Homicídio praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio
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29 de Agosto de 2019
Homicídio praticado por milícia privada, sob o pretexto de
prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio
A Lei nº 12.720, de 27 de setembro de 2012, acrescentou o § 6º ao art. 121
do Código Penal, prevendo mais uma causa especial de aumento de pena,
dizendo, verbis:
§ 6º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for
praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de
segurança, ou por grupo de extermínio.
Definir, com precisão, o conceito de milícia, não é tarefa fácil.
Historicamente, voltando à época do Império, os portugueses entendiam
como “milícia” as chamadas tropas de segunda linha, que exerciam uma
reserva auxiliar ao Exército, considerado como de primeira linha. Como a
policia militar, durante muito tempo, foi considerada como uma reserva do
Exército, passou, em virtude disso, ser considerada como milícia.
No meio forense, não era incomum atribuir-se a denominação “milícia”
quando se queria fazer referência à Policia Militar. Assim, por exemplo,
quando, na peça inicial de acusação ou da lavratura do auto de prisão em
flagrante, ou mesmo em qualquer manifestação escrita nos autos, era
comum referir-se aos policiais militares, que efetuaram a prisão,
como“milicianos”.
Infelizmente, nos dias de hoje, já não se pode mais utilizar essa
denominação sem que, com ela, venha uma forte carga pejorativa. Existe,
na verdade, uma dificuldade na tradução do termo “milícia”. Essa
dificuldade foi externada, inclusive, no Relatório Final da Comissão
Parlamentar de Inquérito (Resolução nº 433/2008), da Assembléia
Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, presidida pelo Deputado Marcelo
Freixo, destinada a investigar a ação dessas novas “milícias”, no âmbito
daquele Estado.
Tal dificuldade de conceituação pode ser vislumbrada já no início do
referido Relatório (página 34), quando diz que:
“Desde que grupos de agentes do Estado, utilizando-se de métodos
violentos passaram a dominar comunidades inteiras nas regiões mais
carentes do município do Rio, exercendo à margem da Lei o papel de
polícia e juiz, o conceito de milícia consagrado nos dicionários foi superado.
A expressão milícias se incorporou ao vocabulário da segurança pública no
Estado do Rio e começou a ser usada freqüentemente por órgãos de
imprensa quando as mesmas tiveram vertiginoso aumento, a partir de
2004. Ficou ainda mais consolidado após os atentados ocorridos no final de
dezembro de 2006, tidos como uma ação de represália de facções de
narcotraficantes à propagação de milícias na cidade.
Embora de difícil tradução, mas para efeitos de aplicação da causa especial
de aumento de pena prevista no § 6º do art. 121 do Código Penal, podemos,
inicialmente, subdividir as milícias em públicas, isto é, pertencentes,
oficialmente, ao Poder Público, e privadas, vale dizer, criadas às margens
do aludido Poder.
Dessa forma, as milícias podem ser consideradas, ainda, militares ou
paramilitares. Militaressão as forças policiais pertencentes à Administração
Pública, que envolvem não somente as Forças Armadas (Exército, Marinha
e Aeronáutica), como também às forças policiais (policia militar), que
tenham uma função específica, determinada legalmente pelas autoridades
competentes. Paramilitares são associações não oficiais, cujos membros
atuam ilegalmente, com o emprego de armas, com estrutura semelhante à
militar. Essas forças paramilitares se utilizam das técnicas e táticas policiais
oficiais por elas conhecidas, a fim de executarem seus objetivos
anteriormente planejados. Não é raro ocorrer e, na verdade, acontece com
freqüência, que pessoas pertencentes a grupos paramilitares também façam
parte das forças militares oficiais do Estado, a exemplo de policiais
militares, bombeiros, agentes penitenciários, policiais civis e federais.
As milícias consideradas como criminosas, ou seja, que se encontram à
margem da lei, eram, inicialmente, formadas por policiais, ex-policiais e
também por civis (entendidos aqui aqueles que nunca fizeram parte de
qualquer força policial).
Suas atividades, no começo, cingiam-se à proteção de comerciantes e
moradores de uma determinada região da cidade. Para tanto, cobravam
pequenos valores individuais, que serviam como renumeração aos serviços
de segurança por elas prestados. Como as milícias eram armadas, havia,
normalmente, o confronto com traficantes, que eram expulsos dos locais
ocupados, como também os pequenos criminosos (normalmente pessoas
que costumavam praticar crimes contra o patrimônio).
