Raiz de MarÉ Saberes, flores e frutos do mar
Com o intuito de ampliar vozes e compreensões de mundo, a artista visual Mariana Cabral dá início a uma série de fotografias documentais e autorais em que a vivência, a escuta sensível e a oralidade se constituem como pilares de pesquisa. O trabalho fotográfico documental também é narrativo, pois revela e potencializa contextos e escolhas culturais, sociais e políticas que permeiam trajetórias de vida e de espaços historicamente invisibilizados. Em Saberes, flores e frutos do mar, primeira publicação da série, buscamos contar as histórias de cinco mulheres - mães, marisqueiras de tradição, mestras e lideranças em suas comunidades. Cada mulher move o mundo em sua volta. Seus corpos revelam histórias pessoais e trazem marcas de um trabalho que exige esforço e acarreta riscos. Mas também são testemunho de amor e de dedicação a um lugar que as sustenta e permite a necessária autonomia financeira para seguirem resistindo e desafiando a violência pessoal e dos empreendimentos que avançam sobre o mar e o mangue, sobre seus legados e seu território. O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.)
Com o intuito de ampliar vozes e compreensões de mundo, a artista visual Mariana Cabral dá início a uma série de fotografias documentais e autorais em que a vivência, a escuta sensível e a oralidade se constituem como pilares de pesquisa.
O trabalho fotográfico documental também é narrativo, pois revela e potencializa contextos e escolhas culturais, sociais e políticas que permeiam trajetórias de vida e de espaços historicamente invisibilizados.
Em Saberes, flores e frutos do mar, primeira publicação da série, buscamos contar as histórias de cinco mulheres - mães, marisqueiras de tradição, mestras e lideranças em suas comunidades.
Cada mulher move o mundo em sua volta. Seus corpos revelam histórias pessoais e trazem marcas de um trabalho que exige esforço e acarreta riscos. Mas também são testemunho de amor e de dedicação a um lugar que as sustenta e permite a necessária autonomia financeira para seguirem resistindo e desafiando a violência pessoal e dos empreendimentos que avançam sobre o mar e o mangue, sobre seus legados e seu território.
O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.)
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O projeto tem apoio financeiro do Estado da Bahia através
da Secretaria de Cultura e da Fundação Cultural do Estado
da Bahia (Programa Aldir Blanc Bahia) via Lei Aldir Blanc,
direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério
do Turismo, Governo Federal.)
raiz
de
marÉ
Saberes, flores e frutos do mar
MARIANA CABRAL
Raiz de MarÉ
Com o intuito de ampliar vozes e compreensões
de mundo, a artista visual Mariana Cabral dá
início a uma série de fotografias documentais
e autorais em que a vivência, a escuta sensível e a
oralidade se constituem como pilares de pesquisa.
O trabalho fotográfico documental também
é narrativo, pois revela e potencializa contextos
e escolhas culturais, sociais e políticas que
permeiam trajetórias de vida e de espaços
historicamente invisibilizados.
Em Saberes, flores e frutos do mar, primeira
publicação da série, buscamos contar as
histórias de cinco mulheres - mães, marisqueiras
de tradição, mestras e lideranças em suas
comunidades.
Cada mulher move o mundo em sua volta.
Seus corpos revelam histórias pessoais e trazem
marcas de um trabalho que exige esforço e
acarreta riscos. Mas também são testemunho
de amor e de dedicação a um lugar que as
sustenta e permite a necessária autonomia
financeira para seguirem resistindo e desafiando
a violência pessoal e dos empreendimentos que
avançam sobre o mar e o mangue, sobre seus
legados e seu território.
Mulheres que nos inspiram na luta e na resiliência,
como a àgua desviando da pedra, usando as
palavras da líder comunitária Dulciene Costa.
As fotografias e entrevistas foram realizadas
em março de 2021, durante a pandemia da
COVID-19. Para tanto, nossa vivência teve que
ser cuidadosa, seguindo as normas de segurança
e saúde recomendadas pela Organização Mundial
de Saúde.
À minha mãe, minha irmã e minha filha.
“Liberdade caça jeito”
Saberes, flores e frutos do mar é um
fotolivro sobre cinco mulheres. Em
comum, encontram na arte da pesca e
da mariscagem o sentido do seu trabalho,
o sustento de suas famílias, a relação
com a natureza e a força pessoal e
comunitária que precisam para ter seus
direitos preservados.
Mulheres que vivem e trabalham em
comunidades da região de Ilhéus, no sul
do estado da Bahia, Brasil.
Rita e Angelina pescam na Comunidade
Lagoa do Mabaço, às margens do
Rio Maré, no município de Una. Ali as
mulheres encontram apoio e amizade na
Comunidade Indígena Zabelê. No bairro
São Miguel, em Ilhéus, conhecemos mais
três marisqueiras, Dulciene, Eduarda e
Raimunda.
