades e avanços<br />

do nosso tempo, se faz necessário um constante processo de aperfeiçoamento e<br />

investigações, dessa forma, precisa-se de um educador que esteja em continua<br />

formação, na tentativa de reconstrução do seu saber escolar.<br />

Assim, busca-se o desenvolvimento de um profissional da educação com<br />

uma formação sólida, que é a exigida pelos avanços do mundo contemporâneo,<br />

possibilitando-os apreender habilidades básicas para aprender a situar-se no mundo<br />

moderno.<br />

Para que esse desenvolvimento se dê, fala-se hoje de formação continuada,<br />

que é uma formação que deve estar articulada aos novos princípios propostos hoje a<br />

educação brasileira, que é o de formar profissionais mais participativos, que trabalhem<br />

em coletividade, que rompam com as concepções conservadoras, que sejam mais<br />

críticos, transformadores e criativos, que valorizem a educação como um instrumento à<br />

construção da cidadania e que lutem para a construção de uma escola de qualidade para<br />

todos os alunos.<br />

Por formação continuada cita Nascimento (apud Candau 1996),<br />

compreende-se toda e qualquer forma de atividade de formação do professor atuante nos<br />

estabelecimentos de ensino. Assim, por formação em serviço, entende-se que são as<br />

atividades de formação continuada que se realizam no próprio local de trabalho dos<br />

professores.<br />

Tendo como objetivo desta Formação a perspectiva de uma educação de<br />

qualidade, no intuito de melhor contribuir para a formação dos profissionais da<br />

1369


educação no Município de São Luís do Maranhão. Propondo o melhor desenvolvimento<br />

do professor, com base em uma formação centrada na escola e nas práticas destes<br />

profissionais.<br />

Nesse sentido, [...]; uma perspectiva de formação orientada pela<br />

compreensão de que o professor deve ser capaz de tomar decisões, confrontando suas<br />

ações cotidianas com as produções teóricas; seja capaz, ainda, de rever suas práticas e as<br />

teorias que as informam, abandonado a perspectiva baseada na racionalidade técnica,<br />

que considera o professor mero executor de decisões alheias. [...]; que um processo de<br />

formação assim compreendido deve permitir ao professor desenvolver a habilidade de<br />

pesquisar sua própria prática e discuti-la com seus pares, de modo a transformar a<br />

escola num espaço de formação continua. (FILHO, ALVES, apud BARBOSA, 2003,<br />

p.288)<br />

Segundo os pressupostos desses autores a formação continuada é entendida<br />

como um processo de aperfeiçoamento e desenvolvimento, que deve levar o professor a<br />

entender a sua importância no espaço escolar.<br />

Esse é um direito dos profissionais de educação que está garantido em lei,<br />

como consta na LDBEN (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), no Art.63<br />

que trata dos Institutos Superiores e das suas obrigações, no inciso <strong>II</strong>I, na qual garante<br />

aos professores o direito de participarem de programas de educação continuada. E no<br />

Art. 67, na qual trata das obrigações dos sistemas de ensino perante os profissionais de<br />

educação, no inciso <strong>II</strong>, que obriga os sistemas de ensino a assegurar aos professores o<br />

aperfeiçoamento profissional e continuado.<br />

Dessa forma, ver-se a relevância que é dada à formação continuada dos<br />

profissionais em atuação dos sistemas de ensino. Sobre essa temática, considera Torre<br />

(apud Torre e Barrios, 2002), a formação continuada garante o desenvolvimento<br />

profissional do docente, dessa forma, formar não é simplesmente a aquisição de novos<br />

conhecimentos e novas habilidades, e sim ajudar ao professor a tomar consciência das<br />

próprias atuações e como melhora-las.<br />

1370


E ainda, como complementa Fernández (apud Torre e Barrios, 2002, p. 37),<br />

“A formação deixa de ser um processo de ensinar como ensinar para passar ao<br />

autodescobrimento pessoal, a tomar consciência de si mesmo”.<br />

Desse modo, ressalta-se a importância de que os sistemas de ensino possam<br />

proporcionar esse tipo de formação continuada para os seus professores, entendendo que<br />

o professor tem um papel determinante no processo de ensino aprendizagem dos<br />

educandos. Assim, capacitando os professores para serem profissionais críticos e<br />

reflexivos.<br />

3-PERCURSO METODOLÓGICO<br />

A referida proposta se realizará em três etapas, num período de três meses<br />

com encontros de quinze em quinze dias, totalizando carga horária de 100hs com<br />

acompanhamento constante com os Cursistas através do Edmodo, uma plataforma<br />

gratuita, um ambiente virtual de aprendizagem , onde estarão inseridos arquivos para<br />

leituras, <strong>artigos</strong>, imagens do curso com as crianças em sala de aula, previamente<br />

autorizados e poderá ser criado também, neste contexto uma biblioteca digital para<br />

abrigar todos os arquivos da Formação Continuada, auxiliando desta forma, o<br />

acompanhamento continuo aos Cursistas durante a Formação. Será desenvolvida nas<br />

seguintes perspectivas:<br />

Na primeira etapa, far-se-á revisão de leituras de suporte teórico e<br />

metodológico como: legislação educacional; elaboração e aplicação de instrumentos de<br />

coleta de dados como: entrevistas e questionários para professores da escola, para assim<br />

sabermos das reais dificuldades da equipe; organização e análise de dados coletados na<br />

pesquisa: análise e interpretação das entrevistas.<br />

Na segunda etapa far-se-á construção da Formação continuada por meios de<br />

Oficinas e Palestras com os professores do 6º ano do ensino fundamental para favorecer<br />

as crianças a possibilidade de demonstrarem seu pensar, propiciando um ambiente onde<br />

elas possam demonstrar suas ideias e (re) redescobrir novas ideias.<br />

1371


E por fim a terceira e última etapa far-se-á acompanhamento das propostas<br />

desenvolvidas em sala de aula pelos Cursistas, assim como os resultados finais com os<br />

alinhamentos necessários.<br />

CONSIDERAÇÔES FINAIS<br />

Propõem-se a Formação Continuada para trabalhar a Filosofia no sexto<br />

ano do Ensino Fundamental, contribuindo assimdirecionar os trabalhos pedagógicos<br />

com vistas a uma educação filosófica pautada na experiência do filosofar, despertando e<br />

valorizando a cultura do filosofar na escola, fundamentadas em: pratica do filosofar; na<br />

educação do pensamento e das emoções; da educação ética e cidadã e por fim na<br />

metodologia.<br />

A Formação Continuada tem entre outras finalidades, propor novas<br />

metodologias e colocar os profissionais a par das discussões teóricas atuais, com a<br />

intenção de contribuir para as mudanças que se fazem necessárias para a melhoria da<br />

ação pedagógica na escola e consequentemente da educação. Assim, entende-se que é<br />

de grande importância nos apropriarmos de referências dos que já estudaram e<br />

vivenciaram a formação continuada, para que possamos discutir e aplicar esses<br />

conhecimentos teóricos, pois a formação continuada dos profissionais de educação é<br />

compreendida como um processo de construção e reconstrução do saber docente, assim,<br />

não é simplesmente o como fazer.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. Filosofia da Educação. São Paulo: Moderna, 2002.<br />

BARBOSA, I. Formação inicial de Professores, pedagogia para a autonomia e discurso<br />

supervisivo .In: Pedagogia para Autonomia. Cadernos 3 Braga: Universidade do<br />

Minho (Orgs.F.Silveira e M.A.Moreira ), 2003.<br />

1372


BRASIL. LDB nº 9394, de 20/12/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.<br />

Ministério da Educação e do Desporto. Brasília, 1996.<br />

CANDAU, Vera Maria. Formação continuada de professores: tendências atuais.<br />

Petrópolis: Vozes, 1996.<br />

_______. Lei nº 11.684, de 2 de junho de 2008. Altera o art. 36 da Lei no 9.394, de 20<br />

de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para<br />

incluir a Filosofia a e a Sociologia como disciplinas obrigatórias nos currículos do<br />

ensino médio. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 3 jun. 2008.<br />

OLIVEIRA, J. F. A qualidade da educação: perspectivas e desafios. Cadernos Cedes,<br />

Campinas v. 29, n. 78, p. 201-215, maio/ago. 2009.<br />

_______. Parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio PCN+Orientações<br />

Educacionais Complementares aos Parâmetros CurricularesNacionais - Ciências<br />

Humanas e suas Tecnologias. Brasília/D.F: MEC Secretaria de Educação Média e<br />

Tecnológica (SEMTEC), 2006.<br />

SOUSA, A. M. et al. A gestão de pessoas alinhada a gestão de conhecimento. 2013<br />

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes,<br />

2002.<br />

1373


OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER: Possíveis Diálogos entre Amor e<br />

Suicídio<br />

THE SUFFERING OF YOUNG WERTHER:Possibles Dialogs Between Love and<br />

Suicide<br />

Autores: Larissa Emanuele da Silva Rodrigues Oliveira 179 ;<br />

Alexandra Araujo Monteiro 180 .<br />

Orientador: Prof. Dr. Fábio José Santos de Oliveira 181<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO:Os Sofrimentos do jovem Werther, escrito por Johann Wolfgang Goethe<br />

(1749-1832) e objeto deste estudo parcial, nos revela um percurso de dor e sofrimento<br />

vivido por Werther, protagonista desta história. Nosso estudo aponta algumas<br />

características e experiências subjetivas pelas quais Werther passou e que o conduziram<br />

ao suicídio. O objetivo deste artigo é analisar o romance referido; identificar os<br />

sentimentos que assinalam o amor, tristeza e desejo de suicidar-se; além de comentar<br />

como o amor impossível reflete na vida de um indivíduo que não tem o seu sentimento<br />

correspondido. Em razão disso, o nosso estudo utiliza alguns teóricos como Leon<br />

Rabinowics (1906-1999) e Émile Durkheim (1858-1917).<br />

Palavras-chave: Goethe. Os Sofrimentos do Jovem Werther. Amor. Suicídio.<br />

179 Lemanuele17@gmail.com. Acadêmica do segundo período do curso de Licenciatura em Letras –<br />

Universidade Federal do Maranhão (UFMA).<br />

180 Alexandraaraujo450@gmail.com. Acadêmica do segundo período do curso de Licenciatura<br />

em Letras – Universidade Federal do Maranhão (UFMA).<br />

181 fabiolittera@yahoo.com.br. Professor do Curso de Licenciatura em Letras da Universidade<br />

Federal do Maranhão (UFMA). Doutor em Teoria Literária e Literatura Comparada<br />

(USP/Paris 8). Pós-doutor pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP).<br />

1374


ABSTRACT: The sufferings of the young Werther, written by Johann Wolfgang<br />

Goethe (1749-1832) and object of this partial study reveal to us a course of pain and<br />

suffering experienced by Werther, protagonist of this story. Our study points to some of<br />

the subjective characteristics and experiences Werther went through that led to suicide.<br />

The purpose of this article is to analyze the novel referred to; identify feelings that<br />

indic<strong>ate</strong> love, sadness and desire to commit suicide; in addition to commenting on how<br />

impossible love reflects on the life of an individual who does not have their feelings<br />

matched. For this reason, our study uses some theorists as Leon Rabinowics (1906-<br />

1999) and Émile Durkheim (1858-1917).<br />

Keywords: Goethe.The Suffering of Young Werther.Love. Suicide.<br />

Fomos instigados a pesquisar sobre a obra Os Sofrimentos do Jovem<br />

Werther, a qual nos revela, por meio de correspondências, um percurso de dor e<br />

sofrimento vivido pelo protagonista da obra. Nosso estudo aponta como alguns aspectos<br />

do romantismo estão presentes em Werther. O objetivo deste artigo é analisar as cartas<br />

do protagonista e mostrar como a organização da narrativa influencia o leitor a julgar<br />

ser realidade o que é ficção; além de comentar alguns temas frequentes no período<br />

romântico. Werther vive uma vida aparentemente comum, calma, serena e<br />

contemplativa. A primeira parte da obra mostra um jovem que sai da cidade para viver<br />

no campo. Em um segundo momento, encontramos um jovem apaixonado, mas que se<br />

sente triste e angustiado devido a um amor não correspondido. Podemos comparar a<br />

história do personagem entre antes e depois de conhecer ‘’uma das criaturas mais<br />

adoráveis deste mundo’’(GOETHE, 2001, p.32). O protagonista se apaixona<br />

intensamente por Charlotte. À medida que conhecemos a narrativa de Goethe<br />

observamos como há uma proximidade do romance com a vida real. Goethe estava<br />

verdadeiramente apaixonado por Carlota (Charlotte) Buff, esposa de Johann Kestner.<br />

1375


Além disso, o escritor manteve contato com o casal através de correspondências mesmo<br />

depois da publicação do seu romance. A narrativa se inicia com a mudança de Werther<br />

para o campo ‘’Como estou contente de ter partido!’’(GOETHE, 2001, p.14)A solidão<br />

vivenciada no campo pelo protagonista torna-se um bálsamo e o mesmo é tomado pela<br />

serenidade e pela alegria em uma região que acredita ter sido feita para ele. Esse<br />

relacionamento com a paisagem de Wahlheim, palco do encontro entre Charlotte e<br />

Werther, nos remete à personalidade do protagonista, que se sentia mergulhado em sua<br />

calma existência e usava sempre um tom poético para se referir à natureza. Faz-se<br />

necessário evidenciarmos o movimento ocorrido na Alemanha ‘’Sturm und Drang 182 ’’,<br />

surgido por volta de 1750, no qual os seus membros usavam exaustivamente um tom<br />

poético a fim de exaltar a natureza. Inclusive Goethe (1749 – 1832) demonstra a ligação<br />

com esse movimento a partir de sua obra que se inclina solenemente para o campo,<br />

exaltando esse espaço poeticamente. A intensidade do relacionamento com a natureza<br />

vivenciada pelo jovem desloca-se para Charlotte. Após conhecê-la e darem início a uma<br />

amizade, ambos viviam de fato um romance, mas o jovem não podia ser correspondido<br />

completamente por sua amada, pois a mesma já estava prometida a outro rapaz. O<br />

sentimento entre os jovens era recíproco, porém o compromisso social ditava as regras<br />

da sociedade. Antes de morrer, o pai de Charlotte concede a mão de sua filha a Alberto,<br />

um jovem encarregado de cuidar não só de sua noiva, como dos irmãos da mesma.<br />

Percebemos como o engajamento pela palavra e a presença da família se constitui como<br />

forte característica desse período, bem como os amores por conveniência na sociedade<br />

dessa época.O sujeito do Romantismo não consegue se encaixar nessa sociedade devido<br />

à obrigação do compromisso social que se reflete nos amores por conveniência como no<br />

caso dos personagens Werther e Charlotte. Em consonância com essas características,<br />

citamos Houser que diz que “Os românticos estão constantemente buscando<br />

reminiscências e analogias na história e têm sua principal fonte de inspiração nos ideais<br />

que acreditam já ter sido realizados no passado.” (HAUSER,1892,p.665).<br />

182<br />

‘’Tempestade e ímpeto’’. Fazemos referência a um movimento literário que ocorreu no período do<br />

Romantismo alemão, ocorrido entre 1760 a 1780.<br />

1376


Discorremos sobre um tema recorrente que está presente dentro da obra de<br />

Goethe, o amor. Segundo Rabinowicz (1906 – 1999) escrever sobre o amor é fácil,<br />

aparentemente. Tem-se uma gama de conceitos e explicações, mas quando nos<br />

debruçamos sobre o mesmo observamos que talvez não seja possível afirmar que todas<br />

as discussões possíveis já foram abordadas em um campo tão fértil como esse. Dessa<br />

forma, podemos notar a presença desse aspecto da obra refletida em alguns traços do<br />

Romantismo, a possibilidade de dar vazão aos sentimentos e colocar o indivíduo como<br />

centro de tudo. Notadamente, essas peculiaridades, em particular, o transbordar dos<br />

sentimentos, encontra-se no personagem, que relata em algumas cartas, o seu sofrimento<br />

e o desejo de morrer. Por que razão Goethe caracteriza o comportamento do<br />

personagem dessa maneira? Uma das possibilidades estaria no fato de que os autores<br />

românticos iam de encontro à temática da valorização do sentimento em suas obras. Por<br />

outro lado, esse comportamento pode corresponder à realidade, tendo em vista os traços<br />

bem próximos com o leitor da época. O desencadear da paixão do protagonista nos<br />

revela a idealização da mulher amada. Um aspecto relevante dentro da obra e do<br />

período romântico.O protagonista afirma em uma de suas cartas que conheceu alguém<br />

que lhe tocou o coração, uma das criaturas mais admiráveis, um anjo, uma criatura<br />

perfeita que dominou todo o seu ser. Essa idealização da mulher amada possibilita um<br />

sentido para a vida do protagonista, pois observamos na obra alguns momentos em que<br />

ambos se encontram e Werther é tomado por um sentimento de felicidade. Alguns<br />

detalhes dentro da obra como o toque de Charlotte enquanto os dois conversam os<br />

dedos que se tocam por debaixo da mesa no encontro dos pés e as mãos da jovem que<br />

repousam de maneira displicente nas mãos de Werther no ânimo da conversa levam-no<br />

ao céu e reforçam esse traço de idealização da mulher de modo que para o protagonista<br />

a jovem é como um anjo, uma criatura perfeita e divina. Além disso, Werther reconhece<br />

o sincero interesse que Charlotte tem por ele, mas o compromisso social já estabelecido<br />

pelo pai da personagem não permite a concretização desse sentimento. Fato que<br />

corrobora para que o sujeito do Romantismo não se encaixe na sociedade e como<br />

resposta para o seu sofrimento utilize o suicídio como uma espécie de fuga:<br />

1377


É tanta a desdita, Guilherme! Minhas forças ativas degringolaram em<br />

inquieta indolência, não posso estar ocioso, mas também não consigo fazer<br />

nada. Não tenho nenhuma idéia, nenhuma sensibilidade pelas coisas e os<br />

livros me causam tédio. Quando faltamos a nós mesmos, tudo nos falta.<br />

(GOETHE, 2005, p.83)<br />

Essa angústia sentida por Werther é um dos temas recorrentes na obra<br />

analisada. Esse traço se exprime na tentativa de fuga da realidade do personagem e de si<br />

mesmo. A exacerbação dos sentimentos é empregada de forma consciente ressaltando a<br />

valorização de uma das peculiaridades do romantismo, o sentimentalismo em oposição<br />

ao Racionalismo e assim podemos observar o protagonista que está à mercê de suas<br />

emoções. Em determinado momento da obra, Werther desobedece a um pedido de<br />

Lotte, de não visitá-la e ambos, tomados por profundas emoções choram com a leitura<br />

que o mesmo faz dos cantos de Ossian 183·, considerado um dos instaladores do<br />

Romantismo no mundo. A presença desses cantos reforça a essência sentimental do<br />

livro. O próprio Goethe chegou a traduzir algumas das canções de Ossian e retoma os<br />

cantos quando está escrevendo Werther.<br />

Aqui, na minha gaveta”,continuou ela, “está a vossa tradução de alguns dos<br />

cantos de Ossian; ainda não os li,porque estava a esperar que vós mesmo os<br />

lêsseis para mim,mas lamentavelmente não tivemos oportunidade de fazê-lo.”<br />

Ele sorriu,pegou as canções,sentiu um arrepio ao tê-las nas mãos e seus olhos<br />

encheram-se de lágrimas quando abriu o caderno.Sentou-se e leu.<br />

(GOETHE,2005,p. 154)<br />

A batalha de Werther travada em seu íntimo, as suas incertezas e angústias<br />

eram expressas em várias cartas antes de o protagonista recorrer ao suicídio. Expressões<br />

como o vácuo medonho em seu seio, a vontade de rasgar o peito e partir o crânio, o<br />

desejo de deitar em sua cama e não mais acordar, é visto com frequência em suas cartas.<br />

À medida que nos aproximamos do final do livro constatamos que esses sentimentos<br />

estão em conformidade com o sentimentalismo, subjetivismo e egocentrismo,<br />

características do período romântico. Goethe (2005, p.135) expõe através de seu<br />

183 Referênciamos a obra de James Macpherson que é citada por Werther em vários momentos.<br />

1378


personagem os seguintes dizeres: “Às vezes digo para mim mesmo: “O teu destino é<br />

único, podes considerar todos os outros felizes... “Nenhum mortal foi tão martirizado<br />

quanto tu...” Após o momento em que Charlotte expulsa o jovem Werther de sua casa<br />

notamos como a vida do protagonista desmorona em todos os sentidos e o jovem<br />

começa a pensar em como será a sua partida. Nessa perspectiva, refletimos sobre o ato<br />

de tirar a vida motivado pela não correspondência do sentimento de um indivíduo a<br />

partir da história de Werther e principalmente o que é o suicídio nesse contexto. A obra<br />

Os sofrimentos do jovem Werther não trata apenas de um romance impossível, mas de<br />

um romance interior e complexo, cujo jovem sonhador se apaixona e vive a agonia de<br />

um amor que jamais acontecerá, além de cultivar sentimentos de autodestruição. Apesar<br />

de ser uma obra ficcional podemos compreender um pouco do homem do século XIX.<br />

Pessimismo; dor existencial; morte; sofrimento e isolamento são algumas das<br />

características presentes nesse contexto.<br />

Na verdade, não existe produto da arte moderna, nenhum impulso emocional,<br />

nenhuma impressão ou estado de espírito do homem moderno, que não deva<br />

sua sutileza e variedade à sensibilidade que se desenvolveu a partir do<br />

romantismo. Toda a exuberância, anarquia e violência da arte moderna, seu<br />

lirismo balbuciante, seu exibicionismo irrestrito e profuso, derivaram dele. E<br />

essa atitude subjetiva e egocêntrica tornou-se de tal modo natural para nós,<br />

tão absolutamente inevitável, que nos parece impossível reproduzir sequer<br />

uma sequência abstrata de pensamento sem fazer referência aos nossos<br />

sentimentos. (HAUSER, 1892, p. 664)<br />

A literatura apresenta diversos gêneros, ao mesmo tempo em que essa<br />

diversidade permite certa abertura para outras vertentes da ciência. Dessa forma,<br />

utilizamos um teórico muito conhecido na área da Sociologia que possibilitará uma<br />

ampliação dos estudos a respeito do suicídio, bem como a compreensão desse ato no<br />

contexto de nosso estudo. Essa prática pode ser considerada positiva, ou negativa, tendo<br />

em vista o pensamento de Durkhein (1858 – 1917). Como o personagem é mais<br />

próximo do leitor da época, podemos pensar por que razão outros suicídios teriam<br />

acontecido e se aconteceram. Em outras palavras, o reconhecimento em um personagem<br />

com traços da mesma época é mais simples e acessível do que em um personagem<br />

histórico, ainda que o contrário não seja improvável. Essa aproximação com o leitor da<br />

1379


época nos leva ao seguinte pensamento: “Nada se apresentava aos românticos livre de<br />

características conflitantes; a natureza problemática de sua situação histórica e o emb<strong>ate</strong><br />

íntimo de seus sentimentos refletem-se em todas as suas declarações.”<br />

(HOUSER,1982,p.678). O sujeito do período romântico trava batalhas de natureza<br />

problemática em seu íntimo. Há um choque entre o seu ego e o mundo, entre passado e<br />

presente e principalmente, entre suas emoções. Partindo dessa premissa, ressaltamos as<br />

características do romantismo, especialmente a subjetividade e o egocentrismo. Para<br />

Hauser(1892- 1978) essas peculiaridades e problemáticas se converteram em forma<br />

básica de consciência no romantismo. O conflito interior da alma romântica se apresenta<br />

no desejo de morte que o protagonista nutre na trama de Goethe:<br />

Como saber qual o móbil que determinou o agente e se, quando tomou sua<br />

resolução era a própria morte que ele queria ou se tinha algum outro<br />

objetivo? A intenção é algo muito íntimo para poder ser apreendida de fora, a<br />

não ser por aproximações grosseiras. Ela se furta até mesmo a observação<br />

interior. Quantas vezes nos enganamos a respeito das verdadeiras razões que<br />

nos fazem agir! (DURKHEIM, 2011, p.12)<br />

Quais seriam as verdadeiras intenções de Werther ao suicidar-se? Além do<br />

amor não correspondido existiriam outras intenções que levassem o protagonista a<br />

eliminar a sua existência? Seria a própria morte que o personagem desejava?<br />

Destacamos o pensamento de Durkheim (2005, p13) que diz que o suicídio é, antes de<br />

tudo, o ato de desespero de um homem que não faz mais questão de viver. Somente<br />

algumas aproximações sobre as intenções do personagem a respeito do suicídio podem<br />

ser feitas, tendo em vista o fato de que elas são muito íntimas. No caso da obra em<br />

questão notamos como o orgulho desesperado pelo fato de viver um amor impossível<br />

leva o protagonista a cometer tal ato e observamos a existência de um coração vil,<br />

despedaçado pelo sofrimento que não se conforma por não ser correspondido. Partindo<br />

dessa premissa citamos Rabinowics (2007, p134-135), que diz que o suicídio é um<br />

testemunho de altruísmo e desinteresse, pois se o indivíduo em questão percebe que o<br />

sentimento não é recíproco, deve afastar-se. Esse altruísmo revela a dualidade de um<br />

1380


homem que ao mesmo tempo em que sofre por amor, demonstra sentimentos<br />

contraditórios que vão desde o desinteresse pensando no objeto amado em primeiro<br />

lugar, a um sentimento mais egoísta tendo em vista a sua própria felicidade. Dessa<br />

maneira concluímos esse raciocínio com o seguinte pensamento: “Suponhamos que meu<br />

desejo é muito violento e que sofro sem ela. Se possuo uma natureza boa e honesta,<br />

depois de ter chegado à conclusão de que minha vida sem essa mulher deixaria de ter<br />

encanto, suicido-me”. (Rabinowicz, 2007, p135) Assim acontece com Werther, que, ao<br />

tomar consciência de que não poderá mais estar ao lado de Charlotte, se afasta e recorre<br />

ao suicídio. Durkheim (2011, p.17) diz: “Com efeito, é pelo temperamento do suicida,<br />

por seu caráter, por seus antecedentes, pelos acontecimentos de sua história privada que<br />

geralmente se explica sua resolução. Teríamos assim uma possível explicação dos<br />

motivos que levaram o protagonista da obra de Goethe a cometer o suicídio. Werther<br />

demonstra um temperamento bastante emotivo e um tom lírico em todas as suas cartas e<br />

essas emoções intensas mostram como os acontecimentos de sua história privada<br />

demonstram a inclinação ao suicídio. O drama vivido pelo personagem é o resultado de<br />

um amor infeliz. Em alguns casos, certas pessoas curam-se com rapidez do abandono,<br />

em outros, não. De acordo com Rabinowics (2007, p.135-136), para se suicidar é<br />

necessário um temperamento especial, delicado, nervoso, exaltado: exemplo, o jovem<br />

Werther.<br />

Foi dito algumas vezes que, em virtude de sua constituição psicológica, o<br />

homem não pode viver a não ser que se ligue a um objeto que o ultrapasse e<br />

que lhe sobreviva, e deu-se como razão disso uma necessidade que teríamos<br />

de não perecer inteiramente. A vida, diz-se, só é tolerável quando<br />

percebemos nela alguma razão de ser quando ela tem um objetivo e que valha<br />

a pena. Ora, o individuo, por si só, não é um fim suficiente para sua<br />

atividade. Ele é muito pouca coisa. Além de ser limitado no espaço, é<br />

estreitamente limitado no tempo. Portanto,quando não temos outro objetivo<br />

além de nós mesmos não podemos escapar à idéia de que nossos esforços<br />

estão, afinal, destinados a se perder no nada, pois a ele devemos voltar. Mas a<br />

anulação nos apavora. Nessas condições, não conseguimos ter coragem para<br />

viver, ou seja, para agir e lutar, uma vez que, de todo esse trabalho que temos<br />

nada irá restar. (DURKHEIM, 2011, p.261)<br />

1381


Werther não se sentia inteiro e sua constituição psicológica demonstrava<br />

essa característica. A sua personalidade era excêntrica e ao mesmo tempo delicada. Fato<br />

que tornava a paixão do protagonista por Charlotte ainda mais intensa e deixava a sua<br />

vida tolerável e suficiente. Estar perto de Charlotte e venerá-la se constituía como único<br />

objetivo de sua vida, mas as suas forças acabaram e a coragem para viver se extinguiu.<br />

Seus esforços se reduziram a nada. A sua vida deixou de ser tolerável e não existia mais<br />

um outro objeto que valesse a pena além de Charlotte.Werther sentia-se cansado de<br />

prolongar a sua existência. Segundo Durkheim (2011, p. 264)‘’Não é preciso mostrar<br />

que, num tal estado de abalo, as menores causas de desencorajamento podem facilmente<br />

dar origem às resoluções desesperadas. Se não vale a pena viver a vida, tudo se torna<br />

pretexto para desvencilhar-se dela’’. Contudo, em meio ao desespero e<br />

descontentamento, Werther, em seu íntimo nutre esperanças sem razão, mas que ainda<br />

preenchem o vazio que se tornou a sua vida. Prosseguimos com ao pensamento de<br />

Durkheim (2011, p.314) que diz “Perseguir um fim inacessível por hipótese é, portanto,<br />

condenar-se a um perpétuo estado de descontentamento. Sem dúvida, às vezes o homem<br />

tem esperança sem qualquer razão, e, mesmo sem razão, a esperança tem suas alegrias”.<br />

Em meio a tantas turbulências o protagonista nutre esperanças que lhe dão certo<br />

contentamento, mas o seu fim é inevitável. O sacrifício de si mesmo é realizado:<br />

O indivíduo, em vez de meditar tristemente sobre sua condição, resigna-se a<br />

ele de bom grado. Tem consciência de seu egoísmo e das conseqüências que<br />

logicamente decorrem dele; mas aceita-as de antemão e resolve viver como a<br />

criança ou o animal, com a única diferença de que se dá conta do que faz.<br />

Atribui-se então como única tarefa satisfazer as suas necessidades pessoais,<br />

até as simplificando para tornar mais garantida a sua satisfação. Sabendo que<br />

nada mais pode esperar, nada mais exige inteiramente disposto, se for<br />

impedido de atingir esse único fim, a se desfazer de uma existência que já<br />

não tem razão. (DURKHEIM, 2011, p. 362).<br />

O protagonista tem consciência da atitude que será tomada e das<br />

consequências que estão por vir, mesmo assim as aceita de bom grado. À meia noite ele<br />

satisfaz a sua necessidade e atinge esse fim irremediável, o suicídio. Enquanto na<br />

primeira parte da obra conhecemos o personagem; o romance com Charlotte e seus<br />

conflitos; na segunda parte o autor começa a transparecer na narrativa. Nesse momento<br />

1382


o leitor fica impelido a fazer julgamentos sobre o que é ficção e o que é realidade. O<br />

fato de a narrativa montar-se por cartas permite uma forte aproximação entre a figura do<br />

autor e do personagem na Literatura. Além disso, essa narrativa consiste em uma<br />

experiência pessoal do autor tendo sido baseada em fatos reais. Os Sofrimentos do<br />

Jovem Werther foi escrito por Johann Wolfgang Goethe (1749 – 1832) e publicado em<br />

1774. A obra de Goethe torna-se um marco na história do romantismo dando início a<br />

entrada da Europa no romance burguês.<br />

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES<br />

Além de ser um tema recorrente, o suicídio é uma das maiores causas de<br />

morte no mundo. A obra de Goethe (1749 – 1832) nos permite uma profunda reflexão<br />

sobre as atitudes do ser humano com relação ao amor, vida e morte. Analisamos uma<br />

obra que, embora seja ficção, nos mostra como os sentimentos mais profundos podem<br />

nos levar por caminhos distintos, seja para o amor, ou até mesmo para a morte. Tendo<br />

em vista o alto índice de suicídios que ocorreram após o lançamento da obra,<br />

encontramos no prefácio da edição comentada, da editora L&PM POCKET, os<br />

seguintes dizeres: “O bispo, Lorde Bristol, chegou a acusar Werther de ser uma obra<br />

imoral, que levava os jovens a se suicidarem.” Dessa forma temos um exemplo evidente<br />

de como a Literatura pode agir na sociedade e como esse livro tem fundamental<br />

importância na literatura. A força de Werther é reconhecida no cânone da literatura<br />

universal e nos permite o seguinte questionamento: Estaríamos diante de um herói<br />

essencialmente romântico ou fatalmente trágico? O percurso gradual e inalterável do<br />

protagonista nos conduz para as duas possibilidades.<br />

1383


REFERÊNCIAS<br />

GOETHE, Johann Wolfgang. Os Sofrimentos do Jovem Werther. Porto Alegre,<br />

L&PM, 2001.<br />

RABINOWICS, Léon. Crime Passional. Tradução de Fernando de Miranda. São<br />

Paulo: Mundo Jurídico, 2007.<br />

Durkheim, Émile. O Suicídio: estudo de sociologia. Tradução de Monica Stahel. - 2ª<br />

Ed. – São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.<br />

HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. Tradução de Álvaro Cabral.<br />

São Paulo: Martins Fontes, 1998.<br />

1384


PROFESSORA OU TIA? OS REFLEXOS DAFORMAÇÃO CONTINUADA NA<br />

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE PROFISSIONALDE PROFESSORES NA<br />

EDUCAÇÃO INFANTIL<br />

TEACHER OR AUNT? THE REFLECTIONS OF CONTINUED TRAINING IN<br />

THE CONSTRUCTION OF THE PROFESSIONAL IDENTITY OF TEACHERS<br />

IN CHILDREN EDUCATION<br />

Andréa Rodrigues de Souza<br />

Francinete Oliveira Colins<br />

Orientador: Prof. Drº José Carlos de Melo<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo2 - Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: A presente investigação analisou a contribuição do processo de formação<br />

continuada no âmbito do curso de especialização em docência na educação infantil<br />

(CEDEI), na construção da identidade profissionaldas alunas/professoras, a partir do<br />

processo de feminização do magistério e seus reflexos na contemporaneidade. Pesquisar<br />

sobre essa temática torna-se indispensável, pois se entende esta formação como<br />

essencial para atuação junto às crianças de 0 a 05 anos de idade. A pesquisa levantou o<br />

seguinte questionamento: como o processo de formação continuada do CEDEI-UFMA<br />

contribuiu para a construção da identidade profissional das professoras das instituições<br />

públicas municipais de educação infantil de São Luis? Assim sendo, foi realizado um<br />

estudo teórico e uma investigação empírica, O aporte teórico-metodológico se subsidiou<br />

pela pesquisa bibliográfica com base em autores como Louro (1997), Almeida (1998),<br />

Ciampa (2007), dentre outrose na pesquisa de campo com enfoque no estudo<br />

exploratório. Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um questionário do tipo<br />

1385


semiaberto com trinta alunas. Conclui-se que o processo de formação continuada<br />

realizada pelo CEDEI colaborou significativamente para a construção permanente, bem<br />

como, para o fortalecimento da identidade profissional das professoras de educação<br />

infantil da rede municipal de São Luis e para seu crescimento na profissão perante das<br />

demandas instituídas para atuar nesta etapa da educação básica.<br />

Palavras Chave: Gênero. Educação infantil. Formação continuada. CEDEI.<br />

ABSTRACT: The present research analyzed the contribution of the continuing<br />

education process within the framework of the specialization course in teaching in<br />

children 's education (CEDEI), in the construction of the professional identity of female<br />

students, based on the feminization process of the teaching profession and its reflections<br />

in contemporary times. Research on this theme becomes indispensable, since this<br />

training is understood as essential for working with children from 0 to 5 years of age.<br />

The research raised the following question: How did the process of continuous training<br />

of CEDEI-UFMA contributed to the construction of the professional identity of the<br />

teachers of the municipal public institutions of early childhood education in São Luis?<br />

Thus, a theoretical study and an empirical investigation were carried out. The<br />

theoretical-methodological contribution was supported by bibliographic research based<br />

on authors such as Louro (1997), Almeida (1998), Ciampa (2007), among others and<br />

field research focusing on the exploratory study. As a data collection instrument, a<br />

semi-open questionnaire was used with thirty students. It is concluded that CEDEI's<br />

continuous training process contributed significantly to the permanent construction, as<br />

well as to the strengthening of the professional identity of the nursery school teachers of<br />

the São Luis municipal network and its growth in the profession in the face of the<br />

demands instituted for in this stage of basic education.<br />

Keywords: Gender. Child education. Continuing education. CEDEI<br />

1386


1 INTRODUÇÃO<br />

A presente pesquisa analisou a contribuição do processo de formação<br />

continuada no âmbito do curso de especialização em docência na educação infantil -<br />

CEDEI, na construção da identidade profissionaldas pós-graduandas, a partir do<br />

processo de feminização do magistério e seus reflexos na atualidade, assim como suas<br />

concepções acerca do referido tema. Investigar sobre a temática torna-se imprescindível,<br />

pois se entende esta formação como essencial para que o professor tenha uma melhor<br />

atuação junto às crianças de 0 a 05 anos de idade.<br />

Assim sendo, esta pesquisa levantou o seguinte questionamento: como o<br />

processo de formação continuada do CEDEI-UFMA contribuiu para a construção da<br />

identidade profissional das professoras das instituições públicas municipais e das<br />

escolas comunitárias de educação infantil de São Luis?<br />

Para obter resposta a esse questionamento foi realizado um estudo teórico e<br />

uma investigação empírica, O aporte teórico-metodológico se subsidiou pela pesquisa<br />

bibliográfica com base em autores como LOURO (1997), CERISARA (2002),<br />

ALMEIDA (1998), CIAMPA (2007), HALL (2011) dentre outros, por meio de uma<br />

revisão literária através de obras e <strong>artigos</strong> científicos, e na pesquisa de campo com<br />

enfoque no estudo exploratório, que para Andrade (2009) tem como finalidade<br />

proporcionar ao pesquisador maiores informações a respeito de um determinado<br />

assunto.<br />

Utilizou-se como instrumentos de coleta de dados um questionário do tipo<br />

semiaberto com trinta alunas, este se caracteriza por combinar perguntas abertas e<br />

fechadas. Este trabalho foi divididoem quatro partes, na primeira tem-se a presente<br />

introdução, na qual se esclarece e configura o objeto de estudo, na segunda parte foi<br />

realizada uma abordagem sobre o processo de inserção da mulher no magistério.<br />

Na terceira parte, realizou-seuma breve discussão acerca da construção da<br />

identidade docente das profissionais que atuam na educação infantil na rede pública<br />

municipal de São Luis, a partir da formação continuada ofertada pelo curso de<br />

1387


Especialização em Docência na Educação Infantil (CEDEI) durante os anos de 2013 a<br />

2017.<br />

E por fim apresentam-se as considerações finais nas quais os autores se<br />

posicionam em relação à temática estudada, espera-se que esta pesquisa possa contribuir<br />

no deb<strong>ate</strong> sobre a importância do processo de formação continuada na construção e no<br />

fortalecimento da identidade docente das profissionais que atuam na educação infantil.<br />

2 A INSERÇÃO FEMININA NO MAGISTÉRIO E SEUS REFLEXOS NA<br />

EDUCAÇÃO<br />

Como é sabido, as primeiras iniciativas educacionais voltadas para a<br />

sociedade brasileira no inicio da colonização pelos padres jesuítas que chegaram ao país<br />

através da Companhia de Jesus, fundada pelo espanhol Ignácio de Loyola em 1552. Este<br />

ensino destinava-se inicialmente a população indígena (sobretudo as crianças) com o<br />

objetivo de “c<strong>ate</strong>quizar” esses povos, entretanto, o que se percebe por meio da história é<br />

que na verdade esse “modelo” de educação visava única e exclusivamente promover um<br />

processo de aculturação dos nativos.<br />

Nos anos seguintes, o processo de instrução implantado pelos jesuítas foi<br />

direcionado para os filhos dos colonos, o método utilizado para o ensino na época ficou<br />

conhecido como Ratio Studiorum 184 , que em seu plano dentro do contexto brasileiro é<br />

considerado por muitos autores com um caráter universalista, haja vista que todos os<br />

jesuítas adotaram o citado plano, e elitista, por se destinar exclusivamente aos filhos dos<br />

colonos brancos, deixando de fora os indígenas (SANTANA, 2011).<br />

De acordo com Miranda (2009) um dos diferenciais desse plano de ensino<br />

consistia no fato dele:<br />

Se destinar simultaneamente à formação de religiosos e de leigos; por outro<br />

lado, no fato de ele incluir, além da filosofia e da teologia, o estudo<br />

sistemático das humanidades: as línguas e a literatura, a retórica, a história, o<br />

184<br />

Plano de ensino da Companhia de Jesus que apresentava três níveis de ensino: Humanidades,<br />

considerado como estudos inferiores e Filosofia e Teologia como estudos superiores.<br />

1388


teatro{...} Esse foi certamente o maior distintivo da proposta pedagógica da<br />

Companhia de Jesus (MIRANDA, 2009, p. 27).<br />

É válido afirmar que tanto nesse período quanto nos períodos posteriores,<br />

não apenas os indígenas tiveram seu acesso negado à educação, as mulheres e a<br />

população negra também foram excluídas, em relação às mulheres, Almeida (1998)<br />

assegura que elas eram preparadas única e exclusivamente para se tornarem boas mães e<br />

esposas submissas, cumprindo com o ideário cristão europeu da época.<br />

Somente no ano de 1827 que surgiu a 1ª Lei de Instrução Pública que<br />

instituiu as escolas de primeiras letras, que em sua maioria <strong>ate</strong>ndiam ao público<br />

masculino, sendo poucas destinadas ao <strong>ate</strong>ndimento de meninas, entretanto, a inserção<br />

da mulher no magistério foi sem duvida mais evidente no contexto da primeira<br />

república no ano de 1889, momento em que o país passou por diversas transformações<br />

sociais, dentre elas mudanças de caráter político e econômico, que levou muitos homens<br />

a migrarem para outras profissões, além disso, o governo precisava de profissionais para<br />

atuar na educação, sobretudo durante o processo de expansão do ensino primário<br />

(FREITAS, 2002).<br />

Nesse ínterim foi criada a denominada Escola Normal, cujo objetivo era<br />

formar professores para atuar no magistério, destaca-se que a escola normal, a exemplo<br />

da escola primária na sua gênese tinha um número de homens maior do que o de<br />

mulheres. Além disso, existiam diferenças no currículo de ambos os sexos, as mulheres<br />

aprendiam sobre prendas domésticas, português, música, francês, história, geografia,<br />

aritmética e pedagogia. Já no currículo masculino, além das citadas disciplinas, eles<br />

aprendiam sobre a Geometria, que era vetada as mulheres (LOURO 1997).<br />

Segundo Almeida (1998) a inclusão da mulher no magistério sobreveio<br />

num período em que a expansão do ensino primário no país se deu de forma<br />

quantitativa, assim sendo, percebe-se que nesse momento, houve um processo de dupla<br />

inserção feminina no ambiente escolar como alunas e professoras, esse fenômeno pode<br />

ser explicado em razão da necessidade de oportunizar a população o acesso ao ensino<br />

1389


primário, já que o discurso que prevalecia na época era o de progresso da nação, sendo o<br />

ensino considerado uma ferramenta importante para que o governo lograsse êxito.<br />

Nas escolas elementares, as meninas tinham uma professora e os meninos<br />

um professor, seu currículo era composto por uma base comum que incluía o ensino da<br />

leitura, escrita e das quatro operações aritméticas para ambos os sexos e outra especifica<br />

que direcionava os meninos ao estudo da Geometria e as meninas para a costura e o<br />

bordado, observa-se do exposto que mesmo inseridas no ambiente escolar, as mulheres<br />

eram excluídas das atividades voltadas para a atividade profissional, sendo lhes<br />

ensinado aquelas que elas iriam exercer em seus lares (LOURO 1997).<br />

De acordo com C erisara (2002), a educação infantil, a exemplo do ensino<br />

primário na época, a figura feminina passou a ser maioria nas instituições que prestavam<br />

assistência às crianças pequenas, especialmente nas creches, local em que as crianças<br />

eram deixadas enquanto suas mães trabalhavam.<br />

Nesse sentido Arce (2001) destaca que a imagem da mulher no contexto da<br />

educação de crianças pequenas passou a ser associada com a figura m<strong>ate</strong>rna, e que a<br />

mulher era naturalmente “preparada” para cuidar dessas crianças, não necessitando de<br />

formação especifica, criando assim famoso mito da educadora nata, sendo que ainda nos<br />

dias atuais os reflexos dessa imagem estereotipada na construção da identidade dessas<br />

profissionais, na qual será discorrido a seguir.<br />

3 IDENTIDADE PROFISSIONAL NO MAGISTERIO: CONSTRUÇÃO OU<br />

NEGAÇÃO?<br />

Ao se refletir sobre o processo de construção identitária de professores que<br />

atuam na educação infantil torna-se necessário compreender que essa etapa da educação<br />

básica por muitos anos teve um caráter assistencialista e compensatório e que só foi<br />

reconhecida enquanto direito da criança após a promulgação da Constituição Federal e<br />

inserida no sistema de ensino brasileiro na Lei de Diretrizes e Bases da Educação<br />

Nacional (BRASIL, 1996).<br />

1390


Aliado a esses dispositivos estão outras leis que ratificam os direitos das<br />

crianças pequenas, dentre eles, a educação o Estatuto da criança e do adolescente<br />

(1990), o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil-RCNEI (1998), as<br />

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil-DCNEI (2009) e mais<br />

recentemente a Base Nacional Curricular Comum –BNCC (2016). Assim sendo, faz-se<br />

necessário quejuntamente com essa nova concepção de educação infantil mude-se o<br />

perfil profissional dos professores que atuam na referida etapa.<br />

Mas para que haja mudanças no perfil desse profissional e<br />

consequentemente uma melhoria no seu trabalho é preciso que haja investimento na<br />

formação inicial/continuada e na melhoria das condições objetivas e subjetivas do<br />

trabalho docente, para que o ensino seja de fato considerado de boa qualidade, pois:<br />

Qualidade passa, invariavelmente, pela questão financeira. É preciso investir.<br />

Investir, não só no espaço físico e no mobiliário, mas nos profissionais.<br />

Formar as pessoas que estão lidando com a criança, fornecer<br />

acompanhamento e coordenação do trabalho, possibilitar trocasatravés de<br />

oficinas, cursos, palestras e uma remuneração digna às responsabilidades<br />

exigidas desse profissional (OLIVEIRA, 2002, p.20).<br />

Vários autores no campo da Sociologia discutem as concepções de<br />

identidade, dentre eles, Stuart Haal (2011). Esse autor aborda em seus estudos que as<br />

concepções de identidade estão intrinsecamente relacionadas a determinados períodos<br />

da história humana, a saber: A Idade Moderna na qual o sujeito apresenta-se como um<br />

ser dotado de razão, consciência, ação e equilíbrio, sendo esta concepção emergida no<br />

iluminismo. A Idade Contemporânea apresenta o sujeito sociológico, que constrói a sua<br />

identidade com base no diálogo contínuo entre os mundos exteriores e as identidades<br />

disponíveis, além disso, o autor também apresenta o sujeito pós-moderno, que possui<br />

uma identidade fragmentada, ou seja, o individuo em si contém várias identidades<br />

(HALL, 2011).<br />

Já no campo da Psicologia, destacam-se os estudos de Ciampa (2007) que<br />

reflete sobre o tema afirmando que:<br />

1391


No seu conjunto, as identidades constituem a sociedade, ao mesmo tempo em<br />

que são constituídas cada uma por ela. A questão da identidade, assim deve<br />

ser vista não como questão apenas científica, nem meramente acadêmica: é,<br />

sobretudo, uma questão social, uma questão política (CIAMPA, 2007, p.<br />

127).<br />

A construção da identidade docente está intimamente relacionada com o<br />

exercício da sua profissão, sobre a profissionalização docente e a discussão sobre sua<br />

profissionalidade, concorda-se com Arce (2001) quando a autora afirma que:<br />

A formação de professores não pode se eximir de uma bagagem filosófica,<br />

histórica, social e política, além de uma sólida formação didáticometodológica,<br />

visando formar um profissional capaz de teorizar sobre as<br />

relações entre educação e sociedade e, aí sim, como parte dessa análise<br />

teórica, refletir sobre a sua prática, propor mudanças significativas na<br />

educação e contribuir para que os alunos tenham acesso à cultura resultante<br />

do processo de acumulação sócio-histórica pelo qual a humanidade tem<br />

passado (ARCE, 2001, p. 9).<br />

A autora enfatiza a necessidade do profissional da educação possuir uma<br />

formação sólida, que lhe proporcione os saberes específicos da sua profissão, além<br />

disso, essa formação de cunho inicial/continuada é importante para a reflexão sobre a<br />

construção e o fortalecimento da sua identidade profissional, conforme enfatiza Teresa<br />

Sarmento (2013):<br />

Refletir sobre as identidades profissionais dos professores obriga a analisar<br />

um processo de construção social, no qual cada um joga a sua história de vida<br />

com a história de vida do grupo profissional a que pertence, com as crianças,<br />

com as comunidades e com os contextos onde desenvolve a sua ação<br />

educativa, transformando essa teia de interações numa forma própria de ser e<br />

de agir (T. SARMENTO, 2013, p.25).<br />

No Maranhão foi ofertado entre os anos de 2013 a 2017 um curso de<br />

especialização em educação infantil voltado para as profissionais que atuam na citada<br />

etapa tanto professoras como gestoras. O CEDEI foi uma parceria estabelecida entre o<br />

Ministério da Educação e a Universidade Federal do Maranhão por meio do Núcleo de<br />

Educação e Infância da UFMA (NEIUFMA). O curso foi coordenado pela professora<br />

Drª Thelma Helena Costa Chahini e pelo professor Drº José Carlos de Melo, o curso<br />

1392


formou duas turmas, a primeira no período de 2013 a 2015 e a segunda no período de<br />

2015 a 2017.<br />

Esta pesquisa investigou como o CEDEI contribuiu para o processo de<br />

construção e fortalecimento da identidade docente a partir da formação continuada. Um<br />

dos questionamentos fazia alusão ao entendimento acerca das c<strong>ate</strong>gorias socialmente<br />

construídas sobre o gênero feminino na educação, como por exemplo, o termo “Tia”,<br />

usado para designar a profissional de educação infantil ao longo dos anos, eis aqui<br />

algumas respostas 185 :<br />

Somos profissionais da educação. Acredito que esses termos diminuem a<br />

nossa importância enquanto profissionais que precisam ser valorizados. Não<br />

vivemos mais uma educação assistencialista. (E7)<br />

Eu penso que não servem para construção ou consolidação<br />

antes o contrário. Desmerece a careira do professor de Educação Infantil.<br />

(E22)<br />

Essas nomenclaturas acabam que desvalorizando a formação<br />

do profissional em Ed. Infantil, pois como sabemos para nos tornarmos<br />

profissionais da área passamos pelo Ensino Superior, além das formações<br />

continuadas que ajudam na prática pedagógica. (E27)<br />

Observa-se do exposto que as falas se reportam a ideia de que não é pelo<br />

fato de se tratar de uma figura feminina que a mulher seria considerada mais apta para o<br />

trabalho com as crianças pequenas, ao contrário, assim como todo profissional da<br />

educação, as professoras que exercem suas atividades laborais com as crianças necessita<br />

de formação especificaconforme enfatiza E7 e E27, uma vez que:<br />

Ensinar é uma profissão que exige certa tarefa, certa militância, certa<br />

especificidade no seu cumprimento, enquanto ser tia é viver uma relação de<br />

parentesco. Ser professora implica em assumir uma profissão, enquanto não<br />

se é tia por profissão (FREIRE, 1997 p.09)<br />

Assim sendo, observa-se na fala de Freire (1997), que há uma distinção<br />

muito clara entre as funções conferidas a figura da professora e da tia. Outro destaque<br />

185 As participantes da pesquisa serão denominadas de E1 a E30.<br />

1393


vai para o depoimento de E22 ao refletir sobre as mudanças de paradigmas que a<br />

educação infantil passou ao longo dos anos deixando de ter um caráter assistencialista e<br />

compensatório para se tornar um direito do cidadão.<br />

Tal aspecto referente à desvalorização e a exaltação do mito<br />

mulher/professora é ilustrado na história europeia e brasileira, tendo a profissional de<br />

educação infantil ao longo desses anos sido denominada de “JARDINEIRA, MESTRA,<br />

TIA E PROFESSORINHA”, essa ambiguidade entre o doméstico e o cientifico chegou<br />

até os dias atuais configurando uma caracterização pouco definida dessa profissional<br />

revezando-se entre os papeis de mulher/mãe e o trabalho de educar (ARCE, 2001).<br />

Assim sendo, as profissionais que atuam na educação infantil foi ao longo<br />

dos anos vista de forma distorcida e estereotipada, a imagem da educadora/tia perpassa<br />

gerações e ainda hoje é utilizada nas instituições de educação infantil e ensino<br />

fundamental, sendo esse aspecto considerado como um dos fatores que dificultam a<br />

construção de uma identidade profissional para os professores que atuam na docência é<br />

necessário desmistificar essa imagem não profissional das educadoras infantis, a fim de<br />

que estas se compreendam enquanto profissionais qualificadas para o exercício de sua<br />

profissão.<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Observa-se que após o processo de feminização do magistério no inicio do<br />

século XIX, quando a docência passou a ser considerada uma atividade feminina por<br />

natureza, em que a professora desempenhava um papel “não profissional”, é fruto das<br />

mudanças sociais e econômicas ocorridas naquele contexto, em que os homens<br />

gradativamente migraram para outras profissões e as mulheres ascenderam no<br />

magistério, em virtude deste “conciliar” o trabalho com as funções de esposa e mãe.<br />

Pode-se afirmar que, nos anos posteriores houve mudanças significativas na<br />

formação ofertada aos educadores (as) de crianças pequenas, a fim de desmistificar a<br />

imagem não profissional dessas educadoras, construindo assim um novo perfil<br />

1394


profissional e consequentemente, uma nova identidade, embora o mito da mulher<br />

enquanto educadora nata ainda seja muito presente no cotidiano das instituições de<br />

educação infantil e nas escolas de ensino fundamental.<br />

Mas para que essas mudanças sejam efetivadas na prática, torna-se<br />

necessário investir no processo de formação inicial e continuada, esta ultima constitui-se<br />

como uma necessidade, tendo em vista que somente a formação inicial não da conta de<br />

preparar o professor para atuar no mercado de trabalho, sendo necessária não somente<br />

ele possuir uma formação complementar e buscar constantemente conhecimento em um<br />

processo de formação permanente.<br />

Conclui-se que o processo de formação continuada realizada pelo CEDEI<br />

colaborou significativamente para a construção permanente bem como para o<br />

fortalecimento da identidade profissional das professoras de educação infantil da rede<br />

municipal e comunitária de São Luis,assim como para seu crescimento na profissão<br />

diante das demandas estabelecidas para atuar nesta etapa da educação básica.<br />

REFERÊNCIAS<br />

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1998.<br />

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Paulo. 9 Ed. Atlas, 2009.<br />

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infantil. Cadernos de Pesquisa. São Paulo, n.113, 167-184, junho 2001.<br />

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1988.<br />

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______. Ministério da Educação e do Desporto. Lei de Diretrizes e Bases da<br />

Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.<br />

1395


______. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental.<br />

Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF,<br />

1998.<br />

______. Ministério da Educação. Câmara da Educação Básica do Conselho Nacional de<br />

Educação. Resolução nº 05, de 17 de dezembro de 2009. Diretrizes Curriculares<br />

Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 2009.<br />

CERISARA, A. B. Professoras de educação infantil: entre o feminino e o profissional.<br />

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CIAMPA,, Antônio da Costa. A estória do Severino e a história de Severina. 9ª<br />

reimpr. São Paulo: Brasiliense, 2007.<br />

FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho<br />

D'água, 1997.<br />

FREITAS, A. M. G. B. de. Da “normalista-espera-marido” ao exercício profissional do<br />

magistério: trajetórias de ex-alunas do Instituto de Educação Rui Barbosa (Aracaju/SE-<br />

1920- 1950). In: CAMPOS, M. C. S. de S.; SILVA, V. L. G. da (orgs.) Feminização do<br />

magistério: vestígios do passado que marcam o presente. Bragança Paulista: Edusf,<br />

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HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. 11.ed. Rio de Janeiro:<br />

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LOURO, Guacira Lopes. Gênero e Magistério: identidade, história, representação. In:<br />

Docência, memória e gênero: estudos sobre formação. Catani, Denise Barbara. et al.<br />

(org.). São Paulo: Escrituras Editora, 1997.<br />

MIRANDA, Margarida. Código pedagógico dos jesuítas: Ratio Studiorum da<br />

Companhia de Jesus. Campo Grande: Esfera do Caos, 2009.<br />

OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação infantil: fundamentos e métodos. São Paulo:<br />

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percalços. Enciclopédia Biosfera, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.12;<br />

2011.<br />

1396


SARMENTO, Teresa. Narrativas de professoras-estagiárias sobre os contributos da<br />

formação em análise organizacional para a construção de uma identidade<br />

profissional. XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino -<br />

UNICAMP - Campinas – 2012. Disponível<br />

em:http://www.infoteca.inf.br/endipe/smarty/templ<strong>ate</strong>s/arquivos_templ<strong>ate</strong>/upload_arqui<br />

vos/acervo/docs/3844d.pdf. Acesso em 26 de outubro de 2017.<br />

1397


SOBRE A IMPORTÂNCIA DA LITERATURA PARA A FILOSOFIA DA<br />

DIFERENÇA DE GILLES DELEUZE<br />

ABOUT THE IMPORTANCE OF LITERATURE FOR THE PHILOSOPHY OF<br />

DIFFERENCE BY GILLES DELEUZE<br />

Jamys Alexandre Ferreira Santos<br />

Graduado em Filosofia e Mestrando do PPGCult/UFMA<br />

Orientadora: Prof a . Dr a . Márcia Manir Miguel Feitosa<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO:pesquisa de natureza teórica que visa apresentar a importância da literatura<br />

para a filosofia da diferença de Gilles Deleuze, tendo como ponto de partida a relação<br />

dos elementos que o autor aponta por crítica e clínica. Objetivamos entender a escrita<br />

literária como a criação de uma linha entre uma vida não orgânica sem linguagem até a<br />

concretude de um ato de resistência, modos de vida, em detrimento daquilo que a<br />

aprisiona: a política e a psicanálise. O trabalho se fundamenta em três momentos<br />

analisados de pontos específicos da obra de Deleuze: 1 – traçar algumas considerações<br />

sobre a construção de conceitos a partir do seu procedimento de leitura de outras<br />

filosofias e outras disciplinas, trazendo, também, o que o filósofo estabelece por<br />

imagem do pensamento; 2 – caracterizar a leitura em intensidade com a necessidade de<br />

compreender e aceitar os campos intensivos que permitem o desenvolvimento da escrita<br />

literária tal qual escolhida por Deleuze; 3 – apontar os elementos que provocam os atos<br />

de resistência e a criação de linhas de fuga pela literatura, uma busca feita a partir dos<br />

textos “A literatura e a vida” e “Para dar um fim ao juízo”, ambos os capítulos do livro<br />

Crítica e clínica. Desse modo, o trabalho apresenta uma síntese provisória<br />

fundamentada no argumento de Deleuze quando afirma que, no cenário onde se<br />

encontram resistências, linhas de fuga e máquina de guerra, a vida deixou de ser pessoal<br />

1398


e a obra deixou de ser literária. Ou seja, compreender que a criação literária está além da<br />

comunicação de um fato ou estados de coisas, mas uma tenacidade puramente vitalista.<br />

Palavras-chave: Deleuze. Diferença. Literatura. Resistência.<br />

ABSTRACT: theoretical research that aims to present the importance of literature for<br />

Gilles Deleuze's philosophy of difference, taking as its starting point the relationship of<br />

the elements that the author points by critical and clinical.We aim to understand literary<br />

writing as the creation of a line between a non-organic life without language until the<br />

concreteness of an act of resistance, ways of life to the detriment of what imprisons it:<br />

politics and psychoanalysis.This study is based on three analyzed moments of specific<br />

points of Deleuze's work: 1 – trace some considerations on the construction of concepts<br />

from his procedure of reading of other philosophies and other disciplines bringing also,<br />

what the philosopher establishes by image of thought;2– characterize reading in<br />

intensity with the need to understand and accept the intensive fields that allow the<br />

development of literary writing as such chosen by Deleuze; 3 – to point out the elements<br />

that provoke the acts of resistance and the creation of lines of escape by literature, a<br />

search made from the texts “Literature and Life” and “To Have Done with Judgment”,<br />

both chapters from the book Essays Critical And Clinical.Thus, this study presents a<br />

provisional synthesis based on Deleuze's argument, when he affirms that in the scenario<br />

where resistances,war machine and paths of escape are found, the life stopped being<br />

personal and the work stopped being literary. In other words, to understand that literary<br />

creation is beyond the communication of a fact or st<strong>ate</strong>s of affairs, but a purely vitalist<br />

tenacity.<br />

Keywords: Deleuze. Difference. Literature. Resistance.<br />

1399


INTRODUÇÃO<br />

Neste referido trabalho, tencionamos apresentar algumas considerações<br />

sobre a importância da literatura para a filosofia da diferença de Gilles Deleuze,<br />

partindo dos elementos crítica e clínica elencados pelo autor. O objetivo do texto é<br />

compreender a produção literária como criação de uma linha que vai de uma vida não<br />

orgânica sem linguagem até a consumação de um ato de resistência contra a política e a<br />

psicanálise.<br />

Tendo em vista essa temática, as questões a serem desenvolvidas são: qual a<br />

importância da literatura para a filosofia da diferença de Deleuze? Qual a relação dos<br />

elementos ditos por “crítica” e “clínica” nos estudos deleuzeanos? O que concluir da<br />

nossa afirmação: “a escrita literária, enquanto uma linha entre uma vida não orgânica<br />

sem linguagem à concretude de um ato de resistênciadetermina novos modos de vida<br />

em detrimento daquilo que a aprisiona: a política e a psicanálise”? Em torno dessas<br />

perguntas, apresentaremos trêspontos necessários, não para uma completa análise do<br />

tema, mas como uma proposta que pode nos servir de propedêutica à filosofia<br />

deleuzeana: 1) a imagem do pensamento, 2) a leitura em intensidade e 3) as linhas de<br />

fuga assumidas pela literatura.<br />

1. A imagem do pensamento<br />

Deleuze tem um procedimento de fazer filosofia que parte da escolha de conceitos<br />

já constituídos na história do pensamento ocidental. O autor busca nos sistemas de autores de<br />

extrema importância para a filosofia, como Nietzsche, Bergson e Espinosa, novas leituras que,<br />

em um primeiro momento, parecem errôneas para os especialistas. Esse é, para Deleuze, um<br />

procedimento de construção de conceitos que privilegia a diferença de cada autor estudado<br />

(MACHADO, 2009). Ele se propõe a ler os filósofos buscando e privilegiando o que ainda não<br />

foi dito, em detrimento de uma interpretação cíclica na história da filosofia. Essa leitura<br />

deleuzeana leva em consideração os afetos enquanto elementos que interferem na interpretação,<br />

e dita por comentadores do próprio Deleuze que poderia ser desconhecida mesmo pelos próprios<br />

1400


filósofos estudados por ele. Em outros termos, Nietzsche, Bergson e Espinosa, supostamente,<br />

caso se deparassem com as interpretações de Deleuze sobre eles, não reconheceriam seus<br />

sistemas.<br />

Esses estudos conceituais deleuzeanos não se restringem somente aos sistemas<br />

filosóficos. O pensador apresenta e esclarece que outras áreas formam conceitos e produzem<br />

pensamento, como o cinema, a pintura, a música, a literatura e a psicanálise. Cada área a sua<br />

maneira produz conceitos, mas sempre apresentando similaridades em seus campos présubjetivos.<br />

Entretanto, é importante destacar que não é qualquer filme, qualquer pintor ou<br />

escritor que têm a <strong>ate</strong>nção devida ao pensamento deleuzeano, pois serão autores que permitiram<br />

a criação, a atualização e a apresentação do novo e do único em suas áreas de saber e,<br />

principalmente, onde o filósofo pôde identificar a resposta à pergunta “o que nos faz pensar?”.<br />

Uma proposta de grande importância para compreender o procedimento diferencial<br />

de fazer filosofia é partir dos argumentos em torno do que Deleuze (2006) afirmou por imagem<br />

do pensamento, ou melhor, do seu posicionamento contra a imagem do pensamento. Ele<br />

conceitua e detalha de diferentes maneiras essa imagem modelo, moral e ortodoxa, propondo<br />

uma ruptura com ela e fazendo desse “emb<strong>ate</strong>” sua diferença ou seu verdadeiro começo em<br />

filosofia. Falamos em moral e ortodoxia em virtude de essa imagem ser determinada por um<br />

pressuposto subjetivo da filosofia. Uma conduta que deve ser seguida, também pelos afetos,<br />

mas principalmente por um sistema prévio para construção e afirmação do pensamento. A<br />

imagem do pensamento parte da ideia de que o próprio ato de pensar pressupõe o verdadeiro e o<br />

lógico, não importando se esse pensamento, afirmado por ser filosófico, se inicie pelo objeto ou<br />

pelo sujeito, pelo ser ou pelo ente, mas seguindo um modelo assentado no “pensamento” e na<br />

“necessidade”.<br />

O “pensamento” e o que se afirma por “necessário” até buscam a exterioridade, o<br />

fora, mas, sendo eles os primeiros e responsáveis pela determinação de assujeitamento e<br />

afirmação, não cabe a Deleuze se apropriar dessa ideia. Ou seja, é comum a relação com o fora<br />

ou com o exterior da realidade de coisas nos remeter ao conceito de transcendência, levando a<br />

entender que resultará, assim, a autenticidade filosófica. Portanto, a imagem do pensamento<br />

parte da ideia de que a faculdade do pensamento só se concretiza quando fundamentada nas<br />

condições transcendentais e apriorísticas.<br />

1401


Entendemos, assim, que a imagem do pensamento, enquanto pré-filosofia, parte da<br />

ideia de que o pensamento está ligado à necessidade ou à verdade, possuidora formal e<br />

m<strong>ate</strong>rialmente do verdadeiro, manifestando, desse modo, uma “não filosofia”.Necessita-se,<br />

então,comb<strong>ate</strong>r essa imagem para que haja um início filosófico autêntico:<br />

(...) aparecem melhor as condições de uma Filosofia isenta de pressupostos<br />

de qualquer espécie: em vez de se apoiar na Imagem moral do pensamento,<br />

ela tomaria como ponto de partida uma crítica radical da Imagem e dos<br />

“postulados” que ela implica. Ela encontraria sua diferença ou seu verdadeiro<br />

começo não num acordo com a imagem pré-filosófica, mas numa luta<br />

rigorosa contra a Imagem, denunciada como não-filosofia. (DELEUZE,<br />

2006, p. 193, grifos do autor)<br />

Compreendemos, a partir do autor, que as verdades as quais a filosofia tem<br />

buscado são arbitrárias e dadas na “boa vontade” do pensar. No entanto, para Deleuze (2010), é<br />

necessário algo que force esse pensar de forma violenta, buscando e apreendendo o essencial<br />

que está “fora”do pensamento. Para o verdadeiro começo em filosofia, é importante relacionar<br />

três elementos específicos:força, violência esigno.<br />

O signo é o elemento que forçará o pensamento de modo violento, implicando o<br />

labor da tradução e da busca do significado daquele signo. O signo, um afeto ou acontecimento,<br />

não tem representação. É exclusivo, novo e, desse modo, desestabiliza de forma positiva o<br />

pensamento, tirando-o de sua “zona de conforto”, forçando-o ao encontro das novas<br />

significações em campos intensivos da sensibilidade, ou melhor, nos campos de um pensamento<br />

sem imagem. Deleuze (2010, p. 4, grifo do autor) nos propõe que:<br />

Aprender diz respeito essencialmente aos signos. Os signos são objeto de um<br />

aprendizado temporal, não de um saber abstrato. Aprender é, de início,<br />

considerar uma matéria, um objeto, um ser, como se emitissem signos a<br />

serem decifrados, interpretados.<br />

O pensamento sem imagem ou a nova imagem do pensamento necessita ser<br />

compreendida a partir desses campos intensivos, uma realidade heterogênea que tem<br />

como um dos seus elementos de afirmação uma literatura singular tal qual Deleuze<br />

(2011) aponta.<br />

1402


A proposta desse primeiro momento é o despertar diferencial para novas<br />

fronteiras do sentir e pensar que só terão acesso, no movimento heterogêneo de criação,<br />

para uma “nova” filosofia.<br />

2. A leitura em intensidade<br />

Para compreender o pensamento sem imagem é necessário partir da ideia de<br />

uma realidade heterogênea afirmada por campos intensivos e pré-individuais. Na<br />

literatura, essas “fronteiras” são desmistificadas nos romances de Henry Miller, na<br />

poesia de Walt Whitman, no cinema de Orson Welles e também na pintura de Francis<br />

Bacon. Não devemos confundir tal realidade intensiva somente com produções de<br />

subjetividade, mas asseguramos que a afirmação dos acontecimentos sem sujeito<br />

possibilitam novas formações de sentido. Nesse campo de multiplicidades é que se<br />

iniciam os processos de legitimação da literatura, ou seja, são novas condições que<br />

determinarão a literatura como mais um dos campos do saber que abarcam<br />

características necessárias, como propõe Deleuze (2013), para a criação de perceptos e<br />

afectos (pacotes de percepção e de afecção).<br />

A arte literária se apoia na heteronomia do pensamento, trazendo consigo<br />

uma potência criadora da linguagem. A heteronomia parte da ideia de que o ato de<br />

pensar se baseia em diversos grupos ou coletividades oriundas da própria linguagem<br />

literária, isto é: a potência literária em Herman Melville, Lewis Carroll, Marcel Proust,<br />

D. H. Lawrence ou o tão citado Franz Kafka é estabelecida a partirde uma determinada<br />

contraposição à representação, possibilitando novas formas de significação, criando e<br />

afirmando a potência de um novo estilo de escrita. Desse modo,surge uma tentativa de<br />

um “novo” estilo literário, inédito e indeterminado que leva às novas experimentações<br />

linguísticas.<br />

Nesse contexto, o procedimento de Deleuze se torna autêntico, não somente<br />

por se justificar como uma criação advinda de outra disciplina, mas pela genuinidade de<br />

leitura e escrita declaradas por esse procedimento. Assim, entendemos que se torna<br />

1403


necessário afirmar e partir de um estilo diferencial de análise e expressão dos<br />

acontecimentos provindos de uma determinada escrita; uma escrita que deve ir ao limite<br />

do que se classifica por sintaxe do sistema linguístico. Deleuze (2011, p. 9, grifos do<br />

autor) aponta:<br />

(...) o escritor, como diz Proust, inventa na língua uma nova língua, uma<br />

língua de algum modo estrangeira. Ele traz à luz novas potências gramaticais<br />

ou sintáticas. (...) Mas o problema de escrever é também inseparável de um<br />

problema de ver e de ouvir: com efeito, quando se cria uma outra língua no<br />

interior da língua, a linguagem inteira tende para um limite “assintático”,<br />

“agramatical”, ou que se comunica com seu próprio fora.<br />

A essas “contradições” impostas na nova língua se permeia um aspecto de<br />

transitividade, pois a obra literária reconhece algo que ainda virá e perpassará todo o<br />

acontecimento sem sujeito. Desta maneira, Deleuze (2011) estabelece uma coerência na<br />

interpretação literária conc<strong>ate</strong>nada à sociedade. Um devir na escrita que percorre o espaço<br />

legitimado pelo autor na obra. A linguagem excede seus limites e a ruptura, o engajamento ou<br />

a luta que há na literatura capta forças existentes na vida ou no mundo, afirmando sua<br />

objetividade crítica e, como mostraremos adiante, clínica, libertando a vida de uma prisão e<br />

traçando linhas de fuga. Ou seja, a arte literária cria, como o próprio Deleuze (2011, p. 9)<br />

afirma, novos “devires”. Os devires não são neologismos, mas reformulações linguísticas,<br />

criação de uma sintaxe; uma sintaxe própria, potências encontradas em James Joyce ou em<br />

Jack Kerouac.<br />

Assim, voltamos um pouco ao procedimento de criação conceitual dito no tópico<br />

1, pois esse se concretiza tanto no “fora”, quanto nos campos intensivos. Diante dessa<br />

proposta, o destaque apresentado pela leitura em intensidade é devido ser essa o modo<br />

exigido para permear esses campos intensivos. Ou melhor, para que aconteça a criação de<br />

novos devires, é necessário um espaço próprio de personalização, um campo de intensidades<br />

que permite que a literatura aceite a multiplicidade que a compõe. Deleuze (2013, p. 15), em<br />

Carta a um crítico severo,coloca que:<br />

1404


(...) O nome como apreensão instantânea de uma tal multiplicidade<br />

intensiva é o oposto da despersonalização operada pela história da filosofia,<br />

uma despersonalização de amor e não de submissão. Falamos do fundo<br />

daquilo que não sabemos, do fundo de nosso próprio subdesenvolvimento.<br />

Tornamo-nos um conjunto de singularidades soltas, de nomes, sobrenomes,<br />

unhas, animais, pequenos acontecimentos (...).<br />

Assim, a leitura em intensidade é o ato de o indivíduo escrever com as próprias<br />

palavras, apoiado nos afetos e experimentações do fora, necessitando de uma nova metodologia<br />

e de outras disciplinas do saber, inclusive do próprio texto ali construído. Em outros termos, a<br />

leitura em intensidade não é interpretar o pensamento, o sistema ou o livro de um determinado<br />

autor, mas criar, a partir desse autor, dando cabo às multiplicidades intensivas que constituem os<br />

processos não orgânicos, subsumidos àquele acontecimento. Seria a legitimação da<br />

desconhecida identidade original através do processo de despersonalização e da afirmação das<br />

singularidades, vindas do fundo do que aquele indivíduo não sabe ou mesmo nós não sabemos.<br />

Certificamos que esse processo de despersonalização remeterá a uma nova<br />

personalização em proveito do devir. Uma personalização que se legitima pelas possibilidades<br />

apresentadas pelas linhas de fuga resultando na singular escrita literária. Dessa forma, o diálogo<br />

com o fora é assegurado.<br />

Da imagem do pensamento a um pensamento sem imagem e desse último à leitura<br />

em intensidade construímos uma variante que visa às linhas de fuga. Linhas que não são<br />

especificamente da escrita literária, mas que encontra nela inúmeras alternativas.<br />

3. Linhas de fuga na literatura<br />

A criação de devires se dispõe a favor de quem ou de quê? Contra o que se<br />

faz necessário romper os limites apresentados? Que limites são esses? Qual a<br />

necessidade de produção de linhas de fuga pela arte literária?<br />

Deleuze (2011), em Para dar fim ao juízo,afirma que existiu uma doutrina<br />

do julgamento devido a uma dívida infinita presente desde a Grécia Antiga até a<br />

1405


Filosofia Moderna que limitou novos campos de existência. Frente a essa premissa,<br />

Kant, segundo a história da filosofia de sua época, inventou uma crítica em seu projeto<br />

filosófico, mas o que ocorreu foi apenas a criação de um tribunal subjetivo. Ao<br />

contrário, segundo esse texto, Espinosa é o grande responsável por conduzir a<br />

verdadeira crítica em sua filosofia. De todo modo, comb<strong>ate</strong>r o juízo não é desenvolvê-lo<br />

ou acabá-lo em uma relação dialética, mas afirmar o devir de uma forma que não exista<br />

juízo algum ignorando seu suplício infinito ou mesmo explorando a vitalidade em<br />

contraposição à organização. Os juízos se sustentam em critérios já preexistentes<br />

(valores superiores) e preexistentes (no infinito do tempo), sem que apreenda o que há<br />

de novo no existente. Deleuze (2011, p. 163) argumenta:<br />

(...) a lógica do juízo se confunde com a psicologia do sacerdote como<br />

inventor da mais sombria organização: quero julgar, preciso julgar... Não se<br />

trata de fazer como se o próprio juízo tivesse sido diferido, adiado para<br />

amanhã, postergado ao infinito. Ao contrário, é o ato de diferir, de levar ao<br />

infinito, que torna o juízo possível: este recebe sua condição de uma relação<br />

suposta entre a existência e o infinito na ordem do tempo. Àquele que se<br />

atém a essa relação é dado o poder de julgar e de ser julgado.<br />

Assim, são os devires novas criações de sentido que irão comb<strong>ate</strong>r a doutrina do<br />

juízo, e a literatura nos guarda uma proposta diferente e inovada para essa realização, ou seja,<br />

são as formas de existência na literatura que levarão à luta contra essas instâncias.<br />

Diante dessa denúncia ou mesmo dessa barreira imposta pelo juízo, as linhas de<br />

fuga são responsáveis pela quebra dos padrões literários, possibilitando a criação a partir da<br />

escrita. Elas não serão linhas objetivas e determinadas, mas fluxos intensivos e necessários que<br />

afirmam o diferencial de uma determinada estrutura. Dessa forma, iniciam-se muitas e outras<br />

fundamentações do conceito de desejo que tem papel fundamental na produção de novos<br />

modelos criacionistas, inclusive na linguagem literária.<br />

O que Deleuze(2011) afirma por juízo mais adiante ele afirmará por lei, limitação<br />

ou norma, e o desmantelamento dessas leis se inicia a partir da legitimação da diferença, dos<br />

ensaios filosóficos, dos aforismos, da literatura menorprovinda de novas criações da escrita<br />

1406


intensiva. Criações inseridas em determinados estilos literários e que coexistem, somente, em<br />

seu estágio de produção e quebra de comedimento das leis e das normas.<br />

As normas literárias serão replicadas em respectivos julgamentos clínicos, criando<br />

outro vínculo restrito que impeça a produção dos devires. Para corrigir esse exercício ou essas<br />

limitações, é necessário iniciar fora da própria atividade clínica, pois, desse modo, será<br />

concebida uma relação entre a crítica (na literatura) e a clínica (no sentido médico) que afirma<br />

as inovações artísticas e os recursos diferenciais em um procedimento inovador de criação.<br />

Assim, o escritor, enquanto clínico no seu exercício de criação, capta as forças<br />

indizíveis e inorgânicas tornando-as sensíveis e, a partir das linhas de fuga, as liberta, afirmando<br />

o que nelas há de intrínseco: o devir. Não uma mera repetição ou o dito anúncio do<br />

“movimento”, mas aquele irrepresentável intrínseco das potências políticas dominantes e dos<br />

modelos impostos pelas ciências. Logo, é aceitar o devir irrepresentável que é o que ainda será e<br />

logo deixará de ser.<br />

A literatura para a filosofia de Deleuze é, assim, afirmar a sintaxe nos desvios da<br />

língua criada, revelando a vida nas coisas. Não é contar uma história, lembrança, viagens,<br />

amores, sonhos ou fantasias; não é o excesso de realidade ou de imaginação; não é representar,<br />

mas fazer aparecer o novo, o porvir de uma língua dentro da própria língua. A literatura é um<br />

empreendimento da saúde não ao ponto de encararmos o escritor como imune a doença, mas o<br />

fazer gozar de sua própria fragilidade ao se deparar com o que lhe é grande e potente demais, ao<br />

ambiente irrespirável que só encontrará diagnóstico na escrita futura.<br />

Sobre esse processo tão necessário a vida, sendo bem mais do que apenas uma<br />

dedução deleuzeana, pontuamos, por fim, com Machado (2009, p. 213):<br />

(...) o devir é pensado em contraposição à imitação, à reprodução, à<br />

identificação ou à semelhança. Devir não é atingir uma forma; é escapar de<br />

uma forma dominante. Devir também não é metafórico, não se dá na<br />

imaginação, nem diz respeito a um sonho, a uma fantasia. O devir é real.<br />

1407


Pensar o devir que circula um campo sem representação e se potencializa<br />

em uma escrita com novas possibilidades sintáticas. Uma escrita que age violentamente<br />

no indivíduo, despertando o pensamento verdadeiro e autêntico, causando, novamente, a<br />

possibilidade de uma nova escrita literária.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A filosofia de Deleuze apresenta muitas entradas, podendo constituir um<br />

campo de compreensão não só pela ciência, mas também pela estética. A literatura tem<br />

grandes recursos indispensáveis para pensar a filosofia. No texto apresentado, buscamos<br />

alguns desses recursos que nos fizeram compreender a escrita como um ato de<br />

resistência.<br />

A caracterização da imagem do pensamento, a leitura em intensidade e as<br />

linhas de fuga assumidas pela literatura foram determinantes para compreender como<br />

essa disciplina é indispensável para Deleuze. Desse modo, evidenciamos como a escrita<br />

literária, de modo original, pode se constituir como atividade vitalista na história do<br />

pensamento.<br />

REFERÊNCIAS<br />

DELEUZE, Gilles. Diferença e repetição. Trad. Luiz Orlandi e Roberto Machado. 3ª<br />

ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006.<br />

______. Sacher-Masoch: o frio e o cruel. Trad. Jorge Bastos. Rio de Janeiro: Jorge<br />

Zahar Ed., 2009.<br />

______. Proust e os signos.Trad. Antonio Piquet e Roberto Machado. 2ª ed. Rio de<br />

Janeiro: Forense Universitária, 2010.<br />

______. Crítica e clínica. Trad. Peter Pál Pelbart. 2ª ed. São Paulo: Ed. 34, 2011.<br />

______. Conversações, 1972-1990. Trad. Peter Pál Pelbart. 3ª ed. São Paulo: Ed. 34,<br />

2013.<br />

MACHADO, Roberto. A linguagem literária e o de-fora. In: Deleuze, a arte e a<br />

filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.<br />

1408


TEATRO E REPRESENTAÇÃO EM ROUSSEAU<br />

THEATER AND REPRESENTATION IN ROUSSEAU<br />

Irlene Veruska Batista da Silva 186<br />

Graduanda Filosofia/UFMA<br />

E-mail: irleneveruska305@gmail.com<br />

Eixo 2 – Gênero, Literatura e Filosofia<br />

Orientador: Luciano da Silva Façanha<br />

E-mail: lucianosfacanha@hotmail.com<br />

RESUMO:Objetiva-se fazer uma breve apresentação sobre a problemática do Teatro e<br />

da Representação a partir da análise da obra Carta a d’Alembert sobre os<br />

espetáculos.Na Carta o autor discorre toda sua crítica ao teatro francês daquele século e<br />

expressa meticulosamente as razões para não se fundar uma companhia de teatro em<br />

Genebra. Dentre razões expostas é apresentada uma crítica aos efeitos nocivos da<br />

representação do teatro para formação da virtude dos espectadores. Em contrapartida,<br />

Rousseau atribui aos jogos e espetáculo cívicos uma importância pedagógica em<br />

oposição aos espetáculos teatrais, rompendo assim com os homens de letras da sua<br />

época.Partindo desse contexto, iremos, na presente apresentação, tratar sobre essa<br />

dualidade que se evidencia como um jogo de oposição entre uma sociedade corrompida<br />

pelos espetáculos teatrais e outra livre dos efeitos corruptores da cena teatral. Nessa<br />

última, o único espetáculo possível – segundo o filósofo dos paradoxos – é aquele em<br />

que o próprio espectador é o espetáculo, ou seja, as festas populares.<br />

186 Discente do 5° período do Curso de Filosofia Licenciatura da Universidade Federal do Maranhão –<br />

UFMA.<br />

1409


Palavras-Chave: Jean-Jacques Rousseau; Carta a d’Alembert;teatro; representação;<br />

festa.<br />

ABSTRACT: The objective is to make a brief presentation on the problematic of<br />

The<strong>ate</strong>r and Representation from the analysis of the work Letter to d'Alembert on the<br />

spectacles. In the letter the author writes all his criticism of the French the<strong>ate</strong>r of that<br />

century and meticulously expresses the reasons for not establishing a the<strong>ate</strong>r company<br />

in Geneva. Among the reasons presented is a critique of the harmful effects of the<strong>ate</strong>r<br />

representation for the formation of spectator virtue. On the other hand, Rousseau<br />

attributes to civic games and spectacles a pedagogical importance as opposed to<br />

theatrical spectacles, thus breaking with the men of letters of his time. From this<br />

context, we will focus on this duality, which is evidenced as a game of opposition<br />

between a society corrupted by theatrical spectacles and another that is free of the<br />

corrupting effects of theatrical scene. In the latter, the only possible spectacle -<br />

according to the philosopher of paradoxes - is that in which the spectator himself is the<br />

spectacle, that is, the popular feasts.<br />

Keywords: Jean-Jacques Rousseau; Letter to d'Alembert; the<strong>ate</strong>r; representation; party.<br />

1 – INTRODUÇÃO<br />

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um filósofo social, teórico político e<br />

escritor suíço. Foi o mais popular dos filósofos que participaram do Iluminismo,<br />

movimento intelectual do século XV<strong>II</strong>I. Em uma de suas obras mais importantes,<br />

Discurso sobre as ciências e as artes, publicado em 1750, o autor desenvolve sua crítica<br />

em relação à decadência da moral provocada pela ciências e as artes. As artes, para o<br />

genebrino, “são alimentadas pelo luxo, o qual nasce da preguiça e da vaidade dos<br />

homens” (WOKLER, 2012, p.37). Sendo o teatro uma das manifestações artísticas<br />

1410


criadas pelo homem civilizado, neste trabalho, iremos abordar a questão do teatro e da<br />

representação baseado na obra Carta a d’Alembert de Rousseau publicada em 1758,<br />

tendo como objetivo apresentar os efeitos do teatro e da representação na formação dos<br />

costumes no cidadão de uma república.<br />

2 – Teatro e Representação<br />

No “Século das Luzes” ou Ilustração 187 houve uma grande emancipação da<br />

razão em detrimento do pensamento religioso do catolicismo. A crença no<br />

desenvolvimento do homem por meio da promoção da educação para o esclarecimento,<br />

liberdade, artes e política, era o alvo de filósofos como François Marie Arouet –<br />

conhecido como Voltaire (1694-1778), Jean le Rond d’Alembert (1717-1783) e Denis<br />

Diderot (1713 -1784) que acreditavam na razão como forma de ascender ao<br />

conhecimento e, assim, alcançar a evolução do homem em sua totalidade (ciências, artes<br />

e filosofia). Pensando nessas problemáticas, os filósofos do século XV<strong>II</strong>I escreveram<br />

propostas de sociedade, de que tipo de homem formar e os meios para instruir<br />

politicamente e moralmente os indivíduos. Um dos meios apresentados para essa<br />

formação do homem, para o aprimoramento do gosto e dos costumes dos povos, é o<br />

teatro.<br />

Mas será que o teatro é a melhor forma de instruir os homens para a<br />

evolução e o aprimoramento moral e político? Rousseau, em sua Carta a d’Alembert 188<br />

irá questionar o papel do teatro e da representação para a promoção de bons costumes e<br />

187 Em sua significação mais ampla, a Ilustração compreende o movimento de ideias que dominou o<br />

século XV<strong>II</strong>I europeu [...] e sua repercussão nos campos político, religioso, filosófico, científico, literário<br />

e artístico, definindo um ‘espirito’ (Geist) que marcou toda uma época e conferiu uma fisionomia própria<br />

a toda uma civilização [...]. (VAZ, 2011, p.100).<br />

188 Este escrito é uma resposta a proposta de d’Alembert que escreveu na Enciclopédiaum verbete sobre o<br />

teatro defendendo o estabelecimento de uma companhia de teatro em Genebra, onde era proibido. A<br />

Enciclopédia foi uma espécie de dicionário desenvolvido pelos Iluministas que tinha como propósito<br />

abarcar problemas relacionados às ciências, às artes e aos ofícios.<br />

1411


de um aprimoramento do gosto; se de fato é bom em si mesmo; e se pode transformar<br />

maus costumes em bons costumes.<br />

Na Carta, o genebrino terá como ponto de partida na sua investigação não o<br />

teatro em si, de forma genérica, mas seus efeitos em relação a um povo e outro. Quer<br />

dizer, deve ser analisado a influência dos espetáculos nos espectadores através das<br />

condições culturais, geográficas e políticas nas quais o povo está inserido, visto que, “os<br />

espetáculos são feitos para o povo, e só por seus efeitos sobre eles podemos determinar<br />

suas qualidades absolutas” (ROUSSEAU, 1993, p. 40). O teatro deve ser analisado a<br />

partir das condições culturais, econômicas, geográficas e políticas de cada sociedade, ou<br />

seja, a análise do teatro precisa ser feito por meio de um exame do contexto histórico<br />

social de cada povo, pois cada povo possuem seu gosto próprio, e o teatro tem como<br />

propósito dar prazer por meio da satisfação do gosto de seus espectadores. Sendo assim,<br />

a representação teatral nada mais é do que o reflexo do gosto dos cidadãos de cada<br />

lugar. Segundo Salinas Fortes (1997, p.156):<br />

Independente do seu valor moral ou não, os espetáculos são então definidos<br />

como fatos culturais condicionados pelo contexto social dentro do qual se<br />

produzem. Não há, assim, como constituir uma estética dos espetáculos sem<br />

levar em conta esse condicionamento social.<br />

Podemos perceber que a proposta da análise rousseauniana do teatro não se<br />

restringe somente ao campo da moralidade: é também uma questão política. E por ter<br />

repercussão no campo da política faz-se necessário perguntar: os espetáculos teatrais<br />

são positivos para a formação do cidadão? Ao contrário de Voltaire e Diderot e<br />

d’Alembert que acreditam no caráter pedagógico do teatro pelo fato de possuir uma<br />

função de catarse 189 , purgando as paixões através da excitação das mesmas, Rousseau<br />

acredita que a provocação das paixões no público não causa a “higienização mental”<br />

189 É pois a tragédia imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em<br />

linguagem ornamentada e com várias espécies de ornamentos distribuídas pelas diversas partes [do<br />

drama], [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o “terror e a<br />

piedade, tem efeito purificador dessas emoções” (POÉTICA, 1987, L VI, 1449 b 24 ﴿.<br />

1412


(FREITAS, 2003, p.34), pelo contrário, somente suscita as paixões que o povo já<br />

possui, fomentando–as. Desse modo, os autores das peças teatrais só refletem as paixões<br />

que já existem no público para lhes causar prazer, não acrescentando em nada na<br />

formação do povo. Logo, o teatro é uma instituição desprovida de qualquer caráter<br />

pedagógico por não ter nenhum compromisso com a virtude, com o aperfeiçoamento da<br />

moral da pl<strong>ate</strong>ia a que se dirige, mas sim com a paixão e o gosto público, pois os<br />

autores das peças teatrais devem ceder ao gosto do povo para obter espectadores para o<br />

teatro. Assim, o teatro não modera as paixões, e sim as acentuam. Para Rousseau:<br />

O teatro em geral, é um quadro das paixões humanas, cujo original está em<br />

nossos corações: mas se o pintor não se preocupasse em adular essas paixões,<br />

os espectadores logo iriam embora e não mais quereriam ver-se sob uma luz<br />

que os levariam a se desprezar a si mesmos [...]. Assim, o autor não faz com<br />

isso mais do que acompanhar o sentimento do público [...]. Só a razão não<br />

tem valor algum no palco. Um homem sem paixões, ou que sempre as<br />

dominasse, não seria capaz de interessar a ninguém no palco (ROUSSEAU,<br />

1993, p.41).<br />

Destarte, o teatro terá uma função narcísica que somente refletirá as paixões<br />

perniciosas às quais o homem civilizado está submetido; tornará mais forte o ego já<br />

corrompido pela própria sociedade, auxiliando na aceleração da degeneração social do<br />

homem. Tendo uma característica narcisista, o teatro não auxiliará nas lições morais.<br />

Agindo sobre os costumes de um povo para formar e/ou melhorar suas virtudes, seus<br />

bons costumes, ele somente fará com que o amor–próprio 190 seja estimulado, pois a<br />

representação não nos permite nos colocar no lugar do outro: ela permite que o<br />

imaginário substitua o real, fazendo o espectador ter somente uma vivência imaginária<br />

da prática do bem e da virtude, dispensando-o da prática real, ou seja, o teatro faz o<br />

espectador ficar indiferente às desgraças da realidade por tornar as emoções mais fracas<br />

190 O amor-próprio não passa de um sentimento relativo, fictício e nascido na sociedade, que leva cada<br />

indivíduo a fazer mais caso de si mesmo do que qualquer outro, que inspira aos homens todos os males<br />

que mutuamente se causam e que constitui a verdadeira fonte da honra. (ROUSSEAU, 1988, p.111)<br />

1413


diante sofrimentos reais, pois “[...] tudo o que se representa no teatro não se aproxima<br />

de nós, mas se afasta” (ROUSSEAU, 1993, p.40). Portanto, o teatro e a representação<br />

exploram e alimentam o que há de mais prejudicial para o espectador. Segundo o<br />

genebrino:<br />

[...] qualquer sentido que atribuamos ao Teatro e suas imitações, vemos<br />

sempre, que animando e fomentando em nós disposições que seria preciso<br />

conter e reprimir, ele faz dominar o que deveria obedecer, longe de nos tornar<br />

melhores e mais felizes, ele nos torna piores e ainda mais infelizes, além de<br />

nos fazer pagar à custa de nós mesmos o cuidado que nos ali tomamos de nos<br />

divertir e nos encantar (ROUSSEAU, s.d. p.14).<br />

Tendo uma característica narcísica, a separação entre ator e espectador se<br />

dá dentro do indivíduo. Este não possui mais uma identificação com o coletivo, mas<br />

somente com a solidão e com a individualidade que o modelo teatral francês propõe ao<br />

ator e ao espectador ao lançar uma divisão entre aquele que pratica as más ações – ator<br />

– e aquele que está distante, que somente observa, fazendo o espectador se sentir isento<br />

da responsabilidade pelo outro – o espectador. Desse modo, o teatro reforça somente o<br />

ego, a individualização, e de nenhum modo os laços sociais e a empatia pelo outro. Por<br />

conseguinte, podemos dizer que o teatro não auxilia de forma favorável o melhoramento<br />

dos costumes do povo. Para Fortes (1997, p.160):<br />

Reforço do ego, o espetáculo é, por excelência, a ação puramente “negativa”,<br />

que não produz enquanto tal resultado algum, mas propicia a irrupção e um<br />

crescimento daquilo que está dado, funcionando como um crescimento de<br />

aceleração de um processo “natural” de corrupção inevitável. Só por isso,<br />

uma vez que nos achamos diante de uma caixa de ressonância ou de um<br />

aparelho de amplificação, não podemos dizer que o efeito do teatro ou dos<br />

espetáculos seja salutar.<br />

1414


Sendo o teatro narcísico, não será diferente a representação nesse contexto.<br />

Ela irá ridicularizar os homens de bem e favorece os vícios, além de permitir que o<br />

espectador se distancie das obrigações da prática real, devido ao distanciamento que ela<br />

proporciona entre o imaginário e o real, tornado assim o real substituído pelo imaginário<br />

e, ao mesmo tempo, faz do ator, no caso o comediante, um usurpador do lugar do outro,<br />

ou seja, o ator não se coloca no lugar do outro - piedade 191 (pitié), ele “é incapaz de se<br />

pôr efetivamente no lugar do outro, a não ser de maneira artificial e perversa”<br />

(FORTES,1997, p.172). O comediante irá apoderar-se do lugar do outro, isto é, tenta<br />

suprimir o outro fazendo deste ultimo uma projeção de si mesmo. Isso ocorre com o<br />

ator porque representa personagens que tira de dentro de si mesmo, desse modo, vive<br />

de aparência, de se disfarçar e disfarçar aquilo que é. Assim, o ator esquece de si, do<br />

seu lugar por viver sempre na representação do outro, ou melhor esquece de si por viver<br />

tomando o lugar do outro desse modo, não reconhecerá a alteridade, e verá o outro<br />

como uma projeção do que esta dentro de si mesmo. Desse modo, não é somente o<br />

espectador que é afetado, mas também o ator, que é aquele que representa, terá o<br />

desvirtuamento do seu caráter, devido as característica narcísica provocadas pelo teatro<br />

e pela representação.<br />

O teatro, por ser narcísico, somente reforça e reafirma os valores sociais já<br />

estabelecidos por meio da representação. A sociedade não é representada na sua<br />

totalidade, mas somente por meio do “olhar” de um pequeno grupo. Rousseau propõe<br />

no lugar do teatro um espetáculo promotor de uma “visão global da essência coletiva do<br />

homem” (FREITAS, 2003, p.42); propõe ainda que não haja a separação dos<br />

indivíduos, mas uma comunhão entre os integrantes da comunidade por meio da<br />

participação coletiva. Tais espetáculos sugeridos por Rousseau são as festas públicas,<br />

pois estas promovem a união dos cidadãos por serem feitas ao ar livre e, em vista disso,<br />

191 Falo da piedade, disposição própria de seres tão fracos e sujeitos a tantos males como o somos; virtude<br />

tanto mais universal, tanto mais útil ao homem que lhe é anterior ao uso de qualquer reflexão, e tão<br />

natural que os próprios animais dela apresentam provas sensíveis algumas vezes. (ROUSSEAU, 1988,<br />

p.57)<br />

1415


compartilhar a alegria de estarem reunidos. Ao contrário do teatro que promove<br />

espetáculos em locais exclusivos, para um pequeno número de pessoas que ficam<br />

imóveis durante a peça teatral – além de ensinar a servidão e a desigualdade – as festas<br />

unem, geram felicidade e torna tudo comum a todos. Na festa o povo é espetáculo e<br />

espectador ao mesmo tempo; momento no qual todos se amariam e se reconheceriam<br />

como membros de um mesmo lugar. O único objeto da festa é a união das pessoas para<br />

que se sintam felizes por estarem juntas.<br />

Quais serão, porém, os objetivos dos espetáculos? Que se mostrará neles?<br />

Nada, se quisermos. Com a liberdade, em todos os lugares onde reina a<br />

abundancia, o bem estar reina também. [...] oferecei os próprios espectadores<br />

como espetáculo; tornai-os eles mesmos atores; fazei com que cada um se<br />

veja e se ame nos outros, para que com isso todos fiquem mais unidos<br />

(ROUSSEAU,1993, p.128).<br />

Na festa os indivíduos esquecem das suas diferenças e tornam-se fundidos<br />

numa única essência que é a de comunidade. Diferente do teatro que promove a<br />

separação dos homens e os ensina a representar diversas máscaras para tornarem-se bem<br />

vistos aos olhos dos outros, a festa proporciona felicidade, o reflexo da sociedade<br />

comum, laços de comunhão e de amor entre seus componentes, trazendo à tona a<br />

essência de cada indivíduo na prática do convívio. Nela o homem torna-se livre: das<br />

amarras da representação e da dissimulação. “A festa é o anti-espelho ou, em outras<br />

palavras, o estágio da transparência, condição essencial, segundo Rousseau, na<br />

construção do cidadão” (FREITAS, 2003, p.32). A festa convoca o indivíduo para a<br />

coletividade social, ela rompe com o cotidiano e apresenta novas possibilidades de<br />

convivência social. O geral se sobrepõe ao particular e o indivíduo se reconhece num<br />

todo, no corpo social. De acordo com Freitas:<br />

A festa contribui, assim, para o esboçar o perfil de uma personalidade que se<br />

opõe àquela que emerge na vida cotidiana. Nela, o ideal propriamente<br />

1416


político ganha uma configuração viva e concreta, na qual o prazer do<br />

convívio é elevado a sua máxima potência. Ela opera uma inversão na forma<br />

de se colocar no mundo e nos lembra que há outros pontos de vista, que é<br />

possível projetar nossa existência a partir de outros lugares. Aqui a práxis<br />

coletiva ganha outro sentido (FREITAS, 2003, p.45).<br />

Isto posto, a festa não tem somente uma função estética, mas também um<br />

função política: ela ajudará na manutenção do sentimento de pertencimento e de<br />

comunhão na república. Nas festas populares as desigualdades se rompem e os<br />

indivíduos não ficam fechados em si mesmos e se percebem como iguais. “Na alegria<br />

das festas os limites da existência cotidiana são superados, pois nela o gozo puramente<br />

sensitivo coincide com a expansão do eu, que, não mais cindindo entre ser e parecer,<br />

pode desfrutar da felicidade que o momento proporciona” (FREITAS, 2003, p.106). A<br />

purgação das paixões e do narcisismo acontece dentro da própria coletividade, com<br />

todos ao mesmo tempo, por meio da própria ação na coletividade e não como um mero<br />

espectador, distanciado da sua práxis social. Então, a festa<br />

[...] não se realiza por meio da contemplação à distância das ações de outrem,<br />

mas se nutre de uma forma de participação semelhante à política. A “vontade<br />

geral” funde os diversos grupos da sociedade republicana numa essência,<br />

tornando o homem ao mesmo tempo ator e espectador. (FREITAS, 2003. p.<br />

43).<br />

Diante do exposto, podemos perceber que o teatro e a representação tem<br />

efeitos nocivos aos seus espectadores, não colaborando com o desenvolvimento moral,<br />

político e estético de uma sociedade republicana. Ambos irão somente reforçar a<br />

dissimulação permanente e a instaurará o mundo das aparências, no qual a mentira<br />

tomará de conta da convivência, fazendo com que cada indivíduo esqueça de si, da sua<br />

essência em nome do julgamento que os outros fazem da sua imagem, daquilo que se<br />

mostra, mas que não é de fato. A representação separa o ser do parecer, e o fictício<br />

(parecer) toma o lugar do real (ser). As ações más tornam-se privilegiadas em relação as<br />

1417


oas fazendo os homens bons serem arruinados e os maus prosperarem; desse modo, o<br />

convivo social é degradado em nome da disputa entre egos e olhares. Destarte, o teatro<br />

está longe de instaurar um corpo moral político, já que é necessário a criação de<br />

vínculos afetivos; e a representação não deixa abertura para a afetividade, já que ela<br />

ensina a cultivar o amor-próprio, o narcisismo. Consequentemente, é mister outro tipo<br />

de espetáculo para o aprimoramento moral e político. E este será a festa que permite o<br />

amor e a fr<strong>ate</strong>rnidade. Por meio da festa cada um se vê nos outros e amam a si a partir<br />

do outro, reforçando o sentimento de união, tornando possível a manutenção do corpo<br />

político por meio dos laços fr<strong>ate</strong>rnos nascidos dos espetáculos festivos.<br />

3 – Considerações finais<br />

As críticas de Rousseau ao teatro são uma preocupação sobre a formação<br />

social e as formas de exteriorização do homem. O teatro, através da representação, faz<br />

do indivíduo um narcisista e impede, desse modo, a restauração da unidade do indivíduo<br />

com o corpo social. Ao propor a festa como espetáculo para a república genebrina,<br />

Rousseau tem como propósito celebrar a unidade dos cidadãos e a alegria da<br />

coletividade. Através da celebração coletiva o homem deve transpor o isolamento de si<br />

mesmo e, portanto, olhar os outros sem sentir o desejo de usurpar o lugar destes, ou de<br />

ser melhor que eles. Por meio da festa, o amor e a fr<strong>ate</strong>rnidade surgem tornando as<br />

relações sociais fortes e com novas possibilidades de se realizar. Logo, podemos<br />

entender que a festa não é somente uma simples manifestação dos homens: ela é uma<br />

consagração da liberdade humana que se dá na união com os outros.<br />

1418


REFERÊNCIAS<br />

ARISTOTÉLES. Poética. In: ARISTÓTELES. São Paulo: Nova Cultural,<br />

1987.(Coleção Os pensadores).<br />

FORTES, Luís Roberto Salinas. Paradoxo do espetáculo: política e poética em<br />

Rousseau. São Paulo: Discurso Editorial, 1997.<br />

FREITAS, Jacira de. Política e festa popular em Rousseau: a recusa da representação.<br />

São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2003.<br />

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Carta à d’Alembert. Trad. Roberto Leal Ferreira.<br />

Campinas: Editora da UNICAMP, 1993. (Coleção Repertório).<br />

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Da imitação teatral. Trad. Luciano da Silva Façanha.[S.l.:<br />

s.n.].<br />

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da<br />

desigualdade entre os homens. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Trad. Lourdes Santos<br />

Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Coleção Os pensadores).<br />

VAZ, Henrique C. de Lima. Antropologia Filosófica. 11.ed. São Paulo: Loyola, 2011.<br />

1v.<br />

WOKLER, Robert. Rousseau. Trad. Denise Bottmann. Porto Alegre: L&PM, 2012.<br />

1419


TÓPICAS DA TEMPORALIDADE NA POESIA CONTEMPORÂNEA DE<br />

LÍNGUA PORTUGUESA<br />

TOPICS OF TEMPORALITY IN CONTEMPORARY POETRY OF<br />

PORTUGUESE LANGUAGE<br />

Franciele dos Santos Feitosa – Graduanda- UFMA<br />

Orientador: Prof. Dr. Rafael Campos Quevedo<br />

EIXO 2 - Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: Durante a tradição clássica a imitação de modelos e formas literárias<br />

alimentava a produção dos artistas, a poesia era, sobretudo, imitativa. Um poeta, para<br />

ser classificado como bom, deveria saber imitar o que os seus mestres faziam.<br />

Posteriormente com o romantismo é a ideia de originalidade que se impõe como critério<br />

para a criação, pois o movimento romântico defendeu uma literatura acima de tudo<br />

original e propôs que os lugares-comuns não deveriam mais ser utilizados como<br />

parâmetro para a criação. Entretanto, apesar dessa grande ruptura romântica com o<br />

clássico, há na poesia contemporânea a recorrência de topoi líricos, o que põe em xeque<br />

o conceito de o que é ser original em literatura e se realmente é possível sê-lo. Importanos,<br />

no entanto, demonstrar que mesmo depois da descontinuidade romântica com o<br />

tradicional, ainda há na poesia atual autores que se valem de lugares-comuns da lírica<br />

clássica para compor suas obras. O topos ou lugar-comum, conforme nos informa Ernst<br />

Robert Curtius em seu livro Literatura Européia e Idade Média Latina, é proveniente da<br />

literatura antiga – da lírica principalmente – e são comumente visitados por poetas de<br />

várias épocas, inclusive da atualidade. Desta maneira, no decorrer de toda a pesquisa,<br />

buscou-se investigar a recorrência dos lugares-comuns carpe diem e exegi monumentum<br />

na poesia contemporânea. O carpe diem, presente na ode n° 11 do Livro das Odes de<br />

Horácio significa viver o dia, colher o dia, ou seja, aproveitar o hoje, viver o momento e<br />

