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Clareira Flamejante - O Norte do Paraná antes e depois do advento da energia elétrica

No papel de empresa cidadã, a Romagnole presta um importante apoio à preservação da memória e dos valores de um povo. Lançado em 2007.

No papel de empresa cidadã, a Romagnole presta um importante apoio à preservação da memória e dos valores de um povo. Lançado em 2007.

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ROGÉRIO RECCO

Clareira

Flamejante

O Norte do Paraná antes e após o advento da energia elétrica



Florestas com 40 metros de altura

sucumbiam aos desbravadores,

que abriam grandes clareiras

para dar lugar a fazendas e cidades.

Atrás deles vinha o fogo,

igualmente implacável,

e tudo ardia por semanas.

De dia, de tanta fumaça,

quase não se via o sol.

De noite, a visão fascinante

e aterradora das clareiras flamejantes.



ROGÉRIO RECCO

Clareira

Flamejante

Projeto desenvolvido com o apoio da Romagnole Produtos Elétricos S.A.

LEI DE

INCENTIVO

À CULTURA

MINISTÉRIO

DA CULTURA

1ª Edição - Maringá - PR - 2007

Santo é o Senhor Deus do Universo


www.clareiraflamejante.com.br

PROJETO ESPECIAL

Av. Carneiro Leão, 135, 9° andar,

Cj 902 – CEP 87013-080 Maringá-PR

Tel/fax (44) 3028-5005

rogeriorecco@flammacom.com.br

www.flammacom.com.br

PRODUTOR EXECUTIVO

Pery de Canti

PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO

André Bacarin Ernesto

APOIO TÉCNICO

André de Canini, Wallace Antonio

Matarolli Freires, Carmem Salgueiro,

Daniel Aires, Marly Aires

AGRADECIMENTOS

João Laércio Lopes Leal, Jorge Fregadolli,

Kurt Jakowatz, Cézar Lima, Afra de

Oliveira, Sérgio Mendes, Rose

Machado, Maurinho Piccioly, Akimitsu

Yokoyama, Museu da Energia e Copel

IMPRESSÃO E ACABAMENTO

Midiograf

Ao completar 45 anos, a Romagnole

tem a satisfação de apresentar “Clareira

Flamejante”, uma obra documental em

formato literário que, de forma objetiva,

relata as etapas de desenvolvimento da

energia elétrica, com ênfase no Norte do

Paraná.

É a contribuição da empresa para a

memória da região, através da pesquisa

de fatos e depoimentos que enriquecem

uma narrativa envolvente, onde não

faltam emoções e surpresas.

Um trabalho que possibilita às

novas gerações conhecer os desafios que

marcaram a aventura dos antepassados,

os quais, acalentando muitos sonhos,

deram-nos um exemplo de capacidade

realizadora.

SILVANA ROMAGNOLE

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)

(Biblioteca Central - UEM, Maringá - PR., Brasil)

Recco, Rogério

R295c Clareira flamejante / Rogério Recco.-- Maringá :

Gráfica e Editora Midiograf, 2007.

140p.:il. ; color. ;fot.

ISBN 978-85-60591-03-9

1. Energia elétrica - Paraná - História. 2. COPEL -

Paraná - História. 3. Eletrificação - Paraná. 4.

Romagnole - Paraná - História.

CDD 21.ed. - 621.31098162

6


Em pouco mais de um século o Paraná saiu da luminosidade incipiente dos lampiões públicos, que

precisavam ser acesos e apagados todos os dias pelos chamados “vagalumes”, para tornar-se um dos

maiores produtores brasileiros de energia elétrica. Apesar dessa trajetória, o processo de expansão da

eletricidade pelo interior foi bastante lento, a ponto de, em plena década de 50, uma cidade

importante como Maringá, servida por obsoleto equipamento de geração eletro-diesel, ainda ficar

praticamente às escuras, a exemplo o que ocorria na maior parte dos municípios do Norte e Noroeste

do Estado.

O livro “Clareira Flamejante”, que tem o respaldo da empresa Romagnole, propõe-se a contar

essa história, resgatando os passos do desenvolvimento da energia elétrica no Paraná e os

acontecimentos – dramáticos, por sinal – vividos por regiões que, mesmo em meio a um surto de

desenvolvimento tão veloz, não tinham como eferecer esse recurso à sua gente.

Surgida em 1954, a Copel começou a operar, dois anos depois, justamente em Maringá e outras

cidades da região, conseguindo, com dificuldades, superar os desafios.

O livro é uma obra importante sob o ponto de vista histórico e documental. Parabéns a todos que

se encontram envolvidos nesse projeto.

RUBENS GHILARDI

Diretor-Presidente da Copel

Mais que um rico conteúdo sob o ponto de vista histórico sobre os avanços da energia elétrica no

Paraná, “Clareira Flamejante” é, acima de tudo, uma demonstração de zelo, respeito e

comprometimento da Romagnole para com a história. Tal obra, que merece ser lida com atenção,

constitui também um exemplo a ser seguido pelas demais indústrias paranaenses. Através de

instrumentos como a Lei Rouanet de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura, é possível

desenvolver projetos brilhantes como este, que preservam a memória de um povo.

RODRIGO ROCHA LOURES

Presidente do Sistema FIEP (Federação das Indústrias do Estado do PR)

É sempre muito interessante poder falar e, ao mesmo tempo, aprender através dos livros. Neste

sentido, “Clareira Flamejante” se soma, certamente, às iniciativas bem-sucedidas no campo da

história e da literatura paranaenses, mostrando os avanços da energia elétrica, bem como os detalhes

de seu advento na região Norte do Estado. Meus cumprimentos à empresa Romagnole, ela própria

resultado da visão e do trabalho de seus empreendedores, por oferecer-nos uma obra tão valiosa.

PAULO CRUZ PIMENTEL

Ex-governador do Paraná e ex-presidente da Copel

7


Sumário

Introdução

14 - Fantásticas mudanças

Parte 1

28 - A colonização

32 - Os “pés vermeios”

36 - Os italianos e o café

44 - Terra dividida

Parte 2

62 - Rápido crescimento populacional

72 - O governo cria a Copel

88 - A família segue em frente

90 - A Copel se estrutura em Maringá

Parte 3

100 - Artefatos de concreto

102 - O Paraná moderniza sua economia

106 - Tudo era feito no braço

110 - Trabalhando como nunca

114 - Governo Federal estabelece diretrizes

120 - Prestígio

126 - Começa a privatização...

134 - Paraná aproveita quase todo seu potencial hidrelétrico

136 - Final

138 - Referências

8


9


Prefácio

AA luz, segundo o ensinamento bíblico, foi obra realizada no

primeiro dia da criação divina. O Criador, ao separar a luz da

treva, chamou a primeira de dia e a segunda de noite. Embora

tenha um significado mais amplo, a citada imagem da luz remete, obviamente, ao

sol. Espontaneamente, os homens primitivos beneficiavam-se com o calor e a

luminosidade do sol. Não sabiam, porém, como canalizá-lo. O fogo foi a primeira

fonte natural de energia dominada pelo homem.[1] O impacto foi tão grande que a

cultura grega nos legou o mito de Prometeu, o titã que tomou o fogo dos deuses e

o entregou aos homens. Prometeu foi castigado pela ousadia, mas os homens

souberam usar o benefício recebido. “Fonte de todas as artes”, o fogo iluminava,

aquecia, servia para forjar equipamentos de trabalho, objetos diversos e armas.

Na contemporaneidade, o domínio da energia elétrica desempenhou um papel

equivalente no imaginário da humanidade, tal foi a revolução que propiciou na

tecnologia e no cotidiano da população. A energia elétrica tornou-se, acima de

tudo, sinônimo de progresso. No Brasil, sabe-se que o uso da energia elétrica data

dos tempos de D. Pedro II, no último quartel do século XIX. No Paraná, chegou

em 1890. Sua expansão para o interior foi lenta, embora muito desejada. E em

Maringá, como ocorreu essa história?

A pioneira Winifred Ethel Netto, que chegou a Maringá no final de 1947, relata

que sua família contou com luz elétrica desde o início. Mas era uma exceção.

Prevenidos, ela e seu marido, Odwaldo Bueno Netto, trouxeram um gerador, fios e

lâmpadas.[2] O fato de destacar que não viveram tal privação decorre da percepção

de que não era essa a situação geral, detalhada em abundantes registros. Ao se

mudar para Maringá, a pioneira Marianna Tait acusou: “não tinha luz, era lamparina,

só vi o pessoal tirando água”.[3]

Na obra do escritor J. F. Duque Estrada, há cenas reveladoras daquele final dos

anos 1940. No romance Isto é você, Maria, descreve o ambiente do Hotel Bom

Descanso: “a arrumação dos móveis, as cortinas com longos babados, toalhas e

lençóis muito limpos e um artístico lampião a querosene colocado sobre o

camiseiro”.[4] Menos prosaicas são as passagens do livro Terra crua, que tece cenas

com enormes toras de perobas semi-queimadas e com ruas e praças sem

iluminação. As noites, que nada tinham de atraentes, tornavam obrigatório o uso

de lanterna, medida de segurança para quem se aventurasse pelas ruas escuras e

desertas.[5] No início dos anos 1950, Maringá era a cidade mais iluminada de toda a

região, conforme a memória do advogado Edmundo Canto. Só que a claridade

vinha dos troncos queimados, que “ardiam em brasa durante dias e noites

seguidas”. Daí a iluminação noturna.[6]

Entre os migrantes que constituíram a população de nossa cidade, muitos vinham

de zonas rurais, mas não era desprezível o contingente, oriundo de centros urbanos

mais antigos, habituado ao uso da energia elétrica. Não espanta que essa fosse uma

10


das carências mais acusadas por aqueles que adotavam Maringá para viver. Na escala

de prioridades, estava entre as primeiras. Por isso mesmo, era pauta inadiável a ser

enfrentada pelos primeiros dirigentes públicos do município, eleitos em 1952.

Aliás, no último comício da campanha de Inocente Villanova Jr., que se tornaria o

primeiro prefeito de Maringá, a carência desse serviço gerou um saboroso episódio

político. Quando ele se preparava para discursar, “sabotaram a luz, cortando os fios

que a levavam ao palanque”. O candidato não deixou barato. Manteve o discurso e

bradou que “a escuridão significava a mentalidade dos seus adversários”.[7]

Testemunhos da época sugerem, entretanto, que foi uma artimanha de sua

coordenação de campanha. Simulando preocupação, um dirigente de seu partido

teria dito aos adversários da UDN: “se acabar a luz na hora do discurso do Villanova,

será um desastre”. A isca teria sido mordida pelos udenistas.[8] Qualquer que seja a

origem da idéia, o fato é que os cabos da bateria foram desligados e o discurso de

Villanova, extraindo dividendos políticos da situação, foi concluído com uma

promessa: “eu lhes garanto: se eleito, vou instalar a energia elétrica em Maringá”.

Mal tomou posse, Inocente Villanova Jr. começou a enfrentar o problema. Na

primeira sessão da Câmara Municipal, um vereador da base de apoio do prefeito

informou a seus pares quais eram as providências que o Executivo vinha adotando a

respeito da questão da eletricidade. No relatório de gestão de Inocente Villanova

Jr., lê-se: “instalação de quatro motores para o fornecimento de energia elétrica”.[9]

A solução definitiva, evidentemente, ocorreu em processo. Por muito tempo, a

cidade, mesmo com a expansão dos serviços de energia elétrica, conviveu com a

presença de lamparinas e lampiões, especialmente nas regiões de população de baixa

renda. Em um período em que a fronteira entre o campo e a cidade não era tão

rígida, as pessoas costumavam se referir a essa novidade de seu cotidiano com um

vocabulário repleto de permanências do universo rural. Assim, uma lâmpada de 100

watts era referida como uma “lâmpada de 100 velas”. Solução original e criativa.

Em Clareira Flamejante, o jornalista e escritor Rogério Recco faz um relato rico

e denso dessa epopéia, tendo como foco a história de Maringá e região. Sua

narrativa abarca tanto o período em que o clarão vinha dos troncos que ardiam em

brasa, imagem traduzida no próprio título do livro, quanto o processo de

implantação dos serviços de energia elétrica. Seu trabalho tem o mérito inicial de

propor um tema que, em um primeiro contato, poderia até parecer técnico e

desinteressante. Basta, porém, que se leia cada página para verificar quanto o tema

é fascinante. Afinal, a relação de homens e mulheres com o controle e o uso de

energias, independentemente da época e dos padrões tecnológicos vigentes, diz

respeito a tudo que envolve a sua vida.

Atento às múltiplas dimensões do fenômeno, Rogério Recco acerta ao analisar a

repercussão da questão da energia elétrica, seja pela presença ou pela ausência, no

cotidiano da população, onde a relação se torna concreta. Traz à tona, com isso,

11


aqueles elementos mágicos do universo da memória, impregnado de emoções as

mais diversas. Mais do que tornar a leitura agradável, isso imprime mais densidade à

história narrada. Afinal, não é propriamente de energia elétrica que se quer falar,

mas da vida de mulheres e homens e de sua experiência na edificação de sua cidade.

Nos últimos anos, a bibliografia sobre a história de Maringá e região ampliou-se

muito. O livro Clareira Flamejante não é apenas mais um título que se soma a

tantos outros. Baseado em uma pesquisa extensa, apresenta uma contribuição

singular, vertida em um texto sóbrio e acessível, sobre um tema pouco explorado

entre nós. Diverte, informa e faz refletir. Merece ser lido, divulgado e debatido.

Até mesmo para salientar a atualidade do tema do livro, não posso deixar de

observar como, apesar de vivermos uma época em que os debates concentram-se

na utilização sustentável de múltiplas formas de energia, o imaginário popular ainda

é preenchido pela energia elétrica. Seu apelo pode ser medido pelo alcance social

dos programas “Luz para Todos” e “Luz Fraterna”, implementados, recentemente,

pelos governos federal e estadual. Esses programas pautam tanto a expansão dos

serviços quanto a oferta gratuita à população de baixa renda. Na sensibilidade e no

linguajar de nossa época, trata-se de promover a inclusão social.

Em contrapartida, o vocabulário da grande política recebeu a incorporação de

um termo curioso: “apagão”. Originalmente empregado para definir a falta de

provisionamento e de fornecimento de energia elétrica, virou sinônimo de crise na

prestação de qualquer serviço público. Há quem não goste do curioso vocábulo e

de seus usos. Não se pode negar, contudo, que ele tem a enorme vantagem de ser

fácil de entender. Apagar a luz, afinal, é voltar às trevas, sejam elas literais ou

metafóricas. Desde as mais remotas épocas, o que a humanidade quer mesmo é

poder dizer, fazendo eco ao que se lê na Bíblia a respeito do primeiro dia da

criação, “haja luz”.

Reginaldo Benedito Dias

Professor do Dep. de História da UEM

[1] Cf. MELLO, Lilia, N.C. Luz e força movimentando a história. Rio de Janeiro: Centro de Memória da eletricidade no

Brasil, 2003.

[2] Cf. NETTO, Winifred Ethell. Quando o amor transpõe o oceano: uma história de coragem. São Paulo: Cultural, 2005.

[3]TAIT, Tania. As excluídas da história: o olhar feminino sobre a história de Maringá. In DIAS, Reginaldo B. &

GONÇALVES, J. H. R (orgs). Maringá e o norte do Paraná: estudos de história regional. Maringá: Eduem, 1999, p. 358.

[4]DUQUE ESTRADA, J. F. Isto é você, Maria. Curitiba: Artes gráficas, Maringá, 1974, p. 13.

[5] DUQUE ESTRADA, J. F. Terra crua. Curitiba, 1961.

[6] SERRA, E. Cocamar: sua história, sua gente. Maringá: Cocamar, 1989, p. 18.

[7] DUQUE ESTRADA, J. F. Terra Crua. Curitiba, 1961, p. 70.

[8] Conforme anotações do professor Antonio Augusto de Assis, o petebista Álvaro Fernandes reivindicava a autoria do

plano e afirmava ter “soprado” a idéia para Malachias de Abreu (UDN). Houve quem atribuísse a Fernandes a própria

execução do ato.

[9] REIS, O. Maringá e seus prefeitos. Maringá: Clichetec, 1996, p. 33.

12


“As noites eram tenebrosas. Vultos silenciosos

se moviam no escuro. Alguns se moviam

como sombras e outros levando

uma lanterna e lampião numa

das mãos e, na outra, uma arma.

Lendas eram criadas e o medo

se tornava contagiante.”

(Jacus & Picaretas, Ildeu Manso Vieira, página 145)

13


Introdução

Fantásticas

mudanças

Aeletricidade faz parte da natureza e

se manifesta de diferentes maneiras. Entre as mais

visíveis, as descargas elétricas que faíscam os

céus quando de tempestades. Pois foi somente no

século XIX que a civilização humana conseguiu

colocá-la a seu serviço.

As aplicações de energia elétrica vinham sendo desenvolvidas na Europa desde a

Revolução Industrial. Na segunda metade dos anos de 1850, após séculos de uso da

lenha, das velas de cera, das lamparinas que queimavam óleo de baleia e da

iluminação a gás inaugurada pelo Barão de Mauá, essa evolução chegava ao

Brasil.

De acordo com Lourenço Lustosa Froes da Silva, em seu “Iluminação

pública no Brasil, aspectos energéticos e institucionais”, Dom Pedro II havia

visitado a Exposição de Filadélfia em 1876 e voltara encantado com a energia

elétrica. Autorizou então que Thomas Edison introduzisse suas invenções no

País e, em 1879, era inaugurada a iluminação elétrica da estação central da

Estrada de Ferro D. Pedro II (depois Central do Brasil), no Rio de Janeiro,

constituída por apenas 6 lâmpadas “Jablockhov” acionadas a partir da energia

elétrica gerada por dois dínamos.

Em 1887, Porto Alegre inaugurava um serviço municipal de iluminação pública -

o primeiro do País - aproveitando a energia gerada em uma usina da Companhia Fiat

14


Lux. No Rio de Janeiro, criava-se a Companhia de Força e Luz, responsável por mais

de 100 lâmpadas. Ao mesmo tempo, os serviços viabilizados pela energia elétrica se

estendiam à forma motriz, principalmente no setor têxtil.

Embora as primeiras experiências tivessem acontecido no Rio de Janeiro,

anteriormente outras cidades já haviam experimentado o melhoramento, ainda que

precariamente. A primeira, em 1883, foi Campos dos Goytacazes-RJ. A seguir

vieram outras: Rio Claro-SP, Juiz de Fora-MG, Piracicaba-SP, São Carlos do Pinhal-

SP, Ribeirão Preto-SP, São João Del Rei-MG, Belo Horizonte-MG, Petrópolis-RJ,

Manaus-AM e Belém-PA.

A primeira usina considerada de porte para “força e luz”, expressão corrente para

denominar os serviços de força motriz e iluminação, foi a hidrelétrica de Marmelos,

erguida pelo industrial Bernardo Mascarenhas, considerada o marco zero da história

da energia elétrica no Brasil e na América Latina, construída em 1889 às margens do

Rio Paraibuna, em Juiz de Fora-MG.

Com isso, um dos primeiros serviços produzidos a partir da energia elétrica foi a

iluminação pública.

Até 1900, as pequenas usinas instaladas somavam apenas 12 MW de capacidade,

eminentemente técnica. Com a chegada do Grupo Light (do Canadá) o potencial

hidrelétrico do País começaria a ser explorado de forma mais intensa. Em 1889, a

Light iniciava a operação de suas primeiras linhas de bondes elétricos na capital

paulista, produzindo energia numa pequena central a vapor.

No Brasil, o êxito

na difusão da

eletricidade somente

viria ocorrer no

período republicano,

pois até então era

utilizada

iluminação a gás.

Rio de Janeiro, meados

do século XIX, foto de

Marc Ferrez

(www.memoriaviva.com.br).

A capital do País

realizou as primeiras

experiências com

iluminação pública

15


Acima, a aquarela

de Jean Baptista

Debret, de 1820,

mostra escravos

manipulando um

lampião à azeite de

peixe; abaixo,

lampadário público

instalado na esquina

das ruas Alfândega

e Regente Feijó

(www.memoriaviva.com.br)

A cidade do Rio de Janeiro, ainda em meados do século XVI e até o início do

século XVII, era dotada de fraca iluminação noturna, percebida somente através das

janelas, vindas de candeeiros, lamparinas e velas voltadas para o interior das

construções. Nas vias públicas, a única iluminação que se tinha era de cunho

religioso, nos oratórios. Os hábitos dos habitantes eram, portanto, diurnos.

A primeira lanterna permanente acesa no Rio de Janeiro foi a que o Convento de

Santo Agostinho, no Largo da Carioca, ergueu em sua portaria em 1710. No início

do século XVIII, quando a população da cidade era de 12 mil habitantes, as lanternas

começaram a suprir a iluminação externa, nos prédios públicos e em algumas

residências, sendo fixadas nas ombreiras das portas. Entre 1779 e 1790 já havia 73

lampadários instalados, custeados por particulares, em oratórios da cidade,

conforme cita Ruy Maurício de Lima e Silva, em “Rio de Janeiro em seus 400 anos”.

“Em 1763, quando o Rio de Janeiro passou a ser capital do Brasil, a cidade era

iluminada apenas e muito precariamente, por meio de lampiões e candeeiros

alimentados a óleo de peixe. A iluminação pública era assim precaríssima em ruas

estreitas e não calçadas, o que fazia o povo recolher-se cedo, fechar as portas e evitar

saídas noturnas”.

Foram instalados pelo governo em 1794 os lampiões e candeeiros de azeite,

fixados em postes nas ruas da cidade, custeados pelo poder público e por

particulares. As casas eram iluminadas por meio de pequenos cilindros coloridos de

vidro, enchidos com cera com um pavio no centro.

A Família Real se transfere para o Brasil em 1808 e D. João VI institui a

Intendência Nacional de Polícia para cuidar da segurança e do policiamento. A

Intendência de Polícia providenciaria a instalação de iluminação em diversas ruas da

cidade para evitar a escuridão, tida

como propícia à proliferação de

marginais. Foram colocados, a cada

100 passos de distância, lampiões

sobre colunas de pedra e cal no trajeto

do coche de D. João em direção à

Quinta da Boa Vista. Essa estrada

ficaria conhecida como Caminho das

Lanternas e, posteriormente, Caminho

do Aterrado, por avançar sobre

alagadiços então existentes.

Na Europa, a partir de 1784, o engenheiro

escocês William Murdock

(1754-1839) iniciou estudos para utilizar

o gás advindo da gaseificação do

16


As primeiras experiências com eletricidade

1800 – Criação da bateria pelo físico italiano Alessandro Volta.

1831 – Desenvolvimento de transformação da energia mecânica em

energia elétrica pelo pesquisador inglês

Michel Faraday e o norte-americano

Joseph Henry.

1867 – O alemão Werner von Siemens

concebe o dínamo e sua aplicação

industrial.

1879 – A lâmpada elétrica é inventada

pelo norte-americano Thomas Alva

Edison (foto)

1888 – Nikola Tesla, croata, desenvolve a

corrente alternada, o que leva à instalação

de sistemas de iluminação em larga

escala.

1900 – O uso do alternador

e do transformador

possibilita o transporte

de energia a longa

distância.

A viabilização da eletricidade foi

progressiva e comercial. Primeiro nas

comunicações, depois na metalurgia, na

indústria química leve e finalmente na

iluminação

17


Os “vagalumes”,

profissionais

responsáveis por

acender e apagar

os lampiões das

cidades, foram

fundamentais até

1930, quando a

eletricidade ainda

era artigo raro e,

no lugar de lâmpadas,

os postes usavam gás.

Ao lado, a Rua do

Ouvidor no dia 18

de fevereiro de 1911,

quando da

inauguração do

sistema de

iluminação elétrica

(www.memoriaviva.com.br)

carvão como fonte de iluminação. Em 1802, no Soho, em Londres, seria feita a

primeira experiência pública de queima desse gás, por meio de dois abajures. Já em

1819, Londres contava com 288 milhas de dutos de distribuição de gás para prover

51 mil queimadores destinados a iluminar ruas.

Irineu Evangelista de Souza, Barão de Mauá, conseguiu finalmente em 1850

apresentar ao Ministério da Justiça uma proposta viável para iluminar a cidade com

“gás hidrogênio carbonado”, garantindo-lhe o monopólio da exploração da

atividade por 25 anos. Em 1854, o Barão inaugura a iluminação a gás, alimentada por

uma rede de 20 quilômetros de dutos de ferro. Cada combustor fornecia iluminação

equivalente a seis velas de cera.

A iluminação a gás era um sucesso. Em 1857 foram instalados 3.027 combustores

e a área central da cidade viria a ser rapidamente atendida.

Porém, após a descoberta do petróleo nos EUA, em 1859, o uso do querosene,

com chama mais intensa e menos fuligem, começou a ganhar espaço. O lampião

passou então a ser a opção para as populações rurais e mais carentes.

O gás teve seu apogeu no Rio de Janeiro em 1912, com o registro de 22.440

combustores de iluminação pública, mas em 1913, começou a ser substituído pela

eletricidade.

A lâmpada incandescente,

desde a sua invenção,

em 1879, passaria

por uma série de aperfeiçoamentos

que a tornaria

tecnologia quase absoluta

para iluminação durante

a primeira metade do

século XX.

Por volta de 1930, foram

desligados os últimos

lampiões a gás no

Rio de Janeiro. Nesta

mesma época a cidade

recebeu o título de “Cidade-luz

sul-americana”,

sendo reconhecida

como uma das mais iluminadas

do mundo e

comparável, inclusive,

com Paris.

18


O Paraná passou a contar com energia elétrica praticamente na mesma época que

o Rio Grande do Sul, Estado onde o século XIX foi marcado pela Revolução

Farroupilha e também, mais ao seu final, pela Guerra do Paraguai. A capital gaúcha

era a cidade mais próxima do teatro de operações.

De 1889 a 1940, as administrações republicanas promoveram um surto de

desenvolvimento em Porto Alegre, instalando eletricidade, rede de esgotos,

transporte elétrico, água encanada, as primeiras faculdades, enfim.

Em Santa Catarina, algumas cidades saíram na frente em matéria de energia

elétrica. Na primeira década do século, Blumenau já dispunha de um rudimentar

sistema de iluminação pública. A Usina Hidrelétrica Salto Wissbach, construída em

1916, significou um avanço em relação aos modestos geradores, além de impulsionar

a industrialização em todo o Médio Vale do Itajaí.

Joinville serviu-se da Usina Hdirelétrica Piraí a partir de 1908 e, em 1913, foi a

vez da São Lourenço, em Mafra. Para atender a capital, o governador Gustavo

Richard determinou a construção da Usina Hidrelétrica Maroim, em São José. A

cidade reafirmou sua vocação como prestadora de serviços, em especial depois da

chegada da iluminação pública e da inauguração da Ponte Hercílio Luz, em 1926.

No Paraná, desde a criação da Província, em 1853, já havia registro da existência

de iluminação, com base na combustão a óleo de peixe e em condições precárias,

conforme expôs o presidente da Província, Zacarias de Goes e Vasconcelos:

(...) Apenas em Paranaguá accendem-se quatro ou pouco mais lampeões na cadeia e na alfandega, e

nesta cidade dous junto à residencia do governo.

A preferência pelo uso do lampião a querosene se dá em 1863, em detrimento do

similar a óleo, devido à comodidade e também o custo. A responsabilidade pela

iluminação pública era das municipalidades, através de suas Câmaras Municipais,

mas na década de 1870 a iniciativa privada começava a atuar na execução dos

serviços.

Em 1880, o presidente da Província, Sancho de Barros Pimentel, determinou que

o Thesouro Provincial abrisse concorrência para que fosse implantada iluminação a

gás carbônico, assim, a primeira lâmpada elétrica de Curitiba seria instalada no

Passeio Público, em 1886.

A iniciativa pioneira para a iluminação de Curitiba ocorreu no dia 9 de setembro

de 1890, após celebrado contrato entre a Intendência Municipal e a Companhia de

Água e Luz do Estado de São Paulo. Buscava-se um melhor serviço de fornecimento,

o que, entretanto, não viria a acontecer tão logo. Dona de uma concessão de 20 anos,

a Companhia investiu na construção da Usina Termelétrica de Capanema, a primeira

do Estado, que ficava em um terreno localizado atrás do então Congresso Estadual,

hoje a Câmara Municipal de Curitiba.

Sob a direção do engenheiro Leopoldo Starck, seu construtor, a usina entrou em

funcionamento no dia 12 de outubro de 1892, utilizando duas unidades a vapor. Ambas

produziam 4.270 HP de força, devorando 200 metros cúbicos de lenha por dia.

O presidente da

Província, Sancho

de Barros Pimentel

O Passeio Público,

inaugurado em 1886,

recebeu a primeira

lâmpada elétrica

da cidade

19


A usina

termelétrica de

Curitiba começou

a funcionar em

1901 no local onde

hoje é a estação

rodoferroviária

Em 18 de março de 1898, José Hauer consegue a concessão dos serviços de

iluminação da capital, que contava, então, com cerca de 40 mil habitantes. Sua

empresa, José Hauer & Filhos, adquire a Usina de Capanema. As melhorias quanto à

qualidade dos serviços foram, contudo, muito poucas. Se a iluminação era privilégio

de poucos, contar com energia em casa ou no estabelecimento comercial ainda não

passava de um sonho.

Data de 1901 a instalação da segunda usina termelétrica, em um terreno na

Avenida Capanema, onde hoje está a Estação Rodoferroviária. Operando inicialmente

com dois conjuntos geradores de 200 HP cada um, poucos anos depois a

usina seria ampliada com outro gerador de idêntica capacidade.

Em 1903, o governo do Estado assume a administração do serviço de iluminação

pública e particular. No ano seguinte o

contrato de concessão passou para a Empresa

de Eletricidade de Curitiba (Hauer Júnior &

Companhia).

Desse modo, o desenvolvimento da indústria

de eletricidade foi possibilitando

acesso à iluminação, ao aquecimento, à utilização

de pequenos motores, transformando

hábitos domiciliares, gerando novas necessidades

e se tornando um serviço imprescindível.

O jornal A República, em sua edição

de 14 de agosto de 1907, relata o advento da

energia elétrica na cidade, sob o título “A

electricidade e suas vantagens”.

