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Pontos de Vista

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PONTOS DE VISTA

grande reportagem

Terapias de Conversão em Portugal:

“Temos que transformar este fenómeno num

fenómeno existente, porque ele o é...”

Internacional

Covid-19: estará a Europa a caminho

de tornar a vacinação obrigatória?

A Áustria foi o primeiro país da Europa a decidir tornar obrigatória a vacinação contra a covid-19.

Política

grande entrevista

Hugo Sousa:

“Quando a minha filha

mostrar os meus vídeos

de stand up aos amigos

vai ficar com vergonha,

claro.”

Presidente da

república veta

lei da eutanásia

e pede

clarificações

dESPORTO

2022 na justiça

portuguesa:

os casos que vão

marcar o ano.

Max

verstappen é

campeão do

mundo de

fórmula 1

Perspetiva

o suplemento de

cutura


grande Reportagem

Terapias de

conversão

em Portugal

“Temos que transformar

este fenómeno num

fenómeno existente,

porque ele o é...”


Foto: Brielle French/Unsplash


Grande Reportagem

4

Práticas de

tortura

que oferecem a

“cura” para a

homossexualidade

Texto:

Maria Castro, Leonor Costa, Sara Fernandes Santos e Pedro Queirós

Reportagem

Segundo o Relatório do Especialista

Independente das

Nações Unidas (IESOGI), as

terapias de reorientação são

“intervenções de natureza

abrangente, que se baseiam na

ideia de que a orientação sexual

ou a identidade de género

de uma pessoa pode e deve

ser alterada”. É um termo que

abrange todo o tipo de práticas,

desde que o objetivo seja

transformar pessoas da comunidade

LGBTI em heterossexuais

e cisgéneras.

Sabemos, no entanto,

que as tentativas para alterar

a homossexualidade são uma

realidade histórica. Ao longo

da história foram utilizados

métodos médicos que incluíam

a remoção do útero, ou dos

ovários, a mutilação genital

feminina, a castração, a vasectomia

e há relatos até a nível

cirúrgico cerebral (lobotomia),

uma manipulação que secciona

vias frontais do cérbero, psicocirurgia

que era utilizada em

casos graves de esquizofrenia.

Também eram usados métodos

à base de fármacos, com tratamentos

hormonais ou antidepressivos

sexuais; bem como a

terapia de choque e a hipnose.

Hoje, algumas já não se

utilizam, mas continuam a ser

identificadas três metodologias

de terapia de conversão. Uma

delas é a psicoterapêutica, que

engloba terapia cognitiva-comportamental,

psicodinâmica e

interpessoal. Exemplo disso é

a terapia de aversão, que consiste

em choques elétricos,

náusea ou paralisia por via de

fármacos, quando a vítima é

exposta a um estímulo sexual

ligado à sua orientação sexual.

Outra metodologia é

a medicinal, que consiste em

medicação ou terapia hormonal

e esteróides. E ainda se

identifica a religiosa, na qual as

vítimas são submetidas a um

líder religioso ou programas

que gradualmente revertem a

sua orientação. Nestes programas,

as vítimas podem sofrer

desde insultos homofóbicos,

espancamentos, aprisionamento

e privação de comida até exorcismo.

Em segredo, estas práticas

são normalmente exercidas

por psicólogos, seja em contexto

hospitalar ou em privado,

e por líderes ou conselheiros,

religiosos ou espirituais. Neste

último, existem até práticas

que são uma espécie de “retiro”,

na qual a vítima é removida

do seu ambiente normal, e, durante

dias, os líderes exercem a

terapia sobre um grupo de pessoas.

Apenas recentemente,

em 1990, a homossexualidade

foi retirada da Classificação

Internacional de Doenças da

OMS (Organização Mundial

da Saúde), pois até então era

considerada uma doença mental.

Mesmo assim, as tentativas

para mudar pessoas gays, lésbicas,

bissexuais, transexuais

ou género-diversas continuaram

a existir.

Só em 2012 é que a Organização

Pan-Americana de

Saúde (OPAS) afirmou que

as “terapias de conversão”

não possuem nenhuma base

científica, logo, nem deveriam

ser consideradas “terapias”. E

em 2018 foi retirada a disforia

de género. Em 2021, a Ordem

dos Psicólogos em Portugal

abordou especificamente num

parecer este tópico, desaconselhando

inteiramente a sua

prática.

Apesar de estas práticas

se realizarem um pouco às escondidas,

mesmo não sendo

ilegais, são reprovadas. Mas

elas existem. “Há colegas que,

efetivamente, tentam alterar

a orientação sexual ou identidade

de género da pessoa e,

portanto, ativamente dotam

ferramentas para fazer esta alteração,

e há outras pessoas

que, devido à homofobia/bifobia/transfobia

sistémicas, estruturais,

sociais, e face às suas

próprias crenças, acabam por

induzir más práticas na terapia”

afirma Sara Malcato, psicóloga

e Coordenadora de Serviços na

associação Intervenção Lésbica,

Gay, Bixessual, Trans e Intersexo

- ILGA.

Sara Malcato menciona

também que as vítimas

destas terapias podem auto

propor-se, bem como serem

influenciadas ou forçadas pelas

famílias. Dando um exemplo

de um contexto familiar, a

psicóloga exemplifica com uma

“família que diz «Isso se calhar

é uma fase, tu precisas é de ajuda

do psicólogo!» No fundo, o

que eles estão a dizer é que a

tua orientação sexual ou identidade

de género não são válidas,

«vai mudar isso».”

é danosa. É

uma péssima

prática e vai

contra o

código

deontológico

dos

Psicólogos, em

que um dos

princípios é a

beneficência

e não a

maleficência,

e isto é uma

prática que

provoca

maleficência

(...).


5

Grande Reportagem

Foto: Nik Shuliahin/Unsplash

Quando questionada acerca

da quantidade de pedidos de

ajuda que recebem por vítimas

destas terapias, a psicóloga diz

que recebem alguns casos mas

que assume que seja apenas “a

ponta do iceberg” e acrescenta

que “muitas vezes, é curioso,

porque a própria pessoa não

reconhece que é vítima deste

tipo de terapias.”

Os efeitos causados são

muitos e variados segundo a

especialista, que acrescenta

que esta prática “É danosa.

É uma péssima prática e vai

contra o Código Deontológico

dos Psicólogos, em que um

dos princípios é a beneficência

e não a maleficência, e isto é

uma prática que provoca maleficência,

que já está provado

os danos que causa.”

Danos esses que podem

ser problemas psicológicos ou

físicos. Segundo o Relatório sobre

Terapias de Conversão da

IESOGI, estes podem ser perda

significativa da autoestima;

ansiedade, síndrome depressiva;

isolamento social, dificuldade

de intimidade, auto-ódio,

vergonha e culpa, disfunção

sexual, transtorno de stress

pós-traumático, ideação e tentativas

de suicídio.

Uma realidade invisível em

Portugal

A inexistência de investigação

em Portugal e a consequente

falta de dados faz com

que seja impossível quantificar

a dimensão destes procedimentos

no país, enquanto que,

ao mesmo tempo, contribui

para o desconhecimento geral

Temos que

transformar

este fenómeno

num fenómeno

existente,

porque ele o

é... e isto só

se consegue

fazer através

da visibilidade

(...).

de um problema com consequências

preocupantes que,

efetivamente, existe.

Recolher as informações

necessárias têm-se revelado

difícil e é algo que está diretamente

relacionado com as poucas

denúncias que são feitas.

Para além de não ser possível

denunciar quem pratica estas

“terapias” às autoridades, por

ainda não serem consideradas

ilegais, realizar queixa pode tornar-se

num processo traumático

para as pessoas submetidas

às práticas.

A psicóloga reconhece

a importância da denúncia

para uma transformação desta

realidade, em Portugal:

“Temos que transformar este

fenómeno num fenómeno existente,

porque ele o é... E isto

só se consegue fazer através

da visibilidade, com as denún-


Grande Reportagem

6

da visibilidade, com as denúncias,

com queixas à Ordem [dos

Psicólogos] (...)”, afirma em

declarações ao jornal Pontos

de Vista. No entanto, Sara Malcato

também destaca a necessidade

de uma avaliação profunda

ao nível da saúde mental

das vítimas para garantir a sua

proteção, sendo que considera

que “a denúncia é reviver, e reviver

pode ser traumatizante”.

Outro fator que contribui

para a crescente ignorância em

relação às “terapias” de reorientação

sexual é a discrição

mantida por aqueles que as

fazem. Seja em contexto clínico,

ou em contexto religioso, os

responsáveis por estas sessões

realizam-nas de forma oculta.

As práticas de conversão

deixaram de estar tão escondidas

do público quando, em

2019, uma investigação da

ex-jornalista da TVI, Ana Leal,

trouxe à atenção dos portugueses

esta realidade bem

presente no país, expondo

as consultas orientadas pela

psicóloga Maria José Vilaça.

As sessões com a profissional,

que habitualmente aconteciam

numa Igreja, eram individuais

ou em grupo, e nas imagens

capturadas podíamos ouvir Maria

José Vilaça a comparar a homossexualidade

a uma doença

mental, chegando mesmo a

descrever a orientação sexual

como um “surto psicótico” e

“fase maníaca”.

Um dia após a transmissão

da reportagem, a Direção

da Ordem dos Psicólogos

Portugueses (OPP) partilhou

na sua plataforma online um esclarecimento

em relação à situação.

Em 2019, uma

reportagem

da jornalista

ana leal,

transmitida

na TVI, deu a

conhecer o

caso de uma

psicóloga que

realizava

sessões de

“terapias” de

conversão.

No comunicado pode ler-se:

“(...) de acordo com toda a

evidência científica disponível

e a posição das principais

organizações profissionais de

Psicologia internacionais, intervenções

como as ‘terapias de

conversão’ ou ‘reparação’ (terapias

que procurem reduzir ou

eliminar a homossexualidade)

não têm qualquer fundamento,

quer do ponto de vista da

sua validade científica, ética, da

sua eficácia e benefícios, sendo,

pelo contrário, assinaláveis

os potenciais riscos e prejuízos

para a saúde”.

Apesar da controvérsia

e indignação provocada por

este caso, os processos aplicados

pela OPP contra Maria

José Vilaça acabaram por ser

arquivados, após a Entidade

Reguladora para a Comunicação

Social (ERC) concluir em

comunicado que “(...) nada na

reportagem exibida configura

pela sua [Maria José Vilaça]

parte a prática de atos ilícitos

ou sequer socialmente reprováveis”.

Em julho de 2020, a OPP

apresentou o documento Linhas

de Orientação para a Prática

Profissional no mbito da Intervenção

Psicológica com Pessoas

LGBTQ onde, para além

de estabelecer o dever dos

profissionais de saúde mental

de reconhecerem e valorizarem

a diversidade sexual, de tomarem

em consideração “os efeitos

do estigma (preconceito, discriminação

e violência) nos diferentes

contextos da vida das

pessoas LGB”, ainda definiram

as tentativas de mudança de

orientação sexual como “eticamente

reprováveis”, devido

à “inexistência de evidências

científicas que as suportem”.

Mais recentemente, em junho

de 2021, a OPP voltou a reforçar

a sua posição através de

um parecer acerca das terapias

de conversão, onde afirma

que tais práticas vão “contra

os princípios éticos e deontológicos

da profissão”. Neste

documento, a instituição faz

ainda um apelo a “todos os cidadãos,

com conhecimento de

causa de situações que possam

consubstanciar má prática

profissional, devem dar disso

conhecimento, com relato de

todos os factos, ao Conselho

Jurisdicional da OPP”, e pede

a criação de iniciativas legislativas

que permitam proteger e

dar apoio às “pessoas que tenham

sido sujeitas a Terapias de

Conversão ou outras práticas

discriminatórias da identidade

de género ou orientação sexual

(...)”.

No entanto, ainda existe

um longo caminho a percorrer

para garantir à comunidade

LGBTI um acesso de qualidade

a serviços de saúde mental. Segundo

Tiago Castro, psicólogo

no Centro Gis, um Centro de

Respostas às Populações LG-

BTI, continuam a existir falhas

graves na formação dos profissionais

de saúde mental: “Como

psicólogo, posso dizer que estas

matérias [relacionadas com

a comunidade LGBTI] ainda não

estão incluídas o suficiente nos

percursos académicos, ao ponto

que, muitas pessoas na área

da psicologia chegam ao final

do curso, ingressam no mercado

de trabalho e não tiveram

nenhum contacto ou formação

nestas matérias”, afirmou ao

jornal Pontos de Vista.

Existem

grandes

falhas na

formação de

profissionais

de saúde

mental, ao

nível das

matérias

relacionadas

com a

comunidade

lgbti.

Tiago Castro considera

que a falta de preparação dos

profissionais nas matérias LGB-

TI contribui para a perpetuação

de muitos preconceitos e estereótipos

que afetam a comunidade,

levando as pessoas LG-

BTI a acreditar que “os serviços

não estão preparados para os e

as atender”.

A psicóloga Sara Malcato,

da ILGA Portugal, salienta

que os profissionais que, de

forma quase inconsciente, devido

a uma homofobia internal-

Foto: Gadiel Lazcano/Unsplash

Foto: Drew Angerer/Getty Images


7

Grande Reportagem

Foto: TVI

izada ou a “crenças adotadas

da vivência experiencial”, realizam

más práticas que acabam

por invalidar a orientação sexual

ou identidade de género

de uma pessoa, também estão

a enveredar por uma tentativa

de conversão, apesar de não o

fazerem de forma direta como

os profissionais que se dedicam

a tentar oferecer uma “cura” à

homossexualidade.

Sara Malcato explica que

as más práticas exercidas pelos

psicólogos passam por afirmar

que a orientação sexual ou

identidade de género assumida

pelo seu paciente se trata

de uma fase, uma moda ou que

pode resultar da influência de

outros, e afirma que estes comentários,

apesar de não serem

feitos com o objetivo de causar

dano ou alterar a orientação da

pessoa, são invalidantes e reforçam

a “ideia hierárquica de

que existem relações que estão

acima de outras”.

A “subtileza” destas más

práticas e as microagressões

pelos profissionais de saúde

que, muitas vezes, passam despercebidas,

contribuem para

que os pacientes não reconheçam

que são vítimas de

práticas de conversão. “Ela [a

vítima] sabe que aconteceu

ali qualquer coisa com aquele

psicólogo/a e que causou dano

(...), mas sem saber que o que

estava ali a acontecer era de

facto uma terapia de tentativa

de alteração da orientação sexual

ou identidade de género”,

conta a psicóloga da ILGA Portugal.

Ela [a vítima]

sabe que

aconteceu ali

qualquer

coisa com

aquele

psicólogo/a

e que causou

dano (...), mas

sem saber que

o que estava

ali a acontecer

era de

facto uma

terapia de

tentativa de

alteração da

orientação

sexual ou

identidade de

género.

As debilidades no atendimento

pelos serviços de saúde

às pessoas LGBTI ficaram registadas

no estudo Saúde em

Igualdade: Pelo acesso a cuidados

de saúde adequados e

competentes para pessoas lésbicas,

gays, bissexuais e trans,

publicado pela ILGA Portugal,

em 2015. Entre os 600 participantes,

17% afirmou ter sido

alvo de discriminação ou tratamento

desadequado em contextos

de saúde e 11% revelou

que o profissional de saúde

mental a que recorreram, caracterizou

a homossexualidade

como uma doença, sugerindo

uma “cura” para a mesma.

Já o investigador do

ISPA, Pedro Alexandre Costa,

conduziu o primeiro e único

estudo em Portugal sobre as

práticas de conversão no contexto

clínico e o seu efeito na

saúde mental das pessoas LG-

BTI: Experiências de Psicoterapia

de Pessoas Heterossexuais

Cisgénero e Pessoas LGBT+:

Resultados preliminares. O estudo

envolveu um total de 322

participantes, entre os quais

207 heterossexuais cisgénero

e 115 pessoas LGBTI, e foi

possível concluir que “perto de

3% dos participantes LGBT+

reportaram terem sido expostos

a práticas de conversão”. O

investigador afirma ainda que

as pessoas LGBTI, como consequência

da submissão a terapias

de reconversão, mostraram

um “maior sofrimento global

e risco e menor bem-estar e

funcionamento geral do que

as pessoas heterossexuais cisgéneras”.

A crueldade das terapias

que oferecem uma “cura

gay” deixa efeitos duradouros

naqueles que a elas são submetidos.

A psicóloga Sara Malcato

fala em “danos significativos”

que afetam os pacientes principalmente

a nível psicológico,

verificando-se uma “maior

sintomalogia depressiva, ansiosa,

maior intenção suicida,

baixa autoestima, dificuldade

em confiar nas outras pessoas,

uma alta desvalorização e uma

intensificação da homofobia internalizada”.

11% das

pessoas lgbti

revelaram

que

profissionais

de saúde aos

quais

recorreram,

já caracterizaram

a

homossexualidade

como

doença.

Na primeira pessoa: os casos

de António e Miguel

António Serzedelo tem

76 anos. Miguel Salazar tem 22.

São de gerações distintas, e as

suas histórias não são iguais,

mas existe algo que os une:

o facto de terem sido vítimas

destas “terapias” de reorientação

sexual. Ao Pontos de Vista,

ambos contam as experiências

que viveram.

António Serzedelo é atualmente

o mais antigo ativista

pelos direitos LGBTI em Portugal.

Foi presidente da OPUS

Diversidades, associação de


Grande Reportagem

8

defesa dos direitos da comunidade

LGBTI, e coautor do

primeiro manifesto da causa

em Portugal, Liberdade para as

Minorias Sexuais.

António começa por

explicar que a sua experiência

“foi perfeitamente inútil”,

até porque não surtiu o efeito

desejado, nem lhe causou nenhum

trauma “pelo menos prolongado”.

“Esta história tem cerca

de 45 anos, talvez. Tem a ver

com uma relação que eu tinha

com uma rapariga com quem

eu pensava em casar. Eu já

tinha tido relações sexuais com

ela algumas vezes, e depois disse-lhe

que eu tinha a vertente

homossexual. Ela disse-me que

ia falar com um psicólogo, e

passado um dia ou dois, já não

me lembro, disse-me «Há um

psicólogo que trata de ti, num

hospital de Lisboa». Eu fui lá,

apresentei-me e comecei a terapia.”

“A terapia correspondia

a estarmos sentados numa cadeira,

era uma sala isolada, só

com o médico, o psicólogo ou

psiquiatra, e eu próprio. Consistia

na passagem de imagens

de filmes em que se viam cenas

heterossexuais, de sexo, e

cenas homossexuais de sexo,

igualmente, beijos, caricias...

Quando passavam as imagens

de héteros, os choques

que recebíamos eram muito

agradáveis, muito suaves,

uma coisa muito envolvente.

Não causavam nenhuma perturbação,

digamos assim, na

pessoa. Quando passavam

as imagens de homossexualidade,

os choques eram mais

fortes, mais desagradáveis e

inconvenientes. Pelo menos no

meu caso, não eram choques

de saltar da cadeira para cima,

mas eram francamente desagradáveis.”

Apesar de não ter sido o

próprio a procurar pelo “tratamento”,

António submeteu-se

ao mesmo por sua vontade:

“estava interessado, porque

gostava da rapariga e queria

casar-me com ela. Eu submeti-me

porque acreditava.

Estamos a falar [de algo que

ocorreu] há 45 anos atrás. Não

havia todos estes conhecimentos,

nem esse falar e sair nos

jornais, todas estas coisas eram

feitas numa certa clandestinidade”.

De certa

forma, foi

como dizer-me

«você é

intratável

nesta área»

Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas


9

Grande Reportagem

Ao fim de “2, 3 meses”,

o médico quis conversar com

António, para avaliar os efeitos

que a “terapia” estava a ter no

“paciente”. “Respondi-lhe que,

no plano das relações heterossexuais,

eu tinha melhorado a

performance, digamos assim,

[estas] tornaram-se mais fluídas,

produtivas e prazerosas.

E depois ele perguntou, “e nas

homossexuais?”, fez-se silêncio

e repliquei-lhe exatamente a

mesma coisa. Fez-se então um

grande silêncio. O médico, ao

ouvir a minha primeira versão,

tinha respondido “ai que bom,

ai que bom”, quando ouviu a

minha segunda versão ficou

calado.” Perante a aparente

incerteza do médico, António

pediu-lhe então um veredicto,

ao qual o médico respondeu

que não valeria a pena continuar

o “tratamento”. “De certa

forma, foi como dizer-me “você

é intratável nesta área”. Agradeci,

fui embora e nunca mais

lá voltei.”

Perante a ineficácia desta

experiência, António não

voltou a tentar encontrar “uma

cura”: “A única coisa que eu podia

fazer era a autorrepressão,

porque estávamos em pleno

regime fascista e havia uma

perseguição aos homossexuais”.

O ativista acredita que a

influência do pecado religioso

na sua mentalidade contribuiu

para que, inicialmente, não

tenha aceite a sua sexualidade.

“Eu tinha um preconceito relativamente

a mim mesmo, do

qual também não me libertei

de um dia para o outro […] perdurou

durante bastante tempo.

Apesar disso, aos poucos, fuime

libertando.”

Membro da Igreja Evangélica

desde o seu nascimento,

Miguel Salazar sabia que a

família não iria aprovar a sua

sexualidade. Tal veio a demonstrar-se

a partir do momento

em que confiou ao seu professor,

também ele da mesma Igreja,

a sua orientação sexual.

Ao contrário do que lhe tinha

prometido, o professor não

guardou segredo, e acabou por

contar aos pais de Miguel.

“Quando levou a questão

da minha orientação sexual à

Igreja e à sua liderança, houve

uma reunião entre ele, a mulher

dele, o pastor, a mulher do pastor

e os meus progenitores. E

basicamente os seis decidiram

que, como conheciam uma

pessoa na nossa igreja que é

psicólogo, seria a melhor para

resolver o problema.”

O medo da reação dos

progenitores coagiu Miguel

a aceitar submeter-se a estas

práticas: “Quando me disseram

que lhes [aos pais] tinham

contado e que já tinham descoberto

que eu era homossexual,

disseram que tenham arranjado

uma solução para mim,

e encostaram-me à parede,

“queres ajuda?”. Eu simplesmente

nem sequer consegui

imaginar o cenário de dizer que

não. Tendo visto a reação que

foi quando souberam que sou

gay…”.

Apesar de, efetivamente,

ter sido sujeito a estas “terapias”,

Miguel não foi vítima de

métodos mais agressivos: “fui

indicado para ir a um psicólogo,

começou por ser uma consulta

de psicologia em que ele

tentou saber um bocado sobre

a minha vida, como numa consulta

normal”.

“Como ele sabia que eu

tinha tido episódios de bullying

na escola, começou por falar

nisso, a tentar perceber o meu

background, como é que foi o

meu processo de crescimento

[…] E depois começou a partir

para uma conversa com um

teor mais de fé e de religião, a

sugerir leituras que comparavam

a relação da pessoa com

o seu pai e a sua relação com

Deus, começou a querer que eu

começasse a ler essas coisas,

como trabalho de casa, para

quando chegasse lá na consulta

seguinte, começar a falar com

ele sobre essas situações.”

No entanto, o jovem não

deixou que os seus limites fossem

ultrapassados, ou seja,

“que chegasse a um ponto em

que ele começasse a tocar na

minha orientação sexual”. “Só

cheguei a ir a quatro ou cinco

consultas. Não senti “na pele”

muitas daquelas que são as

práticas que são infligidas nestas

pessoas”.

Eu

simplesmente

nem sequer

consegui

imaginar o

cenário de

dizer que não

Não obstante, esse

“travão” que a decisão de

Miguel representa foi impulsionado

por outra pessoa: “passado

pouco tempo, tive a sorte

de me cruzar com alguém, com

quem eu treinava praticamente

todos os dias e que me alertou

em relação a isso [às consultas]

e que foi a tempo de dizer

porque é que eu não deveria ir

ali. Se isso não tivesse acontecido,

se calhar tinha ficado lá um

ano ou mais, e teriam acontecido

outras coisas”. A reação dos

progenitores a esta decisão de

abandonar as consultas não foi

de aceitação, chegando até a

envolver violência física.

O contexto religioso em

que Miguel se inseria desempenhou

um papel importante

na sua visão sobre a sua sexualidade.

Tal como aconteceu com

António, também o jovem chegou

a acreditar numa “cura”,

ainda que demonstrasse o contrário:

“por dentro e quando

estava sozinho, no meu quarto

ou até na igreja, muitas vezes

passava-me pela cabeça, se

realmente Deus não podia fazer

alguma coisa para me curar, ou

se um pastor orasse por mim,

se não podia ajudar de alguma

forma. Às vezes ficava frustrado,

e cheguei a ver pornografia

hétero, numa tentativa de me

sentir excitado, mas não dava”.

Miguel sempre lidou

com a pressão social por parte

dos seus pares, por quem era

acarinhado: “A partir do momento

em que, na minha igreja,

gostavam muito de mim, sentia

que tinha de ter um discurso e

uma forma de pensar que fosse

igual àquela que esperavam de

mim.” A adoção de um discurso

homofóbico e contrário às

suas próprias convicções deuse

não só para corresponder

a essas expectativas, mas

também como uma estratégia

de salvaguarda do próprio.

“O meu discurso era sempre

de nojo com a homossexualidade,

dizia que era errado e

que a comunidade homossexual

vai para o inferno, foi um discurso

que eu mantive durante

muito tempo. De certa forma,

senti-me confortável com isso,

porque também sentia que era

a melhor forma que eu tinha de

me proteger. Eu sabia perfeitamente

que era homofobia internalizada,

e que estava a falar

contra pessoas que eram como

eu, mas ainda hoje não consigo

ver que forma melhor é que eu

tinha de me proteger daquela

situação, já que o assumir-me


Grande Reportagem

10

Foto: Eurodicas

era uma coisa completamente

impensável.

Sendo este um assunto

demasiado delicado, mas que

tem parca discussão pública,

será que é possível dizer que

esta realidade é meramente

desconhecida, ou chega a ser

mesmo ignorada? Na visão de

António, as duas coisas acontecem

em simultâneo. “Há zonas

em que nem se imagina que existem

estes “tratamentos”, até

porque a Igreja não faz menção

deles publicamente. Outros

sabem, mas toleram”, até

porque reprovam a existência

de outras sexualidades: “Consideram

que se trata de uma

doença, de um pecado [religioso

e] social.”.

A falta de dados concretos

é um dos motivos que leva

Miguel a acreditar que se trata

de uma realidade principalmente

desconhecida, aliada ao

facto de a componente destas

práticas ser mais religiosa do

que clínica. “O facto de estar

envolvida aquela ideia de liberdade

religiosa e de liberdade

de expressão, acaba por abafar

aquilo que são práticas de conversão

e que, às vezes, muitas

das pessoas que estão na Igreja

nem sequer se apercebem que

estão a ser submetidas a tal.

Há falta de investigação acerca

disso […] e se calhar acham que

aqui é uma prática inexistente

ou muito reduzida”.

Tanto António como

Miguel consideram ser essencial

a divulgação de testemunhos,

de forma a alertar para esta

realidade. António considera

que se trata de “uma questão

educacional”, e avança: “há

pouca educação sexual em Portugal,

tanto para homens como

para mulheres. É bom que estas

mensagens passem, para

que as pessoas, ao ouvirem,

normalizem estas questões, e

aqueles que são homossexuais

não se sintam indispostos,

amedrontados, não sintam que

são rejeitados, mas sim que é

tão legítima a sua orientação

sexual, como é a heterossexual”.

Ao estar a partilhar a sua

história, Miguel tem como objetivo

“ajudar as pessoas a pedirem

ajuda”: “Para mim, quanto

mais pessoas o meu testemunho

alcançar, melhor. Se eu puder

ser um contributo para isso,

fico mesmo feliz”.

Para António, o importante

é que a pessoa aprenda a

aceitar “paulatinamente” a sua

sexualidade, sem que se culpabilize

pela mesma: “o conselho

que eu dou às pessoas é informarem-se:

lerem, perguntarem,

falarem e encontrarem-se consigo

próprias, perceberem as

suas opções sexuais”. Sublinha

que é importante ter o apoio

de amigos “que os podem

compreender e encorajar”. “É

muito difícil viver esta orientação

sexual sozinho, com a

sensação de que é um pecado,

religioso e social. É bom que as

pessoas se desprendam dessa

ideia e pensem que em democracia,

todas as orientações sexuais

devem ser aceites, desde

que não violentem as outras

pessoas”, reforça.

Miguel reforça a importância

de se estar acompanhado

por um ombro amigo: “se

souberem de alguém no seu

círculo de amizades, ou até na

família, que seja inclusivo nestas

questões e não discrimine,

que esteja pronto para ajudar,

acho que não devem enfrentar

[o problema] sozinhos. O mais

seguro será não dizer em casa,

mas confiar isso, pelo menos

a uma ou duas pessoas que

saibam que sempre que acontecer,

sempre que estiverem

pior por causa disso, possam

contar-lhes e desabafar com

elas”. Outra solução sugerida

por Miguel, e que o próprio

adotou, é dirigir-se a uma associação

LGBTI: “são espaços

de completa confidencialidade,

seguros, onde estão pessoas

que percebem destas questões

e muito preparadas para acompanhar”,

refere.

Para mim,

quanto mais

pessoas o meu

testemunho

alcançar,

melhor. Se eu

puder ser um

contributo

para isso, fico

mesmo feliz.

