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Perspetiva

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janeiro 2022

Perspetiva

Eu gostava de ser o

primeiro

comediante

português a ter

um especial de

comédia em

inglês na Netflix

ANDRÉ DE FREITAS

CLÁUDIA PASCOAL

Quero mudar a

minha sonoridade mais

um

pouco,

atualizar o que sou

agora

K-POP

O fenómeno BTS

PIRANHA

Somos a prova

que a decadência

dos CD’s não

existe

Paustorch


entrevista

Texto por Pedro Queirós e Sara Fernandes Santos

2

3

entrevista

Cláudia Pascoal

7

cultura

Piranha: “Somos a prova que a

decadência dos CD’s não existe”

8

humor: opinião

O Humor que nos Une

10

música: opinião

“californian soil” É um território

que junta o velho e o novo

11

perfil

BTS: um fenómeno a quebrar barreiras

14

entrevista

André de Freitas

23

top 5

Os nossos melhores de 2021

Cláudia Pascoal: “quero mudar a minha

sonoridade mais um pouco, atualizar o

que sou agora”

Cláudia Pascoal é um dos nomes

em ascensão no panorama

musical português. A jovem

artista e cantora de 27 anos,

natural de Gondomar, começou

ainda mais nova no mundo da

música. Nesta entrevista, partilha

com o Pontos de Vista algumas

experiências que fizeram

de si a artista que é hoje, fala

sobre alguns pontos vitais da

sua carreira e como é trabalhar

com alguns dos seus ídolos no

seu novo álbum.

Pontos de Vista: Desde cedo

que começaste a mostrar interesse

pela música, aos 15 anos

começaste a tocar guitarra.

Como é que surgiu esse entusiasmo?

Cláudia Pascoal: A minha aproximação

com a música deve-se

muito à facilidade. É muito fácil

tirar alguma coisa do público,

representando como músico. Ou

seja, há várias formas de comunicar

com as pessoas, por exemplo

a comunicação por escrita,

como vocês estão a fazer, e

achei que a música era uma forma

de ter reações imediatas e

causar felicidade momentânea.

Acho que a música vem muito

a partir desse motivo, de comunicar

muito rapidamente com

alguém.

E quando é que te apercebeste

que querias que a música fosse

o teu futuro?

Isso de a música ser um futuro,

acho que em Portugal não é

uma ‘cena’… [risos] acho que a

música não é o futuro para ninguém!

Neste momento estou

muito comprometida a finalizar

o segundo álbum, e a mostrar o

trabalho musical que tenho feito

com a minha equipa, os meus

produtores e músicos, mas a

verdade é que a vida é feita por

várias coisas. Neste momento

estou com três empregos, é um

bocado essa dinâmica a que existe

em Portugal. Mas, honestamente,

o maior incentivo vem da

minha agência, que me propôs

gravar um álbum e eu pensei

“agora isto é para fazer a sério,

bora lá fazer uma coisa com pés

e cabeça e concentrar todas as

minhas forças em compor música”,

portanto, deve-se muito às

pessoas que tenho à minha volta.

Quando surgiu esta oportunidade

de fazeres música, neste

caso o álbum, alguma vez tinhas

pensado, antes disso, ter outro

tipo de carreira profissional ou

foi sempre ligado às artes?

De alguma maneira, fui sempre

ligada às artes. Estudei áreas

que nada têm a ver com música,

depois envolvi-me muito na

comunicação, a partir do Curto

Circuito, onde estive a trabalhar

algum tempo e gostava muito

dessa vertente. Mas sim, eu acho

que vai variando entre a comunicação,

a música, o audiovisual,

a edição, a produção. Nunca

saí muito deste meio… até a tatuagem

está ligada à vertente

artística.

No fundo, para ti, a música é

como se fosse uma conjugação

de duas áreas das quais sempre

gostaste…

Sim, a música desenvolve em

mim várias coisas que eu gosto

de fazer, não só com produção, 3



realização, edição, e depois a

música e a comunicação, quando

é nos palcos. É quase um bom

ponto de encontro de todas as

coisas que gosto de fazer.

Apesar de teres participado no

programa Ídolos em 2010, foi

apenas 5 anos depois que conseguiste

ganhar algum reconhecimento

no programa, mesmo

não tendo chegado aos 12 finalistas.

Depois em 2017, participaste

no The Voice, onde chegaste

aos semifinalistas. Como

é que foram estas experiências

e que importância tiveram para

o desenvolvimento do teu percurso?

Eu sempre me candidatei a estes

programas no intuito de me

aproximar cada vez mais da área

da entrevista e da apresentação,

nunca foi para me aproximar da

área musical, porque eu sempre

vi estes programas muito mais

ligados a esse potencial do que

propriamente à música.Apesar

de ser um programa musical, é

um talent show acima de tudo.

As pessoas estão a ser testadas

a nível de comunicação, às vezes

mais até do que a parte musical,

eu acho. Participei sempre

com esse objetivo, mas de facto,

depois do The Voice, aquilo

ganhou proporções um bocadinho

diferentes do que estava à

espera no facto de correr bem

e chegar até bastante longe no

programa. A partir daí, desenrolou

toda uma série de oportunidades

que eu não estava

nada a contar. Acredito que é a

melhor escola para ‘levares porrada’,

sais lá pronto para tudo,

e acima de tudo – isto parece

um clichê mas é verdade – sais

de lá com pessoal muito ‘fixe’ na

tua vida. Os meus melhores amigos

ainda são do The Voice. É a

parte mais bonita, agarrar essa

oportunidade para te motivares

a ser alguém melhor ao lado de

pessoas também muito ‘fixes’.

E achas que o teu percurso teria

sido muito diferente se tivesse

conseguido ganhar o programa?

Honestamente, só no sentido

de ter um carro! [risos] O maior

prémio que se pode ter do The

Voice é a Universal Music olhar

“Apesar de ser um

programa musical,

é um talent show

acima de tudo.”

para ti, e isso eu também tive

de outra forma, a partir do Festival

da Canção. Eles repararam

em mim e continuei a trabalhar

com eles. Acho que vai dar um

bocado ao mesmo. Não estava

nos meus planos ganhar o The

Voice, para mim era uma fantasia

‘mega’ gigante, não fazia

sentido. Fui só mesmo chamar a

atenção das pessoas certas com

quem queria trabalhar e isso felizmente

aconteceu.

Falaste agora no Festival da

Canção, para o qual a Isaura

convidou-te para seres a intérprete

da canção dela, em 2018.

Como surgiu esse convite?

Eu acho que foi por Facebook

ou Instagram, por mensagem…

ela estava a fazer zapping e apareceu-lhe

a minha prova cega,

ou outra prova, já não me lembro

bem qual foi. Ela achou que podia

encaixar na canção que tinha

para representar no Festival da

Canção, fui ter com ela a Lisboa

e a coisa deu-se de uma forma

muito natural.

A vossa música era uma das

favoritas, e vocês alcançaram

Cláudia e Isaura no Festival da Canção

(Foto: Ricardo Meireles)

o segundo lugar da semifinal,

ficando apenas atrás da música

do Diogo Piçarra, que era o

favorito à vitória. Porém, após a

desistência dele, vocês passaram

a ser as grandes favoritas.

Pensavas que a vossa música

podia ganhar o Festival, ou foi

algo que te surpreendeu?

Isso é muito subjetivo, depende.

Não faço a mínima ideia, do que

é que seria se uma coisa ou outra

acontecesse. Se eu tivesse

levado um vestido cor de rosa,

será que eu tinha ganho por fazer

pandã com o meu cabelo? Se

calhar não, não fazia sentido e as

pessoas não iam gostar. Eu acho

que é muito subjetivo, mas ainda

bem que as coisas ficaram como

correram e tive que partilhar

aqueles meses muito intensos

com a Isaura. Foi uma experiência

de uma vida.

Como foi representar Portugal

na Eurovisão, sobretudo tendo

em conta que foi no ano em que

o festival foi em Lisboa, depois

da vitória do Salvador Sobral

em 2017?

A Eurovisão foi a continuidade

de um The Voice, dos Ídolos. É

todo um processo para chegar

a um sítio, a um local confortável,

onde eu possa ter verdadeiramente

voz e fazer as coisas

como idealizo, escrevi ou compus

com a equipa que eu sempre

sonhei trabalhar. Nesse sentido,

é bastante positivo. Representar

o país é sempre uma honra do

‘caraças’ que eu nunca vou esquecer

e que poucas pessoas tiveram,

isso foi claramente épico.

A partir daí, foi continuar a construir

a pessoa que eu gostava

de ser, porque na verdade, até

lá, ainda não tinha dito quem é

que eu era. Eu não era a Cláudia

Pascoal, estava a representar

uma música que me foi pedida

para cantar. A diversão começou

quando aquilo acabou e comecei

a trabalhar no meu próprio projeto

a solo.

Imagina que a RTP te voltava a

convidar, enquanto autora, para

participar no Festival

da Canção e que

acabavas por ganhar.

Gostavas de

repetir a experiência?

Já me convidaram.

Eu estive quase

para ir este ano,

mas neste momento

tenho muito trabalho

em mãos e

não tenho mesmo

tempo. Gostava de

voltar como autora

e fazer um bocado

aquilo que a Isaura

fez por mim, levar

alguém em quem eu

acredito e adoro, a

interpretar a minha

canção, e a partir

daí construir alguma

coisa. Se calhar,

levar essa pessoa

para outro sítio em

que possa ter mais

voz do que tem agora.

Gosto muito

dessa premissa, é

dessa forma que eu

vejo o programa.

Todos os anos estão

lá pessoas que

não conhecias, que

de repente têm uma

voz gigante. Aconteceu isso com

o Neev, ninguém sabia quem era

o Neev e de repente [ele] estava

a fazer capitólios. Não ponho de

parte essa oportunidade, e vai

acontecer.

No teu primeiro álbum a solo,

trabalhaste com um conjunto de

grandes artistas da música portuguesa,

como David Fonseca,

Tiago Bettencourt, Samuel Úria,

entre outros... Como foi esta

oportunidade de trabalhares

com artistas que sempre admiraste?

