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CADERNO TRANSE

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<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

RESGISTROS DO PROCESSO <strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

16 MULHERES E 1/2 E NÚCLEO CINEMATOGRÁFICO DE DANÇA<br />

FEV 2019 - OUT 2019


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

OLHO NO OLHO DO BOI SELVAGEM QUE NÃO FOI ADESTRADO<br />

pedro athié<br />

PRIMEIRAS TENSÕES E DESDOBRAMENTOS A RESPEITO DO DEBOCHE BRASIL - MARÇO/2019<br />

Questões I - Aqui respondidas em fluxo, 3 minutos cada uma.<br />

Podemos juntos encontrar outras saídas?<br />

Como sair do estado de apatia e re-existir por meio da ironia e do deboche?<br />

Como captar do outro o que é pura intensidade?<br />

Como se permitir ser tomado pela força de uma ação, criando uma espécie de transe, em êxtase com o<br />

outro?<br />

Como fazer do corpo FESTA ?<br />

1– Juntos e somente juntos é possível a saída, fora do buraco que não seja o de minhoca.... e as saídas são<br />

múltiplas e nos levam a diferentes lugares por isso imprescindível que seja uma saída em comum, se juntos.<br />

E não apenas qualquer uma escolhida aleatoriamente ou individualmente. A troca, a liberdade e a escuta<br />

devem ser juntos também e juntas. Coletivamente mesmo sem gostar dessa palavra, que apenas não gosto<br />

esteticamente.<br />

2– Busco essa resposta faz um tempo pois me encontro em estado de apatia (ainda bem que reflexivamente<br />

me questiono todo dia) faz tempo... há algo de um esgotamento das forças e das palavras e das imagens em<br />

mim que poderiam suscitar caminhadas longas pela resistência. O Como talvez seja a resposta mais difícil<br />

nesse momento e buscar por um começo disso ou algo que seja quase isso, e toque num tendão minúsculo<br />

disso já sirva... como debochar genuinamente, e persistir? Encontrei gritos comuns em caminhadas comuns,<br />

algo de grotesco e belo e caótico e sem muitas justificativas ou temas, algo semelhante... distopias talvez,<br />

mas não sempre, tem que ser cuidado... mas é caótico, é suado, é sem fim atento, cuidado.<br />

3– Olho no olho do boi selvagem que não foi adestrado... sangue no olho, suor, saliva, línguas, poros,<br />

orifícios. Captar a intensidade tem a ver com proximidade, quentura, rouquidão, implosão. Tem a ver com<br />

dar um salto ao mesmo tempo que o outro no mistério, procurando a queda juntos, pra sentir o que bate mais<br />

forte, o que bate junto. Tem a ver com sentir colado os tremores da pele, do mundo, do arrepio e do vento,<br />

bater palma ao mesmo tempo.<br />

4– Com o outro torna tudo mais complexo ao meu ver, mas é na escuta da ação e da percepção do outro,<br />

poucas palavras, contato e respiração que se aproxima de um sentimento junto diante do êxtase. Esse algo<br />

externo que arrebata e comove imensamente todos os fluidos do corpo em uma direção comum. E que seja<br />

assim no outro e em si, fluidos caminhando junto ao precipício, que vertiginosamente deve libertar alguns<br />

nós.<br />

5– Vibração sonora coletiva arrebatadora que liberta sente o ar olha em volta segue junto. O tempo gira em<br />

um só, o salto não se premedita, o encantamento permanece sob a ótica de todxs, algo vibra e pulsa em<br />

ritmos e batidas persistentes. O corpo festa resiste à chuva e mostra e está, corpo festa é presente da ação<br />

e do aqui agora, é criança, corpo festa é nostalgia, libido e tesão. Tudo nessas direções possibilitam o corpo<br />

festa. Que é o mesmo corpo cênico, que beira existências infinitas e possibilidades impensáveis.<br />

#saida, #comum, #liberdade, #escuta, #apatia, #esgotamento, #debochar, #persistir, #distopia, #caotico,<br />

#selvagem, #saliva, #implosao, #misterio, #arrepio, #percepcao, #contato, #respiracao, #fluidos,<br />

#vertiginosamente, #vibracao, #gira, #ritmos, #festa, #corpo, #presente, #crianca, #libido, #tesao,<br />

#TransEmTropico


NO MEIO DO CAOS, DO HORROR E DO ABISMO<br />

pedro athié<br />

BRASIL 2019<br />

Abismos espasmos ensaios ressaca reflexos ressentimentos desrespeito desamor desafeto higiene gente<br />

povo gênero cortes bruscos no intimo de cada um<br />

Pulsações de morte em vida<br />

Sinto uma falta enorme de algo que foi embora, ruiu e simplesmente não existe mais. Ausência.<br />

Os fogos são rápidos, intensos, destrutivos por vezes, construtivos noutras. Mas paira a ausência e o frio,<br />

a impermanência, a imobilidade da vida. Paira um distanciamento da vida, como se ela fosse a culpada de<br />

algo que me deixa completamente ausente, ingrato, solitário.<br />

A primeira imagem relacionada a isso que me vem é de mim em posição fetal. A segunda é explodindo<br />

tudo em roupas cintilantes brilhantes papel alumínio.<br />

Tudo ou nada. Os tempos não permitem divagações punhetas mentais. Estamos no meio do caos, do<br />

horror e do abismo. Nessa cidade pelo menos, onde acontece de tudo. Semana passada andei pela região<br />

da Luz, não sei se é o começo ou o fim do mundo, tá tudo ali, em contraste e em explosão.<br />

Assim o corpo se revela como maior potência de transformação, em abismo, a beira, quando criança,<br />

quando presente. Ele é importante.<br />

Assassinatos brutais contra corpos dissidentes, sempre e sempre e hoje. Isso me afeta. Não deixam as<br />

pessoas serem, viverem como quiserem, perseguição. Eles matam. Eu sou impotente nessa luta e nessa<br />

resposta. Reajo em fúria e dor recolhidas. Agridem corpos livres de todos os jeitos em todas as formas de<br />

todas as maneiras possíveis. E buscam pela felicidade no churrascão de família no domingo assistindo<br />

futebol.<br />

#abismos, #espasmos, #ensaios, #ressaca, #reflexos, #ressentimentos, #desrespeito, #desamor,<br />

#desafeto, #morte, #vida, #pulsacoes, #destrutivos, #construtivos, #impermanencia, #imobilidade,<br />

#solitario, #fetal, #explodindo, #cintilantes, #brilhantes, #divagacoes, #punhetas, #horror, #cidade,<br />

#crianca, #contraste, #potencia, #explosao, #corpos, #perseguicao, #furia, #dor, #livres, #domingo,<br />