Fortes, mestras em seus fazeres, na
maioria das vezes passados por suas
mães e avós, esperam do futuro ter
saúde e ver o mangue preservado – lugar
de trabalho árduo, mas também de
amizade e de alegria. Quando se referem
ao ‘meu manguezinho’ ou ao ‘meu siri’,
é com respeito e amor pelos frutos que o
mar, os rios e os mangues lhes oferecem,
e pela natureza da região onde vêem
crescer seus filhos e netos.
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A região é cercada por enormes
manguezais, com vários trechos de
água doce em direção ao mar. Apesar
das especulações e da pressão para a
construção de grandes hotéis e resorts –
em alguns os empreendimentos são bem
sucedidos e avançam sobre a paisagem,
a região ainda é bastante preservada
pelas comunidades, em luta constante por
ações ambientais protetivas dos mangues
e das atividades pesqueiras.
As mulheres retratadas demonstram
muito conhecimento das práticas de
manejo e dos cuidados necessários
às atividades da mariscagem e da
pesca, como a proteção às fêmeas dos
animais. . Mas apontam as dificuldades
de conscientizarem mais pessoas,
apontando o desaparecimento do
sururu como consequência da falta de
cuidado adequado na cata. A lambreta,
outro marisco que era muito presente
na região, está em extinção, pois há
quem use a enxada para retirar grandes
quantidades de uma só vez. A forma
incorreta mata muitos bichos e deixa
buracos na lama, tornando-a mais
instável e fazendo com que as mulheres
tenham que rastejar “feito cobra” no
mangue.
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Nossa passagem pelo local coincidiu
com a época de reprodução dos
caranguejos, fenômeno conhecido
como andada. Nesse período,
as marisqueiras evitam a cata e,
quando retiram os animais, fazem
somente para consumo próprio
e não para venda. Elas dizem que
mesmo a pesca do aratu, principal
atividade hoje em dia, é dificultada
porque os bichos ficam muito escondidos.
Então as marisqueiras esperam, porque
a paciência é a senhora delas, e o tempo
da natureza é sempre respeitado pelas
trabalhadoras.
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As fotografias e as entrevistas foram
feitas em março de 2021. Durante
o processo de produção, as notícias sobre
o risco de desaparecimento do bairro
de São Miguel ganharam mais destaque
na imprensa. As consequências ambientais
relacionadas à construção do Porto do
Malhado, inaugurado em 1971, alteraram
significativamente a dinâmica do litoral
ilheense e, com as novas obras para
viabilizar a ampliação de operações
portuárias na região, como a construção
em curso da Ferrovia de Integração
Oeste – Leste, a população volta a se
perguntar sobre o futuro de uma das
regiões mais biodiversas do litoral brasileiro.
As mulheres percebem que, ao longo
dos anos, a corrente marítima vem
mudando. Duas ruas do bairro
já desapareceram com a maré cada vez
mais forte. O Rio Almada, no passado
estreito e profundo, hoje é largo e raso
pelo assoreamento. Antes a água doce
corria para o mar, hoje é a água salgada
que entra, alterando toda a dinâmica dos
rios e mangues. Com isso, a pesca que já
foi muito forte em São Miguel, tanto no
rio como no mar, tem afastado homens e
mulheres que buscam outras alternativas
de trabalho e renda.
Para a pesca de calão, que é feita
na costa da praia com o uso de grandes
redes, era preciso a força de vários
homens. As mulheres lembram como
havia muito camarão pistola, siri de
água doce, robalo, turimã. O local era
diferente, com uma orla bonita e grande,
com muitos coqueiros e cajueiros que a
maré engoliu.
Há outros problemas no bairro
São Miguel, como a desvalorização
econômica do peixe, pois a antiga
colônia de pescadores, elo importante
da cadeia que ligava quem produz
e quem compra o que é produzido,
mudou-se do local e fragilizou as
relações que orientam preços de venda
que compensem o trabalho. Aos poucos,
a Associação de Pescadores e
Marisqueiras do bairro São Miguel,
criada em 2006 com muita luta, está
unindo e fortalecendo trabalhadoras e
trabalhadores, trazendo equipamentos
para beneficiar produtos, oferecendo
cursos e garantindo a aplicação
de normas sanitárias que gerem
competitividade em um mercado que
tende cada vez mais a desvalorizar
o trabalho artesanal das atividades
pesqueiras.
Apesar de viverem em locais e realidades
diferentes, Angelina, Dulciene, Eduarda,
Raimunda e Rita têm muitas coisas
em comum: o trabalho arriscado,
as dores e doenças, as ameaças à pesca
e à mariscagem, a preocupação
e o cuidado com o meio ambiente
e com as futuras gerações, e um imenso
amor pela natureza.
Rio Maré. Una, BA.
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“Só Deus sabe a vida que
eu passo, mas se tô trabalhando
no mangue eu tô feliz.”
Angelina dos Santos
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“Eu sou Angelina, conhecida por Geli.
Marisqueira desde os 19 anos, venho
vivendo disso. Sou mãe de 11 filhos,
aliás 13 filhos, vivos tenho 11. Todos eles
foram criados com marisco. O enxoval
do meu mais velho foi comprado com
dinheiro do marisco.”
