EY_livro
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
DESCOMPLICANDO OS IMPOSTOS<br />
REFLEXÕES<br />
[Seleção de artigos publicados no Easy Tax, com o apoio do Jornal Económico]
INDICE<br />
4<br />
Prefácio<br />
5<br />
Política<br />
Fiscal<br />
17<br />
Tributação<br />
Empresarial<br />
60<br />
Tributação<br />
Pessoal<br />
80<br />
Tributação<br />
Indireta<br />
95<br />
Tributação<br />
do Imobiliário<br />
107<br />
Tributação<br />
Digital<br />
123<br />
Processo<br />
e Procedimento<br />
3
Prefácio<br />
Prefácio – Livro “Easy Tax”<br />
Luís Marques<br />
Country Tax Leader<br />
Foi no final do mês de março de<br />
2018 que a <strong>EY</strong> decidiu lançar uma<br />
parceria com o Jornal Económico no<br />
sentido de criar um Microsite sobre<br />
fiscalidade, denominado por “Easy<br />
Tax”. Volvidos quase 2 anos após o<br />
lançamento dessa parceria, é justo<br />
afirmar que a mesma tem vindo a ter<br />
uma grande aceitação por parte dos<br />
leitores, uma vez que são cada vez<br />
mais os utilizadores deste Microsite.<br />
O Microsite Easy Tax tinha (e<br />
continua ter) como objetivo<br />
primordial o de abordar temáticas<br />
relacionadas com a fiscalidade<br />
de forma simples com recurso a<br />
uma plataforma digital, através da<br />
disponibilização de informação<br />
genérica que se entende de grande<br />
utilidade para os utilizadores,<br />
incluindo os guias fiscais da <strong>EY</strong>, e,<br />
acima de tudo, partilhar artigos de<br />
opinião escritos por profissionais<br />
da <strong>EY</strong>, bem como providenciar<br />
simuladores de cálculo de impostos<br />
e alertar para algumas questões<br />
importantes no domínio da<br />
fiscalidade.<br />
Através da plataforma Easy Tax<br />
nunca pretendemos dar opiniões<br />
sobre temas complexos e/ou que<br />
requeiram grande nível de análise,<br />
pois esses, tal como referimos<br />
expressamente aquando do<br />
lançamento da mesma, deverão ser<br />
tratados de forma profissional, por<br />
exemplo com recurso à nossa área<br />
de consultoria e assessoria fiscal. Ao<br />
invés, o nosso objetivo foi sempre o<br />
de criar alguma sensibilidade entre<br />
os leitores / utilizadores para uma<br />
realidade que todos os cidadãos<br />
e empresas se têm de confrontar<br />
diariamente, que é a realidade fiscal,<br />
pois todos nós sabemos que pagar<br />
impostos constitui um dever de<br />
cidadania e que todos devem pagar<br />
na exata e justa medida prevista<br />
na lei.<br />
Julgamos ainda ter cumprido com o<br />
propósito de criar uma plataforma<br />
digital que fosse de utilização<br />
intuitiva e simples, ou seja que fosse<br />
“user friendly”, e que por isso fosse<br />
igualmente apelativa para todos<br />
os utilizadores. Tem sido esse o<br />
feedback que temos vindo a ter até<br />
ao momento e por isso estamos<br />
satisfeitos e com a convicção de<br />
termos atingido mais um dos<br />
objetivos que estavam subjacentes<br />
ao Easy Tax.<br />
É neste contexto que decidimos que<br />
agora seria um momento importante<br />
de apresentar ao mercado uma<br />
compilação completa dos artigos<br />
(mais de 240) que até à data<br />
foram produzidos pelos nossos<br />
profissionais, pois entendemos<br />
que os mesmos encerram um<br />
conjunto de reflexões técnicas (mas<br />
simples) sobre várias temáticas<br />
de índole fiscal. Incluímos ainda<br />
nesta compilação os artigos que<br />
publicámos no Barómetro Económico<br />
(uma outra parceira de natureza<br />
mais transversal que também temos<br />
com o Jornal Económico), onde<br />
regularmente existem conteúdos<br />
de natureza fiscal preparados pelos<br />
profissionais da <strong>EY</strong>. Esperamos por<br />
isso que o conteúdo deste <strong>livro</strong> seja<br />
visto pelos nossos leitores como<br />
interessante e útil.<br />
Por último, e tal como referimos no<br />
momento de lançamento do Easy<br />
Tax, e seguindo o nosso propósito<br />
global enquanto Firma internacional<br />
no sentido de estarmos<br />
comprometidos em construir um<br />
melhor mundo de negócios (que<br />
deriva do nosso lema internacional<br />
“building a better working world”),<br />
estamos convictos que o lançamento<br />
deste <strong>livro</strong> é mais um passo certo<br />
nesse objetivo.<br />
Muito obrigado a todos e votos de<br />
boas leituras!<br />
4
Política Fiscal
Política Fiscal<br />
Survey <strong>EY</strong> – Orçamento<br />
do Estado para 2020<br />
Luís Marques<br />
Country Tax Leader<br />
Dando continuidade a um exercício<br />
efetuado em 2018 a propósito<br />
do conteúdo da Proposta<br />
de Lei do Orçamento do Estado<br />
para 2019, a <strong>EY</strong> voltou novamente<br />
a lançar o desafio a gestores,<br />
empresários e profissionais que<br />
atuam na área fiscal, no sentido<br />
de perceber quais seriam as<br />
áreas de maior relevo em que<br />
o Governo deveria incidir a sua<br />
ação no âmbito da preparação da<br />
Proposta de Lei do Orçamento do<br />
Estado para 2020 (PLOE2020) em<br />
matérias de índole fiscal.<br />
Este segundo survey contou com<br />
um total de quase 100 respostas<br />
e mostra o interesse acrescido<br />
que o mesmo despoletou junto<br />
dos agentes económicos, revelando<br />
alguns dados interessantes<br />
e que podem constituir uma<br />
matéria de reflexão nesta fase<br />
que antecede a apresentação da<br />
PLOE2020 por parte do Governo,<br />
a qual se perspetiva que venha a<br />
ocorrer no próximo dia 16 de dezembro<br />
de 2019, tendo por base<br />
as últimas informações que têm<br />
vindo a ser veiculadas nos órgãos<br />
de comunicação social.<br />
Uma das áreas que a <strong>EY</strong> voltou<br />
a considerar no âmbito deste<br />
survey, dada a relevância e a<br />
premência da mesma, foi a de<br />
ter uma perceção de como os<br />
agentes económicos avaliam,<br />
em termos gerais, o sistema fiscal<br />
Português. Neste contexto,<br />
uma das áreas que mais realce<br />
mereceu, em termos de aspetos<br />
menos positivos, por parte dos<br />
respondentes ao survey da <strong>EY</strong> foi<br />
relativamente ao peso da carga<br />
fiscal total suportada (quer ao<br />
nível dos impostos diretos, quer<br />
ao nível dos impostos indiretos).<br />
Existe, pois, uma clara convicção<br />
por parte dos agentes económicos<br />
(mais de 90% dos inquiridos)<br />
que o nível da carga fiscal suportada<br />
é muito elevado. Não é certamente<br />
um resultado surpreendente,<br />
pois de facto, carga fiscal<br />
suportada em Portugal, direta e<br />
indiretamente, e à semelhança<br />
daquilo que o survey efetuado<br />
no ano anterior mostrava, situase<br />
num patamar dos mais elevados<br />
que existem na Europa. Os<br />
últimos dados apontam para um<br />
valor que rondará os 35% do PIB.<br />
De igual modo, a falta de estabilidade<br />
do sistema fiscal é também<br />
apontada como um aspeto menos<br />
positivo para cerca de 88%<br />
dos inquiridos. De facto, as várias<br />
alterações legislativas (que têm<br />
vindo a ser registadas transversalmente<br />
ao nível dos vários impostos)<br />
a que temos vindo constantemente<br />
a assistir contribuem<br />
sem dúvida para este resultado.<br />
Como aspeto positivo, constata-se<br />
que o leque de incentivos<br />
fiscais que atualmente se encontram<br />
contemplados na legislação<br />
fiscal para as atividades<br />
de investigação e desenvolvimento<br />
é adequado ou positivo.<br />
Esta é uma opinião partilhada<br />
por 70% dos respondentes do<br />
survey. É sem dúvida um aspeto<br />
que merece realce e que<br />
decorre das várias medidas que<br />
existem neste domínio e que<br />
o tecido empresarial tem, sem<br />
dúvida, vindo a utilizar de forma<br />
consistente.<br />
Em termos de competitividade<br />
fiscal que Portugal mostra face<br />
a outros países, a esmagadora<br />
maioria dos inquiridos refere que<br />
tal facto terá de necessariamente<br />
envolver alterações legislativas<br />
em sede dos principais impostos<br />
sobre o rendimento que vigoram<br />
em Portugal (i.e. o IRC e o IRS).<br />
Esta é uma opinião que se verifica<br />
em mais de 90% das respostas<br />
recebidas que indicam que o<br />
sistema fiscal Português peca por<br />
falta de competitividade quando<br />
comparado com outros países.<br />
Este aspeto deve merecer um<br />
particular cuidado por parte do<br />
Governo, pois pode ser entendido<br />
como uma ameaça, dado que<br />
potenciais investidores internacionais<br />
poderão, como base num<br />
quadro mais negativo, ponderarem<br />
deslocalizar decisões de investimento<br />
no nosso País.<br />
Finalmente, e numa perspetiva<br />
mais global, o survey mostra que<br />
para 96% dos inquiridos a área de<br />
litigância fiscal / contencioso tributário<br />
carece de melhorias, não<br />
só ao nível das posições normalmente<br />
mais conservadoras adotadas<br />
pela Autoridade Tributária<br />
e Aduaneira no âmbito das ações<br />
inspetivas e outras tomadas de<br />
posição, bem como pela morosidade<br />
na obtenção de decisões<br />
definitivas nos casos de disputas.<br />
Apesar de se registarem melhorias<br />
a este nível (i.e. por via do recurso<br />
aos tribunais arbitrais), para os<br />
contribuintes esta é sem dúvida<br />
uma área de grande preocupação.<br />
Em resumo, com a realização da<br />
segunda edição deste survey,<br />
pensamos que foi possível ter<br />
6
Política Fiscal<br />
uma ideia mais clara e objetiva<br />
sobre a perceção que existe<br />
no sistema fiscal Português por<br />
parte dos agentes económicos, e<br />
obter ainda algumas pistas sobre<br />
áreas em que o legislador poderá<br />
vir a refletir profundamente de<br />
modo a caminhar no sentido de<br />
o poder otimizar e, se possível,<br />
contribuir para uma melhoria de<br />
um sistema fiscal que se mostra<br />
cada vez mais complexo.<br />
A PLOE2020 será sem dúvida um<br />
instrumento único que pode ser<br />
aproveitado para esse efeito. Vamos<br />
então aguardar pelo que aí<br />
vem e depois avaliar o respetivo<br />
impacto ao nível das famílias e<br />
das empresas e confirmar se esta<br />
oportunidade foi devidamente<br />
aproveitada!<br />
Avaliação do Sistema Fiscal<br />
Português – Survey <strong>EY</strong><br />
Luís Marques<br />
Country Tax Leader<br />
A propósito da divulgação<br />
da proposta de Lei do<br />
Orçamento do Estado<br />
para 2019 (PLOE219), a<br />
qual se perspetiva que<br />
venha a ocorrer em<br />
meados do próximo mês<br />
de outubro de 2018, a<br />
<strong>EY</strong> lançou um desafio<br />
ao mercado em geral no<br />
sentido de perceber que<br />
alterações é que os agentes<br />
económicos gostariam de<br />
ver contempladas no texto<br />
do referido documento<br />
ao nível dos principais<br />
impostos que existem no<br />
sistema jurídico-tributário<br />
Português.<br />
Uma das áreas que foi objeto de<br />
avaliação no Survey realizado pela<br />
<strong>EY</strong> foi a de ter uma perceção geral<br />
do sistema fiscal Português, ou<br />
seja, como é que os contribuintes<br />
avaliam em termos globais o sistema<br />
que vigora em Portugal.<br />
Neste contexto, uma das áreas<br />
que mais realce mereceu, em<br />
termos de aspetos menos positivos,<br />
por parte dos respondentes<br />
ao Survey da <strong>EY</strong> foi relativamente<br />
à carga fiscal total suportada.<br />
Existe, pois, uma clara convicção<br />
por parte dos agentes económicos<br />
(mais de 90% dos inquiridos)<br />
que o nível da carga fiscal<br />
suportada é muito elevada. Não<br />
é certamente um resultado surpreendente,<br />
pois de facto, carga<br />
fiscal suportada em Portugal,<br />
direta e indiretamente, situa-se<br />
num patamar dos mais elevados<br />
que existem na Europa.<br />
De igual modo, o nível de complexidade<br />
existente do sistema<br />
fiscal, bem como a taxa de esforço<br />
exigida aos contribuintes<br />
para garantir o cumprimento<br />
das obrigações fiscais, são igualmente<br />
áreas apontadas como<br />
aspetos menos positivos (para<br />
mais de 80% dos participantes).<br />
Também se dirá que as respostas<br />
obtidas não serão de estranhar,<br />
pois, apesar de haver uma<br />
cada vez maior desmaterialização<br />
ao nível do cumprimento<br />
das obrigações declarativas por<br />
via da utilização de ferramentas<br />
assentes em plataformas<br />
Web, é igualmente verdade que<br />
a missão prosseguida pela AT<br />
na tentativa de cruzar dados e<br />
informação dos contribuintes<br />
implica uma maior necessidade<br />
de reporte de informação por<br />
parte dos agentes económicos,<br />
aumentando dessa forma o tempo<br />
exigido ao contribuinte para<br />
cumprir com as exigências impostas<br />
pela lei. Neste capítulo,<br />
também se tem vindo a assistir<br />
a um maior afinamento e ajuste<br />
das regras fiscais, o que torna o<br />
sistema menos user friendly e<br />
mais complexo.<br />
Apesar de ser uma área não tão<br />
crítica como as anteriormente<br />
assinaladas, o nível e a qualidade<br />
de interação entre a AT e<br />
os contribuintes continua a evidenciar-se<br />
como uma área onde<br />
ainda existe uma grande margem<br />
de melhoria, pois para mais<br />
de 55% dos participantes esse é<br />
ainda referido com um aspeto<br />
menos positivo do sistema fiscal<br />
Português.<br />
Para os inquiridos, a disponibilidade<br />
e a existência de incentivos<br />
fiscais nas áreas da investigação<br />
e desenvolvimento apresenta-se<br />
como a área que melhor ava-<br />
7
Política Fiscal<br />
liação obtém no Survey, sendo<br />
este um aspeto importante para<br />
quase 60% dos participantes. De<br />
facto, a existência de regimes<br />
especiais como o SIFIDE contribui<br />
certamente para a obtenção<br />
deste resultado.<br />
Em suma, podemos verificar<br />
que o Survey nos deixa algumas<br />
pistas sobre matérias que<br />
o legislador deverá refletir profundamente<br />
de modo a poder<br />
melhorar a perceção que existe<br />
do sistema fiscal Português,<br />
protegendo (e melhorando e<br />
otimizando, se possível) aquelas<br />
que os contribuintes entendem<br />
como áreas positivas que<br />
existem, sendo a PLOE2019 um<br />
instrumento que tal desiderato<br />
pode ser atingido.<br />
Para onde vai o dinheiro<br />
dos nossos impostos?<br />
Carlos Lobo<br />
Partner, Tax Services -<br />
Prof. Faculdade Direito<br />
Universidade Lisboa<br />
A grande questão que<br />
se coloca à generalidade<br />
dos contribuintes é o<br />
destino do seu dinheiro.<br />
Mais do que a eventual<br />
“sobrecarga” ao nível<br />
da intensidade fiscal,<br />
a opacidade dos fluxos<br />
financeiros ao nível<br />
da sua canalização<br />
para a satisfação das<br />
necessidades públicas<br />
consiste na principal<br />
fonte de crítica ao<br />
modelo geral<br />
de financiamento<br />
por via de impostos.<br />
Grande parte da responsabilidade<br />
por este estado de coisas<br />
reside no sistema de gestão financeira<br />
do Estado. Princípios<br />
orçamentais como o da não consignação<br />
ou o modelo de gestão<br />
de caixa, que simplesmente se<br />
preocupa com a relação acrítica<br />
entre o volume total de receita<br />
e de despesa não promovem a<br />
criação de modelos de responsabilização<br />
direta entre o que se<br />
cobra e o que se gasta.<br />
Porém, modelos mais evoluídos<br />
como o da contabilidade por<br />
acréscimo, combinados com<br />
uma maior densificação analítica<br />
da contabilidade pública<br />
permitirão alterar os modelos<br />
relacionais, incrementando a<br />
possibilidade de medição da<br />
qualidade da despesa e, consequentemente,<br />
justificabilidade<br />
da receita subjacente. De facto,<br />
não se pode esquecer que, em<br />
finanças públicas, o Estado angaria<br />
a receita necessária para<br />
as suas despesas, num exercício<br />
distinto do que acontece nas finanças<br />
privadas, onde o sujeito<br />
só pode gastar no limite do que<br />
consegue angariar.<br />
O modelo tributário deve, neste<br />
novo enquadramento, evoluir ao<br />
nível da articulação entre o acto<br />
de receita e o acto de despesa.<br />
O segredo para a boa decisão<br />
financeira assenta precisamente<br />
na conjugação da responsabilidade<br />
financeira da decisão num<br />
único agente decisor: só assim<br />
ele poderá efectuar um juízo<br />
correcto sobre a necessidade<br />
da realização daquela despesa<br />
pública, ponderando o custo da<br />
sua angariação. Uma dissonância<br />
nesta responsabilidade levará<br />
a estratégias de maximização<br />
acrítica da despesa e da receita<br />
por estrita obrigação burocrática,<br />
originando situação financeiramente<br />
sub-óptimas, com<br />
sobrecargas de ambos em casos.<br />
Esta necessidade tem vindo a<br />
revelar-se. É por essa razão que,<br />
anarquicamente, têm aparecido<br />
cada vez mais tributos baseados<br />
no princípio da equivalência ou<br />
do benefício (taxas, contribuições<br />
financeiras, contribuições<br />
especiais) que tentam retirar<br />
legitimidade dessa aparente<br />
bilateralidade, mas que quase<br />
nunca levam essa realidade às<br />
devidas consequências em sede<br />
financeira. Os modelos de justificabilidade<br />
económica-financeira<br />
nunca são suficientemente<br />
densificados e o Estado nunca<br />
admite a necessária subsidiação<br />
por via de aplicação de despesa<br />
pública quando necessidades de<br />
interesse público tal justificam<br />
(solidariedade social ou coesão<br />
territorial).<br />
É necessário que, uma vez por<br />
todas, se clarifique o quadro<br />
estrutural dos tributos: os impostos<br />
(impostos sobre o rendimento<br />
e o IVA) devem ser angariados<br />
na óptica da capacidade<br />
contributiva visando imperativos<br />
de igualdade; as contribuições<br />
8
Política Fiscal<br />
devem ser cobradas atento o<br />
princípio da equivalência de grupo<br />
(por exemplo, o IMI e o ISP) e<br />
as taxas de acordo com o princípio<br />
da equivalência individual,<br />
numa lógica eminentemente assente<br />
no princípio da eficiência,<br />
mas onde as preocupações de<br />
igualdade também se encontram<br />
presentes (daí a possível subsidiação<br />
aos destinatários das<br />
contribuições e das taxas).<br />
Este simples quadro relacional<br />
permitirá a reestruturação da<br />
arquitetura financeira do Estado,<br />
clarificando definitivamente<br />
o modelo de articulação entre<br />
receitas e despesas do Estado,<br />
aumentando-se significativamente<br />
a transparência de todo<br />
o sistema.<br />
Novos Impostos Europeus:<br />
Quo Vadis?<br />
Carlos Lobo<br />
Partner, Tax Services -<br />
Prof. Faculdade Direito<br />
Universidade Lisboa<br />
A construção do novo<br />
quadro financeiro da<br />
União Europeia para<br />
o próximo período<br />
de programação<br />
comunitária levanta<br />
desafios importantes.<br />
Clama-se por uma<br />
política económico<br />
financeira comunitária<br />
mais intensa e profunda,<br />
mas não se definem as<br />
fontes de financiamento<br />
para a mesma.<br />
Exige-se a manutenção da intensidade<br />
das políticas de coesão,<br />
mas não se prevê o modelo de<br />
compensação dos financiamentos<br />
cessantes decorrentes da saída do<br />
gigante britânico na sequência do<br />
Brexit.<br />
O labirinto financeiro está instalado.<br />
Queremos mais intensidade<br />
e extensão na prestação de utilidades<br />
por parte dos organismos<br />
comunitários, mas o modelo tradicional<br />
de financiamento levará,<br />
inexoravelmente, a uma menor<br />
verba disponível para o efeito.<br />
Portugal está numa posição relativamente<br />
difícil. Sendo um dos<br />
países do grupo da coesão, será<br />
daqueles que poderão sofrer mais<br />
com a redução do orçamento comunitário.<br />
A questão é sensível:<br />
políticas monetária e de concorrência,<br />
alinhadas com os “golden<br />
standards” inerentes ao mercado<br />
interno e à união económica e<br />
monetária, terão efeitos devastadores<br />
na competitividade nacional,<br />
se não forem ponderadas<br />
com transferências de coesão.<br />
Não se pode aplicar um modelo<br />
de igualdade formal a um país<br />
que é materialmente desigual face<br />
aos demais.<br />
Assim, o desafio é claro: é essencial<br />
refundar o modelo de financiamento<br />
da União Europeia, ou<br />
seja, reformatar os seus fundos<br />
próprios. Esta tarefa é particularmente<br />
sensível: a sensibilidade<br />
dos países mais ricos para o<br />
primado da coesão já mereceu<br />
melhor atenção, pelo que uma<br />
qualquer solicitação de maiores<br />
transferências para o orçamento<br />
comunitário não merecerá, presumivelmente,<br />
vencimento. Ora,<br />
a solução alternativa (e não haverá<br />
outra) passará por aumentar<br />
a base de financiamento próprio<br />
da União Europeia por via de impostos<br />
europeus, o que é particularmente<br />
difícil dada a ausência<br />
de legitimidade política para o<br />
seu lançamento. E essa lacuna<br />
manifesta-se de duas formas: em<br />
primeiro lugar, o princípio sacrossanto<br />
no taxation without representation<br />
atua nesta situação de<br />
uma forma desmesurada – se não<br />
existe representação política direta,<br />
torna-se impossível legitimar<br />
uma tributação –; em segundo lugar,<br />
o princípio da subsidiariedade<br />
aloca às instituições comunitárias<br />
políticas de alto nível, que não são<br />
recebidas de forma direta e imediata<br />
pelos cidadãos europeus, o<br />
que origina uma total ausência<br />
de perceção de um qualquer nexo<br />
de equivalência, ainda que meramente<br />
difuso, entre aquilo que se<br />
paga a título de impostos e aquele<br />
de que se beneficia por parte da<br />
ação política comunitária.<br />
É neste enquadramento particularmente<br />
difícil que se inicia a<br />
discussão sobre a introdução de<br />
“novos impostos comunitários”.<br />
O ponto de partida é dado pelo<br />
relatório Monti de dezembro 2016<br />
(disponível em: http://ec.europa.eu/budget/mff/hlgor/library/reportscommunication/<br />
hlgor-report_20170104.pdf), que<br />
contém as propostas para a reforma<br />
orçamental da União Europeia.<br />
Sem surpresas, refere que não<br />
existe uma “solução ideal, mas<br />
unicamente algumas soluções<br />
9
Política Fiscal<br />
praticáveis”. E as soluções seriam<br />
as seguintes: (i) a reforma do sistema<br />
IVA-recurso próprio; (ii) a<br />
introdução de imposto europeu<br />
sobre as sociedades; (iii) a criação<br />
de um imposto sobre as transações<br />
financeiras (FTT) e (parte<br />
inovadora) sobre as atividades<br />
financeiras; (iv) o lançamento de<br />
contribuições ambientais (sobre<br />
o CO2, sobre a eletricidade, sobre<br />
os combustíveis); (v) a instituição<br />
de um imposto alfandegário sobre<br />
produtos importados de países<br />
com um volume de emissões elevado;<br />
e, mais recentemente, (vi) a<br />
criação de um imposto sobre plataformas<br />
digitais.<br />
Analisemos estas propostas de<br />
forma muito sintética. Em geral,<br />
deve-se referir que todos os novos<br />
impostos são por definição<br />
maus impostos. O custo da sua<br />
instituição é enorme, e a receita<br />
que se alcança reduzida. Neste<br />
quadro, haverá que fazer um<br />
esforço na utilização de tributos<br />
já existentes. Vejamos, então,<br />
se isso já se verifica. No caso do<br />
IVA-recurso próprio, esta já existe<br />
desde os primórdios do sistema<br />
IVA, nada há de inovador a este<br />
respeito. Por sua vez, a introdução<br />
de um imposto europeu sobre as<br />
sociedades constitui um objetivo<br />
audaz, tanto mais que a mera<br />
solução de coordenação (o CCCTB)<br />
se encontra em discussão faz mais<br />
de uma década e ainda não viu a<br />
luz do diz. Mais recente é a iniciativa<br />
FTT, que nasceu nos tempos da<br />
crise financeira. Duas notas a este<br />
respeito: primeira, se os efeitos da<br />
crise não a tornaram real, duvidamos<br />
que seja uma mera pretensão<br />
financeira orçamental o faça;<br />
segunda, o nosso País já tem um<br />
imposto sobre a atividade financeira<br />
– o Imposto do Selo. Significará,<br />
isso, que iremos prescindir<br />
da nossa atual base de imposto?<br />
Quanto a impostos ambientais,<br />
Portugal é um benchmark global:<br />
já existe o adicional referente ao<br />
CO2 introduzido pela Reforma da<br />
Fiscalidade Verde, e a tributação<br />
automóvel e da eletricidade é a<br />
mais avançada da Europa a este<br />
respeito. Duas questões a este<br />
propósito: (i) como se articula<br />
esta pretensão impositiva com<br />
o Comércio Europeu de Licenças<br />
de Emissão (CELE)? Teremos<br />
a cumulação de instrumentos<br />
pigouvianos com instrumentos<br />
coaseanos? Tal não é eficiente em<br />
termos económicos, originando<br />
dupla tributação económica; (ii)<br />
os impostos ambientais são, por<br />
definição, suicidas – existem para<br />
desaparecer – ou seja, para alterar<br />
os comportamentos dos sujeitos<br />
passivos. Não nos parece que tal<br />
mecanismo seja o mais indicado<br />
para compor um sistema de financiamento<br />
duradouro do orçamento<br />
comunitário (o duplo dividendo<br />
é, e sempre será, uma miragem).<br />
Por sua vez, o imposto alfandegário<br />
sobre produtos importados<br />
de países fortemente emissores<br />
esbarrará em discussões hercúleas<br />
na Organização Mundial<br />
do Comércio (OMC) e, finalmente,<br />
a criação de um imposto sobre<br />
as plataformas digitais não faz<br />
qualquer sentido, uma vez que o<br />
que está em causa é unicamente<br />
a reformulação das regras de imputação<br />
territorial do direito fiscal<br />
internacional, quer em sede de<br />
tributação do rendimento, quer<br />
do consumo.<br />
A discussão certa seria, a nosso<br />
ver, a contribuição para a União<br />
Europeia de parte dos impostos<br />
já existentes a nível nacional. Por<br />
outras palavras, a manutenção e<br />
reforço das transferências nacionais.<br />
Qualquer outra solução não<br />
sairá do plano teórico (na melhor<br />
das hipóteses).<br />
Impostos 4.0 ?<br />
Os sistemas fiscais estão em evolução. Essa é uma realidade<br />
inolvidável. Desde sempre, os sistemas fiscais tentam<br />
acompanhar a dinâmica da sociedade, tentando capturar<br />
receitas para a prestação de diversas utilidades públicas.<br />
10<br />
Carlos Lobo<br />
Partner, Tax Services -<br />
Prof. Faculdade Direito<br />
Universidade Lisboa<br />
Numa primeira época, o modelo<br />
era claro. O imposto era exigido<br />
ao vencido, ao estrangeiro ou<br />
ao escravo. Consistia, portanto,<br />
num pagamento de subjugação.<br />
As nações “fortes” subsistiam<br />
à conta das nações “fracas”. A<br />
base de incidência era simplificada,<br />
incidindo sobre imóveis<br />
ou no momento da transação ou<br />
movimentação (as portagens).<br />
Os vícios e o pecado eram, nesta<br />
fase, um bom argumento para<br />
a criação de tributos, tendo em
Política Fiscal<br />
vista a expiação do prevaricador,<br />
apazigando-se, dessa forma,<br />
a pretensa ira dos “deuses”.<br />
Num segundo momento, o modelo<br />
da “autorização” do subjugado<br />
– neste caso, todas as<br />
classes, exceto o Rei – mereceu<br />
vencimento. A regra “no taxation<br />
without representation” permitiu<br />
um alargamento do âmbito<br />
de incidência subjetiva, fazendo<br />
com que todos fossem incomodados<br />
pelas pretensões impositivas<br />
do Estado, com o limite<br />
dos termos da própria autorização.<br />
É o alvor da auto-tributação,<br />
do princípio da legalidade<br />
fiscal e do parlamentarismo<br />
fiscal. O âmbito material tornou-se<br />
mais complexo, atenta a<br />
necessidade de estabelecer um<br />
conjunto germinal de garantias<br />
do contribuinte.<br />
Na fase seguinte, a sofisticação<br />
das administrações tributárias<br />
permitiu que cada um fosse<br />
tributado de acordo com a sua<br />
capacidade contributiva. Quem<br />
tem mais contribui de forma<br />
mais intensa do que quem tem<br />
menos. Este conceito, assente no<br />
princípio do rendimento acréscimo,<br />
absorve uma forte legitimidade.<br />
A justiça é concretizada<br />
não só no momento da despesa,<br />
mas igualmente no momento da<br />
angariação da receita. A progressividade<br />
da tributação do rendimento<br />
constitui-se como regra,<br />
numa concretização material<br />
do princípio da igualdade. Este<br />
modelo tributário é um pilar na<br />
criação do Estado Social e de Estado<br />
Bem-Estar.<br />
Atualmente, a desmaterialização<br />
crescente conjugada com<br />
uma globalização musculada,<br />
estão a modificar substancialmente<br />
o status quo fiscal. A mobilidade<br />
dos fatores impede tributações<br />
agravadas de pessoas<br />
ou de empresas, atenta a sua<br />
potencial “fuga” e a composição<br />
do modelo de criação de riqueza<br />
assenta cada vez mais na<br />
imaterialidade, fluida e móvel, o<br />
que dificulta qualquer exercício<br />
de cobrança de imposto assente<br />
num indício ou facto material.<br />
Por essa razão, o sistema fiscal<br />
está, como no princípio, a focarse<br />
nas realidades com menor<br />
mobilidade, ou seja, os imóveis<br />
(por definição) e os “novos-escravos<br />
fiscais”, os trabalhadores<br />
dependentes, que pelo<br />
seu vínculo, não conseguem<br />
desagrilhoar-se das suas entidades<br />
laborais que reportam à<br />
Administração Tributária toda<br />
a informação necessária para o<br />
exercício da função tributária.<br />
Por outro lado, o pecado também<br />
voltou a merecer uma nova<br />
atualidade, transbordando as<br />
suas vestes tradicionais: álcool,<br />
tabaco, agora também o açúcar<br />
e afins, para incidir também, em<br />
sujeitos ou empresas que, num<br />
discurso político populista, procedem<br />
a alegadas explorações<br />
socialmente abusivas (pretensos<br />
lucros exorbitantes): sector<br />
elétrico, farmacêutico, grande<br />
distribuição, etc. Esta tributação<br />
assimétrica abala as grandes<br />
conquistas anteriores. O<br />
princípio da legalidade, filho da<br />
segunda época, decai por via do<br />
modelo das normas de votação<br />
democrática que propicia uma<br />
“ditadura” da maioria sobre a<br />
minoria, sendo que os “outros”<br />
(minorias de geometria variável)<br />
são sempre subjugados pela<br />
decisão maioritária. Por sua<br />
vez, o princípio da igualdade,<br />
em ambas as vertentes (formal<br />
e material), claudica igualmente<br />
já que sectores “amaldiçoados”<br />
ou realidades tributárias dificilmente<br />
mobilizáveis são inevitavelmente<br />
alvo de uma voracidade<br />
tributária desproporcionada,<br />
facto que é crescentemente potenciado<br />
pela erosão da restante<br />
matéria coletável.<br />
Finalmente, as crescentes barreiras<br />
tarifárias ao comércio<br />
internacional recuperam as<br />
“portagens” ancestrais, através<br />
das quais os Estados mais poderosos<br />
arrecadavam recursos à<br />
conta dos restantes.<br />
Os riscos crescentes deste estado<br />
de coisas são evidentes. A<br />
política fiscal deve estar atenta<br />
às distorções que a nova tendência<br />
propicia, devendo estabelecer-se<br />
limites à tributação<br />
do imobiliário e dos trabalhadores<br />
dependentes. Por outro a<br />
“diabolização” de determinados<br />
consumos ou de setores económicos<br />
deve ser reponderada,<br />
uma vez que a sua perenização<br />
irá inevitavelmente provocar<br />
perdas absolutas de bem-estar,<br />
destruindo a sua capacidade de<br />
criação de riqueza, e a consequente<br />
receita pública que daí<br />
adviria. Finalmente, o regresso<br />
da artilharia tarifária terá consequências<br />
extremamente gravosas<br />
no comércio internacional,<br />
com custos acrescidos nas<br />
transações materiais, o que propiciará<br />
um maior fortalecimento<br />
das transações imateriais.<br />
Compete, portanto, a todos que<br />
os impostos 4.0 não se traduzam<br />
num regresso à época<br />
1.0. Modelos como a economia<br />
comportamental ou o princípio<br />
da equivalência e do benefício,<br />
só para citar alguns exemplos,<br />
conjugados com a sofisticação<br />
informática crescente das Administrações<br />
Tributárias e com os<br />
novos modelos de contabilidade<br />
pública permitirão criar sistemas<br />
fiscais mais eficientes, justos, legítimos<br />
e transparentes. Basta só<br />
que não se ceda à tendência populista<br />
de perseguição fiscal de<br />
fatores, pessoas ou setores.<br />
11
Política Fiscal<br />
A Economia Comportamental<br />
no OE/2019<br />
12<br />
Carlos Lobo<br />
Partner, Tax Services -<br />
Prof. Faculdade Direito<br />
Universidade Lisboa<br />
Ainda os fundamentos<br />
teóricos da Economia<br />
Comportamental não haviam<br />
sequer sido formulados<br />
por Richard Thaler e Daniel<br />
Kahneman, já o legislador<br />
fiscal aplicava há séculos<br />
os seus fundamentos. A<br />
razão é fácil de explicar:<br />
a cobrança de impostos<br />
será sempre uma atividade<br />
agressiva dado que implica<br />
a apropriação pública de<br />
parte do património privado;<br />
ora, a melhor forma de<br />
tal ser realizado é através<br />
de metodologias que<br />
pressuponham a aplicação<br />
de uma “anestesia” ao<br />
contribuinte.<br />
Esta técnica não é condenável,<br />
muito pelo contrário. A “arte”<br />
de cobrar impostos passa precisamente<br />
por realizar a função<br />
de arrecadação sem que o<br />
contribuinte sinta que está a<br />
ser tributado, não distorcendo<br />
a sua racionalidade económica<br />
individual. Porém, nos últimos<br />
anos, as técnicas psicológicas<br />
têm vindo a ser desenvolvidas<br />
numa vertente de promoção de<br />
alteração de comportamentos.<br />
Em primeiro lugar através dos<br />
impostos denominados como<br />
“pigouvianos”, ou seja, assentes<br />
no princípio da equivalência ou<br />
do benefício e que visam a eliminação<br />
de comportamentos<br />
economicamente nocivos (como<br />
é o caso dos impostos ambientais).<br />
Em segundo lugar através<br />
da tributação de determinados<br />
comportamentos socialmente<br />
reprováveis, que desde tempos<br />
imemoriais se demonstram<br />
como um bom motivo para legitimar<br />
tributação acrescida (por<br />
exemplo, o pagamento da bula).<br />
Ora, a Proposta de Lei do Orçamento<br />
do Estado para 2019 é<br />
pródiga nesta arte, quase como<br />
inspirada pelos recentes laureados<br />
pelo prémio Nobel. Podemos<br />
identificar três campos essenciais<br />
de atuação. Em primeiro<br />
lugar, no campo dos impostos<br />
assentes na capacidade contributiva,<br />
desenvolve diversas<br />
propostas que se inserem claramente<br />
nesta tendência. No IRS,<br />
por exemplo, subtrai do âmbito<br />
do cálculo das taxas de retenção<br />
na fonte o trabalho suplementar.<br />
Esta opção visa precisamente<br />
acabar com a ideia de que quem<br />
mais trabalhasse “subisse de<br />
escalão”. Obviamente que a técnica<br />
utilizada é paliativa, uma<br />
vez que, a final, no momento da<br />
liquidação, esses montantes vão<br />
ser incorporados para a determinação<br />
do valor final a pagar,<br />
porém, com esta opção, evita-se<br />
a sensação direta de subtração<br />
imediata de liquidez por via do<br />
adicional suplementarmente auferido.<br />
Numa vertente positiva,<br />
igualmente, o incentivo em IRS<br />
para o interior, ou, num modelo<br />
mais intenso, a redução em 50%<br />
da matéria coletável dos “ex-emigrados”.<br />
Finalmente, uma bandeira<br />
da distorção fiscal excessiva<br />
é eliminada: o fim do PEC para<br />
as empresas com situação fiscal<br />
regularizada. Em segundo lugar,<br />
salientamos as medidas de<br />
agravamento em IMI dos imóveis<br />
devolutos, interiorizando os custos<br />
reflexos que estes causam<br />
na vizinhança, a alteração da<br />
componente de emissões de CO2<br />
na tributação automóvel e dos<br />
combustíveis, ou a “nova” contribuição<br />
para a proteção civil,<br />
todas com fundamentos pigouvianos,<br />
ou seja, de interiorização<br />
de custos externos. Em terceiro<br />
lugar, a tributação do “pecado”.<br />
Neste campo, podemos identificar<br />
o agravamento da tributação<br />
autónoma em IRC relativamente<br />
às viaturas detidas pelas empresas.<br />
Neste caso, pune-se a<br />
“riqueza” evidenciada, em total<br />
contraste com o princípio da tributação<br />
do lucro real, mas que<br />
se tem legitimado sucessivamente<br />
no nosso ordenamento<br />
fiscal como se de um pagamento<br />
de “bula” se tratasse. O mesmo<br />
se pode dizer do agravamento<br />
em Imposto do Selo sobre o cré-
Política Fiscal<br />
dito ao consumo. Neste campo,<br />
no entanto, convém penitenciar,<br />
mas não liquidar, o pecador. Ora,<br />
nos Impostos Especiais sobre<br />
o Consumo, o Governo revelou<br />
uma cautela extrema. No caso<br />
do tabaco, continuou a sua trajetória<br />
natural de ajustamento.<br />
Porém, aqui devemos salientar o<br />
stand-still que, pela primeira vez<br />
desde a introdução deste imposto,<br />
ocorreu em sede de IABA. De<br />
facto, a tributação das bebidas<br />
alcoólicas encontrava-se já para<br />
lá do ponto ótimo de tributação.<br />
Tal significava que aumentos de<br />
tributação iriam erodir a capacidade<br />
de geração de receita do<br />
imposto. Neste quadro, e pela<br />
primeira vez, poderemos testar<br />
se o congelamento de imposto<br />
poderá potenciar um aumento<br />
efetivo de receita. Também na<br />
Proposta de Lei do Orçamento<br />
do Estado para 2019 existe campo<br />
para a investigação em economia<br />
comportamental.<br />
O Novo Contrato<br />
Social Fiscal<br />
Carlos Lobo<br />
Partner, Tax Services -<br />
Prof. Faculdade Direito<br />
Universidade Lisboa<br />
A digitalização, a<br />
globalização e os novos<br />
sistemas de disseminação<br />
de informação em rede<br />
alteraram significativamente<br />
os fundamentos tradicionais<br />
do contrato social.<br />
A vida em sociedade pressupõe<br />
um equilíbrio permanente entre<br />
as prestações estatais, traduzidas<br />
financeiramente na despesa<br />
pública geradora de utilidade<br />
social e as contribuições privadas,<br />
traduzidas financeiramente<br />
na receita fiscal, causadora de<br />
desutilidade privada. O elemento<br />
chave para o equilíbrio virtuoso<br />
desta equação é a concretização<br />
de um resultado positivo em<br />
sede de utilidade social global,<br />
ou seja, que as prestações públicas<br />
agregadas mais do que compensem<br />
os custos decorrentes<br />
da sua cobrança. Este modelo<br />
civilizacional remonta à Magna<br />
Carta, de 1215, e foi traduzido,<br />
em meados do século XVIII, no<br />
brocardo “no taxation without<br />
representation”, segundo o qual<br />
este jogo de equilíbrios necessita<br />
de ser legitimado e sufragado<br />
pelos alvos da pretensão impositiva<br />
pública, autorizando o<br />
exercício da mesma na ablação<br />
da esfera patrimonial privada.<br />
Os impostos são, portanto, o<br />
“preço da civilização”. E esse “preço”<br />
é determinado anualmente,<br />
por via parlamentar, através da<br />
votação dos representantes dos<br />
destinatários do encargo, que<br />
aprovam novos impostos, e autorizam<br />
o lançamento dos existentes<br />
por via da aprovação do Orçamento<br />
do Estado. Este modelo<br />
contratualista de intermediação<br />
(Hobbes, Locke e Rousseau) está<br />
a ser colocado em causa. Efetivamente,<br />
os novos modelos económico-sociais<br />
assentam precisamente<br />
na tendência inelutável<br />
para a desintermediação. Se essa<br />
realidade é claramente visível<br />
no setor privado, também se faz<br />
sentir na esfera pública. O movimento<br />
de descentralização é uma<br />
clara manifestação virtuosa desta<br />
tendência, visando a aproximar a<br />
decisão pública aos destinatários<br />
da mesma.<br />
Porém, existem outros exemplos<br />
não virtuosos. Relembramos que<br />
o imposto, como a própria denominação<br />
indica, traduz-se numa<br />
imposição ablativa de um ativo<br />
privado. Os mecanismos básicos<br />
de auto-defesa estarão sempre<br />
presentes. Assim, qualquer intenção<br />
populista assente num<br />
“ataque aos impostos” terá sempre<br />
um público ávido. A justificação<br />
para a pretensa ilegitimidade<br />
do imposto passará sempre pelo<br />
argumento da não perceção da<br />
utilidade da despesa pública realizada,<br />
usando o argumento opaco<br />
da “corrupção”, sempre enunciado<br />
mas nunca concretizado (o caso<br />
dos “coletes amarelos”), ou da<br />
aplicação do produto dos mesmos<br />
em benefício de um qualquer<br />
outro grupo não merecedor<br />
(movimentos secessionistas). Esta<br />
justificação assenta sempre no binómio<br />
enviesado nós versus eles,<br />
em que o grupo de reivindicação<br />
é constituído de forma aparentemente<br />
inorgânica, por via de redes<br />
sociais, aparentemente espontâneas,<br />
mas que são funcionalizadas<br />
no sentido da criação de um<br />
grupo injustiçado, que por alguma<br />
razão, é alegadamente mal tratado<br />
pelo grupo dominante.<br />
Este estado de coisas é um desafio<br />
aos modelos tradicionais<br />
de organização do Estado. Um<br />
13
Política Fiscal<br />
14<br />
dos princípios que é colocado<br />
em causa de forma imediata é o<br />
princípio da igualdade. No limite,<br />
e se levarmos as revindicações<br />
grupais ao ponto extremo, o grupo<br />
pretensamente contribuidor<br />
nunca acederá em contribuir<br />
para o grupo subsidiado. Ora, se<br />
a função pública de garantia da<br />
igualdade for colocada em causa,<br />
então já pouco restará para<br />
o Estado, já que os pilares da<br />
justiça e da segurança ruirão catastroficamente.<br />
Infelizmente, esta criação não<br />
virtuosa de grupos é igualmente<br />
promovida pela recente política<br />
fiscal. O sistema tributário português<br />
encontra-se em mutação.<br />
Todos os anos aparecem novos<br />
tributos, com diferentes configurações,<br />
abrangendo realidades<br />
múltiplas, na maior parte das vezes<br />
sem qualquer conexão com<br />
os impostos “normais”. Este modelo<br />
tributário decorre:<br />
a) Das próprias limitações genéticas<br />
do sistema fiscal tradicional<br />
face à nova realidade global:<br />
- que se encontra esgotado em<br />
termos de possibilidade de progressão<br />
das taxas de tributação<br />
(por isso aparecem tributos com<br />
denominações diferenciadas<br />
mas que constituem efetivamente<br />
agravamentos de impostos<br />
tradicionais – v.g. derrama estadual<br />
no caso do IRC; sobretaxa<br />
do IRS; AIMI em sede de tributação<br />
imobiliária);<br />
- que tenta criar fluxos de receita<br />
estáveis criando tipos tributários<br />
anómalos, sucessivamente agravados<br />
(v.g. tributação autónoma;<br />
limites à dedutibilidade dos encargos<br />
de financiamento; limites<br />
ao reporte de prejuízos, etc.);<br />
- que tenta contornar as limitações<br />
dos modelos de conexão<br />
do direito fiscal internacional,<br />
tentando manter o poder de tributar<br />
no país de destino em atividades<br />
incorpóreas (v.g. impostos<br />
sobre as plataformas digitais;<br />
“taxas turísticas”);<br />
- pela sucessivamente crescente<br />
função reguladora do Estado,<br />
que deixando de atuar ao nível<br />
do fornecimento direto das utilidades,<br />
impõe obrigações de<br />
“serviço público” adicionais sem<br />
a necessária fundamentação<br />
económico-financeira (v.g., o caso<br />
da tarifa social da energia, ou de<br />
todas as limitações à progressão<br />
tarifária no sector dos transportes<br />
e afins), ou pela criação de<br />
impostos regulatórios putativamente<br />
perequativos, mas que<br />
disfarçam pretensões eminentemente<br />
tributárias (a perequação<br />
tarifária não fundamentada);<br />
b) De estratégias comportamentais<br />
legitimadoras de pretensões<br />
tributárias maximizadas<br />
- pela utilização da vertente “sinalagmática”<br />
para a legitimação<br />
de tributações agressivas utilizando<br />
abusivamente o modelo<br />
de contribuição ou taxa (v.g. vários<br />
tributos ambientais, a “taxa<br />
da proteção civil”, etc.);<br />
- pelo abuso da qualificação “extraordinária”<br />
para a justificação<br />
de imposição de sobrecargas<br />
supostamente temporárias, mas<br />
que tendem fatalmente para a<br />
permanência, cristalizando-se<br />
ao longo do tempo (v.g. todas as<br />
denominadas “Contribuições Extraordinárias”),<br />
tendendo o Tribunal<br />
Constitucional a “desmantelar”<br />
os cortes extraordinários de<br />
despesa (por exemplo, os cortes<br />
aos vencimentos dos funcionários<br />
públicos) e a aceitar a manutenção<br />
dos tributos (v..g. CESE);<br />
- pela incapacidade do Ministério<br />
das Finanças na gestão<br />
impositiva de uma política fiscal<br />
racional. Os ministérios setoriais<br />
tomaram a imposição fiscal positiva<br />
como elemento essencial da<br />
política setorial, deixando pouco<br />
espaço para o estabelecimento<br />
de limitações a iniciativas mais<br />
criativas (o que não acontecia no<br />
caso do modelo anterior, onde<br />
os ministérios setoriais propunham<br />
benefícios fiscais que<br />
eram controlados pelo efeito em<br />
sede de despesa fiscal pelo Ministério<br />
das Finanças)<br />
- pela descentralização crescente<br />
de competências para entidades<br />
menores, que não sendo<br />
acompanhadas de “envelopes financeiros”<br />
suficientes, legitima a<br />
sucessiva criação de novas taxas<br />
municipais.<br />
c) De orientações políticas limitadoras<br />
de reações de “resistência<br />
fiscal” por via da criação de grupos-alvo<br />
de tributação acrescida:<br />
- pela utilização de anátemas<br />
tradicionais de tributação do<br />
pecado (por exemplo tabaco, bebidas<br />
alcoólicas, e mais recentemente<br />
a tributação das bebidas<br />
açucaradas), que, se abusada,<br />
destrói o próprio princípio de arrecadação<br />
de receita fiscal;<br />
- pela criação de ambientes agressivos<br />
contra setores em concreto,<br />
aproveitando estereótipos socialmente<br />
instalados para a justificação<br />
de uma sobrecarga tributária.<br />
Esta “sectorização” tributária baseada<br />
em argumentos tais como<br />
os “lucros excessivos” (v.g. CESE,<br />
Contribuição Extraordinária sobre<br />
a Indústria Farmacêutica,<br />
Taxa de Segurança Alimentar+),<br />
ou “especulação imobiliária” (v.g.<br />
AIMI), ou a diabolização de produções,<br />
como o eucalipto (a nova<br />
taxa sobre recursos florestais do<br />
OE/2019) criando uma luta interna<br />
nos setores (por exemplo, na<br />
CESE, elétricas vs. petrolíferas vs.<br />
renováveis; Contribuição Farmacêutica<br />
(hospitalar vs. ambulatório,<br />
medicamentos patenteados<br />
vs. genéricos);<br />
- pela privatização excessiva<br />
de uma função pública, pri-
Política Fiscal<br />
vatizando-se uma função que<br />
tipicamente se insere na atividade<br />
pública. Um desses casos,<br />
ainda em tendência crescente,<br />
é a Compensação Equitativa<br />
pela Cópia Privada, pela qual o<br />
Estado atribui poder a associações<br />
agregadoras de interesses<br />
na área da cultura, concedendo<br />
“poder tributário” a instituições<br />
privadas que o usam para a celebração<br />
de “acordos” tutelados<br />
pelo poder do Estado.<br />
Este último grupo de orientações<br />
políticas é particularmente nocivo,<br />
uma vez que assenta predominantemente<br />
num modelo de<br />
“ditadura da maioria sobre a minoria”.<br />
Apesar dessas “maiorias”<br />
e “minorias” revestirem uma natureza<br />
móvel e fluída, a verdade<br />
é que esta tributação “clusterizada”<br />
sectária viola os princípios<br />
mais basilares do modelo<br />
democrático representativo, uma<br />
vez que não permite uma tutela<br />
efetiva da posição tributária do<br />
grupo-alvo, inevitavelmente em<br />
minoria no seio de uma democracia<br />
parlamentar. O princípio<br />
da legalidade fiscal, por conseguinte,<br />
não é suficiente para a<br />
tutela dos seus direitos constitucionais.<br />
Neste quadro complexo,<br />
as análises de conformidade<br />
constitucional terão de ultrapassar<br />
a simples análise formal de<br />
legalidade, observando outras<br />
condicionantes de ordem material<br />
(proporcionalidade, tempestividade,<br />
generalidade, liberdade<br />
económica, eficiência, entre outros)<br />
de forma a que os grupos<br />
-alvo possam ver a sua posição<br />
jurídica salvaguardada de uma<br />
forma minimamente satisfatória.<br />
Este é um imperativo, e igualmente,<br />
uma consequência deste<br />
novo contrato social fiscal. Esta<br />
tendência para a criação de antagonismos<br />
grupais deve ser<br />
anulada através de uma política<br />
de transparência, justiça e igualdade.<br />
A legalidade, em si mesmo,<br />
já não é suficiente, por si só, para<br />
o efeito. Tal como a exigência<br />
na gestão pública aumentou exponencialmente<br />
por via de uma<br />
maior exigência por parte dos<br />
destinatários da mesma, também<br />
os imperativos éticos, de justiça,<br />
proporcionalidade e igualdade<br />
na definição da política fiscal devem<br />
ser respeitados e ampliados.<br />
Nesta perspetiva, e nos termos<br />
do novo contrato social fiscal, o<br />
contribuinte deve ser, assim, um<br />
bom contribuinte, pagando os<br />
seus impostos e o Estado deve fazer<br />
bons impostos, transparentes,<br />
eficientes, justos e proporcionais,<br />
sem a criação de anátemas ou<br />
injustiças relativas, promovendo<br />
a paz social e o desenvolvimento<br />
sócio-económico.<br />
Carlos Lobo<br />
Partner, Tax Services -<br />
Prof. Faculdade Direito<br />
Universidade Lisboa<br />
O Futuro da Tributação:<br />
Princípio do Destino (Serão<br />
Indiretos todos os Impostos<br />
sobre o Rendimento<br />
Empresarial num futuro<br />
próximo?)<br />
O direito fiscal<br />
internacional assenta<br />
historicamente a<br />
fundamentação para as<br />
suas regras no princípio<br />
da origem. Nesse<br />
quadro geral, todo o<br />
edifício da tributação<br />
do rendimento pessoal<br />
individual e das pessoas<br />
coletivas foi assente<br />
na lógica da residência.<br />
A sua lógica era imbatível: os<br />
agentes económicos usufruem<br />
de utilidades públicas prestadas<br />
nas suas localizações originárias,<br />
sendo estas as detentoras<br />
de toda a informação que permitiria<br />
uma tributação de acordo<br />
com o princípio do acréscimo,<br />
concretizando a tributação do<br />
rendimento real (no caso das<br />
pessoas singulares) e do lucro<br />
real (no caso das pessoas coletivas).<br />
Esta lógica era reforçada pela<br />
envolvente estrutural. No caso<br />
da tributação singular, as ponderações<br />
pessoais deveriam<br />
ser efetuadas de acordo com<br />
as condições do seu agregado<br />
familiar, que se situaria inevitavelmente<br />
numa localização<br />
de residência. Por sua vez, no<br />
15
Política Fiscal<br />
16<br />
caso da tributação das pessoas<br />
coletivas, a atribuição do direito<br />
de tributar à localização da sede<br />
(ou da direção efetiva) decorria<br />
igualmente de uma “compensação”<br />
pelo prejuízo que esse<br />
Estado havia suportado, permitindo<br />
a realização de investimentos<br />
das “suas” empresas<br />
em outras jurisdições o que,<br />
alegadamente, afetaria o crescimento<br />
económico no seu território<br />
(princípio da neutralidade<br />
na exportação de capitais, que<br />
prejudica atribuição do direito<br />
de tributar ao Estado da Fonte<br />
dos rendimentos).<br />
Todo este edifício formal, que<br />
assenta numa lógica estrita de<br />
soberania fiscal enclausurada,<br />
tem sido colocado em causa<br />
pelo movimento de globalização,<br />
recentemente acelerado<br />
pela digitalização da economia.<br />
As pessoas circulam livremente<br />
num mundo cada vez mais global,<br />
e as empresas (pessoas jurídicas<br />
eminentemente formais)<br />
estabelecem-se de forma ainda<br />
mais facilitada nas jurisdições<br />
que lhes são mais convenientes.<br />
Quanto a isto, a iniciativa BEPS,<br />
ao esticar de forma quase insuportável<br />
os vetustos conceitos<br />
tradicionais, não se traduz senão<br />
num mero paliativo temporário<br />
que culminará inevitavelmente<br />
numa recomposição dos modelos<br />
gerais de tributação internacional.<br />
E, neste contexto, o princípio do<br />
destino parece adquirir vantagem.<br />
Efetivamente, os argumentos<br />
que fundamentavam a hegemonia<br />
do princípio da origem<br />
deixaram de existir. A informação<br />
sobre a situação concreta<br />
dos contribuintes pode ser angariada<br />
e transmitida em rede<br />
para todas as Administrações<br />
Fiscais (o que já ocorre hoje de<br />
forma crescente) permitindo<br />
que qualquer jurisdição possa<br />
efetuar as ponderações personalizantes<br />
necessárias. Por sua<br />
vez, a luta contra o planeamento<br />
fiscal agressivo só terá sucesso<br />
quando as regras de definição<br />
do direito de tributar forem alteradas,<br />
privilegiando a atribuição<br />
desse direito à localização<br />
de variáveis mais imóveis para a<br />
formação do rendimento. Na lógica<br />
do princípio do destino, as<br />
decisões empresariais relativas<br />
às estratégias de investimento,<br />
de tipo de rendimento ou<br />
de estruturas de financiamento<br />
passariam a ser fiscalmente<br />
neutras.<br />
A proposta da Comissão Europeia<br />
relativa ao CC(C)TB, que assenta<br />
nos critérios de volume de<br />
ativos, trabalhadores e vendas<br />
é um primeiro indicador dessa<br />
nova tendência. A crescente aplicação<br />
do princípio da tributação<br />
territorial em jurisdições como<br />
Hong Kong (ou mesmo Portugal,<br />
no caso do regime dos residentes<br />
não habituais) é uma outra<br />
manifestação. No mesmo sentido,<br />
os novos impostos sobre as<br />
plataformas digitais assentam<br />
igualmente no princípio do destino,<br />
contornando de forma “bárbara”<br />
os modelos tradicionais de<br />
tributação do rendimento, originando<br />
duplas tributações económicas<br />
ineficientes.<br />
Ora, no limite, poderá dizer-se<br />
que, num mundo digital, onde<br />
a base de ativos é tendencialmente<br />
imaterial e a força laboral<br />
assente em modelos de colaboração<br />
relativamente informal,<br />
em parceria, ou em sociedade,<br />
a única variável que resta para<br />
a determinação do direito a tributar<br />
será o ato de venda (na<br />
lógica da oferta) ou o ato do<br />
consumo (na ótica da procura).<br />
E tal é intrinsecamente verdadeiro:<br />
todo o lucro, mesmo na<br />
perspetiva conceptual tradicional,<br />
tem subjacente um ato, que<br />
se consubstancia na transação<br />
em mercado. Ora, uma vez que<br />
o movimento de digitalização assenta<br />
essencialmente na “devolução<br />
do poder de mercado” ao<br />
consumidor, será na localização<br />
do cliente que o direito de tributar<br />
definitivamente se localizará.<br />
Ora, neste quadro, a convergência<br />
entre esta nova tributação do<br />
rendimento e o IVA é evidente e<br />
incontornável, tendo sido já elaboradas<br />
propostas de impostos<br />
sobre o rendimento das sociedades<br />
traduzidas na tributação<br />
do cash-flow na jurisdição de<br />
destino.<br />
Este modelo (ou um outro qualquer<br />
de base similar) terá a virtude<br />
de contribuir positivamente<br />
não só para a eficiência económica<br />
como para a redistribuição<br />
global, uma vez que permitirá<br />
que as nações mais populosas e,<br />
consequentemente, com maior<br />
necessidade de infraestruturação<br />
reforcem a sua base de tributação.
