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RCIA - Ed. 160 - Novembro 2018

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Da vaidade<br />

Luís Carlos<br />

“Cheguei à firme convicção de que<br />

a vaidade é a base de tudo, e de<br />

que finalmente o que chamamos<br />

de consciência, é apenas a vaidade<br />

interior”. (Flaubert, 1821-80,<br />

“Pensées”, 3)<br />

Renomados filósofos, como Montaigne<br />

(1533-92) em seus Ensaios;<br />

Hume (1711-76) na Investigação sobre<br />

o Entendimento Humano; teólogos,<br />

ensaístas como Matias Aires (1705-63)<br />

em Reflexões sobre a Vaidade dos Homens,<br />

entre tantos outros, já escreveram<br />

sobre a vaidade.<br />

Um tema com infinitas e imensas<br />

variações que este cronista se atreve<br />

também (por vaidade...) a discorrer, en<br />

passant, de tanto observar as reações<br />

das pessoas neste inédito século, mesmo<br />

porque, pelo menos até a atualidade,<br />

se desconhece se ela intimamente<br />

também ocorre entre os animais.<br />

Existente, é instintiva e está conforme<br />

a natureza, mormente nos machos<br />

para conquistar as fêmeas em sua luta<br />

pela preservação da espécie. Todos<br />

já observaram — principalmente os<br />

cientistas — que no reino animal o<br />

macho sempre é o mais bonito e o<br />

mais vistoso. Tudo para acasalar e impressionar<br />

o sexo oposto.<br />

Mas o ser humano, como ser racional<br />

que é, vai muito mais além do instinto;<br />

possui características próprias,<br />

justamente porque ele pensa. E a vaidade<br />

ocorre durante toda sua vida. Vai<br />

desde a infância até a velhice; ocorre<br />

BEDRAN<br />

Sociólogo e cronista da Revista Comércio,<br />

Indústria e Agronegócio de Araraquara<br />

Mas o engraçado é que muitas pessoas perdem<br />

completamente a noção do ridículo quando exageram<br />

— até mesmo sem terem consciência disso<br />

— em suas atitudes e em seus comportamentos. Aí<br />

então se tornam patéticas.<br />

em ambos os sexos, sob as mais várias<br />

formas, da intelectual à física; é encontrada<br />

em todas as classes sociais e nas<br />

mais várias etnias. No mundo todo e<br />

parece estar intimamente ligada ao<br />

amor-próprio, da qual praticamente<br />

é inseparável. Em sua antiga sabedoria<br />

a Bíblia (Eclesiastes, I, 2), já dissera que<br />

Vanitas vanitatum, et omniavanitas:<br />

“Vaidade das vaidades! Tudo é vaidade”.<br />

Como se ela devesse ser recriminada,<br />

como se ela fosse um pecado<br />

gravíssimo que precisasse ser contido<br />

e até eliminado. Embora seja<br />

considerado um dos pecados<br />

capitais pela Igreja, que,<br />

segundo Tomás de Aquino,<br />

mereceria uma atenção especial,<br />

na verdade a vaidade<br />

faz parte intrínseca do<br />

ser humano, e nada obsta que deva<br />

existir, mesmo porque, caso contrário,<br />

a vida não teria tanta graça como<br />

tem. E não pode ser confundida com<br />

a arrogância e o orgulho.<br />

A vaidade é a alavanca que nos<br />

sustenta e não há nada de mal em ser<br />

louvada. Muito pelo contrário. Mas o<br />

engraçado é que muitas pessoas perdem<br />

completamente a noção do ridículo<br />

quando exageram — até mesmo<br />

sem terem consciência disso — em<br />

suas atitudes e em seus comportamentos.<br />

Aí então se tornam patéticas.<br />

E é o grau máximo (nem o mínimo,<br />

nem o médio) da vaidade que é objeto<br />

de reprovação social, muito embora,<br />

quando direcionada para uma<br />

atividade altruística ou benéfica para<br />

a humanidade, não deveria merecer<br />

reparos. Aristóteles entendia que a<br />

virtude estava no meio: nem tanto ao<br />

céu, nem tanto à terra.<br />

Até nos livros infantis a vaidade está<br />

presente, marcada pelo galo Tobias,<br />

mestre da capoeira que gostava de<br />

desafiar o canto dos galos da vizinhança<br />

Flaubert tinha razão mesmo. A vaidade<br />

é a base de tudo. A busca pelo<br />

poder político é menos pelo ideal, que<br />

supostamente prega, menos em função<br />

do bem-estar da sociedade, do governado,<br />

menos por levar vantagem,<br />

seja econômica, sexual, qualquer que<br />

seja, do que íntima, particular, pessoal<br />

e psicológica. Ele quer o poder para<br />

provar mais a si mesmo, do que aos<br />

outros, que é um cara bom, competente,<br />

simpático; quer ser querido,<br />

exige ser querido.<br />

O escritor quer publicar seu livro,<br />

menos por dinheiro, para receber seus<br />

direitos autorais, que às vezes nem<br />

precisa, do que para mostrar aos outros<br />

que tem imaginação, valor, tudo<br />

para ser considerado em seu meio. O<br />

mesmo acontece com o pintor, que<br />

quer ser louvado, admirado, consagrado<br />

pelo público; o cientista quer ganhar<br />

o Prêmio Nobel menos pelo bem<br />

que produzirá à humanidade, do que<br />

pela sua competência, sua pesquisa,<br />

por seu trabalho e determinação.<br />

Não houvesse a vaidade, este cronista<br />

não mais escreveria (sorte do leitor);<br />

o mestre pintor não mais pintaria;<br />

o político deixaria de fazer política (o<br />

que talvez não fosse tão ruim assim);<br />

a mulher ficaria menos bonita; o padre<br />

não falaria tanto de Deus; os atletas<br />

não conquistariam medalhas; os<br />

cientistas se acomodariam. E o mundo<br />

ficaria paralisado.<br />

Mas uma autocrítica permanente<br />

seria mesmo o melhor remédio para<br />

conter uma supervalorização da vaidade.<br />

Para que ela não seja tão nefasta,<br />

menos para o vaidoso, do que para<br />

a sociedade.<br />

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