Pontos de Vista
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PONTOS DE VISTA
grande reportagem
Terapias de Conversão em Portugal:
“Temos que transformar este fenómeno num
fenómeno existente, porque ele o é...”
Internacional
Covid-19: estará a Europa a caminho
de tornar a vacinação obrigatória?
A Áustria foi o primeiro país da Europa a decidir tornar obrigatória a vacinação contra a covid-19.
Política
grande entrevista
Hugo Sousa:
“Quando a minha filha
mostrar os meus vídeos
de stand up aos amigos
vai ficar com vergonha,
claro.”
Presidente da
república veta
lei da eutanásia
e pede
clarificações
dESPORTO
2022 na justiça
portuguesa:
os casos que vão
marcar o ano.
Max
verstappen é
campeão do
mundo de
fórmula 1
Perspetiva
o suplemento de
cutura
grande Reportagem
Terapias de
conversão
em Portugal
“Temos que transformar
este fenómeno num
fenómeno existente,
porque ele o é...”
Foto: Brielle French/Unsplash
Grande Reportagem
4
Práticas de
tortura
que oferecem a
“cura” para a
homossexualidade
Texto:
Maria Castro, Leonor Costa, Sara Fernandes Santos e Pedro Queirós
Reportagem
Segundo o Relatório do Especialista
Independente das
Nações Unidas (IESOGI), as
terapias de reorientação são
“intervenções de natureza
abrangente, que se baseiam na
ideia de que a orientação sexual
ou a identidade de género
de uma pessoa pode e deve
ser alterada”. É um termo que
abrange todo o tipo de práticas,
desde que o objetivo seja
transformar pessoas da comunidade
LGBTI em heterossexuais
e cisgéneras.
Sabemos, no entanto,
que as tentativas para alterar
a homossexualidade são uma
realidade histórica. Ao longo
da história foram utilizados
métodos médicos que incluíam
a remoção do útero, ou dos
ovários, a mutilação genital
feminina, a castração, a vasectomia
e há relatos até a nível
cirúrgico cerebral (lobotomia),
uma manipulação que secciona
vias frontais do cérbero, psicocirurgia
que era utilizada em
casos graves de esquizofrenia.
Também eram usados métodos
à base de fármacos, com tratamentos
hormonais ou antidepressivos
sexuais; bem como a
terapia de choque e a hipnose.
Hoje, algumas já não se
utilizam, mas continuam a ser
identificadas três metodologias
de terapia de conversão. Uma
delas é a psicoterapêutica, que
engloba terapia cognitiva-comportamental,
psicodinâmica e
interpessoal. Exemplo disso é
a terapia de aversão, que consiste
em choques elétricos,
náusea ou paralisia por via de
fármacos, quando a vítima é
exposta a um estímulo sexual
ligado à sua orientação sexual.
Outra metodologia é
a medicinal, que consiste em
medicação ou terapia hormonal
e esteróides. E ainda se
identifica a religiosa, na qual as
vítimas são submetidas a um
líder religioso ou programas
que gradualmente revertem a
sua orientação. Nestes programas,
as vítimas podem sofrer
desde insultos homofóbicos,
espancamentos, aprisionamento
e privação de comida até exorcismo.
Em segredo, estas práticas
são normalmente exercidas
por psicólogos, seja em contexto
hospitalar ou em privado,
e por líderes ou conselheiros,
religiosos ou espirituais. Neste
último, existem até práticas
que são uma espécie de “retiro”,
na qual a vítima é removida
do seu ambiente normal, e, durante
dias, os líderes exercem a
terapia sobre um grupo de pessoas.
Apenas recentemente,
em 1990, a homossexualidade
foi retirada da Classificação
Internacional de Doenças da
OMS (Organização Mundial
da Saúde), pois até então era
considerada uma doença mental.
Mesmo assim, as tentativas
para mudar pessoas gays, lésbicas,
bissexuais, transexuais
ou género-diversas continuaram
a existir.
Só em 2012 é que a Organização
Pan-Americana de
Saúde (OPAS) afirmou que
as “terapias de conversão”
não possuem nenhuma base
científica, logo, nem deveriam
ser consideradas “terapias”. E
em 2018 foi retirada a disforia
de género. Em 2021, a Ordem
dos Psicólogos em Portugal
abordou especificamente num
parecer este tópico, desaconselhando
inteiramente a sua
prática.
Apesar de estas práticas
se realizarem um pouco às escondidas,
mesmo não sendo
ilegais, são reprovadas. Mas
elas existem. “Há colegas que,
efetivamente, tentam alterar
a orientação sexual ou identidade
de género da pessoa e,
portanto, ativamente dotam
ferramentas para fazer esta alteração,
e há outras pessoas
que, devido à homofobia/bifobia/transfobia
sistémicas, estruturais,
sociais, e face às suas
próprias crenças, acabam por
induzir más práticas na terapia”
afirma Sara Malcato, psicóloga
e Coordenadora de Serviços na
associação Intervenção Lésbica,
Gay, Bixessual, Trans e Intersexo
- ILGA.
Sara Malcato menciona
também que as vítimas
destas terapias podem auto
propor-se, bem como serem
influenciadas ou forçadas pelas
famílias. Dando um exemplo
de um contexto familiar, a
psicóloga exemplifica com uma
“família que diz «Isso se calhar
é uma fase, tu precisas é de ajuda
do psicólogo!» No fundo, o
que eles estão a dizer é que a
tua orientação sexual ou identidade
de género não são válidas,
«vai mudar isso».”
é danosa. É
uma péssima
prática e vai
contra o
código
deontológico
dos
Psicólogos, em
que um dos
princípios é a
beneficência
e não a
maleficência,
e isto é uma
prática que
provoca
maleficência
(...).
5
Grande Reportagem
Foto: Nik Shuliahin/Unsplash
Quando questionada acerca
da quantidade de pedidos de
ajuda que recebem por vítimas
destas terapias, a psicóloga diz
que recebem alguns casos mas
que assume que seja apenas “a
ponta do iceberg” e acrescenta
que “muitas vezes, é curioso,
porque a própria pessoa não
reconhece que é vítima deste
tipo de terapias.”
Os efeitos causados são
muitos e variados segundo a
especialista, que acrescenta
que esta prática “É danosa.
É uma péssima prática e vai
contra o Código Deontológico
dos Psicólogos, em que um
dos princípios é a beneficência
e não a maleficência, e isto é
uma prática que provoca maleficência,
que já está provado
os danos que causa.”
Danos esses que podem
ser problemas psicológicos ou
físicos. Segundo o Relatório sobre
Terapias de Conversão da
IESOGI, estes podem ser perda
significativa da autoestima;
ansiedade, síndrome depressiva;
isolamento social, dificuldade
de intimidade, auto-ódio,
vergonha e culpa, disfunção
sexual, transtorno de stress
pós-traumático, ideação e tentativas
de suicídio.
Uma realidade invisível em
Portugal
A inexistência de investigação
em Portugal e a consequente
falta de dados faz com
que seja impossível quantificar
a dimensão destes procedimentos
no país, enquanto que,
ao mesmo tempo, contribui
para o desconhecimento geral
Temos que
transformar
este fenómeno
num fenómeno
existente,
porque ele o
é... e isto só
se consegue
fazer através
da visibilidade
(...).
de um problema com consequências
preocupantes que,
efetivamente, existe.
Recolher as informações
necessárias têm-se revelado
difícil e é algo que está diretamente
relacionado com as poucas
denúncias que são feitas.
Para além de não ser possível
denunciar quem pratica estas
“terapias” às autoridades, por
ainda não serem consideradas
ilegais, realizar queixa pode tornar-se
num processo traumático
para as pessoas submetidas
às práticas.
A psicóloga reconhece
a importância da denúncia
para uma transformação desta
realidade, em Portugal:
“Temos que transformar este
fenómeno num fenómeno existente,
porque ele o é... E isto
só se consegue fazer através
da visibilidade, com as denún-
Grande Reportagem
6
da visibilidade, com as denúncias,
com queixas à Ordem [dos
Psicólogos] (...)”, afirma em
declarações ao jornal Pontos
de Vista. No entanto, Sara Malcato
também destaca a necessidade
de uma avaliação profunda
ao nível da saúde mental
das vítimas para garantir a sua
proteção, sendo que considera
que “a denúncia é reviver, e reviver
pode ser traumatizante”.
Outro fator que contribui
para a crescente ignorância em
relação às “terapias” de reorientação
sexual é a discrição
mantida por aqueles que as
fazem. Seja em contexto clínico,
ou em contexto religioso, os
responsáveis por estas sessões
realizam-nas de forma oculta.
As práticas de conversão
deixaram de estar tão escondidas
do público quando, em
2019, uma investigação da
ex-jornalista da TVI, Ana Leal,
trouxe à atenção dos portugueses
esta realidade bem
presente no país, expondo
as consultas orientadas pela
psicóloga Maria José Vilaça.
As sessões com a profissional,
que habitualmente aconteciam
numa Igreja, eram individuais
ou em grupo, e nas imagens
capturadas podíamos ouvir Maria
José Vilaça a comparar a homossexualidade
a uma doença
mental, chegando mesmo a
descrever a orientação sexual
como um “surto psicótico” e
“fase maníaca”.
Um dia após a transmissão
da reportagem, a Direção
da Ordem dos Psicólogos
Portugueses (OPP) partilhou
na sua plataforma online um esclarecimento
em relação à situação.
Em 2019, uma
reportagem
da jornalista
ana leal,
transmitida
na TVI, deu a
conhecer o
caso de uma
psicóloga que
realizava
sessões de
“terapias” de
conversão.
No comunicado pode ler-se:
“(...) de acordo com toda a
evidência científica disponível
e a posição das principais
organizações profissionais de
Psicologia internacionais, intervenções
como as ‘terapias de
conversão’ ou ‘reparação’ (terapias
que procurem reduzir ou
eliminar a homossexualidade)
não têm qualquer fundamento,
quer do ponto de vista da
sua validade científica, ética, da
sua eficácia e benefícios, sendo,
pelo contrário, assinaláveis
os potenciais riscos e prejuízos
para a saúde”.
Apesar da controvérsia
e indignação provocada por
este caso, os processos aplicados
pela OPP contra Maria
José Vilaça acabaram por ser
arquivados, após a Entidade
Reguladora para a Comunicação
Social (ERC) concluir em
comunicado que “(...) nada na
reportagem exibida configura
pela sua [Maria José Vilaça]
parte a prática de atos ilícitos
ou sequer socialmente reprováveis”.
Em julho de 2020, a OPP
apresentou o documento Linhas
de Orientação para a Prática
Profissional no mbito da Intervenção
Psicológica com Pessoas
LGBTQ onde, para além
de estabelecer o dever dos
profissionais de saúde mental
de reconhecerem e valorizarem
a diversidade sexual, de tomarem
em consideração “os efeitos
do estigma (preconceito, discriminação
e violência) nos diferentes
contextos da vida das
pessoas LGB”, ainda definiram
as tentativas de mudança de
orientação sexual como “eticamente
reprováveis”, devido
à “inexistência de evidências
científicas que as suportem”.
Mais recentemente, em junho
de 2021, a OPP voltou a reforçar
a sua posição através de
um parecer acerca das terapias
de conversão, onde afirma
que tais práticas vão “contra
os princípios éticos e deontológicos
da profissão”. Neste
documento, a instituição faz
ainda um apelo a “todos os cidadãos,
com conhecimento de
causa de situações que possam
consubstanciar má prática
profissional, devem dar disso
conhecimento, com relato de
todos os factos, ao Conselho
Jurisdicional da OPP”, e pede
a criação de iniciativas legislativas
que permitam proteger e
dar apoio às “pessoas que tenham
sido sujeitas a Terapias de
Conversão ou outras práticas
discriminatórias da identidade
de género ou orientação sexual
(...)”.
No entanto, ainda existe
um longo caminho a percorrer
para garantir à comunidade
LGBTI um acesso de qualidade
a serviços de saúde mental. Segundo
Tiago Castro, psicólogo
no Centro Gis, um Centro de
Respostas às Populações LG-
BTI, continuam a existir falhas
graves na formação dos profissionais
de saúde mental: “Como
psicólogo, posso dizer que estas
matérias [relacionadas com
a comunidade LGBTI] ainda não
estão incluídas o suficiente nos
percursos académicos, ao ponto
que, muitas pessoas na área
da psicologia chegam ao final
do curso, ingressam no mercado
de trabalho e não tiveram
nenhum contacto ou formação
nestas matérias”, afirmou ao
jornal Pontos de Vista.
Existem
grandes
falhas na
formação de
profissionais
de saúde
mental, ao
nível das
matérias
relacionadas
com a
comunidade
lgbti.
Tiago Castro considera
que a falta de preparação dos
profissionais nas matérias LGB-
TI contribui para a perpetuação
de muitos preconceitos e estereótipos
que afetam a comunidade,
levando as pessoas LG-
BTI a acreditar que “os serviços
não estão preparados para os e
as atender”.
A psicóloga Sara Malcato,
da ILGA Portugal, salienta
que os profissionais que, de
forma quase inconsciente, devido
a uma homofobia internal-
Foto: Gadiel Lazcano/Unsplash
Foto: Drew Angerer/Getty Images
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Grande Reportagem
Foto: TVI
izada ou a “crenças adotadas
da vivência experiencial”, realizam
más práticas que acabam
por invalidar a orientação sexual
ou identidade de género
de uma pessoa, também estão
a enveredar por uma tentativa
de conversão, apesar de não o
fazerem de forma direta como
os profissionais que se dedicam
a tentar oferecer uma “cura” à
homossexualidade.
Sara Malcato explica que
as más práticas exercidas pelos
psicólogos passam por afirmar
que a orientação sexual ou
identidade de género assumida
pelo seu paciente se trata
de uma fase, uma moda ou que
pode resultar da influência de
outros, e afirma que estes comentários,
apesar de não serem
feitos com o objetivo de causar
dano ou alterar a orientação da
pessoa, são invalidantes e reforçam
a “ideia hierárquica de
que existem relações que estão
acima de outras”.
A “subtileza” destas más
práticas e as microagressões
pelos profissionais de saúde
que, muitas vezes, passam despercebidas,
contribuem para
que os pacientes não reconheçam
que são vítimas de
práticas de conversão. “Ela [a
vítima] sabe que aconteceu
ali qualquer coisa com aquele
psicólogo/a e que causou dano
(...), mas sem saber que o que
estava ali a acontecer era de
facto uma terapia de tentativa
de alteração da orientação sexual
ou identidade de género”,
conta a psicóloga da ILGA Portugal.
Ela [a vítima]
sabe que
aconteceu ali
qualquer
coisa com
aquele
psicólogo/a
e que causou
dano (...), mas
sem saber que
o que estava
ali a acontecer
era de
facto uma
terapia de
tentativa de
alteração da
orientação
sexual ou
identidade de
género.
As debilidades no atendimento
pelos serviços de saúde
às pessoas LGBTI ficaram registadas
no estudo Saúde em
Igualdade: Pelo acesso a cuidados
de saúde adequados e
competentes para pessoas lésbicas,
gays, bissexuais e trans,
publicado pela ILGA Portugal,
em 2015. Entre os 600 participantes,
17% afirmou ter sido
alvo de discriminação ou tratamento
desadequado em contextos
de saúde e 11% revelou
que o profissional de saúde
mental a que recorreram, caracterizou
a homossexualidade
como uma doença, sugerindo
uma “cura” para a mesma.
Já o investigador do
ISPA, Pedro Alexandre Costa,
conduziu o primeiro e único
estudo em Portugal sobre as
práticas de conversão no contexto
clínico e o seu efeito na
saúde mental das pessoas LG-
BTI: Experiências de Psicoterapia
de Pessoas Heterossexuais
Cisgénero e Pessoas LGBT+:
Resultados preliminares. O estudo
envolveu um total de 322
participantes, entre os quais
207 heterossexuais cisgénero
e 115 pessoas LGBTI, e foi
possível concluir que “perto de
3% dos participantes LGBT+
reportaram terem sido expostos
a práticas de conversão”. O
investigador afirma ainda que
as pessoas LGBTI, como consequência
da submissão a terapias
de reconversão, mostraram
um “maior sofrimento global
e risco e menor bem-estar e
funcionamento geral do que
as pessoas heterossexuais cisgéneras”.
A crueldade das terapias
que oferecem uma “cura
gay” deixa efeitos duradouros
naqueles que a elas são submetidos.
A psicóloga Sara Malcato
fala em “danos significativos”
que afetam os pacientes principalmente
a nível psicológico,
verificando-se uma “maior
sintomalogia depressiva, ansiosa,
maior intenção suicida,
baixa autoestima, dificuldade
em confiar nas outras pessoas,
uma alta desvalorização e uma
intensificação da homofobia internalizada”.
11% das
pessoas lgbti
revelaram
que
profissionais
de saúde aos
quais
recorreram,
já caracterizaram
a
homossexualidade
como
doença.
Na primeira pessoa: os casos
de António e Miguel
António Serzedelo tem
76 anos. Miguel Salazar tem 22.
São de gerações distintas, e as
suas histórias não são iguais,
mas existe algo que os une:
o facto de terem sido vítimas
destas “terapias” de reorientação
sexual. Ao Pontos de Vista,
ambos contam as experiências
que viveram.
António Serzedelo é atualmente
o mais antigo ativista
pelos direitos LGBTI em Portugal.
Foi presidente da OPUS
Diversidades, associação de
Grande Reportagem
8
defesa dos direitos da comunidade
LGBTI, e coautor do
primeiro manifesto da causa
em Portugal, Liberdade para as
Minorias Sexuais.
António começa por
explicar que a sua experiência
“foi perfeitamente inútil”,
até porque não surtiu o efeito
desejado, nem lhe causou nenhum
trauma “pelo menos prolongado”.
“Esta história tem cerca
de 45 anos, talvez. Tem a ver
com uma relação que eu tinha
com uma rapariga com quem
eu pensava em casar. Eu já
tinha tido relações sexuais com
ela algumas vezes, e depois disse-lhe
que eu tinha a vertente
homossexual. Ela disse-me que
ia falar com um psicólogo, e
passado um dia ou dois, já não
me lembro, disse-me «Há um
psicólogo que trata de ti, num
hospital de Lisboa». Eu fui lá,
apresentei-me e comecei a terapia.”
“A terapia correspondia
a estarmos sentados numa cadeira,
era uma sala isolada, só
com o médico, o psicólogo ou
psiquiatra, e eu próprio. Consistia
na passagem de imagens
de filmes em que se viam cenas
heterossexuais, de sexo, e
cenas homossexuais de sexo,
igualmente, beijos, caricias...
Quando passavam as imagens
de héteros, os choques
que recebíamos eram muito
agradáveis, muito suaves,
uma coisa muito envolvente.
Não causavam nenhuma perturbação,
digamos assim, na
pessoa. Quando passavam
as imagens de homossexualidade,
os choques eram mais
fortes, mais desagradáveis e
inconvenientes. Pelo menos no
meu caso, não eram choques
de saltar da cadeira para cima,
mas eram francamente desagradáveis.”
Apesar de não ter sido o
próprio a procurar pelo “tratamento”,
António submeteu-se
ao mesmo por sua vontade:
“estava interessado, porque
gostava da rapariga e queria
casar-me com ela. Eu submeti-me
porque acreditava.
Estamos a falar [de algo que
ocorreu] há 45 anos atrás. Não
havia todos estes conhecimentos,
nem esse falar e sair nos
jornais, todas estas coisas eram
feitas numa certa clandestinidade”.
De certa
forma, foi
como dizer-me
«você é
intratável
nesta área»
Foto: Paulo Pinto/Fotos Públicas
9
Grande Reportagem
Ao fim de “2, 3 meses”,
o médico quis conversar com
António, para avaliar os efeitos
que a “terapia” estava a ter no
“paciente”. “Respondi-lhe que,
no plano das relações heterossexuais,
eu tinha melhorado a
performance, digamos assim,
[estas] tornaram-se mais fluídas,
produtivas e prazerosas.
E depois ele perguntou, “e nas
homossexuais?”, fez-se silêncio
e repliquei-lhe exatamente a
mesma coisa. Fez-se então um
grande silêncio. O médico, ao
ouvir a minha primeira versão,
tinha respondido “ai que bom,
ai que bom”, quando ouviu a
minha segunda versão ficou
calado.” Perante a aparente
incerteza do médico, António
pediu-lhe então um veredicto,
ao qual o médico respondeu
que não valeria a pena continuar
o “tratamento”. “De certa
forma, foi como dizer-me “você
é intratável nesta área”. Agradeci,
fui embora e nunca mais
lá voltei.”
Perante a ineficácia desta
experiência, António não
voltou a tentar encontrar “uma
cura”: “A única coisa que eu podia
fazer era a autorrepressão,
porque estávamos em pleno
regime fascista e havia uma
perseguição aos homossexuais”.
O ativista acredita que a
influência do pecado religioso
na sua mentalidade contribuiu
para que, inicialmente, não
tenha aceite a sua sexualidade.
“Eu tinha um preconceito relativamente
a mim mesmo, do
qual também não me libertei
de um dia para o outro […] perdurou
durante bastante tempo.
Apesar disso, aos poucos, fuime
libertando.”
Membro da Igreja Evangélica
desde o seu nascimento,
Miguel Salazar sabia que a
família não iria aprovar a sua
sexualidade. Tal veio a demonstrar-se
a partir do momento
em que confiou ao seu professor,
também ele da mesma Igreja,
a sua orientação sexual.
Ao contrário do que lhe tinha
prometido, o professor não
guardou segredo, e acabou por
contar aos pais de Miguel.
“Quando levou a questão
da minha orientação sexual à
Igreja e à sua liderança, houve
uma reunião entre ele, a mulher
dele, o pastor, a mulher do pastor
e os meus progenitores. E
basicamente os seis decidiram
que, como conheciam uma
pessoa na nossa igreja que é
psicólogo, seria a melhor para
resolver o problema.”
O medo da reação dos
progenitores coagiu Miguel
a aceitar submeter-se a estas
práticas: “Quando me disseram
que lhes [aos pais] tinham
contado e que já tinham descoberto
que eu era homossexual,
disseram que tenham arranjado
uma solução para mim,
e encostaram-me à parede,
“queres ajuda?”. Eu simplesmente
nem sequer consegui
imaginar o cenário de dizer que
não. Tendo visto a reação que
foi quando souberam que sou
gay…”.
Apesar de, efetivamente,
ter sido sujeito a estas “terapias”,
Miguel não foi vítima de
métodos mais agressivos: “fui
indicado para ir a um psicólogo,
começou por ser uma consulta
de psicologia em que ele
tentou saber um bocado sobre
a minha vida, como numa consulta
normal”.
“Como ele sabia que eu
tinha tido episódios de bullying
na escola, começou por falar
nisso, a tentar perceber o meu
background, como é que foi o
meu processo de crescimento
[…] E depois começou a partir
para uma conversa com um
teor mais de fé e de religião, a
sugerir leituras que comparavam
a relação da pessoa com
o seu pai e a sua relação com
Deus, começou a querer que eu
começasse a ler essas coisas,
como trabalho de casa, para
quando chegasse lá na consulta
seguinte, começar a falar com
ele sobre essas situações.”
No entanto, o jovem não
deixou que os seus limites fossem
ultrapassados, ou seja,
“que chegasse a um ponto em
que ele começasse a tocar na
minha orientação sexual”. “Só
cheguei a ir a quatro ou cinco
consultas. Não senti “na pele”
muitas daquelas que são as
práticas que são infligidas nestas
pessoas”.
Eu
simplesmente
nem sequer
consegui
imaginar o
cenário de
dizer que não
Não obstante, esse
“travão” que a decisão de
Miguel representa foi impulsionado
por outra pessoa: “passado
pouco tempo, tive a sorte
de me cruzar com alguém, com
quem eu treinava praticamente
todos os dias e que me alertou
em relação a isso [às consultas]
e que foi a tempo de dizer
porque é que eu não deveria ir
ali. Se isso não tivesse acontecido,
se calhar tinha ficado lá um
ano ou mais, e teriam acontecido
outras coisas”. A reação dos
progenitores a esta decisão de
abandonar as consultas não foi
de aceitação, chegando até a
envolver violência física.
O contexto religioso em
que Miguel se inseria desempenhou
um papel importante
na sua visão sobre a sua sexualidade.
Tal como aconteceu com
António, também o jovem chegou
a acreditar numa “cura”,
ainda que demonstrasse o contrário:
“por dentro e quando
estava sozinho, no meu quarto
ou até na igreja, muitas vezes
passava-me pela cabeça, se
realmente Deus não podia fazer
alguma coisa para me curar, ou
se um pastor orasse por mim,
se não podia ajudar de alguma
forma. Às vezes ficava frustrado,
e cheguei a ver pornografia
hétero, numa tentativa de me
sentir excitado, mas não dava”.
Miguel sempre lidou
com a pressão social por parte
dos seus pares, por quem era
acarinhado: “A partir do momento
em que, na minha igreja,
gostavam muito de mim, sentia
que tinha de ter um discurso e
uma forma de pensar que fosse
igual àquela que esperavam de
mim.” A adoção de um discurso
homofóbico e contrário às
suas próprias convicções deuse
não só para corresponder
a essas expectativas, mas
também como uma estratégia
de salvaguarda do próprio.
“O meu discurso era sempre
de nojo com a homossexualidade,
dizia que era errado e
que a comunidade homossexual
vai para o inferno, foi um discurso
que eu mantive durante
muito tempo. De certa forma,
senti-me confortável com isso,
porque também sentia que era
a melhor forma que eu tinha de
me proteger. Eu sabia perfeitamente
que era homofobia internalizada,
e que estava a falar
contra pessoas que eram como
eu, mas ainda hoje não consigo
ver que forma melhor é que eu
tinha de me proteger daquela
situação, já que o assumir-me
Grande Reportagem
10
Foto: Eurodicas
era uma coisa completamente
impensável.
Sendo este um assunto
demasiado delicado, mas que
tem parca discussão pública,
será que é possível dizer que
esta realidade é meramente
desconhecida, ou chega a ser
mesmo ignorada? Na visão de
António, as duas coisas acontecem
em simultâneo. “Há zonas
em que nem se imagina que existem
estes “tratamentos”, até
porque a Igreja não faz menção
deles publicamente. Outros
sabem, mas toleram”, até
porque reprovam a existência
de outras sexualidades: “Consideram
que se trata de uma
doença, de um pecado [religioso
e] social.”.
A falta de dados concretos
é um dos motivos que leva
Miguel a acreditar que se trata
de uma realidade principalmente
desconhecida, aliada ao
facto de a componente destas
práticas ser mais religiosa do
que clínica. “O facto de estar
envolvida aquela ideia de liberdade
religiosa e de liberdade
de expressão, acaba por abafar
aquilo que são práticas de conversão
e que, às vezes, muitas
das pessoas que estão na Igreja
nem sequer se apercebem que
estão a ser submetidas a tal.
Há falta de investigação acerca
disso […] e se calhar acham que
aqui é uma prática inexistente
ou muito reduzida”.
Tanto António como
Miguel consideram ser essencial
a divulgação de testemunhos,
de forma a alertar para esta
realidade. António considera
que se trata de “uma questão
educacional”, e avança: “há
pouca educação sexual em Portugal,
tanto para homens como
para mulheres. É bom que estas
mensagens passem, para
que as pessoas, ao ouvirem,
normalizem estas questões, e
aqueles que são homossexuais
não se sintam indispostos,
amedrontados, não sintam que
são rejeitados, mas sim que é
tão legítima a sua orientação
sexual, como é a heterossexual”.
Ao estar a partilhar a sua
história, Miguel tem como objetivo
“ajudar as pessoas a pedirem
ajuda”: “Para mim, quanto
mais pessoas o meu testemunho
alcançar, melhor. Se eu puder
ser um contributo para isso,
fico mesmo feliz”.
Para António, o importante
é que a pessoa aprenda a
aceitar “paulatinamente” a sua
sexualidade, sem que se culpabilize
pela mesma: “o conselho
que eu dou às pessoas é informarem-se:
lerem, perguntarem,
falarem e encontrarem-se consigo
próprias, perceberem as
suas opções sexuais”. Sublinha
que é importante ter o apoio
de amigos “que os podem
compreender e encorajar”. “É
muito difícil viver esta orientação
sexual sozinho, com a
sensação de que é um pecado,
religioso e social. É bom que as
pessoas se desprendam dessa
ideia e pensem que em democracia,
todas as orientações sexuais
devem ser aceites, desde
que não violentem as outras
pessoas”, reforça.
Miguel reforça a importância
de se estar acompanhado
por um ombro amigo: “se
souberem de alguém no seu
círculo de amizades, ou até na
família, que seja inclusivo nestas
questões e não discrimine,
que esteja pronto para ajudar,
acho que não devem enfrentar
[o problema] sozinhos. O mais
seguro será não dizer em casa,
mas confiar isso, pelo menos
a uma ou duas pessoas que
saibam que sempre que acontecer,
sempre que estiverem
pior por causa disso, possam
contar-lhes e desabafar com
elas”. Outra solução sugerida
por Miguel, e que o próprio
adotou, é dirigir-se a uma associação
LGBTI: “são espaços
de completa confidencialidade,
seguros, onde estão pessoas
que percebem destas questões
e muito preparadas para acompanhar”,
refere.
Para mim,
quanto mais
pessoas o meu
testemunho
alcançar,
melhor. Se eu
puder ser um
contributo
para isso, fico
mesmo feliz.