Tributação Empresarial<br />
Tributação<br />
Empresarial
Tributação Empresarial<br />
O atual paradigma<br />
do IRC – Imposto<br />
progressivo vs. taxa única<br />
18<br />
Luís Marques<br />
Country Tax Leader<br />
Foi em 1988, num período<br />
de governação liderado<br />
pelo Prof. Aníbal Cavaco<br />
Silva, que foi publicado o<br />
Decreto-Lei nº 442-B/88,<br />
de 30 de novembro que<br />
visou implementar no<br />
ordenamento jurídicotributário<br />
Português<br />
o Código do Imposto<br />
sobre o Rendimento das<br />
Pessoas Coletivas (“IRC”),<br />
o qual entrou em vigor no<br />
dia 1 de janeiro de 1989.<br />
Estávamos num período caracterizado<br />
por uma profunda<br />
reforma tributária em Portugal,<br />
dado estarmos a passar de um<br />
sistema fiscal assente numa lógica<br />
cedular / parcelar para evoluirmos<br />
para um sistema de imposto<br />
único, nomeadamente no<br />
que concerne a impostos sobre<br />
o rendimento, não apenas em<br />
sede das empresas e restantes<br />
pessoas coletivas, mas também<br />
ao nível do Imposto sobre o Rendimento<br />
das Pessoas Singulares<br />
(“IRS”).<br />
De facto, um dos objetivos que<br />
presidiu, à data, à aprovação do<br />
Código do IRC residia na adoção<br />
de uma taxa geral do IRC com<br />
base num critério de moderação,<br />
em que se teve particularmente<br />
em conta o elevado grau de<br />
abertura da economia portuguesa<br />
ao exterior e, por isso, a ne-<br />
cessidade de a situar a um nível<br />
que se enquadrasse nos níveis<br />
vigentes em países com graus<br />
de desenvolvimento semelhante<br />
ao nosso ou com os quais mantemos<br />
estreitas relações económicas.<br />
Referia-se também que não obstante<br />
o Estado, nas circunstâncias<br />
à data, não poder prescindir<br />
de receitas fiscais, o objetivo do<br />
desagravamento da tributação<br />
dos lucros das empresas não<br />
foi tão longe quanto seria desejável,<br />
mas isso não impediu<br />
que, mesmo tendo em conta a<br />
possibilidade de serem lançadas<br />
derramas sobre a coleta do<br />
IRC, se tenha atingido uma uniformização<br />
dessa tributação. Ou<br />
seja, havia um objetivo de, por<br />
um lado, manter uma taxa geral<br />
de IRC (ainda com a possibilidade<br />
de lançamento de derramas<br />
numa lógica de financiamento<br />
municipal) e, por outro lado, garantir<br />
que a mesma se afigurava<br />
competitiva face aos países que<br />
tradicionalmente competiam<br />
com Portugal.<br />
No entanto, a crise financeira a<br />
que Portugal esteve sujeito, o<br />
que levou à adoção de um plano<br />
de assistência financeira liderado<br />
por 3 entidades (i.e. FMI, BCE<br />
e Comissão Europeia), comummente<br />
designado por Troika,<br />
entre os anos de 2011 e 2014, fez<br />
com que este paradigma se alterasse<br />
e mesmo posto em causa.<br />
De facto, neste período de recessão<br />
económica, houve necessidade<br />
de implementar um conjunto<br />
de medidas económicas de<br />
carácter excecional (i.e. medidas<br />
de austeridade), nas quais se<br />
incluíram medidas de caracter<br />
fiscal. Uma dessas medidas foi a<br />
introdução da chamada Derrama<br />
Estadual (“DE”), a qual foi introduzida<br />
ainda em 2010, ou seja,<br />
antes até da entrada formal da<br />
Troika em Portugal.<br />
Constata-se, assim, que ao longo<br />
dos últimos anos temos vindo a<br />
assistir a um conjunto de alterações<br />
ao nível do regime fiscal<br />
aplicável à DE (a qual constitui<br />
receita do Governo central), sendo<br />
uma das mais emblemáticas<br />
a que decorreu da aprovação<br />
da Lei do Orçamento do Estado<br />
para 2018 (“OE 2018”), no âmbito<br />
da qual se estipulou que os<br />
contribuintes que gerem lucro<br />
tributável acima de 35 milhões<br />
de Euros, ficarão sujeitos ao pagamento<br />
da DE em 9%.<br />
Deste modo, estabelece-se<br />
atualmente que os contribuintes<br />
ficarão sujeitos ao pagamento da<br />
DE, nos seguintes moldes:<br />
a) Lucro tributável acima de<br />
1.500.000€ e até 7.500.000€ –<br />
taxa de 3%;<br />
b) Lucro tributável acima de<br />
7.500.000€ e até 35.000.000€ –<br />
taxa de 5%;<br />
c) Lucro tributável acima de<br />
35.000.000€ – taxa de 9%;<br />
Dito de outro modo, o IRC transformou-se,<br />
ao longo destes últimos<br />
anos, num imposto de carácter<br />
progressivo.<br />
Ainda que a introdução da DE se<br />
tenha inserido num contexto de<br />
exceção económica, o que, numa<br />
primeira análise a poderia justificar,<br />
o facto de esse contexto<br />
de excecionalidade (i.e. período
Tributação Empresarial<br />
da Troika) ter terminado, coloca<br />
em causa os princípios que estiveram<br />
na sua génese e dão a<br />
entender que, afinal, esta medida<br />
não será excecional mas sim<br />
estruturante do próprio sistema<br />
fiscal e, em particular, no que<br />
concerne ao próprio Código do<br />
IRC. A alteração ocorrida agora<br />
sede de aprovação do OE 2018<br />
dá expressão a esse sentimento<br />
por parte do legislador.<br />
Assim, os princípios que estiveram<br />
na base, em 1988, aquando<br />
da aprovação do Código do IRC,<br />
estão agora postos em causa,<br />
pois não estamos perante uma<br />
realidade que afasta o IRC de<br />
um regime de imposto assente,<br />
em substância, numa lógica de<br />
taxa única, como também se levantam<br />
algumas dúvidas sobre<br />
o nível de competitividade da<br />
taxa efetiva final que uma entidade<br />
pode ser confrontada (que<br />
pode, no limite, vir a ser superior<br />
a 30%).<br />
Como nota final, não se pode<br />
de deixar de questionar se a<br />
manutenção do atual regime da<br />
DE não é em si mesmo algo que<br />
legislador deverá repensar em<br />
termos de estrutura conceptual<br />
do imposto e bem assim das regras<br />
basilares em que o mesmo<br />
assenta.<br />
Isenção de IRC na<br />
distribuição de lucros a<br />
empresas norte-americanas<br />
– O que fazer?<br />
Luís Marques<br />
Country Tax Leader<br />
O Código do Imposto<br />
sobre o Rendimento<br />
das Pessoas Coletivas<br />
(“IRC”) contempla<br />
uma disposição (i.e.<br />
no seu artigo 14º) que<br />
permite isentar de<br />
retenção na fonte os<br />
lucros distribuídos<br />
a empresas não<br />
residentes em Portugal,<br />
desde que respeitados<br />
alguns requisitos.<br />
Esta medida assume uma importância<br />
vital na competitividade<br />
do sistema fiscal português e<br />
assenta numa lógica de permitir<br />
uma maior flexibilidade na<br />
movimentação de capitais entre<br />
Estados e insere-se num quadro<br />
de alinhamento de regras<br />
de tributação que vigoram em<br />
múltiplos países onde o tema<br />
da competitividade fiscal está<br />
sempre presente. Em termos<br />
internacionais, a adoção deste<br />
tipo de disposições nos normativos<br />
fiscais nacionais insere-se<br />
no quadro das denominadas regras<br />
de participation exemption,<br />
muito comuns em vários Estados<br />
Membros da União Europeia mas<br />
também em outros países de relevo<br />
internacional.<br />
Contudo, se por um lado se deve<br />
saudar a inclusão desta medida<br />
no normativo jurídico-tributário<br />
português, por outro lado, constata-se<br />
que, em termos práticos,<br />
a respetiva aplicação nem sempre<br />
se mostra tão linear como<br />
numa primeira análise se poderia<br />
pensar. Este facto, menos<br />
positivo, é especialmente importante<br />
no caso particular dos Estados<br />
Unidos da América (“EUA”),<br />
país com o qual Portugal tem<br />
um Acordo de Dupla Tributação<br />
(“ADT”), como seguidamente se<br />
irá explicar de forma resumida.<br />
Comecemos por analisar os requisitos<br />
de aplicação da referida<br />
isenção. De facto, para que tal<br />
isenção possa ser desde logo<br />
aplicável dever-se-ão verificar,<br />
entre outros, os seguintes requisitos:<br />
1. Os lucros devem ser pagos a<br />
uma entidade residente num<br />
país com o qual Portugal celebrado<br />
uma convenção para evitar<br />
a dupla tributação onde se<br />
prevejam mecanismos de troca<br />
de informação, como é o caso<br />
dos EUA;<br />
2. Que a entidade que recebe os<br />
lucros esteja sujeita e não isenta<br />
a um imposto sobre o rendimento<br />
de natureza similar ou<br />
19
Tributação Empresarial<br />
Diretiva podem ser resumidas<br />
como se segue:<br />
Limitação à dedução de juros<br />
de financiamento – É considerado<br />
um limite à dedução dos<br />
gastos de financiamento, regra<br />
geral, resultante do maior<br />
valor entre 30% do EBITDA e €<br />
3.000.000, permitindo-se o cômputo<br />
da limitação ao nível de<br />
um grupo fiscal. Não obstante,<br />
para os contribuintes que façam<br />
parte de um grupo que consolide<br />
financeiramente, o referido<br />
limite poderá não ser aplicável<br />
se o rácio entre os capitais próprios<br />
e o total de ativos do conidêntica<br />
ao IRC e que a taxa legal<br />
aplicável a essa entidade no seu<br />
país de residência não seja inferior<br />
a 60% da taxa nominal de<br />
IRC (atualmente fixada em 21%),<br />
ou seja, que a taxa de tributação<br />
que vigore nos EUA não seja inferior<br />
a 12,6% (i.e. 60% x 21%).<br />
Neste contexto, o Código do IRC<br />
estabelece ainda de forma expressa<br />
que o requisito elencado<br />
em b) supra apenas se considera<br />
verificado mediante uma declaração<br />
confirmada e autenticada<br />
pelas autoridades fiscais competentes<br />
do país onde a entidade<br />
beneficiária dos lucros for residente<br />
(que no caso dos EUA, trata-se<br />
do Internal Revenue Services<br />
– “IRS”). E é precisamente<br />
aqui que os problemas práticos<br />
começam. Isto porque o IRS não<br />
emite este tipo de declarações.<br />
Aliás, a única declaração que o<br />
IRS emite, regra geral, para efeitos<br />
de aplicação de instrumentos<br />
de direito fiscal internacional<br />
(sendo que tal procedimento encontra-se<br />
expressamente previsto<br />
nas guidelines emitidas por<br />
parte daquela autoridade tributária)<br />
é um formulário standard<br />
(i.e. o formulário designado por<br />
“Form-6166”) que confirma que<br />
a entidade em causa é uma<br />
pessoa coletiva de direito norte-americano<br />
e residente fiscal<br />
nos EUA.<br />
Com base nesta situação particular,<br />
tem havido casos em que<br />
a isenção de retenção na fonte<br />
nos lucros pagos e distribuídos<br />
a empresas norte-americanas<br />
não tem sido possível de aplicar,<br />
sendo mesmo vedada por parte<br />
da administração tributária<br />
portuguesa em virtude da inobservância<br />
deste requisito formal<br />
previsto no Código do IRC,<br />
mesmo nas situações em que,<br />
com recurso a meios de prova<br />
alternativos, se demonstra a verificação<br />
do requisito da taxa de<br />
tributação aplicável nos EUA ser<br />
superior a 60% da taxa nominal<br />
do IRC atualmente vigente em<br />
Portugal. Com isto têm emergido<br />
processos de litigância fiscal.<br />
Esta questão, para além de tecnicamente<br />
ser bastante discutível,<br />
pois deveria ser possível<br />
cumprir com o requisito previsto<br />
na lei com recurso a meios alternativos<br />
de prova quando for<br />
impossível de obter a tal declaração<br />
(como é o caso dos EUA),<br />
levanta problemas de fundo sobre<br />
a efetiva competitividade do<br />
sistema fiscal português e, talvez<br />
ainda com maior nível de negatividade,<br />
levanta ainda problemas<br />
de desconfiança por parte de<br />
potenciais investidores norte-americanos<br />
em Portugal.<br />
Por tudo o que foi anteriormente<br />
exposto, seria bom que a administração<br />
fiscal portuguesa<br />
refletisse sobre esta temática<br />
e procurasse, numa ótica de<br />
bom senso, nomeadamente por<br />
recurso à via administrativa,<br />
elencar formas alternativas de<br />
cumprir com os requisitos plasmados<br />
na lei quando os mesmos,<br />
tal qual se encontram previstos,<br />
não se mostram possíveis<br />
de aplicar.<br />
A Diretiva antielisão da U.E.<br />
20<br />
ANTÓNIO NEVES<br />
Partner, Tax Services<br />
Em julho de 2016, foi<br />
publicada a Diretiva<br />
(UE) n.º 2016/1164, do<br />
Conselho, que estabelece<br />
regras contra as práticas<br />
de elisão fiscal que<br />
tenham incidência direta<br />
no funcionamento<br />
do mercado interno.<br />
Na prática, esta Diretiva foi uma<br />
das respostas da U.E. ao projeto<br />
BEPS (Base Erosion and Profit<br />
Shifting) da OCDE, focando-se<br />
em 5 medidas que visam combater<br />
a elisão fiscal no seio dos<br />
Estados-Membros. Estas medidas<br />
têm como objetivo funcionar<br />
como um nível mínimo de<br />
proteção contra a elisão fiscal<br />
na U.E., mas os Estados-Membros<br />
poderão continuar a aplicar<br />
as disposições nacionais ou<br />
convencionais que permitam<br />
um nível de proteção mais elevado.<br />
As 5 medidas contempladas na
Tributação Empresarial<br />
tribuinte for superior ao mesmo<br />
rácio aferido na esfera do grupo.<br />
Outra alternativa, para permitir<br />
um limite de dedução superior,<br />
decorre da possibilidade de<br />
considerar o rácio entre os gastos<br />
líquidos de financiamento<br />
do grupo com empréstimos de<br />
terceiros e o EBITDA do grupo<br />
multiplicado pelo EBITDA do<br />
contribuinte. Os Estados-Membros<br />
poderão excluir da aplicação<br />
da norma os gastos de<br />
financiamento associados a<br />
projetos de infraestruturas públicas<br />
de longo prazo considerados<br />
de interesse público geral,<br />
bem como as empresas financeiras.<br />
Quando se verifique o<br />
apuramento de gastos excessivos<br />
de financiamento não dedutíveis<br />
no período de tributação<br />
em causa, os mesmos poderão<br />
ser reportados para períodos<br />
seguintes (prevendo-se, inclusive,<br />
a possibilidade de dedução<br />
em exercícios anteriores), sendo<br />
que a parte não utilizada do limite<br />
de dedução também poderá<br />
ser reportada para períodos<br />
de tributação seguintes.<br />
Exit tax – Prevenir a não tributação<br />
na deslocalização de<br />
ativos, mediante transferência<br />
de ativos entre a sede e um<br />
estabelecimento estável, ou<br />
entre estabelecimentos estáveis,<br />
bem como a transferência<br />
de residência ou transferência<br />
de atividade de um estabelecimento<br />
estável. Contudo, no<br />
caso de transferências no seio<br />
da U.E. (e do E.E.E. com assistência<br />
mútua equivalente à<br />
existente na U.E.), permite-se<br />
o pagamento do imposto em<br />
prestações durante 5 anos,<br />
caso em que serão devidos juros<br />
e, em certas situações, poderá<br />
ser exigida uma garantia.<br />
Regra geral antiabuso – Permite<br />
desconsiderar construções jurídicas<br />
com o objetivo de obter<br />
vantagens fiscais e considerar,<br />
para efeitos tributários, a substância<br />
económica das transações.<br />
Controlled foreign company –<br />
Tem como objetivo mitigar a<br />
transferência de lucros para um<br />
território de baixa tributação,<br />
mediante imputação (independentemente<br />
da distribuição) aos<br />
sócios residentes – que tenham<br />
uma posição de controlo (50%<br />
ou mais dos direitos de voto,<br />
capital ou direito a lucros) – dos<br />
lucros obtidos por uma entidade<br />
estrangeira (incluindo um estabelecimento<br />
estável), na medida<br />
em que a respetiva tributação<br />
efetiva seja inferior a metade da<br />
que seria aplicável no Estado-<br />
Membro em causa. São delineadas<br />
duas alternativas para imputação<br />
de lucros – uma com base<br />
em rendimentos passivos e outra<br />
com base em falta de substância<br />
–, em cada uma delas prevendose<br />
regras de imputação específicas,<br />
e consideradas exceções à<br />
aplicação da norma, designadamente,<br />
se a atividade, recursos,<br />
ativos, etc., permitam justificar<br />
razões económicas válidas para<br />
a localização da entidade no território<br />
de baixa tributação ou a<br />
entidade estrangeira tiver uma<br />
pequena dimensão. São, ainda,<br />
contempladas medias tendentes<br />
a evitar a dupla tributação.<br />
Switchover rule – Tem como<br />
propósito evitar a dupla não tributação<br />
de certos rendimentos,<br />
mediante a dedução apenas no<br />
Estado-Membro de origem do<br />
pagamento (no caso de se verificar<br />
uma dupla dedução) ou<br />
ser negada a dedução no Estado-Membro<br />
pagador (se houver<br />
uma dedução sem inclusão).<br />
A Diretiva deverá ser implementada<br />
a partir de 01.01.2019,<br />
embora possam haver algumas<br />
derrogações relativamente a<br />
normas específicas, quer pela<br />
sua natureza (exit tax), quer<br />
porque o Estado-Membro já dispõe<br />
de norma similar (limitação<br />
à dedução de juros), casos em<br />
que a implementação poderá<br />
ser adiada para 2020, no primeiro<br />
caso, ou até 2024, no segundo<br />
caso.<br />
A Comissão deverá avaliar o<br />
impacto da regra de limitação<br />
à dedução de juros em agosto<br />
de 2020 e, se necessário, propor<br />
alterações.<br />
Tendo em conta que, atualmente,<br />
alguns dos Estados-Membros<br />
já têm, na sua legislação nacional,<br />
muitas ou algumas das normas<br />
em causa, bem como que<br />
outros Estados-Membros não<br />
têm nenhuma ou praticamente<br />
nenhuma, 2018 será um ano em<br />
que se verifica mais um desafio<br />
de harmonização fiscal no seio<br />
da U.E., seja para reformulação<br />
de normas nacionais existentes<br />
de modo a que as mesmas sejam<br />
consistentes com a Diretiva,<br />
seja para introdução de normas<br />
até ao presente inexistentes no<br />
ordenamento jurídico-tributário<br />
nacional.<br />
No caso de Portugal, verifica-se<br />
já a existência de praticamente<br />
todas as normas, embora algumas<br />
devam vir a ser adaptadas<br />
para se conformarem com a<br />
Diretiva, faltando efetivamente<br />
desenvolver a regra de “switchover”<br />
para mitigar situações<br />
de assimetrias híbridas decorrentes<br />
de diferenças na qualificação<br />
jurídica de pagamentos<br />
ou entidades.<br />
21
Tributação Empresarial<br />
A “retroatividade tangível”<br />
na dedução dos intangíveis<br />
22<br />
ANTÓNIO NEVES<br />
Partner, Tax Services<br />
Uma das grandes<br />
alterações introduzidas<br />
pela Lei n.º 2/2014,<br />
de 16 de janeiro,<br />
então popularmente<br />
apelidada por “Reforma<br />
do IRC”, foi, sem<br />
dúvida, a possibilidade<br />
de deduzir,<br />
para efeitos fiscais,<br />
o valor de aquisição<br />
dos ativos intangíveis<br />
reconhecidos<br />
autonomamente<br />
na contabilidade.<br />
Esta alteração foi particularmente<br />
relevante no que concerne (i)<br />
aos elementos da propriedade<br />
industrial – tais como marcas,<br />
alvarás, processos de produção,<br />
modelos ou outros direitos assimilados<br />
– adquiridos a título<br />
oneroso e sem vigência temporal<br />
limitada (caso contrário, poderiam<br />
ser amortizados nos termos<br />
do Decreto-Regulamentar n.º<br />
25/2009, de 14 de setembro) e<br />
(ii) ao goodwill adquirido numa<br />
concentração de atividades empresariais<br />
(exceto se respeitante<br />
a partes de capital).<br />
Assim, no caso de se aplicável a<br />
dedução prevista no então aditado<br />
artigo 45.º-A do código do IRC,<br />
passou a ser aceite como como<br />
gasto fiscal, em partes iguais, durante<br />
os primeiros 20 períodos de<br />
tributação após o reconhecimento<br />
inicial, o custo de aquisição de<br />
tais ativos intangíveis.<br />
Desde logo, a dedução fiscal<br />
ficou limitada aos ativos intangíveis<br />
adquiridos em ou após<br />
1 de janeiro de 2014, tendo a<br />
mesma sido vedada no caso de<br />
ativos intangíveis adquiridos (i)<br />
no âmbito de operações de fusão,<br />
cisão ou entrada de ativos,<br />
quando seja aplicado o regime<br />
especial de neutralidade fiscal<br />
ou (ii) a entidades residentes em<br />
país, território ou região sujeitos<br />
a um regime fiscal claramente<br />
mais favorável constante de lista<br />
aprovada por portaria do membro<br />
do Governo responsável pela<br />
área das finanças.<br />
Ora, volvidos apenas 5 anos, o legislador<br />
pondera – através da redação<br />
constante da Proposta de<br />
Lei do Orçamento do Estado para<br />
2019 (“PLOE 2019”) – introduzir<br />
mais uma (e deveras importante)<br />
limitação à dedução do gasto<br />
de aquisição dos referidos ativos<br />
intangíveis. Efetivamente, encontra-se<br />
em discussão uma disposição<br />
que, se aprovada, não permitirá<br />
a dedução do gasto, para<br />
efeitos fiscais, quando os ativos<br />
intangíveis em causa sejam adquiridos<br />
a entidades com as<br />
quais existam relações especiais<br />
nos termos definidos para as regras<br />
de preços de transferência.<br />
Caso esta limitação venha a ser<br />
introduzida, operar-se-á uma<br />
discriminação relativamente às<br />
aquisições de ativos intangíveis<br />
entre entidades relacionadas, o<br />
que se afigura ser, à semelhança<br />
de muitas outras, uma norma<br />
anti abuso totalmente cega. Se,<br />
por um lado, as transações entre<br />
partes relacionadas devem<br />
respeitar as condições de mercado<br />
e de plena concorrência,<br />
sendo tributáveis os ganhos na<br />
alienação de ativos intangíveis<br />
(sem possibilidade de beneficiar<br />
do regime de reinvestimento do<br />
valor de realização, o que já se<br />
revela como uma desvantagem<br />
face a uma transação entre partes<br />
não relacionadas), por outro<br />
lado, tal norma inviabiliza a dedução<br />
fiscal na esfera da entidade<br />
adquirente (mais uma vez,<br />
resultando numa desvantagem<br />
face a uma transação entre partes<br />
não relacionadas).<br />
É verdade que várias foram as<br />
transações desta natureza efetuadas<br />
nos últimos quase 5 anos<br />
e que, em substância, apenas<br />
visaram o aproveitamento e<br />
refrescamento de prejuízos fiscais.<br />
Contudo, a Autoridade Tributária<br />
e Aduaneira (“AT”) tem<br />
outros mecanismos para atuar<br />
e efetuar as correções que se<br />
revelem aplicáveis, não sendo<br />
necessário, e muito menos desejável,<br />
uma norma completamente<br />
desproporcional e que<br />
coloca em causa uma dedução<br />
fiscal só pela simples razão das<br />
partes intervenientes serem entidades<br />
relacionadas, ignorando<br />
por completo a substância económica<br />
da transação.<br />
Refira-se que, em muitos casos,<br />
esta dedução tem funcionado<br />
como um importante incentivo<br />
para trazer para Portugal muitos<br />
ativos intangíveis que, de outra<br />
forma, continuariam a ser detidos<br />
por entidades estrangeiras<br />
que receberiam royalties das<br />
empresas portuguesas.<br />
Mas se a eventual introdução da<br />
mencionada limitação já é uma<br />
péssima notícia, o pior mesmo<br />
é não se encontrar previsto um
Tributação Empresarial<br />
regime transitório, por exemplo,<br />
referindo expressamente que a<br />
nova limitação – caso a mesma<br />
venha a ser aprovada – apenas<br />
se aplica às aquisições (a partes<br />
relacionadas) de ativos intangíveis<br />
em ou a partir de 1 de janeiro<br />
de 2019. Na ausência de tal<br />
regime transitório, certamente<br />
veremos nos próximos anos uma<br />
escalada na litigância entre a AT<br />
e os contribuintes, porquanto, a<br />
AT poderá (previsivelmente) vir a<br />
entender que a nova limitação<br />
tanto se aplica nas situações<br />
já existentes como nas futuras<br />
aquisições de ativos intangíveis.<br />
Por conseguinte, espera-se (talvez<br />
ingenuamente) que na discussão<br />
da PLOE 2019 na especialidade<br />
a referida limitação não<br />
venha a ser sequer aprovada,<br />
sob pena de representar uma<br />
clara discriminação relativamente<br />
às transações entre partes<br />
relacionadas. A não ser assim,<br />
pelo menos deverá assegura-se<br />
que a alteração legislativa não<br />
tenha efeitos retroativos, para<br />
evitar ferir irremediavelmente a<br />
legítima espectativa dos contribuintes<br />
que atuaram em estrito<br />
cumprimento com a lei vigente.<br />
Limitação à dedução de<br />
gastos de financiamento –<br />
uma evolução<br />
ANTÓNIO NEVES<br />
Partner, Tax Services<br />
Durante muitos anos,<br />
vigorou em Portugal uma<br />
limitação à dedução de<br />
juros de financiamento<br />
por via das regras<br />
de subcapitalização.<br />
Nessa altura, quando o endividamento<br />
de um sujeito passivo para<br />
com uma entidade considerada<br />
relacionada não residente era<br />
considerado excessivo (ou seja,<br />
quando o rácio entre valor da dívida<br />
e a correspondente participação<br />
no capital era superior a 2), os<br />
juros suportados relativamente à<br />
parte considerada excessiva não<br />
eram dedutíveis para efeitos de<br />
determinação do lucro tributável.<br />
Contudo, o contribuinte poderia<br />
demonstrar, tendo em conta o tipo<br />
de atividade, o sector, a dimensão<br />
das empresas e outros critérios<br />
pertinentes, que podia ter obtido<br />
o mesmo nível do endividamento<br />
e em condições análogas de uma<br />
entidade independente, caso em<br />
que a limitação à dedução de juros<br />
não seria aplicável.<br />
Face à discriminação inicial da<br />
norma e da jurisprudência comunitária<br />
que se lhe seguiu, acabaram<br />
por ficar excluídas as situações<br />
de endividamento quando<br />
a entidade relacionada era residente<br />
noutro estado membro da<br />
União Europeia, pelo que, nos últimos<br />
anos da sua vigência, a respetiva<br />
aplicação tinha uma abrangência<br />
prática muito limitada.<br />
Por conseguinte, e na decorrência<br />
da Ação 4 do Projeto BEPS<br />
(Base Erosion and Profit Shifting)<br />
da OCDE, a regra de subcapitalização<br />
foi substituída em 2013<br />
pela limitação à dedução de<br />
gastos de financiamento atualmente<br />
existente. Desde logo, as<br />
recomendações da OCDE tinham<br />
os seguintes pilares:<br />
l Rácio fixo (entre 10% e 30%)<br />
associado ao EBITDA (earnings<br />
before interest, tax, depreciation<br />
and amortization) que limitasse<br />
a dedução de encargos financeiros<br />
líquidos, sendo que Portugal<br />
adotou a percentagem de 30%;<br />
l Possibilidade de um rácio de<br />
grupo, o qual não seria limitado<br />
às entidades localizadas na mesma<br />
jurisdição (como alternativa<br />
ao rácio de grupo, poderia ser<br />
considerada uma regra que permita<br />
a dedução sempre que o rácio<br />
de dívida vs. capitais próprios<br />
da entidade em causa não exceda<br />
o mesmo rácio determinado para<br />
o grupo), sendo que este critério<br />
não foi adotado por Portugal;<br />
l Possibilidade de considerar<br />
uma média de EBITDA dos últimos<br />
anos de modo a mitigar<br />
os riscos de volatilidade dos resultados,<br />
algo que Portugal não<br />
adotou;<br />
l Permitir o reporte de “excessos”<br />
ou “folgas”, sendo que Portugal<br />
instituiu um período de 5<br />
anos para este efeito;<br />
l Exclusão para determinado<br />
tipo de investimentos ou entidades,<br />
sendo que Portugal excluiu<br />
as entidades financeiras.<br />
Ainda assim, em 2013 vigorou uma<br />
norma mais flexível, essencialmente,<br />
porque permitia uma dedução<br />
mínima de gastos líquidos<br />
de financiamento até € 3 milhões<br />
e não se encontravam previstas<br />
23
Tributação Empresarial<br />
24<br />
correções ao EBITDA, designadamente<br />
não desconsiderando rendimentos<br />
excluídos de tributação<br />
(por exemplo, dividendos e maisvalias<br />
abrangidos pelo regime de<br />
participation exemption e imputação<br />
de resultados no âmbito do<br />
método de equivalência patrimonial),<br />
o que originou, nesse ano,<br />
valores significativos de “folgas” a<br />
reportar para os anos seguintes.<br />
Ora, logo em 2014, com a Reforma<br />
do Código do IRC, o limite dos € 3<br />
milhões foi reduzido para € 1 milhão<br />
e foram introduzidas correções<br />
para apuramento do EBITDA<br />
relevante, procurando a sua aproximação<br />
com o EBITDA fiscal. Não<br />
obstante, verificou-se também a<br />
possibilidade de optar por aplicar<br />
a norma numa ótica de grupo fiscal,<br />
no âmbito do RETGS (Regime<br />
Especial de Tributação dos Grupos<br />
de Sociedades), possibilitando<br />
corrigir situações desviantes em<br />
que a dívida financeira e, portanto,<br />
os gastos de financiamento, se<br />
encontravam na esfera de algumas<br />
sociedades do grupo mas o<br />
EBITDA do grupo advinha de outras<br />
sociedades.<br />
Num esforço conjunto para harmonizar<br />
algumas medidas anti<br />
abuso no seio da União Europeia,<br />
foi aprovada a ATAD 1 (Anti Tax<br />
Avoidance Directive), com o propósito<br />
de instituir um nível mínimo<br />
de proteção contra a elisão<br />
fiscal na União Europeia, sem prejuízo<br />
de aplicação pelos estados<br />
membros de disposições nacionais<br />
ou convencionais que permitam<br />
um nível de proteção mais<br />
elevado. A ATAD 1 visou prevenir as<br />
formas mais comuns de planeamento<br />
fiscal agressivo, tendo-se<br />
focado nos seguintes aspetos:<br />
l Regra de limitação dos juros;<br />
l Tributação à saída;<br />
l Regra geral anti abuso;<br />
l Regra das sociedades estrangeiras<br />
controladas;<br />
l Assimetrias híbridas.<br />
A publicação recente da Lei n.º<br />
32/2019, de 3 de maio, veio precisamente<br />
proceder à implementação<br />
da ATAD 1, ou melhor, à<br />
reformulação de algumas regras<br />
já existentes na legislação fiscal<br />
portuguesa, uma vez que a grande<br />
maioria das normas já vigorava<br />
em Portugal.<br />
No que concerne à limitação dos<br />
gastos de financiamento, verificou-se<br />
verdadeiramente duas alterações<br />
ao artigo 67.º do Código<br />
do IRC. Em primeiro lugar, procedeu-se<br />
a um alargamento do conceito<br />
de gastos de financiamento,<br />
incluindo realidades como:<br />
l Quaisquer importâncias devidas<br />
ou imputadas à remuneração<br />
de capitais alheios, designadamente<br />
pagamentos no âmbito<br />
de empréstimos participativos e<br />
montantes pagos ao abrigo de<br />
mecanismos de financiamento<br />
alternativos, incluindo instrumentos<br />
financeiros islâmicos;<br />
l Depreciações ou amortizações<br />
de custos de empréstimos obtidos<br />
capitalizados no custo de<br />
aquisição de elementos do ativo;<br />
l Montantes calculados por referência<br />
ao retorno de um financiamento<br />
no âmbito das regras em<br />
matéria de preços de transferência;<br />
l Montantes de juros nocionais<br />
no âmbito de instrumentos derivados<br />
ou de mecanismos de<br />
cobertura do risco relacionados<br />
com empréstimos obtidos;<br />
l Ganho e perdas cambiais relativos<br />
a empréstimos obtidos e<br />
instrumentos associados à obtenção<br />
de financiamento;<br />
l Comissões de garantia para<br />
acordos de financiamento, taxas<br />
de negociação e gastos similares<br />
relacionados com a obtenção de<br />
empréstimos.<br />
Em segundo lugar, simplificou-se<br />
o conceito de EBITDA relevante,<br />
transformando-o num verdadeiro<br />
EBITDA fiscal, na medida em que<br />
passa a ser determinado mediante<br />
o somatório entre o lucro tributável<br />
ou prejuízo fiscal (sujeito e<br />
não isento), os gastos de financiamento<br />
líquidos fiscalmente dedutíveis<br />
e as depreciações e amortizações<br />
fiscalmente dedutíveis.<br />
Ainda assim, Portugal continua a<br />
não implementar algumas disposições<br />
particularmente relevantes,<br />
as quais contribuem para a<br />
penalização das regras impostas<br />
às sociedades portuguesas face<br />
a sociedades de outros estados<br />
membros da União Europeia:<br />
l Manutenção do limite mínimo<br />
de € 1 milhão, quando a ATAD 1<br />
indica € 3 milhões;<br />
l Não exclusão relativamente a<br />
projetos de infraestruturas públicas<br />
de longo prazo de interesse<br />
público geral;<br />
l Sem possibilidade de evitar limites<br />
ou, pelo menos, aumentar<br />
os mesmos, em função dos rácios<br />
do sujeito passivo vs. rácios<br />
do grupo financeiro;<br />
l Reporte de “excessos” e de<br />
“folgas” durante 5 anos, sendo<br />
que a ATAD 1 permite a não existência<br />
de limite temporal.<br />
Tendo sido recentemente transposta<br />
a ATAD 1, mas sem a transposição<br />
das normas relativas a<br />
instrumentos e entidades híbridas,<br />
que decorrem da Ação 2 do<br />
Projeto BEPS da OCDE e foram<br />
exponencialmente aprofundadas<br />
na ATAD 2 face à redação inicial<br />
constante da ATAD 1, cuja transposição<br />
deverá ocorrer ainda em<br />
2019, veremos mais uma limitação<br />
à dedução de gastos de financiamento<br />
das empresas, designadamente<br />
quando se verifique uma<br />
das seguintes situações: (i) dupla<br />
não tributação, (ii) dupla dedução,<br />
(iii) dedução sem inclusão ou (iv)<br />
não tributação sem inclusão; cuja<br />
aplicação será, certamente, bem<br />
mais complexa e desafiante.
Tributação Empresarial<br />
A Diretiva Antielisão Fiscal:<br />
O que muda no<br />
financiamento às empresas<br />
Bruna Melo<br />
Senior Manager <strong>EY</strong>, Tax Services<br />
Pedro Fugas<br />
Partner <strong>EY</strong>, TAX Services<br />
Atualmente, as<br />
empresas que<br />
obtenham empréstimos<br />
para financiar a sua<br />
atividade podem<br />
deduzir os encargos<br />
daí decorrentes<br />
(substancialmente, os<br />
juros) quando apuram<br />
seu lucro tributável<br />
e, assim, reduzir<br />
o montante de IRC<br />
a pagar.<br />
No entanto, desde 2013 que a<br />
dedutibilidade destes encargos<br />
associados aos financiamentos<br />
obtidos tem vindo a ser limitada,<br />
numa dupla tentativa de alargamento<br />
da base tributável dos<br />
sujeitos passivos de IRC, com o<br />
consequente aumento da receita<br />
fiscal, por um lado e, por outro,<br />
de reversão da tendência para<br />
o endividamento excessivo das<br />
empresas portuguesas. Assim, a<br />
dedutibilidade fiscal dos gastos<br />
líquidos associados ao financiamento<br />
está hoje limitada a 1 milhão<br />
de Euros ou, se mais elevado,<br />
a 30% do EBITDA (com alguns<br />
ajustamentos fiscais) da empresa<br />
que regista os gastos.<br />
Atualmente, ficam de fora desta<br />
limitação os juros e outros gastos<br />
de financiamento incorridos e<br />
que sejam capitalizados no valor<br />
de um ativo que seja adquirido,<br />
produzido ou construído pela<br />
empresa com recurso a capitais<br />
alheios. Veja-se o caso de uma<br />
empresa que obtém um empréstimo<br />
para construir um edifício<br />
(seja um hospital, um armazém<br />
ou um edifício de escritórios). Esta<br />
empresa, de acordo com as regras<br />
contabilísticas aplicáveis, poderá<br />
não registar os juros deste empréstimo<br />
como gastos em resultados<br />
no exercício. Ao invés, estes<br />
juros poderão ser incorporados<br />
(capitalizados) no valor de balanço<br />
do ativo em construção até que<br />
ele esteja apto para desempenhar<br />
as suas funções. Esta empresa irá<br />
recuperar a dedutibilidade dos<br />
juros capitalizados através da depreciação<br />
anual do edifício construído<br />
(que incorporará no valor<br />
bruto do ativo os juros capitalizados)<br />
ou aquando do apuramento<br />
de um resultado fiscal futuro por<br />
via de uma hipotética alienação<br />
futura do ativo (seja pela via de<br />
uma redução da mais-valia fiscal<br />
realizada, seja por via de uma<br />
maior menos-valia fiscal apurada<br />
em virtude da capitalização dos<br />
juros no valor de construção do<br />
ativo). Nestes casos, a dedutibilidade<br />
dos juros através destas vias<br />
é integral, não sendo aplicáveis<br />
os limites que referimos acima.<br />
E este é o entendimento da Autoridade<br />
Tributária, que o deixou<br />
claro numa Circular emitida sobre<br />
esta matéria.<br />
Antecipa-se, contudo, uma mudança<br />
deste enquadramento a<br />
partir de 1 de janeiro de 2019, data<br />
limite para que entrem em vigor<br />
em Portugal (e nos demais Estados<br />
Membros da União Europeia)<br />
as regras que visam transpor a<br />
Diretiva Europeia Antielisão Fiscal.<br />
Embora não seja ainda oficialmente<br />
conhecido o conteúdo destas<br />
regras, antecipa-se que a limitação<br />
à dedutibilidade dos gastos<br />
de financiamento referidas acima<br />
venha a ser igualmente alargada<br />
às situações em que estes gastos<br />
sejam capitalizados no valor de<br />
balanço de um ativo.<br />
Espera-se que as novas regras<br />
venham a ter um impacto significativo<br />
nas empresas do setor da<br />
construção e promoção imobiliária<br />
ou em empresas concessionárias<br />
que tenham de construir os<br />
ativos afetos à exploração, a que<br />
tipicamente não eram aplicadas<br />
as limitações supra referidas e<br />
que verão assim reduzida a sua<br />
capacidade de deduzir fiscalmente<br />
os encargos com os empréstimos<br />
obtidos, designadamente<br />
quando estejam em causa níveis<br />
de financiamento elevados.<br />
Passará assim a ser (ainda mais)<br />
importante uma correta estruturação<br />
das operações de financiamento<br />
de forma a assegurar a dedutibilidade<br />
dos juros para efeitos<br />
fiscais.<br />
25
Tributação Empresarial<br />
Quem é o seu<br />
beneficiário efetivo?<br />
BRUNA MELO<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
Se gere uma empresa,<br />
saiba que novas<br />
obrigações terá de<br />
cumprir. Acima de tudo,<br />
tente descobrir quem<br />
é o seu beneficiário<br />
efetivo. Aviso: poderá<br />
não ser tarefa fácil.<br />
Desde novembro de 2017, as sociedades<br />
portuguesas (entre outros<br />
tipos de entidades) estão sujeitas<br />
ao novo quadro jurídico europeu<br />
de combate ao branqueamento<br />
de capitais e financiamento do<br />
terrorismo, transposto para a lei<br />
portuguesa.<br />
Por um lado, estas entidades estão<br />
obrigadas a registar internamente<br />
a identidade dos detentores diretos<br />
do seu capital, dos indivíduos<br />
que, em última instancia, detêm o<br />
seu capital, e de quem detenha,<br />
por qualquer forma, o respetivo<br />
controlo efetivo. Por outro, deverão<br />
apresentar uma declaração<br />
que identifique o respetivo beneficiário<br />
efetivo (DBE), ou seja, em<br />
termos práticos, o indivíduo que,<br />
numa estrutura corporativa, seja o<br />
beneficiário último dos resultados<br />
económicos por esta gerados.<br />
É natural que neste momento se<br />
esteja a perguntar quem é o beneficiário<br />
efetivo da sua empresa. Se<br />
a pergunta é de fácil resposta para<br />
entidades detidas diretamente<br />
por indivíduos, a mesma adquire<br />
contornos sinuosos quanto estruturas<br />
acionista que incluem sociedades<br />
cotadas em bolsas estrangeiras,<br />
fundos de investimento ou<br />
uma significativa dispersão de capital.<br />
A má notícia é que as novas<br />
normas não definem cabalmente<br />
os conceitos de beneficiário ou<br />
controlo efetivo e os critérios que<br />
permitirão concretizar estes conceitos<br />
serão apenas definidos em<br />
regulamentação que deveria ter<br />
sido publicada até ao final do mês<br />
de novembro de 2017, a qual definirá<br />
o procedimento e prazos para<br />
apresentação da DBE.<br />
Até lá, as empresas poderão apenas<br />
assegurar o seu registo interno<br />
de informação, também este<br />
não isento de dúvidas.<br />
Entretanto, tome nota de algumas<br />
consequências do não cumprimento<br />
do novo regime: se os<br />
lucros que distribui ao seu acionista<br />
estrangeiro têm sido isentos<br />
de imposto em Portugal, apenas<br />
poderá continuar a fazê-lo caso<br />
apresente a DBE e desde que da<br />
mesma não constem, como beneficiários<br />
efetivos, entidades<br />
sedeadas em paraísos fiscais. Poderá<br />
ainda ser vedado de celebrar<br />
contratos com o Estado, beneficiar<br />
de fundos europeus ou transacionar<br />
bens imóveis.<br />
Não menos importante, a informação<br />
incluída nas DBE será centralizada<br />
numa base de dados à<br />
qual a Autoridade Tributária (AT)<br />
terá acesso. Esta será indiscutivelmente<br />
uma poderosa ferramenta<br />
ao alcance da AT na fiscalização<br />
de estruturas multinacionais com<br />
presença ou investimento em<br />
Portugal. Com esta informação, a<br />
aplicação de benefícios fiscais ou<br />
de acordos de dupla tributação<br />
poderá ser negada ou limitada em<br />
caso de suspeita de práticas de<br />
planeamento fiscal abusivo.<br />
Siga este conselho: esteja seguro<br />
quanto à sua estrutura acionista e<br />
à estratégia de planeamento dos<br />
seus projetos. Acima de tudo, descubra<br />
e identifique claramente o<br />
seu beneficiário efetivo.<br />
26
CATARINA CARREIRA<br />
Manager, Tax Services<br />
Angola introduziu<br />
legislação específica<br />
em matéria de Preços<br />
de Transferência em<br />
outubro de 2013, por<br />
meio da publicação do<br />
Decreto-Presidencial<br />
n.º 147/13. Esta<br />
legislação, inserida<br />
no Estatuto dos<br />
Grandes Contribuintes,<br />
compreende a<br />
obrigação da<br />
preparação de um<br />
dossier de Preços<br />
de Transferência<br />
por período de<br />
tributação, sempre<br />
que os proveitos totais<br />
anuais do contribuinte<br />
ultrapassem os 7 mil<br />
milhões de kwanzas.<br />
Angola - Novos desafios<br />
e oportunidades: A CDT<br />
Angola-Portugal e os Preços<br />
de Transferência<br />
Posteriormente, em julho de<br />
2016, Angola foi o 83.º país a aderir<br />
ao quadro inclusivo do projeto<br />
BEPS (“BEPS - Base Erosion<br />
and Profit Shifting”), comprometendo-se<br />
assim a implementar<br />
um pacote mínimo de medidas,<br />
nomeadamente através do reforço<br />
ou estabelecimento de normas<br />
anti abuso, do combate à<br />
transferência de lucros mediante<br />
o alinhamento entre as políticas<br />
de Preços de Transferência com<br />
a criação de valor, da implementação<br />
de medidas que previnam<br />
o reconhecimento artificial de<br />
estabelecimento estável, bem<br />
como apostando no reforço e<br />
troca de informação fiscal entre<br />
autoridades fiscais de diferentes<br />
Estados.<br />
Mais recentemente, no passado<br />
dia 14 de fevereiro foram publicadas<br />
as resoluções da Assembleia<br />
da República que aprovaram (i)<br />
a Convenção para Evitar a dupla<br />
Tributação em Matéria de<br />
Impostos sobre o Rendimento e<br />
Prevenir a Fraude e a Evasão Fiscal<br />
(“CDT”) e (ii) o Acordo sobre<br />
Assistência Administrativa Mútua<br />
e Cooperação em Matéria Fiscal<br />
(“ATI”), ambas estabelecidas entre<br />
Portugal e Angola, tendo aqueles<br />
instrumentos legais sido e assinados<br />
a 18 de setembro de 2018,<br />
em Luanda. Ambas as resoluções<br />
entrarão em vigor na data de receção<br />
da última notificação, por<br />
escrito e por via diplomática, de<br />
que foram cumpridos os requisitos<br />
do direito interno das Partes<br />
necessários para o efeito.<br />
Tributação Empresarial<br />
Dado o forte laço nas trocas comerciais<br />
e no investimento externo<br />
entre Portugal e Angola,<br />
esta convenção representará um<br />
contributo importante para as<br />
empresas presentes nestas duas<br />
jurisdições.<br />
Por um lado, são esperados<br />
maiores desafios em matérias<br />
fiscais, em virtude do ATI celebrado,<br />
o qual prevê, entre outros,<br />
a realização de controlos fiscais<br />
simultâneos e a participação em<br />
controlos fiscais no estrangeiro.<br />
Assim, tornar-se-á essencial que<br />
os Grupos multinacionais apresentem<br />
uma política de preços<br />
de transferência coerente, e devidamente<br />
documentada e suportada.<br />
Não obstante, os Grupos multinacionais<br />
terão na CDT celebrada<br />
uma oportunidade para<br />
reestruturarem e otimizarem as<br />
suas estruturas e operações por<br />
forma a alinharem os seus fluxos<br />
com a criação do valor, mitigarem<br />
o risco fiscal a que possam<br />
estar sujeitos, por exemplo, ao<br />
nível de eventuais riscos de estabelecimento<br />
estável, mas beneficiando<br />
da possibilidade de<br />
eliminarem a dupla tributação<br />
que lhes seria aplicável.<br />
27
Tributação Empresarial<br />
Revisão dos benefícios<br />
fiscais – Revisão estrutural<br />
ou simples corte<br />
de despesa fiscal?<br />
28<br />
DIOGO CUNHA<br />
Manager, Tax Services<br />
No passado dia 17 de<br />
junho de 2019, foram<br />
apresentadas as<br />
principais conclusões<br />
de um estudo elaborado<br />
por um Grupo de<br />
Trabalho indigitado<br />
pelo Governo sobre<br />
os benefícios fiscais<br />
atualmente em vigor<br />
em Portugal.<br />
Para o efeito, o referido Grupo de<br />
Trabalho procedeu a um levantamento<br />
exaustivo e sistematizado<br />
dos benefícios fiscais em vigor,<br />
tendo ainda desenvolvido uma<br />
nova metodologia para, no futuro,<br />
criar, monitorizar e avaliar os<br />
mesmos.<br />
As principais conclusões do<br />
estudo apontam (1) para um<br />
aparente facilitismo com a implementação<br />
de mais de cinco<br />
centenas de benefícios fiscais;<br />
(2) para um elevado número de<br />
benefícios fiscais dispersos por<br />
legislação avulsa, o que torna<br />
o sistema complexo e pouco<br />
transparente; (3) para a dificuldade<br />
na avaliação de um número<br />
significativo de benefícios<br />
fiscais quanto à despesa fiscal<br />
associada e/ou número de beneficiários;<br />
(4) para uma falta<br />
de clareza quanto aos objetivos<br />
pretendidos.<br />
Note-se que o estudo apresentado<br />
não recomenda a extinção<br />
de qualquer benefício em particular,<br />
mas admite que, em vários<br />
casos, não é possível saber que<br />
despesa geram e quantos contribuintes<br />
beneficiam dos mesmos.<br />
Adicionalmente, o estudo recomenda<br />
que os futuros Orçamentos<br />
do Estado passem a detalhar<br />
o impacto financeiro do benefício,<br />
como se de uma despesa<br />
direta se tratasse. Outra das<br />
propostas sugeridas pelo Grupo<br />
de Trabalho é que cada novo benefício<br />
criado seja compensado<br />
do ponto de vista do equilíbrio<br />
orçamental.<br />
O Grupo de Trabalho sugere ainda<br />
que seja criada uma base de<br />
dados eletrónica, que vá sendo<br />
regularmente atualizada, de<br />
modo a dar informação simplificada<br />
ao contribuinte sobre a forma<br />
de aproveitar os benefícios<br />
fiscais. Ao mesmo tempo, propõe<br />
que esta base, sempre que<br />
possível, inclua um relatório da<br />
despesa fiscal incorrida com o<br />
benefício fiscal em causa.<br />
Por fim, é recomendado que seja<br />
feita uma avaliação periódica<br />
dos benefícios fiscais existentes<br />
(em ciclos de 5 anos) por uma<br />
unidade técnica criada para o<br />
efeito. Esta unidade técnica deverá,<br />
igualmente, acompanhar<br />
a criação de novos benefícios<br />
fiscais e a monitorização dos<br />
mesmos.<br />
No decurso da apresentação do<br />
estudo em apreço, o Ministro das<br />
Finanças mencionou que, num<br />
futuro próximo, proceder-se-á a<br />
uma reavaliação e monitorização<br />
efetiva dos benefícios fiscais<br />
atualmente em vigor.<br />
No entanto, deseja-se que esta<br />
revisão não tenha como objetivo<br />
apenas o corte de despesa fiscal<br />
nas ações de redução do défice<br />
público.<br />
Recorde-se que nos termos do<br />
n.º 1 do artigo 2.º do Estatuto<br />
dos Benefícios Fiscais, são considerados<br />
benefícios fiscais, as<br />
medidas de carácter excecional<br />
instituídas para tutela de interesses<br />
públicos extrafiscais relevantes<br />
que sejam superiores<br />
aos da própria tributação que<br />
impedem.<br />
Por tudo o que acabou de ser<br />
exposto, esta deverá ser uma<br />
oportunidade de ouro para efetuar-se<br />
uma revisão estrutural<br />
de todos os benefícios fiscais<br />
em vigor, aproveitando para criar<br />
medidas que visem aumentar o<br />
crescimento económico, atrair o<br />
investimento direto estrangeiro,<br />
aumentar o investimento nacional,<br />
aumentar a poupança e o<br />
emprego e, por fim, aumentar a<br />
receita fiscal.
A proteção de direitos<br />
de propriedade<br />
intelectual na Indústria<br />
Tributação Empresarial<br />
FRANCISCO HAMILTON<br />
Executive Director, Tax Services<br />
Todos os setores<br />
industriais são<br />
impulsionados pela<br />
criação de novos<br />
produtos. A proteção<br />
de vantagens<br />
competitivas<br />
decorrentes dessas<br />
invenções é um aspeto<br />
fundamental da gestão<br />
das organizações.<br />
Em Portugal, tem sido dada primazia<br />
à proteção da invenção<br />
através de práticas que pretendem<br />
manter a confidencialidade<br />
da criação. Contudo, com as formas<br />
de disseminação da informação<br />
existentes, a manutenção<br />
do segredo industrial pode<br />
ser ineficaz. Assim, tem-se vindo<br />
a assistir a um maior interesse<br />
das empresas na proteção através<br />
de patentes.<br />
As patentes são direitos que se<br />
obtêm sobre soluções novas<br />
para problemas técnicos específicos.<br />
Estes direitos resultam de<br />
uma troca entre o Estado, que<br />
confere um direito temporário<br />
e exclusivo à empresa inventora<br />
para explorar a invenção, e<br />
a empresa, que torna pública a<br />
sua descoberta e assim potencia<br />
o desenvolvimento de novo<br />
conhecimento tecnológico.<br />
Embora existam incentivos que<br />
podem compensar parcialmente<br />
os custos do registo de patente,<br />
a proteção e manutenção<br />
da mesma exige que as empresas<br />
mantenham práticas de vigilância<br />
tecnológica que podem<br />
representar custos elevados.<br />
Pela sua relevância, as empresas<br />
industriais tem que dar uma<br />
resposta às questões da proteção<br />
da propriedade industrial<br />
que deve estar alinhada com a<br />
sua estratégia.<br />
Desde logo, as empresas deverão<br />
decidir se os resultados inventivos<br />
dos seus programas de<br />
I&D devem ser protegidos por<br />
patentes e, ao mesmo tempo,<br />
divulgados ou se existem meios<br />
eficazes de garantir que os mesmos<br />
não passem para o domínio<br />
público, mantendo-os como<br />
segredo industrial.<br />
Por outro lado, será importante<br />
determinar se os custos da<br />
patente não serão superiores<br />
aos seus benefícios potenciais.<br />
Para tal, as empresas industriais<br />
terão de aferir qual o valor adicional<br />
da invenção patenteada<br />
considerando as diferentes fontes,<br />
nomeadamente: Proteção<br />
de uma vantagem competitiva;<br />
Geração de um fluxo de receitas<br />
adicionais pelo licenciamento;<br />
Valorização da imagem de inovação<br />
da Empresa; Obtenção de<br />
vantagens negociais em joint<br />
ventures ou processos de violação<br />
de propriedade industrial;<br />
Construção de barreiras à entrada<br />
de outros concorrentes; e a<br />
obtenção de benefícios fiscais.<br />
A gestão ativa da proteção da<br />
propriedade industrial assume<br />
hoje um papel fundamental na<br />
manutenção de vantagens competitivas<br />
e na criação de novas<br />
formas de acesso ao mercado e<br />
a outras tecnologias, pelo que<br />
não poderá permanecer afastada<br />
do primeiro plano de atenção<br />
dos gestores.<br />
29
Tributação Empresarial<br />
HUGO MACHADO<br />
Manager, Tax Services<br />
PEDRO PAIVA<br />
Partner, Tax Services<br />
Reconhecendo<br />
o impacto da<br />
fiscalidade enquanto<br />
condicionante<br />
no domínio das<br />
reorganizações<br />
societárias, a legislação<br />
nacional prevê um<br />
regime de neutralidade<br />
fiscal em sede de<br />
IRC, o qual, mediante<br />
o cumprimento de<br />
certos requisitos,<br />
permite o diferimento<br />
da tributação incidente<br />
sobre estas operações<br />
e, em certa medida,<br />
a manutenção e/<br />
ou transferência de<br />
prejuízos fiscais e<br />
créditos fiscais entre as<br />
sociedades envolvidas.<br />
Capitais próprios negativos<br />
e a motivação económica<br />
em fusões – jurisprudência<br />
recente<br />
Contudo, está prevista uma cláusula<br />
específica anti abuso que<br />
prevê que o regime poderá não<br />
se aplicar quando, entre outras<br />
condições, as operações não tenham<br />
sido realizadas por razões<br />
económicas válidas, tais como<br />
a reestruturação ou a racionalização<br />
das atividades das sociedades<br />
que nelas participam. A<br />
motivação económica sempre foi<br />
igualmente condição de transmissão<br />
de prejuízos fiscais no<br />
âmbito de operações de fusão.<br />
Acontece que, na prática, a Autoridade<br />
Tributária e Aduaneira<br />
(AT) tem vindo a utilizar, em diversas<br />
situações, a consideração<br />
do critério do peso do património<br />
líquido ao nível das entidades<br />
envolvidas como meio de<br />
aferição da existência de razões<br />
económicas válidas em operações<br />
de fusão, sendo vários os<br />
casos em que conclui pela inexistência<br />
de vantagens económicas<br />
quando a sociedade incorporada<br />
possui uma situação<br />
líquida negativa, utilizando este<br />
argumento como condição única<br />
e suficiente para essa avaliação.<br />
Não obstante a natureza casuística<br />
inerente a este tipo de análise,<br />
o interesse da fusão pode-se<br />
acentuar precisamente quando<br />
uma empresa se apresenta<br />
numa situação de dificuldade<br />
económica mas, ainda assim,<br />
detenha, por exemplo, uma posição<br />
no mercado ou ativos que<br />
interessa salvaguardar e desenvolver,<br />
pelo que a mera avaliação<br />
do património líquido da sociedade<br />
incorporante como regra<br />
de exclusão automática não<br />
deveria ser um critério a utilizar<br />
pela AT. Em nossa opinião, este<br />
nunca poderá ser um parâmetro<br />
exclusivo de avaliação económica<br />
das repercussões de fusões,<br />
sob pena de inviabilizar estas<br />
operações a empresas que efetivamente<br />
dependem das mesmas<br />
para assegurar a sua sustentabilidade<br />
e sobrevivência.<br />
É este, também, o entendimento<br />
vertido na recente jurisprudência<br />
dos Tribunais Centrais<br />
Administrativos e do Supremo<br />
Tribunal Administrativo, que<br />
têm vindo a pronunciar-se no<br />
sentido de considerar que o<br />
entendimento seguido pela AT<br />
põe em causa o princípio da legalidade<br />
fiscal e peca por défice<br />
de fundamentação, reconhecendo<br />
a necessidade de ajustar<br />
o critério de aferição das motivações<br />
económicas das operações<br />
à realidade específica de<br />
cada agente económico e a uma<br />
avaliação detalhada do contexto<br />
jurídico-económico de cada<br />
operação. Estas decisões dão<br />
um novo alento às empresas em<br />
situação mais débil, que encarem<br />
reorganizações societárias<br />
como um meio de salvação e/ou<br />
subsistência da sua atividade<br />
económica (e mesmo mantendo<br />
a estrutura de recursos humanos<br />
previamente existente)<br />
e que poderão agora deixar de<br />
se debater com uma oneração<br />
(fiscal) adicional deste tipo de<br />
operações.<br />
30
Tributação Empresarial<br />
Novo regime fiscal<br />
das perdas por imparidade<br />
aplicável ao sector<br />
financeiro<br />
HUGO ALVES<br />
Senior Manager, FSO Tax Services<br />
No passado dia 23 de<br />
janeiro deu entrada no<br />
Parlamento a Proposta<br />
de Lei n.º 178/XIII que<br />
pretende proceder<br />
à revisão do regime<br />
fiscal das perdas por<br />
imparidade associadas<br />
a operações de crédito<br />
registadas pelas<br />
entidades sujeitas<br />
à supervisão do Banco<br />
de Portugal.<br />
De acordo com o preâmbulo,<br />
o propósito desta alteração é<br />
o de aproximar o regime fiscal<br />
das perdas por imparidade às<br />
regras contabilísticas e regulamentares<br />
aplicáveis àquelas<br />
entidades de modo a minimizar<br />
a criação de novos ativos por<br />
impostos diferidos que, à luz<br />
das atuais regras, por dependerem<br />
da rendibilidade futura,<br />
são objeto de dedução aos fundos<br />
próprios e/ou de ponderações<br />
mais elevadas para efeitos<br />
de cálculo das necessidades de<br />
capital.<br />
Neste sentido, a referida proposta<br />
prevê uma alteração ao<br />
Código do Imposto sobre o<br />
Rendimento das Pessoas Coletivas<br />
(“IRC”) no sentido de as<br />
imparidades para risco de crédito,<br />
registadas a partir de 1 de<br />
janeiro de 2019 e constituídas<br />
nos termos das normas contabilísticas<br />
e regulamentares,<br />
passem a ser, regra geral, aceites<br />
fiscalmente.<br />
A proposta de lei prevê ainda<br />
um regime transitório aplicável<br />
às perdas por imparidade e outras<br />
correções de valor para risco<br />
específico de crédito registadas<br />
em períodos anteriores<br />
e ainda não aceites fiscalmente,<br />
bem como um período de<br />
adaptação de 5 anos durante<br />
o qual as entidades financeiras<br />
poderão continuar a aplicar o<br />
atual regime fiscal.<br />
Ora, a opção tomada pelo legislador<br />
relativamente ao regime<br />
transitório poderia ter ido<br />
no sentido da definição de um<br />
regime de phasing-out que assegurasse<br />
a dedução fiscal das<br />
perdas por imparidade registadas<br />
em períodos anteriores por<br />
um período de tempo pré-determinado.<br />
Tal regime teria claras<br />
vantagens, uma vez que, entre<br />
outros aspetos, seria operacionalmente<br />
mais simples e facilitaria<br />
os exercícios de recuperabilidade<br />
dos ativos por impostos<br />
diferidos por via de uma maior<br />
previsibilidade dos resultados<br />
tributáveis futuros.<br />
Contudo, a opção do legislador<br />
não parece ser essa tendo por<br />
base a proposta de lei em apreço,<br />
o que poderá resultar em<br />
maiores custos operacionais<br />
(dado que os controlos internos<br />
terão de ser forçosamente<br />
maiores) para as entidades<br />
financeiras em resultado da<br />
aplicação em simultâneo, e por<br />
tempo indeterminado, de dois<br />
(ou até mais) regimes fiscais<br />
distintos (um dos quais baseado<br />
num Aviso do Banco de Portugal<br />
que se encontra revogado<br />
desde 2016), num risco acrescido<br />
de contencioso com a AT e<br />
ainda num aumento dos níveis<br />
de incerteza quanto à recuperabilidade<br />
dos atuais ativos por<br />
impostos diferidos, com eventual<br />
impacto nos rácios de fundos<br />
próprios e/ou de capital.<br />
31
Tributação Empresarial<br />
IES – Alteração<br />
relevante ao Anexo H<br />
32<br />
JOÃO CUNHA GUIMARÃES<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
A nova obrigação<br />
declarativa constante<br />
da IES, relativa<br />
à ocorrência de<br />
alterações no modelo<br />
de negócio, marca<br />
claramente um novo<br />
foco de atenção por<br />
parte da Autoridade<br />
Tributária e Aduaneira,<br />
com implicações<br />
diretas e substanciais<br />
na forma como os<br />
contribuintes devem<br />
abordar estas situações<br />
do ponto de vista<br />
fiscal e de preços<br />
de transferência.<br />
A recente alteração ao Anexo<br />
H da declaração anual de informação<br />
contabilística e fiscal<br />
(IES), decorrente da publicação,<br />
em 28 de janeiro, da Portaria<br />
n.º35/2019, oferece subtis, porém<br />
relevantes e interessantes,<br />
novidades do ponto de vista da<br />
temática dos preços de transferência.<br />
Estas novidades permitirão<br />
dotar a Autoridade Tributária<br />
e Aduaneira (AT) de novas<br />
ferramentas de identificação e<br />
diagnóstico de situações específicas<br />
que propiciem novas vias<br />
de atuação e, de outro prisma,<br />
novas áreas de foco e atenção<br />
que impliquem necessariamente<br />
a consideração de novas linhas<br />
de defesa por parte dos contribuintes.<br />
A principal alteração, objeto do<br />
presente artigo, prende-se com<br />
a nova obrigação de declarar, no<br />
Quadro 03 do Anexo H, se “ocorreram<br />
alterações no modelo de<br />
negócio durante o período de<br />
tributação”. Antes de proceder<br />
à interpretação desta novidade,<br />
importa destacar que o princípio<br />
que subjaz a uma obrigação desta<br />
natureza encontra eco nos desenvolvimentos<br />
internacionais<br />
dos últimos anos em matéria<br />
de fiscalidade e preços de transferência,<br />
os quais ambicionam<br />
fomentar e garantir a coerência,<br />
a transparência e a substância<br />
económica das práticas fiscais<br />
dos Grupos Multinacionais, materializando-se<br />
na necessidade<br />
de garantir um adequado alinhamento<br />
entre a função fiscal, em<br />
todas as suas dimensões relevantes,<br />
e a realidade do negócio<br />
de cada Grupo.<br />
É neste contexto internacional<br />
particular que deve ser interpretada<br />
esta nova obrigação<br />
declarativa que consta da IES, na<br />
medida em que resulta evidente<br />
a importância crescente que o<br />
legislador outorga a situações<br />
de alteração e transformação de<br />
modelos de negócio, reforçando<br />
a perceção da sua significativa<br />
transcendência em matéria de<br />
preços de transferência e dando<br />
passos significativos no sentido<br />
de potenciar um maior escrutínio<br />
futuro das mesmas.<br />
Neste sentido, é razoável concluir-se<br />
que qualquer alteração<br />
do modelo de negócio de um<br />
contribuinte, independentemente<br />
da sua magnitude ou<br />
características, deverá ser cuidadosamente<br />
analisada também<br />
da perspetiva dos preços de<br />
transferência, sob pena de gerar<br />
situações em que a política<br />
vigente deixa de estar alinhada<br />
com a nova realidade do negócio<br />
e com a efetiva contribuição de<br />
valor das entidades envolvidas<br />
(a qual poderá ter-se alterado),<br />
resultando em potenciais contingências<br />
fiscais futuras. Paralelamente,<br />
um acompanhamento<br />
proactivo e contemporâneo de<br />
uma alteração do modelo de negócio<br />
poderá permitir, também,<br />
detetar importantes oportunidades<br />
de otimização operacional e<br />
fiscal, sempre em cumprimento<br />
dos novos standards fiscais internacionais,<br />
já transpostos em<br />
grande medida para a norma<br />
portuguesa.<br />
Tendo em conta o anterior, revela-se,<br />
portanto, ainda mais<br />
fundamental que qualquer alteração<br />
do modelo de negócio de<br />
um Grupo Multinacional se faça<br />
acompanhar de uma análise detalhada<br />
e contemporânea das<br />
correspondentes implicações<br />
fiscais e de preços de transferência.<br />
Esta análise deverá ter<br />
como resultado, entre outros, a<br />
preparação de documentação<br />
específica que trate todos os<br />
aspetos fiscalmente relevantes<br />
associados à transição do modelo<br />
atual para o modelo futuro, a<br />
qual poderá ser entregue à AT na<br />
muito provável eventualidade de<br />
vir a ser solicitada, dada a maior<br />
visibilidade gerada por esta nova<br />
comunicação que deverá ser feita<br />
na IES.
JOÃO CUNHA GUIMARÃES<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
Tributação Empresarial<br />
Controvérsia em matéria<br />
de preços de transferência<br />
num contexto post-BEPS:<br />
preparados para<br />
a turbulência que aí vem?<br />
Nunca, como nos tempos<br />
atuais, a comunidade de<br />
especialistas fiscais de<br />
preços de transferência<br />
foi tão prolífera na<br />
produção de ideias,<br />
debates e reflexões sobre<br />
esta matéria, em distintos<br />
e variados fóruns,<br />
públicos e privados.<br />
O motivo?<br />
O novo contexto fiscal post-BEPS<br />
e as já observáveis implicações<br />
imediatas decorrentes do mesmo,<br />
no que se refere à forma como as<br />
distintas administrações fiscais<br />
têm vindo a interpretar, na prática,<br />
os novos standards marcados<br />
pelas ações 8-10 e 13 do Projeto<br />
BEPS, no contexto de inspeções<br />
tributárias focadas em preços de<br />
transferência.<br />
Importa destacar, em primeiro lugar,<br />
que existe um número cada<br />
vez maior de países nos quais<br />
estas inspeções começam a extravasar<br />
os aspetos puramente<br />
domésticos que resultam da aplicação<br />
estrita da normativa local,<br />
começando a incluir uma perspetiva<br />
multi-jurisdicional decorrente<br />
do maior acesso a informação<br />
de natureza global (por exemplo,<br />
Country-by-Country Report). Esta<br />
tendência reforçar-se-á, seguramente,<br />
pela expectável crescente<br />
colaboração entre administrações<br />
fiscais em processos de inspeção<br />
de preços de transferência (notese,<br />
a este propósito, os recentes<br />
trabalhos levados a cabo pelo<br />
European Joint Transfer Pricing Forum<br />
da Comissão Europeia nesta<br />
matéria: “A coordinated approach<br />
to transfer pricing controls within<br />
the EU”, de outubro de 2018).<br />
Esta “internacionalização” dos<br />
processos de inspeção de preços<br />
de transferência reforça e eleva<br />
o papel (e os deveres) dos responsáveis<br />
fiscais locais de cada<br />
grupo multinacional (MNE), na<br />
medida em que estes terão, forçosamente,<br />
que ser agentes ainda<br />
mais ativos (e proativos) na gestão<br />
global dos riscos fiscais das suas<br />
organizações, porquanto se antecipam<br />
cada vez mais processos de<br />
litigância fiscal local despoletados<br />
por inspeções iniciadas noutras<br />
jurisdições (o vice-versa aqui seria<br />
redundante…). Neste sentido, o<br />
maior ou menor “apetite” de uma<br />
determinada administração fiscal<br />
local para apreciar criticamente<br />
esquemas de preços de transferência<br />
em contextos de inspeções<br />
deve servir cada vez menos de<br />
“barómetro” único para medir e<br />
antecipar o risco real a que uma<br />
determinada entidade de um<br />
MNE se enfrenta, em matéria de<br />
preços de transferência, na jurisdição<br />
correspondente em que se<br />
localiza.<br />
Em segundo lugar, tem-se verificado<br />
uma crescente sofisticação, por<br />
parte das administrações fiscais,<br />
na abordagem aos aspetos técnicos<br />
mais relevantes, em questões<br />
relacionadas com a substância<br />
económica das atividades, com<br />
a gestão e o controlo dos principais<br />
riscos do negócio e com as<br />
funções mais relevantes associadas<br />
aos principais intangíveis<br />
das MNE (entre outros), configurando-se<br />
estes como importantes<br />
fatores que contribuem para<br />
uma evolução do entendimento<br />
do conceito de “criação de valor”,<br />
proporcionando um novo marco<br />
referente com consequências<br />
diretas ao nível da interpretação<br />
do “princípio de plena concorrência”.<br />
Neste sentido, verifica-se<br />
claramente uma evolução de um<br />
controlo incidente sobretudo em<br />
aspetos puramente valorativos<br />
(quantificação de uma transação),<br />
para um controlo mais amplo que<br />
incide no contexto económico da<br />
transação em sentido vasto, em<br />
todas as suas dimensões relevantes.<br />
Esta nova realidade parece<br />
vir a marcar uma rutura com<br />
as abordagens técnicas clássicas<br />
seguidas em inspeções fiscais de<br />
preços de transferência, criando<br />
novos e complexos desafios para<br />
os principais atores envolvidos no<br />
mundo da fiscalidade.<br />
Como corolário desta nova dinâmica,<br />
o contexto atual (e o que<br />
se antecipa para o futuro) torna<br />
imperioso que os responsáveis<br />
fiscais reflitam sobre as suas estratégias<br />
de defesa de preços de<br />
transferência e procedam às correspondentes<br />
alterações de rumo<br />
que lhes permitam “navegar mais<br />
tranquilamente as turbulentas<br />
marés que se avizinham”.<br />
33
Tributação Empresarial<br />
JOANA ANICETO<br />
Manager, Tax Services<br />
Ativos por impostos<br />
diferidos subjacentes<br />
à recuperação fiscal das<br />
amortizações e depreciações<br />
acrescidas no passado<br />
34<br />
Na sequência da alteração<br />
do Código do Imposto<br />
sobre o Rendimento<br />
das Pessoas Coletivas<br />
(Código do IRC),<br />
destinada a adaptar as<br />
regras de determinação<br />
do lucro tributável<br />
ao enquadramento<br />
contabilístico resultante<br />
da aprovação do Sistema<br />
de Normalização<br />
Contabilística (SNC),<br />
que transpôs, com<br />
algumas diferenças, as<br />
Normas Internacionais<br />
de Contabilidade (NIC)<br />
na ordem jurídica interna,<br />
foi igualmente revisto<br />
o regime regulamentar<br />
das depreciações<br />
e amortizações,<br />
adaptando-o a este novo<br />
contexto regulamentar,<br />
o que culminou com a<br />
aprovação do Decreto-<br />
Regulamentar n.º 25/2009,<br />
de 14 de setembro.<br />
Uma das mais importantes alterações<br />
legislativas resultante da<br />
aprovação deste diploma foi o<br />
reconhecimento da possibilidade<br />
de os sujeitos passivos recuperarem<br />
o gasto fiscal associado<br />
às depreciações e amortizações<br />
contabilísticas excessivas praticadas,<br />
em resultado da aplicação de<br />
taxas de depreciação ou amortização<br />
superiores às máximas previstas<br />
nas tabelas anexas àquele<br />
diploma.<br />
Com efeito, a dedução fiscal daqueles<br />
gastos, acrescidos para<br />
efeitos da determinação do resultado<br />
tributável no período de<br />
tributação da respetiva contabilização<br />
por excederem as importâncias<br />
máximas admitidas, são<br />
aceites como gastos fiscais nos<br />
períodos seguintes, na medida<br />
em que não se excedam as quotas<br />
máximas de depreciação ou<br />
amortização fixadas.<br />
Foi precisamente neste contexto<br />
que passou a ser admissível<br />
o reconhecimento contabilístico<br />
de ativos por impostos diferidos<br />
sobre o montante de gastos com<br />
depreciações e amortizações fiscalmente<br />
não aceites em cada período<br />
de tributação (aqui não se<br />
incluindo, naturalmente, os montantes<br />
acrescidos por via do apuramento<br />
de quotas perdidas – já<br />
que estes representam diferenças<br />
permanentes não recuperáveis no<br />
futuro).<br />
Sucede contudo que, volvidos<br />
quase 10 anos sobre a entrada em<br />
vigor daquele diploma, continuamos<br />
a verificar que alguns sujeitos<br />
passivos demonstram significativas<br />
dificuldades em possuir um<br />
controlo efetivo sobre os montantes<br />
de depreciações e amortizações<br />
excessivas (i.e. que não<br />
foram aceites como gasto fiscal)<br />
por cada um dos elementos do<br />
ativo em questão, o que, necessariamente,<br />
inviabiliza a análise do<br />
momento em que tais depreciações/amortizações<br />
excessivas poderão<br />
ser aceites enquanto gasto<br />
fiscal, através da correspondente<br />
dedução ao resultado tributável.<br />
Sob um ponto de vista formal, não<br />
só a inexistência dos mapas fiscais<br />
implica a potencial aplicação<br />
de coimas por parte da Autoridade<br />
Tributária e Aduaneira, como,<br />
no limite, pode pôr em causa a<br />
dedutibilidade fiscal da totalidade<br />
das amortizações e depreciações<br />
reconhecidas no período.<br />
Além de que, a ausência deste<br />
controlo efetivo, implicará necessariamente<br />
a incapacidade dos<br />
sujeitos passivos recuperarem o<br />
gasto fiscal de tais depreciações e<br />
amortizações acrescidas em exercícios<br />
fiscais passados. Sem um<br />
controlo efetivo desta realidade,<br />
quantos casos poderão existir de<br />
ativos que atualmente já se encontram<br />
totalmente depreciados,<br />
cujas depreciações acrescidas em<br />
períodos de tributação anteriores<br />
já deviam encontrar-se a ser deduzidas<br />
ao resultado tributável?<br />
E, consequentemente, determinar<br />
o consumo do ativo por imposto<br />
diferido subjacente? Não existindo<br />
este controlo efetivo, deverão<br />
as Empresas, de facto, reconhecer<br />
tais ativos?<br />
Embora, de acordo com a nossa<br />
experiência, o ataque a potencial<br />
problema tenha vindo a ser objeto<br />
de adiamento por parte dos sujeitos<br />
passivos, é certo que, passada<br />
uma década, poderão já existir<br />
verdadeiros elefantes no canto<br />
da sala.