António considera que a falta

de progresso na legislação acontece

“porque em Portugal o

preconceito é ainda muito vivo,

em certas regiões do país”,

acrescentando que “os governos

que estiveram no poder

estavam muito ligados à disciplina

católica”.

O ativista reconhece que

têm sido feitas tentativas no

sentido de proteger os direitos

da comunidade LGBTI, mas que

não são suficientemente adequadas.

António acredita que

enquanto estas “terapias” não

forem legalmente proibidas,

vão existir “sempre pessoas

que se submeterão, porque

vivem angustiadas por serem

homossexuais”. Um dos motivos

que, no seu entender, justificam

a falta de discussão no

país, é a falta de compreensão

por parte da sociedade, “que

ainda está impressa com muitos

preconceitos, embora muito

melhor”.

Miguel é ainda mais taxativo

no que diz respeito à

adoção de medidas que punam

a realização destas “terapias”,

ao considerar que “não devem

ser só criminalizadas no âmbito

clínico e médico, devem

também abranger a comunidade

religiosa”, por ser onde

mais ocorrem. Ele defende a

aplicação de pena de prisão

para quem seja responsável

por estas práticas: “a realidade

é que primeiro, para igreja, o

dinheiro, decerto não deverá

ser um problema. Depois, o

facto de existir uma relação


11

Grande Reportagem

entre a extrema-direita portuguesa

e muitas das igrejas

evangélicas e católicas, é uma

garantia de que se alguém tiver

de pagar uma multa, só porque

submeteu uma pessoa LGBT a

uma prática de conversão, não

vai ser de certeza um problema

e essas pessoas vão continuar

a fazer as mesmas práticas.”,

conclui.

não devem

ser só

criminalizadas

no

âmbito

clínico e

médico,

devem também

abranger a

comunidade

religiosa

A atual legislação

Fabíola Cardoso é deputada

do Bloco de Esquerda na

Assembleia da República e um

dos principais rostos da luta

pela igualdade de género e

das causas LGBTI, em Portugal.

É, também, autora do projeto

de lei bloquista que pretende

criminalizar as terapias de reorientação

sexual.

A deputada considera

que existe um “ignorar propositado

daquilo que é uma realidade

que também acontece

no nosso país”. Para combater

essa realidade posta de lado, o

Bloco de Esquerda apresentou,

no início de 2021, um projeto

de lei na Assembleia da República

que prevê pena de multa

ou de prisão até três anos

para “quem publicitar, facilitar,

promover ou praticar esforços

continuados, medidas ou procedimentos

que visem alterar a

orientação sexual de outra pessoa,

a sua identidade de género

ou expressão de género”.

Fabíola partilha com o

Pontos de Vista que classifica as

práticas de reorientação como

“anticientíficas” e “altamente

ineficazes”. “A orientação sexual

e a identidade de género

das pessoas não mudam devido

a qualquer tipo de terapias”. A

deputada vai ainda mais longe

e partilha as possíveis consequências

para as vítimas: “os

relatórios internacionais apontam

para consequências que

vão desde a baixa de autoestima,

falta de autoconfiança,

abandono escolar, problemas

de enquadramento social, dificuldades

no relacionamento

com pessoas próximas, até situações

muito mais graves de

automutilação, tentativa de suicídio,

de isolamento social que

podem levar, em último caso, à

morte das pessoas”.

O desaconselhamento

pela Ordem dos Psicólogos

não é suficiente para deputada

bloquista por dois motivos.

Primeiro porque considera importante

“fazer com que este

tipo de práticas deixe de existir

ou, se existir, que essas pessoas

possam ser punidas e possam

ser alvo de uma situação

em que têm consequências” e,

também, porque “a lei tem uma

função de formação da própria

sociedade e de contribuição

para a mudança social e para a

transformação social e pensamos

que é um sinal muito positivo

o Estado português assumir

que não tolera, que não aceita

este tipo de práticas”.

A dissolução da Assembleia

da República levou a que

este projeto de lei voltasse à

estaca zero. “O processo legislativo

foi interrompido. Terá

de ser reapresentado numa

próxima legislatura e, certamente,

o Bloco de Esquerda

assim o fará”, afirma a deputa

que espera o apoio de outros

grupos parlamentares para,

juntos, conseguirem “não só

um amplo debate, mas a maioria

necessária para aprovar esta

alteração legislativa”.

Fabíola Cardoso explica

que o processo de construção

de uma lei é “complexo” e que

pode demorar “cerca de um

ano”. Ainda assim, admite que,

mais do que aprovar a lei, é

necessário “contribuir para um

debate, envolver a sociedade

civil”. Por isso, o Bloco de Esquerda

realizou um evento, em

Lisboa, que juntou políticos, investigadores

e ativistas de toda

a Europa, o “Nada Que Curar”.

Quanto à penalidade

destas terapias internacionalmente,

vários países têm vindo

a legislar a sua proibição, com

a Malta, Inglaterra, Canadá e

França, por exemplo. A deputada

bloquista considera que

“se o processo legislativo demorar

um ano, será um bom

prazo para conseguir fazer esta

pequena, grande alteração legislativa”.

Contudo, de momento, a discussão

ainda não tem grande

espaço na agenda política do

país, mas os especialistas e

também as vítimas destas realidade

ignorada e desconhecida,

revelam urgência na criação

de uma moldura penal para as

“terapias de conversão”.

psicólogos

que

afirmaram

publicamente

que faziam

este tipo de

práticas e não

há a

capacidade, há

luz do

enquadramento

legal em

Portugal, de

essas pessoas

serem

impedidas de

continuar

a exercer a

profissão.

Foto: Sciline


Política

12

Legislativas

2022:

Os 21 partidos que

se candidatam

à Assembleia da

República

Após o chumbo da proposta de Orçamento de Estado para 2022 e a consequente

dissolução do Parlamento, as Eleições Legislativas foram antecipadas. No dia 30 de janeiro,

os portugueses vão às urnas para escolher quem são os deputados que os representam nos

próximos quatro anos.

Texto:

Sara Fernandes Santos e Maria Castro


13

Política


Política 14


15

Política


Política 16


17

Política


Política

18

Dissolução da Assembleia

da República: A opinião de

André Freire

Marcelo Rebelo de Sousa realçou “divergências inultrapassáveis” à esquerda. O politólogo

André Freire defende “falta de vontade política”. Eleições marcadas para 30 de janeiro.

Foto: Presidência da República

Texto:

Pedro Queirós

Todos os partidos com

assento parlamentar, à

exceção do Partido Socialista,

comunicaram

antecipadamente a intenção

de votar contra

a aprovação do Orçamento

de Estado para

2022. Marcelo Rebelo

de Sousa avisou que o

chumbo do documento

colocava o país na rota

das eleições antecipadas.

A advertência do

Presidente da República

não foi suficiente para

evitar uma crise política

e a confirmação chegou,

na passada quinta-feira,

dia 4.

“Estou em

condições de vos comunicar

que decidi dissolver

a Assembleia da República

e convocar eleições

para o dia 30 de janeiro

de 2022”, disse Marcelo

Rebelo de Sousa, em

declaração ao país.

O Presidente da

República realçou que

o PS ficou “sozinho”

na votação, algo que

justifica a sua decisão.

“Pela primeira vez em

45 anos de Assembleia

da República, o Orçamento

de Estado não

foi aprovado”, afirmou,

antes de acrescentar

que “a rejeição dividiu

por completo a base

de apoio do governo” e

que “divergências inultrapassáveis”

dividiram

os partidos de esquerda

e tornaram inviável a

aprovação do documento.

André Freire,

politólogo e professor

catedrático do ISCTE

– IUL, não partilha da

opinião do Presidente

da República. “Eu penso

que o problema não é de

as divergências serem inultrapassáveis,

é de não

haver vontade política

para as superar”, diz. O

especialista em ciência

política afirma que “da

parte do governo houve

uma certa intransigência”

que foi respondida

pelos partidos à esquerda

com uma “rigidificação

de posições”.

Portugal entra em

novo período pré-eleitoral.

André Freire acredita

que o PS desejava ir

a eleições com “o desejo

de obter uma maioria

absoluta”. Essa pode

ser uma jogada arriscada

por parte de António

Costa pois, na opinião

do politólogo, “se não

tiver uma maioria absoluta,

não tenho dúvidas

que vai haver alternância

[no governo]”.

No seu discurso, o

Presidente da República

referiu, mais do que uma

vez, que os portugueses

“dispensavam” estas

eleições. André Freire

concorda e acrescenta

que “os portugueses valorizam

a estabilidade”.

Com o país a enfrentar

grandes desafios,

Marcelo Rebelo de Sousa

considera que “existe

sempre uma solução em

democracia” que passa

por “devolver a palavra

ao povo”. Ainda assim,

campanha eleitoral e

debates não devem coincidir

com a época festiva

de final de ano dado

que, na opinião do chefe

de Estado, podem contribuir

para “um aumento

da abstenção”.

Uma crise política

tem sempre responsáveis

e André

Freire aponta o dedo

àqueles que mais contribuíram

para o estado

atual do país. “A raiz

disto é não haver um

acordo político escrito

desde 2019 e aí os responsáveis

são o Partido

Socialista e o Presidente

da República”, conclui.


19

Eleições diretas no PSD:

Contra a maré,

Rio remou mais

forte

Foto: Tomás Silva/Observador

Política

Mapa com os resultados eleitorais por secção. Fonte: PSD.

O apoio dado pelas estruturas e as sondagens atribuíam o favoritismo ao adversário, mas no

final foi o líder quem saiu vitorioso. Rui Rio venceu as eleições diretas no PSD, conseguindo

mais 1746 votos que o adversário, Paulo Rangel.

Texto:

Sara Fernandes Santos

Ao longo da sua vida política,

Rui Rio tem conseguido contrariar

as expectativas por várias

vezes, e estas diretas são disso

prova. Não obstante a divisão

sentida num PSD fraturado, o

líder do partido tem enfrentado,

durante os seus quatro

anos de presidência, a oposição

de vários notáveis. Os apoios

de peso que o eurodeputado

Paulo Rangel reuniu a seu favor

ameaçavam a continuidade

do ex-autarca na liderança dos

sociais-democratas, porém, tal

não foi suficiente para impedir

a reeleição do líder.

Rio alcançou 52,43% dos

votos dos militantes, contra os

47,57% de Rangel. O presidente

do PSD venceu em 12 das 22

distritais, com destaque para

as importantes conquistas no

Porto (distrital onde a vitória

de Rio foi significativa, não obstante

o apoio manifestado a

Rangel) e em Braga. Por sua

vez, o eurodeputado venceu

em 9 distritais, entre as quais

se encontram as de Lisboa e

Setúbal, e as estruturas do partido

fora do território nacional.

No seu discurso de consagração,

Rui Rio disse estar

“picado” para vencer as

eleições Legislativas de 2022,

e atribuiu a vitória aos “militantes

de base”. Deixou ainda

um recado aos dirigentes:

“Aqueles que são os dirigentes

do partido nas distritais e nas

concelhias têm de se ligar mais

aos militantes. É absolutamente

notório que, na sua esmagadora

maioria, quiseram mudar de

sentido, porque perceberam

que grande parte desses apoios

[dos dirigentes] tinham a ver

com interesses pessoais e não

com os interesses do partido”.

Em relação a uma hipotética

união interna do partido,

Rio afirmou: “Estou disponível,

mas só com quem

quer fazer unidade. Já aprendi

que muitos dizem que querem

unidade, mas depois não

querem unidade nenhuma.” O

presidente reeleito agradeceu

ao adversário eleitoral pela

“dignidade” com que reconheceu

a derrota, na intervenção

que fizera minutos antes.

O discurso de Paulo Rangel

deu-se quando pouco mais

de metade dos votos estavam

apurados.

O eurodeputado, que se

candidatou à liderança dos sociais-democratas

pela segunda

vez na sua carreira política,

apelou à união, relembrando

que o partido deve ter “um único

adversário: o PS de António

Costa”.

Apesar de se ter recusado

a analisar os resultados,

Rangel sublinhou que o ato foi

“uma prova de vida muito importante

para o partido, que

vai ter consequências positivas

[para o PSD] nas legislativas”, e

mantém todo o seu apoio aos

sociais-democratas.

Estas eleições diretas,

em que a taxa de participação

dos militantes rondou os 77%,

é o terceiro que Rui Rio vence.

Em 2018, quando Pedro Passos

Coelho abandonou a liderança

do partido, venceu Santana

Lopes com 54,15% dos votos.

Já em 2020 venceu, na segunda

volta, Luís Montenegro, um

dos rostos da oposição interna

que, à data, Rio enfrentava,

com 53% dos votos. Miguel

Pinto Luz também participou

na corrida pela presidência dos

sociais-democratas, mas foi

derrotado na primeira volta.

Na sequência deste triunfo,

Rui Rio é agora o candidato

do PSD às Legislativas

de 2022, que se vão realizar a

30 de janeiro. Recorde-se que

estas eleições foram antecipadas

após o chumbo do Orçamento

de Estado, motivo que

levou o Presidente da República,

Marcelo Rebelo de Sousa,

a dissolver a Assembleia da

República.


Política

20

Presidente da República

veta lei da eutanásia e

pede clarificações

Marcelo Rebelo de Sousa volta a devolver o diploma sobre a eutanásia, sem fiscalização prévia pelo

Tribunal Constitucional.

Texto:

Leonor Costa

Após revisão do decreto

aprovado pelo Parlamento a 5

de novembro, o Presidente da

República decidiu vetar, pela

segunda vez, a lei da eutanásia.

Em comunicado, Marcelo

pede a clarificação do que

“parecem ser contradições

no diploma quanto a uma das

causas do recurso à morte medicamente

assistida”.

Na carta dirigida ao

Presidente da Assembleia da

República, divulgada a 29 de

novembro no site oficial da

Presidência, Marcelo aponta

a necessidade de esclarecimento

acerca da exigência

de “doença fatal” para a

permissão de antecipação

de morte, após o documento

ter referenciado conceitos

como “doença incurável” e

“doença grave”: “(...) solicito à

Assembleia da República que

clarifique se é ou não exigível

“doença fatal” como requisito

de recurso a morte medicamente

assistida e se, não o

sendo, a exigência de “doença

grave” e de “doença incurável”

é alternativa ou cumulativa”.

No caso de “doença

fatal” deixar de ser uma

condição para a realização da

eutanásia, Marcelo Rebelo de

Sousa solicita uma reponderação

desta alteração entre

o diploma anterior e o atual,

sendo que considera ser “uma

mudança considerável de ponderação

dos valores da vida

e da livre autodeterminação,

no contexto da sociedade

portuguesa”. No entanto, se

a Assembleia da República

decidir renunciar à exigência

de doença fatal, ampliando a

permissão da morte medicamente

assistida, o Presidente

pede que sejam apresentadas

as bases que apoiam “a opção

pela solução mais drástica e

radical”.

Na carta, Marcelo reforça

ainda que esta segunda

reprovação da lei da eutanásia

não partiu de motivações pessoais

de caráter religioso, ético

ou político. O Chefe de Estado

garante que a decisão tomada

teve em conta “o sentimento

valorativo dominante na sociedade

portuguesa”.

Com a oficialização da

dissolução do Parlamento, a

lei sobre a eutanásia e o suicídio

medicamente assistido

só volta a ser discutida pelos

partidos após as eleições legislativas

a 30 de janeiro, já com

um novo Governo.

Marcelo entre críticas e elogios

A 5 de novembro, o

decreto-lei da legalização da

morte medicamente assistida

tinha sido aprovado com votos

a favor de PS, BE, PAN, PEV,

IL, das duas deputadas não-inscritas

e ainda de 13 deputados

do PSD. O PCP, CDS-PP e

o deputado único do Chega,

votaram contra.

Após o veto do Presidente

da República à lei da

despenalização da eutanásia,

os partidos não tardaram a

reagir.

Em declarações à SIC

Notícias, Isabel Moreira, deputada

do Partido Socialista e

uma das autoras do diploma,

afirmou considerar a decisão

tomada por Marcelo Rebelo

de Sousa “atípica”, e acredita

ter sido motivada por crenças

pessoais: “O Presidente da

República faz um veto absolutamente

atípico, porque utiliza

formalmente o veto político e,

no entanto,


21

Política

envereda-se por considerações

jurídicas que deveriam

caber ao Tribunal Constitucional”,

declara.

Por sua vez, o deputado

socialista Pedro Delgado

Alves mostrou compreensão

em relação ao veto. À TSF,

o deputado declarou que

Marcelo destacou questões

“que importam deixar claras,

porque é uma legislação muito

importante, uma legislação

penal também”. Já sobre a

recusa de convicções pessoais

na tomada de decisão

de Marcelo, Pedro Delgado

Alves afirma ter algumas dúvidas:

O líder parlamentar

do Bloco de Esquerda, Pedro

Filipe Soares, anunciou o

seu descontentamento com o

veto político através do Twitter,

caracterizando-o como

um “veto cínico”. O deputado

acredita que a eutanásia

será legalizada em breve.

À Lusa, o deputado do BE,

José Manuel Pureza, destacou

a parcialidade de Marcelo relativamente

à morte medicamente

assistida:

O bloquista acusa

Marcelo Rebelo de Sousa de

se prender a uma interpretação

restrita e literal para

justificar a reprovação da lei:

“Esse apego, essa insistência

numa leitura absolutamente

literal do texto da lei não esconde

que é óbvio o que está

em jogo: o que está em jogo

é uma situação de doença

de natureza irreversível que

provoca um sofrimento atroz

a uma pessoa e que – entendemos

nós – legitimamente

pode solicitar a sua morte assistida”,

afirma.

As motivações pessoais

refletidas através do veto são

também referidas por Inês

Sousa Real, líder do PAN. Em

entrevista à SIC Notícias, a

porta-voz do partido destaca

o debate aprofundado, que

se tem prolongado por vários

anos no Parlamento, para a

criação de um diploma único

sobre a morte medicamente

assistida, e acusa Marcelo

Rebelo de Sousa de falta de

conhecimento em questões

como “igualdade e dignidade

humana, sofrimento injustificável

e irreversível”.

Apesar da oposição do

PCP à lei de legalização da

eutanásia, o deputado António

Filipe esclarece que as

razões do Presidente diferem

dos motivos que levaram

o Partido Comunista a votar

contra a aprovação da lei: “O

PCP, na exposição das suas

razões, não se prendeu com

formulações. Prendeu-se, de

facto, com aquilo que considera

que é uma posição de fundo

por parte do Estado e do

legislador perante a questão

É conhecido,

e não surpreende

ninguém,

que o

presidente

da república,

do seu

percurso

pessoal e

político, tem

uma posição

bastante

mais conservadora

nesta

matéria.

que foi suscitada”, clarificou à

Agência Lusa. António Filipe

confirma que a posição do

PCP vai manter-se.

À direita, o CDS-PP e

o Chega congratularam a decisão

tomada pelo Chefe de

Estado. Apesar do contentamento

com o veto, Cecília

Anacoreta Correia, deputada

do CDS, desaprova o empenho

da Assembleia da República

no processo de despenalização

da eutanásia e lamenta

a falta de acesso a melhores

cuidados paliativos. “A alternativa

a sofrer não é morrer.

Há uma terceira opção que é

cuidar de quem está doente,

e esse sim, é o combate do

CDS”, declarou à SIC Notícias.

Em comunicado, a Direção

Nacional do Chega

critica as contradições da lei

aprovada pelo Parlamento e

aponta que “o tema voltará

a ser discutido no parlamento

na próxima legislatura com

total tranquilidade e seriedade

e com uma composição

parlamentar diferente da atual

que primará pela defesa da

vida e do ser humano”.

Um debate de anos com desfecho

à vista?

Em 1995, o Conselho Nacional

de Ética para as Ciências da

Vida apresentou um parecer

a favor da despenalização da

morte medicamente assistida.

Desde então, a discussão

pública sobre a eutanásia tem

vindo a arrastar-se. Relembre

alguns dos momentos mais

marcantes, durante os últimos

anos.


Economia

22

Empresas multimilionárias

americanas fogem a impostos

90 das empresas mais ricas dos EUA não pagam o valor certo ou passam anos sem pagar impostos.

Elon Musk, Diretor da Tesla e da Space-X. Foto: Getty Images

Texto:

Maria Castro

Elon Musk, diretor da Tesla e da

Space-X, empresas avaliadas

em 1 bilião e 100 mil milhões

de euros, respetivamente, foi,

em 2021, nomeado o homem

do ano pela revista Times.

Pouco depois, na rede social

Twitter, a senadora democrata

estado-unidense Elizabeth

Warren acusou o bilionário de

não pagar os impostos e de se

aproveitar da população que o

faz.

Em resposta, Elon Musk

publicou um tweet em que

revela que pagará 11 mil milhões

de dólares em impostos,

no ano de 2021. Considerando

que a atual riqueza do empresário

é avaliada em 243 mil

milhões de dólares pelo Índice

da Bloomberg Billionaires, é

muito ou pouco?

Este ano, saíram algumas

notícias que reportavam falhas

no pagamento de impostos por

parte das maiores e mais lucrativas

empresas americanas,

como por exemplo, as vendas

europeias da Amazon e os respetivos

impostos. De acordo

com o The Guardian, apesar

das vendas recordistas (motivadas

pela pandemia) deste

ano, no valor de 44 mil milhões

de euros (na sede do Luxemburgo,

responsável pelas vendas

da Europa), a Amazon, no

Luxemburgo, reportou uma

perda de 1.2 mil milhões de euros,

pagando então um total de

zero euros em impostos.

Nos últimos três anos,

a Amazon pagou apenas uma

percentagem de 4.3% do lucro

nos EUA. E nos últimos 10

anos, o valor pago de impostos

foi 57 mil milhões de dólares,

correspondente a 4.7% do lucro.

Em anos passados, 2017

e 2018, a Amazon conseguiu

com sucesso não pagar impostos

federais.

A percentagem paga ao governo

americano pelo dono da Tesla,

Elon Musk, é superior, mas

não muito dispare. Os dados

entre 2014 e 2018 indicam um

pagamento de impostos equivalente

a 3.27%, de acordo com

a ProPublica.

Em março deste ano,

o Presidente Biden mostrou

o seu desagrado com a fuga

aos impostos destas empresas

multimilionárias, geridas pelos

homens mais ricos do mundo.

Entre elas, estão também empresas

como a Berkshire Hathaway

Inc., presidida por Warren

Buffett, e a Bloomberg LP, presidida

por Michael Bloomberg.

Além disso, afirmou que ia pôr

um fim a esta disparidade. Vários

senadores e peritos criticam

as falhas do sistema de impostos

federais dos Estados Unidos,

que tem vindo a permitir

que grandes empresas sejam

capazes de não pagar impostos

federais.

Jeff Bezos, Diretor da Amazon. Foto: Getty Images


23

Economia

Black Friday

mais online em

2021

As promoções do maior dia de descontos do ano

voltaram a atrair os consumidores portugueses.

As compras online ou pagas com cartão foram o

modo preferido. O volume total de compras é

superior ao de 2020, mas inferior a 2019.

Texto:

Pedro Queirós

A tradição americana voltou

às lojas portuguesas. A última

sexta feira do mês de novembro

já tem o rótulo da Black

Friday, com promoções significativas

nos mais variados

artigos. Este ano, foi a 26 de

novembro que se registou o

dia de compras mais frenético

do ano, marcado pelos efeitos

da pandemia e pelas compras

online.

A Black Friday abre oficialmente

a época de compras

natalícias. Os descontos

que lhe estão associados

fazem com que os produtos

mais procurados sejam os

mais caros: telemóveis, eletrodomésticos,

televisões e consolas.

Os efeitos da pandemia

da Covid-19 ainda se fazem sentir:

registaram-se mais compras

do que em 2020, mas menos

do que em 2019. As compras

online ganharam força e movimentos

feitos por cartão ou MB

WAY também registaram um

aumento nas compras feitas em

loja física.

Ponto de situação das 12 horas

Até ao meio dia da Black Friday,

não se registavam grandes surpresas.

De acordo com o comparador

de preços KuantoKusta,

a TV LG de 55’’ A16 OLED

Smart TV 4k, o smartphone

Xiaomi Poco X3 Pro Dual Sim e

a TV Xiaomi de 43’’ Mi TV P1

4K são os artigos mais comprados

nas primeiras doze horas

do dia.

Segundo dados da mesma

plataforma, o restante

top10 de compras é composto

pelos seguintes artigos:

Compras Online São Preferência

A SIBS Analytics, Portal de Indicadores

de Consumo que

mostra os dados de consumo

em Portugal, disponibilizou um

conjunto de informações sobre

os gastos na Black Friday de

2021 e uma comparação com o

dia do evento de 2020.

Verifica-se que as compras

online voltaram a ganhar

destaque. O peso, em euros,

das compras online no total

das compras na Black Friday foi

de 18%. Em 2020, tinha sido de

16% e em 2019, de apenas 12%.

É um aumento que comprova a

tendência para o crescimento

do comércio online, também

justificado pela persistência da

pandemia.

Outro dos indicadores

que coloca os portugueses

cada vez mais como consumidore

digitais é o pagamento

através do telemóvel, não

só nas compras online como

também nas compras em loja.

O MB WAY é o meio preferido

dos consumidores e registou

um crescimento oito vezes

superior em relação a 2019

e cinco vezes face a 2020, nas

compras em loja. Nas compras

online, o crescimento não foi

tão acentuado: 3 vezes superior

em relação a 2019 e 2 vezes

comparativamente com o ano

passado.

A Black Friday já ultrapassa

as vinte e quatro horas

do dia que a define, que este

ano foi o 26 de novembro. Várias

marcas passaram ao conceito

de Black Week ou Black

Weekend, o que permite que

os portugueses dispersem os

gastos por vários dias e não

concentrem tudo num só dia.

Na Black Week, entre 22 e 28

de novembro, o consumo teve

um crescimento de 17% no total

de compras quando comparado

com o igual período de

2019 e um crescimento de 20%

comparativamente com 2020.

Apesar dos produtos

mais procurados serem dispositivos

tecnológicos, o foco

de consumo desta Black Friday,

quando comparado com

os restantes dias do mês de

novembro foram no setor de

Moda e Acessórios. O restante

top5 é composto por Perfumaria

e Cosmética; Jogos,

Brinquedos e Puericultura e,

por fim, Tecnologia e Material

Desportivo e Recreativo.

Ainda em comparação

com o restante do mês da

Black Friday, as regiões nacionais

que registaram uma maior

taxa de consumo são Vila Real,

Bragança, Castelo Branco e as

ilhas da Madeira e dos Açores.

Tal demonstra que o efeito da

Black Friday e a adesão às compras

online não se concentra

em nenhuma região em específico.

No total, o valor médio

gasto por cada cartão nesta

Black Friday foi de 66,30€.

Mapa de Portugal continental que ilustra o

número de compras nas primeiras horas da

Black Friday. Fonte: KuantoKusta


Economia

24

Foto: ECO-SAPO

Proibição dos saldos entre 25

de dezembro e 9 de janeiro

O período de saldos fica adiado para dia 10 de janeiro. A decisão do Governo pretende evitar os

ajuntamentos, devido ao aumento de casos de Covid-19.

Texto:

Leonor Costa

A proibição dos saldos nas lojas

é uma das novas medidas

anunciadas para a prevenção e

controlo das infeções por Covid-19.

No comunicado do Conselho

de Ministros de 21 de

dezembro de 2021, ficou estabelecido

que “entre os dias 25

de dezembro de 2021 e 9 de

janeiro de 2022 são proibidas,

em estabelecimentos, práticas

comerciais com redução de

preço”.

No mesmo documento,

é anunciado o prolongamento

do prazo disponível para realizar

devoluções e trocas até

ao final do mês de janeiro: “O

prazo para o exercício de direitos

atribuídos ao consumidor

que termine entre os dias 26

de dezembro e 9 de janeiro, ou

nos 10 dias posteriores àquele

período, é prorrogado até 31

de janeiro de 2022”, pode lerse

no comunicado.

Para além das lojas estarem

impedidas de realizar saldos,

após a reunião do Conselho

de Ministros, António Costa

anunciou em conferência de imprensa,

a limitação da lotação

nos estabelecimentos comerciais,

que passa para uma pessoa

por cada cinco metros quadrados

de forma a evitar os ajuntamentos

que acontecem para as

trocas de prendas de Natal.

Os comerciantes não

tardaram em mostrar o seu

desagrado em relação a estas

decisões. Em declarações

à Lusa, Marco Claudino,

Secretário-Geral da Associação

de Marcas de Retalho e Restauração

(AMRR), caracterizou

as medidas como “uma intromissão

sem paralelo” do Governo

na política comercial das

empresas.

Marco Claudino destaca

as dificuldades que as empresas

têm enfrentado nos último

dois anos e crítica a atuação

do Governo: “Estas duas medidas

de controlar o número

de clientes e de proibir a baixa

de preços, é uma forma de não

fechar o comércio e, desta forma,

não compensar, nem apoiar

os comerciantes, embora os esteja

a impedir de vender”.

O Secretário-Geral da

AMRR relembra ainda que as

reduções de preço são a forma

mais eficaz para atrair clientes e

apenas as lojas online vão poder

aplicar esta estratégia, criando

assim uma concorrência desleal.

“As marcas internacionais

que estão ‘online’ com redução

de preços e, nas lojas, são empresários

portugueses, através

de ‘franchising’ das marcas,

que acabam por vender’, apontou

à Lusa.

