Mulheres Empreendedoras V2
25 Mulheres Empreendedoras.
25 Mulheres Empreendedoras.
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IDEALIZAÇÃO<br />
Equipe Itaú Mulher Empreendedora<br />
THE FACTORY<br />
Publisher<br />
Adriano Silva<br />
Editor<br />
Fernanda Cury<br />
Editor Assistente<br />
Helaine Martins<br />
Diretor de Arte/Capa<br />
Rodrigo Maroja<br />
Diagramação<br />
Fernando Filho<br />
Direção Fotográfica<br />
Renato Pizzutto
SUMÁRIO<br />
Prefácio......................................................................................................................................................................08<br />
Introdução...................................................................................................................................................................10<br />
Capítulo 1 - Dando a volta por cima<br />
Maria José de Lima........................................................................................................................................................... 16<br />
Fatima Casarini...................................................................................................................................................................... 22<br />
Adriana Barbosa...................................................................................................................................................................28<br />
Rosana Silva..............................................................................................................................................................................34<br />
Vanessa Berrouiguet.......................................................................................................................................................40<br />
Capítulo 2 - Nasce uma mãe, nasce uma empresa<br />
Adriana Fernandes............................................................................................................................................................48<br />
Cristiane Carvalho.............................................................................................................................................................54<br />
Stéphanie Habrich.............................................................................................................................................................60<br />
Flávia Pacheco e Manuela Borges.....................................................................................................................66<br />
Dani Junco...................................................................................................................................................................................72<br />
Capítulo 3 - Meu negócio é gerar impacto<br />
Natália Inês da Costa......................................................................................................................................................80<br />
Maibe Marocollo...................................................................................................................................................................86<br />
Milena Curado.........................................................................................................................................................................92<br />
Débora Rabelo.........................................................................................................................................................................98<br />
Bia Santos................................................................................................................................................................................104<br />
Capítulo 4 - Diversidade e inclusão que enriquecem<br />
Marioli Oliveira e Amanda Momente........................................................................................................112<br />
Alexya Salvador................................................................................................................................................................118<br />
Michelle Fernandes.......................................................................................................................................................124<br />
Priscila Vaiciunas..............................................................................................................................................................130<br />
Elizandra Cerqueira......................................................................................................................................................136<br />
Capítulo 5 - Inovação à toda prova<br />
Bianca Laufer.......................................................................................................................................................................144<br />
Tatiana Pimenta...............................................................................................................................................................150<br />
Livia Cunha.............................................................................................................................................................................156<br />
Ana Paula Prati...................................................................................................................................................................162<br />
Paula Pedroza......................................................................................................................................................................168
PREFÁCIO<br />
Nunca se falou tanto em empoderamento feminino.<br />
(Que bom.) E nunca se falou tanto em empreendedorismo<br />
feminino. (Melhor ainda.) De fato, empreender<br />
tem se mostrado um caminho eficiente para a ampliação e<br />
para o fortalecimento do papel e do espaço da mulher em<br />
sociedade.<br />
Estamos falando da igualdade de gênero – também nos<br />
negócios. Estamos falando em garantir às mulheres as<br />
mesmas oportunidades para o seu desenvolvimento profissional<br />
e para a realização dos seus sonhos, por meio da<br />
construção de suas empresas.<br />
Nos últimos anos tenho me dedicado ao fortalecimento<br />
do empreendedorismo feminino. Tenho acompanhado<br />
milhares de histórias de mulheres que conquistaram seu<br />
espaço e construíram sua autonomia trazendo ao mundo<br />
uma nova oferta de valor com as empresas que criaram.<br />
Tenho observado também, com orgulho, mulheres se<br />
engajando, com seus negócios, em causas como a diversidade<br />
ou a inclusão. Isso me motiva, porque são mulheres<br />
que não querem apenas crescer em faturamento e margem<br />
de lucro – elas também querem transformar o seu bairro, a
sua comunidade, o seu país e, por que não, o mundo, num<br />
lugar melhor. E o melhor, esse processo inspira tantas outras<br />
mulheres a seguirem o mesmo caminho.<br />
Acredito que belas histórias mereçam e devam ser compartilhadas.<br />
É por isso que me sinto tão contemplada com<br />
Somos <strong>Empreendedoras</strong>. Todas as 25 personagens deste<br />
livro são transformadoras. Cada uma vem contribuindo,<br />
seja gerando empregos e movimentando a economia, seja<br />
defendendo a diversidade ou estimulando a sustentabilidade,<br />
seja desenvolvendo produtos ou serviços inovadores<br />
para o mercado, para mudar a realidade ao seu redor e fazer<br />
do mundo um lugar melhor.<br />
O programa Itaú Mulher Empreendedora junto à<br />
Rede Mulher Empreendedora é um exemplo de grande<br />
parceria, temos contribuído para o desenvolvimento dos<br />
negócios e empresas lideradas por mulheres. Ao completar<br />
5 anos, o programa Itaú Mulher Empreendedora mostra<br />
nas 25 histórias contadas neste livro o quanto fomos<br />
capazes. Do quanto representamos muito mais do que 25.<br />
Do quanto somos empreendedoras!<br />
Ana Fontes<br />
Fundadora da Rede Mulher Empreendedora
INTRODUÇÃO<br />
Para você, o que significa empreender? Para mim,<br />
empreender é muito mais do que abrir um negócio.<br />
É olhar ao redor e identificar necessidades. É ser<br />
capaz de transformar essas necessidades em oportunidades.<br />
É traçar um caminho que envolve disciplina,<br />
criatividade e muito planejamento.<br />
Mas quando se trata do empreendedorismo feminino,<br />
esse cenário ganha tons mais acentuados. É que<br />
ao empreender, a mulher enfrenta os mesmos desafios<br />
que os homens, mas ainda encara muitos outros.<br />
Discriminação e a necessidade de se desdobrar para
atender às necessidades da família e da empresa são<br />
apenas alguns exemplos dos obstáculos que elas enfrentam<br />
no dia a dia.<br />
Nesses 5 anos do programa Itaú Mulher Empreendedora<br />
temos acompanhado e apoiado mulheres<br />
que, através de seus negócios, têm superado<br />
preconceitos e barreiras, e transformado não só a sua<br />
realidade, mas também a vida das pessoas no seu entorno.<br />
Elas investem na saúde e na educação da família<br />
e geram empregos, por exemplo. Veja quantas<br />
e quantas vidas são impactadas por apenas um negócio!<br />
E essas mulheres fazem tudo isso com garra,<br />
coragem, persistência e muita criatividade.<br />
Acredito que as histórias dessas mulheres precisam<br />
e merecem ser contadas, para que sirvam de estímulo<br />
e inspiração a tantas outras. Foi com esse propósito<br />
que nasceu o livro Somos <strong>Empreendedoras</strong>. Em<br />
cada uma de suas páginas queremos celebrar todas<br />
as empreendedoras que, à sua maneira, desenvolvem,<br />
transformam suas habilidades e contextos de vida em<br />
oportunidades para criar negócios e prosperar.
Confesso que não foi nada fácil selecionar as<br />
25 empreendedoras que compõem o livro. Quantas<br />
histórias lindas e emocionantes tínhamos em<br />
mãos. Para organizar os depoimentos, dividimos<br />
o livro em cinco capítulos de forma a contemplar<br />
as principais motivações que levam as mulheres a<br />
empreender. Assim, em “Dando a volta por cima”,<br />
você poderá ler depoimentos de mulheres que viram<br />
no empreendedorismo a oportunidade para<br />
superar dificuldades e retomar suas vidas com mais<br />
segurança e autonomia. No capítulo “Nasce uma<br />
mãe, nasce uma empresa”, empreendedoras que<br />
encontraram na maternidade a razão para abrir<br />
seu próprio negócio. Em “Meu negócio é gerar impacto”<br />
você poderá ler histórias de mulheres que<br />
enxergaram na geração de impacto um propósito<br />
para empreender. Já no capítulo “Diversidade que<br />
enriquece”, histórias de empreendedoras que através<br />
de suas empresas romperam com estereótipos e<br />
preconceitos, tornando, à sua maneira, a sociedade<br />
mais igualitária e justa. Por fim, no capítulo “Inovação<br />
a toda prova”, os depoimentos de empreendedoras<br />
que solucionaram problemas através de suas
empresas disruptivas e inovadoras, e provam que mulheres<br />
são boas na tecnologia, sim.<br />
Com Somos <strong>Empreendedoras</strong> queremos mostrar<br />
como mulheres criativas, visionárias e corajosas<br />
podem construir negócios transformadores, nos mais<br />
diferentes segmentos do mercado. Aqui não publicamos<br />
apenas 25 depoimentos. A Maria José, a Elizandra,<br />
a Vanessa e tantas outras participantes do livro<br />
representam cada empreendedora de norte a sul do<br />
Brasil, mulheres que estão diariamente à frente de<br />
seus negócios, que ousam, se arriscam, caem, recomeçam<br />
mas nunca desistem de seus sonhos. É a cada<br />
uma delas que dedicamos esse livro.<br />
Por fim, espero que Somos <strong>Empreendedoras</strong><br />
possa inspirar todas as pessoas, homens e mulheres,<br />
que buscam um mundo mais igualitário e com mais<br />
oportunidades de liderança. Boa leitura!<br />
Luciana Nicola<br />
Superintendente de Relações Institucionais,<br />
Sustentabilidade e Negócios Inclusivos do Itaú-Unibanco
CAPÍTULO<br />
1
Dando a<br />
VOLTA<br />
por<br />
CIMA
Maria José<br />
de Lima<br />
FUNDADORA DA MAZÉ DOCES (MG)<br />
“O que me move é olhar<br />
para trás e ver que o tacho<br />
e o fogão transformaram a<br />
minha vida”<br />
“E<br />
u nasci na roça, em um lugar que se chama<br />
Paiol, um vilarejo de apenas quatro casas no<br />
interior de Minas Gerais. Tive uma infância dura.<br />
Lembro de, ainda menina, fazer todo o serviço da lavoura,<br />
mas sempre sonhando que eu viveria uma vida<br />
diferente, mesmo que todas as possibilidades em volta<br />
indicassem o contrário. No meu dia a dia a principal<br />
tarefa que minha mãe me dava era fazer doces. Eu não
gostava porque o açúcar das frutas atraia marimbondo.<br />
Hoje, entendo que ao me dar aquele serviço minha<br />
mãe estava plantando uma semente. Aos 18 anos me<br />
casei e vim para a cidade, onde consegui um emprego<br />
de faxineira em uma agência bancária. Eu costumo<br />
dizer que, não importa o que você faça, tem que fazer<br />
com amor. Então eu amava o chão que eu limpava. Fui<br />
muito feliz por quatro anos nesse trabalho, até que engravidei<br />
do meu segundo filho, Gabriel, e na volta da<br />
licença-maternidade veio o baque: fui demitida.<br />
Passamos por uma barra e, depois de mais de<br />
um ano procurando emprego, decidi me virar sozinha.<br />
Lembrei dos tempos na roça, peguei um tacho,<br />
comprei os ingredientes, fiz uma receita de doce e fui<br />
vender nas ruas. Senti, naquele momento, que mudaria<br />
o meu destino. Ganhei R$ 20 e foi com ele que<br />
comecei o meu negócio. O meu pai me dizia ‘Filha,<br />
deixa disso! Doce não vai dar dinheiro’, mas eu não<br />
podia desistir. Eu tinha dois filhos para sustentar,<br />
precisava persistir. Fazia os mais diversos doces<br />
típicos de Minas, até que um cliente me desafiou<br />
a produzir frutas cristalizadas. Aceitei o desafio<br />
mesmo sem fazer a menor ideia de como preparar<br />
o doce! Nem sabia o que era, nunca tinha comido,<br />
mas fui aprender. A primeira leva não foi aprovada,
“Lembrei dos tempos na roça,<br />
peguei um tacho, comprei os<br />
ingredientes, fiz uma receita<br />
de doce e fui vender nas ruas”<br />
mas, na segunda, fiz 16 bandejas de doce e ele comprou<br />
todas.<br />
A Mazé Doces surgiu ali, em 1999, de uma necessidade<br />
de prover a minha família. Em um momento<br />
em que as oportunidades teimavam em não aparecer,<br />
segui o sonho de criar meu próprio emprego e de gerar<br />
muitos outros para a minha cidade. Para começar a<br />
fazer a minha primeira cozinha fiz uma dívida de R$<br />
5 mil reais com conhecidos, a juros bem altos. E como<br />
pagar essa dívida? O tempo foi passando e, depois de<br />
quatro anos, consegui pagar. Nesse meio tempo, continuei<br />
em uma produção caseira, vendendo para lanchonetes.<br />
Em 2005, comprei um terreno e montei a<br />
fábrica. Em 2007, abri a loja Mazé Doces, que virou<br />
ponto turístico de Carmópolis. Feliz com o crescimento<br />
da empresa, em 2012 decidi abrir mais uma loja,<br />
em Divinópolis, mas não deu certo. Tornou-se muita<br />
coisa para uma pessoa só, acabei perdendo o foco e,
“Essas mulheres que trabalham<br />
comigo veem o que fui e o que<br />
faço hoje e se espelham nisso”<br />
após dois anos, tive que fechar a segunda loja. O que<br />
a princípio parecia um erro, acabou sendo um acerto.<br />
Com a abertura da loja em Divinópolis, passamos por<br />
uma revitalização da marca, que ganhou cor, ganhou<br />
vida. Esse foi um dos nossos grandes ganhos.<br />
Desde então, a Mazé Doces é uma referência em<br />
frutas cristalizadas, compotas, geleias, doces em calda<br />
e cremosos, e o doce de figo com nozes, nosso maior<br />
sucesso de vendas. Atualmente, produzimos de três a<br />
cinco toneladas de doces por mês, que podem ser encontrados<br />
em vários estados da região sudeste do país.<br />
Para dar conta de tudo isso, empregamos 23 funcionárias.<br />
O que me move é olhar para trás e ver que o tacho<br />
e o fogão transformaram a minha vida. E essas<br />
mulheres que trabalham comigo também veem o que<br />
fui no passado e o que faço hoje e se espelham nisso.<br />
Nessa minha trajetória, a característica que permanece,<br />
até hoje, é o amor. E eu acho que quem está
aqui comigo, no dia a dia, assimilou isso. Para vir trabalhar<br />
na Mazé Doces tem que ter amor no coração.<br />
Quando eu falo para as meninas ‘façam um laço bonito’<br />
é para que o cliente, ao abrir o pacote, sinta-se<br />
abraçado pelo nosso trabalho, resgatando os sabores<br />
da sua infância e transformando o simples ato de comer<br />
um doce em uma experiência única. É por tudo<br />
isso que trabalho muito, tenho muita coragem para<br />
vencer. De manhã, eu sempre falo para mim mesma:<br />
‘e aí, dona Maria, vamos viver mais um dia?’ Não importa<br />
o que eu passe, sigo adiante”.<br />
Maria José de Lima<br />
Fundadora da Mazé Doces, loja e fábrica<br />
de doces artesanais, de Carmópolis (MG)
Fatima<br />
Casarini<br />
FUNDADORA DA RAMO URBANO (SP)<br />
“Para inovar é preciso<br />
estar ligado no que<br />
acontece a sua volta”<br />
“H<br />
á mais de vinte anos trabalhando com flores,<br />
eu não sei mais como é viver sem elas pelo<br />
meu caminho. E as danadas me dão um trabalho! Comecei<br />
após a falência de uma confecção de roupas femininas<br />
que montei com o meu marido. Trabalhamos<br />
juntos nessa empreitada até que os planos econômicos<br />
do final da década de 80 fizeram com que fôssemos<br />
à falência. Foi uma fase bem difícil, não tínhamos di-
nheiro para pagar os boletos e havia milhares de itens<br />
em estoque. Mas eu tenho um lado empreendedor<br />
muito forte e, dois meses depois, eu já estava ansiosa<br />
por outro negócio.<br />
Um dia, passando por uma floricultura, pensei<br />
‘Epa, eu poderia trabalhar com flores’, e assim foi. Fiz<br />
um curso de arte floral, investi na primeira compra<br />
de flores e algumas ferramentas, o que hoje seria<br />
equivalente a R$ 200. Passei a fazer arranjos no jardim<br />
de casa e ainda lembro dos pássaros e da luz<br />
do sol que entrava no meu estúdio. Eu ia cedinho<br />
para a feira na Ceagesp (Companhia de Entrepostos<br />
e Armazéns Gerais de São Paulo) comprar as flores,<br />
levava para casa, fazia os arranjos, as entregas,<br />
a limpeza e, à noite, eu sentava na minha escrivaninha<br />
e fazia as contas em um caderninho que ainda<br />
guardo comigo.<br />
Meus primeiros clientes vieram da academia que<br />
eu frequentava. Pedi para colocar semanalmente um<br />
arranjo na recepção, com meus cartõezinhos, e deu<br />
certo. Curiosamente, o primeiro deles me pagou em<br />
dólar: três dólares. Uma nota eu guardei e tenho até<br />
hoje. Há quase 30 anos ela anda comigo na carteira, é<br />
meu amuleto. E logo me deu muita sorte e proteção.