António considera que a falta
de progresso na legislação acontece
“porque em Portugal o
preconceito é ainda muito vivo,
em certas regiões do país”,
acrescentando que “os governos
que estiveram no poder
estavam muito ligados à disciplina
católica”.
O ativista reconhece que
têm sido feitas tentativas no
sentido de proteger os direitos
da comunidade LGBTI, mas que
não são suficientemente adequadas.
António acredita que
enquanto estas “terapias” não
forem legalmente proibidas,
vão existir “sempre pessoas
que se submeterão, porque
vivem angustiadas por serem
homossexuais”. Um dos motivos
que, no seu entender, justificam
a falta de discussão no
país, é a falta de compreensão
por parte da sociedade, “que
ainda está impressa com muitos
preconceitos, embora muito
melhor”.
Miguel é ainda mais taxativo
no que diz respeito à
adoção de medidas que punam
a realização destas “terapias”,
ao considerar que “não devem
ser só criminalizadas no âmbito
clínico e médico, devem
também abranger a comunidade
religiosa”, por ser onde
mais ocorrem. Ele defende a
aplicação de pena de prisão
para quem seja responsável
por estas práticas: “a realidade
é que primeiro, para igreja, o
dinheiro, decerto não deverá
ser um problema. Depois, o
facto de existir uma relação
11
Grande Reportagem
entre a extrema-direita portuguesa
e muitas das igrejas
evangélicas e católicas, é uma
garantia de que se alguém tiver
de pagar uma multa, só porque
submeteu uma pessoa LGBT a
uma prática de conversão, não
vai ser de certeza um problema
e essas pessoas vão continuar
a fazer as mesmas práticas.”,
conclui.
não devem
ser só
criminalizadas
no
âmbito
clínico e
médico,
devem também
abranger a
comunidade
religiosa
A atual legislação
Fabíola Cardoso é deputada
do Bloco de Esquerda na
Assembleia da República e um
dos principais rostos da luta
pela igualdade de género e
das causas LGBTI, em Portugal.
É, também, autora do projeto
de lei bloquista que pretende
criminalizar as terapias de reorientação
sexual.
A deputada considera
que existe um “ignorar propositado
daquilo que é uma realidade
que também acontece
no nosso país”. Para combater
essa realidade posta de lado, o
Bloco de Esquerda apresentou,
no início de 2021, um projeto
de lei na Assembleia da República
que prevê pena de multa
ou de prisão até três anos
para “quem publicitar, facilitar,
promover ou praticar esforços
continuados, medidas ou procedimentos
que visem alterar a
orientação sexual de outra pessoa,
a sua identidade de género
ou expressão de género”.
Fabíola partilha com o
Pontos de Vista que classifica as
práticas de reorientação como
“anticientíficas” e “altamente
ineficazes”. “A orientação sexual
e a identidade de género
das pessoas não mudam devido
a qualquer tipo de terapias”. A
deputada vai ainda mais longe
e partilha as possíveis consequências
para as vítimas: “os
relatórios internacionais apontam
para consequências que
vão desde a baixa de autoestima,
falta de autoconfiança,
abandono escolar, problemas
de enquadramento social, dificuldades
no relacionamento
com pessoas próximas, até situações
muito mais graves de
automutilação, tentativa de suicídio,
de isolamento social que
podem levar, em último caso, à
morte das pessoas”.
O desaconselhamento
pela Ordem dos Psicólogos
não é suficiente para deputada
bloquista por dois motivos.
Primeiro porque considera importante
“fazer com que este
tipo de práticas deixe de existir
ou, se existir, que essas pessoas
possam ser punidas e possam
ser alvo de uma situação
em que têm consequências” e,
também, porque “a lei tem uma
função de formação da própria
sociedade e de contribuição
para a mudança social e para a
transformação social e pensamos
que é um sinal muito positivo
o Estado português assumir
que não tolera, que não aceita
este tipo de práticas”.
A dissolução da Assembleia
da República levou a que
este projeto de lei voltasse à
estaca zero. “O processo legislativo
foi interrompido. Terá
de ser reapresentado numa
próxima legislatura e, certamente,
o Bloco de Esquerda
assim o fará”, afirma a deputa
que espera o apoio de outros
grupos parlamentares para,
juntos, conseguirem “não só
um amplo debate, mas a maioria
necessária para aprovar esta
alteração legislativa”.
Fabíola Cardoso explica
que o processo de construção
de uma lei é “complexo” e que
pode demorar “cerca de um
ano”. Ainda assim, admite que,
mais do que aprovar a lei, é
necessário “contribuir para um
debate, envolver a sociedade
civil”. Por isso, o Bloco de Esquerda
realizou um evento, em
Lisboa, que juntou políticos, investigadores
e ativistas de toda
a Europa, o “Nada Que Curar”.
Quanto à penalidade
destas terapias internacionalmente,
vários países têm vindo
a legislar a sua proibição, com
a Malta, Inglaterra, Canadá e
França, por exemplo. A deputada
bloquista considera que
“se o processo legislativo demorar
um ano, será um bom
prazo para conseguir fazer esta
pequena, grande alteração legislativa”.
Contudo, de momento, a discussão
ainda não tem grande
espaço na agenda política do
país, mas os especialistas e
também as vítimas destas realidade
ignorada e desconhecida,
revelam urgência na criação
de uma moldura penal para as
“terapias de conversão”.
Há
psicólogos
que
afirmaram
publicamente
que faziam
este tipo de
práticas e não
há a
capacidade, há
luz do
enquadramento
legal em
Portugal, de
essas pessoas
serem
impedidas de
continuar
a exercer a
profissão.
Foto: Sciline
Política
12
Legislativas
2022:
Os 21 partidos que
se candidatam
à Assembleia da
República
Após o chumbo da proposta de Orçamento de Estado para 2022 e a consequente
dissolução do Parlamento, as Eleições Legislativas foram antecipadas. No dia 30 de janeiro,
os portugueses vão às urnas para escolher quem são os deputados que os representam nos
próximos quatro anos.
Texto:
Sara Fernandes Santos e Maria Castro
13
Política
Política 14
15
Política
Política 16
17
Política
Política
18
Dissolução da Assembleia
da República: A opinião de
André Freire
Marcelo Rebelo de Sousa realçou “divergências inultrapassáveis” à esquerda. O politólogo
André Freire defende “falta de vontade política”. Eleições marcadas para 30 de janeiro.
Foto: Presidência da República
Texto:
Pedro Queirós
Todos os partidos com
assento parlamentar, à
exceção do Partido Socialista,
comunicaram
antecipadamente a intenção
de votar contra
a aprovação do Orçamento
de Estado para
2022. Marcelo Rebelo
de Sousa avisou que o
chumbo do documento
colocava o país na rota
das eleições antecipadas.
A advertência do
Presidente da República
não foi suficiente para
evitar uma crise política
e a confirmação chegou,
na passada quinta-feira,
dia 4.
“Estou em
condições de vos comunicar
que decidi dissolver
a Assembleia da República
e convocar eleições
para o dia 30 de janeiro
de 2022”, disse Marcelo
Rebelo de Sousa, em
declaração ao país.
O Presidente da
República realçou que
o PS ficou “sozinho”
na votação, algo que
justifica a sua decisão.
“Pela primeira vez em
45 anos de Assembleia
da República, o Orçamento
de Estado não
foi aprovado”, afirmou,
antes de acrescentar
que “a rejeição dividiu
por completo a base
de apoio do governo” e
que “divergências inultrapassáveis”
dividiram
os partidos de esquerda
e tornaram inviável a
aprovação do documento.
André Freire,
politólogo e professor
catedrático do ISCTE
– IUL, não partilha da
opinião do Presidente
da República. “Eu penso
que o problema não é de
as divergências serem inultrapassáveis,
é de não
haver vontade política
para as superar”, diz. O
especialista em ciência
política afirma que “da
parte do governo houve
uma certa intransigência”
que foi respondida
pelos partidos à esquerda
com uma “rigidificação
de posições”.
Portugal entra em
novo período pré-eleitoral.
André Freire acredita
que o PS desejava ir
a eleições com “o desejo
de obter uma maioria
absoluta”. Essa pode
ser uma jogada arriscada
por parte de António
Costa pois, na opinião
do politólogo, “se não
tiver uma maioria absoluta,
não tenho dúvidas
que vai haver alternância
[no governo]”.
No seu discurso, o
Presidente da República
referiu, mais do que uma
vez, que os portugueses
“dispensavam” estas
eleições. André Freire
concorda e acrescenta
que “os portugueses valorizam
a estabilidade”.
Com o país a enfrentar
grandes desafios,
Marcelo Rebelo de Sousa
considera que “existe
sempre uma solução em
democracia” que passa
por “devolver a palavra
ao povo”. Ainda assim,
campanha eleitoral e
debates não devem coincidir
com a época festiva
de final de ano dado
que, na opinião do chefe
de Estado, podem contribuir
para “um aumento
da abstenção”.
Uma crise política
tem sempre responsáveis
e André
Freire aponta o dedo
àqueles que mais contribuíram
para o estado
atual do país. “A raiz
disto é não haver um
acordo político escrito
desde 2019 e aí os responsáveis
são o Partido
Socialista e o Presidente
da República”, conclui.
19
Eleições diretas no PSD:
Contra a maré,
Rio remou mais
forte
Foto: Tomás Silva/Observador
Política
Mapa com os resultados eleitorais por secção. Fonte: PSD.
O apoio dado pelas estruturas e as sondagens atribuíam o favoritismo ao adversário, mas no
final foi o líder quem saiu vitorioso. Rui Rio venceu as eleições diretas no PSD, conseguindo
mais 1746 votos que o adversário, Paulo Rangel.
Texto:
Sara Fernandes Santos
Ao longo da sua vida política,
Rui Rio tem conseguido contrariar
as expectativas por várias
vezes, e estas diretas são disso
prova. Não obstante a divisão
sentida num PSD fraturado, o
líder do partido tem enfrentado,
durante os seus quatro
anos de presidência, a oposição
de vários notáveis. Os apoios
de peso que o eurodeputado
Paulo Rangel reuniu a seu favor
ameaçavam a continuidade
do ex-autarca na liderança dos
sociais-democratas, porém, tal
não foi suficiente para impedir
a reeleição do líder.
Rio alcançou 52,43% dos
votos dos militantes, contra os
47,57% de Rangel. O presidente
do PSD venceu em 12 das 22
distritais, com destaque para
as importantes conquistas no
Porto (distrital onde a vitória
de Rio foi significativa, não obstante
o apoio manifestado a
Rangel) e em Braga. Por sua
vez, o eurodeputado venceu
em 9 distritais, entre as quais
se encontram as de Lisboa e
Setúbal, e as estruturas do partido
fora do território nacional.
No seu discurso de consagração,
Rui Rio disse estar
“picado” para vencer as
eleições Legislativas de 2022,
e atribuiu a vitória aos “militantes
de base”. Deixou ainda
um recado aos dirigentes:
“Aqueles que são os dirigentes
do partido nas distritais e nas
concelhias têm de se ligar mais
aos militantes. É absolutamente
notório que, na sua esmagadora
maioria, quiseram mudar de
sentido, porque perceberam
que grande parte desses apoios
[dos dirigentes] tinham a ver
com interesses pessoais e não
com os interesses do partido”.
Em relação a uma hipotética
união interna do partido,
Rio afirmou: “Estou disponível,
mas só com quem
quer fazer unidade. Já aprendi
que muitos dizem que querem
unidade, mas depois não
querem unidade nenhuma.” O
presidente reeleito agradeceu
ao adversário eleitoral pela
“dignidade” com que reconheceu
a derrota, na intervenção
que fizera minutos antes.
O discurso de Paulo Rangel
deu-se quando pouco mais
de metade dos votos estavam
apurados.
O eurodeputado, que se
candidatou à liderança dos sociais-democratas
pela segunda
vez na sua carreira política,
apelou à união, relembrando
que o partido deve ter “um único
adversário: o PS de António
Costa”.
Apesar de se ter recusado
a analisar os resultados,
Rangel sublinhou que o ato foi
“uma prova de vida muito importante
para o partido, que
vai ter consequências positivas
[para o PSD] nas legislativas”, e
mantém todo o seu apoio aos
sociais-democratas.
Estas eleições diretas,
em que a taxa de participação
dos militantes rondou os 77%,
é o terceiro que Rui Rio vence.
Em 2018, quando Pedro Passos
Coelho abandonou a liderança
do partido, venceu Santana
Lopes com 54,15% dos votos.
Já em 2020 venceu, na segunda
volta, Luís Montenegro, um
dos rostos da oposição interna
que, à data, Rio enfrentava,
com 53% dos votos. Miguel
Pinto Luz também participou
na corrida pela presidência dos
sociais-democratas, mas foi
derrotado na primeira volta.
Na sequência deste triunfo,
Rui Rio é agora o candidato
do PSD às Legislativas
de 2022, que se vão realizar a
30 de janeiro. Recorde-se que
estas eleições foram antecipadas
após o chumbo do Orçamento
de Estado, motivo que
levou o Presidente da República,
Marcelo Rebelo de Sousa,
a dissolver a Assembleia da
República.
Política
20
Presidente da República
veta lei da eutanásia e
pede clarificações
Marcelo Rebelo de Sousa volta a devolver o diploma sobre a eutanásia, sem fiscalização prévia pelo
Tribunal Constitucional.
Texto:
Leonor Costa
Após revisão do decreto
aprovado pelo Parlamento a 5
de novembro, o Presidente da
República decidiu vetar, pela
segunda vez, a lei da eutanásia.
Em comunicado, Marcelo
pede a clarificação do que
“parecem ser contradições
no diploma quanto a uma das
causas do recurso à morte medicamente
assistida”.
Na carta dirigida ao
Presidente da Assembleia da
República, divulgada a 29 de
novembro no site oficial da
Presidência, Marcelo aponta
a necessidade de esclarecimento
acerca da exigência
de “doença fatal” para a
permissão de antecipação
de morte, após o documento
ter referenciado conceitos
como “doença incurável” e
“doença grave”: “(...) solicito à
Assembleia da República que
clarifique se é ou não exigível
“doença fatal” como requisito
de recurso a morte medicamente
assistida e se, não o
sendo, a exigência de “doença
grave” e de “doença incurável”
é alternativa ou cumulativa”.
No caso de “doença
fatal” deixar de ser uma
condição para a realização da
eutanásia, Marcelo Rebelo de
Sousa solicita uma reponderação
desta alteração entre
o diploma anterior e o atual,
sendo que considera ser “uma
mudança considerável de ponderação
dos valores da vida
e da livre autodeterminação,
no contexto da sociedade
portuguesa”. No entanto, se
a Assembleia da República
decidir renunciar à exigência
de doença fatal, ampliando a
permissão da morte medicamente
assistida, o Presidente
pede que sejam apresentadas
as bases que apoiam “a opção
pela solução mais drástica e
radical”.
Na carta, Marcelo reforça
ainda que esta segunda
reprovação da lei da eutanásia
não partiu de motivações pessoais
de caráter religioso, ético
ou político. O Chefe de Estado
garante que a decisão tomada
teve em conta “o sentimento
valorativo dominante na sociedade
portuguesa”.
Com a oficialização da
dissolução do Parlamento, a
lei sobre a eutanásia e o suicídio
medicamente assistido
só volta a ser discutida pelos
partidos após as eleições legislativas
a 30 de janeiro, já com
um novo Governo.
Marcelo entre críticas e elogios
A 5 de novembro, o
decreto-lei da legalização da
morte medicamente assistida
tinha sido aprovado com votos
a favor de PS, BE, PAN, PEV,
IL, das duas deputadas não-inscritas
e ainda de 13 deputados
do PSD. O PCP, CDS-PP e
o deputado único do Chega,
votaram contra.
Após o veto do Presidente
da República à lei da
despenalização da eutanásia,
os partidos não tardaram a
reagir.
Em declarações à SIC
Notícias, Isabel Moreira, deputada
do Partido Socialista e
uma das autoras do diploma,
afirmou considerar a decisão
tomada por Marcelo Rebelo
de Sousa “atípica”, e acredita
ter sido motivada por crenças
pessoais: “O Presidente da
República faz um veto absolutamente
atípico, porque utiliza
formalmente o veto político e,
no entanto,
21
Política
envereda-se por considerações
jurídicas que deveriam
caber ao Tribunal Constitucional”,
declara.
Por sua vez, o deputado
socialista Pedro Delgado
Alves mostrou compreensão
em relação ao veto. À TSF,
o deputado declarou que
Marcelo destacou questões
“que importam deixar claras,
porque é uma legislação muito
importante, uma legislação
penal também”. Já sobre a
recusa de convicções pessoais
na tomada de decisão
de Marcelo, Pedro Delgado
Alves afirma ter algumas dúvidas:
O líder parlamentar
do Bloco de Esquerda, Pedro
Filipe Soares, anunciou o
seu descontentamento com o
veto político através do Twitter,
caracterizando-o como
um “veto cínico”. O deputado
acredita que a eutanásia
será legalizada em breve.
À Lusa, o deputado do BE,
José Manuel Pureza, destacou
a parcialidade de Marcelo relativamente
à morte medicamente
assistida:
O bloquista acusa
Marcelo Rebelo de Sousa de
se prender a uma interpretação
restrita e literal para
justificar a reprovação da lei:
“Esse apego, essa insistência
numa leitura absolutamente
literal do texto da lei não esconde
que é óbvio o que está
em jogo: o que está em jogo
é uma situação de doença
de natureza irreversível que
provoca um sofrimento atroz
a uma pessoa e que – entendemos
nós – legitimamente
pode solicitar a sua morte assistida”,
afirma.
As motivações pessoais
refletidas através do veto são
também referidas por Inês
Sousa Real, líder do PAN. Em
entrevista à SIC Notícias, a
porta-voz do partido destaca
o debate aprofundado, que
se tem prolongado por vários
anos no Parlamento, para a
criação de um diploma único
sobre a morte medicamente
assistida, e acusa Marcelo
Rebelo de Sousa de falta de
conhecimento em questões
como “igualdade e dignidade
humana, sofrimento injustificável
e irreversível”.
Apesar da oposição do
PCP à lei de legalização da
eutanásia, o deputado António
Filipe esclarece que as
razões do Presidente diferem
dos motivos que levaram
o Partido Comunista a votar
contra a aprovação da lei: “O
PCP, na exposição das suas
razões, não se prendeu com
formulações. Prendeu-se, de
facto, com aquilo que considera
que é uma posição de fundo
por parte do Estado e do
legislador perante a questão
É conhecido,
e não surpreende
ninguém,
que o
presidente
da república,
do seu
percurso
pessoal e
político, tem
uma posição
bastante
mais conservadora
nesta
matéria.
que foi suscitada”, clarificou à
Agência Lusa. António Filipe
confirma que a posição do
PCP vai manter-se.
À direita, o CDS-PP e
o Chega congratularam a decisão
tomada pelo Chefe de
Estado. Apesar do contentamento
com o veto, Cecília
Anacoreta Correia, deputada
do CDS, desaprova o empenho
da Assembleia da República
no processo de despenalização
da eutanásia e lamenta
a falta de acesso a melhores
cuidados paliativos. “A alternativa
a sofrer não é morrer.
Há uma terceira opção que é
cuidar de quem está doente,
e esse sim, é o combate do
CDS”, declarou à SIC Notícias.
Em comunicado, a Direção
Nacional do Chega
critica as contradições da lei
aprovada pelo Parlamento e
aponta que “o tema voltará
a ser discutido no parlamento
na próxima legislatura com
total tranquilidade e seriedade
e com uma composição
parlamentar diferente da atual
que primará pela defesa da
vida e do ser humano”.
Um debate de anos com desfecho
à vista?
Em 1995, o Conselho Nacional
de Ética para as Ciências da
Vida apresentou um parecer
a favor da despenalização da
morte medicamente assistida.
Desde então, a discussão
pública sobre a eutanásia tem
vindo a arrastar-se. Relembre
alguns dos momentos mais
marcantes, durante os últimos
anos.
Economia
22
Empresas multimilionárias
americanas fogem a impostos
90 das empresas mais ricas dos EUA não pagam o valor certo ou passam anos sem pagar impostos.
Elon Musk, Diretor da Tesla e da Space-X. Foto: Getty Images
Texto:
Maria Castro
Elon Musk, diretor da Tesla e da
Space-X, empresas avaliadas
em 1 bilião e 100 mil milhões
de euros, respetivamente, foi,
em 2021, nomeado o homem
do ano pela revista Times.
Pouco depois, na rede social
Twitter, a senadora democrata
estado-unidense Elizabeth
Warren acusou o bilionário de
não pagar os impostos e de se
aproveitar da população que o
faz.
Em resposta, Elon Musk
publicou um tweet em que
revela que pagará 11 mil milhões
de dólares em impostos,
no ano de 2021. Considerando
que a atual riqueza do empresário
é avaliada em 243 mil
milhões de dólares pelo Índice
da Bloomberg Billionaires, é
muito ou pouco?
Este ano, saíram algumas
notícias que reportavam falhas
no pagamento de impostos por
parte das maiores e mais lucrativas
empresas americanas,
como por exemplo, as vendas
europeias da Amazon e os respetivos
impostos. De acordo
com o The Guardian, apesar
das vendas recordistas (motivadas
pela pandemia) deste
ano, no valor de 44 mil milhões
de euros (na sede do Luxemburgo,
responsável pelas vendas
da Europa), a Amazon, no
Luxemburgo, reportou uma
perda de 1.2 mil milhões de euros,
pagando então um total de
zero euros em impostos.
Nos últimos três anos,
a Amazon pagou apenas uma
percentagem de 4.3% do lucro
nos EUA. E nos últimos 10
anos, o valor pago de impostos
foi 57 mil milhões de dólares,
correspondente a 4.7% do lucro.
Em anos passados, 2017
e 2018, a Amazon conseguiu
com sucesso não pagar impostos
federais.
A percentagem paga ao governo
americano pelo dono da Tesla,
Elon Musk, é superior, mas
não muito dispare. Os dados
entre 2014 e 2018 indicam um
pagamento de impostos equivalente
a 3.27%, de acordo com
a ProPublica.
Em março deste ano,
o Presidente Biden mostrou
o seu desagrado com a fuga
aos impostos destas empresas
multimilionárias, geridas pelos
homens mais ricos do mundo.
Entre elas, estão também empresas
como a Berkshire Hathaway
Inc., presidida por Warren
Buffett, e a Bloomberg LP, presidida
por Michael Bloomberg.
Além disso, afirmou que ia pôr
um fim a esta disparidade. Vários
senadores e peritos criticam
as falhas do sistema de impostos
federais dos Estados Unidos,
que tem vindo a permitir
que grandes empresas sejam
capazes de não pagar impostos
federais.
Jeff Bezos, Diretor da Amazon. Foto: Getty Images
23
Economia
Black Friday
mais online em
2021
As promoções do maior dia de descontos do ano
voltaram a atrair os consumidores portugueses.
As compras online ou pagas com cartão foram o
modo preferido. O volume total de compras é
superior ao de 2020, mas inferior a 2019.
Texto:
Pedro Queirós
A tradição americana voltou
às lojas portuguesas. A última
sexta feira do mês de novembro
já tem o rótulo da Black
Friday, com promoções significativas
nos mais variados
artigos. Este ano, foi a 26 de
novembro que se registou o
dia de compras mais frenético
do ano, marcado pelos efeitos
da pandemia e pelas compras
online.
A Black Friday abre oficialmente
a época de compras
natalícias. Os descontos
que lhe estão associados
fazem com que os produtos
mais procurados sejam os
mais caros: telemóveis, eletrodomésticos,
televisões e consolas.
Os efeitos da pandemia
da Covid-19 ainda se fazem sentir:
registaram-se mais compras
do que em 2020, mas menos
do que em 2019. As compras
online ganharam força e movimentos
feitos por cartão ou MB
WAY também registaram um
aumento nas compras feitas em
loja física.
Ponto de situação das 12 horas
Até ao meio dia da Black Friday,
não se registavam grandes surpresas.
De acordo com o comparador
de preços KuantoKusta,
a TV LG de 55’’ A16 OLED
Smart TV 4k, o smartphone
Xiaomi Poco X3 Pro Dual Sim e
a TV Xiaomi de 43’’ Mi TV P1
4K são os artigos mais comprados
nas primeiras doze horas
do dia.
Segundo dados da mesma
plataforma, o restante
top10 de compras é composto
pelos seguintes artigos:
Compras Online São Preferência
A SIBS Analytics, Portal de Indicadores
de Consumo que
mostra os dados de consumo
em Portugal, disponibilizou um
conjunto de informações sobre
os gastos na Black Friday de
2021 e uma comparação com o
dia do evento de 2020.
Verifica-se que as compras
online voltaram a ganhar
destaque. O peso, em euros,
das compras online no total
das compras na Black Friday foi
de 18%. Em 2020, tinha sido de
16% e em 2019, de apenas 12%.
É um aumento que comprova a
tendência para o crescimento
do comércio online, também
justificado pela persistência da
pandemia.
Outro dos indicadores
que coloca os portugueses
cada vez mais como consumidore
digitais é o pagamento
através do telemóvel, não
só nas compras online como
também nas compras em loja.
O MB WAY é o meio preferido
dos consumidores e registou
um crescimento oito vezes
superior em relação a 2019
e cinco vezes face a 2020, nas
compras em loja. Nas compras
online, o crescimento não foi
tão acentuado: 3 vezes superior
em relação a 2019 e 2 vezes
comparativamente com o ano
passado.
A Black Friday já ultrapassa
as vinte e quatro horas
do dia que a define, que este
ano foi o 26 de novembro. Várias
marcas passaram ao conceito
de Black Week ou Black
Weekend, o que permite que
os portugueses dispersem os
gastos por vários dias e não
concentrem tudo num só dia.
Na Black Week, entre 22 e 28
de novembro, o consumo teve
um crescimento de 17% no total
de compras quando comparado
com o igual período de
2019 e um crescimento de 20%
comparativamente com 2020.
Apesar dos produtos
mais procurados serem dispositivos
tecnológicos, o foco
de consumo desta Black Friday,
quando comparado com
os restantes dias do mês de
novembro foram no setor de
Moda e Acessórios. O restante
top5 é composto por Perfumaria
e Cosmética; Jogos,
Brinquedos e Puericultura e,
por fim, Tecnologia e Material
Desportivo e Recreativo.
Ainda em comparação
com o restante do mês da
Black Friday, as regiões nacionais
que registaram uma maior
taxa de consumo são Vila Real,
Bragança, Castelo Branco e as
ilhas da Madeira e dos Açores.
Tal demonstra que o efeito da
Black Friday e a adesão às compras
online não se concentra
em nenhuma região em específico.
No total, o valor médio
gasto por cada cartão nesta
Black Friday foi de 66,30€.
Mapa de Portugal continental que ilustra o
número de compras nas primeiras horas da
Black Friday. Fonte: KuantoKusta
Economia
24
Foto: ECO-SAPO
Proibição dos saldos entre 25
de dezembro e 9 de janeiro
O período de saldos fica adiado para dia 10 de janeiro. A decisão do Governo pretende evitar os
ajuntamentos, devido ao aumento de casos de Covid-19.
Texto:
Leonor Costa
A proibição dos saldos nas lojas
é uma das novas medidas
anunciadas para a prevenção e
controlo das infeções por Covid-19.
No comunicado do Conselho
de Ministros de 21 de
dezembro de 2021, ficou estabelecido
que “entre os dias 25
de dezembro de 2021 e 9 de
janeiro de 2022 são proibidas,
em estabelecimentos, práticas
comerciais com redução de
preço”.
No mesmo documento,
é anunciado o prolongamento
do prazo disponível para realizar
devoluções e trocas até
ao final do mês de janeiro: “O
prazo para o exercício de direitos
atribuídos ao consumidor
que termine entre os dias 26
de dezembro e 9 de janeiro, ou
nos 10 dias posteriores àquele
período, é prorrogado até 31
de janeiro de 2022”, pode lerse
no comunicado.
Para além das lojas estarem
impedidas de realizar saldos,
após a reunião do Conselho
de Ministros, António Costa
anunciou em conferência de imprensa,
a limitação da lotação
nos estabelecimentos comerciais,
que passa para uma pessoa
por cada cinco metros quadrados
de forma a evitar os ajuntamentos
que acontecem para as
trocas de prendas de Natal.
Os comerciantes não
tardaram em mostrar o seu
desagrado em relação a estas
decisões. Em declarações
à Lusa, Marco Claudino,
Secretário-Geral da Associação
de Marcas de Retalho e Restauração
(AMRR), caracterizou
as medidas como “uma intromissão
sem paralelo” do Governo
na política comercial das
empresas.
Marco Claudino destaca
as dificuldades que as empresas
têm enfrentado nos último
dois anos e crítica a atuação
do Governo: “Estas duas medidas
de controlar o número
de clientes e de proibir a baixa
de preços, é uma forma de não
fechar o comércio e, desta forma,
não compensar, nem apoiar
os comerciantes, embora os esteja
a impedir de vender”.
O Secretário-Geral da
AMRR relembra ainda que as
reduções de preço são a forma
mais eficaz para atrair clientes e
apenas as lojas online vão poder
aplicar esta estratégia, criando
assim uma concorrência desleal.
“As marcas internacionais
que estão ‘online’ com redução
de preços e, nas lojas, são empresários
portugueses, através
de ‘franchising’ das marcas,
que acabam por vender’, apontou
à Lusa.