1420


deixar de se preocupar tanto com o futuro. O exegi monumentum, por sua vez, foi uma<br />

expressão utilizada por Horácio em sua Ode 3.30 que ressalta o caráter imortalizador da<br />

poesia. Interessa-nos, contudo, demonstrar a maneira como autores modernos, mesmo<br />

depois da originalidade ser parâmetro para criação, valem-se dos lugares-comuns<br />

consagrado por Horácio, manipulando-os e dando a eles novas direções semânticas ao<br />

colocar seu talento pessoal e as ideias de sua época.<br />

Palavras-chave: Poesia Contemporânea. Carpe diem. Exegi Monumentum.<br />

ABSTRACT: During the classical tradition the imitation of models and literary forms<br />

fed the production of the artists, the poetry was, mainly, imitative. A poet, to be<br />

classified as good, should know how to imit<strong>ate</strong> what his masters did. Subsequently with<br />

romanticism is the idea of originality that imposes itself as a criterion for creation,<br />

because the romantic movement defended an above all original literature and proposed<br />

that commonplaces should no longer be used as a parameter for creation. However, in<br />

spite of this great romantic rupture with the classic, there is in contemporary poetry the<br />

recurrence of lyrical topói, which puts in check the concept of what it is to be original in<br />

literature and if indeed it is possible to be. It is important, however, to show that even<br />

after the romantic discontinuity with the traditional, there are still in the current poetry<br />

authors who use common places of classical lyric to compose their works. The topos or<br />

common place, as Ernst Robert Curtius in his book European Literature and Middle<br />

Ages tells us, comes from ancient literature - mainly lyric - and is commonly visited by<br />

poets of various eras, including today. Thus, in the course of all research, we sought to<br />

investig<strong>ate</strong> the recurrence of common places carpe diem and exegi monumentum in<br />

contemporary poetry. The carpe diem, present in the ode n ° 11 of the Book of the Odes<br />

of Horatio means to live the day, to reap the day, that is, to take advantage of today, to<br />

live the moment and to stop worrying so much about the future. The exegi<br />

monumentum, in turn, was an expression used by Horace in his Ode 3.30 which<br />

emphasizes the immortal character of poetry. It is interesting, however, to demonstr<strong>ate</strong><br />

1421


how modern authors, even after originality as a parameter for creation, rely on the<br />

commonplace consecr<strong>ate</strong>d by Horace, manipulating them and giving them new<br />

semantic directions by placing their personal talent and the ideas of his time.<br />

Keywords: Contemporary Poetry. Carpe diem. Exegi Monumentum.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

A imitação é considerada hoje quase como sinônimo de plágio; em geral, o<br />

autor que plagia outro corre o risco de perder toda sua credibilidade, pois compreendese<br />

que na contemporaneidade o escritor deve ser original.<br />

Não era assim na Antiguidade. A imitação, naquele período, era o eixo<br />

central que norteava a poesia, por isso, o estudo da imitação é relevante para<br />

compreender a lírica clássica, a começar pelo próprio termo imitação, que desde os<br />

primórdios até agora designou diferentes noções.<br />

Na Grécia Antiga, Platão compreendeu a mímesis como um tipo de<br />

produção que não criava objetos originais, e sim cópias diferentes do que seria a<br />

realidade autêntica, um tipo de ilusão. “Ora a ilusão é perigosa. E quem a provoca deve<br />

ser proibido de estar na república ideal” (FERNANDES, 1986, p. 14). A Poesia, bem<br />

como a Pintura, manter-se-ia três graus à distância da verdade, “a arte de imitar está<br />

bem longe da verdade” (idem), por isso, em sua República, Platão expulsa os poetas.<br />

Contrapondo-se a Platão, Aristóteles afirma que mímesis é mais que cópia e,<br />

em sua Poética, enuncia que a poesia não se limita ao campo da verdade, mas sim ao do<br />

possível e do verossímil. A definição aristotélica de mímesis poética não tem sentido de<br />

imitação ou reprodução da realidade, é antes uma representação que resulta de um<br />

processo específico de construção, a partir de determinadas regras que visam efeitos e,<br />

portanto, não pode ser confundida com a imitação no sentido de cópia. Palhares (2013,<br />

p.16) corrobora ao afirmar que a mímesis não constitui uma simples imitação, na<br />

verdade trata-se de uma atividade que, ao mesmo tempo que retrata o real “o supera, o<br />

1422


aprimora, o melhora, modificando e recriando-o, ou seja, o termo foi concebido não no<br />

sentido da cópia, mas da criação de novos parâmetros para a observação do real. ”<br />

Na sociedade romana, o termo que designa imitação é imitatio. Pensadores<br />

como Horácio e Quintiliano aconselham a imitatio alegando que os bons poetas devem<br />

ser imitados e não copiados palavra por palavra. Horácio orienta o pretendente à boa<br />

poesia a não ser imitador servil: “Farás teu este assunto conhecido, /Se aos trágicos<br />

limites o congires,/Não seguindo o tecido da epopeia./E se não <strong>ate</strong>nderes servilmente/A<br />

traduzir palavra por palavra,/Nem como imitador em lance entrares,/Donde sair não<br />

possam sem vergonha,/E sem violar as leis do teu poema.” (HORÁCIO, 2014, p. 86).<br />

Quintiliano por sua vez recomenda a imitatio porque “é necessário que sejamos<br />

semelhantes ou diferentes dos que foram ou são bons. Raramente a natureza produz algo<br />

semelhante; a imitação, porém, consegue faze-lo com mais frequência”<br />

(QUINTILIANO, 2016, p. 85).<br />

Dionísio de Helicarnasso vai afirmar que a imitação é uma emulação cujo<br />

imitador quer igualar-se e/ou ultrapassar o modelo. “A imitação é uma atividade que,<br />

segundo determinados princípios teóricos, refunde um modelo” (DIONÍSIO DE<br />

HALICARNASSO, 1986, p. 49)<br />

Hoje, aquilo que antes se denominava imitação possui certa semelhança<br />

com o que chamamos intertextualidade. O termo imitação, por sua vez, entende-se<br />

agora como uma cópia mal feita de alguma obra ou estilo, sendo quase que extinta da<br />

criação literária e fazendo com que um autor pense bem antes de se valer desse processo<br />

de escrita pois, modernamente, o escritor destaca-se por aquilo que tem de singular.<br />

Rosado Fernandes (1986, p. 12), em prefácio à obra de Dionísio de<br />

Halicarnasso, afirma que “na essência tudo seja, antes e agora, profundamente o<br />

mesmo”. Discordamos de tal ponto de vista, contudo, por acreditarmos que as práticas<br />

de reescrita hoje são muito mais plurais e não são, como a imitação antiga, uma espécie<br />

de norma.<br />

O termo intertextualidade nasceu com os estudos de Bakhtin, para ele as<br />

palavras nunca são neutras ou vazias, mas são carregadas de significados; são unidades<br />

1423


migratórias, ou seja, uma palavra migra de um discurso a outro levando consigo seu<br />

contexto. “O fenômeno de um texto retomar outro, por meio de citações, alusões,<br />

inversões, paródicas ou não, passou a ser visto como elemento essencial do discurso<br />

literário.” (ACHCAR, 1994, p.13). A intertextualidade passou a ser entendida como um<br />

fenômeno “que não depende de influências ou de convergências fortuitas entre autores,<br />

e que é inerente ao trabalho literário. As influências e convergências são consideradas<br />

casos particulares do processo fundamental da literatura. (idem)<br />

Pode-se afirmar que a intertextualidade estava presente já na Antiguidade<br />

clássica, ainda que tenha sido teorizada apenas recentemente. O modo como cada<br />

escritor lírico se apossa do repertório dos topoi, reestruturando-os, remodelando-os e<br />

atualizando-os, e assim, buscando criticar, ultrapassar, homenagear, ou igualar-se a seus<br />

modelos, é um fator importante para se compreender ou caracterizar a poesia lírica<br />

como imitação. Nesse sentido, vale ressaltar as palavras de Achcar (1994, p.18) na<br />

poesia da Antiguidade, predomina o processo de escrita que Francis Cairns chamou<br />

composição genérica “qual corresponde a uma codificação da prática intertextual, uma<br />

forma particular de ‘arte alusiva’: um poema toma do repertório tradicional uma série de<br />

lugares-comuns e, juntamente, a maneira de organizá-los, derivando daí sua pertinência<br />

genérica”<br />

A prática intertextual marcada pela generalidade alude tanto a relação do<br />

poeta com seus precursores, quanto o modo como dado momento histórico-cultural<br />

recebeu a vasta herança desses precursores, problematizando-a sob diferentes prismas.<br />

Desta maneira, a tradição histórica está presente no fazer artístico do escritor, ainda que<br />

de maneira inconsciente. Uma das evidências de que o passado permanece presente e a<br />

literatura nasce da própria literatura é a permanência dos lugares-comuns nos textos<br />

atuais.<br />

Sabe-se que antes do romantismo, muitos lugares-comuns eram empregados<br />

durante o processo de criação de poemas. Os chamados topoi da poesia tradicional eram<br />

bastante cultivados e muitos autores os utilizavam como forma de referenciar a obra de<br />

outros poetas, valendo-se de convenções consagradas e modificando-as conforme sua<br />

1424


habilidade poética. Apesar do Romantismo ter propagado a descontinuidade do rigor e<br />

dos valores clássicos e incitado a originalidade, até a atualidade notamos que alguns<br />

temas e esquemas clássicos permanecem vivos.<br />

Daí a importância desta pesquisa, uma vez que a exteriorização da<br />

individualidade do poeta passa a possuir mais prestígio do que certas convenções<br />

tradicionais, a circulação dos lugares-comuns sofre forte abalo e tende a desaparecer.<br />

Mostraremos, porém, que a recorrência dos topoi da lírica tradicional ainda se faz<br />

presente na poesia contemporânea, mesmo com o rompimento romântico com o<br />

clássico. Para tanto, usaremos os topoicarpe diem e exegi monumentum revelando sua<br />

presença desde Horácio até formulações das referida tópicas em poetas do século XXI.<br />

2. Conceito de topoi<br />

Antes de partir para análise propriamente dita, é importante esclarecer o<br />

conceito de topoi lírico. Curtius (1979), em sua obra “Literatura Européia a Idade Média<br />

Latina”, nos chama <strong>ate</strong>nção para a presença dos topoi e para a continuação da tradição<br />

literária. Os topoi, termo que ficou conhecido e passou a ser empregado como sinônimo<br />

de clichê e de lugar-comum é visto como a presença do clássico no atual, ou seja, uma<br />

espécie de encarnação da tradição. Curtius denominaos topos como clichés fixos ou<br />

esquemas do pensar e da expressão oriundos da literatura antiga e que, “por meio da<br />

literatura do latim medieval, penetraram nas literaturas das línguas vernáculas da Idade-<br />

Média e, mais tarde, no Renascimento e no período barroco. ” (CURTIUS apud PIRES<br />

2016, p. 5)<br />

Para aclarar o conceito de topoi Pires (2016) presenta o conceito de Motivo<br />

e Tema. O motivo mais geral e não literário abrange o tema que por sua vez o torna<br />

literário, este é a expressão particular de um motivo, ou seja, a passagem do geral para o<br />

particular. Os topoi se assemelham aos motivos pois assim como este possui um<br />

conceito vasto.<br />

1425


Contudo, para efeito de clareza, estabeleçamos que os topoi se<br />

aproximam dos motivos. Melhor dizendo, são também motivos. Como estes,<br />

são gerais e genéricos e particularizam-se como tema neste ou naquele<br />

poema, deste ou daquele autor; o que têm de especial é o fato de terem sido<br />

abonados por certa tradição (clássica, sobretudo, mas também há topoi<br />

nascidos no âmbito da cultura medieval, ou em dada literatura). (PIRES,<br />

2016, p. 5)<br />

Como vemos os topoi são clichês provenientes de tradição oral, Francisco<br />

Achcar (1994) esclarece que “na lírica predominam os topoi e na épicaas fórmulas, e se<br />

trata de m<strong>ate</strong>riais diferentes: estas sãosintagmas, unidades frasais que se repetem;<br />

aqueles sãounidades semânticas, para as quais cada poeta constrói a seumodo a forma<br />

de expressão” (ACHCAR, 1994, p.5). Ambos sistemas decorrem da tradição oral e<br />

posteriormente se integram à literatura escrita:“Nascida no coração do mundo oral, a<br />

composição genérica,a partir dos poetas helenísticos, se torna práticaeminentemente<br />

livresca, de erudição literária. ” (idem).<br />

3. Genealogia do carpe diem<br />

Dentre os vários topoi presentes na história literária, encontra-se o carpe<br />

diem, é Francisco Achcar (1994) em sua obra “Lirica e lugar-comum” que traça uma<br />

genealogia do carpe diem, considerando-o um gênero poético, desde Homero até o<br />

século XX e que chega ao século XXI ainda a “todo vapor”.<br />

A fugacidade do tempo é um topos que já se encontrava nos versos de<br />

Arquíloco, escritor lírico mais antigo de que se tem conhecimento. O tema,<br />

posteriormente, é utilizado por vários poetas gregos e romanos, durante a Idade Média,<br />

o Classicismo e o Barroco, até ser aparentemente relegado pelos românticos e<br />

modernistas. (ACHCAR, 1994, p.61). Temas como o da fugacidade da vida, já era<br />

utilizado por Homero em suas obras ¬Ilíada e Odisséia.<br />

1426


Em Homero, o dia é a única medida cujo ritmo pontua o<br />

contínuo fluxo de eventos épicos, e é também a noção de tempo que pode<br />

assumir conteúdo positivo e definido (o tempo em que... ): "Virá o dia em<br />

que cairá a sagrada Ílios"; "Se eu fosse jovem e forte como no dia em que ...”;<br />

"o dia do destino"; "o dia da volta"; "o dia da escravidão"; "o dia cruel".<br />

Assim concebido, "dia" recebe seu caráter do evento que nele ocorre, de fato<br />

se identifica com o evento que traz. Desta forma, uma expressão épica como<br />

"evitar o mau dia" (Od., 10.269) é equivalente a "escapar da destruição". A<br />

nova direção que leva à lírica está ligada a que os homens não mais crêem na<br />

possibilidade de evitar o dia (isto é, eventos e circunstâncias), mas sentem-se<br />

controlados por ele em todos os sentidos. (HOMERO apud ACHCAR,1994,<br />

p. 60)<br />

Em Odisséia, a fala de Ulisses mendigo aos pretendentes, presente no canto 18,<br />

resume a nova ideia de dia. “Pois tal é o espírito dos homens sobre a terra, qual o dirige<br />

a cada dia o pai dos homens e dos deuses” (HOMERO apud ACHCAR, 1994, p.60), em<br />

tais versos, ao usar expressões como “espírito dos homens” o que se nota é que “o<br />

homem é inteiramente 'efêmero', isto é, sujeito ao dia e exposto as suas vicissitudes".<br />

(ACHCAR, 1994, p. 61). Em Ilíada, o tema aparece com a analogia da vida as folhas<br />

das arvores “Tais as gerações das folhas, quais as dos homens. As folhas, algumas o<br />

vento deita ao chão, outras a selva florescente produz, e sobrevém o tempo da<br />

primavera; assim as gerações dos homens, umas nascem, outras morrem” (HOMERO<br />

apud ACHCAR p. 61). Em Ilíada o tema da fugacidade aparece claramente: assim como<br />

as folhas que nascem e morrem é a vida do homem.<br />

A constatação da brevidade e instabilidade da vida não leva à<br />

conclusão de que os homens devam dedicar-se aos prazeres possíveis - para<br />

Aquiles, a consciência de que sua vida será breve impõe a busca da glória (...)<br />

Ainda no mundo da Odisséia, bastante afastado do da llíada, não é a solução<br />

hedonista que se impõe, apesar de se estar menos longe dela. Ulisses, na<br />

seqüência da fala antes citada, afirmara que o homem não deve nunca ser<br />

1427


injusto, mas sim aceitar em silêncio os dons que os deuses lhe concedam. (...)<br />

A idéia de "fazer de cada dia uma unidade em si mesma”, que é como Pierre<br />

Grimal interpreta a fórmula horaciana carpe diem, já parece insinuar-se aqui,<br />

e será muito mais evidente nos poetas posteriores. (ACHCAR, 1994, p. 66;<br />

aspas do autor)<br />

O tema da fugacidade da vida também é presente em Aristófanes e Píndaro,<br />

entretanto, é nos versos de Semônides que o tema da brevidade da vida se associa ao<br />

hedonismo, que é a busca pelo prazer, sem deixar de lado a influência epicurista.<br />

“(...)Enquanto um mortal possui a flor adorável da juventude,<br />

com ânimo leviano pensa em muitas coisas irrealizáveis, pois tem a<br />

esperança de nem envelhecer nem morrer.Insensatos, que têm assim o<br />

espírito e não sabem que o tempo da juventude e da vida é breve para os<br />

mortais. Mas tu, sabendo destas coisas relativas ao termo da vida, dispõe-te a<br />

conceder prazeres a tua alma” (SEMÔNIDES apud ACHCAR, 1994, p. 65)<br />

É na Grécia de Semônides que o tema passou a ter realce e cresceu ao<br />

encontrar as condições socioculturais adequadas para tal. Depois de Semônides, o tema<br />

aparece ainda em Mimnermo com a antítese juventude/velhice:<br />

E nós, quais as folhas que produz o tempo da primavera<br />

florida, quando depressa viçam os raios do sol, assim por um breve momento<br />

gozamos das flores da juventude, nada sabendo do mal e do bem dos Deuses.<br />

Mas as negras Queres já estão próximas, uma com o termo da penosa velhice,<br />

a outra com o da morte: breve é o fruto da juventude, tanto quanto o espraiarse<br />

do sol sobre a terra. (MIMNERMO apud ACHCAR, 1994, p. 68).<br />

Passada essa fase helenística, em Roma, o gênero iniciou-se com Catulo. E é de<br />

Catulo o exemplo mais extraordinário: “vivamos, minha Lésbia, e amemos, e<br />

1428


atribuamos aos rumores dos velhos mais severos, todos, o valor de um vintém. Os sóis<br />

podem pôr-se e retornar, mas nós, uma vez que se põe a nossa breve luz, devemos<br />

dormir uma só e perpétua noite” (CATULO apud ACHCAR, 1994, p.74). Em tais<br />

versos, percebemos o tema hedonista ao convite amoroso. No qual a mulher amada,<br />

deve ceder ao convite amoroso do eu lírico antes que a vida se acabe. Modelo<br />

inquestionável do carpe diem.<br />

A expressão latina carpe diem foi utilizada na ode nº 11 do Livro das Odes<br />

de Horácio. No poema aparecem algumas características essenciais da poesia do carpe<br />

diem. Cito como exemplo, o enunciador (o próprio eu lírico), seu interlocutor, o<br />

enunciado de orientação, em voz imperativa, o convite ao prazer ou convite amoroso, a<br />

crença na astrologia e o próprio carpe diem. Abaixo a transcrição da ode horaciana a<br />

partir da tradução de Achcar (1994):<br />

Tu não indagues (é ímpio saber) qual o fim que a mim e a ti os<br />

deuses tenham dado, Leuconoé, nem recorras aos números babilônicos. Tão<br />

melhor é suportar o que será! Quer Júpiter te haja concedido muitos invernos,<br />

quer seja o último o que agora debilita o mar Tirreno nas rochas contrapostas,<br />

que sejas sábia, coes os vinhos e, no espaço breve, cortes a longa esperança.<br />

Enquanto estamos falando, terá fugido o tempo invejoso; colhe o dia, quanto<br />

menos confiada no de amanhã ( ACHCAR, 1991, p. 88).<br />

Carpe diem é uma expressão latina, no qual carpe deriva do verbo carpere que<br />

quer dizer tomar/colher e diem é dia. Desta forma, carpe diem significa literalmente<br />

colher o dia, ou seja, aproveitar o hoje, viver o momento e deixar de se preocupar<br />

demasiadamente com o futuro, pois, muitas vezes, nos preocupamos tanto com o dia de<br />

amanhã, que não usufruímos verdadeiramente do que o momento presente pode nos<br />

ofertar. A exortação feita por Horácio é um convite ao prazer. "Horácio recomenda<br />

consumo imediato [do vinho]: é verdade que o vinho pode melhorar se o deixares em<br />

1429


epouso, mas talvez não o bebas. A desconfiança Epicurista do amanhã não poderia ser<br />

expressa mais vividamente.” (ACHCAR, 1994, p. 92)<br />

É igualmente relevante no texto horaciano, o “diálogo” entre o eu lírico e o<br />

receptor, indicio da poesia do simpósio – também chamado de a lírica do tu. “Portanto,<br />

faz parte da encenação o registro coloquial do discurso, que reforça a verossimilhança<br />

do diálogo sugerido” (ACHCAR, 1994, p. 99). Existe uma simulação de diálogo entre o<br />

eu lírico e Leuconoé. Esta, ainda que seja permeada por dúvidas e incertezas, aparenta<br />

ser uma mulher de espírito singelo e ingênuo e que confia na astrologia. Horácio,<br />

demonstrando a fugacidade do tempo, aconselha a aproveitar o dia sem confiar no<br />

amanhã: propõe que se aproveite o agora e desconsidera tudo que possa impedir que<br />

isso ocorra, como “as preocupações com o futuro, as ‘questões severas’ da vida pública,<br />

a preocupação com a riqueza, o apego aos bens” (p. 97).<br />

4. Carpe Diem na Contemporaneidade<br />

Após traçada a genealogia do carpe diem desde suas primeiras formulações até o<br />

século xx, veremos como esse topos está presente na literatura moderna, buscando<br />

refletir sobre a existência de uma ruptura ou a continuação de uma tradição. O poema<br />

selecionado é do escritor Paulo Henriques Britto e pertence a seu livro “Formas do<br />

nada” (2012).<br />

Horácio no Baixo<br />

(Odes I, 11)<br />

Tentar prever o que o futuro te reserva<br />

não leva a nada. Mãe de santo, mapa astral<br />

e livro de autoajuda é tudo a mesma merda.<br />

O melhor é aceitar o que de bom ou mau<br />

acontecer. O verão que agora inicia<br />

pode ser só mais um, ou pode ser o último –<br />

vá saber. Toma o teu chope, aproveita o dia,<br />

e enquanto ao amanhã, o que vier é lucro. (BRITTO, 2012, p.23)<br />

1430


No poema “Horácio no baixo”, de Britto, o carpe diem está identificado,<br />

logo no titulo do poema, quando o autor faz referência a Ode horaciana. É possível<br />

notar claramente o convite ao prazer, presente nos versos “Toma o teu chope, aproveita<br />

o dia”. Semelhantemente a Horácio, Britto faz referencia á bebida “coes os<br />

vinhos/Toma o teu chope”, ao substituir vinho por chope, Paulo Henriques Britto valeuse<br />

do lugar-comum, consagrado pela tradição e imprimiu seu talento pessoal, bem como<br />

a marca de seu tempo histórico e de sua realidade social, como o fez Horácio e tantos<br />

outros autores antes e depois dele.<br />

O enunciatário é notado pelo uso de pronomes como teu e te; “Tentar<br />

prever o que o futuro te reserva/ Toma o teu chope”, semelhança com o poema de<br />

Horácio, pois nele o destinatário surge identificado pelo nome próprio, Leuconoé. É<br />

interessante observar que o destinatário do poema de Britto não é uma única pessoa,<br />

como na ode de Horacio, mas sim varias pessoas; todos aqueles que lerem o seu poema.<br />

Outro elemento essencial é a exortação, enunciados de ordem e conselhos, podem ser<br />

percebidos pelo uso de verbos no imperativo como toma e aproveita. Em trechos como<br />

“O melhor é aceitar o que de bom ou mau acontecer”, fica evidente a vontade do eu<br />

lírico de convencer o leitor. Além do mais, há na poesia uma encenação dialógica, que<br />

como vimos, é uma característica do gênero do carpe diem.<br />

Na ode de Horácio o eu lírico aconselha Leuconoé sobre a confiança na<br />

astrologia, “tu não indagues (é ímpio saber) qual o fim que a mim e a ti os deuses<br />

tenham dado, Leuconoé, nem recorras aos números babilônicos”, indicando que os<br />

astros não podem prever o futuro, o eu lírico do poema de Paulo Henriques Britto,<br />

sugere a mesma coisa: que não se pode confiar na astrologia, “tentar prever o que o<br />

futuro te reserva/ não leva a nada. Mãe de santo, mapa astral/ e livro de autoajuda é tudo<br />

a mesma merda”.<br />

O caráter passageiro da vida é constatado na necessidade de se viver o<br />

momento presente “O verão que agora inicia pode ser só mais um, ou pode ser o últimová<br />

saber”. Então, pode-se dizer que o Eu que permeia o poema “Horácio no Baixo” é<br />

1431


um ser que não vive de espera e sim aproveita o agora, sem se preocupar com o futuro e<br />

“o que vier é lucro”.<br />

5. Tópica da perenidade da poesia<br />

Outro topos recorrente da poesia lírica é o exegi monumentum, termo que,<br />

assim como o carpe die, foi imortalizado por Horácio em sua Ode 3.30. Como nos<br />

informa Francisco Achcar, o tema já está presente “na poesia grega, desde Safo,<br />

Píndaro, Simônides e Teógnis até os mais recentes epigramatistas da Antologia Palatina,<br />

é insistente a ideia do poder perenizador da poesia” (ACHCAR, 1994, p. 156) Abaixo a<br />

transcrição de sua ode 3.30, que se tornou modelo para outros autores, os quais veremos<br />

mais adiante.<br />

Erigi monumento mais duradouro do que o bronze,<br />

e mais alto do que as decaídas, régias Pirâmides,<br />

quem nem a chuva voraz, nem o Aquilão, impotente,<br />

poderão destruir, nem dos anos a incontável<br />

sucessão e a passagem dos tempos.<br />

Não morrerei de todo, e de mim a maior parte<br />

escapará a Libitina. No louvor dos pósteros crescerei<br />

renovado, enquanto ao Capitólio ascender<br />

o Pontífice com a Vestal silenciosa.<br />

De mim se dirá que, onde o Áufido corre impetuoso<br />

e onde Dauno, escasso em águas,<br />

sobre povos agrestes reinou, do nada me erguendo,<br />

fui o primeiro que à Itálica medida afeiçoou<br />

o carme eólico. Podes sentir orgulho<br />

pelo mérito alcançado. E tu, ó Melpómene, digna-te<br />

com o louro de Delfos cingir-me a fronte. (HORÁCIO apud PEREIRA,<br />

2012, S/p)<br />

O poder imortalizador da poesia figura-se como um monumento mais<br />

duradouro que o bronze, capaz de eternizar, por sua própria perenidade, a memória do<br />

poeta. “Quando a cidade que eu canto já não mais existir, quando os homens para quem<br />

canto já houverem desaparecido no esquecimento, minhas palavras ainda perdurarão”<br />

(PÍNDARO apud STEINER, S/a, p. 02). Os versos sobrepujam o tempo. O bronze<br />

perece, assim como as pirâmides se arruinarão com a sucessão dos anos, porém as<br />

palavras permanecem vivas. Mesmo quando o poeta não escapar à deusa da morte<br />

1432


(Libitina), suas palavras sobreviverão. Em suma, o poema “versa sobre o poder da<br />

poesia de conferir imortalidade tanto ao poema em si mesmo (‘o monumento mais<br />

duradouro do que o bronze’) quanto sobre seu autor (‘uma parte de mim escapará’)”<br />

(QUEVEDO, 2016, p. 70). Trata-se, portanto, do “poder atribuído a poesia de ser<br />

imortal e de imortalizar por meio da palavra” (SANTOS, 2009, p.124).<br />

6. Exegi monumentum na contemporaneidade.<br />

Como já foi afirmado, o diálogo de poetas contemporâneos com os poetas<br />

clássicos perdura mesmo com o rompimento romântico. Para Achcar (1994, p. 163) “ o<br />

impacto causado por Exegimonumentum foi imenso e pode ser aquilatado pela presença<br />

da ode em trechos, entre tantos, de Propércio, Ovídio, Sêneca, São Jerônimo (...)” e em<br />

poetas modernos como Nelson Ascher.<br />

Exegi monumentum<br />

Ergui pra mim, mais alto<br />

que o Empire St<strong>ate</strong> Building, menos<br />

biodegradável mesmo<br />

que o urânio, um monumento<br />

que, à chuva ácida ileso<br />

e imune à inversão térmica,<br />

não tem turnover nem<br />

sairá de moda nunca.<br />

Não morrerei de todo:<br />

Cinquenta ou mais por cento<br />

de meu ego hão de incólumes<br />

furtar-se à obsolescência<br />

programada e hei de estar<br />

no Quem É Quem enquanto<br />

Hollywood dê seus Oscars<br />

anuais ou supermodels (ASCHER, 2005, p.13)<br />

O poema exegi monumentum, de Ascher, é claramente uma paródia da ode<br />

horaciana. Isso se constata de imediato no título do poema, quando o autor faz uma<br />

clara alusão ao exegi de Horácio. O caráter perenizador da poesia pode ser verificado<br />

nos versos “não morrerei de todo/ Cinquenta ou mais por cento/de meu ego hão de<br />

1433


incólumes/ furtar-se à obsolescência”. No mesmo trecho em que há a presença do topos<br />

podemos notar também uma certa ironia de Nelson Ascher com relação à pretensão de<br />

Horácio em imortalizar-se por meio das palavras, para tanto o autor se vale do termo<br />

“ego” para afirmar que tanto Horácio quanto seu ego passarão intactos pelo tempo sem<br />

que se tornem obsoletos. Esse ego elevado não pertence somente a Horácio mas ao<br />

próprio Ascher pois ambos creem na vida post-mortem que os versos proporcionam.<br />

Assim como Horácio, Ascher também compara seus versos a grandes<br />

construções, “e mais alto do que as decaídas, régias Pirâmides/, mais alto que o Empire<br />

St<strong>ate</strong> Building”. Além do fato de ambos terem consciência de que os poemas que<br />

fizeram são mais valiosos e maiores que grandes obras, o ato de assemelhá-los a<br />

monumentos revela que, assim como estes, o poema também é alvo de contemplação<br />

ou, em outros termos, “o poema sendo contemplado por si próprio, funciona como um<br />

monumento” (CÍCERO, 2012,p. 35). Ademais, o uso de Empire St<strong>ate</strong> Building ao invés<br />

de Pirâmides, demonstra a engenhosidade de Ascher que, ao se apossar do lugar-comum<br />

consagrado pela tradição termina também por imprimir a marca de seu tempo histórico.<br />

Marco Catalão certamente conhecia o famoso carm. 3.30 de Horácio ao<br />

escrever seu poema “mapa”.<br />

Mínimo momumento, que não toma<br />

mais espaço que um bytes na memória<br />

de um disco rígido, eis a suma gloria<br />

a que nem mesmo o insigne Horácio assoma<br />

Não morrei de todo: meu genoma,<br />

sequência hieroglífica incorpórea<br />

perdurará ainda quando a historia<br />

já não souber nem de Atenas de Roma<br />

E eu, que sonhei que escaparia à morte<br />

graças as letras, tenho de aceitar<br />

a eternidade que me coube: não<br />

os louros da obra prima, mas a sorte<br />

ou (só o fruto há de dizer) o azar<br />

de reclonar-me a cada geração (CATALÃO, 2009, p.96).<br />

1434


Além da presença do topos da perenidade, existem outras semelhanças entre<br />

esse soneto e a ode horaciana. Cada um, a seu modo, fez referência ao Egito “régias<br />

Pirâmides/sequência hieroglífica incorpórea”. Outra equivalência reside no fato de<br />

ambos usarem o termo “louro” como alusão ao deus Apolo 192 e/ou Delfo 193 . Horácio<br />

“encerrando o poema convoca Melpómene, a musa da Tragédia, a laureá-lo, graças à<br />

sua poesia, com uma coroa délfica, consagrada ao deus Apolo, o deus do Sol, mas<br />

também dos poetas” (SILVA, 2014, p.97). Ademais podemos observar no verso quatro<br />

da parodia de Marco Catalão um autor que admira seu mestre, diferente de Ascher, que<br />

o ironiza, Catalão o louva.<br />

A maior similitude, entretanto, encontra-se na consciência, que ambos<br />

possuem, de que a palavra pode torná-los eternos:<br />

Horácio inicia seu poema com o seguinte verso “exegi monumentum aere<br />

perennius”, ou seja, “erigi monumento mais perene que bronze”. Nota-se que<br />

o tempo verbal utilizado é o perfeito ativo, ou seja, Horácio está finalizando o<br />

livro, olhando para trás, mostrando que a perenidade abordada nesse poema<br />

diz respeito ao conjunto inteiro de carmina. O modo como Horácio conclama<br />

que sobreviverá à Libitina, ou seja, à deusa da morte, demonstra seu intuito<br />

de<br />

Nem sempre a menção a ode ad Melpomenen é tão direta, vejamos o poema<br />

“guardar” de Antônio Cícero.<br />

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.<br />

Em um cofre não se guarda coisa alguma.<br />

Em cofre perde-se a coisa à vista.<br />

Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por<br />

admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.<br />

Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por<br />

192 Na mitologia grega, o loureiro é a árvore consagrada a Apolo. Na Roma e na Grécia o louro era<br />

símbolo de vitória, por isso, os heróis romanos e gregos usavam coroas de louro, ademais, o uso da planta<br />

era uma homenagem ao deus grego Apolo. (REVISTA SUPER INTERESSANTE [online]. Deus Apolo<br />

inspirou uso da coroa de louro. Disponível em: <br />

Acesso em: 21 mar 2017)<br />

193 A única representação da sacerdotisa, ou pitonisa, de Delfos, mostra a pitonisa sentada em um trípode.<br />

Em uma das mãos ela segura um ramo de louro (a árvore sagrada de Apolo). (HALE, John. et. al. A fonte<br />

do poder no oráculo de Delfos. Disponível em:<br />

Acesso em<br />

21 mar 2017)<br />

1435


ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,<br />

isto é, estar por ela ou ser por ela.<br />

Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro<br />

Do que um pássaro sem vôos.<br />

Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,<br />

por isso se declara e declama um poema:<br />

Para guardá-lo:<br />

Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:<br />

Guarde o que quer que guarda um poema:<br />

Por isso o lance do poema:<br />

Por guardar-se o que se quer guardar (CÍCERO, 1996, p. 337)<br />

Para Cícero guardar não equivale a trancar, quando se tranca uma coisa a<br />

perdemos de vista, guardar seria o mesmo que admirar, iluminar. Assim, o poeta<br />

escreve um poema para guardá-lo e admirá-lo, para que este possa ilumina-lo quando<br />

ele já não se fizer presente. O poema é capaz de trazer à luz a memória de sua<br />

existência. É neste momento que o poeta deixa de iluminar a coisa e passa a ser<br />

iluminado por ela. Ao fazer essa afirmação, podemos então compreender que a poesia é<br />

capaz de iluminar a vida do poeta, mesmo que este já não esteja vivo, e esta é razão pelo<br />

qual se publica: eternizar-se. Steiner (S/a, p. 03), foi feliz ao afirmar que cada livro<br />

revela a brevidade da vida do homem, e que este permanece sepulto sem aquele.<br />

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Os lugares-comuns foram e continuam sendo visitados por poetas de várias<br />

gerações. Importa-nos o modo “como este ou aquele poeta, em temporalidades e<br />

espaços descontínuos, valeu-se deste ou daquele clichê consagrado pela tradição,<br />

manipulando-o em novas direções semânticas e imprimindo-lhe seu talento pessoal. ”<br />

(PIRES, 2007, p.05). Pois como afirma Fernandes (1986. p.18) não basta imitar, é<br />

preciso fazê-lo a seu modo “o imitador tem uma função individual importante, que<br />

pressupõe escolha e, por conseguinte, uma intervenção pessoal que não se coaduna com<br />

o servilismo e a ideia de cópia”.<br />

No decorrer desta pesquisa constatou-se essa teoria, muitos poetas valeramse<br />

desses temas dando novas direções semânticas e parodiaram versos horacianos, seja<br />

1436


para exaltar ou criticar as palavras de Horácio. Pode-se então perceber que mesmo<br />

passados séculos, poetas contemporâneos ainda mantêm laços com a tradição.<br />

Contudo, parte considerável da poesia recente mantém com a<br />

tradição tópica uma profícua relação, como se os poetas contemporâneos<br />

estivessem a dirigir uma crítica velada – através da apropriação, geralmente<br />

seletiva, irônica, paródica e desconstrutora, que fazem de tópicos diversos –<br />

aos já gastos clichês instituídos pela chamada modernidade lírica.(PIRES,<br />

2007, p.6)<br />

Diferente do que pregou o movimento romântico, os tópoi da literatura<br />

clássica, barroca e árcade sobretudo, chegaram ao mundo contemporâneo ainda a todo<br />

vapor, vemos que muitos poetas da literatura atual se valem dos temas tracionais em<br />

suas composições. Não duvidamos que desde a época clássica até hoje os parâmetros<br />

para criação de poemas mudaram, porém ressaltamos que a história literária é<br />

continuidade, isto é, mesmo com a mudança de uma época para outra há traços que<br />

seguem presentes em todos os momentos literários. Os estudos voltados para os lugarescomuns<br />

podem nos ajudar a compreender a relação da literatura atual com a tradição<br />

clássica. “Cremos, inclusive, que tais práticas têm relativizado e minado, na essência, os<br />

conceitos modernos de originalidade e novidade, tão pisados e repisados desde o<br />

Romantismo” (PIRES, 2007, p. 27).<br />

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em português. São Paulo: Edusp, 1994.<br />

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1° Ed.<br />

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CATALÃO, Marco. O cânone acidental. São Paulo: É realizações, 2009.<br />

CÍCERO, Antônio. Guardar - Poemas escolhidos. Rio de Janeiro: Record, 1996.<br />

_____ . Poesia e Filosofia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira., 2012.<br />

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Estudos Clássicos das Universidades de Lisboa,1986. p. 11-30.<br />

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TAMEN, Pedro. Caronte e a memória. São Paulo: Escrituras, 2004<br />

1439


UMA VIDA AO PÉ DA LETRA: a literalidade na clínica de Deleuze e Guattari<br />

A LIFE TO THE LETTER: the literality in the clinic of Deleuze and Guattari<br />

Marcio José de Araujo Costa<br />

Bacharel e Especialista em Filosofia. Psicólogo e Psicanalista.<br />

Doutor em Psicologia Social (UERJ) e Pós-Doutorado em<br />

Psicologia Clínica (PUC-SP). Professor do Programa de Pós-<br />

Graduação em Psicologia da UFMA e Coordenador do Grupo de<br />

Estudos e Pesquisas Transversalidades do Departamento de<br />

Psicologia da UFMA.<br />

EIXO 2: Gênero, Literatura e Filosofia<br />

RESUMO: Buscamos apresentar o conceito de literalidade no pensamento de Deleuze<br />

e Guattari como princípio de uma escuta clínica para além dos clichês, que nos permita<br />

repensar o objeto e o método de uma Psicologia clínica a partir de uma orientação<br />

deleuze-guattariana. Para tanto, nos filiamos à interpretação de François Zourabichvili<br />

de que a literalidade é a chave de compreensão para o pensamento de Deleuze.<br />

Afirmamos que tal noção, que destrona a noção equivocada de metáfora, é o conceito<br />

menor da filosofia deleuze-guattariana, que desterritorializa todos os outros conceitos,<br />

abrindo-os a uma produção nômade de sentido por meio do devir das formas congeladas<br />

de pensar (metáfora). Por fim, a compreensão ao pé da letra do que os pacientes nos<br />

dizem na clínica permite apreender a singularidade de uma vida imanente, tal como nos<br />

é expressada nos encontros clínicos.<br />

Palavras-chave: Literalidade; Psicologia Clínica; Devir.<br />

1440


ABSTRACT: We seek to present the concept of literality in Deleuze and Guattari's<br />

thinking as a principle of a clinical listening beyond clichés, which allows us to rethink<br />

the object and method of a clinical psychology from a deleuze-guattarian orientation. To<br />

that end, we are subscribing to François Zourabichvili's interpretation that literality is<br />

the key to understanding Deleuze's thought. We argue that such a notion, which<br />

dethrones the mistaken notion of metaphor, is the minor concept of Deleuze-Guattarian<br />

philosophy, which deterritorializes all other concepts, opening them to a nomadic<br />

production of meaning through the becoming of frozen forms of thinking (metaphor).<br />

Finally, the understanding of what patients tell us in the clinic allows us to<br />

understanding the singularity of an immanent life, as expressed in clinical meetings.<br />

Keywords: Literality; Clinical Psychology; Becoming.<br />

A literalidade como linha de fuga do pensamento deleuze-guattariano<br />

Buscamos pensar o método da clínica psicológica. A Psicologia clínica<br />

possui um método? Se sim, qual seria esse? Considerando que a Psicologia é uma<br />

ciência humana cuja definição de seu objeto e do estatuto do seu objeto é deveras difícil,<br />

a depender das matrizes históricas e teóricas que dão sustentação às diversas matrizes de<br />

pensamento psicológico (FIGUEIREDO, 1991), tivemos de optar por uma escolha de<br />

teóricos para pensar essa questão – ou então, como diria Deleuze (2012, p. 11-12),<br />

inspirando-se em Bergson, optamos por colocar o problema, em inventá-lo. Nesse<br />

sentido, nos filiamos à obra de Deleuze e Guattari para conceber o método e a<br />

linguagem da Psicologia clínica. A partir de Guattari (1990), a denominamos de<br />

paradigma ético-estético. O conceito central para explicar como opera a linguagem na<br />

clínica seria o conceito de literalidade oriundo de Deleuze e em sua colaboração com<br />

Guattari. Nossa pesquisa, nesse sentido, explorou o conceito de literalidade nos<br />

referidos autores como método interpretativo do seu pensamento e, ao mesmo tempo,<br />

como intercessor conceitual para pensar a linguagem da clínica psicológica.<br />

1441


Buscamos mapear os conceitos que se relacionam com o conceito de<br />

literalidade em Deleuze e Guattari. Como estes mesmos afirmaram, não existe conceito<br />

simples, pois todo conceito é uma multiplicidade de limites imprecisos, remetendo<br />

sempre a outros conceitos (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p. 27-29). A literalidade<br />

seria justamente o sentido dessa rede conceitual, o próprio devir e a relação entre os<br />

termos pensados como imanentes a um oceano virtual de vida em diferenciação, como<br />

um acontecimento (ZOURABICHVILI, 2016). A literalidade seria o sentido unívoco de<br />

todos os conceitos, a própria imanência e univocidade concebidos como expressão e<br />

dizer de uma vida.<br />

Todavia, haveria um conceito rival, que pretende competir com a<br />

literalidade, retirando suas potências e esvaziando o seu sentido: a metáfora. Para<br />

afirmar a literalidade, ou melhor, partindo de sua afirmação, temos de demonstrar que a<br />

metáfora como maneira de conceber o pensamento de Deleuze, e, de maneira específica,<br />

o dizer na clínica, é um falso problema, ou seja, confunde os termos com os quais quer<br />

se basear (DELEUZE, 2012, p. 12-16). Dizendo sucintamente, a metáfora confunde o<br />

próprio com o derivado, como se houvesse uma significação eminente do qual o sentido<br />

derivado remeteria. Ou, dizendo de maneira mais clara, a metáfora confundiria o dizer<br />

em seu sentido imanente com uma linguagem padrão, majoritária, no qual um dizer<br />

qualquer teria de se submeter a uma transcendência soberana e sua Lei ou axioma para<br />

estar “no verdadeiro”. Ao contrário, vemos todas as formas de dizer como literais, tais<br />

como as narrativas verdadeiras de uma paciente, justamente por serem um dizer real,<br />

que fala de si e do seu mundo, que em virtude de sua força singular ou novidade fazem<br />

fugir ou torcem uma fantasia coletiva e seus delírios estratificados. A literalidade fundase<br />

em uma distribuição nômade do sentido, onde as significações emergem de relações,<br />

na conexão dos termos, onde o sentido se distribui entre os termos e se avalia pelos usos<br />

e pelas forças imanentes que dão sentido à linguagem em articulação com a vida. Não<br />

importa se uma narração de uma paciente não se coaduna com a percepção e leitura do<br />

mundo do psicoterapeuta; ao contrário, trata-se de acompanhar literalmente, ao pé da<br />

letra, o que se diz, para intuir a produção de realidade expressada por uma vida.<br />

1442


Se conseguirmos compreender literalmente as descrições clínicas<br />

poderemos igualmente compreender literalmente as teorias científicas, os sistemas<br />

filosóficos, as obras artísticas e a narração de qualquer um, a História como um delírio –<br />

sem deixar, contudo, de avaliar clinicamente e criticamente o sentido singular e coletivo<br />

de um dizer, evidenciando mesmo quando a lucidez ética se perde no puro delírio<br />

imagético ou estético – ou seja, no sentido esquizo-analítico de Deleuze e Guattari,<br />

profundamente inspirado em Nietzsche e Spinoza, cabe sempre avaliar quando uma<br />

narração exprime uma vida doentia, enfraquecida, uma desorganização psíquica que<br />

decompõe as relações reais e empobrece a vida em sua capacidade de sentir e agir.<br />

Caberia ao clínico, imbuído de uma visão literal, tomar o dizer de uma vida como<br />

intuição e leitura, cabendo, nesse sentido, aprender a ler os signos como acontecimentos<br />

de uma vida e seu aprendizado, para acompanhar as relações e produções onde essa se<br />

insere e se recria.<br />

Nesse sentido, a literalidade não é um conceito maior, tal como um conceito<br />

central que organiza em torno de si todos os outros conceitos (tal como o conceito de<br />

Bem ou Ideia em Platão, ou de substância, em Aristóteles), mas sim um conceito menor,<br />

onde todos os conceitos deleuzianos encontram sua linha de fuga e sua língua menor,<br />

singular. Na literalidade todos os conceitos se tornam relacionais, não análogos a uma<br />

forma dominante, mas expressivos segundo suas forças e usos. Sem dúvida que, por<br />

isso, por ser o menor conceito deleuziano, ele não pode ser explicitado e tematizado na<br />

filosofia de Deleuze, justamente porque ele é a expressão literal da fuga dos conceitos<br />

congelados em formas e estruturas, ao mesmo tempo que é a fuga ou linha de<br />

desterritorialização das formas de vida. Mas, justamente pelo seu caráter imperceptível,<br />

torna operante toda a lógica deleuziana. Sem entender que Deleuze só fala literalmente<br />

não compreenderemos sua filosofia, sua língua menor e seus conceitos-ferramentas. Do<br />

mesmo modo, cremos que sem compreender que a vida não fala metaforicamente, mas<br />

sim literalmente (sendo a metáfora um caso, um momento, uma parada de um<br />

movimento e sentido sempre literal), não compreenderemos a imanência de uma vida e<br />

1443


seus problemas que se expressam em nossos consultórios pela expressividade de nossos<br />

clientes, pacientes e analisantes.<br />

Se a literalidade é o conceito menor, que faz todos os outros entrarem em<br />

devir, e se é justamente a metáfora como conceito maior ou transcendente que estanca<br />

esse movimento, como podemos desenvolver essa intuição e desdobrar algumas de suas<br />

consequências clínicas? Para isso, tivemos de fazer um mapeamento conceitual do tema<br />

do sentido da imanência na filosofia de Deleuze, tendo em vista que esta se explicita<br />

pela literalidade. Muitos caminhos seriam possíveis nessa cartografia conceitual. Nesse<br />

breve ensaio, prerendemos pensar a concepção de literalidade em Deleuze a partir da<br />

leitura de Zourabichvili (2004, 2005a, 2005b, 2008, 2016), justamente por ser um dos<br />

únicos a dar ouvidos à repetição constante de Deleuze de que tudo o que exprime é<br />

literal, tem de ser compreendido ao pé da letra. Ouçamos a advertência deste leitor<br />

rigoroso do pensamento de Deleuze:<br />

“Literalmente”: que ouvinte de Deleuze não não guardou a lembrança dessa<br />

mania de linguagem? E como, sob sua aparente insignificância, não escutar a<br />

convocação incansável e quase imperceptível de um gesto subjacente a toda<br />

filosofia da “disjunção inclusa”, da “univocidade” e da “distribuição<br />

nômade”? Os escritos, por seu lado, <strong>ate</strong>stam por toda parte a insistente<br />

advertência: não tomem por metáforas conceitos que, apesar da aparência,<br />

não o são; compreendam que o próprio termo metáfora é um embuste, um<br />

pseudoconceito, pelo qual se deixam enganar em filosofia não apenas seus<br />

adeptos como seus oponentes, e cuja refutação é todo o sistema de “devires”<br />

ou da produção de sentido. A essa estranha e múltipla cadeia desenvolvida<br />

pela fala de Deleuze, o ouvinte de bom senso podia opor seu cadastro e nela<br />

enxergar apenas algo figurado. Nem por isso deixava de receber em surdina o<br />

perpétuo desmentido do “literal”, o convite para colocar sua escuta aquém da<br />

divisão estabelecida entre um sentido próprio e um figurado. Será que<br />

convém, conforme o sentido que lhe deram Deleuze e Guattari, chamar de<br />

“ritornelo” essa assinatura discreta – apelo lancinante, sempre familiar a<br />

desconcertante, para “deixar o território” pela terra imanente e indivisível da<br />

literalidade? Suponhamos que ler Deleuze seja ouvir, mesmo que por<br />

intermitências, o apelo do “literal”. (Zourabichvili, 2004, p. 9-10)<br />

Não pretendemos, contudo, que este mapa conceitual da literalidade seja o<br />

único possível para explicitar esse conceito e esgotar o sentido da filosofia deleuziana e<br />

da clínica e crítica deleuze-guattariana, desqualificando apressadamente leituras rivais<br />

como infantis ou “menores” (ainda que a menoridade e a minoria sejam justamente a<br />

1444


glória do deleuzianismo). Ao contrário, como o pensamento é um rizoma, que a partir<br />

de cada ponta se abre como uma rede singular, pensamos que a construção de nosso<br />

mapa conceitual destaca uma aproximação a essa problemática da literalidade que<br />

permite melhor evidenciá-la, e, a partir dela, resolver as nossas próprias questões<br />

clínico-políticas e ético-epistemológicas. Ulteriormente, outras cartografias,<br />

relacionadas a outras obras e conceitos de Deleuze e Guattari poderão desdobrar e<br />

aprofundar as intuições presentes nestas linhas.<br />

A literalidade da linguagem na clínica<br />

Acompanhar... Este é o verbo que a nosso ver melhor descreve o esforço, ou<br />

ainda, a atitude clínica. Acompanhamos na mesma medida em que somos<br />

acompanhados. Somos companheiros de múltiplos movimentos. Ou melhor, na medida<br />

em que somos movimento, acompanhados de outros movimentos, será que não somos<br />

apenas devir, acoplados, simpáticos a tantos outros devires em graus variáveis de<br />

sintonia? Tudo isso funciona: somos devir-animais, devir-moléculas, devir-cosmos,<br />

devir-imperceptíveis, devir-todo-mundo, e isso sem qualquer metáfora: literalmente<br />

somos devir.<br />

Deleuze e Guattari afirmam com humor e precisão intelectual no início de<br />

“O Anti-Édipo”, uma das páginas em que a literalidade é brutalmente apresentada:<br />

Isso funciona em toda parte: às vezes sem parar, outras vezes<br />

descontinuamente. Isso respira, isso aquece, isso come. Isso caga, isso fode.<br />

Mas que erro ter dito o isso. Há tão somente máquinas por toda parte, e sem<br />

qualquer metáfora: máquinas de máquinas, com seus acoplamentos, suas<br />

conexões. (...) Algo se produz: efeitos de máquinas e não metáforas.<br />

(DELEUZE; GUATTARI, 2010, p.11).<br />

1445


Deleuze e Guattari sempre repetem essa afirmação como um ritornelo: os<br />

conceitos não são metáforas, são literais 194 . “Não é apenas literalmente que se fala,<br />

percebe-se literalmente, vive-se literalmente, quer dizer, seguindo linhas, conectáveis ou<br />

não, mesmo quando são muito heterogêneas.” (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p.75)<br />

Primeiramente, seria a filosofia deleuze-guattariana que se constrói literalmente, mas<br />

em seguida tal enunciado nos faz ler a filosofia como um todo literalmente. Tal conceito<br />

de literalidade, sobre a necessidade de compreensão ao pé da letra, repetido na maior<br />

parte do pensamento dos referidos autores, não foi sistematizado ou aprofundado em<br />

nenhuma obra. Eles que tanto inventaram conceitos, nunca explicitaram claramente o<br />

conceito de literalidade.<br />

O fato é que esta compreensão não é evidente e que, alternadamente, nós a<br />

praticamos sem falar dela e falamos dela sem praticá-la. A literalidade é o<br />

motivo de uma pedagogia interna à filosofia, de uma pedagogia propriamente<br />

filosófica. O próprio Deleuze nunca se deteve para estudar a questão da<br />

literalidade. Esta questão aflora incessantemente, tanto em suas aulas quanto<br />

em seus livros, é objeto de alguns desenvolvimentos, embora nunca seja<br />

verdadeiramente discutida. Nem por isso ela é menos decisiva, tanto para<br />

compreender Deleuze quanto para continuar fazendo filosofia hoje. Ao<br />

contrário, ela constitui uma via de acesso privilegiado a Deleuze, situando-se<br />

nas antípodas do tipo de abordagem confortável, que consiste em<br />

compreender e, talvez, reutilizar os conceitos de Deleuze a partir de um<br />

campo de compreensão ou de interpretação que lhe é exterior<br />

(ZOURABICHVILI, 2005a, p.1311).<br />

Por outro lado, chama <strong>ate</strong>nção o fato que existe pouquíssima literatura sobre<br />

esse conceito em <strong>artigos</strong> e livros sobre os referidos autores, o que torna a noção de<br />

literalidade ainda mais misteriosa. Interessa-nos perguntar: em que consiste a<br />

literalidade?<br />

194 “Em última análise, já não há cortes racionais, apenas irracionais. Já não há portanto<br />

associação por metáfora ou metonímia, mas reencadeamento sobre a imagem literal; já não há<br />

encadeamento de imagens associadas, apenas reencadeamentos de imagens independentes.” Ou ainda: “É<br />

preciso falar e mostrar literalmente (...) (DELEUZE, 2007, P. 255)”. Igualmente: “Todas as imagens são<br />

literais, e devem ser consideradas literalmente” (DELEUZE, G. 2003, p. 199). Ver também: aula de 17 de<br />

maio de 1983 (“Falar é falar literalmente, “eu falo literalmente”, “é preciso falar literalmente”);aula de 15<br />

de janeiro de 1985 (“Se vocês falarem e mostrarem, vocês falarão e mostrarão literalmente, ou então<br />

simplesmente não mostrarão. Ou será literal ou não será nada”, “falo literalmente ou simplesmente não<br />

falo”, “O que isto quer dizer, este ‘tudo é literal?’ Tudo é tomado ao pé da letra...”) etc. (Para as aulas, cf.:<br />

www.webdeleuze.com).<br />

1446


François Zourabichvili (2004, 2005a, 2005b, 2008, 2016), um dos poucos<br />

que estudou com cuidado esse conceito, explicita-o por meio de três teses. A primeira é<br />

que a filosofia deleuziana, na esteira do pensamento de Hume, afirma um primado das<br />

relações sobre os termos e os elementos. Dessa maneira, as relações são as condições da<br />

experiência, condições sempre móveis, manejáveis, de modo que podemos afirmar<br />

literalmente tanto que “o cérebro é uma árvore”, quanto que “o cérebro é uma erva” 195 .<br />

Todavia, o efeito destas duas proposições não é o mesmo, isto é, o horizonte de sentido<br />

que advém dessas proposições é radicalmente diferente. Desse modo, como afirma<br />

Tomas Tadeu (2005), comentando essa tese de Zourabichvili, ressaltando que nela o “é”<br />

atributivo se desloca em seu sentido por uma lógica das relações, ocorrendo a<br />

substituição da equivalência semântica ou identitária entre os termos por uma<br />

equivalência pragmática ou funcional. A segunda tese, consequência da primeira, afirma<br />

que essas novas relações rearranjam um campo problemático, nos permitindo uma nova<br />

crença no mundo, abrindo um novo campo de inteligibilidade onde outras relações e<br />

ações são possíveis.<br />

Por fim a terceira tese concebe toda experiência como cristalina, isto é, se<br />

estruturando como um cristal onde, de um lado há um aspecto virtual, invisível e<br />

noético, e de outro há um lado atual, visível, sensório-motor. Quando vemos algo, há<br />

sempre uma coalescência entre uma percepção e uma lembrança, um objeto e uma ideia,<br />

o corpo e a mente, mas o hábito cristaliza essa conexão, transformando-a em clichês,<br />

que nos fazem justamente esquecer ou recalcar a dimensão inconsciente ou invisível de<br />

toda visão. Na experiência literal, quando, por um rearranjo de situações, diante de<br />

novos acontecimentos, abandonamos os clichês e percebemos as coisas de uma nova<br />

maneira, o cristal de inconsciente se torna visível. Quando abandonamos a crença que<br />

existe próprio e derivado, há um curto-circuito entre os termos, que esmigalha nosso<br />

hábito e libera uma visão (virtualidade). Por exemplo, ao estudar os sistemas a-<br />

centrados do sistema nervoso, deixo de vê-los como uma estrutura hierarquizada, como<br />

195 “Muitas pessoas tem uma árvore plantada na cabeça, mas o próprio cérebro é muito mais<br />

uma erva do que uma árvore.” (DELEUZE; GUATTARI, 2001, p.25).<br />

1447


uma árvore, e a percebo como uma grama, dispersa e rizomática. Nesse momento, vejo<br />

a distinção entre a percepção atual e a lembrança virtual, onde uma adquire sentido pelo<br />

contato com a outra, entrando ambas em devir. Quando um cristal surge, é a própria<br />

subjetividade como mapa, com seus impasses e questões, que surge diante de nós. Esse<br />

cristal, tal como uma perspectiva ou modo de vida, se abre a linhas que o constituem,<br />

erigindo um mapa ou cartografia de uma subjetividade (DELEUZE,1997) 196 . Isso<br />

significa que não sabemos exatamente por quais signos nós aprendemos. “É do<br />

‘aprender’, e não do saber que as condições transcendentais do pensamento devem ser<br />

extraídas” (DELEUZE, 2006b, p.238).<br />

Quando uma nova conexão entre elementos heterogêneos surge diante de<br />

nós, é uma nova visão de si e do mundo que se apresenta. Essa visão não é algo<br />

desencarnado, mas implica não só o movimento lógico onde uma nova problemática<br />

surge, modificando as relações entre certo e errado, falso e verdadeiro, mas igualmente<br />

um movimento afetivo, com suas afecções e percepções em devir, onde nossa<br />

sensibilidade é esgarçada diante de uma nova sensação ou outros sentidos do mundo.<br />

Nossa sensibilidade encontra as condições da experiência, de modo que nos<br />

encontramos diante daquilo que é insensível (diante de nossa maneira antiga de perceber<br />

um mundo), mas daquilo que só pode ser sentido (daquilo que é o sentido, ou a relação,<br />

que cria um mundo, dando-lhe novas orientações e eixos e, ao mesmo tempo, daquilo<br />

que é sentido por um corpo, que ganha volume e direções pelas suas sensações ainda<br />

não enquadradas). São nossas faculdades habituais que morrem e renascem diante<br />

daquilo que nossos sentidos antigos não tinham condições de perceber. É uma<br />

experiência com o sublime, com aquilo que refaz nossa subjetividade, rachando as<br />

coisas e as palavras para revelar o acontecimento que produz o novo no pensamento e<br />

na sensibilidade (DELEUZE, 2006b). 197<br />

196 Sobre o cristal de inconsciente, que se abre em um mapa de devires, sempre<br />

remanejável, a subjetividade como percurso e percorrido, onde a vida encontra-se em clínica consigo<br />

mesma: DELEUZE, 1997, p. 73-79.<br />

197 Sobre o problema do sublime como acontecimento que abre novas dimensões:<br />

DELEUZE, 2006b, p. 79-88. Ver igualmente sobre o uso discordante das faculdades e a gênese da<br />

sensibilidade: DELEUZE, 2006b, p. 203-204.<br />

1448


As noções de próprio e derivado, inerentes à metáfora, repousam em uma<br />

concepção de mundo e de pensamento sedentárias, onde decalcamos da linguagem<br />

ordinária e seu senso comum as orientações do pensamento. A literalidade, ou um<br />

pensamento literal, é a condição de possibilidade lógica para a assunção de novas<br />

maneiras de pensar, sentir e agir, na medida em que põe em conexão elementos ou<br />

termos que em si, segundo a semântica, a sintática, a pragmática e mesmo a fonologia<br />

ordinária, nada teriam a ver entre si. Porém, se assim é, qual a condição de possibilidade<br />

para uma lógica ou linguagem literal, como é possível colocar em relação sujeitos e<br />

objetos tão distintos? Parece-nos, baseados tanto em Deleuze e Guattari que seria a<br />

noção de devir, vir-a-ser, como forças em luta, relações afetivas. O Ser é um verbo – ou,<br />

como prefere Deleuze (2006a, 2006b) a certa altura de sua obra, uma Voz 198 – que cria<br />

todas as coisas, sendo sujeitos e objetos apenas paradas relativas de suas declinações.<br />

Por ser verbo, o ser é mudança, movimento, devir que sempre se modula de novas<br />

formas. É em si relações de forças, guerra e paz, composição e decomposição, pura<br />

relação, que inventa novos eixos entre os termos e os elementos, criando mapas<br />

subjetivos onde objetos ou ideias outras podem surgir, apontando para novas direções<br />

de pensamento e ação.<br />

Daí compreende-se a insistência de Deleuze e Guattari (1995) sobre o devir.<br />

Este é pensado como “núpcias contra a Natureza”. O aparelho reprodutor da orquídea é<br />

a vespa. Há um devir-vespa da orquídea, bem como um devir-orquídea da vespa. A<br />

Natureza aqui tem sentido do sedimentado, daquilo que foi naturalizado pelos hábitos,<br />

cristalizado pelo pensamento. O devir como Voz ou Verbo do Ser remete ao movimento<br />

criativo de saída dos estratos, das linhas duras, das formas naturalizadas, para afirmar o<br />

minoritário, aquilo que foge do hegemônico, apresentando as relações de forças outras,<br />

invisíveis ao saber. No devir, seguimos a linha de fuga que nos faz aprender com a<br />

198 Presentes em diversas passagens de Diferença e repetição e Lógica do sentido, a Voz da<br />

qual Deleuze (2006ª; 2006b) extrai a expressão “univocidade do ser”, de que o Ser se exprime em uma<br />

única voz de todas as suas diferenças. É outra maneira, mais ontológica, baseada em Duns Scot, Spinoza e<br />

Nietzsche, de afirmar que o ser é imanente e, por isso, literal (se o pensamento é a extensão em outro<br />

sentido ou atributo do ser, e se todos os modos expressam o mesmo ser à sua maneira, tudo se torna<br />

literal, expressivo, unívoco).<br />

1449


experiência, justamente uma experiência nova, diferente, que muda nossa relação com o<br />

mundo e com nós mesmos, que os inventa diferentemente. No seu movimento que cria<br />

novas relações, o nosso hábito codificado em línguas, de unir certos verbos, sujeitos e<br />

objetos, se encontra com seu limite, onde alianças insuspeitas se efetivam, forjando<br />

novos acontecimentos e descodificando a linguagem, abrindo um devir minoritário na<br />

língua, a linha de fuga da linguagem.<br />

Entende-se, então, porque a primeira etapa do devir é o devir-mulher. A<br />

forma-Homem coage nossa sensibilidade como a forma padrão da subjetividade. Os<br />

estratos “homem”, “branco”, “ocidental”, “heterossexual”, “trabalhador” etc., são<br />

clichês do pensamento, estratos do saber, que barram o devir, que impedem outras<br />

relações com o mundo, brecando novas experiências que abririam limiares diversos na<br />

sensibilidade. São padrões de pensar, sentir e agir, formas modelos de percpeção e ação:<br />

clichês e ideais. Tais padrões ou modelos oprimem os devires e os modos de vida. Por<br />

isso só há devir minoritário, não existe devir majoritário, dado que este é fixo. Mesmo<br />

as mulheres têm de devir-mulher, sair do enquadramento da sensibilidade que a forma-<br />

Homem as impõe, na medida em que a mulher é uma forma imposta e dependente da<br />

forma-Homem. A partir do devir-mulher, fugindo da opressão da forma-Homem, outros<br />

devires apresentam-se, novas relações, outras crenças, múltiplos cristais de inconsciente<br />

surgem, escancarando inusitadas dimensões da experiência, mundos possíveis e<br />

subjetividades nunca antes vividas: devir-animal, devir-molécula, devir-imperceptível,<br />

devir-todo-mundo, devir-cosmos. As possibilidades são virtualmente infinitas, a<br />

depender das maquinações concretas do desejo, dado que o devir é justamente a<br />

condição para novos possíveis na vida.<br />

A partir disso, queremos pensar a literalidade na clínica. Nossa hipótese é<br />

que o pensamento e a linguagem sempre são literais, sendo a metáfora apenas um caso,<br />

e mesmo um obscurecimento, da literalidade. Assim como a neurose teria como<br />

infraestrutura a psicose (DELEUZE, G.; GUATTARI, F., 2010), a metáfora teria como<br />

infraesturura lógica e ontológica a literalidade. O real pensado como movimento,<br />

atividade, devir, é a usina que produz novas relações na realidade, que reposiciona os<br />

1450


termos de um pensamento, que produz nossa percepção de si e do mundo, que reinventa<br />

as orientações do desejo, fazendo-nos mapear a subjetividade de novas formas. Sendo<br />

assim, toda linguagem humana é sempre literal, de modo que podemos ouvir<br />

literalmente os enunciados dos pacientes que acolhemos na clínica e pensar a partir<br />

deles, elaborar com eles, acompanhando-os, inventando, tal como artistas, um<br />

vocabulário e uma teorização que não precisa se arvorar a priori em nenhuma teoria<br />

extrínseca ao próprio encontro clínico – mesmo valorizando sua importância como<br />

intercessores. Logo, não existe saber clínico, a não ser um saber comum, de teor<br />

transversal – tanto filosófico, quanto artístico e também científico – que se abre<br />

constantemente à aprendizagem, até porque se pensa e se repensa (e acima de tudo fala)<br />

a partir das línguas dos que se encontra, erigindo uma linguagem comum e informal,<br />

uma língua menor (DELEUZE, G.; GUATTARI, F., 1995) em devir.<br />

Diante de um paciente, o clínico devém outro, fazendo seu corpo, sua<br />

sensibilidade e suas ideias se engajarem em novas relações. Acompanhando a vida e a<br />

narração do paciente, emerge lentamente, em duplo-sentido, para os dois lados, novas<br />

crenças. Isso não exclui relações de forças e trocas, de modo que o paciente também<br />

devém clinico, na medida em que ele acede ao lugar que observa, escuta e teoriza sua<br />

própria narração, e vê sua vida para além dos clichês. Os lugares de sujeito e objeto se<br />

embaralham, pois o paciente toma sua vida narrada como objeto, mas ao mesmo tempo<br />

é um narrador separado, uma Voz que narra em discurso indireto livre – tal como na<br />

experiência psicanalítica da associação livre, que revela à escuta a presença de um<br />

inconsciente, de um Outro real que fala em nós – ou, como diriam Deleuze e Guattari<br />

(1995), as determinação do único sujeito da enunciação, o agenciamento coletivo de<br />

enunciação e suas múltiplas falas (cogito esquizo, glossolalia, os nós do dizer). É na<br />

situação afetiva, transferencial, em duplo-vínculo, que o sentido se instala a linguagem<br />

adquire movimento, efetividade, performatividade, torna-se gesto, afecto e percepto,<br />

sem perder sua dimensão lógica, noética e discursiva. O clínico, sujeito da escuta, é ao<br />

mesmo tempo objeto, um corpo tomado como base para narrações possíveis sobre uma<br />

vida. Na narração e em sua análise, interpretação – que se torna acima de tudo<br />

1451


experimentação transversal –, o sujeito se transmuta em uma vida impessoal e singular,<br />

onde sujeitos e objetos, paciente e clinico, são tomados por um verbo que os arrasta e<br />

interpela. No acompanhamento dessa produção de sentido, sentida diretamente, e por<br />

isso ouvida literalmente, está o segredo de um saber do inconsciente jamais totalizável<br />

ou passível de fechamento.<br />

REFERÊNCIAS<br />

DELEUZE, G. Crítica e Clínica. São Paulo: Ed 34, 1997<br />

DELEUZE, G. Deux régimes de fous: textes et entretiens (1975-1995). Paris: Minuit,<br />

2003.<br />

DELEUZE, G. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 2006a<br />

DELEUZE, G. Diferença e repetição. 2 ed. Rio de Janeiro: Graal, 2006b.<br />

DELEUZE, G. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2007.<br />

DELEUZE, G. Bergsonismo. – 2ª edição – São Paulo: Editora 34, 2012.<br />

DELEUZE, G; GUATTARI, F. O que é a filosofia?São Paulo: Ed. 34, 1992.<br />

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia 2, vol. 2. São<br />

Paulo: Ed. 34, 1995.<br />

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo:<br />

Ed. 34, 2010.<br />

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34, 2016.<br />

1453


EIXO 3<br />

Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

1454


A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO: algumas indicações sócio históricas<br />

THE ORGANIZATION OF WORK: some historical partner indications<br />

Rayssa Santos Lima<br />

Universidade Federal do Maranhão (UFMA)<br />

Orientadora: Zaira Sabry Azar<br />

rayssa_sl@live.com / zairasabry@hotmail.com<br />

Eixo 3 - Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO: O artigo discorre acerca da organização do trabalho<br />

historicamente até chegarmos ao complexo processo de produção capitalista. Objetiva<br />

entender como o trabalho determina as relações sociais a partir de sua organização.<br />

Diante do estudo realizado, identificamos que o trabalho é a fonte de produção de toda a<br />

riqueza, pois através dele avançamos na organização de todas as dimensões da vida<br />

humana. Neste sentido, tomamos por base esta c<strong>ate</strong>goria de análise para compreensão<br />

dos fenômenos que se constituem historicamente e incidem sobre todas as classes<br />

sociais. Conclui que o desenvolvimento das forças produtivas no capitalismo promoveu<br />

ainda mais a exploração da força de trabalho, entretanto, este processo não deve ser<br />

compreendido como unilinear, sem história ou resistência.<br />

Palavras-chave: Trabalho. Ser social. Relações sociais. Capitalismo.<br />

ABSTRACT: The article discusses the organization of work historically<br />

until we reach the complex process of capitalist production. It aims to understand how<br />

work determines social relationships from within its organization. Before the study, we<br />

identified that work is the source of production of all wealth, because through it we<br />

advance in the organization of all dimensions of human life. In this sense, we base this<br />

c<strong>ate</strong>gory of analysis to understand the phenomena that are historically constituted and<br />

affect all social classes. It concludes that the development of the productive forces in<br />

1455


capitalism has further promoted the exploitation of the labor force, however, this<br />

process should not be understood as unilinear, without history or resistance.<br />

Keywords: Work. Be social. Social relationships. Capitalism.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

O trabalho discorre a organização do trabalho historicamente até chegarmos<br />

ao complexo processo de produção capitalista. Objetiva entender como o trabalho<br />

determina as relações sociais a partir de sua organização.<br />

Diante do estudo realizado, identificamos que o trabalho é a fonte de<br />

produção de toda a riqueza humana, pois através dele avançamos na organização de<br />

todas as dimensões da vida humana. Neste sentido, tomamos por base esta c<strong>ate</strong>goria de<br />

análise para compreensão dos fenômenos que se constituem historicamente e incidem<br />

sobre todas as classes sociais.<br />

O homem surge como um ser biológico, porém não se restringirá a esta<br />

esfera, sendo o trabalho e sua organização fundamentais para este avanço, pois para<br />

além da satisfação de uma necessidade biológica o trabalho nos constitui como ser<br />

social. Tal fato desencadeou a construção de relações sociais cada vez mais complexas,<br />

a exemplo do atual contexto, onde vivemos um alto nível de produção de bens e<br />

riquezas, porém a sociedade vivencia situações caracterizadas pela contradição, sendo,<br />

por exemplo, alarmantes os índices de pobreza e miséria.<br />

Destarte, torna-se necessário refletirmos sobre o desenvolvimento das<br />

relações de trabalho sob a égide capitalista e quais serão suas principais consequências<br />

para o conjunto da classe trabalhadora, visto que o fim último e primeiro desta<br />

organização econômico-social é a ampliação dos lucros.<br />

1456


2. A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NO TEMPO: algumas indicações<br />

O trabalho é a condição básica e fundamental da existência dos homens,<br />

sendo que este “[...] faz referência ao próprio modo de ser dos homens e da sociedade<br />

[...]” (NETTO; BRAZ, 2010, p. 29), pois através dele nos desenvolvemos,<br />

reproduzimos e avançamos na organização de todas as dimensões da vida humana.<br />

Neste sentido, tomo por base esta c<strong>ate</strong>goria de análise para compreensão dos fenômenos<br />

que se constituem historicamente e incidem sobre todas as classes sociais, pois<br />

conforme Marx e Engels (2005):<br />

[...] o primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a<br />

história, é que todos os homens devem estar em condições de viver para<br />

poder ‘fazer história’. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber,<br />

ter moradia, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro fato histórico é,<br />

portanto, a produção dos meios que permitem que haja a satisfação dessas<br />

necessidades, a produção da própria vida m<strong>ate</strong>rial, e de fato esse é um ato<br />

histórico, uma exigência fundamental de toda a história, que tanto hoje como<br />

há milênios deve ser cumprido cotidianamente e a toda hora, para manter os<br />

homens com vida. [...]. (MARX; ENGELS, 2005, p. 53).<br />

O homem surge como um ser biológico, porém não se restringirá a esta<br />

esfera, sendo o trabalho e sua organização fundamentais para este avanço. Enquanto<br />

seres biológicos precisamos suprir nossas necessidades básicas comuns ou imediatas,<br />

como alimentação, moradia, vestimenta, e nossa principal fonte de recursos é a<br />

natureza. Diferente dos outros animais que satisfazem suas necessidades de forma quase<br />

que programada, instintiva, nós seres humanos fomos rompendo com estes padrões<br />

naturais.<br />

Porém, diante de tal afirmativa, podemos nos questionar sobre o que difere a<br />

atividade exercida pelo homem da que é executada pelos demais animais. Para nos<br />

ajudar a responder o questionamento feito recorremos à clássica passagem da obra de<br />

Marx (1983, citado por NETTO; BRAZ, 2010, 31/2) que nos diz:<br />

1457


[...] o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em<br />

que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu<br />

metabolismo com a natureza. [...] Não se trata aqui das primeiras formas<br />

instintivas, animais, de trabalho. [...] Pressupomos o trabalho numa forma em<br />

que pertence exclusivamente ao homem. Uma aranha executa operações<br />

semelhantes às do tecelão e a abelha envergonha mais de um arquiteto<br />

humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue,<br />

de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o favo em<br />

sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho<br />

obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do<br />

trabalhador, e, portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação<br />

da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural, o<br />

seu objetivo. [...] Os elementos simples do processo de trabalho são a<br />

atividade orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios.<br />

[...] O processo de trabalho [...] é a atividade orientada a um fim para<br />

produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer a necessidades<br />

humanas, condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza,<br />

condição natural e eterna da vida humana e, portanto, [...] comum a todas as<br />

suas formas sociais.<br />

Desta explanação podemos extrair inicialmente três pontos. O primeiro, de<br />

que o homem realiza o processo de trabalho a partir do que a natureza lhe disponibiliza.<br />

O segundo trata sobre a diferença entre o trabalho, atividade unicamente pertencente aos<br />

homens, e as demais executadas pelos outros animais. E esta diferença se encontra no<br />

fato de que, no início o homem constrói tudo em sua mente, planeja, projeta o que<br />

deseja executar. Por último, sobre o trabalho, propriamente, podemos dizer que este<br />

processo é composto de três elementos principais: a força de trabalho, o objeto em que<br />

incide este trabalho e os meios e instrumentos para realizá-lo.<br />

No que se refere ao primeiro ponto, podemos compreender que a natureza<br />

então é a fonte primordial de onde homens e mulheres dispõem dos recursos para a<br />

satisfação m<strong>ate</strong>rial de suas necessidades, é a matéria-prima para que o trabalho se<br />

realize. Já o segundo elemento nos indica que os seres vivos possuem maneiras<br />

diferentes para satisfação de suas necessidades, os animais, por exemplo, têm como que<br />

uma programação biológica e suas ações seguem um modelo que não sofrerá alterações,<br />

pois considerando que suas atividades são apenas instintivas eles não refletem sobre<br />

suas ações. Ou seja, com isso fica claro que uma abelha não refletirá se deseja construir<br />

uma colmeia com x ou y divisórias, mas o arquiteto/homem pode planejar o tamanho, o<br />

1458


m<strong>ate</strong>rial que desejará usar e que contribuirá para a execução do objetivo proposto: se<br />

gesso ou cera, se uma faca ou outro instrumento. Trata-se aqui do caráter teleológico do<br />

trabalho, o que implica na idealização do mesmo. Isso tudo nos faz compreender que,<br />

Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou<br />

por tudo o que se queira. No entanto, eles próprios começam a se distinguir<br />

dos animais logo que começam a produzir seus meios de existência [...].<br />

(MARX; ENGELS, 2005, p. 44).<br />

O trabalho como atividade exclusiva dos humanos não segue um padrão<br />

natural, ao contrário, com o passar dos tempos ele sempre foi se modificando e<br />

assumindo novas formas que interferem diretamente em sua organização.<br />

Sobre os elementos básicos de um processo de trabalho, já mencionamos<br />

que este se constitui em uma atividade pertencente aos homens, que o objeto e a matéria<br />

são fornecidos pela natureza, porém os meios e instrumentos de trabalho ela não<br />

fornece. Desta forma, esses elementos são criação do executor do trabalho, que se vê<br />

colocado diante de várias questões de escolha relacionadas aos instrumentos mais<br />

adequados ao objetivo proposto, assim como diante da necessidade de buscar conhecer<br />

a natureza e o que ela lhe oferece para este fim.<br />

Para melhor compreendermos, podemos voltar ao início da história e<br />

imaginar como viveram nossos antepassados, sem a tecnologia ao seu favor e sem<br />

disporem de simples recursos como o domínio do fogo para se aquecerem e cozinharem<br />

alimentos. Neste sentido, destacamos que a necessidade é o ponto de partida para a<br />

realização do trabalho. Mas de que forma isso acontece? Esta funciona como uma força<br />

impulsionadora da criatividade humana, fazendo com que homens e mulheres busquem<br />

transformar bens naturais naquilo que necessitam e almejam. Mas, para além da<br />

satisfação de uma necessidade biológica o trabalho nos constitui como um ser social,<br />

coletivo, que não existe de forma isolada, mas que constrói relações mútuas.<br />

Fato importante que merece destaque é que por constituir processo coletivo<br />

o trabalho implicou aos homens a necessidade de compartilhar os conhecimentos, pois,<br />

por exemplo, mesmo nas sociedades mais primitivas estes precisam se organizar com os<br />

1459


outros para defesa contra inimigos, para abrigo e garantir os alimentos. Sobre este<br />

aspecto, curiosamente, apesar de toda capacidade criativa dos homens, somos os únicos<br />

animais que ao nascer necessitamos plenamente do outro. Neste sentido, surge a<br />

necessidade de um sistema de linguagem para facilitar a comunicação e, ao mesmo<br />

tempo, o compartilhamento dos conhecimentos construídos. Em resumo,<br />

[...] Não basta prefigurar idealmente o fim da atividade para que o sujeito<br />

realize o trabalho; é preciso que ele reproduza, também idealmente, as<br />

condições objetivas em que atua [...] e possa transmitir a outrem essas<br />

representações. Estas, a pouco e pouco, tendem a se desprender da<br />

experiência empírica imediata – tendem a recobrir outras situações,<br />

projetadas para outros lugares e tempos; ou seja: a partir das experiências<br />

imediatas do trabalho, o sujeito se vê impulsionado e estimulado a<br />

generalizar e a universalizar os saberes que detém [...]. (NETTO; BRAZ,<br />

2010, p. 33).<br />

Podemos inferir, segundo os autores acima citados que o trabalho funda o<br />

ser social, mas este ser não se reduz ao simples ato de trabalho para satisfação de<br />

necessidades básicas, pois quanto mais estes se desenvolvem mais suas objetivações se<br />

complexificam e transcendem o universo do trabalho. Aqui, entra a discussão de uma<br />

c<strong>ate</strong>goria mais ampla, a práxis.<br />

A práxis é uma c<strong>ate</strong>goria mais geral, que envolve tanto o trabalho quanto as<br />

outras esferas de objetivação do ser social, como a cultura, a ética, a ciência, a filosofia,<br />

a arte e a política. O trabalho não é apenas mais uma das objetivações do ser social, mas<br />

também o modelo para as outras objetivações, pois todas elas acabam por supor uma de<br />

suas características, como exemplo: a teleologia, que significa projetar a ação antes de<br />

executá-la; o sistema de linguagem e, consequentemente, a universalização dos<br />

conhecimentos.<br />

A práxis deve ser distinguida em duas formas. A primeira forma refere-se ao<br />

trato do homem com a natureza, que é o próprio trabalho. Neste tipo a objetivação é<br />

necessariamente algo m<strong>ate</strong>rial. No segundo caso trata-se da relação do homem com o<br />

outro homem. Nesta esfera as transformações são em sua maioria no campo ideal, como<br />

na práxis educativa e na práxis política. A partir da práxis podemos compreender como<br />

1460


o ser social transcende suas necessidades primárias e se realiza também a partir de<br />

outras objetivações construindo um mundo social. Como mencionado por Netto e Braz<br />

(2010) a c<strong>ate</strong>goria da práxis revela o homem como ser criativo, autoprodutivo, portanto,<br />

‘ser da práxis’.<br />

Entretanto, é importante mencionar que desta práxis não resultam somente<br />

valores que apresentam o homem como um ser produtivo, pois, conforme as condições<br />

sociohistóricas em que esta práxis se realiza o seu produto pode se apresentar aos<br />

homens como algo que lhes é estranho, isso se caracteriza como o fenômeno da<br />

alienação, próprio da sociedade capitalista que abordaremos mais a frente. Por isso, ao<br />

tratarmos da c<strong>ate</strong>goria trabalho devemos sempre considerar sua mutabilidade ao longo<br />

do tempo.<br />

Ora, consoante a tudo isso, consideramos que no início a humanidade tinha<br />

como ponto de partida a escassez de alimentos e, assim sendo, toda a produção era<br />

destinada ao consumo. Entretanto, essas relações foram se aperfeiçoando a partir do<br />

desenvolvimento das forças de produção. Este fator desencadeou a construção de<br />

relações sociais cada vez mais complexas, a exemplo do atual contexto, onde vivemos<br />

um alto nível de produção de bens e riquezas, porém vemos situações caracterizadas<br />

pela contradição, sendo, por exemplo, alarmantes os índices de pobreza e miséria.<br />

A explicação para tal encontra-se no fato de que com a produção excedente,<br />

aos poucos o trabalho de alguns homens passou a ser suficiente para <strong>ate</strong>nder as<br />

necessidades de um número bem maior de pessoas. Neste sentido, inicia-se o processo<br />

de trocas entre as comunidades, por exemplo, aqueles que pescam passam a trocar<br />

peixes com os que constroem ferramentas, relações que foram se intensificando, ou seja,<br />

como o homem passa a produzir para além do seu consumo, novas relações são criadas,<br />

pois a partir de então, aquilo que era produzido deixa de ser apenas para o consumo e<br />

passa a ser também mercadoria, colocando as diversas culturas em contato.<br />

Esclarecendo sobre isso, Netto e Braz (2010) pontuam que,<br />

O surgimento do excedente econômico [...] opera uma verdadeira revolução<br />

na vida das comunidades primitivas [...] Dois efeitos logo se farão sentir. De<br />

1461


um lado, junto com uma maior divisão na distribuição do trabalho [...],<br />

produzem-se bens que não sendo utilizados no autoconsumo da comunidade,<br />

destinam-se à troca com outras comunidades – está nascendo a mercadoria e,<br />

com ela as primeiras formas de troca (comércio). De outro, a possibilidade da<br />

acumulação abre a alternativa de explorar o trabalho humano; posta a<br />

exploração, a comunidade divide-se, antagonicamente, entre aqueles que<br />

produzem o conjunto dos bens (os produtores diretos) e aqueles que se<br />

apropriam dos bens excedentes (os apropriadores do fruto do trabalho dos<br />

produtores diretos). (NETTO; BRAZ, 2010, p. 57).<br />

A partir disso, a sociedade, podemos dizer, dá um salto e estende as<br />

relações, inclusive geograficamente, o que possibilitou o contato entre as diversas<br />

culturas, contribuindo para a ampliação e desenvolvimento do trabalho. Desta forma,<br />

temos a dissolução da comunidade primitiva, aquela que produzia somente para sua<br />

subsistência. Essas relações dão lugar a um novo modo de produção, o escravismo, pois<br />

ao contrário de antes, no período de escassez, agora se apresenta como vantajoso ficar<br />

com o preso de guerra, já que não se tem mais a necessidade imediata de até mesmo se<br />

alimentar dos prisioneiros, sendo que o dominado passa a servir de escravo, ou seja,<br />

surge a possibilidade de exploração do vencido. Nesta perspectiva,<br />

[...] Organiza-se agora a sociedade, através da força e da violência, em dois<br />

polos: no cume, uma minoria de proprietários de terras e de escravos (que<br />

amplia seus contingentes através de guerras) e, na base, a massa de homens<br />

que não têm sequer o direito de dispor da própria vida – e entre esses dois<br />

polos gravitam camponeses e artesãos. [...] (NETTO; BRAZ, 2010, p. 65-66).<br />

Assim, com a exploração da força de trabalho escrava, são estabelecidas<br />

outras relações na sociedade, onde os vencedores de guerra passam a ter direitos sobre a<br />

força de trabalho, agora escravizada, e sobre a própria vida do vencido.<br />

Esse período significou muitos horrores à história da humanidade, porém<br />

houve, para Netto e Braz (2010) avanços alcançados em relação à comunidade<br />

primitiva, como exemplo a introdução da propriedade privada dos meios fundamentais<br />

de produção, a diversificação da produção de bens a partir da exploração da força de<br />

trabalho do homem pelo homem e o estímulo do comércio entre as distintas<br />

comunidades por conta do incremento da produção.<br />

1462


O escravismo na antiguidade teve grande importância na história humana, e<br />

esteve na base de importantes civilizações como a grega e a romana. Porém, este modo<br />

de produção também teve seu declínio, sendo determinante a crise do Império Romano<br />

para a constituição de uma nova forma organizativa de sociedade. Neste sentido,<br />

[...] Os últimos séculos do império romano em declínio e as conquistas dos<br />

bárbaros destruíram grande quantidade de forças produtivas; a agricultura<br />

declinara, a indústria estava falindo por ausência de mercados, o comércio<br />

adormecera ou fora violentamente interrompido, a população urbana e rural<br />

encolheu. Esses fatores existentes e o modo organizacional da conquista por<br />

ele condicionado fizeram com que se desenvolvesse, sob a influência da<br />

disciplina militar germânica, a propriedade feudal. [...] (MARX; ENGELS,<br />

2005, p. 49).<br />

No feudalismo, temos o surgimento de feudos, que se configuram como<br />

unidades de produção fundadas em um contrato pelo uso da terra, ou seja, o feudo<br />

pertencia a um senhor de terras, considerado nobre, e este dividia seu terreno entre<br />

outros considerados seus servos, eles ocupariam a terra, mas em troca prestariam<br />

serviços ao senhor feudal. Este senhor, além do controle da produção, também<br />

determinava sobre as relações sociais no feudo, influindo diretamente na vida das<br />

famílias servis. Com sua autoridade ‘divina’ podia legislar sobre tudo e todos no feudo.<br />

Assim, na época, a propriedade da terra constituía sinal de poder.<br />

Torna-se importante destacar que a Igreja Católica já era detentora de<br />

grandes extensões de terra, o que simbolizava ainda mais o seu poder e influência no<br />

período em questão. Mas, apesar das muitas dificuldades vividas pelos servos, sua<br />

condição apresentava-se como distinta das vividas pelos escravos, pois<br />

[...] embora duramente explorados (não só pelo dever do trabalho nas terras<br />

do senhor, mas ainda por inúmeros tributos, inclusive o dízimo recolhido pela<br />

Igreja), dispunham de instrumentos de trabalho e retiravam seu sustento do<br />

que produziam nas glebas e nas terras comunais [...]. (NETTO; BRAZ, 2010,<br />

p. 69).<br />

Entretanto, assim como os escravos os servos também viviam em condições<br />

miseráveis, pois os senhores de terra se apropriavam do excedente produzido mediante a<br />

1463


violência, já que eram os administradores da ‘justiça’ dentro dos feudos. Paralelamente<br />

a esses fatos, mantinham-se as trocas, que serão ainda mais estimuladas a partir das<br />

Cruzadas 199 . Neste sentido, a estrutura do sistema em tela vai se sofisticando cada vez<br />

mais: “[...] os artesãos a pouco e pouco se organizam (em corporações) e os<br />

comerciantes/ mercadores também buscam mecanismos associativos (as ligas). [...]”<br />

(NETTO; BRAZ, 2010, p. 69-70).<br />

Substancialmente, o desenvolvimento do comércio trará implicações bem<br />

mais profundas ao sistema feudal, pois estimula o consumo, a atividade comercial com<br />

regiões cada vez mais distantes, o surgimento das cidades e é nesse processo que surgirá<br />

um grupo com grande importância para a superação desse modo de produção, a<br />

burguesia. Os burgueses eram movidos apenas pelo objetivo de lucrar, sua riqueza se<br />

expressava não pela posse da terra, mas pela acumulação de dinheiro.<br />

Conforme Netto e Braz (2010) a crise do sistema feudal foi desencadeada<br />

por diversos problemas, tais como: o cultivo e a pecuária constituíam a base da<br />

produção, porém as terras já estavam esgotadas e as técnicas eram pouco desenvolvidas<br />

na época; a vida comercial foi prejudicada pelos limites técnicos que reduziram a<br />

mineração; a peste negra dizimou quase que um quarto da população. Todos esses<br />

fenômenos incidem, então, diretamente nas relações estabelecidas entre senhores e<br />

servos, principalmente no que se refere ao aumento da exploração do trabalho. Este<br />

contexto reflete em mudanças na organização social, pois a terra começa a ser tratada<br />

como objeto de transação mercantil e os serviços prestados pelos servos aos senhores<br />

começam a ser pagos em dinheiro.<br />

Essas mudanças entram em choque com a estrutura política do período, já<br />

que neste momento passa-se a ter um Estado Absolutista onde o poder se concentra nas<br />

mãos de um monarca absoluto. Num primeiro momento isto pareceu satisfatório à<br />

199 As Cruzadas constituíram uma tentativa da Igreja Católica de proclamar a paz de Deus em meio à crise<br />

social vivenciada pela Europa à época. Era um incentivo para que os cristãos fossem à luta. Na verdade,<br />

os servos expulsos dos feudos e os nobres sem terras se tornariam mão de obra militar para os interesses<br />

econômicos da Igreja. (FERREIRA; FERNANDES, 2005).<br />

1464


nobreza e à burguesia, porém esta última buscará uma revolução quando encontrar<br />

obstáculos para expandir-se economicamente. Tanto é que,<br />

[...] A tomada do poder político pela burguesia, cujo marco emblemático é<br />

1979, não constitui mais que o desfecho de uma luta de classes plurissecular,<br />

que teve no domínio da cultura e das ideias um campo de batalhas decisivo,<br />

como o provam a Reforma protestante e a Ilustração. Foi a hegemonia<br />

conquistada pela burguesia no terreno das ideias que lhe permitiu organizar o<br />

povo (o conjunto do Terceiro Estado) e liderá-lo na luta que pôs fim ao<br />

Antigo Regime. (NETTO; BRAZ, 2010, p. 75).<br />

Neste contexto, a burguesia articulará os instrumentos necessários para o<br />

desenvolvimento de novas forças produtivas, condições básicas para o surgimento de<br />

um novo modo de produção, o capitalismo, sistema econômico-social que tem a<br />

mercadoria como central para se expandir e garantir lucros. Neste contexto inferimos<br />

que:<br />

[...] os meios de produção e de troca, sob cuja fundação a burguesia construiu<br />

a si mesma, foram gerados na sociedade feudal. Numa certa etapa do<br />

desenvolvimento destes meios de produção e de troca, as condições sob as<br />

quais a sociedade feudal produzia e trocava [...] não eram mais compatíveis<br />

com as forças produtivas já desenvolvidas. Elas se tornaram concorrentes<br />

entre tantas outras que precisavam ser destruídas; e o foram. Em seu lugar, se<br />

estabeleceu a livre competição, acompanhada por uma constituição social e<br />

política adaptada a ela, e pelo domínio econômico e político da classe<br />

burguesa. (MARX; ENGELS, 2008, p. 44).<br />

Desta forma, torna-se necessário refletirmos sobre como passaram a se<br />

desenvolver as relações de trabalho sob a égide capitalista e quais serão suas principais<br />

consequências para o conjunto da classe trabalhadora, visto que o fim último e primeiro<br />

desta organização econômico-social é a ampliação dos lucros e exploração da força de<br />

trabalho. Neste sentido, pontuamos que o capitalismo inaugura novas formas de<br />

exploração da força de trabalho humana, pois sua maior fonte de desenvolvimento<br />

encontra-se no trabalho não pago ao trabalhador, posto que este sistema caracteriza-se<br />

[...] pelo emprego de trabalhadores assalariados, juridicamente livres, que<br />

vendem a sua força de trabalho aos proprietários dos meios de produção,<br />

1465


denominados empresários, que os contratam para produzir bens ou serviços a<br />

serem destinados ao mercado, com o fim de obter lucro. (SOUZA, s.d., p. 7).<br />

Ou seja, o capitalista é aquele que detém os meios de produção e os aplica<br />

para a realização de empreendimentos ou empresta a terceiros, e a classe trabalhadora é<br />

composta por aqueles que possuem apenas sua força de trabalho para garantir sua<br />

sobrevivência. Buscando ampliar esta concepção, podemos mencionar que:<br />

A produção mercantil capitalista se peculiariza, pois, porque põe em cena<br />

dois sujeitos historicamente determinados: o capitalista (ou burguês), que<br />

dispõe de dinheiro e meios de produção (que, então, tomam a forma de<br />

capital), e aquele que pode tornar-se o produtor direto porque está livre para<br />

vender, como mercadoria, a sua força de trabalho – o proletário (ou o<br />

operário). As classes fundamentais do modo de produção capitalista, assim,<br />

determinam-se pela propriedade ou não dos meios de produção: os<br />

capitalistas (a classe capitalista, a burguesia) detêm essa propriedade,<br />

enquanto o proletariado (o operariado, a classe constituída pelos produtores<br />

diretos) dispõe apenas de sua capacidade de trabalho e, logo, está<br />

simultaneamente livre para/compelido a vendê-la como se vende qualquer<br />

mercadoria; no modo de produção capitalista, o capitalista é representante do<br />

capital e o proletariado o do trabalho. (NETTO; BRAZ, 2010, p. 84-85).<br />

Essencialmente a respeito da representação social do capital, Marx e Engels<br />

(2008, p. 55) concluem que “A condição essencial para a existência e o domínio da<br />

classe burguesa é a formação e acumulação de capital [...]”, o que implica dizer que sem<br />

a organização da exploração da força de trabalho, não é possível a reprodução social do<br />

capitalismo, posto ser impossível, sem isto, a acumulação de riquezas, condição sine<br />

qua non do capitalismo.<br />

Podemos mencionar que o sistema capitalista, tal como o concebemos<br />

atualmente, passou por diversas mudanças para que chegasse a esta fase de maturação.<br />

Segundo Souza (s.d.), este sistema emerge do próprio Feudalismo, com o capitalismo<br />

comercial a partir do surgimento da burguesia e, com esta o comércio internacional de<br />

mercadorias. A partir do desenvolvimento do sistema de trocas este capital que antes era<br />

medido pela acumulação de mercadorias agora assume a forma de capital financeiro,<br />

com o surgimento do sistema bancário.<br />

1466


O capitalismo propriamente dito somente emergiu na Europa no século XVI,<br />

com o desenvolvimento da produção manufatureira, na esfera produtiva. Este<br />

foi o capitalismo manufatureiro, fase intermediária entre o artesanato e as<br />

grandes corporações industriais da Revolução Industrial. [...]. (SOUZA, s.d.,<br />

p.8).<br />

O desenvolvimento da produção manufatureira a partir da invenção da<br />

máquina a vapor, assim como o aperfeiçoamento de outras máquinas e técnicas; e o<br />

surgimento de ferrovias e inovações tecnológicas expressava a Revolução Industrial.<br />

Este fato consolidou o capitalismo industrial que “[...] caracteriza-se pelo emprego<br />

intensivo de máquinas e equipamentos, bem como pela adoção crescente de inovações<br />

tecnológicas poupadoras de mão de obra. [...]” (SOUZA, s.d., p. 9).<br />

Para ilustrarmos este período, podemos mencionar o filme “Tempos<br />

Modernos” de Charles Chaplin (1889-1975), produzido em 1936. A obra serve de<br />

referência para a análise de diversos fenômenos relacionados com a Revolução<br />

Industrial e a organização do trabalho neste período. O personagem central nesta trama,<br />

cômica e ao mesmo tempo crítica, é o Carlitos, um operário que vive cotidianamente as<br />

alterações sofridas no processo de trabalho com a iminência da tecnologia.<br />

Neste contexto de mecanização e expansão das indústrias, a atividade das<br />

pequenas oficinas perde lugar e as pessoas se dirigem em grande quantidade para as<br />

cidades, o que contribuíra incisivamente para o desencadeamento de muitas<br />

problemáticas, como a questão de saúde, pobreza, moradia, alimentação e trabalho. É o<br />

surgimento da questão social ocasionada pela nova forma de organização social e<br />

econômica possibilitada com o capitalismo. No filme é possível verificar tudo isso de<br />

forma muito nítida, além da contradição expressa pelas reivindicações dos trabalhadores<br />

nas ruas.<br />

Com tantas pessoas se dirigindo para o meio urbano, a oferta de força de<br />

trabalho e consequentemente a procura por emprego só tendem a crescer. Podemos, em<br />

parte, comparar esta realidade com a teoria da seleção natural de Charles Darwin (1809-<br />

1882), sendo a ideia de que só os mais fortes pudessem conseguir a vaga de emprego,<br />

1467


fato ilustrado na cena em que Carlitos corre desesperadamente por entre outros<br />

operários que também buscam a mesma vaga de emprego.<br />

No intuito de auferir maiores lucros e evitar o desperdício, principalmente<br />

de tempo, observamos a partir do filme as tentativas dos administradores de garantirem<br />

uma melhor organização da produção. Nas cenas reproduzidas no ambiente industrial<br />

vemos que os operários apertam os parafusos que passam ao longo da esteira e tudo está<br />

cronometrado, não sobra tempo nem para espantar um inseto que pousa no ombro, pois<br />

uma pausa para tal fim complica o restante do processo executado pelos demais<br />

operários. Ou seja, o administrador planeja e aplica estratégias que contribuam na<br />

diminuição do tempo de produção. A busca por estratégias que aumentem a produção<br />

com o menor desperdício de tempo é ilustrada na fala “Agora, eles não vão parar nem<br />

para comer”, dita por um vendedor durante o filme ao apresentar uma máquina ao<br />

gerente demonstrando como ela alimenta o operário enquanto este trabalha.<br />

O filme também retrata a fiscalização gerencial sobre o operário, pois o<br />

administrador aparecia diversas vezes em telões espalhados estr<strong>ate</strong>gicamente pela<br />

fábrica e dava as ordens para que todos voltassem ao trabalho e que a velocidade da<br />

esteira fosse gradativamente aumentada. Outro ponto demonstrado é o trabalho<br />

especializado, com a realização de apenas uma função de forma repetitiva, sem se<br />

considerar que aquilo é extremamente tedioso e prejudicial ao operário. Assim, o<br />

personagem Carlitos, mesmo quando terminava seu horário na fábrica, ainda saía<br />

realizando o mesmo movimento de apertar os parafusos.<br />

Neste sentido, pontuamos que a industrialização trouxe grandes desafios, já<br />

que os centros urbanos passaram a receber um alto contingente de trabalhadores, visto<br />

que “A burguesia sujeitou o campo ao domínio das cidades. Criou enormes centros<br />

urbanos, aumentou imensamente a população urbana em comparação com a rural, [...]<br />

(MARX; ENGELS, 2008, p.42)”. Isto resultou na baixa de salários, pequena oferta e<br />

grande procura pelos postos de trabalho. Os operários e suas famílias viviam e<br />

trabalhavam em péssimas condições. Com o aumento dos custos para a manutenção da<br />

atividade fabril, as grandes empresas foram comprando as pequenas e a concentração de<br />

1468


capital foi cada vez mais se ampliando. Neste contexto de concentração do capital na<br />

forma de empresas, o capitalismo industrial transforma-se em capitalismo monopolista.<br />

(SOUZA, s.d.).<br />

Assim, podemos observar que com o desenvolvimento do capitalismo o<br />

trabalho passa a ser um contrato livre entre os homens sem nenhuma mediação<br />

relacionada com herança genética, religião ou privilégios. Essas relações constituem-se<br />

como “[...] produtos de um largo desenvolvimento histórico e econômico anterior que<br />

fez desaparecer todas as anteriores formas de produção social, para que se constituísse a<br />

força de trabalho livre”. (GRANEMANN, 2009, p.7). Em resumo, “[...] ao invés da<br />

exploração disfarçada de ilusões religiosas e políticas, a burguesia pôs a exploração<br />

aberta, cínica, direta e brutal”. (MARX; ENGELS, 2008, p. 40).<br />

Falar do capitalismo é relacioná-lo simultaneamente com a produção de<br />

mercadorias, pois “[...] a mercadoria é um valor de uso que se produz para a troca, para<br />

a venda;” (NETTO, BRAZ, 2010, p. 79) e ao capitalista não interessa apenas qual a<br />

função social daquilo que ele produz, ou seja, seu significado para a sociedade, seu<br />

interesse primeiro é o lucro e que seu produto possa se realizar no mercado, ser trocado,<br />

vendido. Neste sentido, no sistema em questão, a mercadoria, sejam os produtos e a<br />

força de trabalho, assume um duplo caráter: valor de uso e valor de troca.<br />

Porém, para compreendermos este duplo caráter, com base em Miranda<br />

(2011), é importante distinguirmos trabalho concreto e trabalho abstrato. Considera-se o<br />

trabalho que cria valor de uso como trabalho concreto, ou seja, o trabalho em sua<br />

qualidade, com finalidade, utilidade e voltado para a satisfação de necessidades<br />

humanas. A sociedade se constitui como tal a partir da criação de valores de uso, por<br />

isso o trabalho concreto nunca entrará em crise. Quando o trabalho criador de valor de<br />

uso é requisitado ele se constitui em mercadoria e, portanto, passa a ser analisado<br />

enquanto trabalho abstrato. Neste processo de troca, constituído a partir da venda da<br />

força de trabalho, teremos o valor. Ou seja, o trabalho enquanto mercadoria traz em si<br />

tanto valor de uso quanto o valor de troca. O processo de troca reduz todas as formas de<br />

1469


trabalho ao trabalho geral, que se refere à quantidade de energia física e psíquica<br />

dispedida em sua realização e isso permite a compra de qualquer força de trabalho.<br />

Desta forma, a força de trabalho é negociada como mercadoria pelo<br />

trabalhador com o capitalista, e esta negociação acontece porque sua força de trabalho é<br />

tudo que este dispõe para garantir sua sobrevivência. Com a venda da sua força de<br />

trabalho ele compra os bens que são necessários a sua reprodução, como alimentação,<br />

moradia, transporte, saúde e educação. Assim, supõe-se que o salário deva ser um valor<br />

condizente com as reais necessidades de reprodução do trabalhador, entretanto, seu<br />

trabalho não findará quando ele alcança este valor, “[...] A jornada de trabalho para a<br />

qual o trabalhador foi contratado é, porém, maior do que o tempo de trabalho e é desta<br />

segunda parte da jornada de trabalho que brotará o ‘segredo’ da riqueza do capitalista.<br />

[...]” (GRANEMANN, 2009, p.12). Essa parte excedente de trabalho realizada é a maisvalia,<br />

base do lucro capitalista.<br />

Historicamente o trabalho foi perdendo seu caráter inicial que era de<br />

satisfação de necessidades básicas e passa a assumir o caráter requerido pelo contratante<br />

da força de trabalho, ou seja, o produto do trabalho não mais pertence ao trabalhador,<br />

pertence a outro homem distinto. E nisto constitui-se, de forma simples, a alienação do<br />

trabalho, típica da sociedade capitalista. A alienação do trabalho em Marx (2001) pode<br />

ser compreendida como:<br />

[...] o trabalho [...] exterior ao trabalhador, ou seja, não pertence à sua<br />

característica; portanto, ele não se afirma no trabalho, mas nega-se a si<br />

mesmo, não se sente bem, mas, infeliz, não desenvolve livremente as<br />

energias físicas e mentais, mas esgota-se fisicamente e arruína o espírito. Por<br />

conseguinte, o trabalhador só se sente em si fora do trabalho, enquanto no<br />

trabalho se sente fora de si. Assim, o seu trabalho não é voluntário, mas<br />

imposto, é trabalho forçado. Não constitui a satisfação de uma necessidade,<br />

mas apenas um meio de satisfazer outras necessidades. [...] ele não é o seu<br />

trabalho, mas o de outro, no fato de que não lhe pertence, de que no trabalho<br />

ele não pertence a si mesmo, mas a outro. [...] é a perda de si mesmo.<br />

(MARX, 2001, p.114).<br />

Desta forma, podemos pensar em como se encontra a organização do<br />

trabalho atualmente, sob a égide capitalista, entendendo que este sistema possui<br />

1470


vigência mundial e constitui-se segundo Netto e Braz (2010) como um ‘sistema<br />

planetário’. Nesta mesma perspectiva, Marx e Engels (2008, p. 41) identificam que “[...]<br />

a necessidade de expandir constantemente o mercado para seus produtos impele a<br />

burguesia para toda a superfície do globo. Ela precisa se estabelecer em todo lugar,<br />

explorar em todo lugar, criar conexões em todo lugar”, ou seja, os autores confirmam a<br />

necessidade que o capitalismo tem de se expandir a nível mundial.<br />

Pinto (2007) aponta que, especialmente após as primeiras revoluções<br />

industriais do século XV<strong>II</strong>I em diante, foram incorporados à organização do trabalho<br />

sentidos estritamente técnicos, desde então o trabalho foi elevado à c<strong>ate</strong>goria de matéria<br />

do conhecimento, ou seja, o processo de trabalho passa a ser estudado. Neste sentido, é<br />

importante citarmos a contribuição de Frederick Taylor (1856-1915), conhecido como<br />

pai da administração científica e idealizador do denominado Taylorismo. No que se<br />

refere ao Taylorismo, é importante ressaltar que:<br />

A ideia fundamental desse sistema de organização é o de uma especialização<br />

extrema de todas as funções e atividades. Uma especialização que perfaz um<br />

traçado de todas as ferramentas de trabalho utilizadas em cada atividade, de<br />

todos os movimentos executados por quem as maneja em cada instante, de<br />

todas as operações intelectuais necessárias a tal e, consequentemente, de<br />

todos os traços comportamentais exigidos nessa condição especial em que é<br />

colocado o trabalhador. (PINTO, 2007, p.36).<br />

Taylor dedicou-se a estudar cada movimento executado pelo operário na<br />

produção de determinado objeto para que assim pudesse organizar da melhor forma a<br />

produção, evitando o desperdício de tempo com movimentos considerados por ele<br />

desnecessários.<br />

Outra figura importante neste cenário foi Henri Ford (1863-1947). Ele<br />

buscou melhorar e inovar ainda mais a proposta de Taylor. Entretanto, Pinto (2007)<br />

menciona que a principal ideia aplicada por Ford foi a de buscar criar um perfil de<br />

consumidores de massa para a população da época. Além disso, o mesmo introduziu no<br />

ambiente fabril a linha de produção em série, que se constituía da seguinte forma:<br />