Foi muito bonito. Como disse

antes, quando me deram a

oportunidade de fazer o que eu

realmente queria, não hesitei em

convidar as pessoas que sempre

admirei a minha vida toda.

Tive a grande felicidade de toda

a gente dizer que sim. Basicamente

convidei os meus ídolos,

as pessoas que eu admiro imenso

para trabalhar comigo, o que

deu um álbum que eu amo e que

(Foto: Instagram de Cláudia Pascoal)

sei que vou amar durante muitos,

muitos anos.

O que é que te inspirou a escrever

este álbum?

A inspiração vem um bocadinho

das coisas do nosso dia a

dia. Este primeiro álbum tem

muita recolha de várias músicas

de outros artistas, de outros

compositores que eu gostava.

O primeiro passo foi esse, foi

perceber mais ou menos o que

queria também com a entrega

da arte de outros artistas e

a partir daí comecei a perceber

mais ou menos o caminho.

Depois as minhas músicas, as

minhas composições, são desabafos.

Para o bem e para o mal.

De uma forma irónica ou não.

São coisas muito verdadeiras da

minha vida que eu fui desabafando

em canção.

Quando concorreste ao The

Voice, tinhas uma banda de

originais em inglês, os Morhua,

mas as canções do teu álbum

estão todas compostas em português.

Para ti, em que língua é

mais fácil escrever?

Mais fácil e mais imediata é inglês,

eu acho. Soa sempre bem.

Tudo o que se diga soa sempre

bem. Em português é muito

difícil não parecer parolo. Então,

há uma exigência maior entre o

4 5



equilíbrio de não dizer as coisas

super óbvias, tipo de caras, e

também não dizer algo de uma

forma tão poética que não se

perceba o que o artista está a

dizer. Poucas pessoas o conseguem

fazer bem. Portanto, esse é

para mim o maior desafio: passar

a mensagem, mas não de uma

forma super literal.

A tua música tem uma identidade

muito própria. São

canções com humor onde

abordas com leveza e descontração

temas com os quais nos

conseguimos relacionar. Como

é que desenvolveste esta tua

identidade sonora?

Isso para mim é o mais difícil.

Recolher músicas e perguntar

às pessoas se querem entrar no

álbum é a parte mais fácil. A parte

mais difícil é quando se quer

comunicar alguma coisa que

seja super autêntica, mas que,

de facto, ainda não foi inventada.

Temos que ser nós a criar.

A minha maior carta, para jogar

este jogo da música, é de facto

as ideias. A nível prático, não

tenho assim tantas capacidades

como isso porque música nunca

foi a minha base académica. Portanto,

tive mesmo que recorrer a

muitas pessoas para perceber o

que queria. Foi um bocado tentativa-erro.

E aí o Tiago Bettencourt

teve um trabalho muito árduo

e com muita paciência para

estar muitos dias seguidos em

estúdio comigo para perceber

exatamente a sonoridade que eu

queria. Agora, na verdade, estou

a passar pelo mesmo processo

porque quero mudar a minha

sonoridade mais um pouco, atualizar

o que eu sou agora, com

o David [Fonseca], que também

está a ser bem difícil e demorado.

A juntar à música, também a

tua imagem é única. Sentes que

a imagem é importante na tua

forma de te expressar como

artista?

Acho que sim. Acho que também

é uma parte gritante do que eu

sou. Porque, de facto, tenho a

dizer que a minha imagem é um

bocadinho peculiar, se calhar.

Por causa das cores… E a minha

imagem tem um bocado de estar

equivalente com o que eu estou

a fazer, com o que eu estou a

dizer. Eu acho que ser artista é

quase um pack completo da maneira

como se escreve, comunica

e como se partilham as coisas.

Até nas redes sociais, a forma

como se anuncia um novo single

é essencial para as pessoas

perceberem quem é [o artista] e

a sua personalidade. O artista já

não é só quem marca concertos

e vai para palco, agora tem que

pensar numa série de coisas que

antes não existiam.

Mais recentemente, lançaste o

single “Fado Chiclete”, onde

voltas a marcar a tua irreverência

como artista. O que é que

nos podes dizer acerca deste

fado?

Este fado é um não fado. Esta

música partiu da ideia de um videoclip

que eu tinha. Gostava muito

de escrever um fado, mas eu

acho que sou a pessoa menos

fadista que existe em Portugal.

Toda eu corporalmente e visualmente

parece que não cola com

o fado. Portanto, eu tentei criar

um não fado à minha maneira,

onde os acordes e as frases

melódicas estivessem a bater

certo com os fadinhos ou os corridinhos

recorrentes de Portugal,

mas depois a nível sonoro e de

produção nada tem a ver e tem

um ambiente mais contemporâneo,

vamos dizer assim.

Para além disso, também tiveste

a oportunidade de realizar

e produzir o videoclip

deste novo single. Já tinhas

explorado essa vertente na colaboração

que tiveste com o

Miguel Araújo (Estou por tudo)

e também no vídeo da tua música

Quase Dança. Esta é outra

das tuas paixões?

Sim. A minha área de estudo

académico foi cinema, que pus

sempre muito de parte. Fui para

cinema porque era outra forma

de comunicar com as pessoas,

mas é uma forma muito demorada

e, em Portugal, é muito difícil

ter acesso a financiamentos e

a meios para concretizar ideias.

Depois, devido à COVID-19,

como as coisas musicais estavam

muito paradas e não havia muito

mais espaço para financiar ou

para promover novas canções,

decidi fazer o videoclip para as

músicas do primeiro álbum. A

Quase Dança correu muito bem

e, a partir daí, felizmente, eu e

o meu amigo Ricardo Leite, que

estudou comigo, temos sido

muito solicitados para fazer videoclips

para outros artistas. Tem

sido divertido.

Quando lançaste o álbum, o

mundo estava a viver um confinamento

global pela primeira

vez. A tua primeira tour teve de

ser reagendada por causa da

pandemia, tendo começado depois

do previsto e sofrido uma

paragem abrupta devido a um

novo confinamento. Como foi

lidar com estes contratempos?

Foi muito complicado. Como

todas as outras profissões que

exigem um grande financiamento

da parte do artista e que dependem

da compra e do acesso

do público, é um bocado difícil

quando esse acesso é completamente

interrompido. Ainda

para mais quando era a minha

grande estreia em nome próprio.

A minha tour foi toda cancelada.

Mas, honestamente, ainda bem

que o fiz. Foi das melhores decisões

da minha vida ter lançado

o álbum e não o ter guardado

como muitos artistas fizeram e

só lançaram agora. Isso é uma

dor, parece que a vida está estagnada

e não continua. Ainda

bem que lancei. As pessoas conseguiram

ouvir-me em casa, não

ouviram em concerto, mas ouviram

em casa. E acho que, apesar

de tudo, o álbum teve assim um

cantinho muito fofinho na nossa

comunidade e abriu portas para

este segundo álbum.

Quais são os teus planos para o

futuro?

Continuar a gerir a minha carreira

na realização e na produção,

que são duas áreas que eu fiquei

a adorar e a fazer muito a sério

e, claro, a conclusão do segundo

álbum e o lançamento do mesmo.

Podes desvendar mais sobre

esse projeto?

Não. Está a ser feito. Tudo o

resto, vou vendo com a maré do

tempo. Quando tiver coisas fixes,

eu anuncio.

cultura

Texto por Leonor Costa

Após 26 anos com as portas

abertas, a loja de música independente

continua a ser um

lugar de referência para os

apreciadores do estilo “underground”.

Passavam poucos minutos da

hora de abertura da pequena

loja de música no Centro Comercial

Parque Itália, quando o

primeiro cliente do dia entrou

para recolher a sua encomenda.

Miguel Teixeira, dono da Piranha,

cumprimenta o cliente - que

parece ser habitual-, de forma

amigável e não hesita em partilhar

recomendações e novidades

da loja, enquanto procura

a encomenda no meio de tantas

outras. A verdade é que, após

26 anos com as portas abertas,

Miguel já está familiarizado com

os gostos e as preferências de

quase todos os seus clientes.

Miguel Teixeira decidiu abrir a Piranha

a 1 de dezembro de 1995,

um projeto que resultou da paixão

pela música que sempre fez

parte da sua vida. Antes da Piranha,

Miguel já tinha uma forte

Montra da Loja Piranha (Foto: piranhacd.coml)

Piranha: “Somos a prova que a decadência

dos CD’s não existe”

Numa era digital, onde é cada

vez mais prático aceder de forligação

à música e à sua vertente

mais underground: durante mais

de 10 anos teve um programa

na Rádio Nova Era, o “Arco do

Cego”, e criou ainda a fanzine

“Peresgótika”, que esteve em

distribuição “seguramente década

e meia”.

Miguel T. reconhece que a Piranha

se dedica a “um target específico”.

É um pequeno paraíso

para todos aqueles que apreciam

a música underground e, especialmente,

metal, o estilo que

Miguel considera ser rei na sua

loja. Entre CDs, vinis, cassetes,

DVDs e revistas, quem entra na

Piranha não sai de mãos a abanar.

A oferta é variada e vai desde

edições mais raras e limitadas

até às mais clássicas e conhecidas.

Um fator que contribui para esta

variedade nos produtos da Piranha,

é o facto de a loja também

vender material em segunda

mão, o que para Miguel é uma

vantagem: “Os usados, para

nós, são muito importantes,

porque temos pessoas que vêm

de propósito aqui, uma ou duas

vezes por semana, só para ver

o que entrou de novo nos usados,

para ver se encontram algo

raro ou que está descontinuado,

que saiu fora do catálogo ou que

está à venda em sites a 30 ou 40

euros, e aqui arranjam de uma

forma mais barata”, partilha ao

jornal Pontos de Vista.

No entanto, a extensa oferta

da loja de música não é motivo

para deixar o cliente indeciso na

sua compra. Apesar de a maior

parte dos clientes da Piranha

terem já em mente aquilo que

pretendem comprar, Miguel T.

explica que os colaboradores

estão sempre preocupados em

orientar o cliente de acordo

com os seus gostos: “Os nossos

clientes, normalmente, são clientes

que sabem o que querem,

bem informados, e nós estamos

aqui como uma espécie de musical

personal trainers. A nossa

obrigação é aconselhá-los e

mostrar-lhes coisas novas”.