20 10

14


(...) As preeminentes qualidades da energia electrica, deram-lhe em pouco tempo ingresso nas maiores e

menores cidades e aldeas de todos os paizes civilizados e em todos os ramos da industria, influindo sobre

esta proveitosamente e transformando-a, de modo que hoje, a existencia de uma communidade sem a força

electrica é quasi impossivel.

Imprescindivel o seu uso na electro-chimica e medicina, terreno em que ela presta inestimaveis serviços,

emprega-se a energia electrica a grandes distancias; varios motores, em differentes pontos dos edificios,

podem ser installados para as grandes emprezas, com o fim de moverem machinas separadas e em grupos,

tornando-se desse modo inuteis as dispendiosas e perigosas correias e polias de transmissões, que adquirem

tanta força (...)

Não levando em consideração estas commodidades, tambem seria abandonado por completo, o

enfadonho e perigoso combustivel: a lenha ou o carvão, que muitas vezes enche de fumo a cosinha, como

também os fuliginosos trastes da mesma, o fogão e accessorios.

Em lugar destes encontrar-se-ha, elegantes aparelhos que, sem o necessario carvão ou lenha trabalham

sem cheiro e fumaça e que previnem, pela simplicidade e commodidade de sua regulação, qualquer

transbordamento da comida quando estiver fervendo; de modo que a cosinha, pode sempre, com pouco

esforço e trabalho, ser conservada agradavel e limpa.

A commoda regulação da corrente electrica, lhe dá tambem as qualidades necessarias para

aquecer ferros de engommar, que podem ser conservados em qualquer temperatura

desejada, evitando-se assim o queimar da fazenda e roupa, ou o

desenvolvimento de fumaça (...)

Sistema elétrico

de bonde, Curitiba

21


Primórdios da

manutenção de

rede em Curitiba,

durante 1912

Em 1912, a iluminação pública de Curitiba passaria para a responsabilidade da

The South Brazilian Raiway Co. Ltd. A South, como era chamada, já naquele ano

abriu matrículas para a Escola Prática de Mecânica e Eletricidade, destinada a

formar eletricistas, profissão até então desconhecida na capital.

O uso da eletricidade na indústria também significou um avanço ao permitir o

uso de motores de diferentes capacidades dentro de uma mesma fábrica, o que

não era possível com a utilização do vapor. Com isso, foi dado um passo decisivo

em direção à mecanização generalizada da indústria e, em muitos casos, à

produção em série nas grandes fábricas, conforme revela o livro “Um Século de

Eletricidade no Paraná”, produzido por historiadores da Universidade Federal

do Paraná (UFPR) em convênio com a Copel, publicado quando dos 40 anos da

empresa, em 1996.

Somente uma década após a chegada da eletricidade em Curitiba é que uma

segunda cidade do Estado, Paranaguá, contaria com esse recurso. A família

Blitzkow pôs em funcionamento, no ano de 1902, um sistema de geração

com dois grupos a vapor de 65 kVA. Dois anos mais tarde, Ponta Grossa

contaria com energia elétrica, seguida de União da Vitória.

As primeiras usinas geradoras de eletricidade do Paraná eram

movidas a vapor. Só em 1910 seria inaugurada a Usina de Serra da

Prata, perto de Paranaguá, a primeira hidrelétrica do Estado, com

potência de 400 kVA.


Àquelas localidades pioneiras seguiram-se Campo Largo, Prudentópolis,

Castro, Guarapuava, Piraí do Sul e Campo do Tenente, todas em 1911.

Em 1912, Ponta Grossa mostrava-se em estágio adiantado quando comparada

a outros municípios. Um texto publicado no dia 27 de junho daquele ano no

jornal “O Progresso”, com o título “Electricidade e vida moderna”, dá idéia

desse melhoramento:

(...) Em Ponta Grossa, pode haver relativo conforto nas habitações até dos pobres. Em algumas

casas de família o ferro de engommar a carvão foi substituído pelo electrico, nickelado, limpo e

aquecido em 5 minutos. A chaleira da cosinha encrustada de fuligem negra foi substituída pela

caçarola brilhante e limpa que pode ser transportada da cosinha para a sala de jantar onde qualquer

pessoa da casa (o criado hoje é coisa rara) aquecerá o seu chá, leite ou café, a qualquer hora do dia ou

da noite, em alguns minutos após a ligação da corrente. Na estação hibernal não será mais necessario

o tradicional caqueiro ou fogareiro de brasa tão nocivo a saude, pois temos a estufa

portatil com a sua luz fosca e isenta de exhalações podendo se usa-la mesmo no quarto de

dormir. A grelha em que se preparavam as torradas deu logar ao aquecedor nickelado, às

mesas de chá e sobre este mesmo apparelho aquecem-se ou fritam-se os ovos. Daqui há

pouco até mesmo os fogões a lenha ou carvão desaparecerão a vista das enormes vantagens

dos electricos, vantagens de economia, de asseio e de promptidão.

As donas de casa poderão accionar as machinas de costura, as batedeiras de

manteiga, o pequeno moinho de café, e poderão prover muitas outras necessidades domesticas.

Nessa época, outras cidades paranaenses passariam a contar com eletricidade.

Por ordem cronológica: Palmeira, Irati, Ipiranga, São Mateus do Sul,

Jaguariaíva, Senges, Tibagi, Araucária, Cambará, Rio Azul, Andirá, Itambaracá,

Santo Antonio da Platina, Antonina, Guarapuava, Rio Negro, Lapa e Siqueira

Campos, estas últimas já no final da década de 20.

Durante a Primeira Guerra Mundial, houve grande crise de abastecimento de

energia elétrica no País. Em Curitiba, as reclamações contra a atuação da empresa

responsável pela eletrificação, a The South, mostravam que a população estava

descontente com os serviços. O surto do progresso industrial foi acelerado logo

após a Guerra, dadas as dificuldades de importação de produtos industriais

durante os quatro anos de conflito.

No Paraná, em 1920, já havia 20 unidades instaladas de energia elétrica, com

potência de 6.715 kW, gerada por termeletricidade e hidreletricidade.

Algumas indústrias começaram a instalar geradoras para consumo próprio. A

primeira delas, a Indústrias Reunidas F. Matarazzo, em 1921, para movimentar

um moinho de trigo junto ao porto de Antonina e, em 1925, para fazer funcionar

um frigorífico e uma indústria têxtil em Jaguariaíva. A Indústrias Brasileiras de

Papéis, em Arapoti, trabalharia com eletricidade em 1926.

Em 1927, o governador Caetano Munhoz da Rocha deixou registrada a

insatisfação dos consumidores curitibanos com o péssimo atendimento da South.

Naquele mesmo ano, o serviço de iluminação pública da capital seria transferido

A cidade de Ponta

Grossa do começo

do século XX:

adiantada para a

época (Coleção

Adolfo Frioli)

23


24

às Emprezas Electricas Brasileiras S.A., que por sua vez organizaram a Companhia

Força e Luz do Paraná (CFLP), subsidiária do grupo norte-americano

AMFORP, passando a atuar na capital e cidades próximas. Nessa época, a região

da capital contava com 2.590 kVA de capacidade geradora e 7.543 unidades

consumidoras. Nos anos seguintes, a queixa dos consumidores seria com o

excessivo custo do serviço, o que chegou a gerar um

boicote ao consumo em 1932.

A energia elétrica ia chegando, assim, a um número

cada vez maior de consumidores. Até poucas

décadas, as cidades estavam completamente às

escuras e não se fazia idéia das grandes mudanças

pelas quais passariam. Aos poucos, o uso

doméstico da energia elétrica popularizava-se, ao

mesmo tempo em que isso ia modificando o hábito

das famílias.

Os partidários da revolução de 1930, que levou

Getúlio Vargas à presidência da República, dominaram

com facilidade o Paraná. O Estado ficou até

1935 sob intervenção federal, ano em que realizaram-se

eleições. Mas em 1937, Vargas deu um golpe

de Estado, iniciando um período de oito anos de

ditadura. Durante toda essa época, destacou-se no

Paraná a figura de Manoel Ribas, que dirigiu o Estado

de 1932 até 1935, como interventor, de 1935 até

1937, como governador eleito, e de 1937 até 1945,

novamente como interventor. Ao longo de sua administração

houve alguns avanços na eletrificação,

sobretudo no interior, embora a queixa com a

qualidade dos serviços fosse constante.

No entanto, a má qualidade dos serviços podia

resultar, também, em atritos com as empresas. Em

1933, a população de Tomazina revoltou-se com a

precariedade da estrutura mantida pela companhia

responsável pelo fornecimento de energia na cidade,

a Norte do Paraná Ltda, que usava máquinas

obsoletas e postes de madeira (chamados de palitinhos

de fósforo). Um relatório sobre isso seria

apresentado pelo prefeito Avelino A. Vieira ao

interventor Manoel Ribas, em 1941. Os serviços

de luz e força ficaram interrompidos por vários

anos, sem que se conseguisse chegar a um acordo.


A solução foi a transferência da concessão para a Cia. Sul Paulista, que passou a

fornecer luz a Tomazina e demais distritos.

Com a instituição do Código de Águas em 10 de julho de 1934, considerado

um divisor na história da energia elétrica nacional, foi decretado o início da

estatização do setor. Diante dos protestos das empresas estrangeiras, que

limitavam as margens de lucro em 10%, só em 1938 o

Supremo Tribunal Federal proferiu sentença

definitiva em favor da constitucionalidade do Código.

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, seria

interrompida a importação de material elétrico, do

qual o País era dependente. Ao final, os Estados

Unidos proibiram terminantemente a venda e a

fabricação desses equipamentos, a não ser para uso

estritamente militar. Nessas circunstâncias, houve a

estagnação do setor durante o período, o que pressionou

as margens de lucros e criou animosidade

entre as companhias e os consumidores devido aos

inevitáveis problemas com a insuficiência do

fornecimento de luz. O final da Guerra (1945)

coincidiu, inclusive, com o recrudescimento dessas

dificuldades, havendo escassez e racionamentos de

energia.

Mas, em paralelo a todo esse fascinante choque de

modernidade, o Paraná presenciaria uma odisséia em

que a energia elétrica seria, forçosamente, relegada a

um plano secundário. O veloz processo de colonização

do Norte do Estado, que fez brotar um manancial

de oportunidades de enriquecimento aos que se

dispusessem a enfrentar condições absolutamente rudes

e quase primitivas de sobrevivência no sertão, fez

com que um outro tipo de civilização fosse forjada.

Como que num túnel do tempo, milhares de famílias

deixavam para trás países de vários continentes e

suas cidades iluminadas para tentar a sorte na selva e viver

quase como silvícolas. Despidos de conforto, lançavam-se

a uma aventura admirável, habitando inicialmente

toscos ranchinhos erguidos em meio ao sertão

hostil, cultivando o próprio alimento, oferecendo aos

filhos apenas a perspectiva de uma vida melhor, como

veremos adiante.

25


Registros

O que ficou para a história

LEÃO JÚNIOR

Na véspera do Natal de 1900, Agostinho Ermelino de Leão Júnior - que em maio

de 1901 fundaria a empresa Leão Júnior - estava em viagem à Argentina, comercializando

mate. Durante visita à cidade de Córdoba, mostrou-se impressionado com o

desenvolvimento da mesma e, especialmente, a iluminação pública. Em carta

endereçada à esposa Maria Clara de Abreu Leão, ele assim escreveu:

“Aqui chegamos ontem as 2 e meia da tarde, tendo embarcado anteontem em

Buenos Aires. Foram 18 h de estrada de ferro!!! Os carros dormitórios são bons

porem jogam extraordinariamente quase como os vapores. Córdova é maior que

Curitiba, em todos os sentidos. É iluminada a luz eléctrica, gaz incandescente,

tendo também o acetileno... Já percorri os armazeneiros e terça-feira seguirei para

Rosário. Beijos aos filhos, saudades à todos... Do teu esposo que muito lhe quer...

Sinhozinho.”

TODESCHINI

Em 1878, o italiano Giuseppe Todeschini, natural da província de Verona,

Itália, se casa em Curitiba com Domênica Cemin. Seis anos mais tarde, o casal

adquire uma chácara na Avenida Sete de Setembro, iniciando nesse local, no ano

seguinte, a atividade industrial de primeira fábrica de macarrão do Sul do Brasil,

com 6 empregados. Nessa época, a escassez de energia elétrica na capital, não

diminuiu o ânimo do italiano, ele próprio idealizador das máquinas para a sua

indústria. Giuseppe costumava ir, pessoalmente, de casa em casa, oferecendo o

macarrão, alimento ainda pouco conhecido da maior parte da população.

ARTES GRÁFICAS

Em Curitiba, as artes gráficas tiveram um impulso significativo a partir de 1880.

Esse período coincide, praticamente, com o advento da energia elétrica na cidade,

quando os serviços de tipografia passaram a utilizar o preto mecânico. O

equipamento viabilizou o lançamento de revistas, a edição de livros e a melhoria

da periodicidade de jornais como o “Dezenove de Novembro” que, em 1884,

passou a ter edição diária. Alguns estabelecimentos tornaram conhecidos seus

trabalhos de litografia, como a Impressora Paranaense, a Litografia de Alfredo

Hoffmann, a Litografia Progresso e a Sociedade Metalgráfica.

26


Parte 1


A colonização

Planejada em meados dos anos 1920, a colonização do

Norte do Paraná ocorreria nas décadas seguintes em ritmo

alucinante, como poucas vezes se viu no mundo, o que fez da falta

de energia elétrica um grande problema.

Simon Joseph Fraser,

o perspicaz Lord

Lovat da Escócia

Tudo começou quando Simon Joseph Fraser, o Lord Lovat da Escócia, tinha

vindo ao Brasil para pesquisar terras apropriadas ao plantio de algodão, atendendo

interesses da indústria têxtil britânica. Experiente, viajou por várias regiões do

interior paulista e, seguindo a trilha do café, viu-se diante das terras vermelhas

recobertas por floresta no Paraná.

Adentrando ao Estado, percorreu fazendas entre os rios Paranapanema e

Tibagi, onde avistou-se com cafeicultores. Bem impressionado, soube que a

Estrada de ferro Sorocabana, cuja linha ia até a divisa com o Paraná, em

Ourinhos, havia construído um ramal em direção ao município paranaense

de Cambará, o que facilitava o escoamento da safra cafeeira para a capital

paulista.

Por orientação de Lovat, os ingleses adquiriram algumas propriedades

para cultivar algodão e fundaram uma empresa, a Brazil Plantation Sindicate,

que ficou sob o comando do escocês Arthur Thomas. Percebeu-se, logo

depois, que o investimento na cotonicultura não seria promissor.

No entanto, diante de tamanha área inexplorada e vislumbrando a

oportunidade de desenvolver um grande projeto de colonização, os ingleses

adquiriram 515 mil alqueires de terras junto ao governo do Estado e, em Londres, no

ano de 1925, fundam outra empresa, a Paraná Plantation Sindicate que, no Brasil,

teria o seu braço, a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP).

Como eram terras com muitos rios e ramificações de afluentes, os lotes podiam

28 10


ser divididos todos com

acesso a água numa ponta e

estrada na outra. Seriam,

assim, finos e compridos.

Os ingleses fragmentaram

toda a área em pequenos lotes

de modo a oferecer a

oportunidade para que milhares

de pessoas pudessem

adquirir as terras e fazer a vida

com a agricultura. O café,

então um produto de grande

valor econômico, serviria

como uma espécie de âncora

para as propriedades que iam

sendo abertas.

Com tudo pronto e definido, a Companhia decidiu então fazer a divulgação do

projeto de colonização, utilizando-se dos principais jornais e emissoras de rádios do

Brasil. Publicações importantes, como o jornal O Estado de S. Paulo, traziam

anúncios nos quais se procurava chamar a atenção para a excepcional qualidade das

terras vermelhas, próprias para o cultivo de café e livres de pragas como as formigas

saúvas, que infestavam o desgastado solo do interior paulista. Nas mensagens de

rádio, dizia-se: “visite o Norte do Paraná e mande buscar sua família”.

Dessa forma, a região começou a receber gente de todo lado, o que acelerou o

processo de colonização, realizando-se rapidamente a venda de lotes urbanos

e rurais, o que originou fazendas e povoados que iam abrindo ou alargando

clareiras na floresta.

.....

Não havia tempo a perder: as frentes de trabalho eram muitas. Ao mesmo

tempo em que vendia lotes de terras a todos que iam chegando (mesmo a

quem não tinha dinheiro, mas comprometia-se a pagar com os lucros do

café), a CTNP investia na melhoria de estradas e não demorou a iniciar a

construção da linha do trem em direção à bacia do Tibagi.

Contingentes de trabalhadores surgiam para executar a tarefa de pôr

abaixo o sertão. Como uma onda, primeiro vinham os “foiceiros”,

aniquilando toda a vegetação mais baixa com suas ferramentas sempre muito

afiadas. As árvores, inúmeras delas de grande porte, ficavam para os

“machadeiros”, que iam fazendo a destruição e tudo no braço. Quando uma

dessas árvores vinha ao chão, várias outras, em volta, eram esmagadas.

Grupo de desbravadores

no meio da floresta

que recobria as terras

da região; abaixo,

o resultado da caça

à uma pintada e

detalhe de uma

serraria (acervo

Kurt Jakowatz)

29 10


Arthur Thomas

executou o projeto

de colonização da

companhia; na foto

abaixo; uma idéia

de como era difícil

vencer as estradas

do sertão

Em seguida, outro grupo aparecia para fazer leiras, que ficavam a secar por um

tempo. Depois, era a vez do fogo. Tanto fogo e fumaça se via ao mesmo tempo

que parecia o fim do mundo. Labaredas chegavam às alturas, queimando por

semanas as volumosas toras e toda aquela coivara. De longe se podiam ver

gigantescas colunas de fumaça se juntando às nuvens. Em plena noite, o céu

se mantinha avermelhado, intrigando quem, de longe, contemplasse o

sertão. A impressão era de que o sol ainda estava ali, em algum lugar, pouco

abaixo da linha do horizonte.

A legião seguinte de mão-de-obra, contratada por muitos donos de lotes,

atuava na limpeza final e no preparo das terras vermelhas, agora desnudas,

bem como no plantio e na formação de lavouras de café.

As estradinhas eram um formigueiro humano: famílias chegando em caminhão

de mudança, automóvel, carroça, jardineira. Aquele povo todo ia se embrenhando

na selva como se fosse a coisa mais natural.

Elas geralmente chegavam em Ourinhos, no Estado de São Paulo, última parada

antes de adentrar ao Paraná, onde eram orientadas por representantes da CTNP e

viajavam prevenidas até o ponto final, Jataí (hoje o município de Jataizinho). Para

facilitar o transporte do pessoal, a CTNP transformou caminhões Ford 1929 em

jardineiras, colocando bancos nas carrocerias. Compradores de terras, muitos de

origem estrangeira, eram dessa forma conduzidos aos povoados.

No caminho, após muitas horas de cansativa jornada, os viajantes paravam para

um pernoite na chamada Serra Morena, onde mais tarde surgiria a cidade de

Cornélio Procópio. Descansados, seguiam em frente na manhã seguinte, varando

30 10


um picadão repleto de buracos e banhados. Os rios das Cinzas e Laranjinhas eram

atravessados em pontes improvisadas e, quando chovia, o veículo invariavelmente

encalhava e a maioria dos passageiros tinha que descer para empurrar.

Jataí era o ponto de partida para a CTNP empreender o projeto de colonização.

Para chegar lá, os pioneiros atravessavam o rio Tibagi em uma pequena balsa. A partir

de então, acompanhavam os agenciadores até acampamentos abertos no meio da

mata. Uma dessas áreas havia sido reservada pela Companhia para sediar a cidade de

Londrina, o primeiro posto avançado do projeto inglês, que começaria a nascer no

dia 21 de agosto de 1929.

Dessa forma, sem outro jeito, eles decidiam se valia a pena ficar com uns lotes de

terras, a serem pagos por vários anos.

Em 1930, a empresa começou a ampliar o ramal da Estrada de Ferro São Paulo-

Paraná rumo à Londrina. Sob as ordens de equipes de encarregados, centenas de

homens chegavam para devastar a mata, vencer barrancos, nivelar o terreno e abrir

caminho para o tal progresso. “Progresso”: uma palavra que justificava toda aquela

odisséia. A ferrovia era imprescindível para escoar as safras e sua existência

valorizaria as terras.

No ano de 1933, a CTNP abriu um patrimônio com o nome de Nova Dantzig

(hoje Cambé), para abrigar imigrantes que vinham de Dantzig, Alemanha. Surgiram,

também, os povoados de Rolândia e Arapongas. Em 1934, Apucarana e, 1936, Lovat

(cujo nome seria mudado para Mandaguari durante a Segunda Guerra Mundial).

A construção da

estrada de ferro

entre Cambará

e Londrina

(acervo Kurt

Jakowatz)

31 10


Os “pés vermeios”

Quando os primeiros homens chegaram para desafiar

o sertão do Paraná, sentiram-se insignificantes ao contemplar

aquela imensidão verde.

“Ehhh, Paranazão”, saudavam alguns. “Ehhh, fim do mundo”, lamuriavam outros.

Movidos pela promessa de uma nova vida, eles vinham de longe, dispostos a viver

o tempo que fosse preciso nas entranhas da floresta.

“Isso é pra gente maluca, que não preza a vida”, ouvia-se.

Cheias de coragem, famílias sujeitavam-se a adversidades, sacrifícios e

sofrimento. Mas se acostumavam logo a uma situação de despojamento, ao trabalho

penoso, à sujeira, aos riscos tão evidentes de uma aventura que poderia dar em nada

e, pior, abreviar-lhes a existência.

Coisas mínimas não haviam e estavam elas privadas da convivência com o mundo

civilizado. Quem ia para os povoados nascentes, habitava casebres miseráveis a

poucos metros de ruazinhas poeirentas ou encharcadas de lama grudenta. Quando o

sol se punha, quem tinha juízo recolhia-se em casa, evitando os perigos da escuridão.

Para as famílias, era a hora da prosa costumeira, ao redor de uma lamparina,

geralmente em companhia do fogão de lenha. Quem ia abrir uma fazenda, estava

alongado no mato fechado, sem ao menos um vizinho por perto. Esse, mais do que

ninguém, precisava da proteção dos céus e, por via das dúvidas, de cachorros bravos

soltos pelo quintal, além de um potente “berro” sempre à mão para espantar um

animal selvagem ou um intruso que se atrevesse.

Picadas no mato tinham que ser rasgadas no braço, fazendo tombar grandes

árvores, sob o risco de acidentes. Uma galhada, um pau solto, podia vir abaixo com a

vibração das pancadas do machado. Tinha gente que morria assim. Cobras habita-

32 10


vam aos montes aquelas matas, assim como inúmeras espécies animais, sem falar dos

insetos que infernizavam o tempo todo, abrindo feridas no couro. Outros tantos

também encontravam o fim onde, cheios de esperança, buscavam vida melhor.

“Não sei como vim parar aqui”, choramingavam os desanimados. “Esse é um

lugar de futuro”, bradavam os valentes.

Maluca a aventura de viajar por aqueles caminhos, sobretudo em períodos de

chuva, enfrentando lama. As estradinhas viravam lagoas que, à sombra do arvoredo,

permaneciam úmidas por muito tempo, encalhando veículos e enterrando até os

joelhos qualquer um que ousasse encará-las. Muita gente, por isso, preferia deixar pra

lá os automóveis e seguir adiante em carroças, montado em lombo de burros ou

mesmo a pé.

Famílias inteiras, com rapazes, moças e até filhos pequenos, se metiam sertão

adentro para tomar posse de suas terras ou cuidar das fazendas dos outros em

lugares onde jamais tinham ouvido falar. Fazendo um rastro de lágrimas,

traziam provisões para várias semanas, roupas, armas, utensílios de casa,

ferramentas e umas poucas tralhas, além de sementes, quase sempre um casal

de porcos e algumas galinhas. Era tudo o que tinham para começar a nova vida.

“Como é que a gente vai viver num mato desses?”, se perguntavam.

Chegando ao destino, encontravam um mínimo de clareira na mata para

poder levantar um ranchinho de lona com troncos de palmito e passar a primeira

noite. A comida era preparada no chão mesmo, com água recolhida em rio ou

Norte do Paraná: típica

propriedade rural da época

do desbravamento

(acervo Kurt Jakowatz)

33 10


Anúncio da

Wilson, fabricante

de enxadas, em

jornais e revistas

córrego próximo. Nos dias seguintes a família plantava feijão, milho, hortaliças e

melhorava a casa, reforçando as paredes com madeira de palmito e preparando um

telhado a base de cascas de árvores. Mesas, bancos e camas se faziam com tocos e

paus recolhidos à volta, de onde vinha também a lenha para cozinhar. A criação era

arranjada em precários viveiros e, dessa forma, a vida prosseguia.

Por mais que imaginassem dominar a floresta, era a

floresta que os vigiava com superioridade, a olhos

atentos, botando medo.

Aquela gente corajosa dava uma risada triste quando

se lembrava das regalias que deixara para trás: o

comércio, o povo na rua iluminada, os botecos, a missa

aos domingos, a convivência com os parentes, as festas

da comunidade. No mato, só se pensava em trabalhar,

derrubar árvores, plantar, colher. Todo mundo parecia

bicho, com unhas e mãos sempre encardidas e vestes

surradas que iam sendo remendadas até não dar mais.

Soavam ainda, na memória, as últimas frases ouvidas

antes de partir, acompanhadas de muita risada: “Paraná

é só fama, quando não é poeira é lama”. Ou então: “Vai

pro Paraná, vai virar 'pé vermeio'”.

“Pé vermeio”. Muitas vezes em plena labuta, quando

todos se distraíam, era preciso voltar correndo para casa

e espantar os macacos que entravam por qualquer fresta,

causando estragos. “Sai daqui seus lazarento”. E tome

bala. Os animais da floresta, abundantes, eram caçados

sem piedade. Porcos-do-mato, veados, pacas, capivaras

e até tatus sucumbiam diante do estrondo da espingarda.

Alguns paravam nas panelas. O palmito, tão

útil e em quantidade, era também um acompanhamento

comum no dia-a-dia, assim como frutas e peixes.

Quando caía a noite, ninguém conseguia ficar acordado por muito tempo: os “pé

vermeio” estavam sempre cansados demais e não era para menos. Depois do banho

na bacia, com água fervida, eles se reuniam para comer. Seria muito luxo se alguém,

em casa, tivesse um pouco de cachaça para amaciar o estômago antes da bóia. A

“mardita” tinha que vir de longe e era artigo disputado, só conseguido por encomenda.

Não havia nada melhor que um gole pra aliviar o cansaço do dia.

Já pensando no amanhã, os homens pitavam pensativos, com a brasa brilhando

nos olhos. Dormiam abraçados às suas mulheres, sob mosquiteiros, a salvo dos

34


insetos, com as armas ao alcance dos dedos.

Tantas privações e dificuldades, no entanto, não abatiam os ânimos. Os “pé

vermeio” lutavam por um futuro para suas famílias. A terra era fértil. Se Deus

ajudasse, fariam fortuna com o plantio de café. Era assim que pensavam.

Como podiam acreditar tanto no futuro? Era tudo tão desolador. No breu da

noite, o tímido brilhar das casinhas rivalizava com o cintilar dos vagalumes, sob o

olhar indiferente das estrelas.

“Pés vermeios”.

Café, fonte de

progresso regional e

sonho de riqueza

35 10


Os italianos e o café

ALei 581 de 4 de setembro de 1850 definia como

crime o tráfico e a entrada de escravos no Brasil, o que abria

caminho para a importação de mão-de-obra branca. Como

cerca de 80% da população brasileira, até então, era formada

de negros, índios e mestiços, a entrada de estrangeiros

seria uma forma também de “branquear” o povo.

Milão

Cagliari

Córsega

Veneza

Sardenha

Foram mantidos acordos com países europeus para a introdução de agricultores

em colônias e, através do Ministério do Interior e Agricultura, fez-se o financiamento

da viagem e a venda de terras para os interessados. Com isso, grandes levas de

imigrantes italianos começariam a chegar ao Brasil.

As lutas pela unificação da Itália e da Alemanha, marcadas pela adoção das

técnicas de produção moderna, com o uso de máquinas, desempregaram um

grande número de trabalhadores. Isso estimulou a fuga da população em busca

de melhores condições de vida. De forma geral, foram pequenos proprietários,

ou meeiros, pobres e casados, que saíram em busca de terras e de um futuro

melhor para suas famílias.

ITÁLIA Os italianos começaram a chegar em 1875 e, até 1900, mais de 1,1 milhão se

espalhariam por vários Estados, principalmente Rio Grande do Sul,

Roma

Santa Catarina e São Paulo. No interior paulista, aprenderam a lidar

com o café, surpreendendo os patrões por sua afeição ao

Nápoles

trabalho. Essa gente levantava bem cedo, dava duro o dia

inteiro - de sol a sol, como se dizia - e não enjeitava serviço.

Homens e mulheres, que gostavam de cantar enquanto

“lavoravam”, trouxeram costumes que, aos poucos, incorporaram-se

às tradições regionais, como festas e comidas. As Palermo

mulhe-

Florença

36

Sicília


res rapidamente ganharam fama de boas cozinheiras e todos, ao contrário dos escravos

que absolutamente nada pretendiam da vida, senão servir seus senhores - ,

tinham objetivo e determinação. Na verdade, mais que fugir da miséria na Itália, eles

pretendiam “fazer a América”, conseguir o próprio pedaço de chão, plantar suas

lavouras e prosperar. No entanto, por mais que quisessem, isso não passava de um

sonho distante. Quando chegaram de seu país e foram trabalhar nos cafezais, os

italianos ganhavam tão pouco que sequer podiam fazer compras em armazéns,

mesmo a prazo. Quem vendesse, sabia que dificilmente conseguiria ver a cor do

dinheiro.

Dessa forma, sem muitas oportunidades, parte do contingente de imigrantes

italianos acabou envelhecendo em meio à pobreza nas fazendas, enquanto outros

desistiram da agricultura e partiram para as cidades em busca de outro tipo de vida.

Muitos também, regressaram para seu país.

