CADERNO TRANSE

TRANSE EM TRÓPICO
HANG LOOSE, PANDEIRO, PERCUSSÃO
rebecca leão
Cansaço. Calor. Vontade de estar e jogar todo o resto fora por alguns instantes. Felicidade
de estar, simplesmente. Entre pessoas que falam a minha não-língua. A língua que lambe,
os olhos de onça, que sentem o choque, que querem jogar todo o veneno fora. Me vi de fora
e de dentro. Senti os choques menos do que eu esperava. E era quase bom sentir aquela
dor. Veio a mão da crise. Os dedos tensos conduzindo e cortando o espaço em movimentos
repetidos. Veio um joelho que quebra. Pesquisei. Estilizei. E foi bom repetir o gesto e tirar
daquele registro viciado. Uma mão parecia dizer não, não, não. Esfregava alguma coisa na
minha cara. A cabeça, não, não, não. E o choque se ressignificava. Uma mão de madame
eletrizada que não era minha. Era eu e todos os outros que dizem não, não, não. A mão
trêmula que esfrega na cara virou arma. Apontada pra mim, apontada pro outro. Duas armas
trêmulas, elétricas. Tatatatatatatata. Tarantismo. Histeria. Não. Não. Não.
Disse sim à mão quando virou batucada. Virou hang loose, pandeiro, percussão. Percutia
em meu corpo que repercutia. E eu via os outros e aquilo me alimentava. Queria seguir
estudando no pequeno, gastar menos energia, dosar. Quero pra vida.
Que presente o balanço. Que presente as palavras “não se levem tão a sério.” Ri. Rebolei.
Dancei.
Me esfreguei, mas no outro, na parede, Pulsei. E aí era um esfregar gostoso. Um alívio.
Coroado pela reunião no jardim. Minha onça alimentava, arranhava de leve as costas dos
outros com carinho, estava leve.
No bando bloco ri, transformei meu colírio pros olhos embaçados em MD pra enfiar o pé
na jaca de vez e abracei o pequeno caos. Um escuro acolhedor. Tudo ao contrário, quase.
Obrigada, obrigada, obrigada.
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autorretrato tropical
por Rebecca Leão