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Ent<strong>revista</strong><br />

Iporaense é o novo Secretário<br />

Estadual de Cultura<br />

Edival Lourenço é um dos principais nomes da literatura nacional. O iporaense, de família<br />

tradicional e infância pobre, foi na contramão da sua geração ao se interessar logo na infância<br />

pela leitura e escrita. Motivado pelas histórias que ouviu do antigo Almanaque Fontoura, Edival<br />

galgou os desafios e se destacou em funções importantes na Caixa Econômica Federal. Mas, sua<br />

grande paixão sempre foi a cultura. De perfil técnico, foi escolhido pelo Governador Ronaldo<br />

Caiado para ser o Secretário Estadual de Cultura. Nesta ent<strong>revista</strong> exclusiva, o escritor conta<br />

detalhes fantásticos de sua trajetória que sempre levou o nome de Iporá.<br />

Qual a origem da sua família e como chegaram<br />

em Iporá?<br />

Edival Lourenço: Por parte de mãe, minha<br />

família é oriunda de São Paulo. Os Paes de Gouveia<br />

teriam vindo nas primeiras levas da colonização.<br />

Teriam sido donos de sesmarias – grandes extensões<br />

de terras com documentos da igreja. O<br />

doador das primeiras terras para fundar a cidade<br />

de Iporá foi Quinca Paes, um tio do meu avô. Quando<br />

nasci, as propriedades de terras da família estavam<br />

só na memória. Era um povo muito humilde e<br />

pobre. Meu pai é da família Lourenço, que veio na<br />

década de 1930 da região rural de Patos de Minas.<br />

Minha mãe casou muito jovem, aos 15 anos, meu<br />

pai com 25. Meus pais sempre viveram como agregados<br />

de fazendas. Minhas primeiras lembranças<br />

são rurais, às margens do ribeirão Tamanduá, que<br />

hoje forma o lago da cidade de Iporá. Aos 4 anos,<br />

nos mudamos para uma fazenda ao sopé do Morro<br />

do Macaco. Entre os 6 e 10 anos, vivemos em algumas<br />

fazendas entre Diorama e Jaupaci. Conheci a<br />

movimentação dos garimpos de diamante no Rio<br />

Claro.<br />

Como foi sua infância e o primeiro contato com<br />

a leitura?<br />

Quando contava com mais ou menos oito anos<br />

de idade, houve um fato que foi decisivo para que<br />

eu viesse a estudar e tentar a sorte na Literatura.<br />

A gente morava num rancho de folhas de palmeiras,<br />

afastado de vizinhos. Naquele tempo e lugar,<br />

o normal era que ninguém soubesse ler e escrever,<br />

a não ser os patrões. Minha mãe não lia, meu<br />

pai apenas soletrava, mas tinha dificuldades em<br />

reunir as sílabas em palavras, numa espécie de<br />

gagueira pré-leitura. Às margens do Rio Claro, no<br />

Oeste Goiano, meu destino, como o das demais<br />

crianças, parecia já bem definido: seria analfabeto<br />

e trabalhador rural sem-terra, como meus<br />

pais. Um belo dia um divulgador do Biotônico<br />

Fontoura passou por lá. Fez degustação com uma<br />

colherzinha de chá da tintura para cada um de<br />

nós. Achei gostoso. Nem parecia remédio, pois os<br />

que minha mãe fazia de casca, raiz ou folha eram<br />

sempre amargos ou de gosto horrível.<br />

Me viu magrelo o homem e logo argumentou<br />

que o remédio era bom pra abrir o apetite,<br />

e tal. Como meu pai não tinha dinheiro para a<br />

aquisição, rebateu com uma frase de espírito:<br />

“Apetite ele tem. Até demais. O que falta é comida.”<br />

Sem jeito de realizar a venda, o homem ficou por<br />

ali esperando que saísse qualquer coisa pra comer.<br />

Meu pai caprichou: jogou um pedaço de pau no<br />

pescoço de um frangote que ciscava na larga, que<br />

ele acertou de primeira, um cachorro de porta foi<br />

lá e buscou e minha mãe preparou com molho<br />

de açafrão. O feijão já estava cozido na trempe lá<br />

fora e o arroz pilado e lavado na cuia. O assunto<br />