“Ramo Urbano surgiu de uma<br />
necessidade minha de inovação”<br />
No início, eu fazia tudo sozinha: compras, produção,<br />
entrega, marketing, finanças, faxina, etc.<br />
Fui crescendo com planejamento. Primeiro, ganhei<br />
um estúdio novo e lindo onde ficava o canil do<br />
meu cachorro. Depois, contratei uma ajudante e um<br />
motorista. Cresci mais um pouco, mudei para uma<br />
‘casinha de avó’ supercharmosa. Depois, quando houve<br />
o boom da internet, resolvemos apostar em uma<br />
floricultura virtual e criamos a Flores Online. Na época<br />
cheguei a comandar, em média, a produção de 500<br />
arranjos por dia, chegando a bater 7 mil arranjos por<br />
semana em datas especiais como o Dia das Mães.<br />
O objetivo, no entanto, sempre foi fazer a empresa<br />
crescer para depois vender. Assim, em 2012, após<br />
15 anos, vendemos a empresa. Eu queria voltar aos velhos<br />
tempos, fazer algo menor e mais personalizado.<br />
Em uma reunião com meu irmão e uma amiga, em dez<br />
minutos surgiu a ideia: vender flores em máquinas automáticas,<br />
as vending machines usadas para vender
“Em oito meses, surgiu a<br />
Ramo Urbano, a primeira<br />
empresa no mundo a vender<br />
buquês de flores em vending<br />
machines”<br />
alimentos e bebidas. Mas para vender flores ela precisava<br />
passar por adaptações, como controle de umidade,<br />
embalagem especial e uma espécie de elevador<br />
para pegar o buquê. Fomos atrás da máquina ideal e,<br />
em oito meses, surgiu a Ramo Urbano, a primeira empresa<br />
no mundo a vender buquês de flores em vending<br />
machines. Troquei o formato online por levar flores ao<br />
caminho das pessoas.<br />
A Ramo Urbano está focada na compra por impulso,<br />
naquela pessoa que está despretensiosamente<br />
passando por um lugar, vê flores e sente o desejo de<br />
levá-las. Hoje, temos cinco máquinas instaladas na cidade<br />
de São Paulo, como em shoppings e empórios.<br />
Todas são abastecidas diariamente com buquês de flores<br />
frescas, simples, limpas e, na maioria das vezes,<br />
ainda em botão - além de vidrinhos com flores preser-
vadas. São, por exemplo, alstroemérias, rosas, tulipas,<br />
frésias e gérberas, vendidas em uma embalagem especial<br />
que permite que o buquê fique na geladeira de<br />
casa por várias horas, mantendo-se fresquinho até a<br />
hora do uso. E a compra é feita de forma fácil e rápida,<br />
por cartão de crédito ou débito.<br />
Isso tudo foi muito bem pensado porque a Ramo<br />
Urbano surgiu de uma necessidade minha de inovação.<br />
Estou sempre querendo fazer alguma coisa nova,<br />
não consigo ficar parada. Prefiro criar 50 arranjos a<br />
ter de replicar o mesmo modelo 50 vezes. Todos estão<br />
sempre à procura do inusitado, mas para inovar<br />
é preciso estar ligado no que acontece a sua volta, estar<br />
aberto a novas propostas e experiências. Desde<br />
pequena estou atenta às coisas ao meu redor - como<br />
nas flores no meu caminho. Não faço ideia de quantos<br />
arranjos já criei, quantas emoções enviei, com cores e<br />
flores. Mas tenho uma certeza: um buquê não precisa<br />
de um porquê”.<br />
Fatima Casarini<br />
Fundadora da Ramo Urbano, São Paulo (SP), que<br />
tem vending machines instaladas em shoppings e<br />
empórios da capital paulista
Adriana<br />
Barbosa<br />
FUNDADORA DA FEIRA PRETA (SP)<br />
“Não tive um caminho de<br />
flores, não tem glamour na<br />
minha história, mas, sim,<br />
muito trabalho”<br />
“E<br />
u circulei por muitos locais e atuei em diversas<br />
áreas, antes de me tornar uma empreendera.<br />
Como gestora de eventos, trabalhei em rádios, em<br />
gravadora musical e produtora de TV. Mas foi em um<br />
momento difícil da minha vida profissional e pessoal,<br />
quando tentava voltar ao mercado depois de alguns<br />
meses de desemprego, que experimentei trabalhar em<br />
um setor totalmente novo: uma feira de rua. Era 2002,
e sem nenhuma perspectiva em vista, me uni a uma<br />
amiga, Deise, que era da área de cinema e também<br />
estava desempregada. Ela vendia pastel e eu vendia<br />
roupa. Comecei vendendo as minhas próprias roupas,<br />
no Brechó da Troca, e também trocava peças com<br />
outras mulheres para ter um acervo maior e com diversidade<br />
de tamanhos. O sistema todo era bem simples:<br />
as pessoas se interessavam e eu trocava as peças<br />
com elas. Tudo com uma estrutura básica de araras e<br />
mesas de suporte para a venda de acessórios que me<br />
permitia participar de diferentes feiras e mercados alternativos.<br />
De feira em feira, vendia as peças com uma<br />
pequena margem de lucro e reinvestia na compra de<br />
outros produtos usados. Durante uma dessas feiras,<br />
houve um arrastão e perdi quase toda a mercadoria.<br />
Naquele momento, parecia que voltaríamos à<br />
estaca zero, mas foi quando resolvemos que era hora<br />
de montar a nossa própria feira. Na época, o bairro<br />
da Vila Madalena era um ponto de concentração de<br />
casas noturnas de black music, havia uma forte influência<br />
da cultura negra e americana. Já frequentávamos<br />
bastante aquelas festas e eu ficava intrigada em<br />
ver que o público era de jovens negros, o DJ era negro,<br />
as hostess eram negras, mas, no final da noite, quem<br />
contava o dinheiro eram os homens brancos, donos
“Vimos que ali havia<br />
a oportunidade para<br />
empreender em algo que<br />
fosse voltado à nossa<br />
identidade e à nossa história”<br />
dos lugares. Como a gente podia produzir riqueza e o<br />
dinheiro não passar pelas nossas mãos? Vimos que ali<br />
havia a oportunidade para empreender em algo que<br />
fosse voltado à nossa identidade e à nossa história, ligado<br />
ao aspecto artístico e cultural. Decidimos, então,<br />
criar a Feira Preta.<br />
O caminho até fazer a Feira Preta acontecer não<br />
foi fácil. O obstáculo era convencer as empresas de<br />
que, sob a perspectiva de negócios, os temas relacionados<br />
aos negros tinham grande potencial. Ouvi de<br />
várias corporações que não poderiam apoiar o evento<br />
porque o nome remetia a uma questão de conflito<br />
racial e eles não enxergavam o potencial pelo viés de<br />
segmento de mercado. Muitas pediram para eu alterar<br />
o nome para algo do tipo ‘Feira Étnica’, por exemplo.<br />
Mas conseguimos. No dia 24 de novembro de 2002,<br />
na praça Benedito Calixto, aconteceu a primeira Feira
“O que surgiu de uma<br />
necessidade urgente e imediata,<br />
lá em 2002, se transformou em<br />
um negócio promissor”<br />
Preta com 40 expositores, apresentações da cantora<br />
Paula Lima e do grupo Clube do Balanço, dois expoentes<br />
musicais na época, e um público de mais de seis<br />
mil pessoas. De lá para cá, passamos por crises, mudamos<br />
de lugares, perdi a parceria da minha amiga,<br />
acumulei dívidas, a falta de dinheiro me fez voltar ao<br />
mercado de trabalho e, somente em 2016, pude sair<br />
do meu último emprego para me dedicar 100% a isso.<br />
Hoje, a Feira Preta é a maior feira negra da América<br />
Latina, reunindo um público médio de 14 a 15 mil<br />
pessoas. O evento se tornou um festival de múltiplas<br />
linguagens e reúne as principais tendências afro-contemporâneas<br />
em moda, design, arquitetura, empreendedorismo,<br />
literatura, música, artes visuais, gastronomia,<br />
workshops, diálogos criativos, entre outros.<br />
Nesses 17 anos tivemos mais de 4,5 milhões de reais de<br />
circulação monetária de venda dos expositores. Mais
de 900 artistas já passaram pela Feira, que começou<br />
a ser reproduzida em outros estados, por iniciativas<br />
espontâneas. E a ideia é que ela possa ser replicada,<br />
também, em outros países da África de língua portuguesa,<br />
América Latina e nos Estados Unidos.<br />
O que surgiu de uma necessidade urgente e imediata,<br />
lá em 2002, se transformou em um negócio promissor<br />
e tem muito do que vivi e aprendi sendo criada<br />
em uma família matriarcal. Minha bisavó, dona Maria<br />
Luiza, uma líder nata, para complementar a renda pegava<br />
o que tinha na despensa, cozinhava e vendia coxinhas,<br />
doces e marmitex. Com a ajuda dos bisnetos,<br />
chegou a abrir um restaurante na própria casa. Foi<br />
meu primeiro contato com o empreendedorismo, com<br />
ela que aprendi a usar a escassez para me reinventar.<br />
Assim como na vida da minha bisavó e tantas outras<br />
mulheres negras, eu não tive um caminho de flores,<br />
não tem glamour na minha história, mas, sim, muito<br />
trabalho”.<br />
Adriana Barbosa<br />
Fundadora da Feira Preta, o maior evento de<br />
cultura e empreendedorismo negro da América<br />
Latina, de São Paulo (SP)
Rosana<br />
Silva<br />
FUNDADORA DA UNIVERSO INOX (MG)<br />
“Quando eu olhava para as<br />
pessoas que trabalhavam<br />
comigo, para minha família,<br />
eu falava para mim mesma:<br />
‘isso tem que dar certo’”<br />
“E<br />
u vim de uma família muito pobre e sou a nona<br />
filha de um casal de trabalhadores rurais. Nasci<br />
em uma cidadezinha do interior de Minas Gerais,<br />
chamada Serro, mas passei a infância em Ponte Preta,<br />
zona rural. Um dia meu pai me disse que eu não poderia<br />
mais continuar estudando, precisava ajudar em<br />
casa e não tínhamos dinheiro para pagar nem a condução,<br />
nem o material escolar. Mas eu queria muito
continuar estudando, então, aos dez anos, fui para Lagoa<br />
Santa trabalhar como empregada doméstica em<br />
um sítio. Trabalhava durante o dia e estudava à noite.<br />
Com o que eu ganhava, dava para custear o que eu<br />
precisava para seguir os estudos. Depois desse emprego,<br />
fui trabalhar em muitos outros lugares como telefonista,<br />
operadora de rádio em cooperativa de táxi,<br />
vendedora, atendente em papelaria, cimenteira, fiz de<br />
tudo um pouco. Até que passei anos em empresas que<br />
trabalhavam com o aço inox. Quando a distribuidora<br />
em que eu estava fechou, fui ser vendedora em uma<br />
loja de móveis e fiquei um tempo trabalhando com<br />
mobiliários.<br />
Durante todo esse período, eu continuei estudando.<br />
No ensino médio, optei por fazer um curso<br />
técnico de Contabilidade. Quando terminei, prestei<br />
vestibular para Direito, em uma universidade em Belo<br />
Horizonte, fui aprovada mas não tinha condições financeiras<br />
de me mudar. Então, fiz vários cursos livres<br />
de gestão administrativa e financeira. Depois de passar<br />
por tantas empresas, já havia em mim o desejo de<br />
ter meu próprio negócio. Um dia, em 2002, houve um<br />
leilão na cidade com máquinas para aço inox de empresas<br />
que haviam falido na região. Eu e mais dois colegas<br />
de trabalho nos juntamos, compramos algumas
“Meu plano era oferecer ao<br />
cliente qualquer produto<br />
em aço inox totalmente<br />
customizado, ao invés de um<br />
item produzido em série”<br />
máquinas e montamos a Tecnotanque, em um galpão<br />
bem pequenino, nos fundos de uma residência. A<br />
ideia era fabricar tanques de lavar roupa em aço inox.<br />
Só que nós tínhamos grandes concorrentes, empresas<br />
de nível nacional, e isso fez com que os meus sócios<br />
se desmotivassem. O primeiro saiu com seis meses de<br />
empresa e o segundo desistiu após um ano.<br />
Eu decidi seguir sozinha, troquei o nome para<br />
Universo Inox e passei a oferecer serviços sobre medida,<br />
porque era algo que me demandava mais mão<br />
de obra, que eu já tinha. E o principal: eu tinha uma<br />
concorrência muito pequena no mercado. Meu plano<br />
era oferecer ao cliente qualquer produto em aço inox<br />
totalmente customizado, ao invés de um item produzido<br />
em série. Fui procurar no mercado quem precisava<br />
dessas peças e passei a atender um nicho de mercado
“Eu tinha uma postura fechada<br />
e incisiva para me proteger,<br />
até que o mercado passou a<br />
apostar em mim”<br />
bem variado, como hospitais, laboratórios, restaurantes,<br />
universidades, mas também um público de residência.<br />
Meu primeiro grande cliente foi a Faculdade<br />
de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais<br />
(UFMG) e, em 2004, a empresa começou a engrenar.<br />
Com o tempo nos especializamos em cozinha industrial<br />
e mobiliários e, hoje, atendemos principalmente<br />
a indústria farmacêutica, inclusive as redes internacionais,<br />
que possuem um alto nível de exigência e garantia<br />
de matéria-prima sempre certificada. Tudo isso<br />
nos possibilitou, em 2008, sair do galpão alugado e<br />
finalmente nos mudarmos para uma sede própria.<br />
Atualmente, a Universo Inox atende todo o país<br />
e somos referência no mercado de artefatos em aço<br />
inoxidável, contando com uma estrutura moderna e<br />
mão-de-obra altamente qualificada e preparada para<br />
atender na elaboração dos projetos. São 25 trabalha-
dores diretos, fora as áreas administrativas, que são<br />
terceirizadas. Quando eu cheguei com uma metalúrgica,<br />
começando um negócio, eu ouvi muitos ‘nossa,<br />
mas essa menina?’. Eu tinha uma postura fechada e<br />
incisiva para me proteger, até que o mercado passou a<br />
apostar em mim e no meu diferencial: ir até o cliente e<br />
entender a necessidade dele. Eu passei por muitas dificuldades<br />
na vida e quando eu olhava para as pessoas<br />
que trabalhavam comigo, para minha família que dependia<br />
de mim, eu falava para mim mesma: ‘isso tem<br />
que dar certo’. Eu tinha que mudar essa história e isso<br />
me fez caminhar e nunca desistir, mesmo nas horas<br />
mais difíceis. Valeu muito a pena e continua valendo<br />
todos os dias quando o sol nasce junto com uma nova<br />
oportunidade”.<br />
Rosana Silva<br />
Fundadora da Universo Inox, empresa<br />
especializada em criar soluções em aço<br />
inox, de Lagoa Santa (MG)
Vanessa<br />
Berrouiguet<br />
FUNDADORA DO MON PETIT (SP)<br />
“Mon Petit, o primeiro bazar<br />
de moda a baixo custo da<br />
comunidade do Capão<br />
Redondo, é o sustento meu<br />
e das minhas filhas”<br />
“F<br />
oram 12 anos de um casamento dos sonhos<br />
com Karin, meu marido, um francês que conheci<br />
em um supermercado em São Paulo, em 1999.<br />
Ele tinha ganhado uma viagem ao Brasil, como prêmio<br />
por ser o melhor vendedor da empresa em que trabalhava,<br />
e meu trabalho era oferecer degustação de produtos.<br />
Como ele sabia um pouco de português, quando<br />
voltou à França, ficamos por um ano só nos falando
por Skype. Estávamos apaixonados e decidimos viver<br />
juntos. Já morando de vez aqui no Brasil, ele assumiu<br />
a mim e a minha filha mais velha, que, na época, tinha<br />
um ano, mas não aceitou que eu trabalhasse nem estudasse.<br />
Em 2004, casamos no civil e, juntos, levávamos<br />
uma vida de classe média, viajamos para lugares<br />
como França e Grécia. Até que, em 2012, Karin ficou<br />
muito doente e morreu.<br />
Por dois anos, fiquei vivendo de bicos até ser<br />
contratada para fazer pesquisas por telefone para um<br />
instituto. Mas foi por pouco tempo, logo fui demitida.<br />
Eu estava sem dinheiro, sem condições de pagar<br />
o aluguel, de me restabelecer e educar minhas duas<br />
filhas. Acabei saindo de uma casa muito confortável<br />
na zona norte da cidade e fui morar na casa da minha<br />
irmã, no Capão Redondo, periferia da zona sul.<br />
Foi um período muito difícil, passamos fome. Um<br />
dia, fui chamada pela direção da escola da minha<br />
filha mais velha, queriam saber por que ela faltava<br />
tanto, estava tão magra e pálida. Falei a verdade:<br />
não tinha comida em casa e, portanto, nem forças<br />
para levá-la. Nunca esqueço o quanto aquilo me dilacerou.<br />
Voltei para casa e tomei a decisão drástica de ir<br />
para as ruas de São Paulo recolher materiais recicláveis.<br />
Demorou a adaptação, mas aos poucos descobri
“Minha ficha caiu: aquilo<br />
poderia render um negócio.<br />
Juntei o que tinha sobrado do<br />
primeiro bazar e parte do que<br />
eu recebi investia na compra<br />
de produtos para revender”<br />
os itens que davam mais dinheiro e de R$ 7 passei a<br />
tirar R$ 140 por semana.<br />
As coisas pareciam estar se ajustando quando,<br />
um ano depois, o destino me derrubou de novo, literalmente.<br />
Sofri um acidente gravíssimo em uma obra<br />
repleta de entulhos, que me fez perder todos os dentes<br />
da frente, ter uma lesão cervical que quase me deixou<br />
inválida e ficar acamada por um mês. Ficamos vivendo<br />
por um tempo com o pouco de dinheiro que eu havia<br />
guardado, mas não durou muito. Em um momento<br />
de desespero, subi na laje de casa para chorar e dei de<br />
cara com um monte de coisas da mudança. Eu simplesmente<br />
tinha esquecido daquele tanto de sacolas<br />
com muitos objetos, roupas e calçados comprados em<br />
todas as viagens que fiz mundo afora, quando Karin
“Eu amo imensa mente minhas<br />
filhas e o mínimo que eu posso<br />
fazer por elas é ser forte”<br />
era vivo. Tive a ideia de fazer um ‘família vende tudo’.<br />
Lavei cada objeto e passei cada peça de roupa, montei<br />
o bazar na garagem e fiz um cartaz avisando que<br />
abriria no dia seguinte. A intenção era vender tudo de<br />
dia para poder comer à noite. O sucesso foi tão grande<br />
que, no fim do dia, tínhamos juntado R$ 1.050. Agradecida,<br />
