Clareira Flamejante - O Norte do Paraná antes e depois do advento da energia elétrica
No papel de empresa cidadã, a Romagnole presta um importante apoio à preservação da memória e dos valores de um povo. Lançado em 2007.
No papel de empresa cidadã, a Romagnole presta um importante apoio à preservação da memória e dos valores de um povo. Lançado em 2007.
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ROGÉRIO RECCO
Clareira
Flamejante
O Norte do Paraná antes e após o advento da energia elétrica
Florestas com 40 metros de altura
sucumbiam aos desbravadores,
que abriam grandes clareiras
para dar lugar a fazendas e cidades.
Atrás deles vinha o fogo,
igualmente implacável,
e tudo ardia por semanas.
De dia, de tanta fumaça,
quase não se via o sol.
De noite, a visão fascinante
e aterradora das clareiras flamejantes.
ROGÉRIO RECCO
Clareira
Flamejante
Projeto desenvolvido com o apoio da Romagnole Produtos Elétricos S.A.
LEI DE
INCENTIVO
À CULTURA
MINISTÉRIO
DA CULTURA
1ª Edição - Maringá - PR - 2007
Santo é o Senhor Deus do Universo
www.clareiraflamejante.com.br
PROJETO ESPECIAL
Av. Carneiro Leão, 135, 9° andar,
Cj 902 – CEP 87013-080 Maringá-PR
Tel/fax (44) 3028-5005
rogeriorecco@flammacom.com.br
www.flammacom.com.br
PRODUTOR EXECUTIVO
Pery de Canti
PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO
André Bacarin Ernesto
APOIO TÉCNICO
André de Canini, Wallace Antonio
Matarolli Freires, Carmem Salgueiro,
Daniel Aires, Marly Aires
AGRADECIMENTOS
João Laércio Lopes Leal, Jorge Fregadolli,
Kurt Jakowatz, Cézar Lima, Afra de
Oliveira, Sérgio Mendes, Rose
Machado, Maurinho Piccioly, Akimitsu
Yokoyama, Museu da Energia e Copel
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Midiograf
Ao completar 45 anos, a Romagnole
tem a satisfação de apresentar “Clareira
Flamejante”, uma obra documental em
formato literário que, de forma objetiva,
relata as etapas de desenvolvimento da
energia elétrica, com ênfase no Norte do
Paraná.
É a contribuição da empresa para a
memória da região, através da pesquisa
de fatos e depoimentos que enriquecem
uma narrativa envolvente, onde não
faltam emoções e surpresas.
Um trabalho que possibilita às
novas gerações conhecer os desafios que
marcaram a aventura dos antepassados,
os quais, acalentando muitos sonhos,
deram-nos um exemplo de capacidade
realizadora.
SILVANA ROMAGNOLE
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP)
(Biblioteca Central - UEM, Maringá - PR., Brasil)
Recco, Rogério
R295c Clareira flamejante / Rogério Recco.-- Maringá :
Gráfica e Editora Midiograf, 2007.
140p.:il. ; color. ;fot.
ISBN 978-85-60591-03-9
1. Energia elétrica - Paraná - História. 2. COPEL -
Paraná - História. 3. Eletrificação - Paraná. 4.
Romagnole - Paraná - História.
CDD 21.ed. - 621.31098162
6
Em pouco mais de um século o Paraná saiu da luminosidade incipiente dos lampiões públicos, que
precisavam ser acesos e apagados todos os dias pelos chamados “vagalumes”, para tornar-se um dos
maiores produtores brasileiros de energia elétrica. Apesar dessa trajetória, o processo de expansão da
eletricidade pelo interior foi bastante lento, a ponto de, em plena década de 50, uma cidade
importante como Maringá, servida por obsoleto equipamento de geração eletro-diesel, ainda ficar
praticamente às escuras, a exemplo o que ocorria na maior parte dos municípios do Norte e Noroeste
do Estado.
O livro “Clareira Flamejante”, que tem o respaldo da empresa Romagnole, propõe-se a contar
essa história, resgatando os passos do desenvolvimento da energia elétrica no Paraná e os
acontecimentos – dramáticos, por sinal – vividos por regiões que, mesmo em meio a um surto de
desenvolvimento tão veloz, não tinham como eferecer esse recurso à sua gente.
Surgida em 1954, a Copel começou a operar, dois anos depois, justamente em Maringá e outras
cidades da região, conseguindo, com dificuldades, superar os desafios.
O livro é uma obra importante sob o ponto de vista histórico e documental. Parabéns a todos que
se encontram envolvidos nesse projeto.
RUBENS GHILARDI
Diretor-Presidente da Copel
Mais que um rico conteúdo sob o ponto de vista histórico sobre os avanços da energia elétrica no
Paraná, “Clareira Flamejante” é, acima de tudo, uma demonstração de zelo, respeito e
comprometimento da Romagnole para com a história. Tal obra, que merece ser lida com atenção,
constitui também um exemplo a ser seguido pelas demais indústrias paranaenses. Através de
instrumentos como a Lei Rouanet de Incentivo à Cultura, do Ministério da Cultura, é possível
desenvolver projetos brilhantes como este, que preservam a memória de um povo.
RODRIGO ROCHA LOURES
Presidente do Sistema FIEP (Federação das Indústrias do Estado do PR)
É sempre muito interessante poder falar e, ao mesmo tempo, aprender através dos livros. Neste
sentido, “Clareira Flamejante” se soma, certamente, às iniciativas bem-sucedidas no campo da
história e da literatura paranaenses, mostrando os avanços da energia elétrica, bem como os detalhes
de seu advento na região Norte do Estado. Meus cumprimentos à empresa Romagnole, ela própria
resultado da visão e do trabalho de seus empreendedores, por oferecer-nos uma obra tão valiosa.
PAULO CRUZ PIMENTEL
Ex-governador do Paraná e ex-presidente da Copel
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Sumário
Introdução
14 - Fantásticas mudanças
Parte 1
28 - A colonização
32 - Os “pés vermeios”
36 - Os italianos e o café
44 - Terra dividida
Parte 2
62 - Rápido crescimento populacional
72 - O governo cria a Copel
88 - A família segue em frente
90 - A Copel se estrutura em Maringá
Parte 3
100 - Artefatos de concreto
102 - O Paraná moderniza sua economia
106 - Tudo era feito no braço
110 - Trabalhando como nunca
114 - Governo Federal estabelece diretrizes
120 - Prestígio
126 - Começa a privatização...
134 - Paraná aproveita quase todo seu potencial hidrelétrico
136 - Final
138 - Referências
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9
Prefácio
AA luz, segundo o ensinamento bíblico, foi obra realizada no
primeiro dia da criação divina. O Criador, ao separar a luz da
treva, chamou a primeira de dia e a segunda de noite. Embora
tenha um significado mais amplo, a citada imagem da luz remete, obviamente, ao
sol. Espontaneamente, os homens primitivos beneficiavam-se com o calor e a
luminosidade do sol. Não sabiam, porém, como canalizá-lo. O fogo foi a primeira
fonte natural de energia dominada pelo homem.[1] O impacto foi tão grande que a
cultura grega nos legou o mito de Prometeu, o titã que tomou o fogo dos deuses e
o entregou aos homens. Prometeu foi castigado pela ousadia, mas os homens
souberam usar o benefício recebido. “Fonte de todas as artes”, o fogo iluminava,
aquecia, servia para forjar equipamentos de trabalho, objetos diversos e armas.
Na contemporaneidade, o domínio da energia elétrica desempenhou um papel
equivalente no imaginário da humanidade, tal foi a revolução que propiciou na
tecnologia e no cotidiano da população. A energia elétrica tornou-se, acima de
tudo, sinônimo de progresso. No Brasil, sabe-se que o uso da energia elétrica data
dos tempos de D. Pedro II, no último quartel do século XIX. No Paraná, chegou
em 1890. Sua expansão para o interior foi lenta, embora muito desejada. E em
Maringá, como ocorreu essa história?
A pioneira Winifred Ethel Netto, que chegou a Maringá no final de 1947, relata
que sua família contou com luz elétrica desde o início. Mas era uma exceção.
Prevenidos, ela e seu marido, Odwaldo Bueno Netto, trouxeram um gerador, fios e
lâmpadas.[2] O fato de destacar que não viveram tal privação decorre da percepção
de que não era essa a situação geral, detalhada em abundantes registros. Ao se
mudar para Maringá, a pioneira Marianna Tait acusou: “não tinha luz, era lamparina,
só vi o pessoal tirando água”.[3]
Na obra do escritor J. F. Duque Estrada, há cenas reveladoras daquele final dos
anos 1940. No romance Isto é você, Maria, descreve o ambiente do Hotel Bom
Descanso: “a arrumação dos móveis, as cortinas com longos babados, toalhas e
lençóis muito limpos e um artístico lampião a querosene colocado sobre o
camiseiro”.[4] Menos prosaicas são as passagens do livro Terra crua, que tece cenas
com enormes toras de perobas semi-queimadas e com ruas e praças sem
iluminação. As noites, que nada tinham de atraentes, tornavam obrigatório o uso
de lanterna, medida de segurança para quem se aventurasse pelas ruas escuras e
desertas.[5] No início dos anos 1950, Maringá era a cidade mais iluminada de toda a
região, conforme a memória do advogado Edmundo Canto. Só que a claridade
vinha dos troncos queimados, que “ardiam em brasa durante dias e noites
seguidas”. Daí a iluminação noturna.[6]
Entre os migrantes que constituíram a população de nossa cidade, muitos vinham
de zonas rurais, mas não era desprezível o contingente, oriundo de centros urbanos
mais antigos, habituado ao uso da energia elétrica. Não espanta que essa fosse uma
10
das carências mais acusadas por aqueles que adotavam Maringá para viver. Na escala
de prioridades, estava entre as primeiras. Por isso mesmo, era pauta inadiável a ser
enfrentada pelos primeiros dirigentes públicos do município, eleitos em 1952.
Aliás, no último comício da campanha de Inocente Villanova Jr., que se tornaria o
primeiro prefeito de Maringá, a carência desse serviço gerou um saboroso episódio
político. Quando ele se preparava para discursar, “sabotaram a luz, cortando os fios
que a levavam ao palanque”. O candidato não deixou barato. Manteve o discurso e
bradou que “a escuridão significava a mentalidade dos seus adversários”.[7]
Testemunhos da época sugerem, entretanto, que foi uma artimanha de sua
coordenação de campanha. Simulando preocupação, um dirigente de seu partido
teria dito aos adversários da UDN: “se acabar a luz na hora do discurso do Villanova,
será um desastre”. A isca teria sido mordida pelos udenistas.[8] Qualquer que seja a
origem da idéia, o fato é que os cabos da bateria foram desligados e o discurso de
Villanova, extraindo dividendos políticos da situação, foi concluído com uma
promessa: “eu lhes garanto: se eleito, vou instalar a energia elétrica em Maringá”.
Mal tomou posse, Inocente Villanova Jr. começou a enfrentar o problema. Na
primeira sessão da Câmara Municipal, um vereador da base de apoio do prefeito
informou a seus pares quais eram as providências que o Executivo vinha adotando a
respeito da questão da eletricidade. No relatório de gestão de Inocente Villanova
Jr., lê-se: “instalação de quatro motores para o fornecimento de energia elétrica”.[9]
A solução definitiva, evidentemente, ocorreu em processo. Por muito tempo, a
cidade, mesmo com a expansão dos serviços de energia elétrica, conviveu com a
presença de lamparinas e lampiões, especialmente nas regiões de população de baixa
renda. Em um período em que a fronteira entre o campo e a cidade não era tão
rígida, as pessoas costumavam se referir a essa novidade de seu cotidiano com um
vocabulário repleto de permanências do universo rural. Assim, uma lâmpada de 100
watts era referida como uma “lâmpada de 100 velas”. Solução original e criativa.
Em Clareira Flamejante, o jornalista e escritor Rogério Recco faz um relato rico
e denso dessa epopéia, tendo como foco a história de Maringá e região. Sua
narrativa abarca tanto o período em que o clarão vinha dos troncos que ardiam em
brasa, imagem traduzida no próprio título do livro, quanto o processo de
implantação dos serviços de energia elétrica. Seu trabalho tem o mérito inicial de
propor um tema que, em um primeiro contato, poderia até parecer técnico e
desinteressante. Basta, porém, que se leia cada página para verificar quanto o tema
é fascinante. Afinal, a relação de homens e mulheres com o controle e o uso de
energias, independentemente da época e dos padrões tecnológicos vigentes, diz
respeito a tudo que envolve a sua vida.
Atento às múltiplas dimensões do fenômeno, Rogério Recco acerta ao analisar a
repercussão da questão da energia elétrica, seja pela presença ou pela ausência, no
cotidiano da população, onde a relação se torna concreta. Traz à tona, com isso,
11
aqueles elementos mágicos do universo da memória, impregnado de emoções as
mais diversas. Mais do que tornar a leitura agradável, isso imprime mais densidade à
história narrada. Afinal, não é propriamente de energia elétrica que se quer falar,
mas da vida de mulheres e homens e de sua experiência na edificação de sua cidade.
Nos últimos anos, a bibliografia sobre a história de Maringá e região ampliou-se
muito. O livro Clareira Flamejante não é apenas mais um título que se soma a
tantos outros. Baseado em uma pesquisa extensa, apresenta uma contribuição
singular, vertida em um texto sóbrio e acessível, sobre um tema pouco explorado
entre nós. Diverte, informa e faz refletir. Merece ser lido, divulgado e debatido.
Até mesmo para salientar a atualidade do tema do livro, não posso deixar de
observar como, apesar de vivermos uma época em que os debates concentram-se
na utilização sustentável de múltiplas formas de energia, o imaginário popular ainda
é preenchido pela energia elétrica. Seu apelo pode ser medido pelo alcance social
dos programas “Luz para Todos” e “Luz Fraterna”, implementados, recentemente,
pelos governos federal e estadual. Esses programas pautam tanto a expansão dos
serviços quanto a oferta gratuita à população de baixa renda. Na sensibilidade e no
linguajar de nossa época, trata-se de promover a inclusão social.
Em contrapartida, o vocabulário da grande política recebeu a incorporação de
um termo curioso: “apagão”. Originalmente empregado para definir a falta de
provisionamento e de fornecimento de energia elétrica, virou sinônimo de crise na
prestação de qualquer serviço público. Há quem não goste do curioso vocábulo e
de seus usos. Não se pode negar, contudo, que ele tem a enorme vantagem de ser
fácil de entender. Apagar a luz, afinal, é voltar às trevas, sejam elas literais ou
metafóricas. Desde as mais remotas épocas, o que a humanidade quer mesmo é
poder dizer, fazendo eco ao que se lê na Bíblia a respeito do primeiro dia da
criação, “haja luz”.
Reginaldo Benedito Dias
Professor do Dep. de História da UEM
[1] Cf. MELLO, Lilia, N.C. Luz e força movimentando a história. Rio de Janeiro: Centro de Memória da eletricidade no
Brasil, 2003.
[2] Cf. NETTO, Winifred Ethell. Quando o amor transpõe o oceano: uma história de coragem. São Paulo: Cultural, 2005.
[3]TAIT, Tania. As excluídas da história: o olhar feminino sobre a história de Maringá. In DIAS, Reginaldo B. &
GONÇALVES, J. H. R (orgs). Maringá e o norte do Paraná: estudos de história regional. Maringá: Eduem, 1999, p. 358.
[4]DUQUE ESTRADA, J. F. Isto é você, Maria. Curitiba: Artes gráficas, Maringá, 1974, p. 13.
[5] DUQUE ESTRADA, J. F. Terra crua. Curitiba, 1961.
[6] SERRA, E. Cocamar: sua história, sua gente. Maringá: Cocamar, 1989, p. 18.
[7] DUQUE ESTRADA, J. F. Terra Crua. Curitiba, 1961, p. 70.
[8] Conforme anotações do professor Antonio Augusto de Assis, o petebista Álvaro Fernandes reivindicava a autoria do
plano e afirmava ter “soprado” a idéia para Malachias de Abreu (UDN). Houve quem atribuísse a Fernandes a própria
execução do ato.
[9] REIS, O. Maringá e seus prefeitos. Maringá: Clichetec, 1996, p. 33.
12
“As noites eram tenebrosas. Vultos silenciosos
se moviam no escuro. Alguns se moviam
como sombras e outros levando
uma lanterna e lampião numa
das mãos e, na outra, uma arma.
Lendas eram criadas e o medo
se tornava contagiante.”
(Jacus & Picaretas, Ildeu Manso Vieira, página 145)
13
Introdução
Fantásticas
mudanças
Aeletricidade faz parte da natureza e
se manifesta de diferentes maneiras. Entre as mais
visíveis, as descargas elétricas que faíscam os
céus quando de tempestades. Pois foi somente no
século XIX que a civilização humana conseguiu
colocá-la a seu serviço.
As aplicações de energia elétrica vinham sendo desenvolvidas na Europa desde a
Revolução Industrial. Na segunda metade dos anos de 1850, após séculos de uso da
lenha, das velas de cera, das lamparinas que queimavam óleo de baleia e da
iluminação a gás inaugurada pelo Barão de Mauá, essa evolução chegava ao
Brasil.
De acordo com Lourenço Lustosa Froes da Silva, em seu “Iluminação
pública no Brasil, aspectos energéticos e institucionais”, Dom Pedro II havia
visitado a Exposição de Filadélfia em 1876 e voltara encantado com a energia
elétrica. Autorizou então que Thomas Edison introduzisse suas invenções no
País e, em 1879, era inaugurada a iluminação elétrica da estação central da
Estrada de Ferro D. Pedro II (depois Central do Brasil), no Rio de Janeiro,
constituída por apenas 6 lâmpadas “Jablockhov” acionadas a partir da energia
elétrica gerada por dois dínamos.
Em 1887, Porto Alegre inaugurava um serviço municipal de iluminação pública -
o primeiro do País - aproveitando a energia gerada em uma usina da Companhia Fiat
14
Lux. No Rio de Janeiro, criava-se a Companhia de Força e Luz, responsável por mais
de 100 lâmpadas. Ao mesmo tempo, os serviços viabilizados pela energia elétrica se
estendiam à forma motriz, principalmente no setor têxtil.
Embora as primeiras experiências tivessem acontecido no Rio de Janeiro,
anteriormente outras cidades já haviam experimentado o melhoramento, ainda que
precariamente. A primeira, em 1883, foi Campos dos Goytacazes-RJ. A seguir
vieram outras: Rio Claro-SP, Juiz de Fora-MG, Piracicaba-SP, São Carlos do Pinhal-
SP, Ribeirão Preto-SP, São João Del Rei-MG, Belo Horizonte-MG, Petrópolis-RJ,
Manaus-AM e Belém-PA.
A primeira usina considerada de porte para “força e luz”, expressão corrente para
denominar os serviços de força motriz e iluminação, foi a hidrelétrica de Marmelos,
erguida pelo industrial Bernardo Mascarenhas, considerada o marco zero da história
da energia elétrica no Brasil e na América Latina, construída em 1889 às margens do
Rio Paraibuna, em Juiz de Fora-MG.
Com isso, um dos primeiros serviços produzidos a partir da energia elétrica foi a
iluminação pública.
Até 1900, as pequenas usinas instaladas somavam apenas 12 MW de capacidade,
eminentemente técnica. Com a chegada do Grupo Light (do Canadá) o potencial
hidrelétrico do País começaria a ser explorado de forma mais intensa. Em 1889, a
Light iniciava a operação de suas primeiras linhas de bondes elétricos na capital
paulista, produzindo energia numa pequena central a vapor.
No Brasil, o êxito
na difusão da
eletricidade somente
viria ocorrer no
período republicano,
pois até então era
utilizada
iluminação a gás.
Rio de Janeiro, meados
do século XIX, foto de
Marc Ferrez
(www.memoriaviva.com.br).
A capital do País
realizou as primeiras
experiências com
iluminação pública
15
Acima, a aquarela
de Jean Baptista
Debret, de 1820,
mostra escravos
manipulando um
lampião à azeite de
peixe; abaixo,
lampadário público
instalado na esquina
das ruas Alfândega
e Regente Feijó
(www.memoriaviva.com.br)
A cidade do Rio de Janeiro, ainda em meados do século XVI e até o início do
século XVII, era dotada de fraca iluminação noturna, percebida somente através das
janelas, vindas de candeeiros, lamparinas e velas voltadas para o interior das
construções. Nas vias públicas, a única iluminação que se tinha era de cunho
religioso, nos oratórios. Os hábitos dos habitantes eram, portanto, diurnos.
A primeira lanterna permanente acesa no Rio de Janeiro foi a que o Convento de
Santo Agostinho, no Largo da Carioca, ergueu em sua portaria em 1710. No início
do século XVIII, quando a população da cidade era de 12 mil habitantes, as lanternas
começaram a suprir a iluminação externa, nos prédios públicos e em algumas
residências, sendo fixadas nas ombreiras das portas. Entre 1779 e 1790 já havia 73
lampadários instalados, custeados por particulares, em oratórios da cidade,
conforme cita Ruy Maurício de Lima e Silva, em “Rio de Janeiro em seus 400 anos”.
“Em 1763, quando o Rio de Janeiro passou a ser capital do Brasil, a cidade era
iluminada apenas e muito precariamente, por meio de lampiões e candeeiros
alimentados a óleo de peixe. A iluminação pública era assim precaríssima em ruas
estreitas e não calçadas, o que fazia o povo recolher-se cedo, fechar as portas e evitar
saídas noturnas”.
Foram instalados pelo governo em 1794 os lampiões e candeeiros de azeite,
fixados em postes nas ruas da cidade, custeados pelo poder público e por
particulares. As casas eram iluminadas por meio de pequenos cilindros coloridos de
vidro, enchidos com cera com um pavio no centro.
A Família Real se transfere para o Brasil em 1808 e D. João VI institui a
Intendência Nacional de Polícia para cuidar da segurança e do policiamento. A
Intendência de Polícia providenciaria a instalação de iluminação em diversas ruas da
cidade para evitar a escuridão, tida
como propícia à proliferação de
marginais. Foram colocados, a cada
100 passos de distância, lampiões
sobre colunas de pedra e cal no trajeto
do coche de D. João em direção à
Quinta da Boa Vista. Essa estrada
ficaria conhecida como Caminho das
Lanternas e, posteriormente, Caminho
do Aterrado, por avançar sobre
alagadiços então existentes.
Na Europa, a partir de 1784, o engenheiro
escocês William Murdock
(1754-1839) iniciou estudos para utilizar
o gás advindo da gaseificação do
16
As primeiras experiências com eletricidade
1800 – Criação da bateria pelo físico italiano Alessandro Volta.
1831 – Desenvolvimento de transformação da energia mecânica em
energia elétrica pelo pesquisador inglês
Michel Faraday e o norte-americano
Joseph Henry.
1867 – O alemão Werner von Siemens
concebe o dínamo e sua aplicação
industrial.
1879 – A lâmpada elétrica é inventada
pelo norte-americano Thomas Alva
Edison (foto)
1888 – Nikola Tesla, croata, desenvolve a
corrente alternada, o que leva à instalação
de sistemas de iluminação em larga
escala.
1900 – O uso do alternador
e do transformador
possibilita o transporte
de energia a longa
distância.
A viabilização da eletricidade foi
progressiva e comercial. Primeiro nas
comunicações, depois na metalurgia, na
indústria química leve e finalmente na
iluminação
17
Os “vagalumes”,
profissionais
responsáveis por
acender e apagar
os lampiões das
cidades, foram
fundamentais até
1930, quando a
eletricidade ainda
era artigo raro e,
no lugar de lâmpadas,
os postes usavam gás.
Ao lado, a Rua do
Ouvidor no dia 18
de fevereiro de 1911,
quando da
inauguração do
sistema de
iluminação elétrica
(www.memoriaviva.com.br)
carvão como fonte de iluminação. Em 1802, no Soho, em Londres, seria feita a
primeira experiência pública de queima desse gás, por meio de dois abajures. Já em
1819, Londres contava com 288 milhas de dutos de distribuição de gás para prover
51 mil queimadores destinados a iluminar ruas.
Irineu Evangelista de Souza, Barão de Mauá, conseguiu finalmente em 1850
apresentar ao Ministério da Justiça uma proposta viável para iluminar a cidade com
“gás hidrogênio carbonado”, garantindo-lhe o monopólio da exploração da
atividade por 25 anos. Em 1854, o Barão inaugura a iluminação a gás, alimentada por
uma rede de 20 quilômetros de dutos de ferro. Cada combustor fornecia iluminação
equivalente a seis velas de cera.
A iluminação a gás era um sucesso. Em 1857 foram instalados 3.027 combustores
e a área central da cidade viria a ser rapidamente atendida.
Porém, após a descoberta do petróleo nos EUA, em 1859, o uso do querosene,
com chama mais intensa e menos fuligem, começou a ganhar espaço. O lampião
passou então a ser a opção para as populações rurais e mais carentes.
O gás teve seu apogeu no Rio de Janeiro em 1912, com o registro de 22.440
combustores de iluminação pública, mas em 1913, começou a ser substituído pela
eletricidade.
A lâmpada incandescente,
desde a sua invenção,
em 1879, passaria
por uma série de aperfeiçoamentos
que a tornaria
tecnologia quase absoluta
para iluminação durante
a primeira metade do
século XX.
Por volta de 1930, foram
desligados os últimos
lampiões a gás no
Rio de Janeiro. Nesta
mesma época a cidade
recebeu o título de “Cidade-luz
sul-americana”,
sendo reconhecida
como uma das mais iluminadas
do mundo e
comparável, inclusive,
com Paris.
18
O Paraná passou a contar com energia elétrica praticamente na mesma época que
o Rio Grande do Sul, Estado onde o século XIX foi marcado pela Revolução
Farroupilha e também, mais ao seu final, pela Guerra do Paraguai. A capital gaúcha
era a cidade mais próxima do teatro de operações.
De 1889 a 1940, as administrações republicanas promoveram um surto de
desenvolvimento em Porto Alegre, instalando eletricidade, rede de esgotos,
transporte elétrico, água encanada, as primeiras faculdades, enfim.
Em Santa Catarina, algumas cidades saíram na frente em matéria de energia
elétrica. Na primeira década do século, Blumenau já dispunha de um rudimentar
sistema de iluminação pública. A Usina Hidrelétrica Salto Wissbach, construída em
1916, significou um avanço em relação aos modestos geradores, além de impulsionar
a industrialização em todo o Médio Vale do Itajaí.
Joinville serviu-se da Usina Hdirelétrica Piraí a partir de 1908 e, em 1913, foi a
vez da São Lourenço, em Mafra. Para atender a capital, o governador Gustavo
Richard determinou a construção da Usina Hidrelétrica Maroim, em São José. A
cidade reafirmou sua vocação como prestadora de serviços, em especial depois da
chegada da iluminação pública e da inauguração da Ponte Hercílio Luz, em 1926.
No Paraná, desde a criação da Província, em 1853, já havia registro da existência
de iluminação, com base na combustão a óleo de peixe e em condições precárias,
conforme expôs o presidente da Província, Zacarias de Goes e Vasconcelos:
(...) Apenas em Paranaguá accendem-se quatro ou pouco mais lampeões na cadeia e na alfandega, e
nesta cidade dous junto à residencia do governo.
A preferência pelo uso do lampião a querosene se dá em 1863, em detrimento do
similar a óleo, devido à comodidade e também o custo. A responsabilidade pela
iluminação pública era das municipalidades, através de suas Câmaras Municipais,
mas na década de 1870 a iniciativa privada começava a atuar na execução dos
serviços.
Em 1880, o presidente da Província, Sancho de Barros Pimentel, determinou que
o Thesouro Provincial abrisse concorrência para que fosse implantada iluminação a
gás carbônico, assim, a primeira lâmpada elétrica de Curitiba seria instalada no
Passeio Público, em 1886.
A iniciativa pioneira para a iluminação de Curitiba ocorreu no dia 9 de setembro
de 1890, após celebrado contrato entre a Intendência Municipal e a Companhia de
Água e Luz do Estado de São Paulo. Buscava-se um melhor serviço de fornecimento,
o que, entretanto, não viria a acontecer tão logo. Dona de uma concessão de 20 anos,
a Companhia investiu na construção da Usina Termelétrica de Capanema, a primeira
do Estado, que ficava em um terreno localizado atrás do então Congresso Estadual,
hoje a Câmara Municipal de Curitiba.
Sob a direção do engenheiro Leopoldo Starck, seu construtor, a usina entrou em
funcionamento no dia 12 de outubro de 1892, utilizando duas unidades a vapor. Ambas
produziam 4.270 HP de força, devorando 200 metros cúbicos de lenha por dia.
O presidente da
Província, Sancho
de Barros Pimentel
O Passeio Público,
inaugurado em 1886,
recebeu a primeira
lâmpada elétrica
da cidade
19
A usina
termelétrica de
Curitiba começou
a funcionar em
1901 no local onde
hoje é a estação
rodoferroviária
Em 18 de março de 1898, José Hauer consegue a concessão dos serviços de
iluminação da capital, que contava, então, com cerca de 40 mil habitantes. Sua
empresa, José Hauer & Filhos, adquire a Usina de Capanema. As melhorias quanto à
qualidade dos serviços foram, contudo, muito poucas. Se a iluminação era privilégio
de poucos, contar com energia em casa ou no estabelecimento comercial ainda não
passava de um sonho.
Data de 1901 a instalação da segunda usina termelétrica, em um terreno na
Avenida Capanema, onde hoje está a Estação Rodoferroviária. Operando inicialmente
com dois conjuntos geradores de 200 HP cada um, poucos anos depois a
usina seria ampliada com outro gerador de idêntica capacidade.
Em 1903, o governo do Estado assume a administração do serviço de iluminação
pública e particular. No ano seguinte o
contrato de concessão passou para a Empresa
de Eletricidade de Curitiba (Hauer Júnior &
Companhia).
Desse modo, o desenvolvimento da indústria
de eletricidade foi possibilitando
acesso à iluminação, ao aquecimento, à utilização
de pequenos motores, transformando
hábitos domiciliares, gerando novas necessidades
e se tornando um serviço imprescindível.
O jornal A República, em sua edição
de 14 de agosto de 1907, relata o advento da
energia elétrica na cidade, sob o título “A
electricidade e suas vantagens”.