No entanto, quando espalhou-se a notícia de que matas estavam sendo abertas no

Paraná, o alvoroço foi grande entre as famílias, que enxergavam aí, finalmente, a

oportunidade tão esperada. Como os imigrantes ainda vivos já estavam muito idosos

e sem condições de enfrentar o desafio de desbravar uma nova fronteira, a

empreitada recairia sobre os ombros dos filhos e netos.

Vapores cruzavam

os mares trazendo

mão-de-obra barata

37 10


EUA

Europa

África

Ásia

América

do Sul

Oceania

Brasil

São Paulo

Paraná

Santos

Santa

Catarina

Rio Grande

do Sul

Oceano

Atlântico

Rio

Grande

38


Quando em 1940, em companhia de outros familiares, Francisco Romagnolo

Junior e sua mulher Natalina Stramandinoli pegaram a estrada em direção ao Paraná,

deixaram para trás uma história comum entre os descendentes de italianos no Estado

de São Paulo. Francisco representava parte do legado dos pais, Ércole Paolo

Romagnolo e Maria Ravegnani que, em 1888, partiram com três filhos da província

de Rovigo, nas cercanias de Pádova, no Vêneto, norte da Itália. Lá, suas famílias

lidavam tradicionalmente com o cultivo de vinhas.

Após longa jornada em um vapor na travessia do Atlântico, Ércole, Maria e os

filhos aportaram em Santos, no litoral brasileiro, de onde, em lombo de burros,

seguiram para São Paulo, cidade que recebia com muitas oportunidades todos os que

chegavam do estrangeiro, principalmente quem se dispusesse a enveredar pelo

interior e trabalhar no campo. Dessa forma, naquelas

mesmas condições de transporte, os Romagnolo

deixaram a capital e fixaram-se em uma propriedade

denominada Fazenda do Banco, no município de

Botucatu, a mais de 200 quilômetros de distância.

Devotado a trabalhar na terra, que foi o que

sempre fez na vida, Ércole o mais novo dentre três

irmãos adaptou-se bem à nova vida e aprendeu logo

a formar lavouras de café, passando a prestar esse

serviço para fazendas na região. Àquela época, os

cafezais faziam a riqueza da maior parte dos municípios

paulistas, de modo que bons profissionais

eram valorizados. Com tal ofício, ao qual dedicou-se

por muitos anos, Ércole conseguiu juntar algum

patrimônio e, ao lado de Maria, criar e encaminhar na vida uma prole formada de oito

filhos - os homens Giovani, Guerino, Giusepe, Santo e Francisco, as mulheres

Tereza, Emília e Albina -, a maioria nascida na virada do século. Ter uma família

numerosa, com muitos braços, era conveniente para que se pudesse enfrentar o

desafio do trabalho diário e prosperar.

Um dos filhos, Francisco, havia nascido em 3 de outubro de 1908 no povoado

de Pardinho. Como os outros irmãos, ele cresceria ouvindo os pais comunicaremse

diariamente no idioma pátrio e a quase tudo entendia sem dificuldades. Os

italianos de origem, mesmo vivendo há muito tempo no País, não abandonavam

seus hábitos, que transmitiam naturalmente aos herdeiros. Desde cedo Francisco

passou a ajudar o pai na lavoura e a compreender que, um dia, quando homem

feito, teria também a sua oportunidade de ser independente, constituir família,

dar muitos netos aos “nonos” e tentar realizar o sonho de ter a própria terra. Já

muito novo ele revelaria interesse por negócios, comprando e vendendo

Trabalhadores

italianos em lavoura

de café no Estado

de São Paulo.

Acervo Edgard

Leuenroth

(Unicamp)

39


40

criações. Era também um rapaz altivo e atraente, que fazia suspirar as moças.

Ércole faleceu antes que Francisco conhecesse Natalina, a mulher que estaria

ao seu lado durante toda a vida. Casados no ano de 1930 em Botucatu, viveriam

por algum tempo na cidade, onde, dois anos depois, nasceria Maria Edite, a

primeira filha. A família passaria a cuidar, também, de Marieta, mãe de Francisco,

e de uma tia deste, Albina, que tinha síndrome de down.

Mudando-se em 1932 para o município de Bernardino de Campos, os

Romagnollo tiveram mais três filhos. Além de Geraldo, o primogênito dentre os

homens, mais duas Marias: Lúcia e Helena.

Apesar da grande disposição de Francisco para o trabalho, as perspectivas em

Bernardino apresentavam-se escassas, refletindo um período negativo da

economia brasileira e mundial, provocada pela quebra da Bolsa de Nova York, em

1929, que arruinara as fazendas de café, abalando a economia dos municípios.

De uma hora para outra, as exportações recuaram e o produto, sem mercado,

perdeu valor, gerando excesso de oferta. Logo em seguida, no ano de 1932, o

Estado de São Paulo viveria a Revolução Constitucionalista, o maior confronto

militar no Brasil no século XX, cujo estopim foi a ascensão, em 1930, do gaúcho

Getúlio Vargas à presidência da República. Em Bernardino de Campos, a vida

continuava difícil e não havia jeito de melhorar. O sonho de cultivar o próprio

chão parecia ainda mais distante, sempre empurrado para a frente. A partir de

1931, estoques excedentes de café, em poder do governo, começavam a ser

queimados como forma de enxugar o mercado e

reabilitar os preços.

Buscando melhores perspectivas, a família

decidiu transferir-se para Santa Cruz do Rio

Pardo, quase na divisa com o Paraná. Planejava

estabelecer-se ali, lugar onde os cafezais eram ainda

abundantes. Nessa cidade, deram à luz mais um

filho. Como os Romagnolo manti-nham

uma tradição vicentina, caracte-rizada

pela prática da caridade e a fé cristã,

o rebento seria batizado com o

nome de Vicente. Era o ano de

1938.

Ao longo daquela década, as chances

de conseguir o próprio espaço

como agricultor continuavam especialmente

difíceis no interior paulista.

Em algumas regiões, a lavoura


Marly Aires

dava sinais de cansaço e decadência, sendo substituída por pastagens e outras

culturas, o que restringia as possibilidades de contratação de profissionais

como Francisco, especializado na formação de café. De certo modo, insistir na

cafeicultura talvez não fosse a melhor opção. Mas o que poderia fazer ele, com

um prole numerosa para alimentar? Para quem dependesse de trabalhar em

terras dos outros, não havia muito a escolher.

A necessidade já tinha feito com que Francisco aprendesse a se virar bem em

outras áreas. Graças à sua disposição, o jeito sincero, atirado e a facilidade em

fazer amigos, ele jamais esmorecia e, bravamente, tentava de tudo na luta pela

sobrevivência. Comercializar gado e mercadorias, por exemplo. Embora fosse

um homem sem leitura, contava com a ajuda valiosa da esposa Natalina.

Inquieto, experimentou o comércio. Se lá em Bernardino ele tivera um

pequeno açougue, em Santa Cruz partiria para a compra e venda de frangos até

estabelecer-se como dono de bar. Nesse negócio, conquistou freguesia em

razão, principalmente, dos saborosos pastéis preparados com esmero pela

esposa.

No entanto, quando lhe dava na cabeça, Francisco se desfazia, sem

cerimônia, do que tinha em mãos. Não era de acomodar-se atrás de um balcão: da

vida queria muito mais. Também não era do tipo de apegar-se em coisas, embora

corresse atrás do sonho de fazer riqueza. Um sonho, aliás, que custava a

acontecer. Só o que encontravam pela frente era muito trabalho e pouco

resultado. Por isso, quando Francisco ficou sabendo que estava em andamento

um projeto de colonização do Norte do Paraná, animou-se. Poderia estar ali a

chance tão aguardada.

A família mudou-se

de Botucatu para

Bernardino de Campos

e de lá para Santa

Cruz do Rio Pardo.

Em mente, o firme

objetivo de fazer a

vida com o plantio

de café, sonho que

parecia tão distante.

41 10


Registros

Os americanos davam as cartas

No Estado de São Paulo, usinas hidrelétricas eram construídas desde 1893 com

capital privado e, em 1912, quando foi criada, a Companhia Paulista de Força e Luz

(CPFL) passou a absorver esses ativos de geração e de distribuição localizados em

diversos municípios. Não fosse pelo empreendedorismo de alguns pioneiros, a

tarefa de iluminar ruas, casas e movimentar motores teria ocorrido com bastante

atraso. Já naquela época, também, bondes elétricos circulavam em várias cidades

paulistas.

Aliás, o aparecimento de muitas empresas geradoras de energia elétrica no

interior permitiu acelerar o desenvolvimento em São Paulo, algo sem

paralelo em comparação com outros Estados brasileiros.

Em 1927, o processo de eletrificação ganhou impulso quando o

controle acionário da CPFL foi transferido para as mãos de uma

companhia norte-americana, a American & Foreign Power Company,

subsidiária da Electric Bond & Share Corporation-Ebasco, pertencente

à General Eletric, criada em 1923. A AMFORP investiu, então,

na compra de empresas em diversas cidades do interior

daquele Estado e até mesmo em várias capitais brasileiras,

aproveitando o fato de que muitas delas estavam sendo corroídas

por problemas financeiros e técnicos. Essas unidades

possuíam pequenos e pouco eficientes sistemas de força

motriz, sujeitas a repentinas variações de voltagem e freqüência,

ligados a uma antiquada rede de energia elétrica.

Lentamente, os norte-americanos foram homogeneizando as

estruturas que haviam adquirido, fazendo com que a CPFL e suas

companhias associadas funcionassem cada vez mais em harmonia.

Outro desafio enfrentado entre os anos de 1930 e 1950 foi organizar o

faturamento das contas de energia elétrica, pois as tarifas obedeciam a

contratos diferentes celebrados com as municipalidades, cujos preços e condições

variavam de uma cidade para outra.

Só com a revisão dos contratos das empresas concessionárias, determinada pelo

Código de Águas, durante a década de 40, é que o setor conseguiria falar uma

linguagem única.

A AMFORP fazia o máximo que podia para acompanhar o progresso do País, sob

o ritmo do Estado Novo de Getúlio Vargas. O lance de maior ousadia da empresa foi

a construção da usina hidrelétrica Marechal Mascarenhas de Moraes, na época uma

das maiores do mundo. Em abril de 1957 os seus dois primeiros geradores seriam

oficialmente inaugurados, com capacidade de 40.000 kW cada um.

46 42 10


Nos anos 50, outra dificuldade foi a carência de recursos para o setor elétrico. A

redução de investimentos nessa área acarretou, entre outras coisas, o lento

crescimento da capacidade instalada e da oferta de energia. O desenvolvimento

industrial no pós-guerra também contribuiu decisivamente para aumentar a

deficiência no setor elétrico, que já era evidente, inclusive com racionamentos

institucionalizados.

Nessa época e no início dos anos 60 surgiriam no Brasil algumas manifestações

nacionalistas, contrárias aos interesses norte-americanos, o que fez com que as

empresas pertencentes ao grupo AMFORP fossem nacionalizadas.

43


Terra dividida

Orápido

surto de desenvolvimento das cidades que

surgiram nas áreas colonizadas do Norte e Noroeste do Paraná,

durante as décadas de 30, 40 e até mesmo 50, não era acompanhado

pela devida atenção por parte do governo do Estado.

Este mantinha os olhos voltados, quase que exclusivamente, para

Curitiba e as regiões mais tradicionais.

Até então, o Paraná estava dividido em três. Uma parte, formada pelo litoral,

Curitiba e os Campos Gerais; a segunda, pelo Norte do Paraná, que recebia forte influência

do Estado de São Paulo. A terceira, o Oeste e o Sudoeste onde, ao contrário

do Norte - que teve uma colonização organizada -, a ocupação das terras se deu em

meio a muitos conflitos. Por muito tempo, inclusive, paranaenses do Oeste e Sudoeste

alimentaram um projeto separatista, que visava a criação do Estado do Iguaçu.

Nos anos 30, quando se estava ainda no início e havia tudo por fazer, o governo

acompanhou de longe o andamento do projeto executado pela Companhia de Terras

no Norte, como a derrubada de florestas, a abertura de estradas, a construção do

ramal da linha férrea e o surgimento dos primeiros povoados. Por tratar-se de um

empreendimento executado pela iniciativa privada, coube à empresa implantar toda

a infraestrutura necessária sem a participação dos governantes, os quais se

limitavam, na verdade, a recolher impostos.

A partir de julho de 1934, os empreendimentos energéticos já contavam, ainda

que de forma incipiente, com o respaldo do Código de Águas, instituído pelo

Decreto-Lei número 24.463 e, pouco mais tarde, do Conselho Nacional de Águas e

Energia Elétrica, surgido com a Lei número 1.85 de 1939.

O poder público estadual iniciaria o processo de coordenação sobre o setor, até

então dependente da iniciativa privada. Assim, com o apoio do Plano Nacional de

Eletrificação, que preconizava a intervenção direta do Estado na área da produção

44


de energia, seria criado o Serviço de Energia Elétrica do Paraná, que no ano seguinte

se transformaria no Departamento de Águas e Energia Elétrica - DAEE.

Nos anos 1940, quando uma civilização já se consolidava e os povoados se

transformavam rapidamente em aglomerados urbanos, o governo passou a agir de

maneira mais interessada. Ao simples anúncio de que uma cidadezinha começava a

nascer - e isto acontecia com freqüência surpreendente - a primeira coisa que fazia

era instalar uma coletoria, para garantir que todos pagassem seus tributos. Depois,

acionava a igreja para mandar logo um padre ao lugar.

No entanto, o que se via era um grande descontentamento por parte das

autoridades e da população dos municípios. Eles muito se queixavam do distanciamento

que havia entre o governo e as

regiões novas, as quais se sentiam desprestigiadas.

Cidades do Norte, como Londrina,

Maringá, Mandaguari, Apucarana, Arapongas,

Rolândia e tantas outras, pareciam nem

fazer parte do mapa do Paraná, apesar da

enorme riqueza que geravam com suas lavouras

de café e do tanto de impostos com os

quais engordavam os cofres públicos.

Uma das razões dessa insatisfação era a

inexistência de energia elétrica abundante,

situação que se agravaria com o advento da

Segunda Guerra Mundial, quando, na realidade,

começou a faltar combustíveis e gêneros

alimentícios. Muitas das famílias que

tinham se mudado para o Paraná eram provenientes

de regiões do País onde já estavam habituadas a esse conforto. Por isso,

para chamar a atenção dos governantes, os mais exaltados falavam até em desfechar

um movimento para anexar o Norte paranaense ao Estado de São Paulo.

Com recursos naturais oferecidos pela região, como quedas d’água, o município

de Londrina procurou resolver, pelo menos em parte, a questão da energia elétrica.

Em decorrência do rápido crescimento urbano e da inviabilidade de apenas manter

motores à diesel na produção de energia elétrica, a Companhia de Terras Norte do

Paraná (CTNP) acabou construindo inicialmente uma pequena usina hidrelétrica no

Ribeirão Cambé (onde hoje está instalado o Parque Arthur Thomas), aproveitando

uma queda d’água de 50 metros. A Usina Cambé ou Cambezinho, que mais tarde

passou a ser chamada “Dr. Fernando de Barros Pinto”, foi inaugurada em 8 de

fevereiro de 1939. Na época, Londrina contava com 10.531 habitantes. Os

responsáveis pela obra foram os engenheiros Gastão de Mesquita Filho e André

Kotchetkoff, contando com o trabalho de 50 operários. Precisou-se, para a sua

Acima, detalhe da

construção da

Usina Cambé ou

Cambezinho, a

primeira de Londrina,

inaugurada em 1939

onde hoje é o Parque

Arthur Thomas, no

centro da cidade.

(Fotos: Arquivo do

município e site do

Parque Arthur

Thomas)

45 10 41


construção, abrir uma estrada de mais de 15 quilômetros de extensão por três metros

de largura no meio da floresta. Produzia uma média de 200 KW de energia,

juntamente com alguns motores à diesel para a galeria técnica, capazes de atender

uma população de apenas 6 a 7 mil habitantes, cerca de 5 quarteirões médios

residenciais na época. Nascia, então, a Empresa Elétrica de Londrina S.A. (Eelsa).

Em 1943, o município ganharia sua segunda usina, denominada Três Bocas,

situada no Ribeirão do mesmo nome. Essa unidade, com potência de 0,6 MW,

contribuiria para atender a forte demanda local.

No ano seguinte, a Paraná Plantation se desfez da Companhia de Terras Norte do

Paraná, vendendo as ações dessa empresa para um grupo formado pelo Banco

Mercantil de São Paulo, o qual assumiu o empreendimento no mês de março.

Historiadores apontam duas razões para a saída dos ingleses do negócio. De um

lado, a necessidade de repatriar o capital inglês, pois a Segunda Guerra Mundial,

com a decisiva participação da Grã-Bretanha, ainda estava em pleno andamento. De

outro, uma certa hostilidade e perseguição com que o governo de Getúlio Vargas

tratava empreendimentos estrangeiros no País.

A Companhia, portanto, passaria às mãos brasileiras, o mesmo acontecendo com

as suas subsidiárias, estradas de ferro - incorporadas à malha federal - e a Empresa

Elétrica de Londrina S.A., cuja concessão foi entregue ao engenheiro Gastão de

Mesquita Filho, recomendado ao presidente da Companhia de Terras Norte do

Em 1943, Londrina

ganharia sua segunda

usina, denominada

Três Bocas, no

Ribeirão do mesmo

nome. Essa unidade,

com potência de

0,6 MW,

funcionaria por

36 anos

46


Acima, a antiga Catedral de Londrina; ao lado,

o prédio onde funcionava a sede da Companhia de

Terras Norte do Paraná (CTNP)

Paraná, João Sampaio, pelo antigo e dileto amigo deste, Antonio Moraes Barros.

Sampaio presidiu a Companhia durante toda a primeira fase da mesma, entre 1925 e

início de 1944.

No dia 12 de junho de 1967, ao receber o título de cidadania honorária de

Londrina, João Sampaio deixou claro, em trecho de um detalhado pronunciamento,

como tudo isso ocorreu:

“Ao grupo formado pelo Banco Mercantil de São Paulo, que adquiriu a

integralidade das ações da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), e as

estradas de ferro, incorporadas ao seu patrimônio, devemos reconhecer a prudência,

capacidade de trabalho e perseverança, com que desde a sua entrada (em março de

1944) até a atualidade, prosseguiu e deu desenvolvimento ao que, em linhas gerais,

vinha sendo realizado pelos seus antecessores. Menos, na parte ferroviária, que

passou ao Governo Federal e baixou de nível. Mas muito mais, na parte da

industrialização – a que não chegamos – porque estava reservada para a segunda

etapa. Na primeira, nós nos limitávamos a estimular a iniciativa privada. E nos

ocupamos com os serviços necessários ao público: águas, luz e força elétricas. Para

essa indústria, demos a primitiva concessão ao engenheiro Gastão de Mesquita

Filho, recomendado, na oportunidade, por Antonio Moraes Barros, meu antigo e

querido amigo e companheiro de trabalhos, havendo o concessionamento trazido o

seu plano de organização da Empresa Elétrica de Londrina S.A., para o

empreendimento. A concessão foi se estendendo às novas cidades – sempre em

progresso e bem orientada – e creio que é a mesma, agora incorporada, entre outras,

à Companhia Melhoramentos.”

Em 1948, além de Londrina, as cidades de Arapongas, Cambé, Ibiporã,

Rolândia e Jataizinho já estavam sendo abastecidas pela Empresa Elétrica de

Londrina S.A.

47


A hidrelétrica de

Apucaraninha,

inaugurada em 1949

No dia 6 de abril de 1949 era inaugurada a Usina Hidrelétrica Apucaraninha.

Construída dentro da reserva Apucaraninha, dos índios Caingangue, com capacidade

instalada de 9,5 MW, aproveitava uma queda d’água de 116 metros de altura no Rio

Apucaraninha, afluente do Tibagi.

Essa usina representou um significativo avanço e foi fundamental para deslanchar o

desenvolvimento do município e região à volta. No entanto, deixaria no futuro um

passivo para a Copel, que absorveu a Empresa Elétrica de Londrina S.A. em 1° de

junho de 1974.

Por conta disso, em 2006, a Copel

e a comunidade Caingangue selariam

na aldeia localizada em Tamarana, região

Norte do Estado, um acordo histórico

e sem precedentes no País. O

documento deu fim a uma discussão

que se prolongou por vários anos, indenizando

passivos ambientais, sociais,

culturais e morais decorrentes

da construção e operação da usina.

“Chegou o momento de compensar o

impacto causado a esta comunidade e

aos seus ancestrais”, disse na oportunidade

o diretor de Geração e Transmissão

de Energia da Copel, Raul

Munhoz Neto.

A implantação de projetos para a

sustentabilidade das famílias, atendendo-se as suas vocações, bem como hábitos culturais

e sociais, foi o objetivo dos recursos repassados pela Copel, no prazo de 5 anos.

O acordo, denominado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é considerado

inédito no setor elétrico brasileiro, tanto pelas dimensões quanto pela complexidade

dos assuntos envolvidos. “Ele zera e liqüida todos os impactos provocados pela usina,

desde o uso de mão-de-obra indígena nas obras de construção, até a vegetação e as

terras que foram alagadas com a formação do reservatório”, acrescentou Munhoz

Neto.

Uma descrição técnica aponta que a hidrelétrica de Apucaraninha aproveita uma

queda natural com dois barramentos. O primeiro é a Barragem do Fiú, que fica 6

quilômetros acima do ponto onde está a Casa de Força, com 109 metros de comprimento

e 16,5 metros de altura. O segundo é a Barragem Apucaraninha, distante

100 metros do salto do mesmo nome, com 154 metros de comprimento e 5,3 metros

de altura. Na Casa de Força operam três unidades geradoras, sendo duas com potência

de 1,6 MW e uma terceira com 6,3 MW.

48


Em 1940, o casal Romagnolo e seus cinco filhos cruzaram a divisa do Paraná

através da passagem por Ourinhos, fixando-se inicialmente em Ibiporã, na região

de Londrina. Estavam na terra dos “pés vermeios”. Nesse período, o cenário era

inquietante: o sertão paranaense estava sendo desbravado e grandes florestas

sucumbiam para dar lugar a fazendas de café, em meio a uma intensa correria. Por

uns tempos, Francisco tentou trabalhar na compra e venda de milho, mas a família

não adaptou-se a Ibiporã porque as dificuldades eram de tal ordem que o povoado,

para se ter idéia, sofria com a escassez de água, que às vezes faltava até mesmo para

beber.

Dura sina. O jeito foi juntar as tralhas e, mais uma vez, providenciar a mudança,

agora para Londrina, cidade que crescia vigorosamente e prometia ser um bom

lugar para quem quisesse ganhar a vida. Francisco, sempre trabalhador e

esperançoso, com facilidade de adaptar-se a novas situações, decidiu atuar por

algum tempo com a compra da madeira que a Companhia de Terras retirava do

lugar onde, mais tarde, viria a ser a Avenida Higienópolis. Com essa madeira ele

produzia carvão e lenha cortada, consumidos pela população local. Certo de que

conseguiria prosperar nesse negócio e sustentar a família, Francisco só não contava

com uma rasteira preparada pelo clima. Em decorrência de uma forte geada, muitos

cafeicultores tiveram que promover uma poda mais drástica em suas lavouras, o

De Santa Cruz

do Rio Pardo,

a mudança para

Ibiporã, através de

Ourinhos. Mas,

o destino final

seria Londrina

49


que aumentaria sobremaneira a oferta de lenha, fazendo com que os preços caíssem

a níveis aviltantes.

Mesmo alquebrado, Francisco não se entregou: decidiu achar um jeito de virar o

jogo e enfrentar a sorte à sua maneira. Certa manhã, vestido em terno e gravata,

dirigiu-se à estação ferroviária certo de que, ali, conseguiria achar algum negócio.

Lá chegando, encontrou-se com um conhecido e, expondo-lhe sua situação aflitiva

e o interesse em achar algo - talvez intermediar uma negociação -, foi informado

pelo mesmo de uma bela fazenda na região que havia sido colocada à venda. Sem

muito o que pensar, Francisco conseguiu emprestar algum dinheiro e, no mesmo

dia, embarcou num trem com destino ao Estado de São Paulo, indo parar em

Bernardino de Campos, onde vivera anos atrás. Lá chegando, procurou um

fazendeiro seu amigo, de nome Francisco Lourenção, a quem propôs conhecer a

propriedade no Paraná. O fazendeiro concordou em visitar as terras, viajando para

o Estado vizinho em seu fordeco “Pé-de-Bode”, na companhia do amigo.

.....

O café era uma cultura em que os ciclos de preços alternavam altas e baixas,

provocados por fatores diversos que surpreendiam os produtores. Um inverno

rigoroso, por exemplo, ao mesmo tempo em que podia dizimar a lavoura ante a

ocorrência de uma geada forte, valorizava os estoques, para satisfação daqueles

que costumavam ser mais previdentes.

Mas o frio era um do pesadelo para quem, sem tradição na cafeicultura, se

aventurava a ser fazendeiro acreditando no enriquecimento rápido. O coitado

50 10

33


investia todas as suas economias e, após alguns anos vivendo em meio a toda sorte

de dificuldades, via tudo perder-se em uma única noite de geada forte, ficando sem

ter como recuperar-se. Nesse caso, tomado pelo desespero, o pobre se desfazia de

suas terras por qualquer valor e tratava de voltar logo para o lugar de onde tinha

vindo. Essas histórias de insucesso também corriam os outros Estados, esfriando

os ânimos de muita gente em relação ao Paraná. Por isso, ouvia-se, em tom irônico,

a frase que se espalhava com o vento: “O Paraná é só fama, quando não é poeira é

lama”. Nenhuma geada, contudo, por mais intensa que fosse, conseguia impedir a

determinação dos cafeicultores de verdade: eles chegavam, plantavam suas

lavouras e iam sobrevivendo com cultivos de subsistência, em meio às próprias

ruas do café. Eles sofriam prejuízos, sim, mas se recuperavam logo da “paulada” e

não perdiam seus objetivos de vista. No ano seguinte e nos outros, estavam lá

novamente com suas lavouras. Como não havia frio que os derrubasse, esses

teimosos e valentes acabavam enriquecendo num “descuido” do tempo.

.....

Durante a viagem de Bernardino de Campos a Londrina, com muito tempo para

conversar sobre tudo, o fazendeiro Francisco Lourenção soube do conhecimento e

da experiência de Francisco Romagnolo Junior na formação de cafezais em várias

cidades do Estado de São Paulo e, também, de seu desejo de, um dia, ter a própria

terra. Afinal, não lhe faltavam braços, pois a família era numerosa. Natalina também

compartilhava da vontade do marido: em uma área rural, onde pudessem plantar de

tudo um pouco e manter alguma criação, teriam a garantia do sustento com fartura

para todos e viveriam sossegados. A vida na cidade não lhes apetecia. Sentiam-se

b e m m a i s

confortáveis, seguros

e felizes no campo.

Por isso o de-sejo de

ter um sitio-zinho que

fosse para semear o

café e, nas entrelinhas

deste, fei-jão, arroz,

milho. Em outra parte,

a l g u m a s v a c a s

leiteiras, pomar e

horta com um pouco

de tudo, sem falar dos

porcos e aves. Assim,

o alimento à mesa só

iria depender do pró-

Na página ao lado,

cafezal a perder de

vista. Caminhões

carregados de café,

iguais a este, eram

comuns nas ruas

de Londrina

51 10


Os Romagnolo: as

crianças nos tempos

da fazenda.

Embaixo, abertura

de picada em meio

à mata fechada.

Mais tarde esses

caminhos dariam

lugar a estradas

Chegando ao Paraná, foram conhecer as terras e Francisco Lourenção gostou da

fazenda que lhe fora apresentada. Ficava em um espigão no meio de uma mata

fechada, distante 21 quilômetros de Londrina e outros 21 do povoado de

Arapongas. Uma área com plena aptidão para o café, conforme lhe atestara o amigo.

Mas, para fechar negócio, impôs uma condição: a propriedade somente seria

adquirida se ele, Francisco, por ser pessoa da confiança do fazendeiro paulista, se

dispusesse a ser o seu administrador, cuidando de tudo pessoalmente, da derrubada

do mato e em especial do plantio de café, sendo recompensado, ao final, com uma

porcentagem sobre a produção.

A oferta foi, de certo modo, uma surpresa. Muito embora estivesse trabalhando

com a venda de terras, Francisco ainda mantinha a expectativa de conseguir a sua

sonhada propriedade. Era para isso, afinal, que tinha vindo com a família ao Paraná.

Mesmo sem recursos para comprar alguma coisa, nem mesmo um pequeno lote,

estava convicto de que lhe seria possível alcançar o objetivo. No entanto, para

melhor estruturar-se e por algum tempo acomodar a família, decidiu aceitar a

proposta.

Nos tempos em que viveu sob os céus na nascente cidade de Londrina, o casal

Francisco e Natalina aumentou a prole. Nasceu a quarta das mulheres: Maria José.

Mais uma Maria, agora paranaense, que haviam colocado no mundo.

Nessa época, a filha mais velha, Maria Edite, contava apenas oito anos.

.....

Quanta dificuldade! Antes de mais nada, seria preciso derrubar a mata e construir

um pequeno rancho de lona, até que um outro, feito com troncos de palmito, repleto

de frestas e coberto com cascas de peroba, pudesse receber o pessoal. Foi ali, em

situação de absoluto desconforto,

que os Romagnolo

se instalaram e passaram

os primeiros seis

meses, dedicando-se a

um trabalho que a todos

consumia. A família despertava

antes do sol e dedicava-se,

cada um, à sua

tarefa. Francisco coordenava

a derrubada da floresta

com a força braçal

de um contingente de

peões, recrutado em

Londrina. Tinham que

abrir espaço para o plantio

de café, que acontecia

Marly Aires

52


tão logo as terras vermelhas e férteis ficavam desnudas. As sementes vinham da

Fazenda Bule, não muito distante. Por sua vez, Natalina se entregava aos afazeres de

casa com a ajuda das filhas, cozinhava para um batalhão de trabalhadores e ainda

encontrava tempo para cuidar das crianças. Os pequeninos Vicente e Maria José

requeriam atenção redobrada, pois, bem mais que os outros, estavam sujeitos aos

perigos e surpresas daqueles matos. Ambos ficavam, na verdade, por conta das filhas

maiores, que faziam as vezes de mães.