#familia, #futebol, #TransEmTropico<br />

<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

autorretrato tropical<br />

por Adriele Gehring


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

FLUXO SEM ÓRGÃOS-UMA IN<br />

Farei esse texto em fluência sem pausa sem virgula sem<br />

os sentidos precisam de fluência enfim tudo isso é uma e<br />

desculpe esse jeito de escrever mas só assim vou conseg<br />

subverter a forma esperada de um texto convencional de<br />

intervenção carnavalista sim carnavalista no sentido de sub<br />

portanto extra-revolucionário sem desvalorizar o carnaval co<br />

cidade e aqui não falo de um carnaval especifico mas falo do<br />

se fantasiando festejando soltando incorporando pulando g<br />

virgula ) nossa será que consigo corporificar esse texto em<br />

mesma a ponto de não me levar a sério não muito idiota se<br />

disso tudo me fazendo de boba mas sim de idiota talvez a<br />

não funciona como se o corpo fosse máquina o corpo pode<br />

em especifico que esse NCD propõem é um corpo sem or<br />

também para alguns escritos anteriores a esse nos quais o c<br />

automatismo possível eita será que vai dar tempo são 12:45<br />

carnaval é o que busca um outro jeito de fazer é um corpo a<br />

simetricamente oposto ao que os fundamentalismos do corp<br />

corpo uma forma de se movimentar e de agir não se fala de<br />

dos seus desejos e esse não é capturado pelo capitalismo<br />

sobre Deleuze não sei nada dele mas sei que Sueli e Guatta<br />

mestrado uso essa referência para falar do corpo BLOW_U<br />

linhas em fluência não daria tempo de escrever uma se ti<br />

tarefa essa escrita e isso só acontece porque vocês espe<br />

novamente o simétrico oposto será que é sobre isso tudo iss<br />

a minha proposta II mote deste texto segurava uma arma, ve<br />

sobre profanar falei também sobre a liberação de porte de a<br />

os alunos dela você não é o que você veste então talvez nes<br />

o oposto assimétrico às minhas palavras mas é sobre opost<br />

sobre a dependência entre eles o que será?<br />

#fluencia, #sentidos, #experimentacao, #subverter, #intervencao, #carn<br />

#cidade, #parodiar, #fantasia, #festejo, #incorporando, #corporificar, #t<br />

#cria, #fundamentalismo, #capitalismo, #referencia, #simetrico, #opost


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

TERVENÇÃO CARNAVALISTA<br />

ilana elkis<br />

pontuação acredito que as palavras precisam de fluência<br />

xperimentação para fazer essa tarefa em poucos minutos<br />

uir realizar e resistir nesse grupo de estudos desculpe por<br />

sculpe mesmo ou não desculpe aqui estou fazendo uma<br />

versão porem em um tempo que não se foi designado a tal<br />

mo uma grande resistência da população com a cultura e a<br />

momento que as pessoas se permitem se auto parodiarem<br />

ritando ( nossa que vontade de colocar um ponto ou uma<br />

fluência atropelada será que consigo atropelar-me a mim<br />

m ser a minha fantasia sem ser nada só ser a experiência<br />

ssim funcione talvez não funcione não importa não existe<br />

ser maquina mas o meu não é e nem o seu é esse corpo<br />

gãos to voltando para o Artaud antes de Deleuze voltando<br />

orpo sem orgãos para Artaud é aquele que sai de qualquer<br />

agora é aquele que não é reativo é aquele que se cria é o<br />

nti-bolsonaro é um outro corpo mas que só existe porque é<br />

o e aqui a discussão não se pauta em cima de um tipo de<br />

uma ruptura de uma subversão de um corpo que vai atrás<br />

como diz Sueli Rolnik agora eu ainda quero entender mais<br />

ri dialogam eu trouxe Artaud porque em uma coisa chamada<br />

P agora são 12:49 demorei 4 minutos para escrever quarto<br />

vesse escolhido outro formato sim estou parodiando essa<br />

ravam outro formato um formato conhecido como “certo”<br />

o bom eu realmente não sei me lembrei agora que durante<br />

stia uma roupa brilhante e falei qualquer coisa de Agamben<br />

rmas me arrependi porque a Quito sempre falou para todos<br />

se caso penso que a caixinha de musica na proposta I seja<br />

os que estou falando ou é sobre a tensão entre os opostos<br />

avalista, #ExtraRevolucionario, #carnaval, #resistencia, #cultura,<br />

exto, #idiota, #maquina, #corposemorgaos, #automatismo, #reativo,<br />

o, #brilhante, #liberacao, #caixinha, #TransEmTropico


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

MANIF


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

Para Achille Mbembe, em seu ensaio necropolitica, “a expressão<br />

máxima da soberania reside, em grande medida, no poder e na<br />

capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Por<br />

isso, matar ou deixar viver constituem os limites da soberania,<br />

seus atributos fundamentais. Exercitar a soberania é exercer<br />

controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e<br />

manifestação de poder.”<br />

Propomos aqui alguns manifestos. Um manifesto contra a<br />

tanatocracia, contra a pulsão de morte, pela anarquia da felicidade.<br />

Ainda que a palavra manisfesto não tenha relação etimológica com<br />

a palavra festa, cabe aqui uma digressao poetica: mani/ manus -<br />

ter nas mãos; festus - a alegria.<br />

ESTO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

MANIFESTOpaulo barcellos


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

QUEM ESTÁ FORA DE MIM QUE COMANDA O MEU DESEJO? HÁ PARA QUEM POSSA<br />

PEDIR PARA VIVER, MORRER, AMAR, CAGAR MENOS OU MAIS? PARA QUEM PEÇO<br />

PERMISSÃO PARA XINGAR, CUSPIR, CAMINHAR, SER FELIZ?! QUEM É O ÁRBITRO<br />

QUE MEDIA ENTRE O QUE ESTÁ FORA E O QUE ESTÁ DENTRO DE MEU PENSAMENTO<br />

E AÇÕES?! QUANDO NÃO HÁ ESSA POSSIBILIDADE DE DIÁLOGO ENTRE O FORA E O<br />

DENTRO COM QUEM EU CONVERSO?! ME DEFINHO E FINJO QUE NÃO AMO E QUE NÃO<br />

ODEIO?!<br />

NÃO! NÃO! NÃO! NÃO! SIM! SIM! SIM! SIM!<br />

EU QUERO DECIDIR MEDIADO POR ALGUÉM QUE ME OLHE NOS OLHOS. QUE NÃO SEJA<br />

UM OUTRO CHEIO DE SONDAS NUMA SALA DE HOSPITAL. QUE SEJA AO MENOS NUM<br />

BORDEL, MAS SEM GIGOLÔ. NÃO À MORTE DO CORPO. NÃO À MORTE DO DESEJO. NÃO<br />

AO SUICÍDIO EM CONTA GOTAS. QUE TODOS POSSAM DECIDIR SEU MODO DE VIVER<br />

E QUIÇÁ DE MORRER. E QUE ESSA DECISÃO NÃO SEJA DE MINHA EXCLUSIVIDADE<br />

MAS QUE ESTEJA À MÃO DE TODOS. NA ALEGRIA! E NA BOA LOUCURA! QUE MEU<br />

CORPO SE MANIFESTE! E QUE MESMO NA MORTE SEJA UMA FESTA. E QUE ELE, MEU<br />

CORPO, SE MANIFESTE. QUE MEUS VERMES ME DEVOREM NA ALEGRIA E QUE ROAM<br />

MEUS OSSOS E SE ESBALDEM NA FARTURA.<br />

ENTRE VIVER E MORRER ESCOLHO A FESTA!


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

autorretrato tropical<br />

por Paulo Barcellos


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

autorretrato tropical<br />

por Júlia Lima


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

ENTREGA ESPASMO OLHOS VIRADOS<br />

pedro athié<br />

Registro do primeiro dia de morte.<br />

Após o nosso carnaval e a pergunta sem resposta do que é corpo<br />

deboche. Agora o corpo como transe, como trânsito, poderemos então nos<br />

apoiarmos em elementos externos que facilitem a fisicalidade do transe.<br />

Esse primeiro contato com a morte que já encontrou o meu corpo quase<br />

morto de gripe e sono. Preparamos nosso corpo para a morte eu senti algo<br />

gracioso nisso, nada muito leve nem pesado, mas gracioso, importante,<br />

exuberante. Eu tenho a chance de preparar meu próprio enterro e todas<br />

minhas complexidades com ele, finalmente pronto para saltitar em<br />

poeira cósmica. Escada, folhas secas que eram flores lindas na minha<br />

dramaturgia, um casaco grande, panos e vestido grosso.<br />

Sentemos em cima da escada e descasquemos as folhas sob meu corpo.<br />

Cantamos a voz rouca ultima que sai do fim dos sentidos e órgãos, e nos<br />

retiramos, deixando a obra movimento caixão.<br />

Tudo isso depois de assistirmos cabeças que se inclinavam sob seus<br />

precipícios, abismos, medos, buscando pelo tudo, por uma saída? Entrega<br />

espasmo olhos virados, controle aqui e ali mas entrega boa de se ver. Eu<br />

não participei já havia morrido. Que bom ver fissuras e a busca nelas.<br />

Golfinhos que vomitam! Ventania, gorfo. A fumaça dos dias apáticos, sem<br />

cor, sem nome, sem lugar, sem cheiro. Trazendo o novo que eu odeio<br />

e amo. Cabelos sexo diabo, desejo por desejar sem objetos, ou atritos.<br />

Furacões que só a vertigem libidinosa grita mais alto. Gravidade suga a<br />

cabeça.<br />

#carnaval, #corpo, #deboche, #transe, #fisicalidade, #morte, #pesado,<br />

#exuberante, #complexidades, #PoeiraCosmica, #dramaturgia, #sentidos,<br />

#orgaos, #abismos, #medos, #saida, #espasmo, #controle, #entrega,<br />

#fissuras, #ventania, #sexo, #diabo, #desejo, #furacoes, #vertigem ,<br />

#libidinosa, #gravidade, #cabeca


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

OBJETO PARA ENTERRO . OBJETO PARA DESTRUIÇÃO<br />

adriane de luca<br />

Logo que li o e-mail com os pedidos sobre os objetos e o alerta sobre a “irreversibilidade” do processo proposto,<br />

juntei a negação ao questionamento interno sobre os limites da minha participação, que já tinham sussurrado,<br />

desde quando falou-se em substâncias psicoativas. Guardados a ansiedade, o exagero e essa tendência à<br />

sabotagem, tentei entender, reduzir, enumerar algumas questões.<br />

Não há qualquer objeto-afetivo que eu desejaria ver no meu enterro. Não há qualquer objeto-afetivo que eu<br />

desejaria me ver destruindo.<br />

A morte se aproximou íntima e bruscamente para a minha criança aos sete anos. Irreversível nunca, delicada<br />

sempre. Meu devir é de (re)construir, não destruir.<br />

As metáforas sempre explicam melhor a vida. Ajudaram a redirecionar a energia e encarar o exercício. Escolhi<br />

para destruir um objeto-memória de viagem. Um presente que ele menosprezara e eu guardei. O massageador.<br />