20 10
14
(...) As preeminentes qualidades da energia electrica, deram-lhe em pouco tempo ingresso nas maiores e
menores cidades e aldeas de todos os paizes civilizados e em todos os ramos da industria, influindo sobre
esta proveitosamente e transformando-a, de modo que hoje, a existencia de uma communidade sem a força
electrica é quasi impossivel.
Imprescindivel o seu uso na electro-chimica e medicina, terreno em que ela presta inestimaveis serviços,
emprega-se a energia electrica a grandes distancias; varios motores, em differentes pontos dos edificios,
podem ser installados para as grandes emprezas, com o fim de moverem machinas separadas e em grupos,
tornando-se desse modo inuteis as dispendiosas e perigosas correias e polias de transmissões, que adquirem
tanta força (...)
Não levando em consideração estas commodidades, tambem seria abandonado por completo, o
enfadonho e perigoso combustivel: a lenha ou o carvão, que muitas vezes enche de fumo a cosinha, como
também os fuliginosos trastes da mesma, o fogão e accessorios.
Em lugar destes encontrar-se-ha, elegantes aparelhos que, sem o necessario carvão ou lenha trabalham
sem cheiro e fumaça e que previnem, pela simplicidade e commodidade de sua regulação, qualquer
transbordamento da comida quando estiver fervendo; de modo que a cosinha, pode sempre, com pouco
esforço e trabalho, ser conservada agradavel e limpa.
A commoda regulação da corrente electrica, lhe dá tambem as qualidades necessarias para
aquecer ferros de engommar, que podem ser conservados em qualquer temperatura
desejada, evitando-se assim o queimar da fazenda e roupa, ou o
desenvolvimento de fumaça (...)
Sistema elétrico
de bonde, Curitiba
21
Primórdios da
manutenção de
rede em Curitiba,
durante 1912
Em 1912, a iluminação pública de Curitiba passaria para a responsabilidade da
The South Brazilian Raiway Co. Ltd. A South, como era chamada, já naquele ano
abriu matrículas para a Escola Prática de Mecânica e Eletricidade, destinada a
formar eletricistas, profissão até então desconhecida na capital.
O uso da eletricidade na indústria também significou um avanço ao permitir o
uso de motores de diferentes capacidades dentro de uma mesma fábrica, o que
não era possível com a utilização do vapor. Com isso, foi dado um passo decisivo
em direção à mecanização generalizada da indústria e, em muitos casos, à
produção em série nas grandes fábricas, conforme revela o livro “Um Século de
Eletricidade no Paraná”, produzido por historiadores da Universidade Federal
do Paraná (UFPR) em convênio com a Copel, publicado quando dos 40 anos da
empresa, em 1996.
Somente uma década após a chegada da eletricidade em Curitiba é que uma
segunda cidade do Estado, Paranaguá, contaria com esse recurso. A família
Blitzkow pôs em funcionamento, no ano de 1902, um sistema de geração
com dois grupos a vapor de 65 kVA. Dois anos mais tarde, Ponta Grossa
contaria com energia elétrica, seguida de União da Vitória.
As primeiras usinas geradoras de eletricidade do Paraná eram
movidas a vapor. Só em 1910 seria inaugurada a Usina de Serra da
Prata, perto de Paranaguá, a primeira hidrelétrica do Estado, com
potência de 400 kVA.
Àquelas localidades pioneiras seguiram-se Campo Largo, Prudentópolis,
Castro, Guarapuava, Piraí do Sul e Campo do Tenente, todas em 1911.
Em 1912, Ponta Grossa mostrava-se em estágio adiantado quando comparada
a outros municípios. Um texto publicado no dia 27 de junho daquele ano no
jornal “O Progresso”, com o título “Electricidade e vida moderna”, dá idéia
desse melhoramento:
(...) Em Ponta Grossa, pode haver relativo conforto nas habitações até dos pobres. Em algumas
casas de família o ferro de engommar a carvão foi substituído pelo electrico, nickelado, limpo e
aquecido em 5 minutos. A chaleira da cosinha encrustada de fuligem negra foi substituída pela
caçarola brilhante e limpa que pode ser transportada da cosinha para a sala de jantar onde qualquer
pessoa da casa (o criado hoje é coisa rara) aquecerá o seu chá, leite ou café, a qualquer hora do dia ou
da noite, em alguns minutos após a ligação da corrente. Na estação hibernal não será mais necessario
o tradicional caqueiro ou fogareiro de brasa tão nocivo a saude, pois temos a estufa
portatil com a sua luz fosca e isenta de exhalações podendo se usa-la mesmo no quarto de
dormir. A grelha em que se preparavam as torradas deu logar ao aquecedor nickelado, às
mesas de chá e sobre este mesmo apparelho aquecem-se ou fritam-se os ovos. Daqui há
pouco até mesmo os fogões a lenha ou carvão desaparecerão a vista das enormes vantagens
dos electricos, vantagens de economia, de asseio e de promptidão.
As donas de casa poderão accionar as machinas de costura, as batedeiras de
manteiga, o pequeno moinho de café, e poderão prover muitas outras necessidades domesticas.
Nessa época, outras cidades paranaenses passariam a contar com eletricidade.
Por ordem cronológica: Palmeira, Irati, Ipiranga, São Mateus do Sul,
Jaguariaíva, Senges, Tibagi, Araucária, Cambará, Rio Azul, Andirá, Itambaracá,
Santo Antonio da Platina, Antonina, Guarapuava, Rio Negro, Lapa e Siqueira
Campos, estas últimas já no final da década de 20.
Durante a Primeira Guerra Mundial, houve grande crise de abastecimento de
energia elétrica no País. Em Curitiba, as reclamações contra a atuação da empresa
responsável pela eletrificação, a The South, mostravam que a população estava
descontente com os serviços. O surto do progresso industrial foi acelerado logo
após a Guerra, dadas as dificuldades de importação de produtos industriais
durante os quatro anos de conflito.
No Paraná, em 1920, já havia 20 unidades instaladas de energia elétrica, com
potência de 6.715 kW, gerada por termeletricidade e hidreletricidade.
Algumas indústrias começaram a instalar geradoras para consumo próprio. A
primeira delas, a Indústrias Reunidas F. Matarazzo, em 1921, para movimentar
um moinho de trigo junto ao porto de Antonina e, em 1925, para fazer funcionar
um frigorífico e uma indústria têxtil em Jaguariaíva. A Indústrias Brasileiras de
Papéis, em Arapoti, trabalharia com eletricidade em 1926.
Em 1927, o governador Caetano Munhoz da Rocha deixou registrada a
insatisfação dos consumidores curitibanos com o péssimo atendimento da South.
Naquele mesmo ano, o serviço de iluminação pública da capital seria transferido
A cidade de Ponta
Grossa do começo
do século XX:
adiantada para a
época (Coleção
Adolfo Frioli)
23
24
às Emprezas Electricas Brasileiras S.A., que por sua vez organizaram a Companhia
Força e Luz do Paraná (CFLP), subsidiária do grupo norte-americano
AMFORP, passando a atuar na capital e cidades próximas. Nessa época, a região
da capital contava com 2.590 kVA de capacidade geradora e 7.543 unidades
consumidoras. Nos anos seguintes, a queixa dos consumidores seria com o
excessivo custo do serviço, o que chegou a gerar um
boicote ao consumo em 1932.
A energia elétrica ia chegando, assim, a um número
cada vez maior de consumidores. Até poucas
décadas, as cidades estavam completamente às
escuras e não se fazia idéia das grandes mudanças
pelas quais passariam. Aos poucos, o uso
doméstico da energia elétrica popularizava-se, ao
mesmo tempo em que isso ia modificando o hábito
das famílias.
Os partidários da revolução de 1930, que levou
Getúlio Vargas à presidência da República, dominaram
com facilidade o Paraná. O Estado ficou até
1935 sob intervenção federal, ano em que realizaram-se
eleições. Mas em 1937, Vargas deu um golpe
de Estado, iniciando um período de oito anos de
ditadura. Durante toda essa época, destacou-se no
Paraná a figura de Manoel Ribas, que dirigiu o Estado
de 1932 até 1935, como interventor, de 1935 até
1937, como governador eleito, e de 1937 até 1945,
novamente como interventor. Ao longo de sua administração
houve alguns avanços na eletrificação,
sobretudo no interior, embora a queixa com a
qualidade dos serviços fosse constante.
No entanto, a má qualidade dos serviços podia
resultar, também, em atritos com as empresas. Em
1933, a população de Tomazina revoltou-se com a
precariedade da estrutura mantida pela companhia
responsável pelo fornecimento de energia na cidade,
a Norte do Paraná Ltda, que usava máquinas
obsoletas e postes de madeira (chamados de palitinhos
de fósforo). Um relatório sobre isso seria
apresentado pelo prefeito Avelino A. Vieira ao
interventor Manoel Ribas, em 1941. Os serviços
de luz e força ficaram interrompidos por vários
anos, sem que se conseguisse chegar a um acordo.
A solução foi a transferência da concessão para a Cia. Sul Paulista, que passou a
fornecer luz a Tomazina e demais distritos.
Com a instituição do Código de Águas em 10 de julho de 1934, considerado
um divisor na história da energia elétrica nacional, foi decretado o início da
estatização do setor. Diante dos protestos das empresas estrangeiras, que
limitavam as margens de lucro em 10%, só em 1938 o
Supremo Tribunal Federal proferiu sentença
definitiva em favor da constitucionalidade do Código.
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, seria
interrompida a importação de material elétrico, do
qual o País era dependente. Ao final, os Estados
Unidos proibiram terminantemente a venda e a
fabricação desses equipamentos, a não ser para uso
estritamente militar. Nessas circunstâncias, houve a
estagnação do setor durante o período, o que pressionou
as margens de lucros e criou animosidade
entre as companhias e os consumidores devido aos
inevitáveis problemas com a insuficiência do
fornecimento de luz. O final da Guerra (1945)
coincidiu, inclusive, com o recrudescimento dessas
dificuldades, havendo escassez e racionamentos de
energia.
Mas, em paralelo a todo esse fascinante choque de
modernidade, o Paraná presenciaria uma odisséia em
que a energia elétrica seria, forçosamente, relegada a
um plano secundário. O veloz processo de colonização
do Norte do Estado, que fez brotar um manancial
de oportunidades de enriquecimento aos que se
dispusessem a enfrentar condições absolutamente rudes
e quase primitivas de sobrevivência no sertão, fez
com que um outro tipo de civilização fosse forjada.
Como que num túnel do tempo, milhares de famílias
deixavam para trás países de vários continentes e
suas cidades iluminadas para tentar a sorte na selva e viver
quase como silvícolas. Despidos de conforto, lançavam-se
a uma aventura admirável, habitando inicialmente
toscos ranchinhos erguidos em meio ao sertão
hostil, cultivando o próprio alimento, oferecendo aos
filhos apenas a perspectiva de uma vida melhor, como
veremos adiante.
25
Registros
O que ficou para a história
LEÃO JÚNIOR
Na véspera do Natal de 1900, Agostinho Ermelino de Leão Júnior - que em maio
de 1901 fundaria a empresa Leão Júnior - estava em viagem à Argentina, comercializando
mate. Durante visita à cidade de Córdoba, mostrou-se impressionado com o
desenvolvimento da mesma e, especialmente, a iluminação pública. Em carta
endereçada à esposa Maria Clara de Abreu Leão, ele assim escreveu:
“Aqui chegamos ontem as 2 e meia da tarde, tendo embarcado anteontem em
Buenos Aires. Foram 18 h de estrada de ferro!!! Os carros dormitórios são bons
porem jogam extraordinariamente quase como os vapores. Córdova é maior que
Curitiba, em todos os sentidos. É iluminada a luz eléctrica, gaz incandescente,
tendo também o acetileno... Já percorri os armazeneiros e terça-feira seguirei para
Rosário. Beijos aos filhos, saudades à todos... Do teu esposo que muito lhe quer...
Sinhozinho.”
TODESCHINI
Em 1878, o italiano Giuseppe Todeschini, natural da província de Verona,
Itália, se casa em Curitiba com Domênica Cemin. Seis anos mais tarde, o casal
adquire uma chácara na Avenida Sete de Setembro, iniciando nesse local, no ano
seguinte, a atividade industrial de primeira fábrica de macarrão do Sul do Brasil,
com 6 empregados. Nessa época, a escassez de energia elétrica na capital, não
diminuiu o ânimo do italiano, ele próprio idealizador das máquinas para a sua
indústria. Giuseppe costumava ir, pessoalmente, de casa em casa, oferecendo o
macarrão, alimento ainda pouco conhecido da maior parte da população.
ARTES GRÁFICAS
Em Curitiba, as artes gráficas tiveram um impulso significativo a partir de 1880.
Esse período coincide, praticamente, com o advento da energia elétrica na cidade,
quando os serviços de tipografia passaram a utilizar o preto mecânico. O
equipamento viabilizou o lançamento de revistas, a edição de livros e a melhoria
da periodicidade de jornais como o “Dezenove de Novembro” que, em 1884,
passou a ter edição diária. Alguns estabelecimentos tornaram conhecidos seus
trabalhos de litografia, como a Impressora Paranaense, a Litografia de Alfredo
Hoffmann, a Litografia Progresso e a Sociedade Metalgráfica.
26
Parte 1
A colonização
Planejada em meados dos anos 1920, a colonização do
Norte do Paraná ocorreria nas décadas seguintes em ritmo
alucinante, como poucas vezes se viu no mundo, o que fez da falta
de energia elétrica um grande problema.
Simon Joseph Fraser,
o perspicaz Lord
Lovat da Escócia
Tudo começou quando Simon Joseph Fraser, o Lord Lovat da Escócia, tinha
vindo ao Brasil para pesquisar terras apropriadas ao plantio de algodão, atendendo
interesses da indústria têxtil britânica. Experiente, viajou por várias regiões do
interior paulista e, seguindo a trilha do café, viu-se diante das terras vermelhas
recobertas por floresta no Paraná.
Adentrando ao Estado, percorreu fazendas entre os rios Paranapanema e
Tibagi, onde avistou-se com cafeicultores. Bem impressionado, soube que a
Estrada de ferro Sorocabana, cuja linha ia até a divisa com o Paraná, em
Ourinhos, havia construído um ramal em direção ao município paranaense
de Cambará, o que facilitava o escoamento da safra cafeeira para a capital
paulista.
Por orientação de Lovat, os ingleses adquiriram algumas propriedades
para cultivar algodão e fundaram uma empresa, a Brazil Plantation Sindicate,
que ficou sob o comando do escocês Arthur Thomas. Percebeu-se, logo
depois, que o investimento na cotonicultura não seria promissor.
No entanto, diante de tamanha área inexplorada e vislumbrando a
oportunidade de desenvolver um grande projeto de colonização, os ingleses
adquiriram 515 mil alqueires de terras junto ao governo do Estado e, em Londres, no
ano de 1925, fundam outra empresa, a Paraná Plantation Sindicate que, no Brasil,
teria o seu braço, a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP).
Como eram terras com muitos rios e ramificações de afluentes, os lotes podiam
28 10
ser divididos todos com
acesso a água numa ponta e
estrada na outra. Seriam,
assim, finos e compridos.
Os ingleses fragmentaram
toda a área em pequenos lotes
de modo a oferecer a
oportunidade para que milhares
de pessoas pudessem
adquirir as terras e fazer a vida
com a agricultura. O café,
então um produto de grande
valor econômico, serviria
como uma espécie de âncora
para as propriedades que iam
sendo abertas.
Com tudo pronto e definido, a Companhia decidiu então fazer a divulgação do
projeto de colonização, utilizando-se dos principais jornais e emissoras de rádios do
Brasil. Publicações importantes, como o jornal O Estado de S. Paulo, traziam
anúncios nos quais se procurava chamar a atenção para a excepcional qualidade das
terras vermelhas, próprias para o cultivo de café e livres de pragas como as formigas
saúvas, que infestavam o desgastado solo do interior paulista. Nas mensagens de
rádio, dizia-se: “visite o Norte do Paraná e mande buscar sua família”.
Dessa forma, a região começou a receber gente de todo lado, o que acelerou o
processo de colonização, realizando-se rapidamente a venda de lotes urbanos
e rurais, o que originou fazendas e povoados que iam abrindo ou alargando
clareiras na floresta.
.....
Não havia tempo a perder: as frentes de trabalho eram muitas. Ao mesmo
tempo em que vendia lotes de terras a todos que iam chegando (mesmo a
quem não tinha dinheiro, mas comprometia-se a pagar com os lucros do
café), a CTNP investia na melhoria de estradas e não demorou a iniciar a
construção da linha do trem em direção à bacia do Tibagi.
Contingentes de trabalhadores surgiam para executar a tarefa de pôr
abaixo o sertão. Como uma onda, primeiro vinham os “foiceiros”,
aniquilando toda a vegetação mais baixa com suas ferramentas sempre muito
afiadas. As árvores, inúmeras delas de grande porte, ficavam para os
“machadeiros”, que iam fazendo a destruição e tudo no braço. Quando uma
dessas árvores vinha ao chão, várias outras, em volta, eram esmagadas.
Grupo de desbravadores
no meio da floresta
que recobria as terras
da região; abaixo,
o resultado da caça
à uma pintada e
detalhe de uma
serraria (acervo
Kurt Jakowatz)
29 10
Arthur Thomas
executou o projeto
de colonização da
companhia; na foto
abaixo; uma idéia
de como era difícil
vencer as estradas
do sertão
Em seguida, outro grupo aparecia para fazer leiras, que ficavam a secar por um
tempo. Depois, era a vez do fogo. Tanto fogo e fumaça se via ao mesmo tempo
que parecia o fim do mundo. Labaredas chegavam às alturas, queimando por
semanas as volumosas toras e toda aquela coivara. De longe se podiam ver
gigantescas colunas de fumaça se juntando às nuvens. Em plena noite, o céu
se mantinha avermelhado, intrigando quem, de longe, contemplasse o
sertão. A impressão era de que o sol ainda estava ali, em algum lugar, pouco
abaixo da linha do horizonte.
A legião seguinte de mão-de-obra, contratada por muitos donos de lotes,
atuava na limpeza final e no preparo das terras vermelhas, agora desnudas,
bem como no plantio e na formação de lavouras de café.
As estradinhas eram um formigueiro humano: famílias chegando em caminhão
de mudança, automóvel, carroça, jardineira. Aquele povo todo ia se embrenhando
na selva como se fosse a coisa mais natural.
Elas geralmente chegavam em Ourinhos, no Estado de São Paulo, última parada
antes de adentrar ao Paraná, onde eram orientadas por representantes da CTNP e
viajavam prevenidas até o ponto final, Jataí (hoje o município de Jataizinho). Para
facilitar o transporte do pessoal, a CTNP transformou caminhões Ford 1929 em
jardineiras, colocando bancos nas carrocerias. Compradores de terras, muitos de
origem estrangeira, eram dessa forma conduzidos aos povoados.
No caminho, após muitas horas de cansativa jornada, os viajantes paravam para
um pernoite na chamada Serra Morena, onde mais tarde surgiria a cidade de
Cornélio Procópio. Descansados, seguiam em frente na manhã seguinte, varando
30 10
um picadão repleto de buracos e banhados. Os rios das Cinzas e Laranjinhas eram
atravessados em pontes improvisadas e, quando chovia, o veículo invariavelmente
encalhava e a maioria dos passageiros tinha que descer para empurrar.
Jataí era o ponto de partida para a CTNP empreender o projeto de colonização.
Para chegar lá, os pioneiros atravessavam o rio Tibagi em uma pequena balsa. A partir
de então, acompanhavam os agenciadores até acampamentos abertos no meio da
mata. Uma dessas áreas havia sido reservada pela Companhia para sediar a cidade de
Londrina, o primeiro posto avançado do projeto inglês, que começaria a nascer no
dia 21 de agosto de 1929.
Dessa forma, sem outro jeito, eles decidiam se valia a pena ficar com uns lotes de
terras, a serem pagos por vários anos.
Em 1930, a empresa começou a ampliar o ramal da Estrada de Ferro São Paulo-
Paraná rumo à Londrina. Sob as ordens de equipes de encarregados, centenas de
homens chegavam para devastar a mata, vencer barrancos, nivelar o terreno e abrir
caminho para o tal progresso. “Progresso”: uma palavra que justificava toda aquela
odisséia. A ferrovia era imprescindível para escoar as safras e sua existência
valorizaria as terras.
No ano de 1933, a CTNP abriu um patrimônio com o nome de Nova Dantzig
(hoje Cambé), para abrigar imigrantes que vinham de Dantzig, Alemanha. Surgiram,
também, os povoados de Rolândia e Arapongas. Em 1934, Apucarana e, 1936, Lovat
(cujo nome seria mudado para Mandaguari durante a Segunda Guerra Mundial).
A construção da
estrada de ferro
entre Cambará
e Londrina
(acervo Kurt
Jakowatz)
31 10
Os “pés vermeios”
Quando os primeiros homens chegaram para desafiar
o sertão do Paraná, sentiram-se insignificantes ao contemplar
aquela imensidão verde.
“Ehhh, Paranazão”, saudavam alguns. “Ehhh, fim do mundo”, lamuriavam outros.
Movidos pela promessa de uma nova vida, eles vinham de longe, dispostos a viver
o tempo que fosse preciso nas entranhas da floresta.
“Isso é pra gente maluca, que não preza a vida”, ouvia-se.
Cheias de coragem, famílias sujeitavam-se a adversidades, sacrifícios e
sofrimento. Mas se acostumavam logo a uma situação de despojamento, ao trabalho
penoso, à sujeira, aos riscos tão evidentes de uma aventura que poderia dar em nada
e, pior, abreviar-lhes a existência.
Coisas mínimas não haviam e estavam elas privadas da convivência com o mundo
civilizado. Quem ia para os povoados nascentes, habitava casebres miseráveis a
poucos metros de ruazinhas poeirentas ou encharcadas de lama grudenta. Quando o
sol se punha, quem tinha juízo recolhia-se em casa, evitando os perigos da escuridão.
Para as famílias, era a hora da prosa costumeira, ao redor de uma lamparina,
geralmente em companhia do fogão de lenha. Quem ia abrir uma fazenda, estava
alongado no mato fechado, sem ao menos um vizinho por perto. Esse, mais do que
ninguém, precisava da proteção dos céus e, por via das dúvidas, de cachorros bravos
soltos pelo quintal, além de um potente “berro” sempre à mão para espantar um
animal selvagem ou um intruso que se atrevesse.
Picadas no mato tinham que ser rasgadas no braço, fazendo tombar grandes
árvores, sob o risco de acidentes. Uma galhada, um pau solto, podia vir abaixo com a
vibração das pancadas do machado. Tinha gente que morria assim. Cobras habita-
32 10
vam aos montes aquelas matas, assim como inúmeras espécies animais, sem falar dos
insetos que infernizavam o tempo todo, abrindo feridas no couro. Outros tantos
também encontravam o fim onde, cheios de esperança, buscavam vida melhor.
“Não sei como vim parar aqui”, choramingavam os desanimados. “Esse é um
lugar de futuro”, bradavam os valentes.
Maluca a aventura de viajar por aqueles caminhos, sobretudo em períodos de
chuva, enfrentando lama. As estradinhas viravam lagoas que, à sombra do arvoredo,
permaneciam úmidas por muito tempo, encalhando veículos e enterrando até os
joelhos qualquer um que ousasse encará-las. Muita gente, por isso, preferia deixar pra
lá os automóveis e seguir adiante em carroças, montado em lombo de burros ou
mesmo a pé.
Famílias inteiras, com rapazes, moças e até filhos pequenos, se metiam sertão
adentro para tomar posse de suas terras ou cuidar das fazendas dos outros em
lugares onde jamais tinham ouvido falar. Fazendo um rastro de lágrimas,
traziam provisões para várias semanas, roupas, armas, utensílios de casa,
ferramentas e umas poucas tralhas, além de sementes, quase sempre um casal
de porcos e algumas galinhas. Era tudo o que tinham para começar a nova vida.
“Como é que a gente vai viver num mato desses?”, se perguntavam.
Chegando ao destino, encontravam um mínimo de clareira na mata para
poder levantar um ranchinho de lona com troncos de palmito e passar a primeira
noite. A comida era preparada no chão mesmo, com água recolhida em rio ou
Norte do Paraná: típica
propriedade rural da época
do desbravamento
(acervo Kurt Jakowatz)
33 10
Anúncio da
Wilson, fabricante
de enxadas, em
jornais e revistas
córrego próximo. Nos dias seguintes a família plantava feijão, milho, hortaliças e
melhorava a casa, reforçando as paredes com madeira de palmito e preparando um
telhado a base de cascas de árvores. Mesas, bancos e camas se faziam com tocos e
paus recolhidos à volta, de onde vinha também a lenha para cozinhar. A criação era
arranjada em precários viveiros e, dessa forma, a vida prosseguia.
Por mais que imaginassem dominar a floresta, era a
floresta que os vigiava com superioridade, a olhos
atentos, botando medo.
Aquela gente corajosa dava uma risada triste quando
se lembrava das regalias que deixara para trás: o
comércio, o povo na rua iluminada, os botecos, a missa
aos domingos, a convivência com os parentes, as festas
da comunidade. No mato, só se pensava em trabalhar,
derrubar árvores, plantar, colher. Todo mundo parecia
bicho, com unhas e mãos sempre encardidas e vestes
surradas que iam sendo remendadas até não dar mais.
Soavam ainda, na memória, as últimas frases ouvidas
antes de partir, acompanhadas de muita risada: “Paraná
é só fama, quando não é poeira é lama”. Ou então: “Vai
pro Paraná, vai virar 'pé vermeio'”.
“Pé vermeio”. Muitas vezes em plena labuta, quando
todos se distraíam, era preciso voltar correndo para casa
e espantar os macacos que entravam por qualquer fresta,
causando estragos. “Sai daqui seus lazarento”. E tome
bala. Os animais da floresta, abundantes, eram caçados
sem piedade. Porcos-do-mato, veados, pacas, capivaras
e até tatus sucumbiam diante do estrondo da espingarda.
Alguns paravam nas panelas. O palmito, tão
útil e em quantidade, era também um acompanhamento
comum no dia-a-dia, assim como frutas e peixes.
Quando caía a noite, ninguém conseguia ficar acordado por muito tempo: os “pé
vermeio” estavam sempre cansados demais e não era para menos. Depois do banho
na bacia, com água fervida, eles se reuniam para comer. Seria muito luxo se alguém,
em casa, tivesse um pouco de cachaça para amaciar o estômago antes da bóia. A
“mardita” tinha que vir de longe e era artigo disputado, só conseguido por encomenda.
Não havia nada melhor que um gole pra aliviar o cansaço do dia.
Já pensando no amanhã, os homens pitavam pensativos, com a brasa brilhando
nos olhos. Dormiam abraçados às suas mulheres, sob mosquiteiros, a salvo dos
34
insetos, com as armas ao alcance dos dedos.
Tantas privações e dificuldades, no entanto, não abatiam os ânimos. Os “pé
vermeio” lutavam por um futuro para suas famílias. A terra era fértil. Se Deus
ajudasse, fariam fortuna com o plantio de café. Era assim que pensavam.
Como podiam acreditar tanto no futuro? Era tudo tão desolador. No breu da
noite, o tímido brilhar das casinhas rivalizava com o cintilar dos vagalumes, sob o
olhar indiferente das estrelas.
“Pés vermeios”.
Café, fonte de
progresso regional e
sonho de riqueza
35 10
Os italianos e o café
ALei 581 de 4 de setembro de 1850 definia como
crime o tráfico e a entrada de escravos no Brasil, o que abria
caminho para a importação de mão-de-obra branca. Como
cerca de 80% da população brasileira, até então, era formada
de negros, índios e mestiços, a entrada de estrangeiros
seria uma forma também de “branquear” o povo.
Milão
Cagliari
Córsega
Veneza
Sardenha
Foram mantidos acordos com países europeus para a introdução de agricultores
em colônias e, através do Ministério do Interior e Agricultura, fez-se o financiamento
da viagem e a venda de terras para os interessados. Com isso, grandes levas de
imigrantes italianos começariam a chegar ao Brasil.
As lutas pela unificação da Itália e da Alemanha, marcadas pela adoção das
técnicas de produção moderna, com o uso de máquinas, desempregaram um
grande número de trabalhadores. Isso estimulou a fuga da população em busca
de melhores condições de vida. De forma geral, foram pequenos proprietários,
ou meeiros, pobres e casados, que saíram em busca de terras e de um futuro
melhor para suas famílias.
ITÁLIA Os italianos começaram a chegar em 1875 e, até 1900, mais de 1,1 milhão se
espalhariam por vários Estados, principalmente Rio Grande do Sul,
Roma
Santa Catarina e São Paulo. No interior paulista, aprenderam a lidar
com o café, surpreendendo os patrões por sua afeição ao
Nápoles
trabalho. Essa gente levantava bem cedo, dava duro o dia
inteiro - de sol a sol, como se dizia - e não enjeitava serviço.
Homens e mulheres, que gostavam de cantar enquanto
“lavoravam”, trouxeram costumes que, aos poucos, incorporaram-se
às tradições regionais, como festas e comidas. As Palermo
mulhe-
Florença
36
Sicília
res rapidamente ganharam fama de boas cozinheiras e todos, ao contrário dos escravos
que absolutamente nada pretendiam da vida, senão servir seus senhores - ,
tinham objetivo e determinação. Na verdade, mais que fugir da miséria na Itália, eles
pretendiam “fazer a América”, conseguir o próprio pedaço de chão, plantar suas
lavouras e prosperar. No entanto, por mais que quisessem, isso não passava de um
sonho distante. Quando chegaram de seu país e foram trabalhar nos cafezais, os
italianos ganhavam tão pouco que sequer podiam fazer compras em armazéns,
mesmo a prazo. Quem vendesse, sabia que dificilmente conseguiria ver a cor do
dinheiro.
Dessa forma, sem muitas oportunidades, parte do contingente de imigrantes
italianos acabou envelhecendo em meio à pobreza nas fazendas, enquanto outros
desistiram da agricultura e partiram para as cidades em busca de outro tipo de vida.
Muitos também, regressaram para seu país.