A complexificação<br />
do benefício da criação<br />
de emprego<br />
Tributação Empresarial<br />
JOÃO SOUSA<br />
Partner, Tax Services<br />
Foi recentemente tornada<br />
pública a Proposta de Lei<br />
n.o 121/XIII, a qual veio,<br />
entre outros, alterar<br />
e prorrogar, numa base<br />
transitória, a vigência<br />
do artigo 19.o do Estatuto<br />
dos Benefícios Fiscais<br />
(“EBF”) – criação<br />
de emprego.<br />
Esta proposta vem prorrogar a<br />
vigência do benefício fiscal da<br />
criação de emprego até 31 de<br />
dezembro de 2019, devendo ser<br />
posteriormente avaliada anualmente<br />
a manutenção, ou não, do<br />
mesmo.<br />
De acordo com a nova redação<br />
da lei:<br />
l O benefício passa a incluir<br />
apenas os jovens com menos de<br />
30 anos (inclusive), que estejam<br />
à procura do primeiro emprego,<br />
e bem assim os desempregados<br />
de longa duração ou de muito<br />
longa duração;<br />
l A percentagem de majoração<br />
mantém-se nos 50% para as entidades<br />
qualificadas enquanto<br />
Pequenas e Médias Empresas<br />
(“PME”) e reduz-se para 20% para<br />
as restantes entidades, podendo<br />
ser majoradas em 50 ou 25 pontos<br />
percentuais (respetivamente)<br />
consoante a localização territorial<br />
das mesmas, a situação dos<br />
colaboradores contratados para<br />
efeitos do benefício ou, ainda,<br />
quando se tratem de projetos de<br />
interesse estratégico;<br />
l Passará a existir uma majoração<br />
específica para os encargos<br />
correspondentes à conversão de<br />
contratos de trabalho a termo<br />
para contratos sem termo – cuja<br />
duração do benefício será de<br />
apenas 1 ano –, a qual irá variar<br />
consoante essa conversão se<br />
verifique até 31 de dezembro de<br />
2018 ou a partir de 1 de janeiro<br />
de 2019, dependendo ainda da<br />
qualificação, ou não, da empresa<br />
enquanto PME;<br />
l O conceito de “encargos” passará<br />
a incluir apenas a remuneração-base<br />
e as contribuições<br />
para a Segurança Social ao encargo<br />
da entidade patronal e<br />
por criação líquida de emprego<br />
passará a entender-se apenas<br />
as situações em que a entidade<br />
empregadora tiver alcançado<br />
por via da celebração de contratos<br />
de trabalho sem termo um<br />
número total de trabalhadores<br />
superior à média dos trabalhadores<br />
registada nos 12 meses<br />
que precedem a celebração dos<br />
referidos contratos.<br />
De acordo com a exposição<br />
de motivos da Proposta de Lei<br />
acima referida, as alterações à<br />
redação do benefício fiscal da<br />
criação de emprego visam fundamentalmente,<br />
“(...) diferenciar<br />
positivamente os benefícios<br />
para as PMEs, favorecer os territórios<br />
mais desfavorecidos e<br />
uniformizar os conceitos subjacentes<br />
aos critérios de aplicação<br />
do benefício.”.<br />
Em nossa opinião, a nova redação<br />
da lei não cumpre totalmente<br />
com os seus objetivos, pois,<br />
para além de não trazer maiores<br />
vantagens significativas para as<br />
PME face às atualmente existentes,<br />
vem tornar muito mais complexa<br />
a aplicação e interpretação<br />
de um benefício fiscal já de si<br />
pouco consensual e com muitas<br />
áreas de conflitualidade.<br />
Desde logo, uma dúvida se coloca<br />
quanto ao regime a aplicar ao<br />
exercício de 2018: aplicaremos o<br />
novo regime para todo o exercício<br />
de 2018 ou estaremos perante<br />
a existência de dois regimes<br />
distintos no exercício de 2018?<br />
Também quanto aos conceitos<br />
utilizados e à forma de apuramento<br />
do benefício se colocam<br />
muitas dúvidas basilares, como<br />
por exemplo: quais os colaboradores<br />
que serão considerados<br />
para efeitos do apuramento do<br />
número médio? Todos? Apenas<br />
os colaboradores elegíveis?<br />
Como será apurado esse número<br />
médio de colaboradores?<br />
Não será preciso, no entanto,<br />
aguardar para concluir que este<br />
benefício sofreu uma revolução<br />
e se complexificou em múltiplos<br />
aspetos, nomeadamente, população<br />
elegível, tipos de contratos<br />
elegíveis, majorações de<br />
encargos distintas consoante<br />
as empresas, a localização ou<br />
mesmo os contratos celebrados,<br />
períodos de vigência do benefício,<br />
existência ou não de regime<br />
transitório para 2018, etc..<br />
Neste contexto, parece-nos que<br />
será necessária uma redobrada<br />
atenção na utilização deste relevante<br />
benefício fiscal.<br />
35
Tributação Empresarial<br />
Falsa partida! Afinal Jersey,<br />
Ilha de Man e o Uruguai<br />
continuam da lista<br />
de paraísos fiscais<br />
36<br />
LIBANIA RIBEIRO<br />
Manager, Tax Services<br />
PEDRO FUGAS<br />
Partner, Tax Services<br />
A eterna luta contra a<br />
evasão e a fraude fiscal<br />
ao nível do desvio de<br />
fundos de Portugal para<br />
entidades localizadas em<br />
regimes de tributação<br />
privilegiada levou o<br />
legislador a criar um<br />
conjunto de medidas<br />
para desincentivar<br />
os contribuintes a<br />
enredarem em operações<br />
com tais entidades.<br />
Havendo dificuldades em definir<br />
o conceito de “paraísos fiscais”,<br />
foi publicada a Portaria<br />
150/2004, de 13 fevereiro, que<br />
contém a lista das jurisdições<br />
que o legislador entendeu que<br />
têm um regime de tributação<br />
privilegiada (comumente conhecida<br />
por lista de paraísos fiscais).<br />
Decorrente dos mecanismos anti<br />
-abuso a serem implementados<br />
no plano internacional, houve<br />
a necessidade de adaptar esta<br />
lista, pelo que se procedeu às<br />
seguintes alterações:<br />
l As sociedades holding sujeitas<br />
a um regime fiscal específico no<br />
Luxemburgo e o Chipre foram retiradas<br />
da lista em 2011 (as primeiras<br />
por vazio legal, uma vez<br />
que já se havia extinto há muito<br />
aquele tipo de sociedades);<br />
l Jersey, Ilha de Man e o Uruguai<br />
foram retirados da lista com<br />
efeitos a 1 de janeiro de 2017.<br />
Segundo o explicitado na Portaria<br />
nº 345-A/2016 de 30 de<br />
dezembro, estas 3 jurisdições<br />
foram retiradas por serem membros<br />
do Fórum Global sobre<br />
Transparência e Troca de Informações<br />
para efeitos fiscais, Jersey<br />
e o Uruguai por terem sido<br />
considerados “largely compliant”<br />
e a Ilha de Man “compliant”. Por<br />
outro lado, Jersey e a Ilha de Man<br />
assinaram um Acordo para Troca<br />
de Informação em matéria fiscal<br />
(ATI) com Portugal e, no caso do<br />
Uruguai, está em vigor uma Convenção<br />
para Evitar a Dupla Tributação<br />
(CDT) que inclui uma norma<br />
sobre troca de informações<br />
em matéria fiscal. Por fim, todas<br />
as jurisdições referidas aderiram<br />
plenamente ao Acordo Multilateral<br />
das Autoridades Competentes<br />
para a Troca<br />
Automática de Informações de<br />
Contas Financeiras.<br />
Ora, se é verdade que desde a<br />
publicação da portaria, o Fórum<br />
Global sobre Transparência e<br />
Troca de Informações não mudou<br />
a sua qualificação destas jurisdições,<br />
também não deixa de<br />
ser verdade que o ATI celebrado<br />
entre Jersey e a Ilha de Man com<br />
Portugal não foi revogado e a<br />
CDT celebrada entre Portugal e o<br />
Uruguai também não.<br />
Por outro lado, é de notar que<br />
nenhuma das jurisdições em<br />
análise se encontra na lista das<br />
17 jurisdições não cooperantes<br />
em matéria fiscal publicada pelo<br />
Conselho a 5 de dezembro de<br />
2017. Já, por oposição, existem<br />
um conjunto de jurisdições relevantes<br />
no contexto português,<br />
como é o caso de Macau, que se<br />
encontram nessa lista do Conselho,<br />
mas que nunca estiveram na<br />
lista de paraísos fiscais.<br />
Sendo assim, o que mudou desde<br />
a publicação da portaria? Em<br />
substância, nada.<br />
Afinal, falsa partida? Afinal ainda<br />
queremos escrutinar as operações<br />
com estas jurisdições? Ou<br />
afinal a receita fiscal perdida<br />
com a tributação agressiva sobre<br />
as operações realizadas com estas<br />
jurisdições é necessária para<br />
cumprir métricas orçamentais?<br />
De facto, de acordo com as
Tributação Empresarial<br />
próprias estatísticas da Autoridade<br />
Tributária, em 2016 foram<br />
comunicadas transferências ou<br />
envios de fundos no montante<br />
de EUR 643.705.757,13 efetuadas<br />
entre sujeitos passivos residentes<br />
em Portugal e sujeitos passivos<br />
residentes em Jersey, Ilha<br />
de Man e Uruguai que apenas<br />
obtiveram rendimentos sujeitos<br />
a retenção na fonte a título<br />
definitivo em território português.<br />
O primeiro aniversário da Portaria<br />
nº 345-A/2016 de 30 de<br />
dezembro fica marcado com a<br />
(precoce) revogação da mesma,<br />
através do Orçamento de Estado<br />
de 2018, o que significa que<br />
Jersey, Ilha de Man e o Uruguai<br />
passam a constar novamente<br />
na lista de paraísos fiscais. Falta<br />
perceber se a referida Portaria<br />
foi uma precipitação legislativa<br />
ou se a sua revogação foi uma<br />
medida extraordinária de obtenção<br />
de receita orçamental. Em<br />
qualquer um dos caso, estes retrocessos<br />
em nada abonam para<br />
a segurança e estabilidade fiscal<br />
que os Investidores procuram<br />
quando ponderam investir em<br />
Portugal.<br />
Proposta de Lei referente<br />
à transposição da DAC6<br />
LUÍS PINTO<br />
Associate Partner, Tax Services<br />
Foi divulgada, e objeto<br />
de uma primeira<br />
discussão pública no<br />
passado dia 28 de maio,<br />
a proposta de lei para<br />
a transposição, para a<br />
ordem jurídica interna,<br />
da Diretiva Europeia que<br />
estabelece um regime de<br />
comunicação obrigatória<br />
e de troca automática de<br />
informações (Mandatory<br />
Disclosure Rules -<br />
MDR) relativamente<br />
a mecanismos<br />
transfronteiriços de<br />
planeamento fiscal<br />
potencialmente<br />
agressivos (Diretiva (UE)<br />
2018/822, do Conselho,<br />
de 25 de maio de 2018,<br />
comummente designada<br />
“DAC6”).<br />
Inserida num conjunto vasto de<br />
medidas que pretendem reforçar<br />
a transparência e o combate<br />
à evasão fiscal, a DAC6 vem introduzir<br />
a obrigação de comunicar<br />
numa base nominativa, às<br />
respetivas autoridades tributárias<br />
nacionais, mecanismos<br />
que, envolvendo mais de Estado-membro<br />
(ou um EM e um<br />
país terceiro), contenham pelo<br />
menos uma das característicaschave<br />
aí elencadas. A obrigação<br />
de comunicar recairá, em<br />
primeira linha, sobre os intermediários<br />
de tais mecanismos,<br />
prevendo-se, no entanto, certas<br />
situações em que deverá ser o<br />
próprio contribuinte a proceder<br />
a essa comunicação.<br />
Feita a comunicação, a informação<br />
recebida será depois<br />
partilhada automaticamente<br />
pelas autoridades tributárias<br />
com as suas congéneres dos<br />
restantes EM.<br />
Relembra-se que a transposição<br />
da Diretiva deverá ocorrer<br />
obrigatoriamente até ao final do<br />
ano, pelo que a divulgação desta<br />
proposta de lei era aguardada<br />
com bastante expectativa.<br />
Entre outras, uma das novidades<br />
é, sem dúvida, a proposta<br />
de aplicação das regras<br />
“importadas” da DAC6 quer a<br />
mecanismos transfronteiriços,<br />
quer a mecanismos puramente<br />
domésticos, com a consequente<br />
revogação do Decreto-Lei n.º<br />
29/2008, de 25 de fevereiro – o<br />
qual, embora circunscrito a mecanismos<br />
domésticos, consagra<br />
um regime similar ao que se visa<br />
implementar a nível europeu.<br />
Atendendo à complexidade do<br />
regime, os agentes económicos<br />
terão a oportunidade de, até<br />
29 de julho, prestarem o seu<br />
contributo e formularem sugestões.<br />
Findo tal período, a proposta<br />
será sujeita a discussão<br />
e votação em Assembleia da<br />
República, não sendo de excluir<br />
a hipótese de a versão final do<br />
diploma não ser totalmente<br />
coincidente com a proposta de<br />
lei divulgada.<br />
Independentemente do que<br />
vier a ocorrer, a primeira comunicação<br />
deverá ocorrer até<br />
31 de agosto de 2020 (e, daí em<br />
diante, no prazo de 30 dias a<br />
contar da data relevante em<br />
cada caso) e abrangerá, necessariamente,<br />
todos os meca-<br />
37
Tributação Empresarial<br />
nismos cujo primeiro passo de<br />
implementação se tenha verificado<br />
entre 25 de junho 2018 e 1<br />
de julho de 2020.<br />
Torna-se, portanto, indispensável<br />
que intermediários e<br />
contribuintes estejam devidamente<br />
conscientes da importância<br />
de, atempadamente, e<br />
de forma regular, identificarem<br />
operações/transações potencialmente<br />
abrangidas pelo dever<br />
de comunicação, precavendo-se,<br />
assim, contra a eventual aplicação<br />
de coimas pelo incumprimento<br />
desse dever (que, de<br />
acordo a proposta de lei, podem<br />
ascender a valor máximo de 80<br />
mil euros).<br />
Facilmente se percebe que este<br />
regime vem exigir dos operadores<br />
económicos um esforço<br />
(adicional) considerável para<br />
assegurarem, a todo o momento,<br />
o cumprimento da miríade<br />
de obrigações que sobre eles<br />
recaem, incluindo a necessidade<br />
de se efetuar uma análise<br />
qualitativa da informação a reportar<br />
/ comunicar.<br />
O Renascer do Regime CFC<br />
38<br />
MIGUEL PUIM<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
A Proposta de Lei n.º 177/<br />
XIII vem estabelecer um<br />
conjunto de medidas<br />
contra práticas de<br />
elisão fiscal, sendo<br />
possivelmente a mais<br />
profunda alteração da<br />
tributação empresarial<br />
em Portugal desde<br />
a Reforma de 2014.<br />
De acordo com o respetivo<br />
preâmbulo, pretende-se a implementação<br />
das iniciativas europeias<br />
usualmente conhecidas<br />
pela designação “ATAD” (Anti Tax<br />
Avoidance Directive) 1 e 2, consagrando<br />
mecanismos antiabuso<br />
direcionados essencialmente<br />
para empresas multinacionais e/<br />
ou com operações transfronteiras.<br />
O presente artigo foi preparado<br />
com base no texto conhecido<br />
e incluído na Proposta de<br />
Lei referida, não sendo na data<br />
da sua preparação conhecida a<br />
versão final aprovada pelo Parlamento,<br />
a qual poderá, ou não,<br />
conter alterações face ao texto<br />
original.<br />
Entre estas alterações destaca-se<br />
a substancial reformulação do<br />
regime de imputação de resultados<br />
de entidades não residentes<br />
(“Controled Foreign Companies”<br />
ou “CFC”). Em traços gerais, este<br />
regime requer que os sujeitos<br />
passivos residentes em Portugal<br />
incluam no respetivo lucro tributável<br />
o lucro ou rendimento<br />
apurado por subsidiárias não<br />
residentes em Portugal, que na<br />
respetiva jurisdição onde são residentes<br />
se encontrem, sujeitas a<br />
um regime fiscal privilegiado, ainda<br />
que este lucro ou rendimento<br />
não tenha sido distribuído.<br />
Mediante a referida Proposta<br />
passam a ser classificadas como<br />
CFC as entidades sujeitas a uma<br />
tributação efetiva inferior a 50%<br />
da que seria devida “nos termos<br />
do Código do IRC”, quando antes<br />
se previa tal qualificação para<br />
entidades sujeitas a uma taxa<br />
nominal inferior a 60% da taxa<br />
nominal portuguesa. É efetuada<br />
igualmente uma mudança de<br />
paradigma quanto ao rendimento<br />
a imputar, o qual passa a ser<br />
definido nos termos do Código<br />
do IRC.<br />
A aplicação concreta de ambas<br />
as disposições é complexa e<br />
gerará certamente algumas dúvidas,<br />
particularmente se o novo<br />
regime for levado à letra em toda<br />
a sua extensão. Será necessário<br />
converter as contas das subsidiárias<br />
não residentes para o<br />
referencial contabilístico vigente<br />
em Portugal (i.e. SNC ou IFRS,<br />
dependendo da entidade) de<br />
forma a que se apure o lucro tributável<br />
/ imposto em base idêntica<br />
à do Código do IRC? Ter-se-á<br />
que reconstituir o histórico dos<br />
atributos fiscais à luz do Código<br />
do IRC para determinar se existiriam,<br />
por exemplo, prejuízos<br />
fiscais ou outros créditos fiscais<br />
reportáveis e passíveis de dedução?<br />
Como deverão ser tratadas
Tributação Empresarial<br />
situações em que a subsidiária<br />
integra um grupo de sociedades<br />
no seu país de residência? Como<br />
aplicar os regimes de exclusão<br />
tributária ou benefícios fiscais<br />
existentes no país de residência<br />
e que não têm correspondência<br />
aos existentes em Portugal e o<br />
inverso? É relevante a derrama<br />
estadual e, porventura, a derrama<br />
municipal no cálculo da taxa<br />
efetiva? Estas são algumas das<br />
perguntas que surgirão na aplicação<br />
prática da norma e que,<br />
de momento, não estão esclarecidas.<br />
Por outro lado, a exclusão das<br />
regras CFC de entidades com<br />
determinadas atividades é alterada,<br />
passando a ser excluídas<br />
entidades cujos rendimentos<br />
“passivos”, ou obtidos junto de<br />
entidades relacionadas em determinadas<br />
circunstâncias, não<br />
excedam 25% do total de rendimentos.<br />
Salienta-se que para o<br />
cálculo dos 25% concorrem os<br />
rendimentos de “empresas de<br />
faturação” provenientes de transações<br />
com partes relacionadas<br />
e que acrescentem pouco ou<br />
nenhum valor económico, sendo<br />
o âmbito de aplicação potencialmente<br />
muito amplo, nomeadamente,<br />
por não se definir o conceito<br />
de pouco valor económico.<br />
Ou seja, estamos perante um<br />
conceito vago e indeterminado<br />
que por certo será potenciador<br />
de interpretações distintas.<br />
Adicionalmente, é revogada a<br />
exclusão da aplicação das regras<br />
CFC a entidades residentes<br />
em Portugal sujeitas a regime<br />
especial, conceito que, embora<br />
não seja definido na lei, poderá<br />
aplicar-se a determinados regimes<br />
específicos com grande<br />
exposição ao investimento internacional<br />
e que agora deverão<br />
aferir a aplicação das CFC nos<br />
termos gerais.<br />
Por último, a não aplicação das<br />
regras CFC a subsidiárias residentes<br />
na União Europeia, em<br />
linha com o Acórdão Cadbury<br />
-Schweppes do TJUE, torna-se<br />
mais exigente, na medida em<br />
que, para além da necessidade<br />
de demonstração da constituição<br />
e funcionamento com base<br />
em razões económicas válidas,<br />
deverá adicionalmente ser desenvolvida<br />
uma atividade económica<br />
com recurso a pessoal,<br />
equipamento, ativos e instalações.<br />
Fica a questão de saber<br />
se os recursos referidos deverão<br />
ser da própria sociedade ou se<br />
é relevante o desenvolvimento<br />
de uma atividade económica, em<br />
maior ou menor grau, através de<br />
recursos subcontratados junto<br />
de outras entidades, o que acontece<br />
com frequência em grupos<br />
multinacionais com especialização<br />
societária.<br />
Pressupondo que a Lei estará em<br />
vigor durante o ano 2019, as alterações<br />
ao regime CFC, em tese,<br />
terão efeitos na determinação<br />
do lucro tributável para todo o<br />
período de tributação de 2019.<br />
Caberá agora aos sujeitos passivos,<br />
com relevante margem<br />
para divergência de interpretação<br />
tendo em conta as questões<br />
pendentes de clarificação,<br />
avaliar se as suas subsidiárias<br />
poderão ou não ser consideradas<br />
CFC e que rendimento será<br />
imputável. Em qualquer caso,<br />
é certo que o âmbito da norma<br />
terá um alcance muito amplo<br />
comparativamente a atividades<br />
e entidades até agora excluídas,<br />
pelo que se poderá claramente<br />
afirmar que o regime das CFC<br />
renascerá com a implementação<br />
da ATAD.<br />
39
Tributação Empresarial<br />
Redomiciliação de<br />
sociedades para Portugal –<br />
aspetos fiscais por clarificar<br />
40<br />
MIGUEL PUIM<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
A redomiciliação<br />
de sociedades<br />
corresponde,<br />
tipicamente,<br />
à transferência da<br />
sede e direção efetiva<br />
(e assim da respetiva<br />
residência fiscal)<br />
para outro país.<br />
Na redomiciliação de sociedades<br />
não residentes para Portugal<br />
colocam-se algumas dúvidas na<br />
interpretação de preceitos muito<br />
relevantes em sede do Imposto<br />
sobre o Rendimento das Pessoas<br />
Coletivas (“IRC”). A Lei n.º 32/2019,<br />
de 3 de maio (“Lei 32/2019”), que<br />
transpõe a Anti-Avoidance Tax Directive<br />
(“ATAD”), passou a prever<br />
que na redomiciliação de sociedades<br />
não residentes para Portugal<br />
considera-se como custo de aquisição<br />
fiscal dos ativos o respetivo<br />
valor líquido contabilístico, desde<br />
que não exceda o valor de mercado<br />
à data da redomiciliação. Não<br />
obstante, caso as entidades provenham<br />
de outro Estado membro<br />
da União Europeia, entre outras<br />
condições, o sujeito passivo pode<br />
optar por considerar como custo<br />
de aquisição fiscal o valor que<br />
nesse outro Estado foi adotado no<br />
apuramento de imposto “à saída”,<br />
desde que reflita o valor de mercado<br />
à data da transferência.<br />
De uma forma geral, a adoção do<br />
valor líquido contabilístico enquanto<br />
custo de aquisição fiscal<br />
gerará alguma incongruência face<br />
ao regime regra, pois poderá relevar<br />
como base fiscal, a favor ou<br />
contra o sujeito passivo, o valor<br />
contabilístico em situações que<br />
não seriam admitidas para uma<br />
sociedade, à partida, residente<br />
em Portugal. Num exemplo simplificado,<br />
uma sociedade redomiciliada<br />
poderá considerar como<br />
base fiscal de uma participação<br />
social o valor contabilístico que,<br />
porventura, resulte da aplicação<br />
do método de equivalência patrimonial,<br />
quando em circunstâncias<br />
análogas uma sociedade<br />
fiscalmente residente em Portugal<br />
consideraria o custo de aquisição<br />
histórico da participação.<br />
A mesma situação pode surgir<br />
relativamente a outros métodos<br />
de contabilização não seguidos<br />
para efeitos fiscais (v.g., o justo<br />
valor, em grande parte das situações),<br />
ativos com diferenças<br />
temporárias entre a base fiscal e<br />
contabilística e que, desta forma,<br />
cristalizarão estas diferenças no<br />
valor fiscal, entre outros casos.<br />
Da redação da norma surge ainda<br />
a dúvida se o valor contabilístico<br />
relevante para definição<br />
da base fiscal seria o definido<br />
no normativo do país de origem<br />
(abordagem consentânea com o<br />
teste alternativo relativamente<br />
ao “step up” para o valor que<br />
serviu de base para a eventual<br />
liquidação de imposto) ou no<br />
normativo Português (abordagem<br />
consentânea com o princípio<br />
vigente no Código do IRC de<br />
que os valores fiscais relevantes<br />
são determinados, à partida,<br />
com base no normativo contabilístico<br />
português, com eventuais<br />
adaptações expressamente previstas<br />
naquele código).<br />
Adicionalmente, apesar das importantes<br />
alterações trazidas pela<br />
Lei 32/2019, existe um conjunto<br />
de temas mais vastos que carece<br />
de densificação, designadamente<br />
se a redomiciliação reiniciará a<br />
contagem dos prazos de detenção<br />
de participações na (e pela) sociedade<br />
redomiciliada para diversos<br />
efeitos ou sobre a aplicação de<br />
obrigações que dependem de variáveis<br />
referentes a períodos de<br />
tributação anteriores (pagamentos<br />
por conta, especial por conta<br />
e adicional por conta, etc.).<br />
Desta forma, seria recomendável<br />
a clarificação dos temas referidos<br />
de forma a conferir maior certeza<br />
relativamente à redomiciliação de<br />
sociedades para Portugal e ao respetivo<br />
apuramento de resultados<br />
tributáveis já enquanto entidades<br />
residentes em Portugal.
Tributação Empresarial<br />
Financiamento para a<br />
aquisição de participações<br />
– Será esta decisão<br />
empresarial “dedutível”?<br />
MIGUEL PUIM<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
TAMARA FARIA<br />
Senior Consultant, Tax Services<br />
Imagine que pretende<br />
alterar a estrutura e a<br />
dimensão económica do<br />
seu negócio, e que, para<br />
tal, a sua empresa contrai<br />
empréstimos cujo destino<br />
é o financiamento da<br />
aquisição de participações<br />
sociais - qual o tratamento<br />
fiscal a conceder aos<br />
juros associados a esses<br />
empréstimos?<br />
Apesar de não ser novo, este<br />
tema continua a ser controvertido<br />
e objeto de inúmeros acórdãos.<br />
No cerne da questão, a<br />
discussão sobre o conceito de<br />
gasto dedutível na determinação<br />
do lucro tributável, em especial o<br />
artigo 23.º do CIRC.<br />
Estabelece este artigo, na redação<br />
dada pela “Reforma do IRC”<br />
de 2014, que “para a determinação<br />
do lucro tributável, são dedutíveis<br />
todos os gastos e perdas<br />
incorridos ou suportados pelo<br />
sujeito passivo para obter ou<br />
garantir os rendimentos sujeitos<br />
a IRC”. Anteriormente a 2014, previa-se,<br />
alternativamente, a dedução<br />
dos gastos incorridos para a<br />
manutenção da fonte produtora.<br />
Em primeiro lugar, parece atualmente<br />
assente na jurisprudência<br />
que, regra geral, um gasto é dedutível<br />
quando suportado no interesse<br />
da empresa, ainda que a<br />
decisão se revele posteriormente<br />
desfavorável em termos económicos.<br />
O interesse económico da<br />
aquisição de participações sociais<br />
não é assim sindicável numa<br />
perspetiva fiscal, porquanto<br />
constitui um ato legítimo de gestão.<br />
Com efeito, a “atividade” de<br />
uma empresa não se esgota no<br />
conjunto de atos operacionais relativamente<br />
aos ativos por si diretamente<br />
detidos. “Atividade” é<br />
também o conjunto de operações<br />
que têm por propósito o exercício<br />
de atividade económica por<br />
intermédio de sociedades participadas,<br />
o que terá que incluir<br />
por definição a sua aquisição. De<br />
facto, a organização da atividade<br />
económica em grupos de sociedades<br />
tem uma razão comercial<br />
subjacente e é incentivada pelo<br />
legislador há já diversas décadas<br />
(veja-se o preâmbulo do regime<br />
legal das SGPS).<br />
Na perspetiva tributária, discutese<br />
se a “remuneração” da detenção<br />
das participações sociais, no<br />
caso dividendos ou mais-valias,<br />
corresponde a um rendimento<br />
sujeito a IRC na aceção do artigo<br />
23.º do Código do IRC, como se<br />
entende ser o caso. De facto, embora<br />
possam beneficiar de uma<br />
exclusão de tributação (“participation<br />
exemption”), os dividendos<br />
e mais-valias da venda de<br />
participações constituem rendimentos<br />
sujeitos e não isentos<br />
de IRC. Para conclusão distinta,<br />
deveria a norma geral de dedutibilidade<br />
dos gastos requerer algo<br />
mais do que a mera sujeição a<br />
IRC, o que não é o caso.<br />
Adicionalmente, importa salientar<br />
que o Código do IRC contempla<br />
mecanismos cujo intuito é limitar<br />
o excessivo / abusivo endividamento<br />
das empresas. Especificamente,<br />
desde 2014, estabelece-se<br />
uma limitação à dedutibilidade<br />
dos gastos de financiamento líquidos,<br />
no âmbito do qual os dividendos<br />
e mais-valias a que se<br />
tenha aplicado o “participation<br />
exemption” não relevam para o<br />
apuramento do “EBITDA Fiscal”.<br />
Este ajustamento resulta, materialmente,<br />
numa limitação à dedução<br />
dos juros incorridos para a<br />
aquisição de participações sociais,<br />
sendo que, por definição, apenas<br />
se poderá limitar a dedução de<br />
algo que seja, à partida, dedutível.<br />
Face ao exposto é visível a necessidade<br />
de “pacificar” a relação<br />
entre sujeitos passivos e AT relativamente<br />
a um tema desnecessariamente<br />
controvertido, por um<br />
lado, pelo facto do Código do IRC<br />
parecer já suficientemente claro<br />
quanto a este tema e, por outro,<br />
pela importância que este tema<br />
tem na competitividade do tecido<br />
empresarial português.<br />
41
Tributação Empresarial<br />
Retenção na fonte sobre<br />
dividendos – isenção para<br />
participações “portfólio”?<br />
42<br />
MIGUEL PUIM<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
No Acórdão C-575/17,<br />
publicado em 22 de<br />
novembro, o Tribunal<br />
de Justiça da União<br />
Europeia decidiu ser<br />
contrário ao princípio da<br />
liberdade de circulação<br />
de capitais a retençãona<br />
fonte sobre dividendos<br />
pagos a entidades não<br />
residentes que, por<br />
apurarem prejuízo fiscal,<br />
não consigam recuperar<br />
esta retenção por crédito<br />
de imposto no país em<br />
que são residentes.<br />
Especificamente, uma sociedade<br />
belga recebeu dividendos<br />
de participações reduzidas<br />
(“portfólio”) em sociedades<br />
residentes em França, os quais<br />
foram sujeitos a retenção na<br />
fonte neste país, dado que o<br />
regime de isenção da Diretiva<br />
Mãe-Filhas não era aplicável<br />
ao caso concreto. Uma vez que<br />
a sociedade belga não obteve<br />
lucro tributável nos períodos<br />
de tributação em que obteve<br />
os dividendos, não foi possível<br />
a recuperação desta retenção<br />
na fonte por via de crédito de<br />
imposto. Neste sentido, a sociedade<br />
belga pediu, em França, o<br />
reembolso da retenção na fonte<br />
sofrida neste país, com base em<br />
alegada desconformidade desta<br />
tributação com o direito europeu,<br />
tendo o subsequente litígio<br />
sido decidido a seu favor, nos<br />
termos referidos.<br />
Relativamente ao sistema fiscal<br />
português, esta decisão levanta<br />
algumas questões quanto à futura<br />
evolução da tributação dos<br />
dividendos pagos a entidades<br />
residentes em outros Estados<br />
Membros da União Europeia,<br />
quando estas não beneficiem<br />
da isenção de retenção na fonte<br />
prevista no artigo 14.º do Código<br />
do IRC (por exemplo, pelo facto<br />
da participação ser inferior a<br />
10% do respectivo capital social).<br />
Entre outras, poderão ser levantadas<br />
as seguintes questões:<br />
l Estará o Código do IRC em desconformidade<br />
com o direito europeu<br />
por não permitir um mecanismo<br />
de isenção de retenção<br />
na fonte para dividendos pagos<br />
a entidades não residentes, nos<br />
casos em que estas não consigam<br />
recuperar a tributação sofrida<br />
em Portugal por intermédio<br />
de crédito de imposto?<br />
l Como poderá ser operacionalizada<br />
esta potencial isenção de<br />
retenção na fonte, a qual depende<br />
de variáveis não totalmente<br />
definidas no momento da retenção<br />
(por exemplo, apuramento ou<br />
não de coleta pelo beneficiário,<br />
entre outras)? Em que medida<br />
poderá ser admissível um método<br />
de reembolso da retenção na<br />
fonte mediante verificação futura<br />
das condições necessárias?<br />
l Em que medida é relevante o<br />
facto dos prejuízos fiscais poderem<br />
resultar da exclusão dos dividendos<br />
do lucro tributável por<br />
aplicação de um regime de “participation<br />
exemption” no país do<br />
beneficiário dos rendimentos?<br />
Neste âmbito, deverá realçar-se<br />
o Acórdão relativo ao processo<br />
0768/13 do Supremo Tribunal<br />
Administrativo.<br />
l Que outros rendimentos (como<br />
juros ou royalties) poderão ser<br />
impactados pelos princípios<br />
desta decisão?<br />
De momento, estas são algumas<br />
das questões que permanecem<br />
sem resposta, mas que certamente<br />
terão desenvolvimentos<br />
relevantes num futuro próximo,<br />
especialmente para entidades<br />
da União Europeia que obtenham<br />
rendimentos sujeitos a retenção<br />
na fonte em Portugal, as<br />
quais deverão avaliar o impacto<br />
desta decisão na ótica da tributação<br />
que têm vindo a sofrer em<br />
Portugal.
Aplicação da tecnologia<br />
blockchain aos preços<br />
de transferência<br />
Tributação Empresarial<br />
NELSON PEREIRA<br />
Director, Tax Services<br />
A tecnologia<br />
blockchain é<br />
relativamente recente<br />
e ainda não é usada<br />
de forma ampla<br />
na área fiscal e,<br />
em concreto, na<br />
área de preços de<br />
transferência (“PT”).<br />
A imutabilidade e versão única<br />
desta plataforma torna possível<br />
unificar o processamento de<br />
todas as transações e providencia<br />
um registo mais completo e<br />
disponível para todas as partes<br />
ao longo do fluxo transacional.<br />
Tendo em conta que, segundo a<br />
ONU, mais de 30% do comércio<br />
global é intragrupo, a utilização<br />
da tecnologia blockchain poderá<br />
sem dúvida ser um game changer<br />
para os PT, sendo mesmo<br />
uma questão de tempo até se<br />
tornar a plataforma tecnológica<br />
de base para as empresas multinacionais<br />
(“EM”) gerirem a sua<br />
cadeia de valor (e transações intragrupo)<br />
numa época caracterizada<br />
por uma forte transparência<br />
fiscal sem precedentes.<br />
Considerando que esta tecnologia<br />
poderá auxiliar a documentar<br />
um fluxo rastreável da conduta<br />
das partes relacionadas, assegurando<br />
assim o cumprimento das<br />
políticas de PT, são descritas de<br />
seguida algumas áreas específicas<br />
de PT que podem beneficiar<br />
do seu uso:<br />
l Sistema de gestão de contas<br />
a receber – as aplicações blockchain<br />
poderão desenhar processos<br />
para gerir as contas a<br />
receber incluindo a emissão de<br />
faturas e respetiva validação de<br />
autenticidade, montante e outros<br />
detalhes; bem como o envio<br />
de follow-ups para cobranças,<br />
etc. Este registo providenciará<br />
todos os detalhes relevantes que<br />
permanecerão acessíveis durante<br />
muitos anos para evidenciar<br />
a cobrança atempada e dispensarão<br />
uma auditoria detalhada<br />
tendo em conta o protocolo blockchain;<br />
l Disponibilidade de informação<br />
para aplicação de métodos<br />
– dois dos métodos de PT menos<br />
utilizados são o método do<br />
preço comparável de mercado<br />
(“MPCM”) e o método do fracionamento<br />
do lucro (“MFL”). A<br />
tecnologia blockchain facilitará<br />
a maior disponibilidade de informação<br />
sobre transações comparáveis<br />
efetuadas pela empresa<br />
ou pelas suas entidades relacionadas<br />
(possibilitando a aplicação<br />
do MPCM) bem como de<br />
informação fiável em tempo real<br />
sobre a contribuição de cada entidade<br />
para a cadeia de valor do<br />
grupo (facilitando, deste modo, a<br />
aplicação do MFL);<br />
l Implementação de contratos<br />
smart a nível intragrupo – um<br />
contrato smart é um acordo, ou<br />
conjunto de regras, que governa<br />
uma transação e é codificado na<br />
rede blockchain, fazendo com<br />
que a transação seja executada<br />
caso as regras sejam cumpridas.<br />
Em substituição dos contratos<br />
físicos, estes contratos podem,<br />
por exemplo, definir as condições<br />
contratuais subjacentes a<br />
serviços intragrupo ou a mecanismos<br />
de tesouraria centralizada<br />
(tipo cash pooling) entre<br />
diversas entidades do mesmo<br />
grupo. Para além de ajudar na<br />
validação das chaves de repartição,<br />
este exercício ocorreria em<br />
tempo real, não implicaria intervenção<br />
manual significativa e reduziria<br />
a possibilidade de erros<br />
e perdas de dados;<br />
l Auxílio em inspeções de PT –<br />
a tecnologia blockchain poderá<br />
ser útil para consubstanciar os<br />
termos de uma transação intragrupo,<br />
mais concretamente para<br />
refletir o fluxo de transações, a<br />
conduta das partes e o processo<br />
de tomada de decisão. Facultar<br />
às autoridades tributárias (“AT”),<br />
por um período limitado de<br />
tempo, acesso ao blockchain do<br />
negócio permitirá a recolha de<br />
informação necessária para determinar<br />
a efetiva conduta das<br />
partes numa transação intragrupo,<br />
facilitar o processo inspetivo<br />
ao aumentar a confiança da AT<br />
na informação sobre acordos<br />
intragrupo das EM e, sobretudo,<br />
reduzir gastos com inspeções de<br />
PT. No futuro, mediante a aceitação<br />
por parte das AT, poderá inclusive<br />
ser possível a implementação<br />
de acordos prévios de PT<br />
usando tecnologia blockchain;<br />
l Partilha de Country-by-Country<br />
reports (CbCr) – o processo<br />
de partilha de CbCr poderia ser<br />
automatizado através do uso de<br />
tecnologia blockchain, de modo<br />
a que todas as jurisdições signatárias<br />
de acordo multilateral<br />
43
Tributação Empresarial<br />
sejam participantes ou membros<br />
da rede e, assim que qualquer<br />
CbCr seja partilhado nesta plataforma,<br />
recebam essa informação<br />
em tempo real. Isto possibilitaria<br />
uma melhor interpretação dos<br />
resultados dos CbCr por parte<br />
das AT, asseguraria uma maior<br />
consistência de reporte e permitiria<br />
às EM monitorizar as tendências<br />
de CbCr.<br />
Na sequência das novas tendências<br />
de tributação internacional,<br />
onde a transparência e o cruzamento<br />
de dados e informações<br />
são as palavras de ordem, as EM<br />
têm que olhar de forma diferente<br />
para as suas políticas de PT e<br />
planear deliberadamente a sua<br />
revisão de forma mais integrada.<br />
A vantagem desta tecnologia é<br />
que permite capturar informação,<br />
sob múltiplas perspetivas,<br />
que é imutável e disponível para<br />
verificação, possibilitando aos<br />
departamentos fiscais das EM<br />
ter informação fiável disponível<br />
para cumprir cabalmente as<br />
diversas obrigações de reporte<br />
com que se confrontam. É um<br />
novo futuro que aí vem e com<br />
novos desafios no que a PT diz<br />
respeito.<br />
Evolução do fracionamento<br />
do lucro num contexto<br />
de criação de valor<br />
44<br />
NELSON PEREIRA<br />
Director, Tax Services<br />
A maioria das<br />
transações intragrupo<br />
ainda é valorizada<br />
segundo métodos de<br />
preços de transferência<br />
que apenas analisam<br />
um lado da transação.<br />
No contexto destes métodos, é<br />
determinada uma medida confiável<br />
no que respeita aos lucros<br />
que uma parte da transação, se<br />
independente, iria realizar, sendo<br />
o “lucro residual” capturado<br />
pela contraparte da mesma<br />
transação. A exceção aplicável<br />
aplica-se, naturalmente, quando<br />
mais de uma parte da mesma<br />
transação faz contribuições<br />
que não podem ser avaliadas de<br />
forma fiável com os benchmarks<br />
disponíveis, devendo neste caso<br />
o método do fracionamento do<br />
lucro (“MFL”) ser selecionado.<br />
Esta abordagem encontra-se<br />
atualmente em destaque devido<br />
à maior transparência para<br />
as autoridades tributárias (“AT”)<br />
do lucro total da cadeia de valor<br />
e onde o mesmo é reconhecido<br />
para efeitos fiscais, em resultado<br />
dos requisitos de country-bycountry<br />
reporting nos termos da<br />
Ação 13 do Projeto BEPS (com a<br />
crescente implementação destes<br />
requisitos a nível mundial.<br />
Neste contexto, as AT têm agora<br />
uma visão geral da cadeia de<br />
valor completa providenciada<br />
pelo contribuinte no country-bycountry<br />
reporting e, sobretudo,<br />
visibilidade quanto às atividades<br />
rotineiras e não rotineiras).<br />
Mas, mais do que isso, num<br />
mundo de múltiplos intangíveis<br />
e contribuições através de toda a<br />
cadeia de valor, os métodos tradicionais<br />
podem falhar e tornase<br />
cada vez mais provável que o<br />
MFL seja aplicado. Não se trata<br />
apenas do resultado de uma<br />
qualquer alteração regulamentar<br />
mas sim o resultado de mudanças<br />
na realidade dos negócios<br />
que tornam os designados métodos<br />
tradicionais de preços de<br />
transferência mais difíceis de<br />
aplicar. O MFL oferece-se como<br />
uma solução para operações altamente<br />
integradas para as quais<br />
não seria apropriado aplicar um<br />
método que apenas analisa um<br />
lado da transação. Ademais,<br />
como ambas as partes da transação<br />
são avaliadas, a divisão de<br />
lucros de eficiências conjuntas é<br />
assegurada o que satisfaz tanto<br />
os contribuintes como as AT.<br />
Devido à crescente integração<br />
das empresas multinacionais
Tributação Empresarial<br />
(“EM”) e à globalização das economias<br />
e mercados nacionais, a<br />
clarificação do MFL foi uma das<br />
prioridades identificadas no<br />
âmbito do Projeto BEPS. Assim,<br />
a OCDE, em resposta à missão<br />
subjacente ao Projeto BEPS relativamente<br />
ao desenvolvimento<br />
de regras com o intuito de assegurar<br />
a alocação de lucros em<br />
linha com a real criação de valor,<br />
reviu recentemente as orientações<br />
fornecidas para a aplicação<br />
do MFL, que clarificam e expandem<br />
significativamente as orientações<br />
anteriormente existentes<br />
sobre quando será mais apropriado<br />
aplicar o MFL.<br />
O parágrafo 2.124 destas orientações<br />
revistas é particularmente<br />
relevante ao referir que “Por<br />
vezes argumenta-se que o MFL<br />
é raramente utilizado entre empresas<br />
independentes, pelo que<br />
a sua aplicação em transações<br />
vinculadas deve ser similarmente<br />
raro. Quando tal método for<br />
considerado o mais apropriado,<br />
isso não deve ser tido em consideração<br />
dado que os métodos<br />
de preços de transferência não<br />
se destinam necessariamente a<br />
replicar um comportamento de<br />
plena concorrência, mas antes<br />
a servir como um meio de estabelecer<br />
e/ou verificar resultados<br />
de plena concorrência para transações<br />
vinculadas.”.<br />
Em suporte, e de forma complementar<br />
às orientações revistas, o<br />
EU Joint Transfer Pricing Forum<br />
publicou no passado mês de<br />
março um documento sobre a<br />
aplicação do MFL. Este documento<br />
concluiu que não existe uma<br />
correlação direta entre o MFL e<br />
um setor específico (sendo antes<br />
aplicado em diversos setores), e<br />
sobretudo que este método não<br />
é usado muito frequentemente<br />
e que, quando usado, tal ocorre<br />
principalmente no contexto de<br />
procedimentos de acordos prévios<br />
de preços de transferência.<br />
Ainda segundo esta pesquisa,<br />
a escolha de fatores apropriados<br />
de fracionamento, os seus<br />
pesos relativos e a avaliação<br />
das contribuições, especialmente<br />
contribuições heterogéneas,<br />
constituem os principais desafios<br />
para a aplicação do MFL. Não<br />
obstante, é também referido que<br />
existe a possibilidade do MFL ser<br />
aplicado mais frequentemente<br />
no futuro devido ao surgimento<br />
de novos modelos de negócio.<br />
Com efeito, a proposta de diretiva<br />
da Comissão Europeia que estabelece<br />
regras relativas à tributação<br />
das sociedades com uma<br />
presença digital significativa (21<br />
de março de 2018) refere explicitamente<br />
que o MFL é o método<br />
mais apropriado para alocar lucros<br />
na economia digital.<br />
Face ao exposto, as orientações<br />
revistas de aplicação do MFL irão<br />
provavelmente colocar mais ênfase<br />
no delineamento da transação,<br />
incluindo a determinação<br />
sobre se as partes providenciam<br />
contribuições únicas e valiosas<br />
bem como a seleção da metodologia<br />
mais apropriada. Estes<br />
desenvolvimentos terão impacto<br />
tanto em EM que atualmente<br />
não aplicam o MFL como em EM<br />
que já aplicam o MFL, sendo que<br />
estes últimos devem avaliar se<br />
as atuais políticas de preços de<br />
transferência estão alinhadas<br />
com estas orientações revistas<br />
ou se exigem mudanças.<br />
45
Tributação Empresarial<br />
NUNO MELO<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
Ampliação do conceito<br />
de gastos de financiamento<br />
- clarificação inócua<br />
ou alteração relevante<br />
com efeitos práticos?<br />
46<br />
Com a transposição<br />
da ATAD 1 (Anti Tax<br />
Avoidance Directive)<br />
para o ordenamento<br />
jurídico-fiscal<br />
português, procedeuse<br />
a uma ampliação<br />
do conceito de “gastos<br />
de financiamento”<br />
constante do recémmodificado<br />
n.º 12 do<br />
artigo 67.º do Código<br />
do Imposto sobre o<br />
Rendimento das Pessoas<br />
Coletivas (CIRC).<br />
Com a transposição da ATAD 1<br />
(Anti Tax Avoidance Directive)<br />
para o ordenamento jurídico-fiscal<br />
português – que veio fortalecer<br />
os mecanismos anti-abuso<br />
ao dispor da Autoridade Tributária<br />
e Aduaneira (“AT”), conforme<br />
já foi devidamente abordado em<br />
anteriores artigos neste mesmo<br />
espaço – na sequência da publicação<br />
recente da Lei n.º 32/2019,<br />
de 3 de maio, procedeu-se a uma<br />
ampliação do conceito de “gastos<br />
de financiamento” constante<br />
do recém-modificado n.º 12 do<br />
artigo 67.º do Código do Imposto<br />
sobre o Rendimento das Pessoas<br />
Coletivas (CIRC).<br />
Este alargamento de conceito,<br />
atendendo ao caráter anti-abuso<br />
da norma, parece ter como<br />
consequência mais imediata o<br />
aumento do número de itens a<br />
considerar pelo contribuinte no<br />
cálculo dos gastos de financiamento<br />
com relevância fiscal, o<br />
que, poderá implicar para aqueles<br />
que se encontrem em situações<br />
limite (i.e., que aproveitam<br />
a dedução até ao teto máximo<br />
ou o excedem residualmente) o<br />
aumento dos gastos contabilísticos<br />
de natureza financeira cuja<br />
dedução não será fiscalmente<br />
permitida.<br />
Independentemente da materialização<br />
prática destas consequências,<br />
certo é que, com o<br />
alargamento do conceito parece<br />
pelo menos que a AT passará a<br />
poder escrutinar de forma mais<br />
incisiva o apuramento do montante<br />
de gastos de financiamento,<br />
o que poderá ter como consequência<br />
a eventual negação da<br />
dedutibilidade de certos gastos<br />
financeiros, em contraponto ao<br />
que acontecia antes da referida<br />
alteração legislativa.<br />
Uma das novidades intrigantes<br />
da nova redação ampliada da<br />
norma é a aparente necessidade<br />
sentida pelo legislador de acrescentar,<br />
entre outras situações,<br />
e para além dos já expectáveis<br />
juros de descobertos bancários<br />
e de empréstimos obtidos a curto<br />
e longo prazos ou quaisquer<br />
importâncias devidas ou imputadas<br />
à remuneração de capitais<br />
alheios, os “montantes calculados<br />
por referência ao retorno de<br />
um financiamento no âmbito das<br />
regras em matéria de preços de<br />
transferência”.<br />
Isto porque, já anteriormente à<br />
alteração legislativa, era comummente<br />
acolhida a interpretação<br />
de que a dedução fiscal de gastos<br />
de financiamento referentes<br />
a operações em que o mutuário<br />
e o mutuante se encontravam em<br />
situação de relações especiais,<br />
se encontrava implicitamente<br />
sujeita à observância das regras<br />
de preços de transferência. Esta<br />
interpretação decorria da referência<br />
expressa no artigo 63.º<br />
do CIRC às operações financeiras<br />
como estando sujeitas às regras<br />
de preços de transferências e, por<br />
conseguinte, os gastos de financiamento<br />
inerentes às mesmas<br />
também. O próprio enquadramento<br />
sistemático dos dois artigos<br />
no CIRC acentuava e reforçava<br />
esta mesma interpretação.<br />
Assim, a necessidade de espelhar<br />
esta realidade na nova redação<br />
da alínea a) do número 12.º<br />
do artigo 67.º do CIRC, encerra algumas<br />
dúvidas quanto às realidades<br />
que se pretendem abarcar<br />
ou reforçar, para além daquelas<br />
que eram, desde logo, aceites e<br />
implicitamente já abrangidas.<br />
Em primeiro lugar, se é de sublinhar<br />
a novidade na referência<br />
expressa ao conceito de preços<br />
de transferência, causa alguma<br />
estranheza que, para efeitos da<br />
definição de um conceito de gastos<br />
de financiamento, se coloque<br />
a tónica no retorno (i.e., rendimento)<br />
de um financiamento<br />
à luz das regras de preços de<br />
transferência e não no gasto em
Tributação Empresarial<br />
si, sujeito a limitação na dedução<br />
fiscal.<br />
Em segundo lugar, a nova redação<br />
parece impor o recurso, a priori,<br />
às regras de preços de transferência<br />
para o simples efeito de<br />
apurar o montante de gastos de<br />
financiamento a considerar para<br />
efeitos fiscais, independentemente<br />
da sua existência contabilística<br />
ou da materialização de<br />
correções efetivas de preços de<br />
transferência promovidas pela AT<br />
perante a constatação desta(s)<br />
discrepância(s).<br />
Por fim, a referência às normas<br />
de preços de transferência,<br />
poderá ser vista como uma<br />
“presunção de juros” sujeita às<br />
regras de mercado, particularmente<br />
i) em situações de discrepância<br />
entre a taxa de juro aplicada<br />
ou não e a que decorreria<br />
da aplicação do princípio de plena<br />
concorrência, ii) onde a lei comercial<br />
admita a sua inexistência,<br />
mesmo perante situações de<br />
relações especiais (participações<br />
iguais ou superiores a 20%), nomeadamente<br />
em operações de<br />
suprimentos não remunerados.<br />
Nesta perspetiva, ao abrigo da<br />
nova redação também poderão<br />
ser abrangidos pelo conceito de<br />
gastos de financiamento aqueles<br />
que seriam suportados a título<br />
de saldos intragrupo de dívidas<br />
comerciais não remunerados,<br />
contas correntes entre sede e<br />
sucursal, entre outras realidades.<br />
Neste contexto, impõe-se que<br />
os contribuintes avaliem e tomem<br />
consciência das eventuais<br />
implicações práticas destas alterações<br />
no cálculo dos respetivos<br />
gastos de financiamento e das<br />
consequências daí decorrentes<br />
no IRC a pagar, devendo, pois, revisitar<br />
proactivamente os termos<br />
e condições das operações de<br />
financiamento intragrupo. Uma<br />
abordagem reativa poderá, em<br />
determinadas situações, trazer<br />
surpresas indesejáveis.<br />
Será esta evolução do conceito<br />
de gastos de financiamento uma<br />
mera clarificação inócua em termos<br />
práticos ou acarreta ténues<br />
alterações com impactos práticos<br />
reais?<br />
A alteração do léxico fiscal<br />
PAULO MENDONÇA<br />
Partner, Tax Services<br />
De uma forma ou<br />
outra, quem lida com<br />
frequência com temas<br />
fiscais já se deparou<br />
com expressões que<br />
envolvem remissões para<br />
a ação x, y ou z do BEPS<br />
(“Base Erosion and Profit<br />
Shifting”), referências<br />
à ICA (“International<br />
Compliance<br />
Assurance”), ao prazo<br />
para entrega do CbCR<br />
(“Country-by-Country<br />
Report”) ou, ainda, à<br />
relevância crescente<br />
do MLI (“Multilateral<br />
Instrument”), entre<br />
outros.<br />
Estes acrónimos são o produto<br />
do que parece ser uma atitude<br />
mais do que proativa de algumas<br />
instituições supranacionais,<br />
principalmente a Organização de<br />
Cooperação e Desenvolvimento<br />
Económico (“OCDE”) e a União<br />
Europeia, com algumas tentativas<br />
de aproximação ao pelotão<br />
da frente por parte da Organização<br />
das Nações Unidas (embora<br />
esta última, diga-se em abono<br />
da verdade, mais preocupada<br />
com aspetos fiscais relacionados<br />
com os países em vias de desenvolvimento),<br />
que se assemelha,<br />
perigosamente, a uma corrida<br />
para ver quem apresenta mais<br />
trabalho no mais curto espaço<br />
de tempo.<br />
Toda esta hiperatividade criativa<br />
tem vantagens e desvantagens.<br />
No plano das vantagens, assinala-se<br />
o grande desenvolvimento<br />
e a densificação de alguns<br />
conceitos e de temas com que<br />
os agentes económicos, principalmente<br />
as empresas, têm que<br />
lidar amiúde. Refiro apenas, para<br />
simplificar, de entre as 15 publicadas,<br />
a medida 1 do BEPS que<br />
endereça o tema muito atual<br />
dos desafios fiscais da economia<br />
digital, e a medida 7, relativa<br />
ao tema dos estabelecimentos<br />
estáveis. No que respeita a desvantagens,<br />
encontramos uma<br />
agenda que condiciona os Estados<br />
a alterarem radicalmente,<br />
e muito rapidamente, as suas<br />
leis fiscais, muitas vezes sem o<br />
tempo necessário para equacionar<br />
se essas alterações, sempre<br />
justificadas com o argumento do<br />
combate às práticas fiscais abusivas,<br />
não implicam, no médio/<br />
longo prazo, uma perda efetiva<br />
de receita, seja pela falta de estabilidade<br />
do sistema fiscal, que<br />
afasta muitos investidores, seja<br />
porque direta ou indiretamente<br />
transfere receita para determi-<br />
47
Tributação Empresarial<br />
nadas jurisdições que, pela sua<br />
relevância no contexto internacional,<br />
conseguem condicionar<br />
as decisões que são tomadas no<br />
âmbito destas instituições supranacionais.<br />
Atente-se, por exemplo, no que<br />
propõe a medida 15 do pacote<br />
BEPS (“Developing a Multilateral<br />
Instrument to Modify Bilateral<br />
Tax Treaties” ou MLI). Nada menos<br />
que o desenvolvimento de<br />
um instrumento multilateral que<br />
pretende modificar os tratados<br />
bilaterais celebrados entre países<br />
para evitar a dupla tributação.<br />
Embora a ideia seja alinhar<br />
os tratados em causa com as<br />
orientações do pacote BEPS, e<br />
sem prejuízo de se tratar de um<br />
processo voluntário, fica claro,<br />
lendo os documentos publicados<br />
pela OCDE sobre o tema, que<br />
a ideia prevalecente é a de que<br />
os tratados em causa acabam<br />
por fomentar aquilo que o pacote<br />
BEPS pretende combater. Isto<br />
porque tais tratados são aplicados<br />
em articulação com a lei fiscal<br />
de cada um dos países contratantes<br />
e porque existe uma<br />
grande disparidade nas cláusulas<br />
negociadas e aceites nos diferentes<br />
instrumentos subscritos<br />
por cada país. E que esses factos<br />
geram oportunidades para abuso<br />
e aproveitamento em termos<br />
de minimização artificial da carga<br />
fiscal.<br />
Ora, a razão fundamental para a<br />
assinatura de tratados bilaterais<br />
assenta, precisamente, num processo<br />
negocial em que cada um<br />
dos países avalia a sua posição e<br />
tenta fazer valer os argumentos<br />
e as cláusulas que lhe são mais<br />
convenientes ou menos desvantajosas,<br />
tendo por pano de<br />
fundo a intenção de eliminar os<br />
fenómenos de dupla tributação<br />
que ocorrem nas transações internacionais.<br />
E já nem menciono<br />
o processo formal de aprovação,<br />
muito complexo, que o nosso<br />
ordenamento jurídico preconiza<br />
para que se chegue à fase de ratificação<br />
de um instrumento desta<br />
natureza. O MLI, como agora se<br />
diz, faz tábua quase rasa de todos<br />
estes aspetos de relevância nacional.<br />
Parece, na verdade, uma<br />
iniciativa destinada a impor a<br />
muitos a vontade de uns poucos.<br />
Ordem de aplicação<br />
dos artigos 7.o e 9.o da<br />
Convenção-Modelo da OCDE<br />
48<br />
PAULO MENDONÇA<br />
Partner, Tax Services<br />
No seguimento do seu<br />
projeto de combate<br />
à erosão fiscal e<br />
transferência de lucros<br />
– Base Erosion and<br />
Profit Shifting (“BEPS”)<br />
– e após vários anos de<br />
trabalho, a Organização<br />
para a Cooperação<br />
e Desenvolvimento<br />
Económico (“OCDE”)<br />
desenvolveu 15 ações<br />
que foram entregues<br />
ao G20 em 2015.<br />
Um dos principais tópicos abordados<br />
na Ação 7 do BEPS visa<br />
prevenir o uso de certas estratégias<br />
que têm sido utilizadas<br />
como forma de contornar a definição<br />
de Estabelecimento Estável<br />
(“EE”). Assim, o relatório “Preventing<br />
the Artificial Avoidance<br />
of Permanent Establishment<br />
Status” no âmbito daquela Ação<br />
(OCDE, 2015) recomenda alterações<br />
à definição de EE constante<br />
no Artigo 5.o da Convenção-Modelo<br />
da OCDE (“CMOCDE”).<br />
As alterações à definição de EE e<br />
a sua correlação com as diretrizes<br />
de outros relatórios do BEPS,<br />
em particular sobre as Ações 8<br />
a 10, foram identificadas no relatório<br />
da Ação 7 como algumas<br />
das principais áreas de preocupação<br />
e de necessidade de<br />
estudo futuro pela OCDE. Neste<br />
âmbito, o relatório da Ação 7 do<br />
BEPS pressupõe o desenvolvimento<br />
de orientações adicionais<br />
no sentido de perceber como é<br />
que a atribuição de lucro aos<br />
EEs será conjugada com as novas<br />
Orientações de Preços de Transferência<br />
introduzidas pelo relatório<br />
Aligning Transfer Pricing<br />
Outcomes with Value Creation<br />
(OCDE, 2015), no âmbito das referidas<br />
Ações 8 a 10.<br />
Em particular, quando se considera<br />
que um EE existe à luz do<br />
Artigo 5, n.o 5, da CMOCDE, como<br />
consequência das relações de<br />
negócio entre um intermediário<br />
e uma entidade não residente,<br />
essas atividades são relevantes
Tributação Empresarial<br />
para dois sujeitos passivos no<br />
host country: o intermediário (o<br />
qual pode ser residente nessa<br />
jurisdição) e o EE (dessa entidade<br />
não residente). A remuneração<br />
de plena concorrência<br />
do intermediário pelos serviços<br />
que este presta à entidade não<br />
residente é um dos elementos<br />
que precisa ser determinado e<br />
deduzido do cálculo dos lucros<br />
atribuíveis ao EE, de acordo com<br />
o Artigo 7.o da CMOCDE.<br />
Em certos casos, o intermediário<br />
e a entidade não residente são<br />
entidades relacionadas. Nestes<br />
cenários, tanto o Artigo 9.o como<br />
o Artigo 7.o entram em cena, por<br />
forma a determinar o montante<br />
de lucros total que deve ser<br />
tributado no host country. Enquanto<br />
o Artigo 9.o permite a<br />
realização de ajustamentos ao<br />
lucro tributável de entidades<br />
relacionadas, se os termos e<br />
condições das transações entre<br />
estas (i.e., entre a entidade não<br />
residente e o intermediário) não<br />
forem consistentes com o princípio<br />
de plena concorrência, o Artigo<br />
7.o determina a base na qual<br />
os lucros são atribuíveis ao EE da<br />
entidade não residente.<br />
Neste sentido, quando, em julho<br />
de 2016 e em junho de 2017,<br />
o Comité de Assuntos Fiscais da<br />
OCDE emitiu dois drafts para discussão<br />
pública acerca da atribuição<br />
de lucros aos EEs e convidou<br />
todas as partes interessadas a<br />
comentar a proposta de orientações<br />
adicionais relativamente<br />
à aplicação das regras do Artigo<br />
7.o da CMOCDE para EEs, resultantes<br />
de alteração ao Artigo 5.o<br />
da mesma Convenção-Modelo,<br />
uma das principais preocupações<br />
levantadas relacionava-se<br />
com a ordem pela qual os referidos<br />
Artigos 7.o e 9.o deveriam<br />
ser aplicados.<br />
Neste sentido, no recente relatório<br />
final da Additional Guidance<br />
on the Attribution of Profits to<br />
Permanent Establishments (“Additional<br />
Guidance”) publicado<br />
a 22 de março de 2018, a OCDE<br />
volta a insistir que a ordem de<br />
aplicação dos Artigos 7.o e 9.o da<br />
CMOCDE não deve ser relevante<br />
na determinação dos lucros<br />
atribuíveis ao envolvimento do<br />
intermediário, desde que seja<br />
aplicada uma abordagem consistente.<br />
Neste âmbito, a OCDE esclarece<br />
que “A CMOCDE e os seus comentários<br />
não referem, explicitamente,<br />
se um ajustamento ao<br />
lucro tributável à luz do Artigo<br />
9.o deva preceder a atribuição<br />
de lucros conforme o Artigo 7.o.<br />
Contudo, várias jurisdições consideram<br />
lógico e eficiente determinar<br />
primeiramente o lucro de<br />
plena concorrência resultante,<br />
enquanto outras podem decidir<br />
desenvolver uma análise primeiro<br />
à luz do Artigo 7.o e só depois<br />
aplicar o Artigo 9.o”. Neste sentido,<br />
a OCDE volta a repetir que a<br />
ordem de aplicação dos artigos<br />
“não deve<br />
influenciar o montante de lucros<br />
sobre o qual o “host country”<br />
tem direitos à tributação, como<br />
resultado das atividades do intermediário”.<br />
Adicionalmente, a OCDE enfatiza,<br />
uma vez mais, que “a abordagem<br />
adotada por uma jurisdição deve<br />
ser aplicada de forma consistente<br />
e deve ser tornada pública<br />
para garantir a transparência<br />
e aumentar a segurança para<br />
os sujeitos passivos. Ademais,<br />
qualquer abordagem adotada<br />
na aplicação dos Artigos 7.o e<br />
9.o da CMOCDE para os casos de<br />
EEs à luz do Artigo 5, n.o 5, deve<br />
garantir que não existe dupla tributação<br />
no host country, i.e., tributação<br />
dos mesmos lucros auferidos<br />
pelo EE (de acordo com<br />
as regras de atribuição de lucro)<br />
e auferidos pelo intermediário<br />
(de acordo com as regras de preços<br />
de transferência)”.<br />
O relatório final Additional Guidance<br />
também ressalva a situação<br />
de não alinhamento entre<br />
as significant people functions<br />
para os efeitos da Authorized<br />
OECD Approach e as funções de<br />
controlo de risco para efeitos<br />
de aplicação do Artigo 9.o da<br />
CMOCDE, a qual tem sido identificada<br />
como uma preocupação<br />
adicional dos stakeholders.<br />
Neste âmbito, a OCDE especifica<br />
que, “apesar de poderem existir<br />
funções que podem ser consideradas<br />
como “significant people<br />
functions” para efeitos do Artigo<br />
7.o e funções de controlo de risco<br />
para propósitos do Artigo 9.o,<br />
não se pode concluir que estes<br />
dois conceitos estão alinhados<br />
ou que podem ser considerados<br />
permutáveis”.<br />
Quando ambos os Artigos da<br />
CMOCDE são aplicáveis e as funções<br />
do intermediário podem<br />
ser classificadas como significant<br />
people functions e como<br />
funções de controlo de risco, a<br />
OCDE refere que é importante<br />
assegurar que o risco associado<br />
a essas funções não é “simultaneamente<br />
alocado ao intermediário<br />
e ao EE”, uma vez que tal<br />
pode levar a uma situação de<br />
dupla tributação. Adicionalmente,<br />
é referido que “é importante<br />
notar que os direitos à tributação<br />
do “host country” não são<br />
necessariamente esgotados por<br />
ser garantida uma compensação<br />
de plena concorrência para o intermediário”.<br />
49
Tributação Empresarial<br />
Transações com paraísos<br />
fiscais: novo olhar<br />
da AT e da jurisprudência<br />
50<br />
PEDRO FUGAS<br />
Partner, Tax Services<br />
No âmbito de um<br />
conjunto de ações de<br />
inspeção realizadas pela<br />
Autoridade Tributária<br />
e Aduaneira (AT) a<br />
sociedades de mediação<br />
e revenda imobiliária,<br />
a AT procedeu a<br />
liquidações adicionais<br />
de IRC pela aquisição<br />
de serviços de promoção<br />
imobiliária e de<br />
marketing a sociedades<br />
residentes em Hong<br />
Kong (que, apesar<br />
de ter, desde 2012, uma<br />
Convenção para evitar<br />
a dupla tributação<br />
em vigor com Portugal,<br />
continua na lista de<br />
“paraísos fiscais”).<br />
Durante o período da crise, estas<br />
sociedades contrataram serviços<br />
de promoção junto de entidades<br />
residentes em Hong Kong com o<br />
fim de atrair potenciais compradores<br />
residentes na China continental<br />
para adquirirem imóveis<br />
em Portugal e assim poderem<br />
beneficiar do programa de “Vistos<br />
Gold”. No âmbito de um conjunto<br />
de decisões que se encontram a<br />
ser publicadas pelo CAAD, os contratos<br />
estabelecidos previam que<br />
cabia à sociedade não residente<br />
a realização de um conjunto de<br />
ações de promoção tendo como<br />
contrapartida o pagamento pela<br />
entidade portuguesa de uma comissão<br />
pela venda do imóvel no<br />
momento em que o mesmo fosse<br />
alienado.<br />
Nos termos do Código do IRC, não<br />
são aceites os encargos decorrentes<br />
do pagamento de importâncias<br />
a qualquer título, a pessoas<br />
singulares ou coletivas residentes<br />
em países, territórios ou regiões<br />
com regime claramente mais favorável<br />
(i.e., paraísos fiscais) salvo<br />
se o contribuinte provar que tais<br />
encargos correspondem a operações<br />
efetivamente realizadas e<br />
não têm um caráter anormal ou<br />
um montante exagerado.<br />
Nos casos em análise, por forma<br />
a demonstrar que foi efetivamente<br />
realizado, tratando-se de serviços<br />
de promoção e marketing,<br />
a AT exigia que o serviço não só<br />
fosse suportado por um contrato<br />
e pelas respetivas faturas, como<br />
também fosse demonstrado que<br />
o serviço foi efetivamente realizado,<br />
designadamente, através da<br />
apresentação de estudos, panfletos<br />
que tenham sido elaborados,<br />
ou de outro material promocional<br />
ou de conferências.<br />
Ademais, ascendendo as comissões<br />
cobradas a valores muito<br />
acima das comissões normalmente<br />
cobradas no mercado<br />
português, a AT concluiu que as<br />
mesmas não seguiam o padrão<br />
do mercado, sendo exageradas.<br />
Não obstante os méritos da<br />
análise da AT, as decisões publicadas<br />
pelo CAAD têm sido genericamente<br />
favoráveis aos contribuintes,<br />
porque, para efeitos do<br />
requisito da efetiva realização<br />
dos contratos, abonou em favor<br />
dos contribuintes o facto de só<br />
serem pagas comissões com a<br />
venda dos imóveis, e ainda que,<br />
antes da venda destes imóveis,<br />
estas sociedades se encontravam<br />
numa situação financeira muito<br />
frágil e terem passivos bancários<br />
avultados.<br />
Adicionalmente, tendo em conta<br />
o elevado valor dos imóveis<br />
vendidos, sem o apoio destes<br />
intermediários, as sociedades<br />
portuguesas não teriam dimensão<br />
e condições financeiras para<br />
chegar ao mercado asiático, pelo<br />
que os tribunais têm admitido<br />
que não se trataram de valores<br />
excessivos e que não podem ter<br />
comparável no mercado.<br />
Destes casos, podem-se extrair<br />
duas conclusões principais: por<br />
um lado, a AT está efetivamente<br />
atenta às operações com contrapartes<br />
em paraísos fiscais, mas<br />
por outro lado, destas decisões,<br />
é possível retirar quais as traves<br />
mestras da orientação da AT nesta<br />
matéria.