Metálico e pontiagudo. Agora que estava envolvida, tinha a certeza que direcionando a intenção, poderia ter até<br />

um certo prazer nessa ação. Pensava em esfregar no asfalto, desfigurar. Talvez até ver saírem faíscas. Mas<br />

choveu e a ação teria que se dar na sala. Tive que pensar outra estratégia para os 10 rounds. Então, com a<br />

mesma eficiência do fazer uma prova de vestibular, escolhi as questões mais fáceis para começar e garantir o<br />

desempenho minimamente satisfatório. Tirei a corda de fecho e arrebentei as costuras do saquinho de tecido<br />

que o guardava, desfiei tudo ao máximo que pude até ter de enfrentar o objeto em si. Comecei a girar uma das<br />

hastes metálicas e me surpreendi com a facilidade com que ela soltou da pega de madeira, depois torci ela<br />

deformando, de forma a que não voltaria a ficar reta. Fiquei motivada com essa sacada e repeti o mesmo com<br />

todas as hastes. O objeto já tinha ficado inútil, mas eu queria ver tudo em pedaços. Virou um desafio. A pega<br />

de madeira não seria fácil destruir. Tentei raspar com as pontas metálicas das hastes, mas mal afetou o verniz.<br />

Tentei roer, também em vão. Com a boca é ação é visceral. Gostei. O tempo acabou.<br />

O cortejo devia ter durado muito mais. Tempo para o ritual se instaurar. Conexão ao novo estado dos objetos e<br />

do grupo. No altar resgatei meu repertório-conforto: construímos.<br />

Para o enterro - que não vou ter pois quero ser cremada - busquei o objeto mais antigo que consegui que elas<br />

guardassem, mesmo com todas as mudanças de casa, de estado, de continente: ‘Arca de noé’. Que me traria<br />

alegria, sem dúvida. Vou saber todas as músicas quando esse vinil cor-de-rosa começar a tocar. Vinícius,<br />

bichos e cantores incríveis giravam na minha vitrolinha vermelha, eu cantava tudo de cor (di cuore). Misturamos<br />

às cartas, em que eu não matava nada em mim, ‘cala a boca já morreu’. E o exercício da cabeça. Tão difícil<br />

soltar tendo o corpo vivo, pronto para o movimento. O peso todo morto é um estado mais fácil de entrega, mas<br />

só a cervical dissociada me deixa confusa. Descoordenada.<br />

#morte, #irreversivel, #devir, #rounds, #desafio, #visceral, #cortejo, #estado, #dissociada, #descoordenada,<br />

#TransEmTropico


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

SAIR DE SI ENTRAR EM CONTATO CONSIGO<br />

pedro athié<br />

Ritual de destruição e morte do nosso querido objeto naquele primeiro momento. O fluxo de sangue<br />

vai direto as mãos que procuram despedaçar aquele CD. O despedaçar provoca arrepio e tremor<br />

na espinha como consequência do medo involuntário do meu corpo de se machucar ao despedaçar<br />

aquele material que não sei o nome, mas lembra vidro e plástico. Sei que começamos a nos amigar<br />

depois de um tempo, não tenho mais medo porque sei que não é vidro, e ele também não tem mais<br />

medo porque agora me provoca sabendo que não vai ser despedaçado até o fim. Até que eu o<br />

surpreendo roendo aquela tinta que parece toxica e que já estava ali por anos e iria permanecer por<br />

mais tantos anos incontáveis talvez, e que vão direto para meu estômago. Que tem me parecido o<br />

âmago de todas as coisas mesmo. Âmago amigo e por vezes inimigo. Lutamos muito internamente<br />

sendo esses bichos que somos. Ela roía a vela e a cera feito bicho esfomeado.<br />

Ritual de agradecimento por termos destruído com tanta proeza tantas coisinhas que pareciam<br />

intrínsecas a nós. O altar mais belo de todos, eu nunca havia plantado um altar. Que imagem bela.<br />

Ritual de concentração, nós mesmos em si. Em nós. Viramos cabeças, cabeças de bois que riem e<br />

caem no sem fundo do oco do cú novamente a viagem alucinante tontura enjôo chegamos na terra<br />

dos touros quase batemos. Cervical bem menos solta do que queria, olhos que se fixam por vezes e<br />

o comando era o contrário, corpo estabanado, joelhos ao chão, quedas, delícia de piruetas as vezes.<br />

Segurar a cabeça da Fabi era impossível, ela se guiava sozinha, e eu tinha medo de seu peso, minha<br />

autodesconfiança ali novamente, eu nunca seria capaz de segurar a cabeça de alguém.<br />

Enterramos juntos juntos juntos animais que devoram se olham se entreolham se esganam comem.<br />

Foi complicado virar bando em meio a tanto caos interno, mas muito bom quando clavícula era junto<br />

da outra e só era se junto, e respiração o mesmo, e salto o mesmo, e grito o mesmo. Só era se junto,<br />

e caso saíssemos dava pra pegar de volta o redemoinho ou cabeça gigante giratória em confusão.<br />

Estávamos enjoadas todoas juntos. Tenho pouco o ímpeto de jogar alguma proposição ali mas me<br />

sentia contemplado, a não ser quando julgava ser representação e ai eu saia totalmente mesmo.<br />

No último respiro de delírio mais solitário e intenso, parece que se perdurássemos ali, se eu perdurasse<br />

ali, poderia entrar em contato com algo ancestral. Qual seria o máximo de minha tontura? Repetia<br />

impulsos de um lado pro outro sem girar, mas a cabeça já não norteava mais nada, nem o som, nem<br />

o chão. Eram socos graves. Sair de si entrar em contato consigo. Meu pulmão apertava durante todo<br />

esse derradeiro momento, já não suportava mais ar vindo pela boca e pelo cu, menos pelo nariz. Era<br />

um vulcão em erupção, doía, sentia os últimos resquícios da gripe que virou inundou catarro nele todo.<br />

È o fim.<br />

#ritual, #destruicao, #fluxo, #arrepio, #tremor, #involuntario, #medo, #altar, #imagem, #animais,<br />

#respiracao, #bando, #caos, #salto, #redemoinho, #giratoria, #ancestral, #tontura, #impulsos, #graves,<br />