peguei minhas filhas e fomos ao mercado. Comemos<br />
tanto que tivemos até dor de barriga!<br />
Para a minha surpresa, no dia seguinte várias<br />
pessoas bateram na porta perguntando quando seria<br />
o próximo bazar. Minha ficha caiu: aquilo poderia<br />
render um negócio. Juntei o que tinha sobrado do primeiro<br />
bazar e, a cada edição, parte do que eu recebi<br />
investia na compra de produtos usados para revender.<br />
Para ter uma cara mais profissional, fiz uma plaquinha<br />
com o nome Mon Petit (meu pequeno, em francês)<br />
e o negócio começou a fluir. Cada vez mais pessoas<br />
iam lá comprar, outras apareciam curiosas sobre a<br />
movimentação que acontecia na minha garagem e isso
chamou a atenção de empresárias e mulheres da alta<br />
sociedade, que começaram a doar suas peças. Vendo<br />
somente peças boas, algumas de grifes, vendidas a um<br />
preço justo, que a comunidade pode pagar. Desde então,<br />
o Mon Petit, o primeiro bazar de moda a baixo<br />
custo da comunidade do Capão Redondo, é o emprego<br />
e sustento meu e das minhas filhas. Foi com ele que<br />
construí nossa casa sobre a garagem e ninguém mais<br />
nos despeja.<br />
Apesar de todas as dificuldades, faço questão de<br />
olhar sempre para minha história e meus aprendizados.<br />
A minha força se chama amor. Eu amo imensamente<br />
as minhas filhas e o mínimo que eu posso fazer<br />
por elas é ser forte. Quero que elas lembrem de mim<br />
como um exemplo, uma referência de trabalho. Por<br />
mais que para o mundo o trabalho que eu executo seja<br />
insignificante, lavando carinhosamente roupas usadas<br />
e vendendo-as, eu sou uma vencedora, eu consegui.”<br />
Vanessa Berrouiguet<br />
Criadora do Mon Petit, o primeiro bazar de moda a baixo custo<br />
da comunidade do Capão Redondo, de São Paulo (SP)
CAPÍTULO<br />
2
Nasce uma<br />
MÃE<br />
nasce uma<br />
EMPRESA
Adriana<br />
Fernandes<br />
FUNDADORA DA MANDALA<br />
COMIDAS ESPECIAIS (SP)<br />
“Estávamos criando não<br />
apenas um produto, mas<br />
também um mercado, e nosso<br />
ineditismo atraiu clientes”<br />
“E<br />
u já alimentava o desejo de empreender na<br />
gastronomia, mas tinha uma carreira sólida<br />
na área da comunicação, então o sonho foi sendo adiado.<br />
Em 2014, quando meu segundo filho nasceu, precisei<br />
lidar com uma dieta muito restritiva que mudou<br />
minha vida. Ao completar um mês, eu e meu marido<br />
descobrimos que o Léo era alérgico alimentar múltiplo<br />
severo, ou seja, seu corpo não conseguia processar
as proteínas de diversos alimentos que passavam pelo<br />
leite materno. O tratamento era eu fazer uma dieta super-restritiva<br />
e, para isso, tive que recriar tudo o que<br />
cozinhava em casa.<br />
Cortei leite, ovos, soja, trigo, amendoim, castanhas,<br />
peixes e crustáceos - os oito alimentos que causam<br />
90% das alergias alimentares no mundo. Foram<br />
14 meses de amamentação e dieta, e era praticamente<br />
impossível encontrar pratos prontos sem tantos ingredientes,<br />
ainda mais sem risco de contaminação cruzada.<br />
Tudo precisava ser feito em casa. Minha vida era<br />
trabalhar, amamentar, cozinhar, congelar, levar marmitas.<br />
Busquei informação e apoio em grupos de famílias<br />
de alérgicos e celíacos nas redes sociais e vi que<br />
esse era o dia a dia de centenas de pessoas. Percebi<br />
aí uma oportunidade: eu gostava muito de cozinhar,<br />
então decidi pegar vinte anos de economia e montar<br />
um negócio de comida pronta para pessoas que têm<br />
algum tipo de restrição alimentar, a Mandala Comidas<br />
Especiais.<br />
Comecei sozinha o projeto, em janeiro de 2015,<br />
mas logo meu marido passou por uma demissão e se<br />
tornou meu sócio. Juntos, arriscamos tudo em um<br />
segmento tão específico e novo que não sabíamos se
“Incluímos pessoas ao excluir<br />
ingredientes. A Mandala é<br />
amor em forma de comida”<br />
haveria demanda. Surgiam dúvidas: será que não existia<br />
porque era um erro? Será que íamos falir? Mas nos<br />
surpreendemos com um retorno muito mais rápido<br />
do que a gente imaginava. Com apenas três meses de<br />
vida de Mandala fomos convidados a passar pelo processo<br />
de aprovação como fornecedores de um grande<br />
hospital de São Paulo. Foram dois meses de validação<br />
de documentos e de vistoria técnica em nossa fábrica<br />
e ficamos extremamente felizes ao sermos aprovados<br />
em tão rigoroso processo. Na sequência, outros hospitais,<br />
resorts e hotéis de luxo, escolas e até companhias<br />
aéreas nos procuraram. Estávamos criando não apenas<br />
um produto, mas um mercado e nosso ineditismo<br />
atraiu clientes.<br />
Hoje, a Mandala é referência no fornecimento<br />
de alimentos seguros para celíacos, pessoas alérgicas,<br />
intolerantes ou sensíveis a determinados alimentos, e<br />
para todos aqueles que desejem seguir uma dieta sau-
“Juntos, arriscamos tudo em um<br />
segmento tão específico que não<br />
sabíamos se haveria demanda”<br />
dável e saborosa. Somos uma cozinha industrial de alimentos<br />
ultracongelados, com loja de fábrica e e-commerce.<br />
Tudo o que produzimos na cozinha é livre dos<br />
ingredientes que rastreamos: castanhas, crustáceos,<br />
leites (inclusive lactose e caseína), ovos, trigo, glúten,<br />
temperos prontos, produtos transgênicos, glutamato<br />
monossódico, aromatizantes e corantes artificiais, entre<br />
outros. Tanto no varejo como no corporativo temos<br />
dois tipos de clientes: os que precisam comer sem<br />
glúten e alergênicos (pois são celíacos, alérgicos, intolerantes)<br />
e os que preferem comer sem glúten, leite,<br />
ovos (veganos, fit, quem quer comer saudável). Cerca<br />
de 65% dos nossos produtos são veganos.<br />
Esse caminho foi trilhado com muita capacitação<br />
e preparo. Empreender exige estudo, planejamento,<br />
dedicação, paciência e disciplina. Não significa<br />
trabalhar menos, ganhar dinheiro rápido ou ter mais<br />
tempo para os filhos. Já precisei trabalhar de madrugada,<br />
muitas vezes tive que dividir a atenção entre a
família e o celular que não para, pagar fornecedores e<br />
salários mesmo ficando sem capital. Há momentos em<br />
que dá vontade de desistir, mas os resultados consistentes<br />
nos mostram que estamos no caminho certo. É<br />
nossa missão: incluir pessoas ao excluir ingredientes.<br />
A Mandala é amor em forma de comida”.<br />
Adriana Fernandes<br />
Fundadora da Mandala Comidas Especiais, que<br />
fornece alimentos seguros para alérgicos e<br />
intolerantes alimentares, de São Paulo (SP)
Cristiane<br />
Carvalho<br />
FUNDADORA DA TERAPLAY<br />
BRINQUEDOS TERAPÊUTICOS (SP)<br />
“Identificar e aprender a<br />
lidar com as emoções virou<br />
sinônimo de qualidade de<br />
vida dentro de casa”<br />
“E<br />
m 2015, em um curto espaço de duas semanas,<br />
recebi duas notícias que mudaram a minha<br />
vida. Primeiro, foi o autismo do meu filho mais velho.<br />
Desde pequeno ele apresentou um atraso no desenvolvimento<br />
da fala, mas sempre acreditei que estava<br />
dentro do normal. Quando tinha crises, eu achava que<br />
era sua personalidade forte. Se não se comportava da<br />
mesma forma que os colegas, é porque era tímido e en-
vergonhado. Até que o diagnóstico foi dado: meu filho,<br />
na época com oito anos, tinha o Transtorno do Espectro<br />
Autista. Uma semana depois, fui diagnosticada com<br />
câncer, aos 37 anos e sem qualquer histórico familiar.<br />
Foi um baque gigante. Logo meu filho iniciou um tratamento<br />
específico para o autismo e as melhoras, apesar<br />
de lentas, aconteciam. Paralelamente, eu fazia quimioterapia<br />
e algumas ideias começaram a brotar.<br />
Entre um procedimento e outro, arregacei as<br />
mangas e encarei os estudos sobre o Transtorno do<br />
Espectro Autista, o TEA. Para melhorar a vida do meu<br />
filho e, consequentemente, de toda a família, me dediquei<br />
às pesquisas, fiz diversos cursos e devorei livros<br />
e artigos científicos. Entendi que um dos maiores<br />
obstáculos dos autistas é reconhecer as emoções - as<br />
próprias e as das outras pessoas. Em casa, o riso, por<br />
exemplo, poderia aparecer em meio a raiva, o choro<br />
em meio a alegria. Não era falta de sensibilidade, meu<br />
filho só não sabia exatamente como agir em determinados<br />
momentos. Procurei em lojas especializadas<br />
por produtos que pudessem atendê-lo, mas não encontrei.<br />
Eu mesma teria que criar a solução.<br />
Por meses, testei vários métodos, desenhei, rabisquei,<br />
fiz esquemas. Depois de muitas tentativas
“Procurei em lojas<br />
especializadas por produtos<br />
que pudessem atendê-lo,<br />
mas não encontrei. Eu mesma<br />
teria que criar a solução”<br />
e ajuda dos meus dois filhos, surgiu o Bracelete das<br />
Emoções, uma pulseira de silicone para crianças comunicarem<br />
seu estado emocional por meio de figuras<br />
que simbolizam alegria, tristeza, raiva, medo, cansaço<br />
e tranquilidade. Foi um sucesso. Identificar, expressar,<br />
entender e aprender a lidar com as emoções virou<br />
sinônimo de qualidade de vida dentro da nossa casa.<br />
Os colegas da escola, mesmo os que não estavam no<br />
espectro autista, amaram. Os professores acharam<br />
muito útil e os psicólogos que atendiam o meu filho<br />
passaram a usar o bracelete com outros pacientes. Eu<br />
sabia que tinha algo inovador em mãos.<br />
Em fevereiro de 2016, depois que o plano de saúde<br />
arcou com todos os custos do meu procedimento<br />
de reconstrução mamária, peguei o dinheiro que havia<br />
reservado para a cirurgia e investi no meu próprio
“Meus dois filhos são meu<br />
braço direito em todo o<br />
processo de aprovação e<br />
criação. O olhar super crítico<br />
deles é um selo de garantia em<br />
tudo o que faço”<br />
negócio. Assim nasceu a TeraPlay, uma loja online de<br />
produtos que ajudam pessoas, autistas ou não, a lidarem<br />
com suas emoções. São brinquedos e recursos<br />
terapêuticos para crianças, adolescentes e adultos típicos<br />
e atípicos (autismo ou TEA, TDHA, Síndrome de<br />
Down, entre outros). Promovemos a educação emocional<br />
e oferecemos recursos para atender às necessidades<br />
sensoriais de todas as idades.<br />
O nosso carro-chefe é o Bracelete das Emoções,<br />
mas a TeraPlay conta com seis tipos diferentes de braceletes<br />
de silicone, três livros de minha autoria e outros<br />
recursos, totalizando mais de 50 produtos, todos diferenciados,<br />
como bolinhas antiestresse e mordedores de<br />
estimulação sensorial. Vendemos para todo o Brasil e
para o exterior. Como muitos de nossos produtos não<br />
encontram similares no mundo, já recebemos pedidos<br />
da Europa, Estados Unidos e Canadá.<br />
Meus dois filhos, um menino e uma menina<br />
- ela, fora do espectro autista - são meu braço direito<br />
em todo o processo de aprovação e criação. O<br />
olhar supercrítico deles é um selo de garantia em<br />
tudo o que faço.<br />
Tem sido um desafio. Ser mãe-empreendedora<br />
é ser malabarista em tempo integral. Mas eu ainda<br />
tenho muitos sonhos e são eles que me movem.<br />
Sonho que a TeraPlay alcance todas as pessoas que<br />
precisem ser ajudadas pelos nossos produtos. Sonho<br />
ver meus filhos se tornarem adultos seguros e<br />
emocionalmente preparados para os desafios. Sonho<br />
ver todas as pessoas no espectro autista incluídas<br />
e tendo suas necessidades atendidas. Sonho ver<br />
cada vez mais crianças educadas emocionalmente,<br />
se tornando pessoas melhores e mais felizes”.<br />
Cristiane Carvalho<br />
Fundadora da TeraPlay Brinquedos<br />
Terapêuticos, São Paulo (SP)
Stéphanie<br />
Habrich<br />
FUNDADORA DO JORNAL JOCA (SP)<br />
“Literalmente um<br />
desabamento mudou a minha<br />
vida, mas a maternidade me<br />
deu força para empreender”<br />
“E<br />
ra 11 de setembro de 2001, uma terça-feira, e<br />
estava um dia lindo. Não tinha uma nuvem no<br />
céu. Eu morava em Nova York e trabalhava no Deutsche<br />
Bank, localizado no quarto andar da Torre 4 do<br />
World Trade Center. Fui mais cedo para o escritório<br />
porque queria terminar logo o trabalho naquele dia.<br />
Foi aí que tudo aconteceu: às 8h48, ouvi um estrondo<br />
e vi uma bola de fogo quando o primeiro avião bateu
na Torre Norte do WTC. Saí correndo e deixei tudo<br />
para trás. Fiquei sentada na calçada esperando que<br />
os bombeiros liberassem a entrada do edifício. Mas<br />
às 9h06 ouvi o segundo estrondo, quando outro avião<br />
atingiu a Torre Sul. Voltando para casa soube da notícia:<br />
as duas torres haviam desabado.<br />
Ter sobrevivido ao atentado às Torres Gêmeas<br />
foi um passo importante de conscientização e de querer<br />
seguir em direção aos meus sonhos e minhas crenças.<br />
Nos anos seguintes, fiz mestrado e cursos sobre<br />
empreendedorismo, criação de revistas e desenvolvimento<br />
infantil. Neste meio tempo casei e tive três filhos,<br />
Luca, Matteo e Nicolas, as principais motivações<br />
pela minha mudança de carreira, por querer fazer algo<br />
mais significativo e com mais impacto. Literalmente<br />
um desabamento mudou a direção da minha vida,<br />
mas a maternidade me deu força e coragem, uma verdadeira<br />
injeção de ânimo para empreender. Deixei a<br />
carreira no mercado financeiro e investi no meu grande<br />
sonho: produzir conteúdo voltado para o público<br />
infantojuvenil.<br />
Filha de pai alemão e mãe francesa, nasci na<br />
Alemanha, mas, por conta do trabalho do meu pai,<br />
imigrei para o Brasil com minha família, no final dos
“Joca é o primeiro e único jornal<br />
para crianças no Brasil, material<br />
obrigatório na sala de aula em<br />
cerca de 800 escolas”<br />
anos 70, aos seis anos. Aqui vivi até no início dos anos<br />
90 e, durante todos esses anos, meus pais continuavam<br />
assinando as revistas juvenis alemãs e francesas<br />
que chegavam pelo correio. Tenho muitas delas ainda<br />
guardadas como um tesouro e alimentava o desejo de<br />
que meus filhos tivessem acesso a esse tipo de material<br />
também. Em 2006, quando o meu marido foi chamado<br />
para voltar a trabalhar no Brasil, me vi diante<br />
da possibilidade de transformar esse desejo em realidade.<br />
Não perderia esta oportunidade por nada. Era a<br />
chance de empreender e a agarrei com toda a vontade<br />
e coragem!<br />
Aqui, criei a editora Magia de Ler, em 2007, e<br />
lancei duas revistas: a Toca, para crianças de 1 a 4<br />
anos, e a Peteca, de 5 a 8 anos, no esquema de assinatura.<br />
Deu errado. Foi um choque cultural muito grande.<br />
Achei que seria como na Europa, os pais assinariam<br />
que nem loucos, mas não. Os pais não assinam.
“É para eles, e para toda a<br />
geração a que pertencem, que<br />
trabalho incansavelmente<br />
para um mundo com mais<br />
escuta e oportunidade”<br />
Em 2008, fali. Mas não desisti do negócio. Três anos<br />
mais tarde, em 2011, com melhor conhecimento sobre<br />
o mercado brasileiro e sem muitos estudos técnicos,<br />
com a cara e a coragem mesmo, tive a ideia de criar o<br />
Joca, um jornal quinzenal voltado para jovens entre<br />
8 e 14 anos. Mas houve uma mudança de foco: em<br />
vez de vender somente para os pais, a publicação<br />
agora seria oferecida às escolas. Tinha que dar certo<br />
e deu. Hoje, o Joca é o primeiro e único jornal para<br />
crianças no Brasil, material obrigatório na sala de<br />
aula em cerca de 800 escolas públicas e privadas em<br />
todo o país. O impresso é quinzenal e o online traz<br />
de duas a três notícias diárias sobre o Brasil, o mundo<br />
e o universo infanto-juvenil, com uma linguagem<br />
simples e de fácil compreensão. Um projeto ousado,<br />
pioneiro e de grande contribuição para a formação<br />
educacional.
Meu sonho é, através do Jornal Joca, oferecer<br />
ferramentas para que crianças e jovens brasileiros<br />
possam se posicionar e lutar por seus direitos e<br />
conquistas, e assim reduzir a desigualdade. E, nesse<br />
processo, ser mãe foi e ainda é uma transformação e<br />
tanto. Cada fase dos meus três meninos, Luca, Matteo<br />
e Nicolas, me trouxe mais e mais inspiração. Gosto<br />
de uma frase de Jacqueline Kennedy Onassis, que diz<br />
mais ou menos assim: ‘Se você não educar bem os seus<br />
filhos, nada mais do que você fizer será tão importante’.<br />
Definitivamente, são eles que garantem sentido a<br />
todas as minhas conquistas. Conforme crescem, vou<br />
aprendendo com eles, tendo ideias e criando novos<br />
produtos. Também é para eles, e para toda a geração<br />
a que pertencem, que trabalho incansavelmente para<br />
um mundo com mais escuta e oportunidade”.<br />
Stéphanie Habrich<br />
Criadora do Joca, o primeiro e único jornal para<br />
crianças e jovens do Brasil, de São Paulo (SP)
Flávia<br />
Pacheco<br />
Manuela<br />
Borges<br />
SÓCIAS DA BE FLEXY (SP)<br />
“Somos a primeira plataforma<br />
no Brasil que conecta mulheres<br />
às empresas com jornadas de<br />
trabalho flexíveis”<br />
“S<br />
empre gostei muito de trabalhar, ficar dez horas<br />
no escritório não era um problema. Trabalho<br />
para mim é vida! Quando tive meu primeiro filho,<br />
em 2008, percebi que seria difícil manter o ritmo.
