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1- A Ditadura Envergonada- Elio Gaspari

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lo. Se você não vai pedir demissão, vou exonerá-lo. 2<br />

Em menos de cinco minutos a audiência estava encerrada.<br />

Frota levantou-se, ficou em posição de sentido por um instante e saiu<br />

sem cumprimentar o presidente. Aqueles dois homens haviam jogado<br />

nos últimos meses uma partida em que procuraram se destruir pelas<br />

regras sutis da ditadura, sem que o resto do país percebesse o<br />

tamanho das manobras de cada um. Começava naquele momento o<br />

jogo bruto, público.<br />

Frota ainda estava na ante-sala do gabinete presidencial,<br />

quando Geisel mandou chamar seu chefe do Gabinete Civil, general<br />

Golbery do Couto e Silva. E veio o Bruxo, Satã, Satânico Dr. Go,<br />

Corcunda, Dr. Gol, Corca, Genedow — Golbery, aos 66 anos, era a<br />

eminência parda do governo. Não falava em público, não dava<br />

entrevistas, deixava correr a lenda segundo a qual não conversava<br />

com jornalistas. Estava por trás de tudo, inclusive das coisas com as<br />

quais nada tinha a ver. Por trás da queda de Frota, estava. Fazia dois<br />

anos que não pensava em outra coisa. Sem nenhuma originalidade na<br />

aparência, descuidado no vestir e socialmente retraído, carregava um<br />

nome espalhafatoso. Originalmente, nem nome era, mas sobrenome<br />

de um obscuro burocrata francês do Oitocentos. 3 Golbery ganhara<br />

notoriedade nacional em 1964. Fora um dos principais articuladores<br />

da conspiração contra João Goulart, transformando-se numa espécie<br />

de ideólogo da nova ordem. Fundara o Serviço Nacional de<br />

Informações e, por meio dele, acompanhava a vida dos outros sem<br />

que se pudesse acompanhar a sua. Desde 1974 era o principal<br />

colaborador de Geisel no processo de abertura política. Odiavam-no à<br />

direita porque sabiam que tramava o fim do regime. Odiavam-no à<br />

esquerda porque, declaradamente, pretendia manter, ainda que<br />

mudada, uma ordem de coisas que havia dez anos ela combatia.<br />

Deixara o Exército em 1961 e desde o início do governo de Geisel era<br />

atacado por oficiais que faziam circular panfletos contra ele pelos<br />

quartéis. No Centro de Informações do Exército, uma das usinas

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