#derradeiro, #boca, #vulcao, #resquicios


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

MANIFESTO<br />

adriane de luca


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

TUDO QUE NASCE MORRE UM POUCO A CADA DIA<br />

CADA DIA NÃO MORTO É SOMA INVERTIDA<br />

UM PASSO NA CONTRAMÃO<br />

VIVEMOS NA CONTRAMÃO<br />

NO SENTIDO CONTRÁRIO<br />

BUSCANDO FAZER SENTIDO<br />

TODO DESEJO DE EXTERMÍNIO VEM DA COMPULSÃO DE MATAR ALGO EM SI<br />

ALIENISTAS, ALIENADOS<br />

MATEM<br />

A CONTA NÃO FECHA<br />

MATEM TUDO E MORRERÃO NA PODRIDÃO<br />

O ENXOFRE RADIANTE CORROER-VOS-Á POR DENTRO<br />

VENHAM EXTERMINADORES<br />

A GENTE TEIMA EM VIVER<br />

DA DECOMPOSIÇÃO SE NASCE E RENASCE OUTRA VEZ<br />

A VIDA PULSA DE ONDE TIVER QUE SER<br />

ESCURIDÃO, NADA<br />

NO CENTRO DO NADA HÁ VIDA<br />

VOCÊ PODE MATAR<br />

MAS SOU EU QUEM DECIDE MORRER


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

autorretrato tropical<br />

por Aline Fiamenghi


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

DESCABIDA NA CIDADE<br />

adriane de luca<br />

Deboche 1: mulher-objeto<br />

Letícia 18 anos, iniciante morena tarada ac/ cartão<br />

R. Fradique Coutinho, 830 3031-9658<br />

Lê-se no orelhão durante a pesquisa mulher-objeto objeto, objetivo, abjeta<br />

A proposta era apenas a situação do corpo-coisa urbana<br />

O contraste<br />

Descabida na cidade<br />

A situação que não se espera<br />

Mimetizar, medir, preencher, identificar, contrastar<br />

Esgaçar<br />

Partiu do desenho-desejo de entender o que é meu<br />

Como o outro influencia<br />

Os fios<br />

A entrega<br />

Sair da frente<br />

As amarras<br />

Os limites<br />

Metáfora<br />

Na pesquisa sem fios o movimento veio clássico<br />

Relação com a arquitetura<br />

Dura<br />

Geométrica<br />

Ainda assim a Mari o chamou ‘A virgem estuprada’<br />

É feminina<br />

É feiticeira<br />

É uma galhofa de si mesma<br />

Cansamos de ser sexy<br />

Deboche tem a ver com ódio, disse o filósofo<br />

Eu odeio essa dança<br />

#tarada, #mulherObjeto, #situacao, #CorpoCoisa, #contraste, #descabida, #espera, #mimetizar, #identificar,<br />

#esgacar, #desejo, #outro, #fios, #entrega, #amarras, #limites, #metafora, #pesquisa, #movimento,<br />

#arquitetura, #geometrica, #feminina, #feiticeira, #galhofa, #sexy, #deboche, #danca, #TransEmTropico


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

autorretrato tropical<br />

por Adriane de Lucca


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

autorretrato tropical<br />

por Val Castro


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

REFLEXÕES EXPEDITAS E CAÓTICAS SOBRE AS QUESTÕES<br />

APRESENTADAS, OS TEXTOS LIDOS E AS EXPERIÊNCIAS<br />

fabiane carneiro<br />

1 _ Reflexão expedita e caótica<br />

Qualquer situação está em algum contexto, seja territorial, político, social. Não há como se fugir dele. A ação<br />

insistente e repetitiva de “experimentação/criação/transbordamento do deboche” está, portanto, contextualizada.<br />

Existe um referente. Para além dele, há outras referências presentes na ação - objetos cênicos, som,<br />

especificidades de movimento propostas pelx artista. As primeiras perguntas para mim, então, são: Qual o<br />

referente a ser escolhido para o deboche? Qual a estratégia para fazer transbordar a intensidade de ser e de<br />

estar, a partir de um problema e chafurdando nele, como afirmou Quito (Cristiane Paoli Quito) no vídeo? Como<br />

assumir o fracasso e a inadequação em seu sentido pleno?<br />

2 _ Reflexão caótica 2<br />

Fazer paródia de si já é uma questão. Como traz Agamben, algo que de sério é transformado em cômico e que<br />

conserva elementos formais em que são inseridos conteúdos novos e incongruentes. Porém, debochar do outro<br />

que já está debochando de si mesmo é ainda mais complexo. Qual a possibilidade do cômico ser transformado<br />

em mais cômico?<br />

Fiquei pensando na última conversa de terça... e algumas questões ficaram muito fortes para mim:<br />

a. minha dificuldade de ser e estar - temas presentes nos programas performativos - quando a informação<br />

principal ainda não está dada e é partilhada a cada novo momento em uma enxurrada de novas referências<br />

externas. Como lidar com referentes líquidos e efêmeros? Como estar em si<br />

se a atenção está sempre fora, tentando responder - fracassadamente e não na intensidade do ser fracassado<br />

e inadequado - a milhares de incentivos externos?<br />

b. a potência do contraponto de uma ação muito precisa e insistente em si mesma em relação à ação debochante.<br />

“Ação precisa” no sentido de se ater a sua própria e crua resistência e insistência. Ação que não se permite<br />

desenvolver caminhos e narrativas longas. Ela é curta, direta, objetiva, talvez até mesmo enfadonha... Mas<br />

permite ao debochante ter o tempo para alcançar a inteireza de ser e estar. Assim a inteireza do corpo-deboche<br />

em contraposição com a ação referente é potência. Simplesmente acontece.<br />

c. a intensidade do ser e estar pode ter uma pista no ou mesmo ser o corpo-deboche. Esse é para mim algo<br />

inteiro, algo que transborda sem procura, sem racionalidade, que simplesmente é, como disse Quito. Talvez<br />

para se chegar ao corpo-deboche, seja necessário passar pelo corpo que debocha. Seria este um corpo que<br />

racionaliza? Que percebe o referente, o problema e se permite chafurdar nele para então alcançar a inteireza<br />

do corpo-deboche?<br />

d. Qual o deboche que funciona? Existiria mesmo uma fisicalidade do deboche ou esse dependeria da inteireza<br />

do corpo-deboche e de referentes comuns ao corpo que assiste? Segundo Viesenteiner, a ironia não transfigura,<br />

mas interpreta. Ela é dialética e constrói a representação fixa. O humor, ao contrário, abole as significações no<br />

instante em que se desprende e contra-efetua o próprio acontecimento. Talvez eu não tenha alcançado nem a<br />

ironia ao debochar de mim mesma. Ou essa é uma ironia própria dos meus referentes, mais escuros e sombrios.<br />

3 _ Reflexão expedita 2<br />

O corpo na ação de estar em festa, em bando, no caos e na alegria para mim é o mesmo do corpo no/do<br />

carnaval. Penso que ele é intensidade plena, mas não necessariamente deboche. Ele é deboche quando<br />

alguém externo o lê assim por conta do contexto.<br />

4 _ Reflexão final e derradeira<br />

Muitas perguntas e nenhuma certeza.<br />

#situacao, #contexto, #territorial, #politico, #social, #deboche, #referente, #estrategia, #intensidade, #problema,<br />

#fracasso, #inadequacao, #parodia, #comico, #performativo, #efemero, #incentivos, #acao, #resistencia,<br />

#objetiva, #potencia, #transborda, #racionalidade, #inteiureza, #ironia, #transfigura, #dialetica, #humor,<br />

#representacao, #instante, #sombrio, #festa, #bando, #caos, #alegria, #carnaval, #intensidade


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

<strong>TRANSE</strong> ENTRE AFETOS RESPIRATÓRIOS<br />

isis marks<br />

Eu resolvi fazer um fluxo escrito porque eu sei que o fluxo do pensamento<br />

quando a gente fala é diferente, já não vai ser a mesma coisa falar agora<br />

porque na verdade já se passou praticamente um dia da experiência, mas com<br />

certeza foi uma experiência intensa, eu fiquei em algum grau fora de mim - num<br />

pequeno transe real - porque com todas as respirações e a hiperventilação<br />

minha pressão baixou, achei que iria desmaiar umas três vezes fazendo,<br />

algumas horas achei que não iria aguentar, fiquei muito mexida, mas no fundo<br />

esse “estado entre” me ajudou, foi difícil acompanhar o ritmo do coletivo porque<br />

tava me deixando ainda mais tonta, mas tudo aquilo que no inicio parecia tão<br />

abstrato e tão dependente de um imaginário foi virando corpo, olhar pra Drica<br />

foi fundamental para “des-egoicizar” e adentrar na camada de um corpo que é<br />

espelho do seu entorno, das energias e vibrações que cada pessoa emana e é.<br />

Foi bonito ver seu olhar e me sentir um pouco ela também. A minha respiração<br />

estava no início bastante fechada, eu senti muito aperto no peito, nas costelas,<br />

principalmente na região do esterno... foi um exercício de libertação e foi<br />

gostoso perceber como a respiração fez com que minhas costelas ficassem<br />

mais relaxadas e até os meus ombros desceram. Selvagem, sexo, criança,<br />

gozo...todos esses afetos me afetaram, eu consegui inclusive perceber muita<br />

relação entre eles e foi muito foda me perceber num ambiente tão acolhedor<br />

para fazer coisas de tanta exposição. Eu sinto que sempre da pra ir mais e<br />

que ainda existem muitos pudores, sobretudo em relação ao sexo, mas eu vi<br />

uma potencia em poder trabalhar com isso, inclusive para trabalhar a própria<br />

relação que eu tenho com o meu corpo e com o movimento, parece que<br />

algumas camadas de repressão e de normatividade foram libertadas. Viva a<br />

pelve! Precisamos liberar nossa pelve – há muito fogo contido ai.<br />

#fluxo, #pensamento, #fala, #experiencia, #transe, #respiracoes,<br />

#hiperventilacao, #ritmo, #coletivo, #abstrato, #imaginario, #corpo, #camada,<br />