No entanto, quando espalhou-se a notícia de que matas estavam sendo abertas no
Paraná, o alvoroço foi grande entre as famílias, que enxergavam aí, finalmente, a
oportunidade tão esperada. Como os imigrantes ainda vivos já estavam muito idosos
e sem condições de enfrentar o desafio de desbravar uma nova fronteira, a
empreitada recairia sobre os ombros dos filhos e netos.
Vapores cruzavam
os mares trazendo
mão-de-obra barata
37 10
EUA
Europa
África
Ásia
América
do Sul
Oceania
Brasil
São Paulo
Paraná
Santos
Santa
Catarina
Rio Grande
do Sul
Oceano
Atlântico
Rio
Grande
38
Quando em 1940, em companhia de outros familiares, Francisco Romagnolo
Junior e sua mulher Natalina Stramandinoli pegaram a estrada em direção ao Paraná,
deixaram para trás uma história comum entre os descendentes de italianos no Estado
de São Paulo. Francisco representava parte do legado dos pais, Ércole Paolo
Romagnolo e Maria Ravegnani que, em 1888, partiram com três filhos da província
de Rovigo, nas cercanias de Pádova, no Vêneto, norte da Itália. Lá, suas famílias
lidavam tradicionalmente com o cultivo de vinhas.
Após longa jornada em um vapor na travessia do Atlântico, Ércole, Maria e os
filhos aportaram em Santos, no litoral brasileiro, de onde, em lombo de burros,
seguiram para São Paulo, cidade que recebia com muitas oportunidades todos os que
chegavam do estrangeiro, principalmente quem se dispusesse a enveredar pelo
interior e trabalhar no campo. Dessa forma, naquelas
mesmas condições de transporte, os Romagnolo
deixaram a capital e fixaram-se em uma propriedade
denominada Fazenda do Banco, no município de
Botucatu, a mais de 200 quilômetros de distância.
Devotado a trabalhar na terra, que foi o que
sempre fez na vida, Ércole o mais novo dentre três
irmãos adaptou-se bem à nova vida e aprendeu logo
a formar lavouras de café, passando a prestar esse
serviço para fazendas na região. Àquela época, os
cafezais faziam a riqueza da maior parte dos municípios
paulistas, de modo que bons profissionais
eram valorizados. Com tal ofício, ao qual dedicou-se
por muitos anos, Ércole conseguiu juntar algum
patrimônio e, ao lado de Maria, criar e encaminhar na vida uma prole formada de oito
filhos - os homens Giovani, Guerino, Giusepe, Santo e Francisco, as mulheres
Tereza, Emília e Albina -, a maioria nascida na virada do século. Ter uma família
numerosa, com muitos braços, era conveniente para que se pudesse enfrentar o
desafio do trabalho diário e prosperar.
Um dos filhos, Francisco, havia nascido em 3 de outubro de 1908 no povoado
de Pardinho. Como os outros irmãos, ele cresceria ouvindo os pais comunicaremse
diariamente no idioma pátrio e a quase tudo entendia sem dificuldades. Os
italianos de origem, mesmo vivendo há muito tempo no País, não abandonavam
seus hábitos, que transmitiam naturalmente aos herdeiros. Desde cedo Francisco
passou a ajudar o pai na lavoura e a compreender que, um dia, quando homem
feito, teria também a sua oportunidade de ser independente, constituir família,
dar muitos netos aos “nonos” e tentar realizar o sonho de ter a própria terra. Já
muito novo ele revelaria interesse por negócios, comprando e vendendo
Trabalhadores
italianos em lavoura
de café no Estado
de São Paulo.
Acervo Edgard
Leuenroth
(Unicamp)
39
40
criações. Era também um rapaz altivo e atraente, que fazia suspirar as moças.
Ércole faleceu antes que Francisco conhecesse Natalina, a mulher que estaria
ao seu lado durante toda a vida. Casados no ano de 1930 em Botucatu, viveriam
por algum tempo na cidade, onde, dois anos depois, nasceria Maria Edite, a
primeira filha. A família passaria a cuidar, também, de Marieta, mãe de Francisco,
e de uma tia deste, Albina, que tinha síndrome de down.
Mudando-se em 1932 para o município de Bernardino de Campos, os
Romagnollo tiveram mais três filhos. Além de Geraldo, o primogênito dentre os
homens, mais duas Marias: Lúcia e Helena.
Apesar da grande disposição de Francisco para o trabalho, as perspectivas em
Bernardino apresentavam-se escassas, refletindo um período negativo da
economia brasileira e mundial, provocada pela quebra da Bolsa de Nova York, em
1929, que arruinara as fazendas de café, abalando a economia dos municípios.
De uma hora para outra, as exportações recuaram e o produto, sem mercado,
perdeu valor, gerando excesso de oferta. Logo em seguida, no ano de 1932, o
Estado de São Paulo viveria a Revolução Constitucionalista, o maior confronto
militar no Brasil no século XX, cujo estopim foi a ascensão, em 1930, do gaúcho
Getúlio Vargas à presidência da República. Em Bernardino de Campos, a vida
continuava difícil e não havia jeito de melhorar. O sonho de cultivar o próprio
chão parecia ainda mais distante, sempre empurrado para a frente. A partir de
1931, estoques excedentes de café, em poder do governo, começavam a ser
queimados como forma de enxugar o mercado e
reabilitar os preços.
Buscando melhores perspectivas, a família
decidiu transferir-se para Santa Cruz do Rio
Pardo, quase na divisa com o Paraná. Planejava
estabelecer-se ali, lugar onde os cafezais eram ainda
abundantes. Nessa cidade, deram à luz mais um
filho. Como os Romagnolo manti-nham
uma tradição vicentina, caracte-rizada
pela prática da caridade e a fé cristã,
o rebento seria batizado com o
nome de Vicente. Era o ano de
1938.
Ao longo daquela década, as chances
de conseguir o próprio espaço
como agricultor continuavam especialmente
difíceis no interior paulista.
Em algumas regiões, a lavoura
Marly Aires
dava sinais de cansaço e decadência, sendo substituída por pastagens e outras
culturas, o que restringia as possibilidades de contratação de profissionais
como Francisco, especializado na formação de café. De certo modo, insistir na
cafeicultura talvez não fosse a melhor opção. Mas o que poderia fazer ele, com
um prole numerosa para alimentar? Para quem dependesse de trabalhar em
terras dos outros, não havia muito a escolher.
A necessidade já tinha feito com que Francisco aprendesse a se virar bem em
outras áreas. Graças à sua disposição, o jeito sincero, atirado e a facilidade em
fazer amigos, ele jamais esmorecia e, bravamente, tentava de tudo na luta pela
sobrevivência. Comercializar gado e mercadorias, por exemplo. Embora fosse
um homem sem leitura, contava com a ajuda valiosa da esposa Natalina.
Inquieto, experimentou o comércio. Se lá em Bernardino ele tivera um
pequeno açougue, em Santa Cruz partiria para a compra e venda de frangos até
estabelecer-se como dono de bar. Nesse negócio, conquistou freguesia em
razão, principalmente, dos saborosos pastéis preparados com esmero pela
esposa.
No entanto, quando lhe dava na cabeça, Francisco se desfazia, sem
cerimônia, do que tinha em mãos. Não era de acomodar-se atrás de um balcão: da
vida queria muito mais. Também não era do tipo de apegar-se em coisas, embora
corresse atrás do sonho de fazer riqueza. Um sonho, aliás, que custava a
acontecer. Só o que encontravam pela frente era muito trabalho e pouco
resultado. Por isso, quando Francisco ficou sabendo que estava em andamento
um projeto de colonização do Norte do Paraná, animou-se. Poderia estar ali a
chance tão aguardada.
A família mudou-se
de Botucatu para
Bernardino de Campos
e de lá para Santa
Cruz do Rio Pardo.
Em mente, o firme
objetivo de fazer a
vida com o plantio
de café, sonho que
parecia tão distante.
41 10
Registros
Os americanos davam as cartas
No Estado de São Paulo, usinas hidrelétricas eram construídas desde 1893 com
capital privado e, em 1912, quando foi criada, a Companhia Paulista de Força e Luz
(CPFL) passou a absorver esses ativos de geração e de distribuição localizados em
diversos municípios. Não fosse pelo empreendedorismo de alguns pioneiros, a
tarefa de iluminar ruas, casas e movimentar motores teria ocorrido com bastante
atraso. Já naquela época, também, bondes elétricos circulavam em várias cidades
paulistas.
Aliás, o aparecimento de muitas empresas geradoras de energia elétrica no
interior permitiu acelerar o desenvolvimento em São Paulo, algo sem
paralelo em comparação com outros Estados brasileiros.
Em 1927, o processo de eletrificação ganhou impulso quando o
controle acionário da CPFL foi transferido para as mãos de uma
companhia norte-americana, a American & Foreign Power Company,
subsidiária da Electric Bond & Share Corporation-Ebasco, pertencente
à General Eletric, criada em 1923. A AMFORP investiu, então,
na compra de empresas em diversas cidades do interior
daquele Estado e até mesmo em várias capitais brasileiras,
aproveitando o fato de que muitas delas estavam sendo corroídas
por problemas financeiros e técnicos. Essas unidades
possuíam pequenos e pouco eficientes sistemas de força
motriz, sujeitas a repentinas variações de voltagem e freqüência,
ligados a uma antiquada rede de energia elétrica.
Lentamente, os norte-americanos foram homogeneizando as
estruturas que haviam adquirido, fazendo com que a CPFL e suas
companhias associadas funcionassem cada vez mais em harmonia.
Outro desafio enfrentado entre os anos de 1930 e 1950 foi organizar o
faturamento das contas de energia elétrica, pois as tarifas obedeciam a
contratos diferentes celebrados com as municipalidades, cujos preços e condições
variavam de uma cidade para outra.
Só com a revisão dos contratos das empresas concessionárias, determinada pelo
Código de Águas, durante a década de 40, é que o setor conseguiria falar uma
linguagem única.
A AMFORP fazia o máximo que podia para acompanhar o progresso do País, sob
o ritmo do Estado Novo de Getúlio Vargas. O lance de maior ousadia da empresa foi
a construção da usina hidrelétrica Marechal Mascarenhas de Moraes, na época uma
das maiores do mundo. Em abril de 1957 os seus dois primeiros geradores seriam
oficialmente inaugurados, com capacidade de 40.000 kW cada um.
46 42 10
Nos anos 50, outra dificuldade foi a carência de recursos para o setor elétrico. A
redução de investimentos nessa área acarretou, entre outras coisas, o lento
crescimento da capacidade instalada e da oferta de energia. O desenvolvimento
industrial no pós-guerra também contribuiu decisivamente para aumentar a
deficiência no setor elétrico, que já era evidente, inclusive com racionamentos
institucionalizados.
Nessa época e no início dos anos 60 surgiriam no Brasil algumas manifestações
nacionalistas, contrárias aos interesses norte-americanos, o que fez com que as
empresas pertencentes ao grupo AMFORP fossem nacionalizadas.
43
Terra dividida
Orápido
surto de desenvolvimento das cidades que
surgiram nas áreas colonizadas do Norte e Noroeste do Paraná,
durante as décadas de 30, 40 e até mesmo 50, não era acompanhado
pela devida atenção por parte do governo do Estado.
Este mantinha os olhos voltados, quase que exclusivamente, para
Curitiba e as regiões mais tradicionais.
Até então, o Paraná estava dividido em três. Uma parte, formada pelo litoral,
Curitiba e os Campos Gerais; a segunda, pelo Norte do Paraná, que recebia forte influência
do Estado de São Paulo. A terceira, o Oeste e o Sudoeste onde, ao contrário
do Norte - que teve uma colonização organizada -, a ocupação das terras se deu em
meio a muitos conflitos. Por muito tempo, inclusive, paranaenses do Oeste e Sudoeste
alimentaram um projeto separatista, que visava a criação do Estado do Iguaçu.
Nos anos 30, quando se estava ainda no início e havia tudo por fazer, o governo
acompanhou de longe o andamento do projeto executado pela Companhia de Terras
no Norte, como a derrubada de florestas, a abertura de estradas, a construção do
ramal da linha férrea e o surgimento dos primeiros povoados. Por tratar-se de um
empreendimento executado pela iniciativa privada, coube à empresa implantar toda
a infraestrutura necessária sem a participação dos governantes, os quais se
limitavam, na verdade, a recolher impostos.
A partir de julho de 1934, os empreendimentos energéticos já contavam, ainda
que de forma incipiente, com o respaldo do Código de Águas, instituído pelo
Decreto-Lei número 24.463 e, pouco mais tarde, do Conselho Nacional de Águas e
Energia Elétrica, surgido com a Lei número 1.85 de 1939.
O poder público estadual iniciaria o processo de coordenação sobre o setor, até
então dependente da iniciativa privada. Assim, com o apoio do Plano Nacional de
Eletrificação, que preconizava a intervenção direta do Estado na área da produção
44
de energia, seria criado o Serviço de Energia Elétrica do Paraná, que no ano seguinte
se transformaria no Departamento de Águas e Energia Elétrica - DAEE.
Nos anos 1940, quando uma civilização já se consolidava e os povoados se
transformavam rapidamente em aglomerados urbanos, o governo passou a agir de
maneira mais interessada. Ao simples anúncio de que uma cidadezinha começava a
nascer - e isto acontecia com freqüência surpreendente - a primeira coisa que fazia
era instalar uma coletoria, para garantir que todos pagassem seus tributos. Depois,
acionava a igreja para mandar logo um padre ao lugar.
No entanto, o que se via era um grande descontentamento por parte das
autoridades e da população dos municípios. Eles muito se queixavam do distanciamento
que havia entre o governo e as
regiões novas, as quais se sentiam desprestigiadas.
Cidades do Norte, como Londrina,
Maringá, Mandaguari, Apucarana, Arapongas,
Rolândia e tantas outras, pareciam nem
fazer parte do mapa do Paraná, apesar da
enorme riqueza que geravam com suas lavouras
de café e do tanto de impostos com os
quais engordavam os cofres públicos.
Uma das razões dessa insatisfação era a
inexistência de energia elétrica abundante,
situação que se agravaria com o advento da
Segunda Guerra Mundial, quando, na realidade,
começou a faltar combustíveis e gêneros
alimentícios. Muitas das famílias que
tinham se mudado para o Paraná eram provenientes
de regiões do País onde já estavam habituadas a esse conforto. Por isso,
para chamar a atenção dos governantes, os mais exaltados falavam até em desfechar
um movimento para anexar o Norte paranaense ao Estado de São Paulo.
Com recursos naturais oferecidos pela região, como quedas d’água, o município
de Londrina procurou resolver, pelo menos em parte, a questão da energia elétrica.
Em decorrência do rápido crescimento urbano e da inviabilidade de apenas manter
motores à diesel na produção de energia elétrica, a Companhia de Terras Norte do
Paraná (CTNP) acabou construindo inicialmente uma pequena usina hidrelétrica no
Ribeirão Cambé (onde hoje está instalado o Parque Arthur Thomas), aproveitando
uma queda d’água de 50 metros. A Usina Cambé ou Cambezinho, que mais tarde
passou a ser chamada “Dr. Fernando de Barros Pinto”, foi inaugurada em 8 de
fevereiro de 1939. Na época, Londrina contava com 10.531 habitantes. Os
responsáveis pela obra foram os engenheiros Gastão de Mesquita Filho e André
Kotchetkoff, contando com o trabalho de 50 operários. Precisou-se, para a sua
Acima, detalhe da
construção da
Usina Cambé ou
Cambezinho, a
primeira de Londrina,
inaugurada em 1939
onde hoje é o Parque
Arthur Thomas, no
centro da cidade.
(Fotos: Arquivo do
município e site do
Parque Arthur
Thomas)
45 10 41
construção, abrir uma estrada de mais de 15 quilômetros de extensão por três metros
de largura no meio da floresta. Produzia uma média de 200 KW de energia,
juntamente com alguns motores à diesel para a galeria técnica, capazes de atender
uma população de apenas 6 a 7 mil habitantes, cerca de 5 quarteirões médios
residenciais na época. Nascia, então, a Empresa Elétrica de Londrina S.A. (Eelsa).
Em 1943, o município ganharia sua segunda usina, denominada Três Bocas,
situada no Ribeirão do mesmo nome. Essa unidade, com potência de 0,6 MW,
contribuiria para atender a forte demanda local.
No ano seguinte, a Paraná Plantation se desfez da Companhia de Terras Norte do
Paraná, vendendo as ações dessa empresa para um grupo formado pelo Banco
Mercantil de São Paulo, o qual assumiu o empreendimento no mês de março.
Historiadores apontam duas razões para a saída dos ingleses do negócio. De um
lado, a necessidade de repatriar o capital inglês, pois a Segunda Guerra Mundial,
com a decisiva participação da Grã-Bretanha, ainda estava em pleno andamento. De
outro, uma certa hostilidade e perseguição com que o governo de Getúlio Vargas
tratava empreendimentos estrangeiros no País.
A Companhia, portanto, passaria às mãos brasileiras, o mesmo acontecendo com
as suas subsidiárias, estradas de ferro - incorporadas à malha federal - e a Empresa
Elétrica de Londrina S.A., cuja concessão foi entregue ao engenheiro Gastão de
Mesquita Filho, recomendado ao presidente da Companhia de Terras Norte do
Em 1943, Londrina
ganharia sua segunda
usina, denominada
Três Bocas, no
Ribeirão do mesmo
nome. Essa unidade,
com potência de
0,6 MW,
funcionaria por
36 anos
46
Acima, a antiga Catedral de Londrina; ao lado,
o prédio onde funcionava a sede da Companhia de
Terras Norte do Paraná (CTNP)
Paraná, João Sampaio, pelo antigo e dileto amigo deste, Antonio Moraes Barros.
Sampaio presidiu a Companhia durante toda a primeira fase da mesma, entre 1925 e
início de 1944.
No dia 12 de junho de 1967, ao receber o título de cidadania honorária de
Londrina, João Sampaio deixou claro, em trecho de um detalhado pronunciamento,
como tudo isso ocorreu:
“Ao grupo formado pelo Banco Mercantil de São Paulo, que adquiriu a
integralidade das ações da Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), e as
estradas de ferro, incorporadas ao seu patrimônio, devemos reconhecer a prudência,
capacidade de trabalho e perseverança, com que desde a sua entrada (em março de
1944) até a atualidade, prosseguiu e deu desenvolvimento ao que, em linhas gerais,
vinha sendo realizado pelos seus antecessores. Menos, na parte ferroviária, que
passou ao Governo Federal e baixou de nível. Mas muito mais, na parte da
industrialização – a que não chegamos – porque estava reservada para a segunda
etapa. Na primeira, nós nos limitávamos a estimular a iniciativa privada. E nos
ocupamos com os serviços necessários ao público: águas, luz e força elétricas. Para
essa indústria, demos a primitiva concessão ao engenheiro Gastão de Mesquita
Filho, recomendado, na oportunidade, por Antonio Moraes Barros, meu antigo e
querido amigo e companheiro de trabalhos, havendo o concessionamento trazido o
seu plano de organização da Empresa Elétrica de Londrina S.A., para o
empreendimento. A concessão foi se estendendo às novas cidades – sempre em
progresso e bem orientada – e creio que é a mesma, agora incorporada, entre outras,
à Companhia Melhoramentos.”
Em 1948, além de Londrina, as cidades de Arapongas, Cambé, Ibiporã,
Rolândia e Jataizinho já estavam sendo abastecidas pela Empresa Elétrica de
Londrina S.A.
47
A hidrelétrica de
Apucaraninha,
inaugurada em 1949
No dia 6 de abril de 1949 era inaugurada a Usina Hidrelétrica Apucaraninha.
Construída dentro da reserva Apucaraninha, dos índios Caingangue, com capacidade
instalada de 9,5 MW, aproveitava uma queda d’água de 116 metros de altura no Rio
Apucaraninha, afluente do Tibagi.
Essa usina representou um significativo avanço e foi fundamental para deslanchar o
desenvolvimento do município e região à volta. No entanto, deixaria no futuro um
passivo para a Copel, que absorveu a Empresa Elétrica de Londrina S.A. em 1° de
junho de 1974.
Por conta disso, em 2006, a Copel
e a comunidade Caingangue selariam
na aldeia localizada em Tamarana, região
Norte do Estado, um acordo histórico
e sem precedentes no País. O
documento deu fim a uma discussão
que se prolongou por vários anos, indenizando
passivos ambientais, sociais,
culturais e morais decorrentes
da construção e operação da usina.
“Chegou o momento de compensar o
impacto causado a esta comunidade e
aos seus ancestrais”, disse na oportunidade
o diretor de Geração e Transmissão
de Energia da Copel, Raul
Munhoz Neto.
A implantação de projetos para a
sustentabilidade das famílias, atendendo-se as suas vocações, bem como hábitos culturais
e sociais, foi o objetivo dos recursos repassados pela Copel, no prazo de 5 anos.
O acordo, denominado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) é considerado
inédito no setor elétrico brasileiro, tanto pelas dimensões quanto pela complexidade
dos assuntos envolvidos. “Ele zera e liqüida todos os impactos provocados pela usina,
desde o uso de mão-de-obra indígena nas obras de construção, até a vegetação e as
terras que foram alagadas com a formação do reservatório”, acrescentou Munhoz
Neto.
Uma descrição técnica aponta que a hidrelétrica de Apucaraninha aproveita uma
queda natural com dois barramentos. O primeiro é a Barragem do Fiú, que fica 6
quilômetros acima do ponto onde está a Casa de Força, com 109 metros de comprimento
e 16,5 metros de altura. O segundo é a Barragem Apucaraninha, distante
100 metros do salto do mesmo nome, com 154 metros de comprimento e 5,3 metros
de altura. Na Casa de Força operam três unidades geradoras, sendo duas com potência
de 1,6 MW e uma terceira com 6,3 MW.
48
Em 1940, o casal Romagnolo e seus cinco filhos cruzaram a divisa do Paraná
através da passagem por Ourinhos, fixando-se inicialmente em Ibiporã, na região
de Londrina. Estavam na terra dos “pés vermeios”. Nesse período, o cenário era
inquietante: o sertão paranaense estava sendo desbravado e grandes florestas
sucumbiam para dar lugar a fazendas de café, em meio a uma intensa correria. Por
uns tempos, Francisco tentou trabalhar na compra e venda de milho, mas a família
não adaptou-se a Ibiporã porque as dificuldades eram de tal ordem que o povoado,
para se ter idéia, sofria com a escassez de água, que às vezes faltava até mesmo para
beber.
Dura sina. O jeito foi juntar as tralhas e, mais uma vez, providenciar a mudança,
agora para Londrina, cidade que crescia vigorosamente e prometia ser um bom
lugar para quem quisesse ganhar a vida. Francisco, sempre trabalhador e
esperançoso, com facilidade de adaptar-se a novas situações, decidiu atuar por
algum tempo com a compra da madeira que a Companhia de Terras retirava do
lugar onde, mais tarde, viria a ser a Avenida Higienópolis. Com essa madeira ele
produzia carvão e lenha cortada, consumidos pela população local. Certo de que
conseguiria prosperar nesse negócio e sustentar a família, Francisco só não contava
com uma rasteira preparada pelo clima. Em decorrência de uma forte geada, muitos
cafeicultores tiveram que promover uma poda mais drástica em suas lavouras, o
De Santa Cruz
do Rio Pardo,
a mudança para
Ibiporã, através de
Ourinhos. Mas,
o destino final
seria Londrina
49
que aumentaria sobremaneira a oferta de lenha, fazendo com que os preços caíssem
a níveis aviltantes.
Mesmo alquebrado, Francisco não se entregou: decidiu achar um jeito de virar o
jogo e enfrentar a sorte à sua maneira. Certa manhã, vestido em terno e gravata,
dirigiu-se à estação ferroviária certo de que, ali, conseguiria achar algum negócio.
Lá chegando, encontrou-se com um conhecido e, expondo-lhe sua situação aflitiva
e o interesse em achar algo - talvez intermediar uma negociação -, foi informado
pelo mesmo de uma bela fazenda na região que havia sido colocada à venda. Sem
muito o que pensar, Francisco conseguiu emprestar algum dinheiro e, no mesmo
dia, embarcou num trem com destino ao Estado de São Paulo, indo parar em
Bernardino de Campos, onde vivera anos atrás. Lá chegando, procurou um
fazendeiro seu amigo, de nome Francisco Lourenção, a quem propôs conhecer a
propriedade no Paraná. O fazendeiro concordou em visitar as terras, viajando para
o Estado vizinho em seu fordeco “Pé-de-Bode”, na companhia do amigo.
.....
O café era uma cultura em que os ciclos de preços alternavam altas e baixas,
provocados por fatores diversos que surpreendiam os produtores. Um inverno
rigoroso, por exemplo, ao mesmo tempo em que podia dizimar a lavoura ante a
ocorrência de uma geada forte, valorizava os estoques, para satisfação daqueles
que costumavam ser mais previdentes.
Mas o frio era um do pesadelo para quem, sem tradição na cafeicultura, se
aventurava a ser fazendeiro acreditando no enriquecimento rápido. O coitado
50 10
33
investia todas as suas economias e, após alguns anos vivendo em meio a toda sorte
de dificuldades, via tudo perder-se em uma única noite de geada forte, ficando sem
ter como recuperar-se. Nesse caso, tomado pelo desespero, o pobre se desfazia de
suas terras por qualquer valor e tratava de voltar logo para o lugar de onde tinha
vindo. Essas histórias de insucesso também corriam os outros Estados, esfriando
os ânimos de muita gente em relação ao Paraná. Por isso, ouvia-se, em tom irônico,
a frase que se espalhava com o vento: “O Paraná é só fama, quando não é poeira é
lama”. Nenhuma geada, contudo, por mais intensa que fosse, conseguia impedir a
determinação dos cafeicultores de verdade: eles chegavam, plantavam suas
lavouras e iam sobrevivendo com cultivos de subsistência, em meio às próprias
ruas do café. Eles sofriam prejuízos, sim, mas se recuperavam logo da “paulada” e
não perdiam seus objetivos de vista. No ano seguinte e nos outros, estavam lá
novamente com suas lavouras. Como não havia frio que os derrubasse, esses
teimosos e valentes acabavam enriquecendo num “descuido” do tempo.
.....
Durante a viagem de Bernardino de Campos a Londrina, com muito tempo para
conversar sobre tudo, o fazendeiro Francisco Lourenção soube do conhecimento e
da experiência de Francisco Romagnolo Junior na formação de cafezais em várias
cidades do Estado de São Paulo e, também, de seu desejo de, um dia, ter a própria
terra. Afinal, não lhe faltavam braços, pois a família era numerosa. Natalina também
compartilhava da vontade do marido: em uma área rural, onde pudessem plantar de
tudo um pouco e manter alguma criação, teriam a garantia do sustento com fartura
para todos e viveriam sossegados. A vida na cidade não lhes apetecia. Sentiam-se
b e m m a i s
confortáveis, seguros
e felizes no campo.
Por isso o de-sejo de
ter um sitio-zinho que
fosse para semear o
café e, nas entrelinhas
deste, fei-jão, arroz,
milho. Em outra parte,
a l g u m a s v a c a s
leiteiras, pomar e
horta com um pouco
de tudo, sem falar dos
porcos e aves. Assim,
o alimento à mesa só
iria depender do pró-
Na página ao lado,
cafezal a perder de
vista. Caminhões
carregados de café,
iguais a este, eram
comuns nas ruas
de Londrina
51 10
Os Romagnolo: as
crianças nos tempos
da fazenda.
Embaixo, abertura
de picada em meio
à mata fechada.
Mais tarde esses
caminhos dariam
lugar a estradas
Chegando ao Paraná, foram conhecer as terras e Francisco Lourenção gostou da
fazenda que lhe fora apresentada. Ficava em um espigão no meio de uma mata
fechada, distante 21 quilômetros de Londrina e outros 21 do povoado de
Arapongas. Uma área com plena aptidão para o café, conforme lhe atestara o amigo.
Mas, para fechar negócio, impôs uma condição: a propriedade somente seria
adquirida se ele, Francisco, por ser pessoa da confiança do fazendeiro paulista, se
dispusesse a ser o seu administrador, cuidando de tudo pessoalmente, da derrubada
do mato e em especial do plantio de café, sendo recompensado, ao final, com uma
porcentagem sobre a produção.
A oferta foi, de certo modo, uma surpresa. Muito embora estivesse trabalhando
com a venda de terras, Francisco ainda mantinha a expectativa de conseguir a sua
sonhada propriedade. Era para isso, afinal, que tinha vindo com a família ao Paraná.
Mesmo sem recursos para comprar alguma coisa, nem mesmo um pequeno lote,
estava convicto de que lhe seria possível alcançar o objetivo. No entanto, para
melhor estruturar-se e por algum tempo acomodar a família, decidiu aceitar a
proposta.
Nos tempos em que viveu sob os céus na nascente cidade de Londrina, o casal
Francisco e Natalina aumentou a prole. Nasceu a quarta das mulheres: Maria José.
Mais uma Maria, agora paranaense, que haviam colocado no mundo.
Nessa época, a filha mais velha, Maria Edite, contava apenas oito anos.
.....
Quanta dificuldade! Antes de mais nada, seria preciso derrubar a mata e construir
um pequeno rancho de lona, até que um outro, feito com troncos de palmito, repleto
de frestas e coberto com cascas de peroba, pudesse receber o pessoal. Foi ali, em
situação de absoluto desconforto,
que os Romagnolo
se instalaram e passaram
os primeiros seis
meses, dedicando-se a
um trabalho que a todos
consumia. A família despertava
antes do sol e dedicava-se,
cada um, à sua
tarefa. Francisco coordenava
a derrubada da floresta
com a força braçal
de um contingente de
peões, recrutado em
Londrina. Tinham que
abrir espaço para o plantio
de café, que acontecia
Marly Aires
52
tão logo as terras vermelhas e férteis ficavam desnudas. As sementes vinham da
Fazenda Bule, não muito distante. Por sua vez, Natalina se entregava aos afazeres de
casa com a ajuda das filhas, cozinhava para um batalhão de trabalhadores e ainda
encontrava tempo para cuidar das crianças. Os pequeninos Vicente e Maria José
requeriam atenção redobrada, pois, bem mais que os outros, estavam sujeitos aos
perigos e surpresas daqueles matos. Ambos ficavam, na verdade, por conta das filhas
maiores, que faziam as vezes de mães.