Até formar a fazenda, que veio a se chamar “São Francisco”, foi preciso buscar

muita mão-de-obra em Londrina para dar conta do serviço mais pesado, ao qual

braçais nordestinos estavam habituados. Eram pernambucanos, alagoanos, baianos,

cearenses. Eles chegavam de seus Estados sem a ambição de fazer a vida, apenas para

trabalhar, cumprir uma jornada de dias, semanas ou meses. Instalavam-se em

pequenas pensões, onde podiam ser facilmente encontrados por quem precisasse

contratá-los. Para isso, além de combinar o pagamento pelo trabalho a executar, o

patrão se obrigava a saldar as despesas que haviam feito na pensão e, é claro,

fornecer-lhes comida. Não raro, usando de malandragem, vários desses homens

desistiam da tarefa logo no primeiro dia para retornar à mesma pensão, onde tinham

crédito, pois suas dívidas estava quites. Permaneciam ali até que outros desavisados

viessem contratá-los, não sem antes acertar suas contas com o estabelecimento.

A rusticidade e a

falta de conforto

eram comuns

nas fazendas

53 10 35


Em propriedades

rurais, era comum

o uso de “batatões”,

colhidos no mato,

para que fossem

usados como suporte

à iluminação

caseira. Para isso,

um pano embebido

em querosene era

colocado em um

buraco na “batata”

e, a seguir, aceso,

provocando uma

chama que

durava horas.

Assim iam vivendo.

Acostumados a enfrentar desafios, os Romagnolo não imaginavam que sofreriam

tanto na selva do Paraná. A começar pelas condições em que viviam. As tarimbas,

onde dormiam, eram feitas com varas de madeira. Sobre elas, dispunham colchões

forrados de palha de milho e travesseiros recheados com penas de aves.

Quando vinha a temporada de chuvas, tudo virava um imenso lamaçal, tornando

impossível sair da fazenda, ante a precaridade das estradas. Para complicar, eram

tempos de Segunda Guerra Mundial, o que provocou escassez de gêneros como

açúcar, farinha de trigo, sal e óleo diesel.

Porém, à sua maneira, eles davam jeito em tudo. Para poder saborear um café

“adocicado”, por exemplo, a família tinha que moer cana e ferver o caldo. O pó de

café, então, era passado na garapa. E, como não havia combustível para as

lamparinas, a única maneira era queimar óleo de mamona, colhida e moída no

próprio quintal. A combustão produzia tufos de fumaça preta, mas, pelo menos,

ninguém ficava no escuro.

Só depois de seis meses é que a propriedade, enfim, começava a ganhar cara e

jeito de fazenda. Milhares de pés de café - e foram 100 mil no total - cresciam em

meio a lavouras de subsistência, onde se colhia o alimento diário. Com as coisas já

mais organizadas e definidas, era o momento de construir uma casa melhor para a

família, pois a vida no ranchinho de palmito, com chão de terra batida, já não

justificava tamanho sacrifício. Nessa época, muitos portugueses especialistas em

construções de madeira, matéria-prima abundante no Norte do Paraná, tinham

vindo em busca de trabalho e eram disputados tanto nas cidades quanto nas propriedades

rurais.

Com madeira extraída das imediações, a casa ampla e confortável ficou pronta, o

que premiou os Romagnolo. Era a recompensa após tantas privações.

Natalina, enfim, teria um lugar mais seguro para criar os filhos e, junto

com o marido, ter força e ânimo para continuar acreditando em

prosperidade. Aquela casa seria apenas a primeira. Para formar uma

colônia de trabalhadores, que cuidaria do cafezal, outras duas dezenas

de moradias foram levantadas com caprichosa mão-de-obra portuguesa.

Mesmo sob condições tão inóspitas, a família não deixaria de

continuar crescendo. Na Fazenda, Francisco e Natalina tiveram mais dois

filhos paranaenses: Maria Cecília e Armindo. Cecília, a última das

Marias. Ambos, autênticos “pés vermeios”.

O tempo foi correndo e as coisas, enfim, pareciam ajustar-se.

As lavouras iam bem e, no terceiro ano, a fazenda começou a

receber famílias para ocupar as casas da colônia e trabalhar no

café. Era gente que resultava da mistura de várias raças, geral-

54 10

36


mente portuguesa, italiana e negra. Todas, já com muitos filhos, revelavam-se férteis

na geração de outros tantos. Não raro, mães levavam seus recém-nascidos para o

trabalho, deixando-os devidamente protegidos sob a saia de um cafeeiro. Na

colônia, tudo era motivo para festa e alegria, o que divertia os Romagnolo.

Francisco e Natalina, volta e meia, apadrinhavam batizados e casamentos. Eles

e também os filhos eram estimados pelos trabalhadores e seus familiares.

Quando de temporadas de chuvas, a fazenda ficava isolada por meses. Para ir

até a cidade, só mesmo na boléia de um valente caminhão Chevrolet, cujo motor

precisava ser propulsionado com manivela. Uma viagem de 21 quilômetros até

Londrina podia demorar 3 horas.

Assumindo a figura de patrão, embora a propriedade não lhe pertencesse,

Francisco gostava de tudo organizado e em perfeita ordem. Quando necessário, era

um homem duro, exigente nos detalhes. Gostava de confiar e acreditar nas pessoas,

mas não tolerava abusos. Fazia amigos com facilidade, apreciava conversar, trocar

idéias. Sabia conquistar o respeito e a simpatia dos que o cercavam. Na fazenda,

Francisco tomara a iniciativa de instalar uma escola para que as crianças pudessem

conhecer as letras. Até os dez anos, tinham a chance e o direito de aprender a ler e a

escrever, ao menos o próprio nome. Depois disso, acabavam largando tudo para

Uma viagem

de carro podia

acabar mal.

Acima, grãos em

estágio “cereja”

55


A vida simples,

mas feliz, na

pequena propriedade

ajudar os pais e os irmãos na lavoura. Não havia como ser diferente no sertão.

Em 1945, o proprietário da fazenda decidiu se desfazer das terras. Foi só abrir a

boca para, em pouco tempo, começar a aparecer comprador. O negócio, após

fechado, acabou rendendo uma merecida participação financeira a Francisco. Uma

compensação pelo seu trabalho, que resultara na expressiva valorização da

propriedade.

Por isso, chegara o momento de partir para uma nova etapa. Desta vez, ao

contrário de quando chegaram a Londrina, trazendo apenas disposição para vencer

na vida, os Romagnollo estavam suficientemente preparados para, enfim, realizar o

velho sonho de comprar as suas terras.

Em outubro de 1946, a família deixou a fazenda e seguiu rumo a Mandaguari,

distante 60 quilômetros, ao Noroeste. Com suas economias, Francisco havia

adquirido lá uma pequena chácara de 2 alqueires, à qual denominou Boa Vista.

Ele, Natalina e os filhos - pelo menos os maiores - já haviam se acostumado às

mudanças drásticas da vida, a começar tudo de novo, a passar pelos mesmos

sacrifícios. Desta vez, no entanto, as dificuldades seriam compensadas pela

satisfação e a alegria de cultivar a própria terra, ainda que a dimensão fosse reduzida.

Nessa época, Mandaguari era um povoamento em efervescência, preparado pela

Companhia de Terras Norte do Paraná para ser uma sede regional do projeto de

colonização. Ali concentravam-se muitos estabelecimentos comerciais que abasteciam

fazendas e os povoados que iam surgindo rapidamente nas imediações. Havia

escola, igreja, cartório, juiz de paz e até cadeia.

Em pouco tempo, a chácara estava formada com um cafezinho vistoso, pomar de

frutas, horta variada, criação de porcos, vacas leiteiras e aves. Como era muita gente

para trabalhar e cada qual com sua tarefa, tudo andava bem e depressa. Porcos eram

engordados e, de vez em quando, abatidos para produção de lingüiça e vários outros

derivados. A carne e a banha guardava-se em latas de 20 litros para consumo nas

refeições, preparando-se com essa gordura o arroz e o feijão de todo dia. O leite

rendia subprodutos diversos, as frutas originavam

doces e conservas. Na época da colheita do

café, o empenho de toda a família era total. Até o

pequeno Vicente participava, levando

comida para a roça com uma vara

sobre os ombros e se ocupando

de funções como a varrição do

quintal e o trato das criações.

Foram tempos felizes, em

que finalmente experimentaram

prosperidade. Para completar,

os últimos dois filhos, de um

56 10


total de dez, nasceriam na Chácara Boa Vista: Álvaro e Francisco.

Logo que instalaram-se em Mandaguari, os Romagnolo fizeram amizade com os

vizinhos, os jovens Lucindo e Penha Schincariol, casados em 1944. Ficaram tão

próximos que Natalina amamentou por seis meses o primeiro

dos dois filhos do casal.

Integrando grandes levas que surgiam a todo momento

para colonizar o Norte do Paraná, Lucindo e

Penha tinham sido trazidos por seus familiares ainda

muito moços, com 14 anos. Ela chegaria ao povoamento

de Lovat um ano antes do futuro marido, em

1937, indo em seguida para Marialva, onde os pais

haviam comprado um pequeno sítio. Naquela época,

as condições eram tão primitivas que, para fazer

compras, o único jeito era caminhar 27 quilômetros

no meio da mata até Lovat, onde só havia uma ou

duas ruas e um pequeno aglomerado de casas. Como a floresta

era escura e amedrontadora, Penha, o pai e um irmão se

Rolândia

Maringá Londrina

Mandaguari

Paraná

preveniam com uma tocha de fogo para espantar bichos. A vida também não era fácil

para Lucindo: sempre após uma chuva mais forte, ele percorria a pé 35 quilômetros

até Apucarana. No caminho, ia cortando touceiras de bambus

que, com o peso da água nas folhas, pendiam sobre a estrada, o

que impediria a passagem da jardineira. Casados, eles jamais

perderiam contato com os Romagnolo.

Os Romagnolo, aliás, eram o que se podia chamar de

família unida. Todos se davam bem: durante os afazeres,

sempre juntos, conversavam e sorriam muito, por qualquer

motivo. Religiosos, freqüentavam a missa aos domingos e, no

almoço, rendiam-se às delícias preparadas pela mãe, como o

macarrão com carne de cabrito, o pastel de batata doce e as

apreciadas queijadinhas.

Viviam tão bem na chácara em Mandaguari que, certa ocasião, Natalina precisou

dizer ao marido, em tom firme e definitivo, que não aceitaria mais mudar-se dali.

Sabia que ele, diante de uma boa proposta, dificilmente resistiria à tentação de

vender a propriedade. Ademais, os filhos estavam crescendo e começavam a

encaminhar-se. O mais velho dos homens, Geraldo, abraçara a profissão de alfaiate.

Fácil seria imaginar, entretanto, que Francisco não se aquietaria. O espírito destemido

falava mais alto e ele não deixaria de sonhar com a própria fazenda. A

pequena chácara da família seria preservada a pedido de Natalina, mas ele

acalentava o desejo de fazer a sua parte na concretização do sonho dos pais, que

vieram da Itália à custa de grandes sacrifícios para “fazer a América”. Sentia que

Apucarana

A famíilia

radicou-se em

Mandaguari

57


A antiga igreja

da paróquia N. Sª

Aparecida, em

Mandaguari,

durante a década

de 40 (foto

Akimitsu Yokoyama)

estava perto de realizá-lo.

Nesse final dos anos 40 e início da década de 50, o preço do café experimentara

novamente valorização após um longo período em baixa, período que coincidiu com

a ausência de geadas fortes. Dessa forma, aqueles cafeicultores que não desistiam

nunca, acabaram favorecidos por essa combinação e ganharam dinheiro como

nunca. Isto fortaleceu a procura por terras no Paraná e fez com que a Companhia

colocasse à venda novas áreas de terras na região de Cianorte, mais ao Noroeste.

Histórias de gente enriquecendo com o café voltaram a varrer o País. Por isso,

via-se muitas famílias chegando com o propósito de comprar terras e tentar a vida.

Aqui, ficavam fascinadas ao ouvir relatos de gente bem sucedida, como a experiência

de Joaquim Romero Fontes, um paulista que, em 1949, decidiu mudar-se de Lucélia

para Maringá, contrariando a vontade do pai. Já na primeira safra, Joaquim contou

com a ajuda do tempo para colher uma produção abundante, de 4.700 sacas. E teve,

também, a sorte de ver o preço da saca disparar. Na segunda safra, o felizardo

Joaquim obteve mais 4.400 sacas e o preço continuou a subir. Em dois anos apenas,

tinha ficado rico.

58 10


Registros

O que ficou para a história...

O topógrafo japonês Shigueyoshi Yokoyama chegou à então localidade de Lovat

entre os anos 1934/35, para trabalhar no escritório da Companhia de Terras Norte

do Paraná (CTNP). A família somente seria trazida para a cidade – cujo nome já

havia sido alterado para Mandaguari - em 1944, pois antes disso não havia casas

disponíveis e foi preciso morar, por algum tempo, no quarteirão da Companhia,

onde eram alojados alguns dos funcionários.

Yokoyama participou, juntamente com o também topógrafo Vladimir Babikov e

o engenheiro agrimensor Alexandre Razgulaeff, do planejamento urbano de

Mandaguari e de várias outras cidades no trecho Londrina-Maringá.

Nascido no Japão e trazido com apenas três anos para o Brasil, Akimitsu, filho do

topógrafo Shigueyoshi, seria no futuro um personagem importante para a

preservação da memória regional. Fotógrafo desde muito cedo, ele registrou

milhares de cenas que marcaram a saga dos pioneiros. Suas fotografias, a maior parte

em preto e branco, compõem hoje um acervo dos mais valiosos.

Na foto tirada na

segunda metade dos

anos 30, o japonês

Shigueyoshi Yokoyama

e o russo Vladimir

Babikov, ambos topógrafos,

juntamente com o

engenheiro agrimensor

Alexandre Razgulaeff,

também de origem russa;

ao fundo aparece ainda

um funcionário da

Companhia na então

localidade de Lovat, hoje

Mandaguari (acervo

Akimitsu Yokoyama)

59


60 10

Nos anos 50, as dificuldades

encontradas por quem se

aventurava a enfrentar a

estrada entre Mandaguari e

Maringá eram, principalmente,

os grandes atoleiros, comuns

em períodos chuvosos

(Fotos Akimitsu Yokoyama)


Parte 2


Rápido crescimento

populacional

Cenas da Avenida

Brasil no final dos

anos 40. Acima,

no registro de

Fleuri Scheidt e,

embaixo, de

Akimitsu Yokoyama

Durante o século XX, o território paranaense foi

sendo gradativamente ocupado.

Na década de 1920, toda a região centralizada pelas cidades de Tomazina,

Siqueira Campos e Jacarezinho já estava povoada. A partir da década de 1940,

descendentes de imigrantes italianos e alemães, do Rio Grande

do Sul, subiram de Sul para o Norte e, ultrapassando o Rio

Iguaçu, avançaram pelo Oeste paranaense, ao longo do Rio

Paraná, até encontrar os plantadores de café, a outra corrente de

migração interna que descia do Norte para o Sul.

Ainda em meados dos anos 1940 a utilização de energia enquanto

força motriz superou o seu uso para iluminação pública e

particular. Ao mesmo tempo, apesar das dificuldades de fornecimento

de energia, houve intensa difusão do uso de eletrodomésticos

pela Cia. Força e Luz do Paraná, como o refrigerador GE.

62


Sobretudo a partir dessa época o Paraná começou a viver um forte crescimento

populacional, pressionando o governo a investir em infra-estrutura, o que não era

tarefa simples. Para se ter idéia, em 1940 a população paranaense que era de 1,236

milhão de habitantes, chegaria a 2,115 milhões em 1950, registrando aumento de 70%

2

e uma densidade de 10 habitantes por km. Em 1960, outro grande salto: os paranaenses

2

já eram 4,263 milhões, o correspondente a 21 por km. Em 1970, a população subiu para

2

6,929 milhões de habitantes, 60% a mais, o equivalente a 35 por km.

Ao longo daquelas mesmas décadas, houve um aumento considerável do número de

indústrias no Paraná. Segundo dados do Ipardes (1987), em 1939 eram 1.832 unidades,

com 21.898 trabalhadores; dez anos depois, em 1949, o Estado registrava 3.460

indústrias, com 35.176 empregados; em 1959, já eram 6.417 unidades fabris e 68.455

trabalhadores, números que em 1970 chegaram, respectivamente, a 10.855 e 114.344.

Além da Companhia Força e Luz do Paraná (CFLP), havia no Estado outras

empresas em operação nesse setor, como a Empresa de Eletricidade Alexandre

Schlemm e a Empresa Sul Americana de Eletricidade, esta última sediada em Santa

Catarina, ambas fornecendo energia aos municípios da região Sul do Paraná; a Cia

Prada de Eletricidade, servindo a região em torno de Ponta Grossa, Castro e Piraí do

Sul; a Empresa Elétrica de Londrina, atuando naquela cidade e em municípios

próximos; e a Cia Hidrelétrica do Paranapanema que, apesar de estar sediada em

Ponta Grossa, fornecia energia a mais de 20 municípios do Norte do Paraná. O

restante das municipalidades tinha seus serviços de energia mantidos pelas próprias

prefeituras e/ou auto-produtores.

A partir da década

de 40, as cidades do

Norte do Paraná,

como Mandaguari,

começaram a viver um

intenso crescimento

populacional.

(foto: Marilena Meyer)

63


Acima, o governador

Moysés Lupion.

Umas das mais

urgentes prioridades

do primeiro prefeito

de Maringá, Inocente

Villanova Júnior

(abaixo), era dotar

a cidade de geradores

eletro-diesel, o que

foi conseguido em 1952

A hidrografia paranaense possibilitou a viabilização de usinas hidrelétricas

relativamente próximas aos centros, como foi o caso de Londrina. Nas regiões onde

tais características não se apresentaram, a única opção eram os geradores a diesel.

No dia 7 de agosto de 1947, a Secretaria de Viação e Obras Públicas instalou

o Serviço de Energia Elétrica do Estado, o qual seria reconhecido no ano

seguinte como órgão auxiliar do Conselho Nacional de Águas e Energia

Elétrica. Ainda em 1948 ele seria transformado no Departamento de Água e

Energia Elétrica (DAEE), com autonomia administrativa e financeira. Uma de

suas primeiras iniciativas foi propor um plano para a eletrificação do Estado, o

Plano Hidrelétrico Paranaense, de 1948.

No governo de Moysés Lupion (1947-1950), o Estado passou a absorver

empresas privadas de energia nos municípios, como a Força e Luz de Antonina,

parte da rede de Apucarana, pertencente à Empresa Elétrica de Londrina S.A.; Força

e Luz de Imbituva e Empresa Elétrica de Foz do Iguaçu. Por outro lado, o governo

participou da constituição de algumas sociedades, como a Empresa Hidro-Elétrica

do Vale do Ivaí, Empresa Hidro-Elétrica de Laranjinha e Empresa Hidro-Elétrica de

Mallet.

Pelo Plano de Eletrificação, observava-se que o Norte do Paraná era a região

menos atendida, apesar do intenso crescimento populacional. Mas o governo não

podia fazer muita coisa, pois o Estado encontrava-se, nessa época, com insuficiência

de recursos.

Em 1952, o primeiro prefeito de Maringá, Inocente Villanova Júnior, gozando de

bom relacionamento com pessoas influentes da capital, conseguiu a cessão de quatro

motores usados de 2.080 cavalos de potência. A cidade, fundada em 1947 e

emancipada em 1951, ainda não contava com energia elétrica nessa época, a

não ser com alguns pequenos motores a diesel, mantidos por meia dúzia de

comerciantes e de uso estritamente particular.

O projeto de instalação foi feito pela UTIL Companhia Brasileira de

Planejamento. Os motores foram instalados junto ao córrego Mandacaru e

a montagem executada por engenheiros vindos de Hamburgo, funcionários

da fábrica alemã que os produzira.

Tão logo instalados foi estendida nas principais ruas da cidade uma rede

de postes com pequenas lâmpadas que, de tão fracas, as pessoas chamavam

de “tomates”.

Só funcionavam até às 22 horas com duas piscadelas que avisavam os

moradores que era hora de acender velas e lampiões.

Em seu livro, editado em 1997, quando do cinqüentenário de Maringá,

Edgar Werner Osterrotht cita que “Velhos pioneiros e fundadores lembram-se bem

deste sofrido e saudoso tempo. Luz, só de velas, das antigas lanternas, dos 'lampiões

Aladim' ou da 'Petromax' à querosene, que ficavam pendurados nas principais ruas

64 10 44


comerciais, nos botecos, nas 'vendas' de secos e molhados, produzindo aquele

barulho irritante. Quem não se lembra? A manutenção de 'luz acesa' era feita através

de um 'técnico' encarregado de bombear o querosene, ou trocar a 'camisinha' dos

lampiões 'Aladim” e 'Petromax'. Interessante é que, de vez em quando, caboclos

curiosos, e às vezes bêbados, botavam tudo a perder de tão 'chumbados' que

estavam da velha 'pinga'. Às vezes, algumas lanternas até explodiam de tanto

querosene.”

A irritação com a falta de perspectivas em relação à energia elétrica

ganhava o reforço dos donos de máquinas beneficiadoras de café, demandadas

por grandes safras. Em Maringá, no começo dos anos 50, contava-se

pelo menos 50 máquinas de grande porte, que se espalhavam também por

outras cidades à volta, entre as quais Mandaguari. Elas compravam o café “em

coco” dos agricultores e limpavam o produto para ser entregue, em sua maior

parte, ao governo federal.

Para funcionar, as máquinas recorriam a motores estacionários movidos a óleo

diesel, que geravam a necessária energia. Como esses equipamentos não eram

fabricados no Brasil, precisavam ser trazidos da Europa ou comprados de segunda

mão. Contudo, a importação esbarrava na demora em função da grande procura e

essas engenhocas, na visão das lideranças, não passavam de paliativos ou “quebra

galhos”: o que se queria, na verdade, era energia elétrica de fornecimento estável

para mover motores, indústrias, comércio e oferecer conforto aos moradores, além

de iluminar as praças e vias públicas, a exemplo do que ocorria no vizinho Estado de

São Paulo. Até então, as cidades do Norte do Paraná - cantadas em verso e prosa

como exemplos de crescimento e progresso

- ficavam completamente às

escuras após às 22 horas, horário

em que as máquinas

eram desligadas.

Portanto, enquanto os

paulistas já tinham superado

essa etapa há décadas,

várias regiões do Paraná

ainda eram mantidas

na dependência de poucos e

arcaicos equipamentos de geração

de luz à base de diesel,

sem falar que velas, lamparinas

e lampiões continuavam sendo

artigos de primeira necessidade.

.....

Equipamentos rústicos

de geração de energia

elétrica, à base de

diesel, comum na

época em

estabelecimentos

comerciais

45 65


A Rádio Cultura

foi instalada em

Maringá mesmo

antes da chegada

da energia elétrica,

prestando valiosos

serviços

A falta de energia elétrica não impediu que a cidade de Maringá recebesse uma

emissora de radiodifusão, que foi, aliás, uma das primeiras da região Norte do Paraná.

Um estudo realizado por Ana Paula Machado Velho, Doutoranda do Curso de

Comunicação e Semiótica da PUC/SP e da Universidade Estadual de Maringá

(UEM), em conjunto com Mariane Maio, Fabiane Giandotti, Arieta Arruda e Bárbara

Fernandes, que, em 2005, cursavam o quarto ano de Jornalismo no Cesumar (Centro

Universitário de Maringá), permite conhecer essa história.

A primeira rádio maringaense, a Rádio Cultura, resultou de

uma iniciativa de José Medeiros da Silveira, Odwaldo Bueno

Neto, Amadeu Vuolo e Átila de Souza Melo. O grupo fundou a

emissora em 16 de novembro de 1949, mas não conseguiu

concretizar a transmissão por falta de estrutura. O contrato

acabou cancelado em 19 de janeiro de 1950.

Quem, afinal, conseguiu superar as adversidades e colocar a

emissora no ar foi Samuel Silveira, radialista profissional.

Depois de exercer cargos de gerência em várias emissoras, ele

adquiriu equipamentos e um conjunto gerador e, em 15 de

junho de 1951, a Rádio Cultura de Maringá AM já podia ser

ouvida, o que era um grande acontecimento. Francisco Dias Rocamora foi o técnico

responsável pela montagem e manutenção da rádio. Exercia também as funções de

locutor de estúdio e locutor esportivo e foi ele quem colocou as primeiras palavras no

ar: “Senhores, senhoras, esta é a ZYS-23, Rádio Cultura de Maringá, em 1.520 kHz,

inaugurando suas atividades”.

Inicialmente, a idéia era instalar a emissora em Mandaguari, cidade pólo da região

naquela época. No entanto, como Samuel Silveira era amigo de Alfredo Nyeffler,

gerente da Companhia Melhoramentos em Maringá, acabou mudando de idéia.

A Cultura, então, nasceu praticamente na mesma época de transformação de

Maringá em município. E, para isso, precisou passar por cima de dificuldades. O novo

município não tinha energia elétrica, telefone nem estradas. Não tinha infra-estrutura.

Era uma clareira na mata.

A primeira sede foi em um quarto de madeira, de 36 metros quadrados, na avenida

Herval. Dentro desse pequeno espaço funcionava o estúdio transmissor, a discoteca e

o escritório. Ali, os discos 78 rotações, as pick-ups e os equipamentos da época,

permitiam a irradiação. A antena da rádio ficava numa área que hoje pertence à

Universidade Estadual de Maringá e se encontra a “Casa da Música”. Como não havia

energia elétrica, a rádio funcionava à base de dois motores a óleo diesel. Um estava

instalado no estúdio e outro na torre de transmissão.

Mas, transmitir não era o único problema. Como não existiam transistores, os

rádios eram valvulados, muito caros, o que impossibilitava que qualquer pessoa

tivesse um. Para colocar um aparelho desses em funcionamento eram necessárias 280

pilhas pequenas, que equivaliam a uma pilha grande. O pioneiro Antenor Sanches

lembra que essa pilha grande chegava a ser quase do tamanho do rádio. Algumas

66 10


pessoas usavam pilhas comuns de farolete, ou até mesmo baterias de automóveis. Só

que elas descarregavam logo. As pilhas duravam mais tempo, mas não eram baratas.

Por isso, costumava-se ouvir com o volume baixo para economizar pilha.

Por causa da falta de energia elétrica e de aparelhos receptores, a Rádio Cultura foi

autorizada a instalar alto-falantes ao longo da Avenida Brasil, a mais importante via da

cidade. Samuel Silveira conta que as pessoas se sentavam na rua para “assistir” jogos

de futebol, como os da seleção brasileira.

Naquela época a rádio tinha uma potência pequena, mas o alcance era grande

porque só havia uma outra emissora em Londrina. Segundo Silveira, a Cultura

começou com 100 watts. Para ele, a chegada do rádio em Maringá foi um ato heróico,

mas também gratificante. Como não havia gravadores, a programação era inteiramente

ao vivo. Além dele, as primeiras vozes que chegaram aos ouvintes foram as dos

locutores Luís Barros, o Barrinhos, Dirceu Fernandes de Souza e Thomás de Aquino

Negreiros. Na calçada de casa ou junto ao alto-falante da rua, os moradores ficavam

“do lado de fora” para ouvir os programas sertanejos. Essa era a preferência das

pessoas da época, conforme lembra Reginaldo Nunes Ferreira. O que mais tocava era

música caipira, como as de Tonico e Tinoco, e Pedro Bento e Zé da Estrada.

Em 1953, a Rádio Cultura chegou a construir um auditório para fazer programas

de entretenimento. O mais famoso deles era o Clube do Caçula. Outro destaque da

Cultura era um programa para aproximar os corações dos apaixonados. O pioneiro e

historiador Antenor Sanches lembra que nos primeiros programas de rádio,

moças indicavam músicas para os rapazes, que retribuíram. Através desse

serviço de alto falante começaram muitos namoros e casamentos.

Samuel Silveira também lembra que a Cultura não era só entretenimento. A

cobertura de eventos oficiais e a transmissão de fatos do cotidiano levavam às

regiões mais afastadas da zona rural informações sobre o que acontecia na

cidade e até notícias sobre parentes, que ficavam algum tempo sem se ver, por

causa da falta de transporte coletivo e das precárias condições das estradas. A

chegada da luz propiciou, mais tarde, avanços como o telex, que traziam as

notícias nacionais.

A exemplo do que aconteceu em muitos municípios do interior, o rádio

“funcionou” em Maringá como um veículo de informação, entretenimento e

prestação de serviço. Seus primeiros locutores foram Aloysio Raphael Barros,

Dirceu Fernandes de Souza, Thomaz Aquino Negreiros, Dirce Righetti,

Joaquim Dutra, Olindor Camargo, Orlando João Zenaro Manin, Moacir Savelli,

Paulo Martins Silles, Lindolfo Luiz Silva, Ladislau Alberto de Lima, Roberto de

Mello Meira, José Alfredo Silva Filho, Sergio Andreucetti, José Ambrosio Netto,

Jayme Vieira Lopes, José Pinto Oliveira, Evaldo Rodrigues, Antonio Lazaro do

Amaral, Jairo de Oliveira Tomaz, Ivens Lagoano Pacheco, Abel Decleva, entre outros.

Os primeiros operadores de som: José Augusto de Negreiros, Ilda Ramos, Olinda

Oliveira, Maria Helena Savelli, Loreto Agnaldo Bochoski, Nelson Bartolo, Bruno

Piovezam, Adilson Andreatta, Aristeu Ferreira Miguel, Anaídes Batista Nogueira.

Muita música

caipira, informação

e prestação de

serviço: a

programação era

inteiramente ao vivo

67


Iluminação em

Lovat só havia no

escritório da CTNP

(registrada na foto

acima por Vladimir

Babikov). Em

Maringá (abaixo),

a construção do

cinema, no início

dos anos 50 (foto:

Akimitsu Yokoyama)

Na então Lovat do início dos anos 40, energia elétrica e com motor estacionário

só havia mesmo no escritório da Companhia de Terras e em algumas poucas casas

vizinhas, ocupadas por seus empregados.