#entorno, #energias, #vibracoes, #costelas, #selvagem, #sexo, #crianca,<br />

#gozo, #afetos, #pudores, #potencia, #relacao, #movimento, #repressao,<br />

#normatividade, #pelve, #fogo


QUE CORPO É ESSE? PÁGINA VIRADA FORA DA CAIXA<br />

isis marks<br />

Corpo denso – instável<br />

Pés no chão – estado inquieto – coluna qualidade<br />

Cadê a voz?<br />

A respiração gerou um estado?<br />

Que corpo é esse?<br />

Afogar-se em si mesmo<br />

Gozar consigo mesmo<br />

Inquietude- presença<br />

PROVOCAR-SE PROVOCAMO-NOS?<br />

Quanto tempo é preciso para se provocar, manter-se em estado de transe sem drogas nem entorpecentes<br />

?<br />

seres extra-terráqueos<br />

é possível se libertar daquilo que nos amarra?<br />

Rir rir gritar<br />

Estar<br />

Liberdade – virei a pagina sigo numa incógnita num transe de diversas Isis<br />

O grito –<br />

acho que a gente deveria gritar mais, acho que a gente deveria gritar mais, quantas vezes gritamos?<br />

Somos também feitos de gritos e de pelve e de coluna solta e de sexo –<br />

nós sem nexo mas com eixo e com peso e com língua e com vontade de lamber<br />

erguer o falo – a fala a palavra o grunhido<br />

pagina virada fora da caixa<br />

como se provocar em transe como deixar seu corpo sair da norma, do habitual não tenho um caminho<br />

claro a voz dá potencia para novos corpos novos seres ares quereres – bicho divino - talvez a musica<br />

tenha sido over- i don’t know mas vi meu corpo alternar entre estados de potencia e entrega total e<br />

também querer entrar na norma. Então talvez eu estivesse em transe- hora forjado hora não forjado –<br />

ESTADO.<br />

A agua me da um sentido de peso e chão maravilhoso – queria ser sempre assim me dá !<br />

#corpo, #denso, #instavel, #PesNoChao, #inquieto, #coluna, #voz, #respiracao, #estado, #gozar,<br />

#presenca, #provocar, #tempo, #transe, #ExtraTerraqueos, #amarra, #rir, #grito, #liberdade, #peso,<br />

#lingua, #pelve, #eixo, #falo, #palavra, #grunido, #caixa, #norma, #habitual, #potencia, #bicho, #divino,<br />

<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

autorretrato tropical<br />

por Gabriel Crispim


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

REPETIR O GESTO É<br />

SER O OUTRO EM MIM<br />

MESMO<br />

mariana taques<br />

Buraco ressonante da íntima miséria.<br />

Eu aborto<br />

Tu abortas<br />

Ele aborta<br />

Nós abortamos<br />

Vós abortais<br />

Eles abortam.<br />

MATÉRIA PULSANTE,<br />

ELETRIZANTE<br />

nathália nery<br />

Corpos são tocados, respiração sonora<br />

acelerada. Corpos em movimentos<br />

escapados, eletrizados, sonorizados<br />

juntos à respiração. Gritos de um corpo<br />

de antes fechado que agora transgride<br />

no espaço abrindo fissuras para uma<br />

nova lógica de compreensão de seu<br />

próprio estado de ser. Matéria pulsante,<br />

eletrizante. Matéria Viva. Desdobrada.<br />

Partes de um corpo que se desloca,<br />

desenrola, vibra. Poderia ser um cantar.<br />

Poderia ser. Canta no canto escondido.<br />

Corpo revela e espia todos os anseios.<br />

#respiracao, #sonorizados, #corpo,<br />

#transgride, #fissuras, #logica, #estado,<br />

Verbo de ação para lembrar que o<br />

analgésico fora a lembrança da infância:<br />

Fúria parindo o pequeno potro. A dor<br />

serviu pra lembrar que sou um mamífero<br />

de médio porte e de que é não dá pra ser<br />

feliz em São Paulo, me desculpem. Cidade<br />

fedorenta e ilusória se eu acreditasse em<br />

céu teria certeza de que aqui é purgatório.<br />

Cidade que crava na mente a ilusão de<br />

que gente não é bicho. Ah vá!<br />

A movimentação foi lenta, de quadris<br />

abertos, de continuidade e não-impulsos,<br />

resistência. A memória foi de fato o<br />

tema desta dança. Improvisação não<br />

influenciada pelos outros, apenas afetada<br />

na imagem. No olhar, no quadro geral.<br />

Daqui fui pra balada nas profundezas<br />

de uma caverna, onde os demônios são<br />

macios e cheirosos, deslizam e vibram<br />

de maneira delicada e atenciosa. Repetir<br />

o gesto é ser o outro em mim mesmo.<br />

É fazer o outro caber em mim, caber no<br />

meu tamanho, meu corpo foi um molde<br />

escultural onde foi preciso tirar arestas de<br />

mim pra que o outro de fato penetrasse<br />

e fosse um pouco eu e outro e outro e<br />

eu. Engolir a sua alma que não existe,<br />

sobrar o vazio do entre as partículas que<br />

formam você. Um caso de amor enxergar<br />

o espaço, ver o brilho do espaço, enxergar<br />

o que não se vê.<br />

#buraco, #ressonante, #intima, #aborto,<br />

#verbo, #acao, #lembrar, #infancia,<br />

#furia, #parindo, #dor, #mamifero,<br />

#mente, #ilusao, #quadris, #continuidade,<br />

#resistencia, #memoria, #tema, #danca,<br />

#improvisacao, #imagem, #balada,<br />

#caverna, #demonios, #vibram, #delicada,


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

MANIFESTO<br />

pedro athié


pedro athié<br />

<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

CONTRA A POLITÍCA DE MORTE, O DIREITO DE MATAR E MORRER POR<br />

FAVOR<br />

CONTRA A POLÍTICA DE MORTE DEIXAR MORRER EM MIM O QUE<br />

PRECISA MORRER<br />

PELO EXTASE DAS FORMAS E DESLOCAMENTOS DOS RÍGIDOS<br />

CONTROLES<br />

OU<br />

PELA HISTÓRIA<br />

DEIXAR MORRER<br />

A IRA DA REVOLTA DE CORPOS<br />

EM BARRICADAS DE CORPOS EM ÊXTASE<br />

CONTRA UTOPIAS<br />

DENTRO DESSA DISTOPIA RUIR AS ESTRUTURAS PELA FISSURA DO<br />

DEVORAR E DEVOLVER<br />

BABADO<br />

DE<br />

SALIVA<br />

PELA FORÇA DO CORPO-FESTA-TESÃO<br />

VIBRAR VIVACIDADE DAS COISAS<br />

INVISIVEIS E NÃO<br />

EROTIZAR ESPAÇOS<br />

LIBIDINOSAMENTE, IRADOS, TARADOS, LAMBER CADA ESQUINA<br />

LIBIDINOSAMENTE MOVER COMPOSICÕES PRÉ-ESTABELECIDAS<br />

MULTIDÃO DE ALEGRIA CONTAMINADA


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

HANG LOOSE, PANDEIRO, PERCUSSÃO<br />

rebecca leão<br />

Cansaço. Calor. Vontade de estar e jogar todo o resto fora por alguns instantes. Felicidade<br />

de estar, simplesmente. Entre pessoas que falam a minha não-língua. A língua que lambe,<br />

os olhos de onça, que sentem o choque, que querem jogar todo o veneno fora. Me vi de fora<br />

e de dentro. Senti os choques menos do que eu esperava. E era quase bom sentir aquela<br />

dor. Veio a mão da crise. Os dedos tensos conduzindo e cortando o espaço em movimentos<br />

repetidos. Veio um joelho que quebra. Pesquisei. Estilizei. E foi bom repetir o gesto e tirar<br />

daquele registro viciado. Uma mão parecia dizer não, não, não. Esfregava alguma coisa na<br />

minha cara. A cabeça, não, não, não. E o choque se ressignificava. Uma mão de madame<br />

eletrizada que não era minha. Era eu e todos os outros que dizem não, não, não. A mão<br />

trêmula que esfrega na cara virou arma. Apontada pra mim, apontada pro outro. Duas armas<br />

trêmulas, elétricas. Tatatatatatatata. Tarantismo. Histeria. Não. Não. Não.<br />