Para Angelina, a pesca e a mariscagem
são paixões eternas, e enquanto tiver
força e saúde, ela diz que vai trabalhar
nesse ofício. Mas a vida por vezes foi
muito sofrida. Uma queda de uma ponte
aos 8 anos de idade, indo junto com os
irmãos atrás da mãe que havia saído
para pescar, trouxe problemas de coluna
que só foram sentidos quando ela iniciou
o trabalho. Aos 12 anos, Geli começou a
colher piaçava para vender, mas o novo
risco de cair das árvores para cortar as
talas não compensou. Ela então acabou
se envolvendo com a cata no mangue,
atividade que já existia na comunidade.
“Eu comecei a pescar praticamente no
meio do pessoal entendeu? O pessoal
vinha, pescava, aí eu tava olhando...
eu via como é que eles pegavam,
aí eu também fiz a tentativa e consegui.”
Trabalhava mesmo com a barriga
já grande esperando os filhos, e uma
vez, grávida de sete meses, acabou
caindo de cima de uma gaiteira. Estava
em um galho baixo e a queda não
trouxe consequências graves, mas o
contato permanente com a lama sim.
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“A lama, ela entranha no nosso corpo,
quando eu tive essa menina especial,
ela é cheia de manchinha branca, foi
a lama do mangue, o calor da lama do
mangue, (...) porque eu tirava lambreta,
e no riacho a lama vinha na cintura, pra
tirar lambreta na lama a gente tirava
com facão, vai enfiando o facão e vai
tirando...cê vê o olhinho d’água... cê enfia
o facão ela tá embaixo, a gente tinha
que tirar no braço, entendeu?”
Depois de quase parir no mangue,
os médicos acabaram retirando muita
água escura da cor da lama de dentro
da placenta. “O médico me disse: que
tipo de serviço você faz? Eu disse: eu
trabalho no mangue, sou marisqueira,
ai ele disse: oh, cê tem que evitar da
lama chegar até acima do seu joelho,
porque você está com um problema
no útero.” Nessa época catava muita
lambreta, além de ostra, caranguejo
e guaiamum. Para isso, locomovia-se
no mangue com lama até a cintura.
No seu auge, pegava até 30 cordas de
caranguejo, ou seja, 150 bichos.
“As pessoas falam que é difícil mas é
muito fácil pegar, só tem que ser esperto
ao enfiar a mão na lama, e pesquisar
na sua mente, sentir onde estão boca
e pernas do bicho, e assim não ser
surpreendido com uma mordida, que dói
muito”. Se acontecer, o jeito é esperar
a boa vontade do marisco em soltar.
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Assim como aprendeu a mariscar vendo
e acompanhando os demais, ela também
aprendeu a trançar cipó e fazer cestaria
com seu compadre: “Eu me botei a fazer
tudo porque assim, o marisco tá fraco,
o movimento tá fraco, a maré mesmo,
a que vem aí agora vai ficar ruim de
pescar aratu. Até o caranguejo mesmo
fica ruim pra gente poder pegar, porque
o mangue fica muito seco, a lama fica
chupada, sequinha... Nesse intervalo a
gente já faz outra coisa pra sobreviver.
Aí a gente já bota uma roça, um filho fala
assim: ‘mãe, a senhora não sabe fazer
um cesto não?’ Um cesto assim como?
‘Um cesto de lixo...’ Eu não sei fazer mas
eu vou me botar e fazer... porque tem
artesanato que eu não sei fazer, mas
se você dizer assim, ‘Geli, eu quero um
artesanato desse tipo assim’, eu faço,
entendeu? Eu faço. Então já hoje eu
ganho um dinheirinho através da minha
experiência...”
“Eu não tô mais pescando diretamente
por causa dos problemas, que é desvio
da coluna, reumatismo nos dois ombros,
no pulso, que eu até lavando roupa
a mão incha. (...) Estou pescando mais
de encomenda, e estou trabalhando
com artesanato também.”
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De feições indígenas daquela região,
Geli nos conta sobre sua origem:
“Eu não sei bem essa história assim
de índio, que a minha descendência
mesmo é de cabocla, mas aí a minha
madrinha disse: ‘não, minha filha, esse
negócio de caboclo e índio é tudo uma
descendência só...’ Aí foi que eu vim
cair na real, conversei com a cacique,
ela disse: ‘não, você é Tupinambá’.
Porque meu pai é da Serra das Trempe,
são Tupinambá, a minha mãe já é de
Palmares, de outra tribo de Minas
Gerais. Minha mãe era uma índia
bem pequeninha. E o meu pai se foi
naquela matança dos fazendeiros com
os índios. Meu pai saiu corrido, foi
viajando, saiu pro mundo afora…”
No seu quintal, a mulher de 42 anos
planta bananas, pepino, aipim, abóbora,
quiabo, e tem planos de construir uma
horta maior, comprar uma casa própria.
Vive na aldeia indígena Itapuã com
filhos, netos e noras.