Para mim, Flávia, o desafio foi ainda maior: o João<br />
Pedro nasceu com alguns problemas de saúde e eu<br />
tinha uma demanda grande de consultas médicas e<br />
exames. Felizmente, tive líderes muito compreensivos,<br />
que me apoiaram nesta jornada. Com um pouco<br />
de flexibilidade, consegui conciliar essas duas frentes<br />
tão importantes para mim: minha vida com meu filho<br />
e minha carreira. Em 2011, nasceu a Clarinha e, com<br />
ela, uma demanda adicional de tempo. Para completar,<br />
em 2012, o João Pedro passou por uma cirurgia<br />
importante. Tentei conciliar a rotina pessoal e profissional<br />
por mais um ano e meio, mas, em 2014, percebi<br />
que não dava mais e decidi sair do mundo corporativo.<br />
O Pepê precisava de mais apoio para o seu melhor desenvolvimento<br />
e tínhamos de buscar programas complementares.<br />
Depois disso, vivi 18 meses de dedicação<br />
exclusiva à família e ao tratamento dele.<br />
Esse período em que estive afastada do mercado<br />
de trabalho foi muito bem aproveitado, mas, em meados<br />
de 2015, constatei que retomar a minha carreira<br />
era importante para mim. Era hora de buscar um<br />
novo caminho. Recebi três propostas excelentes, no<br />
modelo tradicional. Foi quando o dono de uma quarta<br />
empresa entrou em contato. Conversamos e fechamos<br />
um esquema de 25 horas por semana, pelo tempo que
“Construímos uma<br />
comunidade com profissionais<br />
que querem trabalhar com<br />
mais qualidade de vida”<br />
eu precisasse. A flexibilidade, naquele momento, era o<br />
mais importante, e compensou em muito a diferença<br />
no pacote de remuneração. Troquei ‘dinheiro por tempo’.<br />
Fiquei lá por 18 meses, quando recebi uma proposta<br />
de uma empresa líder de mercado na qual eu já<br />
havia trabalhado. Achei que seria possível voltar a um<br />
ritmo mais acelerado e aceitei. Foi uma experiência<br />
muito rica, mas, ao mesmo tempo, exigiu uma dedicação<br />
praticamente exclusiva. Me sentia com as famosas<br />
‘algemas de ouro’, ou seja, engajada nos desafios<br />
e benefícios da empresa, mas sem conseguir integrar<br />
a minha vida pessoal. Sem perceber, acabei me afastando<br />
da minha família e isso não era o que eu queria.<br />
Um dia, em um almoço com uma amiga, ela me<br />
contou que, depois de mais de 20 anos nas áreas de<br />
vendas, produtos e projetos em grandes empresas, estava<br />
se desligando de uma delas e que gostaria muito<br />
de montar o próprio negócio. Contei três ideias que
“Vaga flexível não quer dizer que<br />
a pessoa vai trabalhar menos”<br />
eu tinha e ela adorou a possibilidade de criar algo que<br />
ajudasse mulheres, especialmente mães como nós<br />
duas, a conseguir trabalhos que permitissem mais flexibilidade<br />
de horários. E foi assim que eu e a Manuela<br />
nos tornamos sócias da Be Flexy. Somos a primeira<br />
plataforma no Brasil que conecta mulheres às empresas<br />
com jornadas de trabalho flexíveis. Atuamos com<br />
soluções específicas para a empresa, como divulgação<br />
de vagas, recrutamento de candidatos, workshops de<br />
sensibilização e consultoria para implantação desse<br />
modelo. Nosso diferencial está no fato de sermos pioneiras<br />
nesta abordagem e 100% focadas em oportunidades<br />
flexíveis. Construímos uma comunidade com<br />
profissionais que querem trabalhar com mais qualidade<br />
de vida e se identificam com o nosso propósito.<br />
Ofertamos às empresas um leque maior de opções na<br />
hora da contratação, além de mentorias jurídicas e<br />
de consultoria de como implantar modelos de gestão<br />
flexíveis. Nosso grande sonho é transformar de forma<br />
positiva a vida das pessoas e das empresas. Oferecemos<br />
às mulheres opções de jornadas flexíveis para<br />
que possam integrar todas as suas demandas de for-
ma mais equilibrada e consigam aproveitar melhor o<br />
tempo, esse ativo tão precioso e importante. Por outro<br />
lado, ao tornarem a relação de trabalho mais produtiva,<br />
flexível e com propósito, as empresas passam a<br />
contar com times mais diversos, engajados, colaborativos<br />
e criativos.<br />
Em dois anos, já temos cases de sucesso que provam<br />
que a vaga flexível não quer dizer que a pessoa vai<br />
trabalhar menos. Como, por exemplo, a Marisa, que<br />
deixou um emprego convencional de nove anos em<br />
uma multinacional para ter uma jornada flexível divulgada<br />
pela Be Flexy. E o Rafael, que ficou muito feliz<br />
em contratar duas profissionais de TI pela plataforma.<br />
Com a Be Flexy, eu e Manuela ajudamos as pessoas a<br />
conquistarem o controle do próprio tempo”.<br />
Flávia Pacheco é sócia<br />
de Manuela Borges<br />
Fundadoras da Be Flexy, plataforma que conecta mulheres<br />
às empresas com jornadas flexíveis, de São Paulo (SP)
Dani<br />
Junco<br />
FUNDADORA DA B2MAMY (SP)<br />
“Não é preciso escolher entre<br />
se tornar mãe ou CEO. É<br />
possível ser as duas coisas”<br />
“E<br />
ra 2014, eu tinha uma empresa de marketing<br />
farmacêutico que caminhava muito bem e tinha<br />
acabado de descobrir que estava grávida do Lucas. E,<br />
embora eu tivesse orgulho da minha vida profissional<br />
e estivesse financeiramente estável, eu me perguntava<br />
como iria conciliar minha carreira com o bebê, e o que<br />
eu estava fazendo para que meu filho vivesse num mundo<br />
melhor. Na época, em um curso sobre empreendedo-
ismo, ouvi pela primeira vez a palavra ‘propósito’, o que<br />
me fez imaginar como seria quando o Lucas agarrasse<br />
minhas pernas e perguntasse ‘mamãe, porque você está<br />
indo trabalhar?’. Eu olhei para o que estava fazendo na<br />
época e não tive resposta. Decidi que, antes dele nascer,<br />
eu precisava encontrar um bom motivo para sair de casa<br />
todos os dias. Quando não temos filhos, já é bem difícil<br />
trabalhar com algo que não gostamos e não acreditamos.<br />
Quando nos tornamos mães, cada segundo longe dos<br />
nossos filhos tem que fazer muito sentido. O trabalho,<br />
portanto, assumiu um novo peso para mim.<br />
A verdade é que, quando engravidei, tudo ficou<br />
de cabeça para baixo. Eu senti muita dificuldade em<br />
conciliar a maternidade e a vida profissional e vivi um<br />
dilema sobre como seria a volta ao mercado de trabalho<br />
depois que o Lucas nascesse. Perguntei em uma<br />
rede social se outras mulheres sentiam essa angústia.<br />
Chamei essas mães para tomar um café e, surpreendentemente,<br />
80 mulheres compareceram! Vi que havia um<br />
caminho a trilhar. Resolvi abraçar a causa e, em 2016,<br />
criei a B2Mamy, uma aceleradora que apoia outras<br />
mães que querem ser donas do seu tempo e do próprio<br />
negócio. Somos uma empresa de educação e pesquisa<br />
especialista na jornada da maternidade e nosso propósito<br />
é formar mulheres líderes e livres economica-
“Ouvi pela primeira vez a<br />
palavra ‘propósito’, o que me fez<br />
imaginar como seria quando o<br />
Lucas agarrasse minhas pernas<br />
e perguntasse ‘mamãe, porque<br />
você está indo trabalhar?’”<br />
mente, além de prover dados para que o mercado reaja<br />
positivamente a esse novo status quo. O meu trabalho<br />
é orientar mães que estão perdidas em suas vidas profissionais,<br />
mães que não sabem para onde seguir. Nós<br />
damos voz para que elas falem em um espaço seguro<br />
e expomos os cenários para que possam escolher, com<br />
clareza, se querem voltar para o mercado ou se realmente<br />
querem empreender.<br />
Por dois anos fiquei me dividindo entre a aceleradora<br />
e a agência de marketing que eu já tinha, até que,<br />
em 2017, decidi deixar o primeiro empreendimento, que<br />
apresentava um ótimo faturamento, e investir o tempo e<br />
o dinheiro na B2Mamy. Para dar conta, voltei para casa<br />
da minha mãe, vendi meu carro e coloquei meu filho em<br />
uma escola mais barata. Aos poucos, os resultados fi-
“É possível conciliar maternidade<br />
e empreendedorismo sim, só que<br />
não dá para fazer sozinha”<br />
nanceiros foram aparecendo e fechei 2018 com um faturamento<br />
de R$ 500 mil, valor já alcançado em 2019.<br />
E isso prova que é possível conciliar maternidade e<br />
empreendedorismo sim, só que não dá para fazer sozinha.<br />
Na B2Mamy as participantes trabalham em uma<br />
rede na qual se sentem mais seguras, se inspiram, ouvem<br />
histórias de quem está passando pelo mesmo momento<br />
e percebem que não estão sozinhas. Tiramos a<br />
solidão da maternidade e do empreendedorismo.<br />
Diferente de outras aceleradoras, que investem<br />
nas empresas com vistas a receber um retorno lá na<br />
frente, o modelo de negócio da B2Mamy não é baseado<br />
em investimento financeiro. No nosso modelo elas<br />
pagam pelos encontros e pela aceleração. São as Trilhas<br />
de Conhecimento, programa de aceleração que<br />
engloba dois projetos: B2Mamy Start, para quem está<br />
somente com uma ideia na cabeça ou desconhece totalmente<br />
os conceitos de inovação, e O B2Mamy Pulse,<br />
uma jornada de quatro meses para quem já tem
uma ideia mais modelada e precisa validar, tracionar<br />
ou reorganizar para crescer. A maioria das mães que<br />
procuram esses programas tem uma média de 30 anos<br />
e filhos na primeira infância. E os resultados são incríveis:<br />
mais de 7 mil mulheres se conectaram a conceitos<br />
de inovação com o B2Mamy Meetup; mais de 700<br />
tiraram suas ideias do papel com o programa B2Mamy<br />
Start e mais de 170 aceleraram suas empresas com<br />
programa B2Mamy Pulse. Juntas, essas profissionais<br />
estão faturando cerca de R$ 2,5 milhões.<br />
Acreditamos que a mãe pode encontrar, sim, um<br />
caminho equilibrado entre o sucesso profissional e a<br />
participação ativa na criação dos filhos, o que reflete<br />
em uma sociedade mais generosa, colaborativa e<br />
produtiva. Meu grande desejo para o futuro é que a<br />
B2Mamy se torne a maior comunidade sobre maternidade,<br />
empreendedorismo e inovação no mundo. E<br />
isso começa hoje, dizendo para outras mulheres o que<br />
gostaria que tivessem dito a mim: não é preciso escolher<br />
entre se tornar mãe ou CEO. É possível ser as<br />
duas coisas”.<br />
Dani Junco<br />
Fundadora da Aceleradora B2Mamy, que oferece capacitação,<br />
mentoria e networking para mães, de São Paulo (SP).
CAPÍTULO<br />
3
Meu<br />
NEGÓCIO<br />
é gerar<br />
IMPACTO
Natália<br />
Inês da Costa<br />
PRESIDENTE DO CENSA (MG)<br />
“Delegar e trabalhar<br />
‘para a empresa’ e não ‘na<br />
empresa’ foi um desafio<br />
difícil de ser superado”<br />
“C<br />
omecei a trabalhar aos 16 anos. Fui secretária<br />
de consultório médico, assistente administrativo,<br />
fiz estágios em psicologia e tive o privilégio de<br />
conhecer diversas áreas de atuação, como psicologia<br />
clínica e educacional. Já formada, ganhei muita experiência<br />
atuando em várias empresas. Até que, em<br />
1996, comecei a trabalhar no Censa (Centro Especializado<br />
Nossa Senhora D’Assumpção), que se dedica
à prestação de serviços de educação, saúde e socialização<br />
da pessoa com deficiência intelectual, associada<br />
ou não a outras deficiências, transtornos e síndromes,<br />
com vistas na promoção da sua qualidade de<br />
vida. Jamais imaginei que seria o início da missão de<br />
uma vida.<br />
Na organização, comecei na função de analista<br />
júnior de recursos humanos e, em três anos, fui promovida<br />
a Gerente de Desenvolvimento. Em 2010, a<br />
consultoria contratada para conduzir o processo de<br />
sucessão da organização identificou o meu perfil como<br />
o mais adequado e alinhado aos objetivos do Censa<br />
para assumir a sua direção. Me deparei com um novo<br />
mundo, cercado de desafios e grandes conquistas. Sair<br />
da operação e presidir a empresa não foi fácil, pois<br />
sempre gostei do fazer. Sentar na cadeira da presidência,<br />
delegar e trabalhar ‘para a empresa’ e não ‘na empresa’<br />
foi um desafio difícil de ser superado, porque<br />
implicava em mudança de crenças, atitudes e comportamento<br />
organizacional.<br />
‘Como administrar um negócio?’, eu me perguntava.<br />
Eram mais de 120 funcionários divididos<br />
em diversas atividades, de atendimento com equipe<br />
multiprofissional, formada pelas especialidades de
“Meu sonho é ampliar o<br />
número de pessoas atendidas e<br />
levar o modelo de atendimento<br />
para mais lugares”<br />
psiquiatria e clínica médica, enfermagem, psicologia,<br />
nutrição, farmácia, fisioterapia, pedagogia e musicoterapia,<br />
a serviços na área de educação e saúde,<br />
hospedagem, atividades lúdicas, esportivas e terapêuticas.<br />
Tudo funcionando em um espaço de 22 mil<br />
metros quadrados na região metropolitana de Belo<br />
Horizonte. Mas, assim como em outros momentos<br />
de minha carreira, busquei me capacitar para esse<br />
novo desafio e iniciei uma pós-graduação em Gestão<br />
de Negócios.<br />
A recompensa de todo o esforço foi alcançar o<br />
tão almejado equilíbrio financeiro da organização. Ter<br />
a mesma desenvoltura que estabeleci com os relatórios<br />
da área da saúde e da educação, com os relatórios<br />
financeiros e contábeis, me conferiu condições para a<br />
tomada de decisões operacionais e, principalmente,<br />
estratégicas.
“Jamais imaginei que seria o<br />
início da missão de uma vida”<br />
Presidir o Censa, compreendendo o cenário<br />
político econômico no qual estamos inseridos, me<br />
define como empreendedora. Minha atuação é uma<br />
mescla de olhar para dentro e para fora da organização,<br />
com o foco em perpetuar o ideal da empresa:<br />
cuidar da pessoa com deficiência intelectual, conferindo-lhe<br />
qualidade de vida, bem como acolher e<br />
atender a sua família. Hoje, o Censa tem um papel<br />
fundamental na comunidade, na medida que dá visibilidade<br />
à pessoa com deficiência, evidenciando<br />
que as limitações coexistem com as potencialidades,<br />
além da disseminação de informações e produção<br />
científica no campo do atendimento, intervenção e<br />
inclusão.<br />
Nossa atuação se dá em âmbito nacional, atendendo<br />
pessoas oriundas de diversas partes do Brasil,<br />
e possuímos parceria com instituições de ensino<br />
(universidades, faculdades e escolas) com o objetivo<br />
de formar profissionais qualificados para atuar com o<br />
público de pessoas com deficiência, além de capacitar
a comunidade no fomento de ambientes físicos e atitudinais<br />
mais acessíveis e inclusivos.<br />
Meu sonho é ampliar o número de pessoas atendidas<br />
e levar o modelo de atendimento do Censa para<br />
mais estados e países. É, em cada canto desse mundo,<br />
continuar defendendo a causa da pessoa com deficiência,<br />
prestando um serviço de excelência”.<br />
Natália Inês da Costa<br />
Presidente do Censa, que oferece atendimento<br />
transdisciplinar para pessoas com deficiência<br />
intelectual, de Betim (MG)
Maibe<br />
Marocollo<br />
FUNDADORA DA MATTRICARIA (DF)<br />
“O mundo pede respeito à<br />
natureza e ética nas relações<br />
de consumo. A Mattricaria<br />
traz essa visão”<br />
“A<br />
tuo no mercado de moda desde 2007, mas<br />
sempre sentindo uma certa frustração com<br />
a profissão e com o descaso das marcas em relação a<br />
questões como a produção de resíduos, mão de obra,<br />
fast fashion e o impacto no meio ambiente. Trabalhei<br />
em duas fábricas gerenciando produção, trabalhando<br />
com marketing, decorando interiores de lojas, fazendo<br />
vitrines, de tudo um pouco. No chão de fábrica, perce-
i um alto grau de desperdício e comecei a questionar<br />
profundamente o processo. Tentei emplacar projetos<br />
de reaproveitamento de resíduos, até havia uma intenção<br />
do mercado da moda de querer parecer sustentável,<br />
mas no fundo era uma adesão de faz-de-conta.<br />
Desiludida com o mercado, fui para Londres<br />
passar seis meses estudando inglês em um curso gratuito<br />
e, paralelamente, procurar uma outra formação,<br />
mas acabei com uma proposta de mestrado que<br />
resgatou meu interesse: desenvolvimento sustentável<br />
em moda. Durante o curso, na London College of<br />
Fashion, comecei a refletir sobre os resíduos que a<br />
produção de moda gerava. Qual era o impacto de tudo<br />
isso? Na busca por métodos alternativos, estudei e fiz<br />
muitas pesquisas sobre o processo de tingimento natural.<br />
Quando concluí o mestrado, enfrentei o dilema<br />
entre continuar na Europa, onde a consciência sobre a<br />
necessidade de processos sustentáveis estava enraizada,<br />
ou encarar o desafio de trazer isso para o meu país,<br />
onde isso era quase inexistente. Decidi voltar e aplicar<br />
aqui meu conhecimento.<br />
Em 2011, de volta ao Brasil, passei a mapear as<br />
plantas tintórias do cerrado brasileiro - como urucum,<br />
açafrão, casca de cebola, espinafre, barbatimão, romã,
“Enfrentei o dilema entre<br />
continuar na Europa, onde<br />
a consciência sobre a<br />
necessidade de processos<br />
sustentáveis estava enraizada,<br />
ou encarar o desafio de trazer<br />
isso para o meu país”<br />
acácia, jatobá - junto às cooperativas de artesãos têxteis<br />
no Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais, que<br />
utilizam receitas tradicionais de pigmentos e tintas<br />
naturais. A partir daí, misturando os conhecimentos<br />
adquiridos tanto aqui no Brasil como no exterior, criei<br />
a Mattricaria, com o objetivo de pesquisar e mapear<br />
plantas tintórias brasileiras e registrar receitas tradicionais<br />
voltadas às práticas artesanais com foco em<br />
têxteis. Em casa mesmo, a partir de uma cuidadosa<br />
alquimia, folhas, flores, raízes e sementes viram corantes.<br />
A partir deles, eu tinjo os tecidos de fibras naturais<br />
em um processo totalmente artesanal. No início,<br />
montava pequenas coleções que eram vendidas<br />
apenas para amigos e familiares. Mas as pessoas não
“No chão de fábrica, percebi<br />
um alto grau de desperdício<br />
e comecei a questionar<br />
profundamente o processo”<br />
se contentavam em comprar as peças, elas queriam<br />
entender o processo. De onde vinham aquelas cores?<br />
Quais eram as plantas? Passei, então, a compartilhar e<br />
ensinar sobre essas práticas com cursos e workshops,<br />
transformando o consumidor em protagonista da<br />
mudança da cadeia produtiva da moda. Mais recentemente,<br />
também lançamos a nossa linha de corantes<br />
naturais, dando ao consumidor a possibilidade de tingir<br />
com segurança e praticidade em casa ou qualquer<br />
outro ambiente. Isso lhe dá autonomia para criar a<br />
sua própria peça e se apoderar do processo.<br />
Atualmente, temos pontos que já revendem a<br />
nossa linha de roupas em várias regiões do Brasil. Mas<br />
somos criteriosos: analisamos o perfil da empresa que<br />
entra em contato com a gente, checamos se ela realmente<br />
se preocupa em promover o consumo consciente<br />
e verificamos como é feita a divulgação de vendas.<br />
Não aceitamos estratégias apelativas e oportunistas.
