Transforme seus PDFs em revista digital e aumente sua receita!
Otimize suas revistas digitais para SEO, use backlinks fortes e conteúdo multimídia para aumentar sua visibilidade e receita.
8M Mulheres
nspiradoras
TRIBUNA DE MINAS
Domingo | 6 | Março | 2022
ESPECIAL
MARIA DA ASSUNÇÃO CALDERANO
ADENILDE PETRINA BISPO
JANAÍNA
OLIVEIRA
VIVYANE
ANDERSON
JAEL
PIFANO
DIONYSIA MOREIRA
LIDIANE
CHARBEL
PERES
MARGARIDA SALOMÃO
34• 6 | março | 2022
ESPECIAL
8M Mulheres
nspiradoras
Tribuna antecipa nesta edição especial as comemorações
de 8 de março, o Dia Internacional da Mulher.
Uma data de luta, resultado de incansáveis manifestações
e protestos por igualdade de gênero. Um marco
político. Momento de reflexão. Uma marca. 8M.
No passado, dia de tragédia. Quando o fogo destruiu
a fábrica e matou as operárias ali trancadas. Combustível
para passeatas e greves. No presente, tempo de celebração.
Há que se comemorar as vitórias, para continuar a caminhada.
Há de se avistar o que falta, para esperançar novas conquistas.
O século é XXI, e há muitas batalhas por vencer. Em 2021, o Fórum
Brasileiro de Segurança Pública contabilizou 666 vítimas
de feminicídio de janeiro a junho. Ou seja, quatro ainda morrem
por dia simplesmente por serem mulheres no Brasil. Não é fácil.
Nunca foi. O direito ao trabalho, a igualdade nas relações familiares,
a liberdade sexual, a cidadania, o voto. Nada veio de graça.
Para tudo, foi necessário que uma mulher iniciasse um combate.
Sobreviventes, pioneiras, corajosas, feministas, empreendedoras, pesquisadoras,
trabalhadoras, estrategistas! Neste especial, a Tribuna traz
nome, rosto, história e ideias de oito mulheres que, à sua maneira, impulsionaram
a mudança e hoje são líderes em suas áreas de atuação e conhecimento.
As trajetórias são distintas. As origens sociais, também. Mas o
entusiasmo e a arrebatamento pelo que fazem transformam suas vidas
em fonte de inspiração não só para as mulheres, mas para toda a cidade.
Um salve para Adenilde, Dionysia, Jael, Janaína, Lidiane, Margarida,
Maria da Assunção e Vivyane!
EXPEDIENTE
Edição Especial
6 | Março | 2022
Fundador
Juracy Neves
Diretoria geral e comercial
Márcia Neves
Suzana Neves
Editor geral
Paulo Cesar Magella
Editora executiva de
integração
Luciane Faquini
Edição e coordenação
Luciane Faquini
Textos
Carolina Leonel
Cecília Itaborahy
Elisabetta Mazocoli
Mariana Floriano
Nayara Zanetti
Sandra Zanella
Fotos
Fernando Priamo
Projeto Gráfico e
Diagramação
Lena Sperandio
Impressão
Esdeva indústria Gráfica
ACOLHIMENTO
Respeito à diversidade faz da ArcelorMittal
importante aliada na luta contra o preconceito
Usina de Juiz
de Fora oferece
infraestrutura
adequada
para que
colaboradoras,
caminhoneiras
e esposas de
caminhoneiros
se sintam
acolhidas
em suas
necessidades
fundamentais
Com meta de ter 25% dos cargos globais de liderança ocupados por mulheres até 2030 e que
elas representem, pelo menos, 30% do quadro de empregados da companhia no Brasil, a ArcelorMittal,
líder na produção de aço e um dos maiores em mineração, conta com a força feminina
em todos os níveis, do administrativo ao operacional, inclusive na usina de Juiz de Fora. Para a
empresa, a valorização da diversidade é instrumento socialmente responsável que colabora para o
fomento de uma nova sociedade, ao promover um ambiente de trabalho inclusivo e com igualdade
de oportunidades.
Gerente de área em Logística, Tatiana Morais é responsável pelas operações inbound e outbound
na planta de Juiz de Fora. Formada em Administração de Empresas, com pós-graduação
em Gestão Empresarial e MBE em Comércio Exterior e Negociações Internacionais, ela é
um dos exemplos da investida da ArcelorMittal para a inserção de mulheres no setor
siderúrgico, ainda fortemente marcado pela presença masculina.
“As mulheres têm total capacidade de exercer a profissão que quiserem,
pois trazem uma visão diferente para o negócio. Agregam valor e resultado”,
afirma a gerente que está há sete meses na unidade. Na rotina
operacional, Tatiana emprega suas habilidades, conciliando as estratégias
indispensáveis aos processos de logística com as melhores
práticas pautadas no amplo conceito de sustentabilidade.
“A Usina de Juiz de Fora oferece estrutura para as mulheres
que trabalham nas áreas administrativas e operacionais, e
também para receber as caminhoneiras e as esposas dos
caminhoneiros que chegam e saem diariamente. Temos
uma sala exclusiva para elas com banheiro, televisão e
até brinquedos para as crianças. Ainda temos oportunidade
de melhoria, e a ArcelorMittal vem se modernizando
e abrindo portas para a inserção da mulher em
um ambiente de trabalho cada vez mais agradável e
inclusivo”, destaca Tatiana.
Comprometida com o trabalho, ela que atua na
área empresarial desde 2002, conta que, por muitas
vezes, em outros locais de trabalho foi obrigada a se
posicionar com muita firmeza, para ser respeitada
profissionalmente. Por isso, elogia o acolhimento e o
respeito com os quais é tratada na ArcelorMittal, empresa
que, segundo ela, faz tudo para que a mulher
se sinta cada vez mais valorizada e reconhecida no
ambiente de trabalho e fora dele.
Para a gerente de área em
Logística Tatiana Morais,
a ArcelorMittal vem se
modernizando e abrindo portas
para a inserção da mulher em
um ambiente de trabalho cada
vez mais agradável e inclusivo
ArcelorMittal Aços Longos LATAM e Mineração Brasil
arcelormittal.longoslatam
ArcelorMittal Aços Longos
6 | março | 2022
• 35
ESPECIAL
8M Mulheres
nspiradoras
ADENILDE PETRINA BISPO
Percorrer e abrir caminhos talvez tenha sido sua maior motivação de vida. Nascida em
Cachoeira do Campo, distrito de Ouro Preto, Adenilde Petrina Bispo, 69 anos, veio parar em
Juiz de Fora após o pai, que trabalhava em estrada de rodagem, estabelecer-se na cidade.
Morou no Bairro Floresta e no Eldorado, até o pai se aposentar e comprar uma casa no
Santa Cândida, onde mora até hoje. Em busca do básico para viver, aos 17 anos, Adenilde
Petrina Bispo juntou-se a uma grupo de mulheres da comunidade, que lutou por melhorias
para o bairro. Da “militância por necessidade” não parou mais. Na década de 1990, Adenilde
encampou a luta pela democratização da comunicação e ajudou a criar, na periferia, a
Rádio Comunitária Mega FM. Desde 2013, dedica-se ao Coletivo Vozes da Rua, um grupo de
movimento negro, que se debruça sobre a questão por meio da cultura hip hop e do estudo
de autores negros. Nele, vê a participação feminina ganhar visibilidade, porque presente, ela
sempre esteve - garante. Já teve muitos sonhos. Alguns, viu realizar. “Hoje meu sonho é termos
fraternidade e solidariedade. Queria que as pessoas respeitassem a natureza e houvesse
mais igualdade”.
36• 6 | março | 2022
Uma vida
de militância
pela periferia
Foi só através
do Programa de
Mulher, que ia ao
ar na Mega FM, na
década de 1990,
que eu e outras
mulheres aqui do
bairro começamos
a nos enxergar
como mulheres.
O programa
discutia a história
da mulheres, a
história de luta,
de conquistas
e nos mostrava
que ainda
tínhamos muito
a conquistar. Foi
muito importante
tomar essa
consciência para
percebermos que
éramos mulheres e
que construíamos
a história do Santa
Cândida
6 | março | 2022
Carolina Leonel Repórter
Adenilde Petrina Bispo é uma mulher
que, além de livros, coleciona histórias.
Prestes a completar 70 anos,
carrega consigo a história do Bairro
Santa Cândida, misturada à sua
própria. “A minha caminhada começou
e foi toda aqui no bairro”,
faz questão de ressaltar. Moradora
há mais de cinco décadas
da comunidade localizada na
Zona Leste de Juiz de Fora,
ela viu chegar água, luz, rede
de esgoto e calçamento
ao Candinha - não sem se
empenhar por isso, digase.
“A Dona Aparecida começou um movimento com as mulheres
para poder lutar por acesso ao básico. Na época, eu tinha acabado
de vir morar no bairro, tinha 17 anos, e comecei na militância
por necessidade”, conta. Depois, veio a conquista de uma igreja
e da escola de Santa Cândida. “Eu via muitas mães dormirem
nas filas de escolas para tentarem matricular seus filhos. No dia
seguinte, não tinha vaga. Foi aí que corremos atrás de construir
a escola de Santa Cândida, construímos de mutirão”.
Dos primeiros movimentos, iniciados na adolescência, a
“militância por necessidade” não parou mais. Na década de
1990, Adenilde encampou a luta pela democratização da comunicação
e ajudou a criar, na periferia, a Rádio Comunitária
Mega FM - fundada em 1997, ficou no ar por dez anos,
até ser fechada pela Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel). “É como um vício. Não consegui largar os movimentos,
e também porque a luta pelos direitos para o povo de
Andando em círculos,
junto e em busca de si
Inspirada pela avó,
sempre seguiu em frente
Sua principal referência feminina, diz, foi a avó Ana Josina,
a qual todos conheciam por Sinha’Ana. Em uma família
predominantemente de mulheres, ela conta que cresceu cercada
por referências femininas, mas só tomou consciência
das implicações dessa formação familiar anos mais tarde. “A
minha avó foi mãe solteira de três mulheres, e aqui em casa
somos quatro irmãs e apenas um irmão. Ter minha avó como
referência foi muito importante para mim. Ela criou sozinhas
as três filhas e nunca deixou a peteca cair. Sempre nos falava
para não abaixar a cabeça e que tínhamos de enfrentar as
lutas quais elas fossem. Para ser mulher era preciso ter coragem,
ela dizia”.
