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1- A Ditadura Envergonada- Elio Gaspari

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Exército. Permanecendo na corporação, convivem com a mesma<br />

geração de colegas, respeitando praticamente a mesma hierarquia ao<br />

longo de todas as suas vidas. No mundo civil, o primeiro colocado<br />

numa turma de engenharia perde-se na lembrança dos tempos. Já<br />

nos quartéis, o primeiro colocado na Academia é, pela eternidade,<br />

uma espécie de campeão olímpico. Vivem como passageiros de um<br />

imenso transatlântico no qual se fazem amizades e antipatias sob o<br />

compromisso de manter o barco à tona, fé no destino e, se possível, o<br />

conforto a bordo. Septuagenários e poderosos, jamais esquecem um<br />

capitão cuja mulher saía em aventuras vespertinas ou um tenentecoronel<br />

que colava na Escola de Estado-Maior. Jamais se esquecem,<br />

por exemplo, os apelidos da juventude, ganhos no tempo das escolas<br />

militares. Para um aspirante dos anos 30, o Brasil foi presidido de<br />

1964 a 1985 por Tamanco, Português, Milito, Alemão e Figa.<br />

O silêncio dos generais foi compensado pela utilização maciça<br />

de conceitos teóricos. Com isso, freqüentemente misturaram-se<br />

idéias brilhantes e preconceitos, dando-se força de dogma a algumas<br />

racionalizações que, no máximo, seriam bons instrumentos de<br />

especulação. Para explicar a brutalização da política, recorreu-se<br />

demais ao que se chama de Doutrina de Segurança Nacional ou, na<br />

sua denominação crítica, Ideologia da Segurança Nacional. Trata-se<br />

do sistema através do qual se teria processado, calculadamente, a<br />

articulação da ditadura. Nesse arcabouço doutrinário, formulado e<br />

desenvolvido na Escola Superior de Guerra, seria possível encontrar,<br />

arrumadas, as idéias do regime militar. Nessa racionalização<br />

juntaram-se tanto defensores como adversários do regime.<br />

A deficiência central da Doutrina de Segurança Nacional, tanto<br />

para quem combateu a ditadura como para quem a adorou, está no<br />

fato de que ela nada teve de doutrina, muito menos de ideologia. A<br />

expressão “segurança nacional” embutiu um preconceito, talvez uma<br />

idéia. Como uma personagem do escritor V. S. Naipaul, “ela tem<br />

muitas opiniões, mas não chegam a formar um ponto de vista”. Nos<br />

seus 21 anos de vida, o regime militar operou nas questões de

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