1471


[...] colocação do objeto de trabalho num mecanismo automático que<br />

percorresse todas as fases produtivas, sucessivamente, desde a primeira<br />

transformação da matéria-prima bruta até o estágio final, como o acabamento<br />

do produto, por exemplo. Ao longo dessa linha, as diversas atividades de<br />

trabalho aplicadas à transformação das matérias-primas ou insumos, foram<br />

distribuídas entre vários operários fixos em seus postos, após terem sido suas<br />

intervenções subdivididas em tarefas cujo grau de complexidade foi elevado<br />

ao extremo da simplicidade [...]. (PINTO, 2007, p. 42).<br />

Neste sentido, as máquinas assumem um papel de destaque na produção,<br />

fator que contribui no processo de desativação de alguns postos de trabalho. Diante<br />

deste contexto, percebe-se que o processo de trabalho sofre duras intervenções que<br />

buscam uma melhor organização da produção para o capital, observando o tempo<br />

empregado e o exercício das funções dos trabalhadores, tudo para que se garanta o<br />

aumento dos lucros. Assim, entra em questão a flexibilização das relações de trabalho,<br />

que podemos compreender, em síntese, como sendo a<br />

[...] capacidade de substituição direta e rápida dos trabalhadores, sem nenhum<br />

custo em termos de qualidade e de produtividade para o sistema produtivo<br />

como um todo, o qual se mantém rígido e estático em suas condições ao<br />

longo do tempo, como uma grande máquina formada de peças humanas<br />

apáticas que funciona dia e noite, autonomamente. (PINTO, 2007, p.48).<br />

Ainda segundo Pinto (2007), o sistema taylorista/fordista expandiu-se<br />

bastante a partir das duas guerras mundiais, sendo que nos países capitalistas a produção<br />

em larga escala articulou-se aos Estados de Bem-Estar Social ou Welfare St<strong>ate</strong> e à<br />

constituição dos grandes sindicatos de trabalhadores. Mota (2009) ao analisar o impacto<br />

do Estado de Bem-Estar Social para o capitalismo explicita que o<br />

[...] Welfare St<strong>ate</strong> [...] se tornou um dos principais pilares de sustentação<br />

institucional daquela fase expansiva do capitalismo, ao integrar à sua<br />

dinâmica econômica parte das demandas operárias por melhores condições<br />

de vida e trabalho.<br />

A incorporação dessas demandas se fez através da alocação de fundos<br />

públicos na constituição de políticas econômicas e sociais, o que favoreceu a<br />

ampliação do consumo por parte dos trabalhadores ao tempo em que<br />

desmercantilizava o <strong>ate</strong>ndimento de algumas das necessidades sociais através<br />

de salários indiretos, via políticas sociais públicas [...]. (MOTA, 2009, p. 6).<br />

1472


A autora acima citada ainda destaca que este cenário foi marcado por<br />

mobilizações sindicais e partidárias dos trabalhadores. Os mesmos buscavam pressionar<br />

o capital para o <strong>ate</strong>ndimento de suas necessidades sociais, mudanças nas legislações<br />

trabalhistas e nas medidas de proteção social. Neste sentido, a autora conclui que:<br />

Estava posta a equação subjacente ao chamado pacto fordista-keynesiano, ou<br />

seja, a incorporação das demandas trabalhistas, aumento da produção e do<br />

consumo operário e estabelecimento de uma relação negociada entre Estado,<br />

capital e trabalho, como expressão concreta de ideologias que defendiam a<br />

possibilidade de compatibilizar capitalismo, bem-estar e democracia.<br />

(MOTA, 2009, p.6).<br />

Em contrapartida, este equilíbrio só se manteve até meados dos anos de<br />

1970, onde entra em curso uma profunda crise para o sistema capitalista. Discutindo<br />

sobre as crises capitalistas, pode-se compreender que estas:<br />

[...] expressam um desequilíbrio entre a produção e o consumo,<br />

comprometendo a realização do capital, ou seja, a transformação da maisvalia<br />

em lucro, processo que só se realiza mediante a venda das mercadorias<br />

capitalisticamente produzidas. [...] não basta produzir mercadorias, estas<br />

precisam ser transformadas em dinheiro para, rapidamente, retornarem ao<br />

incessante processo de acumulação do capital: produção/ circulação/<br />

consumo. As expressões mais emblemáticas da crise são as reduções de<br />

operações comerciais, acúmulo de mercadorias estocadas, redução ou<br />

paralisação da produção, falências, queda de preços e salários, crescimento<br />

desmesurado do desemprego e empobrecimento generalizado. (MOTA,<br />

2009, p. 3).<br />

Com a citação acima fica demarcado que as crises no sistema capitalista não<br />

se constituem fenômenos naturais, mas expressam um significado histórico, na medida<br />

em que revelam as contradições do sistema. Neste sentido, as diversas consequências<br />

que estas operam atingem as classes de forma diferenciada, sendo que,<br />

[...] Para os capitalistas, trata-se do seu poder ameaçado; para os<br />

trabalhadores, da submissão intensificada. Estes últimos são frontalmente<br />

penalizados na sua m<strong>ate</strong>rialidade e subjetividade posto que afetados pelas<br />

condições do mercado de trabalho, com o aumento do desemprego, as perdas<br />

salariais, o crescimento do exército industrial de reserva e o enfraquecimento<br />

das suas lutas e capacidade organizativa. (MOTA, 2009, p.4).<br />

1473


Como podemos ver a partir da afirmativa acima, as maiores consequências<br />

das crises estruturais do sistema capitalista são para a classe trabalhadora. Entretanto,<br />

frente às crises o sistema buscará adotar medidas de reestruturação da produção e isso<br />

incide sobre a relação mercado, sociedade e Estado, o que implica amplo e complexo<br />

processo de mudanças nas relações, principalmente entre capital e trabalho.<br />

Analisando as particularidades da crise pós 1970, Mota (2009) menciona<br />

que o processo de reestruturação capitalista se assenta em um duplo movimento, que<br />

compreende a redefinição das bases econômicas, com mudanças na forma de<br />

organização do processo de trabalho, e uma nova fase marcada pelo predomínio do<br />

capitalismo financeiro, aquele que está relacionado com aplicações financeiras<br />

especulativas.<br />

No campo da organização do processo de trabalho ocorrem mudanças<br />

significativas, pois o interesse prevalente é por experiências alternativas de produção,<br />

formas que privilegiam os interesses capitalistas em detrimento das condições de<br />

trabalho. Dentre estes, o mais polêmico constitui o sistema Toyotista, que tinha como<br />

base:<br />

[...] uma metodologia de produção e de entrega mais rápidas e precisas que os<br />

demais, associada justamente à manutenção de uma empresa ‘enxuta’ e<br />

‘flexível’. Isso era obtido pela focalização no produto principal – gerando<br />

desverticalização e subcontratação de empresas que passavam a desenvolver<br />

e a fornecer produtos e atividades -, com utilização de uma força de trabalho<br />

polivalente – agregando em cada trabalhador atividades de execução,<br />

controle de qualidade, manutenção, limpeza, operação de vários<br />

equipamentos simultaneamente, dentre outras responsabilidades. (PINTO,<br />

2007, p. 53).<br />

Este quadro de desqualificação da força de trabalho, com diversos regimes,<br />

terceirizações, subcontratações, descentralização das unidades de produção e ausência<br />

de um sistema de proteção social efetivo, influencia de forma negativa para o processo<br />

político-organizativo dos trabalhadores. Ademais, é inquestionável que as mudanças<br />

1474


operadas pelo capitalismo afetaram diretamente as condições de trabalho em todo o<br />

mundo.<br />

Segundo Antunes (1999) a lógica deste sistema vem convertendo a<br />

concorrência e a produção em um processo destrutivo que se reflete na precarização do<br />

trabalho, aumento do exército industrial de reserva, desemprego estrutural, condições<br />

precárias de trabalho, degradação da natureza e valorização do capital e da produção de<br />

mercadorias. Por tudo isso o autor define o capitalismo como um sistema<br />

‘expansionista, mundializado, destrutivo e incontrolável’. Para o autor, este sistema<br />

“[...] não tem limites para a sua expansão (ao contrário dos modos de organização<br />

societal anteriores, que buscavam em alguma medida o <strong>ate</strong>ndimento das necessidades<br />

sociais) [...]” (ANTUNES, 1999, p.23).<br />

Tomando por base os aspectos expostos acima, é como se diariamente o<br />

discurso propagado pelo capital aos trabalhadores se chocasse com as condições de vida<br />

que ele oferece a estes e, concretamente, a influência direta e cotidiana do capital na<br />

vida do trabalhador extrapola seu ambiente de trabalho. Conforme evidenciado por<br />

Antunes (1999),<br />

[...] até o turismo, onde o ‘tempo livre’ é instigado a ser gasto no consumo<br />

dos shoppings, são enormes as evidências do domínio do capital na vida fora<br />

do trabalho. Um exemplo ainda mais forte é dado pela necessidade crescente<br />

de qualificar-se melhor e preparar-se mais para conseguir trabalho. Parte<br />

importante do ‘tempo livre’ dos trabalhadores está crescentemente voltada<br />

para adquirir ‘empregabilidade’, palavra que o capital usa para transferir aos<br />

trabalhadores as necessidades de sua qualificação. [...] (ANTUNES, 1999,<br />

p.131).<br />

Netto e Braz (2010) explicam que desde que a sociedade está baseada na<br />

divisão de classes, todo o desenvolvimento tem sido operado em uma constante<br />

contradição, como vimos nas condições sociais, políticas e econômicas apresentadas em<br />

cada período histórico. É como se cada progresso representasse também um retrocesso,<br />

pois o desenvolvimento tem acontecido sempre à custa da opressão de uma classe sobre<br />

a outra.<br />

1475


3 CONSIDERAÇÕES<br />

Diante do exposto, podemos mencionar que o desenvolvimento das forças<br />

produtivas no capitalismo promoveu ainda mais a exploração da força de trabalho<br />

humana, entretanto este processo não deve ser compreendido como unilinear, sem<br />

história ou resistência. Os trabalhadores não ficaram inertes, mas buscaram<br />

historicamente construir instrumentos de luta para diminuição das desigualdades<br />

sofridas, seja por meio de conquistas de leis trabalhistas ou na luta em defesa de outros<br />

direitos. De modo mais enfático, Montaño e Duriguetto (2011), ao analisarem o sistema<br />

capitalista de produção, expressam que a partir das relações estabelecidas “[...] os<br />

indivíduos percebem a identidade das suas situações. A situação percebida como<br />

individual agora é vista como coletiva [...] (MONTAÑO E DURIGUETTO, 2011, p.<br />

103).<br />

Assim, a luta passa a ser organizada de forma coletiva, sendo múltiplas as<br />

formas de reivindicação: através de partidos, sindicatos, movimentos sociais e<br />

associações. Das tantas formas, o sindicalismo constitui uma construção histórica,<br />

caracterizando uma das mais importantes e expressivas formas de organização da classe<br />

trabalhadora, principalmente operária. Desta forma, como estratégia de luta dos<br />

trabalhadores, a organização sindical acompanhou o desenvolvimento industrial em toda<br />

a sua expansão, apresentando as suas particularidades em cada contexto.<br />

REFERÊNCIAS<br />

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negação do trabalho. Coleção Mundo do Trabalho. Boitempo Editorial: 1999.<br />

FERREIRA, João Paulo Hidalgo; FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira. NOVA<br />

HISTÓRIA INTEGRADA: ensino médio. Volume único. Manual do professor.<br />

Campinas-SP: Companhia da Escola, 2005.<br />

1476


GRANEMANN, Sara. O processo de produção e reprodução social: trabalho e<br />

sociabilidade. In: SERVIÇO SOCIAL: direitos sociais e competências profissionais.<br />

CFESS/ABEPSS, 2009.<br />

MARX, Karl. MANUSCRITOS ECONÔMICOS-FILOSÓFICOS. Texto Integral. 2ª<br />

edição. Tradução: Alex Marins.Editora Martin Claret Ltda., 2001.<br />

__________; ENGELS, F. A IDEOLOGIA ALEMÃ: Feuerbach – A contribuição<br />

entre as cosmovisões m<strong>ate</strong>rialistas e idealistas. Editora Martin Claret Ltda. 2005. Título<br />

original: Die Deutsche Ideologie, 1932.<br />

_____________________. MANIFESTO DO PARTIDO COMUNISTA. 2 ed. São<br />

Paulo: Editora Instituto José Luís e Rosa Sundermann, 2008.<br />

MIRANDA, Aurora Amélia Brito de. O ASSISTENTE COMO TRABALHADOR E O<br />

PROJETO PROFISSIONAL CRÍTICO. In: Anais da Jornada Internacional de<br />

Políticas Públicas - JOINPP. São Luís: 2011.<br />

MONTAÑO, Carlos; DURIGETTO, Maria Lúcia. Estado, Classe e Movimento<br />

Social. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. (Biblioteca Básica de Serviço Social, v.5).<br />

MOTA, Ana Elizabete. Crise Contemporânea e as Transformações na Produção<br />

Capitalista. In: SERVIÇO SOCIAL: direitos sociais e competências profissionais.<br />

CFESS/ABEPSS, 2009.<br />

NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. ECONOMIA POLÍTICA: uma introdução<br />

crítica. 6ª edição. São Paulo: Cortez, 2010. (Biblioteca Básica de Serviço Social; v.1).<br />

PINTO, Geraldo Augusto. AORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NO SÉCULO 20:<br />

Taylorismo, Fordismo e Toyotismo. 1ª edição. São Paulo: Expressão Popular, 2007.<br />

SOUZA, Nali de Jesus de. UMA INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO<br />

PENSAMENTO ECONÔMICO. Sem data. Relatório Pesquisa da área de História<br />

Econômica, realizada no NEP PUCRS. [s. d.] Disponível em:<br />

Acesso em fev. 2015.<br />

TEMPOS MODERNOS (Modern Times, EUA 1936). Direção: Charles Chaplin, 87<br />

min. Preto e Branco, Continental.<br />

1477


ADOLESCENTE E A MÍDIA: uma crítica à publicidade de cerveja<br />

ADOLESCENT AND THE MEDIA: A Critique of Beer Advertising.<br />

Hilda Dutra Junqueira Ayres Cordeiro<br />

hilda.ayres@gmail.com<br />

Filomena Teixeira<br />

filomena.tx@gmail.com<br />

Instituto Politécnico de Coimbra – Escola Superior de Educação.<br />

Eixo 3 – Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO:A adolescência representa um momento no qual o consumo de álcool é um forte<br />

atrativo. Entretanto esse consumo é prejudicial a saúde e proibido para adolescentes. Este estudo<br />

tem o objetivo de verificar a influência da mídia no consumo de bebidas alcoólicas entre<br />

adolescentes do ensino médio da escola pública de São Luís, MA. Trata-se de estudo descritivo,<br />

com abordagem quantitativa, realizado com 245 estudantes matriculados em 2017, sendo 181<br />

adolescentes. A pesquisa constatou que 50% dos adolescentes já consumiu bebidas alcoólicas,<br />

57% das famílias tem ciência do uso, a publicidade de bebidas alcoólica influência 69% dos<br />

pesquisados, sendo a cerveja (33%) a mais influenciadoras. Conclui-se que é preciso trabalhar<br />

na desconstrução do estímulo exercido pela publicidade, o ampliar ações de educativas com a<br />

participação escolar, dos profissionais da saúde e da família como estratégias de proteção do<br />

adolescente na prevenção da dependência química precoce.<br />

Palavras-chave: Adolescente; Publicidade; Consumo; Álcool.<br />

1478


ABSTRACT: The adolescent represents a moment in which the consumption of alcohol is a<br />

strong attraction. However, this consumption is harmful to health and prohibited for<br />

adolescents. This study aims to verify the influence of the media in the consumption of<br />

alcoholic beverages among high school adolescents of the public school of São Luís, MA. This<br />

is a descriptive study, with a quantitative approach, carried out with 245 students enrolled in<br />

2017, with 181 adolescents. The survey found that 50% of adolescents already consumed<br />

alcoholic beverages, 57% of households are aware of the use, advertising of alcoholic beverages<br />

influence 69% of respondents, beer (33%) being more influential. It is concluded that it is<br />

necessary to work on the deconstruction of the stimulus exerted by the publicity, the expansion<br />

of educational actions with school participation, health professionals and the family as str<strong>ate</strong>gies<br />

to protect adolescents in the prevention of early chemical dependence.<br />

Keywords: Adolescent; Publicity; Consumption; Alcohol.<br />

A mídia é um produto social que reflete nas relações sociais e configurações<br />

simbólicas da sociedade contemporânea. Quando se fala de mídia, é fundamental considerar<br />

suas expressões (televisiva, escrita, cinematográfica, produção vinculada à propaganda, entre<br />

outras), como elementos que interferem ativamente na vida social dos indivíduos e,<br />

consequentemente, na formação de sua identidade. As informações transmitidas por estes<br />

canais em maior ou menor escala, soma-se a outros determinantes que interferem na forma que<br />

o indivíduo se relaciona com o mundo à sua volta, retificando ou alterando aspectos presentes<br />

na sua identidade e na sua interação com o “outro”.<br />

Portanto, é impossível nos dias atuais, estabelecer uma análise efetiva da realidade<br />

social, sem levar em consideração a influência da mídia na vida dos sujeitos, influência esta, que<br />

vai desde os produtos que compramos, as expressões faladas, as ideias defendidas e até mesmo<br />

aos lugares frequentados.<br />

Através da mídia se é bombardeado a todo instante com imagens, vídeos, textos -<br />

principalmente pela via da publicidade - que conseguem destruir a percepção de necessidades<br />

1479


sociais efetiva e reforça o fetichismo de mercadoria que nos impõe violentamente modelos de<br />

consumo e de comportamento aprovado e legitimado por parte da sociedade capitalista.<br />

A mídia tem a capacidade dúbia de enriquecer ideologicamente e possibilitar tanto<br />

a superação quanto a legitimação das ideias vigentes no interior da sociedade. Logo, este<br />

trabalho é fruto de estudos referente a influência da mídia produzida e veiculada nas<br />

propagandas de cerveja e seus reflexos nos adolescentes. O móvito pela escolha foi: primeiro<br />

por esta fase do ser dita como uma fase do desenvolvimento humano intermediaria entre a<br />

infância e a idade adulta. Nessa perspectiva de ligação, ela pode ser compreendida como um<br />

período atravessado por crises que encaminham o adolescente na construção de sua identidade.<br />

Para os adolescentes, de modo geral, as relações sociais são consideradas como um<br />

meio de legitimação de mundo e comportamentos. Nessa fase, o grupo de amigos torna-se uma<br />

referencia essencial para o adolescente no estabelecimento de valores e crenças, o leva a<br />

questionar normas e ideias defendidas por sua família. Segundo por: os adolescentes constituem<br />

um quarto da sociedade e vivem em função de necessidades geradas pela cadeia consumo/<br />

produção/ consumo.<br />

A mídia e o comércio perceberam no perfil do adolescente um terreno fértil. Com o<br />

consumo de álcool, não é diferente, é um forte atrativo, entretanto esse consumo é prejudicial a<br />

saúde e proibido para os mesmos. Segundo o levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas,<br />

realizado pela Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD) em 2004, mostra que o consumo de<br />

álcool por adolescentes de 12 a 17 anos já atinge 54% dos entrevistados.<br />

O consumo excessivo do álcool é um problema de Saúde Pública. Para a<br />

Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 2,5 milhões de pessoas morrem todo ano no<br />

mundo devido ao consumo demasiado de álcool. O O Ministério da Saúde divulgou os dados do<br />

inquérito Vigitel – Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas<br />

por Inquérito Telefônico e no relatório da edição de 2016 revelou que o consumo abusivo de<br />

álcool subiu de 15,7% para 19,1% em dez anos. Na população masculina esse índice cresceu de<br />

25% em 2006 para 27,3% em 2016. Entre as mulheres, o aumento foi mais expressivo: em 2006<br />

o consumo abusivo de bebida alcoólica pelo público feminino atingia 7,8% da população e em<br />

2016 esse índice cresceu para 12,1%. Para permitir uma maior proximidade com o tema e maior<br />

veracidade nas informações contidas, aplicou-se um questionário com 245 estudantes do ensino<br />

1480


médio do Centro de Ensino Paulo Freire, localizada no bairro do Turu, no município de São<br />

Luís, Maranhão.<br />

Vislumbrou-se assim: conhecer o entendimento dos adolescentes acerca da<br />

realidade apresentada nas propagandas, em especial na propaganda de cerveja e os<br />

desdobramentos na vida deles . Como resultado do questionário aplicado em março de 2017, e<br />

tabulado, do universo escolar de 245 alunos, identificou-se 181 eram adolescentes, destes<br />

91(51%) já consumiram bebida alcoólica alguma vez, e (76) 42% faz uso frequentemente.<br />

Os Dado mostraram a média da faixa etária do início do uso está entre 15 anos,<br />

entretanto é preciso relatar que na amostragem tiveram adolescentes que iniciaram aos 5 anos de<br />

idade (homens) e 10 anos (mulheres). A pesquisa demonstrou que 61% dos consumidores é do<br />

sexo feminino, dado que vai de encontro aos dados nacionais. (A Pesquisa Nacional de Saúde<br />

Escolar (PeNSE) de 2012 entrevistou 109.104 estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental de<br />

um universo de 3.153.314, grupo no qual 86% dos integrantes têm entre 13 e 15 anos e as<br />

meninas são maioria na hora de experimentar bebida alcoólica: 51,7% feminino, ante 48,7%<br />

masculino).<br />

No que se refere a influência da mídia para o consumo de alguma forma, tivemos a<br />

resposta de 82% como positiva. Os motivos elencados foram: conforto, qualidade, durabilidade,<br />

moda e status. Para, os publicitários a forma de vender é mexer com a emoção no lugar da<br />

razão. No entanto, no que se refere às propagandas específicas de bebidas alcoólica, veiculadas<br />

pela mídia, 69 % dos adolescentes acreditam que elas influenciam os telespectadores a<br />

consumir, um número ainda muito expressivo, demonstrando que publicidade influencia o<br />

consumo de bebidas alcoólicas de acordo com fatores como a exposição, lembrança e<br />

apreciação das propagandas (VENDRAME, 2010). Assim, adolescentes mais expostos às<br />

propagandas relataram expectativas mais positivas em relação aos efeitos do álcool, bem como a<br />

intenção de beber quando mais velhos.<br />

Pesquisas mostram que, à medida que as crianças entram na adolescência, elas<br />

desenvolvem a capacidade de apreciar o simbolismo das peças publicitárias. Com efeito, a<br />

propaganda de bebidas é especialmente atrativa para adolescentes entre 10 e 14 anos de idade<br />

(PINSKY, 2009), além de colocar em dúvida, ou relativizar, os malefícios relacionados ao<br />

aumento do consumo de bebida alcoólica. Ao que diz respeito ao ranking das bebidas mais<br />

1481


consumidas por adolescentes devido a anúncios publicitários está a cerveja em primeiro lugar<br />

(33%) e em segundo o vinho (22%).<br />

Este fato pode está associado A lei brasileira considerar bebidas alcoólicas apenas<br />

aquelas com concentração de álcool acima de 13%, o que não contempla cervejas, vinhos e<br />

outros denominados “ice” e sua publicidade ser bem maior, sem restrição de horários. Diferente<br />

das bebidas alcoólicas, fermentadas, destiladas, retificadas onde o Código Brasileiro de<br />

Autoregulação Publicitária- CONAR, disciplina com maior rigor o horário de exposição, como<br />

Cachaça que teve (22%) de influencia e o Uísque com 17% e Martine com 6% dentro do<br />

ranking. As empresas alegam que suas propagandas não aumentam o consumo, mas apenas<br />

referenciam a aquele que já é consumidor na escolha dos diferentes produtos oferecidos<br />

(ARAÚJO, 2012).<br />

Na autoregulação do CONAR as regras relacionam-se, principalmente, ao<br />

conteúdo e à exposição de menores de idade às peças. No estudo 62% dos adolescentes relatam<br />

ver semelhança da propaganda de cerveja com suas vidas, o que faz questionar se as regras de<br />

autoregulação são eficazes para proteger o público mais vulnerável no Brasil.<br />

Na pesquisa os adolescentes percebem que a publicidade dá ênfase principalmente<br />

à proibição de menores de 18 anos, a alegria, descontração, liberdade e sexo. Com tais dados é<br />

preciso discutir que as crenças de que os comerciais de bebidas alcoólicas falam a verdade pode<br />

estar associada à percepção de similaridade dos adolescentes entre situações de suas vidas e<br />

aquelas que aparecem nos comerciais de bebidas alcoólicas.<br />

Se os adolescentes acreditam nisso, os comerciais podem ser vistos como fontes<br />

para definir suas ideias a respeito de “hábitos normais de beber”, o que nos leva à importância<br />

da discussão a respeito do conteúdo ao qual eles são expostos. A pesquisa informa dos<br />

adolescentes que consomem 83% reconhecem que é prejudicial a saúde e 12 % não considera<br />

prejudicial. 61% dos adolescentes informam que bebem socialmente, 24% gostam do álcool e<br />

14% afirma que a bebida que mais consome. Este último dado é bastante preocupante, devido o<br />

risco da dependência, vez que tão pouca idade já apresenta uma escolha tão expressiva. Em<br />

outros estudos têm demonstrado que quanto mais precoce o contato com o álcool, mais o<br />

indivíduo se torna vulnerável à dependência (BENITES E SCHNEIDER, 2014).<br />

1482


Apesar de o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei no 8.069, de 13 de julho de<br />

1990) proibir o consumo de bebidas alcoólicas por indivíduos menores de 18 anos, seu poder de<br />

atração passa pelo fato de ser uma droga lícita, que, portanto, não tem a força de censura<br />

atribuída às substâncias ilegais. A pesquisa apresentou que 55% dos adolescentes consomem em<br />

bares, bo<strong>ate</strong>s e praia, 27% consomem com os amigos, 15% em companhia da família e 3% na<br />

escola. A pesquisa também revelou que 57% dos pais e responsáveis tem ciência do consumo e<br />

costumam fazer intervenções orientando (52%) proibindo (45%) e agredindo (3%). Diante de<br />

tais resultados conclui-se que a prevenção e redução do uso nocivo do álcool devem ser tratadas<br />

como prioridade.<br />

Os adolescentes precisam de orientações seguras para melhorar a qualidade de vida<br />

e seus hábitos vez que há uma exposição prejudicial deles ao uso de bebida alcoólica. Mesmo<br />

proibida para menores, a ingestão de álcool por adolescentes é hoje um grande problema de<br />

saúde pública. Enquanto medidas legais não são tomadas nesse sentido, a sociedade pode<br />

diminuir essa influência agindo nos receptores das mensagens (os adolescentes) pela educação<br />

para a mídia.<br />

As propagandas deixariam de ser referências para a definição de “normalidade” ou<br />

“realidade” e passariam a ser vistas pelos adolescentes como ferramentas para influenciá-los ao<br />

consumo de bebidas, alimentos, vestuário e outros. Existe a necessidade de maior controle pelos<br />

governantes e de se trabalhar a desconstrução do estímulo exercido pela publicidade, ampliar<br />

ações de educação para a saúde com a participação escolar, dos profissionais da saúde e da<br />

família como estratégias de proteção da criança e do adolescente da dependência química<br />

precoce.<br />

A educação para a mídia visa compreender como as propagandas moldam o<br />

entendimento dos jovens sobre seu ambiente. O objetivo é fazer com que o receptor da<br />

mensagem – o adolescente – desenvolva uma visão distante e crítica, que o capacite a formar<br />

julgamentos a tomar decisões próprias.<br />

O oferecimento de atividades direcionadas a essas questões pelas escolas poderia<br />

abrir espaço para discussão e orientação. Certamente a mídia não é causa direta de consumo de<br />

bebidas alcoólica, entretanto existe associação entre essas mensagens vindas da mídia e o<br />

comportamento dos jovens. É nessa conversão da ideia para a prática social que reside uma<br />

1483


parte da chamada “responsabilidade social” da propaganda de maneira geral e, particularmente,<br />

da indústria do álcool, que não pode ser negligenciada. A publicidade parece ser importante<br />

fator de risco à iniciação do consumo de álcool, interferindo nas expectativas e decisões de uso<br />

pelo adolescente.<br />

REFERÊNCIAS:<br />

ARAÚJO, T. Almanaque das drogas. São Paulo: Leya, 2012<br />

BENITES DE O. P. ANA; SCHNEIDER R. DANIELA. Famílias e consumo de álcool em<br />

adolescentes do sexo feminino: uma revisão sistemática. Psicol. Reflex.<br />

Crit. vol.27 no.1 Porto Alegre Jan./Mar. 2014. Universidade Federal de Santa Catarina,<br />

Florianópolis, Santa Catarina, Brasil disponivel em:<br />

<br />

Acessado em 18 de maio 2017<br />

BRASIL. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística . Pesquisa Nacional de Saude do<br />

Escolar (PeNSE) - 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013 disponivel em :<br />

acessado em 04 de junho de<br />

2017.<br />

BRASIL. Resultados Vigitel Brasil 2016. Disponível em :<br />

http://portalarquivos.saude.gov.br/images/pdf/2017/abril/17/Vigitel_17-4-17-final.pdf<br />

acessado em 23 de agosto de 2017.<br />

PINSKY, Ilana (organizadora). Publicidade de bebidas alcoólicas e os jovens São Paulo ,<br />

2009.<br />

SENAD. O uso de substâncias psicoativas no Brasil: módulo 1. – 9. ed. – Brasília, 2016.<br />

VENDRAME, ALAN. Avaliação do cumprimento das regras da autorregulamentação<br />

publicitária nas propagandas de bebidas alcoólicas veiculadas na televisão brasileira. Tese<br />

(Doutorado) – Universidade Federal de São Paulo São Paulo, 2010. xv, 142 folhas<br />

1484


ANÁLISE DOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS GERADOS POR<br />

DESCARTES DE EFLUENTES DE ABATEDOUROS NO BAIRRO<br />

MARACANÃ, SÃO LUIS – MA<br />

ANALYSIS OF THE SOCIO-ENVIRONMENTAL IMPACTS GENERATED BY<br />

DISCHARGES OF EFFLUENTS OF ABATEDOROS IN THE MARACANÃ,<br />

SÃO LUIS - MA<br />

Gilvanele Silva Oliveira da Silva<br />

Me. Osman José de Aguiar Gerude Neto<br />

Universidade CEUMA/<br />

Programa Institucional de Iniciação Científica - PIC/UNICEUMA<br />

gilvanele@hotmail.com; osmangerude@hotmail.com<br />

Eixo 3 - Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO: A cidade de São Luís – MA, possui atualmente três ab<strong>ate</strong>douros municipais<br />

responsáveis pela distribuição da carne bovina para o mercado interno. No que concerne<br />

ao cumprimento da legislação federal (decreto nº 30.691/1952 - MAPA), todos estes<br />

estabelecimentos estão fora dos padrões considerados aceitáveis para o recebimento do<br />

Sistema de Inspeção Federal – SIF. Os três estabelecimentos acima citados, possuem o<br />

Sistema de Inspeção Municipal – SIM, se enquadrando nos requisitos mínimos<br />

estabelecidos pela vigilância sanitária municipal. Apesar de possuírem um selo de<br />

inspeção, estes podem estar expondo o consumidor final a riscos tanto de saúde, com do<br />

gozo do meio ambiente, devido à destinação inadequada dos efluentes produzidos<br />

durante o processo de ab<strong>ate</strong>. Sendo assim, o presente trabalho objetiva verificar a<br />

realidade dos ab<strong>ate</strong>douros locais da cidade de São Luís – MA, demonstrando suas<br />

instalações e destinação de seus de seus efluentes, e assim tentar apresentar soluções<br />

cabíveis aos seus proprietários. A pesquisa se constituiu na visitação aos ab<strong>ate</strong>douros,<br />

no período de fevereiro a julho de 2016 para o registro e descrição dos processos de<br />

1485


ab<strong>ate</strong> e suas etapas, bem como a destinação dos efluentes e resíduos gerados em todos<br />

os processos dos estabelecimentos objeto de estudo. Concluindo-se que os ab<strong>ate</strong>douros<br />

municipais de São Luís ainda se encontram em processo de adequação as exigências<br />

federais, mas os mesmos aplicam maiores investimentos nas estruturas físicas referentes<br />

aos processos de ab<strong>ate</strong>, deixando em segundo plano o tratamento dos efluentes líquidos<br />

e sólidos gerados no processo.<br />

Palavras-Chaves: Descartes. Qualidade Ambiental. Resíduos. Socioeconômico.<br />

ABSTRACT: The city of São Luis - MA, currently has three municipal<br />

slaughterhouses responsible for the distribution of beef to the domestic market.<br />

Regarding compliance with federal legislation (decree no. 30.691 / 1952 - MAPA), all<br />

these establishments are outside the standards considered acceptable for receipt of the<br />

Federal Inspection System - SIF. The three establishments mentioned above have the<br />

Municipal Inspection System (SIM), meeting the minimum requirements established by<br />

municipal health surveillance. Although they have an inspection seal, they may expose<br />

the final consumer to health risks, with the enjoyment of the environment, due to the<br />

inadequ<strong>ate</strong> disposal of the effluents produced during the slaughter process. Thus, the<br />

present work aims to verify the reality of the local slaughterhouses of the city. Showing<br />

their facilities and their disposal of their effluents, and thus try to present suitable<br />

solutions to their owners. The research consisted of visits to slaughterhouses from<br />

February to July 2016 for the registration and description of the slaughter processes and<br />

their stages, as well as the destination of the effluents and residues gener<strong>ate</strong>d in all the<br />

processes of the establishments and the environmental perception of the inhabitants of<br />

the area of influence of the object of study. It is concluded that the municipal<br />

slaughterhouses of São Luís are still in the process of adjusting the federal<br />

requirements, but they apply gre<strong>ate</strong>r investments in the physical structures rel<strong>ate</strong>d to the<br />

slaughtering processes, leaving in the background the treatment of the liquid and solid<br />

effluents gener<strong>ate</strong>d in the process.<br />

Keywords: Discards.Environmental Quality. Waste. Socioeconomic.<br />

1486


2. INTRODUÇÃO<br />

A proteína animal oriunda da carne destaca-se como um dos principais<br />

produtos necessário ao <strong>ate</strong>ndimento das necessidades básicas de sobrevivência humana,<br />

cuja demanda por sua procura e consumo está relacionado ao aumento populacional.<br />

É notória a existência de ab<strong>ate</strong>douros não oficiais, clandestino, que realizam<br />

o ab<strong>ate</strong> bovino sem nenhuma condição de higidez e preocupação do bem estar animal.<br />

No entanto, nas últimas décadas do século XX, os estabelecimentos de ab<strong>ate</strong> passaram<br />

por leis mais rígidas e maior cobrança tanto do ponto de vista ambiental, quanto do<br />

processo humanizado de ab<strong>ate</strong> dos animais.<br />

O processo de ab<strong>ate</strong> gera diversos resíduos que precisam ser corretamente<br />

geridos de forma a amenizar os seus possíveis impactos ambientais. Dentre estes<br />

resíduos gerados por matadouros tem-se efluentes líquidos (águas residuais<br />

contaminadas com sangue, esterco, vômito, óleos e graxas) e os resíduos sólidos (sebo,<br />

ossos, esterco, couro, vísceras etc.) (ARAÚJO & COSTA, 2014). A forma como estes<br />

despejam seus resíduos no ambiente tem influência direta para os três meios que o<br />

compõem (físico, biótico e socioeconômico) acarretando perdas às vezes irreparáveis<br />

para as comunidades em seu entorno.<br />

Pesquisas que visam investigar a gestão de resíduos sólidos e efluentes<br />

líquidos nos ab<strong>ate</strong>douros são extremamente relevantes, pois a atividade de ab<strong>ate</strong><br />

provoca inúmeros impactos ambientais locais, principalmente nos meios físicos e<br />

socioeconômicos.<br />

Desta forma, o presente trabalhou objetivou verificar a realidade dos<br />

ab<strong>ate</strong>douros locais da cidade de São Luís – MA, demonstrando suas instalações e<br />

destinação de seus de efluentes, e assim tentar apresentar soluções cabíveis aos seus<br />

proprietários<br />

1487


4. MATERIAS E MÉTODOS<br />

A presente pesquisa foi realizada no período de fevereiro de 2016 a Janeiro<br />

de 2017 em um ab<strong>ate</strong>douro bovino municipal, localizado na cidade de São Luís – MA.<br />

Sendo realizado o levantamento de dados de campoin loco, pesquisa na literatura e<br />

documental.<br />

No estabelecimento analisado no estudo, foram coletados amostras de água<br />

dos pontos de entrada e a saída do sistema de lagoas de estabilização, que constitui uma<br />

das etapas de tratamento de efluentes. No ponto de entrada foram retiradas amostras da<br />

primeira lagoa e no ponte de saída foram retiradas amostras da última lagoa, a qual o<br />

destino final dos efluentes será o meio ambiente, sendo toda a água coletada transferida<br />

para um frasco de polietileno e frasco âmbar do qual foram separadas as alíquotas para<br />

determinação de algumas medidas (FEDERATION, 2005), como temperatura, pH,<br />

turbidez, condutividade e oxigênio dissolvido.<br />

Os frascos de polietileno com as amostras foram conservados na geladeira<br />

até serem realizadas as devidas análises. Estas forma analisdas no Laboratório de<br />

Ciências do Ambienta – LACAM da Universidade CEUMA - UniCeuma que possuem<br />

os equipamento de pH, mV/ cond/TDS/Tempmetr marca: Marlab splabor,<br />

Espectrômetro- Marca:BEL Photonics 1105. Geladeira, autoclave, estufas. Serão<br />

utilizados para o processamento das amostras.<br />

As amostras de solocoletadas, para verificação do contaminação do mesmos<br />

com os efluentes lançados pelo ab<strong>ate</strong>douro ocorreram através do método aleatório<br />

(Meunier et al., 2001) sendo duas profundidades 20cm e 40cm (sendo quatro alíquotas<br />

de cada). Os procedimentos de coleta ocorreram em dias normais de expediente, durante<br />

o período da manhã e entre os meses de março a julho de 2016. O transporte das<br />

amostras foi realizado em caixas isotérmicas e envazadas em sacos plásticos, onde<br />

foram destinadas até o Laboratório de Química de Solo da Universidade Estadual do<br />

Maranhão - UEMA.<br />

1488


As analises socioambiental foram feitas mediante a aplicação de entrevistas<br />

semiestruturadas na comunidade ao entorno da área de influência do ab<strong>ate</strong>douro. Foram<br />

entrevistadas 24 pessoas entre 18 e 70 anos, com a intenção de analisar a percepção<br />

ambiental dos mesmo sobre as consequências do empreendimento na região. .<br />

5. RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

5.1 ASPECTOS DO SOCIOAMBIENTAL<br />

Para a caracterização da percepção ambiental da comunidade diretamente<br />

afetada pelo ab<strong>ate</strong>douro, foram levantados os seguintes dados: gênero; escolaridade;<br />

ocupação; idade; renda familiar; tipo de casa e residência; abastecimento de água;<br />

esgotamento sanitário e destino do lixo produzido. Segundo Ferrara (1999), a linguagem<br />

ambiental e a percepção que dela têm os usuários de um local têm sua existência identificada<br />

pela observação que capta e registra as imagens e as associa.<br />

GRÁFICOS 1, 2 e 3 - Gênero, Idade e Escolaridade.<br />

Fonte: Autores, 2016.<br />

1489


Os gráficos 1, 2 e 3 acima, apresentam a descrição da amostra da população do<br />

entorno do ab<strong>ate</strong>douro 1, caracterizando as seguintes variáveis: gênero, idade e escolaridade.<br />

Do total de 24 entrevistados 54% são do sexo feminino e 46% do sexo masculino, sendo seu<br />

nível de escolaridade muito baixa, onde 46% possuem apenas ensino fundamental incompleto,<br />

37% ensino fundamental completo e 17% apresentam nível médio ou técnico de formação.<br />

Sendo a média de idade desta população variando entre 18 e 69 anos.<br />

GRÁFICOS 4, 5, 6 e 7 - Ocupação, Tipo de Residência, Tipo de Casa e Renda Familiar.<br />

1490


Fonte: Autores, 2016.<br />

Os gráficos 4, 5, 6 e 7 acima apresentam as características socioeconômicas da<br />

população diretamente afetada pelo ab<strong>ate</strong>douro 1, em São Luís – MA. De 24 pessoas<br />

participantes da pesquisa apenas 4% possuem renda acima de 3 salários mínimos, sendo a<br />

grande maioria 71% com renda mínima de um salário mínimo. Isso é reflexo direto do nível de<br />

escolaridade da população estudada, como também das ocupações das mesmas, onde a<br />

grande maioria 33% está desempregada, 21% são autônomos, 17% são empregadas<br />

domésticas, 4% lavradores, 4% extrativista, 8% estudantes e 13% encontram-se aposentados.<br />

Apesar da baixa renda da população, 88% dos entrevistados moram em casas<br />

próprias, 4% em casas alugadas e 8% em casas cedidas por terceiros, sendo essas na sua<br />

grande maioria 71% de alvenaria e as demais 29% de taipa, mas sendo ambas construídas<br />

pelos mesmos.<br />

Lixo<br />

GRÁFICOS 8, 9 e 10 – Abastecimento de Água, Esgotamento Sanitário, Destino do<br />

1491


Fonte: Autores, 2016.<br />

Os gráficos 8, 9 e 10 apresentam algumas características de saneamento básico na<br />

área do entorno do ab<strong>ate</strong>douro 1, em São Luís – MA. O abastecimento de água segundo a<br />

comunidade é feito para a maioria das casas 67% por um poço artesiano comunitário de<br />

responsabilidade da companhia de água do município. Para 25% dos entrevistados a água que<br />

chega em suas casas é oriunda de poço próprio e para 8% das pessoas participantes existe<br />

outras formas de abastecimento de suas casas.<br />

O esgotamento sanitário dessa comunidade, na sua grande maioria 92% é feito<br />

por fosso séptica, mas para 8% da população ainda é utilizado as valas a céu aberto para<br />

escoamento de seus dejetos. O volume de lixo produzido por essas pessoas, tem grande parte<br />

83% coletados pela empresa de coleta pública do município, e o restante 17% geralmente são<br />

queimados nas suas propriedades.<br />

Com relação à percepção ambiental da população investigada, a tabela 01<br />

apresenta os impactos ambientais positivos e negativos citados pela população. A estes<br />

impactos a população atribui como causas prováveis o aumento populacional, na percepção de<br />

40% dos informantes e a implantação do empreendimento, na percepção de 60% dos<br />

informantes. Segundo Melazo (2005)<br />

a percepção e o engajamento do cidadão em relação à<br />

importância dos elementos naturais e aos problemas ambientais locais são um<br />

passo importante para contemplar os objetivos da Educação Ambiental. Para<br />

que isso ocorra, há necessidade de uma sintonia entre as diferentes realidades<br />

políticas, econômicas, sociais e culturais, bem como questões ecológicas.<br />

1492


Tabela 1: Impactos ambientais na percepção dos moradores da área diretamente<br />

afetada pelo ab<strong>ate</strong>douro municipal.<br />

Positivos Nº de citações Negativos Nº de citações<br />

Urbanização (pavimentação 3 Desmatamento da 10<br />

asfáltica)<br />

vegetação<br />

Geração de emprego e 7 Poluição do rio por esgoto 7<br />

renda<br />

- - Disposição inadequada de 4<br />

resíduos sólidos<br />

- - Assoreamento dos canais de 3<br />

curso d’água<br />

- - Proliferação de insetos e<br />

roedores<br />

1<br />

A tabela 01, demonstra que as quantidades de benefícios gerados pelo<br />

empreendimento a comunidade em seu entorno são menores que os problemas atrelados<br />

ao mesmo. Silva (2013) relata que<br />

a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação<br />

da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico é algo complicado<br />

nos padrões consumistas de hoje. Desta forma, a conciliação dos valores<br />

econômicos e sociais consiste, promoção do chamado desenvolvimento<br />

sustentável, e na exploração equilibrada dos recursos naturais.<br />

5.2 ASPECTOS DO MEIO FÍSICO<br />

Com relação às características químicas os valores de DBO corresponde a<br />

117 Mg/L no ponto de entrada do tanque de efluentes e 110,3 Mg/L no ponto de saída,<br />

indicando que o tratamento do efluente não está satisfatório, conforme a CONAMA<br />

430/11.<br />

O valor do fósforo total corresponde a 18,62 Mg/L e nitrogênio amoniacal<br />

total 69, 92 Mg/L, este último parâmetro também não apresenta resultados satisfatórios,<br />

ou seja, seu valor encontra-se acima do limite, conforme CONAMA 430/11 que<br />

estabelece um limite de 20,0 Mg/L. A disparidade do nitrogênio amoniacal poderá<br />

causar elevados danos ao corpo hídrico de destino desse efluente, já que esse<br />

1493


componente pode causar toxicidade e acelerar o processo de eutrofização do corpo<br />

hídrico. Segundo Von Sperling (2005) apud Filho (2015, p. 14) “nos corpos hídricos, a<br />

presença de amônia em sua forma livre é diretamente tóxica aos peixes”. Randall e Tsui<br />

(2002) apud Filho (2015, p. 14) afirma também que “por possuir caráter lipofílico, a<br />

amônia livre se difunde rapidamente em tecidos biológicos, causando desordem do<br />

sistema neurológico de peixes”.<br />

O quadro 1 apresenta as características física e químicas do solo da área do<br />

entorno das lagoas de estabilização do empreendimento. Com relação à granulometria,<br />

na profundidade de até 20 cm, a composição é representada por: areia grossa (28%)<br />

areia fina (52%), silte (4%) e argila (16%) e na profundidade de até 40 cm, a<br />

composição é constituída por: areia grossa (27%) areia fina (55%), silte (3%) e argila<br />

(8%), caracterizando o solo como de fácil percolação e determinante quanto à<br />

disponibilidade de contaminantes possíveis.<br />

Quadro 1: Características física e químicas do solo da área do entorno das lagoas de<br />

estabilização do ab<strong>ate</strong>douro municipal.<br />

Aspectos do meio físico<br />

Composição granulométrica<br />

Profundidade<br />

Areia<br />

grossa<br />

Areia<br />

fina<br />

Silte Argila Silte/Argil<br />

a<br />

Textura<br />

0 – 20 cm 28% 52% 4% 16% 0,25% Franco<br />

arenoso<br />

20 – 40 cm 27% 54% 3% 8% 0,38% Areia franca<br />

Aspectos do meio químico<br />

Metais (mg dm- 3 )<br />

Profundidade<br />

Zn Cu Fe Mn Pb Cd Ni Cr<br />

0 – 20 cm 0,292 0,222 280,1 0,554 0,916 0,064 0,276 0,263<br />

1494


20 – 40 cm 0,435 0,229 290,8 0,301 1,252 0,055 0,267 0,174<br />

Macronutrientes<br />

Profundidade P mg/dm 3 K Ca Mg<br />

MO g/dm 3<br />

pH<br />

0 – 20 cm 4 0,7 2 2 9 3,5<br />

20 – 40 cm 3 0,7 1 1 7 3,4<br />

Os metais disponíveis no solo podem ser prejudiciais tanto ao ser humano<br />

quanto aos demais seres vivos, já que o ambiente dispõem de metais pesados (Pb, Cd,<br />

Cr, Ni) que são absorvidos pela plantas e são bioacumuladores. (MORAES, 2009).<br />

5.3 MEDIDAS MITIGADORAS<br />

Controle de odores - A diminuição dos focos geradores de odores pode ser<br />

obtida, por meio da higiene no ambiente, evitando-se a acumulação de m<strong>ate</strong>riais<br />

degradáveis. Para isso podem ser utilizados biofiltros, lavagem de gases de escape e<br />

filtração em leitos com carvão ativado. Outro aspecto importante a ser destacado, é o<br />

alcance das áreas residenciais, topografia superior em relação à predominante no local e<br />

direção de vento para áreas desabitadas (Dias, 1999).<br />

Tratamento e disposição dos resíduos sólidos – Mediante o tipo de resíduo<br />

produzido, podem ser utilizados diferentes métodos de tratamento e acondicionamento,<br />

dentre eles: compostagem, processamento e reaproveitamento com a aplicação no solo,<br />

procedimentos térmicos para inativar os microrganismos patogênicos existentes.<br />

Tratamento dos efluentes líquidos - Para esse tratamento deve-se considerar: o<br />

grau de remoção exigido dos poluentes, disponibilidade de área e custos de implantação,<br />

operação e manutenção do sistema (Kato, 1982). Devido ao elevado teor de carga orgânica<br />

1495


provenientes das águas residuais de ab<strong>ate</strong>douros, os tratamentos mais utilizados são os<br />

biológicos (processos anaeróbios, sistema 3 de lagoas aeróbias, lodos ativados e suas<br />

variações, filtros biológicos de alta taxa e discos biológicos rotativos (biodiscos)). Esses<br />

processos removem de 75-95% de DBO e 80-95% de sólidos em suspensão. O tratamento<br />

preliminar (grade, peneira, caixa de areia e caixa de gordura) deve ser para a retirada dos<br />

sólidos grosseiros e da gordura. Braile e Cavalcanti (1993)<br />

Tabela 2: Recuperação de subprodutos em ab<strong>ate</strong>douros.<br />

Subproduto ou Indústria<br />

Resíduo<br />

Complementar<br />

Produto<br />

Aplicação<br />

Sangue Preparação de sangue Plasma Indústria alimentícia<br />

Sangue<br />

Aproveitamento de<br />

Alimento para<br />

Farinha de sangue<br />

gado abatido<br />

animais<br />

Pêlo/Crina Preparação de pêlos Pincéis Gerais<br />

Esterco/Resíduos de<br />

estômago/Intestino<br />

- Composto/biogás Fertilizantes, energia<br />

Couro/Pele<br />

Curtumes/Indústria de<br />

couro<br />

Couro<br />

Artigos de couro<br />

Osso<br />

Fusão de graxa<br />

Indústria de sabão,<br />

Graxa, farinha de<br />

alimento para<br />

osso<br />

animais<br />

Osso Fusão de graxa Gelatina de graxa Indústria alimentícia<br />

Sebo Fusão de graxa Graxa alimentícia<br />

Indústria alimentícia<br />

FONTE: Guia de Protección Ambiental (1996) apud Dias (1999).<br />

1496


6. CONCLUSÃO<br />

O ab<strong>ate</strong>douro <strong>ate</strong>nde as diretrizes mínimas para realização dos ab<strong>ate</strong>s<br />

sanitários, de acordo com o exigido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e<br />

Abastecimento. Os efluentes gerados no empreendimento são submetidos apenas a um<br />

sistema de tratamento primário, lagoa de estabilização. Onde não há a remoção do lodo,<br />

o que compromete todo o sistema de tratamento do empreendimento estudado.<br />

A população atribui parte da responsabilidade dos impactos negativos<br />

ocorridos na comunidade ao ab<strong>ate</strong>douro e seus efluentes. No entanto, considera que o<br />

advento do empreendimento contribui de forma positiva na geração de emprego e renda<br />

para população local. Evidenciando também a necessidade da intervenção do poder<br />

REFERÊNCIAS<br />

ARAÚJO, P. P. P.; COSTA, L. P. Impactos ambientais nas atividades de ab<strong>ate</strong> de<br />

bovinos: um estudo no matadouro público municipal de Caicó-RN. HOLOS,v. 1, p.<br />

136-142, 2014.<br />

BRASIL. Lei Federal nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da<br />

vegetação nativa. Brasília DF, Mai. 2012.<br />

BRAILE, P. M.; CAVALCANTI, J. E. W. A. Manual de Tratamento de Águas<br />

Residuárias. Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, CETESB, 1993,<br />

764p.<br />

CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente. Resolução nº 303 de 13 de maio de<br />

2002. Dispõe sobre parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação<br />

Permanente.<br />

DIAS, M. C. O.Manual de Impactos Ambientais: Orientações Básicas sobre Aspectos<br />

Ambientais de Atividades Produtivas. Fortaleza. Banco do Nordeste, 1999, 297p.<br />

FILHO, Paulo Kiyoshi Taki. Remoção e Recuperação de Nitrogênio Amoniacal de<br />

Efluente Gerado no Processamento do Couro. Dissertação (Mestrado) - Universidade<br />

1497


Tecnológica Federal do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental.<br />

Londrina, 2015. Disponível em:<br />

Acesso em: 14 set. 2016.<br />

FEDERATION, W<strong>ate</strong>r. Environmental et al. Standard methods for the examination<br />

of w<strong>ate</strong>r and wastew<strong>ate</strong>r. American Public Health Association (APHA): Washington,<br />

DC, USA, 2005.<br />

FERRARA, L. Olhar periférico: linguagem, percepção ambiental. 2 ed. São Paulo:<br />

Editora da USP, 1999.<br />

FEISTEL, J. C. Tratamento e destinação de resíduos e efluentes de matadouros e<br />

ab<strong>ate</strong>douros. Goiânia: UFG, 2011.<br />

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dados do censo<br />

demográfico.2010.<br />

Kato, M. T. Estudo e tratamento de águas residuárias de ab<strong>ate</strong>douros de aves. São<br />

Carlos.. Dissertação (Mestrado) - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de<br />

São Paulo, 1982, 262p.<br />

MELAZO, G. C. Percepção Ambiental e Educação Ambiental: Uma Reflexão Sobre<br />

as Relações Interpessoais e Ambientais no Espaço Urbano. Uberlândia, Ano VI, n. 6, p.<br />

45-51, 2005. Disponível em: <br />

Acesso em:14 set. 2016.<br />

MEUNIER, I. M. J.; SILVA, J. A. A.; FERREIRA, R. L. C. Inventário florestal:<br />

programas de estudo. Recife: UFRPE, 2001. 189p.<br />

MORAES. M.F. Micronutrientes e metais pesados tóxicos: do fertilizante ao produto<br />

agrícola,108p. Tese de doutorado. Centro de Energia Nuclear na Agricultura,<br />

Piracicaba, 2009.<br />

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 10ª Ed. São Paulo,<br />

Malheiros, 2013<br />

1498


ARTE-EDUCAÇÃO INFORMAL: Cafua das Mercês (Museu do Negro) como<br />

espaço facilitador de aprendizagem, pertencimento e interação cultural<br />

INFORMAL ART-EDUCATION: Cafua das Mercês (Museu do Negro) as a space<br />

that facilit<strong>ate</strong>s learning, belonging and cultural interaction<br />

Walter Rodrigues Marques<br />

Luís Félix de Barros Vieira Rocha<br />

Antônio de Assis Cruz Nunes<br />

Antonio de Assis Cruz Nunes –<br />

Doutor em Educação (Unesp/Marília).<br />

Professor e Coordenador do Programa de<br />

Pós-Graduação em Gestão de Ensino da Educação<br />

Básica/UFMA – Orientador.<br />

E-mail: felix_rocha_luis@yahoo.com.br<br />

walterkeyko@gmail.com<br />

antonio.assis@ufma.br<br />

Eixo 3 - Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

Resumo: Introdução:O presente trabalho tem a finalidade de propor práticas<br />

educacionais informais em Artes Visuais na Cafua das Mercês (Museu do Negro). Este<br />

museu é parte do MHAM (Museu Artístico e Histórico do Maranhão). O MHAM foi<br />

inaugurado em 1973 e até 1989, reunia num só lugar, todo o seu acervo. A partir desta<br />

data, os espaços se diversificaram por temática e atualmente tem a seguinte estrutura:<br />

(MHAM - sede, Galeria Floriano Teixeira, Museu de Artes Visuais e Museu de Arte<br />

1499


Sacra, Museu Cafua das Mercês - Museu do Negro, Igreja do Desterro, Capela Bom<br />

Jesus dos Navegantes, Museu Histórico de Alcântara). Utilizou-se como aporte teórico,<br />

Barbosa (2009), que tem o museu como melhor possibilidade de aprendizagem do que a<br />

escola; Barbosa (2012), que apresenta as questões do ensino de Arte em mudança e<br />

inquietação; a educação informal pode ser comparada à aprendizagem que ocorre em<br />

casa, na igreja e noutros grupos sociais não instituídos como a escola. Objetivos:<br />

Portanto, o museu pode ser parceiro do currículo (como educação informal e<br />

complementar) ao oferecer a possibilidade de educar sem a rigidez instituída, através de<br />

visitas aos espaços museológicos, atrelado a projetos em educação informal. Reflete,<br />

portanto, no crescimento cognitivo, emocional e social dos indivíduos como sujeitos<br />

que pertencem ao meio que os cercam, fortalecendo o discurso identitário, assim como<br />

o que preconiza a Lei 10.639/2003 sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira e<br />

africana. Mesmo que os espaços informais não sejam objeto da referida Lei que se<br />

centra no currículo escolar, esta fortalece a luta pela igualdade étnico-racial, servindo,<br />

pois, aos objetivos da educação informal. Conclusão: o museu como espaço cultural,<br />

está na ordem do discurso midiático como possibilidade de tecnologias educacionais<br />

através da mediação cultural, particularmente, a ampla estrutura do MHAM, ao qual o<br />

Museu do Negro faz parte, uma vez que este espaço museológico está inserido em São<br />

Luís do Maranhão, em seu Centro Histórico, o qual é Patrimônio Cultural da<br />

Humanidade desde 1997.<br />

Palavras-chave: Arte-Educação. Espaço Informal de Educação. Museologia. Currículo.<br />

ABSTRACT: Introduction: The present work has the purpose of proposing informal<br />

educational practices in Visual Arts in Cafua das Mercês (Museu do Negro). This<br />

museum is part of the MHAM (Artistic and Historical Museum of Maranhão). The<br />

MHAM was inaugur<strong>ate</strong>d in 1973 and until 1989, it gathered in one place, all its<br />

1500


collection. As of this d<strong>ate</strong>, the spaces have diversified by theme and currently have the<br />

following structure: (MHAM - headquarters, Floriano Teixeira Gallery, Museum of<br />

Visual Arts and Museum of Sacred Art, Cafua Museum of Mercy - Negro Museum,<br />

Desterro Church, Bom Jesus Chapel of the Navigators, Historical Museum of<br />

Alcântara). It was used as theoretical contribution, Barbosa (2009), who has the<br />

museum as a better possibility of learning than the school; Barbosa (2012), which<br />

presents the issues of changing art education and restlessness; informal education can be<br />

compared to learning that takes place at home, in the church, and in other non-instituted<br />

social groups such as school. Objectives: Therefore, the museum can be a partner of the<br />

curriculum (such as informal and complementary education) by offering the possibility<br />

of educating without the rigidity instituted, through visits to museum spaces, linked to<br />

projects in informal education. It reflects, therefore, on the cognitive, emotional and<br />

social growth of individuals as subjects that belong to the environment that surround<br />

them, strengthening the discourse of identity, as well as that advoc<strong>ate</strong>d by Law 10.639 /<br />

2003 on the teaching of Afro-Brazilian and African history and culture . Even though<br />

informal spaces are not the subject of the Law that focuses on the school curriculum, it<br />

strengthens the struggle for ethnic-racial equality, thus serving the goals of informal<br />

education. Conclusion: the museum as a cultural space, is in the order of media<br />

discourse as a possibility of educational technologies through cultural mediation,<br />

particularly the broad structure of the MHAM, to which the Black Museum is part,<br />

since this museum space is inserted in São Luís do Maranhão, in its Historical Center,<br />

which has been World Cultural Heritage since 1997.<br />

Keywords: Art-Education. Informal Education Space. Museology. Curriculum.<br />

1501


INTRODUÇÃO<br />

O museu é um espaço para e/ou de preservação da memória de uma<br />

sociedade. Ao se pensar no museu como possibilidade de aprendizagem, surgem muitos<br />

questionamentos. O museu é um lugar de pesquisa? É lugar de educação? Que<br />

conhecimento o museu veicula? Na contemporaneidade, é possível pensar ainda que a<br />

educação está restrita aos muros escolares? Há uma forma alternativa de fazer com que<br />

o processo de ensino-aprendizagem aconteça? Em arte-educação, fundamentamos esse<br />

processo na mediação cultural, que para Barbosa e Coutinho (2009, p. 73) “... é um ato<br />

de colocar em presença uma atualização. Presença entendida não certamente no sentido<br />

imediato, porém na representação do presente (simbolização)”.<br />

Embora não tenha a mesma estrutura do ensino formal, os museus, as<br />

ONGs, associações de moradores, centros culturais e uma infinidade de outros espaços<br />

podem desempenhar a função de ensinar, de proporcionar conhecimentos e saberes.<br />

Discutir-se-á sobre a função do museu como espaço possível para a arteeducação<br />

em espaços informais.<br />

O espaço proposto será o Museu Cafua das Mercês (Museu do Negro),<br />

anexo do complexo MHAM. O Museu do Negro possui um acervo que conta a história<br />

da escravidão, rememora, pois, a escravização dos africanos pelos europeus.<br />

Os dados aqui dispostos ainda são iniciais, pois estão colocados a título de<br />

pesquisa bibliográfica, mas que sugere que seja realizada a prática de visitação ao<br />

espaço e a partir da mediação cultural, de alunos de escola pública, dá prosseguimento à<br />

pesquisa.<br />

Ensino de Arte na contemporaneidade<br />

A Arte é indispensável no processo de aquisição de conhecimento. A<br />

disciplina escolar Arte ainda é a forma mais usual de se praticar a aprendizagem em<br />

arte, seja na escola ou em outros espaços. Ainda que se possa pensar que a<br />

aprendizagem não ocorre apenas em espaços instituídos como lugar de educação e<br />

instituída como disciplina. Faça-se aqui uma diferença dos espaços educacionais em:<br />

formal e informal. Mas para que a aprendizagem em arte ocorra, é preciso que o<br />

professor se reconheça como professor de Arte, como agente que tem consciência de<br />

seu fazer, do seu lugar de ação/atuação/fala, do contrário, irá fracassar na mediação de<br />

tal conhecimento.<br />

1502


A prática docente contemporânea carece de sentido. A aprendizagem precisa<br />

ser significativa, tanto a um quanto a outro – os atores que estão envolvidos no processo<br />

educativo. O fazer docente precisa dar sentidos a esse fazer. E o professor de Arte e seus<br />

educandos precisam, pois carecem, dessa reflexão. Os saberes e conhecimentos<br />

artísticos da Arte, precisam ter significado, um caminho possível para a Arte ter um<br />

lugar na escola.<br />

Conforme PCN (2000, p. 48):<br />

Ao compor a área Linguagens, Códigos e suas Tecnologias na escola média,<br />

a Arte é considerada particularmente pelos aspectos estéticos e<br />

comunicacionais. Por se um conhecimento humano articulado no âmbito<br />

sensível-cognitivo, por meio da arte manifestamos significados,<br />

sensibilidades, modos de criação e comunicação sobre o mundo da natureza e<br />

da cultura.<br />

A educação como conceito de mediação remonta à Grécia antiga, dos<br />

tempos de Sócr<strong>ate</strong>s que concebia a educação como um parir ideias. Rousseau, Dewey,<br />

Vygotsky dentre outros encarregam a aprendizagem à natureza, ao grupo social, ao<br />

próprio sujeito, sendo o professor o mediador dessa aprendizagem – organizador,<br />

questionador, estimulador, aglutinador (BARBOSA; COUTINHO, 2009, p. 13).<br />

Barbosa (2012) e Lowenfeld (1977) não diferem sobre a importância da<br />

Arte na educação, preconizando que tanto na alfabetização quanto na adolescência, é<br />

vital para um equilíbrio e/ou desenvolvimento emocional dos sujeitos, ainda que<br />

Barbosa considere que na alfabetização há uma “necessidade de conquista de uma<br />

técnica” (p. 27). A alfabetização não é um processo de mão única, mas verbal, cultural.<br />

“A leitura social, cultural e estética do meio ambiente vai dar sentido ao mundo da<br />

leitura verbal” (p. 28). Portanto, Barbosa aponta como mais importante o uso da<br />

imagem no ensino de Arte porque “A representação plástica visual muito ajuda a<br />

comunicação verbal” (ibid).<br />

1503


O MHAM (Museu Artístico e Histórico do Maranhão)<br />

Museu: espaço de comunicação voltado para a interação entre os povos. O<br />

museu rememora o passado para que nos lembremos dos nossos ancestrais – o que<br />

viveram, como viveram e, para que reflitamos – como vivemos e como viveremos. “O<br />

museu, enquanto memória institucionalizada, organiza também o esquecimento de tudo<br />

o que na sua nova perspectiva é desnecessário e Inoportuno” (CHAGAS, 2005, p. 25<br />

apud SANTOS, 1992, p. 233).<br />

Os museus, espaços de memória, de esquecimento, de poder e de resistência,<br />

são criações historicamente condicionadas. São instituições datadas e podem,<br />

através de suas práticas culturais, ser lidas e interpretadas como um<br />

documento. Quando o pesquisador se debruça sobre as instituições museais,<br />

compreendendo-as como elementos típicos das sociedades modernas, é<br />

possível identificar em suas estruturas de atuação três aspectos distintos e<br />

complementares: a) do ponto de vista museográfico a instituição museal é<br />

campo discursivo; b) do ponto de vista museológico ela é produtora de<br />

interpretação e c) do ponto de vista histórico - social ela é arena política.<br />

(CHAGAS, 2005, p. 25).<br />

No passado o museu era apenas uma instituição encarregada de guardar<br />

objetos e documentos de valor histórico – “museu igual a depósito de coisas antigas”<br />

(CHAGAS, 2005, p. 25).<br />

A partir da década de ’70 do século 20, esse conceito começa a ser<br />

questionado. Caberia ao museu apenas o papel de expor e preservar? E a função social?<br />

O museu não seria também um lugar de educar? Onde se aprende?<br />

Todos os setores da Educação e da Cultura indagaram o conceito. Foram<br />

anos de discussões e também de aprimoramento até chegar-se ao caminho da<br />

transformação.<br />

Firmou-se também a ideia da necessidade de investigar e comunicar – o<br />

objeto precisava ser pesquisado, não tinha a função apenas estética, deveria estar<br />

contextualizado para que houvesse comunicação – a transmissão da mensagem a ser<br />

compreendida pelo “visitante”.<br />

A partir desta compreensão, estabeleceram-se as três funções essenciais do<br />

museu: preservação, investigação e comunicação.<br />

A nova museologia permanece com o fato museal, mas mudou a forma de<br />

analisá-lo – novo lugar metodológico. Deslocou-se definitivamente o foco de análise do<br />

1504


museu para o cotidiano das pessoas. A museologia e o museu participam sendo eles<br />

mesmos mediadores do processo de significação do patrimônio.<br />

Se a pesquisa em museologia é a produção de conhecimento museológico a<br />

partir do fato museal,<br />

A comunicação é que torna possível a emergência do novo. Em outros<br />

termos: o processo de comunicação é base necessária para a produção de<br />

conhecimento original a partir do bem cultural preservado. De outro ângulo:<br />

o processo de investigação amplia as possibilidades de comunicação do bem<br />

cultural e dá sentido à preservação. A pesquisa é a garantia da possibilidade<br />

de uma visão crítica sobre o campo de estudo aqui delineado (CHAGAS,<br />

2002, p. 25).<br />

Há uma grande dificuldade no desenvolvimento de pesquisa empírica em<br />

comunicação museológica. Essa dificuldade está na transversalidade de teorias e<br />

conceitos que contribuam para a construção da teoria compreensiva da recepção<br />

museológica. Ela não existe e precisa ser construída. Essa transversalidade tem que dá<br />

conta da concepção de que:<br />

O museu tem sempre como sujeito e objeto o homem e seu ambiente, o<br />

homem e sua história, o homem e suas ideias e aspirações. Na verdade, o<br />

homem e a vida são sempre a verdadeira base do museu, o que faz com que o<br />

método utilizado em museologia seja essencialmente interdisciplinar, posto<br />

que o estudo do homem, da natureza e da vida, dependem do domínio de<br />

conhecimentos científicos muito diversos. Quando o museu e a museologia,<br />

no senso global do termo, estudam o ambiente, o homem, ou a vida, são<br />

obrigados a recorrer às disciplinas que a exagerada especialização separou<br />

por completo. A interdisciplinaridade deve ser o método de pesquisa e de<br />

ação da museologia e portanto, o método de trabalho nos museus e cursos de<br />

formação de museólogos e funcionários de museus (CURY, 2005, p. 69 apud<br />

RUSSIO, 1981, p. 59).<br />

São Luís - capital do Estado do Maranhão, é uma das mais ricas cidades do<br />

Brasil em se tratando de conjunto arquitetônico. Possui uma arquitetura civil e religiosa<br />

invejável. Esse conjunto arquitetônico começa a receber <strong>ate</strong>nção do poder público em,<br />

1955 – Tombamento federal: Com base em processo elaborado pelo então<br />

IPHAN, considerando o valor cultural e urbanístico da área mais antiga e<br />

homogênea do Centro Histórico, o Governo Federal determinou ao<br />

Ministério da Educação e Cultura, a inscrição, no Livro de Tombo, dos<br />

conjuntos arquitetônicos e paisagísticos do largo fronteiro à Igreja do<br />

Desterro, da Praça Benedito Leite, Praça João Lisboa e do conjunto<br />

arquitetônico da Praça Gonçalves Dias (CAFETEIRA, 1994, p. 118).<br />

1505


A Praia Grande representa um dos mais expressivos conjuntos existentes da<br />

arquitetura colonial brasileira. Enquanto outras cidades - Salvador, Olinda e<br />

as cidades históricas mineiras – possuem conjuntos importantes, somente São<br />

Luís, entre as grandes cidades brasileiras, contém um área tão extensa, e<br />

ainda intacta. Não se pode presumir, porém, que esta falta de contaminação,<br />

resultado da morosidade do desenvolvimento econômico do Estado,<br />

continuará indefinitivamente. A preservação deste patrimônio excepcional,<br />

deverá ser tratado com a urgência já proposta no Plano Diretor de São Luís,<br />

como também pela UNESCO, no relatório elaborado pelo arquiteto Vianna<br />

de Lima (SILVA, 2009, p. 2 apud GISISGER, 1978, p. 5).<br />

De acordo com Silva (2009, p. 1), o IPHAN decreta em 1974, “o<br />

tombamento arquitetônico e paisagístico do conjunto urbano do Centro Histórico de São<br />

Luís”, consolidando a política de tombamentos do órgão desde 1940. Mas, “somente<br />

nos primórdios da década de 1980 vão ser desenvolvidas políticas públicas para a<br />

revitalização do espaço urbano tombado pelo patrimônio nacional”.<br />

O Centro Histórico de São Luís foi tombado pela UNESCO (Organização<br />

das Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura) em 1997.<br />

Todo o esforço despendido no processo de preservação e revitalização do<br />

Centro Histórico de São Luís teve o seu coroamento em dezembro de 1997,<br />

quando a Governadora do Estado, o Prefeito da cidade de São Luís (Jackson<br />

Lago) e os demais membros da comitiva oficial que representavam a cidade<br />

no evento tiveram a honra de receber para o Centro Histórico de São Luís o<br />

título de Patrimônio Mundial, durante a 21ª reunião do Comitê do Patrimônio<br />

Mundial. Com a concessão do título em 1997 pela UNESCO, foram<br />

iniciadas no ano subseqüente mais obras, em especial, no perímetro do<br />

espaço urbano reconhecido pela UNESCO, possibilitando uma ampla<br />

recuperação da infra-estrutura urbana de uma área com 60 hectares (SILVA,<br />

2009, p. 7-8).<br />

Os maranhenses e/ou ludovicenses pouco conhecem de sua própria história,<br />

uma vez que não foram expostas formas relevantes de reprodução de tal conhecimento,<br />

o que pode ser reparado com a abertura do currículo às coisas do ser e fazer local.<br />

O Centro Histórico de São Luís conta, em seu variado espectro de<br />

manifestações, com museus que oferecem suportes históricos variados. Possui o Museu<br />

de Artes Visuais, o Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho (Museu Casa da<br />

Fésta), o Museu de Arqueologia, o Museu Artístico e Histórico do Maranhão, dentre<br />

1506


outros locais em que a história da humanidade pode ser vista e apreciada. Será exposto<br />

aqui um pouco sobre o MHAM (Museu Artístico e Histórico do Maranhão).<br />

O MHAM sempre foi um grande incentivador das artes plásticas do<br />

Maranhão. Um grande marco do Museu foi a exposição “Cem anos de artes plásticas no<br />

Maranhão”, em 1985, promovida pelo MHAM e Secretaria de Cultura que reuniu<br />

centenas de obras de artistas consagrados e de novos talentos.<br />

O MHAM de 1973, quando da sua inauguração até 1989, reunia num só<br />

lugar, todo o seu acervo. A partir de 1989, começam a surgir novos espaços para<br />

comportar esse acervo. O MHAM, está assim dividido: (MHAM - sede, Galeria<br />

Floriano Teixeira, Museu de Artes Visuais e Museu de Arte Sacra, Museu Cafua das<br />

Mercês - Museu do Negro, Igreja do Desterro, Capela Bom Jesus dos Navegantes,<br />

Museu Histórico de Alcântara).<br />

Por ocasião da restauração de Centro Histórico em 1989, foi restaurado um<br />

casarão na Rua Portugal para sediar um anexo do MHAM – nasce o Museu de Artes<br />

Visuais, aberto em 22 de dezembro de 1989, para abrigar a azulejaria e as artes<br />

plásticas.<br />

Em 1992, a Secretaria de Estado da Cultura comprou da Arquidiocese de<br />

São Luís, um prédio localizado na Rua Treze de Maio, 500 – para abrigar o Museu de<br />

Arte Sacra. A montagem do Museu foi patrocinada pela Companhia Vale do Rio Doce e<br />

Associação dos Amigos do Museu.<br />

No fim da década de oitenta o Museu encontrava-se carente de uma<br />

reforma. O Museu foi fechado para uma pequena reforma que não deveria ultrapassar os<br />

oito meses, ficou fechado por nove anos. Houve diversas tentativas de reforma, mas<br />

nenhuma vingou. O acervo corria todo tipo de riscos, furto das obras, extravio, devido<br />

ao manejo das peças. Por um tempo, parte do acervo ficou na Secretaria de Cultura.<br />

1507


No governo de Roseana Sarney (1995/1998), reiniciam-se as obras de<br />

reforma do Museu graças a um convênio entre o Estado do Maranhão e o Ministério da<br />

Cultura.<br />

Em setembro de 1998, o MHAM reabre suas portas com uma nova proposta<br />

museológica e museográfica e, uma nova estrutura física, com espaços inclusive,<br />

climatizados.<br />

Local privilegiado da classificação evolutiva e cujos pressupostos se pautam<br />

nas Ciências Naturais, os museus etnológicos brasileiros cumpriram, sem<br />

dúvida, papel relevante na pré-história do pensamento científico brasileiro.<br />

Resta garantir que o espaço da crítica a um paradigma não nos leve à<br />

desconsideração de qualquer produção anterior. Wanderley Guilherme dos<br />

Santos tece considerações relevantes nesse sentido, ao questionar a<br />

periodização tradicional, que estabelece a institucionalização das atividades<br />

científicas sociais como o divisor de águas entre um período dito “précientífico<br />

e um período científico”. Segundo o autor, esse tipo de<br />

historiografia ordenaria o passado em função do presente, estando portanto<br />

“desarmada para entender as exatas articulações do desenvolvimento<br />

intelectual” (CHAGAS, 2005, p. 14-5 apud SANTOS, W. 1978, p. 26-27).<br />

Sobrado do século XIX, construído em 1836 pelo major Inácio José Gomes<br />

de Sousa, residindo até 1857 quando vendeu para a família Colares Moreira, que o<br />

vendeu para a família de José Francisco Jorge em 1918 e que nele permaneceu até 1967.<br />

No ano seguinte, o então governador José Sarney, o comprou já com o intuito de<br />

instalar ali um museu – o MHAM.<br />

O Museu conta com um pequeno teatro – Apolônia Pinto – atriz e grande<br />

dama do teatro maranhense e nacional.<br />

O jardim possui piso revestido de seixo, três estátuas de terracota inglesa,<br />

procedentes da Fábrica de Fiação e Tecidos do Rio Anil, representando os deuses da<br />

Mitologia (Minerva, Ceres e Mercúrio).<br />

É composto por coleções de numismática, mobiliário, porcelana, ‘vidros e<br />

cristais,’ pintura, escultura, azulejos, documentos, gravura e arte sacra.<br />

1508


O acervo do MHAM veio através de doações e de colecionadores, como o<br />

escritor Josué Montello, que trabalhou incansavelmente para reunir o maior e melhor<br />

número de peças para formar o patrimônio do MHAM. Outro processo de aquisição do<br />

acervo foi através de compra pela FUNCMA.<br />

MHAM - Museu Cafua das Mercês - Museu do Negro<br />

Na arte e na vida memória e história são personagens do mesmo cenário<br />

temporal, mas cada um se veste a seu modo. Neste contexto intercalarei<br />

memória e história. A história intelectual e formal, usa a vestimenta<br />

acadêmica, enquanto a memória não respeita regras nem metodologias, é<br />

afetiva e revive a cada lembrança (BARBOSA, 2014, p. 1).<br />

É, no sentido de intercalação entre memória e história, conforme Barbosa,<br />

na citação acima, que apresentamos o Museu do Negro (Cafua das Mercês). O Museu<br />

Cafua das Mercês, anexo do MHAM, apresenta em seu acervo, uma história da<br />

escravidão, uma memória do passado de um povo.<br />

O acervo, composto por objetos, instrumentos, documentos, formas de tratar<br />

o negro da escravidão brasileira, está imbricado em memória e história. Tal fato é que<br />

nos impele a propor o espaço como lugar de ensino-aprendizagem em museu através da<br />

mediação cultural. Ação essa que se propõe extrapolar os muros da escola e buscar<br />

proposições para aprendizagens significativas. Usar a história como memória para que<br />

se conheça e problematize a questão racial no Brasil.<br />

O Museu Cafua das Mercês conta a história da escravidão. A proposição é<br />

que através da ida dos alunos aos espaços museológicos se possa, por meio da mediação<br />

cultural, desconstruir as concepções que se tem da escravidão. Desconstruir, por<br />

exemplo, o corriqueiro emprego do termo – escravo africano – em vez de africano<br />

escravizado. Ainda que apenas uma inversão dos termos não pareça grande coisa, faz<br />

toda a diferença, pois se retira, com isso, a concepção de que o continente africano é um<br />

grande continente cheio de escravos.<br />

A lógica africana é outra, que difere da lógica Ocidental. Portanto, querer<br />

imputar aos povos africanos a concepção Ocidental de escravos é produzir linearmente<br />

uma concepção como única e fechada, onde os povos africanos são vistos como o que a<br />

1509


muito se vem pensando e isso precisa ser desconstruído: os africanos foram expatriados,<br />

retirados de sua cultura, de seus entes queridos, de seus deuses, de suas posses, e, foram<br />

aqui e noutros lugares de dominação europeia, escravizados. Apresenta-se, pois, o<br />

Museu Cafua das Mercês.<br />

Fig. 1: Fachada da Cafua das Mercês – São Luís<br />

Fonte: http://wikimapia.org/23191282/pt/Cafua-das-Merc%C3%AAs<br />

O Museu do Negro (Cafua das Mercês) tem como “Missão 200 :Adquirir,<br />

preservar, conservar objetos e acervos relativos à história e memória da escravidão e da<br />

cultura afro brasileiro maranhense, contribuindo ao mesmo tempo para o conhecimento,<br />

reconhecimento da nossa diversidade cultural e valorização da matriz cultural africana”.<br />

200 Disponível em:. Acesso em:<br />

26 ago. 2017.<br />

1510


Fig. 2: Acervo da Cafua das Mercês<br />

Fonte: http://blackpagesbrazil.com.br/?p=4027<br />

De acordo com Barbosa (2009) o museu é uma alternativa para a construção<br />

de aprendizagens em comparaçãocom ensino no museu e na escola.<br />

“O que faz o museu que não faz a escola? Por que hoje a aprendizagem no<br />

museu poderia ser mais eficaz que na escola?” À primeira questão: “o museu assumiu<br />

os desafios da educação; o museu ampliou e diversificou sua oferta cultural, a qual<br />

inclui shows, cinema, dança, teatro etc.”. À segunda questão: está relacionado ao que o<br />

1511


aluno considera lúdico; a aprendizagem se relaciona com a interpretação e criação<br />

pessoal, “os temas são atuais”, o conhecimento é interdisciplinar, proximidade com a<br />

vida real (BARBOSA, 2009, p. 99).<br />

Com relação à construção de aprendizagens, os três paradigmas do<br />

conhecimento analisados por Pearse se integram: os conceitos que<br />

encontramos por trás das experiências educativas dos centros de arte<br />

contemporânea são a consideração da arte como meio de conhecimento<br />

pessoal e do entorno social; arte como instrumento ativador de experiências<br />

significativas; arte como instrumento questionador do mundo e da vida; arte<br />

como linguagem para expressar ideias e sentimentos (ibid).<br />

Nessa perspectiva, o Museu do Negro se adequa as características da<br />

educação informal porque transmite saberes culturais. A educação informal auxilia,<br />

portanto, homens e mulheres no exercício de auto compreensão como seres resultantes<br />

de experiências socioculturais. Por isso, torna-se pertinente estudos que discutam esta<br />

complexidade educacional.<br />

Fig. 3: Acervo da Cafua das Mercês<br />

Fonte: http://blackpagesbrazil.com.br/?p=4027<br />

Selbach (2010, p.33) apresenta três problemas relacionados ao ensino de<br />

arte no Brasil e explicita quais as barreiras que devem ser superadas para se produzir um<br />

ensino significativo:<br />

1512


O primeiro problema é tentar ensinar arte como que recitando<br />

conteúdos e, assim, empobrecendo o universo cultural e o interesse do aluno.<br />

O segundo é representado pelo reduzido número de cursos de formação de<br />

professores de nível superior e a consequente atribuição de aulas a pessoas<br />

não especializadas, ou especialistas em apenas uma ou outra expressão<br />

artística. Some-se a esses problemas a pequena quantidade de livros editados<br />

e divulgados sobre a didática da disciplina e, tristemente, percebe-se como é<br />

Artes mal ensinada e porque poucas vezes se dá à disciplina sua importância.<br />

A Lei 9.394/96, Art. 26, parágrafo 2º - “O ensino da arte, especialmente em<br />

suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório nos diversos<br />

níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos<br />

alunos”. (BRASIL, 1997; CARNEIRO, 2015, p. 315). Nos Parâmetros Curriculares<br />

Nacionais de Arte (PCNs), a estrutura para o Ensino Fundamental foi constituída<br />

levando-se em consideração “dois aspectos básicos dessa área de conhecimento: a<br />

natureza e abrangência da educação de arte e as práticas educativas e estéticas que vêm<br />

ocorrendo principalmente na escola brasileira. O primeiro aspecto, objetiva “analisar e<br />

propor encaminhamentos para o ensino e a aprendizagem de Arte” iniciando “com o<br />

histórico da área na educação escolar”, correlacionando “com a produção de arte na<br />

cultura brasileira”; no segundo aspecto destaca as “quatro linguagens: Artes Visuais,<br />

Dança, Música e Teatro", elencando as especificidades de cada uma. (BRASIL, 1998, p.<br />

15).<br />

Fig. 4: Acervo da Cafua das Mercês<br />

Fonte:http://blackpagesbrazil.com.br/?p=4027<br />

1513


O trabalho tem como objetivo compreender o conceito de educação informal e suas<br />

ações, a história do Museu do Negro e investigar as possibilidades desse espaço no contexto<br />

educacional.<br />

Gohn (2015) defende que os movimentos sociais foram pioneiros nos<br />

processos de educação não formal, antecedendo os projetos das ONGs, e já acontecendo<br />

desde os anos de 1960 no Brasil com as pastorais religiosas e as comunidades eclesiais<br />

de base. Mas defende mesmo e com muito ênfase o papel dos movimentos sociais<br />

ocorridos em junho de 2013, quando a população foi às ruas, como ações de educação<br />

não formal, porém, de grande amplitude.<br />

Para a presente pesquisa (ainda em fase inicial) foram feitas leituras e<br />

fichamentos dos textos. Pretende-se num segundo momento, inserir os alunos da escola<br />

pública nesse espaço museológico, com a finalidade de viabilização do projeto por meio<br />

de editais das agências de fomento cultural e científico.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Portanto, o Cafua das Mercês é um espaço de conhecimentos sobre a<br />

história e a cultura dos africanos, assim como dos afro-brasileiros, pois conta com<br />

objetos de valores artístico, cultural e histórico-identitário.<br />

O presente texto é resultado de uma pesquisa que buscou investigar as ações<br />

do Museu Cafua das Mercês fazendo um posterior link com a efetivação da Lei nº 10.<br />

639/2003do ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Ressaltamos que o<br />

objetivo primeiro da pesquisa era somente fazer um levantamento das ações do museu<br />

sem aprofundamento nas atividades, mas durante o andamento e na finalização, sentiuse<br />

que poderia haver aproximações com o que preconiza a referida Lei, ficando este<br />

apontamento como reflexão para futuras pesquisas. Apontamos que ao longo da história<br />

a educação foi voltada para a negação e violação dos direitos dos negros. Dessa forma,<br />

faz-se necessário que os educadores promovam acesso aos museus como espaço<br />

1514


educacional de conhecimentos necessários para os indivíduos construírem sua<br />

identidade étnica com sentimento de pertencimento a seu local de origem.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BARBOSA, Ana Mae. Arte e ONGs. In: Lívia Marques Carvalho. (org.). O ensino de<br />

artes em ONGs. São Paulo: Cortez, 2008, v. 1, p. 7-10.<br />

BARBOSA, Ana Mae; COUTINHO, Rejane Galvão. Arte/educação como mediação<br />

cultural e social. São Paulo: Editora UNESP, 2009. (Coleção Arte e Educação).<br />

BARBOSA, Ana Mae (org.).Ensino de arte: memória e história. São Paulo:<br />

Perspectiva, 2014. – (Estudos; 248/ dirigido por J. Guinsburg). 2. reimpr. da 1. ed. de<br />

2008.<br />

_________________________. A imagem no ensino de arte: anos 1980 e novos<br />

tempos. São Paulo: Perspectiva, 2012. – (Estudos; 126/ dirigido por J. Guinsburg).<br />

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:<br />

arte / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997. 130p. (Ensino<br />

de 1ª à 4ª série).<br />

_______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais:<br />

arte / Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1998. 116p. (Ensino<br />

de 5ª à 8ª série).<br />

_______. Linguagens, códigos e suas tecnologias / Secretaria de Educação Básica. –<br />

Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Parâmetros<br />

curriculares nacionais – ensino médio, 2000. Disponível em:<<br />

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/blegais.pdf>. Acesso em: 15 out. 2017.<br />

CARNEIRO, Moaci Alves. LDB fácil: leitura crítico-compreensiva, artigo a artigo. 23.<br />

ed. revista e ampliada. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2015.<br />

CAFETEIRA, Epitácio. Reviver. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1994.<br />

CHAGAS, Mário de Souza. Museu, museologia e pensamento social brasileiro.<br />

Cadernos do CEOM - Ano 18, n. 21, jun. 2005 - Museus: pesquisa, acervo,<br />

comunicação. Disponível em:<br />

1515


.<br />

Acesso em: 22 jul. 2015.<br />

CURY, Marília Xavier. Museologia: marcos referenciais. Cadernos do CEOM - Ano<br />

18, n. 21, jun. 2005 - Museus: pesquisa, acervo, comunicação. Disponível em:<br />

. Acesso<br />

em: 03dez. 2017.<br />

GOHN, Maria da Glória (org.). Educação não formal no campo das artes. São Paulo:<br />

Cortez, 2015.<br />

LOWENFELD, Viktor. A criança e sua arte: um guia para os pais. Trad. Miguel<br />

Maillet.- São Paulo: Mestre Jou, 1977.<br />

SELBACH, S. Arte e didática. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.<br />

SILVA, João Ricardo Costa. Políticas públicas no Centro Histórico de São Luís: as<br />

etapas do processo de intervenções urbanística. In: IV JORNADA<br />

INTERNACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: neoliberalismo e lutas sociais:<br />

perspectivas para as políticas públicas. Disponível em:<br />

http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinppIV/eixos/5_estado-identidade/politicaspublicas-no-centro-historico-de-sao-luis-as-etapas-do-processo-de-intervencoesurbani.pdf<br />

l> Acesso em 22 jul. 2015.<br />

1516


EDUCAÇÃO PATRIMONIAL E BIBLIOTECAS: as práticas de educação<br />

patrimonial em bibliotecas públicas<br />

PATRIMONIAL EDUCATION AND LIBRARIES: the practices of patrimonial<br />

education in public libraries<br />

Valdirene Pereira da Conceição<br />

Professora do Departamento de Biblioteconomia da<br />

Universidade Federal do Maranhão – UFMA (Brasil)<br />

Doutora em Linguística e Língua Portuguesa<br />

cvaldireneufma@gmail.com<br />

Maurício José Morais Costa<br />

Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade<br />

Federal do Maranhão – UFMA (Brasil)<br />

mauriciojosemorais@gmail.com<br />

Eixo 3 - Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO: Investigação acerca das práticas de educação patrimonial em bibliotecas<br />

públicas. Concebe as bibliotecas públicas como instituições culturais responsáveis por<br />

colecionar, organizar, documentar e, acima de tudo preservar todo e qualquer bem<br />

cultural no sentido de formar cidadãos críticos, além de ser fundamental no<br />

desenvolvimento econômico, social, político, educacional, dentre outros aspectos que<br />

compõem a sociedade. Sendo assim, as bibliotecas destacam-se como resultado dos<br />

anseios e das necessidades da sociedade, tanto na busca por informação, quanto na<br />

preservação da cultura e do patrimônio m<strong>ate</strong>rial e im<strong>ate</strong>rial de um povo. Assim sendo,<br />

as bibliotecas desempenham um papel que vai além de suas atividades básicas, mostrase<br />

como um lugar fundamental para a perpetuação da memória coletiva de um povo, no<br />

sentido de projetá-lo para um futuro em construção. Sendo o patrimônio compreendido<br />

como toda e qualquer forma capaz de representar não apenas a cultura, mas, a<br />

1517


identidade de um povo, evidencia o papel da educação patrimonial como uma<br />

metodologia que permite aos sujeitos a leitura do que os rodeiam, bem como a<br />

compreensão de sua trajetória histórico-social, além de expressar-se de forma marcante<br />

nos espaços onde a memória coletiva, cultural e informacional encontra-se reunida, em<br />

especial as bibliotecas públicas. A presente investigação, realiza uma reflexão acerca do<br />

papel das bibliotecas públicas como instituições responsáveis pela organização,<br />

disseminação e preservação da memória info-cultural de uma sociedade, além de<br />

realizar uma revisão de literatura na perspectiva de compreender como a educação<br />

patrimonial tem sido desenvolvida nesses espaços. A partir desta investigação é possível<br />

destacar que as bibliotecas públicas bem como as os arquivos, museus, centros de<br />

documentação, têm grande responsabilidade no processo de recuperação e divulgação<br />

científica, histórica, cultural e social, desse modo é necessário que seus acervos sejam<br />

não apenas organizados, mas acessíveis, evidenciando a importância da educação<br />

patrimonial como mecanismo capaz de dinamizar tudo que é preservado. Pontua-se<br />

também que a educação patrimonial desenvolvida nas bibliotecas públicas cumpre com<br />

a missão destas instituições, uma vez que elas contribuem com a preservação e<br />

valorização do patrimônio histórico, cultural e documental, promovendo a preservação<br />

da memória coletiva, garantindo assim a promoção do conhecimento às futuras<br />

gerações. Ressalta-se a partir da investigação que as bibliotecas públicas devem<br />

preocupar-se com o desenvolvimento de ações voltadas para a educação patrimonial, e<br />

que tais atividades sejam destinadas para os mais diferentes públicos, e que estas<br />

clarifiquem a importância não apenas da salvaguarda, mas, sobretudo a apropriação e<br />

valorização do patrimônio cultural.<br />

Palavras-chave: Patrimônio Cultural. Educação Patrimonial. Bibliotecas. Biblioteca<br />

Pública.<br />

1518


ABSTRACT: Research on patrimonial education practices in public libraries. It<br />

conceives the public libraries as cultural institutions responsible for collecting,<br />

organizing, documenting and, above all, to preserve all and all cultural well in order to<br />

form critical citizens, in addition to being fundamental in economic, social<br />

development, Political, educational, among other aspects that comprise society. Thus,<br />

libraries stand out as a result of the yearnings and the needs of society, both in search of<br />

information, and in the preservation of culture and the m<strong>ate</strong>rial and intangible heritage<br />

of a people. Thus, libraries play a role that goes beyond their basic activities, it is shown<br />

as a crucial place for the perpetuation of the collective memory of a people, in order to<br />

design it for a future under construction. Being the patrimony understood as all and any<br />

form capable of representing not only the culture, but, the identity of a people,<br />

highlights the role of patrimonial education as a methodology that allows subjects to<br />

read of what surrounds them, as well as the comprehension of their Historical-social<br />

trajectory, in addition to expressing itself in a remarkable way in the spaces where the<br />

collective, cultural and informational memory is gathered, in particular the public<br />

libraries. The present investigation carries out a reflection on the role of public libraries<br />

as institutions responsible for organizing, disseminating and preservation of the cultural<br />

information of a society, in addition to conducting a literature review in the perspective<br />

of Understanding how patrimonial education has been developed in these spaces. From<br />

this investigation it is possible to highlight that public libraries as well as the archives,<br />

museums, documentation centers, have great responsibility in the process of scientific,<br />

historical, cultural and social disclosure and dissemination, so it is necessary that their<br />

Collections are not only organised, but accessible, highlighting the importance of<br />

patrimonial education as a mechanism capable of streamlining everything preserved. It<br />

is also noted that the heritage education developed in the public libraries complies with<br />

the mission of these institutions, as they contribute to the preservation and appreciation<br />

of the historical, cultural and documentary heritage, promoting the preservation of<br />

collective memory, thus ensuring the promotion of knowledge to future generations. It<br />

is emphasized from the research that public libraries should be concerned with the<br />

1519


development of equity-focused actions, and that such activities are destined for the most<br />

different audiences, and that these clarify the importance not only of Safeguard, but, in<br />

particular, the appropriation and appreciation of cultural heritage.<br />

Keywords: Cultural Heritage. Equity education. Libraries. Public Library.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

As bibliotecas ao longo da história da humanidade sempre tiveram papel de<br />

grande importância para a preservação de todo o conhecimento registrado. Sendo assim,<br />

desde que o homem passou a perpetuar nas tábuas de argila tudo que sabia, isto na<br />

perspectiva de transmitir seus saberes e práticas, as bibliotecas foram então tomando<br />

forma, tendo em vista necessidade de um espaço onde os registros do conhecimento<br />

fossem reunidos e preservados.<br />

Conforme o fluxo e a produção de conhecimento foi evoluindo, as<br />

bibliotecas tornaram-se ainda mais complexas. Assim como os registros – que tomavam<br />

mais espaços e de acesso não tão facilitado, visto o período da Antiguidade – as<br />

bibliotecas eram da pertença dos monges, estes os únicos que detinham o acesso às<br />

produções da época. Assim sendo, a igreja era detentora de grande poder sobre o<br />

conhecimento, tal como é dito por Umberto Eco em sua obra intitulada “O nome da<br />

rosa”, onde exemplificava como a Igreja Católica era extremamente protecionista em<br />

relação a seus escritos.<br />

Trazendo consigo as marcas de cada período, as bibliotecas passaram por<br />

um importante momento. Com a explosão da Revolução Francesa, as bibliotecas<br />

públicas se tornaram uma realidade, tornando possível o acesso ao conhecimento, visto<br />

que até então as bibliotecas, eram espaços que somente a burguesia e os indivíduos da<br />

alta sociedade frequentavam ou possuíam em suas casas.<br />

Nesse sentido, as bibliotecas tornam-se importantes aparelhos<br />

democratizadores do saber e do conhecimento científico. Assumindo um papel não<br />

1520


apenas de guarda de documentos, mas, de fomentadora do desenvolvimento social.<br />

Resgatando suas funções na sociedade, as bibliotecas públicas são responsáveis por<br />

abrigar todos os registros e bens culturais, ou seja, são importantes aparelhos voltados<br />

para a preservação do patrimônio, uma vez que este se expressa e se m<strong>ate</strong>rializa de<br />

diferentes formas.<br />

Nesse sentido, evidencia-se a ampliação do conceito de patrimônio, este que<br />

passa a envolver não apenas os arranjos arquitetônicos ou aspectos contemplativos, mas<br />

relaciona-se diretamente com a educação, tendo em vista o próprio entendimento de<br />

cultura, perpassando a memória enquanto ente de um processo de aprendizagem.<br />

No sentido de relacionar não apenas o papel das bibliotecas enquanto<br />

instituições responsáveis pela preservação do patrimônio, mas por conseguir relacionar<br />

a cultura e a memória, a educação patrimonial apresenta-se como um mecanismo capaz<br />

de integrar e permitir a construção de uma identidade patrimonial junto aos indivíduos.<br />

Sabe-se que a educação patrimonial busca nos sujeitos, não apenas a identificação, mas<br />

uma relação de pertença ao objeto – seja ele m<strong>ate</strong>rial, im<strong>ate</strong>rial, artístico, arquitetônico,<br />

físico, espiritual, dentre outras – ampliando a forma como se dá essa interação e esse<br />

envolvimento.<br />

Nessa assertiva, levando em consideração o papel das bibliotecas públicas e<br />

da educação patrimonial, emergem-se os seguintes questionamentos: Como a Educação<br />

Patrimonial tem se expressado nas bibliotecas púbicas? Quais as contribuições dessas<br />

práticas para as bibliotecas públicas?<br />

Diante disso, o presente estudo tem como objetivo refletir acerca do papel<br />

das bibliotecas públicas como instituições responsáveis pela organização, disseminação<br />

e preservação da memória info-cultural de uma sociedade, além de realizar uma revisão<br />

de literatura na perspectiva de compreender como a educação patrimonial tem sido<br />

desenvolvida nesses espaços.<br />

Trata-se de uma revisão de literatura de caráter exploratório e descritivo,<br />

que utilizou da pesquisa bibliográfica e documental como instrumentos de<br />

fundamentação, resgatando não apenas os autores que tratam de educação patrimonial<br />

1521


como Horta, Grunberg e Monteiro (1999), Horta (2004), mas também as legislações que<br />

estabelecem o patrimônio cultural e como ele se constitui (PRODANOV; FREITAS,<br />

2013; GIL, 2010; TRIGUEIRO et al, 2014).<br />

O estudo está organizado em três seções principais. Na primeira seção<br />

abordam-se os conceitos de biblioteca pública, bem como suas funções e seu papel na<br />

sociedade. Na segunda seção realiza-se uma breve discussão acerca de patrimônio e<br />

educação patrimonial, evidenciando seu papel enquanto mecanismo essencial para a<br />

valorização dos bens culturais e conscientização quanto à memória e identidade de um<br />

povo. Na terceira seção faz-se uma reflexão acerca das práticas de educação patrimonial<br />

em bibliotecas públicas, sobretudo pontuando sua importância nessas instituições.<br />

Finaliza destacando que as bibliotecas públicas devem preocupar-se com o<br />

desenvolvimento de ações voltadas para a educação patrimonial, e que tais atividades<br />

sejam destinadas para os mais diferentes públicos, no sentido de clarificar a importância<br />

não apenas da salvaguarda, mas, sobretudo o conhecimento e valorização do patrimônio<br />

cultural.<br />

2 BIBLIOTECAS PÚBLICAS: uma conceituação possível?<br />

Pensar as bibliotecas públicas, desprende a necessidade de entender que as<br />

bibliotecas têm como responsabilidade, não apenas reunir obras, documentos, m<strong>ate</strong>riais<br />

informacionais, mas de estarem a serviço da comunidade, independente de seus<br />

enquadramentos ou naturezas sociais ou institucionais, mas devem ser o alicerce do<br />

aprendizado e do exercício da cidadania (SOUSA, 2015).<br />

Conceituar as bibliotecas públicas sempre se mostrou como um grande<br />

desafio, por uma série de motivos. Seja pela sua importância, quanto pelos principais<br />

desafios postos a sociedade atualmente, as bibliotecas públicas sempre foram objeto de<br />

reflexão. Leal (2011) acentua que, por anos as bibliotecas públicas desenvolveram suas<br />

atividades sem levar em conta todo o processo de ressignificação que a sociedade<br />

passara.<br />

1522


Ferraz (2014), evidencia que as bibliotecas são instituições tão antigas,<br />

quanto o próprio livro, pois, desde a época da Antiguidade já se via bibliotecas sendo<br />

formadas. No período Renascentista, momento em que a Igreja era balizadora do<br />

conhecimento, as bibliotecas eram instituições consideradas sagradas, logo, seu acesso<br />

era restrito ao clero, somente sacerdotes e monges poderiam adentrar. De acordo com<br />

Martins (2002), Júlio César teria idealizado a primeira biblioteca pública, construída<br />

posteriormente por Asínio Pólio por volta de 39 d.C.<br />

Bernardino (2011) acentua que o papel da biblioteca pública se relaciona<br />

diretamente com o acesso e disponibilidade da informação. Ainda segundo a autora, sua<br />

própria história e evolução implica seu papel democratizador da informação, pois,<br />

conforme fora destacado inicialmente, as bibliotecas eram só eram frequentadas por<br />

membros da nobreza, religioso e instituições de ensino.<br />

De acordo com Cesarino (2007), a primeira biblioteca a ser denominada<br />

como pública fora criada na cidade de Salvador em 1811, embora já tendo sido criada a<br />

Biblioteca Nacional em 1807. Desse modo, percebe-se a complexidade que perpassa<br />

não apenas a origem concreta das bibliotecas públicas, todavia, é primordial evidenciar<br />

o papel social destas. Conforme esclarece Ferraz (2014, p. 20) “A biblioteca pública tem<br />

papel primordial no que se refere à democratização do acesso à informação [...]”, uma<br />

vez que permite o acesso de diferentes pessoas, independente de classe social,<br />

orientação sexual, ou seja, consolidando-se como um aparelho cultural democrático.<br />

Diante dessa diversidade de públicos que <strong>ate</strong>nde a biblioteca pública, seu<br />

acervo também deve ser pensado para essa realidade. Desse modo, deve conter não<br />

apenas obras de referência, mas diferentes suportes e mídias, tendo em vista o próprio<br />

avanço das tecnologias. Além disso, Ferraz (2014) pontua que as bibliotecas públicas<br />

têm o dever de preservar a memória local, abrigando e mantendo sob sua guarda toda a<br />

produção cultural da região. Evidencia-se então o papel das bibliotecas na preservação<br />

do Patrimônio Cultural,<br />

Sendo assim, as bibliotecas, enquanto instituições voltadas não apenas para<br />

a preservação da memória documental, mas a partir de suas especificidades e diferentes<br />

1523


tipologias documentais, mostram-se como espaços voltados para a reflexão dos bens<br />

culturais que as compõem, bem como os suportes e os tempos em que estes são tratados,<br />

ampliam a discussão acerca do patrimônio cultural que por elas são preservados<br />

(SOUZA; SANTOS, 2012).<br />

Nessa direção, ressalta-se a importância em discutir o papel da biblioteca,<br />

enquanto importante aparelho cultural, tomando por base seus próprios objetivos,<br />

conforme é reforçado por Bellotto (2008, p. 35), afirmando que “[...] [as] bibliotecas<br />

[...] têm a corresponsabilidade no processo de recuperação da informação, em benefício<br />

da divulgação científica, tecnológica, cultural e social, bem como do testemunho<br />

jurídico e histórico.”<br />

De acordo com o Manifesto da IFLA/UNESCO sobre as prerrogativas das<br />

bibliotecas públicas, acentua-se que tais instituições se constituem como importantes<br />

mecanismos de acesso ao conhecimento, e assim tornar possível a aprendizagem<br />

contínua, bem como contribuir para o desenvolvimento cultural dos sujeitos e de seus<br />

grupos sociais (IFLA, 1994).<br />

Pontua-se então que a biblioteca pública “[...] é o centro local de<br />

informação, tornando prontamente acessíveis aos seus utilizadores o conhecimento e a<br />

informação de todos os géneros.” (IFLA, 1994, p. 1). Desse modo, toda a coleção e<br />

demais elementos que compõem as bibliotecas públicas devem ser excetuas de qualquer<br />

tipo de censura ideológica, política ou religiosa.<br />

Diante disso, destaca-se que o Manifesto da IFLA estabelece doze missões<br />

fundamentais das bibliotecas públicas, todavia, tomando por base o objeto deste estudo,<br />

destacam-se as missões 5, 6 e 7, sendo missões da biblioteca voltadas para o patrimônio<br />

cultural:<br />

5. Promover o conhecimento sobre a herança cultural, o apreço pelas artes e<br />

pelas realizações e inovações científicas;<br />

6. Possibilitar o acesso a todas as formas de expressão cultural das artes do<br />

espectáculo;<br />

7. Fomentar o diálogo intercultural e a diversidade cultural [...]. (IFLA, 1994,<br />

p. 2).<br />

1524


Portanto, as bibliotecas públicas se mostram como importantes aparelhos<br />

que vão além das simples práticas de abrigo e salvaguarda de bens culturais, mas um<br />

local de diálogos e intersubjetividades, superando assim sua finalidade enquanto<br />

disseminadora da cultura letrada, pois conforme reforça Ferraz (2014, p. 22), “A<br />

importância social da biblioteca pública está justamente em se conseguir pensar nas<br />

necessidades da comunidade na qual ela está inserida, e saber reconhecer os interesses<br />

da população.”<br />

Para que de fato as bibliotecas públicas possam cumprir com seu papel de<br />

importante equipamento culturale assim promover a “[...] interação entre a informação e<br />

o conhecimento em um fenômeno capaz de alavancar todas as esferas da sociedade,<br />

dentro de um contexto abrangente de cultura.” (BERNARDINO, 2011, p. 35). Sendo<br />

assim, é necessário que não haja apenas investimento por parte do Estado, mas que<br />

ações sejam desenvolvidas no sentido de potencializar seu alcance e seus recursos.<br />

