26.03.2018 Views

Vera Malaguti A questão Criminal no Brasil Contemporâneo

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

4<br />

“crimi<strong>no</strong>sa” era o método da Inquisição. Institui-se então uma averiguação<br />

realizada pelo que exerce o poder sobre o objeto estudado, a partir de uma<br />

posição privilegiada, sem diálogo com “o outro”. Os discursos sobre a questão<br />

criminal, ou a crimi<strong>no</strong>logia, se ancoraram nesse saber/poder e se intensificaram<br />

com as crescentes possibilidades técnicas de domínio da natureza, transladada<br />

nas relações com “os outros”, como aponta Marildo Menegat 2 .<br />

Na segunda metade do século XX dois livros produziram rupturas <strong>no</strong> curso<br />

desses discursos: Punição e Estrutura Social e Vigiar e Punir. O primeiro,<br />

escrito em 1939 <strong>no</strong> contexto da Escola de Frankfurt por Georg Rusche, perdeuse<br />

na Europa conturbada daquele momento e veio a ser atualizado por Otto<br />

Kirchheimer e publicado <strong>no</strong>s Estados Unidos dos a<strong>no</strong>s sessenta. Rusche é o<br />

primeiro a analisar historicamente as relações entre condições sociais, mercado<br />

de trabalho e sistemas penais. O poder punitivo oscilaria então entre um direito<br />

penal de execuções, mutilações, açoitamento e encerramento e discursos mais<br />

liberais, de acordo com a abundância ou falta de mão-de-obra. Esse movimento<br />

pendular vai do século XV ao XIX, quando a Revolução Industrial consolida a<br />

prisão como a principal pena do Ocidente, completamente associada à fábrica.<br />

Os trabalhadores que não estivessem sendo explorados sem limites nas fábricas,<br />

estariam exercendo suas penas através do trabalho forçado, lucrativo e funcional<br />

à ordem capitalista industrial 3 .<br />

Na mesma década quente em Paris, Michel Foucault escreve Vigiar e Punir,<br />

a partir da obra de Rusche. Ele avança na análise do simbolismo do poder<br />

punitivo, suas funções jurídico-políticas <strong>no</strong> cerimonial de reconstituição da<br />

soberania lesada <strong>no</strong> absolutismo. Os rituais organizados, o suplício como técnica<br />

2. MENEGAT, Marildo. Depois do fim do<br />

mundo: a crise da modernidade e a barbárie.<br />

Rio de Janeiro: Faperj/Relume Dumará, 2003.<br />

3. RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto.<br />

Punição e Estrutura Social. 2. ed. Rio de<br />

Janeiro: Instituto Carioca de Crimi<strong>no</strong>logia/<br />

Revan, 2004.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!