Questionado pela Renascença,

Joel Azevedo, Presidente

da Associação dos Comerciantes

do Porto, relembrou a

importância desta época para

o setor do comércio: “É uma

época muito importante para

expedir os stocks que estão

acumulados. Adiar esse processo,

é adiar o início da nova

época que queríamos que fosse

já o mais normal possível”.

Joel Azevedo acrescenta ainda

que era essencial a implementação

de medidas de compensação

financeira aos comerciantes

fortemente atingidos

pelos efeitos da pandemia de

Covid-19.


25

economia

Orçamento do Estado 2022:

a linha do tempo do chumbo

O chumbo do Orçamento do Estado foi um dos acontecimentos que marcou o ano de

2021 em Portugal. A esquerda não chegou a acordo e a proposta foi chumbada na

sua votação na generalidade, por quase todos os partidos da Assembleia da

República, à exceção do PS, do PAN e das deputadas não inscritas.

Texto:

Sara Fernandes Santos

Esta foi a segunda vez

desde o 25 de Abril em

que um orçamento estatal

foi chumbado, sendo

que a única vez em

que tal tinha acontecido

remonta a 1978, motivado

pelo corte do subsídio

de Natal. No entanto,

apesar de este poder

já ter sido usado várias

vezes pelos presidentes

da república, nunca um

parlamento tinha sido

dissolvido na sequência

de um chumbo do OE.

Eram quatro as

grandes prioridades

impressas na proposta

de orçamento para o

novo ano civil. A grande

bandeira seria a recuperação

da economia,

onde se destacavam a

implementação do Plano

de Recuperação e Resiliência,

e o estímulo ao

investimento privado,

com a criação de um Incentivo

Fiscal à Recuperação.

No campo do aumento

do rendimento,

o governo comprometia-se

a criar dois novos

escalões de IRS, bem

como a proceder à atualização

dos sacários da

função pública e ao aumento

das pensões e do

salário mínimo.

Para o executivo

de António Costa, a

aposta nos jovens passaria

pelo aumento das

bolsas de mestrado e

pelo alargamento do IRS

Jovem para cinco anos.

Finalmente, o governo

considerava igualmente

prioritário o reforço

dos serviços públicos,

sobretudo na área

da saúde, com a contratação

de mais profissionais

para o Serviço

Nacional de Saúde.

O Pontos de Vista

faz a cronologia do acontecimento

que marcou

a história da política

portuguesa.

João Leão, Ministro das Finanças

Foto: Nuno Fox/Lusa

Assembleia da República

Foto: João Miguel Rodrigues

Presidente da República

Foto: Rodrigo Antunes/Lusa

11 de outubro

O ministro das Finanças, João

Leão, apresenta o Orçamento

do Estado 2022 no Parlamento.

O Presidente da República convoca

os partidos com assento

parlamentar para uma ronda de

audiências, a decorrer no dia 15

de outubro.

12 de outubro

O PCP e o BE afirmam que vão

votar contra a proposta do OE

se não forem feitas alterações

ao documento.

Iniciativa Liberal e CDS anunciam

que vão votar contra o OE.

13 de outubro

Marcelo ameaça com a dissolução

do Parlamento e ida a

eleições caso o OE seja chumbado.

Perante essa cenário, Rui Rio

pede ao Conselho Nacional do

PSD que

reconsidere a marcação das diretas

e do Congresso para depois

da votação do OE.

15 de outubro

Começam as audiências do

Presidente da República com os

partidos.

Rio anuncia que vai propôr à direção

nacional do PSD o voto

contra a OE.

O PAN anuncia que o seu voto

está em aberto.

17 de outubro

O governo manifesta a sua vontade

em reunir com todos os

partidos que têm viabilizado o

OE nos últimos anos.

19 de outubro

Apesar de a aprovação do OE

ainda não estar garantida, João

Leão promete “contas certas” à

União Europeia.

23 de outubro

O primeiro-ministro, António

Costa, garante que vai continuar

a liderar o governo em caso de

chumbo do OE, mas salvaguarda

que vai respeitar a decisão

do Presidente da República se

este decidir convocar eleições

antecipadas.

25 de outubro

O PAN e as deputadas não inscritas

anunciam que se vão abster na

votação do Orçamento.

O PCP anuncia que vai votar contra,

o que confirma o chumbo do

Orçamento de Estado.

O PEV revela que também vota

contra.

24 de outubro

O BE anuncia que decidiu votar

contra a proposta do OE, mas

que se mantém disponível para

negociar até ao momento da

votação.

26 de outubro

O PSD Madeira mostra-se dispnível

a negociar o OE com o

governo, abrindo a possibilidade

de os três deputados eleitos

pelo círculo da ilha votarem

a favor.

27 de outubro

O OE é chumbado na generalidade

pelo Parlamento.

108 votos a favor (PS), 5 abstenções

(PAN e deputadas

não inscritas) e 117 votos contra

(restantes partidos).


Sociedade

26

A magia do brinquedo

persiste em

Sá da Bandeira

O Bazar Paris é uma das lojas mais icónicas da cidade do Porto. Numa época em que os

brinquedos são o cabeça-de-cartaz para os mais novos, fomos conhecer o momento que

a loja vive e recordamos o passado, que contou com a vizinhança de um outro bazar.

Texto:

Sara Fernandes Santos

A atual geração de crianças

é fascinada pelos

catálogos de brinquedos

das grandes superfícies

e pelos anúncios com

personagens como a Popota.

Mas antigamente,

eram as montras dos bazares

que despertavam

a imaginação e o encanto

dos mais pequenos.

O Bazar Paris é o único

que mantém as suas portas

abertas, na Rua de

Sá da Bandeira. Falamos

com Luísa Villas-Boas,

responsável pelo espaço

e bisneta do seu

primeiro proprietário,

sobre o momento que a

loja vive, e as memórias

do passado, inclusive da

vizinhança que manteve

durante vários anos com

o Bazar Londres.

estar em família, vai se

vender e vai ser outra

coisa qualquer. Não estou

a ver ninguém com o

mesmo amor à camisola,

a sacrificar-se pela loja

como a família se sacrifica.

Os clientes continuam

a ser os de sempre, são

aqueles que se mantêm

fiéis ao bazar, ou

também há clientes novos

que vão surgindo

todos os anos?

Nós temos aqui clientes

que, inicialmente, vinham

pela mão dos avós,

e agora trazem os seus

netos. No entanto, temos

clientes todos os

dias, os clientes habituais

e os de passagem.

Também temos clientes

de outras zonas do país

que nos visitam quando

vêm ao Porto, e os turistas,

que ficam bastante

admirados, como é que

ainda existe um bazar

assim com tanto artigo e

tanta variedade.

E acabam também sempre

por comprar alguma

coisa?

Numa regra geral, sim,

mas outras vezes vêm só

para visitar.

Quais as maiores diferenças

entre os clientes

de antigamente e os atuais?

Procuram o mesmo

tipo de produtos ou

brinquedos ou já têm

necessidades completamente

diferentes das

gerações mais antigas?

Têm necessidades completamente

diferentes,

se bem que nós continuamos

a ter uma loja de

tradição, com brinquedos

tradicionais. Queremos

continuar com estes

brinquedos, que nos

fazem lembrar a época

de quando os nossos

avós brincavam. Agora,

as crianças, nomeadamente,

têm gostos muito

diferentes. Antigamente

vendíamos um fogão,

agora vendemos um micro-ondas,

e o mesmo

acontece com outros

brinquedos: vendíamos

carros telecomandados,

agora querem mais artigos

para consolas. Temos

que nos ir adaptando

aos tempos.

Queremos

continuar

com estes

brinquedos,

que nos

fazem

lembrar a

época de

quando

os nossos

avós

brincavam.

Foto: Bazar Paris

Pontos de Vista: O Bazar

Paris é uma das lojas

mais icónicas da cidade

do Porto, sendo a mais

antiga loja de brinquedos

da invicta. Como

é que é viver com este

estatuto?

Luísa Villas-Boas: É a

mais antiga da invicta e

a mais antiga da Península

Ibérica. Como é viver?

É viver com alegria

por termos sobrevivido,

e com alguma responsabilidade

em continuar a

manter a loja como ela é.

É importante para

vocês manterem a loja

em família?

Quando não for para


27

Sociedade

Lembra-se de ter acontecido

alguma vez

virem aqui pessoas que

tinham vindo do Londres

ou pessoas que

iam ao Londres e tinham

vindo aqui?

Tendo em conta que

agora só sobra o Bazar

Paris, o que é que acha

que fez o Paris distinguir-se

dos restantes

para ter sobrevivido

até aos dias de hoje?

Os brinquedos mais

apetecidos agora são

diferentes. Antigamente

eram quais é

que eram os favoritos?

Antigamente, o pião de

lançar, o cavalinho de

madeira, uma boneca.

Hoje em dia as crianças

brincam menos tempo.

A partir dos sete, oito

anos deixam de brincar,

começam a querer outro

tipo de artigos e de tecnologias

e, desse modo,

estamos mais limitados

nas idades dos brinquedos.

As crianças, e sobretudo

os pais, querem

coisas para construir,

que puxem pela imaginação,

muitas das vezes

para tirar os mais novos

da frente da televisão ou

dos computadores por

um bocadinho, preferem

jogos construções desse

género.

Fazendo a pergunta de

uma forma mais pessoal:

cresci a ouvir várias

histórias de família

em que os pais traziam

aqui os filhos. Eles ficavam

sempre muito

fascinados com as montras,

os brinquedos direitinhos

e vistosos, e

era sempre assim em

dezembro. Continua a

assistir a este tipo de

fascínio por parte das

gerações mais novas,

ou até mesmo dos adultos

que cresceram com

o bazar?

Continua a haver o

mesmo tipo de fascínio

pelos adultos e pelas

gerações mais novas,

mas menos, porque os

pais trazem-nos pouco.

Ouço muitas vezes pais

a queixarem-se que não

podem trazer um filho a

uma casa de brinquedos,

“não vou trazer o meu

filho aqui porque ele vai

pedir-me tudo”. Penso

que os mais velhos estão

a evitar vir às compras

com os mais novos,

precisamente para que

eles [os mais novos] não

peçam e [os pais] não entrarem

em despesa. Isso

tira um bocadinho o fascínio.

Também ouço dizer

várias vezes “sabes,

aqui era onde o papá

comprava os brinquedos

quando era pequenino,

mas agora nós não

porque agora vamos ao

supermercado”. É triste,

mas é a vida.

A Luísa é bisneta do

primeiro proprietário

da loja. Que memórias

tem da loja quando era

criança?

Conheci muito bem o

meu avô, foi ele que me

passou o bichinho pelo

Bazar. Vinha aqui ajudar

o meu avô com quatro,

cinco anos. Como só fui

para a primeira classe, a

minha creche era aqui,

a minha mãe trabalhava

cá e eu brincava aqui, a

imitar as funcionárias a

vender. No final do dia,

ajudava o meu avô a fazer

as contas. Cada empregada

tinha um talão,

cada um com uma cor

diferente, então eu separava

os talões pelas

cores, e no final da semana

o meu avô dava-me

um tostão por essa ajuda.

Essas são as primeiras

recordações que eu

tenho daqui.

Na loja ao lado, que

agora é a loja de uma

operadora, funcionou

também um outro bazar,

que era o Bazar

Londres. Como é que

foi essa concorrência?

Foi uma concorrência

muito boa, muito leal e

muito saudável, que não

é a concorrência que

existe hoje em dia, com

outras organizações.

Isto apesar de estarmos

aqui um ao lado do outro

e cada um puxar a brasa

para a sua sardinha! Todos

nós queríamos ter

as novidades, fazíamos

quase uma competição

nas montras, quem é que

tinha primeiro o artigo…

existia essa rivalidade,

mas as pessoas conheciam-se

e cumprimentavam-se.

Em relação aos

preços e promoções,

era quase combinado e

unânime. Hoje em dia

é selva, é o “salve-se

quem puder”.

Sim, muitas vezes aconteceu

aos nossos clientes.

Existiam clientes

mais fiéis ao Paris e outros

mais fiéis ao Londres,

mas quando não

havia um artigo, trocávamos.

Também acontecia

muito termos um

cliente muito bom da

casa a pedir um produto

que não tínhamos, mas

que o Londres tinha, e

irmos lá pedir emprestado

o artigo para o vendermos

aqui, de modo

a não perdermos o cliente.

Aconteceu igualmente

ao contrário, com

o Londres, mas também

com o Bazar Esmeriz, na

Rua dos Clérigos, com o

Bazar dos Três Vinténs...

eram bazares e comércio

tradicional antigo, onde

todas as pessoas se conheciam

e se respeitavam.

Claro que cada um

fazia o melhor por si.

Tem memórias também

de outros bazares icónicos

da cidade do Porto?

Sim, do Bazar dos Três

Vinténs, do Bazar Esmeriz,

lembro-me muito

bem… aliás, o meu

avô era muito amigo do

dono do Bazar Esmeriz,

e eu lembro-me de, às

vezes o senhor passar aí

e o meu avô estar à porta,

a conversar com ele.

Tenho essas memórias

todas, por ter crescido

aqui. Não nasci cá, mas

foi como se tal tivesse

acontecido.

Persistência. Ter alguém

que continue. Por exemplo,

o Bazar Londres não

teve ninguém que continuasse,

enquanto que

aqui tivemos a sorte de

ter sempre alguém que

continue. Se vai continuar

depois de mim? O

futuro a Deus pertence,

não lhe sei dizer… Mas

uma das razões pelas

quais o Bazar Londres

fechou foi precisamente

essa, não ter seguidores,

ou melhor, os seguidores

não quererem continuar.

E aqui foi haver

seguidores, quem aposta

e gosta disto, quem

vista a camisola e queira

continuar a trazer a magia

à cidade, a magia do

brinquedo.

Continua a

haver o

mesmo

fascínio

pelos

adultos

e pelas

gerações

mais novas,

mas menos,

porque os

pais

trazem-nos

pouco.


Sociedade

28

2022 na Justiça port

os casos que vão ma

Todos os anos, a chegada do novo ano é o momento ideal para fazer ante-visões, e a

Justiça não é exceção. Neste artigo, reunimos os principais casos judiciais que vão ter

desenvolvimentos ao longo de 2022.

Texto: Sara Fernandes Santos

Tancos

Foto: Lusa

A decisão do

caso, que esteve

marcada para outubro

de 2021, será

conhecida a 07 de

janeiro. O Ministério

Público (MP) pede

a absolvição de 11

dos 23 arguidos, incluindo

o ex-ministro

da Defesa, Azeredo

Lopes. A pena

mais grave é pedida

para João Paulino,

que confessou ser

o responsável pelo

crime, e pode agora

enfrentar nove a

dez anos de prisão.

O episódio

ocorrido em 2017

consistiu no roubo

e posterior recuperação

de armas

dos paióis de Tancos,

em Santarém. A

acusação indica que

a recuperação terá

sido encenada por

elementos da Polícia

Judiciária Militar e

que Azeredo Lopes

teria conhecimento

da mesma. O ministro

acabou por se

demitir em outubro

de 2018, desejando

evitar que as Forças

Armadas fossem

“desgastadas pelo

ataque político”.

São vários

os crimes que estão

em causa neste

processo, entre os

quais terrorismo,

associação criminosa,

denegação de

justiça, prevaricação,

falsificação de documentos,

tráfico de

influência, abuso de

poder e detenção

de arma proibida.

Comandos

Em setembro

de 2016, os recrutas

Dylan da Silva e

Hugo Abreu morreram

numa prova militar

do curso 127 dos

Comandos, em Alcochete.

A leitura do

acórdão vai ter lugar

no tribunal de Monsanto,

em Lisboa, durante

o primeiro mês

do ano. O MP pede

a condenação de cinco

dos 19 arguidos,

com penas entre os

dois e os dez anos

de prisão. Ricardo

Rodrigues, instrutor,

deve enfrentar a

pena mais gravosa,

por abuso de autoridade

com ofensa à

integridade física.

Caso Selminho

Os arguidos do caso dos comandos.

Foto: Daniel Rocha

Rui Moreira,

presidente da Câmara

Municipal do

Porto, é acusado de

prevaricação por favorecer

a imobiliária

da família, da qual é

sócio, em detrimento

do município. Em

causa está a construção

de um edifício

habitacional na

Calçada da Arrábida.

A leitura do acórdão

está marcada para

21 de janeiro e o MP

pede pena suspensa

e perda de mandato

para o autarca.

Rui Moreira pode perder o mandato na Câmara do Porto.

Foto: João Porfírio/Observador

Operação Marquês - Julgamento de José Sócrates

Naquela que

terá sido a leitura

de um acórdão

mais mediática

de Portugal, José

Sócrates foi acusado

de branqueamento

de capitais

e falsificação de

documentos. O

início da resposta

em tribunal do

ex-primeiro ministro

está marcada

para este ano.

Sócrates no dia da leitura do acórdão da Operação

Marquês. Foto: André Luís Alves/Global Imagens


29

Sociedade

uguesa:

rcar o ano

Caso BES/GES

No dia 06

de janeiro, vai ser

ouvida a última

testemunha do

julgamento de Ricardo

Salgado.

No que respeita o

processo do GES

(Grupo Espírito

Santo), a instrução

pode ter início

nos primeiros meses

de 2022. Ao

todo, o caso conta

com mais 24 arguidos,

para além

do antigo presidente

do Banco

Espírito Santo.

A fuga de João

Rendeiro foi um dos

temas que marcou o

final de 2021 em Portugal.

Em dezembro,

o ex-banqueiro acabou

por ser detido na

África do Sul, onde

se encontrava hospedado

num hotel de

luxo em Durban. No

último dia do ano, a

defesa de Rendeiro

entregou um recurso

para a sua libertação,

alegando que o juiz

cometeu vários erros

Ricardo Salgado foi presidente do BES entre

1994 e 2014. Foto: Global Imagens

Extradição de João Rendeiro

e deixou que “a sua

decisão fosse influenciada

pela opinião

pública portuguesa”.

Segundo a RTP,

a defesa do ex-banqueiro

contesta o

facto de os mandados

de detenção não

estarem autenticados

e serem escritos

em português. Os

advogados consideram

ainda que as provas

foram mal avaliadas

pelo juiz, que não

tem bases para interpretar

a lei portuguesa,

e que os indícios

são “insuficientes”

e “inadmissíveis”.

Em entrevista

à SIC, a advogada

June Marks adianta

que o seu cliente

“está com problemas

cardíacos”, que podem

ser agravados

pela tuberculose nas

prisões sul-africanas.

As condições das instalações

dessas cadeias

foram outro aspeto

contestado no

recurso, visto que a

defesa considera que

a idade do ex-banqueiro

não foi tida

em conta pelo juiz.

João Rendeiro

aguarda pela

próxima audiência

em tribunal, que

está marcada para

o dia 10 de janeiro.

João Rendeiro numa sessão

em tribunal, na África do Sul.

Foto: Luís Miguel Fonseca/Lusa

Pedrógão Grande

O processo remonta

a 2017 e diz

respeito às irregularidades

sobre a construção

de casas, na

sequência do grande

incêndio que assolou

a região em junho do

mesmo ano. Em julho

de 2018, a Visão

noticiou o desvio de

meio milhão de euros

de donativos destinados

à reconstrução

de casas de primeira

habitação para casas

não prioritárias.

Os 28 arguidos

conhecem o acórdão

a 31 de janeiro. Entre

eles está o presidente

da Câmara Municipal

de Pedrógão

Grande à data dos

factos, Valdemar

Alves. O ex-autarca

é imputado da autoria

de 20 crimes de

prevaricação de titular

de cargo político,

20 crimes de

falsificação de documento

e 20 crimes

de burla qualificada.

Ricardo Salgado foi presidente do BES entre

1994 e 2014. Foto: Global Imagens

E-Toupeira

O caso

E-Toupeira diz respeito

à corrupção

no desporto e conta

com três arguidos:

Paulo Gonçalves, antigo

assessor jurídico

do Benfica, e dois

funcionários judiciais

ligados ao Tribunal

de Guimarães: José

Silva e Júlio Loureiro.

Neste processo,

estão em causa vários

crimes, nomeadamente

de corrupção

ativa (no caso de

Paulo Gonçalves) e

passiva (nos casos

dos funcionários judiciais),

oferta ou

recebimento indevido

de vantagem, violação

do segredo

de justiça, de sigilo

e por funcionário

e acesso indevido.

O MP acredita

que o Benfica, através

de Paulo Gonçalves,

teve acesso a informações

privilegiadas

do foro jurídico que

envolviam o clube e

os seus rivais, usando

ofertas de benefícios

(tais como camisolas

e acessos exclusivos)

como moeda de troca.

A Benfica SAD

chegou a ser constituída

arguida, no

entanto, o Tribunal da

Relação de Lisboa decidiu

não levar a instituição

a julgamento.

Espera-se

que existam progressos

neste julgamento

no decorrer

do novo ano civil.

Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica, e Paulo

Gonçalves. Foto: José Coelho/Lusa


Sociedade

Sociedade

COVID-19: Aumentam os casos

de falsificação de

certificados de vacina

e testes negativos

Site falsifica certificados de vacinação e testes negativos gratuitamente. Após reforço das medidas

contra a Covid-19, o recurso a documentos falsificados é uma prática que se verifica por toda a

Europa.

30

Texto:

Leonor Costa

Tem-se verificado um

aumento na procura de

certificados falsos de

testagem e vacinação

contra a Covid-19. Esta

prática ilegal apresenta-se

como uma forma

rápida e eficaz para

as pessoas conseguirem

entrar em estádios, discotecas

e bares, após a

implementação de novas

medidas que exigem

a apresentação de teste

negativo nos estabelecimentos.

O site “Laboratório

da Santa Liberdade”

é uma das plataformas

que se dedica à

emissão e venda de certificados

falsos e tem sido

amplamente partilhado

nas redes sociais, principalmente

entre a camada

mais jovem. “Não

quer tomar a vacina contra

a Covid-19 ou perder

tempo para fazer um

teste obrigatório para

entrar num evento? Nós

temos a solução científica!”,

é este o lema da

página, segundo o jornal

Inevitável que conseguiu

aceder à mesma.

O funcionamento

do site é simples. O

utilizador introduz o seu

nome e data de nascimento

e, de seguida, apenas

necessita de optar

entre o certificado de

vacinação ou de teste

negativo. Os documentos

falsificados utilizam,

sem autorização, assinaturas

de profissionais

responsáveis por laboratórios

da Unilabs, e de

instituições como a Cruz

Vermelha Portuguesa,

do Centro de Estudos

de Doenças Crónicas

(CEDOC) e da Universidade

de Lisboa. Apesar

de parecerem reais, apenas

os certificados de

teste negativo passam

mais facilmente pelo

controlo dos estabelecimentos.

O código QR

dos certificados são inválidos

e, desse modo,

não passam nos leitores,

sendo rapidamente detetados.

De acordo com o

jornal Inevitável, o site

foi registado no início de

dezembro, a partir das

Seychelles. No entanto,

já em setembro deste

ano existia uma página

com o mesmo nome.

Nessa plataforma, muitos

dos documentos falsificados

eram preenchidos

com os nomes de

Marcelo Rebelo de Sousa,

António Costa, Graça

Freitas e Marta Temido.

O CEDOC, que

se encontra sob a responsabilidade

da Universidade

Nova de

Lisboa, já teve conhecimento

de 4 casos de falsificação

de certificados.

Em declarações à SIC,

Paulo Pereira, diretor da

CEDOC Nova Medical,

afirma que já foi apresentada

uma queixa ao

Ministério Público e a

instituição avançou com

um reforço nas medidas

de segurança na estrutura

dos testes. O objetivo

é minimizar o impacto

das fraudes, através de

um sistema que obriga a

introdução de um código

numa plataforma online,

de modo a autenticar

o certificado.

Ainda segundo a

SIC, a Polícia Judiciária

está, atualmente, a investigar

12 casos de

testes e certificados falsificados.

O crime de falsificação

de documentos

é punido com pena de

multa ou pena de prisão

até três anos.

Uma tendência na Europa

A resistência à

vacina e o reforço das

medidas de prevenção

contra a Covid-19 têm

levado muitos europeus

a recorrer às falsificações

Foto: Christophe Gateau/Getty Images

de certificados de vacina

e testes negativos.

A rede de comunicação

independente,

Euroactiv, aponta que

este problema se verifica

principalmente em

alguns países europeus

como a Alemanha, Áustria,

Itália, os países da

Europa de Leste e Balcãs.

O preço dos certificados

de vacinação e de

testes falsos varia entre

os 100 e 500.

Numa investigação

feita pelo jornal

Welt am Sonntag, a polícia

alemã já tinha registado,

a 27 de novembro,

mais de 2500 casos de

falsificação de certificados

na Alemanha. As autoridades

revelaram que

se verificou um aumento

na adesão a esta prática

após o governo alemão

estabelecer que apenas

pessoas vacinadas e recuperadas

do Covid-19

podem aceder a determinados

estabelecimentos.

A polícia disse ainda

ao jornal alemão que

suspeitam que o número

de documentos falsificados

em circulação seja

muito maior.

Em França, as autoridades

já identificaram

cerca de 182.000

passes sanitários Covid-19

falsos, desde o

verão. A 12 de dezembro,

o ministro do Interior,

Gerald Darmanin, já

tinha anunciado à rádio

RTL a investigação de

400 casos de venda de

certificados falsificados,

alguns envolvendo

profissionais de saúde.

Também a plataforma

de notícias Swissinfo

partilhou o caso

de 8.000 certificados

da vacina contra a Covid-19

falsos. Esta ocorrência

foi detetada a 23

de dezembro, no cantão

de St. Gallen e envolveu

centros de testagem

privados com acesso ao

sistema nacional de certificados.

Os documentos

já foram cancelados

e todos os envolvidos

nesta situação poderão

ser condenados à pena

de prisão ou terão de

pagar uma multa.


31

Sociedade

Greve dos médicos

adiada após

chumbo do OE2022

A greve dos médicos agendada para os dias 23, 24 e 25 de novembro foi adiada pelo Sindicato

Independente dos Médicos e a Federação Nacional dos Médicos.

Texto:

Leonor Costa

O Sindicato Independente dos

Médicos (SIM) e a Federação

Nacional dos Médicos (FNAM),

anunciaram no passado dia 6 a

suspensão da greve marcada

para o final do mês de novembro.

No comunicado assinado

pela Presidente do Conselho

Nacional do SIM, Carmo

Caldeira aponta que a decisão

“foi tomada tendo em conta o

decretamento pelo Presidente

da República da dissolução

da Assembleia da República,

anunciado em 4 de novembro

de 2021 (...)”.

O chumbo do Orçamento

de Estado para 2022 e a

dissolução do Parlamento, que

levou à convocação de eleições

antecipadas por Marcelo Rebelo

de Sousa, foram também

as razões apontadas pelo Conselho

Nacional da FNAM como

causadoras do adiamento da

greve.

No documento publicado

pela Federação Nacional

dos Médicos, a entidade volta

a reforçar as queixas da classe

profissional: “Pretende a FNAM

deixar bem claro que a degradação

das condições do Serviço

Nacional de Saúde (SNS) e das

condições laborais dos médicos

se mantém como um problema

grave e com necessidade de

resolução urgente”. Para além

disso, anuncia a intenção de

iniciar negociações de “caráter

urgente”, com o Governo a ser

formado nas eleições legislativas

marcadas para 30 de janeiro

do próximo ano.

A greve, que iria acontecer

durante os dias 23, 24 e

25 de novembro, foi convocada

no dia 13 do mês passado,

após uma reunião do SIM e da

FNAM.

Para além das propostas

“desproporcionais e desadequadas”

apresentadas no Orçamento

de Estado para 2022

que motivaram a realização da

manifestação, as duas estruturas

sindicais destacaram a falta

de investimento do Governo

no Sistema Nacional de Saúde

(SNS), as fracas condições de

trabalho para os médicos, os

baixos salários dos profissionais,

a falta de diferenciação técnico-científica

de qualidade e

a insuficiência dos serviços do

SNS, agora agravada pela pandemia.

Foto: Arquivo Wix


Internacional

32

Vacinação na Alemanha. Foto: Sascha Steinbach/EPA

Covid-19:

estará a Europa a

caminho de tornar a

vacinação obrigatória?

Depois de Indonésia, Micronésia e Turquemenistão, a Áustria foi o primeiro

país da Europa a decidir tornar obrigatória a vacinação contra a covid-19.

A medida, que à data era inédita, acabou por ser aplicada (de diferentes

formas) noutros países do velho continente que registam baixas taxas de

vacinação. Poderá esta decisão ser replicada em mais países europeus?

Texto:

Sara Fernandes Santos

Áustria: o país que deu o

primeiro passo

No dia 19 de novembro,

o governo austríaco anunciou

que a vacinação contra a COV-

ID-19 passará a ser obrigatória.

A Áustria tornou-se assim no

primeiro país europeu a tomar

esta medida, que entrará em

vigor em fevereiro de 2022.

A medida surge na sequência

do aumento de casos

de COVID-19 que se vinham

registado nos dias anteriores

ao anúncio e, segundo o

chanceler austríaco, deve-se

ao facto de a taxa de vacinação

do país ser “vergonhosamente

baixa”. De acordo com o Our

World In Data, à data de 25

de novembro, apenas 65% da

população austríaca estava

totalmente vacinada com as

duas doses, um valor que era

inferior à média da União Europeia

(UE) , que era de 67%.