Nessa época, em que a empresa tinha como gerente Raul Silva, o motor era

acionado às 7 horas da manhã e desligado às 22 horas. Além de iluminar, o

equipamento servia também para puxar água do poço, provendo as caixas.

Em Londrina, as pequenas hidrelétricas eram insuficientes para atender a forte

demanda de uma cidade em acelerado crescimento. Por isso, cientes de que nada

conseguiriam em suas gestões junto ao governo do Estado, os londrinenses

organizaram-se em torno da Companhia Melhoramentos Norte do

Paraná e recorreram ao Estado de São Paulo, onde grandes usinas

hidrelétricas estavam sendo construídas nas proximidades da

divisa com o Paraná. Dessa forma, a Companhia Hidroelétrica do

Paranapanema, através da Usina de Salto Grande, passou a atender

20 municípios do Norte Pioneiro. Em pouco tempo, Londrina

também passou a contar com energia elétrica proveniente do

Estado vizinho, o que representou um grande avanço. Com a

energia chegando a Londrina, através da instalação de uma rede de

alta tensão e postes de madeira, fincados com força braçal, outros

municípios próximos também se beneficiariam.

.....

O desenvolvimento do Paraná, no entanto, deixava claro que a carência de

energia elétrica não podia ser resolvida apenas por usinas situadas no Estado de

68 10 48


São Paulo. Aliás, o primeiro Plano Hidrelétrico do Estado, que data de 1948,

previa sistemas elétricos distribuídos por regiões. O Sul seria apoiado nas futuras

usinas de Capivari-Cachoeira e Salto Grande do Iguaçu; o Norte, abastecido pelas

usinas de Salto Grande e Capivara, nos rios Paranapanema e Mourão; o Oeste, com

alguns geradores isolados.

Em 1952, o plano estadual incluiu a conclusão de pequenas hidrelétricas

(Cavernoso, Caiacanga e Laranjinha) e previu, finalmente, a construção de várias

outras, bem maiores, como Capivari-Cachoeira, Tibagi, Carvalhópolis e a termelétrica

de Figueira, esta última à base de carvão.

Ao mesmo tempo, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) passou

a instalar motores e conjuntos a diesel com capacidade entre 70 e 154 kVA em

muitas localidades, em caráter de emergência, além de proporcionar assistência a

prefeituras que mantinham serviços próprios de eletricidade. Foi o caso de

Maringá e Mandaguari.

Nessa última cidade, a família de Aleixo Leão de Oliveira, que havia chegado

alguns anos antes de Campos Gerais, sul de Minas, para tentar a sorte na

agricultura, apreciou a novidade. Ele e a mulher Maria Augusta já deviam ter,

naquela época, mais de dez de seus dezoito filhos - todos nascidos de parto

normal - quando a luz passou a ser especialmente importante. A exemplo das

outras famílias, eles deixariam de ir para a cama tão cedo, como faziam antes.

Afra, uma das filhas, lembra que, com o cair da noite e sem nada para fazer, o sono

era invencível. Mas, com a casa iluminada por lâmpadas colocadas em bocais que

pendiam do teto, a família havia adotado o costume de fazer orações todas as

noites após o jantar. O tempo,

em seguida, era geralmente

consumido com reuniões em

que se contavam histórias bíblicas.

Só mesmo perto das 22

horas - que era o horário máximo

de fornecimento de

energia às casas e estabelecimentos

comerciais -, o pai

Aleixo começava a assombrar

a todos com seus costumeiros

e amedrontadores “causos” de

fantasmas, que duravam até

que a luz fosse interrompida,

para algazarra geral.

A agência postal

de Lovat, de

responsabilidade de

Aleixo Leão de

Oliveira (foto:

A. Yokoyama)

69 49


Acima, um ferro à

brasa, muito comum

na época. Ao lado,

detalhe de um

banheiro (repare no

chuveiro “tiradentes”)

O advento da energia elétrica possibilitou, também, que muitas famílias

pudessem adquirir aparelhos de rádio, mantendo-se mais informadas acerca do

que ocorria no País e no mundo. Até então, rádio era um privilégio de poucos, pois

só funcionavam à pilha. Costumava-se ouvir a programação de emissoras de

Apucarana e Londrina, bem como das Rádios Nacional, Tupi, Mayrink Veiga e

Bandeirantes. Durante a Guerra, quando Mandaguari ainda

era chamada de Lovat, vivia-se em absoluto isolamento, sem

qualquer notícia da civilização. Nessa época, Aleixo trabalhou

também como picador, abrindo caminhos ou picadas no mato.

Com luz em casa, hábitos familiares começaram a se modificar,

pois as mulheres tinham a possibilidade de deixar para

o período noturno algumas tarefas, como costurar ou

passar roupas (e agora com ferro elétrico, em vez de

ferro a brasa ou a gás), enquanto os homens podiam

fazer consertos ou simplesmente ler. Da mesma forma, o

banho diário deixaria de ser feito em bacião com água

esquentada, evoluindo para o “tiradentes”, um balde de

20 litros içado com um pequeno chuveiro na parte

inferior, de onde

caía a água - quente

ou fria - que ali havia sido antes

despejada. Sabonete, nem pensar.

As próprias famílias produziam um

sabão que chamavam “de coada”, de

simples preparo: em um tacho, diluíam

miúdos de porco em água fervente,

ao mesmo tempo em que cinzas

de fogão eram depositadas em

um balde com água que, aos poucos,

ia sendo coada. Da mistura final

desses ingredientes é que se obtinha

o sabão, usado para tudo.

A geladeira elétrica aposentava as

similares a querosene; por sua vez, a

limpeza do chão, que antes demandava

escovão de ferro com palha de

aço, agora podia ser feita com enceradeira

elétrica, um luxo.

50 70 10


Nas casas e no

comércio, as

lâmpadas eram

colocadas em bocais

pendurados ao teto

Durante anos, também, sempre com o apoio da mulher e alguns dos filhos, Aleixo

de Oliveira dedicou-se à função de representante dos serviços de correios em

Mandaguari, numa casa apegada a do agrimensor russo Vladimir Babikov,

funcionário da Companhia de Terras. Quando luz elétrica não havia, ele trabalhava

até tarde lançando mão de um fogareiro e algumas lamparinas para clarear o

ambiente onde separava as correspondências.

O advento da energia possibilitou que as famílias saíssem de casa à noite, para um

passeio em ruas iluminadas, tomar um sorvete ou então ir ao cinema - outra novidade

da qual antes só se ouvia falar. Da mesma forma, os comícios políticos, que só podiam

acontecer sob a claridade do sol, passaram para o horário noturno, bem mais

agradável.

A luz, ainda que precária, gerava empregos e um dos filhos de Aleixo encaixouse

na até então inexistente função de “guarda-fios”. Sua função era percorrer a

cidade observando algum possível dano na fiação elétrica e nos postes, principalmente

após temporais.

Os primeiros “guarda-fios”

de Mandaguari foram

Abdon Leão de Oliveira

(acima) e João Calijuri

71 51


O governo

cria a

O governador

Bento Munhoz da

Rocha Netto

Em 1953, ao instituir a Taxa de Eletrificação por meio

de uma lei estadual, o governo do Estado garantiria mais

recursos financeiros para implementar a eletrificação.

No ano seguinte, por iniciativa do governador Bento Munhoz da Rocha Netto,

através do Decreto n° 14.947 de 26 de outubro, era criada a Companhia Paranaense

de Energia Elétrica (Copel) - cuja denominação seria alterada no futuro para

Companhia Paranaense de Energia -, com a proposta de assumir a responsabilidade

pelos serviços até então a cargo do DAEE, prefeituras e concessionárias particulares.

Como referência, a empresa seguiria os moldes da concessionária estadual

congênere de Minas Gerais, a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais), e

também da antiga Uselpa (Usinas Elétricas do Paranapanema), de São Paulo. O

primeiro diretor-presidente foi o professor universitário Themístocles Linhares,

que teve como companheiros de diretoria, o diretor técnico Pedro Viriato Parigot de

Souza e o diretor administrativo Heraldo Vidal Corrêa.

O Decreto previa que a Companhia - cujo capital social era de 800 mil cruzeiros,

60% subscritos pelo Estado - se destinava a “planejar, construir e explorar sistemas

de produção, transmissão, transformação, distribuição e comércio de energia

elétrica e serviços correlatos, por si ou por sociedade que organizar ou de que vier a

participar”.

A primeira reunião da diretoria, no dia 28 de março de 1955, precisou acontecer

em uma pequena sala do Instituto Nacional do Mate, do qual Linhares era delegado,

na rua Marechal Floriano, porque não havia dinheiro sequer para custear um aluguel.

A empresa somente contaria com uma sede alugada a partir do mês de junho daquele

mesmo ano: um conjunto de 12 salas no 8° andar do Edifício José Loureiro, na Rua

XV de Novembro.

Poucos antes, o Decreto n°. 37.399, de 27 de maio, sancionado pelo Presidente

Café Filho, autorizava o funcionamento da Copel como companhia de energia

52 72 10


elétrica, de acordo com as exigências do Código de Águas e

Leis Subseqüentes.

Assim, no dia 23 de agosto, quando grande parte dos

cafezais paranaenses amanheceu destruída por uma forte geada,

o governador Adolpho de Oliveira Franco julgou ser oportuno

afirmar que o Estado precisava avançar imediatamente para uma

nova etapa, a industrialização. “O fim a que se entrega a Copel

não é outro senão o de fornecer elementos para essa nova etapa

histórica”, disse ele. “O problema que ela tem a resolver não se

restringe apenas a construir usinas. Consiste, também, no

lançamento de uma vasta rede básica de linhas de transmissão e

subestações, de modo a permitir o fornecimento de energia

gerado a todos os consumidores nos vários núcleos de

industrialização indicados no mapa do Paraná, pela geografia

econômica de nossas matérias-primas”, sustentou.

A primeira cidade a ser abastecida pela Copel foi Maringá.

Sua ligação deu-se no dia 1° de agosto de 1956. Na mesma data,

seriam ligadas também: Apucarana, Pirapó, Mandaguaçu,

Cambira e Campo Mourão. Até então, todos esses municípios

estavam sob a responsabilidade do Departamento de Águas e Energia Elétrica

(DAEE).

Nessa época, com 15 mil habitantes e 1.700 ligações, Maringá dispunha de uma

usina com quatro motores à diesel de 360 kVA cada, instalados pelo DAEE em 1952.

Além de insuficientes, pois a cidade vivia um período de rápido crescimento, dois

motores estavam com os mancais fundidos, o que impunha um racionamento de

eletricidade. A usina funcionava das 7 às 11h30 e das 18 às 22 horas. Em 1957, a

Copel adquiriu um motor de 525 kVA e, nos anos seguintes, outras unidades, até

que a usina tivesse uma potência de 5.000 kW.

Material histórico publicado em setembro de 1979 pela empresa, quando da

passagem de seus 25 anos, relata que o técnico especializado em montagem e

manutenção, Eugênio Rosa, conheceu bem os dramas vividos pela

representação regional da Companhia, em Maringá. “As passeatas de usuários

se repetiam toda vez que faltava eletricidade. Numa dessas manifestações de

desagrado, o próprio Eugênio Rosa foi envolvido e teve de seguir a multidão

furiosa até o escritório da empresa, ponto em que se concentrava a ira dos

manifestantes”, diz um trecho.

“A situação, antes da Copel, era tão precária que, ao assumir os serviços de

Maringá, a Companhia precisou enfrentar sérios problemas de consumo

clandestino de energia elétrica, feito inclusive com extensões de arame de aço e

arame farpado. Cerca de 30% do consumo energético não era pago (por influências

políticas) e isso, naturalmente, refletia na situação financeira. Os serviços estavam

Decreto sancionado

pelo Presidente Café

Filho autorizava o

funcionamento da

empresa. Abaixo, o

governador Adolpho

de Oliveira Franco

73 53


Maringá, em

1952, recebeu do

Departamento de

Águas e Energia

Elétrica (DAEE)

esta usina dieselétrica

com quatro motores.

Funcionava das

7 às 11h30m e

das 18 às 22 horas

em descrédito, a ponto de um dos fornecedores de óleo diesel ter cortado o

suprimento. Através de gestões com outro fornecedor, o abastecimento de óleo foi

restabelecido, mas, todos os dias, o primeiro dinheiro do caixa era destinado ao

pagamento do combustível, sem o qual as usinas paravam.

De Maringá, Eugênio Rosa devia atender aos defeitos e quebras de equipamentos

nas usinas de localidades vizinhas, o que ocorria com demasiada freqüência, principalmente

aos domingos, feriados e dias de festas importantes. Não havia telefones,

nem outro meio de comunicação rápida entre as cidades. Se ocorria um problema

com a usina de Apucarana, por exemplo, o encarregado mandava um bilhete a Eugênio,

pelo primeiro veículo que demandasse Maringá. E, pela descrição sumária do

defeito na usina (fumaceira, vazamento de óleo etc), o técnico dava um diagnóstico à

distância, indo pessoalmente ou mandando seus auxiliares consertarem a avaria.

Bastava um fraco temporal para o sistema elétrico entrar em pane. Os transformadores

eram instalados em cima dos célebres “chiqueirinhos” ou gaiolas de madeira,

caracterizando verdadeiras improvisações que só podiam funcionar precariamente.

Recordando-se de episódios pitorescos da época, Eugênio Rosa conta que, em

Apucarana, a usina à diesel tinha oito motores, distribuídos em dois grupos e de

várias marcas. Todos deficientes. Mas, o motor ‘Hamilton’, de 1.000 kW, era uma

‘parada’, porque cuspia fogo, óleo lubrificante e fumaça: era o ‘vulcão de Apucarana’,

no conceito do técnico.

Nos anos de 1956 e 1958 foram instalados mais dois motores de 1.000 kW cada,

que contribuíram para o abastecimento energético das localidades de Mandaguaçu,

Pirapó e Cambira, através de linhas de conexão com Apucarana.

Em Campo Mourão havia duas turbinas, uma de 125 kVA e outra de 360 kVA.

Posteriormente, em 1960, foram instalados um motor diesel de 1.000 kW e uma

turbina de 1.000 kW, na chamada Usina Piloto de Campo Mourão.

Por sua vez, os problemas de reposição de peças causavam os maiores trans-

54 74 10


tornos, pois os motores diesel, além de absoletos, não dispunham de componentes

originais para troca. Para superar as dificuldades, muitas peças eram feitas na oficina

de um alemão chamado Kurt, em Maringá, mediante orientação do técnico

Eugênio Rosa. “Era preciso remendar tudo, senão a luz faltava e aí ocorriam as

passeatas.”

Dessa maneira, a empresa foi centralizando todas as ações governamentais de

planejamento, construção e exploração dos sistemas de produção, transmissão,

transformação, distribuição e comércio de energia elétrica e outros, tendo

incorporado todos os bens, serviços e obras em poder de diversos órgãos. Coubelhe,

então, a responsabilidade pela construção dos grandes sistemas de integração

energética e dos empreendimentos hidrelétricos previstos no Plano de

Eletrificação do Paraná.

.....

Catarinense de Concórdia, Osvaldo Chiuchetta chegou a Maringá em 1956,

atraído, como ocorrera com inúmeros outros, pela intensa propaganda que se fazia

do Norte do Paraná.

Ele lembra que como a cidade era servida de motores estacionários a diesel, os

empresários estavam insatisfeitos. Os motores eram enormes, ruidosos e precisavam

ser desligados por volta das 22 horas, além de exigirem um cuidadoso

trabalho de manutenção para que não viessem a pifar. Mas, nas serrarias, olarias e

empresas mais afastadas das cidades, onde havia fartura de lenha, era comum ainda

o emprego de equipamentos vetustos para a geração de energia, como os

legendários locomóveis (abaixo), criados no século XVIII. Fazendo lembrar, por

suas formas, pequenas “maria fumaça”, eles não eram mais que uma caldeira a vapor,

geralmente de fabricação alemã. Como iam

sendo descartados no interior de São Paulo,

Santa Catarina e Rio Grande do Sul, acabavam

trazidos para regiões mais atrasadas, como o

Norte do Paraná, onde ainda encontravam

serventia.

Osvaldo Chiuchetta afirma que, de qualquer

forma, ao poderem contar com fornecimento

regular de energia, ainda que por

meio de motores, os municípios puderam

alavancar seu desenvolvimento, com a

chegada de outros tipos de indústrias.

Empreendedor, logo que chegou ao Norte do Paraná, Chiuchetta percebeu que

pelo menos 70% das pessoas eram, como ele, descendentes de italianos. Por isso,

em 1958, decidiu estabelecer-se como industrial, comprando trigo e milho para

transformar em fubá e farinha. Lembra ele que, em função da instabilidade do

fornecimento de energia, esse problema era, até então, um grande obstáculo para

qualquer tipo de indústria.

75


Em meados dos anos 50, Mário Piccioly era um dos primeiros funcionários

da Copel em Maringá. Casado com Maria Conceição, 5 filhos, ele passou a

trabalhar como operador do conjunto de máquinas geradoras de energia

elétrica. Paulista de São Simão, Mário havia chegado com os pais ao Paraná em

1948, para lidar inicialmente com café, permanecendo alguns anos em uma

localidade conhecida como “Oitenta”, no município de Ivatuba.

Os motores eram barulhentos e um de seus filhos, Maurinho Piccioly,

embora ainda muito pequeno na época, recorda que o ruído chegava a ser

irritante, cansativo, de doer o ouvido. “Parecia a batida de um sino”, conta

Maurinho, que, junto com a molecada, costumava brincar nas proximidades do

Embora potentes,

os motores que

serviam Maringá

durante a década

de 50, eram

incapazes de atender

a demanda da

cidade (acervo

Maurinho Piccioly)

76 10


barracão onde ficavam as máquinas.

O pai, homem caprichoso, gostava de manter

aquela estrutura toda sempre muito limpa e bem

cuidada. Para se ter idéia, o piso de cimento

alisado era encerado com “vermelhão” e ficava

brilhando. Para divertir os meninos e preservar a

limpeza, Mário pegava um escovão e costumava

empurrá-lo de um lado a outro com um dos

garotos sobre o mesmo, em meio a muitas

risadas. O chão ficava tão limpo que até parecia

espelho, mas também escorregadio: por isso, o

uso de galochas era providencial para evitar

acidentes.

Mário era tão preocupado com o bem-estar

do pessoal de sua equipe, formada por outros

operadores e auxiliares, que chegou a construir

uma cancha de bocha no próprio terreno onde funcionavam as máquinas para o lazer

dos companheiros. É que, nas horas de folga, vários deles costumavam jogar baralho

e, entre uma carta e outra, começar a falar dos outros, o que podia ser perigoso. Com

a bocha, o risco de uma briga era quase zero.

Rotineiramente, as máquinas eram ligadas e somente quando estavam em plena

atividade é que se acionavam as chaves para a geração de energia à cidade. Esses

motores, abastecidos a óleo diesel, eram refrigerados à água, como radiadores. Por

isso, em área anexa, ficavam uns tanques de água, a céu aberto, para onde a água

que passava pelas máquinas

era destinada, caindo em

forma de chuveiro. Como

Maurinho e os outros meninos

não perdiam tempo,

aqueles tanques viravam

“piscinas” que podiam ser

aproveitadas sem maiores

problemas, desde, é claro,

que os motores estivessem

parados.

Mário e os outros operadores

aprenderam a traba-

Mário Piccioly

(o primeiro à

direita) com demais

operadores e auxiliares;

na foto abaixo,

de branco, o

operador Catulino

Machado, apoiado

em uma das

máquinas mais

antigas

77


Ao lado, alguns dos

primeiros funcionários

da Copel em Maringá.

A foto abaixo mostra

que eles eram “pau pra

toda obra”

lhar com os equipamentos porque um senhor alemão, que ficou

conhecido como “Papi”, foi mandado de Curitiba. Ele ficou algum

tempo, em companhia da esposa, “Mami”, morando em uma das casas

que haviam sido construídas especialmente para os operadores, e

ficavam ao lado do conjunto de máquinas. Sujeito simpático, embora

falasse bem arrastado, o tal “Papi” só tinha um defeito: quando

participava de um churrasco, ele costumava guardar pedaços de carne

nos bolsos, o que intrigava o pessoal.

Embora de funcionamento precário, o que expunha a cidade a riscos

constantes de falta de luz e racionamento, as máquinas até que não

apresentavam tantos problemas e, volta e meia, aparecia alguém para

elogiar o trabalho dos operadores. No entanto, Maringá crescia muito

rápido, o que fazia com que a questão da energia elétrica fosse um de

seus principais problemas, além de fonte de constante irritação entre os

moradores.

O que aprendeu com o “Papi”, Mário procurou transmitir a outros

trabalhadores que chegaram depois. Foi o caso de Catulino Machado, o

seu “Tula”, de quem se tornou um grande amigo. Tão caprichoso quanto

o “professor”, seu “Tula” ficava horas lustrando as máquinas, além de

78 10


mantê-las bem lubrificadas.

Maurinho lembra que a cidade ainda estava cheia, naquela época, de postes de

madeira, alguns bem tortos. Eles eram vulneráveis a vendavais, além de muito altos,

porque o povo - principalmente a molecada - ainda não estava acostumado com

fiação elétrica. Volta e meia ouvia-se, por exemplo, que alguém tinha sido eletrocutado

enquanto empinava um papagaio. Quando isso ocorria, a cidade ficava

sem luz por algum tempo. Mas ficava sem luz, também, não por acidente, mas pela

arte dos moleques - sempre eles - que, à noite, costumavam atirar arames sobre a

fiação elétrica, só para ver as faíscas - que acabavam resultando em curto-circuitos.

Mário morreu no dia 5 de fevereiro de 1976. Depois que a cidade passou a contar

com energia elétrica estável, que aposentou os velhos motores a diesel, ele foi

transferido para uma outra função, assim como todos os seus companheiros. Era

inspetor de linha de alta tensão, viajando com Toyota ou caminhão por toda a região

Norte do Paraná. Nessas viagens, como ainda havia muita mata, o veículo sempre

acabava atropelando algum animal que, inadvertidamente, invadia a estrada. Sem

cerimônia, o bicho era colocado na carroceria e aproveitado em churrascadas.

Maurinho lembra que todos tinham muito orgulho de trabalhar na Copel. A

empresa se preocupava com a satisfação de seus funcionários e, todo final de ano,

além de uma cesta básica para as famílias, mandava brinquedos para as crianças.

Equipe que fazia

a inspeção e a

manutenção da rede

elétrica na região

de Maringá

79


GETÚLIO E A ESTRADA DE FERRO

Acima, o presidente

Getúlio Vargas.

Na outra página,

uma locomotiva à

vapor fazendo o

percurso entre

Curitiba e

Paranaguá, no

começo do último

século (acervo Serra

Verde Express)

O presidente da República, Getúlio Vargas, participou no dia 24 de janeiro de 1953,

em Curitiba, da inauguração oficial da eletrificação na Rede de Viação Paraná-Santa

Catarina (RVPSC). Ele estava acompanhado do governador do Paraná, Bento Munhoz

da Rocha Netto, e do Ministro da Viação, Álvaro Souza Lima, entre outras autoridades.

A eletrificação operava num trecho de apenas 36 quilômetros, entre Curitiba e

Banhado, faltando ainda 74 quilômetros para que alcançasse Paranaguá, pois a usina

hidrelétrica de Marumbi ainda não estava pronta. O terreno no trecho de planalto da

Curitiba-Paranaguá era acidentado e três túneis tiveram de ser refeitos para a

instalação das catenárias, o que encareceu e prolongou o tempo necessário às obras.

Ao ser procurado pela RVPSC para conceder um financiamento, o Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), orientou a

companhia a abandonar o projeto de eletrificação da ferrovia, por considerá-lo

inviável. Se fizesse isto, a empresa teria que desperdiçar os edifícios já

construídos, bem como os equipamentos elétricos adquiridos das subestações

retificadoras, além de mais de oitenta quilômetros de postes já plantados, sem

falar que a maior parte dos fios e cabos que se faziam necessários ao empreendimento

já estava comprada.

Em 1956 os dirigentes da RVPSC procuraram a Copel para iniciar negociações

visando a transferência da Usina do Marumbi para a empresa, desde que

fosse assegurado o fornecimento de energia para o trecho eletrificado da

ferrovia. A proposta foi recebida com entusiasmo pela diretoria da Copel, uma

vez que a energia produzida pela futura usina solucionaria a crítica carência de

eletricidade que então havia ao longo do litoral paranaense, especialmente o Porto de

Paranaguá, cujas máquinas freqüentemente tinham de ser paralisadas por falta de

eletricidade. Além disso, o controle da Usina de Marumbi facilitaria a construção de

uma grande hidrelétrica, a Capivari-Cachoeira.

Somente em 5 de abril de 1961, com oito anos de atraso, é que a Usina de Marumbi

- também conhecida como Usina do Véu de Noiva - iniciaria a geração de energia

elétrica, com potência de 2.000.000 kWh; por volta de 1966 sua potência chegou a

7.000.000 kWh, com a entrada de todas as turbinas em funcionamento.

Ainda em 1961 foi assinado um acordo para que o excedente da produção da

hidrelétrica fosse vendido à concessionária pública de energia. Esse acordo foi decisivo

para acabar com a então crônica precariedade no fornecimento de energia elétrica

ao litoral do Estado do Paraná. Nesse mesmo ano já eram atendidas as cidades de

Morretes, Antonina e Paranaguá. Em 1965 entraram em operação linhas de transmissão

que também possibilitariam o fornecimento da energia gerada por essa hidrelétrica

às localidades de Matinhos, Guaratuba e Caiobá. A Usina do Véu da Noiva

somente seria adquirida pela Copel em 1998.

80 10


81


Registros

O que ficou para a história...

PADRE EMÍLIO, O PRECURSOR

Registros do uso pioneiro de energia elétrica em Maringá são citados

rapidamente em algumas publicações. O livro “A Igreja que brotou da mata”,

escrito pelo Pe. Orivaldo Robles, relata, na página 115, que o padre alemão

Michael Emil Clement Scherer, dono de uma fazenda a partir de 1938 na região

onde seria formado o futuro município de Maringá, pode ter sido o precursor da

energia elétrica na localidade:

“Padre Scherer era homem de seu tempo e esforçava-se por acompanhar

avanços da ciência, beneficiando-se da tecnologia. Além da mini-estação

meteorológica, possuía telefone para comunicação dentro da propriedade,

moinho de trigo e, aproveitando a queda d'água do ribeirão, instalou uma turbina

para geração de energia elétrica.”

O Padre Emílio

instalou-se na

região em 1938.

Abaixo, Odwaldo

e Winifred, que

chegaram em 1947

ODWALDO E WINIFRED

Em seu “Quando o amor transpõe o oceano - uma história de coragem”,

Winifred Ethel Netto relembra a aventura de ter chegado com o marido Odwaldo

Bueno Netto e os filhos, após penosa viagem de caminhão desde Catanduva-SP,

àquela cidadezinha ainda praticamente sem casas, cujas ruas estavam só

demarcadas, cheias de buracos feitos pelos grandes troncos de árvores

arrancados. Era domingo, 14 de dezembro de 1947. Escreveu Winifred, nas

páginas 107 e 110:

“O que estava diante dos nossos olhos era nossa casa, com as paredes

levantadas e buracos no lugar das portas e janelas, mas com parte do telhado. Sem

portas, sem janelas, sem forro, sem banheiro, sem o telhado completo, sem reboco

nas paredes, sem cozinha! ... Ao olhar em volta, vimos que parecia uma cidade

fantasma, com a poeira levantando e dificultando ver as pessoas com quem

conversávamos, no que viria a ser uma rua... Mas quando a estação das águas

chegou e com ela a lama, nosso telhado já estava pronto, mas havia um pequeno

problema: Odwaldo quis fazer um telhado sofisticado, com várias ‘águas’, mesmo

não sendo engenheiro, nem tampouco ‘mestre de obras’. Em conseqüência disso

surgiram problemas de vedação e as goteiras se multiplicavam. Mas o Odwaldo

sempre foi assim, arrojado, criativo e sem medo de enfrentar desafios... um

exemplo disso é que tivemos luz elétrica desde o início, graças ao gerador,

82 10


lâmpadas e fios elétricos que trouxemos conosco. Construímos o banheiro dentro

de casa, para surpresa da vizinhança, nosso fogão a lenha tinha serpentina e os

banhos eram de água quente. Isso fazia com que nossos companheiros de

pioneirismo nos achassem milionários. Na realidade, Odwaldo era um empreendedor

muito criativo e eu sua companheira topa-tudo.”

JÂNIO E O BISPO

O livro “A Igreja que brotou da mata”, escrito pelo Padre Orivaldo Robles e

editado em março de 2007 (quando por ocasião dos 50 anos da Diocese de Maringá),

registra um episódio que bem ilustra a precária situação da energia elétrica na cidade:

“Em 1959, Jânio Quadros, candidato à presidência da República, percorrendo

o Paraná, vem a Maringá. Entre as lideranças da cidade, não podia deixar de visitar

o bispo. Amável, como todo político em campanha, pergunta quais as

necessidades mais sentidas em Maringá. Uma das primeiras, apontada por dom

Jaime, é a energia elétrica, bastante precária. Já é noitinha e as luzes estão acesas.

Na cozinha, uma irmã liga o liquidificador e a luz começa a piscar. “Está vendo do

que estou falando?” esclarece o bispo. Conhecido pelas decisões desconcertantes

que tomava, Jânio não foge do padrão. Ignorando a homenagem das lideranças

políticas, o jantar e o pernoite em Maringá previstos no programa, simplesmente

deixa a cidade e vai dormir em Londrina.”

OURO VERDE

A Indústria de Bebidas Internacional – cujo nome, mais tarde, mudaria para Ouro

Verde - foi uma das primeiras unidades industriais de Maringá, instalando-se em um

terreno na Avenida Mauá em 1952, um ano após a emancipação política do

município. A experiência de produzir refrigerantes e engarrafar bebidas tinha sido

trazida pela família Projiante de Estrela do Oeste-SP. Naquele ano, portanto, o pai

Armando, juntamente com os filhos Fiori, José e Guido, passaram a produzir

guaraná, soda e sodinha, além de engarrafar aguardente e vinho. Guido recorda-se

que eles contavam com um pequeno gerador próprio, movido à óleo diesel, para

iluminar a fábrica, mas os equipamentos para tampar as garrafas, por exemplo, tinham

que ser tracionados pelo pessoal com a força dos pés. Só alguns anos mais tarde é que

a Ouro Verde, em franca prosperidade, trouxe equipamentos que modernizaram a

limpeza das garrafas - até então manual - e toda a linha de produção. A empresa ia tão

Peter, um dos filhos de

Odwaldo e Winifred,

trabalhou como piloto

de avião na empresa

da família, a TAMA,

numa época em que a

energia elétrica ainda era

escassa em Maringá.