Gosto de ser uma pequena empresa, até por ser um<br />
trabalho artesanal, personalizado e natural, sigo o ritmo<br />
que a natureza me impõe, e não ao contrário. O<br />
mundo pede sustentabilidade, respeito à natureza e<br />
ética nas relações de consumo. A Mattricaria traz essa<br />
visão em seus produtos e serviços. São folhas, flores,<br />
raízes e sementes que imprimem no projeto a autenticidade<br />
de um produto brasileiro; promovendo técnicas<br />
de artesanato tradicional e o potencial da biodiversidade<br />
do cerrado brasileiro.<br />
Não à toa, Mattricaria é o nome científico da Camomila<br />
(Matricaria Chamomilla), que se refere à calma<br />
e à leveza. E, na contramão de um mundo cada vez<br />
mais acelerado, essa é a nossa inspiração”.<br />
Maibe Marocollo<br />
Fundadora da Mattricaria, marca de<br />
design e tingimento natural de fios,<br />
papeis e tecidos, de Brasília (DF)
Milena<br />
Curado<br />
FUNDADORA DA<br />
CABOCLA CRIAÇÕES (GO)<br />
“Não somos apenas<br />
produto, somos moda com<br />
propósitos sociais”<br />
“A<br />
cho que sou empreendedora desde a minha<br />
adolescência. Meus pais tiveram comércios,<br />
eu sempre gostei de trabalhar na área, e naquela época<br />
já fazia artesanato e artes plásticas para vender. Mas a<br />
ideia de abrir um negócio surgiu com a vontade de ressignificar<br />
a técnica de um bordado antigo, que aprendi<br />
com a minha avó aos 8 anos de idade. Eu trabalhava<br />
em um Cartório de Registro de Imóveis, um serviço
muito burocrático, e a vontade de criar, de ter liberdade<br />
de escolhas, me levou a começar uma produção<br />
de moda artesanal nos meus momentos de folga, junto<br />
com minha mãe e minha avó. No início fazíamos<br />
roupas de algodão de sacaria com a iconografia da minha<br />
cidade, Goiás Velho. Tal qual se fazia antigamente<br />
quando, na falta dos nobres tecidos da época, transformava-se<br />
o algodão das sacarias em indumentárias<br />
para seus habitantes menos afortunados. E eu queria<br />
que nossas criações tivessem identidade e originalidade.<br />
Deu certo e, após seis meses, decidi pedir demissão<br />
e me dedicar exclusivamente ao meu negócio.<br />
Assim, desde 2007 os desenhos feitos à mão e<br />
os bordados livres, técnicas passadas de geração em<br />
geração na nossa família, vêm dando vida às roupas<br />
coloridas, bolsas e acessórios produzidos de forma artesanal<br />
pela Cabocla Criações. Mas eu queria mais do<br />
que isso. Minha mãe e eu costurávamos e nós duas,<br />
junto com a minha avó, fazíamos os bordados. Os desenhos<br />
nas peças sempre foram feitos por mim, um a<br />
um. Quando o negócio começou a crescer, o tempo ficou<br />
escasso para tantas responsabilidades. Como precisávamos<br />
nos dedicar aos bordados, terceirizamos a<br />
parte de costura para duas costureiras que estão conosco<br />
até hoje. Com o passar do tempo, também não
“A vontade de criar, de<br />
ter liberdade de escolhas,<br />
me levou a começar uma<br />
produção de moda artesanal”<br />
demos conta de seguir sozinhas com o bordado e surgiu<br />
uma ideia: por que não fazer parceria com mulheres<br />
em cárcere? Eu precisava de pessoas que tivessem<br />
tempo para se dedicar ao trabalho e elas precisavam<br />
de alguém que lhes desse uma oportunidade.<br />
No dia 12 de janeiro de 2008 fui pela primeira<br />
vez à Unidade Prisional e, junto com minha mãe, fizemos<br />
uma capacitação em bordados. Elas eram pagas<br />
por produção, e o nosso projeto foi reconhecido como<br />
remissão de pena, ou seja, a cada três dias de trabalho,<br />
um dia a menos de cadeia. Começamos com cinco mulheres<br />
presidiárias, das quais duas tinham sido presas<br />
com os maridos. Quando elas viram no Projeto Cabocla<br />
essa oportunidade de renda e remissão, passaram<br />
a aproveitar o domingo, dia da “visita íntima”, para<br />
ensinar os companheiros a bordarem. Para a nossa<br />
surpresa, eles se inseriram no projeto e o ofício tradicionalmente<br />
feminino ganhou homens encarcera-
“Eu precisava de pessoas<br />
que tivessem tempo para se<br />
dedicar ao trabalho e elas<br />
precisavam de alguém que lhes<br />
desse uma oportunidade”<br />
dos como multiplicadores. Eles acreditaram no meu<br />
sonho e eu acreditei no potencial deles. Atualmente<br />
mantemos vinte pessoas no projeto, 18 homens e 2<br />
mulheres, e temos lista de espera para novos presos<br />
que querem bordar. Em alguns casos, quando saem<br />
para o regime semiaberto, eles continuam bordando<br />
até arrumarem algum serviço. Em 11 anos de projeto<br />
temos até alguns casos de inclusão no mercado de trabalho.<br />
Mais que uma marca de moda, a Cabocla Criações<br />
se tornou uma marca social. Não somos apenas<br />
produto, somos moda com propósitos sociais, na promoção<br />
do cuidado ao próximo.<br />
Eu acredito muito que isso tem feito do meu caminho<br />
no empreendedorismo mais leve e satisfatório.<br />
Desafios, vamos superando um a um. Como estou no<br />
interior, na pequena Goiás Velho, temos dificuldade
em comprar todas as nossas matérias primas aqui.<br />
Mas o que a cidade nos oferece fazemos questão de<br />
comprar aqui, para movimentar a economia local. Temos<br />
apenas uma loja física, que é visitada por pessoas<br />
do Brasil e do exterior. Não temos revenda em outros<br />
pontos ou e-commerce, apenas divulgamos nossas<br />
produções em mídias sociais e o nosso maior alcance<br />
é feito pela publicidade dos nossos clientes - 70%<br />
são clientes fixos. E isso é reflexo de como nasceu a<br />
Cabocla Criações: da simplicidade e da beleza de se<br />
buscar enternecer com arte a lembrança de um tempo<br />
de escassez. Agora, o algodão, tecido que outrora<br />
fora solução à pobreza, é exaltado em suas qualidades<br />
e potências criativas e recebe bordados de cores e<br />
formas orgânicas, desenhados um a um. Pela Cabocla<br />
Criações, o algodão vira obra de arte”.<br />
Milena Curado<br />
Fundadora da Cabocla Criações, marca de<br />
roupas artesanais, de Goiás Velho (GO)
Débora<br />
Rabelo<br />
FUNDADORA DO CAFÉ ABRAÇO (MG)<br />
“Nós ajudamos as<br />
pessoas a transformar o<br />
mundo através de uma<br />
xícara de café”<br />
“A<br />
agricultura e a vida na roça fizeram parte da<br />
minha vida desde a infância. Sou mineira da<br />
cidade de Itamarandiba, localizada no Vale do Jequitinhonha,<br />
e cresci em meio à natureza, pois meu pai<br />
era um agricultor familiar. Na adolescência fui para<br />
Belo Horizonte para estudar, cursei comércio exterior<br />
na PUC-MG e por muitos anos levei uma vida essencialmente<br />
urbana. Mas, em 2010, o reencontro com a
agricultura me trouxe de volta para a terra, me ajudou<br />
a rever a vida, as escolhas e me fez compreender que<br />
um novo caminho iniciaria. Havia um chamado para a<br />
minha atuação mais consciente no mundo.<br />
Naquela época, fui trabalhar em um projeto na<br />
área da cafeicultura em uma região do estado de Minas<br />
Gerais, conhecida como Matas de Minas. Junto<br />
com uma equipe tínhamos por objetivo entender<br />
como aquela região poderia se tornar mais reconhecida<br />
e competitiva no setor. Em uma das minhas idas<br />
à região, visitamos uma pequena Associação de café<br />
Fair Trade (comércio justo, em português), e eu fiquei<br />
tocada com todos os desafios e obstáculos que os<br />
produtores compartilharam conosco. Saí emocionada<br />
da reunião, com lágrimas nos olhos e refletindo sobre<br />
como eu poderia, de fato, ajudar os pequenos cafeicultores<br />
a serem melhor remunerados e reconhecidos<br />
para poderem trabalhar de forma digna e saudável em<br />
suas propriedades. Aquela fase foi o início de um período<br />
de transformação na minha vida.<br />
Um ano depois eu deixei meu emprego, morei<br />
por alguns meses em Nova York, voltei para o Brasil<br />
em 2012, trabalhei em outras áreas e empresas, até<br />
que em 2014 comecei a minha jornada empreendedo-
“A proposta é reestabelecer o<br />
vínculo entre consumidores e<br />
produtores, criando uma cadeia<br />
produtiva do café mais saudável”<br />
ra. Fiz consultorias, escrevi cases sobre negócios com<br />
propósito e em um deles me conectei com o Gustavo<br />
Mamão, que viria a ser meu sócio. Em 2017, finalmente<br />
nasceu o Café Abraço, uma empresa que atua<br />
na interconexão do Comércio Justo (Fair Trade), da<br />
produção agroecológica ou orgânica, e da agricultura<br />
familiar.<br />
Começamos com o modelo de venda de pacotes<br />
de café para o consumidor degustar em casa e,<br />
em 2018, iniciamos com o FoodService. Somos parceiros<br />
de pequenos produtores de cafés de qualidade<br />
que atuam com práticas agrícolas resilientes. Nós<br />
ajudamos as pessoas a transformar o mundo através<br />
de uma xícara de café. A proposta é reestabelecer o<br />
vínculo entre consumidores e produtores, criando<br />
uma cadeia produtiva do café mais justa e saudável.<br />
O Café Abraço tangibiliza essa visão, dando o devido
“O reencontro com a<br />
agricultura me trouxe de<br />
volta para a terra”<br />
crédito a cada produtor, pagando o preço justo pela<br />
saca, e tendo na sua escolha de compra, critérios que<br />
favoreçam o impacto positivo socioambiental. Nossos<br />
cafés são vendidos em pacotes de 250 gramas, moídos<br />
ou em grãos. Cada pacote possui a foto e uma frase<br />
do cafeicultor que produziu aquele café. Hoje temos,<br />
aproximadamente, 45 pontos de venda nos estados de<br />
MG, SP, RJ e Goiás. De 2017 até 2018 lançamos cafés<br />
de 07 produtores.<br />
Os cafés da nossa marca são todos especiais, e<br />
isso quer dizer que eles passaram por um protocolo<br />
de avaliação sensorial internacional da SCA – Specialty<br />
Coffee Association (Associação Internacional<br />
de Cafés Especiais) — os cafés que possuem entre 80<br />
e 100 pontos conforme os critérios de avaliação são<br />
considerados de qualidade superior. Mas é mais que<br />
isso: para nós, o que torna um café especial é também<br />
a forma como ele foi produzido. É especial saber se<br />
as pessoas estão vivendo bem, comendo bem, se elas
são saudáveis no seu ecossistema territorial. Antes<br />
do café há um ser humano ali, trabalhando de sol a<br />
sol, lidando com todos os fenômenos naturais para<br />
entregar um produto de qualidade e ser remunerado<br />
de forma justa por ele. Nossa maior conquista é<br />
ver o sorriso dos produtores quando recebem seus<br />
cafés com a fotografia deles no rótulo. Ali não tem<br />
dúvida: é o café do Sr. Vicente, da dona Aparecida e<br />
Sr. Laerte, da dona Daisy, do Lázaro, do Márcio, do<br />
Euzébio e do Júlio. Isso é muito bonito, é o que me<br />
nutre todos os dias.”<br />
Débora Rabelo<br />
Fundadora do Café Abraço, marca de cafés, que<br />
fortalece a produção da agricultura familiar, de<br />
Belo Horizonte (MG)
Bia<br />
Santos<br />
FUNDADORA DA BARKUS (RJ)<br />
“Meu maior propósito é<br />
ver meu país inteirinho<br />
financeiramente saudável,<br />
usando o crédito de forma<br />
consciente e investindo”<br />
“S<br />
empre brinco que o empreendedorismo me pegou<br />
desprevenida, porque não foi planejado.<br />
Quando me dei conta, estava abraçando meu propósito,<br />
organizando os números, atendendo clientes e<br />
tocando um negócio. Tenho essa atitude desde a adolescência.<br />
Sempre tive o perfil de aceitar todos os desafios,<br />
me jogar, dar o meu melhor, mesmo sem saber o<br />
que viria. Essa atitude sempre esteve em mim, mesmo
não tendo uma empresa. Mas só fui entender isso de<br />
verdade há pouco tempo.<br />
Comecei a empreender a Barkus há três anos,<br />
mas a ideia surgiu de um projeto de iniciação científica<br />
de ensino médio em 2012. Nessa época eu, Marden<br />
e Wallace, os fundadores, estudávamos na mesma sala<br />
de aula. A escola abriu uma chamada para projetos de<br />
pesquisa e propusemos a Educação Financeira como a<br />
solução para o problema de consumo exagerado e sem<br />
planejamento, depois de realizar uma pesquisa com<br />
mais de 200 jovens. O que fizemos foi, literalmente,<br />
traduzir o economês dos livros sobre educação financeira<br />
para uma linguagem jovem, divertida e mais<br />
leve. Mas chegou o vestibular, cada um foi para um<br />
curso diferente - estudei Administração na Universidade<br />
Federal do Rio de Janeiro, onde me formei - e<br />
nos afastamos.<br />
Já em 2015, nos reencontramos e percebemos o<br />
quanto ter tido acesso àqueles conhecimentos foi importantíssimo.<br />
Nós tínhamos um controle financeiro,<br />
um planejamento organizado de curto, médio e longo<br />
prazo, e já investíamos. Decidimos, então, unir os<br />
propósitos e espalhar os conhecimentos de educação<br />
financeira para mais e mais jovens como nós.
“O que fizemos foi,<br />
literalmente, traduzir o<br />
economês dos livros sobre<br />
educação financeira para uma<br />
linguagem jovem”<br />
A Barkus surgiu em maio de 2016 como um negócio<br />
de impacto social de inclusão e educação financeira<br />
com foco em grupos minorizados, com o propósito<br />
de democratizar o acesso a conhecimentos de<br />
finanças pessoais, evitar o endividamento e incentivar<br />
a população a investir. O nosso maior objetivo é ajudar<br />
outros jovens a entenderem suas próprias finanças<br />
pessoais e começarem a investir de forma fácil, divertida<br />
e prática. Somos uma das primeiras empresas<br />
no Brasil a pensar nesse nicho e a construir o conhecimento<br />
de Educação Financeira através de metodologias<br />
ativas e personalizadas, em que os alunos são<br />
os reais protagonistas da aprendizagem. Hoje, temos<br />
dois produtos principais: o Libertas e o Atlas. O Libertas<br />
é uma metodologia voltada para grupos, que<br />
trata da organização dos gastos, planejamento para<br />
objetivos, uso do crédito de forma consciente, introdução<br />
a investimentos e investimentos de renda fixa.
