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Cartaz Cinza e Laranja de Dia do Trabalho (1)

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A LITERATURA AFRICANA

ANALISANDO UM RELEVEVO:

camadas que se sobrepõem entre as

verdades históricas

ANO 1 I N1 º I MAIO 2020


CARTA DO EDITORIAL

A partir das análises propostas no texto ““À

propósito de relevâncias...”: a literatura

africana como leitora-questionadora da

História” esta revista busca pensar o relevo

dado à manifestação das vozes na História.

Nos atentando à dois principais pontos: o

primeiro é a história oficial com seus

documentos monumentalizados que

carregou por muito tempo verdades

canônicas (fabricadas pelas metrópoles) à

respeito dos lugares subjugados pelo

colonialismo e pelo imperialismo, entre eles

os países do continente africano; e o segundo

é a literatura metropolitana que construiu

estereótipos a respeito desses povos

exercendo o poder de contar a história do

outro. A grande fonte aqui é a literatura

africana, sobretudo do século XX (póscolonial),

que emerge de uma urgência de

África de contar sua própria história por meio

de uma releitura do passado e das fontes

explorando as brechas que a documentação

histórica deixa de ler, como coloca o autor

Ao iniciar sua luta pelo “direito humano à

narração” (BHABHA, 2007, p. 25) a literatura

africana acabará por fazer uma escavação das

vozes sobrepostas à História da África, uma

análise de relevo que prevê em cada camada

um exercício de poder que

concomitantemente foi causa e teve como

efeito o silenciamento das vozes dos povos

africanos por muito tempo.

Citando Chinua Achebe “a literatura é

sempre mal servida quando o ponto de

vista artístico dá lugar ao estereótipo e à

malícia. E isto torna-se duplamente

ofensivo quando tal obra é

arrogantemente apresentada como a tua

história.” (Apud NOA, 2002, p. 32), à partir

dessa máxima é possível perceber duas

coisas: cada um tem o direito e a

necessidade de falar por si e contar a sua

própria história, e que o ato de contar a

história do outro é um exercício perverso

de poder como coloca a nigeriana

Chimamanda Adichie em “poder é a

habilidade de não só contar a história de

outra pessoa, mas de fazê-la a história

definitiva daquela pessoa”(ADICHIE,

2009).

Ana Luisa Reis Maciel

Gabriella Figueiredo do Carmo Moreira

Mauro Francisco Gonçalves Júnior

Millena de Pádua Rates


S U M Á R I O

3

5

6

FONTES E FATOS HISTÓRICOS NA LITERATURA COMO

QUESTIONAMENTO DO FAZER HISTORICO

PAULINA CHIZIANE

DESCENTRALIZANDO NARRATIVAS

8

9

CHIMAMANDA E O HIBISCO ROXO

SUJEITOS AFRICANOS REESCREVENDO SUA PRÓPRIA

HISTÓRIA.

11

MORTE SILENCIOSA- MIA COUTO

12

13

SUGESTÕES AO LEITOR

CONSELHO EDITORIAL


MAIO 2020

3

FONTES E FATOS HISTÓRICOS NA

LITERATURA COMO QUESTIONAMENTO

DO FAZER HISTORICO

Com base em uma obra literária moçambicana e

outra angolana, ambas tematizando achados

arqueológicos sobre personagens da história, de

origem europeia; é que se estabelece o debate

acerca do uso de fontes históricas em narrativas

fictícias. O autor José Dércio Braúna se atenta

para o potencial desmonumentalizador do uso

literário de documentos à partir do conceito de Le

Goff, pois os escritores, fazendo esse uso, mostram

ter ciência de que “O documento não é inócuo. É,

antes de mais nada, o resultado de uma

montagem, consciente.” (LE GOFF, 1996), e

fazendo uma releitura do passado

monumentalizado alteram de alguma forma a

memória coletiva, criando a possibilidade de se

ouvir novas vozes e se conhecer novas

verdades.Diante dessas duas obras literárias é

possível fazer também a crítica à respeito de como

os países da África, bem como os demais países

explorados pelo colonialismo e pelo

imperialismo, figuram na história oficial e

também na literatura que aqui chamamos

metropolitana apenas como apêndices das

histórias de suas metrópoles

Couto

As referidas obras são dos autores: Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, conhecido pelo

pseudónimo de Pepetela (Benguela, 29 de outubro de 1941), um escritor angolano cuja obra reflete

sobre a história contemporânea de Angola, e os problemas que a sociedade angolana enfrenta. E Mia

Couto, pseudónimo de António Emílio Leite Couto, é um escritor e biólogo moçambicano (Beira, 5 de

julho de 1955) dedicado à escrever contos e poesias recriando a língua portuguesa, incorporando

vocabulário e estruturas específicas de Moçambique.

