RCIA - Ed. 160 - Novembro 2018
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Da vaidade<br />
Luís Carlos<br />
“Cheguei à firme convicção de que<br />
a vaidade é a base de tudo, e de<br />
que finalmente o que chamamos<br />
de consciência, é apenas a vaidade<br />
interior”. (Flaubert, 1821-80,<br />
“Pensées”, 3)<br />
Renomados filósofos, como Montaigne<br />
(1533-92) em seus Ensaios;<br />
Hume (1711-76) na Investigação sobre<br />
o Entendimento Humano; teólogos,<br />
ensaístas como Matias Aires (1705-63)<br />
em Reflexões sobre a Vaidade dos Homens,<br />
entre tantos outros, já escreveram<br />
sobre a vaidade.<br />
Um tema com infinitas e imensas<br />
variações que este cronista se atreve<br />
também (por vaidade...) a discorrer, en<br />
passant, de tanto observar as reações<br />
das pessoas neste inédito século, mesmo<br />
porque, pelo menos até a atualidade,<br />
se desconhece se ela intimamente<br />
também ocorre entre os animais.<br />
Existente, é instintiva e está conforme<br />
a natureza, mormente nos machos<br />
para conquistar as fêmeas em sua luta<br />
pela preservação da espécie. Todos<br />
já observaram — principalmente os<br />
cientistas — que no reino animal o<br />
macho sempre é o mais bonito e o<br />
mais vistoso. Tudo para acasalar e impressionar<br />
o sexo oposto.<br />
Mas o ser humano, como ser racional<br />
que é, vai muito mais além do instinto;<br />
possui características próprias,<br />
justamente porque ele pensa. E a vaidade<br />
ocorre durante toda sua vida. Vai<br />
desde a infância até a velhice; ocorre<br />
BEDRAN<br />
Sociólogo e cronista da Revista Comércio,<br />
Indústria e Agronegócio de Araraquara<br />
Mas o engraçado é que muitas pessoas perdem<br />
completamente a noção do ridículo quando exageram<br />
— até mesmo sem terem consciência disso<br />
— em suas atitudes e em seus comportamentos. Aí<br />
então se tornam patéticas.<br />
em ambos os sexos, sob as mais várias<br />
formas, da intelectual à física; é encontrada<br />
em todas as classes sociais e nas<br />
mais várias etnias. No mundo todo e<br />
parece estar intimamente ligada ao<br />
amor-próprio, da qual praticamente<br />
é inseparável. Em sua antiga sabedoria<br />
a Bíblia (Eclesiastes, I, 2), já dissera que<br />
Vanitas vanitatum, et omniavanitas:<br />
“Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade”.<br />
Como se ela devesse ser recriminada,<br />
como se ela fosse um pecado<br />
gravíssimo que precisasse ser contido<br />
e até eliminado. Embora seja<br />
considerado um dos pecados<br />
capitais pela Igreja, que,<br />
segundo Tomás de Aquino,<br />
mereceria uma atenção especial,<br />
na verdade a vaidade<br />
faz parte intrínseca do<br />
ser humano, e nada obsta que deva<br />
existir, mesmo porque, caso contrário,<br />
a vida não teria tanta graça como<br />
tem. E não pode ser confundida com<br />
a arrogância e o orgulho.<br />
A vaidade é a alavanca que nos<br />
sustenta e não há nada de mal em ser<br />
louvada. Muito pelo contrário. Mas o<br />
engraçado é que muitas pessoas perdem<br />
completamente a noção do ridículo<br />
quando exageram — até mesmo<br />
sem terem consciência disso — em<br />
suas atitudes e em seus comportamentos.<br />
Aí então se tornam patéticas.<br />
E é o grau máximo (nem o mínimo,<br />
nem o médio) da vaidade que é objeto<br />
de reprovação social, muito embora,<br />
quando direcionada para uma<br />
atividade altruística ou benéfica para<br />
a humanidade, não deveria merecer<br />
reparos. Aristóteles entendia que a<br />
virtude estava no meio: nem tanto ao<br />
céu, nem tanto à terra.<br />
Até nos livros infantis a vaidade está<br />
presente, marcada pelo galo Tobias,<br />
mestre da capoeira que gostava de<br />
desafiar o canto dos galos da vizinhança<br />
Flaubert tinha razão mesmo. A vaidade<br />
é a base de tudo. A busca pelo<br />
poder político é menos pelo ideal, que<br />
supostamente prega, menos em função<br />
do bem-estar da sociedade, do governado,<br />
menos por levar vantagem,<br />
seja econômica, sexual, qualquer que<br />
seja, do que íntima, particular, pessoal<br />
e psicológica. Ele quer o poder para<br />
provar mais a si mesmo, do que aos<br />
outros, que é um cara bom, competente,<br />
simpático; quer ser querido,<br />
exige ser querido.<br />
O escritor quer publicar seu livro,<br />
menos por dinheiro, para receber seus<br />
direitos autorais, que às vezes nem<br />
precisa, do que para mostrar aos outros<br />
que tem imaginação, valor, tudo<br />
para ser considerado em seu meio. O<br />
mesmo acontece com o pintor, que<br />
quer ser louvado, admirado, consagrado<br />
pelo público; o cientista quer ganhar<br />
o Prêmio Nobel menos pelo bem<br />
que produzirá à humanidade, do que<br />
pela sua competência, sua pesquisa,<br />
por seu trabalho e determinação.<br />
Não houvesse a vaidade, este cronista<br />
não mais escreveria (sorte do leitor);<br />
o mestre pintor não mais pintaria;<br />
o político deixaria de fazer política (o<br />
que talvez não fosse tão ruim assim);<br />
a mulher ficaria menos bonita; o padre<br />
não falaria tanto de Deus; os atletas<br />
não conquistariam medalhas; os<br />
cientistas se acomodariam. E o mundo<br />
ficaria paralisado.<br />
Mas uma autocrítica permanente<br />
seria mesmo o melhor remédio para<br />
conter uma supervalorização da vaidade.<br />
Para que ela não seja tão nefasta,<br />
menos para o vaidoso, do que para<br />
a sociedade.<br />
|78