Disse sim à mão quando virou batucada. Virou hang loose, pandeiro, percussão. Percutia<br />

em meu corpo que repercutia. E eu via os outros e aquilo me alimentava. Queria seguir<br />

estudando no pequeno, gastar menos energia, dosar. Quero pra vida.<br />

Que presente o balanço. Que presente as palavras “não se levem tão a sério.” Ri. Rebolei.<br />

Dancei.<br />

Me esfreguei, mas no outro, na parede, Pulsei. E aí era um esfregar gostoso. Um alívio.<br />

Coroado pela reunião no jardim. Minha onça alimentava, arranhava de leve as costas dos<br />

outros com carinho, estava leve.<br />

No bando bloco ri, transformei meu colírio pros olhos embaçados em MD pra enfiar o pé<br />

na jaca de vez e abracei o pequeno caos. Um escuro acolhedor. Tudo ao contrário, quase.<br />

Obrigada, obrigada, obrigada.<br />

#felicidade, #estar, #lingua, #onca, #choque, #veneno, #crise, #registro, #mao, #cabeca,<br />

#madame, #eletrizada, #arma, #outro, #tarantismo, #histeria, #batucada, #hangloose,<br />

autorretrato tropical<br />

por Rebecca Leão


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

RISO_SINUOSO_VIBRAÇÃO_<br />

SUOR<br />

fabiane carneiro<br />

O cor-de-rosa e o sinuoso para mim davam a letra...<br />

Algo de sexy e libidinoso...<br />

O riso na horizontal, com corpos comprimidos pelo<br />

peso e gravidade era falso, não tomava<br />

o corpo. Já o riso na vertical e no abraço era<br />

delicioso... o corpo era invadido e se retorcia...<br />

braços enrolados ao pescoço do outro, cabeça e<br />

tronco arremessados para trás, quadril para frente<br />

e pernas que se entrelaçavam às do outro corpo,<br />

risadas escancaradas e arregaçadas.<br />

O sinuoso era denso como que cavando o espaço.<br />

Se não tivesse a limitação do espaço do fundo<br />

da sala, da balada suadora, o sinuoso teria sido<br />

diferente. O corpo não ganhava o espaço<br />

com deslocamentos e sim se resolvia com<br />

sinuosidade em pequenas partes dissociadas e nos<br />

gestos... dedos que faziam círculos no chão, quadril<br />

que circunscrevia o espaço, braços e troncos que<br />

serpenteavam o teto.<br />

O tremor era espasmo. Geralmente durava pouco.<br />

O sinuoso colado no outro corpo era suor, suor,<br />

suor, mãos, pernas, quadril, pés enrolados.<br />

Derradeiramente acabava no chão, em um<br />

amontoado de corpos serpenteantes e famintos.<br />

LADAINHA<br />

A principal sensação do deslocar, na tentativa de<br />

conexão, era: orelhas pregadas nas paredes, cada<br />

uma em uma lateral, corpo expandido para a direita e<br />

esquerda. Energia, sons, rastros.<br />

Os relatos da escrita automática são muito<br />

reveladores... ADORO!!! Porque a conexão é tão<br />

difícil? Pelo menos metade do grupo já se conhece<br />

há algum tempo, mas mesmo assim a dificuldade<br />

permanece... Lembrei desse exercício que alguém<br />

deu para o Cartográfico nos seus primórdios...<br />

A gente se conhecia muito, mas precisou de um<br />

tempo para afinar a escuta de verdade. Será que<br />

desaprendemos a nos conectar? Será que esse<br />

mundo pautado basicamente nas imagens e no<br />

visual limitou a nossa conexão a somente esse<br />

sentido - a visão? Fiquei pensando no quanto a<br />

chegada a uma ação coletiva se pauta por elementos<br />

externos, que embalam vários indivíduos não<br />

conectados entre si, mas sim envoltos por essas<br />

ondas externas. O som, por exemplo. Uma música<br />

numa balada que leva os corpos individuais a<br />

entenderem que estão em um corpo único, mas<br />

na verdade não... individualidades embaladas por<br />

um mesmo som, num mesmo espaço... uma falsa<br />

conexão ou uma conexão distinta... não sei... talvez<br />

esteja pessimista quanto a qualquer possibilidade de<br />

conexão, só isso.<br />

Os símbolos entre a insistência da poesia eram<br />

os objetos de atenção. Esses devaneios entre<br />

a mesmice, esses lapsos em meio ao cotidiano,<br />

esses prolongamentos e distorções pela repetição...<br />

números, girafas, desenhos...<br />

GENGIBRE<br />

Fogo na boca


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

O deslocamento começou e as palavras iniciaram<br />

para não mais parar. Não tive plena consciência da<br />

potência daquilo para mim até chegar ao final, mas<br />

vamos por partes...<br />

Primeira diferença para outras experiências vividas<br />

era que o deslocar não era resultado de um impulso<br />

corporal vindo do outro. Logicamente que isso estava<br />

presente. Mas o deslocar se pautava muito pelo som.<br />

Por alguma palavra que me chamava a atenção. Por<br />

alguma frase densa que corria pelo espaço. Aquele<br />

som se transformou em uma nuvem, que circundava<br />

os corpos e, dependendo da palavra, gerava um<br />

vento entre eles. As palavras do início praticamente<br />

sumiram. Agora era um diálogo sem sentido com<br />

as novas palavras e frases que atravessavam.<br />

Contaminações dos outros na sua própria narrativa.<br />

Lá fora, na rua, palavras que vinham da concretude<br />

se misturavam às sem sentido... eu olhava para a<br />

janela acesa em um edifício e alguém passava por<br />

mim e dizia “janela” e eu completava “girafa”. “Dois<br />

cachorros” perseguiram a ladainha do começo ao fim<br />

e até um cão de verdade cruzou o cardume. Algo de<br />

surreal pairava. A saliva ficou densa. O gosto ficou<br />

amargo na garganta. Ela parecia inchada. O engolir<br />

era custoso.<br />

O intenso mesmo foi quando tudo acabou. Meu<br />

corpo vibrava e minha cabeça era um imenso<br />

subwoofer pulsando. Poderia passar dois dias quieta.<br />

A nuvem de sons de fora habitou silenciosa dentro da<br />

minha imensa cabeça. Louco. Só voltei à sensação<br />

cotidiana depois de uma noite dormida.<br />

DEVIRES GIRANTES<br />

O subwoofer não me deixava debater. Olhava<br />

atônita para todos. As palavras no círculo me eram<br />

custosas... o som não queria mais sair... já tinha<br />

gasto ele todo.<br />

Os círculos foram um alívio. Giro lento com luzes<br />

borradas em linhas no horizonte. Tinha certeza que<br />

cairia no chão em breve... mas o tempo foi passando<br />

e aquela situação se tornou muito estável. Os<br />

pés acharam uma cadência que estruturava. Uma<br />

percussão. Esquerda e direita e riscos no horizonte<br />

| Esquerda e direita e riscos no horizonte | Esquerda<br />

e direita e riscos no horizonte. Rodaria por três dias.<br />

No deslocamento de mãos dadas, os pés pareciam<br />

cheios de raízes que chegavam ao centro da terra. A<br />

escrita na verdade foram círculos insistentes. Pretos.<br />

Inúmeros deles, para fechar essa noite... teimosa,<br />

persistente, constante.<br />

#sexyLibidinoso, #peso, #gravidade, #riso, #balada,<br />

#circulos, #tremor, #espasmo, #suor, #fogo,<br />

#corpoExpandido, #devaneios, #som, #repeticao,<br />

#lapso, #presente, #palavra, #louco, #ladainha,<br />

#saliva, #subwoofer, #giro, #horizonte, #raizes,<br />

#persistente, #constante, #transe


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

AU.TO.CLIS.MO<br />

adriane carneiro, fabiane carneiro, mariana taques<br />

[auto-+ grego klusmós,-oû, lavagem, clister] substantivo masculino<br />

[Portugal] dispositivo acionado mecanicamente e destinado a assegurar o despejo e limpeza das vasos<br />

sanitários, urinóis, etc., por meio de jato de água [equivalente no português do Brasil: descarga]<br />

ação 1 . descarga pela fala<br />

10min . locação: escadaria do metrô sumaré [lado R. Oscar Freire]<br />

Os performers sentam-se individualmente, espalhados pela escadaria, sem obstruir a passagem, e falam<br />

sem parar a partir do tema auto-deboche. Aos poucos vão mudando de lugar, agrupando-se em duas ou mais<br />

pessoas, a fala se mantém em monólogo no estado verborrágico. Ladainhas.<br />

ação 2 . respiração<br />

5min . locação: escadaria do metrô sumaré [lado R. Oscar Freire]<br />

As falas vão cessando e se transformando em respiração ombro-a-ombro dois-a-dois. As duplas levantam<br />

como um só corpo e se encaminham para a rampa, instalando-se espalhadamente, sem obstruir a passagem.<br />