PEDRO FUGAs<br />
Partner, Tax Services<br />
RITA VAZ<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
Muito se tem falado<br />
do novo regime do novo<br />
Regime Jurídico do Registo<br />
Central do Beneficiário<br />
Efetivo (“RCBE”).<br />
Recapitulando: o RCBE veio impor,<br />
para um amplo conjunto de<br />
entidades (incluindo empresas,<br />
associações, fundações e fundos),<br />
a obrigação de (i) manter<br />
atualizados registos internos dos<br />
sócios, com discriminação das<br />
respetivas participações sociais,<br />
de pessoas singulares que detêm,<br />
ainda que de forma indireta,<br />
a propriedade das participações<br />
sociais e de quem detenha o controlo<br />
efetivo, e (ii) divulgar informações<br />
detalhadas sobre os seus<br />
beneficiários efetivos.<br />
Enquanto que a primeira obrigação<br />
acima referida deverá estar já<br />
a ser observada, a submissão da<br />
primeira declaração para dar cumprimento<br />
à segunda obrigação, viu<br />
ser alargado o prazo de dia 30 de<br />
abril para o dia 30 de junho de<br />
2019. Assim, as entidades nas condições<br />
referidas são obrigadas a<br />
O impacto fiscal<br />
da divulgação do beneficiário<br />
efetivo nas distribuições<br />
de dividendos<br />
Tributação Empresarial<br />
submeter o formulário anual do<br />
beneficiário efetivo junto do RCBE,<br />
atualizando as informações nele<br />
contidas no prazo de 30 dias contados<br />
de futuras alterações.<br />
De acordo com o referido regime<br />
legal, as entidades que não cumpram<br />
as obrigações declarativas<br />
decorrentes do RCBE ficarão sujeitas<br />
a um conjunto alargado de<br />
sanções, entre as quais, a impossibilidade<br />
de distribuição lucros,<br />
de celebrar ou renovar contratos<br />
com entidades públicas, de colocar<br />
instrumentos financeiros em<br />
mercados regulados, de aceder<br />
a fundos europeus ou de intervir<br />
como parte em negócios que<br />
tenham por objeto a transmissão<br />
de direitos reais sobre imóveis.<br />
No entanto, o impacto deste regime<br />
não é meramente legal. A entrada<br />
em vigor deste diploma introduziu<br />
importantes alterações<br />
ao nível da isenção de retenção<br />
na fonte de dividendos, conforme<br />
veremos.<br />
Regra geral, os dividendos distribuídos<br />
por entidades residentes<br />
em Portugal a não residentes são<br />
sujeitos a retenção na fonte à taxa<br />
de 25%. Contudo, caso se cumpra<br />
um conjunto de requisitos objetivos<br />
(como sejam o nível e período<br />
de detenção da participação)<br />
e formais (como, por exemplo,<br />
a prova que as condições estão<br />
cumpridas), bem como não sendo<br />
aplicável a norma específica<br />
anti-abuso aí referida, não haverá<br />
lugar a retenção na fonte.<br />
Ora, na sequência da criação do<br />
RCBE, ainda que os referidos requisitos<br />
objetivos e formais se<br />
encontrem cumpridos, a isenção<br />
acima referida não é aplicável<br />
quando a entidade residente em<br />
território português, que coloca<br />
os lucros e reservas à disposição,<br />
não tenha cumprido as obrigações<br />
declarativas previstas no<br />
Regime Jurídico do RCBE.<br />
Também muito relevante e que,<br />
de alguma forma, parece ter passado<br />
despercebida, é a introdução<br />
da norma que prevê que nas<br />
situações em que a obrigação é<br />
cumprida mas algum dos beneficiários<br />
efetivos declarados tenha<br />
residência num país, território ou<br />
região sujeito a um regime fiscal<br />
claramente mais favorável (vulgo<br />
“paraísos fiscais”), a isenção de<br />
retenção na fonte não se aplica,<br />
exceto se o sujeito passivo comprovar<br />
que a sociedade beneficiária<br />
dos rendimentos não integra<br />
uma construção ou série de construções<br />
que não seja considerada<br />
genuína (i.e., não seja realizada<br />
por razões económicas válidas e<br />
não reflita substância económica).<br />
Trata-se, pois, de uma clara inversão<br />
do ónus da prova, passando a<br />
recair sobre a entidade portuguesa,<br />
distribuidora dos dividendos, a<br />
prova de que a norma anti-abuso<br />
prevista naquele artigo não se<br />
aplica ao caso em concreto.<br />
Em conclusão, prevê-se que o<br />
período que se seguirá após o<br />
prazo para efetuar a submissão<br />
da primeira declaração do RCBE<br />
seja de elevado escrutínio por<br />
parte da Autoridade Tributária e<br />
Aduaneira.<br />
51
Tributação Empresarial<br />
PEDRO PAIVA<br />
Partner, Tax Services<br />
As mudanças, a nível<br />
global, nas regras de<br />
dedutibilidade fiscal<br />
dos juros (estimuladas<br />
pelo projeto BEPS) estão<br />
a começar a alterar a<br />
atratividade relativa entre<br />
o financiamento das<br />
empresas por capitais<br />
alheios ou por capitais<br />
próprios, determinando<br />
alterações nas políticas<br />
governamentais<br />
e comportamentos<br />
empresariais<br />
que se prolongaram<br />
por várias décadas.<br />
As novas regras fiscais<br />
estão a alterar a forma<br />
de financiamento<br />
dos negócios<br />
A OCDE propôs uma limitação à<br />
dedutibilidade fiscal dos juros<br />
em 2015, quando emitiu o relatório<br />
final sobre a Ação 4 do BEPS.<br />
A OCDE justificou sua posição,<br />
argumentando que as empresas<br />
multinacionais podem: (i) colocar<br />
seletivamente níveis mais<br />
elevados de dívida de terceiros<br />
em países de elevada tributação;<br />
(ii) usar empréstimos intragrupo<br />
para gerar situações de dedução<br />
fiscal de juros acima da despesa<br />
efetiva que os grupos têm com<br />
entidades terceiras; e (iii) fazer<br />
empréstimos para gerar rendimentos<br />
isentos de imposto<br />
como, por exemplo, dividendos.<br />
Segundo a OCDE, todas estas situações<br />
constituem técnicas de<br />
erosão da base tributária ou de<br />
desvio de lucros.<br />
A solução que foi proposta pela<br />
OCDE consistiu em novas regras<br />
que permitam a dedução fiscal<br />
de encargos financeiros somente<br />
até ao limite de 10% a 30% do<br />
EBITDA (com a grande maioria<br />
dos países, incluindo Portugal,<br />
a escolher o limite superior),<br />
existindo uma regra opcional de<br />
aplicação deste rácio ao nível de<br />
um grupo. Portugal foi, em 2013,<br />
dos primeiros países da OCDE a<br />
aplicar este tipo de regras, ainda<br />
antes da Reforma do IRC de 2014<br />
que introduziu no Código do IRC<br />
um conjunto de recomendações<br />
previstas no Plano BEPS previamente<br />
à sua publicação final.<br />
A nível global continua a existir<br />
um conjunto significativo de<br />
países participantes na iniciativa<br />
BEPS que ainda não adotou<br />
este tipo de regras. No entanto,<br />
entre 2017 e 2018, espera-se que<br />
venham a ser adotadas, por um<br />
conjunto alargado de países,<br />
regras em linha com as propostas<br />
pela Ação 4 do BEPS ou<br />
outras formas de limitação da<br />
dedutibilidade fiscal de juros<br />
(e.g., China, Holanda e Índia).<br />
Adicionalmente, a nova Diretiva<br />
europeia antievasão fiscal, que<br />
entra em vigor em 1 de janeiro<br />
de 2019, limitará a dedutibilidade<br />
fiscal dos juros em todos os<br />
Estados-Membros da UE a 30%<br />
do EBITDA. Desta forma, há um<br />
conjunto muito significativo de<br />
países que se estão a movimentar<br />
na mesma direção, embora<br />
com algumas inconsistências na<br />
abordagem.<br />
Esta tendência determina que as<br />
vantagens fiscais da dívida sobre<br />
o capital estejam a mudar. Anteriormente,<br />
a dívida era, na generalidade<br />
dos casos, dedutível<br />
para o devedor e era tributável<br />
na esfera do credor, enquanto o<br />
capital não era dedutível para o<br />
emitente, mas também não era<br />
tributável na esfera do investidor.<br />
Os dois tipos de financiamento<br />
eram, numa perspetiva<br />
integrada, iguais, mas, se se considerar<br />
apenas a perspetiva da<br />
entidade financiada, a vantagem<br />
da dívida era inequívoca.<br />
No entanto, há ainda um conjunto<br />
de outros de aspetos que tendem<br />
a orientar o financiamento<br />
para o uso da dívida: os métodos<br />
de isenção para evitar a dupla<br />
52
Tributação Empresarial<br />
tributação são, em muitos casos,<br />
apenas parciais e os sistemas de<br />
crédito de imposto nem sempre<br />
reconhecem a tributação total<br />
dos ganhos a partir dos quais os<br />
dividendos são pagos. Desta forma,<br />
e atendendo a um conjunto<br />
muito alargado de motivos,<br />
a tendência ao longo dos anos<br />
tem sido a de que o financiamento<br />
através de dívida fornece<br />
uma resposta fiscal muito mais<br />
eficiente.<br />
Esse status quo está a ser alterado<br />
em consequência da já<br />
mencionada Ação 4 do BEPS. A<br />
regra que impõe um limite fixo<br />
impede uma dedução fiscal dos<br />
juros acima de um certo nível,<br />
mas mantém a sua tributação integral<br />
na esfera do credor, desnivelando<br />
a comparação entre ambas<br />
as fontes de financiamento.<br />
Alguns países (incluindo a própria<br />
UE no âmbito do Diretiva<br />
ainda não aprovada da matéria<br />
coletável comum consolidada<br />
de imposto sobre as sociedades),<br />
embora não todos, estão<br />
a propor e a implementar medidas<br />
no sentido de conferir um<br />
tratamento fiscal mais vantajoso<br />
ao capital, quer através do<br />
nivelamento com o tratamento<br />
fiscal da dívida, quer através<br />
do favorecimento claro do financiamento<br />
através de capital.<br />
Portugal, pressionado por um<br />
endividamento galopante das<br />
empresas na última década, está<br />
neste último grupo de países<br />
com a recente reformulação e<br />
alargamento do regime da remuneração<br />
convencional do capital<br />
social que passou a prever, para<br />
feitos fiscais, uma taxa de juro<br />
presumida do capital de 7% que<br />
é claramente acima das taxas de<br />
mercado atuais.<br />
Desta forma, é bastante provável<br />
que, no futuro, existam menos<br />
certezas e vantagens fiscais<br />
quanto ao uso de instrumentos<br />
de dívida por comparação a instrumentos<br />
de capital próprio. Se<br />
essa tendência se continuar a<br />
consolidar, assistiremos a uma<br />
mudança fundamental na forma<br />
como o investimento internacional<br />
é financiado. Isto significará<br />
que, à medida que o nível de dívida<br />
aumente, os motivos, de índole<br />
fiscal, para escolher instrumentos<br />
de dívida irão diminuir.<br />
Esta não vai ser, no entanto, uma<br />
equação simples. Existe um conjunto<br />
de outras questões que<br />
acrescentarão complexidade às<br />
decisões e que são igualmente<br />
variáveis dessa equação, tais<br />
como a definição dos preços de<br />
transferência da dívida entre<br />
partes relacionadas, a Ação 2 do<br />
BEPS e as posições da UE sobre<br />
instrumentos híbridos (i.e., acordos<br />
que exploram diferenças no<br />
tratamento fiscal de instrumentos<br />
em dois ou mais países), entre<br />
outros.<br />
Em conclusão, os custos de financiamento<br />
e o seu tratamento<br />
fiscal são um fator crucial para<br />
qualquer empresa – sobretudo<br />
em situações em que o mercado<br />
de capitais está incipiente,<br />
tal como sucede em Portugal, ou<br />
quando se está em presença de<br />
investimentos de private equity<br />
(que tendem a ser altamente<br />
alavancados) ou em processos<br />
de aquisição. Esta tendência<br />
para restringir a dedutibilidade<br />
dos juros não é nova, mas está<br />
a ganhar um impulso decisivo a<br />
nível global. Com todos estes sinais<br />
e alterações, é, sem dúvida,<br />
a altura ideal para as empresas<br />
fazerem uma avaliação da forma<br />
como os seus negócios são<br />
financiados, sob pena de poder<br />
vir a ser muito mais oneroso se<br />
essa avaliação for atrasada.<br />
53
Tributação Empresarial<br />
Mudanças nas regras<br />
de tributação da economia<br />
digital arrastam<br />
as restantes empresas<br />
54<br />
PEDRO PAIVA<br />
Partner, Tax Services<br />
No passado mês de<br />
fevereiro, a OCDE<br />
emitiu um documento<br />
para consulta pública<br />
no sentido de obter<br />
comentários sobre<br />
possíveis soluções de<br />
tributação que foram<br />
identificadas para<br />
abordar os desafios<br />
em matéria de política<br />
fiscal decorrentes<br />
da digitalização<br />
da economia.<br />
O documento está focado em<br />
dois pilares fundamentais consistindo<br />
numa nova abordagem<br />
sobre as formas e competências<br />
de tributação numa economia<br />
global em que as empresas podem<br />
ter negócios em múltiplas<br />
jurisdições sem qualquer presença<br />
física significativa e onde<br />
novos ativos intangíveis têm<br />
cada vez maior relevância.<br />
O primeiro pilar aborda os principais<br />
desafios da economia digital<br />
e está focado na atribuição<br />
de direitos de tributação entre<br />
os diversos estados, determinando<br />
a reavaliação das regras<br />
de avaliação da ligação que os<br />
negócios têm com cada um deles<br />
e o montante de lucro que<br />
deverá ser alocado e, consequentemente,<br />
tributado em cada<br />
estado.<br />
O documento sublinha, por<br />
exemplo, o processo de criação<br />
de valor por parte de empresas<br />
altamente digitalizadas através<br />
de bases alargadas de utilizadores<br />
muito ativos, aos quais,<br />
em alguns casos, são solicitados<br />
conteúdos e contribuições que<br />
constituem componentes críticos<br />
para essa de criação de valor<br />
(v.g., redes sociais, motores de<br />
busca, etc.). Desta forma, as regras<br />
atuais de alocação de lucros<br />
deverão ser alteradas no sentido<br />
de permitir que possa ser alocado<br />
lucro aos estados onde se<br />
localizam essas bases de utilizadores,<br />
independentemente de as<br />
empresas aí terem qualquer tipo<br />
de presença física.<br />
Paralelamente, é também salientado<br />
o processo atual de criação<br />
de intangíveis de marketing<br />
(muitas vezes remotamente) e<br />
a possibilidade dar lugar a tributação,<br />
independentemente da<br />
residência da entidade que os detém,<br />
bem como a possibilidade<br />
de tributação (em alguns casos<br />
por retenção na fonte) de uma<br />
presença económica numa determinada<br />
jurisdição associada<br />
à existência de um fluxo recorrente<br />
de rendimentos, independentemente<br />
da existência de<br />
qualquer presença física.<br />
O segundo pilar está focado nos<br />
desafios que ainda restam do<br />
plano BEPS e estabelece regras<br />
para evitar que determinados<br />
rendimentos sejam sujeitos a<br />
uma tributação muito baixa ou<br />
nula. Estas propostas não visam<br />
apenas os negócios digitais e<br />
propõem soluções para assegurar<br />
que os grupos e empresas<br />
com operações internacionais<br />
paguem um nível mínimo de<br />
tributação (v.g., coletas mínimas<br />
de imposto para determinados<br />
grupos determinada ao nível dos<br />
acionistas, impossibilidade de<br />
acesso a benefícios de Acordos<br />
para evitar a Dupla Tributação,<br />
caso os rendimentos não estejam<br />
sujeitos a uma tributação<br />
mínima, etc.).<br />
A OCDE pretende que este processo<br />
seja tão unanime quanto<br />
possível tendo previsto que os<br />
comentários a este documento<br />
deverão servir de base à preparação<br />
de um relatório preliminar
Tributação Empresarial<br />
que será discutido no encontro<br />
dos Ministros das Finanças do<br />
G20 a ter lugar em junho de 2019,<br />
tendo em vista a emissão de um<br />
relatório final durante o ano de<br />
2020 e a efetiva aplicação de algumas<br />
medidas já em 2021.<br />
Estas medidas representam uma<br />
nova mudança significativa para<br />
o atual sistema de tributação internacional,<br />
com impactos muito<br />
para além da economia digital.<br />
Tal como mencionado acima, estão<br />
previstas alterações ao nível<br />
da alocação de direitos de tributação,<br />
nexus, criação de níveis de<br />
imposto mínimos e, sobretudo,<br />
potenciais alterações ao atual<br />
quadro internacional das regras<br />
de preços de transferência. Estas<br />
mudanças são complexas e,<br />
em muitos casos, determinarão<br />
alterações nos Acordos para Evitar<br />
a Dupla Tributação (adicionais<br />
às que terão lugar este ano<br />
em consequência do instrumento<br />
multilateral).<br />
Tendo em atenção a previsível<br />
introdução unilateral de impostos<br />
sobre serviços digitais por<br />
vários estados, os trabalhos da<br />
Comissão Europeia ao nível da<br />
tributação desse tipo de serviços<br />
e os trabalhos do FMI quanto ao<br />
princípio da livre concorrência,<br />
as empresas deverão estar preparadas<br />
para adaptar os seus<br />
modelos de negócios a esta redefinição<br />
do quadro de regras de<br />
tributação internacional. Essas<br />
regras irão impactar uma grande<br />
parte das empresas com operações<br />
internacionais independentemente<br />
de terem uma presença<br />
física internacional, não<br />
só as digitais ou que utilizem<br />
plataformas digitais mas, sobretudo,<br />
aquelas cuja atividade<br />
está alinhada com a detenção e<br />
exploração de ativos intangíveis<br />
que, em alguns casos, pode incluir<br />
a respetiva base de clientes.<br />
RITA VAZ<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
Tempos difíceis requerem<br />
decisões fiscais extremas ou<br />
como o Tribunal de Justiça<br />
da União Europeia (TJUE)<br />
surpreendeu o mundo fiscal<br />
No dia 26 de fevereiro<br />
de 2019, a comunidade<br />
que acompanha de perto<br />
as questões de tributação<br />
internacional, acordou<br />
para uma nova realidade na<br />
interpretação das normas<br />
específicas anti-abuso.<br />
Neste dia foram conhecidas as<br />
muito aguardadas decisões do<br />
TJUE sobre dois casos relativos<br />
à isenção de retenção na fonte<br />
na distribuição de dividendos ao<br />
abrigo da diretiva mães e afiliadas<br />
e quatro casos aplicáveis à<br />
isenção de retenção na fonte sobre<br />
os juros pagos ao abrigo da<br />
diretiva juros e royalties.<br />
De forma muito simplista, os factos<br />
são os seguintes: a autoridade<br />
fiscal dinamarquesa considerou<br />
que os acionistas residentes<br />
em outros Estados Membros (EM)<br />
da União Europeia (EU) que recebiam<br />
dividendos e juros de subsidiárias<br />
residentes na Dinamarca<br />
não poderiam beneficiar das<br />
isenções previstas nas referidas<br />
diretivas porque os acionistas<br />
seriam “sociedades interpostas”<br />
(conduit companies), não sendo<br />
consideradas as beneficiárias<br />
efetivas dos rendimentos.<br />
As expectativas quando a estes<br />
casos eram elevadas. Há muito<br />
que os contribuintes buscavam<br />
instruções, orientações ou até<br />
mesmo indícios para interpretar<br />
as normas específicas anti-abuso<br />
previstas nas referidas diretivas<br />
e transpostas pelos EM para<br />
as suas legislações internas.<br />
As conclusões da Advogada Geral<br />
apresentadas a 1 de março<br />
de 2018, relativamente a todos<br />
os casos, iam no sentido de uma<br />
maior flexibilidade na forma<br />
como o conceito de beneficiário<br />
55
Tributação Empresarial<br />
efetivo deveria ser aplicado, tendo<br />
sido esgrimidos argumentos<br />
que pendiam a favor da posição<br />
dos contribuintes.<br />
Diz-nos a prática que as conclusões<br />
dos Advogados Gerais são<br />
geralmente acolhidas pelo TJUE<br />
e, portanto, os agentes económicos<br />
estavam expectantes pelas<br />
decisões do TJUE que viriam<br />
clarificar a interpretação destas<br />
normas e (esperava-se) conferir<br />
alguma tranquilidade na forma<br />
como os investimentos deveriam<br />
ser planeados, contrariando as<br />
últimas tendências (muito) mais<br />
severas adotadas pela OCDE (veja-se<br />
o novo principal purpose<br />
test) e mesmo pelo legislador<br />
europeu (veja-se a nova cláusula<br />
geral anti-abuso).<br />
Surpreendentemente, as decisões<br />
do TJUE foram maioritariamente<br />
ao encontro dos argumentos<br />
da autoridade fiscal<br />
dinamarquesa. No que concerne<br />
aos dividendos, as decisões<br />
vão no sentido de que deverá<br />
ser provado que as sociedades<br />
intermediárias não fazem parte<br />
de uma construção fraudulenta<br />
ou abusiva. Este teste deverá<br />
ser realizado com base na nova<br />
cláusula geral anti-abuso (a ser<br />
transposta pelos EM em breve).<br />
No que concerne aos juros, os<br />
contribuintes deverão também<br />
demonstrar que não fazem parte<br />
de uma construção fraudulenta<br />
ou abusiva. Além disso, o conceito<br />
de “beneficiário efetivo” deverá<br />
ser interpretado em conformidade<br />
com o preconizado pela<br />
OCDE a este respeito.<br />
O impacto que estes casos terão<br />
nas atuais estruturas de investimento<br />
terá de ser devidamente<br />
revisto de forma a assegurar que<br />
as mesmas estão em linha com<br />
estas novas interpretações do<br />
TJUE.<br />
Prestação Patrimonial<br />
sobre os Ativos<br />
por Impostos Diferidos<br />
56<br />
Tiago Capelo Silva<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
No final do mês passado<br />
foi divulgada a iniciativa<br />
legislativa de criação<br />
de uma prestação<br />
patrimonial sobre os<br />
Ativos por Impostos<br />
Diferidos (“AID”)<br />
abrangidos pelo Regime<br />
Especial aprovado pela<br />
Lei n.º 61/2014, de 26<br />
de agosto (“REAID”).<br />
Propõe-se, com esta norma, a<br />
criação de uma nova “contribuição”<br />
à taxa de 1,5%, incidente sobre<br />
o montante de AID abrangido<br />
pela referida lei, ainda que deduzido<br />
do montante de IRC pago<br />
entre 2009 e 2015, como forma<br />
de remuneração do Estado por<br />
este garantir a recuperação dos<br />
AID (leia-se, o pagamento do imposto<br />
ao sujeito passivo).<br />
Não sendo motivação deste artigo<br />
a análise à proposta legislativa<br />
que deu entrada na Assembleia<br />
da República no passado<br />
dia 22 de março, serve, no entanto,<br />
o ressurgimento deste assunto<br />
como pretexto para abordar<br />
este fugaz regime que apenas<br />
vigorou entre agosto de 2014 e<br />
dezembro 2015 (embora os seus<br />
efeitos e consequências perdurem<br />
para além desse período, o<br />
que justifica esta abordagem).<br />
A este propósito, revela-se oportuno<br />
debruçar sobre um aspeto<br />
particular que se reporta à<br />
constituição de uma “reserva<br />
especial” por parte dos sujeitos<br />
passivos que aderiram o REAID e<br />
a consequente atribuição de direitos<br />
ao Estado.<br />
Com efeito, quando um sujeito<br />
passivo abrangido por este regime<br />
se encontra em condições de<br />
converter os seus AID em créditos<br />
tributários (o que ocorre, por<br />
exemplo, quando num determinado<br />
exercício apura um resultado<br />
contabilístico negativo), deve,<br />
necessariamente, constituir uma<br />
“reserva especial”, que corresponde<br />
ao valor do crédito tributário<br />
majorado em 10%.<br />
Em simultâneo, o sujeito passivo<br />
deverá emitir direitos de<br />
conversão atribuídos ao Estado,<br />
conferindo a este a possibilidade<br />
de exigir ao sujeito passivo o<br />
aumento de capital social através
Tributação Empresarial<br />
da incorporação da reserva especial<br />
referida e consequente emissão<br />
e entrega gratuita de ações.<br />
Naturalmente, o número de direitos<br />
atribuídos ao Estado deverá<br />
corresponder aos suficientes que<br />
permitam ao Estado, ao converter<br />
esses direitos, obter ações do<br />
sujeito passivo que representem<br />
no total, um valor equivalente à<br />
reserva constituída.<br />
De uma forma mais simples,<br />
o REAID determina que para<br />
o Estado conceder o crédito<br />
tributário deverá obter como<br />
contrapartida ações do sujeito<br />
passivo no valor de 110% desse<br />
mesmo crédito tributário sendo<br />
que, em alguns casos, tal contrapartida<br />
pode ser, inclusive,<br />
em dinheiro caso o acionista<br />
do sujeito passivo exerça o seu<br />
direito potestativo de aquisição<br />
dos direitos ao Estado, conforme<br />
também previsto no regime.<br />
Assim, cremos que o legislador<br />
teve a preocupação de dotar o<br />
REAID de um mecanismo próprio<br />
para remunerar o Estado Português<br />
pela concessão de créditos<br />
tributários aos aderentes ao regime,<br />
optando, no entanto, por<br />
uma solução diferente de outros<br />
estados que aplicaram regimes<br />
semelhantes, mas procurando<br />
atingir o mesmo objetivo.<br />
Os novos regulamentos<br />
municipais para<br />
a concessão de isenções<br />
e benefícios fiscais<br />
ANA CHACIM<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
A Lei n.º 51/2018,<br />
de 16 de agosto veio<br />
alterar a Lei das<br />
Finanças Locais,<br />
incluindo o modelo<br />
de concessão<br />
pelos municípios<br />
de isenções<br />
e benefícios fiscais.<br />
Pela referida alteração, a partir<br />
de janeiro de 2019, os municípios<br />
são obrigados a aprovar<br />
um regulamento municipal onde<br />
constem os critérios e condições<br />
para a atribuição das isenções<br />
fiscais totais ou parciais, objetivas<br />
ou subjetivas, relativamente<br />
aos impostos e outros tributos<br />
próprios. Referimo-nos aqui,<br />
fundamentalmente, ao Imposto<br />
Municipal sobre Imóveis (IMI),<br />
ao Imposto Municipal sobre as<br />
Transmissões Onerosas de Imóveis<br />
(IMT) e Derrama. Neste contexto,<br />
foram aditados os critérios<br />
específicos a serem aplicados<br />
em sede de derrama, exigindo-se<br />
que tenham por base o volume<br />
de negócios das empresas beneficiárias,<br />
o setor de atividade em<br />
que estas empresas operam, ou<br />
ainda a criação de emprego no<br />
município. Para o efeito, deverá<br />
assim ser submetido o referido<br />
regulamento municipal, o qual<br />
concretizará os critérios aplicáveis,<br />
ficando igualmente dependente<br />
o lançamento de uma taxa<br />
reduzida de derrama a aplicar a<br />
sujeitos passivos com volume de<br />
negócios inferior a 150.000 € (até<br />
à aprovação do regulamento).<br />
Sendo exigida a devida racionalização,<br />
salienta-se ainda a<br />
alteração do Código do IMI, pela<br />
qual se exclui da isenção atribuída<br />
às entidades públicas o “património<br />
imobiliário público sem<br />
utilização”, promovendo assim a<br />
difícil disponibilização de edifícios<br />
públicos.<br />
A presente alteração visa fomentar<br />
o papel do município<br />
na organização da política de<br />
desenvolvimento económico<br />
local, aproveitando as potencialidades<br />
económicas territoriais<br />
(principais setores de atividade),<br />
com recurso a incentivos fiscais,<br />
devendo assim ser visto como<br />
um mecanismo de fomento ao<br />
crescimento empresarial no Município.<br />
O inevitável processo de dinamização<br />
económica ao nível local,<br />
57
Tributação Empresarial<br />
CESE, «(…) a sujeição [à CESE] de<br />
determinados operadores económicos<br />
tem como um dos seus<br />
objetivos «financiar mecanismos<br />
que promovam a sustentabilidade<br />
sistémica do sector energético»<br />
(…), considerando-se aqui<br />
a definição de «(…) políticas do<br />
setor energético de cariz social e<br />
ambiental, e medidas relacionadas<br />
com a eficiência energética,<br />
bem como de medidas de apoio<br />
às empresas, que gerará, igualmente,<br />
contrapartidas, ainda que<br />
difusas».<br />
A CESE mantém, deste modo, a<br />
sua salvaguarda formal através<br />
da justificação de que existem<br />
presumidas contraprestações,<br />
ainda que de forma difusa, pelo<br />
que «(…) a atividade desenvolvida<br />
por estes agentes econóacompanhado<br />
da tão esperada<br />
descentralização de competências,<br />
compreende assim várias<br />
perspetivas, devendo assumir-se<br />
uma ação integrada no que respeita<br />
à autonomia e capacitação<br />
dos governos locais em matéria<br />
de receita e de despesa. Se,<br />
por um lado, é reconhecida a<br />
imperatividade quanto à maior<br />
responsabilização dos autarcas<br />
na gestão municipal, por outro,<br />
cabe aos mesmos alavancar as<br />
potencialidades económicas locais,<br />
recorrendo ao investimento<br />
comunitário existente, mas também<br />
a instrumentos fiscais. Neste<br />
sentido, compreende-se a obrigatoriedade<br />
agora introduzida para<br />
aprovação de um regulamento<br />
municipal com a prévia divulgação<br />
pública aos potenciais beneficiários<br />
dos critérios e condições<br />
com base nos quais será efetuado<br />
o reconhecimento pela Câmara<br />
Municipal das isenções relativas<br />
aos impostos municipais. Cabe<br />
aos municípios comunicar anualmente<br />
à Autoridade Tributária e<br />
Aduaneira (até 31 de dezembro),<br />
os benefícios fiscais reconhecidos<br />
por titular, com a indicação do seu<br />
âmbito e período de vigência e, no<br />
caso do IMI, dos artigos matriciais<br />
dos prédios abrangidos.<br />
Salienta-se ainda que os termos<br />
em que assenta a concessão de<br />
benefícios fiscais, mas também os<br />
apoios financeiros por parte dos<br />
Municípios, deverão respeitar as<br />
regras comunitárias em sede de<br />
auxílios de estado, estando em<br />
causa uma efetiva tutela de interesses<br />
públicos relevantes. Deste<br />
modo, a escolha dos critérios por<br />
parte do Município deverá ter em<br />
conta o princípio da igualdade na<br />
atribuição dos referidos apoios<br />
aos potenciais beneficiários e a<br />
sua formulação ser genérica, garantindo<br />
a transparência e não<br />
obstrução da concorrência.<br />
Em síntese, se a obrigatoriedade<br />
do regulamento decorre da necessidade<br />
de garantia de transparência<br />
e igualdade em todo o<br />
processo de atribuição de benefícios<br />
fiscais, com respeito pelo<br />
regime de auxílios de estado, tal<br />
aplica-se igualmente ao nível<br />
dos apoios financeiros. Em ambos<br />
os casos, estamos perante<br />
a atribuição de fundos públicos,<br />
a cujo processo de atribuição se<br />
impõe cada vez mais uma maior<br />
transparência.<br />
A indefinida<br />
continuidade da CESE<br />
58<br />
ANA CHACIM<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
A recente divulgação do<br />
Acórdão n.º 7/2019 (Processo<br />
n.º 141/16) do Tribunal<br />
Constitucional (TC) acabou<br />
por não acompanhar as<br />
expectativas dos operadores<br />
económicos abrangidos<br />
quanto a uma discussão<br />
mais aprofundada sobre a<br />
verdadeira natureza jurídicotributária<br />
e objetivos da<br />
Contribuição Extraordinária<br />
sobre o Setor Energético<br />
(CESE), na sequência da<br />
análise efetuada em tempo<br />
pelo Tribunal Arbitral relativa<br />
ao ano de 2014.<br />
Numa apreciação geral, o TC optou<br />
por manter uma posição de<br />
concordância quanto ao teor da<br />
decisão preexistente, pela qual<br />
se entende a CESE como uma<br />
contribuição financeira, cuja<br />
receita se encontra validamente<br />
consignada ao Fundo para a<br />
Sustentabilidade Sistémica do<br />
Setor Energético (FSSSE). O TC<br />
soluciona assim a questão através<br />
do entendimento de que<br />
existe uma contraprestação pública<br />
ao nível do setor energético<br />
de que são beneficiários os<br />
operadores económicos sujeitos,<br />
sendo assim clara a legitimidade<br />
tributária para a criação da CESE.<br />
Nestes termos, e ainda que não<br />
se consiga delimitar uma contraprestação<br />
específica pela qual o<br />
Estado se faz cobrar através da
Tributação Empresarial<br />
micos beneficiará das ações de<br />
regulação traduzidas no desenvolvimento<br />
de políticas sociais<br />
e ambientais do setor energético,<br />
(…)».<br />
Sem recurso à mediática discussão<br />
sobre a necessidade de<br />
recuperação das ditas “rendas<br />
excessivas”, centramos o nosso<br />
comentário no contexto atual de<br />
proliferação de tributos (impostos,<br />
contribuições e taxas), com<br />
reconhecido impacto ao nível do<br />
setor económico em que se inserem,<br />
tendo em conta a matriz<br />
estruturante de princípios em<br />
que assenta o ordenamento jurídico-tributário<br />
nacional.<br />
Sendo expectável a apresentação<br />
de um juízo de ponderação<br />
da CESE à luz da Constituição no<br />
plano fiscal, assinala-se, ao invés,<br />
uma expressa dispensa de apreciação<br />
dos fundamentos constitucionais<br />
apresentados, com<br />
preponderância do princípio da<br />
capacidade contributiva na sua<br />
vertente material ou a violação<br />
do princípio da tributação das<br />
empresas pelo lucro real. A CESE<br />
configura efetivamente um normativo<br />
atípico, o qual exige uma<br />
discussão maior no que respeita<br />
à sua harmonização no seio<br />
do sistema fiscal português. Em<br />
termos puramente fiscais, a Contribuição<br />
em apreço determina<br />
a subtração de uma parcela de<br />
liquidez patrimonial aos sujeitos<br />
passivos, tendo em conta não o<br />
seu rendimento real, mas sim<br />
todos os seus ativos, impondo<br />
assim uma incidência direta<br />
sobre o património líquido da<br />
empresa. Releva ainda referir a<br />
impossibilidade de considerar a<br />
CESE enquanto gasto dedutível<br />
em sede de IRC, bem como a ausência<br />
de qualquer delimitação<br />
temporal, o que propicia um claro<br />
condicionamento da certeza e<br />
segurança jurídica em que se deveria<br />
basear a própria liberdade<br />
de gestão fiscal das empresas e,<br />
como tal, do próprio investimento<br />
económico (externo).<br />
O fundamento material em que<br />
deverá assentar a criação de<br />
novos tributos, e de que é exemplo<br />
a CESE ou Contribuições<br />
como a que ainda incide sobre<br />
a Indústria Farmacêutica, padece<br />
de uma maior minucia na<br />
demonstração da conexão entre<br />
a realidade tributada e o meio<br />
de tributação utilizado, de uma<br />
análise de impacto ao nível do<br />
respetivo setor económico, afastando<br />
a sobreposição de meios<br />
de tributação direta e indireta, e<br />
a garantia quanto à necessária<br />
coerência com o restante sistema<br />
fiscal. Apenas assim ficará legitimada<br />
a atuação material do<br />
legislador fiscal, devendo ficar<br />
para segundo plano o recurso a<br />
definições legais de ordem formal<br />
para a legalização de novos<br />
tributos.<br />
59
60<br />
Tributação Pessoal
Tributação Pessoal<br />
Programa Regressar<br />
benefícios fiscais e apoios<br />
financeiros para emigrantes<br />
JOANA VIVAS<br />
Manager, People<br />
Advisory Services<br />
MIGUEL FIGUEIREDO<br />
Consultant, People<br />
Advisory Services<br />
Caso seja um cidadão<br />
Português que tenha<br />
saído do país até<br />
31 de dezembro de 2015<br />
e regresse a Portugal<br />
entre 1 de janeiro de<br />
2019 e 31 de dezembro<br />
de 2020, este programa<br />
é para si!<br />
O Programa Regressar passou<br />
a representar mais do que<br />
um benefício fiscal para os<br />
ex-residentes de Portugal que<br />
venham a regressar ao país<br />
entre 2019 e 2020. De facto, a<br />
recente Portaria n.º 214/2019,<br />
de 5 de julho, veio também<br />
estabelecer apoios financeiros<br />
aos emigrantes de modo<br />
a incentivar o seu retorno a<br />
Portugal.<br />
Assim, para além de os ex-residentes<br />
poderem usufruir de uma<br />
exclusão de tributação em sede<br />
de IRS de 50% dos rendimentos<br />
do trabalho dependente e dos<br />
rendimentos empresariais e profissionais<br />
durante 5 anos, poderão<br />
ainda candidatar-se a apoios<br />
financeiros que podem totalizar,<br />
em 2019, um montante de Euro<br />
6.536,40.<br />
De modo a ter acesso aos apoios<br />
financeiros em questão, para<br />
além dos critérios já referidos,<br />
torna-se necessário atender às<br />
restantes condições de candidatura,<br />
designadamente:<br />
l Ser cidadão nacional que tenha<br />
residido durante, pelo menos,<br />
12 meses, com caráter permanente,<br />
em país estrangeiro e<br />
onde tenha exercido atividade<br />
remunerada por contra própria<br />
ou por conta de outrem;<br />
l Iniciar um contrato laboral em<br />
Portugal continental por conta<br />
de outrem e sem termo entre 1<br />
de janeiro de 2019 e 31 de dezembro<br />
de 2020, respeitando<br />
todas as condições laborais<br />
exigidas por lei, quer a nível de<br />
retribuição mínima mensal garantida<br />
quer a nível de regulamentação<br />
coletiva de trabalho<br />
(se aplicável);<br />
l Ter a situação contributiva e<br />
tributária regularizada;<br />
l Não estar em situação de incumprimento<br />
no que respeita a<br />
apoios financeiros concedidos<br />
pelo Instituto do Emprego e da<br />
Formação Profissional, I.P. (IEFP).<br />
Reunidos os requisitos acima<br />
elencados, os indivíduos têm<br />
direito a apoios financeiros indexados<br />
ao IAS1, conforme abaixo<br />
melhor descritos:<br />
l Seis vezes o IAS, i.e. Euro<br />
2.614,56, caso o período normal<br />
de trabalho seja de 40 horas semanais,<br />
podendo este montante<br />
ser majorado em 10% por cada<br />
membro do agregado familiar do<br />
indivíduo que fixe residência em<br />
Portugal, com o limite de 3 vezes<br />
o IAS (i.e. Euro 1.307,28). Caso o<br />
contrato de trabalho preveja<br />
menos de 40 horas de trabalho<br />
semanais, o montante do apoio<br />
financeiro é reduzido na devida<br />
proporção;<br />
l Comparticipação dos custos de<br />
viagem para Portugal do indivíduo<br />
e do seu agregado familiar<br />
até ao limite de três vezes o IAS<br />
(i.e. Euro 1.307,28);<br />
l Comparticipação dos custos de<br />
transporte de bens para Portugal,<br />
com o limite de duas vezes o<br />
IAS (i.e. Euro 871,52);<br />
l Comparticipação dos custos<br />
com o reconhecimento de qualificações<br />
académicas ou profissionais<br />
em Portugal do indivíduo,<br />
com o limite do IAS (i.e.<br />
Euro 435,76).<br />
Exemplo prático: um casal, com<br />
um titular e 2 filhos, poderá, no<br />
61
Tributação Pessoal<br />
total, beneficiar de um apoio financeiro<br />
de Euro 6.013,49.<br />
De notar que o pagamento do<br />
montante relativo aos apoios<br />
financeiros aprovado pelo IEFP<br />
será efetuado de uma forma faseada.<br />
Caso a presente medida de<br />
Apoio ao Regresso de Emigrantes<br />
a Portugal seja aplicável a si,<br />
deverá ter em atenção os prazos<br />
estabelecidos para o efeito. Assim,<br />
deve requerer este apoio<br />
financeiro junto do IEFP até 60<br />
dias após o início do contrato<br />
de trabalho. Caso o seu contrato<br />
de trabalho tenha tido início<br />
em data anterior a 5 de julho de<br />
2019, deverá requer os apoios financeiros<br />
até 90 dias a contar da<br />
data de abertura das candidaturas<br />
(i.e. 22 de julho de 2019), prazo<br />
que termina, numa contagem<br />
prudente, no próximo dia 19 de<br />
outubro. Após apresentação da<br />
candidatura, o IEFP tem 20 dias<br />
úteis para análise da mesma.<br />
Estará na hora de “voltar a<br />
casa”?”<br />
Notas:<br />
1 – O valor do Indexante dos<br />
Apoios Sociais (“IAS”) atualmente<br />
em vigor é de Euro 435,76, conforme<br />
definido em Portaria n.º<br />
24/2019 de 17 de janeiro.<br />
Reembolso de Planos-<br />
Poupança Reforma<br />
62<br />
ANABELA SILVA<br />
People Advisory Services Leader<br />
Os planos de<br />
Poupança-Reforma<br />
foram introduzidos<br />
pelo Decreto-Lei<br />
nº 205/89, de 27 de<br />
Junho, e desde a sua<br />
génese têm vindo<br />
a beneficiar de um<br />
regime de tributação<br />
favorável, tendo<br />
em vista incentivar<br />
a poupança de<br />
médio e longo prazo<br />
destinada a satisfazer<br />
as necessidades<br />
financeiras inerentes<br />
à situação de<br />
reforma dos seus<br />
participantes.<br />
Não obstante, em contrapartida<br />
dos benefícios fiscais concedidos,<br />
foram estabelecidas condições<br />
específicas de reembolso,<br />
cujo incumprimento pode conduzir<br />
à aplicação de penalizações<br />
fiscais.<br />
Atualmente, são as seguintes as<br />
condições previstas no Decreto-Lei<br />
nº 158/2002 (e sucessivas<br />
atualizações), que consagrou o<br />
novo regime jurídico dos planos<br />
de poupança-reforma, dos planos<br />
de poupança-educação e dos<br />
planos de poupança-reforma/<br />
educação, para que o reembolso<br />
dos PPR não seja onerosa do<br />
ponto de vista fiscal:<br />
1. Reforma por velhice do participante;<br />
2. Desemprego de longa duração<br />
do participante ou de qualquer<br />
dos membros do seu agregado<br />
familiar;<br />
3. Incapacidade permanente para<br />
o trabalho do participante ou de<br />
qualquer dos membros do seu<br />
agregado familiar, qualquer que<br />
seja a sua causa;<br />
4. Doença grave do participante<br />
ou de qualquer dos membros do<br />
seu agregado familiar;<br />
5. A partir dos 60 anos de idade<br />
do participante;<br />
6. Frequência ou ingresso do<br />
participante ou de qualquer dos<br />
membros do seu agregado familiar<br />
em curso do ensino profissional<br />
ou do ensino superior, quando<br />
geradores de despesas no ano<br />
respetivo;<br />
7. Utilização para pagamento de<br />
prestações de contratos de crédito<br />
garantidos por hipoteca sobre<br />
imóvel destinado a habitação<br />
própria e permanente do participante.<br />
O reembolso efetuado ao abrigo<br />
das alíneas a), e), f) e g) do número<br />
anterior só se pode verificar<br />
quanto a entregas relativamente<br />
às quais já tenham decorrido pelo<br />
menos cinco anos após as respetivas<br />
datas de aplicação pelo participante.<br />
Por outro lado, decorrido<br />
o prazo de cinco anos após a data<br />
da primeira entrega, o participante<br />
pode exigir o reembolso da totalidade<br />
do valor do PPR/E, ao abrigo<br />
das alíneas a), e), f) e g), se o<br />
montante das entregas efetuadas<br />
na primeira metade da vigência do<br />
contrato representar, pelo menos,<br />
35 % da totalidade das entregas.
Tributação Pessoal<br />
Caso o reembolso ocorra fora<br />
das condições acima mencionadas,<br />
o sujeito passivo fica sujeito<br />
às penalizações previstas no n.º<br />
4 do artigo 21º do Estatuto dos<br />
Benefícios fiscais, i.e., devem ser<br />
acrescidas à coleta do IRS as importâncias<br />
deduzidas, majoradas<br />
em 10%, por cada ano ou fração<br />
decorridos desde o ano da dedução.<br />
Recentemente, através de ficha<br />
doutrinária proferida no âmbito<br />
do Processo nº 4242/2017, a Autoridade<br />
Tributária divulgou o<br />
seu entendimento relativamente<br />
às implicações em sede de IRS<br />
resultantes do reembolso de PPR<br />
decorrente de duas situações<br />
específicas: (a) a utilização dos<br />
valores aplicados em PPR para<br />
aquisição de imóvel para habitação<br />
própria e permanente; e (b) a<br />
aplicação dos valores do PPR na<br />
subscrição de um novo PPR.<br />
Na mencionada ficha doutrinária,<br />
a Autoridade Tributária concluiu<br />
que, de acordo com a redação<br />
atual do nº1 do artigo 4º do Decreto-Lei<br />
nº 158/2002, de 2 de<br />
Julho, a alínea g) é “clara na sua<br />
formulação ao referir “Utilização<br />
para pagamento de prestações<br />
de contratos de crédito garantidos<br />
por hipoteca sobre imóvel<br />
destinado a habitação própria e<br />
permanente”, no sentido de que<br />
o valor do reembolso do PPR só<br />
pode ser utilizado para pagamento<br />
de prestações”, sendo no<br />
nº 11 do referido artigo 4º especificados<br />
os tipos de contratos<br />
de crédito abrangidos por aquela<br />
alínea. Assim, no entender da<br />
Autoridade Tributária, apenas a<br />
utilização para pagamento das<br />
prestações do crédito concedido<br />
não dará origem às penalizações<br />
previstas no artigo 21º do EBF (e<br />
não a utilização na própria aquisição<br />
da habitação em causa). Do<br />
mesmo modo, também a “A subscrição<br />
de novo PPR com o valor<br />
do resgate de PPR efetuado anteriormente,<br />
não é condição para<br />
o participante se eximir das consequências<br />
a que se refere o n.º 5<br />
do artigo 4.º do diploma.”<br />
Tratando-se do reembolso de<br />
PPR fora do quadro legal, deverão<br />
os sujeitos passivos preencher o<br />
anexo H – Quadro 8 - Acréscimos<br />
por incumprimento de requisitos<br />
e, no Campo 803, mencionar as<br />
importâncias deduzidas à coleta,<br />
majoradas em 10%, identificadas<br />
por cada ano ou fração decorrida<br />
desde aquele que foi exercido o<br />
direito à dedução.<br />
Mais-valias imobiliárias<br />
em sede de IRS<br />
ANABELA SILVA<br />
People Advisory Services Leader<br />
O sistema fiscal português<br />
adota, em sede de imposto<br />
sobre o rendimento das<br />
pessoas singulares – IRS<br />
– uma noção extensiva de<br />
rendimento, o rendimentoacréscimo,<br />
ainda que não<br />
de uma forma plena, na<br />
medida em que algumas<br />
categorias de rendimentos<br />
– designadamente as<br />
mais-valias – apresentam<br />
um tratamento específico,<br />
mais favorável, em virtude<br />
da sua não recorrência<br />
e caráter fortuito.<br />
No caso das mais-valias imobiliárias,<br />
auferidas por residentes<br />
em território português, as mesmas<br />
são sujeitas a englobamento<br />
obrigatório, sendo, contudo,<br />
apenas consideradas em 50% da<br />
diferença positiva entre as mais e<br />
as menos valias, existindo ainda<br />
algumas exclusões de tributação,<br />
como é o caso das mais-valias<br />
realizadas na alienação de imóveis<br />
destinados à habitação própria<br />
e permanente com reinvestimento<br />
do valor de realização em<br />
imóveis com o mesmo destino, ou<br />
mais recentemente, com a Reforma<br />
do IRS em 2015, as mais-valias<br />
cujo valor de realização seja aplicado<br />
na amortização de eventual<br />
empréstimo contraído para a<br />
aquisição do imóvel alienado (em<br />
ambos os casos, cumpridas que<br />
estejam determinadas condições).<br />
Uma das questões que tem gerado<br />
mais litígio entre os contribuintes<br />
e a Autoridade Tributária<br />
prende-se com a determinação<br />
do próprio ganho sujeito a imposto,<br />
atendendo à formulação vaga<br />
e com ampla margem de indeterminação,<br />
do conceito de encargos<br />
com a valorização dos bens, bem<br />
como às despesas necessárias e<br />
efetivamente praticadas e inerentes<br />
à aquisição e alienação. Na falta<br />
de clareza da lei, a Autoridade<br />
Tributária tem proferido diversos<br />
entendimentos administrativos<br />
e vindo a aceitar como despesas<br />
necessárias e inerentes à aquisição<br />
e alienação, o Imposto Municipal<br />
sobre as Transmissões One-<br />
63
Tributação Pessoal<br />
rosas de Imóveis e os encargos<br />
notariais e de registo predial, bem<br />
como as comissões de mediação<br />
imobiliária (cfr. Despacho do<br />
Substituto Legal do Diretor Geral<br />
dos Impostos, de 14 de Julho e 12<br />
de Agosto de 2008) ou as despesas<br />
com a certificação energética<br />
(Despacho da Subdiretora Geral<br />
de 8 de Julho de 2010, no âmbito<br />
do Processo 3089/10).<br />
Existe ainda um conjunto de decisões<br />
judiciais e arbitrais que importa<br />
salientar sobre a matéria –<br />
como é o caso do recente Acórdão<br />
do Tribunal Central Administrativo<br />
Sul de 3 de Março de 2016, relativo<br />
ao Processo 05182/11, que conclui<br />
não se poder considerar como<br />
“despesas necessárias inerentes<br />
à alienação” as despesas suportadas<br />
com a extinção e pagamento<br />
de penhoras, ou o Acórdão do<br />
Tribunal Arbitral de 25 de Janeiro<br />
de 2016 no âmbito do Processo<br />
31/2015-T, que não considera<br />
como despesas relevantes para<br />
este efeito os pagamentos efetuados<br />
para distratar as hipotecas<br />
incidentes sobre o imóvel alienado.<br />
Por outro lado, de salientar<br />
que, através de alteração legislativa<br />
introduzida pela Reforma do<br />
IRS, passou a considerar-se como<br />
dedutível para efeitos da determinação<br />
das mais-valias sujeitas a<br />
imposto, o montante correspondente<br />
às indemnizações comprovadamente<br />
pagas pela renúncia<br />
onerosa a posições contratuais ou<br />
outros direitos inerentes a contratos<br />
relativos a esses bens, pondo<br />
dessa forma um ponto final na<br />
polémica questão de saber se as<br />
indemnizações por despejo poderiam<br />
ou não ser abatidas para a<br />
determinação dos ganhos sujeitos<br />
a imposto.<br />
A determinação das despesas e<br />
encargos relevantes para a determinação<br />
das mais-valias imobiliárias<br />
sujeitas a imposto deve,<br />
portanto, ser objeto de análise<br />
detalhada, relevando toda a despesa<br />
que se assuma como condição<br />
sine qua non – indissociável,<br />
portanto – do rendimento concretamente<br />
obtido, porque traduzido<br />
numa despesa necessária<br />
para a existência do próprio rendimento,<br />
para além de ser uma<br />
despesa inerente ao próprio ato<br />
de aquisição ou alienação.<br />
Cláusula geral anti-abuso<br />
em sede de IRS<br />
64<br />
ANABELA SILVA<br />
People Advisory Services Leader<br />
Atenta a<br />
complexidade dos<br />
negócios no mundo<br />
atual, é cada vez mais<br />
ténue a fronteira entre<br />
o que se considera<br />
planeamento fiscal<br />
legítimo, e, ao invés,<br />
planeamento ilegítimo<br />
ou “extra legem”,<br />
que ocorre quando<br />
o sujeito passivo<br />
aproveita de forma<br />
abusiva a lei para<br />
chegar a um resultado<br />
fiscal mais favorável,<br />
pese embora este não<br />
a violar diretamente.<br />
A Lei Geral Tributária contempla,<br />
no seu artigo 38º nº2, um princípio<br />
de ineficácia dos negócios<br />
jurídicos sempre que os mesmos<br />
sejam dirigidos, por meios artificiosos<br />
ou fraudulentos, à redução,<br />
eliminação ou diferimento temporal<br />
de impostos ou obtenção de<br />
vantagens fiscais que não seriam<br />
obtidas, total ou parcialmente,<br />
sem utilização desses meios.<br />
A este respeito, têm vindo a ser<br />
recentemente divulgados vários<br />
acórdãos pelo Centro de Arbitragem<br />
Tributária (CAAD) relativamente<br />
à aplicação da cláusula<br />
geral anti-abuso em sede de Imposto<br />
sobre o Rendimento das<br />
Pessoas Singulares (IRS). As situações<br />
consideradas pela Autoridade<br />
Tributária como de planeamento<br />
fiscal abusivo podem ser<br />
genericamente divididas em dois<br />
grupos: (i) as que decorrem da<br />
transformação de sociedades por<br />
quotas em sociedades anónimas<br />
e subsequente venda da participação<br />
social detida na sociedade<br />
anónima sem tributação em sede<br />
de IRS; e (ii) as que resultam na<br />
disponibilização aos acionistas de<br />
montantes decorrente de operações<br />
sobre participações sociais,<br />
que consubstanciando no entender<br />
da Autoridade Tributária distribuições<br />
indiretas de dividendos,<br />
não estão, no entanto, sujeitas a<br />
retenção na fonte nem a tributação<br />
final na esfera dos indivíduos.<br />
A apreciação quanto à aplicabilidade<br />
da cláusula geral anti-abuso<br />
tem vindo a basear-se<br />
na análise de cinco elementos,<br />
de verificação cumulativa: o meio<br />
(formas utilizadas para a obtenção<br />
da vantagem), o resultado
Tributação Pessoal<br />
(vantagem propriamente dita), o<br />
elemento intelectual (motivação<br />
fiscal subjacente), o elemento<br />
normativo (intenção legal contrária<br />
ou não legitimadora do<br />
resultado obtido) e o elemento<br />
sancionatório (sanção de ineficácia<br />
no domínio tributário dos<br />
negócios ditos abusivos).<br />
É interessante verificar que no<br />
caso da transformação de sociedades<br />
por quotas em sociedades<br />
anónimas, o CAAD tem considerado<br />
de forma muito consistente,<br />
que não está presente o elemento<br />
normativo, concluindo pela não<br />
aplicação da norma anti-abuso,<br />
contrariamente às pretensões da<br />
Autoridade Tributária.<br />
Relativamente aos casos de distribuição<br />
indireta de dividendos,<br />
a jurisprudência não é uniforme,<br />
concluindo, em alguns casos, em<br />
sentido favorável à Autoridade<br />
Tributária e noutros ao contribuinte,<br />
sendo a questão fulcral<br />
a de determinar se a aplicação<br />
da cláusula geral pode produzir<br />
ou não efeitos fiscais sobre terceiros<br />
que não o contribuinte<br />
que obteve a vantagem fiscal<br />
(por ex. impondo a obrigação de<br />
retenção na fonte), pois a Autoridade<br />
Tributária tem emitido as<br />
liquidações adicionais sobre os<br />
substitutos tributários e não sobre<br />
os sujeitos passivos.<br />
Atentos os desenvolvimentos<br />
nesta matéria, seria portanto importante<br />
clarificar por via legislativa<br />
ou, pelo menos, assegurando<br />
uniformidade na jurisprudência,<br />
alguns aspetos associados à<br />
aplicação da norma anti-abuso<br />
(nomeadamente no que se refere<br />
às consequências da ineficácia, e<br />
sobre quem incidem essas consequências).<br />
Deduções aos rendimentos<br />
prediais em sede de IRS<br />
ANABELA SILVA<br />
People Advisory Services Leader<br />
Uma das questões<br />
que frequentemente<br />
se colocam aos<br />
contribuintes que<br />
arrendam imóveis e<br />
auferem rendimentos<br />
prediais tributados no<br />
âmbito da Categoria<br />
F, é quais são os<br />
gastos dedutíveis<br />
para efeitos de<br />
determinação do<br />
rendimento coletável<br />
em sede de IRS.<br />
Com a reforma do IRS em 2015,<br />
passaram a ser dedutíveis, nos<br />
termos do disposto no nº1 do<br />
artigo 41º do Código do IRS, “relativamente<br />
a cada prédio ou<br />
parte de prédio, todos os gastos<br />
efetivamente suportados e pagos<br />
pelo sujeito passivo para obter<br />
ou garantir tais rendimentos, com<br />
exceção dos gastos de natureza<br />
financeira, dos relativos a depreciações<br />
e dos relativos a mobiliário,<br />
eletrodomésticos e artigos de<br />
conforto ou decoração, bem como<br />
do adicional ao imposto municipal<br />
sobre imóveis”. Adicionalmente,<br />
no caso de fração autónoma de<br />
prédio em regime de propriedade<br />
horizontal, são dedutíveis, relativamente<br />
a cada fração ou parte<br />
de fração, outros encargos que,<br />
nos termos da lei, o condómino<br />
deva obrigatoriamente suportar<br />
e que sejam efetivamente pagos<br />
pelo sujeito passivo.<br />
Resulta, portanto, do exposto<br />
que, atualmente, o leque de<br />
despesas dedutíveis é bastante<br />
abrangente, sendo as mais frequentes,<br />
os gastos de condomínio,<br />
o Imposto Municipal sobre<br />
Imóveis suportado relativamente<br />
aos prédios arrendados, o Imposto<br />
do Selo dos contratos de<br />
arrendamento, comissões pelo<br />
arrendamento pagas a imobiliárias,<br />
despesas com seguros dos<br />
imóveis arrendados, e despesas<br />
de conservação e reparação dos<br />
imóveis arrendados, entre outras.<br />
Não obstante o exposto, subsistem<br />
ainda algumas questões relativamente<br />
às despesas dedutíveis,<br />
que têm gerado controvérsia<br />
entre contribuintes e Autoridade<br />
Tributária, uma das quais é a necessidade<br />
(ou não) da adoção de<br />
um critério de proporcionalidade<br />
da dedução das despesas em<br />
função da duração dos contratos<br />
de arrendamento.<br />
Nesta matéria, a Autoridade Tributária<br />
divulgou muito recentemente<br />
– em 6 de Dezembro de<br />
2018 - uma ficha doutrinária proferida<br />
no âmbito do Processo nº<br />
65
Tributação Pessoal<br />
1577/2017, no qual o sujeito passivo<br />
pretendia saber que gastos<br />
de IMI e despesas de conservação<br />
e reparação poderia deduzir<br />
quando o imóvel não foi objeto<br />
de arrendamento durante todo<br />
o ano, tendo a Autoridade Tributária<br />
concluído que “poderão ser<br />
considerados todos os encargos<br />
efetivamente suportados pelo<br />
sujeito passivo, desde que devidamente<br />
comprovados”.<br />
Ainda que a redação da ficha<br />
doutrinária não seja muito taxativa,<br />
entendemos que a posição<br />
da Autoridade Tributária segue<br />
a linha de diversos acórdãos do<br />
CAAD (nomeadamente dos acórdãos<br />
no âmbito dos processos nº<br />
659/2017-T, 201/2015-T, 294/2015-T<br />
e n.º 434/2016-T, para salientar<br />
apenas alguns), no qual a jurisprudência<br />
concluiu que o artigo<br />
41º do Código do IRS, ou qualquer<br />
outro, não contempla qualquer<br />
exceção relativamente à regra<br />
geral da anualidade do IRS, e<br />
que não há que fazer qualquer<br />
outra correspondência temporal<br />
entre o rendimento bruto e as<br />
despesas a deduzir. Há apenas<br />
que assegurar que as deduções<br />
dizem respeito ao ano civil em<br />
que foram pagos ou colocados à<br />
disposição os rendimentos prediais,<br />
não existindo fundamento<br />
legal no Código do IRS para calcular<br />
uma proporção em função<br />
da taxa de ocupação.<br />
Em nosso entender, de facto, desde<br />
que os gastos tenham sido incorridos<br />
“para obter ou garantir”<br />
os rendimentos prediais, estes<br />
serão dedutíveis mesmo que durante<br />
parte do ano o imóvel não<br />