“O nosso maior objetivo<br />
é ajudar outros jovens a<br />
entenderem suas próprias<br />
finanças pessoais”<br />
Já o Atlas é um curso livre de educação financeira para<br />
crianças e adolescentes entre 11 e 17 anos com foco no<br />
desenvolvimento de competências socioemocionais.<br />
Nós começamos de forma muito filantrópica e<br />
isso não se perdeu: trabalhamos com financiamento<br />
cruzado, ou seja, dedicamos parte da receita de<br />
projetos em empresas privadas para a realização de<br />
oficinas e cursos gratuitos em instituições públicas,<br />
levando os mesmos temas com a mesma qualidade<br />
para quem não pode pagar por isso. Hoje, mais de<br />
5.600 pessoas já passaram pela Barkus e, destas,<br />
3.500 foram de forma gratuita. O impacto disso é<br />
enorme, especialmente em um país onde mais de<br />
12 milhões de jovens entre 18 e 29 anos estão inadimplentes.<br />
Número crescente, ano após ano. E é<br />
por isso que nós existimos: para apoiar as pessoas na<br />
construção de atitudes e comportamentos financeira-
mente mais saudáveis, que ajudem no momento de<br />
tomar decisões.<br />
Hoje, estou como diretora executiva da Barkus.<br />
Cuido mais da gestão organizacional e da área comercial,<br />
atraindo novas parcerias e tomando as decisões<br />
mais estratégicas. Como somos oito colaboradores,<br />
uma equipe enxuta, também faço parte das decisões<br />
de outras áreas, como a financeira, jurídica e de recursos<br />
humanos. Mesmo estando nesta posição, tenho<br />
muita dificuldade em me desapegar da sala de aula,<br />
então ainda facilito oficinas e cursos junto da equipe.<br />
Ou seja, sou realmente uma faz-tudo. E amo!<br />
Meu maior propósito é ver meu país inteirinho financeiramente<br />
saudável, planejado, usando o crédito de<br />
forma consciente e investindo. Não tem nada que me<br />
deixaria mais realizada, ainda mais sabendo que fiz<br />
parte disso”.<br />
Bia Santos<br />
Fundadora da Barkus, que visa levar a educação<br />
financeira e o empreendedorismo para jovens e<br />
adultos, do Rio de Janeiro (RJ)
CAPÍTULO<br />
4
DIVERSIDADE<br />
e<br />
INCLUSÃO<br />
que<br />
ENRIQUECEM
Marioli<br />
Oliveira<br />
Amanda<br />
Momente<br />
FUNDADORAS DA WONDERSIZE (SP)<br />
“Acreditamos que dentro de<br />
todo corpo existe um indivíduo<br />
que deve ser respeitado”<br />
“A<br />
parceria vem da infância. Eu e a Amanda nos<br />
conhecemos desde os nove anos de idade e,<br />
por incrível que pareça, naquela época ela já tinha esse<br />
perfil comercial. E é de família. Seu pai e sua mãe são<br />
empreendedores natos, e ela sempre teve esse exemplo<br />
dentro de casa. Quando a Amanda voltou grávida
de uma temporada nos Estados Unidos, em 2013, eu a<br />
acompanhei bem de perto. Após a gestação, com cerca<br />
de 140 quilos, ela queria voltar a praticar exercícios,<br />
mas era difícil encontrar roupas que expressassem seu<br />
estilo e lhe dessem mobilidade. Coincidentemente, na<br />
mesma época eu estava retornando ao trabalho após<br />
uma licença maternidade, quando meu chefe comunicou<br />
que eu não seria promovida, justamente por conta<br />
da licença. E eu estava lutando por aquela promoção<br />
há quase dois anos.<br />
De um lado, a Amanda resolveu produzir as próprias<br />
roupas de ginástica com o auxílio de uma costureira<br />
e recebeu inúmeros elogios pelas suas criações<br />
que tinham o seu tamanho e a sua cara. Logo enxergou<br />
ali uma grande oportunidade. Eu, por outro lado,<br />
percebia que, para dar condições melhores ao meu<br />
filho, seria necessário ter meu próprio negócio; infelizmente<br />
as empresas ainda têm muito preconceito<br />
com a figura da mãe. Juntamos nossas experiências -<br />
Amanda formada em Negócios Imobiliários e eu, Marioli,<br />
coordenadora de design em uma multinacional<br />
de auditoria e consultoria - e criamos a WonderSize,<br />
uma marca de roupas fitness com a proposta de<br />
ajudar outras mulheres que sofriam com a dor de não<br />
encontrar peças adequadas para o seu corpo. Criamos
“Acreditamos na inclusão<br />
verdadeira e sempre<br />
estamos enxergando além”<br />
peças com muito cuidado, pensando nas necessidades<br />
das mulheres plus size, como leggings e bermudas que<br />
não ficam transparentes e que têm o cós que não enrola,<br />
em tamanhos que vão até o 66.<br />
Eu vendi dez dias das minhas férias para levantar<br />
capital, a Amanda juntou um dinheiro que tinha<br />
guardado e fizemos a primeira legging. Como designer,<br />
fiquei responsável por criar a estratégia de marketing<br />
e Amanda ficou responsável pelo comercial. No<br />
começo chamávamos a legging de ‘a pretinha básica<br />
que você precisa ter’. O pai da Amanda disse: ‘vocês<br />
não podem chamar esta calça assim! Precisam de um<br />
nome porque ela é única’. Assim, nossa primeira peça<br />
foi batizada de Joana Dark, a legging com a qual nossa<br />
cliente enfrentaria qualquer batalha do dia a dia e<br />
voltaria ilesa.<br />
O lançamento da marca foi em agosto de 2017,<br />
no desfile do São Paulo Fashion Week Plus Size, depois<br />
de montar toda a coleção em apenas um mês. Foi
“Se a peça não interagir de forma<br />
funcional com as curvas da nossa<br />
cliente, ela é revista”<br />
uma loucura. Brinco que, na nossa ignorância, nós nos<br />
jogamos. Mas, se soubéssemos o quanto seria difícil,<br />
talvez ainda estivéssemos nos planejando até hoje.<br />
Calculamos quantas calças teríamos de vender para<br />
pagar o desfile e fomos na raça e na coragem. Duas<br />
semanas depois já havíamos vendido cerca de R$ 30<br />
mil. E não aconteceu por acaso. Nossas modelagens<br />
são únicas, desenvolvidas para o corpo de uma pessoa<br />
gorda. <strong>Mulheres</strong> que, por muito tempo, não eram<br />
representadas pela moda, e queremos que isso acabe.<br />
Não fazemos apologia à obesidade, só acreditamos<br />
que dentro de todo corpo, independentemente de cor,<br />
orientação sexual ou peso, existe um indivíduo que<br />
tem direitos e que deve ser respeitado.<br />
Hoje nós desenvolvemos os modelos e as coleções<br />
e uma confecção terceirizada produz as peças. Se<br />
a peça não interagir de forma funcional com as curvas<br />
da nossa cliente, ela é revista. E já lançamos vários<br />
produtos únicos, como o roupão que veste até o 66 e<br />
a legging meia-calça que não tem o pezinho e facilita
o vestir. Chamamos este modelo de Hebe, uma homenagem<br />
à apresentadora Hebe Camargo que, independente<br />
da sua idade, nunca teve vergonha de mostrar<br />
as suas pernas. Pensamos nossas peças para que as<br />
clientes também se sintam assim, seguras e confortáveis<br />
com seus corpos, que elas entendam que podem<br />
e merecem ocupar todos os espaços públicos e fazer<br />
suas próprias escolhas. Esse impacto social com toda<br />
a certeza é a nossa maior conquista. O retorno que temos<br />
das clientes dizendo o quanto se sentem representadas<br />
e inspiradas a mudar as suas vidas é maravilhoso!<br />
Acreditamos na inclusão verdadeira e sempre<br />
estamos enxergando além. Enquanto olham para a<br />
nossa grama, estamos mirando as estrelas”.<br />
Marioli Oliveira é sócia<br />
de Amanda Momente<br />
Fundadoras da WonderSize, marca de roupas<br />
fitness plus size (SP)
Alexya<br />
Salvador<br />
FUNDADORA DO ATELIÊ<br />
ALEXYA SALVADOR (SP)<br />
“A minha vida toda foi um<br />
afrontamento e resistência<br />
constantes”<br />
“C<br />
resci cercada de muito amor. Meus pais sempre<br />
estiverem presentes e lutaram para que eu<br />
e a minha irmã tivéssemos o mínimo para sobreviver.<br />
Mas eu sentia que eu era diferente das outras crianças.<br />
Com o passar do tempo fui me percebendo LGBT,<br />
apesar de nem saber o que isso significava na época.<br />
Era meados da década de 1980 e eu não tinha referências<br />
sobre esses termos, sobre essas realidades. Só fui
de fato me entender e me aceitar como uma mulher<br />
trans com quase 30 anos de idade. E ser uma criança<br />
transgênera fez da escola o pior lugar em que eu poderia<br />
estar. Apanhava quase todos os dias, sofria com<br />
preconceito porque destoava dos demais alunos. Eu<br />
falava que um dia eu voltaria para a escola para ser a<br />
professora que eu não tive: aquela que conversa e vai<br />
além dos saberes pedagógicos de sala de aula, abordando<br />
questões como respeito e cidadania. Foi exatamente<br />
o que aconteceu. Cursei a faculdade de Letras,<br />
me tornei professora de português e inglês, e ainda<br />
tenho formação em Pedagogia e Teologia.<br />
A minha vida toda foi assim: um afrontamento<br />
e resistência constantes. Casei em 2011, quando o Supremo<br />
Tribunal Federal reconheceu a união estável<br />
homoafetiva, e somos pais de três crianças adotivas:<br />
Gabriel, um menino de 9 anos com necessidades intelectuais<br />
especiais, e Ana Maria e Daisy, duas meninas<br />
trans. Hoje nós estamos na configuração de família<br />
transafetiva. Uma família comum como qualquer<br />
outra, com os mesmos ideais e desafios. Um deles foi<br />
conciliar a minha rotina profissional com a rotina de<br />
mãe. Quando o Gabriel chegou, em 2015, eu era uma<br />
professora contratada do Estado, e dava aula nos três<br />
turnos. Quando ele chegou eu reorganizei nossas vi-
“O que surgiu, inicialmente,<br />
da necessidade de ter uma<br />
outra renda e propiciar uma<br />
vida melhor para meus filhos,<br />
se tornou algo muito maior”<br />
das de forma que eu desse aula enquanto ele estivesse<br />
na escola, para no outro período ficar livre para cuidar<br />
dele. O salário, obviamente, caiu pela metade. Foi<br />
quando procurei algo que eu pudesse fazer em casa e<br />
ter outra renda. Um dia, por acaso, estava visitando<br />
a avó do meu marido e ela me emprestou sua máquina<br />
de costura, um modelo bem antigo, de ferro preto.<br />
Eu nunca tinha costurado, mas trouxe a máquina para<br />
casa e comecei a procurar no Youtube por tutoriais<br />
de modelagem para aprender. A partir daí eu descobri<br />
que tinha o dom da costura, me apaixonei por esse<br />
universo e criei o Ateliê Alexya Salvador.<br />
Comecei fazendo aventais de professoras e deu<br />
muito certo. Passei a fazer pijamas, depois roupas, e o<br />
negócio foi crescendo a ponto de a máquina de costura<br />
já não atender a minha demanda e eu precisar in-
“Uma mulher transgênera,<br />
negra e da periferia é capaz de<br />
chegar onde quer”<br />
vestir mais no negócio. Comprei uma máquina nova,<br />
mas chegou um momento que ela, por ser doméstica,<br />
também não aguentava mais o volume e o ritmo da<br />
produção. Foi hora de comprar minha primeira máquina<br />
industrial. Usada, mas industrial! Mas foi com<br />
a máquina de bordados e a produção de enxovais de<br />
bebê que o ateliê atingiu um outro patamar. Também<br />
parti para o universo da sublimação, uma técnica de<br />
estamparia. Agora crio as minhas estampas e personalizo<br />
o desenho que o cliente quer, o que ampliou o<br />
meu leque de vendas.<br />
O que surgiu, inicialmente, da necessidade de ter<br />
uma outra renda e propiciar uma vida melhor para os<br />
meus filhos, se tornou algo muito maior. O meu trabalho<br />
no Ateliê Alexya Salvador mostra que as pessoas<br />
transgêneras podem ser empreendedoras. Ainda que<br />
façam de tudo para deslegitimar a minha condição feminina,<br />
a minha maternidade e o que produzo como
empreendedora, provo, todos dias, que uma mulher<br />
transgênera, negra e da periferia é capaz de chegar<br />
onde quer. E estou próximo de chegar lá. Venho percorrendo<br />
esse caminho em todos os aspectos da minha<br />
vida: com a minha militância, com o meu corpo,<br />
com a minha história. E isso tudo engloba a minha<br />
maternidade, minha fé, meu negócio.<br />
Para o futuro, meu sonho é ter uma cooperativa<br />
de pessoas trans em situação de rua, onde eu ensine o<br />
pouco que eu aprendi, para que elas possam se colocar<br />
no mercado de trabalho e tenham sua dignidade recuperada.<br />
Muitas só precisam de uma oportunidade, de<br />
voltar a estudar, ter um emprego. E eu quero muito<br />
que o meu trabalho possa ajudá-las a ter uma fonte de<br />
renda e uma vida mais digna”.<br />
Alexya Salvador<br />
Fundadora do Ateliê Alexya Salvador,<br />
que confecciona acessórios bordados e<br />
personalizados, de Mairiporã (SP)
Michelle<br />
Fernandes<br />
FUNDADORA DA BOUTIQUE<br />
DE KRIOULA (SP)<br />
“Já sofri muito preconceito<br />
por usar turbantes, mas eles<br />
me fazem andar de cabeça<br />
erguida e postura ereta”<br />
“E<br />
ra final de 2012 quando fui demitida do meu<br />
emprego de auxiliar administrativa. Terminei<br />
aquele ano desempregada e sem perspectivas de conseguir<br />
uma nova oportunidade de trabalho. Naquele<br />
momento eu também passava por uma outra grande<br />
mudança e descoberta: a transição capilar, quando<br />
raspei a cabeça para retirar a química dos fios alisados<br />
e, pela primeira vez, descobrir como eles eram natu-
almente. É um período em que você fica meio insegura<br />
com a própria aparência e passei a procurar por<br />
produtos e acessórios que me ajudassem a valorizar<br />
minhas características de mulher negra. Só que eu não<br />
me reconhecia em nada do que encontrava e percebi<br />
que se quisesse uma transformação, eu mesma teria<br />
que promovê-la. Já havia em mim a vontade de empreender<br />
e decidi fazer algo que tivesse ligação com<br />
a fase que eu estava vivendo: oferecer produtos para<br />
mulheres que, negras e gordas como eu, nunca se sentiram<br />
bonitas nem reconhecidas no mercado da moda.<br />
Desse desejo nasceu a Boutique de Krioula.<br />
Eu usava muito turbante e isso provocava curiosidade<br />
e interesse nas minhas amigas. Enxerguei ali<br />
uma oportunidade de aliar empreendedorismo e propósito.<br />
Com um pequeno investimento inicial de R$<br />
150, fiz meus primeiros turbantes para vender, criei<br />
uma página nas redes sociais e comecei a avisar as<br />
pessoas. Na época, meu marido, Célio, trabalhava na<br />
indústria têxtil e, às vezes, trazia retalhos para eu treinar<br />
novas amarrações, o que me deu a ideia de criar<br />
um canal de tutoriais no YouTube. Uma amiga foi falando<br />
para a outra e as primeiras vendas começaram<br />
a acontecer. Eu levava meus varais de turbantes para<br />
eventos de cultura negra e encontros da periferia, mas
“Eu não me reconhecia em nada<br />
do que encontrava e percebi que<br />
se quisesse uma transformação,<br />
eu mesma teria que promovê-la”<br />
rapidamente o negócio começou a crescer ao ponto<br />
em que se fez necessária a criação do site para melhor<br />
atender a quantidade de clientes ao redor do Brasil.<br />
A Boutique de Krioula visa valorizar a cultura<br />
afro-brasileira por meio de seus produtos. Trabalhamos<br />
com tecidos africanos, importados diretamente<br />
de países como Angola e Senegal, e contamos com<br />
uma linha de afro-joias, como brincos e anéis. São<br />
peças exclusivas, com muitas cores e estampas, todas<br />
desenhadas pelo Célio, meu marido e sócio, que é grafiteiro.<br />
Em 2013, quando a empresa passou a vender<br />
mais, ele pediu demissão e veio trabalhar comigo em<br />
tempo integral. Em nosso ateliê no Capão Redondo,<br />
periferia da zona sul de São Paulo, ele desenvolve os<br />
desenhos e cuida de toda parte de design da marca,<br />
enquanto eu cuido do marketing e redes sociais, por<br />
onde tenho contato direto com as minhas clientes.
“A mulher negra é protagonista<br />
da minha marca. Para ela, o<br />
turbante não é só acessório,<br />
é uma forma de resgatar suas<br />
raízes. E eu, as minhas”<br />
Hoje temos representantes em Salvador, no Rio<br />
de Janeiro e em Angola, e contamos com vendas em<br />
lojas colaborativas. A internet, no entanto, ainda é<br />
nossa principal fonte de captação de clientes e vendas,<br />
então me dedico bastante em fazer um conteúdo de<br />
qualidade. Nessa nossa trajetória, fomos inspiração<br />
para a criação de outras marcas de moda afro-brasileira<br />
e isso, além de orgulho, nos faz querer inovar, sair<br />
da zona de conforto. Então, estou sempre fazendo cursos,<br />
buscando mentorias, estudando o mercado para<br />
poder melhorar ainda mais meus produtos e entender<br />
meu cliente. Recentemente, participei de um programa<br />
de aceleração que me incentivou a desenvolver<br />
planos mais robustos. Foi o estímulo que eu precisava<br />
para desenvolver planos mais robustos e conseguir fechar<br />
aquele ano com a venda total de 1500 turbantes<br />
e 2000 brincos.
Já foram muitas as conquistas. Conheci grande<br />
parte do Brasil, tive a oportunidade de estar com pessoas<br />
incríveis e palestrar em eventos contando a minha<br />
história. Ainda tenho grandes sonhos, como participar<br />
do Afropunk e o Curly Day, eventos que acontecem<br />
em Nova York. Mas ouvir de clientes que a partir<br />
dos meus produtos ela se reencontraram e elevaram<br />
sua autoestima, não tem preço. Já sofri muito preconceito<br />
por usar turbantes, mas eles me fazem andar de<br />
cabeça erguida e postura ereta. É isso que quero transmitir<br />
com o meu trabalho, que as mulheres negras se<br />
orgulhem de suas raízes e se sintam confiantes. A mulher<br />
negra é protagonista da minha marca. Para ela, o<br />
turbante não é só acessório, é uma forma de resgatar<br />
suas raízes. E eu, as minhas”.<br />
Michelle Fernandes<br />
Fundadora da Boutique de Krioula, e-commerce de<br />
moda afro-brasileira, de São Paulo (SP)
Priscila<br />
Vaiciunas<br />
FUNDADORA DO MANAS À OBRA (SP)<br />
“Meu maior desafio é ainda<br />
ter de ouvir que o que<br />
proponho é loucura”<br />
“A<br />
ideia nasceu há mais de dez anos, quando eu<br />
ainda estava finalizando o curso técnico em<br />
Edificações: uma vontade enorme de ter uma empresa<br />
composta exclusivamente por mulheres. Os anos se<br />
passaram, percorri outros caminhos profissionais até<br />
que, em 2013, fui demitida. Fiquei dois anos desempregada,<br />
sem conseguir me recolocar no mercado de<br />
trabalho. Um dia, conversando com a minha sogra,
ela comentou que tinha visto uma reportagem sobre<br />
‘Maridos de Aluguel’ na televisão e questionou se eu<br />
não sabia realizar pequenos reparos em residências.<br />
Pensei que poderia ser uma oportunidade interessante.<br />
Eu já possuía as ferramentas, então comecei a oferecer<br />
o serviço para amigos e conhecidos e logo atendi<br />
minha primeira cliente. Surgia o Manas à Obra, que,<br />
em apenas quatro meses de funcionamento, já estava<br />
com a agenda lotada.<br />
Contrariando o paradigma de que isso ou aquilo<br />
não é serviço para mulheres, nós oferecemos os<br />
serviços de ‘mana de aluguel’, uma brincadeira com<br />
o termo ‘marido de aluguel’, que incluem desde uma<br />
manutenção simples, pintura, repaginação e reforma<br />
de ambientes e espaços até serviços técnicos para residências,<br />
pequenos comércios e negócios. Também<br />
elaboramos laudos técnicos, inspeções e vistorias de<br />
imóveis e de obras e consultorias. Ou seja, fazemos de<br />
instalação de chuveiros e torneiras ou troca de resistência<br />
e sifão a projetos elétricos e de repaginação de<br />
ambientes. Tudo isso feito por uma equipe majoritariamente<br />
composta por mulheres e pessoas transexuais.<br />
Apenas em casos de obras maiores, contamos com<br />
uma equipe mista. Todos são certificados e os serviços<br />
contam com garantia de três meses.
“Nosso principal objetivo é<br />
atuar no mercado da construção<br />
mostrando que é possível haver<br />
diversidade e respeito”<br />
Essa inclusão, fundamental para mim, é o diferencial<br />
do Manas à Obra em um mercado extremamente<br />
masculino e preconceituoso. Desde 2015, quando<br />
comecei a divulgar meu trabalho nas redes sociais,<br />
foram vários os relatos que recebi de mulheres e pessoas<br />
LGBT+ sobre situações de assédio, abuso e discriminação<br />
ao contratarem os serviços de um encanador,<br />
eletricista, técnicos de telefonia ou TV a cabo, por<br />
exemplo. Elas acabavam tentando resolver o problema<br />
sozinhas ou mesmo adiando um conserto para não<br />
ter que passar por nenhum tipo de constrangimento.<br />
Era inacreditável o desrespeito desses profissionais.<br />
Por isso, o Manas à Obra é mais que uma empresa de<br />
reparos domésticos, ela nasceu da necessidade de assegurar<br />
a integridade física, moral, social e psicológica<br />
de mulheres e pessoas LGBT+. Nosso principal objetivo<br />
é atuar no mercado da construção mostrando que é<br />
possível haver diversidade e respeito.