3 COMPREENDENDO PATRIMÔNIO E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL<br />

Historicamente o patrimônio teve sua identificação e sua formulação<br />

relacionada a diferentes aspectos, por exemplo, patrimônio cultura, artístico, natural,<br />

etnográficos, dentre outros. Todavia, a gênese do que se entende por patrimônio se deu<br />

a partir do século XV<strong>II</strong>I, sendo que na Antiguidade Clássica e na Idade Medieval o<br />

termo também se destacou (CHOAY, 2006).<br />

Nesse sentido, Choay (2006), acentua que a concepção de patrimônio está<br />

diretamente relacionada com as estruturas familiares, todavia, com o passar dos anos,<br />

passou a agregar adjetivo genético, histórico e cultural. Ainda segundo a autora, fora a<br />

partir da adoção do adjetivo histórico às obras arquitetônicos, na Roma de 1420, dando<br />

traços mais marcantes ao conceito.<br />

Tornando-se ainda mais abrangente, Santiago (2007), esclarece que os<br />

monumentos históricos só passaram ser entendidos como patrimônio mediante a<br />

definição da história como uma disciplina. Percebe-se então que inicialmente se<br />

1525


preconizava a concepção de patrimônio histórico, em detrimento da visão que se tinha<br />

dessas obras, o que posteriormente daria lugar a uma concepção ainda mais ampla no<br />

final do século XX, a noção de patrimônio cultural.<br />

Conceição (2011) evidencia que a concepção de patrimônio voltada apenas<br />

para o artefato humano – suas realizações – perdurou por várias décadas, cuja mudança<br />

do conceito irá se entrelaçar, conforme Cutrim (2011, p. 61), “[...] à instauração do<br />

SPHAN, que teria como principal função cuidar dos bens que fossem tombados como<br />

monumentos.” Acentua-se que a o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional<br />

(SPHAN), foi instaurado por meio do Decreto-Lei Nº 25, de 30 de novembro de 1937,<br />

como bem lembra Gonçalves (2011), que por volta de 1946 foi elevado à c<strong>ate</strong>goria de<br />

diretoria, passando a denominar-se DPHAN.<br />

Souza e Crippa (2010) e Cutrim (2011), afirmam que é com a Constituição<br />

Federal de 1988, que há uma mudança na concepção de patrimônio, pois, “[...] no seu<br />

artigo 216, optou pela expressão patrimônio cultural, inserindo nessa expressão os<br />

termos patrimônio artístico e patrimônio histórico [...]” (CUTRIM, 2011, p. 62),<br />

evidenciando ainda mais a abrangência do termo.<br />

Assim sendo, supera-se a concepção estritamente histórica, abrangendo<br />

todas as expressões e simbologias da cultura coletiva, que constituem a identidade de<br />

um determinado povo, reafirmando então a importância dos bens culturais, que têm a<br />

responsabilidade de preservar a identidade cultural de um povo, visando seu<br />

desenvolvimento econômico, tecnológico, provenientes como ressalta Conceição (2011,<br />

p. 28), “[...] e valores da ordem da cultura - mais precisamente, do histórico e do<br />

artístico.”<br />

Desse modo, evidencia-se que a preservação do patrimônio emerge na<br />

necessidade de espaços capazes de preservar e salvaguardar a memória. E conforme<br />

esclarece Souza e Santos (2012) são frutos da construção humana. Nora (1993) destaca<br />

o papel de instituições como bibliotecas, arquivos, museus, centros de documentação,<br />

cemitérios, monumentos, santuários, dentre outros. Sendo assim, afirma-se que os locais<br />

de memória emergem da condição de que não há uma memória espontânea, mas, que<br />

1526


para sua manutenção sejam criadas instituições que mantenham organizados e<br />

preservados os registros (NORA, 1993).<br />

Pedraza Garcia (2014) acentua que as bibliotecas são instituições e caráter<br />

fundamentalmente patrimoniais, uma vez que abrigam registros correspondentes ao<br />

patrimônio cultural de diferentes povos, ou seja, “[...] unidades de registro dos<br />

conhecimentos antepassados que servem de aporte ao saber gerado no tempo presente,<br />

representam assim elementos do patrimônio cultural de uma sociedade.”<br />

(RODRIGUES; SANTOS, 2017, p. 4).<br />

É dever das bibliotecas não apenas prezar pelo zelo na preservação dos<br />

documentos e registros que estão sob sua guarda, mas sobretudo, difundi-la, uma vez<br />

que se tratam de registros acerca da cultura de um determinado povo, é fundamental que<br />

estes os conheçam e usufruam destes. Pedraza Garcia (2014) reforça que é por meio da<br />

mediação que se evita a perda do conhecimento, e, por conseguinte o esquecimento do<br />

patrimônio cultural, mantendo-se assim vivos.<br />

Nessa direção, reforça-se que,<br />

A biblioteca histórica como mantenedora dos bens patrimoniais deve<br />

empregar ações para divulgá-los e dar-lhes visibilidade, envolvendo a<br />

comunidade no intuito de que esta os investigue e aprenda a reconhecer a sua<br />

importância, passando a respeitá-los e a valorizá-los. Uma forma de<br />

desenvolver este processo é através da ativação dos mecanismos da Educação<br />

Patrimonial. (RODRIGUES; SANTOS, 2017, p. 4).<br />

Segundo Horta (1999, p. 6) a Educação Patrimonial pode ser definida como<br />

“[...] trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado<br />

no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento<br />

individual e coletivo.” Corroborando com essa concepção, Flores e Perez (2013)<br />

pontuam que a educação patrimonial tem como propósito elevar a consciência de<br />

preservação patrimonial, uma vez que proporciona um melhor uso do patrimônio<br />

cultural, por meio de um processo educativo como reforça Horta (1999).<br />

Rodrigues e Santos (2017) reforçam, acentuando que a educação<br />

patrimonial é capaz de implementar ações de cunho investigativo, de modo a aproximar<br />

1527


os indivíduos do patrimônio e assim contribuir com a valorização do patrimônio<br />

cultural. Portanto,<br />

[...] podemos interpretá-la como um conjunto de práticas pedagógicas<br />

pautadas nos bens culturais, condicionados estes como recursos de<br />

informação, destinados a instruir as pessoas, conforme experimentação e<br />

análise reflexiva. A partir da significação destes recursos, as pessoas passam<br />

a reconhecer sua função social e daí a estabelecer um relacionamento<br />

favorável à valorização e à preservação do patrimônio cultural.<br />

(RODRIGUES; SANTOS, 2017, p. 5).<br />

Por meio da educação patrimonial o sujeito sai da condição de mero<br />

expectador, cuja apreciação é vazia e irreal, assumindo uma postura mais proativa, uma<br />

vez que se integra e interage com o objeto, compreendendo toda sua complexidade<br />

histórica e cultural. Desse modo, o indivíduo tem pleno discernimento da importância<br />

dos bens culturais para a manutenção do patrimônio cultural (RODRIGUES; SANTOS,<br />

2017).<br />

Portanto, independente da natureza, c<strong>ate</strong>goria social ou aparelho cultural,<br />

em especial as bibliotecas públicas, a apreciação do patrimônio cultural deve alcançar<br />

toda sua extensão, na perspectiva de que se trata do registro das ações humanas, que por<br />

sua vez representam sua identidade e memória que devem ser preservadas.<br />

4 EDUCAÇÃO PATRIMONIAL EM BIBLIOTECAS PÚBLICAS: uma<br />

aproximação necessária<br />

Pensar a Educação Patrimonial em bibliotecas públicas é algo que embora<br />

seja uma discussão recente, tais práticas sempre se fizeram presentes nessas instituições,<br />

uma vez que não apenas bibliotecas, mas arquivos e museus sempre se preocuparam<br />

como a preservação e valorização dos documentos que abrigam.<br />

Nessa direção, assinala-se que as bibliotecas públicas, bem como os<br />

arquivos, museus e centros de documentação, têm grande responsabilidade no processo<br />

de recuperação e divulgação científica, histórica, cultural e social. E conforme ressalta<br />

Carteri (2004), a educação patrimonial e a biblioteconomia, se apresentam como<br />

1528


agentes aliados na preservação e conservação de diferentes tipologias documentais,<br />

prezando por sua integridade e permanência, uma vez que busca junto aos usuários não<br />

apenas o conhecimento sobre aqueles registros, mas mostrar que se trata do patrimônio<br />

histórico e cultural.<br />

Para tanto, é necessário que seus acervos sejam não apenas organizados,<br />

mas acessíveis, evidenciando a importância da educação patrimonial como mecanismo<br />

capaz de dinamizar tudo que é preservado (CARTERI, 2004). Desse modo, acentua-se<br />

que, a educação patrimonial em bibliotecas públicas contribui com a missão destas<br />

instituições, no que diz respeito a preservação e valorização do patrimônio histórico,<br />

cultural e documental.<br />

Promove a preservação da memória coletiva, garantindo assim a que o<br />

conhecimento registrado chegue às futuras gerações. As estratégias de educação<br />

patrimonial em bibliotecas públicas devem ser pensadas de acordo com as<br />

especificidades de seu público, tendo em vista que seus programas têm como propósito<br />

estimular nos indivíduos o senso de preservação dos documentos e demais registros<br />

presentes nelas. Desse modo, estando diante de um acervo diversificado, as atividades<br />

devem prezar pela valorização dos mais diferentes caráteres, tais como o valor artístico,<br />

religioso, arquitetônico, cultural, ou seja, valores que integram a histórica da sociedade,<br />

de modo que essas tradições e saberes sejam reconhecidos junto à população (FLORES,<br />

2014).<br />

Embora as bibliotecas públicas disponham de serviços de referência e<br />

informação, que por sua vez contam com alguns serviços voltados para a orientação de<br />

usuários, todavia com outra finalidade, sem esse viés da educação patrimonial. Para<br />

tanto, Minuzzo (2011) afirma que a educação patrimonial quando realizada por<br />

bibliotecas públicas e demais instituições de memória, consistem na evolução dos<br />

serviços educativos.<br />

Ainda segundo Minuzzo (2011), a educação patrimonial em bibliotecas<br />

públicas pode se expressar de diferentes formas, todas com o intuito de difundir o<br />

patrimônio cultural, tanto por meio de serviços educativos – quando voltadas para<br />

1529


alunos do ensino fundamental e médio – e ações culturais – quando pensada para o<br />

público adulto e diversificado.<br />

Sendo assim, discutir a educação patrimonial nesse locus – biblioteca –<br />

segundo Magalhães (2006, p. 11), “[...] consiste em provocar situações de aprendizado<br />

sobre o processo cultural e seus produtos e manifestações que provoquem interesse<br />

[...].”Diante disso, afirma-se que as bibliotecas públicas são instituições cujo papel<br />

educativo é eminente, não apenas por abrigarem o conhecimento e os registros de um<br />

povo, mas por fomentarem o desenvolvimento educacional, político, econômico.<br />

Assim como as bibliotecas, os bibliotecários podem ser percebidos como<br />

um mediador cultural do patrimônio abrigado nas bibliotecas públicas, e conforme<br />

pontua Rodrigues e Santos (2017), os profissionais bibliotecários tem condições de<br />

atuar no desenvolvimento de ações que contribuam para a preservação do patrimônio<br />

cultural. Conforme Carteri (2004), os bibliotecários são educadores patrimoniais, tendo<br />

em vista que atuam na preservação da cultura e da memória coletiva.<br />

Assim sendo, Carteri (2004, p. 46) reforça que “A preservação dos livros,<br />

fontes primárias que testemunham o desenvolvimento sócio-cultural humano, bem<br />

como a sua disponibilização, garantem a transmissão da informação que permitirá a<br />

construção do conhecimento para as futuras gerações.” Desse modo, os acervos e os<br />

bens culturais neles salvaguardados são patrimônios que demarcam a história, os<br />

saberes e fazeres de um povo, logo um registro tácito da identidade e da memória que<br />

deve permanecer viva e chegar as gerações futuras.<br />

Rodrigues (2016) afirma que a realização das práticas de educação<br />

patrimonial em bibliotecas públicas permite não apenas o envolvimento de diferentes<br />

indivíduos, mas leva estes à identificação e desenvolvimento de uma cultura<br />

patrimonial. Desse modo, pontua-se que:<br />

A reconstrução da memória histórica através da ação educacional e a<br />

oportunidade de desenvolver e incrementar a identidade com o patrimônio<br />

local constitui-se, assim, a partir de processos simples, como o colecionismo,<br />

em pontos relevantes à evolução e implicações socioculturais deles surgidas<br />

para a empresa e a comunidade. (RODRIGUES, 2016, p. 20).<br />

1530


Por meio das práticas de educação patrimonial, os sujeitos são levar a<br />

reconstruírem sua história, levando-os inclusive a compreenderem sua própria<br />

identidade, de onde vieram e como sua cultura se constitui. Atividades simples como<br />

visitas orientadas, ou até mesmo encenações podem levar as pessoas a entenderem<br />

como a se deram fatos importantes e suas implicações no desenvolvimento cultural,<br />

social, político e econômicos.<br />

Destaca-se que as bibliotecas públicas e as demais instituições voltadas para<br />

a preservação da memória coletiva têm um importante papel, este não apenas voltado<br />

para a guarda dos registros, mas para contribuir na eficácia educacional formal. Por<br />

meio de suas atividades, cujas metodologias são pensadas para alcançar os mais<br />

distintos públicos, atuam como centros de informação que permitem a construção da<br />

identidade destes enquanto sujeitos históricos.<br />

Segundo Carteri (2004, p. 50), “A Educação Patrimonial permite à<br />

comunidade reapropriar-se de objetos, lugares e saberes importantes para o<br />

reconhecimento de sua cidadania.” Sendo assim, a educação patrimonial desenvolvida<br />

em bibliotecas públicas vai além do simples reconhecimento do documento, mas leva o<br />

indivíduo a percebê-lo como patrimônio histórico e cultural.<br />

Por meio desse reconhecimento e identificação é que os indivíduos passarão<br />

a valorizar, pois o sentimento de pertença se dá por meio dessa interação, cuja mediação<br />

é realizada pela biblioteca pública. Desse modo, evidencia-se a importância desses<br />

aparelhos culturais para a preservação e valorização do patrimônio cultural onde estão<br />

inseridas. Diante disso, espera-se que não apenas as bibliotecas públicas, mas outras<br />

instituições implementem as práticas de educação patrimonial com o mesmo fim.<br />

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Discutir a educação patrimonial no contexto Biblioteconômico é de grande<br />

importância, levando em consideração o papel das bibliotecas como instituições<br />

responsáveis não apenas pelo abrigo de obras e registros do conhecimento, mas como<br />

1531


aparelhos capazes de preservar a memória coletiva de um povo, e por conseguinte seu<br />

patrimônio manifestado de formas distintas.<br />

Sendo assim, afirma-se que as bibliotecas se destacam como resultado dos<br />

anseios e das necessidades da sociedade, tanto na busca por informação, quanto na<br />

preservação da cultura e do patrimônio m<strong>ate</strong>rial e im<strong>ate</strong>rial de um povo. Desse modo,<br />

são fundamentais para que os sujeitos não apenas reconheçam os bens m<strong>ate</strong>riais nelas<br />

salvaguardados, mas identifiquem-se, e, por conseguinte os valorizem. Os acervos<br />

representam muito mais que objetos históricos, mas retratados da cultura, dos saberes e<br />

fazeres de um povo, sendo fundamentais para a constituição da identidade destes,<br />

devendo então serem transmitidos para as gerações futuras.<br />

Reforça-se que as bibliotecas públicas devem preocupar-se com o<br />

desenvolvimento de ações voltadas para a educação patrimonial, tendo em vista a<br />

contribuição dessas práticas para a preservação e valorização do patrimônio cultural.<br />

Por meio da educação patrimonial os sujeitos têm a possibilidade de explorar e interagir<br />

com os bens culturais e também com as faces que a própria biblioteca assume,<br />

conseguindo então perceber sua importância enquanto instituição responsavel por<br />

resguardar a memória e a identidade dos locais onde estão inseridas.<br />

As atividades de educação patrimonial desenvolvidas nas bibliotecas<br />

públicas, devem ser pensadas também levando em consideração as especificidades de<br />

seu público, no sentido de clarificar a importância não apenas da salvaguarda, mas,<br />

sobretudo do conhecimento e suas implicações para a valorização do patrimônio<br />

cultural ali abrigado.<br />

Portanto, é por meio da interação possibilitada pelas ações de educação<br />

patrimonial, e sobretudo pela mediação do profissional bibliotecário, este atuando como<br />

um educador patrimonial, que os indivíduos podem se conscientizar e estabelecer uma<br />

relação afetiva e vínculos com seus bens patrimoniais. Através dessa relação, que o<br />

patrimônio cultural será não apenas reconhecido, mas valorizado e preservado pela<br />

biblioteca não apenas localmente, mas em âmbito estadual, nacional e internacional.<br />

1532


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Distribuidora Educacional S.A., 2014. 184 p. ISBN 978-85-68075-30-2<br />

1536


ESTRATÉGIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA EXTROVERSÃO DO<br />

PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL NO ÂMBITO DO CURSO DE<br />

LICENCIATURA EM CIÊNCIAS HUMANAS - UFMA – CAMPUS DE<br />

PINHEIRO – MA<br />

DIDACTIC-PEDAGOGICAL STRATEGIES FOR THE EXTROVERSION OF<br />

HISTORICAL AND CULTURAL PATRIMONY IN THE SCOPE OF THE<br />

DEGREE IN HUMAN SCIENCES - UFMA - CAMPUS DE PINHEIRO – MA<br />

Arkley Marques Bandeira–<br />

Doutor em Arqueologia.<br />

Docente do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas –<br />

UFMA – Campus Pinheiro.<br />

E-mail: arkleymbandeira@gmail.com<br />

Eixo 3 – Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO: Os bens de interesse históricos e culturais, patrimonializados ou não, são<br />

elementos de suma importância para afirmação e reafirmação das identidades dos<br />

distintos povos que formam a nação brasileira. Como também, são mediadores entre o<br />

presente e o passado e articulam as sociedades em torno de suas memórias e histórias. A<br />

noção de referência cultural, sobretudo, após a publicação do Decreto nº 3.551, em 4 de<br />

agosto de 2000, que instituiu o registro do patrimônio im<strong>ate</strong>rial, ampliou o leque dos<br />

bens passíveis de serem protegidos e estabeleceu novos critérios para salvaguarda,<br />

gestão e divulgação do patrimônio histórico e cultural. Neste contexto, a participação da<br />

sociedade, em especial das comunidades envolvidas com estes bens é essencial para o<br />

fortalecimento das noções de pertencimento, empoderamento, coletividade e identidade.<br />

Para tanto, é necessário desenvolver mecanismos de contato e aproximação dos grupos<br />

sociais com os elementos formadores de suas identidades. O artigo apresentará os<br />

1537


esultados do projeto de extensão e pesquisa Estratégias didático-pedagógicas para<br />

extroversão do patrimônio histórico e cultural no âmbito do Curso de Licenciatura Em<br />

Ciências Humanas - UFMA – Campus de Pinheiro – MA, surgido da necessidade de<br />

propiciar aos discentes do referido curso vivências patrimoniais em atividades<br />

extraclasse nas regiões da Baixada Maranhense e Reentrâncias Maranhenses,<br />

complementando os conteúdos trabalhados nas disciplinas. Para tanto, foram<br />

desenvolvidas estratégias didático-pedagógicas para extroversão do patrimônio histórico<br />

e cultural, com a participação dos alunos desde o planejamento, perpassando pela<br />

pesquisa de campo e divulgação dos resultados. Neste contexto, serão apresentadas três<br />

estratégias desenvolvidas ao longo do último ano, no Curso de Licenciatura em Ciências<br />

Humanas – UFMA – Campus de Pinheiro, sendo elas: Mapeamento dos bens edificados<br />

de interesse histórico no município de Pinheiro – MA, Registro do ofício de ceramista<br />

no povoado de Itamatatiua – Alcântara – MA e A ocupação humana de longa duração,<br />

em São Luís – MA. Ressalta-se que as ações são contínuas e já perpassaram o tempo<br />

regimental da disciplina, ou seja, elas estão em diferentes estágios de desenvolvimento e<br />

aplicação, configurando-se, atualmente, como atividades de pesquisa e extensão, que<br />

estão congregando alunos de diferentes períodos.<br />

Palavras-chave: Vivências patrimoniais; Extroversão; Patrimônio Histórico-Cultural,<br />

Maranhão.<br />

ABSTRACT: Assets of historical and cultural interest, patrimonialized or not, are<br />

extremely important elements for the affirmation and reaffirmation of the identities of<br />

the different peoples that make up the Brazilian nation. As well, they are mediators<br />

between the present and the past and articul<strong>ate</strong> societies around their memories and<br />

stories. The notion of cultural reference, especially after the publication of Decree No.<br />

3,551, on August 4, 2000, which instituted the registration of intangible assets,<br />

expanded the range of assets that could be protected and established new criteria for<br />

safeguarding, managing and disseminating of historical and cultural heritage. In this<br />

1538


context, the participation of society, especially the communities involved in these<br />

goods, is essential for strengthening the notions of belonging, empowerment,<br />

community and identity. For this, it is necessary to develop mechanisms of contact and<br />

approximation of social groups with the elements that form their identities. The article<br />

will present the results of the project of extension and research Didactic-pedagogical<br />

str<strong>ate</strong>gies for extraversion of the historical and cultural patrimony within the scope of<br />

the Course of Degree in Human Sciences - UFMA - Campus de Pinheiro - MA, arose<br />

from the necessity to provide to the students of said course heritage experiences in<br />

extraclass activities in the regions of Baixada Maranhense and Reentrâncias<br />

Maranhenses, complementing the contents worked in the disciplines. For that, didacticpedagogical<br />

str<strong>ate</strong>gies were developed for extraversion of the historical and cultural<br />

patrimony, with the participation of the students from the planning, going through the<br />

field research and dissemination of the results. In this context, three str<strong>ate</strong>gies developed<br />

over the last year will be presented in the Human Sciences Degree Course - UFMA -<br />

Campus de Pinheiro. These are: Mapping of buildings of historical interest in the<br />

municipality of Pinheiro - MA, Register of ceramics in the village of Itamatatiua -<br />

Alcântara - MA and The long-term human occupation in São Luís - MA. It should be<br />

emphasized that the actions are continuous and have already passed the regimental time<br />

of the discipline, that is, they are in different stages of development and application,<br />

currently configuring themselves as research and extension activities, which are<br />

bringing together students from different periods<br />

Keywords: Patrimonial experiences; Extroversion; HistoricalCultural Heritage,<br />

Maranhão.<br />

1539


INTRODUÇÃO<br />

Os bens de interesse históricos e culturais, patrimonializados ou não, são<br />

elementos de suma importância para afirmação e reafirmação das identidades dos<br />

distintos povos que formam a nação brasileira. Como também, são mediadores entre o<br />

presente e o passado e articulam as sociedades em torno de suas memórias e histórias.<br />

A noção de referência cultural, sobretudo após a publicação do Decreto nº<br />

3.551, em 4 de agosto de 2000, que instituiu o registro do patrimônio im<strong>ate</strong>rial, ampliou<br />

o leque dos bens passíveis de serem protegidos e estabeleceu novos critérios para<br />

salvaguarda, gestão e divulgação do patrimônio histórico e cultural.<br />

Neste contexto, a participação da sociedade, em especial das comunidades<br />

envolvidas com estes bens é essencial para o fortalecimento das noções de<br />

pertencimento, empoderamento, coletividade e identidade. Para tanto, é necessário<br />

desenvolver mecanismos de contato e aproximação dos grupos sociais com os<br />

elementos formadores de suas identidades.<br />

IPHAN:<br />

Sobre este aspecto, Sant’Anna (2006, p. 9) comentou em uma publicação do<br />

Para a política de salvaguarda preservar o patrimônio cultural brasileiro<br />

significa fortalecer e dar visibilidade às referências culturais dos grupos<br />

sociais em sua heterogeneidade e complexidade. Significa promover a<br />

apropriação simbólica e o uso sustentável dos recursos patrimoniais para a<br />

sua preservação e para o desenvolvimento econômico, social e cultural do<br />

país. Significa também compartilhar as responsabilidades e deveres dessa<br />

preservação e promover o acesso de todos aos direitos e benefícios que ela<br />

gera.<br />

No Brasil, a organização do patrimônio cultural brasileiro é regida pela<br />

Constituição Brasileira de 1988 e outras normativas (BRASIL, 1988). O artigo 216 da<br />

Constituição considera como patrimônio cultural os bens de natureza m<strong>ate</strong>rial e<br />

im<strong>ate</strong>rial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à<br />

identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira,<br />

sendo constituído pelas:<br />

I - as formas de expressão;<br />

1540


<strong>II</strong> - os modos de criar, fazer e viver;<br />

<strong>II</strong>I - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;<br />

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados<br />

às manifestações artístico-culturais;<br />

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,<br />

arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.<br />

Os bens classificados como patrimônio cultural m<strong>ate</strong>rial é formado<br />

conforme os quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico;<br />

histórico; belas artes; e das artes aplicadas, sendo exemplificados pelos conjuntos<br />

urbanos; bens edificados; sítios arqueológicos, paisagísticos e paleontológicos; bens<br />

ferroviários, industriais e rurais; bens móveis, a exemplo das obras de arte, coleções<br />

arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos,<br />

videográficos, fotográficos e cinematográficos.<br />

As temáticas que envolvem o patrimônio cultural im<strong>ate</strong>rial, também<br />

denominado de intangível ficaram por muitas décadas relegadas aos estudos de folclore<br />

e cultura popular, à sombra da presença física dos patrimônios culturais m<strong>ate</strong>riais ou<br />

tangíveis.<br />

Uma nova perspectiva surgiu, a partir da década de 1970, em torno da noção<br />

de referência cultural, que promoveu importantes reflexões na prática preservacionista<br />

em curso. Neste contexto, se consolidou a ideia de que a construção dos patrimônios<br />

culturais deve “fazer sentido” e “ter valor” para outros sujeitos sociais, especialmente os<br />

que produzem ou mantém os bens culturais, conferindo, portanto, critérios de valor e<br />

significado (SANT’ANNA, 2006, p. 9).<br />

Segundo Oosterbeek (2004), este valor não teria uma precificação de<br />

mercado, mas pelo contrário. Seria um suporte a qual recorremos, como já faziam os<br />

nossos antepassados, para nos posicionarmos no fio do tempo. É o conjunto de<br />

realidades, m<strong>ate</strong>riais e im<strong>ate</strong>riais, cuja gestação nos precedeu, e que constitui uma<br />

espécie de mapa orientador sobre o qual nos situamos.<br />

1541


Essa nova perspectiva ecoou rapidamente entre os pesquisadores e órgãos<br />

de proteção, desconstruindo premissas antigas e já consolidadas, de que os bens<br />

culturais dignos de valor e patrimonialização seriam os grandes monumentos e as obras<br />

de arte, testemunhos de uma história oficial vinculada as elites.<br />

Em caminho oposto, cresceu a premissa de que a patrimonialização da<br />

cultura deveria incluir manifestações culturais representativas de todos os povos<br />

formadores do Brasil, especialmente as etnias indígenas, os grupos quilombolas, as<br />

comunidades tradicionais e as classes populares, em geral.<br />

Neste contexto, a noção de referência cultural trouxe no seu cerne<br />

indagações sobre quem teria maior legitimidade para selecionar o que deveria ser<br />

preservado, a partir quais valores e em nome de que interesses e de quais grupos<br />

(LONDRES, 2000).<br />

Os bens classificados como patrimônio cultural im<strong>ate</strong>rial diz respeito<br />

àquelas práticas e domínios da vida social que se manifestam em saberes, ofícios e<br />

modos de fazer; celebrações; formas de expressão cênicas, plásticas, musicais ou<br />

lúdicas; e nos lugares (como mercados, feiras e santuários que abrigam práticas<br />

culturais coletivas).<br />

Ressalta-se que nem tudo que é referência histórica e cultural para os povos<br />

é patrimonializado ou tem algum tipo de proteção e acautelamento. Por este motivo, é<br />

de extrema importância a valorização de pesquisas que objetivem inventariar, mapear,<br />

identificar e registrar lugares e pessoas que produzem, reproduzem, mantêm e<br />

transmitem cultura, histórias e memórias.<br />

Tão importantes quanto o conhecimento são a valorização e extroversão dos<br />

bens históricos e culturais para amplos públicos. Contudo, para que isso é ocorra é<br />

necessário que se criem projetos educacionais consistentes, processuais e de longa<br />

duração, pautados em uma perspectiva diacrônica, sistemática e holística.<br />

Nesse contexto, a Educação Patrimonial foi a metodologia utilizada como<br />

estratégia didático-pedagógica para propiciar aos discentes do Curso de Licenciatura em<br />

Ciências Humanas – UFMA – Campus de Pinheiro, vivências patrimoniais em<br />

1542


atividades extraclasse nas regiões da Baixada Maranhense e Reentrâncias Maranhenses,<br />

complementando os conteúdos trabalhados em sala de aula.<br />

Para tanto, foram desenvolvidas estratégias didático-pedagógicas para<br />

extroversão do patrimônio histórico e cultural, com a participação dos alunos desde o<br />

planejamento, perpassando pela pesquisa de campo e divulgação dos resultados. Além<br />

disso, foram criados mecanismos para a aproximação destes com os grupos sociais que<br />

produzem, reproduzem, mantêm e transmitem os bens de interesse históricos e culturais<br />

nas áreas em questão.<br />

Neste texto serão apresentados três estudos de casos aplicados nas<br />

disciplinas Patrimônio Histórico Brasileiro, Folclore e Cultura Popular e História da<br />

América Colonial, sendo respectivamente, Mapeamento dos bens edificados de<br />

interesse histórico no município de Pinheiro – MA, Registro do ofício ceramista no<br />

povoado de Itamatatiua – Alcântara – MA e A ocupação humana de longa duração, em<br />

São Luís – MA.<br />

ESTRATÉGIAS DIDÁTICO-PEDAGÓGICAS PARA EXTROVERSÃO DO<br />

PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL<br />

A Educação Patrimonial (EP) é uma proposta multidisciplinar de ensino,<br />

voltada para questões pertinentes ao patrimônio cultural que deve ser compreendida<br />

como um meio de inclusão de temáticas relativas ao patrimônio, levando em conta que<br />

o conhecimento propiciará a apropriação e valorização das referências culturais<br />

(COSTA et al, 2007.).<br />

A EP deve ser compreendida como um processo sistemático centrado no<br />

patrimônio cultural e voltado para diferentes públicos, agindo como um instrumento de<br />

afirmação da cidadania, de forma que permita o enriquecimento cultural individual e<br />

coletivo e o fortalecimento dos sentimentos de identidade e pertencimento a uma etnia,<br />

município, região ou nação.<br />

1543


Como salientado por Horta (1999, p. 07), A EP é um meio que busca levar<br />

as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de<br />

sua herança cultural:<br />

A educação patrimonial deverá ser entendida como um instrumento de<br />

‘alfabetização cultural’ que possibilite o indivíduo fazer uma leitura do<br />

mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sócio-cultural e<br />

da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Este processo leva ao<br />

reforço da auto-estima dos indivíduos e comunidades e à valorização da<br />

cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural.<br />

A metodologia de Educação Patrimonial não é necessariamente uma<br />

novidade, visto que tem sido adotada no país desde 1980, sendo considerada um<br />

processo permanente e sistemático de trabalho educacional, servindo como fonte<br />

primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo, por meio dos tão<br />

falados processos de reconhecimento, valoração e preservação do patrimônio(HORTA,<br />

1999).<br />

Isso implica, como salientado por Bastos (2006), em diálogos permanentes<br />

que possam facilitar e estimular a comunicação, além de cooperar com a integração<br />

entre os envolvidos em práticas que realmente levem às parcerias positivas. Haverá,<br />

dessa forma, a possibilidade de “trocas de conhecimentos e a formação de parcerias para<br />

a proteção e valorização destes bens”.<br />

Nesse caso, os processos de EP deverão, necessariamente, em primeiro<br />

plano enfocar os tipos de patrimônio em toda a sua diversidade, em um processo de<br />

redefinição de bem cultural enquanto herança da região. Tal intento requer<br />

planejamento sistemático e envolvimento entre o público, as comunidades e os agentes<br />

responsáveis pela preservação e estudo do bem cultural.<br />

Conforme descrito anteriormente, serão apresentadas neste artigo três<br />

estratégias desenvolvidas ao longo do último ano no Curso de Licenciatura em Ciências<br />

Humanas – UFMA – Campus de Pinheiro, sendo elas: Mapeamento dos bens edificados<br />

de interesse histórico no município de Pinheiro – MA, Registro do ofício de ceramista<br />

no povoado de Itamatatiua – Alcântara – MA e A ocupação humana de longa duração,<br />

em São Luís – MA.<br />

1544


Ressalta-se que as ações são contínuas e já perpassaram o tempo regimental<br />

da disciplina, ou seja, elas estão em diferentes estágios de desenvolvimento e aplicação,<br />

configurando-se, atualmente, como atividades de pesquisa e extensão, que estão<br />

congregando alunos de diferentes períodos.<br />

MAPEAMENTO DOS BENS EDIFICADOS DE INTERESSE HISTÓRICO NO<br />

MUNICÍPIO DE PINHEIRO – MA<br />

Esta estratégia foi desenvolvida na disciplina Patrimônio Histórico<br />

Brasileiro (6T1234), ministrada em 2016.1, com um total de 17 alunos matriculados. A<br />

ideia central foi identificar em Pinheiro – MA os suportes que pudessem representar a<br />

história, a cultura e a memória da cidade na visão dos alunos e seus familiares. Neste<br />

sentido, foram debatidas em sala de aula as possíveis c<strong>ate</strong>goriais a serem abordadas no<br />

desenvolvimento de uma ação de pesquisa e extroversão.<br />

O objeto mais factível escolhido para um trabalho inicial foi o patrimônio<br />

edificado, em especial as edificações que representam diferentes estilos arquitetônicos e<br />

diferentes tempos da cidade. Neste contexto, foi realizado um Inventário de<br />

Conhecimento, com a utilização das Fichas do Sistema Integrado de Conhecimento e<br />

Gestão (SICG) 201 , elaboradas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico<br />

Nacional (IPHAN, 2013).<br />

201 O Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão – SICG é um instrumento desenvolvido para integrar<br />

os dados sobre o patrimônio cultural, com foco nos bens de natureza m<strong>ate</strong>rial, reunindo informações<br />

sobre cidades históricas, bens móveis e integrados, edificações, paisagens, arqueologia, patrimônio<br />

ferroviário e outras ocorrências do patrimônio cultural do Brasil. Uma das aplicações fundamentais do<br />

SICG é o desenvolvimento de Inventários de Conhecimento, para formar uma base de informações<br />

aplicada à construção de “Redes de Patrimônio” em todos os estados e municípios.<br />

1545


Figura 1 – Rua principal de Pinheiro com casarões<br />

antigos.Fonte: desconhecido.<br />

Figura 2 – Igreja Matriz de Santo Inácio de Loyola.Fonte:<br />

desconhecido.<br />

Um Inventário de Conhecimento (ou de varredura) é qualquer estudo que<br />

vise conhecer o universo de bens culturais de determinada região ou relacionados com<br />

determinado tema, identificando e mapeando as ocorrências m<strong>ate</strong>riais ainda existentes e<br />

apontando a necessidade de estudos mais detalhados.<br />

O SICG é constituído por um conjunto de fichas agrupadas em três<br />

módulos: Conhecimento, Gestão e Cadastro. Cada módulo corresponde a uma esfera de<br />

abordagem do patrimônio cultural e conta com um conjunto de fichas estruturadas para<br />

a pesquisa e organização de informações conforme o objetivo do estudo ou inventário.<br />

Neste trabalho foram utilizadas as seguintes fichas do Módulo<br />

Conhecimento:<br />

Ficha M101 - Contextualização Geral: é direcionada para a coleta e<br />

organização das informações relacionadas a um recorte territorial amplo;<br />

Ficha M102 – Contexto Imediato: é voltada para aplicação em sítios ou<br />

conjuntos históricos (urbanos e rurais) que tenham sido identificados ou<br />

contextualizados dentro de um recorte territorial ou temático mais amplo, a partir da<br />

ficha M101;<br />

SICG - M201 - Pré-setorização: indicada para os aspectos levantados nas<br />

etapas anteriores, que são significativos para a caracterização de diferentes setores da<br />

área em análise.<br />

1546


SICG - M302 - Bem imóvel Arquitetura - Caracterização externa: registrar<br />

o bem arquitetônico em sua parte externa.<br />

A aplicação da metodologia no âmbito desta pesquisa se deu com as<br />

seguintes etapas:<br />

Em um primeiro momento as fichas foram apresentadas e discutidas em<br />

sala de aula;<br />

Em uma fase posterior foi realizada uma aula de campo, visitando o<br />

centro de Pinheiro, com reconhecimento das três principais praças da cidade: Praça da<br />

Matriz, Praça José Sarney e Praça do Centenário, bem como a visitação de espaços de<br />

referência para a memória e história da cidade, a exemplo do Igreja Matriz, edificações<br />

históricas e Casa José Sarney;<br />

A etapa seguinte consistiu em deb<strong>ate</strong>r a aula de campo, enfocando os<br />

aspectos históricos e urbanísticos da cidade para seleção de quais fichas seriam<br />

relevantes para o inventário das edificações históricas;<br />

Após a definição das fichas que seriam utilizadas no inventário, foi<br />

realizado o preenchimento simulado das mesmas em sala de aula, com o auxílio de<br />

softwares de Sistemas de Informação Geográfica (SIG), a exemplo do Google Earth;<br />

Google Maps e Arcgis;<br />

Simultaneamente, um grupo ficou responsável pela pesquisa histórica<br />

sobre a cidade;<br />

No geoprocessamento, o centro de Pinheiro foi zoneado em três setores,<br />

que representam três momentos históricos da cidade: Praça da Matriz, Praça José<br />

Sarney e Praça do Centenário. Esses setores foram delimitados e georreferenciados;<br />

1547


Figura 3 – Zoneamento do centro de Pinheiro nos setores que foram pesquisados.<br />

Na fase de campo, os alunos foram <strong>agrupados</strong> em três equipes, cada uma<br />

responsável por inventariar um setor;<br />

As atividades de campo foram conduzidas apenas pelos alunos, que<br />

ficaram responsáveis por identificar, fotografar e documentar em ficha o seu setor e as<br />

edificações de interesse histórico e cultural;<br />

A fase final consistiu na seleção e tratamento das imagens que<br />

representam as edificações mais relevantes de cada setor;<br />

Por fim, as fichas foram preenchidas e o inventário do conhecimento foi<br />

concluído.<br />

O zoneamento de Pinheiro em três setores, a saber, Praça da Matriz, Praça<br />

José Sarney e Praça do Centenário possibilitou perceber distintas características no<br />

processo histórico da cidade m<strong>ate</strong>rializada no urbanismo, nas edificações, nos espaços<br />

públicos e em outros bens edificados.<br />

1548


Zona 1<br />

A Zona 1 compreende a Praça da Matriz, considerada o núcleo fundacional<br />

da cidade. Essa área apresentou o conjunto urbano mais homogêneo, com o uso<br />

majoritário como residências e espaços de sociabilização com praças e áreas de lazer.<br />

Além disso, é nesta zona que se encontra a igreja matriz da cidade Santo Inácio de<br />

Loyola.<br />

Figura 4 – Delimitação da Zona 1 correspondendo ao núcleo fundacional de Pinheiro. Composição: Bandeira,<br />

2016.<br />

Nesta região foram identificados alguns equipamentos sociais, a exemplo de<br />

escolas, um anfiteatro da igreja, o balneário Maria Santa, dentre outros, além de um<br />

traçado urbano em quadras bem definidas, cujo acesso liga a porção mais antiga da<br />

cidade às margens do rio Pericumã.<br />

1549


Figura 5 – Vista aérea da Zona 1, correspondendo ao núcleo fundacional de Pinheiro. Foto: Soares, 2017.<br />

Em relação ao partido arquitetônico identificado, foram observados edifícios<br />

de distintos estilos, com poucos remanescentes coloniais, alguns exemplares Art Déco,<br />

prédios ecléticos e casas vernaculares.<br />

Figura 6 – Igreja Matriz de Santo Inácio de<br />

Loyola.Fonte: Bandeira, 2016.<br />

Figura 7 – Conjunto edificado em estilo colonial tardio<br />

e Art Decó nas proximidades da Praça da<br />

Matriz.Fonte: Soares, 2017.<br />

1550


Em relação ao estado de preservação das edificações, foram identificadas<br />

algumas casas em estado de abandono, mas no geral, por se tratar de habitações em<br />

pleno uso, existe a conservação por parte dos proprietários.<br />

Figura 8 – Casa abandonada em estado de<br />

arruinamento. Fonte: Bandeira, 2016.<br />

Figura 9 – Interior de uma residência em estilo colonial<br />

com piso e forro de madeira. Autoria coletiva, 2016.<br />

Zona 2<br />

A Zona 2 compreende a Praça José Sarney e aglutina a área onde se<br />

situavam as residências da elite pinheirense, sendo constituída por um núcleo central<br />

que é a própria praça, com traçado das ruas paralelas e perpendiculares que compõem<br />

essa porção da cidade.<br />

Este setor apresentou maior heterogeneidade no conjunto edificado, visto<br />

que reúne sobrados coloniais modificados, terrenos com casas antigas demolidas,<br />

comércios, setores de banco, espaços de sociabilização, áreas de lazer, escolas e o poder<br />

público.<br />

1551


Figura 10 – Delimitação da Zona 2 correspondendo ao núcleo fundacional de Pinheiro.Composição: Bandeira,<br />

2016.<br />

Nesta região foram identificados alguns equipamentos sociais, a exemplo de<br />

escolas públicas e privadas, igrejas, lanchonetes e as maiores lojas do comércio da<br />

cidade. Mais recentemente, desde o obelisco da cidade, que delimita as Zonas 1 e 2 até<br />

o limite na Zona 3, com a Praça do Centenário, foi constada que é o setor mais crítico<br />

para preservação dos edifícios de interesse histórico, visto que é área mais valorizada<br />

para o comércio.<br />

Tal situação vem levando a demolição de muitos prédios históricos,<br />

sobretudo, devido ao receio dos proprietários que seja criada uma lei de tombamento<br />

municipal.<br />

1552


Figura 11 – Vista aérea da Zona 2 correspondendo a área mais heterogênea de Pinheiro. Foto: Soares,<br />

2017.<br />

Em relação ao partido arquitetônico identificado, foram observados edifícios<br />

de distintos estilos, com mais remanescentes coloniais do que a Zona 1, alguns<br />

exemplares identificados foram o colonial tardio, Art Déco, Art Nouveau e estilos<br />

ecléticos, com poucas casas vernaculares.<br />

1553


Figura 12 – Casarão em estilo Art Nouveau e Eclético,<br />

adaptados a um prédio colonial.Fonte: 2016.<br />

Figura 13 – Edifício colonial com intervenções<br />

posteriores no frontão. Fonte: Bandeira, 2016.<br />

Figura 14 – Edificação de propriedade da igreja, onde<br />

funciona a administração eclesiástica. Autoria coletiva, 2016.<br />

Figura 15 – Casa e comércio de um pavimento em estilo<br />

colonial tardio.Fonte: Bandeira, 2016.<br />

Contudo, o que mais chamou a <strong>ate</strong>nção dos pesquisadores foi a demolição<br />

de muitos prédios sem que fossem edificados outros no lugar ou mesmo o total<br />

abandono até que eles se transformem em ruínas.<br />

Tal situação foi compreendida como uma ação pensada, no intuito de se<br />

evitar o tombamento de edifícios isolados, caso uma lei de proteção municipal seja<br />

criada. Neste sentido, foram identificados alguns terrenos com vestígios de exemplares<br />

arquitetônicos extremante importantes para a história da cidade e que foram demolidos.<br />

1554


Figura 16 – Edificação em estilo colonial com<br />

características preservadas, mas que foi<br />

demolida.Fonte: desconhecida.<br />

Figura 17 – Único remanescente que restou da edificação<br />

colonial demolida. Fonte: Bandeira, 2016.<br />

Em relação ao estado de preservação das demais edificações, pelo fato de<br />

muitas ainda estarem ocupadas por residências ou funcionarem como escolas e<br />

comércios, permanecem bem conservadas pelos proprietários.<br />

Figura 18 – Casarão onde funcionou a Farmácia da Paz, de<br />

Paulo Allim, fundada em 1940. Fonte: Bandeira, 2017.<br />

Figura 19 – Interior da Farmácia da Paz em total estado de<br />

arruinamento.Fonte: Bandeira, 2016.<br />

Zona 3<br />

A Zona 3 compreende a Praça Centenário e se constitui o eixo mais novo de<br />

expansão da cidade, sobretudo, após a década de 1990. A partir desta área estão<br />

surgindo em direção ao povoado de Pacas comércios, mercados, loteamento<br />

1555


esidenciais, como também está implantado o polo de ensino com a presença da UFMA<br />

e IFMA, além do hospital macrorregional de Pinheiro.<br />

Figura 20 – Delimitação da Zona 3 correspondendo ao núcleo mais recente de Pinheiro. Composição: Bandeira,<br />

2016.<br />

Por se tratar de uma área mais recente na história urbanística da cidade,<br />

foram observados poucos edifícios de interesse histórico, com exceção do cemitério da<br />

cidade, que tem mais de 100 anos e algumas igrejas com arquitetura modernista.<br />

1556


Figura 21 – Vista aérea da Zona 3 correspondendo ao eixo de crescimento recente de Pinheiro. Foto: Soares,<br />

2017.<br />

Em relação ao partido arquitetônico identificado, foram observados edifícios<br />

de estilo Art Déco, alguns prédios ecléticos e casas vernaculares. Contudo, cabe<br />

ressaltar que nesta porção da cidade existem alguns exemplares que remetem a<br />

arquitetura modernista, a exemplo da Praça do Centenário, como também edifícios com<br />

mais de um pavimento com arquitetura contemporânea.<br />

1557


Foto 22 – Frontão do cemitério mais antigo da<br />

cidade.Fonte: Autoria coletiva, 2016.<br />

Figura 23 – Edificações Art Decó descaracterizadas para<br />

funcionamento de comércios.Fonte: Autoria coletiva,<br />

2016.<br />

Figura 24 – Marco modernista da Praça do<br />

Centenário, caracterizado pelo uso do<br />

concerto.Fonte: Autoria coletiva, 2016.<br />

Figura 25 – Residência com arquitetura simples.Fonte:<br />

Autoria coletiva, 2016.<br />

Em relação ao estado de preservação das edificações, foram identificadas<br />

algumas casas em estado de abandono, mas no geral, por se tratar de habitações em<br />

pleno uso, existe a conservação por parte dos proprietários.<br />

1558


Figura 26 – Residência de arquitetura típica da década<br />

de 1970 ainda em uso como moradia.Fonte: Autoria<br />

coletiva, 2016.<br />

Figura 27 – Residência de arquitetura típica da década<br />

de 1970 ainda em uso como moradia. Fonte: Autoria<br />

coletiva, 2016.<br />

A extroversão dos resultados deste atividade foi alcançada com a<br />

organização de uma exposição itinerante Pinheiro: passado, presente...e futuro???, que<br />

foi lançada na I Semana Interdisciplinar em Ciências Humanas e remontada na Semana<br />

de Luta e Consciência Negra e na Feira das Profissões. Além disso, a exposição foi<br />

montada em escolas de Pinheiro e está agendada para Câmara dos Vereadores de<br />

Pinheiro.<br />

A avaliação dos resultados desta ação foi extremamente positiva, com<br />

desdobramentos internos e externos, visto que o mapeamento está servindo para<br />

subsidiar apresentações em congressos, publicações e divulgações sobre os bens<br />

edificados de interesse histórico e cultural da cidade, fomentando a mobilização e o<br />

deb<strong>ate</strong> com a Câmara dos Vereadores, em torno da construção de instrumentos legais<br />

para proteção do patrimônio histórico e cultural pinheirense.<br />

1559


Figura 28 – Montagem da exposição usando o método<br />

de “cama de gato” ou “teia de aranha”. Fonte: Arkley<br />

Bandeira, 2016.<br />

Figura 29 – Montagem da exposição usando o método<br />

de “cama de gato” ou “teia de aranha”. Fonte: Arkley<br />

Bandeira, 2016.<br />

Figura 30 – Exposição Pinheiro: passado, presente...e<br />

futuro???, já montada. Autor: Fonte: Arkley Bandeira,<br />

2016.<br />

Figura 31 – Equipe de pesquisa. Fonte: Autoria<br />

coletiva, 2016.<br />

REGISTRO DO OFÍCIO DE CERAMISTA NO POVOADO DE ITAMATATIUA<br />

– ALCÂNTARA – MA<br />

A segunda estratégia foi desenvolvida na disciplina Folclore e Cultura<br />

Popular (4N1234), ministrada em 2016.2, com um total de 25 alunos matriculados. A<br />

1560


ideia central foi aproximar os estudantes a um ofício tradicional e a um modo de vida<br />

específico e diferenciado em relação ao seu universo social e cultural. Neste contexto,<br />

foram apresentadas algumas opções em sala de aula, visando a reflexão e o deb<strong>ate</strong><br />

acerca dos possíveis objetos a serem pesquisados, a exemplo do Tambor de Crioula do<br />

Zé Macaco, em Pinheiro, a pesca tradicional na Baixada Maranhense, o modo de vida<br />

ribeirinho e o ofício tradicional da cerâmica e o modo de vida quilombola.<br />

Conforme já mencionado, a opção escolhida foi o ofício de manufatura<br />

cerâmica na comunidade quilombola de Itamatatiua, em Alcântara – Maranhão 202 , cuja<br />

peculiaridade é a elaboração de uma cerâmica com tecnologia que remente as<br />

características indígenas, cabe ressaltar, que o próprio nome da comunidade remente a<br />

língua Tupi.<br />

Itamatatiua tem cerca de 315 e segundo Oosterbeek e Reis (2012), sua<br />

fundação ainda é discutida na comunidade, contudo, a documentação informa que as<br />

origens do povoamento rementem a existência de uma fazenda da Ordem Carmelitana<br />

na região, que, após o declínio do período escravocrata, foi extinta e as terras<br />

remanescentes foram deixadas para a população afrodescendente, que iniciaram a<br />

ocupação da área. Para a região foram trazidos africanos das etnias Banto e Mina-Jeje.<br />

A territorialidade e o modo de vida quilombola são as características mais<br />

marcantes de Itamatatiua, com a existência de festas de santo, rodas de tambor,<br />

agricultura de subsistência com a roça de coivara e a organização espacial da vila, com a<br />

igreja e o cemitério ocupando a porção central e mais alta da localidade e as casas<br />

dispostas em linha, ao longo de um caminho, além do importante festejo anual para sua<br />

padroeira, Santa Tereza de Ávila ou Santa Tereza de Jesus.<br />

Contudo, o traço mais marcante e ressaltado por muitos autores que já<br />

trabalharam no município é o ofício tradicional da olaria e o seu papel identitário e<br />

mediador das relações sociais, culturais e econômicas (GRIJÓ, BERARDO,<br />

202 Itamatatiua está inserida na Baixada Maranhense e localiza-se entre as cidades de Pinheiro e Alcântara,<br />

distando cerca 90 km de São Luís e 70 km de Alcântara, sendo formada por 113 famílias e 450 habitantes.<br />

1561


MENDONÇA, 2009; PEREIRA, 2011; JUNIOR, 2011, 2012; OOSTERBEEK, REIS,<br />

2012; FERREIRA, 2012; CESTARIA, SANTOS, CARACAS, 2016).<br />

Neste âmbito, foi proposta uma estratégia para envolver os alunos em torno<br />

do ofício da olaria, e a partir deste elemento, irradiar a vivência patrimonial para outros<br />

aspectos do universo observado. Para tanto, a estratégia metodológica foi inspirada nos<br />

trabalhos de Cestaria, Santos, Caracas (2016), que aplicaram em Itamatatitua as cinco<br />

dimensões de sustentabilidade de Serão, Almeida e Carestiato (2012).<br />

As cinco dimensões da sustentabilidade, segundo os autores, aglutinam as<br />

dimensões Ecológica, Social, Cultural, Econômica e Política. A equipe de pesquisa<br />

decidiu a inclusão de mais dois eixos para observação: a dimensão Histórica e a<br />

dimensão Tecnológica.<br />

A partir destes aspectos, foram desenvolvidos temas geradores abertos, que<br />

atuaram como um roteiro para obtenção de informações junto as ceramistas. Os temas<br />

foram divididos entre as equipes de pesquisa, que também ficaram responsáveis pela<br />

elaboração e aplicação das perguntas.<br />

A primeira etapa da atividade de campo foi realizada em 25 de janeiro de<br />

2017, sendo entrevistadas sete ceramistas. Neste momento foi debatida todas as<br />

dimensões da sustentabilidade. Além disso, foi registrado o modo de manufaturar os<br />

potes cerâmicos, com a coleta de depoimentos das artesãs.<br />

Figura 32 – Igreja de Santa Tereza D’ávila, que ocupa<br />

um lugar de destaque na comunidade. Fonte: Arkley<br />

Bandeira, 2017.<br />

Figura 33 – Moradia vernacular tradicional, com o uso<br />

de matérias-primas locais: palha, madeira, fibra e<br />

argila. Fonte: Arkley Bandeira, 2016.<br />

1562


A segunda etapa está prevista para ocorrer ao longo de 2017 203 e o foco será<br />

a dimensão tecnológica e social, com o acompanhamento da comunidade na obtenção<br />

da argila para fabricação da cerâmica e o registro da secagem e queima dos objetos. A<br />

dimensão cultural também será abordada, com a observação do início dos preparativos<br />

do festejo de Santa Tereza D’ávila.<br />

Figura 34 – Aplicação dos questionários às ceramistas,<br />

versando sobre os eixos da sustentabilidade e a<br />

manufatura cerâmica. Fonte: Arkley Bandeira, 2016.<br />

Figura 35 – Manufatura da cerâmica pela técnica do<br />

rolete. Fonte: Arkley Bandeira, 2016.<br />

A terceira etapa vem sendo realizada e consiste na divulgação dos resultados<br />

em espaços de pesquisa e extroversão, a exemplo da exposição itinerante, com a<br />

participação efetiva dos estudantes e ceramistas na elaboração do discurso expositivo e<br />

na escolha das peças cerâmicas que serão apresentadas.<br />

203 A iniciativa desta ação foi tão exitosa que foi transformada em projeto de pesquisa e extensão,<br />

denominado Um saber ancestral: documentação e extroversão da produção ceramista artesanal na<br />

comunidade quilombola de Itamatatiua, Alcântara – MA e em junho foi contemplada pelo Edital<br />

FAPEMA Patrimônio Im<strong>ate</strong>rial – Processo 02016/17 - Termo: 015219/2017, possibilitando ampliar o<br />

escopo de atuação entre os anos de 2017 e 2018.<br />

1563


Figura 36 – Montagem da Exposição Um saber<br />

ancestral: documentação e extroversão da produção<br />

ceramista artesanal na comunidade quilombola de<br />

Itamatatiua, Alcântara – MA no <strong>II</strong> Encontro Floresta<br />

dos Guarás, em Cururupu – MA. Fonte: Arkley<br />

Bandeira, 2017.<br />

Figura 37 – Exposição Um saber ancestral:<br />

documentação e extroversão da produção ceramista<br />

artesanal na comunidade quilombola de Itamatatiua,<br />

Alcântara – MA no <strong>II</strong> Encontro Floresta dos Guarás, em<br />

Cururupu – MA. Fonte: Arkley Bandeira, 2017.<br />

Figura 38 – Montagem da Exposição Um saber<br />

ancestral: documentação e extroversão da produção<br />

ceramista artesanal na comunidade quilombola de<br />

Itamatatiua, Alcântara – MA no V<strong>II</strong> Seminário de<br />

Piscicultiura da Baixada Maranhense, em Pinheiro -<br />

MA. Fonte: Leonardo Soares, 2017.<br />

Figura 39 – Um saber ancestral: documentação e<br />

extroversão da produção ceramista artesanal na<br />

comunidade quilombola de Itamatatiua, Alcântara –<br />

MA no V<strong>II</strong> Seminário de Piscicultiura da Baixada<br />

Maranhense, em Pinheiro – MA. Fonte: Arkley<br />

Bandeira, 2017.<br />

A terceira ação de extroversão vinculou-se a disciplina História da América<br />

Colonial (3N123), com 45 alunos matriculados. O eixo norteador relacionou-se aos<br />

distintos momentos de ocupação do território maranhense, por diferentes levas<br />

1564


migratórias, desde o período pré-colonial, a indígena, perpassando pela chegada dos<br />

europeus e africanos.<br />

Neste sentido, foi trabalhado o conceito de cultura m<strong>ate</strong>rial 204 , concebida<br />

como qualquer segmento do meio físico modificado por comportamentos culturalmente<br />

determinados (DEETZ, 1977). Por esse motivo, toda cultura m<strong>ate</strong>rial possui um<br />

significado. Entretanto, este significado não lhe é inerente e deve ser buscado nas<br />

relações entre os componentes do sistema ao qual ela está integrada (DOUGLAS &<br />

ISHERWOOD, 1980).<br />

O passo seguinte foi vincular os períodos de ocupação do território<br />

maranhense, considerando-o como uma porção de colonização mais tardia do continente<br />

americano e a sua relação com a m<strong>ate</strong>rialidade dos artefatos e objetos que poderiam<br />

representar os povos e os respectivos momentos de históricos.<br />

Neste sentido, foram escolhidas instituições museais e centros de pesquisas<br />

que possuem acervos ou narrativas para m<strong>ate</strong>rializar a presença desses grupos<br />

formadores do Maranhão, sendo definidas em conjunto com os alunos, o Centro de<br />

Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão, para representar as ocupações<br />

pré-coloniais e indígenas; o Núcleo Fundacional de São Luís, o Palácio dos Leões, a<br />

Igreja Matriz, o Museu de Artes Sacras, o Museu Histórico e Artístico do Maranhão e a<br />

rua Portugal, para representarem a presença europeia e o Museu Cafua das Mercês, para<br />

representar a ocupação africana.<br />

204 O historiador francês, Jean-Marie Pesez (1988), asseverou que uma das certidões de nascimento da<br />

cultura m<strong>ate</strong>rial vem da União Soviética, quando Lênin criou em 1919, a Academia de História e Cultura<br />

M<strong>ate</strong>rial. Este fato denotou as principais características de sua gênese: uma emergência tardia, a evidente<br />

associação com o m<strong>ate</strong>rialismo histórico e o marxismo e suas relações privilegiadas com a história e a<br />

arqueologia. Nesta última, a cultura m<strong>ate</strong>rial encontrou seu terreno mais fértil, uma vez que a virada<br />

epistemológica dada pela arqueologia nos primórdios do século XX, resultou, dentre outras coisas, da<br />

percepção de que os aspectos m<strong>ate</strong>riais das civilizações é o caminho para a definição de sua cultura e<br />

evolução.<br />

1565


Figura 40 – Visitação ao Palácio dos Leões, na área<br />

fundacional de São Luís – MA, com a observação do<br />

legado europeu. Fonte Arkley Bandeira, 2017.<br />

Figura 41 – Visitação ao Centro de Pesquisa de<br />

História Natural e Arqueologia do Maranhão, com a<br />

observação do legado indígena. Fonte: Arkley<br />

Bandeira, 2017.<br />

Ainda em sala de aula, foram desenvolvidos mapas temáticos e definidos os<br />

roteiros de visitação, como também os objetos e artefatos que deveriam ser observados e<br />

registrados pelas equipes. Ressalta-se que as visitas em alguns órgãos foram mediadas<br />

pelas equipes das próprias instituições.<br />

A próxima ação vinculada a esta extroversão será a montagem de um<br />

catálogo, com a descrição das diversas c<strong>ate</strong>gorias artefatuais observadas nos espaços<br />

museais, correlacionando-as com o período de ocupação do Maranhão e o grupo étnico<br />

correspondente. A este respeito, a cultura m<strong>ate</strong>rial associada a cada grupo será o eixo<br />

norteador da publicação, com o Núcleo Fundacional de São Luís, o Palácio dos Leões, a<br />

Igreja Matriz, o Museu de Artes Sacras, o Museu Histórico e Artístico do Maranhão e a<br />

rua Portugal representando as relações entre europeus, afrodescendentes e indígenas; o<br />

Museu Cafua das Mercês, para representar a ocupação africana e o Centro de Pesquisa<br />

de História Natural e Arqueologia do Maranhão representando a ocupação humana mais<br />

antiga, vinculada aos indígenas e seus ancestrais.<br />

1566


CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

As três atividades que ilustram este trabalho são apenas alguns dos muitos<br />

exemplos que o docente tem a sua disposição para aproximar os estudantes dos bens de<br />

natureza histórica e cultural. Neste contexto, as vivências patrimoniais, quando<br />

agregadas a um problema de pesquisa e ao desenvolvimento de uma disciplina são<br />

ferramentas didático-pedagógicas poderosas para percepção, sensibilização e<br />

empoderamento dos alunos em relação ao seu território, suas histórias e memórias.<br />

Além disso, convém destacar um aspecto que apenas recentemente foi<br />

diagnosticado, que é a multiplicação das ações de extroversão para um público que está<br />

distante das redes de ensino, principalmente os familiares e amigos dos estudantes que<br />

estão envolvidos com as vivências patrimoniais. A este respeito, a retomada das<br />

memórias individuais e coletivas dos envolvidos direta ou indiretamente com as ações é<br />

um aspecto que deverá ser avaliado nas próximas atividades.<br />

No âmbito acadêmico, a complementação dos conteúdos das disciplinas<br />

com vivências patrimoniais está se mostrando de extrema relevância para construção de<br />

uma visão crítica, investigativa e narrativa, estimulando “um olha para dentro”, “para<br />

si” e “para os outros”, contribuindo também para a compressão de aspectos outrora<br />

esquecidos sobre a realidade da Baixada Maranhense e Reentrâncias Maranhenses.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BRASIL. República Federativa do Brasil. Constituição da República Federativa do<br />

Brasil: texto promulgado em de 5 de outubro de 1988, com as alterações adotadas pelas<br />

emendas constitucionais nos 1/92 a 52/2006. Brasília: Senado, 2006.<br />

BASTOS, Rossano Lopes. A Arqueologia Pública no Brasil: novos tempos. IN: MORI,<br />

SOUZA, BASTOS & GALLO (org.). Patrimônio: atualizando o deb<strong>ate</strong>. Brasília:<br />

IPHAN, pp. 155-168, 2006.<br />

1567


COSTA, Vanessa. Cultura Patrimonial em Enunciados: análise arqueológica dos<br />

discursos no Guia Básico de Educação Patrimonial. In: V<strong>II</strong>I Congresso Luso-Brasileiro<br />

de História da Educação, 2010, São Luís - MA. Anais do V<strong>II</strong>I Congresso Luso-<br />

Brasileiro de História da Educação, 2010.<br />

CESTARI, Glauba Alves do Vale, SANTOS, Denilson Moreira, CARACAS, Luciana<br />

Bugarin. A produção cerâmica no quilombo de Itamatatiua: interações entre artesanato<br />

tradicional e design com vistas à sustentabilidade. In SANTOS, Denilsom Moreira et.<br />

al. (orgs.). Artesanato no Maranhão: práticas e sentidos. São Luís: Edufma, 2016.<br />

DEEETZ, James. In Small Things Forgotten: the Archaeology of Early American<br />

Life. Nova York: Doubleday. 1977.<br />

DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. The World of goods: towards an<br />

anthropology of consumption. Londres: Penguin Books, 1980.<br />

FERREIRA, Rosinete de Jesus Silva. Nas tramas de Itamatatiua: as representações<br />

sociais da saúde e as trocas comunicativas dos filhos de Santa Teresa. Tese de<br />

Doutorado. Rio de Janeiro: UERJ. 2012.<br />

GRIJÓ, Wesley Pereira; BERARDO, Rosa Maria; MENDONÇA, Maria Luisa. A<br />

identidade na comunidade negra de Itamatatiua sob a perspectiva dos estudos póscoloniais.<br />

Anais do V ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em<br />

Cultura. Salvador: Faculdade de Comunicação/UFBA, 2009.<br />

HORTA, Maria de Lourdes Parreira; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane<br />

Queiroz. Guia básico de educação patrimonial. Brasília: IPHAN: Museu Imperial,<br />

1999.<br />

OOSTERBEEK, Luiz; Reis, Milena das Graças Oliveira. Terras de Preto em Terras da<br />

Santa: Itamatatiua e as suas dinâmicas quilombolas. Cadernos de Pesquisa, v. 19, n. 1,<br />

p. 7 – 15, jan./abr. São Luís: UFMA, 2012.<br />

PEREIRA, Cleyciane Cássia Moreira. Mitos da cultura africana: elementos de<br />

informação e preservação da memória na Comunidade Quilombola Alcantarense<br />

de Itamatatiua. Dissertação de Mestrado. João Pessoa: UFPB, 2011.<br />

1568


JUNIOR, David Pereira. Tradição e identidade: a feitura de louça no processo de<br />

construção de identidade da Comunidade de Itamatatiua – e Alcântara Maranhão. In<br />

MARTINS, Cynthia Carvalho et al. Insurreição de saberes: práticas de pesquisa em<br />

comunidades tradicionais. Manaus: Universidade do Estado do Amazonas - UEA, 2011.<br />

_______. Territorialidades e identidades coletivas: uma etnografia de Terra de<br />

Santa na Baixada Maranhense. Dissertação de Mestrado. PROGRAMA DE Pós-<br />

Graduação em Antropologia – PPGA. Salvador: UFBA, 2012.<br />

OOSTERBEEK, Luiz. Arqueologia pré-histórica: entre a cultura m<strong>ate</strong>rial e o<br />

património intangível. Cadernos do LEPAARQ - Textos de Antropologia,<br />

Arqueologia e Patrimônio, v. I, n. 2. Pelotas: Editora da UFPEL, p. 41-54, Jul/Dez<br />

2004.<br />

PESEZ, Jean-Marie. História da Cultura M<strong>ate</strong>rial. In LE GOFF, Jacques (org.) A<br />

História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.177-213.<br />

IPHAN. Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão – SICG. Brasília: IPHAN,<br />

2013.<br />

SANT’ANNA, Márcia. O Registro do Patrimônio Im<strong>ate</strong>rial: dossiê final das<br />

atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Im<strong>ate</strong>rial. Brasília:<br />

Ministério da Cultura / Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 4. ed,<br />

2006.<br />

SERRÃO, Mônica; ALMEIDA, Aline; CARESTIANO, Andréa. Sustentabilidade:<br />

uma questão de todos nós. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2012.<br />

1569


EVANGÉLICOS PROGRESSISTAS: uma experiência política no período de<br />

abertura democrática no brasil.<br />

PROGRESSIVES EVANGELICALS: a political experience in<br />

the period of democratic openness in brasil.<br />

Fernando Coêlho Costa<br />

Mestrando em História Social (PPGHIS-UFMA).<br />

Mestre em Ciências das Religiões (FUV-<br />

Faculdade Unida de Vitória.<br />

Eixo 3: Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade.<br />

RESUMO:A contribuição do estudo sobre evangélicos progressistas tem como principal<br />

finalidade a tentativa de compreensão sobre um grupo de evangélicos brasileiros que,<br />

desde a década de 1970 e principalmente no período da abertura democrática no Brasil,<br />

passou a se apresentar como progressista. O diferencial desse grupo foi não se<br />

reconhecer como ecumenistas, embora lançasse mão de práticas de cooperação. Ao<br />

mesmo tempo, ao fundamentarem suas ações por meio da crença no evangelho integral,<br />

reordenaram o lugar da fé nas ações contextualizadas dentro do protestantismo<br />

brasileiro do final do século XX. As ações desse grupo de evangélicos progressistas<br />

encontravam fundamento principalmente nas obras de Robinson Cavalcanti e nas ações<br />

política. A singularidade desse grupo foi distanciar-se da chamada “Bancada<br />

Evangélica” desde a Constituinte (e denunciá-la), diferenciar-se teologicamente dos<br />

ecumenistas e se apresentar como alternativa democrática com transfundo religioso não<br />

exclusivista.<br />

Palavras-Chave: Evangélicos de esquerda. Política.Sociedade.<br />

ABSTRACT: The main purpose of the study's contribution to progressive evangelicals is<br />

the attempt to understand a group of Brazilian evangelicals that, since the 1970s and<br />

1570


especially in the period of democratic openness in Brazil, started to present itself as<br />

progressive. The differential of this group was not to recognize themselves as<br />

ecumenists, even though it used cooperative practices. At the same time, by grounding<br />

their actions through belief in the integral gospel, they reordered the place of faith in the<br />

contextualized actions within the Brazilian Protestantism of the l<strong>ate</strong> twentieth century.<br />

The actions of this group of progressive evangelicals were based mainly on the works of<br />

Robinson Cavalcanti and political actions - left. The singularity of this group was to<br />

distance themselves from the so-called "Evangelical Bancada" since the Constituent<br />

Assembly (and denounce it), to differenti<strong>ate</strong> theologically from the ecumenists and to<br />

present themselves as a democratic alternative with a non-exclusive religious<br />

background.<br />

Keywords: Left evangelicals. Policy.Society.<br />

INTRODUÇÃO.<br />

Uma excelente tese sobre evangélicos de esquerda foi defendida<br />

recentemente na UFRJ, intitulada À direita de Deus, à esquerda do povo:<br />

protestantismos, esquerdas e minorias (1974-1994), apresentadas por Zózimo Trabuco<br />

(TRABUCO, 2016). A obra é significativa, pois contribui no sentido de outras leituras<br />

historiográficas sobre a postura dos cristãos de confissão protestante e tradição<br />

evangélica. Os capítulos da primeira parte são: “Ser protestante na América Latina”,<br />

“Igreja e Missão: redes institucionais, produção intelectual e sociabilidade religiosa”. A<br />

segunda parte é composta pelos capítulos “Socialismo cristão: o desafio marxista e a<br />

resposta cristã”, “O feminismo cristão latino-americano: saber teológico e poder<br />

eclesiástico”, “Minorias militantes e teologias situadas: negros e homossexuais em<br />

deb<strong>ate</strong> no protestantismo”. A parte final é composta de dois capítulos: “Ser de esquerda<br />

entre os evangélicos” e “Ser evangélico na esquerda: da Constituinte às eleições<br />

presidenciais”.<br />

1571


Como trabalho acadêmico, dois fatores chamam a <strong>ate</strong>nção. O primeiro é a<br />

temática da pesquisa nas interfaces história, religião e esquerdas. O segundo elemento é<br />

o fato de tratar de um grupo social que em diversos momentos da história recente do<br />

Brasil é identificado como conservador, interessado em assuntos de caráter moralista e<br />

de fácil mudança de opinião política quando se tem moeda de troca. Os políticos<br />

evangélicos, por assim dizer, são o objeto de estudo apresentado pelo pesquisador.<br />

É nesse ponto da tese sobre políticos evangélicos de esquerda que incide a<br />

relação com meu objeto de pesquisa. O último capítulo (“Ser evangélico na esquerda: da<br />

constituinte às eleições presidenciais”), aponta quatro elementos que fazem relação<br />

direta com os evangélicos progressistas. São eles: “Os evangélicos e a política:<br />

pentecostalismo, ecumenismo e Missão integral”; “Cristianismo e política: uma<br />

referência evangélica para a esquerda”; “Eleições presidenciais: os evangélicos à direita<br />

e à esquerda”; e “Nem católico, nem marxista: a afirmação de uma esquerda<br />

evangélica”.<br />

1. Os evangélicos e a política: as tentativas de conciliação em meados do século<br />

XX.<br />

A Confederação Evangélica do Brasil (CEB), organismo criado em 1934<br />

com a finalidade de buscar a unidade e a identidade protestante brasileira, foi o<br />

resultado de uma centralização de esforços sobre iniciativas já presentes entre os<br />

protestantes no Brasil. A presença da CEB demarcava certa posição teológica frente à<br />

sociedade brasileira republicana. Isso se dava por meio de políticos, articulistas<br />

edestacadas lideranças no meio eclesiástico e social. A CEB inicialmente reuniu igrejas,<br />

organizações missionárias e as Sociedades Evangélicas.<br />

Antes da CEB, já havia esforços nos campos da mídia impressa e da<br />

representação política dos interesses comuns e na cooperação entre as instituições<br />

eclesiásticas e missionárias, bem como inúmeros sujeitos que promoviam essa tentativa<br />

de unidade, que se imagina ter sido consolidada com a Confederação:<br />

1572


No Centro Brasileiro de Publicidade (1916) e, mais tarde, nas Revistas<br />

Cultura Religiosa (1922 a 1926), Sacra Lux (1935 a 1939) e Lucerna (1929-<br />

1930) encontramos lideranças como Erasmo Braga, Epaminondas Melo do<br />

Amaral, Miguel Rizzo Júnior, Vicente Themudo Lessa, Galdino Moreira,<br />

Othoniel Mota, Salomão Ferraz e outros que debatiam temas como a<br />

condição da mulher na sociedade, a educação, o voto universal, a guerra e o<br />

analfabetismo. No parlamento de 1934, o metodista e socialista Guaraci<br />

Silveira defendeu bandeiras como liberdade religiosa, ensino laico, voto<br />

feminino e universal. O processo de formação e interação de organizações,<br />

associado ao número e à intensidade das publicações, viria mais tarde<br />

cooperar na formação da Confederação Evangélica do Brasil, (...) que reuniu<br />

movimentos anteriores do mundo protestante brasileiro tais como: a União de<br />

Escolas Dominicais do Brasil (1911), depois transformada no Conselho<br />

Evangélico de Educação Religiosa (1928), a Comissão Brasileira de<br />

Cooperação (1916) e a Federação das Igrejas Evangélicas do Brasil (1931)<br />

(SANTOS, 2013).<br />

Os esforços ecumênicos de busca da unidade entre os evangélicos<br />

brasileiros esbarram nacrescente polarização teológica entre as igrejas brasileiras nos<br />

anos 1950. Até as tentativas internacionais de se trabalhar em unidade se deram por<br />

meio de duas instituições que tentavam promover acooperação, mas com diferentes<br />

perspectivas. A primeira foi o Conselho Mundial de Igrejas (CMI), que propunha o<br />

diálogo, ações ecumênicas entre as Igrejas cristãs e a mútua prestação de auxílio. Os<br />

representantes da Igreja Católica Romana geralmente participavam das assembleias do<br />

CMI como observadores, não integrando, portanto, o Conselho Mundial. A segunda<br />

instituição, de caráter mais conservador, era o Conselho Internacional de Igrejas Cristãs<br />

(C<strong>II</strong>C), que entendia como prioritário o que denominava de testemunho da fé cristã no<br />

mundo, adotando, assim, o credo mínimo da fé em Jesus Cristo como Deus e Salvador<br />

(NAVARRO, 1995, p. 118-135).<br />

No Brasil, as principais igrejas e organizações evangélicas optaram por se<br />

filiar a um dos dois organismos mundiais, o que as enquadrava de forma reducionista ou<br />

como "avançadas” demais ou “conservadoras” ao extremo. Enquanto isso, a<br />

Confederação Evangélica do Brasil tentava manter o equilíbrio, ainda que suas<br />

lideranças se identificassem mais com o CMI, já que até o momento era a principal<br />

experiência de unidade entre os protestantes. Essa tentativa de imparcialidade não<br />

duraria muito tempo: identificar-se com o CMI era ser ao mesmo tempo criticado por<br />

1573


seu ecumenismo. Este ecumenismo consistia na possibilidade de diálogo, cooperação e<br />

atuação conjunta entre as igrejas fazendo com que as diferentes facetas do<br />

protestantismo fossem alinhadas há algumas poucas bases comuns de doutrina.<br />

Ainda que o processo de institucionalização quase sempre provoque perdas<br />

ou corra o risco de se tornar um fim em si mesmo, ele acontece por conta da<br />

necessidade de construção de significações imaginárias sociais. A relação entre a CEB e<br />

o CMI e o C<strong>II</strong>C pode ser compreendida pelo que Castoriadis (2007) denomina de<br />

dimensão lógica ou conídica. Essa dimensão pode ser melhor entendida quando ele<br />

afirma que: “O imaginário social, como instituinte, constrói significações imaginárias<br />

sociais – Deus, os deuses, os ancestrais etc.” (CASTORIADIS, 2007, p. 34). Ainda<br />

segundo ele, as significações são instrumentalizadas pelas instituições, como a religião,<br />

por exemplo. Para ele:<br />

Todas as instituições têm também uma dimensão lógica, organizada<br />

logicamente, conídica. Lógica que procede através da constituição de<br />

elementos, agrupamentos desses elementos em conjuntos e dos conjuntos em<br />

conjuntos maiores e assim por diante. [...] é preciso sublinhar isso, pois as<br />

pessoas pensam, em geral, que na linguagem temos expressões unívocas, sem<br />

ambiguidade, que as ambiguidades são raras ou simplesmente locais ou que<br />

não existem senão na poesia etc. Ora, isso não é verdade. A linguagem é<br />

constantemente percorrida por ambiguidades; a polissemia é constitutiva de<br />

todas as palavras e de todos os termos. (CASTORIADIS, 2007, p. 34-35)<br />

Essas significações imaginárias percorriam os membros da CEB, já que<br />

aderir ao CMI era ser identificado com o ecumenismo – e no contexto pós<br />

Segunda Guerra era, em alguns casos, o mesmo que se dizer comunista. De<br />

acordo com o relato do ex-presidente do Departamento de Juventude, Waldo<br />

César, a CEB recebia recursos oferecidos por meio de projetos, mas não<br />

assumia o ecumenismo do CMI (BITTENCOURT FILHO, 2014, p. 507). Ela<br />

também passou a promover espaços de discussões e conferências, de forma<br />

que o número de igrejas filiadas e de parcerias com inúmeras denominações<br />

foi quantitativamente aumentando.<br />

Representar era a forma que os organismos institucionais tinham de fazer<br />

parcerias ou de fazer política. José Bittencourt Filho,ao escrever sobre o<br />

importante papel dos organismos representativos dos evangélicos até a<br />

metade do século XX, diz:<br />

As federações e Confederações de igrejas evangélicas na América Latina<br />

foram estabelecidas originalmente com o propósito de reforçar e defender o<br />

protestantismo, em virtude de sua condição minoritária. Como não poderia<br />

1574


deixar de ser, elas refletiam os ideários das denominações que as<br />

compunham. Assim, se tratavam muito mais de organizações<br />

interdenominacionais do que propriamente ecumênicas. Esta realidade só<br />

veio a ser alterada quando passaram a promover e executar projetos sob o<br />

patrocínio do ecumenismo internacional. Tal administração e execução de<br />

projetos sociais, além de representar uma prática de intervenção social inédita<br />

para as igrejas, tiveram o efeito col<strong>ate</strong>ral de contribuir para a superação do<br />

denominacionalismo por meio da abertura para a sociedade circundante, que<br />

a cada novo desafio, tornava evidente a urgência da unidade.<br />

(BITTENCOURT FILHO, 2014, p. 51).<br />

De acordo com seu papel original, as federações e confederações tiveram<br />

parte importante na manutenção do que se entendia como protestante nas décadas<br />

seguintes ao Congresso do Panamá (1916), mas não conseguiram impedir as adesões em<br />

direção aos movimentos ecumênicos, pois esses possuíam consistente produção<br />

teológica, lideranças internacionais e atuação em movimentos de juventudes.<br />

“Mendonça identifica que essas lideranças de organizações de juventude”<br />

(MENDONÇA, 1991, p. 134). Muitos deles cooperaram na formação de grupos,<br />

instituições e movimentos.<br />

2. Cristianismo e política: uma referência evangélica para a esquerda.<br />

Com o livro Cristianismo e Política: teoria bíblica e prática histórica<br />

(2002), Robinson Cavalcanti tornou-se uma das principais referências para o que viria a<br />

ser conhecido como “evangélicos de esquerda”. Seu envolvimento com esse setor do<br />

cristianismo parecer ter seguido sua própria trajetória de envolvimentos e<br />

distanciamentos de outras correntes do protestantismo. A Constituinte, por exemplo,<br />

trouxe uma péssima repercussão da atuação dos políticos que se apresentavam como<br />

evangélicos. Trabuco (2016) apresenta Robinson Cavalcanti e Paul Freston,<br />

respectivamente cientistas político e social, como "intelectuais importantes na<br />

aproximação dos evangélicos com as esquerdas” (TRABUCO, 2016, p. 521).<br />

É nesse cenário político da abertura democrática que surgem os evangélicos<br />

que não se identificam com o movimento ecumênico(TRABUCO, 2016, p. 521) fosse<br />

um bom exemplo de cooperação. Essa vertente que tentava se distanciar tanto do<br />

1575


ecumenismo quanto da representação política da chamada “Bancada evangélica” na<br />

Constituinte era vinculada ao movimento da então chamada “Missão Integral”, da qual<br />

Robinson Cavalcanti era um dos principais articuladores no Brasil. Ele fazia isso a<br />

partir de pelo menos dois movimentos: Fr<strong>ate</strong>rnidade Teológica Latino-americana 205 e a<br />

Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos, no Brasil representada pela<br />

Aliança Bíblica Universitária 206 . Ambos os movimentos criticavam a atuação da<br />

Bancada e também negavam a identificação de ecumênicos (TRABUCO, 2016, p. 520).<br />

Não se pode prescindir que todo evangélico que elegeu seus representantes<br />

políticos tenha votado em políticos evangélicos. Mais ainda que, ao elegê-los, respalde<br />

todas as suas escolhas, ainda que seja um sistema democrático representativo. A<br />

abertura política pós Ditadura trouxe à tona outra via prática de ser evangélico quando o<br />

assunto envolvia política partidária. Essa via encontrou forma nas discussões e<br />

publicações sobre religião e política e sobre democracia e cristianismo feitas pelo<br />

Movimento Evangélico Progressista, que surgiu durante a campanha eleitoral<br />

majoritária de 1989, cujo partido apoiado por essa vertente dos evangélicos era o<br />

Partido dos Trabalhadores (TRABUCO, 2016, p. 521).<br />

Para orientar essa vertente evangélica e proporcionar certa fundamentação<br />

teórica sobre essa prática que se diferenciava dos ecumênicos e dos conservadores,<br />

Robinson escreveu Cristianismo e Política. Essa fundamentação era necessária, pois<br />

conforme Jörn Rüsen,na busca de sentido histórico há a necessidade de fontes<br />

históricas:<br />

Sem existirem fontes não se pode reconhecer um passado que faça sentido<br />

como história. As perspectivas concretas do tempo do passado, de modo que<br />

eles sejam conformadas, interpretativamente, no construto significativo de<br />

uma história e, com isso, possam agir eficazmente como fatores de orientação<br />

no tempo. É essa inclusão da experiência concreta do tempo do passado que<br />

constitui propriamente o processo do conhecimento histórico (RÜSEN, 2001,<br />

p. 32).<br />

205 Robinson Cavalcanti é co-fundador da FTL-América Latina, em 1970.<br />

206 Nessa organização missionária entre estudantes secundaristas e universitários, Robinson Cavalcanti<br />

manteve por dez anos vínculo formal.<br />

1576


Para os evangélicos de vertente progressista, a razão de suas práticas<br />

engajadas e o sentido de suas ações é fundamentada em seus elementos de fé e<br />

obediência a esse sentido. Porém o que fazia com que os evangélicos progressistas,<br />

sendo minoria tanto na política quanto entre os evangélicos, mantivessem seu<br />

posicionamento? Uma hipótese é que antes mesmo do período da abertura democrática<br />

o referencial teórico do grupo fosse estritamente teológico - uma interpretação coerente<br />

de crença e prática que foi apropriada e aplicada ao contexto social e político brasileiro.<br />

Não seria um acréscimo de elementos, mas a ressignificação de suas crenças em seu<br />

contexto sócio-histórico, fazendo relação e sentido entre o que se professa e o que se<br />

pratica.<br />

Esse referencial estava no documento denominado Pacto de Lausanne, uma<br />

das mais importantes declarações do movimento evangélico que se apresenta como<br />

progressista, sendo que há inúmeras outras declarações, confissões e compromissos<br />

assumidos em encontros e comissões de estudos derivados do Pacto de Lausanne. O<br />

documento é composto por quinze <strong>artigos</strong> com pontos fundantes e fundamentais que<br />

articulam temas sobre o que creem, mas principalmente sobre como a fé evangélica<br />

progressista deve ser encarada. 207 .<br />

O ponto cinco, que fala sobre a Responsabilidade Social do Cristão,<br />

afirma:<br />

Afirmamos que Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens. Portanto,<br />

devemos partilhar o seu interesse pela justiça e pela conciliação em toda a<br />

sociedade humana, e pela libertação dos homens de todo tipo de opressão.<br />

Porque a humanidade foi feita à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção<br />

de raça, religião, cor, cultura, classe social, sexo ou idade possui uma<br />

dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e servida, e não<br />

explorada. Aqui também nos arrependemos de nossa negligência e de termos<br />

algumas vezes considerado a evangelização e a atividade social mutuamente<br />

exclusivas. Embora a reconciliação com o homem não seja reconciliação com<br />

Deus, nem a ação social evangelização, nem a libertação política salvação,<br />

afirmamos que a evangelização e o envolvimento sociopolítico são ambos<br />

parte do nosso dever cristão. Pois ambos são necessárias expressões de<br />

207 O Congresso de Lausanne aconteceu em 1974 e em poucos anos o documento passou a ser uma espécie<br />

de declaração de fé, com o objetivo de orientar as inúmeras igrejas e organizações missionárias<br />

evangélicas envolvidas. O Congresso deu origem ao Movimento Lausanne. Disponível em:<br />

https://www.lausanne.org/about-the-movement. Acesso em: 15 jul. 2017.<br />

1577


nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por nosso<br />

próximo e de nossa obediência a Jesus Cristo. [...] A salvação que alegamos<br />

possuir deve estar nos transformando na totalidade de nossas<br />

responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta (PACTO DE<br />

LAUSANNE).<br />

Há pelo menos três características importantes nessa declaração que podem<br />

ser historicizadas. Em primeiro lugar, ela desloca a ação social para o centro da teologia<br />

evangélica: o que faz um grupo de cristãos se reconhecer evangélico é a centralidade<br />

que o exercício de crença tem sobre as demais áreas dos sujeitos. Nesse sentido,<br />

concorda-se com Castoriadis (2007) quando afirma que:<br />

O exame de cada sociedade, inclusive a nossa, mostrará que todas elas<br />

submetem o conjunto das instituições funcionais a finalidades não funcionais,<br />

mas imaginárias e dependentes das significações sociais do conjunto<br />

considerado – e notadamente das significações sociais nucleares, as mais<br />

importantes. Assim, em uma sociedade crente, religiosa, as significações<br />

nucleares são as significações religiosas (CASTORIADIS, 2007, p. 33).<br />

Em segundo lugar, o Pacto declaraque a evangelização e a ação social não<br />

se excluem mutuamente, dando a base para uma visão conciliadora entre crença e<br />

prática na concepção evangélica. Em terceiro lugar, há um arrependimento pela<br />

parcialidade, por ter considerado apenas os aspectos religiosos na prática missionária,<br />

não levando em consideração os elementos contextuais. Esse chamado à<br />

responsabilidade e arrependimento pela negligência em não atuar de forma integradora<br />

do testemunho bíblico de atividade social estimulou uma grande quantidade de ações de<br />

defesa de direitos em favor dos oprimidos, uma verdadeira tentativa de libertação de<br />

toda forma de injustiça, inclusive política (TENNENT, 2014).No caso dos evangélicos<br />

que se reconhecem progressistas no contexto brasileiro, isso se apresentou nas eleições<br />

presidenciais no período da abertura política pós ditadura civil-militar.<br />

1578


3. Eleições presidenciais: os evangélicos à direita e à esquerda<br />

Para Michael Löwy, em A guerra dos deuses (2000), há uma mudança na<br />

postura de alguns grupos evangélicos no período da redemocratização. Na perspectiva<br />

do autor, esses são chamados de “progressistas”, principalmente por adotarem práticas<br />

semelhantes às encontradas entre religiosos católicos da Teologia da Libertação.<br />

Segundo Löwy:<br />

Os evangélicos progressistas brasileiros se recusam a ser identificados com a<br />

teologia da libertação e com o catolicismo de esquerda: desinteressados do<br />

ecumenismo, eles desenvolvem sua própria teologia evangélica, o<br />

“cristianismo integral”, baseado em uma visão estritamente bíblica do mundo<br />

e dos seres humanos (LÖWY, 2000, p. 201).<br />

Concorda-se com o autor a respeito desse distanciamento entre os<br />

interlocutores desse cristianismo integral e os daTeologia da Libertação, bem como dos<br />

ecumenistas. Há pelo menos dois documentos norteadores das práticas progressistas dos<br />

evangélicos, sendo no elemento confessional que eles encontram sentido: o Pacto de<br />

Lausanne e Pacto de Curitiba. Esses documentos demonstram a identificação<br />

evangélica dessa vertente protestante, que assumeum discurso sobre o serviço à<br />

sociedade,algo também visto tanto entre ecumênicos quanto entre conservadores. Algo a<br />

sedestacaré essa nova construção hermenêutica que ganhou forças entre os evangélicos<br />

brasileiros por meio da atuação de intelectuais como Robinson Cavalcanti e Paul<br />

Freston, e por meio de organismos progressistas como o Movimento Evangélico<br />

Progressista (MEP), bem como por organizações paraeclesiásticas como a Aliança<br />

Bíblica Universitária do Brasil, Visão Mundial e Fr<strong>ate</strong>rnidade Teológica Latinoamericana.<br />

O que elas têm em comum além de lideranças que se apresentam como<br />

progressistas? Muito provável o mesmo contexto e a atuação nas interfaces evangélicos,<br />

sociedade e política no final da década de 1980, um período de grandes dificuldades<br />

econômicas para as economias periféricas, mudanças geopolíticas experimentadas no<br />

contexto da Guerra Fria, que já vinha polarizada pelos modelos de economia da Europa<br />

1579


ocidental e Estados Unidos, contrapondo-se ao modelo implementado pela União das<br />

Repúblicas Socialistas Soviéticas. Os governos de economias emergentes reféns das<br />

políticas que privilegiavam a aplicação da economia de mercado e o controle fiscal<br />

macroeconômico, modelo de economia que seguia as propostas do Consenso de<br />

Washington: redução dos gastos públicos, reforma fiscal e tributária, privatizações e<br />

reformas trabalhistas eram algumas das pressões sofridas pelas economias mais<br />

dependentes dos fundos internacionais de investimento.<br />

No contexto evangélico havia certo entusiasmo com o crescimento<br />

numérico do setor. O crescimento do número de evangélicos no país, segundo os<br />

números do IBGE, ocorreude forma vertiginosa, comocomenta Faustino Teixeira:<br />

A diversificação religiosa no Brasil veio favorecida pelo importante<br />

crescimento evangélico nas últimas décadas. Esse específico segmento, que<br />

em 1940 representava apenas 2,6% dos declarantes, teve significativa<br />

ampliação nos últimos quarenta anos: 5,8% em 1970; 6,6% em 1980; 9,0%<br />

em 1991; 15,4% em 2000 e 22,2% em 2010. O último censo indica um<br />

número de 42,2 milhões de fiéis evangélicos (TEIXEIRA, 2014).<br />

O desafio para os evangélicos naquele momento, no Brasil, que se<br />

identificavam como progressistas era “conciliar pertencimento religioso e<br />

posicionamento político”(TRABUCO, 2016, p. 524). Assim, o Movimento Evangélico<br />

Progressista apresentava-se como uma terceira via que conhecia muito bem ocontexto<br />

político latino-americano das décadas anteriores às importantes modificações,<br />

principalmente na compreensão católica romana referente à ação política. Esse<br />

movimento sabia que os encontros de Medelín(1968) e Puebla (1978) haviam marcado<br />

profundamente o catolicismo latino-americano. Além disso, o Concílio Vaticano <strong>II</strong><br />

repercutira em Medelín, por ocasião da Conferência do CELAM (Conselho Episcopal<br />

Latino-Americano), cujo tema foi “A Igreja na presente transformação da América<br />

1580


Latina à luz do Concílio Vaticano <strong>II</strong>”. 208 Sua principal contribuição foi marcar a<br />

aproximação da crença católica à prática da evangelização contextualizada.<br />

Para Robinson Cavalcanti, houve certa relação entre a prática religiosa dos<br />

evangélicos progressistas (contextualização) e o pensamento religioso surgido no seio<br />

católico latino-americano. Quanto a isso, comenta:<br />

A teologia da libertação é, em certo sentido, herdeira do antigo evangelho<br />

social e de correntes mais recentes, como a teologia política europeia de um<br />

Johannes Metz ou um Jurgen Moltmann, que aqui teria sintonia nas obras de<br />

um Richard Shaull, de um Joseph Comblin, de um Rubens Alves, passando<br />

pelo trabalho realizado pelo ISAL dez anos antes. (CAVALCANTI, 2002, p.<br />

221).<br />

Ele ressalta que esse pensamento encontrou resistência entre católicos como<br />

Batista Mondin, assim como entre protestantes como Pedro Arana, fundador da FTL em<br />

1970. Segundo este, citado por Cavalcanti (2002), “os teólogos da libertação forçaram<br />

os evangélicos a tomar seriamente a situação em que vivem na qual proclamam o<br />

evangelho”(CAVALCANTI, 2002, p. 222). Pedro Arana menciona ainda outras<br />

mudanças na prática católica latino-americana: “Forçaram os evangélicos a ler a Bíblia<br />

seriamente e a rever sua atitude diante da revelação, especialmente aos<br />

condicionamentos de sua leitura; chamaram a <strong>ate</strong>nção para a relação entre a fé e a<br />

obediência”(CAVALCANTI, 2002, p. 223).<br />

Foram com afirmações à época consideradas avançadas que o pensamento<br />

de Robinson Cavalcanti provocou pequenas mudanças. Ele se posicionava partidária e<br />

teologicamente, enfrentava os conservadores e fugia da comparação com os<br />

ecumenistas. Trabuco (2016) comenta sobre o pensamento de Cavalcanti:<br />

A circulação dos textos de Robinson Cavalcanti e Paul Freston nas<br />

publicações evangélicas, principalmente a revista Ultimato, bem como a<br />

participação desses intelectuais junto a universitários cristãos, conferiu aos<br />

mesmos um importante protagonismo nas aproximações entre segmentos<br />

208 Foi nessa ocasião a primeira visita do papa à América Latina. O Concílio (1962-1965) foi uma tentativa<br />

de adequação da mensagem da igreja para os variados povos, mas acima de tudo sua marca ficou como<br />

referência às principais discussões religiosas e ideológicas para os povos latino-americanos, sendo a<br />

Libertação a principal delas.<br />

1581


evangélicos teologicamente conservadores com partidos e movimentos<br />

políticos progressistas, definidos pelo MEP como aqueles que compreendiam<br />

“o desenvolvimento de nosso país como um processo (que não é rápido) que<br />

combina crescimento econômico, igualdade social, liberdade política e<br />

equilíbrio ecológico”. O modo como essas aproximações ocorreram entre as<br />

eleições de 1989 e 1994 definiram uma direita e uma esquerda evangélica.<br />

(TRABUCO, 2016, p. 553)<br />

Ao dar um panorama sobre o perfil do eleitorado evangélico, Robinson<br />

aponta as seguintes tendências entre o final dos anos 1980 e começo da década seguinte:<br />

“1. Desinformação, 2. Preconceito; 3. Alienação; 4. Reacionarismo” (CAVALCANTI,<br />

1993, p. 148). Após identificar uma série de fatores, que segundo ele causavam<br />

bloqueios de ordem teológica nos evangélicos para que estes não se envolvessem com a<br />

esquerda, diz: “Acrescente-se a isso: duas décadas de desestímulo à atividade política,<br />

desconhecimento da história política dos ensinos sociais das Escrituras, teologia da<br />

ausência, da não-influência, etc.” (CAVALCANTI, 1993, p. 148). Ao falar dos desafios<br />

imediatos, diz: “O ideológico e o partidário está sendo tomado, por ambos os lados, para<br />

se julgar quem é crente e não é. Em algumas cidades já conhecemos igrejas onde só<br />

cabem os da direita ou os da esquerda. Um desafio fundamental é o da convivência na<br />

divergência entre irmãos” (CAVALCANTI, 1993, p. 149).<br />

Os evangélicos não passaram ilesos diante do novo período político vivido<br />

no país. Todavia, na perspectiva de intelectuais como Robinson Cavalcanti, havia<br />

“sinais de esperança”, já que Cavalcanti percebia o interesse e a motivação, entre os<br />

evangélicos, por temas políticos, econômicos e sociais, pois estavam surgindo grupos<br />

formais e informais dedicados ao estudo desses temas. Entre eles: “Destacamos o papel<br />

do GEAP- Grupo Evangélico de Ação Política, de Brasília, o INESP – Instituto<br />

Evangélico de Estudos Sociais e Políticos, de Belo Horizonte, e de alguns Comitês<br />

Evangélicos Pró-Constituinte” (CAVALCANTI, 1993, p. 149).<br />

Robinson Cavalcanti se mantinha otimista quanto às reais ações de<br />

engajamento político promovidas por esses grupos de evangélicos. Em A utopia<br />

possível ele afirma:<br />

1582


Mais e mais jovens leigos e pastores estão aderindo a uma visão teológica<br />

holística, encarnada, comprometida com uma Missão Integral da Igreja,<br />

visando despertar os nossos valores e talentos para uma perspectiva de<br />

serviço. Esses irmãos competentes, no lugar de ficar confortavelmente<br />

lamentando a situação presente, poderão mudá-la, mudando a si mesmos.<br />

Indivíduos convertidos, agindo comunitariamente, poderão converter a<br />

cultura, a sociedade e o Estado (CAVALCANTI,1993, p. 149).<br />

Foi a partir desse pensamento que Robinson Cavalcanti candidato a<br />

deputado estadual (1982), membro do Diretório Municipal do PMDB (1982-1984),<br />

assessor do prefeito de Recife (1986-1988) e participante da campanha pelas eleições<br />

presidenciais Diretas Já (1984)”. Cavalcanti foi também um declarado evangélico de<br />

esquerda que coordenou os comitês evangélicos de apoio a candidatos da Frente Popular<br />

(liberais progressistas, socialistas e comunistas) em dois pleitos municipais, dois<br />

estaduais e um nacional, além de presidir a comissão interpartidária e o comitê<br />

evangélico de apoio à candidatura do sindicalista Lula da Silva à presidência da<br />

República.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Estudar a relação entre esses dois elementos plurais: os evangélicos e a<br />

política, nos ajuda a perceber a constante disputa presente nesses dois campos. Por isso<br />

é ao mesmo tempo uma tentativa de compreensão histórica sobre o discurso desses<br />

evangélicos progressistas que tiveram seu espaço de atuação no cenário político<br />

brasileiro a partir da década de 1970. A abertura política democrática trouxe à tona<br />

diversos interesses político-partidários que estavam em jogo no período da Constituinte.<br />

As trocas de favores de políticos ditos de representação evangélica, os<br />

escândalos morais e os novos paradigmas de crença e prática colidiram em um<br />

momento de efervescência ideológica política. Foi nesse contexto que o pensamento e o<br />

engajamento dos evangélicos progressistas ganharamlugar no concorrido espaço<br />

religioso brasileiro.<br />

1583


Ao passo que inúmeras práticas ecumênicas ainda deram continuidade no<br />

contexto evangélico, a postura de cooperação em favor da unidade foi gradativamente<br />

diminuída quando o assunto era política partidária, gerando um acirramento entre<br />

evangélicos de direita e de esquerda, como já havia entre as demais esferas da<br />

sociedade. O elemento inédito dessa vez era uma minoria bem fundamentada nas<br />

questões políticas e teológicas se apresentando como uma via possível de esquerda que<br />

não fosse a já conhecida de tradição católica romana, possibilitando a via paradoxal de<br />

evangélicos e progressistas. Surgiam assim, os evangélicos progressistas brasileiros, isto<br />

é, os evangélicos de esquerda.<br />

REFERÊNCIAS<br />

BITTENCOURT FILHO, José. Caminhos do protestantismo militante: ISAL e<br />

Conferência do Nordeste. Vitória: Unida, 2014.<br />

CASTORIADIS, Cornelius. Sujeito e verdade no mundo social-histórico: Seminários<br />

1986-1987: Criação humana I. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.<br />

CAVALCANTI, Robinson. A utopia possível: em busca de um cristianismo integral.<br />

Viçosa: Ultimato, 1993.<br />

_____________________. Cristianismo e política: teoria bíblica e prática histórica.<br />

Viçosa, MG: Ultimato, 2002.<br />

LÖWY, Michael. A guerra dos deuses: religião e política na América Latina.<br />

Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.<br />

MENDONÇA, Antônio G. Desafios missionários do Brasil: uma contribuição<br />

sociológica. IN: VVAA. Sonhos em parceria. SP: Missão Presbiteriana do Brasil, 1991.<br />

NAVARRO, Juan B. Para compreender o ecumenismo. São Paulo: Loyola, 1995.<br />

PACTO de Lausanne, ponto 5 Sobre a Responsabilidade Social do Cristão. Disponível<br />

em:.<br />

Acesso em: 12 jul. 2017<br />

1584


RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: fundamentos da ciência história.<br />

Brasília: UNB, 2001.<br />

SANTOS, Lyndon de A. Geração 40. Ultimato (online). Viçosa, 16 out. 2013.<br />

Disponível em: . Acesso em: 5 jul.<br />

2017<br />

TEIXEIRA, Faustino. Campo religioso em transformação, p. 38. In: CUNHA, Christina<br />

Vital da; MENEZES, Renata Castro.Comunicações do ISER, n. 69, Rio de Janeiro, set.<br />

2014. Disponível em:<br />

. Acesso em: 10 jul. 2017.<br />

TENNENT, Timothy C. O Movimento de Lausanne e o evangelicalismo global:<br />

distintivos teológicos e impacto missiológico. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em:<br />

10 jul. 2017.<br />

TRABUCO, Zózimo. À direita de Deus, à esquerda do povo: protestantismos,<br />

esquerdas e minorias (1974-1994). Salvador: Sagga, 2016.<br />

1585


FORMAS E EFICÁCIAS DA LINGUAGEM NÃO VERBAL NA<br />

COMUNICAÇÃO INDÍGENA: a manutenção da cultura da etnia Guajajara na Aldeia<br />

Tamarindo no Município de Barra do Corda – MA<br />

FORMS AND EFFECTIVENESS OF NON-VERBAL LANGUAGE IN<br />

INDIGENOUS COMMUNICATION: maintaining the culture of ethnic Guajajara in<br />

the village Tamarindo in the municipality of Barra do Corda-MA<br />

Valdirene Pereira da Conceição<br />

Professora do Departamento de Biblioteconomia da<br />

Universidade Federal do Maranhão – UFMA (Brasil)<br />

Doutora em Linguística e Língua Portuguesa<br />

cvaldireneufma@gmail.com<br />

Maurício José Morais Costa<br />

Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade<br />

Federal do Maranhão – UFMA (Brasil)<br />

mauriciojosemorais@gmail.com<br />

Paulo Henrique Machado Corado<br />

Graduando em História pela Universidade Federal<br />

do Tocantins (UFT)<br />

Amorlinda088@gmail.com<br />

Eixo 3 - Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO: Investigação sobre as formas e a eficácia da linguagem oral na manutenção<br />

da cultura da etnia Guajajara na Aldeia Tamarindo, município de Barra do Corda-MA.<br />

Objetiva analisar as formas e a eficácia com que a etnia Guajajara utiliza a linguagem<br />

oral interpessoal em ações de mobilização social e manutenção da cultura. É uma<br />

pesquisa qualitativa de natureza analítico-descritiva norteada por meio de pesquisa<br />

bibliográfica e de pesquisa de campo; pelo método etnográfico e pela análise de assunto<br />

adotada por Bardin. Utiliza como instrumento de coleta de dados, as técnicas de<br />

1586


entrevista semiestruturada, observação e diário de protocolo verbal no sentido de<br />

compreender como a linguagem não verbal é utilizada pelos Guajajaras em suas<br />

relações interpessoais frente aos diferentes meios e estratégias de comunicação<br />

disponíveis na Aldeia Tamarindo. Concebe a linguagem oral como uma ferramenta de<br />

fundamental importância no resg<strong>ate</strong> da sabedoria acumulada ao longo do tempo, e<br />

principalmentena coesão da organização social fazendo para tanto, uma incursão nas<br />

formas como as tradições orais da Aldeia Tamarindo subsistiram com o passar dos anos.<br />

Apresenta, como resultado inicial, que o enraizamento da cultura, expressos pelos<br />

ensinamentos domésticos, festejos e atos públicos comunitários na Aldeia Tamarindo,<br />

localizada há 50 km da cidade de Barra do Corda e constituída por cerca de 30 famílias,<br />

cujas atividades principais compreendem as práticas de agricultura familiar, o cultivo de<br />

mandioca, milho, dentre outras, se dá por meio da oralidade reforçada pelos caciques,<br />

pais e professores na transmissão do seu modo de saber, fazer e viver às gerações mais<br />

novas, e assim manter vivas suas tradições. Revela também que mesmo havendo a<br />

predominância da linguagem oral – a exemplo a comunicação boca-a-boca – em ações<br />

de mobilização social da Aldeia Tamarindo, coexistem outras estratégias de<br />

comunicação, a exemplo de celulares com Wi-Fi e de computadores, ainda que em<br />

menor frequência. Destaca que a oralidade, a iconografia, o artesanato, o modo de<br />

produzir e viver, são traços marcantes da região da Aldeia Tamarindo, constituindo-se<br />

então como forma e meio de registro que a comunidade encontra para transmitir para<br />

outras gerações, seus saberes e feitos originando assim os legados históricos que se<br />

constituem em patrimônios demarcados no tempo e no espaço, devem ter o devido<br />

reconhecimento da comunidade Guajajara no Estado do Maranhão.<br />

Palavras-chave:Linguagem oral. Etnia Guajajara. Mobilização e cultura dos Gujajaras.<br />

Aldeia Tamarindo, Barra do Corda - MA.<br />

1587


ABSTRACT: Research on the forms and the effectiveness of oral language in<br />

maintaining the culture of ethnic Guajajara in the village Tamarindo, the municipality of<br />

Barra do Corda-MA. This research aims to analyze the shapes and effectiveness with<br />

which the ethnic Guajajara, utilizes the interpersonal oral language in actions of social<br />

mobilization and maintenance of culture. It deals with qualitative research of an<br />

analytical-descriptive nature, by means of bibliographical research and field research;<br />

The ethnographic method and the subject analysis adopted by Bardin. It uses as a tool<br />

for collecting data, the techniques of interviewing, observation and Journal of Verbal<br />

protocol to understand how non-verbal language is used by the Guajajara in its<br />

interpersonal relationships in front of the different means and Communication str<strong>ate</strong>gies<br />

available in the village tamarind. Thus, the research conceives the oral language as a<br />

tool of fundamental importance in the redemption of the accumul<strong>ate</strong>d wisdom over<br />

time, and primarily in the cohesion of the social organisation, making for both a foray<br />

into the forms as the oral traditions of the village Tamarind remained over the years. It<br />

presents as an initial result, that the roots of the culture, expressed by the household<br />

teachings, celebrations and community public acts of the ethnic Guajajara in the village<br />