se encontre arrendado, mas desde<br />
que o imóvel esteja disponível<br />
para arrendamento (e não a ser<br />
utilizado para habitação própria<br />
e permanente) e, como tal, as<br />
despesas sejam incorridas para<br />
assegurar que o imóvel continua<br />
a ser suscetível de arrendamento.<br />
Esperamos que a divulgação do<br />
entendimento da Autoridade<br />
Tributária na ficha doutrinária<br />
acima indicada, em linha com a<br />
jurisprudência arbitral, ponha fim<br />
à litigância que tem existido nesta<br />
matéria.<br />
Ainda no que se refere às deduções<br />
aos rendimentos prediais,<br />
também a 6 de Dezembro, a Autoridade<br />
Tributária divulgou o entendimento,<br />
na ficha doutrinária<br />
proferida no âmbito do Processo<br />
nº 4240/2017, que tratando-se de<br />
vários comproprietários/locadores<br />
que obtêm rendimentos prediais<br />
(categoria F) e sendo as despesas<br />
suportadas pelos mesmos, ainda<br />
que os documentos comprovativos<br />
das despesas estejam emitidos só<br />
em nome de um dos comproprietários,<br />
poderão estas despesas ser<br />
deduzidas por cada um dos comproprietários,<br />
na respetiva quota<br />
-parte da renda recebida.<br />
Regimes fiscais atrativos<br />
para pessoas singulares<br />
no Sul da Europa<br />
66<br />
ANABELA SILVA<br />
People Advisory Services Leader<br />
Primeiro Espanha,<br />
depois Portugal e, mais<br />
recentemente, Itália,<br />
introduziram regimes<br />
fiscais favoráveis<br />
à transferência<br />
de trabalhadores<br />
qualificados bem como<br />
de indivíduos que<br />
possuem um elevado<br />
património pessoal para<br />
os respetivos territórios.<br />
O regime português, designado<br />
de residentes não habituais, encontra-se<br />
em vigor desde 2009 e<br />
é aplicável às pessoas singulares<br />
que, tornando-se fiscalmente<br />
residentes nos termos do Código<br />
do IRS, não tenham sido residentes<br />
em território português<br />
em qualquer dos cinco anos<br />
anteriores. O regime prevê, por<br />
um lado, uma tributação reduzida<br />
e proporcional (à taxa de<br />
20% acrescida de sobretaxa em<br />
2017) dos rendimentos do trabalho<br />
dependente e independente<br />
auferidos por residentes não<br />
habituais em território português<br />
em atividades de elevado<br />
valor acrescentado, e, por outro,<br />
a possibilidade de optar pelo<br />
método de isenção como método<br />
de eliminação da dupla tributação<br />
internacional dos rendimentos<br />
de fonte estrangeira<br />
(dependendo da natureza dos<br />
rendimentos e do cumprimento<br />
de determinadas condições). O<br />
regime é aplicável por 10 anos.<br />
O regime espanhol estabelece<br />
uma taxa de tributação de 24%<br />
para rendimentos tributáveis até<br />
600.000 Euros e 45% para rendi-
Tributação Pessoal<br />
mentos superiores ao mencionado<br />
montante, sendo aplicável<br />
no ano de início da residência<br />
e nos 5 posteriores, desde que,<br />
entre outras condições, as pessoas<br />
singulares não tenham sido<br />
residentes fiscais em Espanha<br />
durante os 10 anos anteriores ao<br />
destacamento.<br />
No que respeita a Itália, o regime<br />
especial para trabalhadores<br />
impatriados entrou em vigor em<br />
2016 e prevê atualmente uma dedução<br />
de 50% do rendimento tributável<br />
proveniente de trabalho<br />
dependente ou independente no<br />
caso de sujeitos passivos que,<br />
entre outros requisitos, tenham<br />
qualificado como não residentes<br />
fiscais em Itália nos últimos 5<br />
anos anteriores à transferência e<br />
mantenham uma residência fiscal<br />
em Itália durante pelo menos<br />
dois anos. O regime é aplicável<br />
no ano da transferência e nos 4<br />
anos seguintes.<br />
Em Itália, encontra-se também<br />
em vigor desde 2017 um regime<br />
especial para os indivíduos que<br />
possuam um elevado património<br />
pessoal que prevê que estes<br />
possam optar por uma tributação<br />
forfetária anual de 100.000 Euros<br />
sobre os seus rendimentos de<br />
fonte estrangeira, independentemente<br />
do montante efetivo de<br />
rendimento por estes auferidos<br />
e da repatriação de capitais para<br />
Itália.<br />
No contexto atual de concorrência<br />
fiscal internacional estes<br />
regimes podem funcionar como<br />
estímulo adicional à atração da<br />
capacidade produtiva e iniciativa<br />
empresarial nos países do<br />
Sul da Europa, dado que, designadamente<br />
os indivíduos de<br />
elevado património pessoal são<br />
particularmente sensíveis à carga<br />
tributária nas suas decisões<br />
de localização.<br />
Reinvestimento e maisvalias<br />
na venda de habitação<br />
própria e permanente –<br />
“O diabo está nos detalhes”?<br />
ANABELA SILVA<br />
People Advisory Services Leader<br />
No contexto do<br />
atual dinamismo do<br />
mercado imobiliário,<br />
muitos são os que têm<br />
aproveitado o momento<br />
para realizarem maisvalias<br />
na venda dos<br />
imóveis onde mantém<br />
a sua habitação<br />
própria e permanente,<br />
concretizando o<br />
reinvestimento (antes ou<br />
depois, como veremos)<br />
na aquisição de outro<br />
imóvel destinado<br />
ao mesmo fim.<br />
Por forma a obviar à tributação<br />
destes ganhos, e por se entender<br />
que a tributação dos mesmos<br />
poderia tornar excessivamente<br />
onerosa a venda dos imóveis que<br />
constituem morada de família, o<br />
Código do IRS dispõe no seu artigo<br />
10º, n.º5, uma exclusão de tributação<br />
das mais-valias decorrentes<br />
da alienação de habitação própria<br />
e permanente na aquisição de<br />
novo imóvel com a mesma finalidade,<br />
nos seguintes moldes (na<br />
redação atualmente em vigor):<br />
“5 – São excluídos da tributação<br />
os ganhos provenientes da transmissão<br />
onerosa de imóveis destinados<br />
a habitação própria e permanente<br />
do sujeito passivo ou do<br />
seu agregado familiar, desde que<br />
verificadas, cumulativamente, as<br />
seguintes condições:<br />
1. o valor de realização, deduzido<br />
da amortização de eventual empréstimo<br />
contraído para a aquisição<br />
do imóvel, seja reinvestido<br />
na aquisição da propriedade de<br />
outro imóvel, de terreno para<br />
construção de imóvel e ou respetiva<br />
construção, ou na ampliação<br />
ou melhoramento de outro<br />
imóvel exclusivamente com o<br />
mesmo destino situado em território<br />
português ou no território<br />
de outro Estado membro da União<br />
Europeia ou do Espaço Económico<br />
Europeu, desde que, neste último<br />
caso, exista intercâmbio de informações<br />
em matéria fiscal;<br />
2. o reinvestimento previsto na<br />
alínea anterior seja efetuado entre<br />
os 24 meses anteriores e os 36<br />
meses posteriores contados da<br />
data da realização;<br />
3. o sujeito passivo manifeste a<br />
intenção de proceder ao reinves-<br />
67
Tributação Pessoal<br />
68<br />
timento, ainda que parcial, mencionando<br />
o respetivo montante<br />
na declaração de rendimentos<br />
respeitante ao ano da alienação.<br />
Adicionalmente, dispõe ainda o<br />
nº 6 do referido preceito, que o<br />
benefício não é aplicável sempre<br />
que, tratando-se de reinvestimento<br />
na aquisição de outro imóvel,<br />
o adquirente o não afete à sua<br />
habitação ou do seu agregado familiar,<br />
até decorridos doze meses<br />
após o reinvestimento, e, nos demais<br />
casos, quando o adquirente<br />
não requeira a inscrição na matriz<br />
do imóvel ou das alterações decorridos<br />
48 meses desde a data<br />
da realização, devendo afetar o<br />
imóvel à sua habitação ou do seu<br />
agregado até ao fim do quinto ano<br />
seguinte ao da realização.<br />
A interpretação e aplicação prática<br />
desta norma tem gerado frequentes<br />
litígios entre os contribuintes e<br />
a Autoridade Tributária, muitos resolvidos<br />
com recurso à via judicial,<br />
sendo as fontes do litígio de diversa<br />
natureza, dos quais nos vamos<br />
debruçar neste artigo especificamente<br />
sobre dois: as alternativas<br />
de reinvestimento, por um lado, e<br />
o conceito de habitação própria e<br />
permanente, por outro.<br />
Da análise à alínea a) do n.º 5 do<br />
artigo 10º do Código do IRS, concluímos<br />
que o legislador estabelece<br />
três alternativas de reinvestimento<br />
para que opere a exclusão<br />
de tributação (total ou parcial) da<br />
mais-valia decorrente da alienação<br />
de habitação própria e permanente:<br />
l reinvestimento na aquisição da<br />
propriedade de outro imóvel;<br />
l reinvestimento na aquisição de<br />
terreno para construção de imóvel<br />
e ou respetiva construção; ou,<br />
l reinvestimento na ampliação ou<br />
melhoramento de outro imóvel.<br />
Uma das questões que se suscita<br />
é, em primeiro lugar, determinar<br />
se combinações das diferentes<br />
alternativas previstas pelo legislador<br />
(e.g., reinvestimento na aquisição<br />
da propriedade de outro<br />
imóvel e melhoramento do imóvel<br />
adquirido) são possíveis para efeitos<br />
de aplicação da referida exclusão<br />
de tributação.<br />
Cumpre notar que, tanto quanto<br />
sabemos, não existem orientações<br />
da Autoridade Tributária a<br />
este respeito. No entanto, temos<br />
conhecimento que a Autoridade<br />
Tributária, em sede de inspeção,<br />
tem considerado que não é possível<br />
cumular o valor de aquisição<br />
com os encargos incorridos em<br />
obras de melhoramento nesse<br />
mesmo imóvel, por entender que<br />
combinações das diferentes alternativas<br />
de reinvestimento (tipificadas<br />
no n.º 5 do Artigo 10º do<br />
CIRS) não são possíveis.<br />
Não obstante o exposto, existem<br />
em nosso entender argumentos<br />
para considerar que tais combinações<br />
são possíveis, dado que<br />
a lei nada dispõe em sentido<br />
contrário. No mesmo sentido,<br />
discorre Rui Duarte Morais em<br />
“Sobre o IRS” (2014, 3ª edição,<br />
página 137), onde é referido “O<br />
artigo 10.º, n.º 5, exclui da tributação<br />
as mais-valias obtidas<br />
aquando da alienação de habitação<br />
própria permanente do<br />
sujeito passivo ou do seu agregado<br />
familiar, se houver reinvestimento<br />
na aquisição, construção<br />
ou melhoramento (ou<br />
numa combinação destas diferentes<br />
formas, se bem julgamos<br />
entender) (…)”. Esta é também a<br />
posição que tem vindo a ser assumida<br />
em algumas decisões arbitrais,<br />
nas quais a consideração<br />
do valor de aquisição, bem como<br />
subsequentes obras de melhoramento<br />
realizadas no imóvel<br />
alvo de reinvestimento, foram<br />
consideradas como combinações<br />
possíveis, quando as obras<br />
realizadas nesse imóvel se destinaram<br />
a capacitar o mesmo de<br />
condições de habitabilidade (ver<br />
a este respeito, decisão arbitral<br />
proferida no âmbito do processo<br />
n.º 60/2012-T, de 31/07/12).<br />
Não obstante, conhecemos igualmente<br />
decisões arbitrais que se<br />
pronunciam em sentido inverso<br />
(ver a este respeito decisão arbitral<br />
proferida no âmbito do processo<br />
n.º 330/2017-T, de 02/11/17).<br />
Nestes casos, o tribunal conclui<br />
que tais encargos (com obras de<br />
melhoria) poderão vir a ser considerados<br />
como encargos na valorização<br />
do imóvel, podendo ser<br />
utilizados no âmbito da determinação<br />
do valor de aquisição, nas<br />
condições descritas no artigo 51º<br />
do Código do IRS, para efeitos de<br />
apuramento de futura mais-valia<br />
na alienação desse imóvel.<br />
Face às dúvidas existentes e posições<br />
diversas assumidas pela<br />
jurisprudência, seria, portanto,<br />
importante, que a redação da<br />
norma fosse clarificada no sentido<br />
de prever expressamente que<br />
a cumulação de alternativas de<br />
reinvestimento é possível para<br />
efeitos desta exclusão.<br />
Outra das questões que tem suscitado<br />
litígios reside na comprovação<br />
de que o imóvel alienado<br />
(ou o imóvel objeto do reinvestimento)<br />
corresponde à habitação<br />
própria e permanente.<br />
A Autoridade Tributária tem vindo<br />
a considerar (mesmo antes da alteração<br />
introduzida pela Reforma<br />
do IRS em 2015 ao artigo 13º do<br />
Código do IRS), que os sujeitos<br />
passivos não podem beneficiar da<br />
exclusão pelo reinvestimento caso<br />
a habitação própria e permanente<br />
não coincida com o domicílio<br />
fiscal dos sujeitos passivos ou do<br />
seu agregado familiar.<br />
Esta não tem vindo a ser a posição<br />
assumida pelos tribunais. Com<br />
efeito, a jurisprudência considera<br />
que a morada em certo lugar pode
Tributação Pessoal<br />
demonstrar-se através de factos<br />
justificativos de que o sujeito<br />
passivo ou agregado familiar fixou<br />
nesse prédio o centro da sua vida<br />
pessoal (o que pode provar-se<br />
através de certas condições físicas<br />
– casa, mobília, etc. –, jurídicas –<br />
contratos, declarações, inscrições<br />
em registos – e sociais - integração<br />
no meio, conhecimentos dos<br />
e pelos vizinhos, locais de reunião<br />
e confraternização, entre outros<br />
(veja-se, por exemplo, o disposto<br />
no acórdão do Supremo Tribunal<br />
Administrativo no âmbito do Processo<br />
0590/11).<br />
Adicionalmente, no que se refere<br />
à necessidade de a morada da<br />
habitação própria e permanente<br />
coincidir com o domicílio fiscal,<br />
é referido na jurisprudência que,<br />
se o legislador pretendesse que<br />
o requisito para o benefício em<br />
causa fosse o estabelecimento<br />
do domicílio fiscal no imóvel<br />
adquirido, tê-lo-ia dito expressamente,<br />
como o fez no Estatuto<br />
dos benefícios fiscais, para<br />
além de que o artigo 10º nº 5<br />
refere-se a habitação própria e<br />
permanente do sujeito passivo<br />
ou do seu agregado familiar,<br />
sendo que esta alternatividade<br />
apenas poderá ser compreendida<br />
como tendo o sentido de a<br />
habitação própria permanente<br />
poder divergir do domicílio fiscal<br />
(em sustentação do exposto,<br />
veja-se os acórdãos do CAAD no<br />
âmbito do Processo nº 103/2013-<br />
T, do Processo nº 37/2013-T, do<br />
Processo 47/2014-T, do Processo<br />
nº 721/2015-T e do Processo nº<br />
92/2016-T, entre outros).<br />
Atualmente, esta questão encontra-se<br />
já, de certa forma salvaguardada,<br />
na medida em que,<br />
segundo o disposto no nº10 e<br />
seguintes do artigo 13º do Código<br />
do IRS, não obstante o domicílio<br />
fiscal fazer presumir a<br />
habitação própria e permanente<br />
do sujeito passivo, este pode, a<br />
todo o tempo, apresentar prova<br />
em contrário, considerando-se<br />
preenchido este requisito de<br />
prova, designadamente quando<br />
o sujeito passivo faça prova de<br />
que a sua habitação própria e<br />
permanente é localizada noutro<br />
imóvel, ou faça prova de que não<br />
dispõe de habitação própria e<br />
permanente.<br />
Por tudo quanto foi exposto,<br />
e tendo em conta que os valores<br />
envolvidos na alienação de<br />
imóveis destinados a habitação<br />
própria e permanente são por<br />
norma elevados, recomendamos<br />
que estas questões sejam devidamente<br />
acauteladas, por forma<br />
a obviar à oneração destas operações<br />
pela não aplicação da exclusão<br />
de tributação prevista no<br />
n.º 5 do artigo 10º do Código do<br />
IRS. Porque nesta, como em muitas<br />
normas fiscais, “o diabo está<br />
nos detalhes”.<br />
Rendimentos em espécie<br />
ANABELA SILVA<br />
People Advisory Services Leader<br />
São cada vez mais<br />
as empresas que<br />
baseiam o seu sistema<br />
de compensação<br />
numa óptica de<br />
compensação global,<br />
integrando, para além<br />
da componente salarial,<br />
outras remunerações<br />
acessórias, bem como<br />
oportunidades de<br />
carreira ou balanço<br />
com a vida pessoal.<br />
A atribuição destas remunerações<br />
acessórias, frequentemente<br />
não pecuniárias, levanta<br />
questões complexas do ponto<br />
de vista fiscal, nuns casos, pela<br />
ausência de previsão legal que<br />
tribute determinados benefícios,<br />
noutros, por se situarem na zona<br />
de intersecção entre a esfera<br />
pessoal e a esfera empresarial.<br />
A este respeito, a Reforma do IRS<br />
introduziu diversas alterações<br />
ao apuramento do rendimento<br />
tributável de determinados rendimentos<br />
em espécie (designadamente,<br />
no caso de empréstimos<br />
sem juros ou da utilização<br />
de viaturas que gerem encargos<br />
para a entidade patronal), tendo<br />
ainda previsto uma dispensa de<br />
retenção na fonte generalizada<br />
sobre os rendimentos em espécie<br />
(podendo, contudo, os trabalhadores<br />
optar pela retenção).<br />
De salientar que não existe no<br />
Código do IRS o conceito de<br />
“rendimentos em espécie”, pelo<br />
que, se não se suscitam questões<br />
relativamente à sua qualificação<br />
no caso da atribuição<br />
de bens tangíveis ou dos rendimentos<br />
mencionados no artigo<br />
24º (como por exemplo, a utilização<br />
de habitação proporcionada<br />
pela entidade patronal, os<br />
empréstimos sem juros, ou os<br />
planos de opções, de subscrição<br />
ou de atribuição de valores mobiliários),<br />
existem outras situações<br />
relativamente às quais esta<br />
69
Tributação Pessoal<br />
qualificação não é tão linear.<br />
Assim, se uma empresa atribuir<br />
um cartão de refeição aos seus<br />
funcionários ou vales-infância<br />
ou educação estamos perante<br />
um rendimento pecuniário ou<br />
um rendimento em espécie? E o<br />
que sucede ainda se a empresa<br />
suportar o prémio de seguro de<br />
saúde em benefício dos trabalhadores<br />
ou efectuar contribuições<br />
para fundos de pensões?<br />
Estas questões são relevantes<br />
se as remunerações em causa<br />
forem sujeitas a IRS por serem<br />
atribuídas acima dos limites ou<br />
não cumprirem as condições de<br />
exclusão de tributação.<br />
A questão não é despida de<br />
controvérsia, sendo necessário<br />
averiguar se nestes casos estão<br />
presentes as três características<br />
do dinheiro, a saber: meio de<br />
troca, unidade de conta e reserva<br />
de valor. Numa perspectiva<br />
restrita, poder-se-á considerar<br />
que se uma empresa atribuir<br />
vales ou cartões, estamos perante<br />
um rendimento em espécie,<br />
porque não está presente<br />
uma característica essencial do<br />
dinheiro, que é a sua fungibilidade.<br />
Não obstante, existe jurisprudência<br />
do Supremo Tribunal<br />
Administrativo (ex. Acórdão de<br />
21 de Abril de 2010, no âmbito<br />
do Processo nº 0619/19), que<br />
determina, no caso dos cartões<br />
-refeição, que estes são “dinheiro”<br />
e constituem um mero meio<br />
de pagamento para uma despesa<br />
potencial que se concretizará<br />
com a utilização desse meio de<br />
pagamento.<br />
Importa, portanto, clarificar qual<br />
o conceito de rendimento em<br />
espécie a adoptar, verificando-se<br />
que, no caso de não ser aplicável<br />
a dispensa de retenção, será<br />
necessário deduzir a correspondente<br />
retenção na fonte aos restantes<br />
rendimentos colocados<br />
à disposição do trabalhador no<br />
mês em que as importâncias são<br />
atribuídas, sendo que, nalguns<br />
casos, tal pode nem ser “matematicamente”<br />
exequível.<br />
Tributação conjunta<br />
de rendimentos<br />
70<br />
ANABELA SILVA<br />
People Advisory Services Leader<br />
Com a reforma da<br />
tributação do IRS em<br />
2015, o regime regra<br />
em sede deste imposto<br />
passou a ser o da<br />
tributação separada,<br />
podendo, contudo,<br />
os sujeitos passivos<br />
casados ou unidos<br />
de facto que reúnam<br />
determinadas condições,<br />
optar pela tributação<br />
conjunta, caso em<br />
que apresentam uma<br />
declaração conjunta da<br />
qual consta a totalidade<br />
dos rendimentos obtidos<br />
por todos os membros<br />
que integram o agregado<br />
familiar.<br />
Sendo exercida a opção tributação<br />
conjunta, o imposto é devido<br />
pela soma dos rendimentos<br />
das pessoas que constituem o<br />
agregado familiar. Desta forma, o<br />
agregado familiar constitui a unidade<br />
económica relativamente à<br />
qual se afere a tributação.<br />
Nesta matéria, têm surgido diversas<br />
questões relativamente<br />
à compensação de saldos entre<br />
vários titulares de rendimentos<br />
dentro do mesmo agregado<br />
familiar. Com efeito, de modo a<br />
viabilizar o regime regra de tributação<br />
separada, o modelo de<br />
limitação de dedução de perdas<br />
entre as várias categorias de<br />
rendimentos foi alterado, tendose<br />
substituído o regime anterior<br />
de comunicabilidade horizontal<br />
mitigada, para passar a estabelecer-se<br />
a dedução de perdas vertical,<br />
isto é, relativamente a cada<br />
sujeito passivo. Não obstante, o<br />
que sucede no caso da tributação<br />
conjunta? Se um dos sujeitos<br />
passivos obtiver, por exemplo,<br />
menos valias na alienação<br />
onerosa de valores mobiliários,<br />
e o outro, mais-valias da mesma<br />
natureza, no caso de tributação<br />
conjunta poderá haver compensação<br />
de saldos entre ambos?<br />
A posição da Administração Tributária<br />
tem sido a de que tal<br />
compensação de saldos não é<br />
possível, entendendo que, neste<br />
caso, apenas é permitido o<br />
reporte de perdas para os anos<br />
seguintes, em determinadas circunstâncias.<br />
Por outro lado, a jurisprudência<br />
arbitral não é uniforme.<br />
Em acórdão do CAAD no<br />
âmbito do Processo nº 327/2017-<br />
T, o tribunal arbitral considerou<br />
que “Como já se referiu a tributação<br />
conjunta apenas tem<br />
relevância para o apuramento<br />
do quociente familiar e de algu-
Tributação Pessoal<br />
mas deduções à coleta, sendo o<br />
rendimento líquido apurado por<br />
titular”. Já no acórdão do CAAD<br />
no Processo nº 739/2016-T, o<br />
tribunal refere que “A alteração<br />
legislativa ocorrida a partir de 1<br />
de janeiro de 2015 em nada alterou<br />
a forma de apuramento do<br />
ganho sujeito a imposto, que, no<br />
caso de valores mobiliários, se<br />
continua a fazer nos termos dos<br />
artigos 43.º e 48.º do Código do<br />
IRS (…) tais normas não consagram<br />
qualquer tipo de proibição<br />
de comunicação horizontal de<br />
perdas, como parece fazer o artigo<br />
55.º, para o caso de reporte<br />
de resultados negativos.”<br />
Atento o facto de que família<br />
é uma unidade económica em<br />
que as decisões se tomam em<br />
conjunto e os rendimentos são<br />
postos em comum, a opção pela<br />
tributação conjunta deverá permitir<br />
a compensação de saldos<br />
entre os titulares dos rendimentos.<br />
Por outro lado, e em caso de<br />
contitularidade dos rendimentos,<br />
deverão os sujeitos passivos assegurar-se<br />
que os intermediários<br />
financeiros e outras entidades<br />
que reportam rendimentos os fazem<br />
na proporção das respetivas<br />
quotas, de modo a minimizar os<br />
impactos de uma eventual não<br />
compensação de saldos.<br />
Tributação<br />
dos rendimentos de anos<br />
anteriores – solução à vista?<br />
ANABELA SILVA<br />
People Advisory Services Leader<br />
A tributação dos<br />
rendimentos produzidos<br />
em anos anteriores,<br />
em matéria de Imposto<br />
sobre o Rendimento<br />
das Pessoas Singulares<br />
(“IRS”), encontra-se<br />
prevista nos artigos 74º<br />
e 62º do Código do IRS,<br />
e tem sido, nos últimos<br />
anos, alvo de inúmeras<br />
críticas e queixas por<br />
parte dos contribuintes,<br />
nomeadamente junto<br />
do Provedor de Justiça.<br />
De acordo com dados disponibilizados<br />
pela Provedoria da<br />
Justiça, desde 2005, este órgão<br />
do Estado recebeu mais de 150<br />
queixas – 31 das quais no corrente<br />
ano – relativamente a este<br />
assunto.<br />
Há uma multiplicidade de situações<br />
que podem conduzir à<br />
obtenção de rendimentos, num<br />
determinado ano, que respeitam<br />
a anos anteriores. A título meramente<br />
exemplificativo, pode suceder<br />
que o tribunal determine,<br />
no âmbito de um processo judicial,<br />
a ilicitude do despedimento<br />
e o pagamento de retribuições<br />
vencidas até ao trânsito em<br />
julgado da sentença (podendo<br />
estas respeitar a vários anos).<br />
Noutros casos, pode a entidade<br />
patronal proceder ao pagamento<br />
de retroativos relativamente ao<br />
ano(s) anterior(es). Pode ainda<br />
verificar-se, num determinado<br />
ano, o recebimento de pensões<br />
relativas a anos anteriores decorrentes<br />
do atraso na apreciação<br />
do pedido por parte do Centro<br />
Nacional de Pensões, ou por<br />
recálculo do respetivo valor.<br />
Sempre que se obtenham, num<br />
determinado ano, rendimentos<br />
que foram produzidos em anos<br />
anteriores, esta situação é suscetível<br />
de gerar uma tributação<br />
distinta (e frequentemente mais<br />
gravosa) que aquela que existiria<br />
se os rendimentos fossem imputáveis<br />
ao(s) ano(s) em causa,<br />
em virtude da progressividade<br />
do IRS e pela subida do escalão<br />
de tributação em que normalmente<br />
os sujeitos passivos<br />
se enquadrariam. Assim, para<br />
além de os contribuintes serem<br />
prejudicados pelo atraso no recebimento<br />
das quantias que lhe<br />
são devidas, poderão ainda ser<br />
ainda penalizados com uma tributação<br />
mais gravosa que a que<br />
seria aplicável se os rendimentos<br />
fossem obtidos em cada um<br />
dos anos devidos.<br />
Percorrendo as soluções adotadas<br />
ao longo dos anos relativamente<br />
ao tratamento dos rendimentos<br />
produzidos em anos<br />
anteriores, é possível constatar<br />
que este tratamento tem vindo<br />
71
Tributação Pessoal<br />
72<br />
a sofrer sucessivas alterações.<br />
Com efeito, até 2001, o artigo<br />
24º do Código do IRS permitia<br />
o reporte fiscal de rendimentos<br />
ao ano ou anos em que foram<br />
produzidos, sempre que os rendimentos<br />
tivessem sido produzidos<br />
nos cinco anos anteriores,<br />
implicando a emissão de uma<br />
liquidação adicional relativa ao<br />
ano(s) em causa e o consequente<br />
recálculo do valor do imposto<br />
a pagar/receber.<br />
Essa disposição foi, no entanto,<br />
revogada pela Lei n.º 30-G/2000,<br />
de 29 de dezembro, impondo-se,<br />
em consequência, o englobamento<br />
na declaração referente<br />
ao ano em que os rendimentos<br />
tivessem sido obtidos, dos rendimentos<br />
produzidos em anos<br />
anteriores. Esta alteração foi à<br />
data justificada pela excessiva<br />
complexidade que o reporte fiscal<br />
dos rendimentos ao ano em<br />
causa implicava para a Autoridade<br />
Tributária. Não obstante, a<br />
mesma acarretava uma tributação<br />
extremamente gravosa para<br />
o contribuinte, atento o acréscimo<br />
extraordinário de rendimentos,<br />
resultante do pagamento extemporâneo<br />
de valores que eram<br />
já devidos.<br />
De molde a atenuar este efeito,<br />
a Lei n.º 85/2001, de 4 de Agosto,<br />
introduziu alterações ao artigo<br />
74º do Código do IRS passando<br />
o mesmo a prever que o valor<br />
dos rendimentos produzidos em<br />
anos anteriores seria dividido<br />
pelo número de anos ou fração<br />
a que os mesmos respeitassem,<br />
com o máximo de quatro, aplicando-se<br />
à globalidade dos rendimentos<br />
a taxa correspondente<br />
à soma daquele quociente com<br />
os rendimentos produzidos no<br />
ano.<br />
Esta alteração permitiu atenuar<br />
parcialmente o impacto na tributação,<br />
contudo, continuavam<br />
a verificar-se situações em que<br />
os sujeitos passivos eram significativamente<br />
penalizados no<br />
tratamento destes rendimentos,<br />
tendo sido inclusivamente suscitada<br />
a inconstitucionalidade<br />
da norma prevista no artigo 74º<br />
do Código do IRS - a qual foi,<br />
contudo, rejeitada pelo Tribunal<br />
Constitucional, conforme resulta<br />
do Acórdão proferido no âmbito<br />
do Processo nº 107/2010.<br />
Posteriormente, com a Lei nº<br />
3-B/2010, de 28 de abril, a redação<br />
do artigo 74º foi novamente<br />
alterada no sentido de permitir a<br />
divisão do valor dos rendimentos<br />
de anos anteriores pela soma do<br />
número de anos ou fração a que<br />
respeitem, no máximo de seis,<br />
incluindo o ano do recebimento.<br />
E, mais recentemente, com a<br />
Reforma Fiscal de 2015, o rendimento<br />
passou a ser dividido<br />
pelo número de anos ou fração<br />
de rendimento a que respeitem,<br />
incluindo o ano do recebimento,<br />
sem qualquer limitação. Não<br />
obstante o exposto, continuavam<br />
a suceder situações em que<br />
os contribuintes eram penalizados<br />
por esta solução, sobretudo<br />
nos casos de recálculo de pensões,<br />
pagamentos de salários em<br />
atraso ou decisões judiciais.<br />
Neste contexto, é de destacar a<br />
alteração agora introduzida ao<br />
artigo 74º do Código do IRS pela<br />
Lei nº 119/2019, de 18 de setembro,<br />
com entrada em vigor a 1<br />
de outubro de 2019, a qual contempla,<br />
em certa medida, uma<br />
solução similar à do reporte fiscal<br />
de rendimentos previsto no<br />
anterior artigo 24º do Código do<br />
IRS. De acordo com a redação que<br />
irá agora entrar em vigor, sempre<br />
que seja possível imputar os rendimentos<br />
a anos anteriores em<br />
concreto, pode o sujeito passivo,<br />
em alternativa à divisão pelo número<br />
de anos a que respeita o<br />
rendimento, proceder à entrega<br />
de declarações de substituição<br />
relativamente aos anos em causa,<br />
com o limite do quinto ano<br />
imediatamente anterior ao do<br />
pagamento ou colocação à disposição<br />
dos rendimentos (sem<br />
prejuízo da divisão pelo número<br />
de anos relativamente aos restantes<br />
rendimentos, se aplicável),<br />
não sendo, contudo, esta possibilidade<br />
aplicável no caso de rendimentos<br />
litigiosos. Para este efeito,<br />
as entidades processadoras<br />
dos pagamentos devem efetuar<br />
a discriminação dos montantes<br />
respeitantes a cada um dos anos.<br />
Não obstante o exposto, o facto<br />
tributário considera-se sempre<br />
verificado no ano do pagamento<br />
ou colocação à disposição dos<br />
rendimentos para efeitos de contagem<br />
do prazo de caducidade.<br />
Com esta alteração, espera-se<br />
que se venha a reduzir substancialmente<br />
o número de casos em<br />
que os contribuintes são penalizados<br />
com o recebimento dos<br />
rendimentos de anos anteriores,<br />
embora tal possa ainda vir a suceder<br />
no caso de rendimentos<br />
litigiosos (sem que seja percetível<br />
as razões para tal exclusão),<br />
sendo, no entanto, fundamental<br />
que os sujeitos passivos simulem<br />
o impacto de optarem pela<br />
entrega de declarações de substituição<br />
em alternativa à divisão<br />
do rendimento pelo número de<br />
anos a que o mesmo respeita.<br />
Até porque, no caso do IRS automático,<br />
estas situações de rendimentos<br />
de anos anteriores não<br />
estão excluídas e presumimos<br />
que será esta última, a opção<br />
que o sistema irá assumir.<br />
De referir, por último, que são<br />
cada vez mais os casos em que<br />
os contribuintes necessitam de<br />
efetuar várias simulações a fim<br />
de assegurarem que a sua liquidação<br />
de IRS é a menos onerosa
Tributação Pessoal<br />
possível: tributação conjunta<br />
versus tributação separada; tributação<br />
autónoma versus englobamento<br />
dos rendimentos<br />
da mesma categoria; tributação<br />
dos rendimentos prediais na esfera<br />
da categoria B – rendimentos<br />
empresariais e profissionais<br />
– ou da categoria F – rendimentos<br />
prediais; tributação<br />
dos rendimentos da categoria<br />
B – rendimentos empresariais<br />
e profissionais ao abrigo do regime<br />
simplificado ou da contabilidade<br />
organizada (nos casos<br />
em que tal opção é possível);<br />
apenas para citar alguns casos.<br />
Deste modo, é cada vez mais<br />
importante que os contribuintes<br />
analisem as diversas alternativas<br />
ao seu dispor, de modo a assegurar<br />
a opção pela alternativa<br />
que lhes é menos onerosa do<br />
ponto de vista fiscal.<br />
Captação de Talento:<br />
depois do Startup Visa,<br />
chega o Tech Visa<br />
BHAVIK CHUNILAL<br />
Manager, People Advisory Services<br />
Portugal tem vindo<br />
a assistir a um aumento<br />
do investimento<br />
estrangeiro,<br />
nomeadamente<br />
na área tecnológica,<br />
destacando-se<br />
as recentes criações<br />
de centros tecnológicos<br />
em território nacional<br />
por parte de grandes<br />
empresas, tais como<br />
a Volkswagen,<br />
a Google e a BMW.<br />
Face ao desenvolvimento da dinâmica<br />
tecnológica no meio empresarial<br />
português, o Governo<br />
criou o Tech Visa, em vigor desde<br />
1 de janeiro de 2019, cujo principal<br />
objetivo é apoiar as empresas<br />
na atração e retenção de talento<br />
estrangeiro altamente qualificado.<br />
Para o efeito, o Tech Visa estabelece<br />
um regime de certificação de<br />
empresas tecnológicas e inovadoras,<br />
de modo a agilizar o processo<br />
de obtenção de visto ou autorização<br />
de residência por parte de<br />
indivíduos nacionais de Estados<br />
terceiros que pretendam desenvolver<br />
uma atividade altamente<br />
qualificada em Portugal.<br />
Assim, em conformidade com o<br />
exposto na Portaria nº 328/2018<br />
de 19 de dezembro, as empresas<br />
podem agora candidatar-se a esta<br />
certificação através da plataforma<br />
disponibilizada pelo IAPMEI –<br />
Agência para a Competitividade e<br />
Inovação, I.P. (IAPMEI), sendo esta<br />
entidade responsável pela avaliação<br />
das candidaturas.<br />
Para que uma empresa obtenha<br />
a certificação em apreço, cuja validade<br />
é de 2 anos, renovável por<br />
iguais períodos, determinados<br />
critérios deverão ser preenchidos,<br />
entre os quais se destacam<br />
os seguintes (lista não exaustiva):<br />
l Desenvolvimento de atividade<br />
de produção de bens e serviços<br />
internacionalizáveis;<br />
l Demonstração de base tecnológica<br />
e inovadora da atividade,<br />
através do cumprimentos de pelo<br />
menos duas de um conjunto de<br />
condições específicas, tais como:<br />
i) ser uma startup criada há pelo<br />
menos 2 anos, que desenvolva a<br />
sua atividade em setores de alta<br />
ou média-alta tecnologia ou de<br />
forte intensidade de conhecimento;<br />
ii) possuir mais de 15% de trabalhadores<br />
altamente qualificados;<br />
iii) ter um crescimento médio<br />
anual do volume de negócio superior<br />
a 20%, nos últimos 3 anos;<br />
iv) ter angariado investimento de<br />
capital de risco, através da entrada<br />
de fundos de i Venture Capital<br />
ou Business Angels, nos últimos 3<br />
anos;<br />
l Obtenção de uma avaliação<br />
positiva, por parte do IAPMEI, nos<br />
seguintes fatores: potencial de<br />
mercado; grau de inovação tecnológica<br />
e orientação para os mercados<br />
externos;<br />
l Situação regularizada perante a<br />
Autoridade Tributária e a Segurança<br />
Social.<br />
73
Tributação Pessoal<br />
Verificados os requisitos previstos<br />
pelo Governo e obtida decisão<br />
positiva relativamente à sua<br />
candidatura, a empresa, agora<br />
certificada, passa a poder emitir<br />
termos de responsabilidade aos<br />
nacionais de Estados terceiros<br />
que pretenda integrar nos seus<br />
quadros relacionados com o setor<br />
tecnológico, eliminando, assim,<br />
a necessidade de recorrer à Fundação<br />
para a Ciência e Tecnologia,<br />
I.P., para obtenção de um parecer<br />
prévio, comprovativo de atividade<br />
qualificada.<br />
Assim, o termo de responsabilidade,<br />
cujo formulário poderá ser<br />
obtido na plataforma do IAPMEI e<br />
que terá um prazo de validade de<br />
6 meses a contar da sua emissão,<br />
passa a constituir documento de<br />
caráter obrigatório para efeitos de<br />
pedido de visto ou autorização de<br />
residência.<br />
Para que um cidadão estrangeiro<br />
possa ver a sua atividade ser reconhecida<br />
como altamente qualificada,<br />
nos termos do programa<br />
Tech Visa, terá igualmente de assegurar<br />
determinados requisitos<br />
de elegibilidade, nomeadamente:<br />
l Ser cidadão de Estado terceiro e<br />
não residir de forma permanente<br />
na União Europeia;<br />
l Evidenciar o exercício de atividade<br />
altamente qualificada,<br />
comprovando, entre outros requisitos<br />
alternativos, ser detentor de<br />
um nível de qualificação mínima<br />
de nível V, de acordo com o IS-<br />
CED-2011 (i.e., bacharelato, licenciatura,<br />
mestrado);<br />
l Ter uma remuneração anual mínima<br />
equivalente a 2,5 vezes o IAS<br />
– Indexante de Apoios Sociais;<br />
l Dominar a língua portuguesa<br />
ou inglesa, conforme as funções a<br />
desempenhar.<br />
De salientar que as empresas que<br />
pretendam obter esta certificação<br />
poderão submeter a sua candidatura,<br />
na plataforma online criada<br />
para o efeito, até ao dia 31 de dezembro<br />
de 2019, a qual será analisada<br />
no prazo de 20 dias úteis,<br />
findo o qual serão notificadas da<br />
decisão do IAPMEI.<br />
Assim, as empresas tecnológicas<br />
a atuarem em território português<br />
passam, agora, a poder contar<br />
com o programa Tech Visa, que<br />
vem complementar o anteriormente<br />
criado Startup Visa, que se<br />
destina a investidores que pretendam<br />
desenvolver startups em<br />
Portugal.<br />
Englobar ou não englobar?<br />
Quando vale a pena?<br />
DANILO MARIANO<br />
Senior Consultant,<br />
People Advisory Services<br />
Estamos a 20 de Maio,<br />
e decorrido mais de metade<br />
do período de entrega do IRS<br />
de 2018, muitos contribuintes<br />
ainda têm dúvidas sobre<br />
quais as situações em que<br />
é mais vantajoso optar pela<br />
tributação autónoma ou,<br />
alternativamente, pelo englobamento<br />
dos seus rendimentos.<br />
Nesse sentido, abaixo<br />
descrevemos os principais aspetos<br />
a ter em consideração<br />
relativamente ao exercício<br />
dessa opção no momento<br />
da submissão do IRS.<br />
O que é o englobamento?<br />
O artigo 22º do Código do IRS<br />
estipula que o rendimento coletável<br />
em IRS é o que resulta do<br />
englobamento (i.e., do somatório)<br />
dos rendimentos das várias<br />
categorias auferidos em cada<br />
ano, depois de feitas as deduções<br />
e os abatimentos previstos<br />
naquele Código.<br />
Há, contudo, algumas exceções,<br />
em que os rendimentos não<br />
são englobados para efeitos de<br />
determinação do rendimento<br />
coletável, mas sim sujeitos a tributação<br />
autónoma, sem prejuízo<br />
da opção pelo englobamento<br />
prevista na lei para alguns casos.<br />
Assim, o Código do IRS, permite,<br />
por exemplo, que o contribuinte<br />
opte por englobar os seus diferentes<br />
tipos de rendimentos<br />
sujeitos à tributação autónoma,<br />
como por exemplo os rendimentos<br />
prediais ou rendimentos de<br />
capitais (juros e dividendos) entre<br />
outros, com os demais rendimentos<br />
de trabalho (dependente<br />
ou independente) e pensões, a<br />
fim de determinar o seu rendimento<br />
coletável. Exercida a opção<br />
pelo englobamento, os rendimentos<br />
que estariam sujeitos<br />
às taxas autónomas passariam a<br />
estar sujeitos às taxas progressivas<br />
e os contribuintes passariam<br />
igualmente a ter direito às deduções<br />
à coleta.<br />
Quando é vantajoso englobar?<br />
A fim de determinar se é ou não<br />
vantajoso exercer a opção pelo<br />
englobamento, o contribuinte<br />
deve ter em atenção que, ao op-<br />
74
Tributação Pessoal<br />
tar pelo englobamento, os rendimentos<br />
que anteriormente eram<br />
sujeitos às taxas autónomas<br />
(28% na generalidade dos casos<br />
para os casos de rendimentos<br />
prediais, de capitais e mais-valias,<br />
por exemplo), passam a ser<br />
sujeitos às taxas progressivas<br />
podendo atingir até 48% (acrescidos<br />
da taxa adicional de solidariedade,<br />
entre 2,5% e 5%). No<br />
entanto, em alguns casos, parte<br />
do rendimento é excluído de tributação<br />
(como por exemplo nos<br />
dividendos, que são considerados<br />
em apenas 50 % do seu valor<br />
em caso de englobamento, e em<br />
determinadas condições).<br />
Portanto, a opção pelo englobamento<br />
é normalmente mais<br />
vantajosa para os contribuintes<br />
que não possuem rendimentos<br />
do trabalho ou obtenham rendimentos<br />
reduzidos. Assim, ao<br />
englobar os demais rendimentos<br />
e depois de feitas as deduções,<br />
a taxa final de imposto será inferior<br />
aos 28% aplicáveis autonomamente<br />
(no caso dos rendimentos<br />
acima indicados).<br />
Outro cenário em que será mais<br />
vantajoso optar pelo englobamento<br />
é quando o contribuinte<br />
tem um saldo final negativo (i.e.,<br />
de menos-valias) da Categoria<br />
G (com exceção das mais-valias<br />
imobiliárias que possuem regras<br />
distintas), uma vez que ao<br />
englobar, o contribuinte poderá<br />
usar o saldo negativo para compensar<br />
eventuais mais-valias da<br />
mesma categoria dos cinco anos<br />
seguintes.<br />
É importante notar que, ao optar<br />
pelo englobamento, todos<br />
os rendimentos da mesma categoria<br />
serão igualmente englobados.<br />
Ou seja, na Categoria E<br />
(Rendimentos de Capitais) não<br />
será possível englobar somente<br />
os juros e não englobar os dividendos,<br />
assim como não é possível<br />
optar pelo englobamento<br />
de somente uma renda de um<br />
imóvel cujo montante é baixo,<br />
e não optar pelo englobamento<br />
das rendas de um segundo imóvel<br />
de montantes mais elevados.<br />
Tendo em conta o exposto, a opção<br />
pelo englobamento pode ser<br />
muito vantajosa em alguns cenários<br />
e prejudicial noutros, pelo<br />
que antes de prosseguir com a<br />
entrega da sua declaração de<br />
IRS de 2018, recomendamos que<br />
sejam feitas simulações com e<br />
sem a opção pelo englobamento<br />
a fim de verificar qual o melhor<br />
cenário.<br />
Como declarar os filhos<br />
na Modelo 3 de IRS?<br />
JOANA FREITAS<br />
Senior Manager, People<br />
Advisory Services<br />
Em plena época fiscal<br />
e tendo em conta as<br />
questões que muitas<br />
vezes surgem a<br />
respeito da inclusão<br />
ou não dos filhos<br />
nas declarações bem<br />
como das deduções a<br />
que estes podem dar<br />
lugar, sistematizam-se<br />
abaixo os principais<br />
aspetos a ter em<br />
consideração.<br />
Nos termos do Código do IRS,<br />
consideram-se dependentes:<br />
l Os filhos, adotados e enteados,<br />
menores não emancipados, bem<br />
como os menores sob tutela;<br />
l Os filhos, adotados e enteados,<br />
maiores, bem como aqueles que<br />
até à maioridade estiveram sujeitos<br />
à tutela de qualquer dos<br />
sujeitos a quem incumbe a direção<br />
do agregado familiar, que<br />
não tenham mais de 25 anos<br />
nem aufiram anualmente rendimentos<br />
superiores ao valor da<br />
retribuição mínima mensal garantida<br />
(a escolaridade deixou<br />
de ser critério com a Reforma do<br />
IRS de 2015);<br />
l Os filhos, adotados, enteados<br />
e os sujeitos a tutela, maiores,<br />
inaptos para o trabalho e para<br />
angariar meios de subsistência;<br />
l Os afilhados civis.<br />
De salientar que, salvo as exceções<br />
previstas no Código do IRS,<br />
os dependentes não podem, simultaneamente,<br />
fazer parte de<br />
mais de um agregado familiar<br />
nem, integrando um agregado<br />
familiar, ser considerados sujeitos<br />
passivos autónomos.<br />
Em qualquer situação, os dependentes<br />
só assim podem ser considerados<br />
na Declaração de IRS<br />
se devidamente identificados<br />
com Número de Identificação<br />
Fiscal (NIF). Adicionalmente, e<br />
sem prejuízo do que se expõe de<br />
seguida, os dependentes maiores<br />
podem optar pela entrega<br />
em separado, sendo, assim, tributados<br />
de forma autónoma.<br />
75
Tributação Pessoal<br />
76<br />
No caso de pais casados ou<br />
unidos de facto, quer no caso<br />
de tributação separada quer de<br />
tributação conjunta, ambos os<br />
elementos do casal identificam<br />
os dependentes na Declaração<br />
de IRS. Há, no entanto, aspetos<br />
específicos a ter em conta na tributação<br />
separada: (i) no que respeita<br />
aos rendimentos, cada um<br />
dos cônjuges ou dos unidos de<br />
facto, apresenta uma Declaração,<br />
da qual constam os rendimentos<br />
de que é titular e 50 % dos<br />
rendimentos dos dependentes<br />
do agregado; (ii) por outro lado,<br />
em matéria de deduções à coleta,<br />
os limites das deduções são<br />
reduzidos para metade e as percentagens<br />
de deduções à coleta<br />
são aplicadas à totalidade das<br />
despesas de que cada sujeito<br />
passivo seja titular acrescida de<br />
50 % das despesas de que sejam<br />
titulares os dependentes que integram<br />
o agregado familiar.<br />
Já no caso de pais não casados<br />
ou unidos de facto, colocam-se<br />
questões relacionadas com a repartição<br />
das responsabilidades<br />
parentais.<br />
Quando as responsabilidades<br />
parentais são exercidas em comum<br />
por mais do que um sujeito<br />
passivo, sem que estes<br />
estejam integrados no mesmo<br />
agregado familiar, os dependentes<br />
são considerados como integrando<br />
o agregado do sujeito<br />
passivo a que corresponder a<br />
residência determinada no âmbito<br />
da regulação do exercício<br />
das responsabilidades parentais,<br />
ou o agregado do sujeito<br />
passivo com o qual o dependente<br />
tenha identidade de domicílio<br />
fiscal no último dia do<br />
ano a que o imposto respeite,<br />
quando, no âmbito da regulação<br />
do exercício das responsabilidades<br />
parentais, não tiver sido determinada<br />
a sua residência ou<br />
não seja possível apurar a sua<br />
residência habitual.<br />
Sem prejuízo do disposto acima,<br />
e nos termos do disposto<br />
na Lei n.º 106/2017, de 4 de setembro,<br />
os dependentes podem<br />
ser incluídos nas Declarações<br />
de ambos os sujeitos passivos<br />
para efeitos de imputação de<br />
rendimentos e de deduções. No<br />
caso de os dependentes terem<br />
obtido rendimentos, estes devem<br />
ser incluídos na Declaração<br />
do agregado em que se integram,<br />
ou ser divididos em partes iguais<br />
a incluir, respetivamente, em<br />
cada uma das Declarações dos<br />
sujeitos passivos, em caso de residência<br />
alternada estabelecida<br />
em Acordo de Regulação do Poder<br />
Parental. Para este efeito, até<br />
15 de fevereiro do ano seguinte<br />
àquele a que o imposto respeita,<br />
devem os sujeitos passivos comunicar<br />
no Portal das Finanças<br />
a existência de residência alternada.<br />
Por sua vez, em termos de deduções<br />
à coleta, há que distinguir<br />
entre a dedução fixa e as deduções<br />
por despesas.<br />
A dedução fixa é partilhada nos<br />
casos em que conste do Acordo<br />
de Regulação do Poder Parental<br />
a residência alternada dos menores<br />
(comunicada até 15 de Fevereiro<br />
do ano seguinte àquele a<br />
que o ano respeita). Caso contrário,<br />
e relativamente à Declaração<br />
de IRS de 2018, para quem não<br />
o tenha feito, será aplicada a<br />
dedução, na totalidade, apenas<br />
ao progenitor de quem o dependente<br />
faça parte do respetivo<br />
agregado familiar.<br />
Em relação às deduções à coleta<br />
por despesas, essas deduções<br />
passam a ser consideradas de<br />
forma proporcional à contribuição<br />
de cada progenitor para as<br />
mesmas despesas (desde que<br />
a repartição de despesas conste<br />
do Acordo de Regulação do<br />
Poder Paternal e seja comunicada<br />
até 15 de fevereiro do ano<br />
seguinte àquele a que respeita<br />
o imposto). Caso não seja efetuada<br />
a comunicação no prazo<br />
estabelecido para o efeito, ou<br />
nos casos em que a soma das<br />
percentagens comunicadas por<br />
ambos os sujeitos passivos não<br />
corresponda a 100%, o valor das<br />
deduções à coleta será dividido<br />
por igual entre os dois progenitores.<br />
Importa ainda chamar a atenção<br />
para uma ficha doutrinária publicada<br />
pela Autoridade Tributária<br />
no âmbito do Processo n.º<br />
3454/17, com despacho concordante<br />
da Subdiretora Geral, de<br />
05-12-2017, na qual se vem esclarecer<br />
que o conceito de dependente<br />
não abrange as situações<br />
decorrentes da atribuição das<br />
responsabilidades parentais a<br />
um terceiro.<br />
A Autoridade Tributária publica<br />
todos os anos um folheto informativo<br />
que pode ser consultado<br />
em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/apoio_contribuinte/Folhetos_informativos/Documents/IRS_folheto_2018.pdf<br />
e que resume todas as deduções<br />
previstas com indicação dos limites<br />
aplicáveis.
A segurança jurídica<br />
dos regimes especiais<br />
Tributação Pessoal<br />
PAULO MENDONÇA<br />
Partner, Tax Services<br />
Recentemente<br />
reabriu-se a polémica<br />
à volta dos regimes<br />
dos residentes não<br />
habituais e dos vistos<br />
Gold. Portugal também<br />
tem a Comissão<br />
Europeia a rever o<br />
regime fiscal da Zona<br />
Franca da Madeira<br />
(ZFM) no âmbito de<br />
um procedimento por<br />
auxílios de Estado<br />
ilegais que, se correr<br />
mal, provavelmente a<br />
atingirá de forma letal.<br />
Poderíamos pensar que a existência<br />
destes regimes é uma<br />
invenção portuguesa, mas a verdade<br />
é que eles proliferam por<br />
toda a União Europeia. E têm<br />
um objetivo claro: permitir alguma<br />
vantagem competitiva que<br />
equilibre os pratos da balança<br />
no caso de países ou territórios<br />
que, por razões naturais ou<br />
conjunturais, são normalmente<br />
preteridos nas decisões de investimento<br />
que possibilitam a<br />
captação de capitais, a criação<br />
de emprego e, por fim, direta<br />
ou indiretamente, o aumento da<br />
receita fiscal. Quando um país<br />
que conseguiu implementar um<br />
desses regimes o perde, imediatamente<br />
outro país recebe todo<br />
o investimento perdido.<br />
E a existência destes regimes<br />
faz perder alguma receita fiscal<br />
ou de natureza semelhante?<br />
Obviamente que não. Se não<br />
existirem vistos Gold em Portugal,<br />
os candidatos escolherão<br />
Espanha, Chipre ou a Irlanda. O<br />
mesmo se aplicará no caso dos<br />
residentes não-habituais ou se<br />
se permitir que o regime da ZFM<br />
seja ainda mais fragilizado. Não<br />
se gera qualquer receita adicional.<br />
Na verdade, evaporam-se<br />
empregos, depósitos bancários<br />
e outras aplicações no nosso<br />
sistema financeiro e reduz-se a<br />
atividade imobiliária. Tudo efeitos<br />
negativos. Aliás, a existência<br />
destes regimes especiais induzem<br />
receitas adicionais que de<br />
outra forma não existiriam. Ou<br />
seja, estaremos sempre a trocar<br />
alguma coisa por nada.<br />
Será que Portugal se pode dar ao<br />
luxo de alterar ou mesmo terminar<br />
estes regimes antes do tempo?<br />
A resposta, do ponto de vista<br />
do bom senso, só pode ser negativa.<br />
O nosso país continua a<br />
ter um problema sério de credibilidade<br />
internacional por causa<br />
da falta de segurança jurídica e<br />
de estabilidade fiscal para os investidores<br />
estrangeiros. Quando<br />
se lança um regime direcionado<br />
a não residentes, que assenta<br />
numa perspetiva de estabilidade,<br />
tem que existir um consenso<br />
sério que o mesmo terá que<br />
ser mantido, pelo menos pelo<br />
prazo previsto no momento em<br />
que foi lançado. De outra forma,<br />
é melhor estarmos quietos. Só a<br />
possibilidade, que até pode nunca<br />
se concretizar, de tais regimes<br />
poderem ser alterados ou revogados,<br />
quando é mencionada<br />
por responsáveis políticos credíveis,<br />
gera efeitos irreparáveis e<br />
bastante adversos.<br />
E a pergunta é: se os resultados<br />
destes avanços e recuos são tão<br />
nocivos, porque é que continuam<br />
a acontecer? Não se tratará<br />
de um mistério propriamente<br />
dito. E será também porventura<br />
excessivo acusar os que os promovem<br />
de falta de bom senso.<br />
Mas talvez não andaremos muito<br />
longe da verdade se apontarmos<br />
para calculismos políticos de<br />
circunstância e de vistas curtas<br />
que, por muito bem que pareçam<br />
momentaneamente a certas<br />
franjas da população, são verdadeiramente<br />
nocivos para o país<br />
como um todo.<br />
Não se pretende defender neste<br />
texto a existência de sistemas<br />
distorcivos da concorrência, que<br />
encoragem negócios ilegais, fuga<br />
aos impostos ou a entrada no<br />
nosso teritório de criminosos.<br />
Nada disso. O processo de autorizações<br />
e de monitorização<br />
deve ser o mais rigoroso possível.<br />
O desleixo a este nível<br />
será fatal para a capacidade<br />
futura para defender a existência<br />
destes regimes num modelo<br />
de concorrência não distorciva.<br />
E, se falharmos nesta parte tão<br />
importante, só nos poderemos<br />
queixar de nós próprios.<br />
77
Tributação Pessoal<br />
Retenção na fonte<br />
para colaboradores<br />
não residentes – quais<br />
as novidades?<br />
78<br />
SUSANA CONSTANTINO<br />
Senior Manager,<br />
People Advisory Services<br />
A Lei do Orçamento<br />
de Estado (“LOE”) para<br />
2019 veio contemplar<br />
novas medidas, para<br />
efeitos de retenção<br />
na fonte, no caso<br />
de rendimentos<br />
de trabalho<br />
dependente, bem<br />
como profissionais<br />
e empresariais (ainda<br />
que decorrentes de<br />
atos isolados), pagos<br />
a colaboradores<br />
não residentes fiscais<br />
em Portugal.<br />
Nestes termos, tais rendimentos<br />
não estão sujeitos a qualquer<br />
retenção na fonte até ao montante<br />
correspondente ao valor<br />
mensal da retribuição mínima<br />
mensal garantida (“RMMG”), na<br />
importância de € 600 mensais<br />
face ao ano de 2019, desde que<br />
i) os montantes auferidos resultem<br />
de trabalho ou de serviços<br />
prestados a uma única entidade,<br />
e que ii) o titular dos rendimentos<br />
comunique à entidade<br />
devedora dos mesmos que não<br />
auferiu ou aufere o mesmo tipo<br />
de rendimentos de outras entidades<br />
residentes em território<br />
português ou de estabelecimentos<br />
estáveis de entidades<br />
não residentes neste território.<br />
Caso tal não se verifique tais<br />
rendimentos serão sujeitos a<br />
retenção na fonte à taxa liberatória<br />
de 25%, a mesma sendo<br />
igualmente aplicável na parte<br />
que exceda o valor da RMMG<br />
quando tais condições se verifiquem.<br />
Em termos de comunicação, de<br />
notar que o colaborador já tinha<br />
a obrigação de comunicar à<br />
entidade pagadora qualquer alteração<br />
à sua situação pessoal<br />
que impacte a retenção na fonte<br />
a aplicar aos rendimentos auferidos,<br />
i.e. alteração do estatuto<br />
de residência, alteração do estado<br />
civil, alteração no número<br />
de dependentes a cargo, reconhecimento<br />
de uma deficiência<br />
fiscalmente relevante em<br />
qualquer membro do agregado<br />
familiar, bem como o número<br />
de titulares de rendimento, para<br />
casos em que o colaborador é<br />
casado.<br />
Adicionalmente, e no caso específico<br />
dos colaboradores considerados<br />
não residentes fiscais<br />
em Portugal haverá, ainda, a<br />
obrigação de comunicar à entidade<br />
pagadora, para efeitos de<br />
dispensa de retenção na fonte,<br />
que não auferiu ou aufere o<br />
mesmo tipo de rendimentos de<br />
outras entidades. A norma não<br />
prevê qualquer formalidade em<br />
termos de comunicação mas é<br />
recomendável uma declaração<br />
escrita onde seja evidenciado,<br />
de forma inequívoca, que tais<br />
colaboradores qualificam como<br />
não residentes fiscais em Portugal<br />
e que apenas auferem rendimentos<br />
de uma única entidade<br />
empregadora residente em território<br />
português ou de estabelecimento<br />
estável de entidade<br />
não residente.<br />
Caso contrário, ou seja, caso tal<br />
comunicação não seja efetuada,<br />
ou ainda, caso os rendimentos<br />
resultem de trabalho prestado<br />
a mais de uma entidade, deverá<br />
a entidade pagadora aplicar<br />
retenção na fonte, à taxa liberatória<br />
de 25%, à totalidade dos<br />
rendimentos colocados à disposição.<br />
Ainda se encontra por esclarecer,<br />
de forma inequívoca, se<br />
esta dispensa de retenção na<br />
fonte se traduz em isenção de<br />
IRS, i.e., dispensa de entrega de<br />
uma Declaração de IRS – Modelo<br />
3. A redação da norma parece<br />
indiciar que haverá, efetivamente,<br />
nestes casos e até ao limite<br />
acima mencionado, dispensa de<br />
tributação em sede de IRS, caso<br />
estejam reunidas as condições<br />
previstas na lei. No entanto, o<br />
artigo 72º do Código do IRS não<br />
foi ajustado em conformidade<br />
e dada a recente introdução da<br />
norma não existe, de momento,<br />
conhecimento do entendimento<br />
dos Serviços sobre esta matéria.