Questionado pela Renascença,
Joel Azevedo, Presidente
da Associação dos Comerciantes
do Porto, relembrou a
importância desta época para
o setor do comércio: “É uma
época muito importante para
expedir os stocks que estão
acumulados. Adiar esse processo,
é adiar o início da nova
época que queríamos que fosse
já o mais normal possível”.
Joel Azevedo acrescenta ainda
que era essencial a implementação
de medidas de compensação
financeira aos comerciantes
fortemente atingidos
pelos efeitos da pandemia de
Covid-19.
25
economia
Orçamento do Estado 2022:
a linha do tempo do chumbo
O chumbo do Orçamento do Estado foi um dos acontecimentos que marcou o ano de
2021 em Portugal. A esquerda não chegou a acordo e a proposta foi chumbada na
sua votação na generalidade, por quase todos os partidos da Assembleia da
República, à exceção do PS, do PAN e das deputadas não inscritas.
Texto:
Sara Fernandes Santos
Esta foi a segunda vez
desde o 25 de Abril em
que um orçamento estatal
foi chumbado, sendo
que a única vez em
que tal tinha acontecido
remonta a 1978, motivado
pelo corte do subsídio
de Natal. No entanto,
apesar de este poder
já ter sido usado várias
vezes pelos presidentes
da república, nunca um
parlamento tinha sido
dissolvido na sequência
de um chumbo do OE.
Eram quatro as
grandes prioridades
impressas na proposta
de orçamento para o
novo ano civil. A grande
bandeira seria a recuperação
da economia,
onde se destacavam a
implementação do Plano
de Recuperação e Resiliência,
e o estímulo ao
investimento privado,
com a criação de um Incentivo
Fiscal à Recuperação.
No campo do aumento
do rendimento,
o governo comprometia-se
a criar dois novos
escalões de IRS, bem
como a proceder à atualização
dos sacários da
função pública e ao aumento
das pensões e do
salário mínimo.
Para o executivo
de António Costa, a
aposta nos jovens passaria
pelo aumento das
bolsas de mestrado e
pelo alargamento do IRS
Jovem para cinco anos.
Finalmente, o governo
considerava igualmente
prioritário o reforço
dos serviços públicos,
sobretudo na área
da saúde, com a contratação
de mais profissionais
para o Serviço
Nacional de Saúde.
O Pontos de Vista
faz a cronologia do acontecimento
que marcou
a história da política
portuguesa.
João Leão, Ministro das Finanças
Foto: Nuno Fox/Lusa
Assembleia da República
Foto: João Miguel Rodrigues
Presidente da República
Foto: Rodrigo Antunes/Lusa
11 de outubro
O ministro das Finanças, João
Leão, apresenta o Orçamento
do Estado 2022 no Parlamento.
O Presidente da República convoca
os partidos com assento
parlamentar para uma ronda de
audiências, a decorrer no dia 15
de outubro.
12 de outubro
O PCP e o BE afirmam que vão
votar contra a proposta do OE
se não forem feitas alterações
ao documento.
Iniciativa Liberal e CDS anunciam
que vão votar contra o OE.
13 de outubro
Marcelo ameaça com a dissolução
do Parlamento e ida a
eleições caso o OE seja chumbado.
Perante essa cenário, Rui Rio
pede ao Conselho Nacional do
PSD que
reconsidere a marcação das diretas
e do Congresso para depois
da votação do OE.
15 de outubro
Começam as audiências do
Presidente da República com os
partidos.
Rio anuncia que vai propôr à direção
nacional do PSD o voto
contra a OE.
O PAN anuncia que o seu voto
está em aberto.
17 de outubro
O governo manifesta a sua vontade
em reunir com todos os
partidos que têm viabilizado o
OE nos últimos anos.
19 de outubro
Apesar de a aprovação do OE
ainda não estar garantida, João
Leão promete “contas certas” à
União Europeia.
23 de outubro
O primeiro-ministro, António
Costa, garante que vai continuar
a liderar o governo em caso de
chumbo do OE, mas salvaguarda
que vai respeitar a decisão
do Presidente da República se
este decidir convocar eleições
antecipadas.
25 de outubro
O PAN e as deputadas não inscritas
anunciam que se vão abster na
votação do Orçamento.
O PCP anuncia que vai votar contra,
o que confirma o chumbo do
Orçamento de Estado.
O PEV revela que também vota
contra.
24 de outubro
O BE anuncia que decidiu votar
contra a proposta do OE, mas
que se mantém disponível para
negociar até ao momento da
votação.
26 de outubro
O PSD Madeira mostra-se dispnível
a negociar o OE com o
governo, abrindo a possibilidade
de os três deputados eleitos
pelo círculo da ilha votarem
a favor.
27 de outubro
O OE é chumbado na generalidade
pelo Parlamento.
108 votos a favor (PS), 5 abstenções
(PAN e deputadas
não inscritas) e 117 votos contra
(restantes partidos).
Sociedade
26
A magia do brinquedo
persiste em
Sá da Bandeira
O Bazar Paris é uma das lojas mais icónicas da cidade do Porto. Numa época em que os
brinquedos são o cabeça-de-cartaz para os mais novos, fomos conhecer o momento que
a loja vive e recordamos o passado, que contou com a vizinhança de um outro bazar.
Texto:
Sara Fernandes Santos
A atual geração de crianças
é fascinada pelos
catálogos de brinquedos
das grandes superfícies
e pelos anúncios com
personagens como a Popota.
Mas antigamente,
eram as montras dos bazares
que despertavam
a imaginação e o encanto
dos mais pequenos.
O Bazar Paris é o único
que mantém as suas portas
abertas, na Rua de
Sá da Bandeira. Falamos
com Luísa Villas-Boas,
responsável pelo espaço
e bisneta do seu
primeiro proprietário,
sobre o momento que a
loja vive, e as memórias
do passado, inclusive da
vizinhança que manteve
durante vários anos com
o Bazar Londres.
estar em família, vai se
vender e vai ser outra
coisa qualquer. Não estou
a ver ninguém com o
mesmo amor à camisola,
a sacrificar-se pela loja
como a família se sacrifica.
Os clientes continuam
a ser os de sempre, são
aqueles que se mantêm
fiéis ao bazar, ou
também há clientes novos
que vão surgindo
todos os anos?
Nós temos aqui clientes
que, inicialmente, vinham
pela mão dos avós,
e agora trazem os seus
netos. No entanto, temos
clientes todos os
dias, os clientes habituais
e os de passagem.
Também temos clientes
de outras zonas do país
que nos visitam quando
vêm ao Porto, e os turistas,
que ficam bastante
admirados, como é que
ainda existe um bazar
assim com tanto artigo e
tanta variedade.
E acabam também sempre
por comprar alguma
coisa?
Numa regra geral, sim,
mas outras vezes vêm só
para visitar.
Quais as maiores diferenças
entre os clientes
de antigamente e os atuais?
Procuram o mesmo
tipo de produtos ou
brinquedos ou já têm
necessidades completamente
diferentes das
gerações mais antigas?
Têm necessidades completamente
diferentes,
se bem que nós continuamos
a ter uma loja de
tradição, com brinquedos
tradicionais. Queremos
continuar com estes
brinquedos, que nos
fazem lembrar a época
de quando os nossos
avós brincavam. Agora,
as crianças, nomeadamente,
têm gostos muito
diferentes. Antigamente
vendíamos um fogão,
agora vendemos um micro-ondas,
e o mesmo
acontece com outros
brinquedos: vendíamos
carros telecomandados,
agora querem mais artigos
para consolas. Temos
que nos ir adaptando
aos tempos.
Queremos
continuar
com estes
brinquedos,
que nos
fazem
lembrar a
época de
quando
os nossos
avós
brincavam.
Foto: Bazar Paris
Pontos de Vista: O Bazar
Paris é uma das lojas
mais icónicas da cidade
do Porto, sendo a mais
antiga loja de brinquedos
da invicta. Como
é que é viver com este
estatuto?
Luísa Villas-Boas: É a
mais antiga da invicta e
a mais antiga da Península
Ibérica. Como é viver?
É viver com alegria
por termos sobrevivido,
e com alguma responsabilidade
em continuar a
manter a loja como ela é.
É importante para
vocês manterem a loja
em família?
Quando não for para
27
Sociedade
Lembra-se de ter acontecido
alguma vez
virem aqui pessoas que
tinham vindo do Londres
ou pessoas que
iam ao Londres e tinham
vindo aqui?
Tendo em conta que
agora só sobra o Bazar
Paris, o que é que acha
que fez o Paris distinguir-se
dos restantes
para ter sobrevivido
até aos dias de hoje?
Os brinquedos mais
apetecidos agora são
diferentes. Antigamente
eram quais é
que eram os favoritos?
Antigamente, o pião de
lançar, o cavalinho de
madeira, uma boneca.
Hoje em dia as crianças
brincam menos tempo.
A partir dos sete, oito
anos deixam de brincar,
começam a querer outro
tipo de artigos e de tecnologias
e, desse modo,
estamos mais limitados
nas idades dos brinquedos.
As crianças, e sobretudo
os pais, querem
coisas para construir,
que puxem pela imaginação,
muitas das vezes
para tirar os mais novos
da frente da televisão ou
dos computadores por
um bocadinho, preferem
jogos construções desse
género.
Fazendo a pergunta de
uma forma mais pessoal:
cresci a ouvir várias
histórias de família
em que os pais traziam
aqui os filhos. Eles ficavam
sempre muito
fascinados com as montras,
os brinquedos direitinhos
e vistosos, e
era sempre assim em
dezembro. Continua a
assistir a este tipo de
fascínio por parte das
gerações mais novas,
ou até mesmo dos adultos
que cresceram com
o bazar?
Continua a haver o
mesmo tipo de fascínio
pelos adultos e pelas
gerações mais novas,
mas menos, porque os
pais trazem-nos pouco.
Ouço muitas vezes pais
a queixarem-se que não
podem trazer um filho a
uma casa de brinquedos,
“não vou trazer o meu
filho aqui porque ele vai
pedir-me tudo”. Penso
que os mais velhos estão
a evitar vir às compras
com os mais novos,
precisamente para que
eles [os mais novos] não
peçam e [os pais] não entrarem
em despesa. Isso
tira um bocadinho o fascínio.
Também ouço dizer
várias vezes “sabes,
aqui era onde o papá
comprava os brinquedos
quando era pequenino,
mas agora nós não
porque agora vamos ao
supermercado”. É triste,
mas é a vida.
A Luísa é bisneta do
primeiro proprietário
da loja. Que memórias
tem da loja quando era
criança?
Conheci muito bem o
meu avô, foi ele que me
passou o bichinho pelo
Bazar. Vinha aqui ajudar
o meu avô com quatro,
cinco anos. Como só fui
para a primeira classe, a
minha creche era aqui,
a minha mãe trabalhava
cá e eu brincava aqui, a
imitar as funcionárias a
vender. No final do dia,
ajudava o meu avô a fazer
as contas. Cada empregada
tinha um talão,
cada um com uma cor
diferente, então eu separava
os talões pelas
cores, e no final da semana
o meu avô dava-me
um tostão por essa ajuda.
Essas são as primeiras
recordações que eu
tenho daqui.
Na loja ao lado, que
agora é a loja de uma
operadora, funcionou
também um outro bazar,
que era o Bazar
Londres. Como é que
foi essa concorrência?
Foi uma concorrência
muito boa, muito leal e
muito saudável, que não
é a concorrência que
existe hoje em dia, com
outras organizações.
Isto apesar de estarmos
aqui um ao lado do outro
e cada um puxar a brasa
para a sua sardinha! Todos
nós queríamos ter
as novidades, fazíamos
quase uma competição
nas montras, quem é que
tinha primeiro o artigo…
existia essa rivalidade,
mas as pessoas conheciam-se
e cumprimentavam-se.
Em relação aos
preços e promoções,
era quase combinado e
unânime. Hoje em dia
é selva, é o “salve-se
quem puder”.
Sim, muitas vezes aconteceu
aos nossos clientes.
Existiam clientes
mais fiéis ao Paris e outros
mais fiéis ao Londres,
mas quando não
havia um artigo, trocávamos.
Também acontecia
muito termos um
cliente muito bom da
casa a pedir um produto
que não tínhamos, mas
que o Londres tinha, e
irmos lá pedir emprestado
o artigo para o vendermos
aqui, de modo
a não perdermos o cliente.
Aconteceu igualmente
ao contrário, com
o Londres, mas também
com o Bazar Esmeriz, na
Rua dos Clérigos, com o
Bazar dos Três Vinténs...
eram bazares e comércio
tradicional antigo, onde
todas as pessoas se conheciam
e se respeitavam.
Claro que cada um
fazia o melhor por si.
Tem memórias também
de outros bazares icónicos
da cidade do Porto?
Sim, do Bazar dos Três
Vinténs, do Bazar Esmeriz,
lembro-me muito
bem… aliás, o meu
avô era muito amigo do
dono do Bazar Esmeriz,
e eu lembro-me de, às
vezes o senhor passar aí
e o meu avô estar à porta,
a conversar com ele.
Tenho essas memórias
todas, por ter crescido
aqui. Não nasci cá, mas
foi como se tal tivesse
acontecido.
Persistência. Ter alguém
que continue. Por exemplo,
o Bazar Londres não
teve ninguém que continuasse,
enquanto que
aqui tivemos a sorte de
ter sempre alguém que
continue. Se vai continuar
depois de mim? O
futuro a Deus pertence,
não lhe sei dizer… Mas
uma das razões pelas
quais o Bazar Londres
fechou foi precisamente
essa, não ter seguidores,
ou melhor, os seguidores
não quererem continuar.
E aqui foi haver
seguidores, quem aposta
e gosta disto, quem
vista a camisola e queira
continuar a trazer a magia
à cidade, a magia do
brinquedo.
Continua a
haver o
mesmo
fascínio
pelos
adultos
e pelas
gerações
mais novas,
mas menos,
porque os
pais
trazem-nos
pouco.
Sociedade
28
2022 na Justiça port
os casos que vão ma
Todos os anos, a chegada do novo ano é o momento ideal para fazer ante-visões, e a
Justiça não é exceção. Neste artigo, reunimos os principais casos judiciais que vão ter
desenvolvimentos ao longo de 2022.
Texto: Sara Fernandes Santos
Tancos
Foto: Lusa
A decisão do
caso, que esteve
marcada para outubro
de 2021, será
conhecida a 07 de
janeiro. O Ministério
Público (MP) pede
a absolvição de 11
dos 23 arguidos, incluindo
o ex-ministro
da Defesa, Azeredo
Lopes. A pena
mais grave é pedida
para João Paulino,
que confessou ser
o responsável pelo
crime, e pode agora
enfrentar nove a
dez anos de prisão.
O episódio
ocorrido em 2017
consistiu no roubo
e posterior recuperação
de armas
dos paióis de Tancos,
em Santarém. A
acusação indica que
a recuperação terá
sido encenada por
elementos da Polícia
Judiciária Militar e
que Azeredo Lopes
teria conhecimento
da mesma. O ministro
acabou por se
demitir em outubro
de 2018, desejando
evitar que as Forças
Armadas fossem
“desgastadas pelo
ataque político”.
São vários
os crimes que estão
em causa neste
processo, entre os
quais terrorismo,
associação criminosa,
denegação de
justiça, prevaricação,
falsificação de documentos,
tráfico de
influência, abuso de
poder e detenção
de arma proibida.
Comandos
Em setembro
de 2016, os recrutas
Dylan da Silva e
Hugo Abreu morreram
numa prova militar
do curso 127 dos
Comandos, em Alcochete.
A leitura do
acórdão vai ter lugar
no tribunal de Monsanto,
em Lisboa, durante
o primeiro mês
do ano. O MP pede
a condenação de cinco
dos 19 arguidos,
com penas entre os
dois e os dez anos
de prisão. Ricardo
Rodrigues, instrutor,
deve enfrentar a
pena mais gravosa,
por abuso de autoridade
com ofensa à
integridade física.
Caso Selminho
Os arguidos do caso dos comandos.
Foto: Daniel Rocha
Rui Moreira,
presidente da Câmara
Municipal do
Porto, é acusado de
prevaricação por favorecer
a imobiliária
da família, da qual é
sócio, em detrimento
do município. Em
causa está a construção
de um edifício
habitacional na
Calçada da Arrábida.
A leitura do acórdão
está marcada para
21 de janeiro e o MP
pede pena suspensa
e perda de mandato
para o autarca.
Rui Moreira pode perder o mandato na Câmara do Porto.
Foto: João Porfírio/Observador
Operação Marquês - Julgamento de José Sócrates
Naquela que
terá sido a leitura
de um acórdão
mais mediática
de Portugal, José
Sócrates foi acusado
de branqueamento
de capitais
e falsificação de
documentos. O
início da resposta
em tribunal do
ex-primeiro ministro
está marcada
para este ano.
Sócrates no dia da leitura do acórdão da Operação
Marquês. Foto: André Luís Alves/Global Imagens
29
Sociedade
uguesa:
rcar o ano
Caso BES/GES
No dia 06
de janeiro, vai ser
ouvida a última
testemunha do
julgamento de Ricardo
Salgado.
No que respeita o
processo do GES
(Grupo Espírito
Santo), a instrução
pode ter início
nos primeiros meses
de 2022. Ao
todo, o caso conta
com mais 24 arguidos,
para além
do antigo presidente
do Banco
Espírito Santo.
A fuga de João
Rendeiro foi um dos
temas que marcou o
final de 2021 em Portugal.
Em dezembro,
o ex-banqueiro acabou
por ser detido na
África do Sul, onde
se encontrava hospedado
num hotel de
luxo em Durban. No
último dia do ano, a
defesa de Rendeiro
entregou um recurso
para a sua libertação,
alegando que o juiz
cometeu vários erros
Ricardo Salgado foi presidente do BES entre
1994 e 2014. Foto: Global Imagens
Extradição de João Rendeiro
e deixou que “a sua
decisão fosse influenciada
pela opinião
pública portuguesa”.
Segundo a RTP,
a defesa do ex-banqueiro
contesta o
facto de os mandados
de detenção não
estarem autenticados
e serem escritos
em português. Os
advogados consideram
ainda que as provas
foram mal avaliadas
pelo juiz, que não
tem bases para interpretar
a lei portuguesa,
e que os indícios
são “insuficientes”
e “inadmissíveis”.
Em entrevista
à SIC, a advogada
June Marks adianta
que o seu cliente
“está com problemas
cardíacos”, que podem
ser agravados
pela tuberculose nas
prisões sul-africanas.
As condições das instalações
dessas cadeias
foram outro aspeto
contestado no
recurso, visto que a
defesa considera que
a idade do ex-banqueiro
não foi tida
em conta pelo juiz.
João Rendeiro
aguarda pela
próxima audiência
em tribunal, que
está marcada para
o dia 10 de janeiro.
João Rendeiro numa sessão
em tribunal, na África do Sul.
Foto: Luís Miguel Fonseca/Lusa
Pedrógão Grande
O processo remonta
a 2017 e diz
respeito às irregularidades
sobre a construção
de casas, na
sequência do grande
incêndio que assolou
a região em junho do
mesmo ano. Em julho
de 2018, a Visão
noticiou o desvio de
meio milhão de euros
de donativos destinados
à reconstrução
de casas de primeira
habitação para casas
não prioritárias.
Os 28 arguidos
conhecem o acórdão
a 31 de janeiro. Entre
eles está o presidente
da Câmara Municipal
de Pedrógão
Grande à data dos
factos, Valdemar
Alves. O ex-autarca
é imputado da autoria
de 20 crimes de
prevaricação de titular
de cargo político,
20 crimes de
falsificação de documento
e 20 crimes
de burla qualificada.
Ricardo Salgado foi presidente do BES entre
1994 e 2014. Foto: Global Imagens
E-Toupeira
O caso
E-Toupeira diz respeito
à corrupção
no desporto e conta
com três arguidos:
Paulo Gonçalves, antigo
assessor jurídico
do Benfica, e dois
funcionários judiciais
ligados ao Tribunal
de Guimarães: José
Silva e Júlio Loureiro.
Neste processo,
estão em causa vários
crimes, nomeadamente
de corrupção
ativa (no caso de
Paulo Gonçalves) e
passiva (nos casos
dos funcionários judiciais),
oferta ou
recebimento indevido
de vantagem, violação
do segredo
de justiça, de sigilo
e por funcionário
e acesso indevido.
O MP acredita
que o Benfica, através
de Paulo Gonçalves,
teve acesso a informações
privilegiadas
do foro jurídico que
envolviam o clube e
os seus rivais, usando
ofertas de benefícios
(tais como camisolas
e acessos exclusivos)
como moeda de troca.
A Benfica SAD
chegou a ser constituída
arguida, no
entanto, o Tribunal da
Relação de Lisboa decidiu
não levar a instituição
a julgamento.
Espera-se
que existam progressos
neste julgamento
no decorrer
do novo ano civil.
Luís Filipe Vieira, ex-presidente do Benfica, e Paulo
Gonçalves. Foto: José Coelho/Lusa
Sociedade
Sociedade
COVID-19: Aumentam os casos
de falsificação de
certificados de vacina
e testes negativos
Site falsifica certificados de vacinação e testes negativos gratuitamente. Após reforço das medidas
contra a Covid-19, o recurso a documentos falsificados é uma prática que se verifica por toda a
Europa.
30
Texto:
Leonor Costa
Tem-se verificado um
aumento na procura de
certificados falsos de
testagem e vacinação
contra a Covid-19. Esta
prática ilegal apresenta-se
como uma forma
rápida e eficaz para
as pessoas conseguirem
entrar em estádios, discotecas
e bares, após a
implementação de novas
medidas que exigem
a apresentação de teste
negativo nos estabelecimentos.
O site “Laboratório
da Santa Liberdade”
é uma das plataformas
que se dedica à
emissão e venda de certificados
falsos e tem sido
amplamente partilhado
nas redes sociais, principalmente
entre a camada
mais jovem. “Não
quer tomar a vacina contra
a Covid-19 ou perder
tempo para fazer um
teste obrigatório para
entrar num evento? Nós
temos a solução científica!”,
é este o lema da
página, segundo o jornal
Inevitável que conseguiu
aceder à mesma.
O funcionamento
do site é simples. O
utilizador introduz o seu
nome e data de nascimento
e, de seguida, apenas
necessita de optar
entre o certificado de
vacinação ou de teste
negativo. Os documentos
falsificados utilizam,
sem autorização, assinaturas
de profissionais
responsáveis por laboratórios
da Unilabs, e de
instituições como a Cruz
Vermelha Portuguesa,
do Centro de Estudos
de Doenças Crónicas
(CEDOC) e da Universidade
de Lisboa. Apesar
de parecerem reais, apenas
os certificados de
teste negativo passam
mais facilmente pelo
controlo dos estabelecimentos.
O código QR
dos certificados são inválidos
e, desse modo,
não passam nos leitores,
sendo rapidamente detetados.
De acordo com o
jornal Inevitável, o site
foi registado no início de
dezembro, a partir das
Seychelles. No entanto,
já em setembro deste
ano existia uma página
com o mesmo nome.
Nessa plataforma, muitos
dos documentos falsificados
eram preenchidos
com os nomes de
Marcelo Rebelo de Sousa,
António Costa, Graça
Freitas e Marta Temido.
O CEDOC, que
se encontra sob a responsabilidade
da Universidade
Nova de
Lisboa, já teve conhecimento
de 4 casos de falsificação
de certificados.
Em declarações à SIC,
Paulo Pereira, diretor da
CEDOC Nova Medical,
afirma que já foi apresentada
uma queixa ao
Ministério Público e a
instituição avançou com
um reforço nas medidas
de segurança na estrutura
dos testes. O objetivo
é minimizar o impacto
das fraudes, através de
um sistema que obriga a
introdução de um código
numa plataforma online,
de modo a autenticar
o certificado.
Ainda segundo a
SIC, a Polícia Judiciária
está, atualmente, a investigar
12 casos de
testes e certificados falsificados.
O crime de falsificação
de documentos
é punido com pena de
multa ou pena de prisão
até três anos.
Uma tendência na Europa
A resistência à
vacina e o reforço das
medidas de prevenção
contra a Covid-19 têm
levado muitos europeus
a recorrer às falsificações
Foto: Christophe Gateau/Getty Images
de certificados de vacina
e testes negativos.
A rede de comunicação
independente,
Euroactiv, aponta que
este problema se verifica
principalmente em
alguns países europeus
como a Alemanha, Áustria,
Itália, os países da
Europa de Leste e Balcãs.
O preço dos certificados
de vacinação e de
testes falsos varia entre
os 100 e 500.
Numa investigação
feita pelo jornal
Welt am Sonntag, a polícia
alemã já tinha registado,
a 27 de novembro,
mais de 2500 casos de
falsificação de certificados
na Alemanha. As autoridades
revelaram que
se verificou um aumento
na adesão a esta prática
após o governo alemão
estabelecer que apenas
pessoas vacinadas e recuperadas
do Covid-19
podem aceder a determinados
estabelecimentos.
A polícia disse ainda
ao jornal alemão que
suspeitam que o número
de documentos falsificados
em circulação seja
muito maior.
Em França, as autoridades
já identificaram
cerca de 182.000
passes sanitários Covid-19
falsos, desde o
verão. A 12 de dezembro,
o ministro do Interior,
Gerald Darmanin, já
tinha anunciado à rádio
RTL a investigação de
400 casos de venda de
certificados falsificados,
alguns envolvendo
profissionais de saúde.
Também a plataforma
de notícias Swissinfo
partilhou o caso
de 8.000 certificados
da vacina contra a Covid-19
falsos. Esta ocorrência
foi detetada a 23
de dezembro, no cantão
de St. Gallen e envolveu
centros de testagem
privados com acesso ao
sistema nacional de certificados.
Os documentos
já foram cancelados
e todos os envolvidos
nesta situação poderão
ser condenados à pena
de prisão ou terão de
pagar uma multa.
31
Sociedade
Greve dos médicos
adiada após
chumbo do OE2022
A greve dos médicos agendada para os dias 23, 24 e 25 de novembro foi adiada pelo Sindicato
Independente dos Médicos e a Federação Nacional dos Médicos.
Texto:
Leonor Costa
O Sindicato Independente dos
Médicos (SIM) e a Federação
Nacional dos Médicos (FNAM),
anunciaram no passado dia 6 a
suspensão da greve marcada
para o final do mês de novembro.
No comunicado assinado
pela Presidente do Conselho
Nacional do SIM, Carmo
Caldeira aponta que a decisão
“foi tomada tendo em conta o
decretamento pelo Presidente
da República da dissolução
da Assembleia da República,
anunciado em 4 de novembro
de 2021 (...)”.
O chumbo do Orçamento
de Estado para 2022 e a
dissolução do Parlamento, que
levou à convocação de eleições
antecipadas por Marcelo Rebelo
de Sousa, foram também
as razões apontadas pelo Conselho
Nacional da FNAM como
causadoras do adiamento da
greve.
No documento publicado
pela Federação Nacional
dos Médicos, a entidade volta
a reforçar as queixas da classe
profissional: “Pretende a FNAM
deixar bem claro que a degradação
das condições do Serviço
Nacional de Saúde (SNS) e das
condições laborais dos médicos
se mantém como um problema
grave e com necessidade de
resolução urgente”. Para além
disso, anuncia a intenção de
iniciar negociações de “caráter
urgente”, com o Governo a ser
formado nas eleições legislativas
marcadas para 30 de janeiro
do próximo ano.
A greve, que iria acontecer
durante os dias 23, 24 e
25 de novembro, foi convocada
no dia 13 do mês passado,
após uma reunião do SIM e da
FNAM.
Para além das propostas
“desproporcionais e desadequadas”
apresentadas no Orçamento
de Estado para 2022
que motivaram a realização da
manifestação, as duas estruturas
sindicais destacaram a falta
de investimento do Governo
no Sistema Nacional de Saúde
(SNS), as fracas condições de
trabalho para os médicos, os
baixos salários dos profissionais,
a falta de diferenciação técnico-científica
de qualidade e
a insuficiência dos serviços do
SNS, agora agravada pela pandemia.
Foto: Arquivo Wix
Internacional
32
Vacinação na Alemanha. Foto: Sascha Steinbach/EPA
Covid-19:
estará a Europa a
caminho de tornar a
vacinação obrigatória?
Depois de Indonésia, Micronésia e Turquemenistão, a Áustria foi o primeiro
país da Europa a decidir tornar obrigatória a vacinação contra a covid-19.
A medida, que à data era inédita, acabou por ser aplicada (de diferentes
formas) noutros países do velho continente que registam baixas taxas de
vacinação. Poderá esta decisão ser replicada em mais países europeus?
Texto:
Sara Fernandes Santos
Áustria: o país que deu o
primeiro passo
No dia 19 de novembro,
o governo austríaco anunciou
que a vacinação contra a COV-
ID-19 passará a ser obrigatória.
A Áustria tornou-se assim no
primeiro país europeu a tomar
esta medida, que entrará em
vigor em fevereiro de 2022.
A medida surge na sequência
do aumento de casos
de COVID-19 que se vinham
registado nos dias anteriores
ao anúncio e, segundo o
chanceler austríaco, deve-se
ao facto de a taxa de vacinação
do país ser “vergonhosamente
baixa”. De acordo com o Our
World In Data, à data de 25
de novembro, apenas 65% da
população austríaca estava
totalmente vacinada com as
duas doses, um valor que era
inferior à média da União Europeia
(UE) , que era de 67%.