Sobreviver à ameaça do formato físico

6 7



ma rápida e simples a todos os

géneros musicais através das

plataformas de streaming, como

é que as lojas independentes,

cujo único produto é a música

em formato físico, conseguem

sobreviver?

Para Miguel Teixeira, a Piranha é

a prova de que é possível ultrapassar

as dificuldades impostas

pelo desenvolvimento tecnológico:

“Estamos aqui há 26 anos

e continuamos a vender CDs e

vinil”. Segundo Miguel, a Piranha

continua a vender “cerca de 75

a 80% em formato físico CD e o

restante em vinil”. Mesmo nos

3 meses que sucederam a reabertura

da loja após o primeiro

confinamento geral, Miguel T.

fala num “boom de vendas inimaginável”.

Porém, reconhece

uma descida na venda da música

humor: opinião

Texto por Pedro Queirós

O Humor que nos Une

em formato físico, apontando

que, nos finais da década de 90

e início de anos 2000, “faturava

6 ou 7 vezes mais”.

O dono da Piranha destaca ainda

a desvalorização das grandes

superfícies em relação à música

em formato físico como um

fator que contribuiu para a

decadência da mesma. “Para

eles, é como vender outra coisa

qualquer. Vais lá comprar um

frigorífico, um livro ou um tablet

e por acaso tem lá CDs... Isso é

a globalização no seu melhor e,

neste caso, no seu pior”, declara

ao Pontos de Vista.

A lealdade dos clientes foi um

elemento essencial para a resistência

da Piranha. Miguel T.

volta a reforçar o facto de a Piranha

ser uma loja dedicada a

um nicho, principalmente a colecionadores

que, para além de

valorizarem a música em formato

físico, valorizam a experiência

de ir a uma loja não apenas

como um local de negócio, mas

também de convívio e de troca

de ideias.

Porém, para além de uma clientela

fiel e fascinada pela música,

Miguel Teixeira realça os três

aspetos que permitiram que a

Piranha singrasse e se afirmasse

como um ponto de referência

para os amantes de música:

“Primeiro de tudo, gostares do

que estás a fazer, teres aqui pessoas

dedicadas e que saibam o

que estão a fazer, pessoas especializadas

e informadas, e depois

muito trabalho. Muito trabalho

porque sem isso não há nada.”

8

O Rui Sinel de Cordes é aquele

homem que não pede licença

para entrar. Quando damos por

nós, ele já está sentado no nosso

sofá a pedir um whisky como

se fosse tudo dele. E foi também

assim o meu primeiro contacto

com o trabalho dele. Certo dia,

disseram-me assim: “Tens que

ver este gajo no YouTube. Ele

goza com o cancro e com a violação”.

Quando dei por mim, já

tinha visto tudo o que havia na

internet e era espetador assíduo

do programa que tinha na televisão.

O Rui Sinel de Cordes teve

a coragem para ir sozinho para

cima de um palco com um microfone

na mão e tocar em pontos

sensíveis. Se ofende? A mim não.

O humor negro que ele nos

mostra encontrou alguns obstáculos

ao longo do percurso,

mas encontrou algo bem mais

forte: público. Já vi todos os

solos e há um ponto comum

em todos eles: sala cheia. Isto

demonstra que nem o Rui Sinel

de Cordes é o bronco das piadas

foleiras nem os portugueses são

um povo tão limitado intelectualmente.

Aos tugas que se sen-

sexuais, raças e religiões. A ver acumulando. Agora não se pode

9

tem ofendidos com

este tipo de humor,

gostava de fazer

uma pergunta. O

que é que causa

mais dor? Uma piada

sobre violação

ou a violação? Pois

é… Mas desengane-se

também

quem pensa que o

Rui Sinel de Cordes

sobe a palco e

vomita meia dúzia

de piadas bacocas

com o simples intuito

de ofender. Há

estudo, há preparação

e há vontade

de fazer refletir

quem assiste.

Há muitas maneiras

de ver e falar

sobre determinado

assunto, o Sinel de

Cordes fá-lo com

humor… e bem. Fui

ver o seu mais recente

solo. “Boémio”.

Não encontro

melhor palavra

para o descrever.

Mas o espetáculo

foi bastante sóbrio.

Só um palco, um

foco e um humorista.

Temas? Cancel

Culture, liberdade

de expressão e

polarização da sociedade.

Tudo visto

pelo prisma do

humor. Pontos de

vista devidamente justificados e

que deixaram o Sá da Bandeira

de pé para aplaudi-lo no final.

Um humorista deve estar constantemente

à procura da sua

voz e nota-se que o Rui Sinel de

Cordes está numa fase de mudança.

O que não vai mudar é a

sua capacidade para entreter e

fazer rir enquanto toca em pontos

sensíveis da sociedade. Pode

questionar-se o sentido de humor,

mas não se deve confundir

isso com o caráter da pessoa.

No seu meio, o Sinel de Cordes

é muito grande. Não sou eu

que o digo. É a própria sala que

o demonstra. Qualquer uma. Na

mesma sala do que eu, estavam

pessoas de todas as idades,

homens e mulheres, possivelmente

de diferentes orientações

Rui Sinel de Cordes em espetáculo (Fotos: Instagram)

um espetáculo de stand up de

um homem acusado de ser racista,

machista e de mais uns quantos

“istas” que podem imaginar.

O Rui Sinel de Cordes merece

o público que tem. Por ser um

humorista diferenciado e principalmente

por não querer saber

do que pensam os outros. Num

ranking imaginário de comediantes,

o Rui Sinel de Cordes é o

primeiro destacado. Por mérito

próprio. Pela diferença que

faz. Principalmente porque não

anda aqui com floreados e chama

os bois pelos nomes. Numa

sociedade dominada por um

politicamente correto que cheira

a podre, as pessoas aproveitam

humor mais ofensivo para

destilarem todo o ódio que vão

dizer nada, mas o Rui Sinel de

Cordes diz. Fá-lo porque acredita

nisso. É um resistente. E nós,

que o ouvimos, também somos.

Todos. Com todas as nossas

qualidades, defeitos, orientações

sexuais e todo esse conjunto

de características que nos rotula

todos os dias. O Rui Sinel de

Cordes tem um conteúdo exclusivo:

um solo por ano que percorre

todo o país. Esgota quase

todos. O maior crédito que lhe

podemos dar é esse. Continuar a

esgotar salas, continuar a existir

um grupo de pessoas de todos

os lados, de todas as cores, de

todas as crenças a pagarem

para ouvir um homem sem filtro.

Para o ano há mais e só quero

ter saúde para ir e dinheiro para

comprar o meu bilhete.



música: opinião

Texto por Sara Fernandes Santos

Capa de “Californian Soil”, dos London Grammar

“Californian

Soil” é um

território

que junta

o velho e o

novo

Três anos após o último lançamento,

os London Grammar

estão de volta com Californian

Soil. Este é o terceiro longa-duração

da banda britânica, formada

por Hannah Reid, Dan

Rothman e Dot Major, que se

afirmou no panorama musical

britânico na última década após

o sucesso do álbum de estreia,

If You Wait, em 2013.

No site oficial da banda, pode

ler-se que Californian Soil surge

após três anos de “trabalho

duro, muita autorreflexão, introspeção,

experimentação

aterradora e vulnerabilidade”.

Baby It’s You, a faixa que se

segue e o primeiro single do álbum

a ter sido lançado, tem uma

sonoridade que não se distancia

muito de How Does It Feel, mas

aqui já é possível reconhecer a

identidade sonora da banda. A

canção fala sobre estar apaixonado,

tal como as duas seguintes:

Call Your Friends, aquela

que talvez se aproxime mais do

perfil dos álbuns anteriores, e All

My Love. Esta última é uma balada

que parece ser simples, até

pela curta letra e o longo solo de

guitarra no final, mas transmite

perfeitamente a ideia da vulnerabilidade

inerente à paixão, e

a consequente necessidade de

entrar numa bolha.

perfil

Texto por Leonor Costa

Porém, é no fim que encontramos

a cereja no topo do bolo:

America é a mais poderosa e

impactante das canções de Californian

Soil, tanto na sonoridade

como no seu significado.

A letra acaba por ser um desabafo

de Hannah, onde o seu

desalento alia-se a uma crítica

social que é feita com recurso à

analogia do sonho americano.

Curiosamente, esta foi a primeira

canção do álbum a ser escrita

pela banda, mas não faria

sentido estar noutra posição do

álbum que não a última. É possível

dizer-se que é uma das

melhores escolhas para faixa

de fecho alguma vez feita por

uma banda ou intérprete.

Californian Soil é, sem demérito

dos seus antecessores, o melhor

dos três longa-duração do

trio britânico, e faz ter valido

a pena a espera de três anos.

Gostar de todas as faixas ou

não fica ao critério de cada

ouvinte, mas é impossível negar

a excelente qualidade dos

instrumentais, não obstante os

ocasionais percalços das letras.

Apesar de ainda não ser extensa,

a discografia dos London

Grammar começa a tornar-se

cada vez mais sólida, e o futuro

avizinha-se risonho.

BTS: um fenómeno a quebrar barreiras

Conheça o percurso dos 7 jovens sul-coreanos que estão a conquistar o mundo através da sua música

e das suas personalidades carismáticas.

Aliás, “vulnerabilidade” foi uma

das palavras mais usadas pela

banda no momento de falar tanto

no disco, como em algumas

canções individualmente.

A vocalista da banda afirmou

também que o álbum é sobre

“ganhar posse” da sua “própria

vida” e a superação dos obstáculos

da mesma. A feminilidade

é um dos temas abordados

nas letras das canções, reflexo

da desilusão de Hannah com a

“misoginia” existente na indústria

musical e que a fez equacionar

desistir da carreira. Há também

espaço para criticar o rumo das

coisas e a falta de representação

dos seus direitos enquanto mulher,

mas também para temas comuns

aos álbuns antecessores:

o amor, a paixão e a traição, por

exemplo.