“O dia que eu saio pra
pescar, que não pego
nada, eu agradeço a
Deus por isso. A gente
tem que respeitar a
natureza, eu te respeito,
respeito qualquer
outro. A gente tem que
aprender isso.”
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Comunidade Indígena Itapuã. Ilhéus/Olivença, BA.
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“Eu não estou mais
pra abuso de homem.
Sou livre
e desimpedida.”
Maria Rita dos Santos
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Quando a maré está cheia e a pesca
de aratu fica ruim de dia, Rita vai pescar
à noite. No mangue, os olhos da
marisqueira encontram rapidamente
os bichos. São mais de 30 anos vivendo
da mariscagem. Caranguejo hoje ela
só cata para consumo próprio. De tanto
se abaixar na lama, enfiar os braços para
alcançar o bicho, jogar o animal no balde
e carregar o peso, a coluna da mulher
não suporta mais. “Eu pego só eu e Deus,
ai pra mim tá bom, ajudo minha filha,
meu neto, e aí vou levando a vida assim
devagarzinho.”
Rita aprendeu em casa seu ofício de
marisqueira, aos 11 anos. “Meu tio, fui
pegando a prática com ele, e aí depois
foi minha mãe. Eu pego de tudo, ostra,
o que me encomendam eu vou e pego.
À noite a turma vai pescar de rede, eu
vou também.”
Diferente do caranguejo, o aratu
é encontrado na superfície da lama.
O ofício de marisqueira tem relação
direta com a preservação do mangue.
E Rita compreende isso muito bem.
Conhece o ritmo da natureza, os tempos
da lua e das marés, sabe a importância
de proteger as fêmeas e não deixar redes
que prendam os animais à toa. Sabe que
os animais são atraídos por um assobio
no tom e volume certos, que ela produz.
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“O aratu é mais pra turista na beira de
praia comer. Eles fazem a porção de
casquinha do aratu... Olha lá um grandão
subindo lá no pau lá! Assim a noite que a
gente pega, quando a maré tá cheia, com
a lanterna lá assim a gente pega, enxergo
fácil. À noite eles sobem e a gente pega na
gaiteira, mas quando é de lua clara eles
sobem muito e a gente não pega nada.
Quando tá a lua escura ai é mais fácil.”
“Quando tem repelente, passa repelente,
quando não tem, passa óleo diesel mesmo,
por causa dos mosquitinhos que tão
mordendo...aí senta, fica quieta, a hora que
os aratus saem a gente joga a linha com
aquela almofadinha (um bicho parecido
com o caranguejo e o aratu, porém menor,
usado como isca), joga lá, eles vêm e
grudam, a gente vai e joga no balde. Não
uso redinha não. A turma usa, mas eu não.
A turma vem, deixa a redinha, aí quando
eu passo e vejo caranguejinho grudado eu
solto ele. E tem gente que pega a fêmea, aí
eu falo assim: ‘vocês vêm hoje e pegam a
fêmea aí amanhã não tem nem pra vocês
mesmos que precisam.”
O esforço para pegar aratu é menor, já que
é feito com vara de pescar. Mas o bicho
é bem mais esperto que o caranguejo.
E para se fazer 1 quilo pronto para venda
é necessário juntar cerca de 150 animais.
Depois de pescado, vem o preparo: se
cozinha o aratu e se separa as partes boas,
as pernas e o filé. Apenas esse produto final,
chamado catado, é vendido.
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O resto vira adubo pra terra. O preço
do aratu é baixo para o trabalho,
“e tem gente que reclama”. O quilo
costuma sair por 30 reais e às vezes
se passa até 3 dias no mangue para
conseguir essa quantidade. Mas
quando tá bom de pesca pode ser que
em um dia se consiga até 3 quilos.
A pesca é instável como é a lama.
Rita conseguiu juntar dinheiro para
comprar um pequeno barco, e às vezes
sai à noite com uma turma para pescar.
Por um tempo trabalhou com serviços
domésticos, mas de longe prefere o seu
“manguezinho”. “Aqui eu trabalho pra
mim mesma, paro o dia que eu quero,
não trabalho pros outros não, que tem
que ir todo dia, todo santo dia, quando
a gente adoece ainda acham ruim.
Eu aqui às vezes passo uma semana,
quando eu tô doente...que eu tenho
problema de falta de ar, aí quando tá
atacada nem no mangue eu vou, tenho
que ficar só tomando remédio em casa.
Aí depois quando eu melhoro eu vou.”
Rita conhece bem todos os cantos
da região da Lagoa do Mabaço e
explica como acontece o período
chamado de andado, época em que
os animais caminham pelo mangue
para acasalarem.
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“Todo ano tem esse andado.
São quatro andados, já teve a
primeira, agora a segunda, ai tem
a terceira e a quarta...a última é
só as caranguejas fêmeas que é só
pra desovar...quatro vezes no ano...
começou hoje a andar...esse mês que
passou já andou, agora esse mês,
agora o próximo outro mês vem de
novo. Essa época agora eu não pego.
Tá na defesa (defeso), que não pode
pegar o caranguejo de andada.