Atualmente, a taxa de vacinação
completa da Áustria é
de 71%, o que já supera o valor
da média da UE, que é de
69%.
Além da obrigatoriedade da
vacina, foi também decretado
um confinamento geral da
população, que teve início a
22 de novembro e terminou,
apenas para os cidadãos vacinados,
a 12 de dezembro. Os
austríacos que não se vacinaram
só podem sair de casa
para trabalhar (mediante apresentação
de teste negativo a
cada dois dias), fazer compras
essenciais e/ou exercício físico.
Ainda antes do anúncio
feito em meados de novembro,
o governo da Áustria já tinha
decretado o confinamento dos
cidadãos não-vacinados, que
apenas podiam sair de casa
para os motivos já mencionados
acima, dar um pequeno
passeio ou ser vacinado. Esta
primeira decisão fez com que
muitos austríacos se deslocassem
aos centros de vacinação
para serem inoculados, porém,
na altura, tal não foi suficiente
para travar o crescimento do
número de infetados no país.
Na Grécia, os mais velhos
sem vacina vão ser multados
No último dia de novembro,
o governo grego anunciou
que a vacinação vai passar
a ser obrigatória para os
maiores de 60 anos. Quem não
tiver a primeira dose administrada
ou recusar a toma vai ser
sujeito a uma multa de 100 euros,
montante que reverterá a
a favor de um fundo destinado
ao financiamento dos hospitais
públicos do país. A medida entra
em vigor a 16 de janeiro e tem
como objetivo evitar a saturação
dos cuidados de saúde públicos
da Grécia.
À data de 30 de novembro,
a taxa de vacinação na Grécia
era de 64% da população,
e as marcações para a toma da
primeira dose estavam a aumentar
nos dias antecedentes. Já
no início de setembro tinha sido
decretada a obrigatoriedade da
vacinação para os profissionais
de saúde. Tal como acontece na
Áustria, os não-vacinados têm de
apresentar teste negativo no local
de trabalho, duas vezes por
semana.
Alemanha: o caminho para a
obrigatoriedade começa a desenhar-se
A 10 de dezembro, o parlamento
alemão apoiou, em larga
maioria, um projeto de lei que
obriga profissionais de saúde e
funcionários de lares de idosos
a comprovarem que têm a vacinação
completa. A medida entra
em vigor a 15 de março.
O texto do documento estende
também a possibilidade de
administrar vacinas aos dentistas,
veterinários e farmacêuticos,
de modo a agilizar a vacinação
da dose de reforço na população
alemã.
Estas medidas surgem na
sequência de um aumento de
casos exponencial na Alemanha,
que, no início de dezembro, registou
números recorde de mortos
por COVID-19. A estagnação
da taxa de vacinação foi outro
dos fatores que levou o executivo
alemão a ponderar alargar a
obrigatoriedade da vacina a todos
os cidadãos.
Os profissionais de saúde devem
estar totalmente imunizados
em vários países do velho
continente
Se a obrigatoriedade da vacina à
população geral ainda não passa
de uma pretensão de alguns
países europeus, a vacinação
obrigatória para profissionais de
saúde já é uma realidade. Itália
foi um dos primeiros países a introduzir
esta medida, em mea-
33
Internacional
dos de abril, apresentado, a
quem não queira ser vacinado,
a suspensão da atividade como
alternativa. Dados da Federação
Nacional das Ordens dos
Médicos Cirurgiões e Dentistas
revelavam que mais de 2 mil
médicos tinham sido afastados
de funções na sequência desta
medida. Em sentido contrário,
500 profissionais tomaram a
vacina e voltaram a trabalhar.
Em França, a aplicação
desta medida, decretada em
meados de setembro, gerou
alguma contestação. Além
dos profissionais de saúde,
trabalhadores de profissões
essenciais, como bombeiros e
polícias, são também abrangidos
por esta medida. Tal como
em Itália, quem não for vacinado
enfrenta uma suspensão
sem pagamento de salário.
E no resto da Europa?
Na República Checa, o
executivo de Andrej Babis pretendia
aplicar uma medida semelhante
semelhante à francesa:
profissionais de saúde e de
outros serviços essenciais serem
obrigados a vacinarem-se
para poder exercer funções.
Tal como na Grécia, os maiores
de 60 anos seriam também
abrangidos por esta norma.
Porém, com o final do
mandato do governo populista
após as eleições no país, o
futuro executivo já afirmou que
revogará a decisão, mesmo
que seja aprovada pelo conselho
legislativo do governo. Não
obstante, a ministra do Trabalho
e dos Assuntos Sociais
checa não descarta uma futura
introdução da medida.
Em novembro, o
secretário de saúde de Inglaterra
anunciou que os profissionais
da saúde pública e de assistência
ingleses deviam estar
totalmente vacinados a partir
de abril de 2022. Sajid Javid
receia que muitos destes trabalhadores
resistam a esta exigência,
provocando uma maior
escassez de pessoal nos cuidados
de saúde durante o inverno.
Em Espanha, está a
ser debatida a hipótese de
tornar a vacinação contra a
COVID-19 obrigatória para
os trabalhadores. Apesar da
aprovação do sindicato, o
Ministério da Saúde espanhol
não é a favor da medida. A alta
taxa de vacinação registada no
país, tanto na população como
entre os profissionais de saúde,
é um dos fatores que complica
a aplicação desta medida.
A Constituição Espanhola
também se afigura como um
obstáculo à aplicação de medidas
deste género, na questão
das liberdades civis: a região
autónoma da Galiza tinha adotado
um mecanismo semelhante
ao Green Pass italiano, mas
o pedido de fiscalização ao Tribunal
Constitucional por parte
do governo de Madrid fez com
que a medida fosse revertida
pelas autoridades galegas.
Na Eslováquia, foram
implementados incentivos financeiros
para a inoculação
dos maiores de 60 anos. Cada
cidadão dessa faixa etária que
opte por se vacinar pode receber
um prémio monetário até
300 euros. A Eslováquia tem
uma das taxas de vacinação
mais baixas da União Europeia,
com apenas 44% da população
completamente inoculada.
A hipótese de tornar a
vacinação obrigatória no Luxemburgo
também começa a
afigurar-se. Apesar do sucesso
da vacinação - o último
relatório, publicado a 27 de
dezembro, dava conta de 442
mil habitantes com a vacinação
completa, num total de cerca
de 635 mil habitantes - o governo
de Xavier Bettel continua
preocupado com a rejeição de
alguns compatriotas às medidas
de prevenção.
Numa conferência de imprensa
em novembro, o primeiro-ministro
luxemburguês afirmou
que a obrigatoriedade da
vacina “não pode ser excluída”
num contexto de agravamento
da pandemia. Já a ministra da
saúde descarta a medida em
termos imediatos, mas não exclui
a hipótese de vir a ser aplicada
“em certos setores profissionais”.
Em Portugal, tanto o
primeiro-ministro, António
Costa, como o Presidente da
República rejeitaram a adoção
de uma lei que obrigue os portugueses
a vacinarem-se. No
início de dezembro, Marcelo
Rebelo de Sousa considerou
que este não era um tema “na
ordem do dia”, e que Portugal
não deveria aguardar pela discussão
da UE sobre o assunto,
admitida por Ursula von der
Leyen, no dia anterior a estas
declarações.
Discussão na União Europeia:
manter os diferentes ritmos
ou chegar a um acordo?
Com o aumentar dos casos
de COVID-19 por toda a
Europa, sobretudo após o surgimento
da variante Ómicron,
e a adoção (ou a sua ponderação)
deste tipo de medidas
pelos diferentes países da UE, a
discussão sobre a possibilidade
de a própria instituição europeia
implementar a obrigatoriedade
da vacinação torna-se
pertinente. Tal foi reconhecido
pela presidente da Comissão
Europeia, Ursula von der Leyen,
no início de dezembro, em
conferência de imprensa.
a variante
ómicron
agrava a
necessidade
de vacinação.
À data destas declarações (1
de dezembro), a taxa de vacinação
média da UE situava-se
nos 66%, tendo registado uma
subida de três pontos percentuais
em 28 dias. Esse é um
dos motivos que leva Ursula
von der Leyen a acreditar
que os países devem considerar
a imposição da vacinação
obrigatória. A presidente da
Comissão Europeia alertou ainda
para o número de vacinas
que eventualmente estão a ser
desperdiçadas, e tem feito vários
apelos ao longo do tempo,
aludindo ao “número suficiente
de vacinas” de que os países
membros dispõem.
Foto: Ian Langsdon Vacinação na Grécia. Foto: Giannis Papanikos
Internacional
34
Covid-19:
África possui
apenas 9% da
população
vacinada
Os problemas de distribuição continuam a afetar
o ritmo de vacinação no continente africano. Já
nos países desenvolvidos, começaram a ser
administradas as doses de reforço da vacina
contra a Covid-19.
Texto:
Leonor Costa
A vacinação contra a Covid-19
continua a avançar nos
países desenvolvidos, onde já
começaram a ser administradas
as doses de reforço. Segundo
os dados do Our World in Data,
61% das pessoas que vivem na
Europa possuem a vacinação
completa. No entanto, apenas
9% da população do continente
africano apresenta o esquema
vacinal completo.
Com a nova variante
Ómicron, detetada pela primeira
vez a 26 de novembro, a alastrar-se
a um passo acelerado
por todo o mundo, o problema
de falta de vacinas em África
volta a ganhar uma forte atenção,
devido ao elevado risco
de surgirem novas mutações
do vírus.
Segundo a Time, Ayoade
Alakija, co-presidente da
Aliança Africana de Entrega de
Vacinas, afirmou que a atual situação
era inevitável: “A nova
variante, Ómicron, é o re
sultado do fracasso do mundo
para vacinar todos os cidadãos
de forma equitativa e eficaz”.
Ayoade Alakija ainda criticou o
comportamento dos países desenvolvidos:
“O comportamento
inconsiderado e isolacionista
do Norte Global gerou a situação
atual (...)”.
De acordo com a Organização
Mundial de Saúde
(OMS), apenas 20 países africanos
têm 10% da população
vacinada, um objetivo que deveria
ter sido alcançado em
setembro deste ano. 40% da
população vacinada foi a meta
estabelecida para o final do ano
e só seis países é que já conseguiram
atingir esta percentagem
(Seicheles, Maurícias,
Marrocos, Cabo Verde, Tunísia
e Ruanda). As Seicheles e
Maurícias são os únicos países
que conseguiram alcançar 70%.
Estes dados mostram a elevada
discrepância que existe entre
os 54 países africanos e que é
necessária solucionar.
Na reunião por vídeoconferência
que decorreu a 20
de dezembro, a diretora-executiva
da UNICEF, Henrietta
Fore, destacou os principais
problemas do processo de vacinação
em África. Para além do
abastecimento de produtos errados
e da fraca campanha de
vacinação, Fore aponta outras
falhas, como a quantidade e os
prazos de validade das vacinas
que são fornecidas pelos países
mais desenvolvidos.
O problema da falta de controlo
e da qualidade das doações
Os países em África estão
dependentes da ajuda do
exterior para conseguirem garantir
a vacinação a todos os
cidadãos.
A COVAX, uma iniciativa
liderada pela OMS, pela Aliança
para as Vacinas (GAVI) e pela
Coalition for Epidemic Preparedness
Innovations (CEPI), tem
como principal objetivo garantir
um acesso equitativo às vacinas
contra a Covid-19. A CO-
VAX trata-se de um elemento
essencial para que seja possível
atingir a imunização de 70% da
população africana, tendo já
possibilitado a entrega de mais
de 90 milhões de doses das diferentes
vacinas ao continente.
Apesar dos esforços valiosos
desta iniciativa, a COVAX,
o African Vaccine Acquisition
Trust (AVAT) e os Centros Africanos
de Controlo e Prevenção
de Doenças, assinalam num comunicado
conjunto os problemas
relacionados com a falta de
planeamento dos processos de
entrega de vacinas: “Os países
precisam de um abastecimento
previsível e fiável. Ter de planear
a curto prazo e assegurar a
absorção de doses com vida
útil aumenta exponencialmente
a carga logística sobre os sistemas
de saúde que já se encontram
sobrecarregados”, pode
ler-se no texto.
Segundo a Reuters, a 22
de dezembro, a Nigéria teve de
destruir mais de um milhão de
doses de vacinas fora de prazo
da AstraZeneca. Este é um
problema que se tem estendido
por outros países africanos
devido à quantidade elevada
de vacinas com prazos de validade
curtos que chegam ao
continente. Apesar da elevada
necessidade de vacinas por
serem países que apresentam
das taxas de vacinação mais
baixas, também a República do
Congo e o Sudão do Sul, foram
obrigados a enviar vacinas para
trás devido à impossibilidade
de serem distribuídas antes de
atingirem o prazo de validade.
Para evitar o desperdício
de vacinas e permitir aos países
africanos “mobilizar eficazmente
os seus recursos internos
em apoio à implementação
e permitir o planeamento a
longo a prazo de modo a aumentar
as taxas de cobertura”,
as organizações pedem um
esforço por parte da comunidade
internacional, fabricantes
e, principalmente, dos países
doadores.
Ter de planear
a curto prazo
(...) aumenta exponencialmente
a carga
logística sobre
os sistemas de
saúde que já se
encontram sobrecarregados.
Desta forma, no comunicado,
as instituições pedem que, a
partir do dia 1 de janeiro de
2022, os países doadores devem
liberar as vacinas “em
grandes volumes e de forma
previsível, para reduzir os custos
de transação”; as doses
doadas devem ter “no mínimo
10 semanas” de validade quando
chegam ao país onde vão
ser aplicadas; os países que recebem
as vacinas devem ficar
a conhecer a disponibilidade
das vacinas “não menos de 4
semanas antes” de as receberem.
Para além disso, todos os
acessórios necessários para o
processo de vacinação, como
seringas e diluentes, devem
ser enviados juntamente com
as vacinas de forma a assegurar
uma “rápida alocação e absorção”.
35
Internacional
Foto: Wojtek Radwanski / AFP
Crise Migratória agrava-se entre
Polónia e Bielorrússia
Segundo as autoridades polacas, na passada semana foram detidas 50 pessoas na chegada à
fronteira da Polónia com a Bielorrússia. Milhares de migrantes encontram-se encurralados na
tentativa de entrar na União Europeia.
Texto:
Maria Castro
Atualmente, mais de
dois mil migrantes estão
entre estes dois países,
sem condições básicas
ou acesso a bens essenciais
e em acampamentos
precários, expostos
a temperaturas
muito baixas. Em resposta
ao escalar da crise
migratória, a Polónia
destacou quinze mil
militares para a fronteira
que tentam impedir
e apreender cidadãos
vindos da Ásia e Médio
Oriente com objetivo de
entrar na UE.
A recente lei
aprovada permite aos
militares polacos reenviar
todos os que tentem
entrar no país sem documentação,
sem dar início
a um processo de
asilo. Para além disso,
está a ser discutida a
construção de um muro
com vigilância ao longo
de toda a fronteira, com
apoio financeiro do Conselho
Europeu.
O primeiro-ministro
polaco, o presidente
do Conselho Europeu,
Charles Michel e vários
líderes europeus acusam
o regime do Presidente
Bielorusso, Alexander
Lukashenko, aliado ao
regime russo de Vladimir
Putin, de orquestrar a
crise migratória, encorajando,
de forma imoral,
a migração para “destabilizar
a situação na União
Europeia” (Mateusz
Morawiecki, primeiro-ministro
polaco). Do
outro lado, o Kremlin
recusa a acusação e afirma
que a União Europeia
não está a responder à
crise dos migrantes com
os seus valores humanitários.
Os cidadãos,
maioritariamente do
Iraque, Afeganistão e
Síria, chegam de avião
à Bielorrússia, onde se
deslocam até à fronteira
polaca. Desde as
sanções impostas ao regime
bielorusso que a
chegada de migrantes à
fronteira tem-se verificado
em grande escala, assim
como as acusações
de ambos os lados do
conflito de maltratar os
migrantes. As sanções
surgiram em junho deste
ano, após acusações de
violações dos direitos
humanos e repressão da
manifestação da sociedade
e da oposição democrática.
Para a próxima semana,
a União Europeia
irá aumentar as sanções
devido à situação de
emergência na fronteira
com a Polónia e também
na Varsóvia. Ursula von
der Leyen, presidente
da Comissão Europeia,
avisou que a UE vai implantar
mais sanções a
pessoas e empresas na
Bielorrússia, juntamente
com os EUA que irão
impor penalidades contra
o país no início de
dezembro.
Internacional
36
Foto: Getty Images
Mulheres afegãs precisam
de ser acompanhadas por
um homem para viagens
com mais de 70 quilómetros
Os Talibãs proíbem mulheres de viajar sem a companhia dos homens. A repressão dos direitos das
mulheres continua a aumentar no Afeganistão.
Texto:
Leonor Costa
O regime talibã introduziu uma
nova regra para as mulheres do
Afeganistão. A medida anunciada
pelo Ministério para a Promoção
da Virtude e Prevenção
do Vício, a 26 de dezembro, indica
que as mulheres que pretendam
realizar viagens com
mais de 72 horas devem ter
a companhia de um parente
próximo masculino, como pai,
marido ou irmão.
Para além dessa orientação,
o porta-voz do
ministério, Sadeq Akif Muhajir,
informou à AFP que os motoristas
apenas devem disponibilizar
transporte a mulheres que
estejam a utilizar o hijab, e que
não devem ouvir música dentro
do carro durante as viagens.
Esta é a mais recente medida
aplicada pelo governo talibã,
que tomou o poder no Afeganistão,
a 15 de agosto deste
ano. Apesar das constantes
promessas das autoridades
governamentais em relação à
proteção dos direitos básicos
e fundamentais das mulheres,
tem-se verificado um apertar
das regras que restringem a
liberdade feminina, provocando
assim um grande recuo nos
avanços alcançados durante os
últimos 20 anos, após a queda
do regime talibã em 2001.
No final de novembro, já
tinham sido anunciadas medidas
restritivas para as mulheres
afegãs. O governo proibiu a
transmissão de qualquer novela
ou série com atrizes e pediu
que todas as mulheres jornalistas
começassem a usar hijab
enquanto apresentam.
Segundo a Amnistia Internacional,
desde que os talibãs
adquiriram o controlo de
Cabul, são vários os relatos de
mulheres que foram impedidas
de voltar para os seus locais
de trabalho. As raparigas com
mais de 12 anos estão proibidas
de frequentar a escola e existe
uma “rígida segregação de
género nas universidades” que
tem prejudicado as mulheres à
procura de educação superior
e especializada.
A organização de defesa
de direitos humanos destaca
as dificuldades económicas
vivenciadas por várias famílias
provocada pela discriminação
e repressão das mulheres:
“Impedir as mulheres de trabalhar
tem acentuado problemas
económicos para muitas
famílias que, até então, aproveitavam
um salário profissional
estável, e removendo as mulheres
de cargos governamentais
deixou um grande buraco
na capacidade do estado de
governar eficazmente”, pode
ler-se no comunicado.
A Amnistia Internacional
realça a necessidade de proteger
as mulheres afegãs vítimas
de violência de género. Com a
ordem dos talibãs para o fecho
de abrigos de apoio às vítimas,
“sobreviventes – assim como
staff dos abrigos, advogados,
juízes, oficias do governo e outros
envolvidos em serviços de
proteção – correm agora risco
de violência e morte”.
A resistência
Desde a implementação do regime
talibã, as mulheres afegãs
realizam manifestações esporádicas
onde exigem o respeito
e proteção dos seus direitos.
Contudo, estes protestes
colocam a sua segurança em
risco, terminando sempre com
violência por parte de combatentes
fundamentalistas.
Durante o mês de setembro,
com um escalar das manifestações,
os Talibã anunciaram
que seriam proibidos todos os
protestos que não possuíssem
uma aprovação antecipada do
ajuntamento e dos slogans utilizados.
37
Internacional
Justiça britânica aprova pedido
dos EUA Para extradição de Julian
Assange
O Tribunal Superior de Londres aprovou, no passado dia 10 de dezembro, o pedido de recurso dos
EUA para a extradição de Julian Assange, alterando assim a decisão tomada pela justiça britânica ainda
no início deste ano.
Texto:
Leonor Costa
Julian Assange, de 50 anos,
está cada vez mais próximo de
ser extraditado para os Estados
Unidos. Um tribunal do Reino
Unido reconsiderou a decisão
tomada no início do ano, após
as garantias dadas pelos EUA.
Os Estados Unidos
acusam Julian Assange, o responsável
pela divulgação de
milhares de documentos confidenciais
das forças militares
norte-americanas, de 18 crimes
de espionagem e conspiração.
Caso seja considerado culpado,
Assange pode vir a cumprir
uma pena de prisão até aos 175
anos.
Em janeiro, a juíza Vanessa
Baraitser considerou que, ao
ser extraditado, o fundador da
WikiLeaks corria um grande risco
de cometer suicídio numa
prisão norte-americana, devido
à fragilidade do seu estado de
saúde mental.
Nas duas audiências de
recurso realizadas em outubro,
os advogados norte-americanos
comprometeram-se
a assegurar um tratamento
com humanidade ao jornalista
australiano, garantindo que
Assange não seria colocado
numa prisão de alta segurança
e que, mais tarde, poderia vir
a cumprir a pena no seu país
de origem. Estas medidas estabelecidas
pelos EUA foram
o necessário para conseguirem
ganhar a aprovação do juíz Timothy
Holroyde. O pedido de
extradição segue agora para a
ministra do Interior, Priti Patel,
para avaliação.
Barry Pollack, advogado
de defesa do jornalista, já
anunciou que Assange irá apresentar
recurso a esta decisão
do Tribunal Superior. O advogado
deixou também críticas
à atuação da justiça britânica.
Centenas de apoiantes
de Julian Assange reuniram-se
em frente ao tribunal para pedirem
a sua libertação imediata.
Stella Moris, noiva de Assange,
também esteve presente e discursou
perante o público, após
tomar conhecimento da decisão
que considera “perigosa
e errada”.
O diretor da Amnistia
Internacional na Europa, Nils
Muižnieks, rapidamente condenou
a aprovação do pedido de
extradição: “A acusação feita
pelo governo dos Estados
Unidos representa uma grave
ameaça à liberdade de imprensa,
tanto nos EUA como no estrangeiro”.
Christophe Deloire,
Secretário-Geral dos Repórteres
Sem Fronteiras (RSF)
também destacou o perigo
desta decisão para o jornalismo
livre e independente, assegurando
que a organização se
mantém ao lado do jornalista
australiano: “Acreditamos plenamente
que Julian Assange
está a ser perseguido pelas
suas contribuições para o jornalismo,
e defendemos este
caso devido às implicações perigosas
para o futuro do jornalismo
e da liberdade de imprensa
em todo o mundo”.
Julian Assange encontra-se
detido na prisão de máxima
segurança de Belmarsh,
em Londres, desde 2019. Antes
de ser detido pela polícia
britânica, o fundador da WikiLeaks
permaneceu exilado na
embaixada do Equador em Inglaterra,
durante 7 anos.
Foto: Daniel Leal-Olivas / AFP
DESPORTO
38
Max
Verstappen
é Campeão
do Mundo
de Fórmula 1
Piloto da Red Bull tornou-se no primeiro neerlandês campeão da
categoria. Título só foi decidido na última volta do último ´
Grande Prémio, num final épico.
Texto: Pedro Queirós
Foi o campeonato mais
disputado dos últimos anos. A
vitória de Lewis Hamilton no
Grande Prémio da Arábia Saudita
deixou tudo empatado na
liderança do campeonato de
pilotos: o britânico e Max Verstappen
contabilizavam 369,5
pontos cada.
Na qualificação para o
Grande Prémio de Abu Dhabi,
o último da temporada, Max
Verstappen conquistou a pole
position e ganhou ligeira vantagem
para a corrida e para
conquistar o seu primeiro título.
Lewis Hamilton, sete vezes
campeão mundial (igualando o
recorde de Michael Schumacher),
partia logo atrás do neerlandês
na corrida que o podia
tornar o piloto mais titulado de
sempre.
E o piloto britânico arrancou
melhor. Depois da primeira
curva já liderava a corrida e
aumentava a vantagem a cada
volta. A Red Bull tentou de
tudo: fez a troca de pneus mais
cedo, colocou Sergio Pérez a
travar o carro da Mercedes,
aproveitou para nova troca de
pneus de Verstappen aquando
do safety car virtual, mas nada
funcionou.
A cinco voltas do fim, o
título estava entregue: Hamilton
tinha doze segundos de
vantagem sobre o piloto neerlandês.
Christian Horner, chefe
de equipa da Red Bull, pedia
“um milagre”. E quando nem
o mais crente acreditava que
Max Verstappen ainda tinha
hipótese, o milagre aconteceu:
Nicholas Latifi, da Williams
Racing, bateu no muro depois
de se despistar na curva 14. O
safety car entrou em pista, o
pelotão ficou compacto e os
doze segundos de vantagem
deixaram de existir.
Os alarmes soaram na
box da Mercedes. Hamilton não
podia parar para não perder a
liderança, Verstappen parou e
meteu pneus macios para ter
um carro mais rápido, mas ficou
atrás de alguns carros com
voltas em atraso. Tudo dependia
do safety car e da direção
de corrida: se o safety car não
saísse, não havia oportunidade
de correr e Hamilton sagrar-seia
campeão do mundo; se Verstappen
tivesse de ultrapassar
todos os carros à sua frente até
chegar a Hamilton, não teria
tempo de sequer ver a traseira
do Mercedes, mesmo com
a obrigatoriedade de os carros
atrasados terem de abrir a
trajetória para que Verstappen
passasse; se se cumprissem
as regras, à risca, de todos os
carros atrasados passarem o
safety car para recuperarem o
atraso, não haveria tempo para
cumprir uma volta de corrida.
Michael Masi, diretor da corrida,
tinha a decisão final. Na volta
56, informou que “as ultrapassagens
não são permitidas”,
o que descansou Toto Wolf,
chefe de equipa da Mercedes,
e levou Horner a usar a comunicação
rádio para pedir o
contrário. Uma volta depois,
Masi reconsidera e diz que “os
carros atrasados podem ultrapassar
agora”, mas apenas os
que separavam Verstappen de
Hamilton. Wolf ficou visivelmente
irritado e Horner acreditou
mais do que nunca que o
título era possível.
O safety car foi levantado
para que houvesse corrida
na última volta. Verstappen,
com pneus macios, foi colocado
atrás de Hamilton, com
pneus duros já bastante gastos.
Havia uma volta para decidir o
campeonato e Verstappen não
a desperdiçou. Passou pelo
britânico e tornou-se no quarto
piloto mais novo a conquistar o
título de campeão do mundo.
Foi um final polémico
e protestado pela Mercedes,
mas a Federação Internacional
Automóvel (FIA) recusou os
protestos da construtora. Max
Verstappen é campeão do
mundo de pilotos e a Red Bull
recupera um título que fugia
desde 2013. A Mercedes venceu
o título de construtores.
Pela primeira vez, desde 2008,
o campeão do mundo não pertence
à equipa que venceu o
campeonato de construtores.
Mad Max: Take 1
Max Verstappen é filho de Jos
Verstappen, ex-piloto de Fór-
39
desporto
Foto: Kamran Jebreili/AP
mula 1. O pai nunca conseguiu
chegar perto dos títulos na
mais importante categoria do
mundo do automobilismo e
quando acabou a carreira, em
2003, dedicou-se à carreira do
seu filho, então com apenas 6
anos.
Jos Verstappen treinou e
acompanhou o filho nas categorias
de formação. O pai sempre
percebeu que o filho tinha
qualidade, mas Max era demasiado
relaxado e pensava que
tudo era fácil. Jos Verstappen
começou a exigir cada vez mais
de Max e, queria, sobretudo,
que o filho fosse mais agressivo
em pista.
É debaixo deste ambiente
rigoroso e da exigência
do pai que nasce o “Mad Max”,
alcunha pela qual é conhecido,
hoje em dia, o mais recente
campeão do Mundo de Fórmula
1: um piloto sem medo e que
acredita sempre ser possível
ganhar.
“Podemos continuar a
fazer isto nos próximos 10, 15
anos?”, disse Max Verstappen
já com a voz trémula depois de
passar a linha da meta. O neerlandês
foi educado para ser
campeão do mundo e 2021 é
apenas o início da perseguição
a Michael Schumacher e Lewis
Hamilton, no número total de
títulos.
Red Bull deu-lhe asas
Depois de quatro títulos consecutivos
com Sebastian Vettel,
entre 2010 e 2013, a Red
Bull enfrentava uma travessia
no deserto. A Mercedes dominava
a categoria com os títulos
de Lewis Hamilton (2014, 2015,
2017, 2018, 2019 e 2020) e de
Nico Rosberg (2016).
Max Verstappen chega
à Fórmula 1 em 2015, com 17
anos, pela mão da Scuderia
Toro Rosso (a equipa B da Red
Bull), e ainda detém a marca de
ser o piloto mais novo de sempre
a pilotar um carro de Fórmula
1, com 17 anos e 166 dias.
No seu ano de rookie consegue
pontuar no Grande Prémio da
Malásia e tornar-se no piloto
mais novo de sempre a pontuar
na Fórmula 1, com 17 anos e
180 dias.
No ano seguinte, chega
à casa-mãe, a Red Bull Racing.
Não haveria melhor maneira
de se apresentar e de justificar
a aposta de Christian Horner,
chefe de equipa, na sua contratação:
venceu o Grande Prémio
de Espanha na sua primeira
corrida pela nova equipa.