Este trabalho é o mais “mexido”

dos três da banda, fugindo

ligeiramente dos ritmos mais

melancólicos e tristes de If You

Wait e Truth Is a Beautiful Thing.

A sonoridade é efetivamente

brilhante e etérea, com algumas

evoluções em relação aos antecessores.

Porém, as marcas

características da banda – a já

referida melancolia e as letras

mais tristes e revoltadas – continuam

a marcar presença neste

álbum.

Debruçando-nos mais sobre alguns

dos temas, Californian Soil

começa por uma introdução, à

qual se segue a música homónima,

que apesar de muito bem

instrumentada acaba por ter

uma letra um pouco confusa (exemplo:

“I’m old, I’m young / and

so you do what you’re told”). Já

outro dos singles lançados antes

do álbum, Lose Your Head, cumpre

de forma excelente a missão

de nos guiar para um universo

muito próprio.

A balada Lord It’s A Feeling é

um dos grandes destaques do

longa-duração. Uma obra que

primeiro até se pode estranhar,

mas que no fim acaba por se

entranhar, tem uma letra com

uma frieza que espelha bem a

mágoa de quem é traído. Mas

o que chama particularmente a

atenção é o seu instrumental,

talvez o mais experimental da

banda até agora.

How Does It Feel, apesar de

não ser um mau tema por si só,

acaba por parecer um pouco

desconexo dos restantes, por

ser uma abordagem mais próxima

do pop da atualidade (comparando

com a norma do trio). É

possível deduzir que a faixa seja

resultado de inspiração retirada

da colaboração com o músico,

DJ e produtor musical Flume

(Let You Know), no entanto, dá a

sensação que, mesmo tendo em

conta a diferença em relação ao

que é norma do trio, foi incluída

no álbum por ter sido considerada

uma experiência bem-sucedida.

O ano de 2021 não podia ter terminado

da melhor maneira para

o grupo sul-coreano que está

a conquistar o mundo. Após a

pandemia ter obrigado ao cancelamento

daquela que seria

a maior tour mundial do grupo

BTS, RM, Jin, Suga, J-Hope,

Jimin, V e Jungkook, voltaram

aos palcos com Permission To

Dance On Stage, quatro concertos

completamente esgotados,

no SoFi Stadium, em Los Angeles,

durante os dias 27 e 28 de

novembro e 1 e 2 de dezembro.

Durante a sua estadia nos Estados

Unidos, os BTS também

fizeram história ao tornarem-se

no primeiro grupo asiático a ser

distinguido com um dos maiores

prémios dos American Music

Awards: o prémio de Artista

do Ano. Os BTS contavam ainda

com mais duas nomeações,

nas categorias de Melhor Duo

ou Grupo Pop e Música Pop Favorita

(com o single Butter), das

quais também saíram vencedores.

As conquistas do grupo de

k-pop não ficaram por aí. Após

a grande noite nos AMA’s, os

BTS conseguiram a sua segunda

nomeação para um Grammy,

voltando a estar indicados para

a categoria de Melhor Performance

de Duo/Grupo Pop, com

a música Butter.

10 A banda sul-coreana é um êxito 11



mundial que está em constante

crescimento. Os BTS quebraram

as barreiras da língua e as diferenças

culturais através da sua

música, conseguindo conquistar

a indústria musical do ocidente.

No entanto, ao contrário do que

muitos possam pensar, o grupo

de 7 jovens não foi um sucesso

da noite para o dia.

Um percurso musical

marcado

pela diversidadE

Kim Namjoon (RM), Kim Seokjin

(Jin), Min Yoongi (Suga), Jung

Hoseok (J-Hope), Park Jimin

(Jimin), Kim Taehyung (V) e Jeon

Jungkook (Jungkook) foram descobertos

pela agência Big Hit

Entertainement (atualmente HYBE

Corporation), em 2010. Após três

intensos anos de treino, onde

desenvolveram as suas capacidades

ao nível da dança e canto,

os membros dos BTS (Bangtan

Boys) apresentaram-se oficialmente

como um grupo, no verão

de 2013, lançando o seu primeiro

álbum, 2 Cool 4 Skool.

No More Dream, a primeira música

apresentada pelo grupo e

também a principal do álbum, é

interpretada como uma

crítica às restrições impostas

aos jovens pela

sociedade. O!RUL8,2?,

Skool Luv Affair e

Dark&Wild foram os álbuns

que se seguiram e

onde o grupo continuou

a adotar um som com

fortes influências de

R&B e hip-pop.

como Blood, Sweat & Tears, Not

Today e Spring Day, que contribuíram

para o seu lançamento a

nível mundial.

Foi com o lançamento do álbum

Love Yourself: Her, que inclui o

single DNA, que os BTS conseguiram

o seu destaque à escala

global. DNA foi considerada a 49

melhor música do ano pela Billboard.

Os BTS tornaram-se então

o primeiro grupo sul-coreano a

entrar na lista Billboard’s 100 Best

Songs, neste caso, na de 2017.

No ano seguinte, com o álbum

Love Youself: Tear, os BTS conseguem

alcançar o primeiro lugar

na lista Billboard Album 200, ganhando

mais um título como os

primeiros artistas asiáticos a atingirem

tal feito.

Até ao mais recente álbum do

grupo, “BE”, lançado em finais de

2020, os BTS produziram mais

três projetos: “Love Yourself:

Answer” (2019), “MAP OF THE

SOUL: PERSONA” (2019) e “MAP

OF THE SOUL: 7” (2020).

A dominar o mundo

palcos internacionais com a BTS

Live Trilogy Episode III: The Wings

Tour. A tour passou por 12 países,

entre os quais Japão, Brasil, Estados

Unidos e Austrália.

Para promover os álbuns da série

Love Yourself, os BTS anunciaram

a sua terceira tour mundial:

BTS World Tour: Love Yourself.

Os concertos tiveram início em

agosto de 2018 e acabaram por

prolongar-se até outubro de

2019, com a BTS World Tour Love

Yourself: Speak Yourself. Nestas

tours complementares, a banda

de k-pop realizou um total de 71

espetáculos por todo o mundo

e voltou a fazer história, ao tornar-se

no primeiro grupo asiático

a atuar no icónico estádio de

Wembley e a ter um concerto

esgotado no estádio Rose Bowl.

Os espetáculos constituem uma

experiência completa e não deixam

dúvidas acerca do talento

que permitiu aos BTS afirmarem-se,

atualmente, como o maior

fenómeno musical à escala mundial.

O grupo envolve a plateia

com atuações energéticas e coreografias

arrojadas e carismáticas.

Os concertos contam ainda

com momentos de interação com

Em 2015, são lançados

os mini-álbuns The

Most Beautiful Moment

in Life Pt.1 e The Most

Beautiful Moment in Life

Pt.2, onde os artistas

começam a experimentar

novos estilos musicais

e complementam

a sua música com vide-

Em 2018, o grupo foi convidado Sul, os BTS voltaram à Assembleia

Geral das Nações Unidas.

oclipes que seguem as histórias O grupo sul-coreano conta já com o público, com um show de fogo

a discursar pela primeira vez na

profundas e envolventes de personagens

protagonizadas pelos de 2014 e agosto de 2015, com lo de luzes criado pelas ARMY

Unidas, para a apresentação do do grupo incentivaram à vaci-

três tours mundiais. Entre outubro de artifício e com um espetácu-

Assembleia Geral das Nações Durante o discurso, os membros

próprios membros dos BTS. a BTS Live Trilogy Episode II: The Bombs, uns bastões iluminados

Em 2017, os BTS juntaram-se à programa “Generation Unlimited”,

novamente em parceria am sobre questões climáticas e

nação contra a Covid-19, falar-

Red Bullet, os BTS percorreram 14 que os fãs podem conectar antes UNICEF para a criação da campanha

“Love Myself”, parte do com a UNICEF. A campanha tem ainda elogiaram a resiliência das

Wings e You Never Walk Alone países, realizando um total de 22 do concerto, de modo a ficarem

são dois dos álbuns lançados no concertos.

sincronizados com as músicas das programa #ENDViolence, que como principal objetivo preparar

os jovens na transição para o

gerações mais novas.

ano de 2017 e contêm alguns dos

atuações.

se dedica a combater a violência

12 êxitos mais populares do grupo, Em 2017, a banda voltou aos

contra as crianças e a promover mundo de trabalho, criando-lhes

13

As mensagens de

mudança, aceitação

e positividade

Desde o início das suas carreiras,

que os membros dos BTS

começaram a transmitir mensagens

com impacto

através

do seu trabalho

artístico.

Os problemas

sociais relacionados

com

a juventude,

a corrupção,

as falhas no

sistema da

educação,

o consumismo,

o abuso

de poder por

parte das instituições

governamentais

e

a saúde mental são temas fortemente

presentes na maioria do

trabalho discográfico do grupo.

BTS e Henrietta Fore (Foto: Unicef)

a sua segurança e bem-estar. A

5 de outubro de 2021, a UNICEF

e a editora discográfica BIGHIT

MUSIC, anunciaram num comunicado

conjunto o sucesso da

campanha que, até à data, tinha

arrecadado cerca de 3.6 milhões

de dólares para apoiar o fim da

violência infantil.

oportunidades e permitindo

que se tornem membros ativos

e produtivos da sociedade. Durante

o discurso, RM, líder da

banda sul-coreana, deixou uma

mensagem inspiradora: “Não

importa quem és, de onde vens,

qual a cor da tua pele, nem a tua

identidade de género, fala por

ti mesmo. Encontra

o teu

nome e a tua

voz, falando

por ti mesmo”.

Já em setembro

de 2020,

nomeados

pelo presidente

sul-coreano

Moon Jae-in

como enviados

especiais para

as gerações e

cultura futuras

da Coreia do



entrevista

Texto por Pedro Queirós e

Leonor Costa

“Eu gostava de ser

o primeiro comediante

português a

ter um especial de

comédia em inglês

na Netflix”

André de Freitas optou por construir a sua

carreira ao contrário: procurou o sucesso internacional

antes de se destacar em Portugal.