Tributação Pessoal<br />
Regime dos RNH – Nova<br />
tabela de Atividades de<br />
Elevado Valor Acrescentado<br />
JOÃO PANCADAS<br />
Senior Manager,<br />
People Advisory Services<br />
NUNO MARTINS<br />
Senior Consultant,<br />
People Advisory Services<br />
Foi recentemente<br />
publicada a Portaria<br />
n.º 230/2019 de<br />
23 de julho, que<br />
procede a alterações<br />
substanciais à<br />
tabela de atividades<br />
de Elevado Valor<br />
Acrescentado, no<br />
âmbito de aplicação<br />
do Regime<br />
dos Residentes<br />
Não Habituais.<br />
Esta profunda revisão da tabela<br />
de atividades é contextualizada<br />
pelo legislador como tendo por<br />
objetivo dar estímulos à atratividade<br />
de sectores específicos<br />
da economia que têm revelado<br />
dificuldades na contratação de<br />
trabalhadores com determinados<br />
perfis de competências e<br />
qualificações, pretendendo-se,<br />
com esta revisão, um maior alinhamento<br />
entre as atividades<br />
constantes da Portaria e o valor<br />
acrescentado para o mercado de<br />
trabalho nacional.<br />
No âmbito da revisão levada a<br />
cabo, o legislador opta igualmente<br />
por abandonar o modelo<br />
anterior de categorias de atividades,<br />
sem correspondência<br />
direta, baseada em códigos de<br />
atividades económicas (CAE),<br />
passando-se a adotar um modelo<br />
assente, com correspondência<br />
direta, em códigos da Classificação<br />
Portuguesa de Profissões<br />
(CPP).<br />
Da análise às atividades constantes<br />
da nova tabela de atividades,<br />
constata-se que existem<br />
atividades profissionais que deixam<br />
de constar da tabela (e.g.,<br />
Auditores, Consultores Fiscais,<br />
Psicólogos), passando a constar<br />
da mesma trabalhadores qualificados<br />
e orientados para o mercado,<br />
dos sectores da indústria,<br />
construção, agricultura, produção<br />
animal, entre outros.<br />
Por outro lado, a transição para<br />
o modelo assente nos códigos<br />
da CPP vem tornar mais claras as<br />
circunstâncias em que os quadros<br />
superiores, administradores<br />
e gestores de empresas (previstos<br />
no código 8 da Portaria n.º<br />
12/2010) podem qualificar como<br />
atividades de Elevado Valor<br />
Acrescentado.<br />
Adicionalmente, a Portaria n.º<br />
230/2019 passa a condicionar o<br />
reconhecimento de exercício de<br />
atividade de elevado valor acrescentado<br />
a trabalhadores possuidores,<br />
no mínimo, do nível 4 de<br />
qualificação do Quadro Europeu<br />
de Qualificações ou do nível 35<br />
da Classificação Internacional<br />
Tipo da Educação ou serem detentores<br />
de cinco anos de experiência<br />
profissional devidamente<br />
comprovada.<br />
A Portaria n.º 230/2019 prevê,<br />
ainda, a possibilidade de revisão<br />
da tabela de atividades de<br />
elevado valor acrescentado no<br />
prazo de três anos, em função da<br />
evolução económica do país.<br />
A Portaria n.º 230/2019 produz<br />
efeitos a partir de 01/01/2020,<br />
prevendo um regime transitório,<br />
que possibilita a opção pela<br />
anterior tabela de atividades<br />
(prevista na Portaria n.º 12/2010)<br />
em detrimento da nova tabela<br />
de atividades, para i) sujeitos<br />
passivos que a 01/01/2020 já se<br />
encontrem inscritos como Residentes<br />
Não Habituais, e para ii)<br />
sujeitos passivos cujos pedidos<br />
de inscrição se encontrem pendentes<br />
a 01/01/2020, bem como<br />
aqueles que submetam pedido<br />
de inscrição até 31/3/2020, com<br />
efeitos ao ano de 2019.<br />
Com efeito, este regime transitório<br />
permitirá aos sujeitos passivos,<br />
inscritos no regime dos Residentes<br />
Não Habituais em ano<br />
anterior ao de entrada em vigor<br />
da Portaria n.º 230/2019, a possibilidade<br />
de:<br />
i) Enquadrarem as respetivas<br />
atividades como de elevado valor<br />
acrescentado nos termos da<br />
tabela de atividades prevista na<br />
Portaria n.º 12/2010, até ao termo<br />
do período de gozo do seu estatuto<br />
de Residente Não Habitual;<br />
ii) Enquadrarem as respetivas<br />
atividades como de elevado valor<br />
acrescentado nos termos da<br />
tabela de atividades prevista na<br />
Portaria n.º 230/2019, de 2020<br />
adiante.<br />
79
Tributação Indireta
ANA BASTO<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
Tributação Indireta<br />
E quando a disponibilização<br />
de cartões de fornecimento<br />
de combustível afinal<br />
representa um serviço<br />
de financiamento…<br />
A disponibilização<br />
de cartões por uma<br />
empresa é uma<br />
realidade que nunca<br />
foi totalmente isenta<br />
de dúvidas no que<br />
respeita ao seu<br />
enquadramento em<br />
sede do Imposto sobre<br />
o Valor Acrescentado<br />
(“IVA”).<br />
Sendo que atualmente é pacífico<br />
que muitas destas realidades<br />
correspondem àquilo<br />
a que o Código do IVA designa<br />
por vales, cuja principal característica<br />
é a de conferirem ao<br />
seu titular o direito de obter,<br />
junto de transmitentes de bens<br />
ou de prestadores de serviços<br />
identificados, o fornecimento<br />
de uma ou de várias categorias<br />
de bens ou serviços. Quanto a<br />
estas realidades o IVA deve ser<br />
liquidado no momento em que<br />
os vales são cedidos, desde que<br />
os mesmos identifiquem todos<br />
os elementos necessários para<br />
a determinação do imposto<br />
devido no momento em que a<br />
cessão ocorre. Assim, um vale<br />
de fornecimento de combustível<br />
quando é cedido deverá ser<br />
sujeito a IVA, na medida em que,<br />
ainda que a cedência anteceda<br />
o próprio fornecimento do bem,<br />
nem por isso deixam de se verificar<br />
as condições necessárias<br />
para a liquidação do IVA, designadamente<br />
o conhecimento<br />
prévio do tipo de bem que será<br />
fornecido por contrapartida do<br />
vale. Mas nem sempre o que parece<br />
é, senão vejamos o que se<br />
passou recentemente com a decisão<br />
do Tribunal de Justiça da<br />
União Europeia que, no acórdão<br />
de 15.05.2019, referente ao processo<br />
C-235/18, entendeu que<br />
o fornecimento de cartões de<br />
combustível por uma empresa<br />
às suas filiais corresponde a um<br />
serviço financeiro isento de IVA.<br />
Vejamos então o que propugna<br />
o referido acórdão. A Vega International<br />
Car Transport and<br />
Logistics – Trading GmbH (Vega<br />
International) é uma empresa<br />
austríaca que exerce a atividade<br />
de transportador de veículos,<br />
sendo este serviço assegurado<br />
por diversas filiais com sede em<br />
diferentes países. Esta empresa<br />
gere o fornecimento a todas as<br />
suas filiais de cartões de combustível<br />
emitidos por diferentes<br />
fornecedores de combustível.<br />
Por razões de organização interna,<br />
todas as operações efetuadas<br />
através de cartões de<br />
combustível são centralizadas<br />
pela Vega International, que recebe,<br />
por intermédio das suas<br />
filiais, as faturas emitidas, com<br />
IVA, pelos fornecedores de combustível.<br />
Em seguida, no fim de<br />
cada mês, a Vega International<br />
re-fatura às suas filiais o combustível<br />
disponibilizado para o<br />
transporte dos veículos, acrescido<br />
de uma margem de 2%. Neste<br />
contexto, é essencial esclarecer<br />
se o fornecimento do combustível,<br />
i.e. a transferência do poder<br />
de dispor do combustível como<br />
proprietário, é efetuado à Vega<br />
International ou à sua filial e,<br />
consequentemente, determinar<br />
em que medida o exercício<br />
do direito à dedução apenas<br />
poderá ser exercido por quem<br />
efetivamente suporta os custos<br />
de entrega do combustível.<br />
Conclui o Tribunal que (i) a Vega<br />
International não dispõe do<br />
combustível de cuja compra solicita<br />
o reembolso do IVA como<br />
se fosse sua proprietária; (ii) o<br />
combustível é adquirido pela<br />
sua filial diretamente aos fornecedores;<br />
(iii) a filial é quem<br />
suporta igualmente a totalidade<br />
dos custos associados a essa<br />
aquisição, na medida em que<br />
a Vega International lhe fatura<br />
o combustível. Assim, entendeu<br />
este Tribunal que a Vega International<br />
não revende combustível<br />
(que na verdade não chegou<br />
a adquirir), mas antes presta um<br />
serviço financeiro às suas filiais<br />
que se caracteriza pelo financiamento<br />
antecipado de compra<br />
de combustível, mediante<br />
a disponibilização de cartões<br />
de combustível. Consequentemente,<br />
a Veja International fica<br />
preterida no exercício do direito<br />
à dedução do IVA incorrido com<br />
a aquisição do combustível. Note-se<br />
que o acórdão é omisso<br />
81
Tributação Indireta<br />
quanto à restrição do direito<br />
à dedução sobre despesas gerais<br />
da atividade da empresa.<br />
Por outro lado, nada é referido<br />
também quanto ao eventual caráter<br />
acessório, face ao volume<br />
de negócios da empresa, destas<br />
alegadas operações isentas - o<br />
que, para efeitos da aplicação<br />
do prorata para a determinação<br />
do direito à dedução do IVA incorrido<br />
nas despesas de utilização<br />
mista (para atividades que<br />
simultaneamente conferem e<br />
não conferem direito à dedução,<br />
como é o caso dos serviços<br />
financeiros com sejam as concessões<br />
de crédito), as mesmas<br />
seriam desconsideradas. É uma<br />
decisão judicial interessante e<br />
que permite clarificar uma temática<br />
importante mas que ainda<br />
assim deixa algumas dúvidas<br />
por esclarecer.<br />
A importância dos vales<br />
e a sua tributação em IVA<br />
82<br />
ANA BASTO<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
A partir de 1 de janeiro<br />
de 2019, todos os<br />
Estados membros<br />
da União Europeia<br />
deverão adotar regras<br />
de IVA uniformes em<br />
matéria de tributação<br />
de vales, mediante<br />
a transposição<br />
para as respetivas<br />
ordens jurídicas<br />
da Diretiva 2016/1065<br />
do Conselho,<br />
de 27 de junho<br />
de 2016 (Diretiva<br />
Vouchers).<br />
Neste sentido, e conforme resulta<br />
da Proposta de Lei do Orçamento<br />
do Estado para 2019 (PL<br />
OE 2019), o Código de IVA português<br />
passará a contemplar definições<br />
de vale e das suas tipologias,<br />
ou seja, Vale de Finalidade<br />
Única (VFU) e Vale Finalidade<br />
Múltipla (VFM), sendo de destacar<br />
que o principal critério diferenciador<br />
entre estes dois tipos<br />
de vale é o conhecimento ou não<br />
de todos os elementos necessários<br />
para a determinação do<br />
IVA devido no momento da sua<br />
emissão ou cessão (i.e., certeza<br />
quanto à natureza dos bens ou<br />
serviços titulados pelo voucher<br />
e sua localização, na medida em<br />
que poderão ser potencialmente<br />
aplicadas diferentes taxas de<br />
IVA). Ou seja, no caso da emissão<br />
e cessão de um VFU, o IVA é devido<br />
e exigível no momento em<br />
que ocorre cada cessão, como<br />
se de um pagamento antecipado<br />
pela aquisição de um bem ou<br />
serviço se tratasse. No caso da<br />
emissão e cessão de um VFM, o<br />
IVA é apenas devido e exigível no<br />
momento em que o sujeito passivo<br />
efetua a transmissão dos<br />
bens ou prestações dos serviços<br />
a que o vale diz respeito (ou seja,<br />
quando é possível aplicar a taxa<br />
de IVA correta aos bens ou serviços<br />
adquiridos). Até aqui, parecem<br />
não existir novidades, até<br />
porque a Autoridade Tributária<br />
e Aduaneira já seguia esta linha<br />
de entendimento em matéria de<br />
tributação de vales, amplamente<br />
divulgado em algumas informações<br />
vinculativas que, no entanto,<br />
podem não apresentar as<br />
soluções mais claras e eficientes<br />
do ponto de vista do fluxo de<br />
faturação e circuito documental<br />
que permitam assegurar, de<br />
forma inquestionável, a liquidação<br />
do IVA e o eventual direito<br />
à dedução deste imposto pelos<br />
adquirentes sujeitos passivos<br />
(uma vez que não se deverá ignorar<br />
a possibilidade, ainda que<br />
remota, de estes vales contemplarem<br />
realidades cujo IVA possa<br />
ser dedutível pelo sujeito passivo<br />
no âmbito da sua atividade).<br />
No entanto, é de destacar que,<br />
não obstante a Diretiva Vouchers<br />
ser expressamente omissa<br />
quanto ao facto de não visar as<br />
situações em que um VFM não é<br />
resgatado pelo consumidor final<br />
durante o seu período de validade,<br />
tendo o vendedor retido<br />
a contraprestação recebida por<br />
esse vale, o Código do IVA deverá<br />
passar a prever uma regra<br />
específica sobre a tributação ou<br />
não desta realidade. Ora, aparentemente,<br />
de acordo com a PL<br />
OE 2019, esta realidade deverá<br />
ser sujeita a IVA, no momento<br />
da caducidade do VFM. De facto,<br />
existem decisões do Tribunal<br />
de Justiça da União Europeia no<br />
sentido de um serviço comprado<br />
e não utilizado ser sujeito a IVA,<br />
destacando-se, por exemplo, o<br />
caso Air France (C-250/14), em<br />
que se concluiu que o valor pago<br />
por um bilhete de voo doméstico<br />
vendido por uma companhia<br />
aérea, mesmo que não seja uti-
Tributação Indireta<br />
Nos termos do Regulamento de<br />
Execução n.º 282/2011, de 15 de<br />
março, um sujeito passivo tem<br />
um estabelecimento estável para<br />
efeitos de IVA se este tiver um<br />
grau suficiente de permanência<br />
e uma estrutura adequada, em<br />
termos de recursos humanos e<br />
técnicos, que lhe permitam recelizado,<br />
deverá ser sujeito a IVA,<br />
porém, no momento em que o<br />
cliente adquire o bilhete e procede<br />
ao seu pagamento. Ora,<br />
neste caso, teríamos uma resposta<br />
compatível com um VFU<br />
não resgatado e caducado, mas<br />
eventualmente desajustada para<br />
o caso dos VFM não resgatados<br />
que tenham caducado. Pois,<br />
nestes casos, por razões intrínsecas<br />
à ausência de elementos<br />
necessários para a determinação<br />
do imposto devido, continua<br />
a não ser adequado que ocorra<br />
tributação em sede de IVA, no<br />
momento da caducidade do<br />
VFM, eventualmente à taxa de<br />
IVA mais gravosa “potencialmente”<br />
aplicável a um dos bens ou<br />
serviços subjacente a esse VFM,<br />
sendo, assim, discutível a possibilidade<br />
de não sujeição do IVA<br />
sobre estas operações.<br />
Toll manufacturing<br />
– presunção de<br />
estabelecimento estável<br />
para efeitos de IVA?<br />
CATARINA MATOS<br />
Diretor, Tax Services<br />
Com base nos princípios<br />
definidos no caso<br />
Welmory (C-605/12) do<br />
Tribunal de Justiça da<br />
União Europeia (TJUE),<br />
algumas administrações<br />
fiscais de outros Estados-<br />
Membros têm presumido<br />
a existência de um<br />
estabelecimento estável,<br />
para efeitos de IVA, nos<br />
casos em que existe<br />
um “toll manufacturing<br />
arrangement” (vulgo,<br />
acordo de fabrico por<br />
encomenda ou “trabalho<br />
a feitio”) – razão para<br />
preocupação?<br />
ber e utilizar os serviços que são<br />
prestados para as necessidades<br />
próprias desse estabelecimento.<br />
Com base na definição supra<br />
referida, algumas atividades<br />
desenvolvidas pelos prestadores<br />
de serviços no âmbito dos<br />
denominados “toll manufacturing<br />
arrangement” poderão ser<br />
suficientes para determinar que<br />
o Principal utiliza os recursos<br />
humanos e técnicos suficientes<br />
para criar um estabelecimento<br />
estável para efeitos de IVA.<br />
De facto, sempre que o fabricante<br />
disponibiliza serviços auxiliares,<br />
nomeadamente receção<br />
e inspeção de matérias primas,<br />
armazenagem, inventário, entre<br />
outras, pode considerar-se que<br />
os recursos humanos e técnicos<br />
do prestador de serviços serão<br />
atribuídos ao Principal, como tal,<br />
criando um estabelecimento estável<br />
para efeitos de IVA no país<br />
onde é prestado o serviço do toll<br />
manufaturer.<br />
Esta presunção tem como consequência<br />
imediata o facto de<br />
a prestação de serviços dever<br />
ser tributada em sede de IVA no<br />
Estado Membro onde é efetuado<br />
o serviço do toll manufaturer e<br />
não no país onde se encontra<br />
estabelecido o Principal, não<br />
obstante tal interpretação poder<br />
colidir com outros princípios estabelecidos<br />
pela jurisprudência<br />
do TJUE em matéria de estabelecimentos<br />
estáveis para efeitos<br />
de IVA.<br />
Com efeito, o Tribunal, no caso<br />
Welmory, não esclareceu questões<br />
relevantes que agora se colocam,<br />
nomeadamente, em que<br />
exatas circunstâncias os recursos<br />
humanos e técnicos de um<br />
determinado negócio deverão<br />
ser alocados a outro negócio e,<br />
nestes termos, configurar um estabelecimento<br />
estável na lógica<br />
do imposto.<br />
Em face do exposto, os operadores<br />
económicos deverão acompanhar<br />
a constante evolução do<br />
conceito de estabelecimento estável<br />
em sede de IVA e acautelar<br />
as possíveis implicações que o<br />
mesmo possa ter nos seus modelos<br />
de supply chain, fazendo<br />
sempre as análises necessárias<br />
para poder concluir, com razoável<br />
segurança, o impacto deste<br />
tipo de situações.<br />
83
Tributação Indireta<br />
DANIEL DE BOBOS-RADU<br />
Manager, Tax Services<br />
Mais de 40 anos<br />
após a criação do<br />
sistema comum do<br />
Imposto sobre o Valor<br />
Acrescentado (IVA), o<br />
Tribunal de Justiça da<br />
União Europeia (TJUE)<br />
está prestes a atingir o<br />
número-recorde de mil<br />
acórdãos em matéria<br />
deste imposto, o que,<br />
assumindo uma média<br />
de duas questões por<br />
cada reenvio prejudicial,<br />
se traduzirá em mais<br />
dois milhares de<br />
dúvidas interpretativas<br />
que o TJUE terá logrado<br />
clarificar (ou não).<br />
2019 é também um ano especial<br />
pela introdução de um sistema<br />
de IVA em Angola, podendo seguir-se,<br />
num futuro próximo, a<br />
introdução de um modelo de IVA<br />
em Timor-Leste. É, por isso, um<br />
ano propício para um balanço do<br />
passado e uma reflexão sobre o<br />
futuro do imposto na Europa e,<br />
para o que nos importa, no mundo<br />
lusófono.<br />
A respeito do binómio passado-futuro,<br />
é comum a classificação<br />
dos vários sistemas de IVA,<br />
atualmente adotados por mais<br />
de 166 países, em duas grandes<br />
categorias: o IVA Tradicional e o<br />
IVA Moderno. O primeiro grupo<br />
abarca os sistemas de IVA de<br />
pendor europeu, caracterizados<br />
pela aplicação de taxas múltiplas<br />
e por um catálogo mais ou<br />
Harmonização das<br />
legislações – Impostos sobre<br />
o volume de negócios –<br />
Sistema comum do Imposto<br />
sobre o Valor Acrescentado:<br />
matéria coletável uniforme<br />
menos extenso de isenções com<br />
caráter distorcivo (isenções incompletas,<br />
que não conferem o<br />
direito à dedução), ao passo que<br />
o segundo grupo engloba sistemas<br />
de IVA de taxa única e com<br />
um número de isenções reduzido<br />
e bem delimitado, caracterizados<br />
por uma redução significativa<br />
dos custos de cumprimento<br />
e de administração do imposto.<br />
Desta última perspetiva, poderse-ia<br />
afirmar que um dos impostos<br />
indiretos mais modernos da<br />
história terá sido a Centesima<br />
rerum venalium, que era de César<br />
e que consistia na liquidação<br />
de 1% sobre as vendas em leilão.<br />
Certamente, um nível elevado<br />
de densidade regulativa, traduzida<br />
na existência de várias<br />
normas excecionais (isenções),<br />
de diferentes taxas do imposto<br />
(com a implícita necessidade<br />
de manutenção de taxonomias<br />
coerentes), de mais de uma dezena<br />
de elementos de conexão<br />
nas regras de localização, faz do<br />
sistema comum do IVA um sistema<br />
normativo complexo. A essa<br />
complexidade acresce a vertente<br />
multinível, traduzida na articulação<br />
de cada um dos sistemas<br />
nacionais com o sistema comum.<br />
Não obstante, a ideia oposta,<br />
segundo a qual um sistema<br />
normativo com poucas normas<br />
seria sinónimo de simplicidade<br />
e modernidade, potenciando<br />
uma administração eficiente do<br />
imposto, também não é inteiramente<br />
verdadeira, porquanto a<br />
utilização de previsões genéricas<br />
poderá implicar uma maior<br />
discricionariedade por parte das<br />
administrações fiscais, a par do<br />
aumento da controvérsia fiscal.<br />
Todavia, independentemente<br />
das atuais reformas do sistema<br />
comum do IVA, a grande revolução<br />
a que estamos a assistir,<br />
neste e noutros tributos, passa<br />
pela substituição das linguagens<br />
naturais pelas linguagens<br />
artificiais, fruto da implementação<br />
de sistemas de informação<br />
no cumprimento e na administração<br />
do imposto. As linguagens<br />
artificiais irão possibilitar<br />
uma reorganização de todo o<br />
conhecimento que fomos adquirindo<br />
sobre o imposto, com<br />
fonte nos enunciados normativos<br />
e nas mil decisões do TJUE,<br />
que formam uma extensa rede<br />
de inferências lógicas e raciocínios<br />
de ponderação. E como<br />
a base de toda a linguagem<br />
normativa, natural ou artificial,<br />
é a lógica formal, esta passará<br />
a assumir um papel ainda mais<br />
preponderante no dia-a-dia de<br />
qualquer profissional, de tal<br />
forma que a definição de Pedro<br />
Hispano continua a aplicar-se<br />
na sua plenitude: a lógica é a<br />
arte das artes e a ciência das<br />
ciências porque detém o cami-<br />
84
Tributação Indireta<br />
nho para chegar aos princípios<br />
de todos os métodos.<br />
Quanto à implementação do IVA<br />
em Angola, como em qualquer<br />
reforma deste calibre, a busca<br />
pelo modelo perfeito assume as<br />
proporções de uma busca pelo<br />
Santo Graal da fiscalidade: a<br />
implementação de um imposto<br />
reditício, capaz de se gerir a si<br />
próprio, passando a fazer parte<br />
dos procedimentos standard das<br />
empresas. Uma forma de encarar<br />
a questão passa pela abordagem<br />
clássica do FMI, avaliando se os<br />
pré-requisitos de implementação<br />
se encontram verificados, a<br />
saber: um sistema fiscal simples,<br />
claro e estável, um serviço de cobrança<br />
eficiente, a simplicidade<br />
de procedimentos, um sistema de<br />
enforcement eficiente, a proporcionalidade<br />
das ações inspetivas,<br />
a existência de sanções efetivas<br />
e a qualidade da revisão judicial.<br />
Assim, no caso de Angola, para<br />
além da referida abordagem clássica,<br />
tomando como referência o<br />
quadro regulativo e institucional<br />
para alcançar o modelo de IVA<br />
mais adequado, a introdução de<br />
mecanismos de cumprimento e<br />
administração do imposto baseados<br />
nas novas tecnologias (v.g.,<br />
sistemas de faturação certificados<br />
e SAF-T) vem colmatar algumas<br />
insuficiências do sistema.<br />
Não obstante os tempos de mudança<br />
que também se avizinham<br />
na busca de um modelo de IVA<br />
para Timor-Leste e tomando em<br />
linha de conta todas as vantagens<br />
da digitalização na conceção<br />
de modelos tributários eficientes,<br />
impõe-se uma reflexão: não podemos<br />
esquecer que, de uma<br />
perspetiva financeira pública, o<br />
fundamento do sufrágio universal<br />
reside precisamente no chamamento<br />
de todos os cidadãos<br />
para a partilha de responsabilidades<br />
em matéria de angariação<br />
de receitas públicas. Nessa ótica,<br />
um sistema fiscal de pendor<br />
mecanicista não pode colocar de<br />
parte a importância da educação<br />
para a cidadania fiscal.<br />
Fisco condenado<br />
a devolver ISV sobre carros<br />
usados importados<br />
FRANCISCO CAIADO<br />
Manager, Tax Services<br />
Um recente decisão<br />
do CAAD (Centro<br />
de Arbitragem<br />
Administrativa) veio<br />
agitar o setor automóvel:<br />
a Autoridade Tributária<br />
e Aduaneira (AT) foi<br />
condenada (ainda não<br />
transitada em julgado)<br />
à devolução parcial<br />
do Imposto Sobre<br />
Veículos (ISV) cobrado<br />
na importação de um<br />
automóvel usado de<br />
outro Estado Membro<br />
(EM) da União Europeia<br />
(UE) (cfr. decisão<br />
proferida no Processo<br />
n.º 572/2018-T).<br />
No atual regime do Código do<br />
ISV, o cálculo do ISV compreende<br />
duas componentes: a cilindrada<br />
e a ambiental no que concerne<br />
às emissões de CO2. No que diz<br />
respeito à primeira, é sujeita a<br />
uma redução de valor relacionado<br />
com o número de anos<br />
de uso do veículo aquando da<br />
liquidação do imposto. A temática,<br />
porém, relaciona-se com a<br />
componente ambiental: já que<br />
a redução do valor do imposto é<br />
apenas considerada na componente<br />
cilindrada, não havendo<br />
qualquer objeto de redução no<br />
que toca à parcela ambiental.<br />
Esta desconsideração do número<br />
de anos do veículo na componente<br />
ambiental, cria um tratamento<br />
desigual na aplicação do<br />
imposto consoante se trate de<br />
veículos importados ou veículos<br />
nacionais, com efeitos discriminatórios<br />
(e desfavoráveis) nos<br />
veículos importados.<br />
A compatibilidade desta solução<br />
legislativa com o direito comunitário<br />
– nomeadamente com o<br />
disposto no artigo 110.º do Tratado<br />
de Funcionamento da União<br />
Europeia (TFUE) que estatui que<br />
“nenhum EM fará incidir, direta<br />
ou indiretamente, sobre os produtos<br />
dos outros EM´s imposições<br />
internas, qualquer que seja<br />
a sua natureza, superiores às<br />
que incidam, diretamente ou indiretamente<br />
sobre produtos nacionais<br />
similares” – levanta dúvidas<br />
quanto à legalidade desta<br />
solução legislativa nacional com<br />
o referido direito comunitário.<br />
Adicionalmente, o Ministério das<br />
Finanças veio recentemente comunicar<br />
a sua posição quanto à<br />
85
Tributação Indireta<br />
temática, informando que não<br />
apenas pretende manter a atual<br />
disposição em matéria de carros<br />
usados importados, como ainda<br />
entende recorrer da decisão proferida<br />
pelo CAAD.<br />
A principal linha de argumentação<br />
que está na base destas<br />
objeções segue o entendimento<br />
de que, sendo os veículos novos<br />
sujeitos à totalidade do imposto<br />
correspondente à componente<br />
ambiental, não haveria razão<br />
para um tratamento diferente<br />
com os veículos usados – sendo<br />
ainda estes quem produzem<br />
maior número de emissões de<br />
CO2.<br />
O problema, no entanto, não<br />
é endereçado: isto é, não foi a<br />
questão ambiental suis generis<br />
que esteve na base da decisão<br />
do CAAD, mas sim a já referida<br />
diferença de tratamento entre os<br />
veículos nacionais e importados<br />
de outros EM´s e a sua compatibilidade<br />
com o direito comunitário.<br />
A argumentação do Governo<br />
em prol da defesa do ambiente,<br />
apenas seria legitimada na circunstância<br />
em que a penalização<br />
ambiental recaísse sobre os<br />
veículos usados de origem nacional,<br />
em moldes semelhantes<br />
como já recai sobre os importados<br />
usados, o que não acontece.<br />
A necessidade de uma clara decisão<br />
jurisprudencial, em resposta<br />
ao recurso a ser apresentado<br />
pelo Estado Português a esta<br />
decisão do CAAD, é mais urgente<br />
que nunca, uma vez que diferentes<br />
diretrizes chegam aos contribuintes,<br />
não sendo ainda claro<br />
como será o futuro da tributação<br />
sobre veículos importados num<br />
dos mais fustigados setores pela<br />
fiscalidade em Portugal.<br />
A alteração no paradigma<br />
da mobilidade e a fiscalidade<br />
86<br />
JOÃO SOUSA<br />
Partner, Tax Services<br />
Agora que nos<br />
encontramos a iniciar<br />
o ano de 2019, importa<br />
chamar à atenção<br />
sobre o impacto<br />
que a fiscalidade<br />
pode ter na alteração<br />
acelerada do paradigma<br />
da mobilidade.<br />
No ano que agora finda, verificou-se<br />
um acréscimo face ao<br />
ano anterior nas vendas de veículos<br />
elétricos de 170%, acompanhando,<br />
de resto, a tendência<br />
iniciada em períodos anteriores,<br />
e as previsões são que daqui a<br />
seis anos se vão vender quinze<br />
vezes mais veículos eletrificados<br />
(elétricos e híbridos) do que<br />
hoje. Entretanto, algumas marcas<br />
já anunciaram datas para o fim<br />
dos motores de combustão interna,<br />
sendo inequívoco que o<br />
futuro dos automóveis vai passar<br />
pelos elétricos e híbridos.<br />
É, pois, caso para dizer que a<br />
aposta na comercialização e<br />
utilização deste tipo de viaturas<br />
se tem revelado um sucesso,<br />
embora o mesmo se deva, essencialmente,<br />
a um duplo vértice<br />
de fatores. Por um lado, a<br />
pressão exercida pela crescente<br />
preocupação ambiental, a qual<br />
tem vindo a ser materializada<br />
em diversos Estados-membros<br />
da União Europeia, por via da<br />
produção legislativa no sentido<br />
da proibição de circulação de<br />
viaturas movidas a combustíveis<br />
fósseis na denominada Zona de<br />
Emissões Reduzidas (ZER). Por<br />
outro lado, e também sob a égide<br />
da consciência ambiental,<br />
tem-se mantido ou até incrementado<br />
a carga fiscal sobre as<br />
viaturas movidas a combustíveis<br />
fósseis, enquanto simultaneamente<br />
se reduz ou isenta de tributação<br />
a aquisição e a utilização<br />
de veículos híbridos plug-in<br />
ou elétricos.<br />
É sobre este segundo eixo de<br />
medidas que aqui nos debruçamos,<br />
de entre vários aspetos<br />
fiscais inerentes à atribuição de<br />
viaturas ligeiras de passageiros<br />
(doravante “VLP”) a colaboradores.<br />
Desde logo, merece destaque,<br />
em sede de Imposto sobre<br />
o Rendimento das Pessoas Coletivas<br />
(“IRC”), o valor mais elevado<br />
de aquisição sobre o qual<br />
será aferida a aceitação fiscal<br />
dos gastos de amortização das
Tributação Indireta<br />
VLP’s (tanto no caso de aquisição<br />
como de locação), bem como<br />
a redução (no caso dos veículos<br />
híbridos plug-in) ou até a isenção<br />
(no caso dos veículos elétricos)<br />
das taxas de tributação<br />
autónoma aplicáveis aos encargos<br />
correspondentes a tal utilização.<br />
Não sendo novidade, esta<br />
situação pode ser revertida caso<br />
exista a transferência da propriedade<br />
da viatura para a esfera<br />
pessoal do colaborador, uma solução<br />
que resulta na isenção da<br />
tributação autónoma, mas que<br />
obriga a um acordo mútuo entre<br />
os colaboradores e empresas e<br />
potencialmente a uma compensação<br />
ao trabalhador pelo acréscimo<br />
da carga fiscal suportada<br />
na sua esfera privada.<br />
No mesmo sentido, em sede de<br />
Imposto sobre os Veículos (“ISV”)<br />
e de Imposto Único de Circulação<br />
(“IUC”), as viaturas híbridas<br />
plug-in e as viaturas elétricas<br />
usufruem de redução ou isenção<br />
destes impostos, respetivamente.<br />
E atenção que tanto<br />
o ISV como o IUC, sofrem novos<br />
aumentos para 2019, nos carros<br />
mais poluentes, em virtude do<br />
novo sistema de medição das<br />
emissões de CO2.<br />
Em sede de Imposto sobre o<br />
Valor Acrescentado (“IVA”), quer<br />
a aquisição quer a locação de<br />
viaturas híbridas plug-in ou de<br />
viaturas elétricas manifestam-se<br />
igualmente vantajosas face às<br />
viaturas movidas a combustíveis<br />
fosseis, uma vez que – e contrariamente<br />
a estas últimas - o<br />
IVA devido na aquisição ou nas<br />
rendas é dedutível, desde que o<br />
custo de aquisição das viaturas<br />
não seja superior a determinados<br />
limites.<br />
E enquanto os combustíveis<br />
mantêm o adicional de Imposto<br />
sobre os Produtos Petrolíferos<br />
(“ISP”), a eletricidade continua<br />
– por enquanto - a não ter qualquer<br />
imposto nesta área.<br />
Verificamos assim que, de um<br />
ponto de vista fiscal, a utilização<br />
de viaturas híbridas plug-in ou<br />
elétricas se revela particularmente<br />
vantajosa, decorrente da<br />
utilização pelos órgãos governamentais<br />
da política fiscal enquanto<br />
instrumento de proteção<br />
do ambiente e de consciencialização<br />
das empresas e dos particulares<br />
para esta problemática.<br />
Aliás, prova desta tendência era<br />
a Proposta de Lei do Orçamento<br />
do Estado para 2019, na qual se<br />
encontrava prevista o aumento<br />
das taxas de tributação autónoma<br />
aplicáveis aos encargos com<br />
as viaturas ligeiras de passageiros.<br />
Embora esta opção tenha<br />
sido chumbada, não constando<br />
assim da redação final do Orçamento<br />
do Estado para 2019, parece<br />
claro que será uma questão<br />
de tempo para a introdução no<br />
ordenamento jurídico-fiscal de<br />
medidas adicionais que visem<br />
o desincentivo à aquisição e<br />
utilização de viaturas movidas a<br />
combustíveis fosseis.<br />
Deste modo, as empresas terão a<br />
sua quota-parte na adaptação a<br />
esta mudança do paradigma da<br />
mobilidade, sendo que a parte<br />
fiscal será um claro fator crítico<br />
para o management das Empresas<br />
virem a considerar neste<br />
âmbito, dependendo a definição<br />
de novas politicas internas das<br />
circunstâncias especificamente<br />
aplicáveis.<br />
87
Tributação Indireta<br />
LILIANA PINHEIRO<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
VAT Quick Fixes – A<br />
simplificação da tributação<br />
em sede de IVA das<br />
transações comerciais entre<br />
Estados-Membros<br />
88<br />
SARA AZEVEDO<br />
Senior Consultant, Tax Services<br />
A partir de 2020<br />
deverá ser mais<br />
simples a realização<br />
de transações<br />
transfronteiriças<br />
entre operadores de<br />
diferentes Estados-<br />
Membros (EMs) da<br />
União Europeia (UE)<br />
– serão adotadas<br />
medidas<br />
de simplificação<br />
com impacto nas<br />
obrigações declarativas<br />
e de comprovação<br />
da realização<br />
das transações.<br />
A 7 de abril de 2016, a Comissão<br />
Europeia adotou um Plano<br />
de Ação sobre o IVA - “Rumo a<br />
um espaço único do IVA na UE”,<br />
destinado a simplificar o atual<br />
sistema do IVA na UE, tornando<br />
-o mais favorável às empresas e<br />
menos permeável à fraude<br />
As chamadas “Soluções Rápidas”/”Quick<br />
Fixes” fazem parte<br />
desse Plano de Ação e consistem<br />
em medidas de implementação<br />
no curto prazo, materializadas<br />
na Diretiva UE 2018/1910, do Conselho,<br />
de 4 de dezembro, a qual<br />
veio alterar a Diretiva 2006/112/<br />
CE, de 11 de Dezembro (“Diretiva<br />
IVA”) e no Regulamento de<br />
Execução UE Nº 2018/1912, de 7<br />
de dezembro que altera o Regulamento<br />
de Execução (UE) nº<br />
282/2011, de 23 de março (“Regulamento<br />
de Execução”). Os<br />
EM deverão assegurar a transposição<br />
atempada da referida<br />
Diretiva (UE) 2018/1910 para os<br />
respectivos ordenamentos jurídicos<br />
nacionais de modo a que<br />
os mesmos produzam efeitos já<br />
a partir de 1 de janeiro de 2020.<br />
As “Quick Fixes” versam sobre as<br />
seguintes quatro temáticas.<br />
1. A simplificação<br />
e harmonização das regras<br />
relativas às transações<br />
intracomunitárias em regime<br />
de consignação<br />
De modo a reduzir o tempo de<br />
entrega das mercadorias, dando<br />
uma mais rápida resposta às necessidades<br />
do mercado, os sujeitos<br />
passivos optam, não raras<br />
vezes, pela realização de vendas<br />
em regime de consignação. A utilização<br />
deste regime de vendas<br />
entre operadores de diferentes<br />
EM da UE determina, com frequência,<br />
a necessidade de registo<br />
para efeitos de IVA do fornecedor<br />
no EM de destino de bens<br />
(no qual o fornecedor detém um<br />
stock até que a propriedade dos<br />
bens se transfira para o cliente),<br />
para aí reportar a correspondente<br />
operação assimilada a<br />
uma aquisição intracomunitária<br />
de bens seguida de uma venda<br />
doméstica. Não obstante, vários<br />
EMs (nos quais Portugal não se<br />
inclui) dispõem já de mecanismos<br />
de simplificação (call-off<br />
stock) aplicáveis às vendas em<br />
regime de consignação, que poderão<br />
afastar essa necessidade<br />
de registo, verificadas que estejam<br />
determinadas condições.<br />
Porém, atualmente, essa simplificação<br />
utilizada por alguns<br />
países não decorre das normas<br />
constantes da Diretiva IVA, o que<br />
justifica a falta de harmonização<br />
das regras consideradas pelos<br />
vários EMs. As alterações à Diretiva<br />
IVA nesta matéria, através do<br />
aditamento do artigo 17º- A, visa<br />
a consagração do procedimento<br />
simplificado de call-off stock,<br />
sujeito a determinados requisitos<br />
e condições. Em face dessa<br />
alteração, poderá deixar ser<br />
exigido o registo para efeitos de
Tributação Indireta<br />
IVA dos sujeitos passivos vendedores<br />
no território de outros EMs<br />
onde efetue vendas em regime<br />
de consignação, traduzindo-se<br />
numa redução da carga burocrática<br />
e dos respetivos custos<br />
administrativos.<br />
2. A uniformização do<br />
tratamento em sede de IVA das<br />
transmissões intracomunitárias<br />
de bens em cadeia<br />
No caso das operações em cadeia<br />
(“supply chain”) em que se<br />
verifica a transmissão sucessiva<br />
de bens que são objeto de um<br />
único transporte intracomunitário,<br />
a circulação intracomunitária<br />
dos bens apenas poderá ser imputada<br />
a uma das entregas, que<br />
beneficiará da isenção de IVA<br />
prevista para as transmissões<br />
intracomunitárias de bens. Esta<br />
questão tem vindo a ser alvo de<br />
uma forte incerteza junto dos<br />
sujeitos passivos e das Autoridades<br />
Fiscais dos diferentes EMs, o<br />
que, para além de pôr em causa<br />
a segurança jurídica dos operadores,<br />
pode conduzir a situações<br />
de dupla tributação / não tributação.<br />
Tal incerteza decorre da<br />
inexistência de regulação dessas<br />
situações na Diretiva IVA.<br />
Na senda das novas normas comunitárias,<br />
a transpor pelos EMs<br />
antes de 1 de janeiro de 2020,<br />
prevê-se a consagração de uma<br />
regra de alocação do referido<br />
transporte intracomunitário e,<br />
consequentemente, a identificação<br />
da transação que será considerada<br />
transmissão intracomunitária<br />
de bens, beneficiando da<br />
isenção de IVA. Em traços gerais,<br />
quando o operador intermediário<br />
seja responsável pela organização<br />
do transporte, prevê-se<br />
que o transporte deverá ser<br />
imputado à entrega efetuada<br />
a esse operador intermediário<br />
(entrega do sujeito passivo A ao<br />
sujeito passivo B). Excecionamse<br />
desta regra, as situações em<br />
que o operador intermediário se<br />
encontre estabelecido no EM a<br />
partir do qual os bens são expedidos,<br />
e comunique ao fornecedor<br />
o seu número de IVA nesse<br />
EM, situação na qual o transporte<br />
será imputado à transmissão<br />
efetuada pelo operador intermediário<br />
ao seu cliente (entrega<br />
do sujeito passivo B ao sujeito<br />
passivo C).<br />
3. Registo no VIES do número<br />
de IVA do adquirente enquanto<br />
condição substantiva para<br />
a isenção da transmissão<br />
intracomunitária de bens<br />
A inscrição do adquirente no Sistema<br />
de Intercâmbio de Informações<br />
sobre o IVA (VIES), como forma de<br />
comprovação do seu registo para<br />
efeitos de IVA noutro EM e da inclusão<br />
num regime de tributação<br />
das aquisições intracomunitárias<br />
de bens passará a configurar um<br />
requisito substantivo (e não apenas<br />
formal) para a aplicação da<br />
isenção de IVA nas transmissões<br />
intracomunitárias de bens.<br />
4. Comprovação do transporte<br />
intracomunitário de bens, para<br />
efeitos da aplicação da isenção<br />
de IVA aplicável às transmissões<br />
intracomunitárias de bens<br />
Dada a inexistência de normas<br />
comunitárias que regulem o tipo<br />
de evidência e documentação<br />
que deve ser utilizada pelos sujeitos<br />
passivos para comprovar<br />
a expedição dos bens para fora<br />
do EM de origem com destino ao<br />
adquirente noutro EM, comprovação<br />
essa essencial para efeitos<br />
da isenção de IVA na transmissão<br />
intracomunitária de bens,<br />
são frequentes as situações de<br />
litigância entre os sujeitos passivos<br />
e as autoridades fiscais.<br />
No sentido de minimizar divergências<br />
de entendimentos e<br />
harmonizar os procedimentos, o<br />
Regulamento de Execução passa<br />
a contemplar a identificação do<br />
tipo de documentos que os sujeitos<br />
passivos deverão reunir para<br />
comprovar a expedição dos bens<br />
para o território de outro EM.<br />
Conforme decorre do acima<br />
descrito, a entrada em vigor das<br />
“Quick Fixes” comportará diversos<br />
desafios para as empresas<br />
envolvidas em operações transfronteiriças,<br />
que deverão, atempadamente,<br />
tomar medidas,<br />
tendo em vista a preparação<br />
dos seus sistemas e processos<br />
internos, bem como eventuais<br />
revisões de contratos com<br />
clientes e fornecedores e respetivo<br />
enquadramento em sede<br />
de IVA, de modo a assegurar o<br />
cumprimento das novas regras,<br />
que entrarão em vigor em 1 de<br />
janeiro de 2020.<br />
89
Tributação Indireta<br />
LILIANA PINHEIRO<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
Alguns meses volvidos<br />
desde a entrada em<br />
vigor da possibilidade de<br />
opção pelo pagamento<br />
do IVA devido pelas<br />
importações de bens<br />
na declaração periódica<br />
de IVA, a Autoridade<br />
Tributária e Aduaneira<br />
(AT), motivada pelas<br />
dúvidas suscitadas<br />
pelos contribuintes,<br />
veio pelo Ofício-<br />
Circulado n.º 30203, de<br />
4 de julho, disponibilizar<br />
esclarecimentos<br />
complementares<br />
relativamente aos<br />
requisitos de opção,<br />
ao cumprimento das<br />
obrigações declarativas<br />
e à regra de caducidade<br />
do direito à liquidação.<br />
Pagamento do IVA devido<br />
pelas importações de bens<br />
através da declaração<br />
periódica - esclarecimentos<br />
complementares pelo<br />
Ofício-Circulado n.º 30203,<br />
de 4 de julho de 2018<br />
No que respeita ao reporte nas<br />
declarações periódicas de IVA,<br />
apesar de ser suposto os campos<br />
18 (valor tributável da importação)<br />
e 19 (IVA liquidado)<br />
serem pré-preenchidos, é da<br />
responsabilidade do sujeito passivo<br />
a confirmação dos valores<br />
neles inscritos, por confronto<br />
com os elementos das declarações<br />
aduaneiras de importação<br />
do período a que respeita a declaração<br />
periódica de IVA, declarações<br />
de importação essas que<br />
devem estar na posse dos sujeitos<br />
passivos. Com efeito, a AT<br />
alerta para o facto de os valores<br />
pré-preenchidos poderem não<br />
refletir o valor tributável total<br />
das importações de bens e do<br />
correspondente IVA liquidado,<br />
realizadas no período a que respeita<br />
a declaração periódica de<br />
IVA, por falha na comunicação<br />
da informação necessária a esse<br />
preenchimento, por exemplo,<br />
por indisponibilidade temporária<br />
dos sistemas informáticos da<br />
AT ou do próprio operador económico.<br />
Caso a informação pré<br />
-preenchida não esteja correta,<br />
compete ao sujeito passivo alterar<br />
os valores pré-preenchidos,<br />
devendo munir-se e conservar<br />
os elementos que suportem a<br />
alteração e os novos valores indicados.<br />
Caso, por algum motivo,<br />
o valor tributável da importação<br />
venha a sofrer alteração, nomeadamente,<br />
em consequência de<br />
alteração dos elementos da declaração<br />
aduaneira de importação<br />
e a declaração periódica de<br />
IVA relativa a esse período de importação<br />
já tenha sido entregue<br />
com base nos valores da primeira<br />
declaração de importação, o<br />
sujeito passivo deverá proceder<br />
à retificação do valor tributável<br />
inicialmente reportado, mediante,<br />
entrega de uma declaração<br />
periódica de IVA de substituição<br />
para o período em que ocorreu a<br />
importação (ou seja, em que foi<br />
inicialmente aceite a declaração<br />
aduaneira de importação).<br />
Para efeitos do exercício do direito<br />
à dedução, o sujeito passivo<br />
deve estar na posse, em<br />
versão eletrónica ou física, de<br />
declaração aduaneira de importação,<br />
da qual conste identificado<br />
como importador (destinatário<br />
dos bens).<br />
A AT veio ainda dar nota de<br />
que, quando o sujeito passivo<br />
opte pelo pagamento do IVA<br />
devido na importação de bens<br />
na declaração periódica de IVA,<br />
o prazo de caducidade do direito<br />
à liquidação é de quatros<br />
anos, por força do disposto no<br />
artigo 94.º do Código do IVA e<br />
artigo 45.º e 46.º da Lei Geral<br />
Tributária, contrapondo com o<br />
prazo de caducidade do direito<br />
à liquidação do imposto de 3<br />
anos, a contar da data da constituição<br />
da dívida aduaneira,<br />
quanto o IVA seja pago junto<br />
dos serviços aduaneiros competentes<br />
(n.º 3 do artigo 28.º<br />
do Código do IVA), ou seja, nos<br />
casos em que o sujeito passivo<br />
não exerça a opção de pagamento<br />
do IVA na declaração<br />
periódica de IVA.<br />
90
Uma nova realidade<br />
para os Registos de IVA?<br />
Tributação Indireta<br />
PATRÍCIA TOMÉ<br />
Manager, Tax Services<br />
Foi publicado no<br />
passado dia 15 de<br />
fevereiro, o Decreto-<br />
Lei n.º 28/2019, que no<br />
âmbito do programa<br />
SIMPLEX+ visa promover<br />
a desmaterialização<br />
e desburocratização<br />
dos processos de<br />
emissão e arquivo de<br />
faturas pelas empresas,<br />
tendo-se procedido à<br />
consolidação e à revisão<br />
de algumas regras<br />
que se encontravam<br />
dispersas em diversa<br />
legislação.<br />
O artigo 4.º deste Diploma veio<br />
introduzir a incerteza no tema<br />
em referência. Os sujeitos passivos<br />
devem assegurar que as<br />
faturas sejam processadas por<br />
programas informáticos de faturação<br />
previamente certificados<br />
pela Autoridade Tributária<br />
e Aduaneira (AT) caso cumpram<br />
alguns requisitos, como seja o<br />
facto de disporem, com base no<br />
ano civil anterior, de um volume<br />
de negócios superior a 50.000<br />
Euros. Para efeitos desta regra,<br />
entende-se que são considerados<br />
como sujeitos passivos os<br />
que dispõem de sede, estabelecimento<br />
estável ou domicílio<br />
em território nacional e outros<br />
sujeitos passivos cuja obrigação<br />
de emissão de fatura se encontre<br />
sujeita às regras estabelecidas<br />
no artigo 35.º-A do Código<br />
do IVA. Esta última parte da<br />
norma vem sugerir que a regra<br />
passe a ser extensível a “outros<br />
sujeitos passivos”. E quais<br />
serão? Não sabemos! Por Despacho<br />
do Secretário de Estado<br />
dos Assuntos Fiscais, de 1 de<br />
março de 2019, também nada se<br />
clarificou quanto à natureza dos<br />
sujeitos passivos abrangidos<br />
por esta realidade, tendo sido<br />
apenas mencionado que seria<br />
aplicável aos sujeitos passivos<br />
que anteriormente não estavam<br />
a tal obrigados e que passariam<br />
a ter que fazê-lo a partir de 1<br />
de julho de 2019. Ora volvidos<br />
praticamente quatro meses,<br />
a incerteza subsiste quanto à<br />
obrigação ou não de terem os<br />
registos de IVA de cumprir com<br />
esta regra. A anterior legislação,<br />
a Portaria n.º 363/2010, de 23 de<br />
junho, limitava de forma explícita<br />
a aplicação das regras aí<br />
vertidas indicando que apenas<br />
se encontravam abrangidos os<br />
“sujeitos passivos de imposto<br />
sobre o rendimento das pessoas<br />
singulares (IRS) ou de imposto<br />
sobre o rendimento das<br />
pessoas coletivas (IRC)”. A legislação<br />
atual vem apresentar esta<br />
lacuna e leva-nos a crer que o<br />
tema possa não ter sido equacionado.<br />
Veja-se que a figura<br />
do registo de IVA, como a conhecemos<br />
por força das regras<br />
Europeias em matéria deste<br />
imposto, determina que as entidades<br />
não estabelecidas que<br />
realizem operações em território<br />
português fiquem obrigadas<br />
a cumprir com todas as obrigações<br />
fiscais inerentes a esse<br />
estatuto. Não obstante, não se<br />
afigura razoável, no plano fiscal,<br />
alargar o âmbito de aplicação<br />
destas novas regras aos registos<br />
de IVA que, mesmo sendo<br />
sujeitos passivos deste imposto,<br />
não dispõem de qualquer estrutura<br />
que lhes permita, de um<br />
ponto de vista prático, cumprir<br />
de forma adequada com esta<br />
obrigação. Sabemos que estas<br />
novas tendências fiscais visam a<br />
transparência e a inovação, mas<br />
na realidade, mesmo que de<br />
forma indireta, podem acabar<br />
por criar limitações ao investimento<br />
estrangeiro em Portugal.<br />
E verdade seja dita que, com<br />
obrigações fiscais desmedidas e<br />
desproporcionais, estas entidades<br />
acabarão por escolher outros<br />
destinos fiscalmente mais<br />
atrativos. Fica assim a nota de<br />
que o mercado aguarda ansiosamente<br />
uma clarificação por<br />
parte da AT quanto a este tema.<br />
91
Tributação Indireta<br />
Imposto Único de Circulação<br />
92<br />
AMÍLCAR NUNES<br />
Associate Partner, Tax Services<br />
O Imposto Único<br />
de Circulação (IUC)<br />
é devido anualmente<br />
pelos proprietários de<br />
veículos e até ao final<br />
do mês de aniversário<br />
da respetiva matrícula.<br />
Ainda que seja possível efetuar<br />
o pagamento devido a partir do<br />
início do mês anterior ao da matrícula,<br />
permitindo, assim, evitar<br />
muitos dissabores para quem<br />
seja uma dor de cabeça manter-se<br />
no trilho dos pagamentos<br />
atempados ao Estado, melhor<br />
ainda seria beneficiar de uma<br />
isenção de IUC. Se já sabe que<br />
o montante de imposto é calculado<br />
em função da cilindrada e<br />
emissões de CO2 de cada tipologia<br />
de veículo, então, fique agora<br />
também a conhecer quais as<br />
isenções existentes.<br />
Regra geral, o rol de isenções de<br />
IUC previstas na Lei assenta ora<br />
nas características dos veículos,<br />
ora na condição do proprietário,<br />
as chamadas condições objetivas<br />
e subjetivas respetivamente.<br />
Pela sua importância, destaquese<br />
logo, em primeiro lugar, a<br />
isenção de IUC para indivíduos<br />
portadores de deficiência cujo<br />
grau de incapacidade seja igual<br />
ou superior a 60% e que sejam<br />
proprietários de veículos das<br />
categorias A e E, ou mesmo da<br />
categoria B desde que a emissão<br />
de CO2 seja até 180g/km e cujo<br />
montante de IUC não ultrapasse<br />
os 240€.<br />
Por outro lado, também as instituições<br />
particulares de solidariedade<br />
social se encontram<br />
isentas do pagamento deste<br />
imposto.<br />
Há isenções “para muitos gostos<br />
e feitios”, ou até mesmo<br />
nacionalidades! Por exemplo,<br />
encontram-se isentos de IUC os<br />
cidadãos de outro Estado-Membro<br />
cujos veículos, pese embora<br />
permaneçam em território nacional<br />
por um período superior<br />
a 183 dias, se encontrem matriculados<br />
naquela outra jurisdição<br />
e preencham os requisitos exigíveis<br />
para beneficiar do regime de<br />
admissão temporária. Esta isenção<br />
de IUC aproveita igualmente<br />
os trabalhadores transfronteiriços<br />
que residam em Espanha e<br />
se desloquem regularmente no<br />
trajeto de ida e volta entre a sua<br />
residência e o local de trabalho<br />
situado em Portugal.<br />
Em pormenor, estão isentos de<br />
IUC (total ou parcialmente) as<br />
seguintes situações:<br />
l Automóveis e motociclos ditos<br />
“Clássicos” que com mais de 20<br />
anos e constituindo peças de<br />
museus públicos sejam objeto<br />
de uso ocasional e não efetuem<br />
deslocações anuais superiores a<br />
500 km;<br />
l Veículos não motorizados, exclusivamente<br />
elétricos ou movidos<br />
a energias renováveis não<br />
combustíveis, veículos especiais<br />
de mercadorias sem capacidade<br />
de transporte, ambulâncias,<br />
veículos funerários e tratores<br />
agrícolas;<br />
l Veículos da categoria B que<br />
possuam um nível de emissão<br />
de CO2 até 180g/km e veículos<br />
da categoria A, que se destinem<br />
ao serviço de aluguer com condutor<br />
(letra «T») ou ao transporte<br />
em táxi;<br />
l Veículos declarados perdidos<br />
a favor do Estado, abandonados<br />
ou apreendidos no âmbito de<br />
um processo-crime, enquanto<br />
durar a apreensão;<br />
l Veículos das equipas de sapadores<br />
florestais, da administração<br />
central, regional, local e das<br />
forças militares e de segurança,<br />
os adquiridos pelas associações<br />
humanitárias de bombeiros ou<br />
câmaras municipais para o cumprimento<br />
de missões de proteção,<br />
socorro, assistência, apoio e<br />
combate a incêndios, atribuídas<br />
aos seus corpos de bombeiros e<br />
outros veículos propriedade de<br />
Estados estrangeiros, missões<br />
diplomáticas e consulares, organizações<br />
internacionais ou agências<br />
europeias especializadas e<br />
respetivos funcionários;<br />
l Os automóveis de mercadorias<br />
e automóveis de utilização mista<br />
com peso bruto superior a 2500<br />
kg, afetos ao transporte particular<br />
de mercadorias/ao transporte<br />
por conta própria ou ao transporte<br />
público de mercadorias/<br />
transporte por conta de outrem,<br />
ou aluguer sem condutor que<br />
possua essas finalidades, autorizados<br />
ou licenciados para o<br />
transporte de grandes objetos<br />
(categoria D) ou que efetuem<br />
transporte exclusivamente na<br />
área territorial de uma região<br />
autónoma (categorias C e D),<br />
gozam de uma redução de 50%<br />
de IUC.
Tributação Indireta<br />
Imposto sobre Veículos (ISV)<br />
Ao abrigo de um princípio de<br />
equivalência, o Imposto sobre<br />
Veículos (ISV) onera os contribuintes<br />
na medida da incorporação<br />
dos custos associados à<br />
utilização de um veículo motorizado,<br />
seja em matérias ambientais,<br />
seja ao nível do desgaste<br />
das infraestruturas rodoviárias<br />
ou mesmo dos custos sociais<br />
inerentes à sinistralidade resultante<br />
da circulação rodoviária.<br />
É nesta medida que se compreende<br />
que, ainda que o seu<br />
pagamento ocorra uma única<br />
vez, os casos de suspensão de<br />
imposto, mas sobretudo de isenção<br />
de ISV, sejam reduzidos.<br />
Como não podia deixar de ser, as<br />
isenções de ISV, parciais ou totais,<br />
aplicam-se a veículos utilizados<br />
em funções de autoridade,<br />
de utilidade pública e serviços<br />
de táxi, Enquadram-se nestas<br />
funções os veículos adquiridos<br />
para atividades operacionais da<br />
Autoridade Nacional de Proteção<br />
Civil, veículos adquiridos em estado<br />
novo para forças militares,<br />
militarizadas e de segurança,<br />
abandonados ou perdidos a favor<br />
do Estado, bem como veículos<br />
automóveis, com lotação<br />
igual ou superior a sete lugares,<br />
incluindo o do condutor, adquiridos<br />
pelos municípios e freguesias<br />
para transporte de crianças<br />
em idade escolar do ensino básico<br />
ou funções operacionais das<br />
equipas de sapadores florestais.<br />
Com a Lei do Orçamento do Estado<br />
para 2018, foi ainda alargada<br />
aos veículos adquiridos pelas<br />
corporações de Bombeiros para<br />
efeito das suas funções, a isenção<br />
já existente para os veículos<br />
das equipas de sapadores florestais<br />
pelo Instituto da Conservação<br />
da Natureza e das Florestas,<br />
I. P.. Para as restantes situações,<br />
mantém-se a isenção (ou redução<br />
parcial de imposto) de imposto<br />
quanto:<br />
l Aos veículos para transporte<br />
coletivo com lotação de nove<br />
lugares, adquiridos em estado<br />
novo, por instituições particulares<br />
de solidariedade social,<br />
cooperativas e associações de<br />
e para pessoas com deficiência<br />
com o estatuto de organização<br />
não-governamental que, em<br />
qualquer caso, possuam um nível<br />
de emissão de CO2 até 180<br />
g/km;<br />
l Aos automóveis ligeiros de<br />
passageiros e de utilização mista<br />
que se destinem ao serviço de<br />
aluguer com condutor, introduzidos<br />
no consumo e que apresentem<br />
até quatro anos de uso,<br />
contados desde a atribuição da<br />
primeira matrícula e respetivos<br />
documentos, e não tenham níveis<br />
de emissão de CO2 superiores<br />
a 160 g/km, podendo neste<br />
caso aplicar-se uma redução<br />
de até 70% do montante do ISV<br />
devido;<br />
l Aos veículos destinados ao uso<br />
próprio de pessoas com deficiência<br />
motora (maiores de 18 anos),<br />
ao uso de pessoas com multideficiência<br />
profunda, pessoas com<br />
deficiência que se movam exclusivamente<br />
apoiadas em cadeiras<br />
de rodas (em que mediante declaração<br />
de incapacidade se admitem<br />
para os veículos níveis de<br />
emissão de CO2 até 180g/km), de<br />
pessoas com deficiência visual e<br />
com deficiência das Forças Armadas,<br />
desde que o nível de CO2<br />
seja até 160 g/km e o montante<br />
da isenção não exceda os 7.800€;<br />
l À aquisição de veículos de automóveis<br />
ligeiros de passageiros<br />
com lotação superior a 5 lugares,<br />
por famílias numerosas, cujo<br />
nível de emissão de CO2 seja<br />
igual ou inferior a 150 g/kg, e o<br />
montante da isenção não exceda<br />
os 7.800€, sendo nesta situação<br />
possível de beneficiar de uma<br />
redução até 50% do montante<br />
de ISV devido.<br />
Não podendo ficar alheio às<br />
alterações do paradigma económico-social<br />
do país, a Lei do<br />
Orçamento do Estado para 2018<br />
introduziu duas novas isenções<br />
em sede de ISV correspondentes,<br />
respetivamente, a 40% do<br />
montante de imposto na introdução<br />
no consumo de automóveis<br />
ligeiros de passageiros e de<br />
utilização mista que se destinem<br />
ao exercício de atividades de<br />
aluguer sem condutor, mediante<br />
o cumprimento de determinados<br />
requisitos, bem como quanto a<br />
veículos adquiridos por via sucessória<br />
por um residente em<br />
território nacional a um residente<br />
noutro Estado-Membro<br />
ou país terceiro, os quais podem<br />
agora ser introduzidos no consumo<br />
com isenção de ISV, mediante<br />
o cumprimento de certas<br />
formalidades.<br />
Foi ainda eliminada a obrigatoriedade<br />
de obtenção de um<br />
certificado de residência oficial<br />
onde conste a data do início<br />
e cessação da residência para<br />
efeitos de reconhecimento da<br />
isenção por transferência de<br />
residência, reduzindo-se, também,<br />
de 12 para 6 meses, o período<br />
mínimo de residência para<br />
efeitos de aplicação da isenção<br />
de ISV dos veículos transmitidos<br />
em vida ou em morte em caso<br />
de transferência de residência<br />
de outro Estado-Membro ou país<br />
terceiro.<br />
Mas atenção: em caso de transferência<br />
de residência e tal como<br />
ocorre quanto a funcionários<br />
diplomáticos e consulares portugueses<br />
ou da União Europeia,<br />
entre outros, a isenção de ISV<br />
apenas é aplicável a um automóvel<br />
ou motociclo por beneficiário.<br />
93
Tributação Indireta<br />
O aguardado incentivo<br />
à produção cinematográfica<br />
e audiovisual nacional<br />
94<br />
ALEXANDRA SILVA<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
O Decreto-Lei<br />
nº45/2018, de 19 de<br />
junho, publicado<br />
na sequência da<br />
autorização legislativa<br />
incluída na Lei do<br />
Orçamento do Estado<br />
para 2018 (OE 2018”),<br />
veio constituir o<br />
Fundo de Apoio ao<br />
Turismo e ao Cinema,<br />
que inclui uma<br />
vertente de incentivo<br />
não só à produção<br />
cinematográfica, como<br />
também à produção<br />
audiovisual.<br />
Este incentivo surge assim como<br />
um instrumento que pretende<br />
reforçar a competitividade de<br />
Portugal enquanto local de produção<br />
cinematográfica e audiovisual,<br />
ao estimular a atividade<br />
dos produtores e coprodutores<br />
nacionais e ao contribuir para<br />
atração da realização de produções<br />
estrangeiras para o nosso<br />
país, promovendo internacionalmente<br />
a imagem do mesmo.<br />
Como tal, este sistema de incentivos<br />
beneficia não só empresas<br />
residentes em território nacional,<br />
como também empresas<br />
não residentes com estabelecimento<br />
estável em Portugal.<br />
O incentivo é aplicável a obras<br />
cinematográficas destinadas a<br />
uma exploração inicial em salas<br />
de cinema comerciais, obras<br />
audiovisuais de produção independente<br />
para difusão televisiva,<br />
e obras de ficção, animação ou<br />
documentários para exploração<br />
através de serviços de comunicações<br />
eletrónicas.<br />
Com a criação deste Fundo foi<br />
revogado o benefício fiscal existente,<br />
com o objetivo de o substituir<br />
por um novo regime, que se<br />
espera mais favorável, através da<br />
implementação de um sistema<br />
de reembolso de despesas de<br />
produção (cash rebate).<br />
Em termos objetivos, as empresas<br />
beneficiárias têm agora a<br />
possibilidade de obter apoio financeiro<br />
para obras produzidas<br />
total ou parcialmente em Portugal,<br />
podendo o mesmo variar<br />
entre 25% a 30% do total das<br />
despesas elegíveis. Para tal, são<br />
consideradas elegíveis despesas<br />
incorridas com o pagamento de<br />
remunerações ao pessoal afeto<br />
à produção, honorários pagos a<br />
prestadores de serviços, compra<br />
de materiais, equipamentos e<br />
serviços fornecidos por empresas,<br />
desde que os fornecedores<br />
tenham sede, direção efetiva ou<br />
estabelecimento estável no nosso<br />
país.<br />
O reforço deste regime de incentivos<br />
através do OE 2018,<br />
segue a tendência verificada<br />
nos restantes países europeus<br />
com regimes similares de apoio<br />
à produção audiovisual. Para o<br />
ano 2019, está ainda previsto na<br />
Proposta de Lei do Orçamento<br />
do Estado, que os sujeitos passivos<br />
no exercício da atividade<br />
de produção cinematográfica e<br />
audiovisual, desenvolvida com o<br />
apoio do Fundo de Apoio ao Turismo<br />
e ao Cinema, beneficiem<br />
da isenção da tributação autónoma<br />
relativamente aos encargos<br />
que suportem com viaturas<br />
ligeiras de passageiros, viaturas<br />
ligeiras de mercadorias, motos e<br />
motociclos.<br />
Sendo um incentivo previsto nas<br />
regras de auxílios de estado da<br />
União Europeia, este regime reflete<br />
os objetivos de promoção<br />
cultural e do património, excelência<br />
artística e diversidade,<br />
bem como o estímulo à indústria<br />
europeia de produção cinematográfica<br />
e audiovisual.
Tributação<br />
do Imobiliário
Tributação do Imobiliário<br />
Terrenos para construção<br />
e o AIMI: Crónica<br />
de uma morte anunciada<br />
96<br />
BRUNA MELO<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
A discussão remonta<br />
ao final de 2016, altura<br />
em que a criação<br />
de um novo imposto,<br />
o Adicional ao IMI<br />
(AIMI) ou, para alguns,<br />
o “imposto Mortágua”,<br />
é aprovado pelo<br />
Parlamento<br />
em conjunto<br />
com o Orçamento<br />
do Estado para 2017.<br />
Sucessor da verba 28 do Imposto<br />
do Selo (aplicável sobre os imóveis<br />
de luxo de valor superior a<br />
um milhão de euros), este novo<br />
imposto foi pensado para incidir<br />
sobre as pessoas singulares<br />
e coletivas (e ainda heranças<br />
indivisas) que sejam proprietários<br />
ou detenham determinados<br />
direitos (por exemplo, usufruto),<br />
sobre prédios urbanos em Portugal.<br />
O objetivo da introdução do<br />
AIMI no nosso já complexo sistema<br />
fiscal foi anunciado como<br />
uma medida de forte impacto<br />
positivo: promover a equidade<br />
fiscal, através da tributação das<br />
pessoas e empresas com maior<br />
capacidade contributiva revelada<br />
pela detenção de imóveis.<br />
Algumas vozes mais à direita<br />
prontamente reclamaram a necessidade<br />
de estímulo à atividade<br />
económica, premente à data<br />
da discussão e posta em causa<br />
pelo novo imposto. Reconhecendo<br />
o mérito ao então invocado<br />
objetivo extrafiscal, depressa o<br />
legislador se propôs a excluir<br />
do âmbito do AIMI os prédios<br />
urbanos classificados como<br />
«comerciais, industriais ou para<br />
serviços» (excluindo porém do<br />
imposto, não as empresas com<br />
atividades económicas produtivas,<br />
industriais ou fabris, que em<br />
regra não são proprietárias mas<br />
apenas arrendatárias deste tipo<br />
de imóveis, mas sim as sociedades<br />
e fundos imobiliários que<br />
detêm este tipo de imóveis para<br />
a respetiva exploração) e como<br />
«outros», de entre uma lista que<br />
inclui ainda prédios urbanos<br />
classificados como “habitacionais”<br />
e “terrenos para construção”.<br />
Depressa esta norma de exclusão<br />
se tornou o epicentro de<br />
um tornado de discussões jurídicas<br />
e fonte de um número avultado<br />
de litígios entre a Autoridade<br />
Tributária e Aduaneira (AT) e<br />
os contribuintes, que reclamaram<br />
desde cedo que da exclusão<br />
do AIMI abrangesse igualmente<br />
os terrenos para construção de<br />
prédios que se destinassem a<br />
comércio, indústria ou serviços.<br />
Para este efeito invocaram, entre<br />
outros argumentos, a necessidade<br />
de a norma de exclusão do<br />
AIMI ser interpretada de forma<br />
extensiva, de modo a abranger<br />
não apenas os prédios urbanos<br />
classificados como «comerciais,<br />
industriais ou para serviços»<br />
mas também, em linha com a<br />
alegada intenção do legislador,<br />
os terrenos destinados à construção<br />
desses mesmos prédios.<br />
Isto sob pena de a norma preconizar<br />
um tratamento discriminatório<br />
injustificado entre as primeiras<br />
e segundas situações em<br />
desconformidade com os princípios<br />
constitucionalmente protegidos<br />
da igualdade e capacidade<br />
contributiva, especialmente por<br />
os prédios no estágio de terrenos<br />
para construção serem indiciadores<br />
de menor capacidade<br />
contributiva que aqueles que<br />
estejam já edificados.<br />
A AT tem vindo naturalmente a<br />
indeferir as pretensões dos contribuintes,<br />
considerando que foi<br />
intenção expressa e consciente<br />
do legislador a de incluir no âmbito<br />
de aplicação do AIMI determinados<br />
prédios suscetíveis de<br />
integrar o ativo das empresas,<br />
como sejam os terrenos para<br />
construção, e que a liquidação<br />
do imposto deve atender à natureza<br />
do prédio à data relevante<br />
para a tributação e não a uma<br />
potencial edificação futura.<br />
Foi com bons olhos que o mercado<br />
recebeu as primeiras decisões<br />
dos tribunais arbitrais<br />
(CAAD) favoráveis ao contribuinte,<br />
ainda em 2017, na sequência<br />
dos recursos por estes interpostos<br />
das decisões da AT, as quais<br />
defenderam a necessidade de<br />
interpretação extensiva da norma<br />
que determina a exclusão de<br />
determinados prédios do AIMI,<br />
por forma a nela abranger os<br />
terrenos para construção de prédios<br />
afetos a comércio, indústria<br />
e serviços.<br />
Na medida em que as decisões<br />
do CAAD recaíram sobre questões<br />
de inconstitucionalidade<br />
das normas que enformam o<br />
AIMI, suscitadas pelos contri-
Tributação do Imobiliário<br />
buintes, cedo se antecipou a necessária<br />
intervenção do Tribunal<br />
Constitucional (TC) na matéria.<br />
Chamado a pronunciar-se sobre<br />
a compatibilidade do AIMI com a<br />
Constituição, considerou recentemente<br />
o TC (no seu Acórdão nº<br />
299/2019), que, na definição do<br />
âmbito de incidência do imposto,<br />
o legislador recorreu às espécies<br />
de prédios urbanos previstas<br />
na lei, considerando irrelevante<br />
a concreta utilização dada aos<br />
mesmos. Considera ainda o TC<br />
que, nos casos de terrenos para<br />
construção de prédios afetos a<br />
comércio, indústria ou serviços,<br />
o nexo de ligação dos mesmos<br />
ao desenvolvimento de uma atividade<br />
económica não se encontra<br />
estabelecido tão cabalmente<br />
como nos casos de prédios já<br />
edificados e afetos àqueles fins,<br />
pelo que, não estando em causa<br />
situações equiparáveis, não<br />
pode colher o argumento de que<br />
as normas em causa violam os<br />
princípios da igualdade e capacidade<br />
contributiva.<br />
Esta decisão marca a saída vitoriosa<br />
da AT na discussão que<br />
tem por vindo a ser protagonizada<br />
sociedades imobiliárias, fundos<br />
de investimento imobiliário<br />
e bancos, os quais se vêm agora<br />
obrigados a pagar AIMI sobre os<br />
terrenos para construção de que<br />
são proprietários, caso ainda<br />
não o tenham feito.<br />
Adiados ficam os reclamados<br />
alívio da carga fiscal das empresas,<br />
a promoção do investimento<br />
doméstico e estrangeiro e os estímulos<br />
à regeneração do tecido<br />
imobiliário português. Fica por<br />
saber se os impactos extrafiscais<br />
deste imposto e da sua extensão<br />
são compensados pela receita<br />
fiscal por si gerada. Espera-se<br />
que as contas não sejam feitas<br />
tarde de mais.<br />
As recentes alterações<br />
ao Regime das Sociedades<br />
de Investimento<br />
e Gestão Imobiliária<br />
HÉLDER MATIAS<br />
Associate Partner, Tax Services<br />
No passado<br />
dia 4 de setembro,<br />
foi publicada<br />
a Lei n.º 97/2019, que<br />
procede à primeira<br />
alteração do regime<br />
das sociedades<br />
de investimento<br />
e gestão imobiliária<br />
(SIGI) aprovado<br />
pelo Decreto-Lei<br />
n.º 19/2019,<br />
de 28 de janeiro.<br />
Este diploma veio introduzir<br />
diversas alterações, das quais<br />
destacamos as que impactam o<br />
objeto social e a clarificação do<br />
regime fiscal aplicável a estas<br />
entidades.<br />
Em primeiro lugar, destacamos a<br />
clarificação de que o objeto social<br />
das SIGI é apenas o arrendamento,<br />
ainda que em sentido<br />
amplo, eliminando-se a referência<br />
a outras formas de exploração<br />
económica do imóvel. Determina-se<br />
assim que as SIGI têm<br />
por objeto a aquisição de direitos<br />
sobre imóveis para arrendamento<br />
abrangendo este “formas<br />
contratuais atípicas que incluam<br />
prestações de serviços necessárias<br />
à utilização do imóvel”.<br />
Do mesmo modo, estabelece-se<br />
que as SIGI podem exercer a sua<br />
atividade mediante a aquisição<br />
de participações em outras SIGI<br />
ou em sociedades com sede em<br />
território português ou em outro<br />
Estado-Membro da União Europeia<br />
ou do Espaço Económico<br />
Europeu. Assim, as SIGI deixam<br />
de estar obrigadas a exercer a<br />
sua atividade exclusivamente<br />
mediante a aquisição direta de<br />
ativos, abrindo-se a possibilidade<br />
de procederem à aquisição<br />
de sociedades que operem no<br />
setor imobiliário, opção essa<br />
que, em determinadas situações,<br />
se poderá revelar fiscalmente<br />
mais eficiente, mas acima de<br />
tudo traz uma nova flexibilidade<br />
de atuação a quem opta por este<br />
tipo de veículos de investimento.<br />
No que concerne ao regime fiscal,<br />
é de notar que, aquando da<br />
publicação do Decreto-Lei n.º<br />
19/2019, de 28 de janeiro, ape-<br />
97
Tributação do Imobiliário<br />
sar de expectável que lhes fosse<br />
aplicável o regime dos Organismos<br />
de Investimento Coletivo<br />
(OIC), o legislador não o havia<br />
referido expressamente, sendo<br />
que a única referência ao regime<br />
fiscal constava do preâmbulo.<br />
Ora, com a publicação da Lei n.º<br />
97/2019, de 4 de setembro, clarifica-se<br />
que, em regra, às SIGI é<br />
aplicável o regime fiscal previsto<br />
nos artigos 22.º e 22.º - A do<br />
Estatuto dos Benefícios Fiscais<br />
(EBF). Não obstante, clarifica-se<br />
que nos casos dos rendimentos<br />
resultantes da alienação onerosa<br />
de direitos reais sobre imóveis<br />
por SIGI, a exclusão de tributação<br />
prevista nestes artigos<br />
apenas será aplicável quando<br />
os imóveis tiverem sido detidos<br />
para arrendamento, abrangendo<br />
formas contratuais atípicas<br />
que incluam prestações de serviços<br />
necessárias à utilização do<br />
imóvel, durante pelo menos três<br />
anos.<br />
Adicionalmente, foram ainda<br />
consagradas outras regras destinadas<br />
a clarificar o tratamento<br />
fiscal devido tanto aos participantes,<br />
bem como às SIGI, caso<br />
se verifique a perda de qualidade<br />
de SIGI, cessando a aplicação<br />
do regime previsto no EBF.<br />
Em face do acima exposto, entendemos<br />
que estas alterações<br />
e clarificações, fazendo a aproximação<br />
à realidade internacional<br />
de veículos de investimento semelhantes,<br />
são um passo firme<br />
no sentido de reforçar a credibilidade<br />
da SIGI como uma forma<br />
de investimento atrativa no mercado<br />
imobiliário português.<br />
Imóveis: as razões<br />
para o diferente tratamento<br />
entre Lda e SA<br />
98<br />
HÉLDER MATIAs<br />
Associate Partner, Tax Services<br />
Nos termos do artigo<br />
2.º, n.º 2, al. d) do<br />
Código do Imposto<br />
Municipal sobre as<br />
Transmissões Onerosas<br />
de Imóveis (“IMT”),<br />
este imposto incide<br />
sobre a “aquisição de<br />
partes sociais ou de<br />
quotas nas sociedades<br />
em nome coletivo, em<br />
comandita simples ou<br />
por quotas, quando tais<br />
sociedades possuam<br />
bens imóveis, e quando<br />
por aquela aquisição,<br />
(…) algum dos sócios<br />
fique a dispor de, pelo<br />
menos, 75% do capital<br />
social, ou o número de<br />
sócios se reduza a dois<br />
casados ou unidos de<br />
facto”.<br />
Esta norma (em moldes similares)<br />
é aplicável desde 1959. Nasceu<br />
como uma regra antiabuso, tendo<br />
como principal objetivo impedir<br />
que as famílias em vez de comprar<br />
diretamente os imóveis comprassem<br />
sociedades que detivessem<br />
imóveis, obviando, por esta via, a<br />
tributação em SISA (hoje IMT) que<br />
incidia no caso da transmissão direta<br />
desses imóveis.<br />
Como resulta da sua redação,<br />
esta norma não se aplica (nem<br />
nunca se aplicou) a Sociedades<br />
Anónimas (“SA”). O motivo histórico<br />
desta exclusão prendeu-se<br />
com o facto das SA em Portugal<br />
serem poucas e de grande dimensão,<br />
onde raramente se observavam<br />
operações de evasão<br />
fiscal relacionadas com SISA. Cerca<br />
de 60 anos depois, o mundo e<br />
o contexto económico (e também<br />
fiscal) mudaram substancialmente,<br />
mas a referida regra fiscal continua<br />
exatamente a ser a mesma.<br />
Assim sendo, ao longo dos anos,<br />
o mercado em busca de vantagens<br />
competitivas e de eficiência<br />
fiscal, ajustou-se para contornar<br />
a tributação aplicável às Lda,<br />
tornando-se comum a constituição<br />
de sociedades imobiliárias<br />
sob a forma legal de SA ou a conversão<br />
em SA das que não o são<br />
ab initio em momento anterior a<br />
alterações acionistas.<br />
Ainda que sem sucesso, a conversão<br />
de Lda em SA já foi inclusive<br />
questionada pela Autoridade<br />
Tributária e Aduaneira, ao<br />
abrigo da cláusula geral antiabuso<br />
prevista no artigo 38.º da Lei<br />
Geral Tributária, com o argumento<br />
de que tais operações seriam<br />
realizadas unicamente com o<br />
propósito de obtenção de vantagens<br />
fiscais. Note-se ainda que<br />
a legislação fiscal tende a não<br />
distinguir a natureza jurídica das<br />
sociedades e que esta é uma das<br />
diferenças de tratamento fiscal<br />
mais visíveis entre SA e Sociedades<br />
por Quotas (“Lda”).
