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1- A Ditadura Envergonada- Elio Gaspari

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de uma crise militar da qual manteve afastados os políticos, a<br />

imprensa e a opinião pública. Podem-se contar nos dedos de uma só<br />

mão os civis que tiveram algum tipo de relevo na jornada de 12 de<br />

outubro de 1977. Nesse paradoxo, contudo, não está mais uma das<br />

charadas da vida política do país, e sim a solução do enigma que<br />

acompanha tanto os mecanismos pelos quais os militares tomam o<br />

poder como aqueles pelos quais o deixam.<br />

É óbvio que, na rápida cena ocorrida na cerimônia do Planalto,<br />

nem Geisel, nem Bethlem, muito menos Marco Maciel acreditavam<br />

que no mundo real do poder o presidente da Câmara fosse<br />

hierarquicamente superior ao ministro do Exército. Geisel, porém,<br />

mostrava sua capacidade de retirar do aparato ditatorial a força<br />

necessária para fazer que Bethlem e Maciel se comportassem como<br />

se a supremacia hierárquica do deputado existisse.<br />

Desde 1968, quando através da vigência do Ato Institucional n°<br />

5 o Brasil entrara no mais longo período ditatorial de sua história, dois<br />

presidentes prometeram restaurar as franquias democráticas. Geisel,<br />

o único a não fazer essa promessa, acabou com a ditadura. Entre<br />

1974, ao assumir o governo, e 1979, ao deixá-lo, transformou uma<br />

Presidência inerte, entregue a um colegiado de superministros, num<br />

governo imperial. Converteu uma ditadura amorfa, sujeita a períodos<br />

de anarquia militar, num regime de poder pessoal, e quando<br />

consolidou esse poder — ao longo de um processo que culmina no dia<br />

12 de outubro de 1977 — desmantelou o regime. Quando assumiu,<br />

havia uma ditadura sem ditador. No fim de seu governo, havia um<br />

ditador sem ditadura. No dia 31 de dezembro de 1978, 74 dias antes<br />

da conclusão de seu mandato, acabou-se o Ato Institucional n° 5, o<br />

instrumento parajurídico que vigorara por dez anos, por meio do qual<br />

o presidente podia fechar o Congresso, cassar mandatos<br />

parlamentares e governar por decretos uma sociedade onde não<br />

havia direito a habeas corpus em casos de crimes contra a segurança<br />

nacional. Antes, acabara com a censura à imprensa e com a tortura<br />

de presos políticos, pilares do regime desde 1968.

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