Percebendo a possibilidade de alargar seus horizontes,
Adenilde bateu o pé com a mãe, Lindaura, e foi estudar. Optou
por Filosofia devido à área de Cosmologia. “Queria ser
astrônoma, porque amava olhar o céu, mas não deu. Daí fui
para a ‘terra de ninguém”, como minha mãe achava que era
a Filosofia. Eu respondia: não somos ninguém mesmo, então
periferia continuam sempre”.
Atualmente, a militante se dedica ao Coletivo Vozes da Rua,
um grupo de movimento negro, que se debruça sobre a questão
por meio da cultura hip hop e por meio do estudo de autores
negros. A primeira vez que tomou contato com a cultura
hip hop foi em 1993. Na época, escutou o “Homem Na Estada”,
do Racionais MC’s e ficou maravilhada. “Eu pensei, puxa vida!
juntou a batida forte da base dos Racionais com aquilo que eu
tinha introjetado (sobre música), e as letras batendo, não tem como
isso não mexer com a mentalidade dos jovens!”.
Foi também na década de 1990, conforme narra, que tomou
consciência “de que era mulher”. Na primeira infância, apesar
de gostar de ler os livros que seu pai, Luiz, trazia, e de querer ir
além daquelas leituras, imaginava seu futuro limitado a atividades
domésticas. “Na periferia, na nossa classe social, não temos
consciência de que somos mulheres. Pensamos que estamos aí
para trabalhar e sobreviver. Não temos vaidade, não nos achamos
bonitas. Quando eu era jovem achava que meu futuro iria
casar, ter filhos, e que minha vida seria limitada a isso. Mas, hoje
em dia, como mulher negra, eu me vejo como alguém que sempre
teve que guerrilhar para chegar a algum lugar, e o lugar que
eu queria chegar era o conhecimento.”
“Foi através do Programa de Mulher que eu e outras mulheres
aqui do bairro começamos a nos enxergar como mulheres.
O programa discutia a história da mulheres, a história de luta,
de conquistas e nos mostrava que ainda tínhamos muito a conquistar.
Foi muito importante tomar essa consciência para percebermos
que éramos mulheres e que construíamos a história
do Santa Cândida”, lembra Adenilde sobre um dos mais de 30
programas presentes na grade da Rádio Mega FM. A discussão
era veiculada todos os sábados e surgiu a partir da iniciativa da
professora da UFJF, Cláudia Lahni. “Os nossos programas eram
assim, tinham entretenimento, mas sempre traziam informação
e conhecimento, sempre”.
Conhecimento que deve ser sempre compartilhado, defende.
“Eu tenho pensado muito sobre a questão da circularidade.
Na África, as pessoas discutem tudo em um círculo.
Essa ideia de roda de conversa, roda de samba, veio de lá.
E eu aprendi com filósofos como Platão, Sócrates e até com
Heidegger, que a circularidade faz você encontrar o ser: se
você anda em círculo, você encontra o seu centro. E precisamos
nos centralizar, trocar experiências com o outro, olhar
pra si. O jovem hoje está muito linear, é preciso que a gente
olhe pra dentro e para o outro para conhecer a si e ao outro,
para compartilhamos o que somos e a nossa história. Sem
memória, a gente não tem vida e não tem história”, afirma a
professora Adenilde, que lecionou 28 anos da rede municipal
de ensino, após se graduar em filosofia e história pela UFJF.
Em 2017, Adenilde recebeu o título de Doutora Honoris Causa
concedido pela UFJF, o primeiro da instituição conferido a
uma mulher negra. “Esse título para mim foi uma surpresa. No
início, fiquei relutante em receber, porque não queria que me
envaidecesse ou que as pessoas achassem que eu não merecia.
Mas aqui no Santa Cândida me fizeram perceber que não era
um título meu, mas de toda a comunidade. E é verdade, esse
título representa a nossa luta que é, sempre foi e será coletiva.
Temos que continuar fazendo com que a solidariedade avance,
que a mudança chegue, porque a revolução é permanente”, reflete
uma das principais vozes da periferia de Juiz de Fora e, que
apesar de não se considerar, é referência para muitos.
estou no lugar certo”, ri, ao rememorar o argumento que arrebatou
a mãe.
Enquanto responde às perguntas, procura um livro com a
destreza de quem conhece bem a ordem em que estão nas
prateleiras cinzas da biblioteca que montou em casa. “A autobiografia
de Malcolm X é minha Bíblia”, revela. “Lá, na década
de1960, como diz os meninos, ele já deu todos os ‘bizus’ pra nós.
Agora estou lendo um livro chamado a “Armadilha da identidade”,
porque estou questionando muito a questão do identitarismo,
que já em 1964 o Malcolm dizia que era um tiro no pé.
Então estou tentando entender em que sentido isso se dá”.
Sua ânsia pelo conhecimento anda junto com a da luta pelo
coletivo. “Se a gente não compartilhar, não debater, não
adianta de nada. É por isso que estamos preparando uma live
para discutir esse tema no coletivo (Vozes da Rua). Atualmente
as atividades do Vozes da Rua acontecem de forma remota,
mas há preparativos para que os encontros presenciais e as
discussões sejam retomadas - em círculos.
• 37
ESPECIAL
8M Mulheres
nspiradoras
DIONYSIA MOREIRA
Desde nova, Dionysia Moreira mostrou o que queria: cantar. Simplesmente. Independente
de qualquer coisa. Porque, quando nasceu, seu pai já sabia que ela viria para complicar. A
cabeça estava além, com os ouvidos atentos no que sua família ouvia, no que tocava no
rádio, treinando a voz disciplinada que ela carrega até hoje, aos 90 anos. Mesmo impedida,
escondida, ela foi cantar no rádio. Foi encantada e encantou, porque não quis nunca mais
sair - e nem deixaram. Dionysia foi, por duas vezes, a melhor voz de Juiz de Fora. Fato é
que ela foi para longe da música outras vezes, e, por mais longo que fosse o tempo, ela
voltou. A família, sempre ao lado, tem contribuição inegável nesse trajeto. É uma força que
a impulsionou, agora, a pisar no palco do The Voice +, sendo a cantora mais velha de todas
as edições brasileiras do programa. Desinibida e corajosa, ela perpassa pela vida com a
certeza de que o melhor não tem idade para vir.
38• 6 | março | 2022
A força da
voz que vence
barreiras
Eu sou uma
pessoa
independente.
Eu, novinha,
não tinha nem
um tostão,
mas já era
independente.
Agora, eu sou
mesmo. Não
dependo de
ninguém para
viver
Cecília Itaborahy*
Tudo em
Dionysia Moreira
lembra
um tempo
áureo. A própria
voz dela
é tão confortável
que logo
já entrega o
que ela só iria
soltar ao final
da entrevista: um
canto potente, certeiro,
totalmente intuitivo.
Aos 90 anos, a cantora que já viveu
muito quer viver mais: quer ser ouvida
pelo mundo todo. Agora, sendo
uma das participantes do The
Voice +, reality show da TV Globo,
esse processo se torna real.
O bairro onde mora desde que
se mudou para Juiz de Fora, aos
três meses, o São Bernardo, é testemunha
dessa história, que passa a
ganhar os holofotes, mas sem perder
a simplicidade que lhe é cara.
Ela, encantada, reafirma a todo
tempo que sua voz, finalmente, alcançou
outros horizontes. “Música
mesmo nunca me faltou. E nem
podia. Eu não aguentaria.” E ela foi
insistente para viver disso. “A gente
gosta de cantar, a gente gosta de
cantar. Não adianta.” Dionysia é irredutível.
Vestida de azul, cheia de adornos,
os cabelos feitos de maneira
que dava para notar aquele contorno
das escovas. Tudo milimetricamente
pensado. Mesmo com
dor no joelho - ela se remexia para
se ajeitar no sofá -, estava de salto:
um salto grosso, plataforma, de
cor branca e detalhes dourados,
que encaixava perfeitamente naquela
cena. Dionysia prefere não
se limitar às dores. Vê cor em todo
canto. Assume que é vaidosa. Ainda
assim, gosta do conforto da caminha
dela, em sua casinha, ao lado
de seu maridinho, o Clóvis, sua
companhia favorita. Os “inhos”,
no diminutivo, como ela os refere,
demonstram mais apreço que minimização.
Dionysia já declara, logo de início,
que não tem vergonha. Ela
sempre cantou. Desde a escola já
gostava de fazer as homenagens
para as professoras ou cantar o Hino
Nacional às segundas-feiras. Ela
recorda que, quando mais jovens,
seu pai e sua mãe gostavam de tocar
violão e cantar algumas valsas.
Ouvir música em sua casa também
era corriqueiro. “Eu ouvia muito
MPB quando era mais nova. Papai
gostava muito de valsa. A mamãe
também. Meu irmão gostava
do Orlando Silva. Mas eu gostava
mesmo, que era o que eu cantava
arrumando cozinha, limpando
casa, era do Vicente Celestino. Eu
achava lindo aqueles gritos, apesar
de eu não cantar gritando.” Além
dos vinis, existia a rádio que, naquela
época, recebia os principais
nomes da música brasileira.
A melhor cantora
de Juiz de Fora
Descobrindo que cantava, era
na rádio que Dionysia queria estar.
Entre ir escondida para cantar
e entrar oficialmente como cantora
na PRB-3, muitas águas passaram.
“Eu posso dizer que minha
vida é igual àquela novela que
está passando agora”, ela acredita,
apesar de esquecer o nome e qual
exatamente é a novela.
Com detalhes, ela conta da relação
de seu pai com sua vontade
de cantar. Ele a proibia, é verdade,
de exercer o que queria, mas ela
não desistiu. Mesmo de maneira
escondida, durante um tempo,
até se tornar a cantora oficial da
rádio, acabou conseguindo o que
queria. Depois de ter sido eleita
a melhor cantora de Juiz de Fora
em 1956 e 1957, mais uma vez, foi
para longe da música em 1958.
Dessa vez, por vinte anos - talvez
o tempo mais longo que ficou
No bairro, com o
marido e a família
Oportunidades de sair de Juiz
de Fora não faltaram. Mas ela não
quis. Cantando, essas possibilidades
surgiam, inclusive para se mudar
para o Rio de Janeiro. “Viajo
muito, mas quis ficar em Juiz de
Fora. Eu recebi vários convites. Eu
fiquei com medo de ir. Sei lá, Rio
de Janeiro, não conhecia nada. A
gente é mais roceira que moderna.”