Atualmente, a taxa de vacinação

completa da Áustria é

de 71%, o que já supera o valor

da média da UE, que é de

69%.

Além da obrigatoriedade da

vacina, foi também decretado

um confinamento geral da

população, que teve início a

22 de novembro e terminou,

apenas para os cidadãos vacinados,

a 12 de dezembro. Os

austríacos que não se vacinaram

só podem sair de casa

para trabalhar (mediante apresentação

de teste negativo a

cada dois dias), fazer compras

essenciais e/ou exercício físico.

Ainda antes do anúncio

feito em meados de novembro,

o governo da Áustria já tinha

decretado o confinamento dos

cidadãos não-vacinados, que

apenas podiam sair de casa

para os motivos já mencionados

acima, dar um pequeno

passeio ou ser vacinado. Esta

primeira decisão fez com que

muitos austríacos se deslocassem

aos centros de vacinação

para serem inoculados, porém,

na altura, tal não foi suficiente

para travar o crescimento do

número de infetados no país.

Na Grécia, os mais velhos

sem vacina vão ser multados

No último dia de novembro,

o governo grego anunciou

que a vacinação vai passar

a ser obrigatória para os

maiores de 60 anos. Quem não

tiver a primeira dose administrada

ou recusar a toma vai ser

sujeito a uma multa de 100 euros,

montante que reverterá a

a favor de um fundo destinado

ao financiamento dos hospitais

públicos do país. A medida entra

em vigor a 16 de janeiro e tem

como objetivo evitar a saturação

dos cuidados de saúde públicos

da Grécia.

À data de 30 de novembro,

a taxa de vacinação na Grécia

era de 64% da população,

e as marcações para a toma da

primeira dose estavam a aumentar

nos dias antecedentes. Já

no início de setembro tinha sido

decretada a obrigatoriedade da

vacinação para os profissionais

de saúde. Tal como acontece na

Áustria, os não-vacinados têm de

apresentar teste negativo no local

de trabalho, duas vezes por

semana.

Alemanha: o caminho para a

obrigatoriedade começa a desenhar-se

A 10 de dezembro, o parlamento

alemão apoiou, em larga

maioria, um projeto de lei que

obriga profissionais de saúde e

funcionários de lares de idosos

a comprovarem que têm a vacinação

completa. A medida entra

em vigor a 15 de março.

O texto do documento estende

também a possibilidade de

administrar vacinas aos dentistas,

veterinários e farmacêuticos,

de modo a agilizar a vacinação

da dose de reforço na população

alemã.

Estas medidas surgem na

sequência de um aumento de

casos exponencial na Alemanha,

que, no início de dezembro, registou

números recorde de mortos

por COVID-19. A estagnação

da taxa de vacinação foi outro

dos fatores que levou o executivo

alemão a ponderar alargar a

obrigatoriedade da vacina a todos

os cidadãos.

Os profissionais de saúde devem

estar totalmente imunizados

em vários países do velho

continente

Se a obrigatoriedade da vacina à

população geral ainda não passa

de uma pretensão de alguns

países europeus, a vacinação

obrigatória para profissionais de

saúde já é uma realidade. Itália

foi um dos primeiros países a introduzir

esta medida, em mea-


33

Internacional

dos de abril, apresentado, a

quem não queira ser vacinado,

a suspensão da atividade como

alternativa. Dados da Federação

Nacional das Ordens dos

Médicos Cirurgiões e Dentistas

revelavam que mais de 2 mil

médicos tinham sido afastados

de funções na sequência desta

medida. Em sentido contrário,

500 profissionais tomaram a

vacina e voltaram a trabalhar.

Em França, a aplicação

desta medida, decretada em

meados de setembro, gerou

alguma contestação. Além

dos profissionais de saúde,

trabalhadores de profissões

essenciais, como bombeiros e

polícias, são também abrangidos

por esta medida. Tal como

em Itália, quem não for vacinado

enfrenta uma suspensão

sem pagamento de salário.

E no resto da Europa?

Na República Checa, o

executivo de Andrej Babis pretendia

aplicar uma medida semelhante

semelhante à francesa:

profissionais de saúde e de

outros serviços essenciais serem

obrigados a vacinarem-se

para poder exercer funções.

Tal como na Grécia, os maiores

de 60 anos seriam também

abrangidos por esta norma.

Porém, com o final do

mandato do governo populista

após as eleições no país, o

futuro executivo já afirmou que

revogará a decisão, mesmo

que seja aprovada pelo conselho

legislativo do governo. Não

obstante, a ministra do Trabalho

e dos Assuntos Sociais

checa não descarta uma futura

introdução da medida.

Em novembro, o

secretário de saúde de Inglaterra

anunciou que os profissionais

da saúde pública e de assistência

ingleses deviam estar

totalmente vacinados a partir

de abril de 2022. Sajid Javid

receia que muitos destes trabalhadores

resistam a esta exigência,

provocando uma maior

escassez de pessoal nos cuidados

de saúde durante o inverno.

Em Espanha, está a

ser debatida a hipótese de

tornar a vacinação contra a

COVID-19 obrigatória para

os trabalhadores. Apesar da

aprovação do sindicato, o

Ministério da Saúde espanhol

não é a favor da medida. A alta

taxa de vacinação registada no

país, tanto na população como

entre os profissionais de saúde,

é um dos fatores que complica

a aplicação desta medida.

A Constituição Espanhola

também se afigura como um

obstáculo à aplicação de medidas

deste género, na questão

das liberdades civis: a região

autónoma da Galiza tinha adotado

um mecanismo semelhante

ao Green Pass italiano, mas

o pedido de fiscalização ao Tribunal

Constitucional por parte

do governo de Madrid fez com

que a medida fosse revertida

pelas autoridades galegas.

Na Eslováquia, foram

implementados incentivos financeiros

para a inoculação

dos maiores de 60 anos. Cada

cidadão dessa faixa etária que

opte por se vacinar pode receber

um prémio monetário até

300 euros. A Eslováquia tem

uma das taxas de vacinação

mais baixas da União Europeia,

com apenas 44% da população

completamente inoculada.

A hipótese de tornar a

vacinação obrigatória no Luxemburgo

também começa a

afigurar-se. Apesar do sucesso

da vacinação - o último

relatório, publicado a 27 de

dezembro, dava conta de 442

mil habitantes com a vacinação

completa, num total de cerca

de 635 mil habitantes - o governo

de Xavier Bettel continua

preocupado com a rejeição de

alguns compatriotas às medidas

de prevenção.

Numa conferência de imprensa

em novembro, o primeiro-ministro

luxemburguês afirmou

que a obrigatoriedade da

vacina “não pode ser excluída”

num contexto de agravamento

da pandemia. Já a ministra da

saúde descarta a medida em

termos imediatos, mas não exclui

a hipótese de vir a ser aplicada

“em certos setores profissionais”.

Em Portugal, tanto o

primeiro-ministro, António

Costa, como o Presidente da

República rejeitaram a adoção

de uma lei que obrigue os portugueses

a vacinarem-se. No

início de dezembro, Marcelo

Rebelo de Sousa considerou

que este não era um tema “na

ordem do dia”, e que Portugal

não deveria aguardar pela discussão

da UE sobre o assunto,

admitida por Ursula von der

Leyen, no dia anterior a estas

declarações.

Discussão na União Europeia:

manter os diferentes ritmos

ou chegar a um acordo?

Com o aumentar dos casos

de COVID-19 por toda a

Europa, sobretudo após o surgimento

da variante Ómicron,

e a adoção (ou a sua ponderação)

deste tipo de medidas

pelos diferentes países da UE, a

discussão sobre a possibilidade

de a própria instituição europeia

implementar a obrigatoriedade

da vacinação torna-se

pertinente. Tal foi reconhecido

pela presidente da Comissão

Europeia, Ursula von der Leyen,

no início de dezembro, em

conferência de imprensa.

a variante

ómicron

agrava a

necessidade

de vacinação.

À data destas declarações (1

de dezembro), a taxa de vacinação

média da UE situava-se

nos 66%, tendo registado uma

subida de três pontos percentuais

em 28 dias. Esse é um

dos motivos que leva Ursula

von der Leyen a acreditar

que os países devem considerar

a imposição da vacinação

obrigatória. A presidente da

Comissão Europeia alertou ainda

para o número de vacinas

que eventualmente estão a ser

desperdiçadas, e tem feito vários

apelos ao longo do tempo,

aludindo ao “número suficiente

de vacinas” de que os países

membros dispõem.

Foto: Ian Langsdon Vacinação na Grécia. Foto: Giannis Papanikos


Internacional

34

Covid-19:

África possui

apenas 9% da

população

vacinada

Os problemas de distribuição continuam a afetar

o ritmo de vacinação no continente africano. Já

nos países desenvolvidos, começaram a ser

administradas as doses de reforço da vacina

contra a Covid-19.

Texto:

Leonor Costa

A vacinação contra a Covid-19

continua a avançar nos

países desenvolvidos, onde já

começaram a ser administradas

as doses de reforço. Segundo

os dados do Our World in Data,

61% das pessoas que vivem na

Europa possuem a vacinação

completa. No entanto, apenas

9% da população do continente

africano apresenta o esquema

vacinal completo.

Com a nova variante

Ómicron, detetada pela primeira

vez a 26 de novembro, a alastrar-se

a um passo acelerado

por todo o mundo, o problema

de falta de vacinas em África

volta a ganhar uma forte atenção,

devido ao elevado risco

de surgirem novas mutações

do vírus.

Segundo a Time, Ayoade

Alakija, co-presidente da

Aliança Africana de Entrega de

Vacinas, afirmou que a atual situação

era inevitável: “A nova

variante, Ómicron, é o re

sultado do fracasso do mundo

para vacinar todos os cidadãos

de forma equitativa e eficaz”.

Ayoade Alakija ainda criticou o

comportamento dos países desenvolvidos:

“O comportamento

inconsiderado e isolacionista

do Norte Global gerou a situação

atual (...)”.

De acordo com a Organização

Mundial de Saúde

(OMS), apenas 20 países africanos

têm 10% da população

vacinada, um objetivo que deveria

ter sido alcançado em

setembro deste ano. 40% da

população vacinada foi a meta

estabelecida para o final do ano

e só seis países é que já conseguiram

atingir esta percentagem

(Seicheles, Maurícias,

Marrocos, Cabo Verde, Tunísia

e Ruanda). As Seicheles e

Maurícias são os únicos países

que conseguiram alcançar 70%.

Estes dados mostram a elevada

discrepância que existe entre

os 54 países africanos e que é

necessária solucionar.

Na reunião por vídeoconferência

que decorreu a 20

de dezembro, a diretora-executiva

da UNICEF, Henrietta

Fore, destacou os principais

problemas do processo de vacinação

em África. Para além do

abastecimento de produtos errados

e da fraca campanha de

vacinação, Fore aponta outras

falhas, como a quantidade e os

prazos de validade das vacinas

que são fornecidas pelos países

mais desenvolvidos.

O problema da falta de controlo

e da qualidade das doações

Os países em África estão

dependentes da ajuda do

exterior para conseguirem garantir

a vacinação a todos os

cidadãos.

A COVAX, uma iniciativa

liderada pela OMS, pela Aliança

para as Vacinas (GAVI) e pela

Coalition for Epidemic Preparedness

Innovations (CEPI), tem

como principal objetivo garantir

um acesso equitativo às vacinas

contra a Covid-19. A CO-

VAX trata-se de um elemento

essencial para que seja possível

atingir a imunização de 70% da

população africana, tendo já

possibilitado a entrega de mais

de 90 milhões de doses das diferentes

vacinas ao continente.

Apesar dos esforços valiosos

desta iniciativa, a COVAX,

o African Vaccine Acquisition

Trust (AVAT) e os Centros Africanos

de Controlo e Prevenção

de Doenças, assinalam num comunicado

conjunto os problemas

relacionados com a falta de

planeamento dos processos de

entrega de vacinas: “Os países

precisam de um abastecimento

previsível e fiável. Ter de planear

a curto prazo e assegurar a

absorção de doses com vida

útil aumenta exponencialmente

a carga logística sobre os sistemas

de saúde que já se encontram

sobrecarregados”, pode

ler-se no texto.

Segundo a Reuters, a 22

de dezembro, a Nigéria teve de

destruir mais de um milhão de

doses de vacinas fora de prazo

da AstraZeneca. Este é um

problema que se tem estendido

por outros países africanos

devido à quantidade elevada

de vacinas com prazos de validade

curtos que chegam ao

continente. Apesar da elevada

necessidade de vacinas por

serem países que apresentam

das taxas de vacinação mais

baixas, também a República do

Congo e o Sudão do Sul, foram

obrigados a enviar vacinas para

trás devido à impossibilidade

de serem distribuídas antes de

atingirem o prazo de validade.

Para evitar o desperdício

de vacinas e permitir aos países

africanos “mobilizar eficazmente

os seus recursos internos

em apoio à implementação

e permitir o planeamento a

longo a prazo de modo a aumentar

as taxas de cobertura”,

as organizações pedem um

esforço por parte da comunidade

internacional, fabricantes

e, principalmente, dos países

doadores.

Ter de planear

a curto prazo

(...) aumenta exponencialmente

a carga

logística sobre

os sistemas de

saúde que já se

encontram sobrecarregados.

Desta forma, no comunicado,

as instituições pedem que, a

partir do dia 1 de janeiro de

2022, os países doadores devem

liberar as vacinas “em

grandes volumes e de forma

previsível, para reduzir os custos

de transação”; as doses

doadas devem ter “no mínimo

10 semanas” de validade quando

chegam ao país onde vão

ser aplicadas; os países que recebem

as vacinas devem ficar

a conhecer a disponibilidade

das vacinas “não menos de 4

semanas antes” de as receberem.

Para além disso, todos os

acessórios necessários para o

processo de vacinação, como

seringas e diluentes, devem

ser enviados juntamente com

as vacinas de forma a assegurar

uma “rápida alocação e absorção”.


35

Internacional

Foto: Wojtek Radwanski / AFP

Crise Migratória agrava-se entre

Polónia e Bielorrússia

Segundo as autoridades polacas, na passada semana foram detidas 50 pessoas na chegada à

fronteira da Polónia com a Bielorrússia. Milhares de migrantes encontram-se encurralados na

tentativa de entrar na União Europeia.

Texto:

Maria Castro

Atualmente, mais de

dois mil migrantes estão

entre estes dois países,

sem condições básicas

ou acesso a bens essenciais

e em acampamentos

precários, expostos

a temperaturas

muito baixas. Em resposta

ao escalar da crise

migratória, a Polónia

destacou quinze mil

militares para a fronteira

que tentam impedir

e apreender cidadãos

vindos da Ásia e Médio

Oriente com objetivo de

entrar na UE.

A recente lei

aprovada permite aos

militares polacos reenviar

todos os que tentem

entrar no país sem documentação,

sem dar início

a um processo de

asilo. Para além disso,

está a ser discutida a

construção de um muro

com vigilância ao longo

de toda a fronteira, com

apoio financeiro do Conselho

Europeu.

O primeiro-ministro

polaco, o presidente

do Conselho Europeu,

Charles Michel e vários

líderes europeus acusam

o regime do Presidente

Bielorusso, Alexander

Lukashenko, aliado ao

regime russo de Vladimir

Putin, de orquestrar a

crise migratória, encorajando,

de forma imoral,

a migração para “destabilizar

a situação na União

Europeia” (Mateusz

Morawiecki, primeiro-ministro

polaco). Do

outro lado, o Kremlin

recusa a acusação e afirma

que a União Europeia

não está a responder à

crise dos migrantes com

os seus valores humanitários.

Os cidadãos,

maioritariamente do

Iraque, Afeganistão e

Síria, chegam de avião

à Bielorrússia, onde se

deslocam até à fronteira

polaca. Desde as

sanções impostas ao regime

bielorusso que a

chegada de migrantes à

fronteira tem-se verificado

em grande escala, assim

como as acusações

de ambos os lados do

conflito de maltratar os

migrantes. As sanções

surgiram em junho deste

ano, após acusações de

violações dos direitos

humanos e repressão da

manifestação da sociedade

e da oposição democrática.

Para a próxima semana,

a União Europeia

irá aumentar as sanções

devido à situação de

emergência na fronteira

com a Polónia e também

na Varsóvia. Ursula von

der Leyen, presidente

da Comissão Europeia,

avisou que a UE vai implantar

mais sanções a

pessoas e empresas na

Bielorrússia, juntamente

com os EUA que irão

impor penalidades contra

o país no início de

dezembro.


Internacional

36

Foto: Getty Images

Mulheres afegãs precisam

de ser acompanhadas por

um homem para viagens

com mais de 70 quilómetros

Os Talibãs proíbem mulheres de viajar sem a companhia dos homens. A repressão dos direitos das

mulheres continua a aumentar no Afeganistão.

Texto:

Leonor Costa

O regime talibã introduziu uma

nova regra para as mulheres do

Afeganistão. A medida anunciada

pelo Ministério para a Promoção

da Virtude e Prevenção

do Vício, a 26 de dezembro, indica

que as mulheres que pretendam

realizar viagens com

mais de 72 horas devem ter

a companhia de um parente

próximo masculino, como pai,

marido ou irmão.

Para além dessa orientação,

o porta-voz do

ministério, Sadeq Akif Muhajir,

informou à AFP que os motoristas

apenas devem disponibilizar

transporte a mulheres que

estejam a utilizar o hijab, e que

não devem ouvir música dentro

do carro durante as viagens.

Esta é a mais recente medida

aplicada pelo governo talibã,

que tomou o poder no Afeganistão,

a 15 de agosto deste

ano. Apesar das constantes

promessas das autoridades

governamentais em relação à

proteção dos direitos básicos

e fundamentais das mulheres,

tem-se verificado um apertar

das regras que restringem a

liberdade feminina, provocando

assim um grande recuo nos

avanços alcançados durante os

últimos 20 anos, após a queda

do regime talibã em 2001.

No final de novembro, já

tinham sido anunciadas medidas

restritivas para as mulheres

afegãs. O governo proibiu a

transmissão de qualquer novela

ou série com atrizes e pediu

que todas as mulheres jornalistas

começassem a usar hijab

enquanto apresentam.

Segundo a Amnistia Internacional,

desde que os talibãs

adquiriram o controlo de

Cabul, são vários os relatos de

mulheres que foram impedidas

de voltar para os seus locais

de trabalho. As raparigas com

mais de 12 anos estão proibidas

de frequentar a escola e existe

uma “rígida segregação de

género nas universidades” que

tem prejudicado as mulheres à

procura de educação superior

e especializada.

A organização de defesa

de direitos humanos destaca

as dificuldades económicas

vivenciadas por várias famílias

provocada pela discriminação

e repressão das mulheres:

“Impedir as mulheres de trabalhar

tem acentuado problemas

económicos para muitas

famílias que, até então, aproveitavam

um salário profissional

estável, e removendo as mulheres

de cargos governamentais

deixou um grande buraco

na capacidade do estado de

governar eficazmente”, pode

ler-se no comunicado.

A Amnistia Internacional

realça a necessidade de proteger

as mulheres afegãs vítimas

de violência de género. Com a

ordem dos talibãs para o fecho

de abrigos de apoio às vítimas,

“sobreviventes – assim como

staff dos abrigos, advogados,

juízes, oficias do governo e outros

envolvidos em serviços de

proteção – correm agora risco

de violência e morte”.

A resistência

Desde a implementação do regime

talibã, as mulheres afegãs

realizam manifestações esporádicas

onde exigem o respeito

e proteção dos seus direitos.

Contudo, estes protestes

colocam a sua segurança em

risco, terminando sempre com

violência por parte de combatentes

fundamentalistas.

Durante o mês de setembro,

com um escalar das manifestações,

os Talibã anunciaram

que seriam proibidos todos os

protestos que não possuíssem

uma aprovação antecipada do

ajuntamento e dos slogans utilizados.


37

Internacional

Justiça britânica aprova pedido

dos EUA Para extradição de Julian

Assange

O Tribunal Superior de Londres aprovou, no passado dia 10 de dezembro, o pedido de recurso dos

EUA para a extradição de Julian Assange, alterando assim a decisão tomada pela justiça britânica ainda

no início deste ano.

Texto:

Leonor Costa

Julian Assange, de 50 anos,

está cada vez mais próximo de

ser extraditado para os Estados

Unidos. Um tribunal do Reino

Unido reconsiderou a decisão

tomada no início do ano, após

as garantias dadas pelos EUA.

Os Estados Unidos

acusam Julian Assange, o responsável

pela divulgação de

milhares de documentos confidenciais

das forças militares

norte-americanas, de 18 crimes

de espionagem e conspiração.

Caso seja considerado culpado,

Assange pode vir a cumprir

uma pena de prisão até aos 175

anos.

Em janeiro, a juíza Vanessa

Baraitser considerou que, ao

ser extraditado, o fundador da

WikiLeaks corria um grande risco

de cometer suicídio numa

prisão norte-americana, devido

à fragilidade do seu estado de

saúde mental.

Nas duas audiências de

recurso realizadas em outubro,

os advogados norte-americanos

comprometeram-se

a assegurar um tratamento

com humanidade ao jornalista

australiano, garantindo que

Assange não seria colocado

numa prisão de alta segurança

e que, mais tarde, poderia vir

a cumprir a pena no seu país

de origem. Estas medidas estabelecidas

pelos EUA foram

o necessário para conseguirem

ganhar a aprovação do juíz Timothy

Holroyde. O pedido de

extradição segue agora para a

ministra do Interior, Priti Patel,

para avaliação.

Barry Pollack, advogado

de defesa do jornalista, já

anunciou que Assange irá apresentar

recurso a esta decisão

do Tribunal Superior. O advogado

deixou também críticas

à atuação da justiça britânica.

Centenas de apoiantes

de Julian Assange reuniram-se

em frente ao tribunal para pedirem

a sua libertação imediata.

Stella Moris, noiva de Assange,

também esteve presente e discursou

perante o público, após

tomar conhecimento da decisão

que considera “perigosa

e errada”.

O diretor da Amnistia

Internacional na Europa, Nils

Muižnieks, rapidamente condenou

a aprovação do pedido de

extradição: “A acusação feita

pelo governo dos Estados

Unidos representa uma grave

ameaça à liberdade de imprensa,

tanto nos EUA como no estrangeiro”.

Christophe Deloire,

Secretário-Geral dos Repórteres

Sem Fronteiras (RSF)

também destacou o perigo

desta decisão para o jornalismo

livre e independente, assegurando

que a organização se

mantém ao lado do jornalista

australiano: “Acreditamos plenamente

que Julian Assange

está a ser perseguido pelas

suas contribuições para o jornalismo,

e defendemos este

caso devido às implicações perigosas

para o futuro do jornalismo

e da liberdade de imprensa

em todo o mundo”.

Julian Assange encontra-se

detido na prisão de máxima

segurança de Belmarsh,

em Londres, desde 2019. Antes

de ser detido pela polícia

britânica, o fundador da WikiLeaks

permaneceu exilado na

embaixada do Equador em Inglaterra,

durante 7 anos.

Foto: Daniel Leal-Olivas / AFP


DESPORTO

38

Max

Verstappen

é Campeão

do Mundo

de Fórmula 1

Piloto da Red Bull tornou-se no primeiro neerlandês campeão da

categoria. Título só foi decidido na última volta do último ´

Grande Prémio, num final épico.

Texto: Pedro Queirós

Foi o campeonato mais

disputado dos últimos anos. A

vitória de Lewis Hamilton no

Grande Prémio da Arábia Saudita

deixou tudo empatado na

liderança do campeonato de

pilotos: o britânico e Max Verstappen

contabilizavam 369,5

pontos cada.

Na qualificação para o

Grande Prémio de Abu Dhabi,

o último da temporada, Max

Verstappen conquistou a pole

position e ganhou ligeira vantagem

para a corrida e para

conquistar o seu primeiro título.

Lewis Hamilton, sete vezes

campeão mundial (igualando o

recorde de Michael Schumacher),

partia logo atrás do neerlandês

na corrida que o podia

tornar o piloto mais titulado de

sempre.

E o piloto britânico arrancou

melhor. Depois da primeira

curva já liderava a corrida e

aumentava a vantagem a cada

volta. A Red Bull tentou de

tudo: fez a troca de pneus mais

cedo, colocou Sergio Pérez a

travar o carro da Mercedes,

aproveitou para nova troca de

pneus de Verstappen aquando

do safety car virtual, mas nada

funcionou.

A cinco voltas do fim, o

título estava entregue: Hamilton

tinha doze segundos de

vantagem sobre o piloto neerlandês.

Christian Horner, chefe

de equipa da Red Bull, pedia

“um milagre”. E quando nem

o mais crente acreditava que

Max Verstappen ainda tinha

hipótese, o milagre aconteceu:

Nicholas Latifi, da Williams

Racing, bateu no muro depois

de se despistar na curva 14. O

safety car entrou em pista, o

pelotão ficou compacto e os

doze segundos de vantagem

deixaram de existir.

Os alarmes soaram na

box da Mercedes. Hamilton não

podia parar para não perder a

liderança, Verstappen parou e

meteu pneus macios para ter

um carro mais rápido, mas ficou

atrás de alguns carros com

voltas em atraso. Tudo dependia

do safety car e da direção

de corrida: se o safety car não

saísse, não havia oportunidade

de correr e Hamilton sagrar-seia

campeão do mundo; se Verstappen

tivesse de ultrapassar

todos os carros à sua frente até

chegar a Hamilton, não teria

tempo de sequer ver a traseira

do Mercedes, mesmo com

a obrigatoriedade de os carros

atrasados terem de abrir a

trajetória para que Verstappen

passasse; se se cumprissem

as regras, à risca, de todos os

carros atrasados passarem o

safety car para recuperarem o

atraso, não haveria tempo para

cumprir uma volta de corrida.

Michael Masi, diretor da corrida,

tinha a decisão final. Na volta

56, informou que “as ultrapassagens

não são permitidas”,

o que descansou Toto Wolf,

chefe de equipa da Mercedes,

e levou Horner a usar a comunicação

rádio para pedir o

contrário. Uma volta depois,

Masi reconsidera e diz que “os

carros atrasados podem ultrapassar

agora”, mas apenas os

que separavam Verstappen de

Hamilton. Wolf ficou visivelmente

irritado e Horner acreditou

mais do que nunca que o

título era possível.

O safety car foi levantado

para que houvesse corrida

na última volta. Verstappen,

com pneus macios, foi colocado

atrás de Hamilton, com

pneus duros já bastante gastos.

Havia uma volta para decidir o

campeonato e Verstappen não

a desperdiçou. Passou pelo

britânico e tornou-se no quarto

piloto mais novo a conquistar o

título de campeão do mundo.

Foi um final polémico

e protestado pela Mercedes,

mas a Federação Internacional

Automóvel (FIA) recusou os

protestos da construtora. Max

Verstappen é campeão do

mundo de pilotos e a Red Bull

recupera um título que fugia

desde 2013. A Mercedes venceu

o título de construtores.

Pela primeira vez, desde 2008,

o campeão do mundo não pertence

à equipa que venceu o

campeonato de construtores.

Mad Max: Take 1

Max Verstappen é filho de Jos

Verstappen, ex-piloto de Fór-


39

desporto

Foto: Kamran Jebreili/AP

mula 1. O pai nunca conseguiu

chegar perto dos títulos na

mais importante categoria do

mundo do automobilismo e

quando acabou a carreira, em

2003, dedicou-se à carreira do

seu filho, então com apenas 6

anos.

Jos Verstappen treinou e

acompanhou o filho nas categorias

de formação. O pai sempre

percebeu que o filho tinha

qualidade, mas Max era demasiado

relaxado e pensava que

tudo era fácil. Jos Verstappen

começou a exigir cada vez mais

de Max e, queria, sobretudo,

que o filho fosse mais agressivo

em pista.

É debaixo deste ambiente

rigoroso e da exigência

do pai que nasce o “Mad Max”,

alcunha pela qual é conhecido,

hoje em dia, o mais recente

campeão do Mundo de Fórmula

1: um piloto sem medo e que

acredita sempre ser possível

ganhar.

“Podemos continuar a

fazer isto nos próximos 10, 15

anos?”, disse Max Verstappen

já com a voz trémula depois de

passar a linha da meta. O neerlandês

foi educado para ser

campeão do mundo e 2021 é

apenas o início da perseguição

a Michael Schumacher e Lewis

Hamilton, no número total de

títulos.

Red Bull deu-lhe asas

Depois de quatro títulos consecutivos

com Sebastian Vettel,

entre 2010 e 2013, a Red

Bull enfrentava uma travessia

no deserto. A Mercedes dominava

a categoria com os títulos

de Lewis Hamilton (2014, 2015,

2017, 2018, 2019 e 2020) e de

Nico Rosberg (2016).

Max Verstappen chega

à Fórmula 1 em 2015, com 17

anos, pela mão da Scuderia

Toro Rosso (a equipa B da Red

Bull), e ainda detém a marca de

ser o piloto mais novo de sempre

a pilotar um carro de Fórmula

1, com 17 anos e 166 dias.

No seu ano de rookie consegue

pontuar no Grande Prémio da

Malásia e tornar-se no piloto

mais novo de sempre a pontuar

na Fórmula 1, com 17 anos e

180 dias.

No ano seguinte, chega

à casa-mãe, a Red Bull Racing.

Não haveria melhor maneira

de se apresentar e de justificar

a aposta de Christian Horner,

chefe de equipa, na sua contratação:

venceu o Grande Prémio

de Espanha na sua primeira

corrida pela nova equipa.