E o sucesso acompanhou o humorista. Foi o

primeiro português a atuar em inglês no Edinburgh

Festival Fringe e na Comedy Store, em

Los Angeles. Um caminho “difícil”, mas com

muita história para contar.

Pontos de Vista: Quando surgiu o interesse

pelo stand up?

André de Freitas: Surgiu quando eu tinha 15

anos. Andava na Escola Profissional de Teatro

de Cascais e descobri que existia uma coisa

chamada “stand up”. Isto é, descobri que existia

em Portugal porque já tinha visto uma

coisa na televisão do Chris Rock com o meu

pai e achei altamente. Descobri que havia em

Portugal porque um colega de turma disse-me

que o primo dele fazia stand up e que eu era

capaz de curtir, para irmos ver. Fomos ver, era

na Guilherme Cossoul [Sociedade de Instrução

Guilherme Cossoul, em Lisboa]. Na altura, eram

os Alcómicos Anónimos: Salvador Martinha, Rui

Sinel de Cordes, Luís Franco Bastos e Ricardo

Vilão. Estávamos umas vinte pessoas na sala.

Foi aí que nasceu o interesse.

Fizeste um curso com Rui Sinel de Cordes.

Como foi a experiência?

Foi fixe. Eu já tinha pesquisado sobre stand up

e tinha ficado um pouco obcecado pelo stand

up americano. Na altura, mesmo com amigos,

já falava mais inglês do que português. Então,

já tinha algumas ideias. Mas depois, ter a oportunidade

de estar ali, frente a frente, com outros

colegas, com outras pessoas e fazer o curso foi

excelente. Aprendemos todos e muita gente

desse curso acabou por ter grandes carreiras

no stand up, ou seja, alguma coisa se fez bem

nesse curso.

Quem é que também estava nesse curso e conseguiu

chegar longe?

O [Carlos Coutinho] Vilhena, o Guilherme Geirinhas.

O [Pedro] Teixeira da Mota fez o curso

depois. No meu [curso], estavam outras pessoas

que andam por aí, mas que ainda não tiveram

o sucesso que o Vilhena e o Geirinhas tiveram.

Foto: Paustorch

De qualquer das formas, o curso tinha umas

nove pessoas, ou seja, se pensarmos na taxa de

sucesso de um curso com nove ou dez pessoas,

é bastante alta. Acho que todos os cursos que

o Sinel [Rui Sinel de Cordes] fez tiveram muitas

pessoas que conseguiram ter sucesso.

O Rui Sinel de Cordes está muito ligado ao

humor negro. Sentiste-te influenciado a seguir

esse caminho?

Sem dúvida. Acho que todos ali sentíamos, de

certa forma. Porque ele fazia humor negro e

nós, a querer impressionar, desviamos para isso.

Ele dizia sempre que o humor negro era o que

ele fazia, não tinha que ser o que nós fazíamos.

Eu acho que quando se começa na comédia,

está-se à procura de criar uma reação nas pessoas.

Quere-se uma reação, mesmo que essa

reação, às vezes, não seja riso. Por isso é que

muitos comediantes, quando começam, fazem

humor negro, porque aquilo é uma reação. Mesmo

que as pessoas façam “uh”, na nossa cabeça

é quase equivalente ao riso porque é qualquer

coisa. Então havia muito disso. Obviamente, ao

longo dos anos, nós todos fomos descobrindo

as nossas vozes, ainda estamos a descobrir.

Inclusive, eu diria que o Sinel de Cordes também

está a descobrir a voz dele porque ele esteve

tanto tempo a fazer cenas negras, que hoje em

dia já está numa fase diferente da vida dele.

Acho que ele também está a redescobrir uma

nova voz. Mas sim, havia uma certa pressão que

nós colocávamos em nós próprios.

Disseste, numa entrevista, que fizeste o curso

do Rui Sinel de Cordes com 18 anos, mas que

ele só reparou em ti quando tinhas 21. Como

explicas isso?

Porque, na altura, eu sabia que tinha qualquer

coisa, mas ainda não tinha encontrado o que

era. Então enveredei muito pelo humor negro.

Comecei a usar camisas, sapatos, … Muita influência

do Sinel, mas que não era eu. Qualquer

pessoa que olhe para mim percebe que eu não

sou essa pessoa. Então, estava a fazer uma coisa

que não era propriamente eu e sentia que,

mesmo para evoluir, para chegar aos objetivos

que queria, tinha que sair do país. Porque em

Portugal não havia maneira de chegar ao nível

que queria chegar. Ou pelo menos de descobrir-me

a mim próprio como artista. Então fui

para Inglaterra. Depois ele [Rui Sinel de Cordes]

veio para Inglaterra e foi aí que nós começamos

a passar mais tempo juntos. Nessa altura, eu já

estava com alguns anos de Londres e já era um

comediante diferente. Se calhar quando comecei

a descobrir mais a minha voz, foi quando ele

começou a notar mais. E também porque estávamos

a passar mais tempo juntos. Em Londres,

passávamos muito tempo juntos, se calhar foi

mais por aí.

Tiveste o apoio da tua família próxima quando

decidiste ser humorista?

14 15



Não. Quem tem? Eu não conheço

nenhum humorista que

tenha tido esse apoio. Eu tenho

um curso profissional, não curtia

a escola. Fiz o 10 ano três vezes

de propósito em coisas diferentes:

economia, teatro e um

curso profissional. Um gajo que

anda num curso profissional, na

Escola Secundária do Monte da

Caparica, diz que vai para Inglaterra

fazer uma carreira como humorista

internacional em inglês…

os meus pais pensavam que

havia qualquer coisa que não

estava a bater certo, que fizeram

algo de errado. Demorou alguns

anos até eles me respeitarem.

Eu podia dizer-lhes quão bem as

coisas estavam a correr e eles

nunca acreditavam. Eles queriam

uma aprovação externa. Quando

o Sinel disse que eu sou um

grande comediante, a conversa

já foi diferente. Porque já há

alguém com sucesso a dizer que

eu tenho qualquer coisa, não sou

só eu. Mas hoje em dia apoiamme

bastante.

Depois desse curso foste para

os EUA. Porque quiseste arriscar

tão cedo numa carreira no

estrangeiro?

Não sei explicar. Foi aquela cena

de arriscar. Isto é o que eu devo

fazer. Eu estive tanto tempo à

procura do que queria fazer, tentei

várias coisas, fiz vários cursos

e estava sempre confuso. Não

era bem aquilo. E o stand up é

o que eu quero fazer da minha

vida. Tive sorte nesse sentido

porque há muita gente que anda

a vida toda sem saber o que

quer fazer. Apesar de ser um

caminho difícil, quando se tem

presente na cabeça o que se

quer fazer, o que se deve fazer

ou qual é a razão de andar aqui,

torna as coisas um bocado mais

claras. A partir daí, para mim, foi

esse o caminho.

Como foram os primeiros tempos

fora de Portugal?

Horrível. Foi difícil. A vida de

emigrante é difícil para qualquer

pessoa. Os meus pais não estavam

numa posição financeira

em que me podiam ajudar tanto.

A ajuda que eles me davam

era mais emocional e mais um

dinheiro aqui e ali para o resto

da semana, mas não era massa

crítica, não me fazia grande diferença.

Muitas vezes as pessoas

emigram com a ideia de trabalhar,

trabalhar, trabalhar para

ganhar dinheiro e depois, um

dia, voltar. Mas o meu mindset

era diferente, eu não estava lá

por causa do dinheiro. Eu estava

lá porque queria fazer isto. Todos

os trabalhos que eu arranjava

eram de forma a alimentar

o stand up. Na maior parte das

vezes nem ganhava dinheiro, fazia

o que fazia só para sobreviver

enquanto estava a fazer stand

up.

Que tipos de trabalho tiveste?

Trabalhei numa cozinha como

sous chef. Nunca cozinhei na

vida. Só fazia asneira. Estive lá

um mês, odiei. O pior trabalho

da minha vida. Odiei. Depois

disso, comecei a vender bilhetes

de paintball na rua, à comissão.

Fiz isso durante um ano e meio.

Era um trabalho difícil, quando

não vendias… Depois disso trabalhei

numa empresa de bungee

jumping. Depois trabalhei como

account manager para uma

empresa de tecnologia de educação

e depois como vendedor

de um programa social que nós

vendíamos a câmaras municipais,

que ajudava na relocalização de

vítimas de violência doméstica

e de violência de gangues, etc.

Esse foi o meu último trabalho.

Mas eu estava sempre a ser despedido

porque tinha a comédia.

Faltava um dia para ir à Holanda

fazer 10 minutos [de stand up]

a Amesterdão. Depois os meus

pais avisavam-me que ia perder

o emprego e ficar à rasca, o que

é totalmente compreensível, mas

eu estava focado. Era aquilo e

aquilo tinha que vir sempre em

primeiro.

Qual é a maior diferença entre

fazer stand up comedy em português

e em inglês?

É o ritmo e o número de palavras.

Português é uma língua

muito antiga e o significado

das palavras já está muito preso.

O inglês é uma língua muito

maleável. Uma palavra pode ter

cinco significados diferentes,

dependendo da entoação e de

como se diz. Não há isso em português.

Quando digo uma piada

em inglês e essa piada demora

vinte palavras, para dizer a mesma

piada em português demoro

entre vinte e cinco a trinta [palavras].

Isso estraga o ritmo da

piada. E, às vezes, com essas

cinco palavras adicionais perde

um bocado o impacto.

E o público? Qual é a maior diferença

do público português

para o inglês?

O público de Inglaterra é um

público mais educado. É um público

com uma história de humor

que nós [portugueses] simplesmente

não temos. O stand up

existe em Inglaterra desde os

anos 60, talvez. Ou seja, já são

60 anos de stand up. É um público

muito educado e o sentido

de humor inglês é, na minha

opinião, o mais refinado do

mundo. É inteligente. Aqui, em

Inglaterra, toda a gente é engraçada:

Fala-se com o gajo que

trabalha no café e o gajo é engraçado;

fala-se com o gajo que

vem meter a TV Cabo e o gajo

é engraçado. Acho que essa é

a grande diferença: a educação

do público. O stand up tornou-se

popular, em Portugal, há dois

ou três anos. Talvez aí é que

deu aquele salto para o mainstream

e está a começar agora.