Pepetela


o próprio adjetivo ultramarina para

classificar essa história aponta para a pré

noção de que era a parte da história da

Europa que se desenvolveu além mar, além

de seus limites territoriais. Nesse sentido o

ato de usar desses fatos da história

positivistas para escrever histórias que o

autor vai chamar de menos maiúsculas, isto

é, menos monumentais e ainda que fictícias

que promovam uma difusão da cultura dos

povos moçambicanos, angolanos, nigerianos

como nos excertos usados, ou de quaisquer

povos que tenham sido silenciados pelo

fazer histórico do século XIX. Daí a

importância da literatura africana pós

colonial: ela não só questiona a história dita

oficial, como também reivindica o direito de

reescrita da história da África, pauta

importantíssima para o fortalecimento de

historiadores africanos e a iniciativa de

construir uma historiografia com métodos e

fontes alinhados às possibilidades

geográficas e culturais do grande continente.

MAIO 2020

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Essa quebra de paradigmas

metodológicos vai considerar fontes

como a oralidade e arqueologia, além de

criticar a documentação escrita sobre a

África que, além de partir da invasão do

continente, não é guardada e nem foi

produzida pelos povos tematizados nela.

Evidenciando a “justa medida dos laços

internos [da literatura] com a história

geral da África” (MAZRUI, 2010,p. 664)

http://baudashistoriasepoemas.blogspot.com/2010/06/contosafricanos.html


MAIO 2020

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Paulina Chiziane é

uma literata e

ativista politica

moçambicana,

nascida em 1955,

com vasta obra

literária cujas

publicações se

inciaram no inicio

dos anos noventa, a

autora além de uma

escritora premiada,

leva consigo o

compromisso de

problematizar as

questões de gênero.

Sinto que escrever livro não é tudo

quanto basta. Sinto que a maior

contribuição virá no dia em que

conseguir lançar, na terra fértil, a

semente da coragem e da vontade de

vencer nos corações das mulheres que

pertencem à geração do sofrimento. A

minha maior realização virá no

momento em que a planta brotar, no

momento de vê-la crescer. Mesmo

antes de vê-la florir, poderei já

retirar-me da luta, repousar na

sombra mais próxima, em paz e

tranquilidade”

- Paulina Chiziane


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Descentralizando Narrativas

As narrativas da História da África

evidenciam relações de poder variadas, por

um lado se tem as narrativas considerando

o continente apenas após o colonialismo. E,

de outro lado, mesmo nos estudos que

tratam de momentos anteriores ao século

XIX, as narrativas e interpretações se

montam na tentativa de se encaixar

modelos diferentes de historiografia, como

o europeu, na África. Braúna (2015) pontua

que a literatura africana expressa uma

procura por si dos sujeitos africanos, somase

que a construção dessa literatura

africana expressa forte contestação da

ordem política, social e cultural já

estabelecida pelas relações coloniais. É

justamente nessa forte contestação que se

percebe a importância dessa literatura, que

parte da África, considerando as

especificidades do continente e de suas

regiões e criando uma mentalidade

pautada na vivência africana, com a

possibilidade de alterar a cultura das

produções históricas sobre África.

Um dos vícios observados na produção

acadêmica que trata de África é a

presença de estereótipos e

caracterizações que não condizem com a

realidade da vivência da África. O

Ocidente está sempre a produzir juízos de

valor e concepções equivocadas a

respeito da África, a reduzindo em um

único local, com apenas uma cultura, um

modo de vida e, em maioria, associada à

pobreza. Essa perspectiva que não

enxerga a pluralidade existente na África

gera uma produção, tanto acadêmica

quanto cultural, que considera uma única

história, uma única história reduz as

riquezas existentes na África Braúna

apresenta uma análise dos textos

literários de Mia Couto e Pepetela, onde,

especialmente no texto de Mia Couto, há a

presença de diversos personagens em

diferentes situações, como

moçambicanos escravizados, jesuítas,

portugueses, entre outros.

José Dércio Braúna possui graduação em história pela Universidade

Estadual do Ceará, 2007, mestrado em história social Universidade

Federal do Ceará, 2011 e cursa doutorado em História na Universidade

Federal do Ceará. Atua principalmente nos seguintes temas: relações

história/literatura; teoria e escrita da história; metaficção

historiográfico; narrativa.