O campo de aviação

ficava completamente às

escuras, mas ele nunca

se apertava quando era

preciso aterrissar em

horários noturnos. Para

que isso fosse possível,

Peter mantinha um trato

com motoristas de praça

da cidade: estes, ao

ouvirem o ronco do

motor de sua aeronave,

corriam imediatamente

para o campo, onde,

utilizando os faróis de

seus veículos, faziam o

balizamento da pista de

pouso, além de clareá-la.

Com essa ajuda, Peter

descia sem nenhum risco.

83


bem que chegaram a ser produzidas 30 mil garrafas de 600 mililitros (ml) por hora,

atendendo grande parte do Estado e até mesmo o Paraguai.

MALUF E AS MÁQUINAS

Alfredo Moisés Maluf

Sobre a início da energia elétrica em Maringá, o livro “O Sonho se Faz ACIM”,

editado em 2006 pela Associação Comercial e Industrial de Maringá, traz um

relato do pioneiro Emílio Germani, na página 55, envolvendo o empresário

Alfredo Maluf, que era dono de importante posto de combustíveis na cidade:

“Um dia dois caminhões carregados com geradores a diesel passavam por

Maringá e pararam no Posto Maluf. O empresário questionou os motoristas sobre

o destino da carga e ficou sabendo que elas iam para Paranavaí. Aí o Maluf

retrucou: 'negativo, eles vão ficar é aqui mesmo!'”

Segundo Germani, Maluf não deixou que os equipamentos saíssem de Maringá

e iniciou uma campanha para que os mesmos fossem instalados definitivamente

aqui. Foram feitas várias viagens até Curitiba para pressionar o governo do Estado,

até que houve a decisão de se instalar os geradores na cidade. Essa decisão foi o

ponto de partida para a futura instalação da Copel em Maringá.

TUDO NOS PÉS

As gráficas e tipografias também utilizavam equipamentos movimentados por

pedais, contando com a força dos pés dos trabalhadores, a exemplo do que ocorria

com as velhas máquinas de costura. O gráfico Reynaldo Costa lembra que como a

energia elétrica era escassa na cidade, não havia outro meio. Pouco tempo depois

de 1950, ano em que chegou com a família do interior de Minas Gerais, Reynaldo

foi trabalhar na Tipografia Maringá, de propriedade de João José de Oliveira. O

impressor ficava o tempo todo gerando “energia” através do movimento contínuo

dos pés sobre os pedais, conta. Só mais tarde, com o crescimento do negócio, é

que o proprietário decidiu adquirir um motor a diesel, para alívio dos funcionários.

FOGO NO POSTE

Na Avenida Paissandu dos primeiros tempos de Maringá, conta o pioneiro João

Mayo, postes de madeira foram instalados no meio da rua, bastante larga. Porém, a

energia era fraquinha e, à noite, as lâmpadas não iluminavam nada, sendo até

84 10


chamadas de “tomatinhos”, pois apenas ficavam vermelhas. Nessa época, lembra

Mayo, famílias costumavam incinerar na rua o lixo que produziam. Não raro,

quando o lixo queimava próximo a um daqueles postes de madeira, o acidente era

previsível. Como os moradores estavam muito insatisfeitos com a questão da

energia, o incêndio “casual” de um poste, ainda que parcialmente, podia ser

entendido como uma forma de expressar o descontentamento.

A LUZ DEMOROU...

No final dos anos 40, seguindo os passos de inúmeras outras famílias que

partiam em busca de melhores condições de vida, os Borghi deixaram o interior de

São Paulo para tentar a sorte no Paraná. Eles, que plantavam café na região de

Catanduva, adquiriram uma propriedade agrícola nas cobiçadas terras vermelhas

de Maringá. Só que o tal sítio ficava na chamada Gleba Pingüim, assim

denominada por ser baixa e muito fria durante o inverno, sendo imprópria para

quem desejasse viver da cafeicultura. No começo, a família enfrentou dificuldades

em razão das geadas, mas aos poucos foi firmando-se, conforme lembra o

produtor Aníbal Borghi, o seu Zico. Ele conta que o pessoal mudou logo de

atividade e foi sobrevivendo de outras culturas até que, com a soja, a vida ficou

bem mais fácil. Conta também que em seu sítio, assim como na vizinhança, a

energia elétrica chegaria quase trinta anos depois deles, em 1975. Até então, luz

em casa somente à base de lamparina. De acordo com seu Zico, a escuridão do

campo, à noite, não impedia que as pessoas se deslocassem, apenas sob a claridade

da lua, para visitar um parente ou participar de alguma reza ou festança nas

imediações, devidamente iluminadas por lampiões.

FRIGORÍFICO CENTRAL

No final dos anos 50, algumas empresas de Maringá tiveram que providenciar a

rede de alta tensão, financiando com recursos próprios a instalação de postes de

madeira e fiação de cobre, para poder contar com energia elétrica. Foi o caso do

Frigorífico Central, fundado em 1958 pelos irmãos portugueses Amorim e

Virgulino Moleirinho, filhos do carpinteiro Joaquim Duarte Moleirinho. O pai já

estava trabalhando a algum tempo em Maringá, onde atuava na construção de casas

e estabelecimentos comerciais quando, em 1957, os dois foram trazidos de Leiria.

85


Amorim Moleirinho lembra que era preciso construir a rede de alta tensão e,

em seguida, fazer uma escritura de doação para a Copel que, a partir daí, fornecia

a energia elétrica. No caso do Frigorífico - que, na época, ficava em lugar afastado

da cidade, no final da Avenida Itororó -, a rede seria puxada no mês de março de

1958 a partir de um poste existente na antiga Rua General Câmara (hoje Basílio

Sautchuk), no trecho entre a Rua Arthur Thomas e a Avenida Tiradentes.

Para alcançar a empresa, cerca de 1,5 quilômetro adiante, a rede estendeu-se

pela Rua Marcelino Champagnat até a Rua Fernandes Vieira, continuando dali,

pela margem esquerda da Avenida Itororó, até chegar ao frigorífico, onde foi

ligado um transformador de 45 kVA. Esse sistema elétrico, lembra Amorim,

utilizou 39 postes de madeira e possibilitou que a Copel levasse iluminação ao

Ginásio Estadual Dr. Brasílio Itiberê, construído na Rua Marcelino

Champagnat.

Nessa época, como Maringá ainda era servida por precários motores de

geração eletro-diesel, sensíveis alterações ocorriam no fornecimento de energia,

sem falar das longas interrupções quando de tempestades.

APUCARANA E REGIÃO

Quando chegou a Apucarana no final dos anos 50 para administrar a Copel, o

engenheiro carioca Domingos Prata Barbosa constatou que a situação era

calamitosa. A usina de energia, equipada com velhas máquinas a diesel,

apresentava problemas de toda ordem e não havia dinheiro para nada, nem mesmo

para comprar combustível, que ia sendo conseguido com muito jeito junto ao

fornecedor. Domingos respondia também pelos municípios de Cambira, Jandaia

do Sul e Mandaguari. Nessa última cidade, “a coisa era ainda mais feia”, lembra

Domingos, brincando que “se um bêbado encostasse num poste, os dois iam para

o chão”. Além de máquinas sucateadas e postes apodrecidos, que muitos

chamavam de “palitos”, a fiação também não colaborava: qualquer ventania mais

forte e pronto, o curto-circuito era inevitável.

Casado, Domingos preferiu inicialmente deixar a família morando em

Curitiba e instalou-se num hotel de Apucarana, mesmo porque a cidade não

dispunha de casas para alugar e o ambiente por lá não era nada amistoso, devido

ao excesso de cobranças por parte de todo mundo. Só o que ouvia eram queixas e

reclamações.

86 10


De noite, estava sujeito a passar por apuros. Às vezes, enquanto jantava no

restaurante do hotel, podia acontecer de a luz pifar, irritando os outros comensais

que, de imediato, reagiam previsivelmente, destilando impropérios. Quando isso

ocorria, Domingos saía de fininho e, na rua, embarcava no primeiro carro de praça

que encontrasse - pois não dispunha de automóvel - rumo à usina, na busca de

resolver o problema.

Da mesma forma, quando arriscava ir ao Cine Rex, o engenheiro sentava

estrategicamente na última poltrona, bem

perto da saída. Era para evadir-se logo em caso

de pane de energia e, mais do que depressa,

seguir em direção à usina, onde contava com a

ajuda de alguns operadores e eletricistas.

Certa vez, como não via progressos

significativos, um grupo de moradores mais

exaltados, com cerca de 500 a 600 pessoas,

aglomerou-se na Avenida Curitiba decidido a

aprontar um quebra-quebra. Sempre ligeiro,

Domingos correu até a usina onde, no portão,

desfraldou uma Bandeira do Brasil.

Pouco depois, quando a malta enfurecida

surgiu à frente do pequeno prédio, após destruir todas as lâmpadas de iluminação

pública que havia pelo caminho, encontrou Domingos firme e corajosamente

postado ao lado do portão. Como a condição era única, ou seja, passar por sobre o

seu cadáver, a massa percebeu logo, felizmente, que não valia a pena ir tão longe,

dispersando-se em seguida.

As coisas só começaram a melhorar mesmo quando, no final de 1959 ou início de

1960, após tratar do assunto com o prefeito apucaranense Marino Pereira,

Domingos articulou uma mobilização supra-partidária com lideranças dos quatro

municípios e adjacências. O objetivo era conseguir que o governador de São Paulo,

Carvalho Pinto, autorizasse o uso da energia produzida pela usina de Salto Grande,

no Rio Paranapanema. Como o Paraná tinha uma parceria com São Paulo e já vinha

utilizando parte dessa energia para abastecer Londrina e municípios vizinhos, foi

possível, enfim, estender uma linha de transmissão até Apucarana.

Com energia abundante, as queixas foram diminuindo e o fornecimento estável

chegou logo depois, também, em Cambira, Jandaia do Sul e Mandaguari.

A primeira usina

de energia a diesel,

de Mandaguari, no

final dos anos 40.

O velho motor não

agüentava muito

e a cidade ficava

sempre sem luz

(foto: Akimitsu

Yokoyama)

87


A família segue em frente

Na cidade de Mandaguari, os Romagnolo ainda recompunham-se

da morte de Francisco quando Vicente, aos 18 anos,

recebia convocação para servir ao Exército no Rio de Janeiro.

Francisco morreu

antes de realizar o

sonho de ser o

senhor de suas terras

Francisco morrera no dia 15 de maio de 1957, causando comoção na cidade: o

coração que tanto o impulsionou rumo aos desafios durante toda a vida, tinha

preparado uma surpresa. Justo quando estava às vésperas de alcançar o objetivo que

tanto perseguira: ser o senhor de sua própria lavoura de café, plantada com o

capricho que lhe era peculiar. Ele tinha adquirido, em 1953, 10 alqueires da

Companhia Melhoramentos em São Tomé, perto de Cianorte. A família ficava em

Mandaguari, porque Natalina não queria mais saber de mudanças. Ela julgava ser

necessário, agora, dar atenção aos filhos, vários dos quais, já crescidos, começavam a

pensar e a planejar o próprio destino.

Francisco tivera o apoio da esposa, sim, para comprar as terras. Mas caberia a ele,

certamente com a ajuda de alguns dos filhos, enfrentar o desafio de derrubar o mato,

plantar café e viver todas aquelas dificuldades tão conhecidas dos tempos da fazenda

em Londrina. Quem conhecesse Francisco, sabia que nada conseguiria detê-lo.

Com pouco menos de 15 anos, Vicente passou a acompanhar o pai em suas idas

ao sítio. Sempre companheiro e bem disposto, topava qualquer parada, até mesmo

a aventura de uma viagem cansativa e demorada, cheia de solavancos, feita de

automóvel ou na boléia de um caminhão. A estrada passava por

Maringá, onde ia até o “Fim da Picada”, no Maringá Velho, seguindo

dali para Cianorte. No caminho, via-se cafezais produzindo ou em

formação, mas também muito mato que, em breve, cederia espaço

para novas lavouras.

Rapagão alto e forte, que pouco tinha viajado e, nos últimos anos,

vivia embrenhado no mato, ajudando o pai a formar lavoura de café em

São Tomé, encontrava-se diante de uma nova e decisiva fase em sua vida.

58 88 10


No Rio de Janeiro, mesmo com breves intervalos de tempo

para passear e conhecer melhor a cidade, Vicente sentia-se

fascinado pela modernidade, a beleza e o dinamismo do mundo

que encontrara. Era tudo tão diferente do Paraná, onde o povo

precisou rasgar floresta para fazer a vida e trabalhar duro. Na

capital brasileira, sorvia-se com refinamento e estilo, em bares

repletos de homens elegantes, o café produzido por gente

encardida e sofredora lá no sertão.

Com olhos curiosos e atentos a cada detalhe, encantou-se

com o modo de viver dos cariocas, a arquitetura dos prédios e do

casario, a orla aprazível e, é claro, o mar, que ainda não conhecia.

Ao colocar-se diante do oceano, percebeu Vicente que os

horizontes poderiam ser muito mais amplos do que imaginava

para si. Tinha valido a pena, sim, exilar-se do Paraná: longe,

encontraria motivação para, quando voltasse, ajudar a família a

potencializar os negócios e a prosperar. Na cabeça, muitos planos

para o futuro, os quais compartilhava em cartas que,

regularmente, trocava com a mãe.

.....

Assim, em 1958, ao retornar para Mandaguari, após cumprir o

serviço militar, Vicente apresentava disposição redobrada para promover mudanças

no ritmo da pequena chácara da família. Em pouco tempo, convenceu os irmãos de

que dependeria de uma união, envolvimento e empenho ainda maiores, por parte de

todos, para superar aquela vida difícil e buscar novas perspectivas.

Os olhos de Vicente, no entanto, estavam voltados para a cidade. Não queria

continuar por muito tempo ali na chácara e, sim, sonhava em ir atrás de seu futuro. O

tempo ia passando e ele tinha consciência de que precisava definir sua vida,

aproveitar as oportunidades que um município novo oferecia. A família, afinal, era

grande e não sobrava muito para cada um.

Na cidade, trabalharia algum tempo como encanador e pedreiro. Em novembro

de 1959, após quatro anos de namoro, casa-se com Rosa, cuja família possuía

uma chácara vizinha a dos Romagnolo, na Vila Vitória. Era ela uma das filhas de

José Sophia, ex-cafeicultor e dono de um pequeno armazém de secos e

molhados, situado na Rua René Táccola. Quando casaram-se, Vicente tinha

como patrimônio único uma surrada bicicleta, sobre a qual costumava sair bem

cedo à procura de serviço. Mas não demoraria muito para que, diante da idade

avançada de Sophia, o genro Vicente, no vigor de seus 21 anos, juntamente

com a esposa, assumisse o comando do estabelecimento, após adquiri-lo.

Nessa época, a mãe Natalina seguiria os passos dos filhos que, aos poucos,

iam migrando para a cidade. Sob seus cuidados, ela ainda tinha dois meninos

pequenos: Álvaro e Francisco.

Construída em 1938,

a velha igreja

matriz (retratada

por Akimitsu

Yokoyama)

receberia iluminação

elétrica em 1949.

Abaixo, Vicente e

a esposa Rosa

89 59


A Copel se estrutura

em Maringá

O escritório da

Copel em Maringá,

em 1956, ficava na

Avenida Herval,

373. Foi o primeiro

da empresa.

Corria o ano de 1960 quando o então diretor da

Copel, Pedro Viriato Parigot de Souza (que ocuparia a presidência

de 1961 a 1970 e o cargo de governador do Estado entre

1971 e 1973), se viu diante da necessidade de mandar alguém

para estruturar e coordenar as atividades da empresa em

Maringá e região.

Parigot estruturou

e imprimiu

modernidade à

empresa

Como a cidade crescia de forma acelerada, havia graves problemas com energia

elétrica, razão pela qual suas lideranças faziam grande alarde na tentativa de

sensibilizar o governo estadual.

O desafio recaiu sobre os ombros do engenheiro civil Antonio Eriberto

Schwabe, um catarinense bem preparado que já trabalhava como assistente

de Parigot em Curitiba, e que prestaria serviços à companhia entre agosto

de 1960 e janeiro de 1964.

Logo ao chegar, Schwabe encontrou uma situação desanimadora.

Apenas três motores estacionários a diesel, de funcionamento

precário, estavam em condições de servir ao município. E, como

estavam longe de conseguir atender a demanda, a cidade continuava

sofrendo com a falta e o racionamento de energia.

Com um relatório em mãos, Parigot prometeu ajudar, avisando que

dois motores grandes, de segunda mão, tinham sido adquiridos de

algumas unidades das Indústrias Matarazzo no Paraná. Após isso,

contaram-se seis meses de aflitiva demora para Schwabe até que os

mesmos fossem, enfim, trazidos e colocados em operação.

Mesmo assim, a regional da Copel dependia da bondade e de favores de

terceiros, pois nem sempre, ao final de cada mês, havia recursos para pagar o

60 90 10


combustível consumido pelas máquinas, comprado do Posto Maluf, de Alfredo

Moisés Maluf. A única maneira era dar um “jeitinho”: receber dinheiro adiantado do

Grande Hotel Maringá, por conta do consumo de luz, repassando imediatamente ao

posto. O hotel, sob a gerência de Herbert Mayer, pertencia à Companhia

Melhoramentos, que tinha interesse em ajudar. Para isso, a colaboração de diretores

como Alfredo Nyeffler mostrou-se decisiva.

Ainda assim, quando chovia muito e o caminhão de combustível não conseguia

vencer o lamaçal e chegar até às máquinas, era preciso pedir socorro ao prefeito

Américo Dias Ferraz que, lançando mão de motoniveladoras, tornava o caminho

transitável.

Os novos motores, que ficaram sob os cuidados do alemão Kurt, dono de uma

oficina em Maringá (aquele mesmo que havia prestado importante ajuda ao técnico

Eugênio Rosa logo que a empresa assumiu os serviços na cidade) resolveram grande

parte dos problemas de Maringá e as coisas melhoraram, embora ainda houvesse

muita gente brava. A Copel, com sua estrutura pequena e a solução modesta que

havia trazido, estava longe ainda de contentar a todos. Portanto, as reclamações

Av. Getúlio Vargas

em Maringá, no

início dos anos 60

91 10 61


O engenheiro

Francisco Inácio

de Oliveira, foi

o primeiro

superintendente da

Copel em Maringá,

entre 1956 e 1958.

O segundo, João

Laurindo Souza

Neto, de 1958 a 1960.

O terceiro, Antonio

Eriberto Schwabe,

no início dos anos

60, na outra foto,

Schwabe em 2007.

eram comuns e as pessoas revelavam impaciência quando lembravam que Londrina e

municípios vizinhos já eram servidos de energia elétrica “de verdade”. Até mesmo

um “enterro da Copel” seria organizado por estudantes, com caixão de defunto e

tudo, para protestar contra a empresa. Não bastasse, quase sempre ouviam-se piadas

e gracejos, em que se desdenhava da cidade. Repetia-se a história, inventada

certamente, de um viajante que, ao retornar a seu destino após passar por Maringá,

era indagado se a cidade possuia luz. “Não sei, passei por lá de noite”, era a jocosa

resposta.

Quando saía às ruas, Schwabe sofria pressões de toda ordem. Não escapava de

enfrentar os mais exaltados, agindo sempre com muita cautela e parcimônia para não

acabar no centro de uma briga. Mas nem sempre era assim: pelo menos uma vez

sofreu atentado à bala que quase o matou. Certo dia, recostado distraidamente na

parede frontal do escritório da empresa, na Avenida Herval, o engenheiro foi

surpreendido por um tiro de revólver, que só não o atingiu por poucos centímetros,

na altura do coração. Muito assustado, Schwabe nem chegou a ver o atirador, mas

lembra ter sido protegido, na correria que se sucedeu, por um pistoleiro famoso em

Maringá na época, chamado Aníbal Goulart.

Algumas outras cidades do Norte do Paraná também já contavam com motores

estacionários para geração de energia. Porém,

determinou-se que a Copel, através da regional de

Maringá, ficasse responsável, a partir de então,

pelo fornecimento de energia também para

Mandaguari, Marialva, Loanda e Santa Isabel do

Ivaí, entre várias outras que vieram a seguir, as quais

eram percorridas pelo engenheiro Schwabe em

seu jipe.

Em vários desses municípios,

particulares tinham investido na

construção de pequenas usinas hidrelétricas, movimentadas

com rodões, aproveitando o curso dos rios, onde geravam

energia para si próprios e algumas fazendas ao redor. Tais

usinas, desprovidas de maiores recursos, operavam com

dificuldades e não sobreviveriam por muito tempo. Às

margens do Ribeirão Marialva, por exemplo, no município

do mesmo nome, agricultores como Santo Calefi e Mário

Meloni contavam com energia elétrica em suas propriedades.

Na vizinhança deles, a família Megiatto

chegou a manter um moinho de trigo por vários anos,

ativado, igualmente, com energia ali mesmo produzida.

92 10


Em 1959, a Copel já respondia por Marialva, Jandaia

do Sul, Apucarana, Mandaguari, Cambira, Pirapó,

Mandaguaçu, Campo Mourão, Santa Isabel do Ivaí,

Paranaguá, Guaratuba, Caiobá, Morretes,

Antonina e Guaraqueçaba.

Em 1960, a potência instalada da Copel somava

apenas 4.724 kW, menor que a do DAEE, com

5.869 kW, mas era superior à capacidade de

várias prefeituras que, até então, tinham um

parque gerador da ordem de 2.524 kW. Esses

números perdem significação se comparados,

por exemplo, aos da Companhia Força e Luz

do Paraná (CFLP), de 41.000 kW, ou

mesmo da Companhia Elétrica de

Londrina (9.120 kW).

Até o início da década de 60, a produção

de energia da Copel era pouca e de

má-qualidade: 95% da produção ainda

se apoiava em geradores diesel-elétricos

que se encontravam em sua maioria

em deplorável estado de conservação.

A construção da rede de alta

tensão entre Londrina e Maringá

93 10


94 10


Na cidade, Elias Kalaf colocara um

motor diesel em operação na rua Santa

Efigênia e vivia de vender energia para

várias famílias, cobrando pelo número

de bocais existente em cada casa. Maria

Olga Malvezzi Lima, moradora da cidade

na época, lembra que como a

capacidade de geração era muito pequena,

pedia-se que a eletricidade fosse

consumida apenas com iluminação, evitando

o uso, por exemplo, de ferro

elétrico.

Por algumas vezes, o presidente da

Copel esteve em Maringá, reunido com

prefeitos, para colocá-los a par dos avanços.

Mas no início de 1961, Parigot de Souza chegou à cidade, recepcionado pelo

prefeito João Paulino Vieira Filho, para trazer pessoalmente a notícia tão esperada por

todos: Maringá e região, enfim, teriam energia elétrica abundante,

proveniente da hidrelétrica de Salto Grande, a mesma

que há anos abastecia Londrina e municípios próximos. Para

isso, a empresa já havia iniciado a construção da rede de alta

tensão até Maringá. Nesse sentido, propriedades rurais estavam

sendo contatadas para a passagem da linha de transmissão,

através de um complicado processo que enfrentava a resistência

dos sitiantes. Debaixo dos fios, é claro, ninguém poderia

plantar árvores e fazer construções. Em compensação, essas

áreas já poderiam servir-se de energia elétrica, como foi o caso

da Fazenda Ubatuba, no município de Apucarana. Aberta pela

família Schindler, de origem alemã, durante os anos 40, a

propriedade especializou-se na produção de café e, com

energia de sobra, deu-se ao luxo de providenciar até mesmo

um cinema para seus empregados. Em Mandaguari, o produtor

rural Attílio Genta criaria uma padrão de referência para outros

agricultores, pela maneira equilibrada como conduziu o assunto

com a empresa, chegando a bom termo sobre a passagem

das linhas por suas terras.

Enquanto puxava a rede de alta tensão em direção a Maringá,

a Copel cuidava de substituir os postes de madeira, nas

cidades, por similares de concreto. Para esse trabalho, que era

Linhas de alta

tensão, puxadas a

partir de Londrina,

permitiram que

Maringá e dezenas

de municípios da

região, tivessem

energia elétrica

abundante. Ao

mesmo tempo, postes

de madeira (ao

lado) eram

substituídos por

postes de concreto.

A Fazenda

Ubatuba (página

ao lado) passou a

contar com

eletricidade bem

antes de muitos

municípios do

Norte do Paraná

95 10 63


Em Maringá, a

energia elétrica

estável permitiu que

famílias, ainda nos

anos 60, tivessem

acesso a uma grande

novidade: a televisão.

Na outra página,

detalhe da construção

da subestação da

Copel, no jardim

Alvorada,

inaugurada em

1962

todo manual, a empresa enviou um contingente de aproximadamente 300 trabalhadores,

chefiados por um engenheiro de nome Ophir. O principal fornecedor

desses postes, até então, era a Cavan, sediada em São Paulo, que havia instalado uma

unidade em Apucarana, onde era representada por alguns engenheiros, entre eles

Carlos Amazonas de Almeida, o qual costumava estar, com freqüência, em

companhia de Antonio Eriberto Schwabe.

Não demoraria muito tempo, portanto, para que Maringá experimentasse o

conforto de usar energia elétrica “de verdade”, como se dizia, livrando-se dos barulhentos

motores a diesel. No final de 1962, o governador Ney Braga presidiria a solenidade

oficial de inauguração da subestação da Copel, situada no Jardim Alvorada.

Uma segunda subestação, situada na confluência das Avenidas Colombo e São

Paulo, viria pouco tempo depois. Com tudo isso, a cidade, a exemplo de toda a região,

deslanchou em seu desenvolvimento, pois não ficaria mais à mercê de um conjunto de

motores sucateados que, vez ou outra, apresentavam algum tipo de defeito.

A regional contaria, a partir de então, com uma estrutura adequada e os préstimos

de uma equipe chefiada por um dedicado eletricista

conhecido por Zé Coco. O engenheiro

Schwabe, que ocupava uma casa alugada na

Avenida Tiradentes, ao lado da residência do

comerciante de combustíveis Alfredo Moisés

Maluf, lembra que, aos poucos, a população foi se

esquecendo dos tempos difíceis e se simpatizando

com a Copel, cuja imagem se firmava positivamente

a cada dia.

Nem todo mundo, no entanto, apreciou a chegada

da luz. Após adentrarem à casa de Schwabe,

enquanto este encontrava-se em viagem com a

família, ladrões fizeram questão de deixar uma frase

escrita em cartaz: “No escuro se age melhor”.

Encontrar uma solução definitiva para o

abastecimento de energia elétrica em larga escala

seria o maior desafio para a Copel durante a década

de 1960. A história da empresa relata que a entrada

em operação em 1963 da Usina Termelétrica de

Figueira (20 MW), no Norte Pioneiro, foi de

fundamental importância para a implantação do

Plano Estadual de Eletrificação, viabilizando os

sistemas de interligação que beneficiaram as regiões

Norte e Central do Paraná.

96 10


10 97


Para proteger a

arborização e reduzir

o risco de apagões,

Maringá foi a

primeira cidade do

País a contar com

“linhas verdes”

Em 13 de dezembro de 1996, o superintendente regional de distribuição da

Copel em Maringá, Victor Hugo Marmelo Passos, entregou ao prefeito Said Ferreira

os 370 quilômetros de rede elétrica primária de alta tensão, formada por linhas

compactas protegidas, as chamadas “linhas verdes”.

A instalação da rede somente foi possível graças a convênio entre Copel e

prefeitura, dividindo meio a meio o investimento, de R$ 10,9 milhões.

Com isso, Maringá conseguiu reduzir em 84% a freqüência e em 82% a duração

das interrupções no fornecimento de energia. Da mesma forma, a poda das árvores

foi diminuída pela metade.

98 10


Parte 3


Artefatos de concreto

Com o passar das

décadas, ao lavrar

registros de

nascimentos,

cartorários

cometeram equívocos

que originaram

vertentes para o

sobrenome Romagnolo,

como “Romagnole”,

no caso de Vicente,

e de “Romagnolli”

para o seu irmão

Álvaro.

Como o pequeno armazém em Mandaguari não propiciava

renda que permitisse uma vida tranqüila, Vicente começou

a diversificar os itens ali vendidos, passando a oferecer, além de

alimentos em geral, também artefatos de cimento, como tanques

de lavar roupas e pias de cozinha, que comprava para revenda.

Com 12 anos,

Álvaro foi convidado

a ser sócio de

Vicente na ICACI

Arrojado, teve a iniciativa, ainda, de lidar com encanamentos, instalando

bombas de água e produzindo lajes para vedar “bocas” de poço e de fossas negras,

comuns em todas as casas naquela época. Com cimento, produzia também caixas

d'água, a partir de formas e estaleiros que ele mesmo construía. Nessa época, o

irmão Álvaro, com apenas 12 anos, seria chamado a ajudar no

armazém, bem como em serviços de encanamento, tudo o que fosse

aparecendo.

Desse modo, a vida de Vicente acabou dando uma guinada, o que

o levou a refletir sobre a oportunidade que tinha nas mãos. Se lidar

com secos e molhados era um negócio incipiente e de retorno

modesto, percebia, por outro lado, que havia uma forte demanda por

artefatos de cimento, e não apenas de tanques, pias e lajes, mas

também de muros e até calçadas.

Assim, em 1962, ele venderia o estabelecimento comercial para

montar, em sociedade com o irmão Álvaro, uma promissora

empresa, a Indústria e Comércio de Artefatos de Cimento

(ICACI). Para isso, com as economias que havia juntado, tinha sido

possível comprar dois terrenos, com total de 1.236,50 metros

quadrados, situados na rua Rocha Pombo, que pertenciam a José

100 64


Nóbile Rocha, o “Casquinha”. O negócio foi fechado no dia 27 de junho daquele

ano.