Eu noto que as pessoas ainda

se riem de premissas básicas.

Muitos comediantes de Portugal

viriam a Inglaterra e se fizessem

o mesmo material, as pessoas

não ficariam impressionadas

porque já ouviram aquilo. Não ia

ter o mesmo impacto porque a

história do stand up em Portugal

está só a começar agora. O público

é menos educado e quando

se tenta fazer conceitos mais

altos, o pessoal, às vezes, não

percebe.

Um comediante de clube atua 5

ou 10 minutos em vários locais

na mesma noite. Como é que se

consegue cativar o público em

tão pouco tempo?

Quando se começa no circuito,

começa-se com 5 minutos. Depois

vai aumentando para 10 e,

eventualmente, para 20 [minutos].

Isto nos clubes. As regras

do humor, e isto não é verdade

muitas vezes, especialmente

quando estamos a falar de sets

curtos, dizem que se acaba o

set com a melhor piada e que se

começa com a segunda melhor

piada. No meio, tem o resto. E

isto não é necessariamente verdade

porque pode-se ter uma

piada excelente que não cabe

no fim, por estruturas de narrativa.

Aquilo não cabe no fim nem

no início, tem de estar ali onde

está. A minha piada de abertura,

em inglês, é: “Thank you, guys.

It’s so good to be here. My name

is Andre and I’m portuguese. I

used feel I need to clarify when I

tell people I’m portuguese ‘cause

they don’t believe me and I totally

understand why they don’t

believe me. Like I sound american

and I look like a lesbian”.

Não é nada de outro mundo,

mas imediatamente o pessoal

fica do meu lado. O objetivo é

sempre agarrá-los com um teaser.

Basicamente, o que se quer

sempre é que eles tenham fé

em nós, que se relaxem. Porque,

muitas vezes, quando o público

sente que o humorista está

à rasca, fica tenso. Sente quase

uma obrigação de rir. Quando

uma pessoa se senta e vê que o

gajo é um pro e sabe o que está

a fazer, aproveita o espetáculo

de maneira completamente diferente.

Em Londres, há muita diversidade

cultural. Como é possível

encontrar um humor que

agrade a toda a gente?

Nunca se vai agradar a toda a

gente. Isso é impossível. Eu já

tive comentários suficientes na

internet para perceber isso. A

única coisa que se pode fazer é

falar do que é pessoal para ti, do

que é engraçado para ti e esperar

que se consiga chegar às pessoas

que achem a mesma coisa.

Num set de clube, consegue-se

mais ou menos chegar a toda a

gente, mas não quer dizer que

toda a gente iria comprar bilhete

para ir ver o espetáculo [a

solo]. Isso é uma coisa diferente.

Há muita diversidade, mas, por

exemplo, quando eu falo sobre

a minha experiência de ser emigrante

em Londres, um polaco

pode ver-se nessa experiência,

um espanhol ou um italiano podem

ver-se nessa experiência.

Ou seja, não se vai agradar a

toda a gente, mas há possibilidade

de chegar a mais gente do

que se calhar chegaria noutro

país.

Como surgiu a oportunidade de

atuar no Festival de Edimburgo?

Para quem está na comédia, o

Festival de Edimburgo é aquela

cena que tem que ir. Aquilo

é tipo uma conferência, mas de

humor. Eu já tinha ido e queria

fazer um espetáculo lá. Então,

ia fazer um espetáculo lá com

um amigo. Íamos fazer 30 minutos.

Na altura, o Sinel já estava

em Inglaterra e o plano dele era

fazer uma hora em Edimburgo.

No final, ele acabou por não fazer

a hora e perguntou se podia

juntar-se a nós. Nós aceitamos

e fizemos os três. E fui o primeiro

porque estávamos a fazer o

line up e o Sinel disse que pelo

tipo de humor dele era melhor

ele não ser o primeiro, talvez o

segundo para ver como o público

reagia. Ele estava nervoso,

obviamente. E então eu disse

que era eu o primeiro. E fui o

primeiro português a fazer stand

up em inglês [no Festival de Edimburgo],

porque as coisas se

deram assim. No ano anterior

já tinha feito stand up no Fringe

[Edinburgh Festival Fringe], mas

não no meu próprio espetáculo

e, para os livros, isso é que conta.

Festival de Edimburgo conta

com performances de todo o

tipo. Como é que te consegues

destacar?

É super difícil. O Fringe tem entre

4.000 a 5.000 espetáculos. É

muita gente. Anda-se na rua e há

espetáculos e performances em

todo o lado. Tudo o que tenha 3

metros quadrados e dê para meter

um mini-palco, tem lá alguém.

Tem pessoal do mundo inteiro.

Tem muita indústria e tem público.

Mas o público que vem ao

Fringe é um público muito seleto.

Não é toda a gente que tem dinheiro

para viajar para Edimbur-

16 17



go, que é uma cidade cara, e estar

lá no Festival onde os preços

de acomodação são gigantes

porque há muita gente. Ou seja,

o custo de entrada, mesmo que

se seja um fã, é alto. Eu sei que

há muita gente que gostava de

ir ao Fringe mas não tem 2000€

para gastar numa semana. É

muito difícil destacares-te e eu

diria que a melhor maneira para

isso é com dinheiro por trás. É

simples: se tiver dinheiro atrás

posso contratar uma empresa

de PR [Public Relations] para

meter posters em todo o lado;

posso fazer com que eles façam

os rewiers ir ver o espetáculo

e, depois, os rewiers escrevem

sobre o espetáculo e cria-se

buzz; ter uma equipa de pessoal

a dar flyers na rua em vez de ser

só eu. Se tiver a máquina atrás,

talvez se consiga destacar. De

vez em quando, há pessoal que

tem espetáculos tão bons que é

“undeniable” e o pessoal ouve

e há o passa a palavra. Mas, na

maior parte das vezes, diria que

é dinheiro.

Para além do Festival de Edimburgo,

também foi o primeiro

português a atuar na Comedy

Store, em Los Angeles, onde

começaram outros grandes nomes

do humor atual, como Chris

D’Elia e Joe Rogan. Qual é a importância

dessas oportunidades

na tua carreira?

Comedy Store é um bocado

“Fake It ‘Till You Make It”. Nós

fomos para L.A., eu e um amigo.

Conhecíamos o Brian Moses,

o gajo que inventou o roast. E

antes da Roast Battle, há normalmente

pessoal a fazer spots.

Muitas vezes é pessoal que trabalha

na Comedy Store porque

toda a gente que trabalha na

Comedy Store é comediante.

Então, nós pedimos à namorada

do meu amigo para se fazer

de nossa agente. Ela aceitou

e começou a mandar e-mails.

Um dos e-mails foi para o Brian

[Moses]. Eles falaram e o Brian

pediu-nos para aparecer e deunos

um spot antes de uma Roast

Battle. Lembro-me que nem

queria acreditar porque entrar

na Comedy Store é ‘bué’ difícil,

quase impossível. Passamos

o tempo todo em L.A. a pensar

nisso e estávamos a passar

muito tempo na Comedy Store,

íamos lá ver e eu tinha amigos

que trabalhavam lá. Então nós

íamos para estar com os comediantes

e era bom porque vias

aquelas pessoas na televisão e

nos filmes e agora estávamos

juntos. Quando chegou o dia,

estava super nervoso, e estava

a andar de cabeça para baixo

e bato num gajo. Era o Anthony

Jeselnik. E eu curto ‘bué’ do

Anthony Jeselnik. Falamos um

bocado e foi alta cena. Depois

estava lá o Marc Maron, estava

o Chris D’Elia, ‘bué’ pessoal…

Eu estava na parte de trás da

Original Room e vi que o special

guest era o Jim Gaffigan. Fui

ver e estava ao lado do Chris

D’Elia, trocámos algumas palavras.

Quando o Jim Gaffigan saiu

do palco, eu vou ter com ele,

falamos um pouco até porque

eu sabia que ele ia a Portugal

e ele disse que ia tentar ver a

minha atuação. Eu atuei, acho

que nunca estive tão nervoso na

minha vida, a minha garganta era

algodão, não conseguia engolir.

Depois do primeiro bit tive uma

gargalhada, depois da primeira

gargalhada foi na boa. No dia

seguinte, mandei mensagem

ao Jim Gaffigan e ele disse que

curtiu as minhas cenas e convidou-me

para abrir o espetáculo

dele em Portugal.

Sentiste muita pressão nessa

atuação?

Foto: Facebook

Não... Quer dizer, eu estava

nervoso, até porque o público

americano é diferente. As

referências deles são diferentes

e eu não tinha assim tanto tempo

para perceber que tipo de

coisas é que eles iam gostar. Eu

era um comediante jovem, estava

a fazer stand up há 4 anos.

Então, estive com o pessoal todo

a seguir, estávamos à conversa

e alguém me pergunta “Há

quanto tempo é que fazes stand

up?”. Eu disse que fazia há 4

anos, e ele “És um bom comediante

para 4 anos, mas quando

chegares aos 10 é que vais ter

alguma coisa interessante para

dizer”. E pronto, é aquela escola

americana de teres que estar

ali 10 anos a ‘bater pedra’ até

alguém te dar valor. É diferente.

Eu para o próximo mês, vou um

mês e meio para Nova Iorque e

vou tentar ver se consigo atuar

na Comedy Cellar, quem sabe?!

(risos)

O que motivou o teu regresso

a Portugal? Pretendes fixar-te

aqui?

Eu voltei para Portugal porque

depois de eu ter aberto para o

Jim Gaffigan em Lisboa, o Sinel

de Cordes, na altura, também

me encorajou muito. Ele disse:

“Acho que estás num nível muito

forte e acho que isto é a tua

altura para explodir em Portugal.”,

e eu disse: “Epá’ não sei,

não sei...”, estava

um bocado

reticente... Mas

pronto, depois

de abrir para o

Jim Gaffigan,

tive uma oferta

de uma agência,

para me agenciar

e eu disse:

“Ok, vamos lá”.