Transe entre afetos respiratórios.<br />

ação 3 . gira<br />

10min . locação: rampa do metrô sumaré [lado R. Oscar Freire]<br />

Corpos conectados passam a girar em dupla. Aos se aproximarem de outras duplas, geram aglomerações<br />

girantes que vão se transformando em expansões elásticas. Movimentos de sístole e diástole em bando, ao<br />

longo da rampa, até chegar da calçada da Oscar Freire, próximo ao pipoqueiro, sem obstruir a passagem.<br />

Devires girantes.


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

ação 4 . água<br />

10min . locação: Calçada do Centro Cultural R. Oscar Freire e R. Amália de Noronha<br />

Na calçada da R. Oscar Freire [pipoqueiro], cada um pega sua garrafa de água com o ncd, bebe uns goles<br />

para hidratar a verborragia e se encaminha para a esquina da R. Amália de Noronha. Neste trajeto até a<br />

metade a quadra da R. Amália de Noronha, contornando o Centro Cultural, inicia a fala com água na boca de<br />

recortes que mais interessaram do auto- deboche. Andar, falar, babar, regurgitar.<br />

ação 5 . descarga pelo corpo<br />

15min . locação: Paredão do Centro Cultural, Av. Dr. Arnaldo<br />

Na metade da quadra da R. Amália de Noronha, os performers devolvem a garrafa de água e caminham,<br />

normalizando a respiração, até se posicionarem em linha, em frente ao paredão do Centro Cultural, na Av. Dr.<br />

Arnaldo. Cada performer que chegar já parte para o estado de surto, descarga corporal. Tarantismo.


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

autorretrato tropical<br />

por Katharina Câmara


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

autorretrato tropical<br />

por Fabiane Carneiro


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

COMO FAZ PRO MUNDO FICAR ODARA?<br />

aline fiamenghi<br />

esgotamento. amaciar a carne, soltar as fascias grudadas, tá dureza, a<br />

musculatura tensa, a cervical machucada. criar um pulso. ser coração<br />

em dois ritmos de subir e espirrar o sangue. tocar e ser tocado, mundos<br />

distintos. revivo. aí vem a balada, o pretenso despretensioso. o esboço<br />

chega em linhas de um desenho ^ ^ v v —> —> (()) (()) —> —> ^^ v v @<br />

@ @ @ @@@@@<br />

a edição, o olhar do outro que muda tudo, a comunicação que funciona e<br />

não funciona ao mesmo tempo, a tradução, a interpretação, os sorrisos,<br />

a balada rebolada, o bloco de rico e não a pipoca. o que seria revirar os<br />

olhos por dentro? como faz pro mundo ficar odara?<br />

esgotamento. no cansaço cambaleante das pernas a falta de forma, o<br />

corpo mole, desmoronando, bêbado, desistência, arrasto.<br />

esgotamento. bicho cansado. balançar, por favor! deixa eu d onçar.<br />

esgotamento ativo. corri pra casa pra ter insônia. fui trabalhar bem cedo e<br />

entendi o que é revirar os olhos pra dentro.<br />

#esgotamento, #carne, #fascia, #musculatura, #pulso, #sangue, #tocar,<br />

#balada, #despretensioso, #desenho, #edicao, #olhar, #traducao,<br />

#comunicacao, #pipoca, #revirar, #mundo, #odara, #desistencia,


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

fabiane carneiro<br />

CONTAGIO FESTA<br />

Estava desconfiada do ambiente. Tudo muito acolhedor e<br />

descompromissado. Muitos pés atrás esperando as surpresas.<br />

Mesa deliciosa com variedade de salgados deliciosos e alguns doces.<br />

Muitos vinhos. Estava frio.<br />

Pessoas visitantes. Olhares que buscavam entender a lógica. Atenção.<br />

Nada que em alguns minutos não se dissolvesse quase por completo.<br />

Eu estava na lógica da experiência do vinho...com bastante vontade de<br />

retomar aquela pesquisa de anos atrás... o borrar do corpo.<br />

Mas as coisas se encaminharam para outra direção e foi muito bom.<br />

Algo de familiar e cúmplice no ar. Conversas jogadas fora. Aproximações<br />

pelas palavras. Não me lembro muito da música.<br />

Roda de corpos acumulados.<br />

Roda de corpos que passaram a se contagiar em ataques,<br />

tacapes,<br />

ar<br />

sendo<br />

sugado<br />

e insuflado.<br />

Ritual.<br />

#surpresas, #deliciosos, #pessoas, #olhares, #logica, #atencao,<br />

#experiencia, #borrar, #corpo, #familiar, #cumplice, #conversa, #contagiar,<br />

#tacape, #sugado, #insuflado, #ritual


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

ANDO COMO UMA GARÇA-ANTÍLOPE OU “A QUEDA DO CÉU”<br />

pedro athié<br />

Vitalidade exaltada, cérebro solto. Retorno à essência<br />

de tudo, pré-história, um retorno necessário ao anterior<br />

à linguagem no lugar do simbólico e do instinto, é um<br />

retorno urgente e necessário o tempo todo. Um lugar<br />

conhecido porem há muito não habitado - o que torna<br />

tudo novo, só conhecido pela ancestralidade de um<br />

corpo que não vivi, mas que sinto e farejo à distância,<br />

como todos nós seres humanos. Um retorno que faz<br />

olhar para as nossas mãos que são pura história, préhistóricas,<br />

garras afiadas, finalmente. O lugar do meioentre-passagem<br />

do ser-humano e do animal, mostra<br />

como somos habitados ferozmente por forças que<br />

desconhecemos e que quase nunca vem à tona. Mas<br />

que estão ali à espreita, pronta para devorar o outro e<br />

a si mesmo. O Grunhir de meu bicho é abafado, vento<br />

do fundo da boca, vindo do fundo da boca, esfenóide.<br />

Como um suspiro cansado de urso.<br />

Acesso muito primordial e assertivo esse do Kempo,<br />

mesmo que pouco preparado, alongado parece que<br />

em instantes a percepção intuitiva em nós conduzida<br />

por quem orienta, já vem naturalmente e latejante. O<br />

corpo animalesco que buscávamos em coletivo ou<br />

não, aparece finalmente, fora da representação e com<br />

toda carga simbólica e física. Imitava muitos animais<br />

quando criança e rapidamente as memórias emergem<br />

com muita potência. Mesmo em um dia esgotado<br />

fisicamente e mentalmente; o olhar, os órgãos, as<br />

garras, a bacia e cauda, vem intuitivamente para<br />

fortalecer.<br />

Muita saliva durante o programa performativo, e o bicho<br />

de fato volta. As qualidades auxiliam como partituras<br />

para imagens antes difíceis de acessar. A relação<br />

entre os objetos e os outros performers operam nessa<br />

chave do animalesco. A vibração como cama que vem<br />

com tudo desnorteando algum fluxo, por vezes até<br />

suga, mas voltamos ao movimento fluido, instintivo.<br />

Olhar do guerreiro que se cuida. Lambemos uns aos<br />

outros, mordidas, salto para proteção. Caímos juntos.<br />

Lambi pé e mão da outra animal. Disputei numa dança<br />

singela e delicada, um pedaço de roupa rosa que<br />

era minha camiseta, com outra animal. Era delicado<br />

mesmo que animalesca essa disputa pois havia<br />

cumplicidade no olhar. Éramos como dois filhotes de<br />

algum animal brincando com aquilo, tanto que depois<br />

andamos e nos roçamos juntos.<br />

De fato, o abrir e fechar da boca e dos dentes e do<br />

som, tem a ver com um lugar profundo dos órgãos<br />

e dos cantos inferiores da boca quase na garganta,<br />

isso torna tudo mais tridimensional e menos frontal da<br />

cabeça.<br />

Meus bichos são pesados, bufam, carecem de afago<br />

na cabeça, procuram por amor e erotismo, salivam<br />

por esgotamento e não querem embrutecer. São<br />

mais lentos do que ágeis, pulam menos do que se<br />

espreguiçam. E o andar é contaminado por boca em<br />

relação à bacia ondulante. Existem os pés que querem<br />

romper com o chão e batem com força contra ele,<br />

pontualmente, bem no calcanhar. Ando como uma<br />

garça-antílope.<br />

Abre-se nesses distantes instantes feridas antigas<br />

em cada um e em mim. Capazes de contar histórias<br />

desde muito tempo atrás e, as historias como de Davi<br />

Kopenawa em “A queda do céu” nos lembra, é o que<br />

não deixam morrer diante das catástrofes e foram elas<br />

que salvaram por séculos, os povos indígenas.