Como Álvaro ainda era menor de idade, apenas o nome de Vicente Romagnole

permaneceria, por algum tempo, no contrato social da indústria. Isto porque a

legislação não permitia que um menino fosse co-proprietário de empresa, o que

somente seria possível após a sua emancipação. No entanto, mesmo tão

jovenzinho, Álvaro trabalhava feito gente grande. À noite, quando voltava para a

casa da mãe, suas roupas estavam sempre impregnadas de cimento.

.....

Como se imaginava, a indústria

começou suas atividades a todo

vapor, produzindo um pouco de

tudo. E, como a Copel ia ampliando

sua atuação no processo

de eletrificação, novas oportunidades

apareciam. Atento, Vicente

observou que, na cidade, começava

a procura por postes destinados

à instalação de caixas medidoras

de energia elétrica nas

residências, os quais, até então,

eram improvisados com madeira.

Mais do que depressa, organizouse

para passar a produzir, também,

pequenos postes com 6 metros de

altura, os quais não dependiam de

regulamentação específica por

parte da Copel. Ao mesmo tempo

em que pilhas de pequenos postes

chegavam à Mandaguari para

suprir a demanda dos moradores, a

ICACI se impunha com seu

produto. Vicente, então, desdobrava-se

para vender, enquanto

Álvaro ficava na fábrica, com os

empregados, trabalhando na produção.

A empresa investiu

na produção de postes

residenciais para

medição de energia

101


O Paraná moderniza

sua economia

Oritmo forte da ICACI se deu porque no período de 1961

a 1964, o Paraná seria transformado em uma economia mais

moderna pelo governo Ney Braga, que imprimiu desenvolvimento

ao interior de maneira nunca vista antes.

Governador

Ney Braga

O governador implantara um Plano de Desenvolvimento Econômico, projeto

ousado de industrialização que se baseou em financiamento com recursos próprios

do Estado. Para isso, foram criadas empresas como instrumentos de apoio a esse

projeto de modernização, entre elas a Codepar (Companhia de Desenvolvimento

do Paraná) - que mais tarde seria convertida no Badep (Banco de

Desenvolvimento do Paraná) - e a Companhia de Saneamento do Paraná

(Sanepar). Da mesma forma, para oferecer suporte a esse crescimento, a

Copel seria completamente reestruturada. O governo estadual realizou,

ainda, o primeiro esforço de ligação rodoviária do Norte cafeeiro ao litoral do

Estado, permitindo a efetiva ativação do Porto de Paranaguá, bem como a

integração física de “dois Paranás”: o do Norte cafeeiro e o dos tradicionais

litoral e planalto curitibano.

Em 1964, quando o regime militar assumiu o poder com um golpe de Estado, a

proposta era de estabilizar a economia brasileira, debelar a inflação que ganhava

contornos preocupantes e iniciar um novo ciclo de expansão do setor elétrico.

Dessa forma, seria organizada uma estrutura de investimentos com recursos das

próprias empresas, do governo e com financiamentos externos.

Embora tivesse passado por duas fases preliminares, referentes à fundação em

1954 e ao período que se estendeu até 1960, a Copel começaria a execução efetiva

dos planos de obras a partir de 1961, quando inaugurou uma terceira fase de ação.

Vários fatores contribuíram para isso, como a decidida política do governo Ney

102 66


Braga, que assegurou à Copel os recursos da Taxa de Eletrificação que não vinha

sendo liberada integralmente, como também parte do Fundo de Desenvolvimento

Econômico, administrado pela então Codepar. Nessa terceira fase, a Copel daria

início a um programa de emergência, visando a atenuar a crise energética, ao mesmo

tempo em que seriam desencadeados empreendimentos de maior vulto.

De acordo com as “Diretrizes Globais do Governo Ney Braga”, teria sido feita a

ligação de mais de 415 mil usuários de eletricidade localizados no meio rural e

periferias de cidades.

Nesse contexto favorável, entre 1962 a 1967 os irmãos Romagnole dedicaram-se

à fabricação de vários produtos, já contando com duas dezenas de empregados e

conseguindo agregar outros terrenos ao espaço físico da indústria. Em maio de

1967, com a emancipação de Álvaro, este tornava-se, oficialmente, sócio de

Vicente, o que ensejou mudança na denominação da pessoa jurídica para “Irmãos

Romagnole Ltda”.

Rosa, a esposa de Vicente, lembra que mesmo com a empresa em plena atividade

e gerando vários postos de trabalho, não havia dinheiro e as dificuldades eram

grandes, o que fazia o marido, preocupado, perder muitas noites de sono.

Alguns anos antes, como a Copel havia começado a investir na substituição dos

postes de madeira nas ruas das cidades, por similares de concreto, os irmãos, sempre

atentos, mobilizaram-se no sentido de desenvolver um produto que atendesse às

exigências da empresa, a qual precisaria adquirir grandes volumes. Foram feitos

moldes de madeira de postes de 12 metros, versão “duplo T”, caprichando-se na

qualidade do produto que, até então, era artesanal. Estes passaram a ser vendidos

inicialmente para cooperativas, áreas de loteamentos e para projetos de eletrificação

rural. Foram necessárias várias tentativas e consumido algum tempo até que, em

1965, a Copel se decidisse a experimentar os postes da Romagnole, os quais, ao final,

foram bem aceitos. Com isso, a empresa iniciaria um bem sucedido histórico como

fabricante de postes em larga escala e fornecedora para a companhia de energia

elétrica paranaense. A produção desse item ganharia tanta importância que, em

poucos anos, se tornaria o principal negócio da pequena fábrica, a qual não parava de

crescer e ampliar o quadro de funcionários.

Álvaro praticamente

cresceu dentro da

indústria

103


O ARQUIPÉLAGO

As safras eram

levadas por

carreadores e

caminhos de terra,

pois estradas

asfaltadas inexistiam

em muitas regiões

do Estado

“O Paraná dos anos 60 era um arquipélago em todos os sentidos figurados, em

que algumas 'ilhas' eram cercadas de carências absolutas: a energia elétrica era uma

luxuosa raridade, com cidades à meia-luz: à medida em que a noite chegava, as

lâmpadas acesas se transformavam em rubros tomates. O asfalto era uma distante

promessa. Cidades como Medianeira e Matelândia eram meros povoados e a região

era uma área sendo desbravada. O pó vermelho entrava pelo nariz, pela garganta,

irritava os olhos e se entranhava irremediavelmente na roupa.

O Norte do Paraná já estava em um estágio mais avançado e Londrina, Maringá e

algumas outras poucas cidades já mereciam esse nome. Mas muitas outras estavam

em plena adolescência, como Campo Mourão, Umuarama, Paranavaí. No Sudoeste,

Marrecas, que recentemente havia mudado o nome para Francisco Beltrão, se

digladiava com Pato Branco para se afirmar como centro regional, abandonando o

apelido de 'Quilômetro 59', apenas um marco na estrada, que os patobranquenses

maldosamente lhe atribuíam. A viagem pelas pequenas cidades que nasciam era uma

aventura excitante pela trepidação econômica e cultural que se sentia no ar, mas

profundamente incômoda pela trepidação dos velhos jipes e Rural Willys em

estradinhas e carreadores maltratados. Marmeleiro, Planalto, Realeza, Salgado

Filho, Vitorino e toda a região eram promessas, só promessas. Hotéis? Nem pensar.

Em algumas cidades, nos hospedávamos em hospitais; em outras, na casa do prefeito

ou de algum figurão local. Mas a economia e a política fervilhavam. As concen-

104 76


trações políticas e as visitas das 'autoridades' atraíam comitivas sempre amistosas,

mas nem sempre pacientes: os indefectíveis memoriais com rosários de

reivindicações locais eram entremeados com queixas diretas - e sem muitos salamaleques

- de que o governo havia abandonado a região. Ouvia-se na fuça a impaciente

cobrança da população.

Estradas? É, havia algumas dignas dessa denominação. Ney Braga estava

completando a Rodovia do Café, ligando o Norte à capital e ao porto por asfalto e

serenando os ânimos separatistas dos adeptos da criação de um estado do

Paranapanema. A partir de Maringá, asfalto nem pensar e no Norte Pioneiro, fora do

eixo Londrina-Jacarezinho, idem. Escolas? A maior parte das cidades mal e mal tinha

o ensino primário e o ginasial e freqüentar o ensino médio representava para os filhos

das famílias das cidades pequenas embarcar em um microônibus e viajar dezenas de

quilômetros para assistir aulas em um município vizinho, mais afortunado.

Do já distante 1945, quando meu pai, o então capitão Castor, garbosamente

fardado e conduzindo a família, desembarcou do trem da Rede Viação Paraná-Santa

Catarina na minúscula Rio Negro até os dias de hoje, o Paraná se transformou sob

nossas vistas e insinuou-se em meu coração até ocupá-lo por inteiro.

(Trecho de “Máquina do tempo”, crônica de Belmiro Valverde Jobim Castor, professor universitário e

membro da Academia Paranaense de Letras, publicado no dia 11 de março de 2007 na Gazeta do Povo)

Na foto de

Akimitsu Yokoyama,

o governador Ney

Braga inaugurando

o Colégio de

Mandaguari, em

abril de 1965

105


Tudo era feito no braço

Os primeiros anos foram marcados por um ambiente de

camaradagem entre Vicente, Álvaro e os funcionários: todos

trabalhavam duro, sem hora para terminar a jornada diária, mas

não perdiam as chances de se divertirem juntos.

Joaquim André, o

funcionário número um;

abaixo, o registro de outro

dos primeiros colaboradores,

Joaquim Mattias

Grande parte dessa mão-de-obra, oriunda de fazendas de café do município e

região, buscava na cidade melhores condições de vida e oportunidades de trabalho.

Joaquim André, o primeiro a ser contratado quando a indústria abriu as portas,

fazia de tudo um pouco e não costumava deixar serviço para mais tarde. Não

imaginava, certamente, que seria o número um de uma equipe numerosa, que não

pararia de crescer nos anos e décadas seguintes. Outros, naquele começo, foram

sendo admitidos para formar uma equipe para a qual não havia “tempo ruim”, cuja

principal característica era o envolvimento e a integral dedicação. Dentre os cinco

primeiros estavam, além de Joaquim André, também

Joaquim Mattias, Gilberto Dário, José André e Manoel

Cardoso de Andrade, todos admitidos em 1963. Gilberto

Dário, por exemplo, especializou-se na produção de

ladrilhos, o que ajudou a ICACI a angariar prestígio. Ele

sugeria formatos, desenhos e, com sua arte, possibilitou à

empresa fabricar vários outros itens, como bancos de

jardim, pias e vasos de granito, que ajudaram na diversificação

dos negócios. Para isso, Dário valia-se de

fotos que eram tiradas por Vicente durante viagens a São

Paulo: de posse de uma pequena máquina fotográfica, este

registrava tudo o que achava interessante e trazia para o

106 76


funcionário. Por sua vez, além de cumprir sua rotina diária na produção, o pedreiro

José André, amigo de infância de Vicente, era também companheiro do patrão que,

dirigindo um caminhãozinho, ia fazer entregas por tudo quanto era canto. À custa

de penoso esforço braçal de ambos, o veículo era descarregado no destino. Quem

também não encontrou moleza foi José Severo de Aquino, que entraria como

pedreiro e fundidor em 1966. O corpo franzino do moço acostumado à lida na roça

parecia agigantar-se quando da entrega de peças pesadas, como tanques. Mas, sem

nunca queixar-se, ele vivia sorrindo e cultivava simpatia por Vicente, seu dileto

amigo. De vez em quando, em fins de semana, a turma juntava as famílias e,

viajando na carroceria de um caminhão, seguia para um dia festivo às margens de

alguma represa. Seria assim também com Anastácio Quintanilha, admitido em

1969: serralheiro experiente, ele tinha a função de atuar no desenvolvimento de

produtos de metalurgia.

Como o trabalho na indústria era basicamente artesanal e sem muitas

referências onde pudessem buscar um mínimo de conhecimento, esses homens

tinham a tarefa de descobrir, eles próprios, a maneira de fazer. Então, punham a

cachola para funcionar na concepção de moldes e matrizes, tudo feito à mão,

que ia sendo aprimorado. Para que a empresa pudesse fabricar postes, por

exemplo, um desses foi adquirido para ser inteiramente desmanchado: só assim

podiam conhecer a configuração do esqueleto de ferragem que existia em seu

interior.

Em meados dos

anos 60, um

registro com a

primeira equipe.

Na indicação,

a partir da

esquerda, Vicente

e o irmão Álvaro

107

69


Em 1967, com a maioridade

de Álvaro (na foto abaixo,

junto ao poste), este

tornava-se oficialmente

sócio de Vicente. Com isso,

a empresa mudaria de nome:

de ICACI para Vicente

Romagnole e outro; no

futuro, a denominação

seria alterada para

Romagnole Produtos

Elétricos Ltda e, em seguida,

para Romagnole Produtos

Elétricos S.A. Abaixo,

equipamentos como a

monovia, desenvolvidos

na própria empresa,

trouxeram grande facilidade

no manejo dos postes.

Dessa forma, a ICACI foi conseguindo desenvolver tecnologia própria e, com o

empenho dos funcionários, construiu um equipamento de fundamental importância

para agilizar o trabalho em seu pátio: a monovia, usada para a remoção e o carregamento

de postes. Até então, esses produtos, muito pesados, eram removidos no braço.

Muitos outros funcionários entraram para a história da indústria, como Joaquim

Gonçalves Guimarães e Moacir Salvador. Este último atuava na área de materiais

elétricos quando, em 1977, foi adquirida a primeira empilhadeira, a qual ele, com

orgulho, passou a manejar. Assim como tantos outros, Salvador também havia sido

desamparado pelo café, cuja geada de 1975 - a mais devastadora do século - decretara

o fim do ciclo dessa atividade no Norte do Paraná.

Só em 1967 é que Vicente e o irmão Álvaro, sócios no empreendimento, conseguiriam

equilibrar as finanças e pensar em crescer. Até essa época, praticamente tudo

o que faturavam era para estruturar a empresa e pagar os funcionários.

Naquele ano, a Copel inauguraria a Usina de Salto Grande do Iguaçu, de 15,6

MW, que atenderia o Sul do Estado.

108 76 70


Por algum tempo, Vicente Romagnole conseguiu ganhar dinheiro fazendo um

bom aproveitamento de seu pequeno e velho caminhão, que viajava carregado para

levar produtos a diversos municípios do Estado. Para não retornar vazio, foi usado

durante algum tempo para trazer sucatas de metais, como cobre, alumínio e ferro,

comprados por ninharia em depósitos, estabelecimentos comerciais e propriedades

rurais. Em Mandaguari, esse material era classificado e vendido para empresas,

geralmente de São Paulo, que os reciclavam. Romagnole ficaria satisfeito se

tirasse, com esse negócio, apenas as despesas de transporte do retorno. No

entanto, descobriu que havia uma enorme procura por esse tipo de sucata,

cotada a preço convidativo. Como encontrava quantidade abundante para

comprar em várias regiões do Paraná, auferia lucro razoável. Tanto que, com

apenas duas ou três viagens conseguia juntar dinheiro suficiente para comprar

um outro caminhão. Com o tempo, os volumes foram diminuindo, ao mesmo

tempo em que esse mercado tornou-se mais concorrido.

A indústria também engordaria sua receita, entre 1967 e 1968, com uma

atividade que complementaria a programação de trabalho: a fabricação de

postes para sinalização de trânsito, o que incluía elaboração de placa e letreiro

de propaganda. Tudo começou quando os irmãos foram procurados, certa

ocasião, por um vendedor de publicidade, que apresentou a proposta,

considerada interessante. O vendedor, então, passou a percorrer a cidade e os

municípios da região, divulgando a novidade e fechando muitos contratos. Quem

anunciasse, teria o nome de sua empresa afixado em uma placa de sinalização de

trânsito, colocada, obviamente, em ruas de maior movimento. O sucesso seria tão

grande e rápido que isto ajudaria a alavancar a empresa dos irmãos, cujos

trabalhadores se desdobravam para atender aos inúmeros pedidos que iam

chegando. A certa altura,

cerca de 35 municípios já

contavam com esse serviço

em suas ruas, mas o negócio

não iria adiante. Conhecedores

do trabalho no

café e aprendendo cada

vez mais sobre os segredos

do comércio, os irmãos já

tinham, também, assimilado

muita coisa sobre trânsito.

Mas este, decididamente,

não era o seu negócio.

Vicente: embora

evoluindo no segmento

de postes, a indústria

não deixava de

buscar outras

oportunidades

109


Trabalhando como nunca

No ano de 1965, em que Paulo Cruz Pimentel sucedeu a

Ney Braga no governo do Paraná, a sociedade brasileira ainda

tentava absorver o impacto da revolução militar de 31 de

março de 1964, que mudara os rumos do País.

O governador Paulo

Cruz Pimentel

Isso inquietou os donos da Romagnole, que precisavam realizar investimentos

contando com a fluidez dos pagamentos por parte do governo

estadual, que controlava a Copel. Como Pimentel havia feito um bom trabalho

como secretário da Agricultura na gestão de Ney Braga e sua principal proposta

era a continuidade dos programas de expansão econômica, a sinalização foi clara

para os irmãos. Sem hesitar, estes recorreram a recursos que estavam sendo

disponibilizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

(BNDES), por meio do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul

(BRDE). A decisão foi acertada porque, de fato, a administração de Paulo Pimentel

deu seqüência à anterior, avançando com os programas desenvolvimentistas. O

governador estenderia para várias outras regiões do interior o serviço de luz e energia,

o que foi importante para a empresa de Mandaguari, que trabalhou como nunca, na

condição de fornecedora de postes. Ainda na área de energia, o governo de Paulo

Pimentel colocou em funcionamento diversas usinas elétricas, como Capivari-

Cachoeira e Júlio de Mesquita Filho, além da já mencionada Salto Grande do Iguaçu.

Sobre a inauguração dessas usinas, dois fatos, relatados pelo próprio Paulo Pimentel,

merecem ser contados.

- O presidente Emílio Garrastazu Médici vinha para a inauguração da hidrelétrica

de Capivari-Cachoeira no início de 1970 e Pimentel ficou apreensivo. Médici desceria

em Curitiba e, em companhia do governador, seguiria de carro até Antonina, onde fica

a usina. Era uma viagem de uma hora e meia. Acontece que o presidente só sabia falar

de futebol. Como Pimentel não gostava tanto desse esporte, ficou imaginando sobre o

110


Ao lado do

governador, o

presidente Médici

inaugura, em 1970,

a Usina Capivariachoeira,

com

capacidade para

247 MW

111 10


Usina Hidrelétrica

Júlio de Mesquita

Filho, construída

no rio Chopim,

município de

Dois Vizinhos,

representou a

redenção das regiões

Oeste e Sudoeste

que poderiam conversar. Para ter assunto com o presidente e para que a viagem não

ficasse monótona, o governador decidiu passar uma noite inteira lendo tudo o que

podia sobre futebol, decorando nomes, times e fatos.

- Ao inaugurar várias hidrelétricas, o Paraná era sempre destaque na imprensa.

Mas isto foi ficando comum e já não rendia tanto: os jornais se limitavam a colocar

apenas algumas linhas. Então, Paulo Pimentel sugeriu que uma das hidrelétricas

tivesse o nome do jornalista Júlio de Mesquita Filho, herdeiro do fundador do jornal

O Estado de São Paulo. Na época, o presidente da Copel, Pedro Viriato Parigot de

Souza, foi contra, dizendo que Júlio de Mesquita Filho nunca havia feito qualquer

coisa pelo Paraná. Mas a inauguração renderia uma manchete de primeira página e foi

assunto por uma semana no jornal. A “badalação” foi tamanha que governadores de

outros Estados queriam saber por que o Paraná era tão divulgado. No caso da Júlio de

Mesquita Filho, quando perguntado, Pimentel sempre sugeria que conversassem

com Parigot de Souza.

....

Até 1967, a Romagnole manteve a sua “miscelânia” de produtos, fazendo de tudo

um pouco e mantendo como carro-chefe a fabricação de postes para fornecimento ao

Estado. Porém, diante a necessidade de ajustar o seu foco e agregar novos itens

ligados à área de energia, alguns artefatos de cimento, como lajes, tanques, postes

residenciais de entrada e outros, de menor retorno financeiro, deixariam de ser

112


produzidos.

Nessa época, a empresa contava com uma equipe de vendedores percorrendo o

Paraná, os quais, após seus inúmeros contatos, retornavam para Mandaguari trazendo

não apenas blocos de pedidos, mas também sugestões de

novos produtos que haviam sido feitas pelos compradores.

.....

As coisas iam acontecendo rápido para Álvaro que, em

novembro de 1968, com pouco mais de 20 anos, casava-se

com Ana Maria Sophia, sobrinha de sua cunhada Rosa,

esposa de Vicente. Era também uma vizinha dos tempos de

chácara, que Álvaro conhecia desde quando ela nascera,

passando a infância juntos.

Os irmãos carregavam a responsabilidade de comandar

uma empresa que crescia de maneira acelerada, sempre

contratando novos funcionários e ampliando seu espaço

físico na Rua Rocha Pombo. Sem dizer que, um ano antes,

ambos decidiram prestar apoio ao irmão mais novo,

Francisco, que demonstrava interesse pelos estudos. Isto seria importante para ele e a

própria empresa em seu futuro.

Como a Romagnole havia se tornado fornecedora de razoável volume de postes

para a Copel, numa época em que o processo de eletrificação se desenvolvia em todas

as regiões do Estado, o trabalho era intenso e as oportunidades de novos negócios

apareciam a todo instante, o que levava, forçosamente, a uma expansão.

Mesmo sem uma formação acadêmica que pudesse oferecer-lhes um mínimo de

conhecimento teórico para avançar nessa área industrial e superar desafios cada vez

mais complexos, os irmãos, sempre ousados, mantinham-se atentos e receptivos à

incorporação de novos produtos. Portanto, após deixarem de produzir alguns itens

que demandavam grande esforço das equipes e não eram o foco da empresa, eles

começaram a voltar suas atenções para produtos que tivessem afinidade com a

eletrificação. Sim, pois percebendo a demanda que se manifestava através dos

contatos e das sugestões trazidas pelos vendedores, viram que o melhor a fazer,

naquele momento, seria ampliar o portfólio específico na área. Dessa forma, em

1969, os Romagnole começaram a produzir todo um conjunto de ferragens

galvanizadas para uso na instalação da rede elétrica. O desafio se repetia: primeiro

conseguiam peças que eram levadas ao funcionário Anastácio Quintanilha,

contratado especialmente para o desenvolvimento de metalurgia, a quem cabia gastar

“tutano” na busca de um jeito de fabricá-las, o que sempre acontecia. Para isso, o

criativo Quintanilha usava sucatas e até mesmo peças de caminhão, concebendo

matrizes que dariam origem a uma intensa linha de produção.

Álvaro e Ana Maria

casam-se em 1968

113 10


Governo Federal

estabelece diretrizes

Embora tivesse sido constituída em 1962, apenas a

partir da década de 70 a Eletrobrás assumiria posição ativa

no setor elétrico nacional.

Nesse sentido, a postura e a atuação da estatal foram decisivas para a

consolidação da nova estrutura produtiva e financeira do setor de energia

elétrica.

A política energética da Eletrobrás seria pautada por quatro itens:

prioridade atribuída à opção hidrelétrica, em oposição à termoelétrica;

estratégia de construir grandes usinas geradoras de alcance regional em

termos de mercado consumidor; constituir-se em holding estatal e elaborar

um padrão de financiamento do setor elétrico nacional, conjugando recursos

de diferentes fontes: tarifária, impostos, empréstimos compulsórios e

empréstimos do sistema financeiro internacional.

114


Aliado a isso, no decorrer da década de 70, ocorreriam mudanças significativas

no setor elétrico e nas atividades de planejamento energético em todo o mundo,

entre elas o choque mundial do petróleo, em 1973.

O primeiro choque mundial do petróleo não afetaria tão

drasticamente a economia brasileira, devido ao chamado “milagre

econômico” que, entre 1968 e 1973, levou o Produto Interno Bruto

(PIB) a crescer a uma taxa média anual superior a 10%. O Brasil não

escapou, porém, do segundo choque, em 1979, que teve reflexos

importantes na economia nacional, destacando-se a aceleração do

processo inflacionário, a redução das taxas de crescimento do PIB, o

desemprego e o desequilíbrio das contas públicas.

A redução do crescimento econômico fez com que a demanda

energética apresentasse taxas declinantes, o que gerou capacidade

ociosa no setor elétrico nacional. Isso implicou no aumento dos

prazos de amadurecimento do capital investido e na diminuição da

capacidade de auto-financiamento do setor.

De acordo com especialistas, o impacto da percepção mundial da

dependência do petróleo levou o mundo todo, pela primeira vez, a

abordar o planejamento energético sob uma ótica multi-setorial, ou

seja, integrando o setor elétrico e de petróleo. Além disso, buscouse

uma maior interação entre oferta e demanda nos planos para o setor.

.....

As eletroferragens, adquiridas em grandes volumes pela Copel,

significariam mais um forte impulso para a Romagnole, que iniciava a

década de 70 de maneira muito promissora. Nesse ritmo, imaginando

que em poucos anos, provavelmente, as instalações da Rua

Rocha Pombo se tornariam acanhadas, Vicente e Álvaro se depararam

com a necessidade de transferir a fabricação de postes para

uma área bem mais ampla e adequada a esse fim, no parque industrial

do município. Para isso, sabendo que o governo do Estado dispunha

de recursos para serem investidos no desenvolvimento da economia

estadual através do serviço público, eles encorajaram-se a pleitear

um financiamento ao BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento

do Extremo-Sul), instituição que, por sua vez, representava o BNDES (Banco

Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

Era preciso “pensar grande”, como se dizia na época e, assim, aproveitar o momento

para consolidar a Romagnole como empresa fornecedora de produtos para

O processo de produção

de ferragens impulsionou

as vendas

115 10


A fabricação

de transformadores

começou modestamente

em um dos barracões

da empresa

eletrificação. Obtido o financiamento, foi possível então construir uma moderna

estrutura de fabricação de postes em uma área de 75 mil metros quadrados,

localizada no parque industrial situado na saída de Mandaguari para Maringá.

Quando se fez a transferência desse setor, em 1975, continuaram em mais de 8.500

metros quadrados na Rua Rocha Pombo as atividades relacionadas à produção de

eletroferragens e também alguns itens remanescentes da elaboração de artefatos

de cimento.

.....

Com duas unidades, a indústria conseguiria deslanchar ainda mais em seus

negócios. No entanto, uma nova investida estaria sendo preparada para os

próximos anos, de modo a ampliar o leque de produtos para eletrificação e garantir

à empresa uma posição de destaque ainda maior em seu segmento. Tudo começou

quando, em 1976, Álvaro, durante uma conversa com Vicente, lançou uma

indagação: por qual motivo eles ainda não estavam fabricando transformadores?

Sim, pois se haviam conseguido, com muita garra e talento, desenvolver

tecnologia de produção de postes e ferragens afins, fornecendo produtos de

qualidade reconhecida para um mercado exigente, certamente que também

116


fariam sucesso com transformadores.

O emblemático questionamento de Álvaro suscitaria tamanha reflexão por

parte de Vicente que este, enxergando aí uma nova e interessante oportunidade,

decidiu sair atrás de alguém que entendesse do assunto.

Claro, a complexidade que envolvia a fabricação de um transformador

dependeria do conhecimento de uma pessoa especializada. Pois Vicente,

em suas andanças, encontrou um engenheiro com esse perfil, o qual aceitou

trabalhar com os irmãos mediante uma participação de 5% sobre a venda

desses produtos. Começava assim, então, a aventura da Romagnole no

novo segmento: inicialmente, os equipamentos eram bastante robustos, o

que agradava aos clientes. Para produzir transformadores, a indústria montou

um setor específico nos barracões da Rua Rocha Pombo e alguns dos

funcionários, entre eles Anastácio Quintanilha, participaram do estágio

Robustos, os

produtos encontraram

boa receptividade no

mercado

117 10


inicial da fabricação. O engenheiro deu conta do recado e a empresa foi em frente,

oferecendo ao mercado um produto de grande porte, sempre do mesmo tamanho.

Com o passar dos anos, Vicente e Álvaro perceberam que era preciso

aperfeiçoar o transformador: além de melhorar a qualidade, buscar meios de

reduzir os custos, que ofereciam pouca margem de lucro, e também diversificar

nos tamanhos, de modo a ampliar a clientela. Como o engenheiro não conseguia

promover as mudanças necessárias, um outro profissional seria contratado pelos

irmãos, o qual trouxe uma gama de novos conhecimentos que possibilitou à

empresa, enfim, impulsionar a fabricação dos transformadores. Esse setor se

incorporou com tamanha perfeição à estrutura da Romagnole que seu crescimento

seria significativo nos anos seguintes, a ponto de levar os diretores a buscar um

novo financiamento junto ao BRDE para a instalação de uma unidade própria, com

45 mil metros quadrados, inaugurada em 1979. Naquele ano, o irmão Francisco

termina a sua faculdade de Engenharia Elétrica em Curitiba e passa a trabalhar

nessa nova unidade, coordenando as áreas técnicas e de controle de qualidade. Ali,

eram fabricadas peças de 5 a 5.000 kVA, nas classes de tensão de 15, 24 e 36,2 kV,

destinadas a aplicações industriais, prediais e a linhas de distribuição urbanas e

rurais.

A empresa começou

a exportar transformadores

já em 1977

118 76 10


119


Prestígio

Além de diversificar e

sofisticar a linha de

transformadores, a

Romagnole, em expansão,

implantou unidades de

fabricação de postes em

Pato Branco-PR e

Amélia Rodrigues-BA

Produzindo postes, ferragens e transformadores em

larga escala, a Romagnole se tornaria uma importante fornecedora

da Copel, no Paraná, além de uma série de outras

companhias de energia elétrica pelo País, sem contar prefeituras,

loteadoras, cooperativas e empresas em geral.

Os irmãos Vicente e Álvaro eram empresários que se destacavam, por suas

realizações, em toda a região. Com as três unidades da empresa, já empregavam mais

de mil funcionários e a perspectiva era de continuar crescendo. A marca Romagnole

havia angariado prestígio nacional e a demanda por seus produtos impunha um ritmo

veloz, como nunca se tinha visto.