A Red Bull tornou-o primeiro
piloto para os anos seguintes e
foi a grande aposta da equipa
para quebrar a hegemonia da
Mercedes e de Lewis Hamilton.
O seu caráter
agressivo em pista e alguma inexperiência,
fizeram com que
o início da carreira na Red Bull
fosse marcado por alguns acidentes.
Horner sempre confiou
que o investimento em Verstappen
iria dar frutos e o neerlandês
conquistou o primeiro
título em 2021, com 24 anos,
dois meses e doze dias.
É o quarto piloto mais
novo de sempre a ser campeão
do mundo atrás de Sebastian
Vettel, pela Red Bull em 2010
(22 anos, quatro meses e onze
dias); Lewis Hamilton, pela
McLaren em 2008 (23 anos,
nove meses e vinte e seis dias).
DESPORTO
40
Sporting e Benfica fazem
história na Champions, Porto
luta por um lugar na Liga
Europa
As equipas de Lisboa conseguiram garantir a passagem aos oitavos de final da Liga dos
Campeões após acabarem em segundo lugar nos respetivos grupos. Já o Porto não
sobreviveu ao chamado “grupo da morte” e foi empurrado para o play-off da fase
a eliminar da Liga Europa.
Texto:
Sara Fernandes Santos
A fase de grupos da Liga dos
Campeões terminou no dia 09
de dezembro e ficamos a conhecer
as 16 equipas que lutam
pelo troféu mais importante do
futebol de clubes europeu. As
equipas portuguesas tiveram
destinos diferentes, sendo que
as duas que seguem em frente
na prova milionária fizeram
história.
O Sporting já tinha garantido
o apuramento na
penúltima jornada da fase de
grupos, ficando em segundo
lugar do grupo C, o único dos
oito grupos que chegou à última
jornada com as posições já
definidas.
Esta é a segunda vez na
história do clube em que os
leões alcançam os oitavos-de-final,
sendo que a única vez em
que tal aconteceu foi na época
2008/09. Na altura, o Sporting
tinha ficado em segundo lugar
do seu grupo, mas foi eliminado
pelo Bayern de Munique
nos oitavos-de-final. Os leões
vão agora defrontar o Manchester
City, dos portugueses
Bernardo Silva, João Cancelo
e Rúben Dias, que venceu o
grupo A.
Por sua vez, o Benfica,
vai defrontar o Ajax, vencedor
do grupo do Sporting, nos oitavos-de-final.
A vitória de 3-0 imposta
ao Barcelona no Estádio
da Luz terá sido fundamental
para a passagem das águias a
esta fase, que não alcançavam
desde a época 2016/17. Os encarnados
conseguiram assim
eliminar a equipa catalã, que
apesar da fase negativa que
atravessa, era uma das principais
candidatas à conquista do
troféu.
A última vez que os blaugranas
não conseguiram passar
da fase de grupos foi na época
2000/01, quando acabaram em
terceiro lugar do seu grupo,
tal como este ano, e foram encaminhados
para a Liga Europa.
Os jogos dos oitavos-de-final
da Liga dos
Campeões foram conhecidos
na tarde da passada segunda-feira,
13 de dezembro, com
alguma controvérsia à mistura.
O sorteio teve de ser repetido,
após terem sido verificados
alguns erros. Primeiramente,
Villarreal e Manchester United
foram emparelhados, algo
que não era possível pelo facto
de ambos terem feito parte
do mesmo grupo. De seguida,
quando a bola do Atlético
de Madrid foi sorteada, a bola
do Manchester United não foi
incluída no pote dos possíveis
adversários, ainda que não existisse
qualquer condicionalismo
que impedisse um confronto
entre as duas equipas.
Pelo último motivo, a equipa
madrilena, a quem tinha
saído em sorte o Bayern de
Munique, contestou o sorteio.
Já o Real Madrid, a
quem tinha calhado o Benfica,
mostrou o seu desagrado com
a repetição do sorteio, visto
que os erros foram dados após
o sorteio da bola do clube. De
acordo com o resultado do
primeiro sorteio, o Sporting
teria de defrontar a Juventus,
tal como Messi e Ronaldo teriam
encontro marcado nos relvados,
num PSG – Manchester
United. O único duelo que se
manteve igual nos dois sorteios
foi o Chelsea – Lille.
Já o Porto teve sorte diferente:
a derrota com o Atlético
de Madrid empurrou os azuis e
brancos para o play-off da fase
a eliminar da Liga Europa. Apesar
do histórico recente de campanhas
europeias bem-sucedidas,
os dragões não foram
além de um terceiro lugar no
grupo B, considerado “o grupo
da morte” da atual edição da
Liga dos Campeões.
Na sequência do novo
formato da Liga Europa, o Porto
terá agora de vencer a Lazio,
segunda classificada do grupo
E, para seguir em frente nesta
prova. Recorde-se que o treinador
dos dragões, Sérgio Conceição,
foi jogador da equipa
romana, entre 1998 e 2000 e,
posteriormente, em 2003.
Desde que conquistou a
Liga Europa, na época 2010/11,
o Porto ficou de fora das fases
a eliminar da Champions
em apenas quatro vezes: nas
épocas de 2011/12, 2013/14
e 2015/16, quando ficaram em
terceiro lugar na fase de grupos,
e na época 2019/20, onde
falharam a fase de grupos após
terem perdido com o Krasnodar.
Nos quatro casos, os
dragões foram encaminhados
para a Liga Europa.
Quem também vai estar
neste play-off será o Sporting
de Braga, que não conseguiu
o primeiro lugar do grupo da
Liga Europa após empatar
com o Estrela Vermelha [Crvena
zvezda]. Os Guerreiros do
Minho vão agora enfrentar o
Sheriff Tiraspol, terceiro classificado
do grupo D da Liga dos
Campeões.
Foto: Getty Images
41
desporto
Foto: Vitor Chi
Jorge Jesus de saída do Benfica
Era o desfecho pelo qual muitos benfiquistas ansiavam, mas as circunstâncias em que se deu
apanharam o país de surpresa. Jorge Jesus deixa o Benfica após época e meia desde o seu
regresso à Luz, marcado pela falta de títulos e desempenhos muito aquém das expectativas.
Quem assume agora o cargo é Nélson Veríssimo, treinador da equipa B dos encarnados.
Texto:
Sara Fernandes Santos
A dois dias do importante jogo
com o FC Porto, o Benfica oficializou
a saída de Jorge Jesus
do comando técnico da equipa.
O treinador de 67 anos deixa o
clube após época e meia, sem
conquistar nenhum título e
com um desempenho dececionante,
sobretudo na passada
temporada. A notícia foi confirmada
pelas águias através
de um comunicado, ao qual se
seguiu uma curta declaração
à imprensa do presidente do
clube e do treinador, sem direito
a questões dos jornalistas.
Rui Costa agradeceu à
equipa técnica pelo trabalho
que desenvolveu nos encarnados:
“Não era o desfecho que
ambicionávamos, trabalhámos
arduamente para chegar ao
fim deste ano com objetivos
cumpridos. Mas com a mesma
frontalidade com que sempre
trabalhámos juntos, chegámos
à conclusão que era o melhor
para ambas as partes”.
Apesar da desilusão,
Jorge Jesus reforçou a ideia
deixada pelo presidente do
Benfica: “Este projeto que abracei
com muito coração chegou
ao fim. Vim para o Benfica
a pensar que sou uma solução
e não um problema. Achei que
esta decisão seria a melhor
para ambas as partes. A minha
vida vai continuar”.
No mesmo comunicado,
o Benfica esclarece também
que “cumprirá com todas as
obrigações contratuais até ao
término do vínculo laboral existente”,
ou seja, que Jesus
continuará a auferir o mesmo
salário até junho de 2022, altura
em que o contrato entre as
duas partes cessava, a não ser
que “Jorge Jesus e a sua equipa
técnica assumam novo compromisso
profissional” antes
dessa data.
Foi o clima de mal-estar
sentido no plantel que apressou
o fim da segunda “era
Jesus” no clube encarnado.
Na sequência de um desentendimento
com Pizzi, um dos
capitães de equipa, o técnico
terá afastado o jogador da sessão
de treinos do plantel. Essa
decisão não agradou ao plantel,
que, de acordo com o Record,
se recusou a treinar em
vésperas do jogo contra o FC
Porto, a contar para o campeonato.
A segunda “era Jesus” no
Benfica: quando a glória se
transforma em má memória
A apresentação de Jesus como
novo treinador dos encarnados,
em julho de 2020, terá ficado
marcada pelo compromisso
estabelecido pelo técnico,
que vivia um período de glória
após as conquistas no Flamengo,
de melhorar o rendimento
da equipa.
O investimento feito na
equipa principal de futebol
masculino do clube da Luz rondou
os 100 milhões de euros,
um recorde no futebol português
alcançado em plena pandemia.
Estes números, que superavam
o dobro do somatório
dos gastos feitos por FC Porto
e Sporting na mesma janela de
transferências, prometiam ir de
encontro às promessas deixadas
por Jesus. Porém, nem
tudo é o que parece, e o dinheiro
não foi sinónimo de sucesso
desportivo.
A derrota com o PAOK
no início da época, que impediu
o Benfica de alcançar a fase
de grupos da Champions de
2020/21, foi o primeiro grande
desaire sob o comando de Jesus
e arredou as águias de recuperarem
parte do montante investido
através da participação
na liga milionária. A derrota
com o Boavista, por 3-0, ainda
na primeira volta do campeonato,
foi outro dos principais
momentos negativos que marcaram
a época.
Mais tarde, em janeiro,
foi um surto pandémico que
assolou a equipa, que teve 17
casos de COVID-19. Esta situação
foi, na opinião do treinador
dos encarnados, a grande
culpada do insucesso desportivo
do Benfica, e o clube até
realizou um minidocumentário
sobre a situação. Mas a estes
episódios juntaram-se outras
frustrações em campo, e a
DESPORTO
42
a equipa não foi além de um 3º
lugar no campeonato: com 76
pontos somados, as águias ficaram
a 9 do Sporting, que voltou
a ser campeão ao fim de 19
anos, e a 4 do FC Porto.
O retorno de Jesus ao
Benfica nunca foi bem recebido
por uma grande parte dos
adeptos encarnados. Ao longo
desta segunda passagem do
treinador, a sua permanência
no clube foi, em vários momentos,
alvo de contestação, à qual
o próprio Jesus respondeu.
Em fevereiro de 2021,
quando o presidente do clube
ainda era Luís Filipe Vieira, o
treinador mostrou-se revoltado
com os protestos dos adeptos.
“Disseram-me agora: vai
haver um buzinão pela crise do
Benfica. Devia era haver um
buzinão para nos dar carinho! A
mim, aos meus jogadores e ao
presidente, porque não sabem
o que sofremos durante dois
meses e meio”
Mais recentemente, em
novembro, e quando questionado
por um jornalista, o técnico
negou sentir a reprovação
dos adeptos.
“Não consigo perceber
onde está essa contestação.
Não sinto isso.”
dISSERAM-ME
AGORA: Vai haver um
buzinão pela crise
do Benfica. Devia
era haver um
buzinão para nos
dar carinho! A mim,
aos meus jogadores
e ao presidente,
porque não sabem o
que sofremos
durante dois meses
e meio.
Mas poucos dias depois,
em dezembro, Jesus admitiu
não estar habituado a ser alvo
de contestação: “Para mim é
uma novidade, mas é a realidade.
E o que tenho de fazer:
tenho de continuar a tentar que
o Benfica ganhe, como fizemos
no último jogo, porque não
posso fazer nada em relação a
coisas que não dependem de
mim. Não fico feliz, não fico satisfeito,
porque não é a primeira
vez que estou a treinar o Benfica,
foram seis anos, e isso nunca
aconteceu comigo”.
Apesar de ter garantido
a qualificação para os oitavos
de final da Champions e para
a final four da Taça da Liga, os
adeptos continuaram insatisfeitos,
e a eliminação da Taça de
Portugal (frente ao Porto) terá
intensificado esse descontentamento.
Nélson Veríssimo sucede no
comando técnico, mas pode
repetir o feito de Bruno Lage?
Quem se senta agora no
banco até ao final da época é o
(até então) treinador da equipa
B do Benfica, Nélson Veríssimo.
O técnico deixou os seus
anteriores comandados na liderança
da Liga Portugal 2, no
dia em que a equipa defrontou
o segundo classificado, o
Feirense, e passou pela perda
da sua mãe. A honra do compromisso
valeu-lhe respeito
por parte dos adeptos, porém,
as expectativas não são as mais
altas.
Nélson Veríssimo já tinha
sido promovido a treinador
da equipa principal no final da
época 2019/20, na sequência
da saída de Bruno Lage.
Na temporada anterior, o atual
técnico do Wolverhampton
tinha chegado à equipa principal
quando esta se encontrava
a 7 pontos do FC Porto, em janeiro
de 2019, e conseguiu não
só anular essa distância, bem
como conquistar o título. Atualmente,
o Benfica está também
a 7 pontos da liderança (só que
desta feita dos dois rivais), o
que já valeu comparações entre
os dois momentos do clube.
Lage também tinha sido
promovido enquanto solução
provisória, mas vigente até ao
final da respetiva época, e o
seu sucesso valeu-lhe a continuidade
por (quase) mais uma
época. A esperança surge em
alguns adeptos, mas outros,
ao recordarem o insucesso de
Veríssimo na sua primeira passagem
pela equipa principal,
não acreditam numa potencial
recuperação.
Nélson Veríssimo. Foto: Sport Lisboa e Benfica
43
desporto
FUTEBOL:
Apresentado novo
treinador do
FC Barcelona:
o dia 1 do ‘Xavismo’
Antigo médio espanhol assume comando do FC Barcelona. Sucessor
de Ronald Koeman fala em “sonho tornado realidade”.
Contrato até 2024.
Texto:
Pedro Queirós
A época já vai quase a meio,
mas hoje é o dia 1 do novo FC
Barcelona. Xavi Hernández, antigo
médio do clube, foi apresentado
como novo treinador
e mostrou-se “arrepiado” com
o apoio de milhares de adeptos
na bancada. “Agradeço o
apoio dos adeptos. Não podemos
falhar com eles.”, disse o
novo treinador.
O regresso a casa não
se adivinha fácil: O FC Barcelona
perdeu Messi, tem graves
problemas financeiros e os resultados
são inconstantes. Xavi
mostra conhecer as dificuldades
que enfrenta. “Sei que
o clube atravessa um momento
difícil, mas sinto que estou
preparado”, referiu.
Se o FC Barcelona de
Ronald Koeman era apático
e conformado, o discurso de
Xavi Hernández mostra precisamente
o contrário. “Somos
o melhor clube do mundo e
vamos trabalhar arduamente
para termos sucesso”, disse o
treinador que sublinhou, ainda,
que “no Barcelona não se pode
permitir empatar ou perder”.
Com o FC Barcelona a
atravessar uma fase negativa,
o treinador já definiu a sua prioridade.
“A minha ideia é ajudar
os jogadores. A questão
psicológica é muito delicada.”,
disse. Como antigo jogador
do clube, afirma saber como é
“difícil” representar o FC Barcelona
e pretende falar com os
jogadores para “formar uma
grande equipa”.
Discípulo de Pep Guardiola,
o novo treinador garantiu
que a “intenção é jogar bem”,
mas não quer comparações
com o atual treinador do Manchester
City. Quanto à tática,
Xavi foi claro no que pretende
dentro de campo: “Queremos
ser agressivos, intensos e pressionantes”,
disse.
O FC Barcelona ocupa a
12º posição, com 17 pontos.
Está a onze pontos do líder Real
Sociedad. Defronta, na próxima
jornada, o Espanyol, em Camp
Nou. Na Liga dos Campeões,
é o segundo classificado do
grupo E, a duas jornadas do final
da fase de grupos. Recebe
o Benfica, na próxima semana.
Foto: REUTERS/ALBERT GEA
DESPORTO
44
FUTEBOL:
Ricardinho anuncia
despedida da
seleção nacional
Foto: Rodrigo Antunes/Lusa
A estrela-maior do futsal português deixa a seleção
nacional dezoito anos depois da sua primeira internacionalização.
Texto:
Sara Fernandes Santos
187 jogos, 141 golos, um
campeonato europeu e um
campeonato mundial. São estes
os números que traduzem
os dezoito anos de Ricardinho
na seleção nacional de futsal.
O jogador de 36 anos põe um
ponto final numa “história que
termina da melhor maneira”. O
anúncio foi feito em conferência
de imprensa na Cidade do
Futebol, na passada terça-feira,
e contou com um vídeo de
homenagem ao jogador feito
pela Federação Portuguesa de
Futebol (FPF).
O ala, natural de Gondomar,
começou por descrever
a sua experiência na seleção
como uma “caminhada incrível
e inesquecível” e recordou o
início da sua carreira internacional:
“ Foi uma caminhada incrível,
obviamente com altos e
baixos, como em tudo na vida”.
No momento de explicar
os motivos que o levaram a
tomar esta decisão, o jogador
emocionou-se e prometeu continuar
a acompanhar a equipa.
Ricardinho falou também sobre
a importância que a participação
no mundial da Lituânia
teve na sua carreira.
O presidente da FPF, Fernando
Gomes, também discursou
na conferência de imprensa,
deixando um último pedido
a Ricardinho: que se despeça da
seleção num último jogo, perante
o público português. Mas
esse não será o último jogo da
carreira do jogador. Apesar de
ceder o seu lugar na equipa das
quinas, o ala, que atualmente
joga nos franceses do ACCS
Asnieres-Villeneuve 92, considera
que “ainda restam alguns
anos para jogar futsal a nível de
clubes”.
Recorde-se que Ricardinho
é o atleta mais vezes eleito
como melhor jogador de futsal
do mundo pelo portal Futsal
Planet, contabilizando um total
de seis distinções (em 2010
e depois em cinco anos consecutivos,
entre 2014 e 2018).
O jogador gondomarense alcançou
reconhecimento no
Benfica e, antes de chegar a
França, passou pelo Nagoya,
do Japão, pelo CSKA Moscovo,
da Rússia, e pelo Inter Movistar,
de Espanha.
FUTEBOL:
Lesão dita fim de
época para Lucas
Veríssimo
Foto: : Sport Lisboa e Benfica
A estrela-maior do futsal português deixa a seleção
nacional dezoito anos depois da sua primeira internacionalização.
Texto:
Sara Fernandes Santos
Acabou a época para Lucas
Veríssimo. O jogador do Benfica
sofreu uma grave lesão no
joelho no jogo do passado domingo
[07 de novembro], contra
o Sporting de Braga.
Em boletim clínico, o
Benfica confirma que o defesa
sofreu uma “entorse grave do
joelho direito com lesão multiligamentar”.
O clube anuncia
ainda que Veríssimo será alvo
de intervenção cirúrgica e,
consequentemente, terá de se
submeter a um “período prolongado
de reabilitação”, que
o impossibilitará de regressar
aos relvados no decorrer da
presente época.
O defesa central tinha
sido chamado à seleção brasileira
para os confrontos das
eliminatórias sul-americanas
de qualificação para o Mundial
2022. Na conferência de
imprensa desta quarta-feira
[10 de novembro], o selecionador
brasileiro, Tite, mostrou-se
confiante na recuperação do
jogador: “Queremos conversar
com ele por videochamada,
para nos solidarizarmos com
ele e saber o quão é importante
a saúde em qualquer que
seja a atividade profissional,
muito mais em relação ao atleta,
porque o alto nível e a performance
só são possíveis com
a saúde. E ele vai ter a força,
sim, suficiente […] para regressar
bem”.
Lucas Veríssimo é um dos
quatro jogadores do Benfica
que se lesionaram no jogo com
o Sporting de Braga. Além do
defesa brasileiro, João Mário e
Darwin Nuñez foram também
substituídos pelo mesmo motivo,
enquanto que Rafa acabou
o jogo com queixas musculares.
Os minhotos perderam
Sequeira, que tal como Veríssimo,
não jogará mais até ao final
da época.
45
desporto
Al-Newcastle:
O novo reino do
futebol mundial
Fundo de investimento da Arábia Saudita
comprou o histórico clube, por cerca de
350 milhões de euros. Newcastle passa a
deter o dono mais rico do futebol mundial.
Texto:
Pedro Queirós
Acabou o tempo em que Manchester
City e Paris SG dominavam
o mundo do futebol,
no que toca às contas bancárias.
O consórcio que liderará o
Newcastle inclui o Fundo de
Investimento da Arábia Saudita
(PIF), liderado pelo príncipe
herdeiro Mohammed bin Salman,
e a PCP Capital Partners.
Esta operação faz com que
Mohammed bin Salman passe
a ser o dono mais rico do futebol,
com uma fortuna cerca de
dez vezes superior à de Mansour
bin Zayed Al Nahyan, proprietário
do Manchester City.
Os “magpies”, quatro
vezes campeões de Inglaterra,
têm assim oportunidade de
se aproximarem dos títulos. É
esse afastamento dos lugares
cimeiros da classificação e a
perda de estatuto na Premier
League que estão na base do
descontentamento dos adeptos
com Mike Ashley, anterior
proprietário, que há muito
queria vender o clube.
O Falhanço da Operação em
2020
Já em 2020, o consórcio
saudita tinha avançado com
uma proposta para a compra
do Newcastle. As negociações
arrastaram-se e o negócio caiu.
“O processo prolongou-se,
sem fim à vista, e o acordo
comercial entre o grupo investidor
e os proprietários expirou.
Além de que a nossa tese
de investimento não se mantém,
por não existirem certezas
sobre como decorrerá a
próxima época”, justificou o
consórcio a 30 de julho.
Para além da incerteza
motivada pela pandemia, mais
duas razões inviabilizavam o
negócio: as críticas por parte
da Amnistia Internacional, que
acusou os sauditas de desrespeito
pelos direitos humanos,
e a pirataria de que era alvo
a beIN Sports, detentora dos
direitos televisivos da Premier
League na Arábia Saudita.
A mudança de proprietário
de um clube da Premier
League está sujeita a avaliação
e aprovação de todos os outros
clubes que compõem o
campeonato, bem como da
direção da Premier League.
Também estes não viam a venda
com bons olhos por considerarem
que o governo saudita
teria influência no clube por
Mohammed bin Salman, príncipe
herdeiro, ser o líder do Fundo
de Investimento da Arábia
Saudita, uma das partes do
consórcio.
O Descontentamento com
Mike Ashley
Foto: AFP
Em 2007, Mike
Ashley chegou ao
Newcastle. O dono
da Sports Direct despertou
uma grande
expectativa nos apaixonados
adeptos dos
“magpies”, desde logo
por ser alguém profissionalmente
bem sucedido no mercado
de artigos desportivos.
Esse sucesso nunca chegou
ao futebol e, 14 anos degou
ao futebol e, 14 anos depois,
o Newcastle é um clube adormecido.
A melhor classificação final
na “Era Ashley” foi o 5º lugar
na época de 2011/2012. O lado
negativo é bem mais pesado:
duas descidas de divisão, nas
épocas 2008/2009 e 2015/2016.
A estadia no Championship, em
ambos os casos, foi de apenas
uma época, mas festejar subidas
de divisão está longe de ser a
prioridade dos adeptos.
Fora das quatro linhas, o
cenário não é melhor. No que
toca ao valor de mercado, o
Newcastle é apenas 16º entre
as vinte equipas que integram a
Premier League. No capítulo da
média de espectadores por jogo,
o Newcastle ocupa o 5º lugar no
que já se jogou esta época, com
uma média de 49.904 pessoas
no St. James Park. Em 2007, os
“magpies” foram o terceiro classificado
nesse campeonato,
com uma média de
50.686 adeptos. A
queda não é acentuada,
mas espelha
o afastamento que
existe entre a direção
e adeptos e a
falta de investimento
no clube.
As críticas à liderança vêm de
todo o lado, mas há dois nomes
a destacar por entre as vozes de
descontentamento: Rafael Benitez
e Alan Shearer.
DESPORTO
46
O treinador espanhol Rafael
Benitez esteve três anos
ao leme da equipa, entre 2016
e 2019. Após sair do clube, no
final da época 2018/2019, deixou
uma carta aberta aos adeptos
intitulada “Promessas não
cumpridas e perda de confiança”,
onde afirmou que “Queria
ser parte de um projeto
neste clube”, mas que tal não
foi possível porque “a direção
do clube não tinha, nem tem, a
mesma visão que eu”, disse o
treinador.
Alan Shearer é uma lenda
do Newcastle. O ex-avançado,
retirou-se, em 2006, pelos
“magpies” e é, ainda hoje,
o melhor marcador do clube
com 206 golos. No auge da
sua carreira, rejeitou propostas
de Barcelona e Real Madrid
para assinar pelo clube do seu
coração. Como treinador, chegou
a orientar o Newcastle,
mas não evitou a descida ao
Championship, em 2009. Na
sua coluna de opinião no The
Athletic, Shearer aproveitou
para afirmar que “Mike Ashley
foi embora e quase tenho que
me beliscar para aceitar isso
como realidade”, diz antes de
acrescentar que, passado tanto
tempo sente-se “estranho”
por sentir “qualquer coisa além
de raiva e decepção” pelo seu
clube de sempre.
A Compra
O consórcio não desistiu
e passou à resolução dos
problemas que impediram o
negócio, em 2020. Especula-se
que foi feito um acordo com a
beIN Sports para resolução dos
problemas relacionados com a
pirataria, mas não há nenhuma
confirmação oficial. A Premier
League indicou ter recebido
“garantias legalmente vinculativas
de que o Reino da Arábia
Saudita não irá controlar o
Newcastle”.
É um negócio que divide
o mundo. Por um lado,
ninguém pode impedir que um
consórcio que apresenta a documentação
exigida possa ser
impedido de investir num clube
de futebol. Por outro lado, não
é claro de que forma é que se
ultrapassou a questão da pirataria
nem quais são as garantias
que a Premier League tem
que o Reino da Arábia Saudita
não terá interferência
num negócio onde o seu fundo
soberano tem 80% das ações.
As acusações da Amnistia
Internacional, sobre o desrespeito
da Arábia Saudita pelos
Direitos Humanos, não foram
referidas.
Newcastle vs Resto do Mundo
Logo após a confirmação
do negócio, a multidão saiu
às ruas de Newcastle. Festejava-se
a saída de Mike Ashley e
a nova vida do clube. “Temos
o clube de volta” foi cantado
repetidamente pelos apaixonados
adeptos “magpies”. Antes
do primeiro jogo em St. James
Park, após ser confirmada a
entrada do consórcio árabe,
mantinha-se o clima de festa.
Muitos foram aqueles que se
dirigiram ao estádio vestidos
com trajes árabes. “Somos
sauditas, podemos pagar o que
quisermos”, disse, um adepto,
à Associated Press.
Com o proprietário mais rico
do futebol, a expectativa é
grande à volta do Newcastle. A
possibilidade financeira de contratar
qualquer jogador deixa
os adeptos a sonhar com títulos
num futuro muito próximo.
Por outro lado, as
acusações da Amnistia Internacional
ganham mais força
no panorama internacional. Os
Holmesdale Fanatics, grupo
de adeptos do Crystal Palace,
mostraram uma tarja no jogo
frente aos “magpies” em que
acusam Mohammed bin Salman
de «terrorismo, decapitações,
violação dos direitos
humanos, assassinatos, censura
e perseguição”.
No lado desportivo, Jurgen
Klopp foi a voz da contestação
ao afirmar que “Com
a Superliga toda a gente ficou
justificadamente chateada. Isto
é basicamente a Superliga mas
para apenas um clube”, concluiu.
Foto: Getty Images
47
desporto
Foto: AFP
Futebol:
Coração rasteira
Agüero
Problemas cardíacos obrigam futebolista
argentino a terminar a carreira aos 33 anos.
O anúncio foi feito na tribuna de Camp Nou,
estádio do FC Barcelona, o seu último clube.
Texto:
Pedro Queirós
No passado dia 30 de
outubro, o coração de Sergio
“Kun” Agüero cedeu. Aos 41
minutos do encontro frente ao
Alavés, a contar para a 12º jornada
da La Liga, o avançado
argentino abandonou o relvado
de Camp Nou com dores
no peito. Foi-lhe diagnosticada
uma arritmia cardíaca e durante
o último mês e meio, Agüero
fez os possíveis para voltar aos
relvados. Não conseguiu.
No passado dia 15 de
dezembro, numa conferência
de imprensa em Camp Nou,
Agüero, visivelmente emocionado,
fez-se acompanhar pelo
presidente Joan Laporta. Perante
uma plateia composta
por familiares, companheiros
de equipa e pessoas amigas,
como Pep Guardiola, treinador
do Manchester City, foi direto
ao assunto: “Esta conferência
de imprensa foi convocada
para informar que decidi deixar
o futebol profissional. Os médicos
disseram-me que a melhor
decisão a tomar é deixar de
jogar”, disse o futebolista, sem
conseguir conter as lágrimas.
Sergio Agüero, ou “Kun”
Agüero, como é conhecido no
mundo do futebol, admitiu não
se tratar de uma decisão fácil.
“Tomei a decisão há dez dias.
Fiz tudo o que era possível
para ver se havia esperança,
mas não houve muita. Não foi
fácil. Quando eles [os médicos]
me ligaram e disseram que era
mesmo o fim, demorei uns dias
a processar que realmente era
o fim”, disse. Ainda assim, o
argentino não se arrepende da
decisão porque “em primeiro
lugar vem a saúde”, referiu.