Tributação do Imobiliário<br />
Em face do exposto, se o objetivo<br />
se cinge a impedir situações de<br />
abuso no mercado de habitação<br />
para particulares entendemos<br />
que o mesmo continua a ser<br />
atingido, na medida em que os<br />
custos de constituição / manutenção<br />
de uma SA tornam (hoje<br />
à semelhança de 1959) essa opção<br />
ineficiente na generalidade<br />
das situações. Todavia, para o<br />
mundo empresarial, esta regra<br />
tornou-se apenas mais uma variável<br />
de contexto, decidindo os<br />
investidores entre SA e Lda, consoante<br />
os custos de estrutura<br />
adicionais de uma SA se antecipem<br />
mais baixos do que a tributação<br />
em IMT que seria aplicada<br />
no caso de aquisição de quotas<br />
de uma Lda.<br />
Em nosso entender, uma eventual<br />
regra antiabuso nesta área,<br />
caso a mesma se justifique, teria<br />
que passar não pelo tratamento<br />
diferenciado em função da qualificação<br />
jurídica das sociedades<br />
envolvidas mas, por exemplo,<br />
por uma regra que pondere a<br />
relevância dos imóveis no total<br />
de ativos dessa sociedade, à<br />
semelhança do que se encontra<br />
previsto em outras regras<br />
do normativo jurídico–tributário<br />
português (v.g. artigo 51.º-C n.º<br />
4 do Código do Imposto sobre o<br />
Rendimento das Pessoas Coletivas<br />
e artigo 27.º n.º 3 b) do Estatuto<br />
dos Benefícios Fiscais).<br />
Tributação de mais-valias<br />
com a alienação<br />
de sociedades<br />
com ativos imobiliários<br />
JORGE CUNHAL<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
O investimento no<br />
mercado imobiliário<br />
em Portugal continua<br />
a bater recordes.<br />
Neste contexto, importa<br />
realçar que a estrutura<br />
societária utilizada<br />
por investidores no<br />
mercado imobiliário<br />
em Portugal poderá<br />
afetar, de forma<br />
decisiva, a tributação<br />
que incidirá sobre<br />
uma futura venda da<br />
sociedade que detém<br />
os imóveis, dependendo<br />
da afetação que é dada<br />
aos mesmos.<br />
Com efeito, a legislação fiscal<br />
portuguesa isenta de IRC as<br />
mais-valias realizadas por entidades<br />
não residentes com a<br />
transmissão onerosa de partes<br />
sociais de entidades residentes<br />
em território português. No entanto,<br />
tal isenção de tributação<br />
não é aplicável em determinadas<br />
situações, nomeadamente<br />
quando o ativo da sociedade<br />
alienada seja maioritariamente<br />
composto por bens imóveis<br />
situados em Portugal. Uma<br />
isenção de IRC similar abrange<br />
as mais-valias realizadas por<br />
entidades residentes com a<br />
transmissão onerosa de partes<br />
sociais, cumpridos que estejam<br />
determinados requisitos,<br />
não sendo também aplicável<br />
quando o ativo da sociedade<br />
alienada seja maioritariamente<br />
composto por bens imóveis cá<br />
situados. Contudo, o regime que<br />
vigora para as entidades residentes,<br />
contrariamente ao estabelecido<br />
para as não residentes,<br />
prevê uma exceção que permite<br />
manter a isenção de IRC caso<br />
os bens imóveis da sociedade<br />
alienada se encontrem afetos<br />
a uma atividade de natureza<br />
agrícola, industrial ou comercial<br />
que não consista na compra e<br />
venda de bens imóveis.<br />
Resumindo, aquando do desinvestimento<br />
em sociedades imobiliárias<br />
em Portugal, os investidores<br />
não residentes são discriminados<br />
negativamente face aos investidores<br />
residentes, porquanto aos<br />
primeiros é vedada a isenção de<br />
IRC nas mais-valias eventualmente<br />
apuradas, sendo tal isenção<br />
mantida para os segundos desde<br />
que os imóveis detidos pela sociedade<br />
estejam afetos a atividades<br />
económicas que não consistam<br />
na compra e venda de bens<br />
imóveis.<br />
Importa ainda notar que alguns<br />
investidores não residentes poderão<br />
beneficiar de isenção de<br />
99
Tributação do Imobiliário<br />
IRC por força da aplicação da<br />
Convenção para Evitar a Dupla<br />
Tributação (“CDT”) celebrada<br />
entre o país de residência da<br />
sociedade alienante e Portugal,<br />
caso exista, na medida em<br />
que algumas dessas CDTs atribuem<br />
competência exclusiva<br />
de tributação das mais-valias<br />
ao país de residência da entidade<br />
alienante. Não obstante,<br />
nestes casos, será necessário<br />
avaliar com a devida cautela<br />
a robustez e substância da estrutura<br />
utilizada, bem como o<br />
seu racional económico, à luz<br />
das novas regras e princípios<br />
fiscais internacionais introduzidos<br />
pela iniciativa BEPS (“Base<br />
Erosion and Profit Shifting”) da<br />
OCDE e que estão a ser transpostos<br />
para a legislação fiscal<br />
portuguesa e CDTs celebradas<br />
por Portugal.<br />
Fiscalidade do arrendamento:<br />
causa ou efeito?<br />
100<br />
PAULO MENDONÇA<br />
Partner, Tax Services<br />
O regime legal do<br />
arrendamento de<br />
imóveis, principalmente<br />
nas cidades, é um tema<br />
fraturante. Envolve<br />
uma das necessidades<br />
básicas dos cidadãos<br />
(alojamento) com<br />
proteção constitucional,<br />
mas as opções que<br />
têm sido seguidas<br />
no que respeita à<br />
sua regulamentação<br />
acabam por, de uma ou<br />
outra forma, suscitar<br />
problemas sociais<br />
complexos.<br />
Veja-se a discussão recente sobre<br />
a lei das rendas e, muito em<br />
particular, o potencial aumento<br />
que as mesmas vão sofrer em<br />
função do rendimento dos inquilinos<br />
(com as salvaguardas<br />
previstas para os inquilinos idosos,<br />
por exemplo). Ao mesmo<br />
tempo levantam-se as vozes de<br />
apoio e contra o atual regime<br />
dos despejos.<br />
É certo que, neste momento,<br />
existe uma conjugação de fatores<br />
que complicam, ainda mais,<br />
uma análise objetiva do problema:<br />
Portugal, de repente, tornou-se<br />
um destino privilegiado<br />
para quadros empresariais e<br />
reformados estrangeiros, a que<br />
não será alheio o regime fiscal<br />
dos residentes não habituais,<br />
e para pessoas que procuram<br />
acesso ao Espaço Schengen<br />
muitas vezes com recurso ao<br />
regime dos vistos Gold, entre<br />
outros efeitos. Ora, a atratividade<br />
do mercado residencial<br />
com preços ainda relativamente<br />
em conta, pelo menos quando<br />
comparados com outros países,<br />
o clima e a segurança do nosso<br />
país criaram as condições para<br />
uma procura que, frequentemente,<br />
excede a oferta.<br />
Não espanta que se acelerem<br />
os processos de gentrificação,<br />
a conversão de unidades habitacionais<br />
em hotéis e em alojamento<br />
local e que os preços,<br />
tanto para a compra como para o<br />
arrendamento, sofram aumentos<br />
significativos.<br />
Especificamente no que respeita<br />
ao arrendamento, colocam-se<br />
em cima da mesa soluções que<br />
visam aumentar os direitos dos<br />
inquilinos e que implicam alterações<br />
à atual lei das rendas.<br />
Outros avançam com alterações<br />
ao regime fiscal no sentido de<br />
dar um incentivo aos proprietários<br />
para estes poderem, se não<br />
reduzir, pelo menos manter, os<br />
valores das rendas exigidas aos<br />
inquilinos.<br />
Adquirir ou manter um imóvel<br />
destinado a arrendamento<br />
implica custos significativos. O<br />
proprietário adquire o imóvel<br />
e paga IMT, Imposto do Selo e<br />
custos legais e notariais, depois<br />
paga IMI (e, eventualmente, o<br />
adicional ao IMI) e a sua quota<br />
parte nos custos do condomínio.<br />
Se decidir arrendar paga IRS<br />
à taxa de 28%.<br />
Não é certo, num contexto de<br />
elevada procura e menor oferta,<br />
que uma solução de dinamização<br />
do arrendamento, leia-se<br />
controlo do valor das rendas ou<br />
aumento da duração dos contra-
Tributação do Imobiliário<br />
tos, por via de uma redução da<br />
taxa de IRS incidente sobre as<br />
rendas auferidas pelos proprietários,<br />
atinja o objetivo proposto.<br />
Tal poupança, naturalmente,<br />
será absorvida, sem qualquer<br />
impacto no valor da renda, pelo<br />
senhorio com vista a compensar<br />
os demais custos que tem que<br />
suportar.<br />
Provavelmente, iniciativas como<br />
a que a Câmara Municipal de<br />
Lisboa recentemente apresentou<br />
no sentido de aumentar a oferta,<br />
através da disponibilização<br />
para arrendamento de imóveis<br />
pertencentes ao Estado, em zonas<br />
centrais e a preços controlados,<br />
com eventual prioridade<br />
para idosos e famílias de menor<br />
rendimento, terá um efeito mais<br />
duradouro e efetivo no nivelamento<br />
da oferta e da procura e,<br />
em última instância, dos preços.<br />
Pagamentos por conta<br />
e o setor imobiliário<br />
PEDRO FUGAS<br />
Partner, Tax Services<br />
As entidades que<br />
exercem, a título<br />
principal, atividade<br />
de natureza comercial,<br />
industrial ou agrícola,<br />
bem como as não<br />
residentes com<br />
estabelecimento<br />
estável em Portugal,<br />
têm de proceder ao<br />
pagamento do Imposto<br />
sobre o Rendimento<br />
das Pessoas Coletivas<br />
(“IRC”).<br />
Ou seja:<br />
(i) Em 3 pagamentos por conta<br />
(“PC”), com vencimento até 31<br />
de julho, 30 de setembro e 15 de<br />
dezembro (ou se adotarem um<br />
período fiscal diferente do ano<br />
civil, até ao final dos 7.º e 9.º<br />
meses e dia 15 do 12.º mês);<br />
(ii) Até 31 de maio (ou se adotarem<br />
um período fiscal diferente<br />
do ano civil, até ao final do 5.º<br />
mês) do ano seguinte, pela diferença<br />
que existir entre o IRC total<br />
calculado na sua declaração de<br />
rendimentos e os PC realizados.<br />
Os PC são calculados com base<br />
em 80% ou 95% do IRC liquidado<br />
pelo sujeito passivo no período<br />
de tributação imediatamente<br />
anterior àquele a que se devam<br />
realizar esses PC (líquidos de retenções<br />
na fonte sofridas nesse<br />
período), consoante o seu volume<br />
de negócios nesse mesmo<br />
período seja igual ou inferior a<br />
€500.000 ou superior a este valor,<br />
respetivamente.<br />
Se o sujeito passivo verificar, pelos<br />
elementos de que disponha,<br />
que o PC já efetuado é igual ou<br />
superior ao imposto que será<br />
devido com base na matéria coletável<br />
do período de tributação,<br />
pode deixar de efetuar o 3.º PC.<br />
Ora, muitos grupos económicos<br />
que operam no setor imobiliário<br />
esgotam a atividade das sociedades<br />
que constituem (com o<br />
propósito específico de desenvolverem<br />
e promoverem um projeto<br />
imobiliário específico) num<br />
determinado período de tributação<br />
(relativamente ao qual pagam<br />
os seus impostos) e vêm-se<br />
obrigados a manter essas mesmas<br />
sociedades, sem qualquer<br />
operação ou geração de rendimento,<br />
durante um ou mais anos<br />
após terminarem a sua atividade,<br />
por diversos motivos. Entre<br />
esses motivos refira-se, a título<br />
de exemplo, questões de garantia<br />
de obra, direito a reembolso<br />
de IMT no âmbito de projeto de<br />
reabilitação urbana (cujo direito<br />
depende do reconhecimento<br />
municipal, o que, em termos<br />
práticos, pode demorar mais de<br />
um ano), reembolsos de IVA, entre<br />
outros.<br />
Atendendo ao acima exposto,<br />
as sociedades acima referidas<br />
que tenham esgotado a sua<br />
atividade em 2018 e pago o seu<br />
IRC em maio de 2019 (aquando<br />
da submissão da respetiva declaração<br />
anual de rendimentos<br />
Modelo 22), ainda que não tenham<br />
qualquer atividade nem<br />
venham a registar qualquer<br />
rendimento em 2019, mas que<br />
não possam ser liquidadas,<br />
101
Tributação do Imobiliário<br />
pelos motivos acima indicados<br />
(entre outros), antes do final<br />
de julho ou setembro de 2019,<br />
terão, ainda assim, de realizar<br />
os 1.º e 2.º PC em 2019 com<br />
base no IRC que pagaram por<br />
referência a 2018. Não obstante<br />
estes PC poderem ser reembolsados<br />
no ano seguinte, aquando<br />
da submissão da respetiva<br />
declaração anual de rendimentos<br />
(i.e. em maio de 2020), estas<br />
sociedades vêm-se obrigadas<br />
a dispor de fundos para pagar<br />
um imposto que não seá devido<br />
em termos finais, sem que<br />
possam limitar esses mesmos<br />
PC, o que despoleta problemas<br />
de tesouraria para os grupos<br />
económicos que operam em<br />
Portugal neste setor específico<br />
de atividade. Neste sentido, faria<br />
algum sentido que para casos<br />
particulares como este que<br />
se acabou de descrever que o<br />
legislador pudesse ponderar a<br />
introdução de uma regra que<br />
permitisse limitar a realização<br />
dos 1.º e 2.º PC, à semelhança<br />
do que já ocorre para o 3.º PC.<br />
Penalização da manutenção<br />
de imóveis devolutos em<br />
zonas de pressão urbanística<br />
102<br />
RICARDO CORREIA<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
As alterações<br />
que se têm vindo<br />
a observar, ao nível<br />
do enquadramento<br />
do Imposto Municipal<br />
sobre Imóveis (IMI),<br />
afiguram-se com<br />
enorme relevância tanto<br />
para os contribuintes<br />
como para as<br />
autarquias.<br />
Entre estas, conta-se a título de<br />
exemplo, as alterações, do prazo<br />
de liquidação, dos valores a partir<br />
dos quais os pagamentos podem<br />
ser fracionados, do aumento do<br />
valor do metro quadrado incluído<br />
na determinação do Valor Patrimonial<br />
Tributário (VPT), sobre o<br />
qual recai a taxa do IMI.<br />
Neste contexto, e mais recentemente,<br />
o Decreto-Lei n.º 67/2019,<br />
de 21 de maio, veio contemplar<br />
também a possibilidade de as<br />
autarquias agravarem a taxa do<br />
IMI em vigor para os imóveis devolutos.<br />
Este novo diploma legal veio introduzir<br />
diversas novidades, em<br />
primeiro lugar, pela alteração ao<br />
Código do IMI (aprovado pelo<br />
Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12<br />
de novembro), possibilitando às<br />
autarquias elevar ao sêxtuplo<br />
as taxas do imposto em vigor,<br />
e agravarem em 10% por cada<br />
ano subsequente, os prédios<br />
urbanos ou frações autónomas<br />
devolutos há mais de dois anos.<br />
Recorde-se que as autarquias<br />
apenas podiam elevar para o triplo<br />
as taxas do IMI em vigor para<br />
os prédios urbanos que estivessem<br />
devolutos há mais de um ano.<br />
Em segundo lugar, veio alterar o<br />
Decreto-Lei nº 159/2006 de 8 de<br />
agosto, de forma a melhor caracterizar<br />
o conceito de prédio<br />
devoluto, para efeitos da aplicação<br />
da taxa do IMI. Neste sentido,<br />
passa a considerar-se como<br />
devoluto, não só os prédios que<br />
não possuam contratos de fornecimento<br />
de água e eletricidade,<br />
mas também os prédios, onde<br />
se verifique, cumulativamente,<br />
consumos de água e eletricidade<br />
reduzidos (não excedendo<br />
em um ano, 7 m3 para água e 35<br />
kWh para eletricidade). De notar,<br />
que se mantém a atribuição da<br />
classificação de devoluto pela<br />
autarquia, após vistoria, onde se<br />
avaliam os indícios e as exceções<br />
previstas no novo diploma legal<br />
(as quais também foram ampliadas<br />
na revisão agora efetuada).<br />
Em terceiro lugar, altera-se igualmente<br />
a forma de cooperação<br />
das autarquias com outras entidades,<br />
dado que as empresas<br />
de telecomunicações, de gás, e<br />
eletricidade e água passam a ser<br />
obrigadas a enviar para as autarquias,<br />
até ao dia 1 de outubro
Tributação do Imobiliário<br />
de cada ano, uma lista atualizada<br />
da ausência de contratos de<br />
fornecimento ou de consumos<br />
baixos. Até ao presente momento,<br />
esta informação era disponibilizada<br />
apenas após solicitação<br />
escrita da autarquia (e apenas<br />
referente à existência ou não de<br />
contratos de fornecimento).<br />
Em quarto lugar, estipula-se ainda<br />
que o agravamento das taxas<br />
do IMI para os prédios devolutos<br />
irá circunscrever-se a imóveis localizados<br />
em zonas de pressão<br />
urbanística. O conceito de zona<br />
de pressão urbanística passa a<br />
estar associado a zonas de difícil<br />
acesso à habitação, quer pela<br />
falta de oferta, quer pelos preços<br />
praticados (superior ao suportável<br />
pela generalidade dos agregados<br />
familiares face aos seus<br />
rendimentos). A delimitação em<br />
concreto de uma zona de pressão<br />
urbanística irá basear-se em indicadores<br />
objetivos detalhados<br />
no Decreto-Lei agora aprovado,<br />
com base nos quais, e após proposta<br />
da autarquia, deve ser aprovada<br />
em assembleia municipal.<br />
De facto, a implementação da<br />
nova legislação vai implicar a<br />
criação ou reforço de competências<br />
das autarquias em termos<br />
de análise e tratamento de dados,<br />
bem como a adoção de tecnologias<br />
de suporte para a gestão<br />
dos processos dos imóveis<br />
enquadrados neste contexto.<br />
A exigência será elevada, dada<br />
a necessidade de análise e tratamento<br />
de múltiplos indicadores<br />
para determinar as zonas<br />
de pressão urbanística, onde os<br />
imóveis (já cadastrados ou a cadastrar)<br />
devem ser mapeados.<br />
Em seguida, deverá ser possível<br />
receber e analisar uma enorme<br />
quantidade de dados de consumo<br />
de telecomunicações, de gás,<br />
de eletricidade e água, dos vários<br />
operadores, respeitantes aos vários<br />
imóveis, e ter capacidade<br />
de despoletar vistorias e agregar<br />
dados inerentes às mesmas<br />
(que vão refletir um conjunto de<br />
parâmetros e exceções de acordo<br />
com a lei, que permitirá uma<br />
tomada de decisão objetiva). Por<br />
último, deve ser considerada a<br />
integração com os processos de<br />
notificações do sujeito passivo<br />
do IMI, bem como de outros processos<br />
já existentes de suporte à<br />
gestão dos imóveis da autarquia.<br />
A adoção ou reforço de tecnologia<br />
e processos de gestão enquadrados<br />
neste contexto assume<br />
uma natureza crítica, para<br />
garantir às autarquias maior<br />
eficiência e eficácia, tanto mais<br />
que o IMI é um dos impostos<br />
fundamentais e que mais receita<br />
gera para as autarquias.<br />
Por outro lado, os contribuintes,<br />
decorrente de todas as alterações<br />
que têm vindo a ocorrer,<br />
também devem proceder de forma<br />
regular a uma avaliação das<br />
várias condicionantes que afetam<br />
o VPT e o IMI dos seus imóveis.<br />
E tal como nas autarquias,<br />
a necessidade de adoção de tecnologias<br />
e de novos processos<br />
orientados à gestão é proporcional<br />
à quantidade de imóveis que<br />
dispõem e gerem.<br />
Compra para revenda<br />
em IMI: Ventos de mudança<br />
no horizonte?<br />
TIAGO ROSA<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
A tenacidade admirável<br />
do esforço português<br />
para colocar Portugal<br />
na vanguarda do<br />
investimento imobiliário<br />
é, indiscutivelmente,<br />
admirada pelos<br />
investidores internacionais<br />
e amplamente aplaudida<br />
pela indústria.<br />
Não obstante, o período de<br />
graça que se vive atualmente<br />
ao nível deste setor em particular<br />
torna-o, por vezes, um<br />
alvo apetecível no que se refere<br />
ao ímpeto de arrecadação de<br />
receitas públicas por parte da<br />
Autoridade Tributária e Aduaneira<br />
(“AT”).<br />
Com efeito, de um ponto de<br />
vista fiscal, temos assistido, recentemente,<br />
a uma atividade<br />
legiferante no sentido, por um<br />
lado, do agravamento da carga<br />
tributária incidente sobre os<br />
operadores do mercado imobiliário<br />
português (e.g., criação do<br />
Adicional ao Imposto Municipal<br />
sobre os Imóveis ou “Adicional<br />
ao IMI”) e, por outro, da restrição<br />
do acesso a alguns incentivos<br />
fiscais destinados à atração e<br />
potencialização do investimento<br />
imobiliário (e.g.. a restrições práticas<br />
no acesso aos benefícios<br />
fiscais aplicáveis à reabilitação<br />
103
Tributação do Imobiliário<br />
104<br />
urbana decorrentes da aprovação<br />
da Lei de Orçamento do Estado<br />
para 2018).<br />
Na sequência da recente publicação<br />
de uma resposta a um<br />
pedido de informação vinculativa<br />
(“PIV”) relativo à cláusula<br />
de caducidade constante do<br />
artigo 9.º, n.º 2, do Código do<br />
IMI, constata-se que o paradigma<br />
subjacente às alterações legislativas<br />
acima mencionadas<br />
é, igualmente, acompanhado<br />
por uma interpretação cada vez<br />
mais restritiva por parte da AT<br />
no que se refere aos incentivos<br />
fiscais atualmente existentes.<br />
Em termos concretos, os entendimentos<br />
veiculados pela AT no<br />
âmbito da resposta ao PIV sub<br />
judice respeitam a duas questões<br />
relacionadas com a referida<br />
cláusula de caducidade<br />
constante do Código do IMI:<br />
l Em que termos o arrendamento<br />
de imóveis adquiridos<br />
para revenda espoleta o fim da<br />
aplicação da suspensão temporária<br />
do IMI? Mediante verificação<br />
do pressuposto de “destino<br />
diferente” constante da cláusula<br />
de caducidade constante do<br />
preceito em referência?<br />
l Em que termos os sujeitos<br />
passivos se encontram vinculados<br />
à manutenção da afetação<br />
dos imóveis adquiridos para<br />
revenda a este destino? Em<br />
momento ulterior à caducidade<br />
natural da suspensão temporária<br />
do IMI aplicável com relação<br />
a imóveis adquiridos para revenda<br />
(i.e., findo o período de<br />
três anos)?<br />
Relativamente à primeira das<br />
questões identificadas, a AT<br />
pronunciou-se no sentido de<br />
que o arrendamento de prédios<br />
urbanos adquiridos para revenda<br />
apenas determina a caducidade<br />
da suspensão temporária<br />
do IMI, quando: (i) os imóveis<br />
deixem de estar contabilizados<br />
no inventário do sujeito passivo;<br />
e (ii) este arrendamento<br />
não assuma uma natureza precária,<br />
transitória e conjuntural,<br />
vigorando contratualmente por<br />
um período de tempo superior<br />
àquele em que seja aplicável<br />
esta suspensão temporária.<br />
Ao contrário do requisito relativo<br />
à contabilização do imóvel<br />
que não encerra em si qualquer<br />
novidade ou alteração face ao<br />
quadro vigente à data do PIV<br />
em análise, a natureza precária<br />
dos contratos de arrendamento<br />
eventualmente existentes consubstancia<br />
uma novidade interpretativa,<br />
sem qualquer correspondência<br />
legal, e desprovida<br />
de substrato face à ratio legis<br />
inerente a este regime.<br />
Por outro lado, no que concerne<br />
à segunda questão, a<br />
AT veio ainda afirmar que o<br />
âmbito temporal do requisito<br />
relativo ao reconhecimento<br />
contabilístico dos imóveis em<br />
inventário referido acima ultrapassa<br />
aquele correspondente à<br />
própria suspensão temporária,<br />
devendo os sujeitos passivos<br />
manter esta afetação contabilística<br />
dos imóveis entre os<br />
momentos de aquisição e alienação<br />
do ativo, sob pena de a<br />
AT poder proceder à liquidação<br />
do IMI correspondente aos períodos<br />
de tributação em que vigorou<br />
este benefício fiscal.<br />
Sem prejuízo de os entendimentos<br />
veiculados pela AT no<br />
âmbito desta resposta apenas<br />
vincularem esta entidade no respeitante<br />
à situação que fundou<br />
este PIV, a circunstância de a<br />
AT poder vir a adotar estes entendimentos<br />
na ponderação do<br />
tratamento fiscal a conceder a<br />
situações substancialmente semelhantes<br />
merece-nos algumas<br />
reservas, especialmente em face<br />
da circunstância de não se afigurar<br />
totalmente claro o âmbito de<br />
aplicação temporal dos mesmos<br />
i.e., se estes devem também ser<br />
considerados para efeitos da<br />
ponderação do tratamento fiscal<br />
a conceder, a título de exemplo:<br />
(i) a imóveis adquiridos para<br />
revenda que já sejam objeto de<br />
acordos de arrendamento por<br />
prazos indeterminados ou por<br />
prazos superiores a 3 anos; ou<br />
(ii) a sujeitos passivos que, mediante<br />
caducidade da suspensão<br />
temporária de tributação (por<br />
decurso do período de 3 anos),<br />
tenham, no passado, procedido a<br />
uma reclassificação contabilística<br />
dos imoveis.<br />
Em suma, com este novo desenvolvimento,<br />
parece estar lançado<br />
um “aviso à navegação” no<br />
sentido de uma futura limitação<br />
da aplicabilidade dos incentivos<br />
fiscais ao mercado português do<br />
imobiliário, recomendando-se,<br />
por parte dos contribuintes, por<br />
um lado, prudência na aplicação<br />
destes benefícios e, por outro,<br />
uma abordagem sistemática e<br />
articulada na aplicação dos diferentes<br />
regimes fiscais.
Tributação do Imobiliário<br />
Aquisição de imóveis:<br />
o risco oculto dos privilégios<br />
creditórios fiscais<br />
ANA SOUSA<br />
Manager, Tax Services<br />
A corrida ao mercado<br />
imobiliário continua.<br />
É neste cenário que<br />
se torna imperativa<br />
a abordagem de um<br />
tema já antigo e<br />
pouco comentado: os<br />
privilégios creditórios<br />
imobiliários.<br />
Tal como previsto no artigo 733.º<br />
do Código Civil, “o privilégio creditório<br />
é a faculdade que a lei, em<br />
atenção à causa do crédito, concede<br />
a certos credores, independentemente<br />
do registo, de serem<br />
pagos com preferência a outros”.<br />
Assim, e apesar de, regra geral, o<br />
património do devedor constituir<br />
garantia geral dos créditos tributários,<br />
no caso dos impostos sobre o<br />
património (v.g. Imposto Municipal<br />
sobre Imóveis (IMI), Imposto Municipal<br />
sobre a Transmissão Onerosa<br />
de Imóveis (IMT) e Imposto<br />
do Selo), são concedidos privilégios<br />
creditórios especiais que permitem<br />
a extrapolação desta regra.<br />
De uma forma que pode vir a revelar-se<br />
bastante gravosa para o<br />
adquirente de um imóvel, o direito<br />
à satisfação tributária do Estado –<br />
enquanto credor fiscal – poderá<br />
acompanhar o bem. Significa isto<br />
que, existindo dívidas de IMT, Imposto<br />
do Selo e IMI relativas a um<br />
determinado imóvel transacionado,<br />
o Estado tem privilégios imobiliários<br />
especiais na graduação<br />
dos respetivos créditos, ainda que<br />
o atual proprietário do imóvel não<br />
seja o mesmo que incumpriu com<br />
as referidas obrigações fiscais.<br />
Assim, importa salientar que estes<br />
privilégios não só passam a ser<br />
oponíveis a terceiros que adquiram<br />
os imóveis, ou o direito real<br />
sobre os mesmos, como ainda<br />
podem ser preferenciais face a<br />
outros créditos.<br />
Tais obrigações estão naturalmente<br />
dependentes da verificação de<br />
um conjunto de requisitos, uma<br />
vez que os credores têm de reclamar<br />
os referidos créditos em meio<br />
próprio e dentro de determinados<br />
prazos. Não obstante, esta é uma<br />
temática que tem sido descurada<br />
no âmbito das transações imobiliárias<br />
e para a qual deverá ser<br />
dada especial atenção tendo em<br />
consideração o atual contexto<br />
económico.<br />
Relativamente à classificação da<br />
tipologia de créditos têm surgido<br />
divergentes entendimentos. Sendo<br />
certo que os impostos sobre<br />
o património gozam de privilégio<br />
imobiliário especial, estando os<br />
mesmos reconhecidos no Código<br />
Civil e nos respetivos Códigos fiscais,<br />
o mesmo não sucede com os<br />
restantes impostos.<br />
Apesar da controvérsia do tema<br />
e da discussão existente ao nível<br />
do tipo de privilégio conferido<br />
aos créditos de Imposto sobre o<br />
Rendimento das Pessoas Coletivas<br />
(IRC), Imposto sobre o Rendimento<br />
das Pessoas Singulares e de contribuições<br />
para a Segurança Social,<br />
a verdade é que o Código Civil e<br />
os respetivos diplomas legais não<br />
reconhecem a existência de privilégios<br />
imobiliários especiais, mas<br />
sim, privilégios imobiliários gerais.<br />
Neste cenário, o dever contributivo<br />
não deverá ser oponível a terceiros<br />
que adquiram os imóveis.<br />
Sem prejuízo e sendo certo que<br />
os impostos sobre o património<br />
não fogem às regras previstas nos<br />
privilégios imobiliários especiais,<br />
a análise de contingências/riscos<br />
fiscais no âmbito da aquisição de<br />
imóveis não deverá ser menos prezada,<br />
devendo, ao invés ser alvo de<br />
uma atenção cuidada, atendendo<br />
à dimensão do risco que pode potencialmente<br />
envolver.<br />
105
Tributação do Imobiliário<br />
Municípios, Impostos<br />
& outras novidades<br />
106<br />
Ana Chacim<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
O ano de 2019 aguarda<br />
ainda as habituais<br />
propostas para<br />
aprovação em sede<br />
de Orçamento do<br />
Estado, às quais se<br />
juntarão as novidades<br />
recentemente trazidas<br />
pela Lei n.o 51/2018,<br />
16.08, pela introdução<br />
de alterações ao<br />
regime financeiro<br />
das autarquias locais<br />
e das entidades<br />
intermunicipais, bem<br />
como ao Código do<br />
Imposto Municipal<br />
sobre Imóveis (IMI).<br />
No campo tributário, o referido<br />
diploma vem alargar o elenco<br />
das receitas municipais ao<br />
produto da cobrança de contribuições,<br />
designadamente em<br />
matéria de proteção civil. Recorde-se<br />
que o atual quadro jurídico<br />
prevê apenas a possibilidade<br />
de os municípios cobrarem taxas<br />
pela prestação de serviços em<br />
matéria de prevenção de riscos<br />
e proteção civil, cujos contornos<br />
no respetivo desenho levariam,<br />
potencialmente, a um juízo de<br />
inconstitucionalidade relativamente<br />
às taxas municipais de<br />
Vila Nova de Gaia, Lisboa e Setúbal.<br />
Feita a sinalização normativa,<br />
aguarda-se assim a consagração<br />
do regime legal que legitimará<br />
os municípios na cobrança de<br />
contribuições. Numa tentativa<br />
de maior conexão territorial<br />
entre a receita municipal e a dinâmica<br />
económica local, a nova<br />
Lei prevê a atribuição do direito<br />
aos municípios a uma participação<br />
de 7,5% na receita do IVA<br />
(liquidado) relativo às atividades<br />
económicas de alojamento, restauração<br />
comunicações, eletricidade,<br />
água e gás.<br />
Mas não se pense apenas na<br />
perspetiva de novas receitas e<br />
a sobrecarga com o seu custo. O<br />
inevitável processo de dinamização<br />
económica ao nível local,<br />
acompanhado da tão esperada<br />
descentralização de competências,<br />
compreende várias perspetivas,<br />
devendo assumir-se uma<br />
ação integrada no que respeita<br />
à autonomia e capacitação dos<br />
governos locais em matéria de<br />
receita e de despesa. Se, por um<br />
lado, é reconhecida a imperatividade<br />
quanto à maior responsabilização<br />
dos autarcas na gestão<br />
municipal, norteada por um juízo<br />
de eficiência e economicidade<br />
da despesa pública, por outro,<br />
cabe aos mesmos alavancar as<br />
potencialidades económicas locais,<br />
recorrendo ao investimento<br />
comunitário existente, mas<br />
também a instrumentos fiscais.<br />
Veja-se a clarificação efetuada<br />
quanto à criação de taxas municipais<br />
em resposta ao benefício<br />
económico decorrente dos investimentos<br />
realizados.<br />
Neste sentido, compreende-se a<br />
obrigatoriedade agora introduzida<br />
para aprovação de um regulamento<br />
municipal com a previsão<br />
dos critérios e condições para o<br />
reconhecimento das isenções<br />
relativas aos impostos municipais.<br />
Numa ótica de racionalização<br />
de despesa pública (fiscal),<br />
mas igualmente para garantia<br />
de igualdade de acesso aos incentivos<br />
públicos (fiscais), promove-se<br />
indubitavelmente uma<br />
maior transparência na atuação<br />
pública municipal. Inclui-se neste<br />
domínio a criação de isenções ou<br />
taxas reduzidas de derrama, sendo<br />
eliminada a habitual taxa reduzida<br />
de derrama para sujeitos<br />
passivos cujo volume de negócios<br />
não ultrapasse os €150.000,<br />
até à aprovação do referido regulamento.<br />
Sendo exigida a devida<br />
racionalização, salienta-se ainda<br />
a alteração ao Código do IMI, pela<br />
qual se exclui da isenção atribuída<br />
às entidades públicas o “património<br />
imobiliário público sem<br />
utilização”, promovendo e incentivando<br />
a difícil disponibilização<br />
de edifícios públicos que por vezes<br />
se verifica.
Tributação Digital
Tributação Digital<br />
Os desafios da globalização<br />
fiscal num mundo Digital<br />
108<br />
RUI HENRIQUES<br />
Partner, Tax Services<br />
Num ambiente<br />
fiscal global cada<br />
vez mais interligado,<br />
a informação<br />
é amplamente<br />
compartilhada<br />
entre as autoridades<br />
fiscais. Como<br />
se devem preparar<br />
as multinacionais?<br />
Uma multinacional (MN) norte<br />
-americana com uma estrutura<br />
principal na Europa estava a ser<br />
auditada por uma autoridade<br />
fiscal da União Europeia (UE) em<br />
relação à sua estrutura distribuidora<br />
de risco limitado. Meses<br />
mais tarde, a autoridade fiscal<br />
de outro país da UE iniciou uma<br />
auditoria fazendo as mesmas<br />
perguntas e solicitando o mesmo<br />
ajustamento fiscal que a administração<br />
fiscal do primeiro do<br />
país havia solicitado. Coincidência?<br />
Improvável. Uma administração<br />
fiscal terá compartilhado<br />
as suas informações com a outra<br />
antes da auditoria anterior ter<br />
sido finalizada.<br />
Ambiente fiscal global<br />
Bem-vindo ao ambiente fiscal<br />
global, onde a informação fornecida<br />
numa jurisdição fiscal provavelmente<br />
vai estar disponível<br />
noutras no curto prazo.<br />
As MN têm que estar cientes deste<br />
nível de partilha de informações<br />
e compreender que as ações<br />
que realizam num país poderão<br />
potencialmente impactar sua situação<br />
noutros países também.<br />
Um enforcement fiscal agressivo e<br />
maior escrutínio nas fiscalizações<br />
das operações transfronteiriças<br />
têm-se tornado mais comuns nos<br />
últimos anos, com a Organização<br />
para a Cooperação e Desenvolvimento<br />
Económico (OCDE), a UE e<br />
as autoridades fiscais individuais<br />
a colaborar e compartilhar informações<br />
sobre perfis fiscais das<br />
empresas e sobre tais transações.<br />
O volume de regulamentações e<br />
novas leis fiscais está a aumentar,<br />
impulsionada pelo foco global<br />
no base erosion and profit<br />
shifting (BEPS). O que é novo é<br />
a velocidade com que a informação<br />
fiscal está a ser compartilhada<br />
e o amplo alcance do fluxo de<br />
informações.<br />
Informações de contribuintes podem<br />
agora ser rapidamente partilhadas<br />
com referências cruzadas<br />
e compartilhadas entre governos<br />
e autoridades com poucos cliques,<br />
tornando a consistência<br />
uma parte crítica da estratégia<br />
de gestão de risco fiscal de qualquer<br />
empresa. As autoridades fiscais<br />
também estão a reexaminar<br />
transações anteriores através dos<br />
meios disponíveis hoje, desafiando<br />
estruturas previamente estabelecidas.<br />
Adaptar à velocidade do digital<br />
O aumento do uso de métodos<br />
digitais pelas autoridades fiscais<br />
globais para recolher e analisar<br />
dados dos contribuintes está a<br />
criar novos desafios. As empresas<br />
têm cada vez mais que enviar<br />
eletronicamente uma maior<br />
variedade de dados e a um ritmo<br />
cada vez mais rápido. As autoridades<br />
fiscais utilizam motores<br />
de análise de dados para encontrar<br />
discrepâncias e comparar<br />
dados entre jurisdições e contribuintes,<br />
e tirar conclusões com<br />
base nessas análises.<br />
As empresas são muitas vezes<br />
incapazes de acompanhar o ritmo<br />
ou combinar as tecnologias<br />
digitais que algumas administrações<br />
fiscais utilizam, o que resulta<br />
em submissões de dados menos<br />
“polidas” e potencialmente<br />
com inconsistências.<br />
Neste novo mundo fiscal transparente,<br />
possuir processos desatualizados<br />
e inconsistentes pode<br />
aumentar exponencialmente o<br />
risco de litigância com as autoridades<br />
fiscais.<br />
O compliance é crescentemente<br />
mais complexo por requisitos<br />
de apresentação de dados que<br />
podem variar por país, não só<br />
no formato e tempo para a apresentação,<br />
mas também no âmbito<br />
dos impostos ou transações<br />
abrangidas. Em alguns casos, as<br />
autoridades fiscais dos países<br />
emergentes são muito rápidas<br />
na digitalização, aumentando os<br />
riscos para as MN que têm presença<br />
nessas geografias.<br />
A abordagem global<br />
à gestão de risco fiscal<br />
Num mundo de mudanças tão<br />
rápidas, as MN facilmente podem<br />
perder o controlo da sua própria<br />
política fiscal pois não sabem que<br />
dados têm as autoridades e o que<br />
estas estão a fazer com os mesmos.<br />
De forma a assegurar o controlo,<br />
é recomendável examinar as<br />
áreas que são suscetíveis de ser<br />
a fonte de maior risco e começar<br />
a desenvolver uma estratégia de
Tributação Digital<br />
gestão de risco fiscal pró-ativa e<br />
globalmente consistente.<br />
As MN precisam saber onde<br />
sua informação está localizada,<br />
quem lida e tem acesso à mesma.<br />
Uma gestão do risco fiscal<br />
centralizada a nível global é<br />
fundamental. Este pode ser um<br />
novo paradigma para os grupos<br />
que têm crescido por meio de<br />
aquisições e que estão habituadas<br />
a gerir o risco fiscal de forma<br />
descentralizada através de suas<br />
entidades locais.<br />
Como as administrações fiscais<br />
se tornam cada vez mais interligadas,<br />
o ritmo da mudança fiscal<br />
é suscetível de acelerar ainda<br />
mais, aumentando o risco de litigância.<br />
A administração fiscal<br />
digital vai “chegar” mais longe, a<br />
partilha de informação formal e<br />
informal vai aumentar, e as iniciativas<br />
bilaterais e multilaterais<br />
para tratamento de dados e resolução<br />
de disputas continuarão<br />
a evoluir.<br />
Action-points<br />
As MN que mudam sua mentalidade<br />
para abordar estas questões<br />
de forma pro-ativa e de uma<br />
forma consistente e estratégica<br />
estarão melhor preparadas para<br />
gerir uma política de planeamento<br />
fiscal global, o risco fiscal<br />
e a litigância que possa surgir.<br />
Medidas específicas que podem<br />
ser adotadas para uma abordagem<br />
global mais consistente<br />
nesta época digital incluem:<br />
l Implementar um estabelecer<br />
uma estratégia fiscal centralizada<br />
e consistente para o compliance,<br />
planeamento e interações<br />
com as administrações<br />
fiscais a nível global.<br />
l Adotar uma estrutura de governança<br />
corporativa fiscal que documenta<br />
formalmente políticas e<br />
procedimentos do negócio e fornece<br />
à administração uma clara<br />
visão sobre os riscos fiscais.<br />
l A revisão de processos e a digitalização<br />
do compliance permitirá<br />
uma visibilidade e controlo<br />
sobre os dados multi-jurisdição<br />
que facilitará tremendamente a<br />
gestão de risco e a capacidade<br />
de otimização fiscal.<br />
l Utilizar plataformas digitais e<br />
processos de workflow para gerir<br />
de forma consistente a litigância<br />
fiscal a nível multi-jurisdicional<br />
em curso e potenciais, de uma<br />
forma estratégica. Desenvolver<br />
um plano que define as circunstâncias<br />
em que as disputas serão<br />
resolvidas, argumentação<br />
utilizada atentas as diferentes<br />
regras nas jurisdições em que<br />
tais transações se verificam.<br />
Estratégia de transformação<br />
digital da função fiscal:<br />
já definiu a sua?<br />
RUI HENRIQUES<br />
Partner, Tax Services<br />
Digitalização, RPA,<br />
Cloud, Big Data, são<br />
todos termos que<br />
estão na moda e que<br />
fica bem utilizar numa<br />
conversa em contexto<br />
de negócio.<br />
Mas até que ponto os intervenientes<br />
da função fiscal (e financeira)<br />
estão efetivamente<br />
conscientes do que tudo isto<br />
significa, do impacto para a sua<br />
organização e do que é necessário<br />
fazer acontecer e como? Até<br />
que ponto os responsáveis da<br />
função fiscal estão preparados<br />
para uma mudança exponencial?<br />
Nesta era de transformação digital<br />
o conceito de “business as<br />
usual” está ultrapassado.<br />
O mundo em que trabalhamos<br />
nunca mais será o mesmo, e as<br />
competências necessárias são<br />
muito diferentes. A função fiscal<br />
será assegurada cada vez mais<br />
por sistemas, automatismos,<br />
geridos por profissionais com<br />
competências de IT, e as competências<br />
que são exigidas àqueles<br />
que hoje asseguram a função<br />
fiscal são conhecimento, criatividade<br />
e capacidade de colaboração<br />
com aqueles que gerem os<br />
sistemas.<br />
Num mundo em que tudo está<br />
interligado, em que a excelência<br />
é cada vez mais um padrão, em<br />
que a performance já é muito<br />
elevada e será ainda mais, só há<br />
um fator diferenciador para inovar:<br />
nós humanos!<br />
O que era ficção científica já não<br />
é ficção na função fiscal, e são<br />
109
Tributação Digital<br />
110<br />
as Administrações Tributárias<br />
(AT’s) que estão a dinamizar esta<br />
era de transformação da função<br />
fiscal.<br />
A transformação digital da função<br />
fiscal já é uma realidade<br />
que será muito mais abrangente<br />
em pouco tempo (menos de 10<br />
anos certamente), e facilitada<br />
pelas AT’s, vislumbrando-se a<br />
oportunidade de quem tem o<br />
conhecimento fiscal usá-lo em<br />
benefício das suas organizações<br />
e demonstrando que a função<br />
fiscal é geradora de valor na organização.<br />
Face a este contexto, urge que<br />
as empresas portuguesas façam<br />
uma auto-avaliação do que é<br />
necessário fazer para recuperar<br />
o tempo perdido com inércia,<br />
e atuar rápido. O adiamento só<br />
vai trazer disrupção. Disrupção<br />
porque a AT já tem e está a aumentar<br />
muito rapidamente a<br />
sua capacidade de automatizar<br />
o compliance, de analisar dados<br />
massivamente, e por isso, a capacidade<br />
de auditar as empresas<br />
será muito maior em pouco tempo.<br />
O paradigma é informação<br />
em tempo real.<br />
E as organizações que não tiverem<br />
capacidade de dar resposta<br />
a esta enorme capacidade da AT<br />
terão um tornado a entrar pela<br />
porta que se traduzirá em litigância,<br />
desfoco e cash-out. Ou<br />
seja, se existe uma oportunidade<br />
de demonstrar que a função fiscal<br />
pode ser geradora de valor, a<br />
inércia vai evidenciar que a função<br />
fiscal é destruidora de valor.<br />
Mas como agarrar a transformação<br />
digital? O que é a transformação<br />
digital? Vamos automatizar<br />
alguns processos?<br />
Não. A transformação digital de<br />
uma organização exige uma estratégia.<br />
Não se resume a robotizar<br />
um processo de preenchimento<br />
de uma declaração fiscal.<br />
É muito mais do que isso.<br />
A transformação digital da função<br />
fiscal exige que se compreendam<br />
as necessidades de<br />
negócio, dentro e fora da organização,<br />
que se desafiem os processos<br />
da área financeira e fiscal<br />
end-to-end, que se adaptem ao<br />
ambiente regulatório e à estratégia<br />
fiscal da organização, que<br />
se capacitem os profissionais, e<br />
mais.<br />
São três os vetores principais da<br />
transformação digital da função<br />
fiscal: processos, tecnologia e<br />
pessoas.<br />
E a transformação digital mais<br />
não é (simplisticamente) que a<br />
revisão e otimização dos processos,<br />
e a aplicação de tecnologia<br />
sobre os mesmos. Que tecnologia?<br />
Depende da realidade<br />
de cada empresa. Tipicamente,<br />
passará pela agregação de diferentes<br />
soluções tecnológicas<br />
que permitam estruturar dados,<br />
automatizar os processos, visualizar<br />
a informação processada,<br />
fazer interagir diversas plataformas.<br />
E são as pessoas que farão a<br />
diferença. Têm que antes de<br />
mais ajustar-se a esta realidade.<br />
Deixar de viver em negação ou<br />
achar que tudo isto faz parte do<br />
futuro. O futuro começou ontem.<br />
E esta realidade não implicará<br />
certamente a perda do posto<br />
de trabalho para todos aqueles<br />
que demonstrem ter a iniciativa<br />
e capacidade de “surfar esta<br />
onda”. Colaborar com elementos<br />
da organização que têm as<br />
competências tecnológicas e dar<br />
utilidade a todo o conhecimento<br />
acumulado, ajudando a transpor<br />
o mesmo para os sistemas e fortalecendo<br />
a sua organização. E<br />
sendo criativo na forma de correlacionar<br />
os dados processados<br />
automaticamente com o objetivo<br />
de criar novas dimensões de<br />
análise de dados que até aqui<br />
não eram usados.<br />
Pronto para a transformação?<br />
Quer controla-la ou ser controlado?<br />
Nada acontece gradualmente.<br />
O futuro não acontece por<br />
inerência do passar do tempo. O<br />
futuro somos nós que o fazemos<br />
acontecer. E o valor está na humanidade!
Tributação Digital<br />
Como pode a função fiscal<br />
criar valor na era digital?<br />
RUI HENRIQUES<br />
Partner, Tax Services<br />
Num contexto de<br />
crescente exigência<br />
de transparência,<br />
as autoridades<br />
fiscais têm vindo<br />
a criar plataformas<br />
sofisticadas de<br />
captura de dados dos<br />
contribuintes que lhes<br />
permitam o cruzamento<br />
de informação. E o<br />
fluxo de informação<br />
que as empresas têm<br />
que partilhar com<br />
as autoridades está<br />
a atingir níveis sem<br />
precedentes como<br />
resulta, por exemplo,<br />
das obrigações de<br />
Country by Country<br />
Report (CbCR).<br />
Com um novo nível de escrutínio,<br />
as empresas - e especialmente<br />
a função fiscal – devem identificar<br />
de forma clara a informação<br />
que tem que ser partilhada [por<br />
exemplo, através do Standard Audit<br />
File for Tax Purposes (SAF-T)],<br />
ter total confiança na qualidade<br />
dessa informação e que a mesma<br />
está devidamente estruturada.<br />
O desafio<br />
As empresas estão cada vez mais<br />
obrigadas a partilhar faturas de<br />
clientes, volumes de mercadorias<br />
transacionadas, demonstrações<br />
financeiras, faturas de fornecedores<br />
e registros bancários, tudo<br />
em formatos especificados pela<br />
autoridade tributária, que por<br />
sua vez está a usar aplicações de<br />
análise de dados para validar faturas<br />
e identificar discrepâncias,<br />
verificar as declarações de vendas<br />
e compras, e comparar dados<br />
entre jurisdições e contribuintes.<br />
O que significa para as empresas?<br />
Para assegurar o compliance com<br />
estas exigências e ficar um passo<br />
à frente, a função fiscal tem necessariamente<br />
que potenciar as<br />
suas capacidades de data analytics<br />
e repensar como recolher,<br />
tratar e analisar os dados.<br />
O que fazer?<br />
Esta é a oportunidade da função<br />
fiscal gerar valor e mitigar os riscos<br />
nesta era Digital, mediante<br />
a adoção de medidas que assegurem<br />
uma adequada gestão de<br />
toda a informação que é gerada<br />
e partilhada com as autoridades.<br />
Esta é a oportunidade de gerir de<br />
forma eficaz o risco fiscal, reduzir<br />
interações com autoridades e<br />
litigância e, consequentemente,<br />
custos/perseverar valor da organização.<br />
Por isso é altamente recomendável<br />
que as empresas:<br />
l validem o compliance formal e<br />
material dos ficheiros SAF-T;<br />
l testem a inexistência de discrepâncias<br />
entre os dados incluídos<br />
nos ficheiros SAF-T com<br />
a informação contabilística e com<br />
os modelos declarativos fiscais<br />
entregues - atenuando os riscos<br />
à medida que os problemas são<br />
detetados.<br />
Informação é poder. Falta de<br />
controlo sobre a informação,<br />
desconhecimento da informação<br />
partilhada, é uma desvantagem<br />
competitiva com consequências<br />
inesperadas. Assegurando<br />
a harmonização da informação<br />
partilhada com as autoridades,<br />
bem como a quantidade (apenas<br />
a necessária) e qualidade dos<br />
dados, coloca as empresas num<br />
patamar de equilíbrio em qualquer<br />
discussão.<br />
Informação é conhecimento. A<br />
digitalização facilita o processo<br />
de transformar informação em<br />
conhecimento, e no que respeita<br />
à função fiscal, permite às<br />
empresas monitorizar indicadores-chave<br />
como a taxa efetiva de<br />
tributação ou as necessidades<br />
de tesouraria para pagamento<br />
de impostos, potenciar poupanças<br />
fiscais que permitam libertar<br />
excedentes para determinados<br />
investimentos. Na verdade, a<br />
“função fiscal” gera valor acrescentado<br />
para a organização, assumindo-se<br />
como um ativo estratégico.<br />
111
Tributação Digital<br />
Uma visão sobre as<br />
exigências futuras das<br />
empresas do setor TMT<br />
112<br />
RUI HENRIQUES<br />
Partner, Tax Services<br />
Num contexto de<br />
significativa disrupção e<br />
incerteza, as empresas<br />
são desafiadas<br />
a antecipar como será<br />
o futuro e qual será<br />
o seu impacto.<br />
O dilema é indiscutivelmente<br />
maior para as empresas do setor<br />
de tecnologia, media e telecomunicações<br />
(TMT), que lidera<br />
a disrupção, mas que está também<br />
permanentemente exposto<br />
à ameaça de entrada de novas<br />
entidades disruptivas.<br />
Em acréscimo, a tecnologia 5G<br />
permitirá criar novos modelos<br />
de negócios e possibilidades<br />
quase infinitas para as empresas<br />
TMT, o que no mínimo, irá permitir<br />
que a internet possa ser acedida<br />
em mais lugares e por mais<br />
pessoas do que nunca.<br />
Para prosperar num mundo cada<br />
vez mais conectado, as empresas<br />
TMT precisam investir na tecnologia<br />
5G e noutras inovações<br />
avançadas, incluindo inteligência<br />
artificial, blockchain, cloud,<br />
IoT e RPA. Para ter sucesso, estas<br />
tecnologias terão que ser usadas<br />
de formas inovadoras, integrando-as<br />
em plataformas que<br />
forneçam uma base para uma<br />
rápida e robusta capacidade de<br />
tomada de decisões.<br />
Não sabemos que produtos e<br />
mercados existirão no futuro,<br />
mas isso não é relevante. O sucesso<br />
não reside em saber que<br />
produtos estaremos a vender, e<br />
a que clientes, daqui a 10 anos.<br />
O fator diferenciador e de sucesso<br />
vai assentar na capacidade<br />
de criar e dispor de plataformas<br />
flexíveis que permitam às empresas<br />
transformar-se em empresas<br />
digitais adaptáveis que conseguem<br />
ter capacidade de rápida<br />
resposta perante oportunidades<br />
de mercado imprevistas.<br />
No mundo imprevisível de amanhã,<br />
as empresas TMT líderes de<br />
mercado devem:<br />
l Compreender o mercado e as<br />
sensibilidades operacionais de<br />
seus modelos de negócios<br />
l Equipar-se para terem capacidade<br />
de reagir em tempo real às<br />
alterações de mercado<br />
l Usar plataformas interativas e<br />
ecossistemas que lhes permitam<br />
coordenar os seus recursos para<br />
uma interação contínua em resposta<br />
às permanentes e rápidas<br />
exigências de mudança dos seus<br />
clientes.<br />
Adaptar os modelos de negócio<br />
às sensibilidades do mercado<br />
Um exemplo pertinente de sensibilidade<br />
ao mercado é o impacto<br />
da mudança demográfica<br />
dos clientes sobre as estratégias<br />
de canais e conteúdos no setor<br />
de media e entretenimento. Um<br />
estudo recente de <strong>EY</strong> destaca a<br />
necessidade para que as empresas<br />
acomodem as preferências da<br />
geração cada vez mais tech-savvy<br />
do baby boomer, que tem rendimento<br />
disponível e que tendem a<br />
ser mais leais do que as gerações<br />
mais novas.<br />
Para conseguir isso, as empresas<br />
têm que adotar uma abordagem<br />
orientada e sustentada em dados<br />
que permitam entender como as<br />
gerações mais antigas utilizam<br />
a tecnologia, para que possam<br />
criar experiências personalizadas<br />
nos canais certos e desbloquear<br />
enormes oportunidades de crescimento.<br />
Resposta em tempo real<br />
Há uma série de novas ferramentas<br />
que podem permitir às empresas<br />
TMT a leitura imediata das<br />
necessidades de mercado. Aproveitar<br />
os dados gerados nas redes<br />
sociais é um exemplo óbvio,<br />
e plataformas mais inovadoras<br />
surgirão no futuro. É fundamental<br />
que as empresas façam uso das<br />
tecnologias que têm à sua disposição<br />
e se posicionem nessas<br />
plataformas.<br />
Uma área emergente de oportunidade<br />
é o comércio de conversação<br />
em que as empresas podem<br />
usar chat bots e outros mecanismos<br />
de chat automatizado para<br />
interagir com os consumidores.<br />
O comércio conversacional pode<br />
ser uma ótima maneira de trazer<br />
uma marca para os consumidores<br />
e construir uma relação personalizada,<br />
confiável e bidirecional a<br />
longo prazo.<br />
A transformação<br />
exige interação contínua<br />
Não há nenhum ponto final<br />
para a transformação. É um<br />
processo contínuo que requer<br />
interação contínua, em resposta<br />
às dinâmicas de exigência<br />
dos clientes. As empresas<br />
TMT que compreendem isso já<br />
ajustaram suas estratégias de
Tributação Digital<br />
negócios e tecnologia em conformidade.<br />
Por exemplo, algumas entidades<br />
utilizam inteligência artificial (IA)<br />
para transformar as operações de<br />
back-office em centros de suporte<br />
de negócios globais prontos para o<br />
futuro. Estas ferramentas de IA vão<br />
evoluir ainda mais, pois melhoram<br />
a sua capacidade de espelhar<br />
a inteligência humana e realizar<br />
análises mais complexas, orçamentação,<br />
tomada de decisões e<br />
planeamento. As empresas vão<br />
tornar-se mais ágeis e mais rápidas<br />
no mercado e poderão responder<br />
às necessidades dos seus clientes<br />
melhor e mais rapidamente.<br />
A próxima onda da indústria<br />
Neste momento é incerto antecipar<br />
quais as empresas que serão<br />
os gigantes TMT de amanhã.<br />
Na verdade, podem nem existir<br />
ainda. No entanto, uma coisa<br />
que podemos ter certeza: serão<br />
empresas digitais adaptativas<br />
que estão predispostas a reagir<br />
à mudança de comportamentos<br />
dos clientes e para aproveitar as<br />
oportunidades de mercado. Para<br />
estas entidades, o planeamento<br />
será um processo fluído e vão<br />
cultivar estratégias operacionais<br />
“plug-and-play” que lhes permitam<br />
fazer ajustamentos rápidos.<br />
Eles também vão atuar em<br />
ecossistemas expansivos e com<br />
tecnologias avançadas que lhes<br />
permitam tomar decisões de negócios<br />
impactantes no momento<br />
certo e no lugar certo.<br />
Digitalização da função<br />
fiscal – destruição criativa<br />
Shumpeteriana ou “the<br />
winner takes it all”<br />
PAULO MENDONÇA<br />
Partner, Tax Services<br />
Com o advento<br />
dos smartphones,<br />
iniciou-se uma<br />
revolução que,<br />
como normalmente<br />
acontece nos processos<br />
disruptivos, no<br />
início passou algo<br />
desapercebida<br />
para, finalmente,<br />
se consolidar como<br />
algo imparável<br />
e incontornável.<br />
Certas profissões serão mais afetadas<br />
que outras. Sempre foi assim.<br />
A grande diferença é que a<br />
revolução digital atinge em cheio<br />
um reduto que, até há pouco<br />
tempo, de considerava inexpugnável:<br />
as atividades profissionais<br />
de cariz intelectual, mais concretamente<br />
as ligadas à prestação<br />
de serviços profissionais.<br />
Na área da fiscalidade, o processo<br />
tem três intervenientes principais:<br />
a administração fiscal, os<br />
contribuintes e os prestadores<br />
de serviços na área da fiscalidade.<br />
A administração fiscal portuguesa<br />
possui já uma infraestrutura<br />
digital bastante avançada, que<br />
permite que uma grande parte<br />
das interações relacionadas com<br />
as questões fiscais dos contribuintes<br />
seja canalizada por esta<br />
via. À medida que aumenta o<br />
volume de informação disponível<br />
do lado da administração fiscal,<br />
nomeadamente através dos<br />
mecanismos de comunicação<br />
automática de faturas, reportes<br />
de retenções na fonte e outros<br />
tipos de operações realizadas<br />
com intervenção de instituições<br />
financeiras e outras, aquela coloca-se<br />
numa posição em que,<br />
não só está cada vez mais capacitada<br />
para controlar a veracidade<br />
das declarações fiscais dos<br />
contribuintes, mas até para ser<br />
ela própria a propor a estes últimos<br />
o reporte adequado à sua<br />
situação concreta, como já acontece<br />
hoje em dia, pelo menos de<br />
forma parcial, no que respeita às<br />
declarações de IRS.<br />
Os contribuintes, com raras exceções,<br />
vão-se habituando a<br />
controlar a sua situação fiscal<br />
corrente, incluindo os temas em<br />
contencioso, com recurso à infraestrutura<br />
digital da administração<br />
fiscal. Nos casos em que<br />
os processos de interação são<br />
113
Tributação Digital<br />
mais complexos ou volumosos,<br />
como acontece na certificação<br />
de créditos incobráveis para<br />
efeitos de IVA, preenchimento de<br />
certificados de residência e outros<br />
formulários ou verificação<br />
da atualização dos coeficientes<br />
relativos aos valores patrimoniais<br />
tributários, vão querer instituir<br />
rotinas automatizadas que<br />
o permitam fazer com o menor<br />
envolvimento humano possível<br />
e com um risco mínimo de erro.<br />
Vão ainda querer controlar de<br />
forma imediata o ponto de situação,<br />
no que respeita ao cumprimento<br />
das obrigações fiscais em<br />
Portugal (e noutras jurisdições<br />
onde operam) e estar informados<br />
sobre alterações legislativas<br />
que os afetem diretamente e das<br />
medidas que podem colocar em<br />
prática visando o seu aproveitamento<br />
(se forem benéficas, como<br />
acontece no caso de regimes<br />
associados a benefícios fiscais,<br />
perdões fiscais, etc.) ou para se<br />
defenderem das mesmas (caso<br />
sejam potencialmente adversas,<br />
como acontecerá no caso de imposição<br />
de novas obrigações declarativas,<br />
taxas ou contribuições<br />
especiais, etc.).<br />
Os prestadores de serviços profissionais<br />
na área da fiscalidade<br />
vão necessariamente ter que se<br />
adaptar a um novo modelo de<br />
funcionamento e de exigência<br />
por parte dos clientes. Terão de<br />
se equipar, na perspetiva dos<br />
recursos humanos, adicionado<br />
às suas competências na área<br />
técnica dos impostos e nas especializações<br />
por indústrias,<br />
profissionais com uma componente<br />
tecnológica que sejam<br />
capazes de dar resposta à imediata<br />
necessidade de digitalização<br />
dos processos, mas que<br />
possuam também as competências<br />
necessárias para entender e<br />
acompanhar os desenvolvimentos<br />
associados às duas áreas anteriormente<br />
referidas. Cada vez<br />
mais se aprofundará a dicotomia<br />
entre o trabalho relacionado<br />
com o cumprimento das obrigações<br />
de declarativas e o relacionado<br />
com o aproveitamento<br />
de questões como a confidencialidade,<br />
segurança de dados<br />
e compatibilidade de sistemas,<br />
acesso à informação das empresas<br />
e à plataforma digital da administração<br />
fiscal, com vista à recolha,<br />
confirmação e entrega de<br />
elementos de natureza diversa.<br />
Os leigos começam a ter de se<br />
familiarizar com bases de dados<br />
(SQL, Mongo DB, …), a existência<br />
de diferentes linguagens de programação<br />
(HTML, PHP, Angular<br />
JS, Ruby on Rails,…), a interoperabilidade<br />
de smartphones com<br />
sistemas operativos Windows,<br />
Android ou IOS, entre outras temáticas.<br />
O próprio legislador será confrontado<br />
com exigências até<br />
agora pouco habituais. O método<br />
tradicional de redação de leis,<br />
pejadas de conceitos indeterminados,<br />
normas confusas que remetem<br />
outras criando circuitos<br />
interpretativos complexos, é incompatível<br />
com o novo estado<br />
da arte.<br />
114
Digital e BEPS – Impactos<br />
no setor industrial<br />
Tributação Digital<br />
PEDRO PAIVA<br />
Partner, Tax Services<br />
O setor industrial<br />
debate-se<br />
atualmente com<br />
um conjunto de<br />
desafios associados<br />
a diversas tendências<br />
que decorrem de<br />
um conjunto muito<br />
diversificado de<br />
fatores, que, em<br />
muitos casos, estão<br />
ligados ao ambiente<br />
digital que marca<br />
os nossos dias.<br />
Essas tendências, com algumas diferenças<br />
claras dentro do próprio<br />
setor industrial, vão desde a Indústria<br />
4.0, à necessidade de transformação<br />
de modelos de negócio<br />
em resultado da digitalização da<br />
economia, a uma aceleração do<br />
número de aquisições por parte<br />
de grupos industriais, sobretudo<br />
de empresas tecnológicas que<br />
possam trazer valor acrescentado,<br />
bem como à manutenção do foco<br />
na inovação para continuar a assegurar<br />
crescimentos numa época<br />
em que se perspetiva uma falta de<br />
talento e de recursos adaptados a<br />
estes desafios.<br />
Os diversos stakeholders do setor<br />
estão a ser impactados por todas<br />
estas alterações que sucedem a um<br />
ritmo vertiginoso e que estão a afetar<br />
todo o ecossistema industrial.<br />
A tecnologia, a economia digital, o<br />
desenvolvimento das comunicações<br />
e a cada vez maior mobilidade<br />
do capital e do trabalho estão a<br />
alterar a forma como toda a cadeia<br />
de produção e distribuição, quer<br />
de entidades domésticas, quer de<br />
grupos multinacionais, está organizada.<br />
Por exemplo, no setor automóvel<br />
os construtores começam<br />
a adaptar as suas estratégias a um<br />
maior foco na prestação de serviços<br />
do que no produto (e.g., em resultado<br />
de novos modelos de consumo<br />
como o “car sharing”) sofrendo<br />
pressões em diversos sentidos dos<br />
próprios governos quanto à mobilidade<br />
individual.<br />
Todas estas alterações continuam<br />
a alimentar o debate público que<br />
influenciou a iniciativa BEPS (Base<br />
Erosion and Profit Shifting) da<br />
OCDE. Este debate continua a reflectir<br />
sobre se o enquadramento<br />
fiscal internacional ainda se mostra<br />
adequado a esta nova realidade e<br />
se os grupos empresariais contribuem<br />
com um nível de “fair share”<br />
de pagamento de impostos em<br />
cada jurisdição. A OCDE e a União<br />
Europeia têm tentado contrariar<br />
esta perceção com ações que aumentam<br />
o nível de reporte fiscal<br />
e que reforçam as regras de substância<br />
e de transparência num ambiente<br />
de maior escrutínio.<br />
Paralelamente, e neste âmbito,<br />
há também interesses conflituantes<br />
entre os diferentes países que<br />
igualmente afetam o setor industrial.<br />
Os mercados mais maduros<br />
estão a tentar criar um enquadramento<br />
fiscal que aloque os lucros<br />
às entidades que inovem e que<br />
sejam responsáveis pela tomada<br />
de decisões estratégicas, enquanto<br />
que os mercados emergentes pretender<br />
alocar os lucros à produção<br />
e ao consumo. Esta tensão vai criar<br />
ainda maior complexidade e riscos<br />
do ponto de vista fiscal, dependendo<br />
dos mercados em que grupos<br />
empresariais têm atividade.<br />
Neste contexto, os grupos empresariais<br />
industriais deverão avaliar, à<br />
luz das regras fiscais e do BEPS, a<br />
forma como se encontram organizados,<br />
o que resultará, em muitos<br />
casos, na necessidade de reequacionar<br />
o seu modelo de negócio e<br />
a própria estrutura corporativa e<br />
financeira. A mera escolha do local<br />
em que se colocam os centros de<br />
controlo da manutenção remota de<br />
produtos industriais através de sensores<br />
ou a adaptação das cadeias<br />
de valor de produtos industriais à<br />
economia digital que as torna mais<br />
colaborativas com novos parceiros,<br />
são apenas exemplos de aspetos<br />
que determinam alterações com<br />
impactos fiscais relevantes.<br />
115
Tributação Digital<br />
As “bitcoins”<br />
não pagam impostos<br />
em Portugal<br />
116<br />
FRANCISCO CAIADO<br />
Manager, Tax Services<br />
Até muito<br />
recentemente,<br />
os contribuintes<br />
que investiram em<br />
moedas digitais, como<br />
a bitcoin, andaram<br />
‘aos papéis’ para saber<br />
qual o enquadramento<br />
tributário dos<br />
rendimentos obtidos<br />
com este tipo<br />
de moedas, já que<br />
a Autoridade Tributária<br />
permaneceu muito<br />
tempo sem definir<br />
publicamente<br />
a sua posição<br />
sobre esta questão.<br />
Finalmente, a Autoridade Tributária<br />
tornou pública a sua posição,<br />
relativamente a um pedido de informação<br />
vinculativa, tendo convolado<br />
a resposta em Ficha Doutrinária<br />
(Processo n.º 5717/2015).<br />
Saliente-se que a Autoridade<br />
Tributária apenas se debruçou<br />
sobre esta realidade em sede de<br />
IRS, assim como não analisou os<br />
vários tipos de rendimentos hipoteticamente<br />
tributáveis, tendo<br />
apenas enquadrado os rendimentos<br />
associados aos ganhos<br />
obtidos por compra e venda de<br />
cripto-moeda por moeda real<br />
(qualquer que esta seja), revelando-se,<br />
todavia, estes rendimentos<br />
como aqueles que potencialmente<br />
são mais importantes.<br />
Segundo a Autoridade Tributária,<br />
estes rendimentos não se<br />
enquadram no âmbito da categoria<br />
G (por não se subsumirem<br />
na tipificação fechada do artigo<br />
10.º do Código do IRS), nem no<br />
âmbito da categoria E (devido<br />
facto de os rendimentos em causa<br />
não serem gerados pela mera<br />
aplicação de capital, mas antes<br />
estarem associados ou exigirem<br />
a alienação de um direito).<br />
Assim, a Autoridade Tributária<br />
acaba por concluir que, face ao<br />
ordenamento jurídico português<br />
atualmente vigente, a venda de<br />
cripto-moeda não é tributável,<br />
só tal acontecendo num cenário<br />
em que o sujeito passivo de<br />
IRS desenvolva uma atividade<br />
profissional ou empresarial para<br />
comprar e vender cripto-moedas,<br />
em que acabará por ser tributada<br />
em sede de IRS no âmbito<br />
da categoria B.<br />
As cripto-moedas transacionadas<br />
funcionam essencialmente à<br />
margem de regulação, ainda não<br />
existindo legislação específica<br />
de natureza regulatória nem tributária<br />
que sistematize esta realidade,<br />
no entanto, este paradigma<br />
deverá ser alterado a nível<br />
europeu e progressivamente nos<br />
Estados-Membros. Aliás, Portugal<br />
já se juntou a uma iniciativa<br />
liderada por França, Alemanha,<br />
Itália e Espanha para avançar<br />
com a tributação da economia<br />
digital.
SAFT 2019: não deixes<br />
para amanhã aquilo<br />
que devias fazer hoje<br />
Tributação Digital<br />
ANA ANDREIA OLIVEIRA<br />
Assistant Manager, Tax Services<br />
O SAFT não é somente<br />
uma nova parametrização<br />
do sistema de reporte<br />
financeiro (“ERP”) das<br />
empresas, representa<br />
também a componente<br />
prática da aplicação<br />
direta da legislação.<br />
O SAFT contabilidade é um tema<br />
que se tem vindo a debater cada<br />
vez mais ao longo destes últimos<br />
meses: um novo formato, novas<br />
exigências de padronização do<br />
ERP de cada entidade, um prazo<br />
definido de entrega. Mas a atitude<br />
tem sido “temos tempo, é só<br />
para entregar em 2020…”<br />
(In)felizmente tudo o que requer<br />
um prazo de entrega definido<br />
impõe uma preparação prévia e<br />
isto significa que não será só em<br />
2020. O futuro é agora.<br />
As novas formatações, exigências<br />
e até mesmo o prazo não são<br />
assim tão simples de cumprir<br />
conforme se possa inicialmente<br />
antever. Nem todas as empresas<br />
têm um plano de contas com<br />
base no Sistema de Normalização<br />
Contabilístico (SNC) que lhes<br />
permita fazer um mapeamento<br />
direto para as taxonomias com<br />
uma simples função Excel do<br />
tipo “vlookup”. A realidade contabilística<br />
é bem mais complexa.<br />
O “novo” SAFT não é somente<br />
uma obrigação que tem de ser<br />
cumprida, é uma partilha de informação<br />
quase cega das empresas<br />
para com a Autoridade<br />
Tributária e Aduaneira (AT). Trata-se<br />
de expor a nu a contabilidade<br />
da empresa e permitir que<br />
esses dados sejam analisados,<br />
sendo o seu propósito único a<br />
auditoria e inspeção às contas<br />
numa ótica estritamente fiscal.<br />
Mas o principal problema vem<br />
muito antes. Como nos prepararmos<br />
para essa mudança? Para<br />
muitas empresas sediadas em<br />
Portugal e que fazem parte de um<br />
grupo com sede no estrangeiro,<br />
é muito comum que a realidade<br />
com que se confrontam (até mesmo<br />
do próprio departamento de<br />
gestão) seja de cariz internacional.<br />
Vivemos numa era de globalização,<br />
e por isso é normal que se<br />
questione como se poderá cumprir<br />
de forma rigorosa a adoção<br />
de critérios tão próprios e específicos<br />
da realidade Portuguesa em<br />
empresas de cariz internacional?<br />
Analisando a portaria que regulamenta<br />
a adoção do SAFT (i.e.<br />
Portaria n.º 302/2016), parecenos<br />
que o tema das taxonomias<br />
será o critério mais fácil de resolver.<br />
Mas existem realidades,<br />
por exemplo uma conta com<br />
impacto na Demonstração de<br />
Resultados, que tanto pode ter<br />
a natureza de um rendimento<br />
como de um gasto (que uma<br />
simples regra de débito/crédito<br />
não resolvem), sendo necessário<br />
criar mais contas. Para isso existe<br />
a necessidade de explicar aos<br />
gestores internacionais o que é<br />
o SAFT (um tipo de reporte, que<br />
apesar de constituir uma recomendação<br />
da OCDE, em que Portugal<br />
afigura-se como pioneiro).<br />
Outra limitação intrínseca a esta<br />
alteração prende-se com a exportação<br />
do próprio ficheiro SAFT.<br />
Neste contexto, veio a Ordem dos<br />
Contabilistas Certificados prestar<br />
esclarecimento através da<br />
publicação de um guia de aplicação<br />
para a contabilidade em<br />
que evidenciam que “O ficheiro<br />
SAF-T (PT) da contabilidade deve<br />
ser extraído obrigatoriamente do<br />
programa informático de contabilidade,<br />
não podendo ser obtido<br />
por qualquer outro sistema informático<br />
externo ao próprio programa”.<br />
Este tema vai certamente<br />
interferir com o próprio papel<br />
dos contabilistas certificados e<br />
das empresas de contabilidade<br />
e consultoria que dão suporte às<br />
diferentes empresas sediadas em<br />
Portugal, uma vez que o ficheiro<br />
SAFT só poderá ser extraído do<br />
ERP da contabilidade da empresa.<br />
Esta posição garante que a informação<br />
facultada à AT não será<br />
manipulada, mas por outro lado<br />
coloca um entrave significativo<br />
ao auxílio que se pode prestar às<br />
empresas que se deparam com<br />
diversos entraves de natureza<br />
técnica para gerar este ficheiro.<br />
Estes são apenas alguns dos<br />
desafios que se colocam relativamente<br />
a este assunto. E todos<br />
tomarão algum tempo a serem<br />
analisados, estruturados internamente<br />
para assegurar a gestão<br />
do risco numa área tão sensível<br />
e relativamente à qual a exposição<br />
de informação será total.<br />
O problema está identificado,<br />
urge agora iniciar a construção<br />
da solução para responder com<br />
sucesso ao desafio que esta temática<br />
coloca.<br />
117
Tributação Digital<br />
O adiamento da<br />
desmaterialização…<br />
118<br />
CATARINA MATOS<br />
Diretor, Tax Services<br />
O Decreto-Lei n.º<br />
111-B/2017, de 31<br />
de agosto, alterou<br />
o Código dos<br />
Contratos Públicos<br />
(CCP), procedendo<br />
à transposição da<br />
Diretiva 2014/55/UE do<br />
Parlamento Europeu e<br />
do Conselho, de 16 de<br />
abril de 2014, relativa<br />
à faturação eletrónica<br />
nos contratos públicos.<br />
No passado dia 28 de dezembro,<br />
veio o Decreto-lei n.º 123/2018,<br />
definir o modelo de governação<br />
para a implementação da faturação<br />
eletrónica nos contratos<br />
públicos e proceder à primeira<br />
alteração ao Decreto-Lei n.º 111-<br />
B/2017, de 31 de agosto, no que<br />
respeita aos novos prazos de<br />
entrada em vigor a aplicar aos<br />
contraentes públicos e aos cocontratantes.<br />
Neste âmbito, e ao contrário do<br />
prazo inicialmente previsto, i.e. 1<br />
janeiro de 2019, passam a estar<br />
previstos os seguintes prazos:<br />
1. Os contraentes públicos referidos<br />
no artigo 3.º do CCP são<br />
obrigados, a partir de 18 de abril<br />
de 2019, a receber e a processar<br />
faturas eletrónicas no modelo<br />
estabelecido pela norma europeia<br />
respetiva aprovada pela<br />
Comissão Europeia e publicitada<br />
no portal dos contratos públicos,<br />
sem prejuízo do estabelecido no<br />
ponto seguinte.<br />
2. O prazo referido anteriormente<br />
é alargado até 18 de abril de 2020<br />
para os contraentes públicos que<br />
não integrem as alíneas a) e d) do<br />
n.º 1 do artigo 2.º do CCP, i.e. entidades<br />
que não sejam Estado ou<br />
Institutos públicos.<br />
3. Até 17 de abril de 2020 os cocontratantes<br />
podem utilizar mecanismos<br />
de faturação diferentes<br />
da faturação eletrónica, sem prejuízo<br />
do estabelecido no ponto<br />
seguinte.<br />
4. O prazo referido anteriormente<br />
é alargado até 31 de dezembro<br />
de 2020 para as micro, pequenas<br />
e médias empresas, definidas<br />
nos termos da Recomendação<br />
2003/361/CE, da Comissão Europeia,<br />
de 6 de maio de 2003, e para<br />
as entidades públicas enquanto<br />
entidades cocontratantes.<br />
5. As empresas e entidades referidas<br />
nos números anteriores,<br />
que não utilizem faturação eletrónica<br />
nos prazos estabelecidos<br />
no Decreto, não podem, em caso<br />
algum, ser objeto de discriminação<br />
por parte dos contraentes<br />
públicos.<br />
Adicionalmente, e tendo em conta<br />
a necessidade da existência<br />
de regras bem definidas sobre a<br />
matéria, de modo a evitar a proliferação<br />
de requisitos e formatos,<br />
e em alguns casos de regras setoriais,<br />
a Entidade de Serviços Partilhados<br />
da Administração Pública,<br />
I. P. (ESPAP) é a entidade que<br />
coordenará a implementação da<br />
faturação eletrónica, competindo-lhe<br />
a emissão de requisitos<br />
técnicos e funcionais que suportam<br />
a referida implementação.<br />
A ESPAP fornecerá a solução para<br />
a receção e o processamento de<br />
faturas eletrónicas, atendendo<br />
às necessidades e especificidades<br />
de cada setor, garantindo o<br />
relacionamento e colaboração<br />
eletrónica com os cocontratantes,<br />
tendo em conta que:<br />
a) os serviços da Administração<br />
direta do Estado e os institutos<br />
públicos integram o âmbito de<br />
entidades vinculadas à utilização<br />
obrigatória do sistema de faturação<br />
eletrónica fornecido pela<br />
ESPAP; e<br />
b) os serviços e entidades não<br />
referidos na alínea anterior, incluindo<br />
a Presidência da República,<br />
a Assembleia da República, a<br />
Procuradoria Geral da República,<br />
os tribunais, as entidades administrativas<br />
independentes com<br />
funções de regulação, as entidades<br />
do setor público empresarial<br />
e as instituições de ensino superior<br />
públicas previstas na Lei n.º<br />
62/2007, de 10 de setembro, independentemente<br />
da sua natureza,<br />
integram o âmbito de entidades<br />
voluntárias que podem aderir ao<br />
sistema de faturação eletrónica<br />
fornecido pela ESPAP, mediante a<br />
celebração de um contrato.<br />
Este Decreto-Lei veio, no limite,<br />
serenar os operadores relativamente<br />
ao prazo de entrada em<br />
vigor, atenta a complexidade<br />
inerente à implementação do<br />
processo de faturação eletrónica,<br />
nomeadamente ao nível de requisitos<br />
técnicos e funcionais necessários.<br />
Mas atenção, trata-se<br />
de um mero adiamento, porque<br />
a faturação eletrónica será uma<br />
realidade a breve prazo e todos<br />
devem estar preparados para<br />
esse momento!