Tamarindo, loc<strong>ate</strong>d 50 km from the city of Barra do Corda and consisting of about 30<br />

families, whose Main activities comprise the practices of family farming, the cultivation<br />

of cassava, maize, among others, is through the orality reinforced by the chieftains,<br />

fathers and teachers in the transmission of their way of knowing, to do and live to the<br />

younger generations, and thus keep alive Your traditions. It also reveals that even<br />

though the predominance of oral language – the example of mouth-to-mouth<br />

communication – in actions of social mobilization of the village Tamarindo, coexist<br />

other communication str<strong>ate</strong>gies, for example of mobile phones with Wi-Fi and<br />

computers, even in smaller Frequency. In this sense, the orality, the iconography, the<br />

craft, the way of producing and living, are striking traits of the region of the village<br />

tamarind, constituting itself as a form and a means of record that the community finds to<br />

transmit to other generations, its knowing and deeds. This is the origin of historical<br />

legacies that constitute a heritage demarc<strong>ate</strong>d in time and space, which regardless of<br />

1588


whether they are officially declared or not, it is essential that they have the proper<br />

recognition of the Guajajara community in the st<strong>ate</strong> of Maranhão.<br />

Keywords: Oral language. Ethnicity Guajajara. Mobilization and culture of the<br />

Gujajaras. The village Tamarind, Barra do Corda-MA.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

A memória histórica e a identidade cultural de diversos grupos da cultura<br />

indígena vem se constituindo em objeto de estudo e de pesquisas tanto no cenário<br />

nacional como internacional, em virtude de suas especificidades e diversidades, bem<br />

comoda necessidade de preservação do seu patrimônio m<strong>ate</strong>rial e im<strong>ate</strong>rial.<br />

Os processos de globalização e o turbilhão social, produzido pelo uso das<br />

TICs no cotidiano, têm alteradoas estruturas culturais, impondo novos modelos de vida<br />

que se sobrepõemaos já existentes, particularmente os pertencentes ao povo indígena,<br />

como: o idioma, a tradição oral, a idiossincrasia, a perda da herância cultural, a<br />

localização geográfica enfim, aspectos de identidades quer religiosas, étnicas e<br />

territoriais de referidos grupos étnico-sociais.<br />

Segundo Castells (1999), a globalização que liquefaz as raízes, a<br />

flexibilidade das relações que individualiza a sociedade, e a crise da família patriarcal<br />

que subverte a sociabilidade tradicional - marcas da sociedade em rede - são<br />

disseminadas pelo fluxo dos meios de comunicação atuais, digitais e virtuais e, por<br />

consequência, o resg<strong>ate</strong> da identidade passa a se voltar para outras formas de<br />

comunicação, como é o caso das tradições orais.<br />

Nesse sentido, se faz necessário o entendimento de que a cultura é uma<br />

essência particular e significativa, que se sobrepõe ao pluralismo social que é, por assim<br />

dizer,o "[...] conjunto de vestígios distintivos, espirituais, m<strong>ate</strong>riais, intelectuais e<br />

afetivos que caracterizam uma sociedade ou grupo social, e [...] engloba, além de artes e<br />

1589


letras, os modos de vida, as formas de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições<br />

e crenças ". (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A<br />

CIÊNCIA E A CULTURA, 2008, p.8).<br />

Assim, na tentativa decolaborar com as discussões sobre a cultura das<br />

nações indigenas maranhense, o estudo tem como objetivo analisaras formas e a eficácia<br />

com que a etnia Guajajara,da Aldeia Tamarindodo município de Barra do Corda-MA,<br />

utiliza a linguagem não verbal interpessoal em ações de mobilização social e<br />

manutenção da sua cultura.<br />

A pesquisa é caracterizada como um estudo qualitativo, de natureza<br />

analítico-descritiva norteada por meio de pesquisa bibliográfica e de campo; pelo<br />

método etnográfico e pela análise de assunto adotada por Bardin (2009). Utiliza como<br />

instrumento de coleta de dados, as técnicas de entrevista semiestruturada (realizadas<br />

entre os meses de agosto e setembro de 2017); observação (uma vez que fora realizada<br />

visita à Aldeia Tamarindo, em fevereiro de 2017)e registros fotográficos, no sentido de<br />

compreender como a linguagem não verbal é utilizada pelos Guajajaras em suas<br />

relações interpessoais, frente aos diferentes meios e estratégias de comunicação<br />

disponíveis na Aldeia Tamarindo(PRODANOV; FREITAS, 2013; GIL, 2010;<br />

MARCONI; LAKATOS, 2003).<br />

2 USOS E SENTIDOS DA LINGUAGEM NÃO VERBAL<br />

Definida como tudo aquilo que ultrapassa ou que não esteja vinculada ao<br />

verbal, a linguagem não verbal foi, ao longo da evolução humana, relegada a um<br />

segundo plano, apesar de estar intimamente relacionada ao verbal, auxiliando todos os<br />

processos de comunicação existentes, chegando algumas vezes a sobrepujar o<br />

verbal,como forma de comunicação mais “honesta”, uma vez que é uma linguagem<br />

inata ao homem.<br />

Indispensável às relações interpessoais humanas, a linguagem não verbal é<br />

extremamente importante, pois possibilitou ao homem sobreviver em uma época<br />

1590


anterior à fala e à escrita, isto é, ao verbal. Sabe-se que o estudo acerca da linguagem<br />

não verbal é extremamente importante. Também pelo fato de que, a linguagem não<br />

verbal é amplamente utilizada pela mídia, principalmente a televisiva para produzir os<br />

efeitos de sentidos que circulam em nossa sociedade.<br />

A televisão é por si só, o depósito do não verbal (apesar da insistência em<br />

apagá-lo com o verbal), vivendo essencialmente de imagens com enorme potencial de<br />

comunicação, pela sua abrangência e convencimento e, também por afetar o indivíduo<br />

diretamente no seu inconsciente, apesar de este indivíduo, na maioria das vezes, não ter<br />

conhecimento disto, e por não possuir uma visão ou percepção crítica da importância<br />

desta linguagem que o atinge tão profundamente.<br />

Seja como sistema de símbolos verbais ou não verbais, cujo significado é<br />

conhecido e compartilhado por um grupo de pessoas para transmitir mensagens; seja<br />

como interação social por meio de discurso, a faculdade da linguagem é intrínseca ao<br />

ser humano.A linguagem, além da função de “transmitir informação” e de interação<br />

social, serve também para manifestar emoções e sentimentos, pois é antes um modo de<br />

ação do que um instrumento de reflexão, conforme dizia Malinóviski (1984).<br />

O processo socializador, potencializado pela linguagem – como toda moeda<br />

de dupla face - acabou remetendo o homem a uma questão seríssima: ele teria que lidar<br />

com um ser semelhante a ele, mas do qual, de alguma maneira ele deveria se<br />

“esconder”. Na perspectiva de dominar o processo de comunicação e, ao mesmo tempo,<br />

precisar descrever os acontecimentos simplificando o “acontecer”, que é “global e<br />

simultâneo”, o homem inventou o verbal, que é “sucessivo e linear”(GAIARSA,1994a).<br />

Embora disponha de um canal verbal de comunicação, cujo uso é imediato e<br />

frequente, o ser humano está sempre recorrendo ao conjunto de signos não verbais que<br />

incluem gestos,ou seja, imagens incidindo diretamente no ato de comunicação. O<br />

significado, portanto, vai além do verbal, ele é também gestual, tátil, visual, emocional,<br />

dependendo do contexto social.<br />

Assim, os mecanismos de comunicação começam,desde a hora do<br />

nascimento quando o bebê chora, para transmissão de sentimentos e, com o passar do<br />

1591


tempo, vai apropriando-se dos recursos necessários para expressar seus pensamentos e<br />

ideias. Ao Utilizar a linguagem verbal faz uso da palavra-código,uma vez que pode ser<br />

expressa através da linguagem oral ou escrita quando se fala ou escreve. Quando usa os<br />

gestos, sinais, imagens ou até mesmo os sons, ele se apropria dos recursos da linguagem<br />

não verbal.<br />

Desse modo, tanto a cultura oral, quanto as culturas escritas dispõem de<br />

formas de transmissão de conhecimento a fim de preservá-lo para usos futuros e<br />

comunicá-lo às próximas gerações. As músicas, as histórias, as genealogias, as poesias,<br />

os rituais e as lendas, entre outras coisas, são exemplos de formas de preservação do<br />

conhecimento utilizado pelas culturas orais. As culturas escritas, por sua vez, utilizam<br />

listas, livros, jornais, mapas, diários, relatórios, manuais, cartas e e-mails, entre tantos<br />

outros meios, para transmitir o seu conhecimento às próximas gerações(BRUNO-<br />

FARIA; FONSECA, 2014). Essas formas de comunicação pertencem ao que McGarry<br />

(1999), chama de sistema de armazenamento da informação.Bruno-Faria e Fonseca<br />

(2014), explicam que algumas formas de comunicação são partes inerentes da<br />

organização social de uma cultura, porque elas estruturam e sustentam os meios e os<br />

modos de comunicação institucionalizados na sociedade.<br />

3 A LINGUAGEM ORAL NA MANUTENÇÃO DA CULTURA DOS<br />

GUAJAJARAS DA ALDEIA TAMARINDO - BARRA DO CORDA/MA<br />

A abordagem adotada neste estudo está voltada para desvelar a eficácia e, as<br />

estratégias comunicativas utilizadas pela etnia Guajajara da Aldeia Tamarindo.<br />

Localizada há 50 km da cidade de Barra do Corda -MA, referida Aldeiaé constituída por<br />

cerca de 30 famílias - oriundas da região dos Cana Brava, na l<strong>ate</strong>ral do Rio Corda<br />

oposto ao Rio Mearim - não conta com a infraestrutura de escola, saúde, tampouco de<br />

habitação, conforme pode ser visto na Figura 1:<br />

1592


Figura 1 - Habitação da Aldeia Tamarindo<br />

Fonte: Autores (2017)<br />

Em função de sua localização, desenvolve como atividades principais as<br />

práticas de agricultura familiar, cultivando mandioca, milho, melão, melancia, além de<br />

outros produtos de subsistência, e conforme Alves (2001, p. 7) "A região apresenta,<br />

também, características peculiares de solo, clima, topografia e vegetação que exigem<br />

condições especiais de manejo, que diferem de outras regiões." Além disso, é válido<br />

destacar que a Aldeia não emprega sofisticadas máquinas de cultivo, tal como os<br />

grandes empresários agrícolas do Estado do Maranhão. Na Figura 2, apresenta-se parte<br />

da comunidade da Aldeia Tamarindo:<br />

1593


Figura 2 - Área de cultivo da Aldeia Tamarindo<br />

Fonte: Autores (2017)<br />

Para realização deste estudo, utilizou-se entrevistas semiestruturadas,<br />

registros fotográfico, observação e de ficha de coleta de termos para a análise de<br />

conteúdo no discurso dos entrevistados (Cacique e candidato ao cacicado), no sentido<br />

de perceber as formas comunicativas utilizadas para evidenciar a mobilização,<br />

manutenção e preservação da cultura, enfim o lugar da pertença, a etnia Guajajara.<br />

Como primeiras observações, é possível elencar que a linguagem oral,<br />

mencionada anteriormente, é a principal forma de comunicação utilizada na aldeia e<br />

perpassatanto a educação formal, como a não formal conforme é evidenciado na fala<br />

dos entrevistados:<br />

“A gente usa o boca a boca mesmo. Um cacique vai falando pro outro até<br />

chegar na pessoa certa"<br />

Convém destacar que as palavras "Aldeia" e "Cacique" foram as mais<br />

recorrentes nas entrevistas realizadas, conforme pode ser observado nos depoimentos<br />

abaixo:<br />

1594


"Estou indo para a aldeia, amanhã”<br />

“À noite na aldeia acontece a contação de história”<br />

“perdão pela demora....eu estava na aldeia”<br />

"A gente sempre gosta de ouvir os mais velhos e quando tá assim um grupo<br />

reunido [...] contando como nossos pais foram criados, é bom demais [...]"<br />

Em se tratando de mobilização da comunidade, a Aldeia Tamarindo,<br />

também faz uso da linguagem oral em tais ações, como revelam os depoimentos e a<br />

Figura 3, a seguir:<br />

Figura 3 - Índios da Aldeia Tamarindo<br />

Fonte: Autores (2017)<br />

1595


“As informações que a gente recebe, quando vai ter algo de reunião, algo<br />

de importante pra gente, a gente fica sabendo pela FUNAI.”<br />

“A gente fica sabendo pela FUNAI, pelos caciques que andam lá e passam<br />

pra gente as informações”.<br />

"A minha mãe começou a participar de reunião pra falar sobre a criação de<br />

faculdade . E convidou mais gente pra participar"<br />

"A gente também fez reunião pra reivindicar escolas pras crianças"<br />

Além da linguagem oral, a Aldeia Tamarindo lança mão de variadas formas<br />

de expressão e de linguagem não verbal, como as festas, os costumes e a prática<br />

artesanal e têm características bem peculiares. Por se tratar de um grupo familiar a arte é<br />

transmitida de geração a geração, e sempre estão criando novos ”produtos” tentando<br />

diversificar e, assim, valorizar os vínculos familiares e as habilidades naturais da<br />

identidade Guajajara, como se pode visualizar na Figura 4:<br />

Figura 4 - Rito tradicional na Aldeia Tamarindo<br />

Fonte: Autores (2017)<br />

Utilizando madeira, sementes e fibras da região, a comunidade da Aldeia<br />

Tamarindo vai dando forma aos mais variados objetos. Estes, por sua vez, são capazes<br />

de refletir não apenas a beleza, mas, sobretudo, a singularidade do artesanato da etnia<br />

Guajajara, apresentado na Figura 5:<br />

1596


Figura 5 - Artesanato na Aldeia Tamarindo<br />

Fonte: Autores (2017)<br />

os parentes”<br />

“A gente faz muita farinha, da mandioca, para uso próprio e para dar para<br />

Vale ressaltar que a produção artesanal da Aldeia é uma das principais<br />

fontes de renda, uma vez que tudo que é produzido vai em direção ás feiras e espaços<br />

comerciais do município de Barra do Corda. Além disso, foi possível perceber o uso e<br />

ensino da língua m<strong>ate</strong>rna e expressões no idioma Tupi Guarani - tais como "Zané pitun"<br />

que significa boa noite - elemento este capaz de diferenciar - juntamente com a<br />

realização de determinadas festas, como por exemplo a "Festa da Menina Moça" e a<br />

"Festa do Mel" e seu artesanato peculiar - a Etnia Guajajara das demais etnias presentes<br />

no Estado do Maranhão e do Tocantins, a exemplo da Etnia Canabrava, Xerentes,<br />

Craús, Carajás, dentre outras:<br />

Considerando o artigo 16 da Declaração das Nações Unidas sobre os<br />

Direitos dos Povos Indígenas, este determina que: "Os povos indígenas têm o direito de<br />

estabelecer seus próprios meios de informação, em seus próprios idiomas, e de ter<br />

acesso a todos os demais meios de informação não indígenas, sem qualquer<br />

1597


discriminação".(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A<br />

CIÊNCIA E A CULTURA, 2008).<br />

Desse modo, o estudo realizado na Aldeia Tamarindo revelou também que,<br />

mesmo havendo a predominância da linguagem oral – por exemplo, a comunicação<br />

boca a boca em ações de mobilização social da comunidade, coexistem outras<br />

estratégias de comunicação, járeferidas anteriormente como celulares com Wi-Fi e de<br />

computadores, ainda que em menor frequência.<br />

Figura 6 - Antena na área da Aldeia Tamarindo<br />

Fonte: Autores (2017)<br />

Nesse sentido, observa-se que, o enraizamento da cultura indígema,<br />

expressos pelos ensinamentos domésticos, festejos e atos públicos comunitários da etnia<br />

Guajajara na Aldeia Tamarindo, se dá por meio da oralidade reforçada pelos caciques,<br />

pais e professores na transmissão do seu modo de saber, fazer e viver às gerações mais<br />

novas, e assim manter vivas suas tradições.<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Concebe-se, conforme argumentou-se até aqui, o valor da importância<br />

linguagem oral como uma ferramenta de fundamental importância no resg<strong>ate</strong> da<br />

1598


sabedoria acumulada ao longo do tempo e, principalmente na coesão da organização<br />

social.Nesse sentido, este estudo buscou identificar as formas como as tradições orais da<br />

Aldeia Tamarindo subsistiram com o passar dos anos.<br />

Como resposta à questão investigada, é possível afirmar que a oralidade, a<br />

iconografia, o artesanato, o modo de produzir e viver são traços marcantes, mas não<br />

únicos, uma vez que eles interagem com o mundo “civilizado”, logo, a linguagem não<br />

verbal se mescla com outras formas de expressão, conforme já referidos no texto.. No<br />

entanto, é urgente e necessário a realização de ações, bem como estudos no sentido de<br />

registrar, preservar e difundir o legado cultural das nações indígenas da região.<br />

Acredita-se que uma das formas de preservar os modos de saber e fazer da<br />

Etnia Guajajara da região é, promover estudos interdisciplinares que envolvam diversos<br />

campos do conhecimento - a exemplo da Sociologia, Antropologia, Biblioteconomia,<br />

História, dentre outras - e criar espaços como: centros de cultura e memória voltados<br />

para o registro, coleta, reunião, tratamento e difusão do patrimônio m<strong>ate</strong>rial e im<strong>ate</strong>rial<br />

indígena.<br />

A herança cultural faz parte do cotidiano dessa comunidade, é portanto,<br />

sendo um importante aliado na valorização, manutenção e preservação dessa população,<br />

originando assim os legados históricos que se constituem em patrimônios demarcados<br />

no tempo e no espaço que, independentemente de serem oficialmente declarados ou não,<br />

é essencial que estes tenham o devido reconhecimento da comunidade Guajajara no<br />

Estado do Maranhão.<br />

REFERÊNCIAS<br />

ALVES, Raimundo Nonato Brabo. Características da agricultura indígena e sua<br />

influência na produção familiar da Amazônia. Belém, PA: Embrapa, 2001. 20 p.<br />

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2009. 225 p.<br />

BRUNO-FARIA, Maria de Fátima; FONSECA, Marcus Vinícius de Araújo. Cultura de<br />

Inovação: conceitos e modelos teóricos. RAC, Rio de Janeiro, v. 18, n. 4, art. 1, p. 372--<br />

1599


396, jul./ago. 2014. Disponível em: . Acesso em: 01 dez. 2017.<br />

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1<br />

DALLEGRAVE, Karolina. Estudo de casos dos telejornais “Jornal Nacional” e<br />

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SOCIEDADE BRASILEIRA DE ESTUDOS INTERDICIPLINARES<br />

DACOMUNICAÇÃO, 2007, São Paulo. Anais... Mato Grosso do Sul: UFMGS, 2007.<br />

GAIARSA, José Ângelo. O Espelho mágico:um fenômeno social chamado corpo e<br />

alma. 12. ed. São Paulo: Summus, 1994a.<br />

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 5. ed. São Paulo: Atlas,<br />

2010. 184 p.<br />

MCGARRY, Kevin.O contexto dinâmico da informação: uma análise introdutória.<br />

Tradução de Helena Vilar de Lemos. 2. ed. Brasília: Briquet de Lemos, 1999.<br />

MALINOWSKI, Bronislaw. Argonautas do Pacífico Ocidental. São Paulo: Editora<br />

Abril, 1984.<br />

MARCONI, Mariana de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de<br />

metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003. 310 p.<br />

PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do trabalho<br />

cientifico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho científico. 2. ed. Novo<br />

Hamburgo: Feevale, 2013. 277 p.<br />

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A<br />

CULTURA. Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas:<br />

perguntas e respostas. Brasília, DF: UNESCO, 2008. 9 p. Disponível em:<br />

. Acesso em: 01 dez.<br />

2017.<br />

1600


FUTEBOL AMERICANO E URBANIZAÇÃO BRASILEIRA: Um estudo de caso<br />

a partir do município de Imperatriz-MA<br />

AMERICAN FOOTBALL AND BRAZILIAN URBANIZATION: A case study<br />

from the municipality of Imperatriz-MA<br />

Autor: Fernando Brasil Alves<br />

Co-autor: Vanda Maria Leite Pantoja<br />

Graduando-se em Ciências Humanas/Sociologia<br />

Instituição: Universidade Federal do Maranhão, Campus Imperatriz-MA<br />

Eixo 3 - Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO:O presente estudo tem como objetivo estudar/compreender, a relação da<br />

prática da modalidade esportiva futebol americano modalidade flag com o processo de<br />

urbanização da cidade de Imperatriz, no Maranhão. O mesmo nasceu de um trabalho da<br />

disciplina “sociologia urbana” e resultou na construção deste artigo acadêmico. Tem<br />

como objetivo geral compreender a relação do esporte com o processo assíduo de<br />

urbanização, modernização e expansão da cidade de Imperatriz dos últimos 5 ou 10<br />

anos da sua história. Foi adotado e abordado como metodologia qualitativa, seguida do<br />

recurso da fotoetnografia para enfatizar que o esporte que vem ocorrendo na cidade é de<br />

fato um fenômeno urbano (isolado) que foi resultado do processo a médio prazo de<br />

urbanização. O interior do Brasil vem presenciando uma inserção de valores, costumes e<br />

culturas a qual não eram assíduas/visíveis nas cidades do interior e sim visivelmente<br />

presentes nas capitais brasileiras ou nas cidades acima de 500 mil habitantes. Foram<br />

abordados os autores WIRTH (1967), que traz o conceito chave “modo de vida”;<br />

ACHUTTI (2013), com a questão da “antropologia visual” e MILTON SANTOS<br />

(1993) que traz “processos sociais, econômicos e territoriais” para o deb<strong>ate</strong>, e outros<br />

autores que deb<strong>ate</strong>m a questão. É visível que o futebol americano vem afirmando-se<br />

gradativamente na história local, seguido no processo de constituição de uma identidade<br />

isolada no contexto antropológico e micro sociológico na cidade de Imperatriz-MA;<br />

1601


interpretando esse fenômeno que vem ocorrendo como um modo de vida típico de uma<br />

cidade urbanizada através de outros fenômenos anteriores a inserção do futebol<br />

americano na cidade. Nos resultados, ficou perceptível, que a prática do futebol<br />

americano na cidade de Imperatriz foi possível com o processo urbanização que vem<br />

ocorrendo no interior do país.<br />

Palavras-chave: Grupo Social. Urbanização. Futebol Americano. Fotoetnografia.<br />

ABSTRACT: The present study aims to study / understand the relationship between the<br />

practice of the American football sport modality and the urbanization process of the city<br />

of Imperatriz, Maranhão. The same was born of a work of the discipline "urban<br />

sociology" and resulted in the construction of this academic article. Its general objective<br />

is to understand the relationship between sport and the continuous process of<br />

urbanization, modernization and expansion of the city of Imperatriz during the last 5 or<br />

10 years of its history. It was adopted and approached as a qualitative methodology,<br />

followed by the use of photoetnography to emphasize that the sport that is occurring in<br />

the city is in fact an urban phenomenon (isol<strong>ate</strong>d) that was the result of the mediumterm<br />

process of urbanization. The interior of Brazil has witnessed an insertion of values,<br />

customs and cultures that were not assiduous / visible in the cities of the interior but<br />

rather visibly present in Brazilian capitals or in cities above 500 thousand inhabitants.<br />

Authors WIRTH (1967), who brings the key concept "way of life" were approached;<br />

ACHUTTI (2013), with the question of "visual anthropology" and MILTON SANTOS<br />

(1993) that brings "social, economic and territorial processes" to the deb<strong>ate</strong>, and other<br />

authors who deb<strong>ate</strong> the question. It is clear that American football has been gradually<br />

affirming itself in local history, followed by the process of constitution of an isol<strong>ate</strong>d<br />

identity in the anthropological and micro-sociological context in the city of Imperatriz-<br />

MA; interpreting this phenomenon that has been occurring as a way of life typical of an<br />

urbanized city through other phenomena before the insertion of American football in the<br />

city. In the results, it was noticed that the practice of football in the city of Imperatriz<br />

1602


was possible with the urbanization process that has been taking place in the interior of<br />

the country.<br />

Keywords: Social Group. Urbanization. American football. Photoetnography.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A interação com o “eu” e o “outro”, partir do diálogo de observação com o<br />

sujeito nativo e o pesquisador do objeto, trilha um olhar antropológico no caminho para<br />

encontrar a eventual resposta da pergunta-problema, a relação da prática da modalidade<br />

esportiva futebol americano modalidade flag com o processo de urbanização da cidade<br />

de Imperatriz, no Maranhão. E desta situação, como sincronizar o fenômeno isolado<br />

com o processo de urbanização que vem ocorrendo na cidade de Imperatriz, no<br />

Maranhão?<br />

A cidade de Imperatriz nos últimos 10 ou 15 anos, vem passando por um<br />

processo de urbanização em todas as esferas desta localidade do interior. Como a<br />

industrialização da cidade, a construção de uma rede de hotéis, portal de entrada para os<br />

principais roteiros turísticos do sul do maranhão, norte do Tocantins e sul do Pará, a<br />

existência de mercado de serviços de bens duráveis e não duráveis no comércio regional<br />

eoutras situações que vieram a partir da expansão da economia nesta região sul do<br />

maranhão que refletiram de forma direta e indireta na cidade, resultando uma expansão<br />

gradativa da cidade no contexto urbano como todo.<br />

Fatores esses que influenciaram e vem influenciando no processo<br />

urbanização da qual refletem nos seus moradores, como o inchaço nos hospitais e<br />

postos de saúde, alto índice de criminalidade e surgimento de pequenos grupos sociais<br />

que vão constituindo-se gradativamente com identidade e costumes próprios. Como os<br />

adeptos do reggae, adeptos da cultura nipônica, comunidade de moradores de rua,<br />

1603


malabares, e por fim, grupos de pessoas que praticam esporte não do cotidiano do<br />

imperatrizense como o futebol americano por exemplo.<br />

Usaremos como referencial teórico para nortear a pesquisa, os autores<br />

WIRTH (1967) que trata da urbanização como modo de vida urbano; Santos (1993),<br />

que problematiza a expansão urbana brasileira e como isso reflete neste movimento<br />

articulado entre o campo, cidade e o intelecto do sujeito, e por fim, a fotoetnografia,<br />

cunhado e trabalhado por ACHUTTI (2013), que usará este método para compreender a<br />

formação da identidade do grupo social dos adeptos da modalidade esportiva, ao mesmo<br />

tempo - além de outros autores que ajudaram na construção deste artigo - analisando o<br />

processo como um fenômeno urbano que vem o ocorrendo na cidade de Imperatriz-MA.<br />

Perspectiva Histórica do Futebol Americano: dos Estados Unidos ao Brasil.<br />

O futebol americano vem ganhando cada vez mais espaço no país nos<br />

últimos 20 anos da nossa história brasileira. Campeonato regionais e nacionais, a<br />

exemplo do copão nordeste e etapa sul-sudeste, vem conquistando gradativamente o<br />

gostos dos brasileiros. A mídia, permitiu que esse fato adentra-se na realidade<br />

sociohistorico do Brasil.<br />

O futebol americano nasceu de uma variação de outra modalidade esportiva:<br />

o rúgbi. Não tem ano especifico que aborda o nascimento exato, mas sabe-se quem 1892<br />

desenvolve-se as primeiras tentativas de organização do esporte a respeito de regras e<br />

normas nos Estados Unidos da América do Norte. Neste país, essa modalidade esportiva<br />

tornou-se o esporte mais praticado por todas as gerações de americanos. É um esporte<br />

baseado em força, conquista de território e estratégia militar que para alguns, estratégia<br />

através da logica m<strong>ate</strong>mática. O time é formado de 11 jogadores da modalidade “Full<br />

Pad” ou 08 jogadores na modalidade “Flag” – ambos são populares no Brasil.<br />

Nos Estados Unidos, esse esporte é praticado no campeonato chamado<br />

National Footaball League ou NFL, onde os times ganhadores das regionais internas<br />

disputam o campeão de cada ano, denominando-se “Super Bowl”.<br />

1604


Shows e envolvimento da família são características neste campeonato do<br />

futebol americano naquele país. A NFL é transmitida anualmente, nas temporadas e prétemporadas<br />

para mais de 180 países, incluindo o Brasil.<br />

Em solo brasileiro, o futebol americano chegou no ano de 1986 na cidade do<br />

Rio de Janeiro, sendo praticado de início nas praias da cidade maravilhosa (Rio de<br />

Janeiro-RJ) e não no campo como ocorre nos Estados Unidos. Brasileiros e norteamericanos<br />

que conheceram o esporte começaram a inserir o esporte no país<br />

gradativamente e trouxeram para cá e o “boom” desta modalidade só se deu nos anos 90<br />

com as transmissões das tevês a cabo para o Brasil – dando mais popularidade ao<br />

esporte no eixo sul e sudeste e anos mais tarde nas regiões norte, nordeste e centrooeste.<br />

Hoje o futebol americano, independente da modalidade que é praticada, vem<br />

ganhando o gosto dos brasileiros e já é considerado o esporte que mais cresce no país<br />

nos últimos 10 anos da história. Tornando-se realidade a sua visibilidade a sua prática<br />

nas principais cidades brasileiras no atual cenário e os campeonatos são resultados deste<br />

crescente fenômeno na sociedade.<br />

Um Olhar Foto Etnográfico a Partir do Grupo Local.<br />

Ao explicar esse fenômeno na cidade foi utilizado a fotoetonografia para<br />

compreender e interpretar esse momento na cidade. O conceito de fotoetnografia,<br />

elaborado por Achutti diz “Obviamente que a narração fotoetnográfica não se deve<br />

sobrepor a outras formas narrativas: ela deve ser valorizada na sua especificidade”.<br />

(ACHUTTI, 2003). Ou seja, todo um conjunto construído de forma subjetiva ao redor<br />

dos personagens e da sociedade local.<br />

A fotoetnografia se insere na elaboração deste trabalho, visando um<br />

aprofundamento melhor na compreensão da identidade deste grupo local e lembrando<br />

também que é de suma importância,compreender esse urbanismo como modo de vida e<br />

como esses sujeitos se inserem neste lócus ativo adjacente no cenário local.<br />

1605


Os personagens do campo de pesquisa (os membros do futebol americano)<br />

se inserem nos estudos de urbano no conceito modo de vida elaborado por Louis Wirth<br />

(1967), que este grupo de pessoas queprática essa modalidade esportiva não é comum<br />

nas cidades brasileiras e entendemos que o modo de vida, neste contexto, entra no palco<br />

nos estudos urbanos como próprio das cidades urbanizadas. Wirth diz;<br />

O mundo contemporâneo já não mais apresenta o quadro de pequenos grupo<br />

isolados, espalhados através de um vasto território, como Summer descreveu<br />

na sociedade primitiva. A característica marcante do modo de vida do homem<br />

na idade moderna é a sua concentração em agregados gigantescos em torno<br />

dos quais está aglomerado um número menor de centros e de onde irradiam<br />

as ideias e as práticas que chamamos de civilização. (WIRTH, 1967:90)<br />

Na cidade de Imperatriz, no estado do Maranhão, nos últimos dois anos em<br />

sua história local, começou surgir nos fins de tarde numa área de lazer da cidade, um<br />

grupo de pessoas (ou de jovens) que são “apaixonados” pelo futebol americano.<br />

“Imperatriz Dragons” nasceu em 14 de setembro de 2014 com três pessoas que já viam<br />

acompanhando NFL 209 e tinha o gosto de constituir o time na cidade de Imperatriz, a<br />

exemplo da capital São Luís e a cidade de Codó, que já possui times nestas realidades<br />

locais.<br />

209 Campeonato Norte Americano de Futebol Americano que ocorre de setembro à fevereiro de cada ano.<br />

1606


Ilustração 01 – personagens arremessando a bola oval para outro na av. Beira Rio<br />

Foto: Alves, 2016<br />

Ilustração 02: time de futebol americano uniformizado e afirmando a sua identidade com a bola oval<br />

estendida ao pesquisador.<br />

Foto: Alves, 2016<br />

“Imperatriz Dragons” se reúne para praticar regularmente na avenida Beira<br />

Rio. Um ponto turístico da cidade de Imperatriz – como esta é considerada a segunda<br />

maior cidade do estado do Maranhão. Devido a mesma, estar sofrendo regularmente um<br />

bombeamento do impacto econômico, industrial, comunicação ou mídia e cultural nesta<br />

região do estado.<br />

Através desta inserção evolutiva da cidade de Imperatriz que vem ocorrendo<br />

nos últimos 15 anos da história local. Novos agentes ou novos sujeitos são atraídos pela<br />

oferta de emprego e qualidade de vida que vem despontando na cidade. Pessoas que são<br />

atraídas pelo polo econômico, cultural e intelectual que a cidade de Imperatriz passou a<br />

ser e oferecer.<br />

São agentes ou sujeitos que vieram dos grandes centros urbanos que agora<br />

encontra-se instalados na cidade, com esses sujeitos veio as suas práticas urbanas em<br />

seus locais de origem; que gradativamente vão querer colocar em prática as suas<br />

aplicações culturais de características urbanas no local de moradia atual, que no caso<br />

presente, a cidade de Imperatriz. Milton Santos diz,<br />

1607


“As cidades de porte médio passam a acolher maiores contingentes de classes<br />

medias, um número crescente de letrados, indispensáveis a uma produção<br />

m<strong>ate</strong>rial, industrial e agrícola, que se intelectualiza. Por isso assistimos no<br />

Brasil, a um fenômeno paralelo de metropolização e de desmetropolização,<br />

pois ao mesmo tempo crescem cidades grandes e cidades médias, ostentando<br />

ambas as c<strong>ate</strong>gorias incremento demográfico parecido, por causar em grande<br />

parte do jogo dialético entre a criação de riqueza e de pobreza sobre o mesmo<br />

território” (SANTOS, 1993:55).<br />

Valendo em conta, que a cidade até um certo momento em sua história<br />

local, havia características de práticas rurais, como a vaquejada, festa do arroz, festival<br />

do peixe e outras peculiaridades que são próprias do rural e em contraposição ao rural,<br />

as práticas urbanas que esses sujeitos trazem em sua bagagem cultural e econômico;<br />

perpassam desde os gostos musicais como a música popular brasileira, cozinha<br />

contemporânea, como também a prática de esportes não hegemônicos ou não tão<br />

comuns como o sk<strong>ate</strong>, slackline e o próprio futebol americano – esportes com<br />

identidade urbana na perspectiva brasileira.<br />

Nesse contexto, a fotografia ou fotoetonografia, entra em campo nos estudos<br />

da sociologia urbana como uma ferramenta para investigar de forma mais aprofundada<br />

as mudanças sociais urbanas que vem ocorrendo na sociedade brasileira nos últimos 20<br />

anos da nossa história e em especial da cidade de Imperatriz e podemos interpreta-los<br />

como modos de vida próprios do urbano.<br />

Grandes centro urbanos, aos poucos vem tornando-se um espaço de estudo e<br />

pesquisa em <strong>artigos</strong> científicos, monografias, teses de mestrado e doutorado em várias<br />

universidades públicas brasileiras.<br />

Já que a cidade é o produto do crescimento e não da criação instantânea,<br />

deve-se esperar que as influencias que ela exerce sobre os modos de vida não<br />

sejam capazes de eliminar completamente os modos de associação humana<br />

que predominavam anteriormente (WIRTH, 1967:89)<br />

No contexto urbano de Imperatriz, a fotografia foi utilizada para responder<br />

as presentes questões que são suscitadas no desenvolvimento urbano da cidade. O nosso<br />

1608


objeto de estudo e de pesquisa, o futebol americano na modalidade “flag” vem aos<br />

poucos construindo a sua história na cidade local e desafiando a sua permanência no<br />

mesmo. Dicotomizando a sua existência diante das grandes práticas esportivas<br />

predominantes na cidade de Imperatriz como o futebol tradicional, vôlei e atletismo –<br />

esportes que já possuem espaço e território 210 nas praças públicas ou áreas de vivências<br />

na cidade.<br />

O processo de afirmação e de construção de uma identidade em meio<br />

urbano vem ocorrendo gradativamente no contexto urbano deste grupo social e ainda<br />

mais na forma subjetiva na vida destes personagens em questão. O sociólogo Eric<br />

Dunning, que é considerado uns dos percussores da sociologia esportiva no mundo<br />

acadêmico, diz em sua entrevista ao Édison Gastaldo em relação ao esporte que,<br />

Os esportes são locais para geração de excitação prazerosa, amizade e<br />

sociabilidade. Eles são uma grande invenção coletiva, que consegue com<br />

sucesso resolver a aparente contradição entre rivalidade e amizade. Pode-se<br />

dizer que os esportes são formas de rivalidade amistosa, e como tais, são<br />

extremamente valiosos. (GASTALDO, 2008:227)<br />

Ilustração 03: personagem recebendo a jogada feito pelo “QB” e ao fundo um grupo de pessoas<br />

observando a jogada com o rio Tocantins ao lado.<br />

Foto: Alves, 2016<br />

210 FERNANDES, Bernardo Mançano. SOBRE TIPOLOGIA DE TERRITORIOS. UNESP - Presidente<br />

Prudente, 2008.<br />

1609


O espaço territorial aonde se constitui as práticas culturais e identitário<br />

exerce uma significativa importância no aprimoramento do grupo social – aonde um<br />

sentimento de pertença, tende a ofertar respostas que nas ciências sociais denominamos<br />

de espaço social. A avenida Beira Rio é esse ponto de encontro do grupo social que<br />

exerce essa modalidade esportiva.<br />

Ilustração 04: sujeito se preparando para receptar a bola oval<br />

Foto: Alves, 2016<br />

A mídia exerce um papel preponderante das relações sociais e o seu papel<br />

ficou mais evidente após a <strong>II</strong> guerra mundial – aonde o urbanismo ganha destaque nas<br />

divulgações na rede mundial de telecomunicações para várias partes do mundo todo.<br />

Adentrando em várias países do terceiro mundo, entre eles o Brasil. Divulgando as<br />

ações do primeiro mundo desde a ciência, economia, cultura, lazer e claro esportes<br />

praticados nesta região do planeta.<br />

No contexto urbano de Imperatriz, a mídia local já produziu três matérias a<br />

respeito da prática esportiva. Reforçando que essa modalidade esportiva é novidade para<br />

a realidade local da cidade e a qual os imperatrizense não estão acostumados de se ver<br />

no contexto social local – das três matérias, uma foi veiculada a nível de estado –<br />

enfatizando que nesta cidade do interior, também tem um time de futebol americano a<br />

exemplo da capital São Luís (fazendo alusão que no interior também é capaz de aderir<br />

aos novos hábitos).<br />

1610


Cidades como Araguaína 211 no estado do Tocantins ou Santarém 212 no Pará,<br />

caminham também nesta mesma linha de raciocínio. Cidades localizadas em regiões<br />

afastadas no centro urbano e a qual vem presenciando novos hábitos e novos costumes<br />

nestas localidades. Acirrando ainda mais o deb<strong>ate</strong> entre os valores locais e nacionais.<br />

Ilustração 05: jogadores se preparando para a partida e ao fundo o contraste do céu azul versus céu cinza.<br />

Foto: Alves, 2016<br />

O campo de pesquisa a ser investigado surge de forma gradativa diante dos<br />

olhares treinados do pesquisador. É uma interação sugestiva, entre o pesquisador e o<br />

nativo/membro, que visa enlanguescer e valorizar os significados particulares do grupo<br />

social em questão. No contexto urbano, o grupo particular vem surgindo de forma<br />

minuciosa na cidade a qual ainda não encontraram o seu espaço social dentro das<br />

academias locais ou nos espaços abertos da cidade.<br />

O contexto urbano vem aos poucos solidificando cada vez mais nas cidades<br />

do interior do Brasil e processos como migrações internas e o elevado índice de<br />

desenvolvimento humano das várias regiões brasileiras, aceleraram o processo de<br />

urbanização destas áreas, que outras décadas anteriores, encontravam-se “atrasadas” ou<br />

“estagnadas” devido à má distribuição da renda no país.<br />

211 Também é considerada a segunda maior cidade do estado do Tocantins, localizada na região norte do<br />

estado.<br />

212 Considerada a terceira maior cidade do estado do Pará localizada na região oeste do estado.<br />

1611


Ilustração 06: jogador no fim de tarde arremessando a bola e ao fundo o rio Tocantins.<br />

Foto: Alves, 2016<br />

Discorre que a inserção do campo é permeada pela relação entre pesquisador<br />

e nativo, da qual emergem aspectos extraordinários que nos fazem entender<br />

que é necessário saber conciliar os manuais e rotinas do campo com as<br />

instituições não previstas permeadas por emoções e outros valores<br />

desenvolvidos na relação etnógrafo – nativo. (MARMANILLO, 2015:228)<br />

MARMANILO(2015) no seu artigo “interações fotoetnográficas”, o autor<br />

aborda que as relações sociais, os estímulos, e principalmente a linguagem, o diálogo ou<br />

a comunicação, são ferramentas que podem indicar a evolução gradual do grupo social.<br />

Como se sabe, os grupos urbanos ou com características urbanas tendem a mudar de<br />

forma rápida e de acelerado as relações sociais, resultando alteração das estruturas<br />

locais aonde é visível o grupo social.<br />

Ilustração 07: a bola oval cortando o espaço<br />

Foto: Alves, 2016<br />

1612


Ilustração 08: combinação de jogadas<br />

Foto: Alves, 2016<br />

Observações do campo de pesquisa e o seu resultado.<br />

Diante da observação e das constantes visitas ao grupo social, o time de<br />

futebol americano Imperatriz Dragons vem aos poucos se destacando no cenário<br />

regional como uma nova modalidade esportiva no cenário. A fotografia exerceu nesse<br />

período de pesquisa ao campo, uma ferramenta de agrupamento de informações<br />

antropológicas que afirmaram que o mesmo, é de fato um grupo social diferente e um<br />

modo de vida característico urbano que é resultado do processo de divulgação do<br />

esporte na mídia internacional no mundo todo, no acesso a informações e<br />

conhecimentos, que na realidade imperatrizense demostra-se que é um sinal de urbano<br />

na cidade.<br />

São resultados da mudança que vem passando a presente cidade e esse<br />

grupo social é motivado, em sua forma subjetiva, pelo prazer de exercitar o esporte em<br />

questão – partindo do gosto de acompanhar o campeonato de futebol americano, NFL<br />

nos Estados Unidos. São jovens que foram resultados das constantes publicidade,<br />

conhecimento e informações (ou da globalização) nas redes de comunicações no mundo<br />

todo, que no contexto urbano de Imperatriz, resultou como fruto, através desses sujeitos,<br />

a inspiração para então o surgimento do futebol americano modalidade flag na cidade<br />

1613


com a identidade de “Imperatriz Dragons”, que a propósito a escolha do nome perpassa<br />

por dois vieses:<br />

1. Uma homenagem ao time de futebol tradicional Cavalo de Aço e;<br />

2. Uma homenagem a figura mitológica da época medieval, os dragões.<br />

Que conta a lenda, que os dragões defendiam aquilo que eles acreditavam estar<br />

protegendo; que no contexto metafórico, seria a cidade de Imperatriz.<br />

Imperatriz Dragons ganha corpo com a atitude destes personagens, ganha<br />

cores com a aquisição de uniformes nas cores preta, vermelha e branca. Ganha voz ao<br />

referenciar que cada membro veterano do time ganha um apelido a qual homenageia os<br />

grandes nomes do futebol americano conhecidos, por exemplo: Thales Vinicius<br />

homenageia Julian Edelman, Raildo Portela homenageiaClay Matthews, Luis Henrique<br />

homenageia Robert Gronkowskie Tayã Santana homenageia Tom Brady Jr.<br />

O time de futebol americano usa como espaço territorial a avenida Beira<br />

Rio, dando mais visibilidade ao esporte a qual gera espanto e surpresa aos<br />

frequentadores do local. Nas falas desses personagens que não praticam o esporte,<br />

encaram com surpresa ao ver “isso” presente na cidade, já outros frequentadores do<br />

local interpretam como ousadia de estar presente na cidade e outros dizem que é bom<br />

ver novos grupos sociais sendo contextualizados aqui na cidade. Mas, no contexto da<br />

cidade de Imperatriz, esse fenômeno isolado, podemos interpreta-lo como modo vida.<br />

Ilustração 09: personagens observando as jogadas, ao fundo o rio Tocantins, turistas transitando<br />

na calçada. Fim de tarde. Foto: Alves, 2016<br />

1614


Ilustração 10: personagens se preparando para a partida e ao fundo a academia da saúde.<br />

Início da manhã.<br />

Foto: Alves, 2016<br />

O esporte, ganha notoriedade no cenário local através desses sujeitos,<br />

objetivando e ficando ainda mais esse grupo social na cidade de Imperatriz.<br />

É verdade que a literatura começa a se interessar pelo esporte como<br />

fenômeno social também devido ao crescente processo de industrialização do<br />

mesmo, ou seja, a sua incorporação ao ramo do entretenimento pela indústria<br />

cultural. A esportivização pode ser entendida como a crescente<br />

burocratização dos esportes. (COSTA, RODRIGUES, SILVA, PEDROSO<br />

3:2009)<br />

Portanto, esse grupo é interpretado pelo conceito de modo de vida, cunhado<br />

por WIRTH (1967) que foi resultado, de ao longo dos anos, do processo de urbanização<br />

assídua que vem ocorrendo nas médias cidades brasileiras pelo viés do intelecto,<br />

conhecimento e informações. Destes mecanismos foram alguns dos elementos<br />

catalisadores que motivaram e inspiraram os mesmos, de forma subjetiva, a inserção da<br />

modalidade esportiva. Provocando um divisor de aguas e de opiniões quanto a sua<br />

existência. O time de futebol americano Imperatriz Dragons é um grupo social nascente<br />

que tem como característica de urbano.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Adentrar no mundo em construção deste grupo social, foi uma aventura<br />

prazerosa e gratificante para os membros e em especial para o pesquisador. O diálogo<br />

1615


contínuo e o registro de cada momento para solidificar a revisão bibliográfica a respeito<br />

da fotoetnografia e estudos urbanos incentivados pelo meu orientador(a); foi uns dos<br />

pilares motivadores para a consolidação deste artigo que sempre visava, compreender, a<br />

relação da prática da modalidade esportiva futebol americano modalidade flag com o<br />

processo de urbanização da cidade de Imperatriz, no Maranhão ecomo o mesmo se<br />

insere como um sinal de urbano na cidade?<br />

As eventuais respostas ou hipóteses acerca das perguntas, foram<br />

respondidas no decorrer do processo do trabalho e podemos concluir que o que o<br />

futebol americano nesta cidade, é um fenômeno urbano e caracterizado como modo de<br />

vida – devido esta cidade estar localizada no interior do maranhão e a mesma ser<br />

considerada um polo econômico, político e cultural que influência as cidades em torno<br />

dela e o que leva os jovens a praticarem a modalidade, encontra-se na mídia<br />

internacional que divulgava o esporte e a qual tornou-se um processo civilizatório nesta<br />

presente situação. Democratizando o esporte para o acesso a quem tiver interesse e<br />

através dessa função, que esses jovens passaram a ser inspirados e motivados a<br />

implantar esse fenômeno esportivo na cidade de Imperatriz nos dias atuais –<br />

Interpretando, como uma urbanização brasileira.<br />

O futebol americano ganha vida na cidade de Imperatriz como modo de<br />

vida urbano, através do processo da globalização. Escrevendo na história local a mais<br />

nova modalidade esportiva existentes na cidade, caminhando de lado a lado com o<br />

futebol tradicional, atletismo, vôlei e outros.<br />

Ao tratar essas duas junções que surgiram no olhar antropológico treinado.<br />

Deparamo-nos como é visível as transformações e as alterações das estruturas sociais<br />

que vem passando as cidades brasileiras localizadas no interior do Brasil. Outras<br />

cidades do país também vem presenciando o surgimento de novos grupos sociais que<br />

vão na contramão dos grupos sociais tradicionais – tornando-se mais um novo campo<br />

social a qual as ciências sociais como todo (sociologia, antropologia, psicologia e<br />

geografia e etc) são convidados aexplorarem e sistematizar essa ciência que vem<br />

frutificando no cenário brasileiro e no caso local, no cenário imperatrizense.<br />

1616


REFERÊNCIAS<br />

ACHUTTI, Luís Eduardo Robinson. FOTOS E PALAVRAS, DO CAMPO AOS<br />

LIVROS. Campinas, 2003.<br />

COSTA, Neuza Cristina Gomes. RODRIGUES, Francisco Xavier Freire. SILVA,<br />

JoycyAmbrósio da. PEDROSO, Lenara da Costa. O FUTEBOL AMERICANO NO<br />

BRASIL: um estudo sobre Cuíaba, MT. Cuiaba, 2008.<br />

ECKERT, Cornélia. ROCHA, A. L. C. ETNOGRAFIA DE RUA: ESTUDO DE<br />

ANTROPOLOGIA URBANA. Porto Alegre: Banco de Imagens e Efeitos Visuais,<br />

PPGAS/UFRGS, 2001. 25 f. (Iluminuras; n.44).<br />

FERNANDES, Bernardo Mançano. SOBRE TIPOLOGIA DE TERRITORIOS.<br />

UNESP-Presidente Prudente, 2008.<br />

GASTALDO, Édison. ESPORTE, VIOLÊNCIA E CIVILIZAÇÃO: uma entrevista<br />

com Eric Duninnig. Porto Alegre, 2008.<br />

MARMANILLO, Jesus. INTERAÇÕES FOTOETNOGRÁFICAS: o “eu” e o<br />

“outro” na praça de Fátima-ITZ. Porto Alegre, 2015.<br />

MAGNANI, José Guilherme QUANDO O CAMPO É A CIDADE: FAZENDO<br />

ANTROPOLOGIA NA METRÓPOLE. In: Magnani, José Guilherme C. & Torres,<br />

Lilian de Lucca (Orgs.) Na Metrópole - Textos de Antropologia Urbana. EDUSP, São<br />

Paulo, 1996<br />

WIRTH, Louis. O URBANISMO COMO MODO DE VIDA. In.: Velho, Otávio. O<br />

fenômeno urbano. Rio de Janeiro, Zahar, 1979.<br />

SANTOS, Milton S236p POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO: DO<br />

PENSAMENTO ÚNICO 6' ED. À CONSCIÊNCIA UNIVERSAL / Milton Santos. -<br />

6* ed. - Rio de Janeiro: Record, 2001.<br />

SANTOS, Milton. A NOVA URBANIZAÇÃO BRASILEIRA: Diversidade e<br />

complexidade. São Paulo, 1993.<br />

1617


GUERRA FLUVIAL: A relação entre índios e neerlandeses no Maranhão e Grão-Pará<br />

na primeira metade do século XV<strong>II</strong>.<br />

FLUVIAL WAR: The relationship between Indians and Dutch in Maranhão and Grão-<br />

Pará in the first half of the seventeenth century.<br />

Karolynne Soares Sousa<br />

Mestranda em História Social.<br />

Karen Cristina Costa da Conceição (Co-autora)<br />

Mestranda em História Social.<br />

Universidade Federal do Maranhão – UFMA<br />

Eixo 3 – Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO: Os povos indígenas sempre tiveram importante participação em todos os<br />

processos de conquista nas regiões da América, sejam como aliados ou inimigos,<br />

acabaram desempenhando inúmeros papéis na construção da sociedade colonial. Esses<br />

indígenas até muito recentemente eram tratados sem a merecida <strong>ate</strong>nção dos<br />

pesquisadores, principalmente historiadores. Entretanto, nas últimas décadas, os estudos<br />

históricos referentes aos povos indígenas têm se modificado e se multiplicado, aliandose<br />

de forma interdisciplinar com a Antropologia, vão aos poucos desconstruindo visões<br />

simplistas e inadequadas referentes às nações indígenas. A partir dessas novas<br />

abordagens interdisciplinares, as interpretações e os estudos referentes aos povos<br />

indígenas têm se modificado de tal forma, que, passaram a surgir como agentes dos<br />

processos de mudanças vividos por eles. Portanto, o presente artigo tem o objetivo de<br />

analisar a Guerra Fluvial, esta que aconteceu no século XV<strong>II</strong> e que teve como palco a<br />

região do antigo Estado do Maranhão e Grão-Pará, e aconteceu entre os reinos da<br />

Espanha e dos Países Baixos e é considerada por muitos historiadores como uma guerra<br />

hibrida, devida a intensa participação indígena. A primeira metade do século XV<strong>II</strong>,<br />

portanto, caracteriza-se por inúmeros acontecimentos no Estado do Maranhão, como a<br />

Guerra Fluvial, as consequências da União Ibérica para a região e a institucionalização<br />

1618


jurídica do Estado do Maranhão no ano de 1621. Desta forma, no período do<br />

acontecimento da guerra, se fez necessário o uso ativo das nações indígenas, pois eles<br />

eram os únicos conhecedores da região, dos rios e da forma de se manter por mais<br />

tempo, já que as redes fluviais eram praticamente as únicas existentes para se deslocar<br />

de um local para outro. Contudo, os documentos utilizados para análise são os do<br />

Arquivo Ultramarino, tendo como principais cartas, requerimentos e ofícios que foram<br />

escritos entre os reinos ibéricos e os oficiais ou viajantes que estavam na região no<br />

período do século XV<strong>II</strong>.<br />

Palavras-chave: Indígenas. Guerra. Maranhão. Interdisciplinaridade.<br />

ABSTRACT: The indigenous people always had important participation in all of the<br />

conquest processes in the areas of America, be as allies or enemy, they ended up<br />

playing countless parts in the construction of the colonial society. Those indigenous<br />

ones even very recently were tre<strong>ate</strong>d without the researchers deserved attention, mainly<br />

historians. However, in the last decades,the historical studies regarding the indigenous<br />

people have if modified and if multiplied, allying in an interdisciplinary way with the<br />

Anthropology, they are going deconstruct simplistic and inadequ<strong>ate</strong> visions little by<br />

little regarding the indigenous nations. Starting from those new interdisciplinary<br />

approaches, the interpretations and the studies regarding the indigenous people have if<br />

modified in such a way, that, they started to appear as agents of the processes of<br />

changes lived by them. Therefore, the present article has the objective of analyzing the<br />

Fluvial War, this that happened in the century XV<strong>II</strong> and that he/she had as stage the area<br />

of the old St<strong>ate</strong> of Maranhão and Grain-Pará, and it happened among the kingdoms of<br />

Spain and of Netherlands and it is considered by many historians as a hybrid war, owed<br />

the intense indigenous participation.The first half of the century XV<strong>II</strong>, therefore, it is<br />

characterized by countless events in the St<strong>ate</strong> of Maranhão, as the Fluvial War, the<br />

consequences of the Iberian Union for the area and the juridical institucionalização of<br />

1619


the St<strong>ate</strong> of Maranhão in the year of 1621. This way, in the period of the event of the<br />

war, it was done necessary the active use of the indigenous nations, because they were<br />

the only experts of the area, of the rivers and in the way of maintaining for more time,<br />

since the fluvial nets were practically the only ones existent to move of a place for<br />

other. However, the documents used for analysis are the one of the Foreign File, tends<br />

as main letters, applications and occupations that were written among the Iberian<br />

kingdoms and the officials or travelers that were in the area in the period of the century<br />

XV<strong>II</strong>.<br />

Keywords: Indigenous. War. Maranhão. Interdisciplinarity.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

O presente artigo surgiu das inúmeras indagações sobre a Guerra Fluvial e<br />

como consequência, as inúmeras estratégias de contatos, negociação e conflito entre<br />

europeus e indígenas, tendo como ponto principal, a análise de documentos produzidos<br />

no século XV<strong>II</strong> e reunidos pelo projeto RESGATE (Arquivo Histórico Ultramarino). O<br />

contexto a qual estava inserido o Estado do Maranhão no século XV<strong>II</strong> passava,<br />

portanto, pelo momento de acontecimentos da União Ibérica, da instauração da guerra<br />

Hispano-holandesa e também pela institucionalização jurídica do estado do Maranhão,<br />

principalmente pelo fato de que o Maranhão começou a ser muito visado nessa primeira<br />

metade do século, principalmente pelos Países Baixos que haviam passado pela<br />

separação do Império Espanhol no século XVI e em forma de revide, iniciou um ataque<br />

contra os locais a qual a Espanha detinha poder.<br />

A respeito do contexto, entre os anos de 1580 até 1640 ocorreu o que a<br />

historiografia designou chamar de União Ibérica.Foi uma união político-administrativa<br />

entre os reinos de Portugal e Espanha. O Estado do Maranhão, pela sua situação<br />

fronteiriça, acaba experimentando as mudanças ocorridas no mundo português ao longo<br />

de todo o período em que a casa de Habsburgo governou. Assim, o domínio sobre o<br />

1620


território compreendido como “Maranhão” deve ser entendido a partir de um quadro de<br />

interesses castelhanos em áreas portuguesas atlânticas, principalmente no século XV<strong>II</strong>.<br />

A capitania do Maranhão era considerada como a última fronteira do que se<br />

compreendia como América portuguesa e as Índias castelhanas na faixa do Atlântico<br />

Norte.<br />

Essa região era um espaço de fronteira de suma importância para os<br />

interesses de países europeus, principalmente portugueses, espanhóis e neerlandeses.<br />

Entretanto, para fins de delimitação do texto, abordaremos a presença europeia, mas<br />

principalmente os neerlandeses e a relação destes com os indígenas no território da<br />

Amazônia portuguesa. Há inúmeros registros e informações acumuladas sobre esse<br />

território, sobretudo nas primeiras décadas do século XV<strong>II</strong>, dentre esses informes, um<br />

dos mais relevantes é, sem dúvida, o relatório que foi produzido por Gedeon Morris<br />

(HYGINO, 1895), em outubro de 1637, em que faz uma detalhada análise sobre as<br />

muitas vantagens de uma possível tomada do Maranhão.<br />

Oseuropeus, principalmente os neerlandeses, acreditavam que a região do<br />

Estado do Maranhão ofereceria produtos que seriam valorizados na Europa – e quanto a<br />

isso eles não estavam errados. Mas acreditavam em algo a mais, que talvez ali, através<br />

dos rios que cortavam a parte norte da América Portuguesa, existisse a possibilidade de<br />

chegar aos Andes, e consequentemente ao local que eles tinham certeza que existiam<br />

metais preciosos, sem contar que agora, a partir da facilidade de navegação oferecida<br />

pelos rios, adentrar o interior do continente havia se tornado muito mais fácil.<br />

A região da Amazônia portuguesa era muito cobiçada e para se ter acesso a<br />

ela, só era possível por meio das correntes de navegações e em apenas determinadas<br />

épocas do ano era mais fácil chegar até essa região (RUSSELL-WOOD,1992). Portanto,<br />

os neerlandeses, inicialmente construíram fortificações para diversos fins, como por<br />

exemplo, a defesa de uma determinada parte desse território, assim como elas serviam<br />

para guardar mantimentos e armamentos, sendo que, desde que chegaram na Amazônia,<br />

até mesmo no momento da construção de fortificações, observa-se o uso ativo de nações<br />

indígenas. A guerra na Amazônia que é também conhecia como Guerra Fluvial era uma<br />

1621


extensão da Guerra hispano-holandesa que já estava acontecendo na Europa desde o<br />

final do século XVI.<br />

A Guerra dos Oitenta anos, ou também como é conhecida Guerra Hispanoholandesa,<br />

ficou caracterizada como uma importante e significativamudança na política<br />

econômica externa dos Países Baixos, que repentinamente, passou de uma economia<br />

frágil e regional para iniciar experiências comerciais em áreas do Atlântico no final do<br />

século XVI e ao longo do século XV<strong>II</strong>. Sete dessas províncias que formavam o que é<br />

denominado por Países Baixos no ano de 1581proclamaram-se livres de qualquer dever<br />

de vassalagem relacionado ao governo espanhol. A partir daí,passou a ser chamada<br />

como as Províncias Unidas dos Países Baixos que eram lideradas por uma oligarquia<br />

urbana que exercia uma atividade que estava em alta, que no caso, eram as atividades<br />

marítimos comerciais, no qual, iniciou estratégias em revide à Espanha, em que passou<br />

a tomar possede áreas estratégicas que eram pertencentes ao reino espanhol, por<br />

exemplo, áreas distantes como Luana, Molucas e Rio Amazonas e Caribe.<br />

No século XV<strong>II</strong>, ano de 1621, houve a criação da WIC (Companhia das<br />

Índias Ocidentais) por iniciativa de um grupo de protestantes calvinistas depois da<br />

expiração da trégua de dozes anos feita entre os Países Baixos e o governo espanhol,<br />

este fato acabou implicando inúmeras hostilidades entre o império Habsburgo e os<br />

neerlandeses.<br />

A companhia herdou as feitorias que estavam estabelecidas desde o final do<br />

século XVI, construídas por iniciativas privadas no delta amazônico. O período de<br />

criação da WIC é conhecido na historiografia como a época de maior<br />

internacionalização da guerra hispano holandesa. Muitas dessas feitorias foram atacadas<br />

e destruídas por pelo governo do Estado do Maranhão e Grão-Pará e muitas das pessoas<br />

que estavam presentes foram aprisionadas e alguns desses prisioneiros voltaram para a<br />

Província dos Países Baixos e depositaram muitos relatos que foram guardados no<br />

arquivo da WIC, tendo como nomes mais conhecidos Gedeon Morris, Pieter Gardin e<br />

Jacob Van Keere. O principal objetivo da companhia era levar ao Novo Mundo, a<br />

guerra de independência dos Países Baixos, atacando assim os pontos principais do<br />

1622


Império espanhol. É importante ressaltar que a Holanda era o país mais rico pertencente<br />

às Sete Províncias dos Países Baixos e que lá predominava o calvinismo como religião<br />

que tinha maior número de adeptos, sendo que a companhia tinha em seus cargos mais<br />

altos, pessoas que eram ligadas ao Calvinismo. Max Weber escreve em seu livro A ética<br />

protestante e o espírito do capitalismo.<br />

Os protestantes calvinistas (especialmente certos ramos desse movimento),<br />

independentemente de figurarem como classe dominante ou dominada, como<br />

maioria ou minoria, apresentaram uma tendência especial ao<br />

desenvolvimento de um racionalismo econômico que não pode ser observado<br />

nos mesmos termos entre os católicos. Assim, deve-se buscar a principal<br />

explicação para essa diferença nos aspectos intrínsecos e permanentes de suas<br />

crenças religiosas, e não exclusivamente em suas situações históricopolíticas,<br />

temporárias e externas (WEBER, 2016, p. 35).<br />

O estudo de Weber é, em síntese, um estudo sobre a gênese desse traço da<br />

Modernidade, a ética profissional, e junto com ela, o tipo social especifico que o<br />

acompanha: O homem profissional. Com isso, Weber ainda destaca as diferenças de<br />

tipos de trabalhos entre católicos e protestantes, ressaltando que os católicos tinham<br />

propensão para um ensino mais humanista e os protestantes estavam mais propensos a<br />

uma vida mais prática, tendendo para um racionalismo econômico.<br />

Desta forma, é válido ressaltar a importância dos protestantes calvinistas na<br />

criação da Companhia das Índias Ocidentais (WIC) e a maneira como ela estava<br />

organizada era por um conselho de dezenove membros, chamados os “XIX”, e contou<br />

como cinco câmaras que agiram como empresas separadas, cada uma dessas câmaras<br />

tinha o seu arquivo próprio. A Câmara de Amsterdam e Zelândia eram as principais e<br />

dividiam a presidência (GUZMÁN, 2016).<br />

Com a criação da WIC, os projetos neerlandeses e a guerra com a Espanha<br />

tornaram-se de fato sem fronteiras e no Estado do Maranhão colonial, os projetos<br />

estavam limitados, inicialmente, pelasconstruções de entrepostos que eram responsáveis<br />

pela comercialização de inúmeros produtos, dentre eles;o tabaco, o algodão emuitos<br />

outros que tinham valor comercial dentro da Europa. Após isso, passaram a vislumbrar<br />

1623


maiores mercados e territórios, como por exemplo, sonhavam em chegar até a prata do<br />

Peru e o Caribe.<br />

É interessante ressaltar como, ao longo dos anos, houve a redefinição do<br />

papel de nações indígenas auxiliando tanto na extração de produtos do delta amazônico,<br />

assim como nas guerras e também na construção de fortificações, principalmente nas<br />

fontes portuguesas, estes que se transformaram em milícias indígenas e eram de suma<br />

importância para a defesa do território do Estado do Maranhão e também na efetiva<br />

participação na Guerra Fluvial (CARDOSO, 2015a). Agora esse indígena passou a ter<br />

um papel de destaque nas guerras (como por exemplo, na Guerra Hispano-holandesa),<br />

passando a ser chamado índio aliado. Emfunção das grandes distâncias e dos excessivos<br />

gastos, era preferível ter o apoio indígena, pois este conhecia o território e sabia<br />

maneiras de defender, ou seja, era necessário o uso alargado de soldados nativos.<br />

Assim, o objetivo deste artigo não é uma simples narrativa da guerra<br />

hispano-holandesa ao norte da América portuguesa, mas analisar qual a importância de<br />

nações indígenas no decorrer da guerra e pensar como se deu os discursos sobre os<br />

índios principais nas fontes portuguesas na primeira metade do século XV<strong>II</strong>, período<br />

este que foi designado por muitos historiadores como a época de maior<br />

internacionalização da guerra e de mudanças na arte militar. Portanto, pretendo analisar<br />

dois aspectos: o momento a qual estava inserido o Estado do Maranhão e Grão-Pará no<br />

século XV<strong>II</strong>, pensar também sobre o auxílio indígenas nas guerras e a sua importância.<br />

Os documentos utilizados para perceber de que forma ocorreu esses<br />

discursos sobre a importância do indígena são: Requerimentos, cartas, pequenos<br />

relatórios da região amazônica sobre as atividades econômicas ou sobre a política da<br />

região. O corpo documental principal que faz parte da análise são documentos<br />

existentes no Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) e é complementado pela<br />

documentação existente publicada no site da Biblioteca Nacional.<br />

1624


2. O ESTADO DO MARANHÃO E GRÃO-PARÁ E O AUXÍLIO INDÍGENA NA<br />

GUERRA FLUVIAL<br />

O Estado do Maranhão ou Estado do Maranhão e Grão-Pará era umaregião<br />

em termos espaciais enorme, o que hoje em dia corresponderia aos atuais estados da<br />

Amazônia Brasileira – Amapá, Amazonas, Pará e Tocantins -, Piauí, Ceará e Maranhão.<br />

Esse território do antigo Estado do Maranhão estava dividido antes de 1621 em algumas<br />

unidades administrativas, sendo as duas principais, a “Capitania Real do Maranhão”, em<br />

que a capital era a cidade de São Luís, que foi tomada aos franceses no ano de 1615,<br />

numa ação militar que envolveu uma quantidade enorme de pessoas, principalmente os<br />

luso-pernambucanos, espanhóis e portugueses; e a outra era a “Capitania Real do Grão-<br />

Pará” e a cidade sede era Belém, que foi fundada por portugueses no ano seguinte, em<br />

1616. Essas ações decorreram do desdobramento de muitas ações militares na tomada<br />

do que é considerado como litoral atlântico. A conquista do território do Estado do<br />

Maranhão pelos portugueses, ocorre 35 anos depois do início da união ibérica, entre os<br />

países de Portugal e Espanha.<br />

O Maranhão era considerado sempre como a última fronteira entre a<br />

América portuguesa e as Índias de Castela e que também não era considerado parte do<br />

Atlântico Sul. O território da Amazônia portuguesa, era muitas vezes admitido como<br />

parte de Não - Brasil, pelo simples fato de ter uma distância física com o Estado do<br />

Brasil muito grande, assim como por não fazer parte das correntes oceânicas favoráveis<br />

ao Estado do Brasil.<br />

O Estado do Maranhão não pertencia aos circuitos de navegação oceânica –<br />

ventos e correntes oceânicas - a qual o Estado do Brasil fazia parte. Por isso, a carreira<br />

que ia ao Estado do Maranhão não pertencia naturalmente ao Atlântico Sul,<br />

principalmente pelo ponto de vista de sua localização geográfica e por suas correntes<br />

oceânicas. As correntes oceânicas que estavam mais inclinadas para se chegar ao<br />

Maranhão eram as correntes do Norte Equatorial e a contracorrente Equatorial, o que<br />

acabava se tornando muito mais próximo do Atlântico Norte. Russel-Wood escreve<br />

1625


A travessia de Portugal para o Brasil tinha de ter em conta outros fatores. Os<br />

alísios de nordeste proporcionavam uma travessia fácil, de Lisboa para o<br />

Norte do Brasil, mas a passagem pelo sul, abaixo do Cabo de São Roque, era<br />

extraordinariamente arriscada. Havia uma diferença fundamental entre a<br />

costa leste-oeste (Ceará, Maranhão e Pará) e a costa norte-sul (do cabo de<br />

São Roque ao Rio da Prata). Em termos práticos, isto significava que era<br />

mais rápido e mais seguro navegar de Lisboa para São Luís, do que de São<br />

Luís para Salvador. Há de ter em conta a forte corrente do Brasil, que se<br />

desloca para o Sul ao longo da costa. Para a navegação costeira, a monção do<br />

Nordeste (entre Outubro e Abril) permitia navegar de Pernambuco para<br />

Salvador em quatro ou cinco dias [...] A navegação entre Lisboa e São Luís<br />

do Maranhão durava aproximadamente cinco semanas, enquanto a travessia<br />

de Lisboa para Recife demorava sessenta dias, para Salvador, setenta<br />

(RUSSELL-WOOD, 1992, p. 55-56).<br />

A viagem de Lisboa para São Luís era considerada rápida para os padrões<br />

da época, pois durava apenas cinco semanas, se compararmos com outros locais da<br />

América portuguesa. Era difícil viajar por mar entre o Brasil e o Maranhão e pior ainda,<br />

era viajar por terra, já que não existia nenhum tipo de estrada e os desafios se tornavam<br />

piores. Existia apenas uma ligação por terra, mas que era considerada demasiada<br />

perigosa, que era por meio da Serra de Ibiapaba, entre os estados de Ceará e o Piauí.<br />

Entretanto, viajar pela Amazônia portuguesa tinha uma singularidade que<br />

acabava se tornando bem diferente do Estado do Brasil, ou seja, os rios do Maranhão<br />

apresentavam uma navegabilidade quase que inigualável. Foi exatamente essas<br />

condições de rios navegáveis e de sua rede fluvial ser demasiada extensa, que acabou<br />

inspirando muitas ideias e diversas especulações sobre a vocação comercial que essa<br />

região teria. Viajar por estas águas também implicava diversas dificuldades, a começar<br />

pelo tipo de transporte que poderia adentrar na rede fluvial amazônica. Em função da<br />

ecologia da região, o uso de naus de grande calado não era incentivado. O sistema de<br />

navegação amazônica inclinava-se a uma mescla de conhecimentos híbridos, europeus e<br />

indígenas.<br />

Os portugueses rapidamente aprenderam nos encontros com traficantes e<br />

piratas que a tecnologia das embarcações nativas não deveria ser ignorada. O<br />

sistema de navegação utilizado na região amazônica, assim, inclinava-se a<br />

uma mescla de conhecimentos europeus e indígenas. É verdade que o uso das<br />

embarcações nativas não era novidade entre os portugueses, habituados aos<br />

1626


arcos de junco das Molucas ou aquelas da passagem dos estreitos de Macau.<br />

No Maranhão, a dependência das embarcações indígenas vai ser agravada<br />

pela falta generalizada de carpinteiros nos primeiros anos, queixa retratada<br />

em diversos documentos (RUSSELL-WOOD, 1992, p. 56)<br />

Assim, a região amazônica passou a ser cobiçada e frequentada pelos<br />

concorrentes europeus de Espanha e de Portugal, como os holandeses, franceses,<br />

ingleses, irlandeses e até mesmo os italianos. Desses países, vinham uma série de<br />

pessoas que tinham vários intuitos e um deles, devido a muitas especulações sobre a<br />

região amazônica, vinham para fazer experimentos comerciais na região. Por sua<br />

situação de fronteira, essa região acaba por experimentar as mudanças que ocorreram no<br />

universo português ao longo do período da União Ibérica. Numa dimensão mais global,<br />

a tomada do Maranhão, pode ser compreendida como parte de uma estratégia de defesa<br />

da Coroa espanhola, esta que era interessada em proteger as zonas ao Norte do Vice –<br />

Reinado do Peru, ou seja, o que era considerado como a rota da prata castelhana,<br />

principalmente dos principais concorrentes da Monarquia Hispânica, as Províncias<br />

Unidas dos Países Baixos.<br />

O conflito hispano-holandês é o fator principal para que ocorra a guerra no<br />

Estado do Brasil, como na Amazônia portuguesa, pois a partir desses conflitos, os<br />

neerlandeses passaram a tomar posses e invadir territórios que pertenciam às coroas<br />

ibéricas. Entretanto, a guerra na Amazônia portuguesa pode ser dividida em três fases:<br />

1) 1590-1636, período marcado por uma agressiva política de instalação de entrepostos<br />

comerciais, auxiliada por fortificações holandesas que tinham caráter militareconômico-religioso.<br />

2) 1637-1644, época de ocupação efetiva do antigo Estado do<br />

Maranhão. 3) 1645 – 1654, período em que o Maranhão participa da reconquista da<br />

América portuguesa. Essa primeira fase da guerra na Amazônia foi o momento em que<br />

houve a construção de inúmeras fortificações e que funcionavam ativamente com o<br />

auxílio de nações indígenas. De fato, os neerlandeses já utilizavam há muito tempo os<br />

serviços dessas nações, principalmente como forma de apoio, manutenção, e também<br />

para o comércio.<br />

1627


Não se tem dúvidas que um dos pontos mais importantes da guerra hispanoholandesa,<br />

no Brasil e no Estado do Maranhão, é o novo status que ganha o índio aliado<br />

ou índios principais, em que esses indígenas passaram então a negociar as condições do<br />

apoio militar de acordo com o próprio desenvolvimento do conflito. De fato, as nações<br />

indígenas teriam a possibilidade de escolher em que bando lutar, assim uma<br />

consequência da necessidade imediata de se obter apoio bélico nativo foi a conquista de<br />

vantagens ou mercês por parte dos índios principais<br />

O governador Bento Maciel Parente, na década de 30 do século XV<strong>II</strong>,<br />

ressalta a importância de se oferecerem dádivas aos índios aliados,<br />

Dis o governador do Maranhão Bento Maciel Parente que sempre foi<br />

costume mandarem se dar dadivas em nome de v. majestade aos principais e<br />

cabeças de povos dos índios no tempo das conquistas do Brazill he maranhão<br />

e hoje a mais mayor rezao [...] (REQUERIMENTO... 9 de out. 1637).<br />

O então governador do Estado do Maranhão, era conhecido como um dos<br />

principais caçadores de índios, e tinha visões escravistas, mas considerava que era de<br />

extrema importância oferecer aos índios principais uma grande quantidade de promessas<br />

e dádivas.<br />

Diante da falta de comb<strong>ate</strong>ntes na guerra hispano-holandesa, uma das<br />

possíveis soluções, era o envio de degredados do Estado do Brasil para o Estado do<br />

Maranhão, fato que nunca ocorreu na quantidade esperada. Outra opção seria o envio de<br />

comb<strong>ate</strong>ntes castelhanos e napolitanos, entretanto, em função das distancias e dos<br />

excessivos gastos, não foi possível que fosse concretizado o envio dos mesmos.<br />

Bento Maciel Parente, já destacava a falta de comb<strong>ate</strong>ntes e de munições no<br />

Estado do Maranhão no século XV<strong>II</strong>.<br />

Que por estarem aquellas praças m. to faltas de gente, e de monições se sirua<br />

VMg. e de mandar se embarquem p. a ella 200 homens e não auendo pagos<br />

todos se possão tirar das cadeas os q parecerem mais apreposito como já se<br />

fez, e os leuou o Capitão M. el de Sousa dessà e aprouarãolha muy bem, e<br />

justamen. te algúas munições especialm. te de poluora, e ballas, e seis artilheiros<br />

em q entre algum q saiba fazer estromentos de fogo p. a queimar nauios, e q da<br />

1628


mesma man. ra se mandarem dar enxarcias, velas e algúa artelharia meuda p. a<br />

la se poderem fazer quatro nauios de Remo q andem pelas bocas daqueles<br />

Rios impedindo a desembarcação aos inimigos, e leuem os socorros onde<br />

conuier q serão de m. to grande efeito por não poderem as canoas aly há sahir<br />

dos Rios Respeito de serem m. to pequenas (ANNAES, 1905, p. 356).<br />

O apoio indígena deu-se de diversas formas como na capacidade bélica,<br />

principalmente na luta corporal e no manejo rápido e eficiente de arma de guerra tão<br />

conhecida para eles que é o arco e a flecha. Além disso, os indígenas eram os maiores<br />

mantenedores e fornecedores de alimentos para os soldados que estavam em guerra,<br />

principalmente o que eles costumavam chamar de “farinha de guerra”, que é a<br />

mandioca.<br />

Existia uma forma de poder contar com inúmeros soldados indígenas que<br />

era a oferta de vantagens e mercês às maiores lideranças indígenas, sendo que esses<br />

chefes indígenas se tornaram verdadeiros chefes militares e não apenas meros<br />

intermediários ou apenas guias. Serge Gruzinski (2014) salienta a importância no<br />

território americano, dos mediadores, que são os indígenas. Segundo o autor, eram<br />

figuras ímpares que acabaram desempenhando papeis importantes no diálogo com o<br />

europeu (seja ele, conflituoso ou não).No território da América portuguesa, esses índios<br />

que atuaram como mediadores foram de suma importância, principalmente no papel que<br />

tiveram junto às fortificações.<br />

Segundo Lodewijk Hulsman, no Amapá colonialos moradores indígenas<br />

estabeleceram um enorme comércio que acabou modificando a circulação de<br />

mercadorias regionais e esses índios, muitas vezes para aprender a língua iam para a<br />

Holanda, aprendiam holandês e passavam a comercializar muitos produtos que aqui<br />

existiam. Salienta Hulsman<br />

O Amapá indígena no início do século XV<strong>II</strong> foi capaz de desenvolver um<br />

comércio intercontinental. O comércio de holandeses com índios gerou um<br />

tráfego comercial que resultou em uma produção de instrumentos para a<br />

cultura de cassava por um ferreiro no interior da República, indicando uma<br />

exportação constante de ferramentas. A importação resultando deste tráfego,<br />

incluiu produtos extrativistas como madeiras, além de produtos cultivados<br />

como algodão, urucu e tabaco.(HULSMAN, 2011, p.181)<br />

1629


O padre Luís Figueira da Companhia de Jesus, faz uma alusão em seu<br />

memorial sobre a total dependência dos soldados portugueses com relação aos serviços<br />

prestados pelos nativos. Em todos os aspectos, desde a mediação para comercialização,<br />

até mesmo com a ativa participação nas guerras no Estado.<br />

A obrigação que sua Magestade lhe tem, he, que nas guerras que se<br />

offerecerão com Olandeses, ; ingleses naquelas partes, ajudão, ; ajudarão<br />

sempre aos Portugueses, assi com suas armas, como dandolhe,;<br />

administrando-lhe todos os mantimentos de farinha, carne,; peixe, remamndo<br />

sempre as canoas de guerra, sem que sua Magestade gaste nada, nem os<br />

portugueses. E lhes fazem todos os mais serviços, ; tudo isso sem galardão<br />

(LEITE, 1940, p. 208).<br />

Na América espanhola, Dussel em seu livro aborda os escritos de Clarivejo<br />

que era um jesuíta e professor no México no período colonial, sobre a importância dos<br />

indígenas e da cultura ameríndia, isso nos refletir sobre uma abordagem comparativa,<br />

que assim como na América espanhola tem-se a importância de nações indígenas, na<br />

América portuguesa também, principalmente quando se pensa o Estado do Maranhão.<br />

Dussel escreve que<br />

Clarivejo usa as obras de Carlos de Siguenza y Gonzaga y Góngora e de<br />

outros jesuítas de sua época. Afirma que a cultura ameríndia é comparável às<br />

grandes culturas clássicas da humanidade (como a egípcia, a grega ou a<br />

romana). Racialmente, não lhes é inferior em nada. Afirma-se, então, o valor<br />

cultural indígena com relação àquelas culturas que os europeus aceitavam<br />

como suas origens (DUSSEL, 2014, p. 442).<br />

É interessante ressaltar que Dussel, assim como, o escritor Clarivejo que<br />

viveu na América Espanhola, rompem com esse esquema eurocêntrico, em que só os<br />

europeus eram superiores, haviam feito construções melhores ou eram bem mais<br />

equipados, não esquecendo que no Estado do Maranhão, em pleno século XV<strong>II</strong>, os<br />

oficiais e viajantes dos reinos ibéricos escreviam sobre a total dependência em relação<br />

aos nativos, já que nessa região, teriam que se adaptar a região. Fazendo uma<br />

abordagem comparativa, Dussel ressalta<br />

1630


Se o europeu é algo mais forte que alguns indígenas, não é diferente do modo<br />

de “como os suíços são mais fortes que os italianos, e nem por isso acredito<br />

que os italianos se degeneraram, e menos ainda culpamos por isso ao clima<br />

da Itália. [...] Clarivejo realiza uma descrição bem minuciosa dos atos<br />

heroicos na construção do Império Asteca; de sua inteligência, de suas<br />

técnicas, de suas virtudes, de sua estratégia militar (DUSSEL, 2014, p. 443).<br />

Assim como na América Espanhola, há também na América portuguesa a<br />

grande importância das nações indígenas, principalmente nos escritos da época, em que<br />

se falava da dependência das estratégias militares indígenas e das dinâmicas dos<br />

relacionamentos estabelecidos entre a população indígena e os europeus. Um outro<br />

aspecto que caracteriza a dependência dos ibéricos ou neerlandeses com os nativos, se<br />

dá pelo transporte nas canoas de guerra, em que os indígenas eram os principais guias,<br />

principalmente por conhecerem a região que compreende o Estado do Maranhão.<br />

Assim, os capitães portugueses deixavam bem explícitos em seus escritos.<br />

A cominicação por dentro dos Rios por sere muito distantes, hu do outro E<br />

longe do Brazil que mais facilmente se vai a Portugal do que vai a elle. [...] E<br />

valenrense se suas canoas, e fragatas que se deve fazer (como deixei<br />

Ordenado no Maranhão) e co ella se pode empedir a entrada dos rios aos<br />

navios pequenos e lancha dos inimigos. E pera se melhor exercitare nellas<br />

pode V. Mag. de mandar ir do rio de Janeiro alguns mamelucos, E Indios dos<br />

q nelas costumão pelejar fazendo bons efeitos (ANNAES, 1905, p. 438)<br />

Uma das maneiras mais eficazes de dispor dos grandes contingentes de<br />

soldados indígenas era a oferta de vantagens, mercês e até ferramentas às lideranças<br />

indígenas. Por isso, a cada ano os índios que se destacavam como índios principais,<br />

deveriam prestar amizade com os governadores e capitães das Capitanias.<br />

[...] obrigando aos principaes, que vão dar cada anno a obediençia ao<br />

Governador e ao Capitão mor do Para para Confirmarem as amizades, e<br />

verem eles a nossa força, com isto estarão sempre firmes em nossa amizade e<br />

não admittirão a dos inimigos estrangeiros, ainda que os venhão Commeter<br />

com dadivas de ferramentas de que são muito amigos com temor, que terão<br />

de nossas Armas, que sempre naquelas partes forão victoriosas<br />

acompanhadas com os Religiosas de S. to Antonio, e Com temor de serem<br />

castigados se tiverem amizade com os estrangeiros, com mortes, e Cativeiros,<br />

como <strong>ate</strong>agora farão os que com elles as tiverão, e com este temor estarão<br />

sempre firmes em nossa amizade [...] (ANNES, 1905, p. 439).<br />

1631


Para que a guerra acontecesse era indispensável o uso da canoa indígena,<br />

em que era utilizada também como transporte de mantimentos e barco de guerra, uma<br />

das táticas de guerra utilizadas era entrincheirar usando as canoas, contudo, isso só<br />

acontecia pela condição ecológica região.<br />

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

No decorrer do artigo, conseguimos perceber qual era o real papel do<br />

indígena durante a guerra hispano-holandesa. Assim, o indígena a partir de então ficou<br />

conhecido como um aliado fortíssimo, pois além de conhecer toda a região, também<br />

entendia sobre o curso dos rios e desempenhou uma função de extrema importância na<br />

de guerra fluvial, pois utilizavam as canoas de guerra para surpreender seus adversários.<br />

Nas documentações analisadas, ficaram evidenciadas como se deram as representações<br />

sobre a capacidade bélica dos nativos e como os mesmos eram exímios lutadores na luta<br />

corpo a corpo, sagazes no manuseio de instrumentos como o arco e a flecha. Neste<br />

sentido, podemosentender não apenas a forma de auxílio que deram aos europeus no<br />

território ao norte da América Portuguesa, mas também como era executado o comércio,<br />

principalmente entre os holandeses e os indígenas e quais eram as formas de realização<br />

desse comércio.<br />

Portanto, é de suma importância um estudo sobre o contexto a qual o Estado<br />

do Maranhão estava inserido, assim como, perceber os meandros da Guerra Fluvial e a<br />

ativa participação de nações indígenas como fator importante para o desenrolar da<br />

guerra. Entender as representações, os discursos, o seu contexto as suas respectivas<br />

intenções são, portanto, entender como as pessoas que viveram no século XV<strong>II</strong><br />

entendiam o mundo e, principalmente como era sobreviver na região da Amazônia<br />

portuguesa.<br />

1632


FONTES<br />

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WEBER, Max. A ética protestante e o espírito capitalismo. São Paulo: Martin Claret,<br />

2016.<br />

1635


HANSENÍASE E EDUCAÇÃO EM SAÚDE: o que dizem cartazes, panfletos,<br />

cartilhas, guias e portarias sobre a prevenção da hanseníase?<br />

HANSEN'S DISEASE AND HEALTH EDUCATION: What do posters, pamphlets,<br />

booklets, guides and legislation say about hansen's disease prevention?<br />

Premma-Hary Mendes Silva<br />

Mestranda PPECEM – Universidade Federal do Maranhão<br />

Prof. Dr. Jackson Ronie Sá-Silva<br />

Universidade Estadual do Maranhão<br />

Eixo 3 - Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO: A hanseníase é um grave problema de saúde coletiva, que atinge<br />

historicamente populações que vivem em péssimas condições de vida. No Brasil<br />

contemporâneo a hanseníase é uma doença que atinge as camadas mais pobres da<br />

população. O Estado do Maranhão tem um dos maiores níveis de prevalência desta<br />

doença. Assim, reconhece-se a prevenção como um aspecto nobre no controle da<br />

hanseníase e uma das formas utilizadas é a informação através da comunicação visual.<br />

Objetivou-se com essa investigação, identificar os discursos sobre a prevenção da<br />

hanseníase presentes em cartazes, panfletos, cartilhas, guias e portarias produzidos pelo<br />

Ministério da Saúde. Utilizaram-se na investigação as estratégias teórico-metodológicas<br />

da pesquisa documental. Os documentos analisados demonstraram que na divulgação de<br />

informações sobre a prevenção da hanseníase o que prevalece é o discurso biomédico<br />

sobre diagnóstico, tratamento, cura e prevenção. Os aspectos socioculturais da doença<br />

no que se refere ao preconceito ou estão ausentes ou são abordados timidamente nos<br />

documentos. Além disso, informações de cunho sociocultural, como o alerta aos<br />

aspectos do preconceito não são percebidas. A linguagem é claramente clínicobiomédica<br />

e existe uma preocupação em disseminar entre os profissionais da saúde e<br />

pacientes apenas que a hanseníase tem cura. Assim, destaca-se a importância da<br />

comunicação visual e sua peculiaridade presente na utilização de elementos visuais, tais<br />

1636


como imagens, gráficos, vídeos ou desenhos para expressar uma ou mais ideias,<br />

obtendo, assim, grande alcance das informações.<br />

Palavras-chave: Educação em Saúde. Hanseníase. Pesquisa Documental. Prevenção.<br />

ABSTRACT: Hansen’s disease is a serious public health problem, having historically<br />

hit populations living in poor living conditions. In contemporary Brazilhansen’s disease<br />

that affects the poorest stratum of the population. The St<strong>ate</strong> of Maranhão has one of the<br />

highest levels of prevalence of the disease in BrazilThus, prevention is recognized as a<br />

noble aspect in the control of hansen’s disease and one of the ways used is the visual<br />

communication. With this investigation we aimed to identify speechs about the hansen’s<br />

disease disclosed in flyers, folders, and a variety of m<strong>ate</strong>rials produced by the Health<br />

Ministry. The theoretical-methodological str<strong>ate</strong>gies of the documentary research were<br />

used in the investigation. The documents analyzed demonstr<strong>ate</strong>d that in the<br />

dissemination of information on the prevention<br />

of hansen’s disease what prevails is the biomedical discourse on diagnosis, treatment,<br />

cure and prevention. The sociocultural aspects of the disease with regard to prejudice<br />

are either absent or are timidly addressed in the documents. In addition, sociocultural<br />

information, such as alert to aspects of prejudice, are not perceived. The speech is<br />

clearly clinical-biomedical and there is a concern in dissemin<strong>ate</strong> between health<br />

professionals and patients only that this disease has a cure. Thus, the importance of<br />

visual communication and its peculiarity present in the use of visual elements, such as<br />

images, graphics, videos or drawings to express one or more ideas, thus achieving great<br />

reach of the information.<br />

Keywords: Documental Research. Hansen’s disease. Health Education. Prevention.<br />

1637


INTRODUÇÃO<br />

A hanseníase, doença infectocontagiosa de evolução crônica, tem como<br />

agente etiológico o Mycobacterium leprae, chamado de Bacilo de Hansen em<br />

homenagem ao médico norueguês Gerhard Armaner Hansen que o descobriu em 1873<br />

(CLARO, 1995; TALHARI; NEVES, 1997; MACIEL; FERREIRA, 2014).<br />

A hanseníase é uma doença que atinge as camadas mais pobres da<br />

população e apresenta endemicidade em todas as macrorregiões, principalmente nas<br />

áreas metropolitanas. Com o êxodo rural, os doentes vivem nas periferias das grandes<br />

cidades, muitas vezes em situação precária e promíscua. A situação de pobreza,<br />

desemprego e falta de educação básica pioram o quadro daqueles que são acometidos<br />

pela enfermidade.<br />

De acordo com as definições do Ministério da Saúde do Brasil, no Guia para<br />

o Controle da Hanseníase, um caso de hanseníase é um indivíduo que apresenta uma ou<br />

mais de uma das seguintes características: lesão ou lesões de pele com alteração de<br />

sensibilidade; acometimento de nervos com espessamento neural e baciloscopia positiva<br />

– investigação feita em laboratório visando o encontro da bactéria causadora da doença<br />

(BRASIL, 2010a).<br />

A doença apresenta além de um problema cutâneo, comprometimento<br />

neurológico: “A hanseníase não teria a importância que tem se fosse apenas uma doença<br />

de pele contagiosa. Mas, é a sua predileção pelos nervos periféricos que causa<br />

incapacidades e deformidades” (OPROMOLLA, 2000, p. 25).<br />

A hanseníase envolve ainda o lado psicológico e sociocultural da pessoa e<br />

muitas vezes compromete fortemente seu emocional e dos que estão envolvidos no<br />

processo da doença, incluindo familiares. Esse outro aspecto da hanseníase faz dela uma<br />

enfermidade ímpar em saúde pública porque envolve sentimentos, dores, preconceitos e<br />

marcas. Talhari e Neves (1997, p. 487) ao abordarem esse aspecto concluem que:<br />

A hanseníase, sendo uma doença dermatoneurológica, apresenta, em muitos<br />

casos, um sério comprometimento dos troncos nervosos periféricos que, em<br />

última análise, determinam as tão temidas deformidades nos pacientes. Essas<br />

1638


deformidades talvez sejam o mais importante componente no estigma da<br />

hanseníase. Esta doença não é temida pela sua contagiosidade que hoje, sabese,<br />

não é tão fácil; nem, tampouco, pela sua letalidade que, sabemos, não é<br />

significativa (hanseníase não mata). O medo, portanto, de contrair hanseníase<br />

deve-se às deformidades físicas que acabam por rotular os portadores dessa<br />

doença.<br />

De acordo com Macário e Siqueira (1997), a hanseníase difere de outras<br />

doenças, pois gera além de incapacidades físicas, incapacidades sociais, pois o<br />

hanseniano sente mais que outros doentes, suas incapacidades sociais. Nascimento<br />

(2010, p. 25) pontua ainda que “as deformidades corporais provocadas pela doença são<br />

marcantes na vida dos portadores e os preconceitos sociais se transformam num dos<br />

principais fatores que afastam os doentes do tratamento”.<br />

O estigma vinculado à hanseníase, por suas características em diferentes<br />

épocas e sociedades, parece poder encaixar-se nessas definições visto que a aceitação<br />

dos doentes ainda é uma questão a ser equacionada, sendo seu afastamento do convívio<br />

social um ritual ainda comum.Diante disso, este artigo apresenta o resultado de uma<br />

pesquisa documental que objetivou compreender os discursos sobre a prevenção da<br />

hanseníase veiculados em cartazes, panfletos, Guias de Orientações direcionados a<br />

profissionais da saúde e doentes e Portarias do Ministério da Saúde que são distribuídos<br />

em Postos e Unidades de Saúde do município de São Luís, Maranhão.<br />

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS<br />

As fontes que informam sobre a prevenção da hanseníase, entre elas<br />

panfletos, cartazes, guias de orientação para profissionais da saúde e pacientes, portarias<br />

e cartilhas requerem um aporte metodológico que considere a produção históricocultural<br />

de ideias e concepções sobre a hanseníase.Para tanto, a pesquisa buscou<br />

compreender como se desenvolveu historicamente os discursos sobre a prevenção da<br />

hanseníase na cidade de São Luís. Para isso, utilizaram-se na investigação as estratégias<br />

teórico-metodológicas da pesquisa documental. O uso de documentos em pesquisa é<br />

1639


que ele permite acrescentar a dimensão do tempo à compreensão social. A análise<br />

documental favorece a observação do processo de maturação ou evolução de indivíduos,<br />

grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas, entre<br />

outros; pois possibilita ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão necessita<br />

de contextualização histórica e sociocultural (SÁ-SILVA; ALMEIDA; GUINDANI,<br />

2009).<br />

A pesquisa documental apresentou-se apropriada para essa ação<br />

investigativa. No ensaio Pesquisa documental: pistas teóricas e metodológicas, Sá-<br />

Silva, Almeida e Guindani (2009) argumentam que o uso de documentos em pesquisas<br />

que investigam processos culturais deve ser estimulado porque podem revelar<br />

acontecimentos que ajudam a compreender situações socioculturais contemporâneas.<br />

Iniciado o processo de organização dos documentos, estes foram c<strong>ate</strong>gorizados nas<br />

seguintes tipologias: Portarias do Ministério da Saúde, Cartilhas, Guias (Profissionais,<br />

Comunidade e Pacientes), Panfletos e Cartazes.Foram analisados 28 documentos.<br />

RESULTADOS E DISCUSSÃO<br />

Nos documentos analisados foram destacados os aspectos mais relevantes<br />

quanto à informação sobre a hanseníase, visto que essa é a principal ferramenta na<br />

prevenção. A partir das análises do conteúdo dos cartazes pode-se perceber a linguagem<br />

médica técnica presente em alguns dos documentos dessa tipologia analisados. Os<br />

referidos documentos exploram principalmente a temática do tratamento e da cura da<br />

patologia. Nos cartazes analisados os aspectos biomédicos da hanseníase são muito<br />

exaltados. No entanto, informações de cunho sociocultural como o alerta aos aspectos<br />

do preconceito não são percebidas; o que se pode observar no cartaz abaixo.<br />

1640


Cartaz produzido pela Prefeitura Municipal de São Luís.<br />

Adquirido no Hospital Aquiles Lisboa. São Luís – MA.<br />

Embora se observe uma linguagem técnica em alguns cartazes, percebe-se a<br />

preocupação em difundir entre os profissionais da saúde e pacientes que a hanseníase<br />

tem cura e em alertar sobre os indícios da doença. Por serem meios de grande alcance,<br />

cartazes e panfletos têm grande importância na veiculação das informações referentes à<br />

doença.<br />

Dos panfletos analisados, todos se referem à doença a partir do destaque aos<br />

sintomas (mancha, dormência). Não identificamos nos panfletos referência à prevenção,<br />

que configura uma estratégia significativa de comb<strong>ate</strong> à doença. Em um dos panfletos<br />

analisados, a escola foi destacada como local de informação sobre a doença, a<br />

reconhecendo como aliada na luta contra a hanseníase. Sendo assim, a escola se<br />

apresenta como lugar estratégico de comb<strong>ate</strong> à hanseníase, por ser uma instituição que<br />

educa e ensina para a vida em sociedade, destacando aspectos relevantes no que se<br />

refere à saúde coletiva.<br />

1641


Em doenças que foram construídas culturalmente e estão no imaginário<br />

popular, o preconceito é uma barreira difícil de ser rompida. Talvez seja esse o grande<br />

problema na eliminação da hanseníase no mundo. Não só com a hanseníase, mas com<br />

outras patologias como a tuberculose e a AIDS, não devem ser avaliados apenas<br />

aspectos bioclínicos, precisam ser considerados os aspectos socioculturais dessas<br />

doenças visto que trazem historicamente construções preconceituosas.<br />

Um dos panfletos traz a informação: “A primeira dose do medicamento<br />

mata 90% dos bacilos e doença deixa de ser transmitida”. É uma informação relevante.<br />

Os pacientes precisam ser informados sobre os aspectos positivos do tratamento.<br />

Explicar aos pacientes a importância da conclusão do tratamento também é um fator que<br />

contribui para o comb<strong>ate</strong> à hanseníase, incentivando os pacientes a darem continuidade<br />

ao tratamento.<br />

Os guias destinados aos profissionais da saúdefornecem aos profissionais<br />

envolvidos no processo da doença, informações que possibilitam o redirecionamento<br />

das ações no controle da doença. Por serem documentos direcionados aos profissionais<br />

da saúde, nota-se a ausência de abordagens relacionadas ao social, como o preconceito.<br />

O guia para profissionais da saúde “Como ajudar no controle da<br />

hanseníase?” traz uma questão importante: “Por que as pessoas têm medo da doença se<br />

ela já tem cura?”. Concluímos a respeito desse questionamento que nossa sociedade<br />

ainda tem muito preconceito com pessoas acometidas pela hanseníase ou outras doenças<br />

dermatológicas e, sobretudo, estigmatizadas. Esse preconceito deve-se a uma construção<br />

social, histórica, cultural e religiosa, ainda arraigado no imaginário popular.<br />

Os guias a profissionais da saúde destinados aos Agentes Comunitários de<br />

Saúde (ACS) trazem desconstruções acerca do que se pensava sobre hanseníase,<br />

apresenta depoimentos de pessoas curadas da doença que demonstram a forma como<br />

foram e são tratadas pessoas de todas as idades acometidas pela doença.O Agente<br />

Comunitário de Saúde desempenha um papel importante e em sua tarefa está a chave<br />

para controle da hanseníase a partir da prevenção.<br />

1642


Por ser um profissional que lida diretamente com as pessoas acometidas de<br />

hanseníase e seus contatos [familiares], seria necessário que eles fossem mais bem<br />

capacitados para uma abordagem da prevenção, pois, reiteramos que uma importante<br />

medida de prevenção é a informação sobre os sinais e sintomas da doença, a realização<br />

do exame dermato-neurológico e aplicação da vacina BCG nas pessoas que vivem com<br />

os portadores desta doença.<br />

Guia profissional adquirido no Hospital Aquiles Lisboa.<br />

Produzido pelo Ministério da Saúde. 2007.<br />

Os profissionais da saúde são importantes instrumentos para a prevenção da<br />

doença, pois se encontram em posição estratégica de ação. São capacitados e<br />

informados para informar e multiplicar a informação que descontrua a visão socialda<br />

doença e consequentemente acabe com o preconceito.<br />

Já os guias para pacientes são elaborados, segundo o Ministério da Saúde,<br />

para que se garanta o direito do paciente de conhecer mais sobre a doença, seus direitos<br />

1643


e deveres na saúde. São importantes também para que os pacientes conheçam o percurso<br />

histórico da doença e as conquistas dos pacientes acometidos da doença.<br />

As orientações presente nos guias são relacionadas às formas de contágio da<br />

hanseníase, sintomas, tratamento, às reações do corpo ao tratamento e à importância do<br />

tratamento regular.<br />

Os guias para pacientes trazem também apoio psicológico no enfretamento<br />

da doença, isso é um direito dos pacientes e contribui para que o paciente tenha<br />

condições de enfrentar o processo de adoecimento.<br />

O Guia “Autocuidado em Hanseníase: Face, Mãos e Pés” entende o<br />

autocuidado como forma de prevenção. Esse procedimento é orientado aos pacientes e o<br />

guia sugere várias formas de exercícios e cuidados com as partes do corpo mais afetadas<br />

pela doença. O referido guia é um dos que fazemmenção ao apoio psicológico<br />

necessário no enfretamento da doença (BRASIL, 2010b).<br />

Guia de Autocuidado para pacientes adquiridos no Hospital<br />

Aquiles Lisboa. Produzido pelo Ministério da Saúde. 2010.<br />

1644


O guia orienta a “como proceder em relação às pessoas que convivem com a<br />

pessoa acometida por hanseníase na mesma casa, buscando prevenir a doença”. Essas<br />

orientações sobre a prevenção da hanseníase diretamente aos pacientes são de extrema<br />

importância, visto que, um paciente informado sobre as possibilidades de contágio e<br />

tratamento da doença propicia que as pessoas que vivam com ele sejam orientadas a<br />

tomar os cuidados necessários à prevenção.<br />

As cartilhas informativas analisadas desempenham o papel de levar<br />

informação de forma direta e com um conteúdo atrativo ao leitor. A maioria das<br />

cartilhas se utiliza de conteúdos animados para informar a respeito da doença: forma de<br />

contágio, sintomas, tratamento e cura.<br />

Foram identificadas informações importantes relacionadas ao convívio<br />

social: “Leve uma vida normal. A doença não impede de estudar, trabalhar, amar e<br />

viver” e ao estigma relacionado à doença: “A maior barreira enfrentada pelo hanseniano<br />

ainda é o preconceito”. Essa cartilha <strong>ate</strong>nde às informações básicas necessárias para que<br />

as pessoas se informem sobre a doença, conscientizem-se dos procedimentos e ainda<br />

sejam veículos da informação.<br />

1645


Cartilha produzida pela DAWN. Adquirida no Hospital<br />

Aquiles Lisboa. 1957-2007.<br />

As cartilhas, por apresentarem conteúdo direto e abrangente têm papel<br />

fundamental na superação do preconceito. Vivemos em uma sociedade que estabelece<br />

atributos para c<strong>ate</strong>gorizar pessoas, características que elas devem possuir para serem<br />

aceitas socialmente, esses atributos constituem a identidade social virtual do indivíduo.<br />

As portarias do Ministério da Saúde analisadas determinam ações<br />

específicas ao controle da hanseníase. Ações que compreendem orientações sobre a<br />

administração de medicamentos e outras ações técnicas. As portarias analisadas foram:<br />

nº 125 de 26 de março de 2009; nº 594, de 29 de outubro de 2010; nº 356, de 7 de março<br />

de 2013; nº 2.556, de 28 de outubro de 2011 e nº 3.125, de 07 de Outubro de 2010.<br />

Em trechos dos documentos analisados, destacamos a “busca ativa de casos”<br />

apresentada como uma ação que contribui para a prevenção da doença. Outro trecho<br />

refere-se ao “comb<strong>ate</strong> ao eventual estigma”, outro aspecto relevante, visto que a<br />

hanseníase é uma doença ainda permeada de muito preconceito. No entanto, o estigma<br />

que permeia a hanseníase não é eventual como expõe a portaria.<br />

1646


Outro aspecto a ser destacado é a “manutenção do paciente no meio social”,<br />

pois é um contraponto à política de isolamento compulsório como forma de tratamento<br />

e prevenção da doença, que consistia no afastamento do doente do convívio social,<br />

incluindo família e amigos, sem levar em consideração o problema da readaptação<br />

social dos egressos dos antigos leprosários.Claro (1995) afirma que a educação em<br />

saúde é um dos importantes componentes dos programas de controle, considerado como<br />

um aspecto primordial do trabalho de controle da hanseníase, dirigido aos pacientes,<br />

familiares e à comunidade.<br />

A autora diferencia ainda educação em saúde de informação em saúde, pois<br />

a primeira “utiliza-se de vários métodos para ajudar os indivíduos a compreenderem<br />

suas próprias situações e escolherem ações para melhorar sua saúde” e implica numa<br />

participação ativa do indivíduo; enquanto a informação em saúde, embora importante,<br />

pois pode influenciar o comportamento, resulta numa atitude meramente receptiva e não<br />

participativa. (CLARO, 1995. p. 28).<br />

Sobre a doença foco de nossa pesquisa, as portarias estabelecem,<br />

considerando a necessidade de eliminar a hanseníase enquanto problema de saúde<br />

pública, diagnosticar precocemente os casos, realizar o tratamento dos casos, prevenir as<br />

incapacidades, ações de mobilização e educação em saúde e visando o fortalecimento da<br />

Vigilância Epidemiológica.Diante disso, as políticas de comunicação de iniciativa das<br />

esferas públicas ou ONGs desempenham papel significativo na desconstrução, por meio<br />

da informação, desses padrões estabelecidos socialmente, isso contribui para que o<br />

preconceito resultante do estigma seja aos poucos descontruído e superado.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Ações desenvolvidas para a eliminação da hanseníase, julgamos que as<br />

ações direcionadas ao controle da hanseníase devem ter como ponto de partida as<br />

orientações preventivas da doença através de campanhas que abordem a “prevenção”<br />

como principal aspecto. Cura e tratamento são importantes, devem ser abordados, no<br />

1647


entanto, a prevenção trabalhada de forma eficaz contribuiria significativamente para a<br />

redução dos casos da doença no Brasil.<br />

As várias formas de comunicação são ideológicas e por isso, carregadas de<br />

representações. A mídia de uma forma genérica constitui-se em importantíssimo veículo<br />

disseminador de conceitos e que, segundo Guareschi (1999, p. 135), “é um dos<br />

aparelhos ideológicos mais centrais e abrangentes de nossa sociedade atual”. O autor<br />

acha, ainda, que talvez esteja aqui o segredo de existir uma sociedade com tantas<br />

contradições e injustiças. Para ele, a comunicação é o instrumento de manutenção da<br />

situação de dominação e exploração (GUARESCHI, 1999).<br />

As c<strong>ate</strong>gorizações dos documentos em formato de cartazes, panfletos,<br />

cartilhas, guias e portarias demonstram que são muitas as formas de comunicação que o<br />