Voltei para Portugal... A ideia

nunca foi voltar mesmo, foi só

vir fazer isto, passar um tempo

em Portugal, ver como é que

as coisas estão, porque eu não

fazia stand up em português há

muito tempo. Então vim, estive

um mês aqui e comecei a trabalhar

em português outra vez,

o que foi um ajuste difícil. Passado

mês e meio... A pandemia

bateu. Depois nessa altura, não

queria voltar para Londres, não

queria estar preso em Londres,

com uma renda gigante, num

apartamento pequeno. Preferia

estar em Portugal, à beira da

praia e acabei por ficar. Mas o

plano nunca era ficar. O que eu

descobri enquanto estive em

Portugal, que foi uma coisa super

interessante e que eu não

estava à espera? É que Portugal

estava super internacional.

Estrangeiros em todo o lado!

“Em Portugal,

como há menos

gente, acho que o

pessoal é um bocadinho

mais competitivo.”

E depois eu comecei a pensar

“Acho que há aqui um mercado,

acho que há aqui qualquer coisa

a sério”. E ainda hoje acho isso.

Faço muitos espetáculos em inglês

em Portugal e estão sempre

cheios! As noites acabam por ser

excelentes porque tu tens duas

coisas que o público estrangeiro

faz e acho superior ao público

português, que é: um, eles têm

educação histórica de stand

up e dois, os gajos bebem muito.

Eles estão habituados a ir à

comédia, e na noite de comédia,

os gajos bebem. Um português,

se for preciso, vai ver a noite de

comédia e bebe um café e isso

é a pior coisa. Estares a beber

um café, não te sentes mais solto...

Tu queres é copos, copos,

copos, copos... Então, como

bebem muito, tudo isso afeta

o espetáculo, ou seja, hoje em

dia até prefiro fazer espetáculos

em Portugal em inglês por

causa disso. E o que é que tem

sido interessante? O número de

portugueses

a aparecerem

em noites de

comédia em

inglês é buéda

alto, buéda

gente. O pessoal

vem ter

comigo e diz

que nunca vai

ver noites de

comédia em inglês em Portugal,

mas que vai às noites todas em

inglês quando artistas estrangeiros

vêm a Portugal. Eu não sei

porquê e, talvez seria uma pergunta

que até podia fazer-vos

a vocês, se calhar do ponto de

vista do outro lado, do ponto de

vista da audiência. Mas o pessoal

está a aparecer e acho que

é um novo mercado com muito

interesse. Estou a sentir isso à

volta da Europa, em todo o lado.

Depois também há muitos portugueses

que, porque viajaram

ou etc, os namorados/namoradas

são estrangeiros e, a partir

do momento em que estás com

alguém de uma nacionalidade

diferente, as opções de entretenimento

que tens como casal

são limitadas. Tu não vais a uma

peça de teatro em português

se a tua namorada não percebe

português. Ou seja, depois

também entra esse fator. Eu

curto muito mais fazer um espetáculo

onde pergunto a alguém

de onde é que eles são e tens

um gajo de Israel, um gajo do

Japão, tens um gajo da Polónia,

um espanhol, um inglês... Em vez

de perguntar e ser Torres Vedras,

Porto, Guimarães... Não há

assim nada... Mas metes o gajo

de Israel e o do Japão ali a conversar

e alguma coisa vai acontecer,

vai haver um clash qualquer.

Se calhar, não tens tanto isso...

Mas não sei, seria interessante

ficar a saber.

A nível de colegas de profissão,

sentes que há mais rivalidade

em Portugal ou no estrangeiro?

Para ser sincero, sinto mais em

Portugal do que no estrangeiro.

No estrangeiro, acho que o

pessoal se apoia mais porque há

tanta gente que tu te agarras a

quem conseguires... Em Portugal,

como há menos gente, acho

que o pessoal é um bocadinho

mais competitivo. As estratégias

em Portugal são diferentes, o

caminho é diferente, passa muito

mais pelas redes sociais do que

cá fora. Eu acho que isso está a

mudar, acho que hoje em dia, as

redes sociais são gigantes para

toda a gente. Até digo que os

humoristas em Portugal foram

até algo pioneiros no uso das redes

sociais por causa da necessidade,

não havia muito palco,

então o pessoal tinha que fazer

alguma coisa. Hoje em dia, tu

tens muitos comediantes que se

tornaram gigantes pelas redes

sociais e que através disso, vendem

bilhetes para o seu stand

up, o que é normalmente o contrário

cá fora. A indústria está a

mudar.

É possível viver exclusivamente

de stand up em Portugal?

Em Portugal, só é possível se

chegares ao ponto em que estás

a vender teatros de mil pessoas,

aí claro. Quer dizer, o Sinel

só faz isso, o Teixeira da Mota

só faz isso. Depois aparecem

sempre outras oportunidades,

dão-te um espaço na rádio, ou

seja lá o que for... É possível,

mas precisas de um número

muito grande de pessoas atrás

de ti, de seguidores, para conseguires

fazer isso. Eu não sou

18 19



famoso, mas porque viajo muito

na Europa consigo mais ou

menos sobreviver. Eu consigo

fazer uma sala de 50 pessoas

em Praga, em Viena e ganho uns

trocos disso. Isso em Portugal é

difícil de fazer porque não tens

cidades suficientes, o país é pequeno.

Eu acho que, a partir do

momento que tu atinges uma

massa crítica, consegues viver

do humor. E vives bem.

Sentes que o humor é valorizado

em Portugal? Mesmo pelo

governo?

Não. Quando foi a pandemia,

o governo deu aos artistas um

pagamento de 450 euros. Um,

em dois anos. Tenho amigos

franceses que se mudaram para

Portugal durante a pandemia,

são DJs, estavam a receber

1500 euros por mês do governo.

Tenho amigos na Alemanha,

que estavam a receber para

aí 1700 euros do governo, em

que o governo dizia “Não façam

nada. Nós só queremos que

vocês não façam nada, por isso

estão aqui 1700 euros”. Em Inglaterra,

dependendo do que é

que tu tinhas apresentado nos

teus impostos, eles pagavam-te

70%/80% do teu salário. Em Portugal,

puf... nada. Eu inclusive,

estava a ter uma conversa com

alguém na semana passada sobre

isto, e quando eu lhes disse

que Portugal fez um pagamento

de 450 euros, no percurso de

dois anos, aos artistas, eles ficaram

de boca aberta. Eu acho que

isso diz tudo. Não há incentivos

para criar. Porque é que normalmente

os pais dos artistas não

querem essa carreira para os

filhos? Porque eles vêem isto. Tu

dizes aos teus pais que queres

ser artista e eles vêem logo uma

vida de dificuldades à tua frente.

Não há apoios do governo, não

tens seguros, não tens nada.

Tu só para criares alguma coisa

para as outras pessoas, é complicado.

Consideras que Portugal reúne

as condições para responder

aos teus objetivos de carreira?

Portugal está a passar por um

momento excelente, acho eu.

Em termos económicos, está a

atrair muito capital estrangeiro,

as leis em relação à cryptomoe-

da são soltas, ou seja, está a

atrair muita gente a vir para Portugal.

Eu não sei como é que é

no Porto, mas imagino que seja

semelhante, porque em Lisboa

tu andas na rua e só ouves falar

inglês. Quem é que são estas

pessoas? De onde é que elas

vieram? As pessoas estão aí. O

que eu imagino é que, se conseguir

atingir um certo número

de seguidores em Portugal, eu

consigo usar isso como moeda

lá fora. A partir daí, um alimenta

o outro, certo? Eu não estou

focado puramente em Portugal,

mas acho que Portugal é um

excelente passo para conseguir

crescer, se é que isso faz sentido.

“Quando foi a pandemia,

o governo

deu aos artistas um

pagamento de 450

euros.[...] Não há

incentivos para criar.”

Continuas a preferir a comédia

de clube ou já te vês a fazer um

solo de uma hora?

Eu adoro fazer clubes, e já estou

a pensar no solo há dois anos.

Tenho uma narrativa, mas faltava-me

um fim. Há dois anos

que andava à procura do fim do

espetáculo e acho que, recentemente,

talvez tenha descoberto

qual é que é. Agora sinto-me

pronto para, pelo menos em

inglês, fazer a minha primeira

hora, mas preciso de fazer uma

série daquilo que nós chamamos

de work in progress, ou seja,

sessões pequenas com poucas

pessoas para tentar perceber.

Imagina, tu podes ter o material

todo, mas depois tens de perceber

como é que a história acontece,

onde é que eu meto isto,

onde é que eu meto aquilo... E

isso é um processo de trial and

error, que demora tempo. Mas

sim, estou pronto. Eu gostava

de ser o primeiro comediante

português a ter um especial de

comédia em inglês na Netflix.

Isso está nos meus objetivos.

As redes sociais foram importantes

para conseguires ultrapassar

o período da pandemia?

Para manteres o contacto com

o público?

Eu não fiz assim tantas coisas

para as redes sociais durante a

pandemia, estava mais focado

noutras coisas. Estava a escrever

guiões, estava, sei lá... A fazer

yoga, a tentar melhorar-me

como pessoa. Eu não estava super

focado nas redes socias. Até

te digo qual foi o meu maior foco

durante a pandemia, foi personal

development. Comecei a ler imenso

sobre o ego e essas coisas

todas. Isto também foi algo que

eu não estava habituado, que

é, quando voltei para Portugal

tive um grande push nos media,

e isso veio-me para a cabeça.

És pobre em Londres e, de repente,

és alguma coisa de especial.

Eu senti que, de certa forma,

a pandemia foi boa porque,

se eu tivesse continuado nesse

caminho, teria perdido a minha

humildade, a minha vontade de

trabalhar, porque pensava que o

trabalho já estava feito. Na pandemia

não me foquei muito nas

redes sociais e, em retrospetiva,

podia ter feito mais, mas acho

que o trabalho que tenho estado

a fazer em termos de ego, de

me melhorar enquanto pessoa,

tem sido importante.

O que é necessário para se ser

um stand up comedian?