MAIO 2020

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Ao se trabalhar com personagens tão

diversos, essas obras ficcionais não

centralizam sua narrativa afastando assim

uma perspectiva única de história única,

onde se conhece apenas uma forma de se

narrar, uma forma de se contar uma

história, e apenas uma perspectiva de

análise reducionista. Devemos levar em

consideração que ao se tratar da História da

África se trata de diversas realidades e que

não podemos nos ater a apenas uma, e

assim se produzirá um conhecimento plural

e que diz respeito a África.

Reescrita: um movimento endógeno

Ao se analisar os escritos a respeito da

História da África, observa-se que esses

estudos partem de lugares diversos, e quase

sempre, excetuando-se a África. Nesse sentido

é preciso que se atente as produções

historiográficas que partem do continente

africano, uma vez que as mesmas se pautam

em metodologias apropriadas e específicas

para a análise histórica das populações que

ocuparam o continente ao longo do tempo e

que ainda o fazem. Ainda que hoje se possa

contar com uma historiografia africana

extremamente rica é preciso ainda que se rea-

lize uma releitura daquilo que já foi

produzido a respeito da África em uma

perspectiva pós-colonial, como já posto,

repensando o papel de determinados

sujeitos, utilizando novas fontes e

metodologias de análise. Braúna apresenta

que a literatura ficcional traça algumas das

formas de se analisar a História da África,

onde há a necessidade de se repensar

conceitos que dizem respeito ao ocidente.

Braúna expõe que “Pepetela deslegitima a

grandiosidade que o ‘documento’ dá às

coisas do passado, repondo-as a uma

realidade menos grandiloquente; escalpela

a sacralidade que por vezes (muitas vezes)

os registros históricos são lidos” (2015, p.

43), nesse exposto braúna se refere a

narrativa de Pepetela (2011, p. 169)

apontando que “a chamada fortaleza era na

verdade um muro de taipa mal amanhado

em cima do morro” (apud BRAÚNA, 2015, p.

43). A literatura de Pepetela faz com

repensemos em como encarar os

documentos ao se analisar a História da

África, evidenciando a necessidade de

releitura dos escritos já produzidos sobre

África, a fim de que as produções sobre

África partam da África.


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CHIMAMANDA NGOZI ADICHE é uma escritora, nascida na Nigéria, onde

começou seus estudos na Universidade da Nigéria, mas se mudou para os

Estados Unidos, onde se formou em comunicação e ciências políticas, na

Universidade de Connecticut. Na Universidade Johns Hopkins, em 2003,

concluiu seu mestrado em escrita criativa. E em 2008 foi reconhecida como

mestre de artes em estudos africanos pela Universidade Yale. Juntas, suas

conferências no TED somam mais de 20 milhões de visualizações. A autora já

publicou contos em jornais como The New York Times e The New Yorker.

“Golpes levavam a mais golpes, disse Papa, contando-nos sobre os golpes

sangrentos dos anos 1960, que acabaram se transformando em uma guerra

civil logo depois que ele deixou a Nigéria para ir estudar na Inglaterra.

(...) Mas o que nós, nigerianos, precisávamos não era de soldados para nos

comandar; precisávamos de uma democracia renovada. Democracia

renovada. Soava importante quando ele dizia aquilo, mas tudo o que

Papa dizia soava importante.” (Hibisco Roxo, Chimamanda Adichie)

“Aquilo era um mau sinal. Papa quase nunca falava em igbo e, embora

Jaja e eu usássemos a língua com Mama quando estávamos em casa, ele

não gostava que o fizéssemos em público, ele nos dizia; precisávamos

falar em inglês. A irmã de Papa, tia Ifeoma, disse um dia que Papa era

muito colonizado. Disse isso de forma gentil e indulgente, como se não

fosse culpa de Papa, como quem fala de alguém que tem um caso grave de

malária e por isso grita coisas sem nexo.” (Hibisco Roxo, Chimamanda

Adichie)


MAIO 2020

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Sujeitos africanos reescrevendo sua própria história.