A Red Bull tornou-o primeiro

piloto para os anos seguintes e

foi a grande aposta da equipa

para quebrar a hegemonia da

Mercedes e de Lewis Hamilton.

O seu caráter

agressivo em pista e alguma inexperiência,

fizeram com que

o início da carreira na Red Bull

fosse marcado por alguns acidentes.

Horner sempre confiou

que o investimento em Verstappen

iria dar frutos e o neerlandês

conquistou o primeiro

título em 2021, com 24 anos,

dois meses e doze dias.

É o quarto piloto mais

novo de sempre a ser campeão

do mundo atrás de Sebastian

Vettel, pela Red Bull em 2010

(22 anos, quatro meses e onze

dias); Lewis Hamilton, pela

McLaren em 2008 (23 anos,

nove meses e vinte e seis dias).


DESPORTO

40

Sporting e Benfica fazem

história na Champions, Porto

luta por um lugar na Liga

Europa

As equipas de Lisboa conseguiram garantir a passagem aos oitavos de final da Liga dos

Campeões após acabarem em segundo lugar nos respetivos grupos. Já o Porto não

sobreviveu ao chamado “grupo da morte” e foi empurrado para o play-off da fase

a eliminar da Liga Europa.

Texto:

Sara Fernandes Santos

A fase de grupos da Liga dos

Campeões terminou no dia 09

de dezembro e ficamos a conhecer

as 16 equipas que lutam

pelo troféu mais importante do

futebol de clubes europeu. As

equipas portuguesas tiveram

destinos diferentes, sendo que

as duas que seguem em frente

na prova milionária fizeram

história.

O Sporting já tinha garantido

o apuramento na

penúltima jornada da fase de

grupos, ficando em segundo

lugar do grupo C, o único dos

oito grupos que chegou à última

jornada com as posições já

definidas.

Esta é a segunda vez na

história do clube em que os

leões alcançam os oitavos-de-final,

sendo que a única vez em

que tal aconteceu foi na época

2008/09. Na altura, o Sporting

tinha ficado em segundo lugar

do seu grupo, mas foi eliminado

pelo Bayern de Munique

nos oitavos-de-final. Os leões

vão agora defrontar o Manchester

City, dos portugueses

Bernardo Silva, João Cancelo

e Rúben Dias, que venceu o

grupo A.

Por sua vez, o Benfica,

vai defrontar o Ajax, vencedor

do grupo do Sporting, nos oitavos-de-final.

A vitória de 3-0 imposta

ao Barcelona no Estádio

da Luz terá sido fundamental

para a passagem das águias a

esta fase, que não alcançavam

desde a época 2016/17. Os encarnados

conseguiram assim

eliminar a equipa catalã, que

apesar da fase negativa que

atravessa, era uma das principais

candidatas à conquista do

troféu.

A última vez que os blaugranas

não conseguiram passar

da fase de grupos foi na época

2000/01, quando acabaram em

terceiro lugar do seu grupo,

tal como este ano, e foram encaminhados

para a Liga Europa.

Os jogos dos oitavos-de-final

da Liga dos

Campeões foram conhecidos

na tarde da passada segunda-feira,

13 de dezembro, com

alguma controvérsia à mistura.

O sorteio teve de ser repetido,

após terem sido verificados

alguns erros. Primeiramente,

Villarreal e Manchester United

foram emparelhados, algo

que não era possível pelo facto

de ambos terem feito parte

do mesmo grupo. De seguida,

quando a bola do Atlético

de Madrid foi sorteada, a bola

do Manchester United não foi

incluída no pote dos possíveis

adversários, ainda que não existisse

qualquer condicionalismo

que impedisse um confronto

entre as duas equipas.

Pelo último motivo, a equipa

madrilena, a quem tinha

saído em sorte o Bayern de

Munique, contestou o sorteio.

Já o Real Madrid, a

quem tinha calhado o Benfica,

mostrou o seu desagrado com

a repetição do sorteio, visto

que os erros foram dados após

o sorteio da bola do clube. De

acordo com o resultado do

primeiro sorteio, o Sporting

teria de defrontar a Juventus,

tal como Messi e Ronaldo teriam

encontro marcado nos relvados,

num PSG – Manchester

United. O único duelo que se

manteve igual nos dois sorteios

foi o Chelsea – Lille.

Já o Porto teve sorte diferente:

a derrota com o Atlético

de Madrid empurrou os azuis e

brancos para o play-off da fase

a eliminar da Liga Europa. Apesar

do histórico recente de campanhas

europeias bem-sucedidas,

os dragões não foram

além de um terceiro lugar no

grupo B, considerado “o grupo

da morte” da atual edição da

Liga dos Campeões.

Na sequência do novo

formato da Liga Europa, o Porto

terá agora de vencer a Lazio,

segunda classificada do grupo

E, para seguir em frente nesta

prova. Recorde-se que o treinador

dos dragões, Sérgio Conceição,

foi jogador da equipa

romana, entre 1998 e 2000 e,

posteriormente, em 2003.

Desde que conquistou a

Liga Europa, na época 2010/11,

o Porto ficou de fora das fases

a eliminar da Champions

em apenas quatro vezes: nas

épocas de 2011/12, 2013/14

e 2015/16, quando ficaram em

terceiro lugar na fase de grupos,

e na época 2019/20, onde

falharam a fase de grupos após

terem perdido com o Krasnodar.

Nos quatro casos, os

dragões foram encaminhados

para a Liga Europa.

Quem também vai estar

neste play-off será o Sporting

de Braga, que não conseguiu

o primeiro lugar do grupo da

Liga Europa após empatar

com o Estrela Vermelha [Crvena

zvezda]. Os Guerreiros do

Minho vão agora enfrentar o

Sheriff Tiraspol, terceiro classificado

do grupo D da Liga dos

Campeões.

Foto: Getty Images


41

desporto

Foto: Vitor Chi

Jorge Jesus de saída do Benfica

Era o desfecho pelo qual muitos benfiquistas ansiavam, mas as circunstâncias em que se deu

apanharam o país de surpresa. Jorge Jesus deixa o Benfica após época e meia desde o seu

regresso à Luz, marcado pela falta de títulos e desempenhos muito aquém das expectativas.

Quem assume agora o cargo é Nélson Veríssimo, treinador da equipa B dos encarnados.

Texto:

Sara Fernandes Santos

A dois dias do importante jogo

com o FC Porto, o Benfica oficializou

a saída de Jorge Jesus

do comando técnico da equipa.

O treinador de 67 anos deixa o

clube após época e meia, sem

conquistar nenhum título e

com um desempenho dececionante,

sobretudo na passada

temporada. A notícia foi confirmada

pelas águias através

de um comunicado, ao qual se

seguiu uma curta declaração

à imprensa do presidente do

clube e do treinador, sem direito

a questões dos jornalistas.

Rui Costa agradeceu à

equipa técnica pelo trabalho

que desenvolveu nos encarnados:

“Não era o desfecho que

ambicionávamos, trabalhámos

arduamente para chegar ao

fim deste ano com objetivos

cumpridos. Mas com a mesma

frontalidade com que sempre

trabalhámos juntos, chegámos

à conclusão que era o melhor

para ambas as partes”.

Apesar da desilusão,

Jorge Jesus reforçou a ideia

deixada pelo presidente do

Benfica: “Este projeto que abracei

com muito coração chegou

ao fim. Vim para o Benfica

a pensar que sou uma solução

e não um problema. Achei que

esta decisão seria a melhor

para ambas as partes. A minha

vida vai continuar”.

No mesmo comunicado,

o Benfica esclarece também

que “cumprirá com todas as

obrigações contratuais até ao

término do vínculo laboral existente”,

ou seja, que Jesus

continuará a auferir o mesmo

salário até junho de 2022, altura

em que o contrato entre as

duas partes cessava, a não ser

que “Jorge Jesus e a sua equipa

técnica assumam novo compromisso

profissional” antes

dessa data.

Foi o clima de mal-estar

sentido no plantel que apressou

o fim da segunda “era

Jesus” no clube encarnado.

Na sequência de um desentendimento

com Pizzi, um dos

capitães de equipa, o técnico

terá afastado o jogador da sessão

de treinos do plantel. Essa

decisão não agradou ao plantel,

que, de acordo com o Record,

se recusou a treinar em

vésperas do jogo contra o FC

Porto, a contar para o campeonato.

A segunda “era Jesus” no

Benfica: quando a glória se

transforma em má memória

A apresentação de Jesus como

novo treinador dos encarnados,

em julho de 2020, terá ficado

marcada pelo compromisso

estabelecido pelo técnico,

que vivia um período de glória

após as conquistas no Flamengo,

de melhorar o rendimento

da equipa.

O investimento feito na

equipa principal de futebol

masculino do clube da Luz rondou

os 100 milhões de euros,

um recorde no futebol português

alcançado em plena pandemia.

Estes números, que superavam

o dobro do somatório

dos gastos feitos por FC Porto

e Sporting na mesma janela de

transferências, prometiam ir de

encontro às promessas deixadas

por Jesus. Porém, nem

tudo é o que parece, e o dinheiro

não foi sinónimo de sucesso

desportivo.

A derrota com o PAOK

no início da época, que impediu

o Benfica de alcançar a fase

de grupos da Champions de

2020/21, foi o primeiro grande

desaire sob o comando de Jesus

e arredou as águias de recuperarem

parte do montante investido

através da participação

na liga milionária. A derrota

com o Boavista, por 3-0, ainda

na primeira volta do campeonato,

foi outro dos principais

momentos negativos que marcaram

a época.

Mais tarde, em janeiro,

foi um surto pandémico que

assolou a equipa, que teve 17

casos de COVID-19. Esta situação

foi, na opinião do treinador

dos encarnados, a grande

culpada do insucesso desportivo

do Benfica, e o clube até

realizou um minidocumentário

sobre a situação. Mas a estes

episódios juntaram-se outras

frustrações em campo, e a


DESPORTO

42

a equipa não foi além de um 3º

lugar no campeonato: com 76

pontos somados, as águias ficaram

a 9 do Sporting, que voltou

a ser campeão ao fim de 19

anos, e a 4 do FC Porto.

O retorno de Jesus ao

Benfica nunca foi bem recebido

por uma grande parte dos

adeptos encarnados. Ao longo

desta segunda passagem do

treinador, a sua permanência

no clube foi, em vários momentos,

alvo de contestação, à qual

o próprio Jesus respondeu.

Em fevereiro de 2021,

quando o presidente do clube

ainda era Luís Filipe Vieira, o

treinador mostrou-se revoltado

com os protestos dos adeptos.

“Disseram-me agora: vai

haver um buzinão pela crise do

Benfica. Devia era haver um

buzinão para nos dar carinho! A

mim, aos meus jogadores e ao

presidente, porque não sabem

o que sofremos durante dois

meses e meio”

Mais recentemente, em

novembro, e quando questionado

por um jornalista, o técnico

negou sentir a reprovação

dos adeptos.

“Não consigo perceber

onde está essa contestação.

Não sinto isso.”

dISSERAM-ME

AGORA: Vai haver um

buzinão pela crise

do Benfica. Devia

era haver um

buzinão para nos

dar carinho! A mim,

aos meus jogadores

e ao presidente,

porque não sabem o

que sofremos

durante dois meses

e meio.

Mas poucos dias depois,

em dezembro, Jesus admitiu

não estar habituado a ser alvo

de contestação: “Para mim é

uma novidade, mas é a realidade.

E o que tenho de fazer:

tenho de continuar a tentar que

o Benfica ganhe, como fizemos

no último jogo, porque não

posso fazer nada em relação a

coisas que não dependem de

mim. Não fico feliz, não fico satisfeito,

porque não é a primeira

vez que estou a treinar o Benfica,

foram seis anos, e isso nunca

aconteceu comigo”.

Apesar de ter garantido

a qualificação para os oitavos

de final da Champions e para

a final four da Taça da Liga, os

adeptos continuaram insatisfeitos,

e a eliminação da Taça de

Portugal (frente ao Porto) terá

intensificado esse descontentamento.

Nélson Veríssimo sucede no

comando técnico, mas pode

repetir o feito de Bruno Lage?

Quem se senta agora no

banco até ao final da época é o

(até então) treinador da equipa

B do Benfica, Nélson Veríssimo.

O técnico deixou os seus

anteriores comandados na liderança

da Liga Portugal 2, no

dia em que a equipa defrontou

o segundo classificado, o

Feirense, e passou pela perda

da sua mãe. A honra do compromisso

valeu-lhe respeito

por parte dos adeptos, porém,

as expectativas não são as mais

altas.

Nélson Veríssimo já tinha

sido promovido a treinador

da equipa principal no final da

época 2019/20, na sequência

da saída de Bruno Lage.

Na temporada anterior, o atual

técnico do Wolverhampton

tinha chegado à equipa principal

quando esta se encontrava

a 7 pontos do FC Porto, em janeiro

de 2019, e conseguiu não

só anular essa distância, bem

como conquistar o título. Atualmente,

o Benfica está também

a 7 pontos da liderança (só que

desta feita dos dois rivais), o

que já valeu comparações entre

os dois momentos do clube.

Lage também tinha sido

promovido enquanto solução

provisória, mas vigente até ao

final da respetiva época, e o

seu sucesso valeu-lhe a continuidade

por (quase) mais uma

época. A esperança surge em

alguns adeptos, mas outros,

ao recordarem o insucesso de

Veríssimo na sua primeira passagem

pela equipa principal,

não acreditam numa potencial

recuperação.

Nélson Veríssimo. Foto: Sport Lisboa e Benfica


43

desporto

FUTEBOL:

Apresentado novo

treinador do

FC Barcelona:

o dia 1 do ‘Xavismo’

Antigo médio espanhol assume comando do FC Barcelona. Sucessor

de Ronald Koeman fala em “sonho tornado realidade”.

Contrato até 2024.

Texto:

Pedro Queirós

A época já vai quase a meio,

mas hoje é o dia 1 do novo FC

Barcelona. Xavi Hernández, antigo

médio do clube, foi apresentado

como novo treinador

e mostrou-se “arrepiado” com

o apoio de milhares de adeptos

na bancada. “Agradeço o

apoio dos adeptos. Não podemos

falhar com eles.”, disse o

novo treinador.

O regresso a casa não

se adivinha fácil: O FC Barcelona

perdeu Messi, tem graves

problemas financeiros e os resultados

são inconstantes. Xavi

mostra conhecer as dificuldades

que enfrenta. “Sei que

o clube atravessa um momento

difícil, mas sinto que estou

preparado”, referiu.

Se o FC Barcelona de

Ronald Koeman era apático

e conformado, o discurso de

Xavi Hernández mostra precisamente

o contrário. “Somos

o melhor clube do mundo e

vamos trabalhar arduamente

para termos sucesso”, disse o

treinador que sublinhou, ainda,

que “no Barcelona não se pode

permitir empatar ou perder”.

Com o FC Barcelona a

atravessar uma fase negativa,

o treinador já definiu a sua prioridade.

“A minha ideia é ajudar

os jogadores. A questão

psicológica é muito delicada.”,

disse. Como antigo jogador

do clube, afirma saber como é

“difícil” representar o FC Barcelona

e pretende falar com os

jogadores para “formar uma

grande equipa”.

Discípulo de Pep Guardiola,

o novo treinador garantiu

que a “intenção é jogar bem”,

mas não quer comparações

com o atual treinador do Manchester

City. Quanto à tática,

Xavi foi claro no que pretende

dentro de campo: “Queremos

ser agressivos, intensos e pressionantes”,

disse.

O FC Barcelona ocupa a

12º posição, com 17 pontos.

Está a onze pontos do líder Real

Sociedad. Defronta, na próxima

jornada, o Espanyol, em Camp

Nou. Na Liga dos Campeões,

é o segundo classificado do

grupo E, a duas jornadas do final

da fase de grupos. Recebe

o Benfica, na próxima semana.

Foto: REUTERS/ALBERT GEA


DESPORTO

44

FUTEBOL:

Ricardinho anuncia

despedida da

seleção nacional

Foto: Rodrigo Antunes/Lusa

A estrela-maior do futsal português deixa a seleção

nacional dezoito anos depois da sua primeira internacionalização.

Texto:

Sara Fernandes Santos

187 jogos, 141 golos, um

campeonato europeu e um

campeonato mundial. São estes

os números que traduzem

os dezoito anos de Ricardinho

na seleção nacional de futsal.

O jogador de 36 anos põe um

ponto final numa “história que

termina da melhor maneira”. O

anúncio foi feito em conferência

de imprensa na Cidade do

Futebol, na passada terça-feira,

e contou com um vídeo de

homenagem ao jogador feito

pela Federação Portuguesa de

Futebol (FPF).

O ala, natural de Gondomar,

começou por descrever

a sua experiência na seleção

como uma “caminhada incrível

e inesquecível” e recordou o

início da sua carreira internacional:

“ Foi uma caminhada incrível,

obviamente com altos e

baixos, como em tudo na vida”.

No momento de explicar

os motivos que o levaram a

tomar esta decisão, o jogador

emocionou-se e prometeu continuar

a acompanhar a equipa.

Ricardinho falou também sobre

a importância que a participação

no mundial da Lituânia

teve na sua carreira.

O presidente da FPF, Fernando

Gomes, também discursou

na conferência de imprensa,

deixando um último pedido

a Ricardinho: que se despeça da

seleção num último jogo, perante

o público português. Mas

esse não será o último jogo da

carreira do jogador. Apesar de

ceder o seu lugar na equipa das

quinas, o ala, que atualmente

joga nos franceses do ACCS

Asnieres-Villeneuve 92, considera

que “ainda restam alguns

anos para jogar futsal a nível de

clubes”.

Recorde-se que Ricardinho

é o atleta mais vezes eleito

como melhor jogador de futsal

do mundo pelo portal Futsal

Planet, contabilizando um total

de seis distinções (em 2010

e depois em cinco anos consecutivos,

entre 2014 e 2018).

O jogador gondomarense alcançou

reconhecimento no

Benfica e, antes de chegar a

França, passou pelo Nagoya,

do Japão, pelo CSKA Moscovo,

da Rússia, e pelo Inter Movistar,

de Espanha.

FUTEBOL:

Lesão dita fim de

época para Lucas

Veríssimo

Foto: : Sport Lisboa e Benfica

A estrela-maior do futsal português deixa a seleção

nacional dezoito anos depois da sua primeira internacionalização.

Texto:

Sara Fernandes Santos

Acabou a época para Lucas

Veríssimo. O jogador do Benfica

sofreu uma grave lesão no

joelho no jogo do passado domingo

[07 de novembro], contra

o Sporting de Braga.

Em boletim clínico, o

Benfica confirma que o defesa

sofreu uma “entorse grave do

joelho direito com lesão multiligamentar”.

O clube anuncia

ainda que Veríssimo será alvo

de intervenção cirúrgica e,

consequentemente, terá de se

submeter a um “período prolongado

de reabilitação”, que

o impossibilitará de regressar

aos relvados no decorrer da

presente época.

O defesa central tinha

sido chamado à seleção brasileira

para os confrontos das

eliminatórias sul-americanas

de qualificação para o Mundial

2022. Na conferência de

imprensa desta quarta-feira

[10 de novembro], o selecionador

brasileiro, Tite, mostrou-se

confiante na recuperação do

jogador: “Queremos conversar

com ele por videochamada,

para nos solidarizarmos com

ele e saber o quão é importante

a saúde em qualquer que

seja a atividade profissional,

muito mais em relação ao atleta,

porque o alto nível e a performance

só são possíveis com

a saúde. E ele vai ter a força,

sim, suficiente […] para regressar

bem”.

Lucas Veríssimo é um dos

quatro jogadores do Benfica

que se lesionaram no jogo com

o Sporting de Braga. Além do

defesa brasileiro, João Mário e

Darwin Nuñez foram também

substituídos pelo mesmo motivo,

enquanto que Rafa acabou

o jogo com queixas musculares.

Os minhotos perderam

Sequeira, que tal como Veríssimo,

não jogará mais até ao final

da época.


45

desporto

Al-Newcastle:

O novo reino do

futebol mundial

Fundo de investimento da Arábia Saudita

comprou o histórico clube, por cerca de

350 milhões de euros. Newcastle passa a

deter o dono mais rico do futebol mundial.

Texto:

Pedro Queirós

Acabou o tempo em que Manchester

City e Paris SG dominavam

o mundo do futebol,

no que toca às contas bancárias.

O consórcio que liderará o

Newcastle inclui o Fundo de

Investimento da Arábia Saudita

(PIF), liderado pelo príncipe

herdeiro Mohammed bin Salman,

e a PCP Capital Partners.

Esta operação faz com que

Mohammed bin Salman passe

a ser o dono mais rico do futebol,

com uma fortuna cerca de

dez vezes superior à de Mansour

bin Zayed Al Nahyan, proprietário

do Manchester City.

Os “magpies”, quatro

vezes campeões de Inglaterra,

têm assim oportunidade de

se aproximarem dos títulos. É

esse afastamento dos lugares

cimeiros da classificação e a

perda de estatuto na Premier

League que estão na base do

descontentamento dos adeptos

com Mike Ashley, anterior

proprietário, que há muito

queria vender o clube.

O Falhanço da Operação em

2020

Já em 2020, o consórcio

saudita tinha avançado com

uma proposta para a compra

do Newcastle. As negociações

arrastaram-se e o negócio caiu.

“O processo prolongou-se,

sem fim à vista, e o acordo

comercial entre o grupo investidor

e os proprietários expirou.

Além de que a nossa tese

de investimento não se mantém,

por não existirem certezas

sobre como decorrerá a

próxima época”, justificou o

consórcio a 30 de julho.

Para além da incerteza

motivada pela pandemia, mais

duas razões inviabilizavam o

negócio: as críticas por parte

da Amnistia Internacional, que

acusou os sauditas de desrespeito

pelos direitos humanos,

e a pirataria de que era alvo

a beIN Sports, detentora dos

direitos televisivos da Premier

League na Arábia Saudita.

A mudança de proprietário

de um clube da Premier

League está sujeita a avaliação

e aprovação de todos os outros

clubes que compõem o

campeonato, bem como da

direção da Premier League.

Também estes não viam a venda

com bons olhos por considerarem

que o governo saudita

teria influência no clube por

Mohammed bin Salman, príncipe

herdeiro, ser o líder do Fundo

de Investimento da Arábia

Saudita, uma das partes do

consórcio.

O Descontentamento com

Mike Ashley

Foto: AFP

Em 2007, Mike

Ashley chegou ao

Newcastle. O dono

da Sports Direct despertou

uma grande

expectativa nos apaixonados

adeptos dos

“magpies”, desde logo

por ser alguém profissionalmente

bem sucedido no mercado

de artigos desportivos.

Esse sucesso nunca chegou

ao futebol e, 14 anos degou

ao futebol e, 14 anos depois,

o Newcastle é um clube adormecido.

A melhor classificação final

na “Era Ashley” foi o 5º lugar

na época de 2011/2012. O lado

negativo é bem mais pesado:

duas descidas de divisão, nas

épocas 2008/2009 e 2015/2016.

A estadia no Championship, em

ambos os casos, foi de apenas

uma época, mas festejar subidas

de divisão está longe de ser a

prioridade dos adeptos.

Fora das quatro linhas, o

cenário não é melhor. No que

toca ao valor de mercado, o

Newcastle é apenas 16º entre

as vinte equipas que integram a

Premier League. No capítulo da

média de espectadores por jogo,

o Newcastle ocupa o 5º lugar no

que já se jogou esta época, com

uma média de 49.904 pessoas

no St. James Park. Em 2007, os

“magpies” foram o terceiro classificado

nesse campeonato,

com uma média de

50.686 adeptos. A

queda não é acentuada,

mas espelha

o afastamento que

existe entre a direção

e adeptos e a

falta de investimento

no clube.

As críticas à liderança vêm de

todo o lado, mas há dois nomes

a destacar por entre as vozes de

descontentamento: Rafael Benitez

e Alan Shearer.


DESPORTO

46

O treinador espanhol Rafael

Benitez esteve três anos

ao leme da equipa, entre 2016

e 2019. Após sair do clube, no

final da época 2018/2019, deixou

uma carta aberta aos adeptos

intitulada “Promessas não

cumpridas e perda de confiança”,

onde afirmou que “Queria

ser parte de um projeto

neste clube”, mas que tal não

foi possível porque “a direção

do clube não tinha, nem tem, a

mesma visão que eu”, disse o

treinador.

Alan Shearer é uma lenda

do Newcastle. O ex-avançado,

retirou-se, em 2006, pelos

“magpies” e é, ainda hoje,

o melhor marcador do clube

com 206 golos. No auge da

sua carreira, rejeitou propostas

de Barcelona e Real Madrid

para assinar pelo clube do seu

coração. Como treinador, chegou

a orientar o Newcastle,

mas não evitou a descida ao

Championship, em 2009. Na

sua coluna de opinião no The

Athletic, Shearer aproveitou

para afirmar que “Mike Ashley

foi embora e quase tenho que

me beliscar para aceitar isso

como realidade”, diz antes de

acrescentar que, passado tanto

tempo sente-se “estranho”

por sentir “qualquer coisa além

de raiva e decepção” pelo seu

clube de sempre.

A Compra

O consórcio não desistiu

e passou à resolução dos

problemas que impediram o

negócio, em 2020. Especula-se

que foi feito um acordo com a

beIN Sports para resolução dos

problemas relacionados com a

pirataria, mas não há nenhuma

confirmação oficial. A Premier

League indicou ter recebido

“garantias legalmente vinculativas

de que o Reino da Arábia

Saudita não irá controlar o

Newcastle”.

É um negócio que divide

o mundo. Por um lado,

ninguém pode impedir que um

consórcio que apresenta a documentação

exigida possa ser

impedido de investir num clube

de futebol. Por outro lado, não

é claro de que forma é que se

ultrapassou a questão da pirataria

nem quais são as garantias

que a Premier League tem

que o Reino da Arábia Saudita

não terá interferência

num negócio onde o seu fundo

soberano tem 80% das ações.

As acusações da Amnistia

Internacional, sobre o desrespeito

da Arábia Saudita pelos

Direitos Humanos, não foram

referidas.

Newcastle vs Resto do Mundo

Logo após a confirmação

do negócio, a multidão saiu

às ruas de Newcastle. Festejava-se

a saída de Mike Ashley e

a nova vida do clube. “Temos

o clube de volta” foi cantado

repetidamente pelos apaixonados

adeptos “magpies”. Antes

do primeiro jogo em St. James

Park, após ser confirmada a

entrada do consórcio árabe,

mantinha-se o clima de festa.

Muitos foram aqueles que se

dirigiram ao estádio vestidos

com trajes árabes. “Somos

sauditas, podemos pagar o que

quisermos”, disse, um adepto,

à Associated Press.

Com o proprietário mais rico

do futebol, a expectativa é

grande à volta do Newcastle. A

possibilidade financeira de contratar

qualquer jogador deixa

os adeptos a sonhar com títulos

num futuro muito próximo.

Por outro lado, as

acusações da Amnistia Internacional

ganham mais força

no panorama internacional. Os

Holmesdale Fanatics, grupo

de adeptos do Crystal Palace,

mostraram uma tarja no jogo

frente aos “magpies” em que

acusam Mohammed bin Salman

de «terrorismo, decapitações,

violação dos direitos

humanos, assassinatos, censura

e perseguição”.

No lado desportivo, Jurgen

Klopp foi a voz da contestação

ao afirmar que “Com

a Superliga toda a gente ficou

justificadamente chateada. Isto

é basicamente a Superliga mas

para apenas um clube”, concluiu.

Foto: Getty Images


47

desporto

Foto: AFP

Futebol:

Coração rasteira

Agüero

Problemas cardíacos obrigam futebolista

argentino a terminar a carreira aos 33 anos.

O anúncio foi feito na tribuna de Camp Nou,

estádio do FC Barcelona, o seu último clube.

Texto:

Pedro Queirós

No passado dia 30 de

outubro, o coração de Sergio

“Kun” Agüero cedeu. Aos 41

minutos do encontro frente ao

Alavés, a contar para a 12º jornada

da La Liga, o avançado

argentino abandonou o relvado

de Camp Nou com dores

no peito. Foi-lhe diagnosticada

uma arritmia cardíaca e durante

o último mês e meio, Agüero

fez os possíveis para voltar aos

relvados. Não conseguiu.

No passado dia 15 de

dezembro, numa conferência

de imprensa em Camp Nou,

Agüero, visivelmente emocionado,

fez-se acompanhar pelo

presidente Joan Laporta. Perante

uma plateia composta

por familiares, companheiros

de equipa e pessoas amigas,

como Pep Guardiola, treinador

do Manchester City, foi direto

ao assunto: “Esta conferência

de imprensa foi convocada

para informar que decidi deixar

o futebol profissional. Os médicos

disseram-me que a melhor

decisão a tomar é deixar de

jogar”, disse o futebolista, sem

conseguir conter as lágrimas.

Sergio Agüero, ou “Kun”

Agüero, como é conhecido no

mundo do futebol, admitiu não

se tratar de uma decisão fácil.

“Tomei a decisão há dez dias.

Fiz tudo o que era possível

para ver se havia esperança,

mas não houve muita. Não foi

fácil. Quando eles [os médicos]

me ligaram e disseram que era

mesmo o fim, demorei uns dias

a processar que realmente era

o fim”, disse. Ainda assim, o

argentino não se arrepende da

decisão porque “em primeiro

lugar vem a saúde”, referiu.