Até formar a fazenda, que veio a se chamar “São Francisco”, foi preciso buscar
muita mão-de-obra em Londrina para dar conta do serviço mais pesado, ao qual
braçais nordestinos estavam habituados. Eram pernambucanos, alagoanos, baianos,
cearenses. Eles chegavam de seus Estados sem a ambição de fazer a vida, apenas para
trabalhar, cumprir uma jornada de dias, semanas ou meses. Instalavam-se em
pequenas pensões, onde podiam ser facilmente encontrados por quem precisasse
contratá-los. Para isso, além de combinar o pagamento pelo trabalho a executar, o
patrão se obrigava a saldar as despesas que haviam feito na pensão e, é claro,
fornecer-lhes comida. Não raro, usando de malandragem, vários desses homens
desistiam da tarefa logo no primeiro dia para retornar à mesma pensão, onde tinham
crédito, pois suas dívidas estava quites. Permaneciam ali até que outros desavisados
viessem contratá-los, não sem antes acertar suas contas com o estabelecimento.
A rusticidade e a
falta de conforto
eram comuns
nas fazendas
53 10 35
Em propriedades
rurais, era comum
o uso de “batatões”,
colhidos no mato,
para que fossem
usados como suporte
à iluminação
caseira. Para isso,
um pano embebido
em querosene era
colocado em um
buraco na “batata”
e, a seguir, aceso,
provocando uma
chama que
durava horas.
Assim iam vivendo.
Acostumados a enfrentar desafios, os Romagnolo não imaginavam que sofreriam
tanto na selva do Paraná. A começar pelas condições em que viviam. As tarimbas,
onde dormiam, eram feitas com varas de madeira. Sobre elas, dispunham colchões
forrados de palha de milho e travesseiros recheados com penas de aves.
Quando vinha a temporada de chuvas, tudo virava um imenso lamaçal, tornando
impossível sair da fazenda, ante a precaridade das estradas. Para complicar, eram
tempos de Segunda Guerra Mundial, o que provocou escassez de gêneros como
açúcar, farinha de trigo, sal e óleo diesel.
Porém, à sua maneira, eles davam jeito em tudo. Para poder saborear um café
“adocicado”, por exemplo, a família tinha que moer cana e ferver o caldo. O pó de
café, então, era passado na garapa. E, como não havia combustível para as
lamparinas, a única maneira era queimar óleo de mamona, colhida e moída no
próprio quintal. A combustão produzia tufos de fumaça preta, mas, pelo menos,
ninguém ficava no escuro.
Só depois de seis meses é que a propriedade, enfim, começava a ganhar cara e
jeito de fazenda. Milhares de pés de café - e foram 100 mil no total - cresciam em
meio a lavouras de subsistência, onde se colhia o alimento diário. Com as coisas já
mais organizadas e definidas, era o momento de construir uma casa melhor para a
família, pois a vida no ranchinho de palmito, com chão de terra batida, já não
justificava tamanho sacrifício. Nessa época, muitos portugueses especialistas em
construções de madeira, matéria-prima abundante no Norte do Paraná, tinham
vindo em busca de trabalho e eram disputados tanto nas cidades quanto nas propriedades
rurais.
Com madeira extraída das imediações, a casa ampla e confortável ficou pronta, o
que premiou os Romagnolo. Era a recompensa após tantas privações.
Natalina, enfim, teria um lugar mais seguro para criar os filhos e, junto
com o marido, ter força e ânimo para continuar acreditando em
prosperidade. Aquela casa seria apenas a primeira. Para formar uma
colônia de trabalhadores, que cuidaria do cafezal, outras duas dezenas
de moradias foram levantadas com caprichosa mão-de-obra portuguesa.
Mesmo sob condições tão inóspitas, a família não deixaria de
continuar crescendo. Na Fazenda, Francisco e Natalina tiveram mais dois
filhos paranaenses: Maria Cecília e Armindo. Cecília, a última das
Marias. Ambos, autênticos “pés vermeios”.
O tempo foi correndo e as coisas, enfim, pareciam ajustar-se.
As lavouras iam bem e, no terceiro ano, a fazenda começou a
receber famílias para ocupar as casas da colônia e trabalhar no
café. Era gente que resultava da mistura de várias raças, geral-
54 10
36
mente portuguesa, italiana e negra. Todas, já com muitos filhos, revelavam-se férteis
na geração de outros tantos. Não raro, mães levavam seus recém-nascidos para o
trabalho, deixando-os devidamente protegidos sob a saia de um cafeeiro. Na
colônia, tudo era motivo para festa e alegria, o que divertia os Romagnolo.
Francisco e Natalina, volta e meia, apadrinhavam batizados e casamentos. Eles
e também os filhos eram estimados pelos trabalhadores e seus familiares.
Quando de temporadas de chuvas, a fazenda ficava isolada por meses. Para ir
até a cidade, só mesmo na boléia de um valente caminhão Chevrolet, cujo motor
precisava ser propulsionado com manivela. Uma viagem de 21 quilômetros até
Londrina podia demorar 3 horas.
Assumindo a figura de patrão, embora a propriedade não lhe pertencesse,
Francisco gostava de tudo organizado e em perfeita ordem. Quando necessário, era
um homem duro, exigente nos detalhes. Gostava de confiar e acreditar nas pessoas,
mas não tolerava abusos. Fazia amigos com facilidade, apreciava conversar, trocar
idéias. Sabia conquistar o respeito e a simpatia dos que o cercavam. Na fazenda,
Francisco tomara a iniciativa de instalar uma escola para que as crianças pudessem
conhecer as letras. Até os dez anos, tinham a chance e o direito de aprender a ler e a
escrever, ao menos o próprio nome. Depois disso, acabavam largando tudo para
Uma viagem
de carro podia
acabar mal.
Acima, grãos em
estágio “cereja”
55
A vida simples,
mas feliz, na
pequena propriedade
ajudar os pais e os irmãos na lavoura. Não havia como ser diferente no sertão.
Em 1945, o proprietário da fazenda decidiu se desfazer das terras. Foi só abrir a
boca para, em pouco tempo, começar a aparecer comprador. O negócio, após
fechado, acabou rendendo uma merecida participação financeira a Francisco. Uma
compensação pelo seu trabalho, que resultara na expressiva valorização da
propriedade.
Por isso, chegara o momento de partir para uma nova etapa. Desta vez, ao
contrário de quando chegaram a Londrina, trazendo apenas disposição para vencer
na vida, os Romagnollo estavam suficientemente preparados para, enfim, realizar o
velho sonho de comprar as suas terras.
Em outubro de 1946, a família deixou a fazenda e seguiu rumo a Mandaguari,
distante 60 quilômetros, ao Noroeste. Com suas economias, Francisco havia
adquirido lá uma pequena chácara de 2 alqueires, à qual denominou Boa Vista.
Ele, Natalina e os filhos - pelo menos os maiores - já haviam se acostumado às
mudanças drásticas da vida, a começar tudo de novo, a passar pelos mesmos
sacrifícios. Desta vez, no entanto, as dificuldades seriam compensadas pela
satisfação e a alegria de cultivar a própria terra, ainda que a dimensão fosse reduzida.
Nessa época, Mandaguari era um povoamento em efervescência, preparado pela
Companhia de Terras Norte do Paraná para ser uma sede regional do projeto de
colonização. Ali concentravam-se muitos estabelecimentos comerciais que abasteciam
fazendas e os povoados que iam surgindo rapidamente nas imediações. Havia
escola, igreja, cartório, juiz de paz e até cadeia.
Em pouco tempo, a chácara estava formada com um cafezinho vistoso, pomar de
frutas, horta variada, criação de porcos, vacas leiteiras e aves. Como era muita gente
para trabalhar e cada qual com sua tarefa, tudo andava bem e depressa. Porcos eram
engordados e, de vez em quando, abatidos para produção de lingüiça e vários outros
derivados. A carne e a banha guardava-se em latas de 20 litros para consumo nas
refeições, preparando-se com essa gordura o arroz e o feijão de todo dia. O leite
rendia subprodutos diversos, as frutas originavam
doces e conservas. Na época da colheita do
café, o empenho de toda a família era total. Até o
pequeno Vicente participava, levando
comida para a roça com uma vara
sobre os ombros e se ocupando
de funções como a varrição do
quintal e o trato das criações.
Foram tempos felizes, em
que finalmente experimentaram
prosperidade. Para completar,
os últimos dois filhos, de um
56 10
total de dez, nasceriam na Chácara Boa Vista: Álvaro e Francisco.
Logo que instalaram-se em Mandaguari, os Romagnolo fizeram amizade com os
vizinhos, os jovens Lucindo e Penha Schincariol, casados em 1944. Ficaram tão
próximos que Natalina amamentou por seis meses o primeiro
dos dois filhos do casal.
Integrando grandes levas que surgiam a todo momento
para colonizar o Norte do Paraná, Lucindo e
Penha tinham sido trazidos por seus familiares ainda
muito moços, com 14 anos. Ela chegaria ao povoamento
de Lovat um ano antes do futuro marido, em
1937, indo em seguida para Marialva, onde os pais
haviam comprado um pequeno sítio. Naquela época,
as condições eram tão primitivas que, para fazer
compras, o único jeito era caminhar 27 quilômetros
no meio da mata até Lovat, onde só havia uma ou
duas ruas e um pequeno aglomerado de casas. Como a floresta
era escura e amedrontadora, Penha, o pai e um irmão se
Rolândia
Maringá Londrina
Mandaguari
Paraná
preveniam com uma tocha de fogo para espantar bichos. A vida também não era fácil
para Lucindo: sempre após uma chuva mais forte, ele percorria a pé 35 quilômetros
até Apucarana. No caminho, ia cortando touceiras de bambus
que, com o peso da água nas folhas, pendiam sobre a estrada, o
que impediria a passagem da jardineira. Casados, eles jamais
perderiam contato com os Romagnolo.
Os Romagnolo, aliás, eram o que se podia chamar de
família unida. Todos se davam bem: durante os afazeres,
sempre juntos, conversavam e sorriam muito, por qualquer
motivo. Religiosos, freqüentavam a missa aos domingos e, no
almoço, rendiam-se às delícias preparadas pela mãe, como o
macarrão com carne de cabrito, o pastel de batata doce e as
apreciadas queijadinhas.
Viviam tão bem na chácara em Mandaguari que, certa ocasião, Natalina precisou
dizer ao marido, em tom firme e definitivo, que não aceitaria mais mudar-se dali.
Sabia que ele, diante de uma boa proposta, dificilmente resistiria à tentação de
vender a propriedade. Ademais, os filhos estavam crescendo e começavam a
encaminhar-se. O mais velho dos homens, Geraldo, abraçara a profissão de alfaiate.
Fácil seria imaginar, entretanto, que Francisco não se aquietaria. O espírito destemido
falava mais alto e ele não deixaria de sonhar com a própria fazenda. A
pequena chácara da família seria preservada a pedido de Natalina, mas ele
acalentava o desejo de fazer a sua parte na concretização do sonho dos pais, que
vieram da Itália à custa de grandes sacrifícios para “fazer a América”. Sentia que
Apucarana
A famíilia
radicou-se em
Mandaguari
57
A antiga igreja
da paróquia N. Sª
Aparecida, em
Mandaguari,
durante a década
de 40 (foto
Akimitsu Yokoyama)
estava perto de realizá-lo.
Nesse final dos anos 40 e início da década de 50, o preço do café experimentara
novamente valorização após um longo período em baixa, período que coincidiu com
a ausência de geadas fortes. Dessa forma, aqueles cafeicultores que não desistiam
nunca, acabaram favorecidos por essa combinação e ganharam dinheiro como
nunca. Isto fortaleceu a procura por terras no Paraná e fez com que a Companhia
colocasse à venda novas áreas de terras na região de Cianorte, mais ao Noroeste.
Histórias de gente enriquecendo com o café voltaram a varrer o País. Por isso,
via-se muitas famílias chegando com o propósito de comprar terras e tentar a vida.
Aqui, ficavam fascinadas ao ouvir relatos de gente bem sucedida, como a experiência
de Joaquim Romero Fontes, um paulista que, em 1949, decidiu mudar-se de Lucélia
para Maringá, contrariando a vontade do pai. Já na primeira safra, Joaquim contou
com a ajuda do tempo para colher uma produção abundante, de 4.700 sacas. E teve,
também, a sorte de ver o preço da saca disparar. Na segunda safra, o felizardo
Joaquim obteve mais 4.400 sacas e o preço continuou a subir. Em dois anos apenas,
tinha ficado rico.
58 10
Registros
O que ficou para a história...
O topógrafo japonês Shigueyoshi Yokoyama chegou à então localidade de Lovat
entre os anos 1934/35, para trabalhar no escritório da Companhia de Terras Norte
do Paraná (CTNP). A família somente seria trazida para a cidade – cujo nome já
havia sido alterado para Mandaguari - em 1944, pois antes disso não havia casas
disponíveis e foi preciso morar, por algum tempo, no quarteirão da Companhia,
onde eram alojados alguns dos funcionários.
Yokoyama participou, juntamente com o também topógrafo Vladimir Babikov e
o engenheiro agrimensor Alexandre Razgulaeff, do planejamento urbano de
Mandaguari e de várias outras cidades no trecho Londrina-Maringá.
Nascido no Japão e trazido com apenas três anos para o Brasil, Akimitsu, filho do
topógrafo Shigueyoshi, seria no futuro um personagem importante para a
preservação da memória regional. Fotógrafo desde muito cedo, ele registrou
milhares de cenas que marcaram a saga dos pioneiros. Suas fotografias, a maior parte
em preto e branco, compõem hoje um acervo dos mais valiosos.
Na foto tirada na
segunda metade dos
anos 30, o japonês
Shigueyoshi Yokoyama
e o russo Vladimir
Babikov, ambos topógrafos,
juntamente com o
engenheiro agrimensor
Alexandre Razgulaeff,
também de origem russa;
ao fundo aparece ainda
um funcionário da
Companhia na então
localidade de Lovat, hoje
Mandaguari (acervo
Akimitsu Yokoyama)
59
60 10
Nos anos 50, as dificuldades
encontradas por quem se
aventurava a enfrentar a
estrada entre Mandaguari e
Maringá eram, principalmente,
os grandes atoleiros, comuns
em períodos chuvosos
(Fotos Akimitsu Yokoyama)
Parte 2
Rápido crescimento
populacional
Cenas da Avenida
Brasil no final dos
anos 40. Acima,
no registro de
Fleuri Scheidt e,
embaixo, de
Akimitsu Yokoyama
Durante o século XX, o território paranaense foi
sendo gradativamente ocupado.
Na década de 1920, toda a região centralizada pelas cidades de Tomazina,
Siqueira Campos e Jacarezinho já estava povoada. A partir da década de 1940,
descendentes de imigrantes italianos e alemães, do Rio Grande
do Sul, subiram de Sul para o Norte e, ultrapassando o Rio
Iguaçu, avançaram pelo Oeste paranaense, ao longo do Rio
Paraná, até encontrar os plantadores de café, a outra corrente de
migração interna que descia do Norte para o Sul.
Ainda em meados dos anos 1940 a utilização de energia enquanto
força motriz superou o seu uso para iluminação pública e
particular. Ao mesmo tempo, apesar das dificuldades de fornecimento
de energia, houve intensa difusão do uso de eletrodomésticos
pela Cia. Força e Luz do Paraná, como o refrigerador GE.
62
Sobretudo a partir dessa época o Paraná começou a viver um forte crescimento
populacional, pressionando o governo a investir em infra-estrutura, o que não era
tarefa simples. Para se ter idéia, em 1940 a população paranaense que era de 1,236
milhão de habitantes, chegaria a 2,115 milhões em 1950, registrando aumento de 70%
2
e uma densidade de 10 habitantes por km. Em 1960, outro grande salto: os paranaenses
2
já eram 4,263 milhões, o correspondente a 21 por km. Em 1970, a população subiu para
2
6,929 milhões de habitantes, 60% a mais, o equivalente a 35 por km.
Ao longo daquelas mesmas décadas, houve um aumento considerável do número de
indústrias no Paraná. Segundo dados do Ipardes (1987), em 1939 eram 1.832 unidades,
com 21.898 trabalhadores; dez anos depois, em 1949, o Estado registrava 3.460
indústrias, com 35.176 empregados; em 1959, já eram 6.417 unidades fabris e 68.455
trabalhadores, números que em 1970 chegaram, respectivamente, a 10.855 e 114.344.
Além da Companhia Força e Luz do Paraná (CFLP), havia no Estado outras
empresas em operação nesse setor, como a Empresa de Eletricidade Alexandre
Schlemm e a Empresa Sul Americana de Eletricidade, esta última sediada em Santa
Catarina, ambas fornecendo energia aos municípios da região Sul do Paraná; a Cia
Prada de Eletricidade, servindo a região em torno de Ponta Grossa, Castro e Piraí do
Sul; a Empresa Elétrica de Londrina, atuando naquela cidade e em municípios
próximos; e a Cia Hidrelétrica do Paranapanema que, apesar de estar sediada em
Ponta Grossa, fornecia energia a mais de 20 municípios do Norte do Paraná. O
restante das municipalidades tinha seus serviços de energia mantidos pelas próprias
prefeituras e/ou auto-produtores.
A partir da década
de 40, as cidades do
Norte do Paraná,
como Mandaguari,
começaram a viver um
intenso crescimento
populacional.
(foto: Marilena Meyer)
63
Acima, o governador
Moysés Lupion.
Umas das mais
urgentes prioridades
do primeiro prefeito
de Maringá, Inocente
Villanova Júnior
(abaixo), era dotar
a cidade de geradores
eletro-diesel, o que
foi conseguido em 1952
A hidrografia paranaense possibilitou a viabilização de usinas hidrelétricas
relativamente próximas aos centros, como foi o caso de Londrina. Nas regiões onde
tais características não se apresentaram, a única opção eram os geradores a diesel.
No dia 7 de agosto de 1947, a Secretaria de Viação e Obras Públicas instalou
o Serviço de Energia Elétrica do Estado, o qual seria reconhecido no ano
seguinte como órgão auxiliar do Conselho Nacional de Águas e Energia
Elétrica. Ainda em 1948 ele seria transformado no Departamento de Água e
Energia Elétrica (DAEE), com autonomia administrativa e financeira. Uma de
suas primeiras iniciativas foi propor um plano para a eletrificação do Estado, o
Plano Hidrelétrico Paranaense, de 1948.
No governo de Moysés Lupion (1947-1950), o Estado passou a absorver
empresas privadas de energia nos municípios, como a Força e Luz de Antonina,
parte da rede de Apucarana, pertencente à Empresa Elétrica de Londrina S.A.; Força
e Luz de Imbituva e Empresa Elétrica de Foz do Iguaçu. Por outro lado, o governo
participou da constituição de algumas sociedades, como a Empresa Hidro-Elétrica
do Vale do Ivaí, Empresa Hidro-Elétrica de Laranjinha e Empresa Hidro-Elétrica de
Mallet.
Pelo Plano de Eletrificação, observava-se que o Norte do Paraná era a região
menos atendida, apesar do intenso crescimento populacional. Mas o governo não
podia fazer muita coisa, pois o Estado encontrava-se, nessa época, com insuficiência
de recursos.
Em 1952, o primeiro prefeito de Maringá, Inocente Villanova Júnior, gozando de
bom relacionamento com pessoas influentes da capital, conseguiu a cessão de quatro
motores usados de 2.080 cavalos de potência. A cidade, fundada em 1947 e
emancipada em 1951, ainda não contava com energia elétrica nessa época, a
não ser com alguns pequenos motores a diesel, mantidos por meia dúzia de
comerciantes e de uso estritamente particular.
O projeto de instalação foi feito pela UTIL Companhia Brasileira de
Planejamento. Os motores foram instalados junto ao córrego Mandacaru e
a montagem executada por engenheiros vindos de Hamburgo, funcionários
da fábrica alemã que os produzira.
Tão logo instalados foi estendida nas principais ruas da cidade uma rede
de postes com pequenas lâmpadas que, de tão fracas, as pessoas chamavam
de “tomates”.
Só funcionavam até às 22 horas com duas piscadelas que avisavam os
moradores que era hora de acender velas e lampiões.
Em seu livro, editado em 1997, quando do cinqüentenário de Maringá,
Edgar Werner Osterrotht cita que “Velhos pioneiros e fundadores lembram-se bem
deste sofrido e saudoso tempo. Luz, só de velas, das antigas lanternas, dos 'lampiões
Aladim' ou da 'Petromax' à querosene, que ficavam pendurados nas principais ruas
64 10 44
comerciais, nos botecos, nas 'vendas' de secos e molhados, produzindo aquele
barulho irritante. Quem não se lembra? A manutenção de 'luz acesa' era feita através
de um 'técnico' encarregado de bombear o querosene, ou trocar a 'camisinha' dos
lampiões 'Aladim” e 'Petromax'. Interessante é que, de vez em quando, caboclos
curiosos, e às vezes bêbados, botavam tudo a perder de tão 'chumbados' que
estavam da velha 'pinga'. Às vezes, algumas lanternas até explodiam de tanto
querosene.”
A irritação com a falta de perspectivas em relação à energia elétrica
ganhava o reforço dos donos de máquinas beneficiadoras de café, demandadas
por grandes safras. Em Maringá, no começo dos anos 50, contava-se
pelo menos 50 máquinas de grande porte, que se espalhavam também por
outras cidades à volta, entre as quais Mandaguari. Elas compravam o café “em
coco” dos agricultores e limpavam o produto para ser entregue, em sua maior
parte, ao governo federal.
Para funcionar, as máquinas recorriam a motores estacionários movidos a óleo
diesel, que geravam a necessária energia. Como esses equipamentos não eram
fabricados no Brasil, precisavam ser trazidos da Europa ou comprados de segunda
mão. Contudo, a importação esbarrava na demora em função da grande procura e
essas engenhocas, na visão das lideranças, não passavam de paliativos ou “quebra
galhos”: o que se queria, na verdade, era energia elétrica de fornecimento estável
para mover motores, indústrias, comércio e oferecer conforto aos moradores, além
de iluminar as praças e vias públicas, a exemplo do que ocorria no vizinho Estado de
São Paulo. Até então, as cidades do Norte do Paraná - cantadas em verso e prosa
como exemplos de crescimento e progresso
- ficavam completamente às
escuras após às 22 horas, horário
em que as máquinas
eram desligadas.
Portanto, enquanto os
paulistas já tinham superado
essa etapa há décadas,
várias regiões do Paraná
ainda eram mantidas
na dependência de poucos e
arcaicos equipamentos de geração
de luz à base de diesel,
sem falar que velas, lamparinas
e lampiões continuavam sendo
artigos de primeira necessidade.
.....
Equipamentos rústicos
de geração de energia
elétrica, à base de
diesel, comum na
época em
estabelecimentos
comerciais
45 65
A Rádio Cultura
foi instalada em
Maringá mesmo
antes da chegada
da energia elétrica,
prestando valiosos
serviços
A falta de energia elétrica não impediu que a cidade de Maringá recebesse uma
emissora de radiodifusão, que foi, aliás, uma das primeiras da região Norte do Paraná.
Um estudo realizado por Ana Paula Machado Velho, Doutoranda do Curso de
Comunicação e Semiótica da PUC/SP e da Universidade Estadual de Maringá
(UEM), em conjunto com Mariane Maio, Fabiane Giandotti, Arieta Arruda e Bárbara
Fernandes, que, em 2005, cursavam o quarto ano de Jornalismo no Cesumar (Centro
Universitário de Maringá), permite conhecer essa história.
A primeira rádio maringaense, a Rádio Cultura, resultou de
uma iniciativa de José Medeiros da Silveira, Odwaldo Bueno
Neto, Amadeu Vuolo e Átila de Souza Melo. O grupo fundou a
emissora em 16 de novembro de 1949, mas não conseguiu
concretizar a transmissão por falta de estrutura. O contrato
acabou cancelado em 19 de janeiro de 1950.
Quem, afinal, conseguiu superar as adversidades e colocar a
emissora no ar foi Samuel Silveira, radialista profissional.
Depois de exercer cargos de gerência em várias emissoras, ele
adquiriu equipamentos e um conjunto gerador e, em 15 de
junho de 1951, a Rádio Cultura de Maringá AM já podia ser
ouvida, o que era um grande acontecimento. Francisco Dias Rocamora foi o técnico
responsável pela montagem e manutenção da rádio. Exercia também as funções de
locutor de estúdio e locutor esportivo e foi ele quem colocou as primeiras palavras no
ar: “Senhores, senhoras, esta é a ZYS-23, Rádio Cultura de Maringá, em 1.520 kHz,
inaugurando suas atividades”.
Inicialmente, a idéia era instalar a emissora em Mandaguari, cidade pólo da região
naquela época. No entanto, como Samuel Silveira era amigo de Alfredo Nyeffler,
gerente da Companhia Melhoramentos em Maringá, acabou mudando de idéia.
A Cultura, então, nasceu praticamente na mesma época de transformação de
Maringá em município. E, para isso, precisou passar por cima de dificuldades. O novo
município não tinha energia elétrica, telefone nem estradas. Não tinha infra-estrutura.
Era uma clareira na mata.
A primeira sede foi em um quarto de madeira, de 36 metros quadrados, na avenida
Herval. Dentro desse pequeno espaço funcionava o estúdio transmissor, a discoteca e
o escritório. Ali, os discos 78 rotações, as pick-ups e os equipamentos da época,
permitiam a irradiação. A antena da rádio ficava numa área que hoje pertence à
Universidade Estadual de Maringá e se encontra a “Casa da Música”. Como não havia
energia elétrica, a rádio funcionava à base de dois motores a óleo diesel. Um estava
instalado no estúdio e outro na torre de transmissão.
Mas, transmitir não era o único problema. Como não existiam transistores, os
rádios eram valvulados, muito caros, o que impossibilitava que qualquer pessoa
tivesse um. Para colocar um aparelho desses em funcionamento eram necessárias 280
pilhas pequenas, que equivaliam a uma pilha grande. O pioneiro Antenor Sanches
lembra que essa pilha grande chegava a ser quase do tamanho do rádio. Algumas
66 10
pessoas usavam pilhas comuns de farolete, ou até mesmo baterias de automóveis. Só
que elas descarregavam logo. As pilhas duravam mais tempo, mas não eram baratas.
Por isso, costumava-se ouvir com o volume baixo para economizar pilha.
Por causa da falta de energia elétrica e de aparelhos receptores, a Rádio Cultura foi
autorizada a instalar alto-falantes ao longo da Avenida Brasil, a mais importante via da
cidade. Samuel Silveira conta que as pessoas se sentavam na rua para “assistir” jogos
de futebol, como os da seleção brasileira.
Naquela época a rádio tinha uma potência pequena, mas o alcance era grande
porque só havia uma outra emissora em Londrina. Segundo Silveira, a Cultura
começou com 100 watts. Para ele, a chegada do rádio em Maringá foi um ato heróico,
mas também gratificante. Como não havia gravadores, a programação era inteiramente
ao vivo. Além dele, as primeiras vozes que chegaram aos ouvintes foram as dos
locutores Luís Barros, o Barrinhos, Dirceu Fernandes de Souza e Thomás de Aquino
Negreiros. Na calçada de casa ou junto ao alto-falante da rua, os moradores ficavam
“do lado de fora” para ouvir os programas sertanejos. Essa era a preferência das
pessoas da época, conforme lembra Reginaldo Nunes Ferreira. O que mais tocava era
música caipira, como as de Tonico e Tinoco, e Pedro Bento e Zé da Estrada.
Em 1953, a Rádio Cultura chegou a construir um auditório para fazer programas
de entretenimento. O mais famoso deles era o Clube do Caçula. Outro destaque da
Cultura era um programa para aproximar os corações dos apaixonados. O pioneiro e
historiador Antenor Sanches lembra que nos primeiros programas de rádio,
moças indicavam músicas para os rapazes, que retribuíram. Através desse
serviço de alto falante começaram muitos namoros e casamentos.
Samuel Silveira também lembra que a Cultura não era só entretenimento. A
cobertura de eventos oficiais e a transmissão de fatos do cotidiano levavam às
regiões mais afastadas da zona rural informações sobre o que acontecia na
cidade e até notícias sobre parentes, que ficavam algum tempo sem se ver, por
causa da falta de transporte coletivo e das precárias condições das estradas. A
chegada da luz propiciou, mais tarde, avanços como o telex, que traziam as
notícias nacionais.
A exemplo do que aconteceu em muitos municípios do interior, o rádio
“funcionou” em Maringá como um veículo de informação, entretenimento e
prestação de serviço. Seus primeiros locutores foram Aloysio Raphael Barros,
Dirceu Fernandes de Souza, Thomaz Aquino Negreiros, Dirce Righetti,
Joaquim Dutra, Olindor Camargo, Orlando João Zenaro Manin, Moacir Savelli,
Paulo Martins Silles, Lindolfo Luiz Silva, Ladislau Alberto de Lima, Roberto de
Mello Meira, José Alfredo Silva Filho, Sergio Andreucetti, José Ambrosio Netto,
Jayme Vieira Lopes, José Pinto Oliveira, Evaldo Rodrigues, Antonio Lazaro do
Amaral, Jairo de Oliveira Tomaz, Ivens Lagoano Pacheco, Abel Decleva, entre outros.
Os primeiros operadores de som: José Augusto de Negreiros, Ilda Ramos, Olinda
Oliveira, Maria Helena Savelli, Loreto Agnaldo Bochoski, Nelson Bartolo, Bruno
Piovezam, Adilson Andreatta, Aristeu Ferreira Miguel, Anaídes Batista Nogueira.
Muita música
caipira, informação
e prestação de
serviço: a
programação era
inteiramente ao vivo
67
Iluminação em
Lovat só havia no
escritório da CTNP
(registrada na foto
acima por Vladimir
Babikov). Em
Maringá (abaixo),
a construção do
cinema, no início
dos anos 50 (foto:
Akimitsu Yokoyama)
Na então Lovat do início dos anos 40, energia elétrica e com motor estacionário
só havia mesmo no escritório da Companhia de Terras e em algumas poucas casas
vizinhas, ocupadas por seus empregados.