“Vale a pena quando percebo<br />
que posso deixar um legado<br />
de amor e empatia, provar que<br />
ser mulher não nos limita aos<br />
cuidados com casa e filhos”<br />
Não tem sido fácil. Por ter escolhido um mercado<br />
formado em sua maioria por homens - o que dificulta<br />
a minha procura por mão de obra especializada<br />
-, ainda sou a responsável por praticamente 90% das<br />
atividades da empresa. Respondo e-mails, faço visitas,<br />
elaboro orçamentos, atendo clientes, agendo os serviços<br />
e administro o negócio. Mas vale a pena quando<br />
percebo que posso deixar um legado de amor e empatia,<br />
provar que ser mulher não nos limita aos cuidados<br />
com a casa e os filhos.<br />
Ao olhar para o futuro, tenho alguns planos: aumentar<br />
a demanda e contratação de serviços de obra<br />
e reforma, qualificar mão de obra, ingressar no setor<br />
de energia solar, aprimorar mão de obra para construções<br />
sustentáveis e realizar algumas parcerias.<br />
Mas, três anos depois, meu maior desafio é ainda ter
de ouvir que o que proponho é loucura, que não vai<br />
dar certo, que estou deixando de ganhar dinheiro querendo<br />
trabalhar apenas com mão de obra de mulheres<br />
e LGBTs+. Eu geralmente concordo com a pessoa e<br />
justifico minha escolha dizendo que não faço isso por<br />
dinheiro, faço por amor, faço porque acredito que o<br />
mercado de trabalho tem espaço para todos e que as<br />
pessoas que priorizo contratar como parceiras de serviço<br />
têm muito mais a oferecer e agregar na minha luta<br />
diária dentro da sociedade. E é por esse sonho que vou<br />
continuar existindo e lutando mesmo com toda adversidade<br />
e cansaço”.<br />
Priscila Vaiciunas<br />
Fundadora do Manas à Obra, que oferece serviços<br />
de reforma e reparos domésticos feitos por<br />
mulheres e pessoas LGBTs+ (SP)
Elizandra<br />
Cerqueira<br />
FUNDADORA DO BISTRÔ<br />
MÃOS DE MARIA (SP)<br />
“Abracei a missão de garantir<br />
liberdade, independência<br />
financeira e autoestima<br />
para outras mulheres da<br />
comunidade onde cresci”<br />
“E<br />
u nasci, no sertão baiano, em uma cidadezinha<br />
chamada Poções. A terceira de cinco filhos.<br />
Quando eu tinha um ano de idade os meus pais decidiram,<br />
assim como muitas outras famílias nordestinas<br />
nos anos 1970, tentar a vida na grande cidade. Na época,<br />
o Morumbi, bairro rico da zona oeste de São Paulo,<br />
ainda estava em expansão e precisavam de muita mão<br />
de obra na construção civil. E, assim, fomos morar
no bairro vizinho, uma favela que surgia bem ao lado<br />
dos prédios luxuosos, chamada Paraisópolis. Naquela<br />
época, crescia na mesma velocidade que o bairro nobre,<br />
e, hoje, é a maior favela de São Paulo. Enquanto<br />
o meu pai trabalhava como pedreiro, minha mãe era<br />
empregada doméstica.<br />
Em Paraisópolis me criei e cresci com o sonho de<br />
fazer faculdade. Ainda no colégio, entrei para o Grêmio<br />
Estudantil, inspirada por um amigo que foi presidente<br />
anteriormente, me tornando uma liderança<br />
na escola e uma referência feminina na comunidade.<br />
Quando terminei o ensino médio, fui convidada para<br />
fazer parte da União dos Moradores e foi dessa experiência<br />
incrível que, em 2006, fundamos a Associação<br />
de <strong>Mulheres</strong> de Paraisópolis (AMP). Eu já me sentia<br />
empoderada, o que me motivou a querer transformar<br />
Paraisópolis. Abracei a missão de garantir liberdade,<br />
independência financeira e autoestima para outras<br />
mulheres da comunidade onde cresci.<br />
Nessa mesma época, comecei a trabalhar em<br />
uma agência de publicidade. A área da comunicação já<br />
me encantava, fiquei muito feliz, mas logo me frustrei.<br />
Sofri preconceito, era tratada com diferença, fui humilhada<br />
algumas vezes. Cheguei a duvidar de mim mes-
“Eu não acredito no<br />
empoderamento feminino<br />
sem independência<br />
financeira”<br />
ma, mas não desisti. Fiz um cursinho pré-vestibular<br />
aos finais de semana e, em 2008, consegui uma bolsa<br />
integral para uma das universidades mais renomadas<br />
em publicidade de São Paulo. Quando fui demitida da<br />
agência, decidi focar minha energia na faculdade e nos<br />
trabalhos sociais.<br />
Passei pela Escola do Povo, onde o foco era o<br />
analfabetismo, e depois estive à frente da Agência de<br />
Empregos de Paraisópolis, por onde consegui empregar<br />
mais de 3 mil moradores da favela em empresas<br />
de diversos portes. Há dois anos, quando me tornei<br />
presidente da AMP, resgatei um projeto de cursos de<br />
capacitação em gastronomia para mulheres que já havia<br />
na comunidade, cujo objetivo era a geração de renda<br />
e o incentivo à prática empreendedora. O resultado<br />
foi a criação de uma plantação comunitária e o projeto<br />
Horta na Laje, com oficinas de plantio e incentivo ao<br />
cultivo de hortas orgânicas em casas de moradores. As
“Eu já me sentia empoderada,<br />
o que me motivou a querer<br />
transformar Paraisópolis”<br />
participantes são assessoradas mensalmente por um<br />
técnico da União dos Moradores e, a cada dois meses,<br />
por dois doutores em agronomia da Unesp (Universidade<br />
Estadual Paulista). Deu tão certo que a produção<br />
de temperos e hortaliças aumentou e resolvemos criar<br />
um bistrô para usar parte dos alimentos. Foi quando<br />
surgiu o Bistrô & Café Mãos de Maria.<br />
Inaugurado em setembro de 2017, o Bistrô Mãos<br />
de Maria tem um prato diferente para cada dia da semana,<br />
como carne de panela, galinhada, frango, moqueca<br />
e feijoada. Tudo feito com temperos, verduras<br />
e legumes colhidos diretamente na horta da laje – orgânicos,<br />
sem agrotóxicos. Em média, servimos 30 almoços<br />
por dia, no valor de R$ 20 cada um. Vem moradores<br />
da comunidade, vizinhos do Morumbi e até<br />
estrangeiros! E todas as funcionárias são moradoras<br />
capacitadas pelos nossos cursos – damos preferência<br />
para as que estavam fora do mercado de trabalho<br />
ou passando por alguma dificuldade, como violência
doméstica. Hoje, além de empregarmos seis pessoas,<br />
recebemos em torno de 700 clientes e faturamos cerca<br />
de R$ 15 mil por mês, com lucro revertido para a<br />
capacitação de mais mulheres.<br />
Eu não acredito no empoderamento feminino<br />
sem independência financeira e o bistrô é a representação<br />
da liberdade. Nossas Marias não poderiam estar<br />
em outro lugar a não ser no coração da comunidade,<br />
em nossa laje gourmet, entre temperos e hortaliças,<br />
empoderando outras mulheres através da independência<br />
financeira, na quinta maior favela do Brasil,<br />
com mais de 100 mil habitantes. Acreditamos que<br />
toda menina e toda mulher tem o direito de ser livre e<br />
escolher tudo aquilo que ela deseja ser”.<br />
Elizandra Cerqueira<br />
Fundadora do Bistrô Mãos de Maria, negócio<br />
social que capacita e emprega mulheres da<br />
comunidade Paraisópolis, de São Paulo (SP)
CAPÍTULO<br />
5
INOVAÇÃO<br />
à toda<br />
PROVA
Bianca<br />
Laufer<br />
FUNDADORA DA GREENPEOPLE (RJ)<br />
“Meu sonho é provar que se<br />
alimentar bem e de forma<br />
saudável não é moda, é uma<br />
tendência mundial”<br />
“O<br />
meu interesse pela saúde e nutrição surgiu<br />
ainda na adolescência. Eu tinha 15 anos quando<br />
minha autoestima começou a ser medida em gramas<br />
e entrei em um processo de anorexia. Foi um período<br />
muito doloroso, em que eu emagrecia a cada dia<br />
e, no final de um ano, eu só estava comendo cenoura.<br />
Com a ajuda da família e tratamentos, comecei a cura<br />
da doença. O medo de engordar acabou por me apro-
ximar de nutricionistas e me incentivou a reencontrar<br />
o prazer na alimentação. Ao longo dos anos mergulhei<br />
em cursos de nutrição que me mostraram a importância<br />
de uma refeição saudável e, ao me curar, a busca<br />
por uma alimentação equilibrada virou meta. Hoje,<br />
mais do que meta, é negócio.<br />
Economista, trabalhei por anos no mercado financeiro<br />
em Nova York e, naquele dia a dia frenético,<br />
eu descobri que tinha um espírito empreendedor.<br />
Quando meu primeiro filho nasceu e eu parei de trabalhar,<br />
a preocupação em escolher a dedo os alimentos<br />
que entravam em casa aumentou. Então, fui estudar<br />
sobre alimentos, me formando em cursos de terapeuta<br />
de saúde pelo Institute of Integrative Nutrition (IIN)<br />
e de superalimentos. Tempos depois, durante uma<br />
viagem com a família para Maui, no Hawaí, conheci a<br />
técnica do suco prensado a frio e, naquele momento,<br />
me deu um clique: ‘puxa, isso tem tudo a ver com o<br />
Rio de Janeiro’. Desejava ser a primeira a fazer esse<br />
tipo de produto aqui, mas não queria trazer uma marca<br />
de fora para dentro do Brasil.<br />
A ideia era tropicalizar esse conceito, oferecer um<br />
produto com a cara do Rio e com ingredientes brasileiros,<br />
adaptado ao nosso paladar e nossa riqueza de frutas.
“A Greenpeople representa<br />
uma nova fase na minha vida,<br />
onde a densidade nutritiva é<br />
muito mais importante que a<br />
contagem de calorias”<br />
Comecei a fazer milhares de testes na minha<br />
cozinha mesmo, com uma máquina de suco prensado<br />
que trouxe na mala de uma viagem. Convidava os<br />
amigos para que experimentassem os sabores, tudo<br />
sempre misturado à rotina como mãe de dois filhos,<br />
com crianças correndo para lá e para cá. E assim surgiu,<br />
em 2014, a Greenpeople, uma empresa de sucos<br />
prensados a frio e snacks que representa uma nova<br />
fase na minha vida, onde a densidade nutritiva é muito<br />
mais importante que a contagem de calorias. Apostamos<br />
na prensagem a frio, processo que preserva as<br />
propriedades nutricionais durante a extração do suco<br />
de frutas, verduras e legumes frescos. Assim, evitamos<br />
maior contato dos ingredientes com o oxigênio e preservamos<br />
nutrientes mais sensíveis a oxidação, além<br />
de extrair o máximo do sumo nutritivo das frutas e<br />
hortaliças. Hoje, somos a única empresa de bebidas<br />
a usar o processamento com alta pressão ou HPP (do
“As combinações precisam ser<br />
inovadoras, ter qualidade e<br />
sabor final prazeroso, como<br />
uma poção mágica!”<br />
inglês High Pressure Processing) no Brasil, e que nos<br />
permite garantir as mesmas condições de frescor, sabor<br />
e nutrientes com um prolongamento significativo<br />
da validade dos sucos - ampliamos de 3 para 60 dias.<br />
Com a evolução da marca, o mix foi ampliado para a<br />
produção de snacks saudáveis e desidratados (muitos<br />
deles feitos com parte do que sobra após a prensagem<br />
dos sucos), água de coco e leites vegetais.<br />
Os produtos da Greenpeople são, acima de tudo,<br />
gostosos. Com o adicional de serem produzidos sem<br />
conservantes ou aditivos químicos, com técnicas que<br />
respeitam o potencial nutricional de cada alimento.<br />
Faço questão de participar de todas as decisões e estou<br />
à frente das pesquisas de tendências, do desenvolvimento<br />
de produtos e do marketing. É uma forma de<br />
manter aquele espírito de quando comecei, na cozinha<br />
da minha casa, sem muitas pretensões. Hoje, apesar de
todo o crescimento, seguimos praticamente da mesma<br />
forma nessa etapa inicial de criação, com ideias minhas<br />
e testes artesanais, como um laboratório caseiro<br />
e afetivo. As combinações precisam ser inovadoras,<br />
ter qualidade e sabor final prazeroso, como uma poção<br />
mágica! Não por acaso, até hoje os primeiros sabores<br />
são um grande sucesso, como o Juçaí, com fruto da<br />
palmeira juçara e o Yellow Chia, com maracujá.<br />
Meu sonho é provar que se alimentar bem e de forma<br />
saudável não é moda, é uma tendência mundial.”<br />
Bianca Laufer<br />
Fundadora da Greenpeople, empresa de sucos 100%<br />
naturais e prensados a frio, do Rio de Janeiro (RJ)
Tatiana<br />
Pimenta<br />
FUNDADORA DA VITTUDE (SP)<br />
“Ainda há um estigma<br />
enorme de que ir ao<br />
psicólogo é coisa de maluco.<br />
Mas não, é coisa de gente”<br />
“A<br />
tuei durante 13 anos em empresas nacionais<br />
e multinacionais de grande porte, como engenheira<br />
civil. Em 2013, me mudei para o Haiti para<br />
trabalhar em uma multinacional de origem suíça que<br />
atua no setor de construção civil. Para a minha surpresa,<br />
no início de 2015, a empresa iniciou um processo<br />
de reestruturação, tendo mais de 50% do seu quadro<br />
de pessoal cortado em dois anos. Eu fui uma delas.
No mesmo dia, recebi a notícia de que meu pai estava<br />
muito doente e vi minha vida virar de cabeça para baixo.<br />
Eu me dei conta de que havia ficado muitos anos<br />
fora de casa. Sou filha única, saí da casa dos meus pais,<br />
em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, aos 17 anos para<br />
fazer faculdade de Engenharia Civil em Londrina, no<br />
Paraná. Desde então, sempre morei longe deles e percebi<br />
que deveria aproveitar o presente que o destino<br />
havia me dado para cuidar dos meus pais.<br />
Nos meses seguintes à demissão e ao diagnóstico,<br />
fiquei envolvida com o tema saúde, observei muitas<br />
coisas que sentia falta no sistema brasileiro e todo<br />
o contexto me fez ter vontade de conhecer mais esta<br />
área. Um dos meus amigos e atual sócio, o Everton,<br />
estava fazendo um MBA e tinha recentemente apresentado<br />
um projeto de empreendedorismo na área de<br />
saúde. Tivemos inúmeros encontros e cafés, discutimos<br />
ideias, estudamos o cenário, o mercado de saúde,<br />
players e benchmarks internacionais, e, no final de<br />
2015, decidimos efetivamente seguir em frente com<br />
o projeto. Eu queria algo relacionado à telemedicina,<br />
que usasse a tecnologia para esclarecer pequenas dúvidas<br />
de saúde por meio de uma orientação mais profissional.<br />
Ele queria produzir um site de avaliação de<br />
profissionais da saúde. Juntos, entendemos que a Psi-
“Hoje temos mais de mil<br />
psicólogos cadastrados em<br />
nossa plataforma, presentes<br />
em 90 cidades de 22 estados e<br />
Distrito Federal”<br />
cologia era o caminho, já que a área permitia o atendimento<br />
online. Ali dávamos os primeiros passos para<br />
a criação da Vittude, uma plataforma que conecta psicólogos<br />
a pessoas que estão em busca de psicoterapia<br />
ou coaching.<br />
Dedicamos os primeiros meses de 2016 a conhecer<br />
o universo das startups, nos inscrevemos em eventos,<br />
meetups, workshops e processos de aceleração.<br />
Precisávamos de um parceiro forte para avançar mais<br />
rapidamente. Nos inscrevemos para um programa de<br />
aceleração, fomos aprovados e em julho começamos<br />
o processo. A nossa plataforma somente entrou no ar<br />
em 1º setembro desse mesmo ano, após o término do<br />
processo, já com o registro de agendamento da primeira<br />
consulta. Hoje temos mais de mil psicólogos cadastrados<br />
em nossa plataforma, presentes em 90 cidades
“Nosso grande desafio é levar<br />
mais informação, conscientizar<br />
e tentar mudar esse cenário”<br />
de 22 estados e Distrito Federal. Uma pessoa que busca<br />
um psicólogo, e entra pela primeira vez no site da<br />
Vittude pode ter duas opções de escolha: consultório<br />
físico, sistema feito para as pessoas que desejam ir até<br />
o consultório do psicólogo para sessões presenciais e<br />
que utiliza ferramenta de geolocalização para encontrar<br />
um psicólogo mais próximo do endereço pesquisado<br />
pelo cliente; e consultório virtual, onde o cliente<br />
pode escolher ser atendido por um psicólogo de forma<br />
remota, do conforto do seu lar, utilizando uma ferramenta<br />
própria de videoconferência. Tudo com a validação<br />
do Conselho Federal de Psicologia.<br />
O grande diferencial da Vittude é estar focada<br />
100% na saúde mental. Estima-se, por exemplo, que<br />
no Brasil cerca de 200 mil pessoas são afastadas por<br />
ano do mercado de trabalho com pelo menos um diagnóstico<br />
relacionado a transtornos mentais. Muitas<br />
empresas estão preocupadas em não onerar o sinistro<br />
do plano de saúde corporativo, e não trabalham
com práticas preventivas. Uma das barreiras ainda é<br />
o preconceito. Ainda há um estigma enorme de que<br />
ir ao psicólogo é coisa de maluco. Mas não, é coisa de<br />
gente. E nós estamos promovendo este acesso. Nosso<br />
grande desafio é levar mais informação, conscientizar<br />
e tentar mudar esse cenário. Queremos ser a melhor<br />
solução digital em psicologia no Brasil, promovendo<br />
uma experiência surpreendente aos usuários”.<br />
Tatiana Pimenta<br />
Fundadora da Vittude, plataforma que conecta<br />
psicólogos e pacientes, de São Paulo (SP)
Lívia<br />
Cunha<br />
FUNDADORA DO CUCO<br />
HEALTH (SC)<br />
“Estamos no caminho<br />
certo para nos tornarmos<br />
uma ferramenta de<br />
empoderamento de saúde”<br />
“C<br />
omo filha de médico passei boa parte da infância<br />
acompanhando meu pai na rotina entre o<br />
hospital e o consultório. A ideia do cuidado ao próximo,<br />
especialmente o cuidado com pacientes, sempre<br />
me encantou, mas, por outro lado, me chamava a atenção<br />
a dificuldade que meu pai enfrentava para convencer<br />
os pacientes sobre a importância de um tratamento<br />
médico bem feito, fora do ambiente hospitalar. Apesar
do interesse pela questão da saúde, não segui o caminho<br />
da medicina. Meu sonho sempre foi empreender.<br />
Por isso, enquanto eu fazia o curso de Administração<br />
de Empresas na Universidade Federal de Santa Catarina,<br />
procurei trabalhar em ambientes que fossem<br />
mais propícios ao desenvolvimento de competências<br />
empreendedoras.<br />
Durante a faculdade conheci o Gustavo Comitre,<br />
que depois se tornou meu sócio. Ele tomava medicação<br />
de uso contínuo e tinha dificuldade para administrar<br />
seu tratamento da maneira correta no dia a dia. Neste<br />
período, além de cursar a faculdade, eu fazia estágio<br />
em Empreendedorismo Inovador na Fundação CER-<br />
TI - Centro de Referência em Tecnologias Inovadoras.<br />
Este foi meu primeiro contato com o mundo das<br />
startups e encontrei ali a oportunidade de resolver em<br />
escala o problema da falta de adesão medicamentosa.<br />
Unimos a vontade de encontrar uma solução para os<br />
pacientes com a vontade de empreender e começamos<br />
a planejar o que, em 2016, tornou-se a CUCO Health.<br />
Em uma pesquisa, descobrimos que menos de<br />
50% dos pacientes tomam a medicação como deveriam.<br />
Por que não facilitar o controle desses tratamentos?<br />
A CUCO nasceu com esse objetivo: ajudar pacien-
“O mais legal é que as<br />
pessoas falam que não é um<br />
aplicativo, mas um amigo<br />
e cuidador que as ajuda<br />
diariamente”<br />
tes a se engajarem em tratamentos medicamentosos<br />
e melhorarem os níveis de adesão. Funciona assim:<br />
o médico prescreve o remédio e já avisa o paciente<br />
que há uma terapia digital para auxiliá-lo. O paciente<br />
compra o medicamento na farmácia e dentro da caixa<br />
há um indicativo para baixar o aplicativo CUCO, que<br />
por meio do QR Code da embalagem cadastra automaticamente<br />
os lembretes para o paciente. Ele passa<br />
também a ter acesso a uma bula interativa em formato<br />
de chatbot. Ao longo do tratamento o paciente conta<br />
com uma ferramenta que lembra de comprar e tomar<br />
o medicamento, esclarece dúvidas frequentes sobre<br />
o remédio, faz alertas de interações medicamentosas<br />
(que ocorre, muitas das vezes, por conta da automedicação),<br />
e tem uma jornada de autoconhecimento sobre<br />
a doença. Além disso, a ferramenta é inteligente e<br />
identifica a não adesão ao medicamento. Nesse caso,
“O propósito nunca mudou:<br />
cuidar das pessoas, não<br />
importando as barreiras que<br />
possamos enfrentar”<br />
envia notificações para engajar novamente o paciente.<br />
Há duas versões do aplicativo, uma gratuita para o<br />
consumidor final, e a premium, vendida aos laboratórios<br />
farmacêuticos.<br />
Para chegar nesse atual modelo, mudamos por<br />
duas vezes o plano de negócios. Começamos com foco<br />
em auxiliar os pacientes. Com o passar do tempo, percebemos<br />
que, para impactar de fato na experiência do tratamento,<br />
era preciso envolver os pagadores. Passamos,<br />
então, a desenvolver uma solução e um modelo de negócios<br />
orientado às operadoras de saúde e hospitais. Após<br />
um ano, mudamos o foco novamente, que passou a ser<br />
a indústria farmacêutica. Nessa mudança estratégica,<br />
a Cuco deixou Florianópolis e se mudou para São Paulo.<br />
Foi aí que o Gabriel deixou a sociedade e a equipe<br />
foi toda substituída. Mas, mesmo com tantas mudanças,<br />
o propósito nunca mudou: cuidar das pessoas,<br />
não importando as barreiras que possamos enfrentar.