Ele fica só andando assim, não fica
só no buraco... eles estão pra produzir
com as fêmeas, estão acasalando.
Pra comer, assim, pode pegar. Mas
pra poder passar pro revendedor
não pode.”
Rita é Tupinambá. Nunca morou em
aldeia mas viveu muito no meio do
mato com os parentes. De vez em
quando ela dorme embarracada – finca
uns paus no chão e joga um plástico
por cima – no mangue para poder
mariscar. Vai sozinha e diz não ter
medo. Cobra, o bicho com que Rita
não se dá, nem aparece, e se dorme
um sono muito de boa, como ela diz.
Cobra aparece é no mangue quando
a maré está baixa. Quando acontece,
Rita conversa com ela, e cada uma fica
no seu canto, assim como outros bichos
que também aparecem para
se alimentar, como jupatis e ratos.
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O filho de Rita marisca raramente e a filha
não saiu como a mãe. Ela tem um neto
e faz tudo por eles, de carinho a ajuda
financeira, coisas que não teve. O pai de
seus dois filhos é um ex-companheiro que
Rita botou para correr porque cansou
“de levar porrada” do homem, alcoólatra.
Para ninguém passar fome, ela chegou
a ir pro mangue com bebê de colo, e
nunca guardou resguardo. Rita vê muita
mulher apanhando e se pergunta por que
elas continuam indo “atrás dos maridos”.
Hoje ela vive com um novo companheiro,
mas sua liberdade homem nenhum toma.
“Se tiver que sair para o mangue, para
visitar o meu pai, ou para qualquer
outro lugar, eu vou”.
Uma época teve uma doença que
matou muito caranguejo na região.
A marisqueira foi para Alcobaça com
alguns colegas para sobreviver. Nunca
souberam o que aconteceu, mas os bichos
reapareceram e ela voltou. Só não vai
para pesca em alto mar porque ninguém
a leva, pois medo não tem de nada.
A vida está muito boa do jeito que está,
e quando alguma dificuldade chega
sempre dá-se um jeito.
“Eu tenho fé em Deus,
em Deus eu tenho muita fé,
não sou religiosa não, mas eu
tenho fé de Deus mesmo…”
O plano agora é comprar uma moto para
driblar o custo da passagem para Una,
onde se faz tudo. “Compra uma motinha,
arruma umas coisas e vai embora... Eu
não tô mais pra abuso de homem não.
Sou livre e desimpedida.”
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Comunidade Indígena Zabelê. Una, BA.
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Rio Almada. Ilhéus, BA.
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“Se me botam
uma pedra no caminho,
eu trabalho feito água
para desviar dela.”
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Dulciene Costa
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Dulciene Costa, a Sica, é a presidente da
Associação de Pescadores e Marisqueiras
do bairro São Miguel, em Ilhéus.
A história de São Miguel começou com
pescadores, que foram os primeiros
habitantes do bairro. Depois chegaram
os turistas, as casas de veraneio, e o
lugar passou a ser muito movimentado.
Dulciene tem saudades desse tempo.
Quando criança, ela e os irmãos saíam
para vender espetinho de peixe frito
pela orla da praia. Voltavam rápido com
a bandeja vazia para a mãe preparar
mais. Em junho tinha a festa de São
Pedro, o padroeiro dos pescadores, e em
setembro a festa de São Miguel. Eram
vários dias de celebração e vinha gente
de muitos lugares.
Desde a criação do porto de Malhado
na década de 1970, o bairro foi
lentamente se modificando e hoje corre
o risco de desaparecer. Junto às
mudanças ambientais que as mulheres
sabem descrever bem, o bairro São
Miguel tinha uma colônia de pescadores,
fundada pelos pais e avós de Dulciene,
a Z34, que foi retirada de lá por um
ex-presidente e levada para outro local
por intenções políticas. A partir daí
a comunidade perdeu força, viu ser
desativada a escola e o bairro, antes
reconhecido, ficou esquecido no meio de
tantos problemas.
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“Antes da criação desse porto a pesca
aqui era tão forte tanto no rio quanto
na praia. Era tanto peixe, tanto peso,
os pescadores tinham que fincar paus,
iam segurando e outras pessoas iam
tirando o peixe pra botar pra terra. O rio
era estreito e a água tinha mais força,
os camarões pistola vinham tudo pra
beira do rio. Porque tanto o camarão de
água doce quanto o pistola reproduzem
no mangue. A gente quando criança
arrumava umas redinhas ou até o
cortinado, juntava cada um numa ponta,
arredava e vinha peixe, camarão, tudo
vinha, muito robalo. Aqui perto tinha um
lugar que chamava Corcovado, não tem
mais. A minha mãe conta que era muito
robalo nesse lugar, turimã... aqui tudo
era bom.”
As mulheres reconhecem bem as
mudanças que aconteceram ao longo
dos anos, e têm muita consciência do
vínculo entre os problemas ambientais e
os grandes empreendimentos na região,
assim como sabem que a organização
comunitária é a resposta que podem dar
à própria sobrevivência e ao futuro
da região.