Nessa época, em que a empresa tinha como gerente Raul Silva, o motor era
acionado às 7 horas da manhã e desligado às 22 horas. Além de iluminar, o
equipamento servia também para puxar água do poço, provendo as caixas.
Em Londrina, as pequenas hidrelétricas eram insuficientes para atender a forte
demanda de uma cidade em acelerado crescimento. Por isso, cientes de que nada
conseguiriam em suas gestões junto ao governo do Estado, os londrinenses
organizaram-se em torno da Companhia Melhoramentos Norte do
Paraná e recorreram ao Estado de São Paulo, onde grandes usinas
hidrelétricas estavam sendo construídas nas proximidades da
divisa com o Paraná. Dessa forma, a Companhia Hidroelétrica do
Paranapanema, através da Usina de Salto Grande, passou a atender
20 municípios do Norte Pioneiro. Em pouco tempo, Londrina
também passou a contar com energia elétrica proveniente do
Estado vizinho, o que representou um grande avanço. Com a
energia chegando a Londrina, através da instalação de uma rede de
alta tensão e postes de madeira, fincados com força braçal, outros
municípios próximos também se beneficiariam.
.....
O desenvolvimento do Paraná, no entanto, deixava claro que a carência de
energia elétrica não podia ser resolvida apenas por usinas situadas no Estado de
68 10 48
São Paulo. Aliás, o primeiro Plano Hidrelétrico do Estado, que data de 1948,
previa sistemas elétricos distribuídos por regiões. O Sul seria apoiado nas futuras
usinas de Capivari-Cachoeira e Salto Grande do Iguaçu; o Norte, abastecido pelas
usinas de Salto Grande e Capivara, nos rios Paranapanema e Mourão; o Oeste, com
alguns geradores isolados.
Em 1952, o plano estadual incluiu a conclusão de pequenas hidrelétricas
(Cavernoso, Caiacanga e Laranjinha) e previu, finalmente, a construção de várias
outras, bem maiores, como Capivari-Cachoeira, Tibagi, Carvalhópolis e a termelétrica
de Figueira, esta última à base de carvão.
Ao mesmo tempo, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) passou
a instalar motores e conjuntos a diesel com capacidade entre 70 e 154 kVA em
muitas localidades, em caráter de emergência, além de proporcionar assistência a
prefeituras que mantinham serviços próprios de eletricidade. Foi o caso de
Maringá e Mandaguari.
Nessa última cidade, a família de Aleixo Leão de Oliveira, que havia chegado
alguns anos antes de Campos Gerais, sul de Minas, para tentar a sorte na
agricultura, apreciou a novidade. Ele e a mulher Maria Augusta já deviam ter,
naquela época, mais de dez de seus dezoito filhos - todos nascidos de parto
normal - quando a luz passou a ser especialmente importante. A exemplo das
outras famílias, eles deixariam de ir para a cama tão cedo, como faziam antes.
Afra, uma das filhas, lembra que, com o cair da noite e sem nada para fazer, o sono
era invencível. Mas, com a casa iluminada por lâmpadas colocadas em bocais que
pendiam do teto, a família havia adotado o costume de fazer orações todas as
noites após o jantar. O tempo,
em seguida, era geralmente
consumido com reuniões em
que se contavam histórias bíblicas.
Só mesmo perto das 22
horas - que era o horário máximo
de fornecimento de
energia às casas e estabelecimentos
comerciais -, o pai
Aleixo começava a assombrar
a todos com seus costumeiros
e amedrontadores “causos” de
fantasmas, que duravam até
que a luz fosse interrompida,
para algazarra geral.
A agência postal
de Lovat, de
responsabilidade de
Aleixo Leão de
Oliveira (foto:
A. Yokoyama)
69 49
Acima, um ferro à
brasa, muito comum
na época. Ao lado,
detalhe de um
banheiro (repare no
chuveiro “tiradentes”)
O advento da energia elétrica possibilitou, também, que muitas famílias
pudessem adquirir aparelhos de rádio, mantendo-se mais informadas acerca do
que ocorria no País e no mundo. Até então, rádio era um privilégio de poucos, pois
só funcionavam à pilha. Costumava-se ouvir a programação de emissoras de
Apucarana e Londrina, bem como das Rádios Nacional, Tupi, Mayrink Veiga e
Bandeirantes. Durante a Guerra, quando Mandaguari ainda
era chamada de Lovat, vivia-se em absoluto isolamento, sem
qualquer notícia da civilização. Nessa época, Aleixo trabalhou
também como picador, abrindo caminhos ou picadas no mato.
Com luz em casa, hábitos familiares começaram a se modificar,
pois as mulheres tinham a possibilidade de deixar para
o período noturno algumas tarefas, como costurar ou
passar roupas (e agora com ferro elétrico, em vez de
ferro a brasa ou a gás), enquanto os homens podiam
fazer consertos ou simplesmente ler. Da mesma forma, o
banho diário deixaria de ser feito em bacião com água
esquentada, evoluindo para o “tiradentes”, um balde de
20 litros içado com um pequeno chuveiro na parte
inferior, de onde
caía a água - quente
ou fria - que ali havia sido antes
despejada. Sabonete, nem pensar.
As próprias famílias produziam um
sabão que chamavam “de coada”, de
simples preparo: em um tacho, diluíam
miúdos de porco em água fervente,
ao mesmo tempo em que cinzas
de fogão eram depositadas em
um balde com água que, aos poucos,
ia sendo coada. Da mistura final
desses ingredientes é que se obtinha
o sabão, usado para tudo.
A geladeira elétrica aposentava as
similares a querosene; por sua vez, a
limpeza do chão, que antes demandava
escovão de ferro com palha de
aço, agora podia ser feita com enceradeira
elétrica, um luxo.
50 70 10
Nas casas e no
comércio, as
lâmpadas eram
colocadas em bocais
pendurados ao teto
Durante anos, também, sempre com o apoio da mulher e alguns dos filhos, Aleixo
de Oliveira dedicou-se à função de representante dos serviços de correios em
Mandaguari, numa casa apegada a do agrimensor russo Vladimir Babikov,
funcionário da Companhia de Terras. Quando luz elétrica não havia, ele trabalhava
até tarde lançando mão de um fogareiro e algumas lamparinas para clarear o
ambiente onde separava as correspondências.
O advento da energia possibilitou que as famílias saíssem de casa à noite, para um
passeio em ruas iluminadas, tomar um sorvete ou então ir ao cinema - outra novidade
da qual antes só se ouvia falar. Da mesma forma, os comícios políticos, que só podiam
acontecer sob a claridade do sol, passaram para o horário noturno, bem mais
agradável.
A luz, ainda que precária, gerava empregos e um dos filhos de Aleixo encaixouse
na até então inexistente função de “guarda-fios”. Sua função era percorrer a
cidade observando algum possível dano na fiação elétrica e nos postes, principalmente
após temporais.
Os primeiros “guarda-fios”
de Mandaguari foram
Abdon Leão de Oliveira
(acima) e João Calijuri
71 51
O governo
cria a
O governador
Bento Munhoz da
Rocha Netto
Em 1953, ao instituir a Taxa de Eletrificação por meio
de uma lei estadual, o governo do Estado garantiria mais
recursos financeiros para implementar a eletrificação.
No ano seguinte, por iniciativa do governador Bento Munhoz da Rocha Netto,
através do Decreto n° 14.947 de 26 de outubro, era criada a Companhia Paranaense
de Energia Elétrica (Copel) - cuja denominação seria alterada no futuro para
Companhia Paranaense de Energia -, com a proposta de assumir a responsabilidade
pelos serviços até então a cargo do DAEE, prefeituras e concessionárias particulares.
Como referência, a empresa seguiria os moldes da concessionária estadual
congênere de Minas Gerais, a Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais), e
também da antiga Uselpa (Usinas Elétricas do Paranapanema), de São Paulo. O
primeiro diretor-presidente foi o professor universitário Themístocles Linhares,
que teve como companheiros de diretoria, o diretor técnico Pedro Viriato Parigot de
Souza e o diretor administrativo Heraldo Vidal Corrêa.
O Decreto previa que a Companhia - cujo capital social era de 800 mil cruzeiros,
60% subscritos pelo Estado - se destinava a “planejar, construir e explorar sistemas
de produção, transmissão, transformação, distribuição e comércio de energia
elétrica e serviços correlatos, por si ou por sociedade que organizar ou de que vier a
participar”.
A primeira reunião da diretoria, no dia 28 de março de 1955, precisou acontecer
em uma pequena sala do Instituto Nacional do Mate, do qual Linhares era delegado,
na rua Marechal Floriano, porque não havia dinheiro sequer para custear um aluguel.
A empresa somente contaria com uma sede alugada a partir do mês de junho daquele
mesmo ano: um conjunto de 12 salas no 8° andar do Edifício José Loureiro, na Rua
XV de Novembro.
Poucos antes, o Decreto n°. 37.399, de 27 de maio, sancionado pelo Presidente
Café Filho, autorizava o funcionamento da Copel como companhia de energia
52 72 10
elétrica, de acordo com as exigências do Código de Águas e
Leis Subseqüentes.
Assim, no dia 23 de agosto, quando grande parte dos
cafezais paranaenses amanheceu destruída por uma forte geada,
o governador Adolpho de Oliveira Franco julgou ser oportuno
afirmar que o Estado precisava avançar imediatamente para uma
nova etapa, a industrialização. “O fim a que se entrega a Copel
não é outro senão o de fornecer elementos para essa nova etapa
histórica”, disse ele. “O problema que ela tem a resolver não se
restringe apenas a construir usinas. Consiste, também, no
lançamento de uma vasta rede básica de linhas de transmissão e
subestações, de modo a permitir o fornecimento de energia
gerado a todos os consumidores nos vários núcleos de
industrialização indicados no mapa do Paraná, pela geografia
econômica de nossas matérias-primas”, sustentou.
A primeira cidade a ser abastecida pela Copel foi Maringá.
Sua ligação deu-se no dia 1° de agosto de 1956. Na mesma data,
seriam ligadas também: Apucarana, Pirapó, Mandaguaçu,
Cambira e Campo Mourão. Até então, todos esses municípios
estavam sob a responsabilidade do Departamento de Águas e Energia Elétrica
(DAEE).
Nessa época, com 15 mil habitantes e 1.700 ligações, Maringá dispunha de uma
usina com quatro motores à diesel de 360 kVA cada, instalados pelo DAEE em 1952.
Além de insuficientes, pois a cidade vivia um período de rápido crescimento, dois
motores estavam com os mancais fundidos, o que impunha um racionamento de
eletricidade. A usina funcionava das 7 às 11h30 e das 18 às 22 horas. Em 1957, a
Copel adquiriu um motor de 525 kVA e, nos anos seguintes, outras unidades, até
que a usina tivesse uma potência de 5.000 kW.
Material histórico publicado em setembro de 1979 pela empresa, quando da
passagem de seus 25 anos, relata que o técnico especializado em montagem e
manutenção, Eugênio Rosa, conheceu bem os dramas vividos pela
representação regional da Companhia, em Maringá. “As passeatas de usuários
se repetiam toda vez que faltava eletricidade. Numa dessas manifestações de
desagrado, o próprio Eugênio Rosa foi envolvido e teve de seguir a multidão
furiosa até o escritório da empresa, ponto em que se concentrava a ira dos
manifestantes”, diz um trecho.
“A situação, antes da Copel, era tão precária que, ao assumir os serviços de
Maringá, a Companhia precisou enfrentar sérios problemas de consumo
clandestino de energia elétrica, feito inclusive com extensões de arame de aço e
arame farpado. Cerca de 30% do consumo energético não era pago (por influências
políticas) e isso, naturalmente, refletia na situação financeira. Os serviços estavam
Decreto sancionado
pelo Presidente Café
Filho autorizava o
funcionamento da
empresa. Abaixo, o
governador Adolpho
de Oliveira Franco
73 53
Maringá, em
1952, recebeu do
Departamento de
Águas e Energia
Elétrica (DAEE)
esta usina dieselétrica
com quatro motores.
Funcionava das
7 às 11h30m e
das 18 às 22 horas
em descrédito, a ponto de um dos fornecedores de óleo diesel ter cortado o
suprimento. Através de gestões com outro fornecedor, o abastecimento de óleo foi
restabelecido, mas, todos os dias, o primeiro dinheiro do caixa era destinado ao
pagamento do combustível, sem o qual as usinas paravam.
De Maringá, Eugênio Rosa devia atender aos defeitos e quebras de equipamentos
nas usinas de localidades vizinhas, o que ocorria com demasiada freqüência, principalmente
aos domingos, feriados e dias de festas importantes. Não havia telefones,
nem outro meio de comunicação rápida entre as cidades. Se ocorria um problema
com a usina de Apucarana, por exemplo, o encarregado mandava um bilhete a Eugênio,
pelo primeiro veículo que demandasse Maringá. E, pela descrição sumária do
defeito na usina (fumaceira, vazamento de óleo etc), o técnico dava um diagnóstico à
distância, indo pessoalmente ou mandando seus auxiliares consertarem a avaria.
Bastava um fraco temporal para o sistema elétrico entrar em pane. Os transformadores
eram instalados em cima dos célebres “chiqueirinhos” ou gaiolas de madeira,
caracterizando verdadeiras improvisações que só podiam funcionar precariamente.
Recordando-se de episódios pitorescos da época, Eugênio Rosa conta que, em
Apucarana, a usina à diesel tinha oito motores, distribuídos em dois grupos e de
várias marcas. Todos deficientes. Mas, o motor ‘Hamilton’, de 1.000 kW, era uma
‘parada’, porque cuspia fogo, óleo lubrificante e fumaça: era o ‘vulcão de Apucarana’,
no conceito do técnico.
Nos anos de 1956 e 1958 foram instalados mais dois motores de 1.000 kW cada,
que contribuíram para o abastecimento energético das localidades de Mandaguaçu,
Pirapó e Cambira, através de linhas de conexão com Apucarana.
Em Campo Mourão havia duas turbinas, uma de 125 kVA e outra de 360 kVA.
Posteriormente, em 1960, foram instalados um motor diesel de 1.000 kW e uma
turbina de 1.000 kW, na chamada Usina Piloto de Campo Mourão.
Por sua vez, os problemas de reposição de peças causavam os maiores trans-
54 74 10
tornos, pois os motores diesel, além de absoletos, não dispunham de componentes
originais para troca. Para superar as dificuldades, muitas peças eram feitas na oficina
de um alemão chamado Kurt, em Maringá, mediante orientação do técnico
Eugênio Rosa. “Era preciso remendar tudo, senão a luz faltava e aí ocorriam as
passeatas.”
Dessa maneira, a empresa foi centralizando todas as ações governamentais de
planejamento, construção e exploração dos sistemas de produção, transmissão,
transformação, distribuição e comércio de energia elétrica e outros, tendo
incorporado todos os bens, serviços e obras em poder de diversos órgãos. Coubelhe,
então, a responsabilidade pela construção dos grandes sistemas de integração
energética e dos empreendimentos hidrelétricos previstos no Plano de
Eletrificação do Paraná.
.....
Catarinense de Concórdia, Osvaldo Chiuchetta chegou a Maringá em 1956,
atraído, como ocorrera com inúmeros outros, pela intensa propaganda que se fazia
do Norte do Paraná.
Ele lembra que como a cidade era servida de motores estacionários a diesel, os
empresários estavam insatisfeitos. Os motores eram enormes, ruidosos e precisavam
ser desligados por volta das 22 horas, além de exigirem um cuidadoso
trabalho de manutenção para que não viessem a pifar. Mas, nas serrarias, olarias e
empresas mais afastadas das cidades, onde havia fartura de lenha, era comum ainda
o emprego de equipamentos vetustos para a geração de energia, como os
legendários locomóveis (abaixo), criados no século XVIII. Fazendo lembrar, por
suas formas, pequenas “maria fumaça”, eles não eram mais que uma caldeira a vapor,
geralmente de fabricação alemã. Como iam
sendo descartados no interior de São Paulo,
Santa Catarina e Rio Grande do Sul, acabavam
trazidos para regiões mais atrasadas, como o
Norte do Paraná, onde ainda encontravam
serventia.
Osvaldo Chiuchetta afirma que, de qualquer
forma, ao poderem contar com fornecimento
regular de energia, ainda que por
meio de motores, os municípios puderam
alavancar seu desenvolvimento, com a
chegada de outros tipos de indústrias.
Empreendedor, logo que chegou ao Norte do Paraná, Chiuchetta percebeu que
pelo menos 70% das pessoas eram, como ele, descendentes de italianos. Por isso,
em 1958, decidiu estabelecer-se como industrial, comprando trigo e milho para
transformar em fubá e farinha. Lembra ele que, em função da instabilidade do
fornecimento de energia, esse problema era, até então, um grande obstáculo para
qualquer tipo de indústria.
75
Em meados dos anos 50, Mário Piccioly era um dos primeiros funcionários
da Copel em Maringá. Casado com Maria Conceição, 5 filhos, ele passou a
trabalhar como operador do conjunto de máquinas geradoras de energia
elétrica. Paulista de São Simão, Mário havia chegado com os pais ao Paraná em
1948, para lidar inicialmente com café, permanecendo alguns anos em uma
localidade conhecida como “Oitenta”, no município de Ivatuba.
Os motores eram barulhentos e um de seus filhos, Maurinho Piccioly,
embora ainda muito pequeno na época, recorda que o ruído chegava a ser
irritante, cansativo, de doer o ouvido. “Parecia a batida de um sino”, conta
Maurinho, que, junto com a molecada, costumava brincar nas proximidades do
Embora potentes,
os motores que
serviam Maringá
durante a década
de 50, eram
incapazes de atender
a demanda da
cidade (acervo
Maurinho Piccioly)
76 10
barracão onde ficavam as máquinas.
O pai, homem caprichoso, gostava de manter
aquela estrutura toda sempre muito limpa e bem
cuidada. Para se ter idéia, o piso de cimento
alisado era encerado com “vermelhão” e ficava
brilhando. Para divertir os meninos e preservar a
limpeza, Mário pegava um escovão e costumava
empurrá-lo de um lado a outro com um dos
garotos sobre o mesmo, em meio a muitas
risadas. O chão ficava tão limpo que até parecia
espelho, mas também escorregadio: por isso, o
uso de galochas era providencial para evitar
acidentes.
Mário era tão preocupado com o bem-estar
do pessoal de sua equipe, formada por outros
operadores e auxiliares, que chegou a construir
uma cancha de bocha no próprio terreno onde funcionavam as máquinas para o lazer
dos companheiros. É que, nas horas de folga, vários deles costumavam jogar baralho
e, entre uma carta e outra, começar a falar dos outros, o que podia ser perigoso. Com
a bocha, o risco de uma briga era quase zero.
Rotineiramente, as máquinas eram ligadas e somente quando estavam em plena
atividade é que se acionavam as chaves para a geração de energia à cidade. Esses
motores, abastecidos a óleo diesel, eram refrigerados à água, como radiadores. Por
isso, em área anexa, ficavam uns tanques de água, a céu aberto, para onde a água
que passava pelas máquinas
era destinada, caindo em
forma de chuveiro. Como
Maurinho e os outros meninos
não perdiam tempo,
aqueles tanques viravam
“piscinas” que podiam ser
aproveitadas sem maiores
problemas, desde, é claro,
que os motores estivessem
parados.
Mário e os outros operadores
aprenderam a traba-
Mário Piccioly
(o primeiro à
direita) com demais
operadores e auxiliares;
na foto abaixo,
de branco, o
operador Catulino
Machado, apoiado
em uma das
máquinas mais
antigas
77
Ao lado, alguns dos
primeiros funcionários
da Copel em Maringá.
A foto abaixo mostra
que eles eram “pau pra
toda obra”
lhar com os equipamentos porque um senhor alemão, que ficou
conhecido como “Papi”, foi mandado de Curitiba. Ele ficou algum
tempo, em companhia da esposa, “Mami”, morando em uma das casas
que haviam sido construídas especialmente para os operadores, e
ficavam ao lado do conjunto de máquinas. Sujeito simpático, embora
falasse bem arrastado, o tal “Papi” só tinha um defeito: quando
participava de um churrasco, ele costumava guardar pedaços de carne
nos bolsos, o que intrigava o pessoal.
Embora de funcionamento precário, o que expunha a cidade a riscos
constantes de falta de luz e racionamento, as máquinas até que não
apresentavam tantos problemas e, volta e meia, aparecia alguém para
elogiar o trabalho dos operadores. No entanto, Maringá crescia muito
rápido, o que fazia com que a questão da energia elétrica fosse um de
seus principais problemas, além de fonte de constante irritação entre os
moradores.
O que aprendeu com o “Papi”, Mário procurou transmitir a outros
trabalhadores que chegaram depois. Foi o caso de Catulino Machado, o
seu “Tula”, de quem se tornou um grande amigo. Tão caprichoso quanto
o “professor”, seu “Tula” ficava horas lustrando as máquinas, além de
78 10
mantê-las bem lubrificadas.
Maurinho lembra que a cidade ainda estava cheia, naquela época, de postes de
madeira, alguns bem tortos. Eles eram vulneráveis a vendavais, além de muito altos,
porque o povo - principalmente a molecada - ainda não estava acostumado com
fiação elétrica. Volta e meia ouvia-se, por exemplo, que alguém tinha sido eletrocutado
enquanto empinava um papagaio. Quando isso ocorria, a cidade ficava
sem luz por algum tempo. Mas ficava sem luz, também, não por acidente, mas pela
arte dos moleques - sempre eles - que, à noite, costumavam atirar arames sobre a
fiação elétrica, só para ver as faíscas - que acabavam resultando em curto-circuitos.
Mário morreu no dia 5 de fevereiro de 1976. Depois que a cidade passou a contar
com energia elétrica estável, que aposentou os velhos motores a diesel, ele foi
transferido para uma outra função, assim como todos os seus companheiros. Era
inspetor de linha de alta tensão, viajando com Toyota ou caminhão por toda a região
Norte do Paraná. Nessas viagens, como ainda havia muita mata, o veículo sempre
acabava atropelando algum animal que, inadvertidamente, invadia a estrada. Sem
cerimônia, o bicho era colocado na carroceria e aproveitado em churrascadas.
Maurinho lembra que todos tinham muito orgulho de trabalhar na Copel. A
empresa se preocupava com a satisfação de seus funcionários e, todo final de ano,
além de uma cesta básica para as famílias, mandava brinquedos para as crianças.
Equipe que fazia
a inspeção e a
manutenção da rede
elétrica na região
de Maringá
79
GETÚLIO E A ESTRADA DE FERRO
Acima, o presidente
Getúlio Vargas.
Na outra página,
uma locomotiva à
vapor fazendo o
percurso entre
Curitiba e
Paranaguá, no
começo do último
século (acervo Serra
Verde Express)
O presidente da República, Getúlio Vargas, participou no dia 24 de janeiro de 1953,
em Curitiba, da inauguração oficial da eletrificação na Rede de Viação Paraná-Santa
Catarina (RVPSC). Ele estava acompanhado do governador do Paraná, Bento Munhoz
da Rocha Netto, e do Ministro da Viação, Álvaro Souza Lima, entre outras autoridades.
A eletrificação operava num trecho de apenas 36 quilômetros, entre Curitiba e
Banhado, faltando ainda 74 quilômetros para que alcançasse Paranaguá, pois a usina
hidrelétrica de Marumbi ainda não estava pronta. O terreno no trecho de planalto da
Curitiba-Paranaguá era acidentado e três túneis tiveram de ser refeitos para a
instalação das catenárias, o que encareceu e prolongou o tempo necessário às obras.
Ao ser procurado pela RVPSC para conceder um financiamento, o Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), orientou a
companhia a abandonar o projeto de eletrificação da ferrovia, por considerá-lo
inviável. Se fizesse isto, a empresa teria que desperdiçar os edifícios já
construídos, bem como os equipamentos elétricos adquiridos das subestações
retificadoras, além de mais de oitenta quilômetros de postes já plantados, sem
falar que a maior parte dos fios e cabos que se faziam necessários ao empreendimento
já estava comprada.
Em 1956 os dirigentes da RVPSC procuraram a Copel para iniciar negociações
visando a transferência da Usina do Marumbi para a empresa, desde que
fosse assegurado o fornecimento de energia para o trecho eletrificado da
ferrovia. A proposta foi recebida com entusiasmo pela diretoria da Copel, uma
vez que a energia produzida pela futura usina solucionaria a crítica carência de
eletricidade que então havia ao longo do litoral paranaense, especialmente o Porto de
Paranaguá, cujas máquinas freqüentemente tinham de ser paralisadas por falta de
eletricidade. Além disso, o controle da Usina de Marumbi facilitaria a construção de
uma grande hidrelétrica, a Capivari-Cachoeira.
Somente em 5 de abril de 1961, com oito anos de atraso, é que a Usina de Marumbi
- também conhecida como Usina do Véu de Noiva - iniciaria a geração de energia
elétrica, com potência de 2.000.000 kWh; por volta de 1966 sua potência chegou a
7.000.000 kWh, com a entrada de todas as turbinas em funcionamento.
Ainda em 1961 foi assinado um acordo para que o excedente da produção da
hidrelétrica fosse vendido à concessionária pública de energia. Esse acordo foi decisivo
para acabar com a então crônica precariedade no fornecimento de energia elétrica
ao litoral do Estado do Paraná. Nesse mesmo ano já eram atendidas as cidades de
Morretes, Antonina e Paranaguá. Em 1965 entraram em operação linhas de transmissão
que também possibilitariam o fornecimento da energia gerada por essa hidrelétrica
às localidades de Matinhos, Guaratuba e Caiobá. A Usina do Véu da Noiva
somente seria adquirida pela Copel em 1998.
80 10
81
Registros
O que ficou para a história...
PADRE EMÍLIO, O PRECURSOR
Registros do uso pioneiro de energia elétrica em Maringá são citados
rapidamente em algumas publicações. O livro “A Igreja que brotou da mata”,
escrito pelo Pe. Orivaldo Robles, relata, na página 115, que o padre alemão
Michael Emil Clement Scherer, dono de uma fazenda a partir de 1938 na região
onde seria formado o futuro município de Maringá, pode ter sido o precursor da
energia elétrica na localidade:
“Padre Scherer era homem de seu tempo e esforçava-se por acompanhar
avanços da ciência, beneficiando-se da tecnologia. Além da mini-estação
meteorológica, possuía telefone para comunicação dentro da propriedade,
moinho de trigo e, aproveitando a queda d'água do ribeirão, instalou uma turbina
para geração de energia elétrica.”
O Padre Emílio
instalou-se na
região em 1938.
Abaixo, Odwaldo
e Winifred, que
chegaram em 1947
ODWALDO E WINIFRED
Em seu “Quando o amor transpõe o oceano - uma história de coragem”,
Winifred Ethel Netto relembra a aventura de ter chegado com o marido Odwaldo
Bueno Netto e os filhos, após penosa viagem de caminhão desde Catanduva-SP,
àquela cidadezinha ainda praticamente sem casas, cujas ruas estavam só
demarcadas, cheias de buracos feitos pelos grandes troncos de árvores
arrancados. Era domingo, 14 de dezembro de 1947. Escreveu Winifred, nas
páginas 107 e 110:
“O que estava diante dos nossos olhos era nossa casa, com as paredes
levantadas e buracos no lugar das portas e janelas, mas com parte do telhado. Sem
portas, sem janelas, sem forro, sem banheiro, sem o telhado completo, sem reboco
nas paredes, sem cozinha! ... Ao olhar em volta, vimos que parecia uma cidade
fantasma, com a poeira levantando e dificultando ver as pessoas com quem
conversávamos, no que viria a ser uma rua... Mas quando a estação das águas
chegou e com ela a lama, nosso telhado já estava pronto, mas havia um pequeno
problema: Odwaldo quis fazer um telhado sofisticado, com várias ‘águas’, mesmo
não sendo engenheiro, nem tampouco ‘mestre de obras’. Em conseqüência disso
surgiram problemas de vedação e as goteiras se multiplicavam. Mas o Odwaldo
sempre foi assim, arrojado, criativo e sem medo de enfrentar desafios... um
exemplo disso é que tivemos luz elétrica desde o início, graças ao gerador,
82 10
lâmpadas e fios elétricos que trouxemos conosco. Construímos o banheiro dentro
de casa, para surpresa da vizinhança, nosso fogão a lenha tinha serpentina e os
banhos eram de água quente. Isso fazia com que nossos companheiros de
pioneirismo nos achassem milionários. Na realidade, Odwaldo era um empreendedor
muito criativo e eu sua companheira topa-tudo.”
JÂNIO E O BISPO
O livro “A Igreja que brotou da mata”, escrito pelo Padre Orivaldo Robles e
editado em março de 2007 (quando por ocasião dos 50 anos da Diocese de Maringá),
registra um episódio que bem ilustra a precária situação da energia elétrica na cidade:
“Em 1959, Jânio Quadros, candidato à presidência da República, percorrendo
o Paraná, vem a Maringá. Entre as lideranças da cidade, não podia deixar de visitar
o bispo. Amável, como todo político em campanha, pergunta quais as
necessidades mais sentidas em Maringá. Uma das primeiras, apontada por dom
Jaime, é a energia elétrica, bastante precária. Já é noitinha e as luzes estão acesas.
Na cozinha, uma irmã liga o liquidificador e a luz começa a piscar. “Está vendo do
que estou falando?” esclarece o bispo. Conhecido pelas decisões desconcertantes
que tomava, Jânio não foge do padrão. Ignorando a homenagem das lideranças
políticas, o jantar e o pernoite em Maringá previstos no programa, simplesmente
deixa a cidade e vai dormir em Londrina.”
OURO VERDE
A Indústria de Bebidas Internacional – cujo nome, mais tarde, mudaria para Ouro
Verde - foi uma das primeiras unidades industriais de Maringá, instalando-se em um
terreno na Avenida Mauá em 1952, um ano após a emancipação política do
município. A experiência de produzir refrigerantes e engarrafar bebidas tinha sido
trazida pela família Projiante de Estrela do Oeste-SP. Naquele ano, portanto, o pai
Armando, juntamente com os filhos Fiori, José e Guido, passaram a produzir
guaraná, soda e sodinha, além de engarrafar aguardente e vinho. Guido recorda-se
que eles contavam com um pequeno gerador próprio, movido à óleo diesel, para
iluminar a fábrica, mas os equipamentos para tampar as garrafas, por exemplo, tinham
que ser tracionados pelo pessoal com a força dos pés. Só alguns anos mais tarde é que
a Ouro Verde, em franca prosperidade, trouxe equipamentos que modernizaram a
limpeza das garrafas - até então manual - e toda a linha de produção. A empresa ia tão
Peter, um dos filhos de
Odwaldo e Winifred,
trabalhou como piloto
de avião na empresa
da família, a TAMA,
numa época em que a
energia elétrica ainda era
escassa em Maringá.