O fim da carreira de Sergio

“Kun” Agüero significa,

também, um duro golpe nas aspirações

do FC Barcelona. Os

catalães tinham conseguido a

contratação do astro argentino

a custo zero, no último verão.

Numa altura que enfrentam

graves problemas financeiros

e uma profunda restruturação,

vêem-se obrigados a substituir

um dos principais elementos

do plantel.

Goleador nato

O jogador fez questão de re

cordar todos os clubes que representou,

no momento da sua

despedida. “Agradeço a todos:

ao Independiente, onde me

formei. Ao Atlético de Madrid,

que apostou em mim com 18

anos. Ao Manchester City, pois

sabem o que sinto pelo clube. E

ao Barcelona, as pessoas foram

incríveis. Sabia que vinha para

a melhor equipa do mundo. E,

por fim, agradeço à seleção argentina.

Era o que mais amava”,

disse Agüero, que admitiu,

ainda, sentir-se “orgulhoso” da

sua carreira, mas que gostava

de “ter conquistado mais títulos”.

Toda a sua carreira foi

marcada por golos. 429 golos

em 788 jogos, num total entre

clubes e seleção. Deixou a sua

marca em todos os clubes que

representou.

Agüero acabou por admitir

que, em criança, nunca esperou

“chegar à Europa” e que

o seu sonho passava por “chegar

à primeira divisão argentina”.

Pode, então, dizer-se que

o avançado argentino ultrapassou,

e muito, as suas expectativas.

“Kun” Agüero termina a

carreira como o melhor marcador

de sempre do Manchester

City e ficará para sempre ligado

ao primeiro título da Premier

League que os cityzens conquistaram

após o investimento

árabe, em 2012. O seu golo ao

minuto 94 consumou a reviravolta

(de 0-2 para 3-2) frente

ao Queens Park Rangers e confirmou

o título para o lado azul

de Manchester. É, também, o

estrangeiro com mais golos na

história do campeonato inglês.

No que toca a títulos, o

argentino venceu uma Liga Europa

e uma Supertaça Europeia

pelo Atlético de Madrid. Pelo

Manchester City, que representou

por dez temporadas,

contribuiu para a conquista de

cinco campeonatos, seis taças

da liga, uma taça de Inglaterra

e três supertaças.

Sergio Agüero teve a sua

importância também na seleção

argentina, pela qual venceu o

mundial de sub-20 por duas

vezes, foi campeão olímpico e

conquistou uma Copa América.

História com vários capítulos

Apesar de se tratar de

profissionais de futebol, devidamente

acompanhados, os

problemas cardíacos têm feito

várias vítimas nos últimos anos.

Ainda este ano, no segundo

dia do Euro 2020, Christian

Eriksen caiu inanimado nos

minutos finais da primeira parte.

O capitão dinamarquês, de

29 anos, foi socorrido, no imediato,

pelos paramédicos presentes

no estádio, com recurso

a desfibrilador. O jogador acabou

por sair do relvado consciente,

mas não voltou a jogar.

Eriksen representava o Inter de

Milão, mas os regulamentos da

Serie A não permitem que os

atletas usem desfibrilador interno.

O clube e o jogador chegaram

a acordo para a rescisão

do contrato, no passado dia 17

de dezembro.

A 1 de maio de 2019, foi

a vez do azar bater à porta de

Iker Casillas. O então guarda redes

do FC Porto, na altura com

38 anos, sofreu um enfarte do

miocárdio durante um treino.

Foi hospitalizado, recuperou a

100%, mas não voltou a calçar

as luvas. Terminou a carreira,

de forma oficial, a 4 de agosto

de 2020, quando assumiu o

cargo de assessor de Florentino

Pérez, presidente do Real

Madrid.

Em Portugal, o caso mais

mediático é o de Miklós Fehér.

O jogador húngaro, de 24 anos,

estava em campo a representar

o Benfica contra o Vitória de

Guimarães e caiu inanimado.

Foi assistido em campo e transportado

para o hospital, mas

acabou por não resistir.

Marc Vivian Foé (seleção

dos Camarões, 2003, 28 anos);

Antonio Puerta (Sevilla FC,

2007, 22 anos) e Piermario Morosini

(Livorno, 2012, 25 anos)

são outros nomes que faleceram

em campo devido a problemas

cardiovasculares. Uma das

primeiras vítimas foi Fernando

Pascoal Neves, mais conhecido

por Pavão, jogador do FC Porto,

que faleceu em campo a 16

de dezembro de 1973, com 26

anos, devido a paragem cardíaca.

O avanço da tecnologia

e do apoio aos departamentos

médicos de seleções e clubes

tem contribuído para que os

casos mais recentes não cheguem

a ser graves.


grande entrevista

HUgo Sousa:

“Quando a minha filha

mostrar os meus vídeos

de stand up aos amigos

vai ficar com vergonha,

claro”


Foto: Hugo Sousa/Facebook


Grande entrevista

50

Diz que, para ser humorista, é preciso

“um desvio qualquer que leva

a ter piada”. Hugo Sousa não sabe

o que é, mas o mais certo é ele

ter. Com uma carreira de quase 20

anos, já pisou o palco das maiores

salas do país, quer com solos de

stand up quer com projetos com

colegas de profissão. Hugo Sousa

falou com o Pontos de Vista sobre

o seu percurso até hoje. E claro,

com algumas piadas pelo meio.

Por:

Pedro Queirós

Em criança, já gostava

de comédia?

Já gostava de comédia.

Eu lembro-me que tinha

7 ou 8 anos quando descobri

que sabia contar

anedotas. Tinha alguns

amigos e familiares que

me contavam anedotas

e depois eu contava essas

anedotas a outras

pessoas. Lembro-me de

contar anedotas e as

pessoas se rirem. Lembro-me

da sensação que

tinha de fazer pessoas

rir e que ficava muito

contente. Depois, cada

vez que eu contava uma

anedota acrescentava

coisas minhas e contava

à minha maneira. Lembro-me

dessa sensação

boa de fazer rir os outros

e de ficar contente

por conseguir fazer rir.

Então podemos dizer

que, nessa altura, já

quase que escrevia texto

humorístico ao tornar

as anedotas mais

suas.

Sim, mais ou menos.

Ia acrescentando pormenores

nas anedotas

que contava. No fundo,

é um bocadinho o que

eu faço agora, mas com

piadas que eu escrevo.

Mas, hoje em dia, ainda

acontece isso. Quando

eu digo um bit novo de

stand up, nunca está

fechado. Ou seja,

quantas mais vezes

digo esse bit,

mais pormenores

acrescento. Então,

no fundo, é

uma coisa que eu

faço há muitos

anos.

Quais eram os

comediantes que

mais acompanhava?

Quando era miúdo,

gostava muito

do Herman [José].

Havia umas cassetes

de anedotas

do Cantinflas que o

meu pai tinha escondidas,

mas depois eu ia

às escondidas descobrir

onde é que ele tinha as

cassetes e ouvia as anedotas

do Cantinflas. Na

altura, não havia muitas

referências do humor.

Havia alguns programas

do Nicolau Breyner, mas

não era bem de piadas.

Aliás, nessa altura, nem

havia stand up comedy.

O primeiro espetáculo

a que eu tive acesso de

stand up foi um do Robin

Williams, gravado em

Nova Iorque, em 1996

ou 1997. Foi o primeiro

espetáculo de stand up

que eu vi puro e duro.

Quando decidiu arriscar

numa carreira como humorista?

Eu nunca arrisquei numa

carreira como humorista.

As coisas foram acontecendo.

O “Levanta-te

E Ri” ajudou, foi onde

eu comecei. Escrevi um

texto de piadas originais

para um espetáculo

porque, na altura, eu já

fazia alguns espetáculos,

e mandei uma cassete

VHS para a produção

do “Levanta-te E

Ri”. Eles convidaram-me

para ir lá logo na semana

seguinte. E aí, eu

andava na faculdade e

comecei a ter trabalho.

Depois decidi por este

caminho. Foi uma coisa

que foi acontecendo e

só depois de ter muito

trabalho na comédia, na

altura atuava em bares

a fazer stand up, é que

decidi ficar por aqui. Eu

andava na faculdade, no

curso de Educação Física,

e já sabia que não ia

ser colocado nos anos

seguintes, então aproveitei

a comédia.

Teve o apoio da sua

família?

Sim. A minha mãe sempre

me disse que só

queria que eu tirasse um

curso superior e que depois

podia fazer o que

eu quisesse da minha

vida. Então o meu objetivo

era acabar o curso

para depois andar à vontade.

Fez algum curso ou é

um autodidata do humor?

Eu não tenho nenhum

curso de stand up. Aliás,

de stand up há workshops,

mas eu pesquisava

muito na internet

porque realmente podia

haver um curso de stand

up, não um curso superior,

mas uma coisa mais

alargada. Os workshops

são uma coisa pequena.

Eu estudava muito técnicas

de stand up, lia muito

acerca do assunto. Há

várias técnicas de escrita,

há várias técnicas de

representação do humor

em palco, de stand up.

Eu lia aquilo tudo. No

início, eu pesquisava e

tentava ler tudo a que

tinha acesso. Mas depois

chega a um ponto

em que nós é que temos

de escrever as próprias

piadas, nós é que temos

de encontrar os timings.

Então, agora, é mais ou

menos como conduzir

um carro. Uma pessoa


51

Grande Entrevista

no início está muito preocupada,

mas depois,

quando já sabe, faz as

coisas sem pensar. Então,

já há muitos anos

que é isso que acontece.

É uma coisa mecânica.

Eu já sei como é que

se faz e depois é uma

questão de trabalhar

em casa. Porque isto envolve

muito trabalho de

casa.

A sua carreira iniciou

em 2003. Quais eram

as maiores dificuldades

na altura?

A maior dificuldade na

altura é que não havia o

YouTube nem havia redes

sociais. Então, em

qualquer tipo de arte

performativa, sejam comediantes,

músicos,

mágicos, o que for… ou

se aparecia na televisão

ou na rádio ou então

não se existia. Não havia

maneira de divulgar o

trabalho sem ser assim,

para grandes massas.

Eu já fazia espetáculos

em bares, mas os bares

tinham 50, 100, 150, 200

pessoas, no máximo.

Isso não chega às massas.

Então, acho que a

partir de 2006, com o

YouTube, as coisas ficaram

mais facilitadas

porque tínhamos uma

plataforma que nos permitia

mostrar o trabalho.

Se bem que, no início,

nem toda a gente ia ao

YouTube, não é como

agora. Mas depois tinha

programas no Porto Canal,

que também ajudava,

já depois do “Levanta-te

E Ri”. A maior

dificuldade era escrever

Foto: Hugo Sousa: Facebook

as piadas, que é a dificuldade

normal, depois

a divulgação do trabalho

e chegar às pessoas.

Começa a ter mais visibilidade

em 2008, no

“Bolhão Rouge” do

Porto Canal. Como surgiu

essa oportunidade?

Foi depois do “Levanta-te

E Ri”. Na altura, o

diretor do Porto Canal,

que se chamava Bruno

Carvalho, não é o Bruno

de Carvalho do Sporting.

Aliás, o Bruno Carvalho

do Porto Canal até

é do Benfica, foi candidato

à presidência do

Benfica (Foi candidato à

presidência do Benfica

em 2009 e perdeu para

Luís Filipe Vieira). Ele

foi o fundador do Porto

Canal porque ele é da

cidade do Porto e

quis criar um canal

para as pessoas

da cidade invicta.

Ele convidou-me a

mim, ao [João] Seabra

e ao Miguel 7

Estacas para fazer

um programa. Foi

muito bom porque

deu-nos liberdade

para apresentar o

formato que nós

quiséssemos. Foi

muito fixe porque

nós tínhamos muito

poucos meios

para trabalhar, até

porque era um canal

pequeno, mas,

por outro lado,

não tínhamos muitos

limites. Nós

fazíamos tudo o

que queríamos,

para o bem e para

o mal. Também

fizemos muita coisa

que não tinha piada

nenhuma, mas

houve coisas que

fizemos lá que tiveram

muito sucesso.

Aquilo era programa

semanal, em

que todas as semanas

tínhamos que

fazer um programa

novo e éramos só os

três. Basicamente, eles

davam-nos duas horas

e tínhamos um cameraman

com equipamento

para gravar os sketchs

e depois tínhamos uma

hora de direto. Então,

tínhamos que preparar

aquilo muito bem, mas

deu para aprender muito

porque nós tínhamos

que estar em todas as

frentes: na edição, na

realização, na escrita, na

representação, tínhamos

que estar em todas

as frentes para aquilo

sair bem. Às vezes saía

bem, outras vezes nem

por isso. Mas deu para

aprender muito.

Tinha João Seabra e

Miguel 7 Estacas como

parceiros. Ainda fizeram

juntos o Stand da

Comédia e agora estão

novamente juntos no

Pi100Pé (com o Fernando

Rocha). Podemos

falar numa comunidade

do humor que se junta

para este tipo de projetos?

Há, claro. A comunidade

do humor são os humoristas.

Depois há grupos.

Isto do Pi100Pé Especial

Natal acontece todos

os anos. É uma altura

em que nós nos reunimos

no final de cada ano

para fazer este projeto

e é uma macacada. E é

fixe porque muitas das

coisas que nós fazemos

aqui vêm do “Stand da

Comédia” e do “Bolhão

Rouge”. Muitas das ideias,

muitos dos personagens.

É uma coisa que

foi ficando e que nós fomos

aprimorando e trabalhando

isso.

Como é que é fazer

um espetáculo em que

o conceito é o mesmo,

mas o conteúdo é diferente,

como o Pi100Pé

Especial Natal?

Algumas coisas há todos

os anos. Há todos

os anos o Sr. Limpinho e

o Padre. Todos os anos,

o início do espetáculo é

mais ou menos o mesmo:

nós entramos os

quatro e falamos com

a plateia, mandamos

umas piadas, há muito

improviso. Depois tentamos

pôr coisas completamente

diferentes,

tentamos surpreender.

A malta vem e há coisas

que já sabe que vai ver,

outras não faz a mínima

ideia. É engraçado. Mesmo

nos quadros que nós

repetimos, o conteúdo é

diferente, mas a malta já

sabe o que vai acontecer.

Quando se ouve a música

da igreja, as pessoas

já sabem que vai entrar

o padre e já está tudo a

aplaudir. Mas é um desafio

todos os anos por-


Grande entrevista

52

Foto: Record

que lá atrás é uma confusão

que ninguém imagina,

a nível de equipamento,

de roupas, de

perucas, bigodes, carros…

Eu divirto-me muito

e é bom passar o final

do ano com eles a fazer

espetáculos porque durante

o ano anda sempre

um para cada lado

e é fixe no final do ano

juntarmo-nos para fazer

isto.

Como é que chegou à

Praça da Alegria?

Olha, não sei. Não sei

como é que o convite surgiu.

Sei que um dia estava

em casa, ligaram-me

e perguntaram-me se

eu queria fazer a Praça

da Alegria. Foi só isso.

Eu gostava que houvesse

uma história muito

grande por trás, mas

não. Eu estava em casa,

ligaram-me a perguntar

se eu queria fazer a

Praça da Alegria. Basicamente

foi isso.

Porque aceitou o trabalho

sabendo que não

se adequava ao perfil

da sua profissão?

Quando me convidaram,

disseram que era

para fazer umas piadas

e que precisavam de um

humorista. Estes programas

da manhã e da

tarde, muitas vezes tinham

uma componente

de humor. Por exemplo,

o César Mourão fez,

durante muitos anos,

personagens nos programas

da tarde da SIC.

Lembro-me do António

Feio que também fazia.

O Quim Roscas e o [Zeca]

Estacionâncio também

começaram com isso no

“1,2,3”, há muitos anos.

Eu pensei que ia ser uma

coisa desse tipo ou ir

para a rua fazer reportagens.

E isso realmente

acontecia, eu ia para a

rua fazer reportagens

e coisas mais engraçadas,

mais viradas para

o humor. Mas depois

começou essa edição

da Praça da Alegria e,

ao fim de uma semana,

eles trocaram a equipa

e trocaram o responsável

do programa. Então,

eu fiquei ali às aranhas

e eles não sabiam muito

bem o que me iam pôr a

fazer. Depois eu fiquei lá

e é aquilo que já se sabe,

que eu conto nos espetáculos

de stand up.

O Hugo usa alguns

episódios da sua experiência

na Praça da

Alegria nos seus textos

humorísticos. Para além

da parte engraçada,

chegou a ter alguma discussão

mais acesa com

alguém da produção ou

da direção?

Não. Nunca tive discussões

com ninguém.

Mesmo quando eles me

chamavam à atenção, riam-se

do que eu dizia.

Mas uma coisa é eles

rirem-se, outra coisa é

eu poder dizer coisas e

esticar a corda. Chamavam-me

à atenção, mas

nunca aconteceu nada

de grave, nem sequer

chegou lá perto.

Acaba por se dedicar a

100% ao humor e lança

o seu primeiro solo,

“Frenético”. Dado que

é o seu primeiro solo e

é algo que o vai de certa

forma apresentar em

nome próprio, sente

que esse é um termo

que o define?

Antes do “Frenético”, ou

seja até 2015, ainda fiz

muitos espetáculos de

stand up, mas não lhes

dava nome. Ia escrevendo

piadas, ia dizendo, ia

tirando outras e continuava

a escrever e isso aumentou

o meu leque de

piadas, digamos assim.

Lancei o DVD dos 10

anos de carreira também

antes do “Frenético” e

fiz outro espetáculo que

se chamava “Bês Pelos

Bês”, só que nunca fiz

tours. A primeira tour

que eu fiz, pelos teatros

do país inteiro, e considero

o meu primeiro solo

foi com o “Frenético”.

Mas, sim, pode dizer-se

que eu sou um bocado

frenético.

O solo foi uma iniciativa

sua ou foi incentivado

por alguém?

Na altura, era uma coisa

que eu queria muito

fazer e, então, eu e a

minha agência falamos e

decidimos que era uma

coisa fixe para se fazer.

Foi uma decisão tomada

em conjunto com a

minha agência, que é a

Meio Termo.

Como é o processo de

escrever um solo?

É uma trabalheira. É estar

em casa no computador

a escrever e depois

andar a ensaiar as piadas

em sítios mais pequenos,

em bares. Depois

ir juntando e corrigindo

as piadas. Quando aquilo

está mais ou menos

afinadinho é lançar. Depois,

nos teatros, dá

para fazer outro tipo

de coisas, dá para jogar

com as luzes, … É muito

diferente fazer um

espetáculo num bar ou

num teatro porque num

teatro as pessoas pagam

para ir ver e a responsabilidade

é muito

maior. Aquelas pessoas

não estão ali para beber

copos, não estão para

andar no engate, não

estão para mais nada.

Estão ali para assistir ao

espetáculo e pagaram

bilhete para isso. Enquanto

nos bares, muitas

vezes, a entrada era

gratuita e se a malta não

estava a gostar começava

a beber copos com os

amigos. Ou seja, é uma

responsabilidade acrescida,

mas é uma boa re-


53 Grande Entrevista

ponsabilidade.

Sente-se melhor a fazer

humor a solo ou a atuar

com outros humoristas?

Eu gosto dos dois. Cada

um deles tem as suas

características, são coisas

diferentes. Eu gosto

muito de fazer espetáculos

a solo, mas

depois dá-me um gostinho

especial fazer estes

espetáculos com outros

humoristas, até porque

estou com a malta e é

fixe, até porque eles

são todos muito estúpidos.

Eu sou a única pessoa

normal no mundo

da comédia, em Portugal.

Dos outros, não se

aproveita um. São todos

avariados da cabeça. Eu

acho que alguns vão-se

suicidar, a sério. Mas

são problemas deles,

eu não tenho nada a ver

com isso. Eu só lhes dou

álcool e rezo para que

tudo corra bem.

É muito diferente

fazer

um espetáculo

num bar ou

num teatro

porque num

teatro as

pessoas pagam

para

ir ver e a

responsabilidade

é

maior.

Quem está mais próximo

do suicídio?

Eu acho que o Fernando

Rocha está muito próximo.

E o [João] Seabra

também. E o Miguel [7

Estacas]. São os três. O

Miguel diz que foi um

acidente, mas eu acho

que foi uma tentativa

de suicídio, que ele teve

aqui há uns anos, ele é

que não conta. (Miguel 7

Estacas sofreu um grave

acidente, em 2015). Mas

eu nem me importava.

Se eles fossem os três, o

trabalho que eu ia ter…

Eu ia ficar com o trabalho

deles todo. Ia-me

fartar de ganhar dinheiro.

Continuou a fazer um

solo por ano. Esse era

um objetivo desde que

saiu para a estrada com

o “Frenético”?

Sim. Só não consegui

fazer no ano passado

por causa da covid, tive

que adiar para 2021.

Enquanto puder, vou

continuar a fazer. Eu

faço outras coisas, mas

o que eu gosto mesmo

de fazer é espetáculos

ao vivo. Aquilo a que

eu dedico mais tempo é

mesmo aos espetáculos

de stand up e é o que

me dá mais prazer.

Grande parte do seu

texto é sobre situações

do quotidiano e situações

do seu passado.

Mas não há piadas sobre

futebol. É um tema

“proibido”?

Não. É um tema que

eu não gosto muito. Eu

acho que faz parte do

perfil de cada um. Acima

de tudo, eu gosto

de contar piadas intemporais.

Se falar de futebol,

posso mandar uma

piada e daqui a três dias

já não vai fazer sentido.

Posso fazer uma piada

sobre um jogo e daqui

a uma semana o pessoal

já esqueceu. Essa é uma

das razões que me leva

a não fazer piadas de futebol.

Vivemos numa época

em que tudo é levado

ao extremo e reina o

politicamente correto.

Qual é o maior cuidado

a ter quando se escreve

um texto humorístico?

Só há um cuidado que

eu tenho: tentar ter piada.

Não me interessa

o tema. Posso falar do

tema mais escabroso ou

do tema mais sensível

que há. Se aquilo tiver

piada, está tudo bem.

O problema é se aquilo

não tem piada. Isto

também gera uma discussão

muito grande

porque o ter piada ou

não ter piada também

vai de cada um. Há pessoas

que me podem

achar muita piada e outras

que não acham piada

nenhuma. Isso é normal

e todos os humoristas

têm que viver com isso.

Eu esforço-me para ter

piada. Independentemente

do tema, tenho

que ter piada naquilo

que digo. Se eu achar

que tem piada, digo.

Depois vai da cabeça de

cada um achar-me piada

ou não. Eu também sei

como é o meu público.

Eu habituei o meu público

a um registo e a esses

é que me interessa fazer

rir. Se as pessoas que

não são do meu público

não acharem piada, está

tudo bem. Não posso é

desiludir o meu público.

Os humoristas tendem

a não usar muito

as redes sociais muito

devido a críticas, mas

o Hugo é bastante ativo,

nomeadamente no

Twitter. Sente que as

redes sociais são um

apoio ao seu trabalho?

Claro. Mas eu até acho

que os humoristas usam

muito as redes sociais.

E nem todas as polémicas

são más. Eu posso

mandar uma piada e se

souber que o meu público

gosta, está tudo

bem. Já aconteceu haver

essas polémicas, de

pessoal que não gosta

vir dizer mal, mas a mim

não me interessa rigorosamente

nada. Depois

interpretam mal as piadas

e confundem piadas

com opiniões pessoais,

o que é uma estupidez.

Se eu mandar uma piada

sobre doenças ou

morte, isso não quer dizer

que eu desejo morte

às pessoas ou que quero

que as pessoas fiquem

doentes. Eu não sou um

psicopata. São piadas.

Algumas são um bocado

mais polémicas. Mas é o

que é. Acontece. Mas

uma boa polémica, às

vezes, é fixe. Chegas a

muita gente e vais ganhar

mais amigos do que

perder.

Em 2020, no “Dueto”

com o Rui Sinel de

Cordes, afirmou que

gostava de fazer talk

shows e aproveitou a

pandemia para lançar

o “Podcast do Sousa”,

no YouTube. Porque

considerou importante

produzir esse tipo de

conteúdo nessa altura?

Primeiro, porque tinha

tempo. Os podcasts

são algo que eu gosto

de fazer. Fiz duas temporadas,

com oito ou

nove episódios em cada

uma, e depois parei. Parei

porque não gosto de

fazer coisas forçadas e

gosto de escolher bem

os convidados. Para fazer

um episódio com um

convidado que está lá só

por estar ou com o qual

eu não me identifico,

prefiro não fazer. É por

isso que os convidados

são quase todos humoristas,

são meus amigos,

são pessoas com quem

me dou bem. Quem

sabe se, para o ano, faço

mais uma volta.

Também em 2020, foi

comentador do Big

Brother 2020. Mais

uma vez é um palco

não muito comum para

humoristas. Como chegou

a comentador de

um reality show?

Mais uma vez, estava

em casa e ligaram-me.

Se as pessoas

que

não são

do meu público

não

acharem piada,

está

tudo bem.

Não posso é

desiludir o

meu público.

É sempre assim. Na

altura, precisavam de

um humorista para fazer

comentários do Big

Brother. Eu, às vezes,

faço piadas com isso,

com o ponto a que chegou

a minha carreira

para fazer piadas no Big

Brother, mas realmente

aquilo tem muito sumo.

É um programa que dá

todos os dias, é um reality

show, eles [concorrentes]

estão lá 24 horas

enfiados, tem muitos

cromos… Confesso que

aquilo me dava muito

trabalho, mas acho que

o resultado final era fixe.

E serviu para aprender,

senti que fui melhorando

e aprimorando as

rubricas. Tinha orgulho

naquilo que fazia, muito

sinceramente. Acho que

aquilo estava muito fixe.

Também em parte pelo

que acontecia porque

havia coisas que eu nem

precisava de acrescentar

muito porque aquilo,

por si só, já eram piadas.

Entretanto foi pai.

Tinha esse sonho?

Tinha, mais ou menos.

Eu ter, tinha, mas é como

quando queremos muito

uma coisa e sabemos

que vai dar muito trabalho.

Por exemplo, eu

sempre quis ter um cão,

mas nunca tive porque

depois tinha que limpar

a porcaria, dar banho,


Grande entrevista

54

deixar em algum lado

para poder ir de férias,

… E andava há muito

tempo na mesma situação

por causa de ter

um filho, mas achei que

estava na altura porque

já tinha 40 anos e foi

uma situação de agora

ou nunca.

O facto de ser pai mudou

alguma coisa em si

enquanto humorista?

Não. Tenho muitas piadas

acerca da paternidade.

Lá está, eu falo

de tudo o que me acontece,

normalmente um

solo serve para falar sobre

o meu último ano e

é óbvio que é um tema

que eu tinha de falar. Fiz

muitas piadas sobre a

minha filha.

As lições da Tânia Ribas

de Oliveira sobre bebés

acabaram por dar jeito?

Agora já sei tudo. Eu na

altura já sabia que gozava,

mas que um dia ia-me

cair nas costas. E caiu…

A sua filha, daqui a uns

anos, vai ver o seu trabalho.

Acha que algo o

vai envergonhar?

Vai, óbvio que vai. Quando

a minha filha mostrar

os meus vídeos de stand

up aos amigos vai ficar

com vergonha, claro.

Mas é o que põe o pão

na mesa. Portanto não

quero saber.

É o Hugo que lhe vai

mostrar ou vai esperar

que alguém lhe mostre?

Vou esperar que alguém

lhe mostre para a mãe

não dizer que culpa é

minha.

Foi muito bom. Já tinha

muitas saudades. Eu tive

um projeto a meio (Ajuntamento)

com o [António]

Raminhos, com o

Nilton e com o Guilherme

Duarte, fizemos

um espetáculo a quatro,

mas já tinha saudades

de fazer um espetáculo

a solo. Estava muito

ansioso e muito feliz, ao

mesmo tempo. Estive

quatro meses e meio

sem atuar e custou muito

esse tempo.

Também se estreou nas

novelas. Também foi

um convite?

Também foi um convite.

Eu estava em casa, tocou

o telefone … Mas isto

da novela é fixe porque

o “Festa é Festa” é uma

novela mais virada para a

comédia e para o humor.

Então aceitei. Nunca imaginei,

na minha vida,

ser ator de uma telenovela,

mas estou a gostar

muito mais do que alguma

vez imaginei.

Acaba por trabalhar

com alguns colegas…

Pois… Está lá o Pedro

Alves que é meu amigo

já há 20 anos, está

o Carlos Cunha. Depois

estão atores que eu respeito

muito e atores que

já fizeram outras coisas

de comédia. Há lá uns

que não fizeram muitas

coisas de comédia, mas

que eu acho um piadão

como o Vítor Norte, ele é

o maior. Mas é fixe estar

a fazer coisas num meio

que não é o meu. Eu

conhecia as caras, mas

não conhecia pessoalmente

quase ninguém

que está na novela. Está

a ser uma experiência

muito fixe.

uma piada natural. Para

se ser um bom humorista,

60% ou 70% é trabalho.

Houve uma altura

em que não acreditava

muito no talento. Eu

acho que o trabalho supera

claramente o talento,

ainda acho isso.

Mas para se ser humorista

tem que ser ter

qualquer coisa que leva

a ter talento, que eu não

percebi o que é. Deve

ser um parafuso a menos

ou um parafuso a mais. É

um desvio qualquer que

leva a ter piada.

Estive

quatro

meses e

meio se

atuar e

custou

muito

esse tempo.