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“As empresas dizem que isso não
acontece, dizem que está fazendo
pesquisa, mas a gente não acredita,
a gente vê, a gente sente... (...) Esse é
o rio Almada, que tá morrendo... Antes
a boca da barra era bem estreitinha,
você falava de um lado com outro lado.
O volume de água do rio era muito
grande e os pescadores esperavam
a maré encher pra poder pescar, de
tão forte que era. Hoje não temos esse
volume de água. O siri de água doce não
desce, só quando tem muita chuva pra
ter muito volume de água. Não só eu,
mas o mundo todo observa, né? Antes
a água doce ia pro mar, hoje o mar vem
pra água doce. O banco de areia da
natureza foi embora... tudo isso acabou
com o rio Almada.”
Assim, como dizem, a associação não
era bem um sonho, mas se tornou uma
necessidade. “O pessoal do porto já
sabia que ia acontecer isso com essa
comunidade... e também porque aqui
não tinha grandes hotéis, não tinha
gente rica, só casas de palha, de barro...
eles passaram por cima que nem
trator... as casas maiores eram de gente
que não era da comunidade, vinham
só veranear, quem ficava aqui eram
só os pescadores... eles sabiam, um
engenheiro disse que aqui com
o tempo ia sumir.”
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A luta travada agora é para que o bairro
São Miguel não suma do mapa e, graças
à associação, a comunidade hoje tem voz
para ela. Tanta voz que tentam calá-la.
Mas Dulciene costuma dizer que vão ter
que aguentá-la. Ela é uma das responsáveis
pela criação da entidade. Conta que foram
muitas batalhas para conseguir sanar os
problemas jurídicos da colônia que ocupava
o imóvel e que isso gerou muitos entraves
para implantar a associação, equipá-la e
conseguir recursos para os projetos e sonhos.
“Se me botam uma pedra no caminho,
eu trabalho feito água pra desviar dela.
E aí onde a gente conseguiu, estamos
aqui de pé pra melhorar nossa vida
em comunidade, para os pescadores
também. Então hoje a gente tem direitos
que nunca teve.”
“Estamos com uma ação na justiça desde
2010. A gente entrou nessa luta pra ver
se a gente consegue que eles façam
um proteção pra que esse bairro, ele
não suma, não desapareça. (...) Nosso
endereço tá aqui, e hoje a comunidade é
reconhecida através da associação. Ela
foi criada pra melhorar a comunidade e
para os pescadores. A prefeitura e o poder
público não nos assistia, a gente tinha
uma escola aqui, foram e acabaram... a
gente entrou com a luta e conseguimos
reabrir, um posto de saúde a associação
trouxe pra comunidade. A gente não só
vê a associação, os pescadores, mas a
comunidade inteira.”
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Cerca de 30 mulheres, pescadoras
e marisqueiras, participam como
associadas, além dos homens que ficam
na pesca e, no inverno, costumam passar
até um mês em alto mar.
Dificilmente um pescador ou uma
marisqueira chega na idade de se
aposentar, aos 55 anos, gozando de boa
saúde. Além de dores na coluna, Dulciene
tem pressão alta e arritmia. Dependendo
do peixe que ela está trabalhando, o
cheiro a faz passar mal. Para as mulheres
que mariscam, a saúde é mais fragilizada
ainda, já que ao sentar na lama elas têm
contato com várias bactérias, o que causa
problemas ginecológicos.
Mesmo assim, há muita paixão pelo
trabalho. Gosta de todos os processos,
de pegar e tratar os peixes, o siri,
e depois comercializar. Passa
muito tempo também cuidando de
documentação, processos de previdência,
carteiras de pesca e projetos de melhorias
e de qualificação profissional.
Hoje, com 54 anos, não consegue sair
muito para a pesca e mariscagem.
E comercializar é uma coisa que ela
gosta e ainda faz muito bem, na sede
da associação e na feira de Itabuna,
todos os sábados. Mas a busca é pela
valorização do trabalho de quem pesca,
marisca e trata tudo. E sabe que para
isso é preciso diminuir o caminho do
produto até o consumidor final.
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O sonho da marisqueira é que as
mulheres ali na associação trabalhem
todas juntas e desenvolvam novos
produtos, como a linguiça de peixe que
elas aprenderam em um curso e estão
muito animadas para comercializar.
Dulciene só pede pra continuar tendo
saúde, porque o amor pelo trabalho e a
certeza de que a vida se constrói quando
se junta, é o que não lhe falta.
“É muito bom a pesca, quando ela é feita
em conjunto então... as artes de pesca
nossa é sempre de arrasto, então tem
que ter mais pessoas…”
“Hoje peixe quase não tem
mais valor nenhum. Só na
mão do atravessador...
A gente pode agregar valor
naquela mariscagem, no
peixe, é isso que a gente
quer. A gente ganhou um
edital e vamos construir
uma cozinha.”
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“Tem que gostar,
fazer com amor,
pois tudo que se faz
com prazer dá certo.”