O campo de aviação
ficava completamente às
escuras, mas ele nunca
se apertava quando era
preciso aterrissar em
horários noturnos. Para
que isso fosse possível,
Peter mantinha um trato
com motoristas de praça
da cidade: estes, ao
ouvirem o ronco do
motor de sua aeronave,
corriam imediatamente
para o campo, onde,
utilizando os faróis de
seus veículos, faziam o
balizamento da pista de
pouso, além de clareá-la.
Com essa ajuda, Peter
descia sem nenhum risco.
83
bem que chegaram a ser produzidas 30 mil garrafas de 600 mililitros (ml) por hora,
atendendo grande parte do Estado e até mesmo o Paraguai.
MALUF E AS MÁQUINAS
Alfredo Moisés Maluf
Sobre a início da energia elétrica em Maringá, o livro “O Sonho se Faz ACIM”,
editado em 2006 pela Associação Comercial e Industrial de Maringá, traz um
relato do pioneiro Emílio Germani, na página 55, envolvendo o empresário
Alfredo Maluf, que era dono de importante posto de combustíveis na cidade:
“Um dia dois caminhões carregados com geradores a diesel passavam por
Maringá e pararam no Posto Maluf. O empresário questionou os motoristas sobre
o destino da carga e ficou sabendo que elas iam para Paranavaí. Aí o Maluf
retrucou: 'negativo, eles vão ficar é aqui mesmo!'”
Segundo Germani, Maluf não deixou que os equipamentos saíssem de Maringá
e iniciou uma campanha para que os mesmos fossem instalados definitivamente
aqui. Foram feitas várias viagens até Curitiba para pressionar o governo do Estado,
até que houve a decisão de se instalar os geradores na cidade. Essa decisão foi o
ponto de partida para a futura instalação da Copel em Maringá.
TUDO NOS PÉS
As gráficas e tipografias também utilizavam equipamentos movimentados por
pedais, contando com a força dos pés dos trabalhadores, a exemplo do que ocorria
com as velhas máquinas de costura. O gráfico Reynaldo Costa lembra que como a
energia elétrica era escassa na cidade, não havia outro meio. Pouco tempo depois
de 1950, ano em que chegou com a família do interior de Minas Gerais, Reynaldo
foi trabalhar na Tipografia Maringá, de propriedade de João José de Oliveira. O
impressor ficava o tempo todo gerando “energia” através do movimento contínuo
dos pés sobre os pedais, conta. Só mais tarde, com o crescimento do negócio, é
que o proprietário decidiu adquirir um motor a diesel, para alívio dos funcionários.
FOGO NO POSTE
Na Avenida Paissandu dos primeiros tempos de Maringá, conta o pioneiro João
Mayo, postes de madeira foram instalados no meio da rua, bastante larga. Porém, a
energia era fraquinha e, à noite, as lâmpadas não iluminavam nada, sendo até
84 10
chamadas de “tomatinhos”, pois apenas ficavam vermelhas. Nessa época, lembra
Mayo, famílias costumavam incinerar na rua o lixo que produziam. Não raro,
quando o lixo queimava próximo a um daqueles postes de madeira, o acidente era
previsível. Como os moradores estavam muito insatisfeitos com a questão da
energia, o incêndio “casual” de um poste, ainda que parcialmente, podia ser
entendido como uma forma de expressar o descontentamento.
A LUZ DEMOROU...
No final dos anos 40, seguindo os passos de inúmeras outras famílias que
partiam em busca de melhores condições de vida, os Borghi deixaram o interior de
São Paulo para tentar a sorte no Paraná. Eles, que plantavam café na região de
Catanduva, adquiriram uma propriedade agrícola nas cobiçadas terras vermelhas
de Maringá. Só que o tal sítio ficava na chamada Gleba Pingüim, assim
denominada por ser baixa e muito fria durante o inverno, sendo imprópria para
quem desejasse viver da cafeicultura. No começo, a família enfrentou dificuldades
em razão das geadas, mas aos poucos foi firmando-se, conforme lembra o
produtor Aníbal Borghi, o seu Zico. Ele conta que o pessoal mudou logo de
atividade e foi sobrevivendo de outras culturas até que, com a soja, a vida ficou
bem mais fácil. Conta também que em seu sítio, assim como na vizinhança, a
energia elétrica chegaria quase trinta anos depois deles, em 1975. Até então, luz
em casa somente à base de lamparina. De acordo com seu Zico, a escuridão do
campo, à noite, não impedia que as pessoas se deslocassem, apenas sob a claridade
da lua, para visitar um parente ou participar de alguma reza ou festança nas
imediações, devidamente iluminadas por lampiões.
FRIGORÍFICO CENTRAL
No final dos anos 50, algumas empresas de Maringá tiveram que providenciar a
rede de alta tensão, financiando com recursos próprios a instalação de postes de
madeira e fiação de cobre, para poder contar com energia elétrica. Foi o caso do
Frigorífico Central, fundado em 1958 pelos irmãos portugueses Amorim e
Virgulino Moleirinho, filhos do carpinteiro Joaquim Duarte Moleirinho. O pai já
estava trabalhando a algum tempo em Maringá, onde atuava na construção de casas
e estabelecimentos comerciais quando, em 1957, os dois foram trazidos de Leiria.
85
Amorim Moleirinho lembra que era preciso construir a rede de alta tensão e,
em seguida, fazer uma escritura de doação para a Copel que, a partir daí, fornecia
a energia elétrica. No caso do Frigorífico - que, na época, ficava em lugar afastado
da cidade, no final da Avenida Itororó -, a rede seria puxada no mês de março de
1958 a partir de um poste existente na antiga Rua General Câmara (hoje Basílio
Sautchuk), no trecho entre a Rua Arthur Thomas e a Avenida Tiradentes.
Para alcançar a empresa, cerca de 1,5 quilômetro adiante, a rede estendeu-se
pela Rua Marcelino Champagnat até a Rua Fernandes Vieira, continuando dali,
pela margem esquerda da Avenida Itororó, até chegar ao frigorífico, onde foi
ligado um transformador de 45 kVA. Esse sistema elétrico, lembra Amorim,
utilizou 39 postes de madeira e possibilitou que a Copel levasse iluminação ao
Ginásio Estadual Dr. Brasílio Itiberê, construído na Rua Marcelino
Champagnat.
Nessa época, como Maringá ainda era servida por precários motores de
geração eletro-diesel, sensíveis alterações ocorriam no fornecimento de energia,
sem falar das longas interrupções quando de tempestades.
APUCARANA E REGIÃO
Quando chegou a Apucarana no final dos anos 50 para administrar a Copel, o
engenheiro carioca Domingos Prata Barbosa constatou que a situação era
calamitosa. A usina de energia, equipada com velhas máquinas a diesel,
apresentava problemas de toda ordem e não havia dinheiro para nada, nem mesmo
para comprar combustível, que ia sendo conseguido com muito jeito junto ao
fornecedor. Domingos respondia também pelos municípios de Cambira, Jandaia
do Sul e Mandaguari. Nessa última cidade, “a coisa era ainda mais feia”, lembra
Domingos, brincando que “se um bêbado encostasse num poste, os dois iam para
o chão”. Além de máquinas sucateadas e postes apodrecidos, que muitos
chamavam de “palitos”, a fiação também não colaborava: qualquer ventania mais
forte e pronto, o curto-circuito era inevitável.
Casado, Domingos preferiu inicialmente deixar a família morando em
Curitiba e instalou-se num hotel de Apucarana, mesmo porque a cidade não
dispunha de casas para alugar e o ambiente por lá não era nada amistoso, devido
ao excesso de cobranças por parte de todo mundo. Só o que ouvia eram queixas e
reclamações.
86 10
De noite, estava sujeito a passar por apuros. Às vezes, enquanto jantava no
restaurante do hotel, podia acontecer de a luz pifar, irritando os outros comensais
que, de imediato, reagiam previsivelmente, destilando impropérios. Quando isso
ocorria, Domingos saía de fininho e, na rua, embarcava no primeiro carro de praça
que encontrasse - pois não dispunha de automóvel - rumo à usina, na busca de
resolver o problema.
Da mesma forma, quando arriscava ir ao Cine Rex, o engenheiro sentava
estrategicamente na última poltrona, bem
perto da saída. Era para evadir-se logo em caso
de pane de energia e, mais do que depressa,
seguir em direção à usina, onde contava com a
ajuda de alguns operadores e eletricistas.
Certa vez, como não via progressos
significativos, um grupo de moradores mais
exaltados, com cerca de 500 a 600 pessoas,
aglomerou-se na Avenida Curitiba decidido a
aprontar um quebra-quebra. Sempre ligeiro,
Domingos correu até a usina onde, no portão,
desfraldou uma Bandeira do Brasil.
Pouco depois, quando a malta enfurecida
surgiu à frente do pequeno prédio, após destruir todas as lâmpadas de iluminação
pública que havia pelo caminho, encontrou Domingos firme e corajosamente
postado ao lado do portão. Como a condição era única, ou seja, passar por sobre o
seu cadáver, a massa percebeu logo, felizmente, que não valia a pena ir tão longe,
dispersando-se em seguida.
As coisas só começaram a melhorar mesmo quando, no final de 1959 ou início de
1960, após tratar do assunto com o prefeito apucaranense Marino Pereira,
Domingos articulou uma mobilização supra-partidária com lideranças dos quatro
municípios e adjacências. O objetivo era conseguir que o governador de São Paulo,
Carvalho Pinto, autorizasse o uso da energia produzida pela usina de Salto Grande,
no Rio Paranapanema. Como o Paraná tinha uma parceria com São Paulo e já vinha
utilizando parte dessa energia para abastecer Londrina e municípios vizinhos, foi
possível, enfim, estender uma linha de transmissão até Apucarana.
Com energia abundante, as queixas foram diminuindo e o fornecimento estável
chegou logo depois, também, em Cambira, Jandaia do Sul e Mandaguari.
A primeira usina
de energia a diesel,
de Mandaguari, no
final dos anos 40.
O velho motor não
agüentava muito
e a cidade ficava
sempre sem luz
(foto: Akimitsu
Yokoyama)
87
A família segue em frente
Na cidade de Mandaguari, os Romagnolo ainda recompunham-se
da morte de Francisco quando Vicente, aos 18 anos,
recebia convocação para servir ao Exército no Rio de Janeiro.
Francisco morreu
antes de realizar o
sonho de ser o
senhor de suas terras
Francisco morrera no dia 15 de maio de 1957, causando comoção na cidade: o
coração que tanto o impulsionou rumo aos desafios durante toda a vida, tinha
preparado uma surpresa. Justo quando estava às vésperas de alcançar o objetivo que
tanto perseguira: ser o senhor de sua própria lavoura de café, plantada com o
capricho que lhe era peculiar. Ele tinha adquirido, em 1953, 10 alqueires da
Companhia Melhoramentos em São Tomé, perto de Cianorte. A família ficava em
Mandaguari, porque Natalina não queria mais saber de mudanças. Ela julgava ser
necessário, agora, dar atenção aos filhos, vários dos quais, já crescidos, começavam a
pensar e a planejar o próprio destino.
Francisco tivera o apoio da esposa, sim, para comprar as terras. Mas caberia a ele,
certamente com a ajuda de alguns dos filhos, enfrentar o desafio de derrubar o mato,
plantar café e viver todas aquelas dificuldades tão conhecidas dos tempos da fazenda
em Londrina. Quem conhecesse Francisco, sabia que nada conseguiria detê-lo.
Com pouco menos de 15 anos, Vicente passou a acompanhar o pai em suas idas
ao sítio. Sempre companheiro e bem disposto, topava qualquer parada, até mesmo
a aventura de uma viagem cansativa e demorada, cheia de solavancos, feita de
automóvel ou na boléia de um caminhão. A estrada passava por
Maringá, onde ia até o “Fim da Picada”, no Maringá Velho, seguindo
dali para Cianorte. No caminho, via-se cafezais produzindo ou em
formação, mas também muito mato que, em breve, cederia espaço
para novas lavouras.
Rapagão alto e forte, que pouco tinha viajado e, nos últimos anos,
vivia embrenhado no mato, ajudando o pai a formar lavoura de café em
São Tomé, encontrava-se diante de uma nova e decisiva fase em sua vida.
58 88 10
No Rio de Janeiro, mesmo com breves intervalos de tempo
para passear e conhecer melhor a cidade, Vicente sentia-se
fascinado pela modernidade, a beleza e o dinamismo do mundo
que encontrara. Era tudo tão diferente do Paraná, onde o povo
precisou rasgar floresta para fazer a vida e trabalhar duro. Na
capital brasileira, sorvia-se com refinamento e estilo, em bares
repletos de homens elegantes, o café produzido por gente
encardida e sofredora lá no sertão.
Com olhos curiosos e atentos a cada detalhe, encantou-se
com o modo de viver dos cariocas, a arquitetura dos prédios e do
casario, a orla aprazível e, é claro, o mar, que ainda não conhecia.
Ao colocar-se diante do oceano, percebeu Vicente que os
horizontes poderiam ser muito mais amplos do que imaginava
para si. Tinha valido a pena, sim, exilar-se do Paraná: longe,
encontraria motivação para, quando voltasse, ajudar a família a
potencializar os negócios e a prosperar. Na cabeça, muitos planos
para o futuro, os quais compartilhava em cartas que,
regularmente, trocava com a mãe.
.....
Assim, em 1958, ao retornar para Mandaguari, após cumprir o
serviço militar, Vicente apresentava disposição redobrada para promover mudanças
no ritmo da pequena chácara da família. Em pouco tempo, convenceu os irmãos de
que dependeria de uma união, envolvimento e empenho ainda maiores, por parte de
todos, para superar aquela vida difícil e buscar novas perspectivas.
Os olhos de Vicente, no entanto, estavam voltados para a cidade. Não queria
continuar por muito tempo ali na chácara e, sim, sonhava em ir atrás de seu futuro. O
tempo ia passando e ele tinha consciência de que precisava definir sua vida,
aproveitar as oportunidades que um município novo oferecia. A família, afinal, era
grande e não sobrava muito para cada um.
Na cidade, trabalharia algum tempo como encanador e pedreiro. Em novembro
de 1959, após quatro anos de namoro, casa-se com Rosa, cuja família possuía
uma chácara vizinha a dos Romagnolo, na Vila Vitória. Era ela uma das filhas de
José Sophia, ex-cafeicultor e dono de um pequeno armazém de secos e
molhados, situado na Rua René Táccola. Quando casaram-se, Vicente tinha
como patrimônio único uma surrada bicicleta, sobre a qual costumava sair bem
cedo à procura de serviço. Mas não demoraria muito para que, diante da idade
avançada de Sophia, o genro Vicente, no vigor de seus 21 anos, juntamente
com a esposa, assumisse o comando do estabelecimento, após adquiri-lo.
Nessa época, a mãe Natalina seguiria os passos dos filhos que, aos poucos,
iam migrando para a cidade. Sob seus cuidados, ela ainda tinha dois meninos
pequenos: Álvaro e Francisco.
Construída em 1938,
a velha igreja
matriz (retratada
por Akimitsu
Yokoyama)
receberia iluminação
elétrica em 1949.
Abaixo, Vicente e
a esposa Rosa
89 59
A Copel se estrutura
em Maringá
O escritório da
Copel em Maringá,
em 1956, ficava na
Avenida Herval,
373. Foi o primeiro
da empresa.
Corria o ano de 1960 quando o então diretor da
Copel, Pedro Viriato Parigot de Souza (que ocuparia a presidência
de 1961 a 1970 e o cargo de governador do Estado entre
1971 e 1973), se viu diante da necessidade de mandar alguém
para estruturar e coordenar as atividades da empresa em
Maringá e região.
Parigot estruturou
e imprimiu
modernidade à
empresa
Como a cidade crescia de forma acelerada, havia graves problemas com energia
elétrica, razão pela qual suas lideranças faziam grande alarde na tentativa de
sensibilizar o governo estadual.
O desafio recaiu sobre os ombros do engenheiro civil Antonio Eriberto
Schwabe, um catarinense bem preparado que já trabalhava como assistente
de Parigot em Curitiba, e que prestaria serviços à companhia entre agosto
de 1960 e janeiro de 1964.
Logo ao chegar, Schwabe encontrou uma situação desanimadora.
Apenas três motores estacionários a diesel, de funcionamento
precário, estavam em condições de servir ao município. E, como
estavam longe de conseguir atender a demanda, a cidade continuava
sofrendo com a falta e o racionamento de energia.
Com um relatório em mãos, Parigot prometeu ajudar, avisando que
dois motores grandes, de segunda mão, tinham sido adquiridos de
algumas unidades das Indústrias Matarazzo no Paraná. Após isso,
contaram-se seis meses de aflitiva demora para Schwabe até que os
mesmos fossem, enfim, trazidos e colocados em operação.
Mesmo assim, a regional da Copel dependia da bondade e de favores de
terceiros, pois nem sempre, ao final de cada mês, havia recursos para pagar o
60 90 10
combustível consumido pelas máquinas, comprado do Posto Maluf, de Alfredo
Moisés Maluf. A única maneira era dar um “jeitinho”: receber dinheiro adiantado do
Grande Hotel Maringá, por conta do consumo de luz, repassando imediatamente ao
posto. O hotel, sob a gerência de Herbert Mayer, pertencia à Companhia
Melhoramentos, que tinha interesse em ajudar. Para isso, a colaboração de diretores
como Alfredo Nyeffler mostrou-se decisiva.
Ainda assim, quando chovia muito e o caminhão de combustível não conseguia
vencer o lamaçal e chegar até às máquinas, era preciso pedir socorro ao prefeito
Américo Dias Ferraz que, lançando mão de motoniveladoras, tornava o caminho
transitável.
Os novos motores, que ficaram sob os cuidados do alemão Kurt, dono de uma
oficina em Maringá (aquele mesmo que havia prestado importante ajuda ao técnico
Eugênio Rosa logo que a empresa assumiu os serviços na cidade) resolveram grande
parte dos problemas de Maringá e as coisas melhoraram, embora ainda houvesse
muita gente brava. A Copel, com sua estrutura pequena e a solução modesta que
havia trazido, estava longe ainda de contentar a todos. Portanto, as reclamações
Av. Getúlio Vargas
em Maringá, no
início dos anos 60
91 10 61
O engenheiro
Francisco Inácio
de Oliveira, foi
o primeiro
superintendente da
Copel em Maringá,
entre 1956 e 1958.
O segundo, João
Laurindo Souza
Neto, de 1958 a 1960.
O terceiro, Antonio
Eriberto Schwabe,
no início dos anos
60, na outra foto,
Schwabe em 2007.
eram comuns e as pessoas revelavam impaciência quando lembravam que Londrina e
municípios vizinhos já eram servidos de energia elétrica “de verdade”. Até mesmo
um “enterro da Copel” seria organizado por estudantes, com caixão de defunto e
tudo, para protestar contra a empresa. Não bastasse, quase sempre ouviam-se piadas
e gracejos, em que se desdenhava da cidade. Repetia-se a história, inventada
certamente, de um viajante que, ao retornar a seu destino após passar por Maringá,
era indagado se a cidade possuia luz. “Não sei, passei por lá de noite”, era a jocosa
resposta.
Quando saía às ruas, Schwabe sofria pressões de toda ordem. Não escapava de
enfrentar os mais exaltados, agindo sempre com muita cautela e parcimônia para não
acabar no centro de uma briga. Mas nem sempre era assim: pelo menos uma vez
sofreu atentado à bala que quase o matou. Certo dia, recostado distraidamente na
parede frontal do escritório da empresa, na Avenida Herval, o engenheiro foi
surpreendido por um tiro de revólver, que só não o atingiu por poucos centímetros,
na altura do coração. Muito assustado, Schwabe nem chegou a ver o atirador, mas
lembra ter sido protegido, na correria que se sucedeu, por um pistoleiro famoso em
Maringá na época, chamado Aníbal Goulart.
Algumas outras cidades do Norte do Paraná também já contavam com motores
estacionários para geração de energia. Porém,
determinou-se que a Copel, através da regional de
Maringá, ficasse responsável, a partir de então,
pelo fornecimento de energia também para
Mandaguari, Marialva, Loanda e Santa Isabel do
Ivaí, entre várias outras que vieram a seguir, as quais
eram percorridas pelo engenheiro Schwabe em
seu jipe.
Em vários desses municípios,
particulares tinham investido na
construção de pequenas usinas hidrelétricas, movimentadas
com rodões, aproveitando o curso dos rios, onde geravam
energia para si próprios e algumas fazendas ao redor. Tais
usinas, desprovidas de maiores recursos, operavam com
dificuldades e não sobreviveriam por muito tempo. Às
margens do Ribeirão Marialva, por exemplo, no município
do mesmo nome, agricultores como Santo Calefi e Mário
Meloni contavam com energia elétrica em suas propriedades.
Na vizinhança deles, a família Megiatto
chegou a manter um moinho de trigo por vários anos,
ativado, igualmente, com energia ali mesmo produzida.
92 10
Em 1959, a Copel já respondia por Marialva, Jandaia
do Sul, Apucarana, Mandaguari, Cambira, Pirapó,
Mandaguaçu, Campo Mourão, Santa Isabel do Ivaí,
Paranaguá, Guaratuba, Caiobá, Morretes,
Antonina e Guaraqueçaba.
Em 1960, a potência instalada da Copel somava
apenas 4.724 kW, menor que a do DAEE, com
5.869 kW, mas era superior à capacidade de
várias prefeituras que, até então, tinham um
parque gerador da ordem de 2.524 kW. Esses
números perdem significação se comparados,
por exemplo, aos da Companhia Força e Luz
do Paraná (CFLP), de 41.000 kW, ou
mesmo da Companhia Elétrica de
Londrina (9.120 kW).
Até o início da década de 60, a produção
de energia da Copel era pouca e de
má-qualidade: 95% da produção ainda
se apoiava em geradores diesel-elétricos
que se encontravam em sua maioria
em deplorável estado de conservação.
A construção da rede de alta
tensão entre Londrina e Maringá
93 10
94 10
Na cidade, Elias Kalaf colocara um
motor diesel em operação na rua Santa
Efigênia e vivia de vender energia para
várias famílias, cobrando pelo número
de bocais existente em cada casa. Maria
Olga Malvezzi Lima, moradora da cidade
na época, lembra que como a
capacidade de geração era muito pequena,
pedia-se que a eletricidade fosse
consumida apenas com iluminação, evitando
o uso, por exemplo, de ferro
elétrico.
Por algumas vezes, o presidente da
Copel esteve em Maringá, reunido com
prefeitos, para colocá-los a par dos avanços.
Mas no início de 1961, Parigot de Souza chegou à cidade, recepcionado pelo
prefeito João Paulino Vieira Filho, para trazer pessoalmente a notícia tão esperada por
todos: Maringá e região, enfim, teriam energia elétrica abundante,
proveniente da hidrelétrica de Salto Grande, a mesma
que há anos abastecia Londrina e municípios próximos. Para
isso, a empresa já havia iniciado a construção da rede de alta
tensão até Maringá. Nesse sentido, propriedades rurais estavam
sendo contatadas para a passagem da linha de transmissão,
através de um complicado processo que enfrentava a resistência
dos sitiantes. Debaixo dos fios, é claro, ninguém poderia
plantar árvores e fazer construções. Em compensação, essas
áreas já poderiam servir-se de energia elétrica, como foi o caso
da Fazenda Ubatuba, no município de Apucarana. Aberta pela
família Schindler, de origem alemã, durante os anos 40, a
propriedade especializou-se na produção de café e, com
energia de sobra, deu-se ao luxo de providenciar até mesmo
um cinema para seus empregados. Em Mandaguari, o produtor
rural Attílio Genta criaria uma padrão de referência para outros
agricultores, pela maneira equilibrada como conduziu o assunto
com a empresa, chegando a bom termo sobre a passagem
das linhas por suas terras.
Enquanto puxava a rede de alta tensão em direção a Maringá,
a Copel cuidava de substituir os postes de madeira, nas
cidades, por similares de concreto. Para esse trabalho, que era
Linhas de alta
tensão, puxadas a
partir de Londrina,
permitiram que
Maringá e dezenas
de municípios da
região, tivessem
energia elétrica
abundante. Ao
mesmo tempo, postes
de madeira (ao
lado) eram
substituídos por
postes de concreto.
A Fazenda
Ubatuba (página
ao lado) passou a
contar com
eletricidade bem
antes de muitos
municípios do
Norte do Paraná
95 10 63
Em Maringá, a
energia elétrica
estável permitiu que
famílias, ainda nos
anos 60, tivessem
acesso a uma grande
novidade: a televisão.
Na outra página,
detalhe da construção
da subestação da
Copel, no jardim
Alvorada,
inaugurada em
1962
todo manual, a empresa enviou um contingente de aproximadamente 300 trabalhadores,
chefiados por um engenheiro de nome Ophir. O principal fornecedor
desses postes, até então, era a Cavan, sediada em São Paulo, que havia instalado uma
unidade em Apucarana, onde era representada por alguns engenheiros, entre eles
Carlos Amazonas de Almeida, o qual costumava estar, com freqüência, em
companhia de Antonio Eriberto Schwabe.
Não demoraria muito tempo, portanto, para que Maringá experimentasse o
conforto de usar energia elétrica “de verdade”, como se dizia, livrando-se dos barulhentos
motores a diesel. No final de 1962, o governador Ney Braga presidiria a solenidade
oficial de inauguração da subestação da Copel, situada no Jardim Alvorada.
Uma segunda subestação, situada na confluência das Avenidas Colombo e São
Paulo, viria pouco tempo depois. Com tudo isso, a cidade, a exemplo de toda a região,
deslanchou em seu desenvolvimento, pois não ficaria mais à mercê de um conjunto de
motores sucateados que, vez ou outra, apresentavam algum tipo de defeito.
A regional contaria, a partir de então, com uma estrutura adequada e os préstimos
de uma equipe chefiada por um dedicado eletricista
conhecido por Zé Coco. O engenheiro
Schwabe, que ocupava uma casa alugada na
Avenida Tiradentes, ao lado da residência do
comerciante de combustíveis Alfredo Moisés
Maluf, lembra que, aos poucos, a população foi se
esquecendo dos tempos difíceis e se simpatizando
com a Copel, cuja imagem se firmava positivamente
a cada dia.
Nem todo mundo, no entanto, apreciou a chegada
da luz. Após adentrarem à casa de Schwabe,
enquanto este encontrava-se em viagem com a
família, ladrões fizeram questão de deixar uma frase
escrita em cartaz: “No escuro se age melhor”.
Encontrar uma solução definitiva para o
abastecimento de energia elétrica em larga escala
seria o maior desafio para a Copel durante a década
de 1960. A história da empresa relata que a entrada
em operação em 1963 da Usina Termelétrica de
Figueira (20 MW), no Norte Pioneiro, foi de
fundamental importância para a implantação do
Plano Estadual de Eletrificação, viabilizando os
sistemas de interligação que beneficiaram as regiões
Norte e Central do Paraná.
96 10
10 97
Para proteger a
arborização e reduzir
o risco de apagões,
Maringá foi a
primeira cidade do
País a contar com
“linhas verdes”
Em 13 de dezembro de 1996, o superintendente regional de distribuição da
Copel em Maringá, Victor Hugo Marmelo Passos, entregou ao prefeito Said Ferreira
os 370 quilômetros de rede elétrica primária de alta tensão, formada por linhas
compactas protegidas, as chamadas “linhas verdes”.
A instalação da rede somente foi possível graças a convênio entre Copel e
prefeitura, dividindo meio a meio o investimento, de R$ 10,9 milhões.
Com isso, Maringá conseguiu reduzir em 84% a freqüência e em 82% a duração
das interrupções no fornecimento de energia. Da mesma forma, a poda das árvores
foi diminuída pela metade.
98 10
Parte 3
Artefatos de concreto
Com o passar das
décadas, ao lavrar
registros de
nascimentos,
cartorários
cometeram equívocos
que originaram
vertentes para o
sobrenome Romagnolo,
como “Romagnole”,
no caso de Vicente,
e de “Romagnolli”
para o seu irmão
Álvaro.
Como o pequeno armazém em Mandaguari não propiciava
renda que permitisse uma vida tranqüila, Vicente começou
a diversificar os itens ali vendidos, passando a oferecer, além de
alimentos em geral, também artefatos de cimento, como tanques
de lavar roupas e pias de cozinha, que comprava para revenda.
Com 12 anos,
Álvaro foi convidado
a ser sócio de
Vicente na ICACI
Arrojado, teve a iniciativa, ainda, de lidar com encanamentos, instalando
bombas de água e produzindo lajes para vedar “bocas” de poço e de fossas negras,
comuns em todas as casas naquela época. Com cimento, produzia também caixas
d'água, a partir de formas e estaleiros que ele mesmo construía. Nessa época, o
irmão Álvaro, com apenas 12 anos, seria chamado a ajudar no
armazém, bem como em serviços de encanamento, tudo o que fosse
aparecendo.
Desse modo, a vida de Vicente acabou dando uma guinada, o que
o levou a refletir sobre a oportunidade que tinha nas mãos. Se lidar
com secos e molhados era um negócio incipiente e de retorno
modesto, percebia, por outro lado, que havia uma forte demanda por
artefatos de cimento, e não apenas de tanques, pias e lajes, mas
também de muros e até calçadas.
Assim, em 1962, ele venderia o estabelecimento comercial para
montar, em sociedade com o irmão Álvaro, uma promissora
empresa, a Indústria e Comércio de Artefatos de Cimento
(ICACI). Para isso, com as economias que havia juntado, tinha sido
possível comprar dois terrenos, com total de 1.236,50 metros
quadrados, situados na rua Rocha Pombo, que pertenciam a José
100 64
Nóbile Rocha, o “Casquinha”. O negócio foi fechado no dia 27 de junho daquele
ano.