O Hugo já é um vetera

no na comédia em Portugal.

Sente que abriu

caminho para a nova

geração de humoristas?

Eu fui fazendo o meu trabalho

e acho que os comediantes

com sucesso

abrem o caminho para

os outros. Por exemplo,

quando surgiu o Herman,

eu via o Herman

como um ídolo e queria

ter piada como ele tem.

É como na música, quando

eu era miúdo toda

a gente queria ter uma

banda como os Nirvana

e devem ter aparecido

dezenas de milhares de

bandas no mundo inteiro

por causa dos Nirvana.

Ou seja, eles abriram

caminho. Eu acho que se

fizer um bom trabalho

estou a abrir a porta para

os que vierem a seguir.

Qual é a sua opinião sobre

o estado atual do

humor em Portugal?

Isto da pandemia veio

estragar um bocado,

mas estamos num bom

caminho. Cada vez há

mais comediantes. Cada

vez há melhores comediantes.

Os comediantes

profissionais que já temos

há uns anos têm

trabalhado mais e estão

cada vez melhores.

Quando se chega ao

ponto do pessoal esgotar

Coliseus, Super Bock

Arena, Campo Pequeno,

fazer espetáculos em

praças com 10 mil ou 20

mil pessoas, como nós já

fizemos, mostra que as

pessoas gostam de humor

e querem consumir

humor. Isso deixa-me orgulhoso

e fico contente

por ver que a corrente

do humor está forte,

que as pessoas precisam

de humor, compram bilhete

e vão.

Qual é a diferença que

encontra no público do

início da sua carreira

para o momento atual?

Em 2021, voltou aos

solos com O Regresso à

(A)Normalidade. Como

foi voltar aos palcos?

O que acha que é

necessário para ser humorista?

Primeiro é preciso ter


55 Grande Entrevista

O público agora está

muito mais exigente e

eu também estou muito

mais exigente com

o meu trabalho porque

agora as pessoas têm

outras referências. Agora

com a Netflix, nós

somos comparados com

os melhores comediantes

do mundo, com o

Louis C.K., com o [Jerry]

Seinfeld, … As pessoas

já têm acesso ao melhor

stand up do mundo

e é inevitável que comparem

o nosso trabalho

com o destes humoristas.

Eu escrevo todas as

minhas piadas no computador

e, às vezes, vou

ver piadas que dizia em

2006 e não sei como tive

coragem de dizer aquilo,

é muito mau. Ou seja, há

uma evolução natural.

O público está mais exigente,

mas isso também

é bom.

Qual é a sensação quando

o público não ri?

É horrível. A pior coisa

que pode acontecer a

um humorista é o público

não rir. Mas isso acontece.

Por isso é que eu

ando a testar as piadas

novas em bares mais pequenos.

Há coisas que

eu não tenho bem noção

se funcionam ou não funcionam;

há coisas que

não acho que vão ter

piada e até têm; há piadas

que eu acho que são

muito boas e não são.

Depois cortam-se as piadas

más, ficam as boas

e reescrevem-se as que

estão mais ou menos.

Em palco também acontece.

Se mandar uma piada

ao lado, tenho que

saber lidar com isso e

mandar logo uma piada

boa ou gozar com a situação.

Há técnicas que

uma pessoa desenvolve

para tentar safar a asneira

que fizemos.

Já tem algumas experiências

em fazer

humor em inglês. Pretende

lançar-se numa

carreira internacional?

Antigamente, ia uma vez

por mês a Londres e passava

lá uma semana para

fazer stand up em inglês.

Mas isso estava a prejudicar

o trabalho que eu

tinha aqui. Entre 2008 e

2010, tentava ir uma vez

por mês a Londres fazer

espetáculos e aquilo

corria bem. Mas eu depois

percebi que se quisesse

ser comediante lá,

tinha que viver lá. Para

viver lá, tinha que abdicar

de uma carreira aqui.

Tive que tomar decisões

e decidi ficar por aqui.

Quais são os seus planos

para o futuro?

Escrever piadas. Escrever

piadas é sempre

aquilo que uma pessoa

tem que fazer e é o

meu trabalho. Depois se

é para a televisão, se é

para o palco, se é para

o YouTube, não interessa.

O meu trabalho é

escrever piadas e é isso

que eu tenho de fazer.

Quando se chega ao ponto

do pessoal esgotar Coliseus,

Super Bock Arena,

Campo Pequeno, fazer espetáculos

em praças com

10 mil ou 20 mil pessoas,

como nós já fizemos,

mostra que as pessoas

gostam de humor e querem

consumir humor. Isso

deixa-me orgulhoso e

fico contente por ver

que a corrente do humor

está forte, que as pessoas

precisam de humor,

compram bilhete e vão.

Fotos: NIT / Hugo Sous: Facebook


Cultura

56

Foto: Leonor Costa

‘Escritaria’ homenageou

Germano Almeida

O festival literário Escritaria realizou-se de 24 a 31 de outubro, em Penafiel. Germano Almeida

foi o homenageado desta 14.ª edição, que contou com um programa recheado de atividades

dedicadas à vida e obra do escritor cabo-verdiano. O penúltimo dia do evento ficou marcado

pelo lançamento do mais recente livro de Germano Almeida, “A Confissão e a Culpa”.

Texto:

Leonor Costa

As ruas de Penafiel voltaram a

servir de palco para o festival

literário Escritaria. A 14ª edição

do evento decorreu de 24 a 31

de outubro e foi dedicada à vida

e obra do escritor cabo-verdiano,

Germano Almeida.

Em declarações ao jornal

Pontos de Vista, Maria Adelaide

Galhardo, Diretora da Biblioteca

Municipal de Penafiel,

caracteriza o Escritaria como

um evento que “promove um

escritor de língua portuguesa”,

e acrescenta que “no universo

da língua portuguesa, tentamos

trazer também escritores da

comunidade dos Países Africanos

de Língua Oficial Portuguesa

(PALOP)”. Após edições

passadas dedicadas a Mia Couto,

natural de Moçambique, e

Pepetela, escritor angolano,

chegou a vez de Germano

Almeida.

Germano Almeida nasceu

na ilha da Boa Vista, do

arquipélago de Cabo Verde,

em 1945. Entre as várias obras

do autor, destaca-se “A Ilha

Fantástica”, o primeiro livro

publicado, que corresponde a

uma compilação das crónicas

que escrevia para a revista Ponto

& Vírgula, sob o pseudónimo

Romualdo Cruz. Outras das

obras mais conhecidas são: “O

Testamento do Sr. Napumoceno

da Silva Araújo”, o seu

primeiro romance publicado

em 1989; “Os Dois Irmãos”, de

1995 e a Trilogia do Mindelo,

que Germano Almeida completou

durante o Escritaria.

Em 2018, Germano

Almeida foi reconhecido com

o Prémio Camões, pelo modo

singular e autêntico que retrata

a realidade política e social cabo-verdiana

nas suas obras.

Uma semana de cultura

Após uma edição passada

marcada pela pandemia,

o festival literário organizado

pela Câmara Municipal de Penafiel,

regressou com um programa

extenso e diversificado,

destinado a todas as idades.

Para além das palestras e conversas

com o autor, o público

teve a oportunidade de assistir

a espetáculos de música, dança

e teatro. O Cinemax de Penafiel

exibiu as adaptações cinematográficas

das obras “Dois

Irmãos” e “O Testamento do

Sr. Napumoceno da Silva Araújo”,

em sessões onde os realizadores

dos filmes marcaram

presença.

Foram inauguradas exposições

na Biblioteca e Museu

Municipal, que contaram com

trabalhos de artistas locais.

Porém, a arte não se limitou

aos espaços fechados. Em vários

recantos de Penafiel, é ainda

possível encontrar os murais de

arte urbana pintados em honra

do Escritaria.

Entre a programação

oferecida pela 14ª edição do

festival, foi dado um importante

destaque ao lançamento

do livro “A Confissão e a Culpa”,

o terceiro volume que finaliza

a Trilogia do Mindelo,

de Germano Almeida. A apresentação

da obra, seguida de

uma sessão de autógrafos, realizou-se

no penúltimo dia do

evento, no Museu Municipal de

Penafiel.

“A Confissão e a Culpa”, o

lado do assassino

Em 2018, Germano

Almeida publicou “O Fiel Defunto”,

o primeiro livro da Trilogia

do Mindelo que inicia a

história sobre o assassinato

“do mais conhecido e traduzido

escritor das ilhas”. Foi durante

a sessão de lançamento

do seu mais recente e último

livro que Miguel Lopes Macieira,

foi morto a tiro pelo seu

melhor amigo, o Engenheiro

Edmundo do Rosário.

“O Último Mugido”,

publicado em 2020, dá continuidade

aos eventos que

sucederam o crime na cidade

do Mindelo, sob a perspetiva

da esposa do falecido autor.

Mariza regressa do estrangeiro

para realizar os desejos deixados

no testamento do companheiro.

Agora, “A Confissão e a

Culpa” vai permitir aos leitores

conhecer o que levou Edmundo

do Rosário a assassinar o amigo

escritor, colocando um ponto final

em todas as perguntas que

ficaram por responder. Germano

Almeida revelou ao Pontos

de Vista que a razão que motivou

o Engenheiro a cometer tal

ato de violência contra Miguel

Lopes Macieira vai surpreender

os leitores.


57

Cultura

Arménia vence Junior Eurovision

Song Contest 2021

A Arménia foi a vencedora do Junior Eurovision Song Contest 2021 com a canção Qami Qami,

interpretada por Málena. Portugal conseguiu alcançar o seu melhor resultado de sempre no

concurso, ficando em 11º lugar da classificação geral e em 3º lugar da votação online.

Texto:

Sara Fernandes Santos

Depois de um ano com um

formato adaptado às circunstâncias

pandémicas, em que a

maioria dos participantes gravou

as suas atuações em estúdios

de televisão do seu país

de origem, o Festival Eurovisão

Júnior da Canção (JESC) regressou

este ano ao formato

habitual. O espetáculo realizou-se

a 19 de dezembro no La

Seine Musicale, em Paris, após

a vitória da França em 2020,

e contou com as atuações de

jovens cantores de 19 países.

Esta foi a segunda edição com

maior número de participantes,

sendo apenas superada pela

de 2018, na qual participaram

20 países.

Com a vitória do concurso,

a Arménia viu assim o seu

favoritismo confirmado. Qami

Qami, de Málena, alcançou 224

pontos, após ter conquistado o

terceiro lugar na votação do júri

e a vitória na votação online.

Málena, de 14 anos, já tinha

sido selecionada pela emissora

pública da Arménia para o

JESC de 2020, com Why, mas a

guerra com o Azerbaijão levou

a que o país desistisse da participação

no certame.

A Polónia, vencedora

das edições de 2018 e 2019

e, por enquanto, o único país

a conseguir duas vitórias consecutivas

no certame, ficou em

segundo lugar, com 218 pontos.

Somebody, de Sara James,

conseguiu a mesma classificação

nas duas vertentes (júri e

votação online).

O pódio fica completo

com o país anfitrião. Com

Tic Tac, Enzo esteve perto de

repetir o feito da Polónia e conseguir

a segunda vitória consecutiva

para a França, porém,

o quarto lugar na votação online

não foi suficiente, apesar

da vitória na votação do júri.

A maior surpresa desta

edição do JESC é Portugal,

representado por Simão Oliveira.

O Rapaz nunca esteve

no lote de favoritos desta

edição, porém, surpreendeu os

seguidores do concurso, sendo

a canção com a maior discrepância

entre as duas vertentes

da votação: arrecadou

92 pontos da votação online,

conseguindo ficar em terceiro

lugar da mesma, mas ficou no

penúltimo lugar da tabela do

júri (ainda que em igualdade

pontual com os Países Baixos),

com apenas 9 pontos. Não obstante,

o 11º lugar foi suficiente

para Simão garantir o melhor

resultado de Portugal no concurso.

Em relação ao ano anterior,

foram oito os países que

regressaram: Albânia, Arménia,

Irlanda, Itália, Macedónia do

Norte e Portugal que, à exceção

da Arménia, não participaram

devido à COVID-19, e

o Azerbaijão e a Bulgária, que

não participavam no certame

desde 2018 e 2016, respetivamente.

Tanya Mezhentseva,

a representante da Rússia,

também voltou ao certame,

após ter participado em 2019

com Denberel Oorzhak.

Em sentido contrário,

esta foi a primeira edição do

JESC que não contou com

a presença da Bielorrússia,

porque a emissora estatal - a

BTRC - enfrenta uma suspensão

de três anos da União Europeia

de Radiodifusão (EBU).

Esta edição do JESC ficou marcada

por uma polémica a envolver

a televisão pública do

Azerbaijão. Os comentadores

da transmissão na İTV falaram

durante a atuação da Arménia,

algo que não é permitido pelos

regulamentos da EBU e que vai

contra o espírito do certame. A

EBU já reagiu, revelando que

“está à espera de esclarecimentos

com a Ictimai [İTV]” e

não fecha portas a uma possível

sanção. Em sentido contrário,

um vídeo que regista um

abraço entre as representantes

dos dois países - Sona Azizova

e Málena - foi amplamente partilhado

pelas redes sociais.

Entretanto, a EBU já confirmou

que a edição de 2022

do JESC vai ser realizada na

Arménia, não estando ainda

definido mais nenhum detalhe

sobre o certame. Recorde-se

que ao contrário do que acontece

no concurso principal, o

país que vence o JESC não é

obrigado a organizar a edição

seguinte. No entanto, a última

vez em que tal não aconteceu

foi na edição de 2018: apesar

de a vencedora da edição anterior

ter sido a Rússia, o concurso

realizou-se em Minsk, na

Bielorrússia. A decisão já tinha

sido oficializada ainda antes do

dia em que ocorreu o certame

de 2017, no qual a Bielorrússia

era uma das grandes favoritas

à vitória.

A Arménia, representada por Málena, venceu o JESC 2021. Foto: Andres Putting/EBU


Cultura

58

Grammys 2022:

Os principais

nomeados

Já são conhecidos os nomeados para a mais importante cerimónia da indústria

musical. Jon Batiste, Doja Cat, H.E.R e Olivia Rodrigo conseguem várias

nomeações.

Texto:

Leonor Costa

Os nomeados para a 64ª edição

dos Grammy Awards foram

anunciados a 23 de novembro.

A lista das nomeações foi apresentada

através de uma transmissão

em direto nas redes

sociais e contou com a participação

de alguns dos artistas

nomeados. A Recording Academy

revelou ainda aumento de

número de nomeados nas categorias

de Gravação do Ano, Álbum

do Ano, Canção do Ano e

Revelação do Ano, que passam

de 8 para 10.

Jon Batiste, músico

residente no programa Late

Show with Stephen Colbert,

foi a grande surpresa na lista

de nomeados dos Grammys,

tornando-se o artista mais nomeado

desta edição, com 11

nomeações entre as quais as

categorias de Álbum do Ano,

com We Are, e Gravação do

Ano, com Freedom.

Doja Cat, H.E.R e Justin

Bieber são os artistas que se

seguem com mais nomeações,

conseguindo arrecadar 8 indicações.

Já Billie Eilish e Olivia

Rodrigo alcançaram 7 nomeações.

A cerimónia dos Grammy

Awards de 2022 decorre

no dia 31 de janeiro, no Staples

Center, em Los Angeles e conta

com a apresentação do comediante

e apresentador, Trevor

Noah. O evento tem início

à 01:00h (horário de Portugal

Continental).

Conheça as principais

nomeações.

Foto: JATHAN CAMPBELL


59

cultura

Gravação do Ano

I Still Have Faith In You

– ABBA

Freedom – Jon Batiste

I Get A Kick Out Of

You – Tony Bennett &

Lady Gaga

Peaches – Justin Bieber

ft. Daniel Caesar &

Giveon

Right On Time – Brandi

Carlile

Kiss Me More – Doja

Cat ft. SZA

Happier Than Ever –

Billie Eilish

Montero (Call Me By

Your Name) – Lil Nas X

Drivers License – Olivia

Rodrigove The Door

Open – Silk Sonic

Álbum do Ano

We Are – Jon Batiste

Love For Sale – Tony

Bennett & Lady Gaga

Justice – Justin Bieber

Planet Her – Doja Cat

Happier Than Ever –

Billie Eilish

Back Of My Mind –

H.E.R.

Montero – Lil Nas X

Sour – Olivia Rodrigo

Evermore – Taylor Swift

Donda – Kanye West

Canção do Ano

Bad Habits – Ed Sheeran

A Beautiful Noise –

Alicia Keys & Brandi

Carlile

Drivers License – Olivia

Rodrigo

Fight For You – H.E.R.

Happier Than Ever –

Billie Eilish

Kiss Me More – Doja

Cat ft. SZA

Montero (Call Me By

Your Name) – Lil Nas X

Peaches – Justin Bieber

ft. Daniel Caesar &

Giveon

Leave The Door Open

– Silk Sonic

Right On Time – Brandi

Carlile

Revelação do Ano

Arooj Aftab

Jimmie Allen

Baby Keem

Finneas

Glass Animals

Japanese Breakfast

The Kid Laroi

Arlo Parks

Olivia Rodrigo

Saweetie

Melhor Atuação Pop

(Solo)

Anyone – Justin Bieber

Right On Time – Brandi

Carlile

Happier Than Ever –

Billie Eilish

Positions – Ariana

Grande

Drivers License – Olivia

Rodrigo

Melhor Atuação Duo/

Grupo Pop

I Get A Kick Out Of

You – Tony Bennett &

Lady Gaga

Lonely – Justin Bieber

& Benny Blanco

Butter – BTS

Higher Power – Coldplay

Kiss Me More – Doja

Cat ft. SZA

Melhor Álbum Vocal

Pop

Justice – Justin Bieber

Planet Her – Doja Cat

Happier Than Ever –

Billie Eilish

Positions – Ariana

Grande

Sour – Olivia Rodrigo

Melhor Atuação R&B

Lost You – Snoh

Aalegra

Peaches – Justin Bieber

ft. Daniel Caesar &

Giveon

Damage – H.E.R.

Leave The Door Open

– Silk Sonic

Pick Up Your Feelings –

Jazmine Sullivan

Melhor Álbum R&B

Temporary Highs In

The Violet Skies – Snoh

Aalegra

We Are – Jon Batiste

Gold-Diggers Sound –

Leon Bridges

Back Of My Mind –

H.E.R.

Heaux Tales – Jazmine

Sullivan

Melhor Canção Rap

Bath Salts – DMX ft.

Jay-Z and Nas

Best Friend – Saweetie

ft. Doja Cat

Family Ties – Baby

Keem ft. Kendrick

Lamar

Jail – Kanye West ft.

Jay-Z

My Life – J Cole ft. 21

Savage & Morray

Melhor Álbum Rap

The Off-Season – J

Cole

Certified Lover Boy –

Drake

King’s Disease II – Nas

Call Me If You Get Lost

– Tyler, The Creator

Donda – Kanye West

Melhor Atuação Cantada

Rap

Pride is the Devil – J

Cole ft. Lil Baby

Need To Know – Doja

Cat

Industry Baby – Lil Nas

X

What’s Your Name –

Tyler, The Creator ft.

Youngboy Never Broke

Again & Ty Dolla $ign

Hurricane – Kanye

West ft. The Weeknd &

Lil Baby

Melhor Gravação

Dance/Eletrónica

Hero – Afrojack & David

Guetta

Loom – Olafur Arnalds

ft. Bonobo

Before – James Blake

Heartbreak – Bonobo

& Totally Enormous

Extinct Dinosaurs

You Can Do It – Caribou

Alive – Rufus Du Sol

The Business – Tiesto

Melhor Álbum

Dance/Eletrónica

Subconsciously – Black

Coffee

Fallen Embers – Illenium

Music Is The Weapon

(Reloaded) – Major

Lazer

Shockwave – Marshmello

Free Love – Sylvan

Esso

Judgement – Ten City

Melhor Performance

Rock

Shot In The Dark – AC/

DC

Know You Better (Live

From Capitol Studio A)

– Black Pumas

Nothing Compares 2

U – Chris Cornell

Ohms – Deftones

Making A Fire – Foo

Fighters

Melhor Álbum Rock

Power Up – AC/DC

Capitol Cuts - Live

From Studio A – Black

Pumas

No One Sings Like You

Anymore Vol. 1 – Chris

Cornell

Medicine At Midnight

– Foo Fighters

McCartney III – Paul

McCartney

Melhor Álbum Alternativo

Shore – Fleet Foxes

If I Can’t Have Love, I

Want Power – Halsey

Jubilee – Japanese

Breakfast

Collapsed In Sunbeams

– Arlo Parks

Daddy’s Home – St.

Vincent

Melhor Álbum Country

Starting Over – Chris

Stapleton

The Marfa Tapes –

Miranda Lambert, Jack

Ingram and Jon Randall

The Ballad of Dood &

Juanita – Sturgill Simpson

Remember Her Name

– Mickey Guyton

Skeletons – Brothers

Osborne

Melhor Atuação

Country (Solo)

Forever After All –

Luke Combs

Remember Her Name

– Mickey Guyton

All I Do Is Drive – Jason

Isbell

Camera Roll – Kacey

Musgraves

You Should Probably

Leave – Chris Staplton

Melhor Canção Country

Better Than We Found

It – Maren Morris

Camera Roll – Kacey

Musgraves

Cold – Chris Stapleton

Country Again – Thomas

Rhett

Fancy Like – Walker

Hayes

Remember Her Name

– Mickey Guyton

Melhor Atuação

Country Duo/Grupo

If I Didn’t Love You –

Jason Aldean & Carrie

Underwood

Younger Me – Brothers

Osborne

Glad You Exist – Dan

And Shay

Chasing After You –

Ryan Hurd & Maren

Morris

Drunk – Elle King &

Miranda Lambert

Melhor Álbum Teatro

Musical

Cinderella

Some Lovers

Girl From The North

Country

Les Miserables - the

stage concert

Snapshots

The Unofficial Bridgerton

Musical

Produtor do ano

(não-clássico)

Jack Antonoff

Rogét Chahayed

Mike Elizondo

Hit-Boy

Ricky Reed

Melhor Vídeo de

Música

Shot In The Dark – AC/

DC

Freedom – Jon Batiste

I Get A Kick Out Of

You – Tony Bennett &

Lady Gaga

Peaches – Justin Bieber

Happier Than Ever –

Billie Eilish

Montero( Call Me By

Your Name) – Lil Nas X

Good 4 U – Olivia Rodrigo


Cultura

Mariah Carey volta a

ser Rainha do Natal

60

Foto: NME

All I Want For Christmas Is You regressa aos tops na

época natalícia um pouco por todo o mundo. A música

já tem 27 anos, mas continua a bater recordes.

Texto:

Pedro Queirós

O bacalhau, o bolo-rei e as

prendas há muito deixaram de

ser as únicas tradições de Natal.

Para além das inovações à

mesa, a época natalícia já não

é a mesma sem, por exemplo,

a saga Sozinho em Casa ou a

música de Mariah Carey.

Produzida em 1994, para

o seu álbum exclusivamente

dedicado ao Natal, Merry

Christmas, a música All I Want

For Christmas Is You continua a

ser uma das mais ouvidas, ano

após ano, um pouco por todo o

mundo.

2021 não é exceção e a

canção chegou, pelo terceiro

ano consecutivo, ao primeiro

lugar do top nos Estados Unidos

da América. Em Portugal,

na semana do Natal, ocupou o

15º lugar.

Mais um ano de sucesso

surpreendeu a própria cantora.

“Nem sei o que dizer. Ter outro

número um com esta canção

significa tanto para mim”, disse

Mariah Carey num áudio partilhado

no Twitter. A cantora

acabou, depois, por agradecer

todo o apoio e carinho dos fãs.

All I Want For Christmas

Is You já vendeu 16 milhões de

cópias, que a tornam no 11º

single mais vendido de sempre.

No Spotify, já foi tocada mais

12 milhões de vezes num só dia

e atingiu a marca de 1 bilhão de

streams, na mesma plataforma.

O sucesso musical

também se traduz em números:

segundo o jornal britânico

The Economist, a canção que

dá a Mariah Carey o título de

“Rainha do Natal” já lhe deu a

ganhar mais de 60 milhões de

euros e o número continua a

crescer.

All I Want For Christmas

Is You demorou quinze minutos

a ficar pronta e já leva 27 anos

de sucesso.

Adolescentes fazem

milhões na mais recente

app de

sucesso, o Tiktok

Foto: Dani Diamond

Se já se perguntou como é que youtuber, ´instagrammer,

blogger ou tiktoker são consideradas as

profissões de sonho para uma grande parte das crianças,

ou porque é que são sequer consideradas

profissões, os lucros obtidos por estes influencers

podem ser a resposta.

Texto:

Maria Castro

O tiktoker mais bem pago no

ano de 2021 é Burak Özdemir.

Estima-se que tenha feito 11

milhões de dólares com a rede

social TikTok. Segue-se Brent

Rivera, com uma estimativa de

6.5 milhões de dólares, e Addison

Rae, que fez 5 milhões

de dólares. Ao todo, estes três

jovens, com idades entre os 21

e 25 anos, têm 170 milhões de

seguidores, de acordo com o

Fandomspot. Charlie D’Amelio

começou a sua carreira em

2019 publicando vídeos de curto

tempo na app, e em 2020

foi a primeira pessoa a alcançar

100 milhões de seguidores.

Hoje, a milionária de apenas 17

anos é uma das tiktokers mais

bem pagas do mundo.

No TikTok, uma das maneiras

mais óbvias de ganhar

dinheiros é através de “gifting”,

isto é durante ‘diretos’

dos criadores dos conteúdos,

os seus seguidores, podem

oferecer moedas aos seus influencers

favoritos. Estas moedas

são como uma moeda virtual

que se pode converter em

dinheiro verdadeiro e vice-versa,

sendo que a app fica com

metade das moedas doadas e

o resto vai para o tiktoker.

A partir do momento

em que um jovem ou adulto

chega a um certo número de

seguidores, as marcas contactam-nos

para promover os

seus produtos. Estas parcerias

têm-se mostrado uma das mais

benéficas estratégias de marketing

dos últimos anos, sendo

um negócio geral para todas

as plataformas. Os tiktokers de

topo podem fazer entre 50 a

100 mil dólares por posts que

sejam anúncios para uma marca.

Todos os influencers com

um número considerável de

seguidores em qualquer rede

social têm uma ‘marca’, e vendem

mercadoria específica, tal

como t-shirts, camisolas, canecas,

porta-chaves, entre outros.

Um exemplo é o do youtuber

David Dobrik: devido ao

conteúdo dos seus vídeos, seja

música protegida por direitos

autorais ou conteúdo considerado

inapropriado pelas regras

da plataforma Youtube, o influencer

perdeu o chamado adsense,

o serviço de publicidade

da empresa Google, do qual

os criadores beneficiam ao criar

conteúdos para estas plataformas.

O youtuber eslovaco

perdeu o lucro que obtinha da

plataforma onde expõe os seus

vídeos, mas tal não teve grande

impacto na sua fortuna, graças

à sua ‘marca’ de merchandising

e parcerias milionárias (como a

que mantém com a aplicação

de venda de bilhetes de espetáculos

Seatgeek).

Estes milionários podem

começar o seu negócio a partir

de casa e a qualquer idade,

com algumas permissões

necessárias dos tutores, caso

sejam menores. Para além de

PewDiePie, Dude Perfect e Jeffree

Star, o quarto youtuber

mais bem pago do ano será

Ryan Kaji, um rapaz de 8 anos

que começou a sua carreira

com vídeos em que se filma a

abrir e brincar com brinquedos

novos. Hoje a sua riqueza

feita através da plataforma da

Google é avaliada em 32 milhões

de dólares.


61

cultura

“Dune”, o início de uma

jornada épica

Foto: Warner Bros.

A adaptação de Denis Villeneuve é uma das obras cinematográficas mais

esperadas do ano. A longa-metragem conta com visuais

surpreendentes, dignos dos maiores ecrãs de cinema, para dar a

conhecer o futuro distópico, criado por Frank Herbert.

Crítica de:

Leonor Costa

O muito antecipado Dune, realizado

por Denis Villeneuve,

rapidamente se tornou um

sucesso nas bilheteiras de todo

o mundo. Esta longa-metragem

baseada na obra épica

de Frank Herbert, é a segunda

adaptação cinematográfica a

ver a luz do dia, após a versão -

considerada falhada - de David

Lynch, em 1984.

Muitos acreditam ser

impossível transportar para o

grande ecrã o livro de ficção

científica mais famoso de todos

os tempos, devido à riqueza e

complexidade do mundo criado

pelo escritor americano.

Porém, o realizador Denis Villeneuve,

que já nos deu a conhecer

a sua genialidade através

de projetos como Blade Runner

2049 (2017), O Primeiro Encontro

(2016) e O Homem Duplicado

(2013), aceitou o desafio

e, juntamente com o roteirista

Eric Roth, introduziu a ‘Duna’ a

toda uma nova geração.

E no que toca à apresentação

do universo de Dune

e dos principais personagens

da trama espacial, o realizador

franco-canadiano fez um

admirável trabalho. Denis Villeneuve

possibilitou que todos

aqueles que não tiveram a

possibilidade de ler a obra de

Herbert se situassem perfeitamente

no futuro distante de

10191.

Nos primeiros minutos

do filme, a misteriosa Chani,

interpretada por Zendaya, dános

a conhecer um pouco do local

central da história, Arrakis.