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Maria Raimunda de Jesus
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Raimunda chegou em São Miguel em
1985, e é decidida a não sair mais de lá.
Criou todos os filhos naquele lugar que
ela tanto ama. Começou a mariscar ali
no bairro mesmo, vendo outras pessoas,
por curiosidade e por necessidade.
“Aprendi vendo, porque antes quando eu
morava em outro bairro eu não pescava,
aí via o pessoal fazer calão, sempre
gostei de buscar peixe pra tratar...
alimentar e também fazer os pacotinhos
e vender. A gente vai aprendendo,
e também a necessidade de ter nosso
dinheiro. Três filhos e seis netos...
então a gente tem que aprender.”
Antes de entrar para a Associação
dos Pescadores e Marisqueiras de São
Miguel, Raimunda não pagava
a previdência. Ela já vai completar
55 anos mas ainda faltam dois de
contribuição para que possa se
aposentar. Não está preocupada, pois
sabe como os anos passam rápido, e
mesmo depois ela pretende continuar
a pesca até quando a saúde permitir,
pois acha gostoso, desestressante, e
principalmente por conta da companhia
das amigas. “A gente diverte, brinca,
é maravilhoso, e nosso sustento
também, né?”
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Até Raimunda se tornar marisqueira,
ninguém na família trabalhava com
pesca. Mas ela começou cedo, antes
de chegar ao bairro São Miguel. E, como as
demais, aprendeu vendo e se arriscando
a tentar, num ofício em que todas
reconhecem que o conhecimento é
passado na experiência cotidiana de se
aprender fazendo.
“Já mariscava antes de 85, mariscava
ostra, e outros, e vendia de porta em
porta para as cabanas, restaurantes...
sempre foi assim. Tinha um colega meu,
um amigo, que pescava de mergulho,
as ostras de mergulho são bem
maiores...sururu também de mergulho,
tem mais do que no mangue...
fui aprendendo. Assim, não tem muito
que estudar não, se você tiver interesse,
você aprende, né Sica? Vai praticando...
Não vou dizer a você que sei tudo,
aquela que sabe mais vai ensinando,
né? Aquela que sabe menos vai olhando
e aprende se tiver interesse. Basta você
ter interesse, gostar primeiro [Dulciene,
ao lado, completa: ‘não fica difícil
quando se gosta’]. Sempre assim gente,
pra você fazer qualquer coisa, até varrer
na rua, você tem que gostar, fazer com
amor, prazer. Se você não gostar, nada
dá certo.”
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Hoje uma filha marisca e o neto, com
10 anos, gosta muito de sair para pescar.
Às vezes, à noite, procuram o menino
e lá está ele, no fundo de casa, pescando
siri no rio.
Em outros tempos, ia muito pro mangue,
um trabalho difícil e perigoso. Hoje
Raimunda vive com dores na coluna.
Já sofreu um AVC, tem pressão alta e não
pode muito com cheiro de certos peixes -
da lagosta nem se fala.
Raimunda é alegre, brincalhona
e carinhosa. A pandemia tem deixado
ela chateada, pois agora as mulheres
não podem se reunir na associação,
coisa que ela gosta tanto. A maioria
das marisqueiras e pescadoras são do
grupo de risco e por isso cada uma tem
trabalhado de sua própria casa. Mas a
reforma da cozinha comunitária a anima
e ela vê com muita positividade o uso
das tecnologias. Reconhece na amiga
Sica a preocupação com os jovens do
São Miguel.
“Sonho da gente é dar continuidade aos
nossos projetos, crescer, dar incentivo
para as meninas novas aí, né? Sica, o
sonho dela é ter uma sala aqui com
computador, com internet pra elas
estudarem, uma professora de inglês, de
espanhol, pra incentivar a elas a tomarem
gosto, mostrar que o trabalho é bom.”
“A gente aqui ajuda uma à
outra, com a internet a gente
faz as pesquisas. Hoje a
gente não faz se não quiser,
é o que te digo. A internet
é boa, se você saber usar
você pesquisa receita, vai
aprendendo e pronto!”
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“Fui criada para
respeitar a natureza,
ver gente jogando lixo no rio
é como dar
um tapa na minha cara.”
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Eduarda Rodrigues
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Eduarda é uma jovem marisqueira
de 28 anos que aprendeu o ofício com
a mãe e o avô. Desde os 12 saía para
pegar peixe, siri, depois tratar. Por um
tempo dedicou-se aos estudos, fazia
faculdade de nutrição, quando ficou
desempregada e resolveu voltar para
a pesca e mariscagem, da qual nunca
se afastou por completo, sempre
ajudando a mãe.
Com um olho no passado e outro no
futuro, ela reconhece o próprio caminho
como herança de um saber tradicional,
ao mesmo tempo que reflete sobre
o desaparecimento do bairro como
algo inevitável.
“Eu sou mais uma geração, a gente
faz isso, meus tios pescam porque
amam, a gente faz isso porque ama,
e é uma honra porque a gente tira
nosso sustento de uma forma honesta.