Como Álvaro ainda era menor de idade, apenas o nome de Vicente Romagnole
permaneceria, por algum tempo, no contrato social da indústria. Isto porque a
legislação não permitia que um menino fosse co-proprietário de empresa, o que
somente seria possível após a sua emancipação. No entanto, mesmo tão
jovenzinho, Álvaro trabalhava feito gente grande. À noite, quando voltava para a
casa da mãe, suas roupas estavam sempre impregnadas de cimento.
.....
Como se imaginava, a indústria
começou suas atividades a todo
vapor, produzindo um pouco de
tudo. E, como a Copel ia ampliando
sua atuação no processo
de eletrificação, novas oportunidades
apareciam. Atento, Vicente
observou que, na cidade, começava
a procura por postes destinados
à instalação de caixas medidoras
de energia elétrica nas
residências, os quais, até então,
eram improvisados com madeira.
Mais do que depressa, organizouse
para passar a produzir, também,
pequenos postes com 6 metros de
altura, os quais não dependiam de
regulamentação específica por
parte da Copel. Ao mesmo tempo
em que pilhas de pequenos postes
chegavam à Mandaguari para
suprir a demanda dos moradores, a
ICACI se impunha com seu
produto. Vicente, então, desdobrava-se
para vender, enquanto
Álvaro ficava na fábrica, com os
empregados, trabalhando na produção.
A empresa investiu
na produção de postes
residenciais para
medição de energia
101
O Paraná moderniza
sua economia
Oritmo forte da ICACI se deu porque no período de 1961
a 1964, o Paraná seria transformado em uma economia mais
moderna pelo governo Ney Braga, que imprimiu desenvolvimento
ao interior de maneira nunca vista antes.
Governador
Ney Braga
O governador implantara um Plano de Desenvolvimento Econômico, projeto
ousado de industrialização que se baseou em financiamento com recursos próprios
do Estado. Para isso, foram criadas empresas como instrumentos de apoio a esse
projeto de modernização, entre elas a Codepar (Companhia de Desenvolvimento
do Paraná) - que mais tarde seria convertida no Badep (Banco de
Desenvolvimento do Paraná) - e a Companhia de Saneamento do Paraná
(Sanepar). Da mesma forma, para oferecer suporte a esse crescimento, a
Copel seria completamente reestruturada. O governo estadual realizou,
ainda, o primeiro esforço de ligação rodoviária do Norte cafeeiro ao litoral do
Estado, permitindo a efetiva ativação do Porto de Paranaguá, bem como a
integração física de “dois Paranás”: o do Norte cafeeiro e o dos tradicionais
litoral e planalto curitibano.
Em 1964, quando o regime militar assumiu o poder com um golpe de Estado, a
proposta era de estabilizar a economia brasileira, debelar a inflação que ganhava
contornos preocupantes e iniciar um novo ciclo de expansão do setor elétrico.
Dessa forma, seria organizada uma estrutura de investimentos com recursos das
próprias empresas, do governo e com financiamentos externos.
Embora tivesse passado por duas fases preliminares, referentes à fundação em
1954 e ao período que se estendeu até 1960, a Copel começaria a execução efetiva
dos planos de obras a partir de 1961, quando inaugurou uma terceira fase de ação.
Vários fatores contribuíram para isso, como a decidida política do governo Ney
102 66
Braga, que assegurou à Copel os recursos da Taxa de Eletrificação que não vinha
sendo liberada integralmente, como também parte do Fundo de Desenvolvimento
Econômico, administrado pela então Codepar. Nessa terceira fase, a Copel daria
início a um programa de emergência, visando a atenuar a crise energética, ao mesmo
tempo em que seriam desencadeados empreendimentos de maior vulto.
De acordo com as “Diretrizes Globais do Governo Ney Braga”, teria sido feita a
ligação de mais de 415 mil usuários de eletricidade localizados no meio rural e
periferias de cidades.
Nesse contexto favorável, entre 1962 a 1967 os irmãos Romagnole dedicaram-se
à fabricação de vários produtos, já contando com duas dezenas de empregados e
conseguindo agregar outros terrenos ao espaço físico da indústria. Em maio de
1967, com a emancipação de Álvaro, este tornava-se, oficialmente, sócio de
Vicente, o que ensejou mudança na denominação da pessoa jurídica para “Irmãos
Romagnole Ltda”.
Rosa, a esposa de Vicente, lembra que mesmo com a empresa em plena atividade
e gerando vários postos de trabalho, não havia dinheiro e as dificuldades eram
grandes, o que fazia o marido, preocupado, perder muitas noites de sono.
Alguns anos antes, como a Copel havia começado a investir na substituição dos
postes de madeira nas ruas das cidades, por similares de concreto, os irmãos, sempre
atentos, mobilizaram-se no sentido de desenvolver um produto que atendesse às
exigências da empresa, a qual precisaria adquirir grandes volumes. Foram feitos
moldes de madeira de postes de 12 metros, versão “duplo T”, caprichando-se na
qualidade do produto que, até então, era artesanal. Estes passaram a ser vendidos
inicialmente para cooperativas, áreas de loteamentos e para projetos de eletrificação
rural. Foram necessárias várias tentativas e consumido algum tempo até que, em
1965, a Copel se decidisse a experimentar os postes da Romagnole, os quais, ao final,
foram bem aceitos. Com isso, a empresa iniciaria um bem sucedido histórico como
fabricante de postes em larga escala e fornecedora para a companhia de energia
elétrica paranaense. A produção desse item ganharia tanta importância que, em
poucos anos, se tornaria o principal negócio da pequena fábrica, a qual não parava de
crescer e ampliar o quadro de funcionários.
Álvaro praticamente
cresceu dentro da
indústria
103
O ARQUIPÉLAGO
As safras eram
levadas por
carreadores e
caminhos de terra,
pois estradas
asfaltadas inexistiam
em muitas regiões
do Estado
“O Paraná dos anos 60 era um arquipélago em todos os sentidos figurados, em
que algumas 'ilhas' eram cercadas de carências absolutas: a energia elétrica era uma
luxuosa raridade, com cidades à meia-luz: à medida em que a noite chegava, as
lâmpadas acesas se transformavam em rubros tomates. O asfalto era uma distante
promessa. Cidades como Medianeira e Matelândia eram meros povoados e a região
era uma área sendo desbravada. O pó vermelho entrava pelo nariz, pela garganta,
irritava os olhos e se entranhava irremediavelmente na roupa.
O Norte do Paraná já estava em um estágio mais avançado e Londrina, Maringá e
algumas outras poucas cidades já mereciam esse nome. Mas muitas outras estavam
em plena adolescência, como Campo Mourão, Umuarama, Paranavaí. No Sudoeste,
Marrecas, que recentemente havia mudado o nome para Francisco Beltrão, se
digladiava com Pato Branco para se afirmar como centro regional, abandonando o
apelido de 'Quilômetro 59', apenas um marco na estrada, que os patobranquenses
maldosamente lhe atribuíam. A viagem pelas pequenas cidades que nasciam era uma
aventura excitante pela trepidação econômica e cultural que se sentia no ar, mas
profundamente incômoda pela trepidação dos velhos jipes e Rural Willys em
estradinhas e carreadores maltratados. Marmeleiro, Planalto, Realeza, Salgado
Filho, Vitorino e toda a região eram promessas, só promessas. Hotéis? Nem pensar.
Em algumas cidades, nos hospedávamos em hospitais; em outras, na casa do prefeito
ou de algum figurão local. Mas a economia e a política fervilhavam. As concen-
104 76
trações políticas e as visitas das 'autoridades' atraíam comitivas sempre amistosas,
mas nem sempre pacientes: os indefectíveis memoriais com rosários de
reivindicações locais eram entremeados com queixas diretas - e sem muitos salamaleques
- de que o governo havia abandonado a região. Ouvia-se na fuça a impaciente
cobrança da população.
Estradas? É, havia algumas dignas dessa denominação. Ney Braga estava
completando a Rodovia do Café, ligando o Norte à capital e ao porto por asfalto e
serenando os ânimos separatistas dos adeptos da criação de um estado do
Paranapanema. A partir de Maringá, asfalto nem pensar e no Norte Pioneiro, fora do
eixo Londrina-Jacarezinho, idem. Escolas? A maior parte das cidades mal e mal tinha
o ensino primário e o ginasial e freqüentar o ensino médio representava para os filhos
das famílias das cidades pequenas embarcar em um microônibus e viajar dezenas de
quilômetros para assistir aulas em um município vizinho, mais afortunado.
Do já distante 1945, quando meu pai, o então capitão Castor, garbosamente
fardado e conduzindo a família, desembarcou do trem da Rede Viação Paraná-Santa
Catarina na minúscula Rio Negro até os dias de hoje, o Paraná se transformou sob
nossas vistas e insinuou-se em meu coração até ocupá-lo por inteiro.
(Trecho de “Máquina do tempo”, crônica de Belmiro Valverde Jobim Castor, professor universitário e
membro da Academia Paranaense de Letras, publicado no dia 11 de março de 2007 na Gazeta do Povo)
Na foto de
Akimitsu Yokoyama,
o governador Ney
Braga inaugurando
o Colégio de
Mandaguari, em
abril de 1965
105
Tudo era feito no braço
Os primeiros anos foram marcados por um ambiente de
camaradagem entre Vicente, Álvaro e os funcionários: todos
trabalhavam duro, sem hora para terminar a jornada diária, mas
não perdiam as chances de se divertirem juntos.
Joaquim André, o
funcionário número um;
abaixo, o registro de outro
dos primeiros colaboradores,
Joaquim Mattias
Grande parte dessa mão-de-obra, oriunda de fazendas de café do município e
região, buscava na cidade melhores condições de vida e oportunidades de trabalho.
Joaquim André, o primeiro a ser contratado quando a indústria abriu as portas,
fazia de tudo um pouco e não costumava deixar serviço para mais tarde. Não
imaginava, certamente, que seria o número um de uma equipe numerosa, que não
pararia de crescer nos anos e décadas seguintes. Outros, naquele começo, foram
sendo admitidos para formar uma equipe para a qual não havia “tempo ruim”, cuja
principal característica era o envolvimento e a integral dedicação. Dentre os cinco
primeiros estavam, além de Joaquim André, também
Joaquim Mattias, Gilberto Dário, José André e Manoel
Cardoso de Andrade, todos admitidos em 1963. Gilberto
Dário, por exemplo, especializou-se na produção de
ladrilhos, o que ajudou a ICACI a angariar prestígio. Ele
sugeria formatos, desenhos e, com sua arte, possibilitou à
empresa fabricar vários outros itens, como bancos de
jardim, pias e vasos de granito, que ajudaram na diversificação
dos negócios. Para isso, Dário valia-se de
fotos que eram tiradas por Vicente durante viagens a São
Paulo: de posse de uma pequena máquina fotográfica, este
registrava tudo o que achava interessante e trazia para o
106 76
funcionário. Por sua vez, além de cumprir sua rotina diária na produção, o pedreiro
José André, amigo de infância de Vicente, era também companheiro do patrão que,
dirigindo um caminhãozinho, ia fazer entregas por tudo quanto era canto. À custa
de penoso esforço braçal de ambos, o veículo era descarregado no destino. Quem
também não encontrou moleza foi José Severo de Aquino, que entraria como
pedreiro e fundidor em 1966. O corpo franzino do moço acostumado à lida na roça
parecia agigantar-se quando da entrega de peças pesadas, como tanques. Mas, sem
nunca queixar-se, ele vivia sorrindo e cultivava simpatia por Vicente, seu dileto
amigo. De vez em quando, em fins de semana, a turma juntava as famílias e,
viajando na carroceria de um caminhão, seguia para um dia festivo às margens de
alguma represa. Seria assim também com Anastácio Quintanilha, admitido em
1969: serralheiro experiente, ele tinha a função de atuar no desenvolvimento de
produtos de metalurgia.
Como o trabalho na indústria era basicamente artesanal e sem muitas
referências onde pudessem buscar um mínimo de conhecimento, esses homens
tinham a tarefa de descobrir, eles próprios, a maneira de fazer. Então, punham a
cachola para funcionar na concepção de moldes e matrizes, tudo feito à mão,
que ia sendo aprimorado. Para que a empresa pudesse fabricar postes, por
exemplo, um desses foi adquirido para ser inteiramente desmanchado: só assim
podiam conhecer a configuração do esqueleto de ferragem que existia em seu
interior.
Em meados dos
anos 60, um
registro com a
primeira equipe.
Na indicação,
a partir da
esquerda, Vicente
e o irmão Álvaro
107
69
Em 1967, com a maioridade
de Álvaro (na foto abaixo,
junto ao poste), este
tornava-se oficialmente
sócio de Vicente. Com isso,
a empresa mudaria de nome:
de ICACI para Vicente
Romagnole e outro; no
futuro, a denominação
seria alterada para
Romagnole Produtos
Elétricos Ltda e, em seguida,
para Romagnole Produtos
Elétricos S.A. Abaixo,
equipamentos como a
monovia, desenvolvidos
na própria empresa,
trouxeram grande facilidade
no manejo dos postes.
Dessa forma, a ICACI foi conseguindo desenvolver tecnologia própria e, com o
empenho dos funcionários, construiu um equipamento de fundamental importância
para agilizar o trabalho em seu pátio: a monovia, usada para a remoção e o carregamento
de postes. Até então, esses produtos, muito pesados, eram removidos no braço.
Muitos outros funcionários entraram para a história da indústria, como Joaquim
Gonçalves Guimarães e Moacir Salvador. Este último atuava na área de materiais
elétricos quando, em 1977, foi adquirida a primeira empilhadeira, a qual ele, com
orgulho, passou a manejar. Assim como tantos outros, Salvador também havia sido
desamparado pelo café, cuja geada de 1975 - a mais devastadora do século - decretara
o fim do ciclo dessa atividade no Norte do Paraná.
Só em 1967 é que Vicente e o irmão Álvaro, sócios no empreendimento, conseguiriam
equilibrar as finanças e pensar em crescer. Até essa época, praticamente tudo
o que faturavam era para estruturar a empresa e pagar os funcionários.
Naquele ano, a Copel inauguraria a Usina de Salto Grande do Iguaçu, de 15,6
MW, que atenderia o Sul do Estado.
108 76 70
Por algum tempo, Vicente Romagnole conseguiu ganhar dinheiro fazendo um
bom aproveitamento de seu pequeno e velho caminhão, que viajava carregado para
levar produtos a diversos municípios do Estado. Para não retornar vazio, foi usado
durante algum tempo para trazer sucatas de metais, como cobre, alumínio e ferro,
comprados por ninharia em depósitos, estabelecimentos comerciais e propriedades
rurais. Em Mandaguari, esse material era classificado e vendido para empresas,
geralmente de São Paulo, que os reciclavam. Romagnole ficaria satisfeito se
tirasse, com esse negócio, apenas as despesas de transporte do retorno. No
entanto, descobriu que havia uma enorme procura por esse tipo de sucata,
cotada a preço convidativo. Como encontrava quantidade abundante para
comprar em várias regiões do Paraná, auferia lucro razoável. Tanto que, com
apenas duas ou três viagens conseguia juntar dinheiro suficiente para comprar
um outro caminhão. Com o tempo, os volumes foram diminuindo, ao mesmo
tempo em que esse mercado tornou-se mais concorrido.
A indústria também engordaria sua receita, entre 1967 e 1968, com uma
atividade que complementaria a programação de trabalho: a fabricação de
postes para sinalização de trânsito, o que incluía elaboração de placa e letreiro
de propaganda. Tudo começou quando os irmãos foram procurados, certa
ocasião, por um vendedor de publicidade, que apresentou a proposta,
considerada interessante. O vendedor, então, passou a percorrer a cidade e os
municípios da região, divulgando a novidade e fechando muitos contratos. Quem
anunciasse, teria o nome de sua empresa afixado em uma placa de sinalização de
trânsito, colocada, obviamente, em ruas de maior movimento. O sucesso seria tão
grande e rápido que isto ajudaria a alavancar a empresa dos irmãos, cujos
trabalhadores se desdobravam para atender aos inúmeros pedidos que iam
chegando. A certa altura,
cerca de 35 municípios já
contavam com esse serviço
em suas ruas, mas o negócio
não iria adiante. Conhecedores
do trabalho no
café e aprendendo cada
vez mais sobre os segredos
do comércio, os irmãos já
tinham, também, assimilado
muita coisa sobre trânsito.
Mas este, decididamente,
não era o seu negócio.
Vicente: embora
evoluindo no segmento
de postes, a indústria
não deixava de
buscar outras
oportunidades
109
Trabalhando como nunca
No ano de 1965, em que Paulo Cruz Pimentel sucedeu a
Ney Braga no governo do Paraná, a sociedade brasileira ainda
tentava absorver o impacto da revolução militar de 31 de
março de 1964, que mudara os rumos do País.
O governador Paulo
Cruz Pimentel
Isso inquietou os donos da Romagnole, que precisavam realizar investimentos
contando com a fluidez dos pagamentos por parte do governo
estadual, que controlava a Copel. Como Pimentel havia feito um bom trabalho
como secretário da Agricultura na gestão de Ney Braga e sua principal proposta
era a continuidade dos programas de expansão econômica, a sinalização foi clara
para os irmãos. Sem hesitar, estes recorreram a recursos que estavam sendo
disponibilizados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), por meio do Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul
(BRDE). A decisão foi acertada porque, de fato, a administração de Paulo Pimentel
deu seqüência à anterior, avançando com os programas desenvolvimentistas. O
governador estenderia para várias outras regiões do interior o serviço de luz e energia,
o que foi importante para a empresa de Mandaguari, que trabalhou como nunca, na
condição de fornecedora de postes. Ainda na área de energia, o governo de Paulo
Pimentel colocou em funcionamento diversas usinas elétricas, como Capivari-
Cachoeira e Júlio de Mesquita Filho, além da já mencionada Salto Grande do Iguaçu.
Sobre a inauguração dessas usinas, dois fatos, relatados pelo próprio Paulo Pimentel,
merecem ser contados.
- O presidente Emílio Garrastazu Médici vinha para a inauguração da hidrelétrica
de Capivari-Cachoeira no início de 1970 e Pimentel ficou apreensivo. Médici desceria
em Curitiba e, em companhia do governador, seguiria de carro até Antonina, onde fica
a usina. Era uma viagem de uma hora e meia. Acontece que o presidente só sabia falar
de futebol. Como Pimentel não gostava tanto desse esporte, ficou imaginando sobre o
110
Ao lado do
governador, o
presidente Médici
inaugura, em 1970,
a Usina Capivariachoeira,
com
capacidade para
247 MW
111 10
Usina Hidrelétrica
Júlio de Mesquita
Filho, construída
no rio Chopim,
município de
Dois Vizinhos,
representou a
redenção das regiões
Oeste e Sudoeste
que poderiam conversar. Para ter assunto com o presidente e para que a viagem não
ficasse monótona, o governador decidiu passar uma noite inteira lendo tudo o que
podia sobre futebol, decorando nomes, times e fatos.
- Ao inaugurar várias hidrelétricas, o Paraná era sempre destaque na imprensa.
Mas isto foi ficando comum e já não rendia tanto: os jornais se limitavam a colocar
apenas algumas linhas. Então, Paulo Pimentel sugeriu que uma das hidrelétricas
tivesse o nome do jornalista Júlio de Mesquita Filho, herdeiro do fundador do jornal
O Estado de São Paulo. Na época, o presidente da Copel, Pedro Viriato Parigot de
Souza, foi contra, dizendo que Júlio de Mesquita Filho nunca havia feito qualquer
coisa pelo Paraná. Mas a inauguração renderia uma manchete de primeira página e foi
assunto por uma semana no jornal. A “badalação” foi tamanha que governadores de
outros Estados queriam saber por que o Paraná era tão divulgado. No caso da Júlio de
Mesquita Filho, quando perguntado, Pimentel sempre sugeria que conversassem
com Parigot de Souza.
....
Até 1967, a Romagnole manteve a sua “miscelânia” de produtos, fazendo de tudo
um pouco e mantendo como carro-chefe a fabricação de postes para fornecimento ao
Estado. Porém, diante a necessidade de ajustar o seu foco e agregar novos itens
ligados à área de energia, alguns artefatos de cimento, como lajes, tanques, postes
residenciais de entrada e outros, de menor retorno financeiro, deixariam de ser
112
produzidos.
Nessa época, a empresa contava com uma equipe de vendedores percorrendo o
Paraná, os quais, após seus inúmeros contatos, retornavam para Mandaguari trazendo
não apenas blocos de pedidos, mas também sugestões de
novos produtos que haviam sido feitas pelos compradores.
.....
As coisas iam acontecendo rápido para Álvaro que, em
novembro de 1968, com pouco mais de 20 anos, casava-se
com Ana Maria Sophia, sobrinha de sua cunhada Rosa,
esposa de Vicente. Era também uma vizinha dos tempos de
chácara, que Álvaro conhecia desde quando ela nascera,
passando a infância juntos.
Os irmãos carregavam a responsabilidade de comandar
uma empresa que crescia de maneira acelerada, sempre
contratando novos funcionários e ampliando seu espaço
físico na Rua Rocha Pombo. Sem dizer que, um ano antes,
ambos decidiram prestar apoio ao irmão mais novo,
Francisco, que demonstrava interesse pelos estudos. Isto seria importante para ele e a
própria empresa em seu futuro.
Como a Romagnole havia se tornado fornecedora de razoável volume de postes
para a Copel, numa época em que o processo de eletrificação se desenvolvia em todas
as regiões do Estado, o trabalho era intenso e as oportunidades de novos negócios
apareciam a todo instante, o que levava, forçosamente, a uma expansão.
Mesmo sem uma formação acadêmica que pudesse oferecer-lhes um mínimo de
conhecimento teórico para avançar nessa área industrial e superar desafios cada vez
mais complexos, os irmãos, sempre ousados, mantinham-se atentos e receptivos à
incorporação de novos produtos. Portanto, após deixarem de produzir alguns itens
que demandavam grande esforço das equipes e não eram o foco da empresa, eles
começaram a voltar suas atenções para produtos que tivessem afinidade com a
eletrificação. Sim, pois percebendo a demanda que se manifestava através dos
contatos e das sugestões trazidas pelos vendedores, viram que o melhor a fazer,
naquele momento, seria ampliar o portfólio específico na área. Dessa forma, em
1969, os Romagnole começaram a produzir todo um conjunto de ferragens
galvanizadas para uso na instalação da rede elétrica. O desafio se repetia: primeiro
conseguiam peças que eram levadas ao funcionário Anastácio Quintanilha,
contratado especialmente para o desenvolvimento de metalurgia, a quem cabia gastar
“tutano” na busca de um jeito de fabricá-las, o que sempre acontecia. Para isso, o
criativo Quintanilha usava sucatas e até mesmo peças de caminhão, concebendo
matrizes que dariam origem a uma intensa linha de produção.
Álvaro e Ana Maria
casam-se em 1968
113 10
Governo Federal
estabelece diretrizes
Embora tivesse sido constituída em 1962, apenas a
partir da década de 70 a Eletrobrás assumiria posição ativa
no setor elétrico nacional.
Nesse sentido, a postura e a atuação da estatal foram decisivas para a
consolidação da nova estrutura produtiva e financeira do setor de energia
elétrica.
A política energética da Eletrobrás seria pautada por quatro itens:
prioridade atribuída à opção hidrelétrica, em oposição à termoelétrica;
estratégia de construir grandes usinas geradoras de alcance regional em
termos de mercado consumidor; constituir-se em holding estatal e elaborar
um padrão de financiamento do setor elétrico nacional, conjugando recursos
de diferentes fontes: tarifária, impostos, empréstimos compulsórios e
empréstimos do sistema financeiro internacional.
114
Aliado a isso, no decorrer da década de 70, ocorreriam mudanças significativas
no setor elétrico e nas atividades de planejamento energético em todo o mundo,
entre elas o choque mundial do petróleo, em 1973.
O primeiro choque mundial do petróleo não afetaria tão
drasticamente a economia brasileira, devido ao chamado “milagre
econômico” que, entre 1968 e 1973, levou o Produto Interno Bruto
(PIB) a crescer a uma taxa média anual superior a 10%. O Brasil não
escapou, porém, do segundo choque, em 1979, que teve reflexos
importantes na economia nacional, destacando-se a aceleração do
processo inflacionário, a redução das taxas de crescimento do PIB, o
desemprego e o desequilíbrio das contas públicas.
A redução do crescimento econômico fez com que a demanda
energética apresentasse taxas declinantes, o que gerou capacidade
ociosa no setor elétrico nacional. Isso implicou no aumento dos
prazos de amadurecimento do capital investido e na diminuição da
capacidade de auto-financiamento do setor.
De acordo com especialistas, o impacto da percepção mundial da
dependência do petróleo levou o mundo todo, pela primeira vez, a
abordar o planejamento energético sob uma ótica multi-setorial, ou
seja, integrando o setor elétrico e de petróleo. Além disso, buscouse
uma maior interação entre oferta e demanda nos planos para o setor.
.....
As eletroferragens, adquiridas em grandes volumes pela Copel,
significariam mais um forte impulso para a Romagnole, que iniciava a
década de 70 de maneira muito promissora. Nesse ritmo, imaginando
que em poucos anos, provavelmente, as instalações da Rua
Rocha Pombo se tornariam acanhadas, Vicente e Álvaro se depararam
com a necessidade de transferir a fabricação de postes para
uma área bem mais ampla e adequada a esse fim, no parque industrial
do município. Para isso, sabendo que o governo do Estado dispunha
de recursos para serem investidos no desenvolvimento da economia
estadual através do serviço público, eles encorajaram-se a pleitear
um financiamento ao BRDE (Banco Regional de Desenvolvimento
do Extremo-Sul), instituição que, por sua vez, representava o BNDES (Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Era preciso “pensar grande”, como se dizia na época e, assim, aproveitar o momento
para consolidar a Romagnole como empresa fornecedora de produtos para
O processo de produção
de ferragens impulsionou
as vendas
115 10
A fabricação
de transformadores
começou modestamente
em um dos barracões
da empresa
eletrificação. Obtido o financiamento, foi possível então construir uma moderna
estrutura de fabricação de postes em uma área de 75 mil metros quadrados,
localizada no parque industrial situado na saída de Mandaguari para Maringá.
Quando se fez a transferência desse setor, em 1975, continuaram em mais de 8.500
metros quadrados na Rua Rocha Pombo as atividades relacionadas à produção de
eletroferragens e também alguns itens remanescentes da elaboração de artefatos
de cimento.
.....
Com duas unidades, a indústria conseguiria deslanchar ainda mais em seus
negócios. No entanto, uma nova investida estaria sendo preparada para os
próximos anos, de modo a ampliar o leque de produtos para eletrificação e garantir
à empresa uma posição de destaque ainda maior em seu segmento. Tudo começou
quando, em 1976, Álvaro, durante uma conversa com Vicente, lançou uma
indagação: por qual motivo eles ainda não estavam fabricando transformadores?
Sim, pois se haviam conseguido, com muita garra e talento, desenvolver
tecnologia de produção de postes e ferragens afins, fornecendo produtos de
qualidade reconhecida para um mercado exigente, certamente que também
116
fariam sucesso com transformadores.
O emblemático questionamento de Álvaro suscitaria tamanha reflexão por
parte de Vicente que este, enxergando aí uma nova e interessante oportunidade,
decidiu sair atrás de alguém que entendesse do assunto.
Claro, a complexidade que envolvia a fabricação de um transformador
dependeria do conhecimento de uma pessoa especializada. Pois Vicente,
em suas andanças, encontrou um engenheiro com esse perfil, o qual aceitou
trabalhar com os irmãos mediante uma participação de 5% sobre a venda
desses produtos. Começava assim, então, a aventura da Romagnole no
novo segmento: inicialmente, os equipamentos eram bastante robustos, o
que agradava aos clientes. Para produzir transformadores, a indústria montou
um setor específico nos barracões da Rua Rocha Pombo e alguns dos
funcionários, entre eles Anastácio Quintanilha, participaram do estágio
Robustos, os
produtos encontraram
boa receptividade no
mercado
117 10
inicial da fabricação. O engenheiro deu conta do recado e a empresa foi em frente,
oferecendo ao mercado um produto de grande porte, sempre do mesmo tamanho.
Com o passar dos anos, Vicente e Álvaro perceberam que era preciso
aperfeiçoar o transformador: além de melhorar a qualidade, buscar meios de
reduzir os custos, que ofereciam pouca margem de lucro, e também diversificar
nos tamanhos, de modo a ampliar a clientela. Como o engenheiro não conseguia
promover as mudanças necessárias, um outro profissional seria contratado pelos
irmãos, o qual trouxe uma gama de novos conhecimentos que possibilitou à
empresa, enfim, impulsionar a fabricação dos transformadores. Esse setor se
incorporou com tamanha perfeição à estrutura da Romagnole que seu crescimento
seria significativo nos anos seguintes, a ponto de levar os diretores a buscar um
novo financiamento junto ao BRDE para a instalação de uma unidade própria, com
45 mil metros quadrados, inaugurada em 1979. Naquele ano, o irmão Francisco
termina a sua faculdade de Engenharia Elétrica em Curitiba e passa a trabalhar
nessa nova unidade, coordenando as áreas técnicas e de controle de qualidade. Ali,
eram fabricadas peças de 5 a 5.000 kVA, nas classes de tensão de 15, 24 e 36,2 kV,
destinadas a aplicações industriais, prediais e a linhas de distribuição urbanas e
rurais.
A empresa começou
a exportar transformadores
já em 1977
118 76 10
119
Prestígio
Além de diversificar e
sofisticar a linha de
transformadores, a
Romagnole, em expansão,
implantou unidades de
fabricação de postes em
Pato Branco-PR e
Amélia Rodrigues-BA
Produzindo postes, ferragens e transformadores em
larga escala, a Romagnole se tornaria uma importante fornecedora
da Copel, no Paraná, além de uma série de outras
companhias de energia elétrica pelo País, sem contar prefeituras,
loteadoras, cooperativas e empresas em geral.
Os irmãos Vicente e Álvaro eram empresários que se destacavam, por suas
realizações, em toda a região. Com as três unidades da empresa, já empregavam mais
de mil funcionários e a perspectiva era de continuar crescendo. A marca Romagnole
havia angariado prestígio nacional e a demanda por seus produtos impunha um ritmo
veloz, como nunca se tinha visto.