O fim da carreira de Sergio
“Kun” Agüero significa,
também, um duro golpe nas aspirações
do FC Barcelona. Os
catalães tinham conseguido a
contratação do astro argentino
a custo zero, no último verão.
Numa altura que enfrentam
graves problemas financeiros
e uma profunda restruturação,
vêem-se obrigados a substituir
um dos principais elementos
do plantel.
Goleador nato
O jogador fez questão de re
cordar todos os clubes que representou,
no momento da sua
despedida. “Agradeço a todos:
ao Independiente, onde me
formei. Ao Atlético de Madrid,
que apostou em mim com 18
anos. Ao Manchester City, pois
sabem o que sinto pelo clube. E
ao Barcelona, as pessoas foram
incríveis. Sabia que vinha para
a melhor equipa do mundo. E,
por fim, agradeço à seleção argentina.
Era o que mais amava”,
disse Agüero, que admitiu,
ainda, sentir-se “orgulhoso” da
sua carreira, mas que gostava
de “ter conquistado mais títulos”.
Toda a sua carreira foi
marcada por golos. 429 golos
em 788 jogos, num total entre
clubes e seleção. Deixou a sua
marca em todos os clubes que
representou.
Agüero acabou por admitir
que, em criança, nunca esperou
“chegar à Europa” e que
o seu sonho passava por “chegar
à primeira divisão argentina”.
Pode, então, dizer-se que
o avançado argentino ultrapassou,
e muito, as suas expectativas.
“Kun” Agüero termina a
carreira como o melhor marcador
de sempre do Manchester
City e ficará para sempre ligado
ao primeiro título da Premier
League que os cityzens conquistaram
após o investimento
árabe, em 2012. O seu golo ao
minuto 94 consumou a reviravolta
(de 0-2 para 3-2) frente
ao Queens Park Rangers e confirmou
o título para o lado azul
de Manchester. É, também, o
estrangeiro com mais golos na
história do campeonato inglês.
No que toca a títulos, o
argentino venceu uma Liga Europa
e uma Supertaça Europeia
pelo Atlético de Madrid. Pelo
Manchester City, que representou
por dez temporadas,
contribuiu para a conquista de
cinco campeonatos, seis taças
da liga, uma taça de Inglaterra
e três supertaças.
Sergio Agüero teve a sua
importância também na seleção
argentina, pela qual venceu o
mundial de sub-20 por duas
vezes, foi campeão olímpico e
conquistou uma Copa América.
História com vários capítulos
Apesar de se tratar de
profissionais de futebol, devidamente
acompanhados, os
problemas cardíacos têm feito
várias vítimas nos últimos anos.
Ainda este ano, no segundo
dia do Euro 2020, Christian
Eriksen caiu inanimado nos
minutos finais da primeira parte.
O capitão dinamarquês, de
29 anos, foi socorrido, no imediato,
pelos paramédicos presentes
no estádio, com recurso
a desfibrilador. O jogador acabou
por sair do relvado consciente,
mas não voltou a jogar.
Eriksen representava o Inter de
Milão, mas os regulamentos da
Serie A não permitem que os
atletas usem desfibrilador interno.
O clube e o jogador chegaram
a acordo para a rescisão
do contrato, no passado dia 17
de dezembro.
A 1 de maio de 2019, foi
a vez do azar bater à porta de
Iker Casillas. O então guarda redes
do FC Porto, na altura com
38 anos, sofreu um enfarte do
miocárdio durante um treino.
Foi hospitalizado, recuperou a
100%, mas não voltou a calçar
as luvas. Terminou a carreira,
de forma oficial, a 4 de agosto
de 2020, quando assumiu o
cargo de assessor de Florentino
Pérez, presidente do Real
Madrid.
Em Portugal, o caso mais
mediático é o de Miklós Fehér.
O jogador húngaro, de 24 anos,
estava em campo a representar
o Benfica contra o Vitória de
Guimarães e caiu inanimado.
Foi assistido em campo e transportado
para o hospital, mas
acabou por não resistir.
Marc Vivian Foé (seleção
dos Camarões, 2003, 28 anos);
Antonio Puerta (Sevilla FC,
2007, 22 anos) e Piermario Morosini
(Livorno, 2012, 25 anos)
são outros nomes que faleceram
em campo devido a problemas
cardiovasculares. Uma das
primeiras vítimas foi Fernando
Pascoal Neves, mais conhecido
por Pavão, jogador do FC Porto,
que faleceu em campo a 16
de dezembro de 1973, com 26
anos, devido a paragem cardíaca.
O avanço da tecnologia
e do apoio aos departamentos
médicos de seleções e clubes
tem contribuído para que os
casos mais recentes não cheguem
a ser graves.
grande entrevista
HUgo Sousa:
“Quando a minha filha
mostrar os meus vídeos
de stand up aos amigos
vai ficar com vergonha,
claro”
Foto: Hugo Sousa/Facebook
Grande entrevista
50
Diz que, para ser humorista, é preciso
“um desvio qualquer que leva
a ter piada”. Hugo Sousa não sabe
o que é, mas o mais certo é ele
ter. Com uma carreira de quase 20
anos, já pisou o palco das maiores
salas do país, quer com solos de
stand up quer com projetos com
colegas de profissão. Hugo Sousa
falou com o Pontos de Vista sobre
o seu percurso até hoje. E claro,
com algumas piadas pelo meio.
Por:
Pedro Queirós
Em criança, já gostava
de comédia?
Já gostava de comédia.
Eu lembro-me que tinha
7 ou 8 anos quando descobri
que sabia contar
anedotas. Tinha alguns
amigos e familiares que
me contavam anedotas
e depois eu contava essas
anedotas a outras
pessoas. Lembro-me de
contar anedotas e as
pessoas se rirem. Lembro-me
da sensação que
tinha de fazer pessoas
rir e que ficava muito
contente. Depois, cada
vez que eu contava uma
anedota acrescentava
coisas minhas e contava
à minha maneira. Lembro-me
dessa sensação
boa de fazer rir os outros
e de ficar contente
por conseguir fazer rir.
Então podemos dizer
que, nessa altura, já
quase que escrevia texto
humorístico ao tornar
as anedotas mais
suas.
Sim, mais ou menos.
Ia acrescentando pormenores
nas anedotas
que contava. No fundo,
é um bocadinho o que
eu faço agora, mas com
piadas que eu escrevo.
Mas, hoje em dia, ainda
acontece isso. Quando
eu digo um bit novo de
stand up, nunca está
fechado. Ou seja,
quantas mais vezes
digo esse bit,
mais pormenores
acrescento. Então,
no fundo, é
uma coisa que eu
faço há muitos
anos.
Quais eram os
comediantes que
mais acompanhava?
Quando era miúdo,
gostava muito
do Herman [José].
Havia umas cassetes
de anedotas
do Cantinflas que o
meu pai tinha escondidas,
mas depois eu ia
às escondidas descobrir
onde é que ele tinha as
cassetes e ouvia as anedotas
do Cantinflas. Na
altura, não havia muitas
referências do humor.
Havia alguns programas
do Nicolau Breyner, mas
não era bem de piadas.
Aliás, nessa altura, nem
havia stand up comedy.
O primeiro espetáculo
a que eu tive acesso de
stand up foi um do Robin
Williams, gravado em
Nova Iorque, em 1996
ou 1997. Foi o primeiro
espetáculo de stand up
que eu vi puro e duro.
Quando decidiu arriscar
numa carreira como humorista?
Eu nunca arrisquei numa
carreira como humorista.
As coisas foram acontecendo.
O “Levanta-te
E Ri” ajudou, foi onde
eu comecei. Escrevi um
texto de piadas originais
para um espetáculo
porque, na altura, eu já
fazia alguns espetáculos,
e mandei uma cassete
VHS para a produção
do “Levanta-te E
Ri”. Eles convidaram-me
para ir lá logo na semana
seguinte. E aí, eu
andava na faculdade e
comecei a ter trabalho.
Depois decidi por este
caminho. Foi uma coisa
que foi acontecendo e
só depois de ter muito
trabalho na comédia, na
altura atuava em bares
a fazer stand up, é que
decidi ficar por aqui. Eu
andava na faculdade, no
curso de Educação Física,
e já sabia que não ia
ser colocado nos anos
seguintes, então aproveitei
a comédia.
Teve o apoio da sua
família?
Sim. A minha mãe sempre
me disse que só
queria que eu tirasse um
curso superior e que depois
podia fazer o que
eu quisesse da minha
vida. Então o meu objetivo
era acabar o curso
para depois andar à vontade.
Fez algum curso ou é
um autodidata do humor?
Eu não tenho nenhum
curso de stand up. Aliás,
de stand up há workshops,
mas eu pesquisava
muito na internet
porque realmente podia
haver um curso de stand
up, não um curso superior,
mas uma coisa mais
alargada. Os workshops
são uma coisa pequena.
Eu estudava muito técnicas
de stand up, lia muito
acerca do assunto. Há
várias técnicas de escrita,
há várias técnicas de
representação do humor
em palco, de stand up.
Eu lia aquilo tudo. No
início, eu pesquisava e
tentava ler tudo a que
tinha acesso. Mas depois
chega a um ponto
em que nós é que temos
de escrever as próprias
piadas, nós é que temos
de encontrar os timings.
Então, agora, é mais ou
menos como conduzir
um carro. Uma pessoa
51
Grande Entrevista
no início está muito preocupada,
mas depois,
quando já sabe, faz as
coisas sem pensar. Então,
já há muitos anos
que é isso que acontece.
É uma coisa mecânica.
Eu já sei como é que
se faz e depois é uma
questão de trabalhar
em casa. Porque isto envolve
muito trabalho de
casa.
A sua carreira iniciou
em 2003. Quais eram
as maiores dificuldades
na altura?
A maior dificuldade na
altura é que não havia o
YouTube nem havia redes
sociais. Então, em
qualquer tipo de arte
performativa, sejam comediantes,
músicos,
mágicos, o que for… ou
se aparecia na televisão
ou na rádio ou então
não se existia. Não havia
maneira de divulgar o
trabalho sem ser assim,
para grandes massas.
Eu já fazia espetáculos
em bares, mas os bares
tinham 50, 100, 150, 200
pessoas, no máximo.
Isso não chega às massas.
Então, acho que a
partir de 2006, com o
YouTube, as coisas ficaram
mais facilitadas
porque tínhamos uma
plataforma que nos permitia
mostrar o trabalho.
Se bem que, no início,
nem toda a gente ia ao
YouTube, não é como
agora. Mas depois tinha
programas no Porto Canal,
que também ajudava,
já depois do “Levanta-te
E Ri”. A maior
dificuldade era escrever
Foto: Hugo Sousa: Facebook
as piadas, que é a dificuldade
normal, depois
a divulgação do trabalho
e chegar às pessoas.
Começa a ter mais visibilidade
em 2008, no
“Bolhão Rouge” do
Porto Canal. Como surgiu
essa oportunidade?
Foi depois do “Levanta-te
E Ri”. Na altura, o
diretor do Porto Canal,
que se chamava Bruno
Carvalho, não é o Bruno
de Carvalho do Sporting.
Aliás, o Bruno Carvalho
do Porto Canal até
é do Benfica, foi candidato
à presidência do
Benfica (Foi candidato à
presidência do Benfica
em 2009 e perdeu para
Luís Filipe Vieira). Ele
foi o fundador do Porto
Canal porque ele é da
cidade do Porto e
quis criar um canal
para as pessoas
da cidade invicta.
Ele convidou-me a
mim, ao [João] Seabra
e ao Miguel 7
Estacas para fazer
um programa. Foi
muito bom porque
deu-nos liberdade
para apresentar o
formato que nós
quiséssemos. Foi
muito fixe porque
nós tínhamos muito
poucos meios
para trabalhar, até
porque era um canal
pequeno, mas,
por outro lado,
não tínhamos muitos
limites. Nós
fazíamos tudo o
que queríamos,
para o bem e para
o mal. Também
fizemos muita coisa
que não tinha piada
nenhuma, mas
houve coisas que
fizemos lá que tiveram
muito sucesso.
Aquilo era programa
semanal, em
que todas as semanas
tínhamos que
fazer um programa
novo e éramos só os
três. Basicamente, eles
davam-nos duas horas
e tínhamos um cameraman
com equipamento
para gravar os sketchs
e depois tínhamos uma
hora de direto. Então,
tínhamos que preparar
aquilo muito bem, mas
deu para aprender muito
porque nós tínhamos
que estar em todas as
frentes: na edição, na
realização, na escrita, na
representação, tínhamos
que estar em todas
as frentes para aquilo
sair bem. Às vezes saía
bem, outras vezes nem
por isso. Mas deu para
aprender muito.
Tinha João Seabra e
Miguel 7 Estacas como
parceiros. Ainda fizeram
juntos o Stand da
Comédia e agora estão
novamente juntos no
Pi100Pé (com o Fernando
Rocha). Podemos
falar numa comunidade
do humor que se junta
para este tipo de projetos?
Há, claro. A comunidade
do humor são os humoristas.
Depois há grupos.
Isto do Pi100Pé Especial
Natal acontece todos
os anos. É uma altura
em que nós nos reunimos
no final de cada ano
para fazer este projeto
e é uma macacada. E é
fixe porque muitas das
coisas que nós fazemos
aqui vêm do “Stand da
Comédia” e do “Bolhão
Rouge”. Muitas das ideias,
muitos dos personagens.
É uma coisa que
foi ficando e que nós fomos
aprimorando e trabalhando
isso.
Como é que é fazer
um espetáculo em que
o conceito é o mesmo,
mas o conteúdo é diferente,
como o Pi100Pé
Especial Natal?
Algumas coisas há todos
os anos. Há todos
os anos o Sr. Limpinho e
o Padre. Todos os anos,
o início do espetáculo é
mais ou menos o mesmo:
nós entramos os
quatro e falamos com
a plateia, mandamos
umas piadas, há muito
improviso. Depois tentamos
pôr coisas completamente
diferentes,
tentamos surpreender.
A malta vem e há coisas
que já sabe que vai ver,
outras não faz a mínima
ideia. É engraçado. Mesmo
nos quadros que nós
repetimos, o conteúdo é
diferente, mas a malta já
sabe o que vai acontecer.
Quando se ouve a música
da igreja, as pessoas
já sabem que vai entrar
o padre e já está tudo a
aplaudir. Mas é um desafio
todos os anos por-
Grande entrevista
52
Foto: Record
que lá atrás é uma confusão
que ninguém imagina,
a nível de equipamento,
de roupas, de
perucas, bigodes, carros…
Eu divirto-me muito
e é bom passar o final
do ano com eles a fazer
espetáculos porque durante
o ano anda sempre
um para cada lado
e é fixe no final do ano
juntarmo-nos para fazer
isto.
Como é que chegou à
Praça da Alegria?
Olha, não sei. Não sei
como é que o convite surgiu.
Sei que um dia estava
em casa, ligaram-me
e perguntaram-me se
eu queria fazer a Praça
da Alegria. Foi só isso.
Eu gostava que houvesse
uma história muito
grande por trás, mas
não. Eu estava em casa,
ligaram-me a perguntar
se eu queria fazer a
Praça da Alegria. Basicamente
foi isso.
Porque aceitou o trabalho
sabendo que não
se adequava ao perfil
da sua profissão?
Quando me convidaram,
disseram que era
para fazer umas piadas
e que precisavam de um
humorista. Estes programas
da manhã e da
tarde, muitas vezes tinham
uma componente
de humor. Por exemplo,
o César Mourão fez,
durante muitos anos,
personagens nos programas
da tarde da SIC.
Lembro-me do António
Feio que também fazia.
O Quim Roscas e o [Zeca]
Estacionâncio também
começaram com isso no
“1,2,3”, há muitos anos.
Eu pensei que ia ser uma
coisa desse tipo ou ir
para a rua fazer reportagens.
E isso realmente
acontecia, eu ia para a
rua fazer reportagens
e coisas mais engraçadas,
mais viradas para
o humor. Mas depois
começou essa edição
da Praça da Alegria e,
ao fim de uma semana,
eles trocaram a equipa
e trocaram o responsável
do programa. Então,
eu fiquei ali às aranhas
e eles não sabiam muito
bem o que me iam pôr a
fazer. Depois eu fiquei lá
e é aquilo que já se sabe,
que eu conto nos espetáculos
de stand up.
O Hugo usa alguns
episódios da sua experiência
na Praça da
Alegria nos seus textos
humorísticos. Para além
da parte engraçada,
chegou a ter alguma discussão
mais acesa com
alguém da produção ou
da direção?
Não. Nunca tive discussões
com ninguém.
Mesmo quando eles me
chamavam à atenção, riam-se
do que eu dizia.
Mas uma coisa é eles
rirem-se, outra coisa é
eu poder dizer coisas e
esticar a corda. Chamavam-me
à atenção, mas
nunca aconteceu nada
de grave, nem sequer
chegou lá perto.
Acaba por se dedicar a
100% ao humor e lança
o seu primeiro solo,
“Frenético”. Dado que
é o seu primeiro solo e
é algo que o vai de certa
forma apresentar em
nome próprio, sente
que esse é um termo
que o define?
Antes do “Frenético”, ou
seja até 2015, ainda fiz
muitos espetáculos de
stand up, mas não lhes
dava nome. Ia escrevendo
piadas, ia dizendo, ia
tirando outras e continuava
a escrever e isso aumentou
o meu leque de
piadas, digamos assim.
Lancei o DVD dos 10
anos de carreira também
antes do “Frenético” e
fiz outro espetáculo que
se chamava “Bês Pelos
Bês”, só que nunca fiz
tours. A primeira tour
que eu fiz, pelos teatros
do país inteiro, e considero
o meu primeiro solo
foi com o “Frenético”.
Mas, sim, pode dizer-se
que eu sou um bocado
frenético.
O solo foi uma iniciativa
sua ou foi incentivado
por alguém?
Na altura, era uma coisa
que eu queria muito
fazer e, então, eu e a
minha agência falamos e
decidimos que era uma
coisa fixe para se fazer.
Foi uma decisão tomada
em conjunto com a
minha agência, que é a
Meio Termo.
Como é o processo de
escrever um solo?
É uma trabalheira. É estar
em casa no computador
a escrever e depois
andar a ensaiar as piadas
em sítios mais pequenos,
em bares. Depois
ir juntando e corrigindo
as piadas. Quando aquilo
está mais ou menos
afinadinho é lançar. Depois,
nos teatros, dá
para fazer outro tipo
de coisas, dá para jogar
com as luzes, … É muito
diferente fazer um
espetáculo num bar ou
num teatro porque num
teatro as pessoas pagam
para ir ver e a responsabilidade
é muito
maior. Aquelas pessoas
não estão ali para beber
copos, não estão para
andar no engate, não
estão para mais nada.
Estão ali para assistir ao
espetáculo e pagaram
bilhete para isso. Enquanto
nos bares, muitas
vezes, a entrada era
gratuita e se a malta não
estava a gostar começava
a beber copos com os
amigos. Ou seja, é uma
responsabilidade acrescida,
mas é uma boa re-
53 Grande Entrevista
ponsabilidade.
Sente-se melhor a fazer
humor a solo ou a atuar
com outros humoristas?
Eu gosto dos dois. Cada
um deles tem as suas
características, são coisas
diferentes. Eu gosto
muito de fazer espetáculos
a solo, mas
depois dá-me um gostinho
especial fazer estes
espetáculos com outros
humoristas, até porque
estou com a malta e é
fixe, até porque eles
são todos muito estúpidos.
Eu sou a única pessoa
normal no mundo
da comédia, em Portugal.
Dos outros, não se
aproveita um. São todos
avariados da cabeça. Eu
acho que alguns vão-se
suicidar, a sério. Mas
são problemas deles,
eu não tenho nada a ver
com isso. Eu só lhes dou
álcool e rezo para que
tudo corra bem.
É muito diferente
fazer
um espetáculo
num bar ou
num teatro
porque num
teatro as
pessoas pagam
para
ir ver e a
responsabilidade
é
maior.
Quem está mais próximo
do suicídio?
Eu acho que o Fernando
Rocha está muito próximo.
E o [João] Seabra
também. E o Miguel [7
Estacas]. São os três. O
Miguel diz que foi um
acidente, mas eu acho
que foi uma tentativa
de suicídio, que ele teve
aqui há uns anos, ele é
que não conta. (Miguel 7
Estacas sofreu um grave
acidente, em 2015). Mas
eu nem me importava.
Se eles fossem os três, o
trabalho que eu ia ter…
Eu ia ficar com o trabalho
deles todo. Ia-me
fartar de ganhar dinheiro.
Continuou a fazer um
solo por ano. Esse era
um objetivo desde que
saiu para a estrada com
o “Frenético”?
Sim. Só não consegui
fazer no ano passado
por causa da covid, tive
que adiar para 2021.
Enquanto puder, vou
continuar a fazer. Eu
faço outras coisas, mas
o que eu gosto mesmo
de fazer é espetáculos
ao vivo. Aquilo a que
eu dedico mais tempo é
mesmo aos espetáculos
de stand up e é o que
me dá mais prazer.
Grande parte do seu
texto é sobre situações
do quotidiano e situações
do seu passado.
Mas não há piadas sobre
futebol. É um tema
“proibido”?
Não. É um tema que
eu não gosto muito. Eu
acho que faz parte do
perfil de cada um. Acima
de tudo, eu gosto
de contar piadas intemporais.
Se falar de futebol,
posso mandar uma
piada e daqui a três dias
já não vai fazer sentido.
Posso fazer uma piada
sobre um jogo e daqui
a uma semana o pessoal
já esqueceu. Essa é uma
das razões que me leva
a não fazer piadas de futebol.
Vivemos numa época
em que tudo é levado
ao extremo e reina o
politicamente correto.
Qual é o maior cuidado
a ter quando se escreve
um texto humorístico?
Só há um cuidado que
eu tenho: tentar ter piada.
Não me interessa
o tema. Posso falar do
tema mais escabroso ou
do tema mais sensível
que há. Se aquilo tiver
piada, está tudo bem.
O problema é se aquilo
não tem piada. Isto
também gera uma discussão
muito grande
porque o ter piada ou
não ter piada também
vai de cada um. Há pessoas
que me podem
achar muita piada e outras
que não acham piada
nenhuma. Isso é normal
e todos os humoristas
têm que viver com isso.
Eu esforço-me para ter
piada. Independentemente
do tema, tenho
que ter piada naquilo
que digo. Se eu achar
que tem piada, digo.
Depois vai da cabeça de
cada um achar-me piada
ou não. Eu também sei
como é o meu público.
Eu habituei o meu público
a um registo e a esses
é que me interessa fazer
rir. Se as pessoas que
não são do meu público
não acharem piada, está
tudo bem. Não posso é
desiludir o meu público.
Os humoristas tendem
a não usar muito
as redes sociais muito
devido a críticas, mas
o Hugo é bastante ativo,
nomeadamente no
Twitter. Sente que as
redes sociais são um
apoio ao seu trabalho?
Claro. Mas eu até acho
que os humoristas usam
muito as redes sociais.
E nem todas as polémicas
são más. Eu posso
mandar uma piada e se
souber que o meu público
gosta, está tudo
bem. Já aconteceu haver
essas polémicas, de
pessoal que não gosta
vir dizer mal, mas a mim
não me interessa rigorosamente
nada. Depois
interpretam mal as piadas
e confundem piadas
com opiniões pessoais,
o que é uma estupidez.
Se eu mandar uma piada
sobre doenças ou
morte, isso não quer dizer
que eu desejo morte
às pessoas ou que quero
que as pessoas fiquem
doentes. Eu não sou um
psicopata. São piadas.
Algumas são um bocado
mais polémicas. Mas é o
que é. Acontece. Mas
uma boa polémica, às
vezes, é fixe. Chegas a
muita gente e vais ganhar
mais amigos do que
perder.
Em 2020, no “Dueto”
com o Rui Sinel de
Cordes, afirmou que
gostava de fazer talk
shows e aproveitou a
pandemia para lançar
o “Podcast do Sousa”,
no YouTube. Porque
considerou importante
produzir esse tipo de
conteúdo nessa altura?
Primeiro, porque tinha
tempo. Os podcasts
são algo que eu gosto
de fazer. Fiz duas temporadas,
com oito ou
nove episódios em cada
uma, e depois parei. Parei
porque não gosto de
fazer coisas forçadas e
gosto de escolher bem
os convidados. Para fazer
um episódio com um
convidado que está lá só
por estar ou com o qual
eu não me identifico,
prefiro não fazer. É por
isso que os convidados
são quase todos humoristas,
são meus amigos,
são pessoas com quem
me dou bem. Quem
sabe se, para o ano, faço
mais uma volta.
Também em 2020, foi
comentador do Big
Brother 2020. Mais
uma vez é um palco
não muito comum para
humoristas. Como chegou
a comentador de
um reality show?
Mais uma vez, estava
em casa e ligaram-me.
Se as pessoas
que
não são
do meu público
não
acharem piada,
está
tudo bem.
Não posso é
desiludir o
meu público.
É sempre assim. Na
altura, precisavam de
um humorista para fazer
comentários do Big
Brother. Eu, às vezes,
faço piadas com isso,
com o ponto a que chegou
a minha carreira
para fazer piadas no Big
Brother, mas realmente
aquilo tem muito sumo.
É um programa que dá
todos os dias, é um reality
show, eles [concorrentes]
estão lá 24 horas
enfiados, tem muitos
cromos… Confesso que
aquilo me dava muito
trabalho, mas acho que
o resultado final era fixe.
E serviu para aprender,
senti que fui melhorando
e aprimorando as
rubricas. Tinha orgulho
naquilo que fazia, muito
sinceramente. Acho que
aquilo estava muito fixe.
Também em parte pelo
que acontecia porque
havia coisas que eu nem
precisava de acrescentar
muito porque aquilo,
por si só, já eram piadas.
Entretanto foi pai.
Tinha esse sonho?
Tinha, mais ou menos.
Eu ter, tinha, mas é como
quando queremos muito
uma coisa e sabemos
que vai dar muito trabalho.
Por exemplo, eu
sempre quis ter um cão,
mas nunca tive porque
depois tinha que limpar
a porcaria, dar banho,
Grande entrevista
54
deixar em algum lado
para poder ir de férias,
… E andava há muito
tempo na mesma situação
por causa de ter
um filho, mas achei que
estava na altura porque
já tinha 40 anos e foi
uma situação de agora
ou nunca.
O facto de ser pai mudou
alguma coisa em si
enquanto humorista?
Não. Tenho muitas piadas
acerca da paternidade.
Lá está, eu falo
de tudo o que me acontece,
normalmente um
solo serve para falar sobre
o meu último ano e
é óbvio que é um tema
que eu tinha de falar. Fiz
muitas piadas sobre a
minha filha.
As lições da Tânia Ribas
de Oliveira sobre bebés
acabaram por dar jeito?
Agora já sei tudo. Eu na
altura já sabia que gozava,
mas que um dia ia-me
cair nas costas. E caiu…
A sua filha, daqui a uns
anos, vai ver o seu trabalho.
Acha que algo o
vai envergonhar?
Vai, óbvio que vai. Quando
a minha filha mostrar
os meus vídeos de stand
up aos amigos vai ficar
com vergonha, claro.
Mas é o que põe o pão
na mesa. Portanto não
quero saber.
É o Hugo que lhe vai
mostrar ou vai esperar
que alguém lhe mostre?
Vou esperar que alguém
lhe mostre para a mãe
não dizer que culpa é
minha.
Foi muito bom. Já tinha
muitas saudades. Eu tive
um projeto a meio (Ajuntamento)
com o [António]
Raminhos, com o
Nilton e com o Guilherme
Duarte, fizemos
um espetáculo a quatro,
mas já tinha saudades
de fazer um espetáculo
a solo. Estava muito
ansioso e muito feliz, ao
mesmo tempo. Estive
quatro meses e meio
sem atuar e custou muito
esse tempo.
Também se estreou nas
novelas. Também foi
um convite?
Também foi um convite.
Eu estava em casa, tocou
o telefone … Mas isto
da novela é fixe porque
o “Festa é Festa” é uma
novela mais virada para a
comédia e para o humor.
Então aceitei. Nunca imaginei,
na minha vida,
ser ator de uma telenovela,
mas estou a gostar
muito mais do que alguma
vez imaginei.
Acaba por trabalhar
com alguns colegas…
Pois… Está lá o Pedro
Alves que é meu amigo
já há 20 anos, está
o Carlos Cunha. Depois
estão atores que eu respeito
muito e atores que
já fizeram outras coisas
de comédia. Há lá uns
que não fizeram muitas
coisas de comédia, mas
que eu acho um piadão
como o Vítor Norte, ele é
o maior. Mas é fixe estar
a fazer coisas num meio
que não é o meu. Eu
conhecia as caras, mas
não conhecia pessoalmente
quase ninguém
que está na novela. Está
a ser uma experiência
muito fixe.
uma piada natural. Para
se ser um bom humorista,
60% ou 70% é trabalho.
Houve uma altura
em que não acreditava
muito no talento. Eu
acho que o trabalho supera
claramente o talento,
ainda acho isso.
Mas para se ser humorista
tem que ser ter
qualquer coisa que leva
a ter talento, que eu não
percebi o que é. Deve
ser um parafuso a menos
ou um parafuso a mais. É
um desvio qualquer que
leva a ter piada.
Estive
quatro
meses e
meio se
atuar e
custou
muito
esse tempo.