Depois surgiu oportunidade
de ir para Belo Horizonte. Ela não
foi também, continuou no São
Bernardo. A verdade só revela depois:
“Eu já tinha conhecido meu
marido, minha filha. Prefiro ficar
com ele na minha casinha”. Ainda
assim, é uma mulher independente.
Agora, Dionysia acaba tendo
sem cantar. Seu primeiro marido
também fez com que ela se afastasse
da música.
Mas a família Moreira é muito
unida. Uma de suas irmãs, logo
após o primeiro companheiro de
Dionysia falecer, vendo como ela
estava, a reanimou para voltar aos
palcos. Ela, então, como uma sina,
voltou. “Eu fui e nunca mais saí.
Canto até hoje.” O palco das rádios
foi trocado pelos palcos dos
bailes. Um disco todo seu só saiu
em 2013, pela Lei Murilo Mendes
da Fundação Cultural Alfredo
Ferreira Lage (Funalfa), tendo como
título seu próprio nome. “No
meu CD, eu falei com meu marido,
é um passeio musical que
estou fazendo.” Nele, ela recorda
alguns sambas antigos e músicas
de compositores contemporâneos,
com a produção assinada por
Márcio Gomes.
que ir ao Rio de Janeiro para gravar
o The Voice +, apesar de ficar
entre o hotel e o estúdio, sem ver
de perto as belezas naturais. A
possibilidade foi pensada como
um presente de aniversário da
sobrinha, Ana Paula: 90 anos tem
motivo de sobra para comemorar.
Ana Paula inscreveu a tia, e o presente
se concretizou. Na primeira
apresentação, ela cantou “Gostoso
demais”, de Dominguinhos
e Nando Cordel. Quando disse
que tinha 90 anos, os jurados não
acreditaram. “Ninguém acredita
que eu tenho 90 anos, o que eu
faço? Eu peço tanto a Deus para
ficar bem.” Quando fala sobre
o programa, o sorriso não sai do
rosto.
Dionysia é
como é, e inspira
Mesmo já tendo recebido aplausos
pela vida toda, ainda não se
acostumou com a fama de agora.
“As pessoas me param nas poucas
vezes que eu vou à rua.” Por ter 90
anos e a vitalidade daquela que
fugia para cantar, ela parece ser
especial. Ou, complicada, como
dizia o pai logo que ela nasceu.
“Alguns dizem que eu sou diferente.
Eu não sei o motivo. Eu sou isso
aqui que você está vendo. Muito
alegre.” Mesmo sendo sempre
assim, ela diz que é, sim, difícil ser
musicista. Mas, vindo da voz de
quem fez de tudo para continuar
nos palcos, o recado que ela dá
para finalizar a entrevista é quase
um dever: “Eu acho que tem pouca
presença de mulher na música.
Mas vamos cantar. O negócio é a
gente mostrar a nossa raça e garra
na música. Não tem idade, não
tem nada. A vida é nossa. A vida é
da mulher.”
*Sob supervisão da editora
Luciane Faquini
6 | março | 2022
• 39
40• 6 | março | 2022
6 | março | 2022
• 41
ESPECIAL
8M Mulheres
nspiradoras
JAEL PIFANO
Por trás do nome Jael Pifano há muito mais do que uma mulher, cabeleireira, empresária e
mãe. Jael Pifano empresta seu nome a uma equipe formada por 42 mulheres e um homem
em um dos mais movimentados salões de Juiz de Fora. Por mês, as mãos da equipe de Jael
cuidam dos cabelos e da beleza de cerca de duas mil mulheres. Filha de imigrantes italianos,
a juiz-forana começou a carreira com apenas 14 anos, trabalhando na limpeza de um salão
da cidade. Sempre com vontade de aprender, aos 23 montou seu primeiro estabelecimento
com apenas duas cadeiras e um espelho. Hoje, possui um verdadeiro complexo de beleza
que é referência em Juiz de Fora e região. Ao olhar para trás, Jael se sente realizada do
caminho que trilhou, principalmente por construir uma empresa do jeito que sempre quis.
Os planos para o futuro envolvem seguir repetindo a fórmula que a levou até ali: criar
oportunidades para mulheres que desejam se encontrar nesta profissão que tem o objetivo
de levar mais beleza para o mundo.
42• 6 | março | 2022
Do trabalho pela
sobrevivência
ao sucesso
Mariana Floriano*
Ao virar a esquina da Rua Oscar Vidal, no
Centro de Juiz de Fora, e descer até o número
150, a paisagem fria do asfalto dá lugar a tons
dourados e luzes brilhantes do salão de Jael
Pifano. “Pode subir, a Jael está esperando por
você no andar de cima”, diz uma das moças
no hall de entrada. Uma escada caracol nos
leva até o segundo piso. Lá, mais secretárias:
“a Jael está na sala de tintura, pode subir as
escadas”. Mais um lance e o olhar admirado
entre salas para lavagem de cabelo, para corte,
tintura, maquiagem, conversas animadas e
mulheres com brilho nos olhos e papel na cabeça.
Já no terceiro andar está Jael. A mulher que
dá nome à equipe de mais de 40 funcionárias
conversa, se movimenta com rapidez, e fica por
dentro de tudo o que acontece nas inúmeras salas.
“Nunca cheguei a contar quantas são, dá até
um desespero”, afirma rindo. Para conversar, vamos
até o espaço reservado para arrumação de noivas, onde,
segundo ela, “é mais calmo”. De fato, fica difícil definir se o
ritmo agitado do salão toma conta de Jael ou se ela contagia
o ambiente, já que na opinião de suas filhas, “ela é a alma do
lugar”.
Quem hoje entra na empresa construída por Jael Pifano não
imagina que há 40 anos tudo o que possuía eram duas cadeiras
e um espelho. “Tenho 59 anos de idade e 45 de profissão”,
diz ao contar a história de quando tudo começou. A primeira
função de Jael dentro de um salão de beleza foi na limpeza,
varria os cabelos que caíam no chão, mas sempre com olhos e
ouvidos atentos a tudo o que acontecia em cima das cadeiras.
“Sou filha de imigrantes italianos, meus pais eram muito
pobres. Minha mãe, que não sabia ler nem escrever, lavava
mais de 30 trouxas de roupa por dia e, nos fins de semana, fazia
comida para vender no bairro.” Foi observando a condição
humilde da família que Jael, com apenas 14 anos, se dispôs a
ajudar. Nenhum parente era cabeleireiro, e o sonho de ter um
salão próprio nunca tinha passado pela sua cabeça. “O meu
sonho mesmo, desde pequena, era ser química.”
Sem ter como bancar os estudos, Jael agarrou a primeira
oportunidade que surgiu. “Uma vizinha trabalhava no Ediza,
que já foi um dos maiores salões de Juiz de Fora, e ela me disse
que estavam precisando de alguém para limpeza. Na mesma
hora eu aceitei.” Dez anos mais tarde, ela viria a montar
seu primeiro salão.
“Eu não tenho vergonha de falar, no meu primeiro salão,
só tinha um lavatório, duas cadeiras e um espelho. Já almocei
muitas vezes no banheiro, porque não tinha outro lugar para
almoçar.” Os primeiros anos da profissão foram de muita luta,
trabalhava de segunda a sexta e, nos fins de semana, cortava o
cabelo de todos os moradores do Bairro Borboleta, onde nasceu.
“Já trabalhei muito de graça, mas era importante para que
eu aprendesse.”
Jael sabe fazer de tudo. “Sempre fui assim. A primeira vez
que fiz maquiagem foi quando a maquiadora do salão passou
mal, não pode ir e tinham várias clientes marcadas para um
casamento. Minha chefe à época, que sempre me percebeu
observando o trabalho da maquiadora, perguntou se eu sabia
fazer maquiagem. Eu não sabia, mas disse “sei”. A partir daí,
eu virei maquiadora.”
Coragem, vontade de aprender e muita determinação foram
os componentes que, segundo Jael, deram vida ao seu salão.
Do pequeno cômodo na galeria Constança Valadares, ela teve
que se mudar para outro prédio na Rua Halfeld. “A sala não me
comportava mais, depois de um tempo, a mulherada ficava de
papel nos cabelos pelos corredores da galeria.”
Na Rua Halfeld, ela alugou duas salas no Edifício do Banco
Mineiro da Produção, lá ficou por seis anos, mas logo surgiu a
necessidade de expandir. “A primeira vez que vim visitar esse
apartamento aqui na Oscar Vidal, eu não queria pegar de jeito
nenhum. Falei com a proprietária que ela estava louca, aqui era
grande demais para mim. Hoje já estou com quatro.”
Se quisesse, afirma Jael, poderia ser ainda maior, mas afirma
estar satisfeita com a empresa que construiu. “Me sinto realizada
porque fiz uma empresa da forma como eu queria, uma
empresa humana.” O salão, antes da pandemia, recebia cerca de
duas mil clientes por mês e, nos últimos tempos, tem retornado
ao ritmo intenso de trabalho. “Nós tivemos que reduzir a equipe
durante a pandemia por conta de espaço. Para obedecer as normas
de distanciamento, não pude ficar com a capacidade máxima
de funcionários que eu tenho.”
Atualmente, o salão de Jael conta com 42 funcionárias, entre
cabeleireiras, manicures, esteticistas e outros profissionais.
E há ainda um homem na equipe, o primeiro depois de
muitos anos. Gerar empregos e dar oportunidade de crescimento
é uma das coisas que mais motiva a empresária. “Se
eu pudesse, contratava muito mais. Assim como eu comecei
muito nova, vejo meninas seguindo os mesmos passos, com
muita garra, se aperfeiçoando e traçando um rumo na vida.”
Para ela, o diferencial do salão passa também pela qualidade
das funcionárias. “Para trabalhar comigo precisa ser uma
pessoa boa, não digo nem profissional bom, porque profissional
a gente molda, mas caráter, não.”