A diferença fundamental, naquela oportunidade, entre a milícia e as forças
policiais do Estado era que os milicianos não somente expulsavam os
traficantes de drogas, por exemplo, mas também se mantinham no local,
ocupando os espaços por eles anteriormente dominados, ao contrário do
que ocorria com as forças policiais que, após algum confronto com
criminosos da região, saiam aquela região, permitindo que a situação
voltasse ao status quo, ou seja, retornava ao domínio do grupo criminoso
que ali imperava. Atualmente, com a implementação na Unidades de
Policia Pacificadora (UPP), como vem acontecendo na cidade do Rio de
Janeiro, a policia vem ocupando os espaços que, antes, ficavam sob a
custodia ilegal dos traficantes de drogas, que as mantinham sob o regime
de terror.
Essa situação original da milícia a identificava como um grupo organizado,
não formalizado, ou seja, sem a regular constituição de empresa, voltado à
prestação de serviço de segurança em determinada região. Quando havia
empresa constituída, esta era puramente de fachada, ou seja, utilizada para
dar uma aparência de legalidade aos serviços de segurança prestados que,
na verdade, eram impostos, mediante violência e ameaça, à população.
Nesses locais é que se costumava ocorrer o chamado “bico” por parte dos
integrantes das forças policiais. O “bico” diz respeito a atividade
remunerada do policial, quando deixa seu turno de serviço, que é proibido
em grande parte dos Estados da federação, e tolerado em outros,
permitindo que o policial consiga auferir um ganho alem do seu soldo ou
vencimentos, auxiliando nas suas despesas pessoais.
Normalmente, as milícias exercem uma vigilância da comunidade, através
de pessoas armadas que se revezam em turnos, impendindo, assim, a ação
de outros grupos criminosos.
Com o passar do tempo, os membros integrantes das milícias despertaram
para o fato de que, além do serviço de segurança, podiam também auferir
lucros com outros serviços, por eles monopolizados, como aconteceu com
os transportes realizados pelas “vans” e motocicletas, com o fornecimento
de gás, TV à cabo (vulgarmente conhecido como “gatonet”), fornecimento
ilegal de água, luz etc.
Passaram, outrossim, a exigir que os moradores de uma determinada
região somente adquirem seus produtos e serviços, através da imposição do
regime de terror. A violência, inicialmente voltada contra os traficantes e
outros criminosos, passou a ser dirigida também contra a população em
geral, que se via compelida a aceitar o comando da milícia e suas
determinações. Para elas não havia concorrência, ou seja, ninguém, além
dos integrantes da milícia, podia explorar os serviços ou mesmo o comércio
de bens por eles monopolizado. Em caso de desobediência, eram julgados e
imediatamente executados, sofrendo em seus corpos a punição
determinada pela milícia (normalmente lesões corporais ou mesmo a
morte).
O § 6º do art. 121 do Código Penal, diz que a pena é aumentada de 1/3 (um
terço) até a metade se o crime for praticado por milícia privada, sob o
pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de extermínio.
Ao se referir à milícia privada está dizendo respeito àquela de natureza
paramilitar, isto é, a uma organização não estatal, que atua ilegalmente,
mediante o emprego da força, com a utilização de armas, impondo seu
regime de terror em uma determinada localidade.
Podemos tomar como parâmetro, para efeitos de definição de milícia
privada, as lições do sociólogo Ignácio Cano, citado no Relatório Final da
Comissão Parlamentar de Inquérito da Assembléia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro (pág. 36), quando aponta as seguintes características que lhe
são peculiares:
1. Controle de um território e da população que nele habita por parte de um
grupo armado irregular;
2. O caráter coativo desse controle;
3. O ânimo de lucro individual como motivação central;
4. Um discurso de legitimação referido à proteção dos moradores e à
instauração de uma ordem;
5. A participação ativa e reconhecida dos agentes do Estado.
Se o homicídio, portanto, for praticado por algum membro integrante de
milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, a pena
deverá ser especialmente aumentada de 1/3 (um terço) até a metade.
Assim, por exemplo, imagine-se a hipótese em que um integrante da
milícia, agindo de acordo com a ordem emanada do grupo, mate alguém
porque se atribuía à vitima a prática freqüente de crimes contra o
patrimônio naquela região, ou mesmo que a milícia determine a morte de
um traficante que, anteriormente, ocupava o local no qual levava a efeito o
tráfico ilícito de drogas. As mortes, portanto, são produzidas sob o falso
argumento de estar se levando a efeito a segurança do local, com a
eliminação de criminosos.
Nesses casos, todos aqueles que compõem a milícia deverão responder pelo
delito de homicídio, com a pena especialmente agravada, uma vez que os
seus integrantes atuam em concurso de pessoas, e a execução do crime
praticada por um deles é considerada como uma simples divisão de tarefas,
de acordo com a teoria do domínio funcional sobre o fato.