com meu pai parecia esgotar e para não ficar à toa<br />

enquanto esperava, ele puxou de uma revistinha<br />

e começou a ler pra mim umas charadas do tipo o<br />

que é, o que é: nasce em pé e corre deitado? Passou<br />

para umas historinhas, que vim saber mais tarde<br />

que eram de Monteiro Lobato. Fiquei encantado:<br />

como podia alguém correr os olhos sobre aquelas<br />

fileiras de formiguinhas mortas em cima do papel<br />

e ir falando coisas que eu achava tão bonitas?!<br />

Depois do almoço, após elogiar a hospitalidade,<br />

o molho de frango e meu interesse pela leitura, ele<br />

se foi. E para meu júbilo deixou um exemplar do<br />

Almanaque. Como prestara atenção na leitura eu<br />

repetia em voz alta as charadas e as historinhas.<br />

Sempre que havia oportunidade de encontrar<br />

alguém eu sacava logo do Almanaque, que levava<br />

no embornal e “lia” para os interlocutores. Todo<br />

mundo fingia achar que eu sabia ler. Hoje sei que é<br />

fingimento porque nunca me chamaram para ler<br />

algum bilhete ou carta que parentes houvessem<br />

mandado.<br />

Então, você se interessou pela leitura antes<br />

mesmo de aprender a ler?<br />

A partir daquela experiência, como efeito colateral<br />

do remédio, adquiri e reforcei a convicção<br />

de que eu iria estudar ainda, aprender a ler de<br />

verdade e escrever histórias como aquelas. Ninguém<br />

acreditava nisso, além de mim. Não existiam<br />

escolas nas redondezas, nem recursos havia para<br />

que eu fosse pra perto de uma delas. Meu pai não<br />

ia deixar seu meio de vida no sertão. Mas a roda da<br />

vida foi girando, orientada por esse propósito.<br />

Estávamos na casa do fazendeiro, ouvindo<br />

rádio. O Repórter Esso anunciou com estardalhaço<br />

que Fidel Castro vencera a Revolução Cubana e estava<br />

distribuindo terras aos trabalhadores rurais.<br />

Meu pai fez um comentário inconveniente: O Brasil<br />

tá precisando é de um caboclo macho desses.<br />

Almanaque produzido e<br />

distribuído por décadas<br />

pelo Biotônico Fontoura.<br />

O fazendeiro ficou assustado e determinou que<br />

a gente desocupasse suas terras, logo que fizesse a<br />

colheita, no final de março. Meu pai teve dificuldades<br />

de achar outro local para ser agregado, pois<br />

as informações sobre ele agora eram ruins. Além<br />

disso, meu pai ficou doente, que depois soubemos<br />

que era mal de chagas e não tinha condições de<br />

trabalhar. Então mudamos para um sítio do irmão<br />

de meu pai, em Jacinópolis, a uns 8 km de Iporá.<br />

De tal sorte que em 1963, aos 11 anos, com a venda<br />

de minha parte numa colheita de feijão, comprei<br />

meu primeiro enxoval de estudante e entrei para<br />

o curso primário no Grupo Escolar Israel de<br />

Amorim, em Iporá. Acho que foi um milagre. O<br />

que posso fazer para beatificar o Almanaque do<br />

Biotônico Fontoura?<br />

Desse início pouco promissor, como chegou à<br />

Caixa?<br />

Mesmo depois de começar a estudar, continuei<br />

trabalhando parte do dia na roça. Fui uma criança<br />

muito solitária, pois minha irmã só nasceu quando<br />

eu já contava com 12 anos e meu pai morreu logo<br />

em seguida. Quando terminei o curso básico em<br />

Iporá, por caridade de uma tia-avó, mudei-me<br />

para Goiânia. Fui trabalhar numa escola como<br />

faxineiro e estudar o segundo Grau no Colégio<br />

Pedro Gomes. Em 1972, passei no concurso da<br />

Caixa Econômica Federal, mas só tomei posse em<br />

1975. Eu tinha verminose e demorei a conseguir<br />

ser aprovado nos exames admissionais. Trabalhei<br />

na Caixa até me aposentar. Formei-me em Direito<br />

e Marketing. Ocupei várias funções na Caixa.<br />

REVISTA IMPACTO MARÇO - ABRIL<br />

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