Se eu pudesse, contratava muito mais. Assim
como eu comecei muito nova, vejo meninas
seguindo os mesmos passos, com muita garra,
se aperfeiçoando e traçando um rumo na vida
Aspiração de ensinar jovens
meninas e adolescentes
O sonho para o futuro é poder retribuir um pouco de sua
sorte às próximas gerações. Jael planeja fundar uma escola
técnica para jovens meninas e adolescentes, com o objetivo
de ensinar um ofício e consequentemente as tirar das ruas.
“Gostaria de dar a oportunidade para se descobrirem em
um tipo de profissão. Se você encontra uma direção com 14,
15 anos, a chance de ter um futuro melhor aumenta demais.
Eu ficaria muito realizada em saber que fui parte disso.”
Mas no momento, os planos ainda são apenas planos, as
prioridades de Jael são outras, como cuidar da mãe de 93
anos. “Minha mãe é minha maior inspiração. Fui criada por
uma mulher à frente do seu tempo, não tinha como eu ser
diferente. Mesmo sem ter dinheiro ou educação, ela nunca
abaixou a cabeça, pelo contrário. Sempre batalhou demais
para conseguir o que é dela.”
Quando questionada sobre o que gosta de fazer quando
não está trabalhando, Jael logo responde “viajar”. Mas até
nisso sua profissão ganha espaço. “Adoro viajar, conhecer
novas culturas, já fiz curso em oito países na área de coloração.
Sempre que dá, tento unir essas duas paixões, viajar
e aprender.” Outra paixão recém descoberta é seu sítio,
“nunca gostei de roça, mas agora tenho um sítio onde
gosto de ir para cuidar das minhas plantas. Eu também
faço crochê, tenho meus grupos de estudo, de religião.
Minha vida é bem movimentada, mas eu gosto assim”,
afirma, rindo.
*Sob supervisão da editora Luciane Faquini
6 | março | 2022
• 43
ESPECIAL
8M Mulheres
nspiradoras
JANAÍNA OLIVEIRA
Janaína Oliveira é pesquisadora e professora da Universidade Federal de Juiz de Fora,
mesma cidade em que nasceu. Viveu sua infância no Bairro Boa Vista, onde descobriu
a paixão pelos estudos, que, mais tarde, a levou a cursar engenharia elétrica. Com uma
trajetória de mais de 16 anos dedicada à pesquisa, Janaína acredita que a ciência precisa ir
ao encontro de outras mulheres, por meio de iniciativas que vão para além do campus da
universidade. Quando retornou do doutorado na Suécia decidiu colocar isso em prática.
Pensando em contribuir para a equidade de gênero no campo científico e na engenharia,
Janaína, ao lado de outras estudantes, fundou, em 2004, o primeiro grupo IEEE Women
In Engineering do Brasil. O projeto pertence a um grupo internacional, presente em mais
de cem países do mundo, e, em Juiz de Fora, as atividades buscam incentivar tanto as
estudantes do curso de engenharia, quanto garotas de escolas públicas a serem cientistas
44• 6 | março | 2022
Uma cientista
na luta contra a
desigualdade
de gênero
Nayara Zanetti *
Da janela de madeira entra a luz que
ilumina a estante coberta por livros de
todos os tipos, cores e volumes. Sentada
à frente do móvel, a professora e pesquisadora
da Universidade Federal de Juiz
de Fora, Janaína Oliveira, 38 anos, relembra
o caminho que percorreu. Quando
ainda criança se encantou pelos estudos,
especialmente por números, fórmulas e
sistemas, a ponto de crescer e se tornar
uma cientista que pesquisa a energia.
Mas parecia tão distante aquele caminho
até a universidade... E o que a motivou
e mostrou que era possível ocupar
esses lugares foi ver outras mulheres ali.
A curiosidade da infância se transformou
em ciência e, hoje, Janaína desenvolve
projetos em Juiz de Fora para que mais
mulheres possam ver nas áreas de ciência e
tecnologia um futuro.
Janaína hoje é professora do Departamento de
Energia da Faculdade de Engenharia Elétrica da UF-
Para além da ciência
Conquista através do
estudo e da pesquisa
JF. Ao todo, as disciplinas profissionalizantes do curso
de engenharia elétrica, que envolvem os departamentos
de Circuitos Elétricos e Energia Elétrica, contam com 56
professores, destes apenas três são mulheres.
“Eu me lembro que na faculdade eu gostava muito
das professoras do departamento de física, que era onde
tinham mulheres, e falava que queria ser igual a essas
professoras. Hoje em dia, minhas alunas me falam: ‘é tão
bom ter aula com você, porque faz parecer que eu posso
ser assim’. É representatividade, você se vê no lugar daquela
pessoa”, afirma Janaína.
Seria o habitual, talvez até mais cômodo, focar nas suas
pesquisas sem se preocupar em inserir, na prática, as pessoas
que não fazem parte da comunidade científica, mas
não foi por esse caminho que Janaína decidiu seguir. Em
2004, a pesquisadora foi uma das fundadoras do primeiro
IEEE Women In Engineering do Brasil, o IEEE WIE
UFJF, um grupo de afinidade estudantil do Institute of
Electrical and Electronics Engineers (IEEE), que promove
iniciativas para combater a desigualdade de gênero no
campo científico e na engenharia.
Desde 2014, quando retornou à UFJF como professora,
coordena o projeto que, atualmente, conta com cerca de
20 membros.
Janaína ressalta o compromisso do grupo de alcançar as
escolas públicas de Juiz de Fora. “São essas crianças que
precisam ver ou ouvir que engenharia é coisa de menina,
que ciência é coisa de menina. Os projetos de extensão que
eu trabalhei tentam buscar a população que não recebe essa
informação todo dia.”
Antes da pandemia, o WIE elaborou um projeto junto
com a Casa da Mulher, oferecendo cursos para a formação
de mulheres visando à emancipação. Os conteúdos eram
variados e ensinavam desde trocar resistência do chuveiro
até entender como funciona a conta de luz.
“Muitas vezes, a mulher que sofreu uma violência depende
do homem para essas coisas. Era um projeto que
eu achava tão lindo de discutir esses assuntos técnicos com
mulheres, principalmente mulheres que estão em uma
situação de sensibilidade, dar a elas essa sensação de ‘eu
posso resolver isso, não preciso de chamar um homem para
vir aqui fazer isso para mim.’”
Para Janaína, o projeto funciona como um espaço de encontro
com outras mulheres que também querem ajudar
mais pessoas, e é essa dinâmica que, além de trazer força,
a motiva. “O WIE é o lugar onde eu consigo trazer as questões
de ser mulher, de incentivar e compartilhar o ser mulher,
principalmente no espaço de minoria.”
A mãe de Janaína, Maria Helena Gonçalves, era tecelã,
e seu pai, José Maria Oliveira, marcador de água. A pesquisadora
foi a primeira da família a ingressar em uma
universidade. Na turma de 2002 do curso de engenharia
elétrica, estudavam Janaína e mais cinco garotas em
uma sala com 30 pessoas.
Desde o segundo período da faculdade, ela começou
a participar de projetos de iniciação científica, mas foi no
sexto período que decidiu seguir nessa área, após ser uma
das dez pessoas selecionadas na América Latina para fazer
um estágio em Campinas, no laboratório do Centro
Nacional de Pesquisa de Energia e Materiais (CNPEM),
onde fica o Sirius - maior fonte de luz síncrotron (radiação
eletromagnética que pode ser usada para a observação
das estruturas internas dos materiais, como átomos e
ligações químicas) do Hemisfério Sul.
Ao concluir a graduação, deu início ao doutorado na
Suécia, onde morou por cinco anos. Antes de retornar
à UFJF, trabalhou como pesquisadora da multinacional
General Electric, no Rio de Janeiro. “Eu sou muito acadêmica,
por isso, sentia muita falta da sala de aula, eu
amo a universidade. Então decidi ir para a UFJF porque
achava que podia fazer diferença no ambiente e acreditava
que poderia retornar o que me foi dado na minha
formação, que foi publica 90% do tempo”, explica.
Hoje, Janaína pesquisa sobre os impactos das fontes de
energia renovável na rede elétrica e busca encontrar soluções
para esse problema. Ao ler o tema, pode parecer
algo distante e com certeza um tanto difícil de explicar,
mas na verdade é uma discussão que tem ganhado força
e impacta diretamente no modo de vida do consumidor.
Antes de ir para o doutorado, em 2006, Janaína conheceu,
por meio de um amigo em comum, seu esposo
Rodrigo. Do relacionamento de dez anos, nasceu sua filha
Maria Luiza, de 5 anos, e João, de 10 meses. A rotina
mudou, a professora tirou licença maternidade durante
o período da pandemia e relata que foi difícil ficar afastada
dos alunos e do estudo, mas agora que voltou está
cheia de sonhos e ansiosa para dar vida a novos projetos.
“Às vezes o meu coração pede que eu faça mais como
mulher e para mulher e eu não sei nem muito bem como
fazer, mas tento buscar as respostas.”
Sobre o futuro, Janaína espera uma certa naturalidade
na ocupação dos espaços pela mulher. “Que a gente não
precise ir lá dizer que lugar de mulher é onde ela quiser,
que seja natural, que a minha filha cresça com isso natural
e saiba que ela pode fazer o que ela quiser. Quero
que a minha filha me veja voltando a fazer o que eu amo
e que isso seja para ela e para tantas outras meninas uma
forma de entender, muito natural, de que a gente faz tudo.
Inclusive para os meninos também que fique muito
claro que as meninas podem fazer o que elas quiserem.”
*Sob supervisão da editora Luciane Faquini
Que a gente não
precise ir lá dizer
que lugar de mulher
é onde ela quiser,
que seja natural,
que a minha filha
cresça com isso
natural e saiba
que ela pode fazer
o que ela quiser.
Quero que a minha
filha me veja
voltando a fazer o
que eu amo e que
isso seja para ela e
para tantas outras
meninas uma
forma de entender,
muito natural, de
que a gente faz
tudo. Inclusive
para os meninos
também que fique
muito claro que as
meninas podem
fazer o que elas
quiserem
6 | março | 2022
• 45
ESPECIAL
8M Mulheres
nspiradoras
LIDIANE CHARBEL PERES
A assistente social Lidiane Charbel Peres, 39 anos, ganhou, em 2021, o Prêmio Zilda Arns,
de prestígio nacional, pelo seu trabalho de cuidado com idosos. Mas sua trajetória se
destaca por muitos outros motivos: ela criou diversos projetos voltados para a qualidade
de vida desse segmento da população e para o aperfeiçoamento das instituições de
longa permanência. Foi representante do Conselho do Idoso e ainda vice-presidente
e presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa. Lidiane saiu de São
João Del Rei para Juiz de Fora obstinada a fazer a diferença e quebrar tanto seus próprios
preconceitos quanto os da sociedade. Nessa trajetória, não deixou os estudos de lado,
fez cursos e se especializou o quanto pôde para conseguir ajudar mais e mais pessoas.