Em 1982, os irmãos decidiram investir

na expansão dos negócios, instalando

unidades para fabricação de postes em

outros Estados, visando a aproveitar

oportunidades que surgiam. Começaram

por Pato Branco, no Paraná, onde a demanda

regional era intensa. Montou-se,

então, uma empresa no comando da qual

permaneceriam por cerca de cinco anos.

Ainda em 1982, a Romagnole é convidada

por duas companhias baianas para

instalar-se naquele Estado, onde o desafio

era avançar fortemente no processo

de eletrificação rural. Com isso, chegaria

ao município de Amélia Rodrigues,

120 10


próximo a Feira de Santana, onde permaneceu por aproximadamente dez anos,

fabricando postes.

Quando, em 1983, José Richa assumiu o governo do Paraná, a empresa, que já

havia ascendido à condição de maior fornecedora da Copel, encontrava

condições favoráveis para desenvolver-se ainda mais. Isto porque, no setor de

energia elétrica, o governo de Richa foi marcado pela execução do mais

ambicioso programa de eletrificação rural já realizado no Estado, o Clic Rural,

que ligou 120 mil propriedades no prazo de quatro anos. Até então, apenas 20%

dos imóveis existentes no campo contavam com luz elétrica, índice quase

quatro vezes menor que os de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Entendendo que o grande obstáculo para a expansão das redes elétricas no

meio rural era o seu custo de construção e instalação, que resultava em um elevado

desembolso para o agricultor, José Richa determinou à Copel estudos para

simplificar e baratear tais projetos com o uso de técnicas, materiais e equipamentos

alternativos, capazes de tornar o serviço acessível, mas sem comprometer os

requisitos de segurança e desempenho.

O resultado foi um corte praticamente pela metade dos custos até então

praticados, com a adoção, por exemplo, das linhas elétricas monofilares (redes com

um só cabo condutor em lugar dos três habituais). Só com o emprego dessa técnica

seria possível atingir uma redução de 32% no custo de construção. Adicionalmente,

Com o Programa

Clic Rural, o

governador José

Richa impulsionou

o processo de

eletrificação a um

grande número de

regiões ainda

desassistidas no

interior

121 10


Em quatro anos,

cerca de 120 mil

propriedades rurais

passaram a contar

com energia elétrica

um financiamento do Banco Mundial de US$ 104 milhões possibilitou à Copel

financiar os agricultores no pagamento da sua parte no custo da ligação, o que levou a

um número expressivo de interessados a aderir ao programa.

Durante os quatro anos do governo de Richa, a Copel construiu 50 mil

quilômetros de linhas e redes elétricas rurais o equivalente a uma volta em redor da

Terra e elevou o índice de eletrificação do Estado para 50%.

Nas diversas solenidades de inauguração de obras do Clic Rural de que

participou, Richa sempre destacava a necessidade de oferecer ao homem do campo

conforto, bem estar e meios de melhorar a produtividade como formas de evitar o

êxodo rumo às cidades. Uma das frases preferidas do governador nessas ocasiões era

o lema do programa americano de recuperação social e econômica daquele país após

a grande depressão de 1929, o “New Deal”, idealizado pelo presidente Roosevelt:

“Em cada propriedade um poste, em cada panela uma galinha”.

Além do Clic Rural, Richa criou também o programa Clic Urbano, que atenderia

mais de 60 mil famílias de baixa renda, moradoras nas cidades. Em seu período, o

governador enfrentou dois eventos climáticos de forte impacto no Estado, que

tiveram reflexo na área de geração de energia da Copel: a grande enchente do rio

Iguaçu, em 1983, e a longa estiagem entre 1985 e 1986.

122 10


No ano de 1985, uma nova unidade Romagnole seria implantada em Pindamonhangaba-SP,

para a fabricação de postes. E, em 1987, Francisco assumiria o

cargo de Diretor Industrial.

Até o final daquela década, a economia brasileira passaria por grandes

dificuldades em razão do descontrole da inflação que, em alguns períodos,

chegou a 80% ao mês. Com isso, companhias de outros Estados que compravam

produtos da empresa, demoravam para efetuar os pagamentos. O País vivia um

momento de incertezas com sua economia instável, em que as organizações não

conseguiam planejar-se, enquanto muitas outras fechavam as portas.

Tal situação alarmou a Romagnole, que se via, ainda, dependente do

faturamento resultante das vendas para grandes companhias estatais de energia.

Em paralelo a esse cenário preocupante, era cada vez mais comum ocorrer uma

“ressaca” quando de mudanças no âmbito dos governos estadual e federal: após

eleitos, governantes colocavam em segundo plano os compromissos financeiros

assumidos anteriormente, que apenas eram honrados após exaustivas e demoradas

gestões.

Diante disso, tornou-se imprescindível diversificar a clientela, sob pena de a

empresa entrar em dificuldades. Vicente e Álvaro decidiram, então, reavaliar o foco,

direcionando parte das vendas para o mercado privado, através da ampliação de uma

rede de representantes em vários Estados. E, ao mesmo tempo, investir na exportação

de produtos como transformadores e ferragens, confiando em sua qualidade e

competitividade, o que viria a acontecer em escala crescente a seguir.

Álvaro Fernandes Dias,

que foi governador do

Paraná entre março de 1987

e março de 1991, também

foi responsável por avanços

do setor de energia elétrica

no Estado. Em seu governo,

foi viabilizada a Usina

de Segredo e ampliado o

atendimento com energia,

realizando-se 252 mil ligações

residenciais urbanas, 80 mil

rurais, 27 mil comerciais e

mais de 5 mil para novas

indústrias. Além disso,

foram implantados 940 km

de linhas transmissoras, 67

novas subestações e ampliada

a potência de outras 357.

As obras da Usina do Xisto,

em São Mateus do Sul,

abriram perspectivas de

desenvolvimento industrial

para a região.

123 10


Durante alguns anos,

a Romagnole atuou no

segmento de pré-moldados,

fornecendo estruturas de

concreto para diversos

fins nas áreas urbana e

rural. No início dos anos

80, inclusive, a empresa

aproveitou-se do “boom”

do setor sucroalcooleiro

do País, sendo fornecedora

de pré-moldados para a

implantação de várias

usinas no Paraná, como

a de Cidade Gaúcha.

Na foto abaixo, um dos

veículos da empresa de

transportes Ana Rosa,

de propriedade da

Romagnole, surgida para

suprir as necessidades da

empresa no escoamento da

produção rumo às

diferentes regiões do País

124 10


125 76 10


Começa a privatização...

De

acordo com especialistas, as soluções para os

problemas enfrentados pelo setor elétrico no final dos

anos 70 e em toda a década de 80 foram se delineando no

sentido de mudar qualitativamente a atuação do Estado

no setor.

Dessa forma, a nova estrutura construída na metade dos anos 80

esteve voltada para a diminuição da participação e intervenção direta

do Estado, substituindo-a pela função de agente regulador e

financiador. Isso seria o sinal verde para o processo de privatização.

O entendimento é que não se pode atribuir apenas à crise

econômica o motivo da diminuição da participação do Estado no

setor elétrico. Durante os anos 90, a "onda neoliberal" que tomou

conta do cenário econômico mundial, em decorrência da queda do

socialismo e do fenômeno da globalização, aliada à ineficiência das

companhias por ingerências políticas, fizeram com que no Brasil o

setor elétrico seguisse em direção à privatização.


Em vista dessas mudanças e também da instituição de um aparato legal em favor da

privatização, a década de 90 seria marcada pela competição. Analistas explicam que a

implantação de um novo modelo setorial, privilegiando a busca de competição, onde

ela fosse possível, bem como a atração de investimentos privados, valorizaram em

excesso a atividade de auto-regulação do mercado, relegando a um segundo plano a

formulação de políticas energéticas e também a realização de exercícios de

planejamento. Isto ocorreria não apenas no Brasil, mas também em alguns outros

países que passavam por esta mesma transição na organização de indústrias de

suprimento de energia.

No Paraná, os avanços técnicos e as vantagens econômicas advindas do Clic

Rural, seriam mantidas e ampliadas pelo governador Roberto Requião no

programa de eletrificação desenvolvido em seu primeiro mandato, iniciado em

1991: o Força Rural. Para realizar 50 mil novas ligações a custos acessíveis em

quatro anos, Requião inovou introduzindo a equivalência em milho, mecanismo

destinado a proteger o agricultor contra a variação dos índices oficiais de correção

monetária. Assim, o valor da parcela mensal financiada pela Copel era convertido

em sacas de milho pelo preço de comercialização do dia e, no vencimento, a prestação

era atualizada segundo os índices oficiais e pelo critério das sacas de milho,

permitindo que o agricultor pagasse o valor menor.

Outra inovação importante adotada por Requião foi permitir aos agricultores

beneficiados que se organizassem em mutirões para ajudar na construção das redes de

distribuição de energia, reduzindo o custo da obra e, por conseqüência, o valor a ser

desembolsado.

O governo Requião

inovou ao implantar

um sistema de

equivalência em

milho para que os

proprietários rurais

pudessem custear

suas ligações

127 76 10


Em 2001, País

viveu período de

desabastecimento e,

no Paraná, governo

estadual tenta

vender a Copel

Nesse período, o Brasil passaria por profundas transformações no setor elétrico. O

governo de Fernando Henrique Cardoso implantaria a livre concorrência para

promover a eficiência no setor, com regulação e fiscalização, visando a garantir

transparência para atrair o capital privado. A perspectiva era de privatizar

praticamente todo o setor de distribuição de energia elétrica como condição

necessária à alocação de recursos, a criação de um programa de termelétricas

(Programa Prioritário de Termelétricas - PPT) e a implantação do Mercado Atacadista

de Energia (MAE). Seria então criada a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)

como agente regulador do setor.

O novo modelo para o setor elétrico não chegou, porém, a ser totalmente

implementado nos oito anos do governo FHC, visto que o processo de privatização

não foi concluído, da mesma forma que o PPT se resumiria a uma idéia que sequer saiu

do papel. Além disso, mantiveram-se incertezas regulatórias, o

que desestimularia o investimento privado. Para completar, o

governo ainda enfrentaria uma crise de desabastecimento de

energia em 2001, deixando evidente a fragilidade do setor. Diante

disso, o governo se afastaria do exercício de planejamento

energético, acreditando que o mercado poderia resolver tudo.

....

O ano de 2001, aliás, foi especialmente importante para o setor

energético do Paraná, ente a possibilidade de venda da Copel. No

entanto, a mobilização popular reacenderia a discussão no País

sobre as privatizações e acabou freando o processo de venda da

empresa, articulado durante o governo de Jaime Lerner.

Pode se dizer que o obscuro processo de privatização da Copel recebeu um banho

de luz e cidadania, como publicou a Revista Confea/PR. Vender a Companhia, afinal,

não foi tão fácil quanto o governo do Paraná imaginava. E por um simples fato:

ninguém contava com a ampla mobilização da sociedade em torno do assunto e nem

com a interferência direta de especialistas no setor de energia elétrica, como fez o

CREA-PR. A novela, que demoraria vários meses, passou por capítulos que

mostraram tanto tentativas desesperadas do governo do Estado de vender a Copel

como comemorações populares momentâneas por vencer algumas etapas da briga

contra a privatização.

Na verdade, as movimentações do governo do Estado para privatizar a empresa

começaram atribuladas e num cenário bem pouco recomendado para uma operação

comercial dessa magnitude. De um lado, o governo federal já havia suspendido o

processo de privatização desse setor, visando a não comprometer ainda mais o

vexaminoso quadro do apagão nacional. De outro, o cenário internacional - pós

atentado terrorista nos Estados Unidos da América - mostrava que o momento não

era propício ao fechamento de grandes negócios com investidores estrangeiros: a

moeda estava desvalorizada e a segurança econômica mundial inibia a oferta de

128 10


potenciais compradores.

Dizia-se que a importância estratégica da Copel está para o Paraná assim como

Furnas e Itaipu estão para o Brasil.

No dia 11 de junho, uma marcha com 40 mil pessoas contrárias à venda da Copel

cercou a Assembléia Legislativa durante ato de entrega de 40 mil assinaturas do

primeiro projeto de iniciativa popular a tramitar em um legislativo estadual no País.

No entanto, em setembro, o governo do Paraná anuncia o preço mínimo para o leilão,

de R$ 4,324 bilhões. O Fórum Popular contra a Venda da Copel, com mais de 400

entidades, contesta o valor e diz que a empresa vale pelo menos R$ 35 bilhões.

A Copel é considerada uma das mais rentáveis e lucrativas empresas do setor

energético brasileiro. Quando foi assinado o decreto de desestatização, em setembro

de 1999, a companhia anunciava um lucro, referente ao exercício

anterior, de R$ 403 milhões. Com 5 subsidiárias, responsáveis pela

geração, transmissão, distribuição, comunicações e participações em

outros empreendimentos, a empresa já representava 10% de toda a

demanda de pico no Brasil, com 4.545 MW/hora. Um quinto de toda a

energia de suas 18 usinas já era destinada para outros Estados, sendo

95% de sua energia de origem hidráulica, permanente e renovável.

Além de tudo isso, a Copel dispunha de um potencial hídrico

remanescente de 17 mil MW, bem superior à capacidade de Itaipu, e

mantinha em suas barragens um volume extraordinário de água.

No Paraná, existe em abundância o cobiçado vetor de geração de

riquezas. Como foi dito, produz-se 30% além da demanda de consumo

interno do Estado, excedente que é destinado a cobrir o pico da

demanda nacional.

Portanto, a conscientização popular contra a venda da Copel não

ocorreu por acaso. As mais de 400 entidades representativas investiram

na realização de dezenas de debates e palestras como forma de instrumentalizar

a população contra a privatização.

Cerca de 98% dos eleitores do Paraná opinaram contrariamente à

alienação das ações, durante um plebiscito, mesmo sem valor legal, exercendo a

cidadania como jamais tinha sido visto na história política do Estado. As batalhas

travadas em várias frentes - tanto jurídicas como políticas - somadas à determinação

de centenas de entidades nacionais em apontar o erro estratégico que estava sendo

cometido contra o desenvolvimento social e econômico, transformaram-se nos

principais escudos do povo paranaense contra a venda da Copel.

Além disso, as entidades integrantes do Fórum foram orientadas a republicar a lista

com nome e foto dos “28 deputados traidores” que votaram contra o projeto de

iniciativa popular.

Numa fase seguinte, o Estado buscou retomar o papel central das decisões no setor

elétrico, não como uma volta ao passado, mas tentando encontrar a melhor forma de

129 76 10


A Usina de Figueira

é a única termelétrica

entre as 18 centrais de

geração próprias da

Copel, as demais são

todas hidrelétricas.

Inaugurada em abril

de 1963, tem capacidade

instalada nominal de

20 MW (megawatts)

dividida em dois grupos

geradores, e 14 MW

médios de energia

assegurada.

Comparativamente,

essa capacidade de

geração equivale ao

consumo de uma

cidade com 70 mil

habitantes.

Com quatro unidades

em operação, 24 mil

postes são produzidos

por mês

intervenção no setor por meio de políticas energéticas adequadas, regulação e

planejamento. Na opinião de especialistas, o Brasil revela uma tendência de voltar a

intervir na política energética em maior grau do que se vê em outros países.

Com o novo modelo do setor elétrico nacional, implementado no primeiro

mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Ministério de Minas e Energia

(MME) passou a ser o poder concedente e centralizador das decisões do setor. Tem

ele a responsabilidade pela escolha dos dirigentes dos órgãos responsáveis pela

operação do sistema elétrico, assim como pelas licitações de compra de energia das

geradoras pelas distribuidoras.

A partir de então, as empresas só podem comprar energia por meio de licitações

pelo menor preço. O objetivo é oferecer, no futuro, menores tarifas ao consumidor.

Outra mudança implementada pelo governo Lula ocorreu na área de prestação de

serviços no que refere a estudos e pesquisas, destinadas a subsidiar o planejamento do

setor, que passa a ser feita pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), criada a partir da

Lei 10.847/04. Nesse novo modelo, todos os esforços estão voltados para a

modicidade tarifária e a estabilidade regulatória, numa tentativa de atrair investimentos.

Avançando em seu projeto de expansão, a Romagnole implanta em 2002 uma

unidade de fabricação de postes na cidade de Cuiabá, Mato Grosso.

No ano seguinte, adquire uma estrutura montada, para o mesmo fim, no município

de Itaboraí, Estado do Rio de Janeiro.

Essas duas novas plantas, somadas às de Mandaguari-PR e Pindamonhangaba-SP -

cada uma delas com área de 60 mil metros quadrados em média - atendem a um raio de

400 quilômetros em suas regiões e elevam a capacidade de produção da empresa para

24 mil postes por mês.

Já a área de eletroferragens, que coloca a Romagnole como líder nacional no setor,

compreende a produção de cerca de 3 mil itens com a operação de duas fábricas em

130


Mandaguari, cidade que passou a sediar também

um Centro de Distribuição. Com isso, o portfólio

da empresa, além de toda a linha de alta tensão,

inclui uma série de outros produtos complementares,

como cabos de alumínio, parafusos e ferragens

diversas.

Por sua vez, a Romagnole chegaria também à

liderança no segmento de transformadores de 5 a

30 kVa, produzindo em torno de 6 mil unidades

mensais. No processo de fabricação em série desse

tipo de equipamento, passariam a ser elaboradas

100 toneladas mensais, em média, de fio esmaltado,

produto que deixou de fazer parte do leque

oferecido aos clientes para atender exclusivamente

o próprio consumo.

Intensificada, a exportação de transformadores e ferragens chegaria ao final de

2006 atingindo cerca de 30 países das três Américas, Caribe e Oriente Médio. O

mercado externo - para o qual a empresa começou a direcionar seus negócios a partir

de meados dos anos 80 - ganharia tamanha importância para a empresa que absorveria

25% do volume total atualmente produzido. Do restante, 40% são direcionados para

companhias estatais de energia de vários Estados e 35% para consumidores do setor

privado.

Para atuar em condições de pronta-entrega no suprimento de transformadores e

ferragens ao mercado norte-americano, a Romagnole teria a partir de 2004 a sua

primeira unidade internacional, um Centro de Distribuição localizado em Houston,

no Texas, Estados Unidos.

Acima, um dos itens

da produção de

ferragens; abaixo,

embarque de

transformadores

131 76 10


Assim, com tamanha estrutura, a empresa chegou ao final de 2006 contabilizando

um faturamento da ordem de US$ 130 milhões, montante que significava praticamente

o dobro em relação ao total obtido em 2004, para se ter idéia do forte ritmo

de crescimento - o que tem sido uma constante em sua história.

Considerada a mais diversificada e completa organização em seu setor no País, a

Romagnole vem sendo preparada para novos desafios, entre os quais a exigência de

dobrar a capacidade de produção de todos os seus itens em curto espaço de tempo, de

forma a responder com rapidez a um vigoroso crescimento da demanda. Afinal, tudo o

que estiver relacionado a desenvolvimento da região e do País implicará, direta e

necessariamente, na participação da empresa, por ser, a mesma, uma das principais

provedoras de materiais e insumos voltados à infraestrutura para eletrificação.

Desde crianças, na faixa entre 10 e 12 anos, Silvana, Alexandre e os primos Álvaro

Márcio e Simone acostumaram-se a estar presentes nos corredores e setores da

Romagnole, estimulados pelos pais Vicente e Álvaro. À medida em que iam

crescendo, começaram a executar pequenas tarefas e a tomar gosto pelo trabalho,

bem como as responsabilidades do dia-a-dia.

Em 2004, um passo decisivo seria dado no sentido de direcionar a Romagnole para

os novos tempos. De uma única unidade de negócios, a empresa seria segmentada em

quatro divisões específicas: 1) fabricação de transformadores, 2) fabricação de postes,

3) fabricação de ferragens galvanizadas e, 4) Centro de Distribuição. Para avançar

Estados Unidos

Houston

América

Central

África

Oriente

Médio

Países da

América

do Sul

Centro de Distribuição (CD)

de Houston-USA

132


ainda mais nesse objetivo, em agosto de 2006 o Grupo decidiu empreender uma

importante mudança em seu capital, alterando-o de sociedade limitada (Ltda) para

sociedade anônima (S/A), mas ainda sem acesso à participação de terceiros, o que

poderá acontecer no futuro.

Com Vicente na função de Diretor-Superintendente do Conselho de Administração

e com Álvaro nos cargos de Diretor-Geral e Diretor-Presidente do Conselho

de Administração, a empresa caminha para um novo salto em sua história, tendo à

frente um horizonte repleto de oportunidades.

Em 2007, os irmão

Vicente e Álvaro

comandam empresa com

1.900 colaboradores

que em 2006 faturou

US$ 130 milhões

Uma iluminada história brasileira

Ao deixar o Vêneto no final do Século XIX, atrás de melhores perspectivas de vida em terras

brasileiras, a família Romagnolo avançaria para ser, duas gerações mais tarde, participante direta do

processo de eletrificação do País.

Para isso, pioneiros sonhadores como Francisco e sua mulher Natalina encorajaram-se a superar

desafios no Estado de São Paulo e a enveredar pelo Norte paranaense, seguindo a bendita trilha do café.

Da agricultura para o comércio, os filhos Vicente e Álvaro, sob a chama de um intrépido espírito

empreendedor, forjariam uma nova realidade. Assim, as agruras dos primeiros tempos seriam os alicerces

de uma empresa que nascia para ser uma das principais fabricantes de produtos elétricos do Brasil.

São muitos os símbolos de coragem e de luta a referendar essa trajetória de sucesso. Desde o vapor a

singrar o Atlântico, o duro trabalho nas lavouras cafeeiras, às mudanças de uma região para outra e o

desbravar do sertão inóspito, descortinando oportunidades, o sonho jamais se perdeu.

Agora, no alvorecer do Século XXI, a quarta geração da família assume o seu papel com uma visão

ainda mais ampla. Dessa forma, páginas continuam sendo escritas com desenvoltura, paixão e

sensibilidade, envolvendo mais de 1,9 mil outras famílias e movendo toda uma economia regional.

De um extremo a outro, uma saga com personagens marcantes e cenários variados, o fio condutor de

uma iluminada história brasileira.

133 76 10


Paraná aproveitou

quase todo seu

potencial hidrelétrico

Aconstrução de um grande número de usinas transformou

o Estado, excluindo Itaipu, no terceiro maior produtor

brasileiro de energia

Lembrança de Sete

Quedas, no Rio

Paraná (acervo

família Bacarin)

O crescente número de barragens para construção de usinas hidrelétricas nos

Rios Iguaçu, Paranapanema, Capivari e Paraná, causou perturbações ambientais e

disputas por terras, até mesmo em reservas indígenas. Em 1982, o desaparecimento

do Salto de Sete Quedas, imposto pela necessidade de formar o reservatório da

represa de Itaipu, provocou intenso movimento de protesto.

Sobre isso, em seu “Caderno de Idéias”, publicado no mês de dezembro de

2003, o jornalista Fábio Campana comenta que “Nos anos 70, o Estado passou

a represar os rios e a construir grandes hidrelétricas. Afogamos Sete Quedas e

as terras mais férteis do extremo-Oeste. Expulsamos população para o

Paraguai e para o Norte. Alto preço para passar à condição de grande produtor

de energia”.

.....

O Paraná conta com um grande potencial hidrelétrico, muito bem

aproveitado, especialmente no Rio Iguaçu, onde foram construídas várias

hidrelétricas, entre elas as de Foz do Areia, Salto Osório e Salto Santiago.

Próximo de Curitiba está a usina hidrelétrica de Capivari-Cachoeira, uma das

primeiras construídas pela Copel. Mais recentemente foram construídas

pequenas centrais hidrelétricas em vários rios de menor porte, como a de

Chavantes e Vossoroca. No Rio Chopim, no Sudoeste do Estado, foi

134


construída a usina hidrelétrica de Júlio de Mesquita Filho. Mas está localizada entre

Brasil e Paraguai, no Rio Paraná, a usina hidrelétrica de Itaipu, a maior do mundo,

construída em conjunto com o país vizinho, e que fornece energia para vários

Estados brasileiros. Tem capacidade para produzir 12.600 MW e só em 1991,

quando foi concluída, instalou as últimas turbinas. Teve suas comportas fechadas em

12 de outubro de 1982 e a usina hidrelétrica foi inaugurada em 5 de novembro do

mesmo ano, durante a presença dos presidentes João Baptista Figueiredo, do Brasil,

e Alfredo Stroessner, do Paraguai.

Devido à utilização de quase toda a sua capacidade instalada de megawatts, o

Paraná é o terceiro maior produtor de energia elétrica do Brasil.

Desde que Itaipu iniciou a produção comercial de energia, em maio de 1985,

passou a pagar royalties aos governos dos dois países, conforme está previsto no

Anexo C do Tratado de Itaipu, publicado no Diário Oficial da União, no Brasil, em 30

de agosto de 1973. O pagamento de royalties ao Brasil e ao Paraguai é uma

compensação financeira pela utilização do potencial hidráulico do Rio Paraná para a

produção de energia elétrica.

No Brasil, em 11 de janeiro de 1991, entrou em vigor o Decreto nº. 1, discriminando

a distribuição de royalties a Estados, municípios e órgãos federais, beneficiando

principalmente os municípios mais afetados pelo alagamento de terras para a

formação do reservatório. Com isso, os principais beneficiados foram o governo do

Paraná e os 15 municípios paranaenses

limítrofes ao reservatório

de Itaipu.

Calcula-se que de 1985 a

2007, Itaipu pagou ao Brasil

mais de US$ 3,01 bilhões em

royalties.

No Paraná, os municípios

que têm direito a recebê-los

são: Santa Helena, Foz do Iguaçu,

Itaipulândia, Diamante

D’Oeste, Entre Rios do Oeste,

Guaíra, Marechal Cândido

Rondon, Medianeira, Mercedes,

Missal, Pato Bragado, São

José das Palmeiras, São Miguel

do Iguaçu, Santa Terezinha de

Itaipu e Terra Roxa. Também

tem direito ao benefício o município

de Mundo Novo, no

Mato Grosso do Sul.

No ano de 1982,

o Brasil colocou

em operação,

juntamente com o

Paraguai a Usina

Hidrelétrica de

Itaipu, a maior do

mundo, do gênero,

localizada em

Foz do Iguaçu-PR

135 76 10


Final

O presidente da

Copel, Rubens

Ghilardi, anunciou

em junho de 2007

que a empresa

pretende construir

pelo menos dez

Pequenas Centrais

Hidrelétricas (PCHs)

no Estado até 2010,

numa soma total

de geração de

energia de 260

megawatts (MW).

O investimento é

de R$ 520 milhões.

Para garantir crescimento do PIB (Produto Interno

Bruto) da ordem de 4% a 5% ao ano, o Brasil precisa

aumentar sua capacidade instalada de geração de

energia, que em 2006 era de 96,3 mil megawatts

(MW) de potência.

Segundo especialistas, a lição que ficou do

racionamento de 2001 foi que ao longo dos anos

anteriores a ele não houve a agregação de hidrelétricas

no país com regularidade e nem um parque

térmico de grande porte.

O quadro atual não é muito diferente. Não há agregação

de usinas hídricas e o parque térmico está inoperante por

falta de combustível. O entendimento é que o Brasil

precisa de mais térmicas para melhorar seu equilíbrio

energético. Apesar de caras, elas são essenciais

para dar segurança ao sistema.

A questão do licenciamento ambiental, somada

aos problemas relacionados com a preservação de

terras indígenas, é tida por especialistas do setor

como um obstáculo gigantesco para viabilizar

obras que o próprio governo considera indispensáveis.

...

136 76 10


Ao relatar a trajetória da família

Romagnolo, este livro

homenageia a todos os imigrantes

italianos e de outras

origens que, à custa de sacrifícios,

sofrimento e, principalmente, com muita

coragem e vocação para o trabalho,

contribuíram com suas gerações de

descendentes para dinamizar e fortalecer

a economia do Brasil. Seja de forma empreendedora

ou, simplesmente, emprestando

seu talento e força de trabalho à

formação da sociedade e a cultura do

País.

O mesmo se pode dizer dos precursores

da energia elétrica. Graças à sua inquietude e

determinação, a humanidade experimentou um formidável

processo de evolução que passou pela história

de cada região, como o Norte do Paraná. Da mesma

maneira que se olha, portanto, em direção aos novos

tempos, é indispensável preservar a memória dessa

aventura admirável, para que sirva de referência e

lição de vida às próximas gerações.

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Referências

- Copel Informações - edição especial - setembro 1979

- Site da Copel - “História da energia elétrica no Paraná”

- Museu da Energia Elétrica - Curitiba-PR

- Acervo família Romagnole - Mandaguari-PR

- Acervo Akimitsu Yokoyama - Mandaguari-PR

- Acervo Afra de Oliveira - Mandaguari-PR

- Acervo Maurinho Piccioly - Maringá-PR

- Acervo Paulo Cruz Pimentel - Curitiba-PR

- Acervo Kurt Jacowatz - Apucarana-PR

- Mandaguari, sua história, sua gente (1982)

- Energia Elétrica no Brasil - Rio de Janeiro - Biblioteca do Exército Editora, 1977.

- Paraná - Relatórios de Presidentes de Província ao Legislativo (Curitiba, 1854-

1912 e 1927-1929).

- Paraná em Páginas - Curitiba - 1941-1992

- Gazeta do Povo

- Estado do Paraná

- Diário do Paraná

- Valor Econômico/CCEE (14/03/07)

- Wilson, Sons

- Ipardes

- Prefeitura do Município de Maringá - Secretaria de Cultura - Divisão de

Patrimônio Histórico e Cultural

- Um Século de Eletricidade no Paraná, coordenado pela Profa. Dra Márcia

Dalledona Siqueira (UFPR), Prof. Dennison de Oliveira (UFPR), Prof. Edson

Armando Silva (UFPG), Profa. Dra. Etelvina Maria de Castro Trindade (UFPR) e

Prof. Dr. Euclides Marchi (UFPR), resultado de convênio Copel-UFPR.

- Departamento de Energia Elétrica da UFPR

- Revista do Confea

- Universidade Estadual de Londrina (UEL)



LEI DE

INCENTIVO

À CULTURA

MINISTÉRIO

DA CULTURA

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