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Toda Poesia - Paulo Leminski

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genérico, o arco do diagnóstico conservador servia, melhor do que a ninguém, a <strong>Paulo</strong><br />

<strong>Leminski</strong>, que tem o mérito de abarcá-lo como um todo. A sua dicção singular, o seu<br />

perspectivismo múltiplo, miram os pontos de fuga do modernismo oswaldiano, da<br />

consciência experimental da linguagem bebida na poesia concreta, do coloquialismo<br />

avisado da poesia marginal e do poder poético da canção. Mas, para entendê-lo, seria<br />

preciso antes de mais nada inverter o sinal depreciativo atribuído a “berimbau de<br />

barbante”, porque, na poética leminskiana, como vimos, o grande e o pequeno, o<br />

insight e o derrisório, connam-se intimamente como aspectos da mesma matéria,<br />

seu arco e sua lira. Nela, o “berimbau de barbante” toca música.<br />

Esse é o momento oportuno para introduzir a questão da música popular. Não há<br />

dúvida de que <strong>Paulo</strong> <strong>Leminski</strong> viveu intensamente a tentação da canção. O autor do<br />

Catatau, esse desconcertante moto perpétuo de jingles joyceanos, de hits em alta<br />

velocidade, de uma temperatura informacional inapreensível pelo grande público,<br />

sonhava também com a cadência espraiada do refrão em massa, do reconhecimento<br />

horizontal do sucesso, não fosse ele um catalisador de polaridades. Suas canções em<br />

parceria, mas principalmente aquelas de que fez letra e música, apontam na direção<br />

desse projeto, que, se não se realizou plenamente com ele, encontra oportunamente<br />

na obra de Arnaldo Antunes a sua perfeita tradução, isto é, a correspondente aliança<br />

da poesia do livro — marginal e de vanguarda, informal e formalista — com a<br />

linguagem da canção pop.<br />

Há quem faça canções com acurado conhecimento de causa musical, nas quais o<br />

trato de melodias requintadas e de harmonias complexas, de acordes alterados e de<br />

modulações imprevistas, concilia-se com o gosto popular, como soube fazer Tom<br />

Jobim, “maestro soberano”, seguido nisso pelo próprio Chico Buarque. Há outros que<br />

trabalham só com um violão do qual não dominam mais do que dois ou três acordes,<br />

limitando-se aos movimentos de tônica e dominante, variações singelas entre os<br />

modos maior e menor, e levadas rítmicas já provadas e comprovadas. No entanto,<br />

como a canção popular é o campo fértil para as relações improváveis entre o mais<br />

sosticado e o mais elementar, revertendo muitas vezes um ao outro, alimentando-se<br />

dos poderes e da ecácia deste último e revelando-lhe as riquezas, soluções muito<br />

simples dispõem às vezes de um frescor e de uma força criativa genuína.<br />

É o lugar por excelência de “Verdura”, canção gravada por Caetano Veloso no disco<br />

Outras palavras, e que fez certa fama:<br />

de repente<br />

me lembro do verde<br />

da cor verde<br />

a mais verde que existe<br />

a cor mais alegre<br />

a cor mais triste<br />

o verde que vestes<br />

o verde que vestiste<br />

o dia em que eu te vi

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