Estamos conseguindo manter esse
legado que vem desaparecendo cada
vez mais.”
Eduarda nasceu não apenas em uma
família de pescadores e marisqueiras,
como desde cedo compreendeu o que
acontecia à sua volta. Os problemas
ambientais, a luta das mulheres na
associação, a necessidade de cuidar
da mãe impossibilitada de trabalhar,
além da própria sobrevivência ao lado
da filhinha de 6 anos.
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“A gente é desse bairro, eu sou nascida
e criada aqui...no tempo de minha
mãe eram quatro ruas, depois da
construção do porto a maré invadiu e
tem invadido cada vez mais. Isso afetou
a pesca, o ecossistema em geral. Aqui
é uma nascente, é onde os peixes se
reproduzem, os mariscos. (...) A gente
ama a natureza, a gente faz parte da
natureza, somos só um. O poder público
não pensa na natureza, só pensam em
lucrar, isso é a realidade. Como é uma
realidade com o passar dos anos esse
bairro não existir mais.”
“Eu acho o mais bonito é nosso respeito
pela natureza. Gente jogando lixo no rio
é como se fosse dar um tapa na minha
cara. Eu fui criada para respeitar
a natureza. Acho que o mais lindo
de tudo é isso, a conexão, a consciência
de que somos um só. Nem todo mundo,
mas a gente tem respeito e é muito
triste ver, sentimo-nos impotentes...
mas estamos lutando por nossos
direitos…”
A jovem acompanha atenta os
fenômenos como vento e maré, as
estações do ano no trabalho de pesca
e mariscagem, e diz que é preciso
trabalhar com diversidade. Conta que
no verão, por exemplo, é uma época
que dá muito peixe na praia, além dos
mariscos, como siri, aratu. Já no inverno
fica difícil achar os bichos ali por perto.
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Então os homens vão para o alto mar
e se pega os peixes grandes como o
vermelho, o guaiúba, o olho de boi, que
são peixes encontrados nessa época.
“O mar e o rio são como na terra, com
as frutas e outros alimentos que dão
em determinadas épocas do ano.” Ela
também pensa em voltar aos estudos,
cursar biologia marinha, agricultura,
ou qualquer outra coisa que a propicie
tratar da natureza.
Além de perceber os fenômenos
mais próximos, Eduarda compreende
a ligação de tudo com a situação
planetária. Vê que o mar avança, as
chuvas são mais escassas, os peixes
não são mais fartos, e reconhece tanto
a perda do espaço de procriação da
vida marinha com a degradação do
mangue e a pesca predatória na região,
como as mudanças globais climáticas
que alcançam o pequeno bairro São
Miguel e contribuem com a mudança
dos ventos e das marés. Enxerga com
clareza os danos causados ao longo
dos anos pelos empreendimentos
portuários, as políticas de
favorecimento de negócios hoteleiros e
o descaso dos poderes públicos com as
comunidades pesqueiras artesanais.
Por causa de tudo isso, ela vê que
não há espaço para ficar parada,
é preciso seguir preservando o que
aprendeu de casa.
“É um valor de respeito que
a gente tem ali. A gente
cresce e aprende com nossos
pais. Com minha avó, com
meus tios. É algo que a gente
vê. A gente cresce vendo,
vai aprender e vai passar
também. Da mesma forma
que meus tios, a minha avó,
minha mãe me ensinou
quando eu era criança, hoje
eles pensam da mesma
forma ensinam os netos,
bisnetos, a minha filha...
e são os valores que eu já
ensino também.”
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Fotografia e Arte Gráfica
Mariana Cabral
Mulher, mãe e artista visual.
Graduada em Design Gráfico
pela Fundação Mineira
de Educação e Cultura/2009.
Atua como fotógrafa e nas
áreas de artes gráficas,
captação e edição de vídeo.
Desde 2015 dedica-se ao
registro etnográfico de culturas
tradicionais e originárias.
Textos
Aline Frazão
Jornalista pela PUC Minas, atua em
comunicação pública.
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Revisão
Marcela Bertelli
Antropóloga pela UFMG com
pós-graduação em Políticas
Culturais e Gestão Cultural pela
Universidad Autónoma do México.
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Produção
Naiara Gramacho
Graduada em arquitetura e urbanismo. Especialização em
Gestão Cultural. Formações diversas em teatro, cenografia,
iluminação, gravação e mixagem de som.
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Produção
Potyra Tê Tupinambá
Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Feira
de Santana, Bahia/ 2004. Experiência profissional em
gestão, coordenação de redes e assessoria jurídica.
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Assessoria de Comunicação
Tacila Mendes
Graduada em Comunicação
Social/Rádio e TV pela
Universidade Estadual de
Santa Cruz, onde também fez
especialização em Audiovisual e
em Gestão Cultural.
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Este livro foi produzido entre março e maio de 2021.
As fontes utilizadas foram Muli, desenhada por Vernon
Adams e Sagarana, desenhada por Emerson Eller.
Ilhéus, BA. Brasil
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