Continua assim, todos os dias, cheia de planos e de novos objetivos para conseguir trazer
melhorias sociais. O trabalho não é apenas uma ocupação, é uma missão de vida, que
está em primeiro plano o tempo inteiro.
46• 6 | março | 2022
Um olhar
inovador sobre o
envelhecimento
Elisabetta Mazocoli*
Lidiane Charbel Peres, 39 anos, viveu a infância em
São João Del Rei, brincando no chão de terra, participando
de todos os piques de rua, sem nenhum aparelho
eletrônico ao seu redor. Se dissessem, naquela época,
que ela se tornaria uma assistente social e que iria receber
um prêmio de prestígio nacional por seu trabalho
com idosos, provavelmente não acreditaria. Mas teria
certeza ao menos de uma coisa: a sua vontade de mudar
vidas vinha de longe. Esse desejo sempre a acompanhou
e foi o responsável por mudar não só a sua
própria história, mas também a de tantos outros que foram
impactados por seu trabalho.
A vontade de se tornar assistente social
surgiu a partir do contato com uma professora
do cursinho que iniciou quando
estava no final do curso de Filosofia. Ao
conhecer mais sobre a outra profissão e
entender o potencial que ela oferecia de
se fazer algo para atingir mais concretamente a vida dos
outros, Lidiane percebeu que aquilo a envolvia muito. E
de fato, ao longo de sua carreira, nunca teve medo de lidar
com questões como violência, desemprego e vulnerabilidade
social, coisas que poderiam fazê-la repensar a decisão.
Mas a assistente social chegou mesmo à área de que
mais gostou quando estava distribuindo currículos, logo
que se formou. “Recebi duas propostas e acabei optando
por ir para um abrigo, o Lar de Idosos Santa Luiza de Marillac.
Fiquei lá de 2011 a 2016. Nesse período, me inseri em
dois espaços importantes para envelhecimento, me aprofundei
muito na área e deixei pra trás diversos preconceitos”,
diz.
Um desses espaços a que se refere foi o Conselho do
Idoso, no qual entrou primeiro como ouvinte e depois
como representante da instituição onde trabalhava. Logo
depois se vinculou ao segundo espaço, o Conselho Municipal
dos Direitos da Pessoa Idosa, do qual foi vice-presidente
e presidente. Com essas participações, fez algo que
considera uma de suas maiores conquistas: uma conferência
municipal dos gerentes da pessoa idosa, na qual mais
de 80% do público foi formado por pessoas idosas, participando
e deliberando sobre seus direitos e conquistas.
Apesar de já estar, em 2015, totalmente envolvida na
área, foi nesse momento em que aconteceu um ponto de
virada: surgiu o projeto Condomínio Cultural. “Foi possível
mostrar que o termo asilamento estava caindo por terra.
A instituição era uma residência coletiva, e os idosos
deviam ser vistos como moradores do local, não como pessoas
abandonadas.”
O projeto que desenvolveu realizou reuniões de condomínio;
sessões de pet terapia; uma rádio Marillac, coordenada
por dois idosos; um jornal de informes; o bazar da
instituição; além de uma parceria com escolas, que estimulava
a troca de cartas entre idosos e crianças. “Quando
entro em algum local, entro para fazer a diferença”, afirma.
As mulheres devem acreditar no potencial que têm
e buscar fazer o que querem com comprometimento
e coragem. A luta de gênero é muito desigual, e as
mulheres precisam se unir para passar por todos os
desafios que são impostos
Superando preconceitos
Prêmio Zilda Arns e legado
Quando foi indicada para o Prêmio Zilda Arns, em 2021,
Lidiane já conhecia a honraria, que é concedida pela Câmera
dos Deputados e que homenageia pessoas ou instituições
que defendem a pessoa idosa. Junto com 32 outros concorrentes
do Brasil inteiro, Lidiane não imaginava que poderia
ganhar, e já estava muito honrada com a mera indicação.
“Quando vi que estava concorrendo com padre Júlio Lancelotti
e a Karla Giacomin, achei que não ia passar nem
perto”. Por isso mesmo, quando recebeu o resultado, escutou
o áudio cinco vezes. Só foi acreditar que era verdade
quando seu nome saiu na internet. Mas o prêmio maior, como
conta, foi ver seus pais também se sentirem honrados e
premiados com a conquista.
Hoje, a assistente social ainda participa, como voluntária,
Mas nem sempre Lidiane enxergou o envelhecimento da
forma carinhosa e natural como vê agora. Ela, por exemplo,
revela que sempre temeu o que aconteceria com seus pais.
Mais que isso: uma vez, teve que escrever uma carta para o
seu “eu idoso” e se imaginou com 60 ou 70 anos já precisando
de andador, com todas as piores dificuldades que o
envelhecimento pode trazer. “Foi uma carta péssima. Quando
peguei pra ler de novo, já tinha mudado completamente
minha cabeça”, relembra.
Com o tempo e a vivência de trabalho, esses seus preconceitos,
tão comuns na sociedade, foram caindo por terra.
“Quando você começa a estudar e a ter mais contato
com esse público, você vê que a velhice não é como
se imagina. Há muitos idosos com envelhecimento ativo,
que não vivem com dependência. Existe um certo
declínio físico, é claro, mas é algo normal, natural”,
diz.
Um outro momento muito marcante do seu trabalho foi
quando percebeu que uma das idosas do abrigo era curatelada,
ou seja, não podia administrar seus bens e carregava
consigo o estigma de incapaz, mesmo não sendo. Ela conta
que aquilo impactava totalmente a mulher. Percebendo
isso, entrou com um processo para suspender a curatela e,
após dois anos, obteve a vitória. “O peso que deram pra ela,
conseguimos retirar. Ela mudou totalmente de postura depois”,
diz. Para Lidiane, então, mudar a percepção desses
preconceitos, que antes até ela mesma carregava, é uma tarefa
essencial.
da Frente Nacional de Fortalecimento de Instituições de
Longa Permanência para Idosos, dá aulas gratuitas nas suas
redes sociais e ainda oferece cursos para formar cuidadores
de idosos. Para ela, seu trabalho é como uma missão de vida
e espera que seja lembrada pela sua vontade de compartilhar
conhecimento e por se dedicar e fazer o melhor que
pode onde quer que esteja.
Para as mulheres, deixa como recado: “devem acreditar no
potencial que têm e buscar fazer o que querem com comprometimento
e coragem. A luta de gênero é muito desigual,
e as mulheres precisam se unir para passar por todos
os desafios que são impostos”.
*Sob supervisão da editora Luciane Faquini
6 | março | 2022
• 47
MANSUR
A excelência do
TRANSPLANTE
CAPILAR
Clínica de transplante capilar e dermatologia investe na capacitação e na valorização da
equipe, estimulando um novo olhar para o universo feminino
Foi a coragem que fez a cirurgiã plástica Leonora Mansur sair de
sua zona de conforto para mergulhar em um universo que, se não
era totalmente distante de sua história de vida, pelo menos era algo
que soava bastante desafiador. Afinal, no auge de sua carreira, ela
praticamente mudou de profissão para ingressar no universo do
transplante capilar.
Filha de um dos pioneiros no ramo de transplante capilar, o
médico João Mansur, Leonora conta que “foi um processo complicado
para os dois abrir mão de tantos anos de profissão para
focar completamente no transplante capilar, especialmente porque
a clínica já era reconhecida pela cirurgia plástica”. A escolha não
foi nada fácil, porém, a satisfação profissional que ela experimenta
hoje atesta o acerto de sua decisão.
“Com foco em um único tipo de procedimento, meu pai desenvolveu
e aprimorou novas tecnologias, como nosso implanter e o
uso do laser. Fizemos uma remodelagem no nosso hospital e nos
processos de atendimento. Adquirimos mais microscópios e instrumentais,
aumentamos o time e investimos pesado em
treinamento. Atualmente, temos uma equipe composta
por quatro médicos e quase 30 auxiliares. Somos referência em
todo o Brasil, comemora a medica Leonora Mansur.
Mais do que a experiência acumulada, Leonora acredita que as
características próprias do universo feminino têm sido determinantes
para aprimorar ainda mais a especialidade iniciada na família:
“Somos auxiliados por profissionais de excelência e 95% dos
nossos colaboradores são mulheres e está aí boa parte do nosso
sucesso. As mulheres são muito resilientes, dedicadas e altamente
adaptáveis, além de terem um olhar de muito cuidado e acolhimento.
Isso é essencial para proporcionar uma boa experiência para os
nossos pacientes.”, conta.
Membro especialista da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
(SBCP) e da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética
(ISAPS), Leonora participa dos principais congressos mundiais
da especialidade, sempre em busca de atualizações e novas tecnologias.
Além de médica, hoje ela atua na gestão das unidades,
na adequação dos protocolos, assim como no treinamento dos
colaboradores e no atendimento e acompanhamento de seus pacientes.
Mesmo com tantas atribuições profissionais, Leonora garante
que consegue administrar bem o seu tempo, porque possui uma
rede de apoio interna muito engajada. “Sou auxiliada por profissionais
de excelência e minha equipe de liderança tem uma conexão
muito grande entre si. Todas acreditam no nosso propósito, compreendem
os desafios e as dificuldades e trabalham para suprir
nossas necessidades. Além de tudo isso, também amo muito o
que faço”, diz.
Como gestora, Leonora contribui fortemente para mudar o panorama
do preconceito contra a mulher que, muitas vezes, ela
mesma já enfrentou em sua trajetória. “Nosso processo de seleção
foca no perfil comportamental e nas habilidades e competências
necessárias a cada área de atuação. Nosso time de liderança é
composto 100% por mulheres. Temos profissionais do sexo feminino
mesmo em áreas que comumente são consideradas masculinas,
como, por exemplo, a manutenção e a informática. Procuramos
sempre criar oportunidades que incentivam o crescimento
pessoal e profissional das nossas colaboradoras.”, finaliza.