Ministério da Saúde utiliza para divulgar informações sobre a hanseníase. A prevenção<br />

é um aspecto nobre no controle da hanseníase e uma das formas utilizadas é a<br />

comunicação visual como forma de informação.No entanto, as informações trazidas<br />

reforçam o estigma do “leproso”, dando destaque a imagens de lesões que causam<br />

impacto em quem as veem.<br />

Os m<strong>ate</strong>riais analisados demonstram a exaltação ao tratamento e à cura;<br />

poucos destacam os aspectos sociais como o preconceito, sendo este a principal barreira<br />

ao tratamento enfrentada pelos portadores de hanseníase. Ainda assim, compreendemos<br />

que todos os m<strong>ate</strong>riais analisados objetivam promover um maior conhecimento sobre<br />

doença e fomentar a detecção de casos.<br />

Os documentos analisados nos deram indício de que na divulgação de<br />

informações sobre a prevenção da hanseníase o que prevalece é o discurso biomédico<br />

sobre diagnóstico, tratamento e cura. Constatamos nos documentos analisados que o<br />

termo “prevenção” não está omitido nas campanhas, mas na maioria das vezes em que é<br />

citado refere-se à prevenção de incapacidades.<br />

Destacamos, ainda, a importância da comunicação em campanhas que<br />

alcancem a população. Citamos, em especial, a comunicação visual e sua peculiaridade<br />

presente na utilização de elementos visuais, tais como imagens, gráficos, vídeos ou<br />

1648


desenhos para expressar uma ou mais ideias, se apresentando mais eficaz que o uso de<br />

texto para veicular uma informação, obtendo, assim, grande alcance das informações.<br />

Na divulgação de informações sobre a prevenção da hanseníase em m<strong>ate</strong>rial<br />

de comunicação visual distribuídos no município de São Luís, Maranhão predomina o<br />

discurso biomédico sobre diagnóstico, tratamento e cura. A linguagem é claramente<br />

clínico-biomédica e existe uma preocupação em disseminar pontualmente entre os<br />

profissionais da saúde e pacientes que a hanseníase tem cura.<br />

Assim, faz-se necessário um repensar do Ministério da Saúde e das<br />

Secretarias de Saúde sobre a forma como se divulga informações acerca da hanseníase.<br />

Informações de caráter biomédico não bastam. É preciso divulgar informações sobre os<br />

aspectos sociais da doença visto que a mesma ainda traz representações estigmatizantes.<br />

Consideramos que apesar de todo um movimento de desestigmatização da<br />

doença e do doente, ainda hoje estão diluídos no imaginário social – e em especial nas<br />

representações dos profissionais de saúde – as ideias seculares da “lepra” e do<br />

“leproso”. Ideias que perduram e que maltratam aquelas pessoas que viveram (e vivem)<br />

a experiência do processo saúde-doença em hanseníase.<br />

Os aspectos socioculturais da doença no que se refere ao preconceito ou<br />

estão ausentes ou são abordados timidamente nos documentos analisados. Além disso,<br />

informações de cunho sociocultural, como o alerta aos aspectos do preconceito não são<br />

percebidas. A linguagem é claramente clínico-biomédica e existe uma preocupação em<br />

disseminar pontualmente entre os profissionais da saúde e pacientes que a hanseníase<br />

tem cura.<br />

REFERÊNCIAS<br />

CLARO, L. B. L. Hanseníase: representações sobre a doença. Rio de Janeiro: Fiocruz,<br />

1995.<br />

BRASIL. Guia para o controle de hanseníase. Brasília: Ministério da Saúde, 2010a.<br />

1649


______. Autocuidado em hanseníase: Face, Mãos e Pés. Departamento de Vigilância<br />

Epidemiológica. Guia de Comunicação e Educação em Saúde. 1ª ed. Brasília: Editora<br />

do Ministério da Saúde, 2010b.<br />

MACÁRIO, D. P. P.; SIQUEIRA, L. M. S. Aspectos Psicossociais. In: DUERKSEN,<br />

F.; VIRMOND, M. Cirurgia reparadora e reabilitação em hanseníase. Bauru:<br />

Instituto Lauro de Souza Lima, 1997.<br />

MACIEL, L. R.; FERREIRA, I. N. A presença da hanseníase no Brasil – alguns<br />

aspectos relevantes nessa trajetória. In: ALVES, E. D.; FERREIRA, T. L.; FERREIRA,<br />

I. N (Orgs.). Hanseníase – avanços e desafios. Brasília – DF: NESPROM – UnB,<br />

2014. 492 p. – (Coleção PROEXT).<br />

NASCIMENTO, J.D. A perspectiva dos adoecidos: um olhar antropológico para<br />

compreender a hanseníase. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), Universidade<br />

Federal do Maranhão, UFMA, 2010, 127 p.<br />

OPROMOLLA, D. V. A. Noções de Hansenologia. Bauru: Centro de Estudos Dr.<br />

Reynaldo Quagliato, 2000.<br />

SÁ-SILVA, J. R.S; ALMEIDA, C.D.; GUINDANI, J.F. Pesquisa documental: pistas<br />

teóricas e metodológicas. Revista Brasileira de História e Ciências Sociais. Ano 1,<br />

n.1, jun., 2009.<br />

TALHARI, S.; NEVES, R.G. Hanseníase. 3. ed. Manaus: Funcomiz, 1997.<br />

1650


IDENTIDADE E TERRITORIO: A Presença das Quebradeiras de Coco Babaçu<br />

no Município de Imperatriz-MA.<br />

IDENTITY AND TERRITORY: The Presence of Babaçu Coco Breakers<br />

in the Municipality of Imperatriz-MA.<br />

Autor: Fernando Brasil Alves<br />

Graduando-se em Ciências Humanas/Sociologia<br />

Instituição: Universidade Federal do Maranhão, Campus Imperatriz-MA<br />

Eixo 3 - Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO:A construção da identidade da quebradeira de coco babaçu encontra-se<br />

marcada por símbolos e significações em torno do oficio de quebrar o coco babaçu e a<br />

sua formação como um grupo social marcado por lutas e conflitos que vem ocorrendo<br />

em todo o Maranhão. No município de Imperatriz, a segunda maior cidade do estado, os<br />

conflitos que hoje giram em torno das quebradeiras trata-se da preservação das<br />

palmeiras e principalmente do seu oficio de quebrar o coco. Dissertar o cotidiano das<br />

mulheres que quebram o coco, é dissertar toda uma atmosfera cultural e im<strong>ate</strong>rial<br />

construído em torno desses indivíduos no município de Imperatriz. O trabalho<br />

acadêmico tem como objetivo geral compreender o oficio da quebra do coco babaçu,<br />

relatar as histórias dessas mulheres que exercem a identidade de quebradeiras de coco e<br />

como as mesmas chegaram no território municipal de Imperatriz-MA. Foi abordado o<br />

método qualitativo de pesquisa que partimos de dois momentos: breve revisão<br />

bibliográfica do assunto e conhecer esses sujeitos que estão inseridos no território<br />

municipal de Imperatriz: as quebradeiras de coco babaçu. Como referencial teórico, foi<br />

trabalhado ANDRADE (2008), BARBOSA (2013), DIAS (2012), e a Lei do Babaçu<br />

Livre (2003) que foi aprovado pela câmara municipal da cidade. Valorizando as suas<br />

histórias de vida diante das várias dificuldades e seus papeis de mãe, trabalhadoras,<br />

esposas e donas de casas, o artigo pretende, além do objetivo geral, confirmar a<br />

presença das quebradeiras de coco babaçu no município de Imperatriz. A identidade da<br />

quebradeira de coco babaçu guarda um conhecimento de grande importância para a<br />

1651


preservação desta atividade im<strong>ate</strong>rial: o oficio de quebrar o coco. Mesmo nos limiares<br />

entre o urbano e o rural e do processo assíduo de desmatamento que vem ocorrendo em<br />

toda a região tocantina; a atividade ainda possui um grande leque de histórias de vida<br />

que possa colaborar com os estudos de preservação deste patrimônio im<strong>ate</strong>rial para a<br />

sociedade brasileira e em especial para a sociedade local. Portanto, o artigo discute a<br />

presença das quebradeiras de coco babaçu no município de Imperatriz e perquire-se a<br />

competência de preservar os resultados obtidos da pesquisa de campo neste trabalho<br />

acadêmico, tornando-se visível a sua identidade de quebradeira de coco babaçu ligada a<br />

palmeira presente na cidade a qual transcende a relação m<strong>ate</strong>rial e econômico do<br />

mesmo.<br />

Palavras-chave: Identidade. Território. Patrimônio. Babaçu.<br />

ABSTRACT: The construction of the identity of the babaçu coconut breaker is marked<br />

by symbols and meanings around the office of breaking the babassu coconut and its<br />

formation as a social group marked by struggles and conflicts that is occurring in all the<br />

Maranhão. In the municipality of Imperatriz, the second largest city in the st<strong>ate</strong>, the<br />

conflicts that revolve around the breakers are the preservation of the palm trees and<br />

especially their craft of breaking the coconut. To dissect the daily life of women who<br />

break the coconut, is to tell a whole cultural and imm<strong>ate</strong>rial atmosphere built around<br />

these individuals in the municipality of Imperatriz. The objective of the academic work<br />

is to understand the work of breaking babaçu coconut, to tell the stories of these women<br />

who exercise the identity of coconut breakers and how they arrived in the municipal<br />

territory of Imperatriz-MA. It was approached the qualitative method of research that<br />

we started from two moments: a brief bibliographical review of the subject and to know<br />

those subjects that are inserted in the municipal territory of Imperatriz: the babaçu<br />

coconut breakers. As a theoretical reference, ANDRADE (2008), BARBOSA (2013),<br />

DIAS (2012), and the Free Babaçu Law (2003) were approved and approved by the city<br />

1652


council. Valuing their life histories in the face of the various difficulties and their roles<br />

as mothers, workers, wives and housewives, the article intends, in addition to the<br />

general objective, to confirm the presence of babassu coconut breakers in the<br />

municipality of Imperatriz. The identity of the babassu coconut breaker holds a<br />

knowledge of great importance for the preservation of this imm<strong>ate</strong>rial activity: the job<br />

of breaking the coconut. Even at the thresholds between urban and rural and the<br />

frequent process of deforestation that has been occurring throughout the region of<br />

Tocantins; the activity still has a wide range of life histories that can collabor<strong>ate</strong> with<br />

the studies of preservation of this intangible heritage for the Brazilian society and<br />

especially for the local society. Therefore, the article discusses the presence of babaçu<br />

coconut breakers in the municipality of Imperatriz, and the competence to preserve the<br />

results obtained from the field research in this academic work is visible, making its<br />

identity as a babassu coconut breaker linked to the palm tree present in the city that<br />

transcends the m<strong>ate</strong>rial and economic relationship of the same.<br />

Keywords: Identity. Territory. Patrimony. Babassu.<br />

INTRODUÇÃO:<br />

O interesse do autor em dissertar o presente trabalho partiu de dois vieses:<br />

primeiro, por perceber ausência de forma tímida de trabalhos acadêmicos que explorem<br />

a vida dessas personagens na cidade de Imperatriz-MA e segundo, por ser neto de<br />

quebradeira de coco babaçu. Ambos os caminhos, foram propulsores e para a efetivação<br />

e motivação deste trabalho. O mesmo, visa compreender o oficio de aprendizagem da<br />

quebra do coco. Tendo como pergunta: “como elas aprenderam a quebrar o coco<br />

babaçu?”. Partindo desse caso, analisaremos as respostas para respondermos à pergunta.<br />

Mas antes, iremos analisar acervos organizados e sistematizados de forma mais geral,<br />

que vem abordando a vida e o cotidiano dessas mulheres e em segundo momento<br />

1653


localizar essas personagens no município. Dando evasão aos seus relatos e solidificando<br />

a sua identidade como quebradeira de coco babaçu no presente contexto social.<br />

A metodologia aplicada para a construção deste trabalho recorrerá aplicação<br />

de questionário seguido de conversa. Abordando e descrevendo o seu cotidiano no<br />

decorrer de sua história de vida. Procurando encontrar elementos para responder a<br />

pergunta-problema. Objetivando o reconhecimento e resguardando a existência dessa<br />

atividade no presente contexto através do processo de valorização da pessoa humana.<br />

Não tendo motivos de esconder a sua identidade e sim valorizar a imagem e a<br />

historicidade como sujeito social na sociedade particular de Imperatriz. O trabalho terá<br />

como caráter de valorização da dignidade da pessoa que realiza a atividade. Construindo<br />

e reafirmando que as mesmas, colaboraram com um papel de grande significado dentro<br />

da história delas mesmas e vem contribuindo com a cultura local, com o seu oficio de<br />

quebradeiras de coco babaçu.<br />

Uma minoria social que aos poucos vem vivenciando a luta por direitos para<br />

a sua preservação ambiental e social. Tanto das palmeiras, como da atividade. Portanto,<br />

o trabalho visa relatar a história de vida dessas personagens e encontrar o caminho que<br />

indica a origem da atividade das quebradeiras de coco babaçu do maranhão, e em<br />

especial do município de Imperatriz.<br />

Babaçu, A Mãe do Maranhão.<br />

Ao longo dos anos, em torno da palmeira “orrbignya speciosa”, foi<br />

construído um leque de saberes, lutas e conhecimentos. Todos relacionados ao modo de<br />

vida dos povos da zona rural. Através deste leque de conhecimento em torno da<br />

palmeira, se construiu um território im<strong>ate</strong>rial e uma identidade. “O território im<strong>ate</strong>rial<br />

que está relacionado com o controle, o domínio sobre o processo de construção do<br />

conhecimento e suas interpretações” (FERNANDES, 2008). Ficando visível que ao<br />

percebemos que este território que se encontra constituindo, tanto no aspecto físico<br />

1654


como no aspecto da consciência coletiva das quebradeiras, exercem uma gama de<br />

valores e resistência que a palmeira babaçu oferece a essas mulheres.<br />

O babaçu fornece uma variedade de utilidades para a família interiorana<br />

maranhense. A palmeira ganha o título de “a mãe de todos os maranhenses”. Devido ela<br />

ofertar para os seus filhos e filhas, produtos de sobrevivência e de utilidades:<br />

Mesocarpo, farinha de amêndoa, azeite, leite de babaçu, bagaço da amêndoa são uns dos<br />

gêneros alimentícios que as quebradeiras de coco extraem da palmeira. Alimentos estes<br />

que enriquecem a mesa dessas famílias de origem simples e humilde.<br />

Além dos gêneros alimentícios que são ofertados pelo Babaçu – a palmeira<br />

fornece a palha para a cobertura das casas dos moradores de baixa renda e em alguns<br />

momentos o tronco para fortificar as mesmas; e quando a palmeira morre e entram em<br />

estado de decomposição, as mulheres utilizam para adubar os seus canteiros simples no<br />

fundo dos quintais de suas residências. Todos esses mecanismos só servem para<br />

confirmar o apelido que a palmeira ganha na boca do povo maranhense: a mãe do<br />

Maranhão.<br />

Portanto, a palmeira babaçu proporcionou a construção deste espaço social<br />

para os maranhenses e em especial para essas mulheres que construíram este território<br />

em seu subconsciente. Dando evasão ao conhecimento que essas mulheres conquistaram<br />

com a palmeira de babaçu ao longo dos anos de luta e sobrevivência. Devido a<br />

desigualdade social do país e do estado.<br />

No universo particular do município de Imperatriz não podia ser diferente.<br />

Tanto na área urbana como na área rural, possui a presença da palmeira. A sua maior<br />

concentração se dá na zona rural do município, ao longo da rodovia estadual que liga os<br />

municípios de Cidelândia e Imperatriz, MA – 386, mas conhecida como estrada do<br />

arroz. Ver-se ao longo da estrada, bosques de babaçuais.<br />

Os povoados de São José da Matança, Bacaba, Açaizal, Olho d’Água dos<br />

Martins, Coquelândia, São Félix, Vila Conceição I, Vila Conceição <strong>II</strong>, Esperantina e<br />

Petrolina. Todos localizados no território do município de Imperatriz, possuem a<br />

presença da palmeira de babaçu. Nestes núcleos ou povoados, a presença de grupos de<br />

1655


mulheres que exercem o oficio da quebra do coco babaçu, independentemente de serem<br />

associadas ou não a movimentos sociais, encontra-se elas exercendo a atividade de<br />

forma coletiva nos bosques. Mulheres estas que estão presentes nesta região desde as<br />

décadas de 20 a 60. Épocas de grandes impactos na disputa pela terra e de terras<br />

devolutas do governo estadual para com os povos do campo.<br />

Quase todos os membros da família participam deste oficio, com a exceção<br />

do homem da casa. A ele é destinado à vida de vaqueiro ou peão da fazenda. As<br />

crianças e os idosos, juntamente com as mulheres, participam da coleta do coco e leva<br />

para as mulheres quebrarem o mesmo. Retirando a amêndoa para o processo de venda<br />

ou industrialização da mesma.<br />

Identidade e leis.<br />

“O coco preso”; “o coco cerrado”; “babaçuais são derrubados”. São umas<br />

das tantas expressões que as nossas personagens demonstram em relação ao coco<br />

babaçu ao ver a sua principal fonte de renda sendo negada a elas. O coco preso, é<br />

representado no seguinte modo:<br />

O tempo do coco preso é, portanto, de dor, de sofrimento, de fome, de perda<br />

de identidade. Isso porque não havia mais terras para cultivar. A exportação<br />

já se completara. As terras já se haviam transformado em pastagens, via<br />

incentivos oficiais, e o extrativismo do babaçu se apresentava como única<br />

alternativa de sobrevivência as famílias camponesas. Dentre as atividades<br />

econômicas dantes praticadas – cultivo do solo, extrativismo, caça,<br />

artesanato, pesca – as famílias viam-se, subitamente, restritas á coleta e<br />

quebra do coco e venda das amêndoas aos fazendeiros (ANDRADE, 2006 p.<br />

447).<br />

Para comb<strong>ate</strong>r o avanço da ausência do poder público e a não negação<br />

dessas personagens aos bosques de babaçus, várias entidades, ONGs e movimentos<br />

sociais surgem para frear essas atitudes e conscientizar as mulheres e a sociedade geral,<br />

o quanto é importante a preservação dos babaçuais. Reforçando a luta em favor delas e<br />

construindo uma identidade coletiva dessas mulheres.<br />

Através da união destas entidades, em contraposição ao coco preso – surge<br />

como resposta a essa violência, a lei do babaçu livre, projeto que se encontra em<br />

1656


articulação política em todo território nacional 213 . Em contraposição, nos estados do<br />

Maranhão e Tocantins 214 por exemplo, a lei já se encontra aprovada.<br />

“A principal bandeira de luta das quebradeiras de coco babaçu, desde a<br />

década de 1980, é aplicação e preservação da lei do babaçu livre, em contraposição ao<br />

que designam como situação de “coco preso”, cercado pelo arame farpado do patrão<br />

pecuarista. (PORRO, MENASCHE, NETO. 2014).” Dá-se através desta bandeira de<br />

luta que se constroem a identidade da mulher que realiza a atividade para o sustento do<br />

lar e dos seus filhos. No campo, as lutas pela terra são sempre acirradas e deste cenário<br />

que vem contribuindo ainda mais com o processo afirmativo de construção da<br />

identidade dessas mulheres de origem negra, simples, camponesa e mães.<br />

Segundo Renata dos reis Cordeiro (2008, p. 56), na literatura produzida entre<br />

os anos de 1950 e 1980 sobre o babaçu, não é encontrado o termo<br />

quebradeira de coco. A construção dessa identidade aconteceu juntamente<br />

com a organização do movimento pela terra e trabalho (JUNIOR;<br />

DMITRUK; MOURA, 2014 p. 139).<br />

Essa identidade é coletiva e através da união entre elas é que foi possível<br />

resistir aos grandes latifundiários e ao estado que nega ver a existência dessas mulheres.<br />

Entre os avanços no campo da política e da luta do reconhecimento, citemos a lei do<br />

babaçu livre, que embora não seja aprovada em todo território nacional e estadual, mas<br />

encontra-se aprovada em alguns municípios maranhenses.<br />

De lá para cá, outras cidades editaram leis municipais com base no livre<br />

acesso aos babaçuais. As leis municipais estão sendo assim distribuídas nas<br />

legislações locais do maranhão: Lei n. 05/97 e lei n. 01/2002 de lago do<br />

junco, Lei n. 32/99 de lago dos Rodrigues, Lei n. 255/99 de Esperantinópolis,<br />

Lei n. 319/2001 de São Luís Gonzaga, Lei n. 1.084/2003 de Imperatriz, Lei<br />

n. 466/2003 de Lima Campos, Lei n. 52/2005 de São Jose dos Basílios, Lei n.<br />

01/2005 de Cidelândia, Lei n. 1.137/2005 de Pedreiras. Há projeto de lei em<br />

tramitação no município maranhense de Capinzal do Norte (JUNIOR;<br />

DMITRUK; MOURA, 2014 p.142).<br />

Um dia festivo dedicado ás quebradeiras de coco babaçu;<br />

213 Projeto de Lei de Nª 747-A de 2003 (em tramitação na câmara dos deputados)<br />

214 Lei de nª 1.959 de 14 de agosto de 2008<br />

1657


No dia 30 de agosto de 2011, foi sancionado pelo Governo Estadual do<br />

Maranhão o Projeto de Lei n. 102/2011, de autoria do deputado Bira do<br />

Pindaré (PT), esse projeto fez valer o “dia estadual das quebradeiras de coco<br />

babaçu”, fixado anualmente no dia 24 de setembro. Esse é um dia<br />

determinado como dia simbólico de luta, posto que essa seja a data referência<br />

ao acontecimento do I encontro de quebradeiras de coco no estado do<br />

Maranhão. (JUNIOR; DMITRUK; MOURA, 2014 p.145).<br />

Mesmo com esses avanços em prol do babaçu e da preservação do mesmo,<br />

os babaçuais de todo o maranhão e em especial da mesorregião oeste do estado, vem<br />

sendo devastados. Ora por abastecimento do polo guseiro de Açailândia para a produção<br />

do carvão ou para dar mais espaço para as pastagens e plantio de eucaliptos. Todos para<br />

<strong>ate</strong>nder uma demanda do mercado internacional de ferro gusa, carne e celulose da<br />

sociedade industrializada.<br />

Uns dos fascículos produzidos pela nova cartografia social da Amazônia<br />

revelam alguns pontos que preocupa essas mulheres e movimentos sociais. O fascículo<br />

diz:<br />

O polo guseiro de Açailândia consome cerca de 90 por cento do carvão<br />

vegetal produzido no Pará, principalmente no município de Paragominas. As<br />

áreas onde as usinas fabricam o carvão compreendem: 60 municípios no<br />

Pará, 80 municípios no Maranhão e 30 municípios no Tocantins. Presencia-se<br />

uma constante procura pelo carvão do coco, face ao aumento das<br />

fiscalizações da madeira nativa por parte do IBAMA. O carvão do babaçu<br />

além de ser de ótima qualidade pode circular livremente nas estradas. Os<br />

caminhoneiros e fornecedores sequer precisam apresentar autorização para<br />

trafegar com o produto já que as cascas e o coco de babaçu estão livres da<br />

ATPF – autorização para transporte de produtos florestais (PROJETO NOVA<br />

CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZONIA, 2005 p. 08).<br />

A situação é mais alarmante e já foi constatada essa prática nos povoados da<br />

zona rural do município de Imperatriz e outros próximos ao mesmo.<br />

Em algumas áreas o carvão é feito do cacho da palmeira. Essa pratica está<br />

ocorrendo nos povoados de Olho D’agua dos Martins, Matança, Bacaba,<br />

Coquelândia, São Felix e Petrolina, no município de Imperatriz; no povoado<br />

Ciríaco, no município de Cidelândia e no povoado Mundo Novo, no<br />

município de Amarante (PROJETO NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA<br />

AMAZONIA, 2005 p. 02).<br />

1658


Valendo ser acrescentado à devastação que vem sofrendo as palmeiras<br />

adultas, as palmeiras novas, chamadas de pindovas. Acelerando à devastação dos<br />

bosques da mesorregião do estado, tendo como consequência, a desmotivação dessas<br />

mulheres, e a quantidade de ano após ano, da diminuição da safra de amêndoas na<br />

produção de gêneros alimentícios e a cultura que as próprias mulheres detêm ao seu<br />

redor.<br />

Presencia-se na regional de Imperatriz derrubadas generalizadas de babaçuais<br />

para plantio de eucalipto ou mesmo para a pratica da pecuária e, além disso, a<br />

utilização de veneno no “olho da pindovas”. A pesquisa identificou essas<br />

práticas nas seguintes localidades: povoado Mundo Novo, no município de<br />

Amarante; povoados São Felix, Coquelândia, Olho D’ Agua, Petrolina, no<br />

município de Imperatriz; povoados Viração e Frades no município de<br />

Cidelândia. O envenenamento do olho das pindovas tem gerado a<br />

contaminação dos que aplicam o veneno e também dos rios, riachos e<br />

igarapés (PROJETO NOVA CARTOGRAFIA SOCIAL DA AMAZONIA,<br />

2005 p.09).<br />

Mesmo havendo avanços na lei para proteger e preservar os bosques de<br />

babaçuais. Faz necessário, uma reeducação da sociedade para conscientizar o quanto é<br />

importante proteger este patrimônio im<strong>ate</strong>rial e m<strong>ate</strong>rial que gira em torno da palmeira<br />

babaçu. Através da retomada de consciência da sociedade que é possível preservar este<br />

bioma que faz parte da vida e do cotidiano de todos os maranhenses do nosso e estado, e<br />

em especial, das mulheres.<br />

Estando uma vez que este bioma é parte integradora da identidade de<br />

inúmeras mulheres que quebram o coco babaçu pelos vários rincões do Pará, Tocantins,<br />

Maranhão e Piaui. A presente prática social que vigora á anos nessas regiões, torna-se<br />

uma tradição que é ensinada de geração em geração pelas mulheres. Solidificando ainda<br />

mais o território im<strong>ate</strong>rial desta minoria social no presente microcosmo no universo das<br />

quebradeiras de coco babaçu no estado do maranhão e em particular, no município de<br />

Imperatriz-MA.<br />

1659


Observações das entrevistas concedidas.<br />

Diante dessas 03 entrevistas principais e que foram escutadas ao longo da<br />

realização deste trabalho durante as viagens ao campo de estudo, observação e pesquisa.<br />

As personagens eram suscitas em falar como aprenderam e com quem aprenderam a<br />

quebrarem o coco – onde o seu referencial m<strong>ate</strong>rno despertava sensações de alegria em<br />

descrever a época de sua respectiva infância no trato com a atividade exercida de suas<br />

mães e avós. O único desejo que as mesmas desejavam, era não serem identificadas no<br />

trabalho acadêmico – alegando não ter eventuais conflitos próximos a ela, como a<br />

comunidade, a família, ou os movimentos sociais próximos à realidade das<br />

trabalhadoras rurais.<br />

Percebemos ou percebe-se que a figura feminina exerce uma forte influência<br />

sobre o lar e no cuidado dos filhos e em especial das filhas. Preocupando-se sempre em<br />

ensinar uma atividade remunerada para as filhas, para que elas não possam depender<br />

exclusivamente do marido que vier contrair no futuro próximo. A mãe ensina essa<br />

atividade como tantas as outras – preparando-o para o matrimônio e no sustento do lar.<br />

O que foi percebido nas falas de nossas entrevistadas, que aprenderam a<br />

quebrar o coco babaçu com a sua mãe. A sua genitora aprendeu com a sua avó e a<br />

mesma aprendeu com a sua bisavó, e assim sucessivamente a regra de ensino e<br />

aprendizagem em cada família que possui uma quebradeira de coco no núcleo familiar<br />

de origem.<br />

É perceptível que existe uma arvore genealógica presente nessas famílias –<br />

aonde todas elas vieram da região dos cocais (Afonso Cunha, Aldeias Altas, Caxias,<br />

Codó, Coelho Neto, Coroatá, Duque Bacelar, Fortuna, Matões, Parnarama, Peritoró,<br />

Senador Alexandre Costa, Timbiras, Timon, Buriti Bravo, Lagoa do Mato e São João do<br />

Sóter) do estado do Maranhão. Região histórica e de grande valia de inúmeros episódios<br />

particulares da história do povo maranhense como a instalação da fábrica de algodão em<br />

Codó e a guerra da balaiada desta parte do estado. Onde o povo negro e indígena, era<br />

protagonista nos episódios históricos.<br />

1660


Pressupomos, que a origem da atividade das quebradeiras de coco babaçu<br />

do maranhão, e daquelas que vieram desta região do estado para fixarem moradias na<br />

zona rural do município de Imperatriz, é de origem indígena e escrava. Onde ambos os<br />

povos procuravam sobreviver devido à pobreza que assolava essas multidões na época<br />

da colônia e do império. Atividade esta que foi ensinada aos descendentes desses povos<br />

para as futuras gerações que ganhou no tempo e espaço, uma prática social vigente nos<br />

atuais dias que perdura há bastante tempo na história dessas famílias.<br />

Assim como essas mulheres que forneceu as suas versões do aprendizado e<br />

outras que de forma secundariamente, participaram – sempre dizia que a sua mãe e a sua<br />

avó que aprenderam e aperfeiçoaram a quebra do coco babaçu com as suas parentes<br />

antecessoras de origem escrava e indígena. Como descreve no relato da personagem 03<br />

ao interlocutor presente. Tornando uma fonte oral de grande valia para o processo de<br />

transmissão de conhecimentos da prática destas mulheres que tem como identidade<br />

quebradeiras de coco babaçu do maranhão.<br />

Das Entrevistas<br />

Individuo 01<br />

“Nós chegamos em 1980 nesta região – aqui não havia quase nada. Somente<br />

roça e as palmeiras de babaçu. A estrada, essa mesma não havia. Bruaca no<br />

verão e lama no inverno”. *entrevista concedida no dia 15.09.2015<br />

A individuo 01 chegou, em seu relato, na década de 80 na zona rural do<br />

município de Imperatriz. Uma época difícil para inúmeras famílias que ali residiam.<br />

Tendo como a única via de acesso, a estrada de arroz. A mesma, é mãe de 7 filhos e avó<br />

de 13 netos. Residente no povoado são Felix, distante 27 km da área urbana da<br />

cidade.Nascida na cidade de Caxias no ano de 1953. Aprendeu o oficio com a sua<br />

mamãe, e aonde essa aprendeu com a sua vó m<strong>ate</strong>rna – foi a sua referencial m<strong>ate</strong>rna que<br />

1661


a ensinou a quebrar o coco, para o sustento da sua família, com apenas 10 anos de idade<br />

e a qual não tem vergonha de admitir que aprendeu desde a tenra infância.<br />

“Foi minha mamãe que me ensinou a quebrar o coco babaçu nas matas de<br />

Caxias. Naquela época era muito difícil eu ir para escola. Então mamãe me<br />

levava junto com outras mulheres, e a minha vovó ia também. Mulher bonita<br />

minha vovó. Passávamos o dia quebrando o coco. Para mim, era brincadeira,<br />

como eu era criança ainda. Mas hoje eu sei o quanto essa brincadeira me<br />

ajudou a vencer na vida. Eu gosto de quebrar o coco babaçu. Faz parte de<br />

mim”. *entrevista concedida no dia 15.09.2015<br />

Ela e o seu esposo vieram para esta região em busca de melhora de vida e<br />

ofertar uma melhor educação aos seus filhos. Os parentes de ambas as famílias<br />

encontravam-se residindo nesta região rural do município e os mesmos passaram a<br />

ajudar o casal e os filhos na fixação no lugar. Com ela, veio um aprendizado rico em<br />

conhecimento e na dimensão dos valores sociais do campo.<br />

Na sua família, somente a sua filha mais velha, irá herdar o conhecimento<br />

adquirido no decorrer dos anos a respeito desta atividade. A personagem 01, diz que<br />

ensinou a sua filha não por insistência da menina e sim porque ela quis aprender essa<br />

atividade. E ambas, participam do exercício da atividade da quebra do coco babaçu, na<br />

fala da filha da personagem 01 diz:<br />

“Era comum eu ver várias mulheres quebrando o coco. A mamãe ia com elas.<br />

Eu ia junto e gostava de ver e participar daquela atividade. Riamos e<br />

brincávamos quando todas nós quebrava o coco babaçu. E eu pedi para<br />

mamãe me ensinar. Mamãe não gostou de início, mas mesmo assim me<br />

ensinou. Tenho orgulho desta atividade. Sem bordar, fazer unhas, cozinhar,<br />

mas eu gosto mesmo é de quebrar o coco babaçu – isso faz parte da minha<br />

vida. E tenho orgulho. *entrevista concedida no dia 15.09.2015<br />

No povoado São Félix, são dez mulheres que quebram o coco babaçu – a<br />

maioria são idosas e beneficiaras do INSS e quebram o coco babaçu com orgulho.<br />

1662


Individuo 02<br />

No povoado Coquelândia, distante 25 km da zona urbana de Imperatriz. A<br />

individuo 02 se ofereceu para relatar um pouco de sua história. Nasceu em 04 de agosto<br />

de 1938 no município de Imperatriz. Viúva e mãe de 4 filhos. Aprendeu a quebrar o<br />

coco com 10 anos de idade com a sua mãe. Advinda da região de Caxias e adjacências –<br />

região essa conhecida como região dos cocais, devido ter uma alta concentração de<br />

várias espécies de palmeiras.<br />

Apesar de ser idosa e os filhos a intervirem de vez em quando para não fazer<br />

mais a atividade. Ainda tem força e disposição para quebrar o coco babaçu no fundo da<br />

sua casa. Mas ela confessa que sente falta da época em que participava com as demais<br />

mulheres no campo, nas quintas de babaçu. Onde coletava e quebrava o dia todo<br />

(Fazendo alusão que o trabalho é coletivo e não individual, como impera no mundo<br />

capitalista e neoliberalista). Cantando e rezando, conversando e chorando ao redor dessa<br />

atividade. O que mais nos impressiona na fala desta personagem foi esta expressão:<br />

“É até pecado queimar o coco. Pois está tirando o alimento da nossa gente”.<br />

*entrevista concedida no dia 15.09.2015<br />

É uma expressão, que podemos interpreta-la como um desabafo; devido,<br />

diminuir a cada ano a safra de babaçu. Associando a essa diminuição a seca dos riachos<br />

que abastecem as quintas e a expansão do mercado imobiliário e agroindustrial ao redor<br />

do povoado; em decorrência das instalações das empresas próximas a essas áreas.<br />

“Eu tenho orgulho de quebrar o coco – criei todos os meus filhos com o<br />

dinheiro do babaçu. O meu marido me apoiava e sempre me apoiou com a<br />

quebra do coco. Foi com o dinheiro que coloquei os meus filhos no colégio”.<br />

*entrevista concedida no dia 15.09.2015.<br />

Com a nossa personagem 02, aprende-se um processo de construção vivo e<br />

forte de resistência para sobreviver e permanecer alegre diante das adversidades que a<br />

vida no campo lhes submete. A sua identidade está enraizada nos calos das mãos, nos<br />

1663


pés cansados e nas rugas do rosto ao longo dos seus 87 anos de vida, o oficio de quebra<br />

do coco babaçu é exercitado com alegria e carinho pela personagem 02. Dos seus filhos,<br />

somente uma vai herdar a atividade. Aonde a mesma, já demostra com carinho pela<br />

atividade e não sente vergonha de ser filha de uma quebradeira de coco.<br />

Individuo 03<br />

Moradora do Bairro Bom Jesus, num bairro localizado na periferia de<br />

Imperatriz encontramos a nossa individuo 03. Viúva, parteira e mãe de 16 filhos e (6<br />

moram com ela, 1 mora em outra cidade e os demais estão falecidos) nascida em<br />

Gonçalves Dias no interior do Maranhão, perdeu a sua mãe com 7 anos de idade, na<br />

hora do parto, dando à luz a sua irmã mais nova. Aprendeu a quebrar o coco babaçu<br />

com a sua madrinha, com a sua avó m<strong>ate</strong>rna que era descendente de escravos e<br />

principalmente com a sua irmã mais velha, Francisca.<br />

“Papai foi na quitanda e comprou um machado. Dois metros de pano para<br />

mim, dois metros de pano para a minha mais velha e dois metro de pano para<br />

os meus irmãos homem e logo depois, deixou uma carta para a Francisca<br />

dizendo: Francisca pega o machado, quebra o coco, e ajuda os seus irmãos<br />

mais novos. Eu ia com ela. Vendo ela e todas as outras mulheres quebrando e<br />

com o tempo fui aprendendo. As mulheres só me aconselhavam não cortar o<br />

dedo. O papai sumiu depois e nunca mais apareceu – deixou eu e os meus<br />

irmãos com a minha avó m<strong>ate</strong>rna”. *entrevista concedida no dia 26.09.2015.<br />

Essa mulher casou com 16 anos de idade e chegou à cidade de Imperatriz na<br />

década de 50, acompanhou a construção da rodovia Belém-Brasília e da rodovia<br />

estadual Pedro Neiva de Santana. Veio fugindo do marido que era agressivo. O mesmo<br />

chegou 22 dias após encontrar-se aqui com a sua família.<br />

A personagem 03, apesar de ter a idade de 80 anos, ainda quebra o coco que<br />

cata os mesmos nos babaçuais que fica entre o bairro Bom Jesus, o novo campus da<br />

UFMA-Bom Jesus e o cemitério municipal. As suas filhas sabem quebrar o coco, mas<br />

não a tem como profissão. A geração que exerce essa atividade nesta família irá morrer<br />

na pessoa nesta mulher e todo o conhecimento que adquiriu com a sua irmã, a madrinha<br />

e a sua avó irá perder-se. O maior sonho dessa matriarca é ver que o babaçu continua a<br />

1664


ser essa arvore frondosa e majestosa sobre a mãe natureza e que os seus filhos e netos<br />

possa melhorar de vida a cada ano. Esses são os sonhos dela.<br />

A mesma chora com alegria do dia em que aprendeu e com quem aprendeu<br />

a realizar a atividade e ver com esperança que as mulheres possam ter dignidade com as<br />

outras mulheres que sofrem na vida na criação dos filhos, na violência doméstica e no<br />

respeito mútuo de si. Apesar de sua idade avançada, a mesma demostra grande<br />

satisfação por pertencer ao gênero lhe designado, ao gênero 215 de ser mulher.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A vida no campo e a luta pela posse da terra se confundem com as histórias<br />

dessas inúmeras e outras mulheres e homens que vivem no mundo chamando “roça”.<br />

Um mundo rico e cheio de tradição oral e senso comum que foram construídos no<br />

decorrer da colonização do país – sendo visível a luta pelo campo com os quilombolas,<br />

pescadores de área de ribeirinhas, trabalhadores braçais das várias culturas existentes no<br />

Brasil (milho, café, cana de açúcar e etc.) indígenas e as mulheres quebradeiras de coco<br />

babaçu. A vida no interior do maranhão, na região de cocais, foi dilatando-se no<br />

decorrer das gravidades dos conflitos agrários e pela posse de um pedaço de chão para<br />

plantar e criar a sua vida.<br />

Diante deste cataclismo, várias famílias migraram para outras regiões do<br />

estado do Maranhão, e muitas delas adentraram no território do município de<br />

Imperatriz, nas décadas de 40, 50 e 60 da nossa história. Famílias essas que além de<br />

trazer as suas culturas e formas de ver o mundo; como também passaram alterar a sua<br />

aprendizagem no trato com a cultura im<strong>ate</strong>rial de seus antepassados. Á exemplo disso,<br />

as mulheres quebradeiras de coco babaçu da região tocantina e em especial do<br />

município de Imperatriz, a segunda maior cidade do estado, passaram a exercer essa<br />

215 No seu uso mais recente, o “gênero” parece ter aparecido primeiro entre as feministas americanas que<br />

queriam insistir no caráter fundamentalmente social das distinções baseadas pelo sexo. Gênero: uma<br />

c<strong>ate</strong>goria útil para análise histórica, Joan Scott. 1989<br />

1665


tradição de suas antecessoras nesta região que hoje é; a zona rural da cidade de<br />

Imperatriz.<br />

As mesmas, com as suas histórias de vida, passaram a contribuir com a<br />

formação de sua identidade como mulher camponesa quebradeira de coco babaçu e a<br />

constituição do patrimônio im<strong>ate</strong>rial nesta região do estado do maranhão. Falar de<br />

mulheres que quebram o coco babaçu, é falar de uma identidade que nasceu em torno da<br />

palmeira. Formando um patrimônio im<strong>ate</strong>rial, vivido através da consciência e das<br />

práticas sociais dessas mulheres que vivem desta atividade.<br />

A sua identidade ganha mais relevância com os babaçuais. A palmeira e o<br />

sujeito social exercem um diálogo, onde ambos estão marcados ou fincados pelo uso<br />

das formas particulares deste território im<strong>ate</strong>rial das quebradeiras de coco babaçu. Em<br />

outras palavras, a sua identidade de mulher camponesa quebradeira de coco, é<br />

simbolizada com a preservação dos bosques de babaçuais no Maranhão e em especial<br />

no município de Imperatriz – um espaço social que foi frutificando no decorrer dos anos<br />

da história local; descrevendo que a relação do sujeito com os babaçuais, gera a<br />

constituição deste patrimônio im<strong>ate</strong>rial na cidade de Imperatriz. Onde a cultura,<br />

economia, culinária e linguagem e outros, se direciona em torno ou inserido no território<br />

im<strong>ate</strong>rial dos babaçuais através de suas personagens.<br />

Portanto, essas mulheres aprenderam a sua atividade com as suas mães e as<br />

suas avós – preparando as para enfrentar as dificuldades da vida de se lidar com as mais<br />

variadas formas de exclusão que a sociedade impõe a elas. Transformaram o seu<br />

aprendizado em um mecanismo de educação e conscientização de suas tradições orais<br />

transmitidas de mãe para filhas e netas, com a esperança de um mundo mais aceitável<br />

para aquelas, a qual a sociedade as chama de sexo frágil. As leis, questões jurídicas e<br />

outras observações, servem como mola propulsora para comb<strong>ate</strong>r as barreiras impostas<br />

a elas.<br />

Entendemos que é através da preservação dessas matas de babaçuais que o<br />

patrimônio im<strong>ate</strong>rial registrado nas suas histórias pessoais de vida e sua identidade pode<br />

ser guardado e preservado para as futuras gerações dessas famílias e outros interessados<br />

1666


em compreender a origem da quebra do coco babaçu na vida dessas personagens do<br />

interior do maranhão e em especial no interior do município de Imperatriz com o intuito<br />

de manter registrado esse conhecimento que foi aperfeiçoado ao longo dos anos. Aonde<br />

as quebradeiras de coco babaçu possui sim um valor histórico para a sociedade<br />

REFERENCIAS<br />

ANDRADE, Maristela de Paula. CONFLITOS AGRARIOS E MEMORIA DE<br />

MULHERES CAMPONESAS: estudos feministas. Florianópolis, maio-agosto de<br />

2007. UFMA-UFPA.<br />

BARBOSA, Viviane de Oliveira. MULHERES DO BABAÇU: gênero, m<strong>ate</strong>rnalismo<br />

e movimentos sociais no Maranhão. Universidade Federal Fluminense. 2013<br />

BARBOSA, Viviane de Oliveira. TRABALHO, CONFLITOS E IDENTIDADES<br />

NUMA TERRA DE BABAÇU. Campinas-SP, 2008.<br />

DIAS, Luciene de Oliveira. INTERSEÇÕES DE GÊNERO: mulheres quebradeiras<br />

de coco e a geração de vidas solidarias: IV seminário de trabalho e Gênero<br />

Protagonismo, ativismo, questões de gênero revisitadas. Universidade Federal do<br />

Goiás. 2012.<br />

FERNANDES, Bernardo Mançano. SOBRE TIPOLOGIA DE TERRITORIOS.<br />

UNESP-Presidente Prudente, 2008.<br />

JUNIOR, Miguel Etinger de Araújo; DMITRUK, Erika Juliana; Moura, Joao Carlos da<br />

Cunha. A LEI DO BABAÇU LIVRE: uma estratégia para a regulamentação e a<br />

proteção da atividade das quebradeiras de coco no Estado do Maranhão.<br />

Universidade Estadual de Londrina e Universidade Federal do Maranhão. 2014<br />

MORAES, Antônio Carlos Robert. IDEOLOGIAS GEOGRAFICAS. São Paulo:<br />

Annablume, 2005.<br />

PORRO, Noemi Miyasaka; MENASCHE, Renata; Neto, Joaquim Shiraishi. BABAÇU<br />

LIVRE E QUEIJO SERRANO: histórias de resistência à legalização da violação a<br />

conhecimentos tradicionais. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, jan/jun. 2014.<br />

1667


SCOTT, Joan. Gênero: uma c<strong>ate</strong>goria útil de análise. In: Revista Educação e<br />

Realidade. Porto Alegre: UFRGS, 1990.<br />

Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia. Serie: MOVIMENTOS SOCIAIS,<br />

IDENTIDADE COLETIVA E CONFLITOS. Fascículo 6. Quebradeiras de coco<br />

babaçu de Imperatriz, São Luís, 2005.<br />

Lei ordinária de nª 1.084/2003: dispõe sobre a proibição da derrubada de palmeiras de<br />

babaçu no Município de Imperatriz, Estado do Maranhão, e dá outras providencias.<br />

1668


MODELOS DE RECEPÇÃO MIDIÁTICA E EMMA WATSON:com a palavra, as<br />

feministas de São Luís – MA 216<br />

MODELS OF RECEPTION OF THE MEDIA COMMUNICATION AND<br />

EMMA WATSON: with the words, the feminists from São Luís - MA<br />

Amanda Bittencourt 217<br />

Paula Tavares 218<br />

Rakel de Castro 219<br />

Universidade CEUMA, São Luís- MA<br />

Eixo 3 – Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO: Este artigo trata-se de uma pesquisa em andamento onde o objeto de estudo<br />

são as integrantes dos movimentos feministas de São Luís do Maranhão. A pesquisa<br />

fundamenta-se em aplicações de questionários aos grupos de feministas e na análise da<br />

personagem de Harry Potter (Hermione Granger). Almeja-se, portanto, apurar como se<br />

dá a recepção e a comunicação midiática através da convergência entre a personagem<br />

Hermione e a sua intérprete Emma Watson e entender como uma representação pode<br />

contribuir para a construção do pensamento social no que se refere ao empoderamento<br />

216<br />

Este trabalho se trata de uma pesquisa em andamento, é uma segunda versão de uma<br />

primeira já publicada.<br />

217<br />

Estudante de Jornalismo - Universidade CEUMA. São Luís, Maranhão. 2º período. E-mail:<br />

amandabittencourt1999@gmail.com.<br />

218<br />

Estudante de Jornalismo - Universidade CEUMA. São Luís, Maranhão. 4º período. E-mail:<br />

paulalidiane16@gmail.com.<br />

219<br />

Orientadora do Trabalho. Doutora em Comunicação pela UFPE e pela UBI / Portugal. Docente<br />

dos Cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda da Universidade CEUMA. Coordenadora do<br />

GECIM (Grupo de Estudos em Comunicação e Interatividade Midiática). E-mail:<br />

rakeldecastro@gmail.com.<br />

1669


feminino. Este estudo também contará como fundamentação teórica de pesquisas<br />

realizadas no campo dos Estudos Culturais e de Gênero.<br />

Palavras-chave: Relação de Gênero; Feminismo; Recepção.<br />

ABSTRACT: This article is about an ongoing research where the object of study are the<br />

members of the feminist movements of São Luís do Maranhão. The research is based on<br />

questionnaire applications to groups of feminists and the analysis of the character of<br />

Harry Potter (Hermione Granger). Therefore, it is hoped to ascertain the reception and<br />

the media communication through the convergence between the character Hermione and<br />

its interpreter Emma Whatson and to understand how a representation can contribute to<br />

the construction of the social thought with respect to the feminine empowerment. This<br />

study will also count as theoretical basis of research carried out in the field of Cultural<br />

and Gender Studies.<br />

Keywords: Gender Relation; Feminism; Reception.<br />

INTRODUÇÃO<br />

O movimento feminista consolidou-se nos anos 80 com os Estudos<br />

Culturais (ZINANI, 2012). A partir desta época, a imagem das mulheres veio ganhando<br />

cada vez mais espaço na busca pela igualdade de gêneros, especialmente na cultura<br />

cinematográfica e na literatura. Segundo Ferreira (2014), no Brasil o feminismo<br />

propagou-se entre vários estados, apresentou-se por meio de representações e nuances<br />

sociais e políticas que propuseram ás mulheres liberdade e autonomia.<br />

O feminismo no Brasil tem nuances que reforçam sua diversidade,<br />

particularidades e correntes. Sua história está representada a partir das<br />

feministas que vivenciaram múltiplas práticas políticas traduzidas em ações e<br />

1670


mediações que favoreceram conquistas e impasses (FERREIRA, 2014,<br />

p.360).<br />

Ao refletir sobre os movimentos feministas no Brasil, passamos a<br />

compreender também suas representações em alguns estados, o estudo aqui refere-se ao<br />

feminismo no nordeste, mais especificamente no estado do Maranhão (MA). Pela falta<br />

de reconhecimento, por uma sociedade calada, imergiu no estado do Maranhão a<br />

necessidade de se construir pensamentos solidários, atitudes capazes de transformar e<br />

ultrapassar alguns bloqueios socioculturais.<br />

No Maranhão o movimento feminista nasce com o grupo de Mulheres da Ilha<br />

que se constituiu em julho de 1980 como um espaço de reflexão e<br />

aprofundamento das questões levantadas no Curso de Extensão Mulher na<br />

Sociedade Brasileira promovido pela Universidade Federal do Maranhão<br />

ministrado pela Profª Marisa Correa da UNICAMP (FERREIRA & ÁVILA,<br />

Etal., 2013, On-line)<br />

A fim de compreender um pouco sobre os movimentos de independência<br />

feminina no MA, Ferreira & Ávila, Etal., (2013, on-line) nos relata que “o feminismo no<br />

Maranhão nasce como um movimento social, não homogêneo que questiona a política,<br />

o poder, as relações patriarcais e discute teoricamente à mulher como sujeito na<br />

sociedade”. Vários grupos surgiram no estado na década de 80, dentre eles podemos<br />

destacar: Grupo de Mulheres 8 de Março, Grupo de Mulheres Mãe Andressa, Grupo de<br />

Mulheres do Ninho, dentre outros (FERREIRA, 2014).<br />

Para Ferreira, (2011):<br />

As ações desses grupos eram muitas delas contínuas como, por exemplo, as<br />

ações das Mulheres da Ilha, do Mãe Andressa, da União de Mulheres, porém<br />

alguns grupos tiveram vida curta pois nasceram em uma determinada<br />

situação e não conseguiram superar as dificuldades dos impasses e<br />

contradições da própria luta (FERREIRA, 2011, On-line).<br />

Atualmente no estado do Maranhão, existem aproximadamente 6 grupos<br />

voltados para o público feminino registrados no Mapa Coletivo de Mulheres (MAMU),<br />

são eles:,Shotokay- Centro de Ecologia do Ser, Coletivo Firminas, Oficina do Feminino,<br />

1671


NAFEM – Núcleo Artístico Feminista, Coletivo Fridas (que atualmente encontra-se<br />

parado). Existem também em São Luís- MA outros grupos como o Catirinas, GENÍ e<br />

Articulação Feminista de São Luís.<br />

Notadamente, a mulher vem conquistando seus espaços sociais, tendo<br />

representações políticas, literárias e cinematográficas. Desse modo, o presente estudo<br />

parte da seguinte problemática: como os meios de comunicação influenciam o<br />

imaginário feminista? O objetivo deste trabalho é, portanto, observar o sujeito feminino<br />

a partir dos estudos das relações de gênero que se cruza com a personagem Hermione<br />

Granger (Emma Watson), da saga Harry Potter.Procederemos à aplicação de um<br />

questionário como coleta de dados e análise de conteúdo desse questionário à feministas<br />

de São Luís- MA, sob a perspectiva dos Estudos Culturais. Participaram<br />

voluntariamente da pesquisa um total de 7 feministas, 3 sendo do Grupo Fridas, 1 do<br />

Geni, 1 do Articulação Feminista de São Luís e 2 do Catirinas. No artigo conterá um<br />

breve relato a respeito do que se tratam os Estudos de Recepção propostos por Stuart<br />

Hall, e uma análise do feminismo com base nas respostas dos grupos estudados. Esta<br />

reflexão é importante para compreender as novas práticas de consumo, para que se<br />

possa entender como a ficção pode auxiliar na construção do pensamento social e que<br />

uso as mulheres fazem das informações prestadas pelos meios comunicacionais em suas<br />

vidas.<br />

Hermione Granger e Emma Watson: a convergência da personagem da atriz para<br />

o feminismo<br />

A multiplicidade dos Estudos Culturais e as novas formas de conceituar<br />

cultura caracterizou o feminismo como um movimento cultural que visa à igualdade de<br />

gênero. “O feminismo organizou-se, como movimento, a partir da década de 60 do<br />

século XX, tendo se consolidado na década de 80, do mesmo século” (ZINANI, 2012,<br />

p. 146). Devido aos Estudos Culturais, a essas novas formas de cultura, o feminismo<br />

passou a ser visto como fonte propagadora de igualdade de gêneros, as mulheres<br />

passaram a ter mais visibilidade, tanto na política, literatura quanto cinematografia. A<br />

1672


mulher passa a atuar, encenar e dirigir filmes, além de reforçar e propagar seus direitos<br />

e conquistas através do audiovisual. Entendendo que os meios de comunicação reforçam<br />

as questões de gênero, a partir do momento em que a figura feminina passa a ter mais<br />

representatividade nos meios massivos, observaremos com base na série fílmicoliterária<br />

de Harry Potter ás questões de gênero que são em suma significativas para a<br />

formação da opinião social.<br />

Harry Potter é uma ficção criada por JK Rowling (1997)e conta a história de<br />

um jovem bruxo que luta contra um suposto lorde das trevas Voldemort. Para conseguir<br />

vencer suas batalhas, Harry Potter conta com a ajuda de alguns amigos, em especial a de<br />

Hermione Granger. Hermione, bruxa trouxa (denominação dada na ficção para filha de pais<br />

não bruxos), é um personagem sagaz e inteligente, faz a linha de menina independente, cheia de<br />

autonomia de si própria e luta sempre pelo que acredita ser justo, buscando realizar todos os<br />

seus objetivos. Hermione é, na maioria das vezes, construída como uma garota mandona e<br />

inconveniente ao tentar ocupar posições comumente tomadas por homens;<br />

O Coletivo Não Me Kahlo diz que:<br />

Quando uma mulher deseja ocupar uma função de liderança, portanto, ela<br />

enfrenta um duplo desafio. Se for feminina demais, ela será considerada fraca<br />

e inapta. [...] Se, por outro lado, ela exibir traços tradicionalmente<br />

valorizados nesses cargos, será considerada masculina e durona.<br />

(COLETIVO NÃO ME KAHLO, 2016)<br />

As mulheres, por serem rodeadas por heranças culturais machistas e<br />

conservadoras, sofrem um estigma de gênero, suas ações encontram-se “limitadas” por<br />

padrões construídos na sociedade. Nesta perspectiva, Hermione Granger se desvela uma<br />

personagem multifacetada, com fraquezas e qualidades. Isso a torna um personagem<br />

complexo enquanto figuras femininas geralmente são retratadas com base em<br />

preconceitos simplistas e rasos na mídia cinematográfica, como observa Costa:<br />

A baixa representação feminina nos filmes nos leva a pensar nas<br />

consequências danosas advindas da poderosa influência exercidas pelas<br />

imagens midiáticas na construção e perpetuação de preconceitos sociais<br />

contra as mulheres. [...] A mídia pode ter um impacto positivo na percepção<br />

1673


social, e que, através dos filmes, pode-se construir uma visão positiva do<br />

lugar da mulher na sociedade. (COSTA, 2016, p.47)<br />

Ao modificar a abordagem do personagem feminino na ficção, a percepção<br />

da mulher tanto no meio ficcional quanto na esfera social muda também. Hermione não<br />

é reduzida a uma simples c<strong>ate</strong>goria, é uma personagem desafiadora, o que abre espaço<br />

para que as personagens femininas comecem a ser retratadas por algo mais além dos<br />

papéis sociais que já estamos acostumados a assistir.<br />

Um dos pontos mais notáveis da saga é quando Hermione organiza e dá<br />

início a uma fundação que luta pela igualdade social de elfos e bruxos (ROWLING,<br />

2001, p.166). Aqui, há uma convergência entre a personagem e a sua intérprete, Emma<br />

Watson, que é frequentemente vista liderando campanhas na luta pela igualdade de<br />

gênero. O ativismo pela igualdade salta do meio ficcional para a vida real, reforçando o<br />

argumento de como representações midiáticas contribuem para a formação não só de<br />

caráter opinativo, mas também de percepção social. Por Hermione se mostrar uma<br />

feminista ao lutar por suas posições ao longo da saga e, Watson ter diretamente uma<br />

conexão pela luta de igualdade de gênero com a personagem, fãs da série tem uma visão<br />

do que se trata feminismo na prática, o que encerra qualquer desinformação sobre o<br />

assunto e o substitui pelo entendimento do movimento, como esclarece Watson:<br />

Se tem uma coisa que eu tenho certeza é que isso tem que parar. Para<br />

registro, feminismo, por definição é a crença de que homens e mulheres<br />

devem ter oportunidades e direitos iguais. É a teoria da igualdade política,<br />

econômica e social entre os sexos. (EMMA WATSON, 2014, online)<br />

Ainda que os dilemas que envolvem a questão pareçam longe de serem<br />

resolvidos, é importante evidenciar que a partir do momento em que se está assistindo a<br />

um filme ou lendo um livro cujas personagens femininas são imponderadas, tem-se uma<br />

produção de sentido que rompe as barreiras dos padrões culturais e abre portas para a<br />

igualdade de gênero. O público passa por um processo de recepção, onde o conteúdo<br />

absorvido vai resultar no surgimento de novos discursos e novas concepções sobre às<br />

questões de gênero.<br />

1674


Charles diz que:<br />

Estudar a recepção a partir de uma perspectiva de gênero implica conhecer<br />

como e por que a mulher se aproxima de diferentes meios de comunicação,<br />

em que contexto recebe suas mensagens e que uso faz delas em sua vida. Isto<br />

permite acentuar a interação dos meios com a realidade social e cultural das<br />

receptoras, conhecer seus gestos e preferências, assim como as razões que<br />

fazem com que elas se apropriem dos meios. (CHARLES, 1996, p. 43)<br />

Ao fazer uma representação fílmica e literária, os novos papéis adquiridos<br />

pela mulher passam a adentrar no cognitivo social, desta forma, as percepções sobre as<br />

questões de gênero vão sofrendo alterações, novos olhares e novas formas de pensar<br />

sobre o papel que a mulher exerce na sociedade vão surgindo.<br />

Comunicação, Recepção e produção de sentidos no público feminino<br />

Com o aprofundamento dos Estudos Culturais, a importância da cultura no<br />

cotidiano da sociedade se afirma, ela já não é mais vista de forma hierarquizada. Deste<br />

modo, [...] “não pode mais ser estudada como uma variável sem importância,<br />

dependente em relação ao que faz o mundo mover-se” (HALL, 1997, p. 23). A partir<br />

dos estudos de recepção feitos por Stuart Hall, é possível observar que os Estudos<br />

Culturais passam a ter uma conexão maior com a comunicação, cultura e os receptores.<br />

“Aqui se enfatizou essa orientação na análise dos meios de comunicação de massa – a<br />

recepção – porque a finalidade é refletir sobre a comunicação midiática como clivagem<br />

dentro do amplo aspecto proposto pelos Estudos Culturais” (ECOSTEGUY, 2015,<br />

p.167). Stuart Hall (1980), deb<strong>ate</strong> a ideia de que as mídias orientam a percepção do<br />

público para determinadas questões sociais. Ele (2003) aponta que há três possibilidades<br />

do receptor receber a informação, são elas: hegemônica (1) onde os meios de<br />

comunicação trabalham em prol da sustentação do posicionamento dominante, pois a<br />

mensagem é percebida pelo receptor, ela é decodificada de forma hegemônica. O<br />

receptor decodifica o conteúdo da mensagem de forma que os meios de comunicação<br />

pretendem que seja decodificado. Negociação (2)- uma recepção negociada é aquela<br />

1675


que os meios de comunicação apresentam a posição, mas ela se choca com os diferentes<br />

grupos sociais, ou seja, cada grupo age de forma diferente em relação à posição<br />

hegemônica.<br />

E por fim a e contra hegemônica (3)- nesta posição é possível observar que<br />

o receptor se opõe aquilo que a posição hegemônica apresenta. A contra hegemonia é<br />

considerada por Hall como “um dos momentos políticos mais significativos” (HALL,<br />

2003, p. 402). A posição de oposição, como assim também é conhecida, permite ao<br />

receptor aderir à mudanças sociais significativas, pois possuem discursos particulares. A<br />

compreensão da mensagem, a partir desse momento, passa a ser feita com base nos<br />

valores do sujeito, da sua interpretação.<br />

Metodologia<br />

O presente trabalho surgiu por meio das pesquisas no âmbito do Grupo de<br />

Estudos em Comunicação e Interatividade Midiática – GECIM / NUPECS da<br />

Universidade CEUMA. Parte de uma análise qualitativa de cunho exploratório e<br />

interpretativo. O texto da proposta é resultado de uma primeira etapa da construção de<br />

um projeto em que foram feitos levantamentos bibliográficos e aplicação de um<br />

questionário a grupos feministas de São Luís – MA, como instrumentos de coletas<br />

dados. Nesta primeira etapa, além de pesquisas em livros, <strong>artigos</strong> e monografias a<br />

respeito dos Estudos de Culturais, Recepção e Gênero, houve uma pesquisa em<br />

audiovisuais (foi analisado, para colaborar na contextualização dos estudos, um vídeo<br />

de Emma Watson, ativista e embaixadora da Boa Vontade), a fim de que se pudesse<br />

compreender melhor a convergência ocorrida entre a personagem Hermione Granger, da<br />

série fílmico-literária Harry Potter e a atriz Emma Watson, que dá vida a esta<br />

personagem no cinema. Tal análise foi fundamental para que se compreendessem os<br />

sentidos produzidos no universo feminista e a forma de recepção que as mulheres fazem<br />

dessas referências apresentadas nos meios de comunicação.<br />

1676


Em um segundo momento, necessitou-se da aplicação de um questionárioa<br />

integrantes de grupos feministas da cidade de São Luís - MA, participaram da pesquisa<br />

um total de 7 feministas, 3 sendo do Grupo Fridas, 1 do Geni, 1 do Articulação<br />

Feminista de São Luís e 2 do Catirinas. Escolheu-se aplicar um questionário a fim de<br />

compreender através dos diferentes grupos como as mulheres atuam na recepção dos<br />

meios. Objetivou-se aqui, não só coletar respostas, mas identificar como o assunto é<br />

percebido pelo entrevistado. A conversação foi prestada de modo padronizado, onde o<br />

questionado seguiu uma ordem cronológica que partiu da concepção do entendimento<br />

de Cultura a respostas mais problematizadas do que se refere aos estudos de gênero e<br />

recepção. O objetivo da entrevista é obter dos entrevistados respostas às mesmas<br />

perguntas, a fim de fazer uma análise comparativa ao assunto discutido ao longo do<br />

texto.<br />

Resultados e análises do questionário<br />

GRÁFICO 1<br />

29%<br />

14%<br />

14%<br />

43%<br />

GENI FRIDAS ARTICULAÇÃO FEMINISTA DE SÃO LUÍS CATIRINA<br />

Fonte: Grupos Feministas, 2017.<br />

Estudos culturais, o EU feminino e a sociedade<br />

Sabendo que os Estudos Culturais propõe um alargamento no conceito de<br />

cultura, pdemos compreender o feminismo como um instrumento de libertação para as<br />

1677


mulheres. Quando os Estudos Culturais trouxe o feminismo como um movimento<br />

cultural, ele acabou modificando papéis sociais pré-definidos desde o nascimento. Esses<br />

papéis servem para a manutenção de um sistema inerente a cada sociedade e norteia o<br />

comportamento de cada indivíduo. As normativas, através do feminismo, passam a ser<br />

modeladas fugindo dos padrões estruturais e partindo para novas formas de<br />

representação e construção do pensamento social. Assim, o feminismo surge para<br />

romper alguns conceitos limitados de socialização em relação ao binarismo homemmulher,<br />

tais conceitos são apresentados no gráfico a seguir:<br />

GRÁFICO 2<br />

Fonte: Grupos Feministas, 2017. Dados: 0- Resposta em branco; 1- Sim; 2- Não;<br />

1678


O gráfico 2, com base nas pesquisas realizadas a feministas nos mostra o<br />

quão a mulher tem conseguido mudar certos padrões sociais. A emancipação dos<br />

esteriótipos feministas é vista por este público como uma conquista derivada de um<br />

processo árduo na busca por direitos. As mulheres estão empoderadas pelo viés de<br />

gênero, pela cultura, pela política, pela sociedade. Para o público questionado, a mulher<br />

deve a cada dia mais ser autônoma e responsável por suas próprias escolhas. Através<br />

desta pesquisa, é possível compreender que o público feminino está cada dia mais ativo<br />

em sua participação social, a sobreposição de um sexo em relação ao outro está aos<br />

poucos sofrendo modificações, e a mulher em sua conquista por espaço torna-se,<br />

portanto, criativa e inovadora na busca por alternativas que lhe proporcionem o alcanço<br />

de direitos igualitários.<br />

Tendo conhecimento sobre os estudos de recepção propostos por Stuart<br />

Hall, é possível chegar à conclusão de que a comunicação possibilita ao receptor<br />

expressar seus pontos de vista. Com base nesse argumento apresentamos o gráfico 3,<br />

onde feministas posicionam-se em relação à percepção feminina e a recepção que elas<br />

fazem dos meios.<br />

1679


GRÁFICO 3<br />

Fonte: Grupos Feministas, 2017. Dados:<br />

1- 1- Absorvo e recebo o conteúdo sem exitar; 2- Absorvo, mas questiono e avalio;<br />

2- 1- Muito importante; 2- Importante, mas nem tanto; 2- Não<br />

3- tem a menor importância<br />

4- 1- Diretamente, sem bloqueios na formação do seu pensamento social; 2- Indiretamente, mas<br />

influenciam na sua percepção de mundo, pois os bloqueios sociais às vezes são uma barreira; 2-<br />

Não influenciam de jeito nenhum;<br />

5- 1- Por meio de representações femininas empoderadas, autônomas a ficção pode agir como<br />

grande influenciadora no público; 2- A ficção é grande influenciadora, mas existe uma<br />

negociação entre a sua mensagem e o público que a consome; 3- A ficção é capaz não de mudar<br />

o pensamento social, mas contribuir de forma significativa para essa mudança; 4-Todas as<br />

alternativas são viáveis;<br />

1680


O gráfico 3 nos possibilita observar que o processo de recepção participa do<br />

ato criativo do espectador, influencia e contribui para o seu senso crítico. Os grupos<br />

feministas analisados tem em mente que os públicos são vistos como produtores de<br />

sentido, capazes de propor resistência a determinadas questões políticas e sociais,<br />

utilizam da informação que recebem para lutar por seus direitos. Ao observar ás<br />

questões 4 e 5 do gráfico 3, podemos concluir que a recepção que as mulheres fazem<br />

dos meios é negociada, pois mesmo que tenhamos conhecimento sobre o que é<br />

feminismo, a realidade é que muitas mulheres ainda não são capazes de contestar o que<br />

os meios de comunicação lhes transmitem. Quando os meios comunicacionais põe uma<br />

mulher representada por um papel de destaque, haverá nesse contexto uma negociação,<br />

onde a revolução de gênero apresentada pelos meios se chocará com os fatores<br />

socioculturais. A recepção negociada se realiza a partir do momento em que o sentido<br />

da mensagem entra em negociação com os receptores, ou seja, os meios apresentam o<br />

seu posicionamento, no entanto, ele acaba se deparando com os vários grupos sociais.<br />

Nesse contexto, há uma mistura de elementos, um ponto de vista hegemônico se choca<br />

com diferentes opiniões. É o que acontece com os apreciadores da série Harry Potter, ao<br />

olharem Hermione Granger como uma jovem esperta, sábia e principalmente movida<br />

por seus próprios sonhos, não vão apenas absorver com facilidade o que a trama<br />

fílmico-literária lhes apresenta, o que haverá é uma negociação, uma resistência ainda<br />

que sutil ocasionada por padrões sociais preexistentes. No entanto, ainda que haja essa<br />

negociação, os meios são fortes influenciadores na construção do pensamento social,<br />

favorecendo, assim, o crescimento da liberdade e empoderamento feminino.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Cabe destacar que os estudos culturais contribuíram de forma significativa<br />

para a consolidação do feminismo como um movimento cultural. Quando neste trabalho<br />

se discorreu sobre o que seria cultura e feminismo, promoveu-se assim, um alargamento<br />

de pensamentos e discussões a respeito das novas práticas de cultura. Além dos Estudos<br />

1681


Culturais, trouxemos aqui também os Estudos de Recepção, que foram fatores<br />

fundamentais para entender a forma que os meios de comunicação influenciam o<br />

cognitivo feminino. Procurou-se abordar as representações que as mulheres apresentam<br />

através das narrativas fílmicas e literárias, e estudá-las na perspectiva da Recepção<br />

feminina sobre dadas representações.<br />

Com base nos dados colhidos na aplicação do questionário á feministas de<br />

São Luís e em algumas reflexões teóricas obtidas a respeito dos Estudos Culturais<br />

Recepção e Gênero, observou-se que os meios agem de forma negociada com os grupos<br />

sociais. Chegou-se, portanto, ao entendimento de que por mais que as mulheres estejam<br />

representadas em papéis de destaque, empoderada e autônomas, o fator sociocultural<br />

sempre será fundamental na construção do imaginário feminino, enquanto para algumas<br />

tal representatividade é uma forma de reforçar a liberdade de gênero e o direito de<br />

igualdade, para outras é nada mais nada menos que uma representação embasada apenas<br />

por fins lucrativos. No entanto, é importante enfatizar que a produção de sentidos<br />

também se dá através dos meios de comunicação, quando mulheres são postas a papéis<br />

de lideranças, os meios acabam possuindo através destas figuras um caráter modificador<br />

de pensamentos retrógrados.<br />

REFERÊNCIAS<br />

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Acesso em: 14. Nov. 2017.<br />

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#MeuAmigoSecreto: Feminismo além das redes/ [Coletivo Não Me Kalho]. -1. Ed-<br />

Rio de Janeiro: Edições de Janeiro, 2016.<br />

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1683


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Janeiro: Rocco, 2001.<br />

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19, p. 145-157, 2012.<br />

1684


O ANIMÊ NO BRASIL E A FORMAÇÃO DA TRIBO SOCIAL DOS OTAKU 220<br />

THE ANIME IN BRAZIL AND THE FORMATION OF THE OTAKU’S<br />

SOCIAL TRIBE<br />

Jefferson Saylon Lima de Sousa 221<br />

Bacharel em Comunicação Social – Rádio e TV (UFMA)<br />

Rosinete de Jesus Silva Ferreira 222<br />

Doutora em Psicologia Social (UERJ) e Mestre em Comunicação e Cultura (UFRJ)<br />

Professora do Departamento de Comunicação Social (UFMA)<br />

Universidade Federal do Maranhão<br />

Eixo 3 – Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO: O otaku é um consumidor ávido por novas experiências que envolvam seu<br />

objeto de culto: a indústria do manganime. Sua formação histórica e social vem do<br />

Japão, mas se enraizou pelo mundo através da globalização ao ponto de se destacar de<br />

forma ativa na rede de computadores e usarem-na como ferramenta de disseminação de<br />

suas ideologias e gostos. No Brasil, os otaku são definidos como aqueles que<br />

compartilham da mesma afinidade pela mídia de entretenimento proveniente do Japão a<br />

partir de um movimento de consumo e produção de conteúdos sobre o tema que se<br />

origina a partir das exibições de animês em TV aberta, e logo depois com à internet.<br />

220 Esse artigo é uma adaptação do capítulo <strong>II</strong> Cultura Pop, Mídia e o Otakuda monografia OTAKU NO<br />

RÁDIO: a relação produção-consumo nas Rádiosweb Otaku defendida pelo autor para a obtenção do<br />

grau de Bacharel em Comunicação Social – Rádio e TV pelo curso de Comunicação Social da<br />

Universidade Federal do Maranhão em 2016. O texto apresentado no artigo sofreu devida atualização<br />

sobre informações e referências bibliográficas.<br />

221 Pesquisador membro do Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação (NEEC) nalinha de<br />

Pesquisa em Estratégias Audiovisuais na Convergência (G-PEAC). Técnico Sonoplasta do Laboratório de<br />

Rádio da UFMA. E-mail: jeffersonsaylon@hotmail.com.<br />

222 Orientadora do artigo. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Estratégias em Comunicação (NEEC) e<br />

líder da linha de Pesquisa em Estratégias Audiovisuais na Convergência (G-PEAC). E-mail:<br />

roseferreira@uol.com.br.<br />

1685


Palavras-chave: Otaku. Internet. Cultura Pop. Produção. Consumo.<br />

ABSTACT:Otaku is anavid consumer for new experiences that involve its object of<br />

worship: the manganime industry. Its historical and social formation comes from Japan,<br />

but it rooted itself through the world globalization to the point of being actively stand<br />

out in the computer network and use it as a tool to dissemin<strong>ate</strong> its ideologies and tastes.<br />

In Brazil, the otaku are defined as those who share the same affinity for the<br />

entertainment media coming from Japan from consumption and production movement<br />

of content on the theme that’s origin<strong>ate</strong>s from the open TV shows, and soon then with<br />

the internet.<br />

Keywords: Otaku. Internet. Pop Culture. Production. Consumption.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

Em 2017, celebra-se, 100 anos da animação japonesa, que é definida por<br />

Nagado (2007), como um conteúdo de entretenimentoque sepopularizou entre os jovens<br />

e ganhou o mundo devido à sua versatilidade e estratégias de marketing. Essa<br />

popularização atingiu também o Brasil, devido à presença de imigrantes japoneses em<br />

nosso território. De acordo com o Itamaraty (2016), a maior concentração de japoneses<br />

e descendentes (nikkei) existentes fora do arquipélago nipônico se encontra no território<br />

brasileiro.<br />

Assim como italianos, alemães, holandeses, poloneses e demais imigrantes<br />

do século XX, os japoneses que vieram atrás de oportunidade de trabalho — e em fuga<br />

dos males da guerra — trouxeram sua cultura e a mesclaram no cotidiano nacional.<br />

1686


Sandra Monte (2010, p.74) afirma: “(...) o Brasil tem a maior colônia nipônica do<br />

mundo, e isso também contribui para o avanço da cultura pop japonesa”.<br />

Sato (2007) comenta que nenhum povo foi tão marcado pela influência<br />

externa de outra cultura na sua evolução dentro do século XX, quanto os japoneses. Eles<br />

foram isolados após a derrota na Segunda Guerra Mundial, com as catástrofes de<br />

Hiroshima e Nagasaki. Essa tragédia pode ser entendida como uma feridaque fez a<br />

nação se afastar por vários anos ao caráter influenciador dos demais povos do Pacífico e<br />

do resto do mundo. Para se reerguerperante o mundo, o Japão se utilizou detodas as<br />

possibilidades vivenciadas, sem abandonar suas características culturais e ancestrais<br />

alcançando em tempo recorde,o status de uma grande potência global (SATO, 2007).<br />

Diante de tanta resistência, o Japão, se reorganizou e emergiu como um<br />

grupo social, que passou a se diferenciar pelo consumo. Esse mesmo grupo soube usar<br />

as mídiaspara a construção de uma nova sociedade e se reafirmar enquanto nação<br />

independente, que carrega o estigma de pertencer ao ambiente virtual mesmo antes da<br />

popularização da internet. Um povo que se espalhou em busca de trabalho e conquistou<br />

adeptos em diversas culturas, nações e regiões.<br />

Podemos dizer que os vários nichos criados pelo povo japonês originaram<br />

segmentos diferenciados, como exemplo pode-se citar: o universo Geek, J-pop 223 ,<br />

cosplay, mangás, animês e outros segmentos onde nerds e seus fandom se misturam em<br />

busca de uma identificação social frente ao conteúdo midiático produzido pela Indústria<br />

Cultural e fazem artimanhas das mais variadas para atribuir um valor maior do que o do<br />

consumo pelo consumo.Esses nichos aumentaram significativamente de forma tão<br />

estruturada que o jornalista japonês Akio Nakamori em um artigo publicado na revista<br />

Manga Burikko 224 em 1983 denominou todos aqueles que gostam de cultura japonesa<br />

223 Música Pop Japonesa, o termo foi popularizado nos anos 1980 pela rádio J-Wave como sinônimo para<br />

o New Music – estilo musical nascido no ocidente –. Nos dias atuais o J-Pop se refere a todos os gêneros<br />

e estilos da música japonesa comercializada como hit (SATO, 2007)<br />

224 Revista japonesa especializada em publicação de mangás hentai (erótico/pornográfico) e resenhas<br />

críticas com publicações entre 1982 e 1985.<br />

1687


(em especial mangás, animês e games) por um termo que assume um caráter midiático,<br />

preconizado nas palavras do crítico como: os otaku.<br />

No estudo em questãosão os otaku a tribo social que a ser analisada. Cheia<br />

de subdivisões — ao mesmo tempo em que é aglutinadora é seletiva — a sociedade<br />

formada pelos otaku se fortalece por meio do uso da rede de computadores e se destaca<br />

pelas possibilidades de uso que a internet ganha em suas mãos.<br />

Os imigrantes japoneses vindos para o Brasil desenvolveram uma prática de<br />

manutenção da cultura que se articulava entre o consumo de mídia de entretenimento<br />

produzida para a TV e o Cinema japonês. Através dessas mídias o país passou a<br />

conhecer o animê e o tokusatsu, formatos midiáticos que acabaram ganhando o apelo<br />

nacional graças a sua multiplicidade de temas abordados juntamente com o<br />

enaltecimento dos valores e tradições sociais e/ou ideológicas do Japão moderno. Desse<br />

processo surge o otaku brasileiro, fã que se aperfeiçoa nas práticas de consumo e<br />

produção que se fixam em torno da mídia de entretenimento vinda do outro lado do<br />

mundo, em especial a indústria dos animês (ou manganime 225 ).<br />

Os otaku se organizam em meio a uma estrutura de relações que envolvem<br />

fandom e a mídia, e também entre a troca de experiência entre si para tornar sua<br />

atividade-fã um verdadeiro patrimônio cultural pós-moderno. Tais fãs se constituem,<br />

por sua vez, em um conjunto de pessoas que se organizam a partir de gostos e<br />

particularidades muito comuns, contudo o campo midiático tem um papel significativo<br />

nas formações desses grupos. Neste sentido, propormos refletir na relação mídia e<br />

cultura e nos fatores preponderantes que contribuem para a formação da cultura de<br />

nicho, de modo especifico a Cultura Otaku.<br />

Dentro dessa perspectiva trabalha-se com os conceitos de Cultura Pop<br />

(SATO, 2007), Cultura Participativa (JENKINS, 2009), Animê (MONTE, 2010) e<br />

225 Termo utilizado pelo pesquisador Manuel Hernandez Pérez em seu livro Manga, animes y videojuegos:<br />

narrativa cross-media japonesa (2017) para definir a indústria de entretenimento japonês que orbita em<br />

torno das produções de mangás, animês e derivados para consumo nacional e internacional. Segundo ele,<br />

se chama manganime por justamente se valer dos dois principais produtos deste mercado os mangás<br />

[quadrinhos japoneses] e os animês [desenhos animados] como representantes de estratégias de<br />

marketing.<br />

1688


Otaku (BARRAL, 2000) a fim de dar o devido suporte no levantamento de dados e<br />

compreensão da formação da tribo social em destaque.<br />

Passando pelas primeiras exibições na TV aberta até o fenômeno midiático<br />

da extinta Rede Manchete nos anos 1990, além do fenômeno das revistas especializadas<br />

e fanzines que migram do cenário do impresso para o virtual (internet), a disseminação<br />

dos animês reverbera diretamente na forma como a tribo social se organiza e desenvolve<br />

seus primeiros métodos de consumo de informações. Esse consumo extrapola a<br />

narrativa presente nas animações para se apropriar das situações e construções da<br />

cultura e do estilo de vida do jovem japonês moderno até a formação de estruturas<br />

delimitadas de perfis e atuações do otaku brasileiro dentro do fandom.<br />

Tal movimento chama tanto a <strong>ate</strong>nção que desperta o interesse de conhecer<br />

como surgiu em fenômeno denominado de Cultura Otaku. Para tanto este artigo busca<br />

apresentar um panorama do caminho percorrido pelo otaku até os dias de hoje onde o<br />

uso da internet lhes é encarado como meio de dar continuidade ao seu nicho e alcançar<br />

novos públicos fora da Ásia e chegar às Américas, com destaque para o Brasil.<br />

2. A Cultura Otaku<br />

Termo japonês que se popularizou no final do século XX, a palavra otaku<br />

tem uma origem indefinida sendo utilizada desde designação como pronome de<br />

tratamento aos moradores de pequenas vilas à adjetivação dos aficionados em um tipo<br />

específico de interesse (coleções, bandas musicais, insetos). O verbete tornou-se o<br />

referencial mundial para designar uma tribo social que se interessa e compartilha a<br />

produção midiática oriunda do Japão (GUSHIKEN e HIRATA, 2014).<br />

Em linhas gerais, no Brasil e no resto do mundo, otaku é aquele que curte<br />

animês, mangás, games e a J-Music 226 . Indo além de uma simples relação de consumo,<br />

esse indivíduo tem também o interesse de compartilhar os produtos japoneses com<br />

outros que assim como ele também são otaku. A grande variedade de temas de interesse<br />

226 (Japanese Music, literalmente música japonesa) é o termo usado para designar a indústria fonográfica<br />

do Japão. Incluí todos os gêneros musicais modernos e tradicionais como o Enka, J-Pop, J-Rock,<br />

Wagakki etc.<br />

1689


ligada à Cultura Pop Japonesa e as pessoas que interagem entre si e com essas mídias<br />

pode-se denominar de Cultura Otaku. Isso porque no Japão, país de origem do termo,<br />

não é só assim que se encara a designação de um otaku.<br />

Lembramos aqui que os excessos da sociedade de consumo são uma das três<br />

principais razões concorrentes para o surgimento dos otaku no Japão. Os<br />

jovens otaku, imersos nessa sociedade de consumo que lhes vende sonho em<br />

kit, são os primeiros clientes (ou as primeiras vítimas) do consumismo<br />

enlouquecido que rege a sociedade japonesa. (BARRAL, 2000, p.134)<br />

Étienne Barral, jornalista e japanólogo francês, é o principal referencial para<br />

a compreensão do otaku, e, por conseguinte, sua cultura. Em sua obra Otaku: Filhos do<br />

Virtual (2000) ele investiga por meio de uma reportagem o comportamento dos jovens<br />

japoneses que não se deixam dominar pela mensagem de unidade social promovida pela<br />

mídia nipônica e em um movimento contrastante toma para si os elementos (produtos)<br />

criados por essa mesma mídia e os assume como formas de escape da pressão social<br />

imposta erguendo para si ídolos referenciais culturais próprios. Tudo isso por meio de<br />

uma rede de conexões que se potencializa na Internet.<br />

São jovens que, no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990,são<br />

apresentados na crônica de Akio Nakamori. Multidões que se reúnem para deb<strong>ate</strong>r e<br />

promover seus interesses pessoais em caráter coletivo. O importante é que tudo siga<br />

uma lógica que não pode ser compreendida por quem não faz parte da tribo. Uma<br />

resposta direta ao que faz a sociedade japonesa com aqueles que não se adequam a suas<br />

normas de vida em grupo.<br />

O otaku é apenas um adolescente hesitante entre a infância e a idade adulta. É<br />

um ser que se adapta à paisagem da revolução do software e a fantástica<br />

aceleração das mutações da era pós-industrial. Perito em altas tecnologias, ele<br />

inventa, testa, compila e, muitas vezes, dá as chaves que permitem<br />

compreender em que sociedade vivemos. Aparentemente passivo, ele é, de<br />

fato, a expressão de uma crítica notável de nossa sociedade e uma espantosa<br />

maneira de se adaptar aos famosos ritos “nômades”. (BARRAL, 2000, p.13)<br />

O termo está nitidamente ligado à ideia de consumo midiático:<br />

1690


De maneira geral, além do afeto incondicional, aquele que comumente é<br />

denominado como otaku conhece intimamente aquele produto, seja ele um<br />

astro, uma personagem ou narrativa, e, sobretudo, consome seus derivados:<br />

animes, mangás, livros sobre mitologias, filmes, bottons, toucas, bonés,<br />

camisetas, mochilas, máscaras, cards, coleções de DVDs, pulseiras, anéis, às<br />

vezes até reproduz as roupas de seus personagens preferidos, seus acessórios,<br />

e também suas características psicológicas e gestos como é o caso de<br />

expressões como o cosplay. (URBANO, 2013, p.03)<br />

Mesmo assim, erguendo esse estandarte de diferenciação em relação aos<br />

demais membros da comunidade em que estão inseridos, os otaku nada mais são do que<br />

um subproduto de algo criado e popularizado pela Mídia: a Cultura Pop.<br />

Fenômeno recente e conceito criado no século XX, a cultura pop é um pouco<br />

diferente da cultura popular, também chamada de folclore [...] A diferença<br />

básica entre cultura pop e folclore está no uso da mídia na criação e<br />

divulgação de novos ícones e novos contos. Trata-se do impacto da<br />

industrialização e da massificação na geração de referências que se tornam<br />

comuns a um povo [...] Em função de ser um fenômeno ligado à<br />

industrialização, quantidade ao invés de qualidade acaba sendo um elemento<br />

característico do pop. Isto não quer dizer que todo e qualquer “enlatado”<br />

cultural é automaticamente classificado como cultura pop. O que se observa<br />

nos países industrializados que produzem pop na música, no cinema, na tevê<br />

e na mídia impressa, é que todos os anos há dezenas de artistas e títulos<br />

lançados em seus respectivos mercados, para que haja um tipo de seleção<br />

natural pelo consumo do público que visam. Trata-se de uma seleção via de<br />

regra frustrante, pois entre centenas de indivíduos, grupos e produtos,<br />

pouquíssimos se destacarão, enquanto, o resto cairá em ostracismo. (SATO,<br />

2007, p.12)<br />

No caso específico do otaku isto está relacionado ao fenômeno denominado<br />

de Cultura Pop Japonesa, que nada mais é que a forma como japoneses e estrangeiros<br />

encaram a mídia e sua receptividade no cenário nipônico e fora dele. Assim, é JAPOP<br />

(termo usado para definir a Cultura Pop Japonesa) o consumo midiático de animês e<br />

mangás (que são uma indústria em solo japonês) e que assume um valor de identidade<br />

entre seu público, pois se torna mais do que o simples ato de consumir no momento em<br />

que a tribo social se une para o deb<strong>ate</strong> e promoção dos significados presentes nas obras.<br />

O que explica o surgimento do fanzine, fan fiction, cosplay e dos fóruns etc.<br />

1691


Ao desviarem a mensagem inicial das mídias, confundindo os objetivos da<br />

sociedade de consumo que utiliza as mídias para seduzi-los, os otaku<br />

mostram, inconscientemente, que não são fantoches [...] o verdadeiro otaku é<br />

aquele que é capaz de enxergar o objeto de sua paixão por todos os ângulos<br />

possíveis. Ao assistir um desenho animado, não basta abandonar-se a uma<br />

leitura passiva, mas também é preciso procurar decifrar, por trás da imagem,<br />

a verdadeira significação da obra. (BARRAL, 2007, p.210 e p.221)<br />

Sendo assim, o que é então a Cultura Otaku? A Cultura Otaku é a forma<br />

como a mídia japonesa (ou a Cultura Pop Japonesa) intervém na formação de uma tribo<br />

social de característica e interesses que se movem por uma indústria, mas não<br />

necessariamente pelo simples ato de consumi-la. Há uma aquisição do patrimônio<br />

afetivo e intelectual promovido por meio de uma grande comunidade virtual baseada no<br />

ideário da Cibercultura.<br />

[...] as assim chamadas ‘comunidades virtuais’ realizam de fato uma<br />

verdadeira atualização (no sentido da criação de um contato efetivo) de<br />

grupos humanos que eram apenas potenciais antes do surgimento da<br />

cibercultura (...) A cibercultura é a expressão da aspiração de construção de<br />

um laço social, que não seria fundado nem sobre links territoriais, nem sobre<br />

relações institucionais, nem sobre as relações de poder, mas sobre a reunião<br />

em torno de centros de interesses comuns, sobre o jogo, sobre o<br />

compartilhamento do saber, sobre a aprendizagem cooperativa, sobre<br />

processos abertos de colaboração. (LÉVY, 1999, p.132)<br />

O certo é que esses jovens, fãs e dedicados promovedores de uma cultura<br />

em torno de produtos e ídolos midiáticos viram na web uma facilitadora para<br />

amplificação de seu campo de atuação.<br />

É, aliás, sintomático que sejam seu meio privilegiado de comunicação as<br />

mensagens das redes eletrônicas e a Internet [...] A constituição dessas redes<br />

leva à criação de uma verdadeira cultura underground, com suas referências,<br />

seus pontos de encontro, sua legenda, sua linguagem. (BARRAL, 2007,<br />

p.22).<br />

Os otaku mostraram ser, para o mundo, um grupo de usuários da rede que<br />

dominam, ou ao menos almejam fazê-lo, com perfeição o ciberespaço. Isto porque,<br />

como nos explica Jenkins (2009, p.51): “O público, que ganhou poder com as novas<br />

1692


tecnologias, que está ocupando um espaço na intersecção entre os velhos e os novos<br />

meios de comunicação, está exigindo o direito de participar intimamente da cultura”.<br />

Então é a Cultura Otaku o reflexo dessa busca pelo espaço de consumo e<br />

produção através da mídia, e através da rede. É o conceito aglutinador de todas as<br />

vertentes do que se pode esperar do otaku quanto a sua construção social. Cabe destacar<br />

que isso deve ser considerado em um contexto para além da sociedade japonesa, aonde<br />

ser otaku ainda é encarado como um tabu (OTAKU NO VIDEO, 1991). Ele se encaixa<br />

em um grupo de adeptos presentes no restante do mundo quer seja nos Tigres Asiáticos,<br />

na Europa, nos Estados Unidos, na América Latina e, é claro, no Brasil.<br />

3. A Cultura Otaku e o Brasil<br />

Como já se sabe o Brasil, dentre todas as outras nações,é aquela que possui<br />

um vínculo afetivo mais próximo com o Japão (MONTE, 2010). Embora sejam<br />

sociedades com ritos, política e relações sociais distintas, ambas souberam se comunicar<br />

entre si. A fama de país acolhedor trouxe o imigrante nipônico, que se estabeleceu e<br />

inseriu seu modelo de vida na rotina de produção nacional. E isso repercutiu também na<br />

cultura e na mídia.<br />

Vale lembrar que embora o Brasil tenha tido esse laço de proximidade com<br />

Japão, foram os Estados Unidos (muito devido ao seu período de ocupação do território<br />

japonês no Pós-Segunda Guerra) que tratou de apresentar esse caráter midiático<br />

florescente do Japão para o mundo através de um produto marcante para toda uma<br />

geração no fim do século XX: os animês.<br />

Nos anos 90 os animês, como assim são genericamente chamadas as<br />

animações japonesas, cativaram tanto no Japão como no exterior hordas de<br />

fãs organizados e devotados com estética própria e diferente de tudo que até<br />

então se produzia na animação ocidental, os desenhos japoneses possuem<br />

tramas de alta dramaticidade que se por um lado confundia ou até mesmo<br />

chocava a geração de pais, por outro lado foram apreciados pelos filhos, a<br />

ponto de muitos terem se tornado alucinados otakus. (SATO, 2007, p.22)<br />

1693


É preciso esclarecer antes que o animê é o referencial oriental ao cartoon<br />

estadunidense. Hoje uma indústria fortemente solidificada, a animação japonesa<br />

começou seus trabalhos por volta de 1917 inicialmente no cinema e em seguida na TV.<br />

Primeiro, de caráter social, eram tramas que retratavam o cotidiano e o imaginário<br />

japonês em curtas e longas-metragens feitos inicialmente em película até chegar ao<br />

vídeo. (NAGADO, 2017). Contudo somente nos anos 1960 que o Brasil teve seu<br />

primeiro contato com o universo da animação oriental. Em sua obra A Presença do<br />

Animê na TV Brasileira (2010) Sandra Monte registra o dia, hora, ano e emissora que<br />

proporcionou o primeiro contato desse tipo de conteúdo em solo e mídia nacional:<br />

No guia de programação de TV de O Estado de São Paulo, temos o relato do<br />

que foi o primeiro anime exibido sozinho, fora de quaisquer sessões<br />

animadas da época. Trata-se de O Oitavo Homem, em 24 de setembro de<br />

1968, às 18h. A emissora foi à rede Globo. (MONTE, 2010, p.44)<br />

Esse foi o pontapé inicial para a vinda dos produtos e mercados midiáticos<br />

japoneses ao Brasil. Até meados dos anos 1980 diversos animês foram exibidos em rede<br />

nacional com destaques como Speed Racer (exibido na mesma faixa de programação<br />

ainda em 1968 com o título inicial de Capitão Meteoro), além de National Kid e<br />

Ultraman, produções que marcaram o vínculo dos brasileiros com outro segmento<br />

midiático japonês: os tokusatsus 227 . (MONTE, 2010) Mesmo depois de anos o ato de<br />

consumir animês e outros elementos da mídia japonesa só mudou para muitos<br />

brasileiros em um de seus períodos históricos mais significativos: os anos 1990.<br />

Tudo muda em 01 de setembro de 1994 — data que para muitos otaku no<br />

Brasil é considerada histórica — quando, em crise e após um acordo comercial com a<br />

Samtoy (empresa responsável pelo licenciamento de produtos da Bandai Namco,<br />

gigante japonesa do mercado de entretenimento), a extinta Rede Manchete, seguindo os<br />

227 Refere-se a um gênero de TV oriundo no Japão. Tokusatsu, que quer dizer “efeitos especiais” é uma<br />

denominação genérica para produções audiovisuais seriadas e de cinema que esbanjam no uso de técnicas<br />

de efeitos visuais, pirotecnia e estão ligadas as narrativas de heróis, monstros gigantes etc. (SATO, 2007,<br />

pp.315-321)<br />

1694


passos já conhecidos pelos telespectadores, exibiu às 18h, em sua grade de programação<br />

semanal, a animação que definitivamente rompeu o caráter exótico das produções<br />

japonesas na TV brasileira e assumiu o papel de grande difusora da cultura pop oriental<br />

para a grande mídia. Trata-se de Saint Seiya, por aqui e em todo o Ocidente, conhecida<br />

como Os Cavaleiros do Zodíaco (CDZ - A FORÇA DO PÉGASO NO BRASIL, 2013).<br />

É a partir da exibição de CDZ (como os fãs se referem à obra) que o<br />

mercado japonês de mídia conquista um universo de fãs e consumidores no Brasil.<br />

B<strong>ate</strong>ndo, em termos de audiência, a já consolidada Rede Globo e dando à Rede<br />

Manchete — que anos depois viria à falência — o brilhantismo de ficar marcada na<br />

história de muitas crianças e adolescentes da época pelo boom de animês e tokusatsus<br />

exibidos em toda a sua grade. Com toda a série exibida e reprisada em diversos<br />

horários, a venda de bonecos, <strong>artigos</strong> de coleção, filmes no cinema e um álbum musical<br />

exclusivo, Os Cavaleiros do Zodíaco se tornaram algo além da animação em nosso país<br />

sendo motivo de estrelar capas de revistas e jornais graças ao seu desempenho não só na<br />

telinha, mas na formação de uma base de fãs e na participação econômica do Brasil,<br />

como afirma Sandra Monte (2010, p. 73): “A importância dos animês para a sociedade<br />

brasileira é praticamente incontestável. O grande sucesso de Cavaleiros do Zodíaco<br />

beneficiou não somente o comércio, mas também a disseminação da cultura pop<br />

japonesa”.<br />

Agora, diferente dos anos 1960, 1970 e 1980, as mídias japonesas de<br />

entretenimento apresentavam ao telespectador um novo mercado de consumo, exótico,<br />

mas em nada estranho, já que entre esses consumidores existiam descendentes de<br />

japoneses. Isso contribuiu para a formação de um grupo social que passou a se<br />

interessar de forma mais ativa por este cenário midiático e viu nele um novo lugar de<br />

identificação.<br />

Assim, quando a animação japonesa e posteriormente a aceitação da cultura<br />

pop japonesa se firmaram no Brasil, no início dos anos 2000, as grandes<br />

culturas de massa já não tinham mais a força de décadas anteriores.<br />

(MONTE, 2010, p.76)<br />

1695


A este consumidor local de animação japonesa denominamos de otaku<br />

brasileiro. Até o fim dos anos 1990 e o início do século XXI a presença da animação<br />

oriental na TV brasileira foi ficando cada vez maior. O público então passou a associar<br />

o estilo e a cultura apresentada por essas produções aos seus gostos pessoais. O que<br />

vinha do Japão passou a ser visto como novidade e ótimo produto para se consumir.<br />

(URBANO, 2013)<br />

A mídia também procurou conhecer esse novo grupo social que se formava<br />

no Brasil. Desde a febre de CDZ na Rede Manchete, revistas especializadas em<br />

conteúdo voltado sobre animês, mangás, tokusatsus e Cultura Pop Japonesa em geral<br />

começaram a ser publicadas. Revistas como Herói 228 , Animax 229 e NeoTokyo 230 —<br />

algumas nem sendo publicadas mais — levaram mais conteúdo para os aficionados por<br />

esse novo produto que alcançava os lares brasileiros. E, diferentemente do que acontecia<br />

no mercado editorial elas não tinham distinções de gênero. Assim, meninos e meninas<br />

eram o alvo. (LUYTEN, 2003; CARLOS, 2013).<br />

Atualmente no Brasil, a palavra "otaku" é a forma mais comum de<br />

denominação de fãs de cultura pop japonesa, já que esta palavra adquiriu<br />

outro sentido no ocidente [...] por conta das revistas especializadas, o termo<br />

se espalhou rapidamente entre os fãs como sinônimo de colecionador de<br />

mangás e animês. Hoje é comum os meios de comunicação utilizarem a<br />

palavra otaku. (MACHADO, 2009, p.01)<br />

Com o advento da Internet, que proporcionou a esses otaku consumir ainda<br />

mais produtos, os membros desse fandomnão estavam mais “presos” à mídia e ao<br />

comércio nacional e passaram a se mobilizar através da rede e foram direto na fonte – a<br />

indústria japonesa de entretenimento – atrás de novos conteúdos. Surgem aqui os<br />

228 foi uma revista brasileira, criada em 1994 pela Conrad Editora (na época conhecida como Acme e<br />

publicada em parceira com a Nova Sampa, quando da exibição no Brasil do animês Os Cavaleiros do<br />

Zodíaco.<br />

229 uma revista sobre animês e mangás publicada no Brasil na década de 1990 pela editora Magnum<br />

(editora conhecida por publicar revistas especializadas em armas de fogo).<br />

230 é uma revista informativa mensal, dedicada a animê, mangá e cultura pop japonesa, produzida pelo<br />

estúdio Criativo Mercado Editorial e publicada pela Editora Escala. Desde fevereiro de 2015 a Neo<br />

Tokyo ficou sendo a única revista sobre animê e mangá nas bancas brasileiras.<br />

1696


fóruns, os fansubs 231 escanlators 232 (CARLOS, 2009). Formou-se uma nova<br />

configuração de consumo e produção da mídia japonesa não só no Brasil, mas no<br />

Ocidente de modo geral: uma configuração moldada à figura de um otaku que não<br />

apenas interage com os animês e derivados, mas a partir deles cria novos espaços de<br />

socialização entre os seus pares.<br />

4. O Otaku e a Internet<br />

No mundo inteiro a Internet se apresentou com uma mídia universalizadora<br />

e aberta às novas discussões. Aqueles que até então se sentiam “abandonados” pela<br />

grande mídia viram no ambiente virtual o espaço ideal para a construção de um “reino”<br />

onde se pudessem abordar interesses e compartilhá-los com afins sem sentir-se diferente<br />

ou isolado. Os primeiros a serem modificados com essas novas possibilidades são os<br />

produtos, que perdem o caráter de objeto final e assumem o valor de objeto a ser<br />

moldado, pois graças à interação entre os usuários da rede se possibilita a ramificação<br />

de seu conteúdo. Para Jenkins (2009, p.183): “A web tem se tornado um local de<br />

participação do consumidor”. É nessa participação que os otaku se baseiam para a<br />

construção de um novo modelo social de consumo e produção entre si.<br />

O otaku, como aqui já foi apresentado, é a representação máxima de um<br />

legítimo fã pertencente ao fandom dos amantes da mídia de entretenimento oriental, em<br />

particular a animação japonesa. Isso vale tanto para o Brasil como o restante do mundo<br />

(URBANO, 2013). Foi na internet onde esse fandom encontrou uma das formas mais<br />

eficazes de se manter e desenvolver. Desconsiderando a ideia de limites territoriais a<br />

rede tornou-os capazes de reunir o pensamento e o compartilhamento de dados e<br />

opiniões sobre a série de TV predileta com outros ao redor. Depender das redes de<br />

televisão não é mais preciso, pois há membros no fandom que são especialistas em<br />

conseguir o m<strong>ate</strong>rial audiovisual exibido na mídia japonesa e disponibilizá-lo, com<br />

231 é a produção de um programa audiovisual estrangeiro traduzida e legendada por fãs.<br />

232 é uma tradução de uma história em quadrinhos (HQ ou mangá) para outra língua, feita por fãs<br />

utilizando uma versão escaneada das páginas da revista, na qual as falas originais são substituídas pelas<br />

suas versões traduzidas.<br />

1697


legendas, a partir de sites e redes sociais para os demais fãs ávidos por novidades<br />

(SCÜLER-COSTA, 2011).<br />

Tais atitudes só foram possíveis porque o ato de consumir animês e mangás<br />

por via oficial promovida pela grande mídia no Brasil se tornou insuficiente e incipiente<br />

para o constante número de fãs que surgia com o passar do tempo. É na internet onde<br />

essa relação entre consumo e produção pôde ser melhor aproveitado e, dentro do<br />

fandom, ganhou novas formas de atuação. Não era mais só o legendar de episódios de<br />

um animê em lançamento (fansub) ou o processo de scanlationde um capítulo de mangá<br />

publicado no Japão. Os otaku viram-se possibilitados em difundir mais e mais suas<br />

atuações dentro do grupo social.<br />

Uma comunidade de fãs pode realizar diversas apropriações das novas<br />

tecnologias de informação e comunicação, notadamente da Internet, desde a<br />

transferência de todas as suas atividades para o ciberespaço até o<br />

estabelecimento de um diálogo entre a interação presencial e aquela mediada<br />

pelas NTIC’s. (MONTEIRO, 2007, p.116)<br />

A partir da criação de: fóruns de deb<strong>ate</strong>; páginas de notícias (onde se replica<br />

um portal como se fosse o de uma empresa jornalística e traz notícias e resenhas sobre<br />

toda e qualquer novidade disseminada na mídia japonesa); o uso do recurso de vídeo no<br />

You Tube ® ; e o engajamento nas redes sociais, o otaku pode — pela web — consolidarse<br />

como personagem social de uma relação de consumo e produção, que assume papéis<br />

mais desafiadores em busca de manter sua própria cultura fã.<br />

5. Considerações<br />

O processo de formação da Cultura Otaku é amplo e continua em todo<br />

vapor. Com o passar dos anos — a partir do desenvolvimento tecnológico e as<br />

mudanças no caráter social de cada membro do fandom — o contexto para a palavra<br />

otaku vai ganhando novas formas de ser compreendido. A construção de um fã de<br />

Cultura Pop Japonesa nos dia de hoje levou a se encarar o Japão como um solo muito<br />

fértil para as disseminações de conceitos sobre Cibercultura, narrativas etc. Ainda visto<br />

1698


por alguns de forma receosa, o otaku é um indivíduo importante para a concepção de<br />

um mundo virtual seletivo e aglutinador ao mesmo tempo onde todos podem assumir<br />

papéis de disseminadores de conteúdo.<br />

Graças ao contato da Cultura Otaku com o Ocidente, outras partes da<br />

cultura japonesa e oriental em geral (o K-pop 233 , por exemplo) não são mais conteúdos<br />

invisíveis e que devam ser negligenciados pela mídia cult ou tradicional. O que chama a<br />

<strong>ate</strong>nção é o fato de um produto de massa como os animês e mangás ganharem outro<br />

contexto em terras não japonesas sendo então encarados como conteúdo de nicho. Isso é<br />

o que torna tudo mais imperativo, pois promove o aguçamento do papel fã entre os seus<br />

apreciadores, que não medem esforços em encontrar bases onde possam consumir e,<br />

acima de tudo, disseminar isso entre outros potenciais consumidores.<br />

A exemplo do que aconteceu no Brasil, com Os Cavaleiros do Zodíaco, o<br />

conteúdo produzido anualmente no Japão nos dia de hoje é exportado na tentativa de se<br />

tornar o mais novo fenômeno de massa fora de seu país de origem. Tudo isso no desafio<br />

de agradar e permanecer com as características de um conteúdo de nicho.<br />

Por fim não é necessário esquecer que o otaku é o grande promovedor disso,<br />

pois sem ele a manutenção dessa cultura midiática não resistiria às imposições<br />

comerciais da Indústria Cultural no Ocidente. A veracidade dessa afirmação pode ser<br />

avaliada ao se observar o Anime Friends (O maior evento de encontro de otaku na<br />

América Latina) que acontece em São Paulo uma vez no ano. Ali é o momento onde os<br />

jovens otaku do Brasil que dedicam horas a fio a cultivar seu legado como fãs através da<br />

rede se permitem interagir para além dos domínios virtuais em uma festa de<br />

consagração de uma cultura de mídia que atravessa o planeta para saciar suas<br />

inquietações.<br />

233 Música Pop Coreana ou música popular coreana “케이팝” é um gênero musical originário da Coreia<br />

do Sul que se caracteriza por uma grande variedade de elementos sonoros (CDs e EPs) e audiovisuais<br />

(videoclipes). Um dos principais produtos da chama Onda Hallyu<br />

1699


REFERÊNCIAS<br />

BARRAL, Etienne. Otaku: Filhos do Virtual. Ed. SENAC-SP, São Paulo, 2000.<br />

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CDZ – A FORÇA DO PÉGASO NO BRASIL. Direção: André Nascimento, Instituto<br />