Eu diria que falta conhecimento

sobre o quão difícil é. Eu não

sabia o quão difícil isto ia ser e

se soubesse o que sei hoje em

dia, não sei se teria... Se me perguntares,

tornares-te stand up

comedian como hobby é uma

coisa, tornares-te stand up comedian

profissionalmente, acho

que tens de ser quase cego.

Tens quase que acreditar que há

qualquer coisa em ti que é especial,

sem teres qualquer razão

para isso. Tens que ser engraçado

e tens que estar disposto a

correr a maratona, porque não

é um sprint, é uma maratona.

As pessoas às vezes pensam

que quando aparece alguém no

mundo do entretenimento apareceu,

assim da noite para o dia.

Essa pessoa está a trabalhar há

10 anos, há 10 anos que essa

pessoa anda nisto. Eu acho que

precisas de ter muita vontade,

de humildade e precisas de ser

mentalmente forte, o que eu não

sou. Eu não sou a pessoa mais

forte mentalmente, mas se tu

fores, é a cena mais importante.

Qual é a melhor forma de

começar?

Procurar um open mic na tua

zona, hoje em dia já há em todo

o lado, e fazer 5 minutos. A cena

do stand up é que tu não podes

praticar em casa, tens que fazer

em frente às pessoas, por isso,

inscreve-te num open mic e faz.

Já aconteceu alguém da plateia

arruinar um bit teu?

Já aconteceu. Acontece várias

vezes e muitas vezes as pessoas

nem sabem. Às vezes, aquilo que

nós chamamos de hecklers, nem

estão a ser maus, acham que

estão a ajudar. Eles dizem cenas

como “É mesmo assim, boa!”,

mas não percebem que isso estraga

o espetáculo porque corta

o ritmo, etc... Às vezes isso é o

mais difícil porque, se alguém

for mesmo um grande otário, tu

podes destruí-lo e o público está

contigo. Mas se alguém está a

ser simpático e está a destruir o

espetáculo, aí é mais difícil negociar,

porque é tipo “Como é que

eu vou pedir que este gajo se

cale, sem que o público se vire

contra mim?”. Às vezes resulta,

outras vezes não resulta, mas já

tive. Quando cheguei a Londres,

no meu primeiro ou segundo gig,

houve um gajo que lhe atiraram

um copo de vidro, enquanto ele

estava no palco “Boo! Get the

f... out, you suck”... Isso nunca

me aconteceu, felizmente, mas

já tive algumas situações, nada

de outro mundo. Tive uma vez,

depois do voto do Brexit. Fiz

um espetáculo com um partido

político, e quando disseram

o meu nome, houve um grupo

de pessoas na audiência que

começou a gritar “Brexit, Brexit,

Brexit!”, mas no final do dia, resolveu-se.

E no caso de uma plateia difícil,

como é que consegues dar a

volta a uma plateia que não

reage às tuas piadas?

Essas coisas todas vêm com a

experiência. Quando tu começas,

escreves 5 minutos de material.

Esses 5 minutos são para todos

os públicos, é o que vier. Quando

chega uma altura, que fazes

isto há uns anos, depois já sabes

mais ou menos tipo “Ok, eles

não estão a gostar disto, deixame

meter aqui outra mudança.”

ou “Eles precisam de outra coisa,

André e Rui Sinel de Cordes (Foto: Facebook)

eles não querem material, querem

crowd work”. Então vais para

a audiência. Isso depois é com a

experiência, tu vais percebendo.

Nós até usamos algumas piadas

como teste. Tu usas para testar

o público e com base no que

eles se rirem, no que eles gostarem,

tu depois mais ou menos

que consegues decidir por onde

ir. Cada público é um público

diferente, mas isso vem com a

experiência e com o tempo.

Qual é o teu processo criativo

para arranjares novo material?

Há muita gente, em Portugal

talvez até mais, que é mais obcecado

com a ideia de material

novo. Mas como venho de uma

escola de comédia um bocadinho

diferente, estou sempre mais

a aperfeiçoar o material. Passo

muito mais tempo a testar maneiras

diferentes de dizer a mesma

piada; a pensar em economia

de palavras, que também

é importante; como é que eu

posso chegar à punchline, usando

menos palavras possíveis. Eu

tenho piadas que estou a desenvolver

há um ano, dois anos,

o que for. Eu se calhar escrevo

menos material novo, mas passo

mais tempo a aperfeiçoar o

meu material, é a minha escolha.

Como é que eu chego ao ma-

20 21



terial novo? Acho que tens que

viver. Acho que é viver a vida,

e eu sei que isto parece um bocado

cliché, mas se não tiveres

experiências de vida, não tens

nada para falar. Então a minha

filosofia de vida é dizer que sim.

Eu digo que sim a tudo. Se tu

me sugerires qualquer coisa,

as probabilidades de eu dizer

“Bora, vamos a isso!” são muito

altas. Isso já me levou a clubes

de sexo em Amesterdão, a correr

com os touros em Espanha,

Los Angeles, seja o que for... E

através dessas experiências todas,

é que eu vivo coisas novas.

E só quando eu

vivo coisas novas

é que eu posso

ter alguma coisa

de interessante

para dizer. Puseram-me

a mim

nesta situação

nova e depois eu

explico como é

que vivi aquilo.

Acho que essa é

a maneira, pelo

menos para mim.

Depois há exercícios

que podes

fazer, por exemplo,

escrever

todos os dias 30

minutos, mesmo

que não seja

nada. Escrever

só um diário

onde dizes o que

te aconteceu, alguma

coisa há de

vir naturalmente.

Há sempre coisas

que podes fazer,

mas no sentido

mais puro da

palavra, eu dizia

que viver é a

melhor maneira

de criar material.

Tens humoristas de referência

que influenciam o teu trabalho?

Tenho sempre interesse sobre

qual é o processo criativo das

outras pessoas, porque às vezes

vejo como é que alguém trabalha

e penso “Oh, aquela cena

que ele faz é fixe e aquilo talvez

possa funcionar para mim”, então

vou tirando um bocadinho

de técnicas de toda a gente. Depois

vais construindo o que fun-

“Só quando eu vivo

coisas novas é que

eu posso ter alguma

coisa de interessante

para dizer.”

ciona para ti através do que tiras

dos outros. Sem dúvida a ética

de trabalho é uma cena que eu

olho. Aqui em Portugal, acho que

a consistência com a qual o Teixeira

da Mota tem conseguido

fazer os podcasts dele, em que

não falha uma semana durante

200 episódios, é excelente. O

que é mais importante, especialmente

quando estás a falar

de output, em termos de redes

socias, é a consistência. Hoje em

dia, vivemos numa sociedade

que o conteúdo ou a qualidade

do conteúdo nem sequer é a

coisa mais importante que tu podes

pôr, mas sim a quantidade

do conteúdo. Todos os dias estás

ali a tocar uma campainha

a dizer “Olha, não te esqueças

de mim!”, mesmo que aquilo

não seja nada de especial. E eu,

não necessariamente concordo

com isso, nunca foi a maneira

com a qual quis trabalhar, mas

cada vez mais consigo entender

porque é que a consistência em

vez da qualidade é importante.

Isso é um processo que eu tenho

estado a aprender. Eu falo com

muitos humoristas estrangeiros

e eles têm ideias muito fortes em

relação ao número de vezes que

tens de atuar por semana, então

tento seguir isso também. Depois,

às vezes nem tem nada a

ver com os humoristas. Eu posso

falar com um gajo que escreve

livros e gosto do

exercício dele para

escrever, tudo varia.

Isto tudo para dizer

que sou influenciado

por várias pessoas,

mas mais micro influências

vs. macro

influências.

Já conseguiste encontrar

a tua identidade

dentro do

humor?

Acho que se vai desenvolver

ao longo

dos vários anos que

eu estiver a fazer

stand up. Acho que

ainda não encontrei

a minha voz. No

outro dia estava a

falar com um amigo

meu que já faz

isto há 12 anos e ele

disse-me isso. Ele

disse-me onde é

que achava que eu

estava no processo

e eu ainda não

cheguei à voz. Isso

também é porque

ainda estou a viver

muitas experiências novas como

pessoa. Se eu ainda não sei

completamente quem sou como

pessoa, como é que eu posso

saber quem é que sou como

artista? Tento focar-me em continuar

a viver, em dizer que sim

às experiências, e à medida que

eu me for encontrando a mim

próprio como pessoa, acho que

isso como artista virá por atrelado,

digamos assim.

top 5 de 2021

a nossa perspetiva dos melhores na Cultura

O Pontos de Vista elegeu cinco filmes, cinco livros, cinco séries e cinco ábuns que se destacaram e

valem a pena recordar do ano de 2021.

livros

filmes

“Fake Accounts”, de Lauren Oyler

“Cultish: The Language of Fanaticism”,

de Amanda Montell

Maria Castro

“The Midnight Library”, de Matt Haig

Sara Fernandes Santos

“Ver Para Crer”, de Aurélio Pereira

com Rui Miguel Tovar

Pedro Queirós

“People We Meet on Vacation”, Emily

Henry

Leonor Costa

álbuns

“Spencer”, de Pablo Larrain

“Bo Burnham: Inside”, de Bo Burnham

Leonor Costa

“Licorice Pizza”, de Paul Thomas Anderson

Sara Fernandes Santos

“The Hand of God”, de Paulo Sorrentino

Pedro Queirós

“The Unforgivable”, de Nora Fingscheidt

Maria Castro

séries

“Black Water”, Adna

Californian Soil”, London Grammar

Sara Fernandes Santos

“Sour”, Olivia Rodrigo

Pedro Queirós

“Sob Rock”, John Mayer

Maria Castro

“Planet Her”, Doja Cat

Leonor Costa

“Squid Game”, Netflix

“Sonho Azul: O Caminho Até Wembley”,

Netflix

Pedro Queirós

“The Handmaid’s Tale” (Temporada 4),

Hulu

Leonor Costa

“Shadow and Bone”, Netflix

Maria Castro

“Lupin” (Parte 2), Netflix

Sara Fernandes Santos

22 23



janeiro 2022

DE

PONTOS DE VISTA

https://pontosdevistajorna.wixsite.com/pontosdevista

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