O Hugo já é um vetera
no na comédia em Portugal.
Sente que abriu
caminho para a nova
geração de humoristas?
Eu fui fazendo o meu trabalho
e acho que os comediantes
com sucesso
abrem o caminho para
os outros. Por exemplo,
quando surgiu o Herman,
eu via o Herman
como um ídolo e queria
ter piada como ele tem.
É como na música, quando
eu era miúdo toda
a gente queria ter uma
banda como os Nirvana
e devem ter aparecido
dezenas de milhares de
bandas no mundo inteiro
por causa dos Nirvana.
Ou seja, eles abriram
caminho. Eu acho que se
fizer um bom trabalho
estou a abrir a porta para
os que vierem a seguir.
Qual é a sua opinião sobre
o estado atual do
humor em Portugal?
Isto da pandemia veio
estragar um bocado,
mas estamos num bom
caminho. Cada vez há
mais comediantes. Cada
vez há melhores comediantes.
Os comediantes
profissionais que já temos
há uns anos têm
trabalhado mais e estão
cada vez melhores.
Quando se chega ao
ponto do pessoal esgotar
Coliseus, Super Bock
Arena, Campo Pequeno,
fazer espetáculos em
praças com 10 mil ou 20
mil pessoas, como nós já
fizemos, mostra que as
pessoas gostam de humor
e querem consumir
humor. Isso deixa-me orgulhoso
e fico contente
por ver que a corrente
do humor está forte,
que as pessoas precisam
de humor, compram bilhete
e vão.
Qual é a diferença que
encontra no público do
início da sua carreira
para o momento atual?
Em 2021, voltou aos
solos com O Regresso à
(A)Normalidade. Como
foi voltar aos palcos?
O que acha que é
necessário para ser humorista?
Primeiro é preciso ter
55 Grande Entrevista
O público agora está
muito mais exigente e
eu também estou muito
mais exigente com
o meu trabalho porque
agora as pessoas têm
outras referências. Agora
com a Netflix, nós
somos comparados com
os melhores comediantes
do mundo, com o
Louis C.K., com o [Jerry]
Seinfeld, … As pessoas
já têm acesso ao melhor
stand up do mundo
e é inevitável que comparem
o nosso trabalho
com o destes humoristas.
Eu escrevo todas as
minhas piadas no computador
e, às vezes, vou
ver piadas que dizia em
2006 e não sei como tive
coragem de dizer aquilo,
é muito mau. Ou seja, há
uma evolução natural.
O público está mais exigente,
mas isso também
é bom.
Qual é a sensação quando
o público não ri?
É horrível. A pior coisa
que pode acontecer a
um humorista é o público
não rir. Mas isso acontece.
Por isso é que eu
ando a testar as piadas
novas em bares mais pequenos.
Há coisas que
eu não tenho bem noção
se funcionam ou não funcionam;
há coisas que
não acho que vão ter
piada e até têm; há piadas
que eu acho que são
muito boas e não são.
Depois cortam-se as piadas
más, ficam as boas
e reescrevem-se as que
estão mais ou menos.
Em palco também acontece.
Se mandar uma piada
ao lado, tenho que
saber lidar com isso e
mandar logo uma piada
boa ou gozar com a situação.
Há técnicas que
uma pessoa desenvolve
para tentar safar a asneira
que fizemos.
Já tem algumas experiências
em fazer
humor em inglês. Pretende
lançar-se numa
carreira internacional?
Antigamente, ia uma vez
por mês a Londres e passava
lá uma semana para
fazer stand up em inglês.
Mas isso estava a prejudicar
o trabalho que eu
tinha aqui. Entre 2008 e
2010, tentava ir uma vez
por mês a Londres fazer
espetáculos e aquilo
corria bem. Mas eu depois
percebi que se quisesse
ser comediante lá,
tinha que viver lá. Para
viver lá, tinha que abdicar
de uma carreira aqui.
Tive que tomar decisões
e decidi ficar por aqui.
Quais são os seus planos
para o futuro?
Escrever piadas. Escrever
piadas é sempre
aquilo que uma pessoa
tem que fazer e é o
meu trabalho. Depois se
é para a televisão, se é
para o palco, se é para
o YouTube, não interessa.
O meu trabalho é
escrever piadas e é isso
que eu tenho de fazer.
Quando se chega ao ponto
do pessoal esgotar Coliseus,
Super Bock Arena,
Campo Pequeno, fazer espetáculos
em praças com
10 mil ou 20 mil pessoas,
como nós já fizemos,
mostra que as pessoas
gostam de humor e querem
consumir humor. Isso
deixa-me orgulhoso e
fico contente por ver
que a corrente do humor
está forte, que as pessoas
precisam de humor,
compram bilhete e vão.
Fotos: NIT / Hugo Sous: Facebook
Cultura
56
Foto: Leonor Costa
‘Escritaria’ homenageou
Germano Almeida
O festival literário Escritaria realizou-se de 24 a 31 de outubro, em Penafiel. Germano Almeida
foi o homenageado desta 14.ª edição, que contou com um programa recheado de atividades
dedicadas à vida e obra do escritor cabo-verdiano. O penúltimo dia do evento ficou marcado
pelo lançamento do mais recente livro de Germano Almeida, “A Confissão e a Culpa”.
Texto:
Leonor Costa
As ruas de Penafiel voltaram a
servir de palco para o festival
literário Escritaria. A 14ª edição
do evento decorreu de 24 a 31
de outubro e foi dedicada à vida
e obra do escritor cabo-verdiano,
Germano Almeida.
Em declarações ao jornal
Pontos de Vista, Maria Adelaide
Galhardo, Diretora da Biblioteca
Municipal de Penafiel,
caracteriza o Escritaria como
um evento que “promove um
escritor de língua portuguesa”,
e acrescenta que “no universo
da língua portuguesa, tentamos
trazer também escritores da
comunidade dos Países Africanos
de Língua Oficial Portuguesa
(PALOP)”. Após edições
passadas dedicadas a Mia Couto,
natural de Moçambique, e
Pepetela, escritor angolano,
chegou a vez de Germano
Almeida.
Germano Almeida nasceu
na ilha da Boa Vista, do
arquipélago de Cabo Verde,
em 1945. Entre as várias obras
do autor, destaca-se “A Ilha
Fantástica”, o primeiro livro
publicado, que corresponde a
uma compilação das crónicas
que escrevia para a revista Ponto
& Vírgula, sob o pseudónimo
Romualdo Cruz. Outras das
obras mais conhecidas são: “O
Testamento do Sr. Napumoceno
da Silva Araújo”, o seu
primeiro romance publicado
em 1989; “Os Dois Irmãos”, de
1995 e a Trilogia do Mindelo,
que Germano Almeida completou
durante o Escritaria.
Em 2018, Germano
Almeida foi reconhecido com
o Prémio Camões, pelo modo
singular e autêntico que retrata
a realidade política e social cabo-verdiana
nas suas obras.
Uma semana de cultura
Após uma edição passada
marcada pela pandemia,
o festival literário organizado
pela Câmara Municipal de Penafiel,
regressou com um programa
extenso e diversificado,
destinado a todas as idades.
Para além das palestras e conversas
com o autor, o público
teve a oportunidade de assistir
a espetáculos de música, dança
e teatro. O Cinemax de Penafiel
exibiu as adaptações cinematográficas
das obras “Dois
Irmãos” e “O Testamento do
Sr. Napumoceno da Silva Araújo”,
em sessões onde os realizadores
dos filmes marcaram
presença.
Foram inauguradas exposições
na Biblioteca e Museu
Municipal, que contaram com
trabalhos de artistas locais.
Porém, a arte não se limitou
aos espaços fechados. Em vários
recantos de Penafiel, é ainda
possível encontrar os murais de
arte urbana pintados em honra
do Escritaria.
Entre a programação
oferecida pela 14ª edição do
festival, foi dado um importante
destaque ao lançamento
do livro “A Confissão e a Culpa”,
o terceiro volume que finaliza
a Trilogia do Mindelo,
de Germano Almeida. A apresentação
da obra, seguida de
uma sessão de autógrafos, realizou-se
no penúltimo dia do
evento, no Museu Municipal de
Penafiel.
“A Confissão e a Culpa”, o
lado do assassino
Em 2018, Germano
Almeida publicou “O Fiel Defunto”,
o primeiro livro da Trilogia
do Mindelo que inicia a
história sobre o assassinato
“do mais conhecido e traduzido
escritor das ilhas”. Foi durante
a sessão de lançamento
do seu mais recente e último
livro que Miguel Lopes Macieira,
foi morto a tiro pelo seu
melhor amigo, o Engenheiro
Edmundo do Rosário.
“O Último Mugido”,
publicado em 2020, dá continuidade
aos eventos que
sucederam o crime na cidade
do Mindelo, sob a perspetiva
da esposa do falecido autor.
Mariza regressa do estrangeiro
para realizar os desejos deixados
no testamento do companheiro.
Agora, “A Confissão e a
Culpa” vai permitir aos leitores
conhecer o que levou Edmundo
do Rosário a assassinar o amigo
escritor, colocando um ponto final
em todas as perguntas que
ficaram por responder. Germano
Almeida revelou ao Pontos
de Vista que a razão que motivou
o Engenheiro a cometer tal
ato de violência contra Miguel
Lopes Macieira vai surpreender
os leitores.
57
Cultura
Arménia vence Junior Eurovision
Song Contest 2021
A Arménia foi a vencedora do Junior Eurovision Song Contest 2021 com a canção Qami Qami,
interpretada por Málena. Portugal conseguiu alcançar o seu melhor resultado de sempre no
concurso, ficando em 11º lugar da classificação geral e em 3º lugar da votação online.
Texto:
Sara Fernandes Santos
Depois de um ano com um
formato adaptado às circunstâncias
pandémicas, em que a
maioria dos participantes gravou
as suas atuações em estúdios
de televisão do seu país
de origem, o Festival Eurovisão
Júnior da Canção (JESC) regressou
este ano ao formato
habitual. O espetáculo realizou-se
a 19 de dezembro no La
Seine Musicale, em Paris, após
a vitória da França em 2020,
e contou com as atuações de
jovens cantores de 19 países.
Esta foi a segunda edição com
maior número de participantes,
sendo apenas superada pela
de 2018, na qual participaram
20 países.
Com a vitória do concurso,
a Arménia viu assim o seu
favoritismo confirmado. Qami
Qami, de Málena, alcançou 224
pontos, após ter conquistado o
terceiro lugar na votação do júri
e a vitória na votação online.
Málena, de 14 anos, já tinha
sido selecionada pela emissora
pública da Arménia para o
JESC de 2020, com Why, mas a
guerra com o Azerbaijão levou
a que o país desistisse da participação
no certame.
A Polónia, vencedora
das edições de 2018 e 2019
e, por enquanto, o único país
a conseguir duas vitórias consecutivas
no certame, ficou em
segundo lugar, com 218 pontos.
Somebody, de Sara James,
conseguiu a mesma classificação
nas duas vertentes (júri e
votação online).
O pódio fica completo
com o país anfitrião. Com
Tic Tac, Enzo esteve perto de
repetir o feito da Polónia e conseguir
a segunda vitória consecutiva
para a França, porém,
o quarto lugar na votação online
não foi suficiente, apesar
da vitória na votação do júri.
A maior surpresa desta
edição do JESC é Portugal,
representado por Simão Oliveira.
O Rapaz nunca esteve
no lote de favoritos desta
edição, porém, surpreendeu os
seguidores do concurso, sendo
a canção com a maior discrepância
entre as duas vertentes
da votação: arrecadou
92 pontos da votação online,
conseguindo ficar em terceiro
lugar da mesma, mas ficou no
penúltimo lugar da tabela do
júri (ainda que em igualdade
pontual com os Países Baixos),
com apenas 9 pontos. Não obstante,
o 11º lugar foi suficiente
para Simão garantir o melhor
resultado de Portugal no concurso.
Em relação ao ano anterior,
foram oito os países que
regressaram: Albânia, Arménia,
Irlanda, Itália, Macedónia do
Norte e Portugal que, à exceção
da Arménia, não participaram
devido à COVID-19, e
o Azerbaijão e a Bulgária, que
não participavam no certame
desde 2018 e 2016, respetivamente.
Tanya Mezhentseva,
a representante da Rússia,
também voltou ao certame,
após ter participado em 2019
com Denberel Oorzhak.
Em sentido contrário,
esta foi a primeira edição do
JESC que não contou com
a presença da Bielorrússia,
porque a emissora estatal - a
BTRC - enfrenta uma suspensão
de três anos da União Europeia
de Radiodifusão (EBU).
Esta edição do JESC ficou marcada
por uma polémica a envolver
a televisão pública do
Azerbaijão. Os comentadores
da transmissão na İTV falaram
durante a atuação da Arménia,
algo que não é permitido pelos
regulamentos da EBU e que vai
contra o espírito do certame. A
EBU já reagiu, revelando que
“está à espera de esclarecimentos
com a Ictimai [İTV]” e
não fecha portas a uma possível
sanção. Em sentido contrário,
um vídeo que regista um
abraço entre as representantes
dos dois países - Sona Azizova
e Málena - foi amplamente partilhado
pelas redes sociais.
Entretanto, a EBU já confirmou
que a edição de 2022
do JESC vai ser realizada na
Arménia, não estando ainda
definido mais nenhum detalhe
sobre o certame. Recorde-se
que ao contrário do que acontece
no concurso principal, o
país que vence o JESC não é
obrigado a organizar a edição
seguinte. No entanto, a última
vez em que tal não aconteceu
foi na edição de 2018: apesar
de a vencedora da edição anterior
ter sido a Rússia, o concurso
realizou-se em Minsk, na
Bielorrússia. A decisão já tinha
sido oficializada ainda antes do
dia em que ocorreu o certame
de 2017, no qual a Bielorrússia
era uma das grandes favoritas
à vitória.
A Arménia, representada por Málena, venceu o JESC 2021. Foto: Andres Putting/EBU
Cultura
58
Grammys 2022:
Os principais
nomeados
Já são conhecidos os nomeados para a mais importante cerimónia da indústria
musical. Jon Batiste, Doja Cat, H.E.R e Olivia Rodrigo conseguem várias
nomeações.
Texto:
Leonor Costa
Os nomeados para a 64ª edição
dos Grammy Awards foram
anunciados a 23 de novembro.
A lista das nomeações foi apresentada
através de uma transmissão
em direto nas redes
sociais e contou com a participação
de alguns dos artistas
nomeados. A Recording Academy
revelou ainda aumento de
número de nomeados nas categorias
de Gravação do Ano, Álbum
do Ano, Canção do Ano e
Revelação do Ano, que passam
de 8 para 10.
Jon Batiste, músico
residente no programa Late
Show with Stephen Colbert,
foi a grande surpresa na lista
de nomeados dos Grammys,
tornando-se o artista mais nomeado
desta edição, com 11
nomeações entre as quais as
categorias de Álbum do Ano,
com We Are, e Gravação do
Ano, com Freedom.
Doja Cat, H.E.R e Justin
Bieber são os artistas que se
seguem com mais nomeações,
conseguindo arrecadar 8 indicações.
Já Billie Eilish e Olivia
Rodrigo alcançaram 7 nomeações.
A cerimónia dos Grammy
Awards de 2022 decorre
no dia 31 de janeiro, no Staples
Center, em Los Angeles e conta
com a apresentação do comediante
e apresentador, Trevor
Noah. O evento tem início
à 01:00h (horário de Portugal
Continental).
Conheça as principais
nomeações.
Foto: JATHAN CAMPBELL
59
cultura
Gravação do Ano
I Still Have Faith In You
– ABBA
Freedom – Jon Batiste
I Get A Kick Out Of
You – Tony Bennett &
Lady Gaga
Peaches – Justin Bieber
ft. Daniel Caesar &
Giveon
Right On Time – Brandi
Carlile
Kiss Me More – Doja
Cat ft. SZA
Happier Than Ever –
Billie Eilish
Montero (Call Me By
Your Name) – Lil Nas X
Drivers License – Olivia
Rodrigove The Door
Open – Silk Sonic
Álbum do Ano
We Are – Jon Batiste
Love For Sale – Tony
Bennett & Lady Gaga
Justice – Justin Bieber
Planet Her – Doja Cat
Happier Than Ever –
Billie Eilish
Back Of My Mind –
H.E.R.
Montero – Lil Nas X
Sour – Olivia Rodrigo
Evermore – Taylor Swift
Donda – Kanye West
Canção do Ano
Bad Habits – Ed Sheeran
A Beautiful Noise –
Alicia Keys & Brandi
Carlile
Drivers License – Olivia
Rodrigo
Fight For You – H.E.R.
Happier Than Ever –
Billie Eilish
Kiss Me More – Doja
Cat ft. SZA
Montero (Call Me By
Your Name) – Lil Nas X
Peaches – Justin Bieber
ft. Daniel Caesar &
Giveon
Leave The Door Open
– Silk Sonic
Right On Time – Brandi
Carlile
Revelação do Ano
Arooj Aftab
Jimmie Allen
Baby Keem
Finneas
Glass Animals
Japanese Breakfast
The Kid Laroi
Arlo Parks
Olivia Rodrigo
Saweetie
Melhor Atuação Pop
(Solo)
Anyone – Justin Bieber
Right On Time – Brandi
Carlile
Happier Than Ever –
Billie Eilish
Positions – Ariana
Grande
Drivers License – Olivia
Rodrigo
Melhor Atuação Duo/
Grupo Pop
I Get A Kick Out Of
You – Tony Bennett &
Lady Gaga
Lonely – Justin Bieber
& Benny Blanco
Butter – BTS
Higher Power – Coldplay
Kiss Me More – Doja
Cat ft. SZA
Melhor Álbum Vocal
Pop
Justice – Justin Bieber
Planet Her – Doja Cat
Happier Than Ever –
Billie Eilish
Positions – Ariana
Grande
Sour – Olivia Rodrigo
Melhor Atuação R&B
Lost You – Snoh
Aalegra
Peaches – Justin Bieber
ft. Daniel Caesar &
Giveon
Damage – H.E.R.
Leave The Door Open
– Silk Sonic
Pick Up Your Feelings –
Jazmine Sullivan
Melhor Álbum R&B
Temporary Highs In
The Violet Skies – Snoh
Aalegra
We Are – Jon Batiste
Gold-Diggers Sound –
Leon Bridges
Back Of My Mind –
H.E.R.
Heaux Tales – Jazmine
Sullivan
Melhor Canção Rap
Bath Salts – DMX ft.
Jay-Z and Nas
Best Friend – Saweetie
ft. Doja Cat
Family Ties – Baby
Keem ft. Kendrick
Lamar
Jail – Kanye West ft.
Jay-Z
My Life – J Cole ft. 21
Savage & Morray
Melhor Álbum Rap
The Off-Season – J
Cole
Certified Lover Boy –
Drake
King’s Disease II – Nas
Call Me If You Get Lost
– Tyler, The Creator
Donda – Kanye West
Melhor Atuação Cantada
Rap
Pride is the Devil – J
Cole ft. Lil Baby
Need To Know – Doja
Cat
Industry Baby – Lil Nas
X
What’s Your Name –
Tyler, The Creator ft.
Youngboy Never Broke
Again & Ty Dolla $ign
Hurricane – Kanye
West ft. The Weeknd &
Lil Baby
Melhor Gravação
Dance/Eletrónica
Hero – Afrojack & David
Guetta
Loom – Olafur Arnalds
ft. Bonobo
Before – James Blake
Heartbreak – Bonobo
& Totally Enormous
Extinct Dinosaurs
You Can Do It – Caribou
Alive – Rufus Du Sol
The Business – Tiesto
Melhor Álbum
Dance/Eletrónica
Subconsciously – Black
Coffee
Fallen Embers – Illenium
Music Is The Weapon
(Reloaded) – Major
Lazer
Shockwave – Marshmello
Free Love – Sylvan
Esso
Judgement – Ten City
Melhor Performance
Rock
Shot In The Dark – AC/
DC
Know You Better (Live
From Capitol Studio A)
– Black Pumas
Nothing Compares 2
U – Chris Cornell
Ohms – Deftones
Making A Fire – Foo
Fighters
Melhor Álbum Rock
Power Up – AC/DC
Capitol Cuts - Live
From Studio A – Black
Pumas
No One Sings Like You
Anymore Vol. 1 – Chris
Cornell
Medicine At Midnight
– Foo Fighters
McCartney III – Paul
McCartney
Melhor Álbum Alternativo
Shore – Fleet Foxes
If I Can’t Have Love, I
Want Power – Halsey
Jubilee – Japanese
Breakfast
Collapsed In Sunbeams
– Arlo Parks
Daddy’s Home – St.
Vincent
Melhor Álbum Country
Starting Over – Chris
Stapleton
The Marfa Tapes –
Miranda Lambert, Jack
Ingram and Jon Randall
The Ballad of Dood &
Juanita – Sturgill Simpson
Remember Her Name
– Mickey Guyton
Skeletons – Brothers
Osborne
Melhor Atuação
Country (Solo)
Forever After All –
Luke Combs
Remember Her Name
– Mickey Guyton
All I Do Is Drive – Jason
Isbell
Camera Roll – Kacey
Musgraves
You Should Probably
Leave – Chris Staplton
Melhor Canção Country
Better Than We Found
It – Maren Morris
Camera Roll – Kacey
Musgraves
Cold – Chris Stapleton
Country Again – Thomas
Rhett
Fancy Like – Walker
Hayes
Remember Her Name
– Mickey Guyton
Melhor Atuação
Country Duo/Grupo
If I Didn’t Love You –
Jason Aldean & Carrie
Underwood
Younger Me – Brothers
Osborne
Glad You Exist – Dan
And Shay
Chasing After You –
Ryan Hurd & Maren
Morris
Drunk – Elle King &
Miranda Lambert
Melhor Álbum Teatro
Musical
Cinderella
Some Lovers
Girl From The North
Country
Les Miserables - the
stage concert
Snapshots
The Unofficial Bridgerton
Musical
Produtor do ano
(não-clássico)
Jack Antonoff
Rogét Chahayed
Mike Elizondo
Hit-Boy
Ricky Reed
Melhor Vídeo de
Música
Shot In The Dark – AC/
DC
Freedom – Jon Batiste
I Get A Kick Out Of
You – Tony Bennett &
Lady Gaga
Peaches – Justin Bieber
Happier Than Ever –
Billie Eilish
Montero( Call Me By
Your Name) – Lil Nas X
Good 4 U – Olivia Rodrigo
Cultura
Mariah Carey volta a
ser Rainha do Natal
60
Foto: NME
All I Want For Christmas Is You regressa aos tops na
época natalícia um pouco por todo o mundo. A música
já tem 27 anos, mas continua a bater recordes.
Texto:
Pedro Queirós
O bacalhau, o bolo-rei e as
prendas há muito deixaram de
ser as únicas tradições de Natal.
Para além das inovações à
mesa, a época natalícia já não
é a mesma sem, por exemplo,
a saga Sozinho em Casa ou a
música de Mariah Carey.
Produzida em 1994, para
o seu álbum exclusivamente
dedicado ao Natal, Merry
Christmas, a música All I Want
For Christmas Is You continua a
ser uma das mais ouvidas, ano
após ano, um pouco por todo o
mundo.
2021 não é exceção e a
canção chegou, pelo terceiro
ano consecutivo, ao primeiro
lugar do top nos Estados Unidos
da América. Em Portugal,
na semana do Natal, ocupou o
15º lugar.
Mais um ano de sucesso
surpreendeu a própria cantora.
“Nem sei o que dizer. Ter outro
número um com esta canção
significa tanto para mim”, disse
Mariah Carey num áudio partilhado
no Twitter. A cantora
acabou, depois, por agradecer
todo o apoio e carinho dos fãs.
All I Want For Christmas
Is You já vendeu 16 milhões de
cópias, que a tornam no 11º
single mais vendido de sempre.
No Spotify, já foi tocada mais
12 milhões de vezes num só dia
e atingiu a marca de 1 bilhão de
streams, na mesma plataforma.
O sucesso musical
também se traduz em números:
segundo o jornal britânico
The Economist, a canção que
dá a Mariah Carey o título de
“Rainha do Natal” já lhe deu a
ganhar mais de 60 milhões de
euros e o número continua a
crescer.
All I Want For Christmas
Is You demorou quinze minutos
a ficar pronta e já leva 27 anos
de sucesso.
Adolescentes fazem
milhões na mais recente
app de
sucesso, o Tiktok
Foto: Dani Diamond
Se já se perguntou como é que youtuber, ´instagrammer,
blogger ou tiktoker são consideradas as
profissões de sonho para uma grande parte das crianças,
ou porque é que são sequer consideradas
profissões, os lucros obtidos por estes influencers
podem ser a resposta.
Texto:
Maria Castro
O tiktoker mais bem pago no
ano de 2021 é Burak Özdemir.
Estima-se que tenha feito 11
milhões de dólares com a rede
social TikTok. Segue-se Brent
Rivera, com uma estimativa de
6.5 milhões de dólares, e Addison
Rae, que fez 5 milhões
de dólares. Ao todo, estes três
jovens, com idades entre os 21
e 25 anos, têm 170 milhões de
seguidores, de acordo com o
Fandomspot. Charlie D’Amelio
começou a sua carreira em
2019 publicando vídeos de curto
tempo na app, e em 2020
foi a primeira pessoa a alcançar
100 milhões de seguidores.
Hoje, a milionária de apenas 17
anos é uma das tiktokers mais
bem pagas do mundo.
No TikTok, uma das maneiras
mais óbvias de ganhar
dinheiros é através de “gifting”,
isto é durante ‘diretos’
dos criadores dos conteúdos,
os seus seguidores, podem
oferecer moedas aos seus influencers
favoritos. Estas moedas
são como uma moeda virtual
que se pode converter em
dinheiro verdadeiro e vice-versa,
sendo que a app fica com
metade das moedas doadas e
o resto vai para o tiktoker.
A partir do momento
em que um jovem ou adulto
chega a um certo número de
seguidores, as marcas contactam-nos
para promover os
seus produtos. Estas parcerias
têm-se mostrado uma das mais
benéficas estratégias de marketing
dos últimos anos, sendo
um negócio geral para todas
as plataformas. Os tiktokers de
topo podem fazer entre 50 a
100 mil dólares por posts que
sejam anúncios para uma marca.
Todos os influencers com
um número considerável de
seguidores em qualquer rede
social têm uma ‘marca’, e vendem
mercadoria específica, tal
como t-shirts, camisolas, canecas,
porta-chaves, entre outros.
Um exemplo é o do youtuber
David Dobrik: devido ao
conteúdo dos seus vídeos, seja
música protegida por direitos
autorais ou conteúdo considerado
inapropriado pelas regras
da plataforma Youtube, o influencer
perdeu o chamado adsense,
o serviço de publicidade
da empresa Google, do qual
os criadores beneficiam ao criar
conteúdos para estas plataformas.
O youtuber eslovaco
perdeu o lucro que obtinha da
plataforma onde expõe os seus
vídeos, mas tal não teve grande
impacto na sua fortuna, graças
à sua ‘marca’ de merchandising
e parcerias milionárias (como a
que mantém com a aplicação
de venda de bilhetes de espetáculos
Seatgeek).
Estes milionários podem
começar o seu negócio a partir
de casa e a qualquer idade,
com algumas permissões
necessárias dos tutores, caso
sejam menores. Para além de
PewDiePie, Dude Perfect e Jeffree
Star, o quarto youtuber
mais bem pago do ano será
Ryan Kaji, um rapaz de 8 anos
que começou a sua carreira
com vídeos em que se filma a
abrir e brincar com brinquedos
novos. Hoje a sua riqueza
feita através da plataforma da
Google é avaliada em 32 milhões
de dólares.
61
cultura
“Dune”, o início de uma
jornada épica
Foto: Warner Bros.
A adaptação de Denis Villeneuve é uma das obras cinematográficas mais
esperadas do ano. A longa-metragem conta com visuais
surpreendentes, dignos dos maiores ecrãs de cinema, para dar a
conhecer o futuro distópico, criado por Frank Herbert.
Crítica de:
Leonor Costa
O muito antecipado Dune, realizado
por Denis Villeneuve,
rapidamente se tornou um
sucesso nas bilheteiras de todo
o mundo. Esta longa-metragem
baseada na obra épica
de Frank Herbert, é a segunda
adaptação cinematográfica a
ver a luz do dia, após a versão -
considerada falhada - de David
Lynch, em 1984.
Muitos acreditam ser
impossível transportar para o
grande ecrã o livro de ficção
científica mais famoso de todos
os tempos, devido à riqueza e
complexidade do mundo criado
pelo escritor americano.
Porém, o realizador Denis Villeneuve,
que já nos deu a conhecer
a sua genialidade através
de projetos como Blade Runner
2049 (2017), O Primeiro Encontro
(2016) e O Homem Duplicado
(2013), aceitou o desafio
e, juntamente com o roteirista
Eric Roth, introduziu a ‘Duna’ a
toda uma nova geração.
E no que toca à apresentação
do universo de Dune
e dos principais personagens
da trama espacial, o realizador
franco-canadiano fez um
admirável trabalho. Denis Villeneuve
possibilitou que todos
aqueles que não tiveram a
possibilidade de ler a obra de
Herbert se situassem perfeitamente
no futuro distante de
10191.
Nos primeiros minutos
do filme, a misteriosa Chani,
interpretada por Zendaya, dános
a conhecer um pouco do local
central da história, Arrakis.