Tributação Digital<br />
Certificação ou não<br />
certificação? – eis a questão!<br />
CATARINA MATOS<br />
Diretor, Tax Services<br />
Atualmente, a obrigação<br />
de utilização de<br />
programas de faturação,<br />
previamente certificados<br />
pela Autoridade Tributária<br />
e Aduaneira (AT),<br />
encontra-se prevista no<br />
Decreto-Lei n.º 28/2019,<br />
de 15 de fevereiro, que<br />
veio regulamentar as<br />
obrigações relativas<br />
ao processamento<br />
de faturas e outros<br />
documentos<br />
fiscalmente relevantes<br />
e das obrigações de<br />
conservação de <strong>livro</strong>s,<br />
registos e respetivos<br />
documentos de suporte,<br />
que recaem sobre os<br />
sujeitos passivos de IVA.<br />
Neste âmbito, o artigo 4.º do referido<br />
decreto-lei prevê que ficam<br />
sujeitos à obrigação de utilizar<br />
exclusivamente programas<br />
informáticos de faturação, que<br />
tenham sido objeto de prévia<br />
certificação pela AT, os sujeitos<br />
passivos com sede, estabelecimento<br />
estável ou domicílio em<br />
território nacional e outros sujeitos<br />
passivos cuja obrigação de<br />
emissão de fatura se encontre<br />
sujeita às regras estabelecidas<br />
na legislação interna, nos termos<br />
do artigo 35.º-A do Código<br />
do Imposto sobre o Valor Acrescentado<br />
(IVA).<br />
Ou seja, a obrigação de utilização<br />
exclusiva de programas de faturação<br />
certificados pela AT que até<br />
agora incidia sobre sujeitos passivos<br />
de IVA com sede, estabelecimento<br />
estável ou domicílio no<br />
território nacional, passa a incidir<br />
sobre outros sujeitos passivos<br />
cuja obrigação de emissão de fatura<br />
se encontre sujeita às regras<br />
estabelecidas na legislação interna.<br />
A dúvida reside sobre que<br />
sujeitos passivos?<br />
Deverão ser incluídos neste grupo<br />
os sujeitos passivos sem sede,<br />
estabelecimento estável ou domicílio<br />
no território nacional –<br />
os denominados registos de IVA<br />
- que, por efetuarem operações<br />
tributáveis localizadas em território<br />
nacional, estejam obrigados<br />
a emitir faturas sujeitas às regras<br />
de faturação do Código do IVA?<br />
Os requisitos dos programas de<br />
faturação, assim como os procedimentos<br />
de certificação, são definidos<br />
por Portaria do Ministério<br />
das Finanças, sendo que à data<br />
ainda se mantém em vigor a Portaria<br />
n.º 363/2010, de 23 de junho,<br />
nos termos da qual apenas os<br />
sujeitos passivos de IRS e IRC se<br />
encontravam sujeitos a esta obrigação,<br />
ou seja, os meros registos<br />
de IVA encontram-se dispensados<br />
do cumprimento da mesma.<br />
Com a publicação deste decreto<br />
-lei muitas dúvidas se têm suscitado,<br />
se os meros registos de IVA<br />
passarão a ser abrangidos por<br />
esta obrigação. Aliás, o recente<br />
Despacho n.º 254/2019 – XXI do<br />
Secretário de Estado dos Assuntos<br />
Fiscais (SEAF) determina ser<br />
necessário “que a AT proceda à<br />
análise cuidada e continue a divulgar<br />
orientações sobre estas<br />
novas obrigações (…) esclarecendo,<br />
nomeadamente, as questões<br />
da eventual necessidade<br />
de cumprimento das obrigações<br />
de certificação de programas informáticos<br />
por parte de sujeitos<br />
passivos de IVA não residentes e<br />
sem estabelecimento estável em<br />
Portugal”.<br />
Ainda a propósito, no final do<br />
passado mês de agosto, foi publicada<br />
uma informação vinculativa<br />
onde o tema é abordado pela Direção<br />
de Serviços do IVA, fazendo-se<br />
referência a um despacho<br />
do SEAF não publicado, nos termos<br />
do qual a obrigação de utilização<br />
de programa de faturação<br />
certificado só será aplicável aos<br />
sujeitos passivos não estabelecidos,<br />
registados para efeitos de<br />
IVA no território nacional, a partir<br />
de 1 de janeiro de 2021 (data<br />
da entrada em vigor do artigo 2.º<br />
da Diretiva 2017/2455, de 5 de dezembro).<br />
Não obstante, uma regra<br />
de tal importância, que poderá<br />
gerar um custo administrativo<br />
substancial para os operadores<br />
económicos, não pode ser objeto<br />
de enquadramento no âmbito de<br />
uma informação vinculativa para<br />
uma entidade específica e com<br />
base em remissões para documentos<br />
desconhecidos para os<br />
contribuintes em geral.<br />
Por outro lado, é inevitável suscitar<br />
outra questão: a verificar-se<br />
tal obrigação, no limite, não ficará<br />
mais ténue a fronteira entre os<br />
meros registos de IVA e os estabelecimentos<br />
estáveis?<br />
As dúvidas vão surgindo ao longo<br />
dos tempos, mas a principal<br />
permanece (ainda) sem resposta<br />
geral e abstrata… Certificação ou<br />
não Certificação?<br />
119
Tributação Digital<br />
Faturação eletrónica<br />
nos contratos públicos<br />
120<br />
FILIPA GUEDES<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
O Código dos Contratos<br />
Públicos tem vindo<br />
a ser, ao longo dos<br />
anos, objeto de várias<br />
alterações, a última<br />
das quais introduzida<br />
pelo Decreto-Lei n.º 111-<br />
B/2017, de 31 de agosto.<br />
De entre as significativas alterações<br />
introduzidas, destaca-se a<br />
obrigatoriedade de emissão de<br />
faturas eletrónicas no âmbito da<br />
execução de contratos públicos,<br />
em vigor a partir de 1 de janeiro<br />
de 2019.<br />
A referida obrigação resulta da<br />
transposição da Diretiva 2014/55/<br />
UE do Parlamento Europeu e do<br />
Conselho, de 16 de abril de 2014,<br />
relativa à faturação eletrónica<br />
nos contratos públicos.<br />
Em termos práticos, a partir de<br />
1 de janeiro de 2019, passa a ser<br />
obrigatório que os fornecedores<br />
de entidades da administração<br />
pública, no âmbito da execução<br />
dos contratos públicos com estas<br />
celebrados, procedam à emissão<br />
faturas exclusivamente por<br />
via eletrónica, excecionando-se<br />
apenas os casos de contratos<br />
secretos ou acompanhados de<br />
medidas especiais de segurança.<br />
No que respeita à definição de<br />
fatura eletrónica, e de acordo<br />
com a norma comunitária, uma<br />
fatura eletrónica é uma fatura<br />
emitida, transmitida e recebida<br />
num formato eletrónico<br />
estruturado que permite o seu<br />
processamento automático e<br />
eletrónico (modelo standard<br />
europeu). Não são assim consideradas<br />
eletrónicas as faturas<br />
em PDF ou noutra apresentação<br />
meramente visual.<br />
As faturas eletrónicas emitidas no<br />
âmbito da execução de contratos<br />
públicos devem conter obrigatoriamente<br />
os seguintes elementos<br />
de informação (quando aplicáveis)<br />
previstos no artigo 299º-B do<br />
Decreto-Lei n.º 111-B/2017, a saber:<br />
l Identificadores do processo<br />
e da fatura<br />
l Período de faturação<br />
l Informações sobre<br />
o cocontratante<br />
l Informações sobre<br />
o contraente público<br />
l Informações sobre a entidade<br />
beneficiária, se distinta<br />
da anterior<br />
l Informações sobre<br />
o representante fiscal<br />
do cocontratante<br />
l Referência do contrato<br />
l Condições de entrega<br />
l Instruções de pagamento<br />
l Informações sobre<br />
ajustamentos e encargos<br />
l Informações sobre as rubricas<br />
da fatura<br />
l Totais da fatura<br />
De notar que a fatura eletrónica<br />
deverá seguir o modelo aprovado<br />
pela norma Europeia, e mencionado<br />
no portal reservado aos<br />
contratos públicos.<br />
Não obstante, as faturas eletrónicas<br />
devem ainda cumprir<br />
obrigatoriamente com os requisitos<br />
exigidos na legislação fiscal,<br />
designadamente, os previstos no<br />
artigo 36º do Código do IVA.<br />
Esta nova obrigação, que numa<br />
lógica de harmonização da faturação<br />
da contratação pública a<br />
nível europeu permitirá uma clara<br />
melhoria da gestão dos fluxos financeiros<br />
por parte das entidades<br />
da administração pública, pode<br />
constituir, numa fase de implementação<br />
inicial, um desafio para<br />
os fornecedores dessas entidades.<br />
Assim, por forma a minimizar esses<br />
impactos, prevê a norma europeia<br />
que, no âmbito da transposição<br />
da Diretiva, devem os<br />
Estados-Membros ter em conta<br />
as necessidades das pequenas e<br />
médias empresas, bem como das<br />
autoridades e entidades adjudicantes<br />
de pequena dimensão.<br />
Prevê ainda o legislador europeu<br />
que, no âmbito da transposição<br />
da Diretiva, os Estados-Membros<br />
deverão proporcionar o apoio necessário<br />
a todas as autoridades e<br />
entidades adjudicantes e fornecedores,<br />
para que a nova norma<br />
europeia sobre faturação eletrónica<br />
possa ser corretamente<br />
implementada e utilizada, destacando-se<br />
a obrigatória realização<br />
de ações de formação especialmente<br />
destinadas às pequenas e<br />
médias empresas.<br />
No entanto, não obstante a entrada<br />
em vigor da obrigação de<br />
faturação eletrónica no âmbito<br />
da execução dos contratos públicos<br />
se aproxime a passos largos,<br />
aguarda-se a regulação dos aspetos<br />
complementares da faturação<br />
eletrónica, não previstos no Código<br />
dos Contratos Públicos, que será<br />
efetuada por portaria dos membros<br />
do Governo responsáveis pelas<br />
áreas das finanças e das obras<br />
públicas, bem como, a publicação<br />
de informações complementares<br />
de apoio aos contratantes no portal<br />
dos contratos públicos.
RUI CARVALHO<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
No passado dia 13 de<br />
dezembro de 2018 foi<br />
aprovado em Conselho<br />
de Ministros (“CM”) um<br />
decreto-lei que vem<br />
dar início a uma nova<br />
regulamentação em sede<br />
das obrigações relativas ao<br />
processamento de faturas<br />
e outros documentos<br />
fiscais relevantes, sendo<br />
extensível às obrigações<br />
de conservação de <strong>livro</strong>s,<br />
registos e respetivos<br />
documentos de suporte<br />
que recaem/incidem sobre<br />
os sujeitos passivos de IVA.<br />
Conforme comunicado do CM,<br />
este diploma tem como “objetivos<br />
essenciais promover a simplificação<br />
legislativa e conferir<br />
uma maior segurança jurídica<br />
aos contribuintes, consolidando<br />
e atualizando legislação dispersa<br />
relativa ao processamento<br />
de faturas e de outros documentos<br />
fiscalmente relevantes,<br />
bem como harmonizando regras<br />
divergentes em matéria de conservação<br />
de documentos para<br />
efeitos de IVA, IRC e IRS”.<br />
Processamento de faturas<br />
e outros documentos<br />
fiscalmente relevantes<br />
– Desburocratização,<br />
Desmaterialização,<br />
Disrupção e Desafios<br />
Prevê-se, portanto, uma alteração<br />
significativa ao nível dos<br />
procedimentos em apreço cuja<br />
implementação, ainda que não<br />
totalmente conhecida, será iniciada<br />
já em 2019 prolongandose,<br />
à partida, durante 2020 e<br />
anos seguintes.<br />
Faturas sem papel, faturas com<br />
um QR-Code e pré-preenchimento<br />
de declarações de IVA,<br />
são algumas das medidas que<br />
se pretendem implementar nos<br />
próximos anos, que têm também<br />
como objetivo o combate<br />
à fraude e evasão fiscais.<br />
Contudo, os objetivos destas<br />
medidas não se esgotam nos<br />
já enunciados. Há um foco<br />
claro da Autoridade Tributária<br />
e Aduaneira (“AT”) na desburocratização<br />
administrativa e<br />
legislativa associada a estes<br />
temas, bem como um propósito<br />
de desmaterialização que possibilite<br />
uma redução da pegada<br />
ecológica, relacionada com<br />
o consumo de papel, e gastos<br />
com o arquivo físico da documentação.<br />
Processos de mudança são<br />
muitas das vezes disruptivos<br />
e este não será à partida uma<br />
exceção. Na verdade, as alterações<br />
que se perspetivam irão<br />
romper com procedimentos e<br />
processos antigos, há muito<br />
enraizados no modus operandi<br />
dos consumidores finais e<br />
Tributação Digital<br />
agentes económicos, sendo<br />
necessário que venha a ocorrer,<br />
por parte destes, uma mudança<br />
de paradigma e de postura perante<br />
esta nova realidade (mais<br />
digital), por forma a que se<br />
proceda a uma implementação<br />
rápida e eficiente destas novas<br />
medidas.<br />
Trata-se também de um desafio<br />
para os vários stakeholders<br />
e contribuintes. Se para a AT o<br />
desafio está necessariamente<br />
na criação de medidas, processos,<br />
procedimentos e soluções<br />
de fácil aceitação e utilização<br />
generalizada/massiva por parte<br />
dos contribuintes, estes últimos<br />
(consumidores finais e<br />
empresas), terão o desafio de<br />
se adaptarem a estas novas<br />
realidades, sendo necessário,<br />
muito provavelmente, que alterem<br />
também os seus hábitos<br />
e procedimentos. A este nível,<br />
e no que respeita às empresas,<br />
estas terão necessariamente de<br />
alterar procedimentos internos<br />
na área administrativa e financeira,<br />
não só para que consigam<br />
acompanhar, lidar e cumprir<br />
com estas mudanças, mas também<br />
para poderem beneficiar<br />
de todas as vantagens, eficiências<br />
e sinergias que estas medidas<br />
vão certamente aportar<br />
aos processos de compliance<br />
contabilístico, fiscal e administrativo.<br />
121
Tributação Digital<br />
Novas realidades<br />
no processamento de<br />
faturas e arquivo – Dúvidas,<br />
desafios e benefícios<br />
122<br />
RUI CARVALHO<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
O Decreto-Lei n.º 28/2019,<br />
de 15 de fevereiro<br />
(“DL 28/2019”), procedeu<br />
à regulamentação das<br />
obrigações relativas ao<br />
processamento de faturas<br />
e outros documentos<br />
fiscalmente relevantes<br />
e das obrigações de<br />
conservação de <strong>livro</strong>s,<br />
registos e respetivos<br />
documentos de suporte,<br />
que recaem sobre os<br />
sujeitos passivos do<br />
Imposto sobre o Valor<br />
Acrescentado (IVA).<br />
O referido diploma vem consolidar<br />
e atualizar diversa legislação<br />
dispersa relativa ao processamento<br />
de faturas e de outros documentos<br />
fiscalmente relevantes,<br />
harmonizando regras divergentes<br />
em matéria de conservação de<br />
documentos.<br />
De facto, são criadas através do<br />
presente decreto-lei as condições<br />
para a desmaterialização de documentos,<br />
incentivando a adoção<br />
de um sistema de faturação eletrónica<br />
e de arquivo eletrónico de<br />
documentos, permitindo às empresas<br />
uma redução dos custos<br />
com o cumprimento das obrigações<br />
fiscais, estimulando o desenvolvimento<br />
e a utilização pelas<br />
empresas de novos instrumentos<br />
tecnológicos, incorporando uma<br />
filosofia de inovação e desburocratização.<br />
Uma dessas medidas consiste nas<br />
“Faturas sem papel”, prevendo-se<br />
assim a possibilidade de dispensa<br />
de impressão de faturas.<br />
Contudo, são muitas as dúvidas<br />
sobre conceitos como “faturas<br />
sem papel” e “faturação eletrónica”<br />
que importa esclarecer.<br />
A fatura eletrónica poderá entender-se<br />
como um documento<br />
comercial em todo semelhante a<br />
uma fatura tradicional, a qual foi<br />
desmaterializada, isto é, transmitida<br />
em formato eletrónico, com<br />
todos os dados relevantes. Nos<br />
termos do nº 10 do artigo 36º do<br />
Código do IVA e do artigo 12º e seguintes<br />
do DL 28/2019, estabelecem-se<br />
as condições necessárias<br />
para a emissão de faturas por via<br />
eletrónica, sendo de destacar: (i)<br />
a prévia aceitação por parte do<br />
destinatário; (ii) a garantia da autenticidade<br />
da sua origem, a integridade<br />
do seu conteúdo e a sua<br />
legibilidade através de quaisquer<br />
controlos de gestão que criem<br />
uma pista de auditoria fiável, considerando-se<br />
cumpridas essas<br />
exigências se adotada, nomeadamente,<br />
uma assinatura eletrónica<br />
avançada ou um sistema de intercâmbio<br />
eletrónico de dados (EDI).<br />
Neste sentido, o simples envio de<br />
uma fatura digitalizada em formato<br />
PDF não se subsume no conceito<br />
de faturação eletrónica prevista<br />
no DL 28/2019 se não forem asseguradas<br />
as condições referidas<br />
anteriormente.<br />
Ainda que estejam pendentes de<br />
esclarecimento por parte da Autoridade<br />
Tributária e Aduaneira (AT)<br />
alguns procedimentos para implementação<br />
de “Faturas sem papel”,<br />
a dispensa de impressão da fatura<br />
ou do seu envio em formato eletrónico<br />
passará a ocorrer quando<br />
o adquirente se tratar de um particular<br />
que forneça o seu número<br />
de identificação fiscal (“NIF”) e a<br />
entidade emitente, que emite a<br />
fatura, tenha optado pela transmissão<br />
eletrónica dos elementos<br />
das faturas em tempo real à AT.<br />
Desta forma, desde que o consumidor<br />
aceite, as faturas deixam de<br />
ser impressas em papel e passam<br />
a poder ser emitidas por meio<br />
eletrónico (através de um programa<br />
informático certificado), sendo<br />
disponibilizadas no Portal da AT e<br />
enviadas pelo emitente por meio<br />
eletrónico.<br />
“Faturação eletrónica” e “Faturas<br />
sem papel” são assim realidades<br />
diferentes, mas com um impacto<br />
relevante na vida das empresas,<br />
nomeadamente a redução da<br />
despesa associada à emissão das<br />
mesmas, o aumento da produtividade<br />
e eficiência administrativa<br />
e o rigor na transmissão dos dados.<br />
Estas vantagens, aliadas aos<br />
benefícios que resultam dos procedimentos<br />
de arquivo inerentes<br />
a cada tipologia de faturas (eletrónicas,<br />
sem papel e em papel<br />
– esta última com possibilidade<br />
de os documentos poderem ser<br />
digitalizados e arquivados em formato<br />
eletrónico), nomeadamente<br />
o acesso facilitado à documentação<br />
e poupança no espaço físico,<br />
resultam num novo paradigma<br />
dos processos administrativos e<br />
financeiros que terá um impacto<br />
considerável para as empresas e<br />
também para os consumidores<br />
finais.
Processo<br />
e Procedimento
Processo e Procedimento<br />
Inspetores fiscais sem<br />
fronteiras – os super-heróis<br />
da tributação internacional<br />
124<br />
PEDRO SIMÕES PEREIRA<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
Muito em voga no<br />
debate internacional,<br />
e ao abrigo do<br />
programa do BEPS<br />
(Base Erosion<br />
& Profit Shifting),<br />
estão as questões<br />
inerentes à erosão<br />
da base tributável e à<br />
alocação de receitas<br />
e lucros por parte dos<br />
grupos multinacionais.<br />
Também agora,<br />
mais do que nunca,<br />
a figura do anti vilão<br />
no papel assumido<br />
pelos inspetores<br />
tributários<br />
sem fronteiras<br />
vem responder,<br />
de forma crescente,<br />
ao relativamente<br />
encriptado mundo<br />
das operações<br />
económicas mundiais.<br />
Muito em voga no debate internacional,<br />
e ao abrigo do programa<br />
do BEPS (Base Erosion &<br />
Profit Shifting), estão as questões<br />
inerentes à erosão da base<br />
tributável e à alocação de receitas<br />
e lucros por parte dos grupos<br />
multinacionais. Também agora,<br />
mais do que nunca, a figura do<br />
anti vilão no papel assumido<br />
pelos inspetores tributários sem<br />
fronteiras vem responder, de forma<br />
crescente, ao relativamente<br />
encriptado mundo das operações<br />
económicas mundiais.<br />
Os inspetores sem fronteiras<br />
ou, na sua terminologia original,<br />
Tax Inspectors Without Borders<br />
“TIWB”, assume-se na génese<br />
como um programa conjunto da<br />
OCDE (Organização para a Cooperação<br />
do Desenvolvimento<br />
Económico) e das Nações Unidas.<br />
A ideia original remonta a<br />
2010 em que, à semelhança dos<br />
médicos sem fronteiras, também<br />
uma força de especialistas e experts<br />
em matérias de índole fiscal<br />
deveriam ser enviados - com<br />
origem em países economicamente<br />
desenvolvidos – para países<br />
em desenvolvimento. Com<br />
base nesta premissa, entre 2015<br />
e 2016 a OCDE e a UNDP (United<br />
Nations Development Programme)<br />
lançaram uma iniciativa<br />
conjunta que visava, como objetivo<br />
inicial, concretizar 100 ações<br />
em matéria fiscal até 2020.<br />
No seu relatório anual com referência<br />
ao período 2017/2018,<br />
a OCDE refere que os programas<br />
em curso, de ajuda ativa entre<br />
partner administration (departamento<br />
ou jurisdição do país que<br />
partilha o técnico ou o financiamento<br />
para a concretização do<br />
programa) e host administration<br />
(departamento ou instituição<br />
que, num país em desenvolvimento,<br />
solicita assistência em<br />
matéria fiscal, e corresponde<br />
ao organismo responsável pelo<br />
cálculo e cobrança de impostos),<br />
excederam as expectativas iniciais<br />
e apresentam taxas de crescimento<br />
surpreendentes, sendo<br />
os países das regiões de África,<br />
da América Latina e das Caraíbas,<br />
bem como da Europa do<br />
Leste os principais a requerer e a<br />
beneficiar de forma abrangente<br />
da expertise dos inspetores provenientes<br />
de um número cada<br />
vez maior de países parceiros. A<br />
este título importará salientar a<br />
adesão recente da Bélgica, Índia,<br />
África do Sul como alguns dos<br />
países que se juntaram, enquanto<br />
partner administrations, a outros<br />
como a França, a Alemanha,<br />
a Itália, Quénia, Holanda, Nigéria,<br />
Espanha e Reino Unido.<br />
África continua a ser a principal<br />
fonte de pedidos em matéria<br />
dos programas dos TIWB. Estes,<br />
por seu turno, abrangem um largo<br />
espectro de matérias técnicas<br />
em diversos sectores de indústria,<br />
naturalmente em resposta<br />
a cada caso particular da host<br />
administration. Os programas<br />
ativos contemplam, entre outros,<br />
a implementação de ações com<br />
vista ao apuramento e levantamento<br />
de riscos, melhorias nos<br />
processos de auditoria/inspeção,<br />
e negociação de acordos<br />
prévios de preços de transferência.<br />
Em concreto, cumpre sa-
Processo e Procedimento<br />
lientar que as principais ações<br />
inspetivas levadas a cabo nestes<br />
países têm como referência matérias<br />
de preços de transferência<br />
e de tributação internacional,<br />
nomeadamente ao nível de estabelecimentos<br />
estáveis, validação<br />
de management e service fees e<br />
a avaliação de direitos de propriedade<br />
intelectual.<br />
Não é de espantar, por isso,<br />
que em paralelo com a ação<br />
dos inspetores sem fronteiras<br />
– preconizadores, no caso, de<br />
auditorias concertadas fora da<br />
sua jurisdição matriz – muitos<br />
países na região Africana, e em<br />
concreto de língua portuguesa,<br />
tenham cumulativamente introduzido<br />
no seu normativo legislação<br />
específica em matéria de<br />
preços de transferência, como<br />
foi o caso de Angola (em 2014),<br />
Cabo Verde (em 2015) e Moçambique<br />
(em 2017), o que vem assumir-se,<br />
em países com frágeis<br />
mecanismos de controlo interno<br />
em outras matérias fiscais por si<br />
muito mais maduras, como uma<br />
problemática adicional no léxico<br />
quotidiano dos dois lados das<br />
barricadas, ora da máquina fiscal<br />
e dos respetivos inspetores,<br />
ora do local management de empresas<br />
que, a atuar localmente,<br />
deixam de poder pensar apenas<br />
no seu domínio e esfera de ação<br />
locais.<br />
Os programas desenvolvidos<br />
apresentam, num relativo curto<br />
espaço de tempo, resultados de<br />
sucesso altamente quantificáveis,<br />
que se traduzem desde 2012<br />
e à data de Abril de 2018, num<br />
valor acumulado de receitas fiscais<br />
de 414 milhões de dólares,<br />
apresentando um crescimento<br />
de 136 milhões de dólares por<br />
comparação ao anterior período<br />
de reporte do Relatório Anual da<br />
OCDE (i.e., à data de abril 2017).<br />
Como já referido, os casos de<br />
maior sucesso são provenientes<br />
da região africana, correspondendo<br />
a um total de 244 milhões<br />
de dólares de receita arrecada,<br />
seguida da América Latina e Caraíbas<br />
(110,8 milhões de dólares),<br />
Ásia (57,4 milhões de US) e Europa<br />
do Leste (1,5 milhões de US).<br />
Supletivamente ao propósito<br />
da maximização da receita em<br />
curtos períodos de tempo, os<br />
programas do TIWB visam, numa<br />
perspetiva de longo prazo, desenvolver<br />
competências técnicas<br />
mais diversificas e sustentadas,<br />
permitindo melhorar a qualidade<br />
das inspeções de auditoria<br />
fiscal, melhoria de ferramentas,<br />
processos e procedimentos, mudança<br />
organizacional, melhoria e<br />
adaptação de legislações vazias<br />
e, acima de tudo, ajudar a moldar<br />
as ações e comportamentos<br />
dos contribuintes resultando,<br />
por sua vez, num compliance de<br />
melhor qualidade.<br />
Os resultados assinalados pelas<br />
host administrations são, essencialmente,<br />
os seguintes:<br />
Ao nível das competências técnicas:<br />
l Inspetores com mais autonomia<br />
e confiança nos processos<br />
de inspeção e na realização de<br />
entrevistas aos contribuintes;<br />
l Ações de formação tailor-made<br />
que granjeiam conhecimento<br />
nos procedimentos de gestão de<br />
risco e de inspeções de preços<br />
de transferência;<br />
l Partilha de conhecimento e<br />
aprendizagem peer-to-peer melhorou<br />
através de mecanismos<br />
de feedback e trabalho em equipa.<br />
Ao nível das ferramentas, procedimentos<br />
e processos:<br />
l Diretivas e manuais desenvolvidos<br />
para a estandardização de<br />
processos;<br />
l Regras fiscais em matéria de<br />
procedimentos amigáveis e de<br />
acordos prévios de preços de<br />
transferência;<br />
l Aumento das inspeções, com<br />
sucesso, na temática de preços<br />
de transferência.<br />
Ao nível das alterações organizacionais:<br />
l Estabelecimento de equipas e<br />
unidades específicas em matéria<br />
de preços de transferência.<br />
Ao nível das alterações comportamentais<br />
(pelo sujeito passivo):<br />
l A solicitação, pelos inspetores,<br />
de informação relevante tem<br />
contribuído para aumentar a<br />
predisposição dos contribuintes<br />
em disponibilizar informação<br />
aos inspetores.<br />
Em suma, e não obstante o Programa<br />
dos TIWB ser corolário, à<br />
data, de sucesso quase imediato<br />
e garantido de arrecadação de<br />
receitas a nível internacional,<br />
o seu objetivo último consiste<br />
em promover a autonomia<br />
e assegurar a sustentabilidade<br />
futura destes países num contexto<br />
mundial de rápidas transformações<br />
e disrupções em que<br />
“o que vai ser” passou a “já foi“<br />
em unidades de tempo medidas<br />
em “cripto momentos”. Estas<br />
implementações pretendem-se<br />
robustas, afiguram-se complexas<br />
e sofisticadas do ponto de<br />
vista conceptual mas, simultaneamente,<br />
frágeis do ponto de<br />
vista da sua monitorização prática.<br />
Os inspetores sem fronteiras<br />
abraçam um novo mundo,<br />
o da disseminação das suas<br />
práticas tributárias e veem, assim,<br />
na sua missão de anti vilão,<br />
uma solução pelo bem comum<br />
que responde, inevitavelmente,<br />
às necessidades pragmáticas<br />
decorrentes da crescente complexidade<br />
fiscal no panorama<br />
mundial.<br />
125
Processo e Procedimento<br />
A (aparente?) simplificação<br />
do preenchimento da IES<br />
126<br />
ANA SOFIA ANTUNES<br />
Director, Tax Services<br />
Recentemente, entrou<br />
em vigor o Decreto-<br />
Lei n.º 87/2018, de<br />
31 de outubro, que<br />
visa simplificar o<br />
preenchimento<br />
dos anexos A e I da<br />
Informação Empresarial<br />
Simplificada (“IES”),<br />
através da consagração<br />
de novas regras de<br />
pré-preenchimento<br />
destes anexos com<br />
dados extraídos do<br />
denominado ficheiro<br />
SAF-T (PT) relativo<br />
à contabilidade dos<br />
sujeitos passivos aos<br />
quais esta obrigação<br />
seja aplicável.<br />
O referido diploma legal entrou<br />
em vigor no passado dia 1 de<br />
novembro, aplicando-se aos sujeitos<br />
passivos cuja obrigação de<br />
submissão da IES seja posterior<br />
essa data.<br />
Para efeitos da sua implementação,<br />
aguarda-se, contudo,<br />
a publicação da Portaria dos<br />
membros do Governo responsáveis<br />
pela área das finanças, pelo<br />
Instituto Nacional de Estatística,<br />
I. P., e pelas áreas da justiça e da<br />
economia, a qual deverá prever<br />
não só as disposições para sua<br />
utilização, mas também um regime<br />
transitório, de modo a garantir<br />
um período de adaptação dos<br />
sujeitos passivos e respetivos<br />
contabilistas certificados.<br />
O modo de preenchimento automático<br />
da IES (assim como<br />
de qualquer outra declaração)<br />
é sempre um fator positivo de<br />
poupança de horas de trabalho<br />
e, na sua génese, pretende-se<br />
que atue como um mecanismo<br />
facilitador da vida dos profissionais,<br />
dos contribuintes e da<br />
própria Autoridade Tributária e<br />
Aduaneira (“AT”).<br />
Contudo, exigindo-se a entrega<br />
prévia do ficheiro SAF-T (PT)<br />
relativo à contabilidade, tal poderá<br />
implicar a adaptação e/<br />
ou revisão dos sistemas informáticos<br />
dos contribuintes, com<br />
o inerente aumento dos custos<br />
de aplicação e implementação<br />
desta medida. A extração<br />
de forma correta, atempada e<br />
completa do SAF-T (PT) deve ser<br />
uma preocupação crescente dos<br />
contribuintes.<br />
Um simples erro no momento da<br />
submissão, seja ele estrutural,<br />
de conteúdo ou do programa,<br />
poderá implicar o incumprimento<br />
perante a AT, com a possível<br />
aplicação de coimas “em cascata”,<br />
pela não entrega do SAF-T<br />
(PT) e da IES. Por outro lado, será<br />
facultado à AT um conjunto alargado<br />
e relevante de informação,<br />
cuja leitura importa garantir ser<br />
a correta.<br />
Ainda que com algum grau de<br />
incerteza quanto a prazos e<br />
metodologias de entrega do ficheiro<br />
SAF-T (PT) relativo à contabilidade<br />
(nos termos a definir<br />
pela referida Portaria), trata-se<br />
de uma realidade já legislada<br />
e, como tal, presente no quotidiano<br />
das organizações que não<br />
deve ser descurada. Com efeito,<br />
a (aparente) simplificação das<br />
obrigações declarativas poderá<br />
acarretar, para muitos contribuintes,<br />
um incremento de complexidade<br />
técnica e de revolução<br />
digital dos seus processos e<br />
sistemas de informação, que importa<br />
acautelar com a brevidade<br />
e maior tempestividade possível.
Processo e Procedimento<br />
Troca de informação entre<br />
estados-membros, sobre<br />
planeamento fiscal e não só!<br />
ANTÓNIO NEVES<br />
Partner, Tax Services<br />
Em 25 de junho de<br />
2018, entrou em vigor a<br />
Diretiva (UE) 2018/822<br />
do Conselho, de 25<br />
de maio de 2018,<br />
a qual vem alterar<br />
a Diretiva 2011/16/<br />
UE do Conselho,<br />
de 15 de fevereiro,<br />
relativa à cooperação<br />
administrativa no<br />
domínio da fiscalidade.<br />
Esta última Diretiva já tinha<br />
sido, nos últimos anos, alterada<br />
para contemplar a troca<br />
automática de informações<br />
obrigatória no que respeita,<br />
nomeadamente, a rulings, ao<br />
country-by-country reporting e<br />
a contas financeiras.<br />
Com esta nova alteração, passa<br />
também a verificar-se a troca<br />
automática de informações no<br />
que respeita a mecanismos<br />
transfronteiriços a comunicar,<br />
os quais se encontram associados<br />
com o planeamento fiscal<br />
e poderão indiciar formas de<br />
evasão fiscal.<br />
A Diretiva abrange todos os<br />
impostos, exceto IVA, direitos<br />
aduaneiros, impostos especiais<br />
de consumo e segurança social.<br />
Na prática, vem introduzir-se<br />
uma nova obrigação de comunicação,<br />
por parte dos intermediários<br />
(consultores, advogados,<br />
auditores, contabilistas,<br />
instituições financeiras, etc.) ou<br />
contribuintes, às autoridades<br />
fiscais de um estado-membro,<br />
as quais deverão partilhar automaticamente<br />
essa informação<br />
com as suas congéneres de<br />
outros estados-membros.<br />
A obrigação de comunicação<br />
apenas se aplica quando se<br />
verifica a existência de um mecanismo<br />
transfronteiriço que<br />
envolva mais de um estadomembro<br />
ou um estado-membro<br />
e um país terceiro. Deste<br />
modo, encontram-se excluídos<br />
os mecanismos puramente domésticos<br />
sem impacto transfronteiriço<br />
(não obstante, em<br />
Portugal, estes poderão ser<br />
reportáveis nos termos do decreto-lei<br />
n.º 29/2008, de 25 de<br />
fevereiro).<br />
Para que um dado mecanismo<br />
transfronteiriço seja de comunicar,<br />
haverá que verificar<br />
alguns requisitos, designadamente,<br />
quanto à residência dos<br />
participantes, à localização das<br />
atividades desenvolvidas pelos<br />
participantes ou ao impacto do<br />
mesmo na obrigação de troca<br />
de informações financeiras ou<br />
na identificação do beneficiário<br />
efetivo. A Diretiva elenca<br />
um conjunto de características-chave,<br />
sendo que somente<br />
serão relevantes os mecanismos<br />
transfronteiriços que<br />
contenham, pelo menos, uma<br />
dessas características, as quais<br />
incluem:<br />
l A obtenção de uma vantagem<br />
fiscal;<br />
l A existência de uma cláusula<br />
de confidencialidade;<br />
l A existência de um success<br />
fee;<br />
l Um mecanismo<br />
estandardizado;<br />
l A aquisição de sociedade<br />
com prejuízos fiscais;<br />
l A conversão de rendimento<br />
em capital ou noutra realidade<br />
com regime fiscal mais<br />
favorável;<br />
l As operações circulares<br />
de fundos sem substância<br />
económica;<br />
l Os pagamentos a uma<br />
entidade que beneficie de um<br />
regime de tributação mais<br />
favorável;<br />
l A dedução de depreciação<br />
relativamente a um ativo em<br />
127
Processo e Procedimento<br />
128<br />
mais de uma jurisdição;<br />
l A eliminação da dupla<br />
tributação em mais de uma<br />
jurisdição;<br />
l A transferência de ativos em<br />
que se verifique uma diferença<br />
material no valor reconhecido<br />
nas jurisdições envolvidas;<br />
l Mecanismos que visem<br />
contornar a obrigação de<br />
reporte de contas financeiras;<br />
l Uma estrutura sem<br />
substância económica que vise<br />
não permitir a identificação do<br />
beneficiário efetivo;<br />
l O uso de safe harbors<br />
unilaterais em sede de preços<br />
de transferência;<br />
l A transferência intragrupo<br />
de intangíveis de difícil<br />
valorização;<br />
l A alteração do modelo de<br />
negócio da qual resulte uma<br />
redução superior a 50% do<br />
EBIT.<br />
A obrigação de comunicação<br />
por parte dos intermediários,<br />
ou contribuintes, somente será<br />
de cumprir num estado-membro<br />
e poderá ser dispensada<br />
caso consigam comprovar que<br />
a comunicação foi efetuada por<br />
outro intermediário, ou contribuinte.<br />
Alguns intermediários<br />
poderão beneficiar de dispensa<br />
de comunicação devido a sigilo<br />
profissional, mas terão de analisar<br />
o mecanismo e notificar<br />
outro intermediário, ou o contribuinte,<br />
da respetiva obrigação<br />
de comunicação.<br />
A comunicação, quando devida,<br />
deve ser efetuada no prazo<br />
de 30 dias a contar da data<br />
relevante (disponibilização do<br />
mecanismo, finalização do mecanismo<br />
para implementação<br />
ou início da implementação do<br />
mecanismo, a que se verificar<br />
primeiro). No caso de mecanismos<br />
estandardizados, o intermediário<br />
poderá ter de apresentar<br />
um relatório trimestral<br />
sobre atualizações relevantes.<br />
A primeira comunicação por<br />
parte de intermediários / contribuintes<br />
deve ocorrer até 31<br />
de agosto de 2020, devendo<br />
abranger todos os mecanismos<br />
cujo primeiro passo de implementação<br />
se verifique entre 25<br />
de junho de 2018 e 1 de julho<br />
de 2020. A troca automática de<br />
informação entre autoridades<br />
fiscais deverá ocorrer no prazo<br />
de 1 mês a contar do final do<br />
trimestre em que se verifique<br />
a comunicação pelo intermediário,<br />
ou contribuinte, sendo a<br />
primeira devida até 31 de outubro<br />
de 2020.<br />
A comunicação às autoridades<br />
fiscais envolve um detalhe do<br />
mecanismo, sendo de identificar<br />
o(s) contribuinte(s).<br />
Os estados-membros devem<br />
transpor a Diretiva até 31 de<br />
dezembro de 2019, aplicando a<br />
mesma a partir de 1 de julho de<br />
2020. No processo de transposição,<br />
será também estabelecido<br />
o regime sancionatório que deverá<br />
ser efetivo, proporcional e<br />
dissuasor.<br />
Face ao exposto, a Diretiva (UE)<br />
2018/822 do Conselho, de 25 de<br />
maio de 2018, vem introduzir<br />
uma obrigação muito relevante<br />
em matéria de fiscalidade<br />
com impacto transfronteiriço.<br />
Comparativamente ao regime<br />
atualmente em vigor em Portugal,<br />
verifica-se uma maior<br />
abrangência dos “esquemas<br />
ou atuações” a reportar, muitos<br />
sem dependência da obtenção<br />
de uma vantagem fiscal, a obrigação<br />
de identificar o contribuinte<br />
e a troca de informações<br />
entre estados-membros.<br />
Embora a primeira obrigação<br />
de comunicação somente se<br />
verifique daqui a cerca de 2<br />
anos, urge desde já identificar<br />
as situações relevantes que<br />
ocorram desde 25 de junho de<br />
2018 e que sejam futuramente<br />
passíveis de comunicação.<br />
A implementação harmonizada<br />
entre estados-membros, face<br />
às imensas dúvidas suscitadas<br />
pela redação da Diretiva, será<br />
com certeza um desafio para os<br />
intermediários, contribuintes e<br />
autoridades fiscais.
DIOGO CUNHA<br />
Manager, Tax Services<br />
Processo e Procedimento<br />
Medidas de caráter<br />
extraordinário para a<br />
recuperação de pendências<br />
nos tribunais administrativos<br />
e fiscais (será desta?)<br />
Nos últimos anos<br />
tem-se assistido a um<br />
aumento significativo<br />
da litigância ao nível<br />
administrativa e fiscal,<br />
com consequente<br />
aumento dos tempos<br />
de resposta<br />
dos tribunais<br />
e a acumulação<br />
das pendências.<br />
Como todos sabemos, a morosidade<br />
no funcionamento dos tribunais<br />
administrativos e fiscais<br />
tem um impacto prejudicial significativo<br />
na vida dos cidadãos e<br />
das empresas, afetando de forma<br />
determinante a competitividade<br />
da economia (em 2016 o número<br />
de processos pendentes na jurisdição<br />
administrativa e fiscal era<br />
de 72.516, segundo dados da Direção<br />
-Geral da Política de Justiça).<br />
Neste contexto, foi recentemente<br />
publicado o Decreto-Lei n.º<br />
81/2018 de 15 de outubro de 2018,<br />
que visa a implementação de um<br />
conjunto de medidas extraordinárias<br />
que pretendem acelerar o<br />
número de decisões, bem como<br />
reduzir significativamente o volume<br />
das pendências existentes,<br />
nomeadamente:<br />
1) A isenção de custas processuais<br />
pela desistência de pedidos<br />
nos processos administrativos e<br />
tributários pendentes, até ao final<br />
de 2019;<br />
2) A obrigação, para a Autoridade<br />
Tributária e Aduaneira, de revogar<br />
ou rever todos os atos tributários<br />
ou administrativos que sejam objeto<br />
de um processo pendente,<br />
quando ocorra ou tenha ocorrido<br />
alteração do entendimento administrativo<br />
em sentido favorável<br />
ao sujeito passivo, e bem assim<br />
quando tenha sido proferida jurisprudência<br />
quanto à matéria<br />
objeto do processo em sentido<br />
favorável ao sujeito passivo;<br />
3) A possibilidade dos sujeitos<br />
passivos poderem submeter aos<br />
tribunais arbitrais tributários,<br />
dentro das respetivas competências,<br />
as pretensões que tenham<br />
formulado em processos de impugnação<br />
judicial, com dispensa<br />
de pagamento de custas processuais,<br />
relativamente aos casos<br />
que se encontrem pendentes de<br />
decisão em primeira instância<br />
nos tribunais tributários, e que<br />
nestes tenham dado entrada até<br />
31 de dezembro de 2016.<br />
Do conjunto de medidas supra<br />
citadas, destaca-se claramente<br />
a última, uma vez que permitirá<br />
que processos pendentes junto<br />
dos tribunais tributários de 1.ª<br />
instância, com entrada até 31 de<br />
dezembro de 2016 possam transitar<br />
para os tribunais arbitrais<br />
tributários e assim serem resolvidos<br />
de forma muito mais célere<br />
pendências que se têm arrastado<br />
ao longo de anos nos tribunais<br />
administrativos tributários. Recorde-se<br />
que nos tribunais arbitrais<br />
o prazo máximo de decisão,<br />
em regra, são 6 meses.<br />
O pedido de transição para o tribunal<br />
arbitral, a apresentar ao<br />
abrigo desta norma, encontra-se<br />
disponível até 31 de dezembro<br />
de 2019, devendo o mesmo ser<br />
acompanhado de certidão judicial<br />
eletrónica do requerimento<br />
apresentado para a extinção da<br />
instância judicial. Adicionalmente,<br />
chama-se a atenção para o<br />
facto de apenas os processos que<br />
se encontrem na fase de impugnação<br />
judicial serem admitidos à<br />
aludida transição. Por fim, as pretensões<br />
a submeter nesse pedido<br />
de constituição de tribunal arbitral<br />
devem coincidir com o pedido<br />
e a causa de pedir do processo<br />
judicial a extinguir, apenas se<br />
admitindo a redução do pedido.<br />
Em suma, trata-se de uma oportunidade<br />
única, concedida aos<br />
contribuintes, de conseguirem<br />
forçar a tomada de decisões de<br />
forma mais célere, relativamente<br />
a processos que se têm vindo a<br />
arrastar ao longo dos anos. Com<br />
isto pretende-se melhorar a performance<br />
da nossa justiça tributária,<br />
que se pretende, para além<br />
de garantir a aplicação de princípios<br />
de legalidade e equidade,<br />
mais célere e tempestiva, em claro<br />
benefício de todas as partes<br />
envolvidas.<br />
129
Processo e Procedimento<br />
A nova cláusula<br />
geral anti-abuso<br />
130<br />
JÚLIO ALMEIDA<br />
Senior Consultant, Tax Services<br />
Foram recentemente<br />
aprovadas<br />
(Lei n.º 32/2019, de<br />
3 de maio) alterações<br />
ao alcance da cláusula<br />
geral antiabuso (CGAA)<br />
prevista no artigo<br />
38.º da Lei Geral<br />
Tributária que, se não<br />
acauteladas pelos<br />
agentes económicos,<br />
poderão implicar<br />
um incremento<br />
da litigância com<br />
a Autoridade Tributária<br />
e Aduaneira (AT).<br />
Este diploma transpõe a Diretiva<br />
(UE) 2016/1164 do Conselho (“Diretiva<br />
ATAD”), a qual estabelece<br />
regras contra práticas de elisão<br />
fiscal consideradas lesivas no<br />
contexto da iniciativa Base Erosion<br />
Profit Shifting (“BEPS”) da<br />
OCDE.<br />
Para além de alterações a outras<br />
medidas específicas antiabuso<br />
previstas na ATAD e em vigor no<br />
normativo português (em concreto,<br />
regras sobre: a dedução<br />
de gastos de financiamento, a<br />
imputação de lucros de sociedades<br />
controladas (“CFC rules”)<br />
não residentes e regras de tributação<br />
à saída), a Lei agora<br />
aprovada vem alterar ainda a<br />
CGAA.<br />
Como aspeto crítico das alterações<br />
recentes, salienta-se o<br />
facto de deixar de ser necessário<br />
à AT identificar como finalidade<br />
principal a obtenção de<br />
uma vantagem fiscal bastando<br />
identificar como uma das finalidades<br />
em causa a obtenção<br />
de vantagens fiscais, o que legitima<br />
uma maior latitude na<br />
apreciação por parte da AT das<br />
operações realizadas por grupos<br />
económicos.<br />
Não obstante, importa destacar<br />
que, no considerando 11 da<br />
Diretiva ATAD, é salvaguardado<br />
que as “regras gerais antiabuso<br />
deverão ser aplicáveis a montagens<br />
que não sejam genuínas,<br />
caso contrário, o contribuinte<br />
deverá dispor do direito de optar<br />
pela estrutura mais vantajosa<br />
do ponto de vista fiscal para<br />
as suas atividades comerciais”.<br />
Veremos como a jurisprudência<br />
futura decidirá sobre as questões<br />
que certamente se suscitarão<br />
sobre esta matéria, pois<br />
este é um processo crítico na<br />
gestão fiscal dos contribuintes.<br />
Prevê-se ainda que os juros<br />
compensatórios que sejam devidos<br />
em resultado de liquidações<br />
adicionais de imposto por<br />
via da aplicação da cláusula geral<br />
antiabuso sejam majorados<br />
em 15 pontos percentuais.<br />
É de referir igualmente que o<br />
artigo 38.º da LGT passa a dispor<br />
que, nos casos em que tenha<br />
resultado a não aplicação de<br />
retenção na fonte com caráter<br />
definitivo ou uma redução do<br />
montante de imposto retido a<br />
título definitivo, deve-se considerar<br />
que a vantagem fiscal se<br />
verificou na esfera do beneficiário<br />
efetivo do rendimento, tendo<br />
em conta os atos que correspondam<br />
à substância ou à<br />
realidade económica em causa.<br />
Quando a entidade portuguesa<br />
obrigada a proceder à entrega<br />
de imposto retido na fonte tenha<br />
ou devesse ter (colocando<br />
o ónus da prova no contribuinte<br />
e não na AT) conhecimento da<br />
construção ou série de construções,<br />
a AT tem legitimidade para<br />
exigir a esta entidade o imposto<br />
que se demonstre estar em falta.<br />
Esta regra pretende mitigar a<br />
arbitragem fiscal internacional,<br />
designadamente em matéria de<br />
localização de dívida financeira<br />
(que originam juros) e/ou ativos<br />
intangíveis (que permitem a cobrança<br />
de royalties).<br />
As alterações agora introduzidas<br />
poderão ter impactos<br />
fiscais consideráveis nas operações<br />
realizadas por grupos<br />
económicos e respetivos fluxos<br />
de rendimento transfronteiriços,<br />
reforçando a importância<br />
crítica de um aconselhamento<br />
especializado, quer na revisão<br />
de estruturas existentes, quer<br />
na revisão prévia à implementação<br />
de qualquer estrutura ou<br />
transação, que permita avaliar<br />
e quantificar tais impactos, por<br />
forma a obviar a diferendos<br />
com a AT, sempre morosos e<br />
por vezes com desfechos imprevisíveis.
Processo e Procedimento<br />
Acesso automático<br />
a contas financeiras<br />
de residentes – Será desta<br />
LUÍS PINTO<br />
Associate Partner, Tax Services<br />
Em 11 de janeiro último<br />
foi aprovado, pelo<br />
Parlamento, o regime<br />
de acesso automático<br />
a contas financeiras de<br />
residentes em Portugal,<br />
aguardando-se<br />
para breve o envio<br />
do respetivo diploma<br />
ao Presidente<br />
da República,<br />
para promulgação.<br />
Relembre-se que este regime,<br />
que obriga as instituições financeiras<br />
a reportar à Autoridade<br />
Tributária e Aduaneira (AT) informação<br />
sobre as contas financeiras<br />
dos seus clientes residentes,<br />
já havia sido apresentado pelo<br />
Governo em setembro de 2016,<br />
tendo na altura sido vetado pelo<br />
Presidente da República, por entender<br />
não estarem reunidas as<br />
condições necessárias à sua implementação,<br />
atento o processo<br />
de consolidação do sistema financeiro<br />
em curso.<br />
Embora tenha ficado em “stand<br />
by”, sempre foi intenção do Governo<br />
a aprovação deste diploma,<br />
como medida de combate à<br />
fraude e evasão fiscal. E a verdade<br />
é que, em maio de 2018, após<br />
o Presidente da República ter<br />
sugerido que as condicionantes<br />
anteriores que justificaram o anterior<br />
veto presidencial haviam<br />
sido ultrapassadas, o Governo<br />
voltou a aprová-lo em Conselho<br />
de Ministros, tendo contudo tal<br />
diploma ficado “estagnado” até<br />
agora.<br />
O regime em causa não é novidade<br />
para os mais atentos. Aliás,<br />
para as instituições financeiras,<br />
trata-se de um alargamento, aos<br />
seus clientes residentes em território<br />
nacional, de uma obrigação<br />
de reporte à qual já se encontram<br />
adstritos relativamente<br />
aos clientes não residentes, ao<br />
abrigo dos normativos do CRS e<br />
do FATCA, embora com particularidades<br />
face a estes.<br />
Em concreto, e caso venha a ser<br />
promulgado, o diploma determinará<br />
o acesso automático, pela<br />
AT, aos saldos (novidade) e rendimentos<br />
pagos/creditados em<br />
contas financeiras (de depósito,<br />
custódia, apólices de seguro do<br />
ramo vida e outras contas financeiras)<br />
mantidas junto de instituições<br />
financeiras a titulares ou<br />
beneficiários residentes em Portugal,<br />
cujo saldo/valor agregado,<br />
no final do respetivo ano civil,<br />
exceda € 50.000.<br />
Para além de outras regras relevantes<br />
(datas de aferição e procedimentos<br />
específicos ao nível<br />
de contas novas versus contas<br />
preexistentes, limites aplicáveis<br />
para efeitos de reporte e regras<br />
de determinação do conceito<br />
de residência, saldos e posições<br />
agregadas) destaca-se o facto<br />
de o primeiro reporte de informação<br />
ocorrer já em 31 de julho<br />
próximo quanto à posição das<br />
contas a 31 de dezembro de 2018,<br />
o que representará mais um dos<br />
muitos desafios que se colocam<br />
atualmente às instituições financeiras.<br />
Aguarda-se, assim, que 2019 seja<br />
um ano particularmente intenso<br />
no âmbito da temática da “transparência<br />
fiscal”, já que, para além<br />
deste regime, se encontra igualmente<br />
prevista a transposição<br />
da Diretiva (UE) 2018/822 do Conselho,<br />
de 25 de maio (referente à<br />
troca automática de informações<br />
em relação aos mecanismos<br />
transfronteiriços a comunicar) e,<br />
bem assim, clarificações ao nível<br />
do regime do Registo Central<br />
do Beneficiário Efetivo (Lei n.º<br />
89/2017, de 21 de Agosto), cuja<br />
respetiva aplicação se iniciará<br />
durante o ano.<br />
131
Processo e Procedimento<br />
O alargamento da<br />
possibilidade de recurso em<br />
sede de arbitragem tributária<br />
132<br />
PEDRO PAIVA<br />
Partner, Tax Services<br />
RICARDO GONÇALVES<br />
Senior Consultant, Tax Services<br />
Uma das questões com<br />
que frequentemente<br />
se deparam os<br />
contribuintes, quando<br />
colocados perante<br />
uma situação de litígio<br />
com a Autoridade<br />
Tributária e Aduaneira<br />
(“AT”), é a de recorrer<br />
aos Tribunais<br />
Administrativos ou<br />
Fiscais ou, ao invés, à<br />
Arbitragem Tributária,<br />
sob a égide do<br />
Centro de Arbitragem<br />
Administrativa (CAAD),<br />
enquanto forma<br />
alternativa de resolução<br />
de conflitos.<br />
Não raras vezes, a escolha entre<br />
estas duas vias para a resolução<br />
de litígios passa pela contraposição<br />
de duas realidades. Por um<br />
lado, a celeridade na obtenção<br />
de uma decisão que permita<br />
dirimir definitivamente o litígio<br />
e, por outro, a possibilidade de,<br />
obtida uma decisão desfavorável,<br />
a mesma ser passível de recurso<br />
para um tribunal superior.<br />
Se a Arbitragem Tributária se<br />
destaca no primeiro ponto, com<br />
um prazo máximo previsto para<br />
a emissão de uma decisão final<br />
de seis meses após a constituição<br />
do Tribunal Arbitral (o qual,<br />
regra geral, tem sido cumprido),<br />
as grandes limitações relativas à<br />
recorribilidade das decisões arbitrais<br />
consubstanciam um entrave<br />
significativo à escolha, pelos contribuintes,<br />
do recurso a esta via.<br />
Reconhecendo esta preocupação,<br />
o legislador veio recentemente<br />
propor o alargamento<br />
das hipóteses de recurso das<br />
decisões em matéria tributária<br />
proferidas pelo CAAD no âmbito<br />
da Proposta de Lei 180/XIII, passando-se<br />
a prever a possibilidade<br />
de recurso, para o Supremo<br />
Tribunal Administrativo (STA),<br />
de algumas decisões proferidas<br />
pelo CAAD. Assim, caso num determinado<br />
litígio seja proferida<br />
uma decisão arbitral em sentido<br />
oposto a outra decisão proferida<br />
pelo CAAD na mesma matéria,<br />
será possível recorrer para o STA<br />
com vista a obter uma decisão<br />
final.<br />
Anteriormente, o recurso de<br />
decisões proferidas pelo CAAD<br />
apenas estava previsto para as<br />
situações de oposição com uma<br />
decisão proferida pelos Tribunais<br />
Centrais Administrativos ou<br />
pelo STA, sendo igualmente possível<br />
o recurso para o Tribunal<br />
Constitucional em matérias de<br />
constitucionalidade. Porém, fora<br />
desta possibilidade de escrutínio<br />
adicional caíam os casos que<br />
não haviam sido anteriormente<br />
apreciados por um tribunal superior<br />
e, nos quais, a jurisprudência<br />
do CAAD assumia contornos,<br />
não raras vezes, diametralmente<br />
opostos, criando-se um nível de<br />
insegurança e incerteza nos contribuintes<br />
relativamente ao recurso<br />
à via arbitral que atualmente<br />
é evidente. Ou seja, afigura-se<br />
difícil de perceber qual o sentido<br />
da orientação da jurisprudência<br />
emanada pelo CAAD, existindo<br />
uma clara dificuldade (quando tal<br />
não deveria acontecer) em antecipar<br />
o que este órgão entenderá,<br />
no futuro, sobre um determinado<br />
tema / assunto que venha a ser<br />
dirimido com a AT.<br />
Assim, caso venha a ser aprovado,<br />
este alargamento da possibilidade<br />
de recurso de decisões<br />
proferidas pelo CAAD em<br />
matéria tributária, o qual ganha<br />
especial relevância nas situações<br />
em que a jurisprudência<br />
deste tribunal assume correntes<br />
opostas, consubstancia um<br />
muito esperado passo no sentido<br />
de remover os entraves<br />
existentes no recurso à Arbitragem<br />
Tributária, aumentando a<br />
sua credibilidade e conferindo<br />
garantias adicionais aos contribuintes<br />
relativamente à validade<br />
das decisões proferidas.
Processo e Procedimento<br />
Informação Empresarial<br />
Simplificada – Um novo ciclo<br />
RUI CARVALHO<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
Para a generalidade<br />
das empresas cujo<br />
período de tributação<br />
é coincidente com o<br />
ano civil o dia 15 de<br />
Julho de cada ano<br />
assinala o culminar<br />
das obrigações<br />
contabilísticas e fiscais<br />
relativas ao ano fiscal<br />
anterior.<br />
De facto, é este o momento<br />
para a entrega do modelo de<br />
Informação Empresarial Simplificada<br />
(IES) que já de algum<br />
tempo a esta parte, consiste na<br />
entrega, por via eletrónica e de<br />
forma totalmente desmaterializada,<br />
de obrigações declarativas<br />
de natureza contabilística,<br />
fiscal e estatística, a diferentes<br />
entidades.<br />
Face ao volume de informação<br />
a reportar na IES o período que<br />
medeia entre a submissão das<br />
declarações Modelo 22 (cujo<br />
período de entrega terminou a<br />
30 de junho – excepcionalmente<br />
este ano para períodos findos<br />
a 31 de dezembro de 2017)<br />
e o dia 15 de Julho, é regra<br />
geral representativo de grande<br />
volume de trabalho para<br />
os departamentos financeiros<br />
das empresas, devido não<br />
só à necessidade de compilar<br />
toda a informação necessária<br />
ao preenchimento da IES, bem<br />
como ao processo administrativo<br />
que deriva da forma de<br />
preenchimento da declaração,<br />
na maioria das vezes, efetuado<br />
manualmente. Este processo<br />
tem especial impacto em grupos<br />
de sociedades e sociedades<br />
profissionais de contabilistas<br />
certificados (CC).<br />
Um novo ciclo avizinha-se com<br />
a implementação da designada<br />
medida IES+ a qual, no âmbito<br />
do Programa Simplex, veio<br />
prever a implementação de<br />
um conjunto de procedimentos<br />
contabilísticos e fiscais com<br />
vista, designadamente, ao pré<br />
-preenchimento de uma parte<br />
significativa dos Anexos A e I<br />
da IES, nomeadamente através<br />
da inclusão das taxonomias na<br />
estrutura contabilística das empresas.<br />
Se por um lado esta medida representa<br />
uma revolução nos procedimentos<br />
contabilísticos com<br />
uma poupança considerável de<br />
tempo ao nível do preenchimento<br />
de diversos campos da IES, na<br />
verdade não deixa também de<br />
ser um desafio à generalidade<br />
das empresas e CC, na medida<br />
em que continua a representar<br />
um investimento de tempo<br />
considerável na parametrização<br />
de softwares de contabilidade e<br />
respetivas validações, nomeadamente<br />
ao nível do ficheiro normalizado<br />
de auditoria tributária<br />
(SAF-T (PT)).<br />
Tendo sido adiada a implementação<br />
da medida IES+ por via<br />
do Despacho n.º 45/2018-XXI<br />
do SEAF, não foi possível ainda<br />
beneficiar destas medidas de<br />
simplificação, esperando-se no<br />
entanto que as mesmas possam<br />
ser aplicáveis durante o segundo<br />
semestre de 2018, nomeadamente<br />
a entidades cujo período<br />
de tributação não coincida com<br />
o ano civil ou nas situações em<br />
que se verifique a cessação de<br />
atividade.<br />
O ano de 2019 será à partida o<br />
ano de concretização massiva<br />
deste novo ciclo. Contudo, muitos<br />
agentes económicos questionam-se<br />
quanto à extensão<br />
da simplificação da IES e em<br />
que medida esta não deveria<br />
ser alargada a outros anexos,<br />
nomeadamente O e P, tendo em<br />
conta a informação de faturação<br />
que já é reportada à Autoridade<br />
Tributária numa base mensal<br />
desde 2013.<br />
133
Processo e Procedimento<br />
TIAGO CAPELO SILVA<br />
Senior Manager, Tax Services<br />
Na última década<br />
assistiu-se a uma<br />
crescente preocupação<br />
em combater a fraude<br />
e a evasão fiscal<br />
consubstanciandose<br />
na proliferação de<br />
iniciativas concretas<br />
baseadas em<br />
mecanismos de troca<br />
de informação entre<br />
autoridades tributárias<br />
a uma escala global.<br />
O sucesso das medidas<br />
do combate à evasão fiscal<br />
baseadas nos mecanismos<br />
de troca de informações<br />
Embora alguns desses mecanismos<br />
já se encontrarem, há muito,<br />
estabelecidos no âmbito de diversos<br />
instrumentos baseados em<br />
acordos bilaterais, foi na sequência<br />
da cimeira de Londres do G20<br />
de 2009 que se verificou uma dramática<br />
evolução mundial da defesa<br />
da bandeira da transparência<br />
fiscal, traduzida num compromisso<br />
real da grande maioria das jurisdições<br />
em aderir a iniciativas de<br />
troca de informações.<br />
Neste âmbito, para além do aumento<br />
dos acordos celebrados<br />
entre diversas jurisdições que<br />
instituem um mecanismo de troca<br />
de informações a pedido das<br />
autoridades fiscais, foram igualmente<br />
crescendo os mecanismos<br />
transfronteiriços automáticos de<br />
troca de informações, dos quais<br />
se destacam o Foreign Account Tax<br />
Compliance Act (FATCA), mecanismo<br />
imposto pelos Estados Unidos,<br />
e o Common Reporting Standard<br />
(CRS), iniciativa liderada pela OCDE<br />
que, atualmente, se caracteriza por<br />
quase 4000 relações bilaterais de<br />
troca de informação com relação a<br />
mais de 100 jurisdições.<br />
Mas será que todas estas iniciativas<br />
promovem, de facto, a transparência<br />
fiscal e a mitigação da evasão<br />
fiscal? É a procura de resposta<br />
a esta pergunta que levou a OCDE<br />
a divulgar, recentemente, as conclusões<br />
preliminares de um estudo<br />
que será publicado em breve e<br />
que pretende avaliar, com recurso<br />
a dados relativos a depósitos bancários,<br />
o impacto dos mecanismos<br />
de troca de informações.<br />
O documento revela-nos que tem<br />
sido feito um esforço académico<br />
para determinar o impacto dos<br />
mecanismos de troca de informação<br />
na atividade bancária, em especial<br />
nos denominados Centros<br />
Financeiros Internacionais (CFI),<br />
sendo consensual a observação<br />
de um declínio dessa atividade.<br />
Neste caso, o estudo permite observar<br />
a evidência de que o aumento<br />
dos mecanismos de troca<br />
de informações encontra-se associado<br />
à redução de depósitos<br />
bancários nos CFI – desde 2008,<br />
o estudo revela uma descida de<br />
34% dos depósitos detidos por<br />
entidades não bancárias –, o que<br />
parece indicar que estas medidas<br />
apresentam um impacto positivo<br />
no combate à evasão fiscal.<br />
Não obstante estas conclusões<br />
evidenciarem fortes evidências do<br />
sucesso das ações de combate à<br />
evasão fiscal, resta saber em que<br />
medida a redução de depósitos<br />
bancários não corresponde, na<br />
verdade, a uma substituição por<br />
outros instrumentos financeiros<br />
que possam estar fora do âmbito<br />
da comunicação, e, por outro lado,<br />
qual é, em concreto, o impacto<br />
que os mecanismos de troca de<br />
informação produzem nas contas<br />
públicas e se os cofres das diferentes<br />
jurisdições estão, efetivamente,<br />
a sentir um aumento significativo<br />
das suas receitas fiscais como fruto<br />
deste combate. Resta-nos aguardar<br />
pela divulgação destes dados<br />
para que se possa concluir com um<br />
maior nível de certeza sobre o nível<br />
de eficácia destas medidas.<br />
134