O CUCO é uma ferramenta humanizada, fizemos<br />
testes da ferramenta com os pacientes, conversamos<br />
com eles, damos atenção aos comentários que<br />
fazem sobre o aplicativo. O mais legal é que as pessoas<br />
falam que não é um aplicativo, mas um amigo<br />
e cuidador que as ajuda diariamente. Em parceria<br />
com um grande hospital de São Paulo, notamos<br />
que houve uma queda na taxa de reinternação de<br />
crianças cardiopatas após os pais adotarem a tecnologia.<br />
Com o aplicativo, a adesão ao tratamento no<br />
pós-operatório passou de 40% para 79% dos casos.<br />
No geral, temos uma adesão medicamentosa de 75%<br />
com 100 mil pacientes. Isso mostra que estamos no<br />
caminho certo para nos tornarmos uma ferramenta<br />
de empoderamento de saúde no Brasil”.<br />
Lívia Cunha<br />
Fundadora do Cuco Health, aplicativo que ajuda<br />
pacientes a gerenciarem seus tratamentos<br />
médicos, de Florianópolis (SC)
Ana Paula<br />
Prati<br />
CRIADORA DO BABY CHECK-IN (SP)<br />
“Enxerguei a oportunidade<br />
de oferecer uma facilidade<br />
até então não disponível<br />
para as famílias”<br />
“E<br />
u nasci em uma família de empreendedores.<br />
Convivi desde muito cedo com os desafios e as<br />
responsabilidades de se gerir o próprio negócio. Talvez<br />
por isso mesmo a minha primeira experiência como<br />
empreendedora tenha sido quando eu ainda estava na<br />
faculdade, em uma cafeteria que dividia com minha<br />
irmã e minha mãe. Em 2008, depois de me formar em<br />
Design de Produto no Rio Grande do Sul, decidi vir
para São Paulo. Aqui, trabalhei por sete anos com o<br />
nicho da maternidade, em duas multinacionais fabricantes<br />
de produtos como berços, carrinhos e cadeirinhas<br />
para bebês. Nesse período, tive a oportunidade<br />
de aprofundar meus conhecimentos neste<br />
mercado e desenvolver estratégias de marketing<br />
voltadas para mães.<br />
Mergulhando nesse universo maravilhoso da<br />
maternidade vi que, claro, ele tem seu lado bonito,<br />
mas também muitas dificuldades, como por exemplo,<br />
sair de casa com as crianças. E foi observando<br />
as dúvidas e inseguranças que os pais tinham que<br />
surgiu a ideia: por que não montar uma plataforma<br />
colaborativa que pudesse unir dicas de locais e atividades<br />
infantis, encorajando os pais a sair mais com<br />
os filhos, possibilitando novas atividades e contribuindo<br />
para o desenvolvimento infantil? Surgia assim,<br />
no final de 2014, o primeiro esboço do que viria<br />
a ser o Baby Check-in, um aplicativo para que pais<br />
de primeira viagem pudessem conectar-se com pais<br />
mais experientes, compartilhando dicas e avaliações<br />
de locais que recebessem adequadamente toda a família.<br />
Enxerguei a oportunidade de unir tecnologia e<br />
serviço e oferecer uma facilidade até então não disponível<br />
para as famílias.
“Compreender melhor essa<br />
linguagem da tecnologia me<br />
ajudou a ver o meu negócio<br />
de uma forma mais ampla”<br />
Dei um mergulho no universo do empreendedorismo<br />
e, confesso, não foi fácil deixar um emprego<br />
seguro para entrar neste grande desafio que é<br />
abrir uma empresa. Eu estava com um grande projeto<br />
nas mãos, mas ele não saia do papel. Eu precisava<br />
estruturar o negócio e não sabia como. Investi na minha<br />
capacitação, participei ativamente de eventos de startups<br />
e empreendedorismo feminino e, paralelamente,<br />
fiz pesquisas mais profundas sobre o meu público<br />
e o mercado. Diante de tamanho desafio, pensei em<br />
desistir, pois sabia que sozinha não conseguiria fazer<br />
algo tão grande como imaginava. Foi quando recebi<br />
uma mensagem de uma ex-colega de universidade,<br />
Marina Beloray, que se interessou pelo projeto e logo<br />
se tornou minha sócia. Tempos depois, encontramos<br />
um terceiro sócio, o desenvolvedor Maicon Santos,<br />
que cuidava da área de tecnologia, enquanto eu me<br />
aprofundava na estruturação da empresa e Marina<br />
ficava a frente de relacionamentos e comercial.
“Busquei cursos na área,<br />
entendi as novas necessidades<br />
do meu público e reavaliei o<br />
meu negócio. Levei seis meses<br />
para repensar o nosso foco”<br />
A Baby Check-in ganhou fôlego e forma. Começamos<br />
nos concentrando em nossa rede de relacionamento<br />
no Rio Grande do Sul e isso foi fundamental<br />
no início. As primeiras versões do aplicativo<br />
mostrava os lugares de uma cidade que eram avaliados<br />
pelos usuários como baby-friendly, ou seja,<br />
restaurantes, museus, parques e atividades que os<br />
pais pudessem frequentar com os filhos. Locais que<br />
entravam na plataforma por indicação dos usuários<br />
ou avaliação da nossa equipe. No final de 2017, os<br />
dois sócios se desligaram da empresa e eu segui sozinha.<br />
E me vi enfrentando um dos grandes desafios<br />
dessa jornada: ao mesmo tempo que percebi que<br />
não estava conseguindo atingir as metas e, portanto,<br />
o negócio precisava passar por mudanças, eu não<br />
tinha muito conhecimento da tecnologia mais adequada.<br />
Era um universo com uma linguagem com-
pletamente diferente do que eu estava acostumada.<br />
Novamente procurei me capacitar, busquei cursos na<br />
área, estudei programação, entendi as novas necessidades<br />
do meu público e reavaliei o meu negócio. Levei<br />
seis meses para repensar totalmente o nosso foco.<br />
Agora, mais que locais, o aplicativo indica profissionais e<br />
serviços para atender gestantes e famílias com crianças<br />
de zero a seis anos. Temos cerca de 600 cadastros e 9<br />
mil usuários, de várias partes do país.<br />
Compreender melhor essa linguagem da tecnologia<br />
me ajudou a ver o meu negócio de uma forma<br />
mais ampla. E, este ano, me tornei mãe, o que ampliou<br />
ainda mais esse olhar! Hoje, tenho um contanto muito<br />
mais pessoal com tudo o que envolve a empresa e<br />
vivo na pele as dificuldades que motivaram a criação<br />
da Baby Check in. Mas uma coisa não muda: continuo<br />
acreditando na construção de ambientes e atividades<br />
para toda a família. Na aprendizagem, nas experiências<br />
e descobertas das crianças como forma transformadora<br />
para uma infância feliz”.<br />
Ana Paula Prati<br />
Criadora do Baby Check-in, aplicativo para segmento materno/<br />
paterno que mapeia locais, serviços e profissionais adequados<br />
para crianças, gestantes e famílias, de São Paulo (SP)
Paula<br />
Pedroza<br />
FUNDADORA DA AUDIMA (SP)<br />
“Nosso sonho é que<br />
um dia todo o conteúdo<br />
escrito da internet também<br />
possa ser ouvido”<br />
“S<br />
empre tive dificuldade em ler algum texto na internet<br />
por conta do brilho do computador e dos<br />
smartphones. Acabava preferindo ouvir audiobooks<br />
e podcast ao invés de artigos escritos. Naturalmente<br />
me veio o questionamento: se eu tenho dificuldade,<br />
imagine outras pessoas que têm algum problema cognitivo<br />
ou deficiência? Comecei a estudar com profundidade<br />
esse tema e descobri que muitas pessoas com
deficiência visual não navegam na web por falta de<br />
acessibilidade. Outras, que têm um nível muito básico<br />
de alfabetização, também não conseguem interpretar<br />
um texto por meio da leitura, mas se adaptam bem ao<br />
áudio. E é uma faixa enorme da população, no Brasil<br />
e no mundo, que fica esquecida, sem poder ler e se informar<br />
em plataformas virtuais porque vivemos num<br />
império da visão. Por conta dessa minha dificuldade<br />
pessoal, eu sabia que o áudio poderia ajudar nisso, por<br />
outro lado a maior parte dos veículos ainda não está<br />
adaptada para incluir pessoas com deficiência visual<br />
ou com dificuldade de leitura.<br />
Descobri que 19% da população brasileira tem<br />
alguma deficiência na visão; 25% são analfabetos ou<br />
semianalfabetos no Brasil; que 30% apresentam presbiopia<br />
(também conhecida como vista cansada); e que<br />
32% dos brasileiros apontam a falta de tempo como<br />
principal barreira para ler. Ou seja, grande parte da<br />
população tem muita dificuldade para ler conteúdos<br />
online. Diante desse cenário, percebi que a tecnologia<br />
podia ser a solução para tornar as coisas mais fáceis<br />
ou até mesmo possíveis para essas pessoas. Vi o quanto<br />
o áudio poderia ajudar a sociedade e causar um verdadeiro<br />
impacto social. E foi assim que, em 2016, criei<br />
a Audima, uma empresa que se transformou na minha
“A Audima é, basicamente,<br />
uma solução de inclusão<br />
digital que converte textos<br />
em áudio”<br />
causa e trouxe uma motivação que me ajuda diariamente<br />
a superar todas as barreiras.<br />
A Audima é, basicamente, uma solução de inclusão<br />
digital que converte textos em áudio, em uma voz<br />
natural e agradável, como em um audiolivro - nada de<br />
tom robótico. E é muito simples: os sites e veículos interessados<br />
podem instalar na versão gratuita ou paga<br />
e fazer a conversão automática de todo o seu conteúdo<br />
para áudio. Para ouvir o material, os usuários só<br />
precisam clicar em um player, que também pode ser<br />
controlado pelo teclado, que conta com opções para<br />
aumentar ou diminuir a velocidade da fala. A empresa<br />
começou nos Estados Unidos, mas hoje nossa operação<br />
é toda no Brasil. A semente dessa ideia surgiu em<br />
2016, quando eu morava em Nova York e participei<br />
de um programa de aceleração. Recebi aporte de US$<br />
250 mil em um somatório de 4 investidores, além de<br />
créditos em tecnologia e serviços de empresas como
“Além de inclusivo,<br />
aumentamos a possibilidade<br />
de venda e disseminação de<br />
conteúdo”<br />
Amazon, IBM, Google e Facebook, o que ampliou a visibilidade<br />
da Audima no mercado e ainda aprimorou a<br />
tecnologia. Com isso, foi possível montar minha equipe<br />
e desenvolver a plataforma.<br />
Nosso modelo é pioneiro no mundo e a procura<br />
pela Audima está crescendo cada vez mais. A ferramenta<br />
já está em mais de 2,5 mil sites no país e foi<br />
usada 3 milhões de vezes. Em um primeiro momento,<br />
focamos nos veículos de imprensa, mas, posteriormente,<br />
também passamos a trabalhar com marcas,<br />
e-commerces e até festival de música, que usou nosso<br />
áudio em todas as páginas. Nossos dados demonstram<br />
que a ferramenta pode potencializar até 50% o tempo<br />
de permanência do site. Isso significa dizer que, além<br />
de inclusivo, aumentamos a possibilidade de venda<br />
e disseminação de conteúdo. Além disso, recebemos<br />
muitos e-mails de usuários de sites nos agradecendo<br />
por nossa tecnologia. São idosos, pessoas com defi-
ciências visuais e até estudantes dizendo que o áudio<br />
facilitou a interpretação de artigos de estudos. Além<br />
disso, os portais nos reportam feedbacks muito positivos<br />
de seus usuários. Esse é o nosso propósito: gerar<br />
inclusão digital com o áudio. E nosso sonho é que<br />
um dia todo o conteúdo escrito da internet também<br />
possa ser ouvido”.<br />
Paula Pedroza<br />
Fundadora da Audima, plataforma que<br />
converte textos em áudios que não soam<br />
artificiais, de São Paulo (SP)
CRÉDITOS FOTOGRÁFICOS<br />
Maria José de Lima - Foto: Alexandre Rezende<br />
Fatima Casarini - Foto: Renato Pizzutto<br />
Adriana Barbosa - Foto: Renato Pizzutto<br />
Rosana Silva - Alexandre Rezende<br />
Vanessa Berrouiguet - Foto: Renato Pizzutto<br />
Adriana Fernandes - Foto: Renato Pizzutto<br />
Cristiane Carvalho - Foto: Renato Pizzutto<br />
Stéphanie Habrich - Foto: Renato Pizzutto<br />
Flávia Pacheco e Manuela Borges - Foto: Renato Pizzutto<br />
Dani Junco - Foto: Renato Pizzutto<br />
Natália inês da Costa - Foto: Alexandre Rezende<br />
Maibe Marocollo - Foto: Cristiano Mariz<br />
Milena Curado- Foto: Renato Pizzutto<br />
Débora Rabelo - Foto: Alexandre Rezende<br />
Bia Santos - Foto: André Valentin<br />
Marioli Oliveira e Amanda Momente - Foto: Renato Pizzutto<br />
Alexya Salvador - Foto: Renato Pizzutto<br />
Michelle Fernandes - Foto: Renato Pizzutto<br />
Priscila Vaiciunas - Foto: Rogério Pallatta<br />
Elizandra Cerqueira - Foto: Renato Pizzutto<br />
Bianca Laufer - Foto: Juliana Rezende<br />
Tatiana Pimenta - Foto: Renato Pizzutto<br />
Livia Cunha - Foto: Renato Pizzutto<br />
Ana Paula Prati - Foto: Renato Pizzutto<br />
Paula Pedroza - Foto: Zzn Peres
OS EMPREENDIMENTOS<br />
Capítulo 1<br />
Teraplay - www.teraplay.com.br/<br />
Ramo Urbano - fatimacasarini.com.br/<br />
Ateliê Alexya Salvador - alexyasalvador.com.br/<br />
WonderSize - www.wondersize.com.br/<br />
Manas à Obra - www.manasaobra.com/<br />
Capítulo 2<br />
Greenpeople - www.greenpeople.com.br/<br />
Vittude - www.vittude.com/<br />
Feira Preta - feirapreta.com.br/<br />
Cabocla Criações - www.instagram.com/caboclacriacoes<br />
Boutique de Krioula - www.boutiquedekrioula.com/<br />
Capítulo 3<br />
Café Abraço - www.cafeabraco.com.br/<br />
Cuco Health - cucohealth.com/<br />
Mandala Comidas - www.mandalacomidas.com.br/<br />
Mattricaria - www.mattricaria.com.br/<br />
Censa - www.censabetim.com.br/<br />
Capítulo 4<br />
Mazé Doces - www.mazedoces.com.br/<br />
Bazar Mon Petit - www.facebook.com/nossomonpetit<br />
Jornal Joca - jornaljoca.com.br/portal/<br />
Audima - audima.co/<br />
B2Mamy - www.b2mamy.com.br/<br />
Capítulo 5<br />
Be Flexy - www.beflexy.com.br/<br />
Mãos de Maria - www.facebook.com/Bistroecafemaosdemaria<br />
Baby Check in - www.babycheck-in.com/<br />
Universo Inox - www.universoinox.com.br/<br />
Barkus - barkus.com.br