Este planeta, também conhecido
como ‘Duna’, é o lar dos
Fremen, o povo ao qual Chani
pertence e o único que consegue
sobreviver às condições
climáticas particulares do lugar.
O que torna Arrakis tão especial
é o facto de ser a única
fonte da especiaria mais importante
do universo.
Após um longo período
sob o controlo da Casa Harkonnen,
a ‘Duna’ começa a ser
governada pela Casa Atreides,
que aceita um convite do Imperador.
O Duque Leto (Oscar
Isaac), líder da Casa Atreides,
muda-se para o planeta Arrakis,
juntamente com a sua companheira,
Lady Jessica (Rebecca
Ferguson) e o seu filho, Paul
Atreides (Timothée Chalamet),
o herói da nossa história.
Ao contrário dos Harkonnen, a
Casa Atreides chega ao planeta
com o objetivo de criar uma
união e ajudar os Fremen. Contudo,
o pedido envenenado do
Imperador, vai trazer a ruína à
família Atreides e ao povo da
‘Duna’.
Num cenário mais negro,
Paul Atreides, um jovem inteligente,
lutador e com as capacidades
sobre-humanas que
herdou da sua mãe, um elemento
da organização Bene Gesserit,
é visto como o Kwisatz
Haderach, o messias que vai
salvar o futuro de Arrakis.
Ao longo do filme, somos
presenteados com uma
cinematografia grandiosa, que
nos transporta completamente
para um novo universo. A utilização
abundante de planos
abertos deixa clara a grandeza
dos espaços em relação às
personagens, que se tornam
frágeis ao lado das naves espaciais
colossais e das criaturas
Cultura
62
monstruosas que surgem nas
areias do deserto. Os cenários,
arquitetura, o vestuário e
adereços foram pensados ao
detalhe para refletirem a identidade
própria das diferentes casas
e planetas. Os tons quentes
de Arrakis contrastam perfeitamente
com o ambiente sombrio
e melancólico de Caladan,
o planeta mãe da Casa Atreides,
acentuando a mudança
da família e a necessidade de
adaptação a um lugar marcado
pela rigidez das condições
climáticas.
A acompanhar os maravilhosos
visuais da longa-metragem,
Dune dispõe ainda
de uma banda sonora ousada,
da autoria do aclamado compositor
musical Hans Zimmer.
Através da utilização de instrumentos
tradicionais e de
melodias experimentais e modernas,
Hans Zimmer consegue
o equilíbrio perfeito entre o
passado e o futuro. A banda
sonora captura na perfeição o
ambiente de Dune e deixa-nos
– literalmente - a vibrar.
Dune contou com um elenco
incrível para dar vida aos
personagens desta adaptação
do livro de Frank Herbert.
Através do complexo papel de
Paul Atreides, Timothée Chalamet
reforça o seu lugar como
um dos talentos mais fortes
e promissores na nova geração
de atores de Hollywood.
Rebecca Ferguson, que mantém
uma ótima dinâmica com
Chalamet, tem uma prestação
notável como a intimidante,
mas emocional Lady Jessica.
Oscar Isaac, no papel do
nobre Duque Leto, Jason Mamoa
e Josh Brolin, que interpretam
os guerreiros Duncan
Idaho e Gurney Halleck respetivamente,
também se destacaram
no grande ecrã com as
suas performances carismáticas.
Por sua vez, e apesar do
screen time limitado, Stellan
Skarsgård oferece uma arrepiante
atuação como o Barão
Vladimir Harkonnen, intimidando
qualquer um com a sua figura
sinistra conseguida através
de um fantástico trabalho de
caracterização.
Podemos então encarar
Dune como uma introdução à
história de Paul Atreides. São
duas horas e meia que passam
sem darmos por isso, onde
este incrível universo futurístico
é apresentado de forma fluída
e cativante. Os últimos trinta
minutos são o único ponto
negativo da longa-metragem.
O ritmo lento – que pode não
agradar a todos - foi essencial
para Villeneuve conseguir expor
todos os elementos que
permitem dar um sentido à narrativa:
desde o complexo contexto
político até à tecnologia
necessária para sobreviver no
deserto de Arrakis. Porém, a
última fase do filme acaba por
arrastar-se a passo de caracol,
criando antecipação para um final
impactante que acaba por
não acontecer. Após cerca de
três horas imersos neste mundo,
chegamos ao fim com a
sensação de que algo está em
falta.
Por outro lado, este final
em aberto acaba por ser
necessário para a história que
vai ser contada em duas partes.
Tal como Chani, a jovem fremen,
declara durante os últimos
segundos do filme: “This
is only the beginning” (“Isto é
só o começo.”).
A continuação desta
aventura épica já foi confirmada,
mas até termos a possibilidade
de voltar a acompanhar o
percurso destes personagens,
podemos afirmar com segurança
que Dune, nas mãos de
Denis Villeneuve, veio para
marcar o cinema de ficção
científica.
Foto: Warner Bros.
Perspetiva
o suplemento de
cutura
63
cultura
“Mundo Belo, onde estás”,
mais um sucesso
de Sally Rooney
O tão esperado terceiro romance da jovem autora é mais um sucesso da ficção
contemporânea. Sally Rooney não desilude ao abordar amizade, romance,
relações, sexo e o atual estado do mundo de uma maneira tão realista, que ainda
é novo.
Foto: LINDA BROWNLEE
Crítica de:
Maria Castro
Sally Rooney, de apenas 30
anos, lançou este ano Mundo
Belo, onde Estás, depois do
seu primeiro sucesso Conversas
entre Amigos (em 2017) e
Pessoas Normais (em 2018),
este último que contou com
uma adaptação para a televisão
pela Hulu. Pelos seus anteriores
romances, sabemos
que as histórias que a escritora
irlandesa aborda, com grande
êxito, exploram temas que a
geração millennial valoriza, pela
crua realidade de personagens
imperfeitas, de más decisões,
de relações menos estáveis e
de uma representação precisa
de personagens e sexualidade
queer.
Mas Sally não se fica por aqui:
os seus livros contam com
dinâmicas de classe entre as
personagens, temas como o
capitalismo, politica, relações
de poder e uma crua visão do
mundo atual. Neste livro, confirma-se,
pelas suas críticas ao
mundo da publicação, que esta
escritora não se fica por nada
que não seja o real.
“Mundo Belo, onde Estás”,
uma pergunta pertinente
para ser feita em 2021, conta
a história de Alice, uma escritora
irlandesa que ficou recentemente
internacionalmente
famosa com os seus dois livros.
Os paralelismos com a própria
autora são óbvios. A amizade
entre Alice e a sua colega de
faculdade Eileen é acompanhada
pelos romances das personagens
com Felix, um homem
que conhece na aplicação Tinder,
e Simon, um amigo de infância,
respetivamente.
Após o sucesso de Alice,
a escritora vai viver para o
campo. Ela não gosta da fama
que ganhou com o sucesso dos
romances e está a passar por
uma fase de incerteza e crise.
Com esta distância entre ela e
a sua amiga Eileen, que vive em
Dublin, podemos ler os e-mails
trocados por estas duas mulheres
e assistir às complexas
conversas que acontecem entre
elas. Do ponto de vista da
escrita, esta correspondência
é muito bem conseguida e extremamente
interessante.
As críticas às obras de
Sally Rooney são sempre as
mesmas, nomeadamente a falta
de enredo na história, mas
esta ausência já não deveria
surpreender os leitores. Sally
Rooney descreve de forma fascinante
a trivialidade de vidas
vulgares, e esse é o seu dom.
“Beautiful World, where are you” (Título em
Inglês)
Opinião
64
Jornalismo não é
crime
Editorial
Exatamente no dia 10 de
dezembro, data que marca
o Dia Internacional dos Direitos
Humanos, o tribunal
britânico autorizou a extradição
de Julian Assange
para os Estados Unidos. E
com esta decisão, o jornalismo
livre e independente,
sofre.
Desde 2019, que Julian
Assange se encontra na
prisão de alta segurança de
Belmarsh, em Londres. Antes
de ser detido, Assange
permaneceu exilado na embaixada
do Equador em Inglaterra,
durante 7 anos.
Após a mais recente deliberação
do tribunal inglês, o
criador da WikiLeaks corre
o risco de ser condenado
até 175 anos de prisão nos
EUA, onde é acusado de 17
crimes.
Espionagem e conspiração.
São estas as
acusações às quais Julian
Assange tem de responder
por ter cometido o “crime”
de publicar milhares de documentos
secretos que revelaram
as atividades militares
americanas na guerra do
Iraque e Afeganistão. Importante
destacar que entre
as várias informações partilhadas,
podemos encontrar
relatos de incidentes de
soldados norte-americanos
que resultaram na morte
de civis e relatórios que
mostram que os militares
teriam instruções para ignorar
atrocidades cometidas
pelas forças iraquianas. No
entanto, o real criminoso
é Assange, que se limitou
a cumprir o seu trabalho
como jornalista.
O que levou o tribunal
britânico a mudar a sua
decisão e a aceitar o pedido
de extradição, foi o compromisso
assumido pelos
Estados Unidos: oferecer
a Julian Assange um tratamento
humano. Dar um
tratamento humano ao jornalista
que tentam silenciar
durante anos, a bem ou a
mal... Como é que é possível
acreditar nas garantias
dadas por um país que
mostrou claramente que
a sua intenção não é fazer
justiça, mas sim destruir todos
aqueles que se atrevem
a colocar em causa a sua autoridade?
Isto não se trata apenas
de um ataque pessoal
feito ao criador da WikiLeaks,
trata-se de algo muito
maior e que pode ter consequências
preocupantes para
o jornalismo. Como jornalistas,
a nossa função é garantir
que todos os cidadãos
possuam acesso a informação
verdadeira e rigorosa,
de forma a conseguirem
criar os seus próprios juízos.
Somos uma peça fundamental
para revelar abusos
de poder e para promover a
responsabilização daqueles
que ameaçam a democracia.
O que está a acontecer
é um atentado à liberdade
de expressão e ao dever
de informar. A denúncia
de crimes de guerra, casos
de corrupção, de violação
de direitos humanos e outras
transgressões cometidas
pelos grandes detentores
do poder, como os
EUA, vai deixar os jornalistas
numa posição de perigo
constante, passando a correr
o risco de serem presos
ou condenados à morte. É
este o precedente que está
a ser criado e é urgente lutar
contra isso.
Julian Assange não é
um criminoso, é um jornalista.
E o jornalismo não é
crime.
Pontos de Vista
pontos de
vista
Redatores: leonor Costa, Maria castro,
Pedro Queirós e Sara Fernandes Santos
CONTACTO:PONTOSDEVISTAJORNAL@GMAIL.
COM
REDAÇÃO: Via Panorâmica, s/n
4150-564
Porto
65
Opinião
Vá em Paz e que o
Senhor o Acompanhe
Fernando Santos é um homem de fé. É a ela que se agarra quando
as coisas não correm como esperado. E é por isso que acredita que
o amanhã será sempre melhor. Esta fé deu-nos um Europeu e a Liga
das Nações. Depois disso, Deus abençoou o país com uma geração
talentosa de jogadores e foi atender outros fiéis… e o sucesso de
Fernando Santos foi com Deus.
Crónica de:
Pedro Queirós
Dizem as escrituras que Jesus
Cristo conseguiu multiplicar
o pão para saciar a
fome. Fernando Santos, feito
milagreiro no Euro2016,
consegue pegar na melhor
geração de futebolistas portugueses,
juntá-los e nem
fazer migalhas.
No que toca ao futebol,
Fernando Santos é
o verdadeiro conservador.
Jogar à bola é não sofrer
golos, depois alguém lá na
frente há de fazer o golito
para ganharmos. Em 2016,
apesar de parecer curto, até
se admitia porque Portugal
não tinha grandes opções.
Era limitada quando comparada
com os verdadeiros
favoritos. Portugal não jogava
bem, mas ninguém se importava.
Tanto que o nosso
hino era o “Pouco importa,
pouco importa se jogamos
bem ou mal”.
A Europa criticava o
nosso futebol, destacava
a nossa sorte e quase que
sentia vergonha por nos ver
como possíveis campeões
europeus. Nós, de barriga
cheia, cantávamos esta
música enquanto batíamos
no peito para demonstrar o
orgulho nacionalista. Jogar
bem? Para quê? Para fazer
golos só é preciso rematar à
baliza, isso de jogar bem fica
para a “Laranja Mecânica”
de 74 ou para o Brasil de 82.
Jogaram bem e perderam.
Mas Portugal ainda foi mais
longe… foi campeão europeu
com um golo do Éder.
Se é para calar os críticos, é
para fazê-lo com classe.
Fernando Santos
agarrou-se a isso com unhas
e dentes. O mister supersticioso.
Como aquelas
pessoas que ganham uma
aposta pela primeira vez e
repetem sempre esse modelo
como se fosse garantia
de sucesso. Não é. Não
é nas apostas e também
não é no futebol. Porque o
mundo evolui. E em cinco
anos o mundo e o futebol
evoluíram muito. O Messi
já não está no Barcelona; o
Ronaldo já passou pela Juventus
e voltou ao United e
imaginem… o Sporting voltou
a ser campeão.
Portugal tem agora
alguns dos melhores jogadores
do mundo. E nem
sou eu que o digo. É o
próprio selecionador. Então
o que temos de fazer
quando temos grandes jogadores?
Dominar os jogos,
jogar bem e ganhar. Ou pelo
menos tentar. Mas Fernando
Santos não gosta disso. O
pensamento do mister deve
ser “se temos os melhores
jogadores do mundo, toda a
gente espera que entremos
em campo para dominar o
jogo e ganhar. Então vamos
fazer o mais difícil, vamos
dar a bola ao adversário e
vamos ganhar na mesma”.
Não, caro engenheiro… não
é assim que funciona.
Eu sei que o meu
doutoramento em Football
Manager pode não ser suficiente,
mas ainda assim conheço
cadeiras em que o mister
chumbava. Para mim, é
básico que dar a bola ao adversário,
não procurar complementaridade
no onze
e castrar a qualidade dos
jogadores é meio caminho
andado para não ganhar. É
isso que você faz, Fernando.
Contra algumas seleções,
o futebol medíocre chega
para ganhar, mas começa
a ser cada vez mais difícil
porque no submundo já se
começa a saber o que é uma
bola.
E quando o futebol
que a seleção apresenta é
sofrível? Bem, na Irlanda
foi de sangrar pelos olhos.
Aqueles 90 minutos foram
um massacre. Que mal é
que nós lhe fizemos para
merecer aquilo? Espero que
quem foi ao estádio tenha
recebido o dinheiro de volta.
Ninguém paga para ver
um jogo sem balizas. E contra
a Sérvia? Dominámos o
jogo durante três minutos,
marcámos e depois… 87
minutos de sufoco que nos
mandaram para o play off
do próximo mundial.
Depois desse jogo,
Fernando Santos, com a
Nossa Senhora de Fátima
no pensamento, garantiu
que vamos estar no Catar,
no próximo ano. Pois bem,
eu não preciso que o treinador
me diga que vamos lá
estar. Esse papel é meu. Eu
é que tenho de ser o crente
e dizer aos meus amigos
mais descontentes e dizer
“Calma. Isto vai dar para
nós”. Do treinador, eu preciso
que ele me diga como
vai resolver o que está mal,
de que forma é que ele vai
conseguir que a bola não
chore no próximo jogo e
que a minha mãe não tenha
razão quando diz “Foi para
isto que mudaste de canal?
Ao menos deixavas ver se a
mulher ganhou a montra no
‘Gordo’…”.
Mister, agora importa
se jogámos bem ou mal
porque temos melhores jogadores
e somos favoritos a
ganhar as competições. Podia
tentar fazer um desenho,
mas ia correr quase tão
mal como as suas tentativas
de jogar com dois médios
de características defensivas
ao mesmo tempo.
Temos quatro meses
até ao play off e isso significa
que temos quatro meses
para contratar um treinador
que queira meter esta malta
a jogar o que sabe. É preciso
pagar a Fernando Santos
para ele ir embora? Obrigado
por 2016 e Deus lhe
pague… que eu não tenho
dinheiro.
Opinião
66
9 contra 11 e no fim
ganha a vergonha
Na noite do passado sábado, a sociedade portuguesa foi
presenteada com um episódio muito especial do futebol português.
O grande protagonista foi um surto de COVID-19, que mais uma
vez concentrou os prestigiados opinadores portugueses em torno
do desporto-rei. A injustiça e a vergonha destacaram-se num enredo
que mistura intervenientes da “sexta melhor liga de futebol do
mundo” e as autoridades governamentais e sanitárias do país.
Opinião de:
Sara Fernandes Santos
O jogo estava marcado para
as 20h30. Vinte e quatro
horas antes, os telejornais
– dominados pela nova variante
ómicron – noticiaram
que havia um surto de
COVID na equipa da B-SAD.
Quer dizer, quase todos
falaram em “Belenenses
SAD”, mas parto do princípio
que são pessoas que se
esquecem da existência do
Campeonato de Portugal e
não sabem que é lá que joga
o único Belenenses do país.
O presidente da
B-SAD tranquilizou adeptos
e jornalistas e garantiu que
a equipa ia a jogo, nem que
fosse preciso chamar jogadores
da equipa de sub-
23. Mas a palavra de Rui
Pedro Soares, perito em
criar polémicas e em faltar
à verdade, não foi cumprida.
Enquanto que o colossal
Benfica tinha onze das
suas estrelas em campo, o
polémico B-SAD apresentava
apenas nove. E não eram
nove jogadores quaisquer:
eram habituais suplentes e
reservas que o maldito vírus
poupou.
A ação dentro das
quatro linhas começou com
um autogolo de um desafortunado
Kau, para satisfação
daqueles que achavam
que estavam a assistir a
uma “negociata”. Seguiramse
mais seis golos da equipa
visitante, que foi impedida
de aumentar o saldo: a segunda
parte começou apenas
com sete jogadores
da B-SAD (o número mínimo
exigido a uma equipa)
e terminou ao fim de dois
minutos, após um dos sobreviventes
se deixar cair
no relvado, simulando uma
lesão.
Considero que a importância
dada às questões
do chamado “tugão” é excessiva
na maioria das vezes,
mas neste caso, estou
em completo desacordo.
O que se passa no futebol
é reflexo daquilo que
fazemos nas nossas vidas, e
o que aconteceu neste jogo
é disso exemplo. Não podemos
deixar passar em claro
a falta de verdade desportiva
destes quarenta e sete
minutos, nem o escandaloso
exemplo dado por todas as
autoridades envolvidas –
quer desportivas, quer sanitárias.
O encontro seguiuse
fora de campo com um
inquietante jogo da batata
quente. Inicialmente, a responsabilidade
da decisão
final foi atribuída ao delegado
de saúde. Na conferência
de imprensa, em vez de
ouvirmos os treinadores,
tivemos dois presidentes a
acusar a Liga de Clubes de
obrigar à realização do jogo,
apresentando como alternativa
um castigo à B-SAD por
algo que a instituição não
controla.
Ouvimos a diretora-geral
de Saúde a limpar
as mãos das autoridades
sanitárias, afirmando que
fizeram tudo o que lhes
competia e que a decisão
final cabia à Liga. A Liga,
sentenciada pelo Tribunal
Popular da Sensatez como
a grande culpada de todo
este imbróglio, assegurou
que se limitou a cumprir o
que está no regulamento
da competição. E ainda temos
um assumir de parte da
culpa pelo sempre sensato
Rui Pedro Soares, que após
solicitar a repetição do jogo
em nova data, confessou
que devia ter pedido o adiamento
“mais cedo”.
Tendo em conta que
os regulamentos são votados
e aprovados pelos
clubes, será que a culpa se
deve apenas à insensatez
da Liga, que só se preocupa
com os lucros e com a elevação
da imagem internacional
do campeonato? Ou
devemos continuar a ignorar
o egoísmo dos clubes,
que como qualquer banal
ser humano, apenas se lembram
de apelar ao bom senso
perante decisões que os
próprios tomaram quando o
feitiço se vira contra o feiticeiro?
E num país em que se
torna cada vez mais difícil
controlar os comportamentos
da população perante a
ameaça do vírus, como é que
a inação da Direção-Geral de
Saúde vai ser interpretada?
Certamente que os adeptos
se lembram de casos como
o Feirense-Chaves, cancelado
depois da hora marcada
com os jogadores já em
campo, ou do adiamento do
Sporting-Gil Vicente por existirem
surtos pandémicos
nas duas equipas. Ficamos
com a sensação que é correto
que uma autoridade
sanitária se deva subjugar
às vontades uma entidade
desportiva, tal como os
portugueses acham que
discutir arbitragens é mais
pertinente do que debater
políticas nacionais.
A imprensa internacional,
sobretudo a espanhola,
fez questão de noticiar
este jogo como sendo “o
jogo da vergonha”. Num
país em que existem diferenças
abismais entre equipas,
e em que somos constantemente
confrontados
com casos de corrupção
no desporto, não me surpreende
que tenha sido
possível acontecer tamanha
confusão. É como se costuma
dizer: “11 contra 11 e
no final ganha a Alemanha”.
Desta vez, foram 9 contra
11, e ganhou a vergonha.
67
Opinião
Mark Zuckerberg: o
vilão numa ficção
distópica
Mark Zuckerberg, empresário bilionário que inventou o
Facebook, revelou recentemente a mudança de nome da
sua empresa para “Meta”. E numa nota mais sinistra, anunciou
a criação do “Metaverse”.
Opinião de:
Maria Castro
A sua reputação em geral e
o seu cadastro com as falhas
na política de privacidade
não me inspiram confiança,
isto é, para não dizer que
não confio nele de todo.
Mas agora, num pequeno
vídeo de 1 hora e
17 minutos, o próprio Mark
mostra-nos o que podemos
esperar da sua empresa
e do “Metaverse”. Uma
tecnologia que o New York
Times apelidou de terra de
sonhos tecnológica e utópica,
onde o mundo físico e
virtual se fundem com o uso
da tecnologia desenvolvida
pelo Facebook e óculos de
realidade virtual.
O vídeo é no mínimo
bizarro, e mais uma vez, o
comportamento de Zuckerberg
foi alvo de chacota
sendo um dos “memes” favoritos
da Internet, mas isso
agora não interessa. O que
me sobressai mais é a sua
confiança em apresentar
esta nova tecnologia quase
como uma solução a problemas
comuns de comunicação
e de empresas que
dependem da tecnologia
para, por exemplo, o teletrabalho.
Antes de passar
à parte negativa do
“Metaverse”, quero relembrar
brevemente que há óbvios
benefícios da Internet
e da tecnologia para a qual
o criador do Facebook contribuiu.
E é claro que a possibilidade
de estarmos todos
ligados, em qualquer parte
do mundo e com qualquer
pessoa, é das qualidades
mais positivas que a tecnologia
deu ao sentido de
“comunidade”. Mas Mark
Zuckerberg levou esta ideia
um pouco longe demais. É
por isso que acho que os bilionários
estão lentamente a
perder a cabeça e o conceito
de “realidade”.
Quando o protagonista
do vídeo nos fala sobre
“horizon home”, a ideia de
criar uma casa virtual no
espaço “Metaverse”, para
além de não ser nada original,
é a confirmação de
todos os filmes distópicos
sobre a realidade virtual vir
um dia a substituir a nossa.
A ironia de criar um espaço
numa realidade virtual,
quando na realidade é
cada vez mais caro e difícil
arranjar um espaço próprio,
num mundo supostamente
sobrelotado e onde vemos
uma crescente implementação
de construções preventivas
de sem-abrigo nas
ruas, relembrando-nos que
nada é nosso, Mark apresenta
a solução: a casa virtual.
Suponho que não se
esteja a recordar que precisamos
de uma casa real, com
uma conexão decente de
Wi-Fi para colocarmos uns
óculos e irmos até ao nosso
novo lar irreal.
Ele apresenta-nos
este mundo virtual em que
nos podemos encontrar
com alguém do trabalho,
como se estivéssemos na
empresa, e onde podemos
socializar em tempo real.
Soa-me contra-intuitivo criar
um mundo virtual em que
podemos experienciar estar
rodeado de pessoas sem o
estarmos realmente. E se -
é só uma ideia -, tivéssemos
mais tempo fora do contexto
de trabalho e pudéssemos
rodear-nos fisicamente de
pessoas que vivem perto de
nós, que trabalham connosco
ou até que conhecemos
a partir de uma rede social,
como o Facebook? É que
nem parece que saímos recentemente
de um confinamento
sanitário mundial,
e que qualquer estudo ou
estatística revela os efeitos
negativos na saúde mental
desta época.
De facto, o mundo
precisa de bons recursos
tecnológicos para comunicar
quando não é possível
estarmos juntos, e claro, a
ideia de uma videochamada
ser o mais realista possível
é boa. Mas não consigo
deixar de pensar porque é
que não temos mais possibilidades
de o fazer pessoalmente.
Se não podemos
sair de casa devido a uma
pandemia, ou a sobrecarga
de trabalho não deixa tempo
livre de descanso e socialização,
longe dos ecrãs
e dos óculos de realidade
virtual que o Mark tanto nos
quer forçar, para o dono
do “Meta”, a solução não
passa por resolver os problemas,
mas sim por passar
mais tempo nos ecrãs.
Parece que ele esperou que
as pessoas estivessem literalmente
fartas de estar
em casa, para inventar um
universo que simula quase
perfeitamente a realidade,
enquanto estamos no desconforto
do nosso lar.
“Metaverse” é a
solução para um problema
que não temos. Não precisamos
que introduzam a tecnologia
“interaction SDK”,
interações virtuais com as
nossas mãos nas aplicações
da inteligência artificial, ou a
tecnologia “cambria”, a capacidade
do nosso “avatar”
fazer expressões em tempo
real, ou melhor ainda, “contacto
visual natural”, porque
já temos as verdadeiras
versões dessas “interfaces”!
O “Metaverse” está
altamente focado no mercado
de trabalho e em
apresentar soluções para
o teletrabalho, que com a
pandemia apercebemo-nos
que, em alguns casos, está
aqui para ficar devido aos
seus benefícios para várias
empresas e trabalhadores,
mas também muitos impedimentos.
Porém a descrição
é contraditória, com o uso
excessivo de vocabulário
como “presença”, “conexão”,
“partilha de espaço físico”
ou “interações com colegas”,
e estranha, porque
o que ele propõe para o futuro
da economia é a ausência
de presença.
pontos de vista
cartoon
“Toda a Mafalda”, Quino
Será o Hitler?
Salazar? É a covid!
Crónica de:
Pedro Queirós
Os números de infetados e
mortos devido à covid-19
começa, outra vez, a subir.
O desconfinamento criou a
falsa de ilusão de estar tudo
bem e não posso condenar
esse grupo de pessoas, em
que eu me incluo. À medida
em que o país avançava no
desconfinamento, uma simples
ida ao café, ao estádio
ou ao shopping começou a
ser feita cada vez com mais
ligeireza. Hoje em dia, a máscara
já mais um acessório do
que uma proteção e a desinfeção
das mãos já faz parte
da higiene pessoal. Mas
estamos em Portugal, país
que obriga o uso de máscara
em jogos de futebol
mas que abdica dela para
discotecas. Não sei qual é
a lógica, mas desde o início
da pandemia que o “bicho”
sempre discriminou a noite,
portanto agora deve estar a
recompensar. No fundo, as
medidas anti covid nunca
foram para o comum mortal
perceber, são apenas para
respeitar.
A tão esperada vacina
chegou. Aí, Portugal foi
exemplo. E ainda bem. O
vice-almirante pegou nisto
e pôs tudo em ordem. Não
teve direito a uma Champions
League, mas ainda
sacou um Globo de Ouro.
Estou em crer que alguns
negacionistas boicotaram
a SIC, outros devem achar
que o vice-almirante controlou
a entrega dos prémios
através do micro chip
da vacina e acredito que há
mesmo quem garanta que o
viu sair com o globo colado
ao braço.
Alguns países
começam a apertar as medidas
para combater a escalada
de casos e a bater
com força nos não vacinados.
Mas como? Recolher
obrigatório e teletrabalho?
Não. Isso foi da primeira
vez. Isto funciona como o
jardim de infância. Ou fica
resolvido à primeira ou vai
tudo para o quarto escuro.
A Austrália está a
enviar os não vacinados para
campos de quarentena. É
parecido com uma história
que já ouvi em qualquer
lado… Outros países na Europa
estão a proibir que os
não vacinados vão a supermercados,
centros comerciais
e hotéis. Provavelmente
será melhor conseguir identificá-los
à primeira, talvez
uma braçadeira com uma
estrela… Aguardo que na
Holanda, onde também já
começam a ser implementadas
algumas medidas, surja
uma Anne Frank escondida
e não vacinada que esteja a
escrever um diário.
Vamos ser sinceros.
É preciso conter a propagação?
Muito bem. Eu não
sou médico, não sou especialista
portanto aceito o
que a comunidade especializada
me indicar. Mas não
me sinto mais seguro por
manterem os não vacinados
longe de mim. É certo
que grande parte dos casos
registados são de não
vacinados, mas ninguém é
obrigado a ser vacinado. A
partir daí, cada um tem de
conviver com as suas escolhas.
Contudo, ninguém
deve ser colocado de parte
por recusar a vacina. Se dão
a opção, há duas hipóteses:
sim e não. Claro que é exagerado
comparar esta situação
com as ditaduras do
século XX, mas não me lembro
de outra situação que
tenha dividido a sociedade
desta forma.
onde todos os
factos contam