“Conseguimos unir
anos de experiência
a novas tecnologias,
para chegarmos ao
procedimento ideal do
transplante capilar”,
comemora a médica
Leonora Mansur
Rua Santo Antônio,
630 – 9º andar
(32) 98501-0837
www.mansur.com.br
mansurtransplantecapilar
48• 6 | março | 2022
O
empreendedorismo
também é o
exercício das muitas
dimensões do feminino
A EMPRESÁRIA LUCIENE SCORALICH CONSTRÓI HÁ 20 ANOS,
EM MAR DE ESPANHA, UMA HISTÓRIA DE SUCESSO ANCORADA NA
QUALIDADE DE LINGERIES QUE CONQUISTAM O BRASIL
“Nós mulheres precisamos nos unir, para enfrentar o
preconceito e o patriarcado existente em nossa sociedade”.
A frase da empresária Luciene Scoralich, proprietária
da Loback Lingerie, expressa bem a personalidade de
quem decidiu fazer do seu ofício algo além de um negócio
bem-sucedido que já ultrapassa duas décadas e emprega
mais de 300 colaboradores entre diretos e indiretos. Por
meio do empreendedorismo, ela exercita diferentes dimensões
do feminino que abrangem seu modo de estar
e agir no mundo ainda marcado pelo preconceito contra
a mulher.
“Minha forma de contribuir para essa desconstrução
é através do acesso à informação e pelo estímulo ao conhecimento.
Regularmente converso com minhas colaboradoras,
mostro as infinitas possibilidades de crescimento
e valorizo suas atitudes. No meio social, busco me fazer
presente, frequento grupos de mulheres empreendedoras
e participo regularmente de encontros de negócios. Acredito
que quanto mais mulheres servirem de exemplo de
gestão e empreendedorismo mais essa corrente tende a
crescer”, explica Luciene.
Sua trajetória de sucesso está alicerçada não apenas
nas vitórias diárias no universo dos negócios, como também
nos aprendizados inerentes a quem busca equilibrar
os desafios empresariais com o exercício da maternidade
e da vida de casal.
“É extremamente desafiador ser uma empreendedora.
Preciso conciliar a criação de três filhos, a gestão da casa
e os cuidados que nós, mulheres, necessitamos. É preciso
ser multifacetada, disciplinada e, principalmente, determinada.
Mas tenho a sorte de ter ao meu lado um marido
incrível, parceiro, que me ampara e me ajuda em todos os
momentos da minha vida”, observa Luciene, orgulhosa da
história de vida que está escrevendo.
Apesar da discriminação já sofrida, a empresária garante
que há muita vantagem em empreender, e está convencida
que o instinto maternal ajuda no relacionamento com
os colaboradores. “Tenho uma relação muito próxima com
todos. Estou sempre disponível para ouvi-los, e acredito
no reconhecimento coletivo e individual. Valorizo muito o
senso de justiça e sempre me coloco no lugar do outro.
Desta forma, penso ser justa com todos. Sei amparar e valorizar
quando merecido, assim como dar ‘aquele puxãozinho
de orelha’ quando necessário”.
www.instagram.com/lobacklingerieoficial | www.lobacklingerie.com.br/
www.facebook.com/lobackconfeccoes | (32) 3276-1580 / (32) 98447-4534
6 | março | 2022
•49
ESPECIAL
8M Mulheres
nspiradoras
MARGARIDA SALOMÃO
Maria Margarida Martins Salomão esteve sempre na vanguarda. Ingressou na
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) em 1968, como aluna da primeira turma de
Licenciatura em Letras, em um ambiente predominantemente masculino. Foi a primeira
mulher reitora da mesma instituição de ensino (1998 a 2006), onde dedicou 40 de
seus 71 anos de vida à docência, com doutorado e pós-doutorado em Linguística na
Universidade da Califórnia (EUA). A pesquisadora e professora emérita da UFJF também
enfrentou o machismo no Congresso Nacional em seus dois mandatos como deputada
federal (2013 a 2020). Para muitas pessoas, administrar o município onde nasceu e
viveu pode ser a concretização de um ideal. Para Margarida, não. “Não vejo exercer uma
função política como a realização de um sonho pessoal. Ser prefeita de Juiz de Fora é
uma grande honra, mas, fundamentalmente, uma tarefa, um trabalho a ser executado.
Na verdade, estar nesta cadeira significa estar sendo provada todos os dias. Vivemos
um momento de muita dificuldade, e fazer a gestão da cidade é explorar as próprias
possibilidades pessoais ao limite.”
50• 6 | março | 2022
Abrindo
caminhos
para as mulheres
Deveria haver
paridade de
gênero no
Congresso, na
Câmara Municipal.
Deveria haver
muito mais
mulheres na
política. Entendo
que estamos
testemunhando
e exercendo uma
luta para que haja
muitas mulheres
eleitas. O ano de
2020 já mostrou
isso, e não tenho
dúvida de que
nas eleições de
2022 muito mais
mulheres serão
eleitas
Sandra Zanella Repórter
A única mulher na história
atual a ser eleita para chefiar
o Executivo juiz-forano, com
54,98% dos votos válidos, o que
representa 144.529 eleitores, sabe
a dimensão da sua responsabilidade.
“É uma situação
notoriamente difícil, haja vista
que sou a primeira, em quantos
anos de história? A cidade se estabelece
como tal em 1850. E só
em 2021 é que ela vai ter uma
mulher na posição de principal
dirigente. Além disso, não sou
apenas a primeira prefeita, fui
a primeira mulher a se candidatar a prefeita em Juiz
de Fora (2008). Depois disso, outras seguiram essa
trilha”, destaca Margarida Salomão, durante entrevista
em seu gabinete na Prefeitura.
“Sendo a primeira mulher, sou cobrada como nenhum
homem seria. Em segundo lugar, eu não posso
errar”, dispara. Apesar de estar em uma posição
extremamente desafiadora, Margarida acredita na
força de suas realizações pessoais e profissionais, as
quais levaram sua candidatura a ser postulada pelo
PT. “Foi o Partidos dos Trabalhadores que, pela primeira
vez na história da cidade, propôs uma mulher
como candidata a prefeita.” Também estreando como
representante da esquerda na posição de chefe
O risco à liberdade
do Executivo municipal, Margarida pondera que Juiz
de Fora já havia elegido governantes populares, da
social democracia. “É uma cidade que elegeu Itamar
(Franco) duas vezes prefeito, e Tarcísio Delgado, três
vezes.”
À frente da Prefeitura, Margarida afirma buscar
cumprir o programa “construído coletivamente” para
fomentar um desenvolvimento igualitário, almejando
uma cidade “em que todas e todos tenham
condições de se manifestar”. “Isso fica claro, não só
nas minhas prioridades, mas no fato de eu ter composto
um secretariado que é paritário de gênero. É
uma novidade, não só na cidade, como no Brasil. Isso
também é um elemento político de muito potencial,
na medida em que as mulheres podem exercer
funções das quais elas historicamente foram excluídas.
Evidentemente, você tem um governo com outra
cara, com outro estilo e com outro impacto na
sociedade.”
Sem se esquecer dos avanços femininos na seara
política, Margarida pontua que ainda há muito a
se percorrer. “Deveria haver paridade de gênero no
Congresso, na Câmara Municipal. Deveria haver
muito mais mulheres na política. Entendo que estamos
testemunhando e exercendo uma luta para que
haja muitas mulheres eleitas. O ano de 2020 já mostrou
isso, e não tenho dúvida de que nas eleições de
2022 muito mais mulheres serão eleitas.” Para aquelas
que estão nesse caminho, ela incentiva: “Não desistam,
vão à luta! Sejam eleitas e mudem o mundo.
É para isso que a gente faz política.”
Margarida Salomão começou a Faculdade de Letras
na UFJF em plena ditadura militar. Parte de
uma geração que procurou mudar o mundo, sempre
flertando com a cultura, ela recorda de como
era viver em meio a muitas restrições, sobretudo
para as mulheres e, principalmente, em relação ao
comportamento sexual e político. “Mas na época da
universidade, o que mais me deixava aturdida era
o risco à liberdade. Cansei de ver colegas e professores
sendo retirados de aula por pensarem fora da
‘caixinha’, por serem considerados ameaças àquilo
que no Brasil se impunha. Felizmente conseguimos,
com luta, virar essa página, e hoje, no Brasil,
somos defensores da democracia e do Estado de direito.”
Cinquenta anos depois, as resistências continuam
sendo “óbvias” para a primeira prefeita de Juiz de
Fora. “O simples fato de termos esse ineditismo do
qual estamos falando é uma ilustração clara da dificuldade
que nós enfrentamos. Mas isso não significa
que nós devamos desistir. No Brasil, hoje, temos
um grande movimento das mulheres por ocuparem
essas posições na política, que elas deveriam,
há longo tempo, ter ocupado, exercido e, com isso,
inclusive, mudado, em grande parte, o rumo da sociedade
brasileira.”
Para lidar com o machismo estrutural na vida profissional,
a estratégia usada por Margarida é o trabalho.
“Qualquer mulher que ocupe posições que
historicamente foram de homens tem que trabalhar
muito e, na medida do possível, ser melhor do que
eles. Senão, eu não estaria aqui, seria um homem.
Não é uma exclusividade desta função, é uma realidade
ainda numa sociedade machista, dentro da
qual nós vivemos. E a única forma de derrotar o machismo
é enfrentá-lo: fazer aquilo que você entende
que deva ser feito. No meu caso, cumprir o programa
para o qual eu fui eleita. Ao persistir nessa luta
eu, sem dúvida alguma, estou trabalhando diariamente
para vencer o machismo.”
Direitos para todas as pessoas
Margarida é persistente, prova disso foi retornar
à última disputa eleitoral para a Prefeitura de Juiz
de Fora após três derrotas consecutivas no segundo
turno. A mulher que gosta de conversar, ler e conviver
com pessoas queridas nas horas vagas também
coloca o verbo trabalhar entre suas preferências.
“A história da minha vida é uma história de muito
trabalho. Sempre fui muito dedicada àquilo que fiz.