Antonio Candido analisa a literatura como

contraditória e humanizadora, como construção

de objetos que gozam de sua liberdade, como

expressão que apresenta formas de ver o mundo e

como conhecimento, mesmo que

inconscientemente. Ao escreverem, sujeitos

africanos empregam em sua escrita as

especificidades presentes no território. Mia

Couto, escritor moçambicano diz que “[o] escritor

não é apenas aquele que escreve. É aquele que

produz pensamento, aquele que é capaz de

engravidar os outros de sentimento e de

encantamento” (COUTO, 2005, p. 63). Podemos

entender assim, que o caminho do escritores não

passa somente pela escrita e isso faz com que

leitores consigam assimilar sensações em forma

de palavras. Os indivíduos africanos que vão para

os caminhos da escrita, se deparam de forma

consciente com o poder que esta pode dar-lhes,

pois poderão então, ao escreverem em suas obras

histórias africanas vistas do ponto de vista de

um(a) africano(a), ter o poder de mudar

narrativas, de romper com perspectivas únicas e

consequentemente, estereótipos impostos. Em

uma entrevista para o jornal Brasil de Fato a

escritora moçambicana Paulina Chiziane mostra

que “a literatura é arma para desconstruir toda a

mentira histórica que vem sendo reproduzida em

todas as bibliotecas do mundo sobre nós,

africanos”.

Na palestra proferida em uma

conferência para o TED,

Chimamanda Adichie apresentanos

“O perigo de uma história

única”, a escritora nigeriana diz que

inúmeras foram as histórias ruins

que viveu, no entanto, se nos

atentarmos somente a elas não

conseguiremos compreender toda

uma complexidade que a leva a ser

quem é hoje. E apresenta a história

única como ladra da dignidade e

subjetividades.


MAIO 2020

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Durante seu percurso escolar, Chinua

Achebe, posteriormente considerado como

pai da literatura nigeriana, somente teve

contato com uma visão da História. Ao

ingressar na Universidade e perceber a

possibilidade de rompimento a partir da

escrita, o autor passou a reescrever a História

sob o olhar do seu povo, contando um outro

lado, até então desconhecido devido a um

único ponto de vista apresentado. Podemos

perceber que as escrevivências, como

conceitua a escritora mineira Conceição

Evaristo, são processos necessários para a

interrupção do único olhar e para

apresentação do “novo”.

Conceição Evaristo é escritora mineira, estreou

na literatura nos anos 1990. É Mestra em

Literatura Brasileira pela PUC-Rio e Doutora

em Literatura Comparada pela UFF e suas

obras abordam principalmente as temáticas

raciais, de classe e gênero.


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Morte silenciosa

Mia Couto

A noite cedeu-nos o instinto

para o fundo de nós

imigrou a ave da inquietação

Serve-nos a vida

mas não nos chega:

somos resina

de um tronco golpeado

para a luz nos abrimos

nos lábios

dessa incurável ferida

Na suprema felicidade

existe uma morte silenciada

dezembro de 1981


SUGESTÕES AO LEITOR

MAIO 2020

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BRAÚNA, José Dércio. “À propósito de relevâncias...”: a literatura africana como leitoraquestionadora

da História. Sankofa. Revista de História da África e de Estudos da Diáspora

Africana Ano VIII, NºXV, Agosto/2015.

CHIZIANE, Paulina. [Testemunho] Eu, mulher... Por uma nova visão do

mundo. Abril–NEPA/UFF, v. 5, n. 10, 2013.

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Hibisco roxo. Editora Companhia das Letras,

2016.

ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos todos feministas. Editora Companhia

das Letras, 2014.

COUTO, Mia. Morte silenciosa. In: Raiz de orvalho e outros poemas. Alfragide:

Editorial Caminho, 1999.

COUTO, Mia. O outro pé da sereia. São Paulo: Companhia das Letras,

2006PEPTELA (Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos). A sul. O

sombreiro. Lisboa: Dom Quixote, 2011

PEPTELA (Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos). A sul. O sombreiro.

Lisboa: Dom Quixote, 2011

Rostov- Luanda 1997

"Um filme do diretor mauritano Abderrahmane

Sissako, que a partir de um dispositivo muito

simples, mostra um pouco da complexa realidade

étnica e cultural angolana, num road movie que

vai da capital angolana até ao Lubango, no sul do

país."- José Eduardo Agualusa.


MAIO 2020

13

Conselho Editorial

Ana Luísa Reis Maciel, graduanda em História pela

Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

anahluisa28@gmail.com

Gabriella Figueiredo do Carmo Moreira, graduanda

em História pela Pontifícia Universidade Católica

de Minas Gerais

gfcmoreira5@gmail.com

Mauro Francisco Gonçalves Júnior, graduando em

História pela Pontifícia Universidade Católica de

Minas Gerais

maurofrancisco354@gmail.com

Millena de Pádua Rates, graduanda em História

pela Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais.

millenarates@gmail.com



MAIO 2020

Nº1

ANO 1

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