Infnet, Rio de Janeiro-RJ, 2013. 25min46s. Webdocumentário. Disponível em:<br />

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GUSHIKEN, Yuji, HIRATA, Tatiane. Processos de consumo cultural e midiático:<br />

imagem dos ‘Otakus’, do Japão ao mundo. In: Intercom - Revista Brasileira de<br />

Ciências da Comunicação, São Paulo, v.37, n.2, p. 133-152, jul./dez. 2014. Disponível<br />

em: http://www.scielo.br/pdf/interc/v37n2/1809-5844-interc-37-02-0133.pdf. Acesso<br />

em 19/09/2015.<br />

ITAMARATY (Ministério das Relações Exteriores). Japão. In:<br />

http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=5284:ja<br />

pao&catid=155&lang=pt-BR&Itemid=478. Acesso em: 27/01/2016.<br />

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Aleph, São Paulo-SP, 2009.<br />

LÉVY, Pierre. Cibercultura. Editora34. Rio de Janeiro-RJ, 1999.<br />

LUYTEN, Sonia M. Bide. Mangá Produzido no Brasil: Pioneirismo,<br />

Experimentação e Produção. In: XXVI Congresso Brasileiro de Ciências da<br />

Comunicação – BH/MG – 2 a 6 Setembro de 2003. Disponível em:<br />

http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/1688526468684543368790171322441340987<br />

21.pdf. Acesso em: 23/03/2016.<br />

MACHADO, Carlos Alberto. Animencontros: a relação da cultura pop nipônica na<br />

configuração de grupos juvenis. In: 32ª reunião Anual da Anped, 2009, Caxambu.<br />

Sociedade, cultura e educação: novas regulações? Anais Eletrônicos... Rio de Janeiro:<br />

1700


Anped, 2009. Disponível em:<br />

http://www.anped.org.br/reunioes/32ra/arquivos/trabalhos/GT16-5591-- Int.pdf. Acesso<br />

em: 14/11/2015.<br />

MONTE, Sandra. A Presença dos Animês na TV Brasileira. Ed. Laços, São Paulo-<br />

SP, 2010.<br />

MONTEIRO, Tiago José Lemos. AS PRÁTICAS DO FÃ: identidade, consumo e<br />

produção midiática. Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-<br />

Graduação da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro<br />

(UFRJ). Rio de Janeiro-RJ, 2007. Disponível em:<br />

http://www.pos.eco.ufrj.br/publicacoes/mestrado/dissertacoes_2007.html#18. Acesso<br />

em 24/10/2015.<br />

NAGADO, Alexandre. Sushi POP: 100 Anos de Animê - Celebrando a História da<br />

Animação Japonesa. Disponível em: http://nagado.blogspot.com.br/2017/01/100-anosde-anime.html.<br />

Acesso em: 26/08/2017.<br />

NAKAMORI, Akio. This city is full of otaku. In: Manga Burikko. Tradução de Matt<br />

Alt. Disponível em: <br />

- Acesso em: 16/01/2016.<br />

PÉREZ, Manuel Hernández. Manga, anime y videojuegos: narrativa cross-media<br />

japonesa. Colección Humanidades. Zaragoza, Prensas de la Universidad de Zaragoza,<br />

2017.<br />

OTAKU NO VIDEO. Direção: Takeshi Mori, Studio GAINAX, Tóquio: Japão, 1991.<br />

1h33min. Comédia, OVA. Disponível em: https://www.anbient.com/ovas/otaku-novideo<br />

(download).<br />

SATO, Cristiane A. JAPOP: O Poder da Cultura Pop Japonesa. Ed. NSP-Hakkosha,<br />

São Paulo-SP, 2007.<br />

SCHÜLER-COSTA, Vlad. Geração Sentimental: A Construção Social do Otaku.<br />

Artigo apresentado no I Seminário Nacional do Programa de Pós-Graduação em<br />

Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo, PGCS-UFES, 01/06/2011.<br />

1701


Disponível em: http://periodicos.ufes.br/SNPGCS/article/viewFile/1568/1160. Acesso<br />

em 19/01/2016.<br />

SOUSA, Jefferson Saylon Lima de. OTAKU NO RÁDIO: a relação produçãoconsumo<br />

nas Rádiosweb Otaku. Monografia defendida para obtenção do grau de<br />

Bacharel em Comunicação Social – Rádio e TV pela Universidade Federal do<br />

Maranhão (UFMA). São Luís-MA, 2016. Acervo do autor.<br />

URBANO, Krystal Cortez Luz. Fãs, Cultura Otaku e o “consumo da experiência”<br />

dos animes no Brasil. Artigo apresentado no GT Representações e Práticas de<br />

Consumo do X Seminário de Alunos de Pós-Graduação em Comunicação da PUC-Rio,<br />

04, 05 e 06 de novembro de 2013. Disponível em:<br />

https://www.academia.edu/7504837/F%C3%A3s_Cultura_Otaku_e_o_consumo_da_ex<br />

peri%C3%AAncia_dos_animes_no_Brasil. Acesso em: 07/12/2015.<br />

1702


O PATRIMÔNIO CULTURAL E A MEMÓRIA DA ÁREA ITAQUI-BACANGA<br />

REPRESENTADOS NO ACERVO DA BIBLIOTECA “SEMENTE SOCIAL” DA<br />

ACIB EM SÃO LUÍS, MARANHÃO<br />

THE CULTURAL HERITAGE AND THE MEMORY OF THE AREA ITAQUI-<br />

BACANGA REPRESENTED IN THE COLLECTION OF THE "SOCIAL<br />

SEED" LIBRARY OF THE ACIB IN SÃO LUÍS, MARANHÃO<br />

Valdirene Pereira da Conceição<br />

Professora do Departamento de Biblioteconomia da<br />

Universidade Federal do Maranhão – UFMA (Brasil)<br />

Doutora em Linguística e Língua Portuguesa<br />

cvaldireneufma@gmail.com<br />

Maurício José Morais Costa<br />

Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade<br />

Federal do Maranhão – UFMA (Brasil)<br />

mauriciojosemorais@gmail.com<br />

Eixo 3 - Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO: Esta pesquisa investiga a representação do patrimônio cultural e da<br />

memória da Área Itaqui-Bacanga reunida no acervo da biblioteca “Semente Social” da<br />

Associação Comunitária da Área Itaqui-Bacanga (ACIB) em São Luís – MA. Por meio<br />

de uma pesquisa de caráter exploratório e descritivo, apresentam-se os dados coletados<br />

durante a pesquisa de campo, na referida região, colhidos por meio do método<br />

etnográfico, uma vez que resgata as formas como as tradições orais subsistiram até hoje.<br />

Nesse sentido, buscou-se identificar e catalogar acervos referentes à área Itaqui-<br />

Bacanga, com vistas à criação de bases de dados sobre a região, bem como analisar o<br />

impacto da biblioteca “Semente Social” no desenvolvimento comunitário da área. Visa<br />

também salvaguardar bens culturais recebidos de instituições oficiais, entidades civis e<br />

de pessoas da comunidade, por meio de doações, permutas, custódia e do registro da<br />

1703


história oral da comunidade, no sentido de contribuir com levantamentos, pesquisas,<br />

inventários e cadastros de bens culturais. A região do Itaqui-Bacanga é uma localidade<br />

tipicamente portuária, localizada na maior reentrância do litoral do Estado, o Golfão<br />

Maranhense, entre o Rio Bacanga, oceano Atlântico e a baía de São Marcos. Além de<br />

belas praias, foi agraciada por outros atributos naturais, como reservas ecológicas,<br />

parques e florestas que fazem parte da Amazônia. Evidencia-se que a criação da<br />

biblioteca “Semente Social” se constitui como um espaço público, integrado à estrutura<br />

da ACIB em São Luís, mantendo reunidos, recuperados, organizados, preservados e<br />

divulgados registros visuais, sonoros, bibliográficos, dentre outros relativos à memória,<br />

à identidade, à produção cultural e ao desenvolvimento sustentável da região Itaqui-<br />

Bacanga. O resg<strong>ate</strong> dos registros e a preservação dessas diversas contribuições são<br />

dívidas que temos para com os que nos antecederam e uma obrigação para com as<br />

gerações futuras cada vez mais exigentes, informadas e interessadas em melhorar sua<br />

qualidade de vida, em virtude do ritmo crescente de mudanças socioeconômicas,<br />

políticas e ambientais, as quais, a região vem passando. Reunir, sistematizar e dispor à<br />

população acervos que registrem a sua história e a sua produção cultural significa<br />

assegurar o acesso à memória e à criação de condições para o desenvolvimento da<br />

identidade deste povo, a inserção consciente em seu mundo, o exercício efetivo da<br />

cidadania e a possibilidade de instrumentalizá-lo no contexto atual.. Como primeiros<br />

resultados, destaca-se que a região Itaqui-Bacanga dispõe de um rico acervo de bens<br />

culturais de natureza m<strong>ate</strong>rial (manuscritos, as edificações arquitetônicas), im<strong>ate</strong>rial (as<br />

manifestações culturais, a exemplo a Via Sacra, as lendas como a de Ana Jansen) e<br />

natural (florestas de manguezal). Acentua-se que o ato de registar, reunir, organizar e<br />

preservar as informações e saberes faz parte da história dos diferentes povos.<br />

Palavras-chave:Biblioteca Semente Social. Área Itaqui Bacanga. Patrimônio, História<br />

e Memória. Bens culturais.<br />

1704


ABSTRACT: This research investig<strong>ate</strong>s the representation of the cultural heritage and<br />

the memory of the area Itaqui-Bacanga gathered in the collection of the "Social Seed"<br />

Library of the Community Association of the area Itaqui-Bacanga (ACIB) in São Luís-<br />

MA. By means of a survey of exploratory and descriptive character, the data collected<br />

during field research, in that region, collected through the ethnographic method, since it<br />

redeems the forms as the oral traditions subsisted until today. In this sense, it was<br />

sought to identify and catalog collections pertaining to the area Itaqui-Bacanga, with a<br />

view to creating databases on the region, as well as analyzing the impact of the "Social<br />

Seed" library in the community development of the area. It is also aimed at safeguarding<br />

cultural goods received from official institutions, civil entities and people of the<br />

community, through donations, exchanges, custody and the record of the oral history of<br />

the community, to contribute to withdrawals, surveys, inventories and Records of<br />

cultural goods. The region of Itaqui-Bacanga is a typical port location, loc<strong>ate</strong>d in the<br />

largest reentrancy of the st<strong>ate</strong> coastline, the golf Maranhão, between the Bacanga River,<br />

the Atlantic Ocean and the São Marcos Bay. In addition to beautiful beaches, it was<br />

awarded other natural attributes, such as ecological reserves, parks and forests that are<br />

part of the Amazon. It is evidenced that the creation of the "Social Seed" library<br />

constitutes a public space, integr<strong>ate</strong>d with the structure of ACIB in São Luís,<br />

maintaining gathered, recovered, organised, preserved and dissemin<strong>ate</strong>d visual, sound,<br />

bibliographical records, among other rel<strong>ate</strong>d The memory, identity, cultural production<br />

and sustainable development of the Itaqui-Bacanga region. The redemption of the<br />

records and the preservation of these various contributions are debts that we have for<br />

those who preceded us and an obligation to the increasingly demanding, informed and<br />

interested future generations to improve their quality of life by virtue of the increasing<br />

pace Socio-economic, political and environmental changes, which, the region has<br />

passed. Gathering, systematizing and disposing of the population collections that<br />

register their history and their cultural production means ensuring access to memory and<br />

the creation of conditions for the development of the identity of this people, the<br />

conscious insertion in their world, the effective exercise of the Citizenship and the<br />

1705


possibility of instrumentalizá it in the current context.. As first results, it is noted that<br />

the region Itaqui-Bacanga has a rich collection of cultural goods of m<strong>ate</strong>rial nature<br />

(manuscripts, architectural buildings), imm<strong>ate</strong>rial (the cultural manifestations, for<br />

example the sacred pathway, legends such as Ana Jansen) and Natural ( Mangrove<br />

forests. It is accentu<strong>ate</strong>d that the act of recording, gathering, organizing and preserving<br />

information and knowing is part of the history of the different peoples.<br />

Keywords: Social Seed Library. Area Itaqui-Bacanga. Heritage, history and memory.<br />

Cultural goods.<br />

1 INTRODUÇÃO<br />

Sabe-se que historicamente as bibliotecas foram associadas a salvaguarda de<br />

livros físicos, constituindo-se como espaços compostos por corredores intermináveis de<br />

estantes por todos os lados. Embora sua significação seja antiga, as bibliotecas<br />

constituem-se como espaços fundamentais quando se pensa em preservação que, por<br />

meio do emprego de técnicas específicas é capaz de proporcionar o acesso às<br />

informações registradas, e, por conseguinte, únicas em seus acervos.<br />

Desse modo, os acervos das unidades de informação tiveram não apenas<br />

seus conceitos revistos com o passar dos anos, mas deixaram de contemplar apenas<br />

livros, uma vez que a história, o patrimônio e herança cultural não se m<strong>ate</strong>rializavam<br />

somente em códices. Prossegue-se, então, afirmando que o patrimônio pode ser<br />

compreendido como a reunião de diferentes bens e traços culturais, tanto m<strong>ate</strong>riais,<br />

quanto im<strong>ate</strong>riais, tangíveis ou intangíveis, ou seja, contempla uma grande diversidade<br />

de manifestações, demarcados no tempo o no espaço (MAGALHÃES, 2006;<br />

CONCEIÇÃO, 2011). Patrimônio este que agora também está sob a égide das<br />

bibliotecas, responsáveis não apenas por salvaguardá-lo, mas preservá-lo e difundi-lo.<br />

1706


Quando se trata das bibliotecas comunitárias, tal discussão se mostra<br />

fundamental tendo em vista que são aparelhos inseridos no âmago das comunidades,<br />

onde de fato estão a gênese da cultura e das lutas populares. Assim, evidenciar sua<br />

função nas comunidades é necessário, uma vez que estas nascem dos anseios da<br />

localidade onde estão inseridas, com o intuito de serem espaços promotores do acesso à<br />

informação, aos bens culturais, e, a partir de agora, incumbidas de reunir, organizar,<br />

preservar e transmitir às futuras gerações o patrimônio cultural e a memória da<br />

comunidade em que estão situadas.<br />

Nessa direção, destaca-se que a Biblioteca Semente Social – que pode tanto<br />

ser considerada uma biblioteca comunitária, quanto um centro cultural comunitário,<br />

dentre outras significações e terminologias – inserida na Área Itaqui-Bacanga, região<br />

que historicamente fora marcada pela omissão por parte das políticas públicas do Estado<br />

e situa-se na periferia da capital maranhense.<br />

Trata-se de uma região que durantes vários anos esteve fora do alcance dos<br />

olhos do poder público, mas passou a ter novas perspectivas em termos de<br />

desenvolvimento sustentável e digno por meio das ações desenvolvidas pela Associação<br />

Comunitária da Área Itaqui-Bacanga (ACIB) que ostensivamente tem buscado<br />

melhorias para as comunidades dessa região, bem como promover o acesso aos bens<br />

culturais e, assim, contribuir com a consolidação da cidadania de seus moradores.<br />

Face à importância das ações da ACIB junto à comunidade da Área Itaqui-<br />

Bacanga, destaca-se que preservar o patrimônio cultural e a memória da região<br />

constitui-se como uma ação de grande importância, que agora conta com um importante<br />

agente, notadamente a Biblioteca Semente Social, a qual que tem buscado a constituição<br />

de um acervo representativo da história, os traços e todos os aspectos que compõem o<br />

patrimônio cultural e a memória da comunidade.<br />

Desse modo, o presente estudo busca investigar a representação do<br />

patrimônio cultural e da memória da Área Itaqui-Bacanga reunida no acervo da<br />

biblioteca “Semente Social” da Associação Comunitária da Área Itaqui-Bacanga<br />

(ACIB) em São Luís – MA. Para tanto, corresponde a uma pesquisa de caráter<br />

1707


exploratório e descritivo, onde apresentam-se os dados coletado na referida região,<br />

dados estes que foram colhidos por meio do método etnográfico, uma vez que resgata<br />

as formas como as tradições orais subsistiram até hoje (GIL, 2008; TRIGUEIRO et al,<br />

2014). Nesse sentido, buscou-se identificar e catalogar acervos referentes à área Itaqui-<br />

Bacanga, com vistas à criação de bases de dados sobre a região, bem como analisar o<br />

impacto da biblioteca “Semente Social” no desenvolvimento comunitário da área.<br />

Pretende-se, também, com este estudo, evidenciar como consistem as<br />

práticas com o intuito de salvaguardar os bens culturais recebidos de instituições<br />

oficiais, entidades civis e de pessoas da comunidade, por meio de doações, permutas,<br />

custódia e do registro da história oral da comunidade, no sentido de contribuir com<br />

levantamentos, pesquisas, inventários e cadastros de bens culturais, na perspectiva de<br />

reforçar o papel das bibliotecas comunitárias, em especial a Biblioteca Semente Social<br />

como lócus voltado para a preservação da cultura e da memória da Área Itaqui-Bacanga.<br />

2 BIBLIOTECAS COMUNITÁRIAS COMO LÓCUS DE CULTURA E<br />

MEMÓRIA<br />

Sabe-se que o acesso à informação e ao conhecimento se constitui como um<br />

fator decisivo no tocante às transformações sociais, políticas, além de ser determinante<br />

para o desenvolvimento de toda e qualquer sociedade. Para tanto, é fundamental<br />

considerar que é imprescindível dar à informação o seu sentido social, ou seja, o de<br />

contribuir para a formação do cidadão crítico.<br />

Em um mundo cada vez mais marcado pela desigualdade, dentre outros<br />

fenômenos sociais, permeados pelos avanços tecnológicos, responsáveis por ditar novas<br />

formas de sociabilidade, bem como a ocorrência de mediações e demais interações<br />

mostram que trazer ao deb<strong>ate</strong> o papel das bibliotecas comunitárias na atual conjuntura<br />

pode parecer até um atraso.<br />

Todavia, conforme Cavalcante e Feitosa (2011, p. 122), as bibliotecas<br />

comunitárias podem ser concebidas “[...] como instância não apenas física, mas<br />

1708


simbólica, de interações e convivências, construídas e geridas pelas comunidades, em<br />

que se encontra inserida [...]”. Nesse sentido, é válido destacar que a discussão acerca<br />

do papel das bibliotecas comunitárias enquanto instituições responsáveis pela<br />

preservação da cultura e da memória dos lócus onde estão inseridas trata-se de algo<br />

puramente contemporâneo, tendo em vista o valor de tal.<br />

Nessa direção, Guedes (2011, p. 4), afirma que as bibliotecas comunitárias<br />

consistem em:<br />

[...] ambientes físicos de compartilhamento, troca e fluxos de informação são<br />

vistos como instrumentos de democratização e inclusão informacional ao<br />

ensejarem o amadurecimento das relações sociais dentro comunidade e<br />

proporcionar o crescimento pessoal dos cidadãos através de práticas<br />

informacionais, como atividades de leitura.<br />

Chegar a um conceito para bibliotecas comunitárias é também um grande<br />

desafio. De acordo com o que postula Thomazi et al (2016) tal conceituação é<br />

complexa, uma vez que devem ser analisados uma série de fatores inerentes às mesmas.<br />

Coelho e Bortolin (2017, p. 97) corroboram acentuando que “[...] a distinção da<br />

biblioteca comunitária das tipologias adotadas ultrapassa a variação de nomenclatura.”<br />

No sentido de clarificar a compreensão conceitual acerca das bibliotecas comunitárias,<br />

Machado (2009) apresenta algumas particularidades comuns em tais aparelhos culturais:<br />

a) As bibliotecas comunitárias são criadas pela comunidade e não<br />

necessariamente para a comunidade, ou seja, nada mais é que o fruto de<br />

uma ação cultural;<br />

b) Os objetivos das bibliotecas comunitárias estão pautados justamente na<br />

luta travada não apenas contra a exclusão informacional e cultural, mas<br />

sobretudo na busca pela igualdade e justiça social;<br />

c) As atividades são permeadas pela gestão e participação ativa da<br />

comunidade local onde as bibliotecas comunitárias estão inseridas, ou<br />

seja, a partir dos vínculos estabelecidos entra elas;<br />

1709


d) Quanto à sua localização, as bibliotecas comunitárias estão comumente<br />

situadas em regiões periféricas, ou seja, à margem dos grandes centros<br />

urbanos e culturais;<br />

e) São instituições sem vínculos governamentais, ou seja, não estão ligadas<br />

às esferas municipais, estaduais ou federais, ainda que em determinados<br />

casos elas sejam mantidas por subsídios do poder público local.<br />

Levando em consideração os aspectos que caracterizam as bibliotecas<br />

comunitárias, estas buscam não apenas a constituição de um espaço democrático de<br />

práticas culturais, mas por meio de ações coletivas mudarem sua realidade, em outras<br />

palavras é o que Castells (2008) ,chama de “identidade de projeto”, ou seja, a<br />

comunidade reconhece que sua condição não é tão favorável, desse modo, busca por<br />

meio de ações sistemáticas – tal como a criação de uma biblioteca comunitária –<br />

transformação sua realidade e construir novas perspectivas, sem perder sua história e a<br />

identidade que deverão ser preservadas nesses espaços.<br />

Nesse sentido, afirma-se que as bibliotecas comunitárias consistem em<br />

instituições que “[...] remete a questões das mais atuais no discurso sobre<br />

democratização e acesso ao conhecimento e às mediações informacionais e<br />

comunicacionais, no âmbito das dinâmicas sociais locais.”(CAVALCANTE; FEITOSA,<br />

2011). Sendo assim, pensar a democratização do acesso à informação às camadas menos<br />

favorecidas socialmente, coloca em destaque tais instituições, cujo cerne de atuação<br />

reside, sobretudo em levar o acesso à cultura e o acesso ao conhecimento, onde as<br />

políticas públicas não conseguem alcançar.<br />

Segundo Thomazi et al (2016, p. 1068),<br />

[...] sabe-se também das inúmeras dificuldades e entraves que essas ações<br />

enfrentam desde sua criação até sua manutenção: conflitos de ordem interna e<br />

externa, de relacionamentos de articulações locais, comunitárias e às vezes<br />

com o próprio poder público, mesmo omisso.<br />

1710


Todavia, de acordo com Coelho e Bortolin (2017) tem aumentado<br />

considerávelmente o número de bibliotecas comunitárias de forma independente da<br />

iniciativa pública, evidenciando a crescente parceria entre comunidade e biblioteca, no<br />

sentido de que estas se constituam não apenas como espaços voltados para a guarda de<br />

livros físicos, mas que funcionem como um elo entre a comunidade, seu patrimônio e<br />

sua memória.<br />

Destaca-se, ainda, conforme Nora (1993) que as bibliotecas são instituições<br />

de memória, memória esta que é constituída do “[...] estoque m<strong>ate</strong>rial daquilo que nos é<br />

impossível lembrar, repertório [...] daquilo que poderíamos ter necessidade de nos<br />

lembrar.” (NORA, 1993, p. 15).<br />

Nessa direção, Pollack (1992), reforça que a memória – seja ela individual<br />

ou coletiva – é constituída dos acontecimentos vividos pessoalmente, bem como pelos<br />

acontecimentos compartilhados com a coletividade, ou seja, junto à comunidade da qual<br />

os sujeitos fazem parte ou sentem-se pertencentes. Desse modo, as bibliotecas enquanto<br />

instituições de memória, representam uma ferramenta basilar no que diz respeito à<br />

preservação do patrimônio – seja ele m<strong>ate</strong>rial ou im<strong>ate</strong>rial – incluindo também o<br />

tratamento da cultura local, bem como na perpetuação dos traços da oralidade, da<br />

história e da memória coletiva e individual da comunidade em que está inserida.<br />

As bibliotecas, de acordo com Prado (2010), nada mais são que sujeitos<br />

ativos, ou seja, têm papel determinante não apenas como espaço voltado para as práticas<br />

de leitura, mas sobretudo terreno para ações educativas, organizacionais sociais, práticas<br />

cidadãs, desenvolvimento sustentável, dialógicas, linguísticas, dentre outras. Sendo<br />

assim, rompe com interesses isolados e com um único fim – que por anos esteve<br />

associado à salvaguarda de livros – tampouco de quem as dirigem.<br />

Nesse contexto, as bibliotecas comunitárias são responsáveis por representar<br />

em seu acervo os traços e as marcas da memória coletiva da comunidade à qual está<br />

inserida, pois conforme Pollack (1992, p. 2) “[...] a memória é constituída por pessoas,<br />

personagens.” Isso significa dizer que os registros permeiam a história e as figuras<br />

1711


esponsáveis por formar o legado da comunidade, bem como os elementos que<br />

compõem todo o patrimônio local.<br />

Tal patrimônio, como corrobora Fonseca (2003), é expresso pela formação<br />

discursiva, como responsável por realizar o mapeamento dos principais conteúdos<br />

simbólicos, uma vez que estes dão subsídios para descrever como uma determinada<br />

nação ou comunidade é formada, bem como construir a identidade cultural local.<br />

3 BIBLIOTECA SEMENTE SOCIAL E O PATRIMÔNIO MATERIAL E<br />

IMATERIAL<br />

Na Área Itaqui-Bacanga, a ACIB por meio de suas ações sempre<br />

desprendeu esforços no sentido de potencializar as atividades da comunidade, no que<br />

diz respeito à preservação de sua história e memória, em detrimento de ser uma região<br />

rica não apenas em recursos naturais, mas também fundamental para o desenvolvimento<br />

sociocultural da capital maranhense.<br />

Ressalta-se que a área Itaqui-Bacanga é uma localidade tipicamente<br />

portuária onde está o Porto do Itaqui, considerado o segundo porto mais profundo do<br />

mundo; o parque industrial do Estado do Maranhão, formado por grandes empresas do<br />

setor como a Vale. Está centrada na maior reentrância do litoral do Estado - o Golfão<br />

Maranhense - na parte oeste da capital, precisamente, entre o Rio Bacanga (leste),<br />

oceano Atlântico (norte) e a baía de São Marcos (oeste). Além de belas praias, foi<br />

contemplada por outros atributos naturais, como por exemplo, reservas ecológicas,<br />

parques e florestas, que fazem parte da Amazônia legal. Soma-se ainda que abriga a<br />

Universidade Federal do Maranhão (CONCEIÇÃO; CARVALHO; BOUÇAS, 2012).<br />

Em função dessa localização privilegiada, a região Itaqui-Bacanga, está<br />

ligada ao mar, e as navegações tiveram papel histórico preponderante na saga da<br />

ocupação deste território, bem como em sua evolução social, econômica e cultural e, por<br />

conseguinte, nos hábitos de sua gente (LOPES, 2008).<br />

1712


Nessa direção, reforça-se que a Biblioteca Semente Social “[...] se torna um<br />

local de interação, deb<strong>ate</strong>s e manifestações culturais e artísticas, extrapolando seu papel<br />

de democratização da cultura letrada. [...] atuando como veículo para o exercício da<br />

cidadania.” (FERRAZ, 2014, p. 21-22).<br />

Um dos aspectos que diferenciam a biblioteca comunitária, anteriormente<br />

mencionada, é sua localização - de modo que a comunidade não necessita se deslocar<br />

para outros centros de informação - desse modo, seu acervo deve ser composto por<br />

obras e registros acerca da história e memória da comunidade, não necessariamente<br />

obras de referência presentes nas demais bibliotecas.<br />

Figura 1 - Acervo da Semente Social<br />

Reportagem de jornal<br />

Folder<br />

1713


Fotografia aérea do Porto do Itaqui<br />

Fonte: Autores (2017)<br />

O acervo da Biblioteca Semente Social, conforme se pode observar é<br />

constituído por obras distintas, tal como preconiza a literatura, pois, conforme Guedes<br />

(2011, p. 1), "Estes centros comunitários possuem um acervo bibliográfico<br />

multidisciplinar, abarcando diversas tipologias documentais."<br />

Além disso, acentua-se que a Biblioteca Semente Social deve prestar<br />

serviços utilitários à comunidade, entre eles orientações sobre projetos de assistência<br />

social do bairro, emissão de documentos, coleta alternativa, reciclagem, manifestações<br />

culturais da comunidade (Grupo Independente de Teatro Amador - GRITA; Projeto<br />

Congo-Aruandê; etc.), conforme Figura 2<br />

1714


Figura 2 - Biblioteca Semente Social da ACIB<br />

Fonte: ACIB (2012)<br />

Nesse sentido, o acervo cultural da Biblioteca Semente Social é composto<br />

também pelas ações desenvolvidas pela ACIB, cujas atividades são:<br />

a) Curso de Educação Ambiental;<br />

b) Mobilização da Coleta Alternativa na Vila Verde;<br />

c) Produção dos Cestos;<br />

d) Coleta alternativa;<br />

e) História da Via Sacra do Anjo da Guarda;<br />

f) Economia solidária;<br />

g) Mobilização com professores e diretores das escolas;<br />

h) Encontrões Ambientais; entre outras.<br />

Reunindo documentos de diversas naturezas: textuais, audiovisuais, o<br />

acervo da Biblioteca Semente Social é constituído de trabalhos acadêmicos<br />

(monografias, teses e dissertações), projetos, relatórios de pesquisas, fitas e CDS com<br />

1715


depoimentos e se constitui um importante lócus de produção do conhecimento. No<br />

Quadro 1 é sistematizado o acervo da Biblioteca Semente Social e suas respectivas<br />

c<strong>ate</strong>gorias de organização:<br />

Quadro 1 - Composição do Acervo da Biblioteca Semente Social<br />

TIPO DE<br />

ACERVO<br />

DESCRIÇÃO<br />

INSTÂNCIA<br />

BEM<br />

DOCUMENTAL<br />

M<strong>ate</strong>rial Arqueológico Conjunto, subconjunto e Sítio de Sambaqui<br />

denominação arqueológica.<br />

M<strong>ate</strong>rial Arquitetônico Conjunto, subconjunto, Sítio do Físico<br />

(Imóvel)<br />

edificação, parte da edificação.<br />

M<strong>ate</strong>rial Arquivístico Fundo, série, subsérie, dossiê, Documentos e registros da<br />

documento, parte do área Itaqui-Bacanga<br />

documento.<br />

M<strong>ate</strong>rial Bibliográfico Coleção, parte da coleção. Teses, dissertações,<br />

(Móvel)<br />

produções bibliográficas<br />

locais.<br />

M<strong>ate</strong>rial Museológico Coleção, série, peça da série. Escola Naval<br />

(Móvel)<br />

M<strong>ate</strong>rial Natural Bioma, classe, subclasse, Floresta de mangue, praias<br />

família, gênero, espécie.<br />

Im<strong>ate</strong>rial Religioso Coleção, parte da coleção, Via Sacra do Grupo Grita<br />

manifestação.<br />

Im<strong>ate</strong>rial Manifestação cultural Celebração Danças típicas (cacuriá,<br />

tambor de crioula,<br />

quadrilha)<br />

Um dos traços marcantes da comunidade e que deve constituir o acervo da<br />

Biblioteca Semente Social é justamente o reflexo das tradições religiosas e culturais<br />

preservadas na comunidade, por se constituir ato de devoção e fé que, por sua vez,<br />

fortalecem a identidade, a cultura e integram os sujeitos. Um importante exemplo é o<br />

espetáculo da Via Sacra do Grupo GRITA, que gera diferentes registros os quais podem<br />

ser abrigados na biblioteca, tais como registros fotográficos, audiovisuais e produções<br />

textuais (matérias de jornais, <strong>artigos</strong>, relatos, etc.) sobre a temática, como pode ser visto<br />

na Figura 3:<br />

1716


Figura 3 - Via Sacra do Grupo GRITA<br />

Fonte: Grupo Grita (2016)<br />

Desse modo, observa-se que toda a riqueza documental abrigada na<br />

Biblioteca Semente Social se encontra dispersa, pois não há um processamento técnico<br />

adequado que possibilite seu acesso e uso. Nessa direção, o acervo ora elencado deverá<br />

ser ampliado tendo por base a documentação referente aos aspectos: histórico-sóciocultural,<br />

econômico e o ambiental da região. Para tanto, é fundamental que sejam<br />

recuperados, além dos itens documentais já apresentados, bibliografias e documentos<br />

raros relativos à história e memória da região, com vistas a contribuir com a produção<br />

de inventários e catálogos de documentos relacionados ao Itaqui-Bacanga.<br />

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A criação da Biblioteca Semente Social, por meio da organização e difusão<br />

do patrimônio documental, pode gerar transformações na comunidade a ponto de<br />

promover o desenvolvimento com equidade social e prudência<br />

1717


ecológica/ambiental.Desse modo, seu acervo deve contemplar as diferentes<br />

manifestações e formas de expressão natas da Área Itaqui-Bacanga, no sentido de não<br />

apenas possibilitar sua identificação, mas seu reconhecimento junto aos moradores da<br />

comunidade e que esse legado chegue às gerações futuras.<br />

No que diz respeito à forma como esse acervo será constituído reforça-se,<br />

aqui, a criação dos vínculos estabelecidos com a própria comunidade, uma vez que a<br />

doação de registros, a concessão de entrevistas e a participação nas atividades<br />

desenvolvidas pela ACIB constituem-se como a base para o desenvolvimento<br />

sustentável da região, bem como a própria manutenção do patrimônio e da memória<br />

coletiva da Área.<br />

Acentua-se, ainda, que todo o envolvimento da comunidade para o<br />

estabelecimento da Biblioteca Semente Social como referência na comunidade do<br />

Itaqui-Bacanga é pré-condição para a manutenção e ampliação dos serviços oferecidos,<br />

bem como para o fortalecimento da autoestima da própria comunidade que, agora,<br />

dispões de um aparelho cultural integrativo para auxiliar no exercício da cidadania e<br />

transformação social.<br />

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NORA, Pierre. Entre memória e História: a problemática dos lugares. Projeto História,<br />

São Paulo, n. 10, dez. 1993.<br />

POLLAK, Michael. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,<br />

v. 5, n. 10, 1992, p. 200-212. Disponível em:<br />

. Acesso em: 29 nov. 2017.<br />

PRADO. G.M. A biblioteca como agente de inclusão/integração do cidadão na<br />

sociedade de informação. Inclusão Social. Brasília, DF, v. 3, n. 2, p.143-149,<br />

jan./jun.,2010. Disponível em: .<br />

Acesso em: 30 nov. 2017.<br />

THOMAZI, Áurea Regina Guimarães. et al. Biblioteca comunitária: ação alternativa em<br />

face da política pública de leitura. Educativa, Goiânia, v. 19, n. 1, p. 1066-1088,<br />

set./dez. 2016. Disponível em:<br />

. Acesso em:<br />

30 nov. 2017.<br />

TRIGUEIRO, Rodrigo de Menezes. et al. Metodologia científica. Londrina: Editora e<br />

Distribuidora Educacional, 2014. 184 p.<br />

1720


O PATRIMONISLIMO NA CULTURA BRASILEIRA: o jeitinho brasileiro<br />

transposto para o jornalismo online<br />

THE PATRIMONISLIMO IN BRAZILIAN CULTURE: the brazilian “jeitinho”<br />

transposed for online journalism.<br />

Patricia Rakel de Castro Sena 234<br />

Doutora em Comunicação (UFPE) e em Ciências da<br />

Comunicação (UBI)<br />

Professora da Universidade CEUMA.<br />

Rosinete de Jesus Silva Ferreira 235<br />

Doutora em Psicologia Social (UERJ) e Mestre em<br />

Comunicação e Cultura (UFRJ)<br />

Professora do Departamento de Comunicação Social (UFMA:<br />

Universidade Federal do Maranhão).<br />

Eixo 3 – Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade.<br />

RESUMO: A não distinção entre o que público e privado é um traço historicamente<br />

marcado e predominante na identidade cultural brasileira. Essa relação dúbia pode ser<br />

observada na literatura nacional que alcançou destaques de diversas maneiras através de<br />

personagens que se assemelhavam a verdadeiros heróis às avessas ou anti-heróis. A<br />

música, artes e outros segmentos sociais também estão inseridos neste contexto<br />

polissêmico que envolve a relação público-privado. É, portanto, a partir dessa<br />

observação que se propõe discutir o conceito de patrimonialismo no Brasil,<br />

ressiguinificando-o sob a perspectiva do jornalismo digital em rede. Nesta perspectiva,<br />

objetivamos fazer um recorte teórico-analítico partindo de marcas e/ou traços da cultura<br />

234 Doutora em Comunicação pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e doutora em Ciências<br />

da Comunicação em co-tutela pela UBI (Universidade da Beira Interior / Portugal). Professora da<br />

Universidade CEUMA. Coordenadora do GECIM – Grupo de Estudos em Comunicação e interatividade<br />

midiática. E-mail: rakeldecastro@gmail.com.<br />

235 Doutora pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Coordenadora do Núcleo de Estudos e<br />

Estratégias em Comunicação (NEEC), líder da linha de Pesquisa em Estratégias Audiovisuais na<br />

Convergência (G-PEAC) e Professora do Curso de Rádio e TV da UFMA – Universidade Federal do<br />

Maranhão. E-mail: roseferreira@uol.com.br.<br />

1721


asileira, como o da plasticidade, da malandragem, do jeitinho, m<strong>ate</strong>rializados no<br />

patrimonialismo, clientelismo, corrupção etc., que foram forjadas junto com os<br />

portugueses, mas que são ressignificadas no jornalismo que se faz na atualidade. O<br />

interesse específico é perceber os modus operandi das dinâmicas produtivas do<br />

jornalismo online que se relacionam diretamente com o patrimonialismo. Desse modo,<br />

desenvolvemos uma pesquisa de cunho qualitativa, respaldada em autores como Bruhns<br />

(2012), Luís de Sousa (2008, 2016) Sérgio Buarque de Holanda (2011), Roberto Da<br />

Matta (1997) e Jessé de Souza (2000, 2016), para pensarmos os conceitos de<br />

patrimonialismo, discutirmos a formação da cultura e entendermos a relação disso com<br />

o jornalismo que se faz on line.<br />

Palavras-chaves: Patrimonialismo. Público-Privado. Cultura Brasileira. Jornalismo<br />

Online.<br />

ABSTRACT: The non-distinction between what is public and priv<strong>ate</strong> is a historically marked<br />

and predominant trait in Brazilian cultural identity. This dubious relationship can be observed in<br />

the national literature that achieved highlights in various ways through characters who<br />

resembled real backwards or anti-heroes. Music, arts and other social segments are also<br />

embedded in this polysemous context that involves the public-priv<strong>ate</strong> relationship. It is,<br />

therefore, from this observation that it is proposed to discuss the concept of patrimonialism in<br />

Brazil, offering a new meaning from the perspective of digital networked journalism. In this<br />

perspective, we intend to make a theoretical-analytical cut from the marks and / or traces of<br />

Brazilian culture, such as plasticity, trickery, “jeitinho”, m<strong>ate</strong>rialized in patrimonialism,<br />

clientelism, corruption etc. that were forged along with the Portuguese, but which are resignified<br />

in today's journalism. The specific interest is to understand the operandi modus of the<br />

productive dynamics of online journalism that are directly rel<strong>ate</strong>d to patrimonialism. In this<br />

way, we develop a qualitative research, supported by authors like Bruhns (2012), Luís de Sousa<br />

(2008, 2016) Sérgio Buarque de Holanda (2011), Roberto Da Matta (1997) and Jessé de Souza<br />

(2000, 2016) , to think about the concepts of patrimonialism, to discuss the formation of culture<br />

and to understand the relation of this with the journalism that is done online.<br />

1722


Keywords: Patrimonialism. Public-Priv<strong>ate</strong>. Brazilian culture. Online Journalism.<br />

A cultura brasileira e o patrimonialismo forjado na literatura: algumas<br />

considerações introdutórias.<br />

O Patrimonialismo no Brasil, observado na literatura nacional, alcançou<br />

grandes destaques e diversas maneiras de concebê-lo através de personagens que se<br />

assemelhavam a verdadeiros heróis às avessas ou anti-heróis.<br />

Na expressão de Mário de Andrade (2013), são os heróis sem nenhum<br />

caráter. É na construção de Macunaíma que o poeta modernista (2013, p.13) forja a<br />

personificação do “herói de nossa gente”, brasileiro, muito bem representado em uma<br />

das célebres e primeira frase do protagonista ao nascer: “Ai! Que preguiça”. É através<br />

desse Macunaíma (um índio negro) que a <strong>ate</strong>mporalidade marca as mais diversas<br />

características da formação cultural do Brasil. Fazendo uma menção de crítica ao<br />

Romantismo e se caracterizando como indianismo moderno, a concepção do um<br />

romance cômico, que aproxima a linguagem escrita da oral, ajuda também a formatar<br />

todo o multiculturalismo brasileiro da época modernista, nos anos 20 do Século XX.<br />

A plasticidade do Português, lembrada por Jessé de Souza (2000), aparece<br />

aqui no traço da personalidade do brasileiro. A capacidade de se adaptar a ambientes<br />

não muito amigáveis e de assimilar outras culturas é muito bem narrada na história em<br />

que Macunaíma deixa sua tribo e viaja a São Paulo. É durante esse percurso de viagem<br />

que o processo de transformação acontece. O “índio negro”, “criança feia”, que havia<br />

passado seis anos para falar, transforma-se e assume uma nova identidade, ao entrar em<br />

contato com a cidade industrializada. O personagem do romance maltrata e ama ao<br />

mesmo tempo as mulheres, não trabalha, se envolve em confusões, é preguiçoso e ainda<br />

consegue tudo o que quer; transa até com a Mãe do Mato, com a esposa do irmão e<br />

mesmo assim é adorado pelas pessoas. É nas suas fraquezas e / ou erros que ele se faz<br />

forte, se faz herói.<br />

1723


Uma descrição de um anti-herói semelhante na literatura brasileira é a do<br />

Jeca Tatu de Monteiro Lobato (1994), a qual inclusive antecede Macunaíma. O<br />

personagem é o modelo do caipira não idealizado, do caboclo como fruto da<br />

mestiçagem do homem branco com o homem nativo (índio), descrito num contexto<br />

arcaico e ruralista da cidade de São Paulo de 1914, abandonado pelo Estado, à mercê de<br />

enfermidades típicas dos países ainda em desenvolvimento, da miséria e do atraso<br />

econômico.<br />

O autor paulista do Vale do Paraíba (1994) descreve o Jeca como um<br />

homem sem conhecimentos escolares, também preguiçoso e sem nenhum conforto em<br />

sua casa. Nas palavras do protagonista: “de qualquer jeito se vive”. Dessa forma,<br />

sempre de pé no chão, de roupas rasgadas e sem nenhum plantio organizado que lhe<br />

oferecesse o mínimo de subsistência, seu voto era totalmente inconsciente, como é<br />

descrito no trecho a seguir:<br />

O fato mais importante de sua vida é sem dúvida votar no governo. Tira<br />

nesse dia da arca a roupa preta do casamento, sarjão furadinho de traça e todo<br />

vincado de dobras, entala os pés num alentado sapatão de bezerro; ata ao<br />

pescoço um colarinho de bico e, sem gravata, ringindo e mancando, vai pegar<br />

o diploma de eleitor às mãos do chefe Coisada, que lho retém para maior<br />

garantia da fidelidade partidária. Vota. Não sabe em quem, mas vota. Esfrega<br />

a pena no livro eleitoral, arabescando o aranhol de gatafunhos a que chama<br />

“sua graça” (LOBATO, 1994, p. 81).<br />

Em uma narração semelhante, Monteiro Lobato (1994, p. 81) evidencia<br />

todas as fragilidades do Jeca Tatu, especialmente quando se trata dele reconhecer a<br />

organização política que o rege. Ao lhe perguntarem quem seria o presidente da<br />

República, ele teria respondido com outra pergunta: “O homem que manda em nós<br />

tudo?... Pois de certo que há de ser o imperador”.<br />

Observa-se então que é também a plasticidade que faz o personagem de<br />

Lobato se transformar e se adaptar às novas exigências (diante da debilitação da saúde<br />

dele assistida por um médico) e se converter em herói, mesmo que cheio de defeitos e<br />

fraquezas.<br />

1724


E o que dizer da imagem forjada do “malandro carioca”? Poeticamente<br />

detalhado por Wilson Batista (1933) no samba “Lenço no Pescoço”, como evidencia na<br />

letra a abaixo:<br />

Meu chapéu do lado<br />

Tamanco arrastando<br />

Lenço no pescoço<br />

Navalha no bolso<br />

Eu passo gingando<br />

Provoco e desafio<br />

Eu tenho orgulho<br />

Em ser tão vadio<br />

Sei que eles falam<br />

Deste proceder<br />

Eu vejo quem trabalha<br />

Andar no miserê<br />

Eu sou vadio<br />

Porque tive inclinação<br />

Eu me lembro era criança<br />

Tirava samba-canção (BATISTA, 1933).<br />

O malandro presente nessa composição de Wilson Batista (1933), o qual<br />

toma consistência e se torna conceito com o rádio no Brasil, é também o mesmo<br />

malandro da vida noturna do Rio de Janeiro nos anos 30, para onde convergiam jogo,<br />

dança, bebida e mulher.<br />

O malandro é a fantasia constante do proletário, do negro, do oprimido<br />

encarnando a realização de certos anseios coletivos: não trabalha pesado, é temido e<br />

respeitado pelos homens, desejado pelas mulheres; vive sempre na orgia e no samba,<br />

sem jamais perder a linha e a fala (MATOS, 1982). É mister salientar que este herói<br />

brasileiro também passa por transformações e essa primeira imagem dele se modifica.<br />

Segundo Matos (1982) a elegância malandra toma forma caricatural do burguês<br />

engravatado.<br />

Roberto DaMatta (1997) o retrata muito bem quando o relaciona ao<br />

carnaval, contexto onde o samba atinge grande notoriedade e expressa a relatividade<br />

alegre de qualquer estrutura social, ordem, poder ou status quo. Assim, é o carnaval que<br />

1725


acaba se fundamentando na flexibilização dos rigores da norma, numa flutuação<br />

aparente dos valores sociais e morais vigentes.<br />

Pedro Malasartes (personagem das culturas ibéricas e brasileira, astucioso e<br />

vadio, conforme digita Câmara Cascudo, 1986) é um personagem que, de acordo com<br />

DaMatta (1997, p. 274), consegue converter todas as “desvantagens em vantagens, sinal<br />

de todo bom malandro e de toda e qualquer malandragem”. Sobre essa ideia de saber se<br />

transformar, de saber lidar com as complicações e conflitos de contexto diversos, de ser<br />

um relativizador das leis (regulamentos, códigos e moralidades), de ter (novamente) a<br />

plasticidade como símbolo forte em seu caráter, o autor detalha:<br />

Pedro Malasartes nos diz como transformar a morte e o cadáver em algo vivo<br />

e positivo, ganhando dinheiro e tirando partido de sua própria perda e dor. E<br />

ainda nos ensina a aceitar a relação entre “merda e dinheiro”, na profunda<br />

equação que diz ser o dinheiro (e a posição social que lhe corresponde) podre<br />

e disponível como as fezes, que Pedro vende a um ricaço burro, curioso e<br />

convencido (DAMATTA, 1997, p. 274).<br />

Neste sentido, para além de descrever a personalidade, DaMatta oferece<br />

uma análise sobre o papel social representado por Malasartes, para além da figura do<br />

“herói sem nenhum caráter”. Em suas palavras, um subversivo, perseguidor dos<br />

poderosos, para quem sempre leva a dose de vingança e destruição que denuncia a falta<br />

de um relacionamento social mais justo entre o rico e o pobre.<br />

Tantos outros anti-heróis permearam a literatura brasileira como o esperto<br />

João Grilo e demais personagens de Ariano Suassuna (2005), passando, inclusive, pelo<br />

universo infantil representado pelo Zé Carioca (SAIDENBERG; CANINI, 2015)...<br />

Todos eles (uns mais, outros menos) trazem em sua formação traços de sagacidade,<br />

zombaria, alienação política, sexualidade bastante apurada com mulheres, envolvimento<br />

constante em confusões, dissolução das regras e características de sua condição social<br />

bem delimitada como o desemprego, habitação em áreas periféricas das cidades e baixa<br />

escolaridade. Tais descrições parecem sempre se encaminharem para uma releitura<br />

comum do herói às avessas do Brasil: o que tem o jeitinho brasileiro ou, em outras<br />

palavras, o que reforça e comunga com o Patrimonialismo do Brasil.<br />

1726


O patrimonialismo enquanto conceito científico<br />

O jeitinho brasileiro foi mapeado mais cientificamente por Lívia Barbosa,<br />

(2005), enquanto conceito. Segundo a autora (2005), o jeitinho é sempre uma forma<br />

especial de se resolver algum problema, ou uma situação criativa para uma emergência,<br />

seja na forma de burla a alguma regra ou norma pré-estabelecida, seja na forma de<br />

conciliação, esperteza ou habilidade. Barbosa (2005, p. 41) ainda traça uma espécie de<br />

equação em que relaciona o “jeitinho” à corrupção: “jeitinho demais leva à corrupção”.<br />

Em Raízes do Brasil, Holanda (2011) relata como seria esse homem<br />

brasileiro e patrimonialista. Ele seria cordial:<br />

Já disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização<br />

será de cordialidade – daremos ao mundo o “homem cordial”. A lhandeza no<br />

trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros<br />

que nos visitam, representam com efeito, um traço definido do caráter<br />

brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a<br />

influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio<br />

rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar<br />

“boas maneiras”, civilidade. São, antes de tudo, expressões legítimas de um<br />

fundo emotivo extremamente rico e transbordante (HOLANDA, 2011, p.<br />

146-147).<br />

Conforme este autor, o que primordialmente define o caráter brasileiro são<br />

as formas de convívio ditadas por uma ética de fundo emotivo, que se relacionam com o<br />

coração (cordial), com os sentimentos. Até mesmo em ações que demandem estados de<br />

raiva ou necessidade de guerrear, por exemplo, o homem do Brasil as faria tomando por<br />

base a emotividade.<br />

Considerado isso, Holanda (2011, p. 148) exemplifica como esse<br />

comportamento está presente em muitas esferas da sociedade do Brasil. A dificuldade<br />

que se sente, geralmente, de se fazer uma reverência prolongada ante a um superior é<br />

um destes casos. “O temperamento do brasileiro admite fórmulas de reverência, e até de<br />

bom grado, mas quase somente enquanto não suprimam de todo a possibilidade de<br />

convívio mais familiar”. Dessa forma, a manifestação normal do respeito em outros<br />

1727


povos tem aqui sua replicação, no entanto, isso prevalece antes no desejo de estabelecer<br />

intimidade.<br />

Outro arquétipo fica à cargo do domínio da Linguística. A terminação<br />

“inho” que transforma a maioria das palavras da Língua Portuguesa em diminutivo, por<br />

exemplo, serve especialmente no Brasil para tornar as pessoas e / ou os objetos mais<br />

familiarizados e, ao mesmo tempo, para fazê-los mais acessíveis aos sentidos e<br />

aproximá-los do coração. À mesma ordem de manifestação pertence, certamente, a<br />

tendência de omitir o nome da família (sobrenome) no tratamento social, em regra é o<br />

primeiro nome, individual, que prevalece (HOLANDA, 2011).<br />

Na religião, isso também é perceptível através da intimidade com os santos<br />

da igreja católica (quem nunca ouviu falar histórias de mulheres, que quisessem muito<br />

um matrimônio, colocarem Santo Antônio de cabeça para baixo ou dentro da<br />

geladeira?); e na religiosidade mais <strong>ate</strong>nta aos templos suntuosos 236 e apegos à pompa<br />

exterior do que aos ritos e sentidos íntimos das cerimônias.<br />

Posto isto, é imperativo abordar também o que as pesquisas mais recentes<br />

chamam de neopatrimonialismo, termo cunhado para dar conta de certas<br />

particularidades de diferentes formas atuais do Estado.<br />

Segundo Bruhns (2012), o termo surge na década de 1970, com Shmuel N.<br />

Eisenstadt, que se lançou nas pesquisas dos sistemas políticos surgidos pós-Idade<br />

Média. O conceito é abordado como uma questão essencial da vida política nos<br />

modernos regimes e se distinguiria dos regimes patrimoniais tradicionais, quando das<br />

relações constituídas entre centro e periferia. Nos regimes neopatrimoniais, tais ligações<br />

eram mais intensas e atuantes. Daí se origina quadros políticos mais amplos e ao mesmo<br />

tempo unificados da integração de novos grupos e da emergência de novas dimensões<br />

236 Essa forma de culto tem ancestrais na Península Ibérica e na Europa Medieval, quando da decadência<br />

da religião palaciana, superindividual, passou-se a construir grandiosos monumentos góticos. A<br />

intimidade com as entidades superiores também é herdada de lá. Passado esse período, cada casa queria<br />

ter sua capela própria, onde os moradores se ajoelhavam diante de seu padroeiro e protetor. Cristo, Nossa<br />

Senhora e os santos já não significam seres privilegiados e eximidos de qualquer sentimento humano.<br />

Todos, fidalgos e plebeus, queriam estar em intimidade com os entes sagrados, em que o próprio Deus<br />

seria um amigo familiar, doméstico e próximo (HOLANDA, 2011).<br />

1728


de identidades coletivas. Concomitantemente, a tendência expansiva desses regimes os<br />

torna mais frágeis e sujeitos a crises.<br />

Nessa linha de pensamento, citando trabalhos de Guenther Roth, nos quais o<br />

desenvolvimento do termo patrimonialismo era elaborado, Bruhns (2012) analisou que<br />

em um grande número de Estados novos, a tradição perdera sua força legitimadora sem<br />

ter sido substituída por uma modernidade legal-racional. Consequentemente, formas de<br />

dominação pessoal, que não corresponderiam a nenhum dos três tipos weberianos de<br />

legitimidade (legal-racional, tradicional e carismática), devem sua sustentação<br />

essencialmente a “incentivos e recompensas m<strong>ate</strong>riais”, exemplificados através do<br />

clientelismo e a corrupção.<br />

O autor esboça metodologicamente que o recurso ao prefixo neo aparece<br />

para designar um fenômeno híbrido situado entre a dominação patrimonial e dominação<br />

legal-racional burocrática.<br />

Então o autor ratifica que o neopatrimonialismo se situa na miscelânea dos<br />

tipos de dominação weberiana, mesclando numa mesma combinação complexa e<br />

instável traços tradicionais e traços modernos (e notadamente burocráticos).<br />

O patrimonialismo sob a perspectiva do clientelismo, da corrupção e de outros<br />

termos.<br />

Sobre Clientelismo, Luís de Sousa (2008) 237 afirma que este é um fenômeno<br />

político milenar. É uma forma antiga de dominação por meio de reciprocidade, ainda<br />

que em termos desiguais de trocas originados por também desiguais acessos ao aparelho<br />

do Estado / recursos e poder político. Conhecido desde a época romana, a figura do<br />

cliente era o “habitante" alienado do processo de tomada de decisão, elaboração das leis<br />

e do acesso justo às diferentes magistraturas. Para compensar todos os processos aos<br />

quais era alheio, o cliente buscava proteção econômica e jurídica de senhorios e nobres<br />

237 Tradução da autora da tese.<br />

1729


(patrícios); e em troca, prestava seus serviços ao seu patrono, trabalhando nos campos<br />

ou realizando tarefas domésticas.<br />

Luís de Sousa (2008) ainda se refere ao termo como algo sujeito aos<br />

contextos sócio-históricos e às conotações culturais. De acordo com o autor (2008), no<br />

mundo em que é cada vez mais crescente as democracias frágeis ou ainda não<br />

consolidadas, nas quais as instituições informais quase sempre têm mais legitimidade<br />

que as formais, é importante que o Clientelismo seja entendido tanto como a prática<br />

real, quanto como quadro mental de jogadores que tentam sobreviver a transições de<br />

regimes e adaptar-se com sucesso em contextos democráticos, na medida em que a<br />

distribuição particularista de benefícios / serviços públicos é (ou não é) compatível com<br />

os princípios em que assenta a democracia moderna. O fenômeno não é intrínseco a<br />

todas as democracias, mas sua ocorrência é provavelmente cada vez mais complexa<br />

dado o aumento da diversidade de jogadores, contextos institucionais e informações<br />

disponíveis em regimes democráticos em comparação com autocracias. O fato de que o<br />

clientelismo se adaptou com sucesso a governança democrática não significa dizer que é<br />

mais frequente nas democracias do que em sociedades não democráticas. O que muda<br />

de um contexto para outro é o público: enquanto a maioria das pessoas consideraria<br />

clientelismo como uma técnica de sobrevivência em uma não-democracia, uma resposta<br />

legítima em face da opressão e da privação social e direitos políticos, na democracia<br />

suas consequências são percebidas pela maioria dos cidadãos e prejudicial aos<br />

princípios fundamentais dela: equidade, responsabilização, eficácia, transparência,<br />

integridade, etc. Deve-se ter em mente, no entanto, que democracias não consolidadas<br />

são suscetíveis de obrigar os cidadãos a adotar o mesmo modo de sobrevivência que em<br />

sociedades não democráticas, apesar da condenação pública generalizada destas<br />

práticas.<br />

Já em relação à Corrupção, Luís de Sousa (2011) assegura que ela é o<br />

cancro das democracias. Corrói as fundações éticas, retirando legitimidade ao poder<br />

político, enfraquecendo a responsabilidade e confiança públicas, e permitindo que certos<br />

1730


membros da sociedade tenham um acesso privilegiado e, por vezes, obscuro aos bens<br />

públicos e decisões.<br />

As sociedades democráticas são regidas por sistemas complexos de<br />

instituições, papéis e regras. Cada papel está associado a um conjunto de regras, que<br />

regem a sua função, gerando expectativas em relação ao desempenho das instituições.<br />

As instituições formais são a base da ordem social, oferecendo padrões de conduta para<br />

os cidadãos, do que é expectável ou não fazer. Quando as instituições de referência do<br />

Estado de Direito democrático – ao centro os partidos, o parlamento, o governo, mas<br />

também a administração, o mercado, a justiça – são sistematicamente bombardeadas por<br />

escândalos de corrupção, estas deixam de ser um ponto de ancoragem para os cidadãos.<br />

Assim o modelo de vida constitucional-legal preconizado pelas democracias de matriz<br />

ocidental perde o critério de veracidade, abrindo a porta a um conjunto de práticas,<br />

convenções e instituições informais que vão orientando o comportamento dos cidadãos<br />

em sociedade e que não se regem pelos mesmos princípios éticos (SOUSA, 2011).<br />

Corrupção seria então uma patologia da democracia, ou um leque vasto de<br />

posicionamentos, que a sociedade julga ética e politicamente reprováveis (CLUNY,<br />

2015; CUNHA, SERRANO, FIGUEIRA, 2015).<br />

Vele salientar, entretanto que, a ideia do Patrimonialismo, reelaborada<br />

também sob o viés de neopatrimonialismo 238 que, em tese, impediria o desenvolvimento<br />

de um Estado racional democrático, sendo raiz de muitos males, não é particularidade<br />

apenas do Brasil ou do homem brasileiro.<br />

O patrimonialismo não é reduto apenas do Brasil, nem do Estado<br />

Habermas vai dizer que o Estado Democrático de Direito nunca funcionou<br />

muito bem em lugar algum da Europa, pois a democracia na Europa apontava muitas<br />

238 Para fins desta pesquisa, mesmo “neopatrimonialismo” ressignificando o conceito de Patrimonialismo<br />

em seus contextos de Estado moderno, continuamos usando o termo “Patrimonialismo” para delimitá-lo<br />

politicamente e, inclusive, como fenômeno híbrido das formas Weberianas de dominação, uma vez que o<br />

consenso a respeito do conceito “neopatrimonialismo” é bem menos consistente na comunidade<br />

acadêmica.<br />

1731


vezes para o surgimento de foros econômicos, em detrimento das decisões políticas 239 .<br />

Em relação à unificação da Europa, o autor vai lembrar que quanto mais frequentes e<br />

importantes as matérias reguladas por meio da negociação interestatal, mesmo estas<br />

sendo políticas, tanto mais decisões eram subtraídas a uma formação democrática da<br />

opinião e da vontade (HABERMAS, GÜNTHER, DWORKIN, 1998).<br />

Já Richard Sennett (1999) afirma que essa confusão entre o público e o<br />

privado que o homem tende a fazer é uma característica própria do homem capitalista<br />

(mas que nasce, portanto, ao nosso ver, com as Grandes Navegações, antecipadas por<br />

Portugal e Espanha, em que o capitalismo inicia sua fase comercial, mercantil). Sennett<br />

(1999, p. 30) chega a dizer que os sinais gritantes de “uma vida pessoal desmedida e de<br />

uma vida pública esvaziada [...] são resultantes de uma mudança que começou com a<br />

queda do Antigo Regime e com a formação de uma nova cultura urbana, secular e<br />

capitalista”, inclusive com casos de abusos de poder e corrupção. Apesar disso, é<br />

preciso <strong>ate</strong>ntar para a não generalização, ou seja, isso nem sempre aconteceu.<br />

Dessa forma, as pessoas somente conseguiriam ser sociáveis quando<br />

dispõem de alguma proteção mútua; sem barreiras, sem limites, sem a distância mútua<br />

que constitui a essência da impessoalidade, as pessoas são destrutivas, não porque a<br />

natureza do homem seja mal, mas porque o efeito último da cultura gerada pelo<br />

capitalismo e pelo secularismo modernos torna lógico o “homem ser o lobo do homem”,<br />

quando as pessoas utilizam as relações intimistas como bases para as relações sociais<br />

(SENNETT, 1999).<br />

Vale salientar ainda que a herança feudal, representada mais<br />

especificamente pelas formas dominações tradicionais de Weber, sobrevive nas regiões<br />

rurais europeias. Dessa forma, há de se fazer uma distinção: no patrimonialismo de<br />

sobrevivência feudal mais presente no mediterrâneo (ruralista) é onde o espírito<br />

capitalista permite alguma dimensão emancipadora. Sennett (1999) e Habermas (1998)<br />

239 Embora haja diferenças de intensidade. Como bem lembra Hallin & Mancini (2010), o<br />

modelo mediterrânico assume esta característica com muito mais intensidade que os nórdicos, por<br />

exemplo.<br />

1732


insistem na apropriação do público pelo econômico no sistema capitalista porque<br />

escrevem em sociedades em que as forma de sociabilidade pré-modernas foram<br />

varridas. É outro patrimonialismo, ou um patrimonialismo reelaborado.<br />

Talvez isso explicasse o fato de boa parte desses mesmos autores já citados<br />

até aqui teorizarem sobre o fato da corrupção (tanto no Brasil, quanto em Portugal,<br />

embora em medidas, tempos e características distintas), m<strong>ate</strong>rialização mais seva do<br />

patrimonialismo, estivesse não apenas no Estado, mas em todo o cotidiano do cidadão<br />

comum 240 (como se fosse algo fisiológico até, intrínseco a sua identidade de homem<br />

moderno), o qual tem cada vez mais sua vida permeada pela centralidade da mídia e está<br />

o tempo todo ressignificando as noções implicadas pela confusão entre o público e o<br />

privado, segundo sua própria relação 241 com os processos midiáticos e de dominação.<br />

Então seria mister pensar esse conceito também sob o viés das mídias, uma vez que não<br />

dá para se pensar a visibilidade pública hoje e, portanto, a não distinção entre público e<br />

privado, sem pensar a mídia no meio desse fenômeno.<br />

O patrimonialismo no jornalismo online: algumas considerações de intersecção,<br />

mas não conclusivas.<br />

Vamos aqui utilizar a nomenclatura Jornalismo online, por ser um termo<br />

amplo capaz de englobar em um mesmo sentido o jornalismo feito por profissionais de<br />

formação acadêmica e por profissionais sem formação específica (pretenso<br />

jornalismo?), além de depender da rede mundial de computadores – internet (necessária<br />

para estar online), e estar presente em sítios digitais que vão além dos domínios WWW<br />

240 O mesmo cidadão que “fura” a fila; que paga propina ao policial do trânsito para não pagar uma multa<br />

maior por desrespeito às normas do tráfego; ou o próprio policial que recebe o dinheiro para não enxergar<br />

as irregularidades cometidas no trânsito; o mesmo cidadão que estaciona em lugar específico para<br />

deficientes, mesmo sem possuir deficiência alguma; que passa ou recebe o troco errado<br />

propositadamente; que para o carro em fila dupla; que usa a carteira de estudante para pagar meia<br />

passagem no ônibus ou ter acesso à meia entrada em shows e cinemas, mesmo sem ser estudante; ou<br />

ainda o que é responsável pela partilha igualitária de algo, mas o faz ficando com a melhor parte etc.<br />

241 Seja ela de emissor ou de receptor, ou dos dois ao mesmo tempo.<br />

1733


da Web, como boa parte dos blogs. Para corroborar com nossa escolha teórica Luciana<br />

Mielniczuk (2003), nos auxilia na definição de jornalismo online dizendo que é<br />

A pesquisa realizada em redes, onde as informações circulam, em tempo real<br />

e cujo objetivo é a apuração jornalística (pesquisa de conteúdos, recolha de<br />

informações e contato de fontes). (...) é desenvolvido utilizando tecnologias<br />

de transmissão de dados em rede e tempo real (MIELNICZUK, 2003, p. 41 e<br />

45).<br />

que:<br />

Por outro lado, Canavilhas comenta sobre o jornalismo na internet dizendo<br />

A mais importante contribuição da Internet para o jornalismo foi a criação de<br />

um ambiente propício ao nascimento das edições online. Se numa primeira<br />

fase se assistiu a mera transposição de conteúdos dos meios tradicionais para<br />

o novo meio, posteriormente registou-se uma evolução, com o aparecimento<br />

de novos formatos e o nascimento de meios nativos caracterizados pela sua<br />

hipertextualidade, multimedialidade, interatividade, instantaneidade,<br />

memória, personalização e ubiquidade. São estes meios digitais online que<br />

estão a mudar a face do jornalismo, respondendo às expectativas dos<br />

cidadãos que pretendem fugir à prisão da periodicidade informativa e estar<br />

permanentemente informados sobre os acontecimentos (CANAVILHAS,<br />

2015, p. 30).<br />

A Internet, sem dúvida, trouxe um novo olhar para o campo do jornalismo.<br />

São transformações que envolvem desde a forma de pensar e fazer jornalístico. Os<br />

profissionais de comunicação se apropriam da plataforma www em duas vertentes. No<br />

entanto, o excesso de vozes que a plataforma comporta faz emergir uma outra<br />

discussão: a confiabilidade das fontes.<br />

Com esse reconhecimento do valor e influência da tecnologia da informação<br />

na modernização e ampliação do acesso às notícias pelas pessoas em qualquer lugar do<br />

mundo bem como de sua disseminação, pensado por João Canavilhas (2015), pode-se<br />

chegar também a ideia de como o jornalismo online tem modificado a forma das<br />

pessoas consumirem e circularem produtos e conteúdos midiáticos; de assistirem a seus<br />

telejornais preferidos e / ou de lerem as informações noticiosas da mídia impressa, por<br />

exemplo. Mais, de que maneira estes receptores-atores podem interagir de maneiras<br />

1734


diversas, através de comentários, compartilhamentos em redes sociais e se constituírem,<br />

inclusive, como fontes emissoras do conteúdo informacional ou servirem de base de<br />

dados para a produção e realimentação de conteúdo noticioso.<br />

Assim considerado, é possível de perceber que o jornalismo online dá ao<br />

caráter noticioso o tom de factual. O que antes era reduto do impresso, através de um<br />

sentido estabelecido de periodicidade, agora cede espaço para o ambiente virtual. A<br />

necessidade de atualização contínua fez o jornalismo online arrogar para si o status de<br />

construtor factual, hard, instantâneo noticioso. Deixa-se para o impresso, o meio termo<br />

de apuração e escrita textual entre o factual instantâneo do online e o aprofundamento<br />

da revista.<br />

Nesse sentido, é preciso chamar <strong>ate</strong>nção para as múltiplas possibilidades<br />

também de não-checagem e propagação de informações (ao mesmo tempo) no<br />

cirberambiente onde se estabelece o jornalismo online. Além do que pode ser entendido<br />

por Fake News, é necessário se refletir porque elas existem e se propagam. Talvez isso<br />

esteja diretamente relacionado com a ideia de patrimonialismo na rede.<br />

A ideia de tornar de algo público, no caso a informação de interesse público,<br />

como um bem que a fundo reflete mesmo são os interesses privados, tem se mostrado<br />

bastante presente na formatação jornalística contemporânea para além dos limites de<br />

linha editorial dos veículos.<br />

Até a ideia de veículos de comunicação enquanto empresas tem se tornado<br />

fluídica. Sites falsos tomam espaço de propagadores noticiosos e legitimadores de fatos,<br />

mesmo quando sobre estes não recai nenhuma responsabilidade ética. Quando a<br />

responsabilidade jurídica gera algum evento não quisto pelos sites propagadores de<br />

notícias falsas, estes fecham as páginas e reabrem outra.<br />

Segundo Fábio Victor (2017), em reportagem especial para a Folha de São<br />

Paulo / UOL, no Brasil especialmente, existe uma verdadeira teia que engrena enquanto<br />

negócio político, econômico e ideológico, o jogo da propagação de notícias falsas na<br />

rede.<br />

1735


Chamando de negócio do grotesco, Victor (2017) relata vários fatos e<br />

personagens que ilustram esse processo o qual não se restringe à rede, mas batizam<br />

rádios e jornais locais, com impulsionadores para chegar ao alcance nacional / global:<br />

Pensa Brasil, Brasil Verde e Amarelo, Diário do Brasil, Folha Digital, Juntos<br />

pelo Brasil, Jornal do País, Saúde, Vida e Família, Você precisa saber, Em<br />

nome do Brasil, Folha de Minas, The News Brazil e Na Mira da Notícia, são<br />

site que estão ou estiveram recentemente no ar, com características<br />

semelhantes. Foram criados por membros do trio (Alberto Júnior da Silva –<br />

Beto, Luciano Vieira e Luciano Moura) ou por alguém próximo a ele – em<br />

alguns casos, um deles registrou o domínio e cedeu para parceiros<br />

desenvolverem os sites. Se há problemas com uma página, ela é fechada, e<br />

logo reaparece sob um novo endereço (VICTOR, 2017, online).<br />

Geralmente os sites são ligados entre si nomeadamente via domínios,<br />

ideologias, negócios e publicidades. Segundo ainda Victor (2017), quanto maior a<br />

audiência da página, maior será o lucro em publicidade. Isso reflete diretamente ao<br />

processo de venda de Fake News, de troca delas por cliques e, consequentemente por<br />

lucro.<br />

A notícia deixa de pertencer à esfera pública enquanto bem de interesse<br />

público, para servir a negócios privados e ilegítimos, uma vez que na busca do lucro, a<br />

propagação sistematizada de notícias falsas se torna a moeda de maior valor de troca.<br />

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vista por jornalistas e políticos. Covilhã: LabCom.IFP, 2015.<br />

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vista por jornalistas e políticos. Covilhã: LabCom.IFP, 2015.<br />

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.<br />

Acesso em: 12 de agosto de 2017.<br />

1738


O RACISMO NAS REDES SOCIAIS: uma análise das promoções do racismo sofrida<br />

pela miss Brasil Monalysa Alcântara após a coroação do concurso. aspectos da<br />

branquitude nos discursos de ofensa.<br />

RACISM IN SOCIAL NETWORKS: an analysis of the promotions of racism<br />

suffered by miss Brasil Monalysa Alcântara after the coronation. aspects of branquitude<br />

in offensive discourses.<br />

Alessandro Silva<br />

Graduando do curso de comunicação social – Jornalismo<br />

Universidade Ceuma<br />

Isanda Maria Falcão Canjão<br />

Orientadora e Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande<br />

do Sul- UFRGS. Doutoranda em Ciências Socais Universidade Federal do maranhão –<br />

UFMA<br />

Eixo 3 - Mídia, patrimônio Cultural e Sociedade.<br />

RESUMO: O século XIX é carregado de significações quanto as relações e<br />

comportamentos sociais vivenciado por negros, brancos, explicados a partir de uma<br />

perspectiva biológica e eugenista. Um legado histórico do racismo não estáapenas em<br />

um passado distante, mas se estende no dia a dia das pessoas. O caso da jovem<br />

Monalysa Alcântara, intitulada, miss Brasil, será colocado como recorte de análise afim<br />

de discutir o racismo nas redes sociais e, através de fundamentações teóricas,<br />

argumentar possíveis comportamentos sociais adotados pelas pessoas que, na<br />

legitimação da brancura da pele, empregam um padrão hierárquicode ser humano.<br />

Palavras-chave: Miss Brasil; Racismo; hierarquia; Redes Sociais<br />

ABSTRACT: The nineteenth century is full of meanings about the relationships and<br />

social behaviors experienced by blacks and whites, explained from a biological and<br />

1739


eugenic perspective. A historical legacy of racism is not only in the distant past, but<br />

extends in the day to day of people. The case of the young Monalysa Alcântara,titled,<br />

miss Brazil, will be placed as an analysis clipping to discuss racism in social networks<br />

and, through theoretical foundations, to argue possible social behaviors adopted by<br />

people who, in legitimizing skin whiteness, use a standard hierarchical structure of a<br />

human being.<br />

Keywords:Miss Brazil; Racism; hierarchy; Social networks<br />

INTRODUÇÃO<br />

O presente trabalho propõe uma análise sobre os ataques sofridos por<br />

Monalysa Alcântara, miss Brasil 2017, promovidos por pessoas racistas nas redes<br />

sociais. Pressupõe a necessidade de falar sobre raça, racismo e as relações que são<br />

estabelecidas a partir de então. Busca-se entender,como essas trocas sociais partilhadas<br />

entre as pessoas conseguem desencadear ações de cunho racista, eugenista e<br />

preconceituoso, assim como os próprios privilégios atribuído aos que eram/são tidos<br />

como o referencial de civilização, os brancos.<br />

Serão apresentadas teorias datadas do século XIX que endossaram a forma<br />

como os indivíduos conviviam em sociedade e que acabava fortificando uma relação<br />

hierarquizada sustentada por teorias biológicas de raça. Essa tentativa de tangenciar o<br />

“outro” é consequência a inserção de uma ideia eugenista na sociedade. A relação é<br />

estabelecida dentro uma visão eurocentrista que tornava o branco o ocupante primeiro<br />

da escala em que o negro era o último.<br />

Esse desprivilegio mantido através do preconceito, conseguiu se prolongar<br />

até os dias de hoje. A relação desigual dentro da sociedade fortalecia dia após dia o<br />

lugar de negros e brancos dentro do seio social. Não é por acaso que as pessoas, ainda<br />

hoje, se engajam em discursos de ofensa contra negros. Ao que se pode tentar inferir é<br />

1740


que existe um pensamento que a todo instante qualifica o “outro” como alguém menor,<br />

com poucos privilégios, inferior ou “subcivilizado”<br />

As redes sociais são instrumentos que gerenciam essas discussões e tornamse<br />

palco para os atores sociais 242 manifestarem suas opiniões. O tweeter foi utilizado por<br />

esses atores na promoção de conteúdo com um víeis que pressupõe racismo. Serão<br />

analisados quatro Tweet que no período, após a coroação de Monalysa, são destacados<br />

por suas fundamentações e justificativas de cunho preconceituoso e racista.<br />

Dos conceitos de raça ao racismo: contextualização e deb<strong>ate</strong>s<br />

Perceber as construções que giram entorno do que seria o conceito de raça<br />

tornou-se algo importante quando, é cada vez mais perceptível dentro da sociedade,<br />

comportamentos que estão para além das termologias e que são figurados em ações.<br />

Esses comportamentos estão firmados dentro de atitudes preconceituosas e racistas.<br />

Sabe-se que o conceito de raça foi cunhado no século XIX com a perspectiva de<br />

caracterizar o ser humano. Lilia Schwarz faz algumas pontuações sobre as concepções<br />

dessa época:<br />

Foi no século XIX que os teóricos do darwinismo racial fizeram dos atributos<br />

externos e fenotípicos elementos essenciais, definidores de moralidade e do<br />

devir dos povos. Vinculados e legitimados pela biologia, a grande ciência<br />

desse século, os modelos darwinistas sociais construíram-se em instrumentos<br />

eficazes para julgar povos e culturas a partir de critérios deterministas<br />

(SCHWARCZ, 2012, p. 20).<br />

A termologia raça que emerge naquele século, é proveniente do conceito<br />

adotado pela biologia e está intrinsecamente relacionado a ideia de animal. Darwin, o<br />

precursor destas prerrogativas, estabelece a ideia de seleção natural.Segundo o que<br />

Schawarcz declara, Charles Darwin propunha através da sociedade animal arquitetar<br />

242 Termologia cunhado por Raquel Recuero.<br />

1741


esquemas de seleções naturais. Com essa visão, aplicava sobre os indivíduos a ideia de<br />

que dentro da sociedade haviam pessoas que eram fracas e outras que eram fortes.<br />

Raça pressupõe uma visão pejorativa de alguém, pois é associado ao<br />

determinismo biológico. Além do que, há uma predição de acreditar que somente o<br />

“outro” (negros, índios, amarelos, asiáticos) possui raça, e o outro (brancos) não.<br />

Essa perspectiva ajudou a pensar as questões relacionadas a hierarquia<br />

social advinda dos europeus, onde se tinha um ideal de civilização impondo-se como<br />

um molde a ser seguido a qualquer custo.<br />

A hierarquização das pessoas é fortificada pela visão eugenista (GALTON,<br />

1865), que propunha um olhar estigmatizado sobre a sociedade no que tange às<br />

características “hereditárias” do “outro”. Pensava-se na época, que existia na sociedade<br />

pessoas que poderiam, a partir de suas características físicas e mentais, empobrecer os<br />

de fenótipos brancos ou a própria espécie como um todo. A inteligência, segundo ele,<br />

era algo que era herdado, não emergia do seio social. Com isso, as pessoas estavam<br />

condicionadas a viver segundo o que lhe foi atribuído pelos seus antepassados: “Uma<br />

notável apreensão parece ser atual quanto ao fato da transmissão de talentos por<br />

herança” (GALTON, 1865, p.157).<br />

Dentro das colocações advindas de Galton que endossam as relações<br />

eugenista na sociedade, José Ingenieros, pontua a necessidade de haver uma melhoria da<br />

espécie futura que servisse de molde afim de selecionar os com “mais capacidade” e não<br />

permitir a permanência dos “degenerados” que culminaria em prejuízos para a espécie.<br />

Declara:<br />

Por acaso, os homens do futuro, educando seus sentimentos dentro de uma<br />

moral que reflita os verdadeiros interesses da espécie, possam tender até uma<br />

medicina superior, seletiva; o cálculo sereno desvanecería uma falsa<br />

educação sentimental, que contribui para a conservação dos degenerados,<br />

com sérios prejuízos para a espécie" (INGENIEROS, 1900, p. 13).<br />

1742


Os pensamentos formulados pelo autor de que o ser humano deveria<br />

prospectar um futuro da espécie que fosse melhor, afim de não a entregar à<br />

degeneração, se relacionam com as premissas colocadas por Gobineau em 1950, quando<br />

imagina uma sociedade que, embora houvessem pessoas de várias “raças”, isso não<br />

seria um problema, desde que estes não se misturassem sexualmente. Havendo esta<br />

mistura, eram tidas como degenerados. Assim pontua DaMatta sobre o que Gobineau<br />

pensava:<br />

(...) ele via com seus próprios olhos, e escrevia revoltado a seus amigos<br />

franceses, o quanto a nossa sociedade permitia a mistura insana de raças.<br />

Essa miscigenação e esse acasalamento é que o certificavam do nosso fim<br />

como povo e como processo biológico. Seu problema, conforme estou<br />

revelando, não era a existência de raças diferentes, desde que essas “raças”<br />

obviamente ficassem no seu lugar e naturalmente não se misturassem<br />

(DAMATTA, 1986, p. 26).<br />

A visão empregada sobre as pessoas nesse período possibilitava a aversão às<br />

misturas entretanto, isso mudou posteriormente ao século XIX. Na tentativa de ainda<br />

assim manter uma hierarquia que tangia as relações e que se colocava assentada em um<br />

patamar de imposição, houve um processo na sociedade chamado de branqueamento<br />

social 243 , agora seria positivo miscigenar, contudo implicasse clarear. Portanto, o desejo<br />

que se tinha de não misturar as “raças”, passa uma manobra social para estabelecer a<br />

posição de uma única “raça”.<br />

É possível tentar perceber o modo como a ideia de branqueamento vai se<br />

instalando no Brasil. A partir de uma ideia “amenizada” entorno do negro e do índio,<br />

lançam um olhar sobre as “raças” misturadas, afim de que cheguem a, pelo menos, um<br />

nível de civilização. Estas construções partem do final século XIX e início do século<br />

XX, onde procurou-se extinguir da sociedade as misturas raciais e branqueá-la. Assim<br />

pontua Maria Bento:<br />

(...) o problema do branqueamento, abordado nas últimas quatro ou cinco<br />

décadas como um problema exclusivo do negro, nasce do medo da elite<br />

243 Ato de branquear. Procurava-se com isso, uma tentativa de misturar a raça branca com outras raças<br />

afim de obter um clareamento na pele das pessoas que eram nascidas destas relações (PETAN, 2013).<br />

1743


anca do final do século XIX e início do século XX, cujo objetivo é<br />

extinguir progressivamente o segmento negro brasileiro (BENTO; 2002, p.<br />

20).<br />

Sendo estas ambições emergentes da elite brasileira, a autora pontua que o<br />

anseio destas pessoas era erradicar o negro da população. Embora travestido de uma<br />

ideia em que negros, brancos e índios tinham seus lugares respeitados na sociedade,<br />

havia um interesse de que estes não se misturassem. É, aparentemente, notável, que o<br />

branco sempre ascendeu socialmente mais que o negro, e estas percepções são frutos do<br />

que viria a denominar-se, a branquitude (SCHUCMAN, 2012), onde há a existência de<br />

privilégio por parte de uma única classe de pessoas, estas normalmente, brancas, em<br />

detrimento de “outras”, os negros. Dito isso, é que Lia Schucman fez um estudo de<br />

grande relevância sobre os privilégios de um grupo em comparação com o outro.<br />

Esses comportamentos conseguem construir uma visão que desencadeia no<br />

racismo. As formulações advindas da ideia de raça trazem como consequência, senão<br />

concomitantemente, as evidências de um tratamento excludente e preconceituoso. O<br />

racismo é fruto do que as pessoas estabelecem na sua relação com o “outro” e, vale<br />

lembrar, que essa relação não é consensual pois o ofendido é alvo de racismo<br />

gratuitamente, ou seja, pelo simples fato de ser negro (SILVA, 2009).<br />

É partindo destes conceitos que se procura discutir e analisar como as<br />

questões de racialização se tornam tão presentes nas esferas midiáticas e como se<br />

fortalece. Revela-se importante essas verificações quando se percebe que os discursos<br />

racistas são gratuitamente proferidos por determinados grupos que se legitimam através<br />

do campo midiático, o que também pressupõe uma notoriedade dos ideais destes<br />

grupos. Como constituinte deste campo, as redes sociais são as ferramentas mais<br />

utilizadas pelos indivíduos como uma busca em manter contato.<br />

Assim, os espaços das redes sociais endossam pensamentos racistas pois<br />

acredita-se que, por não estarem fisicamente no mesmo espaço que o agredido, o<br />

agressor sente-se seguro para dizer o que quiser. A mídia é um espaço democrático, mas<br />

sua utilidade acaba sendo, jocosamente ferramenta de quem busca propagar seu discurso<br />

1744


através destes meios, são eles quem mantêm esses ideais. Nas fundamentações de Henry<br />

Jenkins em “A cultura da convergência” o autor fala sobre a alimentação de conteúdos<br />

pelos próprios indivíduos:“A circulação de conteúdos – por meio de diferentes sistemas<br />

midiáticos, sistemas administrativos de mídias concorrentes e fronteiras nacionais –<br />

depende fortemente da participação ativa dos consumidores”(JENKINS, 2008, p.27).<br />

Na hipótese de que as redes sociais têm se tornado uma ferramenta de uso<br />

massivo e de grande concentração de conteúdo, procura-se identificar de que forma esse<br />

manuseio se estabelece e como estas práticas conseguem propagar (JENKINS, 2008)<br />

fortes ideologias racistas que são firmadas, também, através da branquitude. Estas<br />

questões suscitarão à abordagem, afim de saber como, possivelmente, todos esses<br />

acontecimentos tornaram-se raízes na vida das pessoas e, por sua vez, são práticas<br />

naturalizadas nas relações sociais e redes sociais. Nosso artigo estar embasado em<br />

algumas dessas ideias, tendo como referência a análise do caso de Monalysa Alcântara,<br />

miss Brasil 2017, onde buscaremos apreender os ataques racistas que ela sofreu nas<br />

redes sociais.<br />

De Monalysa Alcântara, miss Brasil, aos ataques nas redes sociais<br />

Foi preciso perpassar por um breve apanhado histórico para que se pudesse<br />

entrar na análise do objeto. É bom que se entenda que foi proposto uma abordagem<br />

histórica que procurou brevemente apontar alguns aspectos sobre o deb<strong>ate</strong> racial a fim<br />

de que se possa evidenciar a fundamentação do artigo.<br />

O caso analisado diz respeito a uma jovem de 18 anos, natural do Piauí e<br />

estudante de administração, Monalysa Alcântara, que participou do concurso do Miss<br />

Brasil Be Emotion 2017, sendo a vencedora (MISS BRASIL BE EMOTION, 2017). O<br />

concurso é o maior do país e conta com 26 estados participando do evento: “A Be<br />

Emotion é a marca da beleza da Polishop, líder no varejo multicanal no Brasil, e segue o<br />

conceito da empresa ao trazer para o mercado produtos inovadores” (idem, 2017).<br />

1745


O concurso do Miss Brasil, segundo o que declara o jornal O Reb<strong>ate</strong> 244 ,<br />

acontece desde de 1954. Essa informação é corroborada pelo site Terra 245 e o site Ig 246<br />

que em suas matérias declaram ser esta data o início do primeiro concurso. Segundo o<br />

editor chefe do jornal O reb<strong>ate</strong>, existiu um evento que no ano de 1865 começou a<br />

fomentar a carreira de miss: “Na verdade, foram 9 senhoritas consagradas em 1º lugar<br />

como ‘Miss Brasil’ no período em que ele ainda não era oficial” (MARINHO, 2015).<br />

Segundo registros do mesmo jornal, destaca que a primeira Miss Brasil<br />

(1865) foi Aymée, ela era francesa nascida em 1845, em Montjole, chegou ao Brasil<br />

com 19 anos, era atriz e cantora de ópera (MARINHO, 2015). Em 1900 houve um<br />

outro concurso de beleza onde a vencedora foi Violeta Lima Castro, assim afirma O<br />

Reb<strong>ate</strong>:<br />

Nascida em 1879 em Paris, França, foi registrada no consulado brasileiro.<br />

Filha do professor da Faculdade de Medicina, Dr. João da Costa Lima e<br />

Castro. Violeta falava muito bem os idiomas<br />

português/francês/espanhol/italiano/inglês. Tornou-se uma das mais famosas<br />

cantoras líricas do seu tempo, também atuava como pintora e teve bastante<br />

destaque social e cultural durante sua vida. Faleceu em maio de 1965, aos 86<br />

anos de idade, em sua casa, no Rio de Janeiro-RJ, no bairro da Urca<br />

(MARINHO, 2015).<br />

A primeira Miss Brasil oficial segundo os três veículos, seria a baiana<br />

Martha Rocha. O evento ocorreu no Rio de janeiro e foi um sucesso, segundo o que<br />

pontua o site Terra: “No ano seguinte, o concurso já era um sucesso e passou a ter<br />

transmissão e cobertura da imprensa nacional, tornando-se um dos eventos mais<br />

populares do País, graças à parceria com o Diários Associados”(TERRA, 2012).O<br />

evento, a partirdo que conta o site, acontecia no Rio de Janeiro e foi transferido para o<br />

Brasília pois assim o próprio presidente poderia recebê-las e porque havia um fluxo de<br />

avião para a cidade. O site terra afirma:<br />

244 Jornal fundado em 16 abril de 1932, cujo o editor chefe é o José Milbs de Lacerda Gama<br />

245 Site de informações e prestação de serviços<br />

246 Site que veicula informação e entretenimento<br />

1746


O evento teve sede no Rio de Janeiro até 1973, quando foi transferido para<br />

Brasília, capital do país. A mudança ocorreu porque assim as candidatas<br />

poderiam ser recebidas pelo presidente, além de metade das conexões de<br />

voos do país se dar na capital federal (TERRA, 2012).<br />

Diante do que o site informa e, segundo o que O Reb<strong>ate</strong>endossou, Martha<br />

Rocha chegou a ficar em segundo lugar do Miss Universo.O que narram na época e<br />

aquilo que o jornal pressupõe, a Miss Brasil não ganhou o evento devido possuir duas<br />

polegadas a mais nos quadris (MARINHO, 2015).<br />

No país, a primeira Miss Brasil negra foi a Deise Nunes em 1986. Deise é<br />

natural do Rio Grande Do Sul (O GLOBO, 2016). O site Uol 247 declara que na época,<br />

era a única candidata afrodescendente: “(...) lá na segunda metade da década de 80,<br />

assumira a coroa Deise Nunes, a primeira a vencer o famoso concurso de beleza e a<br />

única competidora afro entre as mulheres brancas naquele ano” (UOL, 2017). A Miss<br />

Brasil de 1986, em entrevista ao site Extra 248 da rede Globo, fala sobre o jejum de 30<br />

anos sem ter uma Miss Brasil negra, assim diz:<br />

Até hoje sou a única negra a vencer o concurso. Sinto que desta vez elas<br />

vieram mostrar que a beleza é mais diversa do que pensam, dando um tapa no<br />

preconceito. Passou da hora de termos outra miss representando o país<br />

miscigenado que é. Ainda aguardo uma sucessora, observa Deise, eleita em<br />

1986 (EXTRA, 2016)<br />

Deise pontua algo que ao longo deste artigo foi mencionado: miscigenação e<br />

preconceito. O Brasil, possui uma sociedade heterogênea racialmente e, entretanto, até o<br />

ano de 1986, havia apenas uma negra chegou a ser eleita Miss Brasil. Já no ano de<br />

2016, haviam seis candidatas negras que concorriam ao Miss Brasil Be Emotion, uma<br />

dessas concorrentes era a Miss Maranhão Deise D’anne, que ficou em Terceiro lugar,<br />

em relação a Raissa Santana, eleita Miss Brasil 2016 (EXTRA, 2016).<br />

Raissa Santana foi a segunda negra na história do Miss Brasil Be Emotion a<br />

ser coroada no concurso. Ela possui 21 anos é pertencente ao estado do Paraná (G1,<br />

2016). No ano seguinte (2017) quem se tornou a eleita foi Monalysa Alcântara. Ela<br />

247 Site de notícias e entretenimento<br />

248 Site de entretenimento da rede globo<br />

1747


competiu com 26 candidatas dentre as quais, Juliana Mueller, de 25 anos, representante do<br />

Rio Grande do Sulque ficou em segundo lugar e Stephany Pim, 23 anos, que representou o<br />

Espírito Santo que conquistou o terceiro lugar (G1, 2016).<br />

Após a coroação no evento, as redes sociais foram bombardeadas tanto por<br />

mensagem de apoio quanto de insatisfação pela vencedora do concurso, com diversas<br />

mensagens de cunho preconceituoso e racista. Algumas dessas mensagens foram publicadas 249 ,<br />

principalmente, por perfis no Twitter. 250 Dentre as quais pode-se mencionar o perfil de Maria<br />

(@_mariaffc) que assim disse: “ eu não acredito que eu li que hoje em dia tem cota até pra miss<br />

Brasil, eu realmente não estou crendo nisso!!! (ESTADAO, 2017), afirmou a jovem.<br />

O primeiro ponto a ser observado é o que ela infere sobre Monalysa ter entrado<br />

através de cotas raciais. A cota é uma tentativa de nivelar a desigualdade dentro da sociedade o<br />

que sinaliza para um certo reparo social. Dentro os mais diversos setores, as cotas estão<br />

massivamente nos setores públicos. A educação é um setor que se disponibiliza a tentar igualar<br />

os grupos étnicos. O Mec, a partir de sua portaria, afirma:<br />

A Lei nº 12.711/2012, sancionada em agosto deste ano, garante a reserva de 50% das<br />

matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de<br />

educação, ciência e tecnologia a alunos oriundos integralmente do ensino médio<br />

público, em cursos regulares ou da educação de jovens e adultos. Os demais 50% das<br />

vagas permanecem para ampla concorrência (MEC, 2012).<br />

O que o Mec pontua é a distribuição de modo a abranger as classes que, devido a<br />

desigualdade massiva na sociedade, precisam de ferramentas que auxiliem na melhoria da vida<br />

de quem não conseguiria sozinho. O Politize 251 , acrescenta, ainda, que as cotas vêm para<br />

amenizar as disparidades que acontecem na sociedade. De certa forma, é ela quem, através de<br />

uma válvula de escape, tem conseguido inserir diversas pessoas no mercado de trabalho e nas<br />

universidades, declara o site:<br />

249 Termologia que, embora advinda de livros e afins, é característico, também, do Facebook.<br />

250 Ferramenta das redes sociais que lida com interação instantânea entre os indivíduos conectados por<br />

internet.<br />

251 Uma rede de pessoas e organizações comprometidas com a ideia de levar educação política para os<br />

cidadãos de todo o Brasil.<br />

1748


As cotas raciais são ações afirmativas aplicadas em alguns países, como o Brasil, a fim<br />

de diminuir as disparidades econômicas, sociais e educacionais entre pessoas de<br />

diferentes etnias raciais. Essas ações afirmativas podem existir em diversos meios, mas<br />

a sua obrigatoriedade é mais notada no setor público – como no ingresso nas<br />

universidades, concursos públicos e bancos (POLITIZE, 2016).<br />

Partindo do que Maria Tweetou 252 , busca-se perceber o seguinte: nas regras do<br />

concurso é de conhecimento geral que não existe um critério de escolhas por meio de cotas.<br />

Entendemos que o discurso que foi publicado pelo perfil na rede social é etnocêntrico pois retrata<br />

a dificuldade de reconhecer o “outro”, o negro que estaria fora do padrão estético de beleza<br />

dominante em nossa sociedade.<br />

Raposo (2015), no livro: Comunicação Digital: um panorama da produção<br />

acadêmica do Digicorp, faz alguns apontamentos sobre a relação que o indivíduo tem com a<br />

internet. É ela que viabiliza o funcionamento e, até mesmo, o surgimento, das redes sociais. Essas<br />

informações tentam estabelecer uma visão que indica que Maria, a autora do Tweet, utilizou-se<br />

de uma visão de mundo hierarquizada em suas vivências e construídas em sociedades racistas,<br />

que a levaram ao questionamento do fato de que uma jovem negra poderia ascender socialmente.<br />

Essas barreiras pelas quais o negro passa na sociedade, são frutos do que a história<br />

demonstra. Um pensamento etnocêntrico é firmado entre os indivíduos, fazendo com que as<br />

redes sociais fortaleçam essas práticas. De modo a propagar esses pensamentos, conseguem a<br />

cada dia reunir inúmeras pessoas que creem em um ideal eurocêntrico como normatizador da<br />

vida em sociedade.<br />

Um outro caso advindo dessas redes é o Tweet do Humberto Monteiroque afirma:<br />

“Fim da PICADA escolherem MISS por Brasilidade! Vai passar vergonha no miss<br />

Universo. A de 2016 é LINDA mas essa recebeu voto por "COTA" aff!” (ESTADAO,<br />

2017). O que pensa Humberto é semelhante com o Tweet de Maria, demonstrando um<br />

pensamento homogêneo ou, pelos menos, semelhante no que tange as ideias de cotas<br />

raciais.<br />

Mas, uma outra informação é acrescentada: brasilidade. Esse termo que de<br />

se refere faz alusão ao tipo fenótipo de pessoa que, segundo ele, é o perfil que<br />

252 Nome utilizado para designar as publicações que são realizadas pelos perfis<br />

1749


corresponde ao tipo ideal de brasileiro no qual, também, diz respeito à brasilidade<br />

escolhida pelo miss Brasil.<br />

Com isso, pôde-se perceber um fortalecimento de uma tentativa de<br />

padronizar e erradicar o “diferente” de modo que, aos poucos, o país não obtendo êxito,<br />

deixou marcas de uma manobra de cunho preconceituoso e racista na busca por<br />

homogeneizar um padrão de cor.<br />

É diante do que é exposto no Twitter,que Humberto consegue manifestar-se<br />

e propagar um discurso que, em suas características, presumem racismo e preconceito.<br />

Ele é o ator que é representado pelo nós 253 , possibilita a interação nas redes sociais com<br />

aqueles que partilham dos mesmos ideais que ele (RECUERO, 2009). Essas interações<br />

só ocorrem porque os atores, embora disponham de uma personalidade individual no<br />

espaço da internet, ela consegue unir pessoas a partir do que elas compartilham. Como<br />

Raquel Destaca em seu livro:<br />

São espaços de interação, lugares de fala, construídos pelos atores de forma a<br />

expressar elementos de sua personalidade ou individualidade. Assim, um<br />

primeiro aspecto relevante para este estudo é a característica da expressão<br />

pessoal ou pessoalizada na Internet (RECUERO, 2009, p. 25-26).<br />

Diante do que a autora descreve, pode-se tentar perceber que o meio em que<br />

os atores sociais se relacionam torna-os integrantes frente ao que buscam propagar. Boa<br />

parte do que comunicam está relacionado com a cultura ao qual estão inseridos. No<br />

mesmo ambiente virtual dos atores citados, uma moça de nome Gabriela diz a seguinte<br />

frase: “miss rio grande do sul rainha injustiçada só pq não tem cabelo afro e pele negra<br />

que os defensores da "brasilidade" adoram” (ESTADÃO, 2017).<br />

Estas constatações apontadas por Gabriela mostram um interesse muito<br />

pessoal da jovem que acredita ser a miss Rio Grande do Sul injustiçada. Fruto de um<br />

pensamento unil<strong>ate</strong>ral que tange o outro por aquilo que julga ser correto. Todorov<br />

(1993) fala sobre estas percepções do outro, sinalizando para um tipo de visão que é<br />

adquirida pela distância que do outro temos: “Nossos julgamentos sobre os outros,<br />

253 Termo cunhado por Raquel Recuero para designar as representações dos atores nas redes sociais.<br />

1750


mesmo que se disfarcem com as cores da objetividade e da imparcialidade, só<br />

descrevem, na realidade, a distância que deles nos separa: quanto mais próximos, mais<br />

os estimamos”(TODOROV, 1993, p. 64).<br />

A necessidade de qualificar o outro é, também, consequência do que este<br />

indivíduo tem como significado, ou seja, aquilo que para ele é valorativo. Ao inferir<br />

sobre Monalysa um juízo de valor, Gabriela pressupõe um ideal de beleza que não<br />

estava na miss eleita e sim na do Rio Grande do Sul, onde se permite perceber um<br />

contraste entre cidades; Monalysa é do Piauí, nordestina, com um fenótipo diferente da<br />

desejável pela jovem. Em uma outra análise é notório a seguinte: a escolha por um<br />

padrão, branco de cabelos lisos e olhos claros, em tudo remete a um modo europeu. O<br />

desejo de Gabriela parte de um histórico hierárquico que induz a um ideal que, de modo<br />

vigente, ainda impera sobre as opiniões.<br />

Em toda a frase é possível perceber aparentemente uma colocação que<br />

indica preconceito e racismo. Acreditar não ser Monalysa a miss que representa o Brasil<br />

pode, em muitas vezes, ser apenas uma questão de escolha pessoal, contudo, se estes<br />

pensamentos são respaldados dentro um critério que diminui o outro e sobre as<br />

alegações que reforçam o modo hierárquico do civilizado e do belo reafirma um caráter<br />

racista.<br />

Uma publicação que corroboram esses pensamentos foi a de Juliana Porto.<br />

A jovem publicou no dia 20 de agosto de 2017 a seguinte frase: “Credooooo! A mis<br />

Piauí tem cara de empregadinha, cara comum, não tem perfil de miss, não era pra ta<br />

ai. Sorry” (VEJA, 2017). Diante do Tweetde Juliana é possível observar que existe uma<br />

ideia pejorativa entorno das empregadas. Dando a entender que ela se refere a<br />

empregadas domésticas e negras. A autora da postagem enxerga essa classe de<br />

trabalhadora como aquelas que não possuem “perfil” de miss.<br />

Impondo um certo limite, querendo estabelecer um lugar para empregados e<br />

patrões. Alegando existir atributo fenotípico que se enquadra como empregada e outros<br />

que possuem um padrão aceitável. Tendo o discurso de Juliana como base, é notório um<br />

certo privilégio atribuído aos que não possuem os fenótipos de Monalysa Alcântara.<br />

1751


Aqui também é possível perceber a relação de privilégios que emanam dos<br />

aspectos da branquitude (SCHUCMAN, 2011), quando estes estão relacionados as<br />

benevolências adquiridas ou pensadas para os indivíduos com fenótipo branco, em<br />

detrimento do de cor escura, existe uma preponderância de ver o primeiro de modo mais<br />

amenizado ou até mesmo, injustiçado.<br />

Schucman (2011), pontua que os aspectos da branquitude não são<br />

manifestos entre brancos. Brancos com brancos não possuem branquetude, mas, quando<br />

existe sobre estes espaços a inserção do “diferente” (o negro), há a produção de<br />

branquitude, pois é a partir desse convívio que as relações de desigualdades e de<br />

privilégios são assentadas. Dentro das concepções formuladas no estudo da autora, ela<br />

pontua que existe, até mesmo privilégios matérias que, em detrimento da cor da pele,<br />

facilita a obtenção de vantagens adquiridas em relação ao outro e que se tornam relações<br />

naturalizadas na sociedade. Nesse sentido, a coroa seria um bem m<strong>ate</strong>rial que, se<br />

analisado pela visão dos Twitters, não seria de Monalysa.<br />

Um outro aspecto a ser analisado neste ensaio, seria as construções léxicas<br />

que são empregadas no texto da autora do Tweet. A linguagem escolhida por ela parte<br />

de uma construção que lhe é inerente frente ao que esta tem consumido no seu dia a dia<br />

(Livros, filmes, peças, sites, blogs). Tudo isso permite que sua linguagem adquira um<br />

léxico que é utilizado na construção de textos nas redes sociais. As autoras Barros e<br />

Isquerdo (2010) pontuam sobre aquilo que a linguagem se condiciona e de sua<br />

importância nas relações com os indivíduos: “As pressões e os condicionamentos a que<br />

está sujeita a atividade linguística favorecem diferentes destinações funcionais. A língua<br />

é um bem comum de uma comunidade” (BARROS, ISQUERDO, 2010, p. 65).<br />

Os pensamentos formulados pelas autoras sinalizam para uma relação que o<br />

indivíduo estabelece ao se comunicar. Das suas construções, do seu léxico que, acaba<br />

por muitas vezes, fortalecendo de modo equivocado opiniões que induzem ao<br />

preconceito e ao racismo. A linguagem empregada pelos atores sociais aqui recortado,<br />

demonstram como estas comunicações se consolidam. As redes sociais auxiliam na<br />

1752


manutenção e na troca de pensamentos racistas e preconceituosos formatados pelos<br />

próprios indivíduos.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Neste artigo, foi abordado uma linha que pudesse evidenciar alguns aspectos<br />

que fortificaram as questões de raça, racismo, eugenia, na realidade, em todo nosso<br />

processo de colonização se tornou evidente a relação desigual entre negros, brancos e<br />

índios na sociedade. Dessa relação desigual entre as pessoas, existe uma característica<br />

que balizou o convívio: o preconceito.<br />

Tornando-se uma atividade naturalizada onde o negro e o índio, desde<br />

sempre, eram tratados como inferiores. Uma hierarquização possibilita firmar a forma<br />

de tratamento dos que eram tidos como “diferentes”. A partir dessas trocas sociais que<br />

as atitudes unil<strong>ate</strong>rais são introduzidas e enraizadas como práticas aceitáveis dentro da<br />

sociedade.<br />

Diante dessas ações é que o racismo se instalou e liderou as relações entre<br />

os indivíduos, reforçado, inclusive cientificamente, pelo determinismo racial do século<br />

XIX e as teorias de cunho biológico. Essas práticas se instalaram como um padrão,<br />

firmando-se ao longo da história e convivendo no seio social. O recorte explorado sobre<br />

Monalysa Alcântara, Miss Brasil 2017, tornou-se um objeto que, de modo comparativo,<br />

pôde ser observado de modo científico.<br />

As relações de preconceito, assim como as linguagens racistas que,<br />

amparadas em um padrão hierárquico, ainda se naturalizam nos dias de hoje. A relação<br />

desigual que emana desse convívio possibilita a construção de vantagens e privilégios.<br />

Os estudos que balizaram as construções dessas percepções puderam, em muitas vezes,<br />

respaldar os apontamentos apresentados aqui.<br />

1753


REFERÊNCIAS<br />

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TODOROV, Tzvetan. Nós e os outros. A reflexão francesa sobre a diversidade humana.<br />

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TENFEN,Maicon. Caso Miss Brasil: o nosso racismo é “melhor” que o dos outros?<br />

Disponível em: <br />

Acesso em: 10 de outubro de 2017.<br />

1756


PAISAGEM, AMBIENTE E OCUPAÇÕES HUMANAS DE LONGA DURAÇÃO<br />

EM SÍTIOS RAMSAR NO MARANHÃO<br />

LANDSCAPE, ENVIRONMENT AND LONG-TERM HUMAN OCCUPATIONS<br />

IN RAMSAR SITES IN MARANHÃO<br />

Prof. Dr. Arkley Marques Bandeira –<br />

Docente da Universidade Federal do Maranhão – Campus Pinheiro<br />

Prof. Dr. Leonardo Silva Soares–<br />

Docente da Universidade Federal do Maranhão – Campus Pinheiro<br />

e-mail: arkleymbandeira@gmail.com<br />

e-mail: leonardoufma85@gmail.com<br />

Eixo 3 – Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO: O artigo apresenta uma síntese dos dados cronológicos obtidos na tese de<br />

Bandeira (2013), que trata dos períodos de ocupação na Ilha de São Luís, sobretudo<br />

àqueles relacionados com os episódios mais antigos de ocupação desse território,<br />

considerando que o Golfão Maranhense também poderia ser enquadrado como área<br />

Ramsar. O Tratado Ramsar considera de importância estratégica para o futuro do<br />

planeta algumas regiões, a exemplo de pântanos, turfeiras, rios, lagos e áreas costeiras,<br />

sobretudo, os estuários, manguezais, corais, campos litorâneos, etc. Como ponto de<br />

fundo, será apresentando o conceito de arqueologia da paisagem, e como esse pode ser<br />

aplicado no campo da arqueologia. Por fim, dados empíricos serão discutidos, com<br />

vistas a correlacionar o conhecimento diacrônico construído com a cronologia e os<br />

povos que ocuparam a Ilha de São Luís, ao longo de 6.600 anos.<br />

Palavras-chave: Arqueologia, Cronologia, Culturas, Ilha de São Luís.<br />

1757


ABSTRACT: The article presents a summary of the chronological data obtained in the<br />

thesis of Bandeira (2013), which deals with periods of occupation on the Island of São<br />