Este planeta, também conhecido

como ‘Duna’, é o lar dos

Fremen, o povo ao qual Chani

pertence e o único que consegue

sobreviver às condições

climáticas particulares do lugar.

O que torna Arrakis tão especial

é o facto de ser a única

fonte da especiaria mais importante

do universo.

Após um longo período

sob o controlo da Casa Harkonnen,

a ‘Duna’ começa a ser

governada pela Casa Atreides,

que aceita um convite do Imperador.

O Duque Leto (Oscar

Isaac), líder da Casa Atreides,

muda-se para o planeta Arrakis,

juntamente com a sua companheira,

Lady Jessica (Rebecca

Ferguson) e o seu filho, Paul

Atreides (Timothée Chalamet),

o herói da nossa história.

Ao contrário dos Harkonnen, a

Casa Atreides chega ao planeta

com o objetivo de criar uma

união e ajudar os Fremen. Contudo,

o pedido envenenado do

Imperador, vai trazer a ruína à

família Atreides e ao povo da

‘Duna’.

Num cenário mais negro,

Paul Atreides, um jovem inteligente,

lutador e com as capacidades

sobre-humanas que

herdou da sua mãe, um elemento

da organização Bene Gesserit,

é visto como o Kwisatz

Haderach, o messias que vai

salvar o futuro de Arrakis.

Ao longo do filme, somos

presenteados com uma

cinematografia grandiosa, que

nos transporta completamente

para um novo universo. A utilização

abundante de planos

abertos deixa clara a grandeza

dos espaços em relação às

personagens, que se tornam

frágeis ao lado das naves espaciais

colossais e das criaturas


Cultura

62

monstruosas que surgem nas

areias do deserto. Os cenários,

arquitetura, o vestuário e

adereços foram pensados ao

detalhe para refletirem a identidade

própria das diferentes casas

e planetas. Os tons quentes

de Arrakis contrastam perfeitamente

com o ambiente sombrio

e melancólico de Caladan,

o planeta mãe da Casa Atreides,

acentuando a mudança

da família e a necessidade de

adaptação a um lugar marcado

pela rigidez das condições

climáticas.

A acompanhar os maravilhosos

visuais da longa-metragem,

Dune dispõe ainda

de uma banda sonora ousada,

da autoria do aclamado compositor

musical Hans Zimmer.

Através da utilização de instrumentos

tradicionais e de

melodias experimentais e modernas,

Hans Zimmer consegue

o equilíbrio perfeito entre o

passado e o futuro. A banda

sonora captura na perfeição o

ambiente de Dune e deixa-nos

– literalmente - a vibrar.

Dune contou com um elenco

incrível para dar vida aos

personagens desta adaptação

do livro de Frank Herbert.

Através do complexo papel de

Paul Atreides, Timothée Chalamet

reforça o seu lugar como

um dos talentos mais fortes

e promissores na nova geração

de atores de Hollywood.

Rebecca Ferguson, que mantém

uma ótima dinâmica com

Chalamet, tem uma prestação

notável como a intimidante,

mas emocional Lady Jessica.

Oscar Isaac, no papel do

nobre Duque Leto, Jason Mamoa

e Josh Brolin, que interpretam

os guerreiros Duncan

Idaho e Gurney Halleck respetivamente,

também se destacaram

no grande ecrã com as

suas performances carismáticas.

Por sua vez, e apesar do

screen time limitado, Stellan

Skarsgård oferece uma arrepiante

atuação como o Barão

Vladimir Harkonnen, intimidando

qualquer um com a sua figura

sinistra conseguida através

de um fantástico trabalho de

caracterização.

Podemos então encarar

Dune como uma introdução à

história de Paul Atreides. São

duas horas e meia que passam

sem darmos por isso, onde

este incrível universo futurístico

é apresentado de forma fluída

e cativante. Os últimos trinta

minutos são o único ponto

negativo da longa-metragem.

O ritmo lento – que pode não

agradar a todos - foi essencial

para Villeneuve conseguir expor

todos os elementos que

permitem dar um sentido à narrativa:

desde o complexo contexto

político até à tecnologia

necessária para sobreviver no

deserto de Arrakis. Porém, a

última fase do filme acaba por

arrastar-se a passo de caracol,

criando antecipação para um final

impactante que acaba por

não acontecer. Após cerca de

três horas imersos neste mundo,

chegamos ao fim com a

sensação de que algo está em

falta.

Por outro lado, este final

em aberto acaba por ser

necessário para a história que

vai ser contada em duas partes.

Tal como Chani, a jovem fremen,

declara durante os últimos

segundos do filme: “This

is only the beginning” (“Isto é

só o começo.”).

A continuação desta

aventura épica já foi confirmada,

mas até termos a possibilidade

de voltar a acompanhar o

percurso destes personagens,

podemos afirmar com segurança

que Dune, nas mãos de

Denis Villeneuve, veio para

marcar o cinema de ficção

científica.

Foto: Warner Bros.

Perspetiva

o suplemento de

cutura


63

cultura

“Mundo Belo, onde estás”,

mais um sucesso

de Sally Rooney

O tão esperado terceiro romance da jovem autora é mais um sucesso da ficção

contemporânea. Sally Rooney não desilude ao abordar amizade, romance,

relações, sexo e o atual estado do mundo de uma maneira tão realista, que ainda

é novo.

Foto: LINDA BROWNLEE

Crítica de:

Maria Castro

Sally Rooney, de apenas 30

anos, lançou este ano Mundo

Belo, onde Estás, depois do

seu primeiro sucesso Conversas

entre Amigos (em 2017) e

Pessoas Normais (em 2018),

este último que contou com

uma adaptação para a televisão

pela Hulu. Pelos seus anteriores

romances, sabemos

que as histórias que a escritora

irlandesa aborda, com grande

êxito, exploram temas que a

geração millennial valoriza, pela

crua realidade de personagens

imperfeitas, de más decisões,

de relações menos estáveis e

de uma representação precisa

de personagens e sexualidade

queer.

Mas Sally não se fica por aqui:

os seus livros contam com

dinâmicas de classe entre as

personagens, temas como o

capitalismo, politica, relações

de poder e uma crua visão do

mundo atual. Neste livro, confirma-se,

pelas suas críticas ao

mundo da publicação, que esta

escritora não se fica por nada

que não seja o real.

“Mundo Belo, onde Estás”,

uma pergunta pertinente

para ser feita em 2021, conta

a história de Alice, uma escritora

irlandesa que ficou recentemente

internacionalmente

famosa com os seus dois livros.

Os paralelismos com a própria

autora são óbvios. A amizade

entre Alice e a sua colega de

faculdade Eileen é acompanhada

pelos romances das personagens

com Felix, um homem

que conhece na aplicação Tinder,

e Simon, um amigo de infância,

respetivamente.

Após o sucesso de Alice,

a escritora vai viver para o

campo. Ela não gosta da fama

que ganhou com o sucesso dos

romances e está a passar por

uma fase de incerteza e crise.

Com esta distância entre ela e

a sua amiga Eileen, que vive em

Dublin, podemos ler os e-mails

trocados por estas duas mulheres

e assistir às complexas

conversas que acontecem entre

elas. Do ponto de vista da

escrita, esta correspondência

é muito bem conseguida e extremamente

interessante.

As críticas às obras de

Sally Rooney são sempre as

mesmas, nomeadamente a falta

de enredo na história, mas

esta ausência já não deveria

surpreender os leitores. Sally

Rooney descreve de forma fascinante

a trivialidade de vidas

vulgares, e esse é o seu dom.

“Beautiful World, where are you” (Título em

Inglês)


Opinião

64

Jornalismo não é

crime

Editorial

Exatamente no dia 10 de

dezembro, data que marca

o Dia Internacional dos Direitos

Humanos, o tribunal

britânico autorizou a extradição

de Julian Assange

para os Estados Unidos. E

com esta decisão, o jornalismo

livre e independente,

sofre.

Desde 2019, que Julian

Assange se encontra na

prisão de alta segurança de

Belmarsh, em Londres. Antes

de ser detido, Assange

permaneceu exilado na embaixada

do Equador em Inglaterra,

durante 7 anos.

Após a mais recente deliberação

do tribunal inglês, o

criador da WikiLeaks corre

o risco de ser condenado

até 175 anos de prisão nos

EUA, onde é acusado de 17

crimes.

Espionagem e conspiração.

São estas as

acusações às quais Julian

Assange tem de responder

por ter cometido o “crime”

de publicar milhares de documentos

secretos que revelaram

as atividades militares

americanas na guerra do

Iraque e Afeganistão. Importante

destacar que entre

as várias informações partilhadas,

podemos encontrar

relatos de incidentes de

soldados norte-americanos

que resultaram na morte

de civis e relatórios que

mostram que os militares

teriam instruções para ignorar

atrocidades cometidas

pelas forças iraquianas. No

entanto, o real criminoso

é Assange, que se limitou

a cumprir o seu trabalho

como jornalista.

O que levou o tribunal

britânico a mudar a sua

decisão e a aceitar o pedido

de extradição, foi o compromisso

assumido pelos

Estados Unidos: oferecer

a Julian Assange um tratamento

humano. Dar um

tratamento humano ao jornalista

que tentam silenciar

durante anos, a bem ou a

mal... Como é que é possível

acreditar nas garantias

dadas por um país que

mostrou claramente que

a sua intenção não é fazer

justiça, mas sim destruir todos

aqueles que se atrevem

a colocar em causa a sua autoridade?

Isto não se trata apenas

de um ataque pessoal

feito ao criador da WikiLeaks,

trata-se de algo muito

maior e que pode ter consequências

preocupantes para

o jornalismo. Como jornalistas,

a nossa função é garantir

que todos os cidadãos

possuam acesso a informação

verdadeira e rigorosa,

de forma a conseguirem

criar os seus próprios juízos.

Somos uma peça fundamental

para revelar abusos

de poder e para promover a

responsabilização daqueles

que ameaçam a democracia.

O que está a acontecer

é um atentado à liberdade

de expressão e ao dever

de informar. A denúncia

de crimes de guerra, casos

de corrupção, de violação

de direitos humanos e outras

transgressões cometidas

pelos grandes detentores

do poder, como os

EUA, vai deixar os jornalistas

numa posição de perigo

constante, passando a correr

o risco de serem presos

ou condenados à morte. É

este o precedente que está

a ser criado e é urgente lutar

contra isso.

Julian Assange não é

um criminoso, é um jornalista.

E o jornalismo não é

crime.

Pontos de Vista

pontos de

vista

Redatores: leonor Costa, Maria castro,

Pedro Queirós e Sara Fernandes Santos

CONTACTO:PONTOSDEVISTAJORNAL@GMAIL.

COM

REDAÇÃO: Via Panorâmica, s/n

4150-564

Porto


65

Opinião

Vá em Paz e que o

Senhor o Acompanhe

Fernando Santos é um homem de fé. É a ela que se agarra quando

as coisas não correm como esperado. E é por isso que acredita que

o amanhã será sempre melhor. Esta fé deu-nos um Europeu e a Liga

das Nações. Depois disso, Deus abençoou o país com uma geração

talentosa de jogadores e foi atender outros fiéis… e o sucesso de

Fernando Santos foi com Deus.

Crónica de:

Pedro Queirós

Dizem as escrituras que Jesus

Cristo conseguiu multiplicar

o pão para saciar a

fome. Fernando Santos, feito

milagreiro no Euro2016,

consegue pegar na melhor

geração de futebolistas portugueses,

juntá-los e nem

fazer migalhas.

No que toca ao futebol,

Fernando Santos é

o verdadeiro conservador.

Jogar à bola é não sofrer

golos, depois alguém lá na

frente há de fazer o golito

para ganharmos. Em 2016,

apesar de parecer curto, até

se admitia porque Portugal

não tinha grandes opções.

Era limitada quando comparada

com os verdadeiros

favoritos. Portugal não jogava

bem, mas ninguém se importava.

Tanto que o nosso

hino era o “Pouco importa,

pouco importa se jogamos

bem ou mal”.

A Europa criticava o

nosso futebol, destacava

a nossa sorte e quase que

sentia vergonha por nos ver

como possíveis campeões

europeus. Nós, de barriga

cheia, cantávamos esta

música enquanto batíamos

no peito para demonstrar o

orgulho nacionalista. Jogar

bem? Para quê? Para fazer

golos só é preciso rematar à

baliza, isso de jogar bem fica

para a “Laranja Mecânica”

de 74 ou para o Brasil de 82.

Jogaram bem e perderam.

Mas Portugal ainda foi mais

longe… foi campeão europeu

com um golo do Éder.

Se é para calar os críticos, é

para fazê-lo com classe.

Fernando Santos

agarrou-se a isso com unhas

e dentes. O mister supersticioso.

Como aquelas

pessoas que ganham uma

aposta pela primeira vez e

repetem sempre esse modelo

como se fosse garantia

de sucesso. Não é. Não

é nas apostas e também

não é no futebol. Porque o

mundo evolui. E em cinco

anos o mundo e o futebol

evoluíram muito. O Messi

já não está no Barcelona; o

Ronaldo já passou pela Juventus

e voltou ao United e

imaginem… o Sporting voltou

a ser campeão.

Portugal tem agora

alguns dos melhores jogadores

do mundo. E nem

sou eu que o digo. É o

próprio selecionador. Então

o que temos de fazer

quando temos grandes jogadores?

Dominar os jogos,

jogar bem e ganhar. Ou pelo

menos tentar. Mas Fernando

Santos não gosta disso. O

pensamento do mister deve

ser “se temos os melhores

jogadores do mundo, toda a

gente espera que entremos

em campo para dominar o

jogo e ganhar. Então vamos

fazer o mais difícil, vamos

dar a bola ao adversário e

vamos ganhar na mesma”.

Não, caro engenheiro… não

é assim que funciona.

Eu sei que o meu

doutoramento em Football

Manager pode não ser suficiente,

mas ainda assim conheço

cadeiras em que o mister

chumbava. Para mim, é

básico que dar a bola ao adversário,

não procurar complementaridade

no onze

e castrar a qualidade dos

jogadores é meio caminho

andado para não ganhar. É

isso que você faz, Fernando.

Contra algumas seleções,

o futebol medíocre chega

para ganhar, mas começa

a ser cada vez mais difícil

porque no submundo já se

começa a saber o que é uma

bola.

E quando o futebol

que a seleção apresenta é

sofrível? Bem, na Irlanda

foi de sangrar pelos olhos.

Aqueles 90 minutos foram

um massacre. Que mal é

que nós lhe fizemos para

merecer aquilo? Espero que

quem foi ao estádio tenha

recebido o dinheiro de volta.

Ninguém paga para ver

um jogo sem balizas. E contra

a Sérvia? Dominámos o

jogo durante três minutos,

marcámos e depois… 87

minutos de sufoco que nos

mandaram para o play off

do próximo mundial.

Depois desse jogo,

Fernando Santos, com a

Nossa Senhora de Fátima

no pensamento, garantiu

que vamos estar no Catar,

no próximo ano. Pois bem,

eu não preciso que o treinador

me diga que vamos lá

estar. Esse papel é meu. Eu

é que tenho de ser o crente

e dizer aos meus amigos

mais descontentes e dizer

“Calma. Isto vai dar para

nós”. Do treinador, eu preciso

que ele me diga como

vai resolver o que está mal,

de que forma é que ele vai

conseguir que a bola não

chore no próximo jogo e

que a minha mãe não tenha

razão quando diz “Foi para

isto que mudaste de canal?

Ao menos deixavas ver se a

mulher ganhou a montra no

‘Gordo’…”.

Mister, agora importa

se jogámos bem ou mal

porque temos melhores jogadores

e somos favoritos a

ganhar as competições. Podia

tentar fazer um desenho,

mas ia correr quase tão

mal como as suas tentativas

de jogar com dois médios

de características defensivas

ao mesmo tempo.

Temos quatro meses

até ao play off e isso significa

que temos quatro meses

para contratar um treinador

que queira meter esta malta

a jogar o que sabe. É preciso

pagar a Fernando Santos

para ele ir embora? Obrigado

por 2016 e Deus lhe

pague… que eu não tenho

dinheiro.


Opinião

66

9 contra 11 e no fim

ganha a vergonha

Na noite do passado sábado, a sociedade portuguesa foi

presenteada com um episódio muito especial do futebol português.

O grande protagonista foi um surto de COVID-19, que mais uma

vez concentrou os prestigiados opinadores portugueses em torno

do desporto-rei. A injustiça e a vergonha destacaram-se num enredo

que mistura intervenientes da “sexta melhor liga de futebol do

mundo” e as autoridades governamentais e sanitárias do país.

Opinião de:

Sara Fernandes Santos

O jogo estava marcado para

as 20h30. Vinte e quatro

horas antes, os telejornais

– dominados pela nova variante

ómicron – noticiaram

que havia um surto de

COVID na equipa da B-SAD.

Quer dizer, quase todos

falaram em “Belenenses

SAD”, mas parto do princípio

que são pessoas que se

esquecem da existência do

Campeonato de Portugal e

não sabem que é lá que joga

o único Belenenses do país.

O presidente da

B-SAD tranquilizou adeptos

e jornalistas e garantiu que

a equipa ia a jogo, nem que

fosse preciso chamar jogadores

da equipa de sub-

23. Mas a palavra de Rui

Pedro Soares, perito em

criar polémicas e em faltar

à verdade, não foi cumprida.

Enquanto que o colossal

Benfica tinha onze das

suas estrelas em campo, o

polémico B-SAD apresentava

apenas nove. E não eram

nove jogadores quaisquer:

eram habituais suplentes e

reservas que o maldito vírus

poupou.

A ação dentro das

quatro linhas começou com

um autogolo de um desafortunado

Kau, para satisfação

daqueles que achavam

que estavam a assistir a

uma “negociata”. Seguiramse

mais seis golos da equipa

visitante, que foi impedida

de aumentar o saldo: a segunda

parte começou apenas

com sete jogadores

da B-SAD (o número mínimo

exigido a uma equipa)

e terminou ao fim de dois

minutos, após um dos sobreviventes

se deixar cair

no relvado, simulando uma

lesão.

Considero que a importância

dada às questões

do chamado “tugão” é excessiva

na maioria das vezes,

mas neste caso, estou

em completo desacordo.

O que se passa no futebol

é reflexo daquilo que

fazemos nas nossas vidas, e

o que aconteceu neste jogo

é disso exemplo. Não podemos

deixar passar em claro

a falta de verdade desportiva

destes quarenta e sete

minutos, nem o escandaloso

exemplo dado por todas as

autoridades envolvidas –

quer desportivas, quer sanitárias.

O encontro seguiuse

fora de campo com um

inquietante jogo da batata

quente. Inicialmente, a responsabilidade

da decisão

final foi atribuída ao delegado

de saúde. Na conferência

de imprensa, em vez de

ouvirmos os treinadores,

tivemos dois presidentes a

acusar a Liga de Clubes de

obrigar à realização do jogo,

apresentando como alternativa

um castigo à B-SAD por

algo que a instituição não

controla.

Ouvimos a diretora-geral

de Saúde a limpar

as mãos das autoridades

sanitárias, afirmando que

fizeram tudo o que lhes

competia e que a decisão

final cabia à Liga. A Liga,

sentenciada pelo Tribunal

Popular da Sensatez como

a grande culpada de todo

este imbróglio, assegurou

que se limitou a cumprir o

que está no regulamento

da competição. E ainda temos

um assumir de parte da

culpa pelo sempre sensato

Rui Pedro Soares, que após

solicitar a repetição do jogo

em nova data, confessou

que devia ter pedido o adiamento

“mais cedo”.

Tendo em conta que

os regulamentos são votados

e aprovados pelos

clubes, será que a culpa se

deve apenas à insensatez

da Liga, que só se preocupa

com os lucros e com a elevação

da imagem internacional

do campeonato? Ou

devemos continuar a ignorar

o egoísmo dos clubes,

que como qualquer banal

ser humano, apenas se lembram

de apelar ao bom senso

perante decisões que os

próprios tomaram quando o

feitiço se vira contra o feiticeiro?

E num país em que se

torna cada vez mais difícil

controlar os comportamentos

da população perante a

ameaça do vírus, como é que

a inação da Direção-Geral de

Saúde vai ser interpretada?

Certamente que os adeptos

se lembram de casos como

o Feirense-Chaves, cancelado

depois da hora marcada

com os jogadores já em

campo, ou do adiamento do

Sporting-Gil Vicente por existirem

surtos pandémicos

nas duas equipas. Ficamos

com a sensação que é correto

que uma autoridade

sanitária se deva subjugar

às vontades uma entidade

desportiva, tal como os

portugueses acham que

discutir arbitragens é mais

pertinente do que debater

políticas nacionais.

A imprensa internacional,

sobretudo a espanhola,

fez questão de noticiar

este jogo como sendo “o

jogo da vergonha”. Num

país em que existem diferenças

abismais entre equipas,

e em que somos constantemente

confrontados

com casos de corrupção

no desporto, não me surpreende

que tenha sido

possível acontecer tamanha

confusão. É como se costuma

dizer: “11 contra 11 e

no final ganha a Alemanha”.

Desta vez, foram 9 contra

11, e ganhou a vergonha.


67

Opinião

Mark Zuckerberg: o

vilão numa ficção

distópica

Mark Zuckerberg, empresário bilionário que inventou o

Facebook, revelou recentemente a mudança de nome da

sua empresa para “Meta”. E numa nota mais sinistra, anunciou

a criação do “Metaverse”.

Opinião de:

Maria Castro

A sua reputação em geral e

o seu cadastro com as falhas

na política de privacidade

não me inspiram confiança,

isto é, para não dizer que

não confio nele de todo.

Mas agora, num pequeno

vídeo de 1 hora e

17 minutos, o próprio Mark

mostra-nos o que podemos

esperar da sua empresa

e do “Metaverse”. Uma

tecnologia que o New York

Times apelidou de terra de

sonhos tecnológica e utópica,

onde o mundo físico e

virtual se fundem com o uso

da tecnologia desenvolvida

pelo Facebook e óculos de

realidade virtual.

O vídeo é no mínimo

bizarro, e mais uma vez, o

comportamento de Zuckerberg

foi alvo de chacota

sendo um dos “memes” favoritos

da Internet, mas isso

agora não interessa. O que

me sobressai mais é a sua

confiança em apresentar

esta nova tecnologia quase

como uma solução a problemas

comuns de comunicação

e de empresas que

dependem da tecnologia

para, por exemplo, o teletrabalho.

Antes de passar

à parte negativa do

“Metaverse”, quero relembrar

brevemente que há óbvios

benefícios da Internet

e da tecnologia para a qual

o criador do Facebook contribuiu.

E é claro que a possibilidade

de estarmos todos

ligados, em qualquer parte

do mundo e com qualquer

pessoa, é das qualidades

mais positivas que a tecnologia

deu ao sentido de

“comunidade”. Mas Mark

Zuckerberg levou esta ideia

um pouco longe demais. É

por isso que acho que os bilionários

estão lentamente a

perder a cabeça e o conceito

de “realidade”.

Quando o protagonista

do vídeo nos fala sobre

“horizon home”, a ideia de

criar uma casa virtual no

espaço “Metaverse”, para

além de não ser nada original,

é a confirmação de

todos os filmes distópicos

sobre a realidade virtual vir

um dia a substituir a nossa.

A ironia de criar um espaço

numa realidade virtual,

quando na realidade é

cada vez mais caro e difícil

arranjar um espaço próprio,

num mundo supostamente

sobrelotado e onde vemos

uma crescente implementação

de construções preventivas

de sem-abrigo nas

ruas, relembrando-nos que

nada é nosso, Mark apresenta

a solução: a casa virtual.

Suponho que não se

esteja a recordar que precisamos

de uma casa real, com

uma conexão decente de

Wi-Fi para colocarmos uns

óculos e irmos até ao nosso

novo lar irreal.

Ele apresenta-nos

este mundo virtual em que

nos podemos encontrar

com alguém do trabalho,

como se estivéssemos na

empresa, e onde podemos

socializar em tempo real.

Soa-me contra-intuitivo criar

um mundo virtual em que

podemos experienciar estar

rodeado de pessoas sem o

estarmos realmente. E se -

é só uma ideia -, tivéssemos

mais tempo fora do contexto

de trabalho e pudéssemos

rodear-nos fisicamente de

pessoas que vivem perto de

nós, que trabalham connosco

ou até que conhecemos

a partir de uma rede social,

como o Facebook? É que

nem parece que saímos recentemente

de um confinamento

sanitário mundial,

e que qualquer estudo ou

estatística revela os efeitos

negativos na saúde mental

desta época.

De facto, o mundo

precisa de bons recursos

tecnológicos para comunicar

quando não é possível

estarmos juntos, e claro, a

ideia de uma videochamada

ser o mais realista possível

é boa. Mas não consigo

deixar de pensar porque é

que não temos mais possibilidades

de o fazer pessoalmente.

Se não podemos

sair de casa devido a uma

pandemia, ou a sobrecarga

de trabalho não deixa tempo

livre de descanso e socialização,

longe dos ecrãs

e dos óculos de realidade

virtual que o Mark tanto nos

quer forçar, para o dono

do “Meta”, a solução não

passa por resolver os problemas,

mas sim por passar

mais tempo nos ecrãs.

Parece que ele esperou que

as pessoas estivessem literalmente

fartas de estar

em casa, para inventar um

universo que simula quase

perfeitamente a realidade,

enquanto estamos no desconforto

do nosso lar.

“Metaverse” é a

solução para um problema

que não temos. Não precisamos

que introduzam a tecnologia

“interaction SDK”,

interações virtuais com as

nossas mãos nas aplicações

da inteligência artificial, ou a

tecnologia “cambria”, a capacidade

do nosso “avatar”

fazer expressões em tempo

real, ou melhor ainda, “contacto

visual natural”, porque

já temos as verdadeiras

versões dessas “interfaces”!

O “Metaverse” está

altamente focado no mercado

de trabalho e em

apresentar soluções para

o teletrabalho, que com a

pandemia apercebemo-nos

que, em alguns casos, está

aqui para ficar devido aos

seus benefícios para várias

empresas e trabalhadores,

mas também muitos impedimentos.

Porém a descrição

é contraditória, com o uso

excessivo de vocabulário

como “presença”, “conexão”,

“partilha de espaço físico”

ou “interações com colegas”,

e estranha, porque

o que ele propõe para o futuro

da economia é a ausência

de presença.


pontos de vista

cartoon

“Toda a Mafalda”, Quino

Será o Hitler?

Salazar? É a covid!

Crónica de:

Pedro Queirós

Os números de infetados e

mortos devido à covid-19

começa, outra vez, a subir.

O desconfinamento criou a

falsa de ilusão de estar tudo

bem e não posso condenar

esse grupo de pessoas, em

que eu me incluo. À medida

em que o país avançava no

desconfinamento, uma simples

ida ao café, ao estádio

ou ao shopping começou a

ser feita cada vez com mais

ligeireza. Hoje em dia, a máscara

já mais um acessório do

que uma proteção e a desinfeção

das mãos já faz parte

da higiene pessoal. Mas

estamos em Portugal, país

que obriga o uso de máscara

em jogos de futebol

mas que abdica dela para

discotecas. Não sei qual é

a lógica, mas desde o início

da pandemia que o “bicho”

sempre discriminou a noite,

portanto agora deve estar a

recompensar. No fundo, as

medidas anti covid nunca

foram para o comum mortal

perceber, são apenas para

respeitar.

A tão esperada vacina

chegou. Aí, Portugal foi

exemplo. E ainda bem. O

vice-almirante pegou nisto

e pôs tudo em ordem. Não

teve direito a uma Champions

League, mas ainda

sacou um Globo de Ouro.

Estou em crer que alguns

negacionistas boicotaram

a SIC, outros devem achar

que o vice-almirante controlou

a entrega dos prémios

através do micro chip

da vacina e acredito que há

mesmo quem garanta que o

viu sair com o globo colado

ao braço.

Alguns países

começam a apertar as medidas

para combater a escalada

de casos e a bater

com força nos não vacinados.

Mas como? Recolher

obrigatório e teletrabalho?

Não. Isso foi da primeira

vez. Isto funciona como o

jardim de infância. Ou fica

resolvido à primeira ou vai

tudo para o quarto escuro.

A Austrália está a

enviar os não vacinados para

campos de quarentena. É

parecido com uma história

que já ouvi em qualquer

lado… Outros países na Europa

estão a proibir que os

não vacinados vão a supermercados,

centros comerciais

e hotéis. Provavelmente

será melhor conseguir identificá-los

à primeira, talvez

uma braçadeira com uma

estrela… Aguardo que na

Holanda, onde também já

começam a ser implementadas

algumas medidas, surja

uma Anne Frank escondida

e não vacinada que esteja a

escrever um diário.

Vamos ser sinceros.

É preciso conter a propagação?

Muito bem. Eu não

sou médico, não sou especialista

portanto aceito o

que a comunidade especializada

me indicar. Mas não

me sinto mais seguro por

manterem os não vacinados

longe de mim. É certo

que grande parte dos casos

registados são de não

vacinados, mas ninguém é

obrigado a ser vacinado. A

partir daí, cada um tem de

conviver com as suas escolhas.

Contudo, ninguém

deve ser colocado de parte

por recusar a vacina. Se dão

a opção, há duas hipóteses:

sim e não. Claro que é exagerado

comparar esta situação

com as ditaduras do

século XX, mas não me lembro

de outra situação que

tenha dividido a sociedade

desta forma.

onde todos os

factos contam

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