Em 1982, os irmãos decidiram investir
na expansão dos negócios, instalando
unidades para fabricação de postes em
outros Estados, visando a aproveitar
oportunidades que surgiam. Começaram
por Pato Branco, no Paraná, onde a demanda
regional era intensa. Montou-se,
então, uma empresa no comando da qual
permaneceriam por cerca de cinco anos.
Ainda em 1982, a Romagnole é convidada
por duas companhias baianas para
instalar-se naquele Estado, onde o desafio
era avançar fortemente no processo
de eletrificação rural. Com isso, chegaria
ao município de Amélia Rodrigues,
120 10
próximo a Feira de Santana, onde permaneceu por aproximadamente dez anos,
fabricando postes.
Quando, em 1983, José Richa assumiu o governo do Paraná, a empresa, que já
havia ascendido à condição de maior fornecedora da Copel, encontrava
condições favoráveis para desenvolver-se ainda mais. Isto porque, no setor de
energia elétrica, o governo de Richa foi marcado pela execução do mais
ambicioso programa de eletrificação rural já realizado no Estado, o Clic Rural,
que ligou 120 mil propriedades no prazo de quatro anos. Até então, apenas 20%
dos imóveis existentes no campo contavam com luz elétrica, índice quase
quatro vezes menor que os de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Entendendo que o grande obstáculo para a expansão das redes elétricas no
meio rural era o seu custo de construção e instalação, que resultava em um elevado
desembolso para o agricultor, José Richa determinou à Copel estudos para
simplificar e baratear tais projetos com o uso de técnicas, materiais e equipamentos
alternativos, capazes de tornar o serviço acessível, mas sem comprometer os
requisitos de segurança e desempenho.
O resultado foi um corte praticamente pela metade dos custos até então
praticados, com a adoção, por exemplo, das linhas elétricas monofilares (redes com
um só cabo condutor em lugar dos três habituais). Só com o emprego dessa técnica
seria possível atingir uma redução de 32% no custo de construção. Adicionalmente,
Com o Programa
Clic Rural, o
governador José
Richa impulsionou
o processo de
eletrificação a um
grande número de
regiões ainda
desassistidas no
interior
121 10
Em quatro anos,
cerca de 120 mil
propriedades rurais
passaram a contar
com energia elétrica
um financiamento do Banco Mundial de US$ 104 milhões possibilitou à Copel
financiar os agricultores no pagamento da sua parte no custo da ligação, o que levou a
um número expressivo de interessados a aderir ao programa.
Durante os quatro anos do governo de Richa, a Copel construiu 50 mil
quilômetros de linhas e redes elétricas rurais o equivalente a uma volta em redor da
Terra e elevou o índice de eletrificação do Estado para 50%.
Nas diversas solenidades de inauguração de obras do Clic Rural de que
participou, Richa sempre destacava a necessidade de oferecer ao homem do campo
conforto, bem estar e meios de melhorar a produtividade como formas de evitar o
êxodo rumo às cidades. Uma das frases preferidas do governador nessas ocasiões era
o lema do programa americano de recuperação social e econômica daquele país após
a grande depressão de 1929, o “New Deal”, idealizado pelo presidente Roosevelt:
“Em cada propriedade um poste, em cada panela uma galinha”.
Além do Clic Rural, Richa criou também o programa Clic Urbano, que atenderia
mais de 60 mil famílias de baixa renda, moradoras nas cidades. Em seu período, o
governador enfrentou dois eventos climáticos de forte impacto no Estado, que
tiveram reflexo na área de geração de energia da Copel: a grande enchente do rio
Iguaçu, em 1983, e a longa estiagem entre 1985 e 1986.
122 10
No ano de 1985, uma nova unidade Romagnole seria implantada em Pindamonhangaba-SP,
para a fabricação de postes. E, em 1987, Francisco assumiria o
cargo de Diretor Industrial.
Até o final daquela década, a economia brasileira passaria por grandes
dificuldades em razão do descontrole da inflação que, em alguns períodos,
chegou a 80% ao mês. Com isso, companhias de outros Estados que compravam
produtos da empresa, demoravam para efetuar os pagamentos. O País vivia um
momento de incertezas com sua economia instável, em que as organizações não
conseguiam planejar-se, enquanto muitas outras fechavam as portas.
Tal situação alarmou a Romagnole, que se via, ainda, dependente do
faturamento resultante das vendas para grandes companhias estatais de energia.
Em paralelo a esse cenário preocupante, era cada vez mais comum ocorrer uma
“ressaca” quando de mudanças no âmbito dos governos estadual e federal: após
eleitos, governantes colocavam em segundo plano os compromissos financeiros
assumidos anteriormente, que apenas eram honrados após exaustivas e demoradas
gestões.
Diante disso, tornou-se imprescindível diversificar a clientela, sob pena de a
empresa entrar em dificuldades. Vicente e Álvaro decidiram, então, reavaliar o foco,
direcionando parte das vendas para o mercado privado, através da ampliação de uma
rede de representantes em vários Estados. E, ao mesmo tempo, investir na exportação
de produtos como transformadores e ferragens, confiando em sua qualidade e
competitividade, o que viria a acontecer em escala crescente a seguir.
Álvaro Fernandes Dias,
que foi governador do
Paraná entre março de 1987
e março de 1991, também
foi responsável por avanços
do setor de energia elétrica
no Estado. Em seu governo,
foi viabilizada a Usina
de Segredo e ampliado o
atendimento com energia,
realizando-se 252 mil ligações
residenciais urbanas, 80 mil
rurais, 27 mil comerciais e
mais de 5 mil para novas
indústrias. Além disso,
foram implantados 940 km
de linhas transmissoras, 67
novas subestações e ampliada
a potência de outras 357.
As obras da Usina do Xisto,
em São Mateus do Sul,
abriram perspectivas de
desenvolvimento industrial
para a região.
123 10
Durante alguns anos,
a Romagnole atuou no
segmento de pré-moldados,
fornecendo estruturas de
concreto para diversos
fins nas áreas urbana e
rural. No início dos anos
80, inclusive, a empresa
aproveitou-se do “boom”
do setor sucroalcooleiro
do País, sendo fornecedora
de pré-moldados para a
implantação de várias
usinas no Paraná, como
a de Cidade Gaúcha.
Na foto abaixo, um dos
veículos da empresa de
transportes Ana Rosa,
de propriedade da
Romagnole, surgida para
suprir as necessidades da
empresa no escoamento da
produção rumo às
diferentes regiões do País
124 10
125 76 10
Começa a privatização...
De
acordo com especialistas, as soluções para os
problemas enfrentados pelo setor elétrico no final dos
anos 70 e em toda a década de 80 foram se delineando no
sentido de mudar qualitativamente a atuação do Estado
no setor.
Dessa forma, a nova estrutura construída na metade dos anos 80
esteve voltada para a diminuição da participação e intervenção direta
do Estado, substituindo-a pela função de agente regulador e
financiador. Isso seria o sinal verde para o processo de privatização.
O entendimento é que não se pode atribuir apenas à crise
econômica o motivo da diminuição da participação do Estado no
setor elétrico. Durante os anos 90, a "onda neoliberal" que tomou
conta do cenário econômico mundial, em decorrência da queda do
socialismo e do fenômeno da globalização, aliada à ineficiência das
companhias por ingerências políticas, fizeram com que no Brasil o
setor elétrico seguisse em direção à privatização.
Em vista dessas mudanças e também da instituição de um aparato legal em favor da
privatização, a década de 90 seria marcada pela competição. Analistas explicam que a
implantação de um novo modelo setorial, privilegiando a busca de competição, onde
ela fosse possível, bem como a atração de investimentos privados, valorizaram em
excesso a atividade de auto-regulação do mercado, relegando a um segundo plano a
formulação de políticas energéticas e também a realização de exercícios de
planejamento. Isto ocorreria não apenas no Brasil, mas também em alguns outros
países que passavam por esta mesma transição na organização de indústrias de
suprimento de energia.
No Paraná, os avanços técnicos e as vantagens econômicas advindas do Clic
Rural, seriam mantidas e ampliadas pelo governador Roberto Requião no
programa de eletrificação desenvolvido em seu primeiro mandato, iniciado em
1991: o Força Rural. Para realizar 50 mil novas ligações a custos acessíveis em
quatro anos, Requião inovou introduzindo a equivalência em milho, mecanismo
destinado a proteger o agricultor contra a variação dos índices oficiais de correção
monetária. Assim, o valor da parcela mensal financiada pela Copel era convertido
em sacas de milho pelo preço de comercialização do dia e, no vencimento, a prestação
era atualizada segundo os índices oficiais e pelo critério das sacas de milho,
permitindo que o agricultor pagasse o valor menor.
Outra inovação importante adotada por Requião foi permitir aos agricultores
beneficiados que se organizassem em mutirões para ajudar na construção das redes de
distribuição de energia, reduzindo o custo da obra e, por conseqüência, o valor a ser
desembolsado.
O governo Requião
inovou ao implantar
um sistema de
equivalência em
milho para que os
proprietários rurais
pudessem custear
suas ligações
127 76 10
Em 2001, País
viveu período de
desabastecimento e,
no Paraná, governo
estadual tenta
vender a Copel
Nesse período, o Brasil passaria por profundas transformações no setor elétrico. O
governo de Fernando Henrique Cardoso implantaria a livre concorrência para
promover a eficiência no setor, com regulação e fiscalização, visando a garantir
transparência para atrair o capital privado. A perspectiva era de privatizar
praticamente todo o setor de distribuição de energia elétrica como condição
necessária à alocação de recursos, a criação de um programa de termelétricas
(Programa Prioritário de Termelétricas - PPT) e a implantação do Mercado Atacadista
de Energia (MAE). Seria então criada a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
como agente regulador do setor.
O novo modelo para o setor elétrico não chegou, porém, a ser totalmente
implementado nos oito anos do governo FHC, visto que o processo de privatização
não foi concluído, da mesma forma que o PPT se resumiria a uma idéia que sequer saiu
do papel. Além disso, mantiveram-se incertezas regulatórias, o
que desestimularia o investimento privado. Para completar, o
governo ainda enfrentaria uma crise de desabastecimento de
energia em 2001, deixando evidente a fragilidade do setor. Diante
disso, o governo se afastaria do exercício de planejamento
energético, acreditando que o mercado poderia resolver tudo.
....
O ano de 2001, aliás, foi especialmente importante para o setor
energético do Paraná, ente a possibilidade de venda da Copel. No
entanto, a mobilização popular reacenderia a discussão no País
sobre as privatizações e acabou freando o processo de venda da
empresa, articulado durante o governo de Jaime Lerner.
Pode se dizer que o obscuro processo de privatização da Copel recebeu um banho
de luz e cidadania, como publicou a Revista Confea/PR. Vender a Companhia, afinal,
não foi tão fácil quanto o governo do Paraná imaginava. E por um simples fato:
ninguém contava com a ampla mobilização da sociedade em torno do assunto e nem
com a interferência direta de especialistas no setor de energia elétrica, como fez o
CREA-PR. A novela, que demoraria vários meses, passou por capítulos que
mostraram tanto tentativas desesperadas do governo do Estado de vender a Copel
como comemorações populares momentâneas por vencer algumas etapas da briga
contra a privatização.
Na verdade, as movimentações do governo do Estado para privatizar a empresa
começaram atribuladas e num cenário bem pouco recomendado para uma operação
comercial dessa magnitude. De um lado, o governo federal já havia suspendido o
processo de privatização desse setor, visando a não comprometer ainda mais o
vexaminoso quadro do apagão nacional. De outro, o cenário internacional - pós
atentado terrorista nos Estados Unidos da América - mostrava que o momento não
era propício ao fechamento de grandes negócios com investidores estrangeiros: a
moeda estava desvalorizada e a segurança econômica mundial inibia a oferta de
128 10
potenciais compradores.
Dizia-se que a importância estratégica da Copel está para o Paraná assim como
Furnas e Itaipu estão para o Brasil.
No dia 11 de junho, uma marcha com 40 mil pessoas contrárias à venda da Copel
cercou a Assembléia Legislativa durante ato de entrega de 40 mil assinaturas do
primeiro projeto de iniciativa popular a tramitar em um legislativo estadual no País.
No entanto, em setembro, o governo do Paraná anuncia o preço mínimo para o leilão,
de R$ 4,324 bilhões. O Fórum Popular contra a Venda da Copel, com mais de 400
entidades, contesta o valor e diz que a empresa vale pelo menos R$ 35 bilhões.
A Copel é considerada uma das mais rentáveis e lucrativas empresas do setor
energético brasileiro. Quando foi assinado o decreto de desestatização, em setembro
de 1999, a companhia anunciava um lucro, referente ao exercício
anterior, de R$ 403 milhões. Com 5 subsidiárias, responsáveis pela
geração, transmissão, distribuição, comunicações e participações em
outros empreendimentos, a empresa já representava 10% de toda a
demanda de pico no Brasil, com 4.545 MW/hora. Um quinto de toda a
energia de suas 18 usinas já era destinada para outros Estados, sendo
95% de sua energia de origem hidráulica, permanente e renovável.
Além de tudo isso, a Copel dispunha de um potencial hídrico
remanescente de 17 mil MW, bem superior à capacidade de Itaipu, e
mantinha em suas barragens um volume extraordinário de água.
No Paraná, existe em abundância o cobiçado vetor de geração de
riquezas. Como foi dito, produz-se 30% além da demanda de consumo
interno do Estado, excedente que é destinado a cobrir o pico da
demanda nacional.
Portanto, a conscientização popular contra a venda da Copel não
ocorreu por acaso. As mais de 400 entidades representativas investiram
na realização de dezenas de debates e palestras como forma de instrumentalizar
a população contra a privatização.
Cerca de 98% dos eleitores do Paraná opinaram contrariamente à
alienação das ações, durante um plebiscito, mesmo sem valor legal, exercendo a
cidadania como jamais tinha sido visto na história política do Estado. As batalhas
travadas em várias frentes - tanto jurídicas como políticas - somadas à determinação
de centenas de entidades nacionais em apontar o erro estratégico que estava sendo
cometido contra o desenvolvimento social e econômico, transformaram-se nos
principais escudos do povo paranaense contra a venda da Copel.
Além disso, as entidades integrantes do Fórum foram orientadas a republicar a lista
com nome e foto dos “28 deputados traidores” que votaram contra o projeto de
iniciativa popular.
Numa fase seguinte, o Estado buscou retomar o papel central das decisões no setor
elétrico, não como uma volta ao passado, mas tentando encontrar a melhor forma de
129 76 10
A Usina de Figueira
é a única termelétrica
entre as 18 centrais de
geração próprias da
Copel, as demais são
todas hidrelétricas.
Inaugurada em abril
de 1963, tem capacidade
instalada nominal de
20 MW (megawatts)
dividida em dois grupos
geradores, e 14 MW
médios de energia
assegurada.
Comparativamente,
essa capacidade de
geração equivale ao
consumo de uma
cidade com 70 mil
habitantes.
Com quatro unidades
em operação, 24 mil
postes são produzidos
por mês
intervenção no setor por meio de políticas energéticas adequadas, regulação e
planejamento. Na opinião de especialistas, o Brasil revela uma tendência de voltar a
intervir na política energética em maior grau do que se vê em outros países.
Com o novo modelo do setor elétrico nacional, implementado no primeiro
mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Ministério de Minas e Energia
(MME) passou a ser o poder concedente e centralizador das decisões do setor. Tem
ele a responsabilidade pela escolha dos dirigentes dos órgãos responsáveis pela
operação do sistema elétrico, assim como pelas licitações de compra de energia das
geradoras pelas distribuidoras.
A partir de então, as empresas só podem comprar energia por meio de licitações
pelo menor preço. O objetivo é oferecer, no futuro, menores tarifas ao consumidor.
Outra mudança implementada pelo governo Lula ocorreu na área de prestação de
serviços no que refere a estudos e pesquisas, destinadas a subsidiar o planejamento do
setor, que passa a ser feita pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), criada a partir da
Lei 10.847/04. Nesse novo modelo, todos os esforços estão voltados para a
modicidade tarifária e a estabilidade regulatória, numa tentativa de atrair investimentos.
Avançando em seu projeto de expansão, a Romagnole implanta em 2002 uma
unidade de fabricação de postes na cidade de Cuiabá, Mato Grosso.
No ano seguinte, adquire uma estrutura montada, para o mesmo fim, no município
de Itaboraí, Estado do Rio de Janeiro.
Essas duas novas plantas, somadas às de Mandaguari-PR e Pindamonhangaba-SP -
cada uma delas com área de 60 mil metros quadrados em média - atendem a um raio de
400 quilômetros em suas regiões e elevam a capacidade de produção da empresa para
24 mil postes por mês.
Já a área de eletroferragens, que coloca a Romagnole como líder nacional no setor,
compreende a produção de cerca de 3 mil itens com a operação de duas fábricas em
130
Mandaguari, cidade que passou a sediar também
um Centro de Distribuição. Com isso, o portfólio
da empresa, além de toda a linha de alta tensão,
inclui uma série de outros produtos complementares,
como cabos de alumínio, parafusos e ferragens
diversas.
Por sua vez, a Romagnole chegaria também à
liderança no segmento de transformadores de 5 a
30 kVa, produzindo em torno de 6 mil unidades
mensais. No processo de fabricação em série desse
tipo de equipamento, passariam a ser elaboradas
100 toneladas mensais, em média, de fio esmaltado,
produto que deixou de fazer parte do leque
oferecido aos clientes para atender exclusivamente
o próprio consumo.
Intensificada, a exportação de transformadores e ferragens chegaria ao final de
2006 atingindo cerca de 30 países das três Américas, Caribe e Oriente Médio. O
mercado externo - para o qual a empresa começou a direcionar seus negócios a partir
de meados dos anos 80 - ganharia tamanha importância para a empresa que absorveria
25% do volume total atualmente produzido. Do restante, 40% são direcionados para
companhias estatais de energia de vários Estados e 35% para consumidores do setor
privado.
Para atuar em condições de pronta-entrega no suprimento de transformadores e
ferragens ao mercado norte-americano, a Romagnole teria a partir de 2004 a sua
primeira unidade internacional, um Centro de Distribuição localizado em Houston,
no Texas, Estados Unidos.
Acima, um dos itens
da produção de
ferragens; abaixo,
embarque de
transformadores
131 76 10
Assim, com tamanha estrutura, a empresa chegou ao final de 2006 contabilizando
um faturamento da ordem de US$ 130 milhões, montante que significava praticamente
o dobro em relação ao total obtido em 2004, para se ter idéia do forte ritmo
de crescimento - o que tem sido uma constante em sua história.
Considerada a mais diversificada e completa organização em seu setor no País, a
Romagnole vem sendo preparada para novos desafios, entre os quais a exigência de
dobrar a capacidade de produção de todos os seus itens em curto espaço de tempo, de
forma a responder com rapidez a um vigoroso crescimento da demanda. Afinal, tudo o
que estiver relacionado a desenvolvimento da região e do País implicará, direta e
necessariamente, na participação da empresa, por ser, a mesma, uma das principais
provedoras de materiais e insumos voltados à infraestrutura para eletrificação.
Desde crianças, na faixa entre 10 e 12 anos, Silvana, Alexandre e os primos Álvaro
Márcio e Simone acostumaram-se a estar presentes nos corredores e setores da
Romagnole, estimulados pelos pais Vicente e Álvaro. À medida em que iam
crescendo, começaram a executar pequenas tarefas e a tomar gosto pelo trabalho,
bem como as responsabilidades do dia-a-dia.
Em 2004, um passo decisivo seria dado no sentido de direcionar a Romagnole para
os novos tempos. De uma única unidade de negócios, a empresa seria segmentada em
quatro divisões específicas: 1) fabricação de transformadores, 2) fabricação de postes,
3) fabricação de ferragens galvanizadas e, 4) Centro de Distribuição. Para avançar
Estados Unidos
Houston
América
Central
África
Oriente
Médio
Países da
América
do Sul
Centro de Distribuição (CD)
de Houston-USA
132
ainda mais nesse objetivo, em agosto de 2006 o Grupo decidiu empreender uma
importante mudança em seu capital, alterando-o de sociedade limitada (Ltda) para
sociedade anônima (S/A), mas ainda sem acesso à participação de terceiros, o que
poderá acontecer no futuro.
Com Vicente na função de Diretor-Superintendente do Conselho de Administração
e com Álvaro nos cargos de Diretor-Geral e Diretor-Presidente do Conselho
de Administração, a empresa caminha para um novo salto em sua história, tendo à
frente um horizonte repleto de oportunidades.
Em 2007, os irmão
Vicente e Álvaro
comandam empresa com
1.900 colaboradores
que em 2006 faturou
US$ 130 milhões
Uma iluminada história brasileira
Ao deixar o Vêneto no final do Século XIX, atrás de melhores perspectivas de vida em terras
brasileiras, a família Romagnolo avançaria para ser, duas gerações mais tarde, participante direta do
processo de eletrificação do País.
Para isso, pioneiros sonhadores como Francisco e sua mulher Natalina encorajaram-se a superar
desafios no Estado de São Paulo e a enveredar pelo Norte paranaense, seguindo a bendita trilha do café.
Da agricultura para o comércio, os filhos Vicente e Álvaro, sob a chama de um intrépido espírito
empreendedor, forjariam uma nova realidade. Assim, as agruras dos primeiros tempos seriam os alicerces
de uma empresa que nascia para ser uma das principais fabricantes de produtos elétricos do Brasil.
São muitos os símbolos de coragem e de luta a referendar essa trajetória de sucesso. Desde o vapor a
singrar o Atlântico, o duro trabalho nas lavouras cafeeiras, às mudanças de uma região para outra e o
desbravar do sertão inóspito, descortinando oportunidades, o sonho jamais se perdeu.
Agora, no alvorecer do Século XXI, a quarta geração da família assume o seu papel com uma visão
ainda mais ampla. Dessa forma, páginas continuam sendo escritas com desenvoltura, paixão e
sensibilidade, envolvendo mais de 1,9 mil outras famílias e movendo toda uma economia regional.
De um extremo a outro, uma saga com personagens marcantes e cenários variados, o fio condutor de
uma iluminada história brasileira.
133 76 10
Paraná aproveitou
quase todo seu
potencial hidrelétrico
Aconstrução de um grande número de usinas transformou
o Estado, excluindo Itaipu, no terceiro maior produtor
brasileiro de energia
Lembrança de Sete
Quedas, no Rio
Paraná (acervo
família Bacarin)
O crescente número de barragens para construção de usinas hidrelétricas nos
Rios Iguaçu, Paranapanema, Capivari e Paraná, causou perturbações ambientais e
disputas por terras, até mesmo em reservas indígenas. Em 1982, o desaparecimento
do Salto de Sete Quedas, imposto pela necessidade de formar o reservatório da
represa de Itaipu, provocou intenso movimento de protesto.
Sobre isso, em seu “Caderno de Idéias”, publicado no mês de dezembro de
2003, o jornalista Fábio Campana comenta que “Nos anos 70, o Estado passou
a represar os rios e a construir grandes hidrelétricas. Afogamos Sete Quedas e
as terras mais férteis do extremo-Oeste. Expulsamos população para o
Paraguai e para o Norte. Alto preço para passar à condição de grande produtor
de energia”.
.....
O Paraná conta com um grande potencial hidrelétrico, muito bem
aproveitado, especialmente no Rio Iguaçu, onde foram construídas várias
hidrelétricas, entre elas as de Foz do Areia, Salto Osório e Salto Santiago.
Próximo de Curitiba está a usina hidrelétrica de Capivari-Cachoeira, uma das
primeiras construídas pela Copel. Mais recentemente foram construídas
pequenas centrais hidrelétricas em vários rios de menor porte, como a de
Chavantes e Vossoroca. No Rio Chopim, no Sudoeste do Estado, foi
134
construída a usina hidrelétrica de Júlio de Mesquita Filho. Mas está localizada entre
Brasil e Paraguai, no Rio Paraná, a usina hidrelétrica de Itaipu, a maior do mundo,
construída em conjunto com o país vizinho, e que fornece energia para vários
Estados brasileiros. Tem capacidade para produzir 12.600 MW e só em 1991,
quando foi concluída, instalou as últimas turbinas. Teve suas comportas fechadas em
12 de outubro de 1982 e a usina hidrelétrica foi inaugurada em 5 de novembro do
mesmo ano, durante a presença dos presidentes João Baptista Figueiredo, do Brasil,
e Alfredo Stroessner, do Paraguai.
Devido à utilização de quase toda a sua capacidade instalada de megawatts, o
Paraná é o terceiro maior produtor de energia elétrica do Brasil.
Desde que Itaipu iniciou a produção comercial de energia, em maio de 1985,
passou a pagar royalties aos governos dos dois países, conforme está previsto no
Anexo C do Tratado de Itaipu, publicado no Diário Oficial da União, no Brasil, em 30
de agosto de 1973. O pagamento de royalties ao Brasil e ao Paraguai é uma
compensação financeira pela utilização do potencial hidráulico do Rio Paraná para a
produção de energia elétrica.
No Brasil, em 11 de janeiro de 1991, entrou em vigor o Decreto nº. 1, discriminando
a distribuição de royalties a Estados, municípios e órgãos federais, beneficiando
principalmente os municípios mais afetados pelo alagamento de terras para a
formação do reservatório. Com isso, os principais beneficiados foram o governo do
Paraná e os 15 municípios paranaenses
limítrofes ao reservatório
de Itaipu.
Calcula-se que de 1985 a
2007, Itaipu pagou ao Brasil
mais de US$ 3,01 bilhões em
royalties.
No Paraná, os municípios
que têm direito a recebê-los
são: Santa Helena, Foz do Iguaçu,
Itaipulândia, Diamante
D’Oeste, Entre Rios do Oeste,
Guaíra, Marechal Cândido
Rondon, Medianeira, Mercedes,
Missal, Pato Bragado, São
José das Palmeiras, São Miguel
do Iguaçu, Santa Terezinha de
Itaipu e Terra Roxa. Também
tem direito ao benefício o município
de Mundo Novo, no
Mato Grosso do Sul.
No ano de 1982,
o Brasil colocou
em operação,
juntamente com o
Paraguai a Usina
Hidrelétrica de
Itaipu, a maior do
mundo, do gênero,
localizada em
Foz do Iguaçu-PR
135 76 10
Final
O presidente da
Copel, Rubens
Ghilardi, anunciou
em junho de 2007
que a empresa
pretende construir
pelo menos dez
Pequenas Centrais
Hidrelétricas (PCHs)
no Estado até 2010,
numa soma total
de geração de
energia de 260
megawatts (MW).
O investimento é
de R$ 520 milhões.
Para garantir crescimento do PIB (Produto Interno
Bruto) da ordem de 4% a 5% ao ano, o Brasil precisa
aumentar sua capacidade instalada de geração de
energia, que em 2006 era de 96,3 mil megawatts
(MW) de potência.
Segundo especialistas, a lição que ficou do
racionamento de 2001 foi que ao longo dos anos
anteriores a ele não houve a agregação de hidrelétricas
no país com regularidade e nem um parque
térmico de grande porte.
O quadro atual não é muito diferente. Não há agregação
de usinas hídricas e o parque térmico está inoperante por
falta de combustível. O entendimento é que o Brasil
precisa de mais térmicas para melhorar seu equilíbrio
energético. Apesar de caras, elas são essenciais
para dar segurança ao sistema.
A questão do licenciamento ambiental, somada
aos problemas relacionados com a preservação de
terras indígenas, é tida por especialistas do setor
como um obstáculo gigantesco para viabilizar
obras que o próprio governo considera indispensáveis.
...
136 76 10
Ao relatar a trajetória da família
Romagnolo, este livro
homenageia a todos os imigrantes
italianos e de outras
origens que, à custa de sacrifícios,
sofrimento e, principalmente, com muita
coragem e vocação para o trabalho,
contribuíram com suas gerações de
descendentes para dinamizar e fortalecer
a economia do Brasil. Seja de forma empreendedora
ou, simplesmente, emprestando
seu talento e força de trabalho à
formação da sociedade e a cultura do
País.
O mesmo se pode dizer dos precursores
da energia elétrica. Graças à sua inquietude e
determinação, a humanidade experimentou um formidável
processo de evolução que passou pela história
de cada região, como o Norte do Paraná. Da mesma
maneira que se olha, portanto, em direção aos novos
tempos, é indispensável preservar a memória dessa
aventura admirável, para que sirva de referência e
lição de vida às próximas gerações.
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Referências
- Copel Informações - edição especial - setembro 1979
- Site da Copel - “História da energia elétrica no Paraná”
- Museu da Energia Elétrica - Curitiba-PR
- Acervo família Romagnole - Mandaguari-PR
- Acervo Akimitsu Yokoyama - Mandaguari-PR
- Acervo Afra de Oliveira - Mandaguari-PR
- Acervo Maurinho Piccioly - Maringá-PR
- Acervo Paulo Cruz Pimentel - Curitiba-PR
- Acervo Kurt Jacowatz - Apucarana-PR
- Mandaguari, sua história, sua gente (1982)
- Energia Elétrica no Brasil - Rio de Janeiro - Biblioteca do Exército Editora, 1977.
- Paraná - Relatórios de Presidentes de Província ao Legislativo (Curitiba, 1854-
1912 e 1927-1929).
- Paraná em Páginas - Curitiba - 1941-1992
- Gazeta do Povo
- Estado do Paraná
- Diário do Paraná
- Valor Econômico/CCEE (14/03/07)
- Wilson, Sons
- Ipardes
- Prefeitura do Município de Maringá - Secretaria de Cultura - Divisão de
Patrimônio Histórico e Cultural
- Um Século de Eletricidade no Paraná, coordenado pela Profa. Dra Márcia
Dalledona Siqueira (UFPR), Prof. Dennison de Oliveira (UFPR), Prof. Edson
Armando Silva (UFPG), Profa. Dra. Etelvina Maria de Castro Trindade (UFPR) e
Prof. Dr. Euclides Marchi (UFPR), resultado de convênio Copel-UFPR.
- Departamento de Energia Elétrica da UFPR
- Revista do Confea
- Universidade Estadual de Londrina (UEL)
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INCENTIVO
À CULTURA
MINISTÉRIO
DA CULTURA
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