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

ESTAR ONÇA, SER ALCATEIA<br />

fabiane carneiro<br />

Virar onça<br />

Virar onça no susto. Permitir o aflorar de toda a essência animal, tropical, selvagem. Em<br />

todas as suas nuances: estar onça (um corpo que se apóia, cheira, morde, lambe, olha, se<br />

move diferentemente do estar humano); ser alcateia (nesse coletivo de feras) e ao mesmo<br />

tempo mapear e defender seu território.<br />

Primeira aproximação. Corredor de acesso ao ancestral.<br />

Dois lados. Um túnel. À medida em que se passa de um lado ao outro o corpo afunda, fica<br />

mais forte, acessa subsolos geológicos e ancestrais, remove a terra, faz brotar o instinto<br />

que a civilização insiste em conter.<br />

Segunda aproximação. Duas feras.<br />

Paulo e eu. Dois seres mandíbula, boca, língua, saliva, cheiro de suor e depois de azedume.<br />

Carnívoros, sexuais, afetuosos, brincalhões, violentos, selvagens.<br />

Terceira aproximação. A floresta artificial.<br />

Sem me lembrar da cor do celofane que me foi dado - talvez fosse verde - ou talvez a<br />

indução de pensar que tenha sido essa cor já é o imaginário da fera na selva, que continua<br />

com a boca extremamente ativa e se esconde por trás das folhas - agora contemporâneas<br />

- de um polímero derivado da celulose, que deve ser tóxico, mas que contextualiza a onça<br />

contemporânea urbana tropical.<br />

Cair de quatro na fera.<br />

Transitar entre o corpo humano e o corpo onça. Deslocamentos em quatro apoios,<br />

malemolentes, sensuais, onde a cabeça - coluna - quadril - membros conversam com o<br />

espaço em uma organização contra-lateral. Um deslocamento lento, mas selvagem, que a<br />

qualquer momento pode ser violento em um abrir a boca e esturrar, miar, rugir, urrar, gemer,<br />

urrar. Nesse primeiro dia a pata ainda era de apoio e não de ataque. O trânsito dava conta<br />

de quanto humano e animal estão juntos e dialogam num conter/ expor um estado ou outro.<br />

#animal, #tropical, #selvagem, #estaronca, #nuances, #alcateia, #mapear, #territorio,<br />

#ancestral, #geologicos, #terra, #instinto, #civilizacao, #boca, #saliva, #suor, #carnivoros,<br />

#sexuais, #afetuosos, #brincalhoes, #violentos, #floresta, #artificial, #fera, #selva, #celulose,<br />

#toxico, #contemporanea, #urbana, #humano, #sensuais, #coluna, #deslocamento, #rugir,<br />

#gemer, #pata, #apoio, #transito, #dialogam, #outro


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

TIGRESAS DE UNHAS NEGRAS<br />

pedro athié<br />

Rastejante, serpente, de repente encontrei esse deslizante, acolhida no chão, o olhar<br />

desfocado. Na garra da onça encontrei minha raiva e minha dor. Depois alguma força nela. No<br />

seu rasgo, no seu rugido sexual e sensual. Tigresas de unhas negras. Feras. As unhas minhas<br />

em mim – (ora) Era gostoso. (ora) Era nervoso. Ansiedade. Espasmo. O que me trazia de volta<br />

era a volúpia. Esse caminhar felino. Queria rugir. Gritar. Gritei. Me embolei em mim. Era melhor<br />

no outro. Repouso frenético.<br />

O beijo interrompido se tornava quase desesperado. Algo era artificial ali. Mas era bom e<br />

sensual também. A barreira transparente, então, era libertadora.<br />

#Kempo, #animais, #rastejante, #serpente, #deslizante, #chao, #olhar, #garra, #onca, #raiva,<br />

#forca, #rugido, #sexual, #tigresas, #unhas, #gostoso, #nervoso, #espasmo, #volupia, #felino,<br />

autorretrato tropical<br />

por Pedro Athié


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

autorretrato tropical<br />

por Jaqueline Andrade


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

MANIFESTO<br />

fabiane carneiro


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO<br />

NECRÓPOLE. CAVEIRAS. ZUMBIS. VÁRIOS DE TERNO, DE CAMISA VERDE E AMARELA, DE JAQUETA<br />

CAMUFLADA. O EXÉRCITO DA MORTE. DIRIGIDOS PELO INFAME IDIOTA, ACREDITAM QUE TEM O<br />

PODER SOBRE O CORPO, A MENTE, A VIDA DOS DEMAIS. NÃO TOLERAM O DIFERENTE, ROSNAM POR<br />

QUALQUER COISA, MAS NÃO SABEM LIDAR COM UMA RISADA ESCANCARADA. FICAM IMÓVEIS<br />

FRENTE A UM CHACOALHAR DEBOCHADO DE QUADRIS. INERTES E DESACREDITANDO-SE FRENTE A<br />

CORPOS NUS QUE, SUADOS, BRILHAM DE ÊXTASE E PRAZER.<br />

SÃO CORPOS MORTOS. ELES SIM JÁ FORAM ASSASSINADOS HÁ TEMPOS POR SEUS CREDOS,<br />

PENSAMENTOS E AÇÕES RETRÓGRADOS, CONSERVADORES, ANTIQUADOS. SÓ NÃO FORAM<br />

ENTERRADOS. TEM A COR CINZA.<br />

PORÉM SÃO MUITOS, MILHARES, UMA ORDA DE ZUMBIS QUE SE DESLOCAM AO COMANDO DO<br />

GENERAL MÓR. SÃO CAPAZES DE ESFAQUEAR, MATAR, MAS NÃO TEM CONSCIÊNCIA DO QUE FAZEM.<br />

CONTRA ELES O QUE FUNCIONA SÃO OS CORPOS FESTIVOS, CABEÇAS JOGANDO CABELOS PARA<br />

TODAS AS DIREÇÕES, BRAÇOS SINUOSOS COMO COBRAS ALCANÇANDO O ESPAÇO, QUADRIS<br />

VIBRANDO E EXALANDO CHEIROS. JOELHOS QUE DOBRAM, ESTICAM, OLHAM PARA UM LADO E<br />

OUTRO. PÉS QUE TOCAM O CHÃO NUM FRENESI E QUE IMPULSIONAM O<br />

CORPO FESTA PARA LONGE DO CHÃO. MÃOS QUE PERCUTEM ONDE FOR E TIRAM SONS. GARGANTAS<br />

DE ONDE PARTE UM VENTO SONORO POTENTE. MUITOS COROS DESSES JUNTOS, ESTES SIM PODEM<br />

CALAR OS ZUMBIS. PODEM DEIXÁ-LOS NUMA SITUAÇÃO DE QUESTIONAMENTO SOBRE O QUE SÃO,<br />

COMO SE DIVERTEM (OU NÃO), COMO LEVAM A VIDA.<br />

BORA JUNTAR ESSES CORPOS FESTIVOS TODXS EM UMA GRANDE MANIFESTAÇÃO. GRITAR<br />

PARA OS ZUMBIS QUE AQUI É LUGAR DE FESTA, DE ENCONTRO, DE ALEGRIA, DE EMPATIA, DE<br />

COLETIVISMO, DE FLORESTAS INTACTAS.<br />

O FOGO, ESSE VEM DE DENTRO E FAZ EXPLODIR A EUFORIA, O ÊXTASE.<br />

QUE OS CORPOS FESTIVOS ENTREM NUM <strong>TRANSE</strong> DE FESTA.


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO


<strong>TRANSE</strong> EM TRÓPICO

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