Luís, especially those rel<strong>ate</strong>d to the older episodes of occupation of this territory,<br />

considering that the Golfão Maranhense could also be framed as a Ramsar area. The<br />

Ramsar Treaty considers some regions, such as marshes, peatlands, rivers, lakes and<br />

coastal areas, particularly estuaries, mangroves, corals, coastal fields, etc. to be of<br />

str<strong>ate</strong>gic importance for the future of the planet. As background, it will present the<br />

concept of landscape archeology, and how it can be applied in the field of archeology.<br />

Finally, empirical data will be discussed, in order to correl<strong>ate</strong> the diachronic knowledge<br />

built with the chronology and the peoples who occupied the Island of São Luís, over<br />

6,600 years.<br />

Keywords: Archaeology, Chronology, Cultures, Island of São Luís.<br />

INTRODUÇÃO<br />

A Convenção sobre as Áreas Úmidas Mundiais, conhecida como Tratado<br />

RAMSAR considerou como de importância estratégica para o futuro do planeta algumas<br />

regiões, a exemplo de pântanos, turfeiras, rios, lagos e áreas costeiras, sobretudo, os<br />

estuários, manguezais, corais, campos litorâneos, etc.<br />

O Maranhão possui três zonas c<strong>ate</strong>gorizadas como RAMSAR: Baixada<br />

Maranhense, Reentrâncias Maranhenses e o Parcel do Manoel Luís. A chancela como<br />

sítio RAMSAR recomenda que os entes federados e a sociedade em geral realizem<br />

diagnósticos, inventários e monitoramento em diferentes áreas do conhecimento, com<br />

vistas a fornecer subsídios técnico-científicos para a gestão e o uso sustentável dos<br />

recursos oriundos destas regiões.<br />

1758


Neste contexto, o artigo abordará três eixos de análise, que relacionam a<br />

arqueologia da paisagem, a caracterização do ambiente e sociedades que os habitaram,<br />

em uma perspectiva diacrônica, com enfoque nas ocupações humanas pré-coloniais no<br />

litoral ocidental maranhense, a partir do Golfão Maranhense.<br />

Para tanto, as regiões em análise serão caracterizadas em seus aspectos<br />

bióticos e abióticos. Tais informações serão correlacionadas com dados arqueológicos,<br />

que vêm realizando um amplo levantamento arqueológico em áreas de Sítio Ramsar,<br />

resultando na identificação de sambaquis, sítios de agricultores e ceramistas, sítios<br />

Tupinambá e sítios de contato.<br />

A correlação dos aspectos ambientais, histórico e arqueológicos, a partir da<br />

perspectiva do estudo da paisagem vem possibilitando construir conhecimento<br />

interdisciplinar, sobretudo, em uma área de extrema relevância para manutenção da<br />

biodiversidade e sociodiversidade do Brasil.<br />

ARQUEOLOGIA DA PAISAGEM: APORTES TEÓRICOS<br />

A arqueologia vem fortemente se apropriando do conceito de paisagem<br />

como c<strong>ate</strong>goria analítica para a produção de conhecimento sobre o passado. Entretanto,<br />

só recentemente percebe-se um amadurecimento no seu uso, aspecto que se reflete no<br />

desenvolvimento de postulados teórico-metodológicos e na multiplicação de linhas<br />

investigativas para coleta e interpretação dos dados arqueológicos.<br />

O amadurecendo do conceito de paisagem foi tal, a ponto de se criar uma<br />

subárea da disciplina denominada de Arqueologia da Paisagem, que vem levando<br />

alguns autores a se questionarem sobre a conveniência de substituir a Arqueologia<br />

Espacial por uma Arqueologia da Paisagem (landscape archaeology) (LANATA, 1997)<br />

ou de se deixar de falar de espaços para se falar em mudanças na paisagem (BOADO,<br />

1991).<br />

O incremento e o delineamento de uma arqueologia da paisagem encontram<br />

sustentação científica em múltiplos campos do saber, sobretudo, nas áreas das ciências<br />

1759


da terra e das geotecnologias. Não obstante, as ciências humanas e sociais também estão<br />

dando grande contribuição para o estudo da paisagem.<br />

Paisagem, enquanto objeto de estudo e c<strong>ate</strong>goria de análise ganhou robustez<br />

a partir de múltiplas concepções filosóficas e científicas e de distintas abordagens em<br />

muitos campos do conhecimento. Atualmente, não resta dúvida que a paisagem é um<br />

conceito polissêmico e multivocal, além de ser um poderoso objeto de investigação.<br />

Desde a sua gênese, ainda no século XIX, o conceito de paisagem enquanto<br />

c<strong>ate</strong>goria de análise é visto como um dos meios para se compreender as relações sociais<br />

e naturais em um determinado espaço, enfocando, portanto, a sociedade e suas relações<br />

como ambiente. Neste contexto, a Paisagem chega ao século XXI na interface entre as<br />

Ciências da Terra e as Ciências Humanas, sendo a Geografia uma das áreas do<br />

conhecimento que mais vem se relacionando com o tema.<br />

Não obstante, a paisagem vem sendo incorporada para além dos seus usos<br />

regulares, a exemplo da avaliação ambiental, no planejamento urbano, como elemento<br />

norteador de políticas voltadas para o patrimônio histórico e cultural (vide chancela da<br />

paisagem cultural), como elemento estético, dentre muitos outros; estando incorporada a<br />

muitos discursos, especialmente por seu sentido simbólico e polissêmico.<br />

Esta polissemia e a relatividade do conceito abrem espaço para uma<br />

interface ainda mais próxima entre a arqueologia e outras áreas do conhecimento,<br />

resultando em premissas teóricas galgadas em estudos culturais, que reconhecem a<br />

paisagem não apenas como o resultado da ação humana no meio, mas como um texto<br />

que pode ser lido e decodificado.<br />

Este artigo ilustra as principais interfaces entre a arqueologia e as c<strong>ate</strong>gorias<br />

de análise relacionadas com a paisagem na construção do conhecimento, enfocando as<br />

ocupações humanas no passado, tendo como estudo de caso os processos de<br />

povoamento da Ilha de São Luís – MA em sua longa duração. Neste contexto, a região é<br />

percebida como um lugar persistente para os grupos humanos ao longo de milênios.<br />

1760


ARQUEOLOGIA, PAISAGEM E ARQUEOLOGIA DA PAISAGEM:<br />

PRESSUPOSTOS METODOLÓGICOS<br />

A Carta sobre a proteção e a gestão do patrimônio arqueológico (1990)<br />

denominada de Carta de Laussane (IPHAN, 2004, p. 303) <strong>ate</strong>sta que “o conhecimento e<br />

a compreensão das origens e do desenvolvimento das sociedades humanas é de<br />

fundamental importância para a identificação das suas raízes culturais e sociais”.<br />

Contudo, entender os modos de vida, as histórias, as lendas, os mitos, as<br />

guerras e o cotidiano dos povos desaparecidos não é uma tarefa fácil. Por esse motivo,<br />

muitas disciplinas, como a História, Antropologia, Arqueologia, Paleontologia,<br />

Geografia, Linguística, e mais recentemente a Genética se esforçam para construir<br />

conhecimento sobre o passado humano.<br />

Portanto, o conceito de arqueologia de acordo com o Dicionário de<br />

Arqueologia:<br />

Do grego Archaios = Antigo e Logos = Estudo, significa etimologicamente o<br />

estudo do que é antigo. Ciência que estuda os restos m<strong>ate</strong>riais deixado sobre<br />

o solo. A arqueologia busca reconstituir o passado humano a partir dos seus<br />

traços m<strong>ate</strong>riais, artefatos, estruturas construções, obras de arte, alterações do<br />

meio ambiente, comércio, dados somáticos e biológicos. Embora mais<br />

empregada aos tempos pré-históricos, quando registros escritos não estavam<br />

disponíveis, a arqueologia também estuda o período histórico (SOUZA,<br />

1997, p. 19).<br />

Dentre os principais objetos de estudo da arqueologia destacam-se os<br />

registros arqueológicos, que podem ser classificados como diretos e indiretos. Os<br />

primeiros são reconhecidos por Prous (1992) como os testemunhos m<strong>ate</strong>riais presentes<br />

nas camadas de terra que formam os sítios arqueológicos. Tais vestígios podem ser<br />

visíveis ou não. Ao passo que os vestígios indiretos são formados por marcadores da<br />

presença humana no meio ambiente, nem sempre evidentes aos olhos do pesquisador.<br />

Os vestígios diretos comumente encontrados são os indícios de habitações,<br />

cemitérios, áreas de cultivo e irrigação, de preparação de alimentos, de sepultamento,<br />

muros, poços, paliçadas, dentre outros, que são denominados pela arqueologia de<br />

1761


estruturas arqueológicas. Além disso, destacam-se os instrumentos feitos em rocha,<br />

como de lâminas de machados, pilões, pontas de flecha, b<strong>ate</strong>dores, raspadores; objetos<br />

feitos em argila, como potes, panelas, pratos, bacias, adornos; e objetos feitos em outros<br />

tipos de matérias-primas, como osso, dente, concha, madeira e fibras. Enquanto que os<br />

vestígios indiretos mais evidenciados são colorações do sedimento, áreas de coleta de<br />

rocha ou argila, locais de caça, pesca e coleta de vegetais, dentre outros. Somam-se aos<br />

vestígios indiretos informações sobre o clima, vegetação, fauna e flora do período em<br />

que os povos pesquisados existiam.<br />

Neste contexto, o estudo da paisagem em arqueologia consistiria em se<br />

compreender como os vestígios diretos e indiretos se relacionam com o seu meio. A este<br />

respeito, Lanata (1997) percebe que um dos principais aspectos da paisagem<br />

arqueológica é que por meio de sua análise é possível explicar a utilização do espaço, a<br />

partir das populações humanas, aplicando conceitos derivados da ecologia da paisagem<br />

e da biogeografia evolutiva.<br />

Não obstante, a paisagem é muito mais que a sua m<strong>ate</strong>rialidade, sendo de<br />

extrema importância os enfoques simbólicos e fenomenológicos que consideram as<br />

experiências subjetivas em relação a esta entidade. A este respeito, existe um<br />

movimento de ressignificação desse conceito que baseia-se na necessidade de<br />

considerar o espaço não somente como uma matriz física, econômica ou funcional das<br />

ações humanas, mas também pelo seu uso social e simbólico teoricamente orientado, e<br />

inspirados por muitos pensadores da geografia, a exemplo de Duncan (1980, 1990), que<br />

a partir de uma perspectiva hermenêutica para interpretação da paisagem passou a<br />

percebê-la como um sistema de significados, passível de elucidar processos culturais e<br />

Mcdowell (1996) que interpreta a paisagem como um texto a ser decifrado e lido.<br />

Logo, a arqueologia da paisagem deve atuar na interface de duas posições<br />

extremas, mas que devem ser complementares, a exemplo do reconhecimento das<br />

características físicas que têm modificado o ambiente e as suas relações com a<br />

sociedade e por outro,a paisagem que codifica e é codificada pelas pessoas, sendo,<br />

portanto, intertextual (ENDERE, CURTONI, 2003).<br />

1762


Para Renfrew e Bahn (2005), o primeiro princípio para se pensar a paisagem<br />

é muito simples: os povos do passado não apenas viviam, descartavam itens e<br />

construíam sítios, mas também interagiam com a paisagem. Neste contexto, Boado<br />

(1995) chegou a falar de uma “culturalização” da paisagem para caracterizar uma linha<br />

de ação que se abre para a arqueologia, quando se assume, como princípio norteador<br />

que o registro arqueológico (assentamentos, estruturas, cultura m<strong>ate</strong>rial, etc.) não existe<br />

isoladamente, mas são entidades espaciais, relacionadas significativamente com seu<br />

contexto espacial e em todas as escalas e âmbitos das atividades humanas.<br />

Boado (1997) afirma ainda que a arqueologia da paisagem é, em geral, a<br />

consideração do espaço como um componente mais relevante das sociedades antigas.<br />

Sua origem e desenvolvimento estão diretamente ligados à geografia cultural e a<br />

arqueologia funcionalista. Partilhando dos pressupostos pós-processuais, Thomas<br />

(2001) vai além ao sugerir que a paisagem habitada ou vivida são entidades relacionais<br />

constituídas por pessoas em seu encontro com o mundo.<br />

Neste contexto, as paisagens podem ser concebidas como vias particulares<br />

de expressar conceitos do mundo e são também formas de se referir a entidades físicas.<br />

A mesma paisagem pode ser vista de diferentes formas por diferentes povos, muitas<br />

vezes ao mesmo tempo. Logo, o estudo desses fenômenos de um ponto de vista<br />

arqueológico constitui de fato a arqueologia da paisagem, que pode ser entendida como<br />

um programa de investigação orientado para o estudo e reconstrução de paisagens<br />

arqueológicas, ou ainda, o estudo, com metodologia arqueológica, dos processos e<br />

formas de “culturalização” do espaço ao longo da história (BOADO, 1999).<br />

Segundo Boado (1991), existem pelo menos três formas distintas de aplicar<br />

o estudo da paisagem em arqueologia. Uma primeira, empirista, em que a paisagem<br />

aparece como uma realidade já dada e que, por diferentes razões, nega-se a si mesma;<br />

uma segunda, sociológica, que explica a paisagem como o meio e o produto dos<br />

processos sociais e uma terceira, culturalista, que interpreta a paisagem com objeto das<br />

práticas sociais, tanto de caráter m<strong>ate</strong>rial, como imaginário.<br />

Neste sentido, a paisagem agrega pelo menos três tipos de elementos:<br />

1763


O espaço enquanto entorno físico ou matriz do meio ambiental da ação<br />

humana. O alcance desta dimensão é feito com a colaboração das disciplinas<br />

das ciências da terra e naturais, a exemplo da paleoecologia, geoarqueologia,<br />

etc. O espaço enquanto entorno social ou meio construído pelo ser humano e<br />

sobre o qual se produzem as relações entre indivíduos e grupos. Por fim, o<br />

espaço enquanto entorno pensado ou meio simbólico que oferece a base para<br />

desenvolver e compreender a apropriação humana da natureza. (BOADO,<br />

1999, p. 23).<br />

Neste artigo utilizou-se como parâmetro de análise da paisagem o Método<br />

de Análise Formal ou Morfológico (BOADO, 1997, 1999), cujos procedimentos<br />

analíticos são expostos a seguir:<br />

1ª Fase: a análise se centra no estudo do traço específico do fenômeno,<br />

tomando a escala de um determinado nível de articulação espacial, por exemplo, a<br />

localização dos assentamentos no espaço ou a decoração cerâmica, para que se obtenha<br />

uma forma básica ou um padrão formal invariável. Trata-se da análise formal de um ou<br />

mais elementos pertencentes ao objeto de estudo, que oferece o procedimento adequado<br />

para reconhecer a forma comum. O objeto de análise formal nessa fase pode ser tanto o<br />

espaço físico, como os espaços arqueológicos nele existentes, podendo fornecer dados<br />

sobre o padrão de distribuição e localização dos assentamentos arqueológicos;<br />

2ª Fase: a análise refere-se ao estudo de outros níveis de articulação<br />

espacial do mesmo âmbito fenomenológico considerando, por exemplo, a arquitetura do<br />

assentamento, a obtenção de matérias-primas, a funcionalidade da cerâmica. O esquema<br />

de análise desse nível compara os dados interpretados da 1ª Fase com os esquemas<br />

formais derivados de outros níveis, objetivando avaliar o grau de correspondência entre<br />

ambos;<br />

3ª Fase: avalia-se nesse momento os elementos fenomenológicos diferentes<br />

dos considerados até agora, ou seja, parte-se da recorrência, para o estudo das<br />

particularidades. Tais aspectos podem apresentar limitações devido à evidência<br />

arqueológica disponível. Uma alternativa proposta é a investigação de outros sítios<br />

arqueológicos, no intuito de se perceber se os códigos de organização espacial se<br />

repetem.<br />

1764


4ª Fase: o princípio teórico desta etapa consiste na observação das<br />

correspondências que se encontram entre os diferentes códigos espaciais, buscando-se<br />

continuidades culturais em relação aos princípios de organização física do espaço ou<br />

semelhanças predeterminadas.<br />

Os pressupostos metodológicos para se analisar o registro arqueológico, na<br />

perspectiva da arqueologia da paisagem centra-se nas seguintes etapas de trabalho:<br />

• A análise do registro arqueológico deve iniciar-se a partir da definição de<br />

seu contexto espacial, tanto atual, como original;<br />

• A análise estará baseada em uma aproximação que permita compreender<br />

as características formais dos diferentes níveis espaciais das práticas sociais com<br />

diferentes objetivos;<br />

• A análise formal aporta um procedimento analítico que permite<br />

desconstruir e descrever os fenômenos considerados, sem introduzir elementos<br />

estranhos a eles;<br />

• O contexto original se pode reconstruir buscando-se relações espaciais<br />

significativas entre as entidades do registro arqueológico e outros códigos ou níveis de<br />

sua mesma formação social;<br />

• O contexto espacial atual se pode utilizar para interpretar o sentido<br />

original do registro arqueológico mediante a analogia do entorno físico e/ou da<br />

paisagem tradicional em que ele aparece.<br />

Os procedimentos analíticos para investigação das temáticas de<br />

estudo, segundo os pressupostos da Arqueologia da Paisagem (BOADO, 1999) são os<br />

seguintes:<br />

• Análise Formal ou Morfológica- é aplicada tanto para as formas do<br />

espaço físico, como para o espaço construído, seja em escala arquitetônica (a construção<br />

concreta) ou em escala da cultura m<strong>ate</strong>rial móvel (cerâmica, lítico, etc.), ou ainda, em<br />

escala natural e doméstica (o entorno humanizado). Esta análise será concebida com a<br />

construção de mapas morfológicos e diagramas formais que demonstrem as linhas de<br />

força da unidade de estudo;<br />

1765


• Análise Fisiográfica- é uma variedade da análise formal, mas aplicada<br />

exclusivamente ao relevo e à escala de detalhe, a partir da construção de mapas de<br />

classes fisiográficas e de unidades fisiográficas da zona de estudo;<br />

• Análise de Trânsito- busca identificar as vias de comunicação<br />

predefinidas naturalmente e utilizadas ou utilizáveis pelos grupos humanos. Esta etapa<br />

permitirá a geração de mapas das rotas de movimentação e das linhas de trânsito;<br />

• Análise das condições de Visualização- trata do estudo da visibilidade<br />

ou a forma como um elemento arqueológico é visto, a partir da observação panorâmica<br />

que se domina dele e da intervisibilidade ou relação visual entre o testemunho<br />

arqueológico e outros, sendo ou não arqueológico. Nessa etapa mapas de visibilidade e<br />

intervisibilidade poderão ser criados;<br />

• Análise de terrenos e análise topográfica- consistem em estudos<br />

geográficos, com a execução de mapas de declividades, inclinações, solos, de classes da<br />

flora, modelos digitais de terreno, etc. A partir da explicitação dos procedimentos<br />

teórico-metodológicos, das técnicas a serem utilizadas e das temáticas a serem<br />

trabalhadas, parte-se para a constituição de um esquema de investigação, que se<br />

expressa em elementos verificáveis na prática. Assim, busca-se averiguar:<br />

• As formas do espaço (os dados): consiste na coleta de informações<br />

sobre o objeto de estudo, que incluem a descrição da área de inserção do assentamento<br />

arqueológico e das possibilidades que ela oferece; descrição geográfica da região,<br />

buscando calibrar as características do ambiente atual com o máximo de referências<br />

possíveis sobre o paleoambiente;<br />

• A descontrução do espaço (a análise): refere-seao estudo da interrelação<br />

entre os assentamentos e dos padrões de movimento, enfocando a situação do<br />

assentamento com o espaço físico e natural e suas condições de visibilidade;<br />

• O sentido do espaço (resultados): constitui na descrição da estrutura<br />

organizativa da paisagem arqueológica, sendo conveniente estabelecer a temporalidade<br />

da paisagem e do assentamento arqueológico em seus próprios termos e em relação com<br />

outros momentos de ocupação da área de estudo.<br />

1766


OCUPAÇÕES HUMANAS NA ILHA DE SÃO LUÍS – MARANHÃO<br />

A Ilha de São Luís 254 engloba as Folhas São Luís NE (SA. 23 – X) e SE<br />

(SA. 23 – Z) (ALMEIDA, 2000), ocupando parte central do Golfão Maranhense,<br />

separada do continente pelo Estreito dos Mosquitos que, conjuntamente com o Estreito<br />

dos Coqueiros, comunica as massas aquosas da baía de São José/Arraial com as da baía<br />

de São Marcos (SANTOS et al., 2004), sendo caracterizada como um grande e<br />

complexo sistema estuarino (IMESC, 2011).<br />

Na região encontram-se formações de apicuns, baías, braços de mar,<br />

cordões arenosos, furos, ilhas, manguezais, áreas de vasas e praias. A proximidade com<br />

o Equador e a configuração do relevo favorecem a amplitude das marés, que alcançam<br />

até 7,2 m, com média aproximadamente de 6,6 m, e penetram os leitos dos rios<br />

causando influências até cerca de 150 km do litoral (FEITOSA, TROVÃO, 2006).<br />

Trata-se de uma região estuarina, que segundo Kowsmann et. al (1977)<br />

surgiu na última transgressão marinha, denominada de Flandriana, iniciando-se há cerca<br />

de 15 mil anos e, até cerca de 7 mil anos antes do presente, havendo uma rápida<br />

ascensão do nível do mar, interrompida por episódios de estabilização de curta duração.<br />

Essa informação é descrita por Suguio (1999), que verifica que a partir de 15 mil anos<br />

antes do presente os volumes das águas oceânicas sofreram um brusco acréscimo, mas a<br />

partir de 7 mil anos atrás houve pequena variação.<br />

Miranda et al. (2002) <strong>ate</strong>stam que ao final desse processo transgressivo,<br />

entre sete e dois mil anos atrás, quando o mar atingiu aproximadamente o nível atual,<br />

“as planícies costeiras e vales dos rios foram gradativamente inundados, dando origem<br />

aos estuários, enseadas, baías e lagunas costeiras”.<br />

254 Também denominada de Ilha Grande, Ilha de Upaon Açu ou Ilha do Maranhão é composta por quatro<br />

municípios: São Luís, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa e possui aproximadamente 831,7<br />

km2. Situa-se ao norte do Maranhão, Nordeste do Brasil, e limita-se ao norte com o Oceano Atlântico;<br />

ao sul, com a baía de São José e com o Estreito dos Mosquitos; a leste com a baía de São José e a oeste<br />

com a baía de São Marcos.<br />

1767


No Pleistoceno, seguiu-se uma maior regressão marinha, originando uma<br />

nova configuração das baías de São Marcos e de São José e o surgimento da Ilha do<br />

Maranhão, deixando como testemunho no continente a planície flúvio-marinha de<br />

Perizes. No final do Pleistoceno ocorreu um novo soerguimento de menor intensidade e<br />

uma moderada transgressão marinha, responsável pela redefinição da morfologia do<br />

Golfão Maranhense. Neste mesmo período, segundo Ab’Sáber (1960, 2003), os<br />

extensos manguezais do Norte, envolvendo a costa noroeste do Maranhão e nordeste do<br />

Pará e Amapá- foram constituídos, em sua maioria durante o regresso das águas que<br />

posteriormente, no optimum climático, alcançaram alguns metros acima do mar atual<br />

(6.000 a 5.500 anos A. P.), sendo um bom exemplo das consequências da ingressão<br />

marinha durante esse período, com afogamento que persiste até hoje devido à amplitude<br />

das marés.<br />

É neste cenário que ocorrem os processos de ocupação humana tratados<br />

neste artigo e a interface com a paisagem marítimo-estuarina na Ilha de São Luís. Neste<br />

contexto, pesquisas arqueológicas realizadas por este autor estabeleceram a primeira<br />

sequência cronológica para as ocupações humanas na porção costeira do Golfão<br />

Maranhense. Foram obtidas datações para 7 (sete) sítios arqueológicos na Ilha de São<br />

Luís, sendo eles os Sambaquis do Bacanga, Panaquatira, Paço do Lumiar, Maiobinha e<br />

os sítios cerâmicos Maiobinha <strong>II</strong>, Vinhais Velho e Maracanã 255 , conforme ilustrados na<br />

Figura 1.<br />

255 Para o estabelecimento da cronologia dos sítios arqueológicos apresentados foram empregados três<br />

métodos de datação, que resultaram em 73 (setenta e três) datas. As amostras foram submetidas a<br />

diferentes métodos, a exemplo de Absorção de CO 2 para estabelecimento de Carbono 14 (C14),<br />

realizado no Instituto de Radioproteção e Dosimetria, Comissão Nacional de Energia Nuclear – RJ para<br />

datação das amostras de conchas; Termoluminescência e Luminescência Opticamente Estimulada<br />

(TL/LOE), realizado no Laboratório de Vidros e Datações da FATEC – SP para datação das amostras de<br />

cerâmica e sedimento e Acelerador de Espectrometria de Massa (AMS), realizado no Beta Analytic –<br />

Miami – EUA e no LACUFF, da Universidade Federal Fluminense, no Rio de Janeiro, para datação das<br />

amostras de carvão e concha.<br />

1768


Figura 1 -Sítios arqueológicos com datações na Ilha de São Luís – Maranhão.<br />

Fonte: BANDEIRA, A., 2010.<br />

As escavações dos sítios arqueológicos possibilitaram coletar m<strong>ate</strong>rial<br />

arqueológico que permitiram identificar distintos horizontes de ocupação da Ilha de São<br />

Luís e coletar m<strong>ate</strong>riais para datação, conforme descrito a seguir.<br />

1769


SAMBAQUI DO BACANGA<br />

O sambaqui do Bacanga localiza-se no Parque Estadual do Bacanga,<br />

inserido na região norte do Estado do Maranhão, ocupando a área centro-oeste da Ilha<br />

de São Luís e parte da zona central do município de São Luís. A UTM no topo do sítio é<br />

23M 579829/9714944, com elevação de 24 m acima do nível do mar. O sítio possui a<br />

extensão estimada em 683 m 2 .<br />

A cronologia do sítio foi obtida a partir da datação de m<strong>ate</strong>riais<br />

arqueológicos escavados em vários setores, com destaque para a Área de Superfície<br />

Ampla, com pacote arqueológico ocorrendo até 76 cm de profundidade e o Perfil 1, com<br />

pacote chegando a quase 2m, conforme detalhado a seguir:<br />

• Os níveis escavados que corresponderam ao pacote arqueológico se<br />

deram entre a superfície até 2m de profundidade, com m<strong>ate</strong>rial arqueológico ocorrendo<br />

até 1,90m de profundidade;<br />

• As recorrências e particularidades das camadas evidenciadas, levando-se<br />

em consideração as características da cultura m<strong>ate</strong>rial permitiram identificar 3 (três)<br />

momentos distintos de ocupação humana na área do Sambaqui do Bacanga;<br />

• As 3 (três) ocupações humanas do sítio foram datadas e serão descritas<br />

no decorrer desse artigo.<br />

Figura 2 – Foto da escavação do Sambaqui do<br />

Bacanga.<br />

Figura 3 – Foto da coleta de carvão<br />

de fogueira para datação.<br />

Fonte: BANDEIRA, A., 2010. Fonte: BANDEIRA, A., 2010.<br />

1770


SAMBAQUI DA PANAQUATIRA<br />

O Sambaqui da Panaquatira localiza-se no povoado de Itapari, na praia de<br />

Panaquatira, em São José de Ribamar, porção leste da Ilha de São Luís, nas<br />

proximidades da baía de São José. A UTM do sítio é 23M 0606517/9720231, com<br />

elevação de 34 m acima do nível do mar. A área efetiva do sítio, se considerarmos a<br />

ocorrência de m<strong>ate</strong>rial arqueológico, o sambaqui, as camboas de pedra e as ocorrências<br />

cerâmicas dispersas pela região totalizam quase 350 ha. No entanto, a área trabalhada se<br />

limitou a 5.312 m 2 de área.<br />

A cronologia do sítio foi obtida a partir da datação de m<strong>ate</strong>riais<br />

arqueológicos escavados em três vários setores, com destaque para o Perfil 1, com<br />

pacote arqueológico ocorrendo até 2,60m de profundidade, conforme detalhado a<br />

seguir:<br />

• Os níveis escavados que corresponderam ao pacote arqueológico se<br />

estenderam da superfície até 2,58 m de profundidade;<br />

• A camada estéril do sítio ocorreu em torno de 2,60 m de profundidade,<br />

correlacionada com a presença de sedimento areno-siltoso de coloração castanho-claro;<br />

• As recorrências e as particularidades das camadas evidenciadas, levandose<br />

em consideração as características do registro arqueológico permitiram identificar 3<br />

(três) momentos distintos de ocupação humana;<br />

• As 3 (três) ocupações humanas do sítio foram datadas e serão descritas<br />

no decorrer desse artigo.<br />

Figura 4 – Foto da escavação do Perfil 1<br />

com cerca de 2,60m de profundidade.<br />

Figura 5 - Foto da Evidenciação de um<br />

sepultamento humano, onde foi coletado<br />

m<strong>ate</strong>rial para datação.<br />

1771


Fonte: BANDEIRA, A., 2009. Fonte: BANDEIRA, A., 2009.<br />

SAMBAQUI DO PAÇO DO LUMIAR<br />

O Sambaqui do Paço do Lumiar localiza-se no município homônimo, no<br />

povoado de Iguaíba, a nordeste da Ilha de São Luís. A UTM do sítio é 23M<br />

598860/9724342, com elevação de 20 m acima do nível do mar e extensão estimada em<br />

4.000 m 2 .<br />

A cronologia do sítio foi obtida a partir da datação de m<strong>ate</strong>riais<br />

arqueológicos escavados em dois setores, com destaque para a área de escavação 1, que<br />

chegou até 1,5m de profundidade, conforme detalhado a seguir:<br />

• Os níveis escavados que corresponderam ao pacote arqueológico<br />

ocorreram entre 20cm até 1,5m de profundidade;<br />

• As recorrências e particularidades das camadas evidenciadas, levando-se<br />

em consideração as características do registro arqueológico, permitiram identificar 3<br />

(três) momentos distintos de ocupação humana;<br />

• As 3 (três) ocupações humanas do sítio foram datadas e serão descritas<br />

no decorrer desse artigo.<br />

Figura 6 – Foto da escavação de<br />

uma coluna para retirada de<br />

m<strong>ate</strong>rial para datação.<br />

Figura 7 – Foto de um sepultamento onde<br />

foi coletado m<strong>ate</strong>rial para datação.<br />

1772


Fonte: BANDEIRA, A., 2011. Fonte: BANDEIRA, A., 2011.<br />

SÍTIO VINHAIS VELHO<br />

O sítio arqueológico Vinhais Velho localiza-se no bairro do Recanto dos<br />

Vinhais, na zona urbana de São Luís, porção noroeste da Ilha de São Luís, às margens<br />

do rio Anil. A UTM do sítio foi 23M 581256/9721266, com elevação entre 14 e 19 m<br />

de altura e dimensão aproximada de 28.000 m².<br />

Considerando todas as Unidades de Escavação trabalhadas no Vinhais<br />

Velho, as camadas arqueológicas ocorreram entre a superfície e 1,80m de profundidade,<br />

nas quais foram coletados m<strong>ate</strong>riais para datação, conforme descrito a seguir:<br />

• As características das camadas escavadas, a partir da formação do<br />

registro arqueológico, composição do pacote sedimentar, ocorrência da cultura m<strong>ate</strong>rial<br />

e constatação de eventos pós-deposicionais permitiram identificar 2 (duas) macro –<br />

camadas e 2 (duas) feições no sítio;<br />

• A camada estéril das Unidades de Escavação I e <strong>II</strong> se deu a partir dos 110<br />

cm de profundidade, correlacionada com a inexistência de m<strong>ate</strong>rial arqueológico e a<br />

ocorrência de sedimento marrom alaranjado (10YR 5/8) sem concreções l<strong>ate</strong>ríticas. Ao<br />

passo que das Unidades <strong>II</strong>I e IV se deu a 1,80m de profundidade.<br />

• As recorrências e as particularidades das camadas evidenciadas, levandose<br />

em consideração as características dos níveis escavados e suas correlações com o<br />

1773


egistro arqueológico, permitiram identificar 5 (cinco) momentos distintos de ocupação<br />

humana, que serão descritos no decorrer desse artigo.<br />

Figura 8 – Foto do perfil com camada de<br />

concha da ocupação sambaquieira, onde<br />

foi retirado m<strong>ate</strong>rial para datação.<br />

Figura 9 – Foto de fogueira com a<br />

presença de carvão coletado para datação.<br />

Fonte: BANDEIRA, A., 2012. Fonte: BANDEIRA, A., 2012.<br />

SÍTIO MAIOBINHA I<br />

O Sítio Maiobinha I localiza-se no bairro da Maiobinha/Forquilha, zona<br />

urbana de São Luís, porção Central da Ilha de São Luís, às margens do igarapé<br />

Paciência, nas proximidades do antigo aprendizado agrícola. A UTM do sítio foi 23M<br />

587621/9717504, com elevação de 36 m acima do nível do mar.<br />

Foram realizadas 4 (quatro) campanhas de escavação e considerando as<br />

características do pacote arqueológico, os vestígios estiveram presentes desde a<br />

superfície até 90 cm de profundidade, conforme detalhado a seguir:<br />

• Os níveis escavados que corresponderam ao pacote arqueológico se<br />

deram entre a superfície até 90 cm de profundidade, com camada estéril ocorrendo a<br />

partir dessa profundidade;<br />

• As recorrências e as particularidades das camadas evidenciadas, levandose<br />

em consideração as características dos níveis escavados e suas correlações com o<br />

1774


egistro arqueológico, permitiram identificar 3 (três) momentos distintos de ocupação<br />

humana, que serão descritos no decorres desse artigo.<br />

Figura 10 – Foto da escavação<br />

arqueológica do Sítio Maiobinha I.<br />

Figura 11 – Foto do perfil e da<br />

profundidade do m<strong>ate</strong>rial coletado para<br />

datação.<br />

Fonte: BANDEIRA, A., 2012. Fonte: BANDEIRA, A., 2012.<br />

A tabulação das datações relacionadas aos sítios arqueológicos da Ilha de<br />

São Luís permitiu identificar uma longa sequência ocupacional representada por<br />

distintos horizontes culturais, a exemplo do ceramista pré-sambaquieiro; ceramista<br />

sambaquieiro associado à tradição Mina; ceramista associado à cerâmica Maiobinha<br />

simples; ceramista associado à terra preta arqueológica; ceramista associado aos povos<br />

Tupinambá; ceramista de contato e o ceramista do período histórico.<br />

A este respeito, o gráfico da dispersão das datações ilustrado na Figura 12<br />

agrupa as ocupações humanas na Ilha de São Luís em dois conjuntos de idades: um<br />

horizonte mais antigo, ocorrendo entre 6.600 anos até 3.500 anos antes do presente e<br />

outro horizonte estabelecido entre 2.500 anos até 760 anos antes do presente, com hiato<br />

de datas ocorrendo entre 3.500 a 2.500 anos antes do presente (BANDEIRA, 2013).<br />

1775


Figura 12 - Distribuição de datas para os sítios arqueológicos na Ilha de São Luís. Fonte:<br />

Bandeira, 2013.<br />

Fonte: BANDEIRA, A., 2013.<br />

A correlação das idades com os horizontes culturais pré-coloniais<br />

observados nos sítios arqueológicos demonstrou uma primeira ocupação ceramista présambaquieira<br />

sobre latossolo alaranjado, seguida por uma segunda ocupação associada<br />

ao horizonte ceramista-sambaquieiro, seguida por uma terceira ocupação ceramista<br />

associada a um tipo cerâmico simples sem decoração, seguida por uma quarta ocupação<br />

ceramista incisa associada à terra preta arqueológica, finalizando com um horizonte<br />

ceramista policromo associado aos grupos Tupinambá dos sítios Vinhais Velho,<br />

Maiobinha <strong>II</strong> e Maracanã, conforme a distribuição de datas por horizonte cultural<br />

ilustrada no gráfico que da Figura 3.<br />

1776


Figura 13 - Conjuntos de datas para os horizontes culturais na Ilha de São Luís.<br />

Fonte: BANDEIRA, A., 2013.<br />

Para o início do período colonial não foram realizadas datações no<br />

m<strong>ate</strong>rial arqueológico, uma vez que os relatos de cronistas e viajantes do período<br />

colonial ajudaram a complementar a documentação arqueológica. Conforme exposto, a<br />

dispersão temporal das datas relacionadas com o período de ocupação é ilustrada no<br />

Gráfico 14.<br />

1777


Figura 14 - Dispersão temporal da cronologia para os horizontes culturais.<br />

Fonte: BANDEIRA, A., 2013.<br />

Conforme exposto, os resultados permitiram associar a documentação<br />

arqueológica com a paisagem antiga da Ilha de São Luís em sua longa duração,<br />

permitindo construir algumas premissas de uma história que se inicia, há pelo menos<br />

6.600 anos antes do presente. Neste contexto, datam do Holoceno Médio a expansão do<br />

ambiente marítimo-estuarino-insular e o desenvolvimento das florestas de mangues na<br />

região coincidindo com o início do povoamento humano da Ilha de São Luís.<br />

A partir deste período, a evidência arqueológica demonstra a existência de<br />

ocupações humanas estáveis, sobretudo, as sambaquieiras, favorecida pela alta taxa de<br />

produtividade advinda dos ecossistemas litorâneos, principalmente dos manguezais e da<br />

paisagem marítima-estuarina. A estabilidade propiciada por este ecossistema, a exemplo<br />

da riqueza de biomassa, a disponibilidade de matérias-primas e como vias de<br />

deslocamento possibilitou a fixação humana desde o Holoceno Médio até os séculos<br />

mais recentes, sendo que este processo interrompido com a chegada dos colonizadores<br />

europeus.<br />

1778


Figura 15 - Imagem área das camboas identificadas na praia de Panaquatira, em São<br />

José de Ribamar – Maranhão.<br />

Fonte: SOARES, L. 2017.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

As pesquisas arqueológicas que vêm sendo realizadas na Ilha de São Luís já<br />

identificaram ocupações humanas datadas de pelo menos 6.600 anos, sendo estas as<br />

mais antigas até então conhecidas para o Golfão Maranhense, especialmente na área<br />

foco deste artigo.<br />

Os quadros cronológicos apresentados ao longo do texto, quando<br />

relacionados aos sítios arqueológicos e aos períodos de ocupações indicam que os<br />

Sambaquis do Bacanga e Panaquatira foram os primeiros assentamentos humanos da<br />

Ilha de São Luís até agora conhecidos. A sua inserção na paisagem demonstra que os<br />

1779


primeiros povoadores da região viveram nos estuários das baías de São Marcos e São<br />

José. Apesar da proximidade dos sítios com as zonas alagadas, cabe ressaltar que os<br />

mesmos estão localizados em áreas de terra firme, com disponibilidade de nascentes de<br />

água doce e braços de rios para navegação, que em sua grande maioria deságua no mar.<br />

Entre 2.500 anos a 700 anos antes do presente todos os sítios arqueológicos<br />

descritos neste artigo apresentaram ocupações humanas que se encaixaram<br />

perfeitamente no período em que o nível médio do mar começou a se estabilizar nos<br />

contornos observados atualmente na Ilha de São Luís. Além disso, outras áreas para o<br />

interior do Golfão Maranhense foram ocupadas, inclusive mais distantes da linha da<br />

praia, a exemplo do Sambaqui do Paço do Lumiar e os sítios arqueológicos Maiobinha<br />

I, Maiobinha <strong>II</strong> e Maracanã. Apesar da distância, os estuários poderiam ser acessados<br />

pelos braços de rios que eram influenciados diariamente pelo regime de macro marés.<br />

Em síntese, a evidência arqueológica consubstanciada com o estudo da<br />

paisagem demonstrou indícios de uma multiplicidade de povos, com especificidades<br />

sociais e culturais diferenciadas, mas que ocuparam as mesmas áreas ao longo de<br />

milênios. Neste sentido, o Golfão Maranhense, em particular a Ilha de São Luís podem<br />

ser considerados lugar persistente (SCHLANGER, 1992).<br />

Neste contexto, a arqueologia da paisagem é uma ferramenta poderosa para<br />

o estudo dos povos do passado e a relação dos mesmos com os seus lugares e territórios<br />

vividos, sendo cada vez mais utilizada nas investigações inter e transdisciplinares.<br />

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1782


PRODUÇÃO DISCURSIVA SOBRE A MULHER NA PROPAGANDA “VAI E<br />

VEM” DA CERVEJA ITAIPAVA<br />

DISCURSIVE PRODUCTIONS ON WOMEN IN THE "VAI E VEM"<br />

ADVERTISEMENT OF ITAIPAVA BEER<br />

Mylena Frazão da Cruz (Graduanda-PIBIC-CNPq) – UFMA 256<br />

Orientadora: Profa. Dra. Ilza Galvão Cutrim– UFMA 257<br />

Eixo 3 – Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO: O corpo jovem, o corpo sensual, o corpo belo tem sido objeto de olhar nas<br />

diversas mídias. Na esteira de Milanez (2009), estamos compreendendo o corpo não<br />

apenas enquanto uma simples prática corporal e objetivante, mas sim como prática<br />

discursiva. Apoiado sobre essa ideia, este trabalho visa analisar os efeitos de sentido<br />

produzidos discursivamente na mídia brasileira sobre o corpo da mulher, representada<br />

na personagem Verão, na propaganda Vai e vem, da cerveja Itaipava, veiculada na<br />

televisão em 2015 e ainda disponível na internet na plataforma de distribuição digital de<br />

vídeos YouTube. Esta campanha é a segunda de uma série de propagandas que trazem a<br />

bailarina Aline Riscado como a personagem Vera (mais conhecida como Verão), a<br />

garçonete do Bar Verão, que fica localizado em uma praia e tem como consumidores<br />

homens que frequentam o bar. Mais do que a própria cerveja, o corpo da modelo é o que<br />

mais fica em evidência no comercial: um corpo bronzeado, cheio de belas curvas. Sob o<br />

256 Graduanda do 7º período do curso de Letras/Espanhol da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).<br />

E-mail: mylena.mfc@gmail.com<br />

257 Professora-Associada do Departamento de Letras e do Programa de Pós-Graduação em<br />

Letras da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). E-mail: ilzagal@uol.com.br<br />

1783


olhar dos consumidores (os que estão no bar e o brasileiro que assiste ao comercial),<br />

esse corpo projeta efeitos de sentido não apenas sobre o elevado consumo de cerveja no<br />

Brasil, como também sobre a imagem da mulher brasileira: sensual, despojada,<br />

desejada, simpática, quase sempre despida e à disposição de olhares. Compreender as<br />

projeções sobre os sentidos desse corpo em perspectiva discursiva é considerar que os<br />

sentidos são determinados sócio historicamente, tarefa que vem sendo parte dos estudos<br />

da Análise do Discurso (AD) de vertente francesa. Para tanto, buscamos apoio nos<br />

estudos da AD desenvolvidos no Brasil, com base em Gregolin (1995), Fernandes<br />

(2007), Cutrim et al. (2016) e Guerra (2003). Fundamentados nesses autores,<br />

discorremos sobre as concepções de discurso, formação discursiva e memória discursiva<br />

a fim de analisar como os discursos presentes no texto analisado revelam um sujeito que<br />

enuncia de um lugar institucional (a mídia) e mantém um diálogo com outros discursos<br />

já cristalizados na sociedade sobre a mulher, recorrendo, assim, a uma memória. A<br />

análise por nós realizada permitiu constatar que a mídia, além de influenciar hábitos,<br />

por meio de forte apelo persuasivo, reafirma discursos carregados de ideologias que são<br />

capazes de impor-se e interferir nas atitudes dos consumidores, assim como o de<br />

construir e desconstruir representações.<br />

Palavras-chave: mídia, discurso, corpo, efeitos de sentido.<br />

ABSTRACT: The young body, the sensual body, the beautiful body has been object of<br />

looking at the various media. In the wake of Milanez (2009), we understand the body<br />

not only as a simple bodily and objectifying practice, but also as a discursive practice.<br />

Based on this idea, this work aims to analyze the discursively produced effects of<br />

meaning in the Brazilian media about the body of the woman, represented in the<br />

character Verão, in the advertisement named Vai e vem of the Itaipava beer, broadcasted<br />

on television in 2015 and still available on internet at the digital video distribution<br />

platform YouTube. This campaign is the second in a series of advertisements that bring<br />

ballerina Aline Riscado as the character Vera (better known as Verão), the waitress of<br />

the Verão Bar, which is loc<strong>ate</strong>d on a beach and has as consumers men who attend the<br />

bar. More than the beer itself, the body of the model is what stands out most in the<br />

1784


commercial: a tan body, full of beautiful curves. Under the eyes of consumers (those in<br />

the bar and the Brazilian who watches the commercial), this body projects effects of<br />

meaning not only on the high consumption of beer in Brazil, but also on the image of<br />

Brazilian women: sensual, stripped, wanted, friendly, usually naked and at the disposal<br />

of looks. Understanding the projections about the meanings of this body in a discursive<br />

perspective is to consider that the meanings are determined socio historically, a task that<br />

has been part of the Speech Analysis (SA) French studies. For this purpose, we sought<br />

support in SA studies developed in Brazil, based on Gregolin (1995), Fernandes (2007),<br />

Cutrim et al. (2016) and Guerra (2003). Based on these authors, we discuss discourse<br />

conceptions, discursive formation and discursive memory in order to analyze how the<br />

discourses in the analyzed text reveal a subject that enunci<strong>ate</strong>s an institutional place (the<br />

media) and maintains a dialogue with other discourses already crystallized in the society<br />

on women, thus resorting to a memory. The analysis carried out by us showed that the<br />

media, in addition to influencing habits, through strong persuasive appeal, reaffirms<br />

discourses laden with ideologies that are capable of imposing themselves and interfering<br />

with consumers' attitudes, as well as of constructing and deconstructing representations.<br />

Keywords: media, speech, body, effects of meaning.<br />

1. INTRODUÇÃO<br />

As propagandas fazem parte do nosso dia a dia, seja as que são veiculadas<br />

na televisão, as que são veiculadas na internet, as que estão expostas em letras garrafais<br />

em outdoors. O lexema propaganda tem raiz latina e significa “difusão de mensagem<br />

verbal, pictórica, musical etc., de conteúdo informativo e persuasivo, em TV, jornal,<br />

revistas, volantes, outdoors etc; publicidade” 258 . Rockenbach (2009, p. 32)<br />

complementa afirmando que<br />

Os textos publicitários, em sintonia com o contexto histórico, social e<br />

cultural, influenciam fortemente na formação e modificação de hábitos e<br />

formas de pensar. Com seus poderes persuasivos criam e impõem, direta ou<br />

indiretamente, ideais, valores, crenças, sonhos e expectativas. Interferindo<br />

nos aspectos psicológicos, antropológicos e sociológicos de uma sociedade.<br />

258 PROPAGANDA. In: HOUAISS, Antônio et al. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. São Paulo:<br />

Editora Objetiva, 2001. p. 2312.<br />

1785


Tal ponto de vista nos leva a questionar como essa influência é manifestada<br />

nas propagandas de cerveja, e como elas representam a figura da mulher,<br />

discursivamente. Para nossa reflexão, analisamos a campanha intitulada Vai e vem, da<br />

cerveja Itaipava, veiculada na TV em 2015 e ainda disponível na internet na plataforma<br />

digital YouTube. Essa propaganda é a segunda de uma série de vídeos de 30 segundos<br />

que apresentam a bailarina Aline Riscado como a personagem Vera, chamada também<br />

de Verão. Na propaganda escolhida para análise há um discurso amplamente divulgado<br />

que associa à mulher a cerveja; além disso, há no discurso uma natureza sexual.<br />

Nossas análises partem da concepção de discurso, formação discursiva e<br />

memória discursiva alicerçadas nos estudos de Foucault (2005), e, no Brasil, por<br />

trabalhos como os de Fernandes (2007), Cutrim et al. (2016) e Guerra (2003), enquanto<br />

nossas discussões sobre a representação feminina nas propagandas de cerveja buscam<br />

aporte nos estudos de Rockenbach (2009), Cruz (2010), e Costa e Sousa (2011).<br />

Ademais, trazemos a noção de corpo apoiada nos estudos de Milanez (2009).<br />

2. Sobre a noção de discurso, formação discursiva e memória discursiva<br />

A Análise do Discurso, doravante AD, como o próprio nome anuncia, tem<br />

como objeto de estudo o discurso. No entanto, o que vem a ser o discurso? O que a AD<br />

concebe como discurso nada tem a ver com pronunciamentos políticos ou construções<br />

textuais mais elaboradas. Segundo Fernandes (2007, p. 12), discurso “não é a língua,<br />

nem texto, nem a fala, mas necessita de elementos lingüísticos [sic] para ter uma<br />

existência m<strong>ate</strong>rial” (grifos nossos). Discurso é compreendido pela AD “como um<br />

conjunto de enunciados, na medida em que se apoiem na mesma formação discursiva;<br />

discurso é prática”. (FOUCAULT, 2005). E o que a AD entende por enunciado?<br />

O enunciado não se confunde com uma frase, uma oração, uma proposição<br />

ou mesmo um ato de fala. É preciso considerar algumas características<br />

próprias ao enunciado: ele é, antes de tudo, uma função; se insere em um<br />

campo enunciativo e passa a ter lugar e status e a desempenhar um papel<br />

1786


específico, sendo delimitado conforme as relações que mantém com os outros<br />

enunciados do campo. (FOUCAULT, 2005, p. 93).<br />

Fernandes (2007) afirma que para tecer reflexão sobre o discurso, na perspectiva<br />

defendida pela AD, é preciso primeiro compreender cinco conceitos que se<br />

complementam e se entrelaçam nessa área de estudo, são eles: sentido, enunciação,<br />

ideologia, condições de produção e sujeito discursivo, assim descritos:<br />

Sentido: trata-se do efeito de sentido entre sujeitos em<br />

enunciação; nega-se a idéia de mensagem encerrada em si; contesta a<br />

imanência do significado;<br />

Enunciação: posição ideológica no ato de enunciar e que<br />

integra a enunciação, lugar sócio-histórico-ideológico de onde os sujeitos<br />

dizem e que marcam o momento e o ato de dizer;<br />

Ideologia: uma concepção de mundo do sujeito inscrito em<br />

determinado grupo social em uma circunstância histórica. Linguagem e<br />

ideologia são vinculadas, esta se m<strong>ate</strong>rializa naquela. Ideologia é inerente ao<br />

signo em geral. Sendo assim, diante de toda e qualquer palavra enunciada,<br />

procuraremos verificar qual (ou quais) ideologia(s) a integra(m);<br />

Condições de produção: aspectos históricos, sociais e<br />

ideológicos que envolvem o discurso, ou que possibilitam ou determinam a<br />

produção do discurso.<br />

Sujeito discursivo: constituído na inter-relação social, não é o<br />

centro de seu dizer, em sua voz, um conjunto de outras vozes, heterogêneas,<br />

se manifestam. O sujeito é polifônico e é constituído por uma<br />

heterogeneidade de discursos. (FERNANDES, 2007, p. 19-20, grifos do<br />

autor)<br />

Outro conceito vinculado a discurso e enunciado, e um dos conceitos-chave<br />

da AD, é o de formação discursiva:<br />

Sempre que se puder descrever, entre um certo número de enunciados,<br />

semelhante sistema de dispersão e se puder definir uma regularidade (uma<br />

ordem, correlações, posições, funcionamentos, transformações) entre os<br />

objetos, os tipos de enunciação, os conceitos, as escolhas temáticas, teremos<br />

uma formação discursiva. (FOUCAULT, 2005, p. 43 apud CUTRIM et al.,<br />

2016, p. 79, grifo do autor)<br />

Sendo assim, uma formação discursiva (FD) refere-se ao que pode ser dito<br />

em determinada época e espaço social, ao que tem lugar e se realiza a partir de<br />

condições de produção específicas, historicamente definidas (FERNANDES, 2007).<br />

Ademais, formações discursivas sustentam saberes em determinas épocas, fazendo com<br />

1787


que certos discursos circulem ou silenciem (GREGOLIN, 2007 apud CUTRIM, et al.,<br />

2016).<br />

Relacionado ao conceito de FD, temos o de memória discursiva, que para a<br />

AD não é a mesma que tem a Psicologia.<br />

[...] a noção de memória discursiva não se confunde com a noção de memória<br />

da Psicologia (repositório de informações adquiridas ao longo do tempo),<br />

pois diferentemente desta aquela diz respeito às formas significantes que<br />

levam uma sociedade a interpretar-se e a compreender-se através dessa<br />

interpretação (GREGOLIN, 2005, p. 21).<br />

Sendo assim, memória discursiva relaciona-se a sentidos e formas<br />

significantes que são reavivados no interdiscurso.De posse desses conceitos, e<br />

concebendo corpo não enquanto instância biológica que nasce, cresce, reproduz-se e<br />

morre, mas enquanto prática discursiva entendida como conjunto de regras anônimas,<br />

históricas determinas temporal e espacialmente, que definiram em dado momento e para<br />

uma determinada área, podendo ela ser social, econômica, geográfica ou linguística, as<br />

condições necessárias para o exercício da função enunciativa (MILANEZ, 2009 apud<br />

FOUCAULT, 2000).<br />

3. A representação feminina na propaganda Vai e vem<br />

Buscando apoio nas discussões feitas anteriormente, vejamos como os<br />

efeitos de sentido sobre o corpo feminino são construídos na propaganda da cerveja<br />

Itaipava (2015) que, como já foi dito, foi exibida na televisão e ainda encontra suporte<br />

na internet, na plataforma digital de vídeos YouTube.<br />

As propagandas de cerveja, em geral, ainda visam atingir um público majoritariamente<br />

masculino 259 , por isso utilizam os corpos femininos para seduzir esse público. Rockenbach (2009, p. 33)<br />

259 Um estudo do IBGE (2014) apurou que o número de homens que consomem algum tipo de bebida<br />

alcoólica é quase o triplo do de mulheres. Os dados foram: 36,3% dos homens (25 milhões) em oposição<br />

a 13% das mulheres (10 milhões). Disponível<br />

em:.<br />

Acesso em: 09 nov. 2017.<br />

1788


ainda acrescenta que além da sedução e do forte apelo, essas propagandas são um meio de “reforçar o<br />

papel das mulheres como objetos sexuais, subordinadas aos desejos do homem”.<br />

A publicidade escolhida foi exibida na TV no ano de 2015, é a segunda 260<br />

de uma série de comerciais que trazem a dançarina Aline Riscado interpretando a<br />

personagem Vera, ou como ela é conhecida Verão, e tem por título Itaipava – Vai e<br />

vem. Na descrição do vídeo ainda é dito: “Entre uma Itaipava e outra, ninguém resiste a<br />

tanta beleza do Verão. #verãoénosso”. É um vídeo com restrição de idade, e para vê-lo o<br />

usuário precisa fazer uma solicitação.<br />

A propaganda Vai e vem tem duração de 30 segundos, se passa na praia, em<br />

um dia de sol forte. A personagem Verão é garçonete de uma das barracas (Bar Verão)<br />

que ficam à beira mar. A propaganda é composta da personagem Vera, de dois<br />

consumidores homens, que participam da cena principal, e demais consumidores<br />

também homens, e do dono do bar. A ação tem início com a personagem Vera, no<br />

comercial denominada de Verão, limpando uma mesa do bar, seguida do diálogo:<br />

—Verão?! (Consumidor homem)<br />

—Oi? (Verão)<br />

—Me vê uma Itaipava, por favor.<br />

— Vou pegar.<br />

[Enquanto Verão caminha em direção ao bar, a câmera filma em detalhes as<br />

curvas de seu corpo, vestido com uma mini saia e uma mini blusa. Essa<br />

imagem é mostrada em câmera lenta e é vista tanto pelo homem consumidor<br />

que está na praia quanto pelos telespectadores que estão diante da TV<br />

assistindo à propaganda. Nesse intervalo em que a personagem caminha em<br />

direção ao bar, o consumidor fala, com um ar de seduzido pelo corpo da<br />

personagem:]<br />

— Vai, Verão... Vai, Verão.<br />

[E tantos outros consumidores que também estão bebendo no bar, dizem, em<br />

coro:]<br />

— Vem, Verão... Vem, Verão... Vem...<br />

— Mais uma Itaipava! [pede Vera ao barman. Ao que este reponde:]<br />

— É pra já [o barman abre a garrafa e Verão a pega. Nesse momento, o<br />

barman a observa caminhando – a imagem é projetada em câmera lenta – em<br />

direção ao consumidor e diz:)<br />

— Vai, verão.<br />

[Verão caminha em direção ao consumidor, que diz:]<br />

— Vem, Verão... Vem!<br />

260 A primeira propaganda da “série Verão” se intitula Itaipava – O Verão chegou (2014). Disponível em:<br />

. Acesso em: 26 jun.2017.<br />

1789


[Os demais consumidores do bar, dizem:]<br />

—Vai... Verão! [apontam para a garrafa de cerveja vazia indicando que<br />

querem beber mais.]<br />

[Ela, então, se dirige ao barman e pega mais uma cerveja e novamente<br />

caminha em direção ao consumidor e coloca a cerveja sobre a mesa]<br />

— Prontinho!<br />

— Vai Verão... Vai... Vai. [Diz o consumidor, olhando-a com um olhar de<br />

quem se sente seduzido.]<br />

— Vem... Vem... Vem. [Vozes dos demais consumidores presentes no bar.<br />

Nesse momento, ouve-se a voz do narrador do comercial:]<br />

— O Verão é nosso! Itaipava, a cerveja 100%. Beba com moderação.<br />

—Vai vender tudo! [Vera diz para o barman]<br />

Percebemos, na propaganda, um forte apelo à sexualidade. Os diálogos entre<br />

os personagens, a roupa que veste a bailarina, o uso de “vai e vem”, pelo tom de voz<br />

com que é dito na propaganda televisionada, como é repetido, pelo modo com que os<br />

consumidores olham para a personagem Vera (Figura 01), pelo gesto feito com as mãos,<br />

como se estivesse modelando o seu corpo (Figura 02) constituem um conjunto de<br />

elementos que podem configurar esse apelo.<br />

Figura 01 – Vem, Verão<br />

Fonte: Itaipava (2015). Disponível em: . Acesso em:<br />

26 jun. 2017.<br />

1790


Figura 02 – Vai, Verão<br />

Fonte: Itaipava (2015). Disponível em: . Acesso em:<br />

26 jun. 2017.<br />

Esse conjunto de elementos reforçam uma formação discursiva, que se<br />

construiu culturalmente sobre a figura feminina, de que a mulher brasileira personifica a<br />

sensualidade, e era, normalmente, representada de forma objetificada. Daí a associação<br />

à cerveja: pronta para ser consumida. Na Figura 03, esse corpo associa-se à garrafa de<br />

cerveja como um objeto sempre “à mão”.<br />

Figura 03 – Mais uma Itaipava<br />

1791


O discurso é um conjunto de enunciados e os enunciados são performances<br />

verbais e não verbais em função enunciativa. (FOUCAULT, 1986, p. 136). Esse jogo<br />

que articula a propaganda em enunciados verbais e não verbais compõe um discurso<br />

sobre a mulher a partir de uma função enunciativa que tece a beleza segundo um certo<br />

padrão: para ser bonita precisa ser “gostosa” e para isso necessita ter os atributos físicos<br />

da personagem da cerveja Itaipava.<br />

Esse apelo ao corpo feminino é uma estratégia de persuasão. Segundo Rockenbach<br />

(2009, p. 34),<br />

[...] as verdadeiras intenções das propagandas geralmente ficam nas<br />

entrelinhas e são internalizadas inconscientemente pelos receptores. As<br />

ideologias publicitárias trabalham no sentido de proporcionar ao consumidor<br />

a satisfação, o prazer e a felicidade, criando, para isso, a imagem de um<br />

mundo perfeito.<br />

Nessa propaganda há a ativação de uma memória sobre a mulher enquanto objeto de desejo<br />

do homem, relacionada a uma formação discursiva já edificada, tendo em vista que esse é um discurso<br />

recorrente, já que a Itaipava não é a primeira marca a associar mulher à cerveja, citamos como exemplo a<br />

propaganda da cerveja Antarctica (2006) que apresentava a atriz Juliana Paes como garota propaganda,<br />

usando apenas um biquíni com o rótulo da marca.<br />

Na Figura 4– Ninguém resiste à beleza do Verão – há um jogo de palavras<br />

que possibilita uma leitura segundo a qual a personagem é a figura central do verão; a<br />

estação do ano é apenas um detalhe. Assim, o uso de Verão, em substituição à Vera, não<br />

lembra apenas a estação do ano, como também é uma manobra linguística e discursiva<br />

que retoma uma memória, já cristalizada no imaginário nacional, de um mulherão: de<br />

curvas acentuadas, sedutora, com seios fartos, pernas grossas e torneadas, corpo<br />

dourado, capaz de envolver o olhar masculino e demais sentidos.<br />

1792


Figura 04 – Ninguém resiste à beleza do Verão<br />

Fonte: Itaipava (2015). Disponível em: . Acesso em:<br />

26 jun. 2017.<br />

O sentido que se constrói sobre a mulher, no discurso presente na<br />

propaganda analisada, é a de produto a ser consumido, que coloca o homem enquanto<br />

consumidor. Essa oposição é fabricada no social, pela linguagem, não existindo de<br />

forma espontânea no mundo cultural (CUTRIM et al., 2016).<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

A propaganda Vai e vem da cerveja Itaipava (2015), objeto de nossa análise,<br />

instiga discussões a respeito da representação da mulher nas propagandas de cerveja,<br />

discussões amplamente debatidas por diversas autoras como Costa e Sousa (2011) e<br />

Cruz (2010), essa última dá a essa problemática um olhar feminista. As práticas<br />

discursivas dominantes veiculadas nas propagandas de cerveja contribuem para que a<br />

dominação masculina se perpetue, fortalecendo a discriminação das mulheres no âmbito<br />

público e principalmente no privado. (CRUZ, 2010, p. 13).<br />

1793


A linguagem usada nas propagandas é essencialmente persuasiva e<br />

carregada de ideologias, o que pode interferir no modo como os leitores constroem e<br />

desconstroem representações.<br />

Por fim, lembramos que os efeitos de sentido são criados a partir das<br />

ideologias dos sujeitos em interlocução, dependem “da forma como compreendem a<br />

realidade política e social na qual estão inseridos” (FERNANDES, 2007, p. 13). Além<br />

disso, vale destacar que a análise do discurso tenta entender e explicar como se constrói<br />

o sentido de um texto, articulando com a história e a sociedade que o produziu.<br />

REFERÊNCIAS<br />

COSTA, Dhyovaine; SOUZA, Cínthia. Questões de gênero na propaganda de cerveja<br />

Schin. In: XVI Intercom Sudeste–Congresso de Ciências da Comunicação na<br />

Região Sudeste. 2011. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em: 26 jun. 2017.<br />

CRUZ, Sabrina Uzêda da. A representação da mulher na mídia: um olhar feminista<br />

sobre as propagandas de cerveja. Travessias. v. 2, n. 2, 2010. Disponível em: .<br />

Acesso em: 26 jun.<br />

2017.<br />

CUTRIM, Ilza; MARQUES, Maxhemyliano; DIAS, Walquíria. Análisedo discurso,<br />

memória e identidades: reconfigurações da identidade da mulher na propaganda da<br />

justiça eleitoral. Litteraonline, v. 7, n. 12, 2016. Disponível em:<br />

.Acesso<br />

em: 26 jun. 2017.<br />

FERNANDES, Cleudemar Alves. Análise do discurso: reflexões introdutórias. 2.ed.<br />

São Carlos: Claraluz, 2007. Disponível em:<br />

. Acesso em: 26 jun.<br />

2017.<br />

1794


FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,<br />

1986.<br />

GREGOLIN, Maria do Rosário. Formações discursivas, redes de memória e trajetos<br />

sociais de sentido: mídia e produções de identidade. In: Seminário de Análise do<br />

Discurso (SEAD), 2 , 2005, Porto Alegre. Anais eletrônicos... Porto Alegre: UGRGS,<br />

2005. Disponível em:<br />

https://moodle.ufsc.br/pluginfile.php/1293225/mod_resource/content/1/Gregolin_Forma<br />

ca o_discursiva_redes_de_memoria.pdf. Acesso em: 18 nov. 2017.<br />

GUERRA, Vânia Maria Lescano. Uma reflexão sobre alguns conceitos da análise do<br />

discurso de linha francesa. An. Sciencult, v. 1, n. 1, p. 5-18, 2003. Disponível em:<br />

. Acesso em: 26 jun. 2017.<br />

ITAIPAVA – Vai e Vem. Cerveja Itaipava. Entre uma Itaipava e outra, ninguém resiste<br />

a tanta beleza do Verão. #verãoénosso. Vídeo com restrição de idade (solicitada pelo<br />

usuário que fez o envio). 2015. 30s. Disponível em:<br />

. Acesso em: 26 jun. 2017.<br />

MILANEZ, Nilton. Corpo cheiroso, corpo gostoso: unidades corporais do sujeito no<br />

discurso. Maringá, v. 31, n. 2, p. 215-222, 2009. Disponível em:<br />

.<br />

Acesso em:<br />

ROCKENBACH, MarliceRosaniPrzygodda. A imagem feminina nas propagandas de<br />

cerveja. Revista Científica de Administração. v. 12, n. 12, jan./jun. 2009. Disponível<br />

em:<br />

. Acesso em: 26 jun. 2017.<br />

1795


SUPRIMENTOS X PROTEÇÃO: Uma leitura de relações de dom e contra-dom entre<br />

pequenos senhores e escravos na produção de algodão no Maranhão colonial.<br />

SUPPLY VERSUS PROTETION: A reading of gift and counter-gift relation between<br />

small masters and slaves in cotton production in colonial Maranhão.<br />

Gláucia Mayra da Silva Leal<br />

Graduanda em Ciências Sociais<br />

Universidade Federal Maranhão<br />

Orientador: Professor Dr. Luiz Alberto Alves Couceiro<br />

Eixo 3 - Mídia, Patrimônio Cultural e Sociedade<br />

RESUMO:O trabalho a seguir versa sobre as relações entre fugitivos (ex-escravos) e<br />

senhores pobres que vivenciaram o Maranhão entre os séculos XV<strong>II</strong>I e XIX,<br />

considerando que, nessa época, o estado viveu o seu apogeu, o período de maior<br />

enriquecimento e crescimento da província do Maranhão, a partir da criação da<br />

Companhia Geral de Comércio Maranhão e Grão-Pará, corpo político responsável pela<br />

administração do absoluto monopólio, por mais de trinta anos, da navegação no<br />

Maranhão e Grão-Pará, do tráfico de escravos e da compra e venda de mercadorias e<br />

gêneros coloniais, com a crise da Guerra de Independência das Treze Colônias Inglesas<br />

na América e a ausência de monopólio (Couceiro & Valvano, 2015).A produção<br />

algodoeira no Maranhão desta época pode ser vista como um forte período da história<br />

do estado, no que diz respeito à sua formação socioeconômica, pois o Maranhão<br />

recebeu um grande número de escravos africanos, quejuntamente com os nativos<br />

indígenas trabalharam nas lavouras de algodão que eram chefiadas por portugueses e a<br />

safra exportada para a Ingl<strong>ate</strong>rra, a pioneira da revolução industrial têxtil. Nesse<br />

contexto, eram realizadas trocas entre os senhores, que correspondiam a uma pequena<br />

1796


parcela da população maranhense e os fugitivos escravizados daquela época; assim, era<br />

realizado um acordo de cooperação e trocas informais não monetarizadas entre eles.<br />

Através desta pesquisa, tenho como objetivo: entender se estas trocas não monetarizadas<br />

influenciaram a economia inglesa de algodão supermonetarizada para a Ingl<strong>ate</strong>rra<br />

através da minha interpretação da obra de Marcel Mauss, “O ensaio sobre a dádiva”.<br />

Palavras-chave: Economia, Escravidão, Maranhão, Trocas.<br />

ABSTRACT:This paper is about the relations between fugitives (ex-slaves) and poor<br />

lords who lived in Maranhão between the eighteenth and nineteenth centuries.<br />

Considering that at that time the st<strong>ate</strong> lived its apogee, the period of the gre<strong>ate</strong>st<br />

enrichment and growth of Maranhão province, from the creation of the General<br />

Company of Commerce Maranhão and Grão-Pará, political body responsible for the<br />

administration of the absolute monopoly of navigation in Maranhão and Grão-Pará of<br />

the slave trade and the purchase and the sale of colonial goods and genres, for more than<br />

thirty years. With the crisis of the War of Independence of the Thirteen British Colonies<br />

in America and the absence of a monopoly. (Couceiro & Valvano, 2015) The cotton<br />

production period in Maranhão, at that time, can be seen as a strong period in the<br />

history of the st<strong>ate</strong>, with respect to its socioeconomic formation. Considering that,<br />

Maranhão received a large number of African slaves, who along with the indigenous<br />

natives worked on the cotton plantations that were headed by Portuguese and the<br />

vintage exported to England, the pioneer of the textile industrial revolution. In this<br />

context, exchanges were made between the masters, who corresponded to a small<br />

portion of the population of Maranhão and the fugitives enslaved at that time. Thus, a<br />

cooperation agreement and non-monetary informal exchanges between them took place.<br />

Through this research, I intend to understand if these non-monetarized exchanges<br />

influenced the English super cotton economy through my interpretation of Marcel<br />

Mauss's essay, "The Gift".<br />

1797


Keywords: Economy, Slavery, Maranhão, Exchanges.<br />

No artigo “Possíveis análises sobre a produção de algodão no Maranhão:<br />

relacionando o conceito “segunda escravidão” com práticas de crédito, publicado no<br />

volume 12 da revista Outros Tempos, o professores Luiz Alberto Couceiro e Rejane<br />

Valvano falam da economia de algodão que ocorreu entre os anos de permanência da<br />

Companhia Geral de Comércio do Maranhão e Grão-Pará no atual estado do Maranhão,<br />

uma vez que essa só foi possível mediante o impulso dado pela então Companhia de<br />

comércio com a aquisição de escravos e escoamento eficaz para a Europa, aproveitando<br />

a crise com a Guerra de Secessão e a ausência de monopólio para Portugal, o que fez do<br />

algodão do Maranhão um dos facilitadores da Revolução industrial têxtil na Europa<br />

enquanto fornecedores de matéria-prima.<br />

No meu trabalho, buscarei responder quais são os atores sociais que agiram<br />

no Maranhão, uma vez que vimos a presença de diferentes tipos de atores, com<br />

vivências diferentes, com expectativas e experiências muito distintas, estando entre eles<br />

os senhores pobres de terras no MA colonial, produtores de algodão, os atuais<br />

remanescentes de quilombos, ou ex-escravos fugidos e indígenas também fugitivos de<br />

terras de senhores brancos, devido aos maus-tratos sofridos pelos mesmos em terras<br />

estranhas a deles, no caso dos negros africanos, ou em sua terra natal, como no caso dos<br />

indígenas, que foram escravizados e massacrados em solo brasileiro, escrevendo parte<br />

não somente da História do Maranhão como do Brasil como um todo.<br />

Esses atores sociais são parte responsável de um momento histórico<br />

mundial, se considerarmos o conceito de sociedade complexa trabalhado por Gilberto<br />

Velho, veremos que toda sociedade é complexa porque possui a divisão social do<br />

trabalho, e a distribuição de riquezas, o que delineiam c<strong>ate</strong>gorias sociais distinguíveis<br />

com continuidade histórica, sejam classes sociais, estratos ou castas. Por outro lado, a<br />

noção de complexidade traz consigo a noção de heterogeneidade cultural, que deve ser<br />

1798


entendida como a coexistência, harmoniosa ou não, de uma pluralidade de tradições<br />

cujas bases podem ser ocupacionais, étnicas e religiosas.<br />

Daí o autor afirma que existe uma relação entre a divisão social do trabalho<br />

e a heterogeneidade cultural. Porém, é importante destacar que nem sempre a divisão<br />

social do trabalho é a definidora das relações sociais, das diferentes tradições culturais<br />

de uma sociedade complexa, estas sociedades tendem a articular suas experiências<br />

comuns em torno de certas tradições e valores. O problema é verificar o peso relativo<br />

dessa experiência em confronto com outras como a identidade étnica, a origem regional,<br />

a crença religiosa e a ideologia política.<br />

O papel da antropologia enquanto ciência é a criação de fronteiras<br />

simbólicas a partir da verificação de experiências suficientemente significativas. Por<br />

exemplo, sempre é um problema descobrir como grupos desviantes compartilham<br />

preferências por comportamentos condenados ou discriminados e como desenvolvem<br />

uma identidade comum e solidariedade. O fato é que esses grupos possuem muito em<br />

comum, são normalmente pertencentes à mesma classe social, e isso evidencia também<br />

que a gramática e a lógica do desempenho de papeis pode ser discrepante dentro de uma<br />

subcultura e perfeitamente razoável em outra.<br />

Tendo em vista o significado de subcultura, podemos destacar que esta<br />

significa uma cultura dentro de outra, com características próprias, ou seja, um grupo<br />

com suas peculiaridades dentro de um grupo maior que se denomina como uma<br />

sociedade. Nessa perspectiva, temos que os africanos trazidos escravizados ao<br />

Maranhão colonial, Maranhão algodoeiro, assim como os nativos que também tiveram<br />

sua força de trabalho explorada por europeus, formam ambos, juntos e separadamente<br />

uma subcultura; juntos no sentido de que estavam na mesma condição de escravidão, e<br />

separados porque cada um desses povos, negros e índios, possuem suas características<br />

culturais próprias. Sem falar da figura dos senhores pobres de lavouras algodoeiras, que<br />

ofereciam proteção aos fugitivos em troca de suprimentos alimentícios como o milho, o<br />

carvão, o arroz e o feijão, ou seja, produtos essenciais para a sua subsistência, uma vez<br />

que os ex-escravos possuíam suas plantações nos quilombos e em troca exigiam<br />

1799


proteção àqueles senhores que não tinham condições de se manter, caso da maioria dos<br />

senhores do Maranhão, que mais tarde irão competir com grandes fazendas escravistas,<br />

uma vez que com a criação da Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão<br />

teve o número de escravos acrescidos de 600 para 12 mil proporcionando a produção<br />

extensiva de algodão no estado.<br />

O importante é que estamos lidando com conjuntos de símbolos que vão ser<br />

utilizados pelas pessoas nas suas interações e opções cotidianas, num<br />

processo criativo ininterrupto havendo alguns mais eficazes e duradouros do<br />

que outros. A relação entre o desempenho de papéis e esses conjuntos de<br />

símbolos constitui uma questão estratégica para a antropologia social.<br />

(VELHO, 1981, P. 17).<br />

Pensando desta forma, temos que índios e negros escravizados no MA<br />

algodoeiro construíram suas relações, símbolos e significações para lidar com a<br />

escravidão e para então se relacionar, já que estavam nas mesmas condições, a de<br />

escravos, constituíam a base da pirâmide social do Maranhão daquela época. Onde a<br />

economia de algodão mais se desenvolveu e a Ingl<strong>ate</strong>rra era a protagonista, em sua<br />

produção têxtil desenvolvida na Revolução Industrial, e temos do outro lado, os<br />

pequenos senhores, que não possuíam escravos, mas os protegiam em troca de<br />

suprimentos alimentícios, por conta de sua pobreza, e estas mediações eram dadas pelos<br />

capitães-do-mato, constitui-se aqui uma forma de troca muito comum no Maranhão<br />

colônia.<br />

Temos ainda que, para Polayni, há vários tipos de economias na sociedade<br />

humana; e para Dale Tomich existem economias de dois tipos: a economia de mercado<br />

e a economia imbricada/enraizada na sociedade. Na sociedade de mercado, tem-se que<br />

terra e o trabalho foram transformados em mercadoria, e estas são características da<br />

economia inglesa, depois do advento da indústria, como o trabalho nas fábricas de<br />

tecido na Ingl<strong>ate</strong>rra, essas que são as retratadas aqui, enquanto no Maranhão vemos a<br />

presença da tal economia enraizada/imbricada que se caracteriza por ser um tipo de<br />

troca não-monetária.<br />

Segundo Luiz Couceiro, Polanyi nos fala que existem inúmeras formas de<br />

trocar, próprias de cada sociedade, como no Kula estudado por Bronislaw Malinowski,<br />

1800


onde trata da troca de colares e braceletes e envolve toda uma regra da troca, um<br />

comunismo primitivo possibilitado através do trabalho coletivo e as normas que regem<br />

essas comunidades primitivas e as relações sociais entre seus atores.<br />

No entanto, o que quero destacar aqui são as relações não monetárias<br />

desenvolvidas entre negros e indígenas de acordo com a obra de Marcel Mauss, o<br />

Ensaio sobre a dádiva, a interpretação de Levi-Strauss sobre a dádiva, com o Principio<br />

de reciprocidade e analise de Lygia Sigaud sobre as Vicissitudes do ensaio sobre o dom.<br />

Trocas que consistiam na seguinte atividade: os ex-escravos fugidos das lavouras de<br />

algodão não eram denunciados às autoridades da época (portugueses) pela fuga à<br />

medida que produzissem e lhes fornecessem suprimentos alimentícios e de necessidades<br />

básicas como o arroz, o milho, o feijão e o carvão; porém, quando era feita a denúncia<br />

havia o registro da mesma, e são exatamente estes registros que nos servem de fontes<br />

para a realização de uma pesquisa antropológica em arquivos realizada no Arquivo<br />

Público do Estado do Maranhão.<br />

O capitalismo mundial está inserido no sistema mundo, a análise é então<br />

macrossocial, pois as populações não são homogêneas, possuem significações<br />

diferentes, as populações não existem da mesma forma, ou seja, no caso da economia<br />

algodoeira no Maranhão, havia a presença de populações completamente diferentes,<br />

como negros, índios e brancos, como já foram explicitados ao falar dos autores<br />

anteriores, que as características diferentes desses grupos é que permitem o fluxo de<br />

mercadorias e pessoas no sistema mundo.<br />

Quando estudamos determinado assunto em tal lugar nossa análise não fica<br />

restrita apenas àquele local, a investigação etnográfica é multilocal, como as pessoas se<br />

autodenominam, como se deu a resistência ao colonialismo ou imperialismo, e como as<br />

pessoas, grupos, comunidades, sociedades, países se relacionam economicamente,<br />

abrangendo um sistema mundial. Podemos citar como exemplo o processo de<br />

deslocamento compulsório e voluntário/involuntário de negros e europeus para o Brasil<br />

colônia, já que foram trazidos milhares de negros da África para terem sua força de<br />

1801


trabalho explorada no Brasil, e de europeus para explorar os recursos naturais e os<br />

nativos do Brasil, sobretudo do Maranhão.<br />

O antropólogo deve fazer a interlocução entre a metrópole, a colônia e os<br />

povos que as regem, pois são eles que estabelecem os fluxos econômicos e<br />

fazem o sistema mundo funcionar. (MARCUS, 2001)<br />

Uma vez que estamos trabalhando com a teoria da Dádiva de Marcel Mauss,<br />

temos que, esta é uma obra de direito e economia que se refere a trocas econômicas nãomonetárias<br />

que se dão entre pessoas de uma comunidade, que deriva de comum e<br />

explicita que estas pessoas, membros sociais possuem algo em comum, pois estão<br />

abaixo das mesmas normas e regras sociais.<br />

No Ensaio sobre a Dádiva, Mauss parte do princípio de que o presente<br />

recebido deve ser retribuído, na troca, um centão jurídico ou uma regra jurídica muito<br />

conhecida, se coloca no centro e é o que rege essas trocas, os que se dão presentes são<br />

amigos, retribuir presentes por presentes, convém misturar tua alma à dele e trocar<br />

presentes, o avarento sempre teme os presentes, um presente dado espera um presente<br />

de volta, essas são as regras da troca de presentes ditas por Mauss, o que não passa de<br />

uma regra jurídica, das regras de um contrato interpessoal, o contrato possui todo um<br />

padrão jurídico mediante a lei, que são regras mesmo do direito, o que desmistifica o<br />

fato de que a teoria da reciprocidade seria algo romântico baseada em trocas simbólicas,<br />

ou seja, no sentido de que o simbólico seja o que está no campo dos símbolos, das<br />

relações abstratas da vida social, que envolvem além da obrigação e das regras, os<br />

sentimentos.<br />

E que esses valores humanos não estão abaixo do valor das coisas m<strong>ate</strong>riais,<br />

analisando trocas em sociedades arcaicas, Mauss percebe que a lógica econômica dos<br />

dias atuais é derivada dessas trocas anteriores no tempo, mas que concorrem umas com<br />

as outras, o campo do simbolismo não é menos importante que o campo m<strong>ate</strong>rial,<br />

porque o que rege os vínculos e contratos dos dias atuais é baseado justamente em<br />

princípios éticos e simbólicos derivados da moral, como quando se faz uma aliança ou<br />

um contrato. O próprio Mauss afirma que essa é uma antiquíssima forma de direito e de<br />

1802


literatura, iniciando seu trabalho com as estrofes do Havamál, um dos velhos poemas do<br />

Eda escandinavo indicado a ele por Cassel.<br />

Segundo Mauss, logo no início do ED, nas sociedades mais antigas, as<br />

trocas e os contratos se fazem sob a forma de presentes, em teoria voluntários, mas na<br />

verdade obrigatoriamente dados e retribuídos, uma vez que dirige-se para o regime do<br />

direito contratual e para o sistema das prestações econômicas entre os subgrupos que<br />

compõem as sociedades ditas primitivas, partindo desse ponto de vista, temos que a<br />

sociedade primitiva a que estamos falando são os indígenas e os africanos escravizados<br />

no Brasil, uma vez que eram considerados como atrasados pelos europeus, que para cá<br />

vieram explorar terras brasileiras e mão-de-obra escrava.<br />

Essas populações ditas tradicionais atualmente no nosso país tem um legado<br />

histórico e cultural importantíssimo para a formação do atual Estado brasileiro. Existe<br />

nessas trocas um grande conjunto de fatos muito complexos onde tudo se mistura, tudo<br />

o que constitui a vida propriamente social das sociedades que precederam as nossas,<br />

nesses fenômenos sociais totais exprimem-se as mais diversas instituições: religiosas,<br />

jurídicas e morais, estas sendo políticas e familiares ao mesmo tempo, econômicas<br />

supondo formas particulares da produção e do consumo, ou do fornecimento e da<br />

distribuição, sem falar os fenômenos estéticos em que resultam esses fatos e os<br />

fenômenos morfológicos que essas instituições manifestam. As questões a serem<br />

respondidas são: São voluntárias essas trocas? Há liberdade? Os presentes são gratuitos?<br />

Ou... Há obrigatoriedades em retribuir?<br />

O principio de troca, da dádiva e do dom pressupõem o tempo, pois se dá o<br />

presente, mas o retorno vem no futuro, enquanto no contrato monetário com uso do<br />

dinheiro a troca é imediata, apesar de a economia ser muito diferente da nossa, baseada<br />

na moral contratual, os presentes trocados são cheios de expectativas de troca, pois<br />

existe a tentativa de encontrar leis universais nessas trocas, segundo as leis de Durkheim<br />

sobre os fatos sociais, como: a honra e a obrigação absoluta de retribuir as dádivas sob<br />

pena de perder o mana/a autoridade, a retribuição é obrigatória (a circulação de bens<br />

deve ser garantida socialmente), teoria do sacrifício, os presentes selarão o casamento<br />

1803


(na figura do dote matrimonial), e o crédito (que é um termo baseado no tempo e<br />

juntamente com a honra precede um tipo de troca econômica).<br />

Baseado nas três obrigações, a de dar, receber e retribuir, o dom, a troca é<br />

dada quando há obrigação e honra envolvida, por ambas as partes, sendo que, primeiro,<br />

ao dar, o chefe da comunidade conserva a sua autoridade, como no caso em questão, do<br />

pequeno senhor de terras no MA algodoeiro em dar proteção e do chefe dos quilombos<br />

em dar suprimentos em troca desta, segundo, ao receber, ambas as partes estão<br />

exercendo o dom e a dádiva de ser generoso, pois quem recusa um presente é entendido<br />

como temeroso de retribuir aquilo que lhe é dado, e em terceiro lugar, enquanto retribuir<br />

não é obrigatório quando quem deu era superior a quem recebeu, mas ainda assim há a<br />

obrigação de retribuir com contra-prestações (juros), e quem não o faz não possui<br />

crédito ou confiança dos demais membros da sociedade.<br />

Aqui estão algumas outras regras do dom: Quem tem mais deve dar a quem<br />

tem menos, não existe a possibilidade de receber e não retribuir aos presentes, sob pena<br />

de guerra se não quiser aceitar algo que o chefe queira lhe dar, a obrigação no tempo<br />

consegue manter as relações sociais entre as pessoas da mesma comunidade, o mana<br />

impede o acúmulo de coisas por parte dos indivíduos inseridos em uma economia<br />

primitiva, os cobres davam prestígios aos seus donos e a ideia de divino tem a ver com a<br />

ideia de mana, ou seja, de autoridade.<br />

Para Claude Levi-Strauss, em O principio de reciprocidade, Mauss propõe<br />

nos mostrar que a troca se apresenta nas sociedades primitivas mais na forma de dons<br />

recíprocos que na forma de transações comerciais, Levi-Strauss afirma que esses dons<br />

ocupam lugar muito mais importante nessas sociedades do que nas nossas. Esta forma<br />

primitiva de troca não possui apenas caráter econômico, mas é um fato social total, isto<br />

é, é dotado de significados sociais e religiosos, mágicos e econômicos, utilitários e<br />

sentimentais, jurídicos e morais.<br />

A oferenda cerimonial de vestuários, joias, armas, alimentos e diversas<br />

provisões é um traço comum na vida de várias sociedades primitivas, sobretudo a<br />

Maori, em ocasiões como nascimento, batismo, casamento, falecimento, iniciação,<br />

1804


dentre muitos outros. Esses presentes ou são trocados imediatamente pelos bens<br />

equivalentes ou recebidos pelos beneficiários que tem por obrigação retribuir com<br />

contrapresentes, cujo valor excede muitas vezes o dos primeiros, mas que por sua vez<br />

dão direito a receber novos presentes que superam o luxo dos precedentes.<br />

Os presentes recíprocos constituem um modo de transmissão de bens, e que<br />

estes presentes não são oferecidos principalmente com a finalidade de obter um<br />

beneficio ou vantagens de natureza econômica, pois não ficarão mais ricos do que antes,<br />

esta é a visão romântica do Levi-Strauss, mas o que Mauss realmente quis nos passar é<br />

que não existe troca desinteressada, pelo contrario, as trocas são obrigatórias, na medida<br />

em que possuem sanções sociais que as vigiam.<br />

Para Levi- Strauss, a troca não produz um resultado m<strong>ate</strong>rial como nas<br />

transições comerciais da nossa sociedade. O lucro não é direto nem inerente às coisas<br />

trocadas, como são o lucro de dinheiro e o valor de consumo na sociedade capitalista.<br />

Os bens trocados não são somente comodidades econômicas, mas veículos e<br />

instrumentos que tem outro caráter, outra ordem, poder, simpatia, posição e emoção; ou<br />

seja, os objetos trocados tem valor emocional, sentimental, para os proprietários e a<br />

troca é um fato social total que, portanto, abrange uma gama de questões sociais como o<br />

principio de reciprocidade.<br />

Para Lygia Sigaud, em sua obra “As vicissitudes do ensaio sobre o dom”,<br />

existe uma serie de contradições sobre o ensaio sobre a dádiva de Marcel Mauss e<br />

evidenciada por Levi-Strauss, ela afirma que antropólogos de diferentes tradições<br />

nacionais começam a concordar que no texto de Marcel Mauss não havia uma teoria da<br />

troca, afinal essa obra foi escrita nos anos 20 e é centrada na troca e nos seus aspectos<br />

espirituais. Lygia Sigaud, na tentativa de entender o porquê das críticas negativas ao<br />

Ensaio sobre o Dom, se volta para a obra, onde era preciso localizar o que havia sido<br />

destacado, como a teoria da troca, o espirito doador, o direito, as obrigações e as<br />

prestações totais.<br />

Mauss afirma no ED que selecionaria um fato a ser examinado: o caráter<br />

voluntário, aparentemente livre e gratuito, no entanto coercitivo e interessado, do que<br />

1805


chamava de prestações, as quais quase sempre se revestiam na forma do presente<br />

oferecido generosamente, mesmo quando no gesto que acompanhava a transação não<br />

existia senão ficção, formalismo e mentira social, obrigação e interesse econômico.<br />

Partirei agora para as respostas das questões feitas pela disciplina de<br />

Etnohistória, ou seja:<br />

A fronteira a que Lilia Schwarcz se refere em seu artigo “Questões de<br />

Fronteira” é relativo à fronteira entre a História e a Antropologia etnográfica e trata de<br />

como a antropologia investiga processos históricos, a importância que a história<br />

desempenha em cada tradição, o texto dialoga ainda com a obra de Levi-Strauss,<br />

Marshall Sahlins e Thomas Mann. Trabalha a noção de tempo em sociedades<br />

ocidentais, uma análise antropológica sincrônica é aquela que opera em uma<br />

temporalidade e a noção de tempo é teórico.<br />

A antropologia refletiu sobre a história, como algumas escolas da<br />

antropologia dialogam com a história seguindo uma cronologia pela comprovação<br />

documental, ou seja, podemos citar documentos como os quais trabalho, documentos<br />

em arquivos, armazenados referentes a um tempo da história do Maranhão, ou seja, do<br />

Maranhão colonial escravagista.<br />

Definir a história como conceito universal, já que a experiência da passagem<br />

do tempo é consensual, conceito particular, na dimensão dos eventos e quando o<br />

acontecimento é culturalmente valorizado, e a história como disciplina, c<strong>ate</strong>goria<br />

fundamental do entendimento. Não há sociedade que não construa sua noção de tempo,<br />

mas cada cultura a realiza de forma empírica diferente. Para Lilia, assim como certas<br />

coisas mudam, certos fenômenos da natureza se repetem.<br />

A busca de alteridades entre sociedades, formas diversas de expressão que<br />

ajudam a refletir no limite sobre a própria experiência. Diante da experiência<br />

etnográfica, não há como entender história no singular, porém na análise histórica correse<br />

o risco de uma visão evolutiva, deixando escapar o essencial: o próprio conteúdo das<br />

teorias historiadas. Não existe sociedade com ou sem história, sociedades frias ou<br />

estagnantes.<br />

1806


Tal classificação nos permite avaliar que a situação atual do Maranhão se<br />

deve fortemente ao fato de que em seu apogeu econômico, o estado recebeu grandes<br />

quantidades de escravos e a própria população nativa, o indígena, foi massacrada e<br />

explorada juntamente com os escravos africanos, isso nos permite analisar que através<br />

do tempo a história se repete nos grandes centros urbanos do Maranhão, em que a<br />

pobreza é marcante e evidente.<br />

A produção algodoeira no Maranhão dos séculos XV<strong>II</strong>I e XIX pode ser<br />

vista como um forte período da história do estado, no que diz respeito à sua formação<br />

socioeconômica, tendo em vista que o Maranhão é atualmente o estado do Brasil com<br />

um dos piores IDH’s (Índices de Desenvolvimento Humano) e assim, com um perfil<br />

socioeconômico extremamente degradado e uma história de exploração que contribuiu<br />

para o atual cenário vivido pela população do estado. Entre os séculos supracitados, o<br />

Maranhão recebeu um grande número de africanos que seriam escravizados em terras<br />

brasileiras, juntamente com os nativos indígenas para trabalharem nas lavouras de<br />

algodão que eram chefiadas por portugueses e o algodão exportado para a Ingl<strong>ate</strong>rra, a<br />

pioneira da revolução industrial. Assim o objeto de estudo se refere a seguinte questão:<br />

“Em que medida o legado histórico escravocrata do Maranhão e de exploração pela<br />

indústria inglesa pode ter contribuído para a atual situação do estado?”, questão que teve<br />

origem nas reuniões do grupo de pesquisa sobre A economia do algodão no Maranhão.<br />

A escravidão de negros e índios em terras brasileiras gerou uma espécie de<br />

fusão entre as culturas africana e indígena através de uma técnica de reaproveitamento<br />

por bricolagem segundo Marcio Goldman, assim, afroindígena é um termo utilizado<br />

para designar aquilo que possui influência cultural afro e indígena, ou seja, a mistura<br />

das duas, não se trata de uma forma de identidade, mas de uma forma de expressão da<br />

linguagem para designar a condição em que se encontravam negros e índios no Brasil e<br />

no Maranhão escravagista e que muito contribuem para a cultura maranhense, se<br />

considerarmos que as manifestações artísticas do estado são originadas nos bairros mais<br />

pobres, negros e tradicionais da cidade de São Luís.<br />

1807


Temos ainda que, para Eric Wolf há uma divisão internacional do trabalho,<br />

que coloca a América como produtora de matéria prima e a Europa como receptora e<br />

produtora dos bens de consumo. Além de Sidney Mintz que versa sobre a economia do<br />

açúcar nas Américas e sua exportação para a Europa como um produto que passou de<br />

artigo de luxo para bem de primeira necessidade.<br />

Para Marshall Sahlins, tem-se que logo no início do texto o autor fala da<br />

economia do desenvolvi-gente, que vai permear toda a discussão do texto, fala da troca<br />

que acontece entre os ocidentais europeus e os países periféricos, onde há uma relação<br />

de desenvolvimento que perpassa o desenvolvimento m<strong>ate</strong>rial, a troca econômica tem<br />

ainda o aspecto da troca de valores, de pessoas, do fluxo (vai e vem) de pessoas,<br />

mercadorias, e dos processos de aculturação que ambas as sociedades presentes na troca<br />

acabam sofrendo.<br />

Assim, Sahlins descreve a ação dos ilhéus contra o reverendo John<br />

Williams, da London Missionary Society, que foi transformado em mártir por alguns<br />

melanésios, numa vingança cega e motivada pelas ofensas que lhes teriam sido<br />

infligidas por comerciantes brancos de sândalo. Esse caso ficou conhecido<br />

etnocentricamente pelos ocidentais como assassinato e os nativos chamados de<br />

selvagens, como se não pudessem ter suas próprias razoes e formas de violência.<br />

Assim, no texto “A revolução industrial” de Eric Wolf presente no livro A<br />

Europa e os povos sem história do mesmo autor, ele trata de como a divisão<br />

internacional do trabalho foi dada nos séculos XV<strong>II</strong>I e XIX, época da revolução<br />

industrial na Ingl<strong>ate</strong>rra, logo no inicio do texto, Wolf fala da indústria têxtil da<br />

Ingl<strong>ate</strong>rra, que foi o principal veículo para a transição do modo de produção capitalista.<br />

E na sua interpretação em “Eric Wolf, o marxismo, as revoluções<br />

camponesas e os intelectuais”, Mauro Almeida tem a oportunidade de refletir entre as<br />

ideias de Wolf e a tradição intelectual do marxismo, assim Almeida tenta falar do<br />

estudo de Eric Wolf, que está concentrado na rejeição da noção de uma sociedade<br />

camponesa, lembrando que falar em camponeses significava ser de esquerda na<br />

literatura brasileira da época, enquanto a noção de um “tipo de sociedade” colocava o<br />

1808


foco na integração interna a grupos humanos rurais, assim a noção de campesinato<br />

aponta para a situação politica do agricultor/trabalhador rural, relacionando-o ao Estado,<br />

definindo o camponês como parte de uma sociedade mais ampla, uma sociedade civil,<br />

ou seja, camponês é o termo político de agricultor.<br />

Em “Produção tropical e consumo de massa: um comentário histórico” que<br />

faz parte do livro O poder amargo do açúcar, Sidney Mintz fala da produção de açúcar e<br />

sua relação com o consumo na história dessa mercadoria, como alguns produtos<br />

passaram de <strong>artigos</strong> de luxo para bens de primeira necessidade. Assim, ele inicia seu<br />

comentário afirmando que tais produtos entraram tardiamente na consciência e nas<br />

preferências gustivas dos europeus, que se tornaram verdadeiras drogas para essa<br />

população.<br />

As plantações estabelecidas nas regiões tropicais conquistadas tinham como<br />

propósito satisfazer a crescente demanda por essas mercadorias nas cidades<br />

europeias. (MINTZ, 2010, p.39)<br />

Assim, Sidney Mintz fala que a fazenda de plantações não é apenas uma<br />

fazenda grande e sim um lugar habitado por diferentes relações sociais, entre os<br />

diversos atores, envolve ainda o mapeamento de sua relação histórica com a produção e<br />

consumo de bens de primeira necessidade numa escala moderna. (MINTZ, 2010)<br />

O autor fala ainda que seu objetivo central é juntar a história desta criação<br />

agrícola e política, a plantação à emergência de uma economia limitada apenas pelo<br />

próprio globo, ou seja, a economia capitalista que envolve o sistema mundial de trocas e<br />

perpassam as barreiras do Atlântico. A plantação era uma solução para problemas de<br />

produção em larga escala e um fator importante na mudança cultural, em razão do que<br />

se torna acessível a novos consumidores que viviam e trabalhavam longe das<br />

plantações, ou seja, os operários das fábricas inglesas, que associavam a plantação aos<br />

trópicos e consideravam-na uma instituição tropical.<br />

Daí ele fala da plantação de açúcar, que por muito tempo foi a única a ser<br />

associada à produção comercial, a história da cana-de-açúcar como safra comercial e do<br />

1809


açúcar como produto de exportação é superior a um milênio. O produto era tido como<br />

iguaria e luxo para os europeus, apenas os ricos o consumiam, mas não conheciam nada<br />

sobre sua origem, apenas no século XV<strong>II</strong>I as grandes massas operárias passam a<br />

consumir o produto, junto com o chá e o fumo, o açúcar foi uma promessa para o<br />

proletariado tendo a sociedade cumprido sua promessa. É preciso observar como os<br />

produtos são utilizados, como são definidos culturalmente, bem como <strong>ate</strong>ntar para<br />

unidades construídas de produtores e consumidores que esses produtos podem<br />

personificar e simbolizar. (MINTZ, 2010)<br />

Além do açúcar existiam o chocol<strong>ate</strong>, o chá e o café, poderosos estimulantes<br />

com sabor amargo que se transformaram no vício dos europeus; o crescimento da<br />

produção e do consumo destes produtos foi a ponta de lança da modernidade. Pois<br />

possibilitaram o fluxo, a troca e deslocamento de pessoas e mercadorias pelo mundo,<br />

Mintz tenta então nos mostrar a relação entre a pessoa e a mercadoria, fazendo<br />

perguntas como: Por que as nações europeias que obtinham o açúcar do Oriente, viramse<br />

motivadas a produzirem o seu próprio açúcar? Como se tornaram produtos efetivos,<br />

já que a safra, a tecnologia e a organização da empresa lhes eram amplamente<br />

desconhecidas?<br />

Aqui estava um produto cuja expectativa de procura estava visivelmente<br />

destinada a crescer, as plantações do Novo Mundo, incorporadas pela Europa,<br />

utilizavam mão-de-obra escrava, geralmente africanos. A história das plantações é uma<br />

história de repetidas rebeliões, levantes e conspirações, mesmo depois da abolição no<br />

século XIX, houve a utilização de mão-de-obra escrava, como bem nos diz Dale<br />

Tomich.<br />

As plantações eram criações da Europa e os consumidores delas eram<br />

europeus. O desmoronamento do feudalismo (Wallerstein, 1974), a aceleração do ritmo<br />

de exploração e conquista, a luta por recursos vitais (inclusive terra) arrancados de<br />

povos nativos em todos os cantos do mundo, e a extorsão, sem limites legais, do<br />

trabalho desses povos – todos esses desdobramentos contribuíram para a transformação<br />

da sociedade europeia. Eventualmente, aumentos na produtividade europeia levariam a<br />

1810


uma demanda incrementada no Velho Continente e estimulariam ainda mais a produção<br />

de novos bens nas colônias; o novo mundo estava se tornando uno. (Wolf,1982)<br />

Sidney Mintz explica isso da seguinte forma:<br />

Ao consumir tais substancias os trabalhadores proletários estavam ligados<br />

aos africanos escravizados e, mais tarde, aos trabalhadores migrantes<br />

coagidos e contratados nas plantações coloniais. Enquanto as fabricas e<br />

oficinas da Europa produziam tecido de baixa qualidade para vestir os<br />

escravos, moendas para os engenhos de açúcar e instrumentos de tortura para<br />

manter os escravos sob coação, as plantações nas Índias Ocidentais<br />

produziam o açúcar, o rum, e o fumo e o café que ajudariam a fazer com que<br />

os trabalhadores das fabricas europeias suportassem melhor sua sorte.<br />

(MINTZ, 2010, p. 48)<br />

Ou seja, estamos diante do sistema mundial de exploração e consumo de<br />

mercadorias, o próprio sistema capitalista globalizado, onde as diversas áreas<br />

envolvidas e as pessoas estão todas interligadas.<br />

No texto A “segunda escravidão” de Dale Tomich, presente na obra Pelo<br />

prisma da escravidão, o autor trata de uma segunda etapa de escravidão, pós-abolição da<br />

escravatura, em que era necessária mão-de-obra escrava para plantações de café em São<br />

Paulo e algodão no nordeste, sobretudo no Maranhão, que é o caso que aqui tratamos<br />

em específico.<br />

Nesse texto, Tomich fala que a abolição de escravos no Hemisfério<br />

Ocidental está entre os acontecimentos mais dramáticos e significativos do século XIX,<br />

que se iniciou com a revolução haitiana em 1791 e se estenderam até a emancipação dos<br />

escravos no Brasil em 1888.<br />

Essa época foi tida como a época do crescimento da liberdade da pessoa<br />

humana e do progresso moral e m<strong>ate</strong>rial. Durante esse período a escravidão veio a ser<br />

entendida como a antítese das formas emergentes do Estado, sensibilidade moral e<br />

atividade econômica: ela formava o padrão negativo contra o qual as novas formas de<br />

liberdade se definiam. (TOMICH, 2011)<br />

Há uma forte comparação entre o escravo africano e o trabalhador livre,<br />

operário inglês, que foi utilizada para demonstrar o que era característico nas relações<br />

1811


de propriedade capitalistas, trabalho assalariado e produção industrial, a escravidão era<br />

vista como a oposição do trabalho livre e se presumia que ela era incompatível com o<br />

mundo moderno emergente, enquanto o trabalho livre era encarado como o ponto de<br />

chegada universal dos processos históricos do desenvolvimento capitalista.<br />

Os sistemas escravistas se diferem um do outro apenas apenas por seu<br />

contexto econômico, cultural e político, já que a plantação, segundo Mintz, era uma<br />

instituição política. Consequentemente, a abolição da escravidão, quer seja considerada<br />

uma de conexão internacional, ou nas suas diversas arenas nacionais, é tomada como<br />

uma transição unilinear das formas arcaicas de economia para as formas modernas. É<br />

esse pressuposto da singularidade da escravidão que ele busca examinar ao longo do<br />

texto, mostrando as formações e reformulações das relações escravistas dentro dos<br />

processos históricos da economia capitalista mundial.<br />

A ordem da abolição escravista nas diversas sociedades mundiais, figura<br />

bem o papel, a trajetória; e os resultados de cada uma dessas sociedades que estas<br />

ocupam na economia mundial. Daí ele fala da importância de cada produto para essa<br />

economia, e é quando cita o algodão, que tentamos analisar aqui, que foi quando se<br />

iniciou o segundo ciclo de escravidão, para a produção de açúcar, café e o próprio<br />

algodão. Ciclo que se iniciou com o advento da hegemonia britânica e declinou com o<br />

desafio que lhe foi lançado com a preeminência econômica e politica dos Estados<br />

Unidos. A escravidão está imbricada nos processos econômicos mundiais e na<br />

intrínseca e irredutível desigualdade do desenvolvimento capitalista.<br />

As mudanças sobrevindas da economia mundial durante a primeira metade<br />

do século XIX alteraram consideravelmente os parâmetros e condições de produção na<br />

periferia, antes as relações entre centro e periferia foram constituídas pelos impérios<br />

coloniais em competição uns com os outros. A divisão do trabalho entre metrópole e<br />

colônia, a que tanto se refere Eric Wolf, e a natureza e direção dos fluxos de<br />

mercadorias se definiam mediante monopólios, privilégios e restrições determinado na<br />

metrópole e impostos politicamente.<br />

1812


Assim, foi-nos possível analisar, o processo de produção, as relações e as<br />

trocas não só entre senhores e fugitivos, mas entre todos os atores sociais a que me<br />

referi, sejam brancos, índios ou negros. O sistema mundial de algodão nos permitiu uma<br />

análise, ainda inacabada, das relações sociais que compunham o Maranhão colônia da<br />

economia de algodão no século XIX.<br />

REFERÊNCIAS<br />

COUCEIRO, Luiz. VALVANO, Rejane. Possíveis análises sobre a produção de<br />

algodão no Maranhão (1755-1818): relacionando o conceito “segunda escravidão” com<br />

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LEVI-STRAUSS, Claude. "O princípio da reciprocidade". In: As Estruturas<br />

Elementares do Parentesco. Tradução de Mariano Ferreira. Petrópolis: Editora Vozes,<br />

1982. p. 92-107.<br />

MALINOWSKI, Bronislaw. Os argonautas do pacífico ocidental, 3 ed. São Paulo:<br />

Abril Cultural, 1984.<br />

MARCUS, George E. Etnografía en/del sistema mundo. El surgimento de la<br />

antropologia multilocal. Alteridades, 2001, p. 111-127.<br />

MAUSS, Marcel. Introdução: Da dádiva e, em particular, da obrigação de retribuir<br />

os presentes. In: Sociologia e Antropologia. França: Cosac & Naify, 1952. p.185-257.<br />

MINTZ, Sidney W. Produção tropical e consumo de massa: um comentário<br />

histórico. In: O poder amargo do açúcar. Recife, Ed. Universitária da UFPE, 2010, p.<br />

39-50.<br />

SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. 2005. Questões de fronteira: sobre uma antropologia da<br />

história. In: Novos Estudos, CEBRAP, n.72, julho, p.19-35.<br />

SAHLINS, Marshall. Cosmologias do capitalismo: o setor transpacífico do “sistema<br />

mundial”. In: Cultura na prática, Ed. UFRJ, 2004, p.445-501.<br />

SIGAUD, Lygia. As vicissitudes do “ensaio sobre o dom”. Mana vol 5, Rio de<br />

Janeiro, 1999, p. 89-119.<br />

1813


TOMICH, Dale. A “segunda escravidão”. In: Pelo prisma da escravidão, São Paulo,<br />

Ed. USP, 2011, p. 81-97.<br />

WOLF, Eric R. A Revolução Industrial. In: A Europa e os povos sem história. São<br />

Paulo, Ed. USP, 2005, p. 323-356.<br />

1814

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