A Lei nº 12.720, de 27 de setembro de 2012 criou, ainda, o delito de
constituição de milícia privada, inserindo o art. 288-A no Código Penal,
dizendo, textualmente:
Art. 288-A Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização
paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de
praticar qualquer dos crimes previstos neste Código:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos.”
Embora não faça parte de uma milícia, com as características acima
apontadas, poderá ocorrer que o homicídio tenha sido praticado por
alguém pertencente a um grupo de extermínio, ou seja, um grupo, via de
regra, de“justiceiros”, que procura eliminar aqueles que, segundo seus
conceitos, por algum motivo, merecem morrer. Podem ser contratados para
a empreitada de morte, ou podem cometer, gratuitamente, os crimes de
homicídio de acordo com a“filosofia”do grupo criminoso, que escolhe suas
vitimas para que seja realizada uma “limpeza social”.
Conforme esclarecimentos do Deputado Federal Nilmário Miranda,
Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal:
“a ação dos grupos de extermínio consiste numa das principais fontes de
violação dos direitos humanos e de ameaça ao Estado de direito no país.
Essas quadrilhas agem normalmente nas periferias dos grandes centros
urbanos e têm seus correspondentes nos jagunços do interior. Usam
estratégia de ocultar os corpos de suas vítimas para se furtar à ação da
justiça, sendo que os mais ousados chegam a exibir publicamente sua
crueldade. Surgem como decorrência da perda de credibilidade nas
instituições da justiça e de segurança pública e da certeza da impunidade,
resultante da incapacidade de organismos competentes em resolver o
problema. Os embriões dos grupos de extermínio nascem quando
comerciantes e outros empresários recrutam matadores de aluguel,
freqüentemente policiais militares e civis, para o que chamam "limpar" o
"seu bairro" ou "sua cidade"[1].
Gerson Santana Arrais, discordando da possibilidade de se considerar
grupo de extermínio as mortes ocorridas “gratuitamente”, e amparado na
definição apontada pelo ilustre Deputado mineiro, assevera que:
“as principais características dos grupos de extermínio são a matança de
pessoas, após aqueles serem recrutados ou contratados por pessoas do
comércio e outras empresas. Claramente, por óbvio, que esses
exterminadores não fazem esse "serviço sujo" sem ônus, não o fazem "de
graça". Certamente são pagos pelos contratantes – os maiores interessados.
Assim, são profissionais do crime que não possuem, em primeiro plano,
uma relação de desafeto com as vítimas do extermínio.
De tudo isso, não podemos nos furtar em concluir com clareza e
inquestionável lógica, que esses exterminadores, ao silenciar as suas
vítimas, não estão animados por nenhum motivo de ordem pessoal em
relação a elas (frieza e torpeza); são profissionais (recebem pelo que fazem,
então alguém os paga); por serem frios e receberem por esse vil mister,
agem com futilidade em relação à causa de agir; pelo profissionalismo e
destreza que animam os seus perfis (bons atiradores, frios, experientes,
treinados, profissionais, normalmente em bando), estão em grande
condição de superioridade em relação à vítima ou às vítimas, as quais, na
maioria das vezes, não têm possibilidade ou oportunidade de defesa[2].
O conceito, no entanto, ainda não se encontra completamente esclarecido,
como dissemos no tópico 19.1, do volume 2 do nosso Curso de Direito
Penal, parte especial, Ed. Impetus, correspondente aos destaques do crime
de homicídio, para onde remetemos o leitor, a fim de não sermos
repetitivos.
[1]Apud ARRAIS, Gerson Santana. Homicídio simples praticado a partir de
atividade de extermínio considerado como hediondo.
inhttp://jus.com.br/revista/texto/14711/homicidio-simplespraticadoapartir-de-atividade-de-exterminio-considerado-comohediondo#ixzz27t0tXHHg.
Acessado em 29 de setembro de 2012.
[2]ARRAIS, Gerson Santana. Homicídio simples praticado a partir de
atividade de extermínio considerado como hediondo.
inhttp://jus.com.br/revista/texto/14711/homicidio-simples-
praticadoapartir-de-atividade-de-exterminio-considerado-comohediondo#ixzz27t0tXHHg.
Acessado em 29 de setembro de 2012
Disponível em: https://rogeriogreco.jusbrasil.com.br/artigos/121819871/homicidio-praticado-pormilicia-privada-sob-o-pretexto-de-prestacao-de-servico-de-seguranca-ou-por-grupo-de-exterminio