Fui muito empenhada nos meus estudos, tive uma
trajetória acadêmica bem-sucedida e sempre me interessei
muito pelas outras pessoas. Sou linguista,
já é uma declaração pessoal do meu interesse pela
fala dos outros e pelo modo como as pessoas se expressam,
como se comunicam e como elas se colocam
na sociedade. Esse meu entendimento, de que
é necessário na vida lutar por aquilo que você acha
importante, com certeza me levou a vida inteira.”
Sem ter do que se arrepender, a Margarida do
passado ficou para trás, embora toda sua bagagem,
acumulada ao longo de décadas, esteja sempre presente,
como um “acervo de aprendizados”. “Isso é
um elemento com o qual eu conto. Na juventude,
aprendi muito. Como dizia Drummond: ‘Viajei, briguei,
aprendi’. Essa trajetória, com certeza, é uma
parte de mim. Ou, talvez, seja aquilo que me constitua.”
Viver em um mundo no qual todas as pessoas tenham
direitos é o que inspira a atual chefe do Executivo
municipal. “E o principal direito, certamente,
é à vida. Mas para que nós possamos viver, uma coisa
muito importante é que nós sejamos capazes de
compartilhar a riqueza que hoje produzimos, muitas
vezes à custa da natureza. Acho que essas chuvas,
malignas como são nesse momento, porque expressam
o desastre climático, trazem à nossa consciência
a percepção de que a riqueza do mundo é
exaurível. O que não é exaurível é a imaginação, a
inteligência, a capacidade humana de ser solidário.
Essas coisas compõem essa utopia de um mundo
que seja a casa de todos e de todas.”
6 | março | 2022
• 51
ESPECIAL
8M Mulheres
nspiradoras
MARIA DA ASSUNÇÃO CALDERANO
Maria da Assunção Calderano, 61 anos, gosta de tocar piano e meditar. Ama aprender
línguas e adora ver o pôr-do-sol. Estar com os filhos e viajar em família então, nem se fala.
Professora que une a teoria à prática, ela buscou fazer a diferença nas comunidades
em que se inseriu ao longo de sua trajetória profissional. Atualmente está aposentada
da sala de aula, mas dedica-se à Casa de Clara, projeto social que fundou em 2018,
junto ao marido Lecir. “Eu quero ver a direção da Casa de Clara formada completamente
pelas mulheres do Bairro Graminha”, revela, ao falar sobre um dos seus sonhos atuais.
Muito ligada à escola básica e à comunidade, também almeja uma escola justa e alegre,
onde o ensino seja algo prazeroso e as condições das pessoas, valorizadas. Para ela, a
emancipação do indivíduo deve ser uma luta cotidiana.
52• 6 | março | 2022
Uma vida dedicada
à educação
emancipatória
Carolina Leonel Repórter
Sua voz e jeito de falar já sugerem
o que viria se confirmar
com poucas horas de conversa:
Maria da Assunção Calderano
é uma mulher que
acolhe. Sua fala sutil, mas
precisa, é convidativa para
um bom papo. Ou simplesmente
para ouvir o
que ela tem para contar.
Gosta de falar, mas sabe
do valor da escuta
e do acolhimento.
Professora aposentada
da Faculdade
de Educação da
Universidade Federal de Juiz de Fora, Sun, como é carinhosamente
chamada por pessoas próximas, passou mais de 30 dos
seus 61 anos em salas de aula. Parte deles, em escola básica.
Foi durante o período que pôde vivenciar a Educação e descobrir
que as práticas educacionais vão muito além dos muros
da escola: é preciso uma escuta ativa para ouvir o que não é
dito. “Quando a escola não presta atenção na comunidade ao
seu redor, aquela é uma escola que pode ser dispensável. Na
minha visão, do ponto de vista metodológico, teórico, conceitual
e prático, quando você trabalha na educação e você não
olha a pessoa em si, suas raízes, sua história e contextos, você
é dispensável.” Assunção é categórica. Essa percepção, ela
conta, se deu logo no início da sua carreira profissional.
Após cursar o magistério em sua cidade natal, Senador Firmino,
município mineiro que dista cerca de 150 quilômetros
de Juiz de Fora, Assunção veio, aos 17 anos, para terras juizforanas,
onde conseguiu seu primeiro trabalho como professora
na Escola Estadual Juscelino Kubitschek, em Santa Luzia.
“Quando me mudei para cá, ainda não tinha muita clareza
de qual carreira seguir. O que eu sabia é que já tinha uma
pegada muito grande para processos educacionais e por processos
sociais, ainda sem ter muita clareza dessas definições”,
lembra. Filha de Silá e Zezinho, Assunção revela ter herdado
da mãe “essa coisa de querer cuidar das pessoas, ajudar as
pessoas desfavorecidas e prestar atenção nas injustiças sociais”.
Décima segunda filha de um total de 13, ela conta que
aprendeu logo cedo o sentido do compartilhamento e que
sempre recebeu dos pais os incentivos para os estudos. Já em
Juiz de Fora, buscou aprimorar conhecimentos. Começou a
cursar Ciências Sociais, curso que não chegou a finalizar.
“Eu percebi que o curso de Ciências Sociais não me trazia
todas as informações que eu queria. Eu ficava com essas
questões de relação entre escola e comunidade, queria
aprimorar os processos educacionais, para que eu pudesse
entender melhor como fazer com que as crianças se sentissem
mais motivadas ao estudo, trabalhar mais processos
pedagógicos, então migrei para o curso de pedagogia”, lembra.
Paralelo a isso, Assunção havia fundado, em 1983, junto
a um grupo de jovens vinculados à paróquia de Santa Luzia,
a Arco-Íris, primeira creche comunitária de Juiz de Fora. O
projeto surgiu da percepção do grupo das necessidades da
comunidade. “Com o amadurecimento da profissão, fui ficando
mais atenta às necessidades das crianças, as visíveis
e invisíveis. Muitos alunos deixavam de ir às aulas porque
tinham de ficar em casa cuidando dos irmãos menores. Parte
das mães não tinha com quem deixar os filhos para trabalhar”,
lembra. Ao longo desse processo, conforme narra,
as mulheres da comunidade foram se envolvendo e fizeram
parte do projeto gestor da creche, cujas atividades funcionam
até hoje.
A experiência no Maranhão
Era na prática diária que Assunção gostaria de atuar. Ao
saber da oportunidade de uma vaga “que era a sua cara”, a
professora hesitou pouco ao aceitar a proposta e partir para
Imperatriz, no Maranhão. “Já o processo seletivo da vaga é
algo que vale destacar, porque não foi uma prova, mas uma
vivência de uma semana com a comunidade em que a gente
trabalharia. Consegui a vaga para trabalhar um ano, mas acabei
ficando cinco, porque o meu envolvimento com a comunidade
foi muito grande.” O trabalho desenvolvido na periferia
urbana de Imperatriz significou muito para Assunção. Primeiro
porque, no âmbito profissional, intensificou ainda mais suas
experiências com as práticas pedagógicas em comunidades
e movimentos populares.
“Foi um longo processo de trabalho com as pessoas daquela
comunidade, de conscientização, escuta. Capacitamos mulheres
para que entendessem os seus direitos. Foi nesse processo,
por exemplo, que conseguimos, com mais de 78 organizações
na cidade de Imperatriz, criar a Plenária Urbana de Imperatriz.
Tínhamos centros educacionais, fazíamos encontros.
Com essa história, Imperatriz foi a primeira cidade do país a
apresentar emendas populares para a Constituinte de 1988.
Conseguimos construir um diálogo focando na melhoria da
cidade”, conta, sem disfarçar o orgulho de ter participado de
mais uma experiência de trabalho coletivo.
Também foi no Maranhão que Assunção conheceu um
gaúcho, que veio a se tornar seu companheiro. De vida e de
luta. “Encontrei Lecir em movimento popular, fazendo trabalho
social e também lutando por um mundo melhor, assim
como eu.” De volta a Juiz de Fora, casou-se e teve dois filhos,
Rodrigo, 26, e Gabriela, 19.
A volta para Juiz de Fora e a
fundação da Casa de Clara
De volta a Juiz de Fora, Assunção terminou seu ciclo acadêmico
sem perder o vínculo com as escolas básicas. “Trabalhei esses
anos todos na área de pesquisa educacional, sempre buscando
aprender com os orientandos, com os alunos, compartilhando vivência.
Não acredito em uma proposta pronta de ensino, é preciso
dialogar com os alunos, perceber o que eles têm a dizer e quais
são suas demandas também.” Em 2017, aposentou-se da sala de
aula, mas só da sala de aula. Ainda havia gás para continuar o trabalho
que, para ela, também é um projeto de vida.
No ano seguinte, ela e Lecir resolveram colocar em prática
um sonho de Assunção. “Eu queria desenvolver um trabalho
na periferia com mulheres, que envolvesse educação, arte e
economia solidária”, conta. Foi nessa seara que fundou com o
marido, e com a contribuição de amigos e colegas de trabalho,
a Casa de Clara. O local promove ações de apoio a famílias
em situação de vulnerabilidade social no Bairro Graminha,
Zona Sul de Juiz de Fora e se propõe a ser um espaço de acolhimento,
escuta e valorização de mulheres.
“Eu fico impressionada com a força das mulheres que tenho
conhecido de perto. São histórias de superação, de conquista,
de terror, mas sempre superação. Não quero romantizar, há
muitas dificuldades, lágrimas e dor, mas essas mulheres encontram
forças para continuar. E quando elas reconhecem essa
superação, por mais que seja doloroso, significa que já passaram
pelo período da vivência e isso tem uma marca muito
grande”, avalia. Para ela, nesse processo de acolhimento e escuta,
reverbera o respeito e a sororidade.
“Mas não o respeito de forma passiva”, adverte. “É preciso
buscar descobrir recursos de escuta, formas de compreender
os mecanismos que operam na mente, na vivência destas mulheres
que fazem com que entendam certos comportamentos
naturais. Nisso, o realismo crítico me ajuda a traçar recursos
metodológicos”, explica a professora, que se especializou na
área. Para Assunção, todo esse processo faz as pessoas se conectarem,
o que para ela é essencial para as relações humanas
em todas as áreas. “A educação transformadora é a forma
de conexão mais profunda com as pessoas. É preciso que isso
aconteça, e eu procuro vivenciar isso”.
Fico
impressionada
com a força
das mulheres
que tenho
conhecido
de perto. São
histórias de
superação,
de conquista,
de terror,
mas sempre
superação.
Não quero
romantizar,
há muitas
dificuldades,
lágrimas e dor,
mas essas
mulheres
encontram
forças para
continuar. E
quando elas
reconhecem
essa
superação,
por mais que
seja doloroso,
significa que
já passaram
pelo período da
vivência e isso
tem uma marca
muito grande
6 | março | 2022
• 53
ESPECIAL
8M Mulheres
nspiradoras
VIVYANE ANDERSON
Vivyane Anderson nasceu em Juiz de Fora e percorreu o mundo correndo e
conquistando medalhas. O nome que já esteve sob os holofotes em todo país,
hoje se dedica a passar a 40 crianças e adolescentes os ensinamentos que
aprendeu ao longo de sua caminhada. Disciplina, coragem e força para conquistar
os objetivos, para ela, é o que o esporte tem a ensinar. Não importa como seja,
Vivyane sempre está em movimento, à frente de projetos sociais, disputando
corridas em diferentes cidades, no ritmo agitado que herdou da mãe, sua maior
inspiração. Para ela, ser uma mulher no esporte requer isso, muita energia e
bravura para nunca se manter parada.
54• 6 | março | 2022
Passadas vitoriosas
no esporte
e na vida
Mariana Floriano*
Em sua primeira
corrida profissional,
Vivyane Anderson
atravessou a linha de
chegada com os pés
descalços. A recordação
que tem de sua primeira
vitória é dolorosa. Com
apenas 18 anos e sem treinamento,
competiu com
atletas experientes em uma
maratona de 21 quilômetros da
Rede Ferroviária em Juiz de Fora.
“Eu comecei a corrida com
tênis all-star e quando chegou
no sétimo quilômetro meu calcanhar já estava sangrando,
eu arranquei os sapatos e continuei descalça.” Segundo ela,
os 14 km seguintes foram cansativos, “mas foi muito bacana
vencer aquele desafio e subir no pódio com pessoas que já
eram atletas. Eu não era atleta ainda, estava só começando”.
E de fato aquele seria apenas o primeiro de muitos pódios
em sua carreira no atletismo. Vivyane Anderson, hoje com 52
anos, é um grande nome do esporte juiz-forano e nacional.
Viajou para 12 países e coleciona inúmeros títulos e medalhas,
dentre eles, o bicampeonato na Maratona Internacional de
São Paulo em 1997 e 1998. Foi a brasileira com a melhor colocação
nas edições da São Silvestre de 1997 e 1998 e conquistou
a medalha de bronze nos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg,
no Canadá, em 1999.
Para citar todos os títulos conquistados por Vivyane seria
preciso mais páginas no jornal, mas como ela bem diz, “não
são as medalhas e pódios que definem uma atleta, mas a
força que a motiva a nunca desistir”. Mas essa palavra, desistência,
não existe em seu vocabulário. Aprendeu com a
mãe, desde muito nova, a encarar de frente os desafios da vida.
“Minha mãe, Elzi Taxa, é minha grande inspiração. Herdei
a genética dela, uma mulher de muita fibra, sempre me
apoiou. Criou os quatro filhos praticamente sozinha, mesmo
com toda dificuldade, nunca deixou faltar nada para a gente.”
A atleta nasceu em Juiz de Fora em 1969, ainda criança
mudou-se para São João Del Rei, onde passou a adolescência.
Desde pequena era muito agitada, todos os dias brincava
na rua e, claro, praticava atividade física sem nem saber
que seu futuro estava justamente ali. Na escola Vivyane ingressou
na equipe de atletismo. “Eu tinha bons resultados,
mas não imaginava seguir carreira profissional como atleta.”
Quem enxergou o potencial de Vivyane foi Jefferson Vianna,
professor do curso de educação física da Universidade
Federal de Juiz de Fora. Após vencer a corrida da Rede Ferroviária
e chegar em segundo lugar em uma competição da
Polícia Militar, a agilidade de Vivyane foi identificada por Jefferson,
que a convidou para ingressar na equipe esportiva
da Companhia Paraibuna de Metais. “A partir daí, comecei
a ter um treinamento de verdade, com bons equipamentos,
uma rotina regrada, foi o início da minha caminhada esportiva.”
Na década de 1990, Vivyane viveu o auge de sua carreira,
disputou todo o circuito de corridas nacionais e internacionais,
fez o seu melhor tempo na Maratona de Berlim, em 1997,
venceu competições importantes na Coreia, Hungria, Espanha,
Inglaterra, entre outros países. “Hoje em dia eu ainda
corro. Participo de competições regionais, que na época eu
não podia competir, ficava restringida às disputas internacionais.
Continuo viajando, mas dessa vez para lugares mais próximos.
Semana passada, competi em uma prova no bairro da
minha mãe, em São João Del Rei, e fiquei em primeiro lugar
na categoria geral.”
Para ela, não há distinção entre vencer uma grande competição
internacional e conquistar uma corrida de bairro.
“Vencer é gostoso em qualquer lugar. Ganhei uma corridinha
há pouco tempo em Lagoa Dourada, fui a primeira entre os
cem competidores. Pra mim, foi muito bom, com 52 anos, ainda
subir no pódio. Eu sou movida a desafios e a objetivos, se
o meu objetivo era fazer o melhor em Berlim, eu fiz e fiquei
feliz. Se hoje o meu objetivo é vencer uma corrida em Lagoa
Dourada, se eu conseguir, vou ficar feliz da mesma forma.
Não são as grandes conquistas que importam, mas as conquistas
pessoais.”
Uma conquista: a
filha do coração
A partir dos anos 2000, a
atleta deu uma pausa nas competições
profissionais. Com 30
anos, ainda tinha uma extensa
lista de sonhos para realizar,
um deles era o sonho de ser
mãe. “Eu decidi dar um tempo
nas competições porque eu
queria muito engravidar. Logo
nessa época surgiu a oportunidade
de adotar a Lívia. A sobrinha
da minha vizinha estava
grávida e não ia ter condições
de ficar com a criança. Eu sempre
muito ansiosa, não tenho
paciência para esperar, fiquei
encantada com a possibilidade
de vir uma criança prontinha
para mim. Conversei com
a mãe dela e, dois dias depois,
a criança nasceu. Eu escolhi o
nome, Lívia Anderson. É a minha
filha do coração.”
Atualmente Vivyane mora com
Lívia, que tem 19 anos, e seus
13 cachorros, no Bairro Filgueiras.
Os animais são uma de suas
paixões. “Tenho muitas paixões,
adoro cachorro, amo música e
crianças.” A música está nos seus
planos para o futuro. Influenciada
pela filha, que adora tocar
violão, Vivyane quer ressuscitar
uma parte de si que ficou perdida
durante a vida adulta. “Quando
eu era criança e morava em
São João Del Rei participei do
conservatório de música da cidade.
Tocava flauta. Sempre tive
um ouvido muito bom para
música e pretendo voltar a tocar,
quero aprender o violão.”
Atleta, treinadora
e preparadora
de futuros
Paralelamente à carreira de
atleta, Vivyane coordena projetos
sociais com crianças e adolescentes
de Juiz de Fora para
promover a inserção no esporte.
O trabalho com crianças
acontece há 24 anos. “Em todo
bairro que morei, eu puxava
uma galerinha para ir treinar
comigo. Crianças e adolescente
dali mesmo. A gente formava
um grupo e ia correr.”
Em 1992, depois de competir
em provas na Inglaterra, as
crianças da cidade passaram a
ver em Vivyane uma inspiração.
“Elas falavam que queriam ser
igual a mim, para poder viajar
e competir em lugares distantes.
Mas uma coisa que eu sempre
cobrei foi a disciplina.”
Os primeiros projetos começaram
em parceria com a Associação
Municipal de Apoio
Comunitário, onde Vivyane
passou a treinar com crianças
e adolescentes de alta e média
complexidade. “Na época, meu
treinador ficava bravo, ele dizia:
‘você tem que focar, você é atleta,
não treinadora’. Mas eu me
apaixonei por esse trabalho, eu
sabia que seria melhor treinadora
do que atleta e já se vão
anos nesse caminho.”
A atleta fundou a Associação
Atlética Vivyane Anderson
do qual faz parte o projeto Ligeirinhos,
que atende mais de
40 crianças e adolescentes no
Bairro Filgueiras. “O projeto
vai fazer seis anos e atende as
crianças do bairro três vezes
por semana. Um dia temos o
atendimento psicológico e, nos
outros dois dias, é de corrida e
recreação.”
Para vencer as adversidades
de ser uma mulher do esporte,
Vivyane conta que precisou
seguir o exemplo de sua mãe,
que nunca se calou. “Sempre
fui muito malcriada. Já vivi situações
onde eu estava correndo
e falaram ‘magrela, não vai
correr não, vai lavar um tanque
de roupa’, e eu nunca abaixei a
cabeça, sempre respondia.” Ela
conta que participou de competições
onde o valor do prêmio
era diferente para homens
e mulheres, no qual as mulheres
receberiam a metade da
premiação.
“Uma vez deu polêmica aqui
na cidade, eu me recusei a subir
no pódio porque eles não
iriam dar o valor todo do prêmio
se uma mulher ganhasse.
Foi minha forma de reivindicar
a premiação igual para homens
e mulheres. Do mesmo
jeito que eu me esforço, que eu
treino, eles também treinam, o
meu tênis é do mesmo preço
que tênis deles, não faz sentido
ter essa diferença. A gente sabe
que ser mulher é difícil, em
qualquer área, não só no esporte,
mas o meu jeito de lidar
com essa dificuldade foi nunca
me calar e acho que deu muito
certo, ainda está dando”
*Sob supervisão de Luciane
Faquini
Uma vez deu
polêmica aqui
na cidade, eu me
recusei a subir
no pódio porque
eles não iriam dar
o valor todo do
prêmio se uma
mulher ganhasse.
Foi minha forma
de reivindicar a
premiação igual
para homens
e mulheres. Do
mesmo jeito que
eu me esforço,
que eu treino,
eles também
treinam, o meu
tênis é do mesmo
preço que tênis
deles, não faz
sentido ter
essa diferença.
A gente sabe
que ser mulher
é difícil, em
qualquer área,
não só no
esporte, mas
o meu jeito de
lidar com essa
dificuldade foi
nunca me calar,
e acho que deu
muito certo, ainda
está dando
6 | março | 2022
• 55
56• 6 | março | 2022