Módulo_02_Leitura_04
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g<br />
Deuteronômio<br />
A restauração da aliança<br />
Esboço<br />
• Conteúdo do livro<br />
de Deuteronômio<br />
Estrutura literária<br />
Esboço<br />
Visão geral<br />
• Paralelos do mundo antigo<br />
Paralelos com os hititas<br />
Estrutura de tratado em Deuteronômio<br />
• A importância de Deuteronômio<br />
para o pensamento bíblico<br />
Papel de Deuteronômio no Pentateuco<br />
Deuteronômio e os Livros Históricos<br />
Objetivos<br />
Depois de ler este capítulo,<br />
você deve ser capaz de:<br />
• Explicar a estrutura quiásmica dos discursos<br />
de Moisés.<br />
• Delinear o conteúdo básico do livro de<br />
Deuteronômio.<br />
• Identificar os principais temas de cada um<br />
dos três discursos de Moisés.<br />
• Explicar o propósito do discurso de Moisés<br />
sobre a lei.<br />
• Demonstrar de que forma as leis discutidas<br />
nos capítulos 12-26 são baseadas nos Dez<br />
Mandamentos.<br />
• Relacionar as razões pelas quais Deuteronômio<br />
é, primariamente, um documento<br />
da aliança.<br />
• Comparar as similaridades estruturais entre<br />
Deuteronômio e os tratados de suserania<br />
do antigo Oriente Próximo.<br />
• Avaliar o lugar de Deuteronômio entre os<br />
nove primeiros livros do Antigo Testamento.<br />
141
Descobrindo o Pentateuco<br />
Septuaginta<br />
O fértil oásis de<br />
Jericó localiza-se<br />
do lado oposto<br />
do Rio Jordão às<br />
planícies de<br />
Moabe.<br />
As coisas não aconteceram exatamente<br />
como o planejado para Israel. Apesar de Deus<br />
ter libertado o povo do Egito de maneira maravilhosa<br />
e de ter miraculosamente suprido<br />
suas necessidades no deserto, Israel falhou por<br />
não obedecer a Deus. Eles recusaram-se a entrar<br />
na terra prometida e rebelaram-se contra<br />
a liderança de Deus. Como resultado, em vez<br />
de alguns meses, a viagem do Egito até Canaã<br />
levou quase quarenta anos. Agora, uma<br />
geração depois, o povo estava finalmente nas<br />
planícies de Moabe pronto para cruzar o rio<br />
Jordão e apropriar-se das promessas de Deus.<br />
Mas não foi permitido a Moisés entrar na<br />
terra com o povo. Ele agiu com raiva em<br />
Meribá (Nm 20) e teve que passar a liderança<br />
para uma outra pessoa. Além do mais,<br />
essa geração precisava apropriar-se da aliança<br />
e de suas promessas por si mesma. Era hora<br />
da aliança do Sinai tornar-se também a aliança<br />
de Moabe (Dt 29.1). O livro de Deuteronômio<br />
relata o restabelecimento da aliança<br />
com Israel, incluindo as leis da aliança. O<br />
nome "Deuteronômio", do título da Septua-<br />
.ginta (Deuteronomion, "segunda lei") não comunica<br />
de forma clara essa importante idéia,<br />
pois o livro é mais que uma simples reafirmação<br />
da lei. 1<br />
Conteúdo do livro de<br />
Deuteronômio<br />
Deuteronômio continua a mostrar os israelitas<br />
a partir de onde termina a narrativa de<br />
Números, "nas campinas de Moabe, junto ao<br />
Jordão, na altura de Jericó" (Nm 36.13). A<br />
ocasião em que Deuteronômio foi escrito foi<br />
a importante renovação da aliança em Moabe,<br />
pouco antes do momento em· que o povo de<br />
Deus estava para entrar na terra da promessa<br />
patriarcal. Em vez de relatar os detalhes da<br />
cerimônia da aliança em si, o livro apresenta<br />
os discursos de despedida de Moisés naquela<br />
ocasião. O livro contém três longos discursos<br />
de Moisés que têm por finalidade exortar os<br />
israelitas a manter fielmente a aliança. Esses<br />
discursos fazem um levantamento dos atos<br />
salvíficos de Deus durante a geração anterior<br />
e resumem as leis da aliança a fim de preparar<br />
a nova geração de israelitas para o futuro.<br />
Estrutura literária<br />
O primeiro discurso de Moisés (1.1-4.43)<br />
relata os atos poderosos de Deus em favor de<br />
Israel desde o tempo da aliança no Sinai até<br />
aquela cerimônia de renovação em Moabe.<br />
Moisés queria ensinar sobre a natureza de<br />
Deus como salvador e protetor para motivar<br />
os israelitas a manterem a aliança (4.35-40).<br />
O segundo discurso (4.44-26.19) reafirma as<br />
leis da aliança que foram inicialmente apresentadas<br />
em Êxodo 20-23. Os Dez Mandamentos<br />
precisavam ser aplicados especificamente<br />
à nova vida do povo na terra prometida<br />
em vez da vida no deserto. O terceiro discurso<br />
(27.1-31.30) é o discurso final de Moisés<br />
para a nação. Ele começa mencionando<br />
os castigos e bênçãos dependendo da obediência<br />
à aliança, pede à nação que seja fiel no<br />
futuro e formalmente comissiona Josué para<br />
ser seu sucessor. O livro se encerra com três<br />
apêndices: o "Cântico de Moisés" (capítulo 32),<br />
a "Bênção de Moisés" (capítulo 33) e a morte e<br />
o sepultamento de Moisés ( capítulo 34).<br />
Estudos recentes também detectaram um<br />
padrão de cinco partes concêntricas conheci-<br />
142
Deuteronômio<br />
do como quiasmo. Assim, os discursos de Moisés<br />
podem ser descritos da seguinte maneira:<br />
A A ESTRUTURA EXTERNA:<br />
Uma retrospectiva<br />
( capítulos 1 -3)<br />
B<br />
A ESTRUTURA INTERNA:<br />
Sumário da aliança<br />
(capítulos 4-11)<br />
C O NÚCLEO CENTRAL<br />
Estipulações da aliança<br />
(capítulos 12-26)<br />
B' A ESTRUTURA INTERNA:<br />
A cerimônia da aliança<br />
(capítulos 27-30)<br />
N A ESTRUTURA EXTERNA:<br />
Uma visão do futuro<br />
( capítulos 31-34)<br />
As duas partes da estrutura externa podem<br />
ser lidas juntas como um todo contínuo,<br />
da mesma forma também podem ser lidas as<br />
duas partes da estrutura intera. Esse tipo de<br />
organização enfatiza o centro, que em Deuteronômio<br />
é o conjunto de instruções legais<br />
para a antiga Israel.2<br />
Esboço<br />
I. Prólogo (l.1-5)<br />
II. A fidelidade do Grande Rei (1.6-<br />
4.43)<br />
A. Do Sinai até Cades-Barnéia<br />
(1.6-2.1)<br />
B. De Edom para as planícies de<br />
Moabe (2.2-3.29)<br />
C. Exortação à obediência (4.1-40)<br />
D. Cidades de refúgio ( 4.41-4 3)<br />
III. O modo de vida da aliança (4.44-<br />
26.19)<br />
A. Introdução (4.44-49)<br />
B. O grande mandamento (5.1-<br />
11.32)<br />
C. Estipulações auxiliares (12.1-<br />
26.19)<br />
IV. Sanções da aliança (27 .1-31.30)<br />
A. Cerimônia de promulgação<br />
(27.1-26)<br />
B. Bênçãos e castigos (28.1-68)<br />
C. O juramento da aliança<br />
(29.1-30.14)<br />
D. O chamado para uma decisão<br />
(30.15-20)<br />
E. A liderança e a lei (31.1-30)<br />
V. Apêndices (32.1-34.12)<br />
A. O cântico de Moisés (32.1-47)<br />
B. O testamento de Moisés (32.48-<br />
33.29)<br />
C. Amorte de Moisés (34.1-12)<br />
Visão geral<br />
O livro começa com uma introdução de<br />
cinco versículos que estabelece a base teológica<br />
e geográfica para o resto do livro. "São<br />
estas as palavras que Moisés falou a todo o<br />
Israel" nas planícies de Moabe, quarenta anos<br />
depois do êxodo (v. 1). O versículo 2 sutilmente<br />
lembra o leitor das conseqüências do<br />
pecado e rebelião ao declarar que a viagem<br />
do Monte Sinai até Cades-Barnéia era uma<br />
jornada de apenas onze dias. Mas Moisés começa<br />
seus discursos finais quarenta anos depois<br />
do êxodo (v. 3). A introdução encerrase<br />
com a afirmação de que naquela ocasião<br />
"encarregou-se Moisés de explicar esta lei"<br />
(v. 5). Deuteronômio é mais que uma reafirmação<br />
da aliança e das leis de Êxodo e Números,<br />
apesar de muitas dessas leis encontrarem·<br />
aqui uma nova expressão. Deuteronômio<br />
é, na verdade, uma exposição da aliança<br />
nesse novo cenário. O parágrafo também<br />
enfatiza o discurso de Moisés ("Moisés falou",<br />
vs. 1 e 3). Uma das principais afirmações<br />
de Deuteronômio é de que Moisés falou<br />
aquilo que Iavé lhe "mandara" (v. 3). O<br />
próximo parágrafo começa com a declaração<br />
enfática de que Iavé, nosso Deus "falou"<br />
(a mesma palavra usada para o discurso<br />
de Moisés nos vs. 1 e 3, dibber) aos israelitas<br />
por meio de Moisés. Que não haja enganos<br />
quanto a esse ponto: Deuteronômio afirma<br />
ser palavra do próprio Deus.<br />
O primeiro discurso: a fidelidade do<br />
Grande Rei (1.6-4.43 )<br />
O primeiro discurso apresenta uma teologia<br />
da História. Ao recapitular o passado recente,<br />
Moisés buscava preparar a nação para<br />
obedecer a Deus no futuro. Deus começou<br />
com a ordem para que o povo deixasse o<br />
Monte Sinai e entrasse em Canaã, que era a<br />
terra que ele havia prometido a Israel como<br />
cumprimento de suas promessas aos patriarcas<br />
(l.6-8). Assim, a aliança já promulgada<br />
no Sinai era um cumprimento parcial da promessa<br />
de Deus aos patriarcas. Tendo em vista<br />
que a promessa era eterna como o próprio<br />
143
Descobrindo o Pentateuco<br />
A Planície e Moab •<br />
.. Monte Eba/<br />
■<br />
■<br />
Monte Gerezim<br />
■ ■<br />
Siquém<br />
, o<br />
'-§<br />
<br />
.o<br />
Deuteronômio<br />
monoteísmo<br />
Shema<br />
Um artista<br />
imagina um<br />
sumo sacerdote<br />
israelita. Arão, o<br />
irmão de<br />
Moisés, foi o<br />
primeiro sumo<br />
sacerdote.<br />
\\<br />
3.2) Ao agir sob o comando de Deus e obedecer<br />
estritamente suas instruções, Israel aprendeu<br />
que a vitória é dada por Deus: "E o Senhor,<br />
nosso Deus, no-lo entregou, e o derrotamos"<br />
(2.33, ver 3.3).<br />
Depois de sobreviver a tantas vitórias,<br />
Moisés lembra Israel que as bênçãos de Deus<br />
estão freqüentemente ligadas de forma direta<br />
à submissão à sua vontade. Deuteronômio<br />
3.23-29 explica que até mesmo Moisés<br />
teve que sofrer as conseqüências de suas<br />
ações pecaminosas. Ele não teria permissão<br />
para entrar na terra prometida por causa de<br />
seu pecado em Meribá (Nm 20). Essa passagem<br />
oferece um contraste por estar localizada<br />
imediatamente após a descrição dos sucessos<br />
de Israel. A nação alcançava o sucesso<br />
quando se submetia à vontade de Deus,<br />
mas mesmo um indivíduo como Moisés podia<br />
cair em desobediência.<br />
Tais ilustrações de obediência e desobediência<br />
preparam o leitor para o capítulo 4.<br />
Nesse capítulo Moisés deixa de relembrar o<br />
passado e exorta a nação sobre o presente e o<br />
futuro. Ele repetidamente adverte sobre "esquecer"<br />
a aliança (vs. 9, 23). Moisés sabe<br />
que quando se. trata de manter o comprometimento<br />
com a aliança, o povo de Deus<br />
tem memória curta.<br />
Segundo discurso: o modo de vida<br />
da aliança (4.44-26.19)<br />
O sermão de Moisés sobre a aliança no capítulo<br />
4 é uma preparação adequada para seu<br />
segundo discurso. Aqui, Moisés recapitula as<br />
estipulações da aliança e as estabelece como<br />
norma para um modo de vida para os israelitas<br />
depois de entrar na terra prometida. Essa<br />
unidade é introduzida como: "a lei que Moisés<br />
propôs aos filhos de Israel" ( 4 .44). Depois<br />
de uma introdução editorial no capítulo 4.44-<br />
49, Moisés começa seu discurso explicando<br />
que estes são os "decretos e leis" da aliança do<br />
Sinai agora aplicados à sua futura vida em<br />
Canaã (5.1-3).<br />
Deuteronômio 5-26 tem duas seções. Os<br />
capítulos 5-11 compreendem uma declaração<br />
geral sobre a lei da aliança. Este é seguido<br />
pela aplicação específica dessa lei à futura<br />
sociedade e cultura israelita (capítulos 12-26).<br />
A seção geral começa repetindo os Dez Man<br />
_.i
Descobrindo o Pentateuco<br />
-■ e<br />
politeísmo<br />
Decálogo<br />
dade em seu caráter. Nos dias de hoje, ele<br />
atua da mesma forma como fazia no passado.<br />
Esse era um conceito novo para o antigo<br />
Oriente Próximo, pois diferentes reações por<br />
parte da divindade implicariam diferentes<br />
divindades e, portanto, politeísmo. Mas Iavé<br />
é sempre o mesmo, ele nunca muda ou deixa<br />
dúvidas sobre sua natureza. A declaração de<br />
monoteísmo de Moisés não responde só a pergunta<br />
"quantos deuses há?". Ela responde a<br />
questão "Que tipo de Deus é o nosso Iavé?".<br />
Ela afirma que ele é constante quanto a si<br />
mesmo e quanto ao seu relacionamento com<br />
a humanidade. Ele é o mesmo para essa nova<br />
geração nas planícies de Moabe que havia<br />
sido para os seus ancestrais no Sinai e como<br />
ele é para qualquer geração de crentes. Por<br />
causa disso, a declaração de Moisés sobre a<br />
unicidade de Deus flui para a síntese das leis<br />
de Deus: "Amarás, pois, o Senhor, teu Deus,<br />
de todo o teu coração, de toda a tua alma e<br />
de toda tua força" (Dt 6.5; Mt 22.35-37). Deus<br />
pode e deve ser amado de todo o ·coração por<br />
causa do seu caráter.<br />
O propósito desse discurso sobre a lei não é<br />
primeiramente de informar os israelitas, mas<br />
sim de formar sua espiritualidade. Os capítulos<br />
5-11 têm por finalidade motivar a nação a<br />
manter a aliança e obedecer as leis da aliança<br />
com Deus. Conceitos importantes relacionados<br />
à continuidade da aliança são "amor" e<br />
"temor", e Moisés usa essas duas palavras repetidamente<br />
nos capítulos 6-11 ('ahab e<br />
yare ', respectivamente) . 4 Nessa unidade,<br />
Moisés pede aos israelitas que amem e temam<br />
a Deus. Essas duas idéias não são incompatíveis.<br />
Na verdade, uma complementa a outra.<br />
O amor sem temor torna-se um sentimentalismo<br />
meloso e não resulta em obediência, que<br />
é o objetivo final dos capítulos 5-26. 5 Da mesma<br />
forma, temor sem amor transforma-se em<br />
terror e afasta a pessoa de um relacionamento<br />
íntimo com Deus. Juntos, amor e temor produzem<br />
um relacionamento sadio com ele e<br />
resultam em obediência à sua vontade. Nos<br />
capítulos 5-11, os mandamentos, estatutos e<br />
ordenanças de Deus estão envolvidos nos conceitos<br />
de amor e temor por ele.<br />
Os capítulos 12-26 apresentam aplicações<br />
específicas das obrigações da aliança, dando<br />
atenção especial à maneira como a lei aplicase<br />
à nova realidade em Canaã. As leis relacionadas<br />
ao ritual de adoração (como aquelas<br />
em Levítico) estão mescladas com as leis que<br />
dizem respeito a questões civis e sociais. Aqueles<br />
que estivessem vivendo na terra prometida<br />
deveriam demonstrar obediência em todas<br />
as áreas da vida. A fidelidade à aliança<br />
não é apenas uma observância religiosa abstrata,<br />
mas sim uma vivência diária.<br />
Essa unidade contém uma desorientadora<br />
série de leis. Estudiosos tendem a ver a disposição<br />
dos capítulos 12-26 como totalmente<br />
desordenada e irremediavelmente impossível<br />
de ser analisada de forma sistemática.<br />
Mas estudos literários recentes discerniram<br />
um padrão no qual as leis dessas unidades<br />
são baseadas nos Dez Mandamentos no capítulo<br />
5. STEPHEN A. KAUFMAN descreveu<br />
essa unidade como sendo um "DECÁLOGO<br />
ampliado" . 6 As leis dos capítulos 12-26 estão<br />
ordenadas em quatro questões principais que<br />
são tratadas pelo Decálogo - os Dez Mandamentos.<br />
Essa observação parece ter resolvido o problema<br />
estrutural das leis nos capítulos 12-26 e<br />
também do segundo discurso de um modo<br />
geral nos capítulos 5-26. 7<br />
O terceiro discurso: sanções da<br />
aliança (27 .1-31 .30)<br />
O discurso final de Moisés é, na verdade,<br />
uma combinação de discursos relacionados à<br />
aliança e à transferência da liderança de<br />
Moisés para Josué. Os capítulos 27 e 28 poderiam<br />
muito bem ser considerados a conclusão<br />
do segundo discurso, deixando os capítulos<br />
29 e 30 como o discurso final de Moisés. 8<br />
No capítulo 27, Moisés dá instruções para<br />
a cerimônia de renovação da aliança a ser<br />
realizada depois que os israelitas tivessem tomado<br />
posse da terra prometida. Na antiga cidade<br />
de Siquém, no coração da terra prometida,<br />
eles deveriam construir um altar e erguer<br />
uma pedra memorial para aquela ocasião.<br />
A cidade ficava entre o MONTE EBAL<br />
(v. 4) e o MONTE GERIZIM (v. 12). Moisés os<br />
instruiu para dividir as tribos, metade em uma<br />
montanha e metade na outra. Nesse cenário<br />
dramático e impressionante, os israelitas deveriam<br />
comprometer-se novamente com a<br />
aliança de Deus. Os levitas deveriam entoar<br />
a advertência sobre a quebra da aliança e o<br />
povo deveria responder por meio de antifonia.<br />
Em uma das cenas mais comoventes da história<br />
de Israel, a cerimônia de renovação da<br />
aliança é realizada sob a liderança de Josué<br />
Qs 8.30-35).<br />
O capítulo 28 faz para os israelitas uma lista<br />
das bênçãos e castigos da aliança. Em uma<br />
146
Deuteronômio<br />
teologia<br />
deuteronômica<br />
As leis dos capítulos 12-26 7<br />
Assunto principal<br />
Autoridade<br />
Dignidade<br />
Comprometimento<br />
Direitos e privilégios<br />
Em relação a Deus<br />
Mandamento 1<br />
capítulo 12<br />
Mandamento 2<br />
capítulo 12<br />
Mandamento 3<br />
13.1-14.21<br />
Mandamento 4<br />
14.22-16.17<br />
Em relação aos homens<br />
Mandamento 5<br />
16.18-18.22<br />
Mandamentos 6, 7, 8<br />
19.1-24.7<br />
Mandamento 9<br />
24.8-16<br />
Mandamento 1 O<br />
24.17-26.15<br />
doutrina simples de retribuição (freqüentemente<br />
chamada de teologia deuteronômica),<br />
Moisés explica que a fidelidade à aliança<br />
resultará em bênçãos no futuro enquanto a<br />
desobediência resultará em castigos. Confor,<br />
me veremos mais tarde, essa é a teologia básica<br />
por trás dos Livros Históricos.<br />
Apesar da doutrina de retribuição de Deuteronômio<br />
certamente ser verdadeira, ela não<br />
é tudo, pois lida com o futuro próximo. Israel<br />
só teria sucesso na terra prometida se fosse fiel<br />
à aliança. Por outro lado, se desobedecesse a<br />
Deus, iria perder a terra. O resto da revelação<br />
bíblica amplia o escopo ao ensinar que é o<br />
caráter de cada um que, no final, determina<br />
seu destino eterno. As circunstâncias dessa<br />
vida podem ter pouca relação com o caráter<br />
de uma pessoa. Alguém que tenha nascido<br />
cego não pode ser acusado de ter essa defici,<br />
ência por causa de pecado (J o 9 .1-3); pessoas<br />
que morrem tragicamente em acidentes não<br />
se encontraram com a morte por causa de<br />
pecado (Lc 13.4,5).<br />
Na parte seguinte do discurso de Moisés<br />
ao povo (29.1-30.14), ele recapitula as vitórias<br />
recentes de Israel sobre nações inimigas e<br />
prediz sua futura desobediência, exílio e retorno<br />
à terra prometida. Moisés os desafia a<br />
tomar uma decisão consciente quanto a ser<br />
fiel ao seu comprometimento com Deus<br />
(30.15-20). Ele coloca diante deles bênçãos e<br />
castigos, uma escolha entre a vida e a morte.<br />
Moisés conclama os israelitas a tomarem uma<br />
decisão bastante antecipada, a decidirem<br />
naquele instante como seria o seu comportamento<br />
futuro. A Bíblia adverte que não podemos<br />
nos dar ao luxo de esperar até o momento<br />
da tentação para decidir qual será nossa<br />
resposta.<br />
Na parte final dos discursos, Moisés toma<br />
as providências necessárias para o futuro do<br />
povo ( capítulo 31). Ele começa passando o<br />
poder para o seu sucessor escolhido: "Josué<br />
passará adiante de ti, como o Senhor tem dito"<br />
(v. 3). Mais tarde, ele aparece com Josué no<br />
tabernáculo para que a nação possa testemunhar<br />
a transferência de poder (vs. 14-23). O<br />
povo todo pôde ver que era o Senhor quem<br />
havia comissionado Josué e não apenas Moisés<br />
(v. 23).<br />
O capítulo 31 também garante o futuro da<br />
palavra escrita. Moisés escreveu "esta lei" (supostamente<br />
os discursos de Deuteronômio) e<br />
deu ao povo instruções para lê-las publicamente<br />
a cada sete anos ( vs. 9-13). Ele deixou uma<br />
cópia das leis escritas com os levitas que deveriam<br />
mantê-las na arca da aliança (vs. 24-29).<br />
Apêndices (32.1-34.12)<br />
Em obediência à ordem de Deus para que<br />
resumisse a aliança em forma de cântico<br />
(31.19), Moisés compôs uma longa poesia<br />
contando a história de Israel (32.1-47). O<br />
cântico tem o formato de um documento<br />
legal e fala do passado recente do povo, olha<br />
adiante para futuras rebeliões e exílio, e prediz<br />
o perdão e a restauração de Deus. A intenção<br />
do cântico era motivar a nação a<br />
147
Descobrindo o Pentateuco<br />
aliança<br />
manter a aliança com Deus. Os conceitos<br />
expressados no Cântico de Moisés e até mesmo<br />
as frases usadas para expressá-los tiveram<br />
um impacto duradouro sobre a nação. Tanto<br />
que Deuteronômio 32 é chamado de "livro<br />
de consulta" dos profetas dos séculos 6 º e 7 º<br />
do Antigo Testamento. 9 Dessa forma, o Cântico<br />
de Moisés serviu como "Bíblia" para os<br />
profetas que pregaram sobre a quebra da<br />
aliança com Deus em Israel.<br />
A hora da morte de Moisés havia chegado.<br />
Depois de ser instruído a ir para o MONTE<br />
NEB0 onde ele veria a terra prometida de longe<br />
(32.48-52), Moisés pronunciou uma bênção<br />
paternal sobre cada uma das tribos (33.1-29).<br />
Em vez de advertências ou mesmo exortações<br />
finais, essa bênção declarava o futuro que Deus<br />
tinha para Israel. Isso coloca a aliança e a lei<br />
mosaica completamente debaixo da soberania<br />
de Deus. Moisés havia enfatizado as obrigações<br />
de Israel ligadas à aliança. Mas sua bênção<br />
de despedida assegura a nação do compromisso<br />
de Deus com eles.<br />
O capítulo final do Pentateuco descreve<br />
de forma carinhosa a morte de seu estimado<br />
líder (34.1-12). O Senhor identifica a terra de<br />
Canaã como sendo a terra que ele havia jurado<br />
dar aos patriarcas, Abraão, Isaque e Jacó<br />
(34.4). Essa nova terra natal é o cumprimento<br />
da promessa da aliança feita há muito tempo.<br />
Como representante de Israel, Moisés simbolicamente<br />
tomou posse da terra ao vê-la<br />
do Monte Nebo. Mas por causa de seu pecado<br />
em Meribá (Nm 20), não lhe foi permitido<br />
entrar fisicamente na terra prometida.<br />
Talvez sua tragédia pessoal tivesse por objetivo<br />
alertar os líderes/servos escolhidos por<br />
Deus de que toda a forma de gratificação<br />
pessoal vai contra os propósitos de Deus. A<br />
promessa não cumprida de Moisés deve nos<br />
encorajar a estarmos contentes em cumprir<br />
nosso papel dentro do plano de Deus. Seguilo<br />
com intimidade e liderar o seu rebanho<br />
fielmente não é garantia de herança das promessas<br />
nessa vida.<br />
Moisés foi um profeta incomparável na<br />
história de Israel ( v. 10). Do ponto de vista<br />
histórico e da experiência do autor que acrescentou<br />
essa observação, desde então Deus<br />
não havia mandado um profeta que pudesse<br />
ser igualado a Moisés em estatura. Mas Moisés<br />
profetizou sobre alguém que ainda estava<br />
por vir, o Messias que falaria por Deus de<br />
uma forma que nem Moisés havia feito<br />
(18.15-19).<br />
Um poeta do século 19 captou o espírito<br />
desse capítulo que reverencia Moisés.<br />
Perto da solitária montanha de Nebo,<br />
Do lado de cá do Jordão,<br />
Em um vale na terra de Moabe,<br />
Há um túmulo solitário.<br />
Mas não foi homem algum que cavou o<br />
sepulcro,<br />
E nenhum homem jamais o viu,<br />
Pois foram os anjos de Deus que reviraram<br />
o solo,<br />
E ali enterraram aquele que morreu.<br />
Ó túmulo solitário na terra de Moabe,<br />
Ó escuro monte de Bete-Peor,<br />
Fale a este nosso coração tão curioso,<br />
Ensina-o a aquietar-se.<br />
Deus tem seus mistérios da graça -<br />
Modos que não podemos compreender;<br />
Eles os oculta profundamente, como um<br />
sonho secreto<br />
Daquele que tanto ele amou. 10<br />
Paralelos do<br />
mundo antigo<br />
Como já dissemos, Deuteronômio contém<br />
os discursos de despedida de Moisés. Esses<br />
discursos foram intencionalmente organizados<br />
em um formato de documento que assemelha-se<br />
a certos tipos de tratados, comuns<br />
no antigo Oriente Próximo. Essa disposição<br />
faz de Deuteronômio, antes de mais nada,<br />
um documento da aliança. Seu objetivo é<br />
restabelecer a aliança do Sinai com a nova<br />
geração de israelitas cujos pais haviam quebrado<br />
a antiga aliança. Em Deuteronômio, a<br />
aliança do Sinai estava sendo atualizada nas<br />
planícies de Moabe. Enquanto os israelitas<br />
estavam em Moabe, com a terra prometida<br />
por Deus na aliança do outro lado do Rio<br />
Jordão, estavam deixando para trás a vida<br />
no deserto.<br />
Uma aliança significa um modo de estabelecer<br />
um relacionamento de união que, de<br />
outra forma, não existiria naturalmente. Conforme<br />
vimos no livro de Gênesis, na aliança<br />
patriarcal, Deus comprometeu-se para sempre<br />
com Abraão e sua família (capítulos 12,<br />
15, 17). Em Êxodo, Moisés e os israelitas entraram<br />
em aliança sagrada com o Senhor, um<br />
compromisso cujas obrigações requeriam mudança<br />
de vida (24.3-8). Deuteronômio rea-<br />
148
Deuteronômio<br />
Trechos de tratados hititas de suserania<br />
1) Preâmbulo<br />
Estas são as palavras de Mursilis, o grande rei, rei<br />
dos hititas, o valente.<br />
2) Prólogo histórico<br />
Quando seu pai faleceu, eu não vos abandonei.<br />
Tendo em vista que vosso pai mencionou o vosso<br />
nome para mim com tanto louvor, eu vos procurei.<br />
Estavas doente, moribundo. Ainda assim<br />
permiti que vós substituísseis vosso pai e aceitei<br />
vossos irmãos, irmãs e terra como promessa.<br />
3) Estipulações<br />
Vós para sempre permanecereis leais a mim, o rei<br />
hitita, à terra hitita e aos meus filhos e netos! O<br />
tributo imposto sobre vosso avô e vosso pai ·(330<br />
shekels de outro da melhor qualidade) vós também<br />
devereis pagar a mim! Não volteis vossos<br />
olhos para mais ninguém! Vossos pais pagaram<br />
tributos para o Egito, mas vós jamais devereis<br />
fazer tal coisa!<br />
4) Depósito no tempo e leitura periódica<br />
Uma cópia desse documento foi depositada<br />
perante o deus Tessub. Em intervalos regulares<br />
ela deve ser lida na presença do rei e dos filhos<br />
do país.<br />
5) Lista de deuses e testemunhas<br />
O deus-Sol dos Céus, a deusa-Sol, Arinna, lshtar,<br />
os deuses e deusas dos hititas, os deuses e deusas<br />
dos amoritas, todos os deuses antigos, as<br />
montanhas, os rios, os céus e a terra, os ventos e<br />
as nuvens - que todos sejam testemunha desse<br />
tratado e da promessa.<br />
6) Castigos e bênçãos<br />
Se Duppi-Tessub falhar em honrar esse tratado,<br />
que os deuses da promessa destruam Duppi<br />
Tessub com sua esposa, seu filho, seu neto, sua<br />
casa, sua terra e tudo o que ele possui. Mas se<br />
Duppi-Tessub honrar o tratado inscrito nessa<br />
placa, que esses deuses o protejam com sua<br />
esposa, seu filho, seu neto, sua casa e todo o<br />
seu país.<br />
Extraído e adaptado de dois tratados:<br />
1) Mursi/is e Duppi-Tessub (ANET, 203-205) e<br />
2) Suppiluliumas e Mattiwaza (talvez escrito Sattiwaza ou<br />
Kurtiwaza, ANET, 205-206)<br />
suserania<br />
firma aquela aliança nacional com a nova<br />
geração de israelitas nas planícies de Moabe.<br />
No meio dos anos cinqüenta, as origens<br />
políticas e sociais da aliança do Sinai foram<br />
descobertas em tratados do antigo Oriente<br />
Próximo. Apesar de alguns estudiosos de hoje<br />
discordarem, o consenso é de que Deuteronômio<br />
compartilha da mesma organização<br />
estrutural que os tratados internacionais feitos<br />
entre duas nações. Os tratados de suserania<br />
eram alianças políticas entre parceiros<br />
desiguais. O suserano (ou senhor) concordava<br />
em entrar em um relacionamento de<br />
união com seu vassalo (nação-súdita). Em<br />
tal acordo, o rei suserano oferecia proteção<br />
para o vassalo, mas a nação-súdita precisava<br />
pagar seus tributos fielmente e ser leal somente<br />
ao suserano. Muitos estudiosos acreditam<br />
que a aliança do Sinai (Êx 20-24) e a<br />
renovação da aliança em Siquém, sob a lide-<br />
rança de Josué (Js 24) também têm essa estrutura<br />
literária.<br />
Paralelos com os hititas<br />
Essa estrutura de tratado foi usada por diferentes<br />
nações durante muitos séculos da<br />
história do antigo Oriente Próximo. Mas para<br />
nossos propósitos, os melhores exemplos podem<br />
ser encontrados em documentos hititas<br />
da metade do segundo milênio (séculos 14 e<br />
13 a.C.). Essas alianças hititas de suserania<br />
quase sempre seguiam seis elementos, apesar<br />
de haver consideráveis variações na seqüência<br />
e nas palavras usadas nesses elementos.11<br />
1. Preâmbulo - Essa introdução normalmente<br />
identificava o rei-suserano, dando os<br />
seus títulos e atributos.<br />
2. O prólogo histórico -A segunda introdução<br />
descrevia as relações históricas entre<br />
149
Descobrindo o Pentateuco<br />
as duas partes que haviam levado a esse acordo.<br />
Normalmente enumerava em detalhes os<br />
atos benevolentes do suserano em favor do<br />
vassalo. Essa seção tinha por finalidade fazer<br />
com que o vassalo se sentisse obrigado ao<br />
suserano pelos favores já recebidos. O suserano<br />
esperava trocar benefícios passados por obediência<br />
a seus comandos no futuro, e isto também<br />
era detalhado no documento. Essa seção<br />
usava a forma "Eu - Vós" de tratamento. O<br />
suserano, como autor do documento, dirigiase<br />
diretamente ao vassalo.<br />
3. As estipulações - Essa seção traçava os<br />
termos do acordo, explicando quais eram as<br />
obrigações impostas sobre o vassalo e aceitas<br />
por ele. Normalmente incluía a proibição de<br />
que o vassalo tivesse relações com qualquer<br />
outra nação estrangeira fora do Império Hitita.<br />
Entre várias outras estipulações, era costumeiro<br />
que o tratado requisesse uma visita anual ao<br />
suserano, provavelmente por ocasião do pagamento<br />
do tributo e um juramento de lealdade<br />
ao suserano.<br />
4. Depósito em um templo e leitura periódica<br />
- As obrigações do tratado aplicavamse<br />
a toda a nação-vassala e não apenas ao rei.<br />
<strong>Leitura</strong>s públicas regulares garantiam que a<br />
população-vassala estivesse sempre familiarizada<br />
com os requisitos. Além disso, pelo fato<br />
do tratado ser protegido por uma divindade,<br />
ele devia ser depositado como objeto sagrado<br />
no santuário de um templo do país-vassalo.<br />
Esse gesto criava a impressão de que qualquer<br />
quebra do tratado seria uma ofensa à<br />
divindade local.<br />
5. Lista de deuses e testemunhas - Os<br />
autores dos tratados internacionais viam os<br />
deuses como testemunhas do tratado, assim<br />
como as testemunhas de um contrato legal.<br />
Os deuses dos hititas e aqueles do país-vassalo<br />
eram convocados como testemunhas. Por vezes,<br />
montanhas, rios, fontes, mar, céu e terra,<br />
considerados sagrados, também eram listados<br />
nessa seção (Dt 32.1; Is 1.2).<br />
6. Fórmula das bênçãos e castigos - Por<br />
fim, o tratado fazia uma lista das bênçãos para<br />
aqueles que fossem fiéis ao acordo e castigos<br />
para aqueles que não fossem. O rei hitita podia<br />
sempre usar sua força militar como ameaça<br />
para qualquer vassalo que quebrasse o tratado.<br />
Mas o documento escrito listava os castigos<br />
e as bênçãos como se fossem atos dos<br />
deuses. As sanções do tratado eram de caráter<br />
religioso e o poderio militar hitita era um<br />
mero agente da vontade divina.<br />
Estrutura do tratado em<br />
Deuteronômio<br />
A idéia de aliança é importante ao longo<br />
de todo o Pentateuco. São inegáveis os paralelos<br />
existentes entre tratados do antigo Oriente<br />
Próximo e certas passagens sobre a aliança<br />
no Antigo Testamento. 12 Mas Deuteronômio<br />
é singular no sentido de que temos uma porção<br />
extensa das Escrituras estruturadas literalmente<br />
de acordo com as alianças da antigüidade.<br />
Os tratados hititas de suserania do<br />
segundo milênio a.C. são os exemplos mais<br />
próximos dessa estrutura.<br />
1. Preâmbulo: 1.1-5<br />
2. O prólogo histórico: 1.6-3.29<br />
3. As estipulações: 4-26<br />
4. Depósito em um templo e leitura periódica:<br />
31.9-13; 24-26<br />
5. A lista de testemunhas: 30.19; 31.19-22<br />
6. Bênçãos e castigos: 28<br />
A estrutura de Deuteronômio parece ter<br />
sido emprestada de um tratado da antigüidade.<br />
Mas a comparação do relacionamento<br />
entre Deus e os israelitas com o relacionamento<br />
entre o rei hitita e as nações-súditas é<br />
limitada. O paralelo entre Deuteronômio e os<br />
tratados hititas diz respeito à forma e estrutura<br />
e não ao conteúdo.<br />
Não é difícil ver por que Israel podia comparar<br />
com tanta facilidade seu novo relacionamento<br />
com Deus com os tratados do antigo<br />
Oriente Próximo. O suserano exige devoção<br />
exclusiva. O vassalo não pode formar o<br />
mesmo tipo de relacionamento com qualquer<br />
outro rei ou nação. O monoteísmo mosaico<br />
precisava expressar a natureza singular de seu<br />
relacionamento com Iavé. Não podia haver<br />
outros deuses envolvidos. Mas o rei suserano<br />
também tinha obrigações. Era um compromisso<br />
mútuo entre ambas as partes. Assim, Iavé também<br />
estava se comprometendo com Israel. A<br />
aliança de amor de Iavé (h,esed) é um conceito<br />
importante ao longo do resto do Antigo<br />
Testamento.<br />
O paralelo entre Deuteronômio e os tratados<br />
hititas do segundo milênio ajuda a solucionar<br />
o problema de quando Deuteronômio<br />
foi escrito (ver discussão no capítulo 3). Por<br />
mais útil que seja essa observação, ela só demonstra<br />
que Deuteronômio se encaixa perfeitamente<br />
no segundo milênio e deve ter sido<br />
escrito nessa época. Esse paralelo torna possível<br />
datar Deuteronômio na mesma época de<br />
Moisés, mas não prova a autoria mosaica, ten-<br />
150
Deuteronômio<br />
Um artista<br />
imagina a tenda<br />
de uma família<br />
nos tempos do<br />
Antigo<br />
Testamento.<br />
Durante os anos<br />
em que<br />
vagaram pelo<br />
deserto, os<br />
israelitas viveram<br />
como nômades.<br />
do em vista que tratados com essa estrutura<br />
também eram usados durante o primeiro milênio.<br />
Ele demonstra, entretanto, a unidade<br />
essencial do livro. Todo o livro de Deuteronômio<br />
(com a possível exceção dos capítulos 33<br />
e 34) é parte dessa estrutura de tratado.<br />
A importância de<br />
Deuteronômio para o<br />
pensamento bíblico<br />
O livro de Deuteronômio é importante por<br />
causa da maneira com que ele conecta aquilo<br />
que o precede com o que vem depois dele.<br />
Do ponto de vista histórico, a aliança nas planícies<br />
de Moabe uniu a aliança do Sinai com<br />
a vida na terra santa. Da mesma forma, Deuteronômio<br />
também faz uma ponte literária<br />
entre o Pentateuco e os Livros Históricos. Ele<br />
faz uma retrospectiva e ao mesmo tempo tem<br />
uma visão do futuro. Como recristalização da<br />
lei da aliança, o livro é um sumário do Pentateuco<br />
e dá a essa primeira e monumental parte<br />
da Bíblia o desfecho merecido. Mas Deu-<br />
teronômio também está voltado para a frente.<br />
Ele prepara os israelitas para sua futura vida<br />
com Deus na terra prometida e estabelece os<br />
alicerces teológicos para os Livros Históricos.<br />
Deuteronômio é um livro essencial para o<br />
Cânon do Antigo Testamento. Os nove primeiros<br />
livros da Bíblia (Gênesis a 2 Reis) podem<br />
ser chamados de História Primária. 13 Deuteronômio<br />
está literalmente no centro dessa<br />
história, servindo como uma "dobradiça" teológica<br />
sobre a qual todo o resto gira.<br />
Papel de Deuteronômio<br />
no Pentateuco<br />
Deuteronômio é a expressão culminante da<br />
aliança mosaica. Como nos livros anteriores do<br />
Pentateuco, Deuteronômio está extremamente<br />
preocupado com a lei. Aqui, mais do que<br />
em qualquer outra parte do Pentateuco, o princípio<br />
por trás da lei é o amor que caracteriza o<br />
relacionamento entre Deus e o seu povo. Os<br />
imperativos bem definidos dos Dez Mandamentos<br />
exemplificam esse princípio quando<br />
recebem aplicações mais específicas por meio<br />
daquilo que é estipulado nos capítulos 12-26.<br />
1 51
Descobrindo o Pentateuco<br />
História<br />
Deuteronômica<br />
GÊNESIS<br />
ÊXODO<br />
LEVÍTICO<br />
NÚMEROS<br />
o<br />
:E<br />
,o<br />
z<br />
o<br />
a:<br />
w<br />
...<br />
::,<br />
w<br />
e<br />
JOSUÉ<br />
JUÍZES<br />
SAMUEL<br />
REIS<br />
_/<br />
A base para o relacionamento do povo<br />
com Deus fluía do seu amor por eles e da<br />
resposta adequada de obediência da parte<br />
deles. Quando o povo de Deus quebra seus<br />
mandamentos, quebra o relacionamento de<br />
amor (Mt 22.35-40; Jo 14.15). A obediência<br />
à lei de Deus é resultado de um relaciona-<br />
menta de amor. Amor é a essência do relacionamento;<br />
a lei é o resultado natural.<br />
Deuteronômio e os<br />
Livros Históricos<br />
Deuteronômio é a pedra fundamental<br />
para a chamada História Deuteronômica.<br />
Os livros de Josué, Juízes, Samuel e Reis compreendem<br />
uma unidade de Livros Históricos<br />
com uma forte influência deuteronômica<br />
{ver o próximo capítulo). Deuteronômio é<br />
um preparativo para o drama descrito nos<br />
Livros Históricos. O chamado da aliança para<br />
escolher entre a morte e a vida, as bênçãos e<br />
os castigos são um prelúdio para a história<br />
nacional de Israel (Dt 30.19). Em Canaã, o<br />
povo de Deus está prestes a transformar-se<br />
em uma nação. Deuteronômio torna-se a<br />
constituição formativa dessa nação. É um<br />
documento de renovação da aliança, que<br />
prescreve o seu futuro relacionamento com<br />
Sumário<br />
1.<br />
2.<br />
Na forma dos três discursos de Moisés,<br />
o livro de Deuteronômio apresenta<br />
uma exortação para que Israel<br />
mantenha a aliança.<br />
O livro de Deuteronômio é organizado<br />
em um padrão concêntrico de cinco<br />
partes conhecido como quiasma.<br />
3. A fidelidade de Deus é o assunto do<br />
primeiro discurso de Moisés.<br />
4. O assunto do segundo discurso de<br />
Moisés é a revisão da aliança, que estipula<br />
que a terra prometida pertence<br />
aos israelitas.<br />
5. Moisés apresenta uma visão<br />
monoteísta para os israelitas que contrasta<br />
com o politeísmo do antigo<br />
Oriente Próximo.<br />
6. A organização da lei nos capítulos<br />
12-26 segue os principais tópicos do<br />
Decálogo.<br />
7. Em seu terceiro discurso, Moisés discute<br />
as sanções da aliança.<br />
8. Antes de sua morte, Moisés profere<br />
uma bênção sobre cada tribo.<br />
9. A organização do livro de Deuteronômio<br />
é semelhante à de um tratado de<br />
suserania, que era uma forma comum<br />
de acordo político no antigo<br />
Oriente Próximo.<br />
1 O. As seis partes de um tratado hitita de<br />
suserania eram: preâmbulo, prólogo<br />
histórico, estipulações, depósito em<br />
templo e leitura periódica, lista de<br />
deuses e testemunhas e bênçãos e<br />
castigos.<br />
1 1 . Deuteronômio é o centro da história<br />
primária do Antigo Testamento.<br />
12. Deuteronômio é a base para a chamacia<br />
História Deuteronômica.<br />
152
Deuteronômio<br />
Questões para estudo<br />
1. De que maneira o título "Deuteronômio"<br />
falha em expressar a essência do<br />
livro? Qual é a localização geográfica<br />
da cena de abertura do livro? Qual é a<br />
ocasião em que foi escrito? Quais são<br />
três acontecimentos retratados em<br />
detalhes nesse livro?<br />
2. Quais são os assuntos da primeira<br />
(1.1-4.43), segunda (4.44-26.19) e<br />
terceira (27.1-31.30) unidades literárias?<br />
Descreva os apêndices do livro.<br />
3. Quando ocorrem os acontecimentos<br />
do livro? De que maneira os materiais<br />
legais diferem das leis de Êxodo e. Números?<br />
Qual é a base para a autoridade<br />
de Moisés?<br />
4. Em seu primeiro discurso (1.6-4.43),<br />
o que Moisés ilustra ao relembrar o<br />
passado recente de Israel?<br />
5. Quais são as duas seções do segundo<br />
discurso de Moisés (4.44-26.19)?Qual<br />
é a função dos Dez Mandamen- tos<br />
nesse trecho? Quais são as verda-des<br />
contidas no Shema? Que pergun- tas<br />
ele responde? Como devemos responder<br />
ao caráter de Deus? Qual é o<br />
equilíbrio adequado de amor e temor<br />
em nosso relacionamento com Deus?<br />
De que forma esses dois elementos se<br />
6.<br />
7.<br />
8.<br />
9.<br />
1 O.<br />
combinam para alcançar o objetivo de<br />
Deuteronômio 5-26?<br />
Qual é a nova situação tratada em<br />
Deuteronômio 21-26? De que maneira<br />
os Dez Mandamentos oferecem<br />
uma estrutura para as leis de Deuteronômio<br />
12-26?<br />
Quais são as duas partes do terceiro<br />
discurso de Moisés (27.1-31.30)?<br />
Descreva a cerimônia de renovação da<br />
aliança e a doutrina da retribuição.<br />
Qual é a previsão feita e a escolha<br />
oferecida na parte final dos discursos<br />
de Moisés (29.1-30.14)? Quais são as<br />
duas providências para o futuro do<br />
povo contidas em Deuteronômio 31?<br />
De que maneira o Cântico de Moisés<br />
foi usado pelos profetas? Qual é a<br />
advertência para os futuros líderes<br />
contida na morte de Moisés fora da<br />
terra prometida?<br />
O que é um tratado de suserania?<br />
Quais elementos de um tratado hitita<br />
de suserania são encontrados em<br />
Deuteronômio?<br />
De que forma Deuteronômio serve<br />
como ponte entre o Pentateuco e os<br />
livros históricos?<br />
Pessoas/<br />
lugares-chave<br />
Stephen E. Kaufman<br />
Monte Ebal<br />
Monte Gerizim<br />
Monte Nebo<br />
Termos-chave<br />
Septuaginta<br />
Quiasma<br />
Monoteísmo<br />
Shema<br />
Politeísmo<br />
Decálogo<br />
Teologia Deuteronômica<br />
Aliança<br />
Suserania<br />
História Deuteronômica<br />
Deus, uns com os outros e com as nações ao<br />
seu redor. A expressão do relacionamento<br />
entre Deus e Israel na forma de uma aliança<br />
é a mais importante expressão da fé israelita<br />
no Antigo Testamento. Essa é a<br />
característica distintiva da religião hebraica.<br />
153
Descobrindo o Pentateuco<br />
<strong>Leitura</strong>s complementares<br />
-·Christensen, Duane L. Oeuteronomy 7- 7 7. Word Biblical<br />
Commentary 6 ª ed. Dai las: Word, 1991. Uma visão<br />
singular com alguns insights úteis.<br />
__, org. Song of Power and the Power of Song:<br />
Essays on the Book of Deuteronomy. Sources for<br />
Biblical and Theological Study 3. Winona Lake, lnd.:<br />
Eisenbrauns, 1993. Uma ótima introdução às principais<br />
questões e o ponto de vista acadêmico de Deuteronômio.<br />
Craigie, Peter C. The Book of Oeuteronomy. New lnternational<br />
Commentary on the Old Testament. Grand<br />
Rapids: Eerdmans, 1976. Um dos melhores comentá<br />
rios disponíveis em inglês.<br />
Thompson, J. A. Oeuteronomy. An lntroduction -and<br />
Commentary. Tyndale Old Testament Commentary.<br />
Downers Grove/Leicester